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1992
Resumo
Noções de matéria, espaço e tempo estão entrelaçadas no conhecimento das coisas. Em todas
as civilizações antigas (babilônios, egípcios, maias, astecas), o espanto dos homens diante do
universo estruturou modelos cosmogônicos, mas foram os gregos que pela primeira vez
estudaram com precisão esses fenômenos. No século VI a.C., Tales de Mileto prediz um
eclipse do sol. Pitágoras afirma que todas as coisas são números e, segundo Platão, só o
pensamento nos faz conhecer o que existe. Com Aristóteles surge a física que descreve os
corpos e seus movimentos, sobre a qual se apoiam as concepções de Ptolomeu e da Igreja
católica. Esse universo finito e fechado, de esferas concêntricas, será rompido por Kepler,
Galileu e Newton. Eles criam as bases da física moderna através do cálculo infinitesimal, das
leis do movimento, da gravitação universal. Mas as noções de tempo e espaço absolutos, que
ainda se mantêm, serão invalidadas pela teoria da relatividade de Einstein. Agora a
constante universal é a velocidade da luz. O tempo se torna uma quarta dimensão, espaço e
tempo são aspectos de uma mesma entidade. Além disso, a geometria do espaço é curva e o
tempo depende do campo de gravitação. Com a mecânica quântica acrescenta-se uma
relação de incerteza que admite, contra a flecha do tempo, que partículas de energia
negativa possam evoluir para o passado. Assim o espaço-tempo é hoje um sistema complexo
de matéria virtual e é desse estado de “gravidez” da matéria que nascem partículas novas.
INTRODUÇÃO
No mundo moderno em que vivemos, é certamente difícil reconstituir as sensações,
as impressões que tiveram os primeiros homens em contato com a natureza.
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Tempo, espaço e matéria são, pois, ideias que penetram o nosso conhecimento das
coisas, desde o mais primitivo, e que evoluíram através de especulações filosóficas
até as modernas investigações científicas que as integraram em um nível mais
profundo de síntese, uma unificação que levou milênios para ser atingida.
“Em toda a história, nada é mais surpreendente nem mais difícil de explicar que a
súbita eclosão da civilização na Grécia”, afirmou Bertrand Russell. Antes dos gregos,
já os babilônios e os egípcios haviam feito, durante séculos, observações do
movimento do Sol, da Lua em relação às estrelas fixas, e sabiam predizer eclipses
lunares e solares. Enquanto os gregos, em geral, consideravam os corpos celestes
como deuses, Anaxágoras afirmava que o Sol era como uma pedra aquecida ao
vermelho e que a Lua era feita como a Terra. Os pitagóricos, no fim do século V a.C.,
estabeleceram que a Terra era esférica, e Eratóstenes, cerca de 200 a.C., calculou a
distância máxima entre o Sol e a Terra.
Abu’Ali al-husan Ibn’Abdallah Ibn Siná, conhecido como Avicena, filósofo e médico
persa, autor da Filosofia iluminativa e sistematizador do pensamento de Aristóteles,
que transmitiu, afirmou: “O tempo é a medida do movimento”.
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OS GREGOS E ARISTÓTELES
A Pitágoras atribui-se a origem da palavra teoria, um estado de contemplação com
afinidade e paixão. Em Tales, da Escola de Mileto, que predisse um eclipse do Sol em
585-84 a.C., encontramos a ideia da existência de uma substância primordial, da
qual seriam feitas todas as coisas, fundando assim um modo de pensar científico.
“Pensamos que, por terem aprendido dos egípcios, Homero e Tales consideravam a
água como o princípio e a origem de todas as coisas.” Para Anaximandro, de Mileto,
a substância primordial não é nem a água nem nenhum dos corpos conhecidos — ela
é eterna e infinita e permeia a matéria de todos os mundos. Segue-se uma corte de
filósofos que tentaram reduzir o mundo a elementos primordiais, tais como a terra, a
água, o ar, e o fogo. Antecipando uma visão da física contemporânea, Pitágoras
afirmava que todas as coisas são números — “os princípios dos números são os
elementos de todos os seres, e o Céu, todo o Céu, é harmonia e números”.
Segundo Heráclito, que via no fogo a substância primordial, existiria no mundo uma
unidade resultante da combinação de opostos — o um efeito de todas as coisas e todas
as coisas resultam do um. Na física moderna, o modelo chamado bootstrap afirmava
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as coisas resultam do um. Na física moderna, o modelo chamado bootstrap afirmava
que todas as partículas entrariam na estrutura de cada partícula.
Com Aristóteles surge a física que descreve os corpos e seus movimentos tais como
eles aparecem aos nossos sentidos. Todo corpo está naturalmente em repouso, o
único estado que não precisa de causa. Seu movimento resulta de uma intervenção
exterior, de uma violência, de uma força. Cessada esta, o corpo volta ao estado de
repouso. Os corpos caem, a chama sobe, os corpos pesados caem mais depressa que
os corpos leves. No vácuo, todos os corpos cairiam com igual velocidade — uma
afirmação descoberta vinte séculos mais tarde por Galileu — mas, como isto lhe
parecia absurdo, Aristóteles concluiu que não existe
o vácuo. Só os corpos celestes
obedecem a leis precisas determinadas por Deus. O universo seria formado pela
Terra, em repouso absoluto, em torno da qual girariam — o movimento circular e as
esferas sendo expressões da perfeição — as estrelas fixas, a Lua, o Sol e os cinco
planetas conhecidos dos gregos, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno. O cosmo
seria, assim, finito e fechado, constituído de oito esferas concêntricas — os orbes —
em torno da Terra, centro
privilegiado do mundo. Além das estrelas fixas — umas
em relação às outras mas que giram em torno da Terra — estaria o reino de Deus,
não existiria nem espaço, nem matéria, nem tempo.
No século XVII, com Johannes Kepler, Galileu e Isaac Newton, dá-se a grande
revolução da qual nasceu a física moderna. Mas para esses sábios as coisas da
natureza eram ainda criação de Deus. Kepler, no prefácio de sua obra Mysterium
cosmographicum, escreveu:
Há, sobretudo, três coisas das quais não cessei de procurar as causas, as razões que as
determinaram — e não outras —, trata-se do número, da grandeza e do movimento das
órbitas. A bela harmonia que existe entre as coisas em repouso — o Sol, os astros fixos,
os espaços intermediários — e Deus Pai, Filho, Espírito Santo, convenceu-me a realizar
[1]
esta pesquisa.
Se eu perguntar: quem fez o Sol, a Lua, a Terra, as estrelas, seus movimentos e seus
sistemas, me responderão sem dúvida: são obras de Deus. Se eu perguntar em seguida
quem fez as Santas Escrituras, me responderão certamente que elas são obras do
Espírito Santo, isto é, obra igualmente de Deus. Se eu perguntar, ainda: empregava o
Espírito Santo palavras que contradizem a verdade de maneira flagrante a fim de
adaptar-se à compreensão da multidão, a maioria das vezes ignara? Estou certo de que
me responderão, referindo-se a todos os autores sagrados: é este, de fato, um hábito das
Santas Escrituras, onde se encontram frases que, tomadas ao pé da letra, são pura
heresia e blasfêmias, pois Deus aí aparece como um ser odioso, que se arrepende, que
esquece. Mas se eu perguntar: será que Deus jamais modificou suas obras a fim de
adaptarem-se à inteligência da multidão ou, ao contrário, não conservou sempre a
natureza — essencialmente imutável e inatingível pelos desejos humanos —, o mesmo
gênero de movimentos, de formas, de divisões do universo? Estou certo de que me
responderão: a Lua será sempre redonda, mesmo se durante muito tempo ela foi
considerada como achatada. Para resumir tudo isto em uma só frase: não se afirmará
jamais que a natureza tenha mudado a fim de adaptar suas obras à opinião dos
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homens.
Galileu teve a ousadia de fazer experiências para saber como caem os corpos e assim
descobriu o princípio de inércia e as leis da queda dos corpos: do mesmo modo que
o repouso não precisa de uma causa para se manter, o estado de movimento
retilíneo e uniforme é um fato em si mesmo que não necessita de causa.
O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação com nada de exterior, flui
uniformemente e se chama duração. […] O espaço absoluto, sem relação com as coisas
externas, permanece sempre similar e imóvel.
E, depois:
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Os tempos e os espaços não têm outros lugares senão eles mesmos; e eles são os lugares
de todas as coisas. Tudo no tempo, quanto à ordem de sucessão; tudo no espaço, quanto
à ordem de situação. Aí se determina sua essência, e seria absurdo que os lugares
primordiais se movessem. Estes lugares são, pois, os lugares absolutos, e a simples
translação destes lugares faz os movimentos absolutos.
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Com sua equação de movimento, que foi a base da física até os anos de 1920, com a
lei da gravitação, desenvolveu-se a mecânica nos séculos XVII, XVIII, descrevendo-se
os movimentos dos planetas, dos corpos celestes, dos corpos sobre a Terra;
constituiu-se a mecânica celeste ao lado da mecânica sobre a Terra.
A gravitação, uma intuição genial, era uma ação a distância e isto o perturbava. Foi
preciso esperar por Einstein, quando, em 1915, descobriu as equações relativistas do
campo de gravitação.
EINSTEIN E O ESPAÇO-TEMPO
Depois de mais de dois séculos, com a descoberta das leis do eletromagnetismo, da
teoria ondulatória da luz, a noção de espaço absoluto era idêntica à de uma
substância translúcida — o éter cujas moléculas singulares vibrariam para dar lugar
às ondas luminosas sem se opor ao movimento dos corpos celestes, em especial dos
planetas em redor do Sol. Busca-se, pois, detectar, por efeitos ópticos de alta
precisão, a velocidade da luz e da Terra em relação ao éter, o espaço absoluto. Com
os resultados negativos, com o fato de que a velocidade da luz no vácuo tem sempre
o mesmo valor, qualquer que seja o sistema de inércia tomado como referência, em
todas as direções, caiu o princípio de relatividade galileano válido para as equações
da mecânica (que são independentes dos sistemas S) quando aplicado às equações
do eletromagnetismo. A memória de Einstein — Sobre a eletrodinâmica dos corpos em
movimento, de 1905 — funda a teoria da relatividade restrita. Aí ele começa por
admitir como postulado os resultados da observação de que a velocidade da luz no
espaço não depende do estado de movimento da fonte luminosa. E, ao lado deste, o
princípio da relatividade — também enunciado por Henri Poincaré —, segundo o
qual as leis da física são as mesmas qualquer que seja o sistema de inércia que se
tome como referencial. Ao passar de um desses sistemas a outro em movimento
retilíneo e uniforme em relação ao primeiro, os observadores na origem de ambos
(que coincidem em um dado instante no qual luz é emitida de uma fonte) verão as
mesmas leis, em particular, verão a propagação da luz emitida sob a forma de uma
superfície esférica que se expande.
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Em sua memória, Einstein começa por analisar a noção de tempo. Afirma ele:
Sem dizê-lo, ele começa por afastar-se da ideia de tempo absoluto, um conceito
metafísico, de algo que flui uniformemente sem relação alguma com as coisas.
Temos de levar em conta que todos os nossos juízos em que o tempo toma parte são
sempre juízos de acontecimentos simultâneos. Se, por exemplo, eu digo “Aquele trem
chega aqui às sete horas”, quero dizer algo assim: “A marcação do número 7 pelo
pequeno ponteiro do meu relógio e a chegada do trem são acontecimentos simultâneos”.
Postulando que o intervalo de tempo que a luz leva para ir de um ponto a outro é
igual ao tempo gasto para voltar, ele dá uma definição de sincronismo livre de
contradições e que conduz à comparação de tempos em diferentes pontos do espaço.
Admite ainda Einstein, de acordo com a experiência, que a velocidade da luz no
espaço vazio é uma constante universal.
Einstein mostra que o postulado da relatividade exige que a luz emitida por uma
lâmpada pelos físicos o e o’ quando coincidiram (o’ estando em movimento com
velocidade constante segundo o eixo Ox) se propaga como uma esfera em expansão
para ambos e com centros nos pontos o e o’ respectivamente.
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O espaço (x) se transforma em tempo (t‘) e vice-versa. Daí a noção de que o tempo é
uma dimensão a mais de um espaço, a quatro dimensões, o espaço-tempo, a quarta
dimensão.
ESPAÇO-TEMPO E GRAVITAÇÃO
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Entre 1907 e 1915, procurava Einstein a razão do papel privilegiado das referências
de inércia: por que as leis físicas não mudam de forma quando se passa de um
laboratório inercial a outro em movimento retilíneo e uniforme?
Leibniz critica esta interpretação, pois, segundo ele, o espaço não é senão o conjunto
de posições possíveis dos objetos, e este conjunto não pode exercer ações físicas. Esta
crítica de Leibniz foi ressuscitada por Ernst Mach no século passado. Segundo Mach
é a rotação da água em relação à massa enorme do Universo que gera forças
responsáveis pela forma da superfície da água. Esta intervenção de Mach suscitou
em Einstein a ideia de que a força centrífuga gerada por essa rotação é uma forma
de força de gravitação. Um dia, em meditação, pensou na experiência legendária de
Galileu: os corpos caem com a mesma aceleração. Assim, para uma pessoa que cai
com os objetos que a rodeiam, não há nenhum critério para que ele possa deduzir
que se encontram no campo da gravidade. Este é eliminado na queda livre. Do
mesmo modo, há equivalência entre um laboratório onde age a gravidade
(uniforme) e outro laboratório onde não há gravidade mas que está em movimento
uniformemente acelerado para cima com aceleração igual em intensidade à da
gravidade. “Foi a reflexão mais feliz da minha vida.” E ela o levou a atribuir a um
campo de gravitação a causa de uma aceleração e a reduzir este campo à forma da
geometria do espaço-físico induzida pela matéria.
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Admitiu então que a geometria do espaço, gerada pela matéria como pela energia, é
a geometria do espaço curvo de Riemann e admitiu que o campo de gravitação é
descrito pelo tensor da métrica, dado na distância entre dois pontos infinitamente
vizinhos.
O tempo próprio passa a depender do campo de gravitação. Lá onde este é mais forte o
tempo passa menos rapidamente: os habitantes do Rio de Janeiro envelhecem menos
que os de São Paulo, e estes menos que os de La Paz, onde em virtude da altura o
campo de gravitação é menos forte que o de São Paulo, e este é menos forte que o
do Rio. Daí o paradoxo dos irmãos gêmeos, um dos quais, ao regressar à Terra
depois de viajar para um corpo celeste, sofreu aceleração ao voltar e se encontra com
o irmão que ficou na Terra, o qual envelheceu em relação a ele.
A FLECHA DO TEMPO
Objeto de discussão durante muito tempo foi o fato de que as equações que
determinam os processos elementares na física não mudam quando se muda t em -t,
isto é, quando envolvem para o passado. São as mesmas leis que operam quando o
tempo flui normalmente para o futuro. Entretanto, os processos naturais evoluem de
maneira irreversível: o atleta pula do trampolim para a piscina — e não volta,
envelhecemos, a gota de tinta na água difunde-se e forma mistura homogênea.
Lembramo-nos do passado e não do futuro.
O vácuo, o espaço físico vazio, contém diagramas fechados de pares que se criam e
se aniquilam. Assim, o espaço-tempo é um sistema dinâmico complexo, com uma
infinidade de ciclos, portanto de matéria virtual. É desse estado de “gravidez” que
nascem partículas novas, produzidas quando lhe injetamos energia suficiente, por
isso há interesse nos aceleradores capazes de produzir altas energias.
Notas
[1]
Werner Heisenberg, em La nature clans la physique contemporaine (Paris,
Gallimard, 1962), reproduz trechos de documentos históricos, inclusive passagens
do livro de Kepler.
TAGS
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