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06/03/2021 Tempo = espaço = matéria - Artepensamento

1992

TEMPO = ESPAÇO = MATÉRIA


por José Leite Lopes

Resumo

Noções de matéria, espaço e tempo estão entrelaçadas no conhecimento das coisas. Em todas
as civilizações antigas (babilônios, egípcios, maias, astecas), o espanto dos homens diante do
universo estruturou modelos cosmogônicos, mas foram os gregos que pela primeira vez
estudaram com precisão esses fenômenos. No século VI a.C., Tales de Mileto prediz um
eclipse do sol. Pitágoras afirma que todas as coisas são números e, segundo Platão, só o
pensamento nos faz conhecer o que existe. Com Aristóteles surge a física que descreve os
corpos e seus movimentos, sobre a qual se apoiam as concepções de Ptolomeu e da Igreja
católica. Esse universo finito e fechado, de esferas concêntricas, será rompido por Kepler,
Galileu e Newton. Eles criam as bases da física moderna através do cálculo infinitesimal, das
leis do movimento, da gravitação universal. Mas as noções de tempo e espaço absolutos, que
ainda se mantêm, serão invalidadas pela teoria da relatividade de Einstein. Agora a
constante universal é a velocidade da luz. O tempo se torna uma quarta dimensão, espaço e
tempo são aspectos de uma mesma entidade. Além disso, a geometria do espaço é curva e o
tempo depende do campo de gravitação. Com a mecânica quântica acrescenta-se uma
relação de incerteza que admite, contra a flecha do tempo, que partículas de energia
negativa possam evoluir para o passado. Assim o espaço-tempo é hoje um sistema complexo
de matéria virtual e é desse estado de “gravidez” da matéria que nascem partículas novas.

INTRODUÇÃO
No mundo moderno em que vivemos, é certamente difícil reconstituir as sensações,
as impressões que tiveram os primeiros homens em contato com a natureza.

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A imensa variedade de corpos e acontecimentos que nos envolvem gerou as noções


de matéria, de espaço, de tempo, fundamentalmente entrelaçadas no conhecimento
das coisas. No estado de repouso e de movimento dos objetos — esta casa parada,
aquela pedra atirada e que cai, o movimento do Sol, da Lua, no céu — estão
intimamente associados os conceitos de lugar que ocupam sucessivamente os corpos
— de espaço, de tempo.

Tempo, espaço e matéria são, pois, ideias que penetram o nosso conhecimento das
coisas, desde o mais primitivo, e que evoluíram através de especulações filosóficas
até as modernas investigações científicas que as integraram em um nível mais
profundo de síntese, uma unificação que levou milênios para ser atingida.

O espanto dos homens diante do universo, o medo dos elementos, a contemplação, a


admiração, geraram a noção de seres superiores, de deuses, responsáveis pelo
mundo, estruturaram as religiões, os modelos cosmogônicos, os sistemas filosóficos.
E, hoje, aprendemos o que puderam realizar aquelas civilizações, na Ásia, na Europa,
na África, nas Américas, através dos seus monumentos culturais, de sua
engenhosidade artística e tecnológica, dos documentos que sobreviveram e que
refletiram seus modos de interação com o mundo.

“Em toda a história, nada é mais surpreendente nem mais difícil de explicar que a
súbita eclosão da civilização na Grécia”, afirmou Bertrand Russell. Antes dos gregos,
já os babilônios e os egípcios haviam feito, durante séculos, observações do
movimento do Sol, da Lua em relação às estrelas fixas, e sabiam predizer eclipses
lunares e solares. Enquanto os gregos, em geral, consideravam os corpos celestes
como deuses, Anaxágoras afirmava que o Sol era como uma pedra aquecida ao
vermelho e que a Lua era feita como a Terra. Os pitagóricos, no fim do século V a.C.,
estabeleceram que a Terra era esférica, e Eratóstenes, cerca de 200 a.C., calculou a
distância máxima entre o Sol e a Terra.

Abu’Ali al-husan Ibn’Abdallah Ibn Siná, conhecido como Avicena, filósofo e médico
persa, autor da Filosofia iluminativa e sistematizador do pensamento de Aristóteles,
que transmitiu, afirmou: “O tempo é a medida do movimento”.

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No Rans’il, uma enciclopédia de 51 volumes conhecida como o Corão depois do


Corão, está uma lista de distâncias aos planetas em função do raio da Terra e dos
seus tamanhos. Ali se diz: “O espaço é uma forma abstraída da matéria e que só
existe na consciência”.

No século XVI, navegadores europeus descobriram a existência na América Central e


na América do Sul, do planalto central do México à região dos Andes passando pela
ilha de Marajó, de civilizações pré-colombianas avançadas: os olmecas e os toltecas,
as civilizações de Teotihuacán, de Xochicalco, de monte Alban e de Tula, os maias e
os astecas, no México e na América Central; os chibchas, os mochicas, a cultura
nazca, o Império wan, o Império inca na América do Sul e, entre os séculos VII e XIV,
a cultura marajoara no delta do rio Amazonas.

Após séculos de desenvolvimento da cultura nas civilizações antigas, coube aos


gregos especular sobre a natureza das coisas, sobre as matemáticas, sobre os corpos
celestes, sobre o mundo, desenvolvendo a imaginação, a arte, a filosofia.

OS GREGOS E ARISTÓTELES
A Pitágoras atribui-se a origem da palavra teoria, um estado de contemplação com
afinidade e paixão. Em Tales, da Escola de Mileto, que predisse um eclipse do Sol em
585-84 a.C., encontramos a ideia da existência de uma substância primordial, da
qual seriam feitas todas as coisas, fundando assim um modo de pensar científico.
“Pensamos que, por terem aprendido dos egípcios, Homero e Tales consideravam a
água como o princípio e a origem de todas as coisas.” Para Anaximandro, de Mileto,
a substância primordial não é nem a água nem nenhum dos corpos conhecidos — ela
é eterna e infinita e permeia a matéria de todos os mundos. Segue-se uma corte de
filósofos que tentaram reduzir o mundo a elementos primordiais, tais como a terra, a
água, o ar, e o fogo. Antecipando uma visão da física contemporânea, Pitágoras
afirmava que todas as coisas são números — “os princípios dos números são os
elementos de todos os seres, e o Céu, todo o Céu, é harmonia e números”.

Segundo Heráclito, que via no fogo a substância primordial, existiria no mundo uma
unidade resultante da combinação de opostos — o um efeito de todas as coisas e todas
as coisas resultam do um. Na física moderna, o modelo chamado bootstrap afirmava
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as coisas resultam do um. Na física moderna, o modelo chamado bootstrap afirmava
que todas as partículas entrariam na estrutura de cada partícula.

Na filosofia de Platão encontramos a cosmogonia exposta no Timeu: o tempo e o céu


foram criados juntos. E os elementos fundamentais são formas geométricas — as
mais belas formas —, sólidos regulares conexos construídos a partir de dois tipos de
triângulos retângulos associados aos quatro elementos de Anaximandro. Segundo
Platão, só o pensamento nos faz conhecer o que existe, criando e selecionando as
ideias que resultam da percepção do real uma concepção ressuscitada por Albert
Einstein, o criador da teoria da relatividade geral.

Werner Heisenberg, um dos fundadores da mecânica quântica, teve a ocasião de


afirmar: “As partículas da física moderna são representações de grupos de simetria
na medida em que nos lembram os objetos simétricos da filosofia de Platão”.

Com Aristóteles surge a física que descreve os corpos e seus movimentos tais como
eles aparecem aos nossos sentidos. Todo corpo está naturalmente em repouso, o
único estado que não precisa de causa. Seu movimento resulta de uma intervenção
exterior, de uma violência, de uma força. Cessada esta, o corpo volta ao estado de
repouso. Os corpos caem, a chama sobe, os corpos pesados caem mais depressa que
os corpos leves. No vácuo, todos os corpos cairiam com igual velocidade — uma
afirmação descoberta vinte séculos mais tarde por Galileu — mas, como isto lhe
parecia absurdo, Aristóteles concluiu que não existe
o vácuo. Só os corpos celestes
obedecem a leis precisas determinadas por Deus. O universo seria formado pela
Terra, em repouso absoluto, em torno da qual girariam — o movimento circular e as
esferas sendo expressões da perfeição — as estrelas fixas, a Lua, o Sol e os cinco
planetas conhecidos dos gregos, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno. O cosmo
seria, assim, finito e fechado, constituído de oito esferas concêntricas — os orbes —
em torno da Terra, centro
privilegiado do mundo. Além das estrelas fixas — umas
em relação às outras mas que giram em torno da Terra — estaria o reino de Deus,
não existiria nem espaço, nem matéria, nem tempo.

A cosmologia de Aristóteles, adotada por Ptolomeu, foi incorporada pela Igreja


cristã, que a transformaria na visão sagrada do mundo, pura, intocável, imutável,
inviolável.

KEPLER, GALILEU, NEWTON


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Críticos e adversários da dinâmica e da cosmologia de Aristóteles sucederam-se e


entre eles Jean Philopan no século V d.C., Jean Buridan, Nicole d’Oresme, a escola
dos nominalistas de Paris (século )(Iv), Leonardo da Vinci, Benedetti, e culminaram
com Galileu Galilei.

No século XVII, com Johannes Kepler, Galileu e Isaac Newton, dá-se a grande
revolução da qual nasceu a física moderna. Mas para esses sábios as coisas da
natureza eram ainda criação de Deus. Kepler, no prefácio de sua obra Mysterium
cosmographicum, escreveu:

Há, sobretudo, três coisas das quais não cessei de procurar as causas, as razões que as
determinaram — e não outras —, trata-se do número, da grandeza e do movimento das
órbitas. A bela harmonia que existe entre as coisas em repouso — o Sol, os astros fixos,
os espaços intermediários — e Deus Pai, Filho, Espírito Santo, convenceu-me a realizar
[1]
esta pesquisa.

Um tom de rebeldia contra a Santa Igreja já se encontra na famosa carta de Galileu


Galilei a Elia Diodati, enviada de Florença a 15 de janeiro de 1633:

Se eu perguntar: quem fez o Sol, a Lua, a Terra, as estrelas, seus movimentos e seus
sistemas, me responderão sem dúvida: são obras de Deus. Se eu perguntar em seguida
quem fez as Santas Escrituras, me responderão certamente que elas são obras do
Espírito Santo, isto é, obra igualmente de Deus. Se eu perguntar, ainda: empregava o
Espírito Santo palavras que contradizem a verdade de maneira flagrante a fim de
adaptar-se à compreensão da multidão, a maioria das vezes ignara? Estou certo de que
me responderão, referindo-se a todos os autores sagrados: é este, de fato, um hábito das
Santas Escrituras, onde se encontram frases que, tomadas ao pé da letra, são pura
heresia e blasfêmias, pois Deus aí aparece como um ser odioso, que se arrepende, que
esquece. Mas se eu perguntar: será que Deus jamais modificou suas obras a fim de
adaptarem-se à inteligência da multidão ou, ao contrário, não conservou sempre a
natureza — essencialmente imutável e inatingível pelos desejos humanos —, o mesmo
gênero de movimentos, de formas, de divisões do universo? Estou certo de que me
responderão: a Lua será sempre redonda, mesmo se durante muito tempo ela foi
considerada como achatada. Para resumir tudo isto em uma só frase: não se afirmará
jamais que a natureza tenha mudado a fim de adaptar suas obras à opinião dos
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homens.

E em seguida: “Por que aplicaríamos as nossas pesquisas às palavras ao invés de às


obras de Deus? A obra é ela menos augusta que o verbo?”.

Galileu teve a ousadia de fazer experiências para saber como caem os corpos e assim
descobriu o princípio de inércia e as leis da queda dos corpos: do mesmo modo que
o repouso não precisa de uma causa para se manter, o estado de movimento
retilíneo e uniforme é um fato em si mesmo que não necessita de causa.

Ao descobrir as leis do movimento da queda livre dos corpos — a aceleração da


gravidade dos corpos em um dado lugar da Terra não depende da massa nem da
natureza dos corpos —, deu uma contribuição maior à mecânica desenvolvida alguns
anos após sua morte (1642) por Isaac Newton e mais tarde à teoria relativista da
gravitação descoberta por Einstein no período 1906-15. E sobretudo aboliu a
dualidade de leis de movimento — as leis teleológicas dos corpos sobre a Terra e as
leis divinas do movimento dos corpos celestes. Aboliu as esferas celestes, aboliu o
espaço fechado. Nenhum físico terá palavras suficientemente grandiosas para
qualificar a obra de Isaac Newton, o grande fundador da física moderna. Nos anos
admiráveis, 1666 e 1667, da peste na Inglaterra, elaborou, em sua casa, os
fundamentos das suas descobertas: o cálculo infinitesimal, as leis de movimento, a
gravitação universal. Sua intuição genial — maçã que cai da árvore = pedra lançada
e que cai = Lua que se move no céu — foi o fundamento da mecânica. Sua
descoberta da composição espectral da luz revestiu-se do caráter de uma experiência
moderna, pois submeteu os componentes monocromáticos da luz branca ao prisma
para saber se eles eram também decomponíveis. Sua teoria corpuscular da luz
antecedeu em mais de dois séculos a noção de fóton de Einstein.

É em Newton, em seus Principia mathematica, que encontramos explicitamente as


concepções do espaço e do tempo.

O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação com nada de exterior, flui
uniformemente e se chama duração. […] O espaço absoluto, sem relação com as coisas
externas, permanece sempre similar e imóvel.

E, depois:

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O movimento absoluto é a translação dos corpos de um lugar absoluto a outro lugar


absoluto, e o movimento relativo é a translação de um lugar relativo a outro lugar
relativo. Assim, numa barca movida pelo vento, o lugar relativo de um corpo é a parte
da barca na qual se encontra este corpo ou o espaço que ela ocupa na cavidade da
barca: e este espaço se move com a barca. […] Assim, se a Terra estivesse em repouso, o
corpo que está em repouso relativo na barca teria um movimento verdadeiro e absoluto
cuja velocidade seria igual àquela que tem a barca sobre a superfície da Terra; mas, a
Terra movendo-se no espaço, o movimento verdadeiro e absoluto deste corpo é composto
do movimento verdadeiro da Terra no espaço imóvel e do movimento relativo da barca
sobre a superfície da Terra; e, se o corpo tivesse um movimento relativo na barca, seu
movimento verdadeiro e absoluto seria composto de seu movimento relativo na barca,
do movimento relativo da barca sobre a Terra e do movimento verdadeiro da Terra no
espaço absoluto.

Diz ainda Newton:

Distingue-se, em astronomia, o tempo absoluto do tempo relativo pela equação do


tempo. Pois os dias naturais são desiguais embora se os tomem usualmente como
medida igual do tempo; e os astrônomos corrigem esta desigualdade a fim de medir os
movimentos celestes por um tempo mais exato. É muito possível que não exista
movimento perfeitamente igual, que possa servir de medida exata do tempo, pois todos
os movimentos podem ser acelerados e retardados, mas o tempo absoluto deve sempre
fluir da mesma maneira. […] A duração ou a perseverança das coisas é, pois, a mesma,
quer os movimentos sejam rápidos, quer sejam lentos, e ela seria ainda a mesma
quando não houvesse nenhum movimento; assim, é necessário bem distinguir o tempo
de suas medidas sensíveis, e é o que se faz pela equação astronômica.

E, para concluir estas longas mas necessárias citações:

Os tempos e os espaços não têm outros lugares senão eles mesmos; e eles são os lugares
de todas as coisas. Tudo no tempo, quanto à ordem de sucessão; tudo no espaço, quanto
à ordem de situação. Aí se determina sua essência, e seria absurdo que os lugares
primordiais se movessem. Estes lugares são, pois, os lugares absolutos, e a simples
translação destes lugares faz os movimentos absolutos.

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Com sua equação de movimento, que foi a base da física até os anos de 1920, com a
lei da gravitação, desenvolveu-se a mecânica nos séculos XVII, XVIII, descrevendo-se
os movimentos dos planetas, dos corpos celestes, dos corpos sobre a Terra;
constituiu-se a mecânica celeste ao lado da mecânica sobre a Terra.

A gravitação, uma intuição genial, era uma ação a distância e isto o perturbava. Foi
preciso esperar por Einstein, quando, em 1915, descobriu as equações relativistas do
campo de gravitação.

EINSTEIN E O ESPAÇO-TEMPO
Depois de mais de dois séculos, com a descoberta das leis do eletromagnetismo, da
teoria ondulatória da luz, a noção de espaço absoluto era idêntica à de uma
substância translúcida — o éter cujas moléculas singulares vibrariam para dar lugar
às ondas luminosas sem se opor ao movimento dos corpos celestes, em especial dos
planetas em redor do Sol. Busca-se, pois, detectar, por efeitos ópticos de alta
precisão, a velocidade da luz e da Terra em relação ao éter, o espaço absoluto. Com
os resultados negativos, com o fato de que a velocidade da luz no vácuo tem sempre
o mesmo valor, qualquer que seja o sistema de inércia tomado como referência, em
todas as direções, caiu o princípio de relatividade galileano válido para as equações
da mecânica (que são independentes dos sistemas S) quando aplicado às equações
do eletromagnetismo. A memória de Einstein — Sobre a eletrodinâmica dos corpos em
movimento, de 1905 — funda a teoria da relatividade restrita. Aí ele começa por
admitir como postulado os resultados da observação de que a velocidade da luz no
espaço não depende do estado de movimento da fonte luminosa. E, ao lado deste, o
princípio da relatividade — também enunciado por Henri Poincaré —, segundo o
qual as leis da física são as mesmas qualquer que seja o sistema de inércia que se
tome como referencial. Ao passar de um desses sistemas a outro em movimento
retilíneo e uniforme em relação ao primeiro, os observadores na origem de ambos
(que coincidem em um dado instante no qual luz é emitida de uma fonte) verão as
mesmas leis, em particular, verão a propagação da luz emitida sob a forma de uma
superfície esférica que se expande.

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O princípio da relatividade e as leis de transformação correspondente das grandezas


físicas — as transformações de Lorentz — proíbem a existência de critérios físicos,
quaisquer que sejam, que distingam os dois observadores, o da Terra e o marciano
em translação uniforme em relação ao primeiro.

Em sua memória, Einstein começa por analisar a noção de tempo. Afirma ele:

Se quisermos descrever o movimento de um ponto material, damos os valores das


coordenadas como funções do tempo. Agora, devemos ter em mente com cuidado que
uma descrição matemática desta espécie não tem sentido físico nenhum a menos que
sejamos bem claros sobre o que entendemos por “tempo”.

Sem dizê-lo, ele começa por afastar-se da ideia de tempo absoluto, um conceito
metafísico, de algo que flui uniformemente sem relação alguma com as coisas.

Temos de levar em conta que todos os nossos juízos em que o tempo toma parte são
sempre juízos de acontecimentos simultâneos. Se, por exemplo, eu digo “Aquele trem
chega aqui às sete horas”, quero dizer algo assim: “A marcação do número 7 pelo
pequeno ponteiro do meu relógio e a chegada do trem são acontecimentos simultâneos”.

Postulando que o intervalo de tempo que a luz leva para ir de um ponto a outro é
igual ao tempo gasto para voltar, ele dá uma definição de sincronismo livre de
contradições e que conduz à comparação de tempos em diferentes pontos do espaço.
Admite ainda Einstein, de acordo com a experiência, que a velocidade da luz no
espaço vazio é uma constante universal.

Assim, um observador num laboratório inercial S descreverá acontecimentos em


pontos de coordenadas x, y, z nos instantes t, enquanto outro observador em outro
laboratório S’ usará as coordenadas x’, y’, z’, t’.

Einstein mostra que o postulado da relatividade exige que a luz emitida por uma
lâmpada pelos físicos o e o’ quando coincidiram (o’ estando em movimento com
velocidade constante segundo o eixo Ox) se propaga como uma esfera em expansão
para ambos e com centros nos pontos o e o’ respectivamente.

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As transformações de Lorentz permitem passar das coordenadas x, y, z e do tempo t


do laboratório S às coordenadas x’, y’, z’ e ao tempo t‘ do laboratório S’ do marciano,
e foram estabelecidas por Einstein, Poincaré e por Hendrick Antoon Lorentz
(precedidos, entretanto, por Woldemar Voigt em 1887).

Quando a velocidade v é muita pequena em face de c elas se reduzem às fórmulas de


Galileu.

Nestas, se recupera a noção de tempo absoluto de Newton: dois acontecimentos


simultâneos para alguém serão sempre vistos como simultâneos por qualquer outro
observador, qualquer que seja o movimento de seu laboratório.

Já nas fórmulas de Lorentz, o tempo depende do referencial. Se dois acontecimentos


são simultâneos no laboratório S, separados pela distância x, não serão simultâneos
para S’. Vista do laboratório S, uma explosão terá uma duração maior que a medida
em S’ no qual ela está em repouso.

O espaço (x) se transforma em tempo (t‘) e vice-versa. Daí a noção de que o tempo é
uma dimensão a mais de um espaço, a quatro dimensões, o espaço-tempo, a quarta
dimensão.

Um ponto do espaço-tempo representa um acontecimento que se realiza no instante


t no ponto do espaço ordinário; uma distância pode gerar um intervalo de tempo e
vice-versa. Neste sentido, o espaço e o tempo são aspectos de uma mesma entidade e
se distinguem essencialmente pelo sinal negativo nos três termos da expressão da
distância entre o ponto x e o ponto x + dx.

Um comprimento medido no laboratório S’ por uma pessoa em repouso em S’ terá


comprimento menor medido a partir de S, em movimento em relação a S’.

Se a teoria da relatividade, que acabamos de ver brevemente, estava no ar e recebeu


contribuições de Einstein assim como de Henri Poincaré e de Hendrik Lorentz, já a
teoria da relatividade geral se deve essencialmente a Einstein.

ESPAÇO-TEMPO E GRAVITAÇÃO
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Entre 1907 e 1915, procurava Einstein a razão do papel privilegiado das referências
de inércia: por que as leis físicas não mudam de forma quando se passa de um
laboratório inercial a outro em movimento retilíneo e uniforme?

Que acontece quando se passa a um laboratório em movimento acelerado? Já


Newton, há mais de duzentos anos ao defender sua ideia de espaço absoluto, fez a
famosa experiência do balde, do vaso com água, suspenso por uma corda que sofreu
uma tensão e que ao distender-se imprime uma rotação ao balde. Inicialmente, só o
balde gira, e a superfície da água permanece plana; pouco a pouco o movimento se
transmite à água que adquire, em sua superfície, uma forma de parabolóide. Depois,
o vaso pára, mas a água continua em movimento, e a sua superfície é paraboloidal.
Se o movimento é relativo, não se explicam as formas diferentes da superfície,
quando o vaso está em movimento em relação à água e quando o vaso está em
repouso e a água gira em relação a ele. Segundo Newton, a explicação é a ação do
espaço absoluto em relação ao qual a água está em repouso, ou em movimento de
rotação.

Leibniz critica esta interpretação, pois, segundo ele, o espaço não é senão o conjunto
de posições possíveis dos objetos, e este conjunto não pode exercer ações físicas. Esta
crítica de Leibniz foi ressuscitada por Ernst Mach no século passado. Segundo Mach
é a rotação da água em relação à massa enorme do Universo que gera forças
responsáveis pela forma da superfície da água. Esta intervenção de Mach suscitou
em Einstein a ideia de que a força centrífuga gerada por essa rotação é uma forma
de força de gravitação. Um dia, em meditação, pensou na experiência legendária de
Galileu: os corpos caem com a mesma aceleração. Assim, para uma pessoa que cai
com os objetos que a rodeiam, não há nenhum critério para que ele possa deduzir
que se encontram no campo da gravidade. Este é eliminado na queda livre. Do
mesmo modo, há equivalência entre um laboratório onde age a gravidade
(uniforme) e outro laboratório onde não há gravidade mas que está em movimento
uniformemente acelerado para cima com aceleração igual em intensidade à da
gravidade. “Foi a reflexão mais feliz da minha vida.” E ela o levou a atribuir a um
campo de gravitação a causa de uma aceleração e a reduzir este campo à forma da
geometria do espaço-físico induzida pela matéria.

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Admitiu então que a geometria do espaço, gerada pela matéria como pela energia, é
a geometria do espaço curvo de Riemann e admitiu que o campo de gravitação é
descrito pelo tensor da métrica, dado na distância entre dois pontos infinitamente
vizinhos.

O tempo próprio de um observador é aquele em um referencial no qual este não se


desloca. Vemos que na teoria da relatividade geral o tempo próprio é dado pela
relação obtida fazendo dx 1 = dx 2 = dx 3 = O.

O tempo próprio passa a depender do campo de gravitação. Lá onde este é mais forte o
tempo passa menos rapidamente: os habitantes do Rio de Janeiro envelhecem menos
que os de São Paulo, e estes menos que os de La Paz, onde em virtude da altura o
campo de gravitação é menos forte que o de São Paulo, e este é menos forte que o
do Rio. Daí o paradoxo dos irmãos gêmeos, um dos quais, ao regressar à Terra
depois de viajar para um corpo celeste, sofreu aceleração ao voltar e se encontra com
o irmão que ficou na Terra, o qual envelheceu em relação a ele.

A FLECHA DO TEMPO
Objeto de discussão durante muito tempo foi o fato de que as equações que
determinam os processos elementares na física não mudam quando se muda t em -t,
isto é, quando envolvem para o passado. São as mesmas leis que operam quando o
tempo flui normalmente para o futuro. Entretanto, os processos naturais evoluem de
maneira irreversível: o atleta pula do trampolim para a piscina — e não volta,
envelhecemos, a gota de tinta na água difunde-se e forma mistura homogênea.
Lembramo-nos do passado e não do futuro.

A termodinâmica diz que os fenômenos ocorrem sempre com aumento da entropia


— que determina uma flecha para o tempo. Na mecânica estatística, dizemos que
processos inverossímeis — como o atleta na piscina que recebe subitamente energia
e impulsão das moléculas da água e sobe para o trampolim — ocorrem, sua
probabilidade não é zero, mas incrivelmente pequena, um acontecimento durante a
vida do Universo, por exemplo.

O ESPAÇO TEMPO DA MATÉRIA ANTIMATÉRIA VIRTUAL


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O ESPAÇO-TEMPO DA MATÉRIA-ANTIMATÉRIA VIRTUAL

A mecânica quântica determina uma relação de incerteza ligando o erro do valor de


um instante de desintegração de um átomo num estado excitado e o erro na sua
energia.

Mais ainda. A teoria quântica interpreta a antimatéria — elétron positivo,


antipróton, antinêutron, partículas de energia negativa (ou com energia positiva e
carga oposta à das partículas correspondentes) — como partículas que evoluem para
o passado com energia negativa. Um elétron positivo que se aniquila é interpretado
como um elétron que marcha para o futuro e que num dado ponto sofre uma
perturbação capaz de desviá-lo para o passado.

O vácuo, o espaço físico vazio, contém diagramas fechados de pares que se criam e
se aniquilam. Assim, o espaço-tempo é um sistema dinâmico complexo, com uma
infinidade de ciclos, portanto de matéria virtual. É desse estado de “gravidez” que
nascem partículas novas, produzidas quando lhe injetamos energia suficiente, por
isso há interesse nos aceleradores capazes de produzir altas energias.

Notas
[1]
Werner Heisenberg, em La nature clans la physique contemporaine (Paris,
Gallimard, 1962), reproduz trechos de documentos históricos, inclusive passagens
do livro de Kepler.

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Ciência Cosmogonia Epistemologia História

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VIEIRA, O ÍNDIO E O CORPO MÍSTICO


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O padre Antônio Vieira, quando trata da questão do índio, não é nem progressista nem ideólogo a serviço dos...

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