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Diarréia

Nenhuma função orgânica é mais variável e sujeita a influências externas que a


evacuação. Os hábitos intestinais normais variam consideravelmente de uma pessoa para
outra, sendo modificados pela idade, por padrões dietéticos, sociais e culturais e por fatores
fisiológicos individuais. Numa civilização urbana, a freqüência normal de evacuações varia de 2
a 3/dia a 2 a 3/semana. Alterações na freqüência, volume ou consistência das fezes, ou
sangue, muco, pus, ou material gorduroso excessivo (p. ex., óleo, gordura ou uma película) nas
fezes podem indicar doença.

DIARRÉIA

É o aumento de volume, fluidez e freqüência das evacuações em relação ao padrão usual


do indivíduo.

Etiologia e Fisiopatogia

Na sociedade ocidental, em adultos sadios o peso das fezes varia de 100 a 300g/dia
dependendo da quantidade de material não absorvível da dieta (principalmente carboidratos).
A diarréia ocorre quando o peso das fezes é > 300g/dia, exceto em pessoas cujas dietas são
ricas em fibras vegetais, quando tal peso pode ser normal. Como de 60 a 90% do peso das
fezes é de água, a diarréia é causada por excesso de água fecal. Categorizar diarréia de acordo
com a principal causa fisiopatológica de aumento do peso das fezes pode facilitar a
investigação etiológica e a escolha do tratamento específico.

Diarréia Osmótica

Ocorre quando solutos hidrossolúveis, não absorvíveis estão presentes no intestino e


retêm água. Isto ocorre com a lactose (deficiência de lactase) e com outras intolerâncias a
açúcares e quando sais malabsorvidos (p. ex., o sulfato de magnésio e fosfato de sódio) são
prescritos como laxantes salinos ou antiácidos. A ingestão de grandes quantidades de hexitóis,
sorbitol e manitol, usa dos como substitutos do açúcar em alimentos, doces e gomas de
mascar dietéticos, causa diarréia pela combinação da absorção lenta e com a motilidade
rápida pelo intestino delgado (diarréia por "comida-dietética" ou por "goma de mascar"). A
gravidade dos sintomas é proporcional à quantidade consumida e ao peso corpóreo; a
condição desaparece assim que pare a ingestão.

Diarréia secretora
Os intestinos delgado e grosso normalmente reabsorvem sais (especialmente cloreto de
sódio) e água ingeridos ou que atingem o lume em conseqüência das secreções digestivas. A
diarréia pode ocorrer quando os intestinos secretam mais do que absorvem eletrólitos e água.
As substâncias que induzem secreção incluem: toxinas bacterianas (p. ex., na cólera), viroses
enteropatogênicas, ácidos biliares (p. ex., após ressecção ileal), gordura da dieta não absorvida
na esteatorréia, catárticos da antraquinona, óleo de rícino, hormônios peptídios (p. ex., o
peptídio intestinal vasoativo [PIV] produzido por tumor pancreático) e algumas drogas (p. ex.,
as prostaglandinas).

Malabsorção

Pode produzir diarréia por qualquer dos mecanismos anteriores. Se o material não
absorvido é abundante, hidrossolúvel e osmoticamente importante (isto é, de peso molecular
baixo), o mecanismo pode ser osmótico. Os lipídios não são apreciavelmente hidrossolúveis e
não podem agir desta maneira; alguns (ácidos graxos, ácidos biliares) atuam como
secretagogos para eletrólitos e água. Na malabsorção generalizada, como no espru não
tropical, a malabsorção gordurosa (que causa secreção colônica) e a malabsorção de
carboidratos (que causa diarréia osmótica) podem coexistir.

Exsudativa

Muitas doenças da mucosa (p. ex., enterite regional, colite ulcerativa, TB, linfoma e
carcinoma) causam uma "enteropatia exsudativa". A inflamação, ulceração e tumefação da
mucosa podem resultar em um extravasamento de plasma, proteínas séricas, sangue e muco,
aumentando assim o bolo e fluidez fecal. O envolvimento da mucosa retal pode causar
urgência e aumentar a freqüência das evacuações em virtude da mucosa inflamada do reto ser
mais sensível à distensão.

Trânsito intestinal alterado

O quimo deve ser exposto adequadamente à superfície absortiva do trato GI por


quantidade suficiente de tempo, se estiver ocorrendo absorção normal. Os fatores
quediminuem o tempo de exposição incluem a ressecção do intestino delgado e grosso,
ressecção gástrica, piloroplastia, vagotomia, "bypass" cirúrgico de segmentos intestinais e
drogas (p. ex., antiácidos que contém magnésio e laxantes) ou agentes humorais (p. ex.,
prostaglandinas, serotonina) que aceleram o trânsito pela estimulação da musculatura lisa
intestinal.

A malabsorção e a diarréia também podem se desenvolver quando o tempo de trânsito do


quimo através do intestino estiver prolongado e as bactérias fecais proliferarem no intestino
delgado. Os fatores que aumentam o tempo de trânsito e permitem o crescimento bacteriano
incluem segmentos estenosados, doença intestinal por esclerodermia e alças de exclusão
criadas por cirurgia.

Complicações da Diarréia

Podem ocorrer perdas eletrolíticas (Na, K, Mg e Cl), perdas hídricas com conseqüente
desidratação e colapso vascular. O colapso pode se desenvolver rapidamente em pacientes
muito jovens, idosos, debilitados ou que têm diarréia grave (p. ex., na cólera). A acidose
metabólica pode ocorrer devido à perda de HCO3 . A concentração sérica de Na varia de
acordo com a composição das perdas diarréicas em relação ao plasma. A hipocalemia pode
ocorrer em diarréia grave ou crônica ou quando as fezes contêm muco excessivo (p. ex.:
adenoma viloso,fazendo alcalose metabólica). Observa-se também, tetania devido
à hipomagnesemia após diarréia prolongada.

Diagnóstico

As características clínicas variam muito dependendo da causa, duração e gravidade da


diarréia, da área do intestino afetada e do estado geral do paciente. A história deve observar o
tempo, local e outras circunstâncias do início; duração e gravidade; dor abdominal ou vômito
associado; presença de sangramento franco ou oculto nas fezes; freqüência e duração das
evacuações; evidência de esteatorréia (fezes gordurosas, oleosas ou engorduradas com odor
fétido); alterações associadas do peso e apetite; uso de produtos dietéticos; e presença de
tenesmo retal.

O exame macro e microscópico das fezes pode ser útil. A fluidez, volume e presença de
sangue, pus, muco ou de gordura excessiva deve ser observada. Geralmente, nas doenças do
intestino delgado, as fezes são volumosas e gordurosas ou aquosas. Na doença colônica, as
evacuações são freqüentes, às vezes pequenas em volume e possivelmente acompanhadas por
sangue, pus, muco e desconforto abdominal. Nas doenças da mucosa retal, o reto pode ser
mais sensível à distensão e a diarréia pode ser caracterizada por fezes freqüentes em
pequenas quantidade.

A microscopia pode confirmar a presença de leucócitos (ulceração ou invasão bacteriana),


gordura não absorvida, fibras de carne, ou infestação por parasitas (p. ex., amebíase,
giardíase). O pH fecal, normalmente > 6,0, está diminuído por fermentação bacteriana de
carboidratos e proteínas não absorvidos no cólon. A alcalinização das fezes mostra cor rósea
da fenolftaleína, um laxativo comumente usado em excesso.

Evidências de colapso vascular, desidratação, depleção eletrolítica, ou anemia devem ser


procuradas. Os exames abdominal, digital e visual, do reto devem ser feitos. A biópsia da
mucosa retal e o "swab" retal para exame microscópico devem ser considerados para
proctoscopia.
Tratamento

A diarréia é comumente o único sintoma e o distúrbio de base deve ser especificamente


tratado, mas o tratamento sintomático pode também ser necessário, se possível. O tono
intestinal pode ser aumentado pelo difenoxilato, 2,5 a 5mg em comprimidos ou líquido 3 ou 4
vezes/dia, por fosfato de codeína 15 a 30mg 2 ou 3 vezes/dia, pelo elixir paregórico (tintura
canforada de ópio) 15mL a cada 4h ou por hidrocloridrato de loperamida 2 a 4mg 3 ou 4
vezes/dia. O peristaltismo é diminuído pelos anticolinérgicos (p. ex., a tintura de beladona,
atropina ou propantelina). O volume é fornecido por um composto de psílio ou e
metilcelulose; estes agentes, embora geralmente prescritos para a constipação, também
diminuem a fluidez das fezes líquidas quando dados em pequenas doses. Caulim, pectina e
atapulgita ativada adsorvem líquido.

A diarréia aguda intensa pode exigir a reposição hidreletrolítica urgente para corrigir a
desidratação, o desequilíbrio eletrolítico e a acidose. O cloreto de sódio, o cloreto de potássio,
a glicose e fluidos para combater a acidose (lactato, acetato ou bicarbonato de sódio) podem
estar indicados. O equilíbrio hídrico e a estimativa da composição hídrica corpóreo devem ser
monitorados cuidadosamente. O vômito ou sangramento GI associado podem exigir medidas
adicionais.

Uma solução oral glicoeletrolítica poderá ser dada se a náusea e o vômito não forem
graves. Os líquidos contendo glicose (ou sacarose, como o açúcar comum), cloreto de sódio e
bicarbonato de sódio são rapidamente absorvidos e facilmente preparados. Cinco mL (1 colher
de chá) de sal comum, 5mL (1 colher de chá) de bicarbonato de sódio, 20mL (4 colheres de
chá) de açúcar comum e uma essência são adicionados a 1L de água. Os líquidos parenterais
são geralmente necessários para a diarréia mais grave. Se a náusea ou o vômito estiverem
presentes, a ingestão oral deve ser restringida. Contudo, quando a água e os eletrólitos devem
ser repostos em quantidades maciças (p. ex., na cólera epidêmica), os suplementos orais de
eletrólitos e glicose são algumas vezes dados em adição à terapia EV mais convencional com
soluções eletrolíticas (bicarbonatadas). As alterações dietéticas podem ser úteis.

Fonte: Manual Merck

Luan Diego Marques Teixeira

Acadêmico de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS

http://luandiegomarques.blogspot.com/

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