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1º Edição
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios ―
tangível ou intangível ― sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
SINOPSE
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Agora Drew decide mudar de vida, mas isso é uma tarefa realmente
complicada. E tudo fica pior quando ele inventa uma suposta noiva, e afirma
que está prestes a se casar. Em uma medida desesperada para encontrar uma
mulher que se encaixe na sua lista de “esposa perfeita”, Drew acaba fazendo
uma proposta para Jamie Collins. A “garota do cafezinho”, o patinho feio e
com certeza alguém longe de ser sua esposa perfeita. Mas é tudo o que ele
tem, certo? O que Drew não esperava era que o patinho feio fosse se
transformar em cisne, tornando muito difícil seguir uma regra que ele mesmo
impôs: Não se apaixonar.
SUMÁRIO
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DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
DEDICATÓRIA
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Bárbara, “se houver um céu”, eu espero que você esteja lá. Mas se
não houver, saiba que você estará para sempre no meu coração.
Sthefany, obrigada por me mostrar que não devo desistir dos meus
sonhos, pois eles não pertencem apenas a mim, mas a todos que me leem.
São para vocês todos os sorrisos que este livro desperta.
PRÓLOGO
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Jamie
3 – Dirigir um carrão.
“Agora você deve estar viciada nisso, mas não se preocupe. É
importante ter muitos desejos. Ainda há espaço em branco na sua folha,
portanto, crie sua lista.”
Caramba.
Uma lista?
Essa mulher é boa nisso. Muito boa.
Mordo a tampa da caneta.
O que mais, Jamie? O que mais você deseja?
O céu é o limite.
Ah, sim.
5 – Pular de paraquedas.
6 – Fumar maconha.
“Sabe aquele desejo de menina má, ele também deve ser colocado
aí.”
Hum, vejamos…
7 – Roubar algo.
“E desejos da adolescência…”
Onde você esteve todo esse tempo, doutora?
“Alguns desejos nem mesmo são seus, mas você quer abraçá-los por
outros.”
Minha mãe…
10 – Visitar Paris.
Jamie
Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
Noiva?
Andrew Simons, meu chefe, acaba de fazer a proposta mais maluca
que eu já recebi na minha vida. Sei que eu não estou sonhando, mas ainda
assim essa é a coisa mais irreal que eu já ouvi. Acho que ele está fazendo
algum tipo de piada com a minha cara, é exatamente o tipo de brincadeira
idiota que ele faria comigo. Porque eu não consigo acreditar que o milionário
e playboy mais cobiçado da cidade tenha pedido a mim para ser sua noiva.
Eu? A mosquinha, a garota pobre que serve seus cafés? Tudo bem que esse
pedido não passa de uma farsa, afinal, como Abigail mesmo me disse,
Andrew está querendo dar um golpe na sua avó. Só que é um pouco
inacreditável que ele queira que eu seja sua noiva, mesmo que seja de
mentirinha.
— E então…? — Abigail interrompe ansiosa. — Você aceita?
Pisco uma, duas, três vezes e encaro Abigail.
— O quê? — murmuro. — Abigail, eu… Isso não pode ser sério.
— É muito sério, Jamie. — Jackson dá um passo à frente. — É como
um negócio, como se fosse um trabalho de longo prazo para o Andrew.
— Um trabalho? — Abigail repete. — Ah, cala a boca, Jackson. Não
liga para o que ele diz, não é um trabalho. Você tem que pensar nisso como
uma relação, uma relação que envolve confiança, respeito e muito, muito
dinheiro, Jamie.
— Não, eu… Eu não posso aceitar — respondo.
— Por que não? — Abigail insiste.
— Porque isso não é certo, Abby — digo. — Eu não quero enganar a
sua vó, a Elizabeth foi muito boa para mim. Não posso fazer isso com ela.
Além do mais, eu não saberia fingir um noivado. Ninguém acreditaria nisso,
sou apenas uma simples funcionária.
— Jamie, não duvide de si mesma! — Abigail prossegue. — Você viu
o que o Andrew disse? Eles fizeram entrevista com três mulheres e elas
pareciam perfeitas, no entanto, foi um desastre. Você pode ser melhor, você
pode ser tudo aquilo que minha vó espera que Andrew tenha em sua vida.
Você é a noiva perfeita.
Minha visão fica ainda mais turva e as palavras de Abigail ficam cada
vez mais distantes. Isso não pode estar acontecendo comigo, não pode.
— Abigail, não posso, me desculpe, mas eu não posso — murmuro.
— Você disse que me ajudaria! Você disse que estaria do meu lado!
Que apoiaria o Andrew mesmo ele sendo um imbecil! Você mesma me disse
que acreditava nele! — Abigail insiste balançando as mãos no ar.
— Abby — Andrew interrompe —, ela já disse não, então pare de
insistir.
— Não, eu não vou parar de insistir! — Abigail resmunga. Ela se
aproxima, senta-se no sofá e agarra as minhas mãos. — Jamie, você odeia a
Olivia, certo? Você não mentiu para mim, né?
— Eu… Eu não gosto da Olivia e não menti pra você sobre isso. Só
que não é motivo suficiente para que de um dia para o outro eu resolva ser a
falsa noiva do meu chefe!
— Você está precisando de dinheiro, sei disso. Você mesma me
contou sobre as suas dificuldades. Quando eu quis ajudar, você disse que
tinha que fazer isso com as suas próprias mãos. Que você ganharia o dinheiro
para ajudar a sua família com os seus próprios feitos, certo?
— Sim — suspiro.
— Então essa é a sua chance! — Abigail exclama. — Um ano de
acordo em troca de quinhentos mil dólares. Jamie, você pode salvar a sua
família, você pode salvar a si mesma. Pode mudar de vida e fazer tudo aquilo
o que sempre sonhou.
— Não — nego. — Sinto muito, Abby, não posso aceitar.
— Jamie, talvez tudo isso seja demais para você — Jackson diz. —
Mas é uma ótima oportunidade, você tem muito a ganhar e nada a perder.
Talvez seja melhor que você tenha um tempo para pensar, tudo bem? Você
não precisa dar a resposta agora, sei que deve estar se sentindo sob pressão.
Aguarde aqui um momento e eu vou buscar as cópias do contrato. Você pode
lê-lo em casa com calma e depois nos dar a resposta.
— Sr. Curtis, eu agradeço. Mas eu realmente não quero.
— Espere um minuto — Jackson diz e some em um corredor.
— Jamie, prometa para mim que vai ler o contrato? — Abigail pede.
— Por favor, apenas leia antes de dar uma resposta definitiva.
Suspiro.
— Eu leio, ok? Mas isso não quer dizer que minha opinião vá mudar.
— Claro, entendo. — Abigail balança a cabeça, mas a conheço bem o
bastante para saber que ela não está satisfeita.
— Eu tenho que ir agora — digo.
— Espere! Aqui está o acordo. — Jackson reaparece e entrega-me
uma pasta com vários papéis dentro. — Vou acompanhar você até a porta.
Eu não digo mais nada quando levanto, coloco minha bolsa sobre o
ombro e sigo Jackson até a porta. Esbarro minha canela em uma mesinha e
xingo um palavrão baixinho. Jackson abre a porta para mim e eu me viro para
me despedir de Abigail. Não consigo nem olhar para Andrew, quanto mais
me despedir.
— Eu preciso ir, nos falamos outra hora — digo.
— Tudo bem, eu entendo. — Abigail parece chateada. — Mas, por
favor, pense nesse acordo. Não jogue fora uma chance dessas sem pensar no
quanto você poderia fazer com esse dinheiro.
— Ok, Abby, já entendi.
— Quer que eu acompanhe você até lá embaixo? — pergunta-me.
— Não, já sei o caminho. Obrigada.
— Se cuide, Jamie, até mais!
Pego o elevador e deixo o edifício de Jackson. Minha cabeça está
explodindo com tanta coisa, tantas informações para processar. Parece que eu
estou vivendo um sonho muito louco. Caminho pelas calçadas procurando
um ponto de ônibus. E então me lembro dos meus óculos quebrados dentro
da minha bolsa. Andrew que quebrou os meus óculos! Droga, o que eu vou
fazer sem eles?
— Ei! Olha por onde anda! — uma mulher grita à minha direita, logo
depois de eu esbarrar nela.
— Desculpe, senhora!
Passo os próximos vinte minutos rodando pelas ruas tentando
encontrar uma maneira de chegar em casa. Quando eu encontro um ponto de
ônibus, peço ajuda de um senhor para entrar no ônibus certo. Ele é muito
bondoso e logo me coloca no caminho correto. Desabo exausta em um banco
e passo o trajeto todo olhando pela janela as formas borradas e distorcidas.
Quando finalmente desço no meu ponto estou com o estômago embrulhado.
Chego em casa mais cedo do que o normal. Quando fecho a porta atrás de
mim e viro-me, encontro Jane cozinhando e Tyler sentado no chão, com os
seus brinquedos.
— Jamie? — Jane parece surpresa. — Chegou em casa cedo.
— É — murmuro. — Cheguei.
— Você está bem?
— Estou cansada, é isso. Vou tomar um banho e ficarei legal.
— Ok, não demore — ela diz. — Minha sopa está quase pronta.
— Tia Jamie? — Tyler chama.
— Sim?
— Cadê os seus óculos?
— É mesmo. — Jane também repara. — Por que você está sem
óculos?
— Quebrou — digo.
— Como assim quebrou?
— Caiu no chão e quebrou. Simples assim — respondo.
— Meu Deus, Jamie, precisamos comprar outros, você não pode ficar
sem os seus óculos — Jane diz.
— Não se preocupe com isso. Vou comprar um novo amanhã —
minto.
Sigo para o meu quarto para que eu não tenha que dar mais
explicações à minha irmã. Deixo minha bolsa sobre a cama, pego roupas
limpas e vou para o banheiro. Retiro minha saia, meu suéter, meus sapatos e
as minhas meias e de repente me vejo encarando meu reflexo no espelho.
Céus, estou horrível. Estou tão branca, pareço um fantasma. Gostaria de
pegar uma cor para tentar melhorar o visual, mas acho que nem se eu
passasse uma semana no deserto do Saara conseguiria um bronzeado. Isso me
faz questionar o porquê de um homem como Andrew Simons me aceitar
como sua noiva. Tá, tá, eu sei. Falsa noiva. Mesmo sendo de mentira, não
consigo acreditar que ele me apresentaria para todo mundo, deixaria que toda
a sua família e seus amigos soubessem que nós nos amamos. Mesmo que a
gente não se ame, mesmo que esse romance seja falso. Ainda assim me sinto
de alguma forma… Lisonjeada.
Eu sei que não deveria imaginar esse tipo de coisa, ainda mais depois
de ter dito veementemente que eu não aceitaria o acordo. Todavia não
consigo parar de visualizar na minha cabeça como seria se eu o aceitasse.
Quer dizer… Primeiramente eu deixaria de ser uma mosquinha e passaria a
ser vista no mundo dos grandões. Depois eu poderia esfregar graxa na cara da
Olivia e deixar bem claro que eu não sou mais sua funcionária. Na verdade,
seríamos da mesma família. Ai, meu Deus, acho que ela enlouqueceria!
Eu também poderia acabar com todos os problemas da minha família.
Não teríamos aluguéis atrasados e nem nos preocuparíamos com os remédios
do papai. Jane e Rick não teriam que se matar de trabalhar para nos sustentar.
Uau, eu poderia realizar os meus desejos também! Poderia comprar a casa de
tijolos vermelhos e dar de presente para o papai. Ele ficaria tão feliz em ter de
volta a maior lembrança da mamãe. Eu também poderia realizar alguns outros
desejos da minha lista. Afinal de contas, são quinhentos mil dólares!
Mas sei que não posso aceitar, mesmo tendo prometido a Abigail que
eu leria o acordo, não posso aceitar. Primeiro porque entrar nesse jogo é
muito arriscado. Andrew nem ao menos quer tentar mudar, ele simplesmente
quer fingir. Eu sei que se Elizabeth soubesse disso ficaria extremamente
magoada. Elizabeth foi uma mulher incrível para mim, me ajudou no
momento em que mais precisei. Eu sei o quanto ela está mal, eu sei que a
qualquer momento ela pode deixar esse mundo. Não gostaria que ela
soubesse que fui capaz deste tipo de tramoia.
E depois eu teria que lidar com o resto da família de Andrew. Se não
suporto Olivia sendo só minha chefe, imagine ter que vê-la frequentemente.
E, Jesus, Jane me mataria! Ela nunca aceitaria isso, jamais, em hipótese
alguma. Ela pensaria que estou me sacrificando pela nossa família e não
deixaria isso acontecer de jeito nenhum. E mesmo se eu resolvesse não contar
a verdade a ela, Jane sabe que não tenho um namorado, ela sabe que não
estou vendo ninguém. Não posso de uma hora para outra dizer: Ei, Jane,
estou com o meu chefe e advinha? Estamos noivos!
Embora tenha que admitir que aceitar esse contrato salvaria a minha
vida e a da minha família também. Ele com certeza mudaria tudo, mudaria o
curso da minha vida. E é apenas um ano! Um ano passa tão rápido. E não
deve ser tão difícil bancar a noiva de Andrew. Droga, por que eu estou
procurando motivos e motivos, tentando provar a mim mesma que esse
enlace é impressionantemente maravilhoso? Tenho que parar com isso! Já
disse que não vou aceitar!
É como se houvesse uma parte de mim, uma parte endiabrada. Uma
diaba interior, deitada glamorosa sobre o meu ombro dizendo: Vamos, Jamie,
você quer aceitar esse negócio. Eu sei que você quer, também quero. Imagine
como sua vida seria perfeita, diga adeus a todos os seus problemas, basta
dizer sim! Enquanto no meu outro ombro, minha anjinha interior grita
desesperada: Não faça isso, Jamie! Você vai magoar pessoas, o dinheiro não
é tudo na vida. Dinheiro pode ser bom, mas fará você infeliz. Não aceite o
arranjo!
Quero pensar, preciso pensar! Eu! Eu, Jamie, tenho que decidir o que
fazer. E por impulso eu disse que não aceitaria esse contrato. E, agora, eu
mesma estou questionando minha escolha. Mas definitivamente continua
sendo um não. Não posso aceitar!
Tomo o meu banho e levo uma eternidade. Tudo isso porque embaixo
da água não penso em nada. Gostaria de ficar aqui para sempre, esquecer
todos os meus problemas e as possíveis soluções para eles. Mas isso aqui é
apenas um momento de relaxamento. Um momento rápido que eu tenho
poucas vezes. Talvez se eu não fizer algo logo nem esse momento terei mais.
Se formos colocados na rua, o que eu farei então? O que toda a minha família
fará?
Se não vou aceitar mesmo esse enlace, preciso fazer outra coisa logo.
Olivia pode ter me dado um aumento, mas isso não será suficiente para pagar
tudo o que devemos. Nem sei se eu ainda tenho o meu emprego. Já que tive
de sair hoje sem dar explicações nenhuma. Se Olivia sentiu minha falta, ela
com certeza vai querer saber o que aconteceu. E eu não posso dizer a
verdade, porque senão Andrew e Jackson ficarão encrencados. Eu nem
deveria me preocupar com eles. Olha só, eu tentei ajudar Andrew e ele
quebrou os meus óculos. E agora estou sem condições de obter novos. Sem
minha visão como eu vou conseguir trabalhar? Por que eu só me ferro?
Termino o banho, visto roupas limpas e volto para o meu quarto.
Retiro da minha bolsa a pasta que Jackson me entregou. Abro e retiro os
documentos. Sou tomada por uma curiosidade exorbitante. O que está escrito
aqui? Quais são as cláusulas que envolvem esse contrato? Eu tento ficar
longe, tento colocá-lo de volta no lugar. Só que infelizmente não consigo,
porque eu quero ler. Quero saber cada detalhe sobre esse acordo. E quando
finalmente decido que eu preciso ler, até porque prometi a Abigail que faria,
descubro que não consigo ler. Não sem os meus óculos.
Eu sou oficialmente a garota mais fodida do planeta, e não é o tipo de
foda boa.
Guardo os documentos dentro da minha bolsa. Encontro lá dentro
também a minha lista de desejos. Está bem amassada, mas não está rasgada.
Olho para aquelas linhas escritas com os meus rabiscos e penso no momento
em que as escrevi. Realmente acreditei naquela terapeuta em algum
momento. E agora tenho minha lista de desejos descansando perto de um
contrato que pode me oferecer quinhentos mil dólares. Só que eu disse não.
Empurro tudo dentro da minha bolsa e resolvo esquecer isso de vez.
Volto para a cozinha e encontro Jane e Tyler sentados ao redor da mesa
tomando sopa. Um olhar para o rosto do meu sobrinho e eu sei que Jane pôs
pimenta na sopa de novo. Pego um prato e me sirvo, depois me sento ao lado
do meu sobrinho e nós comemos em silêncio. Estou tão faminta que tomo a
sopa e engulo um copo inteiro de água para que eu não solte fogo pela
garganta.
— Como foi o trabalho hoje? — Jane pergunta, quebrando o silêncio
na mesa.
— O mesmo de sempre — murmuro.
— Jamie, está acontecendo alguma coisa? — Jane questiona-me,
desconfiada. — Você está tão calada ultimamente.
— Está tudo bem — minto. — De verdade, eu estou legal.
— Ok — Jane diz hesitante. — Chegaram as contas de água e luz.
Você não vai acreditar em como aumentou.
— Onde estão? — pergunto. — Quero ver.
— Em cima da mesinha da sala. — Jane aponta.
Levanto-me da mesa e vou para a sala. Encontro a pilha de cartas
sobre a mesinha e abro a de água e a de luz. Coloco o papel em diversas
posições para tentar enxergá-lo, mas os números são grandes o bastante para
que eu os veja. “Aumentou” é pouco para o que eu estou vendo. Estão nos
roubando! Como podem cobrar tão caro? Nem gastamos tanto assim.
— Meu Deus! — ofego.
Sinto lágrimas pinicando os meus olhos e um caroço imenso na minha
garganta. Mas engulo tudo, porque Jane está do meu lado e eu não posso
assustá-la.
— Está tudo bem, Jamie — Jane tenta me confortar. — Olha só, a
gente vai conseguir. Eu acho que o senhor Dimitri vai nos deixar atrasar mais
um aluguel, porque ele ainda não apareceu aqui para nos cobrar. Pelo menos
eu não o vi, e você?
— Não — minto. — Ele não veio.
— Bom, então ficaremos bem — Jane prossegue. — Rick também
não foi demitido, então conseguiremos pagar tudo. Sei que vamos conseguir.
— Jane, olha essa conta de água! — Empurro o papel no rosto dela.
— Eles devem estar cobrando a água da chuva!
Jane ri.
— Eu sei, está caro, mas vamos dar conta.
— E olhe a de luz! — Mostro a outra folha. — Estamos pagando pela
luz do sol também?
— Ai, Jamie, só você para me fazer rir nesse momento. — Jane sorri.
— Você parece realmente desesperada como se não fôssemos dar conta de
tudo isso. Como se de repente o senhor Dimitri fosse bater na nossa porta e
nos cobrar os aluguéis ou então nos colocar para fora. Você fala como se o
Rick pudesse ser demitido justo agora, quando precisamos pagar essas
contas. Olha, não vai acontecer, ok? Fique tranquila, a gente sempre
consegue.
Pobre Jane… Pobre Jane…
— Jane, se o Tyler ficar doente e precisar de remédios nós vamos ter
que vender nossos órgãos.
Jane revira os olhos.
— Pare de dizer bobagem! — ela me repreende. — Vai ficar tudo
bem.
O telefone toca nesse momento e Jane vai atendê-lo. Vejo minha irmã
sorrir enquanto conversa com a pessoa do outro lado da linha. O sorriso dela
é tão lindo. Eu poderia arrancar isso agora mesmo. Poderia dizer a ela que o
senhor Dimitri esteve aqui sim e que seremos colocados na rua, se não
tivermos dinheiro o suficiente para pagar todos os atrasados. Mas não
consigo fazer isso, não quero fazer isso. Quero manter aquele sorriso lá,
quero manter a confiança e a esperança que emanam dela. Minha irmã é tão
forte e, nesse momento, não quero quebrá-la. Então eu preciso ser forte por
ela, tenho que buscar a nossa salvação. Não quero ser apenas um peso na vida
dela.
— Jamie — Jane chama, apontando o telefone. — É o papai, quer
falar com você.
Ah, sim, é claro que é o papai. Por isso esse sorriso tão radiante. Vou
até ela e pego o telefone de suas mãos.
— Papai?
— Abelhinha, que saudades! — papai exclama alegre do outro lado.
— Também estou morrendo de saudades. Quando o senhor virá nos
visitar?
— Ah, querida, você sabe que não posso voltar aí — papai responde e
dessa vez ele parece um pouco desanimado. — Mas você pode vir até mim.
— Agora não posso, papai, estou trabalhando muito — digo. — Mas
quando eu tiver um tempo, vou visitar o senhor.
— Minha pequena abelhinha, me conte: como está a vida aí? Odeio
ficar sem notícias suas e de sua irmã. Odeio saber que minha família está aí e
eu estou aqui. Droga, me diga, abelhinha, vocês estão bem mesmo? Acho que
Jane está me enviando dinheiro demais. Ela tem uma família, precisa cuidar
de vocês, não desse velho que não tem mais utilidade.
— Não diga isso, papai — repreendo. — Você precisa do dinheiro, e
nós estamos bem.
— Como está seu trabalho? Sua chefe ainda é a tal de malévola?
— Muito pior, papai, malévola é boazinha perto de Olivia.
— Qualquer dia apareço em Nova Iorque para exorcizar essa bruxa!
Sorrio.
— Eu acho que gostaria disso.
— Ah, bom. — Ouço papai suspirar. — Eu ainda gostaria de dizer
umas poucas e boas para essa mulher que trata você desse jeito.
— Está tudo bem, papai — asseguro. — Consigo lidar com Olivia.
— E os namoradinhos?
— Que namoradinhos? — Solto uma risada.
— Acha que este velho é tolo? — ele brinca. — Minha abelhinha
linda solta nessa cidade enorme, não deve ter um dia de sossego.
— Ai, papai, não sou linda como a Jane ou como a mamãe.
— Não diga isso, Jamie — papai diz sério, usando o meu nome. — É
perfeita, tão linda quanto sua mãe. Tenho muito orgulho de ter você como
filha.
— Obrigada, papai — murmuro.
— Acho que já estou tomando muito o seu tempo. Você precisa
descansar e esse velho aqui vai parar de incomodar.
— Você nunca incomoda, papai. Eu te amo.
— Eu te amo muito, abelhinha. Venha me visitar, já faz muito tempo
que não a vejo.
— Eu vou, papai, assim que puder, eu vou.
Desligo o telefone já sentindo uma saudade imensa. Faz mais de seis
meses que não vejo o meu pai. Ele vive no Texas com a minha tia. E como
ele não gosta de vir a Nova Iorque por causa das lembranças que ele tem da
mamãe, fica ainda mais difícil vê-lo. Jane e eu não podemos estar viajando o
tempo todo. Não temos carro e nem dinheiro. Por isso ficamos vivendo aqui,
longe dele, tendo que nos falar apenas por telefone. Às vezes isso é horrível.
Meu pai é um homem muito bom. Mesmo depois que ele perdeu a
mamãe, virou alcoólatra e perdeu tudo, ainda continuou sendo um homem
bom. Ele tem um coração imenso e está sempre disposto a nos ajudar. Mesmo
quando ele não pode. Eu sei que por mim e pela Jane ele faria qualquer coisa.
Queria tanto trazê-lo para perto de mim, mas sei que isso não é possível. A
não ser que eu consiga a casa de tijolos vermelhos, o lugar onde eu nasci e
onde, anos antes, ele e mamãe iniciaram sua linda história de amor.
Minha mãe era aspirante a atriz. Papai era um policial e um dia ele foi
assistir a uma peça de teatro, em que minha mãe era a protagonista. Ele disse
que ficou fascinado desde o primeiro momento em que pôs os olhos nela. Na
mesma noite houve um incêndio que começou nos fundos do palco. Papai
nem hesitou quando correu até lá para salvá-la. Ela estava assustada,
amedrontada, mas ele a protegeu. Ele a salvou. Depois disso eles se viram
mais algumas vezes e cada vez mais ele tinha certeza de que seus sentimentos
por ela eram imensos.
Eles se casaram, compraram a casa de tijolos vermelhos e viveram lá
os melhores dias de suas vidas. Quando Jane nasceu foi a maior felicidade,
mas papai sempre insiste em dizer que tudo só ficou completo quando eu
nasci. Infelizmente, alguns anos depois, mamãe foi diagnosticada com câncer
e morreu. Eu não me lembro de como foi ruim para o papai passar por tudo
aquilo. Mas Jane se lembra. Ela diz que nos primeiros anos ele visitava seu
túmulo todos os dias e sempre levava flores. Ele jurou que nunca amaria
outra mulher. Que ele sempre seria fiel e que cumpriria com a palavra que
declarou diante do padre quando se casaram. Seria até que a morte os
separasse. E não apenas a morte dela, mas a dele também.
Ninguém pode julgar meu pai pelo que ele fez depois ou pelo que ele
se tornou. Eu não posso compreendê-lo, mas posso imaginar como deve ser
difícil perder um amor assim tão grande e verdadeiro. Acredito que poucas
pessoas amam como os meus pais se amaram.
— Jamie? — Jane balança a mão na frente do meu rosto. — Ei, volte
para a Terra!
Balanço a cabeça, deixando meus devaneios para trás.
— Estou aqui.
— Vá dormir, você está péssima.
— Você não precisa de ajuda com a louça?
— Não. Tyler e eu podemos cuidar disso.
Volto para o meu quarto, fecho a porta e me jogo na cama. À noite o
peso de tudo parece ainda maior. É como se eu estivesse aguentando o
mundo nos ombros e neste momento ele cede. Estou completamente exausta
e não é apenas fisicamente, mas emocionalmente também. Quando fecho os
meus olhos o sono vem depressa e eu logo apago.
Estou trancada em uma sala completamente branca. Apesar de não
haver nada de assustador aqui, sei que estou com medo. A sensação é muito
ruim, desesperadora. Quando as paredes começam a tremer e imagens
distorcidas ficam em foco eu ofego. O pavor se torna imenso com o que eu
estou vendo.
— Não! — grito desesperada. — Jane! Oh, meu Deus, não!
Jane está sendo colocada para fora do nosso apartamento e ela está
chorando muito. Tyler está abraçado a ela e todas as nossas coisas estão
sendo simplesmente jogadas para fora. Rick está parado com as mãos na
cabeça e o olhar fixo no chão. Ele desistiu.
Na imagem seguinte eu vejo contas e mais contas sendo jogadas
diante do meu rosto, pessoas gritam comigo e me fazem chorar porque eu
estou sendo obrigada a pagar essas contas ou vão pegar o resto de nossas
coisas como pagamento.
Então a imagem seguinte é ainda pior. Jane não tem dinheiro para os
remédios do papai. E ele está sofrendo, ele está gritando, ele está com dor.
Não posso fazer nada. Grito e imploro, mas ele está morrendo porque eu não
tenho os remédios dele.
— Papai! — choro. — Papai, não, meu Deus, papai!
Acordo chorando e tremendo e fico tão aliviada em descobrir que
tudo não passou de um pesadelo. Nada daquilo era real. Então eu ouço sons e
sento-me na cama para escutar melhor. Ouço a voz de Rick, e logo depois a
da minha irmã. Ela está chorando. Levanto-me e calço minhas pantufas. Abro
a porta do meu quarto e os sons ficam mais claros. Eles estão conversando na
sala. Aproximo-me em silêncio, porque não sei o que está acontecendo, não
sei se é apenas uma briga comum de casal ou algo mais sério.
Não faço ideia de que horas são, mas tenho certeza de que é de
madrugada. Rick não deveria estar em casa agora, ele geralmente trabalha
nesse horário. Chego ao fim do corredor e coloco apenas a minha cabeça para
fora querendo espiar. Rick está sentado no sofá e minha irmã está sentada em
seu colo. Ela está chorando baixinho, com a cabeça encostada em seu peito.
Ele diz algo para ela e eu a vejo balançar a cabeça. Aproximo-me mais um
pouco com cuidado, para que eles não me vejam. Quero saber por que ela
está chorando. Ela não deveria estar chorando, porque apenas algumas horas
mais cedo estava sorrindo.
— Vai ficar tudo bem, querida — Rick diz a ela, acalmando-a.
— Não… Não vai ficar… Nada está bem — Jane gagueja.
— Eu sei que é difícil, está tudo uma merda — Rick prossegue,
abraçando minha irmã. — Mas eu vou dar um jeito, vou procurar outro
emprego.
— Você sabe que não vai ser fácil encontrar outro emprego. Você não
podia ter sido demitido, não podia!
Oh, não! Rick foi demitido! Não!
— Calma, querida — Rick a conforta. — É meu trabalho sustentar
essa família e eu vou fazer isso.
— Ah, Rick. — Jane suspira. — Você sabe que não é assim. Não
somos apenas eu, você e Tyler. Precisamos cuidar do papai e também tem a
Jamie, que mal consegue ganhar dinheiro para si mesma.
— Calma, querida, calma — Rick sussurra.
Não escuto mais nada. Volto para o meu quarto em silêncio e me jogo
na cama. Sou um peso para a minha família. Papai também é um peso. Não
podemos nem ajudá-los. Só causamos problemas. Não consigo mais suportar,
deixo as lágrimas virem e dessa vez choro muito. Choro durante toda a
madrugada até de manhã. Porque não consigo pregar o olho, não consigo
descansar sabendo que tudo está desmoronando.
Pela manhã me arrumo para o trabalho que eu nem sei se tenho ainda
e saio antes que Jane acorde. Sei que vou desmoronar se eu a vir e não quero
isso agora. Passo o maior trabalho para chegar ao metrô e depois ao serviço.
Fazer as coisas sem meus óculos torna tudo ainda pior. Quando chego à
Simon’s noto imediatamente que tem algo errado. Os funcionários estão
cochichando. Todo mundo parece saber de algum podre que tenha
acontecido. Quase penso que é algo relacionado à bebedeira de Andrew e
Jackson, porém, quando chego à cozinha, tenho minha resposta.
— Jamie! — Irene corre até mim. Fofoqueira do jeito que é ela, tem
que me alertar sobre o que está acontecendo. — Você não vai acreditar no
que aconteceu.
— Então me diga — murmuro. Embora nesse momento eu não esteja
nem um pouco a fim de ouvir uma fofoca. Só que ainda tenho que saber se é
algo relacionado a Andrew e Jackson.
— Olivia pegou Benjamin e a secretária dele juntos no escritório! —
ela desabafa. — Meu Deus, você tinha que ver a bagunça que isso aqui ficou.
— Pera aí. — Levanto a mão. — Você acabou de me dizer que Olivia
descobriu que Benjamin a traiu com a própria secretária?
— Exatamente — ela afirma e prossegue falando: — Olivia
praticamente chutou a secretária para fora, demitiu ela na hora. Só que depois
as coisas ficaram mais esquisitas ainda.
— Por quê? O que houve?
— Olivia e Benjamin se trancaram no escritório, houve um monte de
gritos, mas no final eles estavam bem.
— O quê? Como assim estavam bem? Olivia nunca aceitaria uma
traição!
— Sim, ela aceitaria — Janice diz, entrando na cozinha com uma
bandeja na mão. — Entendo exatamente o que ela fez. Pense comigo. Você
acha que Olivia faria um escândalo pondo em risco seu emprego aqui na
Simon’s? Você acha que ela deixaria chegar aos ouvidos de Elizabeth que
seu marido traiu ela com a secretária? Você acha que Olivia pediria divórcio
sabendo que talvez Benjamin seja a única coisa que liga ela à presidência da
Simon’s? Olivia é muito inteligente, ela não ama Benjamin. Eles estão juntos
pela aparência e agora que ela chutou a secretária tudo vai voltar ao normal.
— Você está certa — digo, ponderando as coisas que Janice falou. —
Se Olivia se separasse de Benjamin e chegasse aos ouvidos de Elizabeth essa
história, então provavelmente Andrew teria mais chances de ser promovido
do que o marido da Olivia.
— Pois é — Janice concorda. — Não podemos subestimar a vadia,
ela é muito esperta.
— Olivia é pior do que eu imaginei — murmuro.
— Ah, e por falar nisso. — Janice aponta para mim. — Ela quer falar
com você, e leve um café.
— Ok, estou indo.
Preparo o expresso de Olivia e levo até a sua sala. A secretária dela
permite a minha entrada imediatamente. Vejo Olivia sentada em sua poltrona
encarando papéis brancos à sua frente. Ela está muito séria. De repente ela
levanta os olhos e me encara, vejo o frio e o vazio dentro de seus olhos
castanhos. Também percebo que ela andou chorando, mas tentou disfarçar
utilizando maquiagem. Ela pode não amar Benjamin, mas traição ainda é
traição.
— Traga o meu café até aqui — Olivia ordena.
Aproximo-me e coloco a bandeja na sua frente.
— A senhora quer falar comigo?
— Quero saber por que deixou o trabalho mais cedo ontem — ela fala
autoritária. — Todos ficaram esperando os malditos cafés e você não estava.
Jamie, como pode deixar o trabalho logo depois de pedir um aumento?
— Tive um problema para resolver, senhora — murmuro.
— Problema? — ela repete. — Eu tenho problemas! Eu sou uma
pessoa que tem problemas! Você não é nada, como você pode ter problemas?
Meu Deus do céu, não sei como eu aturo ver a sua cara todos os dias!
— Não vai voltar a acontecer, senhora, eu prometo.
Olivia solta uma gargalhada sem humor e levanta-se da sua mesa. Ela
segura a xícara de café nas mãos e depois a lança do outro lado do escritório.
Café se espalha por todo o lado, assim como pedaços quebrados da xícara. O
barulho alto me assusta e eu dou um pulo para trás. Ela enlouqueceu! Só
pode! Está maluca!
— É claro que não vai voltar a acontecer! — ela grita praticamente no
meu rosto. — Vá embora, saia daqui!
— Sim, senhora — murmuro.
Viro-me pronta para cair fora, mas Olivia segura o meu braço.
Retorno a encará-la, esperando que ela solte o meu braço antes que eu mesma
resolva enlouquecer e chutar a cara dela.
— Não vou mais olhar para a sua cara — Olivia afirma com um
sorriso completamente estranho desenhado nos lábios. — Você está demitida.
Pegue suas coisas e caia fora imediatamente.
— Não pode me demitir — sussurro.
— Eu posso tudo. — Ela alarga seu sorriso. — Posso qualquer coisa,
agora some! E não volte nunca mais!
Não estou respirando. Não estou respirando. Não estou respirando.
O ar parece ter sido tirado de mim, meu cérebro está nublado e eu não
tenho explicações para o que está acontecendo. Eu não sei como eu consigo
me virar e deixar o escritório dela para trás. Mas eu faço. Eu me retiro sem
mais nada a dizer. Olivia acabou de me demitir, ela acabou de tirar toda a
esperança que eu tinha. Sem meu emprego não resta nada e ela pensa que
acabou. Ela está enganada. Não terminou ainda. Não é assim que eu vejo o
meu fim.
Chega!
Digo a mim mesma várias vezes enquanto eu faço o caminho pelo
corredor: Chega! Eu não sei quanto tempo eu tenho, mas a vida é curta
demais para dispensar coisas boas. Pela primeira vez na vida eu tenho uma
chance e eu não vou desperdiçá-la. Não vou! Estou cega para qualquer coisa,
mas estou decidida. Vultos, borrões e tudo está distorcido. Eu nem sei mais
por que não consigo enxergar. Às vezes penso que é pela falta dos meus
óculos, mas agora também penso que pode ser o mundo desabando na minha
frente. Até que finalmente eu esbarro em algo. Não. Esbarro em alguém. Só
não caio de bunda no chão porque ele é forte o bastante para me sustentar. E,
meu Deus, esses olhos azuis são a minha única salvação.
— Jamie? — Andrew murmura apreensivo. — Está tudo bem?
— Eu aceito. — Inspiro profundamente. — Aceito ser sua falsa noiva.
CAPÍTULO OITO
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Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
Casamento?
Eles só podem estar de brincadeira! Não foi com isso que eu
concordei, não assinei um contrato de quinhentos mil dólares para me casar.
Isso já é demais! Casamento é algo muito mais sério. São votos de
compromisso, lealdade e fidelidade para uma vida toda. Pelo menos é nisso
que eu acredito. Não posso me casar com Andrew de verdade, porque eu não
o amo. Concordei com um falso noivado porque não eu não ficaria presa a
isso. Mas um casamento é muito mais, é um voto pela eternidade. Ou pelo
menos o meu pai sempre colocou com essas palavras o que ele pensava do
significado de uma união.
— Não vou me casar — solto.
— Como assim, não vai se casar? — Elizabeth pergunta-me, fitando-
me com desconfiança.
— Claro que ela vai casar! — Jackson afirma.
— Vovó, não assuste a Jamie, ela quer se casar sim — Abigail diz. —
Mas o noivado é tão recente, e ela ainda está se acostumando a isso.
— Não — nego. — Não vou me casar.
— Por que aceitou o noivado com o meu neto, então? — Elizabeth
questiona-me.
Balanço a cabeça. Preciso clarear minhas ideias!
— Eu quero me casar — minto, voltando para o meu papel. — Só que
não agora, quem sabe daqui a um ano?
Um ano? Perfeito, até lá o contrato estará terminado.
— Em um ano posso estar morta! — Elizabeth exclama. — Se vocês
estão noivos é porque pretendem se casar, então que façam isso enquanto
ainda estou aqui para assistir meu neto. Não é, Andrew?… Andrew!
— Hã? — Andrew esfrega o rosto com as palmas das mãos. Ele está
nervoso, e eu sei que ele não planejava que isso fosse acontecer. — Vó, eu
não sei.
— Como assim, não sabe? — Elizabeth o encara. — Se você a ama
vai querer que ela se torne sua esposa. Seu pai não hesitou quando conheceu
a sua mãe. Ele soube que era ela e logo se casou. Eles ficariam orgulhosos em
saber que você encontrou alguém para viver ao seu lado. Andrew, você me
fez muito feliz hoje, não me decepcione, por favor…
— Vamos nos casar — Andrew anuncia ao meu lado. — Jamie e eu
vamos nos casar.
— Oba! — Abigail exclama. — Festa!
— Graças a Deus — Jack murmura. — Érr… Quer dizer, parabéns e
que Deus abençoe vocês.
Aproximo-me de Andrew e sussurro:
— Não posso me casar, Andrew! Não posso!
— Não estrague tudo, Jamie — Andrew sussurra de volta. — Por
favor, nós vamos conversar.
Suspiro, mas não digo mais nada. Elizabeth volta a ficar animada e se
junta a Lorenna e Eleonor para conversarem sobre os preparativos para uma
festa. Olivia está emburrada, provavelmente com um ódio mortal de mim.
Não posso dizer que isso não me deixa contente, porque estaria mentindo.
Benjamin está ao seu lado, dizendo alguma coisa à qual ela não dá
importância alguma. Seus olhos estão focados em mim, faiscando de raiva.
Quando todos estão entretidos em uma grande conversa, Andrew me
afasta discretamente da mesa e me leva para o lado de dentro da casa. Alguns
segundos depois Jackson e Abigail nos seguem. Passamos pela cozinha, sala
de jantar, sala de estar, subimos as escadas, cruzamos um corredor e Andrew
abre a porta de um quarto e me empurra lá dentro. Ele fecha a porta assim
que todos entraram.
— Não vou me casar — repito, cruzando os braços.
Andrew suspira.
— Jamie, eu preciso que faça isso por mim — ele diz. — Eu sei que
não foi o que combinamos, mas vovó vai desconfiar se eu não casar com
você logo.
— Não — nego. — Andrew, isso já está passando dos limites! Não
posso me casar com alguém que eu não amo, isso é errado de muitas
maneiras.
— Jamie, será um casamento falso também — Jackson argumenta. —
É praticamente a mesma coisa que o noivado, só que dessa vez vocês
precisam assinar uma papelada em cartório.
— Jamie, você não pode desistir agora! — Abigail exclama. — Você
está desempenhando esse papel perfeitamente. Olivia está se mordendo de
tanto ódio! Benjamin está agindo todo controlado, mas por dentro ele sabe
que Andrew é seu maior concorrente agora! E a vovó? Meu Deus, ela está
alegre demais, você não pode arruinar tudo.
— Sinto muito, ou ficamos somente com o falso noivado ou desisto
de tudo — murmuro.
— Meio milhão de dólares — Andrew diz. — Acrescento mais meio
milhão de dólares ao nosso acordo. Case-se comigo, Jamie, por favor.
— O acordo pode continuar pelo mesmo período de tempo — Jackson
prossegue. — Só um ano, e depois vocês se separam. Podem dizer que não
deu certo, e pronto. Ninguém nunca vai saber que não foi de verdade.
— Jamie, deixe de ser tola! — Abigail agarra os meus ombros. —
Você topou o noivado, o casamento é só um pouquinho a mais de sacrifício,
porém, vem acompanhando de mais meio milhão de dólares. Depois disso
você pode fazer o que quiser… Noivar de verdade e casar por amor. Não
importa, mas agora nós todos precisamos de você. Andrew, Jackson e eu
também.
— Vai, Jamie — Jackson implora. — Eu não estou a fim de ser
demitido.
— Tenho três condições! — aviso, descruzando os braços.
Andrew e Jackson juntam os punhos em um soco no ar para
comemorar.
— Isso aí, garota, você não vai se arrepender! — Abigail assegura
sorrindo.
— Primeira condição? — Andrew pergunta-me sorrindo.
— Você tem que pedir a minha mão para o meu pai — digo. — Ele
sempre sonhou em me ver casada com alguém que eu amo. Ele preza muito o
casamento e continua sendo leal à minha mãe mesmo depois de ela ter
morrido. Ele ficaria triste se eu me casasse e ele não soubesse disso. Então
quero que peça a bênção dele comigo.
— Fácil — Andrew diz. — Posso fazer isso. Qual a próxima
condição?
— Não quero me casar de véu e grinalda e nem em uma igreja.
Também não quero uma festa, apenas uma união simples em um cartório.
— O quê? — Abigail intromete-se. — Como assim você não quer se
casar com véu e grinalda? Não é assim que todas as mulheres, menos eu,
querem se casar? E por que não uma grande festa? A festa é a única parte
boa de um casamento, e você quer cortar isso?
— Abigail, o meu sonho é me casar com um homem que me ame de
verdade, em uma cerimônia com todos os nossos familiares reunidos —
explico. — Quero usar o vestido mais lindo, quero véu e grinalda. Quero
subir ao altar olhando para os olhos do meu noivo e enxergar amor de
verdade. Depois quero uma grande festa, onde eu vou ter uma dança com o
meu noivo, bolo de três camadas para cortar e também um buquê para jogar.
Eu quero muito tudo isso e eu não sei se algum dia eu vou ter a chance de
viver esse sonho. Mas não quero perder as esperanças. E é por isso que eu
vou me casar com Andrew em um cartório, ele não é o homem com quem eu
vou realizar os meus sonhos, então não quero estragar tudo por conta de um
casamento falso.
— Bom, ninguém vai estragar seus sonhos — Jackson intromete-se.
— Então, pode ser casamento no cartório mesmo.
— Mas a vovó vai querer dar uma festa! — Andrew protesta. — E ela
é muito religiosa, vai querer um casamento na igreja.
— Andrew, esta é a minha segunda condição — digo. — Ou você
aceita, ou não me caso.
— Ele aceita sim! — Abigail afirma. — Podemos lidar com a vovó.
— Qual a terceira condição? — Jackson pergunta.
— Assim como Andrew não quer decepcionar a sua família, eu
também não quero decepcionar a minha. Então quero que ele conheça minha
irmã, meu cunhado e meu sobrinho. Quero que ele seja um marido educado,
atencioso e que passe a impressão de que está apaixonado por mim. Eles
devem pensar que nosso relacionamento é verdadeiro.
— Posso fazer isso — Andrew afirma e estende-me a mão. — Temos
um acordo, então?
— Sim — concordo apertando sua mão.
— Caramba! — Jackson suspira. — Cara, você vai se casar!
— De mentirinha — Andrew acrescenta.
— Na verdade, vai ser de verdade — Jackson diz. — Só nós sabemos
do acordo, para o restante do mundo vocês estarão casados mesmo.
— Isso é um máximo! — Abigail ri. — Vamos morar juntas na
mesma casa, Jamie!
— Eu não tinha pensado nisso — Andrew murmura pensativo. — Ela
tem que morar aqui?
— Dãã. — Jackson dá um tapa na testa de Andrew. — Você quer
colocar sua esposa onde? Na casinha do cachorro?
— Não temos cachorro — Abigail aponta.
— Pior ainda. — Jackson solta uma gargalhada. — Quer colocar a
senhora Simons, sua esposa, para dormir na rua?
— Senhora Simons? — Andrew pergunta confuso.
— É, Andrew — Abigail explica como se ele fosse um tapado. —
Você e Jamie serão o senhor e a senhora Simons.
Seja o que Deus quiser…
***
Estamos todos sentados ao redor da mesa almoçando. A comida é
deliciosa e tem de tudo um pouco. Parece um banquete, nunca vi tanta
comida assim para poucas pessoas. Estou me fartando e não tenho vergonha
nenhuma disso. Olivia parece um passarinho, acho que ela sobrevive apenas
de folhas de alface e rodelas de tomate, porque foi a única comida que ela
colocou no prato. Se bem que nem isso ela realmente comeu, só deu umas
beliscadinhas. Não sei como ela consegue, se eu tivesse esse banquete todos
os dias, provavelmente me transformaria em uma obesa em poucas semanas.
Ela não disse mais nada desde que Elizabeth a repreendeu, acho que ficou
com medo de acabar dizendo algo que a faria levar uma bronca de sua própria
avó. Benjamin deve ter conseguido convencê-la a permanecer quieta. No fim
das contas, eles são inteligentes, pois sabem que se disserem algo errado vão
se dar mal.
Assim como Olivia, sua mãe, a tal Eleonor, não gostou nada da
notícia do nosso casamento. Ficou dizendo que não precisávamos ter pressa,
que tínhamos acabado de noivar, que precisávamos de tempo para nos
acostumarmos a isso. Acho que ela é como sua filha, um tipo de cobra
traiçoeira. Ela deve estar torcendo para Olivia e Benjamin conseguirem a
presidência da Simon’s. Ela tem mais a ganhar com isso do que se Andrew
herdar esse cargo. Eleonor é uma mulher bem séria, com uma pose arrogante
e toda metida. Acho que a filha herdou tudo isso dela. A mulher nem me
cumprimentou quando me conheceu e até agora não disse nenhuma palavra
dirigida diretamente a mim. Não que eu queira, por mim podem costurar sua
boca. Já basta ouvir Olivia, imagina ouvir o ser humano desprezível que a
educou dessa forma.
O marido de Eleonor, Saul, é um homem bem reservado, quieto e
calado. Ele prefere ficar em seu canto e não se intromete em nenhuma
conversa. Ele também não é exatamente simpático, mas quando tenta ser,
falha miseravelmente soltando alguma piadinha sem graça ou falando coisas
sem muito sentido. Acho que ele é tipo um pau mandado pela mulher, porque
é só Eleonor dizer algo como “Saul, corte o bife para mim” e ele vai lá e faz.
Ou então “Saul, me acompanhe até o banheiro”, e ele vai lá e faz. Ou ainda
“Saul, esfregue meus pés, estão doloridos”, ele vai lá e faz. É simplesmente
ridículo. Ela pisa nele sem dó nem piedade.
Já Lorenna é um amor de pessoa, muito querida, atenciosa e também
divertida. Percebi então que era óbvio que ela fosse a mãe de Abigail, já que
eram fisicamente muito parecidas. Com os mesmos cabelos vermelho-
acobreados e os olhos castanhos suaves. Descobri que ela foi casada cinco
vezes, o pai de Abby foi seu marido número três, enquanto o pai de Addison
foi seu marido número cinco. Agora ela está sozinha, divorciada do último
marido. Disse durante nossa conversa que não pretendia se casar mais, que já
havia sido iludida o suficiente. Só que ficou muito feliz com o anúncio do
nosso casamento e disse que Andrew e eu fazíamos um bonito casal. Apenas
concordei.
A irmã de Abigail, Addison, é uma moça calada, completamente
diferente da irmã. Ela dó dizia algo se você se dirigisse diretamente a ela. Ao
contrário da mãe e irmã, ela tem os cabelos bem escuros, quase pretos. Os
olhos também, bem escuros. Ela é simpática, embora seja tímida. A não ser
com os familiares, com quem parecia se soltar mais. Flagrei a ela e à irmã
comentando sobre o penteado horroroso de Eleanor. Andrew ouviu e se
inclinou em direção a ela para dizer alguma besteira em seu ouvido. Addison
soltou uma gargalhada e empurrou Andrew com o cotovelo. Sorri, mesmo
sem saber o que se passava entre eles.
Elizabeth estava muito feliz, extremamente alegre. Nunca a vi tão
empolgada e animada. Senti-me péssima, porque sabia que ela estava assim
pelo casamento falso com o qual concordamos. Não queria magoá-la, mas
agora já estava feito, não podia voltar atrás. Eu preciso muito do dinheiro, se
desistir de tudo posso me considerar uma sem teto junto a toda a minha
família. Isso não pode acontecer, eu tenho que ajudá-los, tenho que salvar
minha irmã, cunhado, sobrinho e também ao meu pai. Eles precisam de mim,
e eu não posso vacilar.
— Jamie. — Andrew toca o meu braço, despertando-me dos meus
devaneios. Olho para a sua mão pousada sobre a minha pele. Jamais pensei
que fôssemos ter um contato tão próximo como aquele beijo que ele me deu.
Foi estranho, diferente dos outros beijos que já ganhei, mas foi bom. Fiquei
nervosa, mas também ansiosa. Como se desejasse que ele me beijasse, mas
soubesse o quão errado era tudo aquilo. No fim das contas ele se afastou até
muito rápido, e nosso contato foi quebrado.
— Humm? — murmuro.
— Tia Lorenna está falando com você — ele explica apontando o
dedo para o fim da mesa.
Olho para Lorenna que me encara de volta, ansiosa.
— Desculpe, não ouvi — digo. — O que você perguntou?
— Perguntei sobre sua família — ela diz. — Seus pais são de Nova
Iorque? O que eles acham do noivado? Tem irmãos?
— Minha mãe morreu quando eu tinha dez anos — respondo.
— Oh, sinto muito.
— Tudo bem, faz tempo. Meu pai mudou-se para o Texas e vive em
uma fazenda com minha tia e meus dois primos. Ele ainda não sabe sobre o
nosso noivado, como eu disse, tudo aconteceu muito rápido.
— Mas vocês ainda mantêm contato? — Lorenna pergunta. — Vocês
são próximos?
— Sim, nós mantemos contato. — Sorrio. — Infelizmente não o vejo
faz alguns meses, pois não tive condições de viajar para visitá-los. Mas
somos muito próximos, sim.
— Então é melhor você contar sobre o casamento logo — ela
aconselha. — Afinal, se depender da mamãe vocês se casam essa semana.
— Vamos ligar para ele amanhã — Andrew diz. — Faço questão de
pedir a mão de Jamie para ele.
— Vai ligar para pedir a mão dela? — Lorenna faz uma careta,
horrorizada. — Andrew, querido, não se pede a mão de alguém por telefone.
Andrew solta uma gargalhada ao meu lado.
— Ah, tia, e você acha que eu vou viajar para o Texas só por isso? —
Andrew pergunta, balançando a cabeça e rindo.
— Na verdade era exatamente o que você tinha que fazer, Andrew —
Elizabeth intromete-se.
— E ele vai! — afirmo. — Ele vai sim ao Texas, pedir a minha mão
para o meu pai.
— O quê? — Andrew me encara. — Não, nada disso. Vamos ligar e
pronto.
— Andrew, querido. — Pouso minha mão sobre a perna dele por
baixo da toalha e dou um aperto. — Nós vamos para o Texas sim, você
lembra que eu disse que pediríamos a bênção dele juntos?
Andrew coloca a mão sobre a minha em sua coxa e aperta de leve,
tentando se soltar.
— Meu bem, você não disse nada sobre viajarmos para outro estado
— Andrew diz esmagando meus dedinhos. — Não tenho tempo para isso,
tenho muito trabalho.
— Andrew, é a minha condição! — sussurro.
— Não posso ir para o Texas! — ele sussurra de volta. — E tire suas
unhas da minha coxa, caramba, isso dói.
— Se não disser agora que vamos para o Texas, então digo que não
vou me casar — ameaço.
— Você não faria isso.
— Quer ver? — provoco.
— Tudo bem, vamos para o Texas — Andrew diz alto o bastante para
todo mundo ouvir.
Tiro minha mão da coxa dele e pouso sobre a mesa.
— É por isso que eu o amo. — Sorrio. — Andrew faz qualquer coisa
por mim.
— Sempre, querida, sempre. — Andrew me lança um sorriso falso
com dentes cerrados.
— Que lindos! — Lorenna exclama. — É tão lindo ver um casal
jovem apaixonado. Ah, Andrew, você tem tanta sorte, sua noiva é
encantadora. Diga-me, Jamie, como você foi se envolver com o meu
sobrinho? Não consigo imaginar Andrew com alguém como você, tão
certinha, tão romântica. Contem-me como foi o seu primeiro encontro, estou
curiosa.
— P-Primeiro… encontro? — Andrew gagueja.
— É, o que vocês fizeram? — Lorenna prossegue. — O pai de
Abigail me levou para esquiar, ele era muito aventureiro. Já o pai de Addison
me levou para velejar. Meus outros maridos me levaram ao teatro e também
para patinar, um me levou ao parque de diversões. Esse último foi horrível,
era meu primeiro marido e ficamos casados só um ano. O que vocês fizeram?
— O-o que… nós… fizemos? — Andrew gagueja novamente,
olhando para mim.
— O Andrew adora contar essa história — digo, rindo internamente
do horror em sua expressão. Bem feito! Eu disse para combinarmos algo, e
ele negou. Agora se vira! — Vai, querido, conta para a sua tia o que nós
fizemos no primeiro encontro.
— Eu… Hã… Nós… Eu a levei para jantar — Andrew diz.
Lorenna pisca.
— Só? Você a levou para jantar?
— No melhor restaurante da cidade — Andrew prossegue.
— E? — Lorenna insiste.
— E bebemos champanhe — ele completa.
Meu Deus! Andrew é terrível!
— Não foi bem assim — resolvo me intrometer para salvá-lo. — Ele
me parou um dia no trabalho e disse que estava de olho em mim há algum
tempo. Disse que amava meu café e que eu tinha uma boca linda.
Jackson contém uma gargalhada, Andrew mexe-se inquieto na
cadeira.
— Ele me perguntou se eu gostaria de jantar com ele, e eu aceitei. Foi
me buscar em casa e me levou a um ótimo restaurante, onde tivemos uma
conversa agradável. Andrew era todo elogios e não tirava os olhos de mim.
Eu o achei tão meigo, tão fofo e romântico.
— Meigo, fofo e romântico? — Abigail cai na gargalhada.
— Ei! Não foi exatamente assim! — Andrew protesta. — Eu só
estava tentando conquistá-la, ok? Eu fui muito macho! Ela ficou doidinha
quando eu disse que ia mostrar um lugarzinho especial onde poderíamos ficar
sozinhos. Aceitou de cara!
— E aonde você a levou? — Lorenna inclina-se para frente curiosa.
— Ele me levou até o topo do Empire State! — exclamo. — E era
noite, então nós ficamos lá em cima no alto vendo as estrelas. Foi incrível…
— Estrelas? Aham — Andrew concorda com o maxilar cerrado. — A
gente também deu uns pegas lá em cima, ela não resistiu ao meu charme.
— Ah, foi só um beijinho — desconverso. — Ele sempre quer
aumentar as coisas, nunca vi! A verdade é que eu sempre fui muito difícil,
sabia que seria errado termos algo no primeiro encontro. Dei só um selinho
para agradecer.
— Ah, sim, ela era tão difícil que transamos na primeira semana —
Andrew diz.
Chuto a canela dele com a maior força que consigo reunir.
— Porra, ai!
— Acho que já ouvimos o bastante! — Abigail interrompe para nos
salvar. — Não queremos saber da intimidade do casal, né? Que tal pedirmos
a sobremesa?
— Ah, tava ficando divertido! — Jackson protesta.
— Cala a boca. — Abigail lhe dá uma cotovelada.
— Nunca pensei que Andrew pudesse ser tão romântico. — Lorenna
suspira. — Ah, querido, deve ter sido um lindo encontro.
— Foi sim — afirmo.
— Eu vou pedir para trazerem a sobremesa — Elizabeth diz. —
Jamie, você me acompanha?
— Sim, senhora — respondo hesitante.
Levanto-me e sigo Elizabeth para dentro da casa. Nós vamos até a
cozinha, e ela pede as empregadas para servirem a sobremesa. Novamente é
um banquete, só que de doces. Estou louca para voltar para a mesa e
experimentar um pouco de tudo. No entanto, assim que as empregadas saem
nós permanecemos sozinhas na cozinha. Quando meus olhos encontram os de
Elizabeth um arrepio corre pela minha espinha, fico nervosa imediatamente.
Agora somos só eu e ela. Ninguém está aqui para me ajudar a mentir.
— Jamie, você já contou ao meu neto como nos conhecemos? — ela
pergunta. — Ele sabe como você conseguiu aquele emprego na Simons?
Andrew está ciente do seu passado?
— Não — respondo sinceramente. — Eu nunca disse nada a ele.
— Você está bem, Jamie? — ela prossegue. — Você está realmente
bem? Ou é só algo que você diz o tempo todo?
— Estou bem, senhora Simons, de verdade.
— Precisa contar ao meu neto mesmo assim — ela continua. —
Andrew tem o direito de saber. Você não pode esconder isso dele de qualquer
forma.
— Eu preciso de tempo — digo. — Não é algo fácil de dizer, meu
passado está enterrado e eu gostaria que permanecesse assim.
— Jamie, se o Andrew te ama de verdade, ele vai se sentir
decepcionado se você não contar. Agora que serão marido e mulher, não
devem esconder nada um do outro. Você precisa confiar nele, e ele em você.
Eu sei que aquilo ficou no passado, que agora você está bem e aquilo não te
afeta mais, porém, não é algo definitivo. E se você tiver que passar por tudo
aquilo de novo? Nunca me esquecerei de tudo o que passou. Você precisa
contar a ele, para torná-lo forte o suficiente para ser a sua base no momento
que você precisar. Se você não disser nada, pode acabar surpreendendo-o de
uma forma horrível.
— Eu não quero falar sobre isso agora, senhora Simons.
— Só estou alertando você — ela diz suavemente. — Conheço o meu
neto, Andrew parece forte, mas ele é apenas um menino assustado, isso vai
mexer com ele.
— Vou contar — minto. — Contarei quando estiver pronta.
— Tudo bem. — Ela sorri. — Estou feliz que você agora faz parte da
minha família. Acho que um anjo colocou você na minha vida. Primeiro para
me salvar, e agora para salvar o Andrew.
— Você também me salvou, senhora Simons, e eu a agradeço por
isso.
— Venha, vamos voltar para o jardim com os outros. — Ela me
estende a mão.
— Eu preciso usar o banheiro primeiro — informo. — Onde fica?
— No final do corredor, última porta à direita.
— Obrigada, com licença.
Fujo para o banheiro e me tranco lá dentro. Ligo a torneira e lavo o
meu rosto nem me importando em retirar minha maquiagem. Ofego em frente
ao espelho e depois respiro fundo várias vezes. Sinto-me sufocada. Por que
ela tinha que tocar nesse assunto? Por que ela tinha que me lembrar disso?
Faz tanto tempo! Luto todos os dias para esquecer o meu passado, que
continua me perseguindo no presente, embora ninguém saiba. Minha família
custou a parar de tocar nesse assunto, a aceitar que já passou. Por que
Elizabeth não pode fazer o mesmo? Até entendo por que ela gostaria que eu
contasse ao Andrew. Só que nosso noivado é de mentira. Não o amo, nem ele
a mim. Não somos um casal de verdade, portanto, não preciso lhe contar tudo
sobre mim. Isso inclui meu passado, que pretendo manter guardado.
Preciso me acalmar, me concentrar. Deixar de pensar nisso. Já tenho
muitos problemas e relembrar isso não é bom para mim. Seco o meu rosto e
encaro meu reflexo no espelho. Não sou forte o bastante, mas ninguém
precisa saber disso. Posso esconder minha fraqueza e é exatamente o que eu
vou fazer.
Abro a porta para retornar aos jardins e encontro Olivia no corretor.
Ela está encostada casualmente na parede, olhando para o seu reflexo no
espelho do corredor. Quando ela me vê, ergue-se em toda a sua altura e me
encara com aqueles olhos castanhos tenebrosos. Mas não tenho medo dela,
não mais. Ela sempre me encurralava e me assustava por causa de suas
ameaças ao meu emprego. Agora não preciso dela para manter minha família
viva. Não abaixarei minha cabeça diante dessa mulher nunca mais.
— Olha só quem está aqui. — Olivia se aproxima. — A golpista.
— Golpista? — repito.
— Ah, querida, vamos lá. Você pode ter enganado toda a minha
família, mas não me engana. Nem você, nem Andrew. Ele nunca se
envolveria com uma pobre coitada como você. O mais engraçado é que
Andrew só ficou noivo quando soube que Benjamin assumiria a presidência
da Simon’s. Vovó é uma tola por acreditar nessa mentira, mas eu não.
— Eu não sei do que você está falando, Olivia.
— Você sabe sim — ela prossegue. — Você é apenas um verme na
sola do meu sapato. Cedo ou tarde eu vou esmagá-la, e o seu conto de fadas
terá terminado.
— Escute aqui, Olivia, e escute muito bem, porque eu não vou repetir
— digo, dando um passo à frente e ficando cara a cara com ela. — Se você
me ameaçar novamente eu vou dar um soco tão forte na sua cara que nenhum
maquiador, por melhor que seja, vai conseguir esconder o hematoma. Estou
cansada das suas humilhações, não preciso ouvir isso e eu não vou. Não
trabalho mais para você.
— Você vai pagar muito caro por tudo isso, Jamie. Sabia que havia
uma vigarista por baixo da cara de sonsa — Olivia sibila entredentes. —
Você não faz ideia de com quem está lidando. Vou tornar a sua vida um
inferno.
— Eu sei, você é o diabo em pessoa. Mas, Olivia, você também não
faz ideia do que eu sou capaz. Então fique fora do meu caminho.
— Ora essa. — Ela ri cinicamente. — Finalmente mostrando quem
você é de verdade. Pensei que era uma tola, uma garota patética que não
tivesse cérebro.
— Nossa conversa terminou, Olivia, estou voltando para o meu noivo.
Passo por ela, esbarrando em seu ombro de propósito, e sigo em
direção à cozinha.
— Vou desmascarar vocês dois! — Olivia grita atrás de mim.
— Tente, se você for capaz! — é a última coisa que digo, antes de
retornar aos jardins.
Sei que não deveria provocar Olivia e incitá-la a nos desmascarar.
Mas essa mulher me tira do sério! Eu a aguentei por tanto tempo, estou
cansada de abaixar a cabeça. Não farei isso nunca mais. Se eu tiver que
enfrentá-la, então que seja. Tenho que alertar Andrew de que ela desconfia da
nossa farsa. Jackson e Abigail precisam saber também, precisamos estar
preparados para qualquer coisa. Olivia joga sujo e ela não vai medir esforços
para nos derrubar.
Volto para o jardim, onde todos estão comendo as sobremesas e rindo
juntos. Sigo para o meu lugar e sento-me ao lado de Andrew. Apesar de
adorar doces, perdi completamente a vontade.
— Tudo bem com você? — Andrew pergunta-me.
— Sim, estou bem — minto.
— Vovó disse algo para você lá dentro?
— Não, nada de mais — minto novamente.
— Que bom, parece que estamos indo bem.
— Olivia está desconfiada — conto a ele. — Ela me abordou no
corretor e disse que fará de tudo para nos desmascarar.
— Eu já imaginava. — Andrew suspira. — Isso é uma guerra, Jamie,
somos eu e você contra ela e Benjamin.
— Vamos vencer — afirmo.
— Eu sei, somos uma boa equipe. — Ele sorri, mas depois seu sorriso
morre. — Exceto quando você se transforma em um monstro de garras que
ataca as pessoas por baixo da mesa.
— Você pediu aquilo.
— Não pedi, não.
— Eu disse que deveríamos ter combinado um primeiro encontro —
relembro-o.
— Achei que não seria necessário.
— Você vai ter que começar a me escutar, sabe?
— Vou tentar. — Ele dá de ombros.
***
Passo a tarde toda na casa de Andrew. Mesmo depois que Eleonor,
Saul, Olivia e Benjamin vão embora, ainda permaneço. Andrew me mostra a
casa toda, onde provavelmente vou morar com ele depois que nos casarmos.
O lugar é imenso e fantástico. Não consigo nem me imaginar vivendo ali, é
surreal. Abigail me mostra o seu quarto e nos tranca lá dentro enquanto ela
me mostra suas coisas. Ela tem de tudo dentro do quarto: Obras de artes,
quadros, fotografias, roupas da época em que fazia teatro. Seu quarto é quase
do tamanho do meu apartamento todo. Tem uma grande cama de dossel que
domina o quarto, uma televisão e também uma escrivaninha com seu
notebook de última geração. Ela também tem muitas prateleiras cobertas de
livros de todos os gêneros, mas principalmente de fotografia. Em resumo, seu
quarto é a sua cara. Não imagino aquele lugar de outra forma.
Depois de bisbilhotar tudo, inclusive o quarto de Andrew. Nós
tomamos café juntos, novamente no jardim. Eu me sinto tão à vontade de
estar ao redor deles que é até estranho. Como se já fossem minha família.
Noto que com Jackson é a mesma coisa, ele se sente à vontade para circular
por qualquer lugar e fazer qualquer coisa. A diferença é que Jackson
frequenta essa casa desde pequeno, e Elizabeth o considera como um neto
também. Eu só estou aqui há algumas horas, mas sinto que será fácil viver
aqui e conviver com essas pessoas. Isso é bom, eu acho. Vai me ajudar a
desempenhar meu papel melhor ainda. Porque é claro, tudo isso não passa de
uma encenação.
Quando está tarde, finalmente me despeço de todos. Lorenna fica
triste com a minha partida, mas prometo retornar em breve. Abigail sussurra
que fiz um ótimo trabalho e que ela está orgulhosa de mim. Depois ela me
abraça. Jackson também me abraça e agradece por eu ter salvado seu
emprego. Sou obrigada a rir, ele é tão cara de pau quanto Andrew. Meu falso
noivo me acompanha até o carro e abre a porta para mim como um perfeito
cavalheiro. Depois se senta no banco do motorista e conduz o carro para fora
da propriedade.
— Você foi muito bem hoje, Jamie — Andrew elogia. — Todos
gostaram de você.
— Sua tia Eleonor não parece ter gostado muito de mim.
— Claro que não. Ela é como Olivia.
— Elas serão um problema para nós, não é?
— Provavelmente.
— Não me importo — digo.
— Eu também não — ele diz. — Apareça no escritório amanhã,
vamos escolher um cargo novo para você. Também conversar sobre essa
viagem para o Texas.
— Tudo bem — concordo. — Você acha que eu devo aceitar o cargo
que Benjamin me ofereceu?
— Eu não sei, foi bem estranha a proposta, na verdade. Vamos ver
amanhã.
— Ok.
— Você mora aqui? — Andrew pergunta-me, encostando o carro no
meio-fio.
Olho para o pequeno prédio azul, com paredes descascadas e um
jardim feio na frente. É horroroso perto da mansão onde ele vive. Mas é a
minha casa, é o lugar onde estou vivendo com a minha família. Nós
batalhamos para conseguir viver ali. Não me envergonho disso. Não nasci em
um berço de ouro como Andrew. Tudo o que eu tenho na vida é pelo o meu
esforço para conseguir. Mas não posso dizer isso a ele, porque provavelmente
não me entenderia. Será que Andrew já teve que batalhar por algo? Não, acho
que nunca.
— Sim, é aqui — afirmo.
Andrew desce do carro, dá a volta ao redor dele e abre a porta para
mim. Desço segurando a minha bolsa e de repente sinto-me constrangida. Se
ele fosse o meu noivo de verdade o que eu faria? Convidaria para entrar?
Daria um beijo de despedida? Ou simplesmente acenaria e iria embora? Sou
salva dessas perguntas quando ele prossegue caminhando e abre o portão de
ferro enferrujado. Passo à sua frente e sigo para a porta. Paramos os dois lá,
olhando um para o outro totalmente desconfortáveis, sem ter ideia do que
dizer agora. Até que ele resolve falar.
— Obrigado, Jamie — agradece-me. — Obrigado por concordar em
se casar comigo, você está salvando a minha pele.
— Novamente — acrescento. — Estou salvando sua pele novamente.
— Sim. — Ele ri. — É verdade.
— Eu tenho que entrar — digo apontando para a porta.
— Ah, claro. — Andrew desce os dois degraus e acena para mim. —
Até amanhã então.
Meu coração está batendo tão rápido, tão rápido. Meu Deus, o que
está acontecendo comigo?
— Andrew? — chamo.
— Sim? — Ele se vira novamente.
Desço os dois degraus e corro até ele. Não penso em nada quando me
ergo na ponta dos pés e planto um beijo em sua bochecha. Afasto-me
devagar.
— Obrigada por tudo — murmuro.
— Tá, claro — ele sussurra, sem reação.
Viro-me e caminho para dentro, desta vez, não paro nem olho para
trás. Meu coração bate tão forte dentro do peito que eu posso até mesmo
escutá-lo. Só quando chego ao meu apartamento e me tranco lá dentro é que
ouço o barulho do motor do carro se distanciando. Desabo no sofá e suspiro,
aliviada por tudo ter dado certo.
Tomo um susto quando ouço um barulho e de repente Bilbo pula
sobre a minha barriga. Enrola-se em uma bola e dorme ali mesmo. Ninguém
mais está em casa.
— É, amiguinho, somos somente você e eu.
CAPÍTULO DOZE
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Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
— Abelhinha!
Papai me puxa para um abraço apertado e me ergue em seus braços,
levantando-me alguns centímetros do chão. Seu cheiro infesta minhas
narinas, uma mistura de sabonete de ervas e conhaque. Quase choro de tanta
felicidade, porque faz muito tempo que eu não o vejo e estou com tanta
saudade que não cabe no peito. Nem consigo expressar em palavras como é
bom que ele esteja tão pertinho de mim. Abraço-o ainda mais forte.
— Papai, estava com tanta saudade!
— Ah, abelhinha, por que não me avisou que vinha? — Ele me afasta
e olha para mim. Está sorrindo, alegre em me ver.
— Eu queria fazer uma surpresa para o senhor.
— É uma surpresa maravilhosa, querida. — Papai toca o meu rosto e
acaricia a minha bochecha. — Estou tão feliz que esteja aqui, senti sua falta.
— Senti a sua muito mais — murmuro, apertando-o mais uma vez em
um abraço.
— Você está tão linda, abelhinha. — Papai beija o topo da minha
cabeça, e então eu me afasto. — Deixe-me olhar para você mais um pouco.
Dou um passo para trás, e ele me faz dar um giro completo para me
olhar de cima a baixo. Estou rindo porque ele parece fascinado com a minha
mudança de visual. Minha tia, Annete, se aproxima e afasta o papai,
empurrando-o com uma colher de pau. Ela dá um gritinho animado quando
me vê e me puxa para os seus braços.
— Meu Deus, menina! — tia Annete exclama. — Como está linda!
— Obrigada, tia — murmuro envergonhada.
— Ah, se eu soubesse que vinha teria preparado a torta de maçã que
você tanto gosta! — tia Annete diz. — Mas eu fiz fudge de chocolate hoje
cedo e sobraram alguns!
— Você sabe que eu amo qualquer coisa que você faz, tia —
respondo.
— Você está tão magrinha — ela repara. — Vou colocar um pouco de
massa em você antes que suma de vez!
Ouço uma risadinha atrás de nós e me viro ao mesmo tempo em que
papai e tia Annete olham na mesma direção. Andrew está parado em um
degrau da varanda, encostado no corrimão de madeira. Ele está se
controlando para não rir, mas pela expressão em seu rosto parece que está
sendo difícil. Tinha até esquecido que ele veio comigo, quando vi o papai me
esqueci de tudo ao meu redor. Inclusive do motivo que me trouxe até aqui, e
também de apresentar ao resto da minha família o meu falso noivo.
— Oh, nossa. — Tia Annete aponta com a colher de pau na direção
de Andrew. — De onde foi que saiu esse moço?
— De Nova Iorque, tia — respondo e acrescento. — Foi ele que me
trouxe até aqui para visitá-los.
— Qual o seu nome, filho? — papai pergunta a ele, e Andrew sobe os
degraus para se juntar a mim.
— Andrew Simons, senhor — Andrew responde estendendo a mão
para cumprimentar meu pai. — É bom conhecê-lo pessoalmente.
— Walter Collins. — Papai aperta a mão de Andrew e balança forte
algumas vezes. — Será que já ouvi falar de você? O nome não me é estranho.
— Papai, eu tenho algo muito importante para contar ao senhor —
digo.
— Então diga, abelhinha, estou escutando. — Papai me observa, com
atenção.
— Ah, o que é isso? — tia Annete interrompe. — Vocês acabaram de
chegar! Vamos entrar primeiro, e depois podem conversar o quanto
quiserem! Os meninos vão adorar ver você, Jamie! Senhor Simons, seja bem-
vindo à nossa humilde casa!
— Obrigado, dona Annete — Andrew agradece. — Pode me chamar
só de Andrew.
— Annete tem razão, vocês fizeram uma longa viagem — papai fala.
— Precisam comer e descansar.
— Tudo bem, papai, mas queremos falar com você essa noite —
insisto.
— Queremos?
— Sim, Andrew e eu.
— Mmmm. — Papai olha de mim para Andrew e de volta para mim.
— Tudo bem, abelhinha, mais tarde.
Tia Annete nos leva para o interior de sua casa e vai imediatamente
oferecendo um lugar para que Andrew e eu nos sentemos na sala. Ela dá um
grito alto chamando pelos meninos e depois se retira para ir até a cozinha
olhar as panelas que estão no fogo. Papai se senta em uma poltrona marrom
grande e velha bem em frente a mim e a Andrew e nos encara com
curiosidade. Fico um pouco nervosa, porque sei que a qualquer momento
vamos ter que contar a ele sobre o casamento, e não faço ideia de qual será
sua reação. Eu espero que ele tenha gostado do Andrew, apesar dos olhares
de desconfiança que ele está lançando a ele.
— Então você é o namorado dela, é isso? — papai pergunta de
repente, inteligente como sempre em captar as coisas.
Andrew tosse.
— Papai, a gente conversa sobre isso depois — murmuro.
— Só quero saber se ele é o seu namorado. — Papai dá de ombros,
despreocupado.
— Não, ele não é — respondo.
— O que ele é seu, então? — papai insiste.
— Meu chefe — conto.
— Ah, claro, sabia que o nome não me era estranho! — Papai se
inclina para frente e coloca os cotovelos sobre os joelhos. — É aquele babaca
cujo café você cospe dentro?
Ai, merda!
— Como é? — Andrew franze o cenho e se inclina na minha direção.
— Que história é essa?
— Papai! — repreendo-o.
— Pensei que você tivesse dito que o seu chefe era um idiota, com
nível alto de arrogância e muito mulherengo — papai menciona trechos de
coisas que eu disse em conversas que tivemos algumas vezes sobre o meu
emprego. — Devo estar enganado, certo? Você não andaria com este tipo de
gente.
— Pai, não é bem assim… — tento explicar. — Ele é um babaca sim,
mas ele não é tão ruim.
Andrew escancara a boca e me enfrenta com os olhos semicerrados.
— Você cospe no meu café? — pergunta-me sério. — E você disse ao
seu pai que eu sou um babaca?
— Foi só algumas vezes, Andrew, relaxe.
— O que está acontecendo aqui, afinal? — papai pergunta. — Por que
viajaram juntos? O que o seu chefe está fazendo aqui, abelhinha?
— O jantar está pronto! — tia Annete anuncia interrompendo nossa
conversa ao retornar para a sala. — Os meninos não desceram?
— Não, tia — respondo, ainda olhando para o papai.
— Egan! Duane! — Tia Annete grita tão alto que me faz saltar no
assento. — Desçam já aqui, garotos! Vocês não vão querer que eu suba aí,
nós temos visitas!
Ouço barulhos de passos pesados vindos do andar de cima, seguidos
pelas vozes alteradas dos meus primos. Logo depois os passos se aproximam,
descendo pelas escadas com rapidez. Minha tia teve dois meninos, o mais
velho é o Egan, que tem minha idade. Ele é um rapaz bom, trabalhador e que
ajuda muito a família. Seu irmão mais novo, Duane, de dezenove anos,
também é um rapaz maravilhoso. Eles são todos muito companheiros e
atenciosos, e eu sempre me dei muito bem com ambos. O pai deles, assim
como minha mãe, morreu muito cedo. Tia Annete teve que criá-los
praticamente sozinha e só passou a ter outra companhia além dos meninos
quando o papai veio morar com ela por não conseguir mais viver em Nova
Iorque.
Levanto-me do meu assento no momento em que Duane chega ao fim
da escada. Como sempre ele está usando calças jeans, uma camiseta velha
branca e um chapéu de cowboy. Todo desleixado e sem dar nenhuma
importância para isso. Mas confesso que, mesmo com o cabelo revoltado, ele
é uma gracinha. Seus olhos se arregalam quando ele me vê, e ele abre um
sorrisinho tímido.
— Jamie? — pergunta incerto. — Prima, é você?
— Oi, Duane — murmuro.
— Cê tá linda demais! — elogia-me.
— Obrigada.
Ele se aproxima e me puxa para os seus braços, enquanto eu retribuo
seu abraço. Ouço mais passos, vozes e logo meu outro primo se junta a nós.
Assim como uma terceira figura masculina que eu reconheço imediatamente.
Kurt — o rapaz mais cobiçado da cidade — e também meu velho amigo. Era
de se esperar que ele estivesse aqui na fazenda, já que ele é amigo de Egan
desde pequeno. Houve um tempo em que Kurt foi interessado por mim,
chegou a me pedir em namoro, fez juramentos de que iríamos nos casar e
viver no Texas com nossos cinco filhos. O problema é que na época eu tinha
outros problemas para resolver, nem pensava nesse tipo de vida que o Kurt
sonhava em ter comigo. Fora que ele sempre foi um pouco maluquinho, vivia
se metendo em brigas de bares, se envolvia com mais de uma garota ao
mesmo tempo, participava de qualquer rodeio que tivesse e arriscava a vida
em cima de touros sem dar nenhuma importância. Eu não sei se ele ainda faz
isso, mas uma coisa é certa, ele continua tão lindo quanto antes.
— Ei, pessoal, a Jamie veio nos visitar toda bonitona! — Duane diz,
rindo para si mesmo.
Sinto um toque na parte baixa das minhas costas e vejo que Andrew
está de pé ao meu lado. Ele se abaixa apenas um pouco para sussurrar no meu
ouvido:
— Apresente-me o resto da sua família, querida — ele diz
entredentes. — E depois vamos a algum lugar reservado, acho que temos um
assunto inacabado para resolver.
Ixii! Tô fora!
— Esses são os meus primos Egan e Duane — digo e depois aponto o
último cowboy. — E aquele é o Kurt, um amigo.
— Amigo só porque você me deu o fora — Kurt diz, lançando-me um
sorriso torto. Ele faz um gesto além de mim. — E esse cara aí, quem é?
— O que não ganhou um fora. — Andrew pisca para ele e estende a
mão, dizendo logo em seguida, em tom de deboche. — Andrew Simons, o
noivo.
— Noivo? — Egan e Duane perguntam em uníssono.
— Que noivo o quê?! — papai exclama. — De onde tirou isso,
rapaz?!
— Oh, então é por isso que esse moço de Nova Iorque tá aqui — tia
Annete diz. — Não acredito que Jamie arranjou um noivo!
— Não sabia que era isso o que você curtia. Tá namorando
playboyzinhos, é, Jamie? — Kurt pergunta-me.
— Aqui no Texas não tem escola, não? — Andrew pergunta,
encarando Kurt. — Ou você ainda não chegou à série que ensina a diferença
de namoro para noivado?
Kurt fecha as mãos em punho e dá um passo à frente. Enfio-me entre
ele e Andrew.
— O que deu em você, Andrew? — resmungo baixinho. — Fica na
sua.
— Eu acho melhor vocês todos ficarem quietos agora! — papai ruge e
aponta um dedo na minha direção. — Jamie Marie Collins, quero você no
escritório agora mesmo, e traga esse infeliz antes que o Kurt quebre o nariz
dele.
Papai deixa a sala e segue para o corredor sem olhar para trás.
Empurro Andrew e faço um gesto para que ele me siga. Droga! Não era
assim que eu queria que o papai ficasse sabendo do noivado, ou melhor, do
casamento. Andrew e sua boca grande tinham que interferir. Papai abre a
porta do escritório, acena para entrarmos e logo depois fecha a porta. Ele
assume sua antiga postura de policial durão e caminha ao redor da mesa para
sentar-se em sua poltrona.
— Sentem-se, os dois — papai ordena apontando as cadeiras.
Andrew e eu nos sentamos.
— Papai, não é bem o que você está pensando…
— Você não sabe o que eu estou pensando, Jamie — papai diz, e
como ele está usando o meu nome, em vez do apelido, eu decido não
interromper. — Então você está noiva?
— Estou — murmuro.
— Desse cara? — Ele aponta para Andrew.
— Sim — afirmo.
— E ele é seu chefe? Aquele que você achava um idiota?
— Sim — afirmo novamente.
— Há quanto tempo estão noivos?
— Oficializamos semana passada em um almoço com a família de
Andrew — explico.
— Por que não me contou, abelhinha? — papai pergunta tristemente.
— Senhor Collins, foi eu que pedi a Jamie que não contasse —
Andrew interrompe. — Eu queria conhecê-lo primeiro e vim até aqui para
pedir a mão de Jamie oficialmente ao senhor. Eu quero me casar com a sua
filha, e nós dois queremos a sua bênção.
— E se eu disser que não abençoo vocês? — papai pergunta,
encarando Andrew intensamente. — E se eu disser que não aprovo essa
união?
— Papai!
— Então nós sentiremos muito, senhor Collins — Andrew continua.
— Porque gostaríamos de ter a sua aprovação, no entanto, não importa se o
senhor for contra, ainda iremos nos casar.
— Você quer se casar com esse cara, abelhinha? — papai pergunta,
desta vez, concentrado em mim.
— Sim.
— Você sabe, Jamie, o que eu penso sobre o casamento — papai
prossegue. — Se vai se casar, tem que ter amor. Se vai se casar não há mais
volta. É eterno. Não quero filha minha divorciada, não quero filha minha
arrependida. Ou casa para sempre, ou não casa nunca.
— Eu sei, papai.
— E você. Andrew? — Papai o estuda silenciosamente. — Você sabe
que se levar a minha filha para o altar não vai ter volta, certo?
— Hãã, sim, senhor.
— Você está feliz, abelhinha? — papai pergunta.
— Estou — afirmo, embora tudo o com o que eu tenha concordado
não passe de mentiras e mais mentiras.
— Sua felicidade sempre vai ser o mais importante, minha filha —
papai murmura. — Andrew, eu ainda não me decidi se gosto de você ou não,
mas uma coisa é certa, se magoar a minha filha vai pagar muito caro por isso,
você me entende?
— S-sim, senhor — Andrew gagueja.
— Vocês têm a minha benção. — Papai sorri. — E me deem netos.
— Obrigada, papai, obrigada! — agradeço. Levanto-me do meu
assento e dou a volta na mesa para poder abraçá-lo.
— Está certo, está certo. — Papai me abraça. — Vamos jantar e
contar a novidade para os outros.
— Senhor Collins, há mais uma coisa — Andrew diz levantando-se.
— Jamie e eu queremos nos casar em breve, talvez em algumas semanas.
— Tão rápido?
— Sim, papai. Queremos nos casar logo e não será na igreja, também
não vamos fazer festa. Vai ser tudo muito simples.
— O quê? Por que isso? — papai pergunta.
— Eu quero assim, pai — murmuro.
— Você merece mais, abelhinha, você merece tudo.
— Eu concordo, senhor Collins — Andrew diz. — Por mim nos
casaríamos na igreja com uma grande festa.
— Tem certeza de que é isso o que você quer, abelhinha? — papai
insiste.
— Sim, eu tenho.
— Será do seu jeito então. — Papai acena de acordo. — Será que há
mais alguma coisa?
— Não. — Sorrio. — Podemos jantar agora.
— Ótimo!
Eu me viro, e Andrew dá uma piscadinha para mim. Sorrio em
resposta e saio do escritório. Ouço atrás de mim o papai pousar uma mão
pesada sobre o ombro de Andrew e alertá-lo:
— Escute aqui, filho, o que eu disse antes está valendo. Saiba que eu
poderia matar e enterrar um cadáver e ninguém jamais descobria.
— Entendido, senhor — Andrew sussurra.
— Faça a minha abelhinha feliz.
— Eu farei, senhor.
Então o papai seguiu em frente no corredor, e Andrew finalmente
soltou o ar que estava segurando. Não me aguentei e ri da expressão de horror
em seu rosto.
— Não vejo nada engraçado — ele diz emburrado.
— Você está branco — aponto. — Tem certeza de que está bem?
— Estou ótimo, o seu pai gosta de mim, ele pode não saber disso
ainda, mas ele gosta de mim — Andrew diz convencido e acrescenta: —
Agora vamos lá, abelhinha.
— Só o meu pai me chama assim.
Andrew ri.
— Não mais.
***
Jantamos todos juntos ao redor da mesa de madeira da tia Annete. A
comida como sempre está deliciosa, minha tia sempre cozinhou muito bem,
Jane deveria ter umas aulas com ela. Papai anunciou a todos que eu e Andrew
estamos noivos. Ele também disse que pretendíamos nos casar em breve e
que ele estava feliz por mim. Andrew se deu muito bem com a minha tia, que
não parava de chamá-lo de “moço de Nova Iorque” e ficava lhe perguntando
como era ser rico. Foi a pior pergunta que minha tia poderia ter feito a ele, já
que Andrew aproveitou o momento para falar sobre sua grande mansão, seus
ótimos carros e todas as viagens que ele já fez na vida. Fiquei feliz por ele ter
omitido as festas e as garotas. Quem também se deu bem com Andrew foi o
meu primo mais novo, Duane, que ficou fascinado quando soube que além de
ser o dono do Tesla estacionado em frente ao casarão, ele também tinha em
sua coleção uma Mercedes. Os dois ficaram um tempão conversando sobre a
potência dos motores e outras coisas que eu não tinha ideia do que
significavam.
Já o Egan não foi muito com a cara do Andrew, parecia desconfiado
sempre que olhava entre mim e ele. Mas acho que na verdade aquilo era
simplesmente preocupação, afinal o Andrew era rico, era meu chefe e não
tinha nada a ver comigo em qualquer aspecto. Acho que isso pode despertar
desconfiança em qualquer um. Egan também disse que eu estava muito
bonita, mas que ele gostava mais de mim antes. Achei engraçado meu primo
aprovar a minha feiura. Outro que também não foi muito com a cara do
Andrew foi o Kurt. Mas eu culpava Andrew totalmente, afinal, foi ele que
começou de implicância com o meu amigo. Kurt não está acostumado a me
ver com rapazes, na verdade, acho que nunca me viu próxima de qualquer
um. Acho que ele sempre acreditou que um dia eu voltaria para o Texas e
pediria para viver a vida com ele como ele propôs há alguns anos quando
éramos praticamente crianças.
Quando o jantar terminou e tia Annete trouxe a sobremesa, Kurt e
meus primos deixaram a mesa e foram para a varanda com o violão. Olhei
para Andrew e vi que ele estava entretido em uma conversa sobre caça com o
meu pai, enquanto minha tia vez ou outra se intrometia. Eu sabia que o papai
estava testando Andrew, buscando conhecê-lo e avaliá-lo para saber se ele
seria mesmo um bom noivo para mim. E eu acho que o Andrew tinha
consciência do que o meu pai estava fazendo, porque até agora ele tinha sido
muito educado e não deu um único passo em falso. Ele pode até ser um
babaca, mas de burro Andrew não tem nada.
Levantei-me sem que ninguém se desse conta e fui até a varanda.
Duane estava tocando o violão sentado sobre a mureta. Egan estava deitado
na rede, e Kurt apoiado em uma pilastra de madeira, olhando para o céu
escuro e estrelado. Encostei-me na outra pilastra em uma posição parecida
com a dele e olhei para o céu também.
— Você está muito bonita, Jamie — Kurt diz, sem tirar os olhos do
céu. — Não tive a oportunidade de dizer isso antes, mas você está incrível.
— Obrigada, Kurt — sussurro. — Você também continua lindo, a
propósito.
— O que aquele playboyzinho tem que eu não tenho, então?
Suspiro.
— Não quero falar sobre isso, Kurt.
— Se não existisse ele, eu ainda teria chances?
— Não, Kurt, não teria. — Olho para o seu perfil no escuro. — Gosto
muito da sua amizade, mas é apenas isso que é. Não vou viver no Texas,
nunca quis. Meu lugar é em Nova Iorque, e mesmo se algum dia eu pudesse
casar e ter filhos, gostaria de ter algo estável. Você não poderia me dar esse
tipo de vida e sabe disso.
— Do que é que você está falando? — Kurt franze o cenho. — Você
não está prestes a se casar com esse cara e formar uma família com uma vida
estável?
— Ah… É, claro. — Que deslize! — É que ainda não consigo
acreditar que vou me casar.
— É. Também não consigo acreditar nisso, sempre achei que viria
morar aqui perto do seu pai e que aceitaria a proposta que te fiz quando
éramos mais jovens.
— Ei. — Toco seu ombro. — Ainda somos amigos, certo?
— Só se você vier comigo ao Tucker’s essa noite. — Ele sorri. —
Vamos lá, Jamie, pelos velhos tempos. Agora pelo menos você tem idade
para beber.
O Tucker’s é um antigo bar que recebeu o nome do seu proprietário.
Quando éramos jovens costumávamos passar as noites do fim de semana lá,
jogávamos sinuca, contávamos piadas e ríamos dos bêbados. Eu nunca bebia,
mas gostava de assistir aos outros dançando. Hoje o bar é ainda mais velho,
mas continua lotado e é quase uma atração na cidade. Eu adoraria voltar lá e
relembrar esses momentos que vivemos. Só que eu já tive uma experiência
pouco agradável com bar e bebidas e não tinha certeza se gostaria de
vivenciar tudo de novo. Mesmo sabendo que Kurt não é como Andrew e
nunca me largaria sozinha e bêbada.
O que Andrew fez mexeu muito comigo. Eu quis odiá-lo quando
soube, fiquei com raiva porque apesar de saber o quão cretino ele era, nunca
pensei que fosse chegar àquele ponto. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde
ele ia tentar me trair. Porque é o Andrew, e ele é assim. Ele não liga para mim
e não se importa com nada. Só não achei que isso fosse acontecer durante a
viagem, só não pensei que ele fosse foder com uma garota dentro do mesmo
bar onde eu estava.
Quase desisti de tudo, cheguei a pegar a minha mala e deixar o hotel.
Gastei minhas lágrimas porque acreditava que Andrew podia ser melhor que
aquilo, que ele podia, sei lá, mudar e aceitar o nosso contrato. Ser fiel e leal a
mim. Fui uma tola e por isso mesmo quis correr para longe e me esconder. Só
que no fim pensei melhor e vi que eu sairia perdendo mais do que ele.
Andrew podia inventar algumas desculpas e muitas outras mentiras e se
safaria com a sua avó. Já eu perderia o dinheiro, perderia o emprego, perderia
a casa, perderia minha família. Perderia tudo. Não era justo. Não era certo
que depois de tudo o que eu tinha inventado, de todas as mentiras que contei
à minha família, eu simplesmente desse as costas e fosse embora. Eu não amo
Andrew mesmo, então por que me preocupar que ele queria foder uma garota
aleatória? Não, eu não podia deixar o meu coração mole levar essa. Tinha
chegado o momento de pensar com a cabeça.
Foi por isso que eu dei outra chance a ele e voltei ao jogo. Ele me
prometeu que a partir de agora será verdadeiro e cumprirá o acordo. Eu
duvido muito disso, mas no fim não me importo se ele quebrar as regras de
novo. Ele quer ganhar, e eu também. No entanto, isso não quer dizer que não
vou manter um olho bem alerta quanto a ele, muito pelo contrário, a partir de
agora não confio em Andrew e estarei sempre desconfiada. Ele acha que eu
sou uma garota inocente e ingênua. Mas ele está malditamente enganado, ele
não deveria confundir o meu bom coração com burrice. Porque se eu quiser
posso mostrar a ele o meu outro lado, um lado totalmente desconhecido, mas
que vive dentro de mim. E que está cada vez mais desesperado para sair e
provar a Andrew que eu sou muito mais do que ele pensa.
— Jamie? — Kurt balança a mão em frente ao meu rosto. — Jamie,
você está aí?
— Sim, desculpe.
— Então, vai sair para beber comigo ou não?
De repente me dou conta de que talvez sair com Kurt seja a melhor
coisa a fazer neste momento. Ele é meu amigo, e eu gosto de me divertir com
ele. Kurt me faz sentir como se eu fosse uma garota bonita e desejada.
Mesmo que eu não queira nada com ele, não significa que ele não possa me
fazer feliz por uma noite. Se Andrew pode ter um pouco de diversão em uma
maldita salinha com uma desconhecida, por que eu também não posso ter o
meu tipo de diversão? Ah, sim, chegou a hora de parar de me esconder.
Sorrio travessa.
— Eu adoraria sair para beber com você.
— Ótimo. — Kurt sorri lentamente. — Você tem meia hora para ficar
pronta.
— Estarei aqui em dez minutos — aviso.
Volto para dentro, pego a minha mala, que Andrew deixou na sala, e
subo para o quarto de hóspedes. Vou para chuveiro e tomo um banho rápido.
Retorno ao quarto, abro minha mala e procuro algo para vestir. Eu enfiei um
monte de peças de roupas que Abigail comprou aqui dentro e agora não faço
ideia do que usar. Seguro um par de jeans nas mãos, mas depois desisto, pois
está muito calor essa noite. Pego uma saia longa floral na mão e quando
penso em vesti-la a imagem de Abigail vem à minha mente, dizendo as
seguintes palavras: Esta saia é linda, você poderá usá-la quando estiver na
praia. Obviamente eu não estou na praia, então acabo desistindo. O próximo
item que seguro na mão é um vestido preto justo. Descarto imediatamente, se
o papai me vir vestida nisso vai à loucura. Então os meus olhos pousam sobre
o mini short jeans que faz conjunto com um colete também jeans. É
extravagante, insinuante e lindo. Não é o tipo de coisa que eu uso. Mas,
afinal, essas malditas roupas são minhas, certo?
Penso em Andrew. Ele me disse que a maneira como eu me visto é
ridícula e que comprou essas roupas para que eu vista e seja uma noiva
apresentável. Talvez ele esteja certo, talvez eu esteja acabando com o pouco
de beleza que ainda tenho. Talvez eu deva mudar e mostrar ao mundo que eu
posso ser bonita. Não apenas essa noite, mas todos os dias.
Andrew quer uma noiva sexy? Então é exatamente isso que ele vai
ter!
Estou aplicando um pouco de maquiagem no meu rosto, quando ouço
a batida na porta. Digo para a pessoa do outro lado entrar e, logo em seguida,
Andrew está dentro do pequeno quarto comigo. Coloco o batom para baixo
sobre a penteadeira e levanto-me. Viro-me e olho para ele, sorrindo. Andrew
arregala os olhos e depois franze o cenho. Ele corre os olhos desde a minha
bota de salto alto e cano longo, pelas minhas pernas nuas, o shortinho, a
barriga de fora e a miniblusa com o colete por cima. Ele para um segundo na
minha boca pintada de vermelho e depois sobe para os meus olhos delineados
de preto.
— Uau.
— O que você achou? — pergunto. — Ah, pera aí, falta uma coisinha.
Pego o chapéu de cowgirl sobre a cama e coloco na minha cabeça.
— E agora? — Dou uma voltinha e olho para sua cara de bobo.
— Tá… Legal.
— Legal? — repito fechando a cara. — Só legal?
— Aonde é que você vai? — Andrew pergunta-me mudando de
assunto.
— Vou ao Tucker’s beber com o Kurt — respondo.
— O. — ele diz. — Fico pronto em cinco minutos.
— Por quê?
— Pra ir com você, ué.
Solto uma risada.
— Andrew, eu não vou sair com você, eu vou sair com o Kurt.
Sua expressão se fecha em uma carranca.
— Eu sou o seu noivo. Eu tenho que sair com você.
— E eu sou a sua noiva — digo. — Ainda assim isso não impediu
você de querer foder em um bar com uma garota aleatória.
— Ainda isso? — Andrew solta um gemido. — Esqueça aquilo,
Jamie, sério.
— Eu já esqueci, acredite, já esqueci.
— Espere-me aqui, vou tomar um banho — Andrew avisa.
— Não, não! — nego. — Você não entendeu, Andrew, eu não quero
que você vá.
— Como assim? — ele resmunga. — Eu tenho que ir, eu preciso
cuidar de você.
Solto uma gargalhada e uso a ponta dos meus dedos para secar as
lágrimas que se formam no canto dos meus olhos.
— Você quer cuidar de mim? — Rio novamente, e Andrew me dá um
olhar indecifrável. — Eu não acredito que estou ouvindo isso. Andrew, você
foi o único a me deixar sozinha na pista de dança de um bar em um estado
totalmente desconhecido. Você nem pensou em mim quando se mandou para
aquele banheiro. E agora você quer cuidar de mim? Quanta hipocrisia!
— Você está tentando se vingar, é isso? — Andrew pergunta-me.
— Eu, me vingar? — digo. — De jeito nenhum, eu não sou como
você, Andrew. Eu vou sair esta noite e me divertir na companhia dos meus
amigos. Não se preocupe, não vou trair você. Não que você se importe, de
qualquer forma.
— E o que eu vou fazer enquanto você está fora? — pergunta-me.
— Sei lá. — Passo por ele e abro a porta. — Por que não aproveita
para enfiar o seu pau em um tijolo e diminuir essa ereção nas suas calças?
Eu não fico para pegar a expressão de espanto no rosto de Andrew,
em vez disso, desço as escadas rapidamente comemorando em silêncio. Ah,
sim, baby, eu também sei brincar! Encontro Kurt me esperando na camionete
e assumo o lugar no banco do passageiro. Ele elogia a minha escolha de
roupas e não tenta esconder seus olhares de malícia destinados a mim.
***
O Tucker’s está lotado como eu sabia que estaria essa noite. Há uma
nova cantora se apresentando, e ela canta muito bem. A pista está uma
loucura, com todos aqueles corpos quentes e suados dançando, girando e
pulando. Sinto a energia do lugar me invadir e antes mesmo que eu possa
registrar já estou no meio da multidão. No começo apenas observo e
cumprimento todas as pessoas que eu conheço, mas depois que Kurt me traz
algumas bebidas eu começo a ficar animada e danço também.
A música pulsa nos meus ouvidos, e todo o álcool que eu estou
ingerindo faz efeito rapidamente. Eu começo a rir sem sentido e perco toda a
vergonha. Subo no palco e danço com a cantora, vou até as mesas de sinucas
e jogo algumas partidas com os caras. Encontro Tucker — o dono do bar —
atrás do balcão servindo bebidas. Ele me oferece uma por conta da casa, e eu
começo a contar a ele sobre o meu novo noivo e como eu vou me casar em
breve.
Encontro Kurt depois de um tempo, e ele me leva até a sua mesa.
Aponta-me uma garota e um cara que também estão lá. O cara espreme um
limão no pescoço da garota e depois coloca um punhado de sal sobre o ombro
dela. Assisto a ele lamber o sal, em seguida bebe a dose de tequila e arrasta a
língua em direção à garganta dela, chupando o limão que ele espremeu
apenas alguns segundos antes. Meu Deus, isso é quente. Ele simplesmente
tem a língua na boca dela logo depois, e eles estão em um verdadeiro amasso.
— Você quer? — Kurt pergunta-me próximo ao lóbulo da minha
orelha. — Você vai gostar.
— Eu… Humm… Eu não sei — gaguejo.
— Vem comigo.
Kurt me arrasta até o balcão no bar e antes que eu perceba ele me
pega em seus braços e me levanta, colocando-me sentada ali em cima. Ele vai
afastando todas as garrafas e copos de bebida até ter um espaço livre.
— Body shot na Jamie! — ele grita para as garçonetes atrás do
balcão, apontando para mim, e ganha alguns acenos em resposta.
— Eu não acho que seja uma boa ideia, Kurt.
— Não se preocupe, até eu sei que existe alguns limites que não se
devem ultrapassar com moças compromissadas, Jamie. É só uma brincadeira,
não vou fazer nada de mais.
— Tudo bem, eu acho.
— Deite-se — Kurt instrui.
— O-Ok — gaguejo.
— Garotas, ajudem aqui — Kurt chama uma das garçonetes. — Vou
pegar mais limão, Jamie. Vai ser rápido, aguente aí.
Kurt sai e me deixa sozinha, deitada sobre o balcão. Uma garçonete se
aproxima e ergue a minha blusa, expondo ainda mais a minha pele,
praticamente deixando o meu sutiã à mostra. Ela me diz para ficar quieta e
depois coloca um punhado pequeno de sal abaixo do meu umbigo em um
lugar perigosíssimo. Tucker derrama um pouco de bebida no meu umbigo, e
todo o caminho até o vale entre os meus seios. A garçonete pede para que eu
abra a boca e ela coloca uma fatia de limão entre os meus lábios. Neste
momento já há uma multidão ao nosso redor assistindo. Eu estou nervosa e
quase me movo, mas Tucker segura os meus ombros no lugar e me diz para
fechar os olhos e relaxar.
Eu já estou embriagada e faço exatamente o que ele diz. Fecho os
meus olhos e me concentro no barulho alto da música e nas conversas ao
nosso redor. Eu não me movo um centímetro sequer e conto os segundos para
ter uma língua quente e macia passeando pelo meu corpo. Isso parece algo
divertidíssimo, o tipo de aventura que eu preciso viver alguma vez na vida.
Dou um salto quando sinto uma mão pesada na lateral do meu quadril e quase
me movo. Quase. Felizmente mantenho os meus olhos fechados para não
enxergar toda a vergonha que eu devo estar passando. Não quero pensar nisso
agora, quero apenas viver o momento.
Como eu imaginava uma boca quente paira bem abaixo do meu
umbigo. A respiração quente e rápida de Kurt toca minha pele causando
arrepios que viajam até o meu couro cabeludo. Finalmente ele suga o sal com
a língua que é áspera e macia ao mesmo tempo, uma combinação de ambos.
Minha respiração acelera, e os dedinhos dos meus pés se contorcem. Sua
língua segue viagem para cima, bem no meu umbigo, e ele suga e lambe com
avidez. É como se ele estivesse sedento pelo líquido, sugando e chupando até
a última gota. Solto um gemido baixo e me amaldiçoo por me sentir tão bem
com o que eu estou fazendo.
Sua língua continua o trajeto da bebida, sugando tudo, apertando-me
firme com suas mãos fortes, até finalmente chegar ao vale entre os meus
seios. Isso é errado, eu não deveria estar fazendo isso, eu não sou assim, eu
não sou esse tipo de pessoa. Mas por que eu não consigo parar e, pior, por
que eu quero mais? E ele me dá mais, ele raspa a língua entre os meus seios e
suspira contra a minha pele. Engulo em seco, e um segundo depois sua boca
está na minha. Primeiro chupando apenas o limão, em seguida, usando os
próprios dedos para retirar a fatia da minha boca e substitui-la pelos seus
lábios.
Abro os meus olhos imediatamente e quase empurro Kurt para longe
de mim por seu atrevimento. Quase. Exceto que os olhos azuis que me fitam
por baixo de cílios longos e escuros não são de Kurt.
— Eu não sabia que eu tinha uma noiva tão safada — Andrew
sussurra com sua boca pairando a centímetros dos meus lábios. — Saiba que
você está encrencada.
Pisco uma, duas, três vezes.
— O que você está fazendo aqui? — deixo escapar.
— Estou certificando-me de que ninguém, além de mim, tenha a
boca, a língua, o corpo, ou qualquer outra coisa sobre você.
— Eu só estava me divertindo — sussurro.
— Eu também — ele diz, piscando um olho para mim. — E nós
vamos continuar essa diversão em outro lugar.
Oh, meu Deus!
CAPÍTULO DEZESSEIS
--—————————————————————————————
Andrew
“Your promises
They look like lies
Your honesty's
Like a back that hides a knife
I promise you
I promise you
I am finally free.”
que a mulher do posto deu a Jamie. Minha falsa noiva está radiante, porque
feliz na minha casa. Não quero nem ver o que tia Lorenna vai dizer sobre
isso, ela não é muito fã de animais. Aquela tem medo até de uma mosca,
pesadelos com esse bicho. Vamos ter que fazer uma reforma geral nele e ver
se o gato fica ao menos apresentável. Sei que disse que ia tentar não julgar
tanto pelas aparências, mas qualquer um que olhar para essa versão felina de
Frankenstein vai entender o que estou falando.
Jamie
Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
Andrew
Jamie
— Jamie, antes de ir, será que você poderia levar esses documentos
até a sala de arquivos? — Benjamin pergunta-me parado na porta com a pasta
já estendida na minha direção. Coloco a bolsa sobre o meu ombro e me viro
com um sorriso no rosto.
— Claro, Sr. Cooper.
— Bem, obrigado — ele agradece e me entrega a pasta. Viro-me para
sair, mas ele segura o meu braço. — Você quer uma carona?
— Como?
— Eu estou indo para outro lugar e vou ficar próximo à mansão.
Pensei que talvez quisesse uma carona.
— Não, obrigada — agradeço.
— Não seja tímida, eu posso te dar uma carona. Assim também posso
pedir desculpas pela maneira como Olivia tratou você.
— Senhor Cooper, não precisa me pedir desculpas, meu problema é
com Olivia, não com o senhor — respondo. — E eu realmente agradeço pela
carona, mas eu vou embora com o meu marido.
— Ah, seu marido, é claro. — Ele balança a cabeça, solta o meu
braço e me lança um estranho sorriso. — Eu não sei se algum dia vou me
acostumar à ideia de que Andrew é um homem casado, ainda mais com
alguém como você.
— Alguém como eu? O que exatamente isso quer dizer?
— Sendo completamente sincero, Jamie, eu não acho que Andrew
mereça você. — Benjamin se aproxima. — Eu acho que ele não tem ideia do
que tem nas mãos, Andrew não é um cara que sabe valorizar pessoas como
você.
— Eu não sei o que está querendo dizer, Sr. Cooper. Andrew me
respeita e me faz feliz, acredito que isso seja suficiente.
— Eu acho que você sabe exatamente o que eu quero dizer. —
Benjamin dá outro passo na minha direção, e eu dou dois para trás.
— Eu tenho que ir — digo esquivando-me.
— Boa noite, Jamie — Benjamin se despede. — Até amanhã.
Corro para a sala de arquivos louca para me ver longe de Benjamin.
Devolvo a pasta à gaveta de documentos e vou em direção ao escritório de
Andrew. Vejo Tracy sentada atrás de sua mesa, com o telefone no ouvido,
conversando com outra pessoa. Paro em frente a ela e aguardo que encerre a
chamada. Quando ela termina, devolve o telefone ao gancho e sorri
abertamente para mim. É tão estranho pensar que algumas semanas atrás eu a
peguei no escritório de Andrew em um momento tão íntimo. E agora estou
casada com o cara, sorrindo para a secretária dele.
— Jamie, em que posso ajudá-la? — pergunta-me toda sorridente.
— Eu vi ver o Andrew, ele me disse para procurá-lo quando eu
terminasse o trabalho.
— Ah, então é só entrar — ela responde como se fosse óbvio. — O
Drew permite o seu acesso, da dona Abigail e do Jackson sem precisar de
permissão.
Não me passa despercebido o uso do apelido de Andrew por Tracy,
mesmo que ele já tenha dito para que ela o chame pelo sobrenome. Ok, talvez
eu tenha um pouquinho de problema com essa relação afetuosa do meu
marido com a secretária.
— Ok.
— Você quer que eu te acompanhe?
— Não, obrigada — agradeço. — Vou entrar.
Dou duas batidas de leve na porta e entro. Encontro Andrew no meio
do escritório, mexendo no que parece ser a maior e mais bonita maquete que
eu já vi. Ele larga o que quer que esteja fazendo e sorri, acenando para que eu
me aproxime.
— O que você acha? — pergunta-me ansioso, apontando para a
maquete.
— O que é isso?
— Não é óbvio? — Ele franze o cenho enquanto comtempla sua
maquete. — É um resort!
— Uau — murmuro. — Tão grande assim?
— Com certeza é um dos resorts mais completos já planejados — ele
diz orgulhoso.
— Isso é um trabalho? — pergunto.
— Não, querida — Andrew responde. — Este é o trabalho, tipo um
trabalho milionário.
— Você mal retornou as atividades e está planejando negócios
milionários?
— Na verdade, esse projeto era de outra pessoa, mas ele falhou —
Andrew explica parecendo até feliz com isso. — Então eu roubei o cliente
para mim e vou mostrar isso. Porque isso aqui, querida, é exatamente o que o
meu cliente vai querer.
— Você está tão confiante.
— É porque eu sei o quanto sou bom no que faço — Andrew diz
aproximando-se. Ele para na minha frente e pousa o polegar sobre o meu
lábio inferior. Observo-o morder o próprio lábio. — Aliás, eu sou bom em
todas as coisas que eu faço.
— Não duvido disso, Sr. Simons.
— Lembra-se da reunião de ontem?
— Lembro, nunca vou esquecer.
— Lembra-se daquele senhorzinho japonês?
— O Sr. Matsuhara?
— Exatamente.
— Sim, eu lembro. Benjamin estava muito eufórico com todo o
projeto, pelo que eu ouvi era algo muito importante. Matsuhara deve ser um
homem muito rico, e acho que é o mais importante clientes da Simon’s.
— Na verdade, o Sr. Matsuhara odiou a apresentação de Benjamin —
Andrew revela. — Ele insultou a Simon’s, disse que não temos funcionários
competentes e que procuraria outra construtora para os seus serviços.
— E por que você parece feliz com isso?
— Porque eu já sabia que isso iria acontecer — Andrew conta. —
Então, hoje pela manhã, logo depois que ele dispensou Benjamin, eu fiz uma
ligação. Consegui um almoço com o Sr. Matsuhara e o convenci a ver um
novo projeto, só que dessa vez feito por mim.
— Oh. — Sorrio. Andrew roubou o cliente de Benjamin! — Então ele
quer um resort?
— Sim, ficará localizado em Miami, perto da praia.
— A maquete está incrível — elogio. — Mas eu acho que mais
incrível é você. Andrew, você não só voltou a trabalhar, como conseguiu
manter na Simon’s um cliente que Benjamin já teria perdido. E você está tão
empolgado com esse projeto, eu não me lembro de já ter te visto trabalhando.
Estou impressionada.
— Gosto de impressionar você — ele admite e se curva para beijar
meus lábios de forma casta. — De todas as maneiras, eu adoro impressionar
você.
— Eu estou elogiando você e o seu trabalho e você está pensando em
outras coisas.
— Não, eu estou focado no trabalho — Andrew diz beijando o meu
pescoço. — Mandei organizarem um jantar.
— Ah, é? Que tipo de jantar?
— Bom, quando Jack mentiu para a vovó dizendo que eu era outro
cara, que eu estava me interessando mais pelos negócios, ele teve uma ideia
louca de dizer à vovó que eu estava planejando um jantar para todos os
nossos clientes — Andrew conta. — E eu parei para pensar sobre isso, acho
que na verdade é uma ótima ideia. Precisamos fortalecer nossa relação com
nossos clientes. Acho que um jantar seria uma boa forma de fazer isso.
— Concordo.
— Além disso, a Simon’s precisa passar a imagem de que continua
sendo uma empresa séria, competente e capaz de qualquer coisa. Mesmo sem
a vovó na diretoria. Assim quem sabe nossos clientes possam continuar
confiando no nosso trabalho.
— Eu sabia que havia um homem inteligente aí dentro, Sr. Simons.
— Você não viu nada ainda, mas terá a oportunidade de ver —
Andrew diz. — Minha esposa precisa me acompanhar nesse jantar. Preciso
que esses clientes me vejam como alguém muito melhor que Benjamin e
Olivia. Eu e você, Jamie, nós temos que convencê-los de que somos
melhores.
— Isso é fácil — digo. — Você é melhor do que Benjamin, e Olivia
não tem quaisquer chances.
— Diz isso de novo — ele pede.
— O quê?
— Que eu sou melhor que Benjamin.
— Você. É. Melhor. Que. Benjamin. — Dou um beijo nele, e Andrew
me segura pela cintura aprofundando nosso beijo.
— Gosto da sua sinceridade, poucas pessoas acreditam em mim como
você.
— Talvez essas pessoas não tenham conhecido você tão bem quanto
eu — digo. — Você sempre se manteve muito afastado e, sinceramente,
nunca tentou passar uma boa imagem. Mas eu acredito, sim, que você pode
mudar. Já está mudando.
— Posso te contar um segredo? — ele sussurra.
Balanço a cabeça confirmando.
— Pode.
— Você vai guardá-lo? — Andrew insiste.
— A sete chaves — prometo.
— Quando Jack inventou aquela mentira, eu mergulhei de cara nessa
bagunça. Eu comecei a inventar tantas coisas com um único objetivo:
conseguir a presidência da Simon’s, porque desse jeito eu conseguiria o
poder que eu vinha querendo há tanto tempo. Só que agora eu não quero mais
isso, pra mim isso não é o suficiente…
— Então o que você quer?
— Eu quero mudar, Jamie — Andrew confessa. — Eu sempre vou ser
um cara meio errado, não vou conseguir a perfeição. Mas eu quero pelo
menos ser digno do que estou pedindo. Mas isso fica só entre mim e você, tá?
— Andrew, você não precisa mudar. Eu sei que todos estão te
pedindo, até eu pedi por isso. — Olho nos olhos dele. — Mas eu descobri que
você do jeito que é já é uma pessoa digna não só da sua herança, como de
muitas outras coisas. Você é gentil, atencioso e bondoso. Precisa trabalhar
um pouquinho na honestidade, e talvez na humildade. Mas se hoje você me
perguntasse se deveria mudar, eu diria que não. Seja o homem que você já é,
mas não aquele das aparências, seja o verdadeiro Andrew. Aquele homem
que comprou uma casa para a minha família, aceitou pegar um gatinho de rua
e está realizando todos os desejos de uma pobre garota. Esse é o verdadeiro
Andrew que eu enxergo.
Ele sorri para mim.
— Meu Deus, como eu te… — Andrew pigarreia. — Como eu te
adoro.
— Eu também adoro você.
— Você já terminou o serviço? — ele muda de assunto e se afasta
para vestir o paletó.
— Sim.
— Então é melhor irmos.
— Claro.
Andrew me acompanha até o carro e nos conduz para casa. Nossa
viagem é rápida, e silenciosa. Eu não sei o que houve com ele, mas de
repente ficou calado. Quando chegamos, ele abre a porta para mim
educadamente, e seguimos juntos para a entrada da mansão. No momento em
que pisamos no hall, Abigail aparece nas escadas. Eu levo o maior susto
quando a vejo correr na nossa direção e se jogar contra o peito de Andrew,
chorando desesperada. Não tenho reação alguma, simplesmente fico parada
no meu lugar como uma estátua enquanto observo Andrew abraçá-la com o
mesmo espanto na expressão e sem entender nada. Eu nunca a vi chorar desse
jeito e aposto que pela maneira como Andrew está ele também nunca a viu
assim. Abigail não diz nada, ela apenas chora, soluça e balbucia palavras
incoerentes.
— Abby, o que está havendo? — Ele tenta afastá-la, mas ela o segura
ainda mais forte. — Precisa me dizer o que está acontecendo! Pelo amor de
Deus, Abigail, por que está chorando?
— Ela… ela… quer… morrer! — Abigail grita chorando ainda mais
forte.
Oh, meu Deus…
— Quem quer morrer? — Andrew insiste sacudindo-a. — Abigail,
quem quer morrer?
Abigail afasta a cabeça do peito de Andrew, engole em seco e olha
para mim.
— A vovó — murmura. — Ela está muito doente, Andrew, ela mentiu
para nós por muito tempo. Ela tem câncer, e ela vai morrer.
— O quê?
— A mamãe sabia o tempo todo, Andrew! — Abigail se afasta, ainda
abalada, e com lágrimas escorrendo pela bochecha. — Você acredita que já
faz quase um ano que vovó está com câncer e não está fazendo nenhum
tratamento? E a minha mãe sabia de tudo!
— Onde está a tia Lorenna? — Andrew pergunta impaciente. — Eu
quero saber o que está acontecendo aqui de verdade.
— Não há mais para saber, Andrew — Abigail diz. — Eu chamei a
tia Eleonor e Olivia, nós precisamos tomar uma providência. Juntos vamos
convencê-la a se tratar, e não podemos contar com a ajuda da mamãe. Todo
esse tempo ela sabia e não nos disse nada. Inclusive está apoiando essa ideia
ridícula da vovó de não querer se tratar!
— Abigail, onde elas estão? A vovó e tia Lorenna? — Andrew
pergunta.
— Estão lá em cima, vovó não está muito bem — Abigail conta. —
Mas está se negando a ir ao médico, ela diz que não tem nada para fazer lá.
— Vamos subir.
Acompanho Andrew e Abigail, que sobem as escadas feito dois
furacões. Andrew praticamente estoura a porta do quarto de sua avó quando
ele entra. Vejo Elizabeth deitada na cama, ela parece muito fraca, mas bem
lucida quando faz esforço para se sentar. Lorenna está ao lado dela e levanta-
se apressada quando nos vê.
— Já abriu a boca, Abigail? — Lorenna se dirige à filha em tom de
acusação.
— O que está acontecendo, tia Lorenna? — Andrew pergunta. —
Abigail me contou a versão dela muito rapidamente. O que a vovó tem?
— Andrew, não fale como se eu não estivesse aqui — Elizabeth o
repreende.
— Vó. — Andrew caminha até ela e senta-se no espaço vazio ao seu
lado na cama. — Conta pra mim, o que está acontecendo?
— Ela está cansada, Andrew — Lorenna diz. — Talvez seja melhor
conversar outra hora.
— Não — Elizabeth murmura. — Já escondemos isso bastante tempo,
minha filha, acho que chegou o momento de os meus netos saberem também.
— Eu estou ouvindo, vó, me conte — Andrew pede.
— Querido, há mais ou menos um ano eu descobri que sofro de uma
doença grave — Elizabeth começa. — Eu tive tanto medo, Andrew, você não
tem ideia do quanto. Fiquei apavorada por saber que talvez eu deixaria
minhas filhas e os meus netos sozinhos. O médico me disse que se eu
começasse o tratamento imediatamente talvez conseguisse bons resultados,
pois apesar de o meu tipo de câncer ser muito perigoso, ele ainda estava em
um estágio possível de cura. Quando cheguei em casa, só consegui chorar e
chorar. Fiquei completamente perdida, não sabia como agir. Consegui me
recompor, procurei conhecer mais sobre a doença, queria saber o que
exatamente eu tinha. Visitei hospitais e grupos de apoio, onde conheci
pessoas que foram curadas e outras que estavam sofrendo com a mesma
doença que a minha.
— Vó — Andrew murmura com a voz embargada. — Por que nunca
disse nada?
— Não acabei ainda, me escute — ela prossegue. — Eu vi gente ser
curada e vi pessoas morrerem durante o tratamento. Eu vi pessoas fortes
querendo lutar pela vida e outras que achavam que estavam prontos para
partir. Eu não conseguia decidir quem eu era no meio de tanta gente. Então eu
tentei viver fingindo que estava bem. Segui com a minha vida, tentei colocar
na minha cabeça que eu estava perfeitamente saudável, mas eu não estava.
Meses depois, sofri um desmaio, e, dessa vez, Lorenna estava comigo quando
visitamos o médico. Ela soube da verdade por ele, que ressaltou que
precisávamos começar o tratamento imediatamente, se eu quisesse ter alguma
chance de cura. — Elizabeth respira fundo e olha na direção da filha. —
Abigail, não culpe sua mãe por esconder isso de vocês, pois foi um pedido
meu. Lorenna, quando soube, ficou desesperada como vocês e quis iniciar o
tratamento imediatamente. Mas eu não quis…
— O quê? — Andrew se levanta rapidamente e eleva a voz. — Como
assim, não quis?
— Lembra quando eu disse que conheci pessoas que queriam lutar, e
outras que simplesmente aceitavam a doença? Eu descobri que eu me
encaixava nesta segunda opção. Andrew, querido, sou uma mulher velha. Eu
fui criança, fui adolescente, adulta e agora sou uma senhora. Eu me casei,
amei, tive filhos e netos. Construí um patrimônio e fui muito feliz. Fiz tudo o
que queria na minha vida, sou completamente realizada. No primeiro
momento, eu tive medo porque não queria vocês sozinhos, não queria
abandoná-los. Mas depois pensei na possibilidade de reencontrar o meu
marido e meu filho, e tudo mudou. Sinto tanta falta deles, mais do que você
poderia imaginar. Sei que quando eu for, vou vê-los novamente. E é isso o
que eu quero. Enxerguei na minha doença não um final, mas o começo de
algo novo. Você me entende, Andrew?
— Eu entendo que a senhora está completamente louca! — Andrew
grita, alterado. — Morrer para encontrar o meu avô e o meu pai? O que a
senhora tem? Isso é um absurdo!
— Não diga isso, Andrew — Elizabeth implora. — Não me chame de
louca, porque eu estou completamente lúcida. A vida é feita de escolhas, e eu
escolhi a minha. Eu não estou pedindo que você aceite, não vou mudar de
ideia. Voltei ao médico faz pouco tempo e estou em um estágio muito
avançado da doença agora.
— Estágio avançado? — Andrew repete caminhando de um lado para
o outro pelo quarto. — Que porra tudo isso significa?
— Isso significa que ela pode fazer um tratamento — Lorenna
responde.
— Então você vai se tratar! — Andrew ordena. — Eu não me importo
se você não quer, eu não vou te deixar morrer e não fazer nada para mudar
isso. A senhora não deve estar pensando direito para ter decidido algo assim.
Mas não se preocupe, eu vou fazer o que é certo.
— Você não entende, Andrew — Elizabeth replica. — No estágio
avançado significa que tudo o que eu posso fazer é um tratamento paliativo.
— E o que é isso?
— Isso é um tipo de tratamento que pode diminuir os sintomas da
doença, até que ela venha a falecer — Lorenna completa. — Eu procurei
todos os médicos possíveis, Andrew, juro que tentei fazê-la mudar de ideia.
Mas é tarde demais, a mamãe tem câncer de pâncreas. Ela pode até fazer
cirurgia, quimioterapia ou que for, mas os médicos afirmaram que não há
chances de ela conseguir.
— E eu nem quero. — Elizabeth interfere. — Não quero passar o
tempo que ainda tenho em um hospital. Quero ficar na minha casa, cercada
pela minha família, pelo tempo que ainda me resta. Lorenna aceitou isso, e eu
peço que vocês também aceitem.
— Nunca. — Andrew balança a cabeça. — Está ouvindo isso, vovó?
Nunca! Não vou aceitar essa merda de desculpa! Eu não acredito que ouvi
toda essa bobagem de querer morrer! Você deveria querer ficar ao nosso
lado! A senhora sempre foi forte, a mulher mais forte que eu já conheci, e não
vai lutar?
— Coloque uma coisa na sua cabeça, Andrew! — Elizabeth se altera
começando a chorar. — Eu quero isso!
— Eu não vou ficar aqui, sob o mesmo teto que a senhora, para vê-la
morrer — Andrew diz virando-se para sair. — Sinto pena de você por desistir
assim de si mesma, de mim e dos outros.
— Concordo com Andrew — Abigail fala, ela já está mais contida. —
Está desistindo não só de você, vovó, como da gente também.
— Vocês já ouviram o que tinham para ouvir — Lorenna diz. —
Agora saiam e deixem sua avó em paz.
— Não precisa falar duas vezez — Abigail resmunga e deixa o quarto
pisando duro. Andrew lança um último olhar para sua avó e também se retira.
Eu faço menção de ir junto quando ouço Elizabeth murmurar o meu nome.
— Jamie? — ela repete um pouco mais alto.
— Senhora?
— Pode ir, Lorenna — Elizabeth dispensa a filha. — Quero ficar a
sós com a Jamie.
— Tudo bem. — Lorenna beija a bochecha de sua mãe e se afasta. —
Depois tente descansar.
— Sente aqui, querida — Elizabeth pede, assim que Lorenna sai.
Caminho até lá e sento-me ao lado dela. — Como você está?
— Eu? — Sorrio sem quaisquer resquícios de alegria. — Estou bem,
dona Elizabeth, obrigada. Mas eu quero saber, como a senhora está?
— Aliviada — ela admite. — Escondi esse segredo por muito tempo,
estava na hora de eles ouvirem tudo.
— Eu nunca poderia imaginar que a senhora escolheria isso — digo.
— Mas posso compreendê-la, entendo seus motivos e, assim como Lorenna,
apoio sua decisão. Não que tenha algum valor, mas quero que a senhora saiba
mesmo assim.
— Seu apoio tem muito valor, minha querida. Eu queria tanto que
Andrew e Abigail entendessem também. Eu não estou desistindo deles, eu
nunca faria isso. Em nenhum momento desisti, mesmo quando o amor da
minha vida se foi eu continuei sendo firme. Mesmo depois que o meu
precioso filho se foi eu continue sendo firme. Não parei de lutar e não vou
parar nunca. Eu só queria que eles entendessem que já vivi o suficiente,
cumpri minha missão, agora quero só descansar.
— Dona Elizabeth, a minha mãe era uma lutadora. Quando ela estava
perto de partir, ela me disse que não estava com medo de morrer. E eu sabia
que ela estava falando a verdade, eu podia ver nos olhos dela que ela estava
pronta — conto. — Ela disse que se sentia preparada porque já havia feito
tudo o que podia na vida, se considerava uma mulher especial por toda a
realização que teve. Então eu entendo a senhora, quando a olho para, vejo o
mesmo brilho que minha mãe tinha. E é por isso que a apoio.
— Obrigada, querida.
— E não se preocupe com Andrew e Abigail — prossigo. — Eles a
amam muito e não querem perdê-la. Por isso não aceitam, por isso não
compreendem seus motivos. No fundo eles a estão apoiando também, porque
eles querem para a senhor, o que você quer para si mesma.
— Você é uma boa garota, Jamie. — Elizabeth sorri. — Vou
descansar em paz sabendo que o meu menino tem você. Promete para mim
que mesmo quando meu Andrew for um bronco, um teimoso como está
sendo agora, você ainda vai estar ao lado dele? Ele vai sofrer muito quando
eu for, preciso que alguém esteja lá por ele.
— Eu prometo, Elizabeth. — Engulo em seco. — Prometo que estarei
com Andrew.
— Jamie, eu tenho medo que Andrew tenha falado a verdade quando
disse que não ficaria sob o mesmo teto que eu. Eu sei que não posso te pedir
isso, mas ainda assim vou pedir. Tente fazer com que o meu neto fique, eu
quero que ele esteja perto de mim até meu último suspiro. Andrew não é
apenas um neto, é um filho para mim.
— Eu vou tentar — prometo. — Agora acho que a senhora deve
descansar.
— Eu vou.
— Boa noite — despeço-me.
Deixo o quarto de Elizabeth com um grande aperto no peito. Nunca
pensei que seria esse o fim que ela escolheria, mas, como eu disse,
compreendo e apoio sua decisão. Escuto vozes vindo do andar de baixo e vou
até a escada espiar. Eleonor, Saul, Olivia e Benjamin estão lá embaixo
conversando com Lorenna, que provavelmente está contando tudo a eles
nesse momento. Eu não quero que eles me vejam, então vou para o meu
quarto, à procura de Andrew.
Tranco-me lá assim que entro e encontro duas malas abertas sobre a
cama. As roupas de Andrew estão jogadas de qualquer forma como se ele
estivesse querendo fugir. Lembro-me da promessa que fiz a Elizabeth apenas
alguns segundos atrás e vou à procura dele. Encontro-o no banheiro, entro tão
silenciosamente que ele não me vê. Uma cortina de vapor está ao seu redor,
enquanto a água cai sobre seu corpo. A cabeça está apoiada contra a parede
de azulejos, e eu consigo sentir o quanto ele está sofrendo.
Retiro minhas próprias roupas com cuidado para que ele não me
escute. Entro devagar sob o jato de água e o abraço apertado por trás. Andrew
não emite um som e não faz nenhum movimento. Descanso a minha cabeça
contra suas costas e também não digo nada. Apenas o seguro, desse jeito bem
apertado, para que ele saiba que não está sozinho. Eu não sei quanto tempo se
passa até que ele leva as próprias mãos sobre as minhas e dá um aperto
acolhedor.
— Você vai ficar bem — murmuro.
— Não vou — Andrew protesta em voz baixa. — Sem ela, não ficarei
bem.
— Todos partem uma hora, Andrew.
— Mas ela não precisa partir agora, Jamie, ela ainda tem uma escolha.
— A escolha que restou a ela não é boa — digo. — Você a escutou,
ela não quer morrer fazendo tratamento paliativo.
— Você também está contra mim?
— Não. — Beijo as costas dele. — Eu estou com você, mas
compreendo os princípios dela.
— Não sei do que você está falando, não sou como tia Lorenna ou
você. Ela está desistindo, isso é tudo o que eu sei.
— Andrew, você por acaso tem ideia do que é ter câncer? —
questiono. — Você pode imaginar o quanto de dor e sofrimento ela já teve?
— Não. — Ele balança a cabeça. — Mas quem é você para me
perguntar isso? Você tem ideia do que é essa doença?
— Minha mãe morreu de leucemia — conto a ele. — Eu tenho sim
ideia do que é essa doença, tenho mais do que você imagina.
— Sinto muito. — Andrew se vira e olha no fundo dos meus olhos.
— Desculpe, eu não sabia.
— Está tudo bem.
— Sua mãe também desistiu?
— Bem, não exatamente. Ela fez tudo o que pôde, mas quando ficou
muito ruim, ela também recebeu a notícia do médico de que se continuasse
tentando talvez não suportasse mais. Foi quando ela resolveu parar com o
tratamento e dedicou seus últimos dias para ficar com a família.
— Você acha que eu tenho que aceitar o que ela quer?
— Se você está pedindo a minha opinião, sim, eu acho. Não
desperdice o tempo que tem fugindo para longe. Sua avó ainda está aqui,
Andrew, aproveite esse tempo que vocês estão recebendo para ficarem ainda
mais unidos. Ela te ama e quer você ao lado dela. E eu sei o quanto você a
ama e também quer estar com ela.
— Eu preciso pensar, e nesse momento eu não consigo nem fazer
isso.
— Então não pense nisso agora — peço. — Por favor, só me abrace.
E é exatamente o que ele faz, ele me abraça a noite inteirinha.
***
Duas semanas depois de Andrew ter descoberto sobre a doença de sua
avó, ele ainda continuava triste. Eu acho que nunca o vi tão derrotado, ele
trabalhou todos os dias até tarde e se entregou completamente ao serviço para
tentar ficar longe de todos os problemas que o rodeavam. Isso era bom e ao
mesmo tempo não era. Ele conseguiu que o Sr. Matsuhara aceitasse seu
projeto, o que era maravilhoso. Mas ele também estava ficando cada dia mais
quebrado. Tinha olheiras por não dormir, e seus ombros estavam encurvados.
E mesmo que eu tentasse livrá-lo disso, não conseguia.
Pelo menos ele não foi embora da mansão, acabou desistindo depois
do tanto que insisti. Ele ainda estava falando com Elizabeth, mas continuava
distante. Em um desses dias, Andrew fez a ela um pedido, que eles voltassem
ao médico para que ele pudesse ouvir tudo por outra pessoa. Elizabeth
concedeu o pedido e eles foram acompanhados de Abigail, que também tinha
essa curiosidade. Exatamente como Lorenna havia dito, o médico contou que
havia um tratamento, mas que no quadro de Elizabeth ela não teria chances
de vida. E somente assim Andrew percebeu a gravidade da situação, e apesar
de ainda não querer aceitar, pelo menos compreendeu sua avó.
Todas as noites, quando eu deitava ao lado dele, Andrew me abraçava
e me perguntava sobre a minha mãe. Ele queria saber o máximo que podia
sobre a doença. E apesar de leucemia ser um pouco diferente de câncer no
pâncreas, eu contei tudo o que podia. Ele também quis saber como foi quando
eu soube que ela iria morrer, e eu contei a ele nossa noite sob as estrelas. Aos
poucos Andrew foi percebendo que não tinha muito tempo com a avó e que
se passasse esse tempo procurando alguma solução podia ser tarde demais.
Então, em algum momento, eu acho que meus conselhos mudaram suas
opiniões.
Era sábado de manhã, eu tinha acompanhado Abigail para uma
corrida, e quando nós retornarmos para casa havia muito barulho vindo da
cozinha. Entramos às escondidas e espiamos a cena mais bonita que poderia
encontrar. Elizabeth, Lorenna e Andrew tentando cozinhar. Em um primeiro
momento, Abigail ficou pasma com a imagem diante dos seus olhos, pois ela
estava tendo ainda mais problemas do que Andrew para aceitar a condição de
Elizabeth. No entanto, quando fomos flagradas espionando, fomos
bombardeadas por muita farinha e nos juntamos à brincadeira. O almoço saiu
quase tão ruim quanto o feito por Jane. Mas o que importava era ver uma avó,
uma filha e dois netos curtindo um grande momento. E eu me sentia especial
por fazer parte daquela lembrança que ficaria guardada conosco para sempre.
E assim os dias foram passando, e eles se tornaram semanas. Andrew
voltou a ver a avó como a mulher que era antes de descobrir sobre o câncer. E
Abigail chorava todas as noites, mas o importante era que quando estava com
a sua avó, ela era apenas sorrisos. Eleonor e Olivia aceitaram bem a decisão
de Elizabeth, mas eu desconfiava muito que fosse por ela preferir assim. Na
verdade, eu podia estar sendo injusta, mas achava que a única coisa em que
elas estavam interessadas era na herança que viria com a morte de Elizabeth.
As duas não vieram visitar Elizabeth em nenhum momento. Não que alguém
se importasse com isso, a própria Elizabeth preferia a companhia que já
recebia.
Eu desconfio que os melhores dias de Elizabeth estejam sendo os de
agora. A filha e os netos passavam muito tempo com ela, fazendo todas as
suas vontades. Entretanto, cada vez mais, um medo estranho vinha se
apoderando de mim. Porque eu podia sentir que uma grande tragédia estava
prestes a acontecer. E não era o tipo de acontecimento que mexeria apenas
com a vida de Andrew, mas que também mexeria profundamente com a
minha vida. Era como se fosse um aviso de que meus segredos não ficariam
guardados por muito mais tempo. E eu odiava isso, porque meu passado era
doloroso e ele podia voltar para assombrar meu futuro.
E mudar toda a minha vida mais uma vez, só que não para melhor.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
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Andrew
Jamie
Era sexta-feira, e nós chegamos à Simon’s uma hora mais cedo do que
de costume. Tudo porque o Andrew queria ter certeza de que o projeto do
resort estaria pronto para ser apresentado no jantar para os clientes que ele
organizou para essa noite. Eu estava tão orgulhosa dele, pois o Andrew
estava se esforçando muito e dando apenas o melhor para fazer tudo dar certo
dessa vez. E eu acreditava nele, sabia que tinha capacidade e competência e
que tudo sairia como o planejado. E eu não era a única que pensava assim.
Todo mundo estava surpreso e ao mesmo tempo feliz por cada passo que o
Andrew estava dando para tornar as coisas como eram antes, ou talvez ainda
melhores.
Acabei me despedindo dele assim que saímos do elevador, porque eu
sabia que eu se eu fosse acompanhá-lo nós faríamos tudo, menos trabalhar. E
já que eu tinha chegado mais cedo, aproveitaria para deixar todo o meu
serviço adiantado. Quem sabe assim também poderia sair mais cedo e ter
mais tempo para me arrumar com Abigail. Caminhei até a sala de Benjamin
e, quando entrei, estranhei ver a porta do escritório dele entreaberta. Sempre
ficava fechada quando ele não estava, e definitivamente Benjamin nunca
chegava adiantado. Era sempre pontual, nem um minuto a mais, nem um
minuto a menos.
Fiquei preocupada que talvez alguma das faxineiras tivesse limpado o
escritório na noite anterior e se esquecido de trancar a porta. Benjamin não
gostava do escritório aberto, ele nem gostava quando as faxineiras tinham
que limpar. Ele nunca permitia que ninguém movesse nada do lugar, nem
uma única folha de papel. E ficava irritado se isso acontecia. Eu não sabia
como ele podia descobrir quando alguém mexia em algo, mas ele sempre
sabia. Mantinha as gavetas sempre trancadas com chave, o que era estranho,
afinal, quem é que iria querer roubar projetos? Ainda que ele tivesse medo de
Andrew tentar trapaceá-lo, meu marido seria o tipo de pessoa que faria um
projeto ainda melhor, em vez de roubar um já pronto. Então, eu sempre
permanecia curiosa em relação àquelas gavetas trancadas e ao laptop com
mais senhas que a conta bancária da rainha.
Larguei a minha bolsa sobre a minha mesa e caminhei em direção à
porta do escritório com a intenção de trancá-la, para que Benjamin não
notasse que provavelmente alguém havia se esquecido de fechá-la. Só que
quando eu me aproximei escutei as vozes e parei imediatamente. Congelada
no meu lugar, reconheci as vozes familiares de Benjamin e Olivia. Uma
curiosidade exorbitante tomou conta de mim, porque nesse horário nenhum
dos dois deveria estar aqui, muito menos cochichando desse jeito. Esgueirei-
me para mais perto e, mesmo sabendo que era errado ouvir o que os outros
diziam em segredo, não pude evitar. No fim das contas, meu tempo como
mosquinha voltou, e fiquei motivada a descobrir o que estavam falando.
— … se você pensa isso é mesmo um imbecil! — Ouvi Olivia dizer.
— Fale baixo — Benjamin exigiu. — Quer que alguém nos ouça?
— Eu conferi o escritório antes de vir, e estava vazio — Olivia
responde. — E não mude de assunto, quero que você pare de dar em cima
daquela mendiga!
— Olivia, já discutimos isso e você não decide o que eu deixo ou não
de fazer.
— Escute aqui, Benjamin, você vai estragar tudo desse jeito. Eu juro
por Deus que se algo der errado porque você está se arriscando com aquela
piranha eu vou te fazer pagar muito caro.
Piranha? Pagar caro? Algo der errado? Do que eles estavam
falando?
— Afinal, o que é que você tem contra a Jamie, hein? — Benjamin
pergunta e eu quase caio contra a porta e denuncio minha posição. Quase.
Porque no último momento eu segurei o fôlego e fiquei ainda mais intrigada.
Eles estavam falando de mim?
— Eu tenho tudo contra aquela garota! Tenho nojo de gente pobre!
Fiquei com ainda mais nojo quando soube que Andrew a escolheu para esse
falso casamento. Ninguém me engana, ele devia estar desesperado mesmo
para fazer uma proposta para aquela mendiga. Guriazinha nojenta!
— Olivia, será que você não percebe o mesmo que eu?
— Tudo o que eu percebo é que você está dando em cima dela bem na
minha frente! — Olivia resmunga. — Benjamin, só porque o nosso
casamento não vale nada, não significa que você tem que sair por aí sendo
óbvio. Você já pisou na bola uma vez quando transou com aquela secretária
na sua sala, e eu tive que abafar todo o caso e levar fama de corna dentro da
minha própria empresa! E agora você quer fazer tudo de novo com aquela
mendiga? Isso eu não vou aceitar! Nunca, está me ouvindo? Pode transar com
quem você quiser, mas se fizer isso com ela, nosso acordo está acabado e eu
encontro outro homem dentro dessa empresa disposto a ir até o fim.
— Você não vai fazer isso — Benjamin fala convencido. — Sabe por
que, Olivia? Porque fui eu que desperdicei três anos da minha vida nesse
falso casamento com você. E eu sou o único com potencial para assumir a
presidência dessa empresa, então você precisa de mim para concluir o nosso
plano. Nenhum outro homem aqui dentro estará disposto a isso e, mesmo que
esteja, não seria um candidato à presidência. Agora, em relação a com quem
eu transo ou deixo de transar, também não te diz respeito. Você dorme com
os homens que quer, e eu com as mulheres que eu quero. Esse foi o nosso
acordo, lembra? Então, se eu quiser foder a esposa gostosa do Andrew, é essa
a porra que eu vou fazer, está me entendendo?
— Você vai ferrar com tudo! — Olivia acusa.
Escorrego lentamente para o chão, mortificada demais para me mexer.
Petrificada demais para piscar e talvez até mesmo para respirar. Não acredito
que estou ouvindo essa conversa. E o pior é o significado de tudo o que estão
dizendo. Benjamin e Olivia têm um acordo? Um falso casamento? Dormem
com quem querem? Eles têm um plano? Algo que envolve Benjamin como
presidente da Simon’s? Benjamin não só estava me assediando este tempo
todo como acredita que vai dormir comigo? Olivia sabe de tudo, Benjamin
sabe de tudo. E, agora, eu também sei de tudo.
— Olivia, até agora nós fizemos tudo do seu jeito — Benjamin
prossegue. — Casei com você e estamos vivendo nessa farsa por três anos. E
até agora não recebi nada do que você me prometeu! Eu tô cansando de
esperar, essa velha não vai bater as botas nunca!
— A vovó está com câncer, Benjamin, ela não vai durar muito. Cada
dia que passa ela fica pior.
— Eu espero que você esteja certa, e para a sua informação estou me
aproximando da Jamie com mais de uma intenção. Se ela topou casar com o
Andrew para que ele consiga a presidência, é porque provavelmente ele deve
ter oferecido uma fortuna para ela. Se for isso, significa que a Jamie é tão
ambiciosa quanto a gente. E acredito muito nisso, é por isso que eu quero
trazê-la para o nosso lado. Posso oferecer mais do que ele deve ter pagado a
ela. Se tivermos a Jamie, será o fim do Andrew. E sem aquele playboy
imbecil no nosso caminho, significa que eu sou o único que pode conseguir a
presidência. Quando sua avó tornar isso possível, ninguém pode nos impedir.
Vamos com o plano até o fim, teremos a maior parte das ações, vendemos
essa porcaria de construtora e cada um segue seu caminho.
— Eu não vejo a hora de isso acontecer, quero me ver livre dessa
maldita família! — Olivia cospe.
— E eu quero me ver livre de você e da maluca da sua mãe.
— Bom, querido, já que você tocou no nome da mamãe, é melhor
transferir algum dinheiro para a conta dela logo. Só essa semana ela me
chamou três vezes!
— Olivia, não posso ficar transferindo dinheiro da empresa o tempo
todo — Benjamin resmunga. — Diz pra sua mãe que só vou fazer outra
transferência quando a velha morrer.
Oh, meu Deus…
— Eu vou tentar, mas tenho medo de que ela dê com a língua nos
dentes e acabe contando tudo.
— Sua mãe não vai fazer isso — Benjamin assegura. — Ela quer o
dinheiro tanto quanto nós, e ela recebe mais se ficar quieta. Agora volte para
o seu escritório e me deixe em paz, daqui a pouco os funcionários começam a
chegar. E minha doce secretária também.
— Você é nojento — Olivia resmunga. — Espero que esteja certo em
relação a trazer a mendiga para o nosso lado, ou você vai colocar tudo a
perder.
— Sei o que estou fazendo, Olivia. Agora cai fora.
Assustada, levanto do meu lugar e vou às pressas para fora da sala na
ponta dos pés, para não denunciar minha presença. Vou em direção ao
escritório de Andrew o mais rápido que eu consigo e somente no meio do
caminho me lembro de que deixei minha maldita bolsa sobre a minha mesa.
Faço uma parada brusca e me viro, tentando decidir se devo voltar ou não.
Resolvo que o melhor é me arriscar para pegar a bolsa, do que deixá-los
pensando que sempre estive lá. Volto para o escritório de Benjamin e topo de
frente com Olivia, que está saindo. Respiro bem firme para segurar minhas
emoções, porque, nesse momento, o que eu mais quero é dizer o quanto ela é
uma mulher desprezível.
— Chegando mais cedo para o trabalho? Que funcionária exemplar!
— Olivia sorri, cínica como sempre.
— Não, eu só vim dar um passeio mesmo — digo irônica.
— Vamos ver quanto tempo seus passeios aqui dentro vão durar.
— Dá licença, Olivia, tenho muito que fazer — resmungo.
— Fique à vontade, queridinha.
Passo por ela e vou direto até a minha mesa. Graças a Deus ela não
percebeu a minha bolsa jogada aqui em cima. Coloco-a em meu ombro e
volto para o corredor, dessa vez, espio para conferir se Olivia ainda está por
perto. Como eu não a encontro, sigo para o escritório de Andrew. Tracy não
está na recepção quando chego, mas me lembro de ela ter dito que eu poderia
entrar sem ser anunciada. E esse com certeza é um caso grave demais, não
posso esperar até o jantar ou coisa assim. Dou duas batidinhas na porta por
educação e entro.
— Andrew, preciso falar com você urgente! — Fecho a porta atrás de
mim.
— O que aconteceu?
Viro e encontro Andrew sentado em sua poltrona atrás da mesa, com
uma expressão preocupada. Jackson também está aqui, e entre eles várias
pastas e papéis. Sinto-me uma idiota por interrompê-los justo hoje, que é um
dia tão importante para o meu marido e para a empresa. Mas desconfio que o
que eu tenho para dizer é muito mais importante.
—Tudo bem com você, Jamie? — Jackson pergunta.
— Olá, Jack. — Aceno para ele e me aproximo. Andrew já está de pé
aguardando minha resposta. — Eu estou bem, sente-se, Andrew, por favor.
Ele se senta ao mesmo tempo em que eu ocupo a cadeira ao lado do
Jack.
— Vocês vão discutir a relação ou algo assim? — Jack pergunta em
tom de brincadeira. — Porque, sério, eu vou me mandar daqui se for isso.
— É sobre Benjamin e Olivia — anuncio.
— Ixii — Jack resmunga. — Lá vem bomba.
— E das grandes — completo.
— Pode falar, Jamie, tudo o que diz respeito àqueles dois o Jack
também já está acostumado — Andrew diz.
— Você não vai gostar nem um pouco de ouvir o que eu tenho pra
falar — aviso. Em seguida começo a contar tudo, desde o momento em que
pisei no escritório. Conto que Benjamin disse com a própria boca que eles
estão em um casamento falso por todos esses anos, que tudo isso é para que
eles formem uma aliança e assim consigam a presidência da empresa para
mais tarde vendê-la e cada um se mandar para um canto do mundo. As
mesmas palavras grosseiras que Benjamin utilizou para se referir à dona
Elizabeth eu uso apenas para dar ênfase aos monstros que aqueles dois são.
Por fim, falo sobre a mãe de Olivia, que sabe de tudo e está metida no rolo,
acrescento também que eles já transferiram dinheiro de dentro da empresa
para ela, e pretendem fazer isso mais vezes com a intenção de manter Eleonor
de boa fechada.
Quando levanto os olhos e encaro Andrew, a expressão dele é algo
como horror e incredulidade. Jackson apenas balança a cabeça várias vezes
com os lábios comprimidos. Os dois não têm ação para mais nada, assim
como eu fiquei quando escutei. E eu ainda nem contei a eles sobre a parte em
que falaram de mim.
— Estão… Estão roubando dinheiro? — Andrew pergunta em voz
baixa.
— Não duvido de nada quando se trata daqueles dois — Jackson diz.
— Que merda! — Andrew resmunga. — O que nós vamos fazer?
— Eu não sei — Jackson responde. — Me deixa pensar um pouco,
isso é tão louco. Ainda estou processando a parte em que o casamento deles é
pura fachada.
— Para mim essa é a parte mais aceitável de tudo isso — Andrew
fala. — O casamento aconteceu tão de repente, você não lembra? Eles nunca
tinham sido vistos antes, e num dia qualquer anunciaram que se amavam.
Agora tudo faz sentido, Olivia sempre soube que nunca seria presidente. Mas
ela sabia que Benjamin tinha a chance de ser, se ele fosse alguém de
confiança. O que ela fez? Casou-se com ele, tornando-o alguém da família e
confiável aos olhos da vovó. Dessa forma os dois saem ganhando. Merda!
— É verdade, isso seria a cara dela e faz todo o sentido — Jackson
concorda.
— Eu vou avisar a vovó, ela precisa saber o que esses monstros estão
fazendo aqui dentro — Andrew diz.
— Cara, relaxa aí — Jack pede. — Você não pode simplesmente ir
até a sua avó fraca e doente e contar que a neta maravilhosa dela está
roubando a grana da empresa com o marido que ela pensa que é o funcionário
perfeito. Para começar sua avó teria um troço, ou então pensaria que você
está dizendo isso para conseguir eliminá-los da concorrência.
— A vovó nunca pensaria isso! — Andrew protesta.
— Você sabe que isso é uma hipótese que devemos considerar —
Jack insiste.
— E qual é o plano então? — Andrew pergunta.
— Olha, eu não sei, é difícil. — Jack suspira. — Eu não tenho acesso
a certos dados daqui da empresa. E a gente precisaria de uma prova de que
eles estão roubando dinheiro, ou de que planejam conseguir a presidência da
empresa para roubar. Posso até dar uma olhada e procurar por alguma coisa,
mas vai ser muito difícil, Andrew. Não se sabe há quanto tempo esses dois
estão desviando dinheiro da construtora, mas se ninguém desconfiou ainda, é
porque eles estão fazendo de forma discreta e inteligente.
— Porra, a gente tem que fazer isso logo! — Andrew esbraveja. —
Eles não podem continuar aqui dentro fazendo isso! Eu tô me segurando para
não ir até lá e quebrar a cara daquele canalha.
— Calma, cara. Você não quer fazer nenhuma besteira. Se algo der
errado, você pode ser mandado para fora da Simon’s e, aí, sim, já era.
— Eu tenho um plano — murmuro.
As duas cabeças giram na minha direção, e de repente se dão conta de
que eu ainda estou ali e de que posso ouvi-los.
— Diz, Jamie — Jack pede. — Qualquer ideia é bem-vinda.
— Eu ainda não terminei de contar tudo o que eu ouvi — digo e olho
para Andrew quando prossigo. — Quando cheguei, a primeira coisa que eu
percebi foi que ambos estavam falando sobre mim. Como sempre, Olivia
estava me xingando, só que mais do que isso, ela estava alertando Benjamin
para ficar longe de mim.
— Por quê? — Jack coça a cabeça.
— É. — Andrew inclina-se para frente e arqueia uma sobrancelha. —
Por quê?
— Desculpe, eu não contei nada para você antes porque não achava
que a intenção dele era algo como isso. Eu… Eu só achei que ele estivesse se
divertindo comigo porque agora eu sou casada com você, pensei que tudo era
para te provocar. Só isso.
— Do que você está falando, Jamie? — Andrew insiste.
— Desde que eu comecei a trabalhar para ele, Benjamin tem me
elogiado mais do que o normal. Às vezes eu o pego me observando e ele diz
coisas estranhas. Ele nunca fez nada preocupante, ou eu teria contado.
— Ele estava dando em cima de você? — adivinhou Jack.
— Sim — murmuro. E antes que Andrew abra a boca, continuo. —
Olivia disse que não o queria fazendo isso, dando em cima de mim. Ela não
acha que sou confiável, porque aceitei me casar com Andrew para ajudá-lo a
conseguir a presidência. Assim como ela fez com Benjamin.
— Ele tocou em você? — Andrew pergunta encarando-me sério.
— Drew, mantenha a calma, tá? — Jack pede.
— Ele. Tocou. Em. Você? — Andrew repete entredentes.
— Não, nunca. — Fico de pé e começo a caminhar de um lado para o
outro, nervosa. — Eu já disse que se ele tivesse feito algo eu teria contado.
Pensei que ele só quisesse se divertir me encurralando, nunca me passou pela
cabeça que ele queria transar comigo!
— Quê?! — Andrew empurra a cadeira para trás e vem na minha
direção. Ele me segura pelos ombros e me faz enfrentá-lo. — Termina de
contar exatamente o que você ouviu!
— Drew, pega leve. — Jack se levanta e coloca a mão sobre o ombro
dele. — Você sabia desde o começo que Benjamin não prestava. Era de se
imaginar que ele quisesse algo assim.
— Cala a boca, porra — Andrew resmunga. — E para de ficar
pedindo calma, ou para eu relaxar. Eu tô calmo pra caralho nesse momento!
— Tá legal. — Jack levanta as mãos e se afasta. — Só prossegue,
Jamie, e por segurança eu vou trancar a porta, assim ele não faz nenhuma
besteira.
— O que eu ouvi foi que Olivia não confia em mim, mas o Benjamin
sim. — Respiro fundo. — Ele acha que porque eu aceitei me casar com
Andrew, sou ambiciosa. Ele pensa que assim como ele e Olivia, a única coisa
em que eu estou interessada é no seu dinheiro. Então ele acredita que pode
me convencer a largar o Andrew e ficar ao lado deles. Porque sem o Andrew
no caminho, não há mais ninguém concorrendo à presidência. A ideia dele é
que oferecendo mais grana para mim, vou abandonar você.
— Filho da puta — Andrew xinga.
— Tudo bem, saquei tudo. — Jack prepara uma dose de uísque e vira
tudo em único gole. — Mas o que isso tem a ver com o seu plano?
— Eu pensei que talvez eu pudesse fazê-lo acreditar nisso, que eu sou
só uma garota ambiciosa — respondo. — Posso fazer com que ele ache que
estou interessada nele, e não no Andrew. Se ele pensar que estou com ele, vai
me contar tudo, todo o plano deles, talvez até me ofereça o dinheiro. Se
tivermos uma confissão é o fim deles.
— Não — Andrew nega, balançando a cabeça. — Que plano
estúpido, você não vai fazer isso.
— O plano é ótimo, Jamie — Jackson elogia olhando Andrew torto.
— Se você acha que pode conseguir uma confissão, não vamos precisar de
mais nada. Elizabeth vai ter uma prova.
— Isso mesmo — digo. — Posso, sei lá, gravar tudo.
— Não! — Andrew protesta me olhando irritado. — O que você não
entendeu na palavra não?
— Andrew, eu sinto muito, mas a escolha não é sua — digo. — Eu
quero fazer isso, quero ajudar você e quero impedir aqueles dois. Não vai
adiantar nada você sair daqui e quebrar a cara do Benjamin. Também não vai
adiantar nada contar à sua avó e ela não acreditar em você. Eu acho que tenho
a capacidade de conseguir isso, ou pelo menos tentar.
— Jamie, tudo o que você ouviu hoje só prova como aqueles dois são
capazes de qualquer coisa. Eu não quero você metida nesse assunto mais do
que já está, não quero que se arisque por mim — Andrew fala, aborrecido.
— Mas ninguém precisa se arriscar, cara — Jack interrompe. —
Podemos criar uma situação toda e ter tudo nas mãos para agirmos a qualquer
momento. Assim a Jamie não corre perigo.
— O que você quer dizer? — Andrew pergunta fitando o amigo.
— Jamie, você acha que pode fazer isso hoje? Digo, arrancar a
confissão de Benjamin? — Jack pergunta-me.
— Eu… Eu acho que sim — afirmo.
— Bom, porque nós podemos fazer isso essa noite — Jackson
prossegue, empolgado com a ideia. — O jantar de hoje vai acontecer no salão
do hotel. Podemos reservar dois quartos, um para que Jamie fique a sós com
Benjamin e consiga a confissão dele, e outro para que nós possamos ficar
bem próximos e agir, caso ela precise da nossa interferência. Se Benjamin
tentar ultrapassar os limites, nós entramos lá e tiramos a Jamie.
— Não gostei — Andrew resmunga. — Não vou colocá-la em um
quarto com aquele canalha filho da puta.
— Eu já disse que você não decide o que eu faço, Andrew —
interfiro. — Jackson, siga com esse plano, vamos fazer isso.
— Por que vocês dois estão achando que podem pisar nas minhas
ordens? — Andrew nos encara. — Ninguém vai fazer nada sem a minha
permissão, estão ouvindo? Que cacete!
— Se você não quiser seguir o plano desse jeito, com segurança,
então eu farei de outra forma, mas vou fazer. É necessário, Andrew. O que eu
não vou fazer é ficar assistindo àqueles dois arruinando essa construtora e
saindo daqui vitoriosos. Eu entrei nessa com você e vou dar o melhor que
posso para te ajudar a ser o presidente da Simon’s. Por favor, fica comigo
nessa.
— É, Andrew — Jack concorda. — Eu também não vou assistir você
perder tudo para aqueles dois. Se a Jamie quer fazer isso, vou ajudar ela.
Tendo ou não sua aprovação.
— Ótimo. — Andrew suspira. — Tenho um melhor amigo imbecil e
uma mulher teimosa.
— Tá com a gente ou não? — questiono impaciente.
— Estou com vocês — Andrew cede. — Mas quero estar lá de olho
em tudo, e se Benjamin tentar alguma coisa vamos invadir o quarto e acabar
com a palhaçada. E depois que tivermos a confissão eu quero ter o direito de
quebrar a cara dele.
— Por mim tudo bem. — Dou de ombros com um sorrisinho.
— Vou até levar a pipoca pra assistir — Jack brinca.
— Preciso voltar ao trabalho — aviso. — Ou Benjamin pode
desconfiar de alguma coisa, e não queremos isso.
— Você vai voltar até lá para trabalhar com ele mesmo depois de tudo
o que ouviu? — Andrew pergunta-me.
— Eu vou, e você sabe que não tenho escolha. Além disso, ele não vai
tentar nada no escritório, tem muita gente.
— Ela está certa — Jack diz. — Benjamin sempre tenta ser o mais
discreto possível. O que podemos fazer é voltar à rotina e fingir que não
sabemos de nada. Entendido, Andrew?
Jack e eu o encaramos com olhares questionadores.
— Por que estão me olhando desse jeito? — Andrew pergunta. —
Não vou quebrar a cara dele ainda, relaxem.
***
Trabalhei o dia todo na presença de Benjamin, e foi uma das coisas
mais difíceis que eu já tive que fazer. Porque no fundo eu queria gritar com
ele, esbofeteá-lo, denunciá-lo por tudo o que eu sabia que ele estava fazendo.
Mas acabei agindo como a secretária eficiente que eu sou e fingi que nada
estava acontecendo. Quando meu horário terminou, peguei minhas coisas e
saí sem me despedir. Encontrei Andrew me esperando e fomos para casa
juntos. Durante o trajeto, dentro do carro, Andrew ficou insistindo que era
uma loucura eu me arriscar daquela forma. Mas eu o ignorei, não tinha volta,
alguém precisava fazer alguma coisa.
Quando chegamos à mansão, foi difícil cumprimentar todo mundo e
continuar fingindo que estava tudo bem. Escolhemos não contar a mais
ninguém o que sabíamos, nem mesmo para Abigail. Não queríamos ter que
lidar com ela, caso resolvesse por si própria quebrar a cara de Benjamin e
Olivia. Com Andrew ainda podíamos lidar, mas Abigail tinha um gênio mais
forte que o dele. Preferimos mantê-la no escuro.
Andrew foi tomar banho e se arrumar para o jantar, ele tinha que estar
impecável para o papel que teria que desempenhar. Eu fui até o quarto de
Abigail e nós duas nos arrumamos juntas. Ela escolheu para mim um lindo e
comportado vestido vermelho justo. Encheu-me de joias, arrumou o meu
cabelo e também fez minha maquiagem. No final, eu realmente parecia com a
esposa de alguém muito importante. Para si própria ela escolheu um
vestidinho preto, que também era justo, mas não tão comportado como o
meu. Ficamos prontas em três horas.
Quando retornei ao quarto, Andrew estava parado em frente ao
espelho tentando ajeitar o lenço dentro do bolso do paletó. Ele ouviu o som
dos meus saltos e se virou. Sorrindo orgulhosa com a minha própria
aparência, dei uma rodadinha e parei na sua frente.
— Você está linda — ele elogiou, mas não parecia feliz.
— Pela cara que você está fazendo estou me sentindo uma palhaça.
Ele riu e me puxou para perto.
— Você está incrivelmente linda, está longe de ser uma palhaça. Mas
isso me preocupa, porque o que eu acho bonito Benjamin vai achar duas
vezes mais. Ele sempre quer tudo o que eu tenho, e eu não posso deixar que
ele tenha você.
— Bom, eu acho que você está se esquecendo de que eu sou uma
pessoa. Eu tenho o direito de escolher algo, e entre você e Benjamin, eu
escolho você duas vezes.
— Jamie, se ele tentar qualquer coisa, se ele encostar em um fio do
seu cabelo….
— Eu já sei, eu já sei. — Empurro-o e me afasto. — Aí eu grito e
meus dois super-heróis vão estar lá para me salvar.
— Você está levando na brincadeira — Andrew acusa, começando a
ficar irritado novamente. — Eu tô falando sério.
— Eu também estou — afirmo. Aproximo-me dele novamente para
ajeitar o lenço caindo para fora de seu bolso. — Prometo a você que seguirei
com o plano.
— Obrigado por me acompanhar essa noite — Andrew agradece. —
E também por esse plano idiota.
— Tudo bem. Agora vamos fazer isso, não podemos chegar atrasados,
é o nosso jantar.
— Senhora Simons? — Andrew me oferece o braço, e eu aceito.
— Obrigada, Sr. Simons.
Descemos as escadas juntos e encontramos toda a família esperando
por nós. Elizabeth continuava fraca, mas exigiu fazer parte do jantar. Ela
queria ver com os próprios olhos tudo o que Andrew tinha preparado,
obviamente, todos discutiram com ela, mas perderam. Lorenna e Addison
também iam, tanto para fazer companhia para Elizabeth, quanto para ver de
perto tudo o que Andrew planejou.
Abigail parou no hall, girando duas chaves no dedo.
— Vamos, vó, sou eu que vou dirigir — anunciou, sorrindo de orelha
a orelha.
— Ai, meu pai amado, nossa senhora dos trânsitos, proteja minha
vida — Lorenna brincou.
— Mãe, eu não achei engraçado — Abigail retrucou.
— Vamos em carros diferentes? — perguntei ao Andrew.
— Sim. — Ele acenou, concordando. — No nosso, só tem lugar pra
gente.
— Confio na minha neta. — Elizabeth sorriu. — Vamos, Abigail, me
mostre como os jovens dirigem hoje em dia.
— Vó, você vai adorar — Abigail garantiu. — É pura adrenalina.
Todo mundo riu.
— A chave, Abby — Andrew pediu, e ela jogou para ele uma das que
tinha na mão.
— Pombinhos, divirtam-se no passeio. — Abigail acenou. — Mas
não se atrasem.
As quatro saíram pela porta da frente e nós seguimos atrás. Abigail
deixou a propriedade cantando os pneus do Porsche. Eu só conseguia pensar
em Elizabeth e Lorenna apavoradas e rezando para que ninguém morresse na
viagem até lá.
— Tenho uma surpresa para você — Andrew disse, quando paramos
no topo da escada, fora da mansão.
— Pra mim? Andrew, eu já perdi as contas de quantas surpresas você
fez pra mim.
— É porque não é pra você contar mesmo. — Ele sorriu. — Fica aí,
volto já.
Assisti a ele caminhar até a garagem do outro lado do jardim e entrar.
Desci a escadaria para esperá-lo. Ouvi o barulho distinto de um motor e ergui
a cabeça a tempo de vê-lo manobrando um carrão, que não era nenhum
daqueles que eu já estava acostumada a ver em sua garagem, mas era
igualmente lindo. O veículo dos sonhos, prata, brilhante e poderoso. Andrew
parou com o carro bem na minha frente e me deu um sorrisão imenso de
felicidade. Na hora, tudo o que me passou pela cabeça foi que ele havia
comprado esse novo brinquedinho para si mesmo.
Andrew abriu a porta do carro, deu a volta e parou na minha frente.
Ainda sorria feito um menino grande quando balançou a chave diante dos
meus olhos. Fiquei encarando o chaveirinho de abelhinha que ele tinha
pendurado junto à chave e, de repente, dei-me conta de que estava
entendendo tudo errado. Não era um brinquedo novo de Andrew, ele já tinha
os seus e estava contente com o que tinha. Aquilo era um presente para mim.
Um desejo que ele conhecia, pois tinha lido minha lista. De repente, fez
sentido toda aquela conversa sobre encontrar um instrutor. Não tinha nada a
ver com o fato de ajudá-lo quando ele precisasse, mas de ter a certeza de que
eu estaria apta a realizar mais um dos meus sonhos. Eu tinha tirado minha
carteira só há uma semana e Andrew ficou o tempo todo me dizendo que eu
precisava de um carro, mas eu fiquei falando que não era necessário. E agora
isso…
— Diz alguma coisa — Andrew pede, olhando-me com ansiedade.
— Andrew.
— Tá, eu adoro quando você diz o meu nome. Mas eu quero saber
sobre o carro.
Isso me fez rir um pouco.
— Por que isso?
— Porque você é a mulher de um cara que tem grana, um cara que
quer dar apenas o melhor para a esposa e, definitivamente, um cara que quer
tornar o desejo dela realidade.
— Andrew, isso não está certo. Você já realizou todos os desejos
possíveis da minha lista, e quando eu coloquei sobre o carrão, não quis dizer
que queria um. Eu teria ficado satisfeita de dar uma voltinha em um dos seus.
Você não tinha que ter comprado um carro para mim. Um carrão desses!
— Tarde demais para voltar atrás. — Andrew me estende as chaves.
— É seu, e você é quem vai nos levar até o nosso jantar. Acho melhor se
apressar, porque não podemos nos atrasar.
— Eu não sei dirigir isso! — protestei.
— Que eu saiba eu paguei aulas práticas para você aprender a dirigir
qualquer carro.
— Você devia ter me dado um carro mais normal, então — aponto.
— É um Nissan 370z e esse é um carro normal, querida. — Andrew
ri. — Vamos lá, quero ver se você é boa motorista.
Ai, meu Deus, quem precisa de Chris Evans quando se tem o Drew
Simons? Mais um desejo concedido!
***
Eu estava muito feliz quando chegamos ao hotel. Tinha sido o passeio
de carro mais incrível de todos. Senti-me uma celebridade com tanta gente
me olhando quando parei o carro em frente ao hotel e entreguei as chaves ao
manobrista. Senti saudades quase na mesma hora, Andrew até riu, mas me
confortou dizendo que eu voltaria a dirigir aquela belezinha mais vezes.
Entramos no salão do hotel de braços dados e começamos a passar de mesa
em mesa, cumprimentando nossos convidados. A maioria eram clientes e
funcionários da construtora. Cumprimentei todos com um sorrisão imenso,
enquanto ia sendo apresentada por Andrew como sua esposa. Demorou, mas
nós conseguimos passar em todas as mesas.
Logo depois, Andrew foi chamado ao palco, onde se reuniu com
outros funcionários e juntos fizeram a apresentação do mais novo, importante
e milionário trabalho da construtora. O projeto do resort para o senhor
Matsuhara, que também estava na plateia, entre os convidados da noite. Uma
maquete cinco vezes maior do que a que eu tinha visto na sala de Andrew
estava em exposição no salão, para que todos pudessem ver de perto o
trabalho. No telão, em cima do palco, logo atrás de Andrew, passavam
imagens mostrando tudo o que o resort teria para oferecer aos seus hóspedes.
Ao meu lado, vi várias pessoas apontando e distribuindo elogios sobre o que
viam diante dos seus olhos. Estavam todos animados e surpresos que o
projeto tivesse partido de Andrew.
O jantar foi servido logo depois, então Andrew deixou o palco para
me acompanhar até nossa mesa, onde nos sentamos com Elizabeth, Lorenna,
Abigail, Addison e Jackson. Elizabeth estava quase aos prantos de tanta
felicidade e orgulho do neto. Lorenna e Addison não paravam de elogiar
tudo. Abigail e Jackson só reafirmaram o quanto acreditavam no potencial e
na competência de Andrew. Foi um jantar extremamente alegre e agradável.
Quando a sobremesa foi servida que a situação começou a mudar. Comecei a
ficar preocupada e senti a tensão de Andrew e Jackson, pois ambos eram os
únicos além de mim que sabiam o que mais iria acontecer essa noite. Corri os
olhos pelo salão até encontrar a mesa onde Benjamin e Olivia estavam e
comecei a me questionar mentalmente como faria para convencê-lo a subir
para o quarto comigo e arrancar uma confissão sua. Eu já carregava um
pequeno gravador comigo, preso ao meu sutiã, e só de saber que ele estava ali
já ficava apavorada.
Por fim, depois da sobremesa, Elizabeth se despediu e disse que iria
voltar para casa e descansar. Lorenna e Addison deram os parabéns para
Andrew por todo o trabalho e foram com ela. Apesar de Elizabeth insistir
para que Abigail ficasse na festa, ela preferiu levar a mãe, a irmã e a avó para
casa. Assim que elas se foram, o nome de Andrew foi anunciado no palco.
Ele se levantou, mais do que preparado para o discurso que iria fazer. Jack
deu umas palmadinhas nas costas dele, incentivando-o. Assisti a Andrew
caminhar decidido até lá em cima e dar outro show como ninguém mais seria
capaz de fazer.
Andrew fez um discurso maravilhoso como eu sabia que faria, ele até
arrancou algumas risadas do público. Quando ele desceu do palco as pessoas
começaram a requisitá-lo em suas mesas. Eu estava circulando pelo salão
com uma taça de champanhe na mão e encontrei Benjamin parado perto de
uma pilastra. Ele estava me observando, isso me fez ter um ataque de pânico
de cinco segundos. Depois, respirei devagar e decidi que o momento tinha
chegado. Dei uma olhada ao redor para localizar Andrew e vi que ele estava
com um grupo de pessoas. Mas Jackson estava exatamente na minha linha de
visão e deu um aceno pouco perceptível, como se dissesse que estava de olho
e que eu poderia ir em frente. Confiei nele.
Caminhei em direção a Benjamin com uma determinação que eu não
tinha, e meus olhos não vacilaram um segundo sequer enquanto eu o
encarava. Parei discretamente ao lado dele como se quisesse dar a ideia de
que estava me escondendo.
— O que você está achando do jantar? — perguntei utilizando uma
voz que eu acreditava ser sexy.
— Como sempre, Andrew conquistou a todos — ele resmunga mal-
humorado, olhando na direção em que o meu marido está.
— Nem todos.
Isso chama a atenção dele, e Benjamin olha para mim, correndo seus
olhos de cima a baixo sobre o meu corpo.
— Perdão, eu me esqueci de mencionar o quão linda você está essa
noite.
— Obrigada — agradeço com um sorriso falso.
— Você deve estar contente que Andrew está conseguindo chamar
tanto a atenção das pessoas. Elizabeth não esperava por essa, ela adorou o
jantar.
— É. Tanto faz — murmuro. — Eu não ligo pra isso.
— Não liga? — Benjamin dá dois passos para perto de mim. —
Pensei que você quisesse que ele se tornasse o presidente.
— Se isso fizer com que ele ganhe mais grana, é claro que eu quero.
Benjamin ri, achando tudo divertido.
— Dinheiro então, é disso que você gosta?
— Disso e de outras coisas — sussurro.
— Jamie, Jamie, por essa eu não esperava. — Benjamin morde o
lábio inferior e dá outro passo, ficando cara a cara comigo. — Pensei que
estivesse ignorando minhas investidas.
— Suas investidas? — Finjo surpresa. — Que investidas? Você nunca
ligou pra mim.
— Isso não é verdade — ele diz. — Eu sempre estive de olho em
você, uma pena que Andrew tenha chegado primeiro.
— E você é casado — aponto.
— Infelizmente.
— Não que eu me importe com isso — eu me apresso em dizer.
— Não? — Ele ergue uma sobrancelha. — Então me diz que você me
acompanharia para outro lugar agora mesmo.
— Tenho um quarto reservado nesse hotel — sussurrei. — Vou na
frente, e você me segue se estiver interessado.
Não olhei para trás, simplesmente sabia que Benjamin iria me seguir.
Era agora. Não tinha mais volta. Eu ia fazer isso.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
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Jamie
Andrew
Andrew
Jamie
Andrew
Quando foi que um abraço se tornou algo tão importante para mim?
Eu sou obrigado a questionar isso enquanto Jamie tem seus braços em torno
do meu pescoço. Tenho certeza de que ela está me sufocando, porque sinto
que estou ficando sem ar. O corpo dela colado no meu é uma sensação que eu
não quero esquecer nunca, o toque dela é abrasador e ao mesmo tempo
acolhedor. O cheiro dela está em todo lugar, aquela essência de jasmim na
qual eu estou terrivelmente viciado. O meu peito queima com este sentimento
descoberto recentemente. E finalmente eu tenho a chance de dizer a ela tudo
aquilo que está enrolado em um nó gigante na minha garganta.
Só depois que Jamie me deixou aquela carta é que percebi que eu
nunca tinha realmente tido o medo de perder alguém. Quando os meus pais se
foram, a minha avó estava lá para cuidar de mim. E quando minha avó se foi,
eu sabia que teria a Jamie para mim. Eu sabia que com ela ao meu lado nunca
me sentiria sozinho e abandonado. Mas então aquelas palavras rasgaram o
meu peito e me fizeram crer que a vida era uma droga e que eu não merecia
ter o amor de ninguém. Todos, absolutamente todos os que eu amava estavam
me deixando. A Jamie era a última que me restara, ela era como uma ilha no
meio do oceano em que eu caí. Ela era a minha salvação, a minha esperança.
Mas tudo morreu quando eu soube que cada segundo da sua vida sempre foi
contado. E que existia uma possibilidade de que esses segundos estivessem
chegando ao fim.
No primeiro momento eu era um misto de emoções. Senti raiva
porque ela mentiu, porque escondeu a verdade de mim todo esse tempo. Senti
ódio porque ela podia estar doente, porque podia morrer e eu ia perdê-la. Eu
não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo, era azar demais
para uma única pessoa. Fiquei pensando que se existia um Deus talvez ele
estivesse tentando me fazer pagar por tudo o que eu já fiz me tirando a única
coisa que era importante para mim. Naquele momento regado de tanta
angústia e dor, meu primeiro alvo foi a bola de cristal. Lancei-a do outro lado
do quarto, quebrando-a em minúsculos pedaços de vidro que se espatifaram
no chão. Meu coração estava lá, quebrado da mesma forma.
Lutei para voltar a respirar, porque parecia que o ar da Terra havia
sido sugado. Rasguei a carta em milhares de pedaços procurando fingir que
ela nunca existiu, que nunca algo assim foi deixado para mim. Aqueles
primeiros cinco minutos depois de saber a verdade foram como uma ida ao
inferno. E quando me dei conta do que eu fiz, corri para juntar cada pedaço
de vidro no chão. Fiquei desesperado por ter destruído algo que era tão
valioso para alguém como a Jamie. Senti-me péssimo por ter estragado um
presente tão precioso. Busquei cola e passei metade da manhã sentado no
chão, tentando consertar o meu erro. E percebi que, assim como o meu
coração, não havia conserto.
Liguei para ela tantas vezes que perdi as contas, mandei infinitas
mensagens. Queria gritar com ela por ter feito com que eu me apaixonasse.
Antes dela eu tinha uma vida bacana. Saía com qualquer garota gostosa que
cruzasse o meu caminho, bebia até o esquecimento. Desfilava com os meus
carros e esbanjava a minha grana. Eu tinha a porcaria da vida que cada
homem na Terra deseja. Mas ela surgiu e estragou tudo. E eu não estou
dizendo que ela arrancou isso de mim, eu estou dizendo que ela me fez querer
arrancar isso de mim. Essa vida que eu tinha parecia divina, mas no fundo eu
sabia que não era. Faltava uma coisa… Uma coisa que só senti por ela: amor.
Foi preciso que Abigail entrasse no meu quarto e batesse na minha
cara para que eu acordasse. Eu só havia pensado nos lados negativos, não
busquei tentar encontrar uma coisa boa em toda essa situação. Mas quando
Abby me despertou daquele transe, ela me fez voltar a respirar outra vez.
Tentei me acalmar e, embora tenha sido muito difícil, eu consegui. E então
contei tudo para Abigail e para Jackson também. Ter que dizer em voz alta
tudo o que eu havia lido anteriormente fez com que a dor chegasse a ser até
maior. No entanto, só dessa forma é que eu fui perceber que estava me
precipitando.
Jamie não estava morta, só achava que estava doente. Uma pontinha
de esperança surgiu quando revisei suas palavras. Talvez ela estivesse
enganada, talvez o transplante tivesse dado certo. E mesmo se não tivesse
funcionado, deveria ter outro tratamento por aí, certo? Várias pessoas vencem
a leucemia todos os dias, por que a Jamie não venceria? Ela não era a minha
vó, e disso eu sabia, porque ela lutou todas as vezes que a doença insistiu em
ficar no seu caminho. Desde garotinha ela lutou para ficar no mundo. E se
essa força de viver estava em algum lugar dentro dela, eu tinha que buscá-la
novamente. Eu tinha que curar a minha abelhinha, porque, sem ela, eu não
conseguiria viver.
Nunca usei o meu dinheiro para fazer nada que realmente valesse a
pena, até aquele momento. O primeiro impulso que tive foi de pegar as
minhas malas para ir atrás dela, para lhe dizer que eu a amava, que estaria ao
seu lado ela querendo ou não. Só que Abigail me proibiu de fazer isso. Disse
que eu continuava muito alterado, ainda agitado demais. Ela me fez repensar
e achou que era melhor que a Jamie tivesse um tempo só para ela, enquanto
eu teria um tempo só para mim. Eu tinha que ir atrás da Jamie sabendo
exatamente o que dizer a ela. Não queria que ela pensasse que era apenas
uma garota qualquer por quem eu achava que tinha sentimentos. Eu queria
que ela soubesse com toda a certeza que era a única garota da minha vida,
que era tudo. Tudo.
Foi por isso que naquela tarde Abigail, Jackson e eu fizemos as nossas
malas. Não para ir atrás da Jamie, por enquanto não. Nós fizemos todas as
pesquisas possíveis e viajamos atrás dos melhores especialistas em oncologia
e hematologia. Eu queria ouvir de uma pessoa que entendia mais do que
qualquer um sobre o assunto. Queria saber o que era a leucemia, como agir
com uma pessoa com esse tipo de doença, qual o tratamento mais indicado e
quais os riscos diante de um, se havia realmente uma cura e quais eram as
chances de o transplante da Jamie não ter funcionado. Eu precisava saber dos
mínimos detalhes, porque faria o que tivesse que fazer para curá-la. Eu
entregaria todo o meu dinheiro se eles me garantissem que ela ia sobreviver.
Foi assim que fui parar em Washington. Conheci o doutor Davis e o
doutor Israel. Tivemos longas conversas, onde eles puderam me explicar tudo
o que eu precisava saber e tiraram todas as dúvidas possíveis. Mas ainda
disseram que para uma conclusão eles precisavam fazer exames na paciente,
ou seja, na Jamie. Isso, no entanto, não os impediu de me levar ao centro de
oncologia. Onde eu conheci todo e cada tratamento de leucemia. Para cada
caso havia um diferente, e era por isso que eles precisam conhecer o tipo de
leucemia que Jamie tinha.
Eu descobri que a doença matava mais de duzentas e sessenta mil
pessoas todos os anos e pela primeira vez eu realmente tive uma conversa
decente com Deus. Eu implorei a Ele que, se quisesse me retirar todos os
bens que havia recebido, que assim fosse. Mas que não me tirasse de jeito
nenhum a mulher que eu amava. Depois o doutor Davis me levou até o
hospital. Eu vi de perto pessoas sofrendo desse mal e entendi perfeitamente
por que Jamie não teve coragem de contar sobre suas desconfianças de que
estivesse doente de novo.
Era triste, era doloroso. Eu quase me senti um imbecil por estar
vivendo com tanta saúde quando aquelas pessoas só precisam disso.
Mulheres desanimadas e aflitas porque sua vaidade foi tirada delas. Além
disso, necessitavam ter sempre alguém por perto, cuidando, pois não
conseguiam fazer nem as coisas mais simples sozinhas. Homens que um dia
foram fortes e saudáveis se encontravam dependendo de alguém para se
locomoverem de um lugar para o outro. Tudo isso resultado de inúmeros
tratamentos, de remédios fortes usados em quimioterapias. Mas a esperança
também se encontrava lá, porque aquelas pessoas estavam lutando para viver.
E outras que eu também tive o prazer de conhecer obtiveram a tão grandiosa
cura. Eu queria que a Jamie se tornasse uma dessas pessoas.
Depois de uma semana em Washington, combinei com os dois
médicos para que viessem até Nova Iorque. Eu pagaria a fortuna que eles
quisessem para ter em qualquer hospital tudo o que precisassem para
examinar e cuidar da Jamie. E com tudo acertado, retornei para casa. Fui
tomado pelo desejo de ligar para ela, de contar sobre as novidades, de
compartilhar tudo o que ouvi. Eu ansiava ouvir a voz dela, sentir o seu toque
e ver aquele lindo sorriso se abrir para mim. Mas novamente me impedi de
fazer isso, assim como me impedi de ir atrás dela.
Dessa vez eu queria fazer tudo direito, da forma que deveria ter sido
desde o começo. A primeira coisa que eu fiz foi ir até uma joalheria. Quando
a vovó ainda era viva, ela me contou uma história sobre o meu pai. Ela disse
que ele amava a minha mãe tanto quanto ela o amava. E isso eu sempre
acreditei, ambos demonstravam muito esse amor. Quando chegou o momento
do meu pai pedi-la em casamento, ele foi até a melhor joalheria e em dez
minutos encontrou o anel perfeito para a minha mãe. Vovó disse que ele se
referiu ao anel como o “espelho dos olhos dela”. Antes eu não entendia o que
ele quis dizer com isso, mas agora eu sabia. O anel era um círculo dourado
com uma pedra valiosa, grandiosa e azulada em cima. A pedra preciosa tinha
a mesma tonalidade de azul dos meus olhos, que eram também da mesma
tonalidade dos da minha mãe. O anel se encaixava nela como se já tivesse
nascido para ser seu, assim como seus olhos azuis que nasceram com ela.
Quando noivei de mentira com a Jamie, dei o anel a ela. Achei que
era o que meu pai, minha mãe e até a vovó iriam gostar de ver. Uma herança
de família sendo passada para a próxima geração. No entanto, aquele anel não
tinha nada a ver com a Jamie. Ela não tinha os olhos azuis, e a pedra era
espalhafatosa demais para os seus dedos pequenos e delicados. Nunca
procurei ligar uma coisa à outra. Entretanto, quando entrei na joalheria aquele
dia, entendi tudo. Não precisei de dez minutos como o meu pai, dois minutos,
para ser exato, já foram o suficiente para encontrar o anel perfeito para a
mulher perfeita aos meus olhos.
Finalmente, depois de longas duas semanas longe dela, nem Abigail e
Jackson juntos conseguiram me convencer a dar mais tempo a nós dois.
Tempo se tornou algo muito essencial, fundamental e valioso na minha vida.
Então eu fiz minha mala, e minha prima e melhor amigo fizeram o mesmo.
Estavam nessa comigo e com a Jamie, e juntos mostraríamos a ela o quão
importante ela era para nossas vidas. No voo para o Texas eu me sentia como
uma criança prestes a entrar no jardim de infância. Ansioso demais, curioso
para vê-la outra vez. E definitivamente muito nervoso. Mas quando enfim
cheguei ao meu destino, soube que cada atitude que tomei foi a correta.
Abracei-a tão forte quanto ela estava me abraçando, inspirei aquele
cheiro doce que nos últimos dias eu só havia sentido através de seu
travesseiro. Senti aquela pele quente e macia contra a minha outra vez. E
voltei a olhar no fundo daqueles olhos que para mim nunca deixariam de ser
um mistério. Sejam eles castanhos ou verdes, eu os amava exatamente desse
jeito. Assim como amava cada detalhe nela do jeitinho que era. Busquei os
seus lábios afoito, audacioso e destemido, beijei-os, mordiquei-os, provei-os
de leve. Fui ao céu quando senti o seu gosto na minha língua, e tudo dentro
de mim se acendeu. Não consegui manter minhas mãos longe dela, percorri
seus braços, seus ombros, sua clavícula, desci pela lateral do seu corpo,
parando em sua cintura apenas para trazê-la mais perto de mim. E continuei a
devorar incansável aqueles macios lábios rosados.
Por mim jamais teria me afastado. Faria dela parte de mim, e nunca
teríamos de nos separar. Mas fomos forçados a voltar à realidade, e Jamie foi
a primeira a dar um passo para trás. Seus lábios agora estavam vermelhos e
inchados, e seus olhos brilhavam com lágrimas não derramadas. Eu nunca
conseguiria me acostumar com a imagem de ver aqueles olhos banhados em
lágrimas. Apenas o pensamento de isso acontecer era esmagador demais. Mas
aqui estava ela, diante de mim, frágil e à beira das lágrimas.
— Desculpe, Andrew — murmura, olhando para os próprios pés.
— Por que você está me pedindo desculpa?
— Pela carta. — Ela funga e dá outro passo para trás. — Eu não
queria ter escondido tudo isso de você, mas não sabia como dizer.
— Eu entendo, Jamie. Agora entendo mais do que você imagina.
— Como assim?
— Sei que teve medo sobre qual reação eu teria — prossigo. — E
você estava certa, se tivesse me contado quando nos conhecemos, eu sequer a
tomaria como uma possível candidata a ser minha noiva. E se houvesse me
contado depois, eu teria explodido de raiva assim como fiz com você estando
longe.
— Eu sinto muito. — Uma lágrima desliza pela sua bochecha diante
dos meus olhos. — Queria tanto ser a pessoa ideal para você, Andrew.
— Mas você é. — Dou um passo para frente, cruzando o espaço vazio
entre os nossos corpos. — Você acha que eu vim até aqui por quê? Para te
dizer que eu li a carta, tive raiva de você, mas passou? Não, Jamie, eu não
vim até aqui por isso.
— Andrew, eu sei o que você quer me dizer, mas não diga — ela pede
com seus olhos ainda cravados no chão. — Eu te amo, mas não estou pedindo
nada em troca.
— Não se trata de uma troca, Jamie.
— Andrew, se você me amasse não levaria duas semanas para
descobrir que a minha presença é indispensável — ela diz. — Se você me
amasse saberia que eu sofri tanto quanto você, estando longe durante todo
esse tempo.
— Jamie, eu tive bons motivos para ter demorado todo esse tempo,
acredite em mim, posso enumerá-los. — Seguro o queixo dela e o ergo,
fazendo seus olhos encontrarem os meus novamente. — Primeiro a
insuportável da Abigail me obrigou a controlar meu temperamento, coloque a
culpa nela por eu não ter pegado o primeiro avião depois que você partiu.
Segundo, culpe o Jack por ter tido a ideia de fazer umas pesquisas incríveis
na internet sobre a sua doença. E terceiro, culpe a mim por ter buscado
conhecer de perto tudo o que você passou e pode vir a ter que passar
novamente. Porque, Jamie, eu quis saber tudo sobre as suas necessidades, já
que pretendo estar ao seu lado daqui em diante.
— Andrew…
Ela começa a chorar, desta vez deixando as lágrimas caírem
livremente. Puxo-a para perto de mim, e ela enterra a cabeça no meu peito.
— Ah, e eu peguei o primeiro voo disponível hoje para chegar aqui.
Infelizmente demorei um pouco porque tivemos uns probleminhas.
— Que probleminhas? — ela balbucia e sua voz sai abafada pela
minha camisa.
— O carro que alugamos quebrou a uns sete quilômetros daqui —
explico. — Abigail e Jackson ficaram tentando encontrar o problema, mas eu
acho que o único resultado que eles vão conseguir é uma terceira guerra
mundial.
Jamie dá uma risadinha no meu peito, e eu suspiro aliviado.
— Como você chegou até aqui? — ela pergunta. — A pé?
— Eu? A pé, minha querida? — Aperto meus braços ao redor dela e
curvo-me para alcançar seu pescoço. — Eu roubei um cavalo.
Ela se afasta rapidamente e seca as lágrimas com o dorso da mão.
— Como assim, roubou um cavalo? — questiona-me séria.
— Roubei um cavalo — repito e aponto para trás de mim, em direção
a um lugar à distância, na cerca, onde um cavalo malhado está pastando. Dou
um sorriso torto ao ver sua expressão de espanto. — Não é branco como o de
um príncipe, mas é charmoso como eu, você não acha?
— Oh, meu Deus! — Ela ri. — Não creio que você roubou um
cavalo!
— Tive pressa de chegar até você — confesso. — Afinal, foram
longas duas semanas…
— Andrew, você não sabe onde está se metendo — Jamie diz
voltando a ficar séria. — Eu não escondi meu segredo de você por um motivo
qualquer, eu escondi porque sei que você não pode lidar com isso. Escute,
você perdeu a sua avó, e eu estou fadada a passar por algo muito parecido
com o que ela teve. Não vou levar mais sofrimento e dor a você, não vou te
prejudicar.
— Você acha que eu não poderia te amar porque você pode estar com
leucemia?
— Não, Andrew, eu não estou dizendo que você não poderia me
amar. Estou te dizendo que você não pode me amar, porque quando a doença
me atingir como já fez no passado, eu não serei a mesma Jamie que você está
vendo agora. — Ela passa as mãos nos cabelos em um gesto nervoso e solta
um suspiro pesado. — Andrew, quando eu fiquei doente, minha vida se
resumia a quimioterapias, horas perdidas em um hospital. Meu cabelo caiu,
minha pele perdeu a cor. Fiquei fraca, inútil e digna de pena. As pessoas
olhavam para mim e desejavam nunca ter que passar pela mesma situação. Eu
virei um peso a ser carregado. Se eu tiver que passar por tudo isso de novo,
não quero que esse fardo caia sobre você, porque você merece algo muito
melhor. Tudo o que está vendo agora, estes cabelos, estes olhos, estes lábios,
este corpo que você deseja… Tudo isso vai se transformar em algo
desconhecido, você não vai encontrar a Jamie que conhece quando a doença
retornar com toda a força.
— Jamie, o meu coração já ama o seu, o que você é do lado de fora é
lucro.
— Lucro? — ela resmunga.
— Ei, estou tentando ser romântico — replico. — Desculpe se
esqueci de tudo o que eu tinha para dizer.
— Andrew, eu estou falando sério. — Ela me lança um olhar
reprovador.
— Eu sei, Jamie, tive infinitas provas da seriedade dessa situação —
continuo falando rapidamente. — Você é que não entende nada! Você é o
meu melhor. Você me tornou alguém melhor. Todos os dias, quando eu
acordo, quero ser alguém melhor por você. E, Jamie, que bom que não é você
que decide como a vida é. Porque você é minha e eu estou disposto a fazer
qualquer coisa para que entenda isso. Se você tiver que estar em um hospital,
eu quero ser aquele que vai te acompanhar. Se você tiver que enfrentar a
quimioterapia, eu quero ser aquele que vai segurar a sua mão. Se os seus
cabelos caírem, sua pele perder a cor e seus olhos não brilharem, quero ser
aquele que vai te beijar e mostrar que não importa em que corpo você esteja,
eu amo o que existe dentro de você. Posso ter sentido atração pelo seu
exterior, mas eu me apaixonei primeiro pela sua bondade, humildade,
determinação, coragem e força. Isso você vai ter para sempre, nem mesmo
uma doença pode te tirar isso. Essa é a Jamie que eu amo, somente ela.
— Andrew — ela murmura com a voz embargada pelo choro. — E se
eu morrer? Eu não quero arruinar você com a minha partida.
— Se você morrer, minha alma morre com você. — Dou um passo à
frente e passo o polegar sobre sua bochecha macia para coletar uma lágrima
perdida. — Se você morrer primeiro do que eu, então eu ficarei aguardando o
dia em que a encontrarei novamente. E vai ser nesse momento que o meu
coração vai bater outra vez, quando eu voltar a te encontrar. E acredite, eu
vou te encontrar, abelhinha.
— Eu queria tanto que isso fosse possível, Andrew, eu queria muito
— Jamie admite.
— Abelhinha, uma vez a minha mãe disse que quando você ama
alguém de verdade, é um amor de coração e também de alma. Não importa
quantas vidas a pessoa vive. Seu coração sempre vai amar unicamente este.
— Ponho a mão dela sobre o meu peito e seguro firme. — Assim como sua
alma foi feita para se encaixar somente neste. — Puxo-a para perto até que
cada centímetro dela esteja ligado a mim, e nossas mãos entrelaçadas entre os
nossos corpos. — Confesso que pensava que isto não passava de uma besteira
dela. Mas então eu conheci você, e, meu Deus, foi como um soco na cara.
— O quê? — Ela respira.
— Jamie, eu te amo de coração e alma, e isso é para sempre.
— Como eu posso duvidar de algo assim? — Ela abre um terno
sorriso para mim. — Você conseguiu, Andrew Simons.
— Como?
— Você conseguiu ser romântico.
— Porra, viu? — eu me gabo. — Eu disse que era bom em tudo o que
eu fazia.
Ela solta uma risadinha e fica nas pontas dos pés para me beijar.
— Eu te amo e vou te amar em cada momento em que estivermos
juntos, Andrew — ela sussurra contra os meus lábios. — Sejam eles apenas
dias, meses ou anos.
— Pera aí. — Afasto-a de mim e tiro a pequena caixinha de veludo
preta do meu bolso. — Nós começamos isso tudo errado, e agora eu juro a
você que farei tudo certo, ou pelo menos tentarei fazer tudo certo. Foi errado
pedir que você fosse minha noiva de mentira por causa do dinheiro, só que eu
não me arrependo disso, porque foi dessa forma que você chegou até mim.
Agora, do que eu me arrependo é de ter dado o anel que está no seu dedo
como prova de um amor falso. — Ajoelho-me diante dela e seguro sua mão.
— Senhora Simons, você me daria honra de se casar comigo?
Ela arregala os olhos para a caixinha quando eu abro e revelo um
círculo de ouro branco delicado como a pele dela. Com uma pequena e
simples pedrinha verde que me lembra dos olhos dela. Um arquejo escapa
dos seus lábios.
— Outra vez?
— Sim, outra vez — concordo. — Mas desta vez você vai ter um
casamento digno de uma princesa. Eu quero que você escolha um vestido tão
lindo quanto o que você tem sonhado. Acrescente toda a porcariada de véu,
grinalda, flores e sei lá mais o que. Mas tenha a certeza de que, desta vez,
quando você entrar na igreja e olhar na direção do seu noivo, e caso você
esteja se perguntando que noivo é este, sou eu, prazer, eu vou estar olhando
para você com o sentimento espelhado em seus olhos.
— Amor — ela sussurra.
— Amor — afirmo.
— Tem certeza de que é isso o que você quer?
— Nunca tive tanta certeza de algo — digo. — Então, Jamie, o que
vai ser? Você quer ser a minha senhora Simons outra vez?
— Nunca deixei de ser. — Ela sorri. — Sim, eu aceito me casar com
você… Outra vez.
Obrigado, Senhor…
Tiro o anel da caixinha e substituo-o pelo que ela já tem no dedo.
Levanto-me e levo meus lábios à sua mão para um beijo terno.
— Eu não acredito que você se ajoelhou para mim — ela diz em meio
às lágrimas.
— Sinta-se especial, porque você é a única para quem eu faria algo
assim.
— Eu posso beijar você?
— Olha, os beijos no rosto vão custar um dólar, nos lábios uns cinco
dólares, se você quiser usar as mãos e fazer umas saliências vai custar uns
dez dólares…
— Andrew — ela me interrompe. — Se você não me beijar agora, eu
vou…
— É brincadeira, amor — corto-a rapidamente. — Pode usar e abusar
de mim, eu deixo.
Ela passa as mãos em volta do meu pescoço e raspa de leve seus
lábios nos meus, provocadora como sempre.
— É exatamente o que eu vou fazer — Jamie promete dando-me seu
lindo sorriso malicioso.
Esmago meus lábios nos seus, beijo-a como se fosse a primeira e
também a se última vez. E em silêncio prometo que todos os nossos beijos
serão exatamente como este.
— Até que enfim! — senhor Walter grita da varanda fazendo, com
que Jamie e eu nos afastemos rapidamente. — Demorou, hein, filho?!
— Pois é. — Coço a cabeça.
— Será que agora posso confiar que você vai cuidar da minha Jamie?
— ele questiona-me.
— Papai — Jamie interfere, repreendendo-o. — Ele nunca deixou de
cuidar de mim.
— Tanto faz. — Ele estala a língua. — Se magoar ela mais uma vez,
não vou errar aquele tiro. Está me entendendo?
— Sim, senhor — concordo.
— Parabéns, docinho — Annete diz para Jamie. — Vocês dois serão
muito felizes, fazem um lindo casal.
— Obrigada, tia — Jamie agradece.
O barulho de buzina a distância faz com que todos olhem em direção
à estrada de terra que leva até a fazenda. Uma SUV preta vem em alta
velocidade, disparando poeira para todos os lados. Faz uma curva perto da
cerca e quase atropela o cavalo que eu roubei. Por fim diminui a velocidade e
para em frente ao casarão. Uma porta se abre do lado esquerdo e Jackson pula
para fora, tossindo por causa da poeira. O som estridente de Rihanna explode
de dentro do carro.
— Puta que pariu! — Jackson exclama. — Nunca mais ando com essa
maluca!
A porta do motorista se abre, e Abigail desce vestida em seus shorts
curtos, blusa curta, bota de cano alto até o joelho e um chapéu de cowgirl que
ela comprou numa loja de conveniências.
— Ei! — Abby saúda a todos. — Senhor Walter, e aí? Como vão as
vaquinhas? Pastinho bonito, hein?
O pai de Jamie dá um sorriso torto e balança a cabeça.
— Bom te ver novamente, Abigail — ele diz.
— Conseguiram consertar o carro? — pergunto.
— Ah, sim, aquele imbecil finalmente serviu para algo que preste e
consertou — Abby diz rolando os olhos. — Mas e você, consertou a sua
vida?
Dou de ombros.
— É, consertei.
— Parabéns, cara — Jack diz. — E a você também, Jamie, agora é
tudo de verdade.
— Obrigada, Jack.
— Pera aí, então o que estamos todos fazendo aqui ainda? — Abigail
interrompe. — Temos um casamento para organizar!
***
Retornamos a Nova Iorque, e embora eu quisesse aproveitar todos os
momentos com a Jamie, sabia que havia coisas mais importantes a serem
feitas. Por isso no dia seguinte, quando acordamos, eu a fiz se arrumar e dei
início à minha missão de curá-la. Logo após o café da manhã — que Jamie se
negou a comer por estar enjoada — nós fomos ao hospital. Abigail e Jackson
fizeram questão de nos acompanhar, e não negamos.
Encontramos o doutor Davis e eu lhe apresentei a Jamie. Entramos no
consultório que ele estava utilizando, e Jamie começou a longa tarefa de lhe
contar tudo sobre a sua leucemia. Desde o momento de sua aparição, aos dez
anos de idade, até a sua última consulta médica, onde os médicos lhe
disseram que ela teria de aguardar cinco anos para ter certeza de que seu
transplante de células-tronco de cordão umbilical tinha realmente funcionado
e lhe trazido à cura. Tenho que dizer que foi mil vezes mais difícil ouvir de
sua boca a história, que era comovente e ao mesmo tempo inspiradora. Ela e
minha avó eram as mulheres mais fortes que eu já tinha conhecido na vida.
— Então, deixe-me ver se eu entendi — interrompe o doutor Davis.
— Você realizou o transplante há quatro anos e acha que não funcionou, pois
está apresentando os sintomas da doença mais uma vez?
— Sim — Jamie afirma.
— E os últimos exames que você fez foram há um ano? —
questionou.
— Sim, faz mais ou menos um ano que fiz os exames para ter certeza
de que não havia células doentes.
— E?
— Minhas células continuavam saudáveis, mas eu acho que algo
mudou. Eu não me sinto bem como antes, estou apresentando os mesmos
sintomas de quando estava doente. Cansaço excessivo, perda de apetite,
tonturas, vertigens e até enjoos.
— Eu gostaria que você fizesse um exame, rápido e prático, que nos
dirá como está seu estado de saúde atual — doutor Davis fala.
— Tudo bem — Jamie concorda.
— Quando vamos ter o resultado do exame? — pergunto.
— Bom, o que eu vou pedir agora é apenas um hemograma — Davis
me responde. — Ou seja, exame de sangue. Será possível ter o resultado
dentro de algumas horas. Ou, se preferir, pode retornar amanhã.
— Quero que seja o mais rápido possível — digo.
— Andrew. — Jamie me lança um olhar. — Podemos voltar amanhã?
— Certo. — Suspiro. — Retornamos amanhã, doutor, acho que hoje
já foi demais para a Jamie.
— Bom, me acompanhe, Jamie, vou pedir a enfermeira para coletar
seu sangue. — Doutor Davis se levanta e acompanha Jamie para outra sala.
Encontro-me com Jack e Abby na sala de espera. Minha prima lendo
uma revista, e Jack cantando uma enfermeira.
— Como foi? — Abigail me pergunta.
— Estão coletando o sangue dela para um hemograma — digo. —
Vamos retornar amanhã para saber o resultado.
— Só amanhã?
— Sim. A Jamie prefere assim.
— E aí, cara, o que é que deu lá? — Jack pergunta.
— Você saberia se tivesse escutado ele, em vez de estar dando em
cima daquela coitada — Abigail resmunga.
— Ela é gostosa. — Jack sorri.
Abigail revira os olhos.
— Você é um porco.
— E você é insuportável, mas a vida é assim, minha querida — Jack
retruca.
— Cristo, nem aqui vocês conseguem não discutir? — Encaro Abby e
depois Jack. — Sério, eu não sei o que deu em vocês, mas precisam resolver
isso logo.
— Não “deu” nada com a gente — Abigail diz ríspida.
— Vou buscar a Jamie — aviso. — Podem continuar a discussão,
pombinhos.
***
No dia seguinte retornamos os quatro ao hospital. Dessa vez a Jamie
parecia mais nervosa e agitada. Tentei de tudo para tranquilizá-la, mas eu
também não estava no meu melhor. Estava com medo do que o doutor Davis
poderia dizer, mesmo que na minha cabeça eu já tivesse repassado várias
situações diferentes. Era impossível não ficar assustado com algo que poderia
mudar nossas vidas para sempre. Eu torcia para que ele dissesse que a doença
não tinha voltado, ou mesmo que poderíamos curá-la, ainda que Jamie
estivesse doente mais uma vez. Eu não aceitava menos que isso de maneira
nenhuma.
— Vai dar tudo certo — Abigail diz a ela. — Estou confiante.
— Estaremos aqui esperando por vocês — Jack fala.
— Obrigada — Jamie agradece, embora sua voz seja apenas um sopro
de vento.
Doutor Davis nos cumprimenta assim que entramos no consultório e
aperta nossas mãos gentilmente. Junto a ele está uma médica, uma mulher em
torno dos quarenta anos com um sorriso agradável.
— Andrew, Jamie, essa é a doutora Sandra — Davis diz,
apresentando-nos.
— É um prazer conhecê-los. — Doutora Sandra estende a mão para
nos cumprimentar.
— Sentem-se — Davis pede, indicando-nos as poltronas.
— Então, Doutor, e o resultado? — pergunto impaciente.
— Está alvoraçado demais, Andrew — Davis observa. — Já vou falar
sobre o exame.
— É grave, doutor? — Jamie pergunta ao meu lado.
—Já vi que vocês querem ir direto ao ponto, então, em uma
linguagem que Andrew possa compreender e que não deixe dúvidas para
nenhum de vocês, o hemograma de Jamie está perfeitamente normal —
Davis conta.
— Normal? — Jamie repete.
— Normal — Davis assente.
— O que exatamente é normal? — pergunto, olhando entre Jamie e
Davis. — Normal é bom, né?
— É impossível que eu me faça mais claro, Andrew. — O doutor
Davis sorri. — Não há sinal de células doentes. Jamie, você pode continuar
acompanhando seu estado de saúde. Aliás, é muito importante que refaça os
exames mais vezes, no entanto, não acredito que precisa esperar mais um ano
para receber a notícia de que está curada.
— Oh, não, não… — Os olhos de Jamie se enchem de lágrimas,
enquanto eu fito o médico paralisado. — Você tem certeza, doutor?
Davis ri.
— Você até pode fazer um mielograma para ter certeza de que a
doença não está presente em sua medula óssea. Mas o hemograma é o
suficiente para nos dar a certeza de que suas células sanguíneas estão
normais.
— Então a Jamie está…
— Curada? — completa o médico. — Sim, Andrew, a Jamie está
curada.
— Não é possível! — Jamie arqueja. — O transplante deu certo?
— Os resultados dos transplantes com células-tronco do cordão
umbilical são muito promissores. É, atualmente, uma das melhores formas de
tratamento para a leucemia, pois tem apresentado resultados muito
satisfatórios. Muitos pacientes alcançam a cura após o transplante e com você
não foi diferente, Jamie.
— Doutor, mas isso não está certo. — Jamie balança a cabeça
incrédula. — Eu não estou bem, eu tenho ficado cada vez pior. E minhas
tonturas, e meus enjoos?
— Jamie, antes de solicitar os seus exames, encontrei-me com uma
grande amiga, a doutora Sandra. Conversei com ela a respeito do seu caso,
pois algumas coisas que me disse no consultório me deixaram com dúvidas.
Após nossa conversa, Sandra me aconselhou a requisitar um segundo exame
com a sua amostra de sangue. Portanto, tomei a liberdade de fazê-lo. Quando
recebi seu hemograma notei que ele apontou uma baixa quantidade de
hemoglobina e, às vezes, isso é sinal de outra coisa.
— Bom, é aqui que eu entro, pois se trata da minha área. Davis e eu
verificamos o resultado do seu segundo exame, o Beta-HCG, e tivemos a
confirmação de nossas suspeitas. Já sabemos por que você achou que
estivesse doente. — Doutora Sandra se concentra em Jamie. — Suas
vertigens e enjoos estão ocorrendo porque seu fluxo sanguíneo está se
adaptando ao aumento do volume de sangue no sistema circulatório.
— Meu Deus, doutora! — exclamo, encarando a médica. — Será que
a senhora pode fazer como o doutor Davis e explicar as coisas na minha
língua?
A médica sorri.
— Tontura devido a enjoo, fome, calor e também por se levantar
muito rápido é comum nestes casos — Sandra responde.
— Que casos? — Jamie pergunta fitando a médica.
— Em casos de gravidez — Sandra conclui. — Você está grávida,
Jamie.
Hã?
— Oh, Deus! — Jamie ofega.
— Não, não, não… Tem algo errado aí, doutora. — Levanto-me
apressado e passo as mãos pela cabeça, revirando meus cabelos.
— Por que estaria errado, Andrew? — a médica pergunta.
— É impossível! — Olho para Jamie e percebo que ela está chorando.
— Doutora, eu coloquei todos os meus meninos para fora.
— Andrew! — Jamie repreende-me em meios às lágrimas.
— Andrew, obviamente um dos seus “meninos” foi mais rápido do
que você — Sandra afirma com um sorriso no rosto. — Além disso, você
deveria saber que “colocar para fora” não é nem de longe um método seguro.
— Puta merda! — exclamo. — Eu não sei nem cuidar de mim, o que
eu vou fazer com um bebê?
— Filho, é nesta fase que você descobre a paternidade. — Doutor
Davis passa por mim e me dá um tapinha nas costas. — Vamos, Sandra,
vamos deixá-los sozinhos.
Os médicos deixam o consultório, e eu volto a andar de um lado para
o outro. Não sei o que eu estou sentindo. Sou o homem mais feliz do mundo
por saber que a minha Jamie está curada. Parece até um sonho, mas… Saber
que eu vou ser pai? Eu estou me borrando, não, não, estou me cagando de
medo! Não é que eu não tenha pensado em ter filhos um dia, mas agora? Eu
acho que não estou preparado para criar uma criança, eu nem sei o que é ser
um pai. E não posso errar nisso, não me perdoaria se eu errasse com o meu
próprio filho. Meu Deus, eu vou ser pai. Jamie vai ser mãe. Vamos ser pai e
mãe.
O choro da Jamie me faz voltar ao presente, àquela sala, ao espaço
confinado onde eu pareço estar sendo sufocando.
— Ei, ei… — Ajoelho-me no chão em frente à cadeira dela. — Não
chora, Jamie.
— Eu não sei… não sei o que dizer, Andrew.
— A ideia de ter bebês comigo te apavora também? — pergunto.
— O quê? — Ela olha para mim em meio às lágrimas. — Não! De
jeito nenhum! Não estou chorando pelo bebê, e sim porque estou curada.
— Lágrimas de alegria, então?
— Lágrimas de alegria — ela concorda.
— Bom. — Suspiro.
— Você não parece feliz — Jamie aponta. — Você não queria, não é?
Ter um filho te deixa assustado? Andrew, parece que você vai desmaiar.
— Jamie, se eu tivesse que escolher uma mulher no mundo inteiro
para ser mãe de um filho meu, eu não pensaria duas vezes antes de escolher
você.
— Mas? — ela insiste.
— Mas estou com medo, sim, e talvez desmaie mesmo, tô sentindo
minha visão um pouco escura — admito. — Não é como um gato sarnento
que pegamos da rua, damos comida, água e fim. É um filho.
— Andrew, eu não quero obrigar você a ser pai — Jamie murmura.
— Se você acha que não pode lidar com isso, não vou te julgar. Eu também
fui responsável por essa gravidez.
— Você acha que eu vou desistir de você ou desse bebê?
Ergo o queixo dela e dou um beijo casto em seus lábios.
— Você disse que está com medo.
— E eu estou. Mas tenho certeza de que com você ao meu lado nós
vamos passar por isso. Aliás, vamos ser os melhores pais do mundo.
Ela sorri abertamente, seus olhos se iluminam com a possibilidade
desse futuro que pinto diante dela.
— Verdade?
— Claro! — concordo. — Quem você acha que vai ensinar o garoto a
pegar mulher? Quem vai dar o primeiro porre pra ele? Vou ser um paizão.
Jamie revira os olhos.
— Andrew, você não vai tornar o meu bebê em outro sapo boca suja
— Jamie diz fingindo estar brava. — Além disso, e se for menina?
— Se for menina, vamos manter essa miniabelhinha trancafiada a sete
chaves — digo veementemente. — Assim, nenhum sapo boca suja irá se
aproveitar dela.
Jamie ri.
— Você será um ótimo pai, eu tenho certeza disso.
— Sou bom em muitas coisas, não? — Pisco para ela. — No fim das
contas, acho que concordo com você. Vou ser um ótimo pai e você vai ser
uma ótima mãe. Esse bebê não poderia ter pais melhores do que nós.
— Que nome vamos escolher? Se for menina, eu penso que seria bom
chamarmos de…
Tomo seus lábios nos meus, interrompendo-a. Levanto-a da cadeira e
coloco-a sentada sobre a mesa do consultório. Jamie tenta interromper o
beijo, mas eu apenas o aprofundo mais ainda. Enfio-me entre suas pernas,
com uma das mãos seguro delicadamente sua nuca e com a outra a trago para
mais perto. Perco-me no gosto dos seus lábios. Engulo todos os seus gemidos
baixos e todos os seus suspiros de contentamento. Drew Junior anima-se lá
embaixo, e dessa vez nem penso em impedi-lo.
— Drew — Jamie ofega.
— Silêncio, abelhinha. — Capturo seu lábio inferior entre os meus e
dou uma leve mordida, arrancando-lhe um gemido. — Vou te mostrar no que
mais eu sou bom, amor.
E eu mostro.
No consultório.
Em casa.
No trabalho.
Na rua.
Em qualquer lugar.
Eu mostro que, se Jamie estiver ao meu lado, eu serei bom em muitas
coisas.
Porque é por ela que eu quero ser esse homem.
Foi ela quem me tornou esse homem.
EPÍLOGO
--—————————————————————————————
Jamie
Fim
AGRADECIMENTOS
--—————————————————————————————
Caro leitor, faz três anos que esta obra foi escrita e finalizada, embora
eu só esteja escrevendo os agradecimentos agora. Esta última página, por
algum motivo que não sei explicar, tem me mantido durante dias e noites
com uma sensação inquietante. Talvez seja porque os agradecimentos me
fazem lembrar finais, e finais me lembram de despedidas, e despedidas me
lembram do quanto não sou boa com essas coisas. Eu não sei — e não gosto
— de dizer adeus, portanto, desta vez, vou sorrir e escrever estas linhas até o
final com a certeza de que isto não é um adeus, e sim um até logo.
Eu ainda seria uma tímida e insegura garota se não houvesse
conhecido os livros e, com eles, a escrita, e, com ela, o imenso mundo
fantástico da literatura. Então, para começar, agradeço de todo o coração a
uma jovem garota de cabelos azuis e óculos, que com seus gibis do InuYasha
e sua meiga aparência de nerd me apresentou os primeiros livros com que
tive contato. Lê, obrigada por ter sido a minha melhor amiga no momento em
que eu mais precisava de uma. Por ter me apresentado o Nyah! Fanfiction,
mas, principalmente, por simplesmente ter surgido na minha vida e por ter
me dado o melhor presente de todos: a minha autodescoberta como leitora.
Quando comecei a escrever, mantive isto em segredo de todos ao meu
redor, e, no início, era incrivelmente bom ter algo só meu. Às vezes eu me
sentia como uma super-heroína carregando um segredo. Ser escritora era a
identidade minha que precisava ser mantida longe dos olhos do mundo, mas
como acontece com a maioria dos super-heróis, minha identidade também foi
descoberta. Tiago Garcia, você é meu melhor amigo, você é meu confidente e
uma parte de mim ainda acredita que você é o irmão que eu nunca tive. Você
foi o primeiro a desvendar o meu segredo. Obrigada por todos esses anos de
sorrisos, implicâncias, brincadeiras e de conversas inesgotáveis. Por me
incentivar desde o primeiro segundo que você soube da minha paixão pela
escrita e por acreditar em mim cada dia desde então. Eu não sei o que faria
sem você, então, obrigada por existir.
Mãe e pai, eu sei o quanto foi difícil para vocês ouvirem que a filha
queria percorrer um caminho onde amor nem sempre é o suficiente. Sei que
vocês temiam pelo meu futuro quando eu disse que desejava fazer aquilo que
eu mais amo pelo resto da vida: escrever. Sei que vocês esperavam que talvez
eu escolhesse uma profissão que salvasse vidas ou ajudasse as pessoas. Eu sei
disso, e é por isso que eu sou muito grata por vocês terem aceitado que nada
me faz mais feliz do que salvar vidas e ajudar pessoas criando obras que
motivam e inspiram aqueles que as leem. Obrigada por me amarem
incondicionalmente, mesmo que eu ainda tenha escolhido minha profissão
por amor. Eu amo vocês.
Obrigada para aquela que é a minha irmã de outra mãe, amiga para
todas as horas e prima de sangue. Luiza, você é uma das poucas pessoas
capazes de permanecer ao meu lado enquanto eu passo horas e horas
contando-lhe os inícios, os meios e os finais de todas as minhas obras. Você é
uma das poucas que têm a capacidade de ouvir tudo de novo outras milhares
de vezes, porque sou extremamente detalhista e quando o assunto são meus
personagens não canso de repetir suas histórias. Obrigada por ser a melhor
ouvinte e por guardar tudo isto em segredo.
Obrigada à minha amiga, Tayonara Pereira, por ler e se apaixonar por
todas as minhas histórias. Por me ouvir, me aconselhar e apoiar os meus
sonhos. Você sabe o quanto a escrita é importante para mim e nunca deixou
de me incentivar. Obrigada por acreditar no meu talento. Eu espero que você
saiba que nenhuma distância pode nos separar.
Obrigada à minha querida amiga, Karol Blatt, por ter colocado os
olhos sobre esta obra quando ela ainda estava sendo postada em uma
plataforma. Se você não tivesse se sentido atraída por este título e depois
pelos personagens, nós nunca teríamos nos conhecido. Agradeço por você ter
entrado no meu caminho e por fazer parte desta jornada. Obrigada por amar
Outra vez casados como se ele fosse seu, e acredite, bem no fundo, ele é.
Afinal, sua sensibilidade me inspirou em cada página do final deste romance.
Obrigada à minha capista, Dri Harada, por sua paciência e carinho na
hora de realizar o seu trabalho. Você enxergou a essência dos meus
personagens e encontrou a imagem perfeita para representá-los. Obrigada à
minha revisora, Evelyn Santana, por sua disponibilidade e sua atenção desde
o nosso primeiro contato. Obrigada à Amazon pela oportunidade que é
oferecida a cada autor independente de ganhar um espaço no mundo literário.
Vocês são incríveis por isso.
A todos os meus seguidores na plataforma de leitura Wattpad, por
fazerem parte da minha vida diariamente e por acompanharem cada passo
meu nesta difícil carreira. Minhas obras se tornam sucesso graças a vocês, e
eu sou muito grata por isso. E também a todos os leitores que fazem parte do
meu grupo “Leitores da Caty” no Facebook. Vocês se tornaram minha
segunda família. É muito bom saber que eu posso contar coisas sobre a minha
vida para vocês e realmente ser ouvida/lida. Obrigada às meninas que fizeram
parte do grupo “Dremaniacas”, vocês são verdadeiramente as melhores fãs de
Drew e Jamie. E também a todas as meninas do grupo “Cat’s” por se
autointitularem minhas fãs.
Eu tenho muito orgulho de dizer que possuo um grande número de
leitores espalhado pelo Brasil e fora dele também. Gostaria que fosse possível
citar o nome de cada um de vocês, no entanto, é impossível. Portanto, cito
aqui alguns dos nomes que marcaram minha vida nos meses em que trabalhei
nesta obra: Amanda Prestes, Ana Cláudia Parreiras, Ângela Leite, Helena
Paes Landim, Hemylly Ludymyla, Juliana Ballaris, Mikaele Silva, Thabata
Montelo, Raíssa Zaneze, Ana Carolina Avino, Maxilene Alves, Mayara
Silva, Paty Cello, Yanca Diniz, Yasmin Diniz, Ellen Macedo, Iara Medolago
Carr, Duda de Nard, Kathy Cerqueira, Larissa Cerqueira, Lary Medeiros,
Larissa Maps, Caroline Alves, Drícia Isabel. E em especial, Maria Lucia, que
com seus textos imensos tem o dom de transformar complemente o meu dia.
Finalmente, obrigada a você que chegou até aqui. Pelo visto, você
ama mesmo a minha escrita. E se você a ama, saiba que eu amo você
também.
Obrigada simplesmente por ser o meu leitor.
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