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Oratória

Oratória
Oratória

Angela Paiva Dionisio


Iara Bemquerer Costa
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-2994-5 Luiz Roberto Dias de Melo
Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci
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Angela Paiva Dionisio
Iara Bemquerer Costa
Luiz Roberto Dias de Melo
Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci

Oratória

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012

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© 2012 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________________
O72

Oratória / Angela Paiva Dionisio... [et al.]. - 1.ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
208p. : 24 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2994-5

1. Oratória. 2. Comunicação oral. 3. Retórica. I. Dionisio, Angela Paiva.

12-5121. CDD: 808.51


CDU: 808.51

19.07.12 01.08.12 037570


________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

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Angela Paiva Dionisio

Pós-Doutorado – University of California – Santa Barbara, UCSB, Estados Unidos.


Doutorado em Letras – UFPE. Mestrado em Letras – UFPE. Especialização em Lin-
guística Aplicada ao Ensino do Português – UFPB. Graduação em Letras – UFPB.

Iara Bemquerer Costa

Doutora em Ciências (Linguística) pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-


camp). Mestre em Linguística pela Unicamp. Graduada em Letras-Português pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Luiz Roberto Dias de Melo

Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharela-


do e Licenciatura em Letras: Português e Italiano pela Universidade de São Paulo
(USP). Ministra várias disciplinas ligadas aos cursos de Publicidade e Propaganda,
como Redação Publicitária, Teoria da Comunicação e Planejamento de Mídia. É
sócio-diretor da Gemma Comunicação e presidente do Instituto Saber-Aprender,
organização do terceiro setor.

Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci

Doutora em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre


em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gra-
duada em Psicologia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras. É
professora de carreira da Universidade de Taubaté, ministra disciplinas de Psico-
logia Organizacional e Trabalho na graduação em Psicologia, Gestão de Pessoas
nos programas de MBA de Recursos Humanos e Gerência Empresarial. Professora
do Programa de Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional.

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Sumário
Conceitos fundamentais
para a Análise da Conversação............................................. 11
A especificidade da conversação.......................................................................................... 11
Os turnos de fala......................................................................................................................... 12
Tópico conversacional.............................................................................................................. 16
Pares adjacentes......................................................................................................................... 19
A hesitação................................................................................................................................... 23
Conclusão...................................................................................................................................... 24

Estratégias de organização do diálogo............................. 35


A paráfrase.................................................................................................................................... 35
A correção..................................................................................................................................... 38
A repetição.................................................................................................................................... 40
Os marcadores conversacionais............................................................................................ 41
Conclusão...................................................................................................................................... 46

Pragmática: atos de fala, implicaturas e


máximas conversacionais....................................................... 55
A Teoria dos Atos de Fala......................................................................................................... 58
Princípio de cooperação e máximas conversacionais................................................... 62
Implicaturas conversacionais................................................................................................. 65
A pressuposição.......................................................................................................................... 66

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Análise retórica da argumentação...................................... 77
A Retórica Clássica e sua revitalização na Nova Retórica............................................. 78
Conceitos fundamentais da Nova Retórica....................................................................... 82
O ethos: imagem do autor projetada no discurso............................................................. 89
Conclusão...................................................................................................................................... 90

Relações com a mídia e gestão de crise..........................101


É preciso saber orientar a mídia..........................................................................................102
É preciso saber responder à mídia.....................................................................................105
É preciso se preparar para o cara a cara com a mídia..................................................108
Conceito de crise institucional............................................................................................109
Comunicação durante a crise..............................................................................................112

Fundamentos da comunicação interpessoal................125


Melhorando o relacionamento no trabalho...................................................................125
Estilos interpessoais................................................................................................................129
Gestão de conflitos..................................................................................................................131
A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos............................................143

Como liderar reuniões...........................................................155


As reuniões: princípios gerais..............................................................................................155
Como distribuir papéis em reuniões para que sejam produtivas...........................163
Preparação e condução de reuniões.................................................................................165

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Eficácia na comunicação oral..............................................175
Falar em público com segurança: fundamentos de oratória....................................175
Como fazer apresentações....................................................................................................186
Preparação de discursos........................................................................................................194
Excelência em improviso.......................................................................................................198
Timidez.........................................................................................................................................200
Palestra de negócios...............................................................................................................202

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Apresentação

A comunicação é uma característica humana, é o elemento que os distingue:


o ser humano é um animal que fala.

Nos dias de hoje, nossos modernos meios de comunicação, também chama-


dos tecnologias de informação e comunicação (TIC), ampliam a capacidade do in-
divíduo para se comunicar, para interagir com os seus semelhantes. Porém, esse
incremento tecnológico não torna obsoleta a velha e boa comunicação direta, de
pessoa para pessoa. Mais que isso, os modernos meios não dispensam a exigên-
cia de bem articular a comunicação como base para esta outra comunicação que
se vale de máquinas sempre mais avançadas.

Dito de outra forma, podemos afirmar com acerto que desde a Antiguidade
até os nossos dias o poder de comunicação é uma condição basilar para a vida
humana – e isso continuará a ser uma verdade nos dias que virão. A oratória,
também chamada arte de bem falar, foi praticada na Antiguidade e segue sendo
praticada, continua “na ordem do dia”.

Este material fornece as estratégias básicas para bem organizar a comunica-


ção oral, atendendo tanto à necessidade de algum embasamento teórico como
à necessidade de direcionamentos práticos sobre como organizar um diálogo ou
uma reunião, e como alcançar eficácia na comunicação interpessoal.

E vale a velha máxima popular: “é falando que a gente se entende”.

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Conceitos fundamentais para
a Análise da Conversação

Iara Bemquerer Costa


A primeira questão que surge quando anunciamos a apresentação de
conceitos fundamentais para a Análise da Conversação é se haveria real-
mente a necessidade de conceitos específicos para o estudo dessa moda-
lidade de uso da língua. A conversação não poderia ser estudada com o
uso dos mesmos conceitos teóricos e metodologias de análise desenvolvi-
dos pela Linguística Textual para a análise de textos orais ou escritos?

Para justificar a necessidade de formulações teóricas e metodológicas


específicas para o estudo da conversação, é interessante chamar a aten-
ção para algumas propriedades do texto conversacional que o distinguem
de outros tipos de texto.

A especificidade da conversação
A propriedade mais evidente da conversação é que os interlocutores
alternam-se nos papéis de falante e ouvinte. Assim, o estudo do texto con-
versacional deve necessariamente contemplar o estudo das formas de al-
ternância dos papéis no diálogo e da atuação conjunta dos interlocutores
para a construção de um texto coerente. Deve levar em conta também que
a conversação, ao contrário de outros textos, é produzida sem um planeja-
mento prévio. Mesmo que um dos interlocutores defina antecipadamente
o que pretende falar, há sempre a necessidade de rever seu planejamento
a cada intervenção dos demais participantes, para que suas intervenções
constituam uma sequência adequada às falas anteriores.

O texto falado deixa transparecer o processo de sua construção, como


explica Koch (2006, p. 45):
[...] ao contrário do que acontece com o texto escrito, em cuja elaboração o produtor
tem maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e
correções, modificar o plano previamente traçado, no texto falado planejamento e
verbalização ocorrem simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da
interação: ele é o seu próprio rascunho.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Koch (2006, p. 46) usa também a metáfora do quadro e do filme para compa-
rar a recepção do texto oral ou escrito:
Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe, estampado numa página –
por trás dele vê-se um quadro. Já no caso do ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica,
coreográfica: ele acontece, viajando através do ar – por trás dele é como se existisse não um
quadro, mas um filme.

As várias peculiaridades da conversação justificam a adoção de conceitos


específicos que ajudam a compreender tanto os princípios que organizam a al-
ternância de papéis entre os interlocutores quanto as formas de planejamento/
construção textual na conversação. Estas distinguem-se das formas de planifica-
ção e produção de outros textos:

 pela simultaneidade entre planejar e executar – na conversação, os parti-


cipantes não têm tempo para elaborar esquemas prévios.

 pelo caráter coletivo da construção textual – ao contrário da maioria dos


gêneros textuais, em que o texto é produzido por um autor único, a con-
versação resulta das contribuições de pelo menos dois autores.

 pelo fato de a conversação ser resultado de um planejamento coletivo –


cada pessoa, ao tomar a palavra, tem de levar em conta as contribuições
anteriores dos demais participantes da conversa.

Para dar conta do estudo dessas especificidades, a Análise da Conversação


formulou um conjunto de conceitos que permitem a análise de eventos con-
versacionais. Neste capítulo, vamos apresentar quatro conceitos que são instru-
mentos importantes para esse estudo: os turnos de fala, o tópico conversacional,
os pares adjacentes e a hesitação.

Os turnos de fala
Uma das formas de compreender como a conversação é organizada é ob-
servar como se dá a alternância entre os participantes. Para isso, a Análise da
Conversação incorporou e adaptou o conceito de turno, usado em diversas situ-
ações: num jogo de xadrez, nos plantões de profissionais da saúde, em corridas
de revezamento, enfim, qualquer situação em que o indivíduo disponha de um
tempo, cuja duração pode ser ou não predeterminada para a realização de de-
terminada tarefa.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Na conversação, entende-se por turno qualquer intervenção dos interlocuto-


res, independente de sua extensão. Segundo Galembeck (1995, p. 60):
O conceito de turno [...] valoriza todas as intervenções dos interlocutores, tanto aquelas que
possuem valor referencial ou informativo (ou seja, que desenvolvem o assunto tratado num
fragmento de diálogo), como aquelas intervenções breves, sinais de que um dos interlocutores
está “seguindo” ou “acompanhando” as palavras do seu parceiro conversacional.

Os turnos resultam da aplicação de um princípio válido em todas as cultu-


ras: fala um de cada vez. O turno de fala é, portanto, aquilo que cada falante diz
enquanto está com a palavra, havendo mesmo a possibilidade de que a pessoa
fique em silêncio em alguns turnos. Estamos acostumados a assistir reportagens
na TV em que os repórteres “bombardeiam” as pessoas com perguntas inconve-
nientes e não recebem resposta alguma. Dirigir uma pergunta ao interlocutor é
uma forma de indicar que ele deve assumir o turno de fala em seguida. Em casos
específicos, a pessoa que deveria fazer uso do turno conversacional prefere ficar
em silêncio.

A alternância de papéis entre os participantes não se dá de maneira caótica.


Em qualquer cultura há normas que organizam o diálogo. A mudança de turno
(passagem de um participante a outro) ocorre basicamente de duas formas, que
são relevantes especialmente em conversas de que participam mais de duas
pessoas. O falante pode escolher quem deve assumir a palavra em seguida e
encerrar seu turno por meio de alguma indicação de que tem a expectativa de
que o outro assuma o papel de falante (uma pergunta dirigida especificamente
a um dos participantes; a menção do nome do interlocutor escolhido) ou pode
concluir sua participação e esperar que alguém tome a palavra. Nesse caso, se
houver mais de dois participantes na conversação, há um processo de autoes-
colha, ou seja, fala quem quiser tomar a palavra no momento. Se a conversação
se der entre duas pessoas apenas, quando um interrompe a sua participação,
o outro está automaticamente convidado a assumir o turno. A forma mais evi-
dente de indicação do responsável pelo turno seguinte é fazer uma pergunta.
Segundo as regras de interação, a pergunta cria a obrigação de uma resposta.

Vejamos um exemplo de identificação dos turnos em um trecho de


conversação1:

então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de em-


L1 prego para mais gente...
Turno 1

1
Dados do projeto Nurc de São Paulo. As entrevistas do projeto foram realizadas na década de 1970.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

mas você está pegando uma coisin::nha assim, sabe? um cara que esteja
desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num num
sentido contrário... o cara que está desempregado porque não conse-
L2 gue se empregar né? na verdade não quer ou um outro que:: assim...
Turno 2
muito bem empregado executivo-chefe de empresa e tal mas cheio das
neuroses dele eu não sei qual está melhor...

então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter am-
L1 bos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto Turno 3
particular...

Nesse trecho de conversa entre L1 e L2 observa-se uma participação equili-


brada entre os falantes. Os dois se alternam e cada um espera que o outro con-
clua sua intervenção para assumir a palavra e apresentar sua contribuição para
o tema da conversa – a relação entre desenvolvimento e nível de emprego. No
turno 1, o primeiro participante apresenta sua opinião sobre o tópico tratado e
afirma que o desenvolvimento abre possibilidade de emprego para mais gente;
no turno 2, o segundo participante contrapõe-se ao primeiro, apontando casos
particulares que enfraquecem a argumentação apresentada no primeiro turno;
no terceiro turno, o primeiro participante contesta a observação do seu inter-
locutor, e insiste para que ele observe a média, não os casos particulares. Os
três turnos trazem contribuições para o conteúdo informacional que está sendo
desenvolvido. Além disso, não há superposições entre as falas dos dois interlo-
cutores: as trocas de turno se dão em momentos em que cada um conclui seu
raciocínio e faz uma pausa.

Casos de conversação como esse, em que os participantes contribuem efe-


tivamente para o desenvolvimento do tema, são chamados de conversação
simétrica. Os turnos conversacionais podem também indicar uma interação
assimétrica. Nas conversações assimétricas, um dos participantes apresenta
as contribuições efetivas para o assunto tratado, os demais simplesmente dão
sinais de que estão acompanhando a conversa, mediante o uso de intervenções
curtas de assentimento, de estímulo para o falante continuar sua exposição. Ga-
lembeck (1995, p. 60) apresenta o seguinte esquema para caracterizar as confi-
gurações básicas dos turnos nos eventos conversacionais:

Simetria – ambos os interlocutores contribuem para o desenvolvimento do


tópico conversacional.

Assimetria – um dos interlocutores desenvolve o tópico; o outro “vigia” ou


“segue” o seu parceiro.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Galembeck reconhece dois tipos de turnos: turnos nucleares e turnos inseri-


dos. Nos nucleares observa-se uma contribuição informacional clara do falante.
Já nos turnos inseridos, a participação do falante não traz contribuição informa-
cional para o tópico da conversação, mas apenas indica que o participante está
acompanhando o raciocínio do seu interlocutor. É o que acontece em geral com
o uso de expressões curtas como: tá, certo, sei, é, hum hum, ahn ahn ou com a
repetição de palavras usadas pelo interlocutor.

Mas há também casos em que um participante, mesmo diante de sinais


claros de que tem o direito (e o dever) de falar, mantém-se em silêncio e, quando
muito, faz algum gesto indicando que não vai fazer uso do turno que lhe é pro-
posto pelo interlocutor. Nesses casos, a análise das motivações para o silêncio é
também muito interessante. Veja, por exemplo, o trecho de uma entrevista reali-
zada em Salvador entre uma professora universitária (L1) e um menino morador
de rua (L2)2:

L1 É bom uma pessoa ter família? Turno 1

L2 É. Turno 2

É? Por que que uma família é bom pra pessoa? Diga aí o que é que você
L1 acha assim por que que ter família é bom pra pessoa?
Turno 3

L2 É... Turno 4

L1 Que é que você acha? Turno 5

L2 [silêncio] Turno 6

Não tem importância da forma como você fale, o que você achar você
L1 diz.
Turno 7

L2 [silêncio] Turno 8

Você acha que um garoto como você, uma menina da tua idade, mais
L1 velho, mais novo, pra essas pessoas, pra gente, é importante ter famí- Turno 9
lia?

L2 [gesto] Turno 10

L1 É. Por quê? O que que a família faz pra gente? Turno 11

L2 [silêncio] Turno 12

2
Dados de Machado (2003, p. 66-67). A transcrição adotada nesse estudo – e mantida na citação – é diferente da utilizada nos estudos do Nurc.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

L1 Você não sabe? Não tá querendo falar? Turno 13

L2 [silêncio] Turno 14

O que é uma família? É pai, mãe, né isso – você não tem pai que seu pai
L1 morreu, sua mãe tá viva – irmãos, como é que os irmãos, a mãe podem Turno 15
ajudar a gente?

L2 [pausa] Trabaiando [voz fraca] Turno 16

L1 Trabalhando? E aí? Turno 17

L2 [silêncio] Turno 18

L1 Quem trabalhando? A gente ou eles? Turno 19

L2 Eles e a gente. Turno 20

Esse trecho de conversação mostra uma interação assimétrica entre os parti-


cipantes. L1 é adulta, com escolaridade alta, professora universitária. L2 é crian-
ça, morador de rua atendido por um programa assistencial, o Projeto Axé. Na
interação entre essas duas pessoas observa-se que todos os turnos de fala de L1
são encerrados por perguntas, que são uma forma de passar o turno ao interlo-
cutor, de indicar explicitamente que ele tem a obrigação de dar uma resposta.
No entanto, L2 recusa-se a fazer uso dos turnos que lhe são concedidos, certa-
mente porque não quer falar sobre o tema proposto – a importância da família
para a criança. É um menino que tem uma experiência de convívio familiar muito
diferente do modelo divulgado pela sociedade, tanto que trocou a casa da famí-
lia pela rua.

Tópico conversacional
Imagine uma situação trivial: um grupo de amigos seus está conversando,
você se aproxima e quer participar do bate-papo do grupo. Para conseguir se
integrar rapidamente, sua estratégia é perguntar: “Sobre o que vocês estão
conversando?” A resposta a essa questão será o tópico conversacional, ou seja,
o assunto sobre o qual o grupo fala naquele momento. Mesmo que você não
dirija ao grupo uma pergunta direta, que leve algum dos participantes a explici-
tar o tópico, basta escutar a conversa durante alguns minutos para identificar o
tópico, pois a percepção do tema da conversação é uma condição para que cada
um possa se engajar na conversação e fazer intervenções adequadas.

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Favero (1995, p. 39) afirma que o conceito de tópico conversacional (ou dis-
cursivo) é nuclear para compreensão de como os participantes de um evento
interativo organizam, gerenciam suas intervenções no diálogo:
O tópico é, assim, uma atividade construída cooperativamente, isto é, há uma correspondência
– pelo menos parcial – de objetivos entre os interlocutores.

A noção de tópico é de fundamental importância para o entendimento da organização


conversacional e é consenso entre os estudiosos que os usuários da língua têm noção
de quando estão discorrendo sobre o mesmo tópico, de quando mudam, cortam, criam
digressões, retomam etc.

Identificar o tópico de uma conversação é uma tarefa simples, basta reconhe-


cer e sintetizar o assun­to sobre o qual os participantes falam. Observe o seguinte
trecho de uma conversa:

L2 a sua família é grande?

L1 nós somos:: seis filhos

L2 e a do marido?

L1 e a do marido... eram doze agora são nove

L2 ahn ahn

quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ acho que::... dado esse fator
L1 nos acostumamos a:: muita gente

L2 ahn ahn

L1 e::

L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos

L1 exatamente nove ou dez

L2 ()

é e:: mas... depois diante da dificuldade de conseguir quem me ajudasse... nó::s pa-
L1 ramos no sexto filho

L2 ahn ahn

L1 não é?... e estamos muito contentes e...

Nesse trecho de conversa, o tópico conversacional é o tamanho da família. O


desenvolvimento desse tópico se faz principalmente nos turnos ocupados por
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L1: é ela quem dá informações sobre a composição de sua família, da família do


marido, sobre o projeto do casal de ter nove ou dez filhos, sobre as razões que a le-
varam a ter menos filhos do que o planejado. As intervenções de L2 também estão
centradas no mesmo tópico: ela incentiva L1 a continuar falando sobre o tema e,
com suas perguntas e comentários, direciona a interlocutora para a apresentação
de novas informações, fazendo progredir a conversa em torno do tópico.

O tópico é fundamental na organização da sequência de turnos da conversa-


ção. Jubran (2006, p. 89-90) destaca:
[...] importa salientar inicialmente que a quase simultaneidade entre a elaboração e a
manifestação verbal, característica das interações face a face, particularmente da conversação,
não afasta o teor de organização do texto falado, então processado. Desenvolvida com base
em troca de turnos entre pelo menos duas pessoas, a conversação implica uma construção
colaborativa, pela qual um turno não é simples sucessor temporal do outro, mas é produzido,
de algu­ma forma, por referência ao anterior. Há, portanto, uma projeção de possibilidades que
um elemento no turno antecedente desencadeia no turno seguinte.

A organização sequencial dos tópicos ao longo de um evento conversacional


pode assumir configurações diversas, relacionadas a dois fenômenos básicos: a
continuidade e a descontinuidade. Observa-se a continuidade quando os tópicos
na conversação organizam-se em uma sequência linear: cada tópico é iniciado,
desenvolvido e concluído antes da introdução do tópico seguinte.

Imagine uma conversa entre amigos em que tenham sido tratados os seguin-
tes tópicos:

A: o aniversário de W;

B: o início do namoro entre V e Y;

C: a ida de W ao shopping para fazer a troca de dois presentes;

D: o show musical anunciado para o fim de semana seguinte.

Haverá relação de continuidade entre esses quatro tópicos se os interlocuto-


res encerrarem o tratamento de cada um antes de darem início ao seguinte. Ou
seja, se um tópico como A (o aniversário de W) não voltar a ser abordado a partir
do momento em que os interlocutores passarem a conversar sobre o tópico B
(o início do namoro entre V e Y). Cada tópico é concluído antes da introdução
do tópico seguinte. Podemos representar a relação de continuidade entre os
quatro tópicos pelo seguinte esquema, em que a abertura dos parênteses indica
o início de um tópico, o fechamento dos parênteses seu encerramento e a seta a
sequência linear entre os temas.

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(A) → (B) → (C) → (D)

Mas pode haver entre esses tópicos uma relação de descontinuidade. Pode
acontecer, por exemplo, que um tópico seja anunciado na conversação, mas inter-
rompido por alguma razão. Esse tópico pode retornar depois ou não. Pode ocorrer
também que um tópico seja interrompido pelo surgimento de outro e depois os
interlocutores o retomem para continuar falando sobre ele até esgotá-lo.

Os mesmos quatro tópicos apresentados acima poderiam surgir na conver-


sação em uma relação de descontinuidade. Imagine o seguinte: o grupo inicia a
conversa falando sobre o aniversário de W, mas interrompe o tratamento desse
tema para falar sobre o início do namoro entre V e Y. O tema A (o aniversário)
volta à conversa, mas é interrompido novamente pela inserção da narrativa
sobre a ida de W ao shopping para fazer a troca dos presentes. A conversa sobre
o aniversário retorna e, depois de encerrado o tratamento desse tema, o grupo
passa a falar sobre o show musical do fim de semana. Teríamos aí o seguinte
esquema, em que foram introduzidas as reticências para indicar a interrupção
de um tópico:

(A... → (B) → ...A... →(C) → ...A) → (D)

A descontinuidade entre o tratamento dos tópicos pode assumir várias


formas. Uma forma comum de realização da descontinuidade é a inserção de
uma digressão, ou seja, a introdução no meio do tratamento de um tópico de
uma conversa não relacionada com o tópico em andamento. Terminada a di-
gressão, o tema da conversa é retomado. O esquema da digressão seria:

(A... → (B) → ...A)

Pares adjacentes
Ficou suficientemente claro, a partir do exposto até aqui, que a conversação
é construída de forma colaborativa. Essa característica do texto conversacional
tem várias consequências na sua organização. Uma delas é a presença de sequên-
cias de turnos altamente padronizadas quanto à sua estruturação. Todas as lín-
guas apresentam pares de turnos, que aparecem juntos (um segue imediata-
mente o outro) e que são fundamentais na organização local da conversação.
A produção do primeiro elemento do par por um dos falantes desencadeia a
produção do segundo elemento por outro falante, como uma regra social de
conversação praticamente obrigatória. Schegloff (1972, p. 346-348) denominou

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essas sequências de turnos de pares adjacentes, expressão incorporada aos estu-


dos da conversação.

Veja alguns exemplos de pares adjacentes:

 a produção de um cumprimento por um dos falantes conduz a um cumpri-


mento do interlocutor;

 o uso de uma expressão de despedida desencadeia outra expressão de


despedida;

 se um dos falantes fizer uma pergunta, o turno seguinte deve conter uma
resposta;

 se um interlocutor der uma ordem, o interlocutor deve em seguida apre-


sentar uma indicação de execução;

 se fizer um pedido, a sequência deve indicar o atendimento do que foi so-


licitado ou uma desculpa pelo não atendimento;

 se fizer um convite, deve vir em seguida a aceitação ou a recusa;

 um xingamento tem como resposta uma defesa (ou outro xingamento);

 uma acusação leva a uma defesa ou a uma justificativa;

 um pedido de desculpas é normalmente seguido do perdão.

Os turnos que constituem pares adjacentes têm algumas características que


justificam o seu estudo como um fenômeno especial na organização da conver-
sação. Trata-se de sequências de dois turnos produzidos por falantes diferen-
tes. As duas partes dos pares adjacentes têm uma ordenação predeterminada
(o perdão não pode vir antes do pedido de desculpas, nem a defesa antes da
acusação, por exemplo). A primeira parte do par adjacente seleciona o próximo
falante e determina sua ação.

Entre os pares adjacentes mais estudados e mais relevantes para a constru-


ção conversacional estão o cumprimento-cumprimento, despedida-despedida
e a pergunta-resposta.

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Sequências fáticas de abertura e fechamento:


pares adjacentes de cumprimento e despedida
Se pensarmos sobre as formas de que o português dispõe para os falantes
iniciarem e encerrarem uma conversa, veremos que há uma diversidade bem
grande: bom dia, boa tarde, boa noite, oi, olá, alô, tchau, até logo. O falante que dá
início à interação escolhe, entre as possibilidades que a língua lhe oferece, uma
forma de assinalar sua disposição para o diálogo. Mas sua liberdade de escolha
é muito restrita. A seleção da forma do cumprimento tem uma função fática na
conversação, ou seja, serve para assinalar que os interlocutores estão em con-
tato e marcar o início ou o fim do diálogo. A escolha dessas formas é regida por
regras sociais.

Um dos critérios para a escolha é a formalidade da situação: iniciar uma en-


trevista na televisão cumprimentando o entrevistado com um “oi” é inadequado,
considerado uma falta de polidez. Mas em situações informais (num bar, numa
festa, numa academia de ginástica, num salão de beleza) essa forma de cumpri-
mento é aceita e esperada.

Outro critério é a simetria ou assimetria da relação entre os interlocutores.


Na interação entre pessoas da mesma faixa etária ou do mesmo grupo social, os
cumprimentos e despedidas mais informais são esperados.

Quando o falante escolhe a forma de cumprimentar seu interlocutor, ele


determina, de certa forma, o turno seguinte:

A oi, tudo bem?

B tudo bem!

R bom dia!

V bom dia!

F alô!

J alô!

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H até logo!

Y até logo!

Os pares adjacentes de cumprimento-cumprimento ou despedida-despedi-


da tendem a ser selecionados de forma espelhada. Quando o falante dá início à
conversação, ele seleciona uma maneira de cumprimento a partir de sua avalia-
ção do grau de formalidade daquela situação e de sua relação de simetria ou as-
simetria com o interlocutor. A seleção feita determina a forma a ser usada pelos
demais participantes da conversação. O segundo turno de um par adjacente de
cumprimento ou despedida é determinado pelo turno anterior, ao qual faz eco.

O par pergunta-resposta
As sequências de perguntas e respostas estão entre as formas mais comuns
de fazer progredir uma conversação. A pergunta seleciona o responsável pelo
turno seguinte, marca o final de um turno e define o tema e a forma do turno
seguinte. A pergunta pode ser:

Direta ou indireta
Reconhecemos como perguntas tanto as formulações feitas sob forma inter-
rogativa quanto aquelas que usam uma forma indireta:

Perguntas diretas: “Você encontrou o Carlos ontem?”, “O professor já chegou?”,


“Ainda está chovendo?”

Perguntas indiretas: “Não sei se você sabe o nome do livro que o professor
recomendou.”, “Quem sabe você me diz onde guardou a chave.”

Aberta ou fechada
As perguntas abertas em geral solicitam alguma informação, levam o inter-
locutor a falar sobre um tema específico. É comum conterem expressões como:
Quem? Qual? Como? Por quê? Onde? Quando?

D quanto tempo demora... essa refeição?

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ah essa refeição demora... normalmente leva meia hora mais ou menos... porque eles
L comem bastante coisa realmente... quer dizer que então:: é demorado... depois ainda
tem que escovar dente pra sair...

Já as perguntas fechadas podem ser respondidas com “sim” ou “não”. Em por-


tuguês, é mais comum que a resposta afirmativa seja formulada com a repeti-
ção do verbo ou de outra expressão importante contida na pergunta. Em várias
outras línguas, a resposta típica é um sim.

A Você já leu o livro?

B Já.

R Sua irmã gostou do vestido?

P Gostou muito.

A hesitação
Ao observarmos um evento conversacional, podemos perceber a presença
de várias hesitações, que se distribuem de maneira diferenciada entre os partici-
pantes. Há aqueles que falam pausadamente, com várias hesitações na formula-
ção, e há também os que revelam um grande controle sobre seu ritmo de fala e
apresentam poucas hesitações. A questão que surge inicialmente é: a presença
de hesitações na conversação seria um indício de um problema cognitivo ou
interativo do falante?

A Análise da Conversação dedica-se ao estudo dessa questão e conclui,


conforme mostra Marcuschi (2006, p. 48), que “a hesitação é intrínseca à com-
petência comunicativa em contextos interativos de natureza oral e não uma
disfunção do falante.” A hesitação tem um papel importante no processamen-
to da conversação: como o planejamento das intervenções do falante se dá de
forma simultânea a sua produção, as tomadas de decisão do falante resultam,
muitas vezes, em hesitações na fala. São decisões relativas, por exemplo, à es-
colha das palavras mais adequadas para fazer uma afirmação naquele momen-
to; ou sobre a sequência em que as afirmações serão organizadas; ou a escolha
do modo mais adequado de comunicar algo aos interlocutores que participam
da conversação.

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Pode-se dizer que a hesitação tem um papel importante no processamento


textual. Ela funciona como um indicador de que o falante está organizando seu
texto ao mesmo tempo em que o produz, é uma pista para o processo de plane-
jamento que possibilita a organização do tópico conversacional.

A hesitação manifesta-se no texto através das pausas, dos alongamentos vo-


cálicos, de expressões típicas de hesitação (é..., ah..., ahn...), de repetição de pala-
vras. Veja um exemplo de formulação textual repleta de hesitações:

tinha o vidro pra... pra... pra... pra... iluminação do... do... do... do recinto... não é? mui-
tas vezes vidros coloridos... que dava um ar assim de... de... de cafonice altamente
A simpática... né? lá... o sol batia ali... tinha um vidro colorido... não é? ((riso)) e essa casa
era assim... no fundo da casa tinha um... um galinheiro...

As hesitações não interferem na organização do texto, apenas em sua apre-


sentação, na maneira como cada falante apresenta-se no evento comunicativo.
São elementos que podem ser apagados do texto, pois não interferem na sua
estruturação, apenas na sua apresentação. O texto anterior teria o mesmo efeito
se as hesitações não fossem consideradas, se ao fazer a transcrição, as marcas da
hesitação do falante não fossem registradas, como se pode ver abaixo:

Tinha o vidro pra iluminação do recinto, muitas vezes vidros coloridos, que dava um
A ar assim de cafonice altamente simpático. O sol batia ali, tinha um vidro colorido e
essa casa era assim. No fundo da casa tinha um galinheiro.

Conclusão
Procuramos mostrar neste capítulo como o uso de alguns conceitos desen-
volvidos especialmen­te para a Análise da Conversação permite que se perceba
como se dá a construção do texto conversacional. A análise dos turnos e dos tó-
picos coloca em evidência o caráter de construção colaborativa típico da conver-
sação. Os pares adjacentes revelam a importância das normas sociais que regem
a participação dos falantes na conversação. A hesitação nos dá indícios impor-
tantes sobre o processamento da conversação, sobre a simultaneidade entre o
planejamento e a produção da fala.

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Texto complementar

O par dialógico pergunta-resposta


Preliminares
(FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2006, p. 133-136)

Partindo-se do pressuposto de que a linguagem não é só uma atividade


verbal, mas também social, aqui se privilegia o estudo da língua falada numa
perspectiva interacional, em que se evidencia a maneira pela qual os falantes
utilizam sua competência tanto linguística quanto comunicativa, em situa-
ções concretas de interação.

A necessidade de se proceder a uma descrição do par dialógico pergunta


e resposta (P–R) no português falado deve-se ao fato de serem elementos
cruciais na interação humana. Na verdade, é difícil imaginar uma conversa-
ção sem elas (STESNTRÖM, 1984, p. 295).

A partir do exame desse par dialógico, básico para a instauração da coe-


rência textual, é estabelecida uma tipologia de P-R, quanto à sua função na
organização tópica do texto falado, quanto à sua natureza e à estrutura de Ps
e Rs. Torna-se necessário ressaltar que, no estabelecimento dessa tipologia,
as funções textual-interativas do par P-R serão privilegiadas em relação à sua
forma. É ainda abordada a questão da adequação da R à P, levando-se em
conta não só a perspectiva do falante, mas também a do ouvinte.
Par dialógico

Schegloff e Sacks (1973, p. 295) denominam par adjacente essa unidade


dialógica mínima de P-R. Para alguns, trata-se da unidade fundamental de
organização conversacional.

Segundo Levinson (1983), os enunciados pares devem ser:

 adjacentes;

 produzidos por falantes diferentes;

 ordenados, isto é, uma primeira parte é seguida de uma segunda parte;

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 formados de duas partes; cada primeira parte tem uma segunda es-
pecífica;

 governados por uma regra conversacional: tendo produzido a primei-


ra parte do par, o falante corrente para de falar e o próximo falante
deve produzir, naquele instante, a segunda parte do mesmo par.

Essas propriedades configuram a estrutura básica do par dialógico P-R: P R


(S), em que P é a primeira parte proferida por um dos falantes, R é a segunda
parte produzida pelo interlocutor, contígua à primeira, e (S) é um segmento
opcional que pode seguir a R como uma reação a esta última:

(1)1

L1 – mas qual é o tempo que tem que se falar sobre esse ass... assunto? (P)

Doc. – uma hora e vinte minutos (R)

L1 – NÃ:::O ((risos)) (S)

L2 – NÃ:::O ((risos)) (S)

No exemplo (1), (S) é uma reação dos interlocutores L1 e L2 à R dada pelo


Doc. Já no (2), (S) é uma manifestação de polidez de L1, diante do ato de R
de L2.

(2)

L1 – você sabe que horas são? (P)

L2 – dez (R)

L1 – obrigado (S)

Os pares dialógicos são – no aspecto semântico-pragmático – tomados


como indícios de existência de compreensão, na medida em que a segunda
parte do par só pode ser produzida se a primeira foi, de alguma forma, com-
preendida (DITMAN, 1979, p. 10).
1
A exemplificação, nesse item 1, serve-se ora de exemplos criados, ora de exemplos retirados do corpus do Nurc estabelecido como mínimo
para o Projeto da Gramática do Português Falado, ora de exemplos indicados por Marcuschi (1986, 1991). São criados os exemplos que não
apresentam identificação da fonte.

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Identificação de Ps e Rs
Para que um enunciado possa ser identificado como uma P, o fator de-
terminante é a sua atualização num contexto particular em que as marcas
lexicais, a entonação e a forma sintática, em geral, apresentam-se como ca-
racterísticas funcionais.

As marcas lexicais e as características de entonação podem-se colocar


como desambiguizadoras. A entonação ascendente, quase sempre aponta-
da como um critério que determina a função de um certo enunciado como
P, é considerada uma marca possível de reconhecimento de uma P, já que
se podem encontrar Ps com entonação ascendente/descendente ou com
entonação descendente. Evidências de Ps que não apresentam entonação
ascendente, visto tratar-se de um ato indireto de fala, podem ser observados
no exemplo a seguir:

(3)

– agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta to-
L1 dinha

L2 – sei lá

Há casos em que um enunciado pode funcionar como R, apesar de apre-


sentar traços que normalmente identificariam uma P, como seu contorno en-
tonacional ascendente e sua forma sintática (pronome interrogativo-sujeito),
que não evidenciam com clareza as marcas que identificam uma R:

(4)

Doc. – você gosta de literatura de cordel? (P)

L1 – e quem não gosta... quem não gosta? (R)

L2 – é todo mundo gosta (S)

L1 – quem não gosta? (R)

L2 – é uma beleza (S)

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Segundo Stubbs (1987), as Ps podem fazer restrições sintáticas às Rs, mas


essas restrições não são absolutas, sendo fundamentais as de caráter pro-
posicional. Ao serem formuladas, as Ps acionam um frame do que se supõe
comum ou normal a uma P. Observa ainda que, embora as restrições princi-
pais sejam de caráter semântico, intervêm fatores de ordem pragmática.

No exemplo (5), há uma P fechada, feita pelo Documentador. A P fecha-


da deveria restringir sintática e semanticamente sua R correspondente, que
seria sim ou não, ou alguma formulação equivalente a sim ou não. Mas as
Rs, tanto de L1 quanto a de L2 são de outro tipo, que preenche as condições
de uma P aberta (sobre algo). Cabe lembrar que o fator que permite esse
tipo de ocorrência é de ordem pragmática, já que não é comum que se de-
senvolva uma conversação apenas com respostas afirmativas ou negativas
simplesmente.

(5)

Doc. – agora uma viagem... assim de um grande navio fi... fizeram alguma vez?

L2 – eu fiz...

– eu fiz uma pequena... certa vez entre Recife e Salvador... no antigo Vera Cruz...
L1 que era aquele navio da... português... mas como viagem assim... mesmo que... re-
almente uma beleza o Vera Cruz

L2 – bom... eu fiz... eu fiz...

L1 – extraordinário

– eu fiz num navio de mais categoria do que Esse... fui daqui a São Paulo... Santos...
L2 no D. Pedro II ((risos)) que era irmão gêmeo do Almirante Jaceguay... uma beleza
de navio...

Atividades
1. Reflita sobre a interação estabelecida em cada uma das situações descritas
a seguir. Em cada caso, indique se os turnos tendem a ser simétricos ou assi-
métricos.

a) O repórter R. V. faz uma entrevista na televisão com um candidato que


acabou de ser eleito para o cargo de prefeito do município.
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b) P. e A. trabalham na mesma empresa. Diante do computador, A. explica a


P. como fazer o controle de estoque.

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c) Em uma reunião geral com os empregados, o gerente de um supermerca-


do apresenta e discute propostas de mudanças na estrutura da empresa.

2. As perguntas são elementos importantes na organização da conversação.


Qual é o papel da pergunta na organização:

 dos turnos?

 dos tópicos conversacionais?

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3. Imagine uma conversa entre um grupo de amigos que falem dos seguintes
tópicos:

A: Férias e planos de viagens.

B: Roubo ocorrido na casa de praia de M.

C: Tratamento médico previsto por D. para o período de férias.

Mostre como esses tópicos podem ser organizados em relação de continui-


dade ou descontinuidade.

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Referências
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ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1995.
FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia. C. V. O. ; AQUINO, Zilda G. O par
dialógico pergunta-resposta. In: JUBRAN, Clélia Spinardi; KOCH Ingedore (Org.).
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JUBRAN, Clélia Cândida Abreu Spinardi. Tópico discursivo. In: JUBRAN, C.C. A.S.;
KOCH, I.G.V. Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Volume 1. Cons-
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KOCH, Ingedore G. Villaça (Org.). Gramática do Português Falado. Volume VI:
desenvolvimentos. Campinas: Unicamp, 2003.
_____. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 1987.
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DITMANN, J. Einleitung – Was ist, zu welchen zwecken und wie treiben wir Konver-
sations analyse?, Arbeitein zur Konversationsanalyse. Tübingen: Max Niemeuer,
1979, p. 1-43.
GALEMBECK, Paulo de Tarso. O turno conversacional. In: PRETTI, Dino (Org.).
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LEVINSON, S. Pragmatics.Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
Marcuschi, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Editora Ática,
1986.
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_____. Repetição. In: JUBRAN, Clélia; KOCH, I. G. V. (Orgs.). Gramática do Portu-
guês Culto Falado no Brasil. Volume 1. Construção do Texto Falado. Campinas:
Unicamp, 2006.
MARX, K. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001.
SCHEGLOFF, E.A.; SACKS, H. Opening us closings. Semiótica, 8,1973, p. 361-82.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

STENSTRÖN, A.B. Questions and Responses in English conversations. Tese


(Doutorado), Liber Förlag. Suécia, 1984.
STRUBBS, M. Analisis del Discurso. Madrid: Alianza Editorial, 1987.

Gabarito
1.
a) Os turnos devem apresentar assimetria. Os participantes apresentam
diferença na posição social. Além disso, a situação define os papéis do
jornalista e do político: cabe ao jornalista fazer perguntas supostamente
de interesse público e compete ao candidato respondê-las.
b) Os turnos devem apresentar simetria. Os interlocutores têm posição so-
cial semelhante e a situação dá condições para que participem da con-
versação em condições de igualdade.
c) Os turnos devem apresentar assimetria. O gerente está em posição hie-
rarquicamente superior aos demais funcionários e, pelo tema da reunião,
cabe a ele definir os tópicos e fazer uso preferencial da palavra.

2. Uma pergunta assinala normalmente o encerramento de um turno conver-


sacional e, ao mesmo tempo, indica quem deve assumir o turno seguinte.
Ao mesmo tempo, a pergunta determina o tópico do turno seguinte, seja
indicando a continuidade do que já foi falado antes, seja introduzindo um
tópico novo.

3. Há várias possibilidades de resposta. Os alunos podem se valer do esquema


usado no texto da aula para mostrar a organização dos tópicos.
O fundamental na relação de continuidade é que cada tema seja encerrado
antes de dar início ao outro. Exemplos:
(B) → (A) →(C)
(A) → (C) → (B)
Na relação de descontinuidade, um tópico é interrompido pela inserção de
outro, podendo ser, ou não, retomado. Exemplos:
(A... → (B) → (C) → ...A)
(A... → (B... → (C) → ...B)
Além desses exemplos, há várias formas de trabalhar com a descontinuidade
dos mesmos tópicos.
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Estratégias de organização do diálogo
Iara Bemquerer Costa
Ao organizar suas intervenções na conversação os falantes dispõem de
uma série de recursos que são, em grande parte, diferentes dos utilizados
na escrita. A fala apresenta um volume considerável de repetições, ao con-
trário da escrita, em que a repetição é evitada. Os diálogos estão também
repletos de retificações do que foi dito, seja porque o falante percebe que
poderia ter se expressado de forma mais adequada, seja porque o inter-
locutor deu alguma indicação ou de não ter compreendido o que foi dito
ou de ter feito uma interpretação diferente da pretendida. Nos primeiros
itens deste capítulo vamos tratar de alguns procedimentos relacionados
à formulação e à reformulação dos tópicos na conversação: a paráfrase, a
correção e a repetição.

A língua dispõe também de um conjunto de expressões que não acres-


centam informações novas quando são inseridas na conversação, mas que
são elementos importantes na organização dos diálogos: os marcadores
conversacionais, também chamados de marcadores discursivos. São ex-
pressões que expressam as atitudes dos falantes diante dos tópicos trata-
dos ou que contribuem para a organização do texto oral.

Na escrita, contamos com elementos visuais auxiliares para marcar a


divisão de tópicos: os parágrafos, que dividem os blocos de tratamento
de cada tópico, e os sinais de pontuação que marcam a separação entre
as frases. Na oralidade, são os marcadores conversacionais que dão conta
desse papel de delimitação.

A paráfrase
A paráfrase é um procedimento de reformulação textual que toma
uma afirmação apresentada anteriormente e a reelabora em outras pa-
lavras. Há uma equivalência semântica entre o que é dito antes e depois.
A paráfrase é constituída por duas partes, dois segmentos textuais que
podem ser ligados por expressões que indicam essa equivalência: ou seja,
quer dizer, isto é.
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Estratégias de organização do diálogo

Hilgert (1995, p. 107) chama a atenção para o fato de que a participação do


falante na conversação é uma atividade de formulação em que ele dá forma a
um conteúdo, a uma intenção comunicativa. Ora, uma das características essen-
ciais da conversação é que o texto que o falante produz em suas intervenções
no diálogo não é antecipadamente planejado, ele tem apenas uma vaga ideia
do que vai dizer ao iniciar cada turno. Construir o texto é também planejá-lo: na
conversação, o planejamento e a produção ocorrem de forma simultânea.

Essa preocupação em gerenciar ao mesmo tempo “o que dizer” (planejamen-


to) e “o dizer” (produção) leva o falante a recorrer muitas vezes a recursos de re-
formulação. Os principais são a paráfrase, em que o falante mantém o sentido do
que disse anteriormente, mas recorre a novas formas de dizer a mesma coisa e a
correção, em que o falante reformula o conteúdo de suas afirmações anteriores.

Essas atividades de reformulação estão presentes também no texto escrito,


mas se tornam imperceptíveis porque são apagadas na versão final. Quando es-
crevemos, fazemos várias alterações nas versões preliminares do texto. No tra-
balho de reescrita, realizado entre a produção dos primeiros rascunhos de um
texto e a versão final, fazemos várias alterações, seja para melhorar a maneira de
expressar alguma coisa, seja para retificar alguma afirmação que consideramos
errada. Como a conversação é, ao mesmo tempo, o rascunho e o texto final, ela
conserva os sinais da reformulação.

Hilgert (1995, p. 111) define a paráfrase nos seguintes termos:


Paráfrase é, portanto, um enunciado que reformula um enunciado anterior, mantendo com
este uma relação de equivalência semântica. Em termos mais simples, a paráfrase retoma,
com outras palavras, o sentido de um enunciado anterior. Ela, portanto, supõe sempre um
enunciado de origem com o qual está em relação parafrástica.

O segundo enunciado (segunda frase) de uma paráfrase distingue-se neces-


sariamente do primeiro enunciado por apresentar diferenças sintáticas e lexi-
cais (de vocabulário). Os dois enunciados que estão em relação de paráfrase em
uma conversação podem se apresentar lado a lado, em posição adjacente, mas
podem também estar distanciados. Veja exemplos de diálogos com paráfrases
dos dois tipos1:

(1)

mas pega um clínico geral... por incrível que pareça


L1 é o que mais... estuda... certo?
é o que tem a MAIOR especialização...

1
Os exemplos apresentados aqui foram retirados de entrevistas do projeto Nurc de São Paulo, realizadas na década de 1970.

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Nesse trecho, o falante faz uma afirmação sobre o clínico geral inicialmente
em uma linguagem bem simples – “é o que mais estuda” – depois resolve dizer
a mesma coisa de uma forma mais técnica, e faz uma paráfrase do seu enun-
ciado anterior: “É o que tem a maior especialização”. Os dois enunciados que
constituem a paráfrase encontram-se lado a lado, constituindo uma paráfrase
adjacente.

A posição dos dois enunciados é diferente no exemplo a seguir:

A situação do médico... também é uma situação difícil em termos de mercado de trabalho


também é uma situação difícil... Hoje já está existindo também... muita quantidade...
está existindo uma certa facilidade inclusive parece que existe... leis aí... eh::... leis em
L1 termos de fiscalizar essas escolas de Medicina porque uma escola de Medicina tem
que ter... naturalmente um::... um hospital... tem que estar ligada a um hospital para
poder atender::... atender as::... exigências do curso do curso de Medicina

L2 do curso

O médico hoje em dia ele está... se sujeitando mui::to... a empre::gos tal...a situação do
L1 médico eu acho que está... bastante difícil

Os trechos da fala de L1 destacados com itálico são as duas partes de uma


paráfrase. Há uma afir­mação que é simplesmente repetida nos dois trechos des-
tacados: a situação do médico está difícil. Mas há também uma afirmação que é
reformulada, apresentada de outra maneira, que mantém o que foi dito anterior-
mente. Nas linhas iniciais, L1 explicita sua afirmação de que a situação dos mé-
dicos está difícil situando essa dificuldade em relação ao mercado de trabalho:
“Também é uma situação difícil... em termos de mercado de trabalho também”.
Após inserir outro tópico em sua fala – as exigências para funcionamento dos
cursos de Medicina – retoma as afirmações anteriores sobre a dificuldade dos
médicos em relação ao mercado de trabalho e faz uma reformulação, que equi-
vale ao que foi dito antes, e dá informações mais específicas sobre o que foi men-
cionado antes apenas como mercado de trabalho: “O médico hoje em dia ele
está se sujeitando mui::to... a empregos tal...”.

Além dos casos em que o próprio falante reformula suas afirmações anterio-
res mediante o uso de paráfrases, é comum encontrarmos também na conversa-
ção situações em que um participante apresenta uma paráfrase de enunciados
do seu interlocutor. É o que se observa no exemplo abaixo:

então tem eh:: o paulistano é mais fechado mesmo eu acho que:: uma das influências
L1 seria a natureza e o nosso próprio clima entende?

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é o clima tem realmente uma influência diREta no comportamento da pessoa inclu-


L2 sive nas atitudes

certo... e que que você acha dessa polui/poluição que tanto falam... que vão controlar
L1 vão fazer isso vão criar a área metropolitana o que que você acha?

Este trecho de conversação mostra a elaboração coletiva de uma paráfrase: o


primeiro enunciado foi produzido por L1 e o enunciado semanticamente equi-
valente foi apresentado logo a seguir por L2.

A correção
A correção, que é também uma estratégia de reformulação textual, comparti-
lha várias características com a paráfrase. Segundo Barros (1995, p. 137), “os atos
de reformulação textual são aqueles que têm por objetivo levar o interlocutor a
reconhecer a intenção do locutor, ou seja, procuram garantir a intercompreensão
na conversação ou em qualquer outro tipo de texto.”

As correções são uma forma específica de reformulação, em que o falante pro-


cura corrigir “erros” que tenha eventualmente cometido em suas intervenções
na conversação. A palavra “erros” foi colocada aqui entre aspas para destacar que
não estamos assumindo o conceito corrente nas gramáticas tradicionais. Não se
trata de ocorrências em desacordo com as normas do português padrão, mas de
escolhas que o falante já fez, de expressões que ele já produziu e que o próprio
falante ou seu interlocutor julgaram inadequadas. É como se o falante dissesse:
“O que eu queria dizer não era x, mas y.” As correções podem envolver escolhas
de palavras ou expressões, construções sintáticas, formas de organização do
texto ou entonação.

Nem sempre é fácil diferenciar uma correção de uma paráfrase. Ambas são
compostas por dois enunciados, numa relação tal que o segundo enunciado
deve ser considerado um substituto do primeiro. A diferença está na relação se-
mântica estabelecida entre as duas partes da reformulação. Enquanto na pará-
frase há a reiteração do que foi dito, na correção há uma retificação. Na paráfrase,
a relação entre os dois elementos seria de igualdade (x, isto é, y; x, ou seja, y);
quando a correção envolve dois enunciados, a relação entre eles é de diferença,
de retificação (não x, mas y). A correção envolve também, com frequência, ex-
pressões menores do que a paráfrase; são comuns as retificações que abrangem
apenas uma palavra.

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Tal como ocorre na paráfrase, a correção pode ser uma iniciativa do próprio
falante ou do interlocutor. Vejamos um exemplo de correção feita a partir de
uma iniciativa do próprio falante2:

... então como eu ia explicando... no início do século vinte ou melhor no século deze-
A nove... só existiam... a Europa e a... Ásia... bom... formadas... por culturas diferentes...
atravessando situações históricas de feudalismo diferentes...

Nesse trecho de uma aula, o professor apresenta uma informação aos alunos
(no início do século XX), mas percebe imediatamente que essa informação é in-
correta e faz a correção (ou melhor no século XIX).

Às vezes é o ouvinte que percebe que uma informação está equivocada e


toma a iniciativa de assumir o turno e propor a correção. É o que se observa no
exemplo abaixo3:

L1 ...a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista...

L2 poetisa

L1 poetisa...

Nesse trecho de conversa, L1 caracteriza alguém como jornalista, mas seu


interlocutor considera essa informação incorreta. L2 assume a palavra e propõe
imediatamente uma correção, destaca que a tal moça não é jornalista, mas “po-
etisa”. A correção proposta é aceita por L1, que repete a expressão escolhida por
L2, incorporando a retificação à sua própria fala.

Destacamos acima que as correções na conversação estão relacionadas es-


sencialmente a uma busca de intercompreensão, mas às vezes os falantes fazem
correções do que já foi dito devido ao cuidado com a própria fala; retificam o que
foi dito porque percebem que usaram uma forma “errada” do ponto de vista da
norma culta. É o que se observa no seguinte exemplo4:

... ao secretário evidentemente... levar: ao presidente... todas aquelas questões que diz
L1 que dizem respeito... aos associados

2
Dado do Projeto Nurc – Rio de Janeiro. Entrevista realizada na década de 1970.
3
Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970.
4
Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970.

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A repetição
O volume de repetições na oralidade é uma das características que diferen-
ciam essa modalidade de uso da língua da modalidade escrita. Uma das prin-
cipais operações na elaboração e revisão de textos escritos está relacionada a
evitar e eliminar repetições. Mas, ao contrário do que ocorre nos textos escritos,
na oralidade a repetição não é um problema, é uma característica do texto oral,
decorrente do processo de formulação desse tipo de texto, é uma consequência
da simultaneidade entre o planejamento e a produção do texto oral.

Boa parte das repetições observadas na conversação tem a ver com o proces-
so de planejamento textual. Enquanto o falante decide o que vai dizer em segui-
da, ele repete frases, expressões, palavras, como uma estratégia (inconsciente, é
claro) de garantir a continuidade do seu turno conversacional, de não passar a
palavra ao interlocutor enquanto dá forma ao que vai dizer em seguida.

Mas a repetição tem outras funções, não é uma simples estratégia para o fa-
lante ganhar tempo para organizar sua fala. Se alguém responde a um pedido
com uma frase como:

– Não, não, não, de jeito nenhum!

O uso da repetição não está relacionado ao planejamento, mas é uma forma


de reiteração, de ênfase.

Observe o uso das repetições do exemplo abaixo5, em que o falante recorre a


várias repetições (destacadas com itálico):

Eu acho que o meu conceito de morar bem é diferente um pouco da maioria das pesso-
as que eu conheço... a maioria das pessoas pensa que morar bem é morar num apar-
tamento de luxo... é morar no centro da cidade... perto de tudo... nos locais onde
L2 tem mais facilidade até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem... meu
conceito de morar bem é diferente... eu acho que morar bem é morar fora da cidade... é
morar onde você respire... onde você acorde de manhã como eu acordo...

É fácil perceber que o falante neste trecho não usa as repetições simples-
mente como uma estratégia para ganhar tempo enquanto decide o que vai
falar em seguida. Ele constrói toda sua argumentação a partir da oposição entre
dois conceitos de “morar bem”: o seu e o da “maioria das pessoas”. Para eviden-
ciar a diferença entre as duas concepções, L2 recorre à repetição sistemática de
5
Dado do Nurc – Recife. Entrevista realizada na década de 1970.

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expressões e construções sintáticas, que lhe permitem destacar as diferenças


entre os dois pontos de vista.

Além da variedade de funções, Marcuschi (2006, p. 223-224) mostra que as


repetições na conversação podem assumir formas variadas:

 podem ser feitas pelo próprio falante, mas também podem partir do in-
terlocutor;

 podem ser adjacentes, com a repetição apresentada imediatamente após


o primeiro uso da expressão, mas podem também apresentar um distan-
ciamento entre o primeiro e o segundo elemento;

 pode haver identidade de forma entre o primeiro elemento e sua repeti-


ção, mas também pode haver diferença de forma entre os dois elementos;
quanto maior o trecho repetido, maior será, evidentemente, a possibilida-
de de diferenças entre as duas realizações;

 os elementos repetidos podem ser de diferentes categorias gramaticais:

 repetições fonológicas (aliteração, alongamento, entonação etc.);

 repetições de morfemas (prefixos, sufixos etc.);

 repetições de itens lexicais (geralmente substantivos ou verbos);

 repetições de expressões;

 repetições de estrutura de orações.

As múltiplas formas e funções associadas à repetição nos eventos conversacio-


nais são reveladoras da diferença entre o estatuto da repetição na oralidade e na
escrita. Se no texto escrito a repetição é um problema a ser evitado, na conversa-
ção está entre os recursos de formulação textual mais importantes e produtivos.

É interessante fazer uma ressalva sobre o uso da repetição na escrita. Os


mesmos recursos conde­nados na maioria dos textos escritos são incorporados à
linguagem poética como recursos expressivos.

Os marcadores conversacionais
A conversação apresenta uma série de elementos que não contribuem para o
conteúdo informacional propriamente, mas que têm um papel importante tanto
na articulação das informações quanto na organização das intervenções dos in-

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terlocutores. Esses elementos são chamados de marcadores conversacionais, ou


marcadores discursivos. Alguns deles não são lexicalizados e não têm, portanto,
nenhum significado: eh, ah, ah ah, ahn ahn, hum hum. Outros são itens lexicais,
que têm seu significado esvaziado quando usados como marcadores conversa-
cionais: sabe?, certo?, tá?, viu? né? Quando usamos “sabe?” como um marcador
conversacional não estamos perguntando se o interlocutor sabe alguma coisa,
estamos fazendo uma delimitação na organização do fluxo de fala e, ao mesmo
tempo, dando um sinal para testar a atenção do ouvinte.

Os marcadores conversacionais mostram que a conversação tem elementos


organizadores diferentes da escrita. Os sistemas de escrita desenvolveram re-
cursos gráficos para a delimitação das unidades, como os sinais de pontuação, a
divisão em parágrafos, o destaque do tópico como título do texto. Desenvolve-
ram também formas de expressar a ênfase, os destaques, a opinião do autor. Há
itens lexicais que têm a função de modalizadores, que revelam o ponto de vista
do autor sobre aquilo que ele afirma: infelizmente, de certo modo, certamente etc.
É possível enfatizar trechos da escrita com o uso de recursos gráficos como o
tamanho das letras, o uso de maiúsculas, negrito, itálico, sublinhado.

Na oralidade, os marcadores conversacionais fazem o papel de delimitar as


unidades comunicativas. Funcionam também como sinais de que os interlocu-
tores estão atentos, de que cada um entende o que o outro fala, e do julgamento
que faz sobre o que fala ou ouve.

As gramáticas tradicionais, voltadas para a descrição da língua escrita, classi-


ficam os marcadores conversacionais na classe das “palavras denotativas” e de-
dicam pouquíssimo espaço ao seu estudo.

Marcuschi (1986, p. 66-68) apresenta um quadro geral, em que destaca as prin-


cipais funções dos marcadores conversacionais e faz também uma lista dos princi-
pais itens do português falado para cada uma das classes. Esse autor considera ini-
cialmente uma grande divisão entre os marcadores produzidos pelo falante (nos
turnos nucleares) e os que são produzidos pelos ouvintes (nos turnos inseridos).

A principal função dos marcadores conversacionais produzidos pelos falan-


tes é de demarcação. Assim, Marcuschi trabalha com dois tipos de unidades
relevantes na organização da conversação e procura identificar o conjunto de
marcadores conversacionais usados normalmente para assinalar o início e o fim
dessas unidades. A primeira unidade apontada é o turno de fala, ou seja, o pe-
ríodo total de intervenção de cada um dos participantes. A segunda unidade
relevante para o uso dos marcadores conversacionais é a unidade comunicativa,
que seria o correspondente à frase na escrita.

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Já os marcadores conversacionais produzidos pelo ouvinte estão nos turnos


inseridos, ou seja, naqueles turnos que não apresentam unidades informativas
relevantes e que servem para indicar que o ouvinte está atento, que segue as
afirmações do falante. Esses marcadores conversacionais orientam o falante,
pois indicam a reação do interlocutor ao que ele está ouvindo. Marcuschi agrupa
os marcadores em três conjuntos, que correspondem a três atitudes do ouvinte:
os marcadores convergentes sinalizam que ele concorda; os marcadores indaga-
tivos, que duvida, ou que não compreendeu alguma coisa, e os divergentes, que
ele discorda do falante.

Veja a seguir o quadro proposto por Marcuschi, que não tem a preocupação
de exaustividade, ou seja, que não pretende ser uma lista completa dos marca-
dores, mas que dá indicações interessantes para o estudo desses elementos de
organização textual.
Quadro 1

(Marcuschi, 1986, p. 68)


Quadro dos sinais conversacionais verbais
Sinais do falante Sinais do ouvinte
(orientam o ouvinte) (orientam o falante)

Pré-posicionados Pós-posicionados

No início No início No final No


Conver-
de turno de uni- de turno final de Indagativos Divergentes
gentes
dade unidade
comuni- comuni-
cativa cativa
“olha” “então” “né” “né” “sim” “será?” “não”
“veja” “aí” “certo?” “não “ahã” “não diga” “duvido”
“bom” “daí” “viu?” sabe?” “mhm” “mesmo?” “discordo”
“mas eu” “portanto” “enten- “certo?” “claro” “é?” “essa não”
“eu acho” “agora deu?” “entende?” “pois não” “ué?” “nada
“não, não” veja” “sacô?” “de “de fato” “como?” disso”
“epa” “porque” “é isso aí” acordo?” “claro, “como “nunca”
“peraí” “e” “que “tá?” claro” assim? “peraí”
“certo, “mas” acha?” “não é?” “isso” “o quê?” “calma”
mas” “assim” “e então?” etc. “ah sim” etc. etc.
“sim, sei, “por “diga lá” “ótimo”
mas” exemplo” “é ou não “taí”
“quanto a “digamos é?” etc.
isso” assim” etc.
“nada “quer
disso” dizer”
“você “eu acho”
esquece” “como vê”
“como etc.
assim?”
etc.
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O trecho de conversação a seguir6 mostra o uso de diversos marcadores con-


versacionais, que foram destacados em itálico.

agora... eu estou achando o do... os estudantes muito mais desinibidos... muito mais
abertos... estão na... naquela deles... então... eu não acho mais esse problema dele
se comunicar com o doente difícil... eu acho que todo estudante se comunica muito
L1 bem com o doente...viu... porque o do... o doente também não está vendo mais o
médico... nem o estudante de Medicina... como o médico... como aquela pessoa que
ele... às vezes... fica até apavorado... amedrontado... não é?

L2 hum hum

então... o estudante já entra na... na escola de calça Lee... com o seu blusão... seu
L1 cabelo grande... levando... arrastando o chinelo né?... a sandália... então...o doente já
olha aquele estudante como se ele fosse uma pessoa mais ou menos...

L2 Normal né? ((rindo))

Se observarmos o papel das expressões destacadas nesses quatro turnos


conversacionais, veremos que elas não são fundamentais para o significado,
tanto que poderiam ser eliminadas sem prejudicar o entendimento. Os marca-
dores conversacionais destacados na fala de L1 têm o papel de delimitadores
das unidades comunicativas e dos turnos de fala. Alguns deles marcam sistema-
ticamente o início de uma unidade (agora, então), outros marcam seu encerra-
mento (viu, né?, não é?). O marcador hum hum destacado no primeiro turno de
L2 (que é um turno inserido) indica sua concordância com as afirmações de L1.
No último turno de L2, o né? marca o final do turno.

Mostramos até aqui a classificação dos marcadores conversacionais propos-


ta por Marcuschi (1986). Outros trabalhos apresentam classificações diferentes,
mas igualmente interessantes. É o que vamos apresentar a seguir, tomando
como ponto de partida os estudos de Risso (2006) e Urbano (2006). Esses tra-
balhos propõem a classificação dos marcadores conversacionais (eles preferem
a denominação marcadores discursivos) em dois grandes grupos: marcadores
discursivos basicamente sequenciadores e marcadores discursivos basicamente
interacionais.

Marcadores basicamente sequenciadores


Os marcadores sequenciadores são palavras ou locuções que fazem a liga-
ção entre as partes do texto falado. São elementos articuladores, responsáveis
6
Dado do Projeto Nurc – Salvador. Entrevistas realizadas na década de 1970.

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pela coesão na conversação. Risso (2006, p. 427) sintetiza a atuação desses


marcadores:
Entre os exemplos mais frequentes de unidades articuladoras estão formas como: agora,
então, depois, aí, mas, bem, bom, enfim, finalmente, quer dizer, por exemplo, assim, primeiro
ponto... segundo... terceiro..., etc. e tal... Às vezes, essas formas aparecem duplicando-se em
ocorrências conjuntas como: agora então, então aí, aí depois, mas então, mas aí, etc. e tal, então
por exemplo... Outras vezes, aparecem acumulando-se com marcadores lexicais que explicitam
mais claramente os movimentos de encaminhamento, fecho e retomada de tópicos discursivos,
bem como a avaliação de particularidades da informação contidas em seu interior: agora... o
que eu acho é o seguinte:; bem, voltando ao assunto; então, para terminar; então, resumindo; mas,
como eu dizia há pouco, entre outras ocorrências.

O ponto de partida para a classificação proposta por Risso (2006) é diferente


do utilizado por Marcuschi (1986). Essa autora toma como critério principal para o
agrupamento dos marcadores as duas principais funções desempenhadas por essas
expressões: a articulação textual e a sinalização da interação falante/ouvinte. Como
a função de articulação textual e de orientação da interação entre os interlocutores
são exercidas muitas vezes cumulativamente, para classificar o marcador em um ou
outro conjunto, é necessário observar a predominância de uma das funções.

Marcadores basicamente interacionais


Urbano (2006, p. 499) dedica-se ao estudo do segundo conjunto dos articu-
ladores, aqueles que são predominantemente orientadores da interação. O que
é um elemento orientador da interação? Na classificação de Marcuschi (1986,
p. 68) comentada acima, os marcadores conversacionais classificados como
“sinais do ouvinte” desempenham esse papel de orientar a interação, uma vez
que revelam se o ouvinte concorda com o que ouve, se discorda ou se tem dúvi-
das/questiona. Urbano tem uma visão mais abrangente da função interacional:
Esclarecemos que o conceito de interação tem uma abrangência considerável, não se referindo
apenas ao processo de relação interpessoal bem caracterizado (envolvimento do falante com
o ouvinte ou vice-versa), mas também ao processo de manifestação pessoal, quando, por
exemplo, o falante verbaliza avaliações subjetivas a propósito das significações proposicionais,
envolvendo-se, pois, com o conteúdo, ou compromete, retoricamente, seu interlocutor.
(URBANO, 2006, p. 499)

Urbano (2006, p. 496) apresenta uma lista dos principais grupos de marca-
dores conversacionais que desempenham a função interacional no português
falado:

Ah, ahn, hem, uhn Certo, claro, exato

É, é claro, é verdade Entende? Entendeu? Sabe? Tá? Viu?

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Mas Não é verdade? Não é? Né?

Olha/olhe, vamos ver, veja, vem cá Pois é, sei, sim

Com as indicações feitas por esses autores, temos um bom instrumento para
a análise do papel dos marcadores conversacionais usados nos diálogos que
ocorrem nas mais diferentes situações.

Conclusão
Procuramos neste texto trabalhar com algumas estratégias usadas na conver-
sação, com o objetivo de fornecer mais alguns elementos para a compreensão
dos diálogos. Com o estudo da repetição procuramos evidenciar um dos proces-
sos mais importantes de formulação do texto oral, uma estratégia usada pelo
falante inconscientemente para manter a posse da palavra enquanto planeja a
continuidade de sua produção. A correção e a paráfrase mostram processos de
reformulação do que já foi dito, seja pela retificação de algo que já foi dito e que
não corresponde ao pretendido, seja pela reformulação de trechos da fala para
expressar de forma mais adequada o que o falante pretendia dizer.

O estudo dos marcadores conversacionais colocou em evidência os proces-


sos de segmentação das unidades comunicativas na fala, os recursos de articula-
ção textual e as formas de assinalar as relações com o interlocutor.

Texto complementar

Análise da conversação
(MARCUSCHI, 1986, p. 85-87)

[...] procedi à análise da conversação como se fosse possível definir-lhe


propriedades estruturais ou organizacionais rigorosamente claras. Ocorre,
porém, que a cada momento surgem contraexemplos, e nem tudo é como a
teoria gostaria que fosse. Não se trata de um azar histórico dos modelos nem
de uma aleatoriedade do fenômeno analisado.

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Mais do que tudo, o que se deve perceber é que os sistemas organizacio-


nais não foram propostos como normas para padrões de funcionamento e
sim como procedimentos analíticos. E, como toda a abordagem categorial de
fenômenos dinâmicos está fadada ao risco do insucesso explicativo e descri-
tivo, deve-se encarar os resultados como formas de perceber organizações e
processos e não como propostas normativas para os fenômenos analisados.

Com esta perspectiva em mente (LEVINSON, 1983, p. 364-366) e toman-


do, por exemplo, a noção de relevância condicional dos pares adjacentes, po-
demos observar que ela não é estringente1 em todos os casos. Mas, a cada
vez que A dirige uma pergunta a B e este demora um pouco para responder
ou não responde, A infere algo de acordo com a atividade em curso. Se a res-
posta estiver fora do que era esperado pode ocorrer a volta da pergunta ou
um comentário sobre a qualidade da resposta. Nesse sentido, aquela noção
não prevê uma necessidade, mas organiza uma fatia da interação.

Dizer que no caso do elogio a preferência é por recusá-lo não significa


que não possa ser aceito. Mas a aceitação não passa despercebida e pode
gerar nos participantes inferências e reações diversas a respeito daquele
que aceitou. Portanto: a montagem das diferentes estratégias, processos e
organizações não tem em vista mostrar que as coisas devem dar-se assim,
mas servir de chave para compreender o que está ocorrendo quando não
é assim. A rigor, tem-se aí um procedimento metodológico próximo ao que
H. P. Grice seguiu ao montar seu quadro das máximas conversacionais a
partir do princípio cooperativo. Embora formuladas no imperativo, as má-
ximas não impõem obrigações; apenas servem de guia para interpretar as
razões que levaram à sua inobservância.

Assim, postular que a tomada de turno é uma operação crucial do pro-


cesso organizacional da conversação é mais do que estabelecer um sistema
descritivo. É sobretudo providenciar um caminho para a interpretação das
funções das pausas, dos silêncios, das hesitações, sobreposições etc.

Consideremos o debate político em que jornalistas fazem perguntas


complicadas ou capciosas a candidatos a cargos eletivos. Caso um candida-
to não inicie logo e incisivamente sua resposta, mas faça uma pausa e hesite
no início, dará margem a uma rede de inferências, que vão desde “nessa
ele tá por fora” até “é um despreparado”, não obstante ter-se recuperado e
oferecido uma boa resposta. Tais fatos revelam que o comportamento espe-
1
Estringente: aquilo que comprime demasiadamente, que restringe, fecha muito.

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rado sobrepõe-se por vezes ao manifestado. Como hipótese, não custa aven-
tar que é normal ter-se como fonte para inferências alguma instância ideal
reguladora, o que permite às ciências humanas montarem modelos mesmo
para fenômenos dinâmicos.

Uma indagação importante, feita por Levinson (1983, p. 368), é a de se os


aspectos aqui descritos da organização conversacional são universais. Caso
sejam, então várias são as consequências: para o estudo da aquisição da lin-
guagem, para a explicação de universais linguísticos através de padrões de
uso da linguagem, para programas pedagógicos formulados em novas bases
etc. Na atual ausência de estudos comparativos entre as diversas línguas e
culturas, ainda não se dispõe de uma resposta a essa questão. É de se supor
que alguns padrões, como os pares adjacentes, a organização localmente
comandada e o sistema de correções, sejam relativamente universais. Isso
pode constituir um bom campo de pesquisa para estudos de pragmática
comparativa e sociolinguística interpretativa. Áreas de um futuro promissor
porquanto afetam interesses de várias disciplinas.

Atividades
1. Esta é uma atividade a ser realizada em grupo. Observem ou gravem duas
ou mais pessoas conversando em qualquer lugar. Anotem quais foram os
marcadores conversacionais que o grupo identificou na conversação.

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2. Leia a seguir um trecho de uma entrevista de um jornalista a um senador


divulgada em um pro­grama de rádio. A fala destacada é de responsabilidade
do senador, identificado como L2.

(Almeida; Gerab, 2006, p. 223)


Eu o:: o tribunal eleitoral o tri... a justiça eleitoral n:ão está aparelhada... não está
equipada para fazer um exame dessas contas e para e sobretudo para acompanhar
os gastos durante a campanha para:: julgar pelos sinais exteriores oh Heródoto... é
só comparar o que realmente eh se se verifica que foi gasto pelos sinais exteriores...
uso de aviões e comícios e propagandas eh outdoors etc etc com o que foi declarado
L2 se... o::... a:: aparente revela um gasto muito maior que foi declarado a:: justiça elei-
toral poderia im::pugnar como faz a Receita Federal... como pode fazer com os sinais
exteriores de riqueza mas a justiça eleitoral... seja por falta de recursos... por falta de
recursos técnicos e humanos... seja porque em muitos casos é conivente mesmo... né
não faz isso... e as contas... de modo geral... são faz de conta

a) Identifique um caso de paráfrase nesse trecho de fala.

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b) Identifique um caso de correção nesse trecho de fala.

c) Identifique um caso de repetição nesse trecho de fala.

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Referências
HILGERT, José Gastón. Parafraseamento. In: JUBRAN, Clélia; KOCH, I.G.V. (Orgs.).
Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Volume 1. Construção do
texto falado. Campinas: Unicamp, 2006.

_____. Procedimentos de reformulação: a paráfrase. In: PRETTI, Dino (Org.). Aná-


lise de Textos Orais. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1995.

LEVINSON, Stephen. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press,


1983.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986.

_____. Repetição. In: JUBRAN, Clélia; KOCH, I.G.V. (Orgs.). Gramática do Portu-
guês Culto Falado no Brasil. Volume 1. Construção do Texto Falado. Campinas:
Unicamp, 2006.

RISSO, Mercedes Sanfelice; OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline; URBANO, Hudi-


nilson. Traços definidores dos marcadores discursivos. In: JUBRAN, Clélia; KOCH,
I.G.V. (Orgs.). Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Volume 1. Cons-
trução do texto falado. Campinas: Unicamp, 2006.

URBANO, Hudinilson. Marcadores conversacionais. In: PRETTI, Dino (Org.). Análi-


se de Textos Orais. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1995.

Gabarito
1. O resultado das anotações de cada grupo pode ser diferente, dependendo
da conversação observada. Os marcadores conversacionais mais comuns, e
que serão certamente encontrados são: e daí (e suas variações “daí”, “daí en-
tão”, “aí”), então, né?, tá?

2.

a) O texto apresenta um caso claro de paráfrase: a relação entre os enuncia-


dos “que realmente eh se se verifica que foi gasto pelos sinais exteriores”
e “uso de aviões e comícios e propagandas eh outdoors etc etc”. A se-
gunda expressão faz uma paráfrase da primeira, apresentando a mesma
ideia com outras palavras. Há também uma paráfrase na relação entre as
expressões “não está aparelhada...” e “não está equipada”. É possível con-

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Estratégias de organização do diálogo

siderar paráfrase também a relação entre “por falta de recursos...” e “por


falta de recursos técnicos e humanos”, mas este não é um caso claro, uma
vez que pode ser interpretado como uma repetição.

b) O trecho apresenta um caso de correção logo no início: o falante percebe


a inadequação da expressão “o tribunal eleitoral” e faz imediatamente a
substituição por “ a justiça eleitoral”.

c) O trecho citado apresenta vários casos de repetição: “pelos sinais exterio-


res”, “etc. etc.”, “que foi declarado”, “sinais exteriores”, “por falta de recursos”,
“a justiça eleitoral”.

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Pragmática: atos de fala, implicaturas
e máximas conversacionais

Angela Paiva Dionisio

Poderia.
Você poderia me

IESDE Brasil S.A.


passar o sal?

Pois não. Qual


a editora ou o
O dinheiro nome do autor?

IESDE Brasil S.A.


ou a vida!

IESDE Brasil S.A.

Amor, OK! Você


queria que você tem fotos deles
conhecesse meus aí?
pais.

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Pragmática: atos de fala, implicaturas e máximas conversacionais

Eu vim receber o

IESDE Brasil S.A.


Senhor, o banco
convite para o con-
certo de amanhã à enviou convites para
noite patrocinado todos os clientes com mais
pelo banco. de 10 mil reais na carteira
de investimentos.

Na sua casa só
tem cortinas?

O que acontece nesses diálogos? Nas três primeiras tiras, parece que os inter-
locutores não se entendem perfeitamente. As respostas dadas em cada situação
não eram as esperadas por quem pede o sal, por quem anuncia o assalto, e pela
moça enamorada.

Percebemos claramente, em cada enunciação anterior, um conteúdo proposi-


cional (CP) e uma ação realizada sobre esse conteúdo. Vejamos:

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Pragmática: atos de fala, implicaturas e máximas conversacionais

1. Conteúdo proposicional: o saleiro que está ao alcance do seu braço você


deve entregar a quem fez a pergunta.

Ação: um pedido.

2. Conteúdo proposicional: o vendedor deve entregar o dinheiro em caixa na


livraria ou morre.

Ação: uma ameaça.

3. Conteúdo proposicional: a apresentação do namorado aos pais representa


maior compromisso dele com o relacionamento.

Ação: uma sedução.

O humor dessas anedotas reside justamente no fato de os falantes desejarem


fazer algumas ações (pedido, ameaça e sedução) através de seus enunciados, de
suas falas, mas os interlocutores reagiram de forma inesperada, ou seja:

 em (1), a resposta dada foi em relação às condições físico-motoras para


transportar o saleiro de um lugar para outro;

 em (2), a resposta dada demonstra que o vendedor entendeu tratar-se de


um desejo de compra de um livro;

 em (3), a resposta dada revela que o namorado limita o encontro com os


sogros a olhar a fotografia.

A essas tentativas de fazer ações através da linguagem, dá-se o nome de atos


de fala. De acordo com o verbete ato de fala no Dicionário de Linguagem e Lin-
guística, de Trask (2004, p. 42):
Ato de fala (speech act) – Uma tentativa de fazer alguma coisa simplesmente falando. Há uma
quantidade de coisas que podemos fazer, ou tentar fazer, apenas falando. Podemos fazer
uma promessa ou uma pergunta, ordenar ou exigir que alguém faça alguma coisa, fazer uma
ameaça, dar nome a um navio, declarar duas pessoas marido e mulher, e assim por diante.
Cada uma dessas coisa é um ato de fala específico. [...]

Na tirinha (4), a resposta da funcionária do banco pressupõe que o cliente


não possui 10 mil reais em carteira de investimentos. A informação solicitada é
pressuposta.

Já em (5), a pergunta “Na sua casa só tem cortinas?” traz uma crítica indireta à
força usada pelo colega para fechar portas, gavetas e janelas. “O que realmente
ele quis me dizer ao me perguntar se na minha casa só tem cortinas?” pode se
perguntar o nosso “fechador”. Nesse contexto, indiretamente está sendo conde-

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Pragmática: atos de fala, implicaturas e máximas conversacionais

nada a forma brutal com que o rapaz fecha portas, janelas e gavetas, ao ques-
tionar se na casa dele só há cortinas, por isso ele não tem o hábito nem pode
calcular a força física necessária para tais atos. É uma das nossas famosas formas
linguísticas de “dar indiretas”! No domínio da Pragmática, a situação em (04) tra-
ta-se de pressuposição e em (05) de implicatura conversacional.

A Teoria dos Atos de Fala


Dizer é fazer. De forma resumida e simplificada, podemos assim definir a
Teoria dos Atos de Fala. Como vimos nos exemplos anteriores, existe uma re-
lação entre o que se diz e o que se faz. Em outras palavras, “um fato de lingua-
gem constitui um ato pragmático, porque, voltado para a relação linguagem-
-usuário, introduzindo-se a problemática da interlocução” (Brandão, 2002, p. 64).
A Teoria dos Atos de Fala foi apresentada por Austin (1962) e desenvolvida prin-
cipalmente por Searle (1969). Com Austin, concebe-se linguagem como uma
atividade, uma ação dotada de intencionalidade. A construção dessa teoria se
sustenta na existência de alguns princípios: a distinção entre enunciados consta-
tivos e performativos, condições de verdade e felicidade dos atos de fala.

 Atos de fala constativos versus atos de fala performativos

Os enunciados constativos são aqueles que realizam uma afirmação, ou seja,


falam de algo, descrevem fatos e eventos. Um exemplo típico: “A gata está brin-
cando no arranhador”. Já os enunciados performativos são os usados para realizar
algo.
[...] o enunciado produzido em determinadas circunstâncias pela pessoa apropriada (“Eu te
batizo Queen Elisabeth”, pronunciado pela autoridade competente, num ritual de batismo de
um navio) torna-se discurso – ele não pode ser descrito independentemente do contexto e das
convenções sociais e culturais que regem sua enunciação. (BRANDÃO, 2002)

 Condições de verdade e felicidade dos atos


Na maior parte dos casos, não faz sentido perguntar se um enunciado que constitui um ato
de fala é verdadeiro ou falso. Enunciados como Arrume seu quarto!; Você me emprestaria uma
caneta?; Prometo comprar um ursinho de pelúcia para você; e eu vos nomeio cavaleiro, dom
Eurico não têm valor de verdade, mas podem ser mais ou menos adequados às circunstâncias
ou, como também se diz, podem ser mais ou menos felizes. Um enunciado como Arrume seu
quarto! É um enunciado infeliz se a pessoa não tiver autoridade sobre a outra, e um enunciado
como Eu vos declaro marido e mulher não surte efeito a menos que tenham sido preenchidas
uma série de condições. Assim como se diz que os enunciados podem ser mais ou menos
felizes, as condições exigidas para que um ato de fala tenha sucesso são frequentemente
chamadas condições de felicidade. (TRASK, 2004, p. 42)

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O próprio Austin reconheceu as limitações dessas distinções, conforme de-


monstra Pinto (2001, p. 59)
[...] Pode-se dizer de um ato que ele é útil, que é conveniente, que ele é mesmo sensato, não
se pode dizer que ele seja true or false. Qualquer que seja ele, tudo que posso dizer é que os
enunciados desse tipo são muito mais numerosos e variados do que se acreditava.

Neste famoso debate, para sustentar a impossibilidade de atribuição de valor de verdade para
os enunciados performativos, Austin trata de mostrar como muitos enunciados com aparência
de constativos são de fato performativos, como é o caso de “Eu te digo para fechar a porta”.
Esse seu argumento desvela uma outra ousadia de Austin: ele próprio jamais sentiu inteira
satisfação com a distinção constativo-performativo, e questionou-a, chegando mesmo a
atestar a impossibilidade de sustentá-la.

Austin finalmente estabelece que o tal de constativo nada mais era de fato senão um
performativo mascarado.

Austin estende a concepção performativa para toda a linguagem e passa a


considerar o ato de fala como unidade básica de significação constituída por três
atos integrados e articulados:
 Ato locucionário – “O aspecto locutório é o ato de dizer algo, isto é, é o
que se diz, a proposição ou o conteúdo que ele expressa e se constitui de
três instâncias: a) produção do som; b) construção da frase a partir de uma
sintaxe e um vocabulário; c) a partir de b), expressão de um significado e
uma referência mais ou menos determinados” (BRANDÃO, 2002, p. 65).
 Ato ilocucionário – “O aspecto ilocutório” diz respeito ao enunciado en-
quanto ato, “um ato efetuado em dizendo algo”, isto é, diz respeito ao fato
de fazer, realizar um ato (como uma promessa, uma ordem, uma pergunta,
uma advertência, uma informação etc.) na medida que se diz.

Para determinar o ato ilocutório que se está realizando, tem de se determinar


a forma como se dá a locução. Para isso, Austin introduz a noção de força ilocutó-
ria que daria um valor, uma qualidade especial a uma certa locução e a converte-
ria em uma ordem, uma pergunta etc. Assim, uma expressão como “Pense bem”,
para Austin, poderia ter, conforme as circunstâncias, a força ilocutória de uma
ordem ou, ao contrário, de um pedido. O ato ilocutório se caracteriza pela sua
natureza convencional, ou melhor, representa um uso convencional de maneira
tal que pode ser explicitado, parafraseado por uma fórmula performativa (Eu lhe
ordeno que pense bem; eu lhe peço que pense bem).

Nesse sentido, é possível contrastar força ilocutória e significado. O significa-


do, como elemento constituído pelo sentido mais a referência, pertencente ao
aspecto locutório do ato verbal, enquanto que a força, ao contrário, pertence ao
aspecto ilocutório (BRANDÃO, 2002, p. 65).

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 Ato perlocucionário – esses atos são vistos em termos de efeitos perlocu-


cionários, ou seja, os efeitos causados por nossos enunciados em nossos
interlocutores. “Dessa forma, se o ato perlocutório consiste nas consequ-
ências do que se diz e não está, portanto, determinado pelas convenções
linguísticas, ele pode corresponder ou não às intenções do falante. Para
que o falante consiga seu intento junto ao ouvinte é preciso mobilizar de-
terminadas estratégias discursivas” (BRANDÃO, 2002, p. 66). Assim,

 ato perlocucionário de convencer efeito perlocucionário ficar


convencido;

 ato perlocucionário de emocionar efeito perlocucionário ficar


emocionado;

 ato perlocucionário de irritar efeito perlocucionário ficar irritado.

Searle revisita a classificação dos atos de fala feita por Austin e apresen-
ta um conjunto de componentes de força ilocucionária que define o ato de
fala realizado. Marcondes (2005, p. 23-24) resume assim a formulação desses
componentes:

 Propósito ou objetivo ilocucionário – Por exemplo, o propósito de uma


ordem é fazer com que o ouvinte faça algo. Trata-se, portanto, de um di-
retivo. O propósito de uma promessa consiste em o falante assumir uma
obrigação; temos então um compromisso.

 Grau da força do objetivo ilocucionário – Quando dou uma ordem, o


grau da força de meu ato é maior do que quando faço um pedido ou uma
solicitação.

 Modo de realização. Para que uma ordem seja dada é necessário que
aquele que a profere tenha a autoridade adequada, mas o mesmo não se
dá em relação a um pedido. Portanto, embora em ambos os casos o con-
teúdo e o objetivo (“levar alguém a fazer algo”) possam ser os mesmos, o
modo de realização é diferente.

 Condição relativa ao conteúdo proposicional – A força tem relação com


o conteúdo proposicional. Por exemplo, quando prometo, assumo o com-
promisso de fazer algo, mas não posso prometer em nome da outra pes-
soa, porque não posso fazê-la assumir esse compromisso. Portanto, não
posso dizer: “Eu prometo que ele fará isso”, com a força de uma promessa.

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 Condição preparatória – São condições pressupostas para o sucesso do


ato. Por exemplo, quando prometo, pressuponho que o que prometo é do
interesse daquele a quem faço a promessa. Quando faço um pedido devo
supor que aquele a quem fiz o pedido é capaz de realizar o ato.

 Condição de sinceridade – A força ilocucionária está relacionada, em vá-


rios tipos de ato, a estados psicológicos que se supõe que o falante deve
ter. Quando faço uma afirmação, supõe-se que acredito sinceramente no
que afirmei. Quando dou os pêsames, supõe-se que sinto pesar.

 Grau da força da condição de sinceridade – Assim como o propósito ou


objetivo ilocucionário pode ser realizado com diferentes graus de força, do
mesmo modo a sinceridade do falante e seu estado psicológico ao realizar o
ato podem variar de grau. Por exemplo, a diferença entre pedir e implorar.

Leia o texto a seguir e reflita


sobre as questões abordadas pela autora

Os atos de fala indiretos


(ARMENGAUD, 2006, p. 119-121)

Quando tudo é simples, o falante profere uma frase e pretende significar


com ela exatamente o que ele diz, literalmente. Quando as coisas se compli-
cam, o sentido da frase como tal e o sentido tomado pela sentença proferida
pelo falante deixam de se sobrepor. Entramos no mundo, senão dos sortilé-
gios, ao menos em um mundo no qual as aparências enganam: sob a verde
relva desliza a serpente da ironia, da insinuação, da alusão, do subentendido
do equívoco, do duplo sentido. A polidez refinada e a zombaria dissimulada
andam de mãos dadas.

Uma classe importante de casos desse tipo é constituída por aqueles nos
quais o falante profere uma frase, quer dizer exatamente o que está dizen-
do, mas que também quer dizer algo distinto. Se digo: “Você me daria um
grande prazer se me trouxesse o Velocino de Ouro e se me acompanhasse ao
Eldorado”, estou dizendo algo que me agradaria, mas também, além de tudo,
formulando uma solicitação relativamente a meu alocutário. É claro que
esse “além de tudo” não é facultativo: a finalidade da asserção é transmitir a
solicitação. Temos aqui um exemplo de ato de fala indireto. Segundo Searle,

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o problema suscitado pelos atos de fala indiretos é o seguinte: como é que


um falante pode dizer uma coisa, querer dizer esta coisa e também querer
dizer algo diferente do que está dizendo? E como é possível que um ouvinte
compreenda um ato de fala indireto, quando o que ele está ouvindo signi-
fica outra coisa? Para Searle, o problema se torna mais árduo pelo fato de
que certas frases são correntes e convencionalmente utilizadas para exprimir
indiretamente solicitações. Realmente é difícil imaginar situações concretas
em que “Pode me passar o sal?” e “Eu ficaria encantado(a) se você tirasse seu
cotovelo de minhas costas” não exprimissem solicitações!

A hipótese explicativa de Searle, em 1969, sugeria que as frases em ques-


tão incidem sobre uma ou outra das condições de felicidade (felicity condi-
tions: o que deve ser o caso para que o ato de fala em questão se realize) dos
atos de fala que elas realizam indiretamente. Elas indicariam, então, que uma
ou outra dessas condições é realizada seja afirmando, seja questionando a
seu respeito. Por exemplo, a proximidade entre meu vizinho de mesa e o sal
faz que haja sentido pedir-lhe para passá-lo. No lugar de pedir direta e gros-
seiramente, posso interrogá-lo sobre o estado de fato que dotará de sentido
meu pedido ulterior... A nova hipótese formulada por Searle em 1975 com-
pleta a hipótese de 1969. Nos atos de fala indiretos, o falante comunica ao
ouvinte sobretudo o que ele efetivamente diz, baseando-se num pano de
fundo de informações mutuamente compartilhadas, informações linguísti-
cas e não linguísticas, e, ao mesmo tempo, na capacidade de inferência ra-
cional do ouvinte. O aparato teórico exigido para explicar a parte indireta
dos atos de fala consiste, pois, na teoria geral dos atos de fala, nos princípios
gerais de cooperação conversacional (tal como formulados por Grice) e num
substrato de informações factuais partilhados pelo falante e pelo ouvinte.

Princípio de cooperação
e máximas conversacionais
Com base na noção de que a atividade discursiva é uma atividade racional,
Grice (1975) formulou o princípio de cooperação e as máximas conversacionais.

O princípio de cooperação consiste em: “Dê a sua contribuição para a comu-


nicação de forma adequada ao momento em que ocorre as necessidades do
propósito ou objetivo da troca conversacional em que você está participando”.
(GRICE, 1975, p. 45)
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A esse princípio, extremamente amplo, generalizante, Grice atrelou a realiza-


ção de comportamentos linguísticos, que são quatro máximas conversacionais:

(1) Regras de qualidade: “Que sua contribuição seja verdadeira” (ou seja:
“Não afirme o que você acredita ser falso. Não afirme aquilo para o que
lhe faltam provas”).

(2) Regras de quantidade: “Que sua contribuição contenha tanta informa-


ção quanto a solicitada (para os objetivos conjunturais da troca). Que
sua contribuição não contenha mais informação do que é requerida”.

(3) Regras de relação (ou de relevância): “Fale com discernimento (seja re-
levante)”.

(4) Regras de modalidade: “Seja claro” (ou seja: “evite ser obscuro ou am-
bíguo; seja breve; seja metódico”). (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2004, p. 323)

Nas palavras de Armengaud (2006, p. 89):

Máxima de quantidade Máxima de estrita informatividade

Máxima de qualidade Máxima de sinceridade

Máxima de relação Máxima de persistência

Máxima de modalidade Máxima de civilidade

Apesar de presumirmos que sempre sejam seguidas, essas máximas podem ser
violadas ou entrar em conflito umas com as outras. A infração das máximas con-
versacionais produz efeitos os mais diversos, bem como é produzida por intenções
as mais diversas; mentira, sarcasmo, ironia, autoproteção, polidez, ignorância etc.

Citaremos alguns exemplos:

Exemplo (1)
Se alguém me pergunta quanto tempo leva o reparo de canhão para esfriar e se respondo:
“Algum tempo”, dou menos informação do que me foi pedido. Minha resposta constitui uma
infração da primeira máxima griciana, a máxima da quantidade. Essa infração “aberta” tem
uma face oculta, que é meu respeito pela segunda máxima, a máxima da sinceridade. Em sã
consciência, eu não podia dar uma informação precisa. Não é minha má vontade, e sim minha
ignorância que é revelada. Essa é a conclusão (implicatura) a que deve chegar um ouvinte
normal. (ARMENGAUD, 2006, p. 90)

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Exemplo (2)
Um lavrador encontra outro e diz-lhe: “Olá, Chico, a minha mula está com a mesma doença que
a tua teve. O que lhe deste?”

“Terebentina”, respondeu Chico.

Uma semana mais tarde, voltaram a encontrar-se e o primeiro lavrador gritou: “Chico, dei
terebentina à minha mula, como me tinhas dito, e ela morreu.”

“Aconteceu o mesmo à minha”, retorquiu Chico.

Ao enunciar a pergunta “O que é que lhe deste?”, o lavrador não busca apenas uma informação
factual, quer sobretudo que o seu colega o aconselhe. Por outras palavras, o lavrador quer
dizer algo mais com o seu enunciado do que, de facto, diz. Todavia, o seu interlocutor,
Chico, reconhece na pergunta apenas o seu sentido literal de pedido de informação e age
linguisticamente de acordo com esse reconhecimento. Premeditadamente ou não, Chico não
coopera com o seu interlocutor; e não havendo nada no seu enunciado que permita perceber
esse facto, a sua resposta é, do ponto de vista do seu colega, uma resposta que aconselha
ou recomenda o uso de terebentina para sarar os males do seu animal, uma vez que a sua
pergunta foi enunciada com esse sentido.

A inobservância do princípio de cooperação é, neste caso, resultado da violação da máxima


conversacional de relação, já que Chico não tornou relevante a sua contribuição na troca
conversacional em que estava envolvido. Por outro lado, Chico viola também a primeira
máxima de quantidade, porquanto, ainda que entendendo a pergunta no seu sentido
literal, não transmitiu ao seu colega toda a informação necessária, optando por omitir dados
demasiado importantes. (GOUVEIA, 1996, p. 404)

Lakoff (1973), no artigo “A lógica da polidez”, propôs o acréscimo do princípio


“seja polido”às máximas conversacionais. As regras para ser polido (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004, p. 381) são:

 formalidade (não se imponha, mantenha distância);

 hesitação (deixe a escolha para seu interlocutor);

 camaradagem (aja como se você e seu parceiro fossem iguais; deixe-o à


vontade).

A polidez, considerada antigamente tema dos manuais de etiqueta, passou a


constituir um dos campos de interesse de investigação da Pragmática.
Trata-se de verificar que lugar a polidez ocupa e que papel ela desempenha nas interações
cotidianas, e de descrever o conjunto dos procedimentos postos em funcionamento para preservar
o caráter harmonioso da relação interpessoal; procedimentos extremamente numerosos e
diversos que, longe de estarem confinados às famosas “fórmulas”, mobilizam na verdade uma
parte importante do material produzido na interação. (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004,
p. 381)

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Implicaturas conversacionais
Há uma tirinha de Helga, na série “Ouça sua mãe”, mencionada por Ilari (2001,
p. 94), em que Helga está varrendo a casa e conversando com sua filha.

– Às vezes, uma mulher casa com um homem que gosta de ajudar em


casa.

A filha, sentada, não diz nada, continua olhando atentamente para a mãe
que, vira-se de costa, para a filha, continua varrendo e diz:

– E às vezes cai neve no verão.

Ora, a probabilidade de cair neve no verão é mínima, assim é, portanto, a pro-


babilidade da filha casar-se com um homem que auxilia nas tarefas domésticas.
Ilari (2001, p. 92) ressalta que
as mensagens linguísticas comportam às vezes implícitos que não podem ser previstos com
base no sentido literal. Importantíssimos para a interpretação final da mensagem, esses
implícitos só podem ser descobertos por um trabalho de conjectura feito a partir de uma
avaliação global da situação comunicativa, em que o ouvinte procura recuperar as intenções
do falante. Mensagens que comportam esse tipo de implícito são sempre interpretadas como
indiretas e obrigam, tipicamente, o ouvinte a perguntar: o que foi que ele quis me dizer com
isso? Aonde ele quis chegar? etc. A esse tipo de fenômeno da linguagem denomina-se de
implicatura conversacional.

Ilari e Geraldi (1985, p. 76-77) estabelecem a seguinte comparação entre im-


plicatura e pressuposição:
Em algum sentido, tanto as implicaturas como as pressuposições não fazem parte do conteúdo
assertado; entretanto, entre as pressuposições e as implicaturas há uma importante diferença,
que é preciso salientar: no processo pelo qual somos levados a compreender um conteúdo
pressuposto, a estrutura linguística nos oferece todos os elementos que nos permitem derivá-
-lo. Quando, ao contrário, derivamos implicaturas do discurso do nosso interlocutor ou as
impingimos a quem nos ouve, esse suporte na construção linguística é muito menos óbvio; por
exemplo, quando a criança convida o intruso a se retirar, através da frase “Papai, eu queria brincar
com você!”, não é em expressões linguísticas particulares que devemos procurar a justificativa
dessa interpretação, mas no fato de que a interpretação corrente da frase é inapropriada para a
situação, o que funciona como um convite para a reinterpretação. Podemos tornar ainda mais
nítida essa distinção entre pressuposições e implicaturas dizendo que as primeiras fazem parte
do sentido literal das frases, ao passo que as segundas são estranhas a ele.

Grice (1975) classifica as implicaturas em dois tipos: as conversacionais ou


discursivas e as convencionais ou lexicais. Fazer uma carta de recomendação de
um professor de língua portuguesa para uma editora na qual ele postula uma
vaga de revisor, salientando a pontualidade, a habilidade em organizar festinhas

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comemorativas, boa caligrafia e capacidade de improvisação consiste em afir-


mar que o candidato é um conhecedor medíocre da língua portuguesa. É a esse
tipo de insinuação discursiva que Grice chama de implicatura conversacional.
Esse tipo de sugestão apresenta algumas características:

 não tem vínculo com a verdade (simplesmente, o autor da carta de reco-


mendação pode não querer que o referido candidato consiga o empre-
go. Vá entender a alma humana! Ao omitir as informações sobre a com-
petência do candidato para revisor de língua materna também não está
negando-as!);

 nem com a forma linguística (não há na carta, por exemplo, expressões


denegrindo o candidato. Logo, se a implicatura é falsa é de responsabili-
dade do leitor da carta);

 “reside naquilo que é ‘pensado’ a partir, ao mesmo tempo, do que é dito e


da situação em que é dito, [...] situação comum a dois (ou a vários) interlo-
cutores” (ARMENGAUD, 2006, p. 86).

A implicatura convencional ou lexical “tem como suporte a língua, o léxico,


isto é, significados convencionalmente vinculados às palavras” (Armengaud,
2006, p. 91). Em outras palavras, é causada por elementos linguísticos, não há
a necessidade de um contexto, como ocorre na conversacional. Algumas frases
politicamente incorretas são representativas:

1) Foi aprovado, apesar de ser aluno de escola pública.

2) É muito esperta para uma loira.

A pressuposição
A pressuposição é um fenômeno em que “um enunciado pressupõe outro se
a verdade é precondição de verdade para o primeiro” (Armengaud, 2006, p. 86).
Em outras palavras, a primeira sentença pressupõe a segunda sentença como se
verifica nos enunciados:

1) A gata de pelo longo e travessa é de Angela.

pressupõe
Angela tem gato

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2) Até Jorge encantou-se com as travessuras da gata

pressupõe
a) Jorge não gosta de gato
ou
b) Jorge não tinha expectativas de que a gata fosse tão travessa

A pressuposição permite que o locutor se faça entender, sem necessariamen-


te “assumir a responsabilidade de comunicar intencionalmente o teor, a quanti-
dade de conteúdo proposicional” (ARMENGAUD, 2006 p. 86). Na tirinha (4), por
exemplo, a funcionária do banco, sem ser explícita, diz que o cliente não tem
perfil para ser contemplado com os convites.

Observemos agora os seguintes enunciados:

1) Bianca parou de comer chocolate.

2) Bianca comia chocolate.

3) Bianca não come chocolate.

4) Bianca voltou a comer chocolate.

As sentenças (2) e (3) são pressupostas de (1), pois em (2) significa que no
passado Bianca comia chocolate e em (3), atualmente, Bianca não come choco-
late. Já em (4) têm-se como pressupostos: a) Bianca comia chocolate e b) Bianca
parou de comer chocolate, ambas as ações no passado.

Texto complementar
Atos de fala
(BAZERMAN, 2005, p. 25-28)

O filósofo John Austin, no seu livro How to do things with words, afirma
que palavras não apenas significam, mas fazem coisas. Seus argumentos são
construídos sobre alguns exemplos como o de dois amigos que fazem uma
promessa e o de um religioso que declara “casadas” duas pessoas. Esses atos
são feitos tão somente pelas palavras em si. Como resultado de uma série de
palavras ditas, no tempo apropriado, em circunstâncias apropriadas e pela

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pessoa apropriada, alguém será obrigado a fazer alguma coisa diante da


promessa, e determinado casal mudará a organização de suas vidas. Consi-
derando documentos escritos, pode-se dizer, da mesma forma, que a solici-
tação de um empréstimo bancário é levada a cabo puramente pelas palavras
e números usados para preencher os formulários e submetê-los ao banco.
Da mesma forma, a aprovação do banco é simplesmente realizada através de
uma carta emitida na qual se afirma que a solicitação foi aprovada. A partir
desses exemplos instigantes, Austin prossegue argumentando que toda de-
claração realiza alguma coisa, mesmo que apenas declare um certo estado
de coisas como verdadeiro. Portanto, todo enunciado incorpora atos de fala.

É claro que para nossas palavras realizarem seus atos, elas devem ser
ditas pela pessoa certa, na situação certa, com o conjunto certo de compre-
ensões. Se dois apostadores em potencial fossem dois estranhos que pro-
vavelmente não se encontrariam após o jogo de futebol, se nenhum valor
de aposta fosse estabelecido, se o evento sobre o qual a aposta se refere já
tivesse acontecido, se o contexto e a entonação sugerissem que se tratava
de uma piada e não de uma aposta, ou se mil outras coisas não fossem cor-
retas, uma ou outra parte envolvida poderia não acreditar que uma aposta
real e apropriada tivesse sido feita. De modo similar, se a pessoa que declara
duas pessoas “casadas” não fosse um membro do clero ou do Judiciário com
poderes naquela jurisdição, ou se as pessoas fossem legalmente impedidas
de casar uma com a outra, ou se estivessem apenas desempenhando seu
papel numa peça teatral, não haveria um casamento real e legal. Uma solici-
tação de empréstimo feita por um menor de 18 anos não é uma solicitação
legal, assim como uma carta de aprovação de crédito assinada pelo zelador
noturno do banco ou não definindo os termos para quitação do emprésti-
mo, não se configura uma aprovação de crédito real. Todos esses elementos
representam as condições de “felicidade” que devem ser observadas corre-
tamente para que o ato de fala seja bem-sucedido. Sem a satisfação dessas
condições de felicidade, o ato não seria um ato, ou pelo menos o mesmo tipo
de ato. Austin e John Searle, que deu continuidade às análises de atos de
fala, demonstraram que os atos operam em três níveis distintos. O primeiro
é o ato locucionário que, por sua vez, inclui um ato proposicional. O ato locu-
cionário é literalmente o que é dito. Então, ao dizer “ está um pouco frio nesta
sala”, eu estarei reportando um estado de coisas e fazendo uma proposição
sobre a temperatura na sala.

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Muito possivelmente, o ato que eu estava tentando realizar, contudo, era


um pedido para que meu anfitrião aumentasse o termostato. Ou quem sabe
eu estava discordando das afirmações um tanto quanto “frias” que foram
feitas sobre alguém. Ao falar indiretamente, eu pretendia que minhas pa-
lavras fossem dotadas de uma força ilocucionária específica, que acreditava
seria reconhecida pelos outros, em função das circunstâncias imediatas e do
modo como a sentença foi expressa. O ato que pretendo que meu ouvinte
reconheça é o ato ilocucionário.

Os ouvintes, no entanto, podem considerar que meus comentários sig-


nificam uma coisa completamente diferente, como uma reclamação sobre
a atitude sovina do anfitrião ou uma tentativa de mudar o assunto de uma
discussão desagradável. As suas reações subsequentes levam em conside-
ração o que eles pensaram a respeito do que eu estava fazendo, e não ne-
cessariamente aquilo que eu pensei que estava fazendo, ou até o que eu
literalmente disse. O modo como as pessoas recebem os atos e determinam
as consequências desse ato para futuras interações é chamado de efeito per-
locucionário. Para tornar a questão ainda mais complicada, os ouvintes não
podem se mostrar satisfeitos ou cooperativos com aquilo que entendem
que eu estou fazendo, e desconsiderar o ato que realizei nos seus próximos
enunciados e atos. Meu propósito pode até ser apenas o de conseguir um
ajuste no termostato, e meu anfitrião pode até compreender meu pedido,
mas pode ainda vir a dizer algo como “tenho lido sobre como a escassez de
energia pode levar a uma instabilidade econômica internacional”. De onde
pôde ter surgido isso? Por que o anfitrião está falando de suas leituras sobre
economia? Talvez ele esteja tentando me dizer que não quer desperdiçar
energia e que pretende manter o termostato baixo.

Essa análise em três níveis dos atos de fala – o que foi literalmente dito, o
ato pretendido e seu efeito real – é também aplicável a textos escritos. Você
pode escrever uma carta a uma amiga contando os últimos acontecimen-
tos em sua vida, mas sua intenção ilocucionária pode ser a de manter uma
simples amizade ou provocar uma resposta escrita que revele se um deter-
minado problema foi resolvido. E a recepção perlocucionária da leitora pode
ser a de acreditar que você sente muita saudade dela e que está tentando
reacender um intenso romance. Então, para não encorajá-lo, ela pode decidir
nunca responder a sua carta.

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Pragmática: atos de fala, implicaturas e máximas conversacionais

Essa análise dos atos de fala em três níveis também nos permite compre-
ender o status das afirmações ou representações contidas nos textos sobre
estados de coisas no mundo – os atos proposicionais, como são denomina-
dos por Searle. Muitos textos asseveram proposições, como uma nova des-
coberta científica sobre o valor do chocolate para a saúde, ou “fatos” novos
sobre alguma manifestação pública, ou o “verdadeiro significado” de um
poema. Assim, a força ilocucionária é a de obter a aceitação do ato proposi-
cional. Porém, apenas sob determinadas condições, os leitores acreditarão
nessas asserções como fatos. No caso dos efeitos maravilhosos do chocolate,
se existirem descobertas científicas contrárias, ou erros evidentes nos proce-
dimentos científicos seguidos, ou se os autores não possuírem credenciais
médicas, ou se for descoberto que os autores receberam suporte financei-
ro da associação dos fabricantes de chocolate, a proposição pode não ser
aceita por um número de leitores suficientemente relevante para conquistar
o status de um “fato”. Outras condições podem influenciar o modo como as
pessoas recebem as asserções sobre eventos perlocucionários que se mante-
nha seja o de que a proposição é vista como uma asserção dúbia. Com a rea-
lização apenas desse ato limitado, o fato social resultante será somente o de
que os autores estão tentando convencer certas pessoas dessa ou daquela
afirmação. Se, contudo, os autores conseguirem, uma aceitação mais ampla,
novos fatos sociais sobre o valor do chocolate, um evento histórico, ou o sig-
nificado de um poema serão estabelecidos, até que alguém enfraqueça esses
fatos ou os substitua por novas “verdades”. Quando visto a partir dessa análi-
se, o problema de defender a verdade de proposições se torna uma questão
de satisfazer as condições de felicidade que levarão os ouvintes relevantes
a aceitarem as afirmações como verdadeiras, estabelecendo assim a conver-
gência do efeito perlocucionário com sua intenção ilocucionária.

Atividades
1. Os textos mencionados a seguir foram extraídos do livro Motivações Pragmá-
ticas, escrito por Victoria Wilson (2007, p. 87-110).

I. “Como vai? Como te enviei um e-mail, mas não sei se você recebeu, en-
vio outro, morrendo de vergonha e me desculpando de antemão pela
invasão e insistência. Eu gostaria realmente de poder dar início ao meu

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trabalho, por isso preciso da sua resposta. Não quero te incomodar ou ser
‘chata’. Além disso, eu gostei muito de trabalhar com vocês aí! Foi um mo-
mento de muito encontro e muita importância para mim.”

II. “Enfim, querida amiga, cá estou, livre, leve e solto. Ao menos nestas duas
semanas de férias. Nosso lanche, quem sabe, é possível? Como estão seus
dias. Engraçado, tanto trabalho me dá uma urgência... E você é uma de-
las... beijo, Z.”

III. “Bom dia! Já aqui estou, agarrada no computador, insone e arrombada.


Acordei às 4. Fazer o quê? Se ao menos a inspiração piasse por aqui... Já
abri a janela, e tudo que entrou foram dois gatos. Mó! Te mando então
Aline, tão piedosa! Beijos matinais e ainda reumáticos, M.

P.S.: É quando a tal festa? Olha, filha, depois de tanto sururu, de tantos e tão
variados preparativos, você me apareça, por favor, pelo menos com uma foto
na coluna do Gilson Monteiro! Tanto aperreio pra passar em brancas nuvens?
Nem pensar!”

Sabemos que polidez se refere à adequação às normas de comportamento


de uma comunidade. Em relação às situações I, II e III, pode-se afirmar que:

a) em I, o autor do e-mail atende à regra de formalidade, ou seja, não se im-


ponha, visto que demonstra consciência da distância social, das relações
de poder entre os interlocutores, além de certo constrangimento pela
reiteração do pedido. Em II, notamos que o autor atende à regra da hesi-
tação, ao fazer o convite para lancharem juntos, através de uma pergun-
ta com a expressão “quem sabe”, deixando para o interlocutor a decisão
final. Em III, tem-se a observância da regra camaradagem, ou seja, faça A
sentir-se bem, de igual para igual, pois compartilha situações, e sugere um
conselho, sem pedidos, ameaças e favores.

b) em I, o autor do e-mail atende à regra de formalidade, ou seja, não se im-


ponha, visto que demonstra consciência da distância social, das relações
de poder entre os interlocutores, além de certo constrangimento pela
reiteração do pedido. Em III, notamos que o autor atende à regra da hesi-
tação, ao fazer o convite para lancharem juntos, através de uma pergunta
com a expressão “fazer o quê”, deixando para o interlocutor a decisão
final. Em II, tem-se a observância da regra camaradagem, ou seja, faça A
sentir-se bem, de igual para igual, pois compartilha situações, e sugere um
conselho, sem pedidos, ameaças e favores.

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c) em I, o autor do e-mail atende à regra de formalidade, ou seja, não se


imponha, visto que demonstra consciência da distância social, das rela-
ções de poder entre os interlocutores, além de certo constrangimento
pela reiteração do pedido. Em II, notamos que o autor atende à regra da
camaradagem, ao fazer o convite para lancharem juntos, através de uma
pergunta com a expressão “quem sabe”, deixando para o interlocutor
a decisão final. Em III, tem-se a observância da regra camaradagem, ou
seja, faça A sentir-se bem, de igual para igual, pois compartilha situações,
e sugere um conselho, sem pedidos, ameaças e favores.

d) em I, o autor do e-mail não atende à regra de formalidade, ou seja, não


se imponha, visto que não demonstra consciência da distância social, das
relações de poder entre os interlocutores, além de certo constrangimen-
to pela reiteração do pedido. Em II, notamos que o autor não atende à
regra da hesitação, ao fazer o convite para lancharem juntos, pois através
de uma pergunta com a expressão “quem sabe”, demonstra pouco inte-
resse. Em III, tem-se a observância da regra camaradagem, ou seja, faça A
sentir-se bem, de igual para igual, pois compartilha situações, e sugere um
conselho, sem pedidos, ameaças e favores.

2. Contexto: dois adultos, pai e filho, assistem à televisão na sala. Há aparelho


de ar condicionado na sala desligado.

Filho: Esta sala está pouco fria.

Pai: A conta de luz veio altíssima este mês.

Na perspectiva da Teoria dos Atos de fala, esse diálogo pode ser assim expli-
cado:

a) o filho realizou um ato de fala indireto – ato locucionário –, cujo o con-


teúdo proposicional é solicitar que seja ligado o ar condicionado – ato
ilocucionário, com efeito perlocucionário de pedir. A resposta do pai de-
monstra ter entendido o pedido feito, mas com um enunciado também
indireto o recusa.

b) o filho realizou um ato de fala direto – ato locucionário –, cujo o conteúdo


proposicional é solicitar que seja ligado o ar condicionado – ato locucio-
nário, com efeito perlocucionário de pedir. A resposta do pai demonstra
ter entendido o pedido feito, mas com um enunciado também indireto o
recusa.

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c) o filho realizou um ato de fala indireto – ato ilocucionário –, cujo o con-


teúdo proposicional é solicitar que seja ligado o ar condicionado – ato
ilocucionário, com efeito perlocucionário de pedir. A resposta do pai de-
monstra ter entendido o pedido feito, mas com um enunciado também
indireto o recusa.

d) o filho realizou um ato de fala indireto – efeito perlocucionário –, cujo


o conteúdo proposicional é solicitar que seja ligado o ar condicionado
– ato ilocucionário, como ato locucionário de pedir. A resposta do pai
demonstra ter entendido o pedido feito, mas com um enunciado tam-
bém indireto o recusa.

3. Para Grice, as implicaturas podem ser convencionais e conversacionais. As pri-


meiras são geradas dentro do sistema linguístico e as segundas no contexto
extralinguístico. Servem de ilustração para os dois tipos respectivamente os
seguintes enunciados:

a) a) Assumiu a vaga de deputado, apesar das suspeitas sobre a ilegalida-


de da sua eleição.

b) Apesar de jovem, já demonstra muita maturidade para o cargo.

b) a) Marcela: – Vamos ao Shopping Center?

Carla: – Tenho hora marcada no consultório do dentista.

b) Rogério: – Você recomenda Safira para fazer as fotos?

Antonio: – Acho Bianca bem fotogênica.

c) a) Rogério: – Você recomenda Safira para fazer as fotos?

b) Assumiu a vaga de deputado, apesar das suspeitas sobre a ilegalida-


de da sua eleição.

d) a) Apesar de jovem, já demonstra muita maturidade para o cargo.

b) Rogério: – Você recomenda Safira para fazer as fotos?

Antonio: – Acho Bianca bem fotogênica.

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Referências
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BAZERMAN, Charles. Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. São Paulo:


Cortez, 2005.

BAZERMAN, Charles. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006.

BRANDÃO, H. N. O Discurso: uma abordagem pragmático-enunciativa. In: Rela-


ções entre Pragmática e Enunciação. Zandwais, A. (orgs). Porto Alegre: Sagra-
Luzzatto, 2002.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São


Paulo; Contexto, 2004.

FAVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia. C.V.O.; AQUINO, Zilda. O par dia-
lógico pergunta-resposta. In: JUBRAN, Clélia Cândida Abreu Spinardi. Tópico dis-
cursivo. In: JUBRAN, C.C.A.S;KOCH, I.G.V. Gramática do Português Culto Falado
no Brasil. Vol. 1. Construção do texto falado. Campinas: Editora da Unicamp,
2006.

ILARI, R. Introdução à Semântica. Brincando com a gramática. São Paulo: Con-


texto, 2001.

ILARI, R. Introdução ao Estudo do Léxico. São Paulo: Contexto, 2002.

ILARI, R. e GERALDI, J.W. Semântica. São Paulo: Ática, 1985.

MARCONDES, D. A Pragmática na Filosofia Contemporânea. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2005.

PINTO, J. P. Pragmática. In: Introdução à Linguística – domínios e fronteiras.


Mussalim, F. e Bentes, A. C. (orgs). São Paulo: Cortez, 2001.

TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. São Paulo: Contexto,


2004.

WILSON, V. Motivações Pragmáticas. In: Manual de Linguística. Martelotta, M. E.


(Org.). São Paulo: Contexto, 2008.

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Gabarito
1. A

2. A

3. D

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Análise retórica da argumentação

Iara Bemquerer Costa


Este capítulo tem como tema uma das abordagens da argumentação
no texto: a análise retórica. Inicialmente, vamos apresentar algumas infor-
mações sobre a história da retórica para destacar sua origem, suas preocu-
pações originais, seu declínio e revitalização. A seguir, daremos ênfase aos
conceitos nucleares da retórica e ao seu uso como um instrumento para a
análise de textos.

A Retórica Clássica teve origem na Grécia, no século VI a.C. Considera-


da um dos pilares da educação clássica, estava presente principalmente
nos tribunais e nas atividades políticas. Foi posterior­men­te incorporada
ao discurso religioso na Idade Média. Seu declínio ocorreu com o huma-
nismo do século XVI. Após esse período, a visão predominante da retórica
torna-se negativa, pois ela passa a ser considerada a arte de criar discursos
vazios e enganadores.

Após séculos de esquecimento, a retórica teve uma revitalização na


metade do século XX, sobretudo a partir dos trabalhos de Chaïn Perel-
man. Esse ressurgimento, chamado de Nova Retórica, produziu um deslo-
camento nos objetivos dessa área: a principal contribuição da retórica atu-
almente é de fornecer instrumentos para a análise dos diversos discursos
argumentativos com que nos deparamos. A retórica auxilia na análise dos
discursos publicitários, políticos, religiosos, enfim, de todos os discursos
que buscam a adesão a uma causa, uma ideia, um produto.

Vamos enfatizar aqui a contribuição da Nova Retórica para a interpre-


tação de textos. Para isso, a apresentação dos conceitos retóricos será feita
através da análise de um texto de opinião publicado na revista Veja.

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Análise retórica da argumentação

A Retórica Clássica e sua


revitalização na Nova Retórica
O surgimento da retórica se deu na Sicília grega entre os anos 480 a.C. e 399
a.C., depois que os tiranos, ou seja, os dominadores, foram expulsos e que se
constituiu um novo estado, organizado a partir de princípios democráticos. Com
o fim do regime autoritário, os cidadãos reclamavam seus bens, dos quais haviam
sido despojados pelos antigos mandatários. As reclamações eram feitas na pre-
sença de um juiz e diante de um público ouvinte. As técnicas desenvolvidas para
a organização argumentativa desses discursos deram origem à retórica.

Atenas, centro da cultura na época, incorporou a técnica retórica dos habi-


tantes sicilianos aos seus processos jurídicos. Assim, a retórica nasceu em virtude
de uma necessidade prática e foi difundida primeiramente como retórica judi-
ciária. Os gregos sicilianos não tinham advogados, por isso os litigantes tinham
que redigir suas queixas e lê-las perante os tribunos. Como ficou evidente que
as causas dos discursos melhor redigidos eram mais bem-sucedidas, surgiu uma
classe de logógrafos profissionais que ouviam e redigiam as queixas dos cida-
dãos. Ao mesmo tempo, surgiram retores, logógrafos ou não, que ensinavam
técnicas que se baseavam nas maneiras de comprovar o verossímil. Foram os
antigos retores que inventaram a disposição do discurso em quatro partes: in-
venção (heurésis – escolha dos argumentos), disposição (taxis – ordem em que os
argumentos aparecem no discurso), elocução (lexis – estilo em que um discurso
é apresentado – fase em que o discurso é escrito e que inclui as figuras de estilo),
ação (hypocrisis – proferição do discurso, com ênfase nos gestos usados na apre-
sentação diante do público).

Na história da Retórica Clássica, é importante destacar a contribuição de Gór-


gias, que impressionou o mundo helênico com a beleza de sua retórica. Antes
dos discursos de Górgias só a poesia era entendida como literatura. Com ele a
prosa retórica assume estatuto literário. A arte da retórica exige que seu cultor
vença os certames não só pela convicção racional que cria em seu auditório atra-
vés de um discurso que faça sentido, mas também pela persuasão que implica
um engajamento emocional da parte do seu público ouvinte. Ou seja, o uso fru-
tífero da retórica deve conquistar os corações da mesma forma que as mentes
do auditório.

Aristóteles, que viveu entre 384 a.C. a 322 a.C., escreveu um grande número
de obras sobre vários assuntos, inclusive um texto que hoje se conhece pelo

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nome de Retórica. A marca registrada e inovadora de Aristóteles foi imprimir ao


estudo da retórica duas características próprias do gênio grego: a observação e
o espírito de sistema.

A retórica é, para Aristóteles, uma ferramenta que pode ser útil no mundo
jurídico, na prosa literária, na filosofia e no ensino, mas que, em si mesma, é indi-
ferente: pode servir tanto ao bem quanto ao mal. Segundo ele, a retórica é algo
bom, como a força, a saúde ou a riqueza, mas que pode ser usada para o provei-
to ou a ruína dos seres humanos. Considera o ensino da retórica importante, por
proporcionar ao cidadão que se sinta lesado ou agredido, ou que deseje expor
suas ideias sobre qualquer assunto, um método que lhe permite argumentar em
defesa de seu ponto de vista na presença de qualquer público. Segundo pensa-
mento aristotélico, a retórica é um instrumento imprescindível para a formação
do homem universal.

A retórica teve grande prestígio e importância na cultura clássica, tanto


entre os gregos quanto entre os romanos. Mesmo depois da queda do Império
Romano do Ocidente, ela continuou a ser cultivada dentro da igreja, como um
método importante para a produção de textos para captar e manter a adesão
dos fiéis aos princípios religiosos. A tradição de elaboração dos sermões, por
exemplo, sempre se beneficiou da contribuição da retórica.

É só com o humanismo do século XVI que, de fato, começa o declínio da retóri-


ca. A partir dos séculos XVII e XVIII, a retórica foi, ao que parece, excluída das ciên-
cias naturais, da matemática e da filosofia. O treinamento em retórica continuou
ainda servindo, até o século XIX, aos debates jurídicos, à política e à pregação.

Em meados do século XX, observa-se o ressurgimento dos estudos retóri-


cos, sobretudo a partir dos trabalhos de Chaïm Perelman. A revitalização desse
estudo é marcada por algumas diferenças em relação à Retórica Clássica. Seu
objetivo principal não é mais produzir discursos, mas interpretá-los. Os estudos
retóricos passaram a se ocupar de formas modernas de discurso persuasivo tais
como a linguagem da propaganda e as produções não verbais. É com base nesta
versão renovada da retórica que vamos mostrar como ela pode servir de instru-
mento para uma leitura não ingênua de textos de opinião. Para isso, procura-
remos destacar os conceitos que constituem os pilares da Nova Retórica e, ao
mesmo tempo, usá-los como auxiliares na leitura.

Para expor de forma clara e aplicada os conceitos usados pela Nova Retórica
para a análise de textos, vamos começar com a apresentação de um exemplo.
Trata-se de um artigo de opinião publicado na revista Veja. Leia inicialmente o

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Análise retórica da argumentação

artigo, pois ele servirá de referência para a discussão dos conceitos de tese, au-
ditório, acordo, para a identificação de algumas técnicas argumentativas e de
alguns tipos de argumentos.

O ano da saúde e os desmancha-prazeres


Ou damos tudo a uns poucos ou oferecemos a todos apenas
os cuidados médicos necessários simples
(CASTRO, 1997, p. 134)

A Constituição de 1988 não deixa por menos: os serviços de saúde serão


oferecidos de forma universal, integral e gratuita. Aos pobres cabe agradecer
tamanha generosidade.

Mas os economistas somos espíritos de porco por profissão, temos a


mania de desmanchar prazeres. Com a ajuda de André Medici – mais sabido
do que eu em saúde –, desembainhamos as calculadoras para exercer nossa
triste sina.

Quando era elixir paregórico da cintura para baixo, aspirina para cima e
extrema-unção quando não dava certo, a promessa da universalidade, gra-
tuidade e integralidade do serviço de saúde era viável, pois era barato. Mas
a tecnologia complicou tudo em um país onde o estado gasta 90 reais por
habitante. Um dia em um bom centro de terapia intensiva custa 1.500 reais
(ou seja, a cota anual de 16 brasileiros). Uma ponte de safena custa 30.000
reais (equivalente ao gasto médio de 300 pessoas), quase o mesmo que um
ano de internamento psiquiátrico de boa qualidade.

Antes de remexer nas continhas, notemos que nenhum país da Europa


ou da América do Norte ousou ser tão generoso quanto nossa Constituição.
Nos Estados Unidos, o tratamento nem é universal nem gratuito e todos os
planos têm exclusões. Na Europa e no Canadá é universal, nem sempre gra-
tuito e altamente limitado o elenco de serviços oferecidos a todos. Em Cuba
é gratuito, mas os tratamentos caros são só para os turistas (pagantes).

Quanto custaria implementar a Constituição? Tomemos um plano ge-


neroso como o proporcionado pelo Banco do Brasil aos seus funcionários
(1.310 dólares por ano). Se oferecido a todos os brasileiros, faria o custo da

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saúde subir a 37% da renda nacional. O custo médio da Golden Cross univer-
salizado para o país comeria 42%. Isso é quatro vezes mais do que gastam os
países mais perdulários em saúde.

A promessa de oferecer tudo não é apenas uma lantejoula a mais esvoa-


çando no mundo da fantasia, mas um monumental fator de injustiça. Como
pela regra constitucional todos têm direito a tudo, capturam a parte do leão
os mais sabidos, os mais poderosos e os mais próximos dos centros de de-
cisão, bem como os grandes hospitais oferecendo tratamentos sofisticados.
Tratamentos que a Europa não tem recursos para oferecer, o nosso sistema
não pode negar pela Constituição. As cortes de Justiça dão ganho de causa a
quem pedir 120.000 reais para fazer um tratamento quase inútil nos Estados
Unidos. Sobra pouco para os outros. Como se fixam prioridades? É de quem
chegar primeiro, ficando os pobres, a saúde pública e a prevenção de mãos
abanando.

Mas bem sabemos que é no atendimento básico onde se alteram as esta-


tísticas de saúde. Por isso temos estatísticas de mortalidade infantil de país
miserável (45 por 1 000), mas gastamos como país de renda média (220 dó-
lares). No Chile, que gasta 183 dólares por habitante, a mortalidade infantil
é de 12 por 1 000.

Daí que a verdadeira reforma de saúde tem de começar com um exercício


simples, mas desagradável: para cada real gasto, quais as intervenções que
salvam mais vidas? Quanto temos para gastar? (ou quanto poderemos ter
fazendo uma forcinha?) Ordenemos, pois, o custo global de cada interven-
ção por ordem decrescente de ganhos sobre a saúde, até que se acabem os
recursos. Essas contas já foram feitas e sabemos onde são maiores os impac-
tos: prevenção, atendimento materno-infantil, moléstias infectocontagiosas,
endemias, atendimento ambulatorial, nutrição, água e esgoto. Se nossos
recursos fossem canalizados para esses gastos, a saúde do brasileiro melho-
raria dramaticamente. Só que sobrariam menos recursos públicos para as
intervenções mais caras.

Nossas calculadoras trazem um recado desagradável: ou damos tudo a


uns poucos ou oferecemos a todos apenas os cuidados médicos necessários
simples. Mas há uma boa notícia – são esses cuidados que têm maior impac-
to sobre a saúde de um povo.

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Como leitores da revista em que este artigo de opinião foi publicado, certa-
mente fazemos uma leitura sem a preocupação de analisá-lo a partir dos concei-
tos fornecidos pela retórica. Um leitor comum vai identificar o ponto de vista do
autor, reconhecer os argumentos usados para sustentar esse ponto de vista e vai
assumir uma posição diante do que leu: concordar, discordar, elogiar, criticar etc.
Vejamos como a retórica pode mudar a qualidade dessa leitura.

Conceitos fundamentais da Nova Retórica


Para o estudo das diversas manifestações argumentativas, Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996) destacam algumas questões anteriores à formulação de
uma teoria da argumentação. Segundo eles, é necessário levar em conta que
a adesão do interlocutor a uma tese pode ter intensidade variável. Diante dos
argumentos apresentados por alguém, podemos concordar totalmente e partir
para a defesa do mesmo ponto de vista, mas podemos também concordar par-
cialmente com a opinião que essa pessoa nos apresenta. Daí a necessidade de
distinguir de um lado os raciocínios e procedimentos discursivos relativos à ar-
gumentação, de outro os que se referem à demonstração e à dedução. Esses
últimos procuram chegar a evidências absolutas, através da apresentação das
provas que devem demonstrar determinadas proposições de forma definitiva,
de modo que qualquer pessoa razoavelmente inteligente tenha de aceitar a de-
monstração. Na argumentação é possível observar graus variáveis de aceitação
de uma tese.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) ressaltam a importância de uma teoria


da argumentação como um instrumento para a produção e leitura de textos.
Para esses autores, “o objeto dessa teoria é o estudo das técnicas discursivas que
permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhe apresen-
tam ao assentimento” (grifos no original – p. 4). Essa definição permite deduzir
que um dos conceitos centrais na teoria da argumentação é o conceito de “tese”.
Portanto, uma questão preliminar ao estudo das técnicas argumentativas em-
pregadas em qualquer discurso é a identificação da tese. Isso é importante tanto
para a produção de textos quanto na sua interpretação.

Não é qualquer tema que se presta à formulação de teses e ao uso da argu-


mentação. Uma afirmação como “a terra é redonda” já foi objeto de polêmica no
passado, mas hoje é uma verdade reconhecida, sobre a qual não há necessidade
de se tomar posição. Se alguém fizesse uma pergunta como “você acha que a
terra é redonda?” seria ridicularizado ou tomado como louco.

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Os temas que se prestam à elaboração de discursos argumentativos devem


ser polêmicos, sobre os quais circulam opiniões antagônicas. Toda tese se opõe a
outras teses concorrentes sobre o mesmo tema. Só faz sentido disputar a adesão
de alguém quando essa pessoa pode assumir uma posição diferente. É simples
elaborar uma lista de temas polêmicos que levam à polarização de opiniões no
Brasil atualmente:

 redução da maioridade penal;

 implantação da pena de morte;

 legalização do aborto;

 adoção da eutanásia;

 etc.

Cada vez que esses temas são discutidos, há grupos que assumem uma posi-
ção favorável e outros que se declaram contrários.

Se um professor de matemática demonstra aos alunos que 3 x 5 = 15, todos


os que entenderem a demonstração ficarão integralmente convencidos da cor-
reção desse cálculo. Mas se o mesmo professor disser que é favorável à proibição
do comércio de armas de fogo no Brasil e apresentar um conjunto de razões
para fundamentar seu ponto de vista, ele certamente não conseguirá convencer
todos os alunos. Alguns vão concordar, outros discordar e alguns vão concordar
parcialmente, e considerar a tese aceitável sob certas condições. Essa diversidade
de posições que as teses polêmicas suscitam pode ser observada, por exemplo,
na seção Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo. O jornal propõe temas
polêmicos a especialistas em várias áreas e divide os artigos em três grupos: sim
(concorda com a tese), não (discorda), em termos (concorda parcialmente, sob
certas condições).

O que é uma tese? É a posição, o ponto de vista do autor diante de um tema


polêmico. O ponto de partida para a interpretação de qualquer texto de opinião é
a identificação da tese defendida pelo autor, assim como o ponto de partida para
a produção de um texto de opinião é ter clareza sobre a tese a ser defendida.

Voltemos ao texto “O ano da saúde e os desmancha-prazeres”. A organização


argumentativa desse texto tem como núcleo a tese do autor, seu ponto de vista
sobre os serviços públicos de saúde no Brasil. Essa tese aparece na frase destaca-
da antes do texto: “Ou damos tudo a uns poucos ou oferecemos a todos apenas
os cuidados médicos necessários simples”. O ponto de vista de Castro corres-

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ponde evidentemente à segunda parte dessa frase. A tese de que os serviços


públicos de saúde no Brasil devem se restringir aos procedimentos mais simples
é destacada antes do texto e apresentada nos dois parágrafos finais.

O auditório
A seleção e organização dos argumentos em um texto levam em conta, em
primeiro lugar, os interlocutores, ou, como destacam Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996), o “auditório”, definido como “o conjunto daqueles que o orador pretende
influenciar com sua argumentação” (p. 22). Esses autores destacam também que o
importante, na argumentação, não é saber o que o próprio orador considera ver-
dadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ele se dirige (p. 26).

O autor/falante seleciona seus procedimentos argumentativos a partir de


uma representação, uma imagem do seu interlocutor, que pode ser (ou não)
construída a partir do conhecimento real do grupo particular de indivíduos que
constituem seus leitores/ouvintes reais.

Assim, um segundo passo na interpretação do texto de Castro reproduzido


anteriormente envolve a resposta à questão: a quem o autor se dirige nesse
texto? Quem ele quer convencer com seus argumentos? Qual é seu auditório?

Uma primeira pista para a identificação do auditório é o veículo em que o texto


foi divulgado: a revista Veja. É uma revista que dá ênfase à informação e à forma-
ção de opinião destinada a uma faixa ampla de leitores, em especial a uma classe
média distribuída por todo o território nacional. Quando se estabelece a relação
entre o leitor da revista e a tese proposta pelo autor observa-se um descompasso:
a tese de Castro está relacionada à definição de uma política de saúde pública para
o Brasil. Poucas pessoas no país poderiam combinar a adesão a essa tese com uma
ação efetiva: quem tem o poder de decisão nessas questões são os membros do
Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde estaduais e municipais.

Por que então publicar o artigo em uma revista de grande circulação em


vez de encaminhar as propostas a quem tem poder de decisão, a um auditório
qualificado para executar as ações decorrentes da adesão à tese? Uma resposta
possível é que Castro pretende formar a opinião dos leitores da revista, que não
têm poder de decisão sobre política de saúde, mas seriam afetados diretamente
caso a política proposta fosse implementada. Ou seja, o autor não quer que seu
auditório implemente as propostas apresentadas, mas que as aceite, caso sejam

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implantadas. O autor não pretende levar seus leitores a agir, mas a aceitar sem
reclamações a perda de direitos garantidos constitucionalmente.

As razões alegadas têm a ver com um conjunto de valores supostamente compar-


tilhados pelos leitores da revista. O conceito de “acordo” refere-se a esses valores.

O acordo
Em toda construção argumentativa, o autor pressupõe que seus interlocu-
tores concordam com um conjunto de afirmações implícitas (premissas), que
são admitidas como um “acordo” prévio, sobre o qual toda a argumentação é
construída. Fazem parte desse acordo: fatos, verdades, hierarquias, valores. Na
maioria das vezes esses elementos, que sustentam a argumentação, não são
apresentados explicitamente, mas apenas pressupostos.

Observando o texto “O ano da saúde e os desmancha-prazeres” é fácil perce-


ber que o autor apela principalmente para a valorização da justiça ao formular
seus argumentos. Segundo ele, sua proposta para a saúde pública no Brasil é a
mais “justa”. Ou seja, ele pressupõe que seus leitores compartilhem desta valori-
zação: a melhor decisão em relação a uma política de saúde é a mais justa, isto é,
a que permite um tratamento igualitário à população.

Outro valor presumido no acordo entre o autor e seus leitores é a valorização


da vida. A vida está em jogo em todos os exemplos citados, tanto no caso em
que alguém pede na justiça “120.000 reais para fazer um tratamento quase inútil
nos Estados Unidos” quanto nos casos mais simples, que envolvem nutrição, tra-
tamento de doenças infectocontagiosas etc. Aí entra em cena um outro acordo,
relacionado à quantidade: a melhor política de saúde é a que salva mais vidas.

O autor apresenta ainda no texto todo um conjunto de dados, sejam dados


estatísticos, sejam valores referentes a gastos com saúde. Ele não tem a preocu-
pação de apontar a fonte onde tais informações foram colhidas, mas supõe que
os leitores da revista concordam com a veracidade desses dados.

O conceito de acordo é interessante para a leitura de textos persuasivos, pois


leva o leitor a identificar os fatos e valores que o autor supõe serem aceitos pelos
interlocutores. Há alguns valores que têm um enorme poder persuasivo e que
são usados por partidários de posições distintas para a defesa de teses muito
diferentes. Valores como a justiça, a liberdade, a democracia, a preservação do
meio ambiente, o direito à vida têm os mais diversos usos. Basta lembrar a cam-

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panha contra o desarmamento, por ocasião do plebiscito realizado em outubro


de 2005, que associou a manutenção do direito de posse de armas de fogo à
liberdade individual.

Os tipos de argumentos
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) classificam os argumentos usados nos
textos em duas grandes classes: argumentos quase-lógicos e argumentos ba-
seados na estrutura do real. Os argumentos quase-lógicos procuram se aproxi-
mar de raciocínios formais, lógicos ou matemáticos. Não se pode dizer que haja
simplesmente uma transposição dos raciocínios formais para a argumentação,
trata-se apenas de semelhança, de uma forma de apresentação que dá aos ar-
gumentos a aparência de uma demonstração. Estão nesse grupo os argumentos
que apelam para relações lógico-matemáticas como a divisão do todo em partes,
a comparação, a transitividade, a probabilidade, os cálculos matemáticos.

Observe o uso da argumentação quase-lógica no seguinte fragmento de


texto. O apelo a cálculos matemáticos dá uma aparência de demonstração in-
contestável à argumentação usada pelo autor para levar os leitores a aceitar sua
tese de que “o brasileiro trabalha pouco”.

Muito pouco, para tantos


(Folha de S.Paulo apud Geraldi, 1997, p. 100)

Enquanto no Brasil se discute a causa da inflação galopante procurando-


-se academicamente estabelecer se ela é de demanda, de oferta ou – hipó-
tese menos verossímil – de origem psicológica, esquece-se algo que está
naturalmente na raiz desse processo devorador de nações. Referimo-nos à
produtividade da economia brasileira, extremamente baixa, diríamos até es-
candalosamente baixa para um país em via de desenvolvimento e que deve-
ria dedicar-se com maior determinação a produzir riqueza.

Para demonstrar que no Brasil se produz muitíssimo menos do que se


poderia produzir, basta recorrer a alguns números extremamente simples,
numa conta elementar seguindo um raciocínio lógico. Vejamos: o ano tem
365 dias; desses, 52 são domingos e outros 52, sábados (saliente-se que uma
boa parte dos brasileiros não trabalha aos sábados, e quando o faz, geral-

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mente trabalha apenas meio dia). Contando os feriados e os dias engolidos


nos fins de semana, prensados entre um feriado e um sábado, temos aí, por
baixo, cerca de 12 dias, nos quais a média do brasileiro que trabalha não
comparece ao serviço; a isso acrescenta-se uma média de dez dias nos quais
qualquer cidadão, mesmo de boa saúde (o que não é o caso para mais da
metade da população do país), falta ao serviço por motivo de doença. Temos
portanto um total de 126 dias nos quais normalmente não se trabalha e,
portanto, nada se produz. Somemos agora esses 126 dias aos trinta dias de
férias que são concedidas, pela legislação, aos trabalhadores. São 156 dias.
Basta agora subtrair esses 156 dias dos 365 dias do ano e teremos 209 dias.
O brasileiro trabalha, portanto, de um total de 365 dias apenas 209 dias em
média, o que quer dizer que, de um ano todo, menos de dois terços dos dias
são dedicados à produção, o que corresponde a um dia de folga para pouco
mais de um dia de trabalho.

É interessante destacar que a argumentação deste texto, mesmo se asseme-


lhando ao raciocínio matemático, apresenta várias falhas e pode ser facilmente
questionada. Há um problema na correlação estabelecida inicialmente entre
inflação e baixa produtividade; outro na correlação entre produtivida­de e dias
de trabalho. Outros problemas podem ser detectados nos próprios cálculos
apresentados para provar que os brasileiros trabalham menos do que deve-
riam: o turno parcial dos sábados não é computado (o que reduziria em 26 dias
o cálculo dos dias não trabalhados), os sábados e domingos correspondentes
ao período de férias são descontados duplamente (isso reduziria o cálculo em
8 dias), o cálculo de faltas por doença também pode estar superdimensionado.
Mas um exemplo simples como esse mostra que o questionamento de argu-
mentos que se assemelham a raciocínios lógicos exige muitas vezes um racio-
cínio semelhante.

Já os argumentos baseados na estrutura do real levam em conta questões


práticas: exemplos, ilustrações, fatos reais e especulações sobre suas causas e
consequências, relação entre a história ou a posição social de uma pessoa e seus
atos, apelo à autoridade etc. A diferença entre os dois tipos fundamentais de
argumentos é explicitada nos seguintes termos:
Enquanto os argumentos quase-lógicos têm pretensão a certa validade em virtude de seu
aspecto racional, derivado da relação mais ou menos estreita existente entre eles e certas
fórmulas lógicas ou matemáticas, os argumentos fundamentados na estrutura do real valem-
-se dela para estabelecer uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura
promover. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 297)

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A maioria dos textos que encontramos na mídia faz uso dos argumentos ba-
seados na estrutura do real.

Voltemos ao texto “O ano da saúde e os desmancha-prazeres” para observar


como Castro elabora a argumentação para levar os leitores a aceitar sua tese
sobre os serviços de saúde no Brasil. No primeiro parágrafo do texto, ele apre-
senta o ponto de partida para a tese à qual vai se opor: a afirmação de que os
serviços de saúde no Brasil devem ser oferecidos de forma universal, integral e
gratuita está na constituição em vigor. A argumentação desenvolvida nos seis
primeiros parágrafos do texto enfatiza a inviabilidade da proposta constitucio-
nal. Para isso, o autor constrói sua argumentação da seguinte forma:

 usa um argumento de autoridade: apresenta-se como economista e afir-


ma que os cálculos que vai apresentar no artigo foram elaborados junta-
mente com um especialista em saúde;

 usa a ironia ao caracterizar um serviço de saúde barato: “Elixir paregórico


da cintura para baixo, aspirina para cima e extrema-unção quando não
dava certo.”;

 apresenta dados quantitativos correspondentes aos gastos do estado por


habitante e faz a comparação entre esses dados e o custo de alguns tra-
tamentos;

 faz a comparação entre o previsto na Constituição brasileira e os servi-


ços de saúde oferecidos gratuitamente à população em vários países cuja
população dispõe de serviços melhores do que o Brasil (países europeus,
Estados Unidos, Canadá e Cuba);

 faz uma projeção do custo da universalização dos serviços de saúde, a par-


tir de cálculos matemáticos;

 afirma que o que é legal no Brasil (previsto na Constituição) não é justo;

 inicia a defesa de sua tese: através de comparação entre o gasto com a


saúde e os índices de mortalidade, mostra a necessidade de se estabele-
cerem prioridades;

 os dois parágrafos finais são dedicados à retomada da tese e ao apelo aos


leitores para uma ação.

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Esse levantamento mostra que Castro faz uso tanto de argumentos quase-
-lógicos quanto de argumentos baseados na estrutura do real. Apela para infor-
mações reais ao se apresentar com economista, ao escolher países como Estados
Unidos, Canadá, Cuba e Chile para fazer comparações com a situação brasileira,
ao afirmar que quem se beneficia atualmente dos gastos com a saúde são os
mais sabidos, mais poderosos e os grandes hospitais. Mas apela principalmente
para o raciocínio lógico-matemático.

É fácil observar que ele dá ênfase ao uso de cálculos e dados estatísticos na


argumentação, ou seja, procura apresentar-se diante dos leitores não como
alguém que tem uma opinião e que a defende com base na sua percepção da
realidade, mas como uma autoridade em economia que faz uma demonstra-
ção difícil de ser contestada. A dificuldade que os leitores têm na contestação
dos argumentos usados por Castro nesse artigo fica evidente no texto que es-
colhemos para as atividades correspondentes a esta unidade: “Da arte brasi-
leira de ler o que não está escrito”. Trata-se de um artigo escrito pelo mesmo
autor a partir das cartas que a revista recebeu sobre a publicação do artigo que
acabamos de comentar.

Nesta seção não tivemos a preocupação de explorar de forma sistemática


os tipos de argumentos estudados pela Nova Retórica, o que nos levaria a am-
pliar demais esta unidade com a inclusão de vários detalhes adicionais. Preferi-
mos enfatizar apenas as duas grandes classes de argumentos apresentados por
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). Esse grau de detalhamento é suficiente
para uma indicação de como uma abordagem retórica da argumentação pode
ser um instrumento importante na leitura de textos diversos. Escolhemos textos
de opinião, mas poderíamos escolher diversos outros materiais, especialmente
textos publicitários, que fazem um uso bem particular dos argumentos.

O ethos: imagem do autor projetada no discurso


Os elementos destacados nas seções anteriores – auditório, acordo e tipos de
argumentos – colocam em evidência o ouvinte/leitor ou a organização do texto.
Mas a retórica aponta também a importância da imagem do autor/orador. Não é
difícil nos lembrarmos de situações em que ouvimos/lemos um discurso em que
alguém defende um ponto de vista e apresenta seus argumentos, mas só obtém

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como resposta nosso descrédito: “Não acredito em nada do que esse indivíduo
diz”. Essa imagem do autor pode ter sido construída a partir de informações pré-
vias ou pode estar apoiada na forma como ele se apresenta no momento em
que produz seu discurso. A Retórica Clássica usa o termo ethos para se referir à
imagem do orador projetada no discurso. O conceito de ethos é complementa-
do pelo de pathos, que corresponde à imagem que o orador tem do seu audi-
tório, e que o orienta na seleção dos argumentos. Tão importante quanto esses
dois conceitos é o logos, que seria o raciocínio, ou seja, o elemento propriamente
dialético e argumentativo da retórica (REBOUL, 2000, p. 36). Segundo Aristóteles,
o ethos seria o caráter, a moral que o orador assume ou o que ele parece ser para
inspirar confiança no auditório.

O ethos está ligado à pessoa do orador e é construído tanto a partir de suas


escolhas discursivas quanto de informações externas. Entre as escolhas discur-
sivas estão o estilo, o gênero discursivo, as afirmações que indicam a vinculação
a uma ou outra posição ideológica. Entre as informações exteriores ao discurso
estão: o conhecimento prévio sobre o orador e a instituição a partir da qual ele
fala, seu modo de se apresentar, de se vestir, seu tom de voz e gestos.

Todos esses elementos contribuem para a construção de uma imagem do


orador: honesto, desonesto, simpático, confiável, arrogante, prudente, justo, al-
truísta, oportunista etc. O sucesso de um discurso argumentativo está vinculado,
entre outras coisas, também ao ethos do autor.

Conclusão
Na rápida apresentação que fizemos de alguns conceitos nucleares da Nova
Retórica, procuramos deixar claro que a visão corrente de que a retórica é a arte
do discurso vazio e enganador merece ser revista. Somos alvo de discursos per-
suasivos com uma intensidade nunca vista anteriormente: discursos políticos,
religiosos e especialmente publicitários. Em vez de usar a expressão do senso
comum para desqualificar esses discursos, dizendo que “é tudo retórica”, pode-
mos tomar a técnica de análise dos discursos persuasivos desenvolvida pela re-
tórica para avaliar a forma de construção desses discursos, posicionar-nos diante
deles de forma consciente e dispor de instrumentos para refutar a argumenta-
ção inconsistente.

Tal como na Grécia Antiga, ainda hoje a retórica pode ser um instrumento
fundamental para a formação das pessoas e para o exercício da cidadania.

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Texto complementar
Um esboço de análise
da argumentação na oralidade
(COSTA; GODOY, 1997, p. 97-110)

Em entrevistas orais gravadas, os entrevistados são frequentemente leva-


dos a expor seu ponto de vista sobre questões que lhe são propostas pelo en-
trevistador. Ao fazê-lo, elaboram textos argumentativos, em que expõem sua
opinião sobre o tema proposto e reúnem um conjunto de argumentos como
evidências para a sustentação das teses defendidas. Um conjunto de técnicas
argumentativas são utilizadas de forma recorrente nesses textos. A observa-
ção sistemática das mesmas foi o ponto de partida para este estudo. [...]

Um exemplo
No texto abaixo, é possível observar algumas questões interessantes em
relação à representação do interlocutor (o auditório, na concepção de Pe-
relman e Olbrechts-Tyteca) e ao acordo pressuposto entre os interlocuto-
res. Trata-se de parte de uma entrevista feita com uma informante de Pato
Branco (PR), que trabalha em programas de recuperação de meninos de rua,
como membro do Conselho Tutelar da Infância e da Adolescência. No texto,
ela faz uma comparação entre as dificuldades encontradas ao atuar junto
aos meninos e às meninas, e expõe sua tese de que o trabalho com meninas
é mais difícil.

Falante: Agora, é bem mais fácil você trabalhar com meninos do que com
meninas.

Entrevistador: Por quê?

Falante: As meninas começam a se prostituir muito cedo. Então pra elas a


vida na rua é uma festa.

Entrevistador: Com que idade?

Falante: Ah, doze, uns treze. Nós temos menina ali com catorze anos que
já tem filho. E elas pegam carona, conhe... Tem meninas aí que conhecem

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o Brasil inteiro, chegam e contam. E você vai, arruma um emprego pra ela,
arruma matrícula no colégio, tudo. “Mas quem te pediu isso? Eu estou viven-
do a vida que eu quero.” Então, uma das propostas minhas de permanecer
no Conselho ainda é pra ver se a gente consegue com alguma igreja, alguma
coisa, fazer um trabalho com as meninas. Não querer impor uma coisa de
cima pra baixo − né? − mas sim começar a conquistá-las e a reuni-las, ir dis-
cutindo problemas delas até ir... ver o quê que elas querem, que de repente
elas estão só no oba-oba, né? e amanhã elas...

Entrevistador: Esquece que o tempo passa, né?

Falante: Sim, e esquece o risco que está correndo. E amanhã, depois, o


quê que será delas? Então a gente está tentando fazer alguma coisa por elas
também. E o menino, não sei se é porque sempre eu trabalhei mais com
menino, eu acho que ele é até menos agressivo do que a menina. Que a
menina, se precisar brigar, ela briga mesmo. E tem os mesmos vícios dos me-
ninos: cheira cola, fuma maconha, bebe e se prostitui. E os meninos, nem
todos eles se prostituem. Então, sei lá, e...a gente brinca que é... O pe ssoal do
Conselho chateia: “Olha as tuas rolinhas aqui.” Diz que as meninas são as
minhas rolinhas, (riso) que elas só procuram a Loris, só querem falar comigo,
né? Achei... Comigo elas jogam limpo, elas contam tudo que acontece. De
repente esses tempos veio até... veio uma que estava na prostituição. E ela
com a maior cara de pau me falando, diz: “Olha, a gente tem comida, tem
roupa, única coisa que a gente faz é de noite beber e dançar. E se quiser tran-
sar, vai transar. Tem até piscina lá. Eu vou pedir pro juiz me dar uma ordem
pra mim ficar lá, porque eu vou ficar fazendo o quê aqui em casa, hein? Pra
mim viver aí eu tenho que trabalhar de boia-fria, arrancar feijão o dia inteiro,
morrer de dor nas costas. E ganha uma miséria. E lá eu ganho o dobro numa
noite.” Então me arrependo até. Como é que você vai pôr na cabeça dela que
hoje ela está ganhando bem, mas e amanhã, como é que vai ser? É uma coisa
bem difícil, bem complexa. (PRPBR12)1

Observando nesse texto a escolha e ordenação das técnicas argumenta-


tivas, temos o seguinte:

a entrevistada começa pela explicitação de sua tese: “Agora, é bem mais


fácil você trabalhar com meninos do que com meninas.” A seguir, apresenta
1
As referências às entrevistas são feitas conforme a codificação adotada no Banco de Dados Linguísticos VARSUL, conforme apresentado
em KNIES, Clarice Bohn; COSTA, Iara Bemquerer. Banco de Dados Linguísticos VARSUL: Manual do Usuário. UFRGS/UFSC/UFPR/PUC-RS, 1996. A
sequência PRPBR12 significa: Paraná, Pato Branco, entrevista 12.

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uma proposição que resume a argumentação a ser desenvolvida a seguir: “As


meninas começam a se prostituir muito cedo. Então para elas a vida na rua
é uma festa.”

As técnicas argumentativas utilizadas na sustentação dessas afirmações são:

a) Comparação:

 “As meninas começam a se prostituir muito cedo...” [...] “...e os meni-


nos, nem todos eles se prostituem.”

 “E o menino [...] eu acho que ele é até menos agressivo do que a


menina.”

 “Que a menina, se precisar brigar, ela briga mesmo. E tem os mes-


mos vícios dos meninos: cheira cola, fuma maconha, bebe...”

b) Exemplo real:

 “Nós temos menina ali com catorze anos que já tem filho”.

c) Ilustração real:

 “O pessoal do Conselho chateia: ‘Olha as tuas rolinhas aqui’...etc.”

 “De repente esses tempos veio até... veio uma que estava na pros-
tituição... etc.”

A escolha desses recursos argumentativos vem acompanhada de marcas


que remetem ao grau de convicção da informante sobre seus enunciados,
especialmente a utilização de expressões como “eu acho”, “não sei”, “sei lá”,
que modalizam a apresentação dos argumentos, revelando um certo grau
de insegurança da entrevistada em relação ao que ela mesma enuncia. Esses
elementos funcionam como atenuadores das proposições:
 “... eu acho que ele é até menos agressivo do que as meninas.”
 “...E o menino, não sei se é porque eu sempre trabalhei com menino...”
 “Então, sei lá...”

Se forem consideradas as técnicas argumentativas selecionadas, elas são


bem escolhidas para os propósitos da falante. Tanto o exemplo real quanto
a comparação e a ilustração real escolhidas têm a particularidade de tornar
presentes na consciência do interlocutor fatos e depoimentos que têm um

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poder de persuasão bastante forte. Como explicar, então, as hesitações e ate-


nuações presentes no discurso?

Aqui é importante analisar a organização da fala de Lori a partir dos con-


ceitos de auditório e acordo formulados por Perelman e Olbrechts-Tyteca. O
interlocutor imediato da falante é seu entrevistador; este representa o audi-
tório, com quem ela estabelece facilmente um acordo em torno de um con-
junto de valores:

a) Os meninos de rua convivem com várias coisas ruins: bebida, drogas e


prostituição;

b) A reabilitação dessas crianças se dá mediante seu acesso à educação e


ao trabalho;

c) A possibilidade de acesso das crianças à escola e ao trabalho deve le-


vá-las a compartilhar dos valores positivos que lhe são apresentados.

O entendimento das hesitações da informante e da própria formulação


de sua tese de que o trabalho com meninos é mais fácil do que com meni-
nas tem a ver com o auditório e o acordo e não com as técnicas utilizadas
na construção da argumentação. Enquanto na sua interação com o entrevis-
tador ela consegue selecionar e ordenar os argumentos a partir do acordo
em torno de um conjunto de valores, na interação com outro auditório, o
das meninas de rua, o acordo não é possível. Para a falante, o auditório que
ela gostaria realmente de influenciar com sua argumentação não aceita o
acordo em torno dos valores relacionados à educação e ao trabalho, e se
contrapõe ao acordo implícito no seu discurso mediante a explicitação de
um conjunto alternativo de valores. Daí a consciência que ela revela de que
para ter alguma influência sobre esse auditório, seria necessário estabelecer
algum acordo inicial: “... começar a conquistá-las e a reuni-las, ir discutindo os
problemas delas até ir... ver o quê que elas querem...”

Atividades
O texto a seguir foi publicado pela Veja seis meses depois da publicação do
artigo de opinião “O ano da saúde e os desmancha-prazeres”. Os dois textos
são do mesmo autor e foram publicados na mesma seção da revista. Neste
segundo texto, Cláudio de Moura e Castro faz uma discussão a propósito das
cartas que a revista recebeu depois da publicação do primeiro.

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Da arte brasileira de ler o que não está escrito


A imaginação criativa de alguns leitores não se detém sobre a lógica do texto.
É a vitória da semiótica sobre a semântica
(CASTRO, 1997, p. 142)

Terminando os poucos anos de escola oferecidos em seu vilarejo nas


montanhas do Líbano, o jovem Wadi Haddad foi mandado para Beirute para
continuar sua educação. Ao vê-lo ausente de casa por um par de anos, a
vizinha aproximou-se cautelosa de sua mãe, jurou sua amizade à família e
perguntou se havia algum problema com o rapaz. Se todos os seus colegui-
nhas aprenderam a ler, por que ele continuava na escola? Anos depois, Wadi
organizou a famosa Conferência de Jontiem, “Educação para Todos”, mas isso
é outro assunto. Para a vizinha libanesa, há os que sabem ler e há os que não
sabem. Não lhe ocorre que há níveis diferentes de compreensão. Mas infeliz-
mente temos todos o vício de subestimar as dificuldades na arte de ler, ou,
melhor dito, na arte de entender o que foi lido. Saiu da escola, sabe ler.

O ensaio de hoje é sobre cartas que recebi dos leitores da Veja, algumas
generosas, outras iradas. Não tento rebater críticas, pois minhas farpas atin-
gem também cartas elogiosas. Falo da arte da leitura. É preocupante ver a
liberdade com que alguns leitores interpretam os textos. Muitos se rebelam
com o que eu não disse (jamais defendi o sistema de saúde americano).
Outros comentam opiniões que não expressei e nem tenho (não sou contra
a universidade pública ou a pesquisa). Há os que adivinham as entrelinhas,
ignorando as linhas. Indignam-se com o que acham que eu quis dizer, e não
com o que eu disse. Alguns decretam que o autor é um horrendo neoliberal
e decidem que ele pensa assim ou assado sobre o assunto, mesmo que o
texto diga o contrário.

Não generalizo sobre as epístolas recebidas algumas de lógica modelar.


Tampouco é errado ou condenável passar a ilações sobre o autor ou sobre as
consequências do que está dizendo. Mas nada disso pode passar por cima
do que está escrito e da sua lógica. Meus ensaios têm colimado assuntos
candentes e controvertidos. Sem uma correta participação da opinião pú-
blica educada, dificilmente nos encaminharemos para uma solução. Mas a
discussão só avança se a lógica não for afogada pela indignação.

Vale a pena ilustrar esse tipo de leitura com os comentários a um ensaio


sobre nosso sistema de saúde (abril de 1997). A essência do ensaio era a in-

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viabilidade econômica e fiscal do sistema preconizado pela Constituição.


Lantejoulas e meandros à parte, o ensaio afirmava que a operação de um
sistema de saúde gratuito, integral e universal consumiria uma fração do PIB
que, de tão alta (até 40%), seria de implantação inverossímil.

Ninguém é obrigado a aceitar essa afirmativa. Mas a lógica impõe quais


são as possibilidades de discordar. Para destruir os argumentos, ou se mostra
que é viável gastar 40% do PIB com saúde ou é necessário demonstrar que as
contas que fiz com André Medici estão erradas. Números equivocados, erros
de conta, hipóteses falsas, há muitas fontes possíveis de erro. Mas a lógica
do ensaio faz com que só se possa rebatê-lo nos seus próprios termos, isto
é, nas contas.

Curiosamente, grande parte das cartas recebidas passou por cima desse
imperativo lógico. Fui xingado de malvado e desalmado por uns. Outros fu-
zilaram o que inferem ser minha ideologia. Os que gostaram crucificaram as
autoridades por negar aos necessitados acesso à saúde (igualmente equivo-
cados, pois o ensaio critica as regras e não as inevitáveis consequências de
sua aplicação).

Meus comentaristas escrevem corretamente, não pecam contra a orto-


grafia, as crases comparecem assiduamente e a sintaxe não é imolada. Con-
tudo, alguns não sabem ler. Sua imaginação criativa não se detém sobre a
aborrecida lógica do texto. É a vitória da semiótica sobre a semântica.

1. Identifique a tese defendida por Castro nesse texto.

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2. A que auditório Castro se dirige nesse texto?

3. Identifique dois argumentos usados por Castro para a sustentação de sua tese.

Referências
CASTRO, Cláudio de Moura e. Da arte brasileira de ler o que não está escrito: a
imaginação criativa de alguns leitores não se detém sobre a lógica do texto. É a
vitória da semiótica sobre a semântica. Veja, São Paulo, 1499, p. 142, out. 1997.

_____. O ano da saúde e os desmancha-prazeres: ou damos tudo a uns poucos ou


oferecemos a todos apenas os cuidados médicos necessários simples. Veja, São
Paulo, 1490, p. 134, abr. 1997.
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Análise retórica da argumentação

COSTA, Iara Bemquerer; GODOY, Maria Alice Maschio. Um esboço de análise da


argumentação na oralidade. Revista Letras, Curitiba, v. 48, p. 97-110, 1997.

GERALDI, João Wanderley. O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1997.

PERELMAN, Chaïm. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação. São


Paulo: Martins Fontes, 1996.

REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Gabarito
1. O autor explicita sua tese tanto na síntese apresentada antes do texto quan-
to no último parágrafo. A tese poderia ser sintetizada como “alguns leitores
dos seus textos publicados na revista Veja não sabem ler”. Saber ler para ele
significa compreender a lógica do texto, ou seja, a organização dos seus ar-
gumentos e saber que para questionar a tese do autor seria necessário fazer
um trabalho de contra-argumentação, de demonstração de que os argu-
mentos são equivocados.

2. Para identificar o auditório temos que procurar marcas no texto que indi-
quem quem o autor pretende influenciar com sua argumentação. No texto
ele dirige explicitamente aos leitores da revista Veja. A pretensão de Castro
é formar a opinião dos leitores. Para conseguir seu propósito, é necessário
que a leitura seja adequada, ou seja, que os leitores tenham um bom nível de
compreensão do texto, que inclui o reconhecimento e a adequada avaliação
de seus argumentos (a lógica do texto, sua semântica, isto é, seu significado).

3. O autor constrói sua argumentação principalmente a partir das ilustrações e


exemplos. Alguns dos argumentos que podem ser destacados do texto são:

 a narrativa sobre Wadi Haddad apresentada no primeiro parágrafo;

 os vários exemplos de trechos de cartas citados no segundo parágrafo;

 o apelo à lógica para limitar as formas possíveis de discordar de sua argu-


mentação apresentada no quinto parágrafo (este é um argumento quase-
-lógico);

 os exemplos de trechos de cartas citados no sexto parágrafo.

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Análise retórica da argumentação

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Relações com a mídia e gestão de crise

Luiz Roberto Dias de Melo


No futebol, há uma frase antológica de um antigo roupeiro do Botafogo,
Neném Prancha1, que serve como ponto de partida para um dos temas deste
capítulo; dizia essa personagem lendária que “pênalti é uma coisa tão im-
portante, que quem devia bater é o presidente do clube”. O mesmo pode-se
dizer sobre a relação entre empresa e mídia: tão especial que quem devia pôr
em prática é o presidente da organização... ou pelo menos um bem prepara-
do porta-voz. Vários são os motivos para esse juízo, entre eles os muitos mal-
-entendidos, consequência, quase sempre, de erros de gestão da comu-
nicação cometidos por porta-vozes inexperientes ou desatentos às exi-
gências da atividade. Reis (In: SILVA NETO, 2010, p. 167), perguntando-se
“[...] de quem é a culpa quando o resultado da comunicação não é bom?”,
lembra de que resmungos, por parte de entrevistados, segundo os quais
o jornalista “não entendeu o que foi dito”; ou que o profissional “tirou as
frases do contexto”, ou ainda “colocou na minha boca coisas que eu não
disse”, geralmente poderiam ser evitados se a “lição de casa” fosse feita
com rigor e foco. No caso, o exercício é representado pelo esforço em se
preparar para cumprir com êxito a comunicação:
[...] uma entrevista ou manifestação pública requer que o porta-voz revisite previamente
os principais pilares que norteiam a vida de sua organização. Assim, poderá calibrar
devidamente o discurso a ser adotado (exemplos: missões e valores; números relativos
ao negócio; iniciativas recentes bem-sucedidas; planos para o futuro) ( REIS, In: SILVA
NETO, 2010, p. 167).

O que vamos desenvolver nas linhas abaixo é apenas um esboço das


principais diretrizes para um relacionamento harmonioso com a impren-
sa, por meio da qual a prestação de contas aos públicos da empresa tor-
na-se fator dos mais destacados no planejamento estratégico. E por isso
mesmo extrapola os limites do treinamento de porta-vozes para entrevis-
tas e afins, já que na primeira situação o making decision da organização
1
Pseudônimo de Antonio Franco de Oliveira (1906-1976). Célebre autor de algumas das mais famosas “máximas” do futebol, tinha esse
seu talento reconhecido por todos os comentaristas esportivos da época.

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é diretamente envolvido em seu cotidiano e dele depende o dimensionamento


e o tônus dessa relação. Chama-se de midia trainning, um programa voltado à
formação de porta-vozes e há diversas empresas da área de comunicação que
o oferecem. Como se enfatizou, contudo, programas de treinamento capacitam
os integrantes e põem em relevo os pontos-chave a serem explorados em en-
trevistas e eventos de um modo geral. Mas jamais conseguirão prever todas as
situações em que a empresa será chamada a se pronunciar e, tampouco, serão
capazes de analisar a empresa em profundidade, identificando os componentes,
da cultura organizacional, merecedores de atenção.

É preciso saber orientar a mídia


Não se saberá orientar a mídia sem, antes, ter-se cultivado um bom relaciona-
mento com ela. Assessores de imprensa e relações públicas costumam valorizar
demais o envio de releases2 para jornalistas na esperança (muitas vezes vã) de
que aqueles sejam lidos e seu conteúdo aproveitado em diversos veículos. Con-
tudo, não é difícil de imaginar, sobretudo hoje, quando os meios digitais eleva-
ram exponencialmente a carga de informação gerada todos os dias, de que não
apenas jornalistas, mas todos nós tornamo-nos muito mais seletivos em relação
à leitura de textos que nos chegam de toda parte.

Ainda que isso pareça evidente, insiste-se na estratégia do envio de releases,


pois uma média de “adesão” na ordem de 1% a 2% entusiasma muitos comuni-
cadores e, provavelmente, na ótica deles, justifica o tempo e o esforço reserva-
dos para a atividade. Mas, nesses casos, quase sempre acaba-se não levando em
conta o perfil dos meios que veicularam o informe sobre a empresa, o contexto
editorial (caderno, seção, coluna etc.) em que foi inserido e, mais importante, os
efeitos gerados pela publicação. Por isso, uma pesquisa sobre os jornalistas mais
adequados para a destinação dos releases, embora mostre-se um processo bem
mais trabalhoso, é também mais compensador do ponto de vista dos efeitos da
comunicação. Parte-se da evidência de que os mesmos jornalistas não estarão
sempre dispostos a publicar informes sobre a empresa, principalmente aqueles
destituídos de maior interesse para o público, como promoções da média gerên-
cia e outros fatos rotineiros.

Quanto mais se esquadrinha o perfil dos jornalistas nas diversas redações,


maior será a oportunidade de uma aproximação cordial e estratégica com eles.
Estamos, portanto, pensando num tipo de relacionamento cooperativo que
2
Texto jornalístico, de caráter noticioso, distribuído por jornalistas e assessorias de imprensa para a mídia impressa.

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difere bastante de um relacionamento instrumental. Neste, a empresa aparece


na última hora, esperando a divulgação de seus informes, sem antes ter criado
condições que favorecessem esse diálogo.

Mas, afinal, a relação com a mídia ocorre apenas nesse ciclo de “abastecimen-
to”, cujos papéis dos atores já são de per si definidos? De um lado, a empresa
geradora de “notícia” e, de outro, a mídia com os seus canais de veiculação?

Neves (2000, p. 36) detém-se no estudo do que denomina de “questões” – a


tradução que utiliza para a palavra inglesa “issues” – integrantes do universo or-
ganizacional na forma de pressões originárias de dois âmbitos, ou de “famílias”,
como prefere o autor, distintos. Ambas as dimensões, podemos inferir, são ma-
téria-prima da comunicação a ser contextualizada de algum modo com a mídia,
embora não preponderantemente, de vez que elas possuem valor macroestru-
tural e não se reduzem pura e simplesmente a uma espécie de “produto noticio-
so” de rotina: questões relacionadas à imagem da empresa e, completamos nós,
diretamente ligadas à sua reputação de forma positiva: transparência, agilidade,
qualidade de produtos e serviços, qualidade da gerência, tecnologia, boa admi-
nistração, seriedade, responsabilidade social etc. E os atributos negativos: arro-
gância, lucros exagerados, insensibilidade social, lentidão, manipulação, caixa-
preta, atuação predadora, maus produtos e serviços etc.

A outra família de issues diz respeito às “questões públicas”, as quais de-


monstram, também, elevado coeficiente de pressão sobre a empresa, podendo
mesmo transformarem-se em um campo minado na hipótese de não se ter po-
sições bem pensadas em relação a elas. Neves (2000, p. 93) lembra de que essas
questões “[...] podem afetar o funcionamento da organização ou seus interesses
futuros [...]” e subdividem-se nas seguintes categorias:

 econômico/financeiras – política econômica: crescimento econômico,


inflação, taxa de juros, câmbio etc.; orçamento público: impostos, controle
orçamentário, tarifas públicas, controle de preços etc. Ações sobre o mer-
cado: práticas monopolísticas, defesa do consumidor, ações sobre capital
estrangeiro (remessas de lucro, compras de governo, medidas protecio-
nistas); privatização/estatização, reservas de mercado etc.

 políticas – eleições, novos governos, mudanças de ministério etc.

 sociais – questão agrária, direitos trabalhistas, política salarial, reflexos do


avanço tecnológico, direitos humanos, previdência social, questões reli-
giosas, meio ambiente, abuso sexual etc.

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 internacionais – blocos de comércio, propriedade intelectual, conflitos


de fronteiras, narcotráfico, terrorismo, acordos de comércio, relações bi-
laterais etc.

O diálogo produtivo com a mídia depende em grande parte do esclareci-


mento do comunicador (relações públicas, assessor de imprensa ou diretorias)
diante da máquina de notícias. A começar pelo funcionamento das redações; o
comunicador não pode desconhecer estruturas, cargos, hierarquias das mídias
impressas e eletrônicas. Abaixo, a reprodução do organograma de uma redação
de rádio e TV. A estrutura da redação de jornal não é muito diferente, devendo-
-se dar destaque às diversas editorias (política, cotidiano, cultura etc.).

Luiz Roberto Dias de Melo.


Diretor de
jornalismo

Editor chefe Chefe de reportagem

Editor de texto Apresentador Rádio escuta

Produtor

Repórter

Cinegrafista/técnico

Figura 1 – Organograma da redação de rádio e TV.

Dada a hierarquia anterior, é de se concluir que até a notícia chegar ao jor-


nalista ela passe por diversas áreas de decisão; cabe ao jornalista escolher de-
terminado assunto para ser divulgado. É de se reconhecer também o lugar da
subjetividade do jornalista, sustentada em valores éticos, orientação política,
experiência e nas expectativas quanto ao rendimento da notícia como item de
valor jornalístico. Para organizar a cobertura dos principais eventos, as empresas
de comunicação consideram: a atualidade, a distância da redação, o interesse da
comunidade e a audiência.

Os profissionais encarregados do relacionamento com a mídia devem se respon-


sabilizar, basicamente, pelos seguintes itens: sugestão de pauta, entrevista coletiva,
notas e artigos. Reis (In: SILVA NETO, 2010, p. 171) cita o “IPRA3 Charter on Media Trans-
parency” que sugere a partilha de compromissos entre os profissionais de comuni-
cação corporativa, de um lado, e jornalistas e órgãos de imprensa, do outro:
3
International Public Relations Association (IPRA).

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 materiais editoriais devem ser gerados exclusivamente a partir de interes-


se jornalístico;

 informações publicadas em função de pagamento devem ser claramente


identificadas como publicidade ou publieditoriais;

 produtos devem ser oferecidos a jornalistas apenas quando se tratar de


análise ou teste destinado a formar opinião sobre o desempenho dos
mesmos, e por tempo preestabelecido;

 provedores de conteúdo (imprensa tradicional ou agentes do mundo di-


gital) devem criar regras claras acerca do recebimento de brindes e pre-
sentes, bem como obtenção de descontos que possam vir a obter, na con-
dição de formadores de opinião, junto a qualquer organização.

É preciso saber responder à mídia


Chega a hora de se conversar com a mídia. Uma série de pressupostos deve
guiar o porta-voz, os quais exigem reflexão e tranquilidade na sua abordagem,
evitando-se um tom enfático, repetidas vezes, nas respostas, e trejeitos, sobretu-
do quando estiver diante das câmeras. Repórteres experientes notam com muita
facilidade a ansiedade de seus entrevistados ou o despreparo para a tarefa. Por
isso, é um pecado capital “embromar”, fazer uso de circunlóquios, reflexões apa-
rentemente filosóficas, mas, no fundo, destituídas de conteúdo. A tranquilidade
depende, em grande parte, da lição de casa, em termos de revisão da missão da
empresa e itens diretamente relacionados. Da mesma forma, é necessário que
o porta-voz conheça em profundidade o assunto a que se propõe debater para
que não seja surpreendido com informações de última hora, ministradas pelo
repórter. Esse domínio sobre a matéria permitirá ao porta-voz abordar o assunto
de vários lados e, em detalhes, se for necessário.

Nesse sentido, uma vez estabelecida a faixa de atuação do profissional, cabe


a ele procurar tornar-se referência para a imprensa. Para tanto, criará compro-
misso consigo mesmo de manter-se bem informado sobre sua área: reunirá
informações de diferentes fontes, encarregando-se da atualização de dados e
combinando-os com a análise da substância dos temas, sua consistência, os as-
pectos de interesse público e o preparo para apresentá-los com eficiência. Há ne-
cessidade, ainda, de se orientar o jornalista sobre a especificidade dos temas de
sua reportagem e mostrar, quando necessário, que ele está no caminho errado.

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De forma esquemática, arrolamos algumas regras e princípios pelos quais o


comunicador deve se pautar:

Nunca se diz não à imprensa. Isto significa que se deve receber um repórter
mesmo quando não se tem nada de novo a noticiar. Nesse caso, o comunicador
será direto quanto a essa “falta de assunto”, mas poderá encaminhar o repórter à
assessoria de imprensa para criar certa sensação de que a “casa é sua”.

Não se deve cometer o erro da ingerência nas prerrogativas do repórter


e seu veículo. Portanto, além de não confundir entrevista com propaganda, o
porta-voz não vai sugerir e, muito menos indicar, onde e quando a notícia será
veiculada.

A diferença entre uma abordagem sóbria e a “marqueteira” é que a segunda


é identificada de imediato pelos públicos mais críticos e poderá, consequente-
mente, ser alvo de indiferença ou desdém.

O trabalho do porta-voz está a meio caminho do excesso e da parcimônia.


Em outras palavras: se falar demais, acabará cansando o repórter e, depois, o
editor da notícia, além de correr o risco de dizer o que não deve, como a re-
velação de assuntos guardados em sigilo. Sempre é bom lembrar de que em
situações como essas o entrevistador pode ter seu interesse aumentado pela
hipótese de transformar o sigilo em “furo”de reportagem. Se falar de menos, o
porta-voz dificilmente terá oportunidade de criar “gancho” para conduzir o re-
pórter a fazer uma pergunta de interesse da empresa. Além disso, a sensação no
ouvinte ou leitor é de que a resposta foi intencionalmente lacunosa.

É preciso saber definir mensagens prioritárias. Cada entrevista é uma va-


liosa oportunidade para transmissão de mensagens. O comunicador deve esta-
belecer previamente o objetivo a ser alcançado em cada uma delas e selecionar
as mensagens capazes de ter o efeito desejado. As mensagens-chave (entre uma
e quatro) serão pensadas com rigor, bem como o modo de enfatizá-las de di-
ferentes formas. Cada mensagem deve ser preparada a partir da fórmula ICCO:
Interessante (capaz de despertar a atenção do público); Clara (simples, compre-
ensível, fácil de entender e lembrar); Consistente (densidade, crível, convincente,
concreta); Objetiva (breve, curta, direta).

Uma resposta pode ser estendida se a pergunta que a suscitou for utilizada
como “ponte” para a inserção de mensagens estratégicas.

No entanto, devem-se evitar clichês afeiçoados, aparentemente, a filigra-


nas da cortesia do porta-voz; diante de uma pergunta tida como inteligente, o

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entrevistado deve proibir a si mesmo de fazer comentários como “quero render


minha homenagem à perspicácia dessa pergunta”: o efeito é retórico e cheira à
bajulação.

A ênfase bem dosada nas palavras quebra o tom monótono da fala e


revela certa intenção do falante, como a de se conceder mais importância a de-
terminadas passagens da entrevista.

As palavras devem ser bem articuladas, efeito que se obtém com a escan-
são (divisão) dos vocábulos; no entanto, se excessivo o recurso, retira-se a espon-
taneidade da fala, tornando evidente o artifício.

Há pessoas que falam velozmente, mas essa peculiaridade da expressão não


deve ser mecanicamente corrigida. Isto é, com um pouco mais de atenção, re-
pórter e, eventualmente, telespectador ou ouvinte, acompanharão sem dificul-
dade o sentido das frases. Melhor do que o entrevistado tentar falar lentamente
e se perder no raciocínio.

Termos técnicos devem ser utilizados somente quando não puderem


ser substituídos por palavras do cotidiano. Nesse caso, o entrevistado deve
procurar dar uma rápida explicação sobre o sentido da palavra. Contudo, é ne-
cessário considerar o veículo e seu público. O termo stakeholder não gera es-
tranheza na revista Exame, mas na revista Veja, sim. Preciosismos de linguagem
(o presidente Collor chamou certa vez seus opositores de “bonifrates”– títeres,
fantoches) podem ser interpretados como arrogância ou uma forma de encobrir
o vazio do conteúdo. O jornalista não se obriga a saber tudo o que o porta-voz
sabe, pois este profissional vive em um meio especializado que o coloca dia-
riamente na ponta de temas relacionados ao universo da empresa. Repórteres
atentos às exigências de seu trabalho levarão consigo dados sobre a empresa e
outros tantos sobre o assunto em específico. Mas isso pode não ocorrer, o que
não causará reação no porta-voz, antes pelo contrário, ele deverá ver nessa situ-
ação uma oportunidade para conduzir a entrevista.

Desconsiderar a presença do repórter de televisão e responder à per-


gunta olhando para a câmera é uma falta grave. Não raro, no entanto, vê-se o
deslize na televisão. O olho da câmera é o olho do telespectador, mas este deve
ser uma espécie de testemunha ou observador da conversa desenvolvida entre
repórter e seu entrevistado.

A entrevista concedida para qualquer meio ocorre porque se tem interesse


nos negócios da empresa e não na opinião do porta-voz; portanto, este não irá

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jamais confundir seu ponto de vista com o da organização, razão pela qual não
defenderá, de forma apaixonada, a visão da empresa sobre os fatos.

Roteiros sacados do bolso do paletó são interpretados como “cola” e de-


nunciam a insegurança do entrevistado. Esse roteiro deve ser mental e estará
sujeito a modificações, as quais ocorrerão tão espontaneamente quanto o de-
poimento como um todo.

Na televisão, entrevistas no noticiário têm duração média de 20 segundos.


Tempo suficiente para o entrevistado articular, também em média, 85 palavras,
o que exige disciplina, concentração e foco.

Se o tema central de uma entrevista mais longa tangenciar assuntos do noti-


ciário, é indispensável ter-se de forma precisa a dimensão e a especificidade de
cada um e a sua exata relação com aquele tema. A noção de proporção evita-
rá que o entrevistado dê demasiada importância aos assuntos ou, ao contrário,
pouca, parecendo negligenciá-los.

Na eventualidade de o entrevistador tornar-se agressivo em suas perguntas,


provavelmente o que ele objetiva é gerar polêmica e causar impacto. O porta-
voz não esquecerá nunca de que, no momento de seu pronunciamento, ele é
uma “pessoa jurídica”, da qual se espera racionalidade nos procedimentos.

É preciso se preparar
para o cara a cara com a mídia
Este tópico dá ênfase à necessidade de o porta-voz criar um sólido repertó-
rio, consubstanciado na cultura organizacional, mas também em elementos de
outra origem, pertencentes ao universo da cultura geral. No contexto referido
por Neves (2000) o porta-voz pode basear-se nos itens ali mencionados para
a sugestão de pauta, entrevista coletiva, notas e artigos. Reunidos em blocos,
os itens podem ganhar a seguinte configuração e, assim, cristalizarem-se como
fundamentos do aludido repertório, base para a realização das tarefas e também
do fortalecimento da imagem corporativa:

 Transparência – a comunicação deve ser considerada insumo estratégi-


co em todas as ações da empresa, com a função de não apenas divulgar,
mas também ouvir e compreender. Se o princípio da transparência não
estiver consolidado desde os processos internos da empresa, jamais se
fundamentará como valor da cultura organizacional aos olhos do público.
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Por tudo que vimos até agora, sabemos que a comunicação não se limita
à divulgação jornalística ou publicidade. O porta-voz e a organização que
representa sempre têm diante de si a imbricação de múltiplas linguagens
e procedimentos: os gestos, as ações, os eventos simbólicos, a fala, a ação
de sua equipe, a capacidade de escuta e de compreensão no relaciona-
mento interpessoal. O entrecruzamento de todos esses elementos exige,
por definição, elevado grau de transparência para sua legitimação diante
da sociedade e é dever inapelável da organização garantir tal princípio.

 Relacionamento com a comunidade – a abordagem multistakeholder é o


princípio mais adequado: saber com quem se fala, como e quando se fala,
sempre preservando a coerência entre discurso e ações.

 Normas de governança corporativa – governança corporativa é o con-


junto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições
que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou
controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os
diversos stakeholders e os objetivos pelos quais a empresa se orienta. Os
principais públicos, via de regra, são os acionistas, a alta administração e
o conselho de administração. Outros agentes da governança corporativa
incluem os funcionários, fornecedores, clientes, comunidade financeira e
outros credores, instituições reguladoras (como a Câmara de Valores Mobi-
liários, o Banco Central etc.), o meio ambiente e a comunidade em geral.

O modo como a organização empenha-se para administrar os diferentes


componentes desse universo requer o estabelecimento de critérios e princí-
pios e sua sistemática observação pelos agentes em cujas mãos concentra-
-se o poder de decisão.

Conceito de crise institucional


A noção de crise evoca a ideia de conflito, tensão, imprevisibilidade, incer-
teza e desequilíbrio. Aplicada à vida da empresa, pensamos naquelas situações
inesperadas que fogem ao controle dos administradores e sobre cujo desenvol-
vimento aceita-se que é de difícil apreensão; os desdobramentos de uma crise
podem ser mais ou menos pontuais e momentâneos, quanto prolongados e de
efeitos devastadores. Há empresas que sucumbem a crises, tal o caso mais es-
trondoso da história recente das organizações: a Eron. Gigante do setor ener-
gético dos EUA, com faturamento, em 2000, que ultrapassava US$100 bilhões,

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a Eron foi acusada de mascarar balanços que ocultavam dívidas na ordem de


US$25 bilhões, processo fraudulento que contou com a intervenção de uma das
maiores empresas de auditoria do mundo, além de diversas outras entidades.

Neves (2000, p. 115) indica situações tipicamente de crise:


 produtos e serviços com problemas;

 conflitos com empregados: demissões em massa, greves;

 escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc;

 processos legais de várias naturezas;

 atos de terrorismo contra a organização;

 catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;

 panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de software etc.

 falhas humanas.

Podemos incluir nessa lista pelo menos mais um item: a reação em massa
do público a mudanças na forma, no conteúdo ou na fórmula de produtos. Em
1985, a Coca-Cola lançou, nos EUA, a New Coke, versão mais adocicada e suave
do tradicional refrigerante, para fazer frente à Pepsi-Cola que apresentava pe-
quena vantagem de vendas em supermercados, mas suficientemente expressi-
va para justificar a mudança do sabor de um refrigerante, ícone de gerações e de
uma cultura. Com a ajuda de estrondosa campanha publicitária e investimento
de US$ 4 milhões em pesquisas de mercado e a realização de cerca de 200 mil
testes, a empresa obteve, bem ao contrário do que planejara, a reação de cente-
nas de milhares de consumidores que chegaram a fazer 1 500 telefonemas, por
dia, em protesto à iniciativa. Em três meses, a “antiga” Coca-Cola estava de volta
e os fatos ocorridos em seguida entraram para a história do marketing.

No Brasil, a Nestlé, em junho de 2008, alterou o sabor do achocolatado


Nescau, um dos mais conhecidos e importantes produtos da empresa, presente
agora no mercado há mais de 70 anos. Houve protestos de 70 mil consumidores
no Orkut, que chegaram a criar a comunidade “Dependentes do Nescau”, onde
50 mil deles se reuniram para exigir o “retorno” do antigo sabor. O presidente da
Nestlé, Ivan Zurita, tratou de enviar uma mensagem a todos e prometeu atendê-
-los em sua reivindicação, fato ocorrido logo em seguida, em agosto.

Um conceito de crise adotado por Argenti (2006, p. 259) parece-nos suficien-


temente amplo para captar os vários elementos em jogo:

110 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,


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Uma crise é uma catástrofe séria que pode ocorrer naturalmente ou como resultado de erro
humano, intervenção ou até mesmo intenção criminosa. Pode incluir devastação tangível,
como a destruição de vidas ou ativos, ou devastação intangível, como perda de credibilidade da
organização ou outros danos de reputação. Estes últimos resultados podem ser consequência
da resposta da gerência à devastação tangível ou resultados de erro humano.

O teórico ressalta as características mais marcantes das crises, embora reco-


nheça o caráter exclusivo de cada uma:

 o elemento surpresa – caso da descoberta, por parte da Philip Morris, fa-


bricante de cigarros, de carcinogênicos nos filtros de seus produtos;

 informações insuficientes – a empresa demora algum tempo para se dar


conta de que está em situação difícil em decorrência da falta de informa-
ções precisas sobre determinado evento. Uma grande empresa da área de
buffets, no Brasil, precisou aguardar quatro dias para a confirmação de que
a intoxicação alimentar, da qual foram vítimas 50 convidados de um even-
to, fora causada por certa variedade de salgados servidos na ocasião;

 o ritmo acelerado dos eventos – antes mesmo do centro de uma crise ser
meticulosamente identificado, reações de todo lado podem surgir;

 investigação detalhada – o chamado apagão aéreo no Brasil mobilizou uma


dezena de personalidades, abertura de CPI e produção de relatórios.

Quem está preparado para a crise?


Comunicação de risco é a expressão utilizada pelo mercado para designar um
conjunto de estratégias à disposição das empresas e gestores para auxiliá-los
na comunicação com o público em situações potenciais ou reais de conflito de
interesses. Não se trata propriamente de uma “crise”, no sentido exposto ante-
riormente, mas sim do reconhecimento de um clima inamistoso, contrário aos
interesses da empresa. Julgamos importante, no entanto, comentar essas estra-
tégias de passagem, pois elas são recontextualizadas em momentos de crise.

A base conceptual das estratégias é de natureza comportamental e tem como


finalidade obter respostas positivas dos interlocutores. De acordo com Silva Neto
(2010, p. 184), o entrecruzamento de determinadas teorias4 oferece um caminho
para a emissão de mensagens com credibilidade, potencial de convencimento,
claras, concisas e positivas. Há diferentes modelos de comunicação com o públi-
co que se beneficiam dessas teorias, entre os quais o Modelo de seis Passos:
4
São estas as teorias: teoria da determinação da confiança ou credibilidade; teoria da percepção de risco; teoria do ruído mental e teoria da do-
minância negativa.

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 expresse empatia e atenção ao seu interlocutor;

 forneça uma conclusão positiva sobre o assunto em discussão;

 forneça um elemento de apoio e endosso de uma fonte com credibilidade;

 forneça outro elemento de apoio e endosso de uma segunda fonte;

 repita a conclusão;

 coloque-se à disposição do interlocutor para mais informações.

É ainda Silva Neto (2010) que alude a três etapas que as empresas devem
seguir na preparação para a gestão de crises:

 Auditoria de vulnerabilidade – envolve abordagem multidisciplinar


para a identificação e avaliação de riscos e os pontos fracos de natureza
operacional que exigem providências, caso contrário podem gerar emer-
gências ou crise.

 Planejamento de crises – elaboração de planos de gestão e comunica-


ção de crises para os principais problemas identificados.

 Preparação para responder às crises – com base nos planos existentes,


treinar periodicamente os funcionários envolvidos para lidar com os as-
pectos relativos à incerteza e à liderança, e refinar competências com base
nas melhores práticas em gestão e comunicação de crises.

Comunicação durante a crise


O plano de crise, propriamente dito, subdivide-se em vários itens; entre os
quais, os mais importantes são:

 Objetivos do plano – com base na auditoria de vulnerabilidade, deve esta-


belecer o que a empresa almeja com o plano, para si e para seus públicos, no
caso de impactos negativos ocasionados por crises; quanto mais específico
o plano, maior a agilidade para gerar respostas naquelas situações.

 Escopo ou tipo de crises considerados no plano – há dois tipos de cri-


ses: intencionais (terrorismo, sabotagem, violência no trabalho, sequestro,
má relação com empregados etc.) e incontroláveis (desastres, epidemias
contaminação, catástrofes etc.).

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 Legislação, normas e políticas – toda ação relacionada à crise tem que


ser sustentada por dispositivos legais, inclusive para o eventual atendi-
mento a vítimas.

 Comitê de Gestão de Crises – cabe a esse órgão a detecção de vulnera-


bilidades da empresa e adoção de práticas para a resolução dos proble-
mas. Integram o comitê: gerentes das áreas de comunicação corporativa,
produção, finanças, marketing, jurídica, recursos humanos, pesquisa, se-
gurança, entre outras.

 Comunicação interna e externa – todos os quadrantes da organização


devem ser sistemática e cuidadosamente informados. O público externo
deve ser impactado com materiais especialmente idealizados para a situ-
ação: posicionamentos corporativos a cargo de porta-vozes; declarações
preliminares para mídia; releases para a mídia e a intranet; relação de veí-
culos e jornalistas; relação de fontes de apoio; perfis e fotos das unidades
e dos executivos; perguntas e respostas sobre o incidente.

Por último, como esforço de sintetizar, não os procedimentos e políticas


acima delineados, mas os princípios que devem nortear a ação do comunicador
com base nesse quadro, vale a pena relacioná-los em dez tópicos.

1. Reconheça a crise;

2. Analise o fato e tenha explicações ou justificativas razoáveis;

3. Não minta nem disfarce;


4. Não negligencie o público, principalmente os jornalistas;
5. Nunca responda de imediato, sem conhecer a crise;
6. Seja claro e objetivo;
7. Não fuja das respostas com frases evasivas;
8. Prepare material especial para a imprensa, como comunicados e boletins;
9. Se prometeu, responda; não deixe o repórter aguardando por muito tem-
po;
10. Mantenha relacionamento interpessoal com todos da empresa assesso-
rada.

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Texto complementar

Implantação dos princípios organizacionais


para o gerenciamento de crises
(ESPUNY, 2008)

Num trabalho anterior1, feito por mim e mais três postulantes ao título de
especialista em Gestão de Segurança Empresarial, foi discutido o que seriam
os princípios básicos que qualquer organização precisaria observar para
obter um padrão adequado na difícil tarefa de gerenciar riscos. Aquele tra-
balho foi baseado no que a literatura nacional e estrangeira sugere como ins-
trumentos para o gestor de riscos. Analisando o que se produziu até então,
estabelecemos os cinco princípios organizacionais para o gerenciamento
de crises: Princípio da Prevenção (que chamaremos, simplesmente de PP);
Princípio da Estrita Legalidade (PEL); Princípio da Qualidade (PQ); Princípio
da Ética e da Moralidade (PEM) e Princípio da Interdisciplinaridade (PI). Estes
princípios teriam a qualidade de ser tanto orientadores da própria atividade
gestora de riscos quanto fortes norteadores de toda a prática empresarial,
que quanto mais comprometida com eles, menos suscetível seria às crises
de qualquer natureza.

Apenas para deixar mais precisa a ideia do parágrafo anterior, reproduzo


algumas linhas do trabalho citado (SANTOS FILHO, 2008, p. 33-34):

Talvez a empresa não consiga evitar suas crises nem resolvê-las completa-
mente. Contudo, o gestor de crises poderá dar maior segurança aos funcionários,
diretores e acionistas, se pautar suas ações dentro destes cinco parâmetros.

Contudo, antes de discorrer sobre cada um deles, é necessário fazer algu-


mas observações. A primeira delas e, talvez a que mais incorpore todo o espírito
deste trabalho, é a questão da prevenção. Os gestores de crises são (e precisam
ser) pessoas naturalmente dotadas de uma visão antecipada das coisas. Alguns
chamam de dom, outros acreditam que tal faculdade possa ser desenvolvida
com o hábito, mas o que é observável – ainda que empiricamente – é que certas
pessoas são mais previdentes que outras. E esta capacidade de previsão, muitas
1
SANTOS FILHO, Daniel R. FERREIRA, Edson; LIMA, Eduardo O.; ESPUNY, Herbert G. Princípios Organizacionais para o Gerenciamento de
Crises. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Anhembi-Morumbi, como requisito parcial à aprovação no curso de
MBA em Gestão Estratégica de Segurança Empresarial. São Paulo, 2008.

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vezes, interfere diretamente na sua capacidade e desempenho profissionais. O


primeiro princípio abrange talvez o que seja o abecedário de um moderno gestor
de crises: a previsão. É através dela que a organização será mais ou menos sus-
cetível aos efeitos de determinadas crises. De certa forma, o primeiro princípio
é tão importante, que – independente de alguns instrumentos que serão dis-
cutidos no próximo tópico – a prevenção deve ser incutida em todos os setores
da empresa, como um princípio norteador, componente comum e vivenciado
desde a alta administração até o chão de fábrica. Cursos; instrumentos básicos
que possam materializar a prevenção nas atividades profissionais; a exploração
das múltiplas facetas da prevenção, inclusive aquelas que permitem um viver
mais tranquilo e saudável para o próprio funcionário; enfim, tudo o que possa
auxiliar a compreender a ideia, a subentender as vertentes, a materializar a ação
preventiva deve ser implementada na organização.

A segunda observação é que os princípios seguintes, o segundo, o terceiro e


o quarto são, de certa forma, subsidiários do primeiro. Sim, pois se manter na
legalidade, servir-se de padrões de qualidade e, ainda, estruturar a organização
na ética e na moralidade, sem dúvida alguma, previne a organização de crises
tais como a de deterioração do ambiente organizacional. Apesar de estes princí-
pios estarem, neste contexto, a serviço do gerenciamento de crises, eles próprios
são capazes de – aplicados a toda empresa – prevenir a maior parte das ocor-
rências que possam colocar em risco a organização. Já o quinto princípio é fruto
dos tempos atuais: o conhecimento e a prática das mais diversas atividades já
não estão focados em departamentos únicos, estanques, isolados... A informa-
ção flui pelos mais diversos ramos do conhecimento e o gestor moderno deve ser
capaz de rastrear tais informações, processá-las e aplicá-las em sua área espe-
cífica. Gerir crises é vivenciar um conhecimento e uma prática interdisciplinares,
às voltas com fatos, pessoas, objetos, patrimônio, riscos e... Prevenção!

Finalmente é importante ressaltar que os princípios citados atendem a duas


finalidades distintas, difíceis de serem separadas no dia a dia da gestão de crises:
a primeira finalidade, como já extensamente citado, é a da prevenção no senti-
do mais amplo, que tem a ver com toda a organização e estrutura da empresa;
e, a segunda finalidade, está na aplicação direta destes princípios no gerencia-
mento das crises propriamente ditas.

Estabelecidas tais observações e, ainda à guisa de introdução, gostaria de


delimitar a área de interesse deste trabalho: buscarei discorrer sobre a possí-
vel implantação destes princípios em quaisquer organizações, sejam as mais

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simples – como microempresas, sejam as mais complexas – como aquelas


de múltiplas atividades. É evidente que os detalhes táticos e operacionais
só poderão ser efetivamente explorados e planejados pelos gestores que se
propuserem a desenvolver o trabalho na empresa real. Mas, a exploração
das vantagens e desvantagens estratégicas da utilização destes princípios
podem e devem se constituir em exercício intelectual dos administradores
e empresários modernos. E, também, por que não, dos trabalhadores pre-
ocupados com a manutenção de seus empregos... Pois a atividade de gerir
crises, com competência, pode, muito bem, representar a sobrevivência da
organização no mundo moderno.

A implantação dos princípios


O desenvolvimento de uma nova área na empresa depende da vonta-
de política. Esta vontade advém, primeiramente, da alta direção. Não parece
possível desenvolver novas posturas diante de alguns problemas se a alta
direção não deixar bastante claro que esta é uma decisão estratégica da em-
presa. E esta realidade pode ser explicada pela inércia com a qual, habitual-
mente, desenvolvemos as atividades cotidianas. Se as coisas estão fluindo...
Por que modificá-las? E assim, passa o tempo e ninguém faz nada de efetivo
para mudar.

Os novos paradigmas do mundo moderno tendem a transformar a men-


talidade da acomodação numa postura proativa. E esta realidade é ainda
mais observada nas especificidades que compõe a área de gerenciamento
de crises. Neves (2002, p. 17), tratando da velocidade da comunicação nos
dias atuais, observa:

Na madrugada de 31 de agosto de 1997, estava eu assistindo, na minha


casa, no Rio de Janeiro, à CNN quando a programação foi interrompida para
mostrar imagens diretamente da Pont l’Alma, em Paris, onde acabara de
acontecer o acidente com a Ladi Di. É bem provável que eu e a torcida do
Flamengo tenhamos ficado sabendo da morte da princesa antes do pessoal
do Palácio de Buckinghan, em Londres. Vale dizer que ficamos sabendo do
fato antes daqueles que iriam gerenciar a crise recém-iniciada.

Ou seja, a velocidade da informação num mundo globalizado já é por


si mesmo, se não uma espécie de crise, uma forte contribuição para que a
crise se instale rapidamente. Se o gestor de crises não possuir mecanismos

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que ele possa imediatamente acionar para diminuir a intensidade dos efei-
tos causados pelos fatos geradores da crise, esta pode se intensificar e, até,
sair do controle. São conhecidos os efeitos de boatos ou mesmo notícias que
influenciam fortemente o desempenho de ações nas Bolsas de Valores do
mundo inteiro.

Mas, de qual mecanismo poderá dispor o gestor de crises para lidar com
tais fatos? É evidente que o tamanho da organização e o conjunto das ocor-
rências serão os determinantes para a melhor atuação do gestor de crises.
Mas, algumas recomendações as organizações poderão levar em considera-
ção, qualquer que seja a natureza da crise:

a) Observância do Princípio da Estrita Legalidade. O que seria óbvio em


qualquer lugar do mundo, mas não é tão evidente assim no Brasil.
Qualquer crise é mais duradoura e mais suscetível de criar situações
que comprometam a atividade-fim de uma empresa se o ambiente
organizacional da mesma não estiver conformado com os valores do
princípio citado. É absolutamente comum grandes organizações des-
cuidarem de detalhes que podem comprometer sua imagem e repu-
tação. Um exemplo disso é a prática de crimes contra o consumidor
(Folha de São Paulo, jul. 2004), que sugerem muito mais descuido ad-
ministrativo que uma vontade de delinquir, uma vez que determina-
das áreas possam ficar nas mãos de terceiros, sem o mesmo compro-
metimento do empreendedor. Contudo, a falta de controle adequado
é um elemento que compromete a seriedade do negócio, pois quem
terceiriza não está isento de fiscalizar o que o seu contratado faz, pois
é corresponsável, de qualquer forma. Mais preocupante ainda, para o
gestor de crises, são as formulações deliberadas para a obtenção de
resultados financeiros à custa de manobras pouco éticas ou crimino-
sas, como a sonegação fiscal (Folha de S.Paulo, jul. 2005).

Portanto, a observação da estrita legalidade é fundamental como um po-


deroso instrumento de gestão de crises, seja nas micro-organizações, seja
nas mais complexas do mundo. Porque – desde que fundamentado neste
princípio – o empresário terá suas crises se não evitadas, pelo menos abre-
viadas. A estrita legalidade não poderá evitar algumas crises oriundas de de-
sastres naturais ou ocorrências absolutamente fora do controle da empresa.
Por exemplo, uma tempestade atípica, capaz de inundar uma área, que até
então não era de risco e comprometer, por exemplo, uma entrega da empre-

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sa é um exemplo de fato imprevisível. Mas, se a empresa – na sua política de


gestão de crises – tiver todos os seus aspectos bem estruturados, o que inclui
um seguro operacional, poderá – além de ter sua imagem muito pouco arra-
nhada por se tratar de uma ocorrência fora de seu controle – ainda recuperar
qualquer prejuízo financeiro que a não entrega prevista poderia gerar.

A primeira vertente para a efetiva implantação dos princípios organiza-


cionais para o gerenciamento de crises parece passar pela efetiva funda-
mentação legal de todos os setores e atividades da empresa. Esta será, sem
dúvida, a base ideal para uma boa gestão de crises.

b) Planejamento. Crises podem não ser evitadas, mas sua minimização


deve ser buscada pelo gestor das mesmas. Mas, isso depende de um
certo sentido de antecipação, de uma postura prática diante de fatos
que possam representar ameaças à organização. Inicialmente, pode-
se pensar em tudo o que poderia representar uma ameaça à continui-
dade do negócio. Um marceneiro, por exemplo, poderia se preocu-
par em listar possíveis fornecedores, caso o seu deixe de fornecer sua
matéria-prima. Ou pensar em fazer uma pequena reserva financeira
para a manutenção das suas máquinas. Enfim, cada negócio exigirá
providências diferentes, mas o espírito da prevenção é o que se deve
enfatizar. A organização que pretenda estabelecer um setor que ge-
rencie crises precisa pensar nelas. Providências como a instalação de
um Comitê de Crises e Planos de Contingência, são fundamentais para
que a atividade possa crescer nos mais diversos setores da organiza-
ção. Um bom exercício para todos os envolvidos é listar – setor por se-
tor – todos os possíveis problemas e criar planos de contingência para
lidar com os mesmos. Alguns tipos de crises não são facilmente listá-
veis, pois não fazem parte da nossa cultura. Por exemplo, terremotos.
Ninguém precisa listar o terremoto como fonte de suas preocupações.
Mas, poderia listar – por exemplo – a incapacidade de utilização da
planta da empresa. Qual a solução? As atividades poderiam ser trans-
feridas para um outro local? Onde seria? A fabricação, se for o caso,
de determinado produto poderia ser contratada? Enfim, o gestor de
crises pode ter planos de contingência genéricos, que se preocupem
com possíveis efeitos danosos que uma ampla gama de crises possa
gerar para a organização.

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Conclusão
A organização moderna que quer dar os primeiros passos no gerencia-
mento de crises deve, em primeiro lugar, ver estabelecida esta meta como
estratégica da alta direção.

Em seguida, revisar todas as suas atividades, externas e internas, sob a


ótica da legalidade e, efetivamente, corrigir quaisquer desvios neste sentido.
O conjunto de leis às quais o mercado é exposto, no Brasil, com certeza não
facilita o desenvolvimento desta tarefa. Mas não é um assunto que deva ser
relegado a um segundo plano quando se fala na gestão de crises. Geri-las
não é fácil... Se a empresa não estiver absolutamente dentro da estrita lega-
lidade é, praticamente, impossível.

Finalmente, os primeiros exercícios da organização devem ser no sentido


de mapear as principais crises, ou todas as que podem comprometer a con-
tinuidade da atividade-fim da empresa. Com este primeiro mapeamento em
mãos, a confecção dos planos de contingência vão se desenvolvendo, até
criar uma cultura organizacional propícia ao pleno gerenciamento de crises,
com a possibilidade da implantação de todos os demais princípios.

Atividades
1. Segundo Neves, quais são as duas famílias de questões pertencentes ao uni-
verso organizacional e que são objeto do relacionamento com a imprensa?

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2. Ainda de acordo com Neves, indique situações típicas de crise institucional.

3. Indique algumas regras e princípios que devem ser atendidos pelo porta-voz
em seu contato com a imprensa.

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Referências
ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem
e reputação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

ESPUNY, Herbert G. Implantação dos Princípios Organizacionais para o Ge-


renciamento de Crises. Disponível em: <www.soartigos.com/authors/24/
Herbert-Gon%E7alves-Espuny>. Publicado em: 18 jul. 2008. Acesso em: 8 dez.
2008.

NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial


imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed.
Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerenciar


imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed.
Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

REIS, Ciro Dias. Comunicação com a Mídia – Mídia Training. In: SILVA NETO, Bel-
miro Ribeiro da (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputação: construção e
defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. Gestão e Comunicação de Risco e de Crises. In:
SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputa-
ção: construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010.

Gabarito
1. Questões relacionadas à imagem e questões públicas. As primeiras relacio-
nam-se diretamente à imagem e reputação da empresa e podem ter um jul-
gamento positivo ou negativo; as segundas podem afetar o funcionamento
da organização ou seus interesses futuros, entre as quais destacam-se ques-
tões públicas de natureza política e econômica.

2. Algumas situações típicas de crise institucional podem ser:

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 produtos e serviços com problemas;

 conflitos com empregados: demissões em massa, greves;

 escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc.;

 processos legais de várias naturezas;

 atos de terrorismo contra a organização;

 catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;

 panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de software etc.;

 falhas humanas.

3. Nunca se diz não à imprensa; não se deve cometer o erro da ingerência nas
prerrogativas do repórter e seu veículo. Não exagere demais e nem seja su-
cinto. É preciso saber definir mensagens prioritárias. No entanto, deve-se
evitar clichês afeiçoados. A ênfase bem dosada nas palavras quebra o tom
monótono da fala. As palavras devem ser bem articuladas.

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Fundamentos da
comunicação interpessoal
Luiz Roberto Dias de Melo
Há uma famosa frase do filósofo Ortega y Gasset com a qual desejamos
abrir este capítulo: “[...] eu sou eu e a minha circunstância e se não salvo a
ela não salvo também a mim”. O autor de as Meditações do Quixote (1967)
refere-se ao entorno do “eu” como um conjunto de elementos (pessoas,
fatos e relações) ao qual o primeiro se plasma de forma indissociável; e,
de tal modo, que cumpre ao eu descobrir-se na multidão, saber-se feito
dessa matéria heterogênea e comunal, mas ao mesmo tempo marcado
pelo traço diferenciador que o realça e o dota de forças para criar e alterar
o conjunto e a si mesmo. A salvação, pois, ocorre quando nos dispomos a
não aceitar passivamente o que muitos chamam de “destino”, e nos incli-
namos a transformá-lo com – na visão do pensador espanhol – os recursos
da educação e cultura em sentido amplo, dimensões que, por sua vez, são
patrimônios da sociedade.

Por outro lado, há uma máxima, ouvida à exaustão, e como lugar-


-comum, segundo a qual os direitos de um indivíduo terminam quando
começam os dos outros. Afirma-se equivocadamente isso, como se fosse
possível pensar em direito e liberdade à imagem de círculos fechados em
si mesmos, impenetráveis, e cujas superfícies se tocassem em determina-
do ponto, o limite da individualidade de uma pessoa e início do de outra.
Ora, direito e liberdade são construções interpessoais e, assim, necessa-
riamente, movimentos com várias áreas de intersecção. Estamos, portan-
to, no universo das trocas simbólicas, das circunstâncias de cada um e de
todos indiferentemente. São essas as dominantes, que devem ser consi-
deradas no relacionamento entre os agentes da empresa, e as quais me-
recem nosso exame.

Melhorando o relacionamento no trabalho


O ambiente de trabalho é um local onde se cruzam os mais varia-
dos significados das relações humanas, mas com uma diferença crucial
em relação à maioria dos lugares: em nenhum outro ambiente, pessoas

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Fundamentos da comunicação interpessoal

mantêm entre si, e de forma prolongada, relações hierárquicas, de poder, media-


das por um objetivo comum, cuja realização (mas não obrigatoriamente) torna
os indivíduos aptos a uma contrapartida pecuniária, regulada por leis e deveres
para as partes envolvidas. Incluem-se nessa relação, com bastante frequência:
humilhações, jogo de interesses, tensões, desavenças, frustrações e expectativas
infundadas em relação a desempenhos; mas também: prazeres, êxitos, valiosa
recompensa financeira, eventualmente, fortalecimento de amizades, processos
de maturação pessoal, aperfeiçoamento profissional, sentimento de dever cum-
prido e de realização no trabalho, experiências sempre evocadas como indis-
pensáveis para uma vida íntima e profissional harmoniosas. Aliás, o tema da “rea-
lização profissional” preenche-se de tantos significados que chega, para muitos,
a confundir-se com o próprio sentido da vida. Sabemos de pessoas que perma-
neceram no mesmo emprego durante toda a existência e, dele, não tiraram so-
mente o sustento para si e para suas famílias: reconheceram-se como membros
ativos e transformadores na empresa, e na comunidade de modo geral, e por
meio da atividade laboral constituíram a parte mais proeminente de sua identi-
dade, razão pela qual sua presença se enraizou na memória da empresa como
uma espécie de símbolo.

Esse conjunto de experiências, saberes e emoções está como que “à disposi-


ção” dos indivíduos, na empresa, para dele fazerem o melhor uso, de acordo com
a percepção de que serão capazes de obter das partes e do todo. O esquema
abaixo relaciona diferentes dimensões que, juntas, constituem o “processo cog-
nitivo de filtragem” da realidade. (MAYER; MARIANO, 2008. Adaptado.)

Sentidos Atenção
Percepção
Sensação
Necessidades
Interpretação Memórias
Crenças
Sentido
Modelos mentais
Intenção Valores
Objetivos
Atitude
Ação Viés
Tradução

Figura 1 – Processo cognitivo de filtragem.


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Fundamentos da comunicação interpessoal

Considere-se o papel dos sentidos, com diferentes pesos de pessoa para


pessoa, na medida em que umas são mais sensíveis à luz, outras, ao som, e assim
por diante, embora haja uma hierarquia entre os sentidos, no alto da qual se
coloca a visão, que domina os demais.

A interpretação exerce seu poder judicativo, de julgamento, análise, classifica-


ção, entre outros processos, que redundará em uma intenção, ou seja, na capaci-
dade de decidir como agir. A decisão depende de uma interação com o mundo
externo, a qual se dá de diferentes formas: hábitos, reações, intuições etc. No
entanto, decidir ainda não é agir; essa etapa ocorrerá na tradução, processo do
qual fazem parte as palavras (nem sempre capazes de expressar o necessário) e
ações físicas. O viés é a tendência a se privilegiar determinada informação em
detrimento de outra; induzir ou influenciar deliberadamente um ponto de vista;
ter propensão a favorecer certos dados, ao invés de outros também válidos; e,
em muitos casos, chega a tomar a forma de um preconceito (como preconceito
de classe, sexual, racial, entre outros).

Todas as etapas – de percepção à tradução – submetem-se à influência de


um composto de elementos (necessidades, memórias, modelos mentais etc.) de
grande importância em todo o processo de leitura do mundo. Os mapas ou mo-
delos mentais são as imagens, reais ou supostas, e narrativas, que formamos ou
construímos em relação ao mundo, a nós mesmos, aos outros e às instituições,
ou seja, estruturas de sentido com as quais convivemos e realimentamos, inces-
santemente, de conteúdos.

A teoria sobre os modelos mentais tem como origem as especulações de


psicólogos cognoscitivistas e construtivistas, para quem os seres humanos
vivem em um mundo “real”, mas não operam direta e imediatamente sobre esse
mundo e atuam em seu interior usando “mapas”, “representações”, “modelos” ou
interpretações codificadas dessa realidade.

As considerações sobre o processo cognitivo de filtragem mostram-se úteis


para conhecermos os pressupostos de outro conceito, o da competência in-
terpessoal, de acordo com Moscovici (2001). Para essa estudiosa, competência
interpessoal é a habilidade de lidar eficazmente com outras pessoas de forma
adequada às necessidades de cada uma e à exigência da situação.

Tal competência exige um permanente exercício de autopercepção e autoco-


nhecimento. A autopercepção concentra-se na estrutura emocional, na anato-
mia dos sentimentos e dos afetos, e no modo como se percebem as crenças ou
se desenvolve ou não uma atitude orientada por valores morais e metafísicos. O

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Fundamentos da comunicação interpessoal

autoconhecimento depende sempre dos outros para se integralizar; necessita-


mos dos sinais externos, oferecidos por aqueles com quem convivemos. É claro
que esses sinais, por sua vez, são também respostas que enviamos aos outros,
na forma geral de um comportamento, de atitudes em contextos específicos: os
gestos, a forma de se vestir, de falar, de se movimentar, de demonstrar sentimen-
tos ou a quase ausência deles etc.

Autopercepção e autoconhecimento podem ser contextualizados em nossa


inclinação em formular três perguntas: como me vejo? Como acho que sou visto?
Como gostaria de ser visto pelos outros? Ao mesmo tempo em que nos detemos
naquelas duas dimensões, a competência interpessoal exige-nos, ainda, flexibi-
lidade perceptiva e comportamental. Flexibilidade para enxergar o mesmo fenô-
meno por diferentes ângulos ou considerar os aspectos distintos em jogo, uma
forma diferenciada de agir, não rotineira, expressando novas condutas, como
alternativa diante de certos estímulos. A outra capacidade é o feedback, sobre o
qual é necessário se deter um pouco: trata-se da retroalimentação do processo
de comunicação na forma de uma resposta ao emissor da mensagem.

O feedback é indispensável na empresa, quanto mais naquelas em que o pa-


radigma interpretativo (do qual faz parte a Escola de Montreal) é uma referência
da administração. Como se busca o consenso a partir do diálogo e do confronto
de ideias e opiniões, o feedback surge como pressuposto para a continuidade
da negociação entre os agentes. Portanto, a retroalimentação se faz presente
para aprovar ou reprovar uma mensagem, bem como para dar ciência do enten-
dimento sobre os termos e o sentido geral da mensagem. Assim procedendo,
demonstra-se inteligência e/ou habilidade na interação em curso, o que por si
só reveste-se de certo nível de respeito pelo interlocutor. O feedback pode ser
também usado para repreender ou elogiar ou, ainda, para reforçar o acerto ou
uma sucessão de acertos no interior de um processo.

Moscovici (2001) defende algumas diretivas para o feedback:

 Descritivo em vez de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de um


evento;

 Específico em vez de geral – explicar o significado: quando se diz a al-


guém que ele é “dominador” isso tem menos significado do que indicar
seu comportamento numa determinada ocasião. “[...] nesta reunião você
não ouviu a opinião dos demais e fomos forçados a aceitar sua decisão
para não receber suas críticas exaltadas [...]”.

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Fundamentos da comunicação interpessoal

 Compatível com as necessidades de ambos, comunicador e receptor  –


pode ser altamente destrutivo quando satisfaz somente às necessidades
do comunicador sem levar em conta as necessidades do receptor.

 Dirigido– para comportamentos que o receptor possa modificar: em caso


contrário, a frustração será apenas incrementada se o receptor reconhecer
falhas naquilo que não está sob seu controle mudar.

 Oportuno– logo após o comportamento em questão.

 Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver


formulado perguntas que os que o observam possam responder.

 Esclarecido– pedir para que o receptor repita o feedback recebido para


ver se corresponde ao que o comunicador quis dizer.

Estilos interpessoais
Joseph Luft e Harry Ingham, cientistas sociais, propuseram, em 1961, um
modelo conceitual ou perceptivo para uma visão do relacionamento interpesso-
al. Os estudiosos partem da perspectiva de que, nos relacionamentos, todos nós
precisamos de feedbacks em relação àquilo que somos ou fazemos; por outro
lado, estamos continuamente nos expondo diante do olhar dos outros no mo-
mento em que emitimos nossos feedbacks a respeito do modo pelo qual enten-
demos como suas ações nos afetam ou são por nós decodificadas. A “Janela de
Johari”, como designam o modelo (fusão das iniciais do nome dos cientistas),
articula diferentes áreas como demonstra o esquema abaixo:
Luiz Roberto Dias de Melo.

Conhecido Não conhecido


do EU do EU

Conhecido
pelos outros
Eu aberto
III
Eu cego

Não conhecido Eu
Eu secreto
pelos outros desconhecido

Figura 2 – Janela de Johari.

O desequilíbrio da Janela de Johari pode apresentar-se no sentido vertical


ou no sentido horizontal; quando um deles é preferido em detrimento do outro
haverá consequências prováveis em termos de reações emocionais negativas e
disfuncionalidade da dinâmica interpessoal.

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Estilo interpessoal I – “Eu desconhecido”


Predomínio da área desconhecida: denota criatividade reprimida e relacio-
namento praticamente impessoal. O indivíduo parece protegido por um escudo
ou uma carapaça, o que o leva a esboçar comportamentos rígidos, retraídos,
daí porque observa mais do que participa. Esse estilo parece estar relacionado
a sentimentos de ansiedade interpessoal e busca de segurança. Tende a gerar
hostilidade nos outros, pois a falta de relacionamento é, geralmente, interpreta-
da em função das necessidades das outras pessoas. Normalmente esse estilo é
encontrado nas organizações disfuncionais e burocráticas, onde parece ser con-
veniente evitar abertura e envolvimento.

Estilo interpessoal II – “Eu secreto”


Há uma notável necessidade de feedback, pois o julgamento dos outros
impõe-se como determinante nas suas relações com o grupo. Contudo, essa
necessidade não é acompanhada pela necessidade de exposição. A diferença
principal em relação ao estilo I é a vontade expressa de manter relações com
nível razoável de participação no grupo, mas sempre baseada na solicitação de
feedbacks. Quanto mais utilizado o processo de solicitar feedback e menos o de
autoexposição, mais aumenta e se consolida o “eu secreto”, o que pode levar o
grupo a julgar o indivíduo como superficial e distante. O estilo representado pelo
“eu secreto” teme o julgamento negativo de sua pessoa e, como não se dispõe a
emitir feedbacks, caso ela ocupe cargo de chefia, poderá gerar um clima permis-
sivo, exagerado e injustificável, já que todos emitem feedbacks sobre desempe-
nhos, inclusive os da chefia, mas não recebem nada em troca, como decorrência
de um processo natural de autoexposição do chefe.

Estilo interpessoal III – “Eu cego”


O indivíduo utiliza intensamente o processo de autoexposição, mas solicita
pouco o feedback. Tem sua atuação no grupo destacada, pois se dispõe a dar
informações. Corre o risco de ser rotulado de egocêntrico, já que concede exage-
rada importância para as próprias opiniões, sempre valorizando sua autoridade.
Trata-se de um estilo interpessoal que poderá gerar comportamentos semelhan-
tes à medida que o grupo chegue à conclusão de que o indivíduo sonega infor-
mações e, por esse motivo, passa-se a adotar o comportamento por precaução.

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No trabalho, esse estilo prejudica a produtividade em decorrência do ressenti-


mento que possa gerar, além da hostilidade ou apatia, refreando a confiança
mútua e a criatividade.

Estilos interpessoal IV – “Eu aberto”


Caracteriza-se pelo equilíbrio de busca de feedback e de autoexposição. O
comportamento da pessoa é claro e aberto para o grupo, provocando, assim,
menos erros de interpretação por parte dos outros. O objetivo principal dos pro-
cessos de busca de feedback e autoexposição consiste em deslocar informações
das áreas cega e secreta para a área livre, onde serão úteis a todos.

Gestão de conflitos
Embora os sentidos da palavra “conflito” evoquem tensões, desentendimen-
tos, enfrentamentos, discussões acaloradas e demais situações críticas, todos os
dias o fenômeno repete-se no mundo corporativo e, às vezes, como dado surpre-
endente, com um grau de radicalidade que parece negar o ambiente, o qual tem
como cenário. Para Morgan (apud MAYER; MARIANO, 2008, p. 247), conflitos são:
“[...] um conjunto complexo de predisposições que envolvem objetivos, valores,
desejos, expectativas e outras orientações e inclinações que levam a pessoa a
agir em uma e não em outra direção”.

Muitos são os motivos ou fatores que geram conflitos nas empresas e, embora
seja impossível fazer um levantamento exaustivo de todos eles, podemos apon-
tá-los com certo grau de generalidade: competição por recursos disponíveis,
mas escassos; divergência de alvos entre as partes; perda de autonomia ou seu
cerceamento; direitos não atendidos ou não conquistados; mudanças externas
acompanhadas por tensões, ansiedades e medo; luta pelo poder; necessidade
de status; insatisfação com o perfil das funções atribuídas; incompatibilidade
de gênios; percepção de que a chefia é inexperiente ou incompetente; senti-
mento de que se foi injustiçado em situação de promoção; excesso de funções
ou de trabalho; exploração de terceiros (manipulação); necessidades individu-
ais não atendidas; expectativas não atendidas; carência de informação, tempo
e tecnologia; escassez de recursos; marcadas diferenças culturais e individuais;
divergência de metas; emoções não expressas/ inadequadas; obrigatoriedade
de consenso; meio ambiente adverso e preconceitos etc.

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A gestão de conflito muito focada no confronto entre “litigantes” provavel-


mente se limitará a dissolver de forma simplista a tensão e não identificará a
raiz do problema. Pior: poderá causar a sensação de que se agiu com indiferen-
ça, insensibilidade ou paternalismo ao não se ocupar com uma discussão apro-
fundada sobre as verdadeiras causas do embate. Impõe-se a necessidade de se
conhecer os vários ângulos da situação: o perfil das pessoas envolvidas, cargos
ou funções que ocupam, o histórico de cada uma na empresa, a relação que
costumam manter com os colegas, as circunstâncias em que ocorre a crise (a em-
presa trabalha com produtos sazonais, cuja produção e venda ocorre em deter-
minadas épocas do ano? O acúmulo de trabalho vem se prolongando há muito
tempo?), o contexto propriamente dito, o motivo em específico etc. Considera-
-se também se os funcionários trabalham em grupo ou de forma mais ou menos
isolada, além das relações entre as funções que ocupam.

Cada vez mais os gestores de pessoas fazem referência à assertividade como


um padrão de comportamento maduro, construtivo e emancipador. Assertivi-
dade é a qualidade daquilo que é assertivo, isto é, afirmativo, no sentido de se
enfatizar um ponto de vista, o que, por sua vez, e necessariamente, abre-se para
o ponto de vista do outro. Boff (2000), em outro contexto, defende que “todo
ponto de vista é a vista de um ponto” e isto vale muito para o princípio da asser-
tividade, pelo menos para os que compreendam que sua atitude afirmativa não
se confunde com a afirmação prepotente do eu.

A assertividade é um modo direto de expressão, por meio do qual se indicam


as necessidades ou preferências, registram-se emoções e opiniões, sem ansiedade
indevida ou excessiva e sem hostilidade contra o outro. É um comportamento que
permite defender os próprios direitos sem violar os direitos de quem nos comu-
nicamos, o que nada tem a ver com o divisar limites entre a liberdade de um e de
outro. Como destacado anteriormente, liberdade é uma construção interpessoal e,
assim sendo, depende de trocas simbólicas e intersecção de interesses, portanto,
negociação. A defesa de direitos legítimos é um ato de afirmação da individualida-
de, mas isso não é usado contra o outro, mas sim em benefício da relação; se ado-
tada com o equilíbrio e maturidade inerentes ao conceito, a assertividade coloca-
-se como aliada da conversação, da exposição de pontos de vista, e favorece uma
atitude também respaldada nesses valores por parte dos demais funcionários.

Um comportamento não assertivo, por exemplo, ocorre quando se cala


contra os próprios princípios e direitos individuais, principalmente se o resulta-
do de tal atitude provocar a repressão de emoções com consequências marca-
das pelo ressentimento. No entanto, não se deve confundir a assertividade com

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o chamado “sincerocídio” do qual se valem determinadas pessoas para exibir, a


todo momento, o que qualificam de “sinceridade”, quando na verdade a atitude
parece mais próxima do “acerto de contas”, da exposição de julgamentos, da re-
primenda, do deslocamento de culpas e da crítica implacável.

O comportamento impositivo, acompanhado de críticas, muitas vezes descon-


certantes, fatalmente gera ressentimentos, mas não só: empresas com climas or-
ganizacionais pesados têm uma natural predisposição para gerar mais conflitos,
em um tipo de fórmula como a da velha charada proposta por uma conhecida
marca de biscoitos: o clima é tenso por que os funcionários não se entendem ou
os funcionários não se entendem por que o clima é tenso? Não há como deixar
de notar que uma comunicação interna deficiente, ainda que não seja ela a causa
primeira da crise das relações, acaba agravando a situação como um todo; isto
porque os agentes, em processo de contínuo desgaste, tornam-se mais reativos a
críticas, como também se mostram mais intolerantes a falhas, não importando a
origem e os cargos envolvidos. Bee (2000) propõe dez passos para reduzir o risco
da geração de conflitos na empresa por meio da crítica construtiva.

1. Análise da situação – identifica-se o problema, o que, especificamente,


necessita ser alterado e por quê.

2. Determinação do(s) efeitos(s) e objetivo(s) pretendido(s) – estabele-


ce-se o que o(s) envolvido(s) deve(m) fazer.

3. Ajuste à receptividade – o encarregado de realizar a crítica deve obser-


var se um ou mais envolvidos estão abertos a críticas.

4. Criação de ambiente propício – o ambiente no qual se realiza a crítica


deve oferecer tranquilidade a quem se responsabiliza em fazê-la.

5. Comunicação efetiva – consideram-se alguns aspectos fundamentais na


efetuação de uma crítica, tais como: o que se diz, a maneira como se diz,
a linguagem corporal; e, ainda, a escuta e observação da pessoa criticada,
além de se ter disposição para cooperar com o indivíduo criticado na rela-
ção com o problema, objeto da crítica.

6. Descrição do comportamento que deseja mudar – é fundamental que a


pessoa que recebe a orientação tenha em mente o ponto exato do problema.

7. Descrição do comportamento desejado – é imprescindível orientar o


indivíduo criticado em direção a um padrão ou referência de desempenho
ou comportamento.

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8. Busca de soluções conjuntamente – o indivíduo que critica deve procu-


rar ajudar o criticado, dando-lhe sugestões e/ou ideias.

9. Concentração naquilo que julgue satisfatório – consiste em alternar


mensagens positivas às negativas.

10. Realização de acordo – esse, talvez, seja o item mais difícil, na medida em
que ninguém muda o comportamento ou desempenho sem que concor-
de com a mudança.

Mapa de conflitos na empresa


A expressão “mapa de conflitos” se aplica às tensões em torno da demarcação
de fronteiras espaciais e étnicas, da problemática divisão de terras e às questões
ligadas ao meio ambiente, sempre com o escopo de se traçar uma topografia da
incidência dos litígios. Na empresa, tem um sentido metafórico (na medida em
que não existe uma cartografia do fenômeno), embora não se possa descon-
siderar a hipótese de se propor a representação cartográfica dos conflitos em
empresas de médio e grande porte. É possível que uma abordagem como essa
ajudasse a visualizar, no sentido próprio, as zonas (secções, setores, departamen-
tos, chefias etc.) suscetíveis a conflitos ou que de alguma forma enfrentem ou
tenham enfrentado o fenômeno. Uma cartografia como essa acabaria, suposta-
mente, demonstrando não apenas o caráter abrangente, complexo e dinâmico
dos conflitos, como possivelmente a relação indissociável entre eles e a coope-
ração, como querem os teóricos do estruturalismo.

Entre as teorias da administração, o estruturalismo representa o momento, a


partir dos anos 1950, em que se tenta integrar pressupostos da Escola Clássica
(Burocracia – Taylor, Fayol, Weber) e das Relações Humanas (Mayo), como, por
outro lado, superá-los em sua maior parte. O estruturalismo evidencia as rela-
ções entre o todo e as partes na constituição desse todo. A interdependência das
partes e o fato de que o todo é maior do que a simples soma das partes colocam-
-se como traços determinantes dessa corrente.

Para os estruturalistas, não existe harmonia entre os interesses de patrões e em-


pregados, como afirmavam, talvez de forma simplista, os defensores da teoria clás-
sica; ou, ainda, de que seja possível preservá-la ou cultivá-la pela administração, por
meio de uma atitude humanista, compreensiva e terapêutica de reconhecimento das
necessidades do funcionário, como defendiam os teóricos das relações humanas.

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Ambas as teorias não se detinham na reflexão sobre o problema do conflito,


talvez por se formularem como teorias eminentemente prescritivas. Para os es-
truturalistas, os conflitos são os elementos geradores de mudanças e do desen-
volvimento da organização.

Conflito, portanto, ainda que seja visto como um momento de crise, também
revela outra faceta: a de ser um processo favorável ao surgimento de ideias, sen-
timentos, de revelação de uma atitude inovadora e criativa. Sempre que se fala
em acordo, aprovação, resolução, consentimento, deve-se lembrar que essas
palavras pressupõem a existência ou a iminência de seus opostos, como desa-
cordo, desaprovação, desentendimento, oposição – o que significa conflito. O
conflito é condição geral do mundo animal.

Conflito e cooperação são elementos integrantes da vida de uma organiza-


ção. Hoje, há uma inclinação de certos teóricos da área de gestão de pessoas em
considerar o conflito e a cooperação como dois aspectos da atividade social, inti-
mamente ligados na prática. Tanto que a resolução do conflito é muito mais vista
como uma fase do esquema conflito-cooperação do que um fim do conflito. O
pensamento administrativo dominante, no entanto, empenha-se muito mais na
direção de obter cooperação e neutralizar ou superar conflitos.

Uma das situações conflitivas mais complexas, diante da qual as organiza-


ções modernas nem sempre dão respostas satisfatórias, é aquela representada
pela produção de conhecimento sem que isso redunde em um abalo da estrutu-
ra hierárquica da organização, já que muitas vezes o conhecimento traz conflitos
com a hierarquia.

O mapa de conflitos, idealizado segundo as técnicas e as metodologias


afluentes na área de cartografia, ofereceria uma visão matizada e dinâmica do
problema, já que perfeitamente atualizável com os recursos da informática,
além de aprofundar, como talvez nunca se tenha feito antes, a relação confli-
to-cooperação. É claro que a metodologia para a confecção de uma carta, com
esses objetivos, teria que partir de conceitos bem-definidos de conflito e coope-
ração, bem como de extensão espacial, no interior das instalações da empresa,
e de estrutura hierárquica e organogramática. Nesse caso, teríamos sempre um
número bem razoável de variáveis, mas justamente o esforço em refletir sobre
cada uma é que dotaria a empresa de uma inteligência sobre gestão de pessoas
e comunicação interna em um aspecto dos mais importantes na vida organiza-
cional. Aliás, as variáveis por si só talvez apontassem para a necessidade de se

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produzir diferentes mapas1, de acordo com o surgimento de peculiaridades dos


movimentos internos e das relações entre grupos.

Mayer e Mariano (2008) dividem os conflitos entre objetivos e emocionais e


os relacionam em um quadro que poderia servir de ponto de partida para um
mapa como propomos.

Quadro 1 – Conflitos objetivos e emocionais

(MAYER; MARIANO, 2008, p. 273)


Conflitos objetivos Conflitos emocionais
 Definição de metas

 Distribuição de tarefas  Choque de personalidade

 Alocação de recursos  Crenças e valores divergentes

 Distribuição de recompensas  Antipatia

 Definição de políticas  Ressentimento

 Designação de funções

Conflito como processo


Um autor como Robbins (2002), citado por Mayer e Mariano (2008), vê o con-
flito como um processo que tem início no momento em que uma parte faz algo
que a outra julga incompatível com seus interesses; o conflito ocorre quando
ambas as partes percebem a divergência, cujas consequências podem tomar ca-
minhos inesperados. O teórico divide o conflito em cinco estágios bem demar-
cados e propõe técnicas de superação do problema. A figura a seguir sintetiza
os estágios.
(MAYER; MARIANO, 2008, p. 276)
Estágio I Estágio II Estágio III Estágio IV Estágio V
Oposição potencial ou Cognição e Definição de Comportamento Resultado
incompatibilidade personalização estratégia ou
intenção
Aumento de
Conflito Intenção ou desempenho
percebido estratégia para do grupo
Condição No conflito aberto
antecedente lidar com o conflito • comportamento
• comunicação • competição dos envolvidos
• estrutura • colaboração • reação de outras
• variáveis pessoais • compromisso pessoas Redução de
Conflito • evasão desempenho
sentido do grupo
• acomodação

Figura 3 – O processo de conflito.


1
A exemplo dos mapas pertencentes aos dois ramos da Geografia: mapas físicos: mapa geomorfológico – representam as características do relevo
de uma região; mapa climático – indica os tipos de clima que atuam sobre uma região etc.; mapas humanos: mapa político – aponta a divisão do
território em países, estados, regiões, municípios; mapa econômico – indica as atividades produtivas do homem em determinada região etc.

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Estágio I: oposição potencial ou incompatibilidade


Presença de condições geradoras de conflitos. Essas condições são sintetiza-
das em três categorias gerais: comunicação, estrutura e variáveis pessoais.

Comunicação – o modo pelo qual as partes comunicantes fazem uso das


palavras e do gestual. Uso de jargões, de gírias, de termos técnicos, a troca insufi-
ciente de informações e o ruído no canal de comunicação podem ser obstáculos
para a comunicação e potenciais antecedentes para os conflitos.

Portanto, certifique-se sobre o sentido das palavras; verifique a acepção que


determinado vocábulo ganha no contexto. Aja com assertividade e peça escla-
recimento sobre o uso das palavras sempre que julgar necessário. Em certas oca-
siões, a consulta a um dicionário faz-se necessária, caso de secretárias incumbi-
das da correspondência de um setor. Palavras parônimas (semelhantes), como
ratificar e retificar; tráfego e tráfico, podem dar margem a problemas bem além
da troca de letras. No anedotário hospitalar, conta-se que uma muito mal instru-
ída auxiliar de enfermagem teria injetado suco de laranja na veia do paciente;
na verdade, o que o médico receitara, no prontuário, era uma refeição matutina
leve à base de suco de laranja e aveia...

Estrutura – os grupos dentro das organizações possuem metas diferentes.


Essa diversificação de objetivos entre os grupos é uma grande fonte de conflitos.
Quando os grupos buscam metas diferentes, algumas sendo divergentes, o po-
tencial de conflito cresce muito. Tal é o caso, por exemplo, da divergência entre
grupos que produzem bens e os que os vendem. Estes desejam maior número
de funcionalidades para os objetos, tornando-os mais atraentes aos olhos do
público e, portanto, mais competitivos; os grupos que produzem insistem em
conservar as características para tornar a produção mais ágil e enxugar custos.

Variáveis pessoais – o sistema de valores de cada um é o responsável por


estabelecer o modo individual de julgar fatos e pessoas com os quais se intera-
ge. É a raiz de preconceitos e desacordos, quando não de reações mais intensas.
Assim, o julgamento que se faz sobre determinado processo pode depender
de um viés moral que diverge de outros também convocados a participar do
julgamento.

Estágio II – cognição e personalização


A percepção do conflito propriamente dito ocorre nesse estágio. Como se
destacou, a divergência, se notada pelas partes envolvidas, tem-se o antecedente

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para o conflito. Há o nível em que o conflito é percebido e o nível em que o con-


flito é sentido.

Conflito percebido é a consciência, de uma ou mais partes envolvidas,


da existência das condições que geram oportunidades para o surgimento de
conflitos.

Conflito sentido é o envolvimento emocional em um conflito, gerando an-


siedade, tensão, frustração ou hostilidade.

Estágio III – intenções


A tomada de decisão dá-se nesse estágio; para tanto, apreende-se a intenção
dos outros e toma-se uma atitude a respeito. As inclinações da personalidade do
indivíduo revelam-se aqui, assim como sua capacidade de resposta ou disposi-
ção para interagir durante a divergência. Habilidades pessoais são ativadas nesse
estágio e postas a julgamento. Robbins (2002) identifica cinco intenções para a
administração de conflitos: competir, colaborar, evitar, acomodar-se e conceder.

Competir – desejo da pessoa em satisfazer seus próprios interesses, indepen-


dentemente do impacto sobre a outra parte em conflito.

Colaborar – situação em que as partes conflitantes pretendem satisfazer os


interesses de todos os envolvidos.

Evitar – desejo de fugir de um conflito ou tentar suprimi-lo.

Acomodar-se – disposição de uma das partes em conflito de colocar os inte-


resses do oponente antes dos seus próprios.

Conceder – situação na qual cada uma das partes de um conflito está dispos-
ta a abrir mão de alguma coisa.

Estágio IV – comportamento
É nesta etapa em que o conflito se desenvolve e os comportamentos diante
dele se cristalizam na forma de declarações, ações e reações. É também um es-
tágio de certo grau de indeterminação, pois, dada a “estratégia” posta em prática
pelos agentes, a explicitude de uma posição pode dar lugar, gradativamente, a
significados implícitos ou mesclados; ou, simplesmente, a ação explícita mudar
de rota e seguir outra, inesperada, de natureza bastante diferente daquela esbo-
çada no início da tensão.

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Estágio V – consequências
Os conflitos resultam em consequências. Essas consequências podem ser
funcionais ou disfuncionais.

Consequências funcionais – os conflitos são construtivos quando melho-


ram a qualidade das decisões, estimulam a criatividade e a inovação, encorajam
o interesse e a curiosidade dos membros do grupo, oferecem um meio para o
arejamento dos problemas e a liberação das tensões e estimulam mudanças.

Consequências disfuncionais – os conflitos podem reduzir a eficácia dos


grupos, podem causar deficiências de comunicação, redução da coesão do
grupo e subordinação de metas. Podendo, assim, paralisar o grupo e ameaçar
sua sobrevivência.

Técnicas de resolução de conflitos


Robbins (2002) propõe diferentes estratégias para a resolução de conflitos. O
caráter prescritivo de todas as estratégias deve, a nosso ver, ser relativizado pela
observação atenta de cada situação conflituosa. Assim, o encarregado da reso-
lução deve ser dotado de boa capacidade analítica, o que prevê aguçada visão
de conjunto, representada pelo conhecimento de estruturas físicas, hierárquicas
e processos, entre os quais o provisionamento de recursos.

Resolução de problemas – encontros entre as partes conflitantes, com o


propósito de identificar o problema e resolvê-lo por meio de discussão aberta.

Metas superordenadas – criação de uma meta compartilhada que não possa


ser atingida sem a cooperação entre as partes conflitantes.

Expansão de recursos – quando o conflito é causado pela escassez de um


recurso, a expansão do recurso pode criar uma solução ganho-ganho.

Não enfrentamento – suprimir o conflito ou evadir-se dele.

Suavização – minimizar as diferenças entre as partes conflitantes, enfatizan-


do seus interesses comuns.

Concessão – cada uma das partes abre mão de algo valioso.

Comando autoritário – a administração usa sua autoridade formal para re-


solver o conflito e depois comunica seu desejo às partes envolvidas.

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Alteração de variáveis humanas – utilização de técnicas de mudança com-


portamental, tal como treinamento em relações humanas, para alterar atitudes
e comportamentos que causem conflitos.

Alteração de variáveis estruturais – mudanças na estrutura formal da or-


ganização e nos padrões de interação entre as partes conflitantes, por meio de
redesenho de atribuições, transferências, criação de posições coordenadas etc.

Diferenças culturais, sociais e etnocentrismo


Apenas de passagem, os três fatores presentes no título deste tópico podem
também ser fontes de conflitos.

Há duas formas de entender a questão da diferença cultural: a de origem


étnica e a de formação cultural, ou seja, o processo pelo qual o indivíduo teve
acesso aos bens culturais de seu país: como se deu o contato com literatura,
artes de um modo geral, história etc., e com qual intensidade, além da habili-
dade com que se articula esse conhecimento. Estrangeiros, principalmente os
recém-chegados a um país, podem fazer julgamentos de determinadas situa-
ções a partir do viés étnico e cultural, não levando em conta as diferenças, de
mesma natureza, presentes na questão. É comum, no Brasil, ouvir comparações
entre uma formação rígida, luterana, e outra, nossa, católica e piedosa, que po-
deria estar na base de uma atitude paternalista das chefias. Assim como alusões
a um traço genérico de acordo com o qual “o brasileiro” é passivo, preguiçoso,
moralmente permissivo e politicamente conservador ou alienado.

Uma visão estereotipada como essa não é um fenômeno exclusivamente de


estrangeiros, já que o retrato poderia ser ratificado por muitos brasileiros; a dife-
rença é que o estereótipo não seria levado em conta no posicionamento que um
patrício adotaria, contra outro, diante de crises de relacionamento na empresa. A
inclinação em direção ao estereótipo pode ocorrer, isto sim, quando se julgam os
estrangeiros ou descendentes de outras etnias em determinadas situações. Japo-
neses e alemães tendem a ser associados a trabalho árduo e de qualidade; estadu-
nidenses, à inteligência, em geral, e a uma visão pragmática sobre as coisas, mas
todos eles, ao mesmo tempo, podem ser alvo de uma antipatia que transforma
essas virtudes em defeitos, na medida em que são relacionadas a um intempestivo
e suposto caráter dominador e etnocêntrico, peculiar a esses povos.

A natureza volúvel dos preconceitos pode dar o tom, também, ao modo


como pessoas de diferentes níveis culturais convivem na empresa. Antes, não

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deixemos de reconhecer que educação formal e cultura geral são fatores bas-
tante valorizados no mundo organizacional e uma das maneiras de identificá-
-los é a análise da redação. Um texto dotado de abordagem segura e preci-
sa em relação aos objetivos, com linguagem adequada aos seus fins, e estru-
turado de acordo com os padrões de coesão e coerência, revela muito sobre
a formação escolar do autor e um tanto de sua visão de mundo. Contudo,
essa competência por si só não assegura, como se sabe, uma posição de van-
tagem nos conflitos, tampouco dota a pessoa, necessariamente, de razão
diante de situações limite. É importante destacar isso, pois o tema sobre certa
visão de cultura e formação escolar tomou grande relevo durante o gover-
no do presidente Lula. O antigo torneiro mecânico e sindicalista é ainda hoje
acusado de ser “analfabeto” ou semi, falar “mal” e, por consequência, mostrar-
-se incompetente para ocupar o cargo de presidente.

O cantor e compositor Caetano Veloso, em entrevista ao “Caderno 2” do


jornal O Estado de S.Paulo2, reacendeu a discussão ao elogiar Marina Silva, do
Partido Verde, provável candidata ao Governo Federal, e criticar duramente Lula,
embora Caetano não tenha associado, diretamente, incompetência linguística à
política:
Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar.
Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o
Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala
bem.

Mesmo tendo, em outra situação, relativizado sua declaração3 e acusado


a edição sensacionalista de suas palavras, própria “da nova direita”, Caetano
acabou, “involuntariamente”, como disse, causando um pequeno escândalo no
país ao tocar em uma questão que julga ser tabu em certos círculos, o de criticar
o chefe de Estado:
O fato de Lula falar assim é uma coisa que [...] os linguistas louvam. Eu me contraponho ao
elogio dos linguistas, mas eu mesmo o considero um sinal dessa originalidade brasileira, que
vem de sermos portugueses, de sermos colonizados dessa maneira.

Tomando como referência a polêmica, pode-se avaliar como o “falar bem”, na


concepção, talvez, da maioria, é um sinal de cultura, “de inteligência” e de outros
valores relacionados à distinção da pessoa. A referência de Caetano aos linguistas
merece comentário: trata-se de uma visão, a dos linguistas, que não valoriza a opo-
sição certo versus errado, em termos gramaticais, como ocorre em uma aborda-
2
Disponível em: <www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,as-ultimas-de-caetano-veloso-em-entrevista-exclusiva,461281,0.htm>. Acesso em: 6
dez. 2009.
3
Reportagem sobre a repercussão da fala do compositor e suas considerações sobre o fato Disponível em: <www.estadao.com.br/noticias/
nacional,em-portugal-caetano-veloso-esclarece-criticas-a-lula,477360,0.htm>. Acesso em: 6 dez. 2009.

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gem que já se tornou rotineira nos meios de comunicação e em livros do tipo “não
erre mais”. Os linguistas preocupam-se com a “realização linguística”, cujo modelo
de relação é dado, entre outros, pela dicotomia competência/performance (de-
sempenho). Carlos Ceia4 oferece a seguinte explicação sobre os conceitos:
Conceitos ingleses da gramática generativa que respeitam à competência ou saber
interiorizado que os falantes de uma língua possuem e que lhes permite comunicar, produzir e
compreender (performance) enunciados novos. A distinção foi introduzida por Noam Chomsky
e teve o mesmo efeito que outra célebre dicotomia: língua e fala, proposta por Saussure.
A competência (competence) traduz não só um conhecimento interiorizado e enraizado
culturalmente, mas também indica a intuição do falante para se poder pronunciar sobre a
validade dos enunciados produzidos numa dada língua, pelo que a competência é também
gramatical. À competência opõe Chomsky a performance (termo de tradução difícil, que
significa literalmente “desempenho”, “realização”), “aplicamos esse conhecimento linguístico,
geralmente traduzido em atos de linguagem ou de fala. Nos seus trabalhos mais recentes, como
Knowledge of Language (1986), Chomsky usa já expressões como “sistema de conhecimento”
(system of knowlegde) ou l-language em substituição do conceito de competência.

Ora, Lula parece realizar uma língua “do povo”, pela qual se faz entender e
se comunica muito bem. Deve ferir suscetibilidades estéticas Brasil afora, mas
reconheçamos que, provavelmente, a maior parte das reações ocorra devido aos
erros de concordância nominal e verbal, aqui e ali ouvidos nos pronunciamen-
tos presidenciais. Contudo, essa realização linguística não nos parece distante
da observada em grande parte (ou talvez na maioria) dos brasileiros, inclusive
naqueles com escolaridade acima da de Lula, a da escola média.

O que é importante notar no fenômeno em torno de um presidente é que


o primeiro se manifesta contra alguém que parece ter dado inúmeras provas
de habilidade política, tendo, inclusive, ganho, em 2009, prêmio de Estadista
do Ano, da Chatam House, o Real Instituto de Assuntos Internacionais do Reino
Unido. Se é assim com um indivíduo que tem demonstrado que o seu “falar mal”
não afeta em nada sua capacidade de governar, o que se dirá, então, quando os
desvios linguísticos da norma culta manifestam-se por parte de certos agentes
no interior das organizações?

O valor excessivo concedido às marcas de “certo” e “errado”5, sobretudo às


representadas pelo mecanismo da concordância verbal e nominal, expressa
uma visão estreita de língua, tão ou mais alienada que outra, de acordo com a
qual “escrever bem” confunde-se, quase que exclusivamente, com o domínio da
ortografia.
4
E-dicionário de termos literários de Carlos Ceia, crítico português: verbete disponível em: <www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/C/competence_per-
formance.htm>. Acesso em: 6 dez. 2009.
5
Marcos Bagno escreveu inúmeras obras sobre o tema da realização linguística, visando ao estudo do prisma ideológico presente em certa con-
cepção de língua idealizada pelas classes dominantes. Uma das obras a se ocupar do assunto é Dramática da Língua Portuguesa: tradição gramática,
mídia e exclusão social. São Paulo: Loyola, 2000. O autor possui um site: <www.marcosbagno.com.br/index.htm>. Acesso em: 6 dez. 2009.

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Um dos nossos mais importantes gramáticos, Evanildo Bechara (2002), cos-


tuma dizer que a “[...] língua é o que os falantes fazem dela”. E prossegue, defen-
dendo que, todos nós, deveríamos ser “[...] poliglotas dentro da própria língua
[...]”; isto é, reconhecer que há diferentes modalidades linguísticas e usá-las nos
diferentes contextos.

A linguagem corporal traduz


emoções e pensamentos
A transcrição de um trecho do livro de Allan e Barbara Pease (2005, p. 17-8),
sobre linguagem corporal, oferece uma visão geral sobre o tema deste tópico:
Albert Mehrabian, pioneiro da pesquisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou
que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal (somente
palavras), 38% é vocal (incluindo tom de voz, inflexão e outros sons) e 55% é não verbal.

Os autores oferecem ao leitor uma gramática descritiva dos gestos, a partir


da constatação de que a “[...] linguagem do corpo é o reflexo externo do estado
emocional da pessoa”(PEASE; PEASE, 2005, p. 19). O intuito do livro, segundo
os autores, não é o de oferecer uma ferramenta de domínio sobre o outro, mas
aprimorar a comunicação. Para tanto, há o que eles consideram “três regras para
uma leitura precisa” da linguagem corporal.

Entendendo a gramática do corpo


Regra I
Leia os gestos em grupos. Não se deve nunca isolar um gesto dos demais e
da circunstância em que ocorre. Portanto, “coçar a cabeça” pode ter vários signi-
ficados (suor, incerteza, caspa, mentira etc.) e depende sempre dos gestos que
venham a seguir. Os grupos gestuais revelam as emoções e pensamentos, como
no caso de um indivíduo que parece demonstrar que não está satisfeito com o
que ouve: sua mão, colada ao rosto, com o indicador apontado para cima, en-
quanto outro dedo cobre a boca e o polegar apoia o queixo. Esse gesto deve
ser lido em conjunto com outros: pernas firmemente cruzadas, o braço passa-
do sobre o estômago (postura defensiva) e a cabeça e o queixo inclinados para
baixo (negatividade/hostilidade). Um significado possível dessa frase gestual é:
“não gosto do que você está me falando”.

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Regra II
Fique de olho na coerência. Constatam-se que os sinais não verbais têm um
efeito cinco vezes maior do que as palavras pronunciadas; no caso de não haver
coerência entre uns e outros, há uma forte inclinação, principalmente por parte
das mulheres, em se considerar apenas os primeiros. A observação dos grupos
gestuais e da coerência entre as mensagens verbais e gestuais é a chave da inter-
pretação correta das atitudes por meio da linguagem corporal.

Regra III
Leve em conta o contexto. Uma pessoa curvada em determinada situação
não significa, necessariamente, uma atitude de derrota, mas, talvez, o sinal de
que sente frio. Portanto, o contexto é fator decisivo para a leitura do gesto.

Gestos no dia a dia


Um dos gestos mais significativos no cotidiano é o aperto de mão. Por isso,
vários estudiosos analisam-no. Um aperto de mão equilibrado e inspirador de
confiança é aquele em que a palma da mão de ambas as pessoas permanece
na posição vertical; nesse caso é preciso, ainda, regular a pressão do aperto pela
pressão aplicada pela outra pessoa.

Há uma série de apertos de mão desagradáveis, entre os quais o chamado


“peixe morto”, caracterizado pela frouxidão do gesto; geralmente, as pessoas o
associam à fraqueza de caráter.

O sorriso é outro desses gestos recorrentes que denuncia muitas intenções.


Ele exerce uma influência sobre a pessoa para a qual sorrimos, suscitando uma
resposta de mesma natureza. Dos cinco tipos de sorrisos analisados por Allan e
Barbara Pease, o “sorriso de lábios cerrados” caracteriza-se por emitir a mensa-
gem segundo a qual a pessoa tem uma opinião ou atitude secreta, contida, que
não quer compartilhar com o outro.

Os sinais com os braços também são alvo de leitura. Cruzar os braços diminui
a credibilidade, porque é geralmente associado à formação de barreira entre os
interlocutores. A barreira formada pelos dois braços sobre o peito é uma tentativa
inconsciente de bloquear tudo o que se julga ameaçador ou circunstancialmente
indesejável. Pesquisas nos EUA demonstraram que o cruzamento de braços du-
rante aulas ou palestras leva a reter menos informação na ordem de até 38%.
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O rosto, afirmam os autores, mais do que outras partes do corpo, é capaz de


encobrir mentiras. Sorrisos, gestos com a cabeça e piscar de olhos fazem parte
do jogo da dissimulação; no entanto, mais uma vez, a incoerência entre palavras
e gestos indica uma forma de desmascaramento da pessoa que mente. Os gestos
mais usuais de quem mente são: tapar a boca (o cérebro instrui, subconsciente-
mente, a reprimir as palavras enganosas); tocar o nariz; coçar o nariz; esfregar os
olhos; pegar na orelha; coçar o pescoço; afrouxar o colarinho; dedo na boca.

Os 13 gestos mais frequentes


Assentir com a cabeça – gesto presente na maioria das culturas e indica
quase sempre concordância com o interlocutor. Assentir com a cabeça geral-
mente “contagia” o outro e faz com que ele retribua o gesto, além de incentivar a
colaboração e a concordância.

Balançar a cabeça é tido como um gesto inato e, provavelmente, o primei-


ro a ser desenvolvido pelo recém-nascido ao recusar o seio da mãe quando se
sente farto.

Cabeça erguida – atitude neutra em relação ao que está sendo dito.

Cabeça inclinada para um lado – sinal de submissão porque expõe a gar-


ganta e o pescoço e faz a pessoa parecer menor e ser menos ameaçadora.

Cabeça baixa – o queixo abaixado indica uma atitude negativa, crítica ou


agressiva.

Encolher o pescoço– no contexto profissional, geralmente indica atitude


submissa.
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Catar fiapos – há pessoas que


não concordam com o que se está
falando, mas o corpo acusa a dis-
cordância com gestos como o de
catar fiapos imaginários na própria
roupa, enquanto se olha para baixo
ou para os lados.

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Mãos nos quadris – geralmen-
te indica disposição para o enfren-
tamento. Além de ocupar mais
espaço, os cotovelos salientes têm
aspecto ameaçador.

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Posição de caubói – polega-
res dentro do cinto ou no alto do
bolso das calças, ao mesmo tempo
em que se enquadra a região ge-
nital é um gesto masculino que
denota virilidade.

Perna sobre o braço da ca- IESDE Brasil S.A.


deira – atitude agressiva que
quase sempre significa indiferen-
ça e despreocupação.
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Montar na cadeira – as costas


da cadeira servem como escudo
protetor para o indivíduo, refor-
çando seu caráter agressivo e
dominador.

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A catapulta – gesto eminente-

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mente masculino: sentado, mãos
atrás da cabeça com cotovelos lan-
çados para fora e perna dobrada
em quatro sobre a outra: intimida
ou demonstra relaxamento, nem
sempre real. Gesto característico
de financistas, advogados, geren-
tes de vendas ou de pessoas que
se sentem superiores.

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Posição de largada – inclinar-
-se para a frente com as mãos no
joelho ou lançar-se para a frente
com as mãos agarrando a cadei-
ra sinalizam o desejo de concluir
uma reunião.

Texto complementar
A qualidade e a importância
das relações interpessoais
(SZACHER; COSTA FILHO, 2007)

Viver hoje é uma tarefa árdua e difícil, levando-se em consideração as


constantes mutações do mundo moderno e as pressões intelectuais e emo-
cionais que o ser humano vê-se obrigado a enfrentar.

O ser humano moderno se acha de tal modo envolvido nesse ritmo acele-
rado das descobertas científicas e das mudanças tecnológicas que se aliena
cada vez mais de si mesmo e de seus semelhantes.

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É necessário resgatar a dimensão humana e até mesmo nosso próprio


significado.

A maior parte dos esforços empresariais é direcionada para o aumento


e o aprimoramento da produção, deixando de perceber a importância do
plano das relações interpessoais e dentro dela a importância desse processo
para a obtenção da qualidade.

É mais fácil treinar tecnicamente do que conseguir mudanças comporta-


mentais. Aprender a aprender é uma aquisição de hábito muito importante
em qualquer processo educativo.

O desenvolvimento das relações interpessoais é a mola existencial que


os indivíduos possuem para alcançar uma integração real e um rendimento
efetivo no ensino-aprendizagem.

Dois pontos tornam-se fundamentais para o sucesso de qualquer proces-


so de educação permanente. São eles:

 desenvolvimento contínuo da relação interpessoal, ou seja, saber rela-


cionar-se bem com as pessoas, de uma maneira saudável;

 comunicação forte e positiva para haver interações satisfatórias entre


instrutor e treinando.

Nos grupos em treinamento, o instrutor tem um papel muito impor-


tante além de ensinar. Ele é o responsável pela orientação do grupo para
que o mesmo alcance a aprendizagem, exercendo também um papel social
de orientar indivíduos, não apenas como instrumentos de produção, mas
também para que se desenvolvam como pessoas.

Carl Rogers, Jean Paul Sartre, Erich Fromm e outros afirmam que o rela-
cionamento humano é precioso demais em suas potencialidades para ser
reduzido ao nível de funcionamento de uma máquina.

Se tivermos sempre presentes em cada um de nós a preocupação e o cui-


dado de aprimorar nossas habilidades no relacionamento interpessoal, os
resultados obtidos gerarão condições favoráveis para o trabalho de grupo
e um clima de confiança entre os participantes, permitindo que a qualidade
das pessoas flua.

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Myron R. Chartier nos apresenta cinco elementos críticos que contribuem


para uma comunicação interpessoal eficaz. São eles:

 autoimagem;

 saber ouvir;

 clareza de expressão;

 capacidade para lidar com sentimentos de contrariedade;

 autoabertura.

Vamos destacar aqui dois desses elementos:

Autoimagem – é o centro do seu universo, seu quadro referencial, sua re-


alidade pessoal. Funciona como um visor através do qual o ser humano per-
cebe, ouve, avalia e compreende as coisas; é seu filtro individual do mundo
que o cerca.

Autoabertura – todo indivíduo que possui capacidade de falar franca-


mente sobre si mesmo estabelece uma comunicação eficaz.

Powell coloca muito bem essa questão: “A capacidade de alguém para se


autorrevelar é um sintoma de personalidade sadia”.

Sem esses dois elementos, torna-se impossível uma integração grupal,


que é o que todo instrutor busca para que o treinamento possa ocorrer num
clima harmônico, onde os treinandos desenvolvam relações interpessoais
abertas e confiantes.

A comunicação adequada com outra pessoa, ou seja, reencontrá-la psi-


cologicamente e estabelecer um diálogo, não é um dom inato, mas sim uma
atitude adquirida por aprendizado.

O processo ensino-aprendizagem não pode ser encarado de maneira


simplista, como se apenas dependesse dos objetivos do educador, pois di-
versas variáveis agem como componentes externos, tais como psicomotora,
cognitiva e humanística.

O desenvolvimento interpessoal pode ser planejado para atender a obje-


tivos tanto individuais como grupais.

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Dar ajuda e ter uma participação eficiente promovem o crescimento de


um grupo e, consequentemente, abrem caminho para que o objetivo, ou
seja, a aprendizagem, seja alcançada.

A vivência e a carga de experiência que cada um carrega são muito im-


portantes, pois uma experiência vivenciada e traduzida para o grupo não só
é sentida pelo grupo, como deve ser aproveitada pelo instrutor como moti-
vação e ser transformada em um pequeno debate.

À medida que um treinamento evolui, a estrutura do grupo inicial vai se


modificando gradativamente, dependendo da maneira como o mesmo está
sendo conduzido.

O importante é treinar sistematicamente. Somente através de repetições


e análises é que adquirimos novos valores e hábitos. Novos valores, novas
aquisições de hábitos, novas ideias, novos conceitos vão, sem dúvida alguma,
gerar novos comportamentos que em muito contribuirão para uma aprendi-
zagem plena, pois um grupo bem integrado alcança seu objetivo técnico e,
mais importante, sua verdadeira dimensão pessoal.

Atividades
1. Considerando-se o processo de feedback nas relações interpessoais, aponte
algumas características e o modo ideal de ser desenvolvido.

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2. O que são estilos interpessoais e como podem auxiliar na análise das rela-
ções humanas na empresa?

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3. Descreva, em linhas gerais, as etapas do “conflito como processo”, segundo


Robbins.

Referências
BECHARA, Evanildo. Ensino de Gramática. Opressão? Liberdade? 11 ed. São
Paulo: Ática, 2002.

BEE, Roland; BEE Frances. Feedback. São Paulo: Nobel, 2000.

BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. 35. ed. São Paulo: Vozes, 2000.

MAYER, Verônica Feder; MARIANO, Sandra R. H. Técnicas de Comunicação e Ne-


gociação. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2008. v. 1.

MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 11.


ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

ORTEGA Y GASSET, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.

PEASE, Allan; PEASE, Barbara. Desvendando os Segredos da Linguagem Cor-


poral. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.

ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. 9. ed. São Paulo:


Prentice Hall, 2002.

Szacher, Maurício Luiz; Costa Filho, Joel Bueno. A Qualidade e a Importân-


cia das Relações Interpessoais. Disponível em: <www.ogerente.com.br/novo/
artigos_sug_ler.php?canal=15&canallocal=47&canalsub2=151&id=692>. Publi-
cado em: 5 jul. 2007. Acesso em: 7 dez. 2009.

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Gabarito
1. Para Moscovici (2001), o feedback deve reunir as seguintes características:

 Descritivo ao invés de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de


um evento.

 Específico ao invés de geral – explicar o significado: quando se diz a


alguém que ele é “dominador” isto tem menos significado do que indi-
car seu comportamento numa determinada ocasião. “[...] nesta reunião
você não ouviu a opinião dos demais e fomos forçados a aceitar sua
decisão para não receber suas críticas exaltadas [...]”.

 Compatível com as necessidades de ambos, comunicador e receptor–


pode ser altamente destrutivo quando satisfaz somente às necessida-
des do comunicador sem levar em conta as necessidades do receptor.

 Dirigido – para comportamentos que o receptor possa modificar: em


caso contrário, a frustração será apenas incrementada se o receptor re-
conhecer falhas naquilo que não está sob seu controle mudar.

 Oportuno – logo após o comportamento em questão.

 Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver


formulado perguntas que os que o observam possam responder.

 Esclarecido – pedir para que o receptor repita o feedback recebido


para ver se corresponde ao que o comunicador quis dizer.

2. Estilos interpessoais são categorias de um modelo conceitual, proposto por


Joseph Luft e Harry Ingham, denominado de Janela de Johari. De acordo
com o modelo, existem quatro estilos, cada um com características marcan-
tes: I. Eu Desconhecido; II. Eu Secreto; III. Eu Cego; IV. Eu Aberto. Os estilos
ajudam a compreender o modo como os indivíduos interagem, tendo como
dominante a necessidade de feedback e de autoexposição.

3. Na visão de Robbins, conflito é um processo desenvolvido em cinco etapas:


oposição potencial ou incompatibilidade; cognição e personalização; defini-
ção de estratégia ou definição; comportamento e resultado.

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Como liderar reuniões

Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci

As reuniões: princípios gerais


As reuniões ocorrem em diversos contextos sociais. Elas podem acon-
tecer em momentos familiares como almoços dominicais, casamentos e
festas em geral. No âmbito social que é mais amplo, as reuniões ocorrem
em rituais religiosos, festas populares entre outras situações onde um
grupo de pessoas se agrega para atingir um objetivo comum.

Nas organizações de trabalho as reuniões são normalmente destinadas


a resolver problemas, apresentar e defender novos projetos, passar infor-
mações, ou seja, é uma forma bastante utilizada de comunicação grupal.

As reuniões envolvendo situações internas da organização são volta-


das para os problemas ou situações específicas da corporação, e são reali-
zadas exclusivamente com funcionários da empresa, ou podem também,
ser orientadas para resolver problemas com os clientes externos e/ou par-
ceiros. Nesse tipo de reunião os grupos podem ser mistos, ou seja, cons-
tituídos de funcionários da empresa e seus acionistas, ou formados por
funcionários, por parceiros e clientes.

As reuniões envolvem um componente essencial para a sobrevivên-


cia organizacional, pois durante esse processo muitas decisões que são
tomadas podem levar as empresas a uma situação de desenvolvimento,
lucratividade ou estagnação e prejuízos.

As reuniões são constituídas por grupos de pessoas que são lideradas


por um gestor, com objetivos definidos para solução de problemas ou
tomada de decisões. Segundo Maximiano (1993) é a oportunidade que
o gestor tem para identificar os pontos fortes e fracos de sua equipe, pois

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Como liderar reuniões

estão em uma situação que exige a exposição de ideias, sugestões e conheci-


mento para a solução de problemas e tomada de decisões.

Além desses aspectos o autor destaca ainda que as reuniões são uma ótima
fonte de observação das relações interpessoais, exemplo: visualização do traba-
lho dos funcionários, e os aspectos do comportamento individual. Nas reuniões
aparecem comportamentos que dificilmente são observados em situações do
cotidiano empresarial.

As reuniões são também ferramentas muito importantes para o desenvolvi-


mento de equipes de trabalho. Pois é no momento que o grupo se reúne para re-
solver problemas e encontrar soluções que os conflitos pessoais podem emergir.
Quando os conflitos pessoais ficam evidenciados são mais passíveis de interven-
ção por parte da liderança que pode tentar encontra soluções ou minimizá-las.
Os comportamentos que podem ser trabalhados pelo líder para facilitar as rela-
ções interpessoais são: o respeito pelas ideias divergentes, diversidades, entre
outros comportamentos relacionados às relações sociais no trabalho.

Apesar da importância incontestável das reuniões de trabalho existem críti-


cas a esse mecanismo. Para Maximiano (1993) a falta de objetividade das reuni-
ões e o tempo de duração são os principais pontos que são destacados como
prejudiciais nas reuniões.

O autor salienta ainda que Robert Townsend ficou muito em evidência


quando conseguiu recuperar a empresa Avis Rent-Car, ele chegou a propor que
as reuniões fossem realizadas sem cadeiras para que as pessoas ficassem des-
confortáveis e dessa forma as decisões seriam tomadas mais rapidamente e o
desperdiço de tempo seria menor. O autor destaca que a duração e a falta de ob-
jetividade das reuniões foram discutidas em um livro intitulado Odeio Reuniões,
onde as reclamações sobre as reuniões são bastante frequentes. Nessa linha de
pensamento Maximiano (1993) destaca seis motivos para as pessoas não gosta-
rem de reuniões que estão descritos a seguir:

1. marcar reuniões constantemente ou dizer que está sempre em uma reunião,


antigamente denotava que o gerente era uma pessoa muito importante e
que nunca tinha tempo para atender ninguém. Atualmente esse excesso de
reuniões ou indisponibilidade de atender ao cliente pode significar que o
seu desempenho como gerente não está sendo eficaz. Hoje, dizer ao cliente

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Como liderar reuniões

que está em reunião e não pode atendê-lo, deixou de ser sinônimo de im-
portância e transformou-se em possibilidade de perder o cliente;

2. as reuniões também podem ser utilizadas para complicar uma tarefa ou


um trabalho que poderia ser mais eficaz e rápido se fosse executado in-
dividualmente. Quando alguém não consegue resolver algum problema
tende a dividir a sua responsabilidade com o grupo;

3. pode também servir como uma espécie de proteção para o gerente que
não quer assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas, com isso
atribui essa responsabilidade ao grupo dizendo que a decisão foi resulta-
do do grupo;

4. o autor destaca que algumas reuniões são utilizadas como teatros onde as
pessoas convocadas não sabem que alguns membros já combinaram os
resultados antes da discussão e fazem uma representação até chegarem
ao resultado combinado previamente, ou seja, manipulam as pessoas que
estão na reunião;

5. o gerente pode utilizar as reuniões para reafirmar o seu poder autoritário


quando, por exemplo, cita que determinado assunto já foi resolvido em
reunião anterior e que, portanto não deve ser discutido novamente;

6. as reuniões apresentam sérios problemas relacionados à falta de agen-


da e administração do tempo. As reuniões muitas vezes atrasam, não têm
prazo para acabar, não têm um objetivo definido e a falta de credibilidade
nas decisões tomadas em reuniões anteriores. Exemplificando: foi decidi-
do que as secretárias não poderiam deixar descoberto o atendimento te-
lefônico e para isso deveriam se organizar em revezamento de horários. A
decisão não foi colocada em prática e na próxima reunião estão discutin-
do novamente as queixas dos clientes quanto ao atendimento telefônico.

Ainda para Maximiano (1993) existem cinco tipos de reuniões, sendo que
o autor destaca que genericamente pode-se chamar praticamente todas as
reuniões de grupos.

 Reuniões de socialização e sensibilização – o objetivo principal desse


tipo de reunião é facilitar a interação entre as pessoas que compõem um
grupo ou uma comunidade. Além de facilitar a interação, visa também

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Como liderar reuniões

despertar o interesse do grupo por novas possibilidades ou propostas


que atendam às necessidades sociais do grupo. Para alcançar esses obje-
tivos o grupo deve trocar ideias, realizar comemorações, fazer reconhe-
cimento em público de algum fato realizado por um membro do grupo,
apresentar novas pessoas e receber novos visitantes. Nas reuniões de
socialização as atividades mais comuns são:

 um funcionário apresentando a empresa para um novo grupo de fun-


cionários;

 os integrantes do grupo se apresentam e falam sobre si como nas situ-


ações de dinâmica de grupo de seleção e aquecimento de grupo para
início de treinamento;

 as pessoas conversam umas com as outras sem agenda ou programação.

 Apresentar informações – esse tipo de reunião visa não apenas promo-


ver a possibilidade das pessoas se conhecerem, mas também de transmi-
tir algum tipo de informação. Pode ser exemplificado como as aulas que
ocorrem nos cursos de treinamento ou nos seminários, onde algumas
pessoas falam mais tempo que as outras, pois elas têm informações a pas-
sar aos demais membros do grupo participante. É uma forma de trabalho
coletivo.

 Produzir informações – para Maximiano (1993) a grande diferença desse


tipo de reunião para o anterior se dá através do movimento da informação.
No primeiro caso, as informações são apresentadas principalmente por
meio de uma pessoa responsável. Já nesse caso, as informações devem
fluir do grupo, das pessoas que estão participando, ou seja, a informação
deve sair de diversas fontes. Por exemplo, nesse tipo de reunião pode ser
apresentado inicialmente um problema, um documento ou um processo
que necessite de melhorias. O grupo é estimulado a oferecer sugestões
para o aprimoramento da ideia ou a solução do problema, trabalhando na
seguinte sequência:

 o coordenador questiona o grupo e anota as ideias;

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Como liderar reuniões

 o coordenador faz uma síntese das principais ideias e submete ao gru-


po novamente;

 os participantes dão informações e opiniões e fazem perguntas entre si.

 Analisar – esse tipo de reunião tem por objetivo analisar fatos e situações
problemas. Os participantes devem compreender o sentido, amplitude
do problema ou situação para poder prever suas consequências. A última
etapa desse tipo de reunião é encontrar a melhor decisão para a situação.
As atividades mais comuns nessas reuniões são:

 fazer perguntas para ter uma visão maior do que está acontecendo;

 testar suposições para verificar as causas dos problemas;

 levantar ideias para ver como funcionariam na prática;

 contextualizar o problema para entender melhor o seu funcionamento;

 listar as ameaças e oportunidades possíveis;

 propor alternativas de interpretação ou explicação de um fato ou pro-


blema.

 Resolver problemas e decidir – para Maximiano (1993) as atividades


mais complexas em termos de reuniões são as que envolvem escolhas,
análise de problemas, seleção de alternativas, negociações de barganhas
ou trocas. Nessa etapa o grupo deve estar em um nível de maturidade
mais avançado e dessa forma apresentar soluções mais concretas e obje-
tivas. O autor destaca graus de complexidade nessa modalidade de reu-
niões expostas a seguir:

 uma reunião entre a empresa e a comissão da fábrica para resolver por


meio de negociação as reivindicações dos empregados;

 uma reunião entre o gerente de logística negociando prazos com os


parceiros;

 uma equipe do banco visita a direção da empresa para cobrar um em-


préstimo e negociar novos prazos;

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 os coordenadores de um projeto envolvendo clientes de outros países


negociam novos prazos e procedimentos de implantação.

O grau de complexidade do processo de trabalho depende do nível de difi-


culdade da decisão a ser tomada, ou seja, as decisões que envolvem mais confli-
tos de interesses são as de maior complexidade.

Os trabalhos desenvolvidos em grupos ou reuniões de trabalho devem levar


em consideração o tipo de grupo que está sendo formado. Segundo proposta
da Equipe Grifo (1996) existem diferenças nos grupos, quanto as suas finalida-
des, duração e componentes.

Para os pesquisadores da Equipe Grifo (1996) os grupos podem se reunir para


a realização de trabalhos que tenham interface, ou seja, um departamento depen-
de da sequência do trabalho de outra área. Por exemplo, um time de produção
reunindo-se com grupo de logística para que não faltem peças na produção.

Outro tipo é o grupo de gerentes, nesse grupo as pessoas convivem há mais


tempo, portanto se conhecem mais facilitando o conhecimento e integração
entre os componentes. As reuniões gerenciais são mais de processo decisório e
solução de problemas.

 Grupo de trabalho permanente – é o grupo onde as pessoas convivem


diariamente, nesse grupo podem existir problemas de relacionamento
interpessoais dependendo do nível de amadurecimento da equipe. Se o
grupo já estiver com os papéis definidos a tendência é que os conflitos já
estejam solucionados ou sob controle.

 Grupos de trabalho contingencial – são formados em função de con-


tingências ambientais. Por exemplo, as pessoas que trabalham próximas
uma das outras podem formar um grupo em função das contingências ou
situações do ambiente. Alunos podem formar um grupo de estudos por
morarem no mesmo bairro.

 Grupo de trabalho temporário – nessa situação o grupo é formado com


a finalidade de resolver uma situação especial. Por exemplo, um grupo de
professores que se reúnem para decidir um problema disciplinar de um
aluno da escola, na medida em que esse problema ou situação não existir
mais, o grupo também deixa de se reunir.

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Como liderar reuniões

A figura a seguir demonstra o pensamento da equipe:

(Equipe Grifo, 1996, p. 5)


Grupo de
gerentes

Grupo de Grupo de
trabalho de trabalho
interface permanente
Trabalho de
equipe

Grupo de Grupo de
trabalho trabalho
contingencial temporário

Figura 1 – Unidades onde o trabalho em equipe pode existir.

Não importa o tipo de grupo, finalidade ou duração para que as reuniões


sejam produtivas, elas sempre devem levar em consideração o conteúdo e a di-
nâmica das reuniões.

Para Maximiano (1993), para que o líder saiba qual o conteúdo necessário para
a sua reunião ter resultados eficazes deve seguir o seguinte roteiro de questões.

 Quanto ao problema

Qual é o objetivo? Qual é o nosso problema? A finalidade é conhe-


cer o problema ou tomar uma decisão para solucioná-lo? Caso seja
necessária uma decisão quais são as alternativas possíveis?

Quais as relações de causa e efeito?

Quais as diferenças entre a situação real onde existe o problema e a


situação desejada com a solução do mesmo?

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Como liderar reuniões

Em quais circunstâncias ocorre esse problema? Abrangência e gra-


vidade?

Com que frequência e regularidade ocorrem?

Como conseguir informações que facilitem a compreensão do pro-


blema?

Terminologia: existe diferença de significado nas expressões dos


participantes?

 Quanto à solução

Como a solução pode ser descrita?

Qual o impacto dessa decisão sobre os resultados da organização?

Qual o seu impacto sobre o clima organizacional, como as pessoas


reagirão?

 Como lidar com a dinâmica das reuniões – para que o grupo alcance
a eficácia deve levar em consideração dois aspectos fundamentais:

as regras devem ser apresentadas e asseguradas para que o grupo


atinja a eficácia esperada;

as relações interpessoais devem ser asseguradas para que o clima


não prejudique a realização dos objetivos.

Com relação à primeira condição dos aspectos fundamentais apresentadas


anteriormente, o autor destaca que existem condições que o grupo deve se ater
antes e durante a atividade, são elas:

definir a necessidade da reunião e se seus objetivos estão claros;

designar um coordenador e seus auxiliares;

definir uma agenda;

definir a sequência dos temas e o tempo de dedicação a cada um


deles;

estabelecer a sequência das falas dos participantes;

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definir o que se espera como resultado final e como será registrado


(ata, relatório entre outros).

Existe outro problema que deve ser levado em consideração pela sua relevân-
cia, que é as relações entre os participantes. Essa relação tem de ser harmoniosa
para que as reuniões alcancem os resultados esperados. As decisões precisam
ser tomadas com bases racionais, antes das intuitivas. No entanto as decisões
baseadas na racionalidade devem estar calcadas em um número significativo de
informações que sustentem as decisões.

O autor Maximiano (1993) destaca como fundamental que sejam seguidas as


seguintes regras:

inicie a análise pelas informações concretas, percorra o caminho


do racional para o intuitivo, ou seja, baseie-se em fatos objetivos
primeiramente, e só após ter se esgotado todos os fatos, utilize a
intuição;

evite as conversas paralelas, pois deslocam a atenção do grupo;

estimule a participação de todos, evitando dessa forma o individu-


alismo exagerado;

evite que a reunião se torne um espaço para discussões de proble-


mas de relacionamento do grupo.

Como distribuir papéis em


reuniões para que sejam produtivas
Nas reuniões todos os elementos seguem as regras para tomarem decisões
baseadas em informações e em competências técnicas, porém são essencial-
mente racionais, mas não são as únicas formas das reuniões serem produtivas ou
gerarem bons resultados. Muitas vezes as reuniões dependem de ideias criativas
e inovadoras. Essa criatividade não pode surgir em ambientes onde as regras
são rígidas e não há espaço para novas ideias. Por esse motivo Maximiano (1993)
propõe que as reuniões devem conter participantes que desempenhem diferen-
tes papéis que, quando somados, aperfeiçoem os resultados.

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Como liderar reuniões

O autor destaca os seguintes papéis que tiveram por base os estudos de


Lauro de Oliveira Lima e Glen M. Parker, são eles:

 Técnico – quem representa esse papel tem como características principais


a capacidade de legislar e organizar as informações, ele ajuda a definir
regras para facilitar a produtividade do grupo. O técnico começa a desem-
penhar o seu papel assim que a reunião tem início.

 Piloto – é quem mantém o grupo em foco no objetivo das reuniões, relem-


bra as regras propostas pelo técnico, toda vez que um membro deixa de
cumpri-la mantendo dessa forma a disciplina e os objetivos da reunião.

 Avaliador – o avaliador tem como característica principal resumir os pon-


tos principais discutidos que ajudam na convergência dos objetivos. Even-
tualmente levanta questões para o grupo como: Então, como podemos co-
locar essa ideia no papel? Como podemos sintetizar essa ideia? Será que não
estamos falando a mesma coisa?

 Dicionarista – uniformiza os termos técnicos falados por profissionais de


diferentes áreas do conhecimento. Desempenha papel fundamental eli-
minando barreiras de compreensão de terminologias específicas de áreas
de atuação. Esse membro do grupo facilita a compreensão de termos téc-
nicos, por exemplo se o grupo possuir pessoas formadas na área de huma-
nas e de engenharia aeronáutica o vocabulário técnico com certeza não
será o mesmo. O dicionarista traduzirá para ambos os grupos os termos
que não forem de compreensão de seus membros.

 Cientista – o cientista preocupa-se com as informações prestadas. Fre-


quentemente faz perguntas como: Isso é uma informação ou uma opi-
nião? Quantas pessoas serão afetadas?

 Desafiador – seu papel é questionar os objetivos, os métodos de trabalho


e as relações entre os membros do grupo. Ele procura evitar que o grupo
se atenha a detalhes e perca a visão do todo.

 Comunicador – diminui os ruídos de comunicação entre os elementos do


grupo. Acalma as discussões e cria um ambiente de descontração, ouve as
ideias alheias e facilita a comunicação entre as pessoas que têm dificulda-
des de relacionamentos.

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Como liderar reuniões

Todos os papéis são muito importantes para o sucesso das reuniões. Cabe ao
gerente estimular os participantes a desempenharem os papéis que melhor se
adaptem a eles.

Preparação e condução de reuniões


Os resultados das reuniões não são apenas afetados pelos seus componentes,
outros fatores como: o ambiente onde ela se realiza, o horário, os problemas que
já deveriam ter sido resolvidos. Todos estes fatores predispõem negativamente
as pessoas a se envolverem no processo.

Imaginem uma reunião marcada em uma sexta-feira, véspera de feriado, às


17 horas para resolver um problema de produção que já está ocorrendo há uma
semana? Ou uma reunião agendada para depois do almoço onde haverá uma
palestra extremamente técnica com slides e tradução simultânea. Nas duas situa-
ções dificilmente as pessoas convocadas sentir-se-iam estimuladas a participar.

Para Maximiano (1993) a coordenação de uma reunião envolve várias ativida-


des que devem ocorrer antes e depois delas. Sugere uma lista de atividades que
facilitam a coordenação dessas reuniões.

1. Preparação:

 estabelecer objetivos e regras;

 selecionar quem deve participar;

 determinar o melhor horário e local;

 convocar os participantes e avisá-los para trazerem o material que de-


verá ser utilizado para que não cheguem despreparados;

 preparar e distribuir o material que deverá ser utilizado na reunião para


que todos possam ter contato antes da atividade;

 preparar o local. Disposição do material, local de apresentação, equipa-


mentos, material de apoio entre outras necessidades.

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Como liderar reuniões

2. Condução:

 começar a reunião apresentando a agenda e os problemas que serão


discutidos;

 definir o resultado final esperado;

 definir as regras de participação, inclusive o tempo disponível para


cada assunto;

 identificar as pessoas do grupo, por meio de nomes sobre a mesa, pe-


dindo para que todos se apresentem;

 estabelecer a ligação com assuntos discutidos em reuniões anteriores;

 estimular a participação de todos;

 administrar o tempo, tanto das pessoas que estão falando quanto do


tempo destinado a cada assunto;

 resumir as principais conclusões.

3. Finalização:

 estabelecer com base nas conclusões finais quem e quando deverá


executar as ações decididas;

 testar a compreensão, ou seja, verificar se todos estão de acordo com


as decisões tomadas e os compromissos assumidos. Além da compre-
ensão é necessário verificar se concordam e aderem às propostas;

 providenciar a distribuição dos resultados ou conclusões.

A habilidade de liderança para coordenar reuniões é um grande desafio para


as pessoas que devem executar estas funções.

Além de um grande preparo sobre o assunto em pauta, o líder da reunião


deve também conhecer as pessoas que estarão presentes, pois uma vez que
houver conflitos entre os membros do grupo, ele terá que administrá-los. Admi-
nistrar conflitos é uma tarefa a mais a ser desempenhada na reunião, o que pode
dificultar o alcance dos objetivos.

Administrar conflitos é sem dúvida um papel gerencial de grande desafio. O


líder deve exercer a liderança de acordo com os objetivos da reunião e com a
composição de seus membros.

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Texto complementar

Reuniões a diferentes vozes


(EXPRESSO EMPREGO, 2008)

Hoje é dia de reunião! Como são as suas reuniões de trabalho? Produtivas


e divertidas ou frustrantes e autênticas perdas de tempo? Conseguem ouvir
e aceitar ideias divergentes sem derrubar a mesa?

Quando pensar em agendar uma reunião pense também em distribuir


responsabilidades a cada um dos colaboradores que vai estar presente.
Desse modo, consegue evitar que falem todos ao mesmo tempo e sobre o
mesmo assunto. É importante conhecer as ideias próprias dos seus empre-
gados, mas tem outras maneiras para fazer, sem prejudicar uma reunião que
está definida para tratar de determinadas questões.

Isso consegue-se facilmente com um pouco de organização. O problema


maior coloca-se quando, entre os seus colaboradores, existem estilos de comu-
nicação muito diferentes.

A forma de comunicar é o fator essencial para se conseguir ter uma REU-


NIÃO, na verdadeira acepção da palavra. Ou seja, aproveitar determinado pe-
ríodo de tempo para organizar projetos, reunir informação e construir uma
interação e proximidade entre todos os colaboradores, com sucesso.

Concretizar esse objetivo é, por vezes, difícil porque todos nascemos da


mesma forma, mas nem todos vivemos e aprendemos as mesmas coisas. Fa-
lamos de cultura! Se a diversidade contribui para o nosso enriquecimento, es-
tilos de comunicação diferentes também podem criar dificuldades e até mal-
-entendidos numa reunião, quando o objetivo é chegar-se a um consenso.

Se analisarmos apenas o comportamento do homem e da mulher já


somos capazes de perceber a existência dessas diferenças. Dedique algum
tempo e perceba as atitudes e posições que cada um deles toma.

Por exemplo, é quase regra geral que o homem interrompe mais vezes a
reunião do que a mulher. Esse fator não é necessariamente negativo, apenas
quando essas interrupções acabam por perturbar, interferindo com a comuni-
cação e impossibilitando aos outros de contribuir para a reunião. Em algumas

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culturas, como por exemplo as asiáticas, o ato de interromper alguém que está
a falar, durante uma reunião, é considerado má educação e falta de respeito.

Outras situações problemáticas surgem quando existem colaboradores es-


trangeiros ou com “sotaques” que dificultam a clareza da comunicação. Nestes
casos, o medo de serem incompreendidos pode dificultar ainda mais a reu-
nião. Procure dar atenção e espaço para eles transmitirem as suas ideias.

No fundo, encontrar uma forma para compatibilizar essas diferenças é o


ideal. Sugerimos-lhe três posturas que deve tomar, a partir do momento em
que tomar consciência desse problema:

Todos participam!

Dê oportunidade a cada um para participar na reunião. Para que não haja


confusões e falem todos ao mesmo tempo, no dia em que marcar a reunião
refira os assuntos que vão ser tratados e o que quer ouvir de cada um dos
colaboradores. Desse modo, podem preparar com “cabeça, tronco e mem-
bros” os comentários a fazer e todos têm um espaço e tempo formal para
comunicar, sem desrespeitar a comunicação dos outros.

Cada um é responsável!

Se são avisados que têm de fazer uma comunicação durante a reunião, os


seus colaboradores ficam responsáveis por ela e o melhor é mesmo serem
originais. Procure que adotem um estilo de comunicação que aumente a
produtividade da reunião e a torne mais criativa.

Há ideias boas que não despertam a atenção pelo simples fato da forma
como foram transmitidas. Facilite a vida aos seus colegas, tornando-se com-
preensível – se eles compreendem, contribuem para o sucesso da reunião e,
quem sabe, das suas ideias.

Poucas interrupções e distrações!

Não pode permitir que a atenção se perca, por isso tente agarrá-la a todo
o custo, criando formas criativas para minimizar as interrupções e distrações.
Por exemplo, estabeleça uma multa para quem interromper um colega que
está a falar. É uma ideia divertida e pode dar resultados!

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Como liderar reuniões

O importante é criar um ambiente agradável e receptivo às ideias de


todos. Se sentem que são ouvidos, mais motivação têm para apresentar pe-
quenas questões que se podem revelar importantes.

As diferentes vozes ou os diferentes estilos de comunicação podem tornar-se


uma verdadeira fonte de riqueza!

Fazer reuniões é um dos grandes passatempos dentro da vida empresarial.


Admitimos que as reuniões podem ser muito úteis quando se trata de informar
ou de tomar uma decisão. Mas, muitas vezes, consomem tempo, o seu e o dos
outros participantes, sem produzir resultados.

Faça uma reunião apenas quando for realmente necessário. Muitas vezes
as reuniões são feitas apenas por hábito. Faça-a quando for relevante ou re-
gularmente para fazer um ponto da situação.

Elabore uma ordem de trabalho com antecedência. Comunique-a com


antecedência às pessoas que convocou para a reunião, para estas poderem
se preparar. Tente também respeitar a ordem do dia, evitando assim grandes
divagações.

Reunir durante demasiado tempo não serve de nada. A concentração dos


participantes desaparece depois de 75 minutos. Se ficar preso numa reunião
“maratona”, tente introduzir intervalos regulares.

Tente começar a tempo, mesmo se ainda faltam algumas pessoas.

Pode jogar com o “timing” dependendo do tipo de pessoas com as quais


vai reunir. Se souber que os participantes têm a tendência de se alargarem
sobre os assuntos, marque a reunião para pouco antes do almoço ou para o
fim do dia. Se são pessoas que nunca são pontuais, marque para uma hora
estranha, por exemplo 17 minutos depois de uma hora, para despertar a
pontualidade.

Mantenha o número de participantes limitado. Quanto mais pessoas,


mais visões diferentes. Aliás, pessoas que não fazem verdadeiramente falta
na reunião só iriam perder tempo. O mesmo é válido para si mesmo: se não
faz falta, não vá. Se necessário, peça um relatório depois.

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Como liderar reuniões

Transforme num hábito fazer um resumo de tudo e repetir rapidamente o


plano de ação no fim da reunião. Assim, todos ficarão sabendo quem está a
fazer o quê. Um relatório da reunião pode ajudar.

Evite que as pessoas repitam o que outros já disseram. Indique alguém


para conduzir a reunião na direção correta. Seja você mesmo, curto, conciso
e vá direto ao assunto.

Se quiser acelerar o ritmo, pode pedir a um colega para chamar depois


de uma hora para um suposto assunto “urgente”. Assim, mostra que o seu
tempo é precioso e que não pode passar demasiado tempo numa reunião.

Atividades
1. As reuniões existem nas organizações para analisarem as situações e tomar
decisões, portanto são importantes por quê?

a) Porque os seus resultados podem garantir a sobrevivência da empresa.

b) Porque as pessoas conversam e expõem seus pensamentos.

c) Porque ocorrem com muita frequência e proporcionam atualização.

d) Porque as pessoas se sentem motivadas a participar das conversas e de-


cisões.

2. O gerente pode utilizar as reuniões para identificar ou promover:

a) as dificuldades de comunicação entre os setores, gerentes e funcionários.

b) os pontos fortes e fracos, as relações interpessoais e servem também


para desenvolvimento da equipe.

c) as diferenças de produtividade da equipe, relacionamento e falhas de


comunicação.

d) as falhas de comunicação, desgastes pessoais e desenvolvimento de


equipe.

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Como liderar reuniões

3. Quais os motivos que levam as pessoas a não gostarem de reuniões?

a) As pessoas que convocam querem parecer importantes, e as reuniões são


planejadas de acordo com os objetivos, as soluções são implantadas, o tem-
po é coordenado com precisão e o gerente utiliza o grupo para decidir.

b) As pessoas que convocam querem parecer importantes, o gerente não


toma as decisões sozinho, a agenda e o horário são cumpridos, as deci-
sões tomadas são implantadas e são muito produtivas.

c) Às vezes as reuniões dificultam a realização das tarefas, atribuem impor-


tância para quem convoca, são rápidas para a tomada de decisões, auxi-
liam o gerente na distribuição da responsabilidade.

d) Atribuem importância a quem convoca, dificultam a realização de tare-


fas, protegem o gerente, manipulam o grupo, reafirmação do poder, falta
de agenda e distribuição do tempo.

4. Existem cincos tipos de reuniões, quais são eles?

a) Socialização, apresentar informações, produzir informação, analisar, re-


solver problemas e decidir.

b) Resolver problemas, facilitar a comunicação, trabalhar em equipe, man-


ter a decisão nas mãos do gerente, delegar e apoiar.

c) Integração, socialização, sensibilização, autonomia, independência e ge-


renciamento.

d) Integração, participação, eliminação, decisão, fortalecimento do grupo.

Dica de estudo
MINICUCCI, Agostinho. Dinâmica de Grupo: Teorias e sistemas. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2002.

Este livro de dinâmica de grupo auxiliará para uma maior compreensão sobre
o funcionamento dos grupos e suas dinâmicas de interação. O autor propõe
também vários exercícios que podem ser utilizados para facilitar as relações
entre os membros da equipe além de formas de avaliar os resultados do grupo.

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Como liderar reuniões

Referências
EXPRESSO EMPREGO. Reuniões a DiferentesVozes. Disponível em: <http://aeiou.
expressoemprego.pt/scripts/indexpage.asp?headingID=4284>. Acesso em: out.
2008.

EQUIPE GRIFO. Times de Trabalho Autodirigidos. São Paulo: Pioneira, 1996.

MAXIMIANO, Antonio C. A. Gerência de Trabalho de Equipe. São Paulo:


Pioneira,1993.

_____. Além da Hierarquia: como implantar estratégias participativas para ad-


ministrar a empresa enxuta. São Paulo: Atlas, 1995.

_____. Além da Hierarquia: como implantar estratégias participativas para ad-


ministrar a empresa enxuta. São Paulo: Atlas, 1997.

_____. Teoria Geral da Administração: da escola científica à competitividade


em economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1997.

Gabarito
1. A

2. B

3. D

4. A

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Como liderar reuniões

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Eficácia na comunicação oral

Luiz Roberto Dias de Melo

Falar em público com segurança:


fundamentos de oratória
Em vários momentos, falar em público é tão decisivo quanto garan-
tir a sobrevivência da democracia. Tem sido assim desde a Antiguidade,
nascedouro dos grandes oradores, e ainda hoje, quando um país como
o Brasil se vê em um longo processo de estabilização e consolidação dos
valores democráticos. Em uma sociedade em que as vozes podem (e
devem) ser ouvidas1, falar em público com propriedade, com o domínio
do tema e dos recursos de expressão da fala e dos gestos constitui um
dos momentos mais importantes de partilha da informação e do conhe-
cimento. Desde oradores como Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), Cícero (106
a.C.-43 a.C.) e Quintiliano (30 d.C.-95 d.C.) até os oradores modernos, ler
o mundo, a palavra escrita, acompanhada pelo pensar, escrever e bem
dizer apresenta-se como uma harmoniosa continuidade.

Demonstrar a virtude da oratória significa ser dotado de um conjunto


de valores que formam o caráter do homem de bem. A virtus, na Anti-
guidade, não se limitava a uma fase da vida, como o senectus (velhice)
ou o iuventus (juventude), já que era um valor de toda uma existência e,
como tal, referendado nas doze Tábuas da Lei, do Direito Romano, como
um equivalente da valentia, a areté no pensamento grego.

A areté encerra todo o ideal da educação grega; para além do guerreiro


valoroso, valente, corajoso e honrado, Aquiles é o protótipo do cavaleiro da
época homérica: cortês, refinado e de senso ético apurado. Na Idade Média,
dir-se-á sobre o cavaleiro que ele deve ser douto em letras e em armas, como
tenta ser, em suas fantasias, o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote.
1
No entanto, não devemos confundir o direito à fala com uma deformação desse valor, encarnada pela impertinência de que todos devem
opinar sobre tudo, a todo momento, sem nenhuma hesitação, sem reflexão sobre o contexto, a oportunidade e, principalmente, sobre aquilo
que se deseja compartilhar.

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Eficácia na comunicação oral

A areté é uma superioridade ou uma excelência, própria da nobreza, um con-


junto de traços físicos, de características espirituais e morais, filtrados na forma
de bravura, coragem, destemor, observados na destreza do guerreiro, na eloqu-
ência de sua fala e na persuasão de sua palavra. O orador grego deveria imbuir-
se desses valores para, quando se apresentasse em público, não apenas seu pen-
samento inspirasse a reflexão e a tomada de decisão, mas, antes, para que sua
figura fosse a prova viva dos mais altivos significados da urbanidade. Na Antigui-
dade grega, o cidadão sentia-se em profunda harmonia com a polis, a cidade, em
cuja gestão influía com o uso da palavra, posta em intenso debate.

A virtude do conhecimento encontra sua boa forma na retórica e na oratória;


esta última, um campo de especulação originariamente romano, como tradução
da retórica grega. A oratória teve origem na Sicília no século V a.C., mas foi na
Grécia que encontrou meios para seu desenvolvimento. A retórica, como idealiza-
da por Aristóteles, é a arte da palavra, do falar bem, da persuasão, do raciocínio e
do argumento. Com o passar dos anos, foi tendo seu caráter ornamental (uso de
figuras de linguagem: metáforas, metonímias, antíteses; figuras de ritmo etc.) en-
fatizado demais e, a partir do século XVIII, entra em declínio para voltar a ser objeto
de interesse na segunda metade do século XX. A oratória, por sua vez, identificou-
-se desde cedo com a eloquência, com a capacidade do orador em expressar, com
certo grau de dramaticidade, o tônus dominante do pensamento. Hoje, o orador
continua fazendo uso do manancial da oratória, mas não é tão pujante sua elo-
quência, nem mesmo no meio político.

Modernamente, para buscar referência na área da psicologia, o orador de ta-


lento deve ser dotado de algumas das nove “inteligências múltiplas”2, estudadas
por Howard Gardner (1995), psicólogo da Universidade de Harvard:

Inteligência linguística – os componentes centrais da inteligência linguísti-


ca são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além
de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade
para usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias.

Inteligência interpessoal – pode ser descrita como uma habilidade para en-
tender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e
desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na observação de psicotera-
peutas, professores, políticos e vendedores bem-sucedidos.

2
Lógico-matemática; linguística; musical; espacial; corporal-cinestésica; intrapessoal; interpessoal; naturalista; existencial; essas duas últimas foram
acrescentadas depois da primeira edição do livro.

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Eficácia na comunicação oral

Inteligência intrapessoal – é o equivalente interno da inteligência inter-


pessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e
ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais.
É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências pró-
prias, a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a habilida-
de para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva.

Essas inteligências estruturam-se de forma dinâmica, bem por isso sempre


é possível perceber com mais nitidez a proeminência de uma ou mais de uma
delas. No caso do orador de talento, a inteligência linguística é, naturalmente,
aquela que se destaca e também a que se mostra indispensável para aqueles
que necessitam ou pretendam fazer do falar em público algo além de uma ex-
periência pontual.

Entre parênteses, salientamos que ao nos depararmos com as características


da inteligência linguística é possível lembrar do conceito de “instinto de lingua-
gem”, desenvolvido por Noam Chomsky e retomado por Pinker (2002). Para esse
pesquisador, a linguagem não é um artefato cultural, estruturado de acordo com
processos baseados em estímulos exteriores. Ao contrário, é nitidamente uma
peça da constituição biológica de nosso cérebro. A linguagem é uma habilidade
complexa e especializada, que se desenvolve na criança sem nenhum esforço
consciente ou instrução formal, manifestando-se sem que se perceba sua lógica
subjacente, que é qualitativamente a mesma em todo o indivíduo. Em sendo
de fato uma propriedade inata, é o caso de se admitir que muitos indivíduos
nasçam com essa habilidade mais desenvolvida que outros.

Voltando a Gardner (1995), temos que a inteligência interpessoal realça a


capacidade de se “entender e responder” melhor aos estímulos enviados pelos
outros. Parece-nos indispensável também possuir essa inclinação para o desen-
volvimento, em alto grau, da aptidão de falar em público. A interação, a empatia
com a plateia, provavelmente ocorrerá de forma mais fluida, se suscitada por
indivíduos dotados por esse tipo de inteligência.

Por outro lado, a inteligência intrapessoal relaciona-se ao autoconhecimento,


que propicia ao indivíduo a oportunidade de vislumbrar algo sobre a natureza
humana a partir do exame de suas próprias possibilidades e limites.

Já que estamos especulando sobre as especificidades de cada inteligência,


devemos, ainda, lembrar de uma dimensão que é sustentada por essas estrutu-
ras, mas se mostra capaz, também, de alimentá-las de conteúdo. Referimo-nos
ao repertório.

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Eficácia na comunicação oral

A palavra repertório tem a seguinte etimologia: é uma “matéria metodica-


mente disposta”; uma “coleção”, um “conjunto”; um “inventário” ou “compilação”.
O leitor já ouviu essa palavra ser relacionada ao universo da música, quando se
diz que certo cantor ou compositor possui (ou não) bom repertório.

Ao se emitir tal opinião, adota-se um juízo de valor de acordo com determina-


do critério de qualidade. No caso de um cantor, ainda que se reconheça o valor
intrínseco do repertório, pode-se dizer que este não se ajusta bem ao intérprete
por uma série de razões: exigências técnicas de voz não correspondidas; baixa
capacidade dramática; inadequação à sua personalidade etc.

Essas considerações valem em parte para a discussão que nos interessa em


torno da noção de repertório. Há uma relação íntima entre o cantor e seu re-
pertório, o seu “conjunto de canções”, na medida em que este, guardadas certas
diferenças de personalidade dos artistas, é produto de uma intensa disposição
para o experimento, para o ensaio, para a repetição, cujo resultado concorre,
também, para configurar a identidade do intérprete no mundo do espetáculo.

A noção de inventário de experiências, que constitui uma prática de vida,


é útil para compreendermos o sentido mais extenso da palavra. O repertó-
rio, nessa última acepção, é resultado do esforço de autoconhecimento do
indivíduo, de uma determinação em saber de si e saber sobre o mundo, de
uma capacidade a um só tempo de reflexão, de projeção e conservação de uma
matéria que se impõe como decisiva e confirmadora de uma existência.

Nossa experiência na família e na sociedade, nossa educação escolar, nossas


leituras, nosso trabalho, nossa memória e imaginação, a matéria efetivamente
vivida ou ludicamente inventada, tudo isso se articula como um conjunto de
informações organizadas na consciência, que servirá de substância para o ato da
escrita e da fala em público.

Ao contrário do cantor eventualmente mal-adaptado ao repertório musical, a


constelação de elementos acima indicada nunca está em desarmonia conosco,
pois que somos o próprio repertório.

Podemos pensar o modo de convívio entre as partes integrantes do repertó-


rio individual como uma rede, um sistema de relações na forma de linguagem,
capaz de assimilar e gerar conhecimento.

Sem um repertório suficientemente diversificado ou especializado em deter-


minados temas, dificilmente se obterá êxito na missão de falar com propriedade
em público.

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Outro livro de Gardner (2005) detém-se na reflexão sobre o modo pelo qual
líderes tão diferentes como o indiano Mahatma Gandhi e Jack Welch, ex-presi-
dente da GE, conseguiram influenciar seu público e, assim, levar adiante suas
ideias. Gardner enumera sete componentes que ajudam os líderes a persuadir
pessoas, sejam elas políticos, executivos ou artistas. O foco de Gardner não é o
desempenho do orador, mas como a mente funciona para persuadir; no entanto,
já que discutimos a questão do papel do orador no âmbito da Comunicação Em-
presarial, não nos parece impertinente fazer uma referência de passagem àquele
instrumental, o qual o autor denomina de 7Rs.

O convencimento, afirma Gardner, ocorre quando o argumento (reason) e a


pesquisa (research) são reforçados por múltiplas formas de representação (repre-
sentation), eventos do mundo real (real world events), ressonância (resonance) e
recursos (resources). Todos esses elementos caminham em uma única direção, de
forma que as resistências (resistances) possam ser identificadas e mensuradas de
forma satisfatória. O argumento é a apresentação lógica das ideias; a pesquisa:
utilização de informações relevantes na argumentação; a ressonância: o modo
pelo qual a ideia deve “parecer apropriada” para o público; representação: capa-
cidade de relatar uma boa história ou experiência: eventos do mundo real: crises,
guerras, furacões, tudo isso pode facilitar a mudança de pensamento; recursos e
prêmios: a audiência precisa ser seduzida e achar que ganha ao apoiar o chefe;
resistências: o líder deve estar preparado para elas e saber como combatê-las.

Considerando-se os limites deste capítulo e o caráter didático de que se re-


veste, a abordagem que se fará em seguida, sobre apresentação em público,
limita-se a alinhar determinadas regras e princípios, frequentemente estrutura-
dos na forma de tópicos. Tomamos como referência alguns títulos de Reinaldo
Polito (2005a; 2005b; 2006a; 2006b) para coligir o texto. Polito é, provavelmente,
o nome de maior evidência nos estudos de oratória, autor de vasta obra sobre o
assunto, além de palestrante talentoso e dos mais prestigiados.

As vantagens de falar em público são muitas e certamente a relação a


seguir está incompleta: projeta a personalidade; propicia a autoanálise; gera
cooperação; estimula a criatividade; intensifica o autoconhecimento; con-
solida o prestígio; inspira a credibilidade; exercita o raciocínio lógico; mostra-
-se um valioso instrumento de persuasão; contribui para a disciplina mental; fa-
vorece a prática das habilidades de liderança; permite melhorar o planejamen-
to e organização das ideias; impulsiona as negociações; fortalece o marketing
pessoal e profissional; potencializa as habilidades latentes; estabelece interação;
aumenta a produtividade; valoriza o poder da argumentação criativa; revela a

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inteligência e a sensibilidade; aprimora a linguagem verbal e não verbal; pro-


porciona melhores relações interpessoais. Não precisará se enfatizar o quão ne-
cessário é que o comunicador saiba falar em público e claramente se posicione
diante dos assuntos com os quais se envolve no cotidiano das organizações.

Princípios gerais
Domínio sobre o tema
A maior parte da segurança de se falar em público provém do conhecimen-
to sobre o tema. Portanto, é necessário ter uma visão geral sobre ele, mais
ainda quando houver possibilidade de a plateia fazer perguntas. Deve-se lem-
brar que a credibilidade do orador está diretamente associada ao atendimento
dessa condição. O ritmo da exposição, a espontaneidade dos gestos e das pa-
lavras, a escolha dessas palavras e a inovação na abordagem do tema decor-
rem desse domínio.

Conhecer a audiência
Deve-se saber previamente com quem se irá falar e buscar informações sobre
seu perfil. Cada audiência demanda uma abordagem diferenciada, porque tem ca-
racterísticas e expectativas próprias. Quem fala com estudantes da escola superior
pode ter um comportamento diferente do que se sua comunicação fosse dirigida
a experientes profissionais de uma determinada área. A linguagem e os exemplos
seguramente serão distintos em cada situação.

Conhecer o espaço físico


Visitar com antecedência o ambiente no qual se irá discursar. Avaliação das
suas dimensões e o impacto sobre a acústica, a disposição dos assentos em re-
lação ao palco ou ao local em que o orador ficará postado, o índice de luminosi-
dade, as áreas de circulação. Elementos do espaço físico podem influir negati-
vamente nos resultados de sua apresentação.

Uso correto da expressão corporal


Uma pesquisa conduzida por Albert Mehrabian, psicólogo da Universidade
da Califórnia (UCLA), deu origem à Teoria 7-38-55. O estudo indica que, no pro-

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cesso de comunicação, somente 7% do impacto da mensagem decorre de seu


conteúdo, 38% da comunicação verbal (intensidade e velocidade da voz) e 55%
da linguagem não verbal (gestos, postura, contato visual).

A naturalidade pode ser considerada


a melhor regra da boa comunicação
É verdade que todos nós possuímos máscaras sociais que nos ajudam a inte-
ragir com as pessoas em sociedade e ao mesmo tempo cristalizar certos signi-
ficados sobre o modo como nos veem. Em outras palavras, dizemos que cons-
truímos e exibimos nossa personalidade em uma permanente dinâmica com o
nosso interior e os estímulos do exterior. No entanto, nada justifica tentar ser
em público aquilo que não se é. Não se deve exagerar na impostação da voz,
evitando-se que o resultado fique distante do timbre natural do orador; também
não se deve exagerar na precisão prosódica, isto é, pronunciar as palavras como
se elas devessem ser articuladas da exata forma como são escritas.

Se o orador cometer alguns erros técnicos durante uma apresentação em


público, mas se comportar de maneira natural e espontânea, os ouvintes ainda
assim poderão acreditar nas suas palavras e aceitar bem a mensagem. Entretan-
to, se ele usar técnicas de comunicação, mas apresentar-se de forma artificial, a
plateia poderá vê-lo como afetado ou arrogante.

A técnica será útil quando preservar as características do orador e respei-


tar seu estilo de comunicação. Apresentando-se com naturalidade, irá se sentir
seguro, confiante e suas apresentações serão mais eficientes.

Não confiar na memória: leve um roteiro como apoio


Na Grécia Antiga, em um tempo anterior à escrita, os aedos memorizavam
obras extensas com a ajuda de chaves mnemônicas, ou seja, construções que
criavam “rotas” pelas quais a memória se guiava. Definitivamente, essa não é a
melhor estratégia para levar a bom termo uma apresentação hoje, pois vivemos
em um mundo em tudo diferente daquele, e nossa percepção e atitude diante
da memória mudaram muito.

O risco de tentar memorizar palavra por palavra de um discurso é o de se


esquecer de algum vocábulo importante e assim não se conseguir fazer a co-
nexão entre duas ideias. O presidente Lula, em discurso3 durante a escolha da
3
Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=z-viulCz63c>. Acesso em: 10 dez. 2009.

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sede dos jogos olímpicos de 2016, parece ter memorizado toda a mensagem,
fato que por si só não desmerece o orador, embora tenha com isso perdido um
pouco da naturalidade. No entanto, o presidente é um homem acostumado a se
apresentar em público e, caso tivesse esquecido alguma palavra, provavelmente
saberia improvisar.

Ao decorar uma apresentação, você poderá não ter se preparado psicologica-


mente para falar de improviso e, ao não encontrar a informação de que necessi-
ta, ficará sem saber como contornar o problema.

Nessas horas, um roteiro oferecerá a oportunidade de se relacionar as prin-


cipais etapas da exposição e frases com ideias completas. Quase como se fosse
um mote, um tema, o orador lerá, diante da plateia, a frase, a ideia ou conceito-
-chave e a seguir comentará a informação, ampliando, criticando, comparando,
discutindo, até que essa parte da mensagem se esgote. Caso deseje, poderá
orientar-se por essa trilha, bastando, em seguida à primeira leitura, repetir o pro-
cedimento: ler a frase e fazer outros comentários apropriados à nova informa-
ção, estabelecendo outras comparações, introduzindo observações diferentes
até concluir essa etapa do raciocínio; agindo assim até encerrar a apresentação.

Cuidado formal com a linguagem


Os desvios da gramática, em determinados momentos do discurso, podem
até conceder certa fluidez ao texto, mas há desvios que serão colocados na conta
dos erros grosseiros, que devem ser a todo custo evitados. Erros de concordân-
cia, quando sujeito e verbo estão distantes um do outro, não são muito raros, ou
quando há inversões como “chegou as compras”; fora esses, há vários outros que
podem ocorrer, sobretudo quando se fala de improviso, como é o caso da redu-
ção de ditongos (dexe ao invés de deixe; robo ao invés de roubo) e daqueles que
já se tornaram “clássicos” de tão frequentes: fazem dez anos; a funcionária chegou
meia atrasada; casa germinada; o gerente não sabia aonde havia colocado os do-
cumentos; cerca de onze cheques foram devolvidos; os clientes esperavam-o no
lugar combinado; a entrega, cuja qual me referia etc.

A fala deve ter começo, meio e fim


O ensino de redação na escola nos habituou a adotar as três etapas do texto
dissertativo, quando intencionamos defender ideias por meio da argumentação:
introdução, desenvolvimento e conclusão, o que equivale aos três tempos referidos

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acima. Dito de outra forma: anuncie o que vai falar, fale e conte sobre o que falou. No
entanto, uma apresentação está sujeita a recuos, paradas, atalhos improvisados, di-
gressões e a outros elementos intervenientes não presentes em uma dissertação.

Ao anunciar qual o assunto que irá desenvolver, a plateia acompanhará seu


raciocínio com mais facilidade, porque saberá aonde deseja chegar.

Em seguida, transmita a mensagem, sempre facilitando o entendimento dos


ouvintes. Se, por exemplo, deseja apresentar a solução para um problema, diga
antes qual é o problema. Se pretende falar de uma informação atual, esclareça
inicialmente como tudo ocorreu até que a informação nova surja.

Na tradição retórica, Aristóteles aludia a quatro etapas para os discursos:


exórdio, narração, provas e peroração, mais ou menos correspondentes aos três
estágios do texto dissertativo atual.

A postura certa comunica bem quem você é


Se o orador se apoiar apenas sobre uma perna, denotará certa atitude rela-
xada que, na maioria das vezes, não será bem recebida pela plateia. Nesse caso,
estamos nos referindo aos oradores que fazem uso de microfone fixo ou da tri-
buna, o estrado atrás do qual se colocam os oradores. Sobretudo nessa última
situação, os gestos exagerados de mãos ou braços serão mais percebidos, pois
apenas parte do corpo do orador permanece à vista da plateia.

Caso o microfone não esteja fixo em um ponto, o deslocamento pelo palco, ou


equivalente, deve ocorrer, mas sempre de modo natural, demonstrando que há
algum objetivo nessa intenção como, por exemplo, destacar uma informação, re-
conquistar parcela do auditório que está desatenta etc., caso contrário, é preferível
ficar parado. Deve-se ainda evitar o efeito “fera enjaulada”, causado pelos oradores
que se movimentam de uma ponta a outra do palco e de forma constante.

A falta de gestos pode dar a impressão de que o orador não tem vitalidade ou
está inseguro. Contudo, é preciso ter cautela para evitar o excesso de gesticula-
ção. O orador deve olhar para todas as pessoas da plateia, girando o tronco e a
cabeça com calma, ora para a esquerda, ora para a direita, para valorizar e pres-
tigiar a presença dos ouvintes, saber como se comportam diante da exposição e
dar maleabilidade ao corpo, proporcionando, assim, uma postura mais natural.
Na empresa, diante da hipótese da presença de uma pessoa com cargo hierár-
quico mais elevado, o contato visual deve se prolongar um pouco mais sobre ela,
mas apenas o suficiente para que essa deferência seja notada.

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Bom humor
O bom humor concede leveza à apresentação e cria empatia com o público,
além de, se adequado e na dose certa, provoca o riso, que é uma forma de avaliar a
resposta da plateia à certa intenção do orador. No entanto, o bom humor pode se
transformar pura e simplesmente em humor, a predisposição para se fazer graça a
partir de qualquer pretexto e colocar a credibilidade do orador em risco.

Prepare-se para falar


Não se contente apenas em se preparar sobre o conteúdo, treine também a
forma de exposição. Faça exercícios falando sozinho na frente do espelho, ou, se
tiver condições, diante de uma câmera de vídeo. No entanto, o treinamento suge-
rido, embora possa conceder fluência e ritmo à apresentação, de maneira geral,
não garante naturalidade. Para que a fala atinja bom nível de espontaneidade fale
com pessoas. Reúna um grupo de amigos, familiares ou colegas de trabalho, ou de
classe, e converse bastante sobre o assunto que irá expor.

Apresentação pessoal
Nunca alguém perdeu algo por se apresentar bem em público. A atenção
com a apresentação pessoal envolve um número não muito extenso de cuida-
dos, mas que se for negligenciada poderá pôr em risco a figura do orador e seu
empenho em benefício da plateia.

O orador é o ponto de convergência dos olhares que o percorrerão de cima


a baixo, fazendo julgamentos sobre sua aparência, roupa, dicção, tom de voz,
modo de sorrir, de se movimentar no palco, gesticular, entre outros. Portanto,
para que o primeiro pensamento sobre o orador não seja algo relacionado ao
seu descuido com a apresentação pessoal, seguem algumas regras que devem
ser observadas.

Vestimenta
 Corretamente ajustada ao corpo (nem muito colada, nem larga demais).

 Corretamente ajustada ao tamanho (nem muito curta, nem comprida de-


mais).

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 A mais sóbria possível, a roupa não deve chamar mais atenção do que a
pessoa.

 Evitar alças, decotes e excesso de transparência.

Sapatos
 De preferência baixos, para um conforto maior.

 Limpos e em perfeito estado de conservação, o que inclui graxa e solado


em boas condições.

Cabelos e barba
 Cabelos bem cortados; limpos, de preferência presos.

 Barba bem aparada.

Unhas
 Devidamente tratadas, limpas.

 Não se admite esmalte danificado.

 Dê preferência a cores rosadas.

Maquilagem/perfume
 Sóbria.

 Perfumes florais, coloniais.

 Desodorante seco.

A cabeça
O semblante é a parte mais expressiva de todo o corpo. Funciona como uma
tela onde as imagens do nosso interior são apresentadas em todas as dimensões.
Trabalha também como identificador de coerência e de sinceridade das palavras.
Deve demonstrar exatamente aquilo que se está dizendo.

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A boca
A boca comunica tanto quando fala, quanto quando cala. É ela que determi-
na a simpatia do semblante.

A importância do sorriso
O sorriso sincero poderá quebrar barreiras aparentemente intransponíveis.
Ele conquista adversários, desarma inimigos, transforma opiniões, cultiva vonta-
des e emociona. É um elemento especial na comunicação e deve ser largamente
utilizado.

A comunicação visual
De todo o semblante, os olhos possuem importância mais evidenciada para
o sucesso da expressão verbal.

Atitudes que devem ser evitadas


 Fugir com os olhos (para baixo, para cima, para todos os lados), pois dá a
impressão de que não se tem a atenção do orador.

 O extremo também deve ser evitado, pois olhar insistentemente deixa o


ouvinte pouco à vontade.

 Olhar desconfiado (de um lado para outro), pois gera incerteza da atenção
merecida pelo ouvinte.

 Olhar fixo, pois dá a impressão de comportamento hostil do orador.

 Olhar de “limpador de para-brisa” (por cima, para os lados).

 Olhar perdido.

Como fazer apresentações


Uma tentativa de oferecer um roteiro ou estrutura dos elementos relaciona-
dos nos tópicos anteriores, juntamente com outros, a serem desenvolvidos no
atual, chega à seguinte ordem:

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Luiz Roberto Dias de Melo.


• Abertura
• Sequência
Conteúdo • Motivação
• Repetição
• Clareza de conceitos e ideias

• Aparência
Aspectos • Movimentação
formais ligados • Posicionamento
ao orador • Tom de voz, inflexão
• Contato visual (visualização)
• Símbolos de autoridade

Outros • Suporte visual


aspectos • Controle do ambiente
formais • Controle do tempo
• Controle do auditório

Na abertura de uma apresentação, deve-se cumprimentar o público de modo


cordial e sincero, mas não efusivo, pois não se trata de um show. Dependendo
do contexto, agradeça à pessoa ou à entidade que o convidou para o evento.
Inicie sua fala com uma breve exposição sobre o tema e os objetivos da apresen-
tação. Não faça piadas, pois não há clima para isso, já que a interação propria-
mente dita ainda não teve início. Outra proibição: nunca comece a apresentação
pedindo desculpas porque não conhece bem o tema ou porque está com algum
problema de saúde que o impede de dar o máximo de si. Agindo assim, criam-se,
de antemão, certas reservas em relação ao conteúdo a ser desenvolvido ou uma
atitude de concessão que põe em xeque a credibilidade do orador.

Ainda que possa parecer muito impositivo de nossa parte, vale lembrar de
que o orador não deve fazer uso de linguagem chula, principalmente em deter-
minados ambientes, bem como se posicionar perante temas polêmicos (aborto,
uso de drogas etc.), a não ser que o tema exija esse posicionamento. Declarar-se
favorável ou contra uma causa estabelece um alinhamento ideológico a partir
do qual certos preconceitos da plateia podem vir à tona.

Voz, dicção e vocabulário


A voz é uma espécie de radiografia da pessoa. Por isso, exige procedimentos
específicos para educá-la e torná-la um eficaz meio de comunicação, utilizado
também para aumentar o grau de aceitação das ideias do orador.

O chamado colorido com o qual se reveste a voz diz respeito a uma diver-
sidade de elementos que incluem tonalidade, altura, articulação das palavras
entre outros, responsáveis pela musicalidade. O modo de começar as frases,
formar vogais, fazer pausa não se reduz a mero aspecto formal, pois ele é capaz

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de dotar a expressão de certa carga dramática, irônica, histriônica, ou suposta-


mente neutra, reforçando ou suavizando determinada ideia. Nesse sentido, o
exercício com leitura em voz alta é indispensável e, na verdade, um hábito que
se perdeu muito nas últimas décadas. Leia para você mesmo. Mas quais são os
elementos que você deve trabalhar na sua voz para melhorar a dicção?

Existem alguns fatores que podem ser analisados separadamente na sua voz:

 Volume – esse elemento está associado à modulação do discurso. Caso


sua apresentação dure mais de três minutos, é necessário modular o volu-
me vocal (falar mais alto e mais baixo, mais depressa e mais devagar). Em
pequenos intervalos, de 45 segundos a um minuto e meio, fale mais baixo
e mais lentamente. Lembre-se, porém, que sempre a sua voz deve ser ou-
vida por todo o auditório. Após esse intervalo, volte ao seu ritmo normal
de forma brusca e energética. Isso vai tornar suas apresentações mais atra-
entes. Tome cuidado com a implementação dessa técnica, pois ela requer
muito treino para que você obtenha êxito. Porém, ao falar mais alto, a sua
voz tende a sair mais fina e desarmoniosa, exigindo bastante cuidado.

 Andamento e ritmo – esse elemento está associado a quão rapidamente


você articula as palavras e sons, ou seja, sua dicção.

 Ênfase – esse elemento diz respeito à tonicidade de suas palavras e sílabas.


É necessário que as pessoas consigam captar realmente sua intenção. Existe
uma parte da oração (ou do contexto) que, quando enfatizada, melhora a
representação da sua ideia. Você poderá dar ênfases da seguinte forma:

 dê uma pequena pausa antes do trecho que você quer enfatizar;

 aumente o volume vocal no trecho a ser enfatizado.

 Pausa – a pausa pode ser usada de muitas maneiras pelo orador: para dar
ênfase, efeito, humor, para chamar a atenção do auditório, para fazer com que
as pessoas que estão conversando durante a palestra parem de falar etc.

 Velocidade – você já deve ter ouvido alguém falar sem pontos ou sem
vírgulas. São pessoas que tentam falar na velocidade em que pensam. Há
também aquelas que falam tão lentamente que acabam criando certa an-
siedade em relação à conclusão do raciocínio. Qual é a velocidade ideal para
o discurso? Será que depende da velocidade dos pensamentos do orador?

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A velocidade do pronunciamento deve estar de acordo com o tema da pales-


tra e com o preparo dos ouvintes. Quanto mais difícil for o assunto da palestra,
ou quanto maior for seu desconhecimento por parte da plateia, mais lento deve
ser o discurso. Para que ninguém fique entediado nessas circunstâncias, é neces-
sário usar modulação de voz: falar mais alto, mais baixo, mais depressa ou mais
devagar.
É necessário aprimorar todos esses elementos por meio de muitos exercícios.
Simule várias combinações e escolha a melhor para dar o efeito que você deseja.

Local e recursos didáticos


Como se destacou, o local onde ocorre a apresentação exerce influência
sobre o evento como um todo. O orador deve estar preparado para se adaptar
ao ambiente, motivo pelo qual, sempre que possível, procurará conhecê-lo com
antecedência.

O maior inimigo do orador é a acústica deficiente, ocasionada por problemas


estruturais do ambiente ou por sistemas de som precários. Ambos os complica-
dores podem prejudicar bastante a apresentação ou mesmo inviabilizá-la.

Tanto no caso do problema estrutural – que pode estar ligado ao projeto ar-
quitetônico do ambiente – quanto no outro, relacionado ao sistema de som, a
intervenção do orador pode amenizá-los, contanto que se tenha sensibilidade e
abertura na comunicação com a plateia. Ao se notar o incômodo causado pela
acústica deficiente, o orador pode perguntar à plateia se ela o ouve bem. Às vezes,
a equalização do som pode ser reajustada ou efetivamente realizada, corrigindo o
balanço entre os níveis e a distribuição de som pelo ambiente. Outras vezes, e em
situação extrema, poderá ser o caso de se dispensar o microfone, se o lugar não for
muito grande ou não estiver lotado.

Ambientes mal iluminados e com má ventilação também causarão incômodo


aos presentes. A ventilação insuficiente poderá causar o abandono do ambiente
por uma parte da plateia. Nesse caso, o orador poderá se sentir desprestigia-
do, e psicologicamente afetado, por não ter a devida dimensão do problema,
além de ter sua fala entrecortada pelo ruído de pessoas em retirada. Também
em casos muito particulares, a má ventilação poderá ser amenizada pela abertu-
ra de portas e eventuais janelas, ainda fechadas, ou mesmo pela colocação em

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prática de um “truque”. Vimos um palestrante, em situação análoga, solicitar que


fossem apagadas algumas lâmpadas do ambiente, pois atribuía, com convicção,
a causa do calor ao excesso de iluminação. Deu certo. Aos poucos, percebemos
um número menor de pessoas na plateia improvisando abanadores. Ao final do
evento, fomos cumprimentar o palestrante pela apresentação e pela iniciativa
de apagar as luzes e este revelou que o efeito fora muito mais de origem psi-
cológica do que “sensória”, na sua expressão. Ainda brincou, dizendo que havia
repetido a experiência de Hawthorne4, só que ao contrário.

Os recursos disponíveis para apresentações são bastante conhecidos: qua-


dro-negro, retroprojetor, flipchart, televisor e reprodutor de DVD, epidiascópio5
e datashow, o principal deles, e o preferido por palestrantes. Borges (2003, p.
13-15) faz uma abordagem bastante útil sobre eles:

Quadro 1 – Quadro-negro

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens
Disponível em quase todos os locais;
Maçante quando usado em demasia;
Desenvolvimento progressivo durante a apre-
Prática exigida para o layout;
sentação/aula;
Facilmente desordenável;
Facilmente apagável;
Tendência a escrever fora de nível.
Fácil participação do ouvinte/aluno.
Indicações
Método espontâneo;
Bom para grupos pequenos (2 a 20 pessoas) em salas iluminadas;
Desenhos e gráficos devem ser simples e de fácil cópia.

Dicas
Cuidado com o giz e seu pó;
Use cores para ênfase;
Escreva legivelmente;
Leia alto o que escreve, mantém a atenção do grupo;
Não deixe muita coisa sempre escrita;
Limpe-o para a próxima apresentação;
Escreva da esquerda para a direita, apagando-o na mesma sequência.

4
George Elton Mayo, especialista em psicopatologia, em Harvard, e criador da vertente conhecida como Escola das Relações Humanas, coordenou a co-
nhecida “Experiência de Hawthorne”, em 1927, que analisava a relação entre a melhoria das condições de trabalho e o aumento de produtividade em uma
fábrica da Western Eletric Company. A principal intervenção ocorreu sobre a iluminação: quanto mais bem iluminado o ambiente, maior a produtividade.
5
Aparelho para projeção fixa de diapositivos, de imagens impressas, em suportes opacos, ou mesmo de pequenos objetos.

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Quadro 2 – Flipchart

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens
Fácil de preparar antes ou durante a apresen-
tação/aula;
Desenvolvimento progressivo durante a apre-
sentação/aula;
Armazenagem;
Sequência flexível, pode folhear para a frente
e para trás; Não muito durável;
Folhas removíveis para colocar na parede ou Tendência do apresentador de ler para o
quadro-negro; público.
Portátil;
Colorido ou preto e branco;
Atua como roteiro.

Indicações
Uso recomendado em grupos pequenos (2 a 20 pessoas) e salas bem iluminadas;
Bom meio informal;
Facilmente preparável;
Podemos ter acesso em qualquer ordem, embora seja usado numa sequência preparada.

Dicas
Não mais de um ponto-chave por folha (pode conter até quatro subpontos);
Tamanho de letra não deve ser menor que 3cm;
Máximo de 4 linhas por folha (+título) (expositivo);
Deixe amplo espaço entre as linhas para melhor legibilidade;
Assinale os pontos principais;
Identifique palavras principais com cores;
Não use cores demais;
Mude o tipo letra;
Evite charts complicados ou ornamentados;
Mantenha-os no mínimo necessário;
Use folhas brancas entre certos charts que podem desviar a atenção;
Notas escritas levemente a lápis podem ajudar o apresentador;
Se os enrolar, o lado escrito deve ficar para fora;
Planeje sua posição relativamente ao auditório e pratique;
Tenha um chart de resumo no fim.

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Quadro 3 – Retroprojetor

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens
Variedade de material disponível para fazer
transparências, com ou sem máquina de co-
piar/impressora;
O apresentador olha para o público de frente;
Sala iluminada; Distorção trapezoidal*;
Progressivo; Arranjo na sala onde se realizará a projeção;
Baixo custo; Tendência a copiar figuras de manual ou livros
que sejam pequenos demais para reproduzir
Facilmente disponível. Facilmente duplicado
uma transparência legível.
ou corrigido;
Colorido ou preto e branco;
Portátil;
Durável.

Indicações
Grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) em sala escurecida ou não;
Pode ser projetada em qualquer superfície clara;
Bom meio informal;
Fácil de preparar;
Ideal para acesso aleatório;
Permite ao apresentador olhar para os ouvintes todo o tempo.

Dicas
Regras que concernem a linhas e cores do flipchart também se aplicam aqui;
Evite transparência de cópias de páginas digitadas. Se absolutamente necessário use tipo de letra
arial, com tamanho 20, no mínimo;
Considere a possibilidade de usar transparências superpostas;
Utilize cores, canetas para retroprojetor são facilmente encontradas;
Lembre-se de usar cartão adequado para tampar a transparência toda vez que não esteja em uso
ou então desligue o projetor;
Coloque-as em molduras para facilitar o manuseio;
Mantenha-as em número reduzido;
Leve um indicador e se possível use-o na tela e não no aparelho;
Lembre-se de utilizá-la como o quadro-negro para efeitos de construção.

*
Deformação, em forma de trapézio, da imagem projetada na tela, resultante da inclinação do eixo do feixe de projeção, em relação à normal, ao
plano da tela.

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Quadro 4 – DVD

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens

Excelente qualidade do visual produzido;


Uso de cores;
Movimentação;
Permite edição; Custo do equipamento (câmera + vídeo);
Fácil transporte; Exige prática do operador da câmera;
Produção instantânea; grava e reproduz na “Projeção” deve ser feita em um televisor ou te-
hora; lão;
Não necessita processamento em laboratório Preparo de um “filme” é demorado;
(como nos filmes);
Edição exige dois aparelhos.
Troca rápida e fácil de disco;
Permite avanço rápido, câmera lenta e cena pa-
rada;
Permite autoinstrução.

Indicações
Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas).

Dicas
Prepare sempre um roteiro antes de filmar;
Identifique as fitas e faça índice dos conteúdos;
Leia periódicos e livros que dão “dicas” mais especializadas e ideias simples de utilização para o
videocâmera.

Quadro 5 – Epidiascópio

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens
Permite mostrar diretamente figuras ou textos
Exige sala completamente escura;
de livros ou qualquer documento;
Tende a distrair o público;
Reproduz na tela o documento com suas cores
originais; Leva o apresentador a não preparar visuais, pois
usa diretamente as fontes bibliográficas;
Economiza tempo, evitando preparar visuais
elaborados; Obriga o apresentador a ficar ao lado do apare-
lho para colocar os originais.
Baixo custo. Fácil de operar.

Indicações
Recomendado para grupos pequenos ou médios (2 a 50 pessoas).
Indicado para reprodução, em tela, de livros ou documentos diretamente, sem necessidade de pro-
duzir outras matrizes. É indicado também para mostrar o conteúdo de telas de equipamentos de
medida, tais como osciloscópios*, mediante uso de lente adaptadora (similar ao “telão de TV”).

Dicas
Evite uso prolongado;
Não reproduza figuras pequenas ou textos com letras pequenas;
Prefira usar transparências para manuscritos.
*
Instrumento de medida eletrônico que cria um gráfico bidimensional visível de uma ou mais diferenças de potencial.

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Quadro 6 – Datashow

(BORGES, 2003, p. 13-15. Adaptado.)


Vantagens Desvantagens
Permite uso de cores;
Movimentação;
Permite maior sequência, mediante escolha de Alto custo do equipamento;
opções; Exige conhecimento de operação de software
Fácil transporte; de apresentação.
Permite alterações até mesmo na hora;
Permite uso individual (autoinstrução).
Indicações
Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) ou para uso individual;
Recursos auxiliares ao computador como datashow e vídeo projetores podem também auxiliar
na exibição de filmes.
Dicas
Planeje o roteiro do que se quer mostrar e os caminhos a serem escolhidos;
Faça sempre backup da apresentação a ser realizada;
Informe-se antecipadamente se a configuração disponível no microcomputador é compatível
com o software da sua apresentação;
Chegar com antecedência suficiente para instalar no microcomputador a apresentação e testá-la;
Verificar a existência de lâmpadas sobressalentes do equipamento de reprodução da tela do com-
putador (datashow, videoprojetor, canhão etc.).

Preparação de discursos
A maioria dos oradores concorda com o princípio de que não se deve ler um
discurso. Ironicamente, no entanto, uma das peças de oratória mais citadas – “A
oração aos moços”, de Rui Barbosa6 – veio à luz como texto para ser lido; não
por seu autor, que se encontrava adoentado na ocasião e impedido de assumir
a tribuna, como paraninfo, de uma turma de Direito do Largo São Francisco em
São Paulo, mas por um representante que, emocionadamente, leu o texto diante
dos formandos daquela inesquecível cerimônia de 1920.

Há, por outro lado, quem diga que o texto se interpõe entre o orador e o
auditório, dificultando a verdadeira interação. Como já se salientou, falar de me-
mória é um grave risco, além de o orador encobrir-se de um fino tecido, diáfano
e quase imperceptível, mas que embaça o brilho das palavras e entorpece os
movimentos. Alguns oradores escrevem os discursos, para depois esquecê-los,
de propósito, mas não inteiramente, conservando deles a ossatura, por assim
dizer. Abaixo, um esquema, talvez um tanto extenso, motivo pelo qual o leitor
poderá suprimir o tópico C, da parte principal, quando julgar dispensável.
6
Disponível em: <www.ebooksbrasil.org/eLibris/aosmocos.html>. Acesso em: 10 dez. 2009.

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I. Introdução
A. Agradecer ao apresentador;

B. Introdução que desperta a atenção da audiência;

C. Por que a audiência deve ouvi-lo;

D. Prévia do tópico.

II. Parte principal


A. Primeira ideia principal

1. Pontos de apoio;

2. Pontos de apoio.

B. Segunda ideia principal

1. Pontos de apoio;

2. Pontos de apoio.

C. Terceira ideia principal;

1. Pontos de apoio;

2. Pontos de apoio.

III. Conclusão
A. Resumo das ideias principais;

B. Ponto culminante ligado à introdução.

Cada ideia principal é acompanhada de “pontos de apoio” que podem tomar


a forma de provas concretas (estatísticas, pesquisas, referência a autores, fatos)
sobre a exatidão e pertinência dos conceitos referidos em cada ideia principal.

Um discurso de forte impacto, ainda hoje, é o do final de O Grande Ditador


(1940), de Chaplin, autor de uma obra central na história do cinema e criador
de uma linguagem corporal, de interação com objetos em cena, muitas vezes

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apontada como uma das maiores contribuições à sétima arte. Notemos como
o orador – um modesto barbeiro, que, após uma reviravolta, acaba ocupando o
lugar do ditador do título – faz uso da estrutura do discurso aristotélico, confor-
me estudado na Arte Retórica, dividido em quatro etapas, como referido ante-
riormente: exórdio, narração, provas, peroração.

Exórdio
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu
ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria
de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós dese-
jamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver
para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos
de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A
terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

Narração
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos ex-
traviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as
muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria
e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclau-
surados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado
em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência,
empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais
do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligên-
cia, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de vio-
lência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza


dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fra-
ternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha
voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desespe-
rados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura
seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo:
“Não desespereis!” A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que
o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o

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avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os


ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao
povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Provas
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que
vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos
atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no
mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos
tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão!
Não sois máquina! Homens é o que sois! E com o amor da humanidade em
vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que
não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo


sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro
do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens
todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas.
O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida
livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da
democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um
mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho,
que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

Peroração
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas,
só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os dita-
dores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o
mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepo-
tência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o
progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da demo-
cracia, unamo-nos!

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Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês,


Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo
da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor,
em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue
os olhos, Hannah!

A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-
-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

Aristóteles classificou os discursos em três gêneros: o deliberativo (persuade


ou dissuade); epidítico (elogia ou censura) e jurídico (acusa ou defende). O dis-
curso do nosso herói pertence ao gênero deliberativo7, pois tenta convencer o
auditório sobre as benesses da paz.

No exórdio, o orador comunica de imediato o tema de seu discurso. No filme, a


situação em que se encontra o barbeiro, sósia do ditador, já suscitava nos ouvintes
a expectativa por outro discurso eloquente e belicista, ao estilo de seu soberano,
mas foram surpreendidos pela renúncia ao poder e o apelo à paz. Na narração, o
orador deve relatar tudo o que sabe sobre o tema; perceba como o nosso orador
evoca os avanços da ciência e, em contraste, o aumento da opressão; nas provas,
o orador apresenta elementos concretos que fortalecem seu ponto de vista; no
início dessa etapa o barbeiro argumenta que os soldados não devem se entregar
aos tiranos: “[...] que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as
vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos”;
finalmente, na peroração, o orador retoma e reforça um ou mais temas e faz um
apelo ao auditório (“Lutemos...”); no filme, o barbeiro convoca à resistência, além
dos soldados, também Hannah, a mocinha da história.

Excelência em improviso
Em primeiro lugar, ninguém é convidado a falar de improviso sem um motivo
para isso. De um modo geral, julga-se o convidado capaz de dirigir a palavra aos
presentes, ainda que se saiba que ele não se obriga a criar uma brilhante peça de
7
Exemplos do uso da estrutura do discurso aristotélico: Steve Jobs, da Apple, em formatura de estudantes da Universidade de Stanford. Disponí-
vel em: <www.youtube.com/watch?v=yplX3pYWlPo>. Martin Luther King, o famoso “Eu tenho um sonho”. Disponível em: <www.youtube.com/
watch?v=HbQC9ikiKlI>. Encenação do discurso do deputado Marcio Moreira Alves, causa da decretação do AI-5. Disponível em: <www.youtube.
com/watch?v=F2Gs_ZrU-bY&feature=player_embedded#>. Por ocasião do 79.º aniversário do apresentador Silvio Santos, na data registrada adiante,
lembramo-nos da defesa que fez do cantor Roberto Carlos, mesclando narração e provas, há cerca de 40 anos. Disponível em: <www.youtube.com/
watch?v=JGqCgVI4sPk>. Todos os vídeos foram acessados em 12 dez. 2009.

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oratória na ocasião. A expectativa da plateia, portanto, dificilmente será elevada,


o que de saída já deve tranquilizar o orador.

Justamente pelo fato dessa pessoa, você, por exemplo, fazer jus ao convi-
te, não é impertinente sugerir que sempre tenha consigo um tema “na manga”.
Esse tema deverá, necessariamente, ser um dos que você domina para ajudá-
lo a encaminhar um discurso de improviso com naturalidade e segurança. Por
isso, tente refletir sobre os assuntos que podem compor esse, digamos, portfólio
informal: algo ligado à sua profissão, um acontecimento inusitado, um aconteci-
mento bombástico ocorrido por aqueles dias, uma curiosidade, uma leitura que
esteja fazendo, uma conversa com um amigo etc. O importante é que você possa
abraçar o tema escolhido e, se necessário, analisá-lo de mais de um ângulo.

Contudo, o tema que você domina não é aquilo propriamente que os ouvin-
tes esperam ouvir, pois, afinal, há um contexto que estabelece certas condições
para sua fala. Esse tema deve ser considerado “paralelo”, ou seja, sua função é
prepará-lo para o desenvolvimento do tema que suscitou sua convocação ao
palco ou equivalente. Comece por ele, mas se prepare para fazer a transição a
partir de um mote, uma passagem, palavra ou ideia associada que se ligue “na-
turalmente” ao tema principal. A partir daí, entra seu repertório em cena. Mas
lembre-se: a expectativa da plateia, como se salientou, de um modo geral não
é alta, pois para eles também foi uma surpresa o convite feito a você. Siga as
etapas abaixo e atente para o tempo de sua fala que nunca deverá ser longa.

Discurso de improviso
 Planeje.

 Saiba como começar e terminar.

 Seja breve.

 Não tenha pressa para começar.

 Utilize um assunto paralelo.

 Ordene mentalmente a apresentação do tema central.

 Não peça desculpas.

 Fale mais baixo no início.

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 Fale apenas sobre temas que você domina.

 Não recuse convites.

 Agradeça a oportunidade.

Timidez
Se tivermos que apontar a mais persistente das causas da timidez diante do
desafio de falar em público, certamente seria o sentimento de inferioridade. É
claro que há outras razões, e bastante significativas, mas o fenômeno apontado
é um complicador que não pode ser negligenciado, quando se fizer uma análise
apurada sobre o problema. Comecemos por reconhecer outra vez que, para o
comunicador, falar em público se confunde mesmo com o processo de forta-
lecimento de posições de liderança. Afinal, cabe a ele promover a conversação
em diversos níveis, e daí que será impossível chegar a bom termo sem algumas
ou muitas comunicações públicas. Deixando de lado um pouco a figura do co-
municador, qualquer pessoa na empresa deveria estar preparada para falar em
público, mas basta aventar essa possibilidade para muitas delas, de imediato,
serem tomadas pela timidez e rejeitarem a hipótese.

A timidez é uma forma de reação do corpo e da mente para se proteger de


situações que parecem ameaçadoras; como um mecanismo de autopreservação
do eu, cabe saber se ele se manifesta de modo pontual ou crônico. Como se
mencionou, o sentimento de inferioridade é uma posição extrema do indivíduo
diante de uma situação que lhe parece limite; pensamentos que expressam a
insegurança afloram e superam a sensação aparentemente análoga em que o
indivíduo se sente acanhado porque não domina o tema.

Os pensamentos negativos sobre a autoimagem às vezes podem ser tão para-


lisantes a ponto de a pessoa, em última instância, acabar protelando seu compro-
misso em falar em público. O primeiro desses pensamentos pode ser traduzido
assim: “por que as pessoas precisam me ouvir?”, seguido de uma percepção sobre
a condição financeira superior da plateia e o preparo intelectual dela, também
acima do desempenho do orador; por fim, o modo como a plateia vai julgar sua
aparência, o seu modo de falar e de se movimentar. Daí em diante, a desnutrição
emocional tende a se acentuar, deformando a autoimagem e exagerando as difi-

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culdades como um olhar obsessivo para os pequenos erros, sintoma da superva-


lorização do olhar do outro.

No entanto, há formas de enfrentar a timidez, o que certamente exigirá uma


boa dose de ousadia e determinação em adotar certos procedimentos. O pri-
meiro é a aceitação de uma verdade que, embora óbvia, não é levada muito em
conta: a maioria das pessoas tem medo de falar em público. Isso decorre da res-
ponsabilidade que se assume tacitamente perante o outro, na forma da entrega
de algo valioso: a sua fala, portadora de conteúdos. A hipotética hostilidade da
plateia deverá ter como correlato inverso o bom acolhimento de sua fala, afinal,
você terá se preparado para a ocasião e se foi convidado para se colocar diante
da plateia é porque há um bom motivo para isso. Imagine-se diante dos ou-
vintes, os quais demonstram interesse em sua fala e demonstram aprovar seu
desempenho como um todo.

A formulação de algumas perguntas, em um processo intenso de autoanálise,


ajuda a se ter um retrato a partir do qual algumas imagens podem trazer à tona
certas angústias e ansiedades, o primeiro passo para superá-las.

 Como me vejo quando estou em presença do público?

 Como acho que as pessoas me veem?

 Como gostaria de me ver?

 Como gostaria que as pessoas me vissem?

 Tenho medo de falar em público por quê?

 Tenho a sensação de que meu corpo e cérebro atuam de forma desorde-


nada. Quando?

 Por que sinto que a plateia é ameaçadora?

 Por que minha voz, quando falo em público, parece soar estranha?

É necessário motivar-se, investir na recuperação da autoestima, o que não


raro envolve apoio terapêutico, mas não necessariamente. Algumas iniciativas
são notavelmente benéficas:

 resgate imagens positivas, enumerando com detalhes as situações em


que foi possível administrar conflitos e superar dificuldades;

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 falar com amigos mais próximos sobre a ansiedade; representá-la; situar


os momentos de maior tensão. Depois disso, você sentirá que o peso dos
medos ficou menor e que é possível expressar-se com mais calma: esse já
será um bom exercício na busca da autoconfiança;

 analisar as características das pessoas que você admira quando falam em


público: tom de voz, fluência, coerência, objetividade, carisma, expressi-
vidade, espontaneidade, argumentação, dicção, interação. Procurar ter
acesso a essas pessoas e perguntar-lhes o caminho que percorreram para
atingir esse resultado.

Palestra de negócios
A palestra de negócios nunca será um texto para ser lido e, diferentemente de
um discurso em uma cerimônia, de uma fala na empresa ou no ambiente acadê-
mico ou ainda de uma fala de improviso, em qualquer situação, ela possui cará-
ter didático, além de ser resultado de uma ação comercial. Estamos nos referindo
a um produto no mercado das palestras e eventos para empresas e executivos e,
portanto, a expectativa em torno dela é grande, maior mesmo que o preço pago
pelo evento. Os ouvintes esperam ser esclarecidos sobre determinado tema e
muitos, senão a maioria, almejam colocar os conhecimentos apreendidos em
prática ou no mínimo aumentar o repertório sobre esse tema, redimensionando
os saberes que já possuíam.

Dado esse caráter diferencial, o orador será duplamente julgado: pelo seu
desempenho como tal, pela eficácia de sua fala como instrumento de comunica-
ção, e pelo teor do conteúdo e seus efeitos, agora medidos por uma perspectiva
utilitária. Portanto, eis uma situação em que falar em público é coisa para gente
muito bem preparada, para profissionais acostumados a serem julgados por um
tipo específico de desempenho e que, na eventualidade de não receberem a
aprovação da plateia ou de parte dela, saberão como se corrigir sem se deixar
abater.

O princípio número um dos oradores deve ser ainda mais observado: só se


proponha a falar sobre um assunto que você domina. Depois, tente seguir os
seguintes passos:

1. Identificação do público-alvo – caso você tenha planejado a palestra, essa


terá sido sua primeira reflexão. Quem será atraído pela “oferta” que se faz?
Independentemente de você ter promovido o evento ou uma empresa

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que contratou seu serviço, é importante conhecer o perfil do público: sexo,


faixa etária, cargos, formação universitária, empresas de origem e o inte-
resse em específico em relação à palestra.

3. Administração do tempo – a palestra, propriamente dita, tem duração


média de 1h30min. Aquelas três fases (introdução, parte principal ou de-
senvolvimento e conclusão), já referidas, podem ter os seguintes tempos:
introdução – 5 minutos; desenvolvimento – 70 minutos e conclusão – 15
minutos. A partir daí, há um período de tempo de até 30 minutos para
perguntas da plateia.

4. Já sabemos da importância do espaço físico do evento; por isso, se pu-


der, não deixe de visitá-lo antes da apresentação.

5. Quais os resultados que você pretende obter com sua apresentação?


Identifique-os em uma frase completa iniciada com verbo no infinitivo:
demonstrar como a comunicação empresarial participa do planejamen-
to estratégico.

6. Elaboração da palestra – escreva no alto de uma folha o título da palestra


e as palavras e conceitos-chave de cada etapa. Título: Comunicação Em-
presarial como ferramenta estratégica de gestão.

7. Os conceitos-chave não devem ser muito longos, mas nada impede que
você os desenvolva com mais detalhes em uma folha à parte, a qual po-
derá ser consultada durante a palestra.

8. Os “pontos de apoio”, do esquema a que nos referimos, equivalem, como


vimos, a provas concretas sobre a aplicação dos conceitos que você ex-
põe e defende.

9. Estabeleça relações entre o conteúdo e o perfil e experiência do público.

10. Faça uso de datashow, se necessário. Mas nunca, em momento algum,


limite-se a ler uma sequência de slides, isso significaria assumir que sua
presença é dispensável.

11. Na parte final da apresentação8, retome e reforce os principais conceitos,


de forma bastante sucinta, e extraia deles uma conclusão que reforce no
espírito do ouvinte a certeza de que serão úteis para sua vida profissional.

8
Um hilariante exemplo de como não fazer boa apresentação encontra-se disponível em: <www.efetividade.net/2006/06/24/10-dicas-como-nao-
fazer-uma-excelente-apresentacao>. Acesso em: 13 dez. 2009.

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Texto complementar
Evite riscos e melhore suas apresentações
(POLITO, 2009)

Meu pai foi um excelente motorista. Aprendi muito com ele. Por exemplo,
ele me ensinou que ao dirigir à noite, em estrada de pista simples, ao cruzar
com outro veículo eu não deveria olhar para frente, na direção dos faróis,
mas sim para a faixa divisória pontilhada, pois dessa forma não teria a visão
prejudicada. Uma dica maravilhosa!
Outra orientação muito boa: não olhe apenas para os três ou quatro veícu-
los que estão à sua frente, preste atenção até onde sua vista puder alcançar.
Assim, se perceber que as luzes de freio dos veículos que estão a centenas de
metros derem sinal, diminua a velocidade, pois você deverá parar em pouco
tempo. Sem dúvida, uma dica nota dez!

Esses conselhos têm me ajudado muito, não só para dirigir nas estradas,
como foi possível adequá-los como boas regras de comunicação. É impres-
sionante como situações tão distintas podem apresentar pontos comuns e
mostram utilidade nas mais diferentes circunstâncias. Veja como os bons re-
sultados de uma apresentação dependem muito dos cuidados que devemos
tomar no momento da preparação.

Além de usar esses conselhos preciosos para dirigir nas estradas, você
poderá adaptá-los perfeitamente para conquistar sucesso em suas apresen-
tações de projetos e propostas, seja nas reuniões internas, seja nos contatos
com profissionais de outras organizações, como clientes e fornecedores.

De maneira geral, as pessoas se preocupam em montar uma boa linha


de argumentação quando precisam fazer apresentações. Escolhem e se-
lecionam com critério os bons argumentos, como as estatísticas, as pes-
quisas, os exemplos, os estudos técnicos e científicos, as teses defendidas
e aprovadas diante de bancas avaliadoras renomadas. Enfim, preparam o
melhor arsenal para a batalha.

Quase sempre, entretanto, se esquecem de observar o que meu pai me


ensinou para dirigir nas estradas, olham de frente para as luzes dos faróis que
vêm em direção contrária e deixam de avaliar os movimentos que ocorrem
mais à frente, e que trarão consequência, mais cedo ou mais tarde.

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Para ser bem-sucedido em suas apresentações tome esses dois cuidados


básicos e tão importantes: não estabeleça confrontos desnecessários com
os ouvintes e avalie as resistências que terá pela frente. São duas cautelas
simples, mas que não podem ser negligenciadas.

Se você perceber que um dos ouvintes se mostra contrariado, como se


fosse um veículo vindo em sua direção com os faróis acesos, não tente di-
gladiar com ele nesse momento. Não é hora de duelar. Não enfrente o olhar
adverso, olhe rapidamente na testa dele e dê atenção aos outros ouvintes.

O “contrariado” também terá a impressão de que você olha para ele.


Agindo assim, não se escravizará a uma pessoa, tentando fazê-la mudar na-
quele instante o comportamento resistente, e correndo o risco de não dar
atenção aos outros ouvintes, que, sem dúvida, esperam que você os consi-
dere olhando também na direção deles.

E olhar a estrada lá na frente? Acima de tudo esse cuidado. Você não pode
ser surpreendido com objeções que poderiam ser previstas. Se der para saber
que encontrará resistência com relação a custos, prazo de entrega, limita-
ção de estrutura técnica etc., saiba antes que tipo de refutação você deverá
apresentar. Peça ajuda. Discuta com seus companheiros os problemas que
poderá enfrentar e as melhores saídas para cada caso.

Estando preparado, ao ser contestado, você terá a resposta certa para o


momento. Ouvirá o argumento contrário com mais tranquilidade, de forma
mais serena, e defenderá sua tese com confiança e maiores chances de se
sair vencedor. Além disso, sabendo que a resistência irá ocorrer, desde o
princípio já poderá aos poucos minar a objeção, facilitando assim seu tra-
balho de defesa.

Atividades
1. Considerando a teoria das inteligências múltiplas, de Gardner, indique aque-
las que parecem ser indispensáveis na formação de oradores.

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2. Indique os elementos relacionados diretamente à voz do orador.

3. Quem é convidado a falar de improviso pode lançar mão de uma estratégia


que lhe dá tempo de organizar o pensamento. Explique.

Referências
BORGES, Roberto C. M. Técnicas de Apresentação. UFRGS, 2003. Disponível em:
<www.scribd.com/doc/7238981/Apostila-Tecnicas-Apresentacoes>. Acesso em:
14 dez. 2009.

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Eficácia na comunicação oral

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre:


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_____. Mentes que Mudam. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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POLITO, Reinaldo. Seja um Ótimo Orador. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005a.

_____. Vença o Medo de Falar em Público. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005b.

_____. Como Falar Corretamente e sem Inibições. 111. ed. São Paulo: Saraiva,
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_____. Assim É que se Fala: como organizar e transmitir ideias. 28. ed. São Paulo:
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_____. Evite Riscos e Melhore suas Apresentações. Publicado em: 2 dez. 2009.
Disponível em: <www.polito.com.br/portugues/artigo.php?id_nivel=12&id_
nivel2=155&idTopico=1068>.

Gabarito
1. Inteligência linguística, sobretudo, pois ela caracteriza as pessoas que pos-
suem uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além
de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem; inteligên-
cia interpessoal, já que ela realça a capacidade de se “entender e responder”
melhor aos estímulos enviados pelos outros. Finalmente, a inteligência intra-
pessoal, considerando-se a capacidade para formular uma imagem precisa
de si próprio e a partir disso, desse estado instrospectivo, encontrar subsí-
dios para entender melhor o outro.

2. Volume, andamento e ritmo, ênfase e pausa.

3. O orador deve fazer um breve relato sobre um fato do cotidiano, uma referência
a um amigo, a menção a uma curiosidade ocorrida naquele dia e, a partir de
certo momento, fazer a ligação com o tema suscitado pelo contexto.

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Oratória

Oratória
Oratória

Angela Paiva Dionisio


Iara Bemquerer Costa
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-2994-5 Luiz Roberto Dias de Melo
Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci
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