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Procurando

Desesperadamente
um Canalha
Resgatada da Ruína — Livro 03

Elisa Braden
SINOPSE
Desesperadamente à procura de um noivo...

A senhorita Sarah Battersby está na extrema necessidade de


um homem, de preferência um habilidoso na arte de enganar.
Após a morte de seu pai ela ficará sem lar e sem um centavo.
Com o tempo se esgotando, ela deve aceitar a proposta de um
homem que detesta ou ficar o suficiente para garantir uma
posição de professora contando uma mentirinha: que ela é
prometida a outra pessoa. O problema? Ele não existe,
tecnicamente. Mas Sarah se recusa a ser derrotada por
detalhes insignificantes. A resposta está em encontrar o
homem certo para o trabalho. E, por sorte, ela tropeçou com o
candidato... embora ele pudesse necessitar de um pouco de
cuidados.

Desesperadamente procurando um refúgio...

Para onde vai lorde Colin Lacey o problema o segue, mesmo


quando ele tenta fazer o certo. Torturado e caçado por um
criminoso brutal, ele é salvo da porta da morte pela teimosa e
estranhamente atraente Senhorita Battersby. Em troca, ela
pede um pequeno favor: fingir ser seu noivo.
Temporariamente, claro. Com o perigo beliscando seus
calcanhares, ele sabe que é errado querê-la, que é errado
concordar com os termos dela. Mas quando Colin Lacey fez a
coisa sensata?

Desesperadamente procurando um amor para conquistar


tudo...
Enquanto as mentiras se tornam desejos e anseiam por algo
mais profundo, eles percebem que será preciso mais do que
paixão para salvarem-se do perigo que está por vir. Eles
precisarão de um plano. Eles precisarão de sua família. Acima
de tudo, eles precisarão de um amor forte o suficiente para
fortalecer a determinação de uma dama e transformar o
coração de um canalha.
CAPÍTULO 1
“Evitar os desconfortos e as indignidades do desespero requer
inteligência. Infelizmente, nenhuma quantidade de súplica
aumentará sua concessão desse produto cobiçado”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu sobrinho ao receber
sua solicitude de um aumento de recursos.

20 de agosto de 1817
Keddlescombe, East Devonshire

— Que expectativa, senhorita Battersby. Quando acredita que


poderiam casar-se?
Sarah evitou o olhar de sua jovem aluna concentrando-se em
troca na cesta de maçãs aos seus pés, pouca fruta nesta
árvore não tinha amadurecido ainda, mas havia o suficiente
para hoje, e isso teria que bastar.
— Não estamos comprometidos, senhorita Cresswell.
Um ramo frondoso retrocedeu e tremeu quando a ruiva Lydia
Cresswell, de largas extremidades, arrancou outra maçã verde
e a pôs na mão estendida de Sarah. A menina tinha treze
anos e estava fascinada por tudo relacionado com noivado e
romance, o que a fez procurar sua companhia. Mesmo assim,
embora fosse dez anos mais nova que Sarah, já tinha crescido
mais de um palmo e possuía braços terrivelmente longos,
então lhe tinha sido atribuída a tarefa de subir na escada.
— Oh, mas o senhor Foote o disse.
Sarah franziu o cenho.
— A quem?
— Bom, a todos, suponho, ele insiste em que o aceitou.
Sua garganta se apertou e levantou o olhar para as estreitas
costas da garota.
— Não deve ser vítima das intrigas. Recorde nossa recente
lição de Provérbios.
Lydia suspirou ruidosamente e recitou: — Quem guarda sua
boca, guarda sua vida.
Sarah apoiou as mãos nos quadris.
— Muito bem, Deus aprova a discrição, pratiquemos essa
virtude, de acordo? — Ela olhou a cesta. — Acredito que isto é
suficiente. — Seu tom sufocado deve ter sido ouvido, porque
Lydia olhou por cima do ombro e assentiu antes de descer a
escada.
Elas tinham conseguido doze maçãs, o suficiente para fazer
os bolos que Sarah tinha prometido às meninas. Recolhendo
a cesta apertou o lábio entre os dentes enquanto pensava na
farinha e no açúcar que precisavam para isso, devia visitar o
mercado na praça do povoado, e para esses artigos e o chá de
sua mãe devia gastar seus últimos xelins.
Olhou à Lydia, que tirava folhas soltas de seu cabelo.
— Aqui — Sarah disse levantando a cesta nos braços da
garota. — Leva isto à escola e diga à senhora Blake que pode
esquentar o forno. Voltarei com os ingredientes restantes em
breve.
— Oh! Está segura de que não deseja que eu vá ao...
— Bastante segura. — Quão último precisava era que a jovem
fofoqueira em floração a observasse regateando com o moleiro
por cada grama de farinha. A pobreza já era suficientemente
humilhante. Sarah saudou com a mão a caminho da casa
paroquial. — Vá, agora.
Ao ver Lydia descer para o extremo norte do comprido e verde
vale, Sarah apertou os lábios e lutou contra o desespero que
sempre se escondia nela, deixou que seus olhos desviassem-
se para sua direita, onde o vale se alargava antes de terminar
no mar, logo à esquerda, onde estava a Igreja da Santa
Catalina em um estreito cruzamento de caminhos de formosa
cor esmeralda. Na maioria das manhãs estava rodeado de
névoa, mas pela tarde podia-se ver de qualquer lugar do vale
a igreja, que era da época normanda, com sua orgulhosa torre
de pedra do século XIII e suas enormes portas de carvalho
que lhe resultavam tão familiar como suas próprias mãos.
Seu pai tinha sido o vigário ali desde antes que ela nascesse.
Na ladeira oposta do vale, na metade da colina da igreja onde
residiam, havia uma casa branca de dois pisos aninhada
junto a um edifício de pedra maior e antigo que uma vez tinha
sido parte de uma abadia e agora era o lar da Academia de St.
Catherine para meninas de impecável comportamento.
Atrás dela jazia o vale vizinho, onde as casinhas brancas de
Keddlescombe salpicavam a exuberante paisagem verde.
Fechou os olhos, estes vales gêmeos junto ao mar embalavam
seu lar: a fiel igreja que tinha suportado o tempo, a agitação e
a supressão de Túdor; a casinha onde tinha nascido e tinha
sido criada; a escola que lhe deu tanto o propósito como os
ganhos; o povoado onde não vivia nenhum estranho, tudo
isso deveria lhe trazer consolo.
Deveria. Sua mão cobriu sua boca em um momento de
debilidade. Não, ela não cederia terreno. Ela brigaria, como
tinha feito durante dois longos anos e encontraria uma
maneira. Deixando cair os braços aos flancos, apertou a
mandíbula e apalpou os bolsos de sua roupa gasta e puída. O
triste tilintar de poucas moedas só fez com que levantasse o
queixo mais alto. Com passo decidido tomou o caminho da
colina até a aldeia.
Quando entrou na praça central, o ferreiro, o Sr. Thompson,
gritou uma saudação, e ela se obrigou a sorrir e lhe fez um
gesto amistoso. Olhando ao seu redor notou que o recinto
aberto no coração do povoado estava cheio de agricultores,
pescadores e suas esposas. Havia esperado encontrar-se com
menos pessoas neste dia em particular, mas agora era o
momento mais difícil da colheita, e era de esperar tanta
atividade. Baixando os olhos e a aba de seu chapéu de palha
para evitar chamar a atenção, dirigiu-se à carroça do moleiro
e o observou em sua localização habitual, no lado leste do
vale.
— Ah, senhorita Battersby, — disse o alto e ancião senhor
Miller enquanto ela se aproximava. — Tenha um bom dia.
Deve ter vindo buscar um pouco de farinha.
— Assim é — ela sorriu cortesmente ao homem de rosto
enrugado. — Um quilo, por favor.
A senhora Miller, sua esposa, mais redonda e muito mais
jovem, apareceu atrás dele para dizer: — Tão pouca, senhorita
Battersby? Não se pode fazer mais de um pão com essa
quantidade insignificante, por que não comprar dez? É menos
custoso por grama e dura um pouco mais.
O sorriso de Sarah se esticou.
— Um quilo é tudo o que necessito por agora — disse em voz
baixa.
Os olhos da senhora Miller se lançaram por cima do ombro de
Sarah e se esticaram. Foi toda a advertência que teve antes
que uma mão não desejada pressionasse suas costas e uma
voz detestável dissesse: — Tolices, ponha dez quilos, senhor
Miller. — O homem que ela desprezava com todo o seu ser
estava muito perto, murmurando amorosamente contra sua
bochecha. — Não posso deixar que digam que minha
prometida passa privações.
Usando seu cotovelo e a aba de seu chapéu, Sarah empurrou
discretamente seu corpo magro, criando uma distância muito
necessária para que sua mão caísse.
— Não sou sua prometida, Senhor Foote, por favor, deixe de
afirmar o contrário.
O cabelo escuro, escorregadio e brilhante pela manteiga de
porco que usava foi arrastada para trás de uma testa mais
curta, que só fazia ressaltar os olhos relativamente pequenos,
o nariz largo e o queixo comicamente proeminente do Sr.
Foote, que era um homem muito pouco inteligente, mas isso
não a incomodava muito.
De fato, se sua alma não fosse muito mais feia que seu rosto,
ela poderia estar mais disposta a aceitá-lo, particularmente
porque era um dos poucos e valiosos homens elegíveis a
milhas de Keddlescombe que não era suficientemente velho
para ser seu avô, nem o bastante jovem para requerer o
consentimento dos pais para contrair matrimônio. Também
era um latifundiário com quatro fazendas de inquilinos e um
rendimento considerável, como gostava de recordar a ela e a
sua mãe. Seus olhos escuros se estreitaram sobre ela, e seus
pequenos lábios puxados para trás para revelar dentes
marrons sobrepostos ao seu sorriso fez pouco para melhorar
sua atratividade.
— Ah, vamos querida. O senhor e a senhora Miller certamente
entendem as paixões da juventude, vejo pouca necessidade
em disfarçar nossos afetos, apesar da... condição de seu pai.
O calor se acendeu em seu peito, elevando-se ao seu rosto,
sua pele coçava com isso.
— Não fale do meu pai — ela soprou. — Não se atreva a
pronunciar seu nome.
Como de costume, Félix Foote se negou a ser insultado e deu
ao Sr. Miller um sorriso condescendente.
— As damas devem ser perdoadas por suas tolices, porque
são delicadas em sua constituição. Temo que minha querida
Senhorita Battersby esteja sobrecarregada pela má saúde do
reverendo, o senhor Battersby.
— Pela última vez, — grunhiu, suas náuseas crescentes
mesclavam com o desespero e a frustração — não sou sua
senhorita Battersby. Não estamos comprometidos! Escute-me!
Não estamos comprometidos! — Quando terminou sua voz era
suficientemente alta para chegar ao resto do verde vale, ela
sabia porque todos, simplesmente todos, na praça, se
detiveram para olhá-la fixamente: a Sra. Jones, quem dirigia
a padaria e dava à Sarah cinco pães à semana em segredo, o
senhor Walton, que lhe tinha ensinado a montar quando
tinha sete anos, Ann Porter, com quem havia jogado cricket
neste vale, e uma dúzia mais que tinha conhecido desde a
infância, todos permaneceram em silêncio e com os olhos
arregalados enquanto a filha do vigário gritava soltando seu
tolo temperamento além de seu ponto de ebulição.
O senhor Foote a agarrou pelo cotovelo e a atraiu para si, com
o fôlego de pescado podre flutuando em seu rosto.
— Não é impróprio declará-lo, senhorita Battersby, todos no
povoado compreendem sua posição. Necessitará do cuidado
de um marido logo — seus dedos cravados em sua carne. —
Argumentar o contrário é temerário.
Com o coração palpitando Sarah o olhou. Sua fúria não tinha
para onde ir. Ele estava correto, logo seu pai se iria tanto em
corpo como em mente, a vida provida pela igreja cessaria e ela
e sua mãe não teriam nada, tragou e respirou contra a
opressão em seu peito, sentindo-se bastante necessitada.
Durante mais de um ano Félix Foote tinha estado rondando-
a, lhe recordando constantemente que ele era sua única
opção. Ela tinha procurado outra, mas não havia aparecido,
tinha estagnado e resistido, esperando que seu olho vagasse
por outro lado.
Mas estava encurralada e o odiava, odiava estar tão
empobrecida que só podia comprar um quilo de farinha por
vez. De fato, quão único odiava mais era Félix Foote.
— Impossível — ela murmurou-lhe agora. — Não posso me
casar contigo.
Aquele sorriso oleoso e nauseante reapareceu.
— Não pode se casar comigo. Por que não? — Riu em voz alta.
— Não vejo uma fila de pretendentes que clamam à sua porta,
atrevo-me a dizer.
Já tinha o bastante quando a decisão de mentir entrou em
sua mente, ela não podia dizê-lo, não estava em sua natureza.
Na verdade, era terrivelmente inepta para fingir, possuía uma
tez clara que avermelhava de culpa inclusive pela enganação
mais inócua. Suas alunas lhe haviam rogado uma vez que
atuasse em uma de suas obras e nunca o tinham pedido de
novo.
Tinha muitas falhas, o orgulho a primeira entre elas, mas não
enganava, à exceção de hoje. Hoje a mentira escapou de seus
lábios com tal facilidade que alguém teria pensado que era
uma visitante frequente.
— Me casar com você é impossível, senhor Foote — anunciou
com a voz carregada. — Porque estou prometida a outro.
Murmúrios de surpresa e sussurros especulativos ressoaram
na praça do povoado, os olhos da senhora Miller ficaram tão
arregalados como as rodas de sua carroça, enquanto a testa
de seu marido se franziu em uma expressão de desconcerto.
Por fim, o sorriso do senhor Foote se desvaneceu, substituído
lentamente por um grunhido de desgosto.
— Quem? Olhe ao seu redor, senhorita Battersby. "Outro" não
existe para ti. Talvez em tua dor dedicou-se a inventar
fantasmas.
Ela inclinou a cabeça e lhe deu um sorriso tenso e satisfeito,
ao que parecia o ódio podia emprestar uma audácia que de
outro modo não possuía. De que outra maneira explicar sua
escandalosa resposta?
— Creia no que quiser, senhor Foote, esse fantasma será meu
marido, o senhor não engendrará meus filhos, além disso, se
não cessar suas desprezíveis atenções, — puxou o braço de
sua mão — lhe dará o castigo que merece.

~~*~~

25 de agosto de 1817
Whitechapel

A morte esperava, paciente e asquerosa, o sangue marcou os


pulsos de Colin Lacey, onde estavam atados acima dele,
molhando seus braços até seus ombros, mas o fluxo fazia
muito que tinha parado, substituído pelo intumescimento. O
gancho para carne que segurava as cordas manteve-o à mercê
do carniceiro.
Nada seria concedido.
— Lástima que não tenha mostrado uma reticência igual nas
mesas, meu lorde — murmurou o carniceiro. — Um pouco de
moderação poderia haver economizado a ambos um grande
trabalho. — Um suspiro, logo o estalo de uma faca deixando
sua capa serviram como advertência.
Brilhante e fria agonia, a luz prateada brilhava atrás de suas
pálpebras inchadas enquanto o ar assobiava através de seus
dentes para os pulmões. A carne sobre suas costelas se abriu
e jorrou um fluxo quente.
— Uma palavra, meu lorde, um nome e isto terminará.
Sua camisa, que tinha sido arrancada de suas costas horas
antes, agora pendurava em três farrapos na cintura de suas
calças. Imaginou que, se conseguisse liberar-se de suas
amarras, o tecido seria conveniente para absorver seu
sangue.
A risada oxidada sacudiu dentro de seu peito, nunca
abandonaria aquele lugar pútrido, cheio de calor ao final do
dia e com o aroma dos animais que deviam morrer ali. Não,
seus ossos se uniriam aos do gado e porcos, não era tão parvo
para acreditar que um nome o salvaria, nem ele nem ninguém
mais.
— Vamos, agora é o irmão de um duque, seu herdeiro neste
momento, não é? — O carniceiro se deteve como se Colin
pudesse responder, e logo se respondeu com uma voz
estranhamente suave e culta. — Sim. O herdeiro do duque de
Blackmore não necessita de crédito em minhas humildes
casas de jogo. Depois que o Ministério do Interior se
interessou por meus negócios, a coincidência era algo mais do
que podia suportar. A quem deu informação?
O longo silêncio lhe valeu outro corte, justo debaixo do
último. Desta vez, embora a dor cintilou, não era mais que
um pico branco em meio de uma gama de montanhas
igualmente irregulares.
Uma porta rangeu, um par de botas se arrastaram pelo piso.
— Comece a falar.
— Senhor Spyder.
— Benning, confio em que esta interrupção seja de natureza
vital.
— Sim, senhor, — movendo os pés cambaleou outra vez, logo
baixou a voz — de Londres chegou a notícia, Johnstone
enviou a notícia que o Clube Gallows foi invadido
aproximadamente uma hora depois.
Se Syder alguma vez se zangava, Colin suspeitava que soaria
como o escuro silêncio que seguiu às notícias de Benning.
Mas Syder não tinha construído um império de roubo,
brutalidade e vício ao ser escravo de seu temperamento.
— Quem foi?
— Dois dos homens do Kirkwood, junto com sete mais que
nunca vimos tomaram o Johnstone, fizeram-no.
Mais silêncio, logo um suspiro de Syder.
— Meu lorde, temo que devo deixá-lo ao cuidado do Sr.
Benning. Posso sugerir que solte sua língua. É menos sutil
que eu em seus serviços.
Reflexivamente, Colin tragou contra sua áspera garganta.
Passos tranquilos e de ritmo uniforme retrocederam até que
uma porta se abriu e se fechou. Os nódulos saltaram.
— Durou mais que a maioria, meu lorde, o concedo. —
Benning, a quem Colin recordava como uma besta maciça e
marcada com mangas do tamanho de pedras de moinho, se
aproximou o suficiente para que seu volume amortecesse o
ruído do gado fora da porta. Seu fôlego flutuou sobre o rosto
de Colin, cheirava a cerveja e cebolas.
— Me mate — sussurrou, sua dolorida mandíbula apenas
capaz de formar as palavras. — Não tenho nada a dizer.
— Quer morrer, é claro. — Colin sentiu o sorriso na voz do
bruto. — Mas não ainda. — Fortes passos golpeavam contra a
terra endurecida, dirigindo-se em direção à mesa no extremo
oposto do espaço. Foi onde Syder havia montado suas
ferramentas, principalmente facas e outros cutelos, mas
também martelos e serras. Depois do espancamento inicial do
Benning, os olhos de Colin se haviam fechado. Em certo
modo, isso tinha sido uma misericórdia, mas agora desejava
saber o que Benning pegaria, que instrumento seria a fonte
de sua próxima dose de agonia.
Metal raspou a madeira enquanto Benning levantava a
ferramenta, fosse o que fosse, da mesa. O coração de Colin
acelerou a um ritmo frenético porque se assustava agora.
Não podia dizer, não podia ser pior do que já tinha suportado.
Ou poderia?
Benning se aproximou, uma brisa úmida de cerveja e cebolas
banhava a testa de Colin. Um punho de pedra de moinho
agarrou seu antebraço, justo debaixo da corda.
Querido Deus. Estava a ponto de perder sua mão. Escutou a
si mesmo ofegando, lutando, agitado e arrasado. Sua mente
voou para trás da horrorosa realidade, agachando-se na parte
posterior de seu crânio.
Sua mão nunca voltaria a jogar. Nunca mais sentiria a pele de
uma mulher. Querido Santo Deus.
Seus braços se sacudiram, não podia sentir a lâmina, só
podia sentir o movimento e a pressão enquanto Benning
trabalhava de um lado a outro. De repente suas mãos se
liberaram, seus braços caíram agonizantemente para baixo,
suas pernas o abandonaram, e desabou aturdido. Inútil, um
montão aos pés de Benning.
— Ei — grunhiu o bruto, empurrando o joelho de Colin com
sua bota. — Não há tempo para isso, meu lorde, me pagaram
para que te soltasse e não para ser cortado pelo Syder.
O sangue de Colin golpeava dentro de sua cabeça, em guerra
com seus ofegos, formando uma cacofonia ensurdecedora.
— P-pago — conseguiu dizer.
A corda que atava seus tornozelos foi tirada e cortada.
— Sim.
Tentando mover os braços, Colin gemeu quando as agulhas
se acenderam na carne intumescida. O fogo se estendeu
lentamente até que teve que apertar os dentes para não gritar.
Os trapos de sua camisa foram arrancados de sua cintura,
cortados em tiras e envoltas ao redor de suas costelas. Um
polegar maciço esticou sua pálpebra, um rosto impreciso e
bicudo lhe devolveu o olhar, com os lábios grossos para baixo.
— Terá que esforçar-se, chegarão em um dia ou dois, mas
estará morto se não correr rápido e para longe daqui.
Entendeu?
— Sim. — Sentiu que um estremecimento começava sob sua
pele, a sensação voltou para seus ombros, o que lhe fez
querer vomitar. Mal podia mover os braços, mas ao menos
ainda tinha as mãos, por isso ele estava muito agradecido.
— Quem te pagou? Foi meu irmão?
Benning ficou de pé e se dirigiu ao canto onde tinha atirado o
casaco de Colin e se agachou para recuperá-lo.
— Não duvido que você saiba de alguma coisa — o dialeto do
homem era espesso e redondo, complicado de entender. Antes
deste ano, poucas vezes se associou com homens como
Benning, Colin poderia ter tido problemas para seguir seus
murmúrios. Muito tinha mudado.
— Então quem? Pensei que trabalhava exclusivamente para o
Syder.
Benning o rodeou ficando atrás dele, agarrou-o por debaixo
dos braços e o ajudou a levantar-se com um movimento
brusco. Colin não pôde deter seu lamentável gemido quando
uma dor insuportável lhe atravessou os ombros.
Suas pernas ao princípio se negaram a sustentá-lo e
vergonhosamente desabou contra Benning, quem o sustentou
com um pesado antebraço ao redor de seu peito e começou a
forçar seus braços para entrar pelas mangas de seu casaco.
— As coisas mudam, o peixe gordo paga melhor.
Ofegando bruscamente, com a cabeça dando voltas, Colin se
deteve para recuperar o fôlego quando Benning se voltou para
ele e rapidamente fechou os botões como uma babá com um
bebê.
— Quem é o peixe gordo, Benning?
A besta imprecisa terminou sua tarefa e se dirigiu à porta,
abrindo-a para olhar para fora.
— Posso te levar ao seu cavalo, só isso.
— Quem quer que seja, deve ter dado uma soma principesca.
Syder não o perseguirá por isso?
Benning voltou ao lado do Colin, agarrou-o pelo braço e o
arrastou para frente, arrastando seu cambaleante corpo
sangrando e debilitado para a porta.
— Comove-me sua preocupação, meu lorde, o fato é que não
planejo ficar. O melhor é que faça o mesmo. — Benning
colocou um chapéu sobre a cabeça dolorida de Colin e o
desceu pela testa inchada.
A escuridão ao final do crepúsculo disfarçou seus
movimentos, enquanto se arrastavam pelo curral algumas
vacas se moveram e baixaram ao seu passo, mas não soaram
gritos de alarme. Logo entraram em um estábulo, onde, ao
que parecia, Benning já tinha selado Matilde. A linda égua
baia se esfregou contra a mão estendida de Colin.
— Me alegro de ver-te, amor — Colin sussurrou acariciando
seu cálido nariz. Seus braços, ainda débeis, caíram
rapidamente aos seus flancos quando Benning a conduziu a
um bloco de montagem.
— Crê que pode guiá-lo? — Perguntou.
Forçando seus olhos a abrir-se mais e tragando sua náusea
persistente, Colin deu sua melhor imitação de seu antigo eu.
— O dia que não puder montar uma fêmea é o dia que estarei
frio na tumba, Benning.
O homem soprou e agitou o braço para a rua.
— Essas são palavras proféticas, meu lorde.
CAPÍTULO 2
"De fato, a têmpera de um é provada e forjada na batalha. E, é
óbvio, enquanto atravessa os vergonhosos caminhos da
Inglaterra".
A marquesa viúva de Wallingham ao duque de Wellington após
seu triunfante regresso.

— Nunca voltarei a ser o mesmo — as queixas do velho Sr.


Hubbard não desconcertaram sua esposa, que estava sentada
ao seu lado no banco do condutor da carruagem. A Sra.
Hubbard simplesmente dirigiu à Sarah um olhar irônico e
logo voltou para sua malha.
Sarah, entretanto, compadeceu-se de todo coração do velho
granjeiro, três dias de viagem até Londres e três dias para
retornar à Keddlescombe na incômoda carruagem sobre os
caminhos cheios de buracos e enlameados do sul da
Inglaterra eram suficientes para solicitar uma queixa do
próprio Jó.
Se não tivesse sido absolutamente necessário repor os cofres
da Santa Catharine, não haveria acompanhado o amável
casal. Entretanto, a escola simplesmente não podia funcionar
sem recursos, e em lugar de esperar semanas para que suas
cartas fossem respondidas com o pagamento do semestre de
outono, ela tinha eleito visitar os quatro pais que residiam em
Londres e assegurar os recursos ela mesma, distraidamente
ela acariciou o grosso couro da bolsa de moedas de seu pai,
agora gorda e cheia. Os aborrecimentos temporários não eram
nada: os recursos que havia adquirido manteriam em
funcionamento a Academia da St. Catherine para meninas de
impecável comportamento durante mais um mês.
O fato de que esta viagem também a tirasse da tormenta de
intrigas da aldeia, bom, foi simplesmente uma feliz
coincidência.
— Logo estaremos em casa, marido — a senhora Hubbard
disse com doçura. — Outro meio-dia, quando muito — ela
assentiu com a cabeça aos barris, caixas e bolsas de
provisões empilhados ao redor do assento de Sarah. —
Mesmo assim, não deveremos requerer outra viagem a
Londres até o próximo verão. Tempo suficiente para se
recuperar de todos os seus mal-estares.
O Sr. Hubbard grunhiu em resposta e cobriu os olhos com
seu chapéu de aba larga, claramente preferindo um guisado
de miséria às garantias de sua esposa.
Seu bom humor, entretanto, não se afundou tão facilmente.
— Pelo menos podemos viajar sob a chuva. Não é algo pelo
que agradecer ao bom Senhor, senhorita Battersby?
Sarah levantou a vista para o tecido engordurado suspenso
em um arco sobre eles.
— Certamente — sua voz tremeu quando as rodas
encontraram um sulco profundo. Apoiou-se contra uma caixa
rangente e afogou um gemido. — Que mais se pode pedir?
O aguaceiro constante tinha começado horas antes e tinha
convertido o caminho em um lamaçal. Olhou a prega de seu
vestido azul de lã. A carruagem já se atolara duas vezes no
lodo avermelhado e escorregadio, o que tinha requerido sua
saída das duvidosas comodidades da carruagem e isso deu
lugar a manchas que requereriam um bom banho durante o
dia.
Na metade de sua ascensão até à seguinte colina um dos
cavalos tropeçou, o que provocou que a carruagem se
sacudisse e tremesse em uma dura curva. O Sr. Hubbard
lutou com as rédeas para recuperar o controle, mas a
carruagem começou a deslizar-se.
— Agarrem-se forte! — Gritou enquanto os cavalos se
apressavam a seguir. Sarah agarrou o assento plano de
madeira com uma mão e a borda do lado da carruagem com a
outra, preparando-se o melhor que pôde.
Um protesto queixoso e retorcida ressoou no marco de
madeira e se mesclou com o relinchar assustado dos cavalos,
já que seus esforços por se manter em pé fizeram com que a
carruagem girasse de lado e começasse a derrubar-se.
— Meu Deus — a Sra. Hubbard gemeu enquanto o Sr.
Hubbard gritava à sua equipe de cavalos com sons guturais e
sem sentido de "haw" e "yip".
Sarah fechou os olhos com força, o coração lhe pulsava com
força, o estômago revirou, sentiu que a carruagem se sacudia
e arrastava para a direita, logo o som assustador e surdo dos
cavalos correndo acompanhou a sensação de ser devorada à
maior velocidade. Seus olhos se abriram de repente e se
dirigiam à direção oposta. Descendo a colina, o Sr. Hubbard
se recostou em seu banco puxando desesperadamente as
rédeas enquanto a pesada carga empurrava os cavalos mais
rápido do que deviam.
Deviam ter sido só uns segundos, mas pareceram horas,
antes que finalmente recuperasse o controle, então estavam a
centenas de metros na direção contrária, e os dedos de Sarah
ficariam permanentemente impressos na madeira da
carruagem.
— Céus — a Sra. Hubbard gritou, envolvendo um braço ao
redor dos ombros trementes de seu marido. Sua bochecha
manchada de lágrimas se voltou para Sarah. — Está bem,
senhorita Battersby?
— N-não — limpou a garganta e obrigou as suas mãos a
soltar seu agarre um por um, seus dedos levantaram-se.
Pouco a pouco, seu fôlego voltou.
O senhor Hubbard agora estava abraçando a sua esposa
enquanto ela soluçava baixinho.
A mão de Sarah pousou sobre seu coração tamborilando e se
agachou e se esticou para acariciar as costas da senhora
Hubbard.
— Estamos a salvo, agora — disse com voz baixa e tranquila.
— Tudo está bem.
A anciã se voltou enrugada, olhou-a com olhos chorosos e
sorriu tremendo enquanto apertava a mão de Sarah.
— É uma garota muito especial.
Sarah lhe devolveu o sorriso e perguntou ao Sr. Hubbard: —
Acredita que deveríamos tentar subir a colina outra vez?
Ele sacudiu a cabeça.
— A carga é muito pesada, desviaremos pelo caminho a
Littlewood, a meio quilômetro de volta. Adicionaremos várias
horas a nossa viagem, mas é muito mais provável que
cheguemos... a salvo.
Um soluço da Sra. Hubbard lhe valeu um suave tapinha e
murmurou.
— Pronto, pronto, Margaret — disse seu marido. Depois de
comprovar se os cavalos estavam lesionados, voltaram a subir
à carruagem e se dirigiram ao Littlewood, que estava a mais
de vinte milhas ao noroeste de Keddlescombe. O senhor
Hubbard tinha razão: era uma rota mais longa, mas muito
mais plana.
Uma hora mais tarde, justo quando o nervoso de seu quase
desastre retrocedia e o frio de seu vestido úmido trouxe
calafrios à sua pele, Sarah sentiu que a carruagem ficava
lenta.
Estavam em um trecho do caminho muito arborizado e não
tinham visto nenhuma outra alma desde que tinham tomado
a rota de Littlewood que viajavam com pouca frequência. Em
consequência, se surpreendeu quando ouviu o senhor
Hubbard murmurar: — Malditos, deixando suas montarias
vagando e impedindo o progresso de um homem trabalhador.
Curiosa, levantou-se de seu assento, apoiou uma mão no
ombro da senhora Hubbard e olhou para o caminho. Ali, a
uns dez metros de distância, havia uma égua baia, com seu
abrigo marrom avermelhado escurecido pela água da chuva,
com a sela vazia. Ela se rodeou com os braços e assentiu com
a cabeça.
— Onde crê que estará o cavaleiro? — Perguntou a Sra.
Hubbard, deixando sua malha em seu regaço.
O senhor Hubbard suspirou e sacudiu a cabeça.
— É provável que tomando uma p... hum, digo um descanso,
alguns não entendem que um caminho rural não tem
necessidade de cortesias. Malditos presunçosos da realeza,
outros sempre cederão, perdão, senhorita Battersby.
Sarah piscou surpreendida.
— Não há necessidade que se desculpe, passou uma geração
desde que minha família pôde ser considerada como tal,
senhor Hubbard.
Ele grunhiu uma resposta neutra.
Ela entrecerrou os olhos através da suave chuva cinza,
olhando a ambos os lados da estrada.
— Não vejo o cavaleiro, talvez o cavalo se extraviou...
— Pense o que quiser — disse o ancião com impaciência,
entregando as rédeas à sua esposa.
— Devo limpar o caminho se quiser ver-me deitado em casa
esta noite. — Com isso, desceu da carruagem e se aproximou
do cavalo. Embora falou com suavidade, o animal afastou-se
dele arrastando as rédeas no barro.
— Fique aqui, Sra. Hubbard — disse Sarah, caminhando com
cuidado sobre o banco do condutor. Parece que ele pode
necessitar da minha ajuda.
As palavras da Sra. Hubbard, "uma garota tão boa", seguiram-
na enquanto descia, recolhia a saia com os punhos para
evitar que se danificasse a barra, mas o barro estava perto e
sugou suas botas, freando seu progresso e ameaçando seu
equilíbrio. A égua relinchou e sacudiu a cabeça para evitar as
mãos do senhor Hubbard. Sarah a observou aproximar-se de
um matagal de faia e bordo do campo no lado direito do
caminho.
— Tome cuidado — Sarah cantarolou enquanto caminhava
em sua direção para interceptar a égua assustada. — Não
desejaria danificar esse formoso casaco, não é? — Quando se
aproximou dos pés do animal, o cavalo de repente se voltou e
saiu disparado entre os arbustos, descendo por um caminho
pouco profundo antes de deter-se debaixo de uma árvore
robusta.
Os olhos de Sarah se encontraram com os do senhor
Hubbard, quem se encolheu os ombros e se dirigiu à
carruagem, se girou para onde estava o cavalo que estava
empurrando algo no chão.
Ao longe ouviu que o senhor Hubbard a chamava, levantou
um dedo, logo se dirigiu para a beira do caminho onde a erva
e as trepadeiras espinhosas tinham começado a entremeter-
se. Protegendo os olhos da chuva persistente, esticou o
pescoço e entrecerrou os olhos entre as folhas. O cavalo
movia algo marrom e pesado, dada a resistência do objeto aos
seus movimentos e parecia estar coberto em.… tecido.
— Senhor Hubbard! — Assinalou freneticamente antes de
apartar densas sarças e começar sua descida para a base da
árvore. — Venha rápido! — Deslizando pela encosta,
segurando uma árvore para estabilizar-se. Logo ela se
aproximou do objeto que o cavalo tinha estado empurrando;
jazia muito quieto ao lado do largo e extenso tronco da árvore,
coberto com um casaco marrom de lã. Tinha medo de tocá-lo.
Movê-lo. Porque, sem dúvida, era um homem, morto ou
dormindo profundamente.
— Senhor — ela disse, esperando que sua voz o despertasse.
Mais enfaticamente, não queria tocar um homem morto. Só a
ideia a fez estremecer pior que cinco dias de chuva fria. —
Senhor, encontra-se... mal?
Não cheirava a morto, os únicos aromas ao seu redor eram os
da chuva, umidade, chão argiloso, cavalo úmido e folhas
lavadas. Atrás dela ouviu o ruído do Sr. Hubbard
blasfemando enquanto abria passo entre o matagal. Relutante
a que o velho fazendeiro fosse testemunha de sua covardia,
agarrou a parte superior do braço do homem. Os músculos
debaixo da lã eram quentes e bastante firmes, mas ele
permaneceu imóvel.
— Está respirando? — O senhor Hubbard perguntou atrás
dela.
Ela sacudiu sua cabeça.
— É difícil dizer. — O homem estava deitado de barriga para
baixo, com a cabeça virada e o chapéu caído torpemente
sobre seu rosto, o braço que ela havia tocado estava metido
protetoramente contra seu flanco, o pulso exposto estava em
carne viva e descolorida e coberto com sangue seco. Alto e
magro, estava sujo e bem vestido, seu casaco era de lã fina e
penteada, comum em cavalheiros da alta sociedade. Estava
úmido e manchado de barro.
Com cuidado, aproximou-se e se agachou para lhe tirar o
chapéu de aba larga e estranhamente desmantelado,
revelando cachos dourados pálidos. Ofegou, tropeçando para
trás com o senhor Hubbard.
— Maldição — murmurou o velho. — Este foi pisoteado por
uma equipe de arados ou paquerou muito com a esposa de
um ferreiro.
De fato, seu rosto era um desastre manchado onde a carne
estava grotescamente inchada, havia vários tons de negro e
amarelo. Em poucos lugares preciosos não estava machucado
nem esmigalhado, a pele estava pálida.
Ela voltou para seu lado.
— Se pudermos levá-lo à carruagem, talvez...
— Bem, senhorita Battersby — interrompeu, assinalando ao
homem estendido. — Isto aqui é um problema e não do tipo
que uma garota fina como a senhorita deveria lutar, sua
carga é suficientemente pesada sem que um estranho
adicione suas misérias.
Apertou a boca e levantou o queixo.
— Meu pai não me educou para ignorar a difícil situação dos
necessitados.
Olhou-a com os olhos entrecerrados, ajustou-se o chapéu e
soprou.
— Muito bem, então. — Ele assentiu com a cabeça para a
égua. — Traga-a aqui, necessitaremos de sua ajuda.
Tomou quase uma hora, mas usando uma corda previamente
empregada para assegurar a carga da carruagem,
envolveram-na sob os braços do estranho, alavancaram-no
sobre uma extremidade baixa e conseguiram subir seu corpo
no cavalo. Logo levaram o cavalo de volta à estrada e o
colocaram na parte traseira da carruagem, dali o Sr. Hubbard
deu um puxão e deslizou o homem ao longo do piso da
carruagem, arrastando-o até onde Sarah estava sentada com
uma manta. Não era muito, e longe de ser cômodo, mas ao
menos podiam transportar o homem inconsciente a um lugar
seguro.
— Isto poderia lhe fazer mais dano que bem — o ancião
ofegou enquanto baixava para assegurar o cavalo à parte
traseira da carruagem.
Sarah levantou a vista, estava sentada no chão com a cabeça
dourada do homem em seu regaço enquanto examinava seu
rosto inchado e descolorido. Delicadamente ela apartou o
cabelo de sua testa, surpreendentemente fino e sedoso.
— É quase seguro que tivesse morrido se o tivéssemos
deixado aqui, senhor Hubbard.
— É provável que de todos os modos o faça.
— Ao menos não será devido a nossa insensibilidade.
A carruagem se sacudiu quando o velho fazendeiro voltou a
subir ao banco do condutor. A Sra. Hubbard lhe entregou as
rédeas e comentou sobre seu ombro: — Tem razão, senhorita
Battersby, a Bíblia não elogia o bom samaritano porque
"seguimos" é um caminho.
Nesse momento o homem ferido gemeu, sua cabeça
retorcendo-se contra a coxa de Sarah.
Não despertou, mas Sarah tomou o movimento como um bom
sinal.
— Sim — queixou-se o Sr. Hubbard, incentivando seus
cavalos a avançar com um puxão. — A Bíblia menciona um
unguento para o traseiro machucado de um homem? Porque
quando chegarmos a Keddlescombe terei uma grande
necessidade de tal cura.

~~*~~

Sua cama se balançou e rangeu como um navio sobre o


oceano ao romper as ondas, possivelmente havia viajado uma
vez mais a Liverpool, possivelmente estava a caminho da
América neste mesmo momento. Ao longe ouviu um sopro
equino e o golpe úmido e palpitante de cascos, a menos que
estivesse deitado na adega com os cavalos, de fato, não estava
no mar ao menos, não corporalmente.
Dedos brandamente passavam através de seu cabelo, cada
centímetro lhe doía: a cabeça, o rosto, as costelas, os ombros
e os pulsos. Mas aquele toque provocou emoções inesperadas
de prazer que começavam em seu couro cabeludo e desciam
por sua pele.
Com grande esforço obrigou seus olhos a abrir, a luz era um
borrão opaco, amarelado, arranhado com madeira marrom
piscando várias vezes, o borrão começou a acalmar-se em
uma tela.
Era um tecido estendido sobre ele e o assobio era o som de
chuva. Aqueles dedos doces e suaves brincavam com seu
cabelo, sua cabeça estava elevada, seu pescoço embalado
contra algo suave, mas firme, embora lhe doeu, virou a
cabeça. Amplos olhos dourados se encontraram com os dele,
os lábios suaves e arqueados se arredondaram em um “O”.
— Está acordado! — Ofegou.
Sim, estava acordado com a cabeça apoiada no regaço de uma
mulher, ao que parecia. Quando tinha morrido? Syder… tinha
sido capturado pelo Syder, golpeado, torturado e interrogado.
E logo... jogado pelo Benning, tinha viajado ao sudoeste, à
propriedade de um amigo, um lugar seguro, tinha pensado,
mas só cavalgou dois dias antes de desabar sob uma árvore.
— Um anjo? — Soltou a palavra formando uma pergunta.
As pontas de seus dedos acariciaram seu cabelo enquanto os
olhos cor mel e ouro sorriam ironicamente.
— Não, sou muito humana, temo.
Sem pensar, seu olhar deslizou de seu rosto aos seus seios
cheios. Ela limpou a garganta e deteve os dedos.
— Talvez gostaria de um pouco de água. Pode sentar-se?
Ele suspirou, não desejava sair do regaço daquela mulher,
porque não podia estar seguro de estar vivo. Ele assentiu,
entretanto com sua ajuda, ficou de flanco e se levantou. Seus
braços e ombros picaram com uma dor tão intensa que quase
se derrubou, pontos brilhantes dançando em sua visão. Mas
ela estava ali, seus braços surpreendentemente fortes
apoiando-o contra uma caixa de madeira.
— Aqui — disse ela, sustentando um frasco em seus lábios, a
água fria desceu pela garganta ao primeiro gole, seu corpo se
voltou tão ambicioso que quase se afoga. Ela se acertou de
imediato, controlando o fluxo para ele automaticamente, sua
mão levantou o final onde ela sustentava o frasco. —
Lentamente, agora — murmurou, sua voz tranquila e baixa o
suavizava, o tranquilizava.
Depois de beber estava fraco como um gatinho recém-
nascido, seus braços quase inúteis, sua visão uma névoa com
manchas negras, todo seu corpo cheio de feridas de diversos
graus. Sem querer ele deslizou para ela, sua cabeça no ombro
vacilou, e um momento depois seu nariz foi enterrado na
suave lã sobre uma pele mais suave, seus peitos gemeram.
— Engraçado — ela murmurou, suas mãos embalando seu
pescoço e levando-o ao seu regaço.
O mundo se obscureceu. Quando voltou à luz, uma vez mais
ela estava acariciando seu cabelo, desta vez distraidamente
enquanto falava com alguém.
— ... um pouco de água, mas não sei mais o que fazer.
Uma voz rouca e masculina respondeu: — Não deve lhe dar
muito ou se afogará.
Logo, uma terceira voz, de mulher de idade avançada,
aconselhou: — Mantenha-o abrigado enquanto dorme,
quando chegarmos ao povoado poderemos zelar melhor por
sua comodidade.
Ofegando e desorientado, tentou abrir os olhos de novo. Ela
estava ali, uma garota dourada acariciando seu cabelo.
— Para onde, — disse — para onde me leva?
Seus dedos se detiveram e se acomodaram contra seu couro
cabeludo.
— Ao nosso povoado, Keddlescombe, no leste de Devonshire,
chegaremos em poucas horas.
Não respondeu, seus olhos se fecharam quando os sons da
chuva, cavalos e rodas de madeira estridentes se
desvaneceram e desapareceram.
— ...preferiria outro lugar? Qual era seu destino?
Sua voz, tão tranquila e firme fez-lhe querer olhá-la, com seus
olhos cor mel, seu queixo delicadamente bicudo e seu nariz
inclinado para cima. Ela não era formosa, ele havia possuído
mulheres incrivelmente formosas, mas ela o atraiu, esta
mulher cuja carne suave e firme afastava a dor e o convidava
a refugiar-se.
Ele não podia adverti-la.
— Sou…
Ela esperou enquanto ele recuperava o fôlego.
— Sim, você é…
— Estou... perigo.
— O que ele disse? — Perguntou o ancião.
— Ele está em perigo — ela respondeu.
Tentou protestar, mas não saíram mais palavras, nunca tinha
estado tão débil, seus músculos pesados e doloridos, sua
cabeça palpitava.
— Bom, a gente poderia supor — comentou a anciã. — Me
pergunto se foi atacado por ladrões, mas porque não se
interessaram por sua roupa?
— Ou botas, poderiam valer ouro — opinou bruscamente o
homem.
A menina de mel não disse nada, eles não entendiam.
Tragando contra uma garganta seca, sussurrou: — Vá
embora.
Inclinou-se mais perto, voltando a orelha à sua boca. Cachos
dourados que tinham escapado de suas forquilhas enroladas
fortemente perto de sua cabeça, criando um halo um dos
mais longos se esfregou contra sua bochecha.
— Deixa-lo — ela soava divertida. — Para onde quer ir?
Tentou sacudir a cabeça, mas o movimento foi leve.
— Deixe…-me.
Endireitou-se e se voltou para encontrar-se com seus olhos,
um brilho apareceu nos dela, o ouro voltou-se duro e feroz.
— Não o deixarei, senhor, disso pode estar seguro.
À medida que aumentava sua frustração tirava ar de seus
pulmões com determinação.
— Não me entendeu, deve... me deixar. Estou... — ofegou
reunindo forças que não sabia de onde.
A luz ao seu redor já estava obscurecendo.
— Sou um perigo para você.
Permitiu que seus olhos se fechassem, lutando por manter-se
acordado, para explicar por que ela deveria correr o mais
longe possível dele. Mas de algum jeito não pôde transmitir
sua mensagem corretamente. Em lugar de prestar atenção e
ordenar ao ancião que se detivesse e retirasse-o de sua vista,
ela simplesmente se endureceu, os músculos de suas coxas
se esticaram sob seu pescoço.
— Não — disse ela, sua voz entrando através de uma névoa
cinza. — É o senhor quem entende mal.
As últimas palavras que escutou antes que todo som
retrocedesse fizeram pouco para aliviar sua mente, mas
suspeitava que não era sua intenção. Pois tinha visto em seus
olhos antes, sua declaração final foi uma declaração de
verdade sem verniz: — Escute, agora está aos meus cuidados.
Não o deixarei, e isso é tudo.
CAPÍTULO 3
“Ser brando de sentimento tem numerosas causas, mas só um
resultado: a calamidade”.
A marquesa viúva de Wallingham a Lady Berne ao escutar os
planos da dita mulher de adquirir um gato.

— Em que estava pensando? — Eleonor Battersby disse à sua


filha. — Dificilmente podemos satisfazer nossas próprias
necessidades.
Chegaram ao povo muito tarde nessa noite, e passava da
meia-noite quando o estranho se instalou no dormitório de
Sarah. Utilizando a manta para movê-lo, Sarah, o senhor
Hubbard e a mãe de Sarah conseguiram levar o homem
inconsciente ao quarto. Juntos tiraram o casaco e as botas e
logo desembrulharam o lençol rígido de suas costelas, onde
encontraram sinais óbvios de que o tinham cortado várias
vezes com uma faca afiada, deixando ao descoberto os
músculos e os ossos. Depois da advertência do Sr. Hubbard
de que as feridas do homem e os sinais de união ao longo de
seus pulsos indicavam tortura, todos tinham acordado em
guardar silêncio sobre sua visita inesperada, ao menos no
momento.
Agora, os Hubbard haviam partido, e Eleonor estava de pé a
um lado da estreita cama, com sua camisola branca
brilhando à luz da lanterna, uma expressão que Sarah não
tinha visto frequentemente desde a infância.
— Tem uma resposta?
Incapaz de olhar a sua mãe aos olhos, Sarah se ocupou de
escorrer um trapo no lavabo.
— Ninguém conhece nossas dificuldades melhor que eu,
mamãe. Que mais devia fazer? Deixá-lo morrer?
Eleonor cruzou seus braços sobre seu peito.
— Poderia havê-lo deixado em Littlewood, na estalagem dali,
As Raposas e os Galos.
— São As Raposas e as Aves — Sarah a corrigiu
distraidamente, alisando o pano úmido sobre sua testa, o
homem tinha acumulado uma grande quantidade de
imundície ali. — E a quem importaria? Quem pagaria por seu
alojamento?
Aproximando-se da cama, Eleonor agarrou o antebraço de
Sarah.
— Tudo o que fazemos deve ser considerado cuidadosamente,
agora temos pouco espaço para o erro, acreditei que sabia.
Sarah se endireitou, deslizando seu braço através do agarre
de sua mãe até que pudesse pegar sua mão.
— Sim — espremeu o pano antes de recuperar seu braço e
inundar o tecido no lavabo de novo.
— Este comportamento impulsivo não é comum em ti, filha, e
é do mais preocupante.
Com as costas rígidas Sarah limpou o rosto do homem com
toque ligeiro, cuidando da pele inchada e machucada ao longo
de seus olhos e bochechas.
— Não é menos do que papai teria feito e eu o chamo um ato
de misericórdia cristã 'impulsivo'.
— Então me explique como justifica inventar um
compromisso falso, declarando-o ante toda a aldeia como algo
que não é impulsivo.
O calor da vergonha floresceu sob sua pele, não tinha
resposta, além de seu ódio permanente pelo senhor Foote, é
claro.
— Meditei muito.
— Manteve-o à raia até agora, não é assim? — Eleonor rodeou
o pé da cama para parar ao seu lado. — Foi uma mentira,
uma mentira muito pública e claramente poucos acreditam,
embora a maioria entende nossas razões. Mais que ninguém,
seu pai e eu desejávamos que não se casasse por outras
razões que não sejam o amor, mas deve fazê-lo, Sarah você
sabe. Quando ele se for...
— Por favor, não fale disso, mamãe — suplicou com voz
rouca.
A mão de sua mãe se pousou em seu ombro.
— Quando seu pai morrer perderemos tudo. Perderemos
nosso lar e a escola também.
Sarah sabia que estava certa, o padre que tinham contratado
para realizar os deveres da igreja de seu pai não tinha
nenhum interesse em manter uma escola para meninas. Por
agora, ao ter pago ao jovem e ambicioso Sr. Dunhill pelos
escassos ganhos de seu pai, controlaram suas decisões com
respeito à propriedade da igreja. Mas ele tinha apelado ao
bispo para ser renomado como o novo vigário depois da morte
de seu pai, uma vez que o Sr. Dunhill fosse vigário decidiria o
que fazer com a antiga abadia, e tinha deixado claro que
considerava que a Academia de St. Catherine para meninas
de impecável comportamento era uma distração que não
produzia suficientes ganhos para ser digna de sua atenção.
De fato, pretendia que a abadia se convertesse em sua nova
residência e a casa de campo no lar dos pais de sua esposa.
Nem Sarah nem Eleanor invejavam o Sr. Dunhill por ter
direito às suas decisões. No entanto, essas decisões as
deixariam sem lar nem ganhos. Sarah sabia há meses que
devia assegurar um posto ou casar-se, e o Sr. Foote se havia
convertido em sua única opção de marido.
— Não posso me casar com ele, mamãe, não posso.
A mão de sua mãe acariciou seu cabelo, as calosidades em
seus dedos se engancharam nos cachos rebeldes.
— Tampouco pode se casar com um homem que não existe,
Sarah, sua mentira não te protegerá por muito tempo.
Virou-se para olhar Eleonor aos olhos, apesar de todas as
similitudes que ela e sua mãe compartilhavam, o cabelo
rebelde e encaracolado, castanho claro, o queixo bicudo e o
nariz arrebitado, seus olhos eram diferentes. Os de sua mãe
eram verdes, resignados e obscurecidos pelas cargas que
devia suportar.
— O que aconteceria se não fosse a mentira? — Sussurrou
Sarah. — Pelo menos parece que tenho tempo suficiente para
assegurar uma nova posição.
Eleonor suspirou e negou com a cabeça.
— Uma nova posição depois de dois anos de investigações
fracassadas. — Riu entredentes secamente. — Seu pai é o
crente nos milagres, Sarah, eu não.
— Um mês, possivelmente dois, isso é tudo o que necessito.
Ann Porter disse que sabe de uma escola em Sussex...
— Não temos um mês ou dois.
O coração de Sarah se apertou dolorosamente, sua garganta
se esticou.
— Por favor, não diga isso.
— Sabe o que seu pai comeu ontem? Uma casca de pão, nada
mais, nos deixará logo.
— Por favor…
O braço de Eleonor se envolveu ao redor dos ombros de sua
filha, sacudindo-a e estreitando-a simultaneamente.
— Minta aos outros, se for necessário, a mim inclusive, mas
não engane a si mesma.
— Não posso casar com ele. Sabe que classe de homem é.
— Sim, sei também que se não o aceitar prometeu aumentar
as rendas daqueles que não podem permitir-se, o Sr.
Hubbard, o jovem senhor Lovejoy, te tem em um apuro, filha.
Durante longos minutos balançaram-se juntas, seu profundo
cansaço as balançava como uma mãe balança a um bebê.
Sarah deixou cair a cabeça para frente e deixou que o tecido
se deslizasse pela curva da terrina de porcelana até converter-
se em água, agora manchada de terra e sangue.
— Por favor, mamãe, só... — tragou saliva. — Por favor, me
deixe tentar.
Sua mãe lhe deu um último apertão antes de soltá-la.
— Muito bem — Eleonor pegou o pedaço de roupa de cama
limpa que tinha arrancado de um lençol velho, tinha-o
dobrado para o lado oposto do homem inconsciente e lhe
passou um dedo experimental pelas feridas. Os cortes eram
vermelhos nas bordas e derramavam sangue lentamente, não
estavam curando bem por si mesmos.
— Necessitaremos de um nome para seu misterioso
pretendente, enviá-la a Londres com os Hubbard a coloca
além do alcance da intriga e da especulação por um tempo,
mas os aldeãos já suspeitam da sua mentira, e isso se
converterá em um problema logo. — Empurrou e pressionou,
logo, sem levantar a vista, estendeu a mão, seus dedos se
agitaram. — Pano.
Automaticamente, Sarah obedeceu, retorcendo o tecido úmido
e pondo-o na palma de sua mãe.
— O Senhor Foote é um homem ardiloso, detestável, concedo-
lhe isso, mas razoavelmente preparado, se quer enganá-lo
devemos nomear alguém real e acreditável — continuou
Eleonor, limpando o sangue. O homem não se moveu,
felizmente parecia completamente alheio aos cuidados de sua
mãe. — Alguém por quem tivesse tido oportunidade de
desenvolver uma amizade.
Assentindo, Sarah recuperou o fio e a agulha que sua mãe
tinha recolhido antes e o colocou em sua mão estendida.
— Estou de acordo.
Eleonor ficou a trabalhar costurando a carne do homem, com
a agulha cravando e perfurando.
— E essa pessoa deve estar o bastante longe para não se
inteirar de sua enganação.
— Ou um participante disposto — Sarah pegou o candelabro
e o sustentou sobre as feridas do homem.
A mão de sua mãe se deteve depois de apertar um dos nós.
Jogou uma olhada ao rosto de Sarah, logo aos rasgos
machucados e distorcidos do homem inconsciente, e logo à
Sarah, suas sobrancelhas se levantaram ao dar-se conta ao
amanhecer.
— Oh, filha. Este seu plano é muito improvável.
— Acredito que poderia funcionar.
— Mesmo se ele se recuperar.
— Fará.
— Não sabe quem é, poderia estar casado.
— É possível — suspirou Sarah. — Mas não necessito que se
case comigo, só que diga que estamos comprometidos por um
tempo.
— O que te faz pensar que aceitaria tal coisa? É um homem
de recursos. — Eleanor agitou sua mão livre para o casaco
que tinha sido colocado sobre uma cadeira de madeira no
canto. — Não temos nada a oferecer.
— Neste momento — replicou Sarah — necessita-nos
desesperadamente.
Reatando seus pontos, Eleonor sacudiu levemente sua
cabeça.
— A gratidão é um meio precário para empenhar suas
esperanças, Sarah, não sabe nada deste homem. Estas
feridas não são arranhões causados por ter sido jogado de seu
cavalo. O que acontece se ele for perigoso, um criminoso ou...
um canalha?
Sarah olhou o peito nu do homem, tomando a constante
ascensão e baixada de sua respiração como um sinal positivo.
— Pedirei que minta por mim —sentou-se na beira da cama,
seu quadril golpeou brandamente seu braço, sua mão livre
apartou o cabelo da testa. — Um canalha. — Ela sorriu
através de seu cansaço. — Espero que sim.

~~*~~

Clack, tap. Clack, tap. Clack, tap. Hannah sentiu um arrepiou


na nuca ao escutar o som das botas aproximando-se da
porta. Clack, tap. Clack, tap. Paciente e medido, os sons,
entretanto, fizeram-se mais fortes, mais fechados, pontuados
com a nitidez de sua fortificação.
Ela se sentou muito quieta, o livro pesado contra suas coxas.
Clack, tap. Clack, tap, a maçaneta girou-se, escutou o
pequeno chiado, sentiu o assobio do ar em sua abertura.
Clack, tap. Clack, tap.
Seus olhos permaneceram fixos na página que já não podia
ver.
— Bom dia, Hannah. — Sua voz era suave, cálida. Ela o tinha
escutado falar com os outros e sabia que, com ela, ele era
diferente. Uma mão acariciou brandamente seu cabelo uma
vez, duas vezes. — O que é que está lendo?
Ele sempre queria saber.
— Os sonetos de Shakespeare — ela respondeu.
Outra carícia em seu cabelo, logo um divertido: — Acredito
que já os tem todos memorizados.
— Tenho-os, eu gosto de ver as palavras.
Com um "humm" tranquilo ele se sentou na cadeira junto a
ela, girando sua bengala entre seus dedos.
— Não deve descuidar sua matemática, Hannah, a poesia é
edificante para a natureza humana, mas se requererá um
profundo conhecimento das somas para administrar as
contas de algum jeito, os números também podem te dizer
muito sobre a natureza humana.
Ela não respondeu, em lugar disso tocou a página e lutou por
manter sua respiração lenta e regular.
— Por exemplo, — disse, seu tom era o de um instrutor —
recentemente descobri um desequilíbrio em um dos clubes,
uma coisa menor, realmente. Deu-me curiosidade, então
quando dei um puxão ao fio, sabe o que encontrei?
Ela sacudiu sua cabeça.
— Um homem ao qual acreditava leal tinha estado enchendo
seus bolsos. Imagina. — Riu entredentes. — Naturalmente,
desfiz-me dele, ao me roubar, ele te rouba, não posso permitir
isso.
Controlar suas reações se voltou automático ao longo dos
anos, já que as consequências de o provocar resultaram
muito custosas. Mas cada vez que falava assim, como se as
coisas que fazia fossem tão normais como tomar uma xícara
de chá, seu estômago se contraía e se adoecia. Felizmente
suas visitas tinham sido menos frequentes ultimamente.
— Estas são as lições que deve aprender, não faço nada para
mim mesmo; tudo é para ti, Hannah, um dia entenderá que
as ameaças devem ser identificadas rapidamente, do contrário
apodrecem e se voltam intransigentes. — A bengala golpeou
uma vez no silêncio, causando um estremecimento que ela
imediatamente afogou, reatou seu lento giro daqui para lá. —
Nos últimos meses tive oportunidade de vê-lo novamente com
meus próprios olhos, um novo inimigo apareceu, não é para
preocupar-se, sua ameaça é débil e frívola. Entretanto, assim
como os números desequilibrados, essa ameaça é um fio que
se pode seguir.
A mão acariciou seu cabelo, ela manteve seus olhos nas
palavras, manteve suas mãos e corpo imóveis.
— É meu tesouro, querida Hannah, minha determinação de te
proteger é firme. — A mão se afastou com um suspiro. —
Matemática aplica sua notável mente àqueles temas que lhe
servirão. — Levantou-se da cadeira com um golpe de sua
bengala e um ligeiro roce de seu casaco. — Por agora, seu
querido papai trabalhará para seguir os fios que podem
danificar a tapeçaria. — Seus passos se retiraram. Clack, tap.
Clack, tap. Clack, tap. O chiado da maçaneta, a rajada de ar.
— E, uma vez que os encontre, os cortarei com uma força
rápida e intransigente.

~~*~~

Sarah despertou com um grito afogado, com o coração


revoando dentro de seu peito, o sonho tinha chegado de novo,
ela apertou os lábios para aprisionar os gemidos que tinha
dentro, cada vez era pior, requerendo um maior esforço para
recuperar sua compostura.
Deu a volta, colocou o dorso da mão sobre a boca e ficou
olhando para a janela, era difícil ver algo mais que o céu de
sua posição no piso. A luz de antes do amanhecer pintava o
mundo de um azul escuro enquanto as estrelas se pegavam
como o pó a uma cortina, a saída do sol chegaria em uma
hora, poderia voltar a dormir, o bom Deus sabia que seu
corpo necessitava do descanso. Apertou os olhos, não, algum
dia talvez pudesse se permitir o luxo de dormir toda a noite,
mas hoje não era esse dia.
Um ofego, um rangido e o rangido da roupa de cama atraíram
sua atenção para o homem em sua cama, era estranho
pensar nele. Ela nunca tinha sido beijada, não a sério, de
todos os modos, certamente os intentos de Bertie Lovejoy não
contavam, já que ambos tinham doze anos e estavam sujeitos
a um desafio de Ann Porter. Entretanto, segundo seus
cálculos, nunca havia sido beijada por um homem, e agora
um muito peculiar jazia em sua cama.
Sua respiração mudou, acelerou-se, apertando suas mãos
contra o marco da cama, se sentou para olhá-lo. Seus olhos,
menos inchados que ontem, abriram-se para encontrar-se
com os dela, eram azuis, rodeados de vermelho em lugar de
branco.
— Você, ainda está aqui.
Levantou-se para parar ao seu lado, alisando a saia de sua
bata branca.
— Sim. Como se sente?
Ele fez uma careta e imediatamente ignorou sua pergunta.
— Matilda.
Ela piscou e sacudiu a cabeça.
— Sarah, — ela corrigiu. — Sarah Battersby, ontem o
trouxemos para o nosso povoado. Está em minha casa.
Lembra-se? É... Matilda é sua esposa?
Fechando os olhos por vários segundos, pareceu estar se
recuperando. Possivelmente não podia ver muito bem, isso
sem dúvida explicaria porque a confundia com outra mulher,
ou sua cabeça poderia ter sido danificada severamente, sua
mente estava confusa.
Seus lábios se crisparam e se esticaram.
— Matilda. Meu cavalo. Está ... a salvo?
— Seu cavalo? Oh! Sim, ela está sob o cuidado do Sr.
Hubbard, seu estábulo é bastante bom.
— Alivia-me sabê-lo.
Por que ela teve a impressão de que estava sendo sarcástico?
Alisou seu rebelde cabelo, que estava um pouco alvoroçado e
confinado pela trança sobre seu ombro, logo se obrigou a unir
seus dedos sobre seu ventre.
— Necessita de algo? Água? Caldo, talvez... Ainda é cedo,
mas…
— Um urinol, senhorita Battersby, isso seria muito bem-
vindo.
Tomou um minuto completo para que o rubor da vergonha
subisse e florescesse. Tragou saliva, logo assentiu e olhou
para outro lado. Limpou a garganta, tropeçou quando seu
colchão de mantas se enredou em seus pés.
— E-ah, sim tenho um. — Assinalou o biombo que servia para
dar privacidade em um canto da pequena habitação. — Posso
o trazer, se quiser.
Rodou e se retorceu sobre um cotovelo, ofegando, quando o
movimento esticou sua pele ferida e os cuidadosos pontos de
sua mãe.
Correndo ao seu lado o advertiu: — Deve ter mais cuidado,
seus ferimentos são profundos.
Enquanto deixava as mantas a um lado e deslizava uma
perna até o chão, grunhiu: — Não necessito que me conte
sobre meus ferimentos, senhorita Battersby.
Endireitou-se, com as mãos plantadas nos quadris.
— Não. Me pareceu que a razão pela qual está aqui é porque
subestimou sua gravidade.
Ele grunhiu entredentes enquanto se sentava na beira da
cama com a camisola agora lhe roçando os joelhos, preparou-
se para ajudá-lo, alcançando seu antebraço nu.
Instantaneamente ele se apartou, a cabeça dourada e
encurvada se inclinou enquanto reunia sua resolução para
ficar de pé.
— Outra coisa que não necessito. Ajuda para mijar.
Bom, pensou, levantando o queixo, parece que mamãe estava
certa a gratidão é uma extremidade frágil, de fato.
Entretanto, entendendo o orgulho melhor que a maioria, ela
simplesmente assentiu e deu um passo para trás, dando-lhe
espaço para levantar-se. Também conhecia os limites de sua
força, por isso se manteve perto, a só uns metros de
distância, com os braços cruzados debaixo de seu peito, as
costas apoiadas contra a parede de gesso.
— Maldição — murmurou, os músculos de seus braços
tremiam visivelmente enquanto apoiava suas mãos na beirada
do colchão e tentava suportar parte de seu peso. Relaxou
caindo de costas sobre a cama, ofegando como se acabasse de
levantar um cavalo.
Ela esperou, um dedo golpeando seu braço oposto.
Tentou de novo, com os músculos tensos, os cotovelos
tremendo enquanto se inclinava para frente, forçando-se a
ficar de pé com um gemido agônico. Sua posição de pé, mais
de cócoras, na realidade, não durou muito, já que a
debilidade o fez cambalear e caiu para ela.
— Ooph!
Seus braços apanharam a maior parte de seu peso enquanto
se desabavam contra a parede, mas a repentina pressão do
corpo do homem que a esmagava quando tentava apanhá-lo
lhe tirou o ar dos pulmões. Cálida e nua pele coberta de
cabelo rangente pressionou sua bochecha, logo se deslizou
para baixo até que seu nariz foi enterrado contra sua
garganta. Ele estava tremendo por todos os lados, ela tentou
empurrar contra seu peito, mas foi em vão, por ser um
homem magro, era terrivelmente pesado.
— Dyah enk iss pozbul para mff a bih?
Seu peito estava agitado, o suor lhe corria pela garganta com
a tensão de permanecer erguido.
— O-o que disse? — Ofegou, sua própria testa pressionada
contra o gesso e seu ombro.
— Não posso respirar.
— Oh, de acordo. — Um de seus braços se dobrou, o que lhe
permitiu deslizar de lado para a parede. — Melhor?
— Sim — ela deslizou seus braços ao redor de sua cintura,
tomando cuidado de não perturbar os cortes ao longo de suas
costelas, e aplanou suas mãos sobre os músculos de suas
costas.
Ele ficou rígido.
— Em outro momento, — disse, com a voz tensa e afiada —
responderia ao seu... afã com vigor abundante, neste
momento, entretanto, confesso que a sedução não é o que
mais me importa.
— Sedução? — Chiou.
— Não é para preocupar-se, me recupero rapidamente. — Ele
deslizou um dedo tremente por sua bochecha, o tato ligeiro
causou sensações perturbadoras que dançavam ao longo de
sua espinha dorsal. — Dentro de um dia, mais ou menos,
deverei estar em condições de lhe agradecer adequadamente.
— A…gradecer?
— Mmm, é bastante atraente —olhou-a com os olhos ainda
inchados e machucados, mas faiscando com uma chama azul
brilhante. — Estou muito ferido, mas então, quanto mais
apertada é a espiral, mais potente é o lançamento.
Mal entendia uma coisa do que estava dizendo, entretanto,
seguiu olhando-o dos pés até a cabeça, sentindo um calor
agudo, que fazia com que o ar da habitação não fosse
suficiente para satisfazer seus pulmões.
— Senhor — disse com firmeza como o faria com uma aluna
descarada. — Estava tentando te ajudar.
Um canto de seus lábios se levantou.
— É claro que estava.
— Para te ajudar com o urinol — sua voz era clara e nítida,
cada palavra enunciada com precisão de corte.
Tanto seus lábios como seus olhos perderam o sorriso.
— Ah, sim. — O mesmo canto de sua boca se elevou de novo,
mas desta vez o sorriso foi irônico, como se agora risse de si
mesmo. — Perdoa minha rabugice, um velho hábito, se
poderia dizer.
— Vamos — disse energicamente, deslizando um braço ao
redor de sua cintura e levantando seu braço sobre os ombros.
Parecia à altura adequada para atuar como sua muleta. — Te
ajudarei a chegar ao lugar.
Ele desabou contra ela enquanto se cambaleava, afastando-se
da parede seus joelhos se dobraram e quase ofegou ante o
peso repentino, mas durou só uns segundos antes de grunhir
e levar a maior parte da carga sobre suas próprias pernas
debilitadas. Ficaram balançando-se por um momento, ele a
usava para manter o equilíbrio, mais que força.
— Está bem — disse. — Se apoie em mim, estou acostumada
a cargas pesadas.
Sua cabeça caiu para diante enquanto foram lentamente para
o canto coberto.
— Está insinuando que sou gordo?
— Não!
— Porque algumas mulheres preferem um cavalheiro
corpulento, ou isso me disseram.
— Oh, pelo amor de...
— Presumivelmente, confundem fortes apetites de um tipo
com os de outro ou talvez é simplesmente uma afeição pelo
cheio.
— Acredito que sua mente pode estar confusa.
Fizeram uma pausa enquanto se moviam para a pequena
área atrás do biombo.
— Sem lugar a dúvidas — disse. — Mas já a tinha confusa
antes das lesões.
Ela desembrulhou seu braço ao redor de seus ombros e se
agachou para colocar sua mão contra a parede.
— Pode... — tragou saliva e pigarreou, assinalando na direção
da cadeira de madeira que seu pai tinha desenhado para usá-
la com o urinol debaixo. — Pode se arrumar sozinho, ou... —
embora ela se negou a olhá-lo aos olhos, viu como sua mão
livre se enganchava sobre a queda de suas calças de montar,
a cintura se afundou mais abaixo expondo os músculos
magros e definidos de seu ventre inferior. Não estava gordo,
refletiu, não estava gordo absolutamente.
— Se não puder então me atrevo a dizer que temos maiores
problemas que uma mente confusa.
Sua voz era um rico barítono rugosa pelo sono, levou seu
olhar à sua boca, e ele sorriu zombeteiramente. Tinha uns
lábios lindos, surpreendentemente intactos comparados com
o que lhe tinham prejudicado os olhos e as bochechas. Eram
firmes em lugar de cheios, definidos nas bordas e curvados
ligeiramente para cima nos cantos, claramente, a sua era
uma boca que sorria facilmente e com frequência.
— Senhorita Battersby.
Gostava da forma em que dizia seu nome, a dicção
aristocrática era nítida, enquanto o tom era quente e suave,
como a manteiga derretida empapando uma casca dura.
— Geralmente não me oporia a agradar os desejos mais
peculiares de uma dama.
A forma em que formou as palavras, com os lábios móveis e
bem formados, arredondando e movendo-se ao longo das
vogais, era fascinante. É claro, era provável que fosse a única
parte de seu rosto que não lhe doía, então talvez isso
explicava tudo.
— Entretanto, neste caso, devo protestar.
Piscando, ela repetiu: — Protestar?
— Sua presença vigilante enquanto eu faço minhas
necessidades é um pouco indigna, temo.
Ela tropeçou para trás, seu ombro golpeando o biombo,
agarrando-o cegamente para evitar que a coisa caísse, ela
ofegou.
— Oh! Meu Deus!
Ele simplesmente sorriu como um demônio enquanto ela
avermelhava de vergonha, não disposta a renunciar ainda
mais à compostura, estabilizou o biombo e assentiu com
firmeza, girando para a porta do dormitório.
— Eu… eu te trarei um pouco de caldo. Ah... e pão. — Girou a
maçaneta, saiu da habitação e fechou a porta atrás dela com
mais força que a necessária.
Fazendo uma careta ante o forte golpe, reclinou-se contra a
madeira e se cobriu as bochechas com as palmas. — Como
voltarei a olhá-lo?
O corredor vazio não respondeu, suspirou e se deu uns
tapinhas no peito, logo abanou suas quentes bochechas e se
dirigiu à pequena cozinha na parte dos fundos da cabana. O
que deve pensar de mim? Perguntou às frias cinzas enquanto
se inclinava para acender o fogo debaixo da panela porque,
nunca olhou a um homem dessa maneira. É óbvio, a maioria
dos homens que tinha conhecido estavam casados, ou
suficientemente mais velhos para ser seu pai, ou tão
familiares para ela que bem poderiam ter sido seus irmãos.
Em Keddlescombe suas opções de companhia masculina
eram poucas.
O Sr. Foote não contava.
O que a levou a sua terceira e mais premente pergunta:
depois de tão humilhante interação, como, em nome do céu,
digo a este estranho que atuará como meu prometido? Como o
corredor vazio e as cinzas frias, a chama laranja que ardia sob
a panela de ferro não respondia, e parecia que só ria.
CAPÍTULO 4
“Canalha parece ser a nova definição de 'galhardo' esta
temporada.
Possivelmente pereça logo e economizarei a redefinição de
'regras' para incluir mendigos e vagabundos.”
A marquesa viúva de Wallingham a Lady Atherbourne em uma
carta explicando as armadilhas das tolices românticas.

Quando Colin despertou no dia seguinte, a luz da tarde


brilhava pela janela e a inimitável senhorita Battersby tinha
desaparecido. Sua última interação tinha sido um ápice, com
ela colocando uma tigela de caldo e uma fatia de pão sobre a
mesa auxiliar e ele quase inconsciente, com a cabeça
nadando depois de desabar de volta na estreita cama.
— Deveria comer algo antes de dormir — foi tudo o que disse
antes de partir, com o rosto avermelhado e os olhos baixos.
Talvez não deveria havê-la incomodado assim, algo sobre sua
atitude primitiva e seu discurso autoritário o provocou.
Recordava todas as professoras que tinha tido, exceto que
nunca tinha desejado beijar as suas professoras.
Atirando a um lado as mantas, conseguiu sentar-se e plantar
os pés no chão de madeira rangente, a carne sobre suas
costelas picava e puxava, mas não podia permitir que uma
pequena dor o impedisse de ir embora. Ele era um perigo para
ela, para qualquer um que o ajudasse.
Devia encontrar seu casaco e botas, encontrar Matilda, e logo
completar a viagem ao seu destino original.
— Ah, vejo que está acordado.
Sua cabeça girou para a porta, ali, uma gêmea mais velha da
senhorita Battersby estava parada, um montão de tecido
dobrado entre suas mãos, um olhar severo em sua cara de
duende.
— Deve ser a mãe da senhorita Battersby, não é?
— Mmm — ela afirmou. — E o senhor? Qual é o seu nome?
Ou devo lhe chamar "estranho" ?
Vacilou antes de responder.
— Talvez isso seja o melhor.
Deu um passo adiante para colocar a pilha dobrada ao pé da
cama.
— Um pouco de roupa para o senhor, do meu marido, há
água e um pouco de sabão no lavabo.
— Obrigado.
— Parece estar muito melhor. — Seus olhos aterrissaram em
sua mão, onde descansava sobre suas costelas. — Algum
sinal de febre?
Nos dois primeiros dias depois de ter fugido de Londres, tinha
tido febre, mas quando a senhorita Battersby o tinha
carregado em sua carruagem, isso se tinha ido, substituído
por uma fraqueza debilitante. Negou com a cabeça em
resposta à pergunta da mãe.
— Estou melhorando, pareço tão bom que posso localizar
meu cavalo e não a incomodarei mais.
A mulher apertou a boca.
— Vá embora quando o desejar, é sua escolha, naturalmente,
entretanto minha filha não salvou sua vida, nem lhe curou as
feridas, só para que morra por imprudência.
Piscou, desacostumado a ser castigado por uma mulher. De
vez em quando, sua irmã o fazia, mas Vitória não tinha falado
com ele em meses. Sua mãe tinha morrido fazia anos, e antes
disso, mal podia incomodar-se em oferecer uma saudação, e
muito menos uma repreensão. Fez um gesto para suas
costelas.
— Esta foi sua obra?
Ela assentiu, seu queixo bicudo elevando-se.
— Tome cuidado e não se esforce muito, suas feridas são
profundas e não curarão bem por si mesmas, deve manter os
pontos de sutura intactos durante ao menos quinze dias.
— Agradeço-lhe, senhora, por sua amabilidade, por favor,
transmita o mesmo a sua filha.
— Possivelmente deveria agradecer a ela.
Levantou-se, apoiando-se contra a mesma parede onde se
derrubou contra a senhorita Battersby nessa manhã.
— Pensei que preferiria que houvesse uma distância entre um
homem estranho e sua filha solteira. Não a preocupa que ela
tenha dormido aqui ontem à noite?
O duro olhar da mulher se suavizou e cruzou os braços com
uma pose estranhamente familiar.
— Sarah insistiu, negou-se a o deixar. — Ele soltou uma
risadinha.
— Dei-me conta. — Transladando-se ao pé da cama, recolheu
a pilha de roupa: camisa de linho, calças escuras. Objetos
singelos e bem feitos que consertaram em numerosas
ocasiões. — Onde está seu marido? Eu gostaria de lhe
agradecer também por sua amável hospitalidade.
Seus ombros ficaram rígidos.
— Está adormecido.
Ele franziu o cenho.
— Não é um pouco cedo para...
— Tenho muito o que fazer — disse com aspereza. — O
deixarei vestir-se e... — seu nariz se enrugou. — Bom, como
disse, o sabão está no lavabo, e pode encontrar mais água no
poço do jardim, tem guisado na cozinha, se por acaso quiser
comer.
— Senhora Battersby. — Sua voz a deteve quando abria a
porta. — Devo ir, e logo. Onde posso encontrar meu cavalo?
Sem voltar-se, ela respondeu: — Pergunte à minha filha. —
Logo fechou a porta atrás dela como se a estivessem
perseguindo.
— Demônios — murmurou, atirando a roupa de volta à cama
antes de coxear para o lavabo. A teima infernal certamente
era de família, já que as damas Battersby possuíam essa
qualidade em abundância.
Deu uma olhada ao balde de água aos seus pés, o lavabo, e o
pedaço de sabão caseiro colocado cuidadosamente junto a um
pano, suspirou, eram obstinadas, mas também amáveis. A
senhorita Battersby, Sarah, ele preferia pensar nela com esse
nome, negou-se teimosamente a deixá-lo morrer. Tinha o
cuidado obstinadamente, inclusive dormindo junto à sua
cama... que não era dela, e sim uma que lhe tinha
proporcionado, e pondo em risco sua própria segurança e
reputação.
Olhando ao redor da pequena habitação notou alguns
detalhes nos quais não havia reparado antes, o travesseiro na
cadeira de madeira perto da janela estava bordado com
pequenas flores e emoldurado com um babado. A colcha era
um mosaico de tecidos, guingão, musselinas e algodões
florais, tudo em tons lavanda, branco e amarelo, passou uma
mão sobre elas, a costura fina, os tecidos estavam gastos,
claramente reutilizados para um novo propósito, mas se tinha
tido muito cuidado no desenho e na elaboração da colcha. A
cama escura e de madeira era lisa, mas sólida e em bom
estado, o colchão de plumas era volumoso e cômodo.
— Este é seu quarto, não é, doce Sarah? — Ele sorriu
lentamente, vendo o lugar sob uma nova luz, porque deveria
deleitá-lo ter dormido em sua cama, não podia dizê-lo, mas o
fez. — Maldição — murmurou em uma conversação contínua
consigo mesmo.
Sacudindo a cabeça tirou-se os calções sujos, pegou o tecido e
o verteu no lavabo.
Ele precisava ir embora.
Esfregou vigorosamente a pele e se encolheu ante o brilho de
água fria e a ardência do sabão, dificilmente eram os banhos
aos quais estava acostumado, mas teria que servir.
Tinha que ir embora porque, se não o fizesse, sua obstinada e
travessa senhorita Battersby estaria em perigo, não só pelo
homem que o perseguia, mas sim pelo próprio Colin.
~~*~~

— Deixou-o ir embora — Sarah saiu correndo do salão da


cabana, passou a escada e a porta de entrada, e no corredor
de seu dormitório. Ao ver que a habitação estava vazia, girou
para enfrentar a sua mãe, que a tinha seguido. — Por que não
o deteve?
— Se tranquilize, filha — Eleonor repreendeu.
— Nós precisamos dele, mamãe. Eu preciso dele.
— Este plano tolo teu nunca ia...
Esfregando-os olhos, Sarah tratou de aliviar a dor seca atrás
deles.
Infelizmente, seus dedos tiveram pouco efeito; a única cura
era dormir.
— Ao menos te disse aonde ia?
Sua mãe fungou.
— Ao povoado, logo à fazenda Hubbard, ele mencionou um
cavalo. Marigold, ou algo assim.
— Matilda.
Eleonor agitou uma mão com desdém.
— Apesar de tudo, são vários quilômetros, e dada sua
condição, é aproximadamente tão manejável como cruzar o
canal para tomar o chá com um francês odioso. Suponho que
tenha se derrubado perto da velha horta ou reconheceu sua
loucura e inclusive agora está retornando para cá.
O peito de Sarah se esticou ao pensar nele inconsciente, uma
vez mais, passando junto à sua mãe, dirigiu-se à porta
principal.
— Sabia que estava débil, e mesmo assim permitiu que fosse.
— O que queria que eu fizesse? Atasse pelos pés e mãos?
Trancá-lo dentro de seu dormitório? Aquele homem não é
nosso prisioneiro, ele é rico, provavelmente burguês. Inclusive
poderia ter algum título.
Isso deteve Sarah onde estava, com a mão apoiada no pomo
da porta principal da cabana.
— Você... — respirou fundo e se voltou para olhar à sua mãe.
— Crê que é possível?
Eleonor se adiantou para agarrar a mão livre de Sarah.
— Se aceitar te ajudar, e isso é, no melhor dos casos incerto,
será porque busca saldar uma dívida. Concordar com sua
farsa absurda não é o único método possível de pagamento,
possivelmente ele liquidará recursos para nós, uma vez que
retornar com sua família. Uma recompensa muito melhor,
atrevo-me a dizer, que essa estúpida pretensão que só te
outorgará uma pausa temporária.
Sua mandíbula se apertou, e seu coração também o fez.
— Se deve morrer, ou ir embora sem que cheguemos a um
acordo... ele é a única esperança, mamãe.
— Essa é a escolha dele, não a tua, por lástima, Sarah, não
pode dobrar tudo e todos a sua vontade, faz muito tempo que
aprendeu...
Sarah retirou sua mão, abriu bruscamente a porta e a fechou
de repente. Às cegas, cruzou o jardim de rosas de seu pai,
atravessou a pequena porta e saiu ao estreito caminho. O sol
da tarde prodigalizava ao vale da igreja uma rica cor âmbar
dourada, mas ela não notou.
Sua mãe estava equivocada, Eleonor se rendeu à má sorte
que se morava como as águas de uma inundação que
transbordam um dique. Mas ela não era quem devia casar-se
com o Sr. Foote, não, esse miserável dever pertencia a Sarah.
Era Sarah quem devia estar de acordo com Deus para
obedecê-lo, era Sarah quem devia permitir que ele a tocasse,
era Sarah quem devia ter filhos.
Sua cabeça dava voltas enquanto negava, Eleonor não
entendia, Sarah morreria de fome antes de fazer isso se o
destino de sua mãe e o dos inquilinos do Sr. Foote não
descansasse sobre seus ombros, ela teria deixado
Keddlescombe em lugar de passar por tudo isto.
Eleonor poderia considerar a batalha já perdida, mas Sarah
não tinha esse luxo. O preço do fracasso seria pago por ela,
não por sua mãe e seria muito doloroso.
Suas pegadas ao longo da terra compacta da estrada do
povoado se mesclaram com a brisa constante que soprava
desde o mar, o ar estava fresco hoje e cheirava a salmoura, as
ondas do Canal soavam como um tambor longínquo.
Geralmente, essas boas condições seriam o bálsamo que ela
necessitava, mas nada poderia aliviar o nó em seu peito; nada
exceto encontrá-lo e persuadi-lo para que mentisse por ela.
Deixou que seus olhos percorressem o caminho por diante,
onde gradualmente descia até o fundo do vale, logo voltava a
subir pela ladeira oposta mais à frente da velha horta. Mais
para lá do pico da colina, descia de novo para o povoado.
Ele era débil, e devia curar-se, não poderia ter chegado longe.
Ao passar a escola viu uma estrutura de pedra com janelas de
arco gótico e uma parede coberta de hera, diminuiu o passo.
Estava tranquilo, muito calmo, se deteve e girou para olhar o
vale aberto, protegendo seus olhos do sol poente. Quando
retornou à antiga abadia seus temores se confirmaram sem
movimento, sem chiados de indignação ou deleite.
Sem risadas nem gritos as garotas se foram a alguma parte,
talvez para explorar a praia, como gostavam de fazer. Ela lhes
tinha advertido que não fossem a nenhum lado sem ela.
Keddlescombe era uma pequena aldeia povoada de gente boa,
mas só se necessitava um momento com um calhorda para
que o futuro de uma jovem se fizesse pedacinhos, um homem
como Félix Foote.
A ideia acelerou seu passo e quando chegou à horta da colina,
a tensão que percorria os músculos ao longo de sua espinha
dorsal tomou conta de seu estômago e havia avermelhado a
superfície de sua pele. Por que todos não podiam
simplesmente fazer o que ela lhes tinha ordenado? Se o
tivessem feito, o desconhecido ainda estaria em sua cabana, e
as garotas estariam a salvo na abadia, e não sentiria a
urgência de sacudir a todas até que compreendessem a
precariedade de...
— Senhorita Battersby! É é… não esperávamos a ver... quer
dizer, estávamos pensando... é um dia tão formoso, não é
assim?
Sarah piscou quando Caroline Thurgood, a mais velha de
suas alunas e a encarregada quando Sarah não estava
presente na escola, emergiu detrás de uma das macieiras
mais grossas, com a prega de seu avental levantada para
sustentar o que parecia ser uma dúzia dos frutos. A garota
tinha dezesseis anos, cabelo escuro e passavelmente bonita,
de tez branca e olhos azuis de grossas pestanas. Como quase
todas as garotas da Academia St. Catherine, era filha de pais
ricos e ambiciosos que procuravam comprar o único que os
faltava: um título. Em poucos meses Caroline voltaria para
Londres, onde seria oferecida no mercado matrimonial a uma
certa classe de cavalheiros, aqueles com bolsos vazios, mas
uma linha de sangue para compensar. Era tarefa de Sarah
lhes ensinar as habilidades requeridas para ser primeiras
debutantes, logo esposas. Mas, sobretudo, devia as devolver
aos seus pais com perfeita saúde e virtude, o que era
impossível de garantir se não podia as controlar.
Ao examinar rapidamente o arvoredo onde a risada e as
gargalhadas se converteram em olhares de culpabilidade à
sua chegada, contou nove das doze garotas, todas vestidas de
maneira similar, com avental que atualmente usavam como
cestas de tecido.
— Onde estão as outras? — Ela perguntou. — A senhorita
Pritchard, a senhorita Parnham e a senhorita Colton? As
deixou sozinhas na escola?
Caroline tragou visivelmente, suas bochechas se
avermelharam para combinar com suas maçãs.
— Não, senhorita Battersby, alguns dos moços da aldeia
jogavam cricket no gramado, e pensei que não haveria
problema...
— Senhorita Thurgood — murmurou Sarah. — Meu trabalho
é determinar o que é potencialmente problemático e o que
não. É por isso que estabeleço regras, seu trabalho é seguir
essas regras e assegurar-se que as outras façam o mesmo em
minha ausência. Pensei que era capaz de assumir essa
responsabilidade, parece que estava equivocada.
Afastando-se da escada onde tinha estado arrancando maçãs,
o cabelo carmesim de Lydia aproximou-se para defender a
sua melhor amiga.
— Carol só queria que desfrutássemos do sol durante uma ou
duas horas, senhorita Battersby. — Lydia olhou à Caroline
antes de voltar a olhar Sarah com o queixo uma fração de
polegada mais acima. — Não fez mais que chover durante
toda a semana e estas maçãs iam se estragar e Mary
Elizabeth é melhor no campo que qualquer garota...
— De fato — Caroline assentiu ansiosamente, sua voz sem
fôlego. — Ela é uma verdadeira jogadora; inclusive os meninos
o dizem.
— E Susannah só desejava ver a partida, enquanto Penélope
compra um pouco de manteiga e nata para a senhora Blake,
porque nós ficamos sem nada. E…
A paciência de Sarah com a garota faladora expirou
abruptamente.
— Senhorita Cresswell!
As sobrancelhas vermelhas da menina se elevaram quase
uma polegada, seus olhos se arregalaram.
— Sim?
— É o suficiente. — Mordeu o lábio inferior e assentiu,
apertando suas maçãs. — Senhorita Thurgood, leve as
garotas à escola, irei à aldeia e procurarei as outras.
Caroline tragou saliva e lhe fez uma reverência torpe,
deixando cair uma das frutas de seu cesto improvisado, que
rodou até deter-se na ponta da bota de Sarah. Os olhos muito
abertos se encontraram com os de Sarah.
— Leva suas maçãs contigo.
Nove garotas se precipitaram para obedecer. Se ao princípio
tivessem sido tão obedientes, pensou Sarah, cuidando de
manter seu severo semblante. Enquanto as via levar suas
cargas de frutas para a casa paroquial, lentamente se
agachou para recuperar a maçã caída.
Com um sorriso impotente puxando seus lábios, sacudiu a
cabeça, a guardou no bolso de seu sobretudo listrado, que
não estava na moda, e reatou seu rápido caminho para a
aldeia.
Keddlescombe não se parecia em nada a Londres, menos de
vinte edifícios se amontoavam com o passar do chão do vale.
A maioria das estruturas eram brancas com tetos de palha
grossa, e rodeavam um modesto quadrado com um campo de
erva ordenado e aberto no centro. Nesta época do ano, os
agricultores e comerciantes convergiam na praça diariamente
para oferecer o que arrecadaram da colheita, mas se alguém o
desejava, todo o povoado podia atravessar-se a pé em cinco
minutos, isso não incluía o tempo que se necessitava para
responder a todas as saudações e corteses demandas de
conversação, é claro, ela calculou em trinta minutos
completos para ela ou sua mãe. O povoado poderia ser
pequeno, ao redor de sessenta residentes na última
recontagem, mas todos sabiam tudo sobre todos e o que não
sabiam, especulavam.
Esta era a primeira incursão de Sarah no lugar desde sua
impulsiva e pública declaração ao Sr. Foote. Respirou fundo,
mantendo seu passo deliberadamente estável, seu olhar
decididamente para frente.
Se ela parecesse envergonhada, então se compadeceriam,
portanto, não devia permitir que a enormidade de sua mentira
se misturasse em seus pensamentos. Primeiro, devia
recuperar as suas alunas, logo localizar o ferido antes de fazer
algo para machucar a si mesmo... ou a ela.
— Sarah! Bom dia — chamou Ann Porter do lado leste do
gramado, onde ela olhava a partida de cricket improvisada.
Sarah se aproximou de sua mais antiga amiga.
— Ann. — Pressionando a mão estendida de Ann, ela sorriu e
assentiu com a cabeça para as crianças. — Quem está
ganhando?
— Quem crê? A senhorita Colton é forte e muito boa como
jogadora de boliches e ainda mais com o taco de beisebol. É
uma maravilha que os moços lhe permitam jogar.
Olhando de esguelha ao semblante sardento de Ann e sua
expressão melancólica, Sarah disse em voz baixa: — Poderia
se unir a eles, sabe?
Ann riu entredentes.
— Bertie gostaria disso, não? Sua futura esposa jogando um
jogo de crianças em lugar de cuidar dos cultivos.
— Todos merecem uma pausa de vez em quando.
Ann guardou silêncio e deslizou um braço ao redor da cintura
de Sarah.
— Todos, menos você?
Enrijecendo, Sarah manteve seus olhos fixos na partida. Mary
Elizabeth acabava de marcar novamente, causando que
quatro meninos da equipe contrária colocassem a cara na
palma de sua mão.
— Está meio morta, Sarah.
Ela fechou os olhos e suspirou.
— Outra vez isto, não.
O braço de Ann se apertou mais forte.
— Sim. Até que confesse que estou certa, esta é nossa
conversação mais longa há meses. Sempre trabalha, e
obviamente não obtém mais de uns poucos descansos de
noite, se continuar assim acabará na tumba antes...
— Minhas alunas dependem de mim, assim como a minha
mãe. Deveria deixar que tudo viesse abaixo porque estou
cansada? — Riu secamente. — Até onde baixou sua opinião
sobre mim?
Com um último tapinha na cintura de Sarah, Ann se apartou.
— O senhor Foote estava perguntando por ti esta manhã. Ele
expressou... preocupação.
O ácido encheu o estômago de Sarah e lhe subiu à garganta.
— O senhor Foote toma liberdades inapropriadas pela relação
que tem com minha família.
— Mmm. É impossível que este misterioso cavalheiro, do qual
não me disse nada, convença o senhor Foote de que é uma
loucura. Quando planejava compartilhar as boas novas com
sua melhor amiga? E pergunto simplesmente por curiosidade.
O calor em suas bochechas causou o movimento incômodo
dos pés de Sarah.
— Eu... tinha a intenção de te dizer... quer dizer, o teria feito.
— Se fosse verdade.
A negação se alojou na garganta de Sarah, mas não podia lhe
mentir. Não a Ann.
— Oh, deixa de preocupar-se, estive guardando seus segredos
desde que me encontrou mudando a bata atrás da igreja,
Sarah, e não vejo porque deveria mudar as coisas agora.
— Tinha quatro anos.
Ann sorriu.
— E estava horrorizada. A menina do vigário, cujos vestidos
eram encantadores e impecáveis.
Sarah baixou a vista para seu vestido gasto, desfiado e
descolorido pela sujeira que nunca podia lavar
completamente.
— Isso foi faz muito tempo. — Um chiado que vinha da
partida foi uma distração bem-vinda, a equipe da Mary
Elizabeth tinha marcado de novo. — Devo recolher meus
cordeiros extraviados e levá-los para casa. Essas crianças
foram esmagadas o suficiente por um dia.
Ann soprou.
Sarah lhe lançou um olhar de soslaio.
— Primeiro, entretanto, devo atender algumas... tarefas aqui
no povoado. Vigia-as por mim? Não demorarei muito.
As sobrancelhas de sua amiga se arquearam, suas sardas
reluziram sob a luz do sol.
— É claro.
Sarah se deteve quando passou junto ao ombro de sua amiga
e disse em voz baixa.
— Obrigada, Ann.
Ann lhe dedicou o sorriso torcido que recordava de sua
juventude, é claro.
Aliviada de poder retomar a missão pela qual tinha deixado a
cabana, Sarah correu ao longo do Limekiln Lane, olhando de
lado a lado por cada estreita rua transversal. A verdade é que
só havia quatro. Keddlescombe era um povoado pequeno.
Uma busca superficial das principais ruas entre lojas e casas
no centro tomou uns minutos.
Enquanto se dirigia para o gramado, girou para o leste e viu a
alegre porta verde da padaria. Possivelmente a Sra. Jones
tinha escutado algo, seu ouvido para a intriga era bem
conhecido. O sino soou quando Sarah entrou e sorriu à
mulher grande, de cabelo gelo, que entrava na pequena
habitação da padaria com os braços cheios de pães.
— Senhora Jones tem um pedido importante entre as mãos.
Suponho que logo a verei na loja do senhor Canfield
admirando sua nova baixela de vidro.
A mulher riu entredentes, sua voz como calhaus grossos.
— Nada tão afortunado como isso isto, é para o piquenique do
domingo do reverendo Dunhill. O dever cristão é mais custoso
para alguns, conforme tenho entendido. — Deixou os pães no
balcão de madeira e começou a envolvê-los em papel marrom.
— Mesmo assim, — continuou pensativa — esse velho e mal-
humorado carniceiro devia contribuir com um porco para a
ocasião, assim suponho que seria muito melhor que alguns.
— Um piquenique — Sarah piscou.
— Sim. No pátio da igreja, toda a congregação está convidada.
O Sr. Dunhill o anunciou ao final de seu sermão, no domingo
passado. Perdeu isso, não é? Não é surpreendente, nunca vi
um homem falar tanto e dizer tão pouco. Cheio de tolices, ao
contrário de seu querido papai. Senhor, sinto falta desses
dias.
Sarah sorriu sem se comprometer, o jovem padre estava cheio
de ambição e ardor, mas suas habilidades oratórias
necessitavam de refinamento.
— Senhora Jones, perguntava-me se ouviu alguma notícia de
um visitante em Keddlescombe.
— Visitante — suas mãos ataram habilmente um pedaço de
corda, colocaram o pão envolto cuidadosamente na pilha
crescente, logo agarraram outro pão e continuaram
envolvendo sem romper o contato visual com Sarah. — Que
tipo de visitante? — Os olhos marrons agudos rematados por
sobrancelhas prematuramente brancas faiscaram com
curiosidade. — Não vejo muitos desses por aqui.
Sarah sentiu seus ombros desabarem-se enquanto suspirava.
— Então, não escutou nada.
— Nunca disse isso.
Sarah inclinou a cabeça e entrecerrou os olhos.
— O que sabe? — A mulher soprou.
— Tomaria décadas para a crônica, querida, se deseja saber
mais sobre as chegadas recentes, só posso repetir o que
informou a esposa do Sr. Canfield, e sabe que ela gosta de
exagerar.
Sarah esperou com impaciência enquanto a senhora Jones
atava o seguinte pacote e desaparecia pela porta da padaria,
retornando momentos depois com outro braço cheio de pão.
— Agora, bem, onde estava? Oh, sim. A Sra. Canfield. Ela
disse que um homem entrou na loja no dia de hoje e tentou
vender suas botas, eram boas Hessians, feitas em Londres, é
bastante estranho, disse ela, já que não tinha outras que
colocar.
Ficou sem fôlego quando seu coração chutou seu esterno.
— Quando foi isso?
— Não faz mais de um quarto de hora, diria eu.
Sarah se voltou e abriu a porta verde, lançando um
"Obrigada, senhora Jones!" por cima do ombro, a duas portas
de distância, a loja do senhor Canfield, repleta de artigos,
desde tecidos até redes de pesca, e os espantosos chapéus de
plumas da senhora Canfield, estava felizmente aberta. Ao
entrar, seus olhos se pousaram nas bonitas botas
proeminentemente apresentadas na vitrine dianteira.
Claramente o estranho tinha estado aqui, e já se fora, porque
o proprietário corpulento era o único presente.
— Senhorita Battersby! — A expressão de surpresa no rosto
redondo do homem seria cômica se não entendesse o motivo:
tinha evitado sua loja durante meses. Porque a tentação,
depois de tudo, quando o tecido para vestidos novos ou luvas
de couro fino ou inclusive as lindas velas de cera de abelhas
perto do balcão estavam fora de seu alcance.
— Bom dia para o senhor, Sr. Canfield — disse com uma
calma que não sentia. — Tenho entendido que veio um
cavalheiro que lhe vendeu essas botas.
O sorriso agradável do lojista se voltou perplexo.
— Sim. Como... como sabe...
— Pode me dizer aonde foi?
— Bom, eu... — o Sr. Canfield apoiou uma mão sobre sua
barriga redonda e se arranhou a cabeça com a outra. —
Quanto a isso, não posso estar seguro, pediu indicações para
ir à fazenda do senhor Hubbard, mas estava bastante mal. O
pobre parece ter sofrido uma grande desgraça e não parecia
estar bem de saúde. Quando descobriu que a fazenda estava
a várias milhas de caminho, pareceu um pouco desanimado.
A mandíbula de Sarah se esticou em um suspiro.
— Não lhe disse nada mais, talvez seus planos.
O senhor Canfield negou com a cabeça e encolheu os ombros.
— Só pediu um par de botas pelas que deixava e um par de
moedas, e logo se foi. O conhece, senhorita Battersby?
Em resposta ela só sorriu com força.
— Obrigada por sua ajuda, Sr. Canfield.
— É claro, sempre foi muito querida por aqui, estivemos
esperando que viesse visitar a loja todas as semanas, como o
fazia antes. Amamos muito os nossos filhos, mas nunca
fomos abençoados com uma filha. A Sra. Canfield desfruta
muito de sua companhia.
Sarah baixou a vista, sentindo o peso de algo frio assentar-se
em seu peito, algo assim como a culpa.
— Minhas desculpas, Sr. Canfield. Temo que meu trabalho na
Academia da Santa Catharine tem ocupado grande parte do
meu tempo ultimamente, tentarei lhes visitar mais
frequentemente, possivelmente venha com algumas das
garotas.
O radiante sorriso do homem era sua recompensa pela
concessão.
— A senhora Canfield ficará muito agradada.
Com um assentimento e uma despedida Sarah saiu da loja e
deu uma olhada ao longo do Limekiln Lane, primeiro em uma
direção, logo na outra. Quando viu uma multidão de meninos
junto com suas três meninas e Ann Porter encolhida ao redor
de algo verde, ela entrecerrou os olhos e começou a caminhar
para a praça.
Quando se aproximou escutou um dos moços exclamar: —
Meteu-se diretamente no caminho da bola! Não foi minha
intenção!
— Robbie — respondeu Ann. — Ninguém te acusa de golpeá-
lo a propósito.
Um gemido masculino foi seguido pelos ofegos simultâneos de
Penélope e Mary Elizabeth e o grito de Susannah.
— Está acordado!
As palavras a fizeram correr em segundos, estava apartando o
neto do Sr. Canfield e o neto do Sr. Hubbard. E ali, sentando-
se sobre a erva com a ajuda de Ann sob seu braço, estava o
homem que ela tinha estado procurando. O homem que tanto
queria ir embora havia vendido suas botas por um pouco de
moeda.
Estava pálido, ofegando fracamente, Sarah se ajoelhou ao seu
lado, passando uma mão por seu ombro musculoso.
— O que aconteceu? — Exigiu.
— Robbie o golpeou com a bola de cricket — disse Susannah.
— Disseste que não era minha culpa! E sua cara estava assim
antes.
— Calma, os dois — ordenou Sarah. Olhou a Ann. — Onde o
golpeou?
— E... estava cruzando este lado do gramado quando Robbie
disparou violentamente. Teria sido um sixer se a bola não
tivesse golpeado a cabeça do homem...
Uma garganta masculina se esclareceu, e o homem em
questão olhou à Sarah com os olhos entrecerrados, seus
olhos azuis brilhando com um rastro de mau gênio.
— Minha facilidade para a linguagem permanece intacta,
senhorita Battersby, posso responder por mim mesmo. —
Agitou uma elegante e magra mão para seu rosto. — O
inchaço faz com que seja difícil ver algo que não esteja
diretamente em frente a mim.
— Este é o senhor pelo qual estava perguntando, senhorita
Battersby? — A voz do senhor Canfield levantou a cabeça de
Sarah, junto com sua sensação de alarme. O lojista estava na
beirada de uma multidão crescente, que agora incluía a Sra.
Jones e outros quatro proprietários.
A esta hora do dia todos fechavam suas lojas e se dirigiam
para casa e deviam ter notado a comoção e vieram investigar.
— Eu... sim, é.
— Então devem conhecer-se — interveio a Sra. Jones. —
Parece saber seu nome, ao menos.
Sua mente se revolveu por uma resposta, algo que teria
sentido, mas não a obrigaria a mentir. Conheciam-se. Sim,
ela supunha que sim. Assentiu em resposta à Sra. Jones.
Mas o padeiro estava longe de estar satisfeito.
— Como se conheceram? — Exigiu, cruzando seus grossos
braços sobre seu peito e olhando com zanga ao estranho. —
Alguma vez o tinha visto antes? De onde vem?
— Sim — adicionou o Sr. Canfield, um brilho de suspeita
entrou em seu olho. — Vendendo botas. Parece um ácaro
peculiar.
O estranho fechou um olho e elevou uma sobrancelha loira.
— Isso não foi o que disse quando me pagou a metade do que
valiam.
— Agora, escute, jovem — protestou o Sr. Canfield. — Nossa
senhorita Battersby é uma boa garota. Não vamos suportar
sua associação com patifes de escorbuto.
— De fato — chegou uma voz repugnante de uns poucos
metros atrás dela, fazendo com que o chumbo enchesse suas
pernas e fechasse seu ar. Quando chegou Félix Foote? A
serpente flutuava incessantemente cada vez que ela entrava
na aldeia, como se a estivesse esperando, pronta para
deslizar-se ao seu lado em qualquer momento. — Acredito que
todos gostariam de saber quem solicita essa preocupação da
nossa querida senhorita Battersby.
Ela queria vomitar cada vez que dizia tais coisas,
reivindicando-a como uma égua que tinha ganho em um
leilão. Bom, ela não tinha a intenção de ser outorgada como
propriedade ao melhor comprador, faria o que fosse para
frustrá-lo. O que fosse preciso.
Levantando-se lentamente, manteve sua mão sobre o ombro
do homem e de costas ao Sr. Foote. Não olhou diretamente ao
senhor Canfield, à senhora Jones, à Mary Elizabeth, à
Susannah ou à Penélope. Ela especialmente não desejava
encontrar-se com os olhos azuis do estranho, em troca, ela
captou o cálido olhar de Ann. Era o único vínculo disponível
para estabilizar-se antes de sair do precipício.
— Conhecemo-nos, sim — confirmou.
— Oh, sabia! — Exclamou o Sr. Canfield, como se tivesse
descoberto um novo Continente.
Mesmo assim, os olhos de Sarah não abandonaram os de sua
melhor amiga. A expressão perplexa de Ann era sutil para os
outros, mas Sarah viu claramente sua confusão.
— De fato, somos mais que simples conhecidos, o estive
cuidando em minha casa.
Os suspiros de vários aldeãos soaram em seus ouvidos.
Deveriam reservar sua indignação, pensou, o necessitarão
para o que está por vir.
— Sua caridade é admirável. — O tom do Sr. Foote estava
longe de ser admirável. — No entanto, também é imprudente
levar homens estranhos à sua casa.
— Ele não é um estranho — disse Sarah, sentindo o ar na
borda do penhasco sob seus pés. Um passo mais e ela estaria
voando. Ele a apanharia? Apesar do tempo que haviam
passado juntos, ela não o conhecia o suficientemente bem
para dizê-lo com certeza.
Ela nem sequer sabia seu nome.
— Sarah — Ann sussurrou com os olhos muito abertos,
alarmados e colados aos de Sarah. Ao tragar, Sarah deu
aquele passo final e perigoso e abandonou a terra pelos
caprichos da queda.
— Somos mais que conhecidos — disse. — Estamos
comprometidos.
Entre os suspiros e os gritos de "Oh!" e "Oh, Deus!" e "Oh, meu
Deus!", da multidão de aldeãos, Sarah viu como os olhos de
Ann cintilavam pela primeira vez, logo passavam por seu
ombro, e finalmente, suavizavam-se e obscureciam com
simpatia.
— Impossível — grunhiu o Sr. Foote. — Está mentindo.
Sarah não respondeu, ela estava lutando por respirar, era
uma mentira. Uma muito, muito grande, as falsidades nesta
escala eram estranhas para ela. Ela não tinha experiência
como descarada, não tinha instruções de enganação.
Felizmente Ann Porter era uma amiga cuja lealdade se
manteve firme, inclusive em meio ao salto de Sarah ao
fracasso moral.
— Não — disse sua mais querida e antiga amiga. — Ela diz a
verdade, vão casar-se.
Uma mão forte se aproximou para agarrar fortemente seu
pulso.
— O que crê que está fazendo? — Sussurrou o estranho, com
suas palavras recortadas, mas calmas, obscurecidas pelos
murmúrios dos que os rodeavam.
— O que devo fazer? — Ela respondeu calmamente antes de
colocar sua mão livre sobre sua mão dura. Logo, com uma
respiração profunda, deliberadamente se inundou mais
profundamente no abismo, muito longe da beira do penhasco,
muito longe para retornar. — Com a saúde do meu pai tão
precária, fomos resistentes a compartilhar nossas felizes
notícias — anunciou à multidão. — Celebrar parecia...
indecoroso. Mas agora, há poucas razões para manter nosso
segredo.
Finalmente ela baixou o olhar para encontrar-se com o seu. O
fogo azul tão quente, brilhava tão azul que a abrasou, uma
advertência tão evidente como se houvesse rugido. Mesmo
assim, ela não se atreveu a retirar-se. Não com Félix Foote
revoando, uma serpente enroscada para golpeá-la ao primeiro
sinal de debilidade.
Ela deu um tapinha nos dedos que atualmente tentavam
estrangular seu pulso.
— Este homem é meu futuro marido e eu sou sua futura
esposa. Agora, se nos desculparem, devo leva-lo ao meu
querido lar, porque teve um dia muito difícil.
CAPÍTULO 5
“A loucura é a aflição mais desafortunada”.
A marquesa viúva de Wallingham a Lady Berne ao escutar
uma longa descrição do novo companheiro felino de dita dama.

A mulher estava louca.


— Está fora de sua maldita mente. — Grunhiu em seu ouvido
enquanto se arrastavam e cambaleavam juntos ao passar no
caminho para a casa paroquial. Três garotas jovens abriram o
caminho, saltando de vez em quando e logo voltando-se para
olhar ao Colin e à louca senhorita Sarah Battersby.
O braço esbelto ao redor de sua cintura se apertou.
— Essa é uma boa maneira de falar com sua prometida.
— Isso está bem porque não estamos comprometidos. Pelo
amor de Deus, o que te obrigaria a fazer tal afirmação? Nem
sequer sabe quem sou.
A mulher que atualmente atuava como sua muleta
desacelerou seu ritmo, o que também o obrigou a frear.
— É verdade — concedeu em voz baixa. — Quem é você,
então?
— Maldito inferno — murmurou entredentes. — Não crê que
deveria haver perguntado antes de declarar que nós vamos
casar?
Aquele queixo bicudo se elevou.
— Para a maioria de nossos conhecidos, esteve adormecido,
uma oportunidade pronta para as apresentações não se
apresentou porque foi ferido e te cuidei.
— Suponho que crê que isso te dá direito a um pagamento,
em forma de anel e um novo sobrenome, nada menos. Mulher
de mente sanguinária, inclusive quando tira um homem meio
morto da estrada, não pode resistir a lhe pôr a ratoeira em
forma de pároco.
Sentiu que seu corpo se esticava ao longo de seu flanco, seus
ombros ficavam rígidos.
— Não seja parvo, não espero nem desejo sua mão em
matrimônio. Deus, inclusive agora poderia estar casado com
outra.
— Então, o que foi esse lixo sobre...
— Simplesmente necessito que creiam que estamos
comprometidos.
— Quer que minta a todo o seu povoado.
— Opõe-se a mentir? — Ela fungou. — Tinha a esperança de
que demonstrasse ser um canalha.
Com a mandíbula flexionada, ele olhou a delicada e insolente
inclinação de seu nariz, logo observou como a luz do sol fraco
brilhava nos cachos rebeldes que se negavam a permanecer
enrolados na parte posterior de sua cabeça. Nem as
forquilhas nem sua vontade de ferro poderiam contê-los.
Intentando que parecesse composta, a senhorita Sarah
Battersby os precisava domar.
Deliberadamente, manteve sua voz baixa e suave.
— Estas presunções tuas são perigosas se for capaz de
semelhante engano, como aparentemente deseja, certamente
não pode confiar em que me comporte com honra e se isso for
verdade, cada momento que passa em minha presença te põe
em risco.
— Um risco que devo tomar.
A mulher era cega e estúpida, completamente louca ou
infernalmente obstinada. Apostaria pelo último.
— Quando, precisamente, decidiu implementar seu pequeno
engano? — Seu silêncio foi pontuado só com o roce e o ruído
de seus passos e as risadinhas distantes das três garotas.
Deteve-se quando chegaram à beira da horta de maçãs,
levando-o por volta de uma das árvores, tirando o braço dos
seus ombros, fez uma careta pela dor em suas costelas e
músculos. Embora fosse aborrecido em comparação com as
batidas dentro de seu crânio, serviu-lhe como um aviso de
porque devia convencê-la de que se retratasse de sua
reivindicação, porque devia ajudá-lo a ir embora com toda a
pressa. Passou seus dedos com cuidado no pequeno inchaço
que se formava entre o pescoço e o crânio, apoiou-se contra a
casca áspera e tentou recuperar o fôlego.
— Me responda, Sarah — disse com voz rouca. — Quando
ideou este plano? E por quê?
Ela se negou a olhá-lo a um par de metros de distância, ficou
olhando ao longo da estrada do povoado, com as mãos
plantadas nos quadris. O sol poente fez com que seu cabelo
brilhasse como uma coroa real, iluminou seus olhos como um
brilhante e estranho ouro.
— Eu... necessito de tempo. Só um mês ou dois, e poderei
assegurar uma posição, estou segura disso.
Franziu o cenho, sua impaciência cada vez maior.
— Fala claramente, mulher, me dói muito a cabeça para
adivinhações.
Assustados olhos cor mel se voltaram para ele.
— Qual é o seu nome?
— Agora quer uma apresentação adequada?
— Sim.
Baixou o queixo e lhe dirigiu um olhar intimidante, ao menos,
esperava que fosse intimidante. Quem demônios sabia que
aspecto tinha com a forma em que sua cara havia sido
golpeada?
— Responda às minhas perguntas, e possivelmente eu
responda às tuas.
Ela piscou, olhou para a casa paroquial, logo depois de volta a
ele.
— Muito bem. — Ela assinalou à erva debaixo da árvore. —
Sentemo-nos. Parece que poderia descansar um pouco antes
de reatar nossa viagem.
Queria argumentar que estava bem, forte e robusto, e era
perfeitamente capaz de trafegar por um caminho rural sem
sua ajuda ou um descanso, mas na verdade, mal podia
sustentar-se, inclusive com a ajuda da velha macieira. Em
lugar de refutar sua posição, deslizou-se sobre seu traseiro e
assentiu com a cabeça ao terreno ao seu lado.
A maioria das mulheres que ele conhecia poderiam fazer uma
careta ante tais assentos rústicos e maneiras grosseiras, mas
não a senhorita Battersby. Ela não duvidou, em lugar de
caprichosamente e com graça, afundou-se ao seu lado na
almofada de erva, cruzou os braços sobre os joelhos
levantados e soltou o que soava como um suspiro de alívio.
— Meu pai costumava me trazer aqui para recolher maçãs. —
Olhou para os ramos, ponderadas aqui e lá com fruta verde e
vermelha. — Todos os anos, exceto este.
Ao escutar a tensão em sua voz deixou que o silêncio caísse
entre eles por um momento antes de perguntar: — Esteve
doente, imagino.
— Sim. — Seu olhar baixou para encontrar-se com o seu, e
logo caiu a um lugar de terra entre eles, onde jaziam duas
maçãs velhas, marrons com podridão, entre um montão de
folhas amareladas. — Ele está morrendo.
Talvez fosse a forma em que sussurrava as palavras, tão
calmas que mal as podia distinguir do eco distante do mar e
do ligeiro sussurro das folhas. Talvez fosse a forma em que se
sustentava, imóvel e triste. Mas suas palavras fizeram com
que seu coração se retorcesse dolorosamente, ela poderia ser
uma mentirosa e uma caça fortunas, mas ele não desejava tal
dor a ninguém.
Com uma inalação profunda e repentina, conteve-se e
continuou: — Quando ele se for, sua vida irá com ele e minha
mãe e eu perderemos... tudo. Seus ganhos, a casa. Inclusive a
escola.
Um cenho franzido puxou sua testa.
— Não tem outra família que te acolha?
Ela sacudiu sua cabeça.
— O irmão da minha mãe morreu faz três anos, e sua viúva
voltou a casar recentemente. Meu pai tem duas irmãs, mas
nenhuma delas está em condições de nos apoiar.
— E os aldeãos? Parecem bastante carinhosos contigo.
Seus olhos se encontraram diretamente com os dele,
disparando um ouro afiado.
— Não estamos dispostas a aceitar a caridade daqueles que
não podem pagá-la, vou encontrar outra maneira.
Simplesmente está demorando mais do que eu tinha suposto
para assegurar uma posição.
Olhou ao longo dela, desde seu rosto de fada rodeado por um
halo de cachos de mel, seu vestido desgastado, até suas
arranhadas botas marrons.
— É suficientemente atraente — observou. — Não formosa,
talvez, mas...
— Desculpe-me !
— Se usasse um vestido adequado para ti, seria aceitável para
a maioria dos homens. Por que não apanha um dos aldeãos
nos grilhões de suas pernas?
Seus olhos se estreitaram.
— Embora sua dicção seja perfeita, suas maneiras são
terrivelmente grosseiras.
— Responda à pergunta — disse em voz baixa.
Por sua expressão, rebelde e ácida, ele suporia que ela
considerava energicamente lhe dizer que fosse ao diabo. Mas
ela devia estar bastante desesperada para tentar apanhá-lo,
um estranho que se encontrava em circunstâncias duvidosas,
em um compromisso falso.
Depois de vários minutos, ela suspirou e murmurou: —
Suponho que merece sabê-lo. — Levantou o queixo e seus
olhos se encontraram com os dele. — Há um homem que me
ofereceu isso... muitas vezes.
Seu estômago deu uma sacudida estranha. Talvez não deveria
ter comido muito guisado antes.
— Por que não aceitou?
— Ele não é um bom homem, não quero me casar com ele.
Nesse momento, com seus olhos encobertos e sua voz baixa,
Colin viu tudo o que Sarah não podia dizer em voz alta. Este
homem, quem quer que fosse, tinha tentado forçar sua mão, e
ela resistiria até seu último fôlego. Sarah Battersby poderia
estar ladrando enlouquecida, mas ela era uma lutadora. Viu-o
no conjunto de seus ombros, retos e orgulhosos, no cacho e
no apertão de seus punhos.
— Quem é ele? Como se chama? — As perguntas saíram da
boca de Colin, mas não recordava ter decidido as perguntar.
Suas pestanas se elevaram para revelar aqueles olhos
surpreendentes, como cair em um bote de mel iluminado por
baixo.
— Félix Foote. Ele estava lá quando você... — ela agitou sua
mão ao redor da parte superior de sua cabeça — sucumbiu à
filha de Robbie.
— Ele estava lá agora?
— Mmm. Ele sempre está por aí, aparece cada vez que entro
no povoado, cada vez que há uma oportunidade para me
recordar que ele é minha única opção por seu dinheiro, por
seu posto.
Keddlescomble é o lar de poucos homens de minha idade, e o
Sr. Foote os tem... animado a procurar uma esposa em outro
lugar.
— Por que prestaram atenção ao seu conselho?
— É dono de várias fazendas nesta paróquia, nenhuma das
quais trabalha ele mesmo. O Sr. Foote se tornou bastante
bem estabelecido cobrando aluguéis substanciais de seus
inquilinos, aluguéis que pode aumentar em qualquer
momento, se acredita ser um verdadeiro cavalheiro.
Colin se moveu quando as cãibras se acumularam ao longo
de sua coluna vertebral e curvaram-se ao redor de seu
pescoço com suas lesões, sentar-se em uma posição por
muito tempo estava doloroso. Além do que, suas extremidades
pulsavam atualmente com o desejo de levantar-se e voltar
para a aldeia. Não podia dizer por que o desgosto na voz de
Sarah, mas talvez não gostara.
— Ninguém gosta de estar encurralado — disse, mantendo
seu tom casual. — Mas suspeito que sua resistência é mais
profunda que o simples desgosto.
— Minhas razões são minhas.
— Deseja minha cooperação?
Ela mordeu o seu lábio e assentiu.
— O que o senhor Foote fez para merecer seu desprezo?
Sua mandíbula se apertou, seus lábios arqueados se
esticaram. Um pequeno sulco apareceu entre suas
sobrancelhas.
— Se lhe disser isso, deve ser na mais estrita
confidencialidade, é muito importante. Entendeu?
— É óbvio.
Respirou fundo, soltou-o lentamente, puxou o tecido
poeirento de sua saia onde se enrugava ao longo de seu
joelho, entrelaçou seus dedos e apertou.
— Félix Foote é... — limpou a garganta com delicadeza. — O
senhor Foote fez coisas. Coisas que nenhum cavalheiro faria.
Revolucionando as coisas.
Enquanto observava a cor que se elevava em suas bochechas,
Colin começou a perguntar-se se a senhorita Battersby tinha
interpretado mal os torpes avanços de um homem. Talvez
Foote tivesse tentado beijá-la e o tinha feito muito mal.
Inocentes como Sarah eram propensas à histeria quando não
entendiam do que se tratava um homem luxurioso. Sentiu
que suas mãos se curvavam em punhos. Por que seu
estômago estava girando com tanto vigor? Era o guisado,
depois de tudo.
— Que coisas? Diga-me — ladrou isso.
As pestanas voltaram a baixar, desviou o olhar para a
estrada.
— Quem vai à Academia de St. Catherine para meninas de
impecável comportamento está ao meu cargo, seu bem-estar
foi creditado à minha mãe, ao meu pai e a mim.
— Primeiro, surpreende-me que não possa pensar em um
nome mais comprido para a escola. Segundo, está evitando
responder mudando de tema...
Quando seus olhos voltaram para ele, cortaram-na a dor e a
impaciência.
— Estou dando sua resposta.
Depois de um momento, ele assentiu para que ela
continuasse.
— No ano passado encontrei o Sr. Foote e uma de minhas
alunas no bosque atrás da igreja. Ele estava... forçando suas
atenções sobre ela. — A voz de Sarah se quebrou na última
palavra.
A agitação em seu estômago piorou, mas ela ainda não tinha
terminado.
— Ao princípio não me dei conta do que estava vendo —
continuou, sua voz agora áspera. — Ficou muito quieto, se
ajoelhou em frente a ela com a mão debaixo de suas saias.
Pensei que talvez ela tivesse sido ferida e ele a estava
ajudando... — ela riu entredentes e logo tragou saliva, como
se tentasse não vomitar. — Enquanto me aproximava, vi que
ela estava chorando, ela não fez nenhum som, só ficou ali.
Deixando-o tocá-la como se tivesse acontecido uma dúzia de
vezes, e ela simplesmente devia esperar que terminasse.
Colin queria fazer perguntas. Quem era a menina? O que fez
Sarah depois que os descobriu? Queria saber que aspecto
tinha Foote para poder retornar ao povoado e golpear o porco
podre. Permaneceu em silêncio.
— Ela… ela era uma menina linda e inteligente, além de sua
idade. — Sarah riu brandamente quando uma lágrima se
deslizou por seu rosto. A gota o fez duas polegadas antes que
ela a tirasse. — Ela acabava de fazer doze anos, entretanto, já
tinha aprendido quão malvados podem ser os homens.
Doze. A menina tinha doze anos. Colin fechou os olhos,
incapaz de olhar ao rosto de Sarah por mais tempo. Doze.
Recordou a sua irmã, Vitória, nessa idade, sentada em um
banco fora de Blackmore Hall, desenhando em seu livrinho,
olhando o lago de peixes com um sorriso tranquilo e um
suspiro melancólico.
— Detive-o, atirei-lhe uma pedra na cabeça, pode suspeitar
que fui eu quem o golpeou, mas nunca disse uma palavra a
respeito, mesmo depois que a transferimos a outra escola em
Exeter. Tirei-lhe seu brinquedo, possivelmente por isso está
tão decidido a...
Colin piscou e voltou a centrar-se em Sarah.
— Crê que está te pressionando para que se case com ele
como uma substituição?
— Talvez eu não tenha me incomodado em lhe perguntar isso,
não posso suportar estar em sua presença.
— Por que simplesmente não diz a todos o que viu?
Certamente isso denegriria seu nome suficientemente...
Ela sacudiu sua cabeça.
— Embora meu pai o desejasse de outra maneira, as garotas
que vêm à Academia de St. Catherine estão aqui por uma
razão, e não é para aprender matemática ou estudar poesia.
Devem estar preparadas para o matrimônio. — Suspirou
quando se soubesse, ela se arruinaria.
— Colin — disse-o em voz baixa.
Ela piscou.
— Como diz?
— Meu nome é Colin.
Sua boca formou um pouco do “O”.
— E seu sobrenome?
Fez uma pausa antes de responder.
— Clyde. — Não era uma mentira completa, Clyde era um de
seus sobrenomes.
Assentindo, ela fungou, apoiou os braços nos joelhos e lhe
dirigiu um sorriso irônico.
— Que aprazível o conhecer, Sr. Clyde. Consideraria se
converter em meu prometido? Temporariamente, é claro.
Ele a olhou fixamente, incapaz de lhe devolver o sorriso.
— Não posso ficar, Sarah, o que te disse na carruagem é
verdade. Sou um perigo para ti, quanto mais tempo
permaneço, maior será o risco para sua segurança.
— Se fosse realmente perigoso, o último que faria seria me
advertir...
— O homem que fez isto — se colocou uma mão sobre as
costelas — não se deterá até me encontrar, inclusive pode
machucar a quem me abrigar, a ti e à sua mãe.
Ela parecia desconcertada, suas sobrancelhas se juntaram,
seus lábios se franziram.
— O que quer de ti?
Suspirando, Colin apoiou uma mão no chão e outra na árvore
atrás dele. Pressionando a palma da mão contra a casca
áspera, levantou-se sobre seus pés.
Sarah se apressou a ajudá-lo, colocando seu ombro debaixo
de seu braço e envolvendo-se ao longo de seu flanco, era
cálida e suave, com toda sua força esbelta. Uma mulher
pequena, amável, construída de pura determinação, tão fraco
como estava, seu corpo reagiu com uma apreciação
surpreendente.
Inferno sangrento. Ele devia partir logo que fosse possível.
— Tomei algo dele — ele respondeu, ofegando as palavras
como uma onda de enjoo que quase enviou-o de volta ao
chão. Se apoiou nela, fechou os olhos e esperou que passasse.
— O que era?
Quando abriu os olhos, ela o estava olhando, com o rosto
voltado para cima e para baixo. Muito perto, lentamente,
sorriu.
— Tranquilidade de espírito.
— Não entendo.
Rindo, ele deslizou seu braço desde seus ombros até sua
cintura e lhe deu um tapinha.
Uma cintura pequena, era inclusive magra, ela precisava
comer mais.
— Sei, mas ele o faz e isso é o que importa.
Com isso, retirou-se dela e caminhou lentamente, com
cautela, para a estrada. Ela não deveria estar tocando-o, ela
deveria estar indignada por sua maneira familiar e lhe
ordenar que deixasse de vê-la.
— Senhor Clyde! — Trotou ao seu lado. Uma mulher pequena
e decidida.
— Me chame de Colin, estamos comprometidos, depois de
tudo.
Seus passos se detiveram e logo reataram.
— Nós... estamos?
— No momento.
O silêncio caiu entre eles à medida que suas longas sombras
se fizeram mais longas na terra compacta. Os sons de um
bate-papo distante e juvenil percorriam o vale com uma brisa
fresca.
— Tem a intenção de ir embora — Sarah disse em voz baixa.
Não era uma pergunta.
Mantendo seus olhos para frente, assentiu.
— Amanhã necessitarei de sua ajuda para recuperar meu
cavalo, o que diga aos aldeãos depois é inteiramente a sua
descrição, não vou contradizer.
Durante longos minutos Colin se concentrou simplesmente
em colocar um pé diante do outro, puxaram-lhe os pontos,
queimaram-lhe as costelas, palpitava-lhe a cabeça como um
polegar pisado por uma bota ou golpeado com uma bola de
cricket. Inferno sangrento, ansiava sua cama, suas mãos
acariciando sua testa e brincando com seu cabelo, sua voz
calma e tranquilizadora lhe dizendo que descansasse. Além de
sua irmã, nenhuma mulher lhe havia devotado tal cuidado.
— Por que o fez? — Perguntou em voz baixa.
— Fiz o quê?
— Resgatar-me, foi este teu truque.
Quando ele a olhou com os olhos entrecerrados, ela encolheu
os ombros, a luz do sol fluía através de seu cabelo
encrespado, rodeando seu rosto em âmbar.
— Levamo-lo conosco porque... bom, porque precisava, teria
morrido ali, não podia deixar que isso acontecesse. — Seu
queixo se inclinou uma fração. — Só mais tarde me perguntei
se era a resposta.
— Ao seu problema.
— Às minhas orações.
Inclusive para seus próprios ouvidos sua risada era cínica.
— Me acredite, doçura, sou tudo menos isso, Deus entregaria
qualquer um que fosse digno de sua benevolência.
— Mesmo assim, necessitava que alguém se interpusesse
entre mim e o senhor Foote por um tempo, e apareceu —
respondeu ela. — À falta de provas, estou escolhendo ver-te
como uma bênção.
De novo riu.
— É a primeira vez que me falam dessa maneira, asseguro-lhe
isso.
Chegaram à terra do vale antes que ela voltasse a falar.
— Deve ir embora amanhã, não é?
Suspirou, sua resistência diminuiu por suas feridas e a
viagem interminável e enlameada a Londres. Ah, e meses
sendo caçado por um carniceiro sem alma. Isso sim tirava o
vigor de um homem.
— Te disse que não posso ficar.
— Não, eu… não estou te pedindo que fique para sempre,
depois de amanhã é domingo, o padre, o Sr. Dunhill,
organizou uma reunião no pátio da igreja, um piquenique.
Consideraria... quer dizer, poderia possivelmente...
Olhando-a de soslaio, sacudiu a cabeça.
— Sinto, doçura, pode dizer aos seus companheiros
paroquianos o que quiser, mas amanhã irei embora.
Sua garganta tragou com força, e ela assentiu.
O céu do leste se voltou um violeta pálido quando o sol se
afundou debaixo da colina atrás deles, logo a escuridão viria.
Logo a manhã, e com isso, sua partida, o que o fez um
pensamento tão vazio, não sabia. No meio da descida para
sua casa os pulmões e as pernas de Colin ardiam. Fez uma
pausa, inclinando-se para diante com as palmas apoiadas nas
coxas. Inferno sangrento, estava débil.
Uma mão cálida e suave pousou entre suas omoplatas justo
quando uma saia desfiada se balançava em sua vista, perto
de suas botas recém compradas.
— Devagar, Sr. Clyde — disse em voz baixa. — Ainda está
sarando. — Os dedos se enroscaram em seu cabelo, foram tão
rápido que sentiu como o toque de uma fada. — A bola de
cricket não ajudou.
— Colin — ofegou, seu coração pulsava com um pouco mais
de entusiasmo do que sua escalada exigia. Voltou a cabeça
para ela. Estava perto, seu seio a centímetros de seu rosto. —
Ao menos quando estivermos sozinhos.
— Muito bem, Colin.
Gostava da forma que ela dizia seu nome, gostava da
sensação de suas mãos, gostava de seu rosto bem
proporcionado e o rosto de fada. Gostava... isto poderia
facilmente converter-se em desastroso. Graças a Deus que ia
embora.
— Está suficientemente bem para chegar à casa?
Afastando seu olhar de seu corpete sacudiu a cabeça para
limpar seus pensamentos e se endireitou. Sua resposta à sua
pergunta foi reatar seu passo lento, ignorando a forma em
que o caminho se desvanecia e se inclinava ante ele.
— Colin — disse ela, facilmente mantendo o ritmo ao seu
lado. Por que tinha que dizê-lo assim, as duas sílabas como
gotas de mel em sua língua?
Ele grunhiu.
— Obrigada.
— Por quê?
— Antes, no povoado, poderia ter exposto a verdade, as coisas
teriam sido bastante abomináveis para mim se o tivesse feito.
— Enquanto se aproximavam da cabana, que brilhava com a
luz que desaparecia, ela trotou para abrir a porta.
Ele respondeu: — Se me conhecesse melhor não teria
duvidado nem por um momento. — Ela olhou por cima do
ombro.
— A alma da discrição, não é?
— Melhor como a alma da enganação.
O sorriso que lhe veio lento, sábio e um pouco travesso,
roubou-lhe o pouco fôlego que tinha. Deus meu, quando se
tinha convertido em uma tentação?
— Oh, tinha minhas suspeitas sobre ti — disse.
Enquanto ele caminhava pela porta aberta, ela se girou para
enfrentá-lo, muito perto agora. O suficientemente perto para
sentir as diferenças em sua altura, o estranho pulsar de sua
proximidade. Ele franziu o cenho.
— Teve-as?
— Mmm. — Ela assentiu, ainda sorrindo, com as mãos nos
quadris. — Sabia que um homem que poderia escapar do que
obviamente suportou devia ter um pouco de inteligência. E
quem poderia ser tão inteligente e ainda aterrissar em um
lugar assim?
— Não é o tipo de homem que deve trazer para seu lar, isso é
seguro. — Aproximou-se mais, com a cabeça inclinada para
trás sobre seu delicado pescoço.
— Agora, aí é onde se equivoca, era exatamente o homem que
necessitava, justo no momento que te necessitava. — Com
isso, ela girou sobre seus calcanhares e se dirigiu para a
porta da casa. — Como disse antes — disse sobre seu ombro
enquanto girava o pomo. — Quando se ora por uma solução,
e Deus te envia um canalha, o melhor é lhe agradecer.
CAPÍTULO 6
“Eu gosto de um bom passeio tanto como qualquer um,
Humphrey. Entretanto, há um limite para minha apreciação da
precipitação. Um limite que temo que tenhamos alcançado”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu companheiro
Humphrey, ao presenciar como seu companheiro olhava com
peculiar fascinação os atoleiros.

Os frenéticos golpes tiraram Colin de um sono profundo com


o coração palpitando, tentando entender onde estava. Estava
escuro, jazia em uma cama, debaixo de uma colcha.
— Sarah? — Disse uma voz feminina quando a porta se abriu
com um chiado, revelando o tênue brilho laranja de uma vela.
— Foi perambular de novo.
Escutou lágrimas e preocupação naquela voz. A Sra.
Battersby junto à cama, que Sarah tinha insistido em que
usasse e que estava muito cansado para negar-se, o sussurro
das mantas que se deslocavam no chão precedeu o sussurro
de Sarah.
— Quanto tempo?
— Se foi quando despertei já poderia estar em qualquer parte.
— A angústia na voz da mãe era absoluta.
Mas Sarah, que se tinha posto de pé com um salto e pôs a
bata, murmurou com calma: — Tudo sairá bem, mamãe. O
encontraremos. Me dê dois minutos para pôr as botas e
procuraremos juntas.
Um sopro, logo um gesto com a cabeça sombreada da mãe,
logo a porta se fechou e a escuridão cobriu a habitação uma
vez mais. Observou no fraco e prateado resplendor da janela
enquanto Sarah corria para o pequeno armário em frente ao
canto com o urinol e se inclinava para recuperar algo dentro.
— Ele faz isto frequentemente?
Ela gritou, sacudiu-se, gritou de novo quando golpeou a
cabeça em uma prateleira dentro do armário, logo ficou de pé,
esfregou-se a cabeça e provavelmente lhe lançou adagas.
— Deveria estar dormido — queixou-se, sua voz rouca e
calma.
Levantando-se e puxando a um lado sua colcha, sentou-se na
beira da cama enquanto o enjoo fluía sobre ele.
— É seu pai, não é?
Ocupou-se a colocar as botas, apoiou os quadris contra o
armário e se inclinou para diante para colocá-las e atar os
cordões, cabe destacar que não lhe respondeu.
— Sarah.
Levantou a cabeça e um suspiro exasperado pontuou
movimentos bruscos enquanto atava os cordões.
— Sim, é meu pai e sim, o faz às vezes. Ele é... não é ele
mesmo.
Recuperou suas próprias botas de debaixo da cama e
rapidamente as pôs.
— Não — disse com firmeza. — Não, não, não. Deve
descansar, Colin, necessitará da sua força...
Levantando-se da cama, apoiou-se contra a parede.
— Descansarei depois que localizarmos o seu pai.
Ela se moveu ao seu lado antes que ele pudesse dizer outra
palavra, envolvendo seus braços ao redor de sua cintura e
tentando atirá-lo de novo à cama. Sentiu sua suavidade como
uma marca contra seu flanco, não usava espartilho, só a capa
de linho sobre sua forma esbelta.
— Sarah — disse com voz rouca, resistindo facilmente aos
seus intentos de movê-lo. — Estamos no meio da noite, e está
parada em seu dormitório com seus braços envoltos ao redor
de um homem, ao qual com razão chamou de canalha. Posso
te sugerir que, em troca, mantenha uma distância razoável?
Ela soprou, seus braços tentando em vão puxar seu corpo,
dois pés entre eles e a cama, sem pressionar suas feridas.
Uma de suas mãos roçou acidentalmente suas calças. Teve
que apertar a mandíbula para sufocar seu gemido.
— Não seja parvo — ela zombou. — Você mesmo disse que
não sou particularmente atraente, tomarei isso como garantia
da minha imunidade frente aos seus impulsos.
A mulher era sanguinária e imprudente. Alguém deveria lhe
haver ensinado melhor o que era precaução.
— Não me conhece suficientemente bem para medir meus
impulsos, além disso, apesar de seu impressionante
vocabulário, senhorita Battersby, é perigosamente ingênua
quando se trata de homens.
Ela soprou enquanto continuava puxando sua cintura e
quadris, finalmente recorrendo a envolver ambos os braços ao
redor de seu cotovelo e puxando, pressionando seu dolorido
ombro. Ele puxou para trás, automaticamente, para evitar a
dor de esticar a articulação, o que a fez perder o equilíbrio,
tropeçar nele, caindo contra seu peito. Desta vez o gemido
escapou, não pôde evitar, seus pequenos e firmes seios se
apertavam contra ele, seus quadris formavam um berço
perfeito para ele...
— Tolices, você mal consegue parar sem balançar como uma
vara em um vento forte, me arriscarei.
Seu tom desdenhoso desolou seus nervos, incitou seu desejo
de pressionar sobre ela a tolice de suas ações, de suas
hipóteses sobre ele. Necessitava que lhe ensinassem uma
lição, antes que pudesse pensar melhor nisso, sua mão
deslizou até um lado de seu magro pescoço e, usando seu
polegar ao longo de sua mandíbula para inclinar sua cabeça
para trás, levou sua boca à dele.
O primeiro toque de seus lábios enviou uma inesperada
rajada de fogo através de sua pele, se apartou e aspirou um
segundo. O segundo beijo, puramente com fins de
confirmação, foi pior, o arco daquela boca, suave e sensível,
se rendeu e suspirou contra o seu, curvou e o acariciou e o
tentou a fazer o que fez. No terceiro a doçura mudou e ficou
mais quente, as mãos se apertaram em seu pescoço e
cotovelo, puxando-a com força contra ele.
Pequenos mamilos eretos roçavam seu peito, lábios
mordiscados e separados para lhe dar as boas-vindas, o
interior de sua boca era cálido e doce, lar de uma curiosa
língua que se enroscava ao redor da sua enquanto seu braço
rodeava sua cintura e a aproximava mais, a esmagava contra
suas costelas. A dor resultante mal se registrava pelo puro
prazer dela. Logo, entretanto, tornou-se aguda o suficiente
para rasgar sua consciência, recordando-lhe onde estava,
quem era ele e por que nunca deveria havê-la tocado.
— Que demônios faz? — Murmurou contra sua boca, sua
testa apoiada contra a dela enquanto ofegava e lutava por
ignorar a dolorosa dor de sua excitação.
Sua resposta foi sem fôlego e um pouco arrastada.
— Essa não deveria ser a minha pergunta? — Um golpe calmo
os separou.
Sarah negou com a cabeça e apartou as mãos dele para roçar
seu cabelo rebelde, mal contido por uma trança.
— Eu... devo encontrar o meu pai. — Deu a volta e se dirigiu
para a porta. Quando a abriu, sua mãe lhe entregou uma
lanterna.
A mulher mais velha o olhou diretamente por cima do ombro
de sua filha antes de retornar com Sarah.
— Olharei na igreja e no bosque.
Sarah assentiu.
— E eu o caminho e a praia, o encontraremos, mamãe.
Na luz laranja Colin viu o brilho de uma lágrima na bochecha
da Srta. Battersby, franzindo o cenho e fechando os olhos
Sarah a abraçou com força, sussurrando algo ao ouvido. A
mãe assentiu, secou-se o nariz com um lenço e se retirou
para desaparecer da porta.
— Vou contigo — disse uma vez que sua mãe se foi.
Sem voltar-se, ela respondeu: — Como quiser.
Passando uma mão pelo cabelo, ele respirou fundo e se
arrastou pelo corredor, esperou que ela colocasse um casaco
de lã escura e logo saiu pela porta principal.
A lua era uma luz suave no vale, o ar era fresco e salgado e
felizmente se esfriava quando tomavam o caminho. Depois de
seu beijo, se pudesse sequer chamar a tal conflagração com
esse nome, necessitava de algo para apagar o fogo em seu
sangue. Talvez devesse ir nadar, um nadar rápido e distraído
em algum lugar longe daquela mulher peculiar.
Seus olhos seguiram seus passos, resolvidos e rápidos, seus
ombros estavam rígidos, a prega de sua bata branca de linho
brilhava na escuridão iluminada pela lua. Esfregou-se as
palmas das mãos tentando romper o feitiço que ela havia
arrojado.
Quando chegaram ao fundo do vale, Sarah deixou o caminho
por um oco no pasto, à altura da cintura era um atalho
desgastado que conduzia ao sul, para a costa. Ele poderia
conseguir seu banho, depois de tudo.
Em questão de minutos suas botas deixaram o rastro duro
para a areia suave e cheia de pedras. Diante, a lanterna de
Sarah se balançava com seus passos.
— Papai! — Gritou, girando a cabeça para explorar a costa em
ambas as direções. O movimento se deteve quando ela
vislumbrou o que tinha visto uma fração de segundo antes.
— Sarah — ele murmurou enquanto a alcançava.
— Vejo-o. — Sua voz era rouca e dura, ela empurrou a
lanterna em suas mãos e correu para a linha d’água onde as
ondas rodavam nos joelhos de uma solitária figura de cabelo
branco.
Depois de persegui-la, ele chegou justo quando passava o
braço do homem frágil pelos ombros, ela tinha feito o mesmo
com Colin muitas vezes. Isto explicava por que ela tão
facilmente o tocava e o cuidava claramente, ela tinha estado
cuidando de seu pai durante muito tempo.
— Retornaremos à cabana agora, papai — ela sussurrou
enquanto se aproximava, o tremor do ancião era visível
inclusive à tênue luz da lua. Sua camisa de dormir estava
empapada em suas coxas, revelando um corpo tão magro que
Colin se perguntou se não poderia sacudir-se como um navio
desmantelado em um vendaval do Mar do Norte.
— Eleonor? — Mesmo a voz do homem era frágil e quebrada.
— Não, papai, sou Sarah devemos te levar para casa, está
congelado.
— S... Sarah, sim, recordo agora, mas pensei que tinha se
casado com aquele capitão naval e se mudado para... onde
era?
Ela sacudiu sua cabeça.
— Não importa agora. Vem, vem comigo, papai.
Colin podia vê-la puxando o velho, mas ela não conseguia
movê-lo. Ficou olhando as ondas que brilhavam de um
branco prateado na distância. De repente, empurrou-a,
fazendo-a tropeçar, agitando os braços para recuperar o
equilíbrio.
Colin não perdeu tempo, deixou cair a lanterna e se meteu
para estabilizá-la com um agarre sólido em sua cintura.
Olhou por cima do ombro, os olhos sobressaltados e
brilhando com lágrimas, que rapidamente tratou de ocultar.
Seu coração se retorceu dolorosamente dentro de seu peito,
apertando sua mandíbula quando a soltou.
— Ele... ele não está bem, não é sua culpa.
Colin franziu o cenho.
— O que foi isso de um capitão naval?
Ela apertou os lábios com os olhos cravados em seu pai.
— Ele não lembra.
Seus olhos seguiram os dela até o ancião, observou como
uma brisa levantava uma mecha de cabelo branco até que se
agitava como uma bandeira.
— Ele não lembra — ela repetiu.
— Lembrar que...
Ela riu entredentes, o som sem humor e triste.
— Tudo o que pensa é que sou sua irmã, ou minha mãe, em
alguns dias, sou uma perfeita desconhecida para ele.
Tinha ouvido falar disto, uma de suas tias avós tinha sofrido
de maneira similar antes de sua morte, inclusive perdendo a
capacidade de falar. Mas só se inteirou disso através de seu
primo, que tinha estremecido e mudado de tema antes de
tomar outro gole do brandy que tinham estado
compartilhando.
— Não podemos deixar que fique aqui muito mais tempo —
disse Sarah.
Ela tinha razão, a água gelada estava adormecendo as pernas
de Colin, empapando as botas trocadas pelas que tinha pago
muito. Fazia só uns minutos que havia desejado um
mergulho em água fria. Noção tola.
Os olhos de Colin se estreitaram.
— Acredita que é sua irmã? E casada com um capitão da
Marinha?
Ela assentiu.
— Isso foi há trinta anos, a tia Sarah foi viúva duas vezes
após isso.
Aproximou-se do ancião, deixando-o sentir sua presença
antes de falar.
— Senhor Battersby — disse em voz baixa. — O mar é
encantador, não é assim?
Agachado, os ombros ossudos se endireitaram e uma cabeça
branca girou para ele.
Escuros e vazios olhos brilhavam à luz da lua, afundados em
um rosto fundo e enrugado. Um cenho franzido baixou as
sobrancelhas brancas.
— Conhecemo-nos, senhor?
Colin riu entredentes.
— Usualmente me chama de Capitão, mas suponho que
ambos somos homens diferentes estes dias.
Os olhos piscaram.
— Capitão? George? Quando chegou?
Colocando sua mão sobre o ombro do homem, Colin teve que
controlar-se, já que a fragilidade do homem se podia sentir
através da camisola de linho. Pele sobre osso.
— Sarah me necessitava aqui, ela disse que você estava
vagando.
Um pequeno sorriso puxou os lábios do homem.
— Eu gosto da água.
— Assim como eu. Mas está um pouco frio. O que diria de um
fogo quente e uma conversação agradável?
Não respondeu durante muito tempo, logo se voltou para
Colin com confusão em seus olhos.
— Onde está Eleonor?
Sarah, que se tinha movido para o lado oposto de seu pai,
atraiu sua atenção e lhe embalou brandamente o cotovelo.
— Ela está na casa de campo, retornemos para ali agora, e ela
te fará uma agradável xícara de chá.
— Eu gosto da água.
— Sei, papai, mas mamãe está te esperando. Não deseja vê-
la?
— Eleonor?
— Sim, vamos procurar Eleonor, ela está na cabana.
Olhou ao Colin.
— Quem é você?
Os olhos de Colin se encontraram com os de Sarah. Os seus
estavam cheios de dor.
— Sou seu marido.
— George?
Sem saber o que mais fazer, Colin assentiu.
— É hora de voltar com Eleonor, meu bom homem, ouvi que
tem o chá preparado.
— Bom, vamos, então, Eleonor não gosta do chá frio. — Logo,
como se houvesse sido ideia dele, o senhor Battersby se deu a
volta e se dirigiu lentamente para a borda, com Sarah
sustentando um braço e Colin o outro.
— É bom para ela, George — opinou o ancião, sua voz
tremente, seus passos incertos quando deixaram a água
rítmica para as pedras arredondadas e a areia fria da praia.
— Não deve deixá-la só por mais tempo, ela te necessita.
Sentindo que o gelo se infiltrava e se afundava no centro de
seus ossos, Colin tragou saliva pela causa, não pela água, não
pelo vento, a verdade é que seu pai morreria logo e sua força
de vontade de lutar não poderia durar para sempre. Ela
necessitava de alguém, provavelmente um marido, mas não
podia ser ele e para um homem que tinha jurado nunca se
casar, isso deveria havê-lo enchido de alívio.
Em troca, a pedra dura em sua garganta tinha um sabor
amargo, como ressentimento, como arrependimento, como
uma perda, só compreenderia depois que fosse muito tarde.

~~*~~

Sarah tinha perdido uma grande quantidade de sensação em


seus dedos e pés quando chegaram à casa de campo,
felizmente sua mãe já tinha retornado e envolveu rapidamente
seu pai em três mantas, sentou-o junto ao fogo da sala e lhe
serviu chá quente.
Colin ficou na beira da habitação, olhando à Sarah,
pensativa, e olhando para atrás. Quando ela o notou,
aproximou-se com uma xícara da bebida fumegante, embora
débil.
— Beba — ela disse, apertando os dentes para evitar que
batessem. — Trarei outro par de calças de papai, não pode se
permitir se resfriar.
— Quanto tempo está assim?
Olhou para trás, onde Eleonor se ajoelhou junto à cadeira de
seu pai, suas mãos acariciando seu escasso cabelo enquanto
o olhava com medo, pena e amor. Sarah tragou sua própria
tristeza e pegou o braço do Colin para tirá-lo da sala. Ele a
seguiu de bom grado escada acima até o dormitório de seus
pais, onde ela abriu um baú e mexeu em uma pilha das
velhas calças de seu pai.
— Aqui — ela disse, dando-lhe um par limpo. — Podem ser
muito curtas, mas ao menos estão secas.
Pôs o chá na mesa junto a uma vela acesa e pegou a roupa
dobrada, olhando-a com olhos machucados e esgotados.
— Quanto tempo, Sarah?
Suspirou e logo se sentou na beira da cama de seus pais.
Esfregando o rosto com ambas as mãos, ela respondeu: —
Faz dois anos que começamos a notar as mudanças, mas ao
olhar para trás, sua enfermidade deve ter começado muito
antes, anos, talvez. — Suas mãos caíram em seu regaço como
uma marionete cujas cordas tinham sido cortadas. — Ao
princípio, os sinais eram pequenos, esquecia as palavras,
extraviava seus óculos de leitura, costumava se pôr difícil e
discutia com minha mãe, era muito diferente, mas
pensávamos que era normal para um homem da sua idade.
Então, um domingo, simplesmente não apareceu no púlpito,
esqueceu-se que era para dar um sermão, a igreja inteira
esperou, e o encontramos aqui, cuidando de suas rosas, sem
dar-se conta de que algo estava mal. Meu pai adorava seu
trabalho, ele nunca haveria...
O colchão se afundou quando Colin se sentou ao seu lado,
envolvendo uma manta que havia recuperado da cadeira de
leitura de sua mãe sobre seus ombros.
— Conhece a causa?
Ela negou com a cabeça, seus polegares giravam um ao redor
do outro, formigando agora com o calor.
Pouco a pouco voltou.
— O médico nos dizia pouco, que pioraria, que eventualmente
sua mente, suas lembranças, tudo o que ele era iriam
embora. — Suspirou de novo. — A paisagem e o ar puro às
vezes ajudam.
— Sinto muito, Sarah, verdadeiramente não posso imaginar a
dificuldade de ver seu pai deteriorar-se desta maneira.
Ela o olhou, juntando as bordas da manta de lã ao seu redor.
— Se isso fosse o único, acredito que mamãe e eu
estaríamos... bom, sentiríamos dor, claro, mas enfrentaríamos
sua enfermidade como o faz qualquer família. Infelizmente, no
momento que nos demos conta do que estava acontecendo,
ele tinha vendido em silêncio alguns dos objetos que
tínhamos.
— O quê?
Ela soprou com uma risada seca.
— Oh, coisas tolas, na sua maioria móveis de salão que não
necessitávamos, livros para a biblioteca da St. Catharine,
comprou uma carruagem muito boa para um senhor, imagina
para um vigário rural. Entre a solução das dívidas de papai e
a contratação de um padre para encarregar-se de seus
deveres na igreja, temo que nossas economias se esgotaram o
bastante.
Colin esteve calado por vários minutos, não podia ver grande
parte de sua expressão, já que a habitação estava iluminada
só com a única vela que sua mãe tinha deixado acesa na
mesinha de noite. Logo limpou a garganta para falar.
— Desejaria... desejaria poder fazer mais. Se tivesse recursos,
eu...
Tomando uma respiração alarmada, ela o deteve
imediatamente.
— Não.
— Só queria dizer...
— Se for rico ou não...
— Não sou. — Disse-o como se admitisse algo vergonhoso.
Apertou os dentes e assentiu.
— Em qualquer caso, não aceitaria, solicitar caridade não é a
razão pela qual te contei sobre a enfermidade do meu pai ou
nossas... dificuldades.
— Qual foi sua razão, então?
A bruxuleante luz laranja projetava estranhas sombras atrás
dele, ocultando seus traços, mas ela imaginou que podia ver
algo em seus olhos. Uma intensidade que fez com que um
lampejo de sensação brilhasse ao longo de sua pele, não era
um calafrio, precisamente mais uma consciência.
— Não sei — ela sussurrou. — Talvez simplesmente precisava
dizê-lo em voz alta e você está aqui.
Ela viu um músculo saltar e flexionar-se em sua mandíbula
antes que ele girasse sua cabeça para longe dela.
— Necessita de alguém. — Seu tom era desconcertante, quase
zangado.
Quando voltou o calor da sua mente se fez mais lenta, o
esgotamento dos últimos dias se elevou como uma névoa,
encheu sua cabeça e pesou seus músculos até que ela
começou a recordar . Ela se conteve antes de paralisar-se,
mas suas palavras eram uma confusão.
— Ficarei até no domingo.
— Você... o fará?
— Então no domingo devo ir embora.
Ela assentiu, perguntando-se se estava sonhando.
— Vem. Vamos nos deitar. — Disse, levantando-se da cama e
dirigindo-se à porta.
De novo, levou um momento para entender suas palavras.
— Não, está... ainda está se recuperando. — Imediatamente
seu rosto estava a centímetros do dela, com as mãos apoiadas
no colchão a cada lado de seus quadris enquanto se inclinava
sobre ela. O movimento parecia repentino, mas provavelmente
essa era sua mente faminta de sono jogando truques. Mesmo
assim, sua proximidade era desconcertante, assim como suas
palavras.
— Levar-te à cama. Entendeu? — Ela piscou lentamente,
vendo o brilho de ira ao escutar o grunhido de suas palavras.
— Eu...
— O que entendeu, Sarah? — Por que seu coração pulsava
com força, de repente, e por que a lembrança de seu beijo
anterior seguia dançando em sua mente?
— Seus ferimentos.
— Diga-o.
— Bem, irei à cama. — Seu quente fôlego flutuou sobre seu
rosto enquanto ele suspirava.
— Bem — se separou dela, elevou-se à sua altura máxima e
estendeu uma mão, ela franziu o cenho, ainda muito confusa,
mas deslizou sua mão entre as suas e lhe permitiu que a
pusesse de pé. Estava surpreendentemente perto e quente.
— Obrigada — ela murmurou. Seu braço a rodeou e se
acomodou em suas costas, mas, em lugar do abraço que ela
quase esperava, ele a conduziu através da porta, grunhindo:
— Pelo amor de Deus, senhorita Battersby, não agradeça a
um homem por te dar o que era teu ao princípio.
CAPÍTULO 7
“Para alguns, as boas maneiras e a habilidade na valsa
compensam muitos defeitos.
Para outros, recomendo banhar-se mais frequentemente...”
A Marquesa viúva de Wallingham ao Sir Barnabus Malby em
um salão de baile de Mayfair.

Um chiado ressoou no corredor da antiga abadia fazendo com


que Colin estremecesse antes de seguir o som. Sabia que esta
era uma escola para meninas, e normalmente encontrava a
maioria das mulheres encantadoras, mas não tinha dormido
bem na noite anterior. O chão tinha sido uma cama
malditamente incômoda: fria, dura e implacável.
Ela nunca deveria haver se visto obrigada a dormir ali.
Suas botas ainda úmidas golpeavam o chão de madeira
enquanto se aproximava da porta entreaberta do que devia
ser a sala de música, dadas as notas incômodas que
emanavam do interior, empurrando-a foi recebido pela
presença de uma dúzia de meninas de idades compreendidas
entre os doze e os dezesseis anos, que tomavam uma aula de
dança. Com uma olhada catalogou-as como meninas ricas,
seus vestidos eram em tons cremes, todos costurados por
peritos, seus cabelos brilhantes, sua pele limpa e pálida. Se
isso não fosse suficiente evidência, pareciam estar praticando
uma quadrilha.
Uma ruiva mal-humorada tropeçou enquanto fazia uma
reverência à garota em frente a ela, uma risonha de cabelo
dourado com tendência a soprar riu a gargalhadas da cara da
ruiva que ficou da cor de seu cabelo.
— Senhorita Parnham, agradecerei que mantenha sua
compostura e mostre as boas maneiras que todas
aprenderam aqui na Academia St. Catherine. — A nítida
reprimenda atraiu instantaneamente a atenção de Colin para
sua fonte, a senhorita Battersby, que estava junto à
espantosa garota sem talento que tocava o pianoforte. —
Recordem, devemos nos esforçar por tratar os outros com
mais amabilidade da que nós gostaríamos que nos tratassem,
já que nunca se sabe quando nos encontraremos em
necessidade de bondade, só estamos seguras que ocorrerá.
Ela estava… fascinante, uma ligeira dobra entre suas
sobrancelhas, seus lábios franzidos, seu cabelo selvagem
afastado de seu rosto em um coque severo. Mais tarde, sabia
ele, os cachos escapariam atrevidamente, mas era muito cedo
para isso. Agora sua voz ordenava respeito, obrigando-o a
endireitar sua postura e a inclinar-se com precisão,
observando todas suas propriedades.
Queria beijá-la de novo, queria liberar aquele cabelo e fazer
com que seus olhos cor mel brilhassem de desejo. O objeto de
sua fantasia continuava agora falando pacientemente com a
garota do cabelo e rosto vermelho.
— Senhorita Cresswell, quando for seu turno, comece com
seu peso sobre o pé direito enquanto permite que seu pé
esquerdo se levante e se deslize ligeiramente sobre o piso.
Antecipe cada passo tal como o faria ao caminhar pela
habitação, tente-o outra vez.
Ele cruzou os braços sobre o peito, apoiou-se contra o marco
da porta e observou a instrutora, ela dirigia estas garotas
como um capitão de navio, com autoridade natural, e elas
respondiam com obediência.
Perguntou-se ociosamente como seria receber instruções dela,
deixá-la fazer exigências severas que ele poderia satisfazer
uma por uma até que ela se derretesse por ele. Rogasse por
ele.
Respirando fundo, sacudiu sutilmente a cabeça. Não tinha
sentido agradar tais fantasias. Ela não era e nunca poderia
ser dele.
— Senhor Clyde?
Piscou levantando seus olhos de seu modesto corpete xadrez
marrom e branco ao seu rosto.
— Sim?
Seu sorriso era ao mesmo tempo educado e desconcertado.
— Necessita de ajuda?
— Isso depende, Senhorita Battersby — respondeu antes de
pensar melhor. — O que está oferecendo fazer por mim?
Por seu repentino cenho franzido deduziu que ela entendia
que estava brincando com ela, mas não compreendia seu
significado, então ele simplesmente sorriu brandamente e
separou-se da parede para cruzar a habitação. Deu-lhe um
educado assentimento enquanto se dirigia para o pianoforte
quadrado e compacto, detendo-se e deixando a jovem aluna
de música entre eles. A cabeça escura da menina girava de
um lado a outro, suas mãos abençoadamente imóveis
enquanto tratava de saciar sua curiosidade.
— Sua mãe mencionou que estava aqui dando aulas —
continuou. — Desculpo-me pela interrupção.
Sarah olhou à sua pupila e logo a ele. Suspirou.
— Senhor Clyde, apresento-lhe a Senhorita Thurgood.
Senhorita Thurgood, este é o Senhor Clyde.
A Senhorita Thurgood piscou lentamente para ele, suas
pestanas ridiculamente longas como vassouras varrendo o ar
em busca de teias de aranha.
— Um prazer conhecê-lo — disse sem fôlego.
— Igualmente. — Imediatamente sua atenção se dirigiu a
Sarah, que ainda estava franzindo o cenho. — Senhorita
Battersby, esperava que pudesse me ajudar a recuperar meu
cavalo.
Seu rosto se esticou.
— Já enviei uma nota ao Sr. Hubbard, amanhã entregará
Matilda na casa de campo, já que ele e a Sra. Hubbard
assistirão aos serviços do domingo.
Assentindo, viu que seus lábios se dobravam nos cantos como
se tivesse mordido algo amargo.
— Me perdoe, Senhor Clyde, mas o senhor é o futuro marido
da Senhorita Battersby?
Quase tinha esquecido a menina entre eles, a Senhorita
Thurgood provavelmente tinha dezesseis ou dezessete anos,
se ele não se equivocava. Bastante bonita, supôs, mas
absolutamente pouco interessante ao lado da Senhorita
Battersby.
Encontrou-se com os olhos de Sarah.
— Isso foi o que me disseram.
O bate-papo na sala se acalmou, olhando ao seu redor notou
a quietude entre as garotas, que o olhavam com medo ou
fascinação, não podia estar seguro.
A garota ruiva, a senhorita Cresswell, recordou, falou
primeiro.
— O que aconteceu com seu rosto?
— A tacada de Robbie fez tudo isso? — Perguntou outra.
— O senhor é de Londres? — Inquiriu a moça de cabelo
dourado, a Senhorita Parnham.
Vagamente reconheceu-a como uma das garotas presentes
quando foi golpeado pela bola de cricket. Distraidamente,
esfregou o hematoma na união de seu crânio e sua nuca.
Ainda lhe doía um pouco, mas estava agradecido de que não
tivesse sido pior.
— Parece que tem um título. Tem? — Perguntou uma delicada
morena com olhos azuis claros e uma atitude tímida.
Outra garota, encorajada por suas companheiras, adicionou:
— Por favor, nos conte sobre a temporada. Já esteve em um
baile?
Um ligeiro aplauso da senhorita Battersby deteve o
interrogatório.
— Meninas, isso é suficiente, sabem que não devem exibir tal
impertinência. O senhor Clyde está indo embora.
Varrendo seus rostos com os olhos muito abertos, ansiosos e
bastante trementes de curiosidade, sorriu-lhes.
— Não importa, senhorita Battersby, senhoritas, não sou um
nobre, só um humilde cavalheiro, temo. Sim, vivi em Londres
e sim, fui a um baile ou dois em meus tempos.
Os ofegos de seu público feminino teriam sido mais
adequados se ele tivesse anunciado que uma vez tinha sido
uma girafa vagando pelas planícies africanas. Entretanto, sua
reação ficou clara ante a gagueira da senhorita Thurgood.
— Poderia... poderia descrevê-lo para nós?
— Sim, por favor, Sr. Clyde.
— Como é?
— Há muitos, muitos cavalheiros ali?
— Com títulos?
— Que classe de bailes dançou?
— A valsa?
— Oh, a valsa! As quadrilhas são tão tediosas, eu gostaria de
aprender a valsa.
Colin tentou acompanhar as perguntas, realmente tentou,
mas o bombardearam como uma descarga de flechas sobre as
muralhas do castelo. O melhor que pôde fazer foi cobrir a
cabeça e esperar um momento enquanto recarregavam.
Falando figurativamente, é óbvio. Finalmente, a senhorita
Thurgood lançou a flecha de fogo que aparentemente todas
tinham estado esperando: — Poderia nos ensinar, Sr. Clyde?
A valsa, é claro.
Outra descarga de “por favor” e “oh, por favor” surgiram da
multidão. Sua armadura não pôde suportar o assalto.
— Está bem — ele admitiu, imitando alegremente a altivez
ducal de seu irmão. — Mas primeiro, Senhorita Thurgood,
deve aprender a tocar uma, e com maior habilidade da que
demonstrou na quadrilha.
Ignorando o olhar de desaprovação de Sarah e seu ineficaz
protesto, fez um gesto à senhorita Thurgood para que
deixasse seu assento no pianoforte. Tomando seu lugar,
deixou que seus dedos se acomodassem em posição. Foi como
voltar para casa.
— Agora, — disse acariciando as teclas de marfim
ligeiramente, com amor — Senhorita Battersby, tem uma
partitura para uma valsa?
Ela não respondeu, em troca, a senhorita Thurgood pinçou
em uma pilha, arrancou a odiada quadrilha e logo colocou
uma valsa diante dele, uma peça simples e sem título em três
e quatro tempos.
— Adorável — respirou. — Vamos começar, primeiro, uma
valsa tem regularidade, mas isso não exclui a emoção. É uma
dança para dois, terna em lugar de alegre. Observem. —
Tocou um pouco, deixando que as notas fluíssem e se
fortalecessem, logo que flutuassem e girassem, logo se
repetissem com delicada alegria. — Vê, Senhorita Thurgood?
Enfatize a primeira nota de cada compasso para que sirva de
guia para os bailarinos, seus dedos devem deslizar-se com
precisão sobre as teclas, não como uma mula sobrecarregada,
venha, sente-se ao meu lado. — Moveu-se à sua direita. A
menina de longas pestanas se sentou ansiosamente. e,
juntos, tocaram. Duas vezes ela golpeou uma nota torpe, mas
ele murmurou suas correções, e quando fizeram sua terceira
vez através da canção, ele pôde declarar: — Acredito que a
tem agora, tente uma vez por sua conta. — Levantou-se do
banco, observando suas mãos. — Respire, Senhorita
Thurgood, seja uma boa garota.
Ela tocou a melodia repetitiva duas vezes mais, ganhando
confiança, até que sua interpretação ao menos pôde
considerar-se passável, muito melhor que seus esforços
anteriores. Ele não pôde evitar a quebra de onda de calor
picante ante seu êxito, era mais do que tinha esperado, o
suficiente para explicar o carinho da Senhorita Battersby pelo
ensino. Ele estava... como explicar... orgulhoso, supôs. Para
Colin foi uma sensação muito incomum.
Sem pensar, sorriu alegremente a Sarah, ela pareceu
aturdida, e logo lhe devolveu o cenho franzido. Enviou-lhe um
olhar inquisitivo, ela respondeu com as sobrancelhas
levantadas e uma inclinação de sua cabeça para sua
audiência absorta. As garotas olhavam a ele e à senhorita
Battersby, seus deslumbrantes olhos traíam suas fantasias
românticas.
À medida que a última nota da senhorita Thurgood se
desvanecia, começaram a surgir os murmúrios e as
conversações. O Sr. Clyde ensinou a senhorita Battersby a
dançar? Foi assim que se conheceram? Ele era um tutor de
música? Conheceram-se em um baile? Como apaixonaram-
se? Imediatamente? Quanto tempo depois que se conheceram
ele lhe propôs?, e assim sucessivamente, dando ao Colin uma
dor de cabeça que rivalizava com seus dias de ressaca.
— Meninas! — Sarah disse bruscamente. — É o suficiente,
pelo amor de Deus, se acalmem, uma dama deve frear sua
curiosidade para não parecer grosseira ou muito ansiosa, na
melhor das hipóteses, pode fazer uma consulta educada, mas
nunca deveria, nunca, afligir um cavalheiro com perguntas
invasivas.
Uma garota mais jovem, provavelmente de uns doze anos,
desafiou corajosamente.
— Mesmo quando todos os outros o estão fazendo?
— Especialmente quando todos os outros o estão fazendo,
Senhorita Turner, uma dama segue sua consciência; ela não
se une a uma multidão.
Limpando sua garganta, ele tentou voltar a tomar o controle.
— Concederei sua solicitude de aprender a valsa com uma
condição. — Doze pares de olhos se pousaram nele,
esperando sem fôlego. — Prestem atenção às minhas
instruções, e logo, se tiverem alguma pergunta, podem
levantar a mão e eu responderei. Mas só uma de cada vez.
Entendido?
Todas assentiram. Então, a ruiva levantou seu comprido
braço. Ele suspirou.
— Sim, Senhorita Cresswell?
Ela engoliu com força.
— Dançará com a Senhorita Battersby? Ela é sua prometida,
depois de tudo.
Novamente, doze cabeças assentiram com entusiasmo, cabe
destacar que a senhorita Battersby não era uma das doze em
seu lugar, ela parecia bastante doente.
Ele suspirou.
— Muito bem.
O protesto de Sarah veio imediatamente.
— Oh, mas…
— Senhorita Battersby — ele interrompeu, desfrutando de seu
olhar de assombro consternado enquanto evitava a Senhorita
Thurgood para parar-se em frente a ela. — Me honraria com
uma valsa? — Ele estendeu sua mão. Sem luvas, mas então,
só podia permitir-se as botas meio empapadas que usava.
Ela piscou três vezes antes de fazer uma reverência perfeita e
deslizar sua mão na dele. Sua palma e as gemas dos dedos
tinham as zonas ásperas mais intrigantes.
Brevemente considerou como se sentiriam em sua pele... não.
Devia concentrar-se na tarefa em questão.
— Toque, Senhorita Thurgood — disse, agora ansioso para
que esta lição terminasse rapidamente para que não tivesse
que estar tão perto de Sarah Battersby, o suficientemente
perto para cheirar seu aroma feminino e limpo, para imaginar
coisas que não deveria desejar. Pôs a mão no seu braço e a
conduziu ao espaço aberto perto das janelas, onde tinha visto
as garotas dançarem antes. Com um gesto elegante levantou
a outra palma e fez um gesto para a pista de baile. —
Demonstremos como se dança uma valsa.

~~*~~

Ele era um instrutor excelente, pensou Sarah enquanto


contava os passos das valsas alemãs e francesas para ela e
suas alunas. Atraente, divertido, direto, mas amável, explicou
o que queria tão perfeitamente que ela ficou surpreendida de
que tivesse obtido transformar a interpretação de Caroline
Thurgood de torpe a elegante em minutos.
Sarah não tinha podido realizar a mesma tarefa em meses.
Atualmente ele estava demonstrando a valsa de Sauteuse,
exagerando seus movimentos e desacelerando e acelerando
sua voz para um efeito cômico.
— Ao mesmo tempo, devemos ser melhores e dignos em nossa
postura, com nossos queixos no ar e nossos narizes
preparados para elevar-se por cima de aromas não desejados
— entoou de maneira apropriadamente elevada, franzindo os
lábios e demonstrando a posição da cabeça. — Embora abaixo
— continuou em um tom mais alegre, — nossos pés estão
desfrutando de um voo de fantasia. — Realizou um giro
repentino, com graça, colocando seus calcanhares no chão e
lhe piscando um olho.
Uma bolha de risada ameaçou surgir atrás de seus apertados
lábios. As garotas não puderam demonstrar uma fortaleza
similar, explodindo em risinhos indefesos ante suas
palhaçadas.
Ele fingiu confusão.
— Nunca riam, minhas queridas, porque a valsa é um
assunto sério. — Sua declaração poderia ter sido mais
acreditável se não tivesse entrado em um falsete e logo caísse
três oitavas nas últimas duas palavras.
A bolha de risada escapou, brotando dela como um jorro. Ele
se deteve ao seu lado, suas mãos embalando as dela, seus
olhos azuis dançando com luz enquanto olhava. A pele dela se
esquentou, seu olhar se iluminou, seu estômago se inchou e
borbulhou até que não teve nada mais que espuma dentro
dela. Ela negou com a cabeça, ainda sorrindo como uma
idiota, mas agora sem fôlego.
— O senhor é muito distraído, Senhor Clyde.
Ele lambeu os lábios e a olhou um pouco mais do que o
confortável.
— Assim como você, Senhorita Battersby, distraída, em efeito.
— Err. Supõe-se que pretende beijá-la? — A pergunta foi
sussurrada, mas suficientemente forte para chegar aos
ouvidos de Sarah e fazer com que a espuma subisse de seu
ventre às suas bochechas, queimando sua pele.
Outra garota suspirou, respondendo: — Oh, espero que sim.
Essa era Lydia, é claro, a tolice romântica da garota não seria
repreendida, para a grande diversão de todos os outros,
incluídos Colin Clyde, quem se pôs-se a rir e se apartou para
inclinar-se em direção a elas de forma rígida. Seu
estremecimento lhe recordou que ainda não tinha sarado.
— Colin — murmurou automaticamente, procurando seu
braço.
Mas ele se retirou, e seu sorriso se desvaneceu quando deu
um passo para trás.
— Senhoritas, deveriam encontrar um par para a valsa. — Ele
se virou para a senhorita Thurgood. — Comece de novo, por
favor.
Uma hora depois Sarah se maravilhou com sua resistência
enquanto seus dentes mordiam seu lábio inferior, ela se
encarregou de tocar o piano para que a senhorita Thurgood
pudesse praticar a dança com Colin, o que lhe deu a
oportunidade de vê-lo como tutor de cada menina, corrigindo
a postura aqui, ajudando na busca do ritmo adequado ali.
Foi surpreendentemente paciente com todas elas, embora ela
pudesse ver linhas de tensão ao redor de sua boca. E estava
mais pálido que antes. Era difícil de julgar, já que seu rosto
ainda estava inchado em alguns lugares e muito descolorido
ao redor dos olhos, no nariz e nas maçãs do rosto. Para falar
a verdade, ela não deveria sentir a menor atração por ele, já
que sua aparência era bastante grotesca na atualidade. Mas
algo a fez suspeitar que era bastante bonito. Talvez fosse a
forma em que se comportava, sem questionar sua própria
atração, sem preocupar-se que alguém pudesse achá-lo
menos que encantador, em particular de qualquer pessoa do
gênero feminino.
Seus olhos se desviaram de novo da partitura para o lugar
que ele dançava com a senhorita Thurgood, sua mão
descansando ligeiramente na cintura da menina. Uma nota
amarga golpeou, seus dedos detiveram-se, junto com os
tilintantes tons do pianoforte. Gemidos de garotas soavam
através da habitação.
— Acredito que já é suficiente de dança por hoje — ela
anunciou levantando do banco rigidamente. — A senhora
Blake terá o almoço preparado logo, vão e refresquem-se para
a lição da tarde em aquarelas.
Fizeram-no, mas só depois que cada uma se despediu
pessoalmente do Senhor Clyde, demonstrando sua facilidade
para fazer reverências e uns rápidos movimentos de pestanas.
Por fim, ela e Colin ficaram sozinhos na habitação, ela se
apoiou ligeiramente contra o piano e ele contra a parede da
janela.
— Posso ver por que desfruta — ele disse apartando-se da
parede e aproximando-se dela com passo indolente.
— Dançar?
— Ensinar oferece uma certa gratificação.
Ela sentiu que um pequeno sorriso curvava sua boca.
— Hmm — esteve de acordo. — Quando se tem êxito, parece
que tem um dom para isso, Senhor Clyde, as garotas
aprenderam rápido e bem sob sua tutela.
Ele ficou em silêncio enquanto ela ordenava as folhas de
música, mas podia sentir que ele se aproximava, escutava o
calmo toque de suas pegadas no chão de madeira.
Finalmente, fez-lhe uma pergunta em voz baixa.
— Onde aprendeu tudo isto, Sarah?
Surpreendida, Sarah se deteve para considerar o homem que
estava a uns metros de distância. Ela não tinha esperado que
ele perguntasse tal coisa, vivendo toda sua vida em
Keddlescombe, estava acostumada a todos, desde Ann Porter
até o velho Sr. Hubbard, que já conhecia sua história.
— Às vezes esqueço que é um estranho, — murmurou
distraidamente, logo sacudiu a cabeça e suspirou, deslizando
o montão de partituras na caixa de madeira esculpida de sua
mãe. — Meu bisavô tinha um título, barão de Chalsea, meu
avô era um terceiro filho, tão somente um ‘cavalheiro’.
Entretanto, isso foi suficiente para que minha mãe tivesse
uma temporada em Londres e alguns amigos entre a nobreza.
Até que se casou com um vigário humilde e começou a
trabalhar em Devonshire, é claro. — Sarah riu com ironia. —
Isso a colocou firmemente na classe média, entretanto, ao
final ela pôs a trabalhar suas boas maneiras e tênues
conexões nobres quando papai sugeriu abrir uma escola. Me
educaram aqui.
— Ah... esperava ter uma temporada, também, algum dia?
Ela riu.
— Céus, não, a escola começou em um esforço por
proporcionar instrução acadêmica às filhas da aristocracia.
Papai era um homem de Oxford, mas bastante moderno em
suas convicções. Acreditava que as meninas deveriam ser
educadas nas mesmas disciplinas que os meninos.
Um surpreso meio sorriso torceu os lábios de Colin.
— Seu pai é um radical?
— Nem tanto um radical, mas como um verdadeiro crente vê,
o reflexo de Deus em todos nós. — Sua garganta se apertou
quando a tristeza atou sua língua. — Ele acredita que deveria
honrar isso ajudando a desenvolver o potencial completo de
cada criança, seja menino ou menina, pobre ou príncipe,
esperava eventualmente oferecer educação às meninas
pobres, também.
— Uma proposta incomum.
Limpou-se garganta, sacudindo a melancolia.
— Sim, infelizmente foi assim quando não pôde atrair a mais
de duas ou três alunas, minha mãe sugeriu trocar o enfoque
para preparar as jovens para sua estreia. Depois de um tempo
a escola se voltou bastante bem-sucedida, mas
principalmente com a nobreza latifundiária e os que se
enriqueceram através do comércio.
— Por que não seguir adiante. Parece uma solução ideal, você
e sua mãe...
Suspirando com impaciência Sarah se voltou para a porta.
Como a maioria das pessoas, ele simplesmente não entendia
sua posição.
— Onde? A única razão pela qual a Academia de St. Catherine
segue sendo solvente é porque a igreja mantém a abadia. O
que propõe que usemos como dormitório uma vez que o Sr.
Dunhill tome posse? Um pasto de ovelhas?
Ficou calado enquanto a seguia pelo corredor e para a
entrada principal.
— Sinto muito, Sarah.
A um metro das portas suas simples e sinceras palavras a
detiveram em seco, ela respirou fundo, com a esperança de
afugentar o endurecimento infernal dentro de seu peito. Ela
não devia render-se ao desespero, não agora, nem nunca, não
serviria para nada.
Mãos cálidas pousaram sobre seus ombros, seu corpo alto e
duro lhe roçou as costas.
— Faria mais se pudesse, juro.
Seus olhos se fecharam por um momento, só um momento,
permitiu-se apoiar-se nele, imaginar o luxo de compartilhar
suas cargas, confiar na força de outra pessoa por um tempo.
Nada nunca tinha sido uma maior tentação.
Ela estava perdendo muito, e não podia detê-lo, só vê-lo
passar devagar.
Inexoravelmente. Como um vagão que se desliza costa abaixo
através do lodo escorregadio, rompendo-se enquanto cai
lentamente.
Um soluço surgiu em seu peito, ela se desabou para frente.
Fortes braços a apanharam, apoiando-se em sua clavícula,
dando voltas ao redor de sua cintura.
Recolhendo-a forte.
— Superará isto — ele sussurrou em seu ouvido.
Sua resposta foi afogada.
— Que diabos te faz pensar isso?
— É forte mais forte que eu, sem dúvida, embora isso seja
uma pobre comparação.
— Não sei por que diz essas coisas.
— Porque são certas.
Sua mão roçou seu antebraço onde pressionou sua cintura.
— Para mim você não parece débil.
Ficou rígido atrás dela, deu-lhe um beijo na têmpora e
sussurrou: — Doce Sarah. — Lentamente ele retirou seu
abraço, seus braços deslizaram, deixando uma sombra fria
em seu rastro. Caminhou junto a ela para as grandes portas
de carvalho e as abriu. A luz do meio-dia era cinza e aquosa
onde caía sobre seu cabelo dourado, deixando-o pálido como
um fantasma. Antes que as portas se fechassem atrás dele,
deu-lhe um sorriso dilacerador. — Se você soubesse...
CAPÍTULO 8
“A natureza rústica do campo me acalma. A natureza rústica
dos aldeãos tem um efeito oposto”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu vigário local ao
pedido de sua presença em uma feira do povoado.

— No caminho? — Perguntou a senhora Jones bastante


hesitante.
— Conheceram-se no caminho? — Secundou a Sra. Canfield.
— Onde, por favor me diga.
Sarah reconheceu facilmente que ela era uma má mentirosa,
e o piquenique no pátio da igreja do senhor Dunhill foi seu
tribunal. Talvez inclusive seu castigo.
— Eu... estava viajando à... er, Bath. O ano passado. E... o
cavalo do senhor Clyde se tornou coxo.
Falando de coxo, sua história estava se tornando em seu
personagem com uma pressa terrível. Onde estava Colin,
perguntou-se. Ele era muito melhor naquilo.
— Não recordo que tenha tido uma viagem à Bath — disse a
Sra. Jones, franzindo seu cenho. A expressão recordava a
época em que Sarah e Ann Porter tinham roubado um bolo de
damasco do balcão da loja da senhora Jones. Ann tinha posto
a coisa nas mãos de Sarah momentos antes que a senhora
Jones retornasse da padaria, e Sarah tinha escondido o
delicioso e pegajoso prazer atrás de suas costas. A senhora
Jones nunca tinha sido facilmente enganada.
— Eu... quer dizer, foi uma viagem breve para... me reunir
com a diretora de uma escola dali. Não vale a pena
mencionar.
— Hmmm — opinou a senhora Jones.
— Bom, a sorte certamente esteve de seu lado, resgatando-a,
querida. — Disse a Sra. Canfield, seus olhos brilhando com
grande interesse. — E cuidar de suas feridas depois de ser
jogado do mesmo cavalo! Deve casar-se contigo de maneira
adequada e rápida, é o amuleto da boa sorte. — Olhou por
cima do ombro de Sarah e levantou as sobrancelhas. —
Senhor Clyde! Só estava dizendo "quão afortunado deve sentir-
se”.
— De fato, sim — veio sua suave voz de trás e logo junto a
Sarah, hoje usava outra das camisas de seu pai, junto com
um chapéu alto. Colin tinha juntado as roupas emprestadas
com seu próprio casaco de montar e calças de camurça, que
ela tinha limpado e que sua mãe tinha consertado. Parecia
bastante bem preparado para um homem que tinha
encontrado quase morto fazia só uns dias.
— A senhorita Battersby foi enviada do céu — ele recolheu
sua mão enluvada e lhe deu um beijo nos nódulos, seu
coração esperneou e gaguejou dentro de seu peito. — Meu
anjo da misericórdia — murmurou, seus olhos capturando os
dela.
Por um momento ela se esqueceu de respirar, era tão bom
que tinham combinado sua história antes de irem à igreja,
nessa manhã. Desejando a verdade, ele havia aconselhado e
mudado os detalhes que seriam alterados. Claramente, ele
tinha muita experiência na arte de enganar, mas a história
entupiu-se em sua garganta, esquentou suas bochechas, a fez
tremer ao contá-la. Inclusive agora, com ele olhando-a com
afeto, sentia-se envergonhada de mentir a duas mulheres que
só lhe haviam mostrado amabilidade e uma pontada de pesar
de que Colin não pertencia, de fato, a ela. Que ele iria sem
que ela descobrisse aonde levavam aqueles novos
sentimentos.
Na atualidade seus olhos azuis pareciam tão inocentes como
um cordeiro recém-nascido, se atreveria a dizer que teria se
perdido sem ela, literalmente. Voltou seu olhar às duas
mulheres de meia idade, uma cética, mas abrandada, a outra
cativada, e se pôs-se a rir.
— E agora, devo roubá-la por um momento, espero que me
perdoem, senhoras.
Enquanto a guiava através da multidão de aldeãos que
conversavam, ela murmurou: — Isto é mais difícil do que eu
supunha.
Sem deixar de sorrir, Colin inclinou seu chapéu para os
Millers e deslizou sua mão sobre a dela, onde sustentava seu
braço. Deu-lhe um apertão.
— Só um pouco mais, amada.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Amada?
— Querida, então?
Seu nariz enrugou.
— Muito... doce, acredito.
Seu sorriso esquentou seu ventre, fez com que seu coração
revoasse e se movesse como uma borboleta.
— Curiosamente, — disse — frequentemente penso em ti em
termos de mel, olhos de mel, cabelo de mel. — Os olhos azuis
se concentraram em sua boca. — Lábios de mel.
Meu deus, onde estava o ar? Sua cabeça tinha começado a
girar, o bate-papo dos aldeãos se desvaneceu ao seu redor.
Tudo o que podia ver era aquele homem, que a olhou e não
viu a conhecida senhorita Battersby, e sim Sarah, a mulher
que desejava ser beijada.
Talvez ir ao piquenique tivesse sido um erro, embora Colin
Clyde fosse muito convincente, ela seguia sendo uma
mentirosa terrível, torpe e inibida. Mas, então, nada poderia
convencer o Sr. Foote de sua indisponibilidade mais
firmemente que ser esquadrinhado por outro homem.
— Sarah! — Ann Porter lhe fez um gesto com a mão para o
canto do campo verde aberto, justo perto da borda da
madeira. Quando se aproximaram, Sarah viu sua mãe de pé
junto a Ann, com uma expressão de preocupação em seu
rosto.
Sarah soltou o braço de Colin e correu para Eleonor.
— Mamãe, qual é o problema? — Ann respondeu: — O Sr.
Foote a encurralou, fazendo todo tipo de perguntas.
— Se os Hubbard não tivessem vindo, eu... não sei o que
poderia haver dito, era bastante contundente...
Tomando a mão de sua mãe, Sarah a sacudiu um pouco.
— Fez-te mal, mamãe? Ameaçou-te?
— Não. Simplesmente perguntou por ti e o Sr. Clyde, quanto
mais perguntava, mais fraca eram minhas respostas,
consegui esquivá-lo, mas...
Sarah terminou sua frase.
— Se preocupa que suspeite.
— Ele o faz — Eleonor zombou. — Preocupa-me que possa
saber a verdade, o que só aumentará sua influência sobre ti.
Colin ficou rígido.
— Onde ele está?
Eleonor fez um gesto para uma das mesas mais longas, perto
da parede leste da igreja. Sarah se girou para ver o Sr. e a
Sra. Hubbard conversando um pouco acaloradamente com
Félix Foote. Antes que ela pudesse dizer uma palavra, Colin
estava perseguindo o trio, com uma intenção agressiva em
cada linha de seu corpo.
— Oh, querida — sua mãe suspirou. — Não tinha me dado
conta...
— Do que não se deu conta? — Ann perguntou.
Sarah observou que os ombros de Colin se endireitavam ao
ver que se aproximava, e viu que os olhos do senhor Hubbard
se abriam com alarme. Ela não podia ver a expressão de
Colin, porque ele estava de costas a ela, mas a senhora
Hubbard parecia estar gaguejando um protesto preventivo, e
o senhor Hubbard tinha colocado seu curvado corpo entre
Colin e o senhor Foote.
Imediatamente Sarah soube que devia intervir, foi para frente
através da multidão, detendo-se o suficiente para permitir que
a menina Miller perseguisse a sua irmã diante dela e corresse
para o bosque. Foi então quando escutou a sua mãe
responder à pergunta de Ann, um fio de bate-papo em meio
dos sinos de urgência em sua mente.
— Tinha assumido que sua motivação era a gratidão ou
inclusive o cavalheirismo — sua mãe disse a Ann. — Agora,
vejo que é muito pior que isso.
Sarah não perdeu um momento ao ver que Colin avançava
pouco a pouco contra a mão que o senhor Hubbard punha
diante dele, sua postura desafiou o vívido Félix Foote, víbora
de olhos estreitados, a dar um soco. À medida que se
aproximava, apressando-se através da erva tosquiada,
escutou Foote dizer: — Tenho muito mais direito a reivindicá-
la que você, um estranho que vem de onde, precisamente?
A voz de Colin era surpreendentemente baixa e suave,
considerando que parecia que desejava que a cabeça de Foote
voasse de seus ombros.
— Entretanto, ela me escolheu, ela me pertence.
Alcançou o ombro do senhor Hubbard, golpeando a aba de
seu chapéu no caminho, e pegou um punhado da lapela de lã
do Foote, atraindo o outro homem até que o pobre senhor
Hubbard se interpôs entre eles, cuspindo e lutando para
endireitar seu chapéu.
— Se achar que esqueceu esse fato pertinente em algum
momento no futuro, — continuou Colin em voz baixa — se
descobrir que invadiu o lugar onde é inoportuno, por palavra
ou ação, não necessitará de mais reivindicações, porque um
homem morto não possui mais que sua tumba. — Soltou
Foote com um empurrão, enviando-o longe.
Sarah se deteve, balançando-se em seu lugar como as
garrafas naquela mesa. Ninguém nunca a havia defendido
daquela maneira, ninguém tinha ameaçado com violência
para protegê-la. Talvez estivesse fingindo, interpretando o
papel ao máximo. Devia ser isso, era um excelente mentiroso,
como ela tinha visto por si mesma.
Todo o dia, enquanto caminhavam juntos através dos
aldeãos, detiveram-se e conversaram sobre seu "compromisso
secreto", tinha mentido tão facilmente como informava sobre o
clima: “Faz um formoso dia hoje, ensolarado e temperado,
perfeito para almoçar fora. Apaixonamo-nos no caminho à Bath
e estivemos nos correspondendo desde então.” Tão
despreocupado era ele quando falava destas falsidades que,
em ocasiões, a realidade se detinha e ela se encontrava
acreditando nele. Neles enamorados, então, sua repentina
ferocidade no que concernia ao Félix Foote não podia ter
outra explicação. Colin estava atuando, e as fantasias de
Sarah não eram mais que muitas tolices, ela não era Lydia
Cresswell, uma romântica parva com uma imaginação
superabundante, ela era Sarah Battersby, filha do vigário,
vizinha virtuosa e instrutora responsável das meninas.
Ela era pragmática, não podia permitir-se ser outra coisa.
— Senhorita Battersby! — A senhora Hubbard gritou,
espiando-a flutuar.
Sarah se sacudiu mentalmente e se colocou junto à mulher
mais velha, agora estava suficientemente perto para ver que a
fúria de Colin era bastante real e não havia se dissipado, com
a mandíbula flexionada, os punhos apertados. Além disso, o
Sr. Foote, quem se sacudiu a prega de seu casaco e lançou a
ela e ao Colin um olhar feroz, parecia estar preparado para
lutar.
— Moços — o senhor Hubbard disse com desgosto. —
Estamos nos terrenos da igreja. A luta não tem lugar aqui.
A senhora Hubbard secundou a advertência de seu marido.
— Em efeito, devem comportar-se como cavalheiros se
desejam agradar uma dama. Não é assim, senhorita
Battersby?
O problema era que Sarah gostava do que Colin fazia, gostava
que ele a tivesse defendido, ameaçando o desprezível senhor
Foote. Por isso manteve sua resposta a um não
comprometido, "Hmm". Logo, olhando diretamente à estreita
cara do Sr. Foote, ela com suavidade curvou sua mão ao
redor do cotovelo de Colin e se aproximou, quase abraçando
seu flanco.
— Embora não aprovo a violência, senhor Foote, faria bem em
prestar atenção ao conselho do senhor Clyde.
Os olhos do Foote se converteram em fendas malévolas, sua
boca em uma linha apertada.
A serpente estava zangada.
— Este compromisso tão repentino é uma enganação, não
posso provar, mas sei que é verdade.
A voz de Colin se voltou mais suave em vez de mais forte.
— Ela é minha, asqueroso verme, coloque isso na cabeça.
Foote abriu a boca para replicar, mas Sarah tinha tido o
suficiente. Ela interveio bruscamente: — Inclusive se não o
fosse, Sr. Foote, nunca seria sua, isso é tudo o que precisa
saber.
O queixo da serpente se elevou e avançou.
— Se, como suspeito, seu compromisso é uma mentira, então
não passará muito tempo antes que necessite de um
verdadeiro marido, e rogará em minha porta. — Separou-se
da mesa a fim de abandonar sua companhia, mas se deteve
enquanto passava junto a Sarah. — Espero com ânsia esse
dia, senhorita Battersby — murmurou com os dentes
apertados antes de afastar-se.
Ela não se voltou para vê-lo ir-se. Suas palavras causaram
calafrios ao longo de sua pele como milhares de aranhas.
— Não entendo por que ele é tão insistente — murmurou para
si mesma. — Está como... obcecado comigo, não se fixa em
outra mulher.
— Não entende? — Disse o senhor Hubbard.
Sarah negou com a cabeça.
A senhora Hubbard estalou e deu a Sarah um olhar peculiar.
— É claro que sim, querida menina.
— Honestamente não.
A mulher mais velha olhou ao seu marido aparentemente
exasperada, e logo à Sarah.
— É a mesma razão pela qual concordamos seguir com isto,
— assinalou com a mão para Colin — é uma das favoritas de
Keddlescombe, senhorita Battersby, admirada por muitos de
nós. O senhor Foote pode possuir terras, mas não é muito
querido.
O senhor Hubbard soprou.
— Isso é certo, necessitaria que o polissem um pouco.
— A senhorita Battersby não polirá nenhum homem, disse
Colin. — E menos ainda a esse pedaço de...
Uma elucidação da garganta do Sr. Hubbard deteve uma
descrição mais detalhada do duvidoso personagem de Felix
Foote.
Sarah piscou para Colin, inclinando sua cabeça para ver mais
à frente da aba de seu chapéu, estava furioso, seus olhos
brilhavam com indignação. Parecia estar lutando por conter-
se, por que lhe importava tanto, ela não sabia. Supunha-se
que aquilo era uma simulação, era uma enganação, mas
estava obviamente zangado, e era de verdade. Sem pensar,
encontrou-se acariciando seu braço com doçura, deu-lhe
vários tapinhas antes de sentir o olhar da senhora Hubbard
sobre ela. As perguntas agudas não foram formuladas, mas
aos olhos da anciã, lentamente Sarah retirou a mão de onde
se curvava ao redor de seu cotovelo.
O senhor Hubbard voltou a limpar a garganta.
— Aquela égua é uma garota tranquila e fácil quando não está
preocupada com seu dono. Como disse que a chamava?
— Matilda.
— Ela é muito linda.
Depois da retirada de Sarah, Colin tinha se esfriado
notavelmente. Inclusive se poderia dizer que tivesse
congelado.
— Sim.
O senhor Hubbard assentiu, fungou e apoiou as mãos nos
quadris.
— Ainda planeja partir hoje, então?
Uma longa pausa.
— Sim.
Uma palavra tão simples. Sim, ia sim, isto era provavelmente
quão último ela veria dele.
Ele era um estranho, só o conhecia fazia uns dias. Por que
sentia que alguém estava jogando veneno lentamente em seus
pulmões?
Uma vez mais o senhor Hubbard assentiu, deixando que seus
olhos se pousassem em suas botas.
— Bom, isso é o melhor, um cavalo assim não pertence a uma
fazenda. Encantador e leal, mas dificilmente adequado para o
arado. — Ele riu entredentes e logo dirigiu a Colin um olhar
duro. — Não que ela não tentasse, claro, pela causa correta
ela teria morrido, assim é que é feita, entende? Precisa de um
bom homem, um homem sábio, para resistir a pedir tal coisa.
Os olhos de Sarah se lançaram entre os dois homens. Um
músculo na mandíbula de Colin flexionou-se quando seu
queixo se elevou.
— Pode ser que eu não seja nem bom nem sábio, senhor
Hubbard, mas sei muito bem o que sou capaz de oferecer. —
Olhou para o outro lado, logo a ela e logo ao velho fazendeiro.
— E o que não posso.
Parecendo satisfeito, o Sr. Hubbard fungou, assentiu e logo
estendeu o braço para sua esposa.
— Vem senhora. Devemos falar com o Reverendo Dunhill
antes de ir, quanto antes o façamos mais rápido iremos.
Depois de despedir-se, o amável casal se afastou entre a
minguante multidão. Sarah, mesmo tentando desentranhar
sua conversação codificada, perguntou ao Colin: — O que
quis dizer com o que pode oferecer?
— Nada de importante. — Seu sorriso era rápido e vazio.
Estendeu o braço para ela, imitando o senhor Hubbard. —
Vamos, senhora — grunhiu divertido com um sotaque de
Devonshire perfeitamente executado. — Deixemos tranquila a
sua mãe antes que o Senhor me leve.
Ela queria rir. Ela não pôde.
Ela queria que isto fosse real. Não era.
Tragando com força contra a dor em sua garganta, enfrentou-
o, logo olhou ao seu redor para assegurar-se que tivessem
privacidade antes de dizer em voz baixa: — Enquanto tenho a
oportunidade, devo lhe agradecer, senhor Clyde. — Ela o
olhou aos olhos.
O vermelho ao redor das íris azuis quase tinha desaparecido,
deixando-os notavelmente similares a um céu claro.
— Recrutei-te para esta batalha, e aceitou o desafio sem
nenhuma promessa de recompensa. — Ela baixou o olhar às
suas luvas desgastadas, o couro fino e gretado com a idade.
— Se pudesse pagar sua amabilidade, o faria.
— Você salvou minha vida, senhorita Battersby. — Um suave
dedo levantou seu queixo. Um par de lábios quentes roçaram
sua bochecha com um toque mínimo.
Seus olhos se fecharam fortemente, por um momento não
queria despedir-se daquele homem.
Ela queria lhe rogar que ficasse. Seu coração tamborilava sua
exigência de que fizesse precisamente isso. Não posso, ela
respondeu a essa tolice. Vai embora e devo deixá-lo ir.
Seus lábios e sua mão a abandonaram.
— A maioria das pessoas julgariam que era uma causa sem
valor, e teriam razão. — Quando ela abriu os olhos ele se deu
meia volta, olhando o vale por volta do mar. — Possivelmente
é hora que aumente seu valor a uma medida digna de seus
esforços — murmurou. Seus olhos, distantes e pensativos,
estavam rodeados de carne descolorida curiosamente, nos
últimos dias, o feio azul, negro e amarelo de suas feridas se
deslizaram de sua atenção.
— Toda vida é preciosa — disse com a voz constrangida em
um fio. — Não importa quem é ou o que fez.
Esteve calado por um momento, simplesmente olhando por
volta do mar, por fim ele a olhou e uma vez mais lhe ofereceu
o braço. Ela tomou-o, e começaram a cruzar a erva para ir
junto à sua mãe. À metade de caminho, inclinou-se para
sussurrar: — Sentirei saudades, Sarah Battersby. De
verdade, farei.
Eu também sentirei saudades, Colin, respondeu-lhe seu
coração. Uma dor mais profunda do que deveria.
CAPÍTULO 9
“Não estou convencida de que a ausência faça crescer o
carinho. Possivelmente deveríamos provar a veracidade deste
axioma mais a fundo, você e eu.”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu sobrinho em sua
quarta solicitude de um aumento de recursos.

Três semanas mais tarde Blackmore Hall, Yorkshire

— Jane — gemeu Harrison Lacey, o oitavo Duque de


Blackmore, à exuberante mulher que se sentava
escarranchada sobre suas coxas, tentou soar severo. — Não
cederei nisto.
Seu vestido rosa de seda rangeu quando se moveu, colocando
os joelhos contra os braços de sua cadeira e mordiscando sua
mandíbula.
— Te acompanharei, meu amor — ela respondeu com voz
glacial, a borda de seus óculos roçando sua bochecha. — E
isso é alguma coisa.
— Os caminhos são perigosos nesta época do ano. — Suas
mãos rodearam sua cintura, atraindo o peito suave e
generoso contra o seu, precisando absorvê-la dentro dele. — A
viagem será...
— Desagradável, sei. — Seus lábios encontraram os seus, e
por um momento, esqueceu-se de tudo. A carta de Colin, o
aguaceiro sem fim que pintava a janela da antiga biblioteca.
Tudo, menos ela.
Ela suspirou e ofegou contra sua boca, seus olhos marrons
escuros se abrindo e agarrando seu coração.
— O risco é inaceitável, Jane.
— Preferiria que te seguisse?
Ele franziu o cenho, agarrando seus quadris suaves e
arredondados reflexivamente.
— Não fará nada disso.
Ela simplesmente sorriu, suas covinhas brilhando
intermitentemente. Maldição, a mulher o tinha dançando ao
seu ritmo tão facilmente como um boneco com uma corda.
— Deve abandonar esta inclinação pela extorsão, está mal
para a Duquesa de Blackmore.
Sua pálida e perfeita mão acariciou sua bochecha, o dorso de
seus dedos riscando a borda de sua mandíbula.
— Neste momento não sou uma duquesa.
— Não?
— Sou a mulher que te ama muito para me separar de ti,
Harrison, particularmente quando seu irmão está em perigo.
Ele grunhiu. Sua esposa sabia exatamente como dar a volta
nele de dentro para fora.
— Além disso, — continuou — ele é meu amigo, e tenho
desejo de ajudar.
Sentindo um olhar furioso cair sobre seu rosto, ele lutou
contra uma velha amargura.
— As últimas duas vezes que tentou ajudar o Colin, te
puseram em um perigo inaceitável.
— Isto é diferente.
— Como, precisamente?
Seu dedo indicador se deslizou distraidamente ao longo de
seu nariz para tocar seu queixo.
— Estará comigo.
Suspirou profundamente e com grande pesar logo a levantou
de seu regaço e se levantou de sua cadeira, deixando que
suas saias caíssem em seu lugar e seus pés pendurassem um
momento antes de deixá-la.
As bochechas arredondadas ruborizadas, olhos escuros atrás
de grossas lentes brilharam quando seus tentadores lábios se
separaram em um pequeno “O”.
— Harrison — ela suspirou. — Como eu adoro quando me
levanta assim. — Ela levantou o rosto para beijá-lo.
Mas não podia render-se, não importava sua infernal
sedução. Ele devia convencê-la de que ficasse em Blackmore,
onde estaria a salvo. Pegando-a pela parte superior de seu
braço, separou-a dele brandamente.
— É mais que as estradas, ele está sendo caçado, Jane. Não
posso, — não o farei — te ter perto de semelhante perigo
nunca mais.
Ainda não se recuperara por completo da última vez que Colin
havia procurado refúgio com eles. Apenas uns meses antes, o
irmão de Harrison havia aparecido em Blackmore e tendo sido
açoitado por um sombrio criminoso de Londres de um
extremo ao outro da Inglaterra. Sem ter aonde ir, Colin havia
retornado à casa, e quando Jane tinha ido visitar a casa de
campo onde se hospedava, o homem contratado pelo londrino
a tinha sequestrado.
Harrison tinha passado um dia rastreando-a, longas e
horríveis horas nas quais havia imaginado que se perpetrava
todo tipo de barbaridades sobre sua nova esposa. Sua Jane.
Quando descobriu onde o homem a tinha levado, ele tinha
estado a um fio de voar em pedaços a cabeça da doninha.
Uma parte dele ainda desejava havê-lo feito. Felizmente para
aquele montão de esterco, Jane tinha sofrido pouco mais que
um susto. Harrison teria pensado que a experiência era
suficiente para dissuadi-la de seu rumo atual. Mas ela não
era uma senhorita pusilânime; ela era Jane.
— Devo esperar, então? Sento-me aqui na antiga biblioteca
como uma paspalha, retorcendo o lenço e rogando ao
Beardsley algum sinal de suas cartas? Oh, acredito que não.
Juntou as mãos atrás das costas e lhe deu seu melhor olhar
gélido.
— Fará o que te mandei — disse brandamente. — Porque sou
seu marido, e meu dever é te evitar todo dano.
Suspirando desdenhosamente, colocou-se os óculos no nariz
pequeno, redondo e adorável.
— Quantos livros crê que eu deveria empacotar? Ao menos
quatro, deveria pensar: dois para a viagem e dois para nossa
estadia.
— Jane. Tem uma biblioteca cheia de livros.
— Excelente ponto. Por que economizar? Seis, é isso.
— Aqui. Leia tudo o que quiser, mas permanecerá aqui — por
que parecia que cada vez que discutiam ele perdia a batalha
antes que começasse? A frustração carcomia suas vísceras.
Ela deu um passo para ele, passou-lhe os braços pela cintura
e apoiou a bochecha contra seu lenço.
— Me levará com você.
— Jane.
— Estarei a salvo porque estamos juntos e isso manterá Colin
a salvo também, somos sua família. Ele necessita de todos,
meu amor.
Suspirando e soltando suas mãos para as deslizar ao redor
dela, sentiu que o nó de medo em seu peito começava a
acalmar-se. Ele frequentemente achava que seu afeto sereno
era um tônico, ela sabia, é óbvio, e o usou com grande
resultado.
— O que está sugerindo?
— Um homem sozinho é vulnerável aos ataques, mas um
homem rodeado de aliados... talvez este Sr. Syder pensará
duas vezes antes de reavivar sua busca. Se ele escolher
agressão sobre a cautela, então é provável que o possa tirar à
luz, onde a ameaça que expõe pode ser mais fácil de
enfrentar, tal como estão as coisas, Colin está fugindo de uma
sombra e nós estamos perseguindo uma.
O trovão soou a distância, a chuva salpicou além da janela,
Harrison a abraçou com mais força enquanto lhe acariciava
as costas através de capas de casaco e colete.
— Como se converteu em uma estrategista?
Ela se tornou para trás e lhe deu um brilhante sorriso.
— A leitura é um passatempo muito iluminador.
Acariciou-lhe a bochecha com o dorso dos dedos, sua pele e
seus olhos brilhavam de amor por ele. Alguns pensaram que
eram simples, eram cegos.
— Talvez Colin seja seu amigo, mas inclusive você deve
reconhecer que sua temeridade te pôs em perigo duas vezes.
Não posso me arriscar a te perder, simplesmente não posso.
— Sua voz era crua, as palavras irritadas e verdadeiras.
Quando seus olhos se suavizaram com compaixão, colocou
sua mão sobre a dele, pressionando sua bochecha e
depositando um pequeno beijo no interior de seu pulso.
— O risco não é maior que minha enfermidade por tísica ou
escorregões nas pedras molhadas do terraço sul e quebrar a
cabeça.
As náuseas frias se apoderaram dele pelas visões que ela
apresentou. De seu sofrimento. Moribunda. Ele deve ter
empalidecido, porque seus olhos se suavizaram ainda mais, e
instantaneamente o tranquilizou: — Só quis dizer que,
embora não haja nada seguro, sempre estarei mais segura
quando estivermos juntos que quando estivermos separados.
Ai de qualquer homem que se atrever a brincar com o Duque
de Blackmore, porque é um inimigo formidável!
— Como é minha duquesa — reconheceu com ironia,
deixando que sua cercania o acalmasse, apoiou sua testa
contra a dela e respirou seu aroma a flor de maçã. — Se
permitir isto, deve fazer o que te peço, Jane, sem argumentos,
sem atrasos. Deve me deixar te proteger como melhor me
pareça.
— Quando desafiei sua sabedoria de marido? — Sentindo um
sorriso em seus lábios, ele respondeu: — Só sempre.
Ela se pôs-se a rir, o som rouco.
— Bom, tem-me ali. — Um golpe soou na porta. Era
Beardsley, seu mordomo.
— Chegou uma mensagem urgente para o senhor, sua graça.
— O homem baixo e calvo entregou ao Harrison uma carta
manchada com água de chuva, logo fez uma reverência e
retirou-se, fechando a porta calmamente. Harrison olhou o
selo.
— De quem é? — Jane perguntou.
Franzindo o cenho, moveu-se rapidamente para a
escrivaninha junto à janela para recuperar um abridor de
cartas. Cortou debaixo do selo, desdobrou a nota e leu
rapidamente o contido, a carta era ao mesmo tempo uma
advertência e um chamado às armas.
— Chama a senhora Draper — disse com gravidade. — Diga-
lhe que comece a empacotar, de imediato, logo escreva ao
Digby e lhe peça que se prepare para nossa chegada.
Jane piscou, tomando a carta de sua mão enquanto se
sentava na escrivaninha para escrever uma própria.
— Eu... pensei que íamos a Devonshire. Ali é onde está
ficando Colin. Por que devemos abrir a casa de Londres?
— Leia.
Ela o fez, murmurou: — Oh, não — disse como único
comentário.
— Ainda deseja vir? — Perguntou, esperando que ela cedesse,
sabendo que não o faria...
Seus braços se deslizaram ao redor de seu pescoço por trás, o
papel enrugando-se em sua mão. Beijou-lhe o lóbulo da
orelha e logo sussurrou: — Tente me deter.
~~*~~

Uma semana mais tarde Thornbridge Park, Derbyshire

Vitória Lacey Wyatt, Viscondessa Atherbourne, pôs seu filho


adormecido em seu berço.
— Aí, agora, doce Gregory — ela sussurrou. — Não deve
deixar que o humor sombrio de seu papai perturbe seu sono.
O homem em questão se apoiou contra a janela do quarto das
crianças com os braços cruzados e os olhos nublados pela
tempestade, Lucien poderia estar olhando furiosamente, com
indignação depois de sua discussão anterior, mas se manteve
tão formoso como sempre, como um anjo caído. Por que isso a
excitava daquele jeito, ela não podia dizê-lo. Mas sempre
tinha sido assim, desde a noite em que se conheceram,
quando ele a tinha beijado no passado, contra todo seu
sentido de autopreservação. O escândalo tinha seguido, logo o
matrimônio, além do tipo de amor que nunca tinha sonhado
possível.
Suspirando, dobrou as mãos em sua cintura e o olhou aos
olhos. Ele a fulminou com o olhar, a luz tênue da tarde
repentina pintando seu rosto em tons de cinza e branco.
— Sabe muito bem por que não posso estar de acordo com
isto, Vitória. — Sua voz era baixa por deferência ao seu filho
adormecido, mas o retumbar de seu intenso tom barítono
enviou calafrios através de sua pele. Mais de um ano de
matrimônio, e mesmo assim fez com que seu ventre se
agitasse como um pássaro capturado.
— Não lhe pediria isso...
— Surpreende-me muito que o tenha feito.
— Se a situação não fosse terrivelmente grave.
Apertou a boca e se separou da janela, caminhando para a
porta a manteve aberta e lhe fez um gesto para que lhe
precedesse. Ela abriu o caminho ao seu dormitório, onde
poderiam conversar sem medo de despertar o pequeno
Gregory. Quando entraram na opulenta habitação aquecida
por um fogo crepitante, suspirou e se passou uma mão pelo
cabelo negro antes de fechá-la e recostar-se contra a porta.
— Me convença.
Sua expressão era sombria, — quase sinistra-, por isso se
perguntou por um momento selvagem se ele estava pedindo
para ser seduzido a desistir de sua resistência.
— Não assim — ele murmurou lendo seus pensamentos em
seu rosto. Seus tentadores lábios curvaram-se para um lado.
— Bom, talvez mais tarde.
— Tem certeza? — Perguntou com voz gutural, jogando-se
para ele e deixando que sua mão se apoiasse nos botões de
seu colete. — Não me oponho a tais métodos de persuasão.
Gemendo, ele respondeu com um rápido beijo e um sussurro
contra sua boca.
— Eu tampouco, mas temo que devemos falar disto, anjo.
Ela assentiu e lhe acariciou a bochecha antes de afastar-se
para caminhar para a cama com dossel de seda azul centrada
na parede perto da lareira. Sentada na beira, cruzou as mãos
sobre seu regaço e esfregou um polegar no outro.
— Colin está em grave perigo. Harrison tem um plano, mas
nos obriga a viajar a Londres, ele necessita da sua família.
— Vocês entendem que este é o homem responsável pela
morte da minha irmã?
— Sim.
— Sem mencionar a quase ruína de Jane.
— Sim.
Lançou um suspiro intemperante e começou a caminhar.
— Ele é afortunado, não sou eu quem tenta matá-lo, por
Deus.
Ela sorriu gentilmente, recordando quanto ódio ele tinha
abandonado para amá-la.
— Sei, Lucien.
— E, entretanto, deseja que eu tire minha esposa e meu filho
pequeno da comodidade e segurança do nosso lar e os
transporte através da Inglaterra para proporcionar refúgio ao
Colin Lacey para escapar de seus problemas. Problemas que,
tendo em conta, são quase certamente de sua própria criação.
Ela acariciou a cama ao seu lado.
— Vem se sentar comigo.
Seus largos ombros ficaram rígidos, sua forma alta se
congelou em seu lugar enquanto lhe lançava um olhar de
consideração. Com os olhos fixos em seu peito, apertou os
dentes e se dirigiu para ela, seus largos passos comendo a
distância em segundos.
— Logo poderá duvidar da sabedoria de seu convite, anjo.
— Nunca me arrependerei de te ter perto de mim.
Afundou-se ao seu lado e tomou-a em seus braços,
enterrando seu rosto em seu pescoço. Suas seguintes
palavras foram amortecidas contra sua pele, mas ela
entendeu.
— Não sei se posso fazer o que quer, daria qualquer coisa por
sua felicidade. Mas isto…
Passou-lhe as mãos pelo cabelo, grosso e frio ao seu toque.
— Shh. Só escuta — ela sussurrou. — Sou mais jovem que
Colin por quatro anos. Sabia disso?
Seus lábios deixaram um rastro de arrepio desde sua orelha
até sua clavícula antes de responder: — Mm-hmm.
— Entretanto, sempre me senti mais velha, Colin tem uma
espécie de doçura instintiva nele, um espírito exuberante e
generoso que é inato, Harrison fez todo o possível por protegê-
lo, mas não pôde estar ali todo o tempo.
Os lábios de Lucien se detiveram, seu fôlego esquentando sua
pele. Lentamente ele se jogou para trás para olhá-la aos
olhos.
— Isto é sobre seu pai.
Suas mãos caíram, aterrissando em seu regaço.
— Sim.
Endurecendo o rosto, sentou-se em silêncio, esperando que
ela continuasse. Ela engoliu e respirou fundo. As lembranças
fizeram com que lhe doesse o peito.
— Aos meus irmãos não permitiu a suavidade, risadas,
brincadeira, carinho, amor. Para o meu pai estas eram
brechas de debilidade na fortaleza que estava construindo e a
debilidade era intolerável, tinha que destrui-los em pedaços e
transformá-los em pedra.
A mão de Lucien apertou a sua onde estavam dobradas em
seu regaço.
Ela continuou, sua voz cada vez mais rouca.
— Colin tem dom para a música. Ele... a sente cantando em
seu sangue, como eu faço com a pintura, como uma força fora
de seu corpo que vibra em seus ossos. É difícil de explicar,
escutá-lo tocar o piano quando acredita que ninguém o está
escutando... é maravilhoso.
Depois de um longo silêncio ele apertou suas mãos e lhe
acariciou as costas.
— Adiante.
A dor dentro de seu peito se propagou por fora e agora a tinha
enchido até que suas juntas, sua garganta olhos e coração
doeram. Precisava de escape em forma de lágrimas, mas ela
não se permitiria isso, Lucien devia entender, não devia
conceder seu desejo simplesmente para deter seu lacrimejo.
— Colin tinha treze anos de idade quando papai topou com
ele na sala de música em Blackmore Hall. Recordo... lembro
de seu rosto, estava tocando uma canção que havia composto,
e sua alegria pintou o ar que nos rodeava com luz,
compartilhava sua alma com a música. Papai entrou na
habitação. Vi-o, mas Colin não o fez. Ele... papai disse seu
nome. Isso foi tudo. A música parou. Daquele momento até a
morte de papai, há quatro anos. — Uma lágrima escapou
contra sua vontade. Lucien a acariciou com um dedo e lhe
beijou a têmpora. — Ordenou aos serventes que o barrassem
da sala de música, despediu os tutores de Colin e o enviou a
Eton com instruções ao diretor para fazer cumprir sua ordem.
— Vitória, amor, não quero ser mau, mas isso não desculpa o
comportamento do Colin.
— Sei, ninguém está mais zangada que eu por seu egoísmo e
imaturidade nos últimos anos.
Lucien levantou uma sobrancelha.
— Mas espero que entenda que esta não foi a primeira vez
que papai havia se comportado assim. Tinha estado
esmagando a vida do Colin durante anos antes disso, e
Harrison antes que ele, nada era suficientemente bom para
agradar o Duque de Blackmore. Qualquer coisa que os fizesse
verdadeiramente felizes logo era proibida, como se papai não
pudesse tolerar que seus filhos tivessem o que ele não tinha.
— Então, Colin se rebelou — Lucien disse veementemente. —
Ele, então, se converteu em um bêbado, seduziu a minha
irmã e logo a abandonou.
Ela sabia que ele tinha razão, as ações de Colin com Marissa
Wyatt a haviam surpreendido, repeliram-na. Ainda tinha
problemas para reconciliar o homem que tinha conhecido
como seu encantador irmão com o canalha no qual se havia
convertido depois de ter começado a beber muito. Por isso não
tinha falado diretamente com Colin em mais de um ano.
— Depois que nossos pais morreram, ele mudou. —
Continuou. — Tornou-se temerário, sem lhe importar como
machucava os que o rodeavam. Sua irmã. Eu. Harrison. Sabe
o difícil que foi para mim perdoar…
— Por favor, não espere que eu o faça. Nunca.
— Não, eu não espero, só digo estas coisas para que possa
entender por que sempre o amarei. Para ti, Colin é um vilão.
Para mim, ele é o menino que me abraçou sem pensar duas
vezes e tocou sua música para mim e me fez rir até que me
doeram os flancos. — As lágrimas se derramavam agora, com
o nariz tampado. Ela fungou e deu ao seu marido um sorriso
aquoso. — Esse é o homem que quero salvar, Lucien. Me
ajudará?
Sabia o que estava perguntando e desejava com todo seu
coração não ter que pôr esta carga sobre os ombros de seu
marido. Se isto fosse algo mais que salvar a vida de Colin, ela
não teria perguntado absolutamente, Lucien ficou calado por
um longo momento, com a cabeça inclinada para frente
enquanto olhava suas mãos entrelaçadas.
Quando finalmente levantou os olhos para encontrar-se com
os dela, ela pôde ler sua decisão antes de dizer uma palavra.
— Sim, anjo — disse levando os dedos aos lábios e beijando-
os com reverência. — Por ti, farei o que for necessário.

~~*~~

O crepitar do fogo no lar consolou Hannah enquanto o


observava através da janela da sala de café da manhã. Sua
bengala golpeava ligeiramente as pedras do terraço,
felizmente, ela só pôde escutar o fogo.
— Quereria você uns pãezinhos, senhorita — a voz da
governanta não a poderia distrair.
— Não — ela disse distraidamente. — Isso será tudo, Sra.
Finney.
Ela devia olhar, esperar e avaliar seu estado de ânimo.
Apareceu... quase jubiloso, seus passos mostravam um ritmo
mais rápido, um toque da primavera.
Ele entrou na casa, desaparecendo de sua vista, ela
continuou contemplando fora da janela pelos longos minutos
de espera. Então, ela o ouviu, discreto, por cima do som das
lenhas sendo comidas pelas chamas. Ruído seco,
palmadinha. Ruído seco, palmadinha. Ruído seco,
palmadinha.
— Hannah — ele disse, sua voz levando uma nota de triunfo,
a maioria das pessoas não poderiam perceber. Mas ela o
conhecido há dez anos. Descobrir cada variação sutil em sua
conduta aparentemente monótona tinha sido necessário para
a sua sobrevivência. — Lamentando a chuva, meu amor? Não
se desespere, logo passará.
Ela não se deu a volta. Em lugar disso, ela observou uma gota
de água que se deslizava pelo vidro antes que fosse
substituída por outra.
— Eu gosto da chuva — ela disse.
Ruído seco, palmadinha. Ruído seco, palmadinha. Ruído seco,
palmadinha. Uma mão brincou com um dos cachos em seu
ombro.
— Lindo — ele respirou. — Assim como o de sua mãe, sente
falta dela, não?
Como poderia? Cada vez que ela fechava os olhos, a mulher
estava ali, o olhar fixo, vidrado, a cabeça em um ângulo
antinatural. O braço estendido para sua filha, frio ao toque.
— Como eu, querida. Entretanto, vejo-a em ti. — Ele suspirou
e se passou uma mão pela nuca como se acariciasse um cão
favorito. — É um bom dia, Hannah, encontrei o fio, tudo o
que fica é seguir para onde conduz e logo cortá-lo. — Um
suave beijo caiu sobre a coroa de sua cabeça. — Paciência.
Acuidade. Persistência. Estas são qualidades que deve
cultivar, como o tenho feito eu. — Finalmente, ele se retirou,
movendo-se para o fogo.
Permitiu-se uma respiração moderadamente profunda, não
houve necessidade de uma resposta. Este era ele gargalhando
em sua forma anormalmente restrita, é claro.
— Descansa tranquila, Hannah, seu papai se encarregará
deste assunto logo e então poderemos continuar como antes.
Hannah não discutiu, ela não falou, observou como as gotas
deslizavam pelo cristal, seguindo o rastro que deixava e, no
interior, onde ele nunca podia ouvir, seu coração gritou até que
sua voz fosse sangrenta e crua.
“Você não é meu Papai. Você não é meu Papai. Você não é meu
Papai.”
CAPÍTULO 10
“Obter um posto é sua tarefa. A minha é assegurar-me de não
convidar os ladrões a polir a prata.”
A Marquesa viúva de Wallingham a uma solicitante para o
posto de criada pessoal durante uma entrevista
extraordinariamente curta.

Sarah dobrou com cuidado o colete de seu pai e o colocou


dentro de uma das caixas destinadas aos pobres. O senhor
Dunhill tinha prometido distribuir as coisas de seu pai às
famílias que precisavam. O que era estranho, considerando
que ela e sua mãe agora podiam contar-se entre esse número.
— Crê que deveríamos levar a chaleira quando formos? —
Eleanor perguntou quando entrou no salão com outra pilha
de roupa. Ela a pôs ao lado da pilha que Sarah estava
classificando. — É bastante frágil.
Tirando outra roupa da pilha, Sarah disse distraidamente:
— Dado que ainda não sabemos onde viveremos, sugiro que
empacotemos só o que for necessário.
— Bom, a senhora Hubbard ofereceu...
— Sei, mamãe. Mas, quanto tempo podemos ficar com eles, de
verdade?
Eleonor suspirou arqueando as costas como se lhe doesse, a
faixa negra de tecido que rodeava seu braço se deslizou até
seu cotovelo. A tirou e se passou uma mão pela testa
assentindo com a cabeça, sua mão caiu ao seu quadril.
— Ouviu algo da escola em Exeter?
— Nada ainda.
— Ainda sustento que deveríamos viajar à Bath, há várias
escolas excelentes ali, assim como famílias enriquecidas que
podem necessitar de uma professora, e a prima Elizabeth terá
uma tarefa muito mais difícil ao nos ignorar quando
chegarmos à sua porta.
Ultimamente Sarah tinha encontrado pouco do que rir, mas a
visão da prima altiva de sua mãe, que se negou a responder
as suas cartas, ser importunada em sua própria porta era
bastante divertida. Ela deu um meio sorriso e tirou um dos
casacos de seu pai da pilha lhe dando uma sacudida,
examinou as costuras um pouco gasta, mas alguém
certamente poderia usá-lo por muito tempo, inesperadamente
chegou ao pensamento o último homem que tinha tomado
emprestadas as roupas de seu pai, possivelmente pela
milionésima vez ela se perguntava por ele, Colin. Perguntava-
se como estava, onde estava, se tinha encontrado segurança,
se alguma vez pensou nela, a louca que o tinha reivindicado
como seu prometido.
— Se assegure de procurar nos bolsos — murmurou sua mãe,
olhando ao redor da sala em busca de sua chaleira. — Seu
pai sempre estava escondendo coisas.
Sarah deixou o casaco em cima da caixa e procurou no bolso
interior, um canto cravou seus dedos. Papel dobrado, tirou a
carta selada e notou o gancho de ferro de seu pai no exterior.
Era seu nome.
As lágrimas se acumularam em sua garganta, afogando-a, ao
outro lado da habitação a porcelana tilintava.
— Se se quebrar, que assim seja — murmurou Eleonor. —
Essa chaleira foi um presente da minha mãe no dia de
minhas bodas. Aonde vou, vai.
Sarah apertou os dentes e colocou a carta no bolso de seu
avental. Ela fungou e dobrou o casaco de seu pai colocando-o
brandamente dentro da caixa.
Um golpe soou na porta. Sarah se voltou nessa direção, mas
Eleonor estava diante dela.
— Vou atender — disse sua mãe limpando as mãos no avental
e abrindo-se passo entre as diversas caixas que abarrotavam
o chão do salão. — Provavelmente seja a sogra do Sr. Dunhill
outra vez, deve vir medir as janelas para as cortinas ou algo
assim.
Sarah meio sorriu, a mulher tinha visitado três vezes na
semana anterior, sempre insistindo em que deveriam tomar-
se todo o tempo que necessitassem neste período de luto.
Entretanto, invariavelmente conseguiu sair com um conjunto
de medidas ou um novo plano de móveis, tudo em preparação
para tomar posse de sua casa de campo. No entanto, a voz
que agora saía da porta aberta não era a de uma mulher, era
de um homem, culto, suave, desconhecido. Sarah franziu o
cenho, curiosa caminhou lentamente pelo salão e se deteve
atrás de sua mãe.
Estava bem vestido, seu casaco de lã fina e cinza, sua cartola
negra brilhava à luz do sol. Além de sua roupa
descaradamente cara, possuía traços suaves e uma altura
que o fazia bastante anódino.
— Ah, Sarah — disse Eleonor sobre seu ombro. — Este
cavalheiro veio perguntar sobre a colocação de sua pupila na
Academia para meninas de impecável comportamento de St.
Catherine. Estava o informando, infelizmente, que fechamos a
escola. Nossa última aluna se foi ontem.
— Lamentável, de fato — disse o homem, seus olhos
escurecidos pela aba de seu chapéu, suas mãos enluvadas
estreitadas impecavelmente sobre uma bengala com um
punho prateado. — A Academia de St. Catherine veio com a
mais alta recomendação.
— Oh — disse Eleonor. — Por quem, se não lhe importar que
pergunte?
— Um amigo de um amigo conhece um homem local, Senhor
Foote, acredito.
Um pouco nauseada pela lembrança de Felix Foote, Sarah
recordou ter ouvido que tinha ido a Londres no mês passado,
com que propósito não lhe importava saber. Ela simplesmente
se sentiu aliviada de que ele tivesse desaparecido de
Keddlescombe. Depois da morte de seu pai, a pausa de suas
odiosas atenções tinha sido uma bênção.
Nesse momento ela sorriu com uma cortesia que não sentia.
— Espero que não tenha viajado de longe, senhor...
— Me perdoe, senhorita Battersby — disse tirando-se
brandamente o chapéu. Seu cabelo era avermelhado e fino, e
as mechas se penteavam cuidadosamente sobre seu couro
cabeludo. — Syder, Horatio Syder. Vim de Londres, mas
tenho assuntos de negócios que atender perto, assim não
estava fora do meu caminho.
Seus olhos, que antes eram difíceis de ver, eram de um cinza
pálido. Ele sorriu gentilmente, sua expressão suave e até
encantadora, mas seus olhos lhe deram um calafrio.
Descartando-o como um truque da luz, ela assentiu e
respondeu com as maneiras que sua mãe lhe tinha ensinado.
— Bem, lamento muito havê-lo decepcionado, senhor Syder.
Se o desejar, posso lhe proporcionar uma lista de escolas
recomendadas para seu bairro. Que idade tem ela?
— Quatorze — disse, seus olhos brilhando pela primeira vez.
Sim, de fato, decidiu. Um truque de luz, certamente. — E
muito curiosa, é tudo o que posso fazer para persuadi-la de
abandonar a biblioteca.
Sarah lhe devolveu o sorriso.
— Muitas de minhas alunas são iguais. — Ela balançou a
cabeça e imediatamente corrigiu: — ex-alunas, deveria dizer,
as expressões de assombro ao fazer uma nova descoberta
sempre foi minha melhor recompensa.
Uma rajada de vento que soprava o fôlego assobiou desde o
mar, empurrando o senhor Syder e arrepiando a pele de
Sarah.
— Que grosseiro de nossa parte — Eleonor exclamou. — Se
importaria de entrar? Estamos em meio ao empacotamento da
casa de campo, por isso atualmente está terrivelmente cheia
de coisas, mas sem dúvida podemos lhe oferecer uma xícara
de chá.
Sarah piscou atrás da cabeça de sua mãe. Que demônios
estava pensando ela? O salão não estava em condições.
— Eu adoraria, senhora Battersby.
Antes que Sarah pudesse protestar ou inclusive perguntar por
onde a sua mãe tinha deixado seu engenho, Eleonor tinha
acompanhado o cavalheiro à habitação amontoada com suas
posses: pilhas de roupa de cama, roupas, livros e pratos,
lembranças e tolas lembranças que deveriam haver se
descartado durante anos. As coisas cobriam todas as
superfícies, interrompidas só por caixas de madeira e dois
velhos troncos. Ele tomou tudo com um olhar de investigação.
Tinha a estranha impressão de que ele estava calculando seu
valor em sua mente.
Sua mãe se ocupou de limpar o espaço no sofá solitário e
gasto. Eleanor deu uns tapinhas na almofada e disse: —
Agora, sente-se, se o desejar, senhor Syder, só levará um
momento para fazer o chá, talvez minha filha possa lhe contar
um pouco a respeito de suas habilidades como professora de
meninas curiosas.
— Posso?
— Certamente, pode — Eleonor insistiu com uma inflexão
enfática. — Parece que a pupila do Sr. Syder necessita de
alguém com seu talento e experiência. Se não for em uma
escola, talvez como um tutor privado ou professora. — As
sobrancelhas de sua mãe se moviam para cima e para baixo
de uma maneira muito peculiar antes de sair da habitação,
detendo-se só o suficiente para recuperar a chaleira de
porcelana que tinha estado empacotando.
Sarah havia dito à sua mãe que preferiria um posto em uma
escola, onde poderiam estabelecer-se mais facilmente em um
só lugar. De que outra maneira poderia proporcionar um lar
para ambas? O matrimônio, talvez, mas ela já havia rejeitado
a ideia. O único homem que poderia havê-la tentado nesse
sentido a havia deixado fazia quase dois meses.
— Bom — disse ela agora que sua mãe não lhe tinha dado
outra opção. — Talvez devêssemos nos sentar. — Abriu
caminho através da habitação para tirar uma pilha de roupa
de cama de uma cadeira e logo as deixou cair em uma caixa
vazia antes de sentar-se.
A bengala do senhor Syder tocava as placas do chão, soava
forte na habitação antes de sentar-se no sofá, apoiando a
bengala contra o braço dobrado e colocando seu chapéu ao
seu lado sobre a almofada. Os olhos cinzas a olharam
fixamente.
— Keddlescombe é um lugar encantador, os aldeãos foram de
grande ajuda, parece que sabem tudo o que acontece na área.
— O povoado é muito pequeno, seria mais difícil não se dar
conta, me atreveria a dizer.
— Certamente. — Sorriu-lhe, mas seus olhos se apertaram. —
Tenho um amigo que passou por este caminho recentemente.
Escreveu-me cantando seus louvores tão verde, — disse. — O
ar limpo e com aroma de mar muito diferente do pó de carvão
de Londres, senti que simplesmente devia vê-lo eu mesmo. —
Suas mãos descansavam junto aos seus joelhos,
perfeitamente imóveis. O homem não se moveu, mal piscou.
— Talvez o recorde.
Seu coração deu um chute contra seus ossos, de repente deu
voltas, cambaleou e golpeou a um ritmo frenético. Uma febre
fria e doente correu por seu sangue.
— Não, eu... não poderia dizer...
— Seu nome é Colin Lacey.
Os finos cabelos em seus antebraços se levantaram de sua
pele.
— Lorde Colin Lacey, embora frequentemente prefere
prescindir do título, já que é só uma cortesia de seu irmão, o
duque de Blackmore.
Podia sentir o sangue sair da superfície de seu corpo. Talvez
estivesse fugindo do homem sentado em frente a ela. O
homem que tinha cortado as costelas de Colin, enegreceu seu
rosto e o deixou inerte. Durante um minuto inteiro não pôde
obter suficiente ar para falar, finalmente, quando o fez, suas
palavras foram tênues.
— Temo que... não visitei o povoado ultimamente.
Seus olhos, cinzas como a morte, caíram sobre a faixa negra
ao redor de seu braço.
— Está de luto — disse com voz suave.
— Sim.
Dando uma olhada ao redor da habitação, ele inclinou a
cabeça.
— Seu pai, suponho — A forma em que o disse, casualmente,
facilmente, como se fosse simplesmente um pedacinho mais
para adicionar ao seu arquivo, congelou-a em seu assento. —
Minhas condolências à senhorita. E à sua mãe, é óbvio.
Por que, quando sua respiração se tornou tão superficial, seu
coração de repente sentiu-se apertado por uma prensa?
— Então, aonde disse que se dirigiu Lorde Colin quando se foi
daqui, senhorita Battersby?
Ela tragou, quase afogando-se com a secura em sua garganta.
— Eu não conheço um lorde Colin.
Sua cabeça se inclinou de novo.
— Curiosamente, os aldeãos pareciam pensar o contrário.
— Estão equivocados.
— Isso é verdade?
Eleonor entrou trazendo uma bandeja com sua chaleira de
porcelana e três xícaras pequenas, que tilintavam contra seus
pires.
— Está recém feito, simplesmente não posso tolerar o chá
morno. — Pôs a bandeja em uma das caixas e logo serviu
uma xícara para cada um, quando foi entregar à Sarah a sua,
ficou paralisada, aparentemente notando a expressão de sua
filha. — O que aconteceu?
— Temo que o Sr. Syder está procurando o que não podemos
proporcionar.
Seu sorriso se aplanou, logo desapareceu.
— Talvez seja uma questão de incentivo. — Tomou um sorvo
do chá de sua mãe. — Agora vamos, senhorita Battersby,
suas dificuldades não precisam continuar em sua veia atual.
— A xícara retornou ao seu pires sem um som. — A senhorita
poderia viver comodamente, pelo que estou disposto a
oferecer por uma informação bastante irrelevante.
— Informação? — Eleonor franziu o cenho. — Pensei que
estava aqui pela escola.
Sarah ignorou a sua mãe, incapaz de apartar o olhar do
depredador de olhos mortos sentado em frente a ela.
— Não posso vender o que não possuo, senhor Syder.
Suspirando, inclinou-se para diante para devolver sua xícara
à bandeja. Sua cercania pôs sua pele retorcendo-se com a
necessidade de correr.
— Isso é do mais desafortunado. — Ficou de pé, devolvendo o
chapéu à cabeça e a bengala à sua mão. Inclinando a cabeça
minimamente, voltou a olhar ao redor da sala abarrotada. —
Talvez uma mudança de circunstâncias a convença do
contrário. — Com isso ele simplesmente girou sobre seus
calcanhares, caminhou tranquilamente para a porta de sua
casa, e saiu da casa sem outra palavra.
— Que diabos foi isso? — Perguntou Eleonor. Ainda flutuava
perto da bandeja de chá, com a xícara na mão, claramente
desconcertada.
Sarah se sentou em seu lugar sentindo que o gelo cristalizava
dentro de suas veias.
— Essa foi a razão pela qual teve que voltar a costurar a pele
de um homem, mamãe. — Sua voz era quase calma, mas
talvez só o parecia porque seu coração ressoou com força em
seus ouvidos.
— Esse foi…
— Sim.
— Oh, meu Deus.
De repente Sarah não podia suportar sentar-se mais tempo,
ficou de pé e correu para a janela dianteira puxando a
cortina. Ele se tinha ido, ao menos isso parecia, de sua casa.
— Devo advertir o Colin — murmurou, agora caminhando no
espaço aberto ao longo da parede. Sua mão cobriu sua boca,
logo voltou a cair ao seu lado. — Mas não tenho ideia de onde
está, não me disse para onde iria, só disse que era mais
seguro se eu não soubesse.
Sua mãe observava seu passo sem dizer nada. O que era
incomum.
— Mamãe?
— Sim?
— Não sei o que fazer.
— Posso ver isso.
— Por favor, me diga o que devo fazer.
Eleonor cruzou os braços debaixo de seu peito.
— Possivelmente deveria dar ao senhor Syder o que ele quer.
Sarah deixou de andar , olhou a expressão fechada de sua
mãe.
— Acabo de dizer que não tenho o que ele quer.
Vários pulsados do coração passaram.
— Talvez eu tenha.
— Você?
Eleonor fungou.
— Sim.
Incredulidade construída como pressão atrás de uma cortiça.
— E deseja vendê-lo a alguém que golpearia e torturaria um
homem quase até a morte?
Um ligeiro rubor entrou nas bochechas de sua mãe.
— Não o desejo, mas... oh, sério, Sarah. Não me olhe assim.
As possibilidades de que alguém ainda o encontre ali depois
de todo este tempo são bastante remotas.
— Mamãe.
— Disse que só devia contatá-lo em caso de uma ameaça.
— Isto é uma ameaça. É a própria definição de uma ameaça!
Eleonor negou com a cabeça.
— Para ti, Sarah, só se houver uma ameaça para ti.
Seu coração começou a pulsar de novo, desta vez não por
medo.
— Me diga, mamãe, devo encontrá-lo, adverti-lo. Por favor.
Os olhos de sua mãe se suavizaram.
— Este tipo, Syder, simplesmente te seguirá diretamente para
ele, dá-se conta?
— Não se eu tomar cuidado.
Ao cruzar os braços Eleonor soltou outro suspiro e fechou a
distância para Sarah.
— Tomaremos cuidado, porque o avisaremos juntas, não
permitirei que se arrisque por sua conta.
— Muito bem — Sarah disse antes que sua mãe tivesse
terminado de falar. — Onde ele está?
— Primeiro completaremos nossa embalagem, levaremos
nossos pertences conosco, como tínhamos planejado.
Sarah franziu o cenho.
— Não, devemos...
— E logo, filha, formularemos uma estratégia, uma que evite
a circunstância em que qualquer uma de nós caia sangrando
junto ao caminho. Está claro?
A impaciência vibrava e ardia. Queria descartar as
advertências sensatas de sua mãe. Em troca, não tinha mais
remedeio que assentir e obedecer.
A mão de Eleonor pousou no ombro de Sarah.
— Não se preocupe, se soubesse aonde tinha ido o senhor
Clyde...
— Lacey — Sarah disse fracamente. — Ou, mais
apropriadamente, Lorde Colin, é irmão de um duque.
O longo silêncio de sua mãe estava cheio de perguntas.
Felizmente, ela não as fez, porque Sarah tinha poucas
respostas.
— Independentemente, se o Sr. Syder teve o primeiro indício
de onde se escondia lorde Colin, não nos teria feito uma visita
nem teria devotado recursos em troca da informação.
A pressão ao redor de seu coração começou a diminuir um
pouco.
— Tem razão, mas Syder está muito perto do cheiro do Colin.
— Vamos terminar nosso trabalho aqui.
Sarah começou a protestar de novo, logo se deteve quando
Eleanor levantou uma mão.
— Terminamos aqui — repetiu sua mãe. — Então veremos
como salvar o seu estranho uma vez mais.
CAPÍTULO 11
“Pergunta-se por que me nego a viajar nessas carruagens.
Agora tem sua resposta.”
A Marquesa viúva de Warlingham, ao seu filho Charles, ao
inteirar-se de sua desastrosa saída com uma particular viúva
em uma carruagem aberta e uma tormenta inesperada.

Cinco gavetas e dois baús, de algum jeito tinham arrumado


para reduzir todas as suas mundanas posses a isso, e mesmo
assim, a carruagem que o Sr. Hubbard lhes emprestou tinha
estado pesada e lenta ao atravessar o caminho poeirento e
cheio de buracos.
— Teremos sorte de chegar antes do amanhecer. — Eleanor
murmurou. Sustentando-se unicamente no amplo respaldar
do cavalo, era tudo o que via na densa escuridão.
Sarah sustentou a lanterna mais acima, seu braço estava
dolorido e seu traseiro intumescido pelo duro assento de
madeira.
— Disse que eram menos de doze quilômetros?
— Sim.
— Estivemos viajando por horas. — Tinham deixado a
fazenda Hubbard pouco depois do entardecer.
Eleonor estava calada, olhando as costas do cavalo como se
pudesse movê-lo mais rápido.
Suspirando, Sarah viu como seu fôlego se desvanecia no ar
frio, esfregou distraidamente seu ombro, tentando aliviar a
dor. Tinham passado três dias empacotando suas coisas da
cabana, despedindo-se e deixando um falso rastro para
Exeter. A urgência era como um fogo lambendo seus pés,
enervante e exaustivo ao mesmo tempo. Precisava chegar a
ele, queria assegurar-se de que estava a salvo.
— Acredito que aqui é onde viramos. — Eleonor disse com
tom inseguro enquanto puxava as rédeas para desacelerar
ainda mais o cavalo.
Sarah entrecerrou os olhos na escuridão.
— Está segura?
— Você gostaria de dirigir a carruagem?
— Felizmente. — Sarah replicou. — Exceto que se nega a
revelar para onde iremos.
— Se lhe houvesse dito teria me deixado sozinha e teria
partido por sua conta.
Era verdade, mas só se esfregou mais forte contra a
frustração que sentia. O que tinha de mau em querer limitar
o risco a si mesma? Nem sequer tinha se atrevido a contratar
um moço para que entregasse a mensagem ao Colin,
temerosa de que alguém mais acabasse ferido. Sua mãe se
deslizou para frente, pousando-se na borda do banco de
madeira.
— Sustente a lanterna mais alta, Sarah. Não posso ver o
sinal.
— Não há nenhum sinal.
— É óbvio que há, só faz o que te digo. Sou sua mãe.
Suspirando em voz alta, Sarah obedeceu.
— Assim, isso é tudo.
Olhando além da tênue luz que se projetava com o passar do
lombo do cavalo, Sarah distinguiu um pequeno muro de
pedra e um poste de madeira.
— O que é isso exatamente?
Eleonor começou a dirigir o cavalo para frente, logo à direita,
onde a parede deu passo a um caminho estreito.
— O caminho à Mansão Yarnsby?
— Quererá dizer a Mansão Yardleigh.
— Oh, sim. Yardleigh.
— Ele... está se escondendo em Yardleigh...
— Na Mansão, sim.
Sarah mal notou o longínquo estrondo do trovão e as duas
pequenas gotas que golpearam sua luva, ele era irmão de um
duque. Naturalmente escolheria uma casa senhorial como
refúgio, esse devia ser seu destino original quando o
descobriu na estrada à Littlewood. Mas por que Yardleigh?
Ela só podia supor que ele tinha alguma relação com os
donos.
Sarah tinha visitado o lugar uma vez quando tinha dez anos,
seu pai tinha visitado o Barão doente que vivia ali. Mais tarde,
o ancião e seu título tinham expirado, deixando a casa em
mau estado. Eventualmente, foi comprada por uma família
desconhecida, de recursos consideráveis que, segundo as
intrigas do povoado, poucas vezes residiam no lugar.
Esperava que os novos proprietários conservassem a
propriedade apropriadamente.
Recordou o encanto daquela mansão, estava constituída por
duas alas. Uma delas era uma grandiosa estrutura quadrada
elaborada com granito cinza violáceo, a outra ala era mais
antiga, ripada de madeira, perpendicular ao longo daquele
extremo. O conjunto da casa se assemelhava a um "T", ambas
as seções construídas em épocas diferentes, mas
curiosamente complementares.
Tinha contemplado casas maiores, situadas no caminho a
Bath ou a Londres, as quais estavam estendidas como
grandes dragões através de uma ampla paisagem verde. Mas
só uma das alas da Mansão Yardleigh tragaria todas as
pedras, janelas e tábuas de assoalho do chão de sua cabana.
Mais ainda, gotas frias caíram em sua bochecha.
Olhou para o céu e logo examinou o halo que rodeava a
lanterna.
— Está chovendo mamãe.
— Sim — Eleonor respondeu estalando a língua para o
persistente cavalo.
— Não queremos estar empapadas quando chegarmos,
esperemos que a casa esteja mais perto do que lembro. —
Olhou para Sarah — Já é bastante mau que importunemos
tão tarde a uma família abastada.
Infelizmente, chegaram muito depois que o céu se abriu e
liberou seu dilúvio.
— Bom, suponho que será difícil nos seguir a pista, depois de
tudo, a chuva certamente levará qualquer rastro de nosso
progresso ao longo das estradas. — Comentou Sarah quando
chegaram à entrada da casa.
— Se busca bom ânimo, — sua mãe resmungou detendo a
carruagem — sugiro que o procure em outra parte, porque
vejo pouco para louvar em nossas circunstâncias atuais.
Ambas desceram da carruagem gemendo pela rigidez em suas
articulações e músculos.
Tinha sido uma viagem interminável, gelada e úmida. E ainda
tinham que enfrentar a possibilidade de que Colin trocara de
lugar faz muito tempo.
Três das janelas do piso inferior estavam iluminadas,
significava que a casa estava claramente ocupada. Sarah
deixou a lanterna junto à roda da carruagem.
— Deveríamos... deveríamos chamar?
— Preferiria ficar aqui até que nos convertamos em barro? —
Eleonor respondeu.
Olhando à sua mãe, Sarah viu uma mulher magra e pálida,
empapada e tremente, abraçando a si mesma em busca de
calor, decidida, assentiu e se agarrou à sua saia de lã
empapada pela chuva.
Dirigiu-se à porta no centro da ala de granito da Mansão
Yardleigh, em cima da porta, à tênue luz das janelas, podia
ver uma data esculpida na pedra angular: 1696.
Tomando uma respiração tremente, levantou a pesada
aldrava de metal que havia na porta de madeira, golpeando
três vezes. Passaram um ou dois minutos. A mandíbula de
sua mãe se apertou para evitar que seus dentes batessem.
Finalmente, a porta se abriu, revelando uma mulher gordinha
de bochechas rosadas, com o avental e a touca de uma
criada. Entretanto, as chaves em sua cintura revelaram que
era a governanta.
— O que é isto? — Gritou a mulher, estendendo sua vela para
ver seus rostos. — Devem ter se equivocado de caminho.
— N… nós trazemos uma m… mensagem. — Seus lábios
repentinamente não respondiam às suas ordens,
possivelmente era pelo frio. — Para o Sr. Col, quer dizer,
Lorde Colin Lacey.
A governanta franziu suas sobrancelhas.
— Não há ninguém aqui com esse nome. — Sua voluptuosa
figura se moveu para segurar a porta. — Parece que enfrentou
a tormenta por nada, espero que continuem uma boa viagem.
Sarah se inclinou para frente e agarrou o pulso da mulher.
— Por favor… é um assunto muito urgente. Se por acaso
estiver aqui o informaria que a Srta. Battersby deseja falar
com ele sobre um tema de suma importância?
— Não farei semelhante coisa. — Respondeu a governanta,
puxando seu braço do alcance de Sarah. — Porque nesta casa
não se encontra nenhum Lorde Colin Lacey. Além disso, é
quase meia-noite. Que classe de ralé perambula nestas
penosas horas, em meio de um aguaceiro?
A redonda mulher se aferrou à porta uma vez mais, olhando
por cima do ombro de Sarah à humilde carruagem que ainda
estava situada no caminho, a roda iluminada por sua
lanterna.
— Nenhum Lorde te concederia uma audiência a estas horas,
asseguro-lhe isso, agora, vá embora daqui. — Com isso
fechou a porta, deixando Sarah sem palavras, olhando
fixamente os painéis de madeira enquanto gotejavam sobre
suas próprias botas.
— Golpeia de novo.
As palavras provinham de sua mãe, mas demorou um
momento para as registrar.
— Adiante — disse Eleonor, agarrando seus cotovelos
enquanto tremia, a chuva caindo na aba de seu chapéu. —
Não cheguei até aqui para ver minha obstinada filha render-
se tão facilmente.
Lentamente, Sarah se voltou para a porta e usou a aldrava
três vezes mais.
Nada.
— Uma vez mais — gritou sua mãe. — Até que ela responda.
Levantando o pesado anel de metal, Sarah chiou quando foi
arrancado de sua mão, esperava uma mulher redonda, de
rosto vermelho, com uma touca branca e um avental listrado.
Mas o que viu, entretanto, foi um homem. Um homem alto e
magro com um colete de seda prateado, camisa de linho
branca, calças escuras e botas reluzentes. Era bonito, muito
bonito, com traços refinados e juvenis; cabelo de ouro pálido
com fios muito curtos que mal resistiam ao impulso de
ondular-se; e seus olhos eram tão azuis como um céu de
verão.
Possivelmente era parente do Colin. Um primo ou um irmão.
Era difícil de explicar, já que se sentia um pouco aturdida,
sua mente girava em círculos. Significava que estava aqui.
Depois de tudo, seu coração se agitou ante a ideia de voltar a
vê-lo. Perguntou-se se poderia ser tão bonito como o
cavalheiro que estava na frente dela, e imediatamente
descartou a ideia. O espécime ante ela era realmente
estranho, mesmo com aquele cenho franzido em seu rosto.
— Entrem ambas, estão empapadas até os ossos, peço-lhe
desculpas, senhora Battersby.
— Deu um passo para trás e lhes fez gestos para que
entrassem no vestíbulo que se encontrava iluminado com
paredes angulosas de carvalho.
Sua mãe assentiu e entrou diante dela. Mas Sarah estava
preocupada com o cavalheiro. Sua voz, era tão...
— Sarah.
Familiar…
— Entra, pelo amor de Deus.
Era ele, este era Colin. Lorde Colin. Curado e bonito, com um
cabelo curto e vestido com os melhores ornamentos da
riqueza. Ela não podia respirar, e de fato, deve ter vacilado
um pouco porque ele a puxou pelo cotovelo e a empurrou
mais à frente da soleira.
— Sarah. — Agora soava rouco, olhando-a fixamente com
calor, preocupação e visível agitação. — O que ocorre,
querida?
Piscando rapidamente, reuniu seu juízo melhor que pôde
dadas as circunstâncias.
— Senhor Colin, mal o reconheci.
Soltou um suspiro, seu cenho franzido se soltou.
— Imagino que me vejo diferente à última vez que me viu. —
Voltou-se para a governanta de bochechas rosadas e lhe
ladrou.
— Acorda o menino do estábulo para que guarde a carruagem
e cuide do cavalo, também quero habitações e banhos
preparados para cada uma de nossas hóspedes logo que seja
possível, entendeu? E o chá, senhora Poole, no salão. Agora!
A mulher assentiu com obediência e saiu por uma das quatro
portas. Colin guiou Sarah e Eleonor para o que
presumivelmente era o salão, era um espaço grande e luxuoso
com paredes de painéis de madeira e cortinas de seda com
listras verdes. A mesma seda cobria os dois sofás que se
encontravam um em frente do outro, coordenados com
cadeiras de veludos escuros e bordeados com madeira escura.
A acolhedora e elegante habitação estava iluminada pelo
suave resplendor dos candelabros estrategicamente
localizados, junto com o fogo da lareira com marco de
carvalho, suficientemente grande para albergar a carruagem
do Sr. Hubbard.
Ao longe escutou Colin as convidar a sentar-se, antes de sair
da habitação com a promessa de retornar. Sarah não se
sentou. Em vez disso, olhou a seda de listras verdes nos sofás
e logo o atoleiro de água de chuva que se acumulava aos seus
pés.
— De repente ficou muito calada. — Observou Eleonor, quem
também se manteve de pé, seu traje gotejando.
Sarah olhou os olhos de sua mãe, estavam tingidos de
preocupação.
— Estou bem, mamãe. — Mentiu. — Simplesmente estou
resfriada e cansada por nossa viagem.
Olhando de novo a habitação, seu olhar se concentrou na
lareira. Puxou a fita de seu chapéu de palha empapado, o
tirou e o agitou no fogo.
— Talvez deveríamos nos esquentar, assim poderíamos
facilitar a conservação dos meus dentes que não deixam de
chiar.
Seguindo o exemplo de Sarah, Eleonor puxou seu chapéu e se
abriu passo através da extensão de piso de madeira polida e
caros tapetes grossos. Juntas pararam perto da lareira,
absorvendo o calor das chamas.
A porta se abriu, era Colin, seus braços estavam empilhados
com o que pareciam ser mantas de lã. Seus largos passos,
livres de dor, debilidade ou lesão, cruzaram a distância que
havia entre eles em questão de segundos. Ele era forte outra
vez e isso alegrou seu coração.
— Aqui. — Disse, pondo-lhe uma manta dobrada sob o nariz.
— Pega duas e pelo amor de Deus, Sarah, sente-se antes que
desmaie, está quase azul.
Colocando seu chapéu em uma mesa baixa, tirou uma das
mantas e a envolveu ao redor de seus ombros, mal tinha
terminado quando sentiu em seus ombros umas mãos
magras e masculinas, foi empurrada para trás, até que se
encontrou sentada na seda do sofá.
— Manchará...
— Silêncio. — Disse, seus dedos durando mais do que
necessário em seus ombros, antes de serem retirados. —
Fique aqui. — Logo se voltou para sua mãe, que se tinha
envolto em duas capas de lã limpa e seca e deixara-se cair em
uma das cadeiras de veludo.
— Encontra-se melhor, Sra. Battersby?
Eleonor assentiu.
— Muito melhor.
Colin se sentou no sofá que ficava em frente a Sarah, passou
uma mão cansada pelo rosto e se inclinou para ela, apoiando
os cotovelos nos joelhos.
— Me conte o que aconteceu.
Era isto, a razão pela qual tinha vindo ali, a razão pela qual
tinha passado os últimos três dias em um estado febril. E
agora que o enfrentava, àquele familiar desconhecido, as
palavras se desvaneceram como brilhos de névoa queimados
pelo calor do amanhecer. Seus únicos pensamentos
radicavam no muito que havia sentido saudades, quão
inesperada era a dor… como vê-lo de novo a destruiu.
— Sarah — sussurrou. — Me responda.
— Um homem que chegou ao povoado — respondeu sua mãe,
a voz tremendo tanto quanto seu pequeno corpo. —
Mencionou que tinha uma jovem pupila que queria enviar à
Academia Santa Catharine. Quando lhe dissemos que a
escola tinha fechado...
— Fechado? — Colin perguntou bruscamente. — Quando? —
Sarah tragou saliva com força, perguntando-se se alguma vez
voltaria a sensação aos seus dedos, sentia-os congelados.
— A última menina se foi faz uns dias, embora tenhamos
planejado o fechamento durante as últimas seis semanas. —
Respondeu Eleanor. — Desde que o senhor Battersby...
morreu.
Com o olhar fixo nas chamas que dançavam e crepitavam na
lareira, Sarah apertou o interior de suas luvas, talvez tivesse
um pouco de sensação, mas o couro estava úmido e pegajoso,
era incômodo. Embora as dobras morderam sua carne… um
pouco de dor era melhor que o intumescimento, supôs.
— Sinto profundamente, por favor, aceite minhas
condolências.
— Obrigada, meu senhor — Eleonor respondeu. — Sua morte
não foi inesperada, mas veio com algumas mudanças de
circunstâncias que resultaram ser um desafio para nós.
Sarah sentiu um formigamento em sua bochecha. Quando
levantou a vista, os olhos azuis de Colin se cravaram em sua
pele, quase acusatórios.
— Em qualquer caso. — Continuou Eleonor. — Este
cavalheiro que nos chamou não parecia dissuadido pela
notícia da escola. De fato, parecia muito ansioso por conhecê-
la melhor, o convidei a entrar, como o ditavam as boas
maneiras, e enquanto eu preparava o chá, ele...
— Ele fez muitas perguntas. — Sarah disse com voz rouca,
incapaz de apartar a vista de seus olhos, aqueles olhos
fascinantes, de céu sobre o mar. — A respeito de ti.
Sentado mais direito em seu assento, a mandíbula de Colin se
endureceu, seu nariz se alargou.
— Sobre mim?
— Sim, te chamou por seu nome e mencionou que era seu
amigo. — Sarah deixou que seus lábios se curvassem em um
leve sorriso. — Seu verdadeiro nome.
— Sabia? O que lhe disse?
— Nada, só que não conhecia ninguém chamado Lorde Colin
Lacey.
Desta vez foi a cabeça de Colin a que se voltou como se não
pudesse suportar olhá-la.
Quando voltou a olhá-la sua expressão era dura e fechada.
— Que aspecto tinha? Disse quem era?
— Sim.
— E?
Apertando com mais força suas luvas, soltou um pouco e
sentiu o couro lhe beliscar as palmas das mãos. A dor era
tranquilizadora.
— Syder. Seu nome era Horatio Syder.
CAPÍTULO 12
"A frase 'cortejar o desastre' não estava destinada a ser
tomada literalmente, Charles".
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao
inteirar-se da forte aversão de certa viúva aos vestidos
empapados e os chapéus arruinados.

Ela estava ali. Horas depois que ela e sua mãe tinham
desaparecido escada acima para aquecer e dormir, ele mal
podia acreditar. Quando escutou a senhora Poole dizer seu
nome, seu coração latente tinha começado a pulsar de novo.
Tinha retorcido dentro dele como uma faca ao ver seu rosto
pálido como o leite tingido de azul.
— Deveríamos partir para Londres logo que passe a tormenta
— disse Harrison. — É evidente que já esperamos muito
tempo, se ele te houver rastreado até aqui. — O irmão de
Colin estava perto de uma das janelas da sala de estar, com a
postura rígida sob um casaco escuro e as mãos entrelaçadas
atrás das costas.
Em certo modo pareciam-se, o duque de Blackmore era
igualmente loiro e só uma polegada mais alto, com os traços
refinados do lado da família de sua mãe.
Era um pouco mais pesado quanto aos ombros, mas ainda
estava construído ao longo das mesmas linhas magras, na
estimativa de Colin, aí era onde terminavam as semelhanças.
Durante anos tinham estado em desacordo, Harrison tinha
herdado grande parte da frieza de seu pai e o amor à
propriedade por causa dele, Colin deixou que o brandy e a
amargura fizessem a maior parte de seu pensamento. Só nos
últimos quatro meses tinham começado a reconciliar-se. Jane
ocupou-se disso.
— Não posso deixá-la para trás — Colin respondeu, passando
uma mão pelo cabelo. Era mais curto do que gostava, mas
depois de sua recaída com um surto de febre, tinha
necessitado da mudança. — Tampouco pode voltar para o seu
povoado, Syder a usará contra mim.
Harrison ficou em silêncio e quieto por um longo momento,
olhando a garoa do amanhecer sombrio.
— Ela te importa, então.
Nesse momento Colin se sentou no mesmo lugar que ela
havia ocupado à noite anterior, se não tivesse agredido o
senso de decoro de sua mãe, ele haveria acompanhado Sarah
escada acima, a teria visto banhar-se e logo dormir no frio
piso de seu dormitório, só para escutá-la respirar.
Isso era o muito que "importava-lhe". Ele manteve sua
resposta a um simples "sim", no entanto. Não tinha sentido
ficar piegas, particularmente quando Harrison estava
preocupado.
— Deseja levá-la a Londres. O que ela tem a dizer sobre isto?
Imediatamente o humor do Colin se obscureceu.
— Não tem sentido, ela virá conosco, isso é tudo.
Harrison simplesmente cantarolava uma resposta neutra,
mas pelo resto permaneceu calado.
— Sabe o que ela tinha planejado depois de entregar sua
mensagem aqui? — Colin escutou a indignação em sua
própria voz, e era só uma fração do que ele sentia. — Ela e
sua mãe iam conduzir aquela carruagem velha e
desmantelada até Bath. Bath! Sem um homem que a proteja e
pouco dinheiro para pagar a comida ou o refúgio, sem
mencionar a completa falta de segurança da parte de uma
prima ignorante de sua iminente chegada. Todo o assunto é
uma tolice de descerebrados!
Afastando-se da janela para olhar ao Colin, Harrison levantou
uma sobrancelha.
— Chancy, talvez. Entretanto, pelo que descreveu de suas
circunstâncias, não é totalmente sem mérito. Bath oferecerá
muito mais oportunidades de emprego ou matrimônio, se a
senhorita Battersby desejasse...
— Não.
Por um momento Harrison pareceu divertido, mas isso era
pouco provável. Seu sentido de humor era quase inexistente.
— Ela não deseja o matrimônio, então isso é surpreendente.
Seria o mais sensato...
— Não é um tema de debate, ela não irá a Bath. — Colin se
levantou do sofá e começou a caminhar. — Ela ficará aqui até
que passe a tormenta, se tiver que alimentá-la como a um
bebê, comerá o suficiente para lhe tirar o oco das bochechas.
— Talvez aquilo se convertera em algo inoportuno, mas ela o
estava deixando louco com seus planos ridículos. — Logo, ela
me acompanhará a Londres, onde comprarei alguns vestidos
adequados. Viu o que usa?
Harrison murmurou: — Não, não posso dizer...
— Trapos, isso é o que são, o que não está gasto se reparou
tantas vezes que é pouco mais que remendos. Seu pai morreu
faz seis semanas, ela está de luto, mas não pode pagar mais
que uma faixa negra para simbolizar sua perda, é
insustentável, Harrison.
O irmão de Colin não disse nada. Colin tomou isso como um
acordo.
— Não, até que Syder tenha sido tratado adequadamente, ela
seguirá sob meu cuidado e ela permanecerá perto, para que
eu possa garantir sua segurança.
— Muito bem — Harrison disse em voz baixa. — Quem
diremos que é ela? Os outros se perguntarão.
Colin se deteve junto a uma das cadeiras de veludo, Colin
assentiu com a cabeça.
— Pensei muito nisto.
— Esperava-o.
— A apresentaremos como minha prometida.
Silêncio.
— Não é tão escandaloso como soa.
Mais silêncio, Colin reatou o ritmo.
— Esta solução oferece muitas vantagens, como minha
prometida, ela teria todos os motivos para acompanhar a
nossa família a Londres. Mas estão de luto, por isso não se
espera que vão à maioria das funções da sociedade, sua mãe
deve atuar naturalmente como sua acompanhante, o que
explica a presença da Sra. Battersby bastante bem.
— Seu plano requererá que a senhorita Battersby e sua mãe
sejam cúmplices em uma elaborada farsa. Isso não te
preocupa?
Uma vez mais Colin se deteve, desta vez dando ao seu irmão
um amplo sorriso.
— Ah, mas aí está o brilho disso, Harrison. Já o fizeram. —
Brevemente ele explicou a enganação que ele e Sarah tinham
levado a cabo em sua aldeia. — Então, verá, ela não pode se
objetar.
Harrison se tomou um momento para responder.
— Não estaria muito seguro, as mulheres podem ser
temperamentais.
As portas do salão se abriram para entrada da esposa do
Harrison, Jane. Por todos os direitos, a maioria dos homens a
despediriam de primeira vista, já que era baixa, com óculos,
com o lado generosamente arredondado e singelo.
Entretanto, como Colin tinha visto enquanto assegurava sua
amizade, ela também era bastante extraordinária.
— Isto, cavalheiros, parece perigosamente como conspiração.
— Sorriu amplamente, suas covinhas brilhando, seus olhos
escuros iluminados. — Devo insistir em ser incluída.
— Não há conspiração, asseguro-lhe isso, duquesa — disse
Colin com uma piscada. — Simplesmente a eclosão de uma
trama tortuosa, as diferenças são sutis, mas vale a pena as
assinalar.
Ela foi primeiro ao Harrison, ficou nas pontas dos pés para o
beijar e logo cruzou a habitação para apertar as mãos do
Colin e lhe dar um sorriso para aquece-lo.
— Concordo, ainda assim eu gostaria de ser incluída.
— Será — Harrison respondeu soando algo sombrio. — Não se
pode evitar.
— Excelente — disse alegremente, voltando-se para o Colin.
— Como se sente esta manhã? Parece não ter dormido, me
preocupa, já sabe.
Quando Harrison e Jane tinham chegado semanas atrás, ele
estava no processo de recuperar sua força depois de uma
longa febre e uma luta para curar-se completamente. Sua má
saúde tinha atrasado sua viagem a Londres, um fato pelo
qual agora estava agradecido. Do contrário, poderia haver
perdido Sarah.
— Estou bastante bem — assegurou à Jane. — Melhor do que
posso recordar haver estado em muito tempo, de fato
possivelmente Harrison te explique o acontecido e lhe relate
sobre os nossos planos. Se me desculparem, devo falar com a
senhora Poole sobre o café da manhã.
Ele apertou seus dedos e beijou sua bochecha enquanto ela
se engasgava de surpresa, logo saiu do salão para procurar a
governanta. Encontrou-a na sala de café da manhã
conversando com o mordomo sobre o serviço de café da
manhã.
— Ah, senhora Poole e Underwood, também. Excelente!
O mordomo inclinou a cabeça e ambos murmuraram: — Meu
senhor.
— Necessitarei de uma bandeja preparada para cada uma de
nossas hóspedes, não economizem, quero um complemento
total das ofertas de Cook, todo o melhor, entendido?
Os criados se sobressaltaram um pouco, mas assentiram.
— Senhora Poole, pode entregar uma bandeja à antecâmara
da senhora Battersby, mas eu entregarei a outra
pessoalmente.
— Oh! Er... sim, meu senhor.
Underwood, mais acostumado a dissimular seu desconforto,
adicionou brandamente.
— Agora mesmo pedirei aos lacaios que preparem as
bandejas, meu senhor.
— Muito bem, leve à minha habitação quando estiver
preparada.
Com isso, quase correu pelas escadas principais para seu
quarto de vestir, apressou-se através de um barbeado rápido
e uma mudança de roupa, ensaiou em sua mente o que diria
a ela. Não devia deixar que o contrariasse, seu obstinado
orgulho bem que poderia impedir que aceitasse seu plano.
Mas ele não podia permitir, ela devia estar de acordo.
Um golpe soou na porta, agradeceu ao lacaio e admirou a
minuciosidade de Underwood e da senhora Poole, a bandeja
estava cheia de pão, ovos ao vapor, presunto, toucinho,
pãezinhos, geleia e mais muito mais. Sorrindo, levou— a pelo
longo corredor até a porta de Sarah, golpeou firmemente duas
vezes e escutou sua resposta.
Um suave, "Entre", ampliou seu sorriso ainda mais. Abriu a
porta de par em par, entrando com confiança. Deteve-se.
Deixou que a porta se fechasse atrás dele, seu fôlego o deixou
na mão.
Estava sentada em um toucador delicado quando o olhou
sobre os ombros, só lhe foi permitido vislumbrar um
resquício, era magnífico. Fios em espiral de mel castanho
dourado, exuberante, profundo e selvagem derramavam-se ao
longo de suas costas. Os cachos que tinha lutado por conter
durante muito tempo se desataram sobre seus sentidos,
queria enterrar seu rosto neles, agarrá-los com suas mãos
enquanto se conduzia para dentro de seu corpo.
A xícara de chá na bandeja estralava contra seu pires. Voltou
a cabeça até que seus olhos, aqueles olhos cor mel,
encontraram-se com os dele e se acenderam de surpresa.
— O que?… meu... meu senhor. — Ela se queixou com sua
bata branca, puxando-a com mais força sobre seu seio.
Queria desembrulhá-la como um presente.
— A que devo esta visita? Aconteceu alguma coisa?
Sim. Algo tinha acontecido, o sangue tinha subido ao seu
pênis e o tinha convertido em pedra, a luxúria tinha enchido
sua cabeça como a névoa de Devonshire, espessa e
impenetrável. Não conseguia ver sua saída.
— Isso é para mim?
Uma pergunta tão inocente, de fato, tudo o que tinha era para
ela. Seu pênis, seus lábios, suas mãos e sua língua, tudo
dela, só para ela.
— Cheira celestialmente — Ela se levantou e se aproximou
dele, pegou a bandeja de suas mãos e a colocou sobre uma
pequena mesa com tampo de mármore entre duas cadeiras.
— Quanta comida! É muito mais do que poderei comer, mas
agradeço sua entrega. A senhora Poole estava muito ocupada?
Dirigir uma casa pode ser muito exigente, especialmente à
primeira hora da manhã.
Seu bate-papo lhe deu tempo para deixar que a razão
penetrasse nele. O que era bom.
Necessitava de seu engenho sobre ele.
— Trouxe-o para poder falar contigo. Sozinho. — Limpou
garganta. — Comerá tudo.
Lançou-lhe um olhar duvidoso sobre seu ombro.
— Tudo? Lorde Colin, isto é mais comida do que normalmente
como em três dias, sem importar quão apetecível seja.
— Vamos prescindir do 'senhor'. Sou Colin. Além disso,
ilustrou meu ponto com precisão, não come o suficiente, e
isso mudará aqui e agora.
Ela soprou meio rindo.
— Fará?
— Sim, está muito magra, mulher, sem nada que oculte seus
ossos mais que um vestido puído.
Sarah ficou quieta, sua expressão passou do sorriso para o
vazio, com os braços cruzados sobre seu abdômen.
— Entendi — disse em voz baixa. — Isso é tudo?
— Não, não é. Você e sua mãe me acompanharão a Londres,
iremos depois que acabe a tormenta e as estradas se secarem
um pouco.
Ela não disse nada, seu dedo agora tocava seu cotovelo
ritmicamente.
— Uma vez em Londres, comprarei vestidos novos para ti, já
que os teus são miseráveis. Vi tecidos melhores usados como
bolsas de viagem. — Talvez ele pudesse ter expressado as
coisas mais diplomaticamente, mas não tinha tempo de voltar
atrás. Ele devia deixar sua posição em termos claros. Sua
posição era ao seu lado, e isso era definitivo. — Ficará na
casa da minha família, onde comerá, descansará e evitará o
trabalho de qualquer tipo.
Seu rosto, tão pequeno e pálido, estava rodeado por aquela
espiral de cachos, adquirindo um aspecto claramente
obstinado. Seu queixo levantou uma fração, seus lábios
apertados e planos. Se ele não soubesse melhor, suspeitaria
que ela estava disposta a contradizê-lo com uma força
significativa. Em troca, o dedo que golpeava aumentava sua
cadência.
Seguiu adiante.
— Depois que a ameaça à sua segurança tenha sido
eliminada, podemos discutir onde viverão você e sua mãe. Até
então, ficará comigo.
— Terminou?
— Além de alguns detalhes, sim.
— Me perdoe, meu senhor, mas temo que tenha julgado mal a
situação.
Cruzou os braços sobre o peito.
— Ah, sim?
— Mmm. Me recorde outra vez a quem o Sr. Syder está
perseguindo. Era a ti, não?
— Bom, sim, mas...
— Qualquer pessoa que esteja perto de você deve, portanto,
correr um maior risco, não menos.
— Não entende...
— Além disso, fiz todo o possível para evitar que caísse em
suas mãos. Não uma, mas sim duas vezes.
— Sarah, sabe que estou agradecido...
— Então, o que te dá licença para ditar minhas decisões? Não
te devo nada, já que não sou sua criada, nem há uma relação
para que possa me ordenar, em todo caso, me deve uma.
Abriu a boca para discutir esse ponto preciso, devia-lhe, mas
ela uma vez mais ficou diante dele.
— Além disso, se me inclinasse a aceitar suas demandas, que
razão teria sua família para acolher a viúva e a filha
empobrecidas de um vigário de povoado? Afirmamos que
estou fazendo uma audição para o papel de professora?
Suponho que o duque de Blackmore desfrute de um contato
muito mais amigável com seus serventes e seus familiares do
que é habitual ou, possivelmente, somos primos perdidos faz
tempo, pedindo caridade de nossos...
— Será minha prometida — disse com calma, querendo que
ela percebesse sua resolução. — Sua mãe será sua
acompanhante.
Sua boca se abriu, seu peito teve trabalho com a respiração.
Aproveitou a oportunidade para oferecer a verdade, talvez isso
a convencesse.
— Dirigimo-nos à Londres para que possa ajudar a desarmar
ele e o seu império. Tínhamos a intenção de que minha
presença pública atraísse o Syder, o incomodasse para que
pudesse tornar-se... descuidado. Tem razão, ele está me
perseguindo, chegou tão longe como eu estou disposto a ir
com a ajuda do meu irmão, tomarei todas as precauções. Me
rodearei de guardas, minha família e do beau monde para
que, se se voltar tão audaz para me atacar, certamente estará
guardando seu próprio ingresso à forca. — Colin deu dois
passos para ela e logo se deteve. — Esse era nosso plano
antes que te encontrasse, está claro que agora sabe de sua
importância para mim.
Um pequeno cenho se franziu.
— Pretende atuar como isca? A que se refere com
importância?
— Uma vez que soube de nossa conexão, supôs que eu te
daria minha localização. — Ela fungou.
— Bom, não a mim, precisamente a deu à minha mãe.
Colin ignorou seu sarcasmo e a acusação, já que não
significava muito. Ele tinha estado tratando de protegê-la do
Syder enquanto se assegurava de que ele fosse informado se
ela alguma vez o necessitasse.
— Estou seguro de que pretendia te seguir até mim. A
tormenta ocultou seu rastro. Entretanto, a próxima vez que
viaje à Bath ou retorne à Keddlescombe, vá a qualquer parte,
a encontrará por sua conta. E vai ferir-te.
Sua boca trabalhava, seus olhos procuravam e
desconcertavam.
— Com que fim? Agora que conheço sua estratégia, dir-lhe-ia
de boa vontade a verdade, que planejou viajar a Londres.
Sacudindo sua cabeça, respondeu: — Dentro de uns dias
saberá que estou em Londres, saberá sobre as medidas que
tomei para me pôr além de seu alcance. Ele procurará acabar
comigo, não te verei machucada.
O sulco sobre a ponte de seu nariz se aprofundou e seus
lábios se franziram.
— Então, sua solução é que deveríamos fingir um
compromisso. Outra vez.
— Sim — ele suspirou, aliviado de que ela enfim viu a razão.
— Entendeu. — Logo lhe dirigiu um meio sorriso, recordando
outra proposta, outro acordo entre ele e Sarah Battersby. —
Como antes, seremos um para o outro, temporariamente, é
claro.
— Perdeu por completo seus sentidos. — Ela soprou as
palavras, sua cabeça tremia em negação.
— Para onde mais pode ir, Sarah? Me perdoe, mas você e sua
mãe estão bastante desamparadas.
— Eu... vou encontrar uma posição uma vez que esteja
estabelecida em algum lugar, só será uma questão de tempo.
— O tempo que você não comprou com recursos que não tem.
Seus olhos se estreitaram, seu orgulho se acendeu.
— O irmão de um duque não pode ser prometido a alguém
como eu, simplesmente é um fato.
Podia ver que sua vontade se elevaria contra ele, resistindo
além da última gota de razão, o entendeu, mas não podia
permiti-lo.
Ela não devia negar-se a isto, o medo se acumulou em suas
vísceras, onde se mesclava com o desejo que havia sentido
desde o começo. A convencerei de que fique comigo, mesmo se
tiver que seduzi-la para que aceite.
Resolvido, ele fechou a distância entre eles, aproximou-se até
que cheirou flores silvestres em seu cabelo, observou seus
olhos brilhar e fundir-se em sua mente, tirar-lhe a roupa
branca de seu corpo e passar a língua... por toda parte, sobre
mamilos com pele aveludada e ocos sombrios, ele tinha
sonhado. Quando lhe chegou a febre, quando estava
destroçado. Cada vez que fechava os olhos, às vezes, quando
olhava para a escuridão, não conseguia dormir por falta dela.
Observou como sua garganta se agitava, seus doces seios se
elevavam mais rápido com sua respiração.
— Com que facilidade se esquece, senhorita Battersby.
— Não — ela sussurrou, seus olhos afogando-o. — Não
esqueci nada, em nem um momento.
Sentiu um lento e cálido sorriso curvar seus lábios.
— Então recorda que me importa pouco a convenção.
— Ninguém acreditará, eu e você, é absurdo. — Soava sem
fôlego.
Ao cercar-se dela, esperava que ela se retirasse, mas ela não o
fez, deixou que seu nariz tocasse e acariciasse os cachos em
sua têmpora, respirou mais seu aroma. Devia ser sabão
proporcionado pela Sra. Poole. Mas nela era intoxicante, como
estar em um prado da primavera de sinos e trevos, verdes,
selvagens e doces.
— Saberão que é verdade — murmurou. Incapaz de lutar por
mais tempo com a necessidade, ele percorreu sua bochecha
ao longo da dela, sentindo que seus amaciados cachos lhe
amorteciam o passo, manteve suas mãos aos flancos, melhor
não ceder à tentação.
— P-porque o diz?
Seus lábios roçaram os dela tão fracamente como a luz da lua
em um parapeito. Seus olhos se fecharam, seu queixo
inclinando-se mais para cima.
— Porque — ele respirou contra sua boca separada antes de
retirar-se lentamente, deixando que um de seus cachos se
enganchasse em sua bochecha e saísse. — Verão a forma em
que a olho. — Deu um passo para trás com cuidado,
apertando os punhos atrás de suas costas, sentindo cada
centímetro de distância entre ele e o objeto de seu desejo. Mas
devia ir-se antes de render-se. Antes de cometer o erro de
pensar que alguma vez poderia ser suficientemente bom para
ela. — Verão, doçura, e eles saberão.
CAPÍTULO 13
“Justo quando suponho que esgotou todas as ideias idiotas,
tira uma velha relíquia da estante e lhe tira o pó para outra
oportunidade.”
A viúva marquesa de Wallingham ao seu sobrinho depois da
notícia de sua terceira admoestação em Oxford.

— Um compromisso? — A mãe de Sarah murmurou uma hora


depois. Eleonor tirou uma forquilha dentre seus lábios e o
cravou no penteado de Sarah. — Está segura que não
confundiu seu significado?
Sarah passou a mão pela obra de sua mãe. "Moderado",
pensou com alívio, por agora.
— Não há engano, disse-lhe que era absurdo, essa foi a
palavra que usei, absurdo. — Se levantou do pequeno
tamborete e pôs a escova emprestada no toucador
emprestado.
— Deve atuar como nossa acompanhante, ao que parece.
Eleonor olhou deliberadamente a bandeja do café da manhã
que Colin lhe tinha entregue antes, ainda com montões de
comida que ela tinha sido incapaz de terminar, então voltou a
olhar à Sarah.
— Parece que necessita de uma.
Burlando-se com muito entusiasmo, Sarah respondeu: —
Obrigada, mamãe, não ocorreu nada.
E era verdade, tinha saído de sua habitação depois de seu
quase beijo, a decepção a tinha deixado sem fôlego. Mas ela
supôs que ele não tinha o costume de andar beijando por
compaixão. Sua mãe a olhou com o conhecimento misterioso
de uma mãe.
— Bom, nada alarmante, em qualquer caso.
Mais silêncio e especulação, Sarah limpou a garganta.
— Os duques de Blackmore estão esperando para nos
conhecer no salão, a senhora Poole já deveria estar aqui para
nos acompanhar para baixo.
— Sarah.
Baixou as mãos pelas dobras de seu vestido cor marrom
apagada, encolhendo-se ante o tecido desgastado. Era o
mesmo que usara ontem, porque seus baús permaneciam na
carruagem, Colin tinha mencionado vestidos novos
vergonhosamente, sua vontade se debilitara e seu orgulho se
derrubara ante a tentação. Não devia render-se, aceitar seu
plano absurdo, era dar a entender que uma união entre ela e
um homem como Colin, bonito, rico, sensual, encantador, era
inclusive possível. Não, sabia exatamente quem era ela e
quem era ele, e por que ele nunca poderia sentir por ela
aquela sensação de debilidade que ela sentia cada vez que via
suas mãos magras, seu perfeito queixo ou seus formosos
olhos azuis.
Entretanto, um vestido novo ou dois seria encantador, sua
mão roçou a faixa negra sobre o braço. Quanto desejava
vestir-se de preto para honrar o seu pai!
— Sarah, me olhe.
A demanda veio de sua mãe, então que ela obedeceu.
Como sempre, Eleonor estava limpa e ordenada, sua pele
pálida mostrando sinais sutis de sua idade e das dificuldades,
nas rugas finas das comissuras dos lábios e em seus olhos.
Agora a preocupação enrugou sua testa.
— Não deve deixar que te convença de ações que poderiam
resultar em... bom, em novas cargas... de caráter permanente.
Sarah sentiu que o calor subia e formigava em suas
bochechas.
— Mamãe — ela protestou. — Se estiver de acordo com seu
plano, e isso é pouco provável, estaríamos fingindo estar
comprometidos, seria um drama, uma peça de teatro e
temporário, asseguro-lhe isso. — Deu-se a volta e se ocupou
de ordenar as poucas coisas no toucador. — Não tem por que
preocupar-se.
Um golpe na porta assinalou a chegada da senhora Poole.
Sarah estava agradecida pela interrupção, já que sua mãe
podia ser tenaz quando se tratava de proteger a sua filha.
Mesmo assim, temia encontrar-se com os duques.

~~*~~

Enquanto a senhora Poole as guiava pelos longos corredores


de Yardleigh Manor, Sarah lançou olhares furtivos para sua
prega. Os fios se afrouxaram, danos da última lavagem. A
necessidade de voltar atrás e esconder-se em sua habitação
era forte. Em troca, seguiu a governanta para as portas com
painéis da sala, respirando justo antes que a senhora Poole
golpeasse ligeiramente e as abrisse.
— Sra. Battersby — disse uma voz profunda, tranquila e
masculina com calma, do lado da lareira. — E a senhorita
Battersby.
Era alto, Sarah se deu conta, inclusive mais alto que Colin, e
ligeiramente mais largo nos ombros, mas com o mesmo
cabelo loiro muito curto. Sua mandíbula foi esculpida até
uma borda fina, seus traços refinados e aristocráticos. O
duque de Blackmore era um homem impressionantemente
bonito, embora de uma maneira mais austera que seu irmão.
— Sua Graça — Eleonor murmurou, fazendo uma reverência
e inclinando a cabeça brevemente.
Sarah seguiu seu exemplo, seu coração palpitava de temor.
— Confio em que tenham encontrado o alojamento ao seu
gosto. — Suas palavras foram amáveis, mas seu tom era de
gelo.
— Em efeito, Sua Graça, agradecemos-lhe sua amabilidade —
disse Sarah.
— A casa não é minha, portanto não é minha amabilidade.
Ela piscou sem saber como responder, então de quem era? De
Colin? De outra pessoa?
— Bom — disse Eleonor, iniciando uma conversação. —
Quem nos haja proporcionado tão generosamente nosso
alojamento, tem nossa sincera gratidão.
O duque simplesmente se limitou a olhar de longe, um
comprido silêncio se estendeu antes que se limpasse uma
garganta feminina, Sarah nem sequer havia notado a mulher
parada atrás de uma das cadeiras de veludo. Era baixa, um
pouco gordinha, com o cabelo marrom escuro retirado de sua
cara redonda, à exceção da franja de cabelo ao longo de sua
testa, era uma mulher bastante singela, cujo estilo era severo.
Os óculos faziam com que seus olhos parecessem maiores que
o normal, se moveu lentamente até parar ao lado do duque.
Quem era ela? Sarah se perguntou. Outro convidado,
possivelmente? Certamente ela não é a...
— Senhoras, apresento a minha esposa, a duquesa de
Blackmore.
Sarah olhou à sua mãe. Eleonor piscou para ela, juntas,
aproximaram-se do incerto par e fizeram uma reverência à
duquesa. Era uma mulher singela, e Sarah não pôde evitar
dar-se conta de que a Duquesa de Blackmore estava
requintadamente vestida de brilhante seda vermelha. Junto
com o tom do vestido, o decote quadrado e uma faixa mais
escura na cintura baixa eram bastante lisonjeiros.
Exageradamente custoso, podia ver-se em cada ponto.
Uma vez mais Sarah pensou nos fios de sua própria prega, os
pontos que ela mesma tinha costurado em lugar de contratar
uma costureira de Londres ou inclusive uma costureira de
Exeter. Ansiava desaparecer.
— De verdade — aventurou Eleonor — sentimo-nos honradas
de lhe conhecer, Sua Graça, e muito agradecidas de ter sido
beneficiárias de tanta generosidade.
A mãe de Sarah lhes deu seu melhor sorriso, responderam
com melancolia, o duque sombrio e sem sorrir, a expressão da
duquesa fechada e tensa.
Sarah só podia concluir que não estavam de acordo com ela
nem com sua mãe. Duas mulheres malvestidas, de um
obscuro povoado costeiro eram, de fato, uma má companhia
para um poderoso duque e sua esposa. Tal reação não era
inesperada, embora bastante incômoda.
Foi outro aviso de porque o plano do Colin era absurdo e
destinado ao fracasso.
Mas ela tinha um terreno delicado para discutir sua loucura,
já que havia perpetrado a mesma mentira em sua aldeia fazia
só dois meses atrás. Ele a chamaria de hipócrita por suas
objeções, e teria razão.
— S..Sra. Battersby, t..tenho entendido que é neta de lorde
Chalsea — disse a duquesa com voz rouca e vacilante.
— Assim é — Eleonor respondeu. — Meu pai era seu terceiro
filho, após, o título passou a um primo, que não conheço, pois
não é próximo.
Dirigiu à duquesa um sorriso cálido e amável.
— Londres e Keddlescombe estão muito longe uma da outro
em muitos aspectos.
Um sorriso tremente, pequeno e vacilante precedeu a
cordialidade dos olhos escuros da duquesa. Ela se esticou
para ajustar seus óculos.
— Achei Devonshire uma delícia, é minha primeira viagem a
esta região, e se pode cheirar o mar em cada brisa, aqui.
Ao observar com curiosidade a mudança no comportamento
da duquesa, Sarah quase não pôde escutar a crua pergunta
do duque.
— Aceitou a proposta do meu irmão, senhorita Battersby? Ou
podemos assumir que está em maior posse de suas
faculdades que ele?
Bom, pensou, não foi precisamente cuidadoso com as
palavras. Sua expressão a fez engolir com dificuldade.
— Eu... ele... quer dizer, lorde Colin parece estar mais
empenhado.
— Precisamente porque sei como ele é, ainda não decidi.
Seus olhos eram azuis, mas um pouco mais cinzas que os do
Colin, como um lago que se tinha congelado.
— Se não fosse por sua insistência, Sua Graça, minha mãe e
eu estaríamos agora caminho a de Bath — assegurou-lhe.
Não disse nada em resposta, simplesmente a olhou de sua
altura elevada até que sua esposa lhe passou um braço pelo
cotovelo e lhe deu um empurrão sutil.
— Harrison — murmurou a mulher de óculos. — Seja
agradável.
— Sim, Harrison — disse a voz do Colin atrás de Sarah, à
entrada da sala. — Sejamos civilizados — caminhava para
eles, seu olhar fixo em seu irmão, suas sobrancelhas
desceram em um olhar fulminante. — Está falando com
minha futura esposa, depois de tudo.
— Um compromisso falso, — respondeu Blackmore com
desdém — e um plano absurdo.
Sarah piscou ao escutar suas palavras, que se ecoavam nos
lábios do aristocrático. Colin se colocou ao seu lado,
causando um arrebatamento de calor ante sua proximidade.
— Talvez — disse em voz baixa. — Mas é o meu plano, não o
dela, não tolerarei que ninguém falte com o respeito com ela.
Inclusive você.
Em lugar de responder diretamente ao seu irmão, Blackmore
se dirigiu de forma fria para ela.
— Você é consciente que ele não dispõe de recursos próprios,
mas sim que vive de uma atribuição sobre a qual tenho um
controle completo?
— Harrison — Colin grunhiu.
— Além disso, — continuou o duque — as circunstâncias
atuais do meu irmão são totalmente causadas por sua
incapacidade para pagar as dívidas contraídas através de
apostas esbanjadoras nas salas de jogo do senhor Syder.
A voz do Colin se aprofundou, soando mais zangado a cada
segundo.
— Está equivocado, essa não é a razão, já saldei minha
dívida, e sabe muito bem.
Blackmore o ignorou, sustentando com força o olhar de
Sarah.
— Então, veja, senhorita Battersby, se seu interesse está em
garantir um marido no qual se possa confiar para lhe
proporcionar um lar e ganhos para a senhorita e a sua mãe, a
aconselho procurar em outra parte.
— Harrison! — O silvo e a expressão de indignação da
duquesa de Blackmore o levaram a apartar-se de Sarah
enquanto franzia o cenho à sua esposa. — Não há nada que
sugira que a senhorita Battersby seja de tal caráter.
— Ela não é — Colin grunhiu. — Em todo caso, tive muito
trabalho para convencê-la a cooperar.
Com cuidado, Sarah limpou a garganta.
— Posso dizer algo?
Blackmore voltou a cabeça para ela e, surpreendentemente,
fez-lhe um gesto afirmativo.
— Estou de acordo com Sua Graça.
Sua simples declaração pareceu aturdir a todos na habitação,
incluído o duque, enquanto todos guardavam silêncio para
esperar uma explicação mais detalhada.
— Se estivesse procurando um homem que nos apoiasse,
procuraria em outro lugar. De fato, não teria envolvido o seu
irmão em minha vida, ficou em Keddlescombe durante uns
dias mais do que tinha planejado para me ajudar a evitar esse
matrimônio.
Blackmore pareceu considerar seu ponto, logo respondeu com
uma de suas frases.
— Talvez jogou fora um peixe pequeno a favor de um salmão.
A duquesa olhou ao seu marido horrorizada, Eleonor ficou
sem fôlego, Colin foi o primeiro em falar.
— Pare com isso, irmão — sua voz era baixa e séria.
Mas foi a duquesa quem finalmente convenceu Blackmore a
ceder, e seu tom foi surpreendentemente amável.
— Se não fosse pela senhorita Battersby, Colin estaria morto,
meu amor. Não crê que lhe deva o benefício da dúvida?
O queixo de Blackmore baixou um pouco, seus olhos se
suavizaram ao olhar a sua esposa.
— Talvez tenha razão, minhas desculpas por qualquer
insulto, senhorita Battersby.
Sarah inclinou a cabeça aceitando suas desculpas, mas por
dentro, ela entendia suas preocupações muito bem. A filha de
um vigário, de uma pequena aldeia, com escasso sangue
nobre, mal deveria estar na mesma habitação que o irmão de
um duque, muito menos fingindo um compromisso, pela
segunda vez. Se ela fosse o duque daria uma olhada à pobre
mulher que tinha ante ele e tiraria a mesma conclusão óbvia.
— Ele... meu marido é bastante protetor com os que ama, — a
duquesa disse com sua expressão mais amável e seu olhar
mais direto que quando Sarah tinha entrado na habitação. —
Não é tão duro quanto parece, asseguro-lhe isso.
Colin soprou.
— Ele é precisamente duro e não necessito do amparo de uma
mulher, poderia me levantar sobre mim mesmo , se assim o
quisesse.
A boca da duquesa se torceu e sufocou uma risadinha.
— Agora, posso fazer uma ideia.
A tensão ao longo da parte posterior do pescoço de Sarah se
aliviou, e se permitiu sorrir à mulher que estava em frente a
ela, a quem estava começando a pensar que tinha julgado
mal. A duquesa agora parecia tímida em lugar de distante,
Sarah havia observado um comportamento similar em
algumas de suas alunas, quem demorava uma semana ou
mais em relaxar-se e sentir-se cômodas com as novas
amizades.
— Estamos aqui para discutir nossos planos para Londres —
Blackmore interveio.
Colin assentiu e convidou todos a sentar-se, Sarah notou que
tomou lugar junto a ela, em um dos sofás. Estava tão perto
que podia sentir seu calor e o aroma de sândalo e a ar fresco,
que alterava seus sentidos.
— Parece que a chuva está diminuindo, assim partiremos
amanhã pela manhã — começou dizendo Colin. — Dei
instruções ao Underwood e à Sra. Poole para que se
encarreguem dos acertos, com sorte devemos chegar em três
dias. — Olhou fixamente ao Blackmore. — O compromisso
não é negociável, todos devem estar de acordo e contar a
mesma história: a senhorita Battersby e eu nos conhecemos
em Bath.
Ela estava ali para visitar a prima de sua mãe e eu estava
procurando um novo cavalo para o estábulo de Blackmore,
tropeçamos um com o outro quando esse mesmo cavalo ficou
coxo e ela se deteve para me ajudar, e nos apaixonamos. Essa
relação nos conduziu à proposta de matrimônio, e agora a
levo a Londres para me reunir com minha família e preparar
as bodas. Perguntas?
Estava ordenando, ao princípio suas palavras foram com
força e logo desafiantes, com um tom resolvido. Tinha
pensado em seu plano e estava decidido a levá-lo a cabo, nem
seu irmão o deteria. Ele queria beijar sua formosa boca justo
ali, em frente dos duques e inclusive de sua mãe, desejava
tanto que seus lábios começaram a formigar, as palmas de
suas mãos a humedecer e a respiração a acelerar.
— Londres é o domínio do Syder. O que te faz pensar que não
a perseguirá uma vez que tenha feito pública sua relação com
a senhorita Battersby? — Blackmore perguntou.
Colin o fulminou com o olhar.
— Ele pode tentar, mas nunca a tocará.
O duque suspirou.
— Colin, faremos todo o possível para evitar, mas inclusive
Jane não estava a salvo dele nas terras de Blackmore.
— Ele não a tocará.
— Vai lhe dar o que quer, então, se se tratar disso?
Colin ficou em silêncio por um momento antes de responder.
— Não terei que fazê-lo, pelo que sei, através do meu contato
no Ministério do Interior, faz tempo que estão atrás de seu
bando. O império de Syder está caindo tijolo por tijolo, é por
isso que está desesperado.
Os olhos de Blackmore se estreitaram sobre seu irmão.
— Ainda não me disse quem é este contato. Está seguro de
que pode confiar nele? Depois de tudo, deixou-te à mercê
daquele desprezível carniceiro.
Sarah olhou ao Colin, seu coração retorcendo-se ao recordar
seus ferimentos, era a primeira vez que escutava uma
explicação da causa, de algum jeito tinha estado ajudando ao
Ministério do Interior. Negou-se a revelar informação vital, foi
torturado, golpeado e cortado como um pedaço de carne,
sentiu que seu grande café da manhã se agitava para escapar
de seu estômago.
— Sei que está irritado por isso — disse Colin.
Dirigia a declaração ao Blackmore, mas bem poderia estar
dizendo a ela.
Observou como o rosto do duque se voltava furioso, sombrio e
cintilante. Sua voz, no entanto, era inquietantemente
tranquila.
— Terei sua cabeça servida em uma bandeja.
— É por isso que insisto em falar com ele antes de te dizer
seu nome, Harrison — disse Colin, silenciando a objeção de
seu irmão com um olhar. — Assim é como deve ser.
— Peço-lhe perdão, lorde Colin, — disse Eleonor, inclinando-
se um pouco para diante em sua cadeira de veludo, apoiando
as mãos nos braços de madeira — mas se minha filha aceitou
parte disto, temo que eu deva me opor aos términos difíceis.
Sarah teve que dar crédito à sua mãe por sua valentia e ao
Colin por manter sua compostura, ele assentiu com calma.
— Não esperaria menos, senhora Battersby, se me permite
explicá-lo, tentarei tranquilizá-la. — Continuando, relatou
cuidadosamente os meses que passou sozinho correndo de
um extremo da Inglaterra ao outro para escapar do alcance de
Syder. Descreveu ter retornado à sua casa, Blackmore Hall,
escondido em uma casa de campo, em terras do imóvel, e
mesmo ali não estava seguro. — Nunca estive a salvo, nem
quando estive escondido ou correndo sozinho, Syder opera na
escuridão, ele está cômodo ali, o que ele teme é ser descoberto
e ao me esconder e correr encorajei sua busca. Um homem
sozinho, qualquer coisa pode acontecer, outro homem rico
assaltado por ladrões, uma casa de campo em chamas, não é
tão incomum. — Colin continuou dizendo. — Em troca, se eu
estiver em um lugar proeminente em Londres, celebrando um
novo compromisso, me reunindo com minha família, rodeado
constantemente por eles e por outros, meu desaparecimento
se notaria, seria difícil que me afastasse sem chamar a
atenção, coisa que ele não quer, por isso o lugar mais seguro
para Sarah está ao meu lado, se não pode me alcançar, não
pode chegar a ela.
Eleonor, escutando pacientemente, terminou seu
pensamento.
— E se ela e eu viajarmos juntas à Bath, como tínhamos
planejado, estará em perigo.
— Estará, uma vez que eu apareça em Londres enviará seus
homens para procurar Sarah, sem dúvida é um objetivo fácil.
Suspirando, Eleonor olhou à Sarah.
— Está de acordo com isto?
Os olhos de todos estavam de repente sobre ela, considerou o
que se havia dito, o que Colin tinha explicado sobre o Syder.
Ela sabia que era verdade, Syder o tinha perseguido até sua
aldeia e quase a tinha ameaçado em sua casa. Mas,
sobretudo, recordava cada vez que Colin a tinha beijado e
como tinha se sentido ao vê-lo afastar a dor de sentir sua
falta depois de uns poucos dias de amizade.
Como tinha sonhado bobamente que ele retornava à
Keddlescombe sobre as costas de Matilda e se ajoelhava ao
vê-la, declarando-lhe que não podia manter-se afastado, ela
sabia que era uma fantasia impossível e, ao final, sua eleição
não foi realmente uma eleição, absolutamente.
— Sim — disse, sabendo que poderia ser o maior erro de sua
vida. — Estou de acordo.
CAPÍTULO 14
“Minha carruagem de viagem não dá a mínima para o
sentimentalismo. Suas rodas só necessitam de uma amostra
do barro de novembro para entupir-se alegremente, uma
oportunidade que não oferecerei".
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Atherbourne em
resposta à pergunta da dita senhora sobre sua possível
assistência ao funeral da Princesa Charlotte.

Londres estava tão suja como ela recordava, exceto ali, ali era
tudo delicioso, Sarah apartou as cortinas do salão na parte
dianteira da Casa Clyde-Lacey e contemplou o Plaza Berkeley,
o verde no centro era como uma joia tranquila, não poluída
pela fumaça do carvão e a sujeira deixada para trás por
muitos cavalos. Nunca tinha se preocupado por Londres cheia
de gente, suja, com seus labirintos de ruas estreitas, ruídos
de carruagens e aromas de fumaça acre e excrementos, mas
talvez foi porque ela nunca tinha vivido em um lugar como
aquele.
Deixando que a seda se deslizasse contra seus dedos e
voltasse a cair em uma elegante curva ao longo da janela,
Sarah se voltou para a duquesa, quem estava centrada em
seu bordado e rindo de algo que Eleonor havia dito, durante
os últimos dez dias Sarah tinha se afeiçoado muito com Jane,
como a duquesa insistiu em ser chamada, seu humor
faiscante e sua franca inteligência deixaram claro como havia
ganho a evidente devoção de seu marido.
— Às vezes me pergunto se ele esqueceu com quem se casou
— Jane disse à Eleonor. — Honestamente, me dizer que devo
exercer moderação ao comprar livros, “Temos três bibliotecas
cheias, uma aqui e duas mais em Blackmore Hall. Não é
suficiente?” — Ela riu e negou com a cabeça. — Homem tolo.
— Sarah sempre foi igual com seus tecidos — disse Eleonor
com um humor indulgente. — Cada vez que ela conseguia um
pouco de dinheiro, invariavelmente a encontrava na loja do
Sr. Canfield, sobre a musselina mais nova.
Sarah olhou seu singelo vestido negro de manga longa,
fornecido por uma presunçosa mulher italiana com um toque
de dramatismo, estava belamente costurado,
requintadamente simples e melhor que qualquer outra coisa
que ela tivesse feito ou usado. Tinham-lhe encomendado mais
vestidos, ao menos isso era o que ela tinha entendido, seu
italiano era bastante pobre.
— Encanta-lhe costurar — continuou sua mãe. — Sarah,
recorda as colchas que fez para aqueles jovens que
retornavam para casa depois de Waterloo?
Sorrindo ironicamente, Sarah disse: — Lembro que pensou
que eu deveria passar menos tempo com eles e mais tempo
ajudando na feira da colheita.
Jane suspirou e usou seu nódulo para empurrar seus óculos
sobre seu nariz. Logo apunhalou sua agulha através do tecido
esticado no aro do bordado.
— Invejo-te, Sarah, embora admire a excelência nesse campo,
não a possuo.
Abriu-se a porta e entrou a irmã do Colin, lady Atherbourne.
Sarah havia conhecido Vitória Wyatt e seu marido, Lucien, na
manhã depois de chegar a Londres. Algo sobre esta
viscondessa dourada lhe tinha recordado instantaneamente
Colin, uma espécie de sincero encanto, supôs notavelmente,
entretanto, o casal estava presente frequentemente na casa
Clyde-Lacey quando Colin estava ausente, como se tratassem
de evitá-lo, Sarah tinha a sensação de que havia uma ruptura
entre os irmãos, mas não o tinha elucidado completamente.
Nesse momento Vitória agitou uma carta selada no ar e
enviou a todos um sorriso radiante.
— Chegou, minhas queridas — anunciou com seus olhos
verde azulados brilhando. — A última de lady Wallingham
depois da carta da semana passada, isto deveria ser muito
esclarecedor.
Sarah nunca tinha conhecido lady Wallingham, e por tudo o
que tinha aprendido a respeito da marquesa viúva, não queria
fazê-lo. Vitória a tinha chamado "a Dragão", enquanto Jane
falava dela em tom sarcástico, mas temeroso, entretanto,
enquanto Vitória mantinha uma correspondência regular com
a mulher, ela havia seguido lendo em voz alta as cartas de
Lady Wallingham durante suas visitas à Casa Clyde-Lacey.
Tinha demonstrado ser todo um entretenimento.
— Escutem isto — disse Vitória afundando-se com graça em
um divã de seda azul.

“Quando lhe solicitar que sofra outro tedioso almoço, ofereça


comentários mordazes, mas sinceros. Atue habilmente, e o
resultado será menos demandas de conversação e, felizmente,
menos almoços.”

— Isso explica muito — Jane disse com um gesto de seus


lábios.
— Certamente — disse Vitória, seus olhos explorando
rapidamente a parte inferior da carta. — Ah, ela planeja ficar
em Grimsgate Castle até a primavera em lugar de ir à cidade
para o funeral da Princesa, a esperava tanto.
Todos na sala adotaram um semblante solene, a morte da
princesa Charlotte (a única filha legítima do príncipe regente)
e seu filho recém-nascido durante o parto tinham aturdido
toda a Inglaterra, que se afligiu mais profundamente pela
perda da amada jovem realeza.
Agora, Sarah e sua mãe não eram as únicas vestidas de preto;
toda Londres a usava como um sinal de luto nacional,
incluídas as outras damas na sala, de fato, a costureira
italiana se queixou amargamente da escassez de crepe negro,
ao menos isso era o que Sarah assumiu que tinha estado
dizendo, a mescla de inglês e italiano tinha sido vertiginosa.
Entretanto, Lady Wallingham teve uma visão mais pragmática
dos acontecimentos. Vitória leu a explicação da viúva em voz
alta: "Toda a linhagem real poderia afundar-se no Tâmisa e
afogar-se, e ainda assim eu não viajaria nesta época
abominável do ano".
Sarah se voltou para a janela, escutando as outras damas rir
e conversar seu peito sentia-se vazio. Ela sentia saudades de
seu pai, mas, é claro, ele se tinha ido em todos os aspectos
que importavam durante dois anos. «É verdade que sente falta
do papai?, perguntou-se cruzando os braços sobre a cintura.
Não é ao Colin, o homem que mal se incomoda em te desejar
bom dia?» Ela o recordava como havia estado em
Keddlescombe, sentado com ela na horta, com aquele sorriso
travesso, insistindo em caminhar sozinho porque era muito
orgulhoso para apoiar-se nela.
Despertando com ela na noite enquanto lutava por colocar as
botas para procurar o pai dela na praia, dançando com ela na
abadia e beijando-a na escuridão.
Fechou os olhos com força, ansiando um homem que nunca
poderia ser seu, Lorde Colin tinha mantido uma cuidadosa
distância, desde sua partida de Yardleigh Manor ela o via só
no jantar todas as noites, e estranha vez falavam, Jane tinha
explicado que estava ocupado em restabelecer sua presença
nos clubes e renovar suas conexões com velhos amigos, tudo
parte do plano, Jane lhe tinha assegurado.
Possivelmente o que precisava era deixar de lamentar-se e,
em troca, estabelecer um plano próprio, sim, isso era todo um
plano, olhou para baixo ao seu vestido novo, tirou um pé de
debaixo de suas saias para admirar suas novas sapatilhas,
que mostravam adoráveis jorros de missangas em um
desenho formando redemoinhos.
— Vitória — ela perguntou, provavelmente interrompendo
outro engenho de Wallingham. Não lhe importava. — Conhece
alguém que necessite de uma governanta ?
Olhos grandes, de cor verde azulada, devolveram-lhe o olhar.
— Não estou segura por que pergunta.
Eleonor murmurou seu nome com um tom de advertência,
mas Sarah tinha começado a pensar que esta era a solução
que tinha estado procurando. Continuou: — Sabe que fui
professora de senhoritas anteriormente? Dava aulas na
Academia para meninas da Santa Catharine de Conduta
Impecável, a escola do meu pai.
— Ora, esse é um nome comprido — Jane murmurou com
expressão curiosa. — Impressionante.
— Infelizmente, minha experiência não foi em um lar, por isso
obter uma carta de referência foi um desafio.
Vitória lhe dirigiu um sorriso brilhante e um gesto de
assentimento.
— Acredito que posso ajudar com isso, farei algumas
indagações. Quem sabe o que ocorrerá?
O alívio de Sarah esquentou sua pele, finalmente ela tinha
encontrado sua resposta, não era o ideal, já que um posto em
uma escola seria mais de seu agrado, mas se pudesse
encontrar um posto em uma casa ao menos não ficaria na
miséria novamente quando resolvesse o emaranhado de Syder
e talvez procurar uma posição a distrairia daquela melancolia
sem sentido.
— Obrigado — Sarah suspirou. — É muito generosa, ah, e em
suas indagações, talvez deseje consultar as posições de
professora e a de governanta.
Enquanto ela falava, uma brisa mais fresca flutuava atrás
dela, onde estavam as portas. Estava tão agradada com seu
novo plano e o fácil acordo de Vitória, que não se deu conta,
agora, entretanto, deu-se conta de sua causa.
— Governanta? Acredito que não — dado o frio estalo das
palavras do homem atrás dela poderia confundir-se
facilmente com o duque. Mas em troca, era Colin, e soava
furioso.
Ela se girou para olhá-lo, parecia furioso, seus olhos azuis
brilharam e arderam através dela, seus ombros quadrados e
rígidos. Onde estava seu canalha? Desde Yardleigh ela
parecia havê-lo perdido por completo.
— Vai ser minha esposa, minha esposa não necessitará de
uma carta de recomendação.
Sarah piscou, franzindo o cenho.
— Mas, nosso compromisso é uma farsa — olhou às outras
damas da habitação, que também pareciam perplexas. — Não
pode continuar para sempre, devo planejar meu futuro se
quero ter alguma esperança de...
— Sarah — ele exclamou, seus olhos se pousaram
brevemente em sua irmã, logo em Jane e logo em Eleonor. —
Falemos em privado.
— Talvez eu devesse acompanhar... — o protesto de sua mãe
veio como se esperava de uma acompanhante, embora fosse
mais um cordeiro do que um leão.
— Em privado — repetiu, e logo resolveu o assunto
avançando, agarrando o braço de Sarah por cima do cotovelo,
e puxando-a do salão para o vestíbulo, logo para baixo por
um corredor e para o escritório do duque.
Olhou maravilhada os escuros painéis de madeira em cada
parede, a enorme escrivaninha de mogno, e a janela atrás
dela que dava a um pequeno jardim.
— Não estive nesta habitação antes, é encantadora.
— Sarah — murmurou enquanto liberava seu braço para
fechar a porta. — Não pode procurar trabalho, isso arruinará
nossa história.
Cruzando os braços, dispôs-se a dar golpezinhos com um
dedo na manga.
— Vitória simplesmente vai fazer averiguações, não precisa
especificar para quem são.
Com a mandíbula flexionada e os lábios apertados e
cansados, seu rosto parecia tão duro, tão destroçado pela
frustração, tão diferente de como ela o recordava.
— O cargo de governanta é uma posição difícil e solitária, não
é familiar, não é pessoal, seria infeliz em uma semana, sem
mencionar que são vulneráveis a todo tipo de impulsos
luxuriosos dos homens da casa. Não pode ser governanta.
— É claro que posso.
— Não tolerarei.
— Não tem voz no assunto.
Lançou um silvo de pura exasperação.
— Sarah, estou tratando te proteger. Não entende? Por que
não pode simplesmente me permitir que te cuide?
— Cuidei de mim mesma, dos meus pais e de uma escola que
albergava uma dúzia de meninas por dois anos, e o fiz só com
uma parte do salário de um vigário rural, pagando as dívidas
do meu pai e evitando os avanços não desejados do Félix
Foote. — Deu-lhe um sorriso apertado, mas triunfante. —
Acredito que isso me qualifica para dirigir meus próprios
assuntos, meu senhor.
— Por que é tão obstinada? E deixa de me chamar de "MEU
SENHOR", só o faz para me incomodar.
Seu dedo golpeou mais rápido seu braço.
— Como você esteve ausente durante grande parte de nosso
tempo em Londres, não vejo onde tive a oportunidade de
incomodá-lo. Meu senhor.
Sua agitação se deteve, suas mãos se pousaram em seus
quadris.
— Queixa— se de que estive longe da casa.
Ela zombou.
— Eu mal reclamei. Por que deveria fazê-lo?
— Fez! Você incomodou-se que eu não...
— Isso é ridículo.
— … alojei-me aqui contigo e agora está me castigando.
Entrecerrando os olhos, respondeu com a precisão e o
cuidado que só uma professora de garotas jovens podia
reunir.
— Meu desejo de conseguir uma posição que apoie a mim e a
minha mãe não tem nada a ver com o senhor. Verá, meu
senhor, apesar de suas frequentes afirmações do contrário, eu
gosto de comer também, estou a favor de um refúgio
adequado e de um banho ocasional, não sou um asceta,
portanto necessito de recursos que devo ganhar através de
um emprego. — Ela sorriu. — Um conceito estranho, talvez
possa explicá-lo mais devagar, se quiser.
Aproximou-se dela, falando enquanto seus longos e lentos
passos tragavam o chão entre eles.
— Sabe o que eu gostaria? — Sua voz agora era suave, seus
olhos ardendo com intenção. Estava tão perto que a fina lã de
seu fraque azul escuro roçou seu corpete.
Engoliu com força e retrocedeu, só para ver que ele estava à
sua altura, passo a passo, até que a beira da mesa de mogno
lhe deu um empurrão no traseiro. Seu rosto inclinado sobre o
dele, seu fôlego quente e seu olhar mais quente enquanto
fluía sobre sua pele.
— Eu gostaria de te ensinar o prazer, eu gostaria de começar
por te beijar até que me rogue e nunca parar.
Suas pálpebras revoavam tão rápido como seu estômago.
Uma dor baixa e quente se assentou entre suas coxas.
— Só diz estas coisas para me incomodar. — Não estava
segura de quem havia dito aquelas palavras irônicas, mas a
voz se parecia muito à sua.
O lento sorriso que lhe deu só fez com que o bater das asas, a
dor e a debilidade piorassem.
— Você se incomoda, então, quando faço isto? — Riscando
ligeiramente um dedo pelo seu pescoço, acariciando com
ternura o pequeno entalhe na base. — A sua pele?
Aquele era seu Colin descarado, em efeito devolvido com toda
sua força, ela mal podia pensar.
— Sarah, — gemeu, aproximando-se mais e abaixando a
cabeça para passar seus lábios pelo flanco de seu pescoço —
me deixe te beijar.
Ela se agarrou ao seu cabelo, frustrada pelas mechas muito
curtas, gostava mais longas, para poder as sentir curvando-se
entre seus dedos.
— Está me beijando — ofegou.
— Mmm, bom ponto, não há mais discussões. — Com essa
recriminação final ele tomou seus lábios, deslizando sua
língua ao longo de sua comissura, fez com que a Terra
deixasse de girar e começasse de novo com uma chuva de
faíscas. Ela gemeu e o convidou a entrar.
Ele o fez agarrando-a pela cintura e levantando-a para que se
sentasse sobre a escrivaninha de mogno polida, empurrando
o crepe negro com suas mãos até que seus dedos se
envolveram ao redor da pele nua justo em cima de suas
meias.
Justo debaixo de suas coxas.
Sua língua escorregadia deslizando-se e brincando contra a
dela era só uma parte de seu prazer, em realidade, em todos
os lugares em que a tocava havia uma fonte de sensação
resplandecente: suas mãos nas coxas, apertando e
acariciando; seu peito duro esfregando contra seus mamilos
endurecidos através de capas de tecido; seu fôlego e seu
aroma rodeando-a de sândalo e ar outonal fresco e só um
pingo de café.
Quanto mais a tocava, mais alto subiam suas mãos, mais
brilhantes cresciam as faíscas, até que ela se acendeu com o
prazer dele.
Agarrando-se aos seus ombros, ela instintivamente abriu
mais suas coxas para aproximá-lo dela pouco a pouco, seus
dedos amassaram a pele até que seu polegar roçou seu
núcleo, pressionando-a de tal maneira que as faíscas se
converteram em uma explosão.
Ela ofegou e se sacudiu, sentindo que ele a tocava de uma
forma que nenhum homem fez, a agradava de uma maneira
que não tinha imaginado antes.
— Shh, doçura, calma — murmurou contra seus lábios. —
Este pequeno e apertado botão demorará só um pouco mais
de tempo em liberar-se, mas não desejo terminar nossa lição
tão rápido.
Seu polegar desacelerou seus fascinantes círculos no centro
de seu ser, fazendo com que a tensão em espiral se suavizasse
e acalmasse. Enquanto isso, sua boca reatou seu acalorado
caminho ao longo de seu pescoço.
— Isto — murmurou, acariciando a pele na união de seu
ombro e pescoço. — Merece pérolas, requintados e luminosos
fios de pérolas.
Ela sussurrou seu nome.
Usou sua outra mão para acariciar ligeiramente seu seio,
acariciar, apertar e dar forma aos picos que franziam o crepe
negro e crepitavam ao tato. Ela recapturou sua boca com a
sua própria, pressionando, acariciando, mordiscando e
persuadindo, tal como ele tinha feito a ela.
Seu gemido foi sua recompensa.
Seu polegar retomando um ritmo mais rápido ao redor do
sensível nó no centro de seu corpo, esse foi seu triunfo. Seus
músculos naquele lugar secreto se apertavam, choravam e se
ondulavam com sua necessidade, seu mamilo, torturado por
seus dedos, formigava e faiscava, exigia que terminasse o que
tinha começado. Um fogo que não se apagaria por nada,
exceto...
Ela quebrou-se de repente, como uma onda que rasgou a
parte inferior de seu corpo, a mola soltou-se e as faíscas que
estiveram acumulando dentro de seus seios e seu ventre,
entre suas coxas e em todas as partes que sua boca havia
tocado deflagraram em uma brilhante explosão, caindo em
forma de ondas de prazer.
Ela soluçou seu nome contra o linho de seu lenço, Colin,
Colin, Colin, ele havia lhe feito aquilo, tinha lhe dado o
paraíso. Seu peito se agitou, sua mão acariciando
meigamente a face interna da coxa, onde estava curiosamente
úmida. Apoiou a testa em seu ombro, sem fôlego, como um
cavalo que tinha corrido muito.
— Verá, querida — ofegou, sua voz gutural. — Deixar que me
ocupe de você pode ser muito, muito satisfatório.
Os ecos de seu prazer ainda pulsavam dentro dela, fazendo-a
débil, cálida e um pouco confusa.
— Está dizendo que o fez… para provar um ponto?
— É obvio que não. Não sabe nada de mim, essa era minha
luxúria enlouquecida. Pura e simples.
— Não te acredito.
Suspirou, retirando uma mão de sua coxa com uma suave
palmada e a outra de seu seio com um último e persistente
golpe, como se precisasse alisar a seda.
— Faz tempo que sustenta que não sou terrivelmente
atraente.
Apartando-se para trás para olhá-la com total incredulidade,
riu a gargalhadas, sua cabeça tremendo.
— Pura loucura, a única explicação.
— Você fez isso!
Continuou rindo, parecendo genuinamente divertido por sua
afirmação.
Ela supôs que devia catalogar suas observações para ele,
possivelmente então recordaria quantas vezes a tinha deixado
saber que ela estava longe de ser uma beleza aos seus olhos.
Ela os contou com os dedos.
— Primeiro, considerou-me "tarifa aceitável" para os outros,
mas não para ti. Segundo, insultou repetidamente meus
vestidos, chamando-os de farrapos e coisas piores. Terceiro…
— É o suficiente, obrigado.
— … em várias ocasiões disse sem rodeios que sou muito
magra.
Seu sorriso começou a desvanecer-se.
— É, precisa comer mais, Digby está proporcionando as
bandejas como lhe disse?
— Você é a razão daquilo? — Todas as noites e todas as
manhãs, sem importar se descia para tomar o café da manhã
ou para jantar, encontrava uma bandeja empilhada,
ridiculamente alta com presunto e queijo cortado em fatias,
pão recém assado e, frequentemente, várias porções
generosas do que ficava da comida anterior. Era como se
fosse uma velha e doente cadela sendo tentada com as
sobras, pelo amor de Deus. — Colin, não posso comer tudo
aquilo, é absurdo imaginar que posso.
— Me agrade.
— Necessitaria de dez estômagos!
— Alguém deve assegurar-se de que não desmaie por falta de
alimento.
— Há poucas possibilidades de que você e Digby conspirem...
— Sarah — disse, sua expressão se tornou séria. — Se
esgotou, querida, a enfermidade de seu pai, sua morte, a
escola, sua mãe e eu. Não fica nada mais que fios e
determinação.
Lágrimas saltaram aos seus olhos sem que ninguém pedisse,
sem que ninguém as quisesse, e de uma maneira totalmente
humilhante. Ela o empurrou.
— Desça-me.
Deu um passo para trás, sua retirada lenta e relutante se
deslizou de sua posição e alisou as saias, logo o cabelo e as
bochechas, cruzando os braços e inclinando o queixo
desafiadoramente, disse: — Não desejo nem mereço sua
compaixão e se não fosse pela ameaça do Sr. Syder, tampouco
teria aceitado sua caridade.
— Não tenho dó de você.
Ela tentou passar junto a ele, sustentando suas saias a um
lado para evitar tocar suas calças, mas ele a deteve com uma
mão ao redor de seu cotovelo. Sentiu o calor de seu agarre
através de sua manga de seda.
— Colin.
Puxou— a mais para perto dele, seu nariz acariciando seu
cabelo, respirando profundamente.
— A compaixão não deixa um homem louco com pensamentos
de estar dentro de ti.
Seu fôlego a deixou, saindo a fervuras e debilitando seus
joelhos. Por que tinha que ser tão irresistível?
— Tampouco um homem passa todas as noites sonhando te
dar prazer tortuoso porque te acha pouco atraente.
De repente, puxou— a contra ele, pressionando seus quadris
contra seu abdômen até que ela sentiu a dura e substancial
protuberância entre suas coxas, apertando-se contra suas
calças.
— E isto, doçura, certamente não se pode atribuir à caridade,
isto só pode ser uma coisa. Desejo. Desejo a ti. Desejo a ti e
pense o que quiser sobre o resto: a comida, os vestidos, sua
busca de emprego. Mas nunca duvide da verdade disto. —
Beijou-a com força, sua boca insistente e rápida.
Então, de repente, soltou-a, seu rosto avermelhou, seu nariz
se alargou, as mãos elevadas para os flancos como se se
rendesse. Caminhando para trás, manteve seu olhar até que
chegou à porta. Logo, sem dizer uma palavra mais, voltou-se e
a deixou só no escritório do duque, lutando por respirar,
necessitada e dolorida.
Desejava-a, ou isso disse, afirmou que não sentia lástima por
ela, mas ela entendeu bem seu instinto de compaixão. Tinha-
o visto em Keddlescombe, com seu pai, suas alunas e com ela
agora, ela devia decidir quanto podia aceitar para mantê-lo
em sua vida.
Só um pouco mais de tempo, suplicou ao seu coração. O
deixarei ir, me deixe ter isto.
Sua cabeça respondeu com o que ela sabia que era verdade:
Nunca será suficiente.
CAPÍTULO 15
“A aparência da inocência pode ser efetiva como disfarce.
Felizmente, não sou fácil de enganar”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao escutar de Lady Berne o
desalento da senhora pelo dano causado por sua nova
companheira felina.

Agradável e cordial, segundo a estimativa do Colin, essas


palavras descreviam perfeitamente o melhor amigo do
Harrison, Henry Thorpe, o conde de Dunston. O senhor
magro e de cabelo castanho estava de pé junto ao Harrison,
com um copo de xerez na mão, com uma expressão de
indiferença em seu rosto.
— Então, este senhor Simons...
Colin levantou uma sobrancelha ao Dunston enquanto
levantava sua xícara de chá de seu pires.
— Syder — tomou um gole, não era brandy, mas ao menos
era forte.
— Ah, sim, Syder — continuou Dunston. — Suponho que
administra vários destes inferninhos de jogo? Quantos tem?
Muitos, suponho.
Suspirando, Colin olhou ao Harrison, observando como seu
irmão examinava seu relógio de bolso e logo olhou à Jane
através do salão de Clyde-Lacey.
— Quatro, até agora, prepara mais, mas Syder possui mais
que os inferninhos — Colin respondeu, embora não estava
seguro de porque se incomodava. — Seu império se estende
de um extremo de Londres até o outro, tem interesses em
tudo, desde matadouros até casas de má reputação.
Dunston sorriu com seu sorriso agradável.
— Não há nada mau com esse último, atrevo-me a dizer.
Sacudindo a cabeça, Colin se concentrou em Sarah, que
estava junto à Jane perto da lareira. Era encantadora, sua
forma esbelta envolta em suave seda negra, seu cabelo
brilhava brandamente à luz das velas, pequenos cachos de
mel foram deixados engenhosamente soltos para emoldurar
seu rosto. Desejava-a muito. Era assim tão simples. Ele não
podia tê-la. Não se ele quisesse viver sozinho.
Uma vez mais a voz de Dunston se intrometeu.
— Harrison me disse que você quase foi pego esta manhã. Um
bando te atacou quando saiu do White? Um homem deve
levar uma faca para lutar com este tipo de crime. — Dando-se
tapinhas em sua própria cintura, sorriu ao Colin. — O
elemento surpresa, por assim dizer.
— Não requereria uma faca, uma pistola ou um sanguinário
batalhão de lacaios se as posses do Syder se acabassem por
completo — disse Colin. — Um evento que espero com grande
ansiedade.
Foi o turno de Dunston levantar uma sobrancelha.
— Bom, isto é o que eu sei de Lorde Sidmouth, não que eu
conheça muito bem o Secretário de Interior, sei que é jogador
de xadrez terrível, esse é o alcance por mim conhecido. Em
qualquer caso, escutei que Sidmouth está muito mais
interessado em erradicar reuniões sediciosas de viciados
empobrecidos que em desmantelar as empresas criminosas de
Londres, por mais prejudicial que possam ser. — Dunston
tomou um sorvo de xerez. — Suponho que, dados os recursos
limitados do Ministério do Interior, necessitaria uma pessoa
muito decidida para pressionar nos ataques e no tempo que
parece preferir.
Colin olhou ao conde.
— Tal indivíduo faria bem em acelerar seus esforços, já que é
sua pele a que estou protegendo.
Harrison olhou seu relógio pela segunda vez em três minutos,
Dunston soltou um suspiro de exasperação.
— Qual é sua obsessão com essa coisa?
Dando ao Dunston um olhar próprio, Harrison respondeu: —
Não é teu assunto — logo a atenção do duque se desviou de
novo para sua esposa. Engoliu visivelmente.
— Seu irmão não tem remédio, entende? — Observou
Dunston, dirigindo seu comentário ao Colin e inclinando seu
copo de xerez em direção ao Harrison. — Atordoado, contando
os minutos, literalmente. Converteu sua preocupação pelos
relógios em uma preocupação por…
— Por que exatamente está em Londres? — Grunhiu
Harrison. — Me atormentar com suas observações não
solicitadas não pode ser a única razão.
— A caça foi terrível este ano. Muita chuva. — Dunston
tomou outro sorvo e encolheu os ombros. — Escutei que tinha
subido a Londres e decidi que não poderia ser tão tedioso
como Fairfield Park, onde um quarto de hora de condução
significa empapar-se. — Estremeceu-se e roçou uma mancha
invisível em sua manga. — Além disso, necessitava de alguns
coletes novos.
— Tem mais coletes que qualquer outro homem que tenha
conhecido — replicou Harrison. — Isso inclui o príncipe
regente Beau Brummell.
Dunston zombou.
— Nunca se tem muitos coletes.
Ao escutar uma risada característica do outro lado da
habitação, Colin voltou sua atenção para Sarah. Ela estava
sorrindo, escutando Jane atentamente.
Então, ela desejava planejar seu futuro, não é? Converter-se
em uma governanta em uma casa desconhecida onde qualquer
homem com vontade de agarrá-la poderia a encurralar em uma
habitação vazia ou em um corredor à sombra, subir suas saias
e fazer todo tipo de coisas luxuriosas com ela? Quando o
inferno sangrento se congelar!
Ela se converteria em uma governanta sobre seu cadáver.
— Oh, queridos — disse Dunston. — Agora parece que temos
dois irmãos apaixonados.
A cabeça de Colin girou para trás em sua direção. Ao ver seu
sutil sorriso, Colin murmurou: — Dificilmente é isso, somos
amigos, ela e sua mãe ficaram sem nada depois da morte de
seu pai, ela necessita do meu amparo.
— Mmm. Se isso for verdade, então vá a uma igreja, velho
amigo.
Dando ao Dunston um cenho franzido, Colin repetiu: — Uma
igreja?
— Bom, já está dizendo a respeito que ela é sua prometida.
— Sim.
— Então se case com a garota.
Colin piscou várias vezes antes de responder com grande
acuidade: — O que... eu... o que é que disse?
— Se case com ela.
Harrison se via tão desconcertado como se sentia Colin. O
duque olhou fixamente a Dunston por um longo momento,
logo ao copo na mão de Dunston.
— Acredito que teve suficiente xerez, Henry.
O conde riu entredentes.
— Não diga que você mesmo não o pensou.
Colin o tinha feito, mas não por nenhuma razão
desinteressada. Ele não era suficientemente bom para Sarah.
Ela tinha mais força e honra dentro de seu delicado pé que ele
tinha em seu corpo.
— Parece-me que há um desafortunado e inevitável atraso no
processo de invadir as nefastas atividades do Sr. Syder. O que
resultou em um maior risco de morte ou mutilação para ti. —
Dunston tomou outro sorvo e sorriu com suavidade. — Quem
a protegerá quando se for? Ou, pior ainda, falta-te algum
apêndice crítico?
— Meu Deus, homem. — Disse Harrison. — É do meu irmão
que está falando.
— É claro — respondeu Dunston com calma. — Se seu irmão
espera que a encantadora senhorita Battersby seja vista de
maneira confiável, particularmente no caso de uma desgraça
extrema de sua parte, não pode fazer nada melhor que lhe
oferecer a posição de sua viúva ou esposa, não faz nenhuma
diferença, de verdade. — Encontrou-se com os olhos de Colin.
— Se ela pertencer à família de Harrison, ela não precisará de
nada, a menos que ela se converta em bêbada e trate de
manchar o nome da família comportando-se de uma maneira
escandalosa. Então ele pode cortar seus recursos por um
tempo, mas francamente, ela não parece ser desse tipo.
Colin não podia falar, simplesmente não podia, era quase
perfeito. A resposta perfeita à sua situação terrivelmente
imperfeita.
— Isso é patentemente ridículo — disse Harrison, agora
olhando ao seu amigo. — Se Colin desejar que eu proveja à
Srta. Battersby, com muito gosto o farei. Ele não necessita
casar-se com ela. Inferno sangrento.
Sacudindo a cabeça, Colin se sentiu estranhamente aliviado
de poder contradizer o argumento de Harrison.
— Ela nunca permitiria, ela se nega a aceitar o que considera
caridade, a única razão pela qual aceitou tudo o que ofereci
até agora é porque sabe que o perigo para ela é real.
— Mas se se casar com ela, o que é teu será dela — concluiu
Dunston, que levantou seu copo em um brinde zombador. —
Um dos muitos benefícios do matrimônio, bom, talvez
"benefício" seja um pouco exagerado. Direitos de cama, agora
há um benefício que posso respaldar.
A libido de Colin aceitou de boa vontade. Imaginou ter Sarah
em sua cama todas as noites, podendo lhe fazer amor sempre
que desejasse, ensinar-lhe o prazer e "beneficiar-se" até que
ambos se derrubassem pelo esgotamento. Matrimônio com
Sarah? Ele não a merecia, mas lhe oferecia o tão necessário
amparo, talvez fosse o curso correto e honorável.
— Dunston — murmurou.
— Sim?
— É brilhante.
O conde sorriu e sorveu seu xerez.
— Eu sei.
Era fantástico a curto prazo, ele poderia cuidá-la e assegurar-
se de que comesse em quantidade suficiente, compraria
dúzias de vestidos, dado que Harrison havia restabelecido
seus recursos, podia comprar uma casa para que vivessem e
um bom piano para a sala de música, talvez inclusive ajudá-
la a reabrir sua escola. Nunca tinha ouvido uma ideia melhor.
Só havia um pequeno defeito, já tinha sido bastante difícil
convencê-la de participar de um simulacro. Casar-se
realmente com ele?
Conhecendo o orgulho obstinado de Sarah, veria como uma
obra de caridade elaborada. Ele devia convencê-la do
contrário. Mas como?
— Colin, não tem que fazer isto — Harrison disse, soando
vagamente alarmado. — Se se preocupa com seu bem-estar,
oferecerei a você um posto como acompanhante de Jane, logo
a compensarei de maneira extravagante, ganhará a vida e não
poderá objetar.
Sacudindo a cabeça, Colin levantou uma mão.
— Sempre haverá homens como Félix Foote.
— Quem?
— Não importa, basta dizer que uma mulher solteira é
particularmente vulnerável. Não, isto é precisamente o que
deve acontecer.
O que precisava era de um bom conselho de alguém que
pudesse entender como deveria aproximar-se dela com sua
proposta. Olhando ao redor da habitação viu o James
Kilbrenner, o conde de Tannenbrook, mais um gigante que
um homem, que se comunicava principalmente através de
grunhidos. Tannenbrook era amigo de Atherbourne e tinha
aceitado adicionar sua enorme altura e sua impressionante
amplitude à parede dos senhores que rodeavam Colin. Não
estava casado, e era provável que permanecesse assim, já que
seu tamanho exagerado, seu rosto contundente e sua atitude
taciturna o mantinham fora das listas de elegíveis para a
maioria das mães procurando maridos.
Não poderia lhe ajudar.
Logo vinha Lucien Wyatt, visconde Atherbourne, em
circunstâncias normais Colin consideraria encarecidamente
procurar o conselho de um senhor absurdamente bonito, já
que tinha tido uma grande reputação como um encantador
sedutor antes de casar-se com Vitória.
Mas tinha aquele pequeno assunto do ódio todo que o
consumia, Lucien se aborreceu por suas transgressões reais
contra a família Wyatt. Colin ainda estava doente por suas
próprias ações, não podia imaginar como se sentia
Atherbourne ou como havia resistido a vingar-se.
Outra fonte pouco provável de ajuda.
Olhando pela habitação, olhou à Eleonor, a mãe de Sarah,
tomou um sorvo de chá e esticou o pescoço para ver o livro
que Jane segurava. Parecia relaxada e contente pela primeira
vez desde que a tinha conhecido, finalmente estava comendo
e dormindo adequadamente, o que resultou em uma melhor
cor em suas bochechas e mais brilho em seus olhos verdes.
Ela simplesmente te dirá que fale com Sarah.
Sempre tinha Jane, supunha que era uma grande amiga e lhe
tinha dado conselhos valiosos no passado, ela tinha estado
perto de Sarah, portanto poderia oferecer conhecimento do
que funcionaria melhor. Tendo em conta a razão pela qual se
viu obrigada a casar-se com o Harrison, pedir-lhe conselhos
sobre como empurrar Sarah para o matrimônio poderia não
ser o curso mais sábio.
Finalmente, chegou à Vitória, sua irmã, ela tinha sido sua
amiga desde que eram crianças.
Ela tinha deixado de lhe falar durante mais de um ano depois
de descobrir as coisas que ele tinha feito. Só recentemente
tinha quebrado seu silêncio, isso só para oferecer palavras
corteses. Mas ele a havia sentido abrandar-se por ele. O fato
de que ela estivesse ali falava por si. Talvez estivesse disposta
a perdoar o passado.
Tomando uma decisão, pôs sua xícara em uma mesa, deixou
Dunston e Harrison, cruzou a habitação para onde as
mulheres estavam agrupadas admirando a última aquisição
de Jane.
— Vitória. — Quando ela levantou os olhos para encontrar-se
com os seus, ele limpou a garganta. — Posso falar contigo?
Dando um assentimento relutante, levantou-se de seu sofá,
seguiu-o à área entre um vaso e a janela central, longe dos
outros na habitação, enquanto estava de pé ante ele, com o
cenho ligeiramente franzido, seus familiares olhos azuis
esverdeados cheios de perguntas e precaução, sentiu um
puxão na região de seu coração. Tinha sentido saudades da
sua gentil e doce irmã.
— Do que queria me falar? — Ela era mais reservada que
antes de sua queda em desgraça, mais fria, como sempre, a
culpa e o arrependimento que viviam dentro dele elevaram-se
para enrolar-se dentro de seu peito. Por essa mesma razão ele
tinha evitado pressioná-la para a reconciliação. Mas
possivelmente poderia usar sua situação com Sarah para
abrir uma porta na parede entre eles.
Respirou fundo e baixou o olhar ao chão antes de olhá-la aos
olhos de novo.
— Tenho um… um dilema, poderia necessitar de um
conselho.
Ela piscou, suas mãos enluvadas retorcendo-se em sua
cintura.
— De minha parte?
— É um assunto delicado que envolve uma dama pela qual
desenvolvi certa afeição.
De repente ela empalideceu, suas mãos se estrangularam
entre si.
— Colin — ela suspirou. — Não outra vez.
— Outra vez?
— Me diga que não — seus olhos percorreram a habitação
para assegurar sua privacidade antes de continuar em um
sussurro — comprometeu outra jovem.
Ao retroceder, seu fôlego o deixou em um zumbido.
— Não!
— Estava tão segura de que tinha mudado. — Observou com
horror como as lágrimas começaram a encher seus olhos. —
Quem é desta vez?
— Tori, não entende...
— Deve se casar com ela, não pode renunciar à sua
responsabilidade como fez antes.
— Isso é o que estou tratando de...
Ela ficou rígida quando viu algo sobre seu ombro, a escura
presença ressoou com ira. Sentiu a força como o fôlego em
seu pescoço. Antes que ele se voltasse já sabia quem estava
parado ali.
— Atherbourne.
Seu cunhado se aproximou ao lado de sua esposa e se via tão
ameaçador como ele havia imaginado.
— Quando Vitória está angustiada surgem minhas tendências
assassinas, Lacey, é possível que deseje evitar uma maior
provocação.
Apertando a mandíbula, Colin respondeu: — Não era minha
intenção lhe causar angústia, ela é minha irmã, não
procuraria incomodá-la.
— Me perdoará se acho que seus protestos não são
convincentes depois de tudo o que fez. — Não sabia como
responder, sua culpa o estava asfixiando.
— Lucien — Vitória disse brandamente, passando sua mão
pelo braço de seu marido. — Talvez devêssemos...
— Nada a dizer, Lacey? — A postura do outro homem tomou
uma inclinação agressiva. Seus olhos escuros brilharam com
uma advertência. Uma tormenta estava a ponto de ser
desatada. — Não há piadas ou separações inteligentes?
Notou que a habitação ficou em silêncio.
— O que tenho que dizer? — Disse em voz baixa. — Roguei
perdão à Vitória e lhe rogo também, mas sei que para ti é
impossível.
A cabeça de Atherbourne se voltou para trás, sua tormenta se
expandiu até que Colin se imaginou rodeado de relâmpagos,
um arcanjo iracundo chegou à justiça exata.
— Minha irmã está morta por sua culpa! — Rugiu.
Colin engoliu, sentindo o jantar que tinha comido antes
agitando-se em seu estômago, elevando-se em sua garganta.
— Eu sei — sussurrou.
Seu reconhecimento se perdeu no meio do vendaval da fúria
justa de Atherbourne.
— Seduziu-a, comprometeu-a, abandonou-a. Ignorou suas
súplicas quando levava seu filho no ventre com a mesma
facilidade com que apartaria um inseto irritante. Agora, para
aqui e fala de perdão, ainda está respirando, Lacey, graças ao
coração amável e amoroso da minha esposa.
Todos ficaram em silêncio durante um minuto inteiro. Colin
olhou à Vitória. Suas lágrimas tinham sido liberadas e agora
corriam por suas bochechas.
— Não posso mudar o que aconteceu, o que fiz — disse com
voz rouca. — É minha maior vergonha, por favor, me acredite
que não repetiria o mesmo erro. Inclusive contemplá-lo é
abominável para mim. — Voltando seu olhar ao Atherbourne,
cujo mau gênio começou a retroceder quando ele também
notou as lágrimas de Vitória, Colin se dirigiu ao homem que
mais tinha prejudicado. — Não te peço perdão porque fazê-lo
supõe que o mereço. Não o mereço, algumas feridas são muito
graves para serem perdoadas.
Respirando pesado e aparentemente aturdido pela declaração
de Colin, Atherbourne engoliu visivelmente, suas narinas se
alargaram.
— Espera que eu creia nisto.
— Não espero nada, não mereço nada.
Seus olhos se estreitaram sobre Colin.
— O que mudou?
Colin desejava poder simplesmente rir e encolher os ombros a
um lado pela pergunta de Atherbourne, mas tinha uma dívida
com o homem que nunca poderia ser paga. Não com palavras.
Não com sangue. Nada poderia equilibrar a balança. Ele
poderia, entretanto, responder com sinceridade.
— Não sabia que estava grávida quando ela... — deteve-se,
limpou a garganta. — Em qualquer caso, foi o pior que fiz,
Atherbourne, isso quer dizer algo, porque cometi muitos,
muitos erros antes e depois. Quando Harrison descobriu a
verdade cortou meus recursos, sem mais brandy, sem mais
esconder-se. — Sua boca se curvou sem humor. — O mundo
se vê diferente sem esse brilho agradável, os arrependimentos
da gente tendem a arrastar-se e espalhar-se como trepadeiras
espinhosas. Ser açoitado violentamente na Inglaterra e quase
morrer várias vezes também põe os assuntos em perspectiva.
— E Sarah, pensou, mas não pôde dizer. Sarah também me
mudou.
Vitória, com os olhos brilhantes e luminosos, fungando,
aventurou-se brandamente: — O que me escreveu, de seu
desejo de fazer o melhor, de ser diferente que antes, de ser
sincero, Jane o disse tanto. Eu... tinha medo de acreditar,
Colin.
Deu-lhe um suave sorriso.
— Deveria saber que meus esforços nesse sentido estiveram
longe de ser perfeitos, Tori. Mas sim, sou sincero.
O conde de Tannenbrook se aproximou em silêncio ao lado de
Atherbourne e lhe colocou uma enorme palma no ombro.
— Todos estão escutando, Luc — disse em um profundo
estrondo. — Este poderia ser um bom momento para fechar a
noite.
Uma quebra de onda de alarme ardeu na mente de Colin
imediatamente, sua cabeça girou enquanto esquadrinhava a
habitação, avaliando o dano. Harrison parecia sombrio e
esmigalhado. Dunston parecia fascinado, Eleonor parecia
horrorizada, Jane se via triste, simpática e esperançada. Mas
só havia um rosto que lhe importava, um rosto que apontaria
ao céu ou ao inferno, a contragosto, encontrou-a.
Sentiu seu coração afundar-se na escuridão.
CAPÍTULO 16
“Ora! Os arrependimentos não me interessam. Tome melhores
decisões e deixe de falar disso.”
A Marquesa viúva de Wallingham a Lady Berne ao se inteirar
da abrupta dispensa de certo companheiro felino.

Tombada na escuridão de seu dormitório, Sarah deixou cair a


cabeça para um lado para poder olhar pela janela. Não havia
estrelas ali, ou talvez simplesmente estavam disfarçadas por
nuvens e fumaça de carvão, um pouco de luz da lua jorrou
em toda a habitação, ela suspirou e se deu a volta para
colocar a mão debaixo da bochecha. Ele era diferente do que
ela tinha pensado, mais forte, mais sombrio, com ela, em
Keddlescombe, tinha sido gentil, amável, zombeteiro e
sensual, divertido e cheio de encanto.
Enquanto ele tinha insinuado um passado cheio de
arrependimento, ela não havia suposto que as cicatrizes
fossem tão profundas, nem que sua causa fosse tão
reprovável, dormir era um sonho agora, tão esquivo como as
sombras ao longo das cortinas e do chão. Sua mente
repassou inquieta tudo o que se havia dito entre Colin, Vitória
e Atherbourne.
Sedução. Abandono. Uma criança e uma mulher perdidos.
Colin, o motivo de tudo.
Deixando a um lado suas mantas, levantou-se e se dirigiu à
lareira, onde as brasas ainda ardiam usando as cinzas para
acender a ponta de um longo tronco de madeira , colocou sua
mão em frente à chama e caminhou para a penteadeira perto
da janela, onde durante o dia podia desfrutar da melhor luz.
Procurou uma vela e baixou à chama para acender o pavio
com cuidado, soprou a cinza e observou como se levantava e
dissipava uma espiral de fumaça antes de deixar a um lado o
fino pedaço de madeira.
Respirou profunda e ritmicamente, apoiando as mãos na
fresca superfície da penteadeira, observando como a chama
da vela dançava e piscava com cada exalação.
Pensei que era um bom homem. Um pouco canalha, sim, mas
não malvado, realmente não.
Suas mãos se converteram em punhos apertados, suas unhas
cravando-se em suas palmas. Ela tinha se equivocado a
respeito dele. Ela o tinha deixado dormir em sua cama, beijá-
la, tocá-la e lhe dar prazer, agora sentia que nunca o havia
conhecido. O silêncio se instalou para sufocá-la, nenhum
vento açoitou as janelas, nenhum fogo crepitava seu calor,
nenhum passo assinalou a agitação dos serventes, o silêncio
rugiu, pressionou e sufocou.
Quase por sua própria vontade, sua mão abriu uma pequena
gaveta e procurou a comodidade do papel desgastado e
enrugado ali, no canto dele, se entrelaçou entre seus dedos.
Puxou a carta dobrada e a abriu com cuidado, logo, no
silêncio, pôde escutar a voz suave e reconfortante de seu pai.
“Querida Sarah! No dia que nasceu, as maçãs acabavam de
amadurecer. Sua mãe não queria que te levasse ao pomar, mas
insisti: sabe como posso ser às vezes, com você em meus
braços, a colheita cheirando no ar e o mar mantendo o tempo à
distância, resultou-me impossível imaginar um momento no
qual poderia deixá-la ir embora de boa vontade.”

Deteve-se apertando seu punho vazio e apertando seus olhos


doloridos e fechados. Se deu três pequenas palmadas e logo
voltou a ler.

“Agora a decisão está sendo roubada pelo tempo, meu amor.


Todos os dias, olho você e vejo uma bebê encantada com folhas
verdes e maçãs vermelhas, uma bebê suficientemente pequena
para descansar em minhas duas mãos. Todos os dias vejo a
mulher que será. E trato de imaginar o homem digno de te
receber aos seus cuidados.
Pura impossibilidade, devo te dizer. Porque nos olhos deste
papai, não existe tal homem. Ainda assim, o tempo não se
preocupa. Sempre viaja para frente. E assim, escrevo esta
carta com a esperança de que, um dia, venha um homem
impossível e o ache tão familiar, tão querido, como as árvores
em nosso pomar e o mar em nossa praia.
Este homem procurará te merecer e quando ele falhar,
procurará seu perdão. (Não o perdoe muito rápido. Como servo
de Deus, posso dar fé de que um pouco de humildade é bom
para a alma de um homem). Sua mente será forte para que
possa tentar igualar à tua. Seu coração será feroz e verdadeiro
pela mesma razão. Ele verá sua vida como a única razão para
a sua, e a protegerá, em consequência. Verá a ti mesma no
espelho de seus olhos, e será mais formosa, mais preciosa que
para mim nessa manhã de setembro.
Já vê, minha menina querida. Impossível.
Sempre serei Seu amoroso papai.”

As lágrimas corriam por suas bochechas, apoiou a cabeça em


seus braços cruzados e chorou por seu pai, por Colin, pelo
que ela havia começado a esperar em segredo.
Uma baforada de ar sussurrou junto a sua bochecha.
Quentes dedos se enredaram em seu cabelo e lhe acariciaram
a têmpora, dedos fortes, suaves, familiares.
— Colin — ela grunhiu, sua voz tensa. — O que está fazendo
aqui?
Ajoelhou-se junto a ela e continuou acariciando seu cabelo, o
prazer disso foi tanto calmante como fascinante.
— Não conseguia dormir, queria ver-te, saber como está.
Foi então que ela se encolheu deslizando seus braços ao redor
de seu pescoço, ela atraiu-o para si, deixou que seus braços a
rodeassem como duas faixas implacáveis, o permitiu consolá-
la enquanto os soluços a afogavam, reuniam-se e se
derramavam em assombrosas rajadas.
— Ah, Sarah, sinto muito, querida, não queria que escutasse
aquelas coisas daquela maneira.
Ela negou com a cabeça, o rosto molhado umedeceu sua
camisa de linho.
— Isso não é... quero dizer, é, mas... estava lendo uma carta
do meu pai.
Suas mãos acariciando o centro de suas costas, seus ombros
e logo embalando sua cabeça, detiveram-se.
— Escreveu-te antes que ele...
Fungando através de um nariz tampado, Sarah assentiu.
— Sabia que estava perdendo suas lembranças, e por isso
escreveu cartas, consegui encontrar cinco. Guardou-as nos
lugares mais estranhos. — Ela soltou uma risadinha afogada.
— Como se esperasse que as encontrasse por acaso.
Retrocedendo até que os braços de Colin caíram em sua
cintura e suas mãos se pousaram em seus quadris, deu-se a
volta e alisou o papel sobre a penteadeira com as palmas.
— Esta estava dentro de uma bota, descobri-a o ano passado,
a li tantas vezes que acredito que a tinta está acabando.
Seu dedo roçou sua bochecha, levando uma gota de sua dor.
— Ele te amava.
Ela sorriu.
— Sim.
Colin assentiu, seus polegares giravam pequenos círculos em
seus quadris.
— Sarah, o que escutou esta noite...
— Sobre seu passado?
— Sim, sobre isso, eu... quero me explicar.
— Por quê?
Pareceu surpreso pela pergunta.
— Precisa saber o que aconteceu.
Ela fungou desejando um lenço, antes que ela pudesse
procurar um, Colin ofereceu o seu, ela pegou, esfregando o
tecido entre seus dedos.
— Obrigada — disse com voz áspera.
— É importante que entenda a verdade sobre mim. Fiz coisas
que lamento profundamente, coisas que trouxeram danos a
inocentes.
Sarah secou o nariz e logo a parte inferior de seu queixo, onde
as lágrimas tinham caído, ela respondeu: — Sei, a irmã de
lorde Atherbourne.
— Sim, Mary Sophia Wyatt, seus irmãos a chamavam de
Marissa. Ela e eu... fomos amantes, e eu... me estremeço ao
pensar em quão egoísta era, nosso enlace não significava
nada para mim, era uma brincadeira, uma maneira de
frustrar o senso de propriedade do Harrison. Supus que
quando terminasse com ela, ela continuaria com outro tipo,
mas ela era muito mais frágil do que eu pensava.
Engoliu antes de continuar.
— Ela professou estar apaixonada por mim, escreveu-me tão
incessantemente que comecei a jogar suas cartas ao fogo,
quando se tirou a vida, pareceu-me que estava meio louca.
Então, seu irmão mais velho acusou Harrison de ser o homem
que a abandonou. — Ele soprou com uma risada seca. —
Harrison, de todas as pessoas, sinceramente um absurdo,
mas, lutaram um duelo pelo assunto. Harrison lhe disparou e
Lucien herdou o título.
Apoiando as mãos nas coxas, ficou de pé e se voltou de costas
um momento antes de voltar a olhá-la.
— Todo o tempo não disse nada, deixei que Harrison matasse
um homem pelo que eu fiz, deixei que Atherbourne se casasse
com Vitória quando sabia muito bem que ele poderia ter uma
vingança em mente, descartei uma mulher que, mais tarde,
descobri levava meu filho. — Sua voz se tornou áspera e dura.
— Estava em meus pensamentos mais frequentemente que
nesses dias, mas foi pior depois, não podia viver com isso, o
que tinha feito todos os dias, desde que soube do bebê soube
que devia mudar ou morrer. Tratei de mudar, mas no
caminho consegui causar mais dano à Jane, ao Harrison, a
mim mesmo, mas estou decidido a seguir tentando e nunca
mais repetir meus erros.
O silêncio se instalou de novo quando ela não respondeu à
sua confissão, ele balançou a cabeça.
— Certamente deve ter perguntas.
— Não é de minha incumbência.
— Estamos comprometidos para nos casar.
— Não, estamos fingindo estar comprometidos. Por que
parece que isso sempre se perde em nossas discussões?
Ele lançou um suspiro exasperado.
— Não tem curiosidade por...
— Não.
Passando uma mão por seu cabelo, caminhou para a cama e
logo depois de retorno a ela.
— Desejo que entenda quem sou agora, para fazer isso deve
entender quem era eu então. — Estava de pé sobre ela, seu
formoso rosto envolto em consternação, iluminado pela luz
das velas e escurecido pelas sombras. Ela o entendeu, deu-se
conta melhor do que ela tinha suposto. O homem que tinha
conhecido em Keddlescombe não era o mesmo homem que
tinha feito aquelas coisas terrivelmente egoístas. Ele era o
homem que tinha estado com seu pai nas frias águas do
Canal da Mancha. O homem que tinha ameaçado Félix Foote
em defesa dela. Mesmo assim, não era como se vivessem
juntos quando isto terminasse. Sua relação foi uma
circunstância. E quando essa circunstância chegasse ao seu
fim, também o faria qualquer vínculo entre eles.
— Por que deveria importar? — Ela perguntou. — Uma vez
que Syder já não seja uma ameaça, seguirei adiante e você
também.
Isto pareceu incomodá-lo muito enquanto reatava o ritmo de
sua respiração agitada.
— Estive pensando diferentemente sobre tudo.
Diferente? Ela fungou, o som foi vergonhosamente forte na
habitação. Em sua viagem de volta à penteadeira deteve-se a
poucos metros dela.
— Sim, quero dizer, eu... acredito que deveríamos… oh
maldito inferno! Sarah, acredito que o curso correto é que nos
casemos.
Ela esperou, mas ele não terminou seu pensamento. Ou,
talvez o tinha feito.
— Um com o outro?
— Que diabos crê que estou tentando... sim, deveríamos nos
casar um com o outro, um compromisso falso não é
suficiente, deve estar protegida por mim no caso de minha
morte. Como minha viúva estará bem provida; sua mãe
também, Harrison se encarregará disso.
A habitação girava. Sua morte? Não, não, não, não. Ele não
podia morrer. Ela não podia suportar sequer a ideia daquilo.
— O que aconteceu? — Perguntou bruscamente, mal
consciente de pronunciar as palavras. — Por que fala de
morrer? Syder te machucou? O que ele fez?
Com o coração chutando em seu peito, ela não pôde deter o
frenético fluxo de perguntas. Mesmo quando chegou a
ajoelhar-se de novo ante ela colocando suas mãos sobre as
dela em seu regaço, a urgência em sua mente soava como
sinos tocando um zumbido fúnebre, profundo e sinistro.
— Me responda! — Ela disse.
— Sabia que havia algum perigo, Sarah.
Não podia respirar, não podia deixar de lembrar como tinha
sido o dia em que o tinha metido em uma carruagem no
caminho a Littlewood, coxeando e ensanguentado.
— Prometeu... prometeu que Londres seria mais seguro.
— Não prometi, mas sim, é mais seguro. Nada é certo,
querida, ainda estou aqui, sim?
Incapaz de deixar de tocá-lo, segurou suas bochechas
ligeiramente arrepiadas em suas mãos, e aproximou seu rosto
para que não pudesse confundir suas palavras.
— E aqui permanecerá, entendeu? Respirando, sorrindo e me
dando ordens como se eu não tivesse a sensatez de comer
uma comida adequada.
— Sempre ao seu serviço.
— Não salvei sua vida duas vezes para te escutar falar tão
despreocupadamente sobre seu final.
— Sim, senhorita Battersby.
As lágrimas que pensou que tinha cessado saíram novamente.
— Para, Colin, isto não é uma brincadeira.
Ele suspirou e depositou um terno beijo em seus lábios.
— Não chore, querida. Só concordei.
Ela tentou fungar, mas agora tinha o nariz completamente
tampado. Maldição, ela devia estar terrivelmente pouco
atraente para ele em seu estado atual.
— Como evitará que lhe ataquem?
— Não sou o que importa.
— É óbvio que nos importa! À sua família... a mim.
— Então diga que sim. Se case comigo, Sarah.
Ela sentia o enxame dentro dela, zumbindo, estalando,
necessitando e roçando. Exigindo um sim, seria tão fácil, só
uma sílaba. Sim.
Mas seus olhos procuraram os seus, logo caiu à carta de seu
pai, logo ao seu regaço.
Ela tinha confiado em um homem para que cuidasse dela. Um
homem que havia pensado que nunca a abandonaria, nunca
a deixaria sozinha para que a rasgassem, a arranhassem e
para que tivesse que lutar por cada centímetro de sua
existência. E logo teve-o, deixou-a, afastou-se pouco a pouco.
Não porque quisesse, mas sim porque não tinha outra opção.
O resultado foi o mesmo, ela estava sozinha. E ela devia
cuidar de si mesma.
Confiar em um homem para esse propósito simplesmente a
fazia complacente e vulnerável. Mesmo quando o homem em
questão a amasse com todo seu coração.
Colin, é claro, não o fazia e nunca o faria.
Dizer que sim era o que ela queria, seu coração sussurrou ao
ouvido. Sim.
Mas, ao final, seus lábios fizeram a única coisa sensata.
— Não, Colin — disseram. — Não posso me casar contigo.
CAPÍTULO 17
“Os presentes nunca são a resposta equivocada. E quando a
pergunta é que tipo de presente, as joias sempre são as
corretas.”
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, sobre
suas lamentações sobre a natureza implacável de certa viúva.

Em primeiro lugar, tinha enviado flores. Foram necessárias


quatro tentativas para determinar sua favorita ,as rosas, e se
elas estavam disponíveis nessa época do ano. Em segundo
lugar, tinha tentado raciocinar, assinalando que aceitaria
prazerosamente qualquer condição que ela quisesse
estabelecer se só dissesse que sim. Havia se sentido um
pouco como mendigando, o que tinha sido muito humilhante,
mas ele tinha estado em seu apogeu.
Sarah Battersby era a mulher mais teimosa, frustrante e
confusa que havia encontrado.
Debaixo dele Matilda soprou como se estivesse de acordo, seu
fôlego equino se tornou branco no ar gelado do Hyde Park.
Sacudiu-lhe o pescoço.
— Graças ao céu é muito mais agradável, amor. Só por essa
razão, darei uma maçã a você quando chegarmos em casa.
— Dá-te conta que seu cavalo não fala inglês?
Colin olhou à sua esquerda, onde Lorde Tannenbrook
montava um corcel robusto do estábulo de Clyde-Lacey. O
homem fez com que o cavalo parecesse o pônei de uma
criança.
— Ela me compreende melhor que outras mulheres que
poderia mencionar. — Talvez sua queixa fosse de mau humor,
mas não lhe deu importância.
Ela tinha rejeitado sua proposta sem uma só palavra de
explicação, dizendo só que seu passado não tinha nada a ver
com sua decisão. Logo ela usou seu lenço para limpar as
bochechas e o acompanhou a sair de seu quarto com a
advertência de que retornasse ao seu.
Mas na semana seguinte negou-se a render-se, agora estava
empregando sua terceira estratégia: presentes. Apalpou o
bolso de seu casaco sentindo a forma das pérolas no interior
com satisfação. Nenhuma mulher poderia deixar de ficar
deslumbrada pelas joias. Era uma espécie de lei universal,
certamente.
Tinha lhe surpreendido a ideia quando tinham ido a uma
festa dada por Lady Bramstoke na noite anterior. Ao ver
Sarah rir, falar e dançar com seu vestido negro com contas,
imaginou pérolas, suas pérolas, adornando seu delicado
pescoço branco. Sim, se imaginou colocando— as ali, o brilho
suave era um pobre vizinho para sua pele.
Imaginou como um sinal para os outros homens.
Talvez uma vez que ela usasse suas pérolas, por exemplo, o
odioso, corpulento e licencioso Sir Barnabus Malby se daria
conta de que ela pertencia ao Colin, e se o sapo desejava
manter seus olhos saltados em sua cabeça, os retiraria de seu
decote com toda pressa. Ele tinha refutado algo grosseiro
sobre Sir Barnabus ao Atherbourne, quem se encontrava
perto.
Tinha sido um momento estranho de solidariedade com seu
cunhado, que só havia dito: — Não poderia estar mais de
acordo.
Na verdade, se as pérolas não causassem que Sarah se
suavizasse com sua proposta, temia estar perdido. Seu último
dispositivo restante era a sedução, e havia um problema com
seu desdobramento: mal podia estar na mesma habitação que
sua tentadora de olhos de mel sem a necessidade de se
conduzir para dentro dela afligindo sua vontade.
Negou-se a repetir seus erros, a sedução, portanto, devia ser
um beijo e um pouco de tato, nada mais. E simplesmente não
havia maneira de que ele pudesse beijá-la ou tocá-la sem
tomá-la.
— Agora não — Tannenbrook grunhiu assinalando com a
cabeça os dois homens que iam diante deles, Atherbourne e
Harrison, que pareciam ter notado certa comoção à distância,
ao longo da beira do Serpentine. A predileção de novembro
pelos aguaceiros transformou a semana passada em uma
afeição pelo congelamento. O resultado foi um gelo espesso e
escorregadio sob uma fina capa de neve. Dados os alaridos de
alarme e as risadas que ressoavam em um atalho que
serpenteava perto do lago, deduziu que alguém tinha caído.
Harrison disse algo ao Atherbourne e, juntos, os dois homens
trotaram para uma abertura perto, de madeira, que bordeava
Rotten Row. Ali desmontaram e ataram seus cavalos antes de
cruzar o campo para investigar.
Enquanto isso, Colin e Tannenbrook se dirigiram à cerca de
corrimão baixo e olharam através da extensão da erva e dos
arbustos para onde uma pequena reunião de olheiros ria.
Alguns se dobraram com sua alegria, algumas das damas
tamparam-se a boca em aparente comoção. Quando um deles
se fez a um lado Colin viu porque.
— Bom Deus, a moça perdeu suas saias.
A observação murmurada do Tannenbrook foi correta, mas só
em parte. A "moça", uma ruiva muito alta e de extremidades
largas, jazia estendida de barriga para cima com os pés a uns
centímetros da borda da água, com as saias levantadas ao
redor de sua cintura. Parecia que escorregara no gelo e havia
caído sobre seu traseiro. Logo, dadas as marcas na neve
fresca, seu impulso havia levado seus pés por uma pequena
inclinação, levando as saias ao longo do caminho. Debaixo
não levava nada mais do que o que a natureza lhe tinha dado,
é claro que agora era visível para todos.
Harrison chegou primeiro, ladrando aos espectadores,
levantou a jovem pelos braços. Atherbourne, enquanto isso,
empurrou o ombro de um dos cavalheiros tristemente
dobrados e usou sua altura superior para intimidar. A
modéstia da jovem restaurou-se em segundos, mas o dano já
estava feito.
Atrás dele sentiu outros cavaleiros aproximando-se,
provavelmente para ver melhor. Se voltou para animá-los a
seguir adiante e viu a faca meio segundo mais tarde.
Gritando, cravou seus calcanhares no flanco de Matilde
conduzindo-a a girar para Tannenbrook, a faca bateu no
grosso couro de sua bota, escura e grossa, o atacante
levantou o braço para outro golpe, mas Colin havia
conseguido liberar o pé do estribo e retrocedeu para bater o
calcanhar no nariz do homem. Um rangido repugnante foi
seguido por um jorro de vermelho e um grito de agonia.
Something, o cavalo de Tannenbrook, provavelmente sacudido
contra o outro lado de Matilda, empurrando— a com força e
enviando-a a um lado junto ao seu atacante, quem
sustentava seu nariz e gemia ruidosamente. Tannenbrook
estava sendo assaltado por dois homens ardilosos com
casacos escuros e pesados. Eles também sustentavam facas,
mas o enorme conde simplesmente lhes ofereceu um estranho
sorriso de antecipação e agachou-se para agarrar a um deles
pelo cabelo. Então, sua outra mão maciça agarrou a gola do
segundo homem, e ele golpeou suas cabeças uma com a
outra. O barulho da colisão ressoou.
Matilda dançou e se deslizou quase derrubando Colin
enquanto lutava por recuperar o controle sobre ela. Trabalhou
as rédeas, chupando ar frio em seus pulmões enquanto os
músculos de suas pernas se esticavam para mantê-lo sobre
suas costas. De repente, ela gritou de dor, elevando-se
durante um momento sem fôlego antes de golpear o chão com
força com os quatro cascos já cavando no cascalho de Rotten
Row. O impulso de seu medo os empurrou a um galope
aterrador. Correndo, agitando-se e trabalhando para escapar
do que a havia sobressaltado, ela ignorou suas ordens, o
puxar das rédeas.
Sem sinais de desaceleração, inclinou-se sobre seu pescoço
estendendo-se para acariciá-la e dizer tolices
tranquilizadoras. Teve a sorte de estar ainda montado.
Normalmente era a mais obediente dos cavalos, mas algo a
tinha machucado.
Esticando seu pescoço ao redor, viu sangue em seu flanco,
onde o atacante tinha posto seu corte.
A fúria fez com que o mundo branco ao seu redor se tornasse
vermelho. Queria matar o homem que a tinha atacado tão
descaradamente. Mas primeiro deve fazer com que Matilda se
detivesse.
Eventualmente fez, mas quando ela se deteve a ferida estava
supurando profusamente. Desmontou rapidamente, logo lhe
acariciou os músculos tensos e trementes enquanto se movia
para trás para examinar o corte profundo.
— Ah, amor — disse, com suavidade. — Lamento que lhe
tenham feito mal.
Isso não ajudou muito, a menos que quisesse que a ferida
piorasse, devia levá-la de retorno à casa Clyde-Lacey.
Voltando a colocar as rédeas, ele se moveu ao seu lado, e
juntos se dirigiram para onde tinha deixado Tannenbrook. As
respirações estremecidas e dolorosas de Matilda o rasgaram.
Ela o tinha levado através da Inglaterra, de Richmond a
Liverpool, de Yorkshire a Londres. Ela o tinha levado longe do
açougue do Syder, havia-o levado, febril e delirante, até
Devonshire. Ela o tinha levado à Sarah e os homens pagos
por aquele carniceiro sangrento a tinham ferido, queria
destroçá-los com suas próprias mãos, queria cortá-los e
deixar que suas vísceras caíssem sobre Rotten Row.
Algo de seus pensamentos deve ter sido evidente em seu
rosto, porque quando finalmente chegou ao Tannenbrook, o
senhor machucado levantou uma sobrancelha e sacudiu a
cabeça.
— Tentei guardá-los para ti. — Disse. — Meu cavalo saiu
disparado, escaparam em uma carruagem que conduzia uns
momentos depois do ataque. Suponho que estava destinada a
te transportar.
Harrison se aproximou de seu cavalo com o rosto vermelho
pelo frio e o esforço. Tanto ele como seu cavalo estavam
respirando pesadamente.
— Sem sorte, desapareceu em Piccadilly, a carruagem era
negra, sem marcas.
Colin franziu o cenho.
— Onde está Atherbourne?
— Dirigiu-se à casa Clyde-Lacey — respondeu Tannenbrook.
— Queria assegurar-se de que Syder não procuraria dois
objetivos ao mesmo tempo.
O alarme se acendeu através de Colin.
— Tenho os homens do Drayton vigiando a casa — disse
Harrison — junto com outros quatorze lacaios contratados
especificamente por sua experiência militar. O lugar mais
seguro de Londres está ali.
Era um pequeno consolo, mas Colin aceitaria.
— Vem — disse empurrando Matilda para frente. — Temos
que levá-la de volta ao estábulo, necessitará de costuras e
descanso.
Então encontraria a maneira de persuadir Sarah Battersby
para que se casasse com ele. Syder estava se tornando cada
vez mais audaz, atacando-o durante o dia no meio do Rotten
Row. Se ele fosse assassinado ela ficaria sozinha e
desprotegida, ele não podia permitir que ela se demorasse
mais.
Ela deve estar provida, pensou. Aconteça o que acontecer, ela
deve estar protegida, porque nada mais importa.

~~*~~

A mãe de Sarah uma vez descreveu as compras na Bond


Street como uma experiência de "esgotamento doloroso e
agitação orçamentária". Sarah agora podia ver por que.
Quando saíram da loja da senhora Bowman Sarah se sentiu
aturdida, esgotada.
A elegante mulher italiana e seus numerosos ajudantes
tinham invadido Sarah como uma colmeia, medindo,
cravando, avaliando com um olho calculador.
Depois que cessou o zumbido ela vislumbrou a atrocidade
total na conta da costureira e quase desmoronou. Seus
protestos à Vitória tinham sido recebidos com uma palma
levantada e uma calma: — Não vou escutar mais sobre isso,
tampouco o fará Colin — agora entendia por que Jane falava
destas excursões com temor.
— Logo, acredito que devemos comprar as luvas adequadas
para ti, Sarah.
A inocente declaração de Vitória se encontrou com gemidos
simultâneos de Sarah e Jane.
— Agora vem — Vitória lhes sorriu por cima do ombro
enquanto empurrava a porta para a Bond Street. — Não
sejam tão débeis, bobinhas, é só mais uma loja.
Jane soprou e se levou os óculos ao nariz.
— Preferiria recolher o lixo do estábulo de Blackmore ou ir a
um dos almoços de Lady Wallingham.
Eleanor riu entredentes.
— Sabe, simplesmente devo conhecer lady Wallingham um
dia.
Quando seis lacaios as seguiram à rua, Vitória e Jane
simplesmente se olharam e balançaram a cabeça.
— Ela soa bastante divertida.
— Claramente não a conheceu.
— Esse é o meu ponto — Leonor respondeu. — Eu gostaria de
julgar por mim mesma.
Vitória limpou a garganta com delicadeza.
— Bom, pode ter essa oportunidade. Se certos eventos
acontecerem.
Eleonor deu à viscondessa um cenho franzido.
— Não estou segura do que quer dizer.
— Ora, Sarah poderia encontrar um posto em um lar que
viajaria a Londres para a temporada.
A mãe de Sarah perguntou: — Tem alguma notícia a respeito?
— Temo que não, é cedo ainda, se for necessário, perguntarei
a lady Wallingham — Vitória respondeu. — Ela está
familiarizada com as melhores famílias.
Jane adicionou: — E ela pode enumerar seus serventes de
cor, de verdade é assombroso. Não sei como ela consegue.
Suspirando, Vitória ficou nas pontas dos pés para ver um dos
lacaios muito altos que as rodeavam.
— Thomas, importaria de se mover à sua direita? Não posso
ver rua abaixo.
O lacaio se desculpou e obedeceu imediatamente, foi então
que Sarah viu uma garota de cabelo escuro que vinha para
eles, vestida com um casaco preto e um chapéu de plumas.
Levava um pacote envolto em papel marrom e falou
animadamente com sua companheira, uma mulher mais
velha com um chapéu combinando.
— Senhorita Thurgood — ela suspirou sentindo-se um pouco
desorientada. Os olhos grandes da menina passaram por
Sarah a princípio, logo voltaram para ela e se alargaram.
— Senhorita Battersby? — Rompendo em um amplo e
radiante sorriso.
Caroline Thurgood se aproximou através do emaranhado de
lacaios.
— Que agradável ver-te. Tão inesperado! E a senhora
Battersby? Ambas parecem maravilhosamente bem. Não
posso lhe dizer quão contente estou de ver-te aqui em
Londres.
Sarah apresentou rapidamente Caroline às suas
companheiras e viu como os olhos de Caroline se abriam ante
os elevados títulos.
— Fazendo um pouco de compras, suponho? — Sarah
perguntou.
Caroline assentiu com os olhos fixos nas duas damas
tituladas.
— Comprando um artigo ou dois para a próxima temporada.
Papai desejava esperar um ano mais, mas mamãe insiste em
que terei minha estreia nesta primavera.
— Que formoso para ti — Sarah disse genuinamente
agradada. Caroline era amadurecida para sua idade e
bastante bonita, uma combinação da qual Sarah tinha
poucas dúvidas que teria êxito no mercado matrimonial.
— Sabe, é uma grande coincidência ver-te aqui na Bond
Street — Caroline exclamou com os olhos sorridentes e
entusiasmados.
— De fato, especialmente porque Londres está tranquila nesta
época do ano.
— Oh, mas isso é precisamente o que quero dizer, é o
segundo conhecido de Keddlescombe com quem me encontrei
desde a semana passada — a menina sacudiu a cabeça com
incredulidade. — Não tinha ideia que o caminho de
Devonshire estivesse tão bem transitado.
Franzindo o cenho, Sarah perguntou: — Sério? Com quem
mais se encontrou aqui, senhorita Thurgood?
Os grandes olhos da menina piscaram lentamente e logo se
acenderam.
— Ora, com o senhor Foote, é claro.
O estômago de Sarah se afundou em seus pés. O frio se
filtrou rapidamente através de seu grosso casaco de lã.
— Perguntou por ti, logo perguntou pelo senhor Clyde. —
Caroline sorriu, alheia à angústia de Sarah. — Naturalmente
disse-lhe que estava tão bem como poderia esperar-se. Como
está indo o Sr. Clyde? Espero que tenha se recuperado de
seus ferimentos.
Dando à Caroline um sorriso tremente, ela assentiu.
— Ele está bem.
— Esplêndido! — Caroline olhou por cima do ombro à sua
companheira, que esperava com impaciência fora de uma das
lojas. — Eu deveria ir. Oh, senhorita Battersby, simplesmente
devemos nos visitar enquanto estamos em Londres, estarei
encantada de ter sua companhia.
Depois que se despediram e Sarah estava sentada dentro da
carruagem de Atherbourne, seu coração demorou vários
minutos em acalmar-se e seu estômago deixou de ameaçar
rebelar-se. Félix Foote, aquele odiado homem estava em
Londres perguntando por ela e por Colin, só a ideia fez com
que ela retorcesse seus dedos em seu regaço, fizesse com que
seus punhos se curvassem e se liberassem, curvassem-se e se
liberassem.
Foi um aviso; isso foi todo um aviso do que devia fazer:
assegurar uma nova posição para que ela e sua mãe tivessem
alguma maneira de sobreviver quando aquele sonho transitivo
terminasse.
Mas ela não queria fazê-lo, embora ela tivesse rejeitado a
oferta de matrimônio de Colin, todos os dias depois dessa
decisão sentia-se menos segura, mais equivocada. Conseguia
sentir-se debilitada por ele, amando-o, querendo o que ele
prometia. Durante a semana passada o argumento brincou
com sua mente, repetindo-se como as recitações de memória
de suas alunas.
Disse que ajudará a restabelecer a Academia St. Catherine,
argumentou seu coração.
Mas tinha a escola antes e me vi obrigada a fechá-la quando
papai morreu, sua mente foi refutada. Disse que se assegurará
que eu tenha um lar, que mamãe tenha um lar e que o
assegurará com recursos no nosso nome. Seus recursos são
controlados por seu irmão. E se Blackmore desgostar de novo?
Onde nos deixaria isso?
Ele mudou, sei que ele mudou, ele não arriscaria tal coisa, não
posso arriscar tal coisa, o único do qual posso estar segura é
de mim mesma. Te está concedendo a lua, Sarah.
Só por lástima.
Certo ou não, não pode simplesmente tragar seu orgulho e
aceitar o presente que está oferecendo
O pensamento sedutor ficou com ela dia e noite, pulsando
dentro de cada segundo como se estivesse vinculado aos
batimentos do seu coração. Temia que se não estabelecesse
um rumo diferente, na próxima vez que visse seu rosto
formoso e tentador, seus lábios firmes e tentadores, seu corpo
alto, magro e tentador, não só diria que sim, mas cairia de
joelhos e lhe suplicaria que a tocasse como o tinha feito antes.
E então lhe rogaria que nunca se detivesse.
CAPÍTULO 18
“O matrimônio é seu dever, assim como estar no Parlamento.
Talvez não deseje ficar preso dentro de uma câmara de ecos
escutando alguém desprezar suas ideias durante horas e
horas. Possivelmente prefira estar montando. Entretanto, isso é
o matrimônio. E isso é o que se deve fazer”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, em
muitas ocasiões.

— Juro, quando puser minhas mãos ao redor de seu pescoço


ensanguentado, vou esmagar sua vida.
As pesadas sobrancelhas de Tannenbrook baixaram ante o
duque, que estava sentado sobre seu cavalo, cavalgando junto
ao Colin e uma coxa Matilda. Estavam em Park Lane,
voltando para Berkeley Square. Dois dos três homens foram a
pé, por isso seu ritmo era muito mais lento do que tinha sido
quando se aventuraram a dar um passeio nessa manhã.
— Syder, quer dizer?
— Não — Harrison respondeu ao Colin. — O guarda negro
que levou meu irmão ao perigo sem preocupar-se com sua
vida. Ele me responderá quando isto terminar, isso eu juro.
Escutar um homem conhecido por sua frieza e aderência à
propriedade descrever como asfixiar alguém era quase
divertido. Colin estranha vez o tinha escutado falar com tanto
entusiasmo, especialmente em sua defesa. Entretanto, não
cabia dúvida de que os instintos de Harrison sempre tinham
sido protetores para aqueles a quem amava, inclusive em sua
forma mais dura e crítica e Colin tinha tido dificuldades para
dar-se conta. Agora se perguntava o que o tinha cegado
durante tantos anos, possivelmente as semelhanças com o
comportamento de seu pai, uma aparência superficial no
melhor dos casos.
Richard Lacey tinha sido frio e um dia tinha amado seus
filhos, parecia estar obrigado a demonstrar o contrário.
Harrison, por outro lado, tinha ensinado Colin a pescar, a
montar, a atar as botas. Tinha-o levado a nadar e lhe tinha
lido seus livros favoritos em segredo, tinha frustrado os
castigos de seu pai e havia tomado muitos deles. Tão
insuportável como Harrison podia ser às vezes, Colin estava
agradecido por lhe ter como irmão.
— Por que não consegue ver que seria adequado me dizer
quem é esse homem? Está além da minha compreensão. —
Harrison queixava-se, seu rosto sombrio e seus olhos
brilhando como o gelo.
— Talvez porque ameaçou sua vida repetidamente, — Colin
respondeu estendendo a mão para acariciar brandamente as
orelhas de Matilda enquanto caminhavam. Desejava poder
mover-se mais rápido, mas queria evitar que a ferida
sangrasse muito.
— Essa é uma pobre desculpa.
— Harrison, suportei a tortura por esta informação. Crê que
lhe entregaria isso agora? Aqui, no meio de Park Lane?
O duque zombou.
— Eu sou dificilmente Syder.
Tannenbrook lançou ao Colin um olhar especulativo antes de
perguntar: — Por certo, por que Syder quer tanto o nome
deste homem? Sem dúvida, você demonstrou ser uma
pedreira custosa e problemática.
Considerando cuidadosamente sua resposta, Colin refletiu
sobre quanto revelar.
Muito, e a identidade de seu contato seria descoberta.
— Quando Harrison cortou meus recursos no ano passado,
voltei para os jogos. Tive um pouco de sorte ao princípio, logo
fui ao Clube Gallows.
— Um dos lugares do Syder.
Ele assentiu.
— Ganhei bastante na primeira vez e perdi substancialmente
a partir de então. Mesmo no mais profundo de minhas taças,
nunca tinha perdido tanto depois da quarta visita, suspeitei
que os resultados tinham sido predeterminados.
— Maldito seja — Tannenbrook grunhiu. — Fraudaram os
jogos.
— Mmm. Faltam muitas peças, aventurei-me e me queixei um
pouco, mas as coisas seguiram igual, uma quinzena mais
tarde recebi uma nota de um... — olhou a Harrison, que o
olhou com o olhar furioso. — Um conhecido que trabalha com
o Ministério do Interior em certos... projetos, ele tinha
escutado que eu tinha estado frequentando o Clube Gallows e
queria informação a respeito. Assim voltei, recolhi o que
necessitava e o entreguei, além da minha dívida, não havia
nada mais a respeito. Ele tinha sua informação; eu havia feito
minha parte. Após Syder me perseguir todo o caminho até
Liverpool e logo a Blackmore, comecei a suspeitar que
procurava algo mais que um reembolso. De alguma maneira,
quando o Ministério do Interior começou a mostrar interesse,
deve ter rastreado até a mim. — Colin encolheu os ombros. —
Não entendi o que realmente queria até que me pediu o nome,
então sabia o suficiente sobre Syder para compreender que o
Clube Gallows era o de menos. O resto de suas posses... —
Colin engoliu. — Digamos que há coisas que preferiria
acreditar que não existem.
— Você se negou a lhe dar o nome — disse Tannenbrook. — O
que ele queria com isso? O ministro do Interior se ocupa
quase exclusivamente das ameaças à Coroa.
Harrison grunhiu sua concordância.
— Isso para dizê-lo brandamente. Sidmouth está convencido
que as rebeliões tomarão o controle e que todos terminaremos
em guilhotinas.
Colin continuou: — Meu contato tem diferentes prioridades,
acredita que a criminalidade entre a população da Inglaterra é
igualmente uma ameaça e merece ser investigada. Devido à
sua posição incomum, se fosse substituído, os recursos do
Ministério do Interior seriam redirecionados. Tal como está,
deve escolher seus projetos cuidadosamente. Em sua opinião,
o desmantelamento do império de Syder é um prêmio digno
de sacrifício, mas deve permanecer oculto se deseja completar
a tarefa.
— Um homem com patente, entendo.
A observação de Tannenbrook foi muito próxima à verdade
para o gosto de Colin.
— Quem é importa menos do que parece.
— E quando saberemos? — Harrison perguntou. — Isto deve
terminar, não posso permitir que você, Jane ou qualquer um
dos outros corram perigo.
— Ele disse que se fará no Natal.
— Um mês, isso não é suficientemente rápido. — Colin
apertou a mandíbula e esfregou o pescoço de Matilda.
— Eu o disse.
O silêncio que seguiu se rompeu sozinho pelo suave rangido
da neve, o golpe de cascos, o fôlego áspero de Matilda.
Começaram a cair novos flocos, derretendo-se sobre a capa
esfumaçada da égua.
Mayfair estava tranquilo, mas isso era de esperar. A maioria
das famílias ficavam no campo até janeiro. O período de luto
para a princesa Charlotte pôs um freio adicional aos
entretenimentos em geral, permanecer visível dentro da
sociedade tinha resultado difícil, já que havia pouca sociedade
para ser vista.
Tentou alegrar-se de que essa noite fosse outra das festas de
Lady Rutherford, a esposa do ancião marquês de Rutherford
mostrava-se partidária a convidar os mesmos objetos e os
fornecedores de intrigas às mesmas reuniões, por isso
certamente seria divertido.
Entretanto, o único pensamento que animou seu espírito foi a
antecipação de colocar pérolas ao redor do formoso e magro
pescoço de Sarah. Talvez ele pudesse depositar um beijo justo
na parte superior de sua coluna vertebral, logo mordiscar o
caminho para o lóbulo de sua orelha.
Quando se aproximaram de Berkeley Square, suspirou de
alívio. Graças a Deus. Quase estavam ali.
O som das rodas da carruagem vinha à distância quando se
aproximaram, Colin pôde ver que era uma das de
Atherbourne, que retornava ao lugar do extremo oposto, em
direção à Bond Street.
— Parece que as damas retornaram das compras — Harrison
murmurou com voz dura. — Terei que falar com Jane sobre
isso.
— A carruagem está coberta de lacaios — Tannenbrook
comentou. — Parecem ter um amplo amparo.
— Não é o suficiente. — As palavras deveriam ter vindo do
Harrison. Em troca, as tinham saído do centro do peito de
Colin, onde se tinha colocado um pedaço de pedra quando se
deu conta que não estava segura na Casa Clyde-Lacey. Ela
havia estado na Bond Street, onde qualquer um poderia tê-la
levado.
Queria sacudi-la vigorosamente. Queria beijá-la e lhe
acariciar os cachos de mel até que pudesse respirar de novo.
De repente, a carruagem se deteve duas casas longe de seu
destino. Franzindo o cenho, observou como o veículo se movia
de um lado a outro. Podia escutar débeis gritos de alarme
provenientes do interior, logo, a porta se abriu com um estalo
e saiu a senhorita Sarah Battersby. Saltou ao chão coberto de
neve com as saias escuras recolhidas nas mãos.
Deteve-se para olhar enquanto ela corria para ele a cinquenta
pés de distância, seu rosto quase da cor da neve, sua
respiração frenética, seus olhos cor de mel enormes, redondos
e temerosos em seu rosto de fada. Deixou cair as rédeas.
Sarah, suspirou, sua voz tão fraca como repentinamente
sentiu. Estava ferida? Alguém havia tentado atacá-la
também?
— Colin! — Ela gritou deslizando os últimos passos e se
chocando contra seu peito, fazendo-o tropeçar para trás. Suas
mãos estavam em todas partes ao mesmo tempo. Em seu
rosto, em seu pescoço, em seu peito, braços e mãos. — O que
aconteceu? — Ela perguntou.
— Onde está ferido?
— Em nenhuma parte, doçura.
Girou-se para gritar de novo para a carruagem, —
Necessitamos de um médico! — Logo, imediatamente, reatou
seu frenético exame de sua pessoa, suas mãos enluvadas se
esticaram para lhe escovar o cabelo e pressionar seu couro
cabeludo. — Que demônios estava pensando? Sair para dar
uma volta como se não te importasse nada! Me deixe te dizer
algo, Colin Lacey, se você sobreviver a isso, eu vou te matar
por sua imprudência. Marque minhas... — seu fôlego se
estremeceu alarmantemente... — ...palavras, você... — Um
pequeno soluço. — ...homem tolo. — As lágrimas corriam
agora.
E tudo o que pôde fazer foi envolver seus braços ao redor de
suas delicadas costas, abraçá-la com força e lhe sussurrar ao
ouvido: — Está bem, Sarah estou ileso, tudo está bem.
Seu pequeno punho enluvado golpeou seu ombro quando ela
soltou outro pequeno soluço. Com suas palavras amortecidas
contra a lã de seu casaco, ela murmurou: — Se... se não está
ferido, de onde vem todo este sangue?
Olhando atrás dele viu o rastro vermelho, austero e brilhante
que empapava a neve branca.
— É Matilda, doçura. Ela foi cortada.
Tannenbrook deu um passo adiante para tomar a dianteira do
cavalo.
— A levarei ao estábulo e me assegurarei que seu ferimento
seja atendido.
— E informarei às damas que um médico será desnecessário
— Harrison disse girando seu cavalo para a carruagem, que
agora estava detida em frente à Casa Clyde-Lacey.
Colin assentiu com a cabeça e continuou acariciando as
costas de Sarah.
Mas logo ela estava se afastando dele, fungando e limpando
suas bochechas.
— Como? — Ela perguntou.
— Quer dizer como foi cortada?
Ela assentiu, seu queixo adotou uma inclinação claramente
combativa.
— Houve um pouco de briga no Rotten Row.
— Uma briga.
— Sim, nada de que preocupar-se, Matilda foi a única ferida,
e deverá curar-se bem se a costurarmos adequadamente.
Seus braços se cruzaram debaixo de seu peito, seu dedo
tocando o flanco de seu cotovelo em um ritmo rápido.
— Foi Syder, não é?
— Bom, espero que só tenha um inimigo assim. — Um
momento depois que o disse, deu-se conta do sarcasmo,
provavelmente não era a melhor maneira de acalmar a fúria
óbvia e crescente de Sarah.
Sua delicada mandíbula se apertou. Seu nariz voltado para
cima. Parecia uma fada zangada.
— Poderia ter sido assassinado, Colin Lacey! Ou raptado e
cortado em tiras. Tem ideia de como me senti quando vi esse
rastro de sangue atrás de ti? — Ela fez um gesto selvagem
para a longa mancha vermelha. — E se isso tivesse fosse seu?
O que se supõe que devo fazer se for e lhe matam, me
responda isso! — Ao final, rouca, sua voz estava cheia de
lágrimas, cheia de algo menos definível.
— É precisamente por isso que devemos nos casar —
respondeu, incapaz de reprimir sua exasperação. — Disse-lhe
isso na semana passada. Pelo amor de Deus, tudo o que deve
fazer é dizer sim, Sarah.
Desta vez suas mãos aterrissaram em seus quadris de
maneira desafiante, seus olhos brilharam dourados.
— Talvez deveria me casar contigo, assim teria que me
responder pelo resto de seus dias. Obrigada, alguém em sua
vida deveria estar te ajudando a tomar decisões, já que está
claro que não pode fazer suas próprias decisões sensatas!
Passaram duas pulsações antes que absorvesse a natureza
assombrosa do que ela havia dito. É óbvio, seu coração
pulsava com força, por isso duas pulsações não eram muito
tempo. Mas quando finalmente entendeu, não pôde deter o
sorriso lento, mas profundamente satisfatório que estava
seguro que ela estava vendo em seu rosto.
— Então, estamos de acordo, doçura.
— Estamos.
— Essa foi uma maneira singularmente insultante de dizer
que sim.
— Er... Colin. Eu não disse precisamente...
— Entretanto, aceito-a. Nós dois não somos perfeitos.
— OH, mas eu...
Ele segurou seu rosto de fada em suas mãos e depositou um
prolongado beijo em sua doce boca inclinada. Logo lhe
acariciou as bochechas com os polegares e lançou outro beijo
suave e apaixonado sobre seus lábios de mel.
— Colin — ela sussurrou, seu fôlego quente contra seu
queixo. Seus olhos estavam fechados, seu rosto sonhador
voltado para cima. — Estou muito agradecida de que não
esteja morto.
Beijou cada pálpebra, deixando que seus lábios roçassem com
ternura sua têmpora antes de responder: — Como eu. —
Colocando-a sob seu braço, dirigiu-a em direção à casa. —
Agora entremos e nos esquentemos um pouco, se formos
estar casados esta semana, tenho algumas tarefas que
atender. A licença, a Igreja de São Jorge. Vitória insistirá em
um café da manhã com bolo, é claro.
— Esta semana? — Ela chiou.
— Quanto antes melhor, doçura. — Ele baixou a cabeça para
capturar seus lábios de novo enquanto caminhavam. Ela era
mais viciante que o brandy. Mais embriagante. — Quanto
antes melhor.
CAPÍTULO 19
“Digo, Lady Rutherford, isto explica muito sobre sua falta de
inibição".
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Rutherford ao ir a
uma das reuniões de dita mulher pela primeira vez (e última).

O que tinha aceito? A cabeça de Sarah dava voltas, sua pele


estava quente e avermelhada, não podia decidir se era o
ponche de rum em sua mão (tomou um sorvo para provar sua
teoria) ou as pérolas ao redor de seu pescoço ou, mais
concretamente, como tinha obtido as pérolas.
Seus olhos procuraram Colin através da multidão de
convidados de Lady Rutherford, a maioria dos quais eram
insossos e fúteis. É óbvio, Lady Rutherford era ambas as
coisas, além de ser muito aficionada aos homens jovens,
talvez isso fosse apropriado.
Sua mão se pousou no pescoço, possivelmente pela sétima
vez essa noite, sentindo as pérolas redondas e suaves através
da seda de suas luvas. Seus olhos se pousaram no Colin,
brilhando atraentemente com seu colete preto e sua gravata
branca, seu cabelo loiro dourado finalmente começava a
frisar-se de novo. Só um pouco. Só o suficiente para que seus
dedos os acariciassem.
Ela ia casar-se com ele dentro de uma semana. Seus joelhos
se converteram em água. Ele era tão gloriosamente bonito...
Um cotovelo golpeou o dela derramando líquido em sua luva
branca.
— Oh, sinto terrivelmente.
Sarah olhou à sua direita, e logo para cima e subiu um pouco
mais. Uma das mulheres mais altas que tinha visto estava
parada ali, vendo-se abatida e nervosa. À Sarah recordava
Lydia Cresswell, o cabelo vermelho flamejante e uma camada
leve de sardas trouxe à sua mente Ann Porter. Um vestido de
seda de cor azul escura com redemoinhos de bordados e
brilhantes lantejoulas no decote e a prega também era
familiar.
— Senhora Bowman — Sarah adivinhou.
A mulher, uma mescla intrigante de cores antiquadas, altura
incomum e vestido requintado, deu-lhe um olhar estranho
com os olhos inteligentes.
— Seu vestido, não a senhora. — Disse rapidamente.
— Como soube?
— Eu não gosto particularmente dela, mas suas criações são
magníficas. Eu faço um pouco de costura e reconheço uma
mão experiente.
A ruiva de extremidades largas sorriu, seus olhos se
iluminaram como um entardecer verde. Isso foi bastante
fantasioso, como um pôr-do-sol verde. Sarah tomou outro
sorvo de ponche.
— Sou Charlotte Lancaster.
Piscando para ela, Sarah assentiu lentamente.
— Agrada-me muito conhecê-la, senhorita Lancaster. Sou a
senhorita Battersby, Sarah Battersby, me chame de Sarah e
te chamarei de Charlotte, não será adorável?
A risada da mulher tinha o tom muito atraente, como o sino
de uma igreja, mas mais leve, mais delicado.
— Eu adoraria, Sarah. — Apontou com a mão a multidão de
pessoas fúteis, insípidas e muito tediosas que se amontoavam
no cenário sobrecarregado do salão de baile de Lady
Rutherford. — O que pensa disto?
— Acredito que preferiria estar em outro lugar.
De novo a risada realmente foi bastante agradável.
— Agrada-me saber que não sou a única.
Sarah olhou sua taça, fechando primeiro um olho e logo o
outro.
— O que há nisto?
— Uma quantidade substancial de rum, acredito que poderia
sugerir que empregue a precaução.
— Estou a ponto de me casar.
Olhos verdes se iluminavam sobre maçãs do rosto com
sardas.
— Que maravilhosa notícia.
— Esta semana.
— Muito em breve, então, bem a tempo para o Natal, adoro o
Natal.
— Ele quer assim. — Ela girou seu copo em direção ao Colin,
derramando mais líquido em sua luva branca.
Charlotte se inclinou para seguir a direção do olhar de Sarah.
— Lorde Chatham? — Ela chiou soando horrorizada. —
Contra quem perdeu uma aposta?
— Não — ela soprou. — Não o Senhor Chatham, embora seja
estranhamente atraente, não é assim?
Com um som afogado Charlotte negou com a cabeça.
— Suponho que alguém poderia dizer isso se estivesse
completamente cego.
Sarah considerou o homem de cabelo escuro que estava de pé
junto ao Colin. Ela o havia conhecido antes e o achava
encantador, inclusive magnético. Entretanto, estava bastante
magro e não era tão bonito como o seu Colin, não havia
cachos em seu cabelo, por exemplo, e seus olhos eram de um
curioso tom de turquesa que tinha sido quase desconcertante
quando os tinha fechado, encapuzados e avaliando.
— Suspeito que se crê bastante sedutor — Sarah refletiu em
voz alta. — Talvez o seja. Mas, para mim, só há Colin.
Mais ofegos à sua direita.
— Lorde Colin? Lorde Colin Lacey? — Charlotte riu
entredentes e sacudiu sua cabeça de cor vermelha brilhante.
— Tem olho para os canalhas.
— Viu-o?
— Claro que sim, está de pé ali mesmo.
— Então sabe ou talvez não o faça, que também é um
maravilhoso beijoqueiro.
— Oh, querida.
Sarah lhe dirigiu um cenho franzido.
— Não deve procurar descobrir isso por sua conta. Me veria
obrigada a te fazer um grande dano corporal, e isso seria
muito angustiante. Eu gosto muito de você.
Charlotte riu entredentes.
— Também gosto de você, Sarah. Não tem que preocupar-se,
não tenho o menor interesse em beijar um canalha.
Suspirando, Sarah sorriu.
— Lástima — ela disse. — É extremamente prazeroso.
Essa era a simples verdade, como tinha demonstrado uma vez
mais nessa mesma noite, quando se deslizou ao seu
dormitório para lhe entregar as pérolas. Acabava de terminar
de colocar o vestido, uma teia de seda bordada e negra
combinada com uma roupa interior de seda carmesim, mas
ainda não prendera o cabelo. Os cachos selvagens caíam
sobre seus ombros quando se sentou na penteadeira
contemplando os caprichos de tomar decisões que alteram a
vida sob severa coação.
Tinha entrado tranquilamente, recostando-se contra a porta.
Vislumbrou-o, ainda com sua roupa de montar, no espelho da
penteadeira. Seu sorriso era perverso e lento. Assim como
seus passos para ela.
— Estive sonhando com este momento — disse.
Nervosa, ficou de pé e caminhou para um divã creme antes de
voltar-se para ele.
— Eu... Colin, devo te falar desta manhã... quero dizer, crê
que é aconselhável... — aproximou-se mais, ela respirou
sândalo e o aroma de ar limpo de sua pele.
— Sim. Muito recomendável, agora, deixa de preocupar-se e
relaxe, tenho um presente para ti.
Ainda com sua roupa de montar tirou-se o casaco para que
seus fortes ombros e seu magro torso estivessem cobertos só
com uma camisa de linho e um colete de seda branco. Ela
deixou que seus olhos se detivessem em sua garganta, logo,
com amor, contornou sua firme mandíbula, seus lábios firmes
e seus ombros firmes e musculosos. O calor se assentou sob
seu ventre, conectando-se gradualmente com a dor entre suas
coxas. Os dois floresceram até que ela quis alcançá-lo como
uma flor no céu.
Colocando dois dedos no bolso de seu colete, tirou um duplo
fio de pérolas brancas cremosas, as deslizando em uma
corrente longa e aparentemente interminável.
— Eu quis dizer isto como um ponto de persuasão —
murmurou, seus olhos azuis esquentando-se com
intensidade. — Dê a volta.
Sua respiração se acelerou, seu coração começou a pulsar
com força. Sarah obedeceu lentamente, dando-lhe as costas.
Dedos longos e fortes se deslizaram brandamente por seu
cabelo, acariciando e enviando calafrios de prazer
insuportáveis através de seu couro cabeludo e debaixo de sua
pele. Sentiu que seus mamilos se apertavam sob as camadas
de seu corpete.
Tomando-se seu tempo, ele varreu seus cachos sobre seu
ombro. O fez várias vezes, já que seu cabelo rebelde parecia
não querer deixar seus dedos. Em sua última passada alisou
sua mão sobre o seio dela, sua palma percorrendo um mamilo
tão duro como as pérolas que sustentava. Ela ofegou e se
estremeceu ante a aguda rajada de prazer, suas costas
chocando com seu duro e quente peito.
— Calma doçura — disse, com voz rouca. Logo sentiu que as
pérolas frias se deslizavam sinuosamente contra a pele de seu
pescoço, prendendo-se, curvando-se e enrolando-se ao redor
de seu pescoço. — Sonhei ver isto contra sua pele. Quando os
comprei esta manhã pensei que poderiam suavizar sua
resistência à minha proposta — lábios suaves e quentes
tocaram sua nuca, justo por cima da linha de pérolas. —
Agora que disse sim, vejo-as de maneira diferente. — Seu
fôlego esquentou, seus dedos acariciando seu pescoço, seu
cabelo e seu mamilo. — Ficará marcada como minha.
Ela gemeu, o calor e a necessidade dentro dela tremendo por
ser apaziguada. Por sua própria vontade seu traseiro
procurou os quadris dele e se encontrou com uma dureza
fascinante.
— Um pouco primitivo, talvez — sussurrou-lhe ao ouvido,
acariciando ali antes de dar ao seu lóbulo um pequeno e
prazeroso beliscão. — Mas a ideia não deixará minha cabeça.
— Sua respiração se fez mais áspera e mais rápida, seu peito
bombeando. Ela acreditava que podia sentir seu pulso
acelerando-se tão rápido como o seu. — Diga que os usará
para mim, Sarah.
— Colin. — Seu nome era uma pergunta, uma súplica.
Fechou os olhos e se esticou para atrás para embalar sua
cabeça. O leve cacho de seu cabelo se assentou entre seus
dedos.
— Nos casaremos o antes possível, em uns dias e logo usará
meu anel em sua mão, e me levará dentro de seu corpo, e
será minha de verdade. — Sua língua deslizou embaixo de
sua mandíbula, deixando um rastro de umidade refrescante
em sua boca quente. — Até então, me prometa que usará
minhas pérolas e deixará que o mundo veja a quem pertence.
Ela, é óbvio, havia dito que sim. Repetidamente. Ele tinha
recompensado sua resposta segurando ambos os seios e
acariciando seus mamilos através de seu vestido até que lhe
rogou que detivesse os movimentos insuportáveis, e lhe rogou
que o desse mais. Logo, ele tinha recolhido sua saia e a
acariciou delicadamente com seus dedos até que aquele
prazer explodiu e alagou sua visão com luz, alagou seu corpo
com ondas de prazer indescritível.
Inclusive agora, de pé em meio a senhoras tituladas e
senhores vestidos de preto, ouvindo os acordes de uma valsa
e observando o brilho dourado das numerosas velas de Lady
Rutherford brincando com o cabelo de Colin Lacey como ela
desejava, a necessidade dele a debilitava.
Se não soubesse melhor, suspeitaria que ele havia sentido
suas dúvidas a respeito de aceitar casar-se com ele e a tinha
seduzido deliberadamente para evitar que mudasse de
opinião. Seus olhos se estreitaram sobre o homem que não
podia suportar resistir. Ele estava dando um olhar duro ao
seu companheiro. Então, ele a olhou fixamente e estava em
chamas.
Desejava-a talvez tanto como ela o queria. Ela podia ver do
outro lado da habitação, como se ele tivesse um sinal em suas
mãos.
— Devo dizer que pode ter um ponto — Charlotte disse,
olhando à Sarah e para onde estava Colin. Quase tinha
esquecido que a ruiva existia. — Quando lhe olha assim, é
bastante... afetuoso.
Sarah assentiu.
— Ele é muito bom nisso, não determinei exatamente quanto
é uma técnica deliberada e quanto é o resultado de um
sentimento genuíno, mas o efeito é o mesmo.
Charlotte empunhou um leque de renda em um vão esforço
por esfriar suas bochechas.
Sarah tinha razão.
O homem era potente, por certo.
— Mesmo assim, ele é um escândalo ambulante — continuou
Charlotte. — Se isto não fosse a festa de sua mãe, suspeito
que não teria sido convidado, absolutamente.
Tomou longos minutos para analisar o que havia dito antes
que Sarah se desse conta de a quem se referia Charlotte.
— Oooh, está falando de Lorde Chatham — Maldito rum.
Como se esperava que uma dama pensasse com claridade
depois de tomar uma bebida assim?
— Sim, como disse, estranhamente atraente, de uma maneira
diabólica.
— Mmm. — O leque trabalhou mais rápido. — Pergunto-me
se tentará reformar-se depois de herdar. Um marquesado leva
responsabilidades de certa importância. Tem o patrimônio, é
óbvio, e os arrendatários a considerar. Acrescenta a isso seu
papel no Parlamento, e...
A nova amiga de Sarah continuou debatendo o assunto, mas
Sarah só escutava um pouco. Colin ainda a estava olhando,
seus olhos agora contornando sensualmente a linha das
pérolas ao redor de seu pescoço. Como se ele também
recordasse sua promessa e os momentos depois que lhe tinha
dado. Ela suspirou de desejo e se rendeu a vontade de traçar
as pequenas pedras preciosas com seus dedos.
Um cavalheiro, de pouca estatura e com uma desafortunada
semelhança com uma carpa, parou ao lado de Charlotte.
Parecia estar profundamente metido em suas taças, enquanto
sua marcha cambaleava, seus movimentos eram lentos e
descoordenados enquanto esticava o pescoço para examinar
seu rosto. Sem explicação alguma o homem soltou um forte
estalo de risada, dobrando-se e sustentando seu ventre.
Apertando os lábios e inchando as bochechas, agitou a mão
para apartar sua transgressão.
— Como se encontra? — Soluço — Na primeira experiência do
inverno em Londres, senhorita Lancaster?
Sarah viu que o rosto de Charlotte passava de branco
salpicado de sardas a vermelho, furiosa em questão de
segundos. Desconcertada, Sarah observou como o homem se
dobrava uma vez mais, incapaz de conter suas gargalhadas.
Repetiu as palavras que soavam como “Pernas longas
Lancaster”, mas à Sarah resultava difícil entendê-lo por que
não podia controlar sua ofegante e obscena alegria.
Uma sombra enorme veio da esquerda de Sarah, passando à
sua vista momentos antes que seu dono caminhasse em
frente a ela e à Charlotte, logo agarrou com calma o lenço da
carpa em um punho grande e poderoso.
— Lorde Tannenbrook — Sarah respirou, desorientada pelo
golpe e confusa pela incongruência de suas ações em seu
entorno atual.
O conde, que fez com que Charlotte parecesse pequena em
comparação, com calma forçou seu feio prisioneiro em
posição vertical, logo o levantou até que os dedos dos pés do
homem pendurassem no ar sobre o chão de mármore de Lady
Rutherford. O levantou sem aparente esforço, como o faria
com um peixe em uma vara.
Charlotte se tampou a boca com uma mão e se apertou contra
Sarah, tentando dar a Lorde Tannenbrook o espaço para
fazer... o que fosse que tentava fazer.
— Misericórdia — Sarah murmurou, aturdida pelo poder
físico puro do senhor loiro escuro. — Isso é muito...
impressionante.
— Se desculpe — Tannenbrook disse com voz grave, mas
tranquila.
O homem se engasgou e se retorceu, agarrando o braço de
Tannenbrook.
Ao seu lado, Charlotte baixou os dedos de seus lábios o
suficiente para sussurrar: — Espero que se negue.
Ao ver os intentos retorcidos do homem com cara de peixe
para escapar e recordar a inexplicável humilhação de
Charlotte, Sarah passou o braço pelo de sua amiga e a
apertou.
— Devo confessar, eu também o espero.
Para Colin, a noite tinha sido nada menos que uma tortura. O
salão de baile de Lady Rutherford era sufocante e estava
abarrotado, suas únicas bebidas estavam desenhadas para
que todos pudessem tomar uma taça. E um sangrento jogo de
pérolas o estava deixando completamente louco.
Ao seu lado Benedict Chatham, visconde Chatham, jogou
para trás meia taça do ponche de rum de sua mãe de um só
gole e seguiu o olhar de Colin para Sarah.
Estava sozinha em um rincão, perto da tigela de ponche de
rum que antes tinha rejeitado.
— Ela parece um pouco fraca — disse seu ex-amigo.
Colin olhou a pálida e magra estrutura de Chatham e
levantou uma sobrancelha.
Chatham lhe deu um meio sorriso casual.
— Fez o seu ponto bem feito.
— Por que está aqui falando comigo?
Os olhos turqueses piscaram, mas, como sempre,
mantiveram-se cínicos e avaliativos.
— Não estávamos falando?
— Vendeu o livro de apostas do Reaver ao meu irmão. —
Chatham encolheu os ombros.
— Uma transação menor.
— Assegurou-me que não poderia pagar minha dívida, o que
significava que Syder me mataria, entretanto, o fez de todos
os modos.
O futuro marquês de Rutherford se voltou para a estátua de
mármore do Poseidon que estava atrás dele e colocou sua
taça vazia junto aos pés do deus. Provavelmente estava
bastante bêbado, mas nunca sabia com o Chatham.
— Entretanto — disse ironicamente — ainda está vivo.
Com um sopro de desgosto, Colin se perguntou como poderia
ter admirado Chatham durante tanto tempo. É claro, o
homem era diabolicamente inteligente, um gênio de muitas
maneiras, mas recordando como tinha tratado de imitar o
cinismo e a libertinagem do visconde o fez tremer. Em parte,
culpou a sua própria embriaguez, o catalisador de muitas
decisões desastrosas.
Despedindo Chatham de sua mente, devolveu seu olhar à
Sarah, que agora conversava com uma mulher alta, sardenta
e ruiva. Franziu o cenho perguntando-se se poderia ser a
mesma mulher que tinha perdido suas saias no Hyde Park.
Parecia pouco provável que ela aparecesse na reunião de Lady
Rutherford no mesmo dia. Talvez houvesse duas mulheres
ruivas, anormalmente altas. Em Mayfair. Em novembro.
— Se o que busca forem os recursos, sugiro-te a Long Meg, a
meio americana, mas infelizmente a meio americana está
obscenamente rica.
Colin lançou um olhar mordaz ao outro homem.
— Usar mulheres para encher os bolsos é seu jogo, não o
meu.
Um sorriso sardônico frisou os lábios de Chatham.
— Olhe, com que rapidez a uva amarga se converte no vinho
doce da justiça. Posso supor que a bela senhorita Battersby é
a causa desta nova pureza moral?
— A senhorita Battersby não é de sua incumbência.
Ao observar as duas mulheres, os olhos encapuzados do
Chatham tomaram o aspecto peculiar que sempre tinha
inquietado Colin. Comparou-o sendo medido por um
predador: perigoso, calculista e volátil.
— Não — disse o visconde em voz baixa. — Ela é tua. —
Aquele olhar voltou para Colin. — O que é uma pena.
Com seu estado de ânimo cada vez mais sombrio a cada
segundo, Colin se aproximou de Chatham.
Eram da mesma altura, por isso foi capaz de encontrar
aqueles olhos de cor turquesa misteriosos diretamente.
— O que significa isso? — Grunhiu.
Uma sobrancelha escura se elevou.
— Os que têm inimigos devem tratar de evitar adquirir
debilidades.
— O que sabe do meu inimigo?
Algo brilhou atrás do olhar encapuzado de Chatham, mas
desapareceu na seguinte piscada.
— O que sei: se continuar tentando ao diabo, nada te liberará
de seu açougue. Com o tempo, seus capangas crescerão
muito nervosos para ser comprados.
A cabeça de Colin se voltou para trás. Não havia dito a
ninguém sobre o Benning, o único que saberia, além do
Benning, era...
Uma forte explosão de chiados e gritos foi seguida por um
estrondo reverberante, atraindo a atenção do Colin para os
sons. A mesa de refrescos se havia partido pela metade, o
vidro e a prata se pulverizavam pelo chão de mármore, o
ponche prateado derrubado a vários pés de distância. E no
centro dos refrescos quebrados, uma figura estendida,
vermelha, ofegando, puxando seu lenço como se estivesse
afogado. Lorde Tannenbrook estava parado sobre o homem
feio, a intimidação irradiava de cada linha de seu corpo.
— Que demônios? — Colin murmurou, perguntando-se quem
tinha sido suficientemente estúpido para provocar a ira do
conde de Tannenbrook. O homem era do tamanho de um
cavalo, além disso, áspero.
Sem pensar um momento procurou Sarah e a viu quase
imediatamente, de pé a um lado da cena caótica, aferrando-se
ao braço da "Long Meg" de Chatham. Parecia estar bem,
inclusive sorrindo ante a calamidade do homem. Suspirou
aliviado. Ela estava a salvo.
Olhando para o lugar onde Chatham tinha estado de pé Colin
franziu o cenho e logo olhou e se foi. Não haveria mais
respostas daquele homem.
— Parece que Tannenbrook deu um bom golpe — disse
Harrison, aproximando-se da direção das portas. — Talvez
devêssemos partir antes que Atherbourne decida entrar na
refrega.
Colin assentiu com a cabeça. Mais que tudo, queria Sarah o
mais longe possível do caos, sem importar a fonte. As
palavras de Chatham ecoaram em sua mente, repetindo até
que se pareciam com uma advertência ominosa. Ela é tua.
Colin não pôde evitar adicionar o que sabia que era verdade.
Ela era dele. Dele para protegê-la. Dele para perdê-la.
CAPÍTULO 20
“Como um baile, cada cortejo tem passos que devem levar-se a
cabo até sua conclusão. Mas o baile deve concluir
eventualmente, Charles. Dá-se conta disto, não é assim?”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ante
seu desejo rápido de dar a certa viúva tempo para recuperar
seu afeto anterior.

Casado. Ele estava casado com Sarah.


Colin balançou a cabeça e tomou um sorvo de chá, deixando
que seus olhos descansassem onde invariavelmente se
pousavam, nela. Sarah conversava com Jane perto das
janelas do salão da Casa Clyde-Lacey. Cabelo de mel com
pérolas e um vestido prateado, rico em bordados brancos,
resplandecia à luz do dia. A neve do exterior emitia um brilho
da mesma cor que seu vestido.
Durante a maior parte de sua existência Colin tinha
acreditado que nunca estaria disposto a colocar grilhões.
Tinha pensado que o matrimônio era uma armadilha, ou ao
menos desaconselhável para um homem que saboreava ser o
soberano em sua própria vida. Mesmo horas depois da
cerimônia teve dificuldades para conciliar sua visão anterior
com sua satisfação atual.
— Me alegro por ti, Colin. Você e Sarah encontrarão muita
felicidade juntos; estou segura disso.
Voltou-se para sua irmã, que estava sentada ao seu lado no
sofá de veludo azul escuro. Vitória, que lhe tinha estado
provocando cada vez mais desde sua confrontação, dirigiu-lhe
um sorriso afetuoso.
— Sempre que não coloque minhocas em suas sapatilhas, é
claro.
Ele riu.
— Só foi uma vez, Tori.
— Mmm. Mas memorável.
Rindo, pôs sua xícara na mesa baixa em frente a eles e logo se
esticou para apertar sua mão.
— Obrigado por seu conselho, ao final foi persuadida por um
cavalo ferido, mas suspeito que as flores e a segurança
sentaram as bases para seu consentimento.
— Um bom cortejo sempre é um excelente começo, apesar da
minha própria experiência.
Atherbourne se aproximou e estendeu a mão à sua esposa lhe
dizendo que deviam ir para Wyatt House antes que a neve
aumentasse. Vitória ficou de pé e Colin fez o mesmo antes
que ela se voltasse para ele. Apoiou uma mão em seu braço e
beijou sua bochecha.
— Desejo a ambos felicidade, irmão — disse, seus olhos azuis
esverdeados brilhando suspeitosamente .
Colin assentiu.
— Obrigado, Tori. Agora, seja um amor e trate de não se
converter em um regador.
Ela aspirou, riu e lhe deu um golpe brincalhão antes de
afastar-se para despedir-se de Jane e Sarah. Atherbourne
permaneceu em seu lugar, dando ao Colin um olhar duro.
Logo o sombrio visconde estendeu sua mão, surpreendendo
ao Colin até suas botas. Ele aceitou o gesto sentindo uma
forte pressão dentro de seu peito, sentindo um lugar vazio de
escuridão absoluta receber mínimo brilho de luz.
— Isto não é o perdão, Lacey — o outro homem disse em voz
baixa. — Quero que saiba que duvido que alguma vez possa
perdoar completamente o que fez.
Colin engoliu saliva e assentiu, liberando a mão de
Atherbourne.
— Entendo.
— Entretanto, vejo uma mudança em ti, e por essa razão
desejo-te o melhor em seu matrimônio. — Deu-se a volta
antes de lançar um último pensamento sobre seu ombro. —
Trate de não estragar isso.
Atherbourne e Vitória partiram pouco depois, e Eleanor se
retirou cedo à sua habitação para escrever aos seus amigos
em Keddlescombe sobre os detalhes das bodas, deixando
Harrison e Jane sozinhos na habitação com Colin e Sarah.
— Harrison, — Jane disse alegremente — acredito que é hora
de nos retirarmos, foi um dia formoso, mas estou bastante
cansada.
O duque franziu o cenho e abriu seu relógio de bolso.
— Ainda não são cinco horas.
Jane olhou ao Colin, logo à Sarah, que estava olhando a neve
cair sobre Berkeley Square, e finalmente, entrecerrou os olhos
em seu marido.
— Sabe que recebi uma entrega ontem?
Harrison piscou.
— De que?
— Luvas, vários pares, estava pensando que deveria prová-los
e me assegurar que encaixem à perfeição, que são ajustadas e
prazerosas em minhas mãos.
A conversação junto com a repentina cor avermelhada e a
respiração acelerada de Harrison estava começando a fazer
com que Colin se sentisse terrivelmente incômodo.
— Deveríamos nos retirar — Harrison disse bruscamente,
colocando sua mão na cintura de Jane para empurrá-la para
as portas da sala de estar. — Imediatamente .
Sem outra palavra, o casal deixou Colin e Sarah sozinhos,
fechando as portas atrás deles. No silêncio, o fogo crepitava, o
suave som do vento soprava mais à frente do cristal, e o pulso
de Colin soava mais rápido em seus ouvidos.
«Minha esposa — pensou olhando o delicado pescoço branco de
Sarah. Suas pérolas jaziam ali como um convite. — Ela é
finalmente minha»
Toda a luxúria e a antecipação que tinha estado reprimindo
durante semanas se tinham acumulado como nuvens de
tormenta, pesadas e grossas, agitando-se dentro dele. Sua
virilha se esticou, endureceu e pulsou trovões de advertência.
Suas razões para casar-se não significavam nada para essa
parte tão dura dele. Tudo o que queria era ela e, no momento,
sua mente estava igualmente consumida.
— É formoso — murmurou olhando delicados flocos brancos
cair e reunir-se em uma curva ao longo da base da janela. —
Nunca vimos muita neve no povoado, gosto bastante.
Empurrado para ela por uma força irresistível, aproximou-se
deixando que seu nariz se pousasse em sua têmpora.
Respirando-a, acariciou os suaves braços e entrelaçou seus
dedos com os dela, flores silvestres e mel encheram seus
sentidos até que esqueceu por completo onde estava. Tudo o
que conhecia era ela, seu aroma, sua pele suave, foi então
que o sentiu, o tremor. Ela estava nervosa.
— Não se preocupe, doçura.
Ela ficou rígida em seus braços.
— Não estou, estou bem.
Ele sorriu.
— Em comparação com o que? Está tremendo.
— É o frio.
Acariciou-lhe o pescoço justo por cima de suas pérolas.
— Talvez necessite de algo para te esquentar.
— Sim — ela disse antes de limpar sua garganta. — Um
banho, pedi que se prepare um.
— Para nós? Sua inteligência é sua qualidade mais atrativa,
doçura. Além de seu cabelo. E sua pele. E sua…
— Para mim. Eu... deve me dar um momento, Colin, para me
preparar.
Queria gemer, queria levantá-la em seus braços e levá-la à
cama. Sem banho, sem demora. Só uma corrida precipitada à
posse. Mas controlaria a si mesmo, maldição. Ele o faria, ela
merecia todas as suas considerações depois de tudo o que
tinha suportado por seu bem.
— Muito bem — disse afastando-se de sua tentação. — Vá
desfrutar de seu banho, irei a ti dentro de uma hora.
Assentindo, negando-se a encontrar-se com seus olhos, saiu
correndo da habitação, deixando-o só com seus pensamentos
e luxúria. Passou-se uma mão pelo cabelo, passeando ao
longo da habitação sem ver nada, seu olhar vagou sobre a
cadeira vermelha favorita de sua mãe, logo seu retrato sobre a
lareira, logo as janelas onde a neve seguia caindo em meio à
escuridão da noite. Enquanto suas pernadas longas e
impacientes comiam o piso, os pensamentos em Sarah
invadiam seus músculos e sua mente.
Ela era dele. Logo lhe pertenceria de todas as maneiras.
«Tua para proteger. — Esse pensamento também se negou a
deixá-lo. — Trata de não estragar isso. — Seu ritmo se fez mais
lento quando se aproximou do final da habitação em frente à
lareira. Ela era sua responsabilidade agora. Sentiu que o peso
da mesma pousava sobre seus ombros, uma carga pela qual
tinha estado ansioso. — E se lhe acontece algo? — Sua mão
pousou sobre a madeira polida, dourada. Era a cor de seu
cabelo. — O que acontece se eu falhar? Como marido, como
homem. — Seu coração se retorceu ante o pensamento.»
Recordou o olhar de Vitória no passado, quando ela descobriu
o que ele tinha feito. Tinha estado aqui, na casa Clyde-Lacey.
Atherbourne e Harrison tinham forçado sua confissão, e sua
irmã tinha escutado cada palavra, seu coração quebrando-se
em frente a ele. Ver tanta angústia e decepção nos olhos de
Sarah era impensável. Mas pior era a ideia de que ela poderia
ser prejudicada. Por sua culpa.
Suas mãos postas sobre a rica madeira cor mel vacilou,
dando-se conta que o pianoforte era da mesma cor que seu
cabelo. Alisando a madeira com os dedos, dirigiu-se
lentamente para o banco e se sentou ante as teclas.
Então a compulsão se apoderou dele, seus pensamentos se
converteram em notas, as notas se converteram em acordes e
os acordes em música que já não estaria contida.

~~*~~

Uma hora, havia dito. Tinham sido duas. Sarah apertou o


xale ao redor de seus ombros com mais força e suspirou,
observando que seu fôlego empanava o vidro da janela de seu
dormitório. A janela de seu quarto, ao menos seria deles se
alguma vez chegasse.
«Maldição. O que o retém?»
Não houve ajuda para isso. Ela deveria buscá-lo brevemente,
examinou seu traje, uma bata de seda de cor damasco e
renda creme. Seu útil xale de lã era só para esquentar, mas
lhe dava um grau adicional de modéstia. Debatendo só um
momento, rapidamente colocou um par de sapatilhas e
colocou a cabeça pelo corredor.
Estava tranquilo, exceto... ela podia escutar música. Música
maravilhosa.
Encontrou-o onde o tinha deixado, no salão. Fechando as
portas de painéis brancos atrás dela, ficou olhando seu
improvável marido curvado sobre as teclas de um formoso
pianoforte, com os olhos fechados, fosse em agonia ou êxtase.
Sua melodia era exuberante, complexa, os acordes mais
baixos eram turbulentos e retorcidos, as notas superiores
muito doces. Seu próprio coração palpitava enquanto
escutava, sabendo que não havia partituras, nenhum outro
compositor. Surgindo de Colin, a melodia se elevou no ar
como uma tormenta, uma cascata de notas escuras, agitadas
e profundas. Gradualmente suavizou-se como o padrão de
chuva sobre no guichê de uma carruagem. Quando se voltou,
tão sensual como a luz do sol de outono, tão rítmico como as
ondas em uma orla, encontrou-se movendo-se para ele como
se estivesse atada por uma linha longa e lustrosa que a
puxava, puxava e a impulsionava para frente.
Mal recordava ter cruzado a habitação, não recordava ter
decidido envolver seus braços ao redor de seu pescoço por
trás, fechar os olhos e passar os dedos pelo encaracolado
cabelo dourado. A canção gaguejou com seu primeiro toque,
seu corpo sacudindo-se surpreso por sua audácia. Ela pôs
seus lábios ao longo de sua dura mandíbula, esfregou seus
seios contra suas costas para satisfazer uma necessidade que
só aumentava mais. Seu cabelo caiu para frente para lhe
escovar o rosto, rodeando-os com o aroma de seu sabão.
Seus ombros se agitaram com respirações pesadas, suas
notas cessaram até que só ficava seu eco.
— Sarah — se queixou. Finalmente, girou-se no pequeno
banco, agarrando sua cintura e puxando-a entre suas coxas
lhe tirou o xale dos ombros, atirando-o com impaciência.
Fixando seus acalorados olhos azuis sobre seus mamilos
suplicantes, ele apertou seu agarre em sua cintura, seus
dedos pressionaram um pouco antes de aproximar-se e
aproximá-la mais. A pele de sua testa e maçãs do rosto se
esticou, ruborizando-se.
A cabeça caiu para diante como se não tivesse força para
mantê-la erguida, seu rosto se pousou entre seus seios, seu
fôlego esquentou a seda de damasco. Suas mãos começaram
um deslizamento sensual sobre seus quadris e suas nádegas,
pressionando e apertando, forçando seus quadris mais perto
de seu corpo. Seus lábios acariciaram um duro e dolorido
mamilo através da seda, forçando um grito afogado em sua
garganta pela quebra de onda de fogo. Então, sua boca se
abriu sobre a protuberância, desenhando-o e fazendo com
que se retorcesse. Ela se arqueou para ele e gemeu seu nome.
Sugou durante longos minutos antes de retirar-se para tirar a
seda. Ela pensou que escutou o delicado rasgado do tecido,
mas para então, não lhe importava nem um ápice, não com
sua boca, tão quente como o fogo, chupando e trabalhando
sobre seus mamilos nus. Primeiro um, logo o outro, suas
pernas se debilitaram até que o único que evitou que se
paralisasse aos seus pés era o forte agarre em sua cintura.
Ele se aferrou a ela, envolveu seus fortes e inflexíveis braços
ao redor dela, chupou, mordiscou e deu prazer aos seus seios.
Suas mãos caíram à saia de sua bata, puxando a seda para
suas pernas até que pôde agarrar suas coxas com suas mãos
magras e fortes.
Uma dessas mãos desapareceu brevemente para desabotoar
as calças. A outra se deslizou entre suas coxas, incentivando-
a a que as abrisse, acariciando a tenra carne que a rodeava e
a fez ofegar.
— Colin, por favor — ela suplicou apoiando as mãos em seus
ombros, olhando fixamente seus olhos azuis, sentindo seus
dedos acariciar, invadir e deslizar-se dentro, onde nenhum
homem havia tocado.
Ele não disse nada, seus seios estavam inchados por seus
cuidados, seus lábios separados em respirações ofegantes.
Lentamente retirou um dedo de seu interior, só para retornar
com dois. Logo enganchou esses dois dedos para frente,
pressionando a parede de seu núcleo e usando-os para
aproximá-la mais de uma poderosa e dolorosa explosão de
necessidade. Explorou de um ponto dentro de seu corpo,
privando-a de fôlego, de qualquer habilidade para resistir. Ele
poderia ter o que quisesse se só fizesse isso outra vez. Ela
caiu contra ele, soluçando, seus braços se envolveram ao
redor de seu pescoço, seus pulmões se encheram de sândalo e
o delicioso aroma de sua pele.
Quando ele retirou os dedos ela protestou, mas ele sacudiu a
cabeça e voltou a agarrar suas coxas, forçando primeiro um
de seus joelhos e logo a outra a dobrar-se, as colocando junto
aos seus quadris no banco. Ela se sentou escarranchada em
seu regaço agora, seus lábios roçaram os dele, suas mãos
acariciando suas bochechas.
Sua língua se deslizou em sua boca, o sal e o persistente
sabor do chá tão intoxicante para ela como o ponche de rum.
Entre suas coxas sentiu um calor, algo contundente
acariciando suas dobras. A suave ponta se umedeceu em
seus sucos antes de empurrar e separar, procurando um
lugar dentro dela.
Umas mãos fortes se apoderaram de seus quadris firmes e
sensuais, seus lábios comeram os seus, uma quente pressão
se formou onde suas dobras, deram passo para lhe permitir a
entrada ofegando. Conteve o fôlego quando ele empurrou, logo
soltou em um gemido quando a ardência se converteu em
uma dor aguda. Suas mãos em seus quadris a baixaram
brandamente. Seu firme impulso para cima lhe roubou todo o
ar nos pulmões. Afundou-se completamente dentro dela, a
pressão brusca era um prazer insuportável e uma dor
estranha.
A mão enredada em seu cabelo atraiu-a para seu beijo. Seu
braço ao redor de sua cintura controlava um novo ritmo
enquanto lentamente se deslizava para fora e dentro, o calor e
a fricção não eram familiares, mas de algum jeito era
magnífico.
Seus mamilos se pressionaram e se esfregaram contra sua
camisa, enviando sensações impactantes através de seu
corpo, seus ofegos de prazer se converteram em um sorriso
quando se deu conta que não se tirou a roupa. Nem sequer
seu lenço.
Empurrando suficientemente forte para sacudir-se, ele
expulsou qualquer pensamento de diversão de sua cabeça.
Qualquer pensamento absolutamente, realmente só estava ele
dentro dela. Impulsionar, bombear, mover e deslizar no
interior gentil. Estava provocando uma tormenta elétrica que
queria desesperadamente liberar-se, explorar e lavá-la em um
dilúvio. A intensidade cresceu e se reuniu, agitando-se e
rodando, seus quadris agora captavam seu ritmo, agora se
movia mais rápido e empurrava mais forte.
— Por favor, Colin — suplicou de novo, arranhando seu
casaco de lã, agarrando a roupa sobre seu pescoço
musculoso. — Necessito…
Mesmo assim, não disse nada, deixando que suas ações
comunicassem seus desejos, uma mão arrancou a seda de
onde se uniam e passou seus nódulos sobre suas dobras
antes de deixar que seu polegar se assentasse. Ali, no centro
de cada sensação prazerosa, a acariciou com um ligeiro toque
deslizante.
Deslizando. Deslizando. Deslizando. Pressionando e
bombeando.
E seu corpo foi capturado por um raio, grandes ondas de
implosão ardente. Ela soluçou seu nome, sentiu que sua boca
se abria e sugava onde seu pescoço se encontrava com seu
ombro, a acariciou, e empurrou até que um raio vaiou através
de cada nervo e fibra até que as ondas se uniram e
converteram o mundo inteiro em uma faísca brilhante e
pulsante.
Seus impulsos se fizeram mais profundos e agudos, suas
mãos freneticamente agarraram seus quadris. Bombeou e
empurrou até que ela o ouviu gemer seu nome. Uma vez.
Duas vezes. Logo ele deu um forte e final impulso, e ela sentiu
que os músculos de seu pescoço endureciam até converter-se
em pedra debaixo de suas unhas, sua voz chiava em um
agonizante prazer. Gritando seu nome, apertou-a com mais
força, seus dedos pressionando, seu corpo palpitou dentro
dela, liberando-se dentro dela, até que juntos, regozijaram-se
na culminação da tormenta.
CAPÍTULO 21
“Meu querido Humphrey, você é o único que me entende.”
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu acompanhante.

— Ela está positivamente louca por ele. — A voz de Jane era


divertida e absolutamente zombeteira. — Bom, talvez só um
pouco. Ela não fala de nada mais que quão bonito é, quão
inteligente é, o bem-educado. Fazem longas caminhadas na
neve e passam horas abraçando-se ao lado do fogo.
Abraçados! — Ela soprou e balançou a cabeça. — Pode
imaginar?
Com uma mão sobre seu ventre Vitória riu sem poder fazer
nada.
— Oh, deve parar, não posso... oh, é muito!
— Acredito que é muito bonito que tenha encontrado uma
companhia que desfruta — disse Eleonor de uma das cadeiras
de veludo verde da sala. Ela sorriu às duas mulheres, mas
parecia desconcertada por sua risada.
Jane levantou um dedo.
— Escutem isto: Suas orelhas não penduram tanto como
preferiria, entretanto, encontro esse pequeno defeito íntimo. A
perfeição é, depois de tudo, uma forma de banalidade, nada é
tão tedioso como a banalidade.
As lágrimas corriam por suas bochechas, Vitória lutou por
controlar sua risada, o que fez com que Eleonor e Sarah se
unissem.
«Sarah — pensou Colin, encontrando sua atenção fixa nela,
como era quase constantemente».
Sentada junto a ele no sofá de mogno e seda, sua esposa riu
junto com as outras damas antes de voltar para sua costura.
Com o Natal a duas semanas de distância, ela tinha
começado a elaborar uma pequena colcha para o filho
pequeno de Vitória, Gregory. Suspeitava que era
simplesmente um dos vários projetos planejados, já que ela
passava grande parte de seu tempo livre com uma agulha na
mão e o resto era, naturalmente, em sua cama.
Respirou fundo e uma vez mais tratou de concentrar-se na
nota que tinha recebido nessa mesma manhã, mas seus olhos
não queriam ver as palavras. Desejavam ver os cachos de mel
estendidos sobre um travesseiro, um olhar doce que se
aferrava ao seu enquanto empurrava dentro de sua apertada
e úmida cavidade. Desejava ver como seus lábios se
separavam surpreendidos quando o êxtase chegava.
— Para ser claros, estamos falando de um cão sim — esse era
Harrison, emergindo brevemente do The Times.
— Não deixe que Lady Wallingham te ouça referir-se ao
Humphrey dessa maneira — disse Jane. — Para seus olhos
ele é seu melhor companheiro.
Ainda recuperando-se de sua risada, Vitória tirou um lenço
da manga e secou as bochechas.
— Depois de tudo seus elevados protestos sobre a inutilidade
do cão pulgoso.
Colin deixou que o bate-papo se desvanecesse ao seu redor e
absorveu em silêncio a mensagem de seu contato do
Escritório Central. A nota sem assinar se enrugou com a
pressão de seus dedos.

“Cinco objetivos tomados desde a semana passada. A missão


se aproxima de seu fim. Syder se desespera e intensificou o
jogo. Aumente sua vigilância”.

Sua vigilância. Com o peito apertado e ardendo, olhou à


Sarah. Casaram-se fazia tão pouco tempo, mas ele já não
podia imaginar sua vida sem ela. A tranquila e sensata Sarah,
a obstinada e enlouquecedora Sarah. A amadurecida e
sensual Sarah. A amável e desinteressada Sarah. Sua
formosa mulher.
Se alguma vez a tirassem sua vida terminaria. Era
simplesmente assim.
Suspirou e passou uma mão pelo cabelo.
«Ela é tudo o que importa — pensou. — Não posso permitir que
ninguém a machuque. Especialmente eu.»
— Colin — Sarah disse em voz baixa. — O que aconteceu?
Parece angustiado.
Baixando seu olhar brevemente à nota enrugada em sua mão
e logo olhando a colorida colcha, perguntou-se como ia
protegê-la quando ela insistisse teimosamente em aventurar-
se fora da Casa Clyde-Lacey. Ela argumentaria que ele não a
escolheu para confiná-la, mas isso era irrelevante, tinha
assuntos importantes que atender, não excursões pela roupa
de cama em Pall Mall.
Talvez se ele a ocupasse mais a fundo estivesse muito
esgotada para desafiar seus desejos. Notou que sua suave e
pálida garganta se agitava enquanto engolia . O pensamento
tinha mérito. Se ela estivesse em sua cama, ofegando e
retorcendo-se debaixo dele, então não podia estar em perigo.
— Vem comigo — ele murmurou, de pé e esperando que ela se
levantasse.
Olhou para baixo à sua costura, logo voltou a olhá-lo, seus
grandes olhos dourados piscavam com consternação.
— Por quê?
Ele suspirou.
— Deve questionar tudo? Tenho algo que discutir em privado.
A contragosto ela recolheu sua costura e o seguiu para fora
do salão, subindo as escadas até seu dormitório. Ela colocou
a colcha dentro da cesta perto de sua cadeira de leitura e lhe
franziu o cenho.
— Muito bem. O que está mal? Esteve decididamente mal-
humorado esta manhã.
— Não quero que saia de novo sem minha permissão,
entendeu? — Seus braços magros cruzaram-se debaixo de
seus deliciosos seios.
— Não, temo que não.
— É óbvio que sim. Simplesmente está sendo obstinada.
Um dedo começou a golpear contra seu cotovelo.
— Atualmente cada vez que passo além da porta principal
estou rodeada de um exército de lacaios altos e fortes.
Seu estômago ardia, suas mãos se curvavam aos lados.
— O que quer dizer com “fortes”?
— Syder?
— Sou seu marido.
Ela levantou uma sobrancelha e golpeou mais rápido.
— Sim. Parece que lembro algo disso, promessas em uma
igreja ou algo assim.
Ele não apreciava seu sarcasmo, entretanto assentiu.
— Assim é — Deveria deixar de dar-se conta de quão “fortes”
eram os lacaios e obedecer o seu marido. Estava nos votos
que haviam dito um ao outro.
Certamente isso significava algo.
Seus olhos se estreitaram sobre ele, seus lábios se curvaram
apertando-se.
— Sabe, muito antes de nos casarmos, dirigi minha vida com
certa habilidade e competência. Inclusive tomei minhas
próprias decisões sobre onde ir e com quem. — Seus olhos
brilharam com mais sarcasmo. — Bastante impactante,
quando o considera. Sarah Battersby, uma humilde mulher,
sem marido, que usa sua pequena mente de pomba para ir de
um lugar a outro sem contratempos!
— Me acredite, sou muito consciente de sua inclinação por
cuidar-se e ordenar os outros ao seu gosto.
Algo parecido à dor apareceu em seu rosto, mas desapareceu
antes que ele pudesse decidir se realmente o tinha visto.
— Só fiz o que tinha que fazer.
Dirigiu-se para ela, detendo-se a um pé de distância. Queria
tomá-la em seus braços, mas nesse momento ela não parecia
receptiva ao seu afeto.
— Sei — disse em voz baixa. — Mas agora me tem para cuidar
de ti. Não pode aceitar que estou preocupado por seu bem-
estar e desejo evitar que sofra danos?
Aquele dedo golpeou a um ritmo mais rápido contra seu
cotovelo vestido de negro.
— Está em perigo tanto quanto eu, ou mais, em realidade. —
Seus olhos se voltaram em um brilho calculista. — Se crê que
o risco para mim é muito grande, aceitarei seus desejos.
Sempre que seguir meu exemplo.
Aproximou-se mais.
— Maldição, Sarah, casei-me contigo para te proteger,
desejaria que me permitisse isso.
O anterior brilho de dor retornou, desta vez assentando-se e
fazendo-a empalidecer.
Suas vísceras se retorciam ante a visão. Inferno sangrento. O
que havia dito? Ele só desejava protegê-la. Causar sua dor era
precisamente o contrário de seu propósito.
— Minha oferta segue em pé — disse em voz baixa. — Pode
provar a seriedade de sua advertência em ti mesmo. — Sua
postura era rígida, seu queixo levantado em desafio.
Como se tinha metido nisto? Passando uma mão pelo cabelo e
apoiando a outra em seu quadril, murmurou: — Sou um
marido terrível.
Um pouco da rigidez deixou seus ombros e franziu o cenho.
— Não, não é.
Ele soprou.
— Sim, sou.
— Não.
— Sim.
— Colin.
— Já a fiz infeliz depois de uma semana.
Seus braços cruzados se desdobraram.
— Ao contrário, eu estou muito contente.
— Contente.
— Satisfeita.
— Está referindo-se a todas as vezes que te fiz...
Limpou garganta e arqueou as sobrancelhas em sinal de
advertência.
— Estou falando em geral.
Aproximando-se mais até que nada os separou mais que seu
aroma de flores silvestres, Colin baixou a cabeça e a voz.
— Está segura disso?
Sua única resposta foi várias respirações ofegantes, uma
separação de lábios e um rubor de pele. Correu um nódulo
ligeiramente desde sua mandíbula até a pequena marca na
base de seu pescoço.
— Porque, se souber que sua satisfação diminuiu um quarto,
não cessarei meus esforços até que cada centímetro seu
esteja saturado de... satisfação.
Ela deu um pequeno gemido na parte posterior de sua
garganta. Então agarrou seu rosto entre suas mãos e o atraiu
para seu beijo. Sua boca doce se abriu contra a dele,
procurando sua língua. Ele alegremente o fez, envolvendo-a
em seus braços e tomando o controle.
Tinha tido muita prática despojando-a de sua roupa durante
a semana passada.
Rapidamente pôs suas habilidades a trabalhar, desatando,
desatando, descobrindo a sua bela esposa. Logo a levantou,
amando a sensação de seus braços pegos ao seu pescoço, e a
pôs brandamente sobre a cama. Antes de retirar-se por
completo, deixou que suas mãos se detivessem em sua pele,
acariciando sobre a carne cremosa e os mamilos duros de cor
canela.
Seu gemido ofegante avivou a necessidade, endurecendo seu
pênis tão intenso e rapidamente que lhe preocupava não ter
paciência para atendê-la adequadamente, como desejava
fazer.
«Controlá-lo-ei — jurou em silêncio. — Devo fazê-lo.»
Estava se convertendo em um padrão familiar, a primeira vez
que fizeram amor não pôde dizer nada mais que seu nome. O
fogo entre eles, literalmente, o havia deixado sem palavras,
como um animal escravizado. Com outras mulheres ele
sempre havia sido brincalhão e zombeteiro, com Sarah, sua
obsessão era tudo além de si mesmo.
Mas se ele desejava ocupar sua mente e excluir todo o resto,
incluídos os pensamentos de desafiar seus desejos, então
devia concentrar-se só em seu prazer.
Respirando profundo e lentamente para acalmar seu corpo,
ele cuidadosamente tirou a roupa e logo retrocedeu
lentamente para a penteadeira.
— Colin — ela protestou, retorcendo-se contra a cama para
apoiar-se sobre seus cotovelos.
O movimento empurrou seus seios redondos e formosos para
diante.
— Não pode ir. — Sua voz era severa e exigente.
Baixou o olhar ao seu pênis completamente ereto, voando alto
e avermelhado pela necessidade, logo lhe sorriu.
— Parece que vou a alguma parte, doçura? — Recuperou o
que tinha estado procurando em sua penteadeira e retornou
ao seu lado. Arrastando o extremo do fio de pérolas desde o
oco de seu pescoço através de seu seio e ventre, deixou que as
pedras brincassem no arbusto de cachos de mel em seu
centro. — Além daqui, é claro.
Respirando com dificuldade, com os olhos dilatados, desabou-
se sobre o travesseiro e ofegou: — Bom, seja rápido.
— Hmm — pronunciou enquanto se deitava ao seu lado,
colocando uma de suas pernas entre as dela e apoiando o
cotovelo junto à sua cabeça. Imediatamente, ela estendeu
suas coxas, antecipando que ele aceitaria a sua demanda. —
Talvez não muito rápido, professora.
Franziu o cenho quando ele arrancou as forquilhas de seu
cabelo e estendeu os deliciosos cachos onde suas mãos
podiam agarrá-los adequadamente.
— Professora? — Ela perguntou com voz rouca.
Tomou o fio de pérolas e o esticou ao longo de suas coxas.
— Perguntei-me durante muito tempo como seria receber
instruções de ti. — Com um extremo do fio longo ele
pressionou brandamente as pérolas entre suas reluzentes
dobras, assegurando-se que se aninhassem contra seu nó
firme e inchado. Logo, com pequenos e constantes puxões,
colocou as pérolas sobre seu montículo, cruzando as planícies
de seu ventre como um explorador, deixando que as pedras se
arrastassem e pulsassem contra o pequeno centro de seu
prazer. Um grito longo e agudo se afogou em sua garganta.
Seus quadris se retorceram contra o colchão. Suas mãos
arranharam a colcha e logo o travesseiro debaixo de sua
cabeça.
— Logo descobriremos quanto tenho que aprender. —
Continuou arrastando as pérolas para cima até que tocaram
seu mamilo. Continuou puxando, agradando também aquelas
pontas apertadas e enrugadas. Primeiro um, logo o outro,
roçando as pérolas ao longo de suas curvas.
Finalmente, o extremo posterior do fio deixou suas dobras,
soltando com um pequeno puxão, e ele levantou o colar para
cobrir seu pescoço duas vezes. — Me diga, professora. Me
diga o que quer.
Uma chama de mel se encontrou com seus olhos.
— Você.
Deu-lhe um sorriso malicioso.
— Isso é tudo?
— Dentro de mim, agora — ela grunhiu.
— Sim, senhora Lacey.
Sempre o aluno obediente, ele se aproximou dela e se meteu
em seu calor escorregadio, empurrando forte e alto. Ela
gemeu e aferrou-se ao seu cabelo, sua cavidade tremendo ao
seu redor, ajustando-se à sua rápida invasão.
— Isso está melhor?
— Oh, Colin — ela gemeu. — Mais. Por favor.
Deu-lhe o que lhe pediu, empurrando seus quadris,
enterrando seu rosto contra seu pescoço, onde as pérolas
jaziam perfumadas com seu mel de flores silvestres. Provou a
elas e a sua pele, passando sua língua pelas superfícies
lustrosas até que ficou embriagado. Embriagado dela.
Sentiu que a acumulação de sua liberação se construía com
cada forte golpe. Onde suas pernas se envolveram ao redor
dele e seus calcanhares se cravaram na parte baixa de suas
costas, enroscou-se e se estendeu, centrado em seu pênis. De
repente, ela se aferrou a ele, arranhou-lhe os ombros e gritou
seu nome com uma voz que quase havia desaparecido.
Bombeou mais forte através de seus espasmos, mantendo sua
intensidade o maior tempo possível antes que seu próprio
clímax não pudesse ser contido por mais tempo. Com três
embates finais soltou-o e perdeu todos os fios de si mesmo em
suas profundidades.
CAPÍTULO 22
“Obviamente, uma esposa deve obedecer o seu marido em
todos os assuntos importantes. Se continua acreditando que
suas admoestações são suas próprias ideias, muito melhor”.
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Atherbourne em uma
carta cheia de sábia sabedoria.

Ao ver Caroline Thurgood servir o chá no salão de cortinas


vermelhas do senhor Thurgood, Sarah sentiu uma pontada de
mau pressentimento. Ela engoliu e aceitou a xícara de sua ex-
aluna. Talvez mais que uma pontada.
Ele se enfurecerá, ela castigou a si mesma, só um dia depois
de que lhe pediu, muito bem, ordenou-lhe que ficasse em sua
casa, simplesmente tinha que visitar a senhorita Thurgood.
A menina a tinha convidado a tomar o chá em sua casa na
Grosvenor Street, duas casas longe de onde residia a família
de Jane durante a temporada. Como se encontrava a minutos
de uma rua tranquila de Berkeley Square, ela tinha
raciocinado que a saída era o equivalente a permanecer
dentro dos muros da Casa Clyde-Lacey. Suficientemente
perto, em qualquer caso.
Além disso, o próprio Colin tinha ido ao White's sozinho esta
manhã, dizendo que tinha um assunto importante para
atender e as outras damas da casa tinham ido comprar livros,
levando os numerosos lacaios. Se lhes permitiram aventurar-
se além das portas da fortaleza designada do Colin,
certamente ela também poderia. Sarah suspirou, sua lógica
era sólida, mas estava bastante segura de que sofreria uma
grande quantidade de desgosto por parte de seu marido à sua
volta, especialmente porque só levou dois lacaios e o cocheiro.
Tinham sido tudo o que estavam disponíveis.
— A escola está em Bath — disse Caroline, com um brilho de
emoção em seus olhos. — Muito respeitável. Pensei em você
imediatamente, senhorita Battersby.
Sarah haveria dito à Caroline que já não era a senhorita
Battersby, mas a menina não havia deixado de conversar
desde a chegada de Sarah. Talvez devesse ter passado um
pouco mais de tempo explicando as virtudes da restrição
coloquial.
— O diretor é um vigário, como seu pai. Escreveu a papai a
respeito de sua necessidade simplesmente desesperada para
ter uma governanta no manejo da casa, e papai a mencionou
no café da manhã e, bom, aqui estamos! — A menina tomou
um sorvo de seu chá, suas pestanas formando sombras em
suas bochechas. Então ela sorriu amplamente. — Tenho uma
carta na qual o Sr. Lawson descreve os requisitos e a
compensação é uma posição maravilhosa para alguém de
seus talentos, quer dizer, se ainda não encontrou um
trabalho.
Era uma posição maravilhosa, ideal para ela em todos os
aspectos, de fato, sentiu um tipo peculiar de arrependimento
por não ter estado disponível há dois meses, sem dúvida o
faria. Ela poderia haver se mudado à Bath com sua mãe,
talvez alugar uma casa pequena. Colin Lacey teria sido
simplesmente uma triste lembrança de outono. Em troca,
agora era seu marido e ela sua esposa. Era estranho como o
destino conduzia a um por certos caminhos e fechava para
sempre outros.
Limpando sua garganta com delicadeza, Sarah pôs sua xícara
no pires e abriu a boca para responder.
— Oh! Parva de mim, quase esqueci — Caroline continuou. —
É a mesma escola à qual Lydia, a senhorita Cresswell, irá na
primavera. Isso não seria adorável? Lydia lhe quer muito,
senhorita Battersby.
— Lady Colin Lacey.
As pestanas longas se deslizaram para cima e para baixo em
uma rápida piscada.
— Rogo-lhe, me desculpe.
Sarah deu a Caroline um sorriso amável e repetiu: — Agora
sou lady Colin Lacey. E não a senhorita Battersby. Casei-me
desde a última vez que me viu. Me perdoe por não dizer à
minha chegada.
— Oh! — A surpresa se converteu em confusão. — Mas
pensei, estava segura que seu nome era Sr. Colin Clyde.
Estou-me equivocando?
Ela sacudiu sua cabeça, a necessidade de explicar por que ela
tinha participado de um engano foi uma das razões de sua
reticência.
— As lesões de Lorde Colin não foram causadas por ser
jogado de seu cavalo, tinha sido atacado por um criminoso
perigoso quando chegou em Keddlescombe, temia que o vilão
pudesse inteirar-se de sua presença e possivelmente segui-lo
com a intenção de lhe machucar mais. Para proteger a mim e
a todos os que estavam na aldeia, usou um nome falso.
Caroline ofegou e se tampou os lábios com os dedos.
— Que chocante e galante. Oh, você é tão afortunada,
senhorita... quero dizer, lady Colin. Ele realmente era
bastante descarado, estou segura ainda mais agora que se
curou corretamente.
— Bobagem. — Sarah sorriu, recordando o dia e a noite
anteriores quando ele a havia agradado com tanta diligência
que se esqueceu de seu próprio nome. — Sim. Bastante.
Meia hora depois, ela e Caroline estavam se despedindo no
vestíbulo. Atando a fita de seu chapéu, Sarah disse: — Terá
um êxito maravilhoso em sua estreia, senhorita Thurgood,
não tenho uma só dúvida.
— Obrigada por dizê-lo, Lady Colin. Talvez nos vejamos
durante a temporada.
Sarah sorriu e murmurou um neutro: "Mmm". Em realidade,
não sabia onde estaria na primavera. Colin tinha declarado
explicitamente que só se casara com ela para protegê-la. Ela,
por outro lado, casou-se com ele porque não podia suportar
separar-se dele. O que aconteceria quando terminasse a crise
com o Syder? Desvaneceria o interesse de Colin? A dó e a
caridade não podem durar muito tempo, depois de tudo.
Caroline recolheu uma carta sem selar da bandeja de cartões
de visita em uma mesa de mogno ao lado da porta.
— Tinha a intenção de lhe dar isto, a carta do senhor Lawson,
é bem-vinda, é claro.
— Certamente não a necessitarei. — A menina riu.
— Imagino que não, é uma dama agora. Sinto que deveria
fazer uma reverência.
Sarah olhou o papel dobrado em sua mão. Uma parte dela
queria aceitá-lo, guardá-lo se por acaso. Outro queria
declinar, acreditar nele, em seu matrimônio. Viu como
Caroline o colocava de novo na bandeja.
— Não precisa de uma reverência, asseguro-lhe isso.
Obrigada pelo convite encantador , senhorita Thurgood.
— Foi um prazer, Lady Colin.
Lá fora, esperando que a carruagem saísse das cavalariças,
Sarah respirou o ar invernal e se perguntou se possivelmente
estava cometendo um engano. Certamente não faria mal levar
a carta com ela. Olhou à sua esquerda.
— Thomas — disse em voz baixa ao lacaio alto e de cabelo
castanho. — Eu… parece que esqueci algo. Faria a gentileza
de recuperá-lo para mim?
Ele discutiu por um momento, afirmando que seu dever era
ser sua sombra, mas ela explicou que estaria sozinha por
menos de um minuto. A contragosto, ele obedeceu,
advertindo-lhe que "permaneça aqui até que eu volte, por
favor”. Nos segundos que se foi, o cocheiro finalmente puxou
a carruagem para a rua e se deteve justo diante dela, franziu
o cenho enquanto focava na porta, notando que o brasão do
Duque de Blackmore não estava presente, do mais peculiar.
Então, abriu-se. Uma faixa dura rodeou sua cintura e apertou
até que todo o ar saiu de seus pulmões, elevou-se para cima
até que seus pés abandonaram o chão e suas costelas foram
esmagadas sob a pressão.
Ela não podia respirar, não podia entender. Seus pulmões
arderam e suas pernas chutaram, encontrando-se só com
botas de couro duro. Foi meio jogada, meio empurrada na
carruagem, aterrissando dolorosamente sobre seus joelhos.
Sua cabeça se chocou com a parede oposta, a dor aguda
explodiu em seu crânio, aturdida e quando começou a ver,
lutou por reunir suficiente ar para gritar. Ao longe escutou
um grito, mas então a carruagem se movia, as rodas
chocavam e rodavam, afastando-a da segurança. O sangue
palpitava em seus ouvidos. A dor palpitava dentro de seu
crânio.
— Por fim, senhorita Battersby. Uma feliz coincidência, de
fato — veio a voz vil de uma serpente.
A comoção lhe provocou náuseas. Ela pensou que havia
escapado, já não era sua preocupação. Ela tinha se
equivocado.
— Devo dizer que desfruto lhe vendo nessa posição, uma
mulher de joelhos tem uma grande quantidade de...
intrigantes possibilidades.
Sua necessidade de ar lutou com sua necessidade de vomitar,
com ofegos e respirações sibilantes, lutou por levantar-se,
apoiando uma mão na parede. Seu chapéu se deslizou para
adiante, por isso a aba lhe impedia de vê-la enquanto se
levantava finalmente, sentou-se no assento em frente ao
homem que desprezava mais que ninguém, com a possível
exceção de Horatio Syder.
— Qu... o que acredita... que está fazendo, senhor Foote?
O cabelo penteado com pomada de Felix Foote brilhava à luz
da janela. Seu sorriso de dentes marrons era alegre e
grotesco.
— Estou ganhando meu prêmio, minha querida senhorita
Battersby.
— Estou casada agora. Meu marido lhe matará por isso. —
Ela não sabia se era verdade, mas parecia ser o que devia
dizer nesta situação.
Sua risada era nasal e alta.
— Seu marido? Seu compromisso foi uma fraude, senhorita
Battersby, eu sabia. — Ele golpeou um dedo contra sua
têmpora, seus olhos muito pequenos brilhando com triunfo.
— Vim a Londres procurar provas, seu sobrenome não é
Clyde. Você raspou seus restos depois que o Sr. Syder
terminou com ele e o vestiu com a roupa de seu pai.
Enjoada e, entretanto, ouvindo tudo com cuidado
sobrenatural, piscou e tirou ar dos seus pulmões doloridos.
— Não importa como começou — disse. — Estamos casados
agora. Colin Lacey não permitirá que levem a sua esposa. —
Esperava que fosse verdade. Orou para que fosse verdade.
Seu sorriso se converteu em um grunhido.
— Ele é um cadáver. O senhor Syder simplesmente dará um
fim ao assunto.
Como se a neve lá fora tivesse encontrado um caminho dentro
de suas veias, Sarah se estremeceu e ficou gelada.
— Está aliado com o Syder, assim foi que ele soube que Colin
estava em Keddlescombe.
Inclinou-se para diante.
— Temos interesses mútuos — seus olhos viajaram
lentamente desde seu pescoço até seu peito, de suas pernas
até as costas, permanecendo e iluminando-se até que se
sentiu como se os vermes a estivessem comendo de dentro
para fora. — O meu é você.
Era toda a advertência que ela tinha antes que ele estivesse
sobre ela, rasgando suas saias, deslizando sua boca
repugnante através de seu pescoço. Arranhou-lhe o rosto,
empurrou-lhe o peito ossudo, gritou até que sua garganta
estava destroçada. Mas ele era muito forte. Ele simplesmente
agarrou um de seus pulsos e apertou até que ela gemeu de
dor. Seu fôlego se deslizava por seu rosto, cheirando a carne
podre. Segurando-se e tateando, sua outra mão se apertou
em um de seus seios, a agonia provocou que ela gritasse.
— Por cada momento que resistiu a mim, senhorita
Battersby, pagará com...
Lutando para escapar, sua bota aterrissou com força entre
suas pernas, provocando um grito agudo que recordava um
gato estrangulado. Foote se separou dela, liberando-a por fim
de seu agarre e seu toque repugnante. Afaste-se. Deve
escapar.
Ela se apressou para a porta puxando a maçaneta, agarrou o
forro de couro com as unhas que continham a pele de Felix
Foote. Abriu a maldita coisa, ela devia abri-la para poder
liberar-se.
Voltar para o Colin.
A carruagem se deteve, a porta abriu-se de repente e ali, na
frente, estava Horatio Syder com uma cartola em seu cabelo
loiro-avermelhado.
E sorrindo em boas-vindas.

~~*~~

O medo tinha seu próprio peso, pulsou, zumbiu, sacudiu e


pressionou sobre ele até que todos os nervos gritaram. Queria
matar.
— Ela… ela insistiu, meu senhor, só me tinha ido um minuto,
pode ser que menos.
Colin não queria escutar mais do Thomas.
— Fora da minha vista — disse em voz baixa, inclinando-se
para frente e apoiando as mãos na escrivaninha de seu irmão.
Thomas vacilou, preocupando-se, com seu chapéu em suas
mãos.
— Agora! — Rugiu Colin.
Um som surdo da garota ao lado, da posição parada de
Thomas atraiu sua atenção.
— Senhorita Thurgood — Colin se esforçou muito por manter
sua voz tranquila. Era difícil com o medo pulsando em cada
batida do coração. — O que pode me dizer?
— Eu, realmente não... ela esteve ali de visita, Lorde Colin.
Tivemos um tempo agradável. Servi o chá.
— Foi raptada.
O rosto da menina se enrugou e seus olhos de longas
pestanas se encheram de lágrimas. Ela assentiu,
aparentemente incapaz de falar. Seus punhos golpearam a
escrivaninha e ele abaixou a cabeça entre os ombros.
— Viu algo? Quando aconteceu?
Quando finalmente falou, sua voz estava estrangulada por
sua angústia.
— Estava parada na sala que dá à rua. Quando olhei para
fora pensei que vi um homem que reconheci, mas devo ter me
equivocado.
Seus olhos voaram para os dela.
— Quem?
— F… Félix Foote.
Suas narinas se alargaram, Colin retrocedeu.
— Está segura?
— Bom, não é por isso que eu...
— Está em Londres?
Ela se mordeu o lábio e assentiu.
— Mas, por que o senhor Foote faria mal à senhorita B?
Sempre gostou muito dela. Inclusive insinuou que estavam
comprometidos. É claro, ele não sabia que você e ela...
Rapidamente Colin pegou uma pluma e escreveu uma nota.
— Sabe onde se alojou? Ele disse? — Ladrou. Seus dedos se
retorceram, seu lábio inferior tremia.
— Knightsbridge, ele alugou uma casa. — Ela deu o endereço,
dizendo que o Sr. Foote lhe havia enviado uma carta que o
continha.
Aproximou-se da mesa a toda velocidade, passou junto à
senhorita Thurgood e abriu a porta do escritório.
— Digby! — Entrou no vestíbulo e voltou a gritar pelo
mordomo de cabelo cor de areia.
— Digby! — Não teve que esperar muito. Digby sempre tão
eficiente.
— Sim, meu senhor?
Entregou-lhe a nota.
— Que isto se entregue com toda pressa. Urgentemente,
entendeu?
— Em seguida, meu senhor.
— E tenha um cavalo selado imediatamente.
Seu coração pulsava com força, mas sua visão era aguda,
quase muito brilhante. Subindo as escadas de dois em dois,
apressou-se a ir ao seu dormitório e procurou no armário até
encontrar a faca, a deslizou cuidadosamente na cintura de
suas calças, justo na parte baixa de suas costas. Colocou seu
casaco e se apressou a descer ao vestíbulo.
Harrison entrou, tirando o chapéu e sacudindo-o. Deu uma
olhada à cara do Colin e empalideceu.
— Quem? — Perguntou.
— Sarah, não passou uma hora.
— Vou contigo.
— Não. Harrison, não posso perder ninguém mais...
Seu irmão lhe lançou um olhar severo e atormentado.
— Não permitirei que enfrente isto sozinho.
Sentindo que tinha sido atingido no peito por um touro, ele
assentiu.
— Melhor dizer ao criado que traga seu cavalo de novo.
Vamos agora.
CAPÍTULO 23
"Alguns homens merecem morrer".
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Atherbourne em uma
carta de excepcional gravidade.

Félix Foote se sentou em frente a ela, em seu salão de


Knightsbridge, com as pernas cruzadas e a postura
encurvada.
— Você tem a intenção de matá-lo, não? Devo ter garantias.
Syder girou sua bengala entre dois dedos, girando— a em seu
lugar no piso de tábuas de madeira.
— Ele morrerá — confirmou em voz baixa. — Depois de um
tempo.
A cabeça de Sarah seguia pulsando, fazendo sua visão
imprecisa, seu estômago precário. Tiraram-lhe o gorro, por
isso a luz do fogo lhe perturbou a visão, causando estranhas
sombras e cintilação. Ambos homens falaram como se ela não
estivesse sentada entre eles com os pulsos atados às costas e
os tornozelos unidos. Sentou-se no chão com as costas
apoiadas no sofá onde Syder estava retorcendo sua bengala
preta como se tentasse desgastar um ponto da tábua.
Foote se esticou para empurrar uma de suas botas.
— Quero-a, a terei, esse foi nosso acordo. — Sua voz nasalada
converteu suas palavras em um gemido. Era difícil ler Syder,
e tinha medo de olhar a qualquer dos dois por temor a
chamar a atenção, mas devido à mudança no ritmo dos dedos
giratórios de Syder ela suspeitava que Foote estava
começando a sobreviver à sua utilidade.
— Pode tê-la depois que nosso negócio for concluído, senhor
Foote. — As palavras precisas e sem tom deveriam haver
advertido à serpente que estava se aproximando
perigosamente de um depredador muito mais letal, mas Félix
Foote nunca tinha sido da classe intelectual.
— Coloquei-me em muitos problemas — se queixou. —
Cortejei a puta por mais de um ano, viajei até Londres para
caçar suas mentiras.
A bengala girava mais rápido. Indo e voltando. Indo e
voltando.
— Para estar seguro, teve os entendimentos com Lacey e
reconheceu o nome de sua mãe quando soube que tinha feito
averiguações...
— Senhor Foote — disse Syder. — Estamos na culminação do
nosso acordo, agora não é o momento de perder a confiança.
Foote se moveu com cautela em seu assento, ainda doído por
sua colisão com seu joelho.
— Meu ponto é que, se não fosse por minha persistência em
descobrir a verdade sobre o suposto compromisso da
senhorita Battersby, não poderia haver seguido seu rastro
até...
A ponta da bengala golpeou duas vezes. Tap-tap. Então, foi
brandamente posta a um lado. Observou os polidos sapatos
de Syder caminhar casualmente para a cadeira do outro
homem.
As pernas do Foote descruzando e estendidas.
— O que você está...
Pernas esperneando, ofegos, um spray de líquido quente,
metálico em seu rosto, em seu cabelo, seus olhos estavam
fechados. Não era real, alguém estava ofegando, gemendo.
Pranto. Desejava que se detivessem.
Não era real.
— Se tranquilize, lady Colin.
Não era real.
— Oh, eu gosto desse título, Lady Colin. — Os sapatos polidos
voltaram para o sofá.
A bengala retomou seus movimentos retorcidos.
— Será como matá-lo duas vezes.
Penetrando profundamente, o gelo voltou, ela abriu os olhos,
apertou os lábios até que seus dentes se cravaram na suave
carne interior, sufocando sua angústia. O sangue gotejava de
seu cabelo sobre o corpete de seu vestido, empapando a borda
branca no decote. Doíam-lhe os ombros por sua posição
incômoda. Seus dentes começaram a chiar.
Um dedo apartou um de seus cachos de sua testa, a mecha
de cabelo empapado arrastando-se contra sua pele.
— Sabe, recorda a alguém, ela também tem uma curiosa
resistência. Outro golpe, logo o dedo se foi. Encantador, o
cabelo encaracolado.
Ela se sentou, tremendo no silêncio, perguntando-se quando
a mataria. Perguntando-se se Colin viria, se ela queria que o
fizesse. Não, ela não podia suportar que ele fosse destruído
por ela. Ela preferiria morrer.
— Teria gostado de mim, acredito — Syder continuou com
sua voz suave e uniforme. — Bastante brilhante. — Ele riu
entredentes, o som quase normal. — Suponho que ela me
persegue um pouco.
Foi então que se lembrou. Tinha falado de um bairro. Uma
mulher. Ela tinha assumido que era uma mentira, mas talvez
não fosse.
— Considerei te manter viva para atuar como sua professora,
ela deve ser desafiada constantemente ou se aborrece. — Ele
soltou outra pequena risada. Quase podia acreditar que
estava escutando o pai de uma de suas alunas divertindo-se
com carinho. — Por desgraça, tenho muitas exigências em
meu tempo e não posso dedicar a atenção aos seus estudos
como uma vez fiz. Tentei lhe explicar que estou construindo
um reino para ela, me assegurando que nunca mais voltará a
querer o que seu coração deseja. Às vezes pode ser...
resistente.
A bengala deixou de dar voltas, o dedo retornou para acariciar
seu cabelo, esfriando-se agora, enquanto o sangue diminuía
sua garoa contra sua pele.
— É reconfortante falar dela com alguém que entende estas
coisas. — O dedo se retirou, deixando só o sangue e seu
horror atrás. — Lástima que deve morrer.

~~*~~

A casa não era nada, uma estrutura de tijolo liso similar a


muitas ao longo da rua Sloane. Colin entregou as rédeas ao
Thomas e assentiu ao Harrison.
— Espera Atherbourne e os outros.
— Irei contigo.
Sacudiu a cabeça.
— Syder é inteligente, necessitaremos do elemento surpresa,
demorarei tanto quanto for possível. — Indicando o colete do
Harrison, disse: — Cuidado com o tempo, em dez minutos
venham todos, entra pelo jardim. Thomas.
— Senhor?
— Encontra um lugar para atar os cavalos, Sua Graça
necessitará da sua ajuda.
Com a pele arrastando-se, a urgência corria por seu sangue,
olhou em cada direção procurando sinais dos homens do
Syder. A rua larga estava tranquila, a neve começou a cair,
unindo-se ao que já estava derretendo e enlameando tudo,
apertando os dentes, cruzou a rua para a porta pintada de
preto, não se incomodou em chamar, abrindo um pouco a
porta, escutou.
Uma voz. Syder.
Um gemido surdo e feminino. Seu coração, pulmões, ossos e
sangue rugiram reconhecendo o som. Sarah. Era Sarah.
Empurrando a porta para abri-la, entrou e seguiu a voz a
uma habitação à direita, o aroma metálico o alcançou
primeiro. Seus pés cambalearam até deter-se. Seu coração se
retorceu e se sacudiu com força dentro de sua jaula,
estrangulando-se, apertando-o até que o sentiu quebrar-se.
Vermelho. Em todos lados, empapando a área ao redor da
lareira, o apertado grupo de móveis onde Syder estava
sentado, girando uma fina bengala com negligência entre seus
dedos. Frente a ele, Félix Foote, seu corpo se desabou e ficou
olhando fixamente para cima em uma cadeira, um olhar
horrível, anormal.
Freneticamente, Colin procurou e a encontrou no chão, com a
cabeça para frente, terrivelmente imóvel. Tropeçando vários
passos mais na habitação viu que o sangue gotejava por seu
rosto, cobrindo seu cabelo e pele.
Tanto sangue.
A luz se transformou em escuridão, o som ficou em silêncio,
podia sentir-se balançando-se, toda a força drenando-se
através de seus pés.
Ela não poderia estar... não Sarah. Por favor, pelo amor de
Deus, não.
A voz de Syder emergiu através de um vale de névoa.
— Ela ainda está viva, meu senhor, não tema, estivemos
conversando enquanto esperávamos sua chegada.
Pensou que talvez Syder se levantou do sofá para parar-se
junto à forma encurvada de Sarah, mas não podia apartar os
olhos dela. O conhecimento de que ela vivia foi expandindo
lentamente sua visão, devolvendo-lhe a audição. Inclusive
agora, podia ver o fino tremor de sua pele. Ela não o olhava,
entretanto. Seus olhos permaneceram baixos até um ponto no
piso perto de seus tornozelos atados. Engolindo sua
necessidade de vomitar, preparou-se para mover-se, seu
único pensamento era tomá-la em seus braços. Mas esses
braços foram agarrados e puxados dolorosamente para cima,
atrás de suas costas.
— Conhece o senhor Lyle — Syder disse, dando ao Colin um
sorriso educado.
— Ele não é Benning, por certo, ainda está acima do chão, o
que lhe dá um pouco de vantagem sobre meu antigo
empregado.
Colin podia sentir o tamanho do homem pela força e o ângulo
de seu agarre, era tão grande como Benning.
— Se a tocar, te matarei. — As palavras guturais surgiram
sem a permissão de Colin, um voto que ele faria ao próprio
Deus. Queria gritar e rugir essas palavras em seus olhos
escuros enquanto sua faca se afundava no coração do
carniceiro. Mas não era prudente conceder ao Syder nenhuma
outra arma. Sabia com asquerosa certeza que Chatham tinha
razão nesse sentido.
— Lorde Colin, nunca foi um tipo impulsivo, não é? Com
estas ameaças desnecessárias não obtêm nada, me dê o nome
e considerarei que nossa associação concluiu.
— Te fará pouco bem, reduziu seu império monstruoso a
escombros.
— Ah, mas ele não tomou meu tesouro, não é? Com
abundantes recursos e com o tempo, inclusive um advogado
humilde como eu posso reconstruir o que se perdeu.
Não estava equivocado. Syder tinha começado como um
"advogado humilde", tal como ele disse. Usando seu
conhecimento da lei lentamente havia estendido seus
venenosos braços para todos os bairros de má reputação de
Londres, nenhum dos negócios tinha estado em seu nome, é
óbvio.
Tinha mantido uma existência bastante oculta, fazendo-se
passar por um advogado para o verdadeiro "proprietário", logo,
para consolidar suas posses contratado outros para subornar
cavalheiros de influência e para brutalizar ou assassinar
qualquer outra pessoa que estivesse em seu caminho.
Era por isso que o contato do Colin se viu obrigado a levar as
coisas com lentidão, a planejar, manobrar e desenredar com
uma atenção insuportável. Para eliminar Syder para sempre
não podia deixar nenhum resto, para que não ressurgisse
como uma videira asquerosa e perniciosa.
— Neguei-me a te dar o nome antes. — Colin disse. — O que
te faz pensar que o entregaria agora?
Syder acariciou os dedos vermelhos através dos cachos
empapados de sangue da esposa do Colin.
— Isto. — Sentindo que seu estômago se contraiu e revirou,
Colin quase vomitou. — É um assunto simples, meu senhor.
O nome não pode ser mais querido para ti que a preciosa pele
de sua amada.
— Não. — A tremente palavra não veio dele, mas sim dela.
— Sarah — suspirou.
— Não, Colin. Não deve... deixá-lo ganhar.
— Ele te matará, doçura.
Devastadores olhos de mel finalmente se levantaram para
encontrar-se com os dele.
— Ele o fará independentemente disso, esforçou-se muito
para recuperar sua honra, por favor, não me deixe ser a razão
pela qual a sacrifica.
— Que bonito. — Syder disse. — O nome, meu senhor. —
Tirou uma lâmina longa e familiar de um bolso costurado em
seu casaco. — Com sua permissão.
Colin considerou a decisão, sabendo que ela tinha razão, no
momento que Syder tivesse a informação lhe cortaria a
garganta. E logo a do Colin.
Quanto tempo mais poderia atrasar-se?
— Certamente não espera escapar das consequências do que
fez. — Colin disse acenando com a cabeça para o cadáver do
Foote. — Isto lhe fará ser pendurado, Syder, e eu adorarei ver
como seu pescoço se quebra dentro de uma soga.
— Improvável. — Sua voz era suave. Arrepiante. Pressionou a
ponta da faca justo debaixo da delicada mandíbula de Sarah.
— Se eu fosse você me preocuparia com seu formoso pescoço.
A respiração do Colin entrou e saiu. O homem atrás dele
tinha afrouxado seu agarre, aparentemente distraído pela
conversação. Só uns momentos mais.
Sarah gemeu quando a faca se retorceu. Um fio de seu
sangue se deslizou para baixo para mesclar-se com o do
Foote.
— Detenha-se! É Dunston.
Syder levantou a lâmina, voltando-se surpreso, ligeiramente
gracioso.
— O conde de Dunston. — Ele riu entredentes. — Agradável,
um dândi impecável. Se refere ao Dunston?
— Sim.
Os olhos cinzas perderam sua falsa diversão.
— Não acredito em você.
As suaves palavras foram pronunciadas um segundo e meio
antes que seu mundo fosse dividido. Meio segundo antes que
a lâmina de prata atravessasse a garganta de sua esposa.
Dois segundos antes a sala explodiu em um caos e três
segundos antes de todo o bem que tinha sido ele queria
morrer com ela.
CAPÍTULO 24
“Eu disse que não devia brincar com os homens do Lacey. Não
supunha que me referia só ao Blackmore, não é?”
A marquesa viúva de Wallingham ao secretário de Interior,
Lorde Sidmouth.

Não recordava havê-lo empurrado contra o bruto atrás dele,


nem haver golpeado o homem contra o marco da porta. Não
recordava haver agarrado a faca da parte traseira de sua
cintura, tampouco ter cravado essa faca no braço, no ombro e
na garganta do bruto. Mal recordava ter cruzado a habitação
pelo Syder, ignorando os outros que se haviam amontoado no
interior, ao escutar os gritos e disparos.
Em um momento, ele estava vendo como o sangue de sua
esposa se derramava graças à ferida do carniceiro. Ao
seguinte, estava se esquivando de um golpe mortal do Syder,
agarrando o braço do homem com sua própria lâmina. Sentiu
que algo lhe golpeava o ombro e o pescoço pela direita, era a
outra mão de Syder.
Não era nada, a faca não era nada. Syder podia vencê-lo,
cortá-lo, matá-lo. Mas já nada tinha significado. Colin já tinha
morrido.
Os olhos de Syder se acenderam quando Colin agarrou seu
pulso com calma no seguinte golpe. Sorrindo e com muita
tranquilidade afundou sua própria faca entre as costelas do
carniceiro. Retrocedeu e voltou a afundá-la com um grunhido
satisfatório. Uma e outra vez. O sangue se deslizava
lentamente até que a pele adquiriu um tom pálido e os olhos
foram se apagando.
— Lacey! — O forte grito atrás dele não significava nada.
Retirou-se e sentiu que a lâmina cravava de novo, uma
pequena resistência e logo um deslizamento gratificante.
— Lacey! Para, homem, deve parar.
Umas mãos o puxaram, não queria parar, gostava de ver que
a luz dos olhos de Syder se desvanecia.
— Ela ainda está viva, irmão — Harrison murmurou em seu
ouvido depois de envolvê-lo solidamente em seus braços para
afastá-lo do carniceiro. — Escutou? Ela ainda está
respirando.
Alguém estava ofegando fortemente em seus ouvidos.
— S-Sarah?
— Ela te necessita.
Deixou que os braços o afastassem do corpo de Syder, agora
coxeando e paralisando em um montão no chão. A bengala
também se chocou contra as tábuas de madeira. Os olhos de
Colin se moveram para ela, Sarah debaixo de todo aquele
sangue estava branca e quieta, com os olhos cor mel
fechados, a boca suave aberta.
Mas respirava. Atherbourne se ajoelhou a seu lado
pressionando seu lenço com força contra seu pescoço, atrás
dele Dunston questionou a um dos homens do Syder com sua
afável voz endurecida pelo aço. Tennenbrook grunhiu
enquanto atava as mãos de outro. Mas tudo o que viu foi a
sua esposa.
Como se lhe tivessem disparado um canhão no peito, sentiu
uma devastação e fogo inimaginável. Devia levá-la a um
cirurgião. Agora.
— Harrison, — disse com voz rouca, caindo de joelhos ante
ela, acariciando sua pálida e linda bochecha — um médico,
um cirurgião, por favor. Deus, ela não pode morrer, ela não
pode.
— Dunston tem um homem, ele está a caminho da Casa do
Clyde-Lacey. Devemos tirá-la daqui, o homem do Dunston
está esperando.
Atherbourne voltou seus olhos escuros e compassivos para o
Colin.
— O corte não é tão profundo como parece, — disse o
visconde em voz baixa — provavelmente o fez como uma
advertência, com a intenção de mantê-la com vida por um
tempo para obter sua cooperação, necessita costurar, mas…
— Não a deixar morrer — Colin notou que alguém já lhe tinha
desatado as mãos.
Rapidamente cortou a corda que atava seus tornozelos e
deixou cair a faca com um ruído surdo. — A levarei… a
levaremos à casa, e ela não morrerá. — Ele deslizou seus
braços atrás de suas costas e debaixo de seus joelhos para
logo olhar Atherbourne. — Segure seu ferimento.
Ficou com Sarah em seus braços enquanto Atherbourne
pressionava o linho agora vermelho contra seu pescoço. Ela
era tão leve, tão pequena. Quando estava consciente e de pé
em frente a ele, em silêncio com os braços cruzados e o
queixo no ar, parecia indomável. Uma grande deusa
imponente do mel e da teimosia, agora ela era só um pouco de
osso delicado e muito pouca carne.
Enquanto esperavam que Thomas abrisse a porta da
carruagem, Colin sussurrou ao seu ouvido, ignorando os
flocos de neve que caíam e se aferrava às suas pestanas.
Ignorando o sangue que manchava sua bochecha.
— Não me deixe, doçura. Por favor, não me deixe.
Subiram à carruagem, Atherbourne usou seus longos braços
para manter a pressão em seu pescoço enquanto Colin a
acomodava brandamente em seu regaço.
Leu a aflita simpatia do Atherbourne em seu rosto, queria
gritar ao outro homem que ela viveria porque Sarah tinha que
fazê-lo, já tinha morrido uma vez hoje, e se o fizesse de novo
ele não poderia suportar.
Em troca apoiou seus lábios contra sua têmpora, onde seus
cachos podiam lhe fazer cócegas no queixo. Ele a balançou
com o movimento da carruagem que ia velozmente.
— Por favor, não vá, meu amor. Por favor, não vá.

~~*~~

Sarah estava tendo o sonho mais peculiar. Sua mãe lhe


estava cantando uma melodia campestre de sua infância,
talvez. Seu pai lhe estava sussurrando que a amava, dizendo-
lhe que desejava vê-la ter seus filhos algum dia. Logo se uniu
à canção. Ela jazia debaixo de sua colcha em seu dormitório
na casa de campo. Tudo estava brilhante, provavelmente
fosse meio-dia, mas se sentia tão fraca que mal podia manter
os olhos abertos. Tentou perguntar à sua mãe pelo nome da
canção, algo sobre isso era tão familiar, consolador.
Doía-lhe a garganta, a dor abrasadora distraía-a, era
frustrante. Desejava falar, dizer ao seu pai que sentia muito
sua falta. Algo roçou seus lábios, acariciou seus olhos,
apartou o cabelo de sua testa. Uma mão cálida e forte
envolveu a dela. Por fim, ela foi capaz de abrir os olhos um
pouco. Seu pai estava ali sorrindo-lhe, mas não era sua mão,
não era a voz que havia ouvido. Era Colin, sustentando seu
pulso em seus lábios, balançando-se para trás e para frente
na cadeira ao lado de sua cama.
Sarah suspirou, aliviada e feliz, ele estava ali. Seu marido
deixou que seus olhos se fechassem e dormiu ouvindo uma
terna canção de ninar, quando voltou a despertar estava
sozinha desta vez, jazia em seu dormitório na casa Clyde-
Lacey. Reconheceu as cortinas vermelhas e o divã creme
debaixo da janela, a neve formava redemoinhos lá fora,
piscando levantou a mão para liberar-se do que estava lhe
causando aquela horrível dor no pescoço. Seus dedos
encontraram ataduras de linho.
— Sarah?
Era sua mãe entrando com uma bandeja de chá. Ela tentou
dizer: mamãe, mas saiu como um grasnido.
— Oh, querida, não tente falar, o cirurgião de Lorde Dunston
disse que haveria um pouco de inflamação que te faria se
sentir incômoda por uns dias. O médico de Blackmore te deu
láudano para a dor. — Os dedos de sua mãe roçaram sua
testa, logo a bochecha. — Vejamos se consegue tomar um
pouco de chá.
Depois de um pouco de manobra Sarah conseguiu sentar-se e
tomar pequenos sorvos. Era doloroso ao tragar, mas estava
terrivelmente sedenta. Os dois desconfortos lutaram, e a sede
ganhou. Terminou uma xícara inteira antes que seus olhos
começassem a fechar-se, sua necessidade de dormir se
intrometia.
— Mama — Ela articulou.
— Sim?
— Colin?
Preocupados olhos verdes se encontraram com os de Sarah.
Um sutil cenho franzido.
Um olhar abatido. Ela agarrou o pulso de sua mãe.
— Colin? — Sarah repetiu.
Eleonor suspirou, alisando cachos tênues ao lado de seu
penteado.
Parecia esgotada. Sentada na beira da cama, pegou sua mão.
— Ele está dormindo, esteve acordado durante três dias,
demos a ele um pouco de láudano. — Ela leu os sinais de
alarme na expressão de Sarah, porque apertando o agarre
disse: — Ele está bem, além de não comer nem dormir, esteve
louco de preocupação, filha, ele não se afastava de seu lado,
seu irmão teve que levantá-lo e tirá-lo da habitação para que
o cirurgião pudesse trabalhar em paz.
Uma vez mais, a mão do Sarah se deslizou para a bandagem
em seu pescoço.
— Sim, cortaram-lhe, necessitaram-se alguns pontos de
sutura, mas tanto o cirurgião como o médico nos
asseguraram que deve sarar muito bem. Talvez fique uma
pequena cicatriz, isso é tudo.
O láudano estava se apoderando dela agora com um peso
quente e uma sensação de flutuação. Suas pálpebras se
fecharam, sua mãe lhe depositou um beijo na testa.
— Dorme agora, meu doce bebê. Deixe que mamãe se
preocupe com você.
Na terceira vez que despertou, a habitação estava às escuras,
só o fogo e uma só vela serviam de iluminação. Na janela
havia um homem com os ombros largos cobertos de linho
branco, o cabelo loiro se gabando de seus cachos, estava de
costas para ela, com a cabeça inclinada para frente, uma mão
no quadril.
Seu coração se apertou, ela amava aquele homem, adorava
sua generosidade e sensualidade, humor e engenho, amava
inclusive seus pobres intentos de ser severo. Completava-a
como a música, elevando-se e ressonando, cantando e
cantando. Se ele pudesse amá-la da mesma maneira. Por um
breve momento, quando Colin tinha entrado no salão de
Knightsbridge, Sarah tinha pensado que poderia fazê-lo. Mas
aquele tinha sido um momento desesperado. E às vezes o
desespero se parecia muito ao amor, se moveu, sentindo as
dores em cada parte de seu corpo… cabeça, garganta, costas,
braços e joelhos. Respirando profundamente, esticou o
pescoço para vê-lo claramente.
— Colin.
Desta vez seu nome era mais áspero que um coaxar. Ele se
voltou, olhando-a com olhos azuis atormentados. Segurava
uma carta em suas mãos, que rapidamente dobrou e
guardou.
— Como se sente?
— Dói.
Caminhando para a cama, afundou-se ao seu lado e levanto
sua mão entre as dela.
— Sei, doçura, me deixe te dar um pouco mais de láudano. —
Ela negou com a cabeça.
— Como você está?
Deu-lhe um terno beijo no pulso e logo outro na ponta de
seus dedos.
Afastando-se brevemente, mediu o líquido de uma garrafa e o
verteu em uma xícara de chá, logo adicionou uma colherzinha
de açúcar.
— Aqui — disse golpeando ligeiramente a colher contra a
borda. — Beba.
Suspirando de novo, Sarah obedeceu, deixando que a
ajudasse, levantando sua cabeça. Quando terminou a bebida,
que tinha um sabor amargo e doce, segurou seu pulso.
— Não é sua culpa.
Negou-se a olhá-la aos olhos, colocando a xícara e a colher
sobre a mesa com um tinido calmo.
— É totalmente minha culpa e nunca me perdoarei por isso.
— Ele sorriu, o gesto quebrando seu coração. — Temo que há
uma nova para adicionar à lista.
— Não, Colin. Minha.
— Era meu dever te proteger, falhei na tarefa mais
fundamental.
Seu dever, sua tarefa, era como ela tinha temido, para ele era
só era uma obrigação, outro ato de arrependimento e caridade
em seu caminho para a redenção.
Engolindo com dificuldade, estremeceu-se pela dor.
Entretanto, não podia tolerar que se culpasse pelo que Felix
Foote e Horatio Syder fizeram.
Uma vez mais ela segurou seu braço, acariciando com seus
dedos até que a olhou.
— Eu fui à casa da senhorita Thurgood.
— Deveria ter sabido que não cumpriria meus desejos,
deveria ter estado aqui contigo.
Suspirando com impaciência, sacudiu a cabeça sobre o
travesseiro.
— Minha culpa, não tua.
A lassidão se filtrou em seus músculos, as dores começaram
a diminuir. O láudano estava fazendo efeito, queria seguir
discutindo, mas mal conseguia pensar, a inconsciência fazia
gestos como uma velha amiga. Uns lábios quentes e ternos
percorreram sua testa, logo se conformaram com um suspiro
contra sua boca. A doçura do beijo a fez querer chorar.
— Todos os dias, pelo resto da minha vida, recordarei o
momento em que falhei com você, Sarah. — Seu quente fôlego
fluiu enquanto sua testa descansava sobre a dela. — Soube
da minha debilidade.
Levantando a cabeça, sussurrou suas últimas palavras
segundos antes que o sonho a levasse.
— É de admirar que esteja pensando me deixar?

~~*~~

— Senhorita? — A governanta entrou na biblioteca onde


Hannah estava sentada praticando xadrez. Os movimentos
eram às vezes os mais difíceis. — Há um homem para ver-te,
diz que tem notícias sobre seu pai.
Os dedos de Hannah se congelaram sobre seu cavalo. Se
alguém mais estava ali com informação sobre Horatio Syder
isso só poderia significar que estava morto. Ele nunca
permitiu que outros a vissem, não em dez longos anos.
— Que entre — ela disse brandamente.
Fortes pisadas se aproximavam da porta da biblioteca.
Clomp-clomp-clomp.
Ritmo regular, sem batida.
— Senhorita Syder.
Sem levantar a vista, ela levantou um dedo em sua direção.
— Esse não é o meu nome.
— Eu… peço-lhe perdão?
Finalmente, ela tomou uma decisão, o cavalheiro. Seguro. Foi
o movimento correto para este jogo.
— Meu nome — ela disse girando-se ao homem grande e de
aspecto rude na porta da biblioteca — não é Syder. — O
homem feio parecia confuso com seu chapéu frouxo e
desgastado retorcendo-se em suas mãos. — O que é o que
queria me dizer?
Seu desconforto pareceu crescer. Puxou a gola de seu casaco
de lã marrom como se lhe picasse.
— Lamento lhe dizer que seu pai, quer dizer, o Sr. Syder, está
morto, senhorita.
Fechou os olhos lentamente, os deixou descansar e saborear
o conhecimento.
Morto. Ele estava morto. Ela deixou que a percorresse,
repetindo a palavra.
Morto. Morto. Morto.
— Sinto muito. Eu… eu estou sinceramente…
— Isso é tudo, então? Tem algo mais a me dizer?
Entrou mais na habitação, o barulho de suas botas lhe
advertiu., clomp-clomp-clomp. Hannah abriu os olhos para
ver o que estava fazendo. Pegou um envelope do interior de
seu casaco e o colocou com cuidado em uma escrivaninha
próxima.
— Fez acertos e reservou recursos. O nome do advogado está
dentro, tudo está aí para quando a senhorita… é, quando a
senhorita estiver preparada.
Pouco a pouco um sorriso se desenhou no rosto de Hannah.
— Obrigada, — disse em voz baixa, voltando para seu jogo —
por certo é uma excelente notícia. Excelentes notícias.
CAPÍTULO 25
“Vê? Eu tinha razão. Conviria não o questionar no futuro.”
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Berne ao receber a
confirmação de Lorde Dunston com o Ministério do Interior.

— Um desastre de sangue é o que era, — se queixou Dunston


— literalmente, havia sangue por toda parte, preciso dar
algumas explicações.
A postura relaxada do conde enquanto se recostava em um
sofá azul no salão da casa Clyde-Lacey era um pouco informal
pelo nível de tensão na habitação. Colin não podia preocupar-
se.
Harrison, por outro lado, parecia bastante perturbado, parado
rígido com suas mãos firmemente apertadas atrás de suas
costas.
— Você deveria ser pego…
— Ora, ora, Blackmore. Só estava fazendo o necessário…
— …e logo arrastado por um cavalo. Até que toda sua pele se
rasgasse de você…
— …para assegurar que um vilão louco fosse detido. —
Harrison olhou seu amigo (uma relação sobre a qual Colin
tinha sérias dúvidas) e disse em um tom suave e mortal.
— Pôs o meu irmão em um perigo insustentável.
— Bom, sim, mas só pelo melhor dos motivos.
— Quando pôde tê-lo ajudado a pagar sua dívida,
possivelmente evitando a atenção do Syder, não fez nada. —
Dunston inclinou a cabeça e se arranhou o queixo, vendo-se
ligeiramente envergonhado.
— As coisas eram… delicadas nessa etapa. O fato de ter
ajudado a bela jovem Lacey poderia ter exposto minha
posição.
— Então permitiu que o perseguissem de um extremo da
Inglaterra a outro.
— Dei-lhe um bom conselho — Dunston respondeu com
indignação.
Harrison franziu o cenho.
— Que conselho? Quando?
— Quando estávamos todos em Blackmore. Julho, não é?
Disse-lhe que lhe pedisse o golpe. O que fez.
— Não fez, o ofereci a ele.
Dunston levantou as mãos em um gesto amplo e encolheu os
ombros.
— Aí tem. Sabia muito bem que não lhe permitiria que
seguisse galopando através do país sem parar.
Atherbourne, sentado em uma cadeira grande perto do fogo,
limpou a garganta como se se preparasse para falar. De pé,
com o cotovelo apoiado na cornija, Colin lhe dirigiu um olhar
agudo e sacudiu a cabeça.
— Suas presunções quase o mataram, — Harrison grunhiu —
eles causaram o sequestro de Jane e agora, a esposa do Colin
foi machucada.
Inclinando-se para frente e apoiando os cotovelos sobre os
joelhos, Dunston olhou diretamente aos olhos do Harrison.
— Me escute, — disse, mostrando a dureza que Colin havia
visto só umas poucas vezes em sua relação — nada se fez sem
necessidade. Nada. Syder constantemente subestimou seu
irmão, pensou que era inútil e impulsivo, isso foi o que fez
Colin tão efetivo. Syder assumiu que o jovem e irresponsável
Lacey se lançaria a resgatar o seu verdadeiro amor sem uma
força adequada atrás dele. Antes disso, assumiu que Colin
não poderia escapar de um matadouro em Whitechapel.
Colin franziu o cenho.
— Er… não escapei, precisamente.
— E antes disso, assumiu que Colin lhe daria meu nome
depois de umas poucas horas de… o que foi que disse? —
Dunston olhou Colin de soslaio. — Não há escapatória. Syder
te liberou? — Sua risada sublinhou o absurdo ao considerar a
ideia. — Certamente não.
Arranhando a cabeça Colin disse: — Seu homem, Benning, o
fez, disse que um misterioso homem lhe havia pago, sempre
supus que foi você. — Claramente, não tinha sido Dunston,
isso deixava a outra pessoa. Colin balançou a cabeça, ainda
não podia acreditar, Chatham simplesmente não era o tipo.
— Entretanto, ocorreu, — disse Atherbourne — acredito que
todos podemos estar de acordo que o mundo está melhor
agora que Syder está morto.
— Mmm — Dunston concordou recostando-se em seu afável
ser. — Embora ele tenha deixado algo para trás. Não pude
localizá-lo, ao que parece manteve-o bem escondido, duvido
que alguém se perca do despojo. — Suspirou. Logo adotou um
sorriso com um toque sinistro. — Uma última coisa que não
esperava. Esse Lacey aqui seria o que pagou essa dívida em
particular. Um pouco desordenado, mas bem feito, velho
amigo. A arrogância foi uma das faltas menores de Syder,
usou-a com grande vantagem.
Voltando-se para olhar para o fogo, Colin esfregou os dois
pedaços de papel que segurava entre os dedos. Aquilo era
uma nota que Syder havia enviado, tinham chegado minutos
depois que Colin e Harrison tinham saído correndo pela porta
da Casa Clyde-Lacey com a intenção de salvar Sarah. Só
dizia:
Localizei o tesouro mais formoso de Devonshire esta manhã,
não pude resistir. Espero sua resposta.
Logo deu o endereço do Foote na Sloane Street e se assinou
simplesmente com “S”. Foi um aviso de como lhe tinha
falhado. Não importa o que Dunston ou qualquer outra
pessoa dissesse, viveria com esse conhecimento para sempre.
O segundo artigo foi uma carta do diretor de uma escola em
Bath, descrevia uma posição ideal para Sarah, havia enviado
Thomas de volta à casa da senhorita Thurgood para recuperá-
la se por acaso ela decidisse deixá-lo.
Obviamente, ela não confiaria nele para cuidá-la como
merecia. Sarah não tinha acreditado em Colin antes que a
atacassem, não podia imaginar o que pensava dele agora.
— Me perdoem, cavalheiros — disse uma suave voz da porta,
era Eleonor, parecendo cansada, mas agradada, seus olhos se
enrugaram em um sorriso. — Lorde Colin, Sarah queria falar
contigo. Mandou perguntar se iria a ela. — Engoliu saliva e
ficou com a boca seca. Assentindo, cruzou a extensão da sala
de estar detendo-se na porta quando Eleonor lhe tocou a
manga.
— Antes que vá — disse em voz baixa — devo te dizer que
sentiu sua falta terrivelmente estes últimos dias. Sei que não
sou sua mãe, mas me permitiria te dar um conselho?
Ele assentiu.
— Quando o senhor Battersby foi o primeiro… afligido,
perguntei-me se era minha culpa. O tinha envenenado sem
saber com minha comida? Ou talvez não havia conseguido
controlar seus hábitos de sono o suficiente, ou lhe tinha
permitido trabalhar muito. — Ela riu com tristeza. — É
natural culpar-se, suponho, quando nos unimos tão
estreitamente que nos convertemos em parte um do outro. O
que estou dizendo é que às vezes o melhor que se pode fazer
pela pessoa que ama é simplesmente isso, amá-lo,
completamente, sem medo ao que pode vir. Sem recriminação
pelo que veio antes, ame-a e deixe-a que te amei em troca. —
A mãe de Sarah se secou o olho com o nódulo e lhe deu um
tapinha. — Esse é o meu conselho. Faça o que quiser.
De novo, Colin assentiu, incapaz de responder, logo saiu do
salão e percorreu o corredor até seu dormitório. Deteve-se
quando chegou à porta, olhando de novo para os papéis que
tinha na mão.
A amo.
Ele o fazia, é óbvio que o fazia. Quem não poderia apaixonar-
se loucamente por sua doce, doce Sarah. Amá-la não era o
problema. Era lhe falhar.
O pomo, frio sob sua mão, girou. Ela não estava ali. Franziu o
cenho, entrando na habitação, dirigiu-se à cama. Onde diabos
tinha ido ela?
— Colin.
Escutou-se uma ansiada voz de sua direita, seu coração
começou a pulsar de novo enquanto seus olhos a devoravam.
Estava sentada no divã debaixo da janela, com uma manta no
regaço e uma carta na mão. Seu cabelo de mel selvagem
estava solto, colocou-o sobre um ombro enquanto o atava com
uma fita branca que combinava com sua bata adornada com
renda. Colin a olhou nos olhos, notando um brilho dourado,
como se ela estivesse feliz de vê-lo. Os círculos escuros que
havia debaixo tinham diminuído enormemente, e havia
recuperado um toque de cor em suas bochechas.
— Fecha a porta, marido, desejo falar contigo.
Certamente soava como sua Sarah, sua voz suavizada por sua
anterior rudeza, com um tom firme e autoritário. Sua
pequena professora. Escondendo um sorriso, obedeceu,
moveu-se para sentar-se a um lado da cama, em frente a ela,
mas mantendo uma cuidadosa distância.
— Sinto-te melhor — sentia-se tão instável como um potro
recém-nascido.
— Por que se manteve afastado?
Sua pergunta foi calma, como se tivesse estado ferida por sua
ausência.
— Precisava descansar, era hora de sarar.
— Minha cura ocorre se estiver na habitação, Colin.
Deixando cair seu olhar em suas mãos, assentiu e soltou um
suspiro.
— Sendo sincero, vim à sua porta frequentemente, com a
intenção de entrar. Suponho que não quis te incomodar.
— Nossa porta.
Ele a olhou nos olhos.
— Como?
— Esta é nossa habitação. — Ela assinalou a cama em que se
sentou. — Essa é nossa cama, é onde pertence.
Colin ficou imóvel, um pouco aturdido por sua repentina e
ardente faísca.
— Está zangada.
— Estou muito bem.
Além da comoção de escutá-la pronunciar uma vulgaridade,
ele se cambaleava pela implicação de que ela o queria seu
lado.
— Eu, Sarah, não quis…
— Necessitava-te — o acusou, sua voz afogando-se um pouco.
— Desejava ter seus braços ao redor de mim, e você… — seu
queixo bicudo tremeu estranhamente. Um brilho de umidade
encheu seus olhos — não estava ali.
Levantou-se da cama, jogou os papéis a um lado e caiu de
joelhos diante dela. Suas mãos pousaram em suas pernas,
alcançou suas mãos, baixou a cabeça para beijar os magros e
calosos dedos que adorava.
— Me perdoe doçura, por favor, não chore. Só queria te dar o
tempo e a distância que merecia.
— Distância? — Ela perguntou, aspirando. — Em todo caso,
necessito de proximidade, grande quantidade de proximidade.
Ele a olhou e, cuidadosamente limpou uma lágrima com seu
polegar. Sarah capturou sua mão e a sustentou contra sua
bochecha. Colin sorriu, tremendo ante sua esposa.
— Sinto muito, Sarah, resolverei o problema imediatamente.
— Sentindo a delicadeza de seus finos ossos e sua suave pele
debaixo da palma lhe perguntou: — Está comendo o
suficiente? Direi ao Digby que…
— Colin, — ela grunhiu — não comece a se repetir sobre a
comida, dou-me conta que só se casou comigo por dó, mas
me resulta muito cansativo que me trate como a um órfão
faminto ao qual deve engordar imediatamente.
— Dó?
— Comerei quando tiver fome, além disso, é meu marido, você
goste ou não…
O mundo se inclinou para um lado, um navio rodando em
uma repentina onda abrupta.
— Não me compadeço de ti.
— E será meu marido até o final, por isso pode se resignar a
um estado de proximidade no futuro.
— Não me casei contigo por compaixão, Sarah.
Seus olhos se encheram de novo, enrugando a testa.
— Naturalmente diria isso, sua amabilidade é uma das razões
pelas quais lhe amo. Mas não precisa fazê-lo para evitar
machucar meus sentimentos, estamos casados, isso não se
pode desfazer.
A habitação de repente se fez mais brilhante. Pensou que
deveria ser assim, porque ela brilhava em sua visão, seu rosto
de fada envolto em luz. Sarah amava-o. Ela o havia dito, não?
Talvez tivesse ouvido mal.
— Diga outra vez — disse com voz áspera, temendo piscar e
arriscar-se a perder um sinal que simplesmente tinha estado
divagando.
— O que?
— Isso… que me ama. Diga outra vez.
Ela franziu o cenho com confusão.
— É óbvio que te amo, homem tolo, pelo que mais eu teria
aceito me converter em sua esposa?
Sua última palavra foi murmurada contra seus lábios, porque
ele já não podia resistir a beijá-la. Sua esposa pegou seu rosto
entre suas mãos e a beijo até que ambos ficaram sem fôlego,
até que a luz que tinha visto lhe atravessou o coração e se
expandiu para o exterior, explodindo por todo seu corpo em
uma pluma brilhante e radiante.
Movendo-se para sentar-se ao seu lado no divã, Colin
recolheu sua delicada suavidade em seus braços e apartou
sua boca da dela só para poder beijar cada centímetro de seu
rosto.
— Colin, — Sarah ofegou, suas mãos aferraram seus braços
— o que... que é… isso é possessivamente esplendido, e
enfaticamente não desejo que se detenha, mas não entendo.
— Ama-me — ele riu e lhe beijou o maravilhoso e arrebitado
nariz. — Me ama.
— Sim — Sarah começou a sorrir, a lenta aparição dele se
assemelhou a um amanhecer. — Te amo. Isto é uma
surpresa?
— Não sabia, pensei que só estava fazendo o que
frequentemente a forçava a fazer… escolher o caminho mais
provável para sobreviver.
Seus olhos se suavizaram, aferraram-se aos seus.
— Em algum sentido, isso é verdade. Porque não posso viver
sem ti.
Sacudindo a cabeça deu-lhe um terno beijo nos lábios de mel.
— Passarei todos os dias da minha vida ganhando sua
confiança, minha doçura, disso pode estar segura, não terá
nenhuma razão para procurar emprego em Bath. Construirei
uma vida para nós em que nunca desejará outra coisa
bendita… comida, batas, serventes. Teremos uma ala inteira
dedicada aos cilindros de tecido.
Seus olhos se escureceram.
— E te protegerei com a minha própria vida, Sarah — riscou
sua bandagem com um toque ligeiro como uma pluma. —
Nunca mais será posta em perigo.
Ela tinha empalidecido grandemente, seus olhos se
encontraram. Sarah assentiu em reconhecimento à sua
promessa, mas sua reação foi oposta ao que ele teria querido.
— Está angustiada? O que eu disse que te incomodou,
doçura?
— Nada, eu… obrigada, Colin, me dou conta que me vê como
um dever. Confio em que se ocupe de mim. — Essas palavras
cuidadosas e moderadas lhe abriram o peito. Então Sarah
levantou seus olhos aos dele. Ela estava ferida, sangrando.
Não seu pescoço, desta vez, mas sim seu coração. — E não
quero soar ingrata, mas o que mais preciso é do seu amor,
isso é a única coisa necessária para minha sobrevivência, a
única coisa que não tenho. — Quando terminou, uma lágrima
caía.
— Tem, Sarah, — sussurrou, incapaz de compreender como
ela poderia duvidar — meu amor é teu, meu corpo e minha
vida pertencem a você, doçura, é assim desde o momento em
que tirou este canalha da lama e o declarou teu.
Sarah esperava recordar sempre este momento, o momento
em que sua vida inclinou sobre seu eixo. Quando soube.
Colin a amava. Ele o fazia.
— Ama-me — ela balbuciou agarrando seu cabelo com ambas
as mãos e obrigando seu rosto a se aproximar a uma
polegada do dela. — De verdade.
Os olhos da cor do mar do verão brilhavam e ardiam. Por ela.
— É… fácil, doçura. — Ele se esticou para afrouxar seus
dedos. — E sim, amo-te, é como uma enfermidade, eu
realmente não conseguia sair de Keddlescombe.
Sarah o segurou, subiu sobre ele até que ficou escarranchada
sobre seus quadris e sustentou seu rosto à mercê de seus
lábios.
— Colin, meu amor. — Beijo. — Te amo muito. — Mordida. —
E eu gostaria de te agradecer. — Outro beijo. — Por me amar
de volta — um beijo em seu perfeito queixo. — Fazendo amor
com você agora.
Colin riu entredentes, o som retumbou desde seu peito até
seus mamilos, que se endureceram rapidamente, pressionou-
se contra ele insistentemente.
— Dois pontos, doçura. Primeiro, pode fazer amor comigo
quando quiser, como quiser e por qualquer razão que
considere que valha a pena. Segundo, estou ao seu serviço.
No entanto, eu gostaria de te recordar o que te disse na casa
de campo, na noite em que seu pai foi vagar.
Sarah se apartou o tempo suficiente para franzir o cenho.
— Que parte?
Colin a beijou docemente deixando que sua língua se
atrasasse e a acariciasse até que ela se apertou contra ele
com insistência.
— Não agradeça a um homem por te dar o que era teu desde
o princípio.
Sorrindo com todo o amor que ela tinha contido, riu de
alegria.
Então mergulhou-se de novo em sua boca. Sentia suas fortes
mãos e musculosos braços ao mover-se ao longo de suas
costas, cabelo e ombros.
— Está segura que se sente suficientemente bem? — Ofegou,
seus olhos mais azuis, suas mãos agarraram o tecido de sua
bata com sacudidas impacientes.
— Sim, te necessito.
Estava o arranhando, desesperada por ele. Rasgou seu lenço,
camisa e colete, não era suficientemente rápida. Sua
necessidade cresceu, doendo e rogando em seu ventre, em
seus seios, mas sobretudo no interior. No profundo de seu
núcleo o vazio chorou por falta de Colin, a dura tensão em
seu rosto se relaxou um pouco.
— Graças a Deus — suas mãos agarraram seus quadris e logo
se deslizaram para baixo, sobre a pele nua de suas coxas. —
Fecha as pernas ao meu redor.
Depois de várias respirações ela conseguiu, cruzando os
tornozelos na base de suas costas. Envolvendo um braço duro
ao redor de Sarah, Colin parou em um só movimento, deixou
cair sua manta e a levou à cama. Depositou-a sobre o colchão
com muito cuidado, como se fosse um vaso de porcelana,
retirando-se o tempo suficiente para desprezar seu casaco,
seu lenço e desfazer-se de suas calças. Gemeu enquanto a
cobria, ofegou quando a levantou contra ele, girando-os até
que se sentou na cama com as costas apoiadas na cabeceira e
ela sentada em seu regaço, sentindo sua ereção dura como
pedra contra suas dobras úmidas e quentes.
— Oh! — Sarah murmurou cravando os dedos em seu
pescoço.
— Se algo doer, doçura, quero que me diga — as palavras
saíram de Colin, seus olhos tinham um brilho de
preocupação, dizendo-lhe que falava a sério.
— Farei.
Brandamente desatou sua bata, tirando até que se juntou ao
redor de seus quadris, seus seios estavam ali para saborear.
Seus olhos se obscureceram e arderam quando caíram sobre
as contusões.
— Não importa, Colin — Sarah sussurrou acariciando sua
bochecha para acalmá-lo.
— Deve morrer.
— Já está morto.
— Deve morrer de novo, mais lentamente.
— Shh. Só me toque, querido, me deixe sentir o prazer que só
você me dá.
Lentamente os músculos de seu abdômen se relaxaram e sua
mão se aproximou para roçá-la ligeiramente sobre seu
dolorido mamilo. Logo usou sua língua para rastrear cada
hematoma que se desvanecia, para acariciá-la e deixá-la
louca pelo desejo.
Seus dedos puxaram a fita que atava seu cabelo liberando-o
para saltar para fora e fluir sobre seus seios e costas. Encheu
suas mãos com seus cachos, atraindo-a para seu beijo, suas
mãos encontraram sua cintura, levantou-se e deslizou
lentamente, brandamente dentro de seu calor, enchendo o
que estava vazio.
Esticando-a até que Sarah gemeu seu nome, Colin lhe
permitiu controlar o ritmo, descansando suas mãos
ligeiramente sobre seus quadris. Inclinou-se para frente e
passou a língua por seu pescoço, esfregou seus mamilos
contra seu peito agitado. Passou suas mãos sobre seu
abdômen, onde três cicatrizes estriadas serviram como aviso
de quanto tinha suportado. Ela sentiu como seu pênis duro e
grosso pulsava, pulsava dentro dela como outro coração. Seu
coração.
— Por favor, Colin — Sarah ofegou, passando os dedos sobre
suas orelhas, queixo e descendo por sua clavícula. Estava
tentando, mas não podia conseguir o ritmo correto. Estava-a
deixando louca ao sentir aquela necessidade dentro dela. —
Deve…
— O que, doçura?
Grunhiu sua frustração movendo seus quadris sobre ele e
perdendo algo vital.
— Por favor — ela suplicou sem saber o que pedir ou como
lhe fazer entender. — Te necessito.
— Ah, — disse zombeteiramente — a professora deseja
renunciar ao controle, não é?
— Sim, precisamente isso. — Ela se retorceu contra Colin. —
Agora, faça o que faz, e que seja rápido.
Riu tão forte que sacudiu a cama. Inclusive o sentiu dentro
dela, movendo-se para cima de onde estavam unidos e saindo
de sua garganta. A alegria pura em seus olhos se converteu
em sua felicidade.
— Como sempre, doce Sarah, estou para te servir.
Com isso Colin agarrou sua cintura e lhe deu um empurrão
surpreendentemente profundo, lançando um grito afogado de
prazer, logo o fez de novo e outra vez e outras cinco vezes
mais. Perdeu a conta, porque o maravilhoso prazer se reuniu,
espremeu e explodiu com uma força impressionante. Sarah
gritou e chorou de gratidão por seu domínio, em resposta
tomou seu prazer profundamente em seu corpo.
Aferrou-se ao único homem que alguma vez provou ser uma
tentação, depois, se deitaram tranquilamente debaixo das
mantas, Colin a embalou contra seu peito. Sarah suspeitava
que não ficavam ossos, já que só tinha sido reduzida à carne.
Carne quente e satisfeita.
— Não me deixe nunca, Sarah. Rogo-lhe isso.
A rouca súplica lhe fez levantar a cabeça de seu ombro.
— Por que...
— Vi a carta da escola em Bath.
Seus olhos tinham medo, medo e tristeza reais. Ele acreditava
que ela tinha querido tomar a posição, abandonar seu
matrimônio.
Sarah riscou um dedo ao longo de sua testa.
— Recuperar a carta foi um momento de dúvida que lamento
profundamente, temi que não me quisesse e se cansasse de
ser meu benfeitor uma vez que o perigo tivesse passado. Fui
tola.
— Isso nunca, doçura.
Ela sorriu e se moveu para que seus olhos e lábios pudessem
flutuar diretamente sobre os dele.
— Além disso, não posso te deixar, — disse em voz baixa,
absorvendo o milagre de seu amor — para onde eu iria sem
meu coração?
CAPÍTULO 26
“Feliz Natal? Ora! Será um ponto de vista mais feliz quando
tiver um neto, cachorrinho ingrato. E quando será isso, mmm?"
A Marquesa de Wallingham a si mesma ao ler uma carta
recente de seu filho Carlos.

Ao ver seu marido acariciar amorosamente o cabelo negro do


bebê que sustentava em seus braços, Sarah lutou por não
suspirar. Talvez sua repentina necessidade de ar poderia ser
atribuída ao sentimento. O mais provável é que era a imensa
quantidade de pudim de ganso e ameixa assada que havia
consumido no jantar, sua mão se pousou sobre seu ventre.
Misericórdia de mim, pensou, nunca tinha se enchido tão
terrivelmente em sua vida como na atualidade, respirar seria
um luxo. É claro, Colin tinha sido incorrigível, insistindo em
que comesse mais e mais, e ainda mais, até que prometesse
fazer tudo o que ele quisesse se só a desejasse. Seu sorriso
malicioso tinha levado suas próprias promessas. Mas ao
menos se deteve.
— Será um papai muito devoto, suponho. — As palavras
vieram de Vitória, que estava sentada na cadeira vermelha
mais próxima à Sarah. Surpreendida pelo inesperado
comentário de sua cunhada, Sarah se girou para olhar ao seu
marido, sentado ao seu lado em um dos sofás azuis perto do
fogo ardente da sala de estar embalando o filho de Vitória.
— Mmm. Devotado? — Sarah murmurou. — Se ele for tão
devotado a eles como é comigo, temo que todos serão tão
redondos como um pudim de Natal.
Colin a olhou e levantou uma sobrancelha.
— Dou-me conta de que finalmente está começando a
recuperar sua cor. Pode me agradecer isso depois.
Franziu os lábios e saudou com a mão para o fogo
excessivamente quente e incômodo que tinha avermelhado
suas bochechas.
— Serei agradecida com quem o merece, obrigada.
Um brilho familiar, acalorado, entrou em seus olhos.
— E se não o fizer? Ainda posso esperar um agradecimento
adequado?
Sua respiração se acelerou e seu corpo se queimou por razões
distintas à lareira.
— Bom — ela disse tragando contra uma garganta
repentinamente ressecada. — Se insistir.
Vitória se levantou para recuperar seu filho dos braços de
Colin. O bebê estava envolto na colcha que Sarah fez para ele,
uma mescla de azuis e verdes. Sarah estava agradada com
seu trabalho e notou que algumas das cores coincidiam com
os olhos do pequeno Gregory.
— É hora da Roseanna te colocar na cama, meu amor —
Vitória disse, levando-o à babá que esperava.
— Tenho-o! — Jane anunciou entrando no salão com
Harrison, agitando uma carta no ar. — Lady Wallingham
chegou, não perderemos nosso entretenimento da noite. —
Todos se sentaram ao redor do fogo, Jane e Harrison, Lucien
e Vitória, Sarah e Colin, e Eleanor para escutar como Jane
compartilhava as melhores guloseimas da Marquesa de
Wallingham.
— Ela parece estar mais preocupada com o legado de Lorde
Rutherford. — A notícia da morte do Marquês de Rutherford
na noite da reunião de Lady Rutherford tinha sido o tema de
muita conversação nas últimas semanas. Ajustando seu
espetáculo, Jane continuou: — Oh, querida. Tem uma opinião
bastante baixa do novo Lorde Rutherford. Escutem isto:
Chatham, porque eu não serei persuadida a me referir àquele
libertino pelo título previamente estimado de seu pai,
indubitavelmente provará redimir-se em todos os aspectos.
Alguns sugeriram que sofrerá uma milagrosa transformação
em sua herança, que uma nova joia em seu cetro converterá
um lobo faminto e voraz em algo parecido a um cavalheiro. Sua
mãe tem uma maior probabilidade de unir-se a um convento de
monjas, e todos sabemos das predileções de Lady Rutherfor.
Jane se deteve para outro, "Oh, querida", e uma risadinha
antes de ler em voz alta.
— Ela fez uma boina para o Humphrey. Ela diz que é um
pouco desequilibrado, mas ela culpa suas "orelhas tristemente
diminutas”.
Rindo, Vitória disse: — Talvez eu pinte um retrato do
Humphrey e acrescente um pouco de longitude aduladora
para sua…
— Não vais fazer tal coisa — disse Atherbourne.
— Por que não?
— Pintar o cão significa que terá que passar uma quantidade
excessiva de tempo na companhia de Lady Wallingham, o que
significa que eu devo fazer o mesmo.
Eleonor, enquanto os observava, interrompeu.
— Eu mantenho que Lady Wallingham não pode ser tão má
como dizem. Ninguém pode ser assim.
— Não, tem razão. Ela é pior. — Disse Jane.
— Sim — Vitória concordou. — Muito parecida com um
dragão.
Inclusive Harrison comentou: — Se as visitas forem
necessárias, recomendo durações curtas. E, se for necessário,
reclamar uma enfermidade repentina. — Todos riram, exceto
Harrison. — O único que pode ser mais desagradável, para
mim, é Lorde Dunston.
Colin gemeu.
— Não outra vez com o mesmo.
— Enganou-me durante anos, nunca conheci o homem. Como
se pode confiar em alguém desse tipo?
Sacudindo a cabeça, Colin respondeu: — Se tiver a intenção
de continuar com esta hostilidade, talvez possa esperar um
mês ou dois antes de ter um distanciamento a grande escala.
— Por que?
Colin olhou à Sarah por um longo momento, e logo depois de
volta ao Harrison.
— Dunston e eu estamos em meio a uma... transação.
Harrison se quebrou.
— Que transação?
Suspirando, Colin voltou a olhar Sarah, que franziu o cenho
com sua confusão.
— Ia-lhe dizer isso, querida. — Logo se dirigiu ao Harrison e
aos outros. — Yardleigh Manor, estou comprando-a, a venda
deve estar finalizada em umas poucas semanas.
Sarah estava assombrada.
— Oh, Colin — se perdeu no meio de perguntas de todo o
mundo. Ele as respondeu à sua vez.
— Sim, Dunston era o dono, o Conde tinha a intenção que a
casa de Devonshire fosse como um refúgio para ele e os que o
ajudaram em seus projetos.
Não, Colin não pensou que Dunston mentiria sobre isto, como
o tinha feito com todo o resto. Sim, também queria que
Eleonor vivesse ali. Sim, se Sarah estivesse de acordo, ele
acreditava que podiam usar parte da casa para reabrir a
Academia da Santa Catharine para garotas de Impecável
Comportamento. E, sim, esteve de acordo em que o nome da
escola era comprido e majestoso.
Quando terminou de responder o seu interrogatório, Colin
parecia aturdido. Por fim, sorriu à Sarah e lhe fez a pergunta
que parecia mais preocupante para ele.
— Está contente, querida?
Em lugar de responder com palavras, ela respondeu com um
beijo choroso que durou um pouco mais do que tinha
previsto. Quando finalmente se separaram, Sarah se abanou
com sua mão.
— Há alguém que quer chocolate quente?
Com gritos de acordo, todos ficaram de pé. Eleonor sugeriu a
música.
Vitória insistiu em que Colin se sentasse no pianoforte.
— Oh, faça, Colin — suplicou. — Passou muito tempo desde a
última vez que te escutei tocar.
Colin olhou à Sarah, um pequeno sorriso começou a frisar
seus lábios, uma pergunta em seus olhos.
Ela assentiu com a cabeça.
— Por favor, marido, me faria muito feliz.
Inclinou-se para sussurrar no seu ouvido.
— Estou sempre ao seu serviço.
Logo sentou-se diante das teclas fazendo uma pausa para
respirar, fechou os olhos e começou a tocar, era similar à
canção que havia tocado na noite de suas bodas. Mas, em
todo caso, era mais rica, mais complexa a cada passagem,
podia sentir lembranças fluindo por suas veias, tão quentes
como o vinho, cada nota era um momento, uma razão pela
qual ela o amava.
“Chuva sobre o campo. Ondas sobre uma orla.
Este homem procurará te merecer e quando for pouco,
procurará seu perdão.
A luz do sol sobre as maçãs. Lábios sobre uma boca.
Sua mente será forte para que possa tentar igualar à tua.
Tormenta sobre um teto. Pérolas sobre um pescoço.
Seu coração será feroz e verdadeiro pela mesma razão.
Neve sobre uma rua. Sangue sobre um piso.
Ele verá sua vida como a única razão para ele, e ele a
guardará em consequência.
Luz sobre uma janela. Mão sobre uma bochecha.
Verá a si mesmo no espelho de seus olhos, e será mais
formosa, mais preciosa que para mim nessa manhã de
setembro.”
Sarah olhou aos olhos de seu marido e se viu ali. Formosa.
Preciosa.
— Já vê, minha querida menina Impossível.

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