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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 7-8 NOV.

2011

DOSSIÊ CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGU-


RANÇA INTERNACIONAL

Apresentação

Este dossiê resulta da reflexão coletiva sobre ções com o Brasil e a América Latina, os efeitos
os impactos da inserção internacional da China na de sua economia no contexto regional asiático,
ordem econômica internacional e também nas bem como a análise da racionalidade de suas polí-
dinâmicas contemporâneas de segurança interna- ticas de segurança.
cional, trabalho desenvolvido durante o I Seminá-
No primeiro artigo do dossiê, o Professor Paulo
rio Sino-Brasileiro: Desenvolvimento Econômico
Visentini (da Ufrgs) analisa o novo perfil de inser-
e Segurança Internacional. O seminário foi reali-
ção internacional da China no século XXI. Nesse
zado na Universidade Federal do Rio Grande do
novo estágio, segundo o autor, a China estaria
Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, em abril de 2010,
aproximando-se de países da periferia em de-
como parte da comemoração dos dez anos do
senvolvimento, principalmente africanos, com
Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais
propostas mais abrangentes do que muitos dos
(Nerint). Desde então, foram realizados mais dois
antigos parceiros dessas nações, para não nos lem-
seminários internacionais pelo Nerint e seus pes-
brarmos do legado das antigas potências coloni-
quisadores estiveram envolvidos na criação do
ais no continente.
primeiro curso de Doutorado em Estudos Estra-
tégicos Internacionais do país. O segundo artigo deste dossiê, de autoria da
Professora Danielly Ramos Becard (da Universi-
Somos gratos aos editores e à equipe de apoio
dade de Brasília (UnB)), trata das relações bilate-
da Revista de Sociologia e Política pela acolhida
rais entre Brasil e China ao longo das últimas duas
da proposta de publicação deste dossiê e pela
décadas. Partindo de uma análise da evolução
paciência ao longo dos últimos 18 meses. O dossiê
histórica das relações entre os dois países, a auto-
foi inicialmente sugerido pela Professora Danielly
ra aponta os desafios que perpassam o histórico
Becard, a quem agradeço juntamente aos demais
das relações econômico-comerciais sino-brasilei-
autores dos artigos. Além disso, gostaria também
ras, bem como alguns dos resultados provenien-
de registrar meu agradecimento pelo trabalho de
tes dessa cooperação. A hipótese central do traba-
revisão técnica realizado por Felipe Machado, bem
lho gira em torno do argumento de que os avan-
como a toda a equipe que trabalhou na organiza-
ços das relações entre os dois países advêm, so-
ção do seminário e aos participantes que, por
bretudo, da crescente interdependência no siste-
motivos diversos, não puderam participar do
ma internacional, ressaltando, entretanto, que tais
dossiê.
avanços foram limitados pela falta de planejamen-
A última década foi testemunha de um cresci- to sistemático e pelas instabilidades internas vivi-
mento dos estudos asiáticos no Brasil, especial- das pelos dois países.
mente daqueles sobre a China. No entanto, infe-
O artigo de autoria do Professor André Cunha
lizmente, a publicação de trabalhos científicos nos
(Ufrgs) analisa os impactos da inserção internaci-
principais periódicos do país ainda está bastante
onal da China na nova ordem internacional e seus
aquém de nossas necessidades de compreensão
efeitos sobre o Brasil. Nesse sentido, o autor
sobre a realidade chinesa. Destaco, portanto, a
examina o comércio bilateral e os padrões de
importância de reunirmos neste dossiê trabalhos
convergência cíclica entre as economias do Bra-
sobre a inserção internacional da China, suas rela-
sil e da China, levando em consideração, no en-

Recebido em 14 de julho de 2011. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 7-8, nov. 2011
Aprovado em 14 de julho de 2011. 7
APRESENTAÇÃO

tanto, os desafios para a competitividade externa tor formula as razões gerais para a cooperação
brasileira nesse novo contexto. internacional, discute aspectos contextuais, des-
creve o programa espacial chinês e analisa duas
Na seqüência temos dois artigos sobre as
formas de cooperação: 1) as iniciativas multilate-
implicações das relações econômicas entre a Re-
rais da China, no Comitê da Organização das Na-
pública Popular da China e os países da América
ções Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exte-
Latina. No primeiro deles, o Professor Javier Vadell
rior (Copous) e na recém-criada Organização de
(da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Cooperação Espacial da Ásia-Pacífico (Apsco);
Gerais (PUC-MG)) trabalha com dados sobre o
2) a cooperação bilateral com potências regionais,
comércio e investimentos da China nos países da
tendo como estudos de caso as relações chinesas
América do Sul, concluindo pela existência de uma
com o Brasil e com a África do Sul.
modelo alternativo de desenvolvimento, que o au-
tor denomina de “Consenso do Pacífico”. Na A demanda no Brasil por estudos específicos
mesma linha, o Professor Matt Ferchen (da sobre outros países e regiões tem crescido ao lon-
Tsinghua University, Beijing, China) avalia os im- go dos últimos anos. Esse processo resulta do
pactos das relações econômico-comerciais entre próprio crescimento da inserção internacional bra-
os países da América Latina e a China em uma sileira, bem como é sinal do amadurecimento e da
perspectiva temporal em que expõe os prováveis especialização crescente da comunidade acadêmi-
efeitos de curta e longa durações desse formato ca de Relações Internacionais no país. Com foco
de cooperação. nas relações internacionais da América do Sul, Ásia
e África, o Nerint tem contribuído, ao longo de
No sexto artigo da série, o Professor Diego
mais de dez anos, para uma produção científica e
Pautasso (da Escola Superior de Propaganda e
socialmente relevante, bem como para o
Marketing do Rio Grande do Sul (ESPM-RS))
adensamento de redes de especialistas em temas
examina o desenvolvimento nacional da China nos
críticos, tais como a distribuição desigual da ri-
últimos anos e seus impactos na economia regio-
queza e do poder no sistema internacional. Entre-
nal asiática. O argumento central do trabalho é
tanto, vale destacar que os artigos reunidos aqui
que uma economia do tamanho da chinesa (conti-
representam as opiniões sempre provisórias e su-
nental) produz um efeito gravitacional no conti-
jeitas ao progresso da pesquisa de seus autores,
nente e acaba por favorecer a inserção internacio-
não sendo necessariamente endossadas pelo
nal da China no sistema internacional.
Nerint, pelos editores da Revista de Sociologia e
No sétimo e último artigo do dossiê, Marco Política ou pelas instituições em que os professo-
Cepik (Ufrgs) busca explicar a política de coope- res trabalham.
ração internacional da China para o setor espacial.
Boa leitura!
A partir de uma concepção teórica realista, o au-

Marco Cepik (mcepik@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesqui-
sas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Ufrgs).

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DOSSIÊ “CHINA:
REVISTA DESENVOL
DE SOCIOLOGIA VIMENTO
E POLÍTICA V. 19,ECONÔMICO E SEGURANÇA
Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011
INTERNACIONAL”

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM


INTERNACIONAL

André Moreira Cunha

RESUMO

A ascensão chinesa à condição de potência econômica e política em nível global tem estado no centro dos debates
acadêmicos e políticos. Neste trabalho analisamos alguns impactos desse evento marcante sobre o Brasil. Investigamos o
comércio bilateral e os padrões de convergência cíclica entre as duas economias, considerando uma análise mais ampla
da competitividade externa da economia brasileira. A partir deste pano de fundo, objetiva-se mapear alguns dos possíveis
impactos para o Brasil da ascensão da China à condição de potência global. A ênfase recai sobre a dimensão econômica,
especialmente o comércio internacional. Parte-se da perspectiva de que o processo de crescimento e internacionalização
da economia chinesa está gerando estímulos capazes de condicionar as possibilidades de desenvolvimento do Brasil ao
longo das próximas décadas. Os argumentos estão estruturados em três seções: (i) procura-se apresentar uma visão
panorâmica da ascensão chinesa, tomando-se como pano de fundo a dinâmica da "grande divergência"; (ii) faz-se um
apanhado da situação contemporânea da economia chinesa; (iii) a análise dos efeitos de sua crescente internacionalização
sobre a economia mundial, com ênfase para os casos da América do Sul e Brasil. Concluímos explorando algumas
implicações normativas dos nossos resultados.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil; China; comércio internacional; ciclos de negócios.

I. INTRODUÇÃO1 tecnológicas e de incorporação da periferia do


sistema. A “revolução industrial” e o “imperialis-
O sistema capitalista e a ordem internacional
mo” tornaram-se duas faces de uma mesma
que lhe dá sustentação são fenômenos gestados
moeda (HOBSBAWM, 1989). Nesse contexto,
na Europa e espraiados a partir dela. Em um pri-
as novas nações independentes da América Lati-
meiro momento, a liderança da Grã-Bretanha foi
na conheceram uma relativa prosperidade como
exercida a partir de base econômica industrial,
exportadoras de recursos naturais para o “cen-
do seu poder naval e mercantil e da sua capaci-
tro”, especialmente a Grã-Bretanha, que era, de
dade de criar instituições emuladas internacio-
fato, uma economia liberal, importadora de ma-
nalmente, especialmente o padrão monetário-cam-
térias-primas e exportadora de capitais. Essa ca-
bial centrado no ouro. As demais potências eu-
racterística reforçou o padrão de concentração
ropéias, especialmente a Alemanha, e países de
de poder, renda e riqueza na classe proprietária
fora da Europa, como os Estados Unidos da
rural, algo que já era típico do período colonial.
América (EUA) e o Japão, viam na industrializa-
Esse tipo de economia, primário-exportadora, foi
ção o meio de reduzir seu atraso relativo
a base do modelo social e político latino-ameri-
(LANDES, 1969; REINHERT, 2007). A disputa
cano, universalmente reconhecido como ainda
por mercados, tecnologias e “espaço vital” de
incapaz de produzir sociedades plenamente de-
expansão acelerou a dinâmica de inovações
mocráticas e afluentes.
1 Os argumentos aqui delineados atualizam observações já Esse modelo começa a entrar em crise no pe-
realizadas em outros trabalhos: Cunha e Acioly (2009), ríodo entre a I e a II guerras mundiais, quando a
Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Lélis, Cunha e Lima própria ordem internacional liberal liderada pela
(2010). O presente estudo foi apresentados no “I Seminá- Grã-Bretanha desmoronou. Assim, a primeira
rio Sino-Brasileiro – Desenvolvimento Econômico e Segu- metade do século XX assiste a transição de
rança Internacional”, promovido pelo Núcleo de Estratégia
hegemonias, do antigo colonizador para a jovem e
e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Nerint-Ufrgs), Porto Alegre, nos dias 12 e ambiciosa ex-colônia, agora guindada à condição
13 de abril de 2010. de nova potência global. Diferentemente dos bri-

Recebido em 20 de janeiro de 2011.


Aprovado em 20 de fevereiro de 2011.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 9-29, nov. 2011
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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

tânicos, os estadunidenses também eram grandes tem conformado novos vetores de transformações
produtores de alimentos, minérios e energia, sen- em múltiplas dimensões da vida social.A partir desse
do a economia dos EUA mais autocentrada e pro- pano de fundo, este trabalho tem por objetivo
tecionista. Como Prebisch (1950; 1984) já havia mapear alguns dos possíveis impactos para o Bra-
observado, esse deslocamento do eixo-dinâmico sil da ascensão da China à condição de potência
da economia mundial seria decisivo para o futuro global. A ênfase recairá sobre a dimensão econô-
dos países latino-americanos. Para ilustrar dois mica, especialmente o comércio internacional. Par-
exemplos paradigmáticos, basta lembrar os desti- te-se da perspectiva de que o processo de cresci-
nos de Argentina e Brasil.A Argentina era uma das mento e internacionalização da economia chinesa
nações mais ricas do mundo no período de sua está gerando estímulos capazes de condicionar as
simbiose com a Grã-Bretanha. Como exportado- possibilidades de desenvolvimento do Brasil ao longo
ra de recursos naturais para o mundo industriali- das próximas décadas. Mais especificamente, o
zado esse país viveu sua belle époque. O Brasil, crescimento chinês tem ampliado a demanda glo-
por outro lado, assimilou a crise hegemônica, es- bal por recursos naturais (alimentos, minérios e
pecialmente depois de 1930, como sendo a senha energia), influenciando, decisivamente, os ciclos de
para a mudança do seu modelo de desenvolvimento preços das commodities, e criando uma força
e, conseqüentemente, de estrutura social. O gravitacional intensa em torno do modelo de espe-
“desenvolvimentismo” baseado na industrialização cialização na produção e exportação desses produ-
passa a ser uma ideologia comungada por vários tos. Por outro lado, as exportações de manufaturas
governos, do nacionalista Vargas ao liberal Jusce- chinesas representam uma ameaça concreta aos
lino, passando pelos militares, particularmente países que, como o Brasil, procuraram desenvol-
Geisel. ver estruturas produtivas mais diversificadas e com-
plexas.
O ideário desenvolvimentista via na especiali-
zação produtiva em produtos intensivos em re- Além desta Introdução, os argumentos estão
cursos naturais uma fonte de atraso e estagna- estruturados em mais quatro seções. Na
ção. A diversificação produtiva rumo às ativida- sequência procura-se apresentar uma visão pa-
des manufatureiras e o setor de serviços e a ur- norâmica da ascensão chinesa, tomando-se como
banização eram os objetivos centrais da moder- pano de fundo a dinâmica da “grande divergên-
nização periférica brasileira. Tal padrão entrou cia” (POMERANZ, 2000). Segue o apanhado da
em crise no começo dos anos 1980, dada a difi- situação contemporânea da economia chinesa e
culdade de equacionar o problema da dívida ex- a análise dos efeitos de sua crescente
terna. As décadas que se seguiram foram internacionalização sobre a economia mundial,
marcadas pela busca da estabilidade com ênfase para os casos da América do Sul e
macroeconômica e por reformas estruturais Brasil. As considerações finais retomam os prin-
liberalizantes, que prometiam garantir a retoma- cipais argumentos.
da do crescimento, mas que só produziram tra-
II. PERPECTIVAS SOBRE A ASCENSÃO DA
jetórias instáveis com pequenos surtos de expan-
CHINA
são alimentados por crédito externo seguidos de
novas crises financeiras. Os países latino-ame- O capitalismo emergiu e irradiou-se como um
ricanos, particularmente os sul-americanos, só processo social liderado pelos países ocidentais,
irão acelerar seu crescimento na primeira déca- especialmente Inglaterra e EUA. Na longa transi-
da do século XXI sob os auspícios da crescente ção do feudalismo para o capitalismo, a China
demanda chinesa por matérias-primas, abundan- aparecia no imaginário e na realidade econômica e
tes na região. política da Europa como um país misterioso e fe-
chado, repleto de promessas de rápido enriqueci-
Portanto, a despeito das expectativas criadas
mento para quem lograsse penetrar em suas en-
com o final da Guerra Fria, de que o mundo enca-
tranhas2. Até meados do século XIX havia a per-
minhava-se para uma ordem unipolar centrada nos
EUA, a primeira década do século XXI parece ter
cristalizado a percepção de que há uma nova 2 Uma visão de longo prazo sobre a ascensão, queda e
multipolaridade em gestão. A “emergência do res- reemergência do mundo asiático está nos trabalhos organi-
to” (AMSDEN, 2001), particularmente da China, zados por Arrighi, Hamashita e Selden (2003).

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cepção, expressa por inúmeros contemporâneos, intrínsecas aos chineses, tais como
de Adam Smith a Napoleão Bonaparte, de que o desonestidade, docilidade excessiva, incapacida-
grau de desenvolvimento tecnológico e econômi- de de estabelecimento de laços mútuos de confi-
co chinês rivalizava, senão superava, ao experi- ança, dentre outros, que seriam incompatíveis
mentado no Ocidente. Todavia, com a consolida- com o “espírito do capitalismo”. Ademais, em
ção da industrialização e suas implicações positi- contraste com a Europa protestante, faltariam na
vas sobre acumulação de poder econômico e mi- China os incentivos para a poupança e o trabalho
litar, o confronto entre as potências européias metódico e pesado. Tais elementos culturais con-
emergentes, particularmente a Inglaterra, e o Im- denariam a China ao atraso (SPENCE, 1999).
pério do Meio passou a revelar uma nova realida- Ecos contemporâneos da visão dos maiores ex-
de: a incapacidade da China em acompanhar o rit- poentes do pensamento social do século XIX
mo de transformações em curso no mundo oci- aparecem, por exemplo, em North (1995), que
dental. Não foi sem surpresa, para europeus e identifica a origem do atraso chinês na ausência
chineses que, de derrota militar em derrota mili- de direitos de propriedade e, portanto, na arbi-
tar, o Império desfez-se. E, mais importante, in- trariedade no exercício do poder pelo Estado
verteu-se a percepção ocidental sobre a China. De contra os indivíduos empreendedores. Landes
civilização misteriosa, avançada e próspera, para (1998) reconhece o que é voz corrente entre os
um país cronicamente inviável, cuja população sinólogos, ou seja, que a China foi uma civiliza-
seria material e culturalmente inferior (SPENCE, ção em muitos sentidos eficiente e mais avança-
1999; HUTTON, 2007). da que as civilizações ocidentais contemporâne-
as, mas que não foi capaz de conformar institui-
Vários dos mais destacados intérpretes do ca-
ções adequadas ao pleno funcionamento do ca-
pitalismo debruçaram-se sobre o que percebiam
pitalismo. Assim como Weber e North, Landes
ser o fracasso chinês. Marx via na China o exem-
aponta o caráter conservador e fechado da soci-
plo mais primitivo do modo asiático de produ-
edade chinesa como tendo sido determinante para
ção, caracterizado pela longa estagnação em um
o atraso relativo do país frente ao mundo oci-
estágio de desenvolvimento agrário e de baixo
dental capitalista.
dinamismo, incapaz de criar as pré-condições
para a emer gência do capitalismo. Max Weber Os gráficos 1, 2 e 3 fornecem contornos mais
destacou características por ele percebidas como precisos do debate:

GRÁFICO 1 – PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) CHINÊS, 1-2008 D.C. (% DO PIB


MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

GRÁFICO 2 – POPULAÇÃO DA CHINA, 1-2009 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

GRÁFICO 3 – RENDA PER CAPITA DA CHINA EM RELAÇÃO AO MUNDO E AOS EUA, 1-


2008 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: idem.

FONTE: Maddison (2010).

As estimativas de Maddison (1998; 2007) su- apresentava um nível de desenvolvimento equiva-


gerem que até meados do século XVI, em ter- lente ou superior o verificado no Ocidente. Um
mos da renda per capita, e até o começo do sé- vasto império, com uma área semelhante à da
culo XIX, quando se toma o produto total, a China Europa Ocidental, abrigava, entre os séculos XVI

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e XIX, uma população cerca de duas vezes supe- blica e a Revolução Comunista são movimentos
rior do que o conjunto dos principais países oci- iniciais de reafirmação da nação (PINTO, 2000)3.
dentais. A visão marxiana de uma sociedade agrá-
A consciência de que a estratégia introvertida
ria e atrasada não parece ajustar-se a um conjunto
e baseada na coletivização forçada não havia lo-
amplo de evidências de que a China possuía uma
grado resultados em termos de reafirmação do
base produtiva capaz de, em 1750, produzir mais
poderio chinês que passou a nortear a visão de
ferro do que em toda a Europa (HUTTON, 2007).
reformistas como Deng Xiaoping. Uma vez no
Não à toa, os imperadores e o mandarinato chinês
poder, eles deram início a um processo de abertu-
enxergavam o país como sendo o centro mais
ra e modernização econômica acelerada. Desde
avançado do mundo conhecido, técnica, moral e
então, a China vem apresentando uma vigorosa
culturalmente.
trajetória de crescimento e internacionalização.
Por outro lado, os dados também confirmam
III. ACHINA CONTEMPORÂNEA
a incapacidade chinesa de acompanhar o avanço
material verificado a partir da industrialização ca- A República Popular da China é um país conti-
pitalista dos países europeus, posteriormente emu- nental, com uma área de 9,6 milhões de quilôme-
lada por potências emergentes como EUA e Ja- tros quadrados4 e que abriga a maior população do
pão. Assim, se no começo do século XIX a eco- mundo. Desde o final dos anos 1970, o país vem
nomia chinesa representava 1/3 da economia mun- experimentando um processo intenso de moderni-
dial, em 1950 tal participação não ultrapassava 5%. zação de sua economia, integração aos fluxos in-
Sua renda per capita era equivalente à média mun- ternacionais de comércio e investimentos, o que
dial e superior à verificada nos EUA até o século está gerando uma profunda transformação de sua
XVIII. Porém, no século XIX tal quadro já apre- própria realidade sócio-econômica, bem como da
sentava uma reversão completa e, no auge do ordem econômica e política internacional.
poder estadunidense, na segunda metade do sé-
Sob o comando de Mao Zedong, a China lan-
culo XX, um chinês possuia um nível de vida equi-
çou-se em um esforço de modernização acelerada
valente a 1/20 de um habitante dos EUA e um 1/5
no assim chamado “Grande SaltoAdiante”5. Acrise
da média mundial. E isso ocorreu a despeito do
que se seguiu ao fracasso dessa iniciativa e o
fato de sua população seguir oscilando em torno
esfriamento das relações com a União Soviética
de 20% do total global.
O atraso econômico transmutou-se em perda
de poder militar, que em paralelo à rigidez do sis- 3 Insiders do processo de abertura e modernização na
tema político doméstico, redundou em derrotas China enfatizam a linha de continuidade entre as reformas
nos enfrentamentos contra potências ocidentais, propostas por Deng Xiaoping e a revolução de Mao
particularmente a Inglaterra, ou vizinhos podero- Zedong. Ver, por exemplo,Wu (2005; 2006) e Bijian (2006).
sos como Rússia e Japão. Em 1912, o Império 4 Localizada no leste do continente asiático, a China é
desfez-se. A jovem república não foi capaz de cercada pelo Mar do China Oriental, a Baía da Coréia, o
conter a decadência. Em 1949, sob o comando Mar Amarelo e o Mar da China Meridional. O país tem
de Mao Zedong, os comunistas impuseram-se a fronteiras terrestres com 14 outras nações, quais sejam:
tarefa de recuperar o poderio chinês. Desde en- Afeganistão (76 km), Butão (470 km), Burma (2 185 km),
Índia (3 380 km), Cazaquistão (1 533 km), Coréia do Norte
tão, em vários momentos, manifestou-se o desejo (1 416 km), Quirguistão (858 km), Laos (423 km), Mongólia
de sobrepujar as potências ocidentais. No “Gran- (4 677 km), Nepal (1 236 km), Paquistão (523 km), Rússia
de Salto à Frente” (1958-1963) Mao prometia que (3 605 km ao Nordeste e 40 km ao Noroeste),Tadjiquistão
a produção siderúrgica chinesa haveria de ultra- (414 km) e Vietnã (1 281 km). A fronteira interna com
passar a britânica. Mesmo hoje, as lideranças chi- Hong Kong é de 30 km e com Macau, de 0,34 km. A ilha de
nesas apontam que o ano de 2050 marcaria a rea- Taiwan (Formosa ou Taipei) é considerada pelos chineses
como parte integrante do seu território. Em termos de re-
lização da promessa de Mao de que a China con- cursos naturais, o território chinês é rico em carvão, miné-
cretizaria seu catching-up, deixando para trás mais rio de ferro, petróleo, gás natural, mercúrio, tungstênio,
de cem anos de derrotas e humilhações (WU, antimônio, magnésio, molibdênio, vanádio, magnetita, alu-
2005; BIJIAN, 2005; 2006; MAHBUBANI, 2005; mínio, zinco, urânio, chumbo etc. Para mais informações,
ZWEIG & JIANHAI, 2005; HUTTON, 2007; ver CIA (2011).
WOMACK, 2010). É nesse contexto que alguns 5 Esses e os demais parágrafos estão baseados em Cunha
sinólogos sugerem que a proclamação da Repú- e Silva (2009).

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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

levou à adoção de uma estratégia isolacionista e respeito à de outros países, que em momentos
de busca de autossuficiência. A radicalização po- semelhantes acabaram provocando conflitos po-
lítica derivada da Revolução Cultural desorgani- líticos e guerras, como nos casos de Alemanha e
zou ainda mais a economia. Todavia, a partir da Japão (BIJIAN, 2005; 2006).
década de 1970, o país buscou estreitar mais seus
Há, aqui, um diálogo nem sempre explícito com
laços com a economia mundial, particularmente
a literatura ocidental de história e política interna-
com os mercados ocidentais (YUFAN HAO, WEI
cional, cujas análises procuram modelar o pro-
& DITTMER, 2009; WOMACK, 2010).
cesso de “ascensão e queda” das grandes potên-
As lideranças políticas e os ideólogos do Parti- cias (KENNEDY, 1987; LANDES, 1998; FIORI,
do Comunista da China (PCC) têm se utilizado de 2004). Nesse tipo de abordagem constata-se a
diversas expressões-síntese da especificidade da confluência de elementos de acumulação de po-
sua própria trajetória de modernização, tais como der – hard e soft (militar, político, científico, cul-
“socialismo de mercado”, “socialismo com ca- tural e econômico) – no estabelecimento de
racterísticas chinesas”, “caminho do desenvolvi- hegemonias globais ou regionais. A ascensão de
mento pacífico”, “abordagem científica do desen- uma nova potência estaria quase sempre associa-
volvimento e a estratégia de construção de uma da ao declínio de outra, de modo que, recorrente-
sociedade socialista harmoniosa”, “ascensão pa- mente, a guerra acabou sendo o desaguadouro das
cífica à condição de potência”, para citar algumas tensões provocadas pelo choque entre ascenden-
das mais representativas. Conforme argumenta um tes e decadentes. Os chineses não querem ser
dos intelectuais reformistas mais influentes na percebidos como uma ameaça global, a despeito
China contemporânea (BIJIAN, 2005; 2006) 6, a do fato de não esconderem sua estratégia política
decisão chinesa de abraçar em vez de repudiar a de longo prazo, que é a de colocar a civilização
globalização estaria no centro das principais deci- chinesa em uma posição de centralidade, mas não
sões políticas dessas últimas décadas, refletindo necessariamente de hegemonia, na ordem inter-
a compreensão de que o crescimento econômico nacional.
por meio de reformas que ampliassem os espaços
Condicionantes domésticos e externos
dos mercados seria um instrumento central para
interagem na conformação da visão chinesa so-
o “rejuvenescimento da nação”. Vale dizer, sabe-
bre os desafios resultantes de sua “ascensão pa-
dores do seu enorme atraso relativo e do fracasso
cífica”. Assim, por exemplo, o 1 1 o Plano
das estratégias coletivistas, os líderes da era pos-
Qüinqüenal (2006-2010) estabeleceu os funda-
terior a Mao Zedong adotaram o pragmatismo na
mentos para o desenvolvimento chinês nas duas
condução de sua estratégia de crescimento, en-
primeiras décadas do século XXI. Seguindo o
tendido este como um objetivo intermediário do
conceito firmado no 10º Plano de conformação
norte maior que, desde há muito persegue os chi-
de uma “sociedade moderadamente próspera”,
neses: a recuperação de uma posição hierarquica-
explicita-se a preocupação de que o maior desafio
mente superior na ordem internacional (WU, 2005;
depois de alcançado o crescimento econômico,
2006).
expresso no aumento da renda per capita, é o de
Conscientes de que seu sucesso até aqui ainda também fortalecer o bem-estar social. Outro con-
é insuficiente para a conformação de uma socie- ceito importante é o dos “Três Representantes”,
dade “moderadamente próspera”, e de que a pers- em que caberia ao Partido Comunista representar
pectiva de concretização daquele objetivo maior as necessidades de desenvolvimento das forças
descortina-se rapidamente, gerando tensões diver- produtivas chinesas, o desenvolvimento da cultu-
sas – particularmente nos planos geopolítico e ra chinesa, e os interesses fundamentais da maio-
geoeconômico – os líderes da China contemporâ- ria da população chinesa. Por meio desses princí-
nea buscam refúgio no conceito da “ascensão pios, o desenvolvimento econômico, buscado por
pacífica”. Assim, na perspectiva chinesa haveria meio de reformas7 e maior abertura, deve ser com-
uma tentativa diferenciação da sua trajetória com preendido como o principal objetivo instrumental

6 Em 2006, Zheng Bijian era Presidente do Fórum de 7 Modernização dos transportes, reforma no setor bancá-
Reformas da China eVice-Presidente Executivo da Escola rio, otimização da utilização dos recursos não renováveis,
do Partido Comunista. dentre outros.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

(ou intermediário) do governo chinês. Até porque as oportunidades de relação com os países vizi-
o crescimento acelerado e a geração de empregos nhos, e a busca pela solução dos conflitos diver-
são condições necessárias para a estabilidade so- sos; (v) a preferência pela multilateralidade como
cial. A partir da história chinesa emergem fantas- importante forma de relação diplomática, ou al-
mas sobre desordem e caos, geralmente provo- ternativamente, o repúdio às posturas unilaterais
cados pela revolta popular ante o excesso de rigor das potências hegemônicas. O ambiente interna-
do poder central, particularmente em momentos cional, embora seja favorável, também apresenta
de escassez de recursos (PINTO, 2000; desafios, como os desdobramentos protecionis-
GREENVILLE, 2005; WU, 2005). tas das disputas por mercados, recursos e
tecnologias (YUFAN HAO, WEI & DITTMER,
Na avaliação de Bijian (2006) existiriam inú-
2009). Além disso, a ascensão da China pode ser
meras condições favoráveis para a concretização
vista como uma ameaça pelas grandes potências,
de um novo período de prosperidade. Em primei-
levando o país a ter de reforçar sua idéia de desen-
ro lugar, as mudanças no padrão de consumo in-
volvimento pacífico. Ressalte-se que, em pratica-
terno, a partir do incremento da renda per capita,
mente todas as determinações chinesas em relação
estimulariam a consolidação de uma estrutura pro-
às relações internacionais, podem ser vistos os Cin-
dutiva diversificada e mais vinculada aos gastos
co Princípios de Coexistência Pacífica 8.
domésticos. Em paralelo, haveria ainda amplo es-
paço para explorar a abundância de mão-de-obra, A “abertura ao mundo exterior” deu-se em eta-
cuja qualificação vem expandindo-se, e a maior pas. Inicialmente foram eleitas quatro regiões es-
oferta e qualidade relativa da infraestrutura, espe- tratégicas para a introdução de um regime comer-
cialmente em transportes e comunicações. Não cial e de atração de investimento direto estrangeiro,
menos importante, Bijian ressalta o que considera as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs).
ser um ambiente de estabilidade política e de con- Essas nada mais eram do que as típicas Zonas de
solidação do socialismo de mercado. Não obstante Processamento de Exportações (ZPEs) que já se
as condições favoráveis, o 11o Plano Qüinqüenal espalhavam pelas economias em desenvolvimento,
não desconsiderou os desafios a serem enfrenta- particularmente na Ásia. Nas ZPEs, assim como
dos, particularmente nas áreas de utilização dos nas congêneres chinesas, são estabelecidas regras
recursos naturais, especialmente a água, busca de diferenciadas de tratamento do comércio exterior ,
maior eficiência energética, proteção do meio com redução de procedimentos administrativos para
ambiente e redução das desigualdades provocadas a exportação e importação e, principalmente, a for-
pelo crescimento desproporcionalmente mais ace- te redução – no limite, eliminação – dos impostos
lerado de certas regiões urbanas, em detrimento de importação sobre insumos utilizados para a pro-
do hinterland ou do mundo rural em geral, que dução voltada ao mercado internacional.Adicional-
abriga mais da metade da população. mente, podem ser ofertados subsídios fiscais, na
forma de tributação diferenciada, para atrair inves-
Para sustentar o crescimento e reduzir os seus
tidores estrangeiros, que além de fornecerem capi-
impactos negativos a China deverá contar com
tais e tecnologia, possuem canais de comercialização
uma teia ampla de relações internacionais. Por isso,
em escala global.
seguindo ainda a leitura de Bijian (idem) sobre as
prioridades estratégias da China, expressas no seu As lideranças chinesas escolheram a dedo suas
mais recente Plano Qüinqüenal, o governo chinês primeiras ZEEs, de modo a atrair os investimen-
vê o cenário internacional como um ambiente de tos de chineses ou sino-descendentes residentes
interdependência, de aprofundamento da na região. A maior ZEE, Shenzen, beneficiou-se
globalização e de condições favoráveis ao desen-
volvimento do país. Essas condições seriam: (i) a
mudança nas relações entre as grandes potências 8 Esses princípios têm mais de 50 anos e foram sugeridos
no período posterior à Guerra Fria; (ii) a possibi- originalmente por Chu Em-lai, estrategista da diplomacia
lidade da China, por meio do seu desenvolvimen- chinesa, pouco depois da formação da República Popular
to pacífico, oferecer oportunidades de crescimen- da China. São eles: (1) respeito mútuo à soberania e integri-
dade nacional; (2) não agressão; (3) não intervenção nos
to para outras nações; ( iii) em especial, a coope- assuntos internos de um país por parte de outro; (4) igual-
ração com os países em desenvolvimento e a ga- dade e benefícios recíprocos; (5) coexistência pacífica entre
rantia de uma relação especial e estratégica; ( iv) estados com sistemas sociais e ideológicos diferentes.

15
A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

por sua proximidade com Hong Kong. Empresas mia, e, depois disso, com a introdução de novas
sediadas nessa que hoje é uma região administra- medidas liberalizantes, aqueles fluxos passaram a
tiva especial da China continental, passaram a atuar uma média superior a US$ 40 bilhões/ano no res-
na ZEE e a estabelecer contratos de tante da década de 1990, e de mais de US$ 60
subcontratação com uma miríade de empresas no bilhões/ano, em média, nos anos 2000. Em 2007,
vale do Rio das Pérolas. A ZEE de Zhuhai locali- a China recebeu US$ 83,5 bilhões e, em 2008,
zou-se perto de Macau. A ZEE de Shantou foi US$ 108,3 bilhões. Em 2009, sob o efeito da cri-
posicionada em uma região da província de se financeira global, tal fluxo foi de US$ 95 bi-
Guangdong, em que há um grupo étnico com for- lhões, fazendo que o estoque de IDE atingisse a
tes ligações com minorias sino-descendentes que marca de US$ 473 bilhões nesse último ano. Tal
vivem no Sudeste Asiático. Por fim, a ZEE de montante equivalia a 10% do PIB chinês. Naquele
Xiamen foi instalada perto de Taiwan, e aprovei- mesmo ano, as reservas internacionais eram de
ta-se da proximidade geográfica e cultural para US$ 2 425 bilhões e, no final de 2008, dívida ex-
potencializar suas atividades. terna atingia US$ 378 bilhões. Com isso, os ati-
vos de reserva equivaliam a mais do que o triplo
Com o esforço prévio de entrada na Organiza-
dos estoques de investimento direto e dívida. A
ção Mundial do Comércio (OMC) e com o in-
conexão entre IDE e exportações pode ser avalia-
gresso efetivo em 2001, o regime de investimento
da na estimativa da Unctad de que as filiais de
da China foi adaptando-se aos parâmetros usuais
empresas multinacionais exportaram US$ 444 bi-
das economias de mercado. Os incentivos tribu-
lhões em 2005 (60% do total exportado pelo país),
tários foram sendo nivelados entre empresas es-
contra os US$ 12 bilhões exportados em 1991
trangeiras e nacionais, eliminando parte das van-
(17% do total).
tagens locacionais das primeiras. Por um lado, os
impostos são, em geral, considerados moderados, Os investimentos chineses no exterior também
a conta corrente é conversível, há acordos de pro- passaram a crescer. Em 1999, quando várias ações
teção de investimento com a maior dos países, visando a ampliação dos investimentos chineses
bem como provisões legais para a proteção dos no exterior foram lançadas com a alcunha de
investidores estrangeiros. Por outro, manteve-se “Going Global Strategy”, o estoque de investimen-
uma forte liberdade dos governos locais na nego- to chinês no exterior era de US$ 25 bilhões. Em
ciação de condições diferenciadas para a aprova- 2009, tal montante passou a US$ 230 bilhões.
ção de novos projetos de inversão. É importante Somente no ano de 2008, os fluxos de saídas de
notar, também, que originalmente o investimento investimento chinês atingiram o recorde de US$
estrangeiro entrava, predominantemente, na for- 52 bilhões, mais de 20 vezes a média do período
ma de joint-ventures. A partir do final dos anos 1990-2000. Em 2009, tais fluxos foram de US$
1990, passou a predominar a modalidade de con- 48 bilhões. A política de “Going Global” evidencia
trole integral (ou majoritário) por parte do investi- a estratégia chinesa de construir “campeões naci-
dor forâneo. onais”. Além de nuclear o esforço industrializante,
os conglomerados chineses vêm sendo incentiva-
Como resultado desse processo, e tomando
dos pelo governo a avançar em seus processos de
por referência a base de dados da Unctad 9 pode-
internacionalização. Os conglomerados estatais na
se verificar que, em 1980, o estoque de Investi-
área de petróleo e gás, como a Sinopec, Cnooc e
mento Direto Estrangeiro (IDE) na economia chi-
a Petrochina, representam a articulação entre a
nesa era de US$ 1 bilhão. Desde então, e até 1991,
busca de segurança energética, a política externa
os fluxos de entradas anuais de investimento es-
e a estratégia de crescimento de longo prazo.Ain-
trangeiro situavam-se abaixo de US$ 5 bilhões por
da na área de commodities há outros gigantes com
ano. Após a viagem de Deng Xiaoping para as
controle ou participação estatal, como aAluminum
regiões costeiras do Sul, em 1992, em que reafir-
Corporation of China (Chalco) e a Baosteel. No
mou seu compromisso com abertura da econo-
setor de bens de consumo, telecomunicações e
produtos eletrônicos, há empresas como Huawei,
9 Referente ao “W orld Investment Report 2009” TCL, Lenovo, Boe Technology e Galanz. Há, ain-
(UNCTAD, 2009b) da Conferência das Nações Unidas para da, corporações que estão em trajetória de
o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ao “Country internacionalização em setores como alimentos e
Profile – China”, também da Unctad (2010). bebidas (Tsingtao e Cofco International), comér -

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

cio e navegação (China Ocean Shipping Group e regional e que fora amortecido pela ascensão dos
Sinochem Corp) e construção civil (China State países europeus na era posterior à revolução in-
Construction and Engineering Company). Todas dustrial (ARRIGHI, HAMASHITA & SELDEN,
essas empresas aparecem nas listas de maiores 2003; KANG, 2007; WOMACK, 2010).
transnacionais oriundas de países em desenvolvi-
Com um crescimento médio de sua renda de
mento e, algumas estão entre as maiores de seus
10% ao ano (cf. Gráfico 4, a seguir) entre 1979 e
respectivos setores em nível internacional, mes-
2009, a economia chinesa já é uma das três maio-
mo quando se incluem empresas dos países in-
res do mundo10. Os dados mais recentes do Ban-
dustrializados.
co Mundial (WORLD BANK, 2010), que se refe-
Ao considerar-se as empresas de Hong Kong, rem ao ano de 2009, apontam que com uma po-
Taiwan e de sinodescendentes – os chineses de pulação de 1 331 milhões de habitantes, a renda
ultramar (overseas Chineses) – em países asiáti- per capita chinesa ainda é relativamente modesta:
cos como Cingapura, Malásia, e Tailândia, nota- US$ 3 590 em dólares correntes, ocupando a 84ª
se uma influência crescente de capitais chineses posição no ranking do Banco Mundial de 159 pa-
na região e em nível global. Nesse sentido, é pos- íses com dados disponíveis; ou de US$ 6 770 per
sível perceber a lógica da política chinesa de bus- capita, em paridade poder de compra, o que sig-
car um aprofundamento das relações econômicas nifica a 80ª posição. Para colocar-se em perspec-
no plano regional, tanto pela via usual dos fluxos tiva, em termos de valores correntes o PIB per
de comércio e investimento, quanto pela constru- capita da China equivalia a 7,6% do PIBper capita
ção de laços institucionais mais sólidos, em que o dos EUA, ao passo em que paridade poder de com-
país busca cooptar vizinhos que poderiam, em pra tal proporção era de 14,5%. Na classificação
princípio, serem deslocados dos mercados glo- do Banco Mundial, a China é considerada um país
bais por força da concorrência chinesa e que pas- de renda médio-baixa (WORLD BANK, 2011b).
sam a ter no próprio mercado chinês uma fonte Em termos de Índice de Desenvolvimento Huma-
substituta de dinamismo, conforme será detalha- no (IDH) (UNDP , 2011), a China apresenta um
do na seqüência. Também dessa forma estar -se- nível médio de desenvolvimento, aparecendo na
ia retornando a um papel histórico de liderança 89ª posição entre os 169 países.

GRÁFICO 4 – CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA, 1961-2009 (% AO ANO)

FONTE: WORLD BANK (2011a).

10 Tomando em consideração o ano de 2009, a maior economia, seguida dos EUA (US$ 14 140 bilhões).
Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla Ver CIA (2011). Para esse mesmo ano, a Banco Mundial
em inglês) coloca a China (US$ 8 748 bilhões) posiciona a China como a segunda maior em paridade po-
na terceira posição, quando se considera o PIB der de compra (US$ 9 019 bilhões), logo atrás dos EUA.
em paridade poder de compra. NesSe caso, a Em valores correntes, sua economia seria, nesse ano, a ter-
União Européia (US$ 14 430 bilhões) seria a ceira maior, atrás dos EUA e Japão.

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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

A velocidade do crescimento chinês veio tais. Os empregos restantes distribuíam-se na ad-


acompanhada por intensas transformações estru- ministração direta do governo, em empresas públi-
turais11. Em 1978, o país tinha uma população de cas das municipalidades, em empresas coletivas
982 milhões de habitantes, dos quais 82% vivam urbanas e outras atividades agrícolas. Em 2003, o
na zona rural. Naquele momento, 40% da produ- emprego distribuía-se da seguinte forma: 47% na
ção e 70% do emprego originavam-se do setor agricultura familiar, 16% nas empresas municipais
primário. A indústria respondia por 30% do PIB e não estatais, 11% em empresas privadas, nacionais
18% do emprego, ao passo que o setor de servi- e estrangeiras, bem como negócios familiares, 1 %
ços gerava os outros 30% do produto e 12% do no setor estatal, 13% nos setores informais, além
emprego. Em 2009, a população era 39% maior e de 2% de desocupação. Vale dizer, do controle ab-
a taxa de urbanização havia subido para 44%. soluto sobre a economia, o Estado passou a ter a
Nessa nova realidade, as atividades econômicas influência direta sobre uma parcela minoritária dos
tipicamente urbanas também passaram a respon- postos de trabalho gerados na China.
der pela maior parte da produção – 49% pela in-
Do ponto de vista da estrutura da demanda,
dústria e 40% pelos serviços – e emprego – 60%
em 2009 a China contava com a seguinte compo-
(27% na indústria e 33% em serviços)
sição: o consumo privado respondia por 35%, o
(NAUGHTON, 2007). As atividades primárias
consumo governamental por 13%, os investimen-
geravam 11% do produto e 40% do emprego.
tos por 48% e as exportações líquidas por 4%. É
A transição de uma economia de planejamento interessante notar que, nos últimos anos, os in-
central para uma economia cujas decisões econô- vestimentos vêm ampliando-se de maneira expres-
micas tornaram-se descentralizadas e, fundamen- siva, tendo passado de 30% a 35% no final dos
talmente, mediadas pelos mercados, também alte- anos 1980, começo dos anos 1990, para mais de
rou radicalmente as formas institucionais da orga- 40% do PIB nos anos 2000. Em contrapartida, o
nização do mundo da produção. Assim, por exem- consumo privado teve sua participação reduzida
plo, em 1978, 69% dos empregos eram gerados em cerca de 15 pontos percentuais do PIB entre
pelas fazendas coletivas e 14% por empresas esta- 1990 e 2009 (Gráfico 5, a seguir).

GRÁFICO 5 – COMPOSIÇÃO DA ABSORÇÃO DOMÉSTICA DA CHINA, 1970-2009 (% DO


PIB)

FONTE: WORLD BANK (2011).

11 Os dados aqui apresentados foram obtidos no National for Asia and the Pacific 2010” (ADB, 2010), em Naughton
Bureau of Statistics of China, em seu “China Statistical (2007), Wu Jiglian (2005), e na base de dados do Banco
Yearbook 2007” (NBSC, 2007), no “The Key Indicators Mundial (WORLD BANK, 2011a).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

O consumo público, no mesmo intervalo de tem- demanda atuam de forma subsidiária e, no caso do
po, oscilou entre 13% e 15% do PIB e o setor ex- consumo, com um peso relativo decrescente. Ain-
terno, somadas exportações e importações passa- da assim, é importante observar que a China apre-
ram de 35% para mais de 60% do PIB. Quando senta um grau de abertura comercial acima da média
consideradas as exportações líquidas (exportações verificada em países grandes (em população e/ou
menos importações) o setor externo apresentou um área) e em países com níveis de renda médiaidem).
(
pico de participação na estrutura de demanda no Conforme pode ser observado no Gráfico 6, o co-
ano de 2007, com 9%. Assim, é possível caracte- mércio internacional de bens e serviços, que osci-
rizar o crescimento chinês como sendo liderado lava na fiaxa de 5% do PIB no começo dos anos
pelos investimentos12. Os demais componentes da 1970, subiu para mais de 60% depois de 2004.

GRÁFICO 6 – COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS E SERVIÇOS, 1970-2008 (% DO


PIB)

FONTE: WORLD BANK (2011).

Com a urbanização do país, as famílias que distributivas e a importância relativa destes dois
vivem nas cidades passaram a responder por 73% segmentos populacionais. Assim, a despeito do fato
do consumo privado total, contra os 27% das fa- da população rural ainda ser majoritária no país
mílias que vivem no campo. Em 1978, tal propor- (54% do total) seu peso econômico vem decain-
ção era invertida, ou seja, as famílias urbanas con- do mais do que proporcionalmente, tanto no em-
tribuíam com 38% dos gastos em consumo, e as prego quanto na capacidade de consumo.
rurais por 62%. Ao longo deste período, as ren-
Quando se considera a produção industrial,
das urbanas cresceram mais rapidamente que as
verifica-se que, em 1978, as empresas estatais
rendas do setor rural, ampliando as desigualdades
eram responsáveis por 77% do valor adicionado,
com os 23% restantes sendo gerados em empre-
sas coletivas. Em 2004, a produção industrial se
12 No que se refere à infraestrutura (transportes, teleco- dividia da seguinte forma: 42% em empresas pri-
municações e energia), os investimentos chineses passa- vadas controladas por nacionais oujoint ventures,
ram de 2% do PIB para mais de 9% entre 1981 e 2008 38% em empresas estatais ou corporações con-
(NAUGTHON, 2007). troladas pelos diversos níveis do Estado, 31% em

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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

empresas estrangeiras e 5% em empresas coleti- possibilidade de consolidação de uma nova ordem


vas13. Outra forma de perceber a desestatização internacional menos centrada no poder america-
da economia está no fato de que o lucro das esta- no e com maior abertura de espaços para que o
tais correspondia a 14% do PIB, em 1978, man- Brasil consolide-se como uma potência líder en-
tendo-se em um patamar abaixo de 4% do PIB, tre os países em desenvolvimento, particularmente
desde o final dos anos 1980. na América do Sul (e, também, com capacidade
de influenciar nações africanas que compartilham
Além da expansão na quantidade de força de
a herança comum da colonização portuguesa). A
trabalho, verificou-se, igualmente, uma melhoria
demanda chinesa por recursos naturais criaria um
significativa nos níveis educacionais. Em 1982,
vetor de dinamismo para a economia brasileira ao
menos de 1% da população com mais de 15 anos
longo dos próximos anos, o que permitiria a rup-
atingia o nível universitário. Ademais, havia 35%
tura do quadro de semiestagnação derivado da
da população sem qualquer instrução formal. Em
crise da dívida externa dos anos 1980. Evidente-
2004, 7% dos chineses adultos tinham curso su-
mente, a demanda chinesa per se não teria esse
perior completo. Em 2000, somente 9% dos adul-
poder indutor, sendo percebida como uma alavanca
tos não tinham freqüentado a escola. Em paralelo,
para a internacionalização de setores produtivos
verificou-se uma intensa queda na pobreza. O
especializados na produção e industrialização de
Banco Mundial estima que, desde o final dos anos
bens intensivos em recursos naturais.
1970, três quartos da redução da pobreza no mun-
do localiza-se na China. Entre 1990 e 2005, cerca Por outro lado, a visão “pessimista” olha para
de 400 milhões de pessoas ultrapassaram a linha essa mesma possibilidade como sendo um risco
de pobreza monetária de um dólar por dia. de involução, com o Brasil retornando a uma po-
sição semelhante àquela dos anos anteriores a
Com a crise financeira iniciada nos EUA, a Chi-
1930, de uma economia primário-exportadora.
na experimentou uma moderação em seu ritmo de
Teme-se aqui a perda de densidade da estrutura
crescimento. Todavia, o forte estímulo fiscal e a
industrial diante das pressões competitivas origi-
expansão do crédito contribuíram para contraba-
nadas na China, com efeitos negativos sobre a
lançar os efeitos depressivos da queda na deman-
capacidade de gerar emprego e renda em setores
da mundial por produtos chineses, garantindo um
produtivos mais complexos. Avalia-se, também,
crescimento entre 9% e 10% depois de 2008, abai-
que a crescente presença econômica da China na
xo do desempenho médio de 12% ao ano no perí-
América do Sul e na África poderia reduzir o po-
odo 2003-2007.
tencial de internacionalização da economia brasi-
IV. EFEIT OS DA ASCENSÃO CHINESA NA leira.
PERSPECTIVA LATINO-AMERICANA
Do ponto de vista do presente artigo, cabe
Deve-se notar que os possíveis efeitos sobre destacar que países sul-americanos em geral, e o
o sistema internacional da ascensão chinesa, em Brasil, em particular , respondem à parte dessas
suas dimensões econômica e política, têm con- necessidades. A fome chinesa por matérias-pri-
centrado a atenção de especialistas das mais di- mas e mercados já se faz sentir com intensidade
versas areas (KANG, 2007). No Brasil é possível inédita na região, conforme tem sido sugerido por
identificar pelo menos duas perspectivas sobre inúmeros trabalhos (ZWEIG & JIANHAI, 2005;
esse tipo de formulação. Aceitando os riscos deri- TRINH, VOSS & DICK, 2006; CAF , 2005;
vados do excesso de simplificação, sugere-se DEVLIN, ESTEVADEORDAL & RODRIGUEZ,
denominá-las de visões “otimista” e “pessimis- 2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009; LEDERMAN,
ta”14. A primeira percebe na ascensão chinesa a OLARREAGA & PERRY, 2008). A ampliação dos
fluxos de comércio e investimentos é a face eco-
13 A soma excede 100% porque as categorias não são nômica mais evidente desse processo. Tal aproxi-
mutuamente exclusivas (NAUGTHON, 2007, p. 302-303). mação dá-se em um momento de reordenamento
dos espaços de poder em nível internacional. Pro-
14 As referências estão, dentre outros, em Fujita (2001),
jeções feitas nos últimos anos sugerem que a Chi-
Castro (2008) e Conferência Nacional de Política Externa e
Política Internacional (2009). Para o contexto latino-ameri-
na deverá tornar-se, ainda na primeira metade do
cano, ver CAF (2005), Devlin, Estevadeordal e Rodriguez século XXI, a maior economia do planeta. No plano
(2006), Cepal (2006; 2008; 2009) e Lederman, Olarreaga e comercial, o país é um dos três maiores global
Perry (2008). players, com a Alemanha e os Estados Unidos.

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Note-se que, em meados dos anos 1980, a China al foi acelerando-se suavemente com o avanço da
representava cerca de 1% das exportações mun- globalização, tendo na primeira década do século
diais – peso equivalente ao do Brasil –, atingindo, XXI um momento de auge. Por seu turno, entre
em 2008, uma participação de 8,9%. A partir do 2003 e 2008, o PIB efetivo cresceu em média 4,4%
começo dos anos 1990, a China tornou-se a na- ao ano, bem acima da tendência. Com respeito ao
ção em desenvolvimento que mais absorveu In- comércio exterior verificou-se o mesmo movimen-
vestimento Direto Externo (IDE). Recentemente, to. Esse quadro, por si só, normalmente estaria
além de receptor o país também se tornou fonte associado a um processo de aceleração inflacio-
de investimentos, especialmente em outros paí- nária, o que não ocorreu. Tanto para as economi-
ses periféricos. O drive exportador chinês vem as avançadas, quanto nas em desenvolvimento,
impondo uma crescente pressão competitiva so- os preços ao consumidor final mostraram-se bem-
bre economias industrializadas e em desenvolvi- comportados, a despeito da sensível elevação dos
mento. Sua demanda por matérias-primas e ener- preços reais (deflacionados) das matérias-primas
gia afeta, cada vez mais, a distribuição mundial da nos anos recentes (UNCT AD, 2008; 2009a). É
oferta e dos preços das commodities, com distin- bem verdade que no caso dos países em desen-
tos impactos sobre outros países, produtores e volvimento, a alta nos preços de alimentos e ener-
consumidores. gia desdobrou-se em aumento da inflação no ano
de 2008.
É nesse processo de rápida ascensão, carac-
terizada por suas lideranças políticas e intelectu- Com explicar essa situação especial? Em gran-
ais como tendo um caráter pacífico, que a China de medida ela foi produzida pela convergência de
adentrou o século XXI como membro da OMC e, fatores conjunturais e de uma transformação es-
com os EUA, como motor do crescimento glo- trutural que, então, explicitou-se com muita in-
bal. Entre 2003 e o primeiro semestre de 2008 a tensidade. Do ponto de vista conjuntural, as prin-
economia mundial viveu um ciclo de expansão cipais economias avançadas, particularmente os
excepcionalmente favorável. Tal caráter “excep- EUA, reagiram ao ambiente de menor crescimen-
cional” deveu-se à confluência de alguns fatores, to e de instabilidade financeira do começo dos
principalmente: crescimento elevado – com taxas anos 2000, por meio de políticas monetárias e fis-
médias de variação no PIB global acima de 4% – cais largamente expansionistas. Nos EUA,
associado à inflação baixa (pelo menos até mea- Greenspan comandou uma redução da FED Fund
dos de 2007); retomada de dinamismo em regiões Rate do patamar de 6,5% (maio de 2000) ao ano
que, nos anos 1980 e 1990, apresentaram níveis para 1% (junho de 2003), o que facilitou a diges-
baixos de expansão da renda, comoAmérica Lati- tão dos passivos acumulados no período de eufo-
na, África e Leste Europeu, ou em economias ria anterior, evitando que a ruptura financeira ain-
maduras como Japão e Alemanha; melhoria subs- da mais grave do que a contração verificada em
tancial nos resultados das contas externas e nas função da bolha especulativa da Nasdaq e dos es-
finanças públicas das economias em desenvolvi- cândalos corporativos. Havia um temor de que os
mento previamente caracterizadas por níveis ele- problemas do mercado acionário contaminassem,
vados de vulnerabilidade externa e fragilidade fis- ainda mais, o lado real da economia estadunidense.
cal. Essas características brotaram em um mo- Por sua vez, a gestão fiscal do novo governo re-
mento em que a estrutura da economia revelava publicano de George W. Bush (2001-2009) trans-
uma nova realidade: economias emergentes, como formou a herança desuperavits do governo Clinton
China, Índia, Rússia, Brasil, entre outras, passa- (1993-2001) em deficits crescentes, dados os
ram a ter um peso na renda mundial, nos fluxos aumentos de gastos e as reduções de impostos.
de comércio e na determinação do ritmo de ex-
Essa combinação alimentou a continuidade do
pansão equivalentes ou superiores aos das econo-
modelo de simbiose entre EUA e China: por parte
mias centrais (GOLDMAN SACHS, 2007, EL-
do primeiro, o crescimento estava baseado na ex-
ERIAN, 2008). Dados do FMI (IMF, 2008; 2009)
pansão ainda mais intensa do consumo, com
sugerem que, em 2007 e 2008, mais da metade
endividamento crescente; do lado do segundo, a
do PIB global, medido em paridade poder de com-
acumulação de capital, os ganhos de produtivida-
pra, era gerado nos países em desenvolvimento.
de e os níveis elevados de poupança contribuíram
De acordo com tais estimativas (IMF , 2008; para transformar sua base produtiva em fonte es-
2009), a tendência de crescimento do PIB mundi- tratégica da oferta mundial de manufaturas. Nes-

21
A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

se contexto, as economias emergentes, particu- 0,7% em 2008, ainda assim um valor moderado
larmente a China, passaram a responder por par- diante dos deficits de 4% do PIB, comuns nos anos
celas crescentes do PIB mundial e, por isso, de 1990. Tal inversão nos resultados em conta cor -
sua taxa de variação. rente contribuiu para o acúmulo de reservas inter-
nacionais. No caso da América Latina, em 2007 e
Portanto, o eixo central dessa nova ordem glo-
2008, as principais economias da região tinham
bal girava em torno dos EUA e da China. O pri-
reservas da ordem de US$ 300 bilhões – pouco
meiro representava o grande mercado consumi-
mais de 10% do PIB regional. Esse valor era o tri-
dor em última instância, e o segundo a nova fábri-
plo do verificado no começo dos anos 2000, tanto
ca do mundo. Em contrapartida, aos resultados
em termos absolutos, quanto relativos à renda.Ten-
favoráveis daquele ciclo explicitavam-se vários
dência semelhante de crescimento verificou-se na
desequilíbrios, especialmente nos pagamentos in-
Ásia e, com mais intensidade, no Oriente Médio.
ternacionais. A economia estadunidense, com seus
Das economias analisadas, somente o Leste Euro-
níveis recordes de endividamento nas esferas pri-
peu experimentou, no ciclo aqui destacado, o
vada e pública, apresentava padrões de gastos
aprofundamento dos deficits em conta corrente,
domésticos que excediam, de maneira
reproduzindo o modelo de crescimento com ab-
preocupante, a renda nacional. Por esse motivo
sorção de poupança externa.
, ampliavam-se os deficits em conta corrente,
Se, ao lado da demanda global, a economia
que de uma média de 2% do PIB no final dos anos
estadunidense representava a principal fonte de di-
1990, passaram a 4% no começo dos anos 2000
namismo, alimentada pelo crédito farto e barato e
e atingiram o pico de 6% a 7% entre 2006 e 2007.
pelo efeito riqueza, ao lado da oferta, as redes
O espelho dos deficits em conta corrente é a uti-
globalizadas de produção e comércio localizadas
lização de poupança externa para seu financiamen-
na China garantiam a ampliação da oferta de manu-
to. No caso dos EUA, a absorção de poupança
faturas a preços baixos. Na verdade, a própria Chi-
externa entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão ao
na foi se tornando uma fonte de demanda cada vez
ano, ao longo desse ciclo, era possível na medida
mais importante, particularmente nos segmentos
em que o resto do mundo, especialmente os go-
de energia, alimentos e matérias-primas.A forte alta
vernos dos países com superávits em conta cor-
no preço das commodities não se traduziu em infla-
rente, passaram a acumular ativos de reserva, tam-
ção, pelo menos até meados de 2007, pois a China,
bém em níveis inéditos.
responsável última por aquele movimento, garantiu
Tais desequilíbrios nos pagamentos internaci- a manutenção de preços de manufaturas em níveis
onais também provocaram um descolamento en- estáveis ou cadentes. O aparente milagre do cres-
tre as posições financeiras. Os EUA, que já pos- cimento acelerado e espraiado, com inflação baixa,
suíam uma posição líquida de investimento defi- tem na China uma explicação fundamental.
citária em 1997, equivalente a 3% do PIB mundi-
A combinação de aumentos recordes nos pre-
al, passaram a ter, em 2008, uma posição devedo-
ços das commodities, desde logo potencializados
ra líquida da ordem de 8% do PIB mundial. Na
pela especulação em um ambiente de excesso de
outra ponta, “velhos” – o Japão e os países ex-
liquidez e falta de regulação, e estabilidade nos pre-
portadores de petróleo – e “novos” credores – a
ços industriais produziu um choque favorável nos
Ásia, liderada pela China – viram-se na situação
termos de intercâmbio dos países em desenvolvi-
de ampliação significativa de suas posições. Hou-
mento, particularmente na América Latina e Áfri-
ve, assim, uma redistribuição do poder e riqueza
ca, o que permitiu a rara combinação de retomada
em nível mundial, representando na posse de ati-
de crescimento, com melhoria nas contas externas
vos financeiros, a mesma dinâmica de ascensão
e públicas. Completava-se assim, o quadro da
produtiva e comercial descrita anteriormente.
“grande moderação”. Todavia, a crise financeira
Nesse mesmo ciclo (2003-2008) as regiões iniciada nos EUA também foi produto da globalização
periféricas, com exceção do Leste Europeu, expe- financeira, do crédito farto e da ausência de ante-
rimentaram uma melhoria sensível de seus resulta- paros regulatórios capazes de ordenar o mundo das
dos em conta corrente. A América Latina, usual- finanças, criando, no período atual, a contraface
mente deficitária, apresentou resultados positivos da fase anterior. O ciclo “excepcionalmente favo-
da ordem de 1% do PIB da região em média, entre rável” de crescimento metamorfoseou-se na maior
2004 e 2007, voltando a apresentar um deficit de crise financeira desde 1929.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

Conforme tem sido destacado pela literatura ados: aquele identificado com a experiência mexi-
recente (CAF, 2005; DEVLIN, ESTEVADEORDAL cana e centro-americana, em que predominam
& RODRIGUEZ, 2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009; deficits com a China, e aquele verificado nos pa-
LEDERMAN, OLARREAGA & PERRY, 2008) o íses sul-americanos, em que é possível identificar
comércio de mercadorias entre a China e os países períodos de superavits sustentados pela explosão
latino-americanos vem crescendo a taxas signifi- das exportações de commodities primárias e
cativamente superiores àquelas verificadas para o energéticas, além de manufaturas de baixo con-
total transacionado na região. Tomando-se por re- teúdo tecnológico; (iii) nos dois casos o perfil de
ferência o ano de 2008, e considerando-se o con- comércio vem alterando-se ao longo do tempo em
junto da América Latina e Caribe, a China repre- um sentido de redução do conteúdo tecnológico
sentou 3,9 % das exportações – US$ 31 bilhões de dos produtos exportados para a China e amplia-
um total de US$ 782 bilhões – e 10,8% das impor- ção daquele conteúdo nas importações.
tações – US$ 80 bilhões de um total de US$ 739
O caso brasileiro é representativo desse pa-
bilhões – o que implicou um deficit de US$ 49 bi-
drão. No ano de 2009, a China transformou-se no
lhões. Para colocar em perspectiva, no ano de 2000
principal parceiro comercial do Brasil, papel antes
as participações da China nas exportações e impor-
ocupado pelos EUA. O gigante asiático absorveu
tações da região eram de, respectivamente, 0,9% e
13,2% das exportações brasileiras e originou
2,2%. Para os países do MERCOSUL, a China re-
12,5% das importações. Em termos da corrente
presentava, em 2000, 2,4% das exportações e 3,2%
de comércio, China e EUA têm proporções seme-
das importações. Em 2008, tais proporções eram
lhantes de 13%. No ano de 2000, o peso da China
de, respectivamente, 8,3% e 12,3%.
no comércio exterior do país era de 2%. Desde
É importante destacar algumas características então, conforme pode ser observado no Gráfico
das relações comerciais entre os países da região 7, a seguir, o ritmo de expansão do comércio bila-
e a China, quais sejam: (i) os fluxos de comércio teral foi mais intenso do que o verificado no con-
crescem de modo mais veloz entre tais economi- junto do comércio exterior brasileiro. No ciclo de
as do que a média dos demais destinos de expor- alta de preços das matérias-primas, depois de
tações e origens de importações; ( ii) há pelo me- 2003, os superavits brasileiros foram crescentes,
nos dois padrões de comércio claramente deline- com exceção dos anos de 2007 e 2008.

GRÁFICO 7 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA (1988-2008)


(US$ MILHÕES)

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2011).

Como também é típico da experiência latino- teúdo tecnológico. Assim, por exemplo, dois pro-
americana, as exportações brasileiras têm concen- dutos, soja e minério de ferro, vêm representando
trado-se, cada vez mais, em produtos de baixo con- mais de dois terços do total exportado pelo Brasil.

23
A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

O Gráfico 8 toma a classificação setorial da Cepal Brasil eram intensivos em recursos naturais, in
(2009) sobre a intensidade tecnológica dos produ- natura ou processados. Tal proporção era de 53%
tos e mostra a evolução das exportações brasileiras em 1990. Por outro lado, as importações evoluí-
para a China e as importações originadas naquele ram no sentido contrário, com ampliação na parti-
país. Em 2008, 90% dos produtos exportados pelo cipação dos setores de média e alta tecnologia.

GRÁFICO 8 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA POR


INTENSIDADE TECNOLÓGICA (1990-2008) % DO TOTAL EXPORTADO)

FONTE: Cepal (2009).

O Gráfico 9 apresenta os resultados de uma autores estimaram modelos gravitacionais, conclu-


estimativa sobre o grau de convergência dos ciclos indo que aquela convergência estaria associada ao
de negócios entre o Brasil e seus três principais incremento nos fluxos de comércio de mercadoriais.
parceiros comerciais realizada por Cunha, Monsueto Neste mesmo trabalho foram calculados diversos
e Bichara (2010). Verifica-se que a economia bra- indicadores de desempenho do comércio interna-
sileira parece estar cada vez mais vinculada à cional do Brasil, para avaliar a competitividade das
chinsesa, ao passo que a convergência cíclica com exportações brasileiras e o padrão de inserção ex-
os EUA e a Argentina têm perddido densidade. Os terna do país no plano comercial.

GRÁFICO 9 – CORRELAÇÃO ENTRE PIBS DE ECONOMIAS SELECIONADAS PELOS MÉTODOS BASTER-


KING E HODRICK-PRESCOTT (1960-2007; %)

FONTE: WORLD BANK (2010).


NOTA: Detalhes metodológicos em Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Baxter e King (1999). Os coefici-
entes de correlação dos ciclos econômicos foram calculados para períodos de 15 anos e estima-
dos sucessivamente.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

O indicador de Intensidade de Comércio (IC), exportações mundiais que se direcionam a “j”. Um


usado para avaliar em que medida o valor indicador maior (menor) do que um indica que os
transacionado entre dois países quaisquer é maior fluxos bilaterais de comércio são maiores (meno-
(ou menor) do que seria esperado quando se leva res) do que o esperado, dado o peso do parceiro
em consideração sua importância relativa no co- comercial no comércio mundial. O Gráfico 10
mércio internacional, reafirmou a maior vinculação sugere que, por esse critério, o comércio entre
entre Brasil e China. Ele é definido como sendo a Brasil e China tem sido cada vez mais intenso,
parcela das exportações do “país i” que se nos moldes do que já acontecida entre Brasil e
direciona para o “país j” dividido pela parcela das EUA, e Brasil eArgentina.

GRÁFICO 10 – INDICADOR DE INTENSIDADE DE COMÉRCIO EM ECONOMIAS SELECIONADAS (1999-


2008)

FONTE: Cunha, Monsueto e Bichara (2010), com dados primários de World Bank (2010).

Cunha, Monsueto e Bichara (2010) consta- V. CONCLUSÕES


tam que o comércio bilateral Brasil-China, quan-
A ascensão da China à condição de potência
do controlado em uma amostra mais ampla de
global marca uma novidade: pela primeira vez a
países, tende a ser marcado pela especialização
ordem capitalista global poderá deixar de ser
brasileira em setores intensivos em recursos na-
hegemonizada pelo mundo ocidental 15. O “mila-
turais. Por sua vez, Lélis, Cunha e Lima (2010)
gre japonês” do período posterior à II Guerra
mostram que tal padrão, associada à busca chi-
Mundial, a despeito de criar o que por muito tem-
nesa por mercados capazes de absorver suas
po foi a segunda maior economia do mundo 16,
exportações de bens industrializados, coloca em
não significou a contestação da posição de
xeque a capacidade de o Brasil manter posições
centralidade econômica e política das potências
de liderança em mercados latino-americanos de
ocidentais. Por outro lado, o avanço chinês colo-
manufaturas. Vale dizer, especialmente depois da
ca-se no centro das atenções dos internacionalistas,
crise financeira global, as exportações chinesas
de manufaturas vem avançando na região, des-
locando os fornecedores brasileiros. Postos em 15 No século XX, especialmente no contexto da Guerra
conjunto, o efeito China representa, nessa dimen- Fria, havia uma disputa de sistemas econômicos e sociais.
são produtivo-comercial, um binômio cada vez No século XXI, na ausência de demarcação clara entre
mais instável e potencialmente perigoso: de um modelos sociais radicalmente alternativos, assume-se que a
disputa de poderes se dá a partir de modelos variantes
lado, estimula os setores intensivos em recursos
nacionais de uma ordem internacional que é (ainda) capita-
naturais, o que sinaliza para uma especialização lista.
produtiva que faz eco ao modelo primário-ex-
16 Até 2009 o Japão costumava figurar como sendo a segun-
portador anterior a 1930; por outro, e intensifi-
da maior economia, quando se mede em dólares em valores
cando os riscos dessa especialização regressiva, correntes. Em 2010, possivelmente a China passou a ocupar
a concorrência chinesa impõe perdas de merca- tal posição (CHINA OVERTAKES JAPAN, 2010). Já em
do para produtores e exportadores industriais do paridade poder de compra, a China já era considerada a se-
Brasil. gunda maior economia, atrás apenas dos EUA.

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A CHINA E O BRASILNA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

particularmente nos EUA. Debate-se, intensamente recente de expansão e crise da economia mundi-
quando a economia chinesa será maior que dos al. Sua participação crescente nos fluxos comer-
EUA; qual o poder dissuasório e o ritmo de mo- ciais e financeiros, bem como na determinação
dernização das forças armadas chinesas; se a do ritmo de crescimento global, têm gerado im-
emergência da China será marcada pela contesta- pactos variados sobre os países desenvolvidos e
ção explícita aos marcos institucionais que vêm em desenvolvimento. No caso do Brasil, a deman-
governando as relações internacionais, entre ou- da chinesa por matérias-primas gerou um ciclo
tros temas. de expansão nos preços desses produtos, o que,
por sua vez, criou um ambiente propício à acele-
Nesse contexto, o presente trabalho procurou
ração no crescimento com melhoria na situação
mapear alguns aspectos dessa vertiginosa
fiscal e externa das economias com o perfil de
reemergência chinesa e seus impactos potenciais
complementaridade à China.Verificou-se a impor-
sobre o Brasil. Nossas evidências privilegiaram a
tância crescente desse país como destino de ex-
dimensão comercial das relações sino-brasileiras.
portações e origem de importações do Brasil e do
Verificou-se a intensificação do comércio, a ten-
restante da América Latina.
dência a uma especialização regressiva por parte
do Brasil e a maior vinculação entre o ciclo de Por outro lado, e tomando a perspectiva das
negócios brasileiro com o chinês. Tais caracte- economias ricas em recursos naturais, essa
rísticas têm sido identificadas em outros estudos, complementaridade tem gerado um perfil de co-
fazendo que os analistas posicionem-se, quer mércio que aprofunda a tendência histórica de
enfatizando os estímulos positivos da presença especialização na produção e exportação de pro-
chinesa em nossa realidade, quer destacando al- dutos intensivos na utilização daqueles recursos,
guns riscos potenciais derivados da própria e de importações de manufaturas intensivas em
complementaridade entre ambas as economias. tecnologia. Nesse momento de ascensão chinesa,
a maior convergência cíclica entre a economia
Os “otimistas” percebem na ascensão chinesa
brasileira e a do gigante asiático, associada a uma
a possibilidade de consolidação de uma nova or-
menor convergência com os EUA e as principais
dem internacional menos centrada no poder ame-
economias sul-americanas, particularmente a Ar-
ricano e com maior abertura de espaços para que
gentina, sugere a possibilidade futura de
o Brasil consolide-se como uma potência líder entre
realinhamento na dinâmica de crescimento do país.
os países em desenvolvimento, particularmente na
Os resultados aqui resumidos e detalhados em
América do Sul. A demanda chinesa por recursos
Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e em Lélis,
naturais criaria um vetor de dinamismo para a
Cunha e Lima (2010) não permitem afirmar que
economia brasileira ao longo dos próximos anos,
tal efeito China seria (ou será) a fonte de expan-
o que permitiria a ruptura do quadro de
são da economia brasileira. Indicam, apenas, que
semiestagnação derivado da crise da dívida exter-
há uma maior convergência cíclica entre essas
na dos anos 1980. Evidentemente, a demanda
economias. O destino das relações bilaterais, em
chinesa per se não teria esse poder indutor, sendo
suas múltiplas dimensões, dependerá da forma
percebida como uma alavanca para a
como o Brasil vier a encarar o desafio chinês. A
internacionalização de setores produtivos intensi-
agenda chinesa está cada vez mais clara e parece
vos na produção e industrialização de bens inten-
colocar o Brasil e as demais economias ricas em
sivos em recursos naturais. Por outro lado, os
recursos naturais como fontes de suprimento de
pessimistas olham para essa mesma possibilidade
matérias-primas e de destino para suas exporta-
como sendo um risco de involução, com o Brasil
ções de manufaturas, reproduzindo, em alguma
retornando a uma posição semelhante àquela dos
medida, o padrão Norte-Sul que caracterizava as
anos prévios a 1930, de uma economia primário-
relações entre o centro industrializado e a perife-
exportadora.
ria subdesenvolvida até a crise de 1929. Aceitar
Sem a pretensão de resolver esse debate, o ou não esse papel irá moldar as possibilidades de
presente artigo procurou contribuir com evidên- futuro da economia brasileira.
cias adicionais do padrão de comércio bilateral e
Não se está insinuando aqui que os estímulos
do grau de convergência cíclica entre as duas
derivados da demanda chinesa por recursos natu-
economias. Em um primeiro momento procurou-
rais devam ser desprezados. Pelo contrário, eles
se delinear o papel da economia chinesa no ciclo

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

têm o potencial de gerar renda, empregos e divi- não parece ser do interesse brasileiro abrir mão
sas. Todavia, não se pode desconhecer as lições de uma indústria manufatureira integrada e com-
da nossa história e da própria experiência chinesa petitiva, bem como do controle nacional de seus
recente, em que se afirma a importância para pa- recursos naturais. Ao avançar sobre esses dois
íses complexos e com grandes populações man- parâmetros a aproximação chinesa poderá confi-
terem estruturas produtivas diversificadas.Assim, gurar-se mais em ameaça do que em benefício.

André Moreira Cunha (andre.cunha@ufrgs.br) é Doutor em Economia pela Universidade Estadual de


Campinas (Unicamp) e Professor de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

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29
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011
ABSTRACTS

BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER


André Moreira Cunha
China’s rise to the role of global economic and political power has been at the center of recent
academic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. We
look at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering a
broader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek to
map out the impact that China’s rise to the position of global power may have on Brazil. We place
emphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of the
process of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capable
of influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fall
into three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against the
backdrop of the dynamics of “major divergence”; (ii) an overview of the current situation of the
Chinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the world
economy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploring
some of the normative implications of our results.
KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.
* * *
BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?
Danielly Silva Ramos Becard
This article looks at recent relations established between Brazil and the People’s Republic of China
(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challenges
that remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the last
two decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have moved
ahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growing
interdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely because
of (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-
China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution of
Sino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify as
follows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)
crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,
(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations
(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening and
globalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,
on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilian
foreign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,
developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive to
internationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus widening
the logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.
KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.
* * *

145
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011
RESUMÉS

LA CHINE ET LE BRÉSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL


André Moreira Cunha
L’ascension chinoise à la condition de puissance économique et politique à l’échelle mondiale, est
dans le centre des débats académiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impacts
de cet événement important, au Brésil. Nous vérifions le commerce bilatéral et les modèles de
convergence cyclique entre les deux économies, en considérant une analyse plus large de la compétitivité
extérieure de l’économie brésilienne. A partir de ce contexte, on vise à établir quelques uns des impacts
possibles de l’ascension de la Chine à la condition de puissance mondiale, sur le Brésil. L’accent est mis
sur la dimension économique, spécialement le commerce international. On part de la perspective selon
laquelle, le processus de croissance et internationalisation de l’économie chinoise produit des stimulations
capables de rendre possible le développement brésilien dans les prochaines décennies. Les arguments
sont structurés en trois sections : (i) on cherche à représenter une vision panoramique de l’ascension
chinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la « grande divergence » ; (ii) on fait un résumé
de la situation contemporaine de l’économie chinoise ; et (iii) on fait l’analyse des effets de la croissante
internationalisation chinoise sur l’économie mondiale, en soulignant les cas de l’Amérique du Sud et du
Brésil. Nous concluons en vérifiant quelques implications normatives de nos résultats.
MOTS-CLÉS: le Brésil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles d’affaires.
* * *
QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRÉSIL ET LA CHINE?
Danielly Silva Ramos Becard
L’article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de La
Chine (RPC). L’objectif, c’est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans les
relations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant les
dernières décénnies (1990-2010). On utilise l’hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésil
et la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d’une plus
grande liberté d’action promue par l’interdépendance croissante du système international ; malgré
les limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii)
au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l’hypothèse,
l’évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les trois
premières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement des
relations (1949-1974), à (ii) l’établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crise
des relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennes
ont été présentées ; (iv) l’établissement d’un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturation
des relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu’à aujourd’hui). Nous concluons
que, d’un côté, les processus d’ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permis
un resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d’un autre côté, les crises de légitimité chinoise
dans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit à
des fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politique
extérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée à
l’exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, la
Chine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistique
de sa politique extérieure et la recherche d’opportunités déjà au début des années 2000.
Mots-clés : la Chine ; le Brésil ; les relations bilatérales ; les relations économiques et commerciales.
* * *

151
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

Danielly Silva Ramos Becard

RESUMO

O artigo trata das relações recentes mantidas entre o Brasil e a República Popular da China (RPC).
Objetiva-se apontar os resultados alcançados e os desafios remanescentes nas relações econômico-comer-
ciais e na cooperação bilateral sino-brasileira nas últimas duas décadas (1990-2010). Utiliza-se a hipótese
de que as relações entre Brasil e China apresentaram avanços durante o período graças, em especial, à
maior liberdade de ação promovida pela interdependência crescente do sistema internacional; embora tais
avanços tenham sido limitados devido, sobretudo, (i) às instabilidades internas no Brasil e na China e (ii)
à falta de planejamento sistemático da parceria sino-brasileira. Para verificar a hipótese foi examinada a
evolução histórica das relações sino-brasileiras, destacando as três primeiras fases das relações bilaterais,
referentes à (i) gestação das relações (1949-1974); (ii) fixação das bases das relações (1974-1990); (iii)
crise nas relações bilaterais (1990-1993). Em seguida, foram apresentadas as duas últimas fases das rela-
ções sino-brasileiras; (iv) o estabelecimento da parceria estratégica (1993-2003) e (v) a maturação das
relações bilaterais sino-brasileiras (2003 aos dias atuais). Concluímos que, por um lado, os processos de
abertura e globalização no início dos anos 1990 permitiram um aumento de laços entre Brasil e China e,
por outro, crises de legitimidade chinesa no plano internacional e mudanças na política externa brasileira
levaram a fortes impasses nas relações; por sua vez, enquanto o Brasil hesitou entre uma política externa
cooperativa e desenvolvimentista e uma política externa neoliberal e autolimitada à exploração de aspec-
tos econômicos, e submissa a forças hegemônicas internacionais, a China reforçou o pragmatismo de seu
comportamento internacional, ampliando o perfil logístico de sua política externa e a busca por oportuni-
dades já no início dos anos 2000.
PALAVRAS-CHAVE: China; Brasil; relações bilaterais; relações econômico-comerciais.

I. INTRODUÇÃO: RELAÇÕES EMBRIONÁRI- pular da China (RPC) pela América Latina, em


AS ENTRE BRASIL E CHINA (1949-1974) geral, e pelo Brasil, em particular, estava direta-
mente ligado à vontade de reconstruir o país e
A história comum entre Brasil e China, cujas
aumentar sua segurança. Diante das dificuldades
raízes remontam aos anos 1950, passou por diver-
enfrentadas no relacionamento com a União das
sas etapas que refletiram sobremaneira os projetos
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a par-
desenvolvimentistas de ambos os países e sua ca-
tir do final dos anos 1950, a China decidiu contra-
pacidade de adaptação às transformações em cur-
atacar sistematicamente a política soviética no seio
so no sistema internacional. A primeira fase das re-
do movimento comunista internacional, com vis-
lações sino-brasileiras – que se estendeu da funda-
tas a aumentar seu poder político e fazer-se acei-
ção da República Popular da China, em 1949, até a
tar mundialmente.
assinatura do acordo de reconhecimento diplomá-
tico entre os dois países, em 1974 – foi marcada Na década de 1960, a China passou a lutar
por grandes objetivos de parte a parte: a vontade contra as forças hegemônicas das duas potências
chinesa de prosseguir com sua política de liberta- da época, Estados Unidos e URSS, apoiando-se
ção nacional e o interesse brasileiro de alargar sua nos países capitalistas desenvolvidos da Europa
lista de parceiros comerciais e aumentar seu pres- Ocidental e nos países subdesenvolvidos e em
tígio internacional. O ápice da fase embrionária desenvolvimento da Ásia, África e América Lati-
ocorreu em 1961, com a visita do Vice-Presidente na para prosseguir na luta de libertação nacional.
João Goulart à China, a primeira até então. Porém, e em particular, vários fatores dificultaram
o desenvolvimento de uma verdadeira política ex-
Logo após a sua fundação em 1949 e ao longo
terna chinesa para a América Latina ao longo das
da década de 1950, o interesse da República Po-

Recebido em 25 de maio de 2011.


Aprovado em 25 de junho de 2011.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 31-44, nov. 2011
31
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

décadas de 1950 e 1960: a falta de recursos finan- de 1970, modificou profundamente a situação in-
ceiros, a diplomacia marcadamente isolacionista e ternacional da China, proporcionando-lhe mais
a preponderância dos Estados Unidos na América segurança frente à URSS, maior inserção no mun-
Latina – inclusive por meio de políticas de conten- do dos negócios ocidental e mais chances de al-
ção ao comunismo. Os resultados obtidos pelos cançar suas ambições político-econômicas. A ob-
chineses foram poucos, sendo que os latino-ame- tenção de assento permanente, antes ocupado por
ricanos de “esquerda” preferiram, em sua maioria, Taiwan, no Conselho de Segurança da Organiza-
continuar sob a influência soviética. ção das Nações Unidas (ONU), em 1971, em tro-
ca da aproximação com os Estados Unidos para
O Brasil, de sua parte, também buscou apro-
fazer face à URSS, trouxe melhoras progressivas
ximar-se da China nos anos 1960, afirmando que
para as relações internacionais da China, tirando-
desacordos ideológicos não deveriam impedir que
a de seu isolamento político.
o país mantivesse relações com todos os povos.
Assim, a política de alargamento de parceiros co- Por outro lado, com a retomada do curso his-
merciais e de aumento do prestígio internacional tórico e nacional-desenvolvimentista da diploma-
do país fez que, durante a presidência de Jânio cia brasileira, o Brasil também passou a adotar
Quadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961), o atitude mais pragmática e menos ideológica na
Brasil aproximasse-se da China. Em agosto de condução de sua política externa, sobretudo
1961, por exemplo, o Vice-Presidente João Goulart objetivando aumentar as possibilidades de diver-
visitou a China, tornando-se o primeiro governante sificar seus parceiros e abrir novos mercados.
brasileiro a realizar uma visita oficial ao país. Porém, apesar dos esforços de aproximação em-
pregados pelo Brasil frente à China, aspectos liga-
A partir da instauração do regime militar brasi-
dos à ideologia de segurança nacional e ao com-
leiro, em 1 de abril de 1964, o governo de Castello
bate ao comunismo persistiram na definição dos
Branco afastou-se da política externa praticada até
interesses nacionais brasileiros durante o governo
então, a chamada política externa independente,
Médici (1969-1974), impedindo, mas por pouco
e decidiu juntar-se às potências ocidentais, sobre-
tempo, a oficialização das relações.
tudo por meio do alinhamento automático com os
Estados Unidos. Romperam-se, de imediato, as II. FIXAÇÃO DE BASES DAS RELAÇÕES
relações com a China, sob a influência de idéias SINO-BRASILEIRAS (1974-1990)
discriminatórias e do repúdio às práticas comu-
Decorrida uma década desde a instauração do
nistas revolucionárias.
regime militar brasileiro, as relações entre Brasil e
Porém, no início da década de 1970, diferen- China começaram a ser, de fato, construídas, ago-
tes fatores permitiram uma reaproximação entre ra sobre bases mais sólidas.
Brasil e China. Por um lado, a China diminuiu seu
Com o chamado pragmatismo responsável e
apoio aos movimentos revolucionários na Améri-
uma maior flexibilidade ideológica, adotados pelo
ca Latina (considerados inaceitáveis pelo regime
governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a coope-
militar brasileiro) e buscou desenvolver uma di-
ração com a China tornou-se possível. Tal relação
plomacia estratégica de governo a governo – pro-
deveria servir, de acordo com o olhar do Brasil,
metendo respeitar o princípio de não intervenção
para afirmar a presença autônoma e aumentar o
em assuntos internos (também adotado pela di-
prestígio brasileiro no sistema internacional. Fo-
plomacia brasileira). Interessava à China encerrar
ram considerados subsídios de peso na decisão
o isolamento de Pequim no sistema internacional,
adotada por Geisel perante a China, tanto o pres-
aumentar sua legitimidade internacional e angariar
tígio internacional adquirido por este país quanto
apoio e reconhecimento, inclusive perante atitu-
a convergência de interesses e posições políticas
des independentistas de Taiwan. Frente aos ga-
internacionais que passaram a existir entre os no-
nhos limitados obtidos até então, a política exter-
vos parceiros.
na chinesa também passou a ostentar atitudes me-
nos ideológicas e mais pragmáticas, voltando-se Apesar da vontade de Brasil e China em pro-
não apenas para a busca de segurança e indepen- mover a cooperação bilateral, as relações desen-
dência, mas principalmente do desenvolvimento volveram-se lentamente nos primeiros anos des-
nacional. A opção de participar ativamente das de o restabelecimento oficial de laços diplomáti-
questões americano-soviéticas, a partir da década cos, em agosto de 1974. Na China, mudanças

32
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

políticas internas (após a morte de Zhou En-lai e A China, de sua parte, também adotou, a partir
de Mao Zedong, ambas em 1976) e necessidades dos anos 1980, estratégias de desenvolvimento
de ajustes nos projetos de reforma econômica e baseadas na ampliação de suas relações internaci-
de melhorias de infraestrutura dificultaram as tro- onais, sobretudo com vistas à aquisição e domi-
cas entre os parceiros. Assim como o Brasil, a nação de tecnologias avançadas (parte do projeto
China carecia, naquele momento, de recursos para das Quatro Modernizações – envolvendo a agri-
incrementar as relações Sul-Sul. Por sua vez, o cultura, indústria, ciência e tecnologia), à conser-
entendimento mútuo era dificultado pelas grandes vação de sua independência internacional e à aqui-
distâncias físicas e culturais e conhecimento sição de status de “igual aos grandes”. O início da
incipiente das realidades nacionais. era Deng Xiaoping (a partir de 1978) marcou de
forma definitiva o comprometimento chinês com
Com a assinatura do primeiro Acordo Comer-
a modernização, passando o desenvolvimento e a
cial entre Brasil e China (em 1978), a corrente de
segurança a ter maior peso que a ideologia como
comércio começou a evoluir de forma gradual,
fatores-chave da política externa.
indo de US$ 19,4 milhões em 1974 para US$ 202
milhões em 1979. Produtos primários como algo- Em termos gerais, a política externa da China
dão, açúcar e farelo de soja figuraram entre os para a América Latina nos anos 1980 foi condicio-
mais exportados para a China naquele momento nada às possibilidades de contribuição ao próprio
(50% do total), enquanto, sobretudo, elementos desenvolvimento nacional, tendo sido dada priori-
químicos e farmacêuticos (67% do total) foram dade às realizações menos espetaculares e onero-
os produtos chineses mais importados pelo Bra- sas. A opção por não mais rivalizar com as grandes
sil. A partir de 1978, o petróleo passou a repre- potências e avançar nos projetos de modernização
sentar mais de 95% dos produtos importados da levou a China a colocar ênfase apenas na coopera-
China por brasileiros. ção “Sul-Sul” que pudesse trazer vantagens eco-
nômico-comerciais concretas. Devido a tal condu-
Em termos gerais, ademais do reconhecimen-
ta, a colaboração da China com a maior parte dos
to diplomático, os anos 1970 não trouxeram gran-
países da América Latina restringiu-se, naquele
des resultados para as relações sinobrasileiras, ten-
momento, sobretudo ao plano político-institucional.
do sido o conhecimento mútuo e os recursos fi-
Em particular, além de apoiar processos de
nanceiros insuficientes para fomentar as relações.
integração e criticar políticas intervencionistas das
Brasil e China tiveram de aguardar a década de
superpotências naquela região, sobretudo dos Es-
1980 para que pudessem explorar outras formas
tados Unidos, a China aumentou a troca de visitas
de cooperação conjunta.
com países latino-americanos e incrementou o pro-
Ademais, os parcos resultados alcançados em cesso de construção do aparato institucional, base-
suas relações internacionais durante a passagem ado na assinatura de acordos em áreas diversas e
dos anos 1970 para os 1980, particularmente com criação de grupos de trabalho bilaterais.
os países desenvolvidos, levaram o Brasil a inves-
Com o Brasil, as possibilidades de ganhos con-
tir tanto em sua política regional – tendo avança-
cretos nas áreas econômica, científica e
do no processo de integração via estabelecimento
tecnológica levaram à assinatura de mais de 20
de um novo eixo bilateral com a Argentina – quanto
atos bilaterais com a China ao longo da década de
na árdua tarefa de identificação e aprofundamento
1980 – incluindo os acordos básicos nas áreas de
de oportunidades de cooperação com outros paí-
ciência e tecnologia, energia nuclear e coopera-
ses do sistema internacional.
ção cultural e educacional –, permitindo a
Tornaram-se, em igual medida, objetivos institucionalização das relações e enquadramento
prioritários da diplomacia brasileira o estreitamento de ações futuras.
de relações com países em condições de desenvol-
As viagens à China do Presidente João
vimento similares às do Brasil fora da América do
Figueiredo, em junho de 1984 (primeira de um
Sul. Nesse sentido, as aberturas política e econô-
chefe de Estado e de Governo à China), e a do
mica nas relações internacionais do Brasil favore-
Presidente José Sarney, em julho de 1988, sinali-
ceram os contatos com países asiáticos, além do
zaram o fechamento do ciclo embrionário de dez
Japão.
anos – relativo ao estabelecimento formal das re-

33
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

lações sino-brasileiras – e o início do ciclo de co- sim, passado apenas um ano desde a assinatura
operação efetiva nas relações sinobrasileiras, a do acordo-base na área espacial com a China, em
despeito das turbulências econômicas e aconteci- 1988, incertezas e indefinições levaram o Brasil a
mentos políticos que iriam afetar o Brasil e a Chi- descumprir com suas obrigações financeiras pe-
na nos anos seguintes. rante o projeto Cbers, que adentrou em uma fase
de inércia.
A partir da segunda metade dos anos 1980, as
relações com a China passaram, de fato, a indicar De fato, e apesar da instauração da democra-
a autonomia que o Brasil desejava manter frente cia no Brasil, em 1985, e da abertura de novas
aos países desenvolvidos. Para os chineses, tam- frentes diplomáticas com a comunidade interna-
bém interessava manter relações com o Brasil para cional e regional, houve dificuldade de obterem-
contrabalançar as restrições à aquisição de se saldos positivos em suas relações econômico-
tecnologia avançada impostas pelos países desen- comerciais internacionais devido ao agravamento
volvidos. A proposta de construção conjunta de da questão da dívida externa, ao ressurgimento
satélites de sensoriamento remoto (projeto conhe- de fortes pressões inflacionárias, à moratória de-
cido como China-Brazil Earth Resource Satellite cretada em 1987 e ao início da redução de gran-
(Cbers)), lançada em 1988, inseriu-se de forma des projetos da era Geisel.
inequívoca nesse contexto.
Por sua vez, a repressão aos movimentos de-
Por sua vez, mesmo incipientes, as relações mocráticos na China, em maio e junho de 1989,
comerciais sinobrasileiras registraram, na primeira levou à eclosão de reações vigorosas especialmente
metade dos anos 1980, crescimento das vendas no mundo ocidental, entravando, por um lustro, a
chinesas para o Brasil de petróleo, produtos quími- abertura econômica da China. O processo de de-
cos e farmacêuticos e de peças para máquinas. Do sintegração soviética, desencadeado em agosto de
lado brasileiro, foram exportados para a China mi- 1991, também influenciou o isolamento da China,
nérios e produtos siderúrgicos, óleos vegetais, pro- afastando-a do seio do sistema internacional. Os
dutos agropecuários, além de produtos químicos e efeitos desses dois grupos de eventos nas rela-
farmacêuticos. Em meados da década de 1980, ções sino-brasileiras foram terríveis, persistindo
assistiu-se ao alcance de índice recorde na corren- ao longo dos primeiros anos da década de 1990.
te de comércio, de mais de US$ 1 bilhão, e à eleva-
III. CRISES E NOVOS DESAFIOS NA PARCE-
ção da China a segundo maior mercado asiático
RIA SINO-BRASILEIRA (1990-1993)
para as exportações brasileiras, depois do Japão.
Mudanças sistêmicas internacionais no início
Apesar do cenário promissor para as relações
dos anos 1990 – como o fim da Guerra Fria e a
sino-brasileiros ao final dos anos 1980, diversos
retomada da expansão do capitalismo internacio-
fatores como transporte caro, infraestrutura defi-
nal – foram densamente sentidas e geraram diver-
citária e produtos pouco competitivos – do lado
sas reações no Brasil, a exemplo da introdução de
brasileiro – e necessidade de ajustar o programa
medidas para aumentar a inserção e adaptação do
de reforma econômica e de efetuar melhorias na
país aos novos contornos da economia global. Em
infraestrutura portuária e ferroviária – do lado
termos gerais, para diversos autores brasileiros
chinês – foram identificados como sendo empe-
(BANDEIRA, 2004; VISENTINI, 2005; CERVO
cilhos à expansão do comércio bilateral. Por sua
& BUENO, 2008) tais ajustamentos internos, so-
vez, a persistência do desconhecimento recípro-
bretudo traduzidos por meio da abertura do mer-
co de hábitos e realidades particulares a cada um
cado interno de maneira unilateral, foram inicial-
dos países e as limitações mútuas no que se refe-
mente feitos sem garantias de competitividade e
re ao financiamento de exportações, ademais da
exigências de contrapartidas, prejudicando o avan-
concentração excessiva em poucos produtos nas
ço das políticas desenvolvimentistas brasileiras.
pautas de importação e exportação (sobretudo da
brasileira) apontavam para a existência de um qua- A convergência com países desenvolvidos
dro ainda em construção nas relações durante o governo de Fernando Collor de Mello
sinobrasileiras. (1990-1992) – em detrimento de parcerias alter-
nativas, como a chinesa – foi justificada diante da
Na presença de crises financeiras e reformas
necessidade de recuperação de terreno e
internas, o Brasil também teve dificuldades para
credibilidade, perdidos ao longo da década de 1980
fazer alavancar a cooperação com a China. As-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

devido à crise de endividamento, da instabilidade comercial; o preço pouco competitivo do petró-


monetária e da estagnação econômica brasileira. leo chinês, até então importado pelo Brasil; a rare-
Naquele momento, a China, ao contrário do Brasil feita presença tanto de “tradings” quanto de em-
com relação à Ásia, buscava uma maior aproxi- presas exportadoras brasileiras em solo chinês; a
mação com a América Latina. falta de disponibilidade de oferta exportável de
determinados produtos brasileiros.
Perante a necessidade de romper com o isola-
mento em que se encontrava desde o final dos Tanto o Brasil quanto a China tiveram dificul-
anos 1980, de recuperar a posição estratégica per- dades de criar medidas eficazes para ampliar o
dida com o fim do equilíbrio de poder da Guerra volume transacionado e diversificar a pauta de
Fria e de dar prosseguimento ao projeto de mo- exportação – concentrada na venda brasileira de
dernização, a China inaugurou uma nova platafor- minério de ferro, produtos siderúrgicos e óleo de
ma de aceleração e ampliação do processo de re- soja – e de importação – baseada na venda de pro-
forma e de abertura ao exterior. A importância dutos chineses pertencentes a quatro setores: pe-
adquirida pelos fatores econômicos no cenário tróleo e carvão, produtos químicos e farmacêuti-
internacional também despertou novos interesses cos, têxteis e máquinas e material elétrico.
e abriu distintas possibilidades de manobra para a
A iniciar-se o governo de Itamar Franco, em
China.
outubro de 1992, a preferência primeiramente
Com a América Latina, a China primou pelo dada pela política externa brasileira a países de-
estabelecimento de políticas governamentais e não senvolvidos foi cedendo espaço para as relações
governamentais em diferentes âmbitos de caráter com países em desenvolvimento com grande
crescentemente pragmático. Sendo assim, menos potencial cooperativo. Destarte, frente ao retor-
de um ano após os eventos de Tien-an-men, fo- no das diretrizes brasileiras de busca por auto-
ram reiniciadas as trocas de visitas de altas auto- nomia e participação internacional e aumento de
ridades, além de aprimorados os mecanismos de ganhos pela diversificação de parcerias – assim
consulta política bilaterais em âmbito ministerial como ao poder de atração de determinados paí-
com diversos países latino-americanos. ses no campo da ciência e da tecnologia e das
trocas comerciais – as relações com a Ásia, em
Mesmo após a superação do isolamento chi-
geral, e com a China, em particular, voltaram a
nês, logo nos primeiros anos da década de 1990,
ser incentivadas.
continuava a imperar situação contraditória nas re-
lações sino-brasileiras, em que o diálogo político- IV. A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA ESTRA-
diplomático consolidado e o amplo aparato jurídi- TÉGICA (1993-2003)
co-institucional – sustentados por mais de 50 atos
A partir de 1993, o governo Itamar Franco tra-
bilaterais – conviviam com relações comerciais
tou de imprimir um novo ímpeto ao relacionamento
medíocres e cooperação científica e tecnológica
com a China, seja no plano bilateral, a exemplo do
submetida a sérios problemas financeiros. Faltava
interesse em dar continuidade ao projeto de cons-
à parte brasileira decidir-se pela ampliação e diver-
trução conjunta de satélites de sensoriamento re-
sificação de sua inserção internacional e articula-
moto, superadas as dificuldades financeiras mais
ção de um programa amplo e integrado de trabalho
sérias; seja no multilateral, com vistas, em parti-
para a promoção dos laços com a China.
cular, à coordenação de esforços em prol da
Em particular, no campo comercial, dentre as reestruturação da Organização das Nações Uni-
razões que também pesaram negativamente na das e de seu Conselho de Segurança.
corrente sino-brasileira, encontravam-se: a apro-
Grandes empresas brasileiras, como a Com-
ximação crescente entre China e parceiros com-
panhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e a
petitivos da região asiática, como Coréia do Sul,
Andrade Gutierrez, estiveram empenhadas em
Japão e Hong Kong; a contenção das compras
obter espaço no volumoso mercado chinês, parti-
chinesas devido a ajustes no programa de refor-
cipando em licitações para a construção de hidre-
ma econômica do país; a substituição de produ-
létricas na China. Em particular, os parceiros de-
tos siderúrgicos brasileiros por produção chine-
monstraram especial interesse em trocar experi-
sa; a necessidade de diminuir deficits chineses com
ências na construção de grandes e pequenas cen-
o Brasil como condição para aumentar a corrente
trais hidrelétricas.

35
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

O aprofundamento da cooperação científica e O Brasil, de sua parte, procurou conciliar no-


tecnológica por meio do projeto Cbers deu-se vas parcerias internacionais, a exemplo da chine-
como conseqüência natural do reconhecimento, sa, com as relações tradicionalmente mantidas com
por ambos os países, do amplo potencial de cola- países desenvolvidos. Durante o governo de
boração existente no setor. Em particular, após Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apos-
difíceis anos de negociação, foram registrados seis tou-se nas relações com a China, seja no âmbito
novos documentos no setor espacial, permitindo comercial, seja nas áreas de investimentos em-
avanços nas fases de produção e fabricação dos presariais conjuntos e projetos de ciência e
satélites sinobrasileiros. tecnologia.
Em suma, o bom entendimento alcançado pe- A partir de 2000, registrou-se um forte cresci-
los parceiros na área espacial, em 1993, e a recu- mento da corrente comercial sino-brasileira, o qual
peração das trocas comerciais, a partir de 1994 – pode ser explicado tanto pelo fim do Plano Real
quando as exportações voltaram a registrar valo- no Brasil – e quebra da paridade entre o dólar e a
res próximos aos de 1985, de aproximadamente moeda brasileira –, quanto pela superação da cri-
US$ 820 milhões em exportações e US$ 460 mi- se financeira na Ásia e do surgimento de novos
lhões em importações –, colaboraram sobrema- fluxos de crescimento na China. De 2000 a 2004,
neira para que as relações sinobrasileiras fossem houve aumento, em 351,8%, das compras chine-
alçadas a um novo patamar de entendimento, le- sas no Brasil, e em 106%, das compras brasilei-
vando as autoridades de ambos os países a consi- ras na China, o que levou este país a transformar-
derar a parceria conduzida entre Brasil e China se no quarto principal parceiro comercial do Bra-
como sendo estratégica. sil. Uma considerável parte das exportações do
Brasil para a China foi composta por matérias-
De sua parte, a China revelou, por meio de sua
primas e alimentos – minério de ferro, aço e com-
política externa, o interesse em estabelecer par-
plexo de soja – que representaram conjuntamente
cerias com países de vários níveis e profundida-
mais de 70% das vendas em 2004. A ênfase brasi-
des, sobretudo com o intuito de promover seu
leira no agronegócio continuou com o passar do
desenvolvimento econômico-comercial, mas tam-
tempo, tendo sido feita, ademais, reivindicação de
bém de aumentar sua própria segurança, contra-
espaço no mercado chinês para outros produtos
balançando o peso de países como Japão, Índia e
desta área, a exemplo das carnes.
Estados Unidos em seu próprio entorno regional.
Multilateralismo e terceiro-mundismo continuaram De 2001 a 2003, as exportações brasileiras para
presentes no discurso diplomático da China, os a China foram marcadas por significativa presen-
quais, acreditava-se, colaboravam para a abertura ça de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico
econômica e inserção chinesa no mundo em ter- (55%); alto grau de concentração da pauta expor-
mos de igualdade. tadora por setores – agropecuária (32%), minera-
ção (21,6%), siderurgia (7,8%), celulose (5,3%)
Com a América Latina, em particular, a China
e óleos vegetais (9,1%) em 2004 – e por produtos
estabeleceu como metas primordiais a obtenção
(soja e minério de ferro). Em 2003, as importa-
de recursos energéticos, matérias-primas e mer-
ções realizadas pelo Brasil no mercado chinês tam-
cados para seus exportadores, além da contenção
bém foram marcadas por alto grau de concentra-
da influência de Taiwan e de apoio político mútuo
ção em poucos setores produtivos – equipamen-
em fóruns internacionais. Como fruto de sua pre-
tos eletrônicos e químicos e farmacêuticos –,
sença na região, registrou-se, na primeira metade
embora em menor grau do que o verificado para
dos anos 2000, crescimento do comércio entre
as exportações (57% dos importados).
China e países latino-americanos de aproximada-
mente 70%, com concentração das trocas em Naquele momento, as dificuldades brasileiras
poucos países (Brasil, com 30%, e México, Chi- de aumentar e diversificar suas exportações para
le, Argentina, Panamá, Peru e Venezuela, com 50% a China estiveram relacionadas às seguintes ra-
do total dos intercâmbios) – e poucos produtos – zões, em particular: excessiva carga tributária e
minérios, alimentos, pesca e petróleo. Os múlti- infraestrutura deficitária presentes no Brasil; polí-
plos investimentos chineses na região ocorreram tica tímida de identificação de novas oportunida-
principalmente em áreas relacionadas à extração des comerciais; capacidade de poucos setores
de matérias-primas e construção de infraestrutura. produtivos (com exceção do extrativo mineral e

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

agrícola) de expandir oferta, conforme ritmo dita- Na medida em que a China ganhou destaque
do pela onda importadora chinesa; queda no preço internacional graças ao seu forte desempenho eco-
de commodities e forte concorrência no mercado nômico, o país passou a assumir um papel mais
chinês. Por sua vez, medidas típicas aplicadas no “pró-ativo” na política mundial. Por sua vez, com
mercado chinês – como juros baixos e créditos o avanço da modernização chinesa – baseada na
abundantes à disposição dos exportadores chine- industrialização intensiva – a política externa chi-
ses e aplicação de barreiras não tarifárias e de me- nesa colocou-se particularmente a serviço da busca
didas para forçar a baixa de preços dos produtos por mercados, capital, tecnologia, energia e ma-
chineses – dificultaram sobremaneira a adaptação térias-primas estrangeiros, considerados elemen-
do empresário brasileiro ao contexto sínico e ma- tos basilares do desenvolvimento chinês. Tais
nutenção de superavits com o parceiro chinês. transformações aproximaram sobremaneira a Chi-
na da América Latina.
Se, de fato, as exportações brasileiras para a
China, de 2000 a 2004, passaram de US$ 1,6 bi- De sua parte, o governo de Luiz Inácio Lula da
lhão para mais de US$ 8 bilhões, a posição brasi- Silva (2003-2010) remodelou a política externa bra-
leira dentre os principais exportadores para o mer- sileira de modo que esta pudesse colaborar para a
cado chinês não chegou a dobrar durante esse construção de uma identidade de país continental,
período, passando o market share brasileiro de com ênfase na integração regional como nova for-
0,72% (24º lugar) para 1,55% (14º lugar). En- ma de inserção internacional e na diversificação de
quanto isso, em 2004, quase 50% das importa- parcerias com vistas à transformação do país em
ções chinesas ficaram concentradas em apenas global trader e player. O reforço da imagem do
quatro países – Japão (16,81%), Taiwan (11,54%), Brasil como país emergente levou a diplomacia bra-
Coréia do Sul (11,09%) e Estados Unidos (7,96%). sileira a dar prioridade à busca de mercados em
Quanto às exportações, quatro países – Estados diferentes regiões do globo, enfatizando-se o
Unidos (21,06%), Hong Kong (17%), Japão universalismo como princípio fundamental da po-
(12,39%), Coréia do Sul (4,69%) – foram res- lítica externa. Justificou-se, dessa forma, a aproxi-
ponsáveis por 55,14% sobre o total. mação e reativação das relações com a China.
Em se tratando de investimentos, parte dos Percebeu-se, assim, que tanto a China quanto
ganhos alcançados por empresas brasileiras e chi- o Brasil procuraram, de maneira progressiva, im-
nesas por meio de suas exportações foi direcionada pregnar a prática das relações internacionais de
ao financiamento de novos empreendimentos, tan- pragmatismo e profissionalismo, em prol de re-
to em solo chinês quanto brasileiro, de modo a sultados mais positivos para suas políticas
aumentar a capacidade de produção de suas em- desenvolvimentistas.
presas e gerar melhoria de infraestrutura e trans-
A viagem do Presidente Lula da Silva à China
porte.
em maio de 2004 foi considerada uma das mais
Por fim, nos primeiros anos do século XXI, o importantes de sua gestão – e foi acompanhada
excelente entendimento político entre Brasil e Chi- por nove ministros de Estado, seis governadores e
na foi utilizado em prol da superação de entraves aproximadamente 400 empresários. O saldo final
à amplificação das complementaridades das ca- da visita foi de nove atos bilaterais e 14 contratos
deias produtivas dos dois países, o que foi feito empresariais assinados. Na óptica brasileira, o prin-
particularmente por meio da criação de mecanis- cipal objetivo da viagem era sinalizar aos chineses
mos político-institucionais, conforme será visto a a enorme importância estratégica e comercial que
seguir. o Brasil visava conferir à China. Sob um clima ex-
tremamente otimista quanto à capacidade de cola-
V. RELAÇÕES MADURAS ENTRE BRASIL E
boração e cooperação chinesa em termos recípro-
CHINA (2003 AOS DIAS ATUAIS)
cos, acreditava o Brasil que a China estava em con-
Ao iniciar-se o século XXI, novas perspecti- dições de contribuir com seu progresso, sobretudo
vas para as relações sinobrasileiras apresentaram- por meio de investimentos na infraestrutura e da
se, para as quais contribuíram tanto o avanço no aquisição de produtos brasileiros.
processo de expansão do capitalismo mundial no
Poucos meses depois da viagem do Presiden-
leste asiático, quanto as transformações nas polí-
te Lula à China, o Presidente Hu Jintao esteve no
ticas externas do Brasil e da China.
Brasil, em novembro de 2004, quando o governo

37
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

brasileiro decidiu conceder à China o status de tratégias para dinamizar o comércio bilateral e
economia de mercado, sob fortes protestos do ampliar investimentos mútuos, além de fomentar
empresariado brasileiro, em particular da Federa- estudos técnicos e ações de promoção do poten-
ção das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). cial produtor e exportador brasileiro no mercado
Em troca de tal reconhecimento, o Brasil espera- chinês (AMORIM, 2008). Para o Ministro das
va receber o apoio chinês à candidatura brasileira Relações Exteriores do governo Lula, Celso
a membro permanente do Conselho de Segurança Amorim, a “Agenda China” é fruto da necessida-
da ONU, o que de fato não ocorreu. de de criar uma estratégia mais coesa do Brasil
perante a China, que coloque em evidência não
No ano de comemoração dos 35 anos das re-
apenas a tecnologia brasileira aplicada na área
lações sinobrasileiras, o presidente Lula realizou
energética e de produtos primários, mas também
sua segunda visita oficial à China (18 a 20 de maio
outros segmentos igualmente sofisticados
de 2009). Naquela ocasião, por meio do comuni-
tecnologicamente e ainda pouco conhecidos pelo
cado conjunto assinado pelos dois governos, fo-
consumidor chinês.
ram enumeradas algumas conquistas indicando o
caminho de fortalecimento da relação bilateral. Dentre as metas traçadas pela “Agenda Chi-
Dentre eles, merecem ênfase algumas ferramen- na”, apontam-se: i) aumentar o conteúdo
tas de aproximação bilateral colocadas em prática tecnológico das exportações ao mercado chinês
desde a inauguração do governo Lula: i) a “Agen- com produtos de maior valor agregado do que os
da China”, na área comercial; ii) a Comissão Sino- já tradicionalmente exportados; ii) equilibrar de
Brasileira de Alto Nível de Concertação e Coope- modo quantitativo e qualitativo a balança comer-
ração (Cosban), de 2006, responsável pela coor- cial sino-brasileira, por meio do aumento da ex-
denação de diversas vertentes da relação bilateral; portação de produtos industrializados brasileiros;
iii) o Diálogo Estratégico, criado em 2007; iv) o iii) incrementar as exportações brasileiras de pro-
Diálogo Financeiro Brasil-China, em 2008. Para o dutos intensivos no uso de recursos naturais, aten-
período de 2010-2014, foi estabelecido um Plano dendo ao crescimento da demanda por produtos
de Ação Conjunta contemplando todas as áreas de que a China tem dificuldade em garantir
cooperação bilateral, aprovado em abril de 2010 autossuficiência e aproveitando a sazonalidade da
(BRASIL, 2010). No plano global, tornou-se no- produção; iv) aumentar a participação brasileira
tória a cooperação mútua em foros multilaterais, em missões, feiras e projetos específicos com a
a exemplo da estreita comunicação mantida no G- China, de modo a permitir o incremento de ações
5, no grupo BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) coordenadas entre parceiros de ambos os países.
– transformado em Bricsa, com a entrada da Áfri- Foram igualmente contempladas pela Agenda ini-
ca do Sul a partir de 2010 –, na Cúpula do G-20 ciativas de atração de investimentos chineses para
financeiro e no G-20 da Organização Mundial do o Brasil, inclusive nas áreas de infraestrutura e
Comércio (OMC). logística (BARRAL, 2008).
Em particular, cabe destacar que, nos últimos Em termos gerais, observou-se que, dentre as
anos, com vistas a aumentar a competitividade do diversas áreas de aproximação sino-brasileira, a
Brasil na China, o governo brasileiro buscou criar econômico-comercial foi inequivocamente a mais
políticas de criação de novas oportunidades co- frutífera ao longo dos anos 2000, conforme será
merciais e de incentivo à participação de em- observado a seguir.
presas brasileiras no mercado chinês. Assim, e
V.1. As relações econômico-comerciais bilaterais
após o lançamento, pelo governo brasileiro, da
“Agenda China”, em julho de 2008, os objetivos Durante o governo Lula (2003-2010), manti-
econômico-comerciais brasileiros frente à China veram-se constantes os objetivos brasileiros frente
foram melhor identificados. Fruto da constituição à China, os quais ficaram, porém, bastante con-
do Grupo de Trabalho China, em dezembro de centrados nos aspectos econômicos da relação.
2007 – integrado por representantes de diversos Dentre esses objetivos, destacaram-se: i) aumen-
órgãos e entidades interessados na articulação de tar as exportações brasileiras por meio da abertu-
iniciativas no âmbito público e privado – a “Agen- ra de novos mercados na China; ii) atrair investi-
da China” objetivou tanto aprofundar a reflexão mentos chineses diretos e indiretos para o Brasil;
sobre a parceria sino-brasileira quanto traçar es- iii) expandir negócios brasileiros, inclusive por

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

meio de investimentos diretos na China; iv) tro- portações brasileiras de petróleo, com 24,1%. Na
car informações na área de ciência e tecnologia e frente da China, ficaram apenas os Estados Uni-
adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a parce- dos, que importaram 65,2% dos 574 mil barris
ria como forma de diminuir a dependência peran- por dia de petróleo brasileiro. Em julho de 2008,
te parceiros tradicionais; vi) aumentar a margem Brasil e China, por meio de suas empresas
relativa de manobra e poder de barganha do Brasil Petrobras e Sinopec, assinaram um memorando
em fóruns multilaterais. de entendimento visando o comprometimento
mútuo para aumentar de forma significativa o
Por sua vez, fizeram parte dos objetivos ex-
volume de negócios entre as empresas
ternos chineses diversificar seus parceiros comer-
(PETROBRAS ASSINA ACORDOS, 2008).
ciais e reduzir a dependência de um grupo restrito
de fornecedores de matérias-primas, insumos e Porém, desde 2004, já se observava uma mu-
maquinários, assim como diversificar os consu- dança no padrão de comércio, com redução dos
midores de seus produtos. Nesse contexto, o co- saldos comerciais brasileiros em 27% e ganho de
mércio da China com a América Latina, em geral, mercado dos produtos chineses no mercado brasi-
e com o Brasil, em particular, aumentou expressi- leiro em 70%, sobretudo no setor de manufaturas,
vamente nos últimos anos – a participação da Amé- suscitando indagações quanto à necessidade de ajus-
rica Latina no total do comércio chinês tendo pas- tes em políticas empresariais e governamentais bra-
sado de 1,9% em 1996 para 4,1% em 2006 –, sileiras em presença da forte concorrência chine-
firmando-se o papel desse asiático como parceiro sa. Ademais, tais números revelaram a estratégia
fundamental dos países da região. chinesa de elevar a escala de produção e priorizar a
geração de valor agregado de seus produtos.
Graças ao crescimento chinês nos últimos trin-
ta anos, que criou um mercado com tamanho e Entre os anos de 2006 e 2008, apesar de não
dinamismo impressionantes, oportunidades diver- ter ocorrido diminuição nas exportações brasilei-
sas foram abertas para a comercialização de pro- ras para a China (que chegaram quase a dobrar,
dutos brasileiros. passando de US$ 8,4 bilhões para US$ 16,4 bi-
lhões no período indicado), foram decrescentes
Nesse sentido, as exportações brasileiras para
os saldos comerciais brasileiros, atingindo U$ 3,6
a China cresceram significativamente nos últimos
bilhões negativos em 2008. Porém, a expectativa
dez anos, a contar do início do século XXI, com
dos dois governos de alcançar o índice de US$ 30
predomínio de saldos positivos para o Brasil. Por
bilhões na corrente de comércio em 2010 foi ul-
sua vez, dentre os produtos chineses mais impor-
trapassada em 2008 (US$ 36,5 bilhões) graças tanto
tados pelo Brasil, estiveram os eletrônicos, má-
ao aumento das exportações brasileiras para a
quinas e equipamentos, além de brinquedos e ves-
China quanto ao aumento das exportações chine-
tuário (BARBOSA & MENDES, 2006, p. 2).
sas vindas para o Brasil (BRASIL, 2009).
Em 2008, a China tornou-se o segundo par-
Ao final da primeira década do século XXI, a
ceiro comercial do Brasil, após os Estados Uni-
principal crítica que se faz às relações comerciais
dos. As exportações brasileiras para a China man-
sino-brasileiras é a dificuldade brasileira em di-
tiveram-se, porém, ainda modestas quando com-
versificar a pauta de exportações e agregar valor
paradas com as de outros parceiros comerciais
às vendas realizadas à China, compostas princi-
chineses.
palmente por matérias-primas e alimentos, fato que
Condizente com o objetivo de política externa contrasta com o perfil global das exportações bra-
chinês de adquirir matérias-primas essenciais para sileiras. Em 2007, apenas 8% dos produtos brasi-
o fomento de seu desenvolvimento, a Companhia leiros exportados para a China foram de manufa-
Vale do Rio Doce (CVRD) tornou-se, em 2006, o turados, sendo que insumos como aço, minério
principal fornecedor de minério de ferro para a de ferro, cobre e soja representaram as maiores
China, com 75,7 milhões de toneladas embarcadas exportações brasileiras. Do restante exportado em
– representando 23,2% das importações chinesas 2007, 18% eram de bens semimanufaturados e
(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009). Por 74% de produtos primários. Já em 2008, 7% dos
sua vez, em 2008, e em consonância com os ob- produtos exportados eram manufaturados, 16%
jetivos de diversificar seus fornecedores de ener- semimanufaturados e 77% básicos (SISCOMEX,
gia, a China tornou-se o segundo destino das ex- 2009).

39
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

Nesse sentido, mantiveram-se como fortes nal de Desenvolvimento Econômico e Social


causas para o baixo dinamismo das exportações (Bndes), mas registrados como investimento lo-
brasileiras para a China a falta de conhecimento cal (idem, p. 59).
do mercado chinês, os altos custos de transporte
Nos últimos anos, diversas empresas chine-
e logística, a excessiva carga tributária brasileira,
sas instalaram-se no Pólo Industrial de Manaus
infraestrutura brasileira deficitária, além da carência
(PIM), concentrando seus investimentos nos se-
de um planejamento de médio e longo prazo de
tores eletroeletrônico (84% dos investimentos to-
inserção no mercado chinês.
tais de empresas chinesas no PIM) e duas rodas
V.2. Os investimentos conjuntos (11%). Até o ano de 2006, foram investidos R$
396 milhões nessa região. A título de exemplo,
Nos últimos anos, o interesse da China em
durante a segunda visita oficial do Presidente Lula
aprofundar as relações com o Brasil esteve base-
a Pequim, foi assinado acordo de investimento
ado nas seguintes metas: i) explorar matérias-pri-
entre a empresa brasileira CR Motors e a chine-
mas e recursos energéticos considerados neces-
sa Zongshen Industrie Group, no valor de US$
sários para dar prosseguimento à expansão da
80 milhões. Com esses recursos, a nova compa-
economia chinesa; ii) aumentar o lucro dos negó-
nhia binacional (50% de capital brasileiro e 50%
cios chineses, seja por meio da venda de produ-
de capital chinês) deverá produzir no Pólo In-
tos com maior valor agregado, seja por meio do
dustrial de Manaus, a partir de agosto de 2009,
fornecimento de empréstimos a brasileiros; iii)
motocicletas, motores de popa e motores estaci-
garantir a presença chinesa no mercado brasileiro
onários (CHINESA DESEMBARCA EM
e, por meio deste, no mercado sul-americano,
MANAUS, 2009).
considerado cada vez mais competitivo, restritivo
e protegido por altas tarifas de importação; iv) Em outras regiões do Brasil, ganharam desta-
trocar informações na área de ciência e tecnologia que projetos nos setores de telecomunicações, si-
e adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a par- derurgia e mineração. Em 2007, foi aprovada a
ceria como forma de diversificar os negócios chi- parceria entre a chinesa Baosteel e a Companhia
neses e aumentar o poder de barganha do país no Brasileira Vale do Rio Doce, direcionada à cons-
cenário internacional, evitando dependência e trução de usina siderúrgica no Espírito Santo para
assimetrias frente a outros parceiros. produção de placas de aço, com capacidade inici-
al de 5 milhões de toneladas anuais. A parceria,
Fez igualmente parte dos interesses da China
que constituiu a Companhia Siderúrgica Vitória
aumentar seus investimentos diretos, com vistas
(CSV) e prevê investimentos de US$ 5,5 bilhões e
a garantir segurança energética, sustentabilidade
geração de três mil empregos diretos quando em
de recursos e expansão de mercados externos.
operação, será construída no pólo industrial e de
No Brasil, os setores mais proeminentes nesse
serviços de Anchieta, no Espírito Santo. No início
movimento de internacionalização foram “petró-
da construção da usina, a CVRD terá participação
leo e mineração, seguidos por portos, energias al-
de 20% e a Baosteel de até 80% (BRASIL, 2008, p.
ternativas, automotivo, bancário, telecomunicações
59; COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009).
e indústria eletrônica” (BRASIL, 2008, p. 60).
Para a produção de coque metalúrgico na Chi-
O plano qüinqüenal chinês de 2006-2010 esta-
na, a CVRD contou com a colaboração da
beleceu a meta de direcionar US$ 60 bilhões para
Shandong Yankuang International Coking Co. Ltd.
os investimentos externos. No Brasil, os investi-
A empresa de joint venture é fruto da parceria
mentos chineses cresceram de maneira contínua
entre a Vale, a produtora de carvão chinesa
desde 2004, alcançando US$ 24,3 milhões em
Yankuang Group Co, Ltd. e a trading company
2007, com concentração de investimentos no se-
do Japão Itochu. A planta industrial da empresa,
tor de comércio (56,7%). Investimentos chine-
na província de Shandong, tem capacidade anual
ses aportaram ainda no Brasil por vias indiretas,
de produção de dois milhões de toneladas de coque
sobretudo por meio de empresas chinesas pre-
e 200 mil toneladas de metanol como subproduto.
sentes em Hong Kong, Macau ou em “paraísos
O investimento da CVRD é de aproximadamente
fiscais”. Houve ainda investimentos chineses fei-
US$ 27 milhões, ou 25% do capital total. A pro-
tos no Brasil por meio de financiamento nacional
dução de coque foi iniciada em 2006 e a de metanol
ou por bancos de fomento como o Banco Nacio-
em 2007.

40
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

Em 2005, a Vale adquiriu uma participação de Cbers-2. A partir de 2007, Brasil e China passa-
25% na Henan Longyu Energy Resources Ltd. ram a fornecer imagens do Cbers também aos
(Longyu), localizada na província de Henan, para países africanos.
a produção de seis milhões de toneladas de car-
A cooperação da China com a Empresa Brasi-
vão em parceria com as empresas chinesas
leira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tam-
Yongcheng Corporation Ltda (51%), Baosteel
bém adquiriu bastante intensidade. Em geral, du-
(13%) e acionistas minoritários (11%). A empre-
rante visitas ao Brasil, grupos de pesquisadores
sa produziu, em 2006, 5,4 milhões de toneladas
chineses participaram, por exemplo, de seminári-
de antracito usado na siderurgia, indústria quími-
os sobre tecnologias agropecuárias e visitaram
ca e produção de energia.
campos experimentais da Empresa. A cooperação
No segundo semestre de 2009, o Banco da técnica entre Brasil e China para a produção de
China – que contava, no final de 2008, com cerca álcool a partir de mandioca, em particular, deverá
de 800 sucursais em 29 países e regiões – abriu promover avanços na utilização das variedades
sua primeira sucursal no Brasil. O Banco da Chi- mutantes de mandioca na produção de etanol.
na, que já possuía um escritório de representação Enquanto o Brasil possui um piloto do genoma
no Brasil desde o final da década de 1990, buscou funcional e melhoramento convencional em de-
proporcionar diversos tipos de serviços financei- senvolvimento na parceria entre a Embrapa Re-
ros às companhias chinesas no Brasil e às empre- cursos Genéticos e Biotecnologia e a Embrapa
sas brasileiras que desejassem fazer negócios na Cerrados, “os chineses detêm uma técnica
China. O capital inicial da instituição foi estimado genômica de alta escala que aumenta a eficiência
em US$ 100 milhões, com possibilidade de ex- na obtenção e sistema de análises do genoma de
pansão do volume, em função da demanda das natureza equivalente da mandioca e em popula-
empresas e da disponibilidade de recursos da ma- ções, como é o caso das variedades de mandio-
triz (WARTH, 2009). cas açucaradas” (AGROSOFT BRASIL, 2008).
V.3. A cooperação bilateral Pelo momento, além da troca de informações
e participação chinesa em pesquisas brasileiras na
O Programa de Construção de Satélites Sino-
produção de etanol, há também pesquisas con-
Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), lança-
juntas agropecuárias, especialmente na área de
do em 1988, representa, atualmente, não apenas o
melhoramento genético, envolvendo produtos
maior projeto de cooperação conjunta na área de
como cogumelo, soja, algodão e fruticultura de
ciência e tecnologia entre o Brasil e a China, mas
clima temperado.
também entre todos os países em desenvolvimen-
to. Durante a primeira década do século XXI, se- Para a Embrapa, Brasil e China encontram-se
gundo os então ministros das Relações Exteriores, em estágio de desenvolvimento científico similar
Celso Amorim, e da Ciência e Tecnologia, Sérgio em diversas áreas, o que, na prática, pode tradu-
Rezende, o Programa Cbers permitiu alcançar di- zir-se em ganhos para a pesquisa agropecuária de
versos objetivos: i) quebrar o monopólio das gran- ambos os países. Assim, no médio prazo, visam
des potências na produção e uso de imagens adqui- os parceiros construir bases para o intercâmbio
ridas por satélites; ii) obter conhecimento na área permanente e contínuo de pesquisa agropecuária.
de sensoriamento remoto a baixo custo; iii) pro-
VI. PERSPECTIVAS PARA A PARCERIA
mover o desenvolvimento sustentável por meio do
SINOBRASILEIRA NO SÉCULO XXI: CON-
uso de tecnologia de ponta da área espacial.
SIDERAÇÕES FINAIS
Brasil e China já lançaram três satélites, os
Ao final da primeira década do século XXI,
Cbers-1 (1999), Cbers-2 (2003) e Cbers-2B
não restam dúvidas de que o crescimento chinês
(2007) e pretendem ainda lançar os Cbers-3 e 4
propiciou a abertura de diversos negócios para os
em 2011 e 2014, respectivamente. Desde 2004, o
sul-americanos, sobretudo nas áreas de energia,
Brasil forneceu gratuitamente, pela internet, mais
minérios e produtos agropecuários. Os investimen-
de meio milhão de imagens para cerca de 20 mil
tos chineses no Brasil nessas áreas, em especial,
usuários, tornando-se o maior distribuidor de ima-
tornaram-se cada vez mais numerosos e diversi-
gens de satélite do mundo. A China também se-
ficados, mesmo quando desenvolvidos sobre ba-
guiu o mesmo caminho, tendo distribuído, até o
ses aquém do esperado ou anunciado. Em 2010,
momento, mais de 200 mil imagens do satélite

41
O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

a China foi o principal mercado para as exporta- Por sua vez, ainda segundo Amaral, as razões
ções brasileiras e o principal investidor no Brasil. para a redução relativa das exportações industri-
Enquanto as exportações atingiram US$ 30 bilhões, ais brasileiras foram igualmente atribuídas a atitu-
as importações elevaram-se a US$ 26 bilhões des chinesas, via práticas de escalada tarifária em
(AMARAL, 2011). determinados setores, como o da soja; estabeleci-
mento de restrições sanitárias injustificadas, como
Porém, e apesar dos avanços nas relações sino-
no caso do frango; preferência dada a parceiros
brasileiras, particularmente durante a primeira dé-
da região, via integração de cadeias produtivas na
cada do século XXI, diversos pontos frágeis sub-
Ásia; benefícios governamentais dados a empre-
sistiram na condução das relações bilaterais, sus-
sas chinesas, gerando concorrência desleal (idem).
citando reflexões por parte de estudiosos e atores
diretamente envolvidos em tais relações. Em terceiro lugar, e com exceção das pesqui-
sas conjuntas na área espacial, que culminaram
Assim, em primeiro lugar, mesmo na presença
com o lançamento de três satélites binacionais, há
de elevado número de acordos assinados entre os
ainda diversos projetos a serem explorados con-
dois países, tratando das mais diversas áreas e
juntamente, a exemplo das pesquisas nas áreas de
temas, faltaram à relação bilateral planejamentos
energia e agropecuária.
conjuntos voltados para a programação e execu-
ção de metas comuns. É certo que algumas ferra- A visita que a Presidente Dilma Rousseff (cujo
mentas de gestão foram criadas recentemente, a governo iniciou-se em janeiro de 2011) realizou à
exemplo da Agenda China e das reuniões da China entre os dias 11 e 15 de abril de 2011, mes-
Cosban, principal mecanismo de discussão de te- mo que modelada por um caráter eminentemente
mas bilaterais, porém com resultados ainda pou- econômico, buscou, em grande medida, fazer face
co visíveis. Da parte brasileira, ademais, há ainda aos diversos desafios anteriormente citados. Em
grande carência de coordenação entre os diferen- linhas gerais, os objetivos da viagem à China esti-
tes órgãos governamentais e destes com setores veram concentrados nos seguintes pontos: i) abrir
empresariais com vistas, sobretudo, a fortalecer novas oportunidades de negócios para empresas
posições e priorizar determinadas ações. brasileiras; ii) ampliar e diversificar o comércio
bilateral, em especial com vistas a incluir exporta-
Em segundo lugar, e apesar do aumento da
ções com maior valor agregado; iii) incentivar a
corrente comercial entre os dois países, há co-
realização de investimentos recíprocos; iv) pro-
nhecimento mútuo insuficiente nessa área, difi-
mover a cooperação bilateral, sobretudo na área
cultando a ampliação da cooperação internacional
de pesquisa científica, tecnológica e inovação; v)
e da pauta comercial entre ambos. A distância lin-
propiciar transferência de tecnologia.
güística e a incompreensão cultural são apenas
dois dos mais evidentes obstáculos ainda não su- Alguns ganhos imediatos obtidos pelo gover-
perados entre Brasil e China. A qualidade do inter- no Dilma por meio de sua primeira visita oficial à
câmbio comercial, por sua vez, não foi conside- China podem ser relacionados a seguir: i) abertu-
rada satisfatória, sendo que, em 2009, os produ- ra de novas oportunidades de negócios para em-
tos básicos representaram 77% das exportações presas brasileiras, a exemplo da concessão de
e os produtos industrializados, 95% das importa- autorização para que três empresas brasileiras ven-
ções. Para o Presidente do Conselho Empresarial dam carne suína à China, com estimativa de ven-
Brasil-China, Sérgio Amaral (2011), as responsa- da de 200 mil toneladas de carne por ano; da ven-
bilidades para tal estado de coisas podem ser im- da de 20 jatos modelo 190 da Embraer para as
putadas a ambos os países: “É o chamado custo companhias chinesas CDB Leasing e Hebei Airlines;
Brasil. Como é possível concorrer com o produto da instalação do banco chinês Industrial and
chinês, se a taxa de juros aqui é a mais alta do Commercial Bank of China Ltd. no Brasil, com
mundo, enquanto a da China é negativa? Quando, capital inicial de US$ 100 milhões, a ser utilizado
entre nós, a carga tributária chega perto de 40% por empresas brasileiras e chinesas em suas ativi-
do produto interno bruto (PIB), enquanto a deles dades de comércio exterior; ii) proposta de in-
está abaixo de 20%? Se a nossa infra-estrutura é vestimentos chineses em Campinas de US$ 300
deficiente e a da China, super moderna? Enfim, milhões na construção de um centro de pesquisa
quando o real está apreciado, enquanto o Yuan está em tecnologia, a serem realizados pela empresa
desvalorizado?” (idem). Huawei; de investimentos chineses de US$ 300

42
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

milhões na cidade de Barreiras (BA) para a im- tecnologia, juntamente com seus sócios brasilei-
plantação de uma fábrica de processamento de ros.
soja; de investimentos chineses também de U$ 300
Percebe-se que, devido aos constantes e cres-
milhões em uma planta de produção e equipamen-
centes desequilíbrios no comércio com Pequim e
tos de informação no estado de Goiás; de investi-
de dificuldades em realizar investimentos e inserir
mentos chineses de US$ 12 bilhões para a cons-
produtos de alto valor agregado no mercado chi-
trução de uma fábrica de telas numéricas de cris-
nês, a postura brasileira tornou-se, nos últimos
tal líquido para computadores e tablets (ipad) na
anos, mais crítica e exigente. Ademais, a partir da
Zona Franca de Manaus pela empresa Foxconn;
viagem à China, a Presidente Dilma passou a afir-
de investimentos brasileiros na China para cons-
mar que, apesar de a China ser um parceiro-cha-
trução de uma linha de produção de jatos executi-
ve nas relações internacionais do Brasil, serão in-
vos Legacy 600/650; iii) promoção de coopera-
centivados no futuro próximo apenas as opera-
ção bilateral na área de inovação por meio da cri-
ções pautadas pela reciprocidade e que levem a
ação do Centro China-Brasil de Mudança Climáti-
uma maior simetria entre os dois países.
ca e Tecnologias Inovadoras em Energia na Uni-
versidade de Tsinghua de Pequim, vinculada à No futuro próximo, as relações sino-brasilei-
Universidade Federal do Rio de Janeiro. O centro ras dependerão, em grande medida, não apenas
também deverá permitir o desenvolvimento de de conjunturas econômicas favoráveis, mas so-
projetos bilaterais em energia eólica e biodiesel com bretudo de boas escolhas técnicas e políticas. Em
a Academia de Ciências da China particular, o Brasil terá como grande desafio não
apenas dotar-se de uma estratégia clara para lidar
Nos discursos que proferiu durante sua visita
com a China, mas, em especial, superar seus en-
à China, a Presidente Rousseff destacou o inte-
traves estruturais internos, considerados funda-
resse brasileiro em elevar as relações bilaterais a
mentais para que assuma uma atitude muito mais
um novo patamar, pautado não apenas por gran-
proativa em face à China. A superação de tais
des saldos comerciais, mas principalmente por
impasses serão fundamentais para que as relações
investimentos, pesquisas, produção e
Brasil-China alcancem uma maior simetria no fu-
comercialização de bens de alta qualidade (SALEK,
turo próximo.
2011). No comunicado conjunto assinado pelos
dois países ao final da visita, foi expresso de ma- É certo que, ao iniciar-se a segunda década do
neira clara o interesse brasileiro em construir uma novo século, a China transformou-se em parceiro
agenda de maior qualidade para o comércio bila- imprescindível para o Brasil. Cabe saber se, nos
teral, tendo a parte chinesa manifestado disposi- próximos anos, Brasil e China serão capazes de
ção em incentivar suas empresas a ampliar a im- transformar a parceria estratégica em instrumen-
portação de produtos de maior valor agregado do to gerador de benefícios mútuos, baseado na mais
Brasil, assim como a investir na indústria de alta ampla reciprocidade.

Danielly Silva Ramos Becard (daniellyr@yahoo.com) é Doutora em Relações Internacionais pela Uni-
versidade de Brasília (UnB) e Professora de Relações Internacionais na mesma universidade.

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44
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011
ABSTRACTS

BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER


André Moreira Cunha
China’s rise to the role of global economic and political power has been at the center of recent
academic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. We
look at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering a
broader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek to
map out the impact that China’s rise to the position of global power may have on Brazil. We place
emphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of the
process of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capable
of influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fall
into three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against the
backdrop of the dynamics of “major divergence”; (ii) an overview of the current situation of the
Chinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the world
economy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploring
some of the normative implications of our results.
KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.
* * *
BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?
Danielly Silva Ramos Becard
This article looks at recent relations established between Brazil and the People’s Republic of China
(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challenges
that remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the last
two decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have moved
ahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growing
interdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely because
of (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-
China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution of
Sino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify as
follows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)
crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,
(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations
(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening and
globalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,
on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilian
foreign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,
developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive to
internationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus widening
the logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.
KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.
* * *

145
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011
RESUMÉS

LA CHINE ET LE BRÉSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL


André Moreira Cunha
L’ascension chinoise à la condition de puissance économique et politique à l’échelle mondiale, est
dans le centre des débats académiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impacts
de cet événement important, au Brésil. Nous vérifions le commerce bilatéral et les modèles de
convergence cyclique entre les deux économies, en considérant une analyse plus large de la compétitivité
extérieure de l’économie brésilienne. A partir de ce contexte, on vise à établir quelques uns des impacts
possibles de l’ascension de la Chine à la condition de puissance mondiale, sur le Brésil. L’accent est mis
sur la dimension économique, spécialement le commerce international. On part de la perspective selon
laquelle, le processus de croissance et internationalisation de l’économie chinoise produit des stimulations
capables de rendre possible le développement brésilien dans les prochaines décennies. Les arguments
sont structurés en trois sections : (i) on cherche à représenter une vision panoramique de l’ascension
chinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la « grande divergence » ; (ii) on fait un résumé
de la situation contemporaine de l’économie chinoise ; et (iii) on fait l’analyse des effets de la croissante
internationalisation chinoise sur l’économie mondiale, en soulignant les cas de l’Amérique du Sud et du
Brésil. Nous concluons en vérifiant quelques implications normatives de nos résultats.
MOTS-CLÉS: le Brésil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles d’affaires.
* * *
QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRÉSIL ET LA CHINE?
Danielly Silva Ramos Becard
L’article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de La
Chine (RPC). L’objectif, c’est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans les
relations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant les
dernières décénnies (1990-2010). On utilise l’hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésil
et la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d’une plus
grande liberté d’action promue par l’interdépendance croissante du système international ; malgré
les limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii)
au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l’hypothèse,
l’évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les trois
premières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement des
relations (1949-1974), à (ii) l’établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crise
des relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennes
ont été présentées ; (iv) l’établissement d’un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturation
des relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu’à aujourd’hui). Nous concluons
que, d’un côté, les processus d’ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permis
un resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d’un autre côté, les crises de légitimité chinoise
dans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit à
des fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politique
extérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée à
l’exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, la
Chine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistique
de sa politique extérieure et la recherche d’opportunités déjà au début des années 2000.
Mots-clés : la Chine ; le Brésil ; les relations bilatérales ; les relations économiques et commerciales.
* * *

151
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU


EFEITO GRAVITACIONAL

Diego Pautasso

RESUMO

O presente artigo aborda o desenvolvimento nacional e a inserção internacional da China. O objetivo é discutir como a
formação de uma economia continental na China tem se transformado num fator de projeção desse país no sistema
internacional, analisando como a formação de uma economia continental produz uma espécie de efeito gravitacional
favorecendo a formulação da estratégia internacional chinesa nesta conjuntura de transição sistêmica. O artigo desenvol-
ve-se discutindo com análises recorrentes sobre o processo de desenvolvimento e de inserção da internacional da China.
O argumento central defendido no artigo é que o desenvolvimento da economia continental e a ampliação da capacidade
econômica tornam-se um instrumento da política externa chinesa. Em outras palavras, a China tende a criar um forte efeito
gravitacional em escala global e utilizar-se disso como parte de sua estratégia internacional. O artigo organiza-se da
seguinte forma: na primeira parte, discorremos sobre a evolução recente do desenvolvimento chinês, centrando foco nos
desafios da formação de uma economia de dimensões continentais; na segunda, abordamos como o incremento da
capacidade econômica chinesa implica num crescente efeito gravitacional do país em escala global; por fim, argumenta-
mos que a diplomacia da China utiliza-se dessas prerrogativas (capacidade econômica) para desencadear uma estratégia
internacional que permita ao país, nesse quadro de transição sistêmica, ampliar seu espaço de atuação internacional
buscando as linhas de menor resistência.
PALAVRAS-CHAVE: China; economia continental; efeito gravitacional.

I. INTRODUÇÃO O intuito é problematizar com análises recor-


rentes sobre o processo de desenvolvimento e de
O presente trabalho tem por objetivo discutir
inserção internacional da China. Por um lado, aque-
como a formação de uma economia continental
las que (GILPIN, 2004, p. 377) descreveram a
na China tem se transformado em um fator de
economia chinesa como “oca”, ou seja, dependen-
projeção desse país no sistema internacional. Não
te dominantemente de investimentos e empresas
se trata de esgotar o multifacetado processo de
estrangeiras, no qual o país ocupar-se-ia apenas
desenvolvimento da economia chinesa1, mas de
das etapas mais simples das cadeias produtivas.
analisar como isso afeta o peso relativo do país e
Por outro, aquelas que (MEARSHEIMER, 2006)
sua estratégia em um mundo em transformação.
definiram a inserção chinesa como desestabilizadora
O argumento central sugerido neste artigo é que
e, por isso, propensa à guerra e avessa à coopera-
o desenvolvimento da economia continental e a
ção internacional.
ampliação da capacidade econômica tornam-se
um instrumento da política externa chinesa. Em Para tanto, o trabalho foi organizado da seguin-
outras palavras, a China tende a criar um forte te forma: na primeira parte, discorremos sobre a
efeito gravitacional em escala global e utilizar- evolução recente do desenvolvimento chinês,
se disso como parte de sua estratégia interna- centrando foco nos desafios da formação de uma
cional. economia de dimensões continentais; na segunda,
abordamos como o incremento da capacidade eco-
nômica chinesa implica um crescente efeito
1 Na interessante tese intitulada “Projeto nacional, desen-
gravitacional do país em escala global; por fim, ar-
volvimento e socialismo de mercado na China de hoje”,
Elias Jabbour (2010) ocupa-se de esmiuçar diversos aspec-
gumentamos que a diplomacia da China utiliza-se
tos do desenvolvimento chinês, passando pela relação mer- dessas prerrogativas (capacidade econômica) para
cado-Estado, pela diversidade das estruturas produtivas desencadear uma estratégia internacional que per-
do país, pelo papel do sistema financeiro, pelas mudanças mita ao país, nesse quadro de transição sistêmica,
no espaço agrário, pelos desafios ambientais e pela proble- ampliar seu espaço de atuação internacional bus-
mática questão regional. cando as linhas de menor resistência.

Recebido em 13 de junho de 2011.


Aprovado em 13 de julho de 2011.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 45-56, nov. 2011
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A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

II. DESENVOLVIMENTO CHINÊS E A FORMA- Comitê Central, em 1993, Deng conseguiu resta-
ÇÃO DA ECONOMIA CONTINENTAL belecer a coesão política, consolidar a direção das
reformas e enfrentar tais instabilidades.
O desenvolvimento da China é parte de um com-
plexo processo de superação dos percalços decor- Em razão também da conjuntura adversa, as
rentes do Século de Humilhações (1839-1949). A reformas chinesas foram cautelosas, fortalecendo
Revolução Chinesa de 1949 lançou as bases de uma os instrumentos de planejamento do Estado e esta-
tortuosa reconstrução nacional direcionada à reor- belecendo experiências próprias, com um
ganização política, à reconstituição da integridade gradualismo distinto da de outros países3 e sem a
territorial e à promoção do desenvolvimento e da adoção de políticas liberalizantes tão em voga a partir
integração da economia sob a liderança do Partido dos anos 1980. Como destaca Medeiros (1999, p.
Comunista Chinês (PCCh). A superação do atraso, 398-399), as reformas redefiniram a relação entre
da vulnerabilidade internacional e da fragmentação planejamento e mercado, promovendo as exporta-
territorial têm sido objetivos centrais das lideranças ções e protegendo o mercado interno; reformando
nacionais ao longo do século XX, com momentos empresas e estimulando estatais; combinando pre-
cruciais de conflitos e de correção de rumos em ços de mercado com outros regulados etc. Ou seja,
1911, com a proclamação da República, em 1949, a obsessiva busca pela modernização deu-se com a
com a Revolução, e em 1978, com as reformas. ampliação das capacidades estatais e com uma
integração seletiva ao sistema internacional.
Como afirma Jabbour , “o desenvolvimento é
o ponto de fusão entre o socialismo com caracte- O grande desafio do desenvolvimento chinês
rísticas chinesas e o próprio projeto nacional chi- tem dependido da formação da economia continental
nês” (JABBOUR, 2010, p. 117). Nesse sentido, e, por isso, de três eixos principais: a integridade
não há dúvidas de que a política de Reforma e territorial, a integração física do espaço nacional e
Abertura (1978) conseguiu corrigir os rumos e a promoção do mercado interno. O primeiro eixo é
inaugurar o sólido processo de desenvolvimento o desafio do governo chinês de preservar a integri-
que se estende até a atualidade2. Essa política es- dade territorial de cerca de 9,5 milhões km², supe-
teve voltada à superação tanto de vulnerabilidades rando vulnerabilidades que remontam ao século
herdadas do Século de Humilhações quanto de XIX. Nesse contexto, a China esteve à beira de ser
concepções decorrentes da experimentação das completamente fragmentada territorialmente, sob
primeiras décadas de gestão do PCCh, em espe- domínio estrangeiro e dos senhores de guerras
cial o conturbado período da Revolução Cultural. (SPENCE, 1995, p. 141, 169, 235) e imerso em
convulsões sociais, corrupção política e desorga-
O governo chinês teve de apreender com as
nização da economia nacional. Daí o objetivo da
dificuldades soviéticas e com o dinamismo regio-
Nova China (1949) em perseguir a unidade
nal asiático (Japão e tigres asiáticos), assim como
territorial, evitando ameaças separatistas no Xinjiang
resistir às instabilidades domésticas e internacio-
e no Tibete e recuperando a ilha de Taiwan, depois
nais do final do século XX: a repressão na Praça da
da retomada de Hong Kong (1997) e Macau (1999).
Paz Celestial (1989), a desintegração da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (1991), O segundo eixo é a integração física do espa-
o militarismo dos Estados Unidos da América (EUA) ço nacional, essencial para superar o isolamento
na Guerra do Golfo (1991), o veto norte-america- regional-local de uma sociedade com histórico
no ao ingresso chinês na Organização Mundial do camponês-feudal; enfrentar as desigualdades re-
Comércio (OMC), a venda de armas a Taiwan, as
provocações em relação ao Tibet, o bombardeio da 3 Tanto nos países que abandonaram o socialismo real
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (Bloco Soviético) quanto em países em desenvolvimento
à embaixada chinesa em Belgrado (1999), as dis- (Brasil, Argentina, México etc.), a adoção dos ajustes
putas territoriais no Mar da China, a crise financei- neoliberais orientados pelo Consenso de Washington e pe-
ra de 1997 etc. De todo modo, no 3º Pleno do XIV los organismos multilaterais (Banco Mundial e Fundo
Monetário Internacional (FMI)) tiveram efeitos trágicos
como estagnação e/ou declínio da economia. Para uma críti-
ca do neoliberalismo, sugere-se Chang (2009). Já para uma
2 Para uma visão panorâmica da história recente das rela- comparação entre a trajetória soviético-russa com a chine-
ções internacionais da China e da Ásia do Leste, ver Vizentini sa em relação ao ritmo e enfoque das reformas, cabe ler
e Rodrigues (2000). Medeiros (2008).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

gionais e sociais já herdadas do período anterior à investimentos públicos têm contribuído para di-
revolução e aprofundadas com o início da moder- namizar tais regiões6 e diminuir as disparidades
nização e debelar as ameaças separatistas de regi- sociais.
ões interioranas, em especial as de minorias não-
O terceiro eixo está relacionado com o desen-
han. Em outras palavras, o governo chinês precisa
volvimento e o fortalecimento do mercado inter-
integrar territorialmente aquilo que Khanna (2008,
no. Na China da atualidade, o desafio central é
p. 387) chama de “as quatro Chinas” nucleadas
enfrentar os desníveis sociais e regionais decor-
por Pequim (Nordeste), por Shanghai (Sudeste),
rentes de uma formação complexa em que convi-
pelo Tibete (Sudoeste) e pelo Xinjiang (Noroeste).
ve a economia natural de subsistência, a pequena
Com efeito, os investimentos públicos em obras produção mercantil, a indústria rural privada e
de infraestrutura e as políticas para interiorizar o coletiva (empresas de Cantão e Povoado), o capi-
desenvolvimento têm sido fundamentais, apesar talismo privado e de Estado e o socialismo
de eventuais resistências das elites ligadas às pro- (JABBOUR, 2010, p. 143-144). A transformação
víncias mais desenvolvidas (litorâneas). No en- ocorre a partir da decomposição da economia na-
tanto, depois da crise financeira asiática de 1997, tural (autoconsumo e/ou não monetária) por meio
ficou evidente para o governo chinês a necessida- de dois vetores fundamentais: de um lado, a espe-
de e as potencialidades do mercado doméstico face cialização da agricultura, a ampliação da produção
às instabilidades da economia internacional. Em de bens agrícolas para a cidade e o
razão disso, em 1999 foi criado o projeto Grande aprofundamento da integração com o mercado e,
Desenvolvimento do Oeste, com vistas a reduzir de outro, o êxodo rural e o emprego nos setores
as desigualdades regionais e integrar a economia industriais e de serviços. Como conseqüência, a
nacional, sobretudo com investimentos nas pro- urbanização provoca o aumento da procura por
víncias mais longínquas e pobres. Outro exemplo bens agrícolas e o ganho de produtividade agrí-
dos objetivos do governo chinês para interiorizar cola, uma vez que há a substituição do fator tra-
o desenvolvimento foi a elevação, em 1997, de balho pelo fator capital, expresso, sobretudo, em
Chongqing à condição de municipalidade direta- novas tecnologias (RANGEL, 2005, p. 165-167 e
mente administrada pelo governo central, com o p. 185). Cabe ilustrar que na China, nas últimas
mesmo status de Pequim, Tianjin e Shanghai. Tudo duas décadas, a melhora das condições técnicas,
isso visando transformá-la em um centro da como a elevação no número de tratores por 100
integração territorial do país, aproveitando-se do km² de 66 para quase 300, gerou a ampliação de
papel do rio Yang-Tsé como hidrovia e centro ge- 125% na produção de alimentos mesmo com o
rador de energia (Três Gargantas) que a conecta declínio de 824 para 740 milhões de habitantes
a Shanghai4. A metrópole, com quase 33 milhões rurais (WORLD BANK, 2011).
de habitantes, é reflexo da prioridade dada à mo-
No caso chinês, a grande abundância de mão
dernização e à integração do espaço nacional. O
de obra gerada pela decomposição da economia
fato é que, como aponta o relatório da Organiza-
natural não tem sido impeditivo aos elevados in-
ção das Nações Unidas (ONU)5, os volumosos
vestimento em capital fixo e tampouco ao cres-
cente aumento de salários, em grande medida de-
4 Para ilustrar, seria um processo similar ao pensado para vido às ações voltadas à ampliação da demanda
Brasília, que serviria de núcleo de conexão com as áreas externa que garantem o ritmo acelerado de mo-
interioranas, como o Centro-Oeste e o Norte do Brasil. dernização. Na verdade, as altas taxas de cresci-
Não difere muito também do caso de Chicago, nos EUA, mento, a urbanização e a elevação salarial média
que se transformou, na segunda metade do século XIX, no têm gerado o adensamento do mercado interno,
centro dinâmico do meio-oeste e “ponte” para unificação produzindo a necessidade de serviços e produtos
nacional com o Oeste norte-americano. Para informações
sobre Chongqing, ver o site oficial (CHONGQUING
que antes não eram colocados no âmbito da eco-
MUNICIPAL GOVERNMENT, 2011). nomia natural. É o caso, por exemplo, de apare-
5 Segundo o relatório Economia e Sociedade da Ásia e
lhos e serviços urbanos, como abastecimento de
água, transporte coletivo, iluminação pública (e
Pacífico 2008, o desenvolvimento do Oeste da China tem
sido expressivo, com redução da distância do Produto Inter-
no Bruto (PIB) per capita entre o Leste e o Oeste do país,
6 Recomenda-se a leitura do livro The Economy of Tibet
aumento do investimento em infraestrutura e elevação do
padrão de consumo. Ver China Radio Internacional (2008). (LI, 2008).

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A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

privada), atendimento de saúde, redes de escolas como o PIB chinês está artificialmente reduzido
etc., bem como de bens industriais que antes eram em dólares em razão da desvalorização da moeda,
produtos de autoconsumo, como alimentação e a tendência é que a valorização cambial amplie o
produtos têxteis. Para ilustrar, entre 1990 e 2010, PIB nominal do país (juntamente com sua capaci-
o consumo de energia per capita foi de 511 para dade financeira) sem, contudo, comprometer o
mais de 2 800 kW/h e a quantidade de usuários de desempenho do comércio exterior chinês (já que
internet e de celular foi de zero para 30% e quase se dará em compasso com a evolução da
60%, respectivamente (idem). competitividade). Conseqüentemente, a consoli-
dação de uma economia continental na China for-
A ampliação do mercado interno de 35% para
talece o mercado interno e amplia o peso da eco-
55% do PIB foi, inclusive, uma determinação do
nomia9 sobre a região e o mundo. A elevação dos
12º Plano Quinquenal (PQ) (2011-2015). No mes-
preços das commodities é apenas a “ponta do
mo sentido, o 12º PQ prevê a estruturação de um
iceberg” de um mercado de potencial surpreen-
sistema de seguridade social e um conjunto de
dente.
políticas sociais para melhorar o padrão de vida,
reduzindo os problemas da distribuição de renda III. CAPACIDADE ECONÔMICA E EFEITO
e, por sua vez, conferindo mais estabilidade polí- GRAVITACIONAL
tica ao país. Com efeito, os programas sociais
O desenvolvimento da economia continental na
tenderão a liberar parte da elevada poupança para
China e o fortalecimento de sua projeção internaci-
o consumo o que, juntamente com a meta de im-
onal têm se dado de maneira articulada. Na verda-
plantação de um sistema de salário mínimo e de
de, a capacidade econômica tem sido um instru-
ampliação de seu poder de compra, deverão for-
mento fundamental à universalização da política
talecer sobremaneira a economia chinesa
externa chinesa (PAUTASSO, 2009). Da mesma
(CHINESE GOVERNMENT, 2011). O alargamen-
forma, “é esse grande mercado interno o centro de
to do mercado interno nas últimas duas décadas
gravidade da dinâmica econômica asiática”
pode ser mensurado pela elevação do PIB per capita
(MEDEIROS, 2006, p. 77). Portanto, é possível
em poder de paridade de compra de 800 para mais
sugerir que a capacidade econômica da China cria
de sete mil dólares e pelo crescimento da popula-
uma espécie de efeito gravitacional que, por sua
ção urbana de 311 para quase 600 milhões de ha-
vez, permite à diplomacia chinesa explorar essas
bitantes urbanos, sendo que saltou de 9% para
vantagens sem ter de confrontar a ordem mundial.
quase 18% vivendo em cidades com mais de um
milhão de habitantes (idem). De qualquer forma, o fortalecimento da posi-
ção internacional do país oriental tem dependido
Enfim, as reformas colocaram em outro pata-
do seu planejamento das relações econômicas in-
mar o desenvolvimento chinês, aproximando o país
ternacionais. Primeiro, o controle do câmbio em
do grande desafio de formar uma economia con-
patamares competitivos explicam parte do desem-
tinental em sintonia com a Terceira Revolução In-
penho exportador do país. Mais do que a oferta
dustrial (OLIVEIRA, 1998, p. 5)7. Mesmo com
de mão de obra a baixo custo, as condições
uma renda per capita baixa, a China já se conver-
macroeconômicas como moeda desvalorizada, cré-
teu em uma locomotiva da economia mundial, na
dito estatal abundante e taxas de juros baixas são,
condição de maior exportador (2009) e segundo
combinadas a um conjunto de políticas industriais,
maior PIB (2010) do mundo8. No médio prazo,
comerciais e tecnológicas, estímulos governamen-
tais à conquista de mercados externos. Some-se a
7 Segundo Oliveira (1998), a “primeira revolução”, que isso a opção comercial agressiva voltada para trans-
ocorreu com a proclamação da República (1911), esteve formar nichos em mercados de massa, obtendo
associada à resistência ao imperialismo japonês; a “segun- ganhos de escala com margens de lucro menores.
da revolução”, com a Revolução de 1949, coincidiu com o
alinhamento com a URSS e posterior isolamento internaci-
onal (1962) e a “terceira revolução”, com as Reformas (1978), alcançou US$ 5,878 trilhões, superando o do Japão, com
articulou-se com o inicial alinhamento com os EUA e, que, US$ 5,474 trilhões (CHINA SUPERA JAPÃO, 2011).
obviamente, transformou-se em competição. 9 Segundo China Radio Internacional (2010), no ano da
8 Em 2009, a China exportou mais de US$ 1,2 trilhão de crise, 2009, a China representou 50% do crescimento mun-
dólares, ultrapassando a Alemanha (CHINA dial. E a perspectiva para os próximos anos é que possa
ULTRAPASSA A ALEMANHA, 2010) enquanto o PIB contribuir com um terço do crescimento mundial.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

Segundo, a adoção de uma política de atração Isso significou que o Estado chinês preservou
de investimentos externos diretos (IEDs) por meio a prerrogativa política sobre o planejamento eco-
de uma eficaz regulação estatal. A criação das Zo- nômico e pôde criar mecanismos de internalização
nas Econômicas Especiais (ZEEs) talvez elucide e difusão do desenvolvimento, reduzindo as
de modo mais claro a concepção das reformas e vulnerabilidades e criando uma estratégia de
o papel do planejamento. De quatro ZEEs iniciais integração do país à economia mundial. Diferente
(Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen) criadas da visão de que a China desenvolvia-se como eco-
na primeira metade da década de 1980, as áreas nomia de enclave, baseada na exportação de bens a
especiais foram diversificando-se em formato partir da absorção de investimentos estrangeiros
institucional e econômico10 e distribuindo-se pelo (GILPIN, 2000, p. 378), a dinâmica do país orien-
território como polos irradiadores da moderniza- tal permaneceu fortemente assentada no investi-
ção. No caso dos investimentos externos diretos, mento público, na exportação de empresas estatais
também houve experimentação e regulação11, cri- e na expansão doméstica do consumo (MEDEIROS,
ando restrições aos investimentos exclusivamen- 2006, p. 75). Os dados posteriores às reformas de
te estrangeiros e estímulos aos investimentos com 1978 são ilustrativos (Gráfico 1). Em outras pala-
gestão conjunta (joint ventures). Ao fomentar joint vras, o governo chinês tem sabido explorar os in-
ventures com capitais chineses12, o governo esti- vestimentos estrangeiros e o mercado mundial para
mulava as transferências tecnológicas e de técni- dotar suas empresas de capacidade de competição
cas de gestão, ao mesmo tempo em que global; isso explica como a China está a ampliar o
condicionava a geração de saldos comerciais e pre- grau de agregação de valor das exportações, a pre-
servava a capacidade decisória em território naci- sença internacional de suas empresas estatais e o
onal. volume de investimentos no exterior13.

GRÁFICO 1 – CONTRIBUIÇÕES AO CRESCIMENTO DO PIB CHINÊS (%)

FONTE: National Bureau of Statistics of China (2011).

10 Foram criadas as Zonas de Desenvolvimento Econômi- bidos. Da mesma forma, criavam regras para transferência
de tecnologia, fluxos de capitais, entre outros mecanismos
co e Tecnológico; as Zonas Francas; as Zonas de Desenvol-
(idem, p. 240-248).
vimento de Indústrias de Alta e Nova Tecnologia; as Zonas
Fronteiriças de Cooperação Econômica e Zonas de 12 Cabe salientar que a participação de empresas estran-
Processamento de Exportação (KE & JUN, 2004, geiras nas exportações chinesas aparece inflacionada nas
p. 230-240). estatísticas, pois grande parte destas tem sociedade com
11 Os documentos “Regulamento de Orientação do Inves- capitais nacionais.
timento Estrangeiro na China” e “Catálogo Guia de Inves- 13 Recomenda-s a leitura do Comunicado n. 84 do IPEA,
timento Estrangeiro em Setores Econômicos” definiam se- “Internacionalização das empresas chinesas: as priorida-
tores a serem estimulados, admitidos, restringidos e proi- des do investimento direto chinês no mundo” (IPEA, 2011).

49
A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

Em terceiro lugar, o fortalecimento das reser- O protagonismo da China tem sido percebido
vas internacionais do país como forma de proteção em todas as esferas da dinâmica regional. Na es-
diante de instabilidades financeira internacionais. No fera institucional, a diplomacia chinesa passou a
âmbito doméstico, a capacidade econômica (finan- ingressar em mecanismos de integração regionais,
ceira), formada pelos saldos comerciais, pelas re- como Asian-Pacific Economic Cooperation
servas internacionais e pela poupança, cria as con- (APEC), Asean+3, Asia-Europe Meeting (ASEM),
dições para uma política de crédito expansiva (in- Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do
vestimento e consumo) produzindo taxas altas de Leste (Focalal), e mesmo a liderar outros proces-
formação de capital (47% do PIB) e um mercado sos, como a Organização de Cooperação de
interno dinâmico. No âmbito internacional, a capa- Shanghai (OCS). Na esfera geográfica, a
cidade econômica chinesa permitiu ao país tornar- integração da economia chinesa tem impulsiona-
se uma alternativa de comércio, investimento e cré- do a conexão entre a Bacia do Pacífico e a Eurásia
dito para os países periféricos. Mesmo que a eco- por meio da Ásia Central, com obras de
nomia norte-americana preserve a primazia, inclu- infraestrutura energética e de transportes e ampli-
indo a condição do dólar de reserva e ativo interna- ação do comércio, dando uma feição moderna à
cionais, os países emergentes romperam com o antiga interligação da Rota da Seda. Na esfera
exclusivismo do Ocidente e de seu sistema de comercial, a economia chinesa tornou-se o maior
Bretton Woods (FMI e Banco Mundial). Basta olhar parceiro comercial da maioria dos países da re-
a distribuição das reservas internacionais e os cre- gião, sendo que mais da metade do comércio chi-
dores dos títulos do Tesouro dos EUA. nês está voltado à Ásia-Pacífico (Gráfico 1). Na
esfera política, além de ser membro permanente
Assim, a relação entre a formação da econo-
do Conselho de Segurança da ONU, a China goza
mia continental, o incremento da capacidade eco-
de uma autonomia decisória que outros países da
nômica e o efeito gravitacional chinês têm se feito
região não possuem, o que explica a liderança em
sentir de maneira mais evidente na esfera regio-
contenciosos como na península coreana (Grupo
nal, por meio do que denominamos de
dos Seis). Na esfera populacional-cultural, é pre-
(re)constituição do sistema sinocêntrico
ciso sublinhar que há uma histórica presença de
(PAUTASSO, 2011a). É na estruturação de um
populações chinesas na Ásia que representam, não
sistema regional sinocêntrico que se percebe como
obstante eventuais tensões, uma rede de negócios
tal relação explica a estratégia de ascensão da
e uma influência cultural decisiva, pois estes co-
China, a dinâmica de integração asiática e seus
nhecem os sistemas legais, os referenciais de va-
desdobramentos sobre a transição sistêmica.
lores e o ambiente de negócios14.

GRÁFICO 2 – COMÉRCIO CHINÊS EM 2010 (MILHÕES DE DÓLARES)

FONTE: Euromonitor International (2011).

Cabe tentar compreender como a reconstituição 14 São cerca de 55 milhões de chineses no Sudeste Asiático
do sistema sinocêntrico está a sintetizar elemen- com recursos financeiros desproporcionais ao seu contin-
tos novos e velhos da região. De um lado, a longa gente populacional na Malásia, na Tailândia, na Indonésia e
tradição do sistema regional asiático baseou-se na nas Filipinas, além dos três quartos de população chinesa
baixa freqüência de guerras entre os estados, nas em Cingapura (ver PINTO, 2000, p. 44).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

raras redefinições territoriais15, na ausência de Enfim, analisando em perspectiva história, é


competição entre si para construir impérios ultra- possível elucidar as mudanças na geografia do
marinos e no reduzido ímpeto de envolverem-se poder na região e a estratégia de inserção interna-
em corridas armamentistas em comparação com cional chinesa. A saída dos EUA do Vietnã permi-
o sistema europeu, em que a combinação peculiar tiu à China sua reinserção no mundo e a amplia-
entre capitalismo, militarismo e territorialismo criou ção de sua presença na Ásia. Com o Acordo Plaza,
as condições competitivas para a dominação em em 1985, a China começou a beneficiar-se do
escala global (ARRIGHI, 1998, p. 324, 328; impulso desenvolvimentista na região, gerado pelo
FIORI, 2009). Isso explica a razão pela qual o sistema de subcontratação e transplante da ponta
desenvolvimento chinês não revela nem compor- de menor valor agregado do sistema produtivo
tamento revisionista nem mentalidade expansionista, japonês (ARRIGHI, 1998, p. 110-114). Isso ocor-
de modo que a prioridade é a integridade territorial reu porque, mesmo deslocando outros países pro-
em vez da reprodução do militarismo japonês-ale- dutores de bens de consumo de terceiros merca-
mão (GOLDSTEIN, 2003, p. 86)16. dos, a China ampliou muito a sua demanda e, con-
seqüentemente, as exportações asiáticas, provo-
Na atualidade, a integração asiática está basea-
cando um efeito gravitacional ainda mais notável
da em um sistema hierárquico cujas característi-
(MEDEIROS, 2006, p. 81). A crise do milagre
cas diferem substancialmente do sistema
japonês a partir dos anos 1980 e o fim da URSS,
westphaliano: os estados mais fracos buscam be-
em 1991 deslocaram, progressivamente, o
nefícios em vez do balanceamento frente ao mais
epicentro para a China devido ao dinamismo eco-
forte; o Estado central busca minimizar os confli-
nômico-comercial e ao fim das fraturas ideológi-
tos com os países mais fracos, provendo meios
cas oriundas da bipolaridade e da ruptura sino-
para ajustar-se a circunstâncias imprevistas; a hie-
soviética.
rarquia é sustentada não somente pelo poder mate-
rial, mas por normas culturais compartilhadas que IV. A ESTRATÉGIA INTERNACIONAL CHINE-
servem para mitigar o dilema de segurança e au- SA E A TRANSIÇÃO SISTÊMICA
mentar o nível de comunicação e confiança entre
Da mesma forma que o desenvolvimento da
os estados do sistema; por fim, o Estado central
economia continental norte-americana moldou a
tem baixo nível de interferência nos assuntos dos
história do século XX, consagrando instituições
países mais fracos, respeitando a autonomia na
internacionais a ela associadas, o mesmo proces-
organização doméstica e nas relações exteriores.
so na China também produzirá impacto notável
Portanto, enquanto o sistema regional asiático con-
na ordem mundial em meados do século XXI
sidera que há uma hierarquia formal e uma igualda-
(JABBOUR, 2010, p. 214). Se a transição sistêmica
de informal; no sistema europeu reconhece-se uma
em curso e a ascensão chinesa são irrefreáveis,
igualdade formal entre os países e uma hierarquia
resta, isso sim, acompanhar e compreender como
informal que expõe na prática poderes despropor-
a ordem mundial vai adaptar-se à China e esta irá
cionais (KANG, 2003, p. 167-168)17.
moldá-la ao fornecer novas soluções sistêmicas
(ARRIGHI & SILVER, 2001, p. 296).
15 Conforme Kang (2003, p. 170), em 1500 a Europa Os contextos de transição sistêmica são ca-
possuía cerca de 500 unidades territoriais, já em 1900, cer- racterizados pelo rearranjo de forças no sistema
ca de 20. O mapa europeu mudou sensivelmente nos perí- internacional, o que se desdobra na abertura de
odos do Entre Guerras, da Guerra Fria e depois dela, com o espaços para os países emergentes. Ironicamen-
surgimento e o desaparecimento de países e impérios. No
te, desde a década de 1970, em especial após a
caso da Ásia, os ciclos de violência explicam-se, em parte,
em razão da diluição do sistema hierárquico e na conversão Guerra Fria, a máxima expansão sistêmica dos
“realista” de países como o Japão. EUA coincidiu com a intensificação da competi-
16 Conforme Goldsten (2003, p. 86), a China tem adotado ção entre suas unidades, reflexo da multiplicação
uma estratégia neobismarckiana voltada à realização de seus
de estados soberanos, posterior à descolonização
interesses e com baixo grau de tensionamento; o que não afro-asiática, e da ascensão de novos polos de
sugere a inexistência de riscos internacionais, sobretudo.
17 O sistema hierárquico da região elucida, por exemplo,
as razões pelas quais (i) os países asiáticos reagem de ma- o Japão) e (ii) países como Vietnã e Coréia do Norte acei-
neira diferente à dos EUA na questão de Taiwan (inclusive tam a posição central da China na região (ver KANG, 2003).

51
A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

poder, com destaque para a Ásia e a China (FIORI, abstendo-se das demais; realizou concessões subs-
MEDEIROS & SERRANO, 2008, p. 24, 66). A tantivas a fim de ingressar na OMC; integrou o
crescente competição interempresarial e Banco Mundial e virou o maior tomador de crédi-
interestatal é parte da transição sistêmica, eviden- tos; assinou pactos voltados à defesa das institui-
te na readequação das bases territoriais de acu- ções e direitos civis (Pacto Internacional dos Di-
mulação do capital, na formação de novos arran- reitos Econômicos, Culturais e Sociais, Pacto In-
jos político-diplomáticos entre os espaços global ternacional de Direitos Civis e Políticos), entre
e nacional e nas transformações sociais decor- outras ações (idem, p. 24-28).
rentes de uma ampla reestruturação do capitalis-
Isso também revela que a política externa chi-
mo (ARRIGHI & SILVER, 2001, p. 39).
nesa tornou-se crescentemente assertiva e pas-
Nesse quadro de reorganização de forças, a sou a fortalecer sua atuação multilateral desde
China tem sido mais do que um simples país em meados dos anos 1990. Até então, o ceticismo
desenvolvimento, mas um típico país emergente, chinês com relação à atuação multilateral devia-se
já que está experimentando a ampliação dos re- à percepção de que o país sofria nesses fóruns as
cursos de poder e da capacidade de contribuir para pressões e as manipulações dos EUA e do Japão.
a gestão do sistema internacional, ao passo que se Tal mudança de comportamento representa o ob-
torna mais legítimo para desempenhar um papel jetivo de reduzir as percepções de ameaça e os
relevante na arena internacional (HURRELL, 2009, riscos do isolamento, de diversificar e ampliar a
p. 22). Quer dizer, além da ampliação de suas ca- interdependência com várias regiões do globo e
pacidades materiais, a China tem tido uma inser- de fortalecer suas forças armadas para desenvol-
ção internacional em escalas regional e global, ao ver capacidade dissuasória (GOLDSTEIN, 2003,
mesmo tempo em que se integra plenamente à p. 61-85). Apesar da assimetria de poder, as orga-
economia mundial e aos organismos multilaterais. nizações internacionais também poderiam restrin-
Esse maior envolvimento na política e nos negó- gir a atuação do Ocidente e dos EUA e equilibrar a
cios internacionais vem acompanhado de uma ordem mundial por meio da aproximação com
maior autonomia na capacidade de formulação de outros países do Sul.
sua estratégia internacional.
A mudança de uma atuação internacional de-
Como mais evidente potência emergente, a fensiva e voltada às relações bilaterais para um
China combina ações diplomáticas voltadas à pre- maior ativismo diplomático no âmbito multilateral
servação da estabilidade e à reforma do sistema revela também outro nível de engajamento da di-
internacional. Isto é, a defesa do status quo per- plomacia chinesa. Cabe destacar a participação em
mite ao país acumular forças e garantir certa se- organismos internacionais (FMI, Banco Mundial
gurança (hedging) ao passo que busca uma aco- e OMC), o envolvimento em mecanismos de
modação à nova realidade internacional (FOOT, integração regionais voltados à segurança (OCS)
2009, p. 125-152). Nesse sentido, a diplomacia e as ações direcionadas ao combate de ameaças
chinesa tem estabelecido uma estratégia que com- não tradicionais (SARS18, terrorismo e tráfico de
bina (i) a integração ao sistema internacional, (ii) drogas) à estabilidade do desenvolvimento chinês
o envolvimento cada vez mais expressivo com os (WANG, 2005, p. 159-165).
países do Sul por reformas do sistema e (iii) a
Paralelamente, o governo chinês atua para li-
condição de líder do espaço regional.
derar os países do Sul, visando a mudanças e/ou
A integração chinesa ao sistema internacional resistência frente assimetrias da ordem mundial.
tem se dado de modo gradual desde a liderança de Por isso, a diplomacia da China tem enfatizado
Deng Xiaoping e, especialmente, após a Guerra tanto a defesa da soberania quanto sua identidade
Fria. Por isso, a China aderiu aos regimes de con- de semicolônia e país subdesenvolvido – embora
trole de armamentos (Tratado de Não-Prolifera- seja membro do Conselho de Segurança da ONU,
ção Nuclear; à Convenção de Armamentos Quí- tenha armas nucleares e tenha poder econômico
micos; à Convenção de Armamentos Biológicos e crescente, incluindo a condição de segundo mai-
ao Tratado para a Proibição Completa de Testes
Nucleares); passou a envolver-se em operações
de paz coordenadas pela ONU; apoiou 84% das 18 Severe Acute Respiratory Syndrome (Síndrome Respi-
resoluções do Conselho de Segurança da ONU, ratória Aguda Severa).

52
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

or PIB mundial (FOOT, 2010, p. 31). O fato é acomodá-la à nova ordem (IKENBERRY, 2010,
que a China tem buscado um espaço próprio, re- p. 71-72, 80). Não interessa, portanto, à China
afirmando-se como alternativa ao Ocidente para subverter a ordem mundial justamente porque tem
os países periféricos, na medida em que defende sido a grande beneficiada do status quo; interessa
um modelo de interação internacional baseado nos ao país oriental, isso sim, deslocá-la para ocupar
ganhos mútuos, como são os casos das teses ofi- uma posição que confira, a um só tempo, segu-
ciais do “mundo harmonioso” e/ou do Consenso rança e protagonismo. Fica evidente o desejo chi-
de Pequim. Contudo, o desafio dos EUA é que a nês de apresentar-se como uma potência coope-
China está beneficiando-se tanto da aceitação das rativa, evitando as teses de “ameaça chinesa” e o
próprias regras formuladas pelo Ocidente isolamento proposto pelo Ocidente (sobretudo
(BRESLIN, 2010, p. 55), quanto dos modelos al- depois de 1989), ao mesmo tempo em que explo-
ternativos que o país oriental tem proposto. ra as vantagens que a arena internacional tem pro-
piciado.
A política externa chinesa parece ter percebi-
do que a cooperação Sul-Sul é cada vez mais uma O desafio chinês é lidar com as incertezas e
realidade da diversificação do cenário internacio- rearranjos de poder que se intensificaram com o
nal e uma estratégia para tal. O caso das relações fim da Guerra Fria, bem como com uma super-
sino-africanas é ilustrativo do fortalecimento do potência (EUA) que tem buscado reafirmar-se
eixo Sul-Sul, seja pela evolução da interação eco- como único poder, expandindo seus domínios in-
nômica (comércio e investimentos), seja pelo in- ternacionais. No campo militar, o expansionismo
cremento do diálogo diplomático, como atesta o dos EUA deu-se sobre os antigos espaços soviéti-
Fórum de Cooperação China-África (PAUTASSO, cos ao entorno da nova Rússia, incluindo a ex-
2010a; 2010b). Enquanto a Europa perdia ímpeto pansão da OTAN, a intervenção militar nos Balcãs,
e os EUA priorizavam outras regiões, os países as ingerências em países como Ucrânia e Geórgia
emergentes (China, Índia e Brasil) aproveitam as e a presença na Ásia Central, Paquistão e
oportunidades que se abriam no continente afri- Afeganistão; a projeção de força sobre o Oriente
cano com a virada do século. Médio, com intervenções no Iraque duas vezes e
a recente intervenção na Líbia e a ampliação da
Em razão da capacidade limitada de atuar na
infraestrutura militar pelo mundo. No campo eco-
arena internacional, o espaço regional também re-
nômico, a imposição, via organismos multilate-
presentam oportunidade para os países emergen-
rais, de seus interesses por meio de agendas eco-
tes assumirem iniciativas mais ousadas. No caso
nômicas e institucionais de tipo neoliberal fortale-
chinês, a região, que até o fim da Guerra Fria era
ceu os movimentos sociais de resistência às re-
percebida com desconfiança, passou a represen-
formas impopulares, bem como regimes de cen-
tar o foco central do engajamento e da coopera-
tro-esquerda. No campo diplomático, o uso de
ção para dirimir ameaças à segurança (isolamen-
instrumentos ideológicos como “intervenção hu-
to, separatismos e epidemias) e impulsionar a
manitária”, “ataque preventivo” e “direito de pro-
integração econômica regional (BRESLIN, 2010,
teger” recrudesceu a arbitrariedade do poder e
p. 33-38). A reconstituição de um sistema
forçou a criação de articulações de resistência, ao
sinocêntrico revela a reorganização das forças e o
passo que fragilizava as instituições mundiais.
maior engajamento chinês na região.
Contudo, as duas últimas décadas não foram
Essas características da integração da China
apenas de ofensiva diplomático-militar dos EUA,
ao sistema internacional indicam também que a
foram também de reestrutura da economia mun-
transição em curso tem particularidades em rela-
dial, de emergência de novos polos de poder e,
ção às demais. A ordem mundial constituída após
por sua vez, formação de novas coalizões e ali-
a II Guerra Mundial, sob liderança dos EUA, pos-
nhamentos internacionais. De um lado, a dificul-
sui um sistema de regras e instituições bastante
dade dos EUA não está somente na China, mas na
denso, abrangente e legítimo e, ao mesmo tempo,
capacidade da diplomacia norte-americana em re-
uma estrutura hierárquica de poder (inclusive nu-
novar a liderança sob instituições multilaterais que
clear) muito expressivo. Isso favorece tanto a
eles próprios fragilizaram a legitimidade, como
acomodação quanto limita a subversão da ordem
OMC, Conselho de Segurança da ONU, Tribunal
existente. Com efeito, os EUA não podem impedir
Penal Internacional, Tratado de Não-Proliferação
a ascensão da China, mas podem contribuir para
Nuclear, Protocolo de Quioto etc. De outro, a China

53
A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

explora essas contradições buscando as linhas de A diplomacia chinesa tem, portanto, optado
menor resistência para ampliar seu espaço inter- pelo fortalecimento do multilateralismo, por meio
nacional – inclusive por saber que o declínio rela- do envolvimento tanto em organismos consagra-
tivo dos EUA difere de um colapso, uma vez que dos pela ascendência ocidental quanto em novos
o país preserva instrumentos de poder cruciais, mecanismos multilaterais com a região e/ou no
como primazia militar e financeira19. Em suma, a âmbito Sul-Sul. A diversificação das alianças e das
China tem se engajado nos organismos multilate- coalizões amplia a atuação chinesa no cenário in-
rais e, paralelamente, rejeitado, de maneira enfáti- ternacional, obtendo instrumentos para promover
ca, as tentativas de normatizar o desenvolvimento o desenvolvimento nacional e evitando eventuais
(câmbio, instituições etc.) e/ou ameaçar a segu- tentativas de isolá-la. A estratégia da China com-
rança (Tibete, Taiwan etc.). bina um esforço de desenvolvimento das capaci-
dades nacionais e de promoção de novas parceri-
V. CONCLUSÕES
as internacionais com um nível de compromisso
A inserção chinesa é resultado de uma mudan- econômico e diplomático internacional voltado a
ça que o país oriental teve de operar na sua estra- maximizar os benefícios de interdependência.
tégia internacional para poder viabilizar a corre-
Trata-se de um contexto internacional de ex-
ção de rumos no modelo de desenvolvimento na-
pansão competitiva entre os estados, sem, contu-
cional. Não foi apenas mudança de discurso; o
do, formar um único poder global, tampouco eli-
governo chinês, a partir dos anos 1970, modifi-
minar a importância e o poder das economias na-
cou sua diplomacia de maneira substantiva, mes-
cionais. E o histórico processo de oligopolização
mo que sem sobresssaltos, para superar o isola-
do poder e da riqueza em escala global (FIORI,
mento internacional e os percalços internos. Isto
2009, p. 173) fortalece as estruturas de poder em
é, a China explorou novas coalizões e estratégias
disputa. Isso explica por que se transitou de po-
para adequar os desígnios de modernização às al-
tências no século XIX (Grã-Bretanha e França),
terações de dinâmica do cenário mundial. A apro-
para superpotências no século XX (EUA e URSS),
ximação com os EUA nos anos 1970-1980 e o
e atualmente assistimos a projeção de grandes
fim da bipolaridade nos anos 1990 exigiu da polí-
economias nacionais capazes de liderar proces-
tica externa chinesa capacidade de reagir a mu-
sos de integração regionais (União das Nações Sul-
danças drásticas de alianças e de correlação de
Americanas (Unasul), OCS, União Européia, Tra-
forças, assim como de disputas internas e de rea-
tado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta),
ções internacionais.
Southern African Development Community
(SADC), South Asian Association for Regional
19 Os EUA ainda possuem ascendência sobre as estrutu-
Cooperation (Saarc)). Embora não seja tarefa fá-
ras hegemônicas de poder nos campos financeiro (FMI,
cil, é imprescindível decifrar o nexo entre o de-
Banco Mundial e dólar), militar (OTAN, Anzus (Australia,
New Zealand and United States Treaty) e Seato (Southeast senvolvimento nacional e a estratégia internacio-
Asia Treaty Organization)), político (ONU), comercial nal da China e seu impacto em um mundo em
(OMC) etc. transformação.

Diego Pautasso (dpautasso@espm.br) é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Ufrgs) e Professor de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM).

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56
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT


Diego Pautasso
The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal is
to discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’s
projection within the international system, analyzing how the formation of a continental economy
produces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategy
within this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’s
development and international position. Our central arguments is that the development of a conti-
nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a key
instrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitational
effect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in the
following manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on the
challenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chinese
economic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,
we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash an
international strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widen
the scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.
KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.
* * *
CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFIC
CONSENSUS
Javier Vadell
This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’s
Republic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment and
trade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperation
for the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that could
constitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typical
North-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationship
pattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth in
the region, it also has different implications for the development of countries with an important
industrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –
which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with some
considerations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.
KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.
* * *
THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT AND
INTERNATIONAL SCOPE
Marco Cepik
This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for space
exploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international system
and the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explain
Chinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economic
development and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state of
development, with particular attention to image, navigation, communication and data transmission
satellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

146
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL


Diego Pautasso
L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’est
de discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur de
projection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’une
économie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de la
stratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article est
développé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement et
d’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selon
lequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,
deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer un
fort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.
Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente du
développement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensions
continentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise et
comment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,
nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pour
déclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,
d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.
* * *
LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DU
CONSENSUS DU PACIFIQUE
Javier Vadell
L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre la
République Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur le
commerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrès
diplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,
nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer une
relation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selon
notre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou à
un modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle de
relation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, la
croissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des pays
qui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ont
pas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géant
asiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans le
processus d’intégration sud-américaine.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.
* * *
LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTE
STRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE
Marco Cepik
L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,
liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES


GEOPOLÍTICAS DO CONSENSO DO PACÍFICO

Javier Vadell1

RESUMO

O artigo analisa as implicações políticas da crescente interdependência econômica entre a República Popular da China
(RPC) e os países da América do Sul. Apresentam-se dados sobre o comércio e investimento da RPC na sub-região e
destacam-se os avanços diplomáticos em matéria de cooperação bilateral no decorrer do século XXI. Parte-se da questão
de se estaríamos perante um padrão de relacionamento que poderia constituir uma renovada relação de cooperação Sul-
Sul ou, pelo contrário, um novo tipo de relacionamento Norte-Sul. A nossa hipótese é que a evolução e a dinâmica desse
relacionamento se assemelham mais a um sistema ou padrão Norte-Sul com características bem particulares. Denominamos
esse padrão de relacionamento de Consenso do Pacífico (CP). Embora no curto prazo o fator China estimule o crescimento
da sub-região, o CP traz implicações diferenciadas para o desenvolvimento dos países que possuem um setor industrial
importante – ex. Brasil e Argentina – e aqueles que não o possuem – ex. Chile e Peru, que inclusive assinaram tratados de
livre comércio com o gigante asiático. O artigo conclui com algumas considerações a respeito das conseqüências que o CP
tem no processo de integração sul-americana.
PALAVRAS-CHAVE: China; América do Sul; integração; Consenso do Pacífico.

I. INTRODUÇÃO obter empréstimos. Em terceiro lugar, o fracasso


do CW manifesta-se também no plano ideacional.
América do Sul experimentou, de 2002 a 2010,
Sustentado pela ideologia liberal (MORAES, 2001;
um crescimento econômico destacável, após os
VADELL, 2002; HARVEY, 2008), esse modelo de
magros resultados das reformas econômicas
desenvolvimento para a América Latina partia do
liberalizantes implementadas nos países da Améri-
pressuposto que, aplicando o receituário dos dez
ca Latina, com maior ou menor radicalidade, na
pontos que Williamson destacou no seu famoso
década de 1990. O Consenso de Washington (CW),
artigo, os países da América Latina iriam finalmen-
como modelo e programa político de desenvolvi-
te não só seguir a trilha correta do capitalismo vito-
mento para a América Latina, fracassou em três
rioso da Guerra Fria, mas também achar o atalho
pontos fundamentais: em primeiro lugar, nos índi-
que os conduziria para o primeiro mundo de uma
ces de crescimento e nos indicadores sociais, con-
maneira mais rápida, embora em certos casos do-
solidando ainda mais a desigualdade social histori-
lorosa.
camente presente na região. Em segundo lugar, o
fracasso faz-se evidente no colapso institucional e Esse modelo mostrou-se não só pífio como utó-
fiscal dos estados dos países da região. Aplicando pico. O ano 2001 marca, talvez, o momento sim-
a receita privatista e de abertura comercial e finan- bólico de ruptura desse processo na América Lati-
ceira unilateral, os países endividados da região e na. Em termos mais precisos, 2001 é um ano em
com economias débeis ficaram sem respostas pe- que aconteceram algumas mudanças políticas e
rante a crise de finais da década de 1990, com ain- econômicas no plano global de grande destaque: a
da poucas opções políticas e dependentes de orga- crise econômica de 2001 na região é resultado de
nizações financeiras internacionais – Fundo Mone- uma crise do capitalismo global de finais da década
tário Internacional (FMI) e Banco Mundial – para de 1990 atingindo de maneira dramática o México,
o sudeste asiático, a Turquia e a Rússia. Na região,
o caso paradigmático foi a crise Argentina de de-
1 O autor agradece a colaboração dos alunos de graduação
zembro de 2001, país que seguiu a receita neoliberal
do Curso de Relações Internacionais da Pontifícia Univer- de maneira radical. No ano de 2001 também acon-
sidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG): Camila Men-
teceram os atentados terroristas do grupo Al Qaeda
donça, Daniele Cardoso e Hugo Markiewicz Fernandes.
nos Estados Unidos da América (EUA), fato que

Recebido em 23 de janeiro de 2011. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 57-79, nov. 2011
Aprovado em 23 de fevereiro de 2011.
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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

reconfigurou a política de segurança da superpo- no século XXI, tem se tornado um motor econô-
tência e, também, a sua política econômica baseada mico global, crescendo a uma taxa de mais de
nos juros baixos (1% ao ano) e de estímulo ao gas- 9,5%, em média, nas últimas duas décadas (ver
to, que se acelerou ainda mais após as intervenções Gráfico 1). Com sua imensa população, seu po-
armadas no Afeganistão e Iraque. Em 2001 aconte- der militar e seu arsenal nuclear, sua crescente
ce o ingresso da República Popular da China (RPC) necessidade de recursos energéticos e de diver-
na Organização Mundial do Comércio (OMC) e sua sas commodities, produto de seu elevado cresci-
crescente presença no comércio internacional. As- mento econômico, que está transformando rapi-
sim, se, por um lado, os EUA começam a priorizar damente sua estrutura social, a China tem criado
geopoliticamente a região de Oriente Médio e a Rússia as condições para sua expansão global, mudando
e, geoeconomicamente, as relações comerciais e fi- o cenário geopolítico e geoeconômico. Assim, a
nanceiras com a China e o Sudeste Asiático, é ver- clássica visão da interdependência entre o ator
dade que, para a América Latina – mas principal- estatal China com as potências Ocidentais, que
mente para a América do Sul – surge, em plena crise outrora poderia ser considerada de “vertical”, ou
econômica, uma nova opção no horizonte: a cres- Norte-Sul, está sendo questionada nos dias de hoje
cente presença da RPC no comércio internacional – p. ex., a relação RPC-EUA, RPC-União Euro-
como compradora de recursos naturais e energéticos, péia e RPC-Rússia – devido ao peso que a China
cujos preços, por razões de maior demanda, tem nas questões de segurança global e, sobretu-
especulativas e geopolíticas, experimentaram subs- do, na economia internacional. Assim, levando em
tantivas elevações pelo menos até a crise de 2008. consideração essa premissa, fica claro o status da
RPC como uma potência global e não como mais
A RPC, potência mundial e ator fundamental
uma “potência emergente”.
das novas mudanças geopolíticas e geoestratégicas

GRÁFICO 1 – TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA (%)

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados do National Bureau of Statistics
of China.

De tal modo, na geoeconomia global, o cres- A dinâmica conflito-cooperação também está li-
cimento da China e sua expansão valorizaram os gada ao abastecimento dos recursos naturais e
produtos produzidos na periferia, fato que aumen- energéticos, que provocou a elevação dos preços
tou o poder de barganha dos países da América a partir de 2002 e da crescente necessidade des-
Latina e da África na divisão internacional do tra- ses recursos por parte da China para sustentar
balho. Por outro lado, na geopolítica internacio- seu espetacular crescimento (VADELL, 2007;
nal, a ascensão da RPC tem criado novas fontes 2010). “Isso tem provocado respostas por parte
de conflito com os poderes centrais e, podería- da China no sentido de conformar novas alianças
mos adicionar, com algumas potências regionais. com o intuito de aproximar o sistema internacio-

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nal para uma ordem multipolar”. Dessa maneira, interdependência econômica entre a RPC e os
parte-se da premissa de que a RPC está modifi- países da América do Sul? Estar-se-ia criando um
cando a balança de poder entre o centro e a peri- padrão de relacionamento que poderia constituir
feria gerando um conjunto de desdobramentos que, uma renovada relação de cooperação Sul-Sul ou,
por um lado, podem provocar novas formas de pelo contrário, um novo tipo de relacionamento
cooperação e novas configurações geoeco- Norte-Sul? Quais implicações essa relação traz para
nômicas, mas também provocar novas fontes de o Brasil e para a integração na América do Sul?
tensões e conflitos geopolíticos (idem). Nosso recorte histórico vai de 2001 a 2008, quando
aconteceu a crise financeira global que impactou
Por essa mesma razão, questionamos neste tra-
de maneira dramática as economias dos países
balho o tipo de relacionamento que para o olhar
desenvolvidos do Ocidente.
menos cauto apresenta-se como uma clássica
interdependência ou cooperação Sul-Sul, como é o O trabalho está dividido em cinco seções além
caso da cada vez mais profícua relação entre a RPC da introdução. Na segunda parte, abordamos a
e os países da América Latina e da África. Nesse questão mais geral da relação entre a RPC e a
sentido, se considerarmos que a RPC projeta-se América Latina, apontando as principais motiva-
como potência econômica e política global no sé- ções chinesas dessa interdependência crescente.
culo XXI, devemos analisar, mais detidamente, o A terceira parte do artigo foca especificamente as
tipo e padrão de relacionamento que essa potência relações comerciais e de investimento entre a RPC
está desenvolvendo com os países da América La- e os principais países da América do Sul, media-
tina e a África no novo quadro geopolítico global. das por uma ativa diplomacia que se consolida no
Nessa direção, a nossa proposta pretende focar a decorrer da primeira década do século XXI. Na
crescente relação entre a China com os países da quarta parte do trabalho, pretendemos definir o
América do Sul, a fim de explorar as implicações conceito: Consenso do Pacífico (CP), com o ob-
políticas regionais derivadas desse estreitamento de jetivo de caracterizar esse crescente relacionamen-
vínculos econômicos e as conseqüências para a to de bases fundamentalmente, mas não exclusi-
política externa do Brasil na região. vamente, comerciais, que apresenta mais traços
de uma relação Norte-Sul, do que uma coopera-
É importante mencionar que a crescente pre-
ção Sul-Sul, embora com características peculia-
sença da RPC na América Latina tem três desdo-
res. Finalmente, nas conclusões, abordamos al-
bramentos políticos de extrema importância: (i) a
guns pontos em relação às implicações que o CP
mudança da relação dos EUA com a região a par-
teria, no médio prazo, no processo de integração
tir da maior presença da China, configurando uma
sul-americana.
particular relação triangular de relevância crescen-
te na geopolítica hemisférica (TOKATLIAN,2008); II. A ESTRATÉGIA POLÍTICA DA RPC NO
(ii) a importância da RPC no impulso do cresci- SEU PROCESSO DE EXPANSÃO ECONÔ-
mento econômico da região a partir de 2001-2002, MICA GLOBAL: AS IMPLICAÇÕES PARA
fator fundamental para entender a recuperação A AMÉRICA DO SUL NO SÉCULO XXI
econômica de muitos países da América do Sul
As relações econômicas entre a China e os
após o fracasso das políticas econômicas
países latino-americanos começam a intensificar-
neoliberais e (iii) o papel do Brasil, como líder
se efetivamente a partir de 2001 e 2002 (VADELL,
regional e ator diretamente ligado aos desdobra-
2007). Esses progressos mostraram-se mais con-
mentos positivos e negativos do relacionamento
sistentes em 2004 e 2005, quando o Presidente
crescente com a RPC. O fato de a China passar a
Hu Jintao e o Vice-Presidente Zeng Qinhong visi-
ser o principal parceiro comercial do Brasil em
taram vários países da América do Sul e assina-
2009, tirando os EUA dessa posição, assinala um
ram dezenas de acordos comerciais, de investi-
novo cenário geoeconômico, que parece acentu-
mentos e de cooperação em várias áreas. Desde
ar-se após a crise econômica de 2008.
então, as autoridades chinesas em muitas oportu-
Contudo, por motivo de espaço, nosso artigo nidades não se cansam de afirmar que a priorida-
centra-se nos pontos ii e iii e as perguntas cen- de do relacionamento com todos os países da
trais são: quais implicações políticas sub-regio- América Latina é estritamente de caráter econô-
nais podem-se apontar a partir da crescente mico. Os dados que apresentaremos confirmam

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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

essa tendência – ainda que não devamos descar- relações com a América Latina e com os países
tar as implicações e fins políticos sempre presen- da África, persegue.
tes nas relações internacionais.
Em primeiro lugar, a RPC necessita de recur-
Se olharmos um pouco a história do século sos naturais e commodities. Ao passo que a China
XX, e especificamente durante a Guerra Fria, manteve um crescimento médio de mais de 9%
observaremos que o relacionamento da RPC com nos últimos 30 anos, esse país passou a depender
os países da América Latina esteve marcado pelo cada vez mais de recursos energéticos e outras
pragmatismo, independentemente do tinte políti- commodities. Os países dos continentes america-
co dos governos da região. No Chile, o governo nos e da África, ricos em recursos, apresenta-
democrático de Salvador Allende estreitou víncu- ram-se como fornecedores quase “naturais” para
los e foi o primeiro país latino-americano a reco- o gigante asiático, estimulando o comércio que
nhecer a RPC. Posteriormente, a ditadura de experimentou um crescimento surpreendente a
Pinochet continuou a estreitar os laços com a RPC, partir do ano 2001.
especialmente quando esse governo começou a
Em segundo lugar, a China empreendeu uma
ficar cada vez mais isolado internacionalmente. O
cruzada diplomática para o reconhecimento da RPC,
mesmo podemos dizer da ditadura argentina da
em detrimento de Taiwan, já que muitos países da
década de 1970. Argentina e a China assinaram
América Latina e da África reconhecem Taipei e
acordos de comércio e cooperação em 1978 e
não Pequim2. O isolamento de Taiwan é um objeti-
1980 e o Presidente de facto, Jorge R. Videla, foi
vo da RPC que se manifesta em sua política global.
o primeiro Presidente argentino que visitou a RPC.
Contudo, o fato de um país não reconhecer oficial-
O compromisso político no âmbito da Organiza-
mente a RPC não implica que não se estabeleçam
ção das Nações Unidas era o seguinte: a China
relações comerciais. Por trás desse jogo de reco-
reconheceria e apoiaria as reclamações argentinas
nhecimento existe toda uma “diplomacia do dólar”,
de soberania nas ilhas do Atlântico Sul e, em tro-
investimentos em áreas de infraestrutura e social e
ca, a Argentina reconheceria oficialmente a RPC
aumento do comércio que envolve uma complexa
e Taiwan como província parte deste país.
trama de relações entre as elites dos países em de-
De fato, as lideranças de extrema direita e as senvolvimento com os investidores chineses – de
forças armadas da América Latina não viam a Chi- Taiwan ou da RPC (TAYLOR, 2006; 2009;
na como um problema de segurança no contexto ALDEN, 2007; ELLIS, 2009).
da Guerra Fria. As relações diplomáticas e comer-
Em terceiro lugar, outro ponto importante que
ciais foram estimuladas entre os países da região
estimula a expansão da RPC para o ‘Sul’ é o apoio
por governos ditatoriais e de direita (DOMÍNGUEZ,
nos foros e instituições multilaterais. O bom relaci-
et al., 2006, p.6). O alto grau de pragmatismo do
onamento diplomático com os países do Sul tem
relacionamento consolidou-se durante o período das
como finalidade ganhar apoio – e votos – nas orga-
reformas na China, na década de 1980. As lideran-
nizações internacionais e em outros foros diplomá-
ças chinesas, por exemplo, chegaram a denunciar
ticos, mas, principalmente, na Assembléia Geral das
enfaticamente que o grupo guerrilheiro peruano
Nações Unidas, em que o voto de cada Estado tem
Sendero Luminoso, de inspiração maoísta, era
o mesmo peso (ALDEN, 2007; ELLIS, 2009).
“revisionista e contrarrevolucionário” (ibidem).
Finalmente, a América Latina apresenta-se como
A característica pragmática do mútuo relacio-
um potencial grande mercado consumidor de pro-
namento atravessa o século XX e aprofunda-se
dutos chineses. Após a crise econômica de 2008,
no século XXI, ainda que em um cenário de polí-
os EUA e a União Européia sofreram uma contra-
tica internacional muito diferente, assim como o
ção econômica importante, de modo que ficou mais
contexto da economia global e o papel da RPC
patente a necessidade de a RPC diversificar as suas
nessa conjuntura. A variável comercial hoje é muito
exportações para evitar uma diminuição do cresci-
mais relevante e crucial no novo estreitamento de
vínculos, embora a questão “Taiwan” apareça re- 2 Atualmente, são 13 os países que não reconhecem a RPC
correntemente, mas não ao ponto de quebrar o
na América Latina: Paraguai, na América do Sul; Panamá,
pragmatismo. Dessa maneira, consideramos im- Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala e Belize, na
portante apontar para quatro objetivos fundamen- América Central; República Dominicana, Haiti, St. Kitts e
tais que a RPC, no processo de estreitamento das Nevis, St. Vincent e as Grenadinas e St. Lucia, no Caribe.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

mento, como expressou o Professor Jiang Shixue: China com o mundo. Na realidade, em maior ou
“A expansão para os mercados da América Latina menor medida, a maior parte dos países da Amé-
tem sido parte dos objetivos da China de reduzir a rica Latina beneficiaram-se com o crescimento
sua dependência em relação aos Estados Unidos, do comércio bilateral com a China a partir de 2002.
Japão e a Europa” (JIANG, 2008, P. 46). Os des- Várias pesquisas e publicações recentes têm como
dobramentos dessa política manteve aquecido o co- preocupação central entender quais os desdobra-
mércio entre RPC e a América Latina, agora com mentos políticos e econômicos do crescente
uma entrada cada vez mais expressiva de produtos estreitamento comercial – e, em menor medida,
manufaturados chineses, o que derivou em dois de investimentos – entre a China e a América La-
problemas que vamos abordar posteriormente: em tina (BLÁZQUEZ-LIDOY et alii, 2006; ELLIS,
primeiro lugar, afetou os setores industriais, princi- 2006; ARSON et alii, 2008; GALLAGHER &
palmente de países como o Brasil, a Argentina e o PORZECANSKI, 2009; 2010; SANTISO, 2009).
México; em segundo lugar, aumentou o deficit No entanto, não há estudos específicos das con-
comercial de muitos países da região em relação à seqüências para a América do Sul, como espaço
RPC, ainda que em graus diferenciados. Segundo geo-econômico diferenciado do resto da América
Gallagher e Porzecanski (2010), o caso mais Latina. Em outros termos, levando em considera-
preocupante talvez seja o México. ção a explosão comercial da China com a Améri-
ca Latina, o intercâmbio entre os países da sub-
III. A ENTRADA DO DRAGÃO, A RECUPERA-
região de México e América Central mostra um
ÇÃO ECONÔMICA E AS IMPLICAÇÕES
cenário e perspectivas diferentes em relação ao
PARA A AMÉRICA DO SUL
intercâmbio RPC-América do Sul, em dois senti-
III.1. A explosão do comércio dos. Em primeiro lugar, como mostram os gráfi-
cos 3 e 4, o comércio da China com a América do
O substantivo aumento do comércio entre os
Sul apresenta-se muito mais equilibrado do que o
países da América do Sul e a RPC a partir de 2001
comércio entre a China e México-América Cen-
deve ser interpretado no contexto das mudanças
tral, que têm um deficit na balança comercial com
da economia global e do aumento do comércio da
a China muito preocupante.

GRÁFICO 2 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DA AMÉRICA LATINA E O CARIBE


COM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

Saldo comercial Exportações Importações

FONTE: Bárcena e Rosales (2010), a partir dos dados da Comisión Económica para a
América Latina e o Caribe (Cepal).

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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

GRÁFICO 3 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DA AMÉRICA DO SUL


COM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

Saldo comercial Exportações Importações

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados da Cepal.

GRÁFICO 4 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DO MÉXICO E DA


AMÉRICA CENTRAL COM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

Saldo comercial Exportações Importações

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados da Cepal.

Em segundo lugar, a explosão das ex- manufaturados. Por essa razão, os países da Amé-
portações latino-americanas, a partir de rica do Sul, abundantes em recursos, foram e es-
2002, concentra-se em commodities e re- tão sendo os mais favorecidos com o aumento
cursos energéticos e minerais. Em das exportações. Nessa direção, Gallagher e
contrapartida, as importações vindas da Porzecanski (2010) realizaram um interessante es-
RPC estão concentradas em produtos tudo dos impactos diretos e indiretos da relação

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

econômica entre a RPC e América Latina e apre- e o 91% de todas as exportações de commodities
sentam um cenário preocupante para a indústria da América Latina para esse país (GALLAGHER
da região. Os autores apontam que os benefícios & PORZECANSKI, 2010, P. 17). Dos seis países
do comércio entre os países da América Latina e destacados por Gallagher e Porzecanski, só o Mé-
China estão altamente concentrados em poucos xico não pertence à sub-região da América do Sul.
estados e setores. Embora os autores tenham como Um quadro mais atualizado de 2009 mostra os
foco toda a região, eles apontam que, em 2006, cinco países – todos da América do Sul – e os oito
dez setores e seis estados representavam 74% de setores que dominam o comércio entre a América
todas as exportações da América Latina para a China Latina e a China, como ilustra a Tabela 1.

TABELA 1: – CINCO PAÍSES E OITO SETORES DOMINAM O COMÉRCIO AMÉRICA LATINA E CHINA

Fonte: Gallagher (2010) a partir da base de dados do United Nations Commodity Trade Statistics (Comtrade).

Levando em consideração os dados apresen- sub-região e observarmos o grau de especializa-


tados, é importante observar na Tabela 2 os paí- ção da produção que o comércio bilateral entre a
ses da América do Sul em separado, para termos RPC e os estados da América do Sul implica.
uma visão mais detalhada das particularidades da

TABELA 2 – CINCO PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO À RPC, MÉDIA 2006-2008 (PERCENTAGENS


DO TOTAL)

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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

FONTE: Cepal, a partir da base de dados da Comtrade.

Em contrapartida, as exportações da China economias do Mercado Comum do Sul (Mercosul)


para a América Latina são compostas, fundamen- e foi só em agosto de 2010 que ambos países
talmente, por produtos eletrônico e mecânicos. esboçaram uma reação conjunta para negociar com
Por essa razão, os países da América do Sul como a RPC (SIMÃO, 2010). Retomaremos esse pon-
o Brasil e a Argentina, que possuem um parque to na última seção de nossa análise, prevendo no-
industrial considerável, são os mais prejudicados vos desdobramentos como resposta à especiali-
com o desenvolvimento dessa especialização co- zação clássica centro-periferia, que estaria confi-
mercial. As rispidezes derivadas da concorrência gurando-se a partir do comércio entre os países
chinesa foram mais visíveis em janeiro de 2005 da América do Sul e a RPC.
como o fim do Acordo Multifibras, “que garantia
III.2. Os investimentos externos diretos da RPC
alguns países latino-americanos uma quota no
na América do Sul
mercado estadunidense e cuja finalização afetou
suas exportações têxteis e favoreceu substantiva- Outro ponto importante a ser destacado é o
mente às da China” . Isso afetou de maneira dra- crescimento dos fluxos de investimento direto
mática os países membros do Acordo de Livre- (IED) da China para a América do Sul (ver tabela
Comércio da América Central (Cafta), além do 3). Todavia, resulta complicado analisar em deta-
México. Mais precisamente, a sub-região que as- lhe algumas cifras extraídas do site do Ministério
sinou acordos de livre-comércio com os Estados de Comércio da China, já que os dados indicam
Unidos. Todavia, é na América do Sul onde existe que, do fluxo total de investimentos para América
uma maior complementaridade, embora a recente Latina em 2007 (US$ 4,902 bilhões), US$ 4,478
entrada de produtos manufaturados chineses afe- bilhões foram para paraísos fiscais como as Ilhas
te diretamente os setores industriais brasileiros e Caimã e as Ilhas Virgens Britânicas, conforme a
argentinos. O impacto foi sentido pelas maiores Tabela 4.

TABELA 3 – INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO CHINA-AMÉRICA LATINA (EM MILHÕES DE US$)

FONTE: Ministério de Comércio da China.

TABELA 4 – INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO (IED) (EM MILHÕES DE US$)

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

FONTE: o autor, a partir de dados do Ministério do Comércio da China.

Não obstante, se observarmos o destino dos cia” (efficiency-seeking). Como mostram as ta-
IEDs chineses poderemos ter uma visão mais pre- belas 3, 4 e 5, a grande maioria dos IEDs com
cisa sobre a expansão da RPC no subcontinente. destino à América do Sul são orientados à explo-
Uma recente pesquisa de Scissors (2011), da ração de recursos naturais, em setores de grande
Heritage Foundation, foi de muita ajuda para pre- demanda da RPC, como cobre, aço, petróleo e
cisar o tipo, o montante e o destino dos investi- soja. Ademais, podemos observar investimentos
mentos chineses na América do Sul. Segundo a em infraestrutura ligados a facilitar o escoamento
Tabela 5, a sub-região é o destino principal dos desses produtos. Segundo os dados dessa pes-
IEDs chineses, que podem ser divididos em três quisa, não só os países da América do Sul foram
principais categorias, de acordo com seus propó- os mais beneficiados com os IEDs oriundos da
sitos: a) “orientados aos recursos naturais” (na- RPC – como mostra a Tabela 5 –, mas o Brasil
tural resource-seeking); b) “orientados ao merca- aparece como o principal receptor da região e do
do” (market-seeking) e c) “orientados à eficiên- mundo em 2010, segundo os dados totais
SCISSORS (2011).

TABELA 5 – INVESTMENTOS EXTERNOS DIRETOS DA RPC NA AMÉRICA LATINA

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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

FONTE: Scissors (2011).

QUADRO 1 – INVESTIMENTOS MAIS DESTACADOS


Argentina: As companhias estatais chinesas tem interesse no setor petroleiro argentino. A companhia
estatal argentina Energía Argentina Sociedad Anónima (Enarsa) tem mostrado intenção em colaborar
com as companhias chinesas para exploração de petróleo offshore na costa do Atlântico Sul. Ainda em
2010, foram ratificados investimentos na ordem de US$ 600 milhões por parte da Companhia Tierra
del Fuego Energia e Química, de capital chinês, para a exploração de gás na patagônia argentina
(RATIFICAN UMA INVERSIÓN, 2010). Em relação ao setor de minério, os investimentos foram modes-
tos, mas em 2005 foi dado um primeiro passo quando uma companhia chinesa comprou a mina
desativada de Sierra Grande, na província de Rio Negro. Essa mina contém jazidas de ferro, cobalto e
outros minerais. No setor de infraestrutura, o governo argentino mostrou-se interessado em revitalizar
e ativar as rotas para o oceano Pacífico por meio da Cordilheira dos Andes. Especificamente, os
chineses mostraram interesse nas passagens do Cristo Redentor e de Águas Negras, que seriam as
prioridades.
Brasil: O foco dos investimentos tem sido nos setores da mineração do ferro e do aço assim como no
petróleo. A empresa de mineração brasileira de capital privado, Vale do Rio Doce, tem iniciado conver-
sas em 2004 com a companhia chinesa Baosteel para a exploração de ferro. Além disso, a mesma
Vale tem se aproximado da Monmetals, outra empresa chinesa. Em 2006, a companhia chinesa
Metals and Metallurgical Construction Group of China investiu US$ 235 milhões em um acordo com a
Mineradora Gerdau S.A. No que se refere ao petróleo, a empresa estatal brasileira Petrobrás assinou,
desde 2004, vários acordos com as estatais petroleiras chinesas: em 2004 com a Sinopec para a
extração de petróleo cru, refinamento e construção de oleodutos no Brasil; em julho de 2005 com a
Sinochem para vender 12 milhões de barris de petróleo por dia por um montante de US$ 600 milhões;
em 2010, a Sinopec também investiu US$ 7,1 bilhões na empresa Repsol no Brasil (HOOK, 2010).
Além disso, a RPC investiu US$ 4,8 bilhões para modernizar o sistema de transporte ferroviário
brasileiro para facilitar o escoamento das exportações.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

Chile: Em 2006, a companhia chinesa Minmetals e o Banco de Desenvolvimento da China fecharam


um acordo com a empresa estatal de cobre chilena Codelco para incrementar sua capacidade produ-
tiva com o objetivo de aumentar as exportações para a RPC. A maior parte dos investimentos chineses
focam-se no setor de mineração.

Peru e Bolívia: os investimentos chineses predominam na área de mineração, infraestrutura e, em


menor medida, no setor petroleiro e de pesca. O mais destacado na área de mineração envolve o
consórcio chinês Shandong Luneng com o Peru e a Bolívia. Em 27 fevereiro de 2006, o Congresso
peruano aprovou um importante projeto que envolve um investimento de aproximadamente US$ 2
bilhões por parte desse consórcio chinês para reformar o porto de Tacna e US$ 8 bilhões para a
construção de uma rodovia e um estrada de ferro que conecte a mina de El Mutún, jazida que fica no
leste da Bolívia, com o porto de Tacna, na costa do oceano Pacífico.
FONTE: Ellis (2009) e Gallagher e Porzecanski (2010), atualizados pelo autor.

III.3. Interdependência assimétrica exemplo, o Brasil, que é o maior exportador da


América Latina para a China, ocupa o décimo quarto
Embora o relacionamento crescente da RPC
lugar entre seus provedores, representando somente
com os países da América do Sul tenha de fato
1,5% do total das suas importações, e nenhum
contribuído para a recuperação econômica da sub-
outro país da região figura entre os vinte principais
região, esse vínculo é marcadamente assimétrico.
na fonte de importação” (JENKINS, 2009, p. 2).
Em outros termos, para manterem-se na trilha do
crescimento, os países da América do Sul depen- Mesmo levando em consideração a América
dem mais da RPC do que a China deles. Latina e o Caribe como uma totalidade, ela recebe
somente 3% do total das exportações da RPC para
“A China está entre os três principais sócios
a região e abastece com o 3,8% do total de suas
comerciais de vários países latino-americanos. Não
importações (JENKINS, DUSSEL PETERS &
obstante, devido à assimetria no seu tamanho em
MESQUITA MOREIRA, 2008, p. 237). A China,
relação aos países latino-americanos, a China é
em contrapartida, é um dos cinco principais des-
muito mais importante economicamente para Amé-
tinos exportadores de Argentina, Brasil, Chile,
rica Latina do que a região é para a China. Por
Cuba e Peru.

TABELA 6 – LUGAR QUE OCUPA A CHINA EM PAÍSES SELECIONADOS DA AMÉRICA LATINA

67
A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

FONTE: Cepal.

A Tabela 6 mostra o grau de importância que a tre a RPC e os países da América do Sul, em con-
RPC passou a ter para os países latino-america- sonância com a bonança comercial, aconteceu em
nos, sobretudo para os sulamericanos, em um 2004, após a visita do Presidente Hu Jintao a cin-
período relativamente curto de oito anos. Este co países latino-americanos – Chile, Argentina,
cenário de interdependência assimétrica, se bem Brasil, Venezuela e Cuba –, no marco da reunião
se mostrou uma interessante alternativa frente aos de cúpula da Cooperação Econômica da Ásia e do
rígidos constrangimentos do “Consenso de Wa- Pacífico (APEC), realizada no Chile. O resultado
shington”, tem que ser levado em consideração da visita do Presidente chinês foi a assinatura de
para as estratégias políticas de longo prazo. 39 acordos comerciais3 e o compromisso de in-
vestir US$ 100 bilhões na região nos dez anos se-
III.4. A Diplomacia da aproximação na América
guintes. O país da região que mais investimentos
do Sul
receberia seria a Argentina, com um montante de
O estreitamento de vínculos diplomáticos en- US$ 20 bilhões (ELLIS, 2005; LANDAU, 2005).

TABELA 7 – NÚMERO DE VISITAS PRESIDÊNCIAS ENTRE A RPC E A AMÉRICA LATINA

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir do Governo Central da República Popular da China (PEOPLE’S
REPUBLIC OF CHINA, 2011), atualizado pelo autor.
NOTAS: * Reunião da APEC;
** Visitas suspensas a causa do terremoto na província chinesa de Qinghai;
*** O Presidente Alan Garcia prorrogou a sua visita marcada para finais de abril de 2010;
**** A Presidente Cristina F. de Kirchner cancelou a visita oficial a China marcada para janeiro de
2010. A visita foi efetivada em julho de 2010.

3 Os acordos seriam sobre comércio, investimento, avia-


ção, tecnologia espacial, turismo e educação.

68
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

Além disso, os maiores sucessos diplomáti- mente aqueles produtores de commodities e re-
cos da China foram, em primeiro lugar, ter con- cursos energéticos. Assim, a crescente presença
seguido o reconhecimento como “economia de da RPC na sub-região abriu o leque de oportuni-
mercado” no âmbito da Organização Mundial do dades e potencialidades para os países em desen-
Comércio (OMC), primeiro por parte do Brasil, volvimento ricos em recursos. Esses países, que
seguido por outros países incluindo a Argentina, vinham de duros golpes econômicos, começaram,
e, em segundo lugar, a assinatura de dois tratados no decorrer do novo século, a olhar mais para o
de livre-comércio com o Chile e com o Peru. No “Pacífico” do que para o “Atlântico”. O fracasso
que se refere ao primeiro ponto, esse reconheci- das reformas neoliberais sustentadas pelo CW e a
mento tem implicações jurídicas importantes no crise financeira global de 2008 parecem ter rom-
âmbito da OMC, além das econômicas e políticas pido a possibilidade de receitas unívocas de re-
(TORTORIELLO, 2004). Reconhecer a China formas para os países do Sul. É nesse cenário
como economia de mercado implica dar ao país que a RPC surge como principal fator na recupe-
as condições de utilizar as regras plenas da OMC, ração dos países sul-americanos, como um ator
em vez de obrigá-la a sujeitar-se às regras especi- presente na sub-região e como um desafio para
ais para economias que não sejam de mercado. os projetos de integração regional.
Isto é, eventuais litígios comerciais devem ser le-
Para caracterizar o que denominamos como
vados à OMC e evitar que um país aplique repre-
Consenso do Pacífico seria interessante retomar
sálias comerciais ou medidas antidumping unila-
a noção de consenso assim como apresentada por
teralmente contra a China. Na prática, isso signi-
Williamson (1990). O objetivo de Williamson nes-
fica que as possibilidades de utilizar instrumentos
se trabalho é identificar, em primeiro lugar, o que
de defesa comercial contra a entrada de produtos
significa “reformas econômicas” para Washing-
chineses diminuem e aumentam os empecilhos –
ton, em um contexto de reestruturação da dívida
ou os custos – para a abertura de painéis contra a
dos países latino-americanos e de crise fiscal do
China. A RPC, em troca, concedeu ao Brasil bene-
Estado. Em segundo lugar, o autor explica que o
fícios nos setores aeronáutico, no caso da Embraer,
conceito “Washington” era mais complexo do que
e agrícola, na exportação de soja, como afirmou o
o nome da capital dos EUA.
então Chanceler brasileiro Celso Amorim
(SEVARES, 2006; LAMAS, 2007; VADELL, 2007). “Washington”, para Williamson, aglutinaria um
conjunto de instituições nacionais (dos EUA) e in-
Em relação à assinatura dos TLCs, a RPC,
ternacionais articuladas por meio de uma ideologia
estimulada por suas necessidades de recursos
comum – a ideologia dominante –, sustentadas nos
naturais e pelo ambiente propício para os negóci-
alicerces do poder econômico e político global, no
os, firmou acordos com dois países da América
cenário otimista do fim da Guerra Fria. Assim, o
do Sul e, recentemente, com um da América Cen-
Congresso dos EUA, os membros da alta adminis-
tral4. Primeiro foi com o Chile em 20065, acordo
tração tecnocrática das instituições financeiras in-
ratificado em 2007. Depois veio o acordo com o
ternacionais, as agências do governo dos EUA, o
Peru em 2009, tratado que foi ratificado em 2010.
Banco Central dos EUA e um conjunto de think
Esses acontecimentos, além das implicações pu-
tanks formariam o bloco hegemônico de “Washing-
ramente econômicas, assinalam desdobramentos
ton”, cujo projeto global condensa-se no popular
geopolíticos regionais de maior complexidade que
termo “globalização” (ARRIGHI, 2008). Contudo,
serão apontados na última seção.
deve-se fazer a ressalva de que esse projeto espe-
IV. O PERÍODO POSTERIOR AO CONSENSO cífico era pensado e aplicado para a América Lati-
DE WASHINGTON NA AMÉRICA LATINA na, podendo ser estendido para o conjunto dos pa-
íses em desenvolvimento de outros continentes, mas
O cenário futuro parece ser de continuidade e
nunca para os EUA, porque, como lembra o autor,
consolidação das parcerias comerciais entre a
Washington “não pratica sempre o que prega para
China e os países da América do Sul, principal-
os estrangeiros” (WILLIAMSON, 1990, P. 2). Isso
indica que o CW não significou uma mecânica im-
4 A RPC assinou um TLC com a Costa Rica em 2010. posição do modelo de mercado ocidental – dos
5 O conteúdo integral do acordo entre o Chile e a RPC países desenvolvidos para os países em desenvol-
pode ser consultado em Diário Oficial de la Republica de vimento –, mas a articulação hegemônica de um
Chile (2006). modelo de ajuste e de reformas aceleradas que in-

69
A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

cluíam a liberalização comercial e financeira e as Consenso de Monterrey, o Consenso de


privatizações realizadas em tempo recorde com o Copenhagen, o Consenso de México e o Consen-
intuito de adaptar e disciplinar esses países no “ca- so de Buenos Aires7. Segundo Kennedy (2010, P.
minho certo” da modernidade e do primeiro mun- 467), os mal-entendidos, as emendas e os desafi-
do. Dessa maneira, o CW é, sobretudo, um espe- os enfrentados pelo CW conformaram o cenário
cífico padrão de interdependência assimétrica en- crítico em que surge, também, a idéia de “Con-
tre atores internacionais e transnacionais historica- senso de Pequim”.
mente delimitada e mediada por um conjunto de
Em 2004, em época de plena recuperação eco-
instituições internacionais. Caracteriza-se como uma
nômica global e de crescimento dos países da
relação “Norte-Sul” imbuída da ideologia econômi-
América Latina, Joshua Cooper Ramo publicou um
ca neoliberal, apresentada como a única via para o
pequeno livro intitulado The Beijing Consensus, cuja
desenvolvimento no formato de um pacote de po-
repercussão foi imediata. A partir dessa obra popu-
líticas para os países em desenvolvimento e subde-
larizou-se o termo “Consenso de Pequim” para
senvolvidos.
compreender o estilo ou modelo de desenvolvimento
Os elementos consensuais desse modelo ad- que a RPC estaria implementando, a partir de uma
quiriram força depois do fim da Guerra Fria com série de reformas econômicas. Nas palavras do
o subseqüente discurso do “fim da história”, o autor: “China is marking a path for other nations
fracasso dos modelos econômicos e políticos au- around the world who are trying to figure out not
toritários do “socialismo real” e a perda de confi- simply how to develop their countries, but also how
ança nas políticas de planejamento estatal abala- to fit into the international order in a way that allows
das pela crise fiscal do Estado nos países em de- them to be truly independent, to protect their way
senvolvimento, principalmente depois da crise da of life and political choices in a world with a single
dívida externa na década de 1980. O Consenso de massively powerful centre of gravity. I call this new
Washington foi implementado segundo o receitu- centre and physics of power and development the
ário, de maneira mais ou menos acabada, por go- Beijing Consensus”8 (RAMO, 2004).
vernos em sua maioria eleitos democraticamente,
O Consenso de Pequim, na versão de Ramo,
e intermediados pelas instituições financeiras in-
estaria baseado, pois, em três características que
ternacionais: FMI e Banco Mundial. Os emprésti-
mos e linhas de créditos dessas instituições foram
7 O Consenso de Monterrey foi promovido pela Organi-
outorgados aos países condicionados a políticas
zação das Nações Unidas e pelo antigo secretário geral da
de ajuste econômico cujos pilares foram: (i) uma OMC, Michael Moore, com o objetivo de reduzir a pobre-
ampla liberalização financeira; (ii) abertura comer- za. O Consenso de Copenhagen consistia em uma série de
cial unilateral; (iii) privatização das empresas pú- questões feitas a economistas a respeito de dez propostas
blicas; (iv) desregulamentação e (v) políticas de ou passos a seguir para incrementar o bem-estar global. O
corte de gastos e ajuste orçamentário6. Consenso de México apontava para as questões de igual-
dade de gênero na América Latina e no Caribe. O Consenso
Na virada do milênio, os magros resultados de Buenos Aires foi um documento assinado em 2003 pe-
apos uma década de reformas e uma nova crise los presidentes do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lula
econômica dos países em desenvolvimento esti- da Silva e Nestor Kirchner. Os países líderes do Mercosul
mularam uma onda crítica do CW, inclusive por comprometiam-se com a integração e com o desenvolvi-
mento de tecnologia, participação conjunta em foros multi-
economistas do mainstream. Nesse cenário, já no laterais, negociação com a Área de Livre-Comércio das
século XXI, houve o apelo para a formação de Américas (ALCA), meio ambiente e gestão da dívida pú-
novos e alternativos “consensos”, incluindo o blica. Ver matéria da revista Foreign Policy (TOO MUCH
CONSENSUS, 2004) e o documento do Consenso de
6 Consideramos esses quatro pilares os fundamentais para Buenos Aires (BRASIL, 2003).
entender as reformas liberalizantes. As dez famosas reco- 8 “A China está desenhando um caminho para outras na-
mendações apontadas por Williamson (1990) são: (i) a dis- ções ao redor do mundo que estão tentando descobrir não
ciplina fiscal; (ii) a reestruturação do gasto do Estado; (iii) apenas como desenvolver seus países, mas também como
as reformas impositivas; (iv) a liberalização das taxas de encaixar-se na ordem internacional de um modo que os
juros; (v) a implementação de uma taxa de câmbio compe- permita ser verdadeiramente independentes, para proteger
titiva; (vi) a liberalização comercial; (vii) a liberalização dos seu estilo de vida e suas escolhas políticas em um mundo
investimentos; (viii) as privatizações; (ix) as com um centro de gravidade maciçamente poderoso. Eu
desregulamentações; (x) uma forte proteção aos direitos de chamo esse novo centro e física de poder e desenvolvimen-
propriedade. to de o Consenso de Pequim”.

70
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

determinariam a maneira como uma nação em Em segundo lugar, apresentando uma “nova
desenvolvimento pode achar o seu lugar na eco- física”9 que envolveria uma espécie de reação em
nomia global e a sua própria inserção no sistema cadeia de crescimento endógeno, onde quer que
internacional. A primeira característica seria a ino- fosse copiado. Finalmente, o crescimento econô-
vação e a constante experimentação. A segunda mico da China serviria como ímã para alinhar as
é a ênfase que a China dá à qualidade de vida – outras nações aos interesses econômicos da Chi-
fundamentalmente sustentabilidade e eqüidade – na. Segundo Ramo, “for both reasons of national
para tratar os assuntos de desenvolvimento, dei- pride and security, China wants to project its model
xando em segundo lugar as medições de PIB per abroad”10 (idem, p. 28).
capita. A terceira característica está relacionada
A caracterização de Ramo, se bem pretende
com o enfoque da “autodeterminação” (idem),
mais descrever o “modelo chinês” de desenvolvi-
deixando de lado as imposições do Banco Mun-
mento (KENNEDY, 2010) do que um padrão de
dial e do FMI. Ramo, citando um acadêmico
interdependência, fica presa a um utopismo ba-
chinês, afirma que o respeito pela autodetermi-
seado em um raciocínio de bases fortemente
nação dos Estados está ligado à resistência ao
normativas. Essa descrição da potencial imitação
hegemonismo, e isso constitui uma importante
de processos produtivos e de um modelo de de-
dimensão política da expansão econômica chi-
senvolvimento específico não nos ajuda na com-
nesa. Segundo o autor, “as nações em desenvol-
preensão das implicações geopolíticas e
vimento são a principal força para conter o
geoeconômicas – que envolvem a questão do de-
hegemonia e salvaguardar a paz mun-dial”. Em-
senvolvimento – dos países da América Latina e
butida nesse argumento está a estratégia de “re-
da África que experimentam uma interdependência
duzir o status de superpotência absoluta dos EUA,
comercial sem precedentes com a RPC. Ramo
promovendo um mundo multipolar” (RATLIFF,
não consegue enxergar essa nova dinâmica Nor-
2009), pelo menos no que concerne às relações
te-Sul no contexto do capitalismo contemporâ-
econômicas internacionais. Esse é um fator que,
neo. De fato, a tendência contemporânea de apro-
em grande medida, faz com que o modelo de
ximação entre a América do Sul e a China está
Pequim se apresente como atrativo para outras
muito longe de qualquer emulação de modelos de
nações em desenvolvimento, o que Ramo deno-
desenvolvimento. Trata-se, nesses casos, de uma
mina de “carisma intelectual do Consenso de
complementaridade comercial dinamizada pela
Pequim” (RAMO, 2004).
expansão comercial e financeira chinesa, o cres-
Nessa direção, de acordo com a interpretação cimento mundial e a elevação dos preços das
de Ramo, o Consenso de Pequim seria um mode- commodities e dos recursos energéticos.
lo particular de desenvolvimento que a RPC con-
Essa nova relação Norte-Sul, assimétrica e
seguiu implementar com relativo sucesso, cuja
complementar, na era posterior ao Consenso de
estratégia estaria sujeita a emulação pelos outros
Washington, entre a RPC e algumas regiões em
Estados em desenvolvimento e, implicitamente,
desenvolvimento, como é o caso dos países da
teria um forte elemento contra-hegemônico. A in-
terpretação de Ramo apresenta uma série de pos-
tulados normativos em relação à proposta chinesa 9 No original: “new physics”. Dirlik faz uma crítica ao
de desenvolvimento, deixando em um segundo argumento de Ramo que, por razões de espaço, não pode-
plano as dinâmicas que esse mesmo processo mos aprofundar neste artigo. “The problem is that Ramo’s
physics is a faulty as his political economy and, in the end,
acelerado de crescimento e transformação pro-
the Beijing Consensus appears, more than anything, to be
voca no sistema internacional. Reforçando a ca- a soles gimmick – selling China to the World, while selling
racterística da “inovação” e eqüidade, a China ofe- certain ideas of Development to the Chinese leadership”
receria às outras nações idéias para seus próprios (DIRLIK, 2007, p. 2). (“O problema é que a física de
e particulares desafios no que tange ao desenvol- Ramo é tão faltosa quanto sua economia política e, no fim,
vimento econômico e social. o Consenso de Pequim parece, mais do que tudo, ser ape-
nas um truque – vender a China para o mundo, enquanto
Assim, a China agiria como uma influência vendendo certas idéias de desenvolvimento para a lideran-
positiva, espalhando essa dinâmica em três dire- ça chinesa”).
ções: a primeira, como reação às ideias ultrapas- 10 “A China, seja por razões de reputação nacional ou
sadas de Washington sobre o desenvolvimento. segurança, deseja projetar seu próprio modelo para fora”.

71
A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

América do Sul – é a que denominamos como dental. Não obstante, os Estados Unidos têm se
Consenso do Pacífico. O CP não pretende des- preocupado com a presença chinesa na região e
crever o funcionamento ou as características de têm pressionado para deixar clara essa relação.
um modelo de desenvolvimento específico, mas Foi assim que, em abril de 2006, em uma reunião
um tipo de relacionamento Norte-Sul na sua fase em Pequim, o então Subsecretário de Estado para
comercial-financeira, cujo desenvolvimento é uma o Hemisfério Ocidental dos EUA, Thomas
conseqüência direta das transformações globais, Shannon, o vice-Ministro de Relações Exteriores
da ascensão chinesa e das próprias característi- da China, Dan Bingguo e o Chefe do Departa-
cas do desenvolvimento da RPC. Para os países mento de Assuntos Latino-Americanos, Zeng
da América do Sul e da África não se trata de Gang, junto a outros funcionários, assinaram um
emulação do modelo de desenvolvimento chinês. acordo para criar um mecanismo regular de con-
Esse não é o secreto do crescimento econômico sulta sobre a região (CORNEJO & NAVARRO
experimentado por esses países nos últimos anos, GARCIA, 2010, p. 82). Isso significa que a China
como vários analistas têm apresentado. Eis o ponto comprometeu-se a fazer uma prestação de contas
nevrálgico da nossa questão. Trata-se, pelo con- periódica das suas atividades hemisféricas. Nesse
trário, de novas possibilidades de inserção inter- sentido, as autoridades chinesas têm reiterado
nacional por parte dos países em desenvolvimen- freqüentemente que o objetivo da RPC é defender
to, a partir de um comércio complementar com a o princípio de não intervenção nos assuntos inter-
RPC, que pode acelerar a cristalização de um tipo nos de outros países e que o foco do relaciona-
de especialização nos moldes de um sistema cen- mento com os países da América Latina é estrita-
tro-periferia e, como conseqüência, o surgimento mente econômico e não de natureza política. Esse
de um renovado modelo de desenvolvimento princípio é o principal argumento chinês no intuito
commodity-exportador para os países periféricos. de evitar disputas com a superpotência e manter as
redes comerciais e de investimentos. A mesma de-
Se realizarmos um exercício de análise
fesa do princípio de “não intervenção em assuntos
prospectiva para a América do Sul, resulta muito
internos” está casada com a intenção explícita da
difícil pensar em projetos de integração e de estra-
China de não tentar impor ideologia alguma ou pro-
tégias de inserção internacional, sem levar em con-
mover revoluções. O paradoxo é que a defesa do
sideração o gigante asiático como o mais impor-
princípio de “não intervenção” adotada pela RPC
tante ator extra-regional na região. Como destaca-
entra em conflito com os interesses dos EUA em
do, esse relacionamento, sustentado nas trocas
algumas outras regiões, como na África ou na Ásia,
complementares e no comércio internacional, as-
nos casos específicos do Sudão e do Irã.
semelha-se mais a um tipo de vínculo Norte-Sul do
que Sul-Sul, porém muito diferente da divisão in- (iii) Em terceiro lugar, a China tem como ob-
ternacional do trabalho do século XIX, cujo centro jetivo manter e promover a estabilidade nas mais
era a Grã-Bretanha, o típico modelo Ocidental cen- diversas regiões para, dessa maneira, garantir a
tro-periferia. Dessa maneira, com o objetivo de segurança nos investimentos e os contratos das
esclarecer a questão, podemos apontar as caracte- relações comerciais (RATLIFF, 2009).
rísticas mais salientes desse novo consenso: (i) o
(iv) Em quarto lugar, a RPC está surgindo como
CP abre as margens de manobra política para paí-
uma nova possibilidade de financiamento para os
ses em desenvolvimento e subdesenvolvidos. O
países com problemas financeiros da América do
envolvimento da China na América Latina, mas tam-
Sul. A diferença mais saliente em relação ao mo-
bém na África, no século XXI, apresenta-se como
delo de empréstimos das instituições financeiras
uma nova opção para os estados do “Sul”, em
internacionais como o FMI e o Banco Mundial é
contraposição aos constrangimentos rígidos do CW.
que a RPC não impõe condicionalidades políticas
Seja mediante novas possibilidades de comércio,
em troca de investimentos e ajuda11. As duas prin-
seja em investimentos na área de infraestrutura e
na indústrias extrativas ou com ajudas financeiras
para quitar dívidas externas. 11 Talvez a única exceção vale para a questão do reconhe-
cimento oficial da RPC em detrimento de Taiwan. Contu-
(ii) A interdependência crescente entre a RPC do, como expressam Cornejo e Navarro García (2010, p.
e os países em desenvolvimento não se apresen- 85) e já foi mencionado anteriormente, o fato que um país
ta, no curto prazo, como uma ameaça para os mantenha relações diplomáticas com Taiwan não afeta ne-
EUA, e isso vale sobretudo para o hemisfério oci- cessariamente o intercâmbio econômico com a China.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

cipais instituições chinesas de financiamento são V. CONCLUSÕES: A BIFURCAÇÃO DO CP E


o Banco Chinês de Desenvolvimento e o Banco ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O FUTU-
de Exportação e Importação Chinês12 que, se- RO DA INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA DO
gundo uma pesquisa feita pelo jornal Financial SUL
Times, emprestaram entre 2009 e 2010 aproxi-
Uma conseqüência direta dessas transforma-
madamente US$ 110 bilhões a governos e em-
ções geopolíticas e geoeconômicas que envolvem
presas de países em desenvolvimento. Isso ul-
a RPC e a América do Sul é a bifurcação do CP,
trapassou o montante de empréstimos do Banco
desdobramento diretamente ligado ao impacto di-
Mundial, de meados de 2008 até meados de 2010,
ferenciado nos diferentes estados da sub-região.
que foi de US$ 100,3 bilhões DYER, ANDERLINI
É, nesse sentido, que a expansão chinesa apre-
& SENDER, 2010) . Ambas as instituições ban-
sentar-se-á como um dos maiores desafios para o
cárias chinesas provêem empréstimos com ta-
processo de integração na América do Sul. Como
xas preferenciais e com muitas melhores condi-
foi destacado, a explosão do comércio com a China
ções do que os oferecidos pelo Banco Mundial e
está cristalizando a especialização comercial en-
estão fortemente apoiados pela política oficial de
tre, por um lado, países produtores de commodities
Pequim. Nesse ponto, o CP contrasta com a po-
e de recursos energéticos e, por outro, o produ-
lítica das instituições financeiras internacionais,
tor de manufaturas, nesse caso a própria China.
muito ativas com o CW. As ajudas e emprésti-
Dessa maneira, observando mais detidamente, o
mos chineses, além de serem mais atraentes eco-
CP tem implicações diferenciadas em países com
nomicamente, também o são politicamente. Não
níveis de desenvolvimento diferentes. Trata-se de
há cláusulas de condicionalidades envolvidas nos
uma bifurcação dos impactos, que apresentará suas
acordos, nem pressão para reformas
contradições à medida que essa particular relação
institucionais domésticas. Em termos do
Norte-Sul aprofunde-se.
Financial Times, os empréstimos impõem me-
nos condições onerosas de transparência (idem). Em primeiro lugar, para os países que não pos-
Cabe destacar que, além dessas duas instituições, suem um parque industrial importante ou não ex-
também o Banco Central da China mostra-se perimentaram um processo de industrialização na
muito ativo oferecendo ajuda financeira. Confi- sua trajetória de desenvolvimento, não haverá um
ante nas possibilidades de ajuda chinesa, por impacto negativo no curto prazo; muito pelo con-
exemplo, o Banco Central da Argentina assinou trário, a parceria com a RPC está em seu ponto
em 2009 um acordo de cooperação com o Ban- mais elevado. Os casos de Chile e do Peru são o
co Central da China13. exemplo mais destacado. Não obstante, o futuro
desses países estará determinado pela nova rela-
(v) Finalmente, uma característica interessan-
ção Norte-Sul, uma típica relação centro-periferia
te do padrão de relacionamento do CP é a estra-
na qual prima o aspecto funcional das economias
tégia bilateral de negociação, seja nas assinatu-
subdesenvolvidas no mercado mundial baseadas
ras dos TLC com três países da região, seja na
na especialização na produção de commodities e
negociação com os países membros do
de recursos naturais. Nesse cenário, a China tem
Mercosul. Foi seguindo esse padrão bilateral que
um peso cada vez mais proeminente nessa dinâ-
a RPC articulou politicamente o reconhecimento
mica comercial em processo de consolidação. A
como economia de mercado da RPC por parte
relação que o Chile e o Peru têm atualmente com
do Brasil e da Argentina14.
a RPC parece ser uma lua de mel que começou
nos alvores do século XXI e que parece não ter
fim, superando, em grande medida, os impactos
12 Em inglês: China Development Bank e China Export-
negativos da crise financeira global de 2008.
Import Bank, respectivamente. Em segundo lugar, a outra face da moeda são
13 Para mais detalhes dessa iniciativa da Argentina, ver: os países como a Argentina e o Brasil, os países
CHINA PONE A DISPOSICIÓN (2009); FIRMAN UN economicamente maiores da sub-região, que têm
ACUERDO (2009). um setor industrial considerável e, além disso,
14 O fato de o Paraguai não reconhecer a RPC dificulta certa responsabilidade na condução e liderança dos
também qualquer tipo de negociação partindo do Mercosul processos de integração regional na América do
como bloco. Sul. Para eles, a realidade tornar-se-á mais com-

73
A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

plexa. No Mercosul, por exemplo, os produtos Embora, o comércio com a RPC seja uma nova
industrializados oriundos da China ameaçam o se- opção para os países do Sul, o CP apresenta im-
tor industrial da Argentina e, ao mesmo tempo, pactos diferenciados na sub-região e desdobra-
ameaçam a indústria brasileira, que perde merca- mentos geopolíticos da maior importância e com-
do no país vizinho, criando atritos entre ambos os plexidade para a integração sul-americana. Como
parceiros regionais. A titulo de ilustração, vale a foi destacado, trata-se de uma relação fundamen-
pena lembrar um recente episódio envolvendo ne- talmente, mas não exclusivamente, econômica, na
gociações comerciais entre a Argentina e o Brasil qual a China precisa de estabilidade política regio-
justamente para tentar equacionar esse problema. nal e de bom relacionamento com os EUA; o vín-
No dia 26 de março de 2010, em um encontro em culo comercial crescente está baseado, sobretu-
Brasília, o Secretário de Comércio Exterior do Bra- do, em uma relação de complementaridade com
sil, Welber Barral, e o subsecretário de Política e perigo de cristalizar-se em uma especialização es-
Gestão Comercial do Ministério da Produção da tilo centro-periferia; e no âmbito dessa relação, a
Argentina, Eduardo Bianchi, acordaram posições RPC está implementando, em vários casos, pro-
em conjunto em face da política comercial da Chi- gramas de ajuda e de cooperação – além dos in-
na para a região (LEO, 2010; SIMÃO, 2010). As vestimentos em infraestrutura que foram citados
duas maiores economias da região deram o pon- –, não impondo condicionalidades políticas espe-
tapé inicial para levar adiante uma iniciativa de cíficas de curto prazo. Esse conjunto de políticas
integração das cadeias de produção e uma política conforma o padrão de relacionamento que deno-
comercial e de proteção industrial comum em re- minamos de Consenso do Pacífico e que se apre-
lação à China, com uma intenção de promover senta como uma variável de extrema relevância
produtos brasileiros e argentinos também de ma- para compreender os futuros desdobramentos do
neira conjunta. processo de integração sul-americana. Uma das
conseqüências mais destacadas talvez seja o re-
Esse acontecimento mostra, em grande me-
forço dos princípios do regionalismo aberto16 na
dida, a preocupação dos setores industriais de
sub-região, o que, em grande medida, conflita com
ambos os países frente à impossibilidade de com-
a estratégia de política externa brasileira
petir com os produtos chineses. Pouco teve que
implementada na última década e aprofundada,
se esperar para uma resposta chinesa. No dia 3 de
sobretudo, durante o governo de Luiz Inácio Lula
abril de 2010, a decisão da RPC de frear o ingres-
da Silva.
so de óleo de soja de origem argentino por razões
sanitárias15 criou uma rispidez nas relações bila- O indício mais destacado do ressurgimento do
terais (MALESTAR OFICIAL CON CHINA, 2010; regionalismo aberto17 na América Latina nasceu
EXIGEN SOLUCIONES A LA CRISE, 2010) que da iniciativa do Peru, um dos três países que assi-
estava amadurecendo, não só por meras razões
conjunturais do comércio internacional, mas tam-
bém por razões estruturais, que também se re- 16 O “regionalismo aberto” é um modelo de integração
montam as trajetórias históricas do desenvolvi- regional dominante na década de 1990, preconizado espe-
mento da Argentina e do Brasil. Ambos os países, cialmente pela Cepal. A integração sob essa perspectiva é
mas principalmente o Brasil, conseguiram formar concebida como “um cimento que favoreça uma economia
internacional mais aberta e transparente, em vez de conver-
setores industriais de peso, cujos interesses refle- ter-se em um obstáculo que o impeça, limitando assim as
tem-se na estrutura do Estado e na elaboração das opções de alcance dos países da América Latina e do Caribe.
políticas públicas e, portanto, na sua política ex- Isso significa que os acordos de integração deveriam tender
terna. A partir de 2008 e 2009, no meio da crise a eliminar as barreiras aplicáveis à maior parte do comércio
econômica, o conflito de interesses latente saltou de bens e serviços entre os signatários no marco de suas
à luz (OLIVEIRA & PAUL, 2009; RODRÍGUEZ, políticas de liberalização comercial frente a terceiros, ao
tempo que se favorece a adesão de novos membros aos
2009; MOURA E SOUZA, 2010). acordos” (CEPAL, 1994).
17 O regionalismo aberto tem como princípio basilar criar
um espaço comercial em uma região específica em conso-
15 O óleo de soja de origem argentina teria uma proporção nância com o regime multilateral de comércio e que permita
de resíduo de solvente além da permitida por novas normas aos países membros assinarem acordos de livre-comércio
técnicas de qualidade incorporadas pela RPC de maneira individual, modelo que o Chile e o Peru já vêm
(DELLATORRE, 2010). aplicando.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

naram um TLC com a RPC (PERU, 2010). O tos na região21. Essas mudanças abriram mais ain-
“Foro del Arco del Pacífico Latinoamericano” é da o leque de opções desses países, fortalecendo
um acordo que aglutina estados da América do ainda mais os princípios do regionalismo aberto e
Sul, América Central e o México18 com claros colocando mais um desafio para a liderança brasi-
interesses no estímulo do comércio via oceano leira nos projetos de integração na América do Sul,
pacífico, sem a intenção de ir além de um tratado seja o Mercosul ou a Unasul.
de livre comércio19. Briceño Ruiz (2010) destaca
Concluindo, o projeto da globalização não po-
que o Foro do Arco do Pacífico Latino-america-
derá ser escrito só com as regras de Washington,
no (Fapla) surgiu não só para legitimar a política
simplesmente porque a economia global está con-
externa comercial de países como Peru ou Chile,
formando-se como um sistema multipolar, no qual
mas também como uma resposta às debilidades
a RPC tem o papel mais destacado dentre as no-
da Comunidade Andina de Nações (CAN) e como
vas potências regionais. A crise econômica de 2008
uma maneira de contrapor-se à proposta “anti-
foi o efeito catalisador para a China ocupar espa-
sistêmica” da Alternativa Bolivariana para as Amé-
ços cada vez mais importantes nas instituições
ricas (ALBA)20 liderada por Hugo Chávez. Con-
internacionais e para a sua expansão de investi-
tudo, acreditamos que o Fapla é uma resposta re-
mentos nas mais diversas regiões do planeta. A
gional às transformações econômicas globais e ao
RPC não se apresenta como uma potência
papel cada vez mais importante da China e do
revisionista ou um poder contra-hegemônico no
Sudeste Asiático no comércio e nos investimen-
sistema econômico mundial. O gigante asiático
pretende acelerar a integração da economia glo-
bal, mas ao seu modo e a seu ritmo. Isso implica
18 Peru, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salva-
desenvolver e aumentar as relações comerciais e
financeiras com outras regiões, o que, por sua
dor, Honduras, Nicarágua e México foram os signatários
do acordo. vez, está conformando outra geografia da econo-
19 “La iniciativa del ARCO-FAPLA – se encuentra em
mia política global. Isso significa que, nessa nova
configuração, o papel da RPC será o centro – não
proceso de consolidación como un espacio de diálogo polí-
tico y concertación en torno a temas de caráter econômico da economia global como uma totalidade onde a
y comercial. Los países participantes han reconocido afini- preeminência dos EUA, embora diminuída, per-
dades no solo por compartir la Cuenca Latinoamericana del manece – de uma rede global de conexões co-
Pacífico, sino también por La necesidad compartida de for- merciais e financeiras que abrange diversas regi-
talecer los vínculos y ampliar La cooperación con los paí- ões, entre as quais a América do Sul é uma delas.
ses de Ásia Pacífico”. Ver o acordo inicial em Foro Del
Arco del Pacífico Latinoamericano (2008).
20 Além da Venezuela, também Bolívia, Cuba e Nicarágua 21 A saída da Venezuela da CAN em 2006 acelerou ainda
compõem o bloco. mais a crise desse bloco.

Javier Vadell (javier.vadell@pucminas.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de


Campinas (Unicamp) e Professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-MG).

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79
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT


Diego Pautasso
The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal is
to discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’s
projection within the international system, analyzing how the formation of a continental economy
produces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategy
within this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’s
development and international position. Our central arguments is that the development of a conti-
nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a key
instrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitational
effect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in the
following manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on the
challenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chinese
economic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,
we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash an
international strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widen
the scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.
KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.
* * *
CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFIC
CONSENSUS
Javier Vadell
This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’s
Republic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment and
trade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperation
for the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that could
constitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typical
North-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationship
pattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth in
the region, it also has different implications for the development of countries with an important
industrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –
which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with some
considerations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.
KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.
* * *
THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT AND
INTERNATIONAL SCOPE
Marco Cepik
This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for space
exploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international system
and the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explain
Chinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economic
development and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state of
development, with particular attention to image, navigation, communication and data transmission
satellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

146
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL


Diego Pautasso
L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’est
de discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur de
projection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’une
économie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de la
stratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article est
développé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement et
d’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selon
lequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,
deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer un
fort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.
Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente du
développement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensions
continentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise et
comment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,
nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pour
déclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,
d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.
* * *
LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DU
CONSENSUS DU PACIFIQUE
Javier Vadell
L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre la
République Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur le
commerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrès
diplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,
nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer une
relation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selon
notre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou à
un modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle de
relation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, la
croissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des pays
qui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ont
pas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géant
asiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans le
processus d’intégration sud-américaine.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.
* * *
LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTE
STRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE
Marco Cepik
L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,
liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA:


CONTEXTO ESTRATÉGICO E ALCANCE INTERNACIONAL

Marco Cepik
RESUMO
O artigo explica as políticas de cooperação internacional da República Popular da China relacionadas às
atividades no campo espacial. Em primeiro lugar, dada a estrutura de poder tripolar no sistema internacional
e a dependência crescente de todos os países em relação ao espaço, explica-se que as razões chinesas para
a cooperação espacial são a busca de segurança, desenvolvimento econômico e legitimidade. Em seguida,
demonstra-se o estágio atual de desenvolvimento do programa espacial chinês, particularmente nos campos
de satélites de imagem, navegação, comunicação e retransmissão de dados, bem como nas áreas de satélites
micro e nano. Dados os incentivos estruturais, os objetivos estratégicos e o nível atual de desenvolvimento
tecnológico, é possível interpretar corretamente as iniciativas multilaterais da China no contexto global,
junto ao Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Cpous), bem como no contexto
regional, com a recentemente estabelecida Organização de Cooperação Espacial da Ásia-Pacífico (Apsco).
Do mesmo modo, é possível compreender o significado, potencialidade e limites práticos da cooperação
bilateral chinesa com o Brasil e a África do Sul, potências regionais fora da Ásia. Conclui-se que a política
de cooperação espacial chinesa visa a aumentar a influência internacional de Beijing sem gerar reações
exageradas das outras grandes potências, postergando uma eventual militarização do espaço e procurando
construir parcerias com potências regionais ainda incipientes no espaço, mas tendo em vista o futuro e as
expectativas quanto ao impacto da digitalização.
PALAVRAS-CHAVE: cooperação espacial; Programa Espacial Chinês; segurança internacional.

I. INTRODUÇÃO1 Como parte de um grande esforço iniciado em


1956, a República Popular da China (RPC) está
As razões que levam o governo de um país a
buscando desenvolver seu setor espacial primaria-
cooperar com outros governos nacionais são três:
mente para alcançar seus objetivos mais gerais de
(i) a maximização dos ganhos absolutos de de-
desenvolvimento econômico e social, agora no
senvolvimento, (ii) a minimização dos riscos re-
contexto das quatro modernizações lançadas em
lativos de segurança e (iii) o objetivo comum e
1979 (HAGT, 2006). Além disso, o desenvolvimento
solidário rumo à expansão da fronteira do conhe-
e alocação de ativos no espaço é parte inseparável
cimento humano. Constrangimentos sistêmicos,
do conjunto de interações estratégicas chinesas no
interações estratégicas repetidas com n participan-
sistema internacional e, portanto, influenciam de-
tes e incompletude informacional endêmica tor-
cisivamente a segurança internacional no século
nam o balanceamento entre os três objetivos difí-
XXI. Conseqüentemente, a cooperação espacial da
cil e os resultados de cada esforço cooperativo
China também obedece a imperativos de seguran-
sempre incerto2.
ça que não podem ser ignorados na análise (BLAIR
1 Agradeço o apoio de Felipe Machado, meu assistente de
& CHEN, 2006; CHAMBERS, 2009).
pesquisa na área de Segurança Internacional na Universida- Para explicar a cooperação técnica e comercial
de Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs); na pessoa dele, da China no setor espacial é preciso, portanto, si-
agradeço a toda a minha equipe de trabalho. Agradeço ainda tuar o contexto político internacional no qual ela
ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
está inserida, o que será feito na seção II. Em se-
Tecnológico (CNPq) pela concessão da Bolsa de Produti-
vidade em Pesquisa (PQ) e à Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) o financia-
mento do Seminário onde iniciamos a discussão desse tema. tecnológica no setor espacial, bem como suas exigências
organizacionais e políticas específicas no contexto sul-sul,
2 Para uma revisão do debate entre realistas e mas que não enfatiza os condicionantes estratégicos inter-
institucionalistas liberais acerca da cooperação internacio- nacionais, ver a importante contribuição de Costa Filho
nal, ver Jervis (2003). Sobre a rationale da cooperação (2006).

Recebido em 10 de abril de 2011. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 81-104, nov. 2011
Aprovado em 10 de maio de 2011.
81
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

guida, na seção III, serão descritos alguns progra- Na tripolaridade assimétrica, a grande estraté-
mas do projeto espacial chinês, particularmente nos gia dos Estados Unidos, organizada em torno da
campos de imagem, navegação, comunicação, co- idéia de renovar sua liderança em um mundo em
leta de dados e satélites micro e nano. Estabeleci- crise e com maior difusão de poder (EUA, 2010a),
dos o contexto e o conteúdo do programa espacial tem esbarrado menos na existência de alianças in-
chinês, na seção IV do texto serão comentadas as ternacionais contrabalançantes do que nas disputas
iniciativas multilaterais de cooperação da China no internas em curso no país, bem como nos custos
contexto global, junto ao Comitê das Nações Uni- herdados da tentativa frustrada de obtenção da pri-
das para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Cpous), mazia nuclear e da construção de uma ordem inter-
bem como no contexto regional, com a recente- nacional unipolar, a qual caracterizou sobremanei-
mente estabelecida Organização de Cooperação Es- ra os dois mandatos do presidente George W. Bush.
pacial da Ásia-Pacífico (Apsco), criada em dezem- Por sua vez, a atual grande estratégia chinesa, ba-
bro de 2008, em Pequim, por Bangladesh, China, seada no trinômio soberania, segurança e desen-
Irã, Mongólia, Paquistão, Peru e Tailândia. Por fim, volvimento (CHINA, 2011), também enfrenta dis-
na seção V discute-se a cooperação bilateral com putas internas e a herança da abordagem anterior,
potências regionais fora da Ásia, especificamente sintetizada pela expressão ascensão pacífica
com o Brasil e com a África do Sul, de modo a (peaceful rising). Quando o mundo tomou consci-
demonstrar o alcance internacional e o fato de que ência do crescimento consistente das capacidades
as razões econômicas e de segurança da coopera- econômicas e militares chinesas, na virada do sé-
ção convivem com razões solidárias de desenvolvi- culo, muitos governos e grupos de interesse pas-
mento científico, ainda que subordinadas às primei- saram a listar a China como uma ameaça potencial,
ras e enfrentando significativos limites práticos. enfatizando a sua ascensão e desconfiando das suas
intenções pacíficas no médio prazo (BUZAN, 2010).
II. CONTEXTO ESTRATÉGICO E OBJETIVOS
Finalmente, é importante mencionar a recuperação
DA COOPERAÇÃO ESPACIAL
das capacidades russas e a adoção de uma postura
O principal componente do contexto político internacional muito mais assertiva desde a década
internacional a informar as políticas de coopera- de 2000. Embora sem conseguir alterar a realidade
ção espacial chinesas é dado pela distribuição in- de um declínio estrutural secular e a inconstância
ternacional de poder. A distribuição de poder vi- de suas políticas externa, de segurança e defesa, a
gente no sistema internacional desde o final da recuperação russa foi suficiente para que as outras
Guerra Fria pode ser caracterizada como sendo duas grandes potências e as regiões adjacentes da
multipolar e desequilibrada (MEARSHEIMER, antiga área soviética (sobretudo a Europa) voltas-
2001). Vivemos, desde 1991, em um sistema sem a considerar muito seriamente a Rússia em
tripolar com grandes assimetrias a favor dos Es- seus cálculos estratégicos (CEPIK, AVILA &
tados Unidos da América (EUA), em comparação MARTINS, 2009).
com as outras duas grandes potências, uma de-
Um segundo componente importante do con-
cadente (Rússia) e a outra ascendente (China)3.
texto político internacional posterior à Guerra Fria
tem sido o aprofundamento dos processos de
3 Segundo o Banco Mundial (2011), em 2010 o Produto
integração regional, mais ou menos
institucionalizados, capitaneados por potências re-
Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos era de US$ 14,6
trilhões, enquanto o da China era de US$ 5,9 trilhões e o da gionais e/ou grupos de potências regionais. Esse
Rússia, US$ 1,5 trilhão. No mesmo ano, segundo o IISS tem sido, até agora, o principal fator de estabiliza-
(2011), os efetivos militares na ativa eram de 1,58 milhão ção e de construção de alternativas à lógica da ba-
nos Estados Unidos (0,94% da População Economicamen- lança de poder e dos dilemas de segurança associ-
te Ativa (PEA)), 2,28 milhões na China (0,28% da PEA), e ados com a ordem multipolar desequilibrada.
1,05 milhão na Rússia (1,38% da PEA). Ainda segundo o
(CHAN, 2010)4.
IISS (2011, p. 34), em 2010 os Estados Unidos possuíam
450 mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), 155
bombardeiros nucleares estratégicos e 14 submarinos nu- 4 Ao longo da última década, mas particularmente após o
cleares capazes de lançar mísseis balísticos intercontinen- início da crise econômica de 2008, a desigualdade relativa
tais (SLBMs). A China possuía 66 ICBMs, 132 bombar- de riqueza e poder entre os Estados Unidos e a China
deiros estratégicos e 3 submarinos SLBM, enquanto a diminuiu, mas não deixou de existir. Um dos resultados
Rússia, por sua vez, ainda detinha 376 ICBMs, 251 bom- ainda incertos da crise mundial é o seu impacto sobre os
bardeiros estratégicos e 14 submarinos SLBM. processos de integração regional.

82
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

Juntamente com a distribuição tripolar e Rússia e da China para a Conferência sobre De-
assimétrica de poder e com os processos de sarmamento da Organização das Nações Unidas
integração regional, há um terceiro componente (ONU) em 2008, chamada de versão preliminar
do contexto político internacional importante para para um Tratado sobre a Prevenção da Instalação
explicar a política de cooperação espacial chine- de Armas no Espaço Exterior e do Uso ou Ameaça
sa. Trata-se da chamada expansão conceitual da de Uso da Força contra Objetos no Espaço Exte-
agenda de segurança. Inicialmente proposta de rior6. Tampouco se poderá apreciar o amplo sig-
modo normativo e ambíguo para focalizar as ame- nificado da nova Política Espacial dos Estados
aças não militares à segurança dos indivíduos, a Unidos, a menos que se adote um ponto de parti-
ampliação da agenda de segurança internacional da realista (EUA, 2010b). Afinal, em ambos os
no começo do século XXI decorre, na verdade, casos constrangimentos estruturais e interações
de uma dupla pressão estrutural. Por um lado, a competitivas limitaram a disposição expressa pe-
transição demográfica e seus impactos sobre a los proponentes de cooperar e ampliar a base le-
matriz energética mundial tornam mais críticos gal da confiança mútua internacional estabelecida
os requerimentos logísticos de sustentação da pelo Tratado do Espaço Exterior, assinado em
grande estratégia de todos os estados. Por outro 1967 e atualmente com 98 países signatários.
lado, o avanço do processo de digitalização impli-
As razões de segurança são, em decorrência
ca a crescente dependência de todos os países
do que foi exposto até aqui, uma parte integral da
em relação ao ciberespaço e às tecnologias asso-
política de cooperação espacial da China, tanto
ciadas ao espaço sideral. Petróleo, alimentos, mi-
direta quanto indiretamente.
nerais, internet e satélites são termos-chave para
a criar um sentido renovado de dilemas de segu- Diretamente, em função da assimetria de for-
rança em áreas de atividade humana diferentes das ças convencionais e nucleares em favor dos Esta-
ameaças militares convencionais. dos Unidos e seus aliados. Afinal, ao longo dos
últimos 15 anos a correlação de forças nos estrei-
Na medida em que o espaço exterior à atmos-
tos de Taiwan e os planos norte-americanos de
fera terrestre passa a ser mais decisivo para a
desenvolvimento de uma capacidade de defesa
configuração da ordem internacional, a interação
antimísseis balísticos e de controle militar do es-
entre os diversos atores com interesses no espa-
paço foram um importante elemento no cálculo
ço adquire contornos de um dilema de segurança
estratégico chinês. Tais capacidades poderiam
(BLAIR & CHEN, 2006). O poder militar é, por-
efetivamente neutralizar a capacidade chinesa de
tanto, uma parte inerente de qualquer política ou
dissuasão nuclear e levar o país a uma instável e
programa espacial de qualquer país, quer arma-
indesejável corrida armamentista (HAGT &
mentos venham ou não a ser mobilizados no es-
DUNIN, 2009). Para os militares chineses, o es-
paço no futuro. Isso não significa que a coopera-
paço é o coração da corrente revolução em as-
ção em temas espaciais seja impossível, apenas
suntos militares e sua importância para a Grande
destaca que ela é difícil e deve ser considerada de
Estratégia chinesa vem aumentando consistente-
maneira realista5.
mente (SWAINE & TELLIS, 2000; BLASKO,
Somente assim é possível compreender, por 2006; CORDESMAN & KLEIBER, 2007).
exemplo, as vicissitudes enfrentadas pela propos-
Indiretamente, as razões de segurança ema-
ta encaminhada conjuntamente pelos governos da
nam da própria maturação tecnológica, dos mo-
delos de negócios e do volume de recursos inves-
5 O espaço exterior já era importante por razões estratégi- tidos nas operações comerciais envolvendo o es-
cas durante a Guerra Fria, uma vez que a dissuasão mútua paço. Em primeiro lugar, são poucos os países
dependia dele para a guiagem dos mísseis balísticos inter-
continentais, bem como de sensores de imagens e sinais
embarcados em satélites para a vigilância mútua. O que 6 O texto completo do “Draft Treaty on Prevention of the
mudou depois de 1989 foi a crescente dependência do es- Placement of Weapons in Outer Space and of the Threat or
paço para a realização de todas as operações militares e Use of Force against Outer Space Objects (PPWT)”, bem
para a economia civil (space-enabled digital networks). Para como o restante da documentação da Conferência sobre
uma discussão aprofundada sobre o significado da Desarmamento da ONU, podem ser encontrados no sítio
digitalização e do comando do espaço para o equilíbrio de do Escritório das Nações Unidas em Genebra (UNOG,
poder no plano global e regional, ver Martins (2008). 2008).

83
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

com capacidade de lançamento de satélites (Esta- 2003, por exemplo, 77% das faixas de freqüência
dos Unidos, Rússia, Agência Espacial Européia, e uma parte considerável do tempo de transponder
China, Índia, Japão e Israel). Dado o potencial utilizados nas comunicações das forças armadas
uso dual civil-militar dos veículos espaciais dos Estados Unidos provinham de fornecedores
lançadores, um Regime de Controle da Tecnologia privados, dentre os quais vários estrangeiros
de Mísseis (MTCR) perpassa hoje a atividade. (O’HANLON, 2004).
Ademais, segundo o IISS (2007), os custos de
O Gráfico 1, a seguir, indica que os ativos es-
lançamento variavam entre 15 e 125 milhões de
paciais da China ainda são muito menores do que
dólares, freqüentemente igualando ou excedendo
os da Rússia e dos Estados Unidos, sendo que
o valor da carga (payload). Finalmente, forças
este responde por 90% de todo o gasto militar
armadas e agências de inteligência compram ser-
com o espaço anualmente, sem falar na propor-
viços e produtos em um mercado espacial em
ção maior de ativos (assets) de uso misto e nos
franca expansão. Durante a invasão do Iraque em
mais de 300 satélites de uso civil-comercial.

GRÁFICO 1 – ATIVOS ESPACIAIS: ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA E CHINA

Militar
Número de satélites

Misto

Não-militar

EUA Rússia China

FONTE: UCS (2009).

Por sua vez, o Gráfico 2 confirma que a eco- lançamentos de satélites, ainda é firmemente do-
nomia do setor espacial, embora contando com a minada pelos Estados Unidos e Rússia, com a
presença da China tanto na fabricação quanto no União Européia aparecendo em terceiro lugar7.

7 Para uma visão européia (francesa) acerca do contexto


estratégico internacional da política espacial, ver Montluc
(2009).

84
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

GRÁFICO 2 – CONSTRUÇÃO DE ESPAÇONAVES E LANÇAMENTOS ORBITAIS

Canadá:
Brasil
Iran China Resto do Mundo China

Europa
EUA Europa
EUA
Índia
Israel
Índia
Japão
Israel
Japão

Coréia do Sul

Rússia Coréia do Sul Rússia

FONTE: Futron (s/d).

Ou seja, aliados estratégicos tendem a ser im- Por mais de dez anos desde o embargo, enquanto
portantes no novo ambiente espacial, mas tais ali- buscava sem sucesso obter a primazia nuclear (por
ados serão ao mesmo tempo competidores po- meio de diplomacia coercitiva, pressão econômi-
tenciais, coetâneos ou separados por algumas ca e guerra subterrânea) para tentar forjar uma
décadas (HAGT, 2006, p. 91). Embora de manei- ordem mundial unipolar, Washington evitou ne-
ra mais incerta, incipiente e com menos recursos, gociações com a China sobre os usos do espaço
as potências regionais em desenvolvimento tam- para além do já estabelecido pelo tratado de 1967.
bém estão desenvolvendo suas capacidades espa- No contexto internacional que prevaleceu até 2010,
ciais. Portanto, a cooperação técnica e comercial a China buscou contornar suas dificuldades de
e as parcerias estratégicas com tais potências re- acesso às tecnologias espaciais norte-americanas
gionais assume um significado importante para a de várias formas, inclusive por meio de parcerias
segurança internacional (SHEEHAN, 2007). com outros países, mas sempre procurando for-
talecer o controle soberano e o desenvolvimento
Mesmo considerando os demais atores, prin-
autônomo de suas capacidades (GUO, 2006).
cipalmente a Rússia, que coopera no setor espa-
cial com os dois, é a interação estratégica entre A nova postura estratégica e espacial da Casa
Estados Unidos e China o fator singular mais im- Branca a partir de 2010, sob o governo Obama,
portante para a evolução política e econômica do poderia modificar todo esse contexto ao criar con-
mundo no século XXI8. dições para uma cooperação direta entre os Esta-
dos Unidos e a República Popular da China na
Desde 1999, os EUA impuseram um embargo
área espacial (CHAMBERS, 2009; MOLTZ,
de facto para a exportação de tecnologias e com-
2011a). Ainda assim, dada a incerteza sobre a vi-
ponentes relacionados ao espaço para a China9.
abilidade interna da nova postura americana e dado
que a construção, comercialização e a operação
8 Reconhecer a importância da díade Estados Unidos- de ativos espaciais tem se tornado cada vez mais
China não significa corroborar aqueles exageros interessa-
dos que defendem normativamente uma inexorável e acele-
sou a China de adquirir de maneira ilícita tecnologias sensí-
rada militarização do espaço, decorrente de uma também
veis por meio de laços econômicos com empresas de satéli-
“inevitável” confrontação entre os Estados Unidos e a
tes dos Estados Unidos. Do ponto de vista formal, os Esta-
China. Exemplos da posição sobre a “ameaça chinesa real e
dos Unidos subordinaram a exportação de satélites à
imediata” no espaço seriam Dolman (2002) e Seedhouse
Regulação Internacional de Movimentação de Armas (ITAR,
(2010).
na sigla em inglês), o que, na prática, limitou drasticamente o
9 Na época o Relatório da Comissão Cox, elaborado sob a comércio direto entre os setores espaciais dos Estados Uni-
demanda do Congresso Nacional dos Estados Unidos, acu- dos e da China até hoje (KAN, 2003; HAGT, 2006).

85
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

importante para a segurança econômica e militar Por exemplo, o projeto Shenzou colocou em
da China, é razoável inferir que os chineses tenta- órbita, em 2003, o primeiro taikonauta chinês13.
rão proteger seus interesses espaciais da mesma Em 25 de setembro de 2008, Zhai Zhigang, tripu-
forma que os americanos o fazem (EUA, 2002; lante da Shenzou-7, tornou-se o primeiro chinês a
JOHNSON-FREESE, 2006). A própria lógica da caminhar no espaço. Finalmente, no dia 29 de se-
interação estratégica torna as decisões de ambos tembro de 2011 foi lançado com sucesso o módulo
os governos interdependentes e tem limitado, pelo orbital não tripulado Tiangong-1, primeira etapa
menos até recentemente, o alcance da coopera- da construção de uma estação espacial própria.
ção possível, conforme apontam Zhang (2006) e Planeja-se, dentro de dois anos, o início da
Moltz (2011b)10. acoplagem de naves como a Shenzou-8, Shenzou-
9 e Shenzou-10. Ainda que tais feitos tenham ocor-
Em resumo, é possível inferir que a diploma-
rido 40 anos depois de feitos semelhantes por parte
cia espacial chinesa tem quatro objetivos princi-
da Rússia (URSS) e dos Estados Unidos, eles in-
pais. O primeiro é ajudar o país a obter a tecnologia
dicam a determinação de um país que planeja uma
necessária ao desenvolvimento de um programa
missão tripulada completa para a Lua, até 2020,
espacial completo, civil e militar (WU, 2006). O
bem como missões não tripuladas para Marte, entre
segundo objetivo é o de construir legitimidade para
2014 e 2033 (SHEEHAN, 2011).
as pretensões chinesas como grande potência na
era digital e espacial. O terceiro objetivo chinês é Mesmo que nos últimos anos o programa tri-
evitar ou adiar uma disputa direta pelo comando pulado chinês tenha capturado a atenção mundial,
do espaço com as demais grandes potências11. é importante lembrar que esse é apenas um dos
Finalmente, o quarto objetivo da diplomacia espa- componentes de um complexo programa espaci-
cial chinesa é contribuir para ampliar a fatia de al, que envolve ainda a construção e operação de
mercado controlada pelos agentes privados e es- sítios de lançamento (Jiuquan, Xichang e Taiyuan),
tatais chineses, tendo em vista o crescimento ace- veículos lançadores (como os foguetes Longa
lerado de uma cadeia de valor estimada em mais Marcha), satélites de vários tipos, sistemas e es-
de US$ 150 bilhões ao ano (HENRI, 2010). tações de telemetria, rastreamento e comando
(TT&C), espaçonaves (Shenzou), além do res-
Dados o contexto e os objetivos da coopera-
tante da cadeia produtiva associada ao espaço, que
ção espacial chinesa, na próxima seção serão des-
vai da produção ou aquisição de insumos até as
critas algumas das capacidades na área de satéli-
aplicações derivadas das capacidades espaciais de-
tes do programa espacial chinês, pois isso é im-
senvolvidas (CHINA, 2006a).
portante para qualquer avaliação ulterior sobre o
significado e os limites práticos da cooperação com Desde 1999, a cadeia de comando do progra-
o Brasil e a África do Sul. ma espacial chinês vem aumentando seu grau de
institucionalização14. A pesquisa militar, desenvol-
III. OS SATÉLITES NO PROGRAMA ESPACI-
vimento, aquisição e uso de capacidades espaci-
AL CHINÊS
Iniciado em 1956, pouco tempo depois da fun- Cordesman e Kleiber (2007). A posição oficial do Conse-
dação da República Popular da China, o programa lho de Estado da República Popular da China sobre a sua
espacial chinês vem destacando-se nos últimos política espacial foi expressa em um White Paper publica-
anos por seus grandes investimentos e realizações, do para marcar os 50 anos de seu programa espacial (CHI-
a despeito da crise econômica mundial12. NA, 2006a). Recomenda-se ainda a leitura da resenha de
Chen e Hagt (2006).
^
13 Oficialmente chamados de
宇航員  (pinyin: yuháng-
10 Sobre o significado do teste chinês de um míssil yuán), ou “pessoas que navegam no universo”, os astro-
antisatélite (ASAT) em 2007 e os desdobramentos poste- nautas chineses têm sido chamados pelos meios de comu-
riores na relação entre Estados Unidos e China até 2010, nicação, inclusive a agência oficial de notícias Xinhua, de
ver Bao (2007) e também Lutes & Hays (2011). taikonautas, um neologismo formado a partir da idéia chi-
nesa de espaço (taikong) e da idéia grega de navegador
11 Para uma discussão inicial sobre o conceito de comando
( πλοηγός ) (XINHUA, 2008).
do espaço, ver o capítulo 7 do livro de Klein (2006). 14 Discute-se, entretanto, se as linhas de autoridade atual-
12 Para uma breve introdução à história do programa espa-
mente existentes entre as autoridades civis, militares e as
cial chinês e à organização política e administrativa do se- diversas organizações envolvidas com as atividades espaci-
tor naquele país, ver Cheng (2011), Janes (2009) e também ais seriam eficientes ou não em termos de troca de informa-

86
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

ais para as forças armadas são responsabilidades Segundo Pollpeter (2011, p. 406-407), os dois
do Departamento Geral de Armamento (GAD), um principais desafios atuais para a governança do
dos três departamentos da Comissão Militar Cen- programa espacial chinês seriam a manutenção de
tral (CMC) do Conselho de Estado. Esse departa- um ritmo adequado de inovação tecnológica e a
mento também é responsável pela construção e melhoria da sinergia civil-militar. O primeiro de-
gestão dos sítios de lançamento. Por sua vez, a safio tem sido enfrentado a partir de um Plano de
coordenação nacional do programa passou a ser Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento
feita pela Administração Espacial Nacional da China Científico e Tecnológico (MLP). O MLP foi pro-
(CNSA), órgão subordinado diretamente ao Con- jetado para fomentar o desenvolvimento endógeno
selho de Estado15. A principal agência executora de inovações e permitir um salto qualitativo da in-
do programa espacial chinês é a Corporação de dústria de alta tecnologia na China. Também o 11º
Ciência e Tecnologia Aeroespacial da China Plano Quinquenal (2006-2010) reforçou a impor-
(CASC), sob controle da CNSA e voltada ao de- tância do programa espacial do país, o que ficou
senvolvimento de sistemas civis e militares16. evidenciado pela confirmação do calendário do
programa tripulado completo e da construção da
ções em tempo real e uso eficaz das capacidades espaciais. estação orbital própria, mesmo com o veto dos
Cf. as imagens descritivas da cadeia de comando no progra- Estados Unidos à participação da China no pro-
ma espacial chinês em Hagt e Dunin (2009, p. 96-97). grama da Estação Espacial Internacional (CHINA,
15 Em inglês, China National Space Administration 2006b). Em relação à coordenação civil-militar,
(ou ; pinyin: Guójia Hángtianjú). Cf. CNSA embora pouco seja conhecido sobre as transfor-
(s/d). Por sua vez, a CNSA controla as duas maiores empre- mações recentes, a literatura assume que as for-
sas estatais chinesas do setor aeroespacial, a China Aerospace ças armadas chinesas estejam fortemente empe-
Science and Technology Corporation (CASC) e a China nhadas em garantir que o programa espacial do
Aerospace Science and Industry Corporation (CASIC). No
país permita-lhes melhorar suas capacidades es-
caso da CASIC, trata-se da maior empresa estatal chinesa
voltada para o desenvolvimento e construção de mísseis e tratégicas e operacionais (space-enabled network-
outros sistemas de armas. Cf. CASIC (s/d). centric operations) (BLASKO, 2006; 2011; TENG,
16 Em inglês, China Aerospace Science and Technology 2006; IISS, 2007; TELLIS, 2007; CHAPMAN,
Corporation ( ). A estatal CASC é uma
2008; KREPON, 2008; HAGT & DUNIN, 2009).
corporação gigantesca, com mais de 120 mil empregados, Trata-se, pois, de avaliar o lugar da coopera-
exercendo comando e controle direto sobre um grande núme-
ção internacional diante do duplo desafio enfren-
ro de entidades. Apenas para citar os nomes disponíveis ofici-
almente em inglês: (i) complexos de P&D e produção: China tado pelo programa espacial chinês (inovação e
Academy of Launch Vehicle Technology (CALT); Academy sinergia civil-militar). Para tanto, no restante des-
of Aerospace Solid Propulsion Technology (AASPT); China ta seção serão descritas sumariamente algumas
Academy of Space Technology (CAST); Academy of categorias de satélites chineses, tais como
Aerospace Liquid Propulsion Technology (AALPT); Sichuan sensoriamento remoto e reconhecimento, nave-
Academy of Aerospace Technology (SAAT); Shanghai
gação e posicionamento, transferência de dados,
Academy of Space Flight Technology (SAST); China
Academy of Aerospace Electronics Technology (CAAET); além de micro e nano satélites17.
China Academy of Aerospace Aerodynamics (CAAA). (ii) II.1. Satélites de sensoriamento remoto, reconhe-
empresas especializadas: China Satellite Communications
cimento e inteligência de imagens
Corporation; China Great Wall Industry Corporation
(CGWIC); China Aerospace Engineering Consultation Center; Os primeiros satélites de reconhecimento com
China Centre for Resources Satellite Data and Application; carga útil recuperável foram lançados pela China
Aerospace Science & Technology France Co, Ltd; Aerospace
Capital Holding Co, Ltd; China Aerospace Times Electronics
em 1975, sendo que desde então três famílias de
Corporation; China Aerospace International Holdings, Ltd; satélites sucederam-se com ganhos crescentes de
Beijing Shenzhou Aerospace Software Technology Co, Ltd; capacidade e desenvolvimento tecnológico.
Shenzhen Academy of Aerospace Technology; Aerospace
Long-March International Trade Co, Ltd. (iii) outras unida-
des diretamente subordinadas à CASC: China Astronautics 17 As observações da próxima seção não pretendem ser
Standards Institute; China Astronautics Publishing House; conclusivas, pelo contrário. Trata-se de uma primeira apro-
Space Archives; Aerospace Communication Center; China ximação bastante incompleta e superficial. Por motivos de
Space News; Chinese Society of Astronautics; Aerospace tempo e espaço não foi possível incluir, por exemplo, saté-
Talent Development & Exchange Center; Aerospace Printing lites exclusivamente de uso militar ou mesmo os satélites
Office. Ver Casc (s.d.). metereológicos FY (Fengyun). Cf. Hagt e Dunin (2009),
bem como Sinodefence (s/d).

87
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

A primeira série foram os satélites FSW lução para auxiliar pesquisas sobre o solo,
(ou ; pinyin: Fanhui Shi Weixing), que monitoramento ambiental, planejamento urbano,
inicialmente carregavam enormes rolos de filme monitoramento de desastres naturais, avaliação de
fotográfico para capturar imagens. As missões dos produtividade do solo e, segundo, especialistas,
satélites FSW duravam em torno de três dias e, para prover imagens e localização de alvos para o
após esse período, os rolos de filme eram lança- setor militar (SINODEFENCE, s/d). A série Ziyuan
dos para a terra. Esse foi o programa que lançou 2 foi composta de três satélites, lançados em 2000,
o maior número de satélites chineses, tendo dura- 2002 e 2004. Operavam a 778 km de altitude e
do 29 anos (1974-2003). eram equipados com câmeras de resolução esti-
mada de até três metros e sensores multiespectrais
O segundo projeto, chamado de Ziyuan, de
infravermelho (CHENG, 2011).
satélites de sensoriamento remoto, teve início em
1986 e constituiu a primeira modalidade de coo- A frota atual de satélites de sensoriamento re-
peração sul-sul para o co-desenvolvimento de alta moto, reconhecimento e produção de imagens é
tecnologia. Os chineses vinham enfrentando al- chamada de Yaogan Weixing ( ), ou
gumas dificuldades no projeto do seu satélite de simplesmente Yaogan. A posição oficial do gover-
sensoriamento remoto, principalmente devido à no chinês é que esses satélites são utilizados para
falta de tecnologias de antenas de retransmissão aplicações civis em diversas áreas, como
(COSTA FILHO, 2006). Naquele momento, ini- mapeamento terrestre, mitigação de desastres na-
ciou-se a aproximação do país com o Brasil, ter- turais, monitoramento de cultivos e planejamento
ceiro país no mundo capacitado para receber ima- urbano (CHINA, 2006a). Comentadores ociden-
gens dos satélites de sensoriamento Landsat e que tais, entretanto, assumem que as especificações
também vinha trabalhando no desenvolvimento do técnicas conhecidas dos satélites permitem seu
seu primeiro satélite de sensoriamento remoto18. uso para fins de reconhecimento e produção de
inteligência de imagens com resoluções úteis para
Entretanto, os chineses resolveram não espe-
o planejamento e execução de operações milita-
rar somente pelo sucesso da cooperação com o
res. É importante observar que a mesma série in-
Brasil. Concomitante ao co-desenvolvimento da
clui satélites com sensores eletro-ópticos (que
série Cbers, os chineses desenvolviam suas no-
operam no espectro da luz visível para mapeamento
vas versões de satélites de sensoriamento remo-
digital) e satélites com Radares de Abertura Sinté-
to, a série Ziyuan 2. Construídos pela Academia
tica (SAR) para obtenção de imagens de alta reso-
de Tecnologia Espacial da China (CAST), esses
lução em qualquer clima de noite ou de dia. A Ta-
satélites foram desenvolvidos para oferecerem
bela 1 apresenta alguns dados relativos aos satéli-
mapeamento terrestre por imagem de média reso-
tes Yaogan Weixing, lançados entre 2006 e 2010.

TABELA 1 – SATÉLITES YAOGAN WEIXING DE SENSORIAMENTO E RECONHECIMENTO DA CHINA

18 Com o acordo assinado em 1988, os dois países


engajaram-se na produção do primeiro satélite da série ro satélite só foi lançado 11 anos depois da assinatura do
sensoriamento remoto, a qual previa inicialmente o lança- acordo. O satélite sino-brasileiro de sensoriamento remoto
mento em conjunto de dois artefatos. Contudo, devido uma (Cbers) é o nome utilizado por esta ramificação do projeto
série de imprevistos enfrentados pelos parceiros, o primei- de satélites de sensoriamento da China (INPE, s/d).

88
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

FONTE: Sinodefence (s/d).

Os satélites mais recentes da série apresentam Como demonstrou Forden (2004), o projeto
significativo avanço tecnológico em termos de vida Beidou constituiu um sistema de navegação regi-
útil, capacidade de armazenamento, velocidade e onal experimental, com poucas aplicações iniciais
banda de transmissão de imagens em tempo real, para uso civil e comercial, mas que teria sido, após
bem como na resolução das imagens produzidas 2004, suficiente para prover serviços de boa
pelos radares de abertura sintética, sensores eletro- acurácia (menos de 10 m e 100 nanossegundos)
ópticos, infravermelho e sensores multiespectrais. para aplicações militares, incluindo melhora signi-
ficativa na precisão da guiagem dos mísseis
II.2. Satélites de navegação e posicionamento
balísticos intercontinentais chineses.
A China vem desenvolvendo um projeto de
Neste sentido, pode-se dizer que o Beidou con-
navegação por satélites desde 1994. De maneira
tribuiu para dissuadir os Estados Unidos da tenta-
distinta do sistema russo Glonass e do
tiva de obter a primazia nuclear na década de 2000.
estadunidense GPS, que utilizam órbitas interme-
Segundo Tellis (2007), o conceito operacional do
diárias, a tecnologia e o conceito operacional uti-
Beidou está sendo utilizado no projeto Indian Re-
lizados inicialmente pelos chineses baseavam-se
gional Navigational Satellite System (IRNSS), que
na emissão de sinais a partir da terra e na
a Índia pretende inaugurar em 201419.
triangulação com satélites em órbitas
geoestacionárias e, por isso, demandaram com-
parativamente um número pequeno de satélites
(três, quando o GPS utilizava mais de 20).
19 Para maiores detalhes sobre o veículo lançador, esta-
Conhecido como BeiDou (–k“l?•qŒn?; pinyin:
^ ^ ^ ^ ções de controle, rastreamento e correção, bem como
Beidou daoháng xìtong), o programa chinês tor- parâmetros orbitais, especificações técnicas e capacidade
nou-se operacional em 2003, quando o lançamen- de uso, ver Sinodefence (s/d) e também Beidou (s/d). Sobre
to do satélite Beidou 1C completou os dois pri- a função e as configurações de sistemas de melhoria de
meiros, Beidou 1A e Beidou 1B, lançados em 2000. desempenho dos satélites de navegação (augmentation),
Um quarto satélite Beidou foi lançado em 2007. ver Inside GNSS (s/d).

89
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

Em 2004, o governo chinês aprovou a constru- bal, com cinco satélites em órbita geoestacionária
ção de um sistema global de navegação, chamado e 30 satélites em órbitas intermediária (MEO). Se-
de Compass Navigation Satellite System
^ ^ ^
gundo Sinodefence (s/d) e também Inside GNSS
( ^
; pinyin: Beidou wèixing dao- (s/d), a rede Compass poderá prover serviços de
háng xìtong). Esse projeto CNSS também é cha- posicionamento com 5 m de acurácia (ou 8 m em
mado na mídia de Beidou-2, mas, na verdade, não três dimensões) para usuários globais, além de ser-
se trata de um desenvolvimento do mesmo concei- viços com mais segurança e resoluções ainda mai-
to de operações e tecnologia utilizados no Beidou- ores para uso das forças armadas chinesas.
1. A rede CNSS será instalada em duas etapas. A
Na Tabela 2 é possível comparar os conceitos
primeira, prevista para 2012, criará um sistema re-
dos sistemas de navegação já em funcionamento
gional de navegação com 12 satélites, com acurácia
dos Estados Unidos (GPS), da Rússia (Glonass)
melhor e mais serviços do que o Beidou-1 era ca-
e da China (CNSS), bem como os projetos bas-
paz. Para a segunda etapa, prevista para ser com-
tante incertos da Europa (Galileo), Índia (Irnss) e
pletada até 2020, a rede Compass terá alcance glo-
Japão (QZSS).

TABELA 2 – COMPARANDO SISTEMAS DE NAVEGAÇÃO E POSICIONAMENTO

China Europa Índia Japão Rússia EUA

FONTE: Inside GNSS (s/d).

A Tabela 3 apresenta informações sobre os Compass, indicando que o cronograma previsto


satélites Compass já lançados pela China. Em ju- para a entrada em operações em 2012 está sendo
lho de 2011 foi lançado o nono satélite da rede cumprido.

90
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

TABELA 3 – SATÉLITES DE NAVEGAÇÃO COMPASS DA CHINA (CNSS)

FONTE: Sinodefence (s/d).

Assim como ocorreu com o projeto da estação pacidade até cinco vezes maior na promoção de
orbital, paralelamente ao esforço de construir seu serviços se comparadas com a série anterior. A pro-
próprio sistema de navegação e posicionamento, a dução dos DFH-3 fez-se necessária para o suporte
China tentou participar de programas cooperativos ao desenvolvimento das telecomunicações do país
que lhes garantissem opções. Assim, por exemplo, e foi a primeira série de satélite lançados pelas Chi-
em 2003 foi assinado um acordo entre Beijing e a na com o uso totalmente focado para o setor civil
União Européia referente à participação chinesa no (CHENG, 2011)20.
projeto Galileo. As incertezas a respeito da viabili-
O estado da arte em termos de tecnologias para
dade do projeto europeu e a excessiva dependência
satélites de comunicações chineses, no entanto,
chinesa em relação à rede GPS dos Estados Unidos
começou mudar em 2006, com o lançamento do
determinaram a decisão de Beijing de construir sua
DFH-4, o primeiro satélite de terceira geração com
infraestrutura própria de posicionamento e nave-
vida útil de 15 anos e capacidade de transmissão de
gação de alcance global.
sinais digitais de TV em banda larga, voz e dados
II.3. Satélites de comunicação (SINODEFENCE, s.d.). Essa série, que pode ser-
vir tanto para uso civil como para militar, também
Os satélites de comunicação foram os primei-
se insere nos planos chineses em aumentar a sua
ros tipos a serem desenvolvidos pela China. O pro-
participação no mercado de satélites internacional.
jeto foi chamado de Oriente Vermelho ( ;
Devido ao seu baixo custo, os chineses têm ofere-
pinyin: Dongfang hóng) e lançou o primeiro satéli-
cido satélites dessa terceira geração para países
te chinês em 1970, equipado com um transmissor
asiáticos, africanos e sul-americanos como alter-
de rádio e permanecendo em órbita 26 dias. Caren-
nativa às opções norte-americana, russa e euro-
te de linhas de comunicação que não dependessem
péia, além de comprometer-se a construir segmen-
do fornecimento externo, os chineses encararam
tos em terra para o controle destes equipamentos e
as diversas barreiras tecnológicas que seu progra-
treinamento de equipes nos países interessados. Na
ma enfrentava nas primeiras décadas de sua exis-
Tabela 4 constam informações sobre os lançamen-
tência e, em 1984, lançaram o Dongfanghong-2
tos de satélites de comunicação da série DFH-4.
(DFH-2). Por sua vez, o DFH-2 serviu de modelo
para a série seguinte de satélites, DFH-2A, a qual,
por sua vez, acabou com a dependência total da
20 Segundo o White Paper oficial do governo chinês sobre
China de serviços transmissão de sinais de televi-
as atividades espaciais, em 2005 o governo e grandes
são por empresas estrangeiras, além de permitir ao corporações já operavam mais de 100 redes de comunica-
país a capacidade de operacionalização de comuni- ção via satélite, 34 satélites de transmissão de rádio e TV,
cações telefônicas em números razoáveis para a além de uma rede de comunicação marítima via satélite de
época. Essa série foi seguida pela DFH-3, com ca- alcance global. Cf. China (2006a).

91
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

TABELA 4 – SATÉLITES DE COMUNICAÇÃO DA SÉRIE DFH-4 FABRICADOS PELA CHINA

FONTE: Sinodefence (s/d).

O desenvolvimento do programa chinês de mente recente, mas de grande relevância para o


satélites de comunicação também teve, desde o país. Isso porque satélites para a retransmissão
início, o objetivo de garantir ao país que a comu- de dados são responsáveis pelas comunicações
nicação entre suas linhas de defesa não fossem em tempo real entre satélites em órbita e as esta-
interrompidas em tempos de guerra. No entanto, ções em terra. Esse sistema servirá, então, para o
pouco se sabe sobre as reais capacidades de co- aprimoramento das capacidades de rastreamento
municação através de satélites do Exército de Li- e telemetria de equipamentos no espaço e darão
bertação do Povo da China (ELP), pois a maioria suporte, principalmente, para a instalação da esta-
das informações que se tem sobre satélites de ção espacial chinesa.
comunicação militar da China são provenientes,
A responsabilidade institucional pelo desenvol-
muitas vezes, de relatórios e de fontes do gover-
vimento da primeira série chinesa de satélites data-
no norte-americano (KAN, 2003).
relay é da CAST. A CAST, no entanto, ainda está
Essas fontes estimam que o ELP disponha de no início do processo de desenvolvimento desses
satélites de comunicação distintos para uso tático sistemas. Atualmente, o país possui dois satélites
e estratégico. A China teria um satélite tático, o deste tipo, o Tianlian-1, lançado em 2008, e o
Fenghuo-1, que teria sido lançado em 2000 e dois Tianlian I-2, lançado de Xichang em julho de 2011,
satélites estratégicos da série Shentong-1, tendo naquele que foi o vôo número 140 dos foguetes
o primeiro sido lançado em 2003 e o outro em da série Longa Marcha (XINGHUA, 2011d).
2010. Ambos os satélites teriam sido desenvolvi-
II.5. “Micro” e nano satélites
dos pela CAST e seriam versões aprimoradas da
série DFH-3, operariam em órbita geoestacionária O programa chinês de micro (entre 10 e 100
e serviriam para oferecer ao ELP linhas de comu- kg) e nano (entre 1 e 10 kg) satélites, embora
nicação e transferência de dados seguras. Um novo promissor dado o uso futuro de enormes cons-
satélite tático, o Fengshuo-2, teria sido lançado telações de satélites desse porte, o que decorre-
no âmbito da série DFH-4 em setembro de 2011. rá do seu baixo custo de produção e de lança-
mento, ainda esbarra na falta de maturidade
II.4. Satélites de rastreamento de satélites e
tecnológica do país nesse campo. Tendo ciência
retransmissão de dados
dessas limitações, a pesquisa no campo de micro
A existência do programa de desenvolvimen- e nano satélites para operação em órbita baixa
to, produção e lançamento de satélites para começou a ser desenvolvida sob um guarda-chu-
rastreamento de satélites e retransmissão de da- va de cooperação entre universidades chinesas e
dos (TDRS, ou data-relay) da China é extrema- do exterior.

92
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

O exemplo mais evidente dessa busca chinesa III. A DIMENSÃO MULTILATERAL DA COO-
por parceiros para o co-desenvolvimento e trans- PERAÇÃO: CPOUS E APSCO
ferência de tecnologia para pequenos satélites veio
Um programa espacial depende de recursos
do programa de pesquisa encabeçado pela Uni-
orçamentários e desenvolvimento tecnológico, mas
versidade Tsinghua, de Beijing, e a Universidade
também do esforço continuado de uma rede com-
de Surrey, no Reino Unido. A parceria entre essas
plexa de pessoas e instituições públicas e priva-
duas universidades foi assinada em 1998, preven-
das. Para não estender o ponto sobre a relação
do o treinamento e a transferência de tecnologia.
entre a política (politics) e as políticas públicas
Essa cooperação trouxe rápidos resultados, pois
(policies), basta dizer que a diplomacia espacial e
já em 2000 os chineses lançaram o micro-satélite
a cooperação técnica com parceiros estratégicos
Tsinghua-1. Outras duas instituições chinesas são
têm formado parte decisiva do programa espacial
também responsáveis pela pesquisa e desenvolvi-
chinês há décadas. Para ilustrar o argumento, nesta
mento de tecnologias deste tipo de satélites, o Ins-
seção serão mencionadas brevemente duas dimen-
tituto de Microsistemas e Tecnologia da Informa-
sões complementares da diplomacia espacial chi-
ção de Xangai e o Instituto de Tecnologia de Harbin
nesa, no âmbito global e no plano regional da Ásia-
(HAGT, 2006).
Pacífico. A próxima seção, por sua vez, traz dois
Desde o lançamento do Tsinghua-1, a evolu- casos de cooperação técnica internacional.
ção desse nicho tecnológico tem recebido cres-
No âmbito global, desde 1980 a China é mem-
cente atenção dos cientistas e dirigentes chineses.
bro do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pa-
Em 2004, a China finalizou o maior parque indus-
cífico do Espaço Exterior (CPOUS). Essa partici-
trial do mundo para a produção de micro e nano
pação envolveu não apenas a assinatura dos trata-
satélites. O parque tem uma capacidade anual de
dos, acordos e convenções relativos ao espaço
produção e teste de seis a oito satélites, bem como
exterior atualmente em vigor, mas também a par-
para o controle da aplicação de suas tecnologias.
ticipação nas sessões anuais, reuniões, subcomitês
Como resultado desse volume de investimentos,
de assuntos legais e técnicos, bem como a apre-
a China lançou, ainda em 2004, o seu primeiro
sentação de relatórios anuais de atividades espaci-
nano satélite, o Naxing-1.
ais e o engajamento na agenda científica, educa-
Do que foi exposto até aqui, verifica-se que o cional e diplomática organizada pelo Escritório das
programa espacial chinês é robusto e tem metas Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior
estratégicas ambiciosas. Na área de satélites, a (Unoosa)21.
China conta hoje com uma frota diversificada, que
Além das atividades regulares no CPOUS, a
cobre amplo espectro de missões e funcionalida-
China também têm utilizado outros fóruns da ONU
des, tendo desenvolvido competências nas áreas
e eventos comerciais e tecnológicos internacio-
de pesquisa, desenvolvimento, produção, lança-
nais para divulgar (seletivamente) seus avanços
mento, controle e aplicações. Os desafios cientí-
no setor espacial e sustentar posições em prol de
ficos e a inovação tecnológica na área espacial
um regime formal de controle de armas no espa-
previnem qualquer difusão acelerada de capaci-
ço. Além dos princípios, resoluções e declarações
dades e reduções drásticas de custos, mas verifi-
adotados pela Assembléia Geral e das votações no
ca-se com a digitalização uma tendência de cres-
Conselho de Segurança, destaca-se a participação
cimento do número de usuários civis e militares,
inclusive nos países em desenvolvimento, a qual
pode contribuir para o financiamento a longo pra- 21 Em inglês, Committee on the Peaceful Uses of Outer
zo dos investimentos necessários. A China já é Space (Cpous), estabelecido pela Assembléia Geral da
hoje a terceira maior potência espacial global, mas, ONU em 1959 (resolução 1472-XIV). Inicialmente com 24
para seguir avançando, ela precisa, além de adensar membros, o Cpous conta hoje com 70 membros. A resolu-
seu mercado doméstico, posicionar-se como lí- ção A/35/791 (de 1980) da Assembléia Geral lista a Repú-
der na Ásia-Pacífico e estabelecer sólidas parce- blica Popular da China como membro do Cpous. O comitê
rias com os países em desenvolvimento e as po- é secretariado pelo Escritório das Nações Unidas para As-
suntos do Espaço Exterior (United Nationas Office for
tências regionais envolvidas em processos de Outer Space Affairs (Unoosa)), sediado em Viena. Cf.
integração. Esse é o tema das próximas seções do Unoosa (s/d) e, para o inteiro teor da legislação, Unoosa
trabalho. (2002).

93
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

chinesa no chamado Diálogo sobre a Prevenção 2008, 30 delegados de oito países signatários do
de Armamentos no Espaço Exterior e na Confe- tratado assistiram na China ao lançamento de dois
rência para o Desarmamento. satélites, respectivamente para monitoramento do
meio ambiente e gerenciamento de desastres
Reiterando posições semelhantes adotadas des-
ambientais (HJ-A/B), resultados de um projeto
de 1984, o White Paper sobre Atividades Espaci-
cooperado iniciado pela AP-MCSTA em 1998, cha-
ais da China de 2006 orientou os representantes
mado de Small Multi-Mission Satellite (SMMS).
do país na ONU a insistirem na linha oficial de
defesa do uso pacífico do espaço. Em particular, Finalmente, no dia 16 de dezembro de 2008,
note-se a resultante proposta chinesa de resolu- foi realizada a cerimônia oficial de lançamento da
ção (apoiada pela Rússia e por mais 35 países), Apsco, da qual participaram as delegações dos sete
adotada pela Assembléia Geral da ONU em de- países membros (Bangladesh, China, Irã,
zembro de 2007, sobre a Prevenção de uma Cor- Mongólia, Paquistão, Peru e Tailândia), dos dois
rida Armamentista no Espaço (A/RES/62/20)22. países signatários do tratado e que ainda não o
Também importa mencionar novamente a proposta ratificaram internamente (Indonésia e Turquia),
sino-russa de um tratado internacional banindo as além de representantes da Argentina, Malásia, Fi-
armas do espaço (PPWT), apresentada na Confe- lipinas, Rússia e Sri Lanka. Indicado pelo gover-
rência das Nações Unidas sobre Desarmamento no chinês, Zhang Wei foi nomeado secretário-ge-
de 200823. ral da organização para um mandato inicial de cin-
co anos. A presidência do conselho da APSCO
Em termos regionais, a China passou a
será exercida em regime de rodízio segundo a or-
enfatizar mais a cooperação na Ásia-Pacífico des-
dem alfabética dos países membros, com manda-
de o décimo plano quinquenal (2001-2005), ten-
tos de dois anos, sendo que o primeiro escolhido
do reiterado essa posição no seu White Paper so-
foi Angsumal Sunalai, da Tailândia24.
bre atividades espaciais (CHINA, 2006a).
Entre 2008 e 2011, a APSCO realizou quatro
Entretanto, o início da cooperação espacial
reuniões do seu conselho, que passou a ser presi-
multilateral na região remonta a 1992, quando
dido pelo representante de Bangladesh em 2011.
China, Paquistão e Tailândia realizaram um encon-
Foram definidos dez projetos prioritários e mais
tro em Beijing e impulsionaram uma iniciativa cha-
de 200 cientistas e técnicos receberam treinamento
mada Asia-Pacific Multilateral Cooperation in
em instituições de outros países membros, sobre-
Space Technology and Applications (AP-MCSTA).
tudo a China. Dentre os projetos coletivos em
Desde 1994, foram realizadas sete conferências
desenvolvimento no âmbito da APSCO, destacam-
do fórum, organizadas respectivamente pela
se a construção de uma plataforma de serviços
Tailândia, Paquistão, Coréia do Sul, Bahrein, Irã e
para compartilhamento de dados obtidos por
China. Em 2001, um secretariado permanente foi
sensoriamento remoto, além do Asia-Pacific
estabelecido em Beijing. Dois anos depois, em
Ground Based Optical Space Objects Observation
2003, delegações oficiais de nove países da re-
System (APOSOS), bem como do Applied High
gião participaram da formulação do texto de um
Resolution Satellite System. A China está engajada
tratado institucionalizando uma nova organização
no desenvolvimento de uma série de satélites com
internacional, a Asia-Pacific Space Cooperation
os países membros da APSCO, incluindo satélites
Organization (APSCO). O tratado foi assinado em
pequenos e médios (500-600 kg), satélites de pes-
2005 na conferência de Beijing. Em setembro de
quisa, sensoriamento remoto e telecomunicações
(APSCO, 2011).

22 Resoluções com título igual ou semelhante têm sido


24 Todas as informações foram retiradas do sítio oficial da
adotadas pela Assembléia Geral da ONU desde 1981. A
Apsco na internet (APSCO, 2011). Para dados adicionais
resolução em si é menos importante do que o protagonismo
sobre a estrutura organizacional, projetos em curso, ativida-
chinês e o apoio russo. Cf. o índice de resoluções da ONU
des e o texto completo da convenção, ver APSCO (2011).
sobre Espaço Exterior em UNOOSA (s/d).
Embora Moltz (2011b, p. 77) afirme que a APSCO e a AP-
23 Para a documentação completa (incluindo o resumo do MCSTA sejam inciativas complementares e que a AP-
Tratado PPWT) do comitê de Prevenção de uma Corrida MCSTA continue existindo como fórum mais informal para
Armamentista no Espaço (PAROS), instância formal da troca de dados e treinamento, não foi possível encontrar
Conferência sobre Desarmamento, ver UNOG (s/d). evidências posteriores a 2008 que corroborem tal afirmação.

94
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

De fato, a moldura institucional da Apsco per- rais e o acidente nuclear no Japão, em 2011. No
mite que a China influencie diplomaticamente, entanto, como se trata já de um tipo de coopera-
compartilhe tecnologias e facilite seus negócios ção bilateral, o melhor é avançar para a última parte
não apenas com os países membros, mas tam- do trabalho.
bém com um conjunto muito mais amplo de paí-
IV. A DIMENSÃO BILATERAL DA COOPERA-
ses da Ásia e da bacia do Pacífico. Como lem-
ÇÃO: BRASIL E ÁFRICA DO SUL
brou um analista, a nova organização regional aju-
dou a dirimir a concepção de ‘ameaça chinesa’ na Ainda segundo o White Paper sobre ativida-
região, assim como ajuda a forjar ligações adicio- des espaciais (CHINA, 2006a), apenas entre 2001
nais entre a China e os estados da região, com os e 2005 a China teria assinado 16 acordos e me-
quais o país geralmente buscou manter boas rela- morandos de entendimento com 13 países e or-
ções (CHENG, 2011). ganizações internacionais. Com o Brasil, França,
Rússia e Ucrânia, foram formadas comissões con-
Entretanto, um sinal das dificuldades de supe-
juntas para a cooperação espacial. Embora o pro-
rar o dilema de segurança em relação ao espaço
grama espacial chinês deva muito à experiência
exterior é o fato de que, até agora, os esforços
soviética e ainda hoje exista cooperação com a
diplomáticos chineses têm sido insuficientes para
Rússia (p. ex., na missão tripulada e na espaçonave
ampliar a diminuta cooperação espacial com ou-
Shenzhou), o que demandaria um estudo especí-
tras potências regionais importantes, notadamente
fico, nesta seção o objetivo é analisar o significa-
o Japão, a Índia e a Coréia do Sul. Segundo Moltz
do da cooperação bilateral chinesa com o Brasil e
(2011b), um fórum paralelo com sede em Tóquio
a África do Sul, duas potências regionais fora da
tem sido mantido desde 1993, chamado de Asia-
Ásia-Pacífico.
Pacific Regional Space Agency Forum (Aprsaf).
Nesse sentido, as linhas de oposição e aliança em No caso do Brasil, a cooperação espacial é
torno da questão espacial na Ásia estariam seguindo parte de uma parceria definida por ambos os paí-
de forma consistente os alinhamentos, rivalidades ses como sendo estratégica (ALTEMANI, 2004;
e desconfianças existentes entre as potências asi- BECARD, 2008). O que a China entende por par-
áticas a respeito de outros temas, desde a segu- ceria estratégica ( ; pinyin: zhanlue
rança energética até o impasse na península da huoban guanxi) é bastante claro, pois elas “não
Coréia. são tratadas como alianças quasi-militares, as quais
envolvem extensiva cooperação militar e de segu-
Ainda assim, como advogam o próprio Moltz
rança, tal como pareceria implicado pelo termo
(2011a; 2011b) e outros, incluindo Kissinger (2011),
“estratégico”. Antes, no léxico chinês de política
tais dilemas não precisam e não deveriam conduzir
externa, uma parceria é estratégica por duas ra-
inexoravelmente a região para uma polarização cres-
zões: 1) ela é compreensiva, incluindo todos os
cente. Pressões comerciais ligadas aos custos de
aspectos de um relacionamento bilateral (e.g. eco-
lançamento de satélites, demandas de mercado de
nômico, cultural, político e de segurança);
um número crescente de usuários de sistemas es-
2) ambos os países concordam em assumir com-
paciais, pesquisa científica para a exploração pro-
promissos bilaterais de longo prazo, avaliando os
funda do espaço, compartilhamento de informa-
problemas de relacionamento bilateral neste con-
ções orbitais sobre lixo espacial (debris),
texto temporal, e, algo muito importante, não per-
monitoramento conjunto da mudança climática e
mitindo que tensões ocasionais descarrilem a par-
respostas coordenadas à desastres naturais, todos
ceria” (MEDEIROS, 2009, p. 82).
estes são apenas alguns dos fatores e tópicos que
poderiam servir de base para uma agenda multila- Considerando o fato de a China ter-se torna-
teral mais robusta entre os dois grupos de países, do, desde 2010, o principal parceiro comercial do
juntamente com Rússia, Estados Unidos e Europa. Brasil, bem como os contenciosos potenciais as-
sociados a eventuais desequilíbrios no perfil da
Na verdade, alguma coisa nesse sentido já vem
pauta de exportações e importações, é importante
sendo feita de modo muito limitado no âmbito bi-
reter o significado do termo parceria estratégica.
lateral. Apenas para citar um exemplo, o Japão e a
Mais especificamente no caso da cooperação es-
China colaboraram ativamente para a utilização
pacial, embora tenham surgido dificuldades rela-
sinérgica de seus bens espaciais depois do terre-
tivas à transferência de tecnologia por parte das
moto de Sichuan, em 2008, e dos desastres natu-
instituições chinesas, bem como oscilações

95
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

perturbadoras nos investimentos brasileiros para No caso do Brasil, além da cooperação bilate-
o setor, os resultados e o potencial da cooperação ral com a China no setor espacial remontar a 1988,
claramente a distinguem dos acordos comerciais ela insere-se em um contexto de parceria estraté-
que a China tem conseguido firmar a partir de gica e de adensamento crescente e pragmático de
uma combinação de preços mais acessíveis e es- laços entre os dois países. Como se sabe, o pri-
forço diplomático. meiro acordo para o desenvolvimento de satélites
de sensoriamento remoto foi assinado em julho
Note-se, porém, que mesmo os contratos com
de 1988. A parceria entre o Instituto Nacional de
países em desenvolvimento e potências regionais
Pesquisas Espaciais (INPE) e a CAST previa in-
têm sido importantes tanto para os contratantes
vestimentos de US$ 300 milhões (30% brasileiro
quanto para a inserção comercial da China no
e 70% chinês) para os dois primeiros satélites
mercado de satélites. Os exemplos mais citados
(COSTA FILHO, 2006; BECARD, 2008).
têm sido os contratos com a Nigéria, Venezuela e
Paquistão, já mencionados anteriormente em co- Embora a experiência com o Cbers-1 e Cbers-
nexão com os avanços do DFH-4 na área de tele- 2 tenha sido muito bem sucedida e contribuído
comunicações. Em 2007, foi lançado desde bastante para o desenvolvimento da capacidade
Xichang o satélite nigeriano NigComSat-1, o qual brasileira, as dificuldades associadas ao interregno
apresentou defeitos com menos de um ano de uso neoliberal dos anos 1990 colocaram em dúvida o
e está sendo substituído pela China’s Great Wall próprio programa espacial brasileiro25. Em 2002,
Industry Corporation, com previsão de lançamento foi assinado um acordo para a continuação do pro-
do novo satélite no segundo semestre de 2011 grama Cbers, com a construção de dois novos
(XINHUA, 2009). Em 2008, foi construído e lan- satélites (Cbers-3 e 4), com resolução de cinco
çado com sucesso pelos chineses o primeiro sa- metros, novas cargas úteis e uma nova divisão de
télite venezuelano de comunicações, o VenSat-1. investimentos de recursos entre o Brasil e a Chi-
Um segundo satélite venezuelano, chamado na, de 50% para cada país (ZHAO, 2005).
VRSS-1, também está em desenvolvimento
Porém, em função de o lançamento do Cbers-3
(XINHUA, 2011b). Em agosto de 2011, a China
ser viável apenas para um horizonte em que o Cbers-
lançou o Paksat 1-R, satélite de comunicações do
2 já estivesse deixado de funcionar, com grande
Paquistão (XINHUA, 2011a). Além dos três ca-
prejuízo para ambos os países e para os usuários
sos mencionados, vale mencionar que a Bolívia
do Cbers, o Brasil e a China decidiram construir o
também assinou um acordo em 2010 com a Chi-
Cbers-2B, lançado em 2007 e descontinuado em
na para o lançamento de um satélite de telecomu-
2010. O Cbers-3 tem lançamento previsto para fins
nicações. A construção do satélite, que está sendo
de 2011, enquanto o Cbers-4 segue em ritmo nor-
chamado de Tupac Katari, também será feita pela
mal de construção (INPE, s/d). Na Tabela 4 estão
China’s Great Wall Industry Corporation com fi-
resumidos alguns dados sobre os satélites de ima-
nanciamento do Banco de Desenvolvimento da
gens e sensoriamento remoto viabilizados pelo acor-
China, e o mesmo será lançado do Centro de Lan-
do entre Brasil e China.
çamento de Xichang em 2014 para ser operado
pela Agência Espacial Boliviana (XINHUA, 2011c).

TABELA 4 – SATÉLITES LANÇADOS NO ÂMBITO DA PARCERIA CHINA-BRASIL

25 Basta lembrar que a privatização da Embratel implicou,


a partir de 1998, uma dependência completa do Brasil nas cidades de comunicação via satélite de empresas privadas
órbitas geoestacionárias e a compra de todos as suas capa- como a Star One (MONSERRAT FILHO, 2011).

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FONTE: CEOS (2010).

Um desenvolvimento recente e que pode ter cionais só foi completada muito recentemente
implicações para a cooperação entre Brasil e China (VAN WYK, 2009; GOTTSCHALK, 2010)26.
foi o anúncio feito pelo governo brasileiro, em se-
A África do Sul mantém relações bilaterais
tembro de 2011, de que pretende lançar um satélite
relacionadas à ciência do espaço e tecnologias
de comunicações em órbita geoestacionária até
afins com potências espaciais como Estados Uni-
2014. Integrado ao Projeto Espacial Brasileiro, o
dos, França, Alemanha e Reino Unido. Também
satélite tem custo previsto de US$ 405,3 milhões.
mantém relações com Índia, Brasil, Cazaquistão e
Outro satélite da mesma série deverá ser lançado
Rússia e, com menor intensidade, com Egito,
em 2018. O primeiro satélite deverá atender as ne-
Nigéria, Argélia, Tunísia, Quênia, Japão, Indonésia
cessidades do Plano Nacional de Banda Larga
e Paraguai. Contudo, as relações mais significati-
(PNBL) e comunicações civis, reservando 20% da
vas até aqui foram com a Rússia, nos marcos do
capacidade para comunicações seguras das forças
acordo espacial assinado em 2005. Assim, por
armadas brasileiras (MONSERRAT FILHO, 2011).
exemplo, em 2009, o primeiro satélite de proprie-
Por sua vez, a parceria bilateral entre a China e dade do governo da África do Sul foi lançado por
a África do Sul é mais recente e menos intensa, um foguete russo desde o Centro Espacial de
mas relevante para o tema geral deste artigo por Baikonur, Cazaquistão. O SumbandilaSAT é um
duas razões. Em primeiro lugar, por causa do po-
tencial de triangulação tendo em vista interesses 26 “O histórico de envolvimento dos sul-africanos com o
comuns entre Brasil e África do Sul em diversos espaço data de 1958, quando, utilizando equipamentos da
foros internacionais e na segurança do Atlântico National Aeronautics and Space Administration (NASA),
Sul. Em segundo lugar, por sinalizar a possibilida- foi construída uma base de rastreamento de satélites perto
de de uma ampliação ainda maior da presença chi- de Joanesburgo. Em 1961, esta estação de rastreamento foi
nesa na África (ALDEN, 2007). removida para Hartebeesthoek, ao oeste de Pretória, e foi
renomeada como Estação de Implementação do Espaço
A reentrada completa da África do Sul após o Profundo (Deep Space Implementation Facility). As ins-
Apartheid na arena política internacional relativa talações de Hartebeesthoek são atualmente conhecidas pelo
nome de Conselho Pesquisa Industrial e Científica (CSIR)
ao espaço exterior deu-se apenas em 2009, com o
e Centro de Aplicações de Satélites (Satellite Applications
estabelecimento de uma Política Nacional Espaci- Centre). Durante a década de 1980, o programa espacial
al e a aprovação, ainda em 2008, de uma lei de iniciou o desenvolvimento de sistemas de foguetes de en-
criação da Agência Espacial Nacional da África trega e capacidades de lançamentos domésticas com princi-
do Sul (South African National Space Agency Act). palmente aplicações militares, todavia. Terminado no iní-
Houve desenvolvimentos importantes durante a cio dos anos 1990, os únicos resquícios do programa espa-
cial anterior do país são suas instalações em Western Cape,
transição e durante o governo do Presidente Thabo
incluindo uma estação para controle de satélite perto de
Mbeki, mas a própria moldura institucional e polí- Bredasdorp e uma estação de integração de satélites perto
tica para o estabelecimento de parcerias interna- de Grabouw” (VAN WYK, 2009, p. 48-49).

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

satélite de pequeno porte para reconhecimento levantado dúvidas sobre a continuidade da parce-
terrestre e sensoriamento remoto, com vida útil ria com a China, o contrato foi ampliado para o
prevista para três anos a uma altura orbital de 500 lançamento de um substituto até o final de 2011.
km. Ele foi desenvolvido por um consórcio lide- Amparada pela experiência na área de satélites de
rado pela Universidade de Stellenbosch, a empre- comunicação e de sensoriamento remoto, a China
sa SunSpace and Information Systems e o Con- já manifestou seu interesse em estabelecer parce-
selho de Pesquisa Industrial e Científica da África rias com o novo programa espacial nacional da
do Sul (CSIR). O Centro de Aplicações de Satéli- África do Sul, com quem o país já assinou diver-
tes do CSIR é o responsável pelas operações, sos acordos científicos e industriais em outras
telemetria, rastreamento, controle, captura de da- áreas e com quem tem cooperado em fóruns
dos e distribuição dos mesmos (VAN WYK, 2009). multilaterais, tais como o Cpous da ONU e, via
Apsco, com a própria Rascom.
Assim, por um lado, a África do Sul precisa
robustecer sua diplomacia espacial para evitar o Finalmente, um desenvolvimento importantís-
isolamento do seu projeto nacional, financiar as simo foi o acordo assinado em 2009, entre China
fases iniciais de suas operações comerciais e ci- e Brasil, para o compartilhamento de imagens e
entíficas e lidar com deseconomias de escala no dados de sensoriamento remoto com terceiros pa-
futuro. No continente africano, a África do Sul íses. Por meio da instalação de estações terrestres
tem a oportunidade de fortalecer sua diplomacia em diferentes países será possível a venda e a
espacial por meio da Organização de Satélites de cessão de informações com cobertura em todo o
Comunicação Regional da África (Rascom), a qual continente africano. Três países já assinaram acor-
já teve dois satélites lançados, o Rascom QAF-1 e dos com o consórcio Cbers, a saber, a própria
Rascom QAF-1R, ambos financiados pelo gover- África do Sul (CSIR), a Espanha (INTA) e o Egi-
no Khadafi da Líbia (SELDING, 2010). to (NARSS). Estações no Gabão e no Quênia
(MALINDI) completariam a rede de recepção
Por outro lado, a China pretende ampliar sua
Cbers na África. Foi acordado que a China traba-
presença no setor espacial na África, a partir do
lhará com a estação do CSIR na África do Sul e o
contrato de mais de US$ 300 milhões envolvendo
Brasil operaria juntamente com a Espanha a esta-
a construção e lançamento (utilizando um foguete
ção de Maspalomas, nas ilhas Canárias (INPE,
Longa Marcha 3-B) do satélite nigeriano de co-
s/d). Na Figura 1 são demonstrados os respecti-
municações e provimento de internet banda larga.
vos alcances das estações projetadas pela Iniciati-
Embora a perda do NigComSat-1 em 2008 tenha
va CBERS para a África.27

FIGURA 1 – INICIATIVA CBERS PARA A ÁFRICA

FONTE: INPE (s/d).


remoto para o monitoramento e resolução de conflitos, no
27 Um exemplo muito interessante das aplicações dos caso da República Democrática do Congo, foi desenvolvi-
dados obtidos pelos satélites de imagens e sensoriamento do há alguns anos por Van Wyk (2008).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

A diplomacia bilateral da China está em franca China, a cooperação internacional na área espaci-
expansão, mesmo em relação a parceiros fora de al visa a obter conhecimentos científicos e
sua região prioritária (Ásia-Pacífico) e com pro- tecnologias necessárias para a evolução de um
gramas espaciais em diversos estágios de programa espacial completo, ao mesmo tempo em
maturação e consistência estratégica. Analistas que procura evitar reações contrabalanceadoras
europeus e norte-americanos tendem a conside- mais severas por parte dos outros dois polos mun-
rar que as motivações para estas parcerias sejam diais de poder e seus aliados regionais. Os líderes
estritamente comerciais e/ou para fins de promo- chineses entendem, a partir de uma perspectiva
ção da imagem da China como grande potência clausewitziana que tem prevalecido por ora, que
(CHAMBERS, 2009; MONTLUC, 2009). Na ver- o exercício do comando do espaço pela presença
dade, ela reflete uma visão de longo prazo do con- (KLEIN, 2006, p. 62), e não necessariamente pelo
texto internacional. uso da força, é a melhor forma de garantir o aces-
so continuado ao lugar mais importante para as
V. CONCLUSÕES
operações militares, econômicas, políticas e soci-
O contexto político da cooperação espacial da ais do século XXI.
China está mudando, assim como o estágio de
No âmbito do comitê da ONU para o espaço
evolução tecnológica, institucional e operacional
exterior, a República Popular da China destaca-se
do programa espacial chinês.
por sua ênfase na denúncia da irracionalidade e
Desde que Mao Zedong declarou, em 1958, a das conseqüências de uma corrida espacial arma-
linha “duas bombas, um satélite”, a China passou da, um esforço de adiar o que se considerava até
por guerras com a Índia e com o Vietnã, por dis- recentemente algo inevitável. Regionalmente, a
putas militarizadas com Taiwan, Estados Unidos criação da Apsco demonstra um novo patamar de
e a União Soviética, sobreviveu ao desastre do inovação institucional para a integração, com evi-
Grande Salto Adiante, à ruptura com a União So- dente potencial econômico. Finalmente, a coope-
viética, atravessou a Revolução Cultural Proletá- ração bilateral com potências regionais em desen-
ria, sofreu terremotos devastadores, realizou uma volvimento de fora da Ásia, tais como o Brasil e a
acidentada transição política após a morte de Mao, África do Sul, permite algum compartilhamento
enfrentou as conseqüências da repressão de 1989 de custos de desenvolvimento em segmentos es-
na Praça da Paz Celestial e viveu uma mudança pecíficos, mas serve principalmente para confe-
profunda na sociedade e na economia em poucas rir alcance global para a diplomacia espacial chi-
décadas. A bomba atômica foi obtida em 1964, a nesa e para necessidades operacionais futuras,
bomba de hidrogênio em 1967 e o primeiro satéli- decorrentes do avanço da digitalização.
te foi lançado em 1970. Desde então, a China
Esta conclusão acerca das intenções estraté-
emergiu como a terceira potência espacial do
gicas defensivas e das capacidades ainda relativa-
mundo, com missões tripuladas ao espaço e mais
mente limitadas da China (em comparação com
de 70 satélites em órbita em 2011. Ainda assim,
Rússia e Estados Unidos) é consistente e influen-
Beijing aparenta ter consciência de que ainda está
ciada pelas avaliações de outros autores, tais como
bastante distante da Rússia e dos Estados Unidos
Correll (2004), O’Hanlon (2004), Chambers
(CHENG, 2011; POLLPETER, 2011).
(2009), Moltz (2011b) e Schmunk e Sheets (2011).
Por ter consciência de suas limitações e ter Não obstante, creio que o trabalho desenvolvido
visão de longo prazo sobre a necessidade de superá- aqui integra melhor os condicionantes estruturais,
las, a política chinesa de cooperação técnica no os objetivos estratégicos e os ritmos do desenvol-
setor espacial é parte integral da Grande Estraté- vimento institucional e tecnológico do programa
gia daquele país. O comando do espaço é condi- espacial para discernir o alcance da cooperação
ção necessária para a consolidação da grande po- técnica chinesa.
tência no século XXI. Longe de ser apenas mais
O estudo do caso chinês é relevante para o
uma política setorial, o programa espacial chinês
Brasil porque se trata de um parceiro importante
contribui decisivamente e subordina-se aos obje-
do programa espacial brasileiro, mas também por-
tivos mais amplos daquele país em termos de
que indica que as políticas de cooperação técnica
maximização dos ganhos de desenvolvimento e
internacional das grandes potências tendem a ser
de minimização dos riscos de segurança. Para a
mais consistentes e integradas com a grande es-

99
A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

tratégia do que se observa nas potências regio- Nessa época em que o Brasil procura
nais. Isso ocorre porque o poder das grandes po- redimensionar sua cooperação espacial e avançar
tências é maior, obviamente. Mas também, e isso no desenvolvimento de capacidades tecnológicas
é relevante para o Brasil, porque os custos asso- centrais para a distribuição global de poder no sé-
ciados ao fracasso e ao subdimensionamento de culo XXI, seria importante aprofundar o estudo
ameaças e riscos estratégicos são percebidos de comparado do contexto estratégico das políticas
maneira mais realista. espaciais das grandes potências e das potências
regionais.

Marco Cepik (mcepik@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesqui-
sas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Ufrgs).

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104
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT


Diego Pautasso
The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal is
to discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’s
projection within the international system, analyzing how the formation of a continental economy
produces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategy
within this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’s
development and international position. Our central arguments is that the development of a conti-
nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a key
instrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitational
effect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in the
following manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on the
challenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chinese
economic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,
we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash an
international strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widen
the scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.
KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.
* * *
CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFIC
CONSENSUS
Javier Vadell
This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’s
Republic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment and
trade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperation
for the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that could
constitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typical
North-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationship
pattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth in
the region, it also has different implications for the development of countries with an important
industrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –
which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with some
considerations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.
KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.
* * *
THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT AND
INTERNATIONAL SCOPE
Marco Cepik
This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for space
exploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international system
and the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explain
Chinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economic
development and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state of
development, with particular attention to image, navigation, communication and data transmission
satellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

146
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’s


multi-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee for
Peaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently established
Asian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand the
meaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and South
Africa, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation is
meant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions from
other major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnerships
with regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectations
linked to the impact of digitalization into account.
KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.
* * *
RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?
Matt Ferchen
This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America during
the decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on this
set of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,
exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Close
to this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, which
asserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementary
and have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen as
complementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. These
authors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing short
term benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforces
dysfunctional standards of Latin American development which many countries within the region
rejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period now
spanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present a
general view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting the
important role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by a
description of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as what
consequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regard
to the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.
KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.
* * *
THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM
Paulo G. Fagundes Visentini
China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economic
agenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.
What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many who
claim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position the
United States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close to
resembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue that
Chinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nations
of the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in international
politics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty and
development, we base our argument on the relationships that China has established with the African

147
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL


Diego Pautasso
L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’est
de discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur de
projection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’une
économie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de la
stratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article est
développé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement et
d’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selon
lequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,
deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer un
fort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.
Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente du
développement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensions
continentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise et
comment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,
nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pour
déclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,
d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.
* * *
LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DU
CONSENSUS DU PACIFIQUE
Javier Vadell
L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre la
République Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur le
commerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrès
diplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,
nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer une
relation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selon
notre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou à
un modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle de
relation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, la
croissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des pays
qui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ont
pas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géant
asiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans le
processus d’intégration sud-américaine.
MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.
* * *
LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTE
STRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE
Marco Cepik
L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,
liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

152
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

dans le système international et la dépendance croissante de tous les pays par rapport à l’espace, on
explique que les raisons chinoises pour la coopération spatiale seraient la quête de sécurité, le
développement économique et la légitimité. En suite, on révèle le stade actuel de développement du
programme spatial chinois, particulièrement dans les domaines des satellites d’image, de la navigation,
de la communication et de la retransmission de données, bien comme dans les domaines des satellites
micro et nano. En ayant les stimulations structurelles, les objectifs stratégiques et le niveau actuel de
développement technologique, il est possible d’interpréter correctement les initiatives multilatérales
de la Chine dans le contexte mondial, avec le Comité des Nations Unies pour l’Utilisation Pacifique
de l’Espace Extra-Atmosphérique (Copous), bien comme dans le contexte régional, avec la récente
Organisation de Coopération Spatiale d’Asie-Pacifique (Apsco). De la même manière, il est possible
de comprendre le significat, la potentialité et les limites pratiques de la coopération bilatérale chinoise
avec le Brésil et l’Afrique du Sud, des puissances régionales hors de l’Asie. On conclut que la
politique de coopération spatiale chinoise vise à augmenter l’influence internationale de Beijing sans
produire des réactions excessives des autres puissances, reportant ainsi, une eventuelle militarisation
de l’espace et cherchant à construire des partenariats avec des puissances régionales encore
débutantes dans l’espace, mais ayant en vue l’avenir et les expectatives par rapport à l’impact de la
numérisation.
MOTS-CLÉS: la coopération spatiale ; le Programme Spatial Chinois ; la sécurité internationale.
* * *
LES RELATIONS ENTRE LA CHINE ET L’AMÉRIQUE LATINE : DES IMPACTS À COURT
OU LONG TERME?
Matt Ferchen
L’article met l’accent sur les relations d’affaires et d’investissements entre la Chine et l’Amérique
Latine dans les années 2000. Il y a trois interprétations principales, distinguées et liées, sur cet
ensemble de relations : pour la première, l’Amérique Latine, une région avec des ressources naturelles
abondantes, exporte des produits primaires à une Chine en expansion, mais en manque de ces
ressources. En soutenant celle-ci, nous avons ceux, y compris beaucoup de représentants éminents
du gouvernement, qui affirment que les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine
sont fondamentalement complémentaires, ayant un effet positif pour toutes les deux. Toutefois,
d’autres observateurs soulignent que ce qui est vu comme une complémentarité, n’est en realité
qu’une manière renouvelée de dépendance latino-américaine. Ces auteurs disent que, malgré que
l’expansion rapide des affaires et investissements apporte des bénéfices à court terme pour les deux
côtés, cet espèce de relation basée sur des commodities, renforce les modèles dysfonctionnels de
développement de l’Amérique Latine, dont beaucoup de pays de la région ont renoncé il y a déjà
longtemps, et essaient d’oublier depuis plus d’un demi-siècle. En prennant cette discussion comme
référence, on présente premièrement, une vision générale des relations commerciales et
d’investissements entre la Chine et l’Amérique Latine, en soulignant le rôle important de la demande
chinoise pour les commodities latino-américaines. Deuxièmement, on décrit les différentes
interprétations sur ce qui conduit cette relation commerciale et quelles seraient ses conséquences.
Troisièmement, on présente l’argument, soutenu par nous, sur comment nous devrions comprendre
ce qui conduit les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine et ce qui est en jeu. On
conclut en vérifiant les implications de nos découvertes avec l’idée selon laquelle, la Chine offre un
modèle unique d’économie politique nationale et internationale.
MOTS-CLÉS: les affaires ; les investissements ; la Chine ; l’Amérique Latine.
* * *

153
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA:


IMPACTOS DE CURTA OU LONGA DURAÇÃO?

Matt Ferchen

RESUMO

O artigo foca as relações de negócios e investimentos entre China e América Latina na década de 2000. Há
três interpretações principais, distintas e relacionadas, sobre esse conjunto de relações: para a primeira,
a América Latina, uma região com recursos naturais abundantes, exporta produtos primários para uma
China em expansão, mas carente de tais recursos. Sustentam essa interpretação aqueles, incluindo muitos
representantes proeminentes do governo, que afirmam as relações econômicas entre China e América
Latina serem fundamentalmente complementares, tendo um efeito positivo para ambas as partes. Em
contrapartida, outros observadores têm destacado que o que é visto como complementaridade é na verdade
apenas uma forma renovada de dependência latino-americana. Esses autores alegam que, apesar da
rápida expansão dos negócios e investimentos trazer benefícios no curtoprazo para ambos os lados, essa
natureza de relações baseada em commodities reforça os padrões disfuncionais de desenvolvimento da
América Latina que muitos países da região há muito tempo renunciaram e têm tentando deixar para trás
há mais de meio século. Tomando essa discussão como referência, apresenta-se, em primeiro lugar, uma
visão geral das relações de comércio e investimentos entre China e América Latina, destacando o papel
importante da demanda chinesa por commodities latino-americanas. Em segundo, descreve-se as diferentes
interpretações sobre o que conduz essa relação comercial e quais são as suas conseqüências. Em terceiro,
apresenta-se o argumento, por nós defendido, sobre como nós deveríamos entender o que tem conduzido as
relações econômicas entre China e América Latina e o que está em jogo. Conclui-se explorando as
implicações das nossas descobertas para a idéia de que a China oferece um modelo único de economia
política doméstica e internacional.
PALAVRAS-CHAVE: negócios; investimentos; dependência; China; América Latina.

I. INTRODUÇÃO1 crescente onda de interesse de acadêmicos, meios


de comunicação, governos e empresários no
“A mistura de ilusões, planejamentos,
crescimento econômico chinês e nas relações
esperanças e medos que emergem das relações
políticas do país com regiões do mundo em
[China-América Latina] são tão poderosas em seu
desenvolvimento como a América Latina, a África
impacto na [América Latina] como são seus os
e o Sudeste Asiático, capta uma idéia importante,
negócios e eventos [...] no entanto, o maior
porém muitas vezes subvalorizada2. Especifica-
impacto vindo da China virá do que ela leva a
mente, as percepções e expectativas de governos
região a sonhar e o que a América Latina encontra
e líderes empresariais, bem como de cidadãos
ao acordar” (ELLIS, 2008, p. 288). Essa
comuns de países na América Latina terão um
afirmação, um elemento de uma recente, mas

1 Este artigo foi originalmente apresentado na Conferência


Anual da Associação de Estudos Asiáticos na Filadélfia,
EUA, em 24 de março de 2010, e novamente no primeiro 2 O foco principal deste artigo é o impacto político e
Seminário Anual Sino-Brasileiro: Desenvolvimento econômico das relações comerciais da China com a América
Econômico e Segurança Internacional em Porto Alegre, Latina. No entanto, muitos aspectos da economia baseada
Brasil, em 12 de abril de 2010. O autor gostaria de agradecer em commodities exercida pela China e seus laços de
aos participantes de ambos os eventos, em particular investimento com países em desenvolvimento na África,
Victor Shih e Scott Kennedy, assim como Josh Gordon, assim como com economias desenvolvidas, como da
Mike Glosny, Jean-Marc Blanchard e Alicia García- Austrália, compartilham importantes similaridades com
Herrero, por seus estimulantes comentários. os laços que a China mantém com a América Latina.

Recebido em 15 de novembro de 2010. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 105-130, nov. 2011
Aprovado em 30 de novembro de 2010.
105
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

papel crucial na determinação de como se desenvolvimento é uma relação de igualdade e de


desenvolverão as relações econômicas e políticas natureza sustentável ou se é similar às relações
entre seus países e a China. Por seu turno, a China históricas entre países desenvolvidos e em
tem consistente e positivamente caracterizado a sua desenvolvimento.
expansão do comércio e de investimentos com
Para avaliar essas percepções concorrentes –
regiões do mundo em desenvolvimento, em
otimista versus pessimista –, este artigo centra-
particular com a América Latina, África e Sudeste
se nas relações de negócios e investimentos entre
Asiático, como uma parceria com benefícios
China e América Latina na última década. Com
mútuos (“win-win”)3. Por meio de canais oficiais
foco especial nos laços entre China e América
da diplomacia e da mídia, a China tem enfatizado
Latina, essas percepções apresentam-se em dois
que os laços mutuamente benéficos com essas
conjuntos distintos, embora relacionados, de
regiões são um resultado lógico das relações com
interpretações de um consenso geral sobre um
a China, em si um país ainda em desenvolvimento.
conjunto de fatos: América Latina, uma região com
Nesse cenário de benefício mútuo, a China alega
recursos naturais abundantes, que exporta
que essas interações deveriam ser interpretadas
produtos primários para uma China em expansão,
como um resultado natural das relações “Sul-Sul”4.
mas carente de tais recursos. Ao lado desse debate
Entretanto, dentro da América Latina e da emergente estão aqueles, incluindo muitos
África, bem como para observadores interessados representantes proeminentes do governo, que
de outras partes do mundo, as percepções sobre afirmam que as relações econômicas entre China
as relações de países em desenvolvimento com a e América Latina são fundamentalmente
China variam muito. Por um lado, está o otimismo complementares, tendo, portanto, um efeito
que a China aponta como uma nova e alternativa positivo para ambas as partes. Em contrapartida,
ferramenta para promover comércio e outros observadores têm destacado que o que
investimentos para países em desenvolvimento. vêem como complementaridade é na verdade
Esse otimismo é por vezes ligado à noção de que apenas uma forma renovada de dependência
a China também serve como um modelo latino-americana. Eles alegam que, apesar da
econômico alternativo de desenvolvimento e rápida expansão dos negócios e investimentos
diplomacia internacional (RAMO, 2004; trazer benefícios no curto-prazo para ambos os
KURLANTZICK, 2007). Por outro lado, está o lados, essa natureza de relações baseada em
ceticismo e o medo sobre as intenções e commodities reforça os padrões disfuncionais de
influências que advirão dessa maior atuação desenvolvimento da América Latina que muitos
econômica e política da China na região (HALPER, países da região há muito tempo renunciaram e
2010). Grande parte desse controverso debate têm tentado deixar para trás há mais de meio
reflete-se no rápido crescimento das discussões século.
na academia e na mídia a respeito das idéias sobre
Cada versão dessas narrativas concorrentes
um provável “Consenso de Beijing” ou “Modelo
pode representar, mesmo que às vezes de maneira
Chinês” de desenvolvimento5. Uma das principais
contraditória, elementos importantes sobre as
questões levantadas é sobre se o atual ritmo
relações de investimento e comércio da China com
acelerado de expansão dos negócios e
a América Latina. Entretanto, faltando em ambas
investimentos da China com o mundo em
as perspectivas de “complementaridade” e
“dependência” está um foco específico nas
forças motoras que estão por trás da expansão
3 Para mais informações sobre a diplomacia “win-win” da do comércio e dos investimentos na América
China para o Sudeste Asiático ver Michael A. Glosny Latina (para não mencionar também a África e a
(2006). Austrália, por exemplo). Em particular,
4 Para mais informações sobre as relações entre a China e especialistas da expansão das relações
a América Latina como “Sul-Sul”, ver Monica Hirst econômicas entre China e América Latina
(2008) e Jiang Shixue (2005). freqüentemente deixam de analisar as forças
5 Para estudos recentes sobre esses conceitos, ver Scott econômicas e as políticas governamentais dentro
Kennedy (2010), Barry Naughton (2010), Suisheng Zhao da China que têm direcionado a demanda chinesa
(2010) e Matt Ferchen (no prelo). por commodities específicas como minério de

106
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

ferro, cobre ou soja. Como resultado, vertentes primários. O rápido aumento das importações
teóricas de complementaridade ou de de matérias-primas feitas pela China de países
dependência também ficam aquém das da América Latina, África e outros lugares é um
expectativas por não proverem uma maior dos principais indicadores de um aumento súbito
compreensão mais completa das relacionadas das commodities, que tem apresentado elevados
conseqüências econômicas e políticas da volumes e preços de certos minerais, de energia
expansão das relações econômicas entre China e de produtos agrícolas. Esse rápido incremento
e América Latina. Este artigo, por-tanto, de preços tem sido a base econômica, e também
demonstrará como aparentemente o senso política, que sustenta os renovados laços da
comum de que a América Latina simplesmente China com muitas nações em desenvolvimento
possui os recursos naturais “necessários” ao não só da América Latina, mas também de outras
rápido desenvolvimento econômico da China partes do globo.
atrapalha a compreensão de detalhes importantes
Essa tendência de intensa demanda da China
sobre o momento e as razões para a rápida
por commodities, muitas das quais foram
elevação nas exportações de commodities dos
direcionadas para abastecer o capital intensivo
países latino-americanos ricos em recursos
do país, crescimento e desenvolvimento da
naturais para a China no início dos anos 2000.
indústria de base, tem somente sido exposta pela
Suposições de que a demanda chinesa por resposta da China à crise financeira global. Em
matéria-prima da América Latina e de outros particular, o pacote de estímulos e as políticas
lugares é simplesmente uma função natural do de relaxamento da concessão de crédito da China
rápido e constante desenvolvimento econômico estimularam investimentos ainda maiores em
da China nos últimos mais de 30 anos são infraestrutura, desenvolvimento da propriedade
incompletas, na melhor das hipóteses, e enga- e indústria de base. Mesmo antes da crise
nosas, na pior. Esse tipo de compreensão não financeira havia preocupações dentro e fora da
leva em conta importantes mudanças na China de que seu afastamento de uma trajetória
economia política doméstica da China no início leve para uma pesada trajetória de
dos anos 2000, as quais foram acompanhadas desenvolvimento estava criando potenciais
por um aumento abrupto dos laços de comércio resultados desestabilizadores, especialmente no
e investimentos com o mundo em campo de segurança energética. Essas
desenvolvimento e outros países grandes advertências têm somente se intensificado à luz
produtores de commodi-ties, como a Austrália. da resposta chinesa à crise financeira.
De maneira mais específica, iniciando por volta
No entanto, essa mudança no padrão domés-
de 2002 e 2003, e revertendo tendências que
tico de crescimento da China e seu papel funda-
estavam em vigor desde o começo das reformas
mental em conduzir o crescimento súbito das
no final da década de 1970, a economia chinesa
commodities têm estado visivelmente ausente na
entrou em um período de acelerado uso de capital
academia, na mídia e em análises governamentais
intensivo para o cresci-mento de sua indústria
sobre a expansão das relações da China com
de base. Isso, na verdade, alavancou a demanda
regiões do mundo com abundantes recursos
por matérias-primas, incluindo uma variedade de
naturais. O fracasso em identificar essa origem
minerais, mentais e fontes de energia, para suprir
da expansão da demanda chinesa por recursos
sua indústria de base. Para satisfazer essa
naturais da América Latina e de outros lugares
demanda a China tem crescentemente se voltado
tem também impedido uma compreensão mais
para os países ricos em commodities da América
acurada sobre as consequências potenciais para
Latina, África e outros lugares. Assim, a
o longo-prazo da saúde e da estabilidade dos laços
demanda chinesa por matérias-primas – que
de investi-mento e comércio, sem mencionar o
exigiu em si a manutenção de laços estreitos com
político, da China com parceiros ricos em
países-chave, ricos em commodities, na trajetória
recursos. O laço político, por sua vez, tem
de desenvolvimento da indústria de base da última
facilitado um descompasso entre as altas
década –, funciona como pilar de sustentação
expectativas e o aumento dessas sobre o papel
de seu relacionamento com muitos dos maiores
que a China vai continuar desempenhando na
e mais importantes países latino-americanos e
promoção do crescimento da América Latina e
outros grandes produtores de produtos

107
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

dos muitos desafios que a China enfrenta para II.COMÉRCIO E INVESTIMENTOS ENTRE
manter seu ritmo acelerado de desenvolvimento. CHINA E AMÉRICA LATINA: OS FATOS
O último resultado é uma subavaliação de como ESTILIZADOS
o recente e súbito aumento das relações entre
Antes de explorar as explicações mais comuns
China e América Latina está sustentado em bases
sobre a expansão dos laços econômicos entre
estreitas e fundamentos econômicos mais frágeis
China e América Latina e as interpretações con-
do que o comumente entendido.
correntes sobre as conseqüências desses laços,
A estrutura deste artigo é a seguinte. Primeiro, apresento primeiramente um retrato básico das
apresentarei uma visão geral das relações de relações de comércio e de investimento entre a
comércio e investimentos entre China e América China e a América Latina. A força motriz por trás
Latina, destacando o papel importante da demanda dos laços econômicos em expansão entre a China
chinesa por commodities latino-americanas. e a América Latina é a demanda chinesa por
Segundo, descreverei e avaliarei as diferentes minérios, energia e commodities agrícolas. Em
interpretações sobre o que conduz esse relaciona- troca de suas exportações de matérias primas, a
mento comercial e quais são as conseqüências América Latina importa uma variedade de bens
para a relação. Na seqüência, apresentarei então chineses manufaturados (ver o Gráfico 1). Além
o meu argumento sobre como nós deveríamos disso, o rápido aumento dos laços comerciais, em
entender o que tem conduzido as relações econô- escala e velocidade (e, em menor extensão, do
micas entre China e América Latina e o que está investimento), entre a América Latina e a China é
em jogo segundo minha compreensão. Na de origem relativamente recente, decolando
conclusão exploro as implicações das minhas apenas nos anos mais recentes da década de 2000
descobertas segundo a idéia de que a China (ver o Gráfico 2). Entender a natureza baseada
oferece um modelo único de economia política em comodities da relação econômica e o momento
doméstica e internacional. inicial são ambos cruciais para qualquer avaliação
geral da direção e saúde, em longo termo, dos
laços econômicos e políticos entre a China e a
América Latina.

GRÁFICO 1 – COMÉRCIO DE MATÉRIAS-PRIMAS E MANUFATURAS ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA,


2006

A China exporta
A A. Latina exporta manufaturas de
produtos primários média e alta
e recursos tecnologias
naturais
manufaturados

Importações Exportações

Produtos primários e recursos naturais manufaturados


Manufaturados de baixa, média e alta tecnologias

FONTE: García-Herrero e Fung (2008).

Apesar da crescente atenção acadêmica pres- importância muito maiores que o FDI chinês na
tada ao investimento estrangeiro direto (FDI, na região. Certamente, enquanto a China recuperou-
sigla em inglês) chinês na América Latina e outros se rapidamente da crise financeira, ela também
países, a expansão dos fluxos de comércio entre aumentou o investimento direto, não-portfólio, na
China e América Latina têm sido de magnitude e América Latina, especialmente no Brasil

108
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

(GRAHAM, 2010; POMFRET, 2010). Entretanto, esperam ver o comércio e o investimento com a
mesmo esse maior investimento tem sido China expandir-se além dos interesses chineses
principalmente em matérias primas como energia em matérias primas, as commodities continuam a
e minérios. Assim, enquanto líderes representar o fundamento da relação entre eles.
governamentais e de negócios na América Latina

GRÁFICO 2 – AUMENTO RECENTE DAS EXPORTAÇÕES LATINO-AMERICANAS PARA A CHINA

Exportações totais para a China Exportações de produtos primários para a China

FONTE: Gallagher e Porzecanski (2009).

Antes de explorar as especificidades da maior Entretanto, os benefícios dos laços econômi-


demanda chinesa por commodities latino- cos em expansão da América Latina com a China
americanas, é importante notar o aumento da têm sido altamente concentrados em termos de
importância da China como destino para geografia e setor econômico. Enquanto o volume
exportações latino-americanas desde o início da das exportações latino-americanas em 2008 para
década de 2000. Por exemplo, em 2008, o total a China constituíram apenas 5,6% das expor-
das exportações latino-americanas para a China tações gerais da região (comparado a 42,1% para
ficou em torno de US$ 47 bilhões, frente a US$ os Estados Unidos), para um número de países
14,7 bilhões em 2004 (EGHBAL, 2009). Em geral, sul-americanos a China tornou-se seu principal
as exportações latino-americanas para a China destino exportador 6 . Por exemplo, a China
expandiram-se por volta de 163% entre 2000 e tornou-se o mercado número um para as
2008, com a maior parte desse crescimento exportações chilenas e brasileiras e o destino
ocorrido após 2002 (ver o Gráfico 2). Enquanto número dois para exportações da Argentina, Peru,
o impacto da crise financeira temporariamente Costa Rica e Cuba. Embora seja prática comum
enfraqueceu as vendas nessa relação comercial referir-se a toda a América Latina (incluindo
em rápida expansão, a demanda chinesa por freqüentemente o Caribe) e suas relações com a
exportações latino-americanas permaneceu forte China, as exportações “latino-americanas” para a
em relação à demanda européia e norte-americana, China são na verdade dominadas por um pequeno
e o comércio recuperou-se rapidamente, resti- número dos países da região envolvidos em um
tuindo taxas de crescimento em níveis prévios à número limitado de commodities. Por exemplo,
crise já em 2010. Por exemplo, apesar de um
decréscimo de 2,2% no primeiro bimestre de
2009, as exportações latino-americanas para a 6 Notando novamente a recuperação posterior à crise
China registraram um aumento de 44,8% durante financeira de 2008, alguns estimam que a China possa
o mesmo bimestre, em 2010 (BÁRCENA et alii, receber acima de 19% das exportações gerais latino-
2010, p. 16). americanas em 2010. Ver William Dey-Chao (2010, p.
48).

109
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

em 2008, dez commodities em apenas seis países recursos energéticos, tem sido de longe o maior
latino-americanos contaram por 74% das motor do crescimento da demanda global geral.
exportações da região para a China e 91% das Por exemplo, entre 2000 e 2008, a China foi
exportações gerais de commodities da região para responsável por dois terços do crescimento total
a China (GALLAGHER & PORZECANSKI, global na demanda por aço e alumínio, e por um
2009, p. 5). percentual ainda maior na demanda global por
cobre (WYK, 2010, p. 6).
O comércio entre a China e a América Latina
é, portanto, largamente caracterizado pela Assim, o retrato que emerge da relação
exportação de recursos naturais, especialmente comercial da China com a América Latina pode
metais, minérios e produtos agrícolas, da América ser capturado por três pontos principais. Primeiro,
Latina para a China. Em retorno, a China exporta, os laços comerciais e de investimento entre a
em larga medida, bens manufaturados de média e China e a América Latina cresceram rapidamente
alta tecnologia (ver o Gráfico 1)7. Como região, desde apenas o início do novo milênio. Segundo,
a América Latina presenciou um aumento a expansão de laços econômicos entre a China e
consistente na exportação de produtos primários a América Latina conferiu à China um papel de
como parcela das exportações globais totais, indo crescente proeminência como fonte de demanda
de 26,7% em 1999 para 38,8% em 2009 para as exportações latino-americanas.
(BÁRCENA et alii, 2010, p. 13). Para um número Finalmente, os laços comerciais e de investimento
de países latino-americanos, a concentração de entre a China e a América Latina são baseados na
exportações de recursos naturais específicos em demanda chinesa por um conjunto relativamente
geral, e à China, em particular, é bastante limitado de recursos naturais, de um número
acentuada. Por exemplo, no Chile, as exportações relativamente pequeno de países, geralmente, sul-
de commodities constituem quase 60% das americanos. Esse retrato básico da natureza e
exportações totais do país (BÁRCENA et alii, direção das relações de comércio e investimento
2010, p. 13). Por sua vez, as exportações chilenas entre a China e a América Latina é geralmente
para a China são dominadas especificamente pelo consensual por observadores dentro e fora da
cobre, que constitui 76% de suas exportações China e da América Latina. Entretanto, diferentes
gerais para esse país (VOLPON, 2010, p. 79)8. avaliações sobre ao que está conduzindo essa
Brasil, Venezuela, Colômbia e Peru também têm relação e quais podem ser as implicações para
altas concentrações de exportações de ambos os lados são, ambas, mais abertas à
commodities, notavelmente minério de ferro e interpretação e à controvérsia.
petróleo, como percentual de suas exportações
III. O QUE CONDUZ A CRESCENTE RELAÇÃO
gerais para a China (VOLPON, 2010, p. 79-80;
COMERCIAL E DE INVESTIMENTO DA
GARCÍA-HERRERO & FUNG, 2008). A
CHINA COM A AMÉRICA LATINA?
demanda da China, especialmente por minerais e
As explicações para a natureza da relação
econômica entre a China e a América Latina
baseada em commodities convergem a uma
7 O México é a mais notável exceção a esse padrão, pela descoberta similar, mas problemática.
estrutura de sua economia exportadora manufatureira Nomeadamente, a maioria das análises
tender a colocar o país em competição com as exportações acadêmicas, midiáticas e de negócios dos laços
chinesas para o mercado norte-americano. Além disso, e
econômicos chineses e latino-americanos
diferentemente de muitas economias latino-americanas, o
México possui um significativo deficit comercial com a apresentam uma correlação simples entre uma
China. Em 2008, a China constituiu 7,7% das importações China em rápido crescimento e carente de
mexicanas, mas apenas 1% das exportações, implicando recursos, de um lado, e uma América Latina rica
um deficit comercial geral superior a US$ 24 bilhões em recursos, de outro. Detalhes do que está
(FERCHEN & GARCÍA-HERRERO, 2010, p. 142-143). especificamente conduzindo a demanda chinesa
Como região, a América Latina, em 2008, teve um deficit
por commodities latino-americanas são freqüen-
comercial de 2,4% com a China (EGHBAL, 2009).
temente limitados e/ou simplistas. Ao contrário,
8 Além disso, a contribuição das exportações de cobre
o senso comum de que a América Latina
chilenas para sua economia geral aumentou de 5,6% do
simplesmente tem do que a China “precisa”
Produto Interno Bruto (PIB) em 1996 para 16,3% em
2010. Ver Anderson (2010). substitui freqüentemente uma análise mais

110
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

cuidadosa. Quando há uma análise mais detalhada primas para alimentar e sustentar o rápido
dos recursos específicos da demanda chinesa, os crescimento econômico do país. Especificamente,
argumentos para o que está conduzindo a esses argumentos focam a escassez de
demanda e sustentando sua estabilidade são muito commodities da China (freqüentemente em termos
freqüentemente subdesenvolvidas ou espúrias. É per capita, em vez de absolutos) versus sua relativa
certamente verdadeiro, no sentido mais amplo, abundância na América Latina. Como argumentou
que o desenvolvimento econômico chinês está um analista de mercado: “A China é destituída da
conduzindo a demanda do país por uma gama de maior parte das principais commodities, incluindo
recursos naturais da América Latina e outros minério de ferro, cobre, petróleo e madeira. O
lugares. Entretanto, é necessário entender as país simplesmente não pode continuar a crescer
forças específicas que impulsionam a demanda 9% ao ano [...] sem assegurar um suprimento
chinesa se desejamos apreender o momento e a estável de commodities” (BETHEL, 2009). Outra
estabilidade das relações econômicas da China análise usa uma lógica similar para explicar o
com a América Latina. Nesta seção eu detalho os interesse chinês nas commodities latino-
tipos mais comuns de explicação para as americanas: “Os 30 anos de desenvolvimento
exportações de commodities latino-americanas econômico ininterrupto na China têm aumentado
para a China, das afirmações mais óbvias das as necessidades do país por matérias primas para
“forças básicas de mercado” para as mais satisfazer a demanda por milhares de Empresas
sofisticadas análises de “ciclos de negócios”. de Propriedade Estatal [SOEs, na sigla em inglês],
corporações privadas e milhões de consumidores
Muitas explicações para os altos níveis de laços
cada vez mais sofisticados. Isso é um resultado
comerciais e de investimento entre a China e a
da escassez de recursos domésticos da China,
América Latina enfatizam o papel das forças
somada à sua inabilidade de explorá-las e seu
básicas de mercado. Uma versão comum desse
desejo de preservá-las para uso futuro
argumento, descrevendo o aumento geral dos
(MINGRAMM et alii, 2009, p. 5)9. Assim, outra
laços econômicos entre a China e a América
explicação de aparente senso comum para as
Latina, simplesmente afirmam em linhas gerais
demandas chinesas por matérias primas de países
que o crescimento chinês abasteceu a demanda
em desenvolvimentos ricos em recursos da
para as exportações latino-americanas. Por
América Latina (assim como da África e de outros
exemplo, como afirmou o resultado de um grupo
lugares) é que a economia da China confia nessas
de estudos sobre as relações em expansão entre
injeções de commodities para manter um padrão
China e América Latina: “Em geral, o investimento
de crescimento rápido longamente sustentável10.
e as atividades comerciais da República Popular
da China na América Latina têm sido orientadas Tais argumentos, conectando o crescimento
para assegurar acesso a produtos que a China tem chinês à sua “demanda” ou “requisitos” por
necessidade para seu crescimento econômico” recursos naturais, implícita ou explicitamente
(CENTER FOR HEMISPHERIC POLICY, 2007). aceitam essa demanda como “natural”. Analistas
Outros simplesmente ligam o “crescimento
econômico explosivo” chinês à demanda por
commodities latino-americanas (RATLIFF, 2009).
9 A Organização Econômica para Cooperação Econômica
Nessa visão, os laços econômicos em expansão
são simplesmente uma função básica da e o Desenvolvimento (OECD, na sigla em inglês) aplicou
majoritariamente a mesma lógica em sua explicação do
“necessidade” econômica chinesa rapidamente
crescente apetite chinês por commodities africanas: “A
crescente por matérias primas oriundas da demanda em expansão por energia e outros recursos
América Latina. naturais é essencial para sustentar o crescimento
econômico da China, e a abundância desses recursos na
Uma versão levemente mais detalhada, mas África tem naturalmente determinado a recente evolução
ainda assim incompleta dessas explicações das da relação econômica chinesa com a África” (OECD, 2008,
“forças básicas de mercado” para a expansão dos p. 110; sem grifo no original).
laços China-América Latina, vai um passo além 10 Lógica parecida foi evocada em um experto atestado
dos argumentos básicos de demanda-necessidade congressional: “A busca chinesa global pelas commodities
para especificar a importância das diferentes necessárias para sustentar sua rápida expansão econômica
vantagens comparativas. Aqui, os analistas forma o alicerce de sua relação com a América Latina”
enfatizam o papel do apetite chinês por matérias (ERIKSON, 2008).

111
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

que enfatizam a crescente necessidade chinesa surpreendentemente, mostrou uma correlação


por recursos naturais freqüentemente apontam positiva entre o aumento do grau de especialização
para três condutores específicos dentro da da exportação de commodities latino-americanas
economia chinesa: (i) o crescimento populacional; e as exportações para a China (CALDERÓN,
(ii) a urbanização, que por sua vez é freqüen- 2009). Alguns economistas e consultores de
temente ligada ao desenvolvimento da propriedade commodities têm sido ainda mais explícitos em
e da infraestrutura; (iii) a crescente classe média notar que o particular “ciclo de negócios” chinês
consumidora (MINGRAMM et alii, 2009, p. 1; que pode estar em operação aqui tem conduzido
ZWEIG, 2010, p. 40). Por exemplo, um estudo a uma “explosão de commodities” (VOLPON,
aponta para a “necessidade [chinesa] progressiva 2010; AVENDAÑO & SANTISO, no prelo).
de matérias-primas, mercados e alimento para
No entanto, a ênfase em uma explosão (boom)
sustentar [...] o crescimento e satisfazer as
chinesa, ou conduzido pela demanda chinesa ou
crescentes demandas consumidoras” (RATLIFF,
pela ascendente no ciclo de negócios, está
2009, p. 1)11. No entanto, a demanda chinesa
freqüentemente conectada a uma avaliação
por grandes quantidades de matérias-primas
otimista da continuidade, próxima ao médio prazo,
durante o período de crescimento das relações
da forte e consistente demanda chinesa por
comerciais e de investimento com a América
commodities latino-americanas (e outros países
Latina foram qualquer coisa, menos naturais.
ou regiões ricos em recursos). Uma dessas linhas
Portanto, análises e projeções baseadas em
de raciocínio estabelece uma conexão comparativa
hipóteses falhas e em entendimento
entre crescimento e experiências de demanda de
inadequadamente detalhado dos condutores
recursos de outros países de rápido desenvolvi-
específicos da demanda chinesa podem
mento do Leste Asiático, como o Japão e a Coréia
facilmente levar à confusão e a expectativas
do Sul. Partindo de comparações históricas
desapontadoras para todas as partes envolvidas.
explícitas de crescimento consumidor e industrial
Entretanto, embora ainda ignorando alguns nesses “estados desenvolvimentistas” pobres em
detalhes importantes, uma última linha de recursos, alguns argumentam que a explosão de
explicações para as relações econômicas em commodities liderada pela China (pelo menos para
expansão da China com a América Latina de fato certos produtos como minério de ferro e cobre)
aproxima-se muito mais de um conhecimento pode ser mantida por pelo menos outras duas
mais detalhado. Essa visão reconhece a natureza décadas (MINGRAMM et alii, 2010). Tais
pró-cíclica dos laços comerciais sino-latino- comparações tendem a ignorar os fatores políticos
americanos. Por exemplo, alguns analistas e econômicos específicos dirigindo a própria
notaram que os ciclos de negócios chineses, e trajetória chinesa de desenvolvimento, focando
subseqüentemente a demanda por matérias em vez disso apenas a parte superior do ciclo de
primas, pode ser “sincronizado” com exportações desenvolvimento e a demanda de recursos nesses
latino-americanas desses materiais. Em particular, outros países do Leste Asiático. Se uma
alguns têm demonstrado as conexões detalhadas ascendente na demanda chinesa está dirigindo o
entre fluxos específicos de commodities da Amé- crescimento em exportações de commodities da
rica Latina para a China. Essa pesquisa, não América Latina, é simplesmente lógico que
qualquer descrédito ou instabilidade nessa
demanda terá um efeito negativo no volume de
exportação e/ou nos preços.
11 Ratliff, explicando os interesses “pragmáticos” da
China no comércio de commodities expandido com a Ultimamente, no coração de uma vasta maioria
América Latina, enfatiza que seu objetivo número um é de explicações para a expansão do comércio entre
“comprar commodities indo do petróleo e o ferro ao cobre a China e a América Latina há um consenso
e sementes de sofá que são necessários ao desenvolvimento aparentemente de que a trajetória chinesa
da China e para satisfazer as demandas populares por ascendente implica exportações de commodities
uma vida melhor” (RATLIFF, 2009, p. 7). Como
argumento a seguir, as demandas chinesas por recursos
latino-americanos sempre crescentes e, pela maior
minerais e energéticos em expansão precisamente não é parte, cada vez mais valiosas, para abastecer essa
almejada para satisfazer demandas consumidores ascensão. Especificamente, essa noção de senso
populares, mas, em vez disso, para alimentar o comum está baseada na seguinte linha de
(sobre)desenvolvimento industrial pesado. raciocínio: a economia chinesa está crescendo

112
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

rapidamente, e porque a China é relativamente IV.1. Complementaridade


escassa em certos recursos naturais, é óbvio que
Como detalhado acima, a maioria das expli-
ela buscou fontes dessas commodities em países
cações para os crescentes laços de investimento
ricos em recursos como a América Latina. O
e comércio da China com a América Latina
resultado foi a crescente relação comercial e de
relacionam a demanda chinesa por recursos
investimento baseada em commodities com a
naturais à oferta latino-americana desses recursos.
América Latina. A questão de por que a China
A abundância de recursos da América Latina
somente começou a demandar commodities em
aparenta, então, complementar a escassez de re-
quantidades cada vez maiores no começo da
cursos da China. Tal foco em uma complemen-
década de 2000, se o país tem crescido a uma
taridade natural é também a base para os
média acima de 9% desde o fim da década de
julgamentos mais otimistas acerca da natureza e
1970, quase nunca é colocada. Além disso,
do desenvolvimento futuro dos laços econômicos
mesmo a maior parte daqueles que reconhecem a
e políticos entre a China e a América Latina.
natureza “cíclica” da relação não exploram os
Ademais, tais visões baseadas na complemen-
fatores políticos e econômicos específicos
taridade servem de fundamento para a prepon-
dirigindo a explosão da demanda chinesa. Isso é
derância de altas, e ainda ascendentes, expectativas
um descuido crucial porque, ao menos que
quanto ao desenvolvimento futuro dos laços
entendamos melhor a natureza e o momento da
comerciais e de investimento entre China e
explosão de commodities dirigida pela China, não
América Latina. A política oficial de governo da
podemos avaliar efetivamente a extensão dos
China, apoiada por think tanks chineses centrais
efeitos que podem seguir-se se e quando a
especializados nos vínculos latino-americanos, é
explosão terminar.
a mais óbvia proponente da idéia de complemen-
IV. AVALIANDO AS CONSEQUÊNCIAS: taridade como o quadro correto para a compre-
COMPLEMENTARIDADE VERSUS DE- ensão dos laços China-América Latina. Concomi-
PENDÊNCIA tantemente, muitos líderes de negócios e membros
do governo, especialmente nos países latino-
Ao mesmo tempo em que há uma gama de
americanos que são ricos em commodities, tam-
explicações para a rápida expansão do comércio
bém são rápidos em enfatizar as complemen-
chinês baseado em commodities e as relações de
taridades fundamentais da demanda chinesa e da
investimento com a América Latina, todas girando
oferta latino-americana.
em torno da idéia de que o crescimento chinês
está puxando a América Latina consigo, há Em sua diplomacia pública, a China usa a
controvérsia acerca das implicações dessa relação linguagem do “ganha-ganha” “win-win” e do
florescente . Em particular, existem duas visões “benefício mútuo” para ressaltar os benefícios
contrastantes sobre os laços do crescimento positivos para a China e para a América Latina
econômico chinês com a América Latina: a por seus vínculos econômicos emergentes. Outra
primeira enfatiza a complementaridade e o parte basilar dessa estrutura de relações
benefício mútuo enquanto a segunda demonstra econômicas como fundamentalmente
preocupação com relação a uma repetição de complementares é baseada na lógica que as
padrões históricos disfuncionais de dependência. relações chinesas com a América Latina são “Sul-
Entretanto, nem a perspectiva otimista da Sul”12. Cada um desses conceitos é consagrado
“complementaridade” nas relações China-América no “Documento de Política para a América Latina
Latina nem a visão pessimista da “dependência” e o Caribe” chinês de 2008, que buscou esclarecer
capturam a dinâmica específica e mais relevante os fundamentos e objetivos chineses de suas
que conduz a explosão chinesa baseada em relações com a América Latina. Importantes
commodities. Avaliar essas perspectivas
concorrentes requer uma compreensão mais
detalhada e diferenciada de alguns dos fatores- 12 Não deve ser surpresa que o governo chinês use essa
chave da demanda chinesa por um número de linguagem na sua diplomacia pública, visto que ele tem um
commodities latino-americanas, especialmente os duradouro investimento na idéia de laços “Sul-Sul” (embora
minerais. não necessariamente com ênfase na América Latina) desde
a Era Maoísta. Para mais sobre o histórico da diplomacia
pública “Sul-Sul” da China, ver Monica Hirst (2008).

113
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

acadêmicos chineses que estudam a América principais think tanks econômicos da América
Latina na Academia Chinesa de Ciências Sociais Latina, a Comissão Econômica para a América
(CASS, na sigla em inglês) e em outros think tanks Latina e o Caribe (Cepal), elogiou o papel positivo
também, consistentemente, retratam a relação dos laços comerciais sinolatino-americanos à luz
sino-latino-americana nos mesmos termos de da crise financeira. Ambos os relatórios da Eclac
benefício mútuo. Por exemplo, o vice-Diretor do de 2009 e de 2010, amplamente citados na
Instituto de Estudos Latino-Americanos da CASS imprensa chinesa, argumentaram que a forte
argumentou que “tanto a China quanto a América demanda chinesa por commodities latino-
Latina pertencem ao Terceiro Mundo e a americanas teve um papel fundamental para
cooperação entre os lados beneficiará a paz minimizar os efeitos negativos da crise global
mundial e o desenvolvimento” (SHIXUE, 2005, financeira e para fornecer um forte motor que
p. 15)13. Assim, o governo chinês e alguns dos conduzisse uma recuperação regional rápida
seus principais analistas acadêmicos de relações (LATIN AMERICA MUST TAKE, 2009;
com a América Latina usam a linguagem da BÁRCENA et alii, 2010). Conforme o relatório
complementaridade para enfatizar uma da Cepal de 2009 declarou, “de certa forma, o
estabilidade e uma igualdade fundamentais mercado interno chinês resgatou as exportações
carregadas de similares históricos e metas de latino-americanas” (LATIN AMERICA MUST
desenvolvimento. TAKE, 2009). Assim a visão de uma relação sino-
latino-americana complementar e, portanto,
A linguagem da complementaridade e benefício
mutuamente benéfica, é um tema central não só
mútuo é retribuída por alguns, embora claramente
na diplomacia pública chinesa mas também entre
não todos, os líderes latino-americanos bem como
importantes líderes e centros de pesquisa latino-
por alguns essenciais institutos de pesquisa
americanos.
daquele continente14. Em particular o governo
brasileiro, sob a liderança do Presidente Luiz A linguagem dos laços “Sul-Sul”, promovida
Inácio Lula da Silva, adotou a linguagem dos pelo governo chinês e pelos think tanks e
vínculos “Sul-Sul” para descrever as relações geralmente retribuída por suas contrapartidas
sinobrasileiras que crescem rapidamente. Além da latino-americanas, tem um papel central no
associação em comum ao G20, sem mencionar estabelecimento de expectativas sobre a natureza
ao ainda mais exclusivo BRICs, o Brasil tem e o futuro desenvolvimento das relações
promovido sua relação com a China como tanto econômicas e políticas sino-latino-americanas.
mutuamente benéfica quanto um meio de Algumas dessas expectativas são explícitas,
promover formas de liderança internacional enquanto outras são mais implícitas. Por definição,
alternativas (aos EUA)15. Por sua vez, um dos se a interação da China com a América Latina é
“Sul-Sul”, e portanto entre a China como um país
em desenvolvimento e a América Latina como
uma região de países em desenvolvimento, ela
13 A avaliação de Shixue do que conduziu os vínculos
deveria ser qualitativamente distinta das relações
econômicos da China à América Latina encaixa-se nessa
“Norte-Sul”. As relações “Norte-Sul” são assim
positiva pespectiva de complementaridade. Ele diz que
“a China também enfrenta uma falta de recursos naturais, o contraste implícito (e apenas às vezes mais
em grande parte devido à sua enorme população e ao seu explícito). Seja a referência às relações Estados-
rápido crescimento econômico” (SHIXUE, 2008, p. 34). América Latina, seja às relações Europa-América
14 De todos os grandes países latino-americanos o México Latina, as relações Norte-Sul situam-se, na
é o menos provável de ver a relação nestes termos. Duas comparação histórica, como relações de
das principais razões são porque o México tem um grande exploração e de desigualdade. Portanto, se os
déficit comercial com a China e porque ele compete com a laços econômicos e políticos sino-latino-
China como base manufatureira para exportações para o americanos são Sul-Sul, o argumento que eles são
mercado norte-americano.
inerentemente também de vínculos “ganha-ganha”
15 Para uma abrangente visão global das relações deve ser por causa de sua natureza mais igual, de
comerciais, de investimento e diplomáticas sino-brasileiras não exploração e, em última análise, estável.
sob a perspectiva brasileira, ver Dey-Chao e Wyk (2010, Alguns críticos dessa perspectiva ressaltam
p. 50-51). Para mais sobre os detalhes e os desafios da
cooperação sino-brasileira como parte do BRICs, ver
preocupações sobre a real igualdade da relação.
Michael Glosny (2010). Em contraste, este artigo realça os riscos de

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

superestimar a probabilidade de um infinito do século XX, o resultado de parte do pensamento


crescimento chinês de commodities. da dependência foi como os governos latino-
americanos poderiam promover o desenvolvi-
IV.2. Dependência
mento e a industrialização por meio do envolvi-
É irônico que a Cepal, uma vez o berço mento mais direto do Estado na economia. É
institucional de uma das principais correntes da importante ter em mente que o quadro histórico
teoria da “dependência” na América Latina, imediatamente anterior a essa tradição teórica e
carregaria uma mensagem tão positiva acerca da política foi o colapso quase completo do modelo
complementaridade do comércio commodity-por- de desenvolvimento de exportações de commo-
manufaturas sino-latino-americanas. Durante a alta dities da região na esteira da I Guerra Mundial, da
fase de industrialização de substituição de Grande Depressão e da II Guerra Mundial. Assim,
importações (ISI), a Cepal era sinônimo do pen- na era posterior à II Guerra até a década de 1970,
samento do economista argentino Raúl Prebisch, muito do pensamento de desenvolvimento na
cuja pesquisa serviu de base para muitas políticas região da América Latina era dominado por como
de ISI dentro da América Latina e além16. Ade- afastar-se de uma dependência excessiva da ex-
mais, juntamente com outros influentes estudiosos portação de commodities de recursos naturais para
da América Latina como Andre Gunder Frank um modelo mais estável e, portanto, sustentável
(“desenvolvimento do subdesenvolvimento”) e de desenvolvimento industrial. A teoria da depen-
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (“de- dência, como quintessência da “tradição crítica”
senvolvimento dependente”), Prebisch e a Cepal latino-americana, pode ter sido, desde então, lar-
tiveram um papel instrumental em criticar a in- gamente posta de lado por muitos como um arte-
serção latino-americana na economia mundial, em fato histórico, mas não muito tempo atrás ela tinha
fins do século XIX e início do século XX, como, grande força tanto entre os círculos acadêmicos
principalmente, um fornecedor de commodities quanto nos políticos18.
de recursos naturais para os países em rápida
Hoje, quer eles ressaltem explicitamente ou não
industrialização na América do Norte e na
a tradição de dependência latino-americana, muitos
Europa17.
daqueles que se preocupam com o padrão de rela-
Uma das reivindicações mais famosas, mas ções econômicas latino-americanas com a China
também polêmicas, de Prebisch era que a referenciam elementos da crítica original de de-
dependência histórica latino-americana por pendência. As mais comuns entre as críticas do
exportações de commodities em troca de tipo “dependência” são aquelas que rejeitam as
importações manufaturadas do mundo desen- imagens positivas da complementaridade e, ao
volvido implicava um desequilíbrio estrutural em invés disso, expressam preocupação com relação
“termos de troca” (TdT) pelo qual o valor das à natureza do comércio da América Latina com a
exportações de commodity tendia a deteriorar-se China, em que as exportações são de commodities
em relação às importações manufaturadas e as importações são de bens manufaturados.
(PALMA, 1978). Outras vão além ao argumentar que a China, por
meio de investimentos diretos em infraestrutura
Baseado na idéia de que a região precisava
para facilitar o transporte das exportações de re-
rejeitar os modelos de desenvolvimento liberais e
cursos naturais da América Latina, assumiu um
estáticos de vantagem comparativa que muito
papel uma vez tido por países como a Grã-Bre-
dominaram através do fim do século XIX ao início
tanha no séxulo XIX. Por exemplo, alguns críticos
como o economista brasileiro Delfim Netto já
referiram-se à relação sino-latino-americana como
uma norma de imperialismo ou colonialismo chinês
16 Para mais sobre a influência de Prebisch nas conexões
(PHILLIPS, 2010)19. Mais freqüentemente, no
teóricas e políticas entre a “dependência” e o ISI assim
como o apelo mais amplo de ambos para muitos países
em desenvolvimento na era posterior à II Guerra Mundial, 18 Para um tratamento da extinção da teoria da depen-
ver Frieden (2006). dência e da “tradição crítica” latino-americana de maneira
17 Para um resumo clássico das variadas permutações da mais geral, ver Palma (2010).
“dependência” como um conceito teórico e ideia política, 19 Acusações de que o comportamento chinês de comércio
ver Palma (1978). e investimento são coloniais ou “neocoloniais” em natureza

115
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

entanto, argumentos do tipo “dependência” são benéfica e complementar é, para outros, tanto
colocados no nível do que é tido como a natureza “assimétrica” como próxima demais dos padrões
assimétrica ou desequilibrada dos laços de historicamente traumáticos de desenvolvimento
comércio e de investimento entre a China e a que muitos na região trabalharam tão duramente
América Latina. por tanto tempo para superar.
Alguns exemplos recentes demonstram como Entretanto, tão importantes quanto alguns
os temas de dependência são utilizados para desses argumentos relacionados à dependência,
descrever a relação econômica da América Latina para entender como as relações sino-latino-
com a China. Por exemplo, um relatório argumenta americanas são avaliadas, são argumentos
que “o padrão existente de comércio [entre a China relacionados a como a América Latina pode ser
e a América Latina] revela assimetrias crescentes capaz de controlar mais efetivamente os benefícios
que estão aprofundando a dependência histórica de sua atual relação de exportação de commodities
latino-americana por exportações de commodities com a China. Os relatórios da Comissão
de baixo valor agregado” e, portanto, que a Econômica para a América Latina e o Caribe
“relação assumiu um tom ‘Norte-Sul’” (VOLPON, (Cepal) acima mencionados, que ressaltam como
2010, p. 79-80). a demanda chinesa por exportações latino-
americanas teve um papel crucial ao ajudar a
Outras, ecoando as preocupações dos depen-
América Latina a resistir à crise financeira, são
dentistas originais, salientam as distorções
indicativos de como mesmo os céticos latino-
domésticas e internacionais que resultam da
americanos podem ver um lado positivo naquilo
natureza commodities-manufaturados da relação
que foi, por muito tempo, visto como padrões de
comercial sino-latino-americana. Evan Ellis
desenvolvimento historicamente disfuncionais.
(2008), autor de um livro sobre as relações China-
América Latina, preocupa-se que, dentro dos Outro estudo importante nesse aspecto,
países latino-ame-ricanos, o retorno corrente das embora focando mais diretamente nas críticas à
exportações de commodities é apropriado, dependência, é um relatório do Banco Mundial
principalmente, por elites econômicas ou políticas. sobre ciclos de expansão e contração de
Ao mesmo tempo, Ellis também se preocupa com commodities na América Latina (SINNOTT,
o fato de que, em um nível comparativo NASH & DE LA TORRE, 2010). O relatório vai
internacional, as exportações chinesas de muito além das críticas à dependência acima
manufaturados são um condutor mais estável para descritas ao argumentar que os ganhos privados
o crescimento da própria China do que as e governamentais advindos da explosão de
exportações de commodities o são para a América exportações baseadas em recursos naturais, se
Latina (idem, p. 286-288). Assim, o que alguns canalizados e utilizados de maneira efetiva, podem
caracterizam como uma relação mutuamente fortalecer um desenvolvimento sustentável de longo
prazo na região. Focando as críticas anteriores
quanto à dependência e à explosão de commodities,
são mais normalmente ouvidos com relação à África. Para o relatório aponta que o argumento dos termos de
um argumento sobre como conceitos do gênero de troca de Prebisch pode ser contrabalançado por
“neodependência” ou “interdependência pós-colonial” políticas cambiais apropriadas e diversificação de
podem lançar luz sobre a relação da China com a África, exportação (idem, p. 48-50, 60).
ver Rupp (2008). Apesar das críticas, certos líderes
governamentais e corporativos acolhem um potencial Não obstante, ao tornar público o relatório,
aumento do investimento chinês na América Latina em um de seus autores e Economista-Chefe do Banco
ferrovias, autoestradas, pontes e infraestrutura de portos. Mundial, Augusto de la Torre, chama atenção para
Para mais sobre a visão positiva brasileira acerca de
uma hipótese elementar sobre a qual esses outros
potencial investimento futuro da China em infraestrutura
no país, ver The Beijing Axis (2010). Um aumento do achados mais otimistas foram baseados:
desenvolvimento de infraestrutura chinesa na região “presumindo que a demanda asiática por
também tem o potencial de produzir uma espécie de efeito exportação de soja da Argentina, minério de ferro
de “aprisionamento” pelo qual a infraestrutura financiada do Brasil, cobre do Chile, peixes e minerais do
e construída pela China cria ligações com a América Latina Peru e outras commodities latino-americanas
que poderiam resistir aos choques de curto prazo na
continue, a região está em uma ótima posição para
demanda ou na oferta (eu agradeço a Jean-Marc Blanchard
por essa sugestão). lucrar sobre seus recursos naturais” (AGUILAR,

116
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

2010). Entretanto, suposições de tal demanda expansão chinesa de importações de commodities


chinesa alta e sustentada, que se igualam a uma da América Latina e outras regiões. Em outras
fé na continuidade de uma explosão de commo- palavras, nós devemos abrir a caixa preta da
dities guiadas pela China, têm o potencial real de demanda chinesa por recursos naturais. Ao
conduzir a expectativas frustradas. fazermos isso, confrontamo-nos com uma figura
muito mais complexa do que uma simples e
V. CHINA E A EXPLOSÃO DAS COMMODI-
aparentemente imparável trajetória ascendente
TIES: FONTES INTERNAS E CONSE-
baseada em uma demanda chinesa saudável e em
QUÊNCIAS EXTERNAS
expansão.
A discussão acima realça a concordância ampla
Em particular, qualquer avaliação das pers-
e aparentemente o senso comum de que a robusta
pectivas de longo prazo das relações econômicas
relação de comércio da América Latina com a
China-América Latina deve estar enraizada em uma
China é uma simples função do rápido
clara compreensão de como um incremento na
desenvolvimento da segunda e sua necessidade
produção industrial pesada da China desempenhou
por recursos naturais que alimentem seu desenvol-
um papel fundamental no desencadeamento de
vimento. A única controvérsia real parece girar
uma explosão global de commodities por recursos
em torno das conseqüências a longo prazo para o
minerais e energéticos para alimentar essa
desenvolvimento latino-americano: os laços
produção. Assim, a trajetória de desenvolvimento
econômicos da China com a América Latina são
chinesa passou por mudanças significativas
complementares e, portanto, uma fonte confiável
justamente no momento em que o comércio com
para o crescimento latino-americano ou são laços
a América Latina decolou. No entanto, tais
de dependência e, portanto, de alguma forma
mudanças, em grande parte, não foram previstas
desigual ou instável? No geral, a visão otimista
nem intencionais.
das relações China-América Latina como
complementares parece ser ascendente, com Enquanto o crescimento da China continuou
vozes críticas ouvidas na maior parte de países em altas taxas, mesmo em meio à crise financeira
que não se beneficiaram com as exportações global, uma série de “desequilíbrios” só conti-
expandidas de commodities para a China ou nuaram a crescer e podem, em algum momento,
daqueles que se agarram ao que podem parecer desempenhar um papel no término da explosão
teorias ultrapassadas de dependência. Onde as de commodities. Se a explosão global de
perguntas de fato surgem sobre os benefícios commodities teve sua origem nas transformações
relativos dessa relação, elas são normalmente dentro da própria China, seu fim possivelmente
centradas sobre se os ganhos com o comércio terá raízes nas forças econômicas e políticas
baseado em commodities são divididos igualmente domésticas chinesas. Quer o resultado das
entre China e América Latina, bem como dentro correções de mercado ou de política de governo,
de certos países latino-americanos. quer uma combinação das duas, um número de
mudanças já estão em andamento e podem alterar
No entanto, nós não podemos realmente
fundamentalmente a demanda chinesa por uma
começar a avaliar o debate complementaridade-
gama de commodities globais. Mesmo que a
dependência sem uma compreensão mais apurada
explosão de commodities guiada pela China não
dos precisos condutores da demanda chinesa e
venha a falir totalmente, a possibilidade de que a
como esses condutores estiveram conectados a
demanda chinesa pode e vai experimentar alta
mudanças mais amplas na trajetória de
volatilidade em resposta à combinação das forças
desenvolvimento da China nos últimos anos. Nós
do mercado e das políticas de governo está
devemos perguntar: por que a China veio, e ainda
sempre presente.
continua, a “precisar” de certos recursos latino-
americanos em quantidades cada vez maiores VI. O MODIFICADO CAMINHO DE DESEN-
depois de decolar em um ponto específico no VOLVIMENTO DA CHINA: AS IMPLI-
tempo há menos de uma década? Para que CAÇÕES DAS EXPLOSÕES DOMÉSTICA
consigamos fazer isso, nós devemos olhar para E INTERNACIONAL
certas tendências na economia política doméstica
Desde a primeira parte da década de 2000, a
chinesa, em particular, tendências na trajetória de
economia chinesa sofreu uma profunda série de
desenvolvimento do país, que coincidiram com a

117
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

mudanças. Essas mudanças afetaram não só o milênio a China começa uma reversão dramática,
padrão de desenvolvimento doméstico chinês mas inesperada e não planejada em direção a uma
também afetaram significativamente a relação produção industrial pesada. Entre 1985 e 2002 o
econômica e política da China com a comunidade crescimento industrial chinês foi constante, mas,
global. Muitos economistas apontam que desde depois de 2002, a economia da indústria pesada
os primeiros anos do século XXI a economia da China experimentou uma explosão
doméstica da China e sua relação com a economia extraordinário. A proporção total do PIB foi
global tornaram-se crescentemente “desequilibra- responsável por praticamente todo esse aumento.
das”20. Enquanto o crescimento total continuou No espaço de cinco anos, o tamanho relativo da
em ritmo acelerado a uma média de quase 10%, produção industrial pesada (aço, metais, químicos,
outros componentes do padrão de desenvol- energia eólica, produção de papel e todos os
vimento chinês mudaram dramaticamente. Fora setores intensivos em eletricidade) na economia
da China, entre as mais discutidas dessas praticamente triplicou. Isso não teve precedentes
mudanças estão o aumento do superavit comercial na história econômica da China (CÂMARA
chinês e, com ele, da participação do país em EUROPÉIA DE COMÉRCIO, 2009).
reservas estrangeiras 21. No entanto, dentro da
Evidências dessa transformação começaram
China é o aumento no desenvolvimento industrial
a aparecer por volta do ano de 2001, quando a
pesado, muito do qual tem ido alimentar a rápida
China testemunhou um aumento inesperado da
urbanização e o desenvolvimento de infraestrutura
intensidade e do crescimento da demanda total
conduzidos pelo Estado, que tem impactado no
de energia23. Durante todo o período de reforma
volume e no preço de entrada de commodities
do final dos anos 1970 até 2011, a intensidade
latino-americanas essenciais (especialmente
energética da China esteve em declínio na medida
minerais e energia). Simplificando, a América
em que o país passava da indústria pesada para a
Latina se vinculou a um boom de commodities
manufatura leve24. Enquanto o país cresceu a
conduzido pela China, que por seu turno foi
uma taxa média acima de 9% durante esse período,
abastecido em parte substancial por uma
o crescimento energético permaneceu à média de
decolagem na produção industrial pesada chinesa.
apenas 4%. Por volta de 2001 esse cenário
Desde o início de suas políticas de “reforma e começou a mudar conforme a intensidade de
abertura” ao final dos anos 1970, a China energia acentuou-se, e o aumento da demanda por
distanciou-se do modelo de desenvolvimento energia disparou para 13% ao ano, ultrapassando
industrial pesado de capital intensivo do “Grande assim o crescimento global do PIB (ROSEN &
Salto” da Era de Mao em direção a uma
dependência de manufatura leve de trabalho
intensivo 22. No entanto, logo após a virada do
de desenvolvimento industrial sob o poder de Mao, ver
Naughton (2008).
20 Avaliar esses desequilíbrios tornou-se um ponto de
23 A ascensão da China em 2001 à Organização Mundial
contenda dentro e fora da China. Para exemplos de pesquisa
de Comércio (OMC) foi, de modo claro, parte de um
relacionada, ver Yongding (2007), McKinnon e Schnabl
esforço estratégico maior para inserir firmemente a China
(2009) e Pettis (2010a).
na economia global. Juntamente com os esforços chineses
21 Enquanto a China experimentou de modo consistente posteriores à crise financeira do Leste Asiático para manter
superavits comerciais entre 1% a 1,5% do PIB, de 1982 a reservas em moeda suficientes para permitir uma resposta
2002, os excedentes dispararam na última década. Iniciando política independente para potenciais choques monetários,
por volta de 2003, os superavits começaram a subir e, em a entrada da China na OMC é notável como parte de um
2007, atingiram 11% do PIB (ANDERSON, 2009, p. 25). esforço político concertado para dar continuidade à
Com a conta de capital fechado da China e a taxa de câmbio reforma da economia chinesa. Mais pesquisas precisam
controlada, esses excedentes traduziram-se em reservas ser conduzidas sobre a conexão entre os fatores políticos
cambiais, rapidamente crescentes, de quase US$ 2,5 e econômicos por trás das mudanças dramáticas na
trilhões em 2009. Essa cifra representa cerca de 50% do trajetória de desenvolvimento da China no início dos anos
PIB da China e aproximadamente 5-6% do PIB global, 2000.
que em termos históricos só foi igualado pelos Estados 24 Para um claro resumo da reversão da China para um
Unidos na década de 1920 e pelo Japão no final da década
padrão de desenvolvimento de indústria pesada intensiva
de 1980 (PETTIS, 2010b).
em energia, ver Rosen e Houser (2007). Para mais sobre a
22 Para uma explicação do modelo do “Grande Impulso” intensidade energética chinesa, ver Andrews-Speed (2009).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

HOUSER, 2007, p. 6-7)25. O fator-chave que Conforme a produção da indústria pesada dentro
conduziu o aumento na intensidade e na demanda da China subiu, também subiu a demanda por uma
energética foi o incremento na manufatura gama de commodities de insumos importados para
industrial pesada de produtos como o aço, o alimentar a demanda florescente.
cimento e os químicos (ver o Gráfico 3).

GRÁFICO 3 – VALOR AGREGADO INDUSTRIAL EM RELAÇÃO AO PIB (1995-2005)

FONTE: Rosen e Houser (2007).

O caso do aço e do minério de ferro exemplifica produção chinesa de aço bruto cresceu anualmente
de maneira clara como o rápido aumento na a uma taxa de 18,3% (em comparação com 4,3%
produção doméstica chinesa de indústria pesada no resto do mundo) (WYK, 2010, p. 7). A
levou a uma explosão global em commodities importadora líquida de aço em 2002, a China
minerais específicas26. Apenas entre 2002 e 2005, tornou-se a maior produtora mundial de aço em
a produção chinesa de ferro e aço, como 2007, respondendo por 37% da produção mundial
porcentagem do PIB, aumentaram de de aço bruto daquele ano (YONGDING, 2009, p.
aproximadamente 1,5% para mais de 3% (idem, 8). E em 2010 a China já era responsável pela
p. 8). Começando no princípio dessa década, a produção de quase metade do aço do mundo
(WYK, 2010, p. 7). Para colocar em perspectiva
a velocidade dessa transição, em 2002 a
importação chinesa de aço ultrapassava sua
25 Dentro da China, alguns estudiosos e autoridades
exportação em 450%, mas em 2006 a exportação
expressaram-se com alarme sobre como o rápido aumento excedia a importação em 230% na medida em que
na demanda por recursos energéticos exacerbou
a China se tornou o maior produtor e exportador
preocupações de segurança energética. Por exemplo, ver
Daojiong (2006). de aço no mundo (ROSEN & HOUSER, 2007, p.
13) 27. Enquanto a maior parte dessa rápida
26 Além de ser o principal consumidor de minério de
ferro, em 2008 a China tornou-se o consumidor número
um de cobre, alumínio, níquel, zinco e estanho e o número
dois no consumo de petróleo. Por causa da crise financeira 27 Como o economista do UBS Jonathan Anderson aponta,
a demanda chinesa por commodities enfraqueceu-se no a transição da China para uma posição de exportador
início de 2009 mas recuperou-se rapidamente depois disso. líquido de aço implicou primeiro o controle das fatias de
Ver Wyk (2010, p. 6). mercado estrangeiras dentro da China e então a expansão

119
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

expansão na produção alimentou a crescente explosão chinesa na produção industrial pesada


demanda doméstica, o setor de aço da China se teve um papel fundamental na rápida expansão
tornou cada vez mais orientado para a exportação, das exportações de uma gama de commodities
com cerca de 11,5% da produção indo para a latino-americanas.
exportação em 2008 (KPMG, 2009, p. 7).
Enquanto a dinâmica entre o aumento da
Essa explosão na produção chinesa de aço, produção de aço chinês e a importação de minério
por sua vez, desencadeou um aumento na de ferro é um exemplo fundamental da reação em
demanda por minério de aço, com a China agora cadeia iniciada pelo veloz crescimento da produção
consumindo um total de 70% das exportações de da indústria pesada chinesa, outras commodities
minério de aço do mundo (GARNAUT, 2010). minerais latino-americanas também foram puxadas
Esse aumento na demanda por minério de ferro para o distinto padrão de desenvolvimento da
influenciou diretamente as fortunas dos cofres China31. Por exemplo, boa parte da produção
das empresas e dos governos nos principais industrial pesada chinesa serviu para abastecer o
exportadores latino-americanas como Brasil e rápido desenvolvimento de propriedade e
Peru28. A China é, de longe, o maior importador infraestrutura. Este, por seu turno, tem
do minério de ferro brasileiro e a Vale do Rio Doce, impulsionado o aumento das importações de
a maior produtora de minério de ferro do mundo, outras commodities minerais latino-americanas
ficou no topo da onda da crescente demanda como o cobre chileno. Conforme mencionado
chinesa, lucrando exponencialmente29. Em parte acima, o cobre é a principal exportação do Chile
isso se explica porque o aumento na demanda por e a China tem crescido rapidamente para tornar-
insumos para abastecer o rápido crescimento se o maior consumidor do cobre chileno. Assim,
chinês na produção industrial pesada implicou um o aumento na demanda por um número de
aumento correspondente no preço desses recursos minerais abundantes na América Latina,
insumos. Por exemplo, apesar de uma breve queda uma ascensão que começou nos primeiros anos
em resposta à reduzida demanda durante o auge do século XXI, tem sido impulsionado por
da crise financeira global, o preço do minério de mudanças importantes no padrão de desenvol-
ferro rapidamente recuperou-se na esteira da veloz
recuperação da demanda chinesa30 . Assim, a

31 A conexão entre minério de ferro e aço fornece a


ilustração mais clara de como a demanda chinesa
para os mercados estrangeiros de exportação. Isso
impulsionou as exportações de uma commodity
desempenhou um papel fundamental no aumento dos
fundamental. O argumento sustentado aqui encaixa-se
excedentes comerciais chineses com países como os EUA.
melhor em um aumento da produção chinesa de uma série
Ver Anderson (2010, p. 28).
de bens de indústria pesada que necessitam de insumos
28 Em 2008 o Brasil forneceu 22,7% das importações minerais e energéticos. Entretanto, além dessas
chinesas de minério de ferro. Ver Mingramm et alii (2009, “commodities pesadas”, a China experimentou um pico
p. 12). A mesma dinâmica funcionou para o maior na demanda por commodities agrícolas, ou “commodities
exportador de minério de ferro do mundo: Austrália. Em leves”, sendo o principal exemplo o dos grãos de soja e de
2008 a Austrália forneceu 41,4% das importações chinesas seus derivados, como óleo e farelo (ver a Figura 2). A
de minério de ferro, e, ao longo da última década, a China demanda chinesa por certos insumos agrícolas latino-
tornou-se o maior mercado exportador da Austrália, com americanos, em particular por grãos de soja e óleo de soja,
minério de ferro e carvão respondendo por um terço do também vinculou-se às mudanças na estrutura no mercado
total da receita de exportação australiana. Ver Stutchbury interno chinês. A lógica por trás do aumento na demanda
(2010). por certas commodities agrícolas, como a soja da Argentina
29 Apesar de mudanças na estrutura das negociações do e do Brasil, é diferente daquela por trás dos minerais, mas
é discutivelmente também o resultado de mudanças
preço do minério de ferro, a Vale teve expectativas que
específicas na economia política doméstica da China. Em
sua receita das vendas de minério de ferro para a China
particular, existe um esforço concertado por parte do
dobrasse entre 2009 e 2010. Ver World’s Largest Iron
governo chinês para sair da suinocultura tamanho-família
(2010). Para uma análise detalhada da estrutura global de
para uma maior, de aspecto comercial, que impulsionou a
comércio entre Brasil e China, ver Dos Santos e Zignago
maior demanda por importação de soja. Além disso, o
(2010).
aumento da produção industrial tem cada vez mais se
30 Para um visão geral do contrato de aumento do minério traduzido em menos terras para a produção agrícola. Eu
de ferro e preços “spot”, ver China Ore Import (2009) e agradeço Mindi Schneider e Emelie Paine pelas idéias úteis
Stuart (2010). acerca da conexão Brasil-China da soja.

120
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

vimento doméstico chinês de indústria pesada crescentemente se focado em como o


intensiva32. desequilíbrio de ativos globais e domésticos e as
bolhas de capacidade podem ser resolvidas. E
VII. POR QUE A CHINA VOLTOU-SE PARA A
como a América Latina e outros exportadores
PRODUÇÃO INDUSTRIAL PESADA?
mundiais de commodities têm-se tornado
Se as mudanças na trajetória de desenvol- profundamente ligados ao surto, liderado pelos
vimento doméstico chinês alimentaram a decola- chineses, dessas mercadorias, qualquer mudança
gem de importações de commodities minerais na estrutura política e no mercado interno da
latino-americanas no surto das relações comer- China também afetará, inevitavelmente, esses
ciais entre China e América Latina, então avaliar a exportadores.
estabilidade global desse crescente relacionamento
Por que nos primeiros anos do século XXI a
comercial depende, em um primeiro momento,
China afasta-se de um padrão de desenvolvimento
de uma compreensão mais profunda do que levou
baseado em trabalho intensivo (indústria leve) para
a China a mudar seus padrões de crescimento.
um baseado na indústria pesada de capital
Reafirmando uma observação feita acima: da
intensivo? Uma resposta para essa questão deve
perspectiva de muitos pesquisadores e
começar com o reconhecimento de que a transição
autoridades, de dentro e fora da China, a volta do
para o desenvolvimento da indústria pesada não
país para a produção industrial pesada no começo
foi parte de um plano ou política coordenada por
dos anos 2000 não era planejada nem esperada,
parte do governo central chinês. Como análises
produzindo uma série de efeitos indesejáveis. Isso
econômicas sobre o aumento inesperado do
tem importantes implicações para o futuro do
consumo de energia chinês que acompanham a
desenvolvimento das exportações de commodities
mudança para a indústria pesada deixaram claro,
para a China, a partir da América Latina ou de
a mudança da estrutura produtiva industrial não
outro lugar. Na verdade, muitas das forças que
foi “o resultado de aspirações nacionais concer-
juntas levaram a China ao uso intensivo de capital
tadas (como era no tempo de Mao Zedong)”
e energia, seguindo padrões industriais pesados
(ROSEN & HOUSER, 2007, p. 8). Em vez disso,
de desenvolvimento, somente foram agravados
uma combinação perfeita de fatores do mercado
pela resposta chinesa à crise financeira global.
e da política governamental levou a um aumento
Como as autoridades chinesas moveram-se além
dramático na produção industrial pesada nacional.
do que eles alegaram serem medidas de
O que começou como uma série de políticas
emergência para proteger a economia chinesa da
discretas e sinais do mercado levaram a uma
crise, a atenção dentro e fora da China tem
“corrida do ouro” ou uma mentalidade de “surto”
de mentalidade (idem; EUROPEAN CHAMBER
OF COMMER-CE, 2009). Explicando como a
32 Até agora ausente dessa discussão está o aumento do China “struck steel” em uma maneira similar a
comércio e do investimento chineses em recursos como outros países “striking oil”, um economista
energéticos latino-americanos, especialmente o petróleo. destacou um claro elemento de “exuberância
Além dos minerais, as principais atividades de irracional” com o que “começou com uma
investimento da China na América Latina têm sido
resposta aos fundamentos do mercado [...] então
vinculadoas aos recursos petrolíferos, incluindo a compra,
acima de US$ 7 bilhões, das operações espanholas da radicalmente superados” (ANDERSON, 2009, p.
Repsol Brazil, em 2010. Ver Graham (2010). Como este 28). O que foram, então, alguns desses
artigo deixa claro, a demanda chinesa por inúmeros fundamentos do mercado?
produtos de indústria pesada como aço demonstra realçado
potencial para a volatilidade relacionada ao mercado e/ou Uma combinação de condições e políticas
à política. A demanda chinesa em expansão por recursos macro e microeconômicas facilitaram o surto de
energéticos, como petróleo ou carvão de coque para a produção industrial pesada no começo dos anos
produção de aço, também alimenta preocupações 2000. No nível macroeconômico, taxas de
ambientais e outras preocupações de “segurança poupança cada vez mais elevadas, que
energética”. Ver Daojiong (2006). Os esforços do governo
aumentaram depois de 2003 até alcançarem quase
central chinês para distanciar-se de tamanha dependência
no uso de energia intensiva em combustível fóssil 52% do PIB em 2009 (idem, p. 25), combinadas
claramente terá impacto sobre o footprint da demanda com baixas taxas de juros, para criar capital
energética chinesa de seus principais parceiros comerciais abundante e barato, alimentaram o surto da
quanto à exportação de petróleo. produção industrial pesada. Além disso, esses

121
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

aumentos da poupança não têm sido impulsionados comerciais antes da crise financeira, elas
pelas famílias, mas pelo aumento da poupança claramente tem-se tornado uma grande
empresarial, a qual subiu, aproximadamente, de preocupação. Em muitos aspectos o investimento
15% para 26% do PIB entre 2000 e 2007 (idem, estatal chinês, seja por meio de canais de
p. 27). Isso significa que o aumento das poupan- investimento diretos ou indiretos, tem se traduzido
ças empresariais, muitas das quais são empresas em um aumento da produção industrial pesada,
estatais, tem sido canalizado para mais inves- tendo como resultado final uma “corrida do ouro
timentos. No nível microeconômico, as possibili- na indústria pesada” (ROSEN & HOUSER, 2007,
dades crescentes de lucros da indústria pesada p. 12).
foram reforçadas por políticas governamentais
VIII. EFEITOS DA RESPOSTA CHINESA À
locais destinadas a aumentar as taxas de cres-
CRISE FINANCEIRA: EXCESSO DE
cimento local e atrair investimentos. Por exemplo,
CAPACIDADE E AUMENTO DE INSTA-
como parte da competição para promover o
BILIDADE
crescimento, governos locais têm frequentemente
oferecido insumos subsidiados, incluindo terra, Se as condições para essa corrida do ouro na
água e eletricidade, para uso industrial produção industrial pesada, e as condições para a
(EUROPEAN CHAMBER OF COMMERCE, necessidade de matérias-primas, estavam postas
2009, p. 14). Ilustrando o impacto dessas políticas antes da crise financeira global, elas somente têm
nas margens de lucro da indústria pesada, no final sido exacerbadas pela resposta chinesa à crise.
dos anos 1990 os lucros desse tipo de indústria Particularmente, o crédito tornou-se ainda mais
pairaram perto de zero, mas em 2007 subiram barato e mais abundante como resultado do pacote
entre 4% e 7% em indústrias como as de aço, de estímulo chinês de quatro trilhões de Yuan,
vidro e cimento, superando muito as homólogas acompanhado das políticas expansionistas de
manufaturas leves (ROSEN & HOUSER, 2007, crédito promovidas por autoridades locais e
p. 10, 12). centrais na esteira da crise financeira 34 . O
resultado foi uma rápida recuperação na taxa de
Em indústrias pesadas como a do ferro,
crescimento da China, que inspirou alguns a
autoridades do governo central chinês têm-se
elogiarem o pacote de estímulo chinês como o
preocupado com o investimento excessivo há
“padrão ouro” global. Entretanto, o pacote de
muito tempo, bem como com a falta de
estímulo e a frouxa política monetária chinesa têm
concentração industrial (YAP, 2009). No entanto,
levado a uma preocupação generalizada sobre a
tal supercapacidade doméstica tem sido estimulada
formação de bolhas de capacidade (em indústrias
e absorvida por oportunidades para a exportação.
pesadas como o aço e o cimento) e de ativos (nos
Além de subsídios à exportação de determinados
mercados de ações e imobiliário)35. Além disso,
produtos industriais pesados, a exportação de
há um consenso geral dentro e fora da China de
excessos da capacidade industrial pesada tem sido
que, a fim de ajudar a solucionar os desequilíbrios
auxiliada pelas políticas cambiais do governo
domésticos e internacionais, a China deve afastar-
central. Mantendo o valor do Yuan baixo, a China
se de sua dependência da demanda externa e
tem efetivamente permitido a seus produtores
avançar em direção a um padrão de crescimento
aumentarem a participação no mercado global em
baseado no consumo 36. Na realidade, porém, a
determinados setores econômicos (ANDERSON,
resposta chinesa à crise financeira tem feito pouco
2009)33. Entretanto, se as exportações da indústria
pesada causaram pouco atrito com os parceiros

34 Para uma visão abrangente do pacote de estímulo da


China e o acompanhamento das políticas de crédito e
33 Aqui há uma questão legítima sobre se tais resultados investimento, ver Naughton (2009b).
podem, de fato, ser um produto de uma política orquestrada 35 Para mais detalhes, ver European Chamber of
para capturar tal participação no mercado. Entretanto,
Commerce (2009) e Pettis (2009).
dadas as várias preocupações sobre o excesso de capacidade
e os crescentes atritos comerciais gerados por isso, ainda 36 Li Keqiang, o provável futuro Primeiro Ministro
faz sentido ver o que Anderson chama de “ganho de fatia chinês, tem reiterado a necessidade de tais transformações
de mercado” como um resultado de um surto não fundamentais do modelo de desenvolvimento econômico
intencional na produção industrial pesada. do país. Ver Keqiang (2010).

122
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

para corrigir esses desequilíbrios e, em vez disso, de grande parte do consumo de aço interno (cf.
tem estimulado ainda mais o investimento YAP & CAMPBELL, 2010; YAP & ZHANG, 2010).
excessivo na indústria pesada e em outras Na década de 1990, as autoridades do governo
manufaturas que dependem das exportações e, central preocuparam-se com a falta de
portanto, da demanda externa. consolidação da indústria de aço chinês e
declararam suas intenções de interromper a
Mais uma vez, o setor siderúrgico fornece um
capacidade excessiva e concentrar a produção em
exemplo perfeito de preocupações com a
um número limitado de grandes empresas estatais
capacidade excessiva, assim como dá sinais de
de aço (NAUGHTON, 2009a, p. 3-4). Apesar dos
que o setor já pode estar submetido a um
profundos desafios na implementação efetiva dessa
realinhamento dirigido pelo Estado, o qual está
agenda, esforços iniciados em 2010 para controlar
afetando a demanda por minério de ferro.
o setor siderúrgico estão começando a engrenar,
Enquanto no resto do mundo a produção de aço
em parte por causa de preocupações elevadas
decresceu aproximadamente 21% em 2009, a
sobre os efeitos do excesso de aço e de outra
chinesa aumentou 13,5% (BURNS, 2010). Além
capacidade industrial pesada nas relações
disso, das 700 milhões de toneladas de aço
comerciais, assim como o uso de energia
produzidas na China em 2009, somente 560
doméstico chinês, para não mencionar a ansiedade
milhões foram consumidas internamente (CHINA
sobre o superaquecimento do mercado imobiliário
MINING ASSOCIATION, 2010). Na primeira
do país. Os esforços da China para controlar a
parte de 2010, com a economia chinesa
produção de aço e para resfriar o mercado
respondendo rapidamente ao pacote de estímulo
imobiliário superaquecido conduziram a uma
e à inundação de crédito barato, a produção de
montanha russa em 2010 para importações,
aço e a exportação continuaram a crescer a taxas
preços e transporte de minérios de ferro do Brasil
de mais de 200% comparadas com o ano anterior
e de outros fornecedores-chave na América Latina
(YAP & ZHANG, 2010). Com o excesso de
e em outros lugares (YAP & CAMPBELL, 2010).
capacidade dependente da diminuição da demanda
externa dos países mais industrializados da IX. CONCLUSÕES
América do Norte e da Europa, as tensões
No final das contas, as relações entre China e
comerciais têm sido rápidas de acompanhar. De
América Latina são mais bem compreendidas
fato, “entre os numerosos produtos feitos na
como complementares ou dependentes? Essas
China influenciados por atritos no comércio
perspectivas claramente representam dois lados
internacional, a indústria siderúrgica chinesa tem
da mesma moeda, capturando uma tensão básica
sido a mais atingida” (THE CHINA SOURCING,
entre o otimismo e a ansiedade que a rápida
2010). A supercapacidade não tem sido apenas
expansão das relações econômicas entre China e
uma fonte de preocupações comerciais, mas é
América Latina gerou. Embutidos nesse cenário,
cada vez mais uma preocupação para os
entretanto, estão suposições mais complexas sobre
planejadores do governo chinês, que desejam
os benefícios relativos e a sustentabilidade da
reduzir o consumo doméstico excessivo de
recente florescida relação comercial e de
fontes de energia que tem acompanhado o
investimento China-América Latina. A comple-
aumento da produção industrial pesada (CHINA
mentaridade implica equilíbrio e estabilidade: a
MINING ASSOCIATION, 2010).
América Latina, com abundância de recursos
O resultado foi que em 2010 as autoridades naturais, continuará a fornecer a matéria-prima
do governo central chinês começaram a decretar necessária para abastecer a trajetória de desenvol-
medidas para reduzir a produção interna de aço e vimento chinesa, que parece inevitavelmente
diminuir os incentivos para exportar o excesso ascendente. A dependência implica um senso de
de capacidade. Essas medidas começaram a tomar desigualdade e uma falta de sustentabilidade: a
forma em meados de 2010, com a China América Latina está caindo em velhos hábitos de
revogando uma redução de 9% da taxa sobre o dependência excessiva de exportação de produtos
valor agregado para as exportações de aço e, primários enquanto a China move-se para a
posteriormente, procurando restringir o progressão do desenvolvimento industrial e
crescimento do crédito como parte de um esforço manufatureiro. No entanto, este artigo demonstra
maior para desacelerar o mercado imobiliário que as questões sobre a saúde e a sustentabilidade
superaquecido, que é a principal fonte de demanda dos laços econômicos entre China e América

123
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

Latina somente podem ser respondidas prestando Mais surpreendente, entretanto, é como,
atenção mais cuidadosa às particularidades do freqüentemente, mesmo aqueles que são sensíveis
surto de commodities liderado pela China. a uma perspectiva mais crítica de dependência
estão dispostos a assumir o fim do surto de
Avaliações sobre a saúde e a sustentabilidade
commodities como uma possibilidade remota.
dos laços econômicos China-América Latina
Como um estudo recente nota, “debates sobre o
requerem uma nova ênfase em alguns conhecidos
desenvolvimento na América do Sul têm, por cerca
bem fatos, assim como o destaque de alguns
de meio século, girado precisamente em torno do
fenômenos bem menos discutidos, mas igual-
imperativo de quebrar a dependência regional em
mente importantes. Primeiramente, a decolagem
exportações de matérias-primas, especialmente
dos laços econômicos entre China e América
tendo em conta os efeitos deslocados da doença
Latina tem sido impulsionada pela demanda chinesa
holandesa e outros problemas estruturais associa-
por commodities latino-americanas. Exportações
dos com tal modelo. A celebração das oportunida-
latino-americanas para a China, e o crescente
des de exportação fornecida pela emergência
investimento chinês na América Latina, têm sido
chinesa tem, conseqüentemente, algo de estranho
dominadas pela demanda chinesa por minerais,
nela” (PHILLIPS, N., 2010, p. 188-189).
energia e commodities agrícolas latino-ame-
ricanas. Em segundo lugar, o momento específico Os relatórios da Cepal e do Banco Mundial
da decolagem de importações chinesas das (e discutidos acima são exemplos perfeitos de como
investimento nas) matérias-primas da América aqueles que compreendem melhor do que a
Latina é de crucial importância. A América Latina maioria essas preocupações históricas estão,
não tem sido simplesmente esboçada nos ventos todavia, dispostos a pôr de lado a possibilidade
do milagre econômico chinês dos últimos 30 anos de que a demanda chinesa por commodities pode
ou mais, mas, em vez disso, tem pegado uma ser propensa à instabilidade. Salientar como os
fase específica do ciclo de desenvolvimento países e empresas latino-americanos exportadores
chinês, que em aspectos fundamentais tem sido de commodities têm uma oportunidade, bem como
bastante diferente do que veio anteriormente. A uma obrigação, de manejar os ganhos do surto
crescente demanda por commodities latino- de commodities de uma maneira sustentável, justa
americanas e de outros países ricos em recursos e responsável é perfeitamente razoável. Contudo,
tem correspondido a uma mudança na trajetória a falha em melhor entender as raízes da demanda
de desenvolvimento doméstico chinês, afastando- chinesa por commodities específicas e os sérios
se da manufatura leve e média baseada em trabalho desafios enfrentados pela China na regulamentação
intensivo e aproximando-se da (super)produção dos mercados responsáveis por tais demandas
industrial pesada com capital intensivo. pode muito bem servir como base para
expectativas frustradas quanto à estabilidade
Com esses dois fatos básicos em mente é mais
chinesa como motor do crescimento da América
fácil acender uma luz sobre o elefante na sala: o
Latina. Se as expectativas daqueles que estão
que acontece se e quando o surto de commodities
beneficiando-se mais da complementaridade
dirigido pela China terminar ou tornar-se propenso
forem decepcionadas, então haverá também alto
a maior volatilidade? Naturalmente, a perspectiva
potencial para aprofundamento de atritos
de complementaridade nos leva para longe,
comerciais com aqueles na América Latina e
mesmo para contemplar esta questão, já que ela
Caribe que já se encontram competindo cada vez
não somente assume a continuação suave do
mais com as importações da China. Em última
rápido desenvolvimento ascendente chinês, como
análise, se parciais quanto à perspectiva da
também assume a continuação do papel latino-
dependência ou da complementaridade, muitos do
americano como um fornecedor de matérias-
que estão participando ou observando o surto
primas necessárias para abastecer esse desenvol-
contínuo nas relações China-América Latina
vimento. E aqueles que reconhecem que a América
parecem ser pegos de surpresa em um ciclo de
Latina pode estar vinculada a uma fase específica
do crescimento chinês (a idéia de que o surto de
commodities da China é simplesmente parte de
um “superciclo de commodities” secular e
virtuoso) distraem-se de qualquer preocupação 37 Para mais sobre os “superciclos” de commodities
sobre como o surto pode acabar 37. seculares e a China, ver Rogers (2007; 2008).

124
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

expectativas crescentes que são reflexo mais de crescentemente sido expressas por proeminentes
uma mentalidade de corrida do ouro do que de funcionários do governo chinês, bem como do
uma sóbria reflexão. ramo de negócios40.
Mesmo se tais expectativas crescentes são em O que permanece, então, é uma incompa-
parte orientadas pelo que o economista, ganhador tibilidade potencialmente volátil entre as altas e
do prêmio Nobel, Paul Krugman chamou de crescentes expectativas de um surto de commo-
“extrapolação ingênua das tendências passadas”, dities em curso, de um lado, e a possibilidade real
este artigo também deixou claro que um enfoque de que setores específicos da economia chinesa
mais cuidadoso na política econômica interna (por exemplo, a indústria siderúrgica e/ou o
chinesa demonstra os vários desafios enfrentados mercado imobiliário) enfrentem correções
pela China na manutenção de seu ritmo acelerado governamentais ou induzidas pelo mercado, as
de crescimento (KRUGMAN, 1994). Preocupa- quais terão um impacto sobre a demanda por
ções com os desequilíbrios econômicos internos importações de commodities. O argumento
e externos, com as bolhas de capacidade e ativos, apresentado aqui não é que a economia chinesa
e com a inflação, são apenas algumas das muitas enfrenta uma crise iminente, mas simplesmente
questões no centro das discussões e debates que certos setores da economia, no centro da
chineses e internacionais sobre a saúde e o futuro demanda chinesa por várias commodities latino-
da economia chinesa. Esses grandes desafios americanas, enfrentam sérios desafios e são
econômicos estão muito amarrados à demanda reconhecidos por funcionários do governo central
chinesa por commodities da América Latina e de chinês e outros analistas, dentro e fora da China,
outras regiões. Esse argumento também tem pela necessidade de reforma e regulamentação.
aparecido em um número pequeno, mas cres- Entretanto, especialmente à luz do elogio que a
cente, de análises de investidores internacionais China recebeu pelo gerenciamento de sua resposta
sobre a economia chinesa. Por exemplo, no final à crise financeira, mantendo altas taxas de
de 2009 e começo de 2010, o investidor de fundos crescimento doméstico e, assim, sustentando a
de hedges, James Chanos, ganhou as manchetes demanda por importações da América Latina, a
com sua observação de que o inflado setor percepção de que a China irá continuar a alimentar
imobiliário chinês parecia “Dubai vezes mil – ou o crescimento das exportações latino-americanas
pior” (BARBOZA, 2010)38. Chanos, quando mais continua elevado. Afinal, se a idéia do Consenso
tarde pressionado a comentar como um estouro de Pequim ou Modelo Chinês ganhou impulso é,
da bolha imobiliária chinesa poderia causar impacto em grande parte, porque alguns vêem na China
na economia mundial, disse que os mais expostos um modelo alternativo e fonte de desenvol-
seriam os exportadores de commodities, vimento.
especialmente nas áreas como as de minério de
Contudo, este artigo refutou a noção do senso
ferro 39 . Embora os comentários de diretores
comum de que, aparentemente, a demanda chinesa
estrangeiros de fundos de hedge possam ser
por commodities da América Latina é simplesmente
descartados como especulativos, previsões de
decorrência do rápido crescimento da China em
uma desaceleração a curto e médio prazo têm
longo prazo. A América Latina não é de alguma
forma organicamente ligada a uma força
desenvolvimentista indestrutível chinesa, mas, em
38 Chanos foi bem claro ao dizer que ele não previu uma
quebra na economia chinesa, mas, em vez disso, que ele
estava convencido de que a bolha imobiliária chinesa
enfrentaria uma severa correção. 40 Um exemplo de tais projeções de diminuições nas
39 Ver a palestra de Chanos (2010) em Oxford, de 28 de taxas de crescimento do PIB inclui Lou Jiwei, o chefe do
janeiro de 2010. Ver também a entrevista de Chanos a fundo soberano chinês, observando que dentro dos
Charlie Rose, em 12 de abril de 2010 (ROSE, 2010). Em próximos três a quatro anos o crescimento chinês vai
um exemplo mais recente, Fitch Ratings fez uma simulação diminuir abaixo da tendência dos últimos 30 anos, e nos
do impacto potencial de uma desaceleração simulada do próximos 20 anos, provavelmente, ficará na média de cerca
crescimento econômico chinês para menos de 5% em 2011, de 6%. Ver Sanderson (2010). Para maiores informações
a qual destaca o grande impacto negativo nos “setores de sobre as crescentes previsões pessimistas sobre a
energia e commodities” latino-americanos (FITCH desaceleração do crescimento econômico chinês no curto
RATINGS, 2010, p. 8). ao médio prazo ver Michael Pettis (2010c).

125
AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

vez disso, é vinculada a uma fase específica do Do lado latino-americano, especialmente para
desenvolvimento chinês que tem cada vez mais aqueles países exportadores de commodities que
apresentado uma série de desequilíbrios, que por têm visto a China tornar-se rapidamente o seu
sua vez têm suscitado amplas preocupações, das principal destino de exportações, é imperativo
mais variadas, e pedidos de reforma. Os mais desenvolver um entendimento com mais nuances
conscientes desses desafios são as autoridades da economia política específica da demanda de
chinesas e os estudiosos que estão ativamente commodities chinesa. Ambos os lados devem,
trabalhando para a melhor compreensão e também, estar conscientes de como a linguagem
resolução desses desequilíbrios. Gerenciar o Sul-Sul e as relações de ganho mútuo alimentam
descompasso entre as expectativas infladas e os potencialmente expectativas demasiado otimistas
sérios desafios envolvidos na sustentação do de sustentabilidade da demanda de commodities
crescimento econômico estável chinês é no longo prazo. Gerenciar a atual disparidade entre
responsabilidade tanto de chineses quanto de expectativas elevadas e realidades mais
latino-americanos, bem como de outros desafiadoras não será fácil, mas certamente será
observadores interessados. Os líderes chineses mais fácil do que tentar controlar as
devem continuar a tentar trazer estabilidade aos conseqüências ao permitir que as bolhas de
problemáticos mercados internos para as expectativas estourem.
importações de commodities latino-americanas.

Matt Ferchen (matt.ferchen@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pela Cornell University (EUA)
e Professor de Relações Internacionais na Universidade de Tsinghua (China).

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130
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’s


multi-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee for
Peaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently established
Asian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand the
meaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and South
Africa, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation is
meant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions from
other major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnerships
with regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectations
linked to the impact of digitalization into account.
KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.
* * *
RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?
Matt Ferchen
This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America during
the decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on this
set of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,
exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Close
to this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, which
asserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementary
and have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen as
complementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. These
authors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing short
term benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforces
dysfunctional standards of Latin American development which many countries within the region
rejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period now
spanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present a
general view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting the
important role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by a
description of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as what
consequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regard
to the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.
KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.
* * *
THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM
Paulo G. Fagundes Visentini
China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economic
agenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.
What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many who
claim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position the
United States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close to
resembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue that
Chinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nations
of the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in international
politics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty and
development, we base our argument on the relationships that China has established with the African

147
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

dans le système international et la dépendance croissante de tous les pays par rapport à l’espace, on
explique que les raisons chinoises pour la coopération spatiale seraient la quête de sécurité, le
développement économique et la légitimité. En suite, on révèle le stade actuel de développement du
programme spatial chinois, particulièrement dans les domaines des satellites d’image, de la navigation,
de la communication et de la retransmission de données, bien comme dans les domaines des satellites
micro et nano. En ayant les stimulations structurelles, les objectifs stratégiques et le niveau actuel de
développement technologique, il est possible d’interpréter correctement les initiatives multilatérales
de la Chine dans le contexte mondial, avec le Comité des Nations Unies pour l’Utilisation Pacifique
de l’Espace Extra-Atmosphérique (Copous), bien comme dans le contexte régional, avec la récente
Organisation de Coopération Spatiale d’Asie-Pacifique (Apsco). De la même manière, il est possible
de comprendre le significat, la potentialité et les limites pratiques de la coopération bilatérale chinoise
avec le Brésil et l’Afrique du Sud, des puissances régionales hors de l’Asie. On conclut que la
politique de coopération spatiale chinoise vise à augmenter l’influence internationale de Beijing sans
produire des réactions excessives des autres puissances, reportant ainsi, une eventuelle militarisation
de l’espace et cherchant à construire des partenariats avec des puissances régionales encore
débutantes dans l’espace, mais ayant en vue l’avenir et les expectatives par rapport à l’impact de la
numérisation.
MOTS-CLÉS: la coopération spatiale ; le Programme Spatial Chinois ; la sécurité internationale.
* * *
LES RELATIONS ENTRE LA CHINE ET L’AMÉRIQUE LATINE : DES IMPACTS À COURT
OU LONG TERME?
Matt Ferchen
L’article met l’accent sur les relations d’affaires et d’investissements entre la Chine et l’Amérique
Latine dans les années 2000. Il y a trois interprétations principales, distinguées et liées, sur cet
ensemble de relations : pour la première, l’Amérique Latine, une région avec des ressources naturelles
abondantes, exporte des produits primaires à une Chine en expansion, mais en manque de ces
ressources. En soutenant celle-ci, nous avons ceux, y compris beaucoup de représentants éminents
du gouvernement, qui affirment que les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine
sont fondamentalement complémentaires, ayant un effet positif pour toutes les deux. Toutefois,
d’autres observateurs soulignent que ce qui est vu comme une complémentarité, n’est en realité
qu’une manière renouvelée de dépendance latino-américaine. Ces auteurs disent que, malgré que
l’expansion rapide des affaires et investissements apporte des bénéfices à court terme pour les deux
côtés, cet espèce de relation basée sur des commodities, renforce les modèles dysfonctionnels de
développement de l’Amérique Latine, dont beaucoup de pays de la région ont renoncé il y a déjà
longtemps, et essaient d’oublier depuis plus d’un demi-siècle. En prennant cette discussion comme
référence, on présente premièrement, une vision générale des relations commerciales et
d’investissements entre la Chine et l’Amérique Latine, en soulignant le rôle important de la demande
chinoise pour les commodities latino-américaines. Deuxièmement, on décrit les différentes
interprétations sur ce qui conduit cette relation commerciale et quelles seraient ses conséquences.
Troisièmement, on présente l’argument, soutenu par nous, sur comment nous devrions comprendre
ce qui conduit les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine et ce qui est en jeu. On
conclut en vérifiant les implications de nos découvertes avec l’idée selon laquelle, la Chine offre un
modèle unique d’économie politique nationale et internationale.
MOTS-CLÉS: les affaires ; les investissements ; la Chine ; l’Amérique Latine.
* * *

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 131-141 NOV. 2011

A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

Paulo G. Fagundes Visentini

RESUMO

A chegada da China à periferia em desenvolvimento, com uma agenda política e econômica abrangente,
inaugura um novo estágio na projeção internacional chinesa e no próprio sistema mundial. Quais são os
objetivos dessa Novíssima China em termos de política internacional? Não são poucos os que identificam
nas ações chinesas aspirações ambiciosas de dominação mundial, sucedendo os Estados Unidos como
liderança do planeta. Em uma manifestação que beira a sinofobia (como outrora o “perigo amarelo”),
argumentam que seu desenvolvimento almeja concentrar a riqueza mundial em suas mãos, quebrando com
a economia das demais nações. Tomando como base as relações estabelecidas com o continente africano,
defendemos a hipótese de que Pequim inaugura uma nova etapa na grande política internacional e suplanta
a fase em que a Nova China lutava para recuperar sua soberania e desenvolvimento, começando a Novíssima
China a transformar o próprio sistema mundial. Para tal, argumentamos que a China busca evitar as
hegemonias, tanto a dos Estados Unidos como a dela própria, pois nesse último caso, poderia ter a mesma
sorte que a Alemanha nas duas guerras mundiais. Não se trata de uma tarefa fácil, pois a China move-se em
meio à fluidez diplomática do período posterior à Guerra Fria e ao envelhecimento do capitalismo
contemporâneo em seus centros históricos.
PALAVRAS-CHAVE: diplomacia chinesa; sistema internacional; relações China-África.

I. INTRODUÇÃO to, particularmente com a África, em uma pers-


pectiva que ultrapassa a simples esfera comercial
Em 1949, com a proclamação da República
ou diplomacia de influência a ela associada.
Popular da China (RPC), Mao Zedong anunciava
o nascimento da Nova China. Ao longo de três O que deseja essa Novíssima China, em ter-
tumultuadas décadas, o país logrou reafirmar sua mos de política internacional? Não são poucos os
soberania e a ocupar um espaço político relevante que identificam nas ações chinesas aspirações
como membro permanente do Conselho de Segu- ambiciosas de dominação mundial, sucedendo os
rança da Organização das Nações Unidas (ONU), Estados Unidos da América (EUA) como lideran-
em um contexto de normalização das relações com ça do planeta. Em uma manifestação que beira a
a comunidade internacional. Nas três décadas se- sinofobia (como outrora o “perigo amarelo”), ar-
guintes, o país lançou um complexo e dinâmico gumentam que seu desenvolvimento almeja con-
modelo de desenvolvimento que não apenas alte- centrar a riqueza mundial em suas mãos, quebran-
rou substancialmente sua realidade interna, como do com a economia das demais nações. Mas o
também teve um profundo impacto nas relações “problema chinês” é como alcançar o desenvolvi-
econômicas e geopolíticas internacionais. mento por meio da integração de 22% da popula-
ção mundial aos benefícios da modernidade, sem
Nascia a Novíssima China, um Estado cujo mo-
que o sistema internacional entre em colapso. Para
delo político-econômico os grandes especialistas
que ele transforme-se gradualmente, a China bus-
encontram imensa dificuldade em definir. Um país
ca evitar as hegemonias, tanto a dos Estados Uni-
cuja importância internacional pode ser avaliada pela
dos como a sua própria, pois, nesse último caso,
solicitação de parceria econômica feita em Pequim,
ela poderia ter a mesma sorte que a Alemanha nas
em 2009, pela Secretária de Estado Hillary Clinton,
duas guerras mundiais. Não se trata de uma tare-
em um tom que contrastava vivamente com a ar-
fa fácil, pois a China move-se em meio à fluidez
rogância da administração George W. Bush. Ao
diplomática do período posterior à Guerra Fria e
mesmo tempo, a economia e a diplomacia chine-
ao envelhecimento do capitalismo contemporâneo
sas conseguem estabelecer relações aparentemen-
em seus centros históricos.
te sustentáveis com a periferia em desenvolvimen-

Recebido em 18 de janeiro de 2011.


Aprovado em 18 de fevereiro de 2011.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 131-141, nov. 2011
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A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

II. A REINSERÇÃO DA CHINA POPULAR NO como a descoletivização gradual da agricultura, a


SISTEMA INTERNACIONAL introdução de uma economia mercantil dentro de
uma estrutura socialista, a criação de áreas espe-
Durante o ciclo colonial, estruturado ao longo
cíficas para a captação de capital e tecnologia es-
de quase cinco séculos de expansão e hegemonia
trangeiras e a instalação de empresas
européia, a Ásia conheceu uma situação de domi-
transnacionais, destinadas principalmente à expor-
nação direta e indireta, estagnação e mesmo re-
tação. Nas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs),
trocesso nas diversas esferas da vida social. A
geralmente províncias costeiras, introduziu-se le-
China imperial, que até o século XVIII fora, em
gislações próprias para permitir o estabelecimen-
vários campos, a nação mais avançada do mun-
to de determinados mecanismos capitalistas e o
do, entrou em uma fase de isolamento, estagna-
assentamento de capitais e empresas estrangei-
ção e declínio. Apenas o Japão escapou a essa
ras.
sorte, tornando-se uma nação imperialista, apoia-
da em um militarismo extremamente agressivo. A nova linha representava uma mudança na
estratégia chinesa. Até o início dos anos 1960, a
A I Guerra Mundial, a Revolução Soviética, a
RPC enfatizara os problemas ligados à sua segu-
II Guerra Mundial e a Revolução Chinesa (com as
rança, pois tratava-se de uma revolução ainda não
guerras da Coréia e do Vietnã) geraram uma nova
consolidada, com uma economia débil e vivendo
realidade geopolítica. O Japão foi reconstruído,
uma conjuntura internacional adversa. Foi a épo-
industrializado e integrado à esfera de influência
ca em que a permanência no bloco soviético afi-
americana, o que posteriormente ocorreu com
gurava-se como necessária para atingir esse obje-
Taiwan e Coréia do Sul (Tigres Asiáticos). Assim,
tivo. Do início da década de 1960 à de 1970, a
essa Ásia insular e peninsular do Pacífico passou
preocupação do PCC voltou-se para a autonomia
a integrar o espaço capitalista sob ascendência dos
e independência, pois, apesar dos inúmeros pro-
Estados Unidos, enquanto a massa continental
blemas, o país lograra estabilizar-se, e a aliança
asiática fazia parte de um espaço socialista e o sul
com Moscou mais entravava do que auxiliava os
do continente formava um espaço neutralista, ape-
planos chineses de tornar-se novamente uma po-
sar da Guerra do Vietnã. Dessa forma, a Guerra
tência de âmbito mundial, politicamente respeita-
Fria implicava a divisão e fragmentação do espa-
da e economicamente desenvolvida.
ço asiático em regiões isoladas umas das outras,
processo que se aprofundou com a ruptura sino- A ênfase chinesa voltou-se para a moderniza-
soviética. ção do país em quatro áreas: indústria, agricultu-
ra, tecnologia e forças armadas. O melhor cami-
No início dos anos 1970, a China e os Estados
nho para atingir esses objetivos seria implementar
Unidos reaproximaram-se, em uma aliança
uma política de reformas econômicas internas,
antissoviética, a qual permitiu a Pequim ocupar o
abrir o país ao dinamismo da revolução tecnológica
assento permanente da China no Conselho de Se-
que se iniciava, associar-se à revoada dos gansos
gurança da ONU e normalizar suas relações com
asiáticos e tirar o máximo de benefícios econômi-
a maioria das nações. Era o fim de um longo iso-
cos e estratégicos de uma aliança com os Estados
lamento diplomático e marginalização imposta. Ao
Unidos, durante uma fase de distensão internaci-
mesmo tempo, encerrava-se o longo ciclo de con-
onal. Além disso, a normalização com o Japão,
flitos internos. Com o término da Revolução Cul-
ocorrida em 1978, permitia a Pequim desmantelar
tural e a aliança com os EUA, o moísmo com ên-
progressivamente a Pax Americana na Ásia, que
fase na luta de classes foi deixado de lado. Mao
mantivera afastados os dois maiores países da
Zedong morreu em 1976 e o grupo reformista
região. Washington percebeu a nova conjuntura
ampliou seu poder gradativamente, nele emergin-
unicamente a partir de seus objetivos, sem levar
do a liderança de Deng Xiaoping. No final da dé-
em consideração todos os futuros desdobramen-
cada o Partido Comunista da China (PCC) intro-
tos dessa política.
duziu uma série de reformas econômicas, que
culminaram com uma abertura externa seletiva e Ainda que marcada por inúmeras dificuldades
a adoção de novos padrões de desenvolvimento. bastante conhecidas, a RPC não teria de partir do
zero, como a Coréia do Sul dos anos 1950, pois
Em 1978 o país adotou a política das Quatro
possuía uma base industrial e infraestrutura con-
Modernizações, que consagra reformas internas
sideráveis, ainda que insuficientemente moderni-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 131-141 NOV. 2011

zada, satisfatórias para iniciar o desenvolvimento. do Conselho de Segurança da ONU (com poder
Por outro lado, a manutenção de uma estrutura de veto) é o único país em desenvolvimento que
socialista paralela, bem como de um considerável se encontra no núcleo do poder mundial.
volume de população vivendo no campo, permiti-
II. TIBETE E TIANANMEN 1989, A PRIMEIRA
ram ao setor capitalista da economia dispor de
TENTATIVA DE CONTENÇÃO
uma mão de obra abundante a um custo extrema-
mente baixo. Educação, saúde, habitação, alimen- Essa espetacular performance, entretanto, teve
tação e transporte público têm um custo baixo na também um outro lado. A descoletivização do cam-
China, permitindo-lhe uma elevada competitivi- po levou ao aumento da produção, mas gerou
dade. Esse é o significado profundo da ambígua crescentes desigualdades sociais e uma parcela
expressão “economia socialista de mercado”1. de camponeses sem terra, que se tornaram assa-
Além da base material e da estabilidade sócio-po- lariados ou migraram para as grandes cidades. Em
lítica construídas pelo regime socialista, a China um país com quase 700 milhões de camponeses,
possuía ainda a possibilidade de utilizar outros trun- isso constitui um problema sério. Embora em
fos, que haviam favorecido o desenvolvimento de menor intensidade, esse fenômeno também atin-
Taiwan, Hong Kong e Cingapura: a diáspora chi- giu as cidades, em um clima político bem mais
nesa e seus recursos financeiros. complexo. Esse fenômeno agravar-se-á significa-
tivamente na segunda metade dos anos 1980, com
Ao alterar a ênfase de sua política da luta de
os impactos da Perestroika soviética.
classes para as reformas rumo ao mercado, a aber-
tura externa e a aliança com Washington, os co- As reformas soviéticas criaram expectativas
munistas de Pequim não apenas reinseriam o país imensas de uma rápida inserção internacional da
no concerto das nações, como multiplicavam os União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
sinais de confiança, destinados a atrair os investi- (URSS), mas concretamente levaram o país à beira
mentos de seus compatriotas de além-mar, asso- do caos sócio-econômico e da ruptura política.
ciando-os ao projeto e modernização e oferecen- Era um caminho bem diverso do chinês. Pequim
do-lhes bons negócios. Essa estratégia viria a ser desencadeara suas reformas internas e abertura
coroada de sucesso, mesmo em relação aos arqui- externa essencialmente no plano econômico, sem
inimigos do outro lado do estreito de Formosa. estendê-las ao político, ao contrário de Moscou,
Com a introdução do princípio de “uma nação, que as iniciou pelo sistema político, uma década
dois sistemas”, Pequim conseguiu lograr com êxito depois. Ora, os reformistas de Deng Xiaoping
a reincorporação dos dois últimos enclaves colo- desencadearam seu processo de mudanças quan-
niais, Hong Kong e Macau, respectivamente em do a Revolução Científico-Tecnológica (RCT)
1997 e 1999. encontrava-se ainda em sua fase inicial, além de
aproveitarem uma conjuntura internacional mais
O impacto da inserção mundial da China é in-
favorável, conservando seu sistema político
tenso, não apenas pela acelerada taxa de cresci-
unipartidário, o que possibilitou estabilidade e con-
mento, mas pelo peso econômico e populacional
trole sobre as reformas. As reformas de
do país, bem como por sua dimensão continental.
Gorbatchov, por outro lado, deram-se sem um
O problema, entretanto, não diz respeito apenas
plano estratégico claramente definido, sem con-
ao peso da China, mas principalmente às caracte-
trole político e, pior ainda, em um momento em
rísticas do projeto chinês. Trata-se de uma po-
que a RCT já dera ao capitalismo uma dianteira
tência nuclear, com imensa capacidade militar,
inalcançável.
além do fato de tratar-se de um modelo de desen-
volvimento de pretensões autônomas. A Repúbli- Os efeitos internacionais da Perestroika e a
ca Popular da China, graças à sua capacidade mi- facilidade com que a URSS estava sendo integra-
litar de dissuasão, armamento nuclear, indústria da ao sistema mundial em uma posição politica-
armamentista própria, tecnologia aeroespacial e de mente subordinada, levaram determinadas forças
mísseis, bem como por ser membro Permanente políticas (dos EUA, de Taiwan e do próprio país)
a tentar atrair a China para o mesmo caminho.
Não se tratava de mera “conspiração”, pois as ten-
1 Segundo Medeiros (1999), a economia socialista de mer- sões sociais e as complexidades políticas (ampli-
cado consiste na descentralização do planejamento e na ação do número de atores políticos, com interes-
centralização do mercado. ses específicos) que acompanhavam as econo-

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A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

micamente bem sucedidas reformas chinesas eram efeitos desestabilizadores, gerando a fragmenta-
consideráveis, além dos dirigentes chineses en- ção social e nacional, essa última particularmente
contrarem-se divididos quanto aos limites e ao rit- presente nos países periféricos. É nesse quadro
mo dessas mesmas reformas. de reordenamento mundial que a Ásia emerge
como uma nova fronteira econômica.
Uma mobilização popular multifacética e con-
traditória emergia no país, especialmente como Os problemas e perspectivas da Ásia não po-
movimento contra a corrupção, e o jovem dem, contudo, ser avaliados unicamente a partir
empresariado e os ultra-reformistas do PCC, da perspectiva econômica. A segurança regional
nucleados em torno do Primeiro-Ministro Zhao levanta uma série de interrogações que, provavel-
Ziyang, procuraram capitalizá-lo em sua luta con- mente, condicionarão as possibilidades econômi-
tra os reformistas moderados como “movimento cas posteriores. A ascensão econômica da China,
pela democracia”. A concentração popular na Praça potencializando o incremento e modernização de
da Paz Celestial (Tiananmen), ponto de inflexão seu potencial militar e, conseqüentemente, ampli-
desse confronto, ocorria durante as comemora- ando sua autonomia político-diplomática, passa-
ções do Movimento de 4 de maio de 1919 e a ram a preocupar particularmente os EUA, que
visita de Gorbatchov, que deveria encerrar três buscam reafirmar sua predominância a um custo
décadas de divergência, e motivava os reformis- mais baixo que durante a Guerra Fria.
tas radicais.
A região do sudeste asiático é particularmente
A repressão militar ao movimento em junho de sensível ao ingresso da China na economia mun-
1989 e a conseqüente derrota dos ultra-reformis- dial, por seu peso e por anular certas vantagens
tas, impediu que a China tivesse o mesmo destino comparativas da região. A Associação de Nações
da União Soviética: a desagregação do país e o do Sudeste Asiático (Asean) tem agido com rapi-
colapso do regime socialista. É, pois, interessante dez, estreitando a cooperação política e econômi-
que naquele ano a estratégia ocidental de luta con- ca entre seus membros, para acelerar o desenvol-
tra o socialismo teve duas conseqüências opos- vimento econômico e garantir a segurança da re-
tas: a derrota dos comunistas soviéticos, simboli- gião. Em 1995, o Vietnã, antigo rival, passou a
zada pela derrubada do muro de Berlim, e a vitória integrar a organização, seguido por Laos, Mianmar
dos comunistas chineses, sinalizada pela repres- e Camboja, abarcando todo o sudeste asiático.
são da Praça da Paz Celestial. Analistas da política
A evolução da Ásia a partir do fim da Guerra
internacional interpretaram essa contradição ar-
Fria e do desaparecimento da URSS foi rápida e
gumentando que se tratava de uma vitória defini-
profunda, gerando uma nova realidade ainda não
tiva sobre a URSS, enquanto no caso chinês, o
devidamente avaliada, pois suas diversas regiões
próprio desenvolvimento capitalista necessaria-
constitutivas, que se encontravam
mente conduziria, em médio prazo, à adoção de
compartimentadas, têm se encaminhado para a
um regime político calcado no modelo ocidental
fusão em um único cenário estratégico. De fato,
de democracia liberal (a tese da contradição entre
o continente asiático esteve, nesse século, sub-
abertura econômica e fechamento político).
metido a uma série de divisões, cujas formas e
III. O FIM DA GUERRA FRIA E A NOVA REA- abrangência alteraram-se, sem que o problema
LIDADE GEOPOLÍTICA NA ÁSIA desaparecesse. A Guerra Fria não fez senão tor-
nar ainda mais herméticas as fronteiras entre as
O declínio e, finalmente, a desintegração da
regiões, tais como o anel insular sob controle norte-
URSS puseram fim à Guerra Fria e ao sistema
americano, a massa continental socialista (dividi-
bipolar, abrindo uma nova era de incertezas na
da desde os anos 1960 entre a China e a Sibéria e
construção de uma nova ordem mundial, em uma
Ásia central soviéticas), o subcontinente indiano
conjuntura marcada pelo acirramento da compe-
influenciado pelo neutralismo, o sudeste asiático
tição econômico-tecnológica mundial. O fenôme-
em conflito e em disputa, o que também era o
no da globalização passa, cada vez mais, pela
caso de outra região asiática, o Oriente Médio.
regionalização, isto é, pela formação de pólos eco-
nômicos apoiados na integração supranacional em Vários “muros” asiáticos ruíram com a desin-
escala regional. E a intensidade do processo de tegração da URSS em fins de 1991. Desde então,
globalização provocou, inicialmente, profundos a cooperação entre a Rússia e a RPC tem sido
crescente nos campos econômico-comercial,

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tecnológico-militar, diplomático e de segurança. e de imensos recursos naturais, como petróleo e


Especialmente importante têm sido as vendas de gás, inicialmente manteve sua dependência em
armamento sofisticado e a transferência de relação à Rússia, nos quadros da Comunidade de
tecnologia avançada no campo aeroespacial e nu- Estados Independentes (CEI). Mas o rápido
clear. A queda do “muro sino-soviético”, por ou- declínio econômico, militar e diplomático de Mos-
tro lado, também permitiu a integração progressi- cou levaram o Cazaquistão, Uzbequistão,
va da Sibéria ao dinamismo econômico da Ásia- Tadjiquistão, Quirguistão e o Turcomenistão a
Pacífico, seja diretamente ao capitalismo oceâni- buscarem novas alternativas, inclusive porque as
co transnacionalizado, seja via cooperação bilate- potências médias da região, Irã, Turquia, Arábia
ral com o socialismo de mercado chinês. Saudita, Paquistão, Índia e China, por motivos
econômicos, políticas e por determinadas
A normalização política que se seguiu aos acor-
vinculações históricas, étnicas e religiosas, não
dos de paz do Camboja em 1992, por sua vez,
permaneciam passivas frente ao vácuo de poder
terminou com o isolamento da Indochina em rela-
criado na região, projetando sua diplomacia em
ção ao restante do sudeste asiático. Essa nova di-
direção a essa área. Assim, além de ampliado, o
mensão diplomático-estratégica, associada ao di-
conjunto asiático tornou-se mais diversificado,
namismo econômico da região, propiciou o
com a abertura de uma “nova fronteira” econô-
acercamento sino-vietnamita e uma crescente
mica e política.
cooperação de Pequim com a Asean. Tanto os in-
teresses econômicos como a criação de um diálo- A independência dos países muçulmanos da
go permanente no campo da segurança têm cria- antiga Ásia central Soviética, por outro lado, afe-
do uma situação de crescente cooperação entre a tou diretamente o Oriente Médio, ampliando seu
China e o sudeste asiático. Da mesma maneira, hinterland e colocando-o em contato direto com
apesar das recorrentes situações de tensão calcu- a Ásia. Nascia o Grande Oriente Médio. Como
lada na península coreana e seu entorno, a diplo- foi mencionado, potências médias da região, como
macia chinesa tem encontrado formas de gerar Turquia, Irã, Arábia Saudita e Paquistão, lutam
contínuos rearranjos para evitar possíveis ruptu- por estender sua influência à Ásia Central, sendo
ras ou a intrusão de problemas estratégicos no o interminável conflito afegão um dos pivôs do
nordeste asiático. novo jogo geopolítico. Além disso, a fronteira
impermeável que antigamente separava a URSS
Outra região que possuía uma dinâmica pró-
do Oriente Médio desapareceu com a formação
pria e uma inserção internacional específica, e que
dos novos estados.
hoje começa a somar-se ao dinamismo da Ásia
Oriental, é o subcontinente indiano. A Índia ca- Washington, por sua vez, busca não apenas
racterizava-se por uma industrialização substitutiva ter um acesso direto aos recursos econômicos da
e autocentrada, e era aliada de Moscou no plano Ásia Central, como procura evitar que a região
estratégico (vale dizer, anti-chinesa), apesar de sua torne-se uma espécie de zona de contato entre a
diplomacia neutralista voltada ao não alinhamento Ásia e a Europa. A reabertura da Rota da Seda,
e ao Terceiro Mundo. O colapso da União Sovié- antiga ligação terrestre entre a Europa e a Ásia
tica, a ascensão econômica da Ásia Oriental e anterior à era das navegações, é bem mais do que
Sudeste, os efeitos da globalização econômica e um episódio vinculado ao turismo.
da RCT, a normalização das relações da China com
Contudo, de momento, o mais importante é
seus vizinhos e as novas ameaças à segurança in-
que o potencial conflitivo da região e a dimensão
diana, levaram Nova Delhi tanto a promover uma
de cerco, real ou potencial, que a estratégia norte-
abertura calculada de sua economia, como a bus-
americana provoca (sobretudo em relação à Chi-
car um modus vivendi com a China e a mover-se
na), fazem que a noção de segurança asiática seja
em direção a uma complexa e ambígua aliança com
ampliada para a Ásia central e, por meio dessa, ao
os Estados Unidos.
próprio Oriente Médio. Assim, além dessa última
Quase simultaneamente, o espaço geopolítico região possuir vínculos econômicos com a Ásia,
asiático ampliava-se ainda mais com o surgimento novos problemas têm permitido o estabelecimen-
de novos estados, resultantes do desmembra- to de um contato mais sistemático entre os dois
mento da URSS. A antiga Ásia central Soviética, cenários, anteriormente distantes. Lentamente, a
detentora de uma posição estratégica privilegiada Ásia política começa a identificar-se com a Ásia

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A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

geográfica e, ainda mais importante, progressiva- trução de uma Ordem Mundial não hegemônica,
mente esboça-se a noção de Eurásia, analisada com um modelo de desenvolvimento nacional, de
adiante. segurança e de governabilidade, o que atrai a aten-
ção mundial, em uma época marcada pela instabi-
IV. A EURÁSIA E A ORGANIZAÇÃO DE COO-
lidade posterior à Guerra Fria.
PERAÇÃO DE SHANGHAI
Esse Novo Segundo Mundo3 mantém uma dis-
A expansão do cenário estratégico asiático para
creta e sutil cooperação estratégica com o “Velho
o interior da Eurásia significa a ampliação de re-
Segundo Mundo” (reduzido à CEI), como foi vis-
cursos naturais e industriais desse, mas, em um
to, e também tem uma relação menos antagônica
quadro de maior diversidade, igualmente o
do que se poderia pensar com os países capitalis-
surgimento de novos problemas e conflitos. Isso
tas da Ásia. Por um lado, os modelos de desen-
afeta tanto os países da Ásia quanto os EUA. Se
volvimento e os regimes políticos dos países asi-
os primeiros conseguem com isso ampliar seu
áticos possuem fortes semelhanças e importantes
espaço de manobra econômica e diplomática, por
interesses comuns, sejam eles formalmente capi-
outro, a complexidade contida na nova realidade
talistas, sejam socialistas. Esses modelos políti-
em formação acrescenta dificuldades a uma re-
co-econômicos, “autoritários e estadistas” na pers-
gião que atravessa uma evolução acelerada (com
pectiva norte-americana, encontram-se hoje sob
todas suas implicações) e não conta com meca-
a pressão ocidental, desde o campo dos direitos
nismos próprios de segurança coletiva. Para os
humanos ao dos mecanismos econômicos. A ten-
Estados Unidos, uma Ásia maior, comportando
dência dos países da região, então, é a de afirmar
maior número de atores políticos e com uma eco-
certo discurso e política comuns. Contudo, al-
nomia que progressivamente entrelaça o próprio
guns são extremamente vulneráveis a esse tipo de
continente, significa maiores dificuldades de in-
pressão, por sua dependência diplomática, militar
fluência sobre a evolução político-econômica da
e comercial em relação aos EUA. Assim, a China,
região.
embora esquivando-se formalmente de desempe-
Existe também outra nova realidade que tem nhar tal papel, acaba sendo a principal garantia do
de ser levada em conta quando se analisa o fenô- chamado “modelo asiático”, um dos responsáveis
meno asiático. No estudo dos cenários estratégi- pelo acelerado crescimento econômico da região.
cos dos anos 1990, alguns analistas referem-se à
Existe também outro fator de longo prazo que
formação de um “Novo Segundo Mundo”,
se encontra associado a esse fenômeno. Com a
nucleado pela RPC. De fato, como lembra o
reincorporação de Hong Kong em 1997 e de
politólogo britânico Halliday (2007), até 1989 vi-
Macau em 1999, para os asiáticos simboliza o
viam em países classificados como socialistas, 1,7
eclipse do ciclo colonial, o que coincide com a
bilhões de pessoas. Após o colapso do bloco so-
ascensão econômica da região. E os dirigentes
viético, existiam ainda 1,3 bilhões nessa posição.
asiáticos têm perfeita consciência de que sem a
Não se trata, contudo, de considerar-se esse como
China isso não seria possível, o que não significa
um simples elemento residual.
ignorar a existência de divergências intra-asiáti-
Acadêmicos norte-americanos, como cas. Observado desde a perspectiva da geopolítica
Huntington (1997), destacaram que o fim do con- clássica da virada do século, não seria absurdo
flito Leste-Oeste e o enfraquecimento de ideolo- visualizar a afirmação da massa continental, ou
gias universalistas, como o socialismo, tiveram Heartland, que passaria a desafiar a Ilha Mundi-
seu lugar ocupado pelo “conflito de civilizações”. al. Estaria essa economia, cada vez mais da Ásia
Assim, o Novo Segundo Mundo atravessa uma continental e menos do Oceano Pacífico, em con-
NEP2 que, diferentemente da soviética, não se dições de sobrepujar a hegemonia da economia
encontra limitada a “um só país”, mas inserida na anglo-saxônica centrada nos grandes espaços
economia mundial, sobre a qual influi de maneira marítimos planetários?
considerável e crescente. Além disso, ele está
gestando um paradigma alternativo para a cons-
3 O conceito de “Novo Segundo Mundo” é apresentado
no Estudo de Macrocenários, realizado pela Secretaria de
2 A política econômica socialista apoiada no mercado, que Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República
vigorou na URSS entre 1921 e 1927. durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

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Um elemento-chave para responder a essa As ações que os Estados Unidos desenvolvem


questão será a posição que o Japão vier a adotar. na região, devido à necessidade de evitar o
Esse país, tido até recentemente como paradigma surgimento de pólos de poder e de desenvolvi-
do desenvolvimento asiático, encontra-se em es- mento autônomos na Ásia, conduzem esse país a
tagnação e na encruzilhada de grandes e inadiáveis uma série de atitudes que acabam favorecendo
decisões. Sua economia enfrenta uma prolongada uma razoável acomodação das divergências de
recessão, a população está envelhecida, o con- Pequim com seus vizinhos. Os EUA têm procura-
senso social começa a dar sinais de esgotamento do estabelecer um cerco geopolítico à China,
e o sistema político organizado em 1955, durante como bem o demonstram os acordos de Washing-
a Guerra Fria, entrou em colapso, e passa por ton com a Mongólia, além de fomentar o separa-
redefinições que, todavia, ainda não estão sufici- tismo no Tibete e em Taiwan, com apoio ao dis-
entemente claras. Contudo, o nó da questão en- curso independentista, como observou-se nas elei-
contra-se justamente na política internacional, em ções taiwanesas de 1996.
relação à qual Tóquio precisa definir-se: como
Os Estados Unidos também parecem dispos-
parte da economia Nichibei, ou seja, como a fron-
tos a instrumentalizar política e economicamente
teira oriental do império americano, ou como par-
a Índia e o Vietnã como parte de sua estratégia de
te da Ásia e sua fronteira ocidental.
isolamento da China e de contenção de seu desen-
A economia nipônica tem se voltado progres- volvimento, tirando proveito da rivalidade desses
sivamente para o continente; as questões de se- dois países em relação à Pequim. Contudo, Wa-
gurança regional têm obrigado o país a um maior shington parece desconsiderar que tanto Nova
envolvimento local (como no caso da península Delhi como Hanói definem-se estrategicamente
coreana) e as pressões norte-americanas para que pelos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica e
o Japão enquadre-se ao novo padrão que a potên- pelo ideário de Bandung, como a China. Assim,
cia protetora busca implementar para a economia apesar de divergências concretas, esses três im-
mundial, levam muitos estadistas e empresários a portantes países asiáticos possuem muitas pers-
defender uma maior autonomia para a nação, apoi- pectivas e interesses comuns de longo prazo. A
ando-se no continente. Mas, por outro lado, o evolução de seu inter-relacionamento recente pa-
Japão ainda depende significativamente dos EUA; rece apontar nessa direção.
são tremendamente vulneráveis às pressões diplo-
Para muitos analistas está ocorrendo a emer-
mático-militares por sua dependência em matéria
gência da Eurásia como região geopolítica e
de segurança, além de encontrarem fortes reser-
geoeconômica. Dentre os três grandes centros de
vas entre os países do continente, pois as grandes
desenvolvimento do Hemisfério Norte, sempre
questões herdadas da II Guerra Mundial ainda não
houve vínculos estreitos por meio dos Oceanos
estão solucionadas como o foram na Europa.
Pacífico e Atlântico, associando a economia da
Em um plano mais geral, a situação da Ásia América do Norte com a da Ásia Oriental e da
encontra-se marcada por uma série de contradi- Europa Ocidental, respectivamente. Mas desde a
ções. Os países asiáticos, mesmo a China, conti- derrocada do sistema colonial, Ásia e Europa têm
nuam favoráveis à manutenção da presença mili- caminhado separadas, o que agora começa a mu-
tar americana na região, pois ela garante a segu- dar. A possibilidade de que um triângulo venha
rança regional a um custo reduzido e, ainda, no realmente a formar-se poderia alterar o equilíbrio
caso de Pequim, justifica um acercamento entre internacional.
os asiáticos para conter o “hegemonismo” de
A Rússia, por sua vez, ainda que tenha se tor-
Washington na área. Trata-se de uma postura de-
nado um parceiro qualitativamente inferior à anti-
fensiva que acaba, em certa medida, por legitimar
ga URSS, tem mantido com países-chave da Ásia
a China aos olhos de seus vizinhos. Contudo, as
uma crescente cooperação em campos particu-
nações asiáticas rechaçam as pressões econômi-
larmente sensíveis, como também foi visto ante-
cas e as ingerências políticas norte-americanas,
riormente. Além disso, esse país constitui preci-
tanto em assuntos internos como externos, que
samente o elo terrestre que serviria de base para a
constituiriam justamente os temas mais importantes
constituição de um grande espaço econômico
para a Casa Branca, já que seu poder bélico não é
eurasiano. A Rússia, desde que Evgueni Primakov
utilizado explicitamente.
tornou-se Primeiro Ministro, mas especialmente

137
A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

desde que Vladimir Putin assumiu a presidência, produziu igualmente a explosão da “bolha finan-
passou a reorganizar-se, a crescer economicamen- ceira”. Para evitar a inflação, o governo bloqueou
te, a recuperar parcialmente sua capacidade mili- a oferta de dinheiro, condenando o país à estag-
tar e a desenvolver um significativo protagonismo nação. Ao mesmo tempo, vários bancos faliam,
diplomático. Além da parceria estratégica sem que o Estado pudesse socorrer a todos.
estabelecida com a China, ambos os países cria-
No momento em que a China começou a con-
ram a Organização de Cooperação de Shanghai,
cretizar seu processo de reunificação (iniciado com
um acordo de caráter econômico e de segurança,
a devolução de Hong Kong em 1997) e os Tigres
que engloba igualmente o Cazaquistão, o
tentavam consolidar seu desenvolvimento em mol-
Uzbequistão, o Tadjiquistão e o Quirguistão, além
des autônomos, prosseguia a estagnação japonesa
de associados e observadores. A Ásia central pos-
e, em seguida, ocorreu o terremoto financeiro nos
sui recursos em gás e petróleo que são indispen-
países mais vinculados e dependentes dos Estados
sáveis ao desenvolvimento chinês.
Unidos (Tailândia, Indonésia e Coréia do Sul). Essa
Por fim, importantes países asiáticos indivi- crise, apesar de haver reduzido inicialmente a pro-
dualmente e organizações regionais como Asia- dução, afetou especialmente o âmbito financeiro,
Pacific Economic Cooperation (APEC), The com a desvalorização das moedas locais, o que
Pacific Economic Cooperation Council (PECC), permitiu ao capital forâneo adquirir empresas naci-
South Asian Association for Regional Cooperation onais a um preço reduzido. Além disso, intensifica-
(Saarc) e Asean, entre outras, têm buscado um vam-se as pressões pela fragmentação da China
maior acercamento com países-chave do Tercei- (revivendo a questão do Tibete e de Taiwan) e con-
ro Mundo, particularmente com os chamados tra a Indonésia, que acabaram derrubando o regi-
emergentes, como o conjunto da África Austral me autoritário de Suharto. Mas a China e a Malásia,
nucleado pela África do Sul posterior ao Apartheid bem como o Vietnã, resistiram à crise e a Coréia do
e com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), Sul recuperou-se.
particularmente com o Brasil. Assim, o Oceano
A crise ocorreu em um contexto em que o de-
Índico estaria constituindo-se em uma espécie de
senvolvimento da Ásia-Pacífico vinha encaminhan-
rota de ligação com o Sul. A cooperação mais es-
do-se para uma interiorização no continente e seu
treita com essas regiões, apesar de atualmente
centro, o que é particularmente visível não apenas
possuir um impacto limitado no plano puramente
pela intensificação das relações econômicas entre
econômico, possui um potencial promissor de
os próprios países asiáticos. Já a corrida
médio e longo prazo, além de constitui um ele-
armamentista (particularmente naval) na Ásia Ori-
mento estratégico nas disputas entre os pólos de-
ental tem sido percebida de maneiras diferentes.
senvolvidos do Hemisfério Norte. Não se pode
Enquanto para analistas ocidentais essa corrida evi-
deixar de considerar que, pelo fato do pólo asiáti-
dencia a ascensão da rivalidade e da desconfiança
co constituir em linhas gerais uma área em desen-
entre os estados asiáticos, para muitos destes re-
volvimento, existe um amplo espaço para o esta-
presenta implicitamente a capacitação e moderni-
belecimento entre este e os mercados emergentes
zação militar, como forma de dissuadir coletiva-
antes referidos, de uma parceria estratégica ca-
mente possíveis ingerências extra-regionais contra
paz de influenciar o futuro perfil da ordem inter-
a sua soberania (conceito hoje desprezado no Oci-
nacional emergente.
dente, mas profundamente arraigado na Ásia).
V. A CRISE ASIÁTICA DE 1997, A SEGUNDA
VI. GUERRA AO TERRORISMO, A TERCEIRA
TENTATIVA DE CONTENÇÃO
TENTATIVA DE CONTENÇÃO
O contínuo desenvolvimento econômico asiá-
A Guerra ao Terrorismo, que os Estados Uni-
tico, contudo, sofreu em 1997 o forte impacto da
dos desencadeou após os atentados de 11 de se-
crise financeira, que atingiu vários países e reper-
tembro de 2001, inaugurou uma ampla interven-
cutiu na região como um todo. A chamada crise
ção na Ásia central e ocidental. A implantação
asiática teve antecedentes no Japão, que desde o
americana no Afeganistão e no Iraque, bem como
final dos anos 1980 conhecia dificuldades econô-
a presença militar parcial no Cáucaso e nas repú-
micas, e buscava cooperar com o continente para
blicas ex-soviéticas da Ásia Central, bem como a
compensar seus crescentes problemas com os
exploração da crise coreana e da luta contra o ter-
EUA. Em 1991 estourou a “bolha imobiliária”, que
rorismo na linha que vai do sul das Filipinas até o

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 131-141 NOV. 2011

Paquistão, evidencia o perfil da política externa curto” da capacidade militar norte-americana.


do governo Bush para a Ásia. Parece haver a in- Estreitou a cooperação político-econômica com
tenção de inserir uma cunha no coração geopolítico os vizinhos asiáticos e intensificou o comércio com
da Eurásia, dificultando a integração física da a América Latina e seus regimes esquerdistas, mas
Rússia com a China. Esta manifestou discreta- sem confrontar Washington nessa região que é
mente o que considerou um cerco estratégico por sua área de influência. Ao mesmo tempo, a China
Washington, além da ameaça que paira quanto ao aproximou-se do continente africano, tanto por
acesso ao petróleo da Ásia central por parte da motivos econômicos (mercados e matérias-pri-
economia chinesa. mas) quanto diplomáticas (combater a presença
remanescente de Taiwan). Em novembro de 2006
Por meio de guerras teatrais contra os debili-
foi realizada, em Pequim, a terceira Cúpula Chi-
tados países do chamado Eixo do Mal, confor-
na-África, com a presença de mais de 40 lideres
me Todd (2003), o que a administração republi-
africanos, ocorrendo o lançamento de uma espé-
cana busca é conter a formação de uma conste-
cie de Plano Marshall chinês para o continente,
lação de pólos de poder na Eurásia, capazes de
por meio de investimentos em infraestrutura e ajuda
contribuir para a formação de um sistema inter-
ao desenvolvimento.
nacional multipolar. O desenvolvimento e a au-
tonomia da Eurásia deixariam a América “margi- O desenvolvimento econômico chinês e o fim
nalizada”, uma vez que perderia sua posição de da Guerra Fria foram determinantes para as rela-
liderança junto à economia e ao sistema de segu- ções entre a China e a África. Até então, a política
rança mundial. Daí manter-se uma situação de externa chinesa para o continente negro baseava-
instabilidade permanente na região. Como os se na antiga disputa ideológica, primeiramente com
pólos de poder asiático estão reagindo? Com muita os Estados Unidos e as potencias coloniais euro-
cautela. A Coréia do Sul tenta evitar uma escala- péias, e, depois, com a União Soviética. Assim, a
da, mantendo negociações com o Norte e, junta- China buscava parcerias que convergissem com
mente com o Japão e a China, tentando impedir sua posição conjuntural, bem como uma diplo-
uma ação americana. macia de prestígio. Quando o país distanciava-se
da URSS, aliava-se com aqueles que fossem con-
A China, por sua vez, teve uma atuação dis-
tra a infiltração do bloco soviética no continente,
creta quanto à guerra contra o Iraque, evitando
como em uma tentativa de polarizar o sistema in-
polemizar demasiadamente com os EUA. O inter-
ternacional de uma forma mais intensa. Assim,
câmbio econômico com Washington é vantajoso
durante a década de 1980, houve um decréscimo
e Pequim necessita manter seu crescimento eco-
nas relações sino-africanas, pois muitos acredita-
nômico ao menos por mais uma década. Ao mes-
vam que a China não precisa da África como das
mo tempo, o dragão chinês busca cada vez mais
potências ocidentais para edificar seu próprio for-
associar os vizinhos ao seu processo de desen-
talecimento econômico.
volvimento econômico, o que vem fazendo com
sucesso, enquanto participa nas iniciativas regio- Quando o bloco soviético começava a esface-
nais de cooperação, econômicas, políticas ou de lar-se, ocorreu um episódio bastante importante
segurança, como no caso da Asean. Assim, a Chi- para os acontecimentos posteriores envolvendo
na vai tornando-se o centro de gravidade da Ásia esses atores. Os eventos da Praça da Paz Celestial
e, discretamente, participando de modo prudente, geraram forte reação da comunidade internacio-
mas segura, na grande diplomacia mundial. Ela nal. A reação por parte de governantes africanos,
seguramente conformará um pólo de poder com todavia, foi diferente. Não faltaram líderes que
alguns países vizinhos, em um sistema internaci- defendessem a atitude do governo chinês. Dessa
onal multipolar, regido por uma ONU forma, a China passou a encarar a África de outra
redimensionada pelo novo equilíbrio de forças que forma, visualizando uma possível aliança política
se viria a formar. que lhe serviria de sustentação, principalmente na
ONU. Paralelamente, a China aproveitava a oca-
VII. O MUNDO EM DESENVOLVIMENTO SE
sião para minar a presença de Taiwan no conti-
TORNA ESTRATÉGICO PARAA CHINA: O
nente. Percebeu-se, igualmente, que haveria van-
CASO DA ÁFRICA
tagens econômicas possíveis com os africanos, e
Evitando confrontar os EUA na Ásia central, a política externa voltou-se mais em direção ao
Pequim buscou áreas não cobertas pelo “lençol continente.

139
A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

Outro ponto comum entre chineses e africa- cio-econômico de ambos, pois isso dificultaria sua
nos é o fato de que compartilhavam a visão de subserviência às potências do Norte.
que as críticas ocidentais apenas procuravam re-
No decorrer da década de 1990, o acelerado
tardar o desenvolvimento dos países mais pobres.
crescimento econômico pelo qual passava a Chi-
Ambos têm um passado comum de exploração
na suplantou a limitada oferta de petróleo que as
européia, o que os torna desconfiados de eventu-
estatais do país produziam, em comparação com
ais manifestações contrárias às suas políticas do-
as crescentes necessidades. Além disso, uma gran-
mésticas e soberania. Além disso, a possibilidade
de parcela da população deixou a linha da pobre-
de crescimento econômico, desvinculado da su-
za, sobretudo aqueles que saíram do campo. Há
jeição a agendas de liberalização política impostas
alguns anos, Angola tornou-se o maior fornece-
pelos países da Organização para a Cooperação e
dor do combustível para o país asiático, superan-
Desenvolvimento Econômico (OCDE) anima inú-
do a Arábia Saudita. Além disso, os chineses im-
meros governantes africanos.
portam outros minérios e vários produtos alimen-
O continente passou, então, a ser considerado tícios.
pela política externa chinesa como o maior espa-
Com base nesses princípios, ocorreu, em 2000,
ço de aliados no mundo. Por outro lado, os afri-
a criação do Fórum de Cooperação China-África,
canos vêem com bons olhos a parceria com a
que visa a regulamentar as relações entre as par-
China, sobretudo devido à posição dessa no Con-
tes, de modo a promover o desenvolvimento mú-
selho de Segurança da ONU. Depois de 1989, a
tuo. As reuniões são trienais e seus principais pon-
ajuda humanitária e os negócios entre as partes
tos não se limitam ao aumento do comércio, mas
cresceram significantemente. O número de visi-
também à cooperação científico-tecnológica e à
tas diplomáticas entre chefes de Estado voltou a
ajuda econômica chinesa, que ocorrem, sobretu-
ter um ritmo ascendente, e foram criadas novas
do, por meio de investimentos em infraestrutura.
iniciativas para que empresas pudessem deslocar-
Na última reunião do Fórum, em 2009, os chine-
se para o continente. Naturalmente, as empresas
ses prometeram conceder dez bilhões de dólares
estatais foram pioneiras, mas logo seguidas pela
em empréstimos aos países africanos, além de
iniciativa privada e atores subnacionais chineses.
favorecer a iniciativa privada chinesa a investir
Vale notar que a China tem, historicamente, mais no continente negro.
relações amigáveis com seus vizinhos. Sempre foi
Quando os Estados Unidos iniciaram uma gran-
de seu interesse buscar parcerias para evitar con-
de intervenção na Ásia central e no Oriente Mé-
frontos futuros, de modo a forjar um jogo de soma
dio, em função da “guerra ao terrorismo”, os in-
positiva. Por isso, os chineses sempre evitaram a
teresses chineses foram gravemente afetados.
intervenção em assuntos internos de outras na-
Havia projetos de oleodutos e gasodutos em mar-
ções. Aos africanos, evidentemente, isso era mui-
cha nessas regiões, e a segurança energética foi
to favorável, pois os organismos internacionais,
ameaçada. Para evitar confrontos com Washing-
tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI),
ton, Pequim procurou um espaço onde sua inser-
sempre condicionam empréstimos a medidas de
ção fosse menos onerosa diplomaticamente. Esse
ajuste econômico restritivo e choques de gestão,
espaço era a África e, em menor medida, a Amé-
além de um elevado grau de liberalização político-
rica do Sul. Na mesma linha, a crescente necessi-
econômica que comprometiam a governabilidade
dade de minerais, alimentos e outras matérias pri-
dos estados africanos.
mas, além de áreas para investimento de capitais
Os chineses, por outro lado, concedem ajuda chineses e mercados para seus produtos, fez que
sem questionamentos e com poucas exigências. a cooperação sino-africana atingisse um patamar
Essas medidas são muito criticadas pelo Ociden- estratégico.
te, que detrata a ajuda chinesa a países com histó-
A oferta de prédios públicos (palácios presi-
rico de desrespeito aos direitos humanos, os cha-
denciais, ministérios, hospitais, escolas, centros
mados “estados delinqüentes”. Essas reclamações
de convenções e estádios esportivos) entusiasmou
são encaradas com ceticismo por parte de africa-
os africanos. Os produtos chineses, extremamente
nos e chineses, que entendem que se trata de mais
baratos, encontraram na África um espaço ines-
uma tentativa de impedir o desenvolvimento só-
perado, permitindo aos africanos o acesso a um

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 131-141 NOV. 2011

consumo antes inimaginado. Mesmo em remotas passaria de uma espécie de neoimperialismo à


aldeias africanas há um pequeno comércio chinês chinesa, e que a concessão de empréstimos sem
do tipo “1,99”. Grandes obras de infraestrutura, a exigência de garantias político-institucionais fa-
novas ou reconstruídas após décadas de guerra voreceria ditaduras.
geram milhões de empregos, embora a China em-
Os detratores ignoram, contudo, que a maio-
pregue, em muitos casos, sua própria mão de obra
ria dos africanos exalta a participação chinesa,
e haja algumas tensões localizadas. Projetos de
sempre fazendo questão de diferenciá-la da euro-
mineração, prospecção de petróleo, exploração de
péia. Essa atuação é bastante coerente com o his-
madeira, projetos agrícolas, assistência técnica e
tórico da política externa chinesa, que prioriza a
vultosos investimentos mudaram o panorama eco-
não intervenção nos assuntos domésticos. Vê-se,
nômico africano.
portanto, uma nítida intenção de fortalecimento
Mais ainda, os africanos deixaram de solicitar político-econômico por parte dos chineses, que
empréstimos ao FMI, passaram a ser mais seleti- vêem na África uma oportunidade ímpar para ex-
vos com a ajuda ocidental e, sobretudo, a desen- pandir negócios, encontrar parceiros diplomáti-
volver uma diplomacia mais assertiva. Se há ca- cos e alterar o perfil da ordem mundial, rumo à
sos de corrupção, isso também havia com os ne- multipolaridade. Resta, por enquanto, esperar para
gócios europeus. O fornecimento de armamento que os africanos organizem-se melhor para que
e o apoio diplomático chinês, sobretudo vetando estabeleçam uma política coerente em relação à
iniciativas ocidentais no Conselho de Segurança China. Até o momento, os chineses sempre to-
da ONU contra estados africanos, elevaram a mam a dianteira e regem as negociações, mesmo
autoconfiança do continente, que não se sente mais que elas sejam organizadas bilateralmente.
abandonado. É isso que Bruxelas, Washington e
Assim, a chegada da China à periferia em de-
as organizações não-governamentais não conse-
senvolvimento, com uma agenda política e eco-
guem compreender. Para os africanos, trata-se de
nômica abrangente, parece inaugurar um novo
uma descolonização econômica e de uma nova
estágio na projeção internacional chinesa e no pró-
projeção internacional.
prio sistema mundial. A China estabeleceu com a
A atuação chinesa suscita reações bastante di- África, por exemplo, uma relação que não é me-
versas na comunidade internacional. Os pontos ramente conjuntural, mas irreversível. Ainda que
positivos são o crescimento econômico por que sem condições de impor nada aos africanos, et
os países africanos vêm experimentando e o in- pour cause, Pequim inaugura uma nova etapa na
vestimento pesado em infraestrutura, sempre ne- grande política internacional e suplanta a fase em
gligenciado pelos europeus. Por outro lado, ape- que a Nova China lutava para recuperar sua so-
sar das críticas, há, globalmente, um equilíbrio berania e desenvolvimento, pois a Novíssima Chi-
comercial entre os estados africanos e a China. na começa a transformar o próprio sistema mun-
Há quem argumente, ainda, que essa relação não dial.

Paulo G. Fagundes Visentini (paulovi@ufrgs.br) é Doutor em História Econômica pela Universidade de


São Paulo (USP) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Ufrgs).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HALLIDAY, F. 2007. Repensando as Relações XX e XXI. In: FIORI, J. L. (org.). Estados e
Internacionais. Porto Alegre: UFRGS. moedas no desenvolvimento das nações.
Petrópolis: Vozes.
HUNTINGTON, S. P. 1997. O choque de civili-
zações. Rio de Janeiro: Objetiva. TODD, E. 2003. Depois do império. São Paulo:
Record.
MEDEIROS, C. 1999. China: entre os séculos

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’s


multi-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee for
Peaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently established
Asian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand the
meaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and South
Africa, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation is
meant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions from
other major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnerships
with regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectations
linked to the impact of digitalization into account.
KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.
* * *
RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?
Matt Ferchen
This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America during
the decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on this
set of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,
exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Close
to this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, which
asserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementary
and have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen as
complementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. These
authors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing short
term benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforces
dysfunctional standards of Latin American development which many countries within the region
rejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period now
spanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present a
general view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting the
important role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by a
description of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as what
consequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regard
to the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.
KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.
* * *
THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM
Paulo G. Fagundes Visentini
China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economic
agenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.
What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many who
claim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position the
United States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close to
resembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue that
Chinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nations
of the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in international
politics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty and
development, we base our argument on the relationships that China has established with the African

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

continent. The new New China, then, has begun to transform the world system itself. In this sense,
we argue, China has sought to avoid hegemonies, whether that of the Unitied States or its own. If
this were not so, its fate could turn out to be similar to that of Germany’s, in the aftermath of two
World Wars. Yet such strategies might not be feasible, since China must act today within the context
of post-World War diplomatic fluidity and an aging contemporary capitalism whose historic centers
are in rapid decline .
KEYWORDS: Chinese Diplomacy; International System; China-Africa Relations.
* * *

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

LA NOUVELLE CHINE ET LE SYSTÈME INTERNATIONAL


Paulo G. Fagundes Visentini
L’arrivée de la Chine à la périphérie en développement, avec un agenda politique et économique
varié, inaugure une nouvelle étape dans la projection internationale chinoise et même dans le
système mondial. Quels seraient les objectifs de cette Nouvelle Chine par rapport à la politique
internationale ? Il y a ceux qui identifient dans les initiatives chinoises, des aspirations ambitieuses de
domination mondiale, succédant les États Unis autant que pays en tête de la planète. Avec une
manifestation qui tend vers la sinophobie (connue avant comme la « peur jaune »), on argumente que
son développement souhaite concentrer la richesse mondiale dans ses mains, en brisant l’économie
des autres nations. En ayant comme principe les relations établies avec le continent africain, nous
soutenons l’hypothèse selon laquelle, Pékin inaugure une nouvelle étape dans la grande politique
internationale et supplante la phase où la Nouvelle Chine luttait pour récupérer sa souveraineté et
son développement, et ainsi, la Nouvelle Chine commence à transformer le système mondial lui-
même. Pour cela, nous argumentons que la Chine cherche à éviter l’hégémonie, celle des États
Unis, et la sienne aussi. Car dans ce cas, elle pourrait avoir le même sort que l’Allemagne dans les
deux guerres mondiales. Ce n’est pas une tâche facile, car la Chine se déplace entre la fluidité
diplomatique de la période postérieure à la Guerre Froide, et le vieillisement du capitalisme contemporain
dans ses centres historiques.
MOTS-CLÉS: la diplomatie chinoise; le système international; les relations Chine-Afrique.
* * *

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