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As pagãs e o véu

Para estrear esta coluna, falarei de um assunto muito interessante que tem
movimentado um grupo de pagãs em terras estrangeiras, e, quem sabe, poderá se tornar algo
de importante consideração para a leitora.

Há um grupo conhecido como Covered in Light, criado por Cora Post, que reúne
mulheres pagãs que têm como hábito o uso do véu. O objetivo do grupo é reunir mulheres,
assim como pessoas que se identificam como mulheres, cujo interesse comum é a prática de
se cobrir, tendo um lugar onde elas possam se sentir mais seguras com seu modo de se
expressar.

O leitor deve estar se perguntando: o que faz com que mulheres pagãs, tão livres a
respeito de sua sexualidade e feminilidade, decidam-se a se cobrirem, comportando-se de
maneira semelhante às adeptas de tradições opressoras e machistas? Bem, para esclarecer
este assunto, vamos começar falando da história do véu.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, a prática de cobrir a cabeça com o
véu não vem do Islamismo. Escavações feitas em Nínive, na antiga Assíria, revelaram que leis
foram emitidas para forçar mulheres respeitáveis a usar o véu em ordem de as distinguir de
concubinas e prostitutas - que eram obrigadas a não cobrir a cabeça. Diante disso, o véu se
tornou símbolo do respeito que prostitutas e concubinas não tinham. Em 539 d.C. , os persas
conquistaram a Mesopotâmia, que se tornou parte de seu Estado. Sendo assim, o véu e a
reclusão das mulheres, tornaram-se hábitos dos assírios que foram adotados pelos persas. A
partir daí, com as conquistas persas, o véu se espalhou pela região do Levante (Síria e Líbano) e
norte da Árabia. Mais tarde, árabes separados dessas civilizações, foram introduzidos ao véu
até o século 7, quando conquistaram os persas.

Sendo assim, no contexto islâmico moderno, uma variedade de peças de vestuário são
usadas com o propósito de estar de acordo com a conduta do hijab (o princípio de modéstia de
vestimenta islâmico). Seu principal objetivo é ocultar o que seria sexualmente atraente para os
homens. Porém, não é apenas no islamismo que o ato de cobrir os cabelos ou de se vestir de
forma considerada modesta é comum. No judaísmo ortodoxo, mulheres casadas usam o véu
como forma de devoção e amor exclusivo ao seu marido, sendo o tichel uma das maneiras de
se cobrir. No cristianismo, até a década de 1960, era comum mulheres entrarem nas igrejas
cobertas por véus, capas, estolas, echarpes e barretes. Ainda podemos encontrar o costume
de manter a cabeça coberta nas igrejas ou em orações privadas dentro de casa, em algumas
igrejas protestantes e em muitas igrejas ortodoxas orientais. Até hoje o véu sobre o cabelo faz
parte do hábito das freiras católicas e anglicanas, sendo comum em muitas ordens o branco
ser o véu da provação usado no noviciado e o preto o da profissão, após os votos serem
tomados.

Após todas essas explicações, o leitor deve estar se perguntando: o que tudo isso tem
a ver com o paganismo? Bem, depois de entendermos a história e como se dá o uso dos véus
nas religiões em que ele é comumente associado, podemos entender sua conotação de
modéstia, respeito religioso e até matrimonial. É possível então, refletir a respeito do fato de
que, apesar de ainda ocorrerem casos de opressão que conhecemos muito bem através dos
noticiários, o véu é - dentro de todo este contexto religioso - uma forma de nos conectarmos
com o divino e é justamente essa a proposta principal das pagãs que fazem essa escolha, bem
como das não pagãs.

Para as mulheres do Covered in Light, o véu simboliza se aceitar como uma mulher
madura, e não mais como uma menina, afastando-se de certos padrões sociais que tendem a
tratar mulheres como eternas garotas. Grande parte dessas moças encontraram um lugar
onde se sentem livres para se expressarem, para serem o que são, pois muitas delas já
mantinham a ideia de se cobrirem com o véu, porém não tinham coragem ou apoio por
acharem que tal pensamento não se encaixava com o comportamento pagão. Muitas delas se
cobrem como forma de devoção à sua divindade - seja ela qual for - e para atender a um
pedido desta, sentem-se mais seguras ao saírem de casa usando o véu ou quando descobrem
os cabelos apenas para seus maridos ou companheiros (as). O véu faz com que elas se sintam
mais livres e conectadas com a divindade, ao mesmo tempo em que é algo que as lembra
constantemente de seu caminho religioso e de que não estão sós e desamparadas. Algumas
delas associam o véu com a modéstia, outras se sentem mais sexies quando usam.

Grande parte dessas mulheres são devotas da deusa Héstia. O que me faz lembrar não
só da modéstia e da castidade, mas também do fogo dedicado a essa deusa na Grécia Antiga.
Fogo este que nunca era apagado, mas sim, carregado para acender um novo altar numa
cidade conquistada, ou a morada de noivos recém-casados pela chama da lareira do lar dos
ancestrais da noiva. Ou seja, estamos carregando nossa casa, nosso lar e nosso templo
constantemente acima de nossas cabeças para nos lembrarmos de nossa devoção e de nosso
amor pelos deuses. Imagino que seja este um dos propósitos dessas adoráveis moças, bem
como lembrar à sociedade que as mulheres têm o direito de adorar seu corpo, seja ele nu, ou
coberto, seja ele vestido de maneira casual ou recatada. Temos todas, independente da
religião, o direito de nos expressarmos e nos vestirmos como quisermos, se isso não ferir a
nossa liberdade e a liberdade do outro.

Até mês que vem com a próxima coluna!

Agradeço imensamente à Kate Cullifer, responsável pelo grupo oficial do Covered in


Light no Facebook, por me conceder uma entrevista para escrever essa coluna. Fico grata
também aos membros do grupo Reconstrucionismo Helênico, que responderam às minhas
questões acerca do véu. Agradecimentos especiais à minha revisora Ingrid Gusmão.

Créditos:

http://alexandrakinias.wordpress.com/2010/06/27/history-of-the-veil-part-one-veil-in-the-
ancient-world/

http://coveredinlight.org/

http://www.patheos.com/blogs/pantheon/2012/03/veiling-a-different-take-on-pagan-
womanhood/

http://pt.wikipedia.org
Mitologia Simbólica - Estruturas da Psique e Regências Místicas – Maria Zélia de Alvarenga

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