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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

BERNARDO RAMOS PINTO

ANÁLISE DE TEXTURA VIOLONÍSTICA: teoria e aplicação

RIO DE JANEIRO
2017
Bernardo Ramos Pinto

ANÁLISE DE TEXTURA VIOLONÍSTICA: teoria e aplicação

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Música da Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Pauxy Gentil-Nunes

RIO DE JANEIRO
2017
AGRADECIMENTOS

Ao mestre Itiberê Zwarg, pela transmissão generosa, intensa e paciente de


conhecimentos tão profundos acerca da música e da vida.
Aos professores Luis Carlos Barbieri, Marco Lima e Humberto Amorim, pela grande
contribuição nas etapas anteriores da vida acadêmica.
Aos professores Liduino Pitombeira e Carlos Almada pela incansável disponibilidade,
e pelos preciosos conhecimentos transmitidos.
Ao professor Antônio Jardim, por me apresentar obras fundamentais.
Aos demais professores e funcionários do PPGM, sobretudo à Beth Vilella, pela
parceria, profissionalismo, amabilidade e pelo importantíssimo suporte.
Aos colegas de curso, sobretudo a Rafael Fortes e Daniel Moreira, pelo estímulo
concedido através de suas próprias obras e pelas interessantes discussões.
Às avós do meu filho, Maura Ramos (minha mãe) e Eliana Soares, pelo generoso e
fundamental apoio sem o qual essa pesquisa não poderia se realizar.
Ao meu irmão Ivan e meu pai (também Ivan) pelo estímulo intelectual e pela
interlocução.
Aos amigos Bruno Aguilar, Vitor Gonçalves, Beth Dau, Alex Buck e Letícia Balducci,
pela cumplicidade e acolhimento em tantos momentos importantes durante os últimos anos.
Ao amigo Luis Leite pelas preciosas contribuições que incluíram desde interlocuções
até sugestões que auxiliaram diretamente na solução de problemas encontrados no meio do
caminho.
Ao professor e parceiro Cliff Korman, pela inspiração desde o início do processo.
Agradeço ao meu orientador Pauxy Gentil-Nunes pela tão instigante parceria, pelos
estímulos generosos, pelas críticas francas, pelas acaloradas discussões no campo da filosofia,
pela sofisticação do pensamento, pelo exemplo no campo da ética, pela disponibilidade
concedida até o último minuto (literalmente) e pela inesquecível amizade.
À minha querida companheira Mariana Avillez, e ao meu filho, Francisco de Bem, pela
parceria em todos os momentos, pela paciência e pela coprodução de uma vida intensa, na qual
música e novos saberes estão sempre presentes.
À CAPES, pela concessão da bolsa que me permitiu concluir o curso.
Ao povo brasileiro por ter patrocinado a pesquisa.
RESUMO

RAMOS, Bernardo. Análise de Textura Violonística: Teoria e Aplicação. Dissertação


(Mestrado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

A Análise de Textura Violonística é uma proposta que resulta da associação entre a


descrição de aspecto textural de obras ou trechos de peças para violão, tal como se realiza na
Análise Particional (GENTIL-NUNES, 2009), e dados descritivos dos procedimentos
instrumentais utilizados. O principal objetivo da Análise de Textura Violonística é aprofundar
o conhecimento relativo aos modos de utilização do violão e sobre seu idiomatismo,
propiciando, assim, o desenvolvimento da escrita para o instrumento. Realiza-se,
primeiramente, uma coleta de dados acerca da composição para o instrumento encontrados nos
mais importantes tratados de orquestração e manuais de instrumentação, expondo a incipiente
abordagem relativa ao tema. As ferramentas conceituais oriundas da Análise Particional,
utilizadas no presente trabalho, são destacadas. A partir delas, são desenvolvidos os conceitos
básicos da proposta analítica apresentada: Proposta Textural, um modo de hierarquização das
configurações texturais de uma determinada obra, baseado no grau de predominância destas,
medida em termos de duração acumulada, e a PTV (Proposta Textural Violonística), produto
da associação entre textura e técnica instrumental. Cada uma das 20 peças da série Estudios
Sencillos (BROUWER, 1972) são analisadas individualmente. Os resultados analíticos
produzidos são comparados, gerando observações estatísticas acerca da série como um todo.
Expõe-se a análise e o testemunho do processo criativo relativos à obra Intensidades I,
composta pelo presente autor, para violão solo, onde são utilizadas configurações extraídas das
análises das obras de Brouwer.

Palavras-chave: Textura Musical. Análise Particional. Instrumentação. Violão; Composição.


Análise Musical.
ABSTRACT

RAMOS, Daniel. Guitar Texture Analysis. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation (Master
Degree in Music). Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Escola
de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.

Guitar Texture Analysis results from the associaton between the information about the
textural structure, described using the Partitional Analysis (GENTIL-NUNES, 2009) language,
and the the technical procedures used in guitar pieces. The main objective of the Guitar Texture
Analysis is to deepen the knowledge about composition for guitar and its idioms. At first, a data
collection about composition for guitar avaiable in the most importants orquestration and
instrumentation studies is made. This shows how superficial is the approach about the subject
in this literature. After the discussion about the conceptual tools extracted from Partitional
Analysis used in the presente work, the fundamental concepts of the Guitar Texture Analyis are
developed. Texural Proposal is a mechanism used to determinate a hierarchy between the
textural configurations found in a piece, based on acumulated duration. GTP (Guitar texture
Proposal) is the final result of the association between texture and instrumental procedures.
The 20 pieces of the Estudios Sencillos (BROUWER, 1972) are individually analysed, and its
results are compared. It was composed the work Intensidades I, developed with the structural
models extracted from the Brouwer’s pieces.

KEYWORDS: Musical Texture. Partitional Analysis. Composition. Guitar. Instrumentation.


Musical Analysis.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934). Sob a
partitura, a análise da textura proposta por Berry (1976). Cada número indica um fator
textural real. Os números maiores que 1 indicam a quantidade de componentes sonoros
contidas em cada fator. ............................................................................................. 22
Figura 2: Análise proposta por Berry de A peine si le coeur vous a considérées, images et
figures (ver Figura 1). A) aumento do número de componentes sonoros (densidade-
número) e de fatores reais. B) redução do número de fatores reais com manutenção da
densidade-número..................................................................................................... 23
Figura 3: Partições do número 5.......................................................................................... 24
Figura 4: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934), c. 1-2:
Particionamento Rítmico (1) – letra (a), (2) – letras (b) e (1+1) – letras (c). A análise de
Berry é indicada pela letra (d), e despreza as letras (b) em favor de uma visão mais
generalizada.............................................................................................................. 25
Figura 5: Representação numérica de notas e blocos utilizada no particionamento rítmico. . 29
Figura 6: Estudo 14 (BROUWER, 1972). Partes unitárias (letras B, C e D) e parte binária (letra
A). Em cores, as barras ilustram as superposições entre as partes concorrentes. ........ 30
Figura 7: Representação gráfica da interação entre as partes em fragmento do Estudo 14
(Figura 6). ................................................................................................................ 30
Figura 8: Partições do número quatro nas grafias integral e abreviada. ................................ 30
Figura 9: Estudo 1 (BROUWER, 1972, c. 1-2). Grafia original (O), interpretação utilizando as
durações literais no centro (I1) e uma outra (I2), na qual se prolongam as durações
destes........................................................................................................................ 32
Figura 10: Fórmula alternativa de APFs sugerida pelo autor para o Estudo 6 (BROUWER,
1972). ...................................................................................................................... 33
Figura 11: Estudo 1 (VILLA-LOBOS, 1952), um APF, seguido de sua transcrição em bloco.
Os números circulados, que representam as cordas nas quais deve-se executar cada nota,
ilustram uma das condições de possibilidade do APF: as notas devem localizar-se em
cordas diferentes. ...................................................................................................... 33
Figura 12: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Análise por particionamento rítmico a partir do modo
original de escrita resulta nas partições [1] e [1²]....................................................... 33
Figura 13: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Transcrição baseada em representação de efeito de
execução em APF. Partições encontradas: [1], [12], [13], [14]e [15]............................ 34
Figura 14: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Arpejos transcritos (APFs) em blocos. Obtém-se,
como resultado analítico da textura, uma única partição, [5]. .................................... 34
Figura 15: Tocatta Arpegiatta (KAPSBERGER, 1604, Tablatura para Tiorba). Composição
apresentada integralmente em blocos (sequência de acordes em tablatura). O Símbolo
% é instrução para execução arpejada ....................................................................... 35
Figura 16: Estudo 7 (VILLA-LOBOS, 1952). Versão original (letra A) e transcrição dos APFs
para blocos (indicada por linha pontilhada, letra B). Partições [1] e [1 4]. ................. 36
Figura 17: Exemplo de estruturas texturais geradas por acordes quebrados. a) sequência de
acordes de quatro sons apresentados em blocos (partição [4]); b) Uso da sequência a em
padrão de acordes quebrados na qual predomina a partição [1 3]; c) uso da sequência de
“a” em padrão de acordes quebrados na qual predomina a partição [122]. ................. 36
Figura 18: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934), c. 1-
2: apresentação das partições [1] – letra (a), [2] – letras (b) e [1²]– letras (c). Adotada a
interpretação, para fins de análise, [1²] como partição referencial, tem-se [1] como
subpartição e [2] como subsoma. .............................................................................. 38
Figura 19: Estudo 7 (BROUWER, 1972). Partições [1], [3] e [2]. Estudo monódico.
Predomínio da partição [1]. APFs transcritos em blocos............................................ 39
Figura 20: Durações (medidas em pulsos) das partições encontradas no Estudo 7 (BROUWER,
1972). ....................................................................................................................... 40
Figura 21: Estudo 1 (BROUWER, 1972). Partições: [1 2], [1] e [2]. ................................... 40
Figura 22: Durações relativas às ocorrências das partições contidas no Estudo 1 ([1 2], [1] e
[2]). .......................................................................................................................... 40
Figura 23: Estudo 5 (BROUWER, 1972). APFs transcritos em blocos. Partições encontradas:
[4], [3], [2] e [1]. As duas primeiras compõem o conjunto principal relativo à proposta
textural da peça. [2] e [1] são partições ..................................................................... 42
Figura 24: Durações das partições encontradas no Estudo 5 (BROUWER, 1972). As partições
[3] e [4] ocupam, conjuntamente, aproximadamente 80% da extensão da peça.......... 42
Figura 25: Perfil gráfico das propostas texturais relativas aos estudos 7, 18 e 14 (BROUWER,
1972), da esquerda para direita. Letras a: alto patamar (partição principal). Letras b:
contraste acentuado. Letras c: declive inferior (abrange as partições secundárias). .... 43
Figura 26: Perfil gráfico de propostas texturais múltiplas relativa aos Estudo 5 e seção “A” do
Estudo 11 (BROUWER, 1972), da esquerda para direita. O Declive superior (letras a):
conjunto principal, Contraste acentuado (letras b). Declive inferior (letras c): partições
secundárias. .............................................................................................................. 44
Figura 27: Durações acumuladas relativas às partições do Estudo 12 (BROUWER, 1972). O
declive superior (letra a) indica [1] e [122] e [1 2] como as partições do conjunto
principal. Declive inferior (letra c) abrange as partições secundárias. Queda acentuada
(letra b) sugere o ponto de divisão dos agrupamentos. ............................................... 44
Figura 28: Transcrição com APFs em bloco do Estudo 12. Duração acumulada da partição [1]
é alta devido ao padrão da figuração, que expõe o baixo isoladamente de modo
ostensivo. ................................................................................................................. 45
Figura 29: Estudo 1 (BROUWER, 1972). Encontra-se proposta textural simples tendo [1 2]
como partição principal. ........................................................................................... 46
Figura 30: Variações sobre fragmento do Estudo 1 (BROUWER, 1972 c. 1). Nos dois casos
forma-se a partição [1 2]. Na variação 1, blocos (representados pela parte [2]) são
transcritos para registro inferior. Na variação 2 blocos “envolvem” a linha melódica. 47
Figura 31: Estudo 4 (BROUWER, 1972). ........................................................................... 47
Figura 32: Diagrama descritivo da PTV relativa ao Estudo 1. Partição principal: [1 2]. Padrão
de digitação de mão direita (letras em itálico) e o uso exclusivo de cordas soltas na parte
[2] (zero). ................................................................................................................. 48
Figura 33: Diagrama geral de PTVs. As partes devem localizar-se segundo a orientação do
eixo de alturas. Os dados relativos aos procedimentos de mão esquerda (M.E.)
registram-se à esquerda da partição. Do mesmo modo, registra-se os dados relativos à
mão direita (M.D.) na lateral direita do gráfico. ........................................................ 49
Figura 34: Diagrama descritivo da PTV relativa ao Estudo 1 (BROUWER, 1972) acrescido de
indicação relativa à classificação da proposta textural encontrada (proposta textural
simples). ................................................................................................................... 50
Figura 35: Exemplo de representação gráfica de uma PTV com proposta textural múltipla. Três
partições compõem o conjunto principal; no caso: [1] (à esquerda), [1 2] (no centro), e
[1²2] à direita. ........................................................................................................... 50
Figura 36: Durações globais das partições no âmbito dos Estudos Sencillos. No eixo vertical
plota-se as durações; no horizontal, todas as partições encontradas no conjunto das
peças, organizadas por valor de duração acumulada. ................................................. 52
Figura 37: Estudo 1 (BROUWER, 1972, c. 1-2). À esquerda, o diagrama de sua PTV. ....... 53
Figura 38: Seção central do Estudo 1 (c. 8-19, BROUWER, 1972). Uso esporádico de blocos
envolvendo o emprego de cordas presas em c. 9, c. 10, c. 14 e c. 15. ........................ 54
Figura 39: Estudo 4 (BROUWER, 1972, c. 6-10). a) grafia original: as partições [1] e [1 2]
ocupam, igualmente, cinco tempos do total de 10; b) transcrição com articulação legato
na estrutura superior: [1 2] ocupa 8 tempos; c) PTV da obra: padrão de digitação de mão
direita registrado em itálico. Classificação: composta (apresenta partições secundárias
não pertinentes ao complexo da partição principal). .................................................. 55
Figura 40: Estudo 13 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 1-4): articulação do centro (parte
[2]) com uso ligados simultâneos originados em cordas soltas (terceira e quarta, no
caso); b) PTV: ligados ascendentes simultâneos originados em cordas soltas
caracterizam a articulação da parte binária. Os zeros representam notas em cordas soltas,
x e y referem a notas em cordas presas. ..................................................................... 56
Figura 41: Estudo 13, variação textural por acréscimo (linha em registro superior), gerando a
partição [1²2]. a) exemplo (c. 19-26, entrada da linha adicional em c. 21); b) PTV
relativa ao trecho variado (c. 21-29): parte [2] mantém-se com a mesma articulação e
procedimentos instrumentais da proposta original (Figura 40b). Uma linha é
acrescentada no registro superior, gerando a partição [1²2]. ...................................... 56
Figura 42: Estudo 14 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 20-23): uso de ligados simultâneos
ascendentes e descendentes, incluindo notas presas na origem dos gestos; b) PTV
relativa ao Estudo 14. As letras x e z representam notas de origem do ligado, y e w
descrevem as notas de chegada. ................................................................................ 57
Figura 43: Estudo 15 (BROUWER, 1972), seção B. Frase 1 (c. 14-17) é acompanhada por
intervalos harmônicos atacados em bloco. Já em sua recorrência (18-21) a estrutura
binária é arpejada (APFs de dois sons). ..................................................................... 58
Figura 44: Estudo 15, APFs transcritos em blocos. a) variação 1 (c. 14-21), divide-se em: frase
1 (c. 14-17) e V1 (c. 18-21); b) PTVs da variação 1 (c. 14-21, item a). À esquerda, a
estruturação da frase 1. Em V1, a parte binária é arpejada (APFs), o que é indicado pela
linha sinuosa à sua direita. ........................................................................................ 58
Figura 45: Estudo 15. a) exemplo: variação 2 (c. 32-39) com transcrição dos APFs em blocos.
Subseção c2 (c.40-54): inversão de registro entre as partes [1] e [2], no caso, a primeira
ocorre no registro superior, “sobre” a parte binária. b) PTV da variação 3 (c. 40-54).
Parte binária em registro inferior. Padrão de digitação da mão direita em itálico. ...... 59
Figura 46: Estudo 3 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 1-2). b) versão do exemplo a com a
articulação rítmica dos tempos reduzidas a blocos. Comportamento da mão esquerda
utilizado nesta execução assemelha-se ao demandado pela versão original; c) PTV:
blocos de dois sons “desmembrados” por articulação sequencial na mão direita. O
número zero indica a execução exclusivamente em corda solta referente ao elemento em
registro inferior: pedal de Mi1. ................................................................................. 60
Figura 47: Duração das partições encontradas no Estudo 11 (BROUWER, 1972). .............. 61
Figura 48: Estudo 9 (BROUWER, 1972). a) introdução (c. 1-4). Figuração F1, partição
principal: [13]. Baixos foram registrados com durações estendidas afim de mostrar que
a digitação aplicável ao trecho permite tal modo de execução; b) Versão de F1 com as
apojaturas retiradas. c) PTV da versão original de F1 (item a): ligados ascendentes
desmembram a parte binária, gerando a partição [13]; d) PTV da versão de F1 com
ornamentação retirada (item b), partição [1 2]. .......................................................... 62
Figura 49: Estudo 9 (BROUWER, 1972, c. 9). Figuração F2: predomínio da partição [1 3]. 63
Figura 50: Estudo 9 (BROUWER, 1972), c. 6-7. a) partitura original. b) transcrição com APFs
em bloco. .................................................................................................................. 63
Figura 51: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 9 (BROUWER, 1972).
Partição [1], única partição secundária, em destaque. ................................................ 64
Figura 52: PTVs relativas às seguintes obras ou trechos: a) Estudo 1. b) Estudo 4. c) Estudo
13. d) Estudo 14, e) Estudo 15, variação 1, frase 2 (c. 17-20). f) Estudo 15, variação 3
(c. 40-54). g) Estudo 13, variação (c. 21-29). h) Estudo 3. h) Estudo 9, figuração F1 (c.
1-4)........................................................................................................................... 65
Figura 53: Estudo 6 (BROUWER, 1972). A) partitura original. B) transcrição em blocos
utilizada na análise de textura violonística. ............................................................... 66
Figura 54: Diagrama das PTVs relativas aos estudos 6 e 5, estruturados por APFs (indicados
por linha vertical sinuosa na lateral direita das partições ou partes arpejadas)............ 66
Figura 55: Estudo 5 (BROUWER, 1972), c. 1-7. a) Partitura original. b) transcrição com APFs
em bloco. Uso das partições [4], [3] e [2]. ................................................................. 67
Figura 56: Estudo 17 (BROUWER, 1972). a) Partitura original com indicação da digitação e
do uso das cordas (números circulados) referentes ao padrão de arpejo; b) Transcrição
para APF, notas ornamentadas são eliminadas do bloco de cinco notas, gerando a
partição [1 4]; c) PTV do Estudo 17, parte A (c. 1-11). Partição [1 4] resulta de aplicações
de ornamentos (executados com ligados compostos, “x y z”) sobre notas internas de
acordes de cinco sons arpejados (partição [5], contorno pontilhado). ........................ 68
Figura 57: Estudo 17. Parte B (c. 12-29). ............................................................................ 69
Figura 58: Durações das partições no Estudo 11 (BROUWER, 1972). ................................ 70
Figura 59: Estudo 11, Seção A (BROUWER, 1972, c. 1-8). Acima: a) APFs de cinco sons; b)
APFs de três sons; c) inserções de notas melódicas nos APFs; d) fragmentos lineares.
Abaixo: transcrição com APFs em bloco e partições utilizadas ([5], [1 4], [3] e [1]). 70
Figura 60: PTV do Estudo 11, seção A. (BROUWER, 1972, c. 1-8). Linhas sinuosas verticais
indicam que partição massiva à sua esquerda é um APFs. Partições: a) [1 4], derivada
de APF de cinco sons ([5] grafada em contorno pontilhado; b) [3]; c) [5]; d) [1]. ...... 71
Figura 61: Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER, 1972). Figuração 1 e suas variações 1a
e 1b. Abaixo de cada exemplo, a respectiva transcrição com APFs em Bloco. Trechos
ornamentados destacados por setas e círculos). ......................................................... 71
Figura 62: Estudo 11 (BROUWER, 1972, c. 17). Representação gráfica da primeira posição
do violão, na qual mostra-se a utilização de cordas soltas (0) e presas (dedos utilizados
indicados por números) nas notas do acorde (em azul escuro) e nas apojaturas inseridas
(em rosa claro). ......................................................................................................... 72
Figura 63: Estudo 11, seção B (c. 13- 26, BROUWER, 1972). Pauta superior: figurações 2 e
2a. Pauta inferior: transcrição do mesmo trecho com APFs em bloco e partições
utilizadas. ................................................................................................................. 73
Figura 64: Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER, 1972). Figuração 3, uso da partição [1
2]. ............................................................................................................................. 73
Figura 65: Durações das partições encontradas no Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER,
1972). ....................................................................................................................... 74
Figura 66: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de cinco sons no Estudo 11
(BROUWER, 1972). À esquerda, APFs ([5], indicado por linha vetical sinuosa). À
direita, APFs com a inserção de notas melódicas executadas com ligados simples (xy)
gerando a partição [1 4]. ........................................................................................... 74
Figura 67: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de quatro sons ne Estudo 11
(BROUWER, 1972). À esquerda, APFs (indicado por linha vetical sinuosa). À direita,
APFs com a inserção de notas melódicas executadas com ligados simples, gerando a
partição [1 3]. ........................................................................................................... 75
Figura 68: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de três sons ne Estudo 11
(BROUWER, 1972). I: APFs. II: APFs ornamentados. III: Acordes quebrados. IV:
acordes quebrados com parte massiva desmembrada................................................. 75
Figura 69: Estudo 20 (parte B, BROUWER, 1972). Os módulos devem ser executados
repetidamente em quantidade indeterminada. No trecho são usados apenas segmentos
da escala pentatônica de sol maior. Ao longo da seção, inserem-se as cromas Fá♯ e
Dó. ........................................................................................................................... 77
Figura 70: Localização das notas da escala pentatônica de sol maior na primeira posição. Os
números circulados são indicação de corda. Os círculos pequenos referem-se ao uso de
corda solta. A digitação varia de acordo com o movimento melódico e articulação. .. 77
Figura 71: PTV do Estudo 20, parte B. À esquerda da partição, os ligados simples ascendentes
originados em corda solta e os simples descendentes com chegada em corda solta. Letra
x refere-se à nota em corda presa. ............................................................................. 77
Figura 72: Durações acumuladas relativas às partições encontradas no Estudo 7. ................ 78
Figura 73: Estudo 7 (BROUWER, 1972). a) Partitura original; b) transcrição do arpejo em
bloco. O Arpejo (APF) dura apenas um tempo, pois é preciso trocar de posição (letra A,
c. 1.2) para executar a linha a seguir. ........................................................................ 78
Figura 74: Ocorrência esporádica de em bloco de intervalos harmônicos (partição [2]). ...... 79
Figura 75: PTV do Estudo 7. Partição principal ([1]) articulada com uso corrente de ligados
simples. .................................................................................................................... 79
Figura 76: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 10: alto patamar
(partição principal, letra a) contraste acentuado (letras b e d), patamar intermediário
(partição secundária com maior duração, letra c) e declive (demais partições
secundárias). ............................................................................................................. 79
Figura 77: Estudo 10 (BROUWER, 1972). Nota Pedal Mi1 (Ocorrem movimentos
esporádicos para Sol1) é atacada, predominantemente, em silêncios da melodia, gerando
a partição [1]. ........................................................................................................... 80
Figura 78: a) Transcrição do Estudo 10 com os baixos prolongados (comparar com Figura 77).
Deste modo [1²] passa a predominar (em termos de duração acumulada) sobre as demais;
b) PTV do estudo 10. Duplo círculo indica a relação entre elementos característica das
estruturas do tipo “melodia sobre pedal”, destacando a melodia como elemento
ativo. ........................................................................................................................ 80
Figura 79: Estudo 10 (BROUWER, 1972, c. 13-20). a) partitura original; b) transcrição com
APFs em bloco. Na seção central da obra (c.15-22) concentram-se as partições
secundárias. Destaca-se o uso de APFs de três sons, empregado, majoritariamente, sobre
pedal, gerando a partição [1 3]. ................................................................................. 81
Figura 80: Estudo 16 (BROUWER, 1972). a) Exemplo (c. 1-2): linha ornamentada sobre baixo;
b) PTV da estrutura: duplo círculo indica a relação entre elementos característica das
estruturas do tipo “melodia sobre pedal”, destacando a melodia como elemento ativo,
xyz indica o uso corrente de ligados compostos. ........................................................ 82
Figura 81: Itens a e b: fragmentos do Estudo 16 (BROUWER, 1972) estruturados a partir de
APFs “desmembrados”. Itens a.1 e b.1: transcrição dos respectivos itens a e b, com
APFs em bloco. Note-se que, em a.1, na quintina, a terceira fusa não foi ligada à quarta.
O ataque adicional traz o elemento inferior de volta ao bloco, mantendo a mesma
partição ([122]) durante as cinco notas, uma vez que, da quarta para a quinta, o elemento
superior “se move” ganhando independência. Itens a.2 e b.2: PTVs dos respectivos itens
a e b. No registro inferior, a parte [1] registra o baixo pedal, executado com o dedo p.
Sobre este, APFs de três e quatro sons (3 e 4, com contorno pontilhado) são decompostos
pois um dos elementos do bloco é decomposto pela inserção de notas executadas com
ligados simples (representados por x y), gerando, respectivamente, as subpartições [1 2]
e [1 3], que, por sua vez, compõem junto ao baixo pedal, as partições [122] e [123]. . 83
Figura 82: Duração acumulada das partições no Estudo 16 (BROUWER, 1972). Conjunto
principal: [1], [12], [122] e [123] ................................................................................ 84
Figura 83: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 18 (BROUWER, 1972).
Partição principal ([1]) em destaque. ......................................................................... 85
Figura 84: Estudo 18 (BROUWER, 1972). Abaixo, partições utilizadas de acordo com com as
durações indicadas na partitura. a) blocos (parte [3]). b) linhas ornamentadas (parte [1]).
................................................................................................................................. 86
Figura 85: Descrição do uso da partição [1²3] no Estudo 18. Parte [3]: Grafia pontilhada indica
ocorrência virtual. “0” representa elemento do bloco em corda solta; “w” e “k”, sem
preenchimento, descrevem os demais que, localizados em cordas presas, não
permanecem durante a ocorrência da partição. .......................................................... 86
Figura 86: Estudo 18 (BROUWER, 1972). No trecho, ocorrem duas linhas, sendo aquela
localizada em registro inferior mais ativa rítmica e linearmente. ............................... 87
Figura 87: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com
configurações em APF em bloco. I1, I2, I3 e I4 são os incisos componentes da frase.
Asterisco conduz à instrução: “resvalando o “i”, como em uma harpa”. .................... 88
Figura 88: Uso da partição [1²] no Estudo 18. APF de dois sons (partição [2], linha pontilhada)
é desmembrada por movimento linear descendente executado com ligado simples (x y).
Asterisco remete à instrução especial de execução arpejada. ..................................... 88
Figura 89: Estudo 18 (c. 14, BROUWER, 1972). Partições [1] e [1 2]. ............................... 89
Figura 90: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com APFs em
bloco. Uso da partição [1 3]. ........................................ Erro! Indicador não definido.
Figura 91: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com APFs em
bloco. Abaixo, partições utilizadas. [1²2] resulta de APF “desmembrado”. ............... 90
Figura 92: Estudo 2 (BROUWER, 1972). ........................................................................... 91
Figura 93: Durações das partições encontradas no Estudo 2 (BROUWER, 1972). São elas [1
3] e [3]...................................................................................................................... 92
Figura 94: PTV do Estudo 2 (BROUWER, 1972). Letras em itálico indicam a digitação de
mão direita utilizada. ................................................................................................ 92
Figura 95: Estudo 8 (seção “A”, BROUWER, 1972). Uso das partições [1²], [2], [1] e [3]. . 93
Figura 96: Durações das partições encontradas no Estudo 8, seção “A” (c. 1-8, BROUWER,
1972). ....................................................................................................................... 93
Figura 97: Estudo 8, seção “B” (c. 9-20, BROUWER, 1972). Fórmulas de arpejo utilizadas: a)
p i m; b) a i m. .......................................................................................................... 94
Figura 98: PTV do Estudo 8, seção “B” (c. 9-20, BROUWER, 1972). Partição principal: [1²2].
I) partição [3], em contorno pontilhado, com linha vertical sinuosa à sua direita, indica
comportamento de mão direita característico de APF de três sons; II) padrão de mão
direita predominante: “p i m”; III) parte [1], referente à melodia principal, em registro
inferior, articulada com o dedo p utilizado no padrão de mão direita predominante (item
II); IV) parte [2], referente ao bloco de dois sons, arpejado (APF) pelos dedos i e m,
utilizados nos padrões II e V. Os símbolos 0 e x, à esquerda da parte, indicam,
respectivamente, que uma das notas do bloco localiza-se em corda solta enquanto a outra
encontra-se em corda presa; V) padrão de mão direita eventual (eventualidade marcada
por parênteses): “i m a”; VI) parte [1], referente ao contracanto articulado com o dedo
a, empregado no padrão de mão direita eventual (item V). ........................................ 94
Figura 99: Estudo 12 (BROUWER, 1972). ......................................................................... 95
Figura 100: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 12 (BROUWER,
1972). ....................................................................................................................... 95
Figura 101: Estudo 12 (BROUWER, 1972). Partições encontradas: [1], [1²2] e [1 2]. a) baixo
pedal; b) linha interna; c) blocos arpejados (APFs) em registro superior, transcritos
como blocos. ............................................................................................................ 96
Figura 102: PTV do Estudo 12 (BROUWER, 1972). Numeral zero indica uso exclusivo de
corda solta. Linha vertical sinuosa à direita da parte indica articulação em APF. Letras
em itálico indicam uso dos dedos da mão direita. ...................................................... 97
Figura 103: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 19 (BROUWER,
1972). Partições componentes do conjunto principal em destaque. ............................ 98
Figura 104: Estudo 19 (BROUWER 1972, c. 1-4). a) partição [4] registra acordes em bloco.
[1 3] descreve estrutura do tipo baixo-centro; b) PTV do trecho em partição [4] (c. 1-2);
c) partição do trecho em partição [1 3] (c. 3-4).......................................................... 98
Figura 105: a) Estudo 19 (c. 12-16). Usos da partição [1 3]: estrutura baixo-centro (I), voz
superior contra bloco (II) e voz interna contra bloco (III); b) PTV do trecho II (c. 13-
14); c) PTV do trecho III (c.15-16). O par “x y” conectado por linha em arco, indica o
padrão de articulação baseado em ligados ascendentes simples. ................................ 99
Figura 106: Estudo 6 (c. 1, BROUWER, 1972). Grafia alternativa, com a utilização do código
LV.. ........................................................................................................................ 101
Figura 107: a) Estudo 1 (BROUWER, 1972) e Intensidades I; b) PTVs das duas peças: Estudo
1 à direita e Intensidades I à esquerda. Na segunda, a linha sinuosa entre parênteses
indica que a parte [2] é eventualmente articulada em APFs. A letra i, entre parênteses,
indica que o dedo indicador substitui, eventualmente, o dedo polegar (p, fora dos
parênteses), empregado predominantemente. O símbolo “x y”, registra o uso corrente de
ligados simples na articulação da parte [1]. ............................................................. 102
Figura 108: Intensidades I figurações a2 (c. 5-6) e a3 (c. 7-10) ......................................... 103
Figura 109: Nota pedal e blocos utilizados na elaboração de b1 (c. 24-40). ....................... 104
Figura 110: Intensidades I, seção B, fragmento b1. ........................................................... 104
Figura 111: Intensidades I, seção: b2 (c. 41-44) e b2’ (c. 45-48). ...................................... 105
Figura 112: Intensidades I, seção B: b3 (49-52). ............................................................... 107
Figura 113: Intensidades I, seção B: b4 (53-54). ............................................................... 107
Figura 114: Intensidades I, seção B: b5 (c. 55-56) e b5’ (c. 57-60). ................................... 108
Figura 115: Material utilizado na elaboração da figuração do plano secundário, seção C. . 108
Figura 116: Padrão figurativo do plano secundário, seção C. ............................................ 109
Figura 117: Seção C: c1 (c. 70). ........................................................................................ 109
Figura 118: Intensidades I, Seção C: c2’ (c. 79-80). .......................................................... 109
Figura 119: Intensidades I, Seção C: c4 (c. 77-78). ........................................................... 110
Figura 120: Intensidades I, figurações a4 (c. 98-99) e a5 (c. 100-101). ............................. 110
Figura 121: a) PTV da figuração a4 (c. 98-99). Parte [2] estruturada, exclusivamente por cordas
soltas (0), articulada alternadamente com ataques em blocos e arpejos (linha sinuosa
entre colchetes). Parte [1] central atacada com o dedo p e com ligados simples. Parte [1]
inferior executada com o dedo p; b) PTV da figuração a5 (c. 100-103). Parte um
executada com dedos p e i, com uso corrente de ligados simples descendentes de nota
em corda presa (x) para nota em corda solta (0). ..................................................... 111
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
1 VIOLÃO, INSTRUMENTAÇÃO E TEXTURA .................................................... 19
2 ANÁLISE DE TEXTURA VIOLONÍSTICA.......................................................... 28
2.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO ASPECTO TEXTURAL ........................................ 28
2.1.1 Particionamento Rítmico.......................................................................................... 29
2.1.2 Complexos Particionais ........................................................................................... 37
2.1.3 Proposta Textural ..................................................................................................... 39
2.2 PROPOSTA TEXTURAL VIOLONÍSTICA (PTV) ................................................ 46
2.2.1 Representação gráfica das PTVs .............................................................................. 48

3 ANÁLISES DOS ESTUDIOS SENCILLOS............................................................. 51


3.1 ESTRUTURAÇÃO TEXTURAL DOS ESTUDOS SENCILLOS ........................... 51
3.2 ESTUDOS 1, 3, 4, 9, 13, 14 e 15: USOS DA PARTIÇÃO [1 2] .............................. 53
3.2.1 Estudo 1................................................................................................................... 53
3.2.2 Estudo 4 .................................................................................................................. 54
3.2.3 Estudo 13 ................................................................................................................ 55
3.2.4 Estudo 14 ................................................................................................................ 57
3.2.5 Estudo 15 ................................................................................................................ 57
3.2.6 Estudo 3 .................................................................................................................. 60
3.2.7 Estudo 9 .................................................................................................................. 61
3.3 OS ESTUDOS 5, 6, 11 e 17: ESTRUTURAÇÕES ARPEJADAS ........................... 65
3.3.1 Estudo 6 .................................................................................................................. 66
3.3.2 Estudo 5 .................................................................................................................. 67
3.3.3 Estudo 17 ................................................................................................................ 67
3.3.4 Estudo 11 ................................................................................................................ 69
3.4 ESTUDOS PREDOMINANTEMENTE MONOFÔNICOS: 7, 10, 16, 18 e 2 .......... 76
3.4.1 Estudo 20 ................................................................................................................ 76
3.4.2 Estudo 7 .................................................................................................................. 77
3.4.3 Estudo 10 ................................................................................................................ 79
3.4.4 Estudo 16 ................................................................................................................ 81
3.4.4 Estudo 18 ................................................................................................................ 84
3.5 ESTUDOS 2, 8, 12 e 19: ESTRUTURAÇÕES SINGULARES ............................... 91
3.5.1 Estudo 2 .................................................................................................................. 91
3.5.2 Estudo 8................................................................................................................... 92
3.5.3 Estudo 12 ................................................................................................................ 95
3.5.4 Estudo 19 ................................................................................................................ 97

4 COMPOSIÇÃO A PARTIR DE PTVS: UM RELATO ....................................... 100


4.1 PLANEJAMENTO ................................................................................................ 100
4.2 EXECUÇÃO .......................................................................................................... 101
4.2.1 Intensidades I, Seção A .......................................................................................... 101
4.2.2 Intensidades I, Seção B .......................................................................................... 103
4.2.3 Intensidades I, Seção C .......................................................................................... 108
4.2.4 Estruturas adicionais em A” ................................................................................ 110
CONCLUSÕES..................................................................................................................... 112
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 115
GLOSSÁRIO GRÁFICO .................................................................................................... 118
ELEMENTOS DESCRITIVOS DAS ESTRUTURAS TEXTURAIS ................................. 118
ELEMENTOS DESCRITIVOS DE PROCEDIMENTOS DA MÃO DIREITA ................. 119
ELEMENTOS DESCRITIVOS DE PROCEDIMENTOS DE MÃO ESQUERDA ............. 119
OUTROS ELEMENTOS ................................................................................................... 121

APÊNDICE – BERNARDO RAMOS, INTENSIDADES I, PARA VIOLÃO SOLO


(PARTITURA) .......................................................................................................... 122
ANEXO – LEO BROUWER, ESTUDIOS SENCILLOS, PARA VIOLÃO SOLO
(PARTITURA) .......................................................................................................... 130
15

INTRODUÇÃO

Entre as ferramentas utilizadas no suporte à composição instrumental, os tratados de


orquestração e métodos de instrumentação estão entre as mais relevantes e tradicionais. Através
deles, é possível realizar considerável aproximação entre o criador (compositor, arranjador,
orquestrador, etc.) e uma grande paleta de meios instrumentais (sejam instrumentos isolados ou
formações coletivas). A teoria musical tem importantes funções nesta mediação, entre elas:
instituir conceitos e modos de descrição dos processos musicais, isto é, a linguagem
compartilhada entre intérpretes, compositores e os próprios teóricos.
O aspecto textural é um dos fundamentos da orquestração. Não é por acaso que boa
parte dos métodos e tratados do gênero têm seu conteúdo organizado a partir de estruturações
texturais. Em Adler (2002), por exemplo, observa-se, em cada um dos capítulos dedicados às
diferentes combinações instrumentais, seções dirigidas às escritas contrapontística e
homofônica. Piston (1969) também dedica cada um dos seis capítulos da parte dois de sua obra
à diferentes tipos de textura. Entretanto, a descrição do aspecto textural nestas obras tem caráter
adjetivo, realizada a partir das tradicionais categorias: monofonia, homofonia, melodia
acompanhada, etc.
Berry (1976) desenvolve uma teoria da textura que viabiliza resultados analíticos
consideravelmente mais detalhados, além de permitir a observação de diferentes processos
dinâmicos inerentes ao aspecto textural.

Uma mudança significativa nesse quadro ocorre (...) através da obra de Wallace Berry,
Structural Functions in Music, onde esse autor propõe uma primeira e minuciosa teoria
analítica da matéria. Desde então, a análise de texturas tem sido utilizada em estudos
não só no campo da música de concerto, acústica ou eletroacústica, mas também em
campos muito diferentes, como, por exemplo, o da música popular e o da
etnomusicologia em geral (...) (SENNA, 2007, p. 1)

A Análise Particional (doravante, AP; ver GENTIL-NUNES e CARVALHO, 2003, e


GENTIL-NUNES 2009), é uma proposta analítica voltada para a textura musical e baseada na
aproximação entre a Teoria das Partições de Inteiros (ANDREWS 1984) e a análise textural de
Wallace Berry. A AP representa uma radicalização da proposta de Berry, no sentido de lidar
com a textura enquanto um parâmetro mensurável em diferentes esferas: descreve as estruturas
e as transformações texturais a partir de números e operações matemáticas.
Uma vez que o campo da instrumentação/orquestração se desenvolve, em grande
medida, sobre as bases de um determinado pensamento sobre a textura, há de se considerar que
novas formas de abordagem acerca do parâmetro textural desencadeiem novas concepções
dentro do campo instrumental.
16

O presente trabalho representa o primeiro passo de um projeto que visa estudar a


instrumentação a partir da AP. De caráter, portanto, consideravelmente experimental.
Os instrumentos harmônicos, por possibilitarem a execução de elementos ritmicamente
dependentes ou independentes, apresentam-se como um estimulante ambiente de investigação
inicial. O violão, por ser um meio instrumental de difícil acesso aos criadores que não tocam o
instrumento, foi escolhido como o campo de investigação da presente pesquisa, sendo as
possibilidades texturais que dispõe, o objeto da mesma.
De fato, a escrita violonística é consideravelmente desafiadora, principalmente aos
compositores não violonistas.

Ao compor para violão é preciso dominar uma série de peculiaridades técnicas do


instrumento. Entre os problemas mais comuns, em obras de compositores não
violonistas, destacamos: intervalos e acordes impossíveis de se executar e
inconsistência na utilização de cordas soltas para explorar possibilidades técnicas e
musicais. (ABDALLA, 2011)

As fontes de dados acerca das propriedades dos instrumentos tradicionalmente


utilizadas por compositores – os métodos e tratados de orquestração e instrumentação – apesar
da nítida demanda, não oferecem nenhum suporte ou apresentam informações insuficientes para
o compositor não-violonista (ver RIMSKY-KORSAKOV, 1964; PISTON, 1969 e ADLER,
2002).
Adour (1999) apresenta trabalho amplo e detalhado sobre o assunto, organizado, em
grande parte, em função das texturas, o que indica tal parâmetro como um dos principais
determinantes dos diferentes modos de utilização do instrumento. Portanto, dado o surgimento
de novas formas de abordagem da textura, depara-se com a demanda por uma investigação
sobre a possível contribuição destas no desenvolvimento de novas visões do campo textural
violonístico (entendido como o âmbito das configurações texturais possíveis no violão) e suas
eventuais implicações na prática e na composição para o instrumento.
O presente trabalho é composto de quatro fases:
Primeira fase: revisão bibliográfica, buscando explicitar os aspectos quantitativos e
qualitativos relativos às informações – destinadas ao suporte à escrita violonística – disponíveis
nas obras de instrumentação, orquestração e em trabalhos acadêmicos. São descritas as novas
formas de abordagem da textura a partir do trabalho de Berry (1976), observando seus
desdobramentos em obras de outros autores.
Segunda fase: desenvolvimento e formalização da ferramenta analítica denominada
Análise de Textura Violonística. Utilizando os instrumentos teóricos da Análise Particional
17

(GENTIL-NUNES, 2009), esta terá a função de examinar, em obras ou trechos, as associações


entre textura e procedimentos instrumentais.
Terceira fase: estudo analítico da série de peças Estudios Sencillos 1 (BROUWER, 1972)
através da Análise de Textura Violonística, realizando-se, em seguida, estudos comparados
sobre os resultados individuais obtidos, incluindo estatísticas relativas à frequência de eventos
e agrupamentos baseados em fatores de estruturação comuns.
Quarta fase: Elaboração de obra violonística baseada na aplicação dos conceitos
desenvolvidos.
O objetivo geral do presente trabalho é elaborar meios para o desenvolvimento da escrita
para o violão, fornecendo subsídios que possam auxiliar na busca por novos caminhos criativos
a compositores já dotados de intimidade com o violão, além de oferecer meios para apreensão
mais aprofundada acerca do idiomatismo do instrumento, sobretudo para compositores não
violonistas. Os objetivos específicos são os seguintes:
 Aprofundar a compreensão sobre o idiomatismo – e, consequentemente, sobre
a escrita idiomática – do instrumento, expondo suas expressões no campo da
textura, a partir da mediação entre as análises textural (no caso, a Análise
Particional) e a técnica violonística.
 Estabelecer as bases para um possível desenvolvimento de propostas
pedagógicas dirigidas à escrita violonística. Isto inclui a prática de composição
a partir de estruturações técnico-texturais observadas em obras pré-analisadas.

A presente pesquisa limita-se à música de concerto. A maior parte das obras analisadas
pertence ao âmbito da música para violão, produzidas em meados do século XX, com ênfase
nos Estudos de Brouwer. A abordagem limita-se, portanto, dentre os diversos tipos de violão
existentes, ao violão de cordas de nylon em sua estruturação tradicional (seis cordas), mais
comumente utilizado no repertório de concerto. Não obstante, as ferramentas de análise
desenvolvidas no presente trabalho não se limitam da mesma maneira, podendo ser utilizadas
em processos criativos e analíticos relacionados a outros tipos de violão e guitarras elétricas,
desde que consideradas as idiossincrasias de cada um.
O trabalho é estruturado em quatro capítulos. No primeiro, realiza-se uma revisão
bibliográfica, apresentando a abordagem relativa ao violão pelos principais autores no campo
da instrumentação/orquestração. Ademais, serão apresentadas as transformações na observação

1 Estudos Simples
18

da textura a partir de Berry, expondo seus desdobramentos até o desenvolvimento da Análise


Particional.
No capítulo 2, desenvolve-se a Análise de Textura Violonística, apresentando suas
estruturas teóricas elementares: o Particionamento Rítmico (ver GENTIL-NUNES, 2009), os
Complexos Particionais (GENTIL-NUNES e RAMOS, 2016) e a Proposta textural. Por fim,
apresenta-se a PTV (Proposta Textural Violonística) como resultado da cooperação dos
conceitos anteriores aplicados ao violão.
O capítulo 3 dirige-se aos Estudios Sencillos (BROUWER, 1972). As peças serão
analisadas individualmente e em grupo, coletando-se dados relativos à frequência de
configurações texturais.
O capítulo 4 apresenta o relato do processo criativo referente à obra Intensidades I,
composta pelo presente autor, elaborada a partir da utilização de dados analíticos obtidos da
aplicação da Análise de Textura Violonística sobre os estudos de Brouwer no capítulo 3.
A decisão de concentrar a prática analítica sobre obra específica de um mesmo
compositor se deu, sobretudo, devido às características desta. Estudios Sencillos é uma extensa
série de estudos, isto é, um conjunto de peças que visa a introdução do estudante no vocabulário
violonístico. A ordem em que as peças são apresentadas por Brouwer é baseada no princípio da
progressão de complexidade técnica e musical.2 Além disso, alguns estudos abordam temas
específicos: arpejos, acordes quebrados, ligados, etc. Optou-se por acompanhar este caminho
proposto na série, observando sua expressão no campo das análises. Isto posto, afirma-se que
não serão realizadas reflexões acerca do estilo ou dos métodos criativos de Brouwer, uma vez
que o presente trabalho se concentra no desenvolvimento de uma proposta analítica e não em
um estudo de caso.
No que tange à adoção da Análise Particional, o trabalho limita-se a utilizá-la como um
instrumento de descrição de estruturas texturais individuais ou de seus possíveis agrupamentos
(ver Complexos Particionais, 2.1.2). Não serão abordadas as descrições do aspecto dinâmico
da textura, tratadas na AP com os operadores particionais (GENTIL-NUNES, 2009).

2 De fato, tal progressão não ocorre de modo literal mas apresenta-se como uma tendência (ver Anexo).
19

1 VIOLÃO, INSTRUMENTAÇÃO E TEXTURA

Os manuais de orquestração e instrumentação são obras provedoras de relevante suporte


à composição instrumental. Ainda que se concentrem em uma abordagem dirigida
principalmente à orquestra sinfônica, encontram-se descritas propriedades de timbre, tessitura
e dinâmica relativas a uma grande quantidade de instrumentos, além de incluírem observações
sobre o idiomatismo e idiossincrasias técnicas dos mesmos.
O violão é, entretanto, incipientemente abordado ou, em alguns casos, simplesmente
não mencionado em tais obras. Não se pretende analisar as razões de tais fatos no presente
trabalho, no entanto, trazê-los à tona é relevante, pois assim coloca-se em evidência o problema
com o qual pretende-se lidar: o potencial desestímulo à composição violonística gerado pela
complexidade da escrita para o instrumento em um contexto em que o suporte contido na
literatura de instrumentação é reduzido e superficial.
Rimsky-Korsakov (1964) e Piston (1969) não tratam do violão em suas obras. Adler
(2002) apresenta descrição composta por um único parágrafo.

Melodias, acordes e melodias acompanhadas são todos possíveis no violão, que é


digitado com os quatro dedos da mão esquerda e atacado pelos cinco dedos da mão
direita. O braço com trastes facilita a localização das notas. Harmônicos, especialmente
os naturais, são bastante efetivos, mas deve-se ter em mente que um violão não
amplificado é bastante suave, portanto harmônicos podem ser quase inaudíveis. Deste
modo, harmônicos funcionam melhor em solos ou pequenas combinações com
estruturas delicadas de cordas, sopros ou voz. (p. 102) 3

Ademais, o autor apresenta alguns fragmentos de concertos para violão e orquestra.


Deste modo, ficam omitidos dados fundamentais relativos aos domínios da articulação (modos
de ataque, ligados simples e compostos, etc.), do timbre (metálico, doce, efeitos, etc.), da
técnica (escalas, arpejos, etc.), ou seja, informações as quais não se pode prescindir ao se levar
adiante um projeto composicional para violão. O âmbito da textura é o mais negligenciado,
dada a amplitude de possibilidades oferecidas pelo instrumento. São citadas apenas as linhas
melódicas, os acordes e as melodias acompanhadas; não sendo mencionadas as polifonias, os
arpejos, os acordes quebrados, em suma, os modos de estruturação textural ostensivamente
presentes no repertório violonístico.

3 Single-line melodies, chords or melodies with accompaniments are all possible on the classical or acoustic
guitar, which is fingered with four fingers of the left hand and plucked with all five fingers of the right hand. A
fretted finger-board makes it easier to locate pitches. Harmonics, especially natural harmonics are very effective,
but you must keep in mind that a nonamplified guitar is quite soft, and harmonics may be almost inaudible.
Therefore, harmonics is best used in solos or very small combinations of softer strings and winds, or with voice.
20

Adour (1999) ataca diretamente a questão, realizando um trabalho que pode ser descrito
como um suplemento das seções dedicadas ao violão encontradas nos tratados de orquestração
ou, mais precisamente, um manual de composição para violão. 4

Ajudar a enriquecer a paleta sonora daqueles que escrevem é sempre uma tarefa de
extrema urgência e utilidade. No que compete a nós, usaremos todos os esforços para
suprir esta lacuna específica: as informações sobre o violão (...) O que temos a oferecer
é um suporte bibliográfico, uma dissertação totalmente dedicada ao assunto. (p. 2)

Sobre a Composição para Violão é organizado principalmente a partir da textura,


aspecto relevante, pois indica a relação direta deste parâmetro e o repertório técnico
violonístico:

Nos capítulos II, IV e V, respectivamente, apresentaremos exatamente as texturas


citadas: monofonia, homofonia e polifonia. O capítulo III será inteiramente dedicado às
formações acordais no violão e às suas texturas específicas, (...); nele serão apresentados
aspectos indispensáveis (assim como no terceiro, sobre monofonia) para o
desenvolvimento das texturas mais complexas. (p. 12)

Entretanto, Adour precisou lidar com limites encontrados no campo teórico, no que se
refere a descrição do aspecto textural.

O que é isso, afinal? Dupla melodia acompanhada, caracterizando uma variante da


textura homofônica? Contraponto com acompanhamento, caracterizando uma variante
da textura polifônica? Ou apenas mais uma das inúmeras possibilidades texturais que
as classificações acadêmicas não dão conta? Não importa, para nós, apontar novas e
pretensamente suficientes categorias; apenas não podemos deixar de observar a
insuficiência das tradicionais, pois nosso trabalho não deve ser limitado por elas. (p. 11)

Por outro lado, a relevância atribuída à textura a partir do século XX no campo da


composição impulsiona a formulação de novas teorias, no sentido da criação de meios capazes
de viabilizarem observações mais detalhadas, além da necessidade de dar conta dos novos
modos de estruturação neste campo.
Berry (1976) desenvolve um pensamento acerca da textura musical no qual parte da
consideração de dois aspectos, o quantitativo e o qualitativo:

Textura é concebida (determinada, condicionada) como o elemento da estrutura musical


formado pela voz ou número de vozes e outros componentes que projetam materiais
musicais no meio sonoro, e (quando há dois ou mais componentes) pelas inter-relações
e interações entre eles. (p. 191) 5

4 Adour discorda desta conclusão: “Não achamos que o compositor pode usar esta informação como manual; as
informações são altamente entrecruzadas e interdependentes, (...)” (1999, p. 245). Entretanto, observa-se que a
inadequação ao gênero manual à qual se refere diz respeito a diferenças de estilo, não de conteúdo. De fato, o texto
acadêmico, sendo um meio de exposição de reflexões, produções do pensamento e diálogo com outras obras, não
fornece a praticidade com relação à consulta característica dos manuais; no entanto, o conteúdo é referencial o
suficiente para torná-lo útil neste campo.
5 Texture is conceived (determined, conditioned) by the voice or number of voices and other components projecting

musical materials in the sounding medium, and (when there are two or more components) by the interrelations
and interactions among them.
21

O aspecto quantitativo refere-se ao número de elementos constituintes de uma


determinada trama textural. Já o aspecto qualitativo diz respeito às relações rítmicas,
intervalares e direcionais (movimentação melódica) entre estes. O autor desenvolve um modo
de observação da textura no qual atribui à esta, mais do que novas adjetivações (modo
tradicional), a mensurabilidade.

Densidade é definida como aquele parâmetro textural, quantitativo e mensurável,


condicionado pelo número de componentes simultâneos ou concorrentes e pela
extensão de “espaço” vertical ocupados por estes: (...) (p. 191) 6

Por consequência, as transformações texturais em determinada obra ou trecho podem


ser observadas pelas diferenças entre suas medidas (relativas aos aspectos quantitativos e
qualitativos) gerando, por exemplo, progressões e regressões.

Duas linhas movendo-se em terças paralelas podem ser, em um importante sentido, ditas
como um único fator textural real composto por dois componentes. Caso algum ponto
de diferenciação seja estabelecido – no ritmo, na duração do movimento, na distância
do movimento, ou em qualquer outro sentido – a textura que consiste em um fator real
(composto por dois componentes sonoros) se torna uma textura de dois componentes
reais (ou, pelo menos, menos progride no sentido da diferenciação). 7 (p. 186)

As semelhanças no campo do ritmo, do contorno melódico e no caráter intervalar são


pensadas como fatores geradores de dependência, a ponto de amalgamarem diferentes
componentes sonoros, formando um único fator textural real.
As transformações texturais podem ser de caráter qualitativo ou quantitativo. Em A
peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934), por exemplo,
observa-se, com a sucessiva entrada das vozes (Figura 1, c. 1-4), uma progressão na quantidade
de componentes sonoros, em outras palavras, uma progressão na densidade-número (ver
BERRY, 1976). Uma vez que as quatro vozes se estabelecem, inicia-se um progressivo
processo de “fusão” (Figura 1, c. 4-7) entre estas, causado pelas igualdades rítmicas,
intervalares e direcionais. Esta fusão gera uma redução na quantidade de fatores texturais reais,
isto é, a textura perde diversidade e complexidade; entretanto a densidade-número se mantém
(quatro componentes sonoros).

6 ‘Density’ is defined as that textural parameter, quantitative and measurable, conditioned by the number of
simultaneous or concurrent components and by the extent of vertical “space” encompassing them:
7 Two lines moving in parallel 3rds may in an important sense be said to constitute a single real textural factor
consisting of two components. At any point at which differentiation is established - in rhythm, in direction of
motion, in the distance of motion, or in any other sense-a texture initially consisting of a ‘single real factor’ (of
two sounding components) becomes a texture of ‘two real factors’ (or at least progresses in the direction of such
differentiation).
22

Figura 1: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934). Sob a partitura, a análise
da textura proposta por Berry (1976). Cada número indica um fator textural real. Os números maiores que 1
indicam a quantidade de componentes sonoros contidas em cada fator.
23

Figura 2: Análise proposta por Berry de A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (ver Figura 1).
A) aumento do número de componentes sonoros (densidade-número) e de fatores reais. B) redução do número de
fatores reais com manutenção da densidade-número.

O trabalho de Berry viabilizou a observação dos processos dinâmicos da textura (ver


Figura 2), o que a não era possível através do mero enquadramento em categorias gerais
(homofonia, polifonia, heterofonia, etc.). Soma-se a isto o fato de que a textura passa a ser um
fenômeno mensurável. Por todos estes fatores, o trabalho de Berry exerceu bastante influência
sobre os trabalhos seguintes sobre o tema. “Uma das principais virtudes da análise de Berry é a
demonstração da viabilidade de uma sistematização do pensamento textural em nível mais
objetivo do que o corrente na pedagogia da composição” (GENTIL-NUNES, 2009, p. 20).
Lucas (1995), em trabalho investigativo sobre processos de estruturação textural
relativos à música do século XX, adota conceitos e termos desenvolvidos por Berry, tais como,
densidade número, densidade-compressão, textura-espaço, entre outras.

Maior aplicabilidade em nosso trabalho, tiveram as teorias de Wallace Berry com


relação à estrutura musical (...). A teoria de Berry provou ser eficaz por sua
aplicabilidade à uma grande variedade de estilos, aplicando-se tanto à um moteto de
Josquin quanto a obras orquestrais de Stravinski e Schoenberg, integrando
perfeitamente à dimensão textural as demais dimensões da estrutura musical. (Lucas,
1995, p. 17 e 18)

Lucas também identifica os limites de sua investigação:

No entanto esta teoria não será suficientemente abrangente para dar conta de certas
obras nas quais uma característica singular as diferencia das elaboradas por Berry – a
superação da noção de vozes ou partes (p. 18).

Senna (2007) adota a teoria e o léxico desenvolvidos por Berry, identificando nestes a
solução para os problemas da abordagem tradicional da textura:

A princípio, essas definições não parecem ser tão diferentes dos primeiros conceitos
relacionados à textura, aqueles que (se) ocupam em classificar as configurações em
texturas monódicas, homofônicas, polifônicas ou heterofônicas. Esses termos, de
caráter extremamente redutivo, foram e ainda são aplicados em análise de música onde
os aspectos harmônicos e contrapontísticos tradicionais prevalecem. Contudo, são
muito pouco eficientes para a análise de música pós-tonal, ou seja, de Debussy em
diante (com exceção, é claro, de música moderna ou contemporânea composta segundo
os parâmetros clássico-românticos). A proposta de Berry, e aí reside um dos aspectos
mais importantes de seu trabalho, define textura como um jogo de densidades, algo mais
amplo e profundo. (p. 17)
24

Por outro lado, assim como Lucas, Senna reconhece limitações do trabalho de Berry no
trato da música que extravasa noções como as de vozes e partes:

Uma das limitações mais evidentes da teoria de Berry é sua aparente dificuldade em
lidar com música cujo conteúdo não possa ser reduzido a linhas ou partes com alturas e
durações claramente determinadas. Isso inclui, por exemplo, música para instrumentos
de altura indeterminada, a maior parte da música experimental, a partir da década de 60
e, praticamente, toda a produção acusmática e digital. (p. 30)

Senna destaca outro problema relativo ao procedimento analítico de Berry: “Outro


problema, de ordem puramente técnica, é a complexidade das relações, cuja medição torna-se
impraticável à medida que o número de parâmetros cotejados se acumula. ’’ (SENNA, 2007, p.
30).
Gentil-Nunes (2009) avança no estudo da textura através do estabelecimento mais
aprofundado de mensurabilidade. Seu trabalho não tratou de resolver os problemas relativos ao
cruzamento dos diversos parâmetros, por outro lado, levou às últimas consequências (em termos
de detalhamento e precisão) a observação numericamente determinada, a partir de uma
mediação entre a teoria textural de Berry e a Teoria das Partições (ver ANDREWS, 1984).
Basicamente, a Teoria da Partições tem como ponto de partida a possibilidade de
representação de números inteiros positivos como soma de outros números inteiros positivos,
o que é denominado partição. Por exemplo, o número cinco apresenta 7 partições (ver Figura
3). Os componentes de cada soma são chamados partes.

5
4+1
3+2
3+1+1
2+2+1
2+1+1+1
1+1+1+1+1

Figura 3: Partições do número 5.

Gentil-Nunes observou que, na teoria de Berry, as relações estabelecidas entre


componentes sonoros, fatores texturais reais e densidade-número são, de fato, um processo de
particionamento.
25

Já no trabalho de Berry, o foco está justamente no jogo entre as vozes instrumentais ou


vocais. Trata-se do particionamento da massa sonora de um coro ou de um conjunto
instrumental. Massa que, considerada como uma totalidade, é dividida em partes
individuais (...). (2009, p. 3)

A partir deste ponto de mediação, desenvolve-se a Análise Particional (AP, GENTIL-


NUNES, 2009) que, por sua vez, contém uma série de ferramentas analíticas direcionadas a
diferentes aspectos da textura: a textura resultante das relações rítmicas entre componentes
texturais, a textura interna à uma estrutura linear e a textura como trama de eventos (ver
GENTIL-NUNES, 2009). Sobre o primeiro, a AP apresenta instrumento teórico capaz de
identificar e descrever suas estruturas e transformações originadas de forma exaustiva – o
Particionamento Rítmico. O resultado obtido por tal procedimento, em comparação com a
análise de Berry, é consideravelmente mais complexo. Sobre a análise da obra de Milhaud
(1934), já previamente discutida, Berry opta por desprezar determinados movimentos texturais
resultantes de processos rítmicos, de modo a fazer com que o resultado analítico se limite a
expressar acontecimentos mais evidentes, como, por exemplo, a entrada de uma nova voz.

Figura 4: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934), c. 1-2: Particionamento
Rítmico (1) – letra (a), (2) – letras (b) e (1+1) – letras (c). A análise de Berry é indicada pela letra (d), e despreza
as letras (b) em favor de uma visão mais generalizada.

Entretanto, em uma textura a duas vozes, diversos processos sutis de simultaneidade ou


concorrência podem engendrar-se. Por exemplo, nos primeiros compassos da peça ocorrem
breves pontos de convergência de ataque e duração (Figura 4, letras b), não descritos na análise
de Berry. Tal omissão foi uma escolha: “estamos deixando de lado algumas diferenciações
26

menores no intervalo de movimento, em nível mais superficial“ (Berry, 1976, p. 188). 8 São
registradas apenas as transformações texturais que alcançam extensão próxima à da unidade
morfológica de primeiro nível (ver MEYER, 1973, p. 31 e GENTIL-NUNES, 2016, p. 157) –
o motivo (no caso, um compasso; ver Figura 4).
O Particionamento Rítmico, sendo uma varredura exaustiva sobre as transformações
texturais oriundas das relações rítmicas – observadas nota a nota – oferece descrição
conceitualmente mais independente em relação a um determinado sistema musical, em outras
palavras, desde que uma obra seja baseada em um esquema de durações bem definido, esta pode
ser analisada por tal ferramenta.
Além do Particionamento Rítmico, a AP dispõe de outras ferramentas de análise,
incluindo um complexo estudo sobre os processos de transformação textural. Sobre estes, não
serão tecidas descrições mais detalhadas, tendo em vista que tais recursos não serão utilizados
no presente trabalho.
As análises disponibilizadas pela AP podem ser facilitadas a partir de aplicativo
computacional. O PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2008) produz gráficos automaticamente (a
partir de arquivos MIDI), agilizando a leitura global das relações envolvidas.
Moreira (2015) propõe o conceito de Contorno Textural a partir de nova aplicação da
Teoria dos contornos (FRIEDMANN, 1985, MORRIS ,1987, MARVIN E LAPRADE 1987,
entre outros) no campo da textura, utilizando conceitos da Análise Particional. São apresentadas
novas ferramentas analíticas, incluindo o aplicativo computacional JACQUARD (MOREIRA,
2015).
Fortes (2016), propõe o desenvolvimento da ferramenta analítica, baseada na AP,
dirigida sobretudo à música eletroacústica e à música instrumental, influenciada por seus
conceitos e técnicas. Gentil-Nunes lançou proposta similar com o Particionamento de Eventos
(ver GENTIL-NUNES, 2009), entretanto, Fortes desenvolve mais definitiva, com modos
alternativos de segmentação e de determinação das unidades em jogo.
Fato comum às demais tradições instrumentais, o campo do violão apresenta um léxico
singular, referente à própria estrutura do instrumento, seus procedimentos técnicos básicos e
avançados. Apresenta também um repertório de símbolos destinados a representações
específicas na partitura, que formam um “dialeto” violonístico a ser compreendido por aqueles
interessados na composição para violão. Shearer (1959) apresenta estes elementos de forma
completa e detalhada, ainda que lenta e gradativamente, dado que sua obra é um guia para

8 “(…) we are overlooking minor differentiations in interval of motion at the most foreground level.”
27

estudantes, abrangendo inclusive fundamentos técnicos básicos. Adour (1999), por abordar
diretamente a composição para violão, realiza uma apresentação mais objetiva destes itens.
28

2 ANÁLISE DE TEXTURA VIOLONÍSTICA

A Análise de Textura Violonística é um modo de observar, em obra ou trecho para


violão, o aspecto textural e os procedimentos instrumentais conjuntamente, ou seja, enquanto
componentes de uma unidade. Trata de descrever características estruturais do projeto
composicional dirigido ao violão ao lado dos procedimentos técnicos que viabilizam sua
realização instrumental. Esta associação de dados visa (permite) o conhecimento das expressões
do idiomatismo do violão na textura musical e a investigação de novas possibilidades de
interação entre composição musical e prática violonística.
O violão insere-se na categoria dos instrumentos harmônicos. Isto diz que o instrumento
oferece a possibilidade de superposição de elementos: acordes, padrões de acompanhamento,
melodias acompanhadas, polifonias, etc., ou seja, permite a superposição de sons com ataques
e durações independentes, desde que o gesto instrumental demandado seja ergonomicamente
viável. Isto se dá devido à estrutura física do violão, que dispõe de 6 cordas paralelas, nas quais,
basicamente, são aplicados os quatro dedos da mão esquerda (1, 2, 3 e 4) para a seleção de
alturas (braço) e os 5 dedos da mão direita – p, i, m, a e c 9– para atacá-las.10 Soma-se a isso o
extenso repertório de recursos técnicos pertinentes à tradição violonística: diferentes modos de
ataque, ligados, rasgueios, entre outros.

2.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO ASPECTO TEXTURAL

A elaboração da Análise de Textura Violonística demanda, primeiramente, a utilização


de instrumentos que forneçam a descrição do aspecto textural, para que esta possa ser
relacionada às informações relativas aos procedimentos instrumentais.
A Análise Particional ou AP (GENTIL-NUNES e CARVALHO, 2003) – analítica da
textura musical fundamentada na mediação entre a Teoria das Partições de Inteiros (ver
ANDREWS, 1984) e a Análise Textural de Wallace Berry (1976) – inclui ferramentas de
análise textural dentre as quais o Particionamento Rítmico é amplamente utilizado no presente
estudo.

9 Na escrita violonística os dedos da mão direita – polegar, indicador, médio e anular – são, tradicionalmente,
indicados por suas iniciais. O dedo mínimo, indicado pela letra c, apresenta utilização menos comum. Esta é tratada
por Wiese (2013) e Postlewate (2010).
10 O uso do violão inclui uma série de outros recursos, pertencentes ao campo de sua técnica expandida, como

ataques percussivos em seu corpo, uso de objetos acessórios, etc. Estes não serão abordados no presente trabalho.
29

2.1.1 Particionamento Rítmico

De modo simples, uma partição de um número inteiro positivo n é uma sequência de


números também inteiros e positivos cuja soma tem como resultado o próprio n. Por exemplo,
existem cinco partições possíveis para o número quatro; são elas:

 4;
 3 + 1;
 2 + 2;
 2 + 1 + 1;
 1 + 1 + 1 + 1.

Os números que compõem as partições são denominados partes. No caso supracitado


observa-se que há uma partição com uma parte, duas partições com duas partes, uma partição
com três partes e uma partição com quatro partes.
No Particionamento Rítmico, as configurações texturais são representadas por partições.
Uma vez realizada a observação da convergência e divergência rítmica entre elementos da
estrutura analisada, as notas e os blocos (agrupamentos de notas com ataques simultâneos e
mesma duração) são representados por números que indicam, quantitativamente, suas
respectivas composições verticais, contabilizando as diferentes alturas, incluindo aquelas
pertencentes a uma mesma croma (ver Figura 5). Tais números são usados para representar as
partes da configuração textural.

Figura 5: Representação numérica de notas e blocos utilizada no particionamento rítmico.

Já a superposição de elementos em divergência rítmica será responsável pelo número de


partes componentes da partição. Por exemplo, o trecho do Estudo 14 (BROUWER, 1972,
Figura 6) é composto por fragmentos lineares (Figura 6, letras B, C e D), representados por
partes unitárias ([1]) e uma estrutura formada por blocos de duas notas (Figura 6, letra A),
descrita pela parte [2].
30

Figura 6: Estudo 14 (BROUWER, 1972). Partes unitárias (letras B, C e D) e parte binária (letra A). Em cores, as
barras ilustram as superposições entre as partes concorrentes.

As ocorrências isoladas ou superpostas de tais elementos concorrentes são representados


pelas partições [1], [1 2] e [1 1 2] (ver Figura 7).

Figura 7: Representação gráfica da interação entre as partes em fragmento do Estudo 14 (Figura 6).

É possível utilizar grafia abreviada para a representação numérica, registrando-se partes


iguais uma única vez e indicando a recorrência através de índice sobrescrito. Assim, “[1 1 2]”,
por exemplo, pode ser expresso na forma “[1²2]” (ver Figura 8).

Figura 8: Partições do número quatro nas grafias integral e abreviada.

A análise por Particionamento Rítmico pode ser realizada a partir de arquivos MIDI
pelo aplicativo PARSEMAT (GENTIL-NUNES 2004). O trabalho de produção de arquivos
deste tipo, destinados às análises contidas no presente trabalho, deparou-se com alguns
problemas, que demandaram reflexões acerca da escrita para violão e de determinados recursos
31

texturais específicos do instrumento. Abaixo, serão expostas tais reflexões bem como as
soluções adotadas.

2.1.1.1 Preparação de arquivos MIDI para análise digital: adaptações de escrita, arpejos em
posição fixa (APFs), acordes quebrados

O procedimento básico utilizado no presente trabalho para a obtenção de arquivos MIDI


consiste em realização de cópia dos textos originais em um aplicativo de edição de partituras.
O editor utilizado possui ferramenta de exportação de seu próprio formato para o formato MIDI.
A partir destes, é possível utilizar as ferramentas computacionais de análise oriundas da AP. O
PARSEMAT (GENTIL-NUNES 2004) fornece a totalidade das transformações texturais
(descritas através de partições) detectadas no arquivo MIDI analisado, além de produzir alguns
gráficos para fins analíticos específicos (ver GENTIL-NUNES, 2009).
A escrita para violão, assim como ocorre com outros instrumentos, possui códigos
específicos. Como exemplo, pode-se citar os indicativos de uso dos dedos: 1, 2, 3 e 4 para a
mão esquerda, e p, i, m, a e c, para a direita, anteriormente descritos. Além destes códigos,
existem especificidades que dizem respeito à notação das durações. A compactação de
informações causada pela escrita em uma única pauta (diferente do piano, que conta com duas)
demanda uma economia de detalhes que gera ambiguidades, as quais, por sua vez, demandam
decisões interpretativas.
O Estudo 1 (BROUWER, 1972), por exemplo, pode ser executado de modos distintos.
Trata-se de uma figuração composta por centro e linha de baixo. A grafia original (Figura 9,
letra O) apresenta uma ligadura de frase que pode ser lida como uma indicação dirigida à linha
de baixos ou à estrutura como um todo. Uma interpretação implica em uma adoção literal das
durações dos blocos (Figura 9, I1) e outra (Figura 9, I2) prevê prolongamento das durações
destes, ambas exequíveis.
I2 revela que cada um dos componentes texturais em questão são dispostos no
instrumento de um modo que permite suas execuções de modo consideravelmente autônomo,
podendo ser, até mesmo, prolongados, como acontece com essa versão. O centro utiliza apenas
as cordas 2 e 3 exclusivamente soltas, ficando a mão esquerda liberada para atuar,
exclusivamente na articulação da linha de baixos, nas cordas 4, 5 e 6.
No presente trabalho, nas situações de ambiguidades características da escrita
violonística, as opções adotadas para a produção do arquivo MIDI levarão em conta a maior
independência entre os elementos texturais em jogo, dentro de uma situação de exequibilidade.
A definição da expressão arpejo enquanto apresentação sequencial das notas de um
32

acorde é incompleta, quando se trata do universo do violão. Em geral, trata-se de uma forma de
executar um arpejo cujas notas dispõem-se em cordas distintas, gerando, a não ser que haja
alguma indicação específica na partitura, uma superposição gradativa entre suas notas. Isto é o
que será denominado, no presente trabalho, arpejo em posição fixa (APF). De modo mais
proposicional, pode-se dizer que o APF apresenta duas condições de existência:
a) suas notas devem estar dispostas em cordas distintas;
b) deve ser possível a execução de suas notas em bloco.

Figura 9: Estudo 1 (BROUWER, 1972, c. 1-2). Grafia original (O), interpretação utilizando as durações literais
no centro (I1) e uma outra (I2), na qual se prolongam as durações destes.

Quanto ao efeito, há uma ambiguidade. Por um lado, a execução sequencial, própria do


arpejo, possibilita a escuta linear da estrutura e por outro, a superposição gradativa conduz a
uma escuta harmônica (vertical) desta.
Quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de um recurso básico do violão, tratado de
modo ostensivo no repertório e, consequentemente, no âmbito da literatura pedagógica. É
comum a utilização da expressão fórmula para se referir às diferentes sequências de dedos a
atacar as notas de um acorde ou sequência harmônica (Figura 10).
As séries de estudos contem, em geral, peças que abordam APFs de modo específico. O
Estudo 1 (VILLA-LOBOS, 1952) e o Estudo 6 (BROUWER, 1972) são exemplos consagrados.
Ademais, observa-se que a digitação de mão esquerda necessária para a execução de um APF
é a mesma que permite a execução de suas notas em bloco (Figura 11), diferenciando-se pelo
33

fato de que, no caso do APF, os dedos podem ser posicionados de modo gradual, de acordo
com a ordem de execução de suas notas, o que, em alguns casos, pode acarretar em trocas de
acordes mais fluidas e em economia de energia.

Figura 10: Fórmula alternativa de APFs sugerida pelo autor para o Estudo 6 (BROUWER, 1972). 11

Figura 11: Estudo 1 (VILLA-LOBOS, 1952), um APF, seguido de sua transcrição em bloco. Os números
circulados, que representam as cordas nas quais deve-se executar cada nota, ilustram uma das condições de
possibilidade do APF: as notas devem localizar-se em cordas diferentes.

A grafia dos APFs realiza-se como uma prescrição simplificada. Em geral, escreve-se
apenas as notas em sucessão melódica (linearmente), indicando, geralmente, a sustentação dos
baixos (Figura 12).

Figura 12: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Análise por particionamento rítmico a partir do modo original de
escrita resulta nas partições [1] e [1²].

Se, deste modo, esta representação dos APFs na partitura torna-se consideravelmente
mais prática, por outro lado distancia-se do resultado sonoro, mais cumulativo, uma vez que
sua análise por particionamento rítmico resulta em uma estrutura composta por duas linhas
(partição [12]). Por isso, a própria identificação de um APF em um texto violonístico depende
da experiência do leitor a respeito dos recursos idiomáticos do violão ou de uma indicação de
digitação que induza a este entendimento (notas em cordas diferentes).
Dado que a produção do arquivo MIDI para a realização do particionamento rítmico se
dá a partir de uma partitura digital, a consistência do resultado analítico depende da maior

11 A nota de cabeçalho é traduzida por “Este estudo admite novas formulas, por exemplo:”
34

proximidade possível entre grafia e efeito, sobretudo no que tange ao parâmetro duração.
Entretanto, a tentativa de transcrição buscando uma representação do efeito sonoro (Figura 13)
de cada nota do APF também produziu resultados analíticos insatisfatórios. Tomando-se como
exemplo o Estudo 6 (BROUWER, 1972), ao contrário da grafia original (Figura 12) que reflete
exclusivamente o caráter linear do APF, a transcrição baseada nas durações de efeito
sobrevaloriza a independência dos elementos componentes, sugerindo uma autonomia entre
partes que não corresponde à unidade sonora que o arpejo constitui.

Figura 13: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Transcrição baseada em representação de efeito de execução em APF.
Partições encontradas: [1], [12], [13], [14]e [15].

A opção pela transcrição em blocos (Figura 14) expõe, no resultado analítico, a condição
técnica de possibilidade relativa ao APF: este deve constituir-se por um acorde em potencial,
isto é, um conjunto de notas dispostas no violão de tal modo que permite a execução acordal.
Assim, um primeiro cruzamento entre análise da textura e técnica instrumental pode ser
observado: as partições que retratam as texturas massivas ([2], [3], [4], [5] e [6], no caso do
violão), passam a representar não necessariamente a descrição de um específico resultado
musical final, mas uma variedade de modos de execução: blocos e toda a sorte de sequências
arpejadas. 12

Figura 14: Estudo 6 (BROUWER, 1972). Arpejos transcritos (APFs) em blocos. Obtém-se, como resultado
analítico da textura, uma única partição, [5].

A abordagem do APF enquanto bloco articulado não é novidade. A Tocata Seconda


Arpeggiata (1604, Figura 15) para tiorba, de Giovanni Girolamo Kapsberger, por exemplo, é

12No presente trabalho, sequências de duas notas poderão ser consideradas APFs, desde que se disponham
conforme os padrões determinantes deste.
35

integralmente composta por blocos, que devem ser arpejados segundo fórmulas sugeridas pelo
autor ou definidas pelo próprio interprete.

Na introdução do seu libro primo (1604) para tiorba, Kapsberger forneceu exemplos
práticos de como executar tal arpejo, e seus avvertimenti, assim como os de Frescobaldi,
foram ampliados nas suas publicações posteriores. (...)Tanto Coelho(...) quanto Nigel
North(...) alertaram para o fato de que os instrumentistas deveriam ter outras fórmulas
de arpejo para serem usadas de acordo com o requerido por determinada situação, o que
possibilita outras fórmulas de arpejo. (BURMESTER, 2010 p. 106 e p. 107)

Figura 15: Tocatta Arpegiatta (KAPSBERGER, 1604, Tablatura para Tiorba). Composição apresentada
integralmente em blocos (sequência de acordes em tablatura). O Símbolo % é instrução para execução arpejada
.

Sendo assim, todos os APFs encontrados nas obras analisadas no presente trabalho
foram transcritos em bloco. Esta interpretação foi expandida, sendo também adotada para
estruturas arpejadas em interação com outros elementos. O Estudo 7 de Villa-Lobos (1952), em
sua parte B (c. 15-28), por exemplo, se configura como melodia acompanhada por acordes
36

arpejados (APFs). Estes foram redigidos como blocos para a produção do arquivo MIDI a ser
analisado (Figura 16).

Figura 16: Estudo 7 (VILLA-LOBOS, 1952). Versão original (letra A) e transcrição dos APFs para blocos
(indicada por linha pontilhada, letra B). Partições [1] e [1 4].

Quanto aos acordes quebrados13, optou-se por uma abordagem diferente. Ao contrário
dos APFs, que apresentam um resultado textural específico (já detalhado anteriormente), estes
permitem a produção de uma complexa variedade de estruturas texturais (ver Figura 17),
combinando partes massivas ([5], [4], [3] ou [2])14 e lineares ([1]).

Figura 17: Exemplo de estruturas texturais geradas por acordes quebrados. a) sequência de acordes de quatro
sons apresentados em blocos (partição [4]); b) Uso da sequência a em padrão de acordes quebrados na qual
predomina a partição [1 3]; c) uso da sequência de “a” em padrão de acordes quebrados na qual predomina a
partição [122].

13 Sobre a expressão, explica Adour: “Esta é uma terminologia relativamente improvisada, cuja única intenção é
abordar uma maneira de execução que não é nem simultânea, nem totalmente “fragmentada” (...). Acordes
Quebrados se referem à possibilidade de separar, no tempo, notas isoladas ou em grupo de uma harmonia.” (1999,
p. 102-103)
14 O violão permite execução em bloco de, no máximo, seis notas, gerando a partição [6]. Esta não foi mencionada

na descrição pois é impossível que componha uma estrutura em acordes quebrados, uma vez que, para isto, seria
necessário que o acorde de origem fosse composto por mais de seis notas.
37

Em uma interpretação analítica, a redução dos acordes quebrados às estruturas massivas


totais incorre no desprezo de tal variedade. Por isso, optou-se, no presente trabalho, pelo registro
deste tipo de estruturação atendo-se ao resultado textural obtido pela análise por
particionamento rítmico, sobre a notação original (sem transcrição), expondo-se, assim, as
singularidades de cada modo de “quebra”.

2.1.2 Complexos Particionais

A partir do uso prático do Particionamento Rítmico em análise e composição musical,


observa-se a demanda pela possibilidade de associar partições que possuem semelhanças de
configuração, uma vez que unidades estruturais de obras são, em geral, compostas por uma
coletividade de partições com algum grau de proximidade neste sentido. “O uso das partições
em composição e análise mostrou, com o passar do tempo, que a consideração da partição como
unidade básica de estruturação é insuficiente para explicar todo o uso prático das configurações
texturais” (GENTIL-NUNES e RAMOS, no prelo).
As partições, enquanto descrições do aspecto textural na AP, podem agrupar-se a partir
de uma determinada partição referencial. Como exemplo, toma-se como tal a partição [1²2],
composta por três partes: [1], [1] e [2]. Estas podem combinar-se duas a duas formando as
partições [1²] ([1 1] em representação abreviada) e [1 2]. As partições geradas por estas partes
isoladas e suas combinações representam exposições parciais dos elementos texturais da
configuração [1²2].
Além disso, é possível realizar somas entre partes, gerando as partições [2²], [3], [1 3] e
[4]. A primeira resulta da soma das duas partes unitárias ([1]) encontradas na partição
referencial, formando a parte [2]; esta pode compor uma partição com a parte binária ([2]),
obtendo-se assim a partição [2 2] ([2²] em grafia abreviada). A partição [3] ocorre da soma entre
a parte binária com uma das partes unitárias; [1 3] resulta da conjugação desta com a parte
unitária restante. A soma de todas as partes resulta na partição [4]. Estas somas representam
convergências rítmicas eventuais, passíveis de ocorrerem na condução de partes ritmicamente
independentes.

(...) a independência entre estas vozes deve incluir também a possibilidade de eventuais
coincidências de ataque. Caso as vozes precisassem articular sempre em pontos de
tempo diferentes, haveria algum grau de dependência estrutural na construção da trama
(...) (GENTIL-NUNES e RAMOS, no prelo)

Assim, é determinado o complexo particional da partição [1²2], conjunto formado pelos


seguintes elementos:
38

 Partição referencial: [1²2]


 Subpartições (formadas pelas partes da partição referencial e pelas combinações
entre estas): [1], [1²], [2] e [1 2]
 Subsomas (somas entre partes): [2²], [3], [1 3] e [4]

No fragmento da obra coral A peine si le coeur vous a considérées, images et figures


(MILHAUD, 1934, Figura 18) observa-se uma estrutura polifônica a duas vozes (resultante da
construção em fugato). Uma vez que, em um breve exercício de análise, adota-se uma
interpretação baseada em um complexo particional, no caso, referente à partição [1²],
considerada assim como partição referencial (dada a sua representatividade com relação ao
entendimento geral de polifonia à duas vozes), as partições [1] (Figura 18, tetra a) e [2] (Figura
18, letras b), encontradas no trecho, podem ser classificadas como subpartição e subsoma,
respectivamente.

Figura 18: A peine si le coeur vous a considérées, images et figures (MILHAUD, 1934), c. 1-2: apresentação
das partições [1] – letra (a), [2] – letras (b) e [1²]– letras (c). Adotada a interpretação, para fins de análise, [1²]
como partição referencial, tem-se [1] como subpartição e [2] como subsoma.

Exposições parciais de uma partição (subpartições) bem como pontos de convergência


rítmica entre seus elementos (subsomas) configuram operações tradicionais em composição e
reforçam a caracterização de uma determinada totalidade.
39

2.1.3 Proposta Textural

A Análise Particional, enquanto ferramenta de análise da textura musical, caracteriza-


se por sua força exaustiva e microcósmica, pois revela a totalidade das configurações em suas
mais discretas transformações.
Os complexos particionais surgem da necessidade de abordar, a partir da linguagem da
AP, a textura de modo mais integrado, panorâmico. Nestes, agrupam-se partições pertencentes
a um âmbito textural mais geral.
Entretanto, a utilização dos complexos particionais em composição e análise requer
algumas considerações. No Estudo 7 (BROUWER, 1972, Figura 19), por exemplo, encontram-
se três partições: [3], [1] e [2]. Estas três estruturas não estabelecem relações a partir de um
complexo particional, portanto outros fatores devem determinar as relações entre as mesmas.

Figura 19: Estudo 7 (BROUWER, 1972). Partições [1], [3] e [2]. Estudo monódico. Predomínio da partição [1].
APFs transcritos em blocos.

No caso, há uma alta predominância da partição [1] (ocupa aproximadamente 76% da


extensão da peça, ver Figura 20), já que se trata de um estudo monódico com raras ocorrências
de elementos adicionais. As partições [2] e [3] ocorrem em aproximadamente 18% e 6% do
todo da obra, respectivamente.
Deste modo, a escolha pela atribuição da centralidade à partição [1] apresenta-se
adequada, pois indica a predominância da estrutura linear. As partições [2] e [3] não pertencem
ao complexo particional de [1] o qual é composto apenas pela própria partição referencial – [1]
no caso. Não são, portanto, exposições parciais da partição de referência (subpartições),
tampouco um resultado de convergência rítmica entre elementos da estrutura (subsomas). Tais
partições resultam da ocorrência de elementos estranhos (no caso, acordes de três notas
arpejados e blocos de dois sons no agudo, ver Figura 19) à conformação básica, o que constitui
a singularidade do Estudo 7.
No caso do Estudo 1 (BROUWER, 1972, Figura 21), ocorrem as partições [1 2], [1] e
[2].
40

Figura 20: Durações (medidas em pulsos) das partições encontradas no Estudo 7 (BROUWER, 1972).

Figura 21: Estudo 1 (BROUWER, 1972). Partições: [1 2], [1] e [2].

Neste, há uma alta predominância, em termos de duração, de [1 2] que ocupa cerca de


87% da extensão do estudo (Figura 22).

Figura 22: Durações relativas às ocorrências das partições contidas no Estudo 1 ([1 2], [1] e [2]).

As partições [1] e [2] são subpartições do complexo particional de [1 2], ou seja,


descrevem ocorrências parciais da partição referencial. Dado este panorama de relações, fica
configurada a centralidade de [1 2] na estruturação da obra.
41

De fato, o critério duração (soma das durações de uma determinada partição) orientou
as escolhas relativas à partição que expressa de modo global as estruturas analisadas
anteriormente.
Em um processo de produção de obra ou trecho no qual se propõe articular determinada
partição, é possível que surja a demanda por entradas sucessivas de elementos ou procedimentos
rítmicos que resultem em exposição parcial destes (subpartições), justamente como acontece
no Estudo 1 (Figura 21). Também é possível que haja eventuais convergências rítmicas
(subsomas) entre as partes em jogo (Figura 18, letras b). Além disso, deve-se considerar,
inclusive, a possibilidade de uso de partições estranhas ao complexo particional daquela com a
qual se pretende trabalhar (ver Figura 19). Tais configurações atuam como coadjuvantes,
atribuindo mobilidade criativa à exposição da partição escolhida, sempre conduzindo à
percepção desta. Dado que textura, no presente trabalho, é entendida como o jogo de relações
rítmicas entre elementos, não parece haver outro modo de expressar o protagonismo de uma
configuração textural a não ser pelo predomínio de sua própria presença, já que não é possível
observar relações deste tipo considerando elementos ocultos.
Deste ponto de vista, é possível descrever o aspecto textural global a partir da partição
ou do conjunto de partições que predominam, em termos de duração, em um determinado trecho
ou obra. No presente trabalho, isto será denominado proposta textural.
O Estudo 1, como já visto anteriormente, constitui-se pela presença ostensiva da
partição [1 2], que ocupa aproximadamente 87% da extensão total da obra. Assim, a peça
apresenta proposta textural cuja partição principal é [1 2]. As outras partições encontradas –
[1] e [2], denominadas partições secundárias – são subpartições de complexo particional [1 2].
Este dado qualifica a proposta textural da obra em questão, mostrando que esta apresenta,
exclusivamente, jogos com os elementos texturais da partição principal.
Já o Estudo 7, cuja partição principal é [1] (ver Figura 20), apresenta partições
secundárias estranhas à configuração predominante.
O caso do Estudo 5 (BROUWER 1972, Figura 23) no qual encontram-se as partições
[4], [3], [2], [1 2] e [1], não há partição principal, pois nenhuma evidentemente predomina sobre
as outras. Entretanto, as partições [3] e [4], que são as de maior duração, ocupam
aproximadamente 80% (Figura 24) da extensão total do estudo. Deste modo, estas determinam
o que será denominado, no presente trabalho, conjunto principal.
42

Figura 23: Estudo 5 (BROUWER, 1972). APFs transcritos em blocos. Partições encontradas: [4], [3], [2] e [1].
As duas primeiras compõem o conjunto principal relativo à proposta textural da peça. [2] e [1] são partições
secundárias.

Figura 24: Durações das partições encontradas no Estudo 5 (BROUWER, 1972). As partições [3] e [4] ocupam,
conjuntamente, aproximadamente 80% da extensão da peça.

De modo resumido, a proposta textural é determinada da seguinte forma:


I. Calculadas as durações acumuladas15 das partições encontradas, determina-se a
partição principal (aquela que se destaca isoladamente sobre as outras partições,

15A duração acumulada de uma partição é calculada somando-se as durações de todos os fragmentos configurados
a partir de uma mesma partição. Por exemplo, caso se encontre em uma peça três fragmentos estruturados pela
partição [3], cada um destes com a duração de 2 pulsos, a duração acumulada da partição na peça é de seis pulsos.
43

em termos de duração) ou o conjunto principal (partições cujas durações se


destacam sobre as demais).
II. Quanto às partições secundárias (são todas as partições encontradas excluindo-
se a principal ou aquelas pertencentes ao conjunto principal), deve-se observar
suas relações de pertencimento ao complexo particional da partição principal ou
das partições componentes do conjunto principal.

Uma vez realizados tais procedimentos, é possível realizar a seguinte classificação:


a) Proposta textural unitária: ocorre nas estruturas integralmente compostas por uma única
partição. Em outras palavras, a partição principal ocupa 100% da extensão do objeto
analisado. Como exemplo, uma linha melódica isolada, integralmente descrita pela
partição [1].
b) Proposta textural simples: composta por partição principal e partições secundárias (ver
Figura 25). A partição principal, com relação à duração acumulada das partições
encontradas, encontra-se em um alto patamar (Figura 25, letras a), configurando
contraste acentuado (Figura 25, letras b) em relação às durações das outras. No caso
das propostas texturais simples, as partições secundárias (ver declive inferior, Figura
25, letras c) devem pertencer ao complexo particional (2.1.2) da partição principal,
sendo subpartições ou subsomas deste.

Figura 25: Perfil gráfico das propostas texturais relativas aos estudos 7, 18 e 14 (BROUWER, 1972),
da esquerda para direita. Letras a: alto patamar (partição principal). Letras b: contraste acentuado.
Letras c: declive inferior (abrange as partições secundárias).

c) Proposta textural composta: assim como a simples, compõe-se por partição principal, e
partições secundárias (ver Figura 25); a diferença encontra-se na existência de partições
secundárias estranhas ao complexo particional da partição principal.

Este cálculo pode ser realizado automaticamente pela função computacional partglobaldur (GENTIL-NUNES,
2017), a partir de arquivos MIDI.
44

d) Proposta textural múltipla: Denomina-se desta forma devido à conformação a partir de


um conjunto principal, ao invés de uma partição principal, além de partições
secundárias16. O conjunto principal é determinado pelas partições que se destacam das
demais devido à alta duração acumulada que apresentam (Figura 26).

Figura 26: Perfil gráfico de propostas texturais múltiplas relativa aos Estudo 5 e seção “A” do Estudo 11
(BROUWER, 1972), da esquerda para direita. O Declive superior (letras a): conjunto principal, Contraste
acentuado (letras b). Declive inferior (letras c): partições secundárias.

Entretanto, há casos específicos que demandam a consideração de outros dados


analíticos. No caso do Estudo 12 (BROUWER, 1972), por exemplo, as partições com maior
duração acumulada são, em ordem decrescente de tal valor: [1], [1²2] e [1 2] (ver Figura 27).

Figura 27: Durações acumuladas relativas às partições do Estudo 12 (BROUWER, 1972). O declive superior
(letra a) indica [1] e [122] e [1 2] como as partições do conjunto principal. Declive inferior (letra c) abrange as
partições secundárias. Queda acentuada (letra b) sugere o ponto de divisão dos agrupamentos.

16Há casos nos quais que não há partições secundárias nas propostas texturais múltiplas. Estes ocorrem quando
todas as partições têm a mesma duração acumulada ou quando tais valores são muito próximos.
45

A peça apresenta um padrão figurativo de acordes quebrados que se inicia com um


ataque isolado do baixo, com duração de 1 tempo (ver Figura 28).

Figura 28: Transcrição com APFs em bloco do Estudo 12. Duração acumulada da partição [1] é alta devido ao
padrão da figuração, que expõe o baixo isoladamente de modo ostensivo.

A partição [1] é, portanto, uma expressão parcial das partições [1 2] e [1²2], ou seja,
uma subpartição dos complexos particionais (ver 2.1.2) destas. Dentre os 19 pulsos nos quais
ocorre, 16 são registrados nos primeiros tempos do padrão figurativo acima descrito. Deste
modo, apesar de sua presença ostensiva, esta é interpretada como estrutura complementar. Já
as partições que expressam a própria estrutura figurativa, de modo integral, adquirem
protagonismo. São estas:
a) [1²2], resultante de acordes de quatro sons “desmembrados” em três elementos: pedal,
linha interna e blocos arpejados;
b) [1 2], acordes de três sons “desmembrados” em dois elementos: blocos arpejados e linha
de baixo.

De modo resumido, pode-se dizer que:


 O Estudo 1 (BROUWER, 1972, Figura 21) apresenta proposta textural simples
cuja partição principal é [1 2].
 O Estudo 7 (BROUWER, 1972, Figura 19) apresenta proposta textural
composta, sendo [1] sua partição principal.
 O Estudo 5 (BROUWER, 1972, Figura 23) compõe-se por proposta textural
múltipla. Seu conjunto principal é formado pelas partições [4] e [3]. Apresenta
partições secundárias.
 O Estudo 12 (BROUWER, 1972, Figura 28) compõe-se por proposta textural
múltipla. Seu conjunto principal é formado pelas partições [1²2] e [1 2].
Apresenta partições secundárias.
46

2.2 PROPOSTA TEXTURAL VIOLONÍSTICA (PTV)

O campo textural violonístico, entendido como o âmbito das configurações texturais


possíveis no violão, é o ambiente de investigação do presente trabalho. O capítulo atual é
dedicado ao desenvolvimento de um método de análise que possibilite a observação de tais
configurações em obras ou trechos, conjuntamente aos procedimentos instrumentais que as
viabilizam e determinam. O objetivo deste tipo de análise é, fundamentalmente, extrair do
material analisado modelos de utilização do meio instrumental em questão – o violão – para
fins de desenvolvimento da composição direcionada ao instrumento.
Nas seções anteriores, tratou-se de apresentar as ferramentas e processos analíticos que
resultam na proposta textural, meio de descrição da textura adotado no presente trabalho. A
seguir, será apresentado um modo de expor, de modo integrado, os dados relativos à textura e
aos procedimentos técnicos, aquilo que será denominado proposta textural violonística (PTV).
Como primeiro exercício de análise, considera-se o Estudo 1 (BROUWER, 1972).
Quanto à textura, como observado na seção anterior, a obra é constituída por proposta textural
simples (encontram-se partições secundárias as quais pertencem ao complexo particional da
partição principal), tendo [1 2] como partição principal.

Figura 29: Estudo 1 (BROUWER, 1972). Encontra-se proposta textural simples tendo [1 2] como partição
principal.

A estruturação do Estudo 1 (Figura 29), em termos de registro, se dá de modo específico:


os blocos localizam-se “sobre” a linha. Entretanto, outras disposições são descritas do mesmo
modo pelo particionamento rítmico. Por exemplo, em variações nas quais a estrutura em blocos
localiza-se “sob” (Figura 30, variação 1) ou até mesmo ao redor (Figura 30, variação 2) da linha
melódica, obtém-se o mesmo resultado analítico em termos de textura: proposta textural
simples, partição principal: [1 2].
Cada uma destas configurações tem implicações distintas na execução violonística,
podendo diferenciar-se consideravelmente quanto à idiomaticidade e à complexidade técnica.
Quanto ao caso em questão, o fato de a disposição original (Figura 29) acarretar em contraste
rítmico entre os gestos do dedo p (indicado para a execução da linha em registro inferior) e a
ação simultânea de i e m (utilizados para execução dos blocos em registro superior) atribui ao
47

trecho um caráter notavelmente idiomático, pois trata-se de uma das configurações gestuais
mais básicas do repertório violonístico. Não é por acaso que esta configuração compõe a
primeira obra da série Estudios Sencillos, que apresenta, na sequência das peças, notável
tendência à complexidade crescente.

Figura 30: Variações sobre fragmento do Estudo 1 (BROUWER, 1972 c. 1). Nos dois casos forma-se a partição
[1 2]. Na variação 1, blocos (representados pela parte [2]) são transcritos para registro inferior. Na variação 2
blocos “envolvem” a linha melódica.

O elemento descrito pela parte [2] é predominantemente composto por blocos formados
pelas notas Sol2 e Si217 (ver Figura 29), localizados em cordas soltas, o que torna
consideravelmente mais simples o trabalho realizado pela mão esquerda, usada, quase sempre,
apenas na execução das notas da linha de baixo
O Estudo 4 (Figura 31), por outro lado, apresenta variante mais complexa da proposta.
Este é estruturado de modo semelhante ao Estudo 1, porém apresenta movimentações lineares
no elemento em registro superior (parte [2]), demandando o uso corrente da mão esquerda para
a sua realização.

Figura 31: Estudo 4 (BROUWER, 1972).

Por fim, os atributos observados pela presente análise, relativos ao Estudo 1, podem ser
listados, de modo resumido, de acordo com os seguintes parâmetros:
 Textura: Predomina a partição [1 2] (ocupa aproximadamente 80% da extensão da obra),
com ocorrência esporádica de subpartições de seu complexo particional ([1] e [2]).
Assim, o trecho apresenta-se como uma proposta textural simples na qual [1 2] é
partição principal.
 Relação de registro entre as partes: estável, de modo que a parte binária (blocos de dois
sons) é localizada “sobre” (ver Figura 29) a parte unitária (linha de baixo).

17Registra-se, em ocorrência menos ostensiva, blocos formados pelas notas Ré2 e Sol2, também localizadas em
cordas soltas. Em regime esporádico, encontram-se blocos utilizando cordas presas (ver Anexo).
48

 Gestual da mão direita: A linha de baixo é executada pelo dedo p e os blocos pelo ataque
simultâneo de i e m.
 Gestual de mão esquerda: Utiliza-se a mão esquerda, quase sempre, apenas na execução
da linha de baixo, uma vez que os blocos se compõem predominantemente por notas
localizadas em cordas soltas.

Esta coletânea de dados relativos à estruturação musical e à composição técnico-gestual


da obra analisada constitui sua proposta textural violonística (PTV). Esta dispõe de
representação gráfica (Figura 32), na qual se registra:
a) a partição [1 2] disposta no eixo vertical de acordo com a relação de registro
entre as partes;
b) o padrão de digitação de mão direita;
c) predomínio de uso de blocos formados por notas localizadas em cordas soltas
na parte [2].

Figura 32: Diagrama descritivo da PTV relativa ao Estudo 1. Partição principal: [1 2]. Padrão de digitação de
mão direita (letras em itálico) e o uso exclusivo de cordas soltas na parte [2] (zero).

A PTV é o resultado da Análise de Textura Violonística, ferramenta analítica utilizada no


presente trabalho. A seguir, são tratadas as disposições gerais e detalhamentos relativos à PTV,
bem como a descrição de suas diferentes classes.

2.2.1 Representação gráfica das PTVs

A Proposta Textural Violonística é descrita por um composto de informações sobre


determinada obra ou trecho violonístico:
 A partição principal ou o conjunto principal relativo à proposta textural da peça
ou trecho analisado
 Descrição da relação de registro entre as partes.
49

 Dados relativos aos padrões de gestos instrumentais utilizados, abrangendo


técnicas de articulação e digitação.

A representação gráfica das PTVs se dá a partir dos seguintes princípios:


I. Para as PTVs unitárias, simples e compostas, utiliza-se a partição principal para
a representação.
II. As partições apresentam-se divididas em suas partes, as quais são dispostas
verticalmente (circuladas) em ordem que expresse a relação de registro inerente
a estas com base no eixo vertical das alturas (Figura 33).

Figura 33: Diagrama geral de PTVs. As partes devem localizar-se segundo a orientação do
eixo de alturas. Os dados relativos aos procedimentos de mão esquerda (M.E.) registram-se à
esquerda da partição18. Do mesmo modo, registra-se os dados relativos à mão direita (M.D.) na
lateral direita do gráfico.

III. Os dados relacionados aos procedimentos da mão esquerda19 devem localizar-


se à esquerda da partição, próximo da parte à qual de dirige. Por exemplo, usa-
se o numeral zero na lateral superior da parte que ocorre exclusivamente em
cordas soltas (ver Figura 32).
IV. Os dados relacionados aos procedimentos da mão direita devem localizar-se à
direita da partição, próximo da parte à qual de dirige. Por exemplo, letras
minúsculas (em itálico) registram padrões de digitação (ver Figura 32).
V. Quanto às PTVs definidas por propostas texturais unitárias, simples ou
compostas, ou seja, aquelas dotadas de partição principal, pode-se utilizar as
expressões “p.t. unitária”, “p.t. simples” ou “p.t. composta” na parte superior da

18 Caso um procedimento específico em se dirija a uma determinada parte da partição, exclusivamente, sua
representação gráfica deve estar localizada mais próxima desta.
19 A produção dos dados relativos aos procedimentos de mão direita e esquerda se limita aos casos nos quais é

possível identificar um padrão, sendo este sugerido na composição analisada ou evidentemente o mais prático. Em
muitos casos, há múltiplas possibilidades de digitação, o que demanda escolhas do intérprete.
50

figura para situações nas quais seja necessário descrever a classificação da


proposta textural encontrada (Figura 34).

Figura 34: Diagrama descritivo da PTV relativa ao Estudo 1 (BROUWER, 1972) acrescido de indicação
relativa à classificação da proposta textural encontrada (proposta textural simples).

VI. As PTVs definidas por propostas texturais múltiplas são representadas do


mesmo modo que as outras; entretanto, as partições componentes do conjunto
principal apresentam-se umas ao lado das outras, ligadas por linha horizontal
(Figura 35).

Figura 35: Exemplo de representação gráfica de uma PTV com proposta textural múltipla. Três partições
compõem o conjunto principal; no caso: [1] (à esquerda), [1 2] (no centro), e [1²2] à direita.

No próximo capítulo serão apresentadas aplicações da Análise de Textura Violonística


sobre as 20 peças componentes dos Estudios Sencillos (BROUWER, 1972). Além do trabalho
analítico individual, será desenvolvido uma observação ampla da obra como um todo, a partir
da coleta de dados obtidos em cada um dos estudos.
51

3 ANÁLISES DOS ESTUDIOS SENCILLOS

As obras do tipo estudo são fontes ideais para investigações acerca do idiomatismo dos
instrumentos, uma vez que estas são elaboradas para inserir o estudante no domínio do
vocabulário instrumental. Os Estudios Sencillos (BROUWER, 1972), conjunto de obras
amplamente utilizado nos âmbitos pedagógicos e artísticos, são especialmente adequados a este
propósito (MORAIS, 2013).
Na presente seção, o conjunto de 20 peças é examinado a partir da Análise de Textura
Violonística.

3.1 ESTRUTURAÇÃO TEXTURAL DOS ESTUDOS SENCILLOS

Visando revelar o grau de predominância relativa a cada uma das partições que integram
os Estudios Sencillos, realizou-se a medição de duração acumulada (soma das durações de todas
as partições iguais) sobre um arquivo MIDI composto por todo o conjunto de peças encadeado.
Os dados obtidos a partir deste procedimento (Figura 36) fundamentam a organização dos
estudos expostos a seguir.
As partições encontradas são agrupadas do seguinte modo:

 partições de altíssima duração acumulada: [1] e [1 2] (Figura 36a);


 partições de alta duração acumulada: [1 3], [3], [4] e [12] (Figura 36b);
 partições de média duração acumulada: [122], [2], [5], [1 4], [13] e [6] (Figura 36c);
 partições de baixa duração acumulada (ocorrências esporádicas): [123], [2 4], [22], [2 3]
(Figura 36d).

Uma vez pensados a partir do caráter didático e idiomático da série Estudos Sencillos,
esta disposição de dados possibilita algumas considerações gerais. Quanto ao número de partes
por partição, por exemplo, observa-se que entre as partições com duração acumulada altíssima,
alta e média encontra-se apenas duas partições com mais de duas partes: [122] e [13]. Partições
deste tipo predominam apenas entre as partições de baixa duração acumulada, que compõem
estruturas acessórias, não configurando partições principais nas propostas texturais
encontradas. Ademais, não foi registrada nenhuma ocorrência de partições compostas por mais
de três partes. Estes fatos indicam o caráter não idiomático e a tendência a maior complexidade
técnica relativos às estruturações que envolvem mais de dois elementos em divergência rítmica.
52

Figura 36: Durações globais das partições no âmbito dos Estudos Sencillos. No eixo vertical plota-se as
durações; no horizontal, todas as partições encontradas no conjunto das peças, organizadas por valor de duração
acumulada.

A partição [1] é a mais utilizada no âmbito da série de peças. Isto se dá não apenas
devido às obras predominantemente monofônicas20, porém, em considerável parte, devido às
recorrentes manifestações em caráter “residual”, isto é, sob a forma de fragmentos de linha ou
notas isoladas. De fato, as análises apresentadas a seguir mostram que [1] ocorre,
principalmente, sob a forma de exposição parcial de configurações mais complexas; aquilo que
se denomina, no presente trabalho, subpartição (ver 2.1.2). Por exemplo, em uma estrutura
composta por duas linhas melódicas ritmicamente divergentes (partição [12]), a apresentação
isolada de fragmento de uma delas devido à presença de eventual silêncio na outra.
A partição [1 2] é a configuração mais utilizada na composição de propostas texturais:
os estudos 1, 3, 4, 9, 13, 14 e 15 compõem-se a partir desta de modo literal ou, em alguns casos,
com emprego de pequenas variações.
A localização das partições referentes a todas as estruturas em bloco ([2], [3], [4], [5] e
[6]) nos grupos de alta e média predominância indicam o caráter idiomático das configurações
acordais e sobretudo arpejadas (APFs, ver 2.1.1.1), as quais fundamentam os estudos 5, 6, 11 e
17.
Destas observações, obtém-se uma divisão da série de estudos, de acordo com a

20 São cinco obras: estudos 7, 10, 16, 18 e 20 (apenas seção B), todos com extensão correspondente à duração
média dos Estudios Sencillos. Os estudos 10 e 18 apresentam considerável extensão ocupada por partições
secundárias. Ademais, o Estudo 16 é uma monofonia com bordão, apresentando [1 2 ] como partição principal.
Portanto, a duração acumulada da partição [1] em tais obras não justifica a predominância desta no âmbito da
totalidade dos estudos.
53

estruturação textural, em quatro categorias:

I. obras estruturadas a partir da partição [1 2]: Estudos 1, 3, 4, 9, 13 ,14 e 15;


II. obras estruturadas a partir de APFs: Estudos 5, 6, 11 e 17;
III. obras estruturadas a partir da partição [1]21: Estudos 7, 10, 16, 18 e 20 (neste
último caso, apenas a seção B, c. 18-52);
IV. estruturações isoladas: 2, 8, 12, 19 e 20 (seção A, c. 1-17).

A seguir, serão apresentadas as análises individuais dos 20 estudos, utilizando-se o


método proposto no capítulo anterior. A análise das peças será apresentada de acordo com o
agrupamento realizado acima.22

3.2 ESTUDOS 1, 3, 4, 9, 13, 14 e 15: USOS DA PARTIÇÃO [1 2]

A partição [1 2] é, no âmbito dos Estudios Sencillos, a partição mais utilizada na


elaboração de PTVs (ver 2.2). As análises a seguir expõem o vasto campo de abordagem desta
configuração textural na composição violonística.

3.2.1 Estudo 1

Figura 37: Estudo 1 (BROUWER, 1972, c. 1-2). À direita, o diagrama de sua PTV.

Já analisado anteriormente (ver 2.2), o Estudo 1 é composto por proposta textural


simples (Figura 37). Trata-se de uma figuração composta por linha de baixo (parte [1]),
executada com o dedo p, e centro (parte [2]), articulado com os dedos i e m. No centro,
predomina o comportamento linear estático, composto pelo bloco Sol2 - Si2, localizado em par

21 Optou-se por incluir as monofonias com acompanhamentos de pedais ou linhas passivas, considerando-se tais
configurações como variações das estruturas definidas por linhas isoladas.
22 Para fins de acomodação da leitura aos recursos e métodos analíticos utilizados, optou-se por ordenar os estudos,

dentro dos grupos, por ordem de complexidade.


54

de cordas soltas.
Na seção central da peça (c. 9-17, ver Figura 38) ocorrem “deslocamentos” do centro
para o bloco Ré2 - Sol2, igualmente localizados em cordas soltas. Além disso, há, em caráter
esporádico, utilização de blocos envolvendo o emprego de notas em cordas presas. Essas
estruturações são consideradas secundárias, não integrando a descrição da PTV da obra.

Figura 38: Seção central do Estudo 1 (c. 8-19, BROUWER, 1972). Uso esporádico de blocos envolvendo o
emprego de cordas presas em c. 9, c. 10, c. 14 e c. 15.

3.2.2 Estudo 4

A peça apresenta figuração semelhante àquela encontrada no Estudo 1, tendo como


diferença as movimentações lineares contidas no centro (série de blocos de dois sons, parte [2],
ver Figura 39a) o que demanda a utilização da mão esquerda na execução do elemento.
Entretanto, a articulação deste em staccato, expressa por pausas, faz com que as partições [1] e
[1 2] compartilhem a predominância em termos de duração. Dado que a execução em legato é
viável com a utilização da mesma digitação, optou-se por realizar a transcrição adaptada (Figura
39b) para análise. Deste modo, registra-se que a utilização instrumental proposta na obra
propicia liberdade de escolha relativa à articulação.
Além disso, registra-se a ocorrência de partição secundária não pertinente ao complexo
da partição [1 2] (no caso, [1 3], ver anexo, Estudo 4, c. 23-26). Deste modo, conclui-se que se
trata de uma proposta textural composta (Figura 39c), isto é, estruturação composta por uma
única partição principal ([1 2], no caso) e por partições secundárias dentre as quais são
encontradas configurações estranhas ao seu complexo particional.
55

Figura 39: Estudo 4 (BROUWER, 1972, c. 6-10). a) grafia original: as partições [1] e [1 2] ocupam, igualmente,
cinco tempos do total de 10; b) transcrição com articulação legato na estrutura superior: [1 2] ocupa 8 tempos; c)
PTV da obra: padrão de digitação de mão direita registrado em itálico. Classificação: composta (apresenta
partições secundárias não pertinentes ao complexo da partição principal).

3.2.3 Estudo 13

A obra apresenta um modo específico de articulação da parte [2]: par de ligados


ascendentes simultâneos nos quais as notas de origem encontram-se sempre em cordas soltas
(Figura 40a).
Tal procedimento (ver Figura 40b), além de gerar efeito singular, possibilita a execução
fluida do componente binário (parte [2]), mesmo em andamentos mais movidos. O fato de os
gestos dos ligados simultâneos serem originados necessariamente em pares de cordas soltas
torna o trabalho realizado pela mão esquerda mais leve e de coordenação mais simples, se
comparado com um caso hipotético em que se use cordas presas nas notas de saída.
Constituída por proposta textural composta, a obra apresenta algumas partições não
pertinentes ao complexo de sua partição principal. Entre elas, destacam-se as massivas [4] e [6]
(apresentadas sob a forma de APFs) e a variante da partição principal, [122] (ver Figura 41).
Nesta última, a PTV da obra recebe uma nova parte; resultado da ocorrência de linha em registro
superior. O trecho sob tal variação pode ser analisado em separado, para descrição detalhada de
56

sua estrutura (Figura 41b).

Figura 40: Estudo 13 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 1-4): articulação do centro (parte [2]) com uso ligados
simultâneos originados em cordas soltas (terceira e quarta, no caso); b) PTV: ligados ascendentes simultâneos
originados em cordas soltas caracterizam a articulação da parte binária. Os zeros representam notas em cordas
soltas, x e y referem a notas em cordas presas.

Figura 41: Estudo 13, variação textural por acréscimo (linha em registro superior), gerando a partição [1²2]. a)
exemplo (c. 19-26, entrada da linha adicional em c. 21); b) PTV relativa ao trecho variado (c. 21-29): parte [2]
mantém-se com a mesma articulação e procedimentos instrumentais da proposta original (Figura 40b). Uma
linha é acrescentada no registro superior, gerando a partição [1²2].
57

3.2.4 Estudo 14

A peça (Figura 42a) consiste em uma abordagem expandida dos recursos utilizados no
Estudo 13 (ver 3.2.3). No Estudo 14, a respeito dos procedimentos de execução da parte binária,
ocorre a utilização de ligados simultâneos ascendentes e descendentes, além de serem
encontrados exemplares com notas presas na origem do gesto (Figura 42b).

Figura 42: Estudo 14 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 20-23): uso de ligados simultâneos ascendentes e
descendentes, incluindo notas presas na origem dos gestos; b) PTV relativa ao Estudo 14. As letras x e z
representam notas de origem do ligado, y e w descrevem as notas de chegada.

Com relação ao elemento descrito pela parte [2], presentes nos Estudos 13 e 14, observa-
se que os intervalos harmônicos usados são compostos por notas encontradas na mesma casa
ou em casas adjacentes, quando não estão localizados em cordas soltas. Isto sugere uso dos
pares de dedos 1-2, 2-3 e 3-4 de maneira simultânea e não estendida (sem “aberturas”),
possibilitando um gesto forte e sonoroso. 23

3.2.5 Estudo 15

O Estudo 15 é estruturado na forma rondó (ABACA), na qual as seções contrastantes


são construídas como desenvolvimento motívico da seção principal. O corte formal é
justamente explicitado por diferenças de textura e procedimentos instrumentais, ou seja,
diferenças de PTV. Optou-se, portanto, pela realização de análise isolada dos elementos

23As digitações mencionadas são sugeridas por Brouwer na partitura (ver Figura 42a), não obstante, é possível
digitação alternativa.
58

formais, para que se possa observar cada uma das estruturações propostas na peça.
A seção A (c. 1-10) é integralmente apresentada sob textura acordal em blocos de 3 sons
(partição [3]). Entretanto, as seções B (c. 14-21) e C (c. 32-54) apresentam diferentes
abordagens de [1 2] enquanto partição principal.
A seção B (Figura 43) é composta por uma frase (frase 1, Figura 43, c. 14-17) e sua
recorrência com acompanhamento variado (V1, c. 18-21), gerando PTVs diferentes. A frase 1
é acompanhada por blocos binários (parte [2]), em colcheias, no registro superior.

Figura 43: Estudo 15 (BROUWER, 1972), seção B. Frase 1 (c. 14-17) é acompanhada por intervalos
harmônicos atacados em bloco. Já em sua recorrência (18-21) a estrutura binária é arpejada (APFs de dois sons).

Figura 44: Estudo 15, APFs transcritos em blocos. a) variação 1 (c. 14-21), divide-se em: frase 1 (c. 14-17) e
V1 (c. 18-21); b) PTVs da variação 1 (c. 14-21, item a). À esquerda, a estruturação da frase 1. Em V1, a parte
binária é arpejada (APFs), o que é indicado pela linha sinuosa à sua direita.
59

A estrutura composta por intervalos largos no acompanhamento sobre V1 é, de fato, uma


composição de APFs (arpejos em posição fixa, ver 2.1.1.1) de dois sons, representada com
ajuste transcrição em blocos para análise (Figura 44a). Feito o ajuste, o acompanhamento passa
também a ser descrito por parte binária (Figura 44a, V1, c. 18-21), ou seja, o contraste textural
entre frase e variação reside na articulação da parte [2] (ver Figura 44b)
A seção C pode ser dividida em duas subseções: c1 (Figura 45a, c. 32-39) e c2 (Figura
45a, c. 40-54). A subseção c1 reproduz a PTV relativa a V1 da seção B (ver Figura 44a, c. 18-
21), contendo estrutura arpejada na parte binária (ver Figura 44b, V1).
A subseção c2 (Figura 45a, c. 40-54) apresenta inversão de registro entre as partes, isto
é, a parte binária assume o registro inferior, enquanto a parte unitária compõe o superior.

Figura 45: Estudo 15. a) exemplo: variação 2 (c. 32-39) com transcrição dos APFs em blocos. Subseção c2
(c.40-54): inversão de registro entre as partes [1] e [2], no caso, a primeira ocorre no registro superior, “sobre” a
parte binária. b) PTV da variação 3 (c. 40-54). Parte binária em registro inferior. Padrão de digitação da mão
direita em itálico.
60

3.2.6 Estudo 3

O Estudo 3 é composto por duas linhas melódicas que se desenvolvem sobre um pedal
de Mi1. A relação rítmica entre as linhas melódicas é de extrema dependência. Os ataques
formam um padrão contrarrítmico de colcheias: cada ataque da voz intermediária é seguido de
ataque duplo de uma nota da voz superior (Figura 46a).

Figura 46: Estudo 3 (BROUWER, 1972). a) exemplo (c. 1-2). b) versão do exemplo a com a articulação rítmica
dos tempos reduzidas a blocos. Comportamento da mão esquerda utilizado nesta execução assemelha-se ao
demandado pela versão original; c) PTV: blocos de dois sons “desmembrados” por articulação sequencial na
mão direita. O número zero indica a execução exclusivamente em corda solta referente ao elemento em registro
inferior: pedal de Mi1.

Este padrão pode ser interpretado como uma variação, por articulação rítmica, de uma
estruturação em contraponto de primeira espécie24, a qual, sobre o pedal (Mi1), gera a partição
[1 2] (ver Figura 46b).

24Não se trata, no caso, das regras dirigidas aos intervalos ou contornos. Usa-se a expressão para referir-se ao
padrão rítmico da técnica referida: “nota contra nota”, formando blocos.
61

O comportamento da mão esquerda afirma tal entendimento, pois esta atua como em
uma série de blocos de duas notas, pressionando, simultaneamente 25, cada par de notas
superpostas. Deste ponto de vista, o bloco seria “desmembrado” pela mão direita, que executa
suas notas componentes em determinado padrão sequencial, o que resulta numa PTV baseada
na partição [1³] (Figura 46c).

Os silêncios inerentes aos elementos em questão (pedal e duas linhas) geram


considerável quantidade de exposições parciais da configuração em sua totalidade, gerando
muitas ocorrências das partições [1] e [1²] (ver Figura 47), subpartições do complexo
particional de [1³] (ver 2.1.2).

Figura 47: Duração das partições encontradas no Estudo 11 (BROUWER, 1972).

3.2.7 Estudo 9

O Estudo 9 é composto a partir do desenvolvimento de três distintos padrões figurativos,


denominados no presente trabalho por F1, F2 e F3. O primeiro deles, utilizado na introdução
(c. 1-4, ver Figura 48a), é caracterizado pelo predomínio da partição [13], gerada pela presença
de três elementos ritmicamente divergentes: baixo, linha intermediária e linha superior. A
estruturação baseia-se, sobretudo na linha superior, na aplicação de apojaturas inferiores a
serem executadas com ligados ascendentes. Considerando-se versão do trecho com a
ornamentação retirada (Figura 48b), observa-se uma outra proposta textural, composta por [1
2] como partição principal, portanto, outra PTV (Figura 48d). É possível dizer que a versão
original (Figura 48a, partição principal: [13]) é uma variação ornamental desta, na qual o centro

25A execução sequencial das notas de um bloco permite posicionamento progressivo dos dedos da mão esquerda,
o que pode resultar em economia de energia e maior fluidez técnica.
62

da figuração (parte [2], representada com contorno pontilhado, ver Figura 48c) é decomposto
em duas linhas ritmicamente distintas, gerando duas partes unitárias, ou seja, [1 2] torna-se [13].
26
Uma vez que as apojaturas da versão original são executadas com ataques de mão esquerda
(ligados ascendentes, representados por “x y”, ver Figura 48c), ocorre que o gesto de mão direita
é igual nas duas versões: ataques simultâneos de i e m na estrutura superior e ataques individuais
de p sobre a linha de baixo.

Figura 48: Estudo 9 (BROUWER, 1972). a) introdução (c. 1-4). Figuração F1, partição principal: [13]. Baixos
registrados com durações estendidas afim de mostrar que a digitação aplicável ao trecho permite tal modo de
execução; b) Versão de F1 com as apojaturas retiradas. c) PTV da versão original de F1 (item a): ligados
ascendentes desmembram a parte binária, gerando a partição [1 3]; d) PTV da versão de F1 com ornamentação
retirada (item b), partição [1 2].

O segundo padrão figurativo, F2 (Figura 49), aplicado de modo recorrente a diferentes


contextos harmônicos, apresenta configuração técnico-textural (PTV) semelhante àquela

26 De outra forma, [1+2] torna-se [1+ (1+1)].


63

encontrada em F1 (ver Figura 48c), porém ligeiramente variada. Nesse caso, os ligados, além
de serem aplicados exclusivamente à linha intermediária, são descendentes.

Figura 49: Estudo 9 (BROUWER, 1972, c. 9). Figuração F2: predomínio da partição [1 3].

A figuração F3 (Figura 50a) apresenta considerável variedade de configurações


texturais articuladas sobre um pedal de Mi1: fragmentos de linha (Figura 50b, partição [12]),
blocos em APF (Figura 50b, partição [1 3]) e híbridos de arpejos (APFs) com movimentações
lineares (Figura 50b, partição [122]).

Figura 50: Estudo 9 (BROUWER, 1972), c. 6-7. a) partitura original. b) transcrição com APFs em bloco. 27

Apesar do fato de que a partição [13] apresenta uma duração acumulada


consideravelmente maior que as demais partições (ver Figura 51), esta não pode ser considerada
como a partição principal relativa à proposta textural do Estudo 9. Isso ocorre devido à variada
configuração textural de F3. Uma vez que esta utiliza as partições [12], [1 3], [122], e [1 2] 28,
a duração acumulada destas partições deve ser considerada em sua soma, que, no caso,
aproxima-se29 dos 27 tempos referentes à partição [13]. Deste modo, configura-se uma proposta
textural múltipla, na qual a única partição secundária é [1]. Apesar de sua considerável duração
acumulada, a ocorrência de [1] é exclusivamente “residual”, resultado de breves silêncios
internos às figurações F1, F2 e F3 (ver Figura 48a, permitindo que uma nota ocorra
isoladamente. De modo resumido:

27 A transcrição foi realizada, diferentemente da partitura original, utilizando-se a mesma altura (Mi1) e duração
da nota pedal nos dois compassos. Esta opção é, de fato, uma correção de erros editoriais.
28 Note-se que as partições envolvidas em F3 pertencem todas ao complexo particional [1 22].
29 8,5 ([12 ]) + 7,5 ([1 3]) + 7 ([12 2]) + 3,5 ([1 2]) = 26,5 tempos
64

 A obra apresenta três figurações, F1, F2 e F3, distribuídas de modo consideravelmente


uniforme em sua extensão
 F1 e F2 baseiam-se na utilização da partição [13] (ver Figura 51, F1/F2);
 Em F3 são empregadas quatro partições: [12], [1 3], [122] e [1 2], distribuídas
uniformemente (ver Figura 51, F3);
 Em todas as figurações há ocorrências “residuais” da partição [1].

Figura 51: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 9 (BROUWER, 1972). Partição [1], única
partição secundária, em destaque.

Realizada a análise dos estudos 1, 3, 4, 9, 13, 14 e 15, nota-se que a partição [1 2], aquela
de maior predominância enquanto configuração de propostas texturais no âmbito dos Estudios
Sencillos (ver 3.1), é amplamente explorada por Brouwer em suas possibilidades de abordagem
violonística. Nas seis peças em questão, utiliza-se considerável variedade de recursos
instrumentais, gerando diferentes PTVs (Figura 52): ligados, APFs, diferentes relações de
registro entre partes, além de variações geradoras de novas partições.
O Estudo 3 apresenta proposta textural na qual [13] é a partição principal (ver 3.1.6). O
mesmo ocorre com as figurações F1 e F2 do Estudo 9 (ver 3.1.7). Em ambos os casos, a
configuração é alcançada por procedimento instrumental que, em uma das mãos, relaciona-se
com a produção do efeito textural descrito pela partição [1 2]. No Estudo 9, por exemplo,
encontra-se padrão de mão direita composto por ataques simultâneos dos dedos i e m em
divergência rítmica com articulações de p. Tal padrão apresenta relações rítmicas entre
elementos, portanto, têm sua própria textura. A descrição da textura dos gestos de mão esquerda
ou direita é fundamental para a definição de determinadas PTVs. Nas representações gráficas
utilizadas no presente trabalho, as partições ou partes que visam descrever configurações
texturais de gestos são grafadas com contorno pontilhado, explicitando que tais configurações
65

não compõem o efeito textural final


.

Figura 52: PTVs relativas às seguintes obras ou trechos: a) Estudo 1. b) Estudo 4. c) Estudo 13. d) Estudo 14, e)
Estudo 15, variação 1, frase 2 (c. 17-20). f) Estudo 15, variação 3 (c. 40-54). g) Estudo 13, variação (c. 21-29). h)
Estudo 3. h) Estudo 9, figuração F1 (c. 1-4).

3.3 OS ESTUDOS 5, 6, 11 e 17: ESTRUTURAÇÕES ARPEJADAS

Em Análise de Textura Violonística (ver 2), os APFs são considerados como blocos
articulados, sendo tratados em sua composição massiva (acordal).30 Os complexos particionais
das partições indicativas de estruturas acordais ([2], [3], [4], etc.) não contém subpartições ou
subsomas, portanto não geram propostas texturais simples.31 O trabalho específico sobre APFs,

30 Arpejos em posição fixa, ver 2.1.1.1.


31 Ver 2.1.3
66

em emprego exclusivo ou em interação com outras configurações, se desenvolve nos estudos


6, 5, 17 e 1132.

3.3.1 Estudo 6

A obra (Figura 53) é um estudo de arpejos (APFs, ver 2.1.1.1) articulados,


exclusivamente, sobre acordes de cinco sons.33 Utiliza-se um padrão figurativo para toda a
seção A (c. 1-22) e uma variação deste para compasso binário na seção B (c. 23-33). A peça é
integralmente composta por uma única partição, [5], configurando proposta textural unitária
(ver Figura 54).

Figura 53: Estudo 6 (BROUWER, 1972). A) partitura original. B) transcrição em blocos utilizada na análise de
textura violonística.

Figura 54: Diagrama das PTVs relativas aos estudos 6 e 5, estruturados por APFs (indicados por linha vertical
sinuosa na lateral direita das partições ou partes arpejadas).

32 Com a ordem de exposição adotada, pretende-se expor os resultados analíticos em ordem de complexidade
crescente.
33 Ocorrem dobramentos em boa parte dos casos.
67

3.3.2 Estudo 5

Também dedicado aos arpejos, o Estudo 5 (Figura 55) apresenta uma estruturação mais
variada, utilizando acordes de quatro e três sons (partições [4] e [3]), além de intervalos
harmônicos ([2]).34Os arpejos sobre acordes de três e quatro sons predominam, ocupando cerda
de 80% da extensão da peça, configurando uma proposta textural múltipla, contendo as
partições [3] e [4] em seu conjunto principal (ver 2.1.3, Figura 24 e Figura 54).

Figura 55: Estudo 5 (BROUWER, 1972), c. 1-7. a) Partitura original. b) transcrição com APFs em
bloco. Uso das partições [4], [3] e [2].

3.3.3 Estudo 17

Dirigido ao desenvolvimento da execução de ornamentos, o estudo é construído pela


aplicação destes sobre notas de estruturas arpejadas. Constitui-se por forma ABA. A parte A (c.
1-12) é constituída por sequência de acordes arpejados de cinco sons. Nesta, a estrutura
arpejada não é literalmente sequencial, ocorrendo simultaneidade de ataques entre os dedos p
e i (ver Figura 56a), o que sugere que se interprete os procedimentos encontrados não como
arpejos, mas como acordes quebrados. Entretanto, os ataques simultâneos de p com algum
outro dedo são comuns na prática de arpejos violonística. Ao introduzir o tópico arpejos, Fábio
Adour (1999) coloca: “Como já havíamos mencionado, evitaremos, até certo ponto, o estudo

34Além destas estruturas, são encontradas ocorrências das partições [1], em fragmento linear e [1], sob a forma de
baixo sob bloco de dois sons em APF, ambas ocupando apenas dois pulsos da obra (ver Figura 24 e Anexo).
68

de ataques simultâneos aqui (...). Não podemos evitar, contudo, a presença do polegar
concomitante com algum outro dedo” (p. 106).
Realizada a transcrição dos arpejos para bloco (Figura 56b), as notas ornamentadas são
“expulsas” das formações acordais, pois ganham caráter rítmico particular. Traduzindo para a
linguagem da Análise Particional, a partição [5] perde uma parte, gerando a partição [1 4] (ver
Figura 56c).35 Os ornamentos são executados com ligados compostos (Figura 56c, “x y z”) e
simples, mantendo o padrão da mão direita (arpejo em colcheias sem interrupção, ver Figura
56a). As aplicações ornamentais são distribuídas entre as notas internas dos acordes.

Figura 56: Estudo 17 (BROUWER, 1972). a) Partitura original com indicação da digitação e do uso das cordas
(números circulados) referentes ao padrão de arpejo; b) Transcrição para APF, notas ornamentadas são
eliminadas do bloco de cinco notas, gerando a partição [1 4];36 c) PTV do Estudo 17, parte A (c. 1-11). Partição
[1 4] resulta de aplicações de ornamentos (executados com ligados compostos, “x y z”) sobre notas internas de
acordes de cinco sons arpejados (partição [5], contorno pontilhado).

35 Há trechos em que ocorrem ornamentação em notas diferentes dentro de um mesmo arpejo. Para estes casos,
optou-se por realizar a transcrição dos APFs de modo específico: registra-se um novo ataque do bloco no momento
em que uma nova nota é ornamentada. Com isso, a nota ornamentada anteriormente retorna à estrutura acordal,
mantendo-se a partição [1 4]. Deste modo evita-se resultados analíticos de alta complexidade textural ([1²3], para
o caso de um arpejo de cinco sons com duas notas ornamentadas, por exemplo), que não correspondem ao caráter
massivo dos APFs (ver 2.1.1.1).
36 Na partitura original, a ornamentação é grafada indicando que se execute com a maior velocidade possível
(Figura 56a). Na transcrição (Figura 56b), optou-se pela grafia com durações literais, para fins de produção de
arquivo MIDI (ver 2.1.1.1).
69

A parte B (Figura 57, c. 13-30) é elaborada, predominantemente, por acordes de quatro


sons arpejados; aos quais são aplicadas ornamentações. A seção apresenta proposta textural
múltipla, cujo conjunto principal é formado pelas partições [1 3] (parte [1] resulta da separação
textural causada pela ornamentação, bem como acontece na parte “A”) e [4] (indica a presença
de arpejos sem ornamentação).

Figura 57: Estudo 17. Parte B (c. 12-29).

Os recursos instrumentais utilizados em A são adaptados para o andamento mais movido


de B. Ao contrário do que acontece na parte A, na qual a mão direita se mantém executando
colcheias sem interrupção (ver Figura 56a), na parte B, na qual predominam as sequências de
semicolcheias, algumas notas executadas com ligados substituem ataques de mão direita,
possibilitando maior fluidez – mão direita dispõe pequenos repousos – e intenso legato.

3.3.4 Estudo 11

O Estudo 11 é, entre as peças baseadas em arpejos contidas nos Estudios Sencillos, a mais rica
texturalmente. A peça presenta duas pequenas seções, que serão analisadas em separado.
A seção “A” (c. 1-12) é composta basicamente por:

a) APFs de cinco sons, geralmente apresentados com inserções de notas melódicas;


b) APFs de três sons;
c) fragmentos lineares (pequenos trechos melódicos que conectam os arpejos).

Esta configuração pode ser observada pela análise das durações referentes às partições
encontradas (Figura 58). Os APFs de cinco sons apresentam o maior grau de ocorrência;
expressam-se a partir das partições [5] e [1 4] (Figura 59a). A primeira indica as estruturações
nas quais os blocos se mantém íntegros; a segunda descritiva das ocorrências que recebem
inserções de notas melódicas (Figura 59c), “desmembrando-se”. As durações destas, somadas,
totalizam 15 tempos. Os APFs de três sons (partição [3], Figura 59b) ocupam 14,5 tempos. Já
os fragmentos lineares (Figura 59d), que ocorrem isolados ([1]) e sobre baixo ([1²]), ocupam
10 tempos.
70

Figura 58: Durações das partições no Estudo 11 (BROUWER, 1972).

Figura 59: Estudo 11, Seção A (BROUWER, 1972, c. 1-8). Acima: a) APFs de cinco sons; b) APFs de três sons;
c) inserções de notas melódicas nos APFs; d) fragmentos lineares. Abaixo: transcrição com APFs em bloco e
partições utilizadas ([5], [1 4], [3] e [1]).

Observa-se uma proposta textural múltipla (ver 2.1.3) na qual o conjunto principal é
formado pelas partições: [1 4], [5], [3] e [1]. A representação gráfica da PTV (Figura 60) expõe
o procedimento semelhante ao observado no Estudo 17 (ver Figura 56 ), que resulta em [1 4]:
variação de um APF (partição [5], grafado em contorno pontilhado, Figura 60a) por inserção
de notas melódicas gerando, no “interior” do arpejo, breves sequências executadas em uma
mesma corda com o uso de ligados (no caso do Estudo 11, apenas ligados simples,
representados pelas letras x e y conectadas por linha curva, ver Figura 60a). Os APFs de cinco
e três notas são indicados por linha vertical sinuosa à direita da partição arpejada (Figura 60,
letras a, b e c). A função de ligação melódica entre arpejos exercida pelos fragmentos lineares
é representada por setas com origem em [1] apontadas para as conexões entre as outras partições
(Figura 60d).
71

Figura 60: PTV do Estudo 11, seção A. (BROUWER, 1972, c. 1-8). Linhas sinuosas verticais indicam que
partição massiva à sua esquerda é um APFs. Partições: a) [1 4], derivada de APF de cinco sons ([5] grafada em
contorno pontilhado; b) [3]; c) [5]; d) [1].

Figura 61: Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER, 1972). Figuração 1 e suas variações 1a e 1b. Abaixo de
cada exemplo, a respectiva transcrição com APFs em Bloco. Trechos ornamentados destacados por setas e
círculos).

A seção B (c. 13-26) é composta, principalmente, por APFs que recebem apojaturas,
sempre executadas com ligados (Figura 61), em algumas de suas notas. Este procedimento
apresenta-se de modo consideravelmente pedagógico. Expõe-se uma pequena sequência
harmônica arpejada (Figura 61, figuração 1), que é reproduzida (Figura 61, figurações 1a e 1b)
com diferentes ornamentações.
72

Figura 62: Estudo 11 (BROUWER, 1972, c. 17). Representação gráfica da primeira posição do violão, na qual
mostra-se a utilização de cordas soltas (0) e presas (dedos utilizados indicados por números) nas notas do acorde
(em azul escuro) e nas apojaturas inseridas (em rosa claro).

A utilização ostensiva de cordas soltas, em uma proposta que demanda sustentação de


algumas notas enquanto outras são articuladas pela mão esquerda (ligados), é um fator de
simplicidade técnica. O primeiro acorde da figuração 1b (formado pelas notas Sol1, Ré3, Lá2,
Si2 e Sol3, c. 17, ver Figura 62) contém duas notas localizadas em cordas soltas. Ademais,
dentre as três apojaturas utilizadas (Fá♯1, Dó3 e Sol2), a segunda “move-se” para uma nota em
corda solta (Si2) enquanto a terceira localiza-se em corda solta, dispensando o uso da mão
esquerda nas notas de chegada e origem dos ligados, respectivamente (ver Figura 62). Deste
modo, além de aproximar a exigência técnica do caráter pedagógico da obra, aproveita-se a
maior sustentação própria das notas em cordas soltas, o que contribui para o efeito solicitado
na seção (todas las notas tenidas37).
Uma segunda sequência de acordes – C, G/B e Am7 – é apresentada em duas diferentes
formas: figurações 2 e 2a, ver Figura 63). Na figuração 2, os primeiros são expostos como
APFs ([3]); o terceiro sob a forma de acorde quebrado (partições [1] e [1 2]). A figuração 2a é
uma variação da figuração 2 na qual os dois primeiros acordes (C e G/B) recebem apojaturas
cromáticas em suas notas mais agudas (Mi3 e Ré3, respectivamente,). Disto, resultam ataques
(de mão direita) em bloco, pois as apojaturas se inscrevem, no tempo, em simultaneidade com
a nota intermediária dos acordes (Sol2 em ambos, localizada em corda solta, ver Figura 63,
figuração 2a). Entretanto, uma vez que o movimento da apojatura para a nota real, executado
com ligado, se dá sobre as duas notas anteriores, fica estabelecida uma concorrência entre as
notas superpostas, gerando a partição [1³]. Tal caso assemelha-se ao da introdução do Estudo 9

37 Todas as notas sustentadas.


73

(ver 3.2), no qual a parte [2] da partição [1 2] é desmembrada pelo uso de ligados, resultando
também no mesmo efeito textural final.

Figura 63: Estudo 11, seção B (c. 13- 26, BROUWER, 1972). Pauta superior: figurações 2 e 2a. Pauta inferior:
transcrição do mesmo trecho com APFs em bloco e partições utilizadas.

Um último elemento, a figuração 3, também se estrutura a partir de aplicação


ornamental. Trata-se de estrutura baseada em um acorde quebrado de três sons (baixo e centro
“desmembrados”, partição [1 2], Figura 64) na qual o centro (parte [2]) recebe apojaturas
superiores em suas duas notas componentes, resultando, com a repetição do gesto, uma espécie
de “trinado” em bloco (Dó3 e Si2 em simultaneidade com Mi2 e Ré2).

Figura 64: Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER, 1972). Figuração 3, uso da partição [1 2].

Assim, uma vez que a seção B é integralmente composta a partir de procedimentos de


articulação (APFs e acordes quebrados) e ornamentação exercidos sobre acordes, as partições
encontradas podem ser agrupadas com base nas próprias estruturas acordais nas quais tais
procedimentos se aplicam:
a) Partições originadas de acordes de cinco sons38: [5] e [1 4] (ver Figura 61).
b) Partições originadas de acordes de quatro sons: [4] e [1 3] (ver Figura 61).
c) Partições originadas de acordes de três sons: [3], [13] (Figura 63) e [1 2] (Figura 64).

38 Inclui alturas diferentes pertencentes a uma mesma croma


74

Os grupos “a”, “b” e “c” ocupam de maneira consideravelmente equilibrada a extensão


da seção – 20, 24,5 e 20,5 tempos, respectivamente – indicando uma proposta textural múltipla
(ver Figura 65).

Figura 65: Durações das partições encontradas no Estudo 11, seção B (c. 13-26, BROUWER, 1972).

A análise e a representação gráfica da PTV podem ser desmembradas de acordo com


tais agrupamentos. As partições do grupo “a” (Figura 66) apresentam-se sob a forma de APFs
simples ([5]) e ornamentados ([1 4]) com o uso de ligados simples (Figura 66, letras x e y
conectadas por linha curva). O grupo “b” (Figura 67) apresenta as mesmas propostas
encontradas no grupo “a”, aplicadas à acordes de quatro sons: APFs simples (partição [4]) e
APFs ornamentados (partição [1 3]). O grupo “c” (Figura 68) contém quatro estruturações:
APFs simples ([3], Figura 68, I), APFs ornamentados ([1 2], Figura 68, II), acordes quebrados
([1 2], Figura 68, III) e acorde quebrado com parte massiva desmembrada com o uso de ligados
([1³], Figura 68, IV).

Figura 66: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de cinco sons no Estudo 11 (BROUWER, 1972).
À esquerda, APFs ([5], indicado por linha vetical sinuosa). À direita, APFs com a inserção de notas melódicas
executadas com ligados simples (xy) gerando a partição [1 4].
75

Figura 67: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de quatro sons ne Estudo 11 (BROUWER, 1972).
À esquerda, APFs (indicado por linha vetical sinuosa). À direita, APFs com a inserção de notas melódicas
executadas com ligados simples, gerando a partição [1 3].

Figura 68: PTV relativa às utilizações das estruturas massivas de três sons ne Estudo 11 (BROUWER, 1972). I:
APFs. II: APFs ornamentados. III: Acordes quebrados. IV: acordes quebrados com parte massiva desmembrada.

Pode-se observar, a partir das análises dos estudos 5, 6, 11 e 17, uma considerável
variedade de utilizações de APFs. A ambiguidade de efeito própria destas estruturações – que
permitem uma escuta paralelamente massiva (os sons se superpõem) e melódica (os ataques são
isolados e sequenciais) – é amplamente utilizada enquanto recurso no repertório violonístico.
Execuções de linha melódica parcial ou integralmente configurada em APFs39, fazendo com
que esta “gere massa harmônica para si mesma”, é um procedimento idiomático do instrumento.
O Violão permite a realização em bloco (e, consequentemente, em APFs) de conjuntos de notas
contendo intervalos largos e estreitos, incluindo pequenos clusters, obtidos mais facilmente
utilizando-se combinações de notas em cordas soltas e presas.

39Forma-se APFs dispondo um as notas componentes de um determinado conjunto de modo que estas possam ser
executadas em bloco (ver 2.1.1.1).
76

3.4 ESTUDOS PREDOMINANTEMENTE MONOFÔNICOS: 7, 10, 16, 18 e 2

Na linguagem das partições, as texturas monofônicas são aquelas representadas pela partição
[1], a qual fornece um restrito campo de procedimentos texturais: não gera subpartições ou
subsomas (ver 2.1.2) e tampouco oferece modos distintos de exposição de sua configuração,
como acontece com as partições massivas ([2], [3], [4], etc.) que geram blocos e arpejos (APFs,
ver 2.1.1.1). Isto ocorre porque a partição [1] é aquela que se refere à ocorrência isolada do
elemento constituidor das texturas (tal como é abordada no presente trabalho), a nota. Trata-se
de uma configuração textural composta pela ocorrência de notas ou sequências (linhas
melódicas) “descobertas”. Se, por um lado, a sua constituição elementar não fornece, por si
mesma, uma diversidade de “materiais” para composição textural, por outro encontra-se
presente na maioria das obras para violão, seja como partição secundária (notas ou fragmentos
lineares isolados), seja compondo os conjuntos principais das propostas texturais múltiplas (ver
2.1.3), ou como partição principal, o que será tratado na presente seção. Dadas tais
propriedades, observa-se que as propostas texturais nas quais [1] é a partição principal devem
ser analisadas a partir das tramas que realizam com as partições secundárias.

3.4.1 Estudo 20

O Estudo 20, em sua parte B 40(c. 17-52), é integralmente constituído pela partição [1],
gerando proposta textural unitária (ver 2.1.3). Trata-se de uma linha melódica composta em
módulos (Figura 69), a partir da escala pentatônica de sol maior digitada na primeira posição.
Gradativamente, são inseridas as notas Fá♯ e Dó). A escala pentatônica de sol maior dispõe-se
no violão de modo idiomático (ver Figura 70): utilizando-se duas notas por corda, obtém-se
pouco mais de duas oitavas deste conjunto sem necessidade de mudança de posição num espaço
de três casas. Deste modo, na primeira posição, as notas da escala pentatônica de Sol Maior
distribuem-se formando pares entre cordas soltas e cordas presas. Os módulos são executados
exclusivamente nesta disposição, articulados com ligados simples ascendentes originados em
corda solta e descendentes com chegada em corda solta (Figura 71).

40A seção A, do Estudo 20 é uma repetição literal da seção Ado Estudo 19. Sua Análise será apresentada somente
na subseção reservada ao segundo (3.5.4).
77

Figura 69: Estudo 20 (parte B, BROUWER, 1972). Os módulos devem ser executados repetidamente em
quantidade indeterminada. No trecho são usados apenas segmentos da escala pentatônica de sol maior. Ao longo
da seção, inserem-se as cromas Fá♯ e Dó.

Figura 70: Localização das notas da escala pentatônica de sol maior na primeira posição. Os números circulados
são indicação de corda. Os círculos pequenos referem-se ao uso de corda solta. A digitação varia de acordo com
o movimento melódico e articulação.

Figura 71: PTV do Estudo 20, parte B. À esquerda da partição, os ligados simples ascendentes originados em
corda solta e os simples descendentes com chegada em corda solta. Letra x refere-se à nota em corda presa.

3.4.2 Estudo 7

O Estudo 7 apresenta partições secundárias, contudo, elas ocupam extensão


consideravelmente reduzida da peça (ver Figura 72). A partição [3] é registrada devido a
ocorrência esporádica de pequena estrutura arpejada. Para os não-violonistas, a identificação
do APF (arpejo em posição fixa, ver 2.1.1.1) pode não ser simples. Primeiramente é preciso
conhecer um dos modos tradicionais nos quais os APFs são grafados, já abordados no presente
78

trabalho (ver 2.1.1.1, Figura 12): registra-se a estrutura melodicamente sugerindo, por sua vez,
o prolongamento do baixo sobre as demais notas (Figura 73a, c. 1). É necessário observar
também que, no caso, existe a possibilidade de digitação das notas em cordas diferentes,
confirmando a viabilidade de execução sugerida. A outra estrutura secundária encontrada no
Estudo 7, a partição [2], consiste em ataques em bloco de intervalos harmônicos (Figura 74).
Quanto à articulação da partição principal ([1]) observa-se a utilização ostensiva de ligados
simples, ascendentes e descendentes. A representação da PTV (Figura 75) indica, pelas letras x
e y, notas localizadas em cordas presas ou soltas. 41

Figura 72: Durações acumuladas relativas às partições encontradas no Estudo 7.

Figura 73: Estudo 7 (BROUWER, 1972). a) Partitura original; b) transcrição do arpejo em bloco. O Arpejo
(APF) dura apenas um tempo, pois é preciso trocar de posição (letra A, c. 1.2) para executar a linha a seguir.

41
Caso uma das notas encontradas localize-se em corda solta, a outra deve ser presa, já que
ligados devem acontecer entre notas na mesma corda.
79

Figura 74: Ocorrência esporádica de em bloco de intervalos harmônicos (partição [2]).

Figura 75: PTV do Estudo 7. Partição principal ([1]) articulada com uso corrente de ligados simples.

3.4.3 Estudo 10

O Estudo 10 apresenta uma maior variedade de partições secundárias, se


comparado com o Estudo 7. Observando-se as durações acumuladas referentes às partições
encontradas na peça, nota-se:

 O alto patamar (Figura 76, letra a), que define [1] como partição principal;
 Um patamar intermediário (Figura 76c), resultado do contraste acentuado (Figura 76
d) entre a duração da partição [1²] e a as durações referentes às demais partições
secundárias (Figura 76e).

Figura 76: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 10: alto patamar (partição principal, letra
a) contraste acentuado (letras b e d), patamar intermediário (partição secundária com maior duração, letra c) e
declive (demais partições secundárias).
80

De fato, há, em toda a extensão da peça, a presença ostensiva de um segundo elemento,


além da linha melódica principal: pedal grave, realizado pela nota Mi1. Este, contudo, apresenta
caráter percussivo, apresentando boa parte de seus ataques em staccato, em pontos de silêncio
da melodia (Figura 77).

Figura 77: Estudo 10 (BROUWER, 1972). Nota Pedal Mi1 (Ocorrem movimentos esporádicos para Sol1) é
atacada, predominantemente, em silêncios da melodia, gerando a partição [1].

Entretanto, a digitação da peça permite execução prolongada de tais ataques (Figura


78a), o que elevaria a partição [1²] à condição de partição principal, evidenciando a estruturação
como um caso de melodia sobre pedal. Pode-se dizer que a obra se dispõe no violão de modo
a permitir tal proposta textural, baseada em [1²]; esta não ocorre devido à opção de articular o
pedal em staccato. Uma vez que, no presente trabalho, foca-se nos modos de utilização do
instrumento, optou-se por considerar [1²] como partição principal neste caso (Figura 78b).

Figura 78: a) Transcrição do Estudo 10 com os baixos prolongados (comparar com Figura 77). Deste modo [1²]
passa a predominar (em termos de duração acumulada) sobre as demais; b) PTV do estudo 10. Duplo círculo
indica a relação entre elementos característica das estruturas do tipo “melodia sobre pedal”, destacando a
melodia como elemento ativo.
81

As partições secundárias concentram-se na seção central da obra (c. 15-22), na qual a


PTV da obra ocorre em alternância com sequencias de APFs de três sons, utilizado isolado e,
majoritariamente, sobre baixo pedal.

Figura 79: Estudo 10 (BROUWER, 1972, c. 13-20). a) partitura original; b) transcrição com APFs em bloco. Na
seção central da obra (c.15-22) concentram-se as partições secundárias. Destaca-se o uso de APFs de três sons,
empregado, majoritariamente, sobre pedal, gerando a partição [1 3].

3.4.4 Estudo 16

Trata-se de uma obra dedicada ao estudo de ornamentos. Para isto, Brouwer parte de
uma estruturação textural simples: uma linha melódica em registro superior, na qual diferentes
ornamentações são aplicadas, executada sobre uma linha de baixo simples, na qual predomina
comportamento passivo, em pedal (ver Figura 80a). As ornamentações, inicialmente, geram
estruturas lineares executadas com ligados compostos. Deste modo, a PTV do trecho
assemelha-se àquela encontrada no Estudo 10, diferenciando-se, apenas, pela indicação do
padrão de articulação na parte superior (xyz, indicando comportamento baseado no uso de
ligados compostos, ver Figura 80b). Entretanto, durante o desenvolvimento da obra, estas
estruturas são substituídas por conformações mais complexas: APFs desmembrados com o uso
de ligados. A duração acumulada das partições encontradas na obra (ver Figura 82) confirma o
predomínio destes dois padrões, indicando uma proposta textural múltipla, na qual o conjunto
principal – [1], [12], [122], [123] – pode ser organizado em dois diferentes agrupamentos:
82

a) linha sobre baixo (Figura 80a): [1²] registra a ocorrência superposta dos
elementos (melodia e linha de baixo) e [1], indicativa da eventual ocorrência
isolada de um destes (subpartição).

Figura 80: Estudo 16 (BROUWER, 1972). a) Exemplo (c. 1-2): linha ornamentada sobre baixo; b) PTV da
estrutura: duplo círculo indica a relação entre elementos característica das estruturas do tipo “melodia sobre
pedal”, destacando a melodia como elemento ativo, xyz indica o uso corrente de ligados compostos.

b) Arpejos desmembrados sobre baixo: [122] e [123] resultam de ornamentos que


são dispostos no instrumento de modo a gerar APFs “desmembrados”, com
eventuais inserções de notas executadas com ligados (ver Figura 81, itens a e b).
Este tipo de estruturação, já abordada nas análises dos estudos 17 (3.3.3) e 11
(3.3.4), recebeu tratamento específico. Na transcrição dos APFs em blocos (ver
Figura 81, itens a.1 e b.1), quando há inserção de notas em mais de uma corda
(por exemplo, Figura 81, item a.1), registra-se um novo ataque do bloco (ver
Figura 81, item b.1). Deste modo, o elemento anteriormente “expulso” retorna à
estrutura acordal, evitando que se gere uma partição de alta complexidade,
mantendo-se um resultado predominantemente massivo, característico dos
APFs. No caso do Estudo 16, como os arpejos são ornamentos de uma melodia
sobre pedal, formam-se PTVs (Figura 81, itens a.2 e b.2) a partir de partições de
três partes: uma das partes [1] refere-se ao baixo pedal; já as subpartições [1 2]
e [1 3] indicam, respectivamente, APFs de três e quatro sons, desmembrados
pelo processo acima descrito. Disto, resultam as partições [122] e [123].
83

Figura 81: Itens a e b: fragmentos do Estudo 16 (BROUWER, 1972) estruturados a partir de APFs
“desmembrados”. Itens a.1 e b.1: transcrição dos respectivos itens a e b, com APFs em bloco. Note-se que, em
a.1, na quintina, a terceira fusa não foi ligada à quarta. O ataque adicional traz o elemento inferior de volta ao
bloco, mantendo a mesma partição ([122]) durante as cinco notas, uma vez que, da quarta para a quinta, o
elemento superior “se move” ganhando independência. Itens a.2 e b.2: PTVs dos respectivos itens a e b. No
registro inferior, a parte [1] registra o baixo pedal, executado com o dedo p. Sobre este, APFs de três e quatro
sons (3 e 4, com contorno pontilhado) são decompostos pois um dos elementos do bloco é decomposto pela
inserção de notas executadas com ligados simples (representados por x y), gerando, respectivamente, as
subpartições [1 2] e [1 3], que, por sua vez, compõem junto ao baixo pedal, as partições [1 22] e [123].
84

Figura 82: Duração acumulada das partições no Estudo 16 (BROUWER, 1972). Conjunto principal: [1], [1 2],
[122] e [123]

3.4.4 Estudo 18

Também dedicado ao desenvolvimento dos ornamentos, o Estudo 18 é composto por


uma linha melódica elaborada com a utilização de diversos tipos de trinados, bordaduras,
grupetos, etc. Superpõem-se à linha variadas estruturas de acompanhamento: blocos, pedais,
pequenas figurações do tipo baixo-centro. Apesar de apresentar uma grande variedade de
configurações texturais (8 partições no total, ver Figura 83), há o predomínio de [1], que ocorre
em mais de 50% da extensão da obra, enquanto as demais distribuem-se de modo relativamente
equilibrado. Deste modo, trata-se de uma proposta textural composta, sendo [1] a partição
principal (ver 2.1.3). Não há, portanto, uma relação entre elementos texturais marcante na obra;
trata-se de um estudo predominantemente monofônico que apresenta uma variedade de
configurações complementares, sugerindo um comportamento improvisado, aproveitando-se os
recursos disponíveis em cada situação.
A representação das PTVs é realizada a partir da partição ou conjunto principais.
Entretanto, no caso específico do Estudo 18, a elaboração de uma identidade baseada na
partição [1], dado o seu caráter elementar, não resulta em uma apreensão dos procedimentos
texturais ocorridos na obra, pois são justamente as partições secundárias que apresentam algum
interesse em termos de estruturação textural no violão
85

Figura 83: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 18 (BROUWER, 1972). Partição
principal ([1]) em destaque.

Devido a tais condições específicas, optou-se por registrar os modos de utilização de


partições secundárias, utilizando a técnica de representação gráfica das PTVs quando
necessário, visando compreender as diferentes interações destas com o elemento principal
(partição [1]):

a) [1²3]: Dois pequenos trechos (Figura 84) compostos por três elementos: linha melódica
em registro superior ([1]), centro composto por blocos de três sons ([3]) e baixo pedal
([1]). Os blocos são compostos por notas localizadas nas cordas 2, 3 e 4, sendo que a
nota da corda 2 é sempre Si2, disponível na corda solta.
Os dedos da mão esquerda utilizados para a realização das notas componentes
dos blocos, localizadas nas cordas 3 e 4 (Sol♯2 e Dó♯2, Figura 84a), precisam abandonar
sua posição para atuarem na execução ornamental da linha superior (Figura 84b),
interrompendo a sustentação da estrutura acordal. Com isso, parte da superposição entre
linha superior e blocos, indicada na partitura, não pode se dar na execução instrumental.
O dilema analítico – referenciar-se pela estrutura escrita ou por aquela possível no
campo da performance – demanda, neste caso, considerações inéditas até o momento.

A indicação de superposição, tal como se dá na partitura, pode ser entendida


como uma provocação ao intérprete. Trata-se de incitar um ato de ilusionismo:
possibilitar a escuta de um elemento ausente. Como é possível fazer isso? Esta é a
questão apresentada no texto musical, sob a forma de prescrição de uma impossibilidade
a priori. Responder a tal questão consiste nas próprias produções interpretativa e
86

performática: decisões e ações relativas à dinâmica, ao timbre, à agógica, à articulação


e a todos os demais componentes que possam integrar o fazer violonístico.

Figura 84: Estudo 18 (BROUWER, 1972). Abaixo, partições utilizadas de acordo com com as durações
indicadas na partitura. a) blocos (parte [3]). b) linhas ornamentadas (parte [1]).

Figura 85: Descrição do uso da partição [1²3] no Estudo 18. Parte [3]: Grafia pontilhada indica ocorrência
virtual. “0” representa elemento do bloco em corda solta; “w” e “k”, sem preenchimento, descrevem os demais
que, localizados em cordas presas, não permanecem durante a ocorrência da partição.

Brouwer dispõe alguns elementos que favorecem a concretização, ainda que não
integral, do efeito desejado. A nota Si2, integrante do bloco (parte [3]) que compõe a
partição em questão, localiza-se em corda solta; isto permite que, ao menos, um
“resíduo” desta estrutura massiva realize a duração indicada. A presença do baixo pedal
também colabora para ocultar da escuta a interrupção das demais notas do bloco.
Ademais, a linha superior é executada utilizando-se apenas a primeira corda, não
demandando o emprego das cordas 2, 3 e 4, “reservadas” aos blocos. Com isso, as
condições instrumentais de superposição entre as partes [1], referente a linha superior
(Figura 84b), e [3] (Figura 84a), descritiva dos blocos, conforme a indicação da
partitura, são parcialmente atendidas. Seria como dizer que, se o violonista tivesse
alguns dedos a mais seria possível concretizar a superposição. Estas configurações
instrumentais promovem o reconhecimento de uma permanência virtual dos blocos,
suscitando percepções desta, mesmo que em potencial, para o ouvinte e para o próprio
violonista. Trata-se de uma situação na qual a partitura extrapola sua função prescritiva,
87

atuando como um elemento provido de força poética própria, na medida em que registra,
mais do que orientações de execução instrumental, uma paisagem textural virtual. A
partir da compreensão de que esta força não deve ser desprezada na análise, optou-se
por considerar a duração registrada.
A representação gráfica do uso da partição [1²3] (Figura 85) indica, com o
emprego dividido de linhas pontilhadas e cheias, a parcial virtualidade da parte [3]. Ao
lado esquerdo desta, as letras x e y, sem preenchimento, indicam que duas notas, dentre
as três que compõem os blocos, não podem cumprir a duração prescrita na partitura,
compondo fração virtual de tais ocorrências; já o numeral zero sobre estas, preenchido,
indica que uma das notas é localizada em corda solta, sendo a porção integralmente atual
da estrutura.
A parte [1] em registro superior recebe o símbolo “x y z”, já utilizado em análises
anteriores, para representar a predominância de ligados compostos. Quanto à outra parte
[1], em registro inferior, indica-se o uso exclusivo de corda solta (numeral zero, à
esquerda) e a digitação de mão direita (uso do dedo p).

b) [1²]: registra os trechos nos quais a linha melódica ocorre sobre baixo pedal (estático),
entretanto, são encontradas situações inversas, nas quais a linha de baixo adquire a
concentração da atividade rítmico-linear (Figura 86).
Além desta situação, [1²] ocorre em uma configuração que pode aparentar
irrelevância devido à sua extensão, porém, apresenta uma estruturação que ilustra os
efeitos de “ressonância” recorrentes em vários procedimentos encontrados no Estudo
18. O caso consiste em uma frase composta por quatro incisos, I1, I2, I3 e I4 (Figura
87a e Figura 87b), a qual recebe uma instrução especial de execução: utiliza-se o dedo
indicador para atacar sequência de cordas, simulando sonoridade de harpa.

Figura 86: Estudo 18 (BROUWER, 1972). No trecho, ocorrem duas linhas, sendo aquela localizada em registro
inferior mais ativa rítmica e linearmente.
88

Figura 87: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com configurações em APF em
bloco. I1, I2, I3 e I4 são os incisos componentes da frase. Asterisco conduz à instrução: “resvalando o “i”, como
em uma harpa”.42

I2 e I3 são transposições diatônicas de I1. Entretanto, a disposição técnico-


textural de I1 e I2 diverge daquela encontrada em I3 (ver Figura 87b). Este último
apresenta estruturação em APF (ver 2.1.1.1), com notas em cordas distintas, devendo
superpor-se. Já I1 e I2 apresentam uma configuração em APF de dois sons
desmembrado: o segundo elemento do bloco "se move" com a utilização de ligado
simples descendente, enquanto o primeiro permanece soando; em outras palavras, trata-
se da partição [1²] resultante da "quebra" de [2] (ver Figura 88).

Figura 88: Uso da partição [1²] no Estudo 18. APF de dois sons (partição [2], linha pontilhada) é desmembrada
por movimento linear descendente executado com ligado simples (x y). Asterisco remete à instrução especial de
execução arpejada.

De fato, o modo de execução proposto em I3 (APF) viabiliza-se por dois fatores: a


primeira das notas componentes, Mi3, encontra-se em corda solta, enquanto as demais
disponibilizam-se para pressionamento simultâneo de forma confortavelmente

42 Resbalando el “i” quasi harpa.


89

ergonômica. Porém, sua eventual utilização em I1 e I2 se torna inviável devido a


excessiva extensão no posicionamento da mão esquerda demandada. Por estas razões,
considera-se que o modo de utilização da partição [1²], em I1 e I2 é um procedimento
que visa uma aproximação de efeito com I3 (APF, partição[3]), dada a impossibilidade
técnica de utilização do mesmo modo de execução.

Figura 89: Estudo 18 (c. 14, BROUWER, 1972). Partições [1] e [1 2].

Figura 90: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com APFs em bloco. Uso da
partição [1 3].

c) [1 2]: Registra, principalmente, a ocorrência em semínimas do intervalo harmônico Si1-


Fá♯2 sob a linha melódica principal. Entretanto, parte da duração de [1 2] (Figura 89)
não pode ser realizada na execução, uma vez que os dedos utilizados na sustentação do
bloco são utilizados na execução do procedimento ornamental da linha superior. O caso
assemelha-se ao que ocorre com a partição [1²3] (ver item “a”).
d) [1 3]: Predomina em procedimentos ornamentais executados como APFs de três sons
sobre baixo (Figura 90).
90

e) [1²2]: Uma considerável parte da massa harmônica existente na obra resulta da própria
melodia. Há trechos nos quais determinados ornamentos e segmentos da linha são
executados em cordas diferentes, devendo o instrumentista permitir a superposição entre
parte dos sons sequenciais. Trata-se de um procedimento violonístico idiomático: uma
estrutura de notas consecutivas na qual apenas parte destas dispõem-se sob as condições
dos APFs26, podendo continuar soando sobre as demais. Por exemplo, na primeira
sequência em quintinas encontrada na obra (c. 6.4.2, ver Figura 91a), as duas primeiras
notas executam-se, respectivamente, nas cordas 4 e 3. Já as demais localizam-se na
segunda corda.

Figura 91: Estudo 18 (BROUWER, 1972). a) partitura original. b) transcrição com APFs em bloco. Abaixo,
partições utilizadas. [1²2] resulta de APF “desmembrado”.

A posição das notas permite que as duas primeiras permaneçam soando enquanto
articulam-se as seguintes, ação que, no caso, é indicada na partitura com o uso de
ligaduras, gerando um efeito semelhante à execução pianística com o pedal de
sustentação pressionado. De outro ponto de vista, é possível dizer que se trata de um
APF de três sons cujo elemento superior se movimenta, desmembrando-se do restante
do bloco, resultando, assim, em configuração composta por três elementos: baixo ([1]),
fração íntegra do bloco ([2]) e linha desmembrada ([1]). Deste procedimento obtêm-se
a partição [1²2] (Figura 91b). Pode-se observar procedimentos semelhantes nos estudos
17 e 11 (ver 3.3.3 e 3.3.4).
91

3.5 ESTUDOS 2, 8, 12 e 19: ESTRUTURAÇÕES SINGULARES

São agrupados na categoria “estruturações isoladas” os estudos que apresentam


configurações técnico-texturais distintas dos demais, não se enquadrando nos perfis
apresentados nas subseções anteriores e tampouco associáveis entre si.

3.5.1 Estudo 2

O Estudo 2 é uma peça de andamento lento na qual Brouwer indica, com a palavra
“coral”, o efeito que se deseja obter (Figura 92). Trata-se de uma estrutura a quatro vozes,
articulada de modo simples e uniforme: As três vozes superiores se movem em bloco, com
relativa independência direcional e intervalar enquanto a quarta voz ataca, nos intervalos de
movimentos do bloco superior, com notas longas.

Figura 92: Estudo 2 (BROUWER, 1972).

A peça apresenta apenas duas partições, [1 3] e [3], sendo que a primeira


predomina em termos de duração (ver Figura 93). De fato, as ocorrências da partição [3]
resultam dos trechos de silêncio inerentes à quarta voz (baixo), nos quais o bloco superior
apresenta-se “descoberto”, portanto são apenas uma exposição parcial da estrutura textural da
obra, expressa pela partição [1 3], o que se denomina, segundo a Análise de Textura
Violonística, subpartição (ver 2.1.3). Deste modo, configura-se uma proposta textural simples,
sendo [1 3] sua partição principal. A representação gráfica da PTV (Figura 94) expressa as
relações de registros entre as partes e a digitação de mão direita sugerida pelo autor, a qual
92

prescreve o uso do dedo p na articulação de ambas as partes, uma vez que não há ataques
simultâneos das mesmas.

Figura 93: Durações das partições encontradas no Estudo 2 (BROUWER, 1972). São elas [1 3] e [3].

Figura 94: PTV do Estudo 2 (BROUWER, 1972). Letras em itálico indicam a digitação de mão direita utilizada.

3.5.2 Estudo 8

A peça apresenta duas seções, A e B, cada qual com sua própria PTV. A seção A (Figura
95) é cânon à 7ª menor. As durações acumuladas das partições encontradas expressam, de forma
modelar, as propriedades texturais deste tipo de estrutura (ver Figura 96). Primeiramente,
predomina a partição [1²], que indica a presença comum da totalidade das vozes dispostas em
divergência rítmica. Ademais, são encontradas as partições [2] e [1], que indicam,
respectivamente: a ocorrência de eventuais movimentações em bloco e a existência de trechos
nos quais articula-se uma das vozes sobre o silêncio da outra. Trata-se, no caso, da utilização
93

global do complexo particional (ver 2.1.2) da partição [1²] (a partição referencial [1²], a
subsoma [2] e a subpartição [1]) em uma hierarquia de durações típica da polifonia.

Figura 95: Estudo 8 (seção “A”, BROUWER, 1972). Uso das partições [1²], [2], [1] e [3].

Figura 96: Durações das partições encontradas no Estudo 8, seção “A” (c. 1-8, BROUWER, 1972).

A seção B (c. 9-20, ver Figura 97) estrutura-se a partir da fórmula de arpejo43 “p i m”
(Figura 97a), executada repetidamente, recebendo eventuais variações para “a i m” (Figura
97b). Os dedos “i” e “m” articulam um pedal duplo44 em APF, composto pelas notas Lá♯2 e
Si2, localizados, respectivamente, na terceira corda pressionada na terceira casa e na segunda
corda solta. Os ataques do dedo “p” são utilizados para a execução de linha melódica principal,
em registro inferior, enquanto “a” realiza um contracanto, que ocorre, em registro superior, nos
intervalos de movimento da melodia principal.

43 A expressão refere-se a sequências de dedos da mão direita, destinadas a tocar cordas distintas. Estas sequências
são utilizadas, geralmente, na articulação de acordes em APFs.
44 Uma interpretação baseada em harmonia sugere que o lá ♯ é uma apojatura do si, portanto, a superposição

ocorrida entre as notas, no caso, seria um efeito secundário. No presente trabalho, não são consideradas as questões
de harmonia; atém-se exclusivamente à textura. De fato, as notas em questão se sobrepõem continuamente, o que
configura, deste ponto de vista, um bloco de dois sons em APF.
94

Figura 97: Estudo 8, seção “B” (c. 9-20, BROUWER, 1972). Fórmulas de arpejo utilizadas: a) p i m; b) a i m.

A PTV é estruturada, portanto, a partir de um procedimento de mão direita padronizado


(fórmula “p i m”) característico de APF de três sons (Figura 98, I). Entretanto, este é utilizado
na articulação de uma parte unitária ([1], com dedo p em registro inferior, Figura 98III) e de
um bloco de dois sons (parte 2, Figura 98, IV) em APF. O bloco é composto por uma nota em
corda presa e outra em corda solta (representadas, respectivamente, pela letra “x” e pelo
numeral “0” à esquerda da parte [2], ver Figura 98, IV), o que libera um dedo da mão esquerda
para atuação na execução de outros elementos. Através da utilização eventual da fórmula de
arpejo variada (“a i m”, Figura 98, V), é mantida a articulação da parte binária, pelos dedos i e
m, enquanto se executa uma segunda parte unitária em registro superior, com o dedo a.

Figura 98: PTV do Estudo 8, seção “B” (c. 9-20, BROUWER, 1972). Partição principal: [1²2]. I) partição [3],
em contorno pontilhado, com linha vertical sinuosa à sua direita, indica comportamento de mão direita
característico de APF de três sons; II) padrão de mão direita predominante: “p i m”; III) parte [1], referente à
melodia principal, em registro inferior, articulada com o dedo p utilizado no padrão de mão direita predominante
(item II); IV) parte [2], referente ao bloco de dois sons, arpejado (APF) pelos dedos i e m, utilizados nos padrões
II e V. Os símbolos 0 e x, à esquerda da parte, indicam, respectivamente, que uma das notas do bloco localiza-se
em corda solta enquanto a outra encontra-se em corda presa; V) padrão de mão direita eventual (eventualidade
marcada por parênteses): “i m a”; VI) parte [1], referente ao contracanto articulado com o dedo a, empregado no
padrão de mão direita eventual (item V).
95

3.5.3 Estudo 12

O Estudo 12 é, basicamente, uma figuração de acordes quebrados. São utilizados


acordes de três, quatro e cinco sons, sendo os últimos encontrados apenas no final da peça. O
padrão figurativo, uma espécie de variação de valsa, é caracterizado pela exposição isolada dos
baixos no em seu primeiro tempo (Figura 99).

Figura 99: Estudo 12 (BROUWER, 1972).

Isto gera ocorrências constantes da partição [1], que se torna, dentre as configurações
encontradas, aquela de maior duração acumulada: 19 tempos (ver Figura 100). Contudo, em
apenas um fragmento linear isolado (c. 15), que se estende por três tempos, a partição [1] resulta
de procedimento que se difere do uso de tal padrão figurativo, aplicado ostensivamente na obra.
Portanto, a representação da textura da obra deve remeter-se à partição ou ao conjunto de
partições que descrevam, de modo integral, a estrutura da figuração utilizada, ou seja, a partição
[1], nesse caso específico, não deve ser considerada como partição principal.

Figura 100: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 12 (BROUWER, 1972).
96

A partição [122] 45, que apresenta a segunda maior duração acumulada (17 tempos, ver
Figura 100) descreve a utilização dos acordes de quatro sons, que são “quebrados” de modo a
gerar os seguintes elementos, lidos do grave para o agudo (ver Figura 101):
a) baixo pedal: Lá1, articulado em mínimas pontuadas e executado em corda solta
com o dedo p (ver Figura 101a);
b) linha interna46: articulada em semínimas, também atacada por p (ver Figura
101b).
c) blocos arpejados em registro superior (ver Figura 101c): pares formados pelas
notas superiores dos acordes, executados como APFs pelos dedos i e m (ver ver
Figura 101c).

Os trechos construídos a partir de acordes de três sons (partição [1 2], ver Figura 101,
c. 6-8) são, de fato, construções que empregam, exclusivamente, a linha interna (elemento b)
assumindo a função de linha de baixo, e os blocos arpejados (elemento c), apresentados com
discretas variações. As três partições de maior duração acumulada, [1], [122] e [1 2], expõem
uma estruturação baseada no complexo particional (ver 2.1.2) da segunda, sendo as demais
subpartições deste.

Figura 101: Estudo 12 (BROUWER, 1972). Partições encontradas: [1], [1²2] e [1 2]. a) baixo pedal; b) linha
interna; c) blocos arpejados (APFs) em registro superior, transcritos como blocos 47.

Assim, a proposta textural (ver 2.1.3) do Estudo 12 é múltipla, tendo como partições
componentes do conjunto principal [122] e [1 2]. Esta última, apesar de ser uma subpartição,
apresenta alta duração acumulada; além disso, sua ocorrência não é resultante da utilização da

45 Abreviação de [1 1 2]
46 Assume a função de linha de baixo nos trechos nos quais o baixo pedal é ausente.
47 Em geral os APFs são transcritos sob a forma de um único bloco, com duração que se estende da primeira até a

última nota da sequência arpejada. Entretanto, neste caso específico, esta opção geraria blocos de semínimas (ver
Figura 101), uma vez que os APFs são pares de colcheias. Em consequência, seria produzida uma convergência
rítmica entre os blocos e a linha interna, gerando a partição [1 3]. Deste modo, estaria se operando uma “colagem”
dos acordes quebrados, omitindo-se um dos pontos de quebra. A repetição dos intervalos em colcheias garante a
visualização da divergência rítmica entre os elementos linha interna e bloco superior arpejado.
97

figuração que gera a primeira, como se dá com a partição [1], mas de uma variação desta, na
qual se utiliza alguns dos elementos apresentados. Por exemplo, considerando-se uma peça de
maior extensão (o Estudo 12 tem 19 compassos), na qual utiliza-se [122] em uma eventual parte
“A” e [1 2] em “B”, seria inadequado denominar [1 2] como partição secundária dado que, com
esta, produz-se um elemento formal independente.

Figura 102: PTV do Estudo 12 (BROUWER, 1972). Numeral zero indica uso exclusivo de corda solta. Linha
vertical sinuosa à direita da parte indica articulação em APF. Letras em itálico indicam uso dos dedos da mão
direita.

A representação gráfica da PTV (Figura 102) apresenta, à esquerda, o modo de


utilização de [122]: pedal no registro inferior, linha interna e blocos arpejados no registro
superior. À direita, [1 2] é apresentada como uma estruturação independente, porém, idêntica
ao segmento formado pelas partes superior e central da partição ao seu lado.

3.5.4 Estudo 19

Dedicado ao estudo dos acordes de quatro sons, o Estudo 19 é estruturado por séries de
ataques em bloco (partição [4], Figura 104a, c. 1-2) que são desenvolvidas, gerando uma
diversidade de variantes a serem tratadas na análise a seguir. A peça apresenta uma proposta
textural múltipla, tendo as partições [1 3] e [4] como componentes do conjunto principal (ver
Figura 103).
A partição [1 3] ocorre em três diferentes configurações:
a) estrutura baixo-centro: baixo separa-se do restante do bloco (Figura 1044a, c. 3-4).
Baixo atacado com dedo “p” enquanto o centro realiza-se com o grupo “i m a” (ver
Figura 104c).
98

Figura 103: Durações acumuladas das partições encontradas no Estudo 19 (BROUWER, 1972). Partições
componentes do conjunto principal em destaque.

Figura 104: Estudo 19 (BROUWER 1972, c. 1-4). a) partição [4] registra acordes em bloco. [1 3] descreve
estrutura do tipo baixo-centro; b) PTV do trecho em partição [4] (c. 1-2); c) partição do trecho em partição [1 3]
(c. 3-4).

b) linha superior contra blocos: nota superior do acorde é ornamentada, gerando linha em
movimento de trêmolo ou trinado (Figura 105a, II).
99

Figura 105: a) Estudo 19 (c. 12-16). Usos da partição [1 3]: estrutura baixo-centro (I), voz superior contra bloco
(II) e voz interna contra bloco (III); b) PTV do trecho II (c. 13-14); c) PTV do trecho III (c.15-16). O par “x y”
conectado por linha em arco, indica o padrão de articulação baseado em ligados ascendentes simples.

c) linha interna contra blocos: procedimento semelhante àquele descrito no item anterior,
porém, realizado sobre nota interna do acorde (Figura 105a, III). Esta estruturação é
representada graficamente utilizando-se uma seta que dirige a parte [1] para o interior
da parte [3] (ver Figura 105c).

Quanto aos casos descritos nos itens b e c, observa-se que o procedimento de mão direita
consiste em série de ataques simultâneos sobre quatro cordas distintas, como em uma execução
em blocos, uma vez que a linha contrastante é gerada por ligados na mão esquerda. Deste modo,
é possível dizer que a mão direita realiza a partição [4] (Figura 105b e Figura 105c, grafia com
contorno pontilhado48), desmembrada para [1 3] devido à utilização de procedimentos de mão
esquerda: ligados ascendentes simples.
A seção “A” do Estudo 20 é uma repetição da seção “A” do Estudo 19 (c. 1-16).

48Na representação gráfica utilizada no presente trabalho, utiliza-se o contorno pontilhado para descrever partes
ou partições que compõem determinado procedimento técnico-textural como elementos virtuais, ou seja, apesar
de não se expressarem necessariamente no resultado textural final, fazem parte integrante da construção deste
mesmo resultado.
100

4 COMPOSIÇÃO A PARTIR DE PTVS: UM RELATO

O presente capítulo compõe-se pela descrição e por reflexões acerca do processo


composicional da obra Intensidades I, para violão solo, composta pelo autor do presente
trabalho. A peça é resultado do exercício de escrita baseada em configurações técnico-texturais
(PTVs, ver 2.2) extraídas dos Estudios Sencillos (BROUWER, 1972) através da Análise de
Textura Violonística (ver 2). Tal processo constituiu-se em duas etapas: planejamento e
execução, os quais são descritos em forma de testemunho analítico a seguir. 49

4.1 PLANEJAMENTO

Primeiramente, fiz a escolha do material a ser utilizado. Dada a considerável relevância


da partição [1 2] no âmbito dos 20 estudos, optei por lidar com as PTVs estruturadas a partir
desta (ver 3.2).50 Não me impus o emprego de todas elas, já que são muitas (9 no total, Figura
52); utilizei o conjunto como um banco de configurações técnico-texturais, estabelecendo um
compromisso implícito com algum grau de variedade.
Em seguida, foram estabelecidas algumas diretrizes de ação. As PTVs são,
resumidamente, associações entre o conteúdo textural de peças ou trechos e os procedimentos
técnicos empregados em suas respectivas execuções instrumentais. Trata-se apenas de textura
e técnica, não se relacionando diretamente com harmonia, métrica, timbre, etc.; portanto, é
nesses fatores que uma diferenciação com a fonte de materiais pode se dar. No que tange ao
conteúdo harmônico, os estudos de Brouwer são, predominantemente, modal-tonais; quanto à
métrica, predominam a regularidade e as tradicionais fórmulas ternárias e quaternárias. No
intuito de produzir tal diferenciação, optei pelo uso de algumas séries dodecafônicas como
material harmônico básico, além de propor-me a empregar métricas menos regulares, com
fórmulas mais complexas.
O método tradicional da escrita para violão, como já se expôs durante o presente trabalho,
gera, em algumas situações, ambiguidades que dificultam o entendimento da obra, sobretudo
se o leitor não tem experiência com obras violonísticas. As análises apresentadas demandaram
uma série de decisões interpretativas, sobretudo com relação à duração real de determinadas
estruturas, dado que a compressão de informação em um mesmo pentagrama acaba

49 A expressão testemunho analítico é utilizada no presente trabalho para designar um relato do processo de criação
que se dá acompanhado de análise estrutural.
50 A partição [1 2] é a segunda partição mais utilizada nos Estudios Sencillos (ver 3 e Figura 36). Além disso,

dentre as 20 peças, 7 são estruturadas por PTVs configuradas a partir desta (ver 3.2).
101

negligenciando detalhes a este respeito. A grafia tradicional dos APFs (ver 2.1.1.1 e Figura 12),
por exemplo, consiste no registro de uma melodia sobre baixo pedal. Este modo de escrita,
apesar de ser facilmente compreendida por um violonista em situações mais evidentes – como
uma figuração arpejada ou um acompanhamento –, gera dúvidas, até mesmo em um
instrumentista experiente, quando se trata de estruturas mais híbridas. Para este caso, existe uma
alternativa, que, apesar de não ter uso corrente na escrita para o instrumento, elimina, por
completo, a ambiguidade da grafia tradicional. Trata-se do uso do L.V. (laissez vibrer51): um
trecho em APF é precisamente expresso pela mera grafia de suas notas em seqûencia,
empregando-se código L.V., seguido de colchete horizontal, determinando os limites até os
quais tais notas devem se superpor (ver Figura 106).

Figura 106: Estudo 6 (c. 1, BROUWER, 1972). Grafia alternativa, com a utilização do código LV..

Para a escrita de Intensidades I, utilizei ostensivamente o L.V, acrescentando, ao seu


emprego, um princípio direcional: Quando empregado sobre o pentagrama, afeta somente as
notas com haste para cima; ao contrário, quando abaixo do pentagrama, afeta apenas as notas
com haste para baixo.

4.2 EXECUÇÃO

Intensidades I apresenta forma rondó ABA’CA’’, na qual A’ e A’’ são variações de A: a


primeira é uma versão incompleta; já a segunda é uma exposição ampliada. A seguir, são
apresentados os relatos referentes a cada uma das seções da peça.

4.2.1 Intensidades I, Seção A

A Seção A (c. 1-18, ver apêndice) é elaborada a partir da PTV do Estudo 1 de Brouwer
(ver 3.2.1 e Figura 52a): uma linha de baixo, articulada pelo dedo p, contra uma camada de
ataques sobre um bloco fixo (Sol2-Si2), composto por par de notas localizado em cordas soltas.
Em Intensidades I, além de utilizar três pares distintos de cordas soltas para os blocos (Ré2-

51 Deixar vibrar.
102

Sol2, Sol2-Si2 e Si2-Mi152), realizei algumas variações da proposta original, descritas a seguir
(ver Figura 107a e Figura 107b):
a) a linha de baixo é executada com o dedo p em alternância com ataques de mão
esquerda (ligados), além de contar com a utilização eventual do dedo i;
b) são utilizados dois blocos: Ré2-Sol2 (c. 1-4 e c. 11-19) e Sol2-Si2 (c. 5-10);
c) os ataques consecutivos sobre os blocos, que acontecem, no máximo, em pares,
são substituídos por articulações sequenciais de suas notas (APFs, ver 2.1.1.1),
sempre do grave para o agudo.

Figura 107: a) Estudo 1 (BROUWER, 1972) e Intensidades I; b) PTVs das duas peças: Estudo 1 à direita e
Intensidades I à esquerda. Na segunda, a linha sinuosa entre parênteses indica que a parte [2] é eventualmente
articulada em APFs. A letra i, entre parênteses, indica que o dedo indicador substitui, eventualmente, o dedo
polegar (p, fora dos parênteses), empregado predominantemente. O símbolo “x y”, registra o uso corrente de
ligados simples na articulação da parte [1].

Dentre tais modificações, aquelas descritas nos itens a e c são procedimentos que
atribuem maior fluidez à execução no andamento extremamente movido escolhido para a seção.

52 Empregado somente em A” (Ver Apêndice, c. 98-103)


103

Em ambos os casos, evita-se ataques consecutivos com o mesmo dedo (ou par de dedos, no
caso dos blocos). Apesar destas mudanças, a seção mantém uma considerável similaridade com
a obra de referência (Estudo 1). Nos dois casos são produzidos padrões figurativos que
preenchem a totalidade das subdivisões do tempo; ataca-se, alternadamente, os dois elementos
em jogo, estipulando-se, assim, um padrão contrarrítmico. O uso dos ataques da parte [2]
(blocos) em APFs, descrito no item c, acontece no Estudo 15 (ver 3.2.5), gerando uma PTV que
integra o banco de configurações estabelecido para uso na obra (ver Figura 52e).
Quanto ao conteúdo harmônico, utilizei duas séries: (ver STRAUSS, 2000):
a) <827/493/106/BH553> (ver Figura 108, c. 3-4): construída a partir de tricordes
discretos da classe (016). A série estrutura a figuração a1 (c. 1-4 e c. 15-18);
b) <87H/B96/215/043>: construída a partir de tricordes discretos da classe (014). A
série estrutura as figurações a2 (Figura 108, c. 5-6), com o uso do primeiro
hexacorde, e a3 (Figura 108, c. 7-10), com o uso do segundo.

A figuração a1(r)54 (c. 11-14) é construída a partir do movimento retrógrado da linha de


baixo de a1 (c. 1-4) com algumas modificações: a croma 4 é omitida e a croma 9 é antecipada.

Figura 108: Intensidades I figurações a2 (c. 5-6) e a3 (c. 7-10)

4.2.2 Intensidades I, Seção B

A seção B (c. 24-60) apresenta uma estruturação mais complexa e diversificada


texturalmente, podendo ser dividida em subseções:

53 As letas B e H referem-se, respectivamente, às cromas Si♭ e Si natural.


54 A letra r, entre parênteses, é utilizada para indicar que se trata de um retrógrado de a1.
104

a) b1 (c. 24-40): O trecho resulta do emprego variado da PTV do Estudo 3 (ver 3.2.6 e
Figura 52h). Neste, há um baixo estático, um pedal de Mi1. O elemento em bloco é
móvel e articulado sequencialmente55 (ver 3.2.6). Dado o uso ostensivo de pedais em
registro inferior nos Estudios Sencillos, optei por realizar um comportamento diferente,
empregando um pedal situado, predominantemente, “entre” as notas do bloco. Para tal
função, escolhi a nota Sol2, localizada em corda solta.

Figura 109: Nota pedal e blocos utilizados na elaboração de b1 (c. 24-40).

Buscando, nesta seção, encontrar alternativas às soluções mais comumente


adotadas nos estudos de Brouwer, decidi evitar o estabelecimento de uma relação
contrarrítmica entre pedal e blocos, isto é, a composição de uma “melodia de ataques”
utilizando os dois elementos. Ao invés disso, adotei um comportamento rítmico, para o
pedal, de ostinato, com o intuito de produzir uma maior independência entre os planos.
Em seguida, escolhi os pares de notas (ver Figura 109) da linha em blocos, para
posteriormente deliberar sobre o modo de articulação sequencial destes.

Figura 110: Intensidades I, seção B, fragmento b1.

Optei pela adoção de um atonalismo livre, privilegiando intervalos largos cujo


efeito harmônico em superposição com a nota pedal me causaram interesse. A decisão

55No caso do Estudo 3 optou-se por não considerar a execução sequencial como APF. Trata-se de um ataque na
primeira nota, seguido de um ataque duplo na segunda. Notas rebatidas não são procedimentos típicos de arpejos.
105

acerca da articulação se deu por um processo bastante prático e experimental: tocar


diversas vezes, de variados modos, até chegar a um resultado que correspondesse às
minhas expectativas para o elemento: algo ambíguo texturalmente, que se situe entre o
linear e o acordal, remetendo sutilmente ao piano weberniano. Para alcançar o resultado
desejado, conectei os intervalos de modo a camuflar tal divisão em blocos de dois sons,
alternando ataques massivos e sequenciais, além de utilizar a nota do pedal no interior
de articulações em APF (ver Figura 110). De fato, a PTV do trecho composto
distanciou-se radicalmente da configuração adotada como referência (Estudo 3).
Entretanto, se esta não se manifestou no âmbito estético, por outro lado orientou todo o
processo de elaboração, servindo como modelo no qual alguns de seus elementos foram
adotados e outros variados.

b) b2 (41-48) e b2’: Para estes trechos, decidi tomar como referência uma PTV encontrada
no Estudo 15 (variação 3, c. 40-54, ver Figura 52f) na qual, considerando o padrão
encontrado nas utilizações da partição [1 2], ocorre uma inversão de registro entre as
partes, ou seja, os blocos (parte [2]) posicionam-se em registro inferior à linha ([1]).
Elaborei uma linha melódica que reproduz o contorno e as relações de duração
encontradas na figuração a1 (c. 1-4), porém com caráter intervalar alterado: são
articulados, predominantemente, tricordes da classe de conjuntos (014) (Figura 111,
b2). Em seguida, inseri os blocos de dois sons de modo a gerar, com notas da melodia
às quais se subpõem, tricordes da mesma classe. Em b2 (c. 41-44), a PTV adotada como
referência é reproduzida de modo literal.

Figura 111: Intensidades I, seção: b2 (c. 41-44) e b2’ (c. 45-48).


106

Na sequência, optei por realizar a repetição da linha uma oitava abaixo. 56 Para
o seu acompanhamento, parti da manutenção do procedimento textural anterior,
utilizando blocos de dois sons. Entretanto, no campo da harmonia, me permiti uma
“migração” para procedimentos próximos a um tonalismo expandido, que se
manifestavam de modo bastante espontâneo. O padrão textural começa a apresentar
desvios: na primeira nota da repetição da linha (Sol2, c. 45-1) acontece uma subsoma
(ver 2.1.2): linha (Sol2, no ponto em questão) e bloco (Mi1-Dó2) convergem
ritmicamente, gerando a partição [3] (ver Figura 111, c. 45.1). A sonoridade triádica do
bloco me causou incômodo, que foi resolvido com o acréscimo da nota Ré2, localizada
em corda solta.
Com o intuito de retomar o controle da textura, o qual estava se perdendo, devido
a um impulso criativo no âmbito da harmonia, manipulei os acordes de quatro sons,
formados entre a melodia e o novo acompanhamento (ver Figura 111, c. 45.3-48), para
reproduzir, de modo variado, uma das PTVs encontradas no Estudo 13 (variação, c. 21-
29, ver Figura 52g)57, a qual apresenta três elementos:

 linha de baixo (parte [1]), articulada com o dedo p;


 linha ativa em blocos (parte [2]), movimentada com a utilização de
ligados simultâneos ascendentes, com notas de partida sempre em cordas
soltas;
 linha superior (parte [1])

A diferença estabelecida para com a referência ocorre na linha ativa em blocos,


devido ao emprego de uma articulação invertida: utilizei ligados descendentes, com
notas de chegada em cordas soltas.
c) b3 (Figura 112, c. 49-52): Segui realizando o procedimento de utilização do material
melódico da seção A, na ordem original. Neste trecho, empreguei ritmo e contorno da
linha de baixo relativa à figuração a2 (c. 6-7) na elaboração de linha em registro
superior. O acompanhamento, consideravelmente ativo, mantém-se no contexto

56 Em a1 (fonte do material utilizado), a linha também é apresentada duas vezes consecutivas, porém, apenas com
diferenças de dinâmica.
57 Apesar da partição componente desta PTV ser [1 22], esta é tratada como uma variação da configuração

dominante na obra, [1 2], pois trata-se de um mesmo procedimento técnico-textural acrescido de um novo elemento
(linha em registro superior) gerando um pico de densidade (ver 3.2.3).
107

harmônico de b2; entretanto, diferencia-se no aspecto textural: apresenta uma


estruturação diversificada, combinando blocos, arpejos e ligados.

Figura 112: Intensidades I, seção B: b3 (49-52).

d) b4 (53-54): Utilizo do material temático da seção A de modo mais explícito, com a


utilização da linha de baixo da figuração a3 (c. 7-10) sem variações, exceto pelo
processo de ampliação por aumentação.58 O acompanhamento, realizado sobre a linha,
desenvolve o comportamento textural variado, com intensificada a atividade e caráter
improvisado (ver Figura 113).

Figura 113: Intensidades I, seção B: b4 (53-54).

e) b5 e b5’ (Figura 114, respectivamente, c. 55-56 e c. 57-60): A figuração b5 é uma


variação de a1(r) (c. 11-14), na qual, assim como no elemento descrito anteriormente,
emprego a linha de baixo do trecho original ampliada por aumentação. Neste trecho, a
linha interage com um elemento ativo, composto por blocos de dois sons (parte [2]),
articulados com o uso de ligados simultâneos, gerando configuração técnico-textural
semelhante àquela encontrada no Estudo 13 (ver 3.2.3 e Figura 52c), diferindo-se apenas
pela utilização de ligados ascendentes (como no original) e descendentes (acrescidos
em b5). Já b5’, é uma variação de b5, na qual aplico, entre outras modificações sutis,
arpejos sobre as estruturas acordais de b5 (Figura 114, c. 59-60) e ampliação por
repetição do fragmento final, que, com o emprego de um accelerando, torna-se o
elemento de transição para a reexposição da seção A.

58Ampliação por aumentação designa processo no qual as durações do objeto de referência são aumentadas,
mantendo-se as proporções.
108

Figura 114: Intensidades I, seção B: b5 (c. 55-56) e b5’ (c. 57-60).

Figura 115: Material utilizado na elaboração da figuração do plano secundário, seção C.

4.2.3 Intensidades I, Seção C

Procedi, nas etapas iniciais do desenvolvimento da seção C, de modo similar à conduta


adotada na elaboração de b1, isto é, produzindo uma sequência de blocos de dois sons a ocorrer
contra um pedal da nota Sol2, posicionada, em termos de registro, “entre as notas dos blocos”
(Figura 115). O material harmônico utilizado foi a série dodecafônica <701/693/B45/8H2>, que
alterna tricordes discretos das classes de conjuntos (016) e (036). A disposição das cromas em
determinados registros, aliada às opções adotadas nos campos da digitação e articulação,
resultaram em uma figuração arpejada, entremeada por trechos lineares articulados com o uso
de ligados simples (Figura 116).
109

Figura 116: Padrão figurativo do plano secundário, seção C.

A execução repetida da figuração me pareceu um interessante padrão de


acompanhamento (plano secundário), porém, como a estrutura não oferece condições técnicas
para execução superposta de quaisquer outros elementos, optei por trabalhar com interpolação.
Cinco estruturas “emergem” do plano figurativo:
a) c1 (c. 70): Baseada em PTV encontrada no Estudo 13 (variação, Figura 52g), já
utilizada em b1, compõe-se por 3 elementos, gerando a partição [122]: linha superior,
linha ativa em blocos e baixo. (Figura 117: Seção C: c1 (c. 70).).

Figura 117: Seção C: c1 (c. 70).

b) c2 (c. 74), c2’ (c. 79-80) e c3 (81-86): São estruturados a partir da PTV do Estudo 13
(Figura 52c) variada devido ao uso de ligados ascendentes e descendentes (Figura 118).

Figura 118: Intensidades I, Seção C: c2’ (c. 79-80).

c) c4 (c. 76.11-77): Neste trecho, predomina a configuração técnico textural do próprio


plano secundário, uma combinação de arpejo e ligados simples. (Figura 119).
110

Figura 119: Intensidades I, Seção C: c4 (c. 77-78).

4.2.4 Estruturas adicionais em A”

A última reexposição do tema principal (A’’, c. 84-108), é ampliada pela inserção de duas novas
figurações – a4 e a5 – que retomam de forma variada, a referência na PTV do Estudo 1 de
Brouwer, baseada na partição [1 2]. A figuração a4 apresenta a configuração textural [122]59. A
parte [1] adicional resulta do prolongamento das notas Si♭1 e C2 sobre as demais notas da linha
de baixo, gerando um novo elemento independente (ver Figura 120, c. 98-99 e Figura 121a). Já
a figuração a5 (ver Figura 120, c. 100-101 e Figura 121b), retorna à partição [1 2], entretanto,
expõe uma linha de baixo com um padrão melódico extremamente “saltado”, baseado no uso
de ligados descendentes com origem em corda presa e chegada em corda solta.

Figura 120: Intensidades I, figurações a4 (c. 98-99) e a5 (c. 100-101).

59 Abreviação de [1 1 2].
111

Figura 121: a) PTV da figuração a4 (c. 98-99). Parte [2] estruturada, exclusivamente por cordas soltas (0),
articulada alternadamente com ataques em blocos e arpejos (linha sinuosa entre colchetes). Parte [1] central
atacada com o dedo p e com ligados simples. Parte [1] inferior executada com o dedo p; b) PTV da figuração a5
(c. 100-103). Parte um executada com dedos p e i, com uso corrente de ligados simples descendentes de nota em
corda presa (x) para nota em corda solta (0).

Em termos gerais, Intensidades I surge de um uso das PTVs exclusivamente positivo,


isto é, um banco de configurações foi utilizado apenas como oferta de materiais com os quais
lidei de modo bastante livre, me permitindo alterar a proposta de referência sempre que o
impulso criativo demandava. Entretanto, há, de fato, muitas outras maneiras de utilização:
modos mais restritivos, incluindo procedimentos intertextuais, que podem prescrever
reproduções mais ou menos fiéis das progressões técnico-texturais relativas à peça de
referência.
Além desses procedimentos referenciais, a composição de PTVs originais também se
apresenta como possibilidade criativa. Dada a mensurabilidade da descrição do aspecto textural
inerente às partições, abre-se a possibilidade de planejamentos composicionais complexos com
PTVs, considerando os operadores previstos na Análise Particional (ver GENTIL-NUNES e
CARVALHO, 2003, e GENTIL-NUNES, 2009).
112

CONCLUSÕES

A partir do cruzamento entre a descrição do aspecto textural, tal como se dá na Análise


Particional, e os demais dados técnicos descritos nas PTVs – relação de registro entre partes,
padrões de digitação, etc. –, desenvolveu-se um meio de registro dos modos de operação
instrumental prescritos nas obras analisadas. Este viabilizou, entre outras coisas, a realização
de estudos comparativos. Por exemplo, no âmbito dos Estudos Sencillos, foi possível agrupar
as 20 obras analisadas com base nas semelhanças entre as respectivas PTVs, do seguinte modo:
as estruturações arpejadas (seção 3.3), os estudos predominantemente monofônicos (seção 3.4)
e estudos baseados no uso da partição [1 2] (seção 3.2). A representação gráfica foi um
importante facilitador de tais observações comparadas, sobretudo entre obras do mesmo grupo
(ver Figura 52).
No decorrer das análises, surgiram elementos conceituais que foram incorporados como
parte do próprio processo analítico:
a) particionamento dos procedimentos isolados das mãos direita e esquerda. Em vários
casos, observou-se que uma determinada PTV se dava pelo emprego de procedimento
característico de específicos efeitos texturais – blocos, arpejos, etc.– em uma das mãos,
alterados pelo comportamento adotado na mão oposta. Por exemplo, ataques em bloco
na mão direita podem ter seu caráter massivo “desmembrado” com a utilização de
ligados na mão esquerda. Neste caso, a entidade bloco não é “audível”; entretanto,
acontece na mão direita do instrumentista. Portanto, as partições podem ser utilizadas,
não apenas para descrever um efeito textural, mas também para registrar padrões de
procedimentos técnicos, o que foi ostensivamente utilizado no presente trabalho;
b) paisagem textural virtual. Resulta de reflexões acerca de fragmento do Estudo 18 em
que se prescreve o irrealizável: uma superposição entre um elemento massivo e outro
linear que, em determinado momento, não pode se dar, pois os dedos da mão esquerda
envolvidos na execução da linha são os mesmos que sustentam o bloco (ver 3.4.4, item
a). Decerto, não se trata de um erro. Ao contrário, reitera-se, Brouwer incita o intérprete,
deliberadamente, a um gesto de ilusionismo. Se, por um lado, a execução literal do
trecho é uma impossibilidade, por outro, são fornecidos vários meios para que a
“mágica” seja convincente. Este caso não é singular, pois se aproxima da ideia de falsa
polifonia60, amplamente encontrada em obras do repertório de concerto para diversos

60 O termo é utilizado para se referir às propostas composicionais nas quais manipula-se registro, articulação e
timbre, de modo a possibilitar uma escuta polifônica a partir de um objeto musical monofônico.
113

instrumentos, incluindo peças para instrumentos melódicos. O exercício analítico sobre


o trecho em questão demandou tomadas de decisão acerca dos modos de abordagem de
outros casos, similares no âmbito da analítica proposta. Trata-se de um caso importante,
uma tentativa de superação dos limites do meio instrumental no terreno da textura. 61

Estes casos, e suas consequentes contribuições para a Análise de Textura Violonística


no presente trabalho, expõem a necessidade de que esta seja um sistema aberto, capaz de
“apreender” algo novo a cada nova aplicação. O repertório de elementos gráficos utilizados nas
análises expostas no presente trabalho foi reunido na forma de um glossário gráfico.
As análises dos Estudos Sencillos expostas no presente trabalho compõem um
repositório de dados que podem ser confrontados futuramente com novas análises, tanto de
séries de estudos de outros autores quanto de outras obras de Brouwer. No primeiro caso,
visando a ampliação do conhecimento acerca dos fundamentos da prática e escrita violonística,
e no segundo, o desenvolvimento de estudos sobre o estilo brouweriano.
Movendo-se deste caso particular para considerações mais gerais, é possível vislumbrar
a aplicação da Análise de Textura Violonística em diferentes tipos de estudos sobre a utilização
do violão. Dentre tais possibilidades, destacam-se:
a) estudos de caso sobre obras de compositores, auxiliando na identificação de
singularidades nos modos de abordagem instrumental;
b) investigações acerca da utilização do violão em manifestações musicais
específicas (o choro, o samba, o flamenco, etc.) ou estilos de época (o violão
romântico, as transcrições de peças barrocas, etc.);
c) a (necessária) produção de informações que suplementem os manuais de
instrumentação com uma delimitação mais precisa e detalhada das propriedades
do meio instrumental em questão, bem como de suas características idiomáticas.

Com relação às aplicações em composição musical, no capítulo 4 foi relatado o processo


de elaboração da obra Intensidades I. Nesta peça, PTVs extraídas de alguns estudos analisados
são utilizadas livremente, tanto no que diz respeito ao ordenamento das configurações dentro
da obra, quanto ao que tange à possibilidade de se realizar variações das próprias PTVs, em
alguns casos. Com isso, foram expostos dois modos de aplicação:

61 Em Análise de Textura Violonística, tanto a representação gráfica das partições relativas a procedimentos
isolados das mãos quanto de paisagens texturais virtuais seguem os padrões de representação das partições em
geral, porém com o uso de contorno pontilhado.
114

a) a adoção literal de configurações referenciais e reconhecidas na literatura


violonística (ver 4.2.1);

b) o desenvolvimento de uma nova PTV a partir da modificação dos elementos


internos de uma PTV de referência (ver 4.2.2).

O primeiro modo pode, eventualmente, ser útil a compositores não violonistas ou à


pedagogia da composição para o instrumento. Além disso, é possível avistar outras
possibilidades de aplicação mais complexas, por exemplo, em planejamento composicional
(MORRIS 1987, 1995a, 1995b) e Modelagem Sistêmica (PITOMBEIRA, 2017)
Uma vez que a analítica proposta se dirige especificamente às relações engendradas
entre estruturações musicais e procedimentos vinculados à realização instrumental, é pertinente
considerar a possibilidade de sua aplicação também nos campos de pesquisa em performance
musical e práticas interpretativas.
Finalmente, registra-se aqui o interesse no desenvolvimento de ferramentas analíticas
semelhantes, dirigidas a outros instrumentos, sejam individuais, ou, em uma etapa posterior,
formações instrumentais coletivas entendidas como uma unidade.
115

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118

GLOSSÁRIO GRÁFICO

Nessa seção, elementos gráficos básicos utilizados nas análises apresentadas no presente
trabalho, para a representação das PTVs, são listados e descritos isoladamente. A maior parte
destes símbolos foram elaborados a partir de das demandas encontradas em cada análise. Disto
é possível considerar que novas análises poderão demandar a criação de novos símbolos.
Portanto, visa-se, com a presente lista, não apenas disponibilizar um “vocabulário” a ser
utilizado, mas uma referência para a sua própria expansão.

ELEMENTOS DESCRITIVOS DAS ESTRUTURAS TEXTURAIS

Parte: N deve ser um número natural diferente de 0 (zero). Indica


uma parte observada na configuração textural (partição) do objeto
analisado. Em alguns casos, pode se utilizar o contorno em elipse.

Parte virtual: N deve ser um número natural diferente de 0 (zero).


Indica parte descritiva de um determinado procedimento técnico que
não se reflete no resultado textural final. Por exemplo, a partição [1
2] pode ser gerada por um ataque em bloco da mão direita, sobre três
notas, seguido da utilização de ligados (ataques de mão esquerda)
para gerar movimento melódico a partir de uma delas. Neste caso,
utiliza-se a representação pontilhada da partição [3], à direita da
representação de [1 2], em contorno contínuo, e uma seta conectando
a primeira à segunda. Deste modo, fica registrado que, apesar de a
configuração textural ser [1 2], o padrão de mão direita é de blocos
de três sons ([3]). Em alguns casos, pode se utilizar o contorno em
elipse.
119

Parte semi virtual: N deve ser um número natural diferente de 0


(zero). Indica parte descritiva de elemento textural que pertence a
idéia composicional (é registrado na partitura), entretanto, uma
porção de sua extensão não pode ser executada. Ocorre, de modo
relativamente comum com acompanhamentos. Por exemplo, um
determinado acorde sobre o qual se desenvolve uma melodia precisa
ser interrompido pois a execução da linha demanda o uso de dedos
(mão esquerda) empregados em sua sustentação.

ELEMENTOS DESCRITIVOS DE PROCEDIMENTOS DA MÃO DIREITA

Os elementos descritivos de procedimentos de mão direita devem ser dispostos à direita


de partição ou parte sobre a qual se dirige.

Dedos de mão direita: indicam os dedos da mão direita –


polegar (p), indicador (i), médio (m), anular (a) e mínimo (c,
uso esporádico) – utilizados na execução de determinada
p, i ,m, a, c parte ou partição. Dispostas horizontalmente, separadas por
vírgulas, descrevem execução sequencial; ao contrário,
quando “empilhadas” verticalmente, referem-se à execução
em bloco.

APF: é utilizado ao lado de partes ou partições massivas ([2],


[3], [4], etc.) para registrar articulação em APF (arpejo em
posição fixa, ver 2.1.1.1). Quando se observa um padrão de
digitação no APF, este é descrito o mais próximo possível
deste símbolo, com o emprego das letras referentes aos dedos
da mão direita (item anterior).

ELEMENTOS DESCRITIVOS DE PROCEDIMENTOS DE MÃO ESQUERDA

Os elementos descritivos de procedimentos de mão direita devem ser dispostos à direita


de partição ou parte sobre a qual se dirige.
120

Corda Solta: descreve uso exclusivo ou predominante de


cordas soltas. Quando empregado isoladamente, deve ser
0 localizado na extremidade esquerda superior da parte sob a
qual incide. Pode ser utilizado combinado com Corda Presa
(próximo item), ao lado de uma parte ou partição massiva
([2], [3], [4], etc.), mostrando o uso combinado de cordas
soltas e presas em um determinado procedimento em bloco.

x, y, z, ... Corda Presa: indica uso de corda presa.

Ligadura horizontal: indica comportamento baseado no uso


de ligados simples (ataques de mão esquerda), em direções
variadas (ligados ascendentes e ascendentes), podendo
incluir cordas soltas.

Ligadura ascendente: indica comportamento baseado no


emprego de ligados ascendentes. Com origem e chegada em
nota localizada em corda presa. Substituindo-se do x por 0 e
o y por x, indica-se padrão baseado no mesmo tipo de ligado,
porem com origem em corda solta.

Ligadura descendente: indica comportamento baseado no


emprego de ligados descendentes. Com origem e chegada
em nota localizada em corda presa. Substituindo-se do y por
0, indica-se padrão baseado no mesmo tipo de ligado, porem
com chegada em corda solta.

Ligadura composta: indica comportamento baseado na


utilização de ligados compostos, incluindo todas as suas
diferentes formas.62

62 São ligados compostos os conjuntos de ataques de mão esquerda encadeados. Tais procedimentos são
constituídos, geralmente, por uma nota de origem, atacada pela mão direita, e por, no mínimo, duas outras notas,
atacadas exclusivamente pela mão esquerda. Produz-se todo o tipo de desenhos melódicos com ligados compostos:
desde ornamentos, como bordaduras, grupetos e trinados, até movimentos escalares ou até mesmo, saltados.
121

OUTROS ELEMENTOS

Conectores: Conectam partes de uma mesma partição.

Colchetes: Indicam que o procedimento registrado em seu


interior é secundário ou eventual. Por exemplo, a PTV da
seção B do Estudo 8 (ver 3.5.2 e Figura 98) apresenta duas
digitações de mão direita para o APF utilizado: “p i m” e
“i m a”, o segundo entre colchetes. Com isso, expressa-se
que “p i m” é eventualmente substituído por “i m a”.

Duplo círculo: Utiliza-se para expressar uma parte mais


ativa que as demais. Por exemplo, em padrões texturais do
tipo melodia sobre pedal (partição principal [12]),
emprega-se o duplo círculo sobre a parte [1] referente à
linha melódica.
122

APÊNDICE - BERNARDO RAMOS, INTENSIDADES I PARA VIOLÃO SOLO


(PARTITURA)
123
124
125
126
127
128
129
130

ANEXO – LEO BROUWER, ESTUDIOS SENCILLOS, PARA VIOLÃO,


(PARTITURA)
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156

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