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Análise setorial
Agropecuária
Agropecuária gaúcha em 2005: estiagem, câmbio e crise
Martinho Roberto Lazzari* Economista da FEE.
colhido. Se forem considerados apenas os grãos de 2001 e 2005, a oleaginosa conquistou 1,2 milhão de hec-
verão sem irrigação — os mais atingidos pela estia- tares, enquanto o grão viu sua área encolher 470.000
gem —, de uma estimativa inicial de 14,6 milhões de hectares, até alcançar, em 2005, a menor área plantada
toneladas, chega-se a uma colheita efetiva de apenas em 15 anos. Esse movimento de substituição parcial de
4,0 milhões de toneladas. Quanto às culturas de inverno, cultivos é explicado pelo comportamento dos preços
houve diminuição de produção não por intempéries cli- relativos, que, nos últimos anos, favoreceram a
máticas, mas por redução de área plantada. O resultado oleaginosa. Em 1,2 milhão de hectares plantados com
desse quadro foi uma safra muito aquém da esperada e milho, a estiagem foi a responsável pela perda de 20%
também muito aquém da safra anterior, que já havia sido deles e afetou negativamente a produtividade dos
frustrada por outra estiagem. restantes 80% que foram efetivamente colhidos. Como
conseqüência, a produção no Estado foi a menor das
♦♦♦ últimas 25 safras.
Com a redução de 17,0%, a área destinada aos
Na Tabela 1, pode-se ver que a área da soja, no
cultivos da primeira e da segunda safra de feijão tornou-
Estado, cresceu 4,9% no período 2004-05. Embora os
-se, na safra 2004/2005, a menor de uma série com início
preços da oleaginosa já houvessem cedido quando da
em 1990. Os baixos preços praticados em 2004 fizeram
decisão sobre o plantio, após atingirem seu pico em abril
com que um grande número de produtores optasse por
de 2004, o produtor resolveu continuar apostando no seu
cultivos que, na época da semeadura, indicavam
cultivo, entendendo que, apesar de já não serem altos
possibilidades de ganhos superiores, em especial a soja
os preços, eles ainda se mantinham em um patamar
e o fumo. Diminuição de área e produtividade afetada
relativamente favorável, na comparação com produções
pela estiagem redundaram em um volume produzido
alternativas, em especial a do milho. Embora o aumento
43,9% menor que o da safra anterior.
absoluto de área na safra 2004/2005 tenha sido de 195,0
Como a quase-totalidade do arroz gaúcho é plantada
mil hectares, a estiagem fez com que 445,0 mil hectares
em áreas irrigadas, as estiagens que atingiram o Estado
fossem simplesmente abandonados, tornando a área
em 2004 e 2005 não afetaram tão gravemente as
colhida 5,9% menor que a da safra passada. O
plantações desse grão. Mesmo assim, a severidade da
rendimento médio4 de 655 kg/ha representa uma redução
falta de chuvas atingiu algumas áreas específicas, onde
de 53,0% em relação ao da safra 2003/2004.Como
48,9 mil hectares foram abandonados, fazendo com que
conseqüência, foram colhidos 2,4 milhões de toneladas
a área colhida sofresse redução de 3,6%. Na área
do grão, o menor patamar desde 1991, sendo 55,9%
efetivamente colhida, houve a repetição, em 2004/2005,
menor que o da safra passada. A estiagem, num primeiro
da alta produtividade da safra anterior, fazendo com que
momento, e, como se não bastasse, o excesso de chuvas
a produção diminuísse apenas 3,7%.
no período da colheita geraram grãos defeituosos e com
Passada a estiagem do verão, os produtores de
baixo teor de óleo. Menor produção e falta de qualidade
grãos de inverno enfrentaram outro problema, que foi o
fizeram com que a indústria de óleos vegetais do Rio
baixo preço do trigo. Para entender melhor o
Grande do Sul passasse a importar parte de suas
comportamento dos preços do cereal, deve-se voltar um
necessidades de matéria-prima de estados vizinhos e
pouco no tempo. A cultura do cereal havia renascido, no
de outros países do Mercosul. Pelos mesmos motivos,
Estado e no País, a partir da desvalorização cambial de
houve também redução das exportações dos produtos
1999, que encareceu a importação do produto e forçou
do complexo soja (grão, óleo e farelo). Entre janeiro e
para cima os preços domésticos. O aumento da produção,
novembro de 2005 e o mesmo período do ano anterior,
que chegou a seis milhões de toneladas em 2003,5 não
as vendas externas da soja em grão, segundo dados do
foi, no entanto, capaz de frear as importações, pois o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
País, como não produz trigo de boa qualidade em
(MDIC), declinaram 79,8% em volume e 82,8% em valor.
quantidade suficiente para atender à indústria alimentícia
A diminuição da área plantada de milho, que
doméstica, teve de continuar importando o cereal de
prosseguiu na safra 2004/2005, está diretamente
melhor qualidade, basicamente da Argentina. Ademais,
associada ao avanço da área da soja no Estado. Entre
a recente valorização cambial barateou novamente o
produto importado, fazendo com que o preço doméstico
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O rendimento médio calculado pelo IBGE é obtido a partir da
divisão da quantidade produzida pela área colhida e não pela
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plantada. O Rio Grande do Sul respondeu por 39% dessa produção.
se reduzisse fortemente. Em função disso, em 2005, os 2). Feijão, milho e trigo apresentaram redução de área
produtores reduziram consideravelmente a área planta- plantada, porém a soja, juntamente com o arroz, foi a
da com trigo no País. No Rio Grande do Sul, os baixos grande responsável pelo resultado positivo. A estiagem
preços somaram-se à descapitalização do produtor, con- do verão de 2005 atingiu mais fortemente o Rio Grande
seqüência dos prejuízos com a safra de verão, para ex- do Sul, mas seus efeitos também foram sentidos em
plicar a retração de 24,6% na área plantada. Como a outros estados, notadamente em Santa Catarina e no
produtividade também diminuiu, em função do menor Paraná. A menor produtividade daí resultante explica a
emprego de tecnologia, a produção gaúcha encolheu redução da produção de arroz e milho e o crescimento
32,5%. apenas marginal do volume colhido de soja. Quanto à
♦♦♦ diminuição da produção de trigo, esta é explicada mais
pela redução de área que pela diminuição da
produtividade. No total, o IBGE estima que o Brasil tenha
No Brasil, segundo o IBGE, a área total de grãos produzido 5,6% menos grãos que na safra anterior.
teve crescimento de 1,0% na safra 2004/2005 (Tabela
Tabela 1
Comparativo de área plantada e produção de grãos do Rio Grande do Sul — 2004 e 2005
Tabela 2
Comparativo de área e produção de grãos do Brasil — 2004 e 2005
ÁREA (ha) PRODUÇÃO (t)
LAVOURAS
2004 2005 Variação % 2004 2005 Variação %
Arroz ....................................... 3 774 211 4 004 707 6,1 13 276 861 13 232 776 -0,3
Feijão ...................................... 4 323 977 3 944 187 -8,8 2 965 085 3 012 009 1,6
Milho ....................................... 12 797 685 12 099 461 -5,5 41 805 958 34 895 590 -16,5
Soja ......................................... 21 581 091 23 413 462 8,5 49 521 531 51 138 299 3,3
Trigo ........................................ 2 796 847 2 357 297 -15,7 5 726 195 4 938 327 -13,8
Outras ..................................... 1 653 988 1 600 866 -3,2 3 480 429 3 024 241 -13,1
TOTAL .................................... 46 927 799 47 419 980 1,0 116 776 059 110 241 242 -5,6
FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, out.
2005. Disponível em: http:/.ibge.gov.br
LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, dez.
2005. Disponível em: http:/.ibge.gov.br
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O preço de fronteira refere-se ao preço pelo qual um produto
poderia ser importado ou exportado. Resulta da multiplicação do
preço internacional pela taxa de câmbio doméstica.
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Essa elevação dos preços internacionais do arroz é explicada,
fundamentalmente, pela redução dos estoques mundiais, que
se vem verificando desde 2003.
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8
O aumento dos estoques mundiais em 2005, ocasionado pelo Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no
aumento da produção mundial, puxada pelos Estados Unidos, período 2004-05, a importação de trigo foi de 5,3 milhões de
explica a redução dos preços internacionais do cereal. toneladas, para um consumo de 10,3 milhões de toneladas.
Tabela 3
Taxas de variação real dos preços médios domésticos e dos preços médios internacionais para
grãos selecionados — 2004-05
(%)
11
Conforme dados do MDIC/Secex/Sistema Alice, entre janeiro e
novembro de 2005, o País exportou US$ 2,8 bilhões de carne
10
Cálculo realizado a partir de dados brutos do MDIC/Secex. bovina, US$ 3,2 bilhões da de frango e US$ 1,0 bilhão da suína.
Tabela 4
Comparativo da produção de carne no Rio Grande do Sul e no Brasil — jan.-set. 2004-05
(t)
No caso do Rio Grande do Sul, espera-se redução mesmo se reduzindo a área plantada, a quantidade
de 1,0% da área plantada com grãos de verão. Os bai- produzida de grãos de verão praticamente duplique em
xos preços do arroz só não determinam uma redução de relação à safra passada.
área maior que a de 3,7% em virtude da existência de Quanto ao Brasil, a área plantada deve ser reduzida
contratos de arrendamento. Quanto à soja, as perspecti- em 4,1%. A área de arroz encolherá 18,7%, dado forte-
vas de preços baixos permanecem, uma vez que os mente influenciado pela retração de 61,0% no Mato
estoques mundiais continuam altos, em função de Grosso. Dada sua importância, a soja é o caso mais
uma safra norte-americana cheia e de estimativas de dramático, com redução de 6,1% em sua área plantada,
aumento de produção na América do Sul. A conseqüên- primeira retração desde 1999. A exemplo do verificado
cia é uma redução de 261,0 mil hectares de área planta- no Rio Grande do Sul, o milho, neste caso, o da primeira
da com a oleaginosa no Estado. Invertendo um movi- safra, incorporará áreas antes ocupadas pela soja, mas
mento das safras anteriores, na safra 2005/2006, deve de forma apenas parcial no restante do País. Esperam-
ocorrer uma quase perfeita substituição do cultivo de soja -se aumentos de produtividade, mais pela ausência de
pelo do milho, produto cujas plantações devem agregar intempéries climáticas do que pelo uso mais intensivo
mais 233,0 mil hectares. O estímulo para tanto vem da de tecnologia na lavoura, redundando em aumento da
esperança de melhores preços para o cereal, que teve produção de grãos de verão em 15,5%. Se tudo acontecer
duas safras frustradas no Estado, onde existe uma conforme o previsto, a produção de soja alcançará seu
importante demanda por parte dos setores de criação de mais alto patamar histórico, mesmo passando por um
frangos e suínos. Quanto à produção, após dois anos de momento de preços relativamente baixos, se compara-
estiagens, são esperados aumentos expressivos da dos aos das duas safras imediatamente anteriores.
produtividade de feijão, milho e soja, fazendo com que,
Gráfico 1
Evolução dos índices de preços pagos pelo produtor (IPP) e dos índices de preços recebidos
pelo produtor (IPR) no Rio Grande do Sul — jan./03-ago./05
130
125
120
115
110
105
100
95
90
0
85
Abri./05
Mar./03
Mar./04
Mar./05
Abr./03
Maio/03
Jul./03
Ago./03
Set./03
Out./03
Dez./03
Abr./04
Maio/04
Jul./04
Ago./04
Set./04
Out./04
Dez./04
Maio/05
Jul./05
Ago./05
Jan./03
Fev./03
Jun./03
Nov./03
Jan./04
Fev./04
Jun./04
Nov./04
Jan./05
Fev./05
Jun./05
Tabela 5
Área plantada e produção de grãos de verão no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2005 e 2006
a) Brasil
ÁREA PLANTADA (ha) PRODUÇÃO (t)
GRÃOS
2005 2006 (1) Variação % 2005 2006 (1) Variação %
Arroz .............................. 4 004 707 3 256 743 -18,7 13 232 776 11 698 199 -11,6
Feijão (1ª safra) ............. 2 201 291 2 306 157 4,8 1 408 373 1 820 708 29,3
Milho (1ª safra) .............. 8 981 745 9 499 235 5,8 27 187 975 34 588 282 27,2
Soja ............................... 23 413 462 21 975 475 -6,1 51 138 299 59 234 854 15,8
TOTAL ........................... 38 601 205 37 037 610 -4,1 92 967 432 107 342 043 15,5
b) Rio Grande do Sul
ÁREA PLANTADA (ha) PRODUÇÃO (t)
GRÃOS
2005 2006 (1) Variação % 2005 2006 (1) Variação %
Arroz .............................. 1 055 232 1 016 526 -3,7 6 103 269 6 059 910 -0,7
Feijão (1ª safra) ............. 92 934 93 086 0,2 69 081 110 810 60,4
Milho ............................. 1 206 119 1 439 367 19,3 1 485 035 5 524 529 272,0
Soja ............................... 4 179 272 3 918 462 -6,2 2 444 535 8 309 589 239,9
TOTAL ........................... 6 533 557 6 467 441 -1,0 10 101 920 20 004 838 98,0
FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, dez.
2005. Disponível em: http:/www.ibge.gov.Br
LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro: IBGE, dez. 2005. Disponível em:
http:/www.ibge.gov.br
(1) Previsão.