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Índice
Introdução 3
5 – Conclusão 280
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INTRODUÇÃO
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regime que então se estabelecia, dentre as quais se destaca a “Marcha da família” ocorrida
em São Paulo às vésperas do golpe.
Uma observação mais atenta do material documental que aborda este aspecto
indicou-me que não somente os depoimentos efetivados a posteriori sobre o golpe, mas
também vários testemunhos da época, referiam-se a uma série de articulações que tinham
por objetivo a retirada de Jango da presidência da República. O caráter de uma articulação
múltipla e descentralizada, com o aparecimento de diversas lideranças que concorriam entre
si, é recorrente em boa parte destes documentos e está presente, inclusive, dentre aqueles
que buscavam acentuar a idéia de sua unidade. No entanto, as análises historiográficas que
se debruçam sobre março de 1964 tendem a compreendê-lo de forma quase unívoca como
um movimento golpista, sobretudo de caráter conspirativo, extremamente unificado. Estas
perspectivas entram em confronto quando o aspecto em questão é o da identificação do
grupo articulador do processo conspirativo. Militares, políticos articulados em torno de
parcela do Partido Social Democrático e, principalmente, da União Democrática Nacional,
bem como instituições empresariais tais como o IBAD e do IPÊS (que aglutinou os
participantes do primeiro instituto após sua dissolução) são os grupos que se apresentam
priorizados, em diferentes abordagens, como os principais articuladores do golpe. Surge,
então, uma “pergunta que não quer calar”: coube efetivamente a um grupo específico o
encaminhamento do processo conspirativo?
Recentes balanços historiográficos acerca das análises referentes à proclamação da
República e ao movimento de 1930 assinalam que durante um bom tempo estes foram
considerados como resultado de articulações monolíticas. Sobre a proclamação dava-se
ênfase na idéia de um clima de “paz e consenso nacionais”, que acabou por encobrir “as
dimensões e as fraturas partidárias”.1 Já quanto ao movimento de 1930, se até a década de
70 predominou a perspectiva monolítica, não deixaram de existir abordagens que acabaram
por dar ênfase no aspecto fragmentário de suas articulações, assinalando-as, contudo, como
“uma sucessão desordenada de conflitos pessoais fragmentários e erráticos”.2
Gradativamente, buscou-se recuperar a “pluralidade de conceitos, imagens e
1
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “O diálogo convergente: políticos e Historiadores no início da
República”. In: FREITAS, Marcos Cezar de. Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo, Contexto,
2000.
2
BORGES, Vavy Pacheco. “Anos Trinta e Política: História e Historiografia”. In: FREITAS, Marcos Cezar
de. Historiografia Brasileira em Perspectiva, op. cit., p. 178.
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Depoimento. COUTO, Ronaldo Costa. Memória viva do regime militar – Brasil:1964-1985. Rio de Janeiro:
Record, 1999, p. 250.
4
Apesar desta mudança relativa, o congresso continua com o predomínio de forças conservadoras. Sobre o
assunto, ver FIGUEIREDO, Argelina. Democracia ou reformas– alternativas democráticas à crise política.
São Paulo, Paz e Terra, 1993, p. 88; e ainda De Souza, Maria do Carmo C. Estados e Partidos políticos no
Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1990, pp. 143 e seguintes.
5
FIGUEIREDO, op. cit., pp. 30 e seguintes.
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7
Goulart, entre os grupos de direita e esquerda, gerando uma desconfiança quanto aos reais
propósitos do presidente.
Na sociedade política, blocos interpatidários organizados ainda em fins do governo
Juscelino Kubitschek – a Frente Parlamentar Nacionalista e a Ação Democrática Nacional,
onde predominavam respectivamente uma linha esquerdizante e a ala mais conservadora do
Congresso –,6 tiveram um importante papel na consolidação de posições antagônicas que se
processou no período. O aumento do número de alianças e coligações assinala, segundo
Campello de Souza, a existência de uma “disputa eleitoral mais acirrada e incerta”.7 Este
também é o momento de incremento das ações das organizações da sociedade civil, tanto
de um lado quanto de outro. Entre as direitas, em relação às associações mais importantes e
representativas do empresariado vinculado ao capital externo, tem-se, a título de exemplo, o
crescimento da mobilização e das atividades, ainda conspiratórias, do Instituto de Pesquisas
e Estudos Sociais (IPÊS) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Observa-
se também que, influenciados pelo medo de proletarização, alguns sindicatos
representativos de grupos das camadas médias acabaram por cerrar fileiras tanto contra o
governo quanto contra aqueles grupos progressistas.8
No que se refere à arena estatal, particularmente aos militares – membros da
máquina administrativa –, nota-se a acentuação da radicalização de direita dentro do
principal fórum de debates nas das Forças Armadas: o Clube Militar. Dentro deste, grupos
influenciados pela Doutrina de Segurança Nacional articularam-se em torno da Cruzada
Democrática e, a partir de uma perspectiva anticomunista, buscaram organizar seus pares
para refrear a mobilização dos movimentos populares. Por outro lado, como último aspecto
desta mobilização crescente, observa-se a tentativa de consolidação por parte do próprio
governo de efetivar-se como o principal centro de decisões a partir do retorno do
presidencialismo, eliminando assim a asfixia a que era submetido pelo regime
parlamentarista.
6
Idem, ibidem, p. 107.
7
SOUZA, op. cit., p. 141.
8
Décio Saes aponta em seu trabalho que, por parte dos profissionais liberais, o que se apresentou como
fundamental para este alinhamento foi a tentativa de resguardar plenamente a sua “independência decisória e
a sua capacidade de controle das suas próprias condições de trabalho, contra toda e qualquer intervenção do
Estado no ‘mercado de serviços’. Quanto à baixa classe média, o medo presente era o “temor da
proletarização”", op. cit., pp. 465 e 500.
7
8
9
BONET, Luciano. “Anticomunismo”. In: Noberto Bobbio e outros (org.). Dicionário de Política. UNB, 12ª
ed., 1999, pp. 35-36.
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10
FOUCAULT, Michel. El Orden del Discurso. Barcelona, Tusquets Editor, 1970.
11
Sobre estes aspectos ver: BACZKO, Bronislaw. “Imaginação social”. In: Enciclopédia Einaudi-Anthropos-
Homem, vol. 5. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, p. 309.
12
Idem, Idem, p. 310.
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dimensão cada vez maior em torno da reivindicação por terra. Se, por um lado, a reforma
do sistema fundiário era esperada por uma parcela da elite, assumindo uma dimensão que a
colocava em um sentido completamente oposto ao proposto pelos movimentos populares,
de outro lado, parcelas significativas da elite nacional fundiária via no movimento uma real
contestação ao status quo.
Outra idéia de relevância encontra-se nas perspectivas de ampliação/restrição da
participação política e da cidadania ao conjunto da população. A historiografia sobre 1964
aponta uma série de transformações no nível da mobilização política, tanto no meio rural
quanto nos centros urbanos. No mundo urbano, o crescimento industrial, o esvaziamento do
campo e o desenvolvimento das cidades contribuíram para a modificação no peso político
da população aí localizada, levando ao aumento da pressão das demandas populares bem
como da participação política destes grupos. Observa-se, neste momento, uma reação das
direitas no sentido de limitar os avanços desta contínua ampliação da luta por participação
política. No entanto, não foi somente no meio urbano que a mobilização acentuou-se. As
ligas camponesas, que se apresentaram numa fase de ascensão em fins de 1950, agitaram as
massas de trabalhadores rurais e estimularam sua mobilização, não somente por terra, mas
também em torno dos direitos políticos. A politização no seio das Forças Armadas, iniciada
através do debate existente dentro do Clube Militar e que tendia a se ampliar com a
extensão do direito de voto dos praças, veio a provocar um receio do afrouxamento das
relações de hierarquia.
Outras idéias centrais ganharam destaque por questões conjunturais, pois não
representavam necessariamente uma alteração da estrutura política e socioeconômica do
país. Referiam-se à nacionalização/internacionalização da economia e
alinhamento/neutralidade quanto ao quadro da Guerra Fria. A primeira delas colocava em
destaque o tipo de processo desenvolvimentista que se pretendia para a sociedade. A crença
no caráter revolucionário da burguesia nacional, aliada a uma convicção da dualidade da
estrutura brasileira contribuíram para a convicção de que a forma de encaminhamento do
processo desenvolvimentista era etapa crucial para os rumos do país. O papel do Estado na
economia encontrava-se atrelado a esta discussão. A economia brasileira entra nos anos 60
com um dilema crucial de como superar o modelo getuliano de desenvolvimento, e o
nacionalismo econômico ganha impulso ainda mesmo durante o governo Juscelino. Apesar
11
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DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
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14
DREIFUSS, René. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1981.
15
STARLING, Heloísa. Os Senhores das Gerais. Petrópolis, Vozes, 1986
16
MORAES, João Q. “O colpaso da resistência militar ao Golpe de 1964”. In: TOLEDO, Caio Navarro de
(org.). 1964: Visões Críticas do Golpe. Campinas, Unicamp, 1997.
17
Saes, Décio A.M. “Classe Média e Política no Brasil”. In: O Brasil Republicano: Sociedade e Política
(1930-64). Boris Fausto (Org.). São Paulo,Difel, 1986.
18
MORAES, op. cit., p. 129.
19
Idem, p. 130.
20
Starling, Heloísa , op. cit., p. 16.
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vez, operou-se a partir da articulação dos “diferentes núcleos da classe dominante de caráter
antipopulista e antipopular, até então desconectados, em uma poderosa coalizão burguesa
que (...) fosse capaz de constituir um centro estratégico de ação política responsável”. O
objetivo último seria “planejar, organizar e liderar um golpe militar-estratégico dirigido ao
centro de equilíbrio do regime nacional-populista”.21
Para a autora, no entanto, o IBAD nada mais era, a partir de meados de 1962, do que
um “braço tático, englobado por uma estrutura muito mais ampla e sofisticada: o Instituto
de Pesquisas e Estudos Sociais”.22 Ainda segundo Starling, apesar do estreito contato
estabelecido com grupos militares, em especial a ESG, e de entregar ao General Guedes a
coordenação da face militar da operação conspirativa, os membros do IPÊS desejavam,
única e exclusivamente, que os militares desencadeassem um operação militar sob sua
liderança. Neste momento, segundo Starling, foi colocada em ação a “gigantesca estrutura
operacional de ação política, enraizada na sociedade civil, composta por uma cadeia de
unidades operacionais aparentemente isoladas e desconectadas entre si”23 mas que
respondiam às “necessidades táticas e estratégicas” definidas pelo IPÊS-MG. Neste sentido,
tanto a participação de militares vinculados à ESG, quanto de militares articulados em
outras instâncias golpistas, e a dos diferentes grupos existentes na sociedade política
estariam a reboque do projeto político estabelecido para a sociedade por este complexo
empresarial IPÊS-IBAD.
No mesmo sentido encaminha-se a principal obra desta perspectiva, da qual Starling
é tributária. René Armand Dreifuss, em 1964 – A conquista do Estado, assinala a ação desta
elite, denominada de multinacional-associada, capitaneada por um grupo de intelectuais
orgânicos situados como vanguarda no complexo IPÊS/IBAD. Segundo o autor, de forma
consciente e predeterminada, “eventos considerados aparentemente desconexos (...) tinham,
de fato, coordenação da elite orgânica”.24 Através de um exemplar trabalho de
levantamento documental, Dreifuss apresenta o importante papel desempenhado por estes
grupos nas articulações golpistas, descaracterizando, assim, o golpe de 1964 como
empreendimento eminentemente militar. Para ele as Forças Armadas aparecem a reboque,
21
Idem, p. 44.
22
Idem, p. 46.
23
Idem, p. 75.
24
DREIFUSS, op. cit., p. 281.
15
16
25
Idem, p. 230.
26
SAES, op. cit., p. 451. Adotei a perspectiva de que todos os autores aqui considerados tem o mesmo tipo de
concepção de camadas médias.
27
Idem, p. 499.
28
Idem, p. 500.
16
17
peso significativo dentro da sociedade mineira, o que não ocorreria em relação ao estados
do Rio e de São Paulo. Diante do risco de incluir estes grupos “tradicionais” no IPÊS-MG e
perder a identidade de seu projeto de classe, os intelectuais orgânicos do IPÊS optaram pela
criação de “corpos intermediários” que teriam por função englobar “as classes
conservadoras sem possibilitar a perda de identidade do projeto de classe” do instituto.29 O
IPÊS-MG continuaria sendo, assim, a “estrutura formal de decisão”.30 Com este recurso a
autora espera solucionar o problema que se apresenta diante do importante papel
desempenhado pelo principal destes corpos intermediários, o “Comando Revolucionário” –
denominado por ela como “Novos Inconfidentes” – dentro do contexto de articulação
golpista. Apesar de assinalar que esse organismo não era uma mera “fachada” do IPÊS,
indica que existia uma divisão de tarefas que colocava o instituto numa situação de
comando. Starling acaba por reconhecer a existência de um papel significativo de outros
grupos, e busca submetê-los a um papel de instrumento de ação do IPÊS que considero
superdimensionado. As disputas que por um acaso ocorreram entre estas duas “instâncias”
de mobilização conspiratória tomam, no sentido dado pela autora, uma função de
dissimulação do papel predominante do IPÊS.
Dreifuss e Starling, por sua vez, acabam por apresentar questões que sinalizam,
segundo entendo, para a existência de um embate entre os diferentes centros articuladores
na busca pela liderança do processo de mobilização das elites. No entanto consideram-nas
como “pequenas rixas”31 que foram solucionadas em fins de 1962, ou ainda, fruto da
expressão de “sua insatisfação em um espaço social muito reduzido”32 ao qual caberia ao
IPÊS articular. Acabam, no entanto, por apresentar alguns problemas que não poderiam ser
solucionados dentro de uma lógica de liderança pretensamente inequívoca por parte destes
institutos. Como, por exemplo, uma articulação tão bem montada possibilitou a ascensão de
troupieurs e extremistas de direita que eram rivais da ESG33 – em estreita vinculação com o
complexo IPÊS/IBAD – em “posições importantes dentro da hierarquia das Forças
Armadas”?34 Por que motivos, após a “sua” suposta vitória e “tomada do poder do
29
STARLING, op. cit., p. 82
30
Idem, p. 52.
31
DREIFUSS, op. cit., p. 281.
32
STARLING, op. cit., p. 80.
33
Escola Superior de Guerra.
34
DREIFUSS, op. cit., p. 418.
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18
Estado”,35 o IPÊS/IBAD passou a sofrer uma série de derrotas que acabaram por fazer com
que o país enveredasse “por uma ditadura declarada” e contribuísse para a perda da
hegemonia do complexo ainda ao longo do governo Costa e Silva? O que contribuiu para
que os Estados Unidos tenham estabelecido contatos com outros centros articuladores do
golpe (segundo indicado por Starling) que disputavam com o IPÊS a liderança da coalizão
antijanguista, e não apenas canalizassem suas atenções para o IPÊS.36 Como explicar a ação
intempestiva de Mourão e Magalhães Pinto diante de um controle quase absoluto sobre as
articulações do golpe que, supostamente, o IPÊS possuiria?37 Estas, dentre outras, são
questões que a perspectiva na qual a idéia de liderança incontestável do complexo
multinacional-associado e de submissão por parte da sociedade política e das Forças
Armadas não dão conta, segundo entendo.
Pode-se afirmar que o complexo efetivamente realizou um papel importante como
um dos principais centros catalisadores das articulações golpistas em 1964. Como muito
bem apresentam tanto Starling quanto, principalmente, Dreifuss, o IPÊS/IBAD foi o
principal irrigador de verbas e financiamentos para tal intento. Neste sentido foi também
um canal privilegiado de contatos entre interesses norte-americanos e as elites aqui
consideradas (a civil, a militar e a empresarial). No entanto, não foi o único.
Se é certo que contribuíram de forma significativa para o desencadeamento dos
fatos, tem-se de relativizar a questão do papel de liderança e, mais ainda, questionar se, em
algum momento, ocorreu uma efetiva partilha de metas em torno de um consenso positivo,
qual seja, a proposta de sociedade presente entre os seus participantes. Independentemente
35
Idem, p. 419. Segundo o autor, após o golpe o complexo empresarial IPÊS/IBAD logrou êxito em ocupar
os principais postos: o núcleo do Ministério do Planejamento; a chefia da Casa Civil; a Casa Militar, que era
fortemente apoiada pelo grupo IPÊS/ESG; dentro dos “assuntos econômicos”, a SUMOC, o Banco Central, o
BNDE, o Banco do Brasil, o Conselho Nacional de Economia, e o Conselho Monetário Nacional, além do
controle de diversos Bancos Estaduais; no IBRA, substituto da SUPRA, e no INDA, dentre outros órgãos.
Deve-se assinalar que o mesmo tipo de metodologia adotado pelo autor deve ser empreendido para o
mapeamento dos diferentes centros polarizadores para a identificação de outros grupos que também tenham se
enquistado no poder e, a partir daí, estabelecer se efetivamente houve hegemonia efetiva de algum destes
grupos. Depõe contrariamente a esta tese de hegemonia do complexo empresarial militar o duro golpe sofrido
por este grupo, ainda em 1965, na encampação da Companhia Telefônica Brasileira e, posteriormente, na
encampação da AMFORP, e na implementação da EMBRATEL. Ver DREIFUSS, ps. 448 e seguintes.
36
STARLING, op. cit., p. 128.
37
Um aspecto que contribuiu para a perspectiva do desenvolvimento de conflitos ao longo de toda a
articulação golpista é o fato de que, logo após março de 1964, o próprio autor assinala que o grupo do
IPÊS/IBAD que mantinha contatos efetivos com a ESG buscou o fortalecimento da Casa Militar para “servir
de contrapartida do Ministério da Guerra, onde Costa e Silva mantinha o controle. DREIFUSS, op. cit., ps,
419 a 454.
18
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38
Lincoln Gordon era o Embaixador dos Estados Unidos no Brasil às vésperas do golpe. Nota de página
citada em DREIFUSS, op. cit., p. 282.
19
20
Os Institutos
O IPÊS foi fundado em 1o de janeiro 1962. Segundo apresentação feita pela própria
instituição, ela reunia “empresários e democratas” do eixo Rio-São Paulo que teriam por
função “defender a democracia e impedir a propagação do comunismo e o estabelecimento
de regimes totalitários”. Além disso tinha por missão, segundo uma reportagem da época,
“dar ênfase ao desenvolvimento econômico e social e aproximar o nível de vida brasileiro
aos níveis alcançados pelos povos dos países mais desenvolvidos”.39 Neste sentido, seria
um organismo eminentemente de propaganda e mobilização contra o perigo próximo de
comunização e de ameaça à democracia que estariam afetando o país.
Para aqueles que o haviam fundado, a democracia estava profundamente ameaçada
não somente em decorrência do perigo vermelho, mas também em função do excesso de
passividade e da falta de mobilização daqueles que deveriam ser “democratas” por
essência. O discurso veiculado pelo Instituto assinalava que, num momento em que a
democracia estava sendo gravemente afetada, aqueles que eram diretamente responsáveis
por sua defesa estavam por tomar uma posição de omissão e negligência. O perigo de tal
“passividade” seria a repetição de contextos históricos que viabilizaram a ascensão do
nazifascismo bem como do comunismo.40
Tornava-se, portanto, de fundamental importância mobilizar esses grupos,
arregimentando-os em torno da defesa da democracia. Para os ipesianos isto significava a
defesa da sua própria forma de sobrevivência. A liberdade democrática, tal como a
concebiam, estava intrisecamente ligada à liberdade de iniciativa e mesmo ao sistema
capitalista, faces de um tetraedro “que é a imagem do homem livre” e que “parecia
destinado ao mergulho na noite da história vivida, dos sistemas superados”.41
É justamente sobre este aspecto que se observa uma maior ênfase dos artigos do
IPÊS. O anticomunismo apresentado em seus veículos de informação caracterizava-se
muito mais por estabelecer e valorizar as premissas de sua concepção de democracia do que
na crítica ao comunismo em si. Com este objetivo, seus organizadores estabeleceram
39
Arquivo Nacional, Seção de Documentos Privados, Caixa 47, pacote 02.
40
O Brasil precisa de você. Filme realizado sobre a direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de
Documentos Sonoros e de imagens em Movimento.
41
LOPES, Lucas. “Panorama industrial”. In: Boletim mensal, n° 11, ano II, p. 9, junho 1963. Segundo
Starling, Lopes era um dos principais articuladores da rede de tecno-empresários com os interesses multi-
nacional-associados, sendo ainda, ativo conferencista da Escola Superior de Guerra. Sobre o importante papel
20
21
desempenhado por ele nas articulações golpistas ver: STARLING, Heloísa. Os Senhores das Gerais.
Petrópolis, Vozes, 1986, p. 55.
42
A relação de livros que tiveram sua publicação sob apoio do IPÊS encontra-se em DREIFUSS, op. cit., p.
653.
43
Editorial. In: Boletim Mensal, n° 32, ano IV, março-abril/1965, p. 7.
44
Idem, ibidem, p. 7.
45
THOMPSON. E. P.. A formação da classe operária inglesa – Tomo I: A Árvore da Liberdade. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
21
22
Uma outra estratégia, seguida em segundo plano, tinha como público alvo diferentes
segmentos sociais. A população em geral, aquela que utilizava o cinema como forma de
lazer também deveria ser destinatária de uma perspectiva de sociedade defendida pelos
empresários e profissionais liberais. Afinal de contas, uma parcela significativa desta estava
sendo alvo da difusão do ideário comunista pelo país afora. Tratava-se, portanto, de
elaborar uma contrapropaganda que viesse a apresentar as “reais” perspectivas a que
poderia ser levado o país diante do comunismo. Para tal, elaboraram uma série de curtas e
documentários. Eram apresentados em cinemas espalhados pelos “quatro cantos do país,
tanto em seções regulares quanto especiais”. Segundo Dreifuss, para aqueles que não
poderiam nem mesmo pagar uma entrada de cinema, o IPÊS montou um esquema de
projeções públicas em caminhões abertos, “mostrando os filmes não só em favelas e
bairros urbanos mais pobres das maiores cidades do Brasil mas também por todo o interior
dos Estados”, ou ainda em fábricas de grandes centros urbanos juntamente com um filme
que era normalmente um faroeste americano.46
Deste material utilizei cerca de 14 películas que foram produzidas com apoio de
empresas cinematográficas tais como o Canal 100 e a Atlântida Filmes. Em função de
terem sido elaborados para um público diferenciado em relação aos primeiros – de
empresários e profissionais liberais – possuía uma mensagem travestida de roupagem mais
direta, atrativa e sedutora do projeto de sociedade pretendido pelo Instituto. Utilizaram-se,
para tanto, de imagens com significativo apelo naquele momento. A Encíclica Mater et
Magistra, elaborada por João XXIII, aparecia recorrentemente no início e fim de vários
desses documentários como que objetivando lembrar a “vocação cristã” da sociedade
brasileira. Outro artifício utilizado era a utilização de trabalhadores como “personagens”
principais, tal como se observa nos documentários “História de um maquinista” e “Criando
homens livres”. Ou ainda na busca pela associação entre o comunismo e os regimes
nazifascistas, onde se observa a presença de cenas de judeus assassinados, discursos de
Hitler e a destruição causada pela Segunda Guerra passados na seqüência de cenas da
invasão da Hungria e de discursos de Fidel, por exemplo.
Quanto ao IBAD, criado em fins da década de 1950, observa-se outra forma de
articulação de sua propaganda. Era responsável pela publicação de um periódico mensal, a
46
DREIFUSS, op. cit., p. 250 e 251.
22
23
47
Utilizo aqui números apresentados pela própria revista. Dreifuss, no entanto, assinala a circulação
23
24
1962, tal como os órgãos de informação do IPÊS, iniciaram uma campanha que assinalava
a ausência de uma defesa clara e efetiva da democracia por parte de boa parte dos
democratas existentes no país, o que parece ser uma ação preparatória (e contraditória) de
defesa da mesma através de um posicionamento mais agressivo e, se necessário, de
rompimento da ordem constitucional.
As fontes
Para uma abordabem dos Institutos em questão, utilizo como fontes documentais os
Boletins Mensais do IPÊS e sua produção cinematográfica. O importante papel desses dois
canais de comunicação criados pelo Instituto para divulgação de seu ideário junto à opinião
pública interna e externa, bem como a freqüência com que a produção dos boletins ocorria,
possibilitam uma melhor visão da perspectiva de sociedade que os ipesianos possuíam. A
produção do Boletim Mensal estava sob responsabilidade do GOP – Grupo de Opinião
Pública, cuja meta era a formação de uma opinião pública favorável ao projeto do
complexo IPÊS/IBAD. Segundo Dreifuss, esta tarefa se apresentava dentro de uma
perspectiva de
“desenvolver a penetração ideológica, neutralizar a oposição, protelar a organização
política das classes trabalhadoras industriais e impedir a consolidação da posição
nacional-reformista dentro das Forças Armadas, assim como a formação de
favoráveis clivagens políticas e apoio ativo dentre o amplo público das classes
médias...”48.
24
25
porque tanto o IPÊS quanto o IBAD apresentavam-se como instituições que possuíam, já
em sua origem, o objetivo da defesa de uma posição específica quanto à determinados
temas em debate na sociedade brasileira, o que lhes dava uma maior homogeneidade
interna.
A importância de ambas as fontes utilizadas encontra-se no destaque que as duas
instituições que os produziam possuíram nas articulações golpistas encaminhadas na década
de 1960.50 O IBAD foi uma das primeiras instituições encaminhadoras do processo de
deposição de Jango da Presidência da República. Fechada em 1963 devido ao repasse de
verbas obtido junto a órgãos estrangeiros para a eleição da Câmara dos Deputados ocorrida
em 1962, uma parcela de seus participantes também fazia parte dos quadros do IPÊS. Esta
instituição, a partir de 1963, passou a aglutinar boa parte dos participantes do extinto
IBAD. Dentro desta perspectiva, os dois periódicos apresentaram-se como instrumentos
importantes de aglutinação de forças para a defesa de seu status quo.
Deve-se observar também que a documentação aqui analisada guarda numa
diferença fundamental em relação aos periódicos utilizados para a identificação dos
projetos de sociedade presentes entre os militares que são abordados no capítulo 2. Além de
uma diversidade de opinião presente nas revistas A Defesa Nacional e Clube Militar – que
não são identificadas nos periódicos da sociedade civil analisados –, observa-se nas fontes
aqui trabalhadas uma diferença quanto aos objetivos de sua organização e veiculação. Estas
teriam por finalidade a divulgação de um determinado ideário ou projeto de sociedade e não
de se apresentar como um espaço para o debate em torno de propostas.
Quanto aos objetivos destes meios propagandísticos, determinados aspectos
abordados por Baczko, em trabalho no qual analisa as questões relativas ao imaginário
social, podem ser elucidativos. Analisando a incorporação de tecnologias à propaganda
assinala que
“A invenção de novas técnicas, bem como o seu refinamento e diferenciação,
implicavam a passagem de um simples manejo dos imaginários sociais à sua
manipulação cada vez mais sofisticada e especializada. A partir desse momento, a
história do savoir-faire no domínio dos imaginários sociais confunde-se em grande
parte com a história da propaganda, isto é, a evolução das suas técnicas e
50
DREIFUSS, op. cit.
25
26
instituições, a formação do seu pessoal, etc., campo este que continua ainda mal
estudado”.51
51
BACZKO, Bronislaw. “Imaginação social”. In: Enciclopédia Einaudi-Anthropos-Homem, vol. 5°, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, p. 300.
52
Idem, p. 306.
53
Idem, p. 299.
26
27
54
Idem, p. 309.
27
28
Anticomunismo empresarial
Apesar deste estar presente de forma enfática principalmente no IBAD, também se
pode observá-lo na produção oriunda do IPÊS, ainda mais se analisadas as produções
cinematográficas produzidas por este Instituto em associação com outras empresas, tais
como o Canal 100 e a Atlântida Filmes. Num primeiro momento, procuraro abordar de que
forma se manifestava o anticomunismo veiculado por estes institutos, e quais os motivos
que tornavam a divulgação da doutrina marxista no Brasil tão perigosa para a sociedade,
segundo suas concepções. Outro elemento de minha preocupação é a identificação dos
aspectos que eram entendidos pelos seus componentes como sinais de manifestação do
“perigo vermelho”.
Um primeiro fator que deve ser abordado neste anticomunismo é a contínua
associação entre comunismo e totalitarismo. Para os ipesianos não existiam diferenças
significativas entre nazismo, fascismo e comunismo. Todos estas manifestações de
totalitarismo caracterizam-se pela existência do “Etat providence que encontrou no
fascismo de Mussolini e no nazismo de Hitler, por um lado, e no comunismo de Nikita (e
subordinados) ou de Mao, por outro, sua mais perfeita realização histórica”.55 Para eles,
todos se caracterizavam também por serem governos mantidos pela força das armas e
submetendo a sociedade a uma ditadura, “destruindo a democracia ante a passividade da
maioria dos democratas”.56
Em documentário produzido pelo IPÊS, intitulado “O que é o IPÊS?”,57
nazifascismo e o comunismo são apresentados em íntima associação. Esta se manifesta
através de uma seqüência de imagens com força significativa que não pôde ser reproduzida
nas páginas deste texto. Aparecem imagens iniciais de Fidel Castro, concentrações
populares, paradas militares soviéticas, Kruchev e, por fim, novamente Fidel. Estas
imagens, por sua vez, são complementadas e intercaladas por discursos de Adolf Hitler,
cenas do holocausto e da suástica nazista. Buscavam, dessa forma, estabelecer um vínculo
entre as experiências passadas e as perspectivas futuras que se apresentariam para o país.
Ao associar comunismo e nazifascismo, ambos os institutos procuravam indicar que o
55
Idem, ibidem.
56
O Brasil precisa de você. Filme dirigido sob direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de Documentos
Sonoros e de imagens em Movimento.
57
O que é o IPÊS? Filme produzido sob direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de Documentos
Sonoros e de imagens em Movimento.
28
29
futuro que se imporia para os brasileiros, ao optarem pelo sistema comunista, seria o
mesmo vivenciado pela Alemanha nazista e pela Itália de Mussolini: holocausto,
perseguições, privação de liberdade dentre outros mais. Para eles o “totalitarismo (...) é uma
situação política, social definida pela progressiva encampação pelo Estado de todas as
atividades próprias da sociedade”.58
A situação agravava-se ainda mais pela possibilidade de sua implementação de
forma gradativa, “numa sociedade ornada de câmaras e demais aparelhos do formalismo
democrático”.59 A oposição fundamental era, portanto, entre totalitarismo e democracia. No
primeiro, a liberdade seria inexistente em função da supressão da liberdade de expressão,
de livre manifestação, de ir e vir e, principalmente, de livre iniciativa. No sistema político
defendido por eles, democracia seria “o contrário da loucura ideológica e política que levou
Hitler e Mussolini à loucura ideológica mais destruidora de toda a história. O nazifascismo
era o inimigo da democracia”.60 O regime democrático, por sua vez, sofria
“uma nova ameaça (...): o comunismo. Pois não se pode votar, não se pode escolher
os dirigentes, onde se restringe o direito de ir e vir, onde a imprensa é estrita
propriedade do governo, onde a liberdade é restringida, onde inexiste a igualdade de
direitos entre homens e mulheres (...)”.61
58
CORÇÃO, Gustavo. “Totalitarismo aniquilador do Comunismo” In: Revista Ação Democrática, n° 23,
abril de 1961, p. 4.
59
Idem, ibidem.
60
Que é a democracia?. Filme produzido por Jean Manzon e Atlântida Filmes sob direção do IPÊS. Arquivo
Nacional, Seção de Documentos Sonoros e Imagens em Movimento.
61
Idem, ibidem.
62
CORÇÃO, “Totalitarismo aniquilador do Comunismo”, op. cit., p. 4.
29
30
63
Editorial. “Católico-comunista, a grande heresia de nossos dias”. In: Ação Democrática, n° 41, outubro
1962, pp. 3 e 4. Contém partes de texto sem referencia específica de Dom Basílio, ex-prior do Monsteiro de S.
Bento.
64
CORÇÃO, “Totalitarismo aniquilador do Comunismo”, op. cit., p. 4.
65
Editorial. “Católico-comunista, a grande heresia de nossos dias”, op. cit., Palavras de D. Vicente Scherer
citadas no artigo.
66
Idem, ibidem.
30
31
67
Editorial. “O prazer de ser escravo”, op. cit., p. 3.
31
32
Não era a miséria em si que era um problema, mas a miséria “nas mãos” dos
comunistas. Para ipesianos e ibadianos, o comunismo tentava se aproveitar da situação
estimulando o aprofundamento dessas contradições uma vez que sua política era, segundo
afirmavam, a do quanto pior, melhor. Os comunistas, neste sentido, precisavam “manter
viva a chama da revolta contra a injustiça social e impedir que a luz da instrução dissipe as
nuvens da sua propaganda. Precisam, inclusive, manter a injustiça social que desperta a
revolta.”69
Se os conceitos de guerra revolucionária e insurrecional não eram abordados
diretamente, o de subversão estava bastante presente. Personagens como o “sr. Julião” eram
constantemente associados à figura de Fidel Castro, bem como suas reivindicações àquelas
presentes na Revolução Russa. Buscava-se, dessa maneira, estabelecer uma ótica de análise
segundo a qual toda e qualquer manifestação de contestação à estrutura social vigente seria
desdobramento da influência subversiva dos agentes de Moscou:
“(...) Na longa confissão feita à ‘Tribuna’ (...) ficam os brasileiros habilitados a
saber o que pretende o homem que mistura Cristo com Lenine, Mao Tse Tung e
Fidel Castro. (...) Mas o que interessa não é o auto-retrato do sr. Julião, nem sua
biografia. É saber o que pretende ele com suas Ligas. (...) A resposta vem na própria
entrevista: ‘O acesso à terra, liberdade para cultivá-la e justiça social’. Se não nos
enganamos, esse tríptico já fora aqui outrora enunciado por que das variantes do
comunismo sob a legenda: ‘Pão, terra e liberdade’. (...) Sua preocupação [é] de
estender a todo o nosso país as agitações que está promovendo no Nordeste. Com
que fim? O sr. Julião não o oculta: ‘liquidar a sociedade capitalista’”70.
68
Editorial. “Estará em boas mãos a SUDENE?”. In: Revista Ação Democrática, n° 23, abril 1961, p. 9.
69
Idem
32
33
Como se pode observar, não é questionado o que o “Sr. Julião” pretende, mas tão
somente busca-se associar suas reivindicações com outro enunciado de origem comunista.
Falava-se até mesmo na existência de um modelo de subversão exportado pela União
Soviética e pelos seus países satélites para o continente latino-americano, principalmente
através de Cuba.
“Qualquer um, por menos observador que seja, tem aí indícios suficientes para
concluir que o sr. Julião se propõe ser a réplica brasileira do barbudo comandante
dos guevaras, o qual, fraudando os ideiais da revolução que abateu Batista, e
defraudando as esperanças de paz e democracia de seus compatriotas, plantou ali
uma ativa sucursal do comunismo soviético.
Diante do fenômeno Fidel Castro ninguém de boa-fé conseguirá separar esta
ou aquela realização da orientação marxista por ele adotada e imposta aos seus
compatriotas pela violência, que é sua força de convicção”.71
70
Editorial. “O nordeste e as ligas camponesas”. In: Revista Ação Democrática, n° 28, setembro 1961, p.
13.Transcrição de Editorial do Instituto Brasileiro de Ação Democrática transcrito do Jornal O Globo, de 18
de julho de 1961.
71
Idem, ibidem.
72
LOPES, Lucas. “Panorama industrial”. In: Boletim mensal do IPÊS, n° 11, ano II, junho 1963, p. 9.
33
34
Uma das facetas desse papel estatal exacerbado seria o nacionalismo “complexado”
defendido pelos grupos de esquerda. De certa forma o nacionalismo é confundido com o
estatismo crescente em função da política desenvolvimentista que tentava ser implementada
pelo governo Goulart, pretendida através da industrialização com capital nacional e, na
ausência deste, com o estatal. Ao mesmo tempo, buscava-se associar nacionalismo e
estatismo como uma forma de apresentá-los de forma negativa à opinião pública, como
uma etapa do processo de comunização do país. Gustavo Corção, consultor de redação da
Revista Ação Democrática e um dos principais elaboradores de seus artigos, assinalava que
“Ainda recentemente no Planalto (...) as câmaras criaram a Eletrobrás. Amanhã ou
depois surgirá a Telefonebrás. Depois será a vez da nacionalização e encampação da
indústria vinícula, e teremos a Vinhobrás. E já temos um maluco, que se
corresponde regularmente e unilateralmente comigo e que no ano passado, se não
me engano, fundou a ‘Egobrás’, que é a brasificação protocolada e estampilhada de
cada um de nossos egos”.73
73
CORÇÃO, “Totalitarismo aniquilador do Comunismo”, op. cit.
34
35
sendo repetido no Brasil, onde a “tomada do poder exige a presença simultânea de dois
focos de ação: um deles da cúpula do governo do país cujo poder se pretende tomar; outro
na base social, integrada pelos sindicatos e associação estudantis”.75 . Em seu bojo, uma das
fases “mais importantes seria a da nacionalização das indústrias e dos bancos, pois, já tendo
assumido o controle político, começa a ofensiva pelo controle econômico”.76
Qual seria o motivo desse avanço sobre o Brasil por parte da ofensiva comunista?
“Reconhece, agora, a estratégia soviética que o Brasil é a porta de entrada na
América Latina e a comunização do Brasil representará a comunização de toda a
América Latina, porque o país encerra em si mesmo a possibilidade de ação que
Cuba não dispõe para exercê-la. Concluindo a comunização da América Latina,
ficam os Estados Unidos completamente fechados [por países comunistas]. Como se
vê, o Partido Comunista Brasileiro está desempenhando um papel extraordinário na
estratégia russa, sendo perfeitamente justificáveis os esforços da Rússia no sentido
de auxiliar os brasileiros no movimento comunista de Porto Alegre, Estado do Rio,
Recife e Brasília, para execução da grande manobra indispensável ao
estrangulamento da liberdade pessoal no mundo”.77
74
Editorial., “Cruzada inadiavel”. In: Revista Ação Democrática, n° 24, maio 1961, p. 1.
75
PAIVA, Glicon de. “A grande conspiração”. In: Revista Ação Democrática, n° 39, agosto 1962, pp. 4 e 5.
76
Editorial. “Roteiro de Kozac posto em prática no Brasil”. In: Revista Ação Democrática, n° 38, julho
/1962, p. 22.
77
PAIVA, “A Grande Conspiração”, op. cit.
35
36
O desenvolvimentismo do IPÊS/IBAD
“(...) Se o propósito é estrangular o desenvolvimento
econômico do país, o método mais rápido e eficaz seria o Governo tomar
conta de tudo (...). É facílimo reprimir as práticas abusivas em casos
como o do Brasil. Basta que se reduza a proteção alfandegária de que
gozam quase todas as nossas indústrias, para que baixem os preços a
níveis razoáveis.”
36
37
No entanto, o que os levava a acreditar que esta rota estava sendo empreendida no
Brasil? Um dos elementos de suma importância era que, para eles, o Estado estendia seus
tentáculos sobre as diferentes formas de livre manifestação da sociedade. Almejavam os
nacionalistas impedir a iniciativa privada de empreender a exploração de “nossos recursos
naturais pois desejavam que “estes serviços (fossem) explorados pelo Governo”. Existiria
uma relação íntima entre nacionalismo e estatismo que se explicaria como desdobramento
da ausência de capital nacional privado, de poupanças internas. Neste sentido, o movimento
nacionalista não possuía outra perspectiva além da defesa do aumento do poder do Estado
como agente empreendedor no campo econômico. Era sobre os grupos que defendiam esta
via de desenvolvimentismo que as baterias dos dois institutos deveriam disparar.
As “forças imanentes” da sociedade acabariam por ser podadas para favorecer a um
Estado que a tudo englobava e que se tornava cada vez maior. O caminho totalitário que se
esboçava estava sendo trilhado posto que se eliminava o curso natural da sociedade para dar
vazão a um Estado que tudo domina. O perigo tornava-se grande, ainda, porque o
movimento não ocorria apenas na forma de pressão do Estado junto à sociedade. Não era
78
CORÇÃO, Gustavo. “Bom governo: paz e harmonia”. In: Revista Ação Democrática, n° 21,
fevereiro/1961, pp. 10 e 11.
79
Editorial. “Mais de 100 bilhões em prejuízos em 1952”. In: Revista Ação Democrática, n° 44, janeiro/1963,
pp. 6 e 7. O artigo reproduz parte do trabalho de GAMA, André. “Nossos males e seus remédios”.
37
38
apenas de cima para baixo que ele se colocava. O mais grave era que diversos e diferentes
grupos da sociedade colocavam-se favoravelmente a esse encaminhamento e acabariam
dando respaldo para o crescente poder estatal.
Para ipesianos e ibadianos, esses grupos possuíam uma visão limitada da sociedade
e não enxergavam que o perigo que se colocava era o de extrema atomização da vida social.
Ainda em 1961, quando a ameaça parecia afastada temporariamente em função da ascensão
de Jânio Quadros à presidência da República, eles alertavam:
“Onde iremos parar? Quem poderá imaginar o que será de nós se o totalitarismo
crescente chegar ao grau de perfeição, ‘sui generis’, que atingiu na União Soviética?
A próxima ditadura que ainda não se delineia, porque para esse tipo de ameaça os
tempos não são mais favoráveis e existe alguma vigilância, será muito mais nefasta
de que a de Vargas, por encontrar a sociedade pasteurizada para o perfeito Estado
Total manobrado por uma minoria ativa. (...) Tudo são apelos singelos, inocentes,
feitos ao Estado Onipotente. Não há idéia de um apelo ao Estado Maternal e
Providencial”.80
80
Idem, ibidem.
38
39
mercados, “com seu setor inviolável como cerca de fazenda, na qual poderão à vontade
escorchar o consumidor”.81 O protecionismo afastava a concorrência uma vez que as
barreiras alfandegárias contribuiriam para eliminar os únicos que poderiam fornecer
capitais para viabilizar a capacidade de concorrência por parte da iniciativa privada em
relação às empresas estatais, em vista da escassez de capitais existentes no país. O
protecionismo afastava o capital estrangeiro e a monopolização do mercado contribuiria
para o perigoso aumento do poder estatal, como um círculo vicioso. Era uma inconsistência
que empresários defendessem um nacionalismo que, em função da carência de capitais do
país, acabaria por prover ao Estado um poder que os arrebataria posteriormente do
mercado. No entanto, para ipesianos e ibadianos, a explicação desta postura estava no fato
de que a implementação do totalitarismo seria benéfica para esses “maus” industriais, na
medida em que eles acabariam por compor a “casta de privilegiados” que comandaria a
máquina governamental do futuro regime.
A situação contribuiria, também, para a utilização da máquina do Estado com
objetivos clientelísticos e empreguistas de forma a satisfazer interesses privados. Em
função da ausência de uma lógica da produtividade, lógica que seria própria da iniciativa
particular, uma parcela significativa de funcionários públicos se caracterizariam pela falta
de competência, sendo beneficiados com o processo que estaria em curso. A existência de
um corpo burocrático inchado e dispendioso que viesse a impossibilitar a ação do Estado
em diferentes áreas provocaria a repartição dos custos desta prática com a parcela mais
pobre da população. Também observavam eles que a máquina estatal estava infensa a
interferências de ordem política que não possibilitavam a continuidade necessária para o
desenvolvimento da atividade empresarial, nada fazendo para “coibir a sarabanda infernal
da política vigente, a odiosa distribuição de favores e privilégios, a indisciplina
generalizada, a demagogia desenfreada e o avanço de uma corrupção sem limites”.82 Estes
aspectos acabariam por provocar o emperramento da máquina estatal. A grande presença do
Estado na economia acabaria causando uma pesada carga fiscal para bancar os custos
81
PAIVA, Glycon. In: Revista Ação Democrática, n° 31, janeiro 1962, pp. 23 e 24. Reprodução de entrevista
do economista à revista “O Cruzeiro”.
82
“Manifesto à Nação”. In: Boletim mensal do IPÊS, n° 11, fevereiro/1963, ano II, p. 24. Manifesto dos
engenheiros reproduzido neste número.
39
40
significativos da carregada máquina burocrática, o que mais uma vez onerava o conjunto da
sociedade.
Dentro ainda desta lógica, o peso crescente da máquina do Estado se fazia refletir na
inflação, que provocava o desvio de recursos para a especulação em detrimento da área
produtiva. Mesmo aqueles “empresários ciosos de sua função” viam-se prejudicados pois
incapacitados de aplicarem todos seus esforços na direção do pleno desenvolvimento da
empresa e, por conseqüência, do país. Diante de tal conjuntura, a inflação tornou-se
“um elemento pertubador para a economia inteira. (...) Aos poucos, os mais
ousados empreendedores sentem necessidade de reduzir o vulto de seus
investimentos, já que não mais tem certeza de contar com os recursos financeiros
necessários no momento próprio”.83
83
LOPES, “Panorama Industria”, op. cit., p. 21.
84
Editorial. “Agricultura versus indústria”. In: Revista Ação Democrática, n° 23, abril 1961, p. 15.
40
41
Para ipesianos e ibadianos, portanto, existiam dois falsos problemas que eram
colocados pelos desenvolvimentistas “a caneladas”. Primeiro, consideravam que era falso o
dilema apresentado entre agricultura e indústria. Como assinalado acima, este problema
relegava ao abandono a agricultura. Segundo, que era equivocada a ótica que defendia que
o processo de desenvolvimento fosse vinculado a existência da inflação. Em função disso o
governo acabava por gastar mais do que arrecadava e contribuía para o descontrole
econômico. Essa crença advinha de outra, de “ter-se generalizado nos países
subdesenvolvidos uma aspiração de progresso a curto prazo (...) com pequena ou nenhuma
contribuição do capital particular” e que acabou por provocar um surto inflacionário, o que
“veio agravar dramaticamente as condição de vida das classes menos favorecidas”.85 Estes
eram os aspectos que estariam levando o país à instabilidade inflacionária.
A baixa produtividade da economia brasileira e, em especial, em grande parte das
atividades industriais controladas pelo Estado representariam outra questão que deveria ser
colocada. Em virtude dos benefícios que adviriam da existência de recursos ilimitados
provindos do Estado e de toda a legislação protecionista por ele estabelecida, não existiria
uma preocupação por parte das empresas estatais em produzir cada vez mais com custos
menores. Somavam-se a estes problemas o afastamento do capital estrangeiro do país. Na
medida em que isto ocorria, ficava mais difícil o encaminhamento do pleno
desenvolvimento das forças produtivas – leia-se livre iniciativa – pois o único meio de
proporcionar à empresa privada um significativo grau de competitividade com a empresa
estatal seria o recurso aos capitais internacionais. A carência de capitais que o país
enfrentava colocava-o diante
“(...) de uma opção entre métodos possíveis de acumulação de capital: ou socializar
o País para drasticamente obter do capital nacional as sobras necessárias para
reinvestimento, ou acolher o capital estrangeiro que nos possam amparar nesta fase
angustiosa da vida nacional”.86
85
Editorial. “Vale a pena comercializar com a Rússia?”. In: Revista Ação Democrática, n° 37, junho/1962, p.
20.
41
42
poderia ser observada na Lei de Remessa de Lucros, que havia sido aprovada pelo
Congresso, e em toda a legislação protecionista. Entendiam que a Lei apresentava-se como
mais uma amarra que, somada a muitas outras, “não só afugenta, mas escorraça de vez o
capital estrangeiro de qualquer espécie”.87
A limitação da remessa de lucros para o exterior seria uma das demonstrações de
que a iniciativa privada teria que se sujeitar às regras impostas pelo Estado para a obtenção
de fontes de financiamento ou de recursos para a sua expansão. O protecionismo
demonstrado nesta legislação fazia parte de um processo mais amplo que se caracterizava
pela triste opção, segundo entendiam, de rejeitar o capital estrangeiro no país. O governo
contribuía, dessa forma, para o estabelecimento de uma reserva de mercado perigosa
porque destinada a um grupo que espoliava o povo graças à existência de um monopólio.
De outro lado impedia a continuidade do processo de modernização – que se apresentava
como fundamental para que o país alcançasse uma situação de pleno desenvolvimento –
uma vez que a importação de tecnologia ficaria cada vez mais difícil. Na situação em que o
país então se encontrava, existia uma necessidade premente de obtenção de novas
tecnologias e recursos econômicos. Uma vez que boa parte dos recursos econômicos
existentes no país destinava-se para as próprias empresas estatais, estabelecendo assim uma
concorrência desleal por produtos já escassos, e uma vez que a tecnologia que o país
precisava somente estaria disponível em outros países, já desenvolvidos, a legislação
vigente colocaria a empresa privada num beco sem saída.
A opção pelo capitalismo internacional significaria ainda a busca pela consolidação
do regime democrático, considerado um dos pilares fundamentais para a existência da livre
iniciativa. Era a iniciativa privada que se apresentava cerceada cada vez mais por um
Estado que procurava atacar as fatias mais promissoras do mercado, provocando
“(...) a permanente intranqüilidade dos homens de empresa, sujeitos, a qualquer
momento, à intromissão do poder do Estado, que lhes desarticule os planos de
produção, anarquize os mercados, ou se faça concorrência privilegiada na luta
econômica. (...) Isso só pode levar ao desestímulo da iniciativa particular”.88
86
Editorial. “Alerta contra o caos econômico”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 8, ano II, março/1963. Artigo
comentando discurso de posse do Dr Paulo Reis de Magalhães (tesoureiro do Comitê Executivo do IPÊS)
como presidente do Banco do Estado de São Paulo.
87
GUDIN, Eugênio. “A lei suicida”. In: Revista Ação Democrática, n° 31, janeiro 1962, p. 25.
88
CORRÊA, Oscar Dias. “Sobre intervenção”. In: Ação Democrática, n° 49-50, junho-julho 1963, p. 10.
42
43
89
“IPÊS aponta caminhos para o capital estrangeiro e combate aos Trustes”. Reportagem publicada Jornal
pelo IPÊS, sem data, provavelmente 1962, sem indicação do periódico.
43
44
De que forma então, melhor dizendo, sob que formas ipesianos e ibadianos
esperavam alcançar o desenvolvimento com base no regime de livre iniciativa? Que tipo de
papel deveria ter o Estado dentro de tal estrutura de organização? Que aspectos deveriam
propiciar a livre manifestação das forças econômicas? Dentro dessa concepção, a função do
Estado sofreria modificações significativas em relação à empreendida até então. Sua função
empresarial não seria eliminada mas sofreria restrições importantes. Às empresas estatais
seria vedada a sua ação em áreas onde já existissem a livre iniciativa. Desta forma, evitar-
se-ia a concorrência desleal entre aquele que estabelecia as regras de concorrência e que,
simultâneamente, se apresentava também como concorrente. Eliminar-se-ia ainda a
possível mudança das regras do jogo por um de seus participantes. Em determinadas áreas
da economia em que a iniciativa privada possuísse interesse mas as dificuldades a serem
transpostas fossem muitas, caberia o papel estatal de busca da coordenação de esforços.
Coordenação e não-empreendimento eram as palavras de ordem. Neste sentido, sua função
seria a de auxilio e estimulação dos empreendimentos existentes, criando as condições
propícias para a livre iniciativa, que seriam viabilizadas na medida em que o
“(...) Estado lhe assegure meios para preservar o sistema de livre concorrência no
mercado interno, para enfrentar e vencer a concorrência no mercado externo e,
conseqüentemente, para elevar nossos índices de produtividade, sustentáculo da
emancipação econômica e social do povo brasileiro”.90
90
Editorial. In: Notícias do IPÊS, São Paulo, n° 6, ano I, outubro-novembro 1964, p. 5.
91
TORRES, José Garrido. “Iniciativa privada e subdesenvolvimento”. In: Revista Ação Democrática, n° 37,
junho 1962, p. 24. Publicado na imprensa carioca e apresentado na revista com algumas observações.
92
LOPES, “Panorama industrial”, op. cit., p.11.
44
45
participação da iniciativa particular. Nas áreas onde a visão “telescópica mais dilatada
levaria a certos tipos de investimentos geradores de economias externas e a atividades de
caráter pioneiro”. Desta forma, o “Estado deve agir como agente catalisador, quer dizer,
criar condição para que as reações construtivas da iniciativa privada se realizem com
eficácia”.93
A aceitação deste papel estatal no campo econômico apresentar-se-ia como
decorrência dos reclames generalizados da sociedade, provocados pelo crescimento
demográfico e pelos problemas que deste advinham. A partir do momento em que o setor
econômico desbravado pelo Estado gerasse interesse por parte da iniciativa privada, esta
atividade deveria ser transferida para o mundo privado. No artigo “Reforma da Empresa”,
Candido Torres, um dos vários a escrever para o Boletim Mensal do IPÊS, assinala:
“Embora não morra de amores pela gerência do Estado, pois não a considero a mais
proveitosa, tenho a impressão de que razões práticas ou pragmáticas aconselham a
que o Estado continue e acentue a sua tarefa nesse setor, já que a empresa privada
demandaria um prazo que devemos abreviar grandemente. O que não deve ocorrer é
que o Estado se perpetue na posse das empresas que inicie. Ao mesmo tempo em
que elimina os referidos ‘pontos de estrangulamento’ deve o Estado formular uma
política que novamente anime, incentive e estimule a iniciativa privada, tanto
nacional como estrangeira”.94
93
Editorial. “Estado deve funcionar com a eficiência da livre empresa”. In: Notícias do IPÊS, São Paulo, n°
6, ano I, outubro-novembro/1964, p. 4. Comentários de trechos de conferência realizada por Roberto Campos
no Congresso Internacional do IPÊS.
94
TORRES, Candido. “Reforma da empresa”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 26/27, ano IV, setembro-
outubro/64, pp. 14 a 22.
95
FERREIRA, Ésio Alves; CARNEIRO, Joaquim; FARIA, Orlando. “O problema da coexistência das
empresas privada e estatal na economia brasileira”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 19/20, ano III, fevereiro-
março/1964, pp. 46 e seguintes.
45
46
96
TORRES, José Garrido. “O investimento público brasileiro”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 38/39, ano
IV, novembro-dezembro/1965, pp. 10 e seguintes. Conferência do Presidente do BNDE, José Garrido Torres,
no simpósio sobre “Relações entre o governo e a iniciativa privada”, promovido pelo IPÊS, em São Paulo,
em 06/12/1965.
97
CORRÊA, “Sobre intervenção”, op. cit.
46
47
atingido por um sistema apoiado na iniciativa privada e na propriedade privada dos bens de
produção”.98
O direito de propriedade, sustentáculo da “família e a base do regime de livre
empresa”, deveria ser garantido para tal consecução. As empresas privadas encaminhariam
o país para o processo de industrialização desde que fossem estabelecidas as condições
fundamentais para que as regras de mercado funcionassem. A mola mestra deste processo
seria a busca pelo lucro e a capacidade de reinvesti-lo na economia:
“Mas, para que se realize o desenvolvimento, é imperativo que esse lucro, ou
excedente, seja reconduzido ao processo produtivo, o que os empresários de fato
levam a efeito, por uma espécie de radar próprio, dirigindo os excedentes para os
setores que ofereçam maior lucro. Pressupõem-se, portanto, que aplicando o
excedente onde ofereça a economia maior produtividade, maior será a taxa de
crescimento”.99
98
Editorial. In: Notícias do IPÊS, São Paulo, dezembro/1964, n° 7, ano I, p 5.
99
NETTO, Delfim. “O progresso econômico e o progresso social”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 19/20,
ano III, fevereiro-março/1964, pp. 2 a 12. Reprodução de Conferência proferida no Curso de Atualidades
Brasileiras.
100
Editorial. “Ainda a propósito do Plano Trienal”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 8, ano II, março/1963,
pp. 5 e 6.
47
48
em primeiro lugar, com uma filosofia que fosse condizente com o regime democrático.
Apesar de ser considerado como um conjunto de técnicas, afirmavam que todo
planejamento possuía uma filosofia por trás de si, que determinaria o “propósito que
estivesse em mira”. Este, por sua vez, poderia variar de acordo com o grupo que ficasse
responsável pela sua articulação. A grande questão não estava na prática de planejar mas
sim nos objetivos que se colocavam presentes no momento de sua elaboração. Em artigo
elaborado por José de Assis Ribeiro, o autor assinala o seguinte sobre o planejamento
econômico e sua filosofia:
“A Técnica do Planejamento (...) tem a capacidade e força para determinar o
desenvolvimento material de uma nação. Mas é a Filosofia do Planejamento que
plasma e modela esse desenvolvimento. A Técnica do Planejamento engloba todos
os procedimentos racionais, materiais ou espirituais. No entanto, é a Filosofia do
Planejamento que seleciona, informa e fundamenta os objetivos técnicos; e,
conseqüentemente, é ela que fixa ou os objetos que são indispensáveis para uma
vida humana digna desse nome ou aqueles que fazem com que as nações
mergulhem na barbárie, anti-humana e anticristã”.101
Estaria, portanto, nesta filosofia, a essência da ideologia a ser seguida pelo plano
econômico. Se para ipesianos e ibadianos o plano deveria ter por valor básico a manutenção
do sistema democrático, para alcançar tal objetivo ele deveria, já na sua organização, contar
com algumas premissas fundamentais. A primeira delas seria a ampla participação e
“anuência do corpo político, com ênfase para a empresa privada” no momento de sua
elaboração. Conseqüuência direta do primado que a livre iniciativa deveria ter na ordem
econômica, sua presença nos estudos prévios e na co-autoria do plano evitariam que as
decisões macroeconômicas fossem “unilaterais, quer do governo, quer da iniciativa privada,
mas do entendimento comum de todos que atuam no campo econômico”.102 O papel do
Estado seria, dentro deste contexto, o de dirimir interesses conflitantes que pudessem advir
dos diferentes representantes deste corpo político, buscando o desenvolvimento integrado e
uma “coordenação de esforços humanos e de recursos materiais capaz de corrigir e
dinamizar as estruturas nacionais”.103
101
RIBEIRO, José de Assis. “Planos de desenvolvimento”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 18, ano III,
janeiro/1964, p. 31.
102
Editorial. In: Notícias do IPÊS, n° 7, ano I, dezembro/1964, São Paulo
103
RIBEIRO, “Planos de desenvolvimento”, op. cit., pp. 27 e seguintes.
48
49
Se o novo papel do Estado desejado por estes grupos apresenta-se bem configurado
pelo quadro acima, torna-se necessário ainda apresentar os mecanismos complementares
104
Idem, ibidem.
49
50
pelos quais o desenvolvimento seria obtido segundo a ótica destes grupos. Uma vez
garantidos os mecanismos necessários para a efetivação do livre mercado, fazendo
“prevalecer a empresa privada como unidade econômica que assegurasse a ligação dos
diversos mercados”, uma das principais medidas seria o estímulo ao aumento da
produtividade, considerada “sustentáculo da emancipação econômica e social do povo
brasileiro”. Apesar de considerarem que o país possuía uma vocação de “grande país
industrial”, esta preocupação deveria estar direcionada não somente para a indústria mas
também para o setor agrícola.
Enfatizava-se, neste sentido a existência de um padrão de vida satisfatório em países
como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Argentina, que possuíam uma dependência maior
da agricultura que o Brasil. A razão disto estaria no elevado grau de produtividade por fator
de produção. Elemento que contribuiria para isso era a abundante utilização de mão-de-
obra e a existência de técnicas produtivas ultrapassadas. No campo, portanto, o aumento da
produtividade seria obtido através da modernização das técnicas de plantio e com a
utilização de máquinas que liberariam mão-de-obra necessária para o barateamento dos
custos de produção. Tornava-se indispensável proporcionar à agricultura um surto idêntico
ao que se verificou nos últimos anos no setor industrial. Pensava-se, desta forma, evitar a
concorrência dos fatores de produção entre indústria e agricultura, como pode observar-se a
seguir:
“(...) importa aumentar a produtividade dos empreendimentos rurais existentes, isto
é, produzir mais, muito mais pela melhor utilização dos fatores de produção.
Produzir mais com menos terras, menos homens e menos árvores ou animais. (...)
Então liberaremos braços e cérebros para as indústrias, sem que faltem alimentos e
matérias-primas (...)”.105
105
BALEEIRO, Aliomar. “Reforma Agrária”. In: Revista Ação Democrática, n° 48, maio/1963, p. 17. Entrevista
especial para a revista.
50
51
106
Reprodução de entrevista concedida por Garrido Torres, “um dos líderes econômicos da revolução”, ao
New York Times. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 34/35, ano IV, maio-junho/1965, p. 7.
51
52
107
FILHO, Alberto Venancio; SÁ, Fernando da Silva; CARVALHO, Aurélio de; VIEGAS, Mauro Ribeiro;
LUZ, Sebastião B. Ribeiro da. “A empresa privada como comunidade de trabalho: seu papel no
desenvolvimento econômico e na distribuição da renda”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 19/20, ano III,
fevereiro-março/1964, p. 25. Trabalho de grupo apresentado no IPÊS e reproduzido na revista.
108
NETTO, Delfim. “O progresso econômico e o progresso social”, op. cit., p. 2.
52
53
109
LOPES, “Panorama industrial”, op. cit., 22.
53
54
54
55
110
LOPES, “Panorama Industrial”, op. cit., p. 10.
111
CORÇÃO, “Totalitarismo aniquilador do comunismo”, op. cit., p. 4.
55
56
112
Idem, ibidem.
113
O que é o IPÊS, op. cit.
56
57
114
Editorial. “Estado de Espírito Democrático”. In: Revista Ação Democrática, n° 23, abril/1961, p. 1.
115
Que é a democracia? Produção Jean Manzon e Atlântida sob direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção
de Documentos Sonoros e de imagens em Movimento.
116
Idem, ibidem.
117
Editorial. “A escola e os direitos da consciência”. In: Revista Ação Democrática, n° 20, janeiro/1961, p.
20.
118
Editorial. “Estado de Espírito Democrático”, op. cit., p. 1.
57
58
119
O que é o IPÊS. Filme dirigido sob direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Sonoros e
de imagens em Movimento.
120
Editorial. “Estará em boas mãos a SUDENE?”, op. cit., p. 9.
121
CORÇÃO, “Totalitarismo...”, op. cit.
122
NETTO, Delfim. “O progresso científico e o progresso social”, op. cit., p. 2.
58
59
123
Idem, ibidem.
124
LOPES, “Panorama Industrial”, op. cit., p. 10.
125
NETTO, Delfim. “O governo e a empresa privada no processo de desenvolvimento”. In: Notícias do IPÊS,
n° 7, dezembro/1964, São Paulo.
126
TORRES, João Camilo de Oliveira. “A democracia e os regimes totalitários”. In: Boletim mensal do IPÊS,
n° 22, ano III, maio/1964, pp. 10 e seguintes. Conferência pronunciada no Curso de Atualidades Brasileiras
do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais.
127
Editorial. “A escola e os direitos da consiência”, op. cit., p. 20.
128
Que é a democracia?, op. cit.
129
RIBEIRO, Carlos José de Assis. “Planos de desenvolvimento”, In: Boletim mensal do IPÊS, n° 18, ano III,
janeiro/1964, pp. 27 a 50.
59
60
a potencialização das diferenças e das capacidades era o problema central. Era necessário
garantir a “liberdade da marcha do progresso coletivo”130 do país, aspecto que só o sistema
democrático poderia atender.
A questão era simples para eles e, aqueles que negavam esta lógica, cairiam numa
contradição óbvia:
“Economistas (...) assumem o que se me afigura uma posição contraditória:
economicamente fazem concessões ao socialismo, mas politicamente, se confessam
democratas. Sinceramente, não vejo como tal posição possa ser congruente.
Considero-a, antes, uma contradição em termos, porque sem propriedade privada,
ainda que esta precise ser limitada em sua magnitude, simplesmente não pode haver
democracia”.131
130
Depende de mim, op. cit.
131
TORRES, Candido. “Reforma da Empresa”. In: Boletim mensal do IPÊS, nº 26/7, ano IV, setembro-
outubro/1964, pp.14 a 22.
132
NETTO, Delfim “O papel do empresário”, op. cit.
133
TORRES, Candido, op. cit.
134
CAMPOS, Roberto. Congresso Internacional do IPÊS. In: “O Estado deve funcionar com a eficiência da
livre empresa”, op. cit.
60
61
Somente existirá igualdade na presença da liberdade em cada um. Para eles todos,
ao serem dotados de vontade livre e conhecimento, tornavam-se iguais entre si. Estes
atributos estavam presentes em qualidade e quantidades diferenciadas nos homens.
Propiciar a “plena realização da dignidade humana” significaria, portanto, estimular o
desenvolvimento das diferentes capacidades de cada um, aspecto que somente o regime
democrático seria capaz de impor. Neste sentido, observa-se o caráter ideológico de direita
que atravessa este projeto político na medida em que eles caracterizam-se por um
“(...) juízo segundo o qual essa ou aquela forma de desigualdade é favorável ou
mesmo necessária ao melhor ordenamento social ou ao progresso da civilização e,
portanto, a ordem social deve respeitar e não abolir as desigualdades entre os
homens, ou pelo menos aquelas desigualdades que são consideradas social e
politicamente úteis ao progresso social”.139
135
LOPES, “Panorama Industrial”, op. cit., p. 9.
136
Editorial. “A escola e os direitos da consciência”, op. cit., p. 20.
137
Idem, ibidem.
138
Editorial. “Estado de espírito democrático”. In: Revista Ação Democrática, n° 23, abril/1961, p. 1.
139
BOBBIO, Noberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro, Ediouro, 1997, p. 40.
61
62
140
Editorial, “O Estado de ...”, op. cit.
62
63
para quem o “maior inimigo do comunismo é uma classe média vigorosa”.141 Este grupo
social era tido como elemento de estabilidade política, pois estaria fora do confronto
histórico apresentado por Marx entre burguesia e proletariado, e não se sujeitando a uma
solução radicalizante, segundo pensavam.
O aperfeiçoamento das instituições políticas passava pela questão econômica em
função da instabilidade político-social que este aspecto poderia provocar. Neste sentido
duas das questões fundamentais a resolver eram o problema da inflação e da reforma
agrária. A inflação tinha um efeito perverso principalmente nas camadas médias pois,
“Como a classe média é em geral a que menos pode ser organizada, em virtude da
excessiva diversificação de suas atividades, passa a ser a maior vítima da inflação.
Dá-se então o conhecido fenômeno do ‘estrangulamento da classe média’, à medida
que se reduzem seus componentes”.142
Mais do que preservar o peso deste grupo na sociedade, era premente torná-lo mais
significativo através da reforma das estruturas no campo. A ênfase dada ao “assédio” às
camadas médias realizado por estes institutos e à eficácia de seus resultados foi
amplamente abordado por pesquisadores como Dreifuss, Starling e Saes, tal como
apresentado anteriormente. No entanto, não é identificada por estes autores a importância
dada por ipesianos e ibadianos na formação e ampliação de uma classe média rural. Este
grupo, que “por toda parte representa um centro dinâmico de desenvolvimento econômico e
formação do espírito gerencial”, contribuiria para o aperfeiçoamento de nossas “precárias
instituições políticas” .143
A busca pelo crescimento desta camada social, tanto no meio urbano quanto no
rural, estava na crença também de que seria ela que serviria como agente de homologação
do regime econômico e político pretendido por ipesianos e ibadianos, uma vez que,
tendencialmente, possuíam as mesmas expectativas sociais de ascensão e de status. Outro
aspecto lembrado por eles, sobre este apoio, devia-se à “virtude de a industrialização
proporcionar empregos e oportunidades de acesso ao comando das empresas ou à sua
141
Editorial. “Inflação, um cancro social”. In: Revista Ação Democrática, n° 30, novembro/1961, p. 20.
142
Idem, ibidem.
143
Editorial. “Crítica ao projeto de Reforma Agrária”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 12, ano II, julho/1963,
p. 5.
63
64
orientação técnica”,144 contribuindo para que eles compartilhassem dos mesmos símbolos
da classe empresarial. Por fim, uma classe média rural vigorosa significava garantir a
continuidade do desenvolvimento econômico. Desta forma, o
“objetivo fundamenal a ser atingido pela reforma agrária, no caso brasileiro, é a
criação de uma classe média rural. O processo de desenvolvimento econômico está
a exigir a comunidade rural organizada e bem estruturada, formada não só de
pequenos proprietários e de trabalhadores adaptados e ajustados às tarefas diretas da
agricultura, como de artesãos e profissionais cujas atividades são indispensáveis a
esse desenvolvimento. (...) Essa exigência é também, um imperativo para o real
funcionamento de nosso regime democrático, que visa estabelecer e manter o
equilíbrio e a harmonia das estruturas política, social e econômica nas áreas urbanas
e rurais”.145
144
FILHO, Alberto Venancio; Sá, Fernando da Silva; CARVALHO, Aurélio de; VIEGAS, Mauro Ribeiro;
LUZ, Sebastião B. Ribeiro da. “A empresa privada como comunidade de trabalho: seu papel no
desenvolvimento econômico e na distribuição da renda”, op. cit., p. 27.
145
Reportagem intitulada “Sugestões para a Reforma Agrária”, Arquivo Nacional, Seção de Documentos
Privados, data provável: 1962, sem jornal de origem, sem autoria.
146
O que é o IPÊS, op. cit.
147
BALEEIRO, Aliomar. “Reforma Agrária”, op. cit., p. 8.
64
65
A resposta é dada com objetividade pelo narrador num trecho em que valoriza a
educação como instrumento fundamental para exercer o direito de voto. Algumas cenas são
interessantes e, na medida do possível são retratadas aqui:
“Só a educação em todos os seus graus pode fazer uma juventude livre capaz de
assumir todas as responsabilidades (a cena de fundo é o horário de saída de uma
Igreja). Só a educação fará de cada jovem um eleitor esclarecido. Sim, porque o
problema fundamental da democracia é educar para votar bem. A escola é o próprio
alicerce da liberdade (cena em que uma criança, ao tentar escrever com a mão
esquerda tem o seu lápis retirado pela professora que o coloca na mão direita). (...)
Somente multiplicando escolas, multiplicando as oportunidades de julgar bem, o
eleitor de amanhã saberá escolher acertadamente os dirigentes do Brasil. A
felicidade de uma nação começa na infância. (...) Nas escolas teóricas ou de
aprendizado profissional é que se edifica o futuro livre de um Brasil desenvolvido
(cena em que uma criança trabalha no ambiente escolar). Menos de 20% dos
brasileiros chegam a obter um grau de instrução que lhes permita dicernir
objetivamente a respeito de nossos problemas políticos e sociais. Equivale a dizer: o
poder constituído no Brasil não representa nem 20 % da opinião do povo. É pela
instrução que o brasileiro saberá escolher corretamente quais são os governantes que
devem dirigir os destinos do país. A última etapa da educação é um gesto cívico à
boca da urna. Um sim para a liberdade e democracia e um não para a desordem e a
demagogia” (a última cena a aparecer é uma imagem da Encíclica Mater et
Magistra)”.149
148
Criando Homens livres. Filme produzido por Jean Mazon sob direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção
de Documentos Sonoros e Imagens.
65
66
ao possibilitar o acesso à educação de boa parte da população brasileira é que esta estaria
legitimada a exercer o direito de voto. Apenas quando eles chegassem a “obter um grau de
instrução que lhes permita discernir objetivamente a respeito de nossos problemas políticos
e sociais” é que o seu direito poderia ser exercido. Também os jovens estavam nesta lista
que deveria ter acesso a uma educação mais aperfeiçoada, de forma a impedi-los a
“escrever com a esquerda”. Parte deste processo educacional seria exercido também pela
Igreja, de forma a consolidar plenamente o “ideal democrático” dentro da perspectiva do
IPÊS/IBAD.
Enquanto isto, a quem caberia o direito de voto? Quem deveria exercer o papel de
condução da sociedade ao longo do processo de disseminação desta perspectiva
educacional? Segundo sinalizavam, um dos “meios mais eficazes de promover a justiça
social é precisamente a purificação e autenticidade da representação política” .150 Neste
sentido, o “povo real, consciente, maior, honesto, sensato, deve escolher com proximidade
e conhecimento”.151 Este povo, que eles diferenciavam da massa, do corpo disforme,
deveria estar pleno de “espírito democrático”.
Não bastava, desta forma, a existência de uma boa educação para uma perfeita
formação democrática ou, “se preferirem, a educação vitalmente democrática: mister se faz
ainda a formação racional para a democracia. Para que uma quantidade cada vez maior de
povo se tornasse “real” necessário era uma fase onde este tivesse acesso à “doutrinação
democrática, [à] tomada-de-consciência, que traduz em princípios demonstráveis e
concatenados aquilo que era possuído instintitvamente”.152
A “tomada-de-consciência” não era privilégio de muitos, segundo ipesianos e
ibadianos. No entanto, o consentimento dos cidadãos era fundamento e condição de
exercício de poder. Devido essa necessidade de legitimidade, de reconhecimento do regime
democrático por eles almejado, buscava-se solucionar a questão através da existência de
diferentes níveis de consentimento: o ativo e o passivo. O reconhecimento passivo seria
dado pela massa disforme, aqueles desprovidos de educação ou de espírito democrático.
Esses grupos estavam relegados a esta situação devido a sua incapacidade de “organizar
149
Criando Homens livres, op. cit.
150
Editorial. “Urge a reforma eleitoral”. In: Revista Ação Democrática, n° 43, dezembro/1962, p. 17.
151
Idem, ibidem.
152
Editorial. “Estado de espírito democrático”. In: Revista Ação Democrática, n° 23, abril/1961, p. 1.
66
67
racionalmente sua ação política e colocar seus interesses de classe à luz do debate
político.”153 O ativo seria dado pelos cidadãos, “as pessoas dotadas de direitos políticos
definidos por força das várias circunstâncias, que consentem ou discordam”.154 Existia uma
preocupação de ipesianos e ibadianos em encontrar o respaldo necessário para o esquema
político que propunham, pois no regime “democrático o que se procura sempre é estruturar
esta forma de participação com o objetivo de dar-lhe legitimidade, eficiência, e autoridade
para funcionar”.155
Um dos aspectos desta participação referia-se à ampliação quantitativa e qualitativa
da classe média. Era neste segmento social que esperavam encontrar o respaldo necessário
para o sistema político que pretendiam impor. No entanto, o sistema partidário precisava
melhorar, ser aperfeiçoado dentro de uma concepção de participação política que apenas
cristalizou-se por completo nos idos de 1965. Importava inicialmente afastar cada vez mais
a participação do indivíduo que “tem pouca capacidade de interferir” uma vez que o
momento histórico vivido não era mais aquele do “Estado Clássico, onde as relações
supostamente eram entre o Estado e ele”. Urgia a criação de “novos corpos de intervenção e
participação na vida política”, do qual o IPÊS seria o melhor exemplo porque “o organismo
é autônomo, independente do Estado mas funcionando com vistas à sociedade, vistas a
participar e influir na sociedade política”.156
Desta forma, buscavam a ampliação do processo de participação política mediante a
elaboração de “novos contratos políticos”157 que se distanciavam em muito das perspectivas
apontadas pelos grupos de esquerda no período em questão. A criação dos chamados
“corpos intermediários” que viessem a ter representatividade política, aliado à ampliação
das camadas médias devidamente doutrinadas pelos “princípios democráticos” eram os
aspectos que se colocavam dentro do novo esquema pretendido por estes grupos. Apesar do
artigo datar de 1965, ou seja, posterior ao golpe, a proposta de rearticulação do sistema, de
“dar um novo conceito de democracia”, já se encontrava entre suas propostas em princípios
da década.
153
STARLING, op. cit., p. 104.
154
TORRES, João Camilo de Oliveira. “A democracia e os regimes totalitários”, op. cit., p. 12.
155
BAHIA, Luiz Alberto. “Contextos políticos e modelos econômicos”. In: Boletim Mensal do IPÊS, nº 38 e
39, ano IV, setembro-outubro/1965, p. 32. Reprodução de palestra proferida pelo jornalista durante o IV
Curso de Atualidades Brasileiras.
156
Idem, ibidem
67
68
157
Idem, ibidem
158
TORRES, João Camilo de Oliveira. “A democracia e os regimes totalitários”, op. cit., p. 10.
159
Idem
68
69
160
SAES, Décio. “Classe média e política no Brasil: 1930-1964.” In: FAUTO, Boris. História Geral da
Civilização Brasileira - O Brasil Republicano. Tomo II. São Paulo, Difel, 1986, p. 500.
161
São os seguintes os documentários que abordam ora diretamente a questão social, centrando-a como tema
fundamental, ora indiretamente, de forma tangencial: O Brasil precisa de você; Nordeste - problema número um;
Vida marítima; Depende de mim; A boa empresa; O IPÊS é o seguinte; Portos paraliticos; O que é o IPÊS; Criando
homens livres; Que é a democracia?; e Conceito de empresa. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Sonoros e
Imagens.
69
70
162
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”. In: Boletim Mensal do IPÊS, nº 12, ano II,
julho/1963, p. 12.
163
Editorial. “Estará em boas mãos a SUDENE?”, op. cit., p. 9.
164
Criando Homens Livres, op. cit.
70
71
165
Editorial. “Urge a reforma eleitoral”, op. cit., p. 17.
166
A boa empresa. Filme produzido pelo Canal 100 sob orientação do IPÊS, direção de Moises Kendler e
Oswaldo Corrêa. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Sonoros e Imagens em Movimento.
167
Editorial. “Estará em boas mãos a SUDENE?”, op. cit., p.9.
168
Idem, ibidem.
169
Editorial. “O nordeste e as ligas camponesas”. In: Revista Ação Democrática, n° 28, setembro/1961, p. 13.
Transcrito do Jornal O Globo, de 18 de julho de 1961.
71
72
país as agitações que esta promovendo no Nordeste”. O objetivo final o “senhor Julião não
o oculta: ‘liquidar a sociedade capitalista’”.170
Apesar das considerações acerca da necessidade em diminuir as diferenças sociais e,
contraditoriamente em relação ao discurso apresentado em sua filmografia, estes grupos
possuíam uma série de ressalvas sobre os mecanismos, então existentes, de proteção ao
trabalhador. A legislação trabalhista, dirigida ao assalariado urbano, e a possibilidade de
sua extensão para o meio rural através da Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA)
seriam instrumentos anacrônicos de concessão de bem-estar à sociedade e que acabavam
por imitar determinados países em que esta prática já estava em refluxo. Além disto, eram
ferramentas que se mostravam inúteis na contenção tanto no que diz respeito à proliferação
da pobreza quanto à exploração sobre o trabalhador, uma vez que eram mal aplicadas,
sendo desviadas do seu verdadeiro objetivo. Exemplo efetivo desta prática estaria nos
grupos de Previdência Social, a longo tempo controlada pelos partidos de esquerda e por
trabalhadores que, segundo ipesianos e ibadianos, se caracterizavam pelo “peleguismo”.
Apesar de ser “difícil encontrar no mundo inteiro um país que possua leis
trabalhistas mais justas e mais adiantadas que as brasileiras”,171 esta legislação não evitava
a injustiça sobre o trabalhador. Ao invalidar a legitimidade e capacidade dos grupos de
esquerda e do Estado em gerir e administrar os institutos de assistência social, ipesianos e
ibadianos buscavam chamar para si a responsabilidade de fazê-lo. Além disso, a legislação
social existente no Brasil representava a interferência do Estado nas relações entre capital e
trabalho, o que consideravam um equívoco. Por este motivo reivindicavam a alteração da
legislação trabalhista, “tão velha quanto o Ministério” do Trabalho, objetivando a aplicação
de uma legislação que executasse a justiça social “segundo inspirações da Doutrina
Cristã”.172
Exemplos da interferência estatal equivocada na solução dos problemas sociais
também seriam observados na criação da SUPRA que:
“(...) afasta a classe rural da administração e execução não apenas dos serviços
sociais mas ainda de atividade relacionada com o campo. Oficializa-se assim, o banimento
da iniciativa privada e se institucionaliza o estatismo para a agricultura, cujo ministério – e
170
Idem, ibidem.
171
Editorial. “A nova trapaça: Reformas de Base”. In: Revista Ação Democrática, n° 30, novembro/1961, p.
4.
172
Editorial. “Um ministro nas nuvens”. In: Revista Ação Democrática, n° 33, fevereiro/1962, p. 10.
72
73
173
Editorial. “Supra: a marcha do PTB para o campo”. In: Revista Ação Democrática, n° 44, janeiro/1963, pp.
4 e 5.
174
Idem, ibidem.
175
Editorial. “Entrevistando Harold Poland”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 24, ano III, julho/1964, pp. 2 e
3.
73
74
176
Vida Marítima. Filme produzido pela Cine Service sob a direção do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de
Documentos Sonoros e Imagens em Movimento.
177
SOUZA, Roberto Pinto de. Comentários sobre o Congresso “O governo e a empresa privada no processo
de desenvolvimento”. In: Notícias do IPÊS, n° 6, ano I, outubro-novembro/1964, São Paulo, p. 4.
178
POLAND, Harold. “Ainda o problema da casa popular”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 8, ano II,
março/1963, pp. 7 a 15.
179
Editorial. “O que é a reforma agrária”. In: Revista Ação Democrática, n° 25, junho/1961, pp. 6 e 7.
Comentários e resumo da exposição de Gustavo Corção, José Carlos Barbosa Moreira e de Lynn Smith,
contendo alguns trechos das mesmas no simpósio citado.
180
TORRES, Candido. “Reforma da empresa”, op. cit., pp. 14 a 22.
74
75
181
FILHO, Alberto Venancio; Sá, Fernando da Silva; CARVALHO, Aurélio de; VIEGAS, Mauro Ribeiro;
LUZ, Sebastião B. Ribeiro da. “A empresa privada como comunidade de trabalho: seu papel no
desenvolvimento econômico e na distribuição da renda”, op. cit., p. 27.
182
Idem, ibidem.
183
Idem, p. 28.
184
LOPES, “Panorama Industria”, op. cit., p. 18.
75
76
185
TORRES, Candido. “Reforma da empresa”, op. cit., p. 17.
186
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Na encruzilhada”, op. cit., p. 14.
187
Segundo Teixeira da Silva, as interpretações da realidade brasileira baseadas na noção de dualismo
estrutural estavam presentes tanto em liberais quanto entre comunistas do PCB e entre reformistas do ISEB.
“A Modernização Autoritária: Do Golpe Militar à Redemocratização (1964/1984)”. In: LINHARES, Maria
Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1990, p. 275.
188
Idem, ibidem.
189
HASSLOCHER, Ivan. “Simpósio do IBAD sobre reforma agrária”. In: Revista Ação Democrática, n° 25,
junho/1961, pp. 4 e 5.
76
77
se tolerasse “que alguém leve no campo uma existência que na cidade não admitimos nem
para os animais”.190
Avaliada como elemento de vital importância para a existência de um regime
democrático, uma vez que não podia haver “verdadeira democracia sem a justiça social e
econômica”,191 a reforma agrária possibilitaria o desbloqueio do desenvolvimento, bem
como o aumento dos rendimentos da população e da produção. As estatísticas de
produtividade agrícola confirmariam o atraso do meio rural e assinalariam que o país
permanecia à “margem do progresso tecnológico”.
Também o governo concordava com a necessidade de reformulação da estrutura
agrária no país, considerada como “um sério obstáculo ao desenvolvimento acelerado da
economia da nação”.192 No entanto, apesar da existência de um relativo consenso referente
à modificação da estrutura vigente no campo, os projetos de encaminhamento da reforma
diferiam em vários aspectos193 e o complexo empresarial IPÊS/IBAD traçou uma série de
críticas aos projetos concorrenciais existentes. Elas referiam-se principalmente aos dois
principais grupos responsáveis pelo impasse criado na efetivação da dita reforma. A
questão permanecia um “ovo, graças aos esforços confluentes dos latifundiários”, de um
lado, e “dos comumistas e dos teóricos do ISEB”,194 de outro.
Apesar de latifundiários e comunistas estarem pretensamente em campos opostos,
os membros destes institutos consideravam que eles possuíam alguns aspectos em comum
quanto aos seus objetivos, sendo o elemento fundamental desta identificação a pretensão da
concentração fundiária nas mãos de poucos. Como pode ser observado aqui, contrariamente
do que é assinalado por Dreifuss, nem sempre os institutos em questão desenvolveram uma
campanha conciliatória com as classes rurais dominantes.195
Os comunistas desejavam a reformulação do sistema de propriedade de terras com
vistas a estabelecer as grandes fazendas coletivas, que ficariam sob controle do Estado. O
190
Editorial. “Reforma Agrária democrática: única solução para o Brasil”. In: Revista Ação Democrática, n°
31, dezembro/1961,p. 3.
191
HASSLOCHER, Ivan. “Simpósio do IBAD sobre reforma agrária”, op. cit., pp. 4 e 5.
192
Presidência da República, 1962, p.112. Citado em FIGUEIREDO, Argelina C., op. cit., p. 113.
193
SILVA, Francisco C. Teixeira. “A Modernização Autoritária.: Do Golpe Militar à Redemocratização
(1964/1984)”, op. cit. Ver também CAMARGO, Aspásia de A. “A Questão Agrária: Crise do Poder e
Reformas de Base (1930-64).” In: Fausto, Boris (org.). O Brasil Republicano. Tomo III - Sociedade e
Política (1930-1964). São Paulo,Difel, 1986.
194
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Na encruzilhada”, op. cit., p. 14.
195
DREIFUSS, op. cit., p. 181.
77
78
governo teria sido influenciado por estes grupos e acabou por apresentar um anteprojeto de
lei que viabilizava tal estrutura de distribuição da terra. Visava apenas aumentar a produção
a fim de fortalecer o Estado na medida em que acabaria por torná-lo em um grande
proprietário, segundo assinalavam, o único.
A proposta que ora era apresentada pelo governo, se assim encaminhada, acabaria
por desviar a reforma agrária do que identificavam como sendo um de seus reais objetivos
que era o da elevação do poder aquisitivo e do padrão de vida do homem rural pela difusão
da propriedade familiar. Ipesianos e ibadianos concebiam que, apesar de partirem de
objetivos que seriam, a princípio, diametralmente opostos, o destino final das reformas
propostas seria o mesmo: a “forma conservadora de organização da propriedade”. Com a
propriedade das terras estatizadas, o trabalhador rural tornar-se-ia um proletário do campo,
sujeito às vulnerabilidades das crises sociais e sem “nenhuma radicação à terra”.196 Outro
aspecto que deve ser observado refere-se à forma de desapropriação das terras, “chave de
cúpula de todo o projeto da reforma agrária”.197 O governo pretendia desapropriar a terra
através do pagamento de indenizações sem correção, o que se apresentava como uma
“subversão da ordem jurídica, como aconteceu nos países totalitários onde a aplicação
prática experimentada não elevou o padrão de vida dos homens, mas, pelo contrário,
roubou-lhes tudo com o sacrifício da própria liberdade”.198
De outro lado estavam os grandes latifundiários, aqueles responsáveis pela
“retenção de glebas para a especulação imobiliária”, pela permanência de processos
“rotineiros de utilização da terra”, de métodos de “destruição ainda tão largamente
utilizados em nosso interior”.199 Pretendiam impedir a qualquer custo o estabelecimento da
reforma agrária com vistas à manutenção de seus privilégios, e possuíam uma visão
completamente deturpada da realidade, posto que fingiam “não perceber a desgraça em que
vive uma parcela imensa da população do Brasil”.200 A ameaça destes dois grupos,
“comunistas” e “reacionários”, vinha de sua organização, do grau de mobilização que era
almejado ser obtido tanto pelo IPÊS quanto pelo IBAD.
196
D’ÁVILA, Padre Fernando Bastos. “Aspectos políticos e sociais da reforma agrária”, op. cit., p. 18.
197
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”, op. cit., p. 9.
198
Editorial. “As classes produtoras e a Reforma Agrária”. In: Ação Democrática, n° 48, maio/1963, p. 9.
199
Editorial. “Reformas agrárias II”. In: Revista Ação Democrática, n° 20, janeiro/1961, p. 16.
200
HASSLOCHER, Ivan. “Simpósio do IBAD sobre reforma agrária”, op. cit., pp. 4 e 5.
78
79
201
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”, op. cit.
79
80
202
LOPES, “Panorama Industria”, op. cit., p. 22.
203
RIOS, José Artur. “Como se prepara e executa a reforma agrária”. In: Revista Ação Democrática, n° 25,
junho/1961, pp. 9 e 10.
204
D’Ávila, Padre Fernando Bastos. “Aspectos políticos e sociais da reforma agrária”, op. cit., p. 19.
205
BALEEIRO, Aliomar. “Reforma Agrária”, op. cit., p. 17.
80
81
Inverte-se, desta forma, a ordem dos fatores em privilégio quanto às medidas que
viabilizariam a reforma agrária, colocando em primeiro plano aquilo que se apresenta como
medidas complementares para os que vislubravam a possibilidade de repartição da terra.
Dentre os elementos que contribuiriam para o aumento da produtividade de acordo
com essas duas concepções de reforma agrária, pode-se citar a destinação de maiores
investimentos públicos na área agrícola, que viabilizassem ao homem do campo a
modernização da estrutura agrária. A incorporação de máquinas, inclusive, era elemento
fundamental para que se liberassem “fatores produtivos” para a industrialização brasileira.
A adoção de novas técnicas de plantio deveria evitar a “permanência de processos
rotineiros de utilização da terra” e a “destruição ainda tão largamente praticad[a]s em nosso
interior”.207
Um elemento que merecia consideração dentro da proposta de aumento da
produtividade era a educação do homem do campo. Ivan Hasslocher, importante dirigente
do IBAD, assinala em artigo veiculado em Ação Democrática que aqueles que entendiam
que o “lavrador brasileiro” era “ineducável”, que estabeleciam que “nem se pode pensar em
reforma agrária antes de educar as populações rurais”, na verdade tinham um propósito
“puramente egoísta” de “não querer ver reduzidas as suas fontes de riqueza”. As críticas
eram dirigidas, no entanto, a “alguns milionários e supermilionários, com propriedades
imensas pelo interior do Brasil” que “odeiam a idéia de reforma agrária”.208
A necessidade urgente de educá-lo era inquestionável, como colocava Gustavo
Corção, outro importante dirigente do IBAD, uma vez que um dos principais problemas da
estrutura agrária brasileira era a “forte proporção de analfabetos e, conseqüente incultura
geral”.209 Padre Ávila, um dos convidados a participar de um simpósio sobre a reforma
agrária elaborado pelo IBAD, também se encaminhava no mesmo sentido, posto que
considerava a existência de “uma situação de dificuldade técnica devido à ausência de
206
Editorial. “Produtividade – um problema do Nordeste”. In: Revista Ação Democrática, n° 28,
setembro/1961, p. 15.
207
Editorial. “Reformas agrárias II”, op. cit., p. 16.
208
HASSLOCHER, Ivan. “Simpósio do IBAD sobre reforma agrária”, op. cit., pp. 4 e 5.
209
Editorial. “O que é a reforma agrária”, op. cit., pp. 6 e 7.
81
82
educação e preparação técnica por parte dos trabalhadores rurais” que deveria ser superada.
Neste sentido, o
“(...) agricultor precisa ‘aprender’ a ser agricultor, aprender a amar a terra, a
conhecê-la (...). Enfim, há toda uma complexa e minuciosa técnica ruralista que lhe
tem de ser infundida. Por isso mesmo, cumpre multiplicar eficientes e bem
equipados institutos agronômicos, destinados a dar permanente e estimulante
assistência, não apenas técnica mas instrumental, digamos assim, emprestando ou
alugando maquinaria necessária ou útil a diminuição de esforço e aumento de
rendimento”.210
210
Editorial. “Reformas agrárias II”, op. cit., p. 16.
211
MOREIRA, J. Roberto. “Delineamento geral de um plano de educação para a democracia no Brasil”. In:
Boletim Mensal do IPÊS, edição especial, ano IV, novembro/1964.
212
Editorial. “Reformas agrárias II”, op. cit., p. 16.
82
83
213
FILHO, Alberto Venancio; Sá, Fernando da Silva; CARVALHO, Aurélio de; VIEGAS, Mauro Ribeiro;
LUZ, Sebastião B. Ribeiro da. “A empresa privada como comunidade de trabalho: seu papel no
desenvolvimento econômico e na distribuição da renda”, op. cit., p. 26.
214
TORRES, Candido. “Reforma da empresa”, op. cit., p. 15.
215
“Sugestões para a reforma agrária”. Data provável: 1962, s./jornal de origem, s./autoria, mas elaborada
pelo IPÊS.
216
MOREIRA, J. Roberto. “Delineamento geral de um plano de educação para a democracia no Brasil”, op.
cit.
217
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”, op. cit.
218
BALEEIRO, Aliomar. “Reforma Agrária”. In: Revista Ação Democrática, nº 48, maio/1963, p. 17.
Entrevista especial para a revista.
219
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”, op. cit., p. 12.
83
84
220
Editorial. “Critica ao anteprojeto de Lei de Reforma Agrária”, op. cit., p. 12.
221
Editorial. “O que é a reforma agrária”, op. cit., pp. 6 e 7.
222
Editorial. “Reforma Agrária democrática: única solução para o Brasil”. In: Revista Ação Democrática, n°
31, dezembro/1961,p. 3.
223
GUDIN, Eugênio. “Porque ninguém confia”. In: Revista Ação Democrática, n° 40, setembro/1961, p. 5.
224
Idem, ibidem.
84
85
debruçam sobre as sociedades para a análise tão minuciosa, quanto arbitrária e inútil
das nuances de uma burguesia ‘progressista’ ou não ou de um proletariado
‘concientizado’ ou vítima da alienação tradicionalista, não altera a realidade que é
uma só – é preciso enriquecer, efetivamente toda a humanidade, a fim de que todos
os homens possam integrar-se em alguma coisa definível como ‘genero humano’. A
diferença, em verdade, que medeia entre o homem miserável das selvas, dos campos
ou das favelas e cortiços humanos, e o homem abastado das sociedades modernas,
não permite sua integração em um mesmo gênero. Não há ainda o ‘ser genérico’ do
homem na expressão de Marx”.225
Haveria uma fase de sacrifícios que deveria ser enfrentada para esta acumulação
“deliberada e racional de riquezas”, uma fase em que “custo social que deve ser pago pelos
povos para poderem atingir o limiar da liberdade, o preço em sangue, suor e lágrimas que
os povos líderes do mundo moderno pagaram efetivamente para atingi-lo (...)”.229 A teoria
do bolo consolidada em sua plenitude no auge do regime autoritário, ou seja, no governo do
225
Editorial. “Façamos nossa opção”. In: Notícias do IPÊS, n° 12, ano II, junho, 1965, p. 1.
226
GUDIN, Eugênio. “Porque ninguém confia”, op. cit., p. 5 (grifos no original).
227
Nordeste: problema número 1. Filme produzido por Jean Mazon e da Atlântida Filmes sob a direção do
IPÊS, Arquivo Nacional, Seção de Documentos Sonoros e Imagens em Movimento.
228
Editorial. “A escola e os direitos da consciência”, op. cit., p. 20.
229
Editorial. “Façamos nossa opção”, op. cit., p. 1.
85
86
General Médici, por Delfim Netto, já apresentava aqui o seu esboço ao definir mecanismos
de redistribuição de renda baseados no aumento do número de empregos, da pulverização
do patrimônio de empresas, do fornecimento de produtos mais baratos e melhores e,
principalmente através de uma reforma agrária que concedesse ao mais aptos a
possibilidade de aumentar a sua produção. O resto “(...) são desvarios da inveja”.
86
87
Política externa
“Fala-se novamente no reatamento de nossas relações
diplomáticas com a Rússia. Somos inteiramente contrários a essa
medida que implica em tratarmos normalmente com uma nação que
declaradamente deseja subjugar-nos à sua ideologia e ao seu regime.”
230
Editorial. “Política externa do Brasil II”. In: Revista Ação Democrática, n° 27, agosto/1961, pp. 3 a 9.
87
88
significativa de recursos que não poderia ser desprezada. O país situava-se em uma posição
na qual apenas duas nações estavam em “condições mais vantajosas no que respeita a
empréstimos para desenvolvimento: Índia e Autrália”.232
Optar pelo neutralismo poderia colocar em risco a obtenção desta soma de recursos
até então disponíveis na medida em que nos afastaria de um dos principais financiadores do
desenvolvimento do país, segundo afirmavam. A conseqüência imediata do
encaminhamento de tal política no governo João Goulart já se fazia sentir tanto através do
congelamento de linhas de crédito pelos países ocidentais quanto pela suspeita sobre os
rumos que o Brasil estava tomando em termos de política interna. Da mesma forma, a
adesão ao bloco neutralista só poderia “enfraquecer o mundo livre” na medida em que
retiraria o apoio aos países ocidentais no combate ao comunismo.
Para os membros destes institutos, os países neutros seriam econômica e
culturalmente “retrógados e subdesenvolvidos”. Todos eles atravessavam a mesma situação
financeira de dificuldades tal qual o Brasil, e “não estão em condições de oferecer auxílio a
ninguém e nem de recebê-lo”.233 Este, talvez, fosse o único elemento de identificação entre
os países do bloco em questão.
O elemento chave a ser considerado no momento de definição quanto ao tipo de
desenvolvimento de relações internacionais encaminhada pelo país seria o de atender às
necessidades econômicas do “corpo social” e, dentro deste, da parcela mais dinâmica e
responsável pela produção de riquezas. Na concepção de ipesianos e ibadianos, a política
externa “terá que estar voltada, realisticamente, para as nações que constituem o
complemento econômico de um tal país, em necessidades que lhe são vitais”.234
Esses grupos entendiam, ainda, que a noção de neutralidade era algo permeado de
inconsistência já que a idéia carecia de lógica. Dentro de sua perspectiva “não se pode ser
neutro entre o criminoso que nos ataca e o policial que nos defende”.235 Num mundo
afetado pela Guerra Fria, as opções que se poriam eram bem delimitadas e polares, não
231
Editorial. “Política externa do Brasil II”, op. cit., p. 7.
232
Editorial. “O Brasil e as instituições financeiras internacionais”. In: Revista Ação Democrática, n° 21,
fevereiro/1961, p. 7.
233
Editorial. “Política externa do Brasil III”, op. cit., p. 3.
88
89
234
Reportagem intitulada “IPÊS propõe debate sobre reformas administrativa e da política externa – Política
externa: não intervenção condicionada à segurança coletiva”, temos a reprodução do documento intitulado
“Reforma da Política Externa”, de autoria do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Privados, sem
data e sem identificação de Jornal de origem.
235
Editorial. “Política externa do Brasil III”, op. cit., p. 3.
236
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Na encruzilhada”, op. cit., p. 14.
237
Editorial. “Política externa do Brasil III”, op. cit., p. 3.
238
Idem, ibidem.
239
Reportagem intitulada “IPÊS propõe debate sobre reformas administrativa e da política externa – Política
externa: não intervenção condicionada à segurança coletiva”, temos a reprodução do documento intitulado
89
90
Curso de Atualidades Brasileiras – uma das principais atividades do IPÊS que tinha por
objetivo difundir a perspectiva de sociedade projetada pelo Instituto – o Ministro Roberto
Campos, do já estabelecido regime autoritário, apontava as dificuldades em adotar-se a
política externa independente no Brasil. Considerava que somente nações que não possuíam
significativo peso internacional – tais como o Haiti, Paraguai e outros – é que podiam “fazer
toda a sorte de estripolias internas sem avaliar as repercussões internacionais”. O Brasil,
por outro lado,
“(...) já é demasiado importante para ter uma política externa independente e está
caminhando para uma posição de potência média, futuramente grande potência e as
grandes potências têm que aceitar o fato: é um pouco melancólico que no mundo,
hoje cristalizado em blocos e com tanta consciência internacional, quanto maior a
nação mais interdependente é a sua política externa. Isso acentua muito a interação
que deve existir entre política interna e externa”.240
“Reforma da Política Externa”, de autoria do IPÊS. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Privados, sem
data e sem identificação de Jornal de origem.
240
CAMPOS, Roberto. “Política Externa e desenvolvimento econômico do país”. In: Boletim Mensal do
IPÊS, n° 23, ano III, junho/1964, p. 8. Palestra proferida no Curso de Atualidades do IPÊS.
241
Idem, p. 7.
242
CAMPOS, “Política Externa e desenvolvimento econômico do país”, op. cit., p. 8.
90
91
243
CORÇÃO, Gustavo. “Bom governo: paz e harmonia”, op. cit., pp. 11.
244
Editorial. “Política externa do Brasil II”, op. cit., p. 6.
245
Editorial. “As classes produtoras diante do comunismo”. In: Revista Ação Democrática, n° 44,
janeiro/1963, p. 11.
91
92
obtidas a partir de tal relação fossem, para uns, duvidosas e, para outros, até mesmo
inexistente. Na verdade, este aspecto dividia a opinião de alguns dos participantes destes
institutos. Não no que se refere à capacidade de auxílio por parte da União Soviética,
considerado unanimemente como dispensável posto que sofria de grandes limitações,
conseqüência do “engajamento já pesado desse bloco em outras áreas”.246
Parcelas destes grupos estabeleciam dúvidas quanto aos benefícios advindos de um
incremento no comércio entre as duas partes já que “nenhuma nação do mundo livre até
hoje se beneficiou de qualquer forma com suas relações comerciais com a União
Soviética”.247 Alertavam para uma perspectiva de crescente dependência do Brasil em
relação ao comércio que poderia surgir com estes países. Para eles, os países
subdesenvolvidos, entre os quais estava o Brasil, possuíam uma carência significativa de
capitais que os colocava diante do dilema de “ou vender o máximo de sua produção em
curto prazo, ou não obter as divisas que permitissem o prosseguimento de seus programas
de desenvolvimento industrial e aliviassem o seu povo das dificuldades da crise
inflacionária”.248 Os principais inconvenientes em tal comércio estavam no fato de que os
produtos soviéticos eram vendidos majorados para outros países. Além disso, mesmo
comprando também os produtos majorados de seus parceiros comerciais, a URSS utilizava-
se deles para revendê-los no mercado internacional. A estratégia soviética, pensavam os
membros destes institutos, seria a de buscar estabelecer uma dependência crescente:
“Um dos grandes atrativos que os mercados soviéticos vêm oferecendo aos países
subdesenvolvidos é o de aceitarem produtos que não encontram colocação nos
mercados normais. (...) Quando um produto sem aceitação, e por isso pouco
explorado, passa a encontrar escoamento fácil, a tendência é que ele atraia grandes
capitais, desenvolva-se velozmente, engajando um número cada vez maior de
pessoas em sua elaboração. Se, por qualquer motivo, o mercado que o absorve
mostra-se esquivo ou cessa suas importação, pode ocasionar no país de origem uma
crise de aspectos econômico-sociais com reflexos em sua política interna, desde que
fique ele na dependência parcial do governo importador, que terá em suas mãos um
instrumento de pressão política”.249
246
CAMPOS, Roberto. “Política Externa e desenvolvimento econômico do país”, op. cit., p. 18
247
Editorial. “Nossas relações com a URSS”. In: Revista Ação Democrática, n° 22, março/1961, p. 13.
248
Editorial. “Vale a pena comercializar com a Rússia?”. In: Revista Ação Democrática, n° 37, junho/1962,
p. 20.
249
Idem, ibidem.
92
93
250
TORRES, Candido. “Reforma da empresa”, op. cit., pp. 14 a 22.
251
Editorial. “Entrevistando Harold Poland”, op. cit., p. 3.
252
Editorial. “Entrevistando Harold Poland”, op. cit., p. 3.
253
“Omiti-se o governo, agem os soviéticos”. In: Revista Ação Democrática, n° 37, junho/1962, p. 6.
Reprodução de editorial do Jornal O Globo.
93
94
Se, por um lado, a adoção de algumas medidas preventivas até capacitassem o país
para o estabelecimento de relações comerciais com os países comunistas, dependendo de
quem as dirigissem, o mesmo não era afirmado quanto ao restabelecimento das relações
diplomáticas. O Brasil e estes países eram inimigos irretratáveis. Não porque adotassem
formas de organização consideradas por eles “antagônicas”, mas sim devido ao interesse
soviético de “subjugar-nos à sua ideologia e ao seu regime”.254 Para ipesianos e ibadianos,
logo após o raiar do “regime revolucionário de 1964”, os comunistas brasileiros,
“orientados por agentes de Moscou”, desejavam que fôssemos “cada vez mais sacrificados,
até chegarmos em um ponto de revolta em que aceitemos a ideologia comunista”.255 A
sabotagem, que já estava sendo encaminhada desde o governo anterior, seria uma primeira
etapa para viabilizar o desenvolvimento de uma “infiltração ideológica ou atividades
clandestinas e subversivas”256 no país a ser encaminhado por funcionários das agências
diplomáticas russas e de outros países da Cortina de Ferro,257 sendo isto “público” e
“notório”.
Já que não existia um sistema de contra-espionagem tão sofisticado quanto o
americano –mesmo este sujeito ao roubo de informações estratégicas –, deveria ser
almejada a prevenção primeira para que isso não ocorresse. A conseqüência deste processo,
caso tivesse sido consolidada uma posição neutralista e dado a continuidade ao
restabelecimento das relações diplomáticas com os países comunistas, seria a submissão do
Brasil à forma de “imperialismo mais abominável que, em todos os tempos, já surgiu sobre
a face da terra, ao qual nada nos une e do qual tudo nos separa”:258 o imperialismo
soviético.
Neste sentido, deveria ser evitado o estabelecimento de relações diplomáticas com
os países comunistas que possuíam interesses que se chocavam com os daquela parcela da
população brasileira que pretendia “harmonizar os fatores positivos para o encaminhamento
254
Editorial. “Nossas relações com a URSS”. In: Revista Ação Democrática, n° 22, março/1961 , pg 13.
255
Idem
256
“Omiti-se o governo, agem os soviéticos”, op. cit., p. 6.
257
Editorial. “Um acordo como todos os outros”. In: Revista Ação Democrática, n° 39, agosto/1962, p. 18.
258
“Manifesto à Nação”. In: Boletim Mensal do IPÊS, n° 7, ano II, fevereiro/1963, p. 25. Manifesto dos
engenheiros paulistas, em número de 400, apresentado à nação, reproduzido amplamente pela imprensa de
São Paulo e reproduzido neste boletim.
94
95
259
CORÇÃO, Gustavo. “Bom governo: paz e harmonia”, op. cit., pp. 10.
260
Editorial. “Povo, cuidado com o povo!”. In: Revista Ação Democrática, n° 40, setembro/1962, p. 4.
261
Editorial. “Política de independência: análise dos verdadeiros rumos de nossa política externa”. In: Revista
Ação Democrática, n° 43, p. 7.
262
Editorial. “O nordeste e as ligas camponesas”, op. cit., p. 13.
95
96
Posto isto, advogavam uma aproximação maior do Brasil em relação aos Estados
Unidos. Primeiro porque era esta nação importante para que o país se defendesse do ataque
comunista encaminhado contra o continente americano desdobramento da “exportação do
modelo revolucionário cubano para o conjunto da América Latina”.265 Neste sentido
tratava-se de reafirmar os acordos de segurança hemisférica e continental capitaneados
pelos EUA.
Segundo, porque os Estados Unidos representavam um símbolo, o da sociedade
capitalista, “onde há liberdade para se construir uma sociedade melhor, inclusive a
liberdade de denunciar as tentativas de fraudação do direito em benefício de ilegítimos
interesses econômicos”.266 Da mesma forma a sociedade capitalista americana encontrava-
se identificada com a brasileira em termos culturais. Ambas eram cristãs,
263
Reportagem intitulada “IPÊS propõe debate sobre reformas administrativa e da política externa – Política
externa: não intervenção condicionada à segurança coletiva”, op. cit.
264
Reportagem intitulada “IPÊS propõe debate sobre reformas administrativa e da política externa – Política
externa: não intervenção condicionada à segurança coletiva”, op. cit.
265
Editorial. “Política Externa do Brasil I”. In: Revista Ação Democrática, n° 26, julho/1961, p. 3
266
Editorial. “Os cristãos e o comunismo”. In: Revista Ação Democrática, n° 27, agosto/1961, p. 1.
96
97
267
Reportagem intitulada “IPÊS propõe debate sobre reformas administrativa e da política externa – Política
externa: não intervenção condicionada à segurança coletiva”, op. cit.
268
ANDRADE, Roberto de. “Colonialismo, neutralismo e ajuda econômica”. In: Revista Ação Democrática,
n° 42, novembro/1962, pp. 12 e 13.
269
A citação é assinalada em entrevista concedida por Marcos de Sá Correia ao documentário Golpe de 1964
– a procissão está nas ruas. Filme elaborado sob a direção da Guilherme Fontes Filmes e Globosat, Série 500
anos da História do Brasil.
97
98
Conclusão parcial
Segundo os grupos articuladores do golpe no âmbito da sociedade civil –
IPÊS/IBAD – o papel da iniciativa privada assumia relevância no projeto de sociedade por
eles apresentado. Com um projeto de sociedade de direita que privilegiava a existência de
diferenças sociais, políticas e econômicas para a potencialização do desenvolvimento do
país, este complexo empresarial tinha como perspectiva limitar o papel que o Estado vinha
desempenhando até então. Economicamente, o Estado apresentar-se-ia como coordenador
de metas, com um papel supletivo que visava preencher os espaços deixados pela iniciativa
privada até que estes espaços se tornassem efetivamente atrativos para o capital particular.
Neste sentido, ele teria uma função supletiva, cujo objetivo era o de garantir o direito
fundamental de propriedade que eles consideravam estar sendo ameaçado. Teria ainda o
papel de eliminador de conflitos existentes entre os variados interesses manifestados pelas
diferentes áreas econômicas. O primado do privado sobre o público estaria presente
também no momento da elaboração do planejamento das políticas públicas no que se refere
às atividades econômicas. Ainda na área econômica, entendiam que existia a necessidade
do estabelecimento de garantias ao livre cambismo para possibilitar a entrada de tecnologia
e capitais com vistas à modernização industrial.
No que se refere ao sistema político, valorizavam a democracia como o regime que
melhor se adequaria às livres manifestações das “forças imanentes” da sociedade. Também
apresentava-se como o sistema que mais se adequava às tradições cristãs e aos vínculos que
existiam entre o Brasil e a cultura ocidental. Propriedade privada e livre iniciativa
significavam, dentro deste contexto, os símbolos máximos das liberdades individuais. No
sistema político almejado pelo IPÊS/IBAD, o direito de voto deveria pertencer aos
“ilustrados”, àqueles que possuíam um grau de alfabetização necessário para, de uma forma
racional, poder identificar os verdadeiros interesses da nação. A legitimação do sistema dar-
se-ia pela ampliação de uma vigorosa classe média que restabelecesse o equilíbrio político.
No entanto, entre o corpo político ativo e seus representantes, pensavam na existência de
corpos intermediários que viabilizassem a participação mais intensa dos principais grupos
econômicos do país.
O projeto de sociedade destes grupos reconhecia a existência de graves problemas
sociais no Brasil e a necessidade de sua solução. No entanto, parecem conceber que muito
98
99
da radicalização encaminhada por determinados grupos era resultado de uma ação externa,
comunista, que deveria ser extirpada. Este reconhecimento não significava necessariamente
a implementação de soluções imediatas, uma vez que as desigualdades eram parte de um
processo natural de construção de uma grande nação. Caberia às camadas populares
reconhecer as necessidades de sacrifício que este caminho exigia. Também na questão
social o Estado apresentar-se-ia com um papel subsidiário. Sua função seria a de eliminador
de conflitos na relação entre capital e trabalho. O papel mais ativo seria o destinado à
iniciativa privada através da geração de empregos, melhores serviços e padrão de vida, bem
como através da democratização do capital propiciada pelo estabelecimento de um mercado
acionário no país e não por uma legislação trabalhista que consideravam retrógrada. Neste
sentido, buscavam legitimidade ao papel que almejavam para a iniciativa privada no campo
político através de uma ação mais ativa do capital nas questões sociais, mas sempre dentro
de uma lógica que privilegiasse a livre iniciativa.
No que se refere à questão rural, visavam estabelecer uma reforma agrária que,
através da formação de unidades familiares de produção, possibilitassem o aparecimento de
uma classe média rural, aquela da qual esperavam que compusesse a base política do
regime por eles pretendido. No entanto, consideravam que todas as garantias deveriam ser
resguardadas à propriedade privada na medida em que o papel de articulador destas
reformas também ficaria nas mãos da livre iniciativa. Isto porque o problema agrário não
era de natureza apenas social, mas também possuíam um forte vínculo com a questão da
defesa da propriedade privada e da liberação de fatores produtivos para a indústria.
A reforma agrária por eles almejada buscava não uma forma de acesso à terra por
parte de uma parcela significativa da população rural que dela estava desprovida, mas sim
uma maneira de estabelecer a modernização do meio rural. Buscava-se, por conseqüência,
uma adequação das estruturas do campo àquelas já supostamente existentes no meio
urbano. Dentro deste projeto estava embutida a perspectiva de crescer primeiro para, numa
etapa posterior, distribuir benefícios (não riquezas) para o conjunto da sociedade. Entre
uma etapa e outra existiria uma fase caracterizada por sacrifícios e marcada por um custo
social por parte da “sociedade” que seria natural para que uma nação pudesse atingir o
“limiar da liberdade”.
99
100
No que que relacionava à política externa, estes grupos entendiam que ela estava
estreitamente vinculada a questões internas fundamentais para o país, tais como o
fornecimento de tecnologia e capitais para a industrialização nacional. Além disto,
consideravam inviável a manutenção de uma política externa independente dentro do
quadro internacional vigente, uma vez que esta política enfraqueceria a posição do “mundo
livre” frente a sua luta contra o comunismo internacional. Da mesma forma, internamente
este neutralismo debilitaria o país tanto no combate à propagação comunista provocada por
agentes infiltrados quanto nas garantias de proteção internacional diante de um conflito
mundial.
Se para ipesianos e ibadianos as relações diplomáticas com os países comunistas,
aspecto que de certa forma fundamentava a política neutralista, não deveriam ser
restabelecidas, as relações comerciais poderiam ser retomadas, desde que, à frente do
governo, estivesse um grupo capaz de provê-la de uma série de mecanismos de proteção
contra a propagação ideológica comunista.
O projeto de sociedade apresentado por ipesianos e ibadianos colocava a livre
iniciativa, mais especificamente o setor empresarial, como o principal agente dinamizador
em torno do qual deveriam funcionar todas as estruturas do país. Ao mesmo tempo
intentava estabelecer um novo consenso em torno da importância da livre iniciativa que
esvaziasse o poder de reivindicação dos movimentos populares. No entanto, este projeto
apresentava-se também como uma alternativa a projetos de sociedade que propunham
modelos que, embora também privilegiassem parcelas das elites, não colocaria a classe
empresarial no papel por eles pretendido.
100
101
270
Sobre estes aspectos ver CARVALHO, José Murilo de. “Vargas e os Militares”. In: PANDOLFI, Dulce.
(org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 342 e seguintes; e, ROUQUIÉ, Allain. Os
Partidos Militares no Brasil. São Paulo, Record, 1980, p. 11.
101
102
João Goulart. Dentro desta perspectiva, os autores mais representativos são Skidmore,271
Rouquié,272 Peixoto,273 Stepan,274 e Araújo.275 Ora abordando especificamente o momento
do golpe ora enfocando a fase posterior, estes autores têm em comum, grosso modo, a
perspectiva de proeminência dos militares diante de uma coalizão plural que incluía grupos
das camadas médias, empresários, segmentos políticos e que contava com o apoio ostensivo
da alta hierarquia da Igreja Católica. Skidmore sobre esta questão, assinala:
“João Goulart foi deposto por uma revolta militar. Sua fuga não tinha sido o
resultado de ação da elite política civil. Ao contrário, os oponentes de Goulart no
Congresso sequer haviam tentando procedimentos de impeachment, pois sabiam não
contar com os votos necessários para vencer um tal teste, exatamente como os
antigetulistas não tinham votos suficientes em 1954”.276
271
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio à Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
272
ROUQUIÉ, Allain. Os Partidos Militares no Brasil. São Paulo, Record, 1980
273
PEIXOTO, Antonio Carlos. “Exército e política no Brasil: uma crítica dos modelos de interpretação”. In:
ROUQUIÉ, Alain (Coord). Os Partidos Militares no Brasil. ROUQUIÉRio de Janeiro, Record, 1980; e
também, PEIXOTO, Antonio Carlos. “O clube militar e os confrontos no seio das FA”. In: ROUQUIÉ, Alain
(Coord). Os Partidos Militares no Brasil. ROUQUIÉRio de Janeiro: Ed. Record, 1980.
274
STEPAN, Alfred. Brasil: los militares y la política. Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1971.
275
D’ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso. Visões do Golpe – a memória militar sobre 1964. Rio de
Janeiro, Relumé-Dumara, 1994.
276
SKIDMORE, op. cit., p. 370.
277
PEIXOTO, “O clube militar e os confrontos no seio das FA”, op. cit., p. 71
278
D’ARAUJO, op. cit., p. 9.
279
CARVALHO, “Vargas e os Militares”, op. cit., p 344.
280
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1987
102
103
Forças Armadas ora como mais um dos diversos grupos articuladores do golpe, ora como
instituição à qual as direitas recorreram em função da necessidade de utilização de sua
função de instituição detentora do monopólio do uso da força no país. Os civis, neste
sentido, tinham por objetivo que essa intervenção fosse apenas dentro daquelas
características, nas quais as Forças Armadas exerciam a função de “poder moderador” e
intermediador de conflitos, sempre de forma favorável às elites.
Comblim, em sua abordagem sobre a Ideologia de Segurança Nacional, afirma que
apesar de ter ocorrido com o auxílio de inúmeros civis, “a linha de segurança nacional se
achou no dever de desmantelar o sistema que dera o golpe de Estado.”282 No entanto, a
hegemonia desta linha fez-se apenas a partir de 1967, segundo afirma. Gradativamente, de
forma mais específica em fins da década de 60, o Estado Autoritário transforma-se em
Estado Militar. Apresenta da seguinte forma o raciocínio desenvolvido pelos militares:
“O primeiro passo é o elitismo radical do sistema. Um personagem some
inteiramente de cena: o povo. (...) Somente as elites são aptas a assumir as tarefas da
segurança nacional e do desenvolvimento. (...) Somente as elites são capazes de
formular os objetivos da nação e de inculcá-los às massas. (...) Onde encontrar
semelhantes elites na América Latina? Não há escolha: só os militares podem
assumir esse papel”.283
281
COMBLIN, Pe. Joseph. Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1978
282
Idem, p. 161.
283
Idem, p. 75.
103
104
dominação de classe, que tem servido para justificar as mais violentes formas de
opressão classista”.284
O papel dos militares apresentar-se-ia a reboque de uma elite civil-empresarial e a
ideologia de segurança nacional seria um instrumento de ofuscamento da realidade na qual
o verdadeiro elemento de caracterização era a implementação de uma modernização
conservadora.
Dentro deste enfoque de instrumentalização das Forças Armadas, embora não tenha
como objeto central de suas análises o meio militar mas dando-lhe destaque significativo,
apresenta-se o trabalho de Dreifuss como o mais representativo. Para o autor, o golpe foi
resultado de uma articulação civil, política e militar. Dedica todo um capítulo de sua obra à
descrição do “envolvimento de civis e de oficiais das Forças Armadas pertencentes ao
complexo IPÊS/IBAD ou ligados aos vários grupos da elite orgânica na estratégia militar”
contra Jango e as “forças populares”. No entanto, assinala que o papel de liderança era do
complexo empresarial IPÊES/IBAD, sendo esses institutos os grandes “responsáveis pela
articulação”.285
Se essas perspectivas historiográficas apresentam contribuições que não podem ser
desconsideradas para o mapeamento do sistema político brasileiro na década de 60, ao
mesmo tempo apresentam algumas lacunas. A primeira delas refere-se à multipolaridade do
processo de articulação, ou das articulações, do golpe. Dentro da perspectiva daqueles que
entendem a intervenção sob uma ótica institucional, ou seja, de que a totalidade da
instituição estava de acordo com o golpe, existia apenas um aspecto de ruptura no
consenso, que se referia ao grau de intervenção na vida política do país. Assim mesmo, esta
ruptura apenas torna-se clara, segundo estes autores, após a efetivação do golpe. O
resultado desta ruptura seria a formação, no pós-64, de dois grupos denominados de
moderados e linha dura.
Diferentemente do que apresenta boa parcela desta historiografia, considero que,
apesar da intervenção apresentar um caráter institucional – porque se calcou na liderança de
boa parte da hierarquia militar e porque contava com boa dose de apoio da maior parte dos
partidos militares de direita, que eram majoritários institucionalmente –, existiam
diferenças entre os vários partidos que não podem ser desconsideradas. Estas, por sua vez,
284
ALVES, op. cit., p 27.
285
Dreifuss, op.cit., p. 361.
104
105
105
106
que assinalam para a existência de uma direita nacionalista dentro das Forças Armadas,
aspecto fundamental para a identificação de novos elementos diferenciadores entre os
vários partidos militares.286
Tanto a liderança quanto a pretensa homogeneidade no meio militar de direita são
extremamente questionáveis quando se observa depoimentos e fontes diversas que
demarquem os acontecimentos referidos ao golpe, assinalando a inexistência de uma
unidade antes mesmo da sua efetivação. Para Adyr Fiuza de Castro, “todos os grupos eram
unânimes em saber o que não queriam: não queriam uma república popular instalada no
Brasil”. No entanto, quanto ao que queriam, mesmo no “interior de cada grupo havia
grandes divergências”.287.
Mesmo ao tentar apresentar uma justificativa para a ausência de “coordenação
planejada” ou de um “comando único”, Geisel acaba por afirmar a presença destas
divergências, que podem ser percebidas pelo conjunto de alianças que cada grupo articulou.
Para ele, a crença era em “um levante geral que dispensaria um planejamento sobre as
operações”. No entanto, aponta para a existência de uma “revolução com vários chefes” e
indica a presença de alguns grupos específicos dentro da caserna: um formado por
militares; outro composto por militares com maior trânsito entre o empresariado, mais
relacionado com o IPÊS, concentrado na região Sudeste; e o General Mourão, de modo
independente, articulado com civis e, inclusive, armando-os, do que discordava Geisel.288
O General Antonio Carlos Muricy, outro importante participante das articulações
golpistas, em entrevista concedida ao canal 2, na qual buscava apresentar os motivos da
revolução brasileira, assinalava que, ao final do ano de 63,
“(...) as áreas militares de todo o Brasil começaram a entrar em ebulição e começou
forte o trabalho tendente a unir os diferentes grupos. (...) Essa montagem não foi
fácil e posso dar um testemunho de que nunca pensei que fosse tão difícil
harmonizar tantas posições, embora houvesse um objetivo comum, mas procurado
por caminhos um pouco diferentes. Essa situação se prolongou e se desenvolveu.
Aos poucos, os comandos foram acertando seus relógios (...) e no final de março, já
286
Os poucos autores que abordam, mesmo que superficialmente, a direita nacionalista dentro das Forças
Armadas são Murilo de Carvalho, Padrós, Marçal e ainda Comblim, assinalando este último a presença deste
nacionalismo de forma tardia em fins da década de 1960.
287
CASTRO, Depoimento, In: Visões do Golpe..., op. cit., p 155. Em 1964 era Tenente-Coronel e servia no
Estado Maior do Exército, na subseção de História da 5ª Seção. Posteriormente foi um dos criadores do
Centro de Informações do Exército (CIE), em 1969. Apoiou Costa e Silva na sucessão do Presidente Castello
Branco.
288
GEISEL, op. cit., pp. 149 e seguintes.
106
107
Neste depoimento, prestado logo após o golpe, apesar de tentar assinalar uma
suposta unidade de articulações, fundamental para a legitimação do movimento, Muricy
apresenta que esta não passava de “70%”. Mais revelador ainda porque indica que esta
ausência de unidade era reflexo das diferentes “posições”, desdobramento de uma tentativa
de buscar um “objetivo comum” através de “caminhos um pouco diferentes”. Seriam estes
caminhos apenas “um pouco diferentes”?
289
FGV, acervo pessoal de Antônio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar (1936-1979).
107
108
Os “Partidos Militares”
Como pôde ser observado acima, parto do pressuposto de que a homogeneidade do
projeto político existente dentro das Forças Armadas não passa de um equívoco na
compreensão de uma dinâmica própria da instituição. Neste sentido, utilizo a denominação
“Partidos Militares” adotada por Rouquié, Peixoto e outros, que caracterizam dois aspectos
fundamentais relativos à especificidade das Forças Armadas: o primeiro deles refere-se à
idéia de que estas são consideradas como forças políticas que “desempenham, por outros
meios, as mesmas funções elementares que os partidos”.290 Num segundo sentido, a noção
de partidos militares leva também a caracterizar estas forças como marcadas pela existência
de diferentes grupos e subgrupos, bem como diferentes projetos políticos que se
encontravam em conflito no período ora abordado.
A complexidade do mapeamento de correntes políticas dentro das Forças Armadas
já foi devidamente analisada por dois autores: Peixoto e Rouquié. Dificuldades porque, em
primeiro lugar, as Forças Armadas são
“também um espelho das tensões da sociedades, mas um espelho deformador. (...)
As linhas de cisão interna procedem de mecanismos complexos que de modo algum
podem se reduzir ao simples jogo de cooptação ou de aliança com setores
econômicos ou políticos civis. Os militares naturalmente se dividem em função dos
grandes problemas nacionais, mas segundo procedimentos próprios e com
conseqüências singulares ligadas às diversas pressões a que são submetidos e aos
múltiplos papéis que desempenham. Tanto os valores quanto os interesses próprios
da corporação acarretam uma reformulação em termos militares de questões centrais
da vida nacional que não fica devendo muito à coerência intelectual das ideologias
civis”.291
Desta forma, pode-se entender que nas instituições militares existiram aspectos que
se colocaram com significativo predomínio e que não obedeciam, necessariamente, à
mesma lógica do processo de polarização da sociedade civil e da sociedade política, mas
que estavam diretamente a eles relacionados. Buscando explicar como se construiu essa
lógica de especificidade, Peixoto assinala:
“Logo, é possível imaginar que a inserção das Forças Armadas no processo político
e seu comportamento se inscrevam em uma configuração triangular onde coexistem,
em um quadro de relações constantes, três conjuntos de agentes: os civis (partidos,
grupos de pressão, etc.), as correntes militares e as estruturas de comando supremo
290
ROUQUIÉ, op. cit., p. 12.
291
Idem, p. 20.
108
109
292
PEIXOTO, “Exército e política ...”, op. cit., p. 35.
293
PEIXOTO, “O Clube Militar...”, op. cit., p. 73.
294
SKIDMORE, op. cit., p . 320.
295
Idem, p. 368.
109
110
296
Idem, p . 321.
297
Idem, pp. 357 e seguintes.
298
Idem, p 322
299
Idem, p. 369.
300
Idem, p. 77.
301
Idem, pp. 370-371.
110
111
302
PEIXOTO, “Exército e política no Brasil ...”, op. cit., p. 83.
303
Idem, pp. 78 e seguintes.
304
DOMINGOS NETO, Manoel. “Influência estrangeira e luta interna no Exército (1889-1930)”. In:
ROUQUIÉ, Alain (Coord). Os Partidos Militares no Brasil. ROUQUIÉRio de Janeiro: Record, 1980, p. 61.
111
112
vocação agrícola (civis). Além disto, se por um lado esta aliança encontrava no
internacionalismo econômico um aspecto de identificação, outro fator que contribuiu para
sua efetivação foi a perspectiva deste grupo quanto à exclusão das camadas populares da
vida política do país.
Nos dois primeiros tipos de mapeamento apresentados, observa-se o privilégio da
relação entre os militares e a vida política, bem como na proximidade ou distanciamento
em relação às elites político-econômicas do país. Os projetos desses grupos quanto à forma
de organização econômica são citados apenas por Peixoto que, no entanto, restringe sua
delimitação de partidos nas Forças Armadas quanto à questão do
nacionalismo/internacionalismo. Apesar de não vincular este nacionalismo a um
posicionamento de esquerda, é justamente neste grupo que os nacionalistas acabaram por
buscar a sustentação política para seu projeto.
Para José Murilo de Carvalho, por último mas não menos importante, existiam dois
temas que estabeleciam as possibilidades de “partidos” dentro das Forças Armadas: o
nacionalismo e o anticomunismo. Eram eixos que delimitavam quatro possibilidades de
composição: uma corrente nacionalista de direita e, portanto, anticomunista; a nacionalista
de esquerda; os cosmopolitas de direita; e, por último, os cosmopolitas liberais, facção “que
não se concretizou”. O autor não se alonga muito na explicitação das características de
cada grupo. A compreensão das diferenças entre os nacionalistas de direita e esquerda ficae
bem clara e não necessita de maiores detalhes, mas o mesmo não ocorre com os aspectos
que caracterizem os cosmopolitas de direita e os cosmopolitas liberais. No entanto, o autor
é um dos poucos a assinalar a existência, como já referido, de um nacionalismo de direita
dentro da caserna,305 dissociando a relação entre nacionalismo e as esquerdas dentro das
Forças Armadas, e acrescentando que a diferença básica entre o nacionalismo de esquerda e
o de direita era “sua face populista”.
Mesmo assinalando a presença deste nacionalismo, Carvalho observa que em 1964
os interventores assumiram um posicionamento de defesa ou de proximidade ao
liberalismo, dando uma uniformidade quanto ao projeto de sociedade das Forças Armadas a
partir de então. Para todos eles, o golpe foi encaminhado por um grupo de oficiais que tinha
305
CARVALHO, “Vargas e os Militares”, op. cit., p 344.
112
113
por objetivo uma modernização conservadora que contaria com a parceria do capital
internacional e, portanto, de caráter liberal.
Deixando de lado a abordagem das facções militares que se colocaram num
posicionamento favorável aos grupos trabalhistas, entendo que, das idéias polarizadoras
colocadas em debate de forma acirrada ao longo da década de 60, algumas apresentavam-se
com um relativo consenso entre as direitas no meio militar, mas outras estabeleceram
profundas divergências entre estes grupos. Como aspectos desse relativo consenso pode-se
assinalar a noção de restrição do direito de participação política às elites, o projeto de
modernização (da sociedade e das Forças Armadas), a importância dada ao planejamento e
à existência de um profundo caráter anticomunista dentro destes grupos.
No entanto, embora consensual e garantidora de um elo comum aos diferentes
“partidos militares” componentes da coalizão vitoriosa, a variação no grau de exclusão de
participação política e do anticomunismo acabou por aprofundar, ao longo do
estabelecimento do regime autoritário, determinadas divergências oriundas no período
anterior. Questões como um prolongamento ou não da permanência dos militares de forma
mais direta na vida política e o grau de repressão aos que seriam “comunistas” afloraram
com mais vigor. Da mesma forma, outros elementos diferenciadores dos dois principais
“partidos militares” que possuíam um projeto político de direita eram as questões referentes
ao nacionalismo/internacionalismo, ao grau de intervenção/não-intervenção do Estado na
economia e à política externa dependente/associada. Neste sentido, entendo que também
aqui que, entre as direitas, a questão do nacionalismo apresentava-se como “divisor de
águas” entre estes dois grupos, fazendo com que as duas outras questões ficassem a
“reboque” desta, mas nem por isso fossem menos importantes.
Dentro desta perspectiva e, buscando eliminar uma possível visão excessivamente
fragmentária do meio militar, minha análise recai sobre os principais subgrupos que
caracterizariam projetos políticos de direita: a corrente nacionalista-ditatorial e a corrente
internacionalista-autoritária. Com esta caracterização entendo que, ao mesmo tempo que se
estabelece uma diferença significativa quanto ao tipo de nacionalismo aqui assinalado –
ligado necessariamente a um projeto político de direita e que difere de outro nacionalismo
em suas vinculações e projetos relativos ao sistema político –, apresenta-se também os
113
114
diferentes graus de centralização e elitismo destes grupos bem como o seu elemento de
identificação quanto à uma restrição do direito de participação política.
Optei pela utilização do estabelecimento de uma diferença entre ditadura e
autoritarismo a partir dois referenciais. O primeiro deles é Mário Stopino, que apresenta
que o termo autoritarismo pode ser empregado em três “contextos específicos: a estrutura
dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as ideologias
políticas”.306 Utilizo somente o primeiro contexto, mais pertinente aos aspectos aqui
abordados. Dentro deste, considero que uma primeira diferença entre ditadura e
autoritarismo caracteriza-se pelo grau de autonomia/liberdade dos sistemas políticos.
Noberto Bobbio, segunda referência aqui adotada, assinala que uma “ditadura não é uma
verdadeira ditadura, mas apenas um regime mais ou menos autoritário, se deixa sobreviver
algumas liberdades civis e não destrói totalmente (mas se limita a enfraquecer) o sistema
representativo”.307 Desdobramento desta limitação do sistema representativo, considero que
outro aspecto a diferenciar ditadura de autoritarismo está no grau de concentração de poder
nas mãos da(s) autoridade (s) máximas de uma nação. Enquanto uma ditadura apresenta-se
como um regime político no qual o poder é exercido por um pequeno grupo ou um único
líder (monocracia) em nome da nação com a eliminação do sistema político representativo,
o regime autoritário procura estabelecer um relativo grau de representatividade que advém
da não-eliminação completa do sistema político.308
Considero, ainda, a existência de uma corrente nacionalista de direita dentro das
Forças Armadas. Carvalho, Vizentini, Stepan e Comblim estão entre os poucos analistas
que – apesar da predominância de uma historiografia que enfatiza a vinculação do
nacionalismo ao pensamento de esquerda ou ainda aos grupos “apolíticos” das Forças
306
SPOTINO, Mario. “Autoritarismo”. In: Dicionário de Política. BOBBIO, Noberto; MATTEUCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. (orgs.) Brasília, UNB, 1999, p. 94.
307
BOBBIO, Noberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro, Ediouro, 1997, p. 67.
308
Utilizo como parâmetro histórico de comparação entre os dois regimes a ditadura estabelecida ao longo do
primeiro governo Vargas, mais especificamente à Ditadura Estadonovista, e o regime autoritário estabelecido
pós-64. Pode ser assinalado que, ao longo do regime autoritário, o período que mais se aproxima da ditadura é
o posterior a dois momentos de suma importância: o estabelecimento do Ato Institucional n° 5 e a formação
da Junta Militar que se afirmou no poder após a interdição de Costa e Silva por motivos de doença. Neste
momento, considerado por muitos como “o golpe dentro do golpe”, o poder passou a ser exercido por um
pequeno grupo de Generais que, inclusive sob significativa resistência de oficiais das Forças Armadas,
escolheram tanto o sucessor de Costa e Silva quanto, cinco anos depois, o sucessor de Médici. Deve-se notar
ainda que a diferenciação existente entre os dois termos é, como assinalam diversos historiadores e cientistas
políticos, relativamente complexa.
114
115
Armadas – já indicaram esta característica. Por sua vez, Comblim, abordando este aspecto
apresenta que é
“(...) preciso não dar excessiva atenção à ideologia liberal professada pelos novos
governos militares e seus conselheiros econômicos. Pode ser que as intenções de
alguns deles sejam liberais, porém os fatos não o são. A ideologia liberal parece ter
por única finalidade convencer a opinião pública nacional da necessidade de manter
preços altos e salários baixos”.309
A não-observância de outras diferenças entre esses grupos, que não sejam referentes
ao controle do poder no período pós-64, chega a provocar uma certa confusão na
identificação do projeto de sociedade instaurado pela coligação que empreende o golpe de
1964. Maria Helena Alves, por exemplo, assinala que a DSN, na sua variante brasileira,
caracterizava-se pela defesa de um desenvolvimento econômico associado-dependente,
afastando-se do modelo utilizado no Chile e na Argentina. A autora não percebe que o
resultado da política econômica adotada ao longo do período é fruto do embate entre os
309
COMBLIM, op.cit., p. 100.
310
VIZENTINI, op. cit., p. 20.
115
116
diferentes grupos dentro da arena estatal e entre estes grupos e o restantes da coalizão que
comanda o país.
Inúmeros são os depoimentos e artigos identificados que assinalam um
posicionamento de defesa do nacionalismo por parte de militares de direita. Alguns até
mesmo defendiam um certo distanciamento em relação aos Estados Unidos em função de
constatarem a existência de interesses muitas vezes conflitantes entre o Brasil e essa nação,
apesar do reconhecimento do seu papel de liderança. Desta forma o nacionalismo não era
uma bandeira empenhada apenas pelas esquerdas. Nas Forças Armadas teve um apelo
significativo para uma parcela de oficiais que se posicionavam com reservas apenas em
relação a quem deveria encampar sua defesa, num contexto em que essa bandeira havia
sido incorporada pelo movimento popular de esquerda. Também poderá ser observado,
através de documentos que apresento a seguir, que alguns militares defendiam uma posição
de de proteção à economia nacional como condição fundamental para a obtenção do tão
propalado desenvolvimento do país. Para eles colocava-se até mesmo a necessidade de
defesa deste nacionalismo como forma de possibilitar uma redistribuição das riquezas,
embora essa distribuição nem sempre fosse colocada em primeiro plano. Ainda sobre a
questão do nacionalismo, os tenentes-coronéis Gustavo M. Rego Reis e Ivan de Souza
Mendes assinalam a sua presença e importância como elemento aglutinador.311
Importa apontar ainda que, também quanto à questão social e à política externa, os
dois grupos assinalados acima divergiam. Nacionalistas-ditatoriais guardavam uma posição
de realização de algumas reformas sociais para diminuir a pressão popular e abrandar a
influência comunista. Da mesma forma entendiam que o caminho para o desenvolvimento
do país guardava uma posição de proximidade relativa quanto ao papel hegemônico dos
Estados Unidos. De outro lado, os internacionalistas-autoritários entendiam que somente
após alcançado o desenvolvimento econômico é que os benefícios poderiam ser estendidos
ao conjunto da sociedade e que o papel hegemônico dos Estados Unidos era inquestionável,
mesmo fundamental, na oferta de tecnologia e recursos para o alcance deste
desenvolvimento. Portanto deve-se assinalar que estes dois grupos possuíam projetos de
sociedade com profundas diferenças entre si. Estas sserão acentuadas, no período posterior
311
REIS, Gustavo de Moraes Rego. Depoimentos. In: Visões do Golpe..., op. cit., p. 62; ver também
MENDES, Ivan de Souza. Depoimento. In: Visões do Golpe..., op. cit., p. 149.
116
117
a 1964, pelos variados instrumentos utilizados pelos dois grupos para alcançar seus
objetivos.
Para alguns autores, entretanto, as divergências estariam limitadas a este segundo
momento, apresentando-se cristalizadas através da denominação destes dois grupos entre
moderados e linha dura. Percebe-se que esta divisão fica diretamente relacionada ao tempo
de intervenção dos militares na vida política, aos vínculos com a sociedade política e ao
grau de repressão estabelecido no período posterior ao golpe. Ao restringir-se o debate
existente entre os partidos militares a estes aspectos, deve ser colocada uma questão que
considero fundamental: se o confronto relacionava-se ao tempo de permanência no poder e
ao grau de repressão, por que existiram diferentes grupos e níveis de articulação que
colocaram-se em confronto antes mesmo de 1964? Responder a esta pergunta através de
uma explicação que dá ênfase somente na disputa pura e simples pelo poder – na “mosca
azul” – é, em meu entendimento, uma opção por demais simplista.
Pretendo apresentar que as divisões entre estes grupos passavam por outras questões
responsáveis pela definição de diferentes projetos de sociedade e já existentes mesmo no
momento anterior ao golpe. Busco ampliar a dimensão dos termos duros e moderados,
incorporando as diferentes propostas que estes partidos possuíam quanto à forma de
organização da sociedade como um todo, e não apenas quanto aos seus aspectos de
organização e distribuição do poder.
Deve-se observar ainda quanto à análise dos partidos militares de direita que, como
desdobramento da função que ocupam – apesar do contexto existente marcado por uma
contestação da hierarquia não somente nos escalões inferiores mas também na média e alta
oficialidade – e mesmo possuindo determinados canais de manifestação de seu
descontentamento, o posicionamento exato de cada um destes oficiais sobre as diferentes
idéias polarizadoras fica prejudicado. Desta forma optou-se por apresentá-los vinculados a
este ou àquele partido militar pela tendência que determinadas posições apresentavam
quanto à sua filiação. Nacionalistas e partidários da ditadura tinham uma tendência a afiliar-
se ao mesmo grupo enquanto os favoráveis à internacionalização e os autoritários, em
outro. Também utilizo para este mapeamento a produção historiográfica referente ao
assunto bem como alguns depoimentos, nos quais determinadas vinculações já apresentam-
se estabelecidas. Por último, assinalo que a abordagem aqui apresentada não tem por
117
118
objetivo esgotar as análises sobre as diferentes facções das direitas presentes nas Forças
Armadas, mas tão somente apresentar os projetos políticos dos grupos que conseguiram
certo destaque na vida política a partir do golpe.
118
119
Caracterizando as fontes
Nas Forças Armadas não existia um consenso absoluto quanto à elaboração de
projetos se comparado ao existente no complexo empresarial IPÊS/IBAD. Nem mesmo um
consenso relativo como o exigido nas organizações partidárias como a UDN.
Diferentemente destes outros dois focos de minha análise, a filiação à instituição Forças
Armadas ocorre por aspectos que lhe dão um caráter de significativa pluralidade
ideológica.312
No entanto, os canais existentes para a manifestação destes projetos encontram-se
relativamente restritos por características estabelecidas ao longo de todo o período
republicano. Aspectos como fidelidade e o pretenso caráter apolítico da instituição
influíram decisivamente para que os canais de manifestação das divergências ou
convergências dos partidos militares predominantes na instituição acabassem por ocorrer
através das instituições representativo-coporativas, que se tornaram “o local de confronto
de tendências, a partir do momento em que suas diretorias começaram a ser eleitas e não
designadas pela hierarquia”.313
Utilizo como fontes dois desses canais de manifestação das correntes militares os
periódicos Revista do Clube Militar e A Defesa Nacional. O primeiro assinala mais
claramente a utilização de seu espaço como “lugar privilegiado de confronto entre as
correntes militares”, assumindo importância fundamental nas “funções de articulação ou de
organização do debate político e de representação formal ou informal de correntes
majoritárias nas Forças Armadas” e agindo como “um elemento privilegiado de ligação
entre a sociedade política e a instituição militar”.314 No entanto, esta importância política do
Clube persiste além da década de 1950, principalmente quando se observa que este passou
a ser uma plataforma para a divulgação do ideário das direitas no seio das Forças Armadas.
Principalmente a partir de julho de 1961, quando a Cruzada Democrática recupera o
controle sobre a diretoria do Clube, os nacionalistas aliados das forças trabalhistas foram
alijados não somente da hierarquia do Clube mas também da própria hierarquia militar. A
Cruzada Democrática assinala seu surgimento em torno dos debates ocorridos no governo
312
Não considero aqui os momentos específicos da História brasileira na qual a filiação ideológica passou a
ser considerada para a aceitação de um indivíduo – como um “passe” de entrada – à Instituição e restringindo
significativamente esta pluralidade, tais como o período da Ditadura Vargas e do Regime Autoritário pós-64.
313
ROUQUIÉ, op. cit., p. 14.
314
PEIXOTO, “O clube militar...”, op. cit., p. 61.
119
120
315
Idem, ibidem, p. 97.
316
Rouquié, op. cit., p. 18.
317
PEIXOTO, “O Clube Militar...”, op. cit., p. 108.
120
121
318
DOMINGOS NETO, op. cit., pp.58 e seguines. Sobre a questão da coesão do Exército realizada em torno
de Getúlio ver também Carvalho, Murillo, op. cit.
319
Idem, p. 69.
320
PEIXOTO, “O debate militar...”, op. cit., pp. 85 e 86.
121
122
321
D’ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso. Visões do Golpe..., op. cit., p. 10.
122
123
322
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Difel, 1989, p. 179.
323
Sobre estes aspectos ver: BOBBIO, Noberto. Igualdade e Fraternidade. Rio de Janeiro, Ediouro, 1997, 3ª
ed.
123
124
O fato de caracterizar-se por uma fase de convergência para os pólos não invalida a
permanência da divergência existente em cada um dos extremos. No entanto, na busca de
entender “1964” e seu contexto, considero ser necessário a identificação tanto das
diferenças quanto das semelhanças. Interessa, nessa fase inicial, apontar especificamente os
elementos que contribuíram para o processo gradativo de convergência de interesses em
torno do pólo situado à direita da configuração política daquele momento e que
possibilitaram aquilo que Muricy denomina por uma unidade que não era total. A grande
maioria dos militares que participaram do golpe possuíam um posicionamento de franca
oposição ao comunismo extremamente vinculado com a proposta de defesa do status quo.
Em boa parte, a idéia disseminou-se gradativamente na forma da Doutrina de Segurança
Nacional e através da Escola Superior de Guerra, bem como de outras escolas militares tais
como a ECEME324 e a ECEMAR325. Tiveram importância significativa nesse processo os
periódicos militares tais como A Defesa Nacional e a Revista do Clube Militar. A partir da
década de 1960 essa idéia passou a ser um aspecto presente não somente entre a extrema-
direita, composta pelos “eternos” golpistas da década de 1950 envolvidos em episódios tais
como Aragaças, Jacareanga e outros de menor importância. Outros grupos de militares de
direita, que se caracterizavam pela defesa de um modelo seletivo de democracia, da
hierarquia militar e ordem social, ou que se colocavam a justificativa da subordinação à
Constituição como pressuposto básico de suas funções, também passaram a acreditar na
necessidade de combate às idéias comunistas. A luta contra o comunismo também deixou
de ser vinculada essencialmente ao seu aspecto externo de alinhamento aos Estados Unidos
dentro do jogo internacional da Guerra Fria, elemento fundamental das abordagens
anticomunistas apresentadas na ESG até fins da década de 1950.
A partir de então, cada vez mais a luta contra o “totalitarismo de esquerda” passa a
ser associada a uma realidade presente à sociedade brasileira. Segundo o Tenente-Coronel
Octávio Costa, a origem do anticomunismo das Forças Armadas deita raízes na Intentona
Comunista de 1935, aspecto com que concordam inúmeros outros militares. No entanto,
existiam elementos que o estimulavam. As análises conjunturais elaboradas por militares de
direita e centro-direita assinalavam então que a Guerra Fria havia chegado ao Brasil na
forma de uma Guerra Revolucionária ou Guerra Insurrecional. A propagação dessa nova
324
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
124
125
“filosofia militar”, efetivada não somente pelas escolas militares americanas (como
afirmado pela historiografia que se atém ao assunto), mas também pela influência francesa
ainda marcante no exército, tornam-se cada vez mais freqüentes. O enfrentamento que seus
oficiais realizavam na Argélia e na Indochina davam ao Exército francês um grande
respaldo no tratamento do tema.326 Artigos traduzidos com base em publicações francesas
ou produzidos por militares brasileiros confirmam essa influência.327 Em uma conferência
elaborada por alunos da Escola Superior de Guerra, onde é assinalada também a presença
do pensamento francês no ideário militar brasileiro, observa-se o que seria a definição da
chamada Guerra Revolucionária ou Insurrecional. O termo Guerra Revolucionária,
originário, segundo o autor, na União Soviética e vulgarizado por franceses em seus
conflitos coloniais apresentavam a conotação de que era
“(...) a Guerra interna, de concepção marxista-leninista e de possível adoção por
movimentos revolucionários diversos que – apoiados em uma ideologia,
estimulados e, até mesmo, auxiliados do exterior – visam à conquista do poder
através do controle progressivo, físico e espiritual, da população sobre que é
desencadeada”.328
325
Escola de Comando e Estado-Maior da Marinha.
326
Segundo Octávio Costa, comete-se “grande injustiça debitando aos americanos a inspiração do movimento
de 1964. Acho que o pensamento francês influenciou mais. A guerra que se estudava nas escolas francesas era
a guerra insurrecional, a guerra revolucionária. Como nunca deixamos de mandar estudantes à Escola
Superior de Guerra de Paris, nossos oficiais voltaram com esse material na mão, toda a racionalização
francesa sobre o assunto. Isso entrou pelo canal da nossa ESG, e foi ela que lançou as idéias sobre as guerras
insurrecional e revolucionária e passou a nelas identificar o quadro de nossa própria possível guerra. Para nós
ainda não havia a guerra nuclear, a guerra convencional já estava ultrapassada. Mas havia uma guerra que nos
parecia estar aqui dentro”. COSTA, Octávio. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., pp. 77 e 78.
327
Sobre este aspecto ver os seguintes artigos: POTYGUARA, M. “Aspecto da Penetração soviética nos
países subdesenvolvidos”. In: A Defesa Nacional, nº 566 e 567 de 9 e 10 de setembro de1961;
ALBUQUERQUE, Irapoan. “Defender-se? Contra quem? Por quê? E como?” In: Revista do Clube Militar, nº
159, de05 a 10/1961; OLIVEIRA, Kleber Frederico de. “Aspectos Doutrinários da Guerra Revolucionária”.
In: A Defesa Nacional, nº 554, pp. 117 e 118; e ainda MATTOS, Carlos de Meira. “A Guerra Inssurreicional
ou Revolucionária”. In: A Defesa Nacional, nº 554 de setembro/1960, p. 117.
125
126
328
LÉBRE, Geraldo; SILVA, Ernani Ayrosa da; CARDOSO, Alberto de Assumpção; & MORENO, Jayme.
A Guerra Revolucionária. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra. Curso Superior de Guerra , p.
9.
329
FROTA, Sylvio Couto Coelho; GONÇALVES, Yves Murillo Cajaty; CARVALHO, Ferdinando de.
Aspectos militares da Segurança Nacional. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra. Curso
Superior de Guerra, pp. 1 e seguintes.
126
127
330
COSTA, Octávio, op. cit., pp. 80 e seguintes.
331
ARAGÃO, Campos. “Antes tarde do que nunca”. In: Revista do Clube Militar, n° 160, novembro e
dezembro de 1961, pp. 6 a 9.
332
Reprodução de trecho de palestra conferida pelo General Humberto de Alencar Castelo Branco em
15/12/1961 na ECEME, intitulada “O dever militar em face da luta ideológica”. In: A Defesa Nacional, n°
585, p. 71.
333
DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina. Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1986.
127
128
Contudo, deve-se observar que existia uma lógica própria a sociedade brasileira que
fez com que parcelas da elite associassem os eventos aqui ocorridos com uma suposta
expansão comunista no continente. O anticomunismo, no entanto, não se apresentava a
partir de uma única concepção. No contexto da década de 1960, no meio militar, não
somente no Brasil mas em toda a América Latina, o termo passou a servir como elemento
catalisador dos grupos de centro-direita em relação ao pólo mais próximo. A idéia passou a
ser associada a alguns elementos que contribuíram para essa aproximação: anticomunismo
como manutenção a ordem social, anticomunismo como manutenção de princípios
democráticos e anticomunismo como manutenção da hierarquia. As três idéias estavam
334
CARVALHO, Ferdinando de . “Guerra Revolucionária comunista no Mundo Atual”. In: A Defesa
Nacional, n° 597, p. 42 e 43.
335
VEIGA, Arnaldo J. M. da. In: A Defesa Nacional, n° 602, pp. 53 e seguintes.
336
Palestra de Antonio Carlos Muricy sobre os motivos da revolução brasileira, op. cit.
337
PADRÓS, Enrique; MARÇAL, Fábio. “Terror e Estado e Doutrina de Segurança Nacional: os anos de
chumbo no Brasil e na América Latina”, op.cit., p. 67.
128
129
338
POTYGUARA, Irapoan, op. cit., p. 53.
339
Idem, n° 552, p. 176.
340
Idem, n° 557, p. 5.
129
130
o país representaria a existência de uma nova China tal como assinalado pelo General
Walters, para quem articulado “em Cuba e possibilitando a montagem de uma base
comunista dentro de um país de proporções continentais, como o nosso, é difícil não se
aceitar que bem precário seria o destino da democracia ocidental”.341 Para eles os dois
sistemas eram “correntes ideológicas de contextura radicalmente diversas que se chocam
no seio da humanidade: democracia e comunismo”.342 Mesmo aqueles que se apresentavam
como defensores da legalidade constitucional assinalavam a ameaça comunizante. Anos
antes de se tornar um dos líderes do movimento de 1964, o General Castelo Branco buscava
valorizar a democracia fazendo uma veemente crítica ao autoritarismo de caráter
comunista. Para ele existia uma superioridade da ideologia democrática sobre a comunista,
e que ela não devia “perder-se nos interesses do capitalismo quando desligados dos
interesses da comunidade nacional e do bem-estar do povo”.343
A oposição comunismo × democracia não havia sido elaborada por eles, segundo
entendiam, mas sim feita por aqueles que acreditavam que o primeiro procurava moldar “na
opinião pública, o preconceito de que a ordem democrática era incapaz de proporcionar as
soluções desejadas”.344 No entanto, ao valorizar a democracia, a ênfase não recaia na
questão da participação política igualitária contra a possibilidade de implementação da
ditadura nos moldes da existente na União Soviética. Boa parte dos militares defendiam o
tipo de regime representativo existente, caracterizado pela limitação dos direitos políticos
para boa parcela da população brasileira, uma vez que o direito de voto era restrito aos
analfabetos, sem questioná-lo em sua essência e, portanto, numa valorização da liberdade
em contraposição às igualdades.
O comunismo apresenta-se também associado à ameaça da ordem social e política
do país. O movimento, segundo entendiam os militares analisados, pretendia insuflar a
população à contestação ao regime vigente e à ordem democrática. O Tenente-Coronel
Ferdinando de Carvalho, que escreveu vários artigos para ambos os periódicos analisados e
acabou por ocupar cargos importantes ao longo do período pós-64, assinalava que se
341
ARAGÃO, Campos. “A Revolução em Marcha”, op. cit., p. 16.
342
ARAGÃO, Campos. “Nordeste: uma interrogação no destino do Brasil”. In: Revista do Clube Militar, n°
159, outubro/1961, pp. 6 a 9.
343
Idem, ibidem.
344
CARVALHO, Ferdinando de. “A Guerra Revolucionária comunista no Brasil”. In: A Defesa Nacional, n°
597, p 51.
130
131
345
CARVALHO, Ferdinando de. “Casos históricos de Guerra Revolucionária”. In: A Defesa Nacional, n°
578, setembro/outubro de 1962, p. 28.
346
FGV - Acervo pessoal de Antonio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar.
347
BANDEIRAS, Antonio. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., pp. 214, 217 e seguintes.
131
132
348
FGV - Acervo pessoal de Antônio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar (1936-1979).
349
FGV - Acervo pessoal de Antonio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar. Telegrama de
solidariedade enviado ao General Muricy por ocasião da ofensa a ele dirigida por Leonel Brizola, chamando-
o de Gorila.
350
BIELSCHOSWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro – o ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1995, 2ª edição, p. 7
351
Embora discordando sobre a caracterização do desenvolvimentismo como aspecto ideológico, considero a
idéia de desenvolvimento como um dos elementos centrais das sociedades latino-americanas que, através de
um processo de circularidade das idéias, perpassava por toda a sociedade e era introjetada por seus diversos
grupos de acordo com o interesse específico de cada um deles.
132
133
133
134
Perspectivas de desenvolvimentismo
352
PEIXOTO, “O clube Militar...”, op. cit., pp. 78 e 79
353
Em 1961 era General de Divisão.
354
VASCONCELOS, Armando Villa Nova Pereira de. Segurança Nacional – conceitos fundamentais e sua
caracterização. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra, C-02-61, p. 3.
134
135
Para muitos, as forças militares brasileiras não estavam condizentes nem mesmo
com os avanços tecnológicos proporcionados pela II Grande Guerra Mundial. Existia uma
“frustração profissional” provocada pela “desatualização em que se encontra nosso
Exército”, que era resultado da “falta de poderosa infra-estrutura econômica e técnico-
científica de nosso país”. 358 Além disso, havia uma aplicação irracional da já insuficiente
infra-estrutura disponível. Temas como a situação da siderurgia, da indústria energética, da
355
CASTRO. Sebastião. “Sistema Militar”. In: A Defesa Nacional, n° 586, junho/1963, p. 10.
356
MEYER, Walter dos Santos. “Influência da Siderurgia na Economia e na Indústria Militar”. In: Revista do
Clube Militar, nº 160 de novembro e dezembro/1961, p. 40.
357
“Aspectos da indústria brasileira de maior interesse para as Forças Armadas”. In: A Defesa Nacional, no°
588 e 589, de agosto e setembro/1963, pp. 57 e seguintes.
358
GONÇALVES, Leonidas Pires. “Urge um programa atualizado para o Exército Brasileiro”. In: A Defesa
Nacional, n°. 574 e 575 , de maio e junho/1962, p. 19.
135
136
mineração, em suma, da situação industrial e dos insumos necessários para tal produção
como um todo, eram freqüentes em periódicos militares e em palestras da ESG.
No entanto, a vinculação entre desenvolvimentismo – quanto ao seu aspecto
industrializante – e seu papel dentro da segurança militar não era o único existente. A
relação entre desenvolvimento e bem-estar também era freqüentemente presente no
pensamento militar de direita. Em 1965, o Coronel Eduardo Domingues de Oliveira, Chefe
de Assuntos Doutrinários e de Coordenação da ESG, apontava em uma conferência que a
política nacional e a política de desenvolvimento estavam intimamente relacionadas com a
Segurança Nacional. A primeira, no que se referia à “finalidade precípua de realizar os
Objetivos Nacionais através do desenvolvimento e da Segurança, pela aplicação do poder
nacional”. A segunda porque se apresentava como elemento “importante da promoção do
Bem-Estar”. Afirmava ele que
“num mundo em que cada vez mais se apequena e mais estreitamente se entrelaça,
os conflitos de interesse se multiplicam e enredam cada vez maior número de
Nações. Por outro lado, no âmbito interno, se acentuam as questões sociais,
estimulando desentendimentos que se tornam cada vez mais graves e mais perigosos
à Segurança Nacional”.359
359
OLIVEIRA, Domingues. Segurança Nacional – Conceitos fundamentais , conferência proferida na Escola
Superior de Guerra em 1965, p. 2. O autor era, em 1965, Chefe de assuntos Doutrinários e de Coordenação
da ESG, pp. 3-9.
136
137
360
Palestra efetuada no curso promovido pela ADESG em 1965, com o título: “Política e estratégia”(187). –
FGV - Acervo pessoal de Antonio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar (1936-1979).
361
GONÇALVES, Leonidas Pires, Oop. cit., p. 17.
362
Editorial, Revista do Clube Militar, n° 160, novembro e dezembro/1961, p 3.
137
138
Importante não somente para levar desenvolvimento ao país, mas também como
aspecto que ajudaria na consecução do bem-estar ao conjunto da sociedade de forma não
traumática, o planejamento estatal era considerado como parte integrante na elaboração de
estratégias para se “vencer os antagonismos” e “aplicar coordenadamente os recursos de
uma Nação” para se alcançar os “objetivos vitais” para o país.
Contudo, as diferenças se faziam presentes quando o assunto era discutir de que
maneira se implementaria o desenvolvimento e o planejamento estatais. Industrializar era
preciso. Planejar era preciso. Mas de que forma? A título de simplificação, aponto a
presença básica de dois projetos diferenciados quanto à forma de encaminhamento do
planejamento e da industrialização do país. No primeiro projeto incluo aqueles que
defendiam simplesmente o planejamento efetivo do Estado, aqueles que além disso
defendiam a inversão de capitais estatais – como empreendedor ou empresário –, e os que
propunham uma intervenção parcial do Estado somente naquelas áreas nas quais a
iniciativa privada, especificamente de caráter nacional, fosse ausente ou pouco presente.
Apesar da diferença quanto à ênfase no papel do Estado, esse projeto defendia uma
alternativa genuinamente nacional para desenvolver o país. Uma das melhores definições
sobre o significado do planejamento para esses militares apresenta-se em artigo do General
Arthur Levy. Segundo Dreifuss, era um dos importantes articuladores entre as Forças
Armadas e os complexos empresariais do IPÊS/IBAD. No entanto, este defendia a
exploração mais sistemática dos recursos naturais de forma a evitar o consumo de nossas
divisas com a importação de fontes de energia:
“Entendemos o órgão de planejamento (...) munido de autoridade e com sua
definição caracterizada pelo legislativo (...) que defina o grau de intervenção do
363
LEVY, Arthur. “Energia não se importa”. In: Revista do Clube Militar, n° 162, 1962, p. 24.
364
Palestra efetuada por Antonio Carlos Muricy em curso promovido pela ADESG em 1965, op. cit.
138
139
Militares como o General Arthur Levy; o Coronel Paulo Dias Veloso, os Tenentes-
Coronel Waldemar de Dantas Borges, Walter dos Santos Meyer, Wilson Moreira Bandeira
de Mello, Antonio Francisco da Hora e Paulo Emílio Souto; o Major Ayrton de Carvalho
Mattos; o Capitão-de-Mar-e-Guerra Herick Marques Caminha; os coronéis Alfredo Correia
Lima e Eduardo Domingues de Oliveira; o Coronel-Aviador Ismael da Motta Paes, dentre
outros, defendiam, assim como Noll, um posicionamento mais efetivo do Estado como
planejador e sua repartição de tarefas com a iniciativa privada nacional. Em sua maior parte
pertenciam ao grupo nacionalista-ditatorial. No entanto, existiam ainda outros que, apesar
de não possuírem maiores vínculos com este grupo, defendiam, como eles, uma saída
genuinamente nacional para o processo de industrialização brasileira. Dentre estes assinalo
como figuras mais representativas o Marechal Juarez Távora e o General Geisel.
Consideravam de fundamental importância não somente o financiamento ou a
possibilidade de facilidades para a iniciativa privada. Entendiam que o Estado deveria
comportar-se de forma mais agressiva para o desencadeamento da industrialização do país.
Para Walter Meyer, o papel do Estado seria o de suprir a carência de áreas que não
despertassem o interesse privado, preencher os espaços vazios. A importância da produção
industrial siderúrgica estatal para o setor bélico, é assinalada a seguir:
“Se considerarmos que a indústria é máquina e que máquina é essencialmente
decorrente da indústria siderúrgica , vemos quão grande foi – e continua sendo – o
365
LEVY, Arthur. “Energia não se importa”. op. cit., p. 26.
366
NOLL, Darcy Alvares. “Aspectos da siderurgia no Brasil e na América do Sul”. In: A Defesa Nacional, n°
586, p. 58.
139
140
O General Geisel, por sua vez, afirma que, desde o final da década de 1950, um dos
principais elementos que os distanciava do posicionamento de outros elementos de seu
grupo articulador do golpe, era a defesa de uma participação ativa do Estado na vida
econômica do país, através da nacionalização de alguns pontos estratégicos.368 O aumento
da participação militar em determinadas áreas, tais como no sistema de transportes e na
produção de explosivos, era considerado de vital importância e reivindicado como resultado
da intervenção do Estado em áreas de interesse estratégico.369
Existiam também aqueles, como Ayrton de Mattos, que discordavam do papel do
Estado como agente empreendedor da industrialização. Analisando a situação da
Companhia Vale do Rio Doce, assinala que a empresa poderia estar melhor preparada para
a concorrência e para o aumento de sua produção. Os problemas eram vários já que sua
condição de estatal, executora da política governamental provocava a
“instabilidade dos dirigentes, ao sabor dos interesses políticos; a nomeação de
elementos nem sempre bem indicados, visando também satisfazer a estes interesses;
a menor flexibilidade nas diretrizes da comercialização; e a distração dos fatores de
produção, (...) para o desenvolvimento do vale do rio que lhe empresta o nome,
concorrendo esse custo social como uma limitação nos resultados econômicos
específicos da empresa, embora trazendo apreciável lucro social para a região”.370
367
MEYER, Walter dos Santos. “Influência da Siderurgia na Economia e na Indústria Militar”, op. cit., p. 45.
368
GEISEL, Ernesto, op. cit., pp. 128 e 129.
369
LIMA, Alfredo Correia. “As Forças Armadas no sistema de transporte”. In: A Defesa Nacional, n° 593, de
janeiro e fevereiro /1964, p. 15. Ver também BORGES, Waldemar Dantas. “A indústria de explosivos no
Brasil”. In: A Defesa Nacional, n° 590 e 591, de outubro e dezembro/1963, p. 25.
370
MATTOS, Ayrton de Carvalho. “O problema da Exportação de Minério de Ferro”. In: A Defesa Nacional,
n° 561, de abril/1960, pp. 28 e 29.
140
141
371
Op. cit., p. 43.
372
CAMINHA, Herick Marques; PAES, Ismael da Motta; & SOUTO, Paulo Emílio. A Estratégia Nacional.
Conferência proferida na Escola Superior de Guerra. Curso Superior de Guerra, novembro/1965, pp. 14 e
seguintes. Todos eles pertenciam à Comissão de Assuntos Doutrinários da ESG.
141
142
373
Op. cit., p. 9.
142
143
tal qual o ocorrido, segundo apontavam, com determinados países que defendiam a Terceira
Via.
De outro lado observa-se uma parcela de militares que defendiam um papel
relativamente reduzido do Estado. Não como apregoavam os liberais da época, mas
também de forma diferenciada ao projeto acima apresentado. Incluo no grupo mesmo
alguns oficiais que defendiam uma perspectiva de defesa do papel planejador estatal, mas
que tinham em comum a aceitação da participação do capital internacional no processo de
industrialização do país. Oficiais como o Major Aluízio de Uzeda; os Tenentes-Coronéis
Octávio Ferreira da Costa e Carlos de Meira Mattos; o Marechal Castelo Branco; e os
Generais Oswaldo Cordeiro de Farias e Armando Villa Nova Pereira de Vasconcelos,
dentre outros, estão aqui incluídos. Todos vinculados ao internacionalismo autoritário.
Três tipos básicos de argumentos eram utilizados por este grupo. O primeiro, em
oposição ao grupo que defendia um projeto genuinamente nacional, buscava associar o
nacionalismo com o movimento comunista, aspecto que também estava presente entre
alguns dos participantes do grupo anterior. No entanto, se no grupo anterior havia esta
associação, consideravam e urgente eliminar o “perigo” comunista para a implementação
de seu projeto. Diferentemente, os internacionalistas autoritários assinalavam que de
qualquer maneira o nacionalismo brasileiro teria aspectos negativos que inviabilizavam sua
defesa porque marcado por um “jacobinismo xenófobo”.
Para, por exemplo, o Major Aluízio de Uzeda, oficial que fez parte do Conselho de
Administração da Revista A Defesa Nacional, existiam dois tipos de nacionalismo: o dos
países desenvolvidos e o dos subdesenvolvidos. O primeiro, bom, o segundo, negativo e
pessimista. Afirmava ele não ter “dúvidas e os fatos estão aí para provar que a maior parte
do decantado nacionalismo de hoje em nosso país, está inteiramente impregnada de
influência comunista”.374 O nacionalismo dos países subdesenvolvidos levava ao “mais alto
grau, dois novos antagonismos de notável valor estratégico: o antagonismo colonizado ×
colonizador e o antagonismo Nacionalismo × capitalismo internacional, ambos
subordinados à oposição entre espoliados e espoliadores”375. Com isso, o movimento
374
UZEDA, Aluízio. “Nacionalismo”. In: A Defesa Nacional, n° 579, novembro de 1962, p 85.
375
COSTA, Octávio Ferreira da. “Compreensão da Revolução Brasileira”, op. cit., p 66
143
144
Segundo ele, boa parte do mundo lutava contra a miséria, querendo “acelerar o
processo de desenvolvimento sem atentar para o fato de que ele é irregular”, o que poderia
acarretar em “extremos de violência e desespero, em graus variáveis, dificultando a solução
dos problemas, diante da incompreensão e da limitada capacidade autodeterminadora das
Nações, na fase de transição”. Partindo desse aspecto, e considerando a existência da
Guerra Fria afirma ser necessário
“(...) assegurar a coesão, estreitar os vínculos de solidariedade e confiança nos
ideais democráticos, criando instituições de índole cultural, técnico-científico e
profissionais, econômicas e financeiras, de caráter assistencial e de cooperação entre
os Estados e consentido em uma liderança ativa e vigilante, por associação das
partes; processos estes que permitirão ao mundo livre erguer-se em forte unidade
perante o mundo comunista e determinar o curso dos acontecimentos, reformulando
as bases de suas negociações com os soviéticos.”.378
376
BRANCO, Humberto de Alencar. In: Os cinco anos que abalaram o Brasil, op. cit., p. 505.
377
VASCONCELOS, Armando Villa Nova. A Segurança Nacional – conceitos fundamentais e sua
caracterização. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra. Curso Superior de Guerra, 1961, p. 2.
144
145
378
Idem, ibidem, p. 3.
379
UZEDA, Aluízio. “Nacionalismo”, op. cit., p. 86.
380
Op. cit., p. 71.
381
FARIAS, Oswaldo Cordeiro de. A Segurança Nacional no Panorama Mundial da Atualidade. Conferência
proferida na Escola Superior de Guerra. Curso Superior de Guerra, 1961, p. 18.
145
146
382
Op. Cit., p 10
383
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.
384
MATTOS, Carlos de Meira. “O ideário da Revolução de 31 de Março”. Discurso pronunciado no Clube
Militar a 29/03/84, na comemoração organizada pelos três clubes militares por motivo da passagem do
vigésimo aniversário da Revolução. FGV – Acervo pessoal de Antonio Carlos Muricy: Série Atuação Político
Militar (1936-1979).
146
147
385
Idem, ibidem.
386
COSTA, Octávio Ferreira da. “Compreensão da Revolução Brasileira.”, op. cit., p. 68.
147
148
387
ARAGÃO, “A Revolução em marcha”, op. cit., p. 25.
388
VIANNA, João Baptista. “Fundamentos e Fatores Políticos do Poder Nacional”. Conferência realizada na
Escola Superior de Guerra – Curso Superior de Guerra, 1961, p. 18.
389
TÁVORA, Juarez. “A Política de transporte – aspectos gerais dos transportes”. Conferência proferida na
Escola Superior de Guerra – Curso Superior de Guerra, 1964, p. 13.
390
Citado em Discurso pronunciado no Clube Militar a 29/03/84, na comemoração organizada pelos três
clubes militares por motivo da passagem do vigésimo aniversário da Revolução, pelo General Carlos de
Meira Mattos, em discurso intitulado “O ideário da Revolução de 31 de Março”, op. cit.
148
149
391
Caracterizando a corrente “castelista” existente no Exército, Octávio Costa afirma que ela tinha como um
de seus principais aspectos a influência do udenismo. Geisel, por sua vez, observa que Castelo era um
profundo admirador de Carlos Lacerda. O grupo nacionalista-ditatorial também nutria por ele uma admiração
significativa. Alberto Fortunato, um dos integrantes do grupo secreto que “aterrorizou a vida política do
país” através de uma série de atentados à bomba nos idos da redemocratização, assinala o empenho de boa
parte dos futuros componentes do grupo secreto em proteger a sede do governo estadual no momento do
golpe. Sobre estes aspectos ver: COSTA, Octávio. Depoimentos. In: Visões do Golpe, op. cit., pp. 81 e 82;
GEISEL, Ernesto, op. cit., p. 167; FORTUNATO, Alberto. Depoimento. A Direita Explosiva no Brasil. Rio
de Janeiro: Mauad, 1996, p. 173; e BENEVIDES, Maria V. M. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1981, pp. 130 e seguintes.
149
150
392
COSTA, Octávio. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., pp. 81 e 82.
393
FIGUEIREDO, João Baptista de Oliveira. Depoimento. Memória Viva do Regime Militar. Rio de Janeiro:
Record, 1999, p. 189.
394
POTYGUARA, Irapoan A., op. cit.
395
FREITAS, “A situação brasileira”, op. cit., p. 72.
396
FIGUEIREDO, Sylvio de Magalhães; PAIVA, Alfredo de Almeida; & BRAGA, Antonio Saturnino. O
Poder nacional – Fundamentos e Fatores Políticos. Curso de Estado Maior e comando das Forças Armadas
proferido na Escola Superior de Guerra, p. 8.
150
151
cultura política”. Para eles o país atravessava a primeira fase. A imaturidade política
existente em parte era provocada pelo subdesenvolvimento uma vez que a “massa”,
elemento disforme, não tinha acesso aos meios científicos, tecnológicos e culturais
necessários para efetivar sua escolha política de forma a não ser explorada para atender
somente aos interesses de pequenos grupos.
“À medida que o progresso científico propaga os meios da difusão, encurta as
distâncias, intensifica os meios de comunicação e transportes e proporciona
instrução mais ampla, novos conhecimentos e educação, a massa inconsciente se vai
fazendo povo autêntico. Parcelas cada vez mais amplas da população adquirem
consciência de seus interesses, aprendem a reconhecer seus direitos, promovem
reivindicações e passam, progressivamente, a influir na organização e no exercício
do Poder. Ocorre, então, o processo de renovação dos grupos dirigentes; o povo
passa a merecer efetiva atenção, tanto dos que aspiram atingir o Poder como dos que
se obstinam em permanecer no comando. É a fase da adolescência do povo, que
quer progredir, mas ainda não sabe distinguir o possível do impossível, que sabe o
que quer, mas ainda não sabe escolher. Campeiam as promessas, cresce a
propaganda demagógica. Mas a evolução se faz sempre; mais rápida aqui e mais
lenta alhures, conforme as circunstâncias, as etnias, o meio fisiográfico, os
exemplos externos e os recursos disponíveis”.397
397
BRAGA, Antonio Saturnino; VIANNA, Fernando Gonçalves Reis; SÁ, Virgílio Pires de Sá; & PAIVA,
Alfredo de Almeida. “Elementos Políticos do Poder nacional”. Conferência proferida na Escola Superior de
Guerra. Curso Superior de Guerra, 1965, p. 9. Dos autores acima, somente Fernando Gonçalves Reis Vianna
era militar, sendo Capitão-de-Mar-e-Guerra. Os outros desempenhavam atividades na área do Direito. No
entanto, eram responsáveis pela Divisão de Assuntos Políticos da ESG. Antonio Saturnino Braga (Procurador
e chefe da Divisão de Assuntos Políticos - ESG); Capitão-deMar-e-Guerra Fernando Gonçalves Reis Vianna
(Adjunto da mesma divisão); Virgílio Pires de Sá (Bacharel e Adjunto da Divisão de Assuntos Políticos); e
Alfredo de Almeida Paiva ( Advogado e Adjunto da Divisão de Assuntos Políticos).
151
152
398
FIGUEIREDO, Sylvio de Magalhães; PAIVA, Alfredo de Almeida; & BRAGA, Antonio Saturnino. O
Poder nacional..., op. cit., p. 19.
399
Editorial da Revista A Defesa Nacional, n° 576 e 577, de julho e agosto de 1962.
400
FIGUEIREDO, Sylvio de Magalhães; PAIVA, Alfredo de Almeida; & BRAGA, Antonio Saturnino. O
Poder nacional – Fundamentos e Fatores Políticos, op. cit., p. 19.
401
MATTOS, Carlos de M.. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., pp. 121 e 122.
152
153
Tal como Maria Alves, boa parcela da historiografia assinala que a divergência
entre os nacionalistas-ditadoriais (considerados por eles como duros) e os
internacionalistas-autoritários (moderados) restringiu-se à fase posterior ao golpe no que se
refere a dois aspectos: quanto às bases de legitimação do novo regime e quanto aos
mecanismos e graus de repressão. Longe de discordar destes aspectos, considero que as
diferenças já se apresentavam delimitadas no período anterior ao movimento de 1964 e não
se restringiam unicamente quanto ao campo político, tal como assinalado anteriormente.
Mais do que isso, considerar que somente estas diferenças pautavam os debates
estabelecidos a partir de então significa não levar em conta o grau de participação efetiva
de parcelas da sociedade civil e política no período compreendido entre 1964 e 1984.
Como um dos componentes do sistema político, mais especificamente da arena
estatal, os militares apresentaram-se durante a deposição de João Goulart e, posteriormente,
durante boa parte do regime autoritário estabelecido por mais de 20 anos, tão somente na
liderança de um projeto político que atendia aos interesses de uma parcela significativa das
direitas. Coube a eles esse papel devido à necessidade de imposição de um projeto de
sociedade que tinha como elemento fundamental a exclusão da participação política,
econômica e social de boa parcela da população, o que não poderia concretizar-se sem o
recurso daquele grupo que exercia o monopólio do uso da força – as Forças Armadas – e,
em particular e desempenhando um papel fundamental, o Exército. Entendo que o regime
tornou-se efetivamente militar num curto período compreendido entre 1969 e 1974,
quando, em função do estado de saúde do Presidente Costa e Silva e amparados pelo grande
poder conferido aos militares através do Ato Institucional 5, eles impediram a posse do
153
154
402
ALVES, op. cit., p. 95.
403
Sobre as discussões referentes a esse aspecto uma série de documentos existentes na Fundação Getúlio
Vargas, acervo de Antonio Carlos Muricy, são elucidadores: Série Atuação Político Militar (1936-1979).
404
GEISEL, Ernesto, op. cit., pp. 167 e 168.
154
155
território nacional. Portanto, um Congresso também golpista, o que reforça a idéia de que
1964 não foi apenas um golpe militar mas também parlamentar. Terceiro, para vice-
presidente escolheu-se um civil, que desse representatividade aos outros grupos
participantes do golpe. Liderança, e não domínio absoluto do processo, é o que marca
aquela fase. Outro indicativo da participação política na escolha de Castelo foi o fato de que
algumas lideranças políticas levaram-no a um contato com Juscelino. Quarto, alguns
entendiam que a liderança militar acabaria com o simples afastamento de Jango, não se
incluindo assim nem entre “moderados” nem entre “duros”. Dentre eles, apresentavam-se
principalmente representantes da classe política, segundo a citação. Existia uma
discordância mesmo entre os internacionalistas-autoritários das Forças Armadas e boa
parcela dos grupos que apoiaram o golpe, mas em nome de uma necessidade conjuntural, a
liderança reservou-se aos militares. Esta divergência acabou por manter-se no governo de
Costa e Silva em função de uma pressão crescente dos militares na vida política do país.
Octávio Costa assinala:
“O movimento militar de 1964 foi empolgado por duas vertentes: uma castelista,
intelectual, profissional, udenista (ou seja, de admiração pelo Lacerda). Acho que
essa vertente via aquela intervenção sob a forma pretoriana, o que quer dizer:
normalizada a situação, os militares passariam o governo aos civis. Tanto assim que
o Castelo queria que seu mandato fosse apenas a terminação do de Goulart. Talvez
por isso os políticos tenham sido estimulados a se candidatar (...) porque todos
sabiam que na ótica do Castelo a presença dos militares seria passageira. A outra
vertente, a que estava em volta do Costa e Silva, era mais revolucionária, mais
radical. Eram aqueles que apareciam na televisão ao lado do ministro atrás de umas
bandeiras e dos dizeres ‘Comando Supremo da Revolução’. Foi essa vertente que
conduziu o movimento militar de 1964 ao militarismo (...)”.405
155
156
405
COSTA, Octávio. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., pp. 89 e 90.
406
REIS, Gustavo, op. cit., p. 54.
407
COSTA, Octávio, op. cit., p. 95.
408
GONÇALVES, Leonidas Pires. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., p. 225.
409
COSTA, Octávio, op. cit., p. 95.
156
157
157
158
sadia”.411
Entendem que a vida política pertence a uma minoria esclarecida à quem caberia a
interpretação da vontade popular e atender aos seus anseios para que a “massa” não
buscasse suas próprias aspirações, mas sim àquelas que atendessem ao conjunto da
sociedade. Da mesma forma deveria proceder a classe política enquanto elite, buscando
responder aos interesses coletivos e não aos particulares. Enquanto o sistema político não
estivesse espelhando fielmente a realidade social e econômica era porque não funcionava a
contento e impossibilitava a verdadeira representatividade popular, fazendo com que o
povo buscasse também o interesse próprio.
“Quando assumem aspecto negativo os fundamentos e fatores que traduzem os
poderes político, econômico ou psicossocial, isto faz avultar o campo militar e seus
fatores, ou o poder militar. Nestes momentos ele passa a ser empregado
praticamente como força, para manter a realidade nacional, mas em verdade esta
força é apenas uma síntese transitória do próprio Poder nacional, pois é ele que deve
estar presente desta forma para impor a vontade nacional. Por outro lado, quando se
encontram desenvolvidos em alto grau e fortes os fatores dos campos político,
econômico e psicossocial, observa-se retração do poder militar, limitado apenas
pelas circunstâncias da política internacional, que ditam então as reais exigências de
tal ou qual valor para o poder militar disponível ou realizável. (...) No que concerne
ao Campo Político, seus fundamentos e fatores devem proporcionar uma estrutura e
ações tais que assegurem, na evolução da dinâmica em qualquer momento, a
liberdade individual com a ordem social assegurada e esta configurada na
autoridade do governo, com base na legitimidade decorrente da representação
outorgada pelo povo”.413
411
FIGUEIREDO, Sylvio de Magalhães; PAIVA, Alfredo de Almeida; & BRAGA, Antonio Saturnino. “O
Poder nacional – Fundamentos e Fatores Políticos”, op. cit., p. 20.
412
Idem, pp. 18 e seguintes.
413
Idem, ibidem.
158
159
414
POTYGUARA, Irapoan de Albuquerque. “Defender-se? Contra quem? Por quê? E como?”, op. cit., pp. 53
e 54.
415
LÉBRE, Geraldo; SILVA, Ernani Ayrosa da; CARDOSO, Alberto de Assumpção; & MORENO, Jayme
“A Guerra Revolucionária”, op. cit., p. 32 e 33.
416
ARAGÃO, José Campos de. A revolução em marcha. Conferência feita na Faculdade de Filosofia da
Universidade Santa Maria como encerramento das comemorações do 1° aniversário da Revolução. In: A
Defesa Nacional, n° 601, maio e junho de 1965, p. 12.
159
160
representantes das classes mais favorecidas, dando oportunidades reais a todos que
cooperam, neste ou naquele setor, para a riqueza coletiva”,417 ou seja, as classes produtoras.
A perspectiva de democracia dos nacionalistas-ditadoriais possuía uma ênfase significativa
quanto ao seu aspecto social, ou seja, que viabilizasse a redistribuição das vantagens
proporcionadas pelo processo de industrialização do país. Para que o bem-estar se
concretizasse, a ordem era algo de fundamental importância.
Quanto à classe política, por sua vez, observa-se a necessidade ora de sua
regeneração – o que apenas se daria a longo prazo –, ora de seu afastamento definitivo. Por
tal motivo, este “partido militar” apresentava-se sem grandes articulações ou contatos
políticos. Alguns chegam a apontar, diante da convicção da impossibilidade de regeneração
do sistema político, que o correto seria “acabar com os políticos, com a Câmara, com o
Senado, acabar com tudo”.418 Pode-se afirmar que o grupo que reivindicava o expurgo da
classe política na direção do país era composto por aqueles radicais que, a partir de 1968 e
por mais de dez anos, encaminharam uma série de atentados terroristas tendo como alvo a
oposição articulada contra o governo sob a justificativa de que não existiam meios
disponíveis que o tornassem forte o suficiente para a eliminação da ameaça comunista e no
ataque à corrupção. Eram, portanto,
“(...) mais radicais na operação limpeza. Era um pessoal mais puro, ainda não
deteriorado, que não se compadecia de maneira nenhuma com manobras políticas.
Os políticos fazem manobras, transigem. E creio que tem que ser assim. Mas falar
em transigência para um capitão ou para um major é coisa muito difícil”.419
417
LÉBRE, Geraldo; SILVA, Ernani Ayrosa da; CARDOSO, Alberto de Assumpção; & MORENO, Jayme
“A Guerra Revolucionária”, op. cit., p. 35.
418
CASTRO, Adyr Fiuza. Depoimento. Visões do Golpe, op. cit., p. 164.
160
161
419
Idem, p. 165.
420
DREIFUSS, René A.. 1964: A conquista... op. cit., p. 78.
421
VASCONCELOS, João Perboyre de. “A Guerra Revolucionária”. In: A Defesa Nacional, n° 582,
fevereiro/1963, p. 29.
161
162
422
MURICY, Antonio C. Palestra do General sobre os motivos da revolução brasileira, pronunciada no canal
2 em maio de 1964. FGV - Acervo pessoal de Antônio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar.
423
COSTA, Octávio F. da. “Compreensão da Revolução Brasileira”, op. cit., p. 74.
424
NETTO, José L. C. Depoimento. In: Visões do Golpe..., op. cit., p. 191.
162
163
A preocupação dos militares com esses aspectos era respaldada pela Doutrina
Militar então propagada no seio das Forças Armadas. O extremismo de determinados
movimentos sociais, dispostos a implementarem, por exemplo, a reforma agrária na “lei ou
na marra”, colocavam em pauta a idéia de que os laços sociais começavam a sofrer
corrosão. A Doutrina de Segurança Nacional ganhava força na medida em que colocava
como elemento fundamental a manutenção da ordem para que o país pudesse continuar no
425
SILVA, Francisco C. T., op. cit., p. 284.
163
164
curso da obtenção de seu espaço como grande nação. A idéia era de que os campos político,
econômico, militar e psicossocial, como partes integrantes do “Poder nacional”,
partilhavam das responsabilidades “de assegurar a cobertura necessária à consecução ou
manutenção dos Objetivos nacionais”, que tinham, como um de seus principais aspectos, a
intenção de desenvolver o país como potência. Contudo, esses aspectos ganhavam nova
dimensão dentro do quadro de Guerra Fria e pelo que consideravam como propagação
soviética da guerra revolucionária. O embate internacional refletia-se internamente não
somente no campo militar mas também nos demais campos do Poder Nacional. Isto tornava
ainda “mais nebuloso e complexo o problema da Segurança Nacional, exigindo maior
flexibilidade para o seu devido equacionamento”.426 Neste sentido, a segurança nacional se
“estabelece em todos os campos do Poder e exige a participação integrada dos
mesmos. Não é uma exclusividade do Poder Militar. As ações de caráter político,
econômico e psicossocial assumem tal importância que, muitas vezes, invalidam
completamente as possibilidades militares. (...). O desenvolvimento da Política de
Segurança Nacional (...) exige obviamente a montagem de um elaborado
planejamento, cuja finalidade é estabelecer e coordenar as ações estratégicas
específicas e de apoio, a desenvolver pelos diversos campos, dentro das linhas
mestras fixadas pela aquela Política”.427
426
FROTA, Sylvio Couto Coelho; GONÇALVES, Yves Murillo Cajaty; CARVALHO, Ferdinando de.
“Aspectos militares da Segurança Nacional”, op. cit., p. 5.
427
Idem, p. 6.
164
165
428
CAMINHA, Herick Marques; PAES, Ismael da Motta; & SOUTO, Paulo Emílio. “A Estratégia Nacional”,
op. cit., p. 22.
429
CARVLAHO, Ferdinando de. “A Guerra Revolucionária comunista no Brasil”, op. cit., p. 40.
165
166
no país pois, “a verdadeira Democracia, exige, como apoio incondicional, justiça social
para que haja iguais oportunidades para todos”,430 com a criação de uma estrutura
verdadeiramente em condições de atender a grande parcela que hoje é desassistida.
Espaço privilegiado para a atuação dos comunistas, segundo entendiam os militares
de direita, o movimentos sociais urbano e rural adquiriam importância uma vez que
poderiam afetar diretamente na manutenção da ordem. Para Herick Caminha, por exemplo:
“Os desequilíbrios socioeconômicos dão origem a um permanente estado de tensão
social, agravado pela penetração ideológica de origem externa, ameaçando a
unidade nacional, o regime e a paz social, podendo culminar em comoções
intestinais graves”.431
430
ARAGÃO, “Nordeste: uma interrogação...”, op. cit., p. 9.
431
CAMINHA, Herick Marques; PAES, Ismael da Motta; & SOUTO, Paulo Emílio. “A Estratégia Nacional”,
op. cit., p. 22.
166
167
Uma íntima relação entre a necessidade de reformas e sua utilização política pelas
esquerdas é estabelecida por Jayme Graça, para quem elas apresentavam-se necessárias mas
sem desordens ou agitações, de forma a possibilitar a existência de um denominador à toda
a sociedade brasileira que seria a do progresso comum.
“Precisamos de reforma do ensino, de Reforma Agrária, de assistência médica e de
muitos outros empreendimentos. Reformas para melhorar e não para salvar.
Reformas para construir, jamais para fins políticos (...). A tão discutida Reforma
Agrária, se bem discutida e melhor executada, não deveria prestar-se como bandeira
a reivindicações de classes e exploração política. (...) O problema, portanto, não é
apregoar reformas com fins subversivos. É estabelecer bases sólidas e harmoniosas
para todos os ângulos da atividade nacional. A maneira de realizar reformas é
imensa e não deve dar margens para desordens e agitações (...). É preciso, como
432
SIRQUEIRA, “Havia Perigo”, op. cit., p. 21.
433
ANDRADE, Primo. “A atual conjuntura e o processo...”, op. cit., pp. 92 a 95.
434
ARAGÃO, Campos. Revista do Clube Militar, n° 159, p. 6.
435
Idem, ibidem, n° 160, pp. 5 e seguintes
167
168
primeiro passo, firmar um denominador comum que una todas as classes e todos os
interesses do povo brasileiro. Em uma palavra: é preciso estabelecer uma base para
as reformas de base”.436
436
GRAÇA, Jayme. “Base para as Reformas de Base”.In: Revista do Clube Militar, n° 162, de 1962, pp. 17 e
seguintes.
437
MURICY, Antonio Carlos. “O Brasil e seu Exército”. Série Atuação Político Militar (1936-1979). Escrito
para a revista alemã Wehr Kunde, publicada em março de 1972.
168
169
Ferdinando de Carvalho, por sua vez, reconhece que a estrutura social encontra-se
em em estado de precariedade e opressão e que, aproveitando-se disso, o movimento
comunista incorporou a bandeira do reformismo com o argumento de que as reformas não
seriam obtidas pela via democrática. Indica que as mesmas podem ser obtidas
principalmente consolidando-se a inviolabilidade da propriedade privada e pela restauração
de um clima de segurança. Aliás, esse é um aspecto que determina o limite do tipo de
proposta de reforma agrária pensada por esses militares. A saída encontrada, “sem o
recurso do assalto à propriedade privada mas, sobretudo, ajudando aos que produzem”, era
a de expandir a fronteira agrícola do país. A tarefa que se colocava era “ocupar e
colonizar”, uma vez que apenas 15% do espaço político total do Brasil apresentava-se
ocupado. Se boa parte das terras pertencia ao Estado brasileiro e se o governo buscava
ocupá-las com a imigração estrangeira, “ porque não trazer a autocolonização dentro de
sadio plano de Reforma Agrária?”.439
A defesa que participantes desse grupo faziam da implementação gradativa de
algumas reformas, da legislação trabalhista e de preparação para o estabelecimento do bem-
estar mesmo antes de alcançar o desenvolvimento econômico apontam para a presença de
uma idéia geral de defesa da ação do Estado na questão social. Ao referendar a existência
de diferenças sociais profundas, entendiam que se tornava necessário eliminá-las
minimamente para a chegada do desenvolvimento que, enfim, lhes traria a paz social.
Tornava-se necessário intervir nas relações de mercado para corrigir suas imperfeições,
possibilitando assim o afastamento do perigo radicalizante que era a presença comunista
nos movimentos sociais.
Existia ainda uma perspectiva diversa sobre a questão social. Também aqui deve-se
observar que embora a maioria dos que adotam esta perspectiva pertença aos
inernacionalistas-autoritários – tais como Geisel, o Major Uzeda, General Adalardo, o
Capitão Sotero Vaz, dentre outros – tem-se também a presença de nacionalistas-ditadoriais
como o General Dennis, o Brigadeiro Moss e o Almirante Silvio Heck. Para estes outros
438
MURICY, Antonio Carlos. “Compreensão da Revolução Brasileira”, op. cit., pp. 68 e seguintes.
439
GRAÇA, Jayme. “Base para as Reformas de Base”, op. cit., p. 17.
169
170
Boa parte desses militares que enxergavam a questão social como resultado da
instabilidade criada pelos comunistas apresentavam críticas ao trabalhismo, à legislação de
defesa do trabalhador então vigente e à reforma agrária. Geisel assinala, quanto as ressalvas
440
Manifesto à nação lançado pelo Marechal Odílio Denis, o Almirante Sílvio Heck e o Brigadeiro Grun
Moss, por ocasião da tentativa de impedimento da posse de João Goulart. In: Os cinco anos que abalaram o
Brasil, op. cit., p. 348.
441
BRAGA, Antonio Saturnino; VIANNA, Fernando Gonçalves Reis; SÁ, Virgílio Pires de Sá; & PAIVA,
Alfredo de Almeida. “Elementos Políticos do Poder nacional”, op. cit., p. 19.
170
171
feitas à legislação de defesa do trabalhador, que uma das principais restrições ao governo
Jango referia-se a sua política trabalhista, de excessiva ênfase à defesa dos direitos dos
trabalhadores em detrimento ao desenvolvimento do país. Além disso os vínculos que esta
posição gerava com o movimento comunista e com as esquerdas apresentavam-se por
demais perigosos. Para ele, no entanto, existia a necessidade de implementação da Reforma
Agrária, mas não nos padrões apresentados em pelo governo deposto em 1964.
A legislação trabalhista possibilitava a politicagem das reformas de base em função
do tema ser utilizado com conotações eleitoreiras e, neste sentido, para se alcançar a
“justiça social” seria necessário “que se cerque o trabalho do homem de condições e
garantias que façam dele não uma vítima da sociedade mas um elemento propulsor dela”.
As bases para se alcançar esta justiça seriam as encíclicas papais, onde não “encontramos
nada que ab-roguem deveres ou supersaturem o trabalhador de direitos”.442
A ênfase na “justiça social” defendida por eles era no reconhecimento da
humanidade do trabalhador e na sua valorização individual. A legislação era por demais
paternalista e “a demagogia eleitoral transformou o sentido de justiça social, como meio de
obtenção de vantagens e posições políticas”. O empreguismo gerado por ela onerava os
custos de produção, prejudicando o país no comércio internacional, baseado
“essencialmente na lei da oferta e da procura”. Defendendo o enxugamento das leis sociais
tomando como exemplo os Estados Unidos e o sistema de livre iniciativa, entendia que a
sociedade confundia “justiça social com desenvolvimento econômico (melhor seria dizer
com interesses eleitorais) e, por isso, estamos marcando passo”. Desta forma, o papel do
Estado seria o de criar condições para que o trabalho individual gerasse o “progresso
econômico e, com este, e como subproduto dele, o progresso social, ou melhor, a decantada
justiça social”.443
Afirmam ser necessário primeiro o desenvolvimento e sedimentação da indústria e
do comércio para em seguida obter-se melhores condições de vida “proporcionadas pelas
facilidades produzidas pelo progresso”.
“Até que consigam realizar tudo o que planejam, muitos anos se terão passado, e
também no decorrer desses anos o Brasil terá progredido muito mais, em todos os
aspectos (...). A inflação já terá diminuído em vista da estabilidade política do
desenvolvimento e sedimentação da indústria e comércio e do melhoramento das
442
FIALHO, Adalardo. “Problemas do Brasil.” In: A Defesa Nacional, n° 595, p. 1964.
443
Idem, ibidem.
171
172
444
VAZ, Thaumaturgo Sotero. “Guerrilha”. In: A Defesa Nacional, n° 593, p. 39.
445
FGV - Acervo pessoal de Antonio Carlos Murici: Série Atuação Político Militar.
172
173
173
174
sendo alvo, como estava sendo, da disputa das duas nações que dividiam o mundo em
zonas de influência.
A conjuntura internacional impunha, portanto, a construção de compromissos
militares imprescindíveis à segurança coletiva entre povos, e um dos argumentos para
justificar esse posicionamento de maior proximidade aos Estados Unidos era porque ambos
os países irmanavam os “mesmos ideais e interesses” de contenção da expansão do
comunismo. A tensão mundial exigia um maior alinhamento dos países capitalistas sob
liderança daquela nação que se apresentava como a mais capaz para fazer frente a essa
difusão. Além disso, a debilidade econômica e os problemas de segurança internos
limitavam a capacidade ofensiva do país no cenário internacional. Não somente o Brasil
mas também todos os países subdesenvolvidos estavam “compelidos a uma atitude
defensiva até que seu desenvolvimento lhes proporcionasse liberdade de optar”.446 As
características da expansão comunista através de uma “ofensiva mundial” e da tentativa de
implementação da guerra revolucionária tornava inviável fazer frente a essa dupla
expansão. Os sistemas de alianças é que acabava por delimitar o tipo de sociedade existente
em cada nação.
Para garantir internamente a continuidade da tradição ocidental, democrática e
cristã, apresentava-se como condição fundamental encaminhar uma política externa
“inteiramente solidária com o Mundo Ocidental livre, aos qual pertence (o Brasil) por
tradição, formação espiritual e intelectual e, mesmo interesse de ordem econômica”.447 Os
Estados Unidos tinham um padrão ético a oferecer, enquanto o bloco soviético apenas
ofereceria uma ideologia revolucionária. Contraditoriamente eles colocavam que a
organização democrática era o que os colocava ao lado desses países, ao mesmo tempo que
era a sua preservação que se procurava conseguir. Já os países que haviam se colocado sob
a órbita de influência comunista acabaram, todos eles, por adotarem um padrão de
organização social “idêntico” ao existente na União Soviética, o que não poderia ser
tolerado em relação ao Brasil.
446
ARAÚJO, Antonio de Andrade. “Estratégia Econômica”. Curso de Estado Maior e Comando das Forças
Armadas - Departamento de Estudos, dezembro/1964, p. 6.
447
MURICY, Antonio Carlos. “A Escola Superior de Guerra”. Palestra proferida na 7ª Região Militar,
proferida provavelmente na década de 60, época em que o mesmo era Comandante desta região.
174
175
Neste s entido, tornava-se clara a necessidade de uma definição por parte de uma
nação que não quisesse ser alvo das ações desestabilizadoras que acompanhavam o que eles
consideravam como uma agressiva política expansionista soviética em busca de aliados.
Uma vez que o Brasil caísse nas mãos do comunismo levaria toda a América Latina junto.
O país situava-se numa região estratégica para os dois blocos em confronto, o que tornava
mais urgente a tomada de posição.
448
NOVA, Armando Villa. A Segurança Nacional – conceitos fundamentais e sua caracterização.
Conferência proferida na Escola Superior de Guerra, Curso Superior de Guerra, fevereiro/1961, p. 3.
449
CASTELLAR, Heleno Soares. Instrução Teórica de Oficiais sobre Guerra Insurreicional. In: FGV -
Acervo pessoal de Antônio Carlos Muricy: Série Atuação Político Militar (1936-1979).
175
176
Para ele, quem dominasse a América do Sul teria condições de impor ao oponente
uma situação de isolamento que, num confronto, acabaria por provocar sua derrota. A
crença na importância estratégica do continente e do Brasil não era nova. Desde a Segunda
Guerra Mundial, quando os países Aliados e os pertencentes ao Eixo disputaram o apoio
dos diversos países da região, esse aspecto passou a ser considerado pelos militares
brasileiros.451 Diante disso, a adoção de uma política externa independente tornava-se
inviável. No entanto, não era somente em função de uma agressão externa que o
neutralismo tornava-se inviável. A Guerra Insurrecional ou Revolucionária apresentava-se
como uma guerra total segundo Castellar, onde não “há meio termo, porque (...) é próprio
da revolução totalitária ser intransigente e explorar, em proveito próprio, as tentativas de
conciliação”.452 A neutralidade oferecia chances “ao inimigo”. Portanto, segundo o Coronel
Alberto Cardoso, era necessário manter “uma constante vigilância contra a atividade do
oponente em nosso território”.453
Outro aspecto importante a ser considerado por eles para inviabilizar o neutralismo
era o argumento de que URSS e China utilizavam-se do salvo-conduto das relações
comerciais ou de assistência técnica para influenciar ideologicamente uma nação. Essa
450
SILVA, Octávio Costa da. Aspectos Geopolíticos do Brasil . Conferência proferida na Escola Superior de
Guerra, Curso Superior de Guerra, abril e maio/1964, p. 26.
451
A situação e indefinição do Brasil quanto aos rumos de sua participação na Segunda Guerra até 1942
acabou por provocar a elaboração de um plano de invasão norte-americana na costa do nordeste. Devido ao
alinhamento brasileiro às forças aliadas o plano acabou por ser abortado.
452
Idem, ibidem.
453
CARDOSO, Alberto de Antonio. “Segurança e Defesa”. In: A Defesa Nacional, n° 574 e 575, maio e
junho de 1962, p. 33.
176
177
influência se daria de forma mais intensa caso houvesse uma indefinição quanto à política
externa. Para o Tenente-Coronel Hernani D’Aguiar o posicionamento dos “Neutralistas”
possibilitava a difusão do comunismo que já ocorria em todo o continente e que acabou por
adentrar em Cuba. Ameaçava, por sua vez, o Brasil através da “ação fidelista, observada
“na propaganda de certa parte de nossa imprensa falada e escrita; sentimo-la nos manifestos
dos órgãos estudantis; sentimo-la na orientação seguida pela maioria de nossos órgãos
sindicais”.454
Em decorrência existia uma inviabilidade de adoção de certa política externa
independente diante da acentuação da ameaça soviética. Para ele, “a maioria dos
‘neutralistas’ parece tender para o Bloco Comunista, já que a neutralidade real é posição
que os fracos jamais poderão manter na disputa dos fortes.”
Além disso, a política externa independente, tendo por justificativa a busca por
novos mercados, acabava, para alguns, por criar novos laços de dependência ainda maiores,
além de colocar o país numa situação “ambígua em relação ao Mundo Livre, cujas
desconfianças se avolumavam, em detrimento de nossos reais interesses”.455
Por último, mas não de menor importância, esses militares reconheciam a existência
de uma desigualdade natural entre as nações do mundo. Esta, por sua vez, acabava por
provocar alguns inconvenientes tais como a tentativa de interferência das nações mais
fortes sobre as mais fracas. Reconhecendo a desigualdade entre as nações, Juarez Távora
assinalava que
“(...) Exercemos a plenitude dos direitos de soberania nas áreas submetidas à nossa
jurisdição política, sem interferências descabidas de outras nações soberanas. Temos
concordado, entretanto, em limitá-la, em benefício da paz universal, no campo das
atividades comuns internacionais (...). Embora todos os povos civilizados a aceitem
[a igualdade jurídica entre os povos] em princípio, na prática, entretanto, ainda
prevalecem privilégios de decisão beneficiando as nações mais fortes. O direito de
veto, sobre determinadas decisões da ONU, é caso típico da quebra dessa igualdade
jurídica. (...) Podemos, contudo, concluir que o princípio da igualdade jurídica, face
às demais nações, constitui aspiração do povo brasileiro, pelo menos teoricamente,
realizada.”.456
454
D’AGUIAR, Hernani. “Guerra Revolucionária comunista no Mundo Atual”. In: A Defesa Nacional, n°
597, de setembro e outubro/1964 de 1964, p. 43.
455
CARVALHO, “A Guerra Revolucionária comunista no Brasil”, op. cit., p. 52.
177
178
Para ele as interferências internas não eram “descabidas” mas existiam. No entanto,
deveriam ser toleradas momentaneamente tanto quanto a existência da desigualdade entre
as nações. O objetivo de eliminar ambos os aspectos estavam presentes nos “objetivos
nacionais” da nação brasileira mas existia uma necessidade premente de colocá-los em
segundo plano.
Existia outra perspectiva quanto à política externa brasileira presente entre militares
como o General Edmundo Macedo Silva; os Tenentes-Coronéis Carlos de Meira Mattos,
Walter dos Santos Meyer, Paulo Emílio Souto; o Coronel-Aviador Ismael da Motta Paes; o
Major Niaza Gandra; e o Capitão-de-Mar-e-Guerra Oswaldo Newton Pacheco. Com a
exceção mais significativa de Meira Mattos, moderado, quase todos eram pertencentes à
linha dura. Não que defendessem o distanciamento em relação aos Estados Unidos, nem
que considerassem a idéia de neutralidade em termos de política externa. Pelo contrário,
achavam fundamental a liderança desse país dentro do quadro mais geral de confronto entre
comunismo e capitalismo. Também para eles a liderança norte-americana apresentava-se de
forma a reforçar o caráter democrático do Brasil e sua proximidade às tradições cristãs e
ocidentais. Esses oficiais achavam ainda, em sua grande maioria, que existia a necessidade
de o país integrar-se a um bloco militar; a finalidade de tal integração seria a “instalação de
um sistema de proteção cujo objetivo principal é assegurar a capacidade de luta, pelo
fortalecimento da estrutura social e pela integração dos grupos que a compõem”.
Justificando uma estratégia de coalizões, afirmam que as
“(...) limitações impostas à capacidade de promoverem com seus próprios meios
uma Segurança Nacional adequada aconselham quaisquer países, e por assim dizer
obrigam os países subdesenvolvidos, a se unirem politicamente a outros Estados, em
coalizões ou alianças, visando geralmente o aumento relativo do Poder nacional (...)
tendo como objetivos políticos comuns (...) a defesa da democracia (...) e [conter] a
expansão mundial do Comunismo”.457
456
TÁVORA, Juarez do Nascimento Fernandes. Interpretação das aspirações e interesses nacionais do povo
brasileiro – análise política. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra. DEPARTAMENTO DE
ESTUDOS, 1961, pp. 10 e seguintes.
457
CAMINHA, Herick Marques; PAES, Ismael da Motta; & SOUTO, Paulo Emílio. A Estratégia Nacional,
op. cit., p. 22.
178
179
458
MATTOS, Carlos de Meira. “Formas de expansionismo – idéias fundamentais”. In: A Defesa Nacional, n°
563/564, junho e julho/1961, p. 12.
459
Idem, ibidem, p. 125.
179
180
Não era negada a supremacia dos Estados Unidos, nem mesmo era considerada uma
posição de neutralidade, de distanciamento simultâneo em relação às duas nações que
bipolarizavam as relações internacionais dentro de um quadro de Guerra Fria.
Atento às questões internacionais, em outro artigo Meira Mattos460 observava com
profunda preocupação a expansão econômica norte-americana não somente sobre o Brasil,
mas também sobre o continente africano, onde surgiam inúmeras nações em função do
processo de descolonização. Esses novos países colocavam-se como os grandes
competidores por mercados das grandes nações consumidoras de “produtos similares aos
nossos” sob estímulo das nações industrializadas. A existência de um mercado competitivo
tornava importante uma certa independência frente ao expansionismo econômico norte-
americano. Diante do alto índice de financiamentos desse país à região africana, afirma que
havia a necessidade de se estar em estado de alerta dado que o “desenvolvimento
econômico da África representará, para nós, a perda paulatina dos mercados europeus e
norte-americanos”. A solução não era evitar o processo mas criar mecanismos de defesa
tais como: elaboração de um mercado comum americano, aceleração do processo de
industrialização do país, proteção da produção atual e estimulação de relações diplomáticas
principalmente com a África. Para Mattos, o país tem uma função de liderança que deveria
exercer devido a condições gerais que possui.
A necessidade de imposição de limites ao papel de liderança dos EUA de forma a
não se sobrepor aos interesses dos diversos participantes também está presente em
conferência conjunta realizada por membros da Divisão de Assuntos Doutrinários da ESG.
Fundamental para deter o avanço comunista, a aliança não deveria estabelecer-se sem
restrições:
“Os Estados integrantes, embora possuindo vários interesses comuns, alimentam
outros interesses colidentes, difíceis de conciliar sem restrições à soberania dos
participantes. As flutuações da política interna de cada Estado, os problemas
específicos de sua Segurança, a diversidade das implicações que os negócios
internacionais proporcionam a cada um, são fatores, além de outros, que dificultam
a harmonização dos pontos de vista, com prejuízos para a completa integração,
requisito essencial de quaisquer estratégia”.461
460
Idem, ibidem.
461
CAMINHA, Herick Marques; PAES, Ismael da Motta; & SOUTO, Paulo Emílio. A Estratégia Nacional,
op. cit.
180
181
Que “interesses colidentes” seriam esses? Mais uma vez a questão é colocada
quanto à disputa por mercados ou, como aponta, à “diversidade das implicações que os
negócios internacionais proporcionam a cada um”.
O General Edmundo Macedo estabelece a relação existente entre o
“desenvolvimento” do país e a necessidade de o Brasil delimitar seu papel de liderança
regional no cenário internacional. Indica que a preocupação fundamental para estabelecer
programas de desenvolvimento é “quebrar os grilhões da prisão em que tem vivido cercada,
como formadora de matéria-prima (...) e consumidora de manufaturas”. Ele considerava
que a América Latina possuía condições geográficas favoráveis, que “as matérias-primas
mais essenciais [para o processo de industrialização] existem [no continente] e que seu
mercado consumidor é um dos que mais crescem”. No entanto, existia uma dificuldade de
intercâmbio que acabava por beneficiar os
“mercados consumidores dos países mais industrializados. O intercâmbio latino-
americano é ainda insuficiente. Seu incremento depende, a nosso ver, da
industrialização e não temos dúvida em afirmar que nosso país (...) terá um grande
papel a desempenhar”.462
Era grande a preocupação por parte desses oficiais em formar um bloco econômico.
Espelhavam-se na formação de blocos em outros continentes buscando a integração
econômica regional para fazer valer o importante papel que o Brasil teria dentro da
América Latina. Ao mesmo tempo buscavam garantir uma proximidade apenas relativa
com a grande nação hegemônica no ocidente. O Major Niaza Gandra também era adepto da
consolidação de blocos econômicos liderados pelo Brasil, tal como a ALALC,463 com
objetivo de incrementar o comércio exterior e “resolver os graves problemas de suas
balanças comerciais, originários de uma persistente deterioração dos preços de seus
produtos primários de exportação, no comércio mundial”.464 Para ele o comércio
internacional caracterizava-se pela deterioração dos termos de troca e o auxílio externo
através de capitais acabava por ser utilizado apenas para “cobrir os deficits dos balanços de
pagamentos provenientes de instabilidade de preços dos seus produtos exportáveis”. A
necessidade dos países “subdesenvolvidos” em organizarem mecanismos de defesa para
462
SILVA, Edmundo Macedo Soares. “A América Latina em face do desenvolvimento mundial”. In: A
Defesa Nacional, n° 552, junho/1960, p. 160.
463
ALALC: Associação Latino Americana de Livre Comercio.
181
182
464
GANDRA, Niaza Almeida. “ALALC”. In: Revista do Clube Militar, n° 164, de março/1964, p. 33.
465
MEYER, Walter dos Santos. “A ciência, a técnica e o Exército”. In: A Defesa Nacional, n° 587, de
julho/1963, p. 25.
466
MATTOS, Carlos de Meira. “Consciência Geopolítica Brasileira”, op. cit., pp. 141 e seguintes.
182
183
Conclusão parcial
Observando os diferentes projetos de sociedade presentes nos dois principais
partidos militares, percebe-se que a Doutrina de Segurança Nacional influenciou
significativamente ambos os grupos. A recorrência de termos tais como “objetivos
nacionais”, “poder nacional”, “segurança nacional” e “estratégia nacional”, os principais
conceitos da doutrina segundo Comblim, é patente tanto em artigos de duros quanto de
moderados. Acertadamente coloca o autor que tal instrumental passou a ser utilizado por
estes militares para a interpretação “de tudo que poderia acontecer no mundo”.467 Neste
sentido, pode ser assinalado que ambos consideravam a idéia de política como continuação
da guerra, numa inversão do conceito de Clausewitz, onde todos os recursos deveriam ser
utilizados para a consecução dos objetivos nacionais.
Da mesma forma observa-se presente a idéia de que a vontade única da sociedade
deveria ser expressada através do Estado. Caberia ao Estado interpretar a vontade suprema
de seu povo e esta, por sua vez, encaminhava-se no sentido de obtenção do
desenvolvimento econômico. Afinal de contas, conforme assinalava o então Tenente-
Coronel Walter de Sirqueira, de “todos nós (...) a Nação espera um esforço supremo que
nos conduza a posição de País desenvolvido”.468 As divergências seriam consideradas como
tentativas de retardamento dessa situação de plenificar a potencialidade que o país possuía.
Trabalho coletivo realizado na ESG assinala que as “graves divergências entre os que
mandam e os que obedecem, os abusos de uns e as decepções de outros, as crises e as lutas
políticas violentas debilitam a nação”.469 Definindo o que seria o poder nacional
apresentam que este seria a “expressão integrada dos meios de toda a ordem de que dispõe,
efetivamente, a Nação (...) para a promoção, pelo Estado, no âmbito interno e na esfera
internacional, da conquista e manutenção dos objetivos nacionais, a despeito dos
antagonismos existentes”.470
Entendo, portanto, que a Doutrina de Segurança Nacional foi o elo fundamentador
de boa parte do pensamento político de direita dentro das Forças Armadas. No entanto,
467
COMBLIM, op. cit., p. 40.
468
SIRQUEIRA, Walter M.. “Havia Perigo?” In: A Defesa Nacional, n° 602, julho e agosto/1965, p. 28.
469
BRAGA, Saturnino B.; PAIVA, Alfredo de Almeida; & FIGUEIREDO, Sylvio de Magalhães. “O Poder
Nacional – Fundamentos e Fatores Políticos”. In: Revista do Curso de Estado Maior e comando das Forças
Armadas - Curso superior de GuerraI, 1961, p. 9.
470
Idem, ibidem, p. 2.
183
184
pode-se observar também que esta doutrina será incorporada de diferentes formas. Para isto
influenciou decisivamente não apenas a própria realidade brasileira mas também a posição
que estes grupos desfrutavam dentro do jogo político e, ainda, as perspectivas que eles
estabeleciam para o futuro do país. Assinalavam estas divergências a disposição de levar ou
não ao extremo a máxima de “política como continuação da guerra”; as considerações
quanto ao grau de divergências possíveis para a viabilização dos objetivos nacionais; e,
ainda, quanto ao tipo de modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado. Os dois
primeiros aspectos são relativos ao tipo de organização política (autoritária ou ditatorial) e à
questão social. O último diz respeito à oposição nacionalismo/internacionalismo, ao tipo de
política externa a ser encaminhada e ao grau de intervenção do Estado na economia.
Questões como o nacionalismo, com a presença mais intensa de ação do Estado, e o tipo de
organização política apresentam-se mais nitidamente diferenciadas nos dois partidos
militares. No entanto, quando observo internacionalistas e nacionalistas quanto às questões
relativas à política externa e ao problema social, percebe-se que alguns dos participantes de
ambos os partidos circulavam pela ceara alheia. Isto não impede, no entanto, de manter-se
uma distinção quanto ao posicionamento de cada um dos partidos militares.
Alguns autores assinalam que a Doutrina de Segurança Nacional está diretamente
vinculada ao liberalismo econômico. Essa posição apresenta-se na quase totalidade
daqueles que centram suas análises no meio militar ou que tratam desses militares em
algum momento, tais como Dreifuss, Vizentini, Padrós, Marçal, Aquino, Rouquié e
Peixoto. Por sua vez, Alves e Comblim, apesar de considerarem a DSN como ideologia de
classe, indicam que a mesma doutrina apresentou-se no Brasil com um caráter de desvio em
relação à sua matriz norte-americana, indicando a existência de uma proposta de economia
mista. Quais seriam os motivos deste desvio?
Observa-se no Brasil que, logo após a instauração do regime em 1964, o liberalismo
econômico foi a política econômica adotada pela dupla Roberto Campos e Bulhões de
Carvalho.471 A primeira fase do regime, caracterizada pelo governo Castelo Branco,
também foi a fase em que o grau de representatividade era maior entre as elites, ou seja, o
grau de divergências toleradas era maior.
471
Sobre estes aspectos ver: SILVA, Francisco Carlos T., op. cit., p. 298.
184
185
185
186
472
DREIFUSS, op. cit., p.138.
186
187
graves impasses políticos civis da história da República”, caberia a eles “sair da defensiva e
passar ao ataque”.473 Somente após a conspiração militar atingir o seu “clímax” é que a
opinião política passou a ser mobilizada. Afirma o autor que mesmo sendo os “militares os
que haviam interferido para salvar o Brasil da ‘corrupção’ e do ‘comunismo’, civis havia
que acreditaram ser eles os vencedores”. Para Skidmore, isto não passava de uma ilusão. Os
verdadeiros vencedores haviam sido os “agressivos jovens militares”.
Observa-se, portanto, que além de apresentarem que a movimentação em torno do
golpe não contou com uma efetiva liderança de civis, estes autores (dentre outros)
consideram que a “vitória final” (a deposição de Jango e o fim ao democracia restritiva de
45 a 1964) não coube a estes políticos, independentemente do fato de os partidos a que
estavam vinculados terem participado do golpe. Quanto a isto, há controvérsias.
Aqueles que consideram como centro de suas análises a sociedade política
discordam ora efetivamente, ora em parte. Dentre eles pode-se citar Lúcia Hippolito,
Octávio Dulci e Maria Victória Benevides.474 Embora com perspectivas diferenciadas eles
apresentam como elemento comum a ativa participaçãodo PSD e da UDN no movimento
de março de 1964.
Lúcia Hippolito, por exemplo, assinala que o grande fiador do sistema político
compreendido entre 1945 e 1964 foi o PSD, objeto central de sua análise. Este era um
partido de quadros, formado a partir da elite e composto por “lideranças tradicionais” que
tinham sua base política no interior e, ainda, por lideranças reformistas mais jovens,
“voltadas para as demandas do emergente eleitorado urbano”.475 O equilíbrio entre estes
dois grupos é que concedia a consistência necessária para que o PSD aparecesse como
partido de centro com uma maioria que lhe possibilitava exercer a função de equilíbrio ao
sistema partidário. Na verdade, apesar de composto por uma base social que se aproximava
muito da característica da UDN, o elemento fundamental para a oposição entre os dois
partidos foi o vínculo que o PSD possuía com o getulismo. Ao longo do período os
tradicionais (raposas) acabaram sobrepujando-se sobre as lideranças mais jovens
473
SKIDMORE, op. cit., pp. 355 e 356.
474
Outros autores apresentavam que a crise política desencadeada na década de 1960 desenvolveu-se,
sobretudo, na sociedade política. Dentre eles cito: SOUZA, Maria do Carmo, op. cit.; FIGUEIREDO,
Argelina C., op. cit. ; & DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB – do getulismo ao reformismo. São
Paulo, Marco Zero, 1989.
475
HIPPOLITO Lúcia. PSD – de raposas e reformistas. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1985, p. 49.
187
188
476
Idem, pp. 133 e136. A idéia de oligarquização de um partido refere-se ao enrijecimento de sua estrutura de
comando. Os grupos de gerações mais novas ou formados por facções divergentes dentro do partido tem o seu
acesso à cúpula limitado ou vedado. Sobre o aspecto ver HIPPOLITO, op. cit., pp. 119 e seguintes.
477
Idem, ibidem, pp. 140, 188, 189, 190,191 e 199.
478
Idem, ibidem, p. 233.
479
Idem, ibidem, p. 228.
188
189
480
DULCI, Octávio. A UDN e o antipopulismo no Brasil. Belo Horizonte, Editora da Universidade Federal de
Minas Gerais, 1986, p. 35.
481
Idem, ibidem, p. 15.
482
Idem, ibidem, p. 196.
189
190
483
BENEVIDES, op. cit., p.129
484
Idem, ibidem, p. 124.
485
Idem, ibidem, p. 126
486
Idem, ibidem, p 136.
190
191
participante da Ação Democrática Parlamentar, assinala que o trabalho foi feito por
militares aos quais se “associaram, com muita habilidade, Magalhães Pinto, e, com mais
presença, Carlos Lacerda”.487 O mesmo fala José Sarney, membro da Bossa Nova que
afirma ter participado do movimento de 1964 apenas como “observador recuado dos
acontecimentos”, mas que havia sido contatado por Magalhães Pinto sobre a “possibilidade
de revolução”. Segundo afirma, após ter tentado “cooptar Jango”, o político “começou a
montar uma rede de contatos”. Ao mesmo tempo o governador Carlos Lacerda “também
fazia contatos no meio militar. Houve, então, duas ações bem nítidas. Uma de natureza
política e outra de natureza militar”.488
O baixo nível de comprometimento do partido com o sistema vigente foi um
elemento fundamental para que, segundo todos esses autores, a UDN optasse pela via
golpista com vistas a adotar o seu projeto de sociedade. No entanto, os militares – como
considera Benevides –, ou o complexo multinacional IPÊS/IBAD – como considera Dulci–
, acabaram por suplantar os interesses do partido nos momentos posteriores ao golpe. Uma
série de medidas que foram aplicadas contrariavam profundamente os interesses do partido
– estatização crescente da economia, bipartidarismo e reforma agrária são apenas alguns
dos exemplos que devem ser citados.489 E não se pode alegar que estas medidas foram
aplicadas porque os udenistas desconheciam os interesses dos grupos com os quais
partilharam ou sobre os quais comandaram o processo golpista. Os “agressivos jovens
militares”, termo com o qual Skidmore denomina os nacionalistas-ditatoriais, defendiam
uma maior participação do Estado na economia e um alinhamento com os Estados Unidos
que não fosse incondicional. O IPÊS defendia um projeto eminentemente industrializador
para o país.
487
MAGALHÃES, Antonio Carlos. Depoimento. In: COUTO, Ronaldo Costa. Memória viva do regime
militar – Brasil: 1964-1985. São Paulo, Record, 1999, p. 279.
488
SARNEY. José. Depoimento. In: COUTO, op. cit., p. 309.
489
Segundo Dreifuss, o Estatuto da Terra na verdade representou a aplicação de uma determinada visão de
reforma agrária. Para ele a estrutura “para a Lei básica da Reforma Agrária, que se tornou conhecida como
Estatuto da Terra”, foi baseada em orientações do IPÊS. A proposta continha um projeto de tributação
progressiva, que induziria à eliminação da grande propriedade improdutiva. Nesta foram enfatizados o
aumento da produtividade com modernização, a eliminação de “formas arcaicas de posse de terra” e a criação
de uma infra-estrutura que desse vazão a produção agrícola. Com esta reforma buscava-se também um
avanço da fronteira agrícola. Op. cit., p. 434 e 435. Também Alfred Stepan considera o conjunto de medidas
tomadas a partir da promulgação do Estatuto da Terra como “La ley de Reforma Agrária que, com “La
supressión de la mayor parte de las ligas agrarias por parte del govierno fortificó la posición de los grandes
terratenientes, eliminando presiones en direción a una reforma radical”. STEPAN, op. cit., p. 276.
191
192
490
DREIFUSS, op. cit., p. 320.
192
193
outro membro de pequenos partidos. No entanto, a grande maioria deste bloco pertencia
basicamente às duas das principais instituições partidárias do período. Em primeiro lugar
era composto basicamente por udenistas, estando o Partido Social Democrático em segundo
plano.491 Formariam uma coalizão de veto a toda e qualquer proposta que pudesse resultar
ou na modificação da Constituição, ou na efetivação das proposições reformistas do
governo Jango em sua etapa final.
Alguns autores tendem a compreender a Ação Democrática Parlamentar como um
mero instrumento nas mãos do complexo IPÊS/IBAD. Starling, Dulci e Dreifuss
encaminham-se neste sentido. Para eles, a ADP nada mais era do que “um canal
parlamentar coordenado e uma fachada política para forças sociais e grupos de ação da
direita mais sofisticados”.492 Era o grupo que desenvolvia no Congresso a ação política do
complexo empresarial IPÊS/IBAD. Liderada pelo deputado udenista João Mendes,
“estabeleceu a presença política do complexo IPÊS/IBAD no Congresso e assim permitia à
elite do bloco multinacional e associado a imiscuir-se na política nacional e a moldar a
opinião pública através de mais um importante canal”.493
O principal aspecto a respaldar a posição de Dreifuss sobre este vínculo é dado pela
presença de alguns dos participantes da ADP no IPÊS/IBAD e pelo financiamento de
campanha que o IBAD realizou para boa parte dos deputados deste bloco. Sobre estes
aspectos, o depoimento de Carlos Lacerda sobre o assunto é relevante. Considerado como
um dos principais oponentes do governo Jango, denominado por alguns como destruidor de
governos e apontado por diversos analistas do período como um dos principais
conspiradores, Lacerda assinala que o financiamento do IBAD atendeu muito mais aos
interesses de estimular a reeleição de políticos que faziam franca oposição ao governo
Jango do que outro aspecto qualquer. Sobre isso, assinala que “pessoas mais respeitáveis da
câmara” haviam “tomado aquilo como contribuição sem compromisso”. Para ele, o
dinheiro do IBAD veio de um grupo de empresas “(...) a quem esse rapaz, Hasslocher,494
convenceu que era necessário reforçar eleitoralmente e perante a opinião pública os
elementos que combatiam o comunismo, quaisquer que fossem os partidos a que
491
LAMARÃO, Sérgio. “Ação Democrática Parlamentar”. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro.
Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, pp. 24 e 25.
492
DREIFUSS, op. cit., p. 156.
493
Idem, ibidem, p. 320
494
Líder do IBAD
193
194
495
LACERDA, Carlos. Depoimento; prefácio de Ruy Mesquita, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987, 3ª ed.
496
FIGUEIREDO, Argelina C. Democracia ou reformas, op. cit., p. 174.
497
DELGADO, PTB, op. cit., p. 236.
498
SOUZA, op. cit., p. 167.
194
195
da Bossa Nova (Antonio Carlos Magalhães e Djalma Marinho) e outros que participaram,
inclusive do gabinete ministerial de 1963 (Abelardo Jurema e Pinheiro Chagas). Isto acaba
por colocar o bloco não numa situação de oposição absoluta, mas sim de oposição relativa
ao governo Jango. Um levantamento superficial feito a partir dos nomes colocados em
destaque como ativos conspiradores na sociedade política por diferentes autores indica,
nesta lista, cerca de 15 nomes, nenhum deles tendo sido citado como vinculado à ADP.
Portanto, se existiu uma articulação conspiradora dentro da ADP, que teria por objetivo
arregimentar políticos no intuito da derrubada de Jango, também pode-se assinalar que o
mesmo tipo de mobilização existiu internamente na UDN e, principalmente, sem vínculos
diretos com a ADP.
A atenção recairia, portanto, no papel organizativo da UDN e diversos aspectos
devem ser para isso considerados. A UDN apresentou-se como a principal agremiação
contrária ao sistema populista,499 sendo o principal partido a participar da Ação
Democrática Parlamentar ao longo de sua existência.500 A vitória da “Revolução” foi, mais
do que em qualquer outro partido, considerada por eles como sendo sua vitória.501 Segundo
Benevides, a UDN logrou ocupar diversos postos dentro do Governo Castelo Branco e “em
1966, 1970 e 1974, metade dos governadores ‘indiretos’ eram de origem udenista”.502
Além disto, pela perspectiva de Dreifuss, tornam-se claros dois aspectos. A UDN não era,
como considera o próprio autor, uma instância confiável para apresentar-se como canal de
representação dos interesses do bloco multinacional-associado por estar vinculada a uma
estrutura de poder de caráter populista. Segundo, existia um grau de divergência de
interesses que teria feito com que o IPÊS/IBAD procurasse uma outra instância de
representação. Logo deduz-se que, se a UDN teve o papel que se apresenta ao longo dos
governos posteriores a 1964, é porque ela colaborou de forma significativa para que o
intento “Revolucionário” se efetivasse. Mais ainda, ela esteve presente a despeito de não se
apresentar como instância de representação da elite orgânica do complexo multinacional-
associado. E isso apesar de divergir em vários aspectos da linha nacionalista-ditatorial que
499
LAMARÃO, op. cit., p. 25.
500
Fundada em 1961, a ADP foi extinta logo após o movimento de 1964. LAMARÃO, op. cit., p. 25.
501
“Como se falasse em nome da Nação, considerava-se a UDN ‘vitoriosa ao reagir contra o sistema de forças
desagregadoras que dominavam e que levariam, em curto prazo, a uma ditadura comunista”. BENEVIDES,
op.cit., p. 126.
502
BENEVIDES, op.cit., p.134.
195
196
irá se estabelecer, mesmo que de forma não hegemônica, no comando do país, nos
governos Costa e Silva e Médici. Não quero dizer com isso que a essência do regime deva
ser atribuída a perspectiva de projetos de sociedade elaborados a partir da UDN, mas tão
somente que a UDN foi a base política de sustentação do regime, assim como os militares
influenciados pela Doutrina de Segurança Nacional foram a base coercitiva de sustentação
e o complexo multinacional-associado a base de poder da nova fase em termos de
sociedade civil. Todos partilhando do poder e disputando entre si a hegemonia sem alcançá-
la a não ser momentaneamente.
A UDN, no entanto, também apresentava divisões significativas. Todos os analistas
que abordam o partido, direta ou indiretamente, têm esta percepção da existência de várias
UDN’s. Os liberais históricos, os realistas, os golpistas, a Banda de Música e a Bossa Nova
são os principais grupamentos dentro do partido. No entanto, como assinala Benevides, a
“identificação da UDN (...) com determinadas campanhas nacionais, é o que assegurava ao
partido heterogêneo a unidade e o reconhecimento, como partido político, exatamente fora
do momento eleitoral”.503 Os aspectos que ora são abordados dentro da linha de projetos de
sociedade pertencentes à UDN fazem parte de um conjunto de temas, as idéias
polarizadoras, que podem e devem ser incluídos como parte destas campanhas nacionais.
Fazem parte dos stakes, citados por Campello de Souza em sua obra, em torno dos quais se
acirrou a disputa eleitoral do período. Não analiso aqui as particularidades de cada uma
destas “UDN’s”, mas sim o aspecto que unia uma parte delas: o golpe. Desta forma, a
ênfase recai na UDN que chamo de golpista, excluindo basicamente a Bossa Nova.
503
Idem, ibidem, p. 173.
196
197
Caracterizando as fontes
Com o objetivo de melhor identificar a posição geral do partido quanto às idéias
polarizadoras – a ampliação/restrição da participação política, a política externa a ser
encaminhada pelo país, a questão social e o projeto desenvolvimentista –, utilizo
fundamentalmente dois periódicos: a Tribuna da Imprensa e O Estado de S. Paulo. Embora
de caráter restrito, pois limitavam sua circulação ao nível estadual, os dois periódicos
buscavam abordar temas de significativa importância nacional. Além disso, eram
publicados em centros que tinham um peso significativo para a conjuntura política do país
uma vez que São Paulo apresentava-se como o principal centro econômico da nação e a
“cidade-estado” do Rio de Janeiro ainda continha parte significativa do corpo burocrático
nacional.
Os dois jornais foram escolhidos em função de apresentarem um posicionamento
francamente anti-reformista e favorável à UDN. O Estado de S. Paulo, dirigido por Júlio
Mesquita Filho era considerado, inclusive, como um jornal udenista. Para Benevides, “além
da tradição antigetulista, expressava aquilo que poderia significar o ‘liberalismo restritivo’
dos bacharéis [da UDN] paulistas”.504 Considera que os editoriais do periódico
apresentavam corriqueiramente algumas posições da retórica udenista dentre as quais a
defesa da propriedade privada e a condenação da hegemonia estatal na economia. Neste
sentido pode-se apresentar o jornal como representativo de uma importante parcela da
UDN: a paulista. Segundo Benevides o jornal é “especialmente relevante para a análise da
herança liberal da UDN”. Citando Fernando Henrique Cardoso, assinala que nenhum
“outro núcleo de opinião expressou melhor, na época, a tendência paulista da UDN” do que
este jornal. Apesar de eleitoralmente fraca, esta seção do partido “era forte em termos de
notáveis”.505 Deve-se levar em consideração também o peso que o jornal exercia junto à
opinião pública não somente paulista, mas do Brasil como um todo.
Já a Tribuna da Imprensa apresentava-se, a princípio, com um grau de
representatividade menor que O Estado de S. Paulo. Espelhava uma fração menor da UDN
pois era o “porta-voz ativo e influente” da linha lacerdista do partido, mesmo após Lacerda
504
Idem, ibidem, p.237.
505
Idem, ibidem, p. 236.
197
198
não ser mais seu proprietário.506 Apesar destas limitações, deve-se assinalar que o
lacerdismo exerceu influência significativa sobre o partido principalmente na década de 60,
período em que centro minhas análises. Segundo Dulci, a corrente “tornou-se hegemônica
dentro do partido, emprestando à UDN sua imagem final direitista, que a História e as
crônicas políticas costumam registrar”.507 Além disso, mesmo priorizando a UDN e não a
Ação Democrática Parlamentar como o efetivo centro catalisador na sociedade política, não
se pode desconsiderá-la em sua função desestabilizadora do regime vigente. A título de
exemplo tem-se que, dos 35 deputados (federais e estaduais) e senadores, citados por
Dreifuss como pertencentes à UDN e vinculados à ADP, nada menos do que um terço
pertencia à UDN da Guanabara e estava ou sob a liderança de Lacerda ou o tinha como
referencial dentro do partido. Na Banda de Música, os cariocas, junto com os mineiros,
eram os principais integrantes.508 Além disso, a UDN da Guanabara era considerada forte
em termos eleitorais e políticos.509 Neste sentido, considero que a utilização da análise dos
editoriais destes dois periódicos é de fundamental importância para a compreensão de um
perfil do partido que se apresentou majoritário ao longo da década de 1960.
Outro periódico utilizado aqui é a Revista Maquis. Este, dirigido por Amaral Neto,
outro udenista, possuía fortes vínculos com o lacerdismo e havia fundado o Clube da
Lanterna na década de 1950. Quanto à revista, também é considerada por Benevides como
um periódico notoriamente udenista,510 o que pode ser observado pela participação de um
importante membro do partido – Eliomar Baleeiro. Lacerda assinala que a mesma
506
Idem, ibidem, p. 29. A autora utiliza como referência uma citação do próprio Lacerda: “Eu queria evitar
muito que a Tribuna da Imprensa fosse um órgão da UDN até porque isso era impossível; a UDN não podia
ter um órgão – a UDN era uma maçaroca de tendências, as mais diversas, impossíveis de exprimir num só
jornal. Sobretudo porque esse jornal exprimia muito mais as minhas tendências do que as tendências da UDN.
Quer dizer, sempre me senti na UDN (...), mas sempre me senti meio como uma excrescência na UDN (...)”.
In: Depoimentos, op. cit., p. 128.
507
DULCI, op. cit., p. 38. Afirma também o autor sobre o lacerdismo que era um setor que “formava uma
nítida maioria” e suas propostas de endurecimento do embate político foram vitoriosas na XIV Convenção
Nacional da UDN. pp. 188 e 189. Benevides por sua vez assinala que Lacerda e seus simpatizantes “tenderão
cada vez mais para uma posição à direita dos demais partidos”, op. cit., p. 116.
508
BENEVIDES, op. cit., p. 231.
509
Idem, ibidem, p. 230
510
Idem, ibidem, p. 229.
198
199
511
LACERDA, Depoimento, op. cit., p. 202.
512
Algumas ressalvas poderiam ser feitas à revista pelo fato de contar com membros que foram identificados
por Dreifuss como participantes do IBAD, tais como Gladstone Chaves de Melo, que em 1962 passou a
redator da revista Ação Democrática, e também de seu irmão, Gabriel Chaves de Melo, membro da ADP. No
entanto, a mesma foi utilizada aqui apenas como fonte complementar.
513
Da lista de membros da UDN que participaram da ADP temos: Adauto Lúcio Cardoso (UDN -
Guanabara), Aguinaldo Costa (UDN - Guanabara), Alde Sampaio (UDN - Pernambuco), Amaral Neto (UDN
- Guanabara), Antônio Carlos Konder Reis (UDN - Santa Catarina), Antônio Carlos Magalhães (UDN-
Bahia), Carneiro Loyola (UDN - Santa Catarina), Celso Franco (UDN - Santa Catarina), Coronel Danilo
Nunes (UDN - Guanabara), Costa Lima (UDN - Ceará), Dias Lima (UDN - Pernambuco), Djalma Marinho
(UDN - Rio Grande do Norte), Elias de Souza Carmo (UDN - Minas Gerais ), Emival Caiado (UDN - Goiás),
Ernâni Sátiro (UDN - Paraíba), Eurípides Cardoso de Menezes (UDN - Guanabara), General Juracy
Magalhães (UDN - Guanabara), General Menezes Cortes (UDN - Guanabara), Geraldo Freire (UDN - Minas
Gerais), Hamilton Nogueira (UDN - Guanabara), Herbert Levy (UDN - São Paulo), Jaime Araújo (UDN -
Amazonas), João Agripino (UDN - Paraíba), João Mendes (UDN - Bahia), José Bonifácio (UDN - Minas
Gerais, integrante da Banda de Música e defensor do AI-5 segundo Benevides), José Humberto (UDN -
Minas Gerais), Laerte Vieira (UDN - Santa Catarina), Leopoldo Maciel (UDN- Minas Gerais ), Lourival
Batista (UDN - Sergipe), Maurício Joppert (UDN - Guanabara), Monteiro de Castro (UDN - Minas Gerais ),
Othon Mader (UDN-Paraná), Pedro Aleixo (UDN - Minas Gerais), Pereira Pinto (UDN - Rio de Janeiro),
Raimundo de Brito (UDN - Guanabara), Raul Brunini (UDN - Guanabara), Raymundo Padilha (UDN - Rio
de Janeiro), Rondon Pacheco (UDN - Minas Gerais ).
514
Bilac Pinto, conspirador desde 1963 e participante da Banda de Música; Daniel Krieger, segundo
Benevides conspirador desde 1963; Paulo Sarasate, conspirador desde 1963; Magalhães Pinto, conspirador
desde 1963 e membro do grupo realista; Aliomar Baleeiro, conspirador desde 1962 e participante da Banda
de Música; Abreu Sodré, conspirador desde 1962; Rafael Noschese, integrante da direção nacional da UDN e
conspirador; Oscar Klabin, integrante da direção nacional da UDN e conspirador; Fábio Yassuda, integrante
da direção nacional da UDN e conspirador; João Arruda; Costa Cavalcanti; Monteiro de Castro; Luis
199
200
Cavalcanti; Poty de Medeiros; Correia da Costa e Cid Sampaio. As informações sobre este grupo de
conspiradores foi obtida em DULCI, op. cit., pp. 196 e 199; e em BENEVIDES, op. cit., pp. 127 e 232.
515
BENEVIDES, op. cit., p. 181.
200
201
O anticomunismo udenista
Alguns historiadores consideram que o antigetulismo foi uma das principais marcas
da União Democrática Nacional ao longo de toda a sua vida. Boa parte deles entende que
esta característica seria um dos principais aspectos a motivar não somente a parcela da
UDN que se articulou em torno do golpe de 1964 mas também os militares influenciados
pela DSN e o complexo multinacional-associado do IPÊS/IBAD. Estou inclinado a
considerar que estas observações estão, apenas em parte, corretas.
Sem sombra de dúvidas os udenistas eram os mais antigetulistas dentre os partidos
do período 45-64. Este aspecto estaria na raiz da sua própria origem. Formado inicialmente
como uma frente que reunia os principais opositores de Getúlio Vargas na instância
política, a UDN contava com participantes que iam da esquerda democrática até a extrema-
direita e, apesar de sua diversidade ideológica, o que os unia era justamente este sentimento
de repulsa a Getúlio Vargas e ao getulismo. Sem sombra de dúvida, também, os udenistas
eram os mais antigetulistas dentre os três principais centros catalisadores do golpe de 1964.
Não observo, por exemplo, praticamente nenhuma citação ou abordagem antigetulista
presente na documentação, por mim analisada, produzida pelos militares influenciados pela
Doutrina de Segurança Nacional os quais se opunham de alguma forma ao governo Jango.
O mesmo pode ser observado quanto à documentação produzida pelo complexo
multinacional-associado IPÊS/IBAD. Conscientes da penetração que o getulismo possuía
em meio as camadas mais pobres da sociedade os intelectuais orgânicos do IPÊS buscaram
mesmo utilizar essa influência em benefício próprio. Em documentário intitulado Depende
de mim, organizado pelo IPÊS e com a colaboração do produtor Jean Mazon e da Atlântida
Filmes, são apresentadas imagens da Hungria e o narrador assinala que lá o povo preferiu a
resistência na luta pelo restabelecimento do regime democrático contra a opressão
totalitária. Buscando assinalar que a liberdade democrática e o exercício do voto estariam
em perigo naquele momento no Brasil, o documentário procura valorizar a importância de
cada indivíduo para o exercício do voto, apelando (pasmem!) para as palavras de Getúlio
Vargas. O documentário apresenta que Vargas havia, certa vez, afirmado que “Amigos
serão todos que me seguirem na defesa do Brasil, e parentes todos que pertencem à grande
201
202
família cristã que o comunismo pretende destruir”.516 Fora este momento, praticamente não
encontrei nenhuma referência negativa direta a Vargas ou ao getulismo.
No entanto, com a UDN a situação era diferente. O antigetulismo era uma marca
indelével do partido e razão de sua própria existência enquanto Getúlio Vargas foi vivo.
Mesmo após a sua morte, os udenistas buscavam enfocar suas críticas principalmente
naqueles que seriam os dois grandes herdeiros do getulismo: Juscelino e Jango. No entanto,
considero que, principalmente, na primeira metade da década de 60 o antigetulismo abriu
espaço para outra idéia-força: o anticomunismo. Não que a negação a tudo aquilo que, de
alguma forma, lembrasse o que a UDN considerava como a herança negativa da tradição
varguista (e ela considerava quase tudo que lembrasse Vargas desta forma) estivesse
ausente do discurso udenista. Só que este acabou por ocupar uma posição senão secundária
pelo menos no mesmo plano frente às preocupações do partido com o comunismo.
A título de exemplo, observe-se os programas partidários de 1945 e 1957, mais
especificamente os tópicos referentes à democracia. O programa de 1945 assinala que a
“União Democrática Nacional preconiza e apóia um processo de democratização do Brasil,
de fim construtivo e social (...)” e interpretando “as correntes que a compõem (...) delineia a
reestruturação destinada a alcançar estes objetivos”. Esperavam os udenistas de 1945
alcançar a democracia pelo “exercício efetivo das liberdades que lhes são inerentes – de
pensamento em todas as suas formas de manifestação”.517 É obvio que, dentro do contexto
interno da sociedade brasileira, a ênfase na defesa da democracia referia-se à negação de
tudo que estivesse vinculado ao sistema político getulista. É obvio também que o próprio
contexto nacional e internacional contribuíam para que o anticomunismo não tivesse
referência neste programa. A mudança da conjuntura internacional (Guerra Fria) e da
composição interna do partido contribuíram para uma mudança gradativa de postura. A
própria posição dos udenistas frente à cassação dos mandatos de parlamentares comunistas
mostra que esta mudança foi gradual. Boa parte, embora não a maioria, votou
contrariamente a este expediente. Ao longo de fins dos anos 40 e por boa parte da década
516
Depende de mim. Arquivo Nacional, Seção de Documentos Sonoros e de imagens em Movimento. O filme
se dirige a diferentes categorias de trabalhadores como pedreiros, tintureiros, sapateiros, carpinteiros,
aeronautas, agricultores e outros, demonstrando que do voto de todos depende a manutenção da democracia,
da liberdade e da defesa das tradições cristãs.
517
Programa Partidário de 1945 da União Democrática Nacional. Arquivo UDN do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro.
202
203
518
Programa Partidário de 1957 da União Democrática Nacional. Arquivo UDN do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro.
519
Editorial. “Ganhar a guerra contra a revolução”. A Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro dias 09 e 10 de
maio de 1964.
520
Seção Notas e Informações. “ Subversão em marcha”. In: O Estado de S. Paulo, de 02 de março de 1962.
203
204
521
LACERDA, Depoimentos, op. cit., p. 122.
522
Seção Notas e Informações. “Infiltração comunista”. In: O Estado de S. Paulo, de 17 de setembro de 1961.
523
LACERDA, op. cit., p. 129.
204
205
524
Seção Notas e Informações. “CGT (peronista) ao arrepio da lei”. In: O Estado de S. Paulo, de 05 de abril
de 1963.
525
Seção Notas e Informações. “Fascismo versus comunismo”. In: O Estado de S. Paulo, de 16 de janeiro de
1962.
526
“ Subversão em marcha”, op. cit.
527
Idem, ibidem.
205
206
528
Seção Notas e Informações. “A nova encíclica social”. In: O Estado de S. Paulo, de 14 de julho de 1961.
529
“Infiltração comunista”, op. cit.
530
Seção Notas e Informações “A última tentativa”. In: O Estado de S. Paulo, de 15 de maio de 1962.
531
Seção Notas e Informações. “Os dois caminhos”. In: O Estado de S. Paulo, de 28 de outubro de 1961.
532
“Infiltração comunista”, op. cit.
533
DULCI, op. cit., p. 203.
534
BENEVIDES, op. cit., p. 124.
206
207
pensamento católico ao estudo das sociedades ocidentais”.535 Mas isto não estava
ocorrendo. Tanto que alguns “desertores da fé cristã” agiam dentro da própria Igreja,
causando a confusão e abrindo as suas portas “à influência do materialismo histórico”. No
entanto, a alta hierarquia estava aplicada em denunciar a posição destes “desertores” e
apresentava-se como “a última barreira que a Nação pode oferecer à revolução comunista
em marcha”.536
O confronto entre a Igreja e o comunismo não se apresentava como algo novo. O
embate já se travava desde o século XIX, quando o “profeta europeu” do materialismo
histórico iniciava sua pregação. A Igreja Católica buscava, já aí, apresentar que o
desenvolvimento das sociedades deveria se dar de forma pacífica e harmoniosa, com base
no humanitarismo que “em todos os tempos caracteriza a Igreja do Cristo” e que os partidos
comunistas, as “potências das trevas” tanto empenhavam-se em destruir. Neste sentido,
“nenhuma conciliação é possível entre comunismo e religião”.537 Existiam formas
superiores de desenvolvimento que negavam a violência como instrumento fundamental a
obtê-las e o Vaticano empenhava-se na sua propagação com uma série de encíclicas que
teriam culminado com a publicação de Mater et Magistra.538 A evolução social de caráter
harmonioso contou com a contribuição decisiva da “consciência cristã” e é um
“(...) fato indiscutível da história que a intervenção do Papa Leão XIII na evolução
social das sociedades industrializadas da Europa foi um dos fatores que mais
decisivamente impediram a realização das previsões e utopias marxistas e
remediaram as injustiças do incipiente e voraz protocapitalismo dos meados do
século XIX”.539
535
Seção Notas e Informações. “O pensamento do Sr. Celso Furtado e o comunismo”. In: O Estado de S.
Paulo, de 05 de maio de 1963.
536
Seção Notas e Informações . “ Contra a Igreja e a Constituição”. In: O Estado de S. Paulo, de 18 de
dezembro de 1962.
537
Idem, ibidem.
538
As encíclicas são Rerum Novarum (Leão XIII - 1891) e Quadragésimo Anno (Pio XI - 1931). A encíclica
Mater et Magistra, que culminaria esta série de encíclicas em defesa da propriedade privada, foi publicada em
1961 e foi também amplamente utilizada na propaganda do IPÊS.
207
208
Já foi falado aqui da oposição que a direita política da UDN fazia entre democracia
e comunismo. Quanto à questão da propriedade privada também a Igreja fazia a sua defesa
intransigente desde o século XIX com a encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Também
aqui, como nos outros grupos, assinala-se a relação existente entre liberdade política e
liberdade econômica. A propriedade privada era considerada como um princípio básico
sobre o qual “repousa toda a estrutura social que, desde a Grécia e a Roma republicana até
aos nossos dias, constitui o fundamento da quase totalidade, senão da totalidade, das nações
ocidentais”.540
Concebida, “por todos nós liberais”, como um “fato social espontâneo inerente a
determinado estágio superior da vida civilizada” a propriedade privada “independe da
vontade do homem para existir”. Entender a propriedade privada de outra forma é adotar
um “humanismo em visceral oposição àquele que constitui a essência da formação
intelectual tanto dos liberais-democratas como de todos quantos obedecem aos
ensinamentos da Igreja Católica”.541 Neste sentido, encará-la “como simples instrumento a
serviço da vontade do homem equivale a varrer da história da evolução dos grupos sociais,
que tiveram por epicentro o Mediterrâneo, a sua característica específica”.542 Além disto,
possibilitaria o privilégio do Estado sobre o indivíduo, a capacidade deste em se apropriar
de todos os bens de produção e, assim, chegar-se ao comunismo. Isto evitaria que o Brasil
guardasse as mesmas características do bloco mundial em função das quais chegou a um
estágio de superioridade sobre o mundo oriental, sobre o mundo comunista.
Não era à toa que o ódio dedicado aos comunistas também se dirigia contra os
nacionalistas, “inocentes úteis” nas mãos dos primeiros. Existiam situações em que os
comunistas preferiam ocupar o governo através de uma ação indireta, de forma a não
ficarem expostos à ação da polícia. Os nacionalistas apresentavam-se como perfeitamente
adaptados aos interesses comunistas. Primeiro porque possibilitavam um passo inicial na
direção da construção de um Estado totalitário, na medida em que defendiam a estatização
da economia. Com a nacionalização dos bens de produção “passaria o Estado a faculdade
de distribui-los, o que em bom português significaria, no Brasil como alhures, a
539
“A nova encíclica social”, op. cit.
540
“O pensamento do Sr. Celso Furtado e o comunismo”, op. cit.
541
Idem, ibidem.
542
Idem, ibidem.
208
209
543
Idem, ibidem.
544
Editorial. “Propósito infeliz”. A Tribuna da Imprensa, 12 de março de 1961.
545
“ Os dois caminhos”, op. cit.
209
210
546
Mensagem de Carlos Lacerda à convenção da UDN em 29.04.1961, p. 2. Arquivo UDN do IHGB
547
A Bossa Nova, no Congresso Nacional, era composta pelos seguintes participantes: Adolfo Oliveira, José
Carlos Guerra, Celso Passos, Tourinho Dantas, Ferro Costa, Edison Garcia, Francelino Pereira, WilsoBarbosa
Martins, Gil Veloso, Costa Lima, Arnaldo Nogueira, Djalma Marinho, Wilson Falcão, José Meira, Pedro
Braga, Flaviano Ribeiro, Pereira Lúcio, José Aparecido, Horácio Bethonico, Oscar Pedroso, Vital do Rego,
José Sarney e Simão da Cunha. Apresentava propostas de caráter reformista e nacionalista. Arquivo UDN,
IHGB.
210
211
548
BENEVIDES, op. cit., p. 173.
549
Recomendação da UDN de Curitiba de apoio a seus representantes na Câmara dos Deputados e Senado.
14ª Convenção Nacional da UDN. Curitiba, 1963. Arquivo UDN do IHGB. Ver também: Editorial.
Unificação cambial e liberdade econômica. OESP, de 15 de março de 1961.
211
212
550
Editorial. “Reforma Agrária”. Tribuna da Imprensa, 25 de janeiro de 1962.
551
Seção Notas e Informações. “Os dois caminhos”. In: O Estado de S. Paulo, de 28 de novembro de 1961.
552
Editorial. “Recomeço”. Tribuna da Imprensa, 01 de fevereiro de 1962.
212
213
Além disto, a tentativa de controle da remessa de lucros para o exterior era obra
subversiva uma vez que defendida diretamente pelos mesmos que aprovavam o reatamento
de relações econômicas e diplomáticas com países comunistas.553
De outro lado, o Estado também buscava apresentar-se cada vez mais como um
empreendedor. A prática de crescente estatismo e a difusão desta mentalidade ameaçava
diretamente a sobrevivência de todo o sistema de iniciativa privada. Para Raimundo
Padilha, isto era decorrente de uma filosofia na qual o Estado brasileiro “resolveu ser
comerciante, industrial, empreendedor em suma” e tinha por proposta continuar “intervindo
indefinidamente até chegar aos 30% sobre o produto nacional, que é a contribuição
brasileira à obra, à filosofia da estatização nacional neste instante”.554 Segundo Geraldo
Freire,555 existia “um perigo de estatização geral no país”.556 O passo seguinte seria a
socialização dos bens de produção e o comunismo.
O estatismo era fruto de uma mentalidade antieconômica ocasionada pela ausência
de uma “economia ativa e em plena evolução” em partes do país que possuíam
representação significativa no Congresso Brasileiro.557 O Estado, segundo o deputado
Padilha, pretendia apresentar-se como empreendedor para atender aos anseios de
industrialização acelerada. Esta política industrializante seria resultado direto de uma
prática cada vez mais intervencionista que tinha por objetivo a concretização da filosofia
nacionalista.
O que seria o nacionalismo na ótica deste grupo? Seria uma filosofia propagada
pelos comunistas com o intuito dedisseminar, de forma dissimulada, a confusão na
sociedade a partir do estabelecimento de uma falsa oposição entre os interesses nacionais e
o interesse do principal parceiro brasileiro: os Estados Unidos da América.
Neste sentido, observam-se considerações sobre o nacionalismo que o entendiam
como uma doutrina totalitária pois colocava “a nação acima de tudo” quando, na
perspectiva de Lacerda, ela estava “abaixo da Pátria e até está abaixo do Homem”.558 O
553
Editorial. “Forças Armadas dizem não ao esquerdismo”. In: Revista Maquis, de 06 de janeiro de 1962, pp.
22 a 24.
554
PADILHA, Raimundo. Discurso. ACD. Deputado udenista pelo Rio de Janeiro e ex-secretário-geral do
partido, sendo também membro da ADP.
555
Udenista de Minas Gerais e participante da ADP.
556
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD. Membro da UDN de Minas Gerais e participante da ADP.
557
Seção Notas e informações. “A lição da Inglaterra”. In: O Estado de S. Paulo, de 16 de maio de 1961.
558
Mensagem de Carlos Lacerda à convenção da UDN, op. cit.
213
214
559
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD. Membro da UDN da Guanabara e participante da ADP.
560
Edtorial. “Fidel persegue hoje seu grande aliado de ontem: a Igreja”. In: Revista Maquis, n° 224, de 14 de
outubro de 1961, pp. 22 a 24
561
“O pensamento do Sr. Celso Furtado e o comunismo”, op. cit.
562
Carta de princípios da União democrática Nacional de 20 de fevereiro de 1962. Arquivo UDN do IHGB.
Aprovada pelo Diretório Nacional. Segundo Herbert Levy, presidente do partido neste momento, a Carta de
princípios tinha por objetivo deixar “bem delineada a posição da UDN frente ao próximo pleito e aos grandes
problemas nacionais”. In: Revista Maquis, n° 237, de 13 de janeiro de 1962, p 5.
563
Manifesto de Brasília, op. cit.
214
215
nação, o Congresso se levantem para dar um basta a estes homens que tudo
submetem aos seus caprichos e as suas ambições?”.564
564
LEVY, Herbert. Discurso. ACD. Deputado Federal pela UDN, conspirador de início segundo Dulci, op.
cit., p. 199. Presidente do partido a partir de 1961, segundo Benevides era da linha lacerdista (op. cit., p.
115). Vinculado ao IBAD em São Paulo (segundo a mesma autora, p. 127).
565
PADILHA, Raimundo. Discurso. ACD.
566
SAMPAIO, Alde. Em apartes sobre a política econômica emissionista encaminhada pelo governo. ACD.
Membro da UDN pernambucana e participante da ADP.
215
216
A estabilização da moeda seria o primeiro passo a ser seguido para que qualquer
tipo de reforma fosse implementada. Para alcançá-la fazia-se necessário acabar com a
política emissionista do governo e implementar a austeridade no gerenciamento
governamental. Isto seria obtido, num primeiro passo, através da diminuição de seu papel
como agente interventor. A desestatização da economia era condição sine qua non para a
567
PADILHA, op. cit. Ver também: Editorial. “Ganhar a Guerra com a Revolução”. Tribuna da Imprensa, 09
e 10 de maio de 1964.
568
BENEVIDES, op. cit., p. 204.
569
Carta de Princípios..., op. cit.
570
PADILHA, Raimundo. Discurso. ACD.
216
217
diminuição das emissões de papel moeda nos níveis em que o país se encontrava. Da
mesma forma, os subsídios direitos e indiretos deveriam ser redistribuídos para o conjunto
da economia nacional e não serem destinados apenas para uma pequena parcela do sistema
produtivo.
Acompanhando esta correção de rumos, estaria o estabelecimento de um novo
relacionamento em relação ao capital internacional, dispensando um igual tratamento em
relação ao capital nacional como bem assinala a Carta de Princípios de 1962. Aliás, o
próprio conceito de capital internacional deveria ser revisto. Como poderia ser concebido
como “estrangeiro um capital que se aplica em empresas brasileiras e de acordo com leis
brasileiras”.571 Um tratamento similar devolveria a segurança ao mercado os dólares, que
teriam fugido do país diante da crescente presença de mecanismos de controle que
inviabilizavam o livre-comércio.
Além disto, o capital internacional concorria diretamente para o processo de
industrialização do país. Sua entrada possibilitava o equilíbrio do balanço de pagamentos e
a continuidade do desenvolvimento econômico do país pois viabilizaria a capacidade
brasileira de importar tecnologia. O capital internacional não deveria ser visto com
desconfiança, já que ele não representava nada mais do que a contrapartida norte-americana
ao alinhamento brasileiro na luta contra o comunismo. Era isto que precisava ser
compreendido pela sociedade brasileira e pelos falsos nacionalistas, que buscavam
apresentar a oposição entre defensores e opositores da entrada deste capital como uma luta
entre nacionalistas e entreguistas. Nada mais falso e equivocado, diziam.
Neste sentido, a maior parte da UDN de extrema-direita proclamava claramente a
sua negação a uma “ideologia nacionalista” mas também negavam-se a pecha de
“entreguistas”. O nacionalismo era fator de conflitos, ideologia totalitária, arma
anticapitalista que afastava o país dos seus principais parceiros internacionais.
Consideravam-se “patriotas” pois era o patriotismo que se apresentava como a base pela
qual seria obtido o impulso a “afirmação nacional”. Era o que consideravam figuras
importantes da UDN, tais como Carlos Lacerda, Geraldo Freire, Pedro Aleixo e Hamilton
Nogueira, dentre outros. Para eles, a independência nacional afirmava-se
concomitantemente à uma interdependência das nações.
217
218
“Mas haverá, Senhores, uma política independente no mundo hoje, a não ser num
vago país habitado por Robinson Crusoé? Haverá, porventura, neste mundo de hoje,
senão uma reciprocidade de relações que torna cada país dependente de outro país, e
numa dependência que tanto mais cresce quanto maior é esse país, por conseguinte
na razão direta de sua própria força? Em conseqüência, a política de independência
se transforma em política de interdependência internacional, a provar a verdade de
que os povos se irmanam e marcham para a realização de objetivos comuns de paz
mundial572.”
O igual tratamento entre capital nacional e internacional era uma medida imperiosa
com vistas a reafirmar esta interdependência. Na medida em que o país consolidasse sua
posição de importância no cenário internacional fazia-se necessário a ampliação dos
vínculos com a comunidade internacional, principalmente com aquelas nações que
apresentavam objetivos e metas comuns.
O capital internacional representava uma soma de recursos que contribuiria
positivamente para a economia nacional. Para justificar tal posicionamento apresentavam
uma série de outros argumentos. Era este capital que possibilitaria a livre concorrência e
eliminaria a presença de monopólios, resultantes da carência de capital na economia
nacional. Ao mesmo tempo adequaria a capacidade econômica do Brasil ao crescimento
demográfico que pressionava cada vez mais a economia brasileira para ampliar suas ofertas
ao mercado consumidor interno.
Por último, ao liberar-se a circulação de capital internacional no Brasil, viabilizaria-
se a ampliação da oferta de dólar, que, por sua vez, estimularia uma diminuição da pressão
pela procura desta e contribuiria para uma relação mais justa entre a moeda nacional e a
moeda estrangeira, resultando, assim, em um maior controle da inflação
Não era, portanto, a ação do Estado na economia, regulando a circulação de capital
estrangeiro, que deteria a inflação e reafirmaria as possibilidades de liberdade econômica
que eram fundamentais para a manutenção dos princípios democráticos. Essas medidas
teriam ainda por significado a primazia da propriedade privada sobre a ação estatal na
organização da ordem econômica. Afinal, era a propriedade privada, de origem nacional ou
internacional, que com seu esforço criador proporcionaria o aumento do volume geral de
riquezas do país e o levaria ao desenvolvimento econômico.
571
Seção Notas e Informações. “Capital estrangeiro e economia nacional”. In: O Estado de S. Paulo, de 18 de
agosto de 1961.
218
219
572
PADILHA, Raimundo. Discurso. ACD
573
HUMBERTO, José. Discurso. ACD. Membro da UDN de Minas Gerais e participante da ADP.
574
Seção Notas e Informações. “Mentalidade agrícola”. In: O Estado de S. Paulo, de 01 de maio de 1962.
219
220
Outros fatores também deveriam ser efetivados com tais objetivos. A educação da
população rural contribuiria para uma maior rentabilidade, uma vez que a tornaria apta a
adotar as novas técnicas de produção. A chave do problema não estaria na reforma agrária
preconizada pelo governo, mas sim numa reforma agrária que concedesse mais
possibilidades para o aumento da produção campesina em sua capacidade de exportação. A
reforma agrária, tal como idealizada pelo governo, com desapropriações, em que as
indenizações fossem pagas com títulos públicos com baixo nível de correção, e em que a
prioridade estivesse localizada fora do objetivo de criação de uma classe média rural forte,
representava, segundo concebiam, única e exclusivamente a estatização do meio rural.
O fundamental para o desenvolvimento industrial seria a criação de condições
mínimas para a retomada da produção agrícola com ajuda governamental, sem
intervencionismo direto, e o aumento das exportações para viabilizar a importação daquilo
575
COSTA, Corrêa. Discurso. ACD.
220
221
que fosse necessário para o processo de industrialização. Mesmo porque era a “produção
agrícola, que sustenta a economia nacional”.576 Complementando este quadro, haveria a
necessidade de uma mudança de mentalidade acerca da natureza do desenvolvimento a ser
alcançado pelo país. As causas do subdesenvolvimento estavam também na corrupção e na
imoralidade do sistema político. Neste sentido, a UDN busca resgatar novamente a questão
da moralidade como bandeira de mobilização. Raimundo Padilha perguntava-se:
“O subdesenvolvimento é apenas de ordem material? (...) Não haverá outros fatores
de apreciação no cálculo, na estimativa do desenvolvimento de um povo, de uma
nação?
Querem ver um elemento de subdesenvolvimento? A amoralidade ou a
imoralidade do político. O político amoral ou imoral (...) que não se aplica ao
interesse supremo do seu país é um ser subdesenvolvido, é um traço do
subdesenvolvimento mais importante do que a falta de qualquer Furnas, de
qualquer Três Marias, neste Brasil, porque esse indivíduo tem uma capacidade
impulsora, uma capacidade influenciadora no sentido negativo, capaz de subverter a
ordem, até as normas do raciocínio elementar, do raciocínio normal. (...) há outros
elementos de superação extra-econômica, extra-quantitativa, que entrando no
chamado circuito, vão operar o desenvolvimento nacional, vão interferir nesse
desenvolvimento . (...)
(...) Esses critérios de aferição não chegaram, até agora, ao conhecimento
(...) dos teóricos do desenvolvimento à outrance. Então temos de marchar para as
intervenções absolutas. Pouco nos quisermos impressionar com os efeitos dessas
intervenções. O custo de vida (...). Os subsídios. O protecionismo estatal da
economia, o estado empresarial”.577
576
14ª Convenção Nacional da UDN – Curitiba 1963. Recomendação de apoio a seus representantes na
Câmara dos Deputados e Senado.
577
PADILHA, Raimundo. Discurso. ACD.
578
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD.
579
Seção Assuntos Econômicos. “Exportação e economia: paralelo URSS-Brasil”. In: O Estado de S. Paulo,
de 02 de maio de 1961.
221
222
580
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD.
581
HUMBERTO, José. Discurso. ACD.
222
223
582
Carta de princípios..., op. cit.
583
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD.
584
DULCE, op. cit., pp 41 e 216.
223
224
estratégia da UDN, colocada em prática devido às suas sucessivas derrotas eleitorais, foi a
de tentar “consertar o erro” cometido pelo povo através da anulação dos resultados
eleitorais. Segundo Benevides, esta estratégia apresentou-se presente de longa data, já a
partir da reeleição de Vargas em 1950, quando teve “início o primeiro ato de uma
encenação que se tornaria rotina na prática udenista: a contestação dos resultados eleitorais”
com a justificativa de que Vargas, e o candidato que o sucedeu nas vitórias diante da UDN,
não haviam conseguido maioria absoluta.585
Mas o resultado eleitoral era apenas a ponta do iceberg. Raimundo Padilha, por
exemplo, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, assinalava que as questões
políticas e econômicas estavam diretamente entrelaçadas. Como pode ser observado em
citação anterior, Padilha indica que a amoralidade ou imoralidade política era um elemento
chave que mesmo não fazendo parte do circuito econômico se apresentava como um fator
fundamental para o subdesenvolvimento do país, elementos
“que vão atuar no desenvolvimento da pessoa e criando, desse modo, ao lado
daquelas situações econômicas até então insuportáveis e inevitáveis, novas e
renovadoras condições que possibilitem a criação do ambiente, da atmosfera não
apenas material, mas moral, dentro da qual haverá progresso do povo”.586
585
BENEVIDES, op. cit., pp. 82, 83 e 96.
586
PADILHA, Raimundo, op. cit.
224
225
empreguismo”.587 Este, enfim, era o sistema pelo qual funcionava o peronismo, o projeto
de República Sindicalista, o caudilhismo, ou qualquer que fosse sua denominação, que
propiciava a hegemonia crescente do PTB.
Estes adjetivos qualificavam o projeto político do Partido Trabalhista Brasileiro,
segundo os udenistas. Para eles, o partido em questão postulava a consolidação de seu
poder na manipulação dos sindicatos, visando o benefícios de poucos com o
estabelecimento de um governo de exceção de direita. Esta era a base da política
caudilhesca encaminhada pelo principal exponente do PTB – Jango –, o presidente que
incitava “os trabalhadores às greves, a paralisarem as suas atividades, criarem o caos
econômico, fomentarem a desordem para assim ter aquele governo um caldo de cultura que
possibilite a transformação do regime em que vivemos numa República Sindicalista”588 e,
por desdobramento, o seu continuismo.
No entanto, cada vez mais o projeto do PTB contribuía para a disseminação das
hordas comunistas no país. A desestabilização da economia e da vida política, cada vez
mais crescentes, favoreciam a disseminação dessa doutrina. Lacerda, por exemplo, observa
em seu Depoimento que reconhecia que Vargas não era comunista. Mas a consecução de
sua linha por políticos que não tinham sua “genialidade” era um risco ainda maior visto que
a fragilidade destes políticos contribuía para a afirmação, no meio do caos, do comunismo.
Os comunistas, por sua vez, colocavam-se ao lado de Jango com o intuito de
realizar a política do “quanto pior, melhor”. Inclusive os udenistas acreditavam cada vez
mais que a sua principal preocupação não seria exclusivamente o perigo de reedição do
peronismo no Brasil, mas sim de que o comunismo viesse a se instalar aqui, aspecto já
assinalado neste trabalho. A mensagem de Carlos Lacerda à convenção da UDN ainda em
1961 pode ser indicada como um dos primeiros momentos onde esta transição apresenta-se
demarcada. Lacerda chama o partido a cerrar fileiras contra as ideologias que pudessem
aprisionar a sociedade: falava diretamente do comunismo. A Proclamação da UDN, de
1964, apresentava-se como uma convocação dos “democratas para a luta contra o
comunismo”, segundo Pedro Aleixo,589 Boa parte das principais lideranças do partido
também ia no mesmo sentido. Na verdade, se observado atentamente, chega-se à conclusão
587
Editorial. “Em perigo a Revolução”. Tribuna da Imprensa,de 18 de maio de 1964.
588
VIEIRA, Laerte. Discurso. ACD. Membro da UDN de Santa Catarina e participante da ADP.
589
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD.
225
226
de que se tratava de uma nova e complicada elaboração, onde existiria uma aliança entre
comunistas e caudilhos (leia-se também, peronistas, getulistas, populistas, etc) com o
intuito de eliminação da vida democrática. Cada um destes grupos perseguia pelo mesmo
meio – eliminação da democracia – objetivos diferentes, “cada um pensando que levará a
melhor”.590 Tratava-se de uma dupla ameaça, segundo Herbert Levy, afirmando que o país
corria o risco de ver-se escravizado ou “por uma ditadura de caudilhos, [ou] por uma de
comunistas, ou ambas”.591 Para outros, no entanto, o caudilhismo contribuía mais com a
desestabilização do que como ameaça direta. Bilac Pinto, por exemplo, considerava
estarmos na terceira etapa da Guerra Revolucionária, qual seja:
“Consolidação da infra-estrutura; organização da rede de resistência; obtenção de
armamento; ampla infiltração no Governo em todos os escalões; promoção de
greves com motivação política ostensiva; terrorismo seletivo e sistemático,
atentados pessoais; ampla infiltração nos Partidos Políticos, ostensiva; controle de
organizações estudantis e trabalhistas; controle político de certas áreas; controle de
certos setores governamentais; infiltração nas Forças Armadas”.592
590
MENDES, João. Discurso. ACD.
591
LEVY, Herbert. Discurso. ACD.
592
PINTO, Bilac. Discurso. ACD. Presidente do partido em 1963. O mesmo aspecto também encontra-se
referenciado na Proclamação da UDN, de 19/03/1964: “Mas quando esse pleno de feição democrática é
abandonado sem maiores explicações para ceder lugar a projetos de inspiração suspeita e incompatíveis com
as bases do regime, então nos opomos porque não contribuiremos para que progridam os movimentos de
guerra revolucionária para que se infiltre a dominação comunista e para que, por fim, se instale no Brasil
qualquer regime totalitário supressivo da liberdade, em cujas franquias desejamos viver e desejamos que
vivam todos os brasileiros”.
593
DULCI, op. cit., p. 190.
226
227
caráter nacional, “com ideologias definidas o que, inclusive, permitirá a fixação dos
votantes em agremiações maciças capazes de cumprir com a exigência de maioria
absoluta”.595
No entanto, como seria o sistema eleitoral? Um editorial datado de 1961 do jornal O
Estado de S. Paulo, que retratava o pensamento da UDN paulista, apresenta uma posição
clara sobre o aspecto que deveria nortear a estrutura eleitoral, segundo grande maioria do
partido no nível nacional. Criticando Jânio por conceber a democracia como um sistema
cristão e igualitário afirmava que uma democracia poderia não ter um caráter cristão, o que
seria exemplificado pela democracia ateniense de Péricles e, posteriormente, a de Roma.
Penso que a referência ao cristianismo foi feita muito mais por esta definição ter vindo
acompanhada do termo igualitário, sobre o qual foram feitas duras críticas. O objetivo do
artigo seria indicar que a democracia não precisava, necessariamente, abarcar o conjunto da
sociedade com o direito de participação política. Cita o jornal que a República brasileira
sempre havia se pautado pela “desiguladade essencial dos homens entre si”, o que
“implicitamente exclui qualquer idéia de democracia igualitária”.596 Ao sistema político
proposto, portanto, estava subjacente a idéia de uma democracia restritiva, como
corroboram os próprios exemplos dados pelo editorial. A participação da totalidade da
sociedade no sistema político apresentava-se como algo inviável, posto que sua
implementação teria por desdobramento a própria consolidação do regime comunista no
Brasil. Tratava-se de parte de um conjunto de “iniciativas deformadoras do sistema
representativo e desfiguradoras das instituições democráticas”.597
As elites teriam um papel fundamental neste regime. Sobretudo porque “de nada
valem as formas de governo, se é má a qualidade dos homens que a encarnam”.598 A
citação, presente no Manifesto de Brasília, de 1962, sinaliza claramente que a importância
fundamental estava nos homens do governo, não no sistema representativo. A capacidade
de interpretar a vontade popular adviria de uma vocação cívica destes homens, aspecto que
mais uma vez assinala a importância da influência da DSN no pensamento da UDN.
Benevides, sobre este aspecto, assinala que o “liberalismo restritirvo (antipovo)” remete
594
Editorial. “Em perigo a Revolução”, op. cit.
595
Idem, ibidem.
596
Editorial. “Um despautério”. In: O Estado de S. Paulo, de 21 de junho de 1961.
597
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD. Membro da UDN mineira e participante da ADP.
598
Manifesto de Brasilia, op. cit.
227
228
599
BENEVIDES, op. cit., pp. 248, 253 e 255.
600
CARDOSO, Adauto. Discurso. ACD. Membro da UDN da Guanabara e participante da ADP.
601
Idem,ibidem.
228
229
E como ficaria o “povo”? Quem era este povo que se faria representar no sistema
político pretendido pela UDN? Existiam aqueles que defendiam a ampliação do direito de
participação política para os analfabetos. Já em 1961 alguns poucos Deputados como
Guilherme Machado, que havia sido secretário do partido em 1957, pronunciavam-se
favoravelmente quanto a isto. Em 1963, o Diretório udenista do Paraná apresentou uma
proposta à XIV Convenção Nacional da UDN, realizada em março deste ano, para que o
direito de voto ao analfabeto fosse incorporado à Constituição.
No entanto, esta era uma corrente minoritária que, talvez sofresse influência da
Bossa Nova e que buscava ampliar a inserção da UDN entre as camadas populares com
objetivos eleitorais. O grupo aqui analisado era majoritariamente contrário a esta
perspectiva. Para eles, o analfabeto não possuía as mínimas condições de manifestar-se
politicamente. Diziam-se sensíveis aos “sofrimentos das massas e das classes menos
favorecidas” mas não concordavam com o “reformismo demagógico”, com as “inversões
políticas” de caráter eleitoreiro.602 Diziam-se defensores da liberdade de voto mas as
condições sociais reinantes no país inviabilizavam a participação popular direta do conjunto
da sociedade. Se a pobreza possuía algo de “dignidade cristã”, existiam amplos
contingentes populacionais que se colocavam abaixo até mesmo do nível de pobreza,
encontravam-se na miséria, “que coloca o homem abaixo da condição humana” e servia
apenas “para os exploradores do sentimento humano”.603 Quanto a isto, perguntava-se
Hamilton Nogueira,:
“(...) fala-se de liberdade de voto, mas como pode um homem votar livremente se
tem fome? Qual o homem que resiste à tentação ou a concitação de um voto,
quando vê seus filhos esfarrapados, vestidos de roto (...) nessas inúmeras cidades do
Brasil que atingiram a decadência sem nunca ter atingido a grandeza?”.604
602
ALEIXO, op. cit.
603
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD.
604
ALEIXO, op. cit.
229
230
“tal máquina antidemocrática” que colocava em ação a emoção e não a razão, aspecto do
qual o povo encontrava-se completamente desprovido.605
A inviabilidade de manifestação política destes grupos, tanto dos miseráveis quanto
daqueles que estavam no nível de pobreza, apresentava-se clara, segundo entendiam, a
partir do direito de greve. Cada vez mais este direito estava sendo conduzido de forma a
afastar-se das reivindicações de caráter puramente econômico ou trabalhista, estes sim
considerados pertinentes. Cada vez mais as greves eram utilizadas para “acobertar
interesses políticos (...) trazendo em seu bojo caracterizações ideológicas contrárias às
nossas origens” e não possuíam “realidades reivindicatórias”. Representavam apenas a
concretização do poder de manipulação a que estes grupos estavam submetidos por uma
longa tradição que visava atender interesses particulares de um grupo que pouco se
interessava pelos destinos da nação e que estava chegando às raias de colocar o país dentro
da órbita comunista. Este aspecto, a diferença entre as greves de caráter econômico e
trabalhista e aquelas de caráter político, apresenta-se como mais um dos vários capítulos
confusos e nebulosos em relação à UDN. Isto porque o limite entre aquilo que
consideravam como legítimo e ilegítimo variava de acordo com a perspectiva particular do
partido. Neste sentido, a greve apresentava-se como ilegítima a partir do momento em que
colocava-se alinhada aos interesses ou propostas dos grupos aos quais a UDN fazia
oposição.
Portanto, estender o direito de voto ao analfabeto seria concretizar completamente o
nivelamento por baixo da vida democrática brasileira. Significava dar um salto para trás,
em direção a um período da história no qual se aboliu a escravidão sem serem dadas as
condições necessárias para que estes superassem o “estado de primitivismo que haviam
trazido das selvas africanas”, o que acabou por viabilizar o estabelecimento do regime
oligárquico e, por desdobramento, da ditadura Vargas.606
O perigo de subversão da ordem, portanto, era então a principal preocupação.
Segundo estimativas apresentadas pelo O Estado de S. Paulo existiam cerca de 40 milhões
de analfabetos no país. Daí a popularidade que o getulismo e o comunismo possuíam
naquele momento. Ambos aproveitavam-se da miséria e da ignorância popular para
angariar prestígio e poder político. O governo, ao propor a ampliação do direito de voto, na
605
LACERDA, Depoimentos, pp. 117, 178 e 191.
230
231
verdade pregava a subversão da ordem social já que possibilitava até mesmo a uma criança
o direito de exercê-lo e não estabelecia nenhum limite para o alistamento eleitoral. É óbvio
que os udenistas entendiam que não era esta a pretensão do governo federal, mas o recurso
da figura de uma criança relaciona-se à própria concepção que existia em relação ao votante
analfabeto. Propiciar o direito de voto para esta população – que estava bem longe do
estágio evolutivo que possibilitasse a democracia e que seria recrutada “sobretudo nos
mocambos nordestisnos, nas favelas cariocas e no interior do Espírito Santo, de Minas e
Goiás” – transformaria “o pouco que nos resta de regime democrático em policialismo
soviético”.607 O certo é que esta concepção estendia-se aos semi-alfabetizados que
concediam o respaldo político aos partidos que perpetuavam a tradição getulista na vida
política do país. Eram grupos que precisavam sair da infância política – fase da ingenuidade
–, precisavam amadurecer, para depois exercer plenamente o seus direitos políticos.
No entanto, a UDN apresentava-se como defensora do aprimoramento das
instituições políticas, conforme assinalado na Carta de Princípios de 1962. O Partido
visava a superação do subdesenvolvimento moral presente no discurso de Raimundo
Padilha. O homem comum não era capaz de compreender determinadas sutilezas existentes
na vida política. Para torná-lo apto para tal, era importante, em primeiro lugar, a
disseminação da educação no seio do povo brasileiro. Se o povo ignorante não sabia votar o
governo deveria primeiro instruí-lo, capacitá-lo para o exercício do voto de forma a
inviabilizar o estabelecimento da “ignorantocracia”. Era importante que o direito do voto
fosse exercido apenas por aqueles que sabiam perfeitamente diferenciar o “simulador de
cultura, o demagogo e o homem realmente de elite”.608 O governo, segundo Herbert Levy,
saberia disso e por isso adiava o plano de educação generalizada do povo.609
Ao mesmo tempo deveria ser providenciada uma estratégia que buscasse erradicar
aquilo que possibilitava o grande apelo que o comunismo ou o getulismo possuíam junto à
grande maioria da população. A erradicação da miséria, através de medidas calcadas na
“fraternidade cristã”, era condição básica para a eliminação da manipulação política, não
somente dos analfabetos mas dos semi-alfabetizados que já exerciam seus direitos políticos.
606
Seção Notas e Informações. “Um salto para trás”. In: O Estado de S. Paulo, de 05 de fevereiro de 1964.
607
Idem, ibidem.
608
Idem, ibidem.
609
LEVY, Herbert. Discurso. ACD.
231
232
610
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD.
611
BENEVIDES, op.cit., p. 185
612
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD.
232
233
613
SILVA, Francisco Carlos T., op. cit., p.
614
Membro da UDN de Minas Gerais e participante da ADP.
615
Declaração de linha política da UDN de abril de 1963. Arquivo UDN.
616
MENDES, João. Discurso. ACD . Membro da UDN baiana e líder da ADP no Congresso.
233
234
Pedro Aleixo assinalava que a opção por uma reforma agrária com determinadas
características consolidava o abandono, pelo governo, do Plano Trienal, “pleno de feição
democrática”. Representava ainda a opção por um projeto que contribuiria para que
“progridam os movimentos de guerra revolucionária, para que se infiltre a dominação
comunista e para que, por fim, se instale no Brasil qualquer regime totalitário supressivo
da liberdade”.622
O problema das indenizações tornava a situação ainda mais complexa por não dizer
respeito apenas às pressões que estavam sendo submetidos os congressistas. Relacionava-se
também, segundo entendiam, com o correto entendimento do que seria o preço justo da
indenização. Ao propor a indenização em títulos públicos ou com base no valor declarado
pelo pagamento do imposto territorial o governo estabelecia um verdadeiro confisco
617
Proposta da representação da Paraíba à XIV Convenção Nacional da UDN em março 1963. Arquivo UDN.
618
Idem, ibidem.
619
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD,
620
Proposta da representação da Paraíba à XIV Convenção, op. cit.
621
Editorial. “A última tentativa”. In: O Estado de S. Paulo, de 15 de maio de 1962.
622
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD.
234
235
indireto. Tratava-se de medida ilegítima que acabaria por colocar em risco a “confiança na
lei e nos legisladores”623 e lesava diretamente o proprietário.624
A própria questão relativa a que terras deveriam ser destinadas para à reforma
agrária estava relacionada à idéia de legalidade e justiça. Quanto a isto existiam
divergências que não eram assim tão profundas, marcando, inclusive, uma divisão que
entendo como regional da forma pela qual se encarava o assunto. Para alguns dos udenistas
o problema não era a existência ou não da terra como fator produtivo. João Mendes,
relatando a posição da Ação Democrática Parlamentar, e desta forma de inúmeros
udenistas, indica que falar em divisão de terras era questão de “primarismo” baseada na
demagogia, com o que concordava o Deputado Geraldo Freire. O País era inexplorado, com
terras entregues muitas vezes aos “silvícolas, de modo que não nos pode preocupar o
problema do acesso à terra”.625 Nesta posição, tendo a afirmar que, para boa parte dos
udenistas golpistas da região nordeste,626 onde a existência de terras públicas do Estado era
nenhuma, a solução do problema estaria no avanço interno da fronteira agrícola.
De outro lado encontravam-se aqueles que entendiam que o problema era também
ocasionado pelo latifúndio improdutivo. Corrêa da Costa, deputado por Mato Grosso,
afirmava que a “simples distribuição de terras não resolveria o problema no caso
brasileiro”.627 Aliás, o problema da distribuição estaria em grande parte vinculado a que
região se estava referindo. O problema tornava-se, portanto, regional. Em editorial do O
Estado de São Paulo, esta posição apresentava-se corroborada. O assunto deveria ser
tratado de forma a inviabilizar uma reforma “total que preconize medidas iguais para todas
as regiões do Brasil”.628 Referindo-se a trabalho realizado pelo IPÊS indica que “só numa
pequena área do território devemos realizar uma reforma da estrutura agrária (com
urgência, aliás)”.629 Os convencionais do Paraná, para a reunião da UDN de 1963, também
eram adeptos de tais posições.630 Desta forma o assunto deveria ser gerido pelos diversos
623
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD.
624
ALEIXO, op. cit.
625
MENDES, João. Discurso. ACD.
626
Entre esses, destacam-se, entre outros, Alde Sampaio e João Mendes.
627
COSTA, Corrêa da. Discurso. ACD. Membro da UDN de Mato Grosso e participante da ADP.
628
Editorial. “Reforma agrária: primeiro ato”. In: O Estado de S. Paulo, de 09 de abril de 1964.
629
Idem, ibidem. Ver também Tese apresentada à XIV Convenção Nacional pela delegação de São Paulo
sobre a reforma agrária em 26 de março de 1963, op. cit.
630
Proposta da representação da Paraíba à XIV Convenção..., op. cit.
235
236
governadores que possuíam uma perspectiva melhor de cada região. O mesmo Corrêa da
Costa, também participante da ADP, cita ainda:
“Entretanto, o problema do Nordeste, ao que me parece, oferece outros aspectos. Ali
não existem mais terras de propriedade do Estado, que possam ser colonizadas. As
terras mais férteis estão no litoral e pertencem à propriedade particular. E o que
resta, constitui caatinga (...). Face ao aumento substancial da população nordestina,
o problema se agrava de ano para ano, determinando a imigração para os Estados do
Sul ou gerando as invasões de propriedades de que temos notícia”.631
Desta forma, para a região nordeste, concebiam a existência de uma reforma agrária
baseada na redistribuição de terras. Era uma posição que, na minha perspectiva, se
encontrava arraigada principalmente por deputados das regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste.
A posição tinha ainda o conveniente de retirar das mãos do Poder Federal a possibilidade
de empurrar, goela abaixo, uma reforma arbitrária, segundo eles.
A conclusão a que chegavam a maioria dos deputados golpistas udenistas era a de
que o governo seguia exemplos de uma política econômica equivocada e ignorava até
mesmo “os recentes casos de completo fracasso da propriedade coletivizada em países
socialistas, como sucedeu na Iugoslávia e na própria China continental”.632 Em última
instância, para estes udenistas, o objetivo final não seria a divisão da terra mas a sua
concentração nas mãos do Estado.
A pequena e média propriedades não possuíam capacidades para realizar a
produtividade necessária para o país. O real exemplo a ser seguido, afirmava Corrêa da
Costa, era o exemplo norte-americano. Sobre este aspecto o deputado assinala que, nos
Estados Unidos, a tendência da organização econômica no meio rural era baseada nos
seguintes pontos: a existência de grandes propriedades de terra, aperfeiçoamento de
técnicas e incorporação de tecnologia na produção agrícola, bem como um papel de
assessoramento por parte do Estado, fornecendo grandes somas de capitais e subsídios.
Segundo ele as “grandes organizações são as que detêm os maiores índices de produção”
naquele país. Ora, se havia dado certo nos Estados Unidos, conclui, deveria dar também no
Brasil.
631
COSTA, Corrêa da. Discurso. ACD..
632
BATISTA, Lourival. Discurso. ACD. Membro da UDN de Sergipe, subsecretário do partido em 1965 e
participante da ADP .
236
237
633
Declaração de linha política de abril de 1963. Arquivo UDN.
634
Tese apresentada à XIV Convenção Nacional pela delegação de São Paulo sobre a Reforma Agrária em
26.03.1963. Arquivo UDN.
635
FIGUEIREDO, op. cit., p. 114.
237
238
636
Carta de princípios da União democrática Nacional de 20 de fevereiro de 1962. Arquivo UDN.
637
Tese apresentada à XIV Convenção Nacional pela delegação de São Paulo..., op. cit.
638
Editorial. “A reforma agrária”. In: O Estado de S. Paulo, de 11 de abril de 1964.
238
239
639
COSTA, Corrêa da. Discurso. ACD.
640
Segundo Teixeira da silva um aspecto que marca claramente a oposição dos proprietários rurais em torno
da vigência do Estatuto foi o desencadeamento de um “amplo movimento de expulsão de trabalhadores, face
à negativa em arcar com o custo econômico da legislação social”.
641
CAMARGO, Aspásia de A. “A Questão Agrária: Crise do Poder e Reformas de Base (1930-64)”, op. cit.,
pp. 199 e 200.
239
240
642
Editorial. “O estatuto do trabalhador rural”. In: O Estado de S. Paulo, de 07 de março de 1963.
643
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD..
240
241
no mundo”.644 Existia uma “desigualdade essencial dos homens entre si” que era própria
da condição humana.645 Afinal de contas, afirmava Hamilton Nogueira, a “pobreza tem sua
dignidade, a pobreza é cristã” e vivênciá-la estava embutido nos desígnios divinos
impostos a determinadas pessoas para que pudessem alcançar o plano da redenção.
A miséria, não a pobreza, mas aquela condição que levava o homem viver “abaixo
da condição humana”,646 abjeta, esta deveria ser eliminada. Como as diferenças sociais
fizessem parte do plano divino e a pobreza um esteio que comporia o plano de salvação de
alguns, a sua minoração resultaria também da prática cristã da caridade. No meio rural esta
prática cristã já se desenvolvia há muito. Lá não existia o “desejo insaciável do lucro” que
marcava a cultura industrial. Eram os “costumes campesinos de tanta formosura da nossa
pátria” que se apresentavam como fundamentais para que o país alcançasse o
desenvolvimento dentro de “seu grande espírito de fraternidade e de senso cristão”.647
Qualquer outra forma de luta pela sua eliminação, consideravam, acabaria por aumentar
ainda mais a situação de penúria vivida por alguns e a ampliação desta condição para
outros.
Somente desta forma as transformações necessárias seriam obtidas a partir do
respeito à tradição e aos costumes culturais brasileiros. O Papa, com sua encíclica Mater et
Magistra, reafirmava justamente estes princípios, segundo atestava editorial do OESP,
baseados na solidariedade humana e nos valores cristãos. Por isso a necessidade,
concluíam, de efetivação de uma reforma agrária. Uma reforma que teria por objetivos a
eliminação de condições abjetas de vida à gigantesca população rural,648 ainda
predominante naquele momento através da sua integração na civilização649 mas mantendo
um estilo de vida cristão.650 Uma reforma que acabasse com a migração excessiva do meio
rural para o urbano.651 Que diminuísse a inflação652 e solucionasse o problema da produção
de alimentos através do aumento da produção e proporcionasse ao país o desenvolvimento
644
Mensagem de Carlos Lacerda à convenção da UDN, de 29.04.61, op. cit.
645
Editorial. “Um despautério!”, op. cit.
646
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD.
647
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD.
648
Editorial. “O povo está cansado de fórmulas: é hora de ação construtiva”. In: Revista Maquis, n° 224, de
14/10/1961.
649
Carta de princípios da União democrática Nacional de 20 de fevereiro de 1962, op. cit.
650
Nota ao povo brasileiro da UDN, 1964. Arquivo UDN.
651
COSTA, Corrêa da. Discurso. ACD..
652
ALEIXO, Pedro. Discurso. ACD..
241
242
almejado,653 com modernização, com mais técnica, mais crédito. Mas que asseverasse,
principalmente, a formação de “uma classe média rural estável e próspera”654 que
viabilizasse o equilíbrio social tão almejado.
Uma reforma que teria como elemento central a propriedade privada. Que buscasse
respeitar ao máximo sua intocabilidade e, ao mesmo tempo, contribuísse para que seus
proprietários viessem a intervir diretamente nos seus arranjos. Uma reforma que
preservasse os preceitos democráticos, cristãos e ocidentais existentes na mentalidade
brasileira.
653
Nota ao povo brasileiro da UDN, 1964, op. cit.
654
Tese apresentada à XIV Convenção Nacional pela delegação de São Paulo, op. cit.
242
243
No plano externo estes vínculos estavam baseados numa tradição de amizade entre
os povos do ocidente que buscavam reproduzir, numa esfera mais ampla, o cristianismo e a
655
Editorial. “O Brasil e o momento internacional”. In: O Estado de S. Paulo, de 17 de fevereiro de 1961.
656
SAMPAIO, Alde. Discurso. ACD..
243
244
657
Editoral. “Comentário sobre ‘manifesto’ lançado pelo governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, sobre
a situação do país”. In: Revista Maquis, n° 239, 1ª quinzena de fevereiro de 1962.
658
Comblim Estuda a relação entre geografia e Estados. Na DSN estabelece que a geopolítica é “o
fundamento racional dos projetos políticos”. É utilizada para inserir a Nação dentro do conceito de
bipolaridade e, neste sentido, dentro do anticomunismo. “A grande tese geopolítica é a divisão do mundo em
dois poderes antagônicos e a inevitável integração da América Latina em um desses blocos, por motivos
geopolíticos”. COMBLIN, Joseph Pe. A ideologia de Segurança Nacional – o poder militar na América
Latina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, pp. 25 a 28.
659
Editorial. “Ganhar a guerra com a Revolução”. Tribuna da Imprensa, de 09 e10 de maio de 1964.
660
Editorial. “A vitória está nas mão do presidente”. In: O Estado de S. Paulo, de 02 de abril de 1961.
244
245
O recado era extremamente direto. O alvo era a União Soviética. Nenhum outro país
apresentava-se mais imperialista no mundo do que esta nação pois não possibilitava
autonomia aos países que se apresentavam como seus “vassalos”. Neste sentido, entendiam
que a repulsa contra a intervenção militar soviética na Hungria, a condenação contra os
massacres encaminhados contra poloneses e alemães orientais e a condenação contra o
recente imperialismo chinês, ao invadir a Coréia, eram, estes sim, atitudes em defesa da
autodeterminação dos povos.
Da mesma forma, quando eram os interesses norte-americanos que estavam em
questão a defesa da autodeterminação encontrava uma grande resistência entre os udenistas
golpistas. O caso cubano demonstra claramente isto. Na verdade, eles entendiam que Cuba
não pretendia obter sua autodeterminação pois “ao fugir do imperialismo americano, ao
fugir das grandes empresas americanas, o Sr. Fidel Castro entregou os pulsos às algemas de
661
Carta de princípios..., op. cit.
662
Moção à 13a Convenção da UDN em 29.04.1961. Arquivo UDN.
663
MENEZES, Cardoso. Discurso. ACD. Membro da UDN da Guanabara e participante da ADP.
664
Editorial. “O filho ingrato”. Tribuna da Imprensa de 17 de janeiro de 1962.
665
FREIRE, Geraldo. Discurso. ACD.
245
246
666
Editorial. “Amaral Netto reformula sua posição”. In: Revista Maquis, n° 228, de 11 de novembro de 1961,
pp. 8 a 10.
667
Editorial. “O espirito e a letra”in: Tribuna da Imprensa, de 16 de janeiro de 1962.
668
FREIRE, Geraldo, op. cit.
669
NOGUEIRA, Hamilton. Discurso. ACD..
670
Editorial. “Lacerda x Jânio: crise mais grave do que parece”. In: Revista Maquis, n° 219, de 31 de agosto
de 1961, pp. 4 e 5.
671
Idem, ibidem.
246
247
espionagem e focos de propaganda contra o regime democrático que nos cumpre defender e
aperfeiçoar”.672 A questão tomava uma dimensão ainda maior uma vez que
“(...) neste momento, em que passa o Brasil por delicada conjuntura econômica,
social e política, foi erro grave o restabelecimento de relações diplomáticas com
uma Nação mantida sob o jugo de uma ideologia violenta e agressiva que, na
América Latina, vem fomentando agitações sociais e políticas graves, conduzidas
com brutal desumanidade, visando a usurpar o poder político das mãos do povo, em
benefício de uma minoria astuta, impiedosa e aguerrida, com a supressão das
garantias democráticas”.673
672
MENEZES, Cardoso. Discurso. ACD..
673
MENDES, João. Discurso. ACD.
674
Editorial. “Agitação comunista está crescendo”. In: Revista Maquis, de 16 de dezembro de 1961, pp. 10 e
11.
675
Editorial. “A nota do Itamarati”. In: O Estado de S. Paulo, de 12 de maio de 1961.
676
Citado em editorial. “Brasil aprova deboche soviético”. In: Revista Maquis, n° 232, de 09 de dezembro de
1962, pp. 23 a 31.
677
Editorial. “Brasil aprova deboche soviético”, op. cit.
247
248
678
Editorial. “O Brasil e o momento internacional”. In: O Estado de São. Paulo, de 17 de Fevereiro de 1961.
679
Editorial. “O COLESTE e o perigo da espoliação no comércio do Leste”. O Estado de Saõ Paulo, de 19
de dezembro de 1962.
248
249
680
Editorial. “Os blocos e os não comprometidos”. In: O Estado de S. Paulo, de 03 setembro de 1962.
681
Idem, ibidem.
682
Idem, ibidem.
683
Idem, ibidem.
684
MALDER, Othon. Discurso. ACD. Membro da UDN do Paraná e participante da ADP.
685
PADILHA, Raymundo. Discurso. ACD. Mais uma vez se estabelece a relação entre as afirmativas dos
udenistas e o conceito de geopolítica dentro da DSN. COMBLIM, op. cit., pp. 25 a 28.
249
250
Eixo. Entendiam eles que o perigo colocava-se novamente, só que em direção a um outro
regime totalitário: a União Soviética.
Qual deveria ser o caminho brasileiro em termos de política externa? Segundo os
udenistas da extrema-direita o mundo pós-guerra estava, irremediavelmente, dividido em
blocos. Fosse em função da divisão do mundo entre capitalismo e comunismo, ou segundo
consideravam, entre democracia e comunismo; fosse ainda pela internacionalização da
economia mundial. A interdependência das nações era uma realidade inquestionável,
segundo Raimundo Padilha, a qual contribuía diretamente para a garantia da independência
do Brasil. Neste sentido, o país deveria procurar o que seria o seu espaço natural dentro do
“concerto de nações”. Este estaria reservado dentro da Junta Interamericana de Defesa,
órgão militar defensivo e ofensivo vinculado à Organização dos Estados Americanos,
espaço obtido através de inúmeros compromissos diplomáticos e militares que não
poderiam ser ignorados. Seria neste espaço que o Brasil garantiria sua independência,
obteria a contenção do comunismo e se tornaria apto à obtenção dos capitais necessários
para o seu desenvolvimento.
Este havia sido o curso normal da política externa brasileira desde o início de sua
vida republicana, que havia levado o país a uma situação “invejável” na América e na
Europa, e que havia, enfim, evitado que o país enveredasse por “perigosas aventuras”.
Vincular-se ao mundo Ocidental representava aderir aos mecanismos engendrados pelo seu
principal líder, os Estados Unidos, na defesa da “democracia” e do cristianismo. Era um
“dever de solidariedade para com todo o mundo Ocidental”.686 Para o tipo de política
externa pensada pelos udenistas, dentro do contexto vivido, não havia opções.
Não vejo palavras mais acertadas, apesar de equivocadas, para fechar esta parte do
capítulo, do que as proferidas por Cardoso de Menezes:
“Nesta hora de abastardamente moral, de inversão de valores, de cretinização
mental; neste momento em que se congregam os inimigos da Pátria para esmagar as
nossas mais caras tradições e nos transformar em colônia do império soviético, é
mister que nos definamos pela Democracia ou pelo Totalitarismo, pela Liberdade ou
pela Escravidão, pelo Brasil ou pela Rússia!”687
686
Editorial. “A política externa do Brasil”. In: O Estado de S. Paulo, de 09 de Fevereiro de 1961.
687
MENEZES, Cardoso. Discurso. ACD.
250
251
Conclusão parcial
No projeto desenvolvimentista dos udenistas da extrema-direita a política que
privilegiava industrialização desenfreada já havia demonstrado quão permissiva era para a
economia. Era a grande responsável pela inflação ao gerar uma maior disputa pelos fatores
de produção. Tinha contribuído para uma postura excessivamente interventora do Estado na
produção de riquezas e, além disto, limitava significativamente a ação da iniciativa privada,
esteio da geração de bem-estar material de qualquer país, concebiam eles.
O elemento fundamental para o desenvolvimento seria o estímulo à produção
agrícola. De certa forma tem-se uma tentativa de resgatar a idéia da “vocação agrícola” do
país. Esta atividade era a principal geradora de riquezas e não deveria ser menosprezada.
Não se quer assinalar aqui que a UDN era contra o processo de industrialização. O mais
correto seria indicar que era contrária à forma pela qual o processo se conduzia. Em poucas
palavras: contra a industrialização “à caneladas”. Entendiam que o processo era
irreversível, mas que deveria ter uma série de correções de rumos, a começar pelo seu
sistema de financiamento.
Para os udenistas, o capital que deveria ser utilizado para a industrialização deveria
ter sua origem, em primeiro plano, na produção agrícola, nas divisas obtidas com as
exportações. Mas não concebiam desviar uma quantia que nem mesmo atrapalhe a
progressão da própria atividade agrícola, sem confiscos “arbitrários”. O Estado brasileiro
deveria apresentar uma imparcialidade diante das diferentes alternativas de produção de
riquezas. Neste sentido, não solicitavam a intervenção direta do Estado, mas a abertura de
canais de coordenação por parte deste que contribuíssem para o aumento da produção no
campo. Financiamentos, subsídios e uma política aduaneira que corroborasse as
exportações seriam bem-vindas.
A outra parcela de financiamento teria sua origem no capital internacional. Isto
evitaria o emissionismo inflacionário e a concorrência, por fatores de produção, entre
indústria e agricultura. Por isso consideravam tão permissivo a intervenção crescente no
que se refere à diferenciação entre capital nacional e internacional. A ausência deste capital
provocaria o retorno da disputa pelos parcos recursos do Estado. Com estas medidas
esperavam os udenistas conter a espiral inflacionária que corroía o país e que contribuía
para a deflagração das movimentações populares.
251
252
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253
253
254
254
255
estes grupos. A questão social foi abordada através de questões como a concepção sobre a
origem a miséria, a idéia sobre a existência de desigualdades naturais, a forma pela qual a
reforma agrária deveria ser encaminhada, a autoridade que deveria dirigirda esta reforma e
os seus objetivos. Ainda sobre a questão social, o papel que concebiam para a propriedade
privada e as opiniões sobre o Estatuto do Trabalhador Rural e sobre a Legislação
Trabalhista tomam importância significativa para mapear o projeto destes grupos em
relação aos problemas sociais que deveriam ser enfrentados, bem como em relação aos
projetos sociais a serem encaminhados.
Os capítulos anteriores abordaram o projeto de política externa destes grupos a
partir de questões como o vínculo entre política externa e política interna, a importância das
relações comerciais com os países socialistas, a importância do restabelecimento das
relações diplomáticas com estes países e a posição em relação a idéias como
autodeterminação e anticolonialismo, tipo de alinhamento e justificativas para o mesmo que
deveria ser encaminhado pelo país.
Através destas idéias foi discutido o projeto de cada um dos grupos polarizadores.
Se num primeiro momento estas questões foram discutidas verticalmente, realçando a
coerência (ou incoerência) de pensamento de cada grupo em particular, agora abordo os
mesmos de forma horizontal, costurando diferenças e semelhanças entre os diversos
grupos.
Existia um único aspecto, situado dentro do pensamento desenvolvimentista que
colocava os diversos centros polarizadores em divergência completa entre si. Cada um dos
grupos analisados apresentava uma perspectiva diferenciada em relação ao tipo de
planejamento que deveria marcar o seu projeto desenvolvimentista. Variavam, basicamente,
na gradação da interferência no que se refere à planificação econômica. Os udenistas aqui
abordados, por exemplo, pensavam não em planejamento mas numa ação de coordenação
por parte do Estado, que funcionasse de forma subsidiária na economia. Este era o grupo
que mais apresentava resistências relativamente à interferência no livre mercado.
Os membros do complexo IPÊS/IBAD, por sua vez, vislumbravam um grau de
interferência maior, no que se assemelhavam aos militares da corrente internacionalista-
autoritária. Divergiam apenas quanto a quem caberia o papel de organizar o sistema
econômico. Se para o IPÊS/IBAD a ação deveria caber à iniciativa privada, para os
255
256
militares este papel era relativo ao Estado. A posição pode ser atribuída a reflexos da
influência da DSN entre este grupo. Os militares, em geral, encaravam o problema
econômico como uma guerra a ser vencida por todos os meios. Como numa guerra, o
Estado teria um papel fundamental.
No entanto, eram os nacionalistas-ditatoriais que levavam esta perspectiva às
últimas conseqüências. Para estes, o Estado teria um papel mais agressivo diante das
conjunturas econômicas, dando relevância, assim, tanto ao planejamento quanto à ação
estatal neste campo. Todos os grupos analisados, neste sentido, apresentavam divergências,
em maior ou menor grau, quando o assunto era planejamento econômico.
Quanto aos demais aspectos do projeto desenvolvimentista destes grupos existia um
maior consenso. No que se refere ao caminho que o processo desenvolvimentista deveria
trilhar, por exemplo, a UDN era o único grupo que discordava do privilégio dado ao
processo de industrialização. Como assinalado anteriormente, entendiam eles que a vocação
do país era agrícola e era a agricultura que levaria o país a um estágio de grande potência
econômica. Não desconsideravam por completo o processo de industrialização, mas
defendiam um equilíbrio maior entre indústria e agricultura, com privilégio para o segundo
ramo da economia. Todos os outros grupos apostavam na produção industrial como tábua
de salvação do país, apesar de discordarem alguns, como os membros do IPÊS/IBAD, da
“industrialização às caneladas” . Para eles o equilíbrio entre agricultura e indústria também
deveria ser buscado, mas com ênfase na industrialização do país. Já para os militares, em
conjunto, a questão passava pela associação entre industrialização e existência de um
parque bélico significativo, fundamental para a obtenção da segurança do país.
Relativamente aos outros aspectos – nacionalismo, papel do Estado, função da
iniciativa privada, financiamento e tecnologia externos –, que dizem respeito ao projeto
desenvolvimentista, eram os militares nacionalistas-autoritários que divergiam em relação a
todos os outros grupos. Em meu entendimento, esta posição diferenciada foi fruto de uma
postura de caráter “nacionalista” por parte destes.
Dentre os diversos centros catalisadores analisados, estes militares eram os únicos
que entendiam que poderia existir um nacionalismo livre da influência do comunismo,
apesar da perspectiva predominante nas direitas ser aquela que apresentava a influência
desta ideologia na grande parte do movimento. Possuíam certas restrições à necessidade de
256
257
capital internacional e viam com reservas a dependência tecnológica do país. Para sanar
estes problemas propunham um papel mais intenso do Estado como encaminhador do
processo desenvolvimentista, assumindo mesmo a liderança deste e concebendo-o dentro
de uma perspectiva intervencionista, de fato.
Os outros grupos, no entanto, aproximavam-se na crítica ao nacionalismo, no que se
refere à idéia de que o papel do Estado na economia deveria ser diminuto. Também existia
uma proximidade de posições da parte dos udenistas, internacionalistas e ipesianos, quanto
à liderança da iniciativa privada para direcionar o país rumo ao “desenvolvimento”.
Acordavam ainda quanto à necessidade do Brasil em relação à presença de tecnologia e
capitais estrangeiros.
No que se refere a uma avaliação dos males que afetavam o país, no plano
econômico, todos estavam em sintonia. A inflação era o principal mal a ser debelado para
que seus projetos pudessem ser implementados. O quadro I busca sintetizar a abordagem
aqui realizada.
Os diferentes projetos de sociedade, no entanto, ganham relevância quando se
aborda a questão social. Aspectos como a perspectiva da origem da miséria social, o tipo de
encaminhamento que deveria ser dado à reforma agrária e a posição em relação ao Estatuto
do Trabalhador Rural encontravam formas diferenciadas de serem encarados dentro dos
grupos analisados. Pode-se, portanto, afirmar que era nesta idéia polarizadora que a
possibilidade de alcançar-se unanimidade era mais difícil.
Os membros do IPÊS/IBAD entendiam que a origem da miséria de parcelas da
sociedade era fruto do modelo econômico adotado. Não que fossem contrários ao processo
de industrialização contínua que atravessava o país. No entanto, viam com contrariedade a
ação do Estado, que emitia moeda desenfreadamente e ocasionava a inflação. Neste aspecto
concordam os membros da UDN golpista, acentuando ainda a influência que tinha o
processo inflacionário no aumento da disseminação de maiores dificuldades para as
camadas menos abastadas. Já os militares, estes apresentavam, de um lado, uma postura
mais avançada para os grupos de direita. Os nacionalistas entendiam que a miséria,
principalmente presente no campo, era fruto de uma estrutura extremamente arcaica,
baseada na grande propriedade de terra, que impedia o acesso a esta para inúmeros
brasileiros. De outro lado tem-se uma postura mais conservadora dentro das direitas aqui
257
258
258
259
segurança nacional apresentada pelos militares de ambos os grupos aqui citados. A posição
dos militares nacionalistas era controversa. Ao mesmo tempo em que vislumbravam um
risco muito grande em mexer na estrutura fundiária, reconheciam que a estrutura agrária
existente era arcaica demais. Tentaram resolver este problema confiando na idéia de que o
avanço da fronteira agrícola estimularia o aparecimento de uma estrutura mais justa.
De outro lado tem-se, entre udenistas e ipesianos, uma outra visão de reforma
agrária. Parcelas destes grupos aceitavam mexer na propriedade rural em áreas onde as
terras devolutas inexistissem. Outros consideravam mesmo a necessidade de mexer-se um
pouco na estrutura fundiária, mas faziam a ressalva de que tal procedimento somente
deveria ser encaminhado após a estabilização da moeda. De comum possuíam a noção de
que a propriedade privada não era tão “intocável” assim. Todos os grupos, no entanto,
concordavam em dois aspectos. Primeiro, com a necessidade de impor maior produtividade
no campo através da implementação de mais tecnologia no sistema produtivo. Os udenistas,
mais do que todos, defendiam esta idéia uma vez que o seu projeto desenvolvimentista
passava mesmo pelo crescimento da produção rural. Segundo que, se a propriedade privada
fosse tocada, deveria ser de acordo com princípios de mercado, o que significa dizer, com o
pagamento de indenizações em dinheiro e não em títulos públicos.
Se a aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural e a reforma agrária provocavam
algumas divergências, o mesmo não pode ser assinalado no que tange à legislação
trabalhista existente nos centros urbanos. Quanto a isto, existia quase uma unanimidade,
somente rompida pelos militares nacionalistas, para quem a legislação corrigia as distorções
provocadas pelo avanço do capitalismo no Brasil. Mais uma vez observa-se que, no que
tange a aplicação de reformas na estrutura social, os nacionalistas-ditatoriais eram os mais
avançados dentro das direitas brasileiras aqui analisadas.688 Para os outros grupos a CLT
era fruto de uma política que visava a manipulação e o clientelismo. Uma política de caráter
retrógrado que deveria ser eliminada.
Nas questões relativas à reforma agrária somente os militares nacionalistas-
ditatoriais concebiam uma reforma capitaneada pelas mãos do Estado. Para todos os outros,
688
Dreifuss, referindo-se a este grupo como “extremistas de direita”, assinala que eram os que possuíam
projetos sociais reformistas e que, por isso, provocaram esforços do complexo multinacional-associado e dos
membros da ESG para evitar que estes grupos “estabelecessem uma posição de autoridade no comando do
sistema político e da economia”. DREIFUSS, op. cit., p. 423.
259
260
260
261
à que davam o nome de democracia, e consideravam que o momento era de restringir ainda
mais as possibilidades de cidadania política que então existiam. Apenas os militares
nacionalistas eram os mais claros nas suas manifestações antidemocráticas. A contradição
não estava presente somente entre as direitas no Brasil, mas em militares de diversos países
da América Latina.689
Se existia um consenso de todos os grupos em relação ao papel das elites, de
interpretar a vontade popular, de ser o extrato social que deveria comandar os rumos do
país, os mesmo militares nacionalistas eram o único grupo a discordar quanto a que elite
seria esta. Entre estes a noção de elite se restringe ainda mais e os militares passam a ser
vistos não como mais um grupo dentro das elites, mas sim como “a elite”. Escolhida para
comandar a vida política do país, infensa à corrupção e desvinculada de interesses
econômicos. Aos civis caberia, no máximo, uma função de assessoramento.
As idéias que udenistas golpistas, militares nacionalistas-ditatoriais, militares
internacionalistas autoritários e ipesianos tinham em relação ao papel da classe média no
sistema político, sua noção de representatividade e suas preocupações com a moralidade
política, no entanto, eram extremamente próximas. Todos entendiam que a democracia
deveria ser exercida em nome da classe média, grupo de estabilização do regime, como já
assinalado. Em todos eles observa-se a presença de um profundo preconceito em relação às
camadas populares, que funcionavam, segundo afirmavam, de acordo com a emoção em
vez da razão, não ilustradas suficientemente para estarem aptas a interferir nos rumos do
país. A crise política que atravessava o país era fruto desta interferência, que até então era
realizada pelos semi-analfabetos. Da mesma forma, quase todos os grupos, com exceção
dos ipesianos, que não fazem menção ao assunto, estavam profundamente preocupados
com a recuperação da moralidade política do país. Esta era, inclusive, uma das causas da
necessidade de reformar-se o sistema democrático brasileiro. No quadro III, as diferenças e
semelhanças dos grupos analisados apresentam-se sintetizada.
689
A título de exemplo cito uma carta publicada na Revista Terceiro Mundo, na qual um dos oficiais da
extrema-direita do Chile recriminava o então ditador Augusto Pinochet pela sua sede de poder. Para Roberto
Viaux os chilenos esperavam que, com o governo militar, se alcançaria a “participação da maioria do povo [e]
se lançariam as bases para uma democracia renovada”. No entanto, para ele a democracia significaria a
“rotatividade na Presidência pelos comandantes-em-chefe das forças armadas, da polícia, como se havia
pensado no início”689. Talvez o militar estivesse se espelhando nos governos aqui estabelecidos entre 1964 e
1988. MARAMBIO, Roberto Viaux. “Carta aberta ao meu companheiro de curso”. In: Terceiro Mundo, maio
de 1986, no. 89, p. 27.
261
262
262
263
263
264
Como pôde ser observado, apesar de algumas poucas diferenças no que se refere ao
projeto de organização política e à política externa, temas como o projeto
desenvolvimentista e o tipo de organização social pretendido por estes grupos os
distanciavam entre si. Em minha perspectiva, era em função destas divergências que
ipesianos, udenistas e militares concorriam entre si na liderança de um processo de
gradativa articulação contra o governo de João Goulart.
No início deste trabalho pontuei que diversas são as questões que colocam em
dúvida a pretensa unidade consensual existente entre os conspiradores. A bibliografia que
aborda o quadro político, econômico e social da década de 60 não observa a concorrência
de projetos assinalada aqui e busca estabelecer, em grande parte, um papel de liderança
entre os diferentes grupamentos políticos que se aglutinaram em torno do golpe.
Desconsideram o conflito presente nas extremidades para privilegiar o confronto maior
entre as extremidades: os grupos de direita e esquerda.
Observando-se a documentação sobre o período, percebe-se que mesmo aqueles que
procuraram dar uma idéia de organização absoluta sinalizam para a existência de
fragmentações. Leônidas Pires Gonçalves afirma que não existiram “ilhas de conspiração”
mas sim movimentações espontâneas que tinham um aspecto em comum.690 Mesmo
apontando para a obediência a um comando único, o então Tenente-Coronel Antonio
Bandeira indica a existência de pelo menos uma divisão entre os participantes do golpe, a
qual se apresentaria delimitada pela organização espacial (nordeste/sudeste). Deoclecio
Lima de Sirqueira não pontua diretamente, mas observa-se em seu depoimento a indicação
de que existiam núcleos de conspiração completamente desvinculados entre si.691 Antonio
Carlos Muricy – denominado pela alcunha de “gorila” por Leonel Brizola e que foi um dos
indicados à Presidência da República nas reuniões do Alto Comando do Exército para a
sucessão de Costa e Silva – tenta apresentar a unidade em uma entrevista concedida logo
após o golpe. Era um aspecto importante devido à “ameaça comunista” ainda rondar a
690
Tenente-Coronel, fez parte do Estado-Maior do Exército com o General Castelo Branco e, entre 1964 e
1966 foi adido militar na Colômbia. Segundo Dreiffus, fazia parte de um sistema de informações que rodeava
o General Golbery, buscando colocar o processo conspirativo sob liderança do IPÊS/IBAD. Dreifuss, op.cit.,
p. 364.
691
Em 1964 o então Coronel Deoclécio Lima chefiava o Departamento de Ensino da Escola de Comando e
Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR). No governo Castelo Branco foi chefe de gabinete do ministro da
Aeronáutica, Eduardo Gomes, e entre 1967 e 1970 comandou a ECEMAR. Vide Maria Celina D’Araujo;
Gláucio Ary Dillon Soares; & Celso Castro. (Org.) Visões do golpe, op. cit., p. 227.
264
265
692
FIGUEIREDO, op. cit., p. 174.
693
MATTOS, Depoimento, In: Visões do Golpe..., op. cit., p. 102.
265
266
694
Geisel, op. cit., pp. 149 a 157.
695
Idem, ibidem.
696
SARNEY, José. Depoimento. In: COUTO, Ronaldo C. Memória Viva do regime militar – Brasil: 1964-
1985. Rio de Janeiro, Record, 1999, p. 309.
697
Nota de página citada em DREIFUSS, op. cit.
266
267
698
SARNEY, op. cit., p. 309.
267
268
ocorridos neste mês. Duas datas são fundamentais para a compreensão deste contexto: 13 e
24 de março. No dia 13 tem-se a efetivação do Comício da Central do Brasil. Em 24 de
março efetivou-se a Revolta dos Marinheiros. Pode-se afirmar que estes dois momentos
representaram o ápice do processo de polarização política que então se desenvolvia.
O comício de 13 de março foi marcado em meados de janeiro do ano de 1964. Com
ele Goulart esperava sair do isolamento político a que estava submetido na medida em que
as suas tentativas para a implementação de amplos acordos políticos, que viabilizassem a
elaboração de reformas, acabaram por fracassar. Goulart, mesmo com a convicção de que
as reformas de base eram o caminho para que o país saísse da crise, buscou a todo o
momento implementá-las pela via da negociação, com uma política de centro. No entanto,
as possibilidades de negociação naquele momento eram pequenas e, nos primeiros meses
de 1964, ele buscou o apoio necessário para a efetivação das reformas tão esperadas nos
grupos progressistas na esquerda radical, na CGT.
O comício, organizado pelo movimento sindical e por grupos da esquerda,
apresentava-se para as direitas como uma tentativa de mobilização popular com a intenção
de encurralar o Congresso para que este aprovasse as reformas de base. Aproximadamente
200 mil pessoas compareceram ao evento, que se apresentava como marco inicial da
transformação da sociedade brasileira através de várias medidas: a assinatura do Decreto da
SUPRA, que propunha: a desapropriação de latifúndios a ser paga em dinheiro;
encampação das refinarias de petróleo estrangeiras, representando uma ameaça direta ao
direito de propriedade; e o encaminhamento ao Congresso da proposta que dava direito de
voto aos analfabetos, que seria feito no dia seguinte mas anunciado ao longo do comício.
O outro acontecimento de importância naquele mês, a Revolta dos Marinheiros, foi
um conflito, ocorrido no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, que se desencadeou
pela proibição do Ministro da Marinha para que se realizasse uma assembléia
comemorativa pelo segundo ano de existência da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros
Navais. O evento foi então transferido para o Sindicato dos Metalúrgicos e, diante da
insistência da sua realização, por parte dos seus organizadores, o Ministro da Marinha
decretou a prisão destes. Parte das tropas que para lá se encaminharam acabaram por aderir
ao movimento, que teve como desfecho a anistia decretada pelo novo Ministro da pasta.
268
269
699
COSTA, Octávio Ferreira da. Compreensão da Revolução Brasileira. In: Revista Defesa Nacional, nº 597,
de 09-10 de 1964.
700
Deputado Federal Laerte Vieira. ACD.
701
CAMPOS, Roberto de Oliveira. Depoimento. In: COUTO, Ronaldo Costa. Memória Viva do Regime
Militar. Rio de Janeiro, Record, 1999.
269
270
702
Citado em VICTOR, op. cit., p. 500.
703
CARVALHO, Ferdinando. “A Guerra Comunista no Brasil”. In: Revista Defesa Nacional, n° 597, de 09-
10 de 1964.
704
Deputado Federal Pedro Aleixo sobre proclamação da UDN, em 19 de março de 1964. ACD.
705
COSTA, op. cit.
706
Citado em VICTOR, op. cit., p. 501.
270
271
“As forças armadas foram todas – todas, repetimos – feridas no que de mais
essencial existe nelas; os fundamentos da autoridade e da hierarquia, da disciplina e
dos respeitos militares. Sem esses fundamentos, a hierarquia se dissolve e em lugar
delas surgem as milícias político-militares, preconizadas pelos comunistas e
fidelistas. (...) Não voltaremos à legalidade enquanto não forem preservadas a
disciplina e a hierarquia das Forças Armadas. Primeiro, portanto, vamos recompor
os alicerces militares da legalidade – a disciplina e a hierarquia – para depois, e só
depois, perguntarmos se o Presidente da República tem ou não condições para
exercer o Comando Supremo das Forças Armadas”.707
Num segundo aspecto, entendo que a DSN não se apresentou com uma unidade de
pensamento que determinados autores buscam assinalar. Assim como pode ser observado
no século XVIII, quando o Iluminismo apresentou-se como o conjunto de idéias a
instrumentalizar os movimentos sediciosos ocorridos na América Portuguesa e o próprio
movimento de Independência, a Doutrina de Segurança Nacional provocou efeitos
diferentes nos diversos grupos que ela atingiu. Veio apenas a corporificar os interesses
particulares, melhor dizendo, os projetos particulares de cada um dos grupos aqui
707
Idem, ibidem, p. 502.
708
ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar, op. cit., p. 172 a 174.
271
272
abordados. A visão elitista e conservadora da sociedade que esta doutrina propagava era
extremamente assimilável para as elites brasileiras porque representava, em termos gerais,
uma comunhão de interesses.
Com a difusão da idéia de guerra revolucionária, a noção de segurança hemisférica
passou a abranger também a idéia de ameaça interna. O agravamento das condições
econômicas na América Latina e a instauração em Cuba de um sistema socialista,
provocando a consolidação de uma frente anticomunista que associava qualquer tipo de
reivindicação por mudanças como sinal da expansão comunista, foram os aspectos que
contribuíram para esta perspectiva. No Brasil, as idéias polarizadoras, tal como concebidas
pelas esquerdas, apresentaram-se como o símbolos de transformação da sociedade. O
estabelecimento de uma nova perspectiva que respaldasse a representatividade limitada na
vida política, as profundas diferenças sociais, um projeto desenvolvimentista extremamente
restritivo e uma política externa de alinhamento aos EUA foram fundamentais para os
grupos de direita na disputa pelos recursos simbólicos.
A DSN, em maior ou menor grau legitimava o posicionamento destes grupos. A
idéia de que o Estado era a única instância efetiva a representar os interesses da nação e a
perspectiva de ordem interna para galgar os denominados “objetivos nacionais”
coadunavam-se perfeitamente às necessidades de fazer calar os movimentos populares –
através da continuidade da restrição do direito de participação política e da noção de
desigualdade natural entre os homens –, e de contenção da política externa independente.
O Comício da Central do Brasil e a Revolta dos Marinheiros representaram uma
ameaça a tudo isso. Para as direitas, significava a concretização de seus medos e por isso o
caráter de mobilização que então foi desencadeado entre eles. Se o evento mobilizou
amplas parcelas da sociedade, não foi somente entre aqueles que viam nos objetivos de sua
realização, a concretização do início das tão almejadas reformas. Também as direitas viram,
no próprio anúncio do comício, a necessidade de acelerarem suas articulações em torno da
deposição de Jango e da desarticulação do crescente poder do Partido Trabalhista
Brasileiro.
A reação ao anúncio do comício desencadeou também a movimentação de grupos
que até então se colocavam com certa resistência ao governo Goulart mas que ainda não
haviam passado a uma oposição mais ofensiva. Tratou-se, portanto, de uma disputa que
272
273
709
SAES, op. cit., p. 500.
710
DREIFUSS, op. cit., p. 294.
273
274
do IPÊS foi efetivamente lento ou será que algo aconteceu em 64 que contribuiu para que
os frutos de tal esforço tenham aparecido somente “nos primeiros meses de 1964”?
A grande questão é que algo aconteceu em 1964 que contribuiu para que a ação dos
grupos de direita surtisse efeito. O fato é que o Comício da Central do Brasil deve ser
apresentado como um marco não apenas para a mobilização das esquerdas mas também
para a reação das direitas, no que se refere à mobilização popular. E o resultado desta
mobilização foi a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, realizada seis dias
depois, em São Paulo. O movimento foi uma resposta direta ao Comício da Central, tanto
que a quase totalidade dos discursos fizeram referência à fala de Jango comício dia anterior.
Se é devido considerar-se que o IPÊS teve significativa contribuição para o
desencadeamento de uma série de mobilizações contra o governo Jango, não se pode
desconsiderar também que esta ação somente surtiu efeito com os desdobramentos de
março de 64, ou seja, com o Comício da Central do Brasil e a Revolta dos Marinheiros.
Segundo Saes, em Recife a CAMDE, órgão em grande parte responsável por estas
articulações, realizou uma marcha no dia 8 que contou apenas com dois mil participantes. A
11 de março, no Rio, com aproximadamente três mil pessoas. No entanto, após o comício
da Central, entre 500 e 800 mil pessoas estiveram presentes em São Paulo. E em 2 de abril,
na chamada Marcha da Vitória, cerca de um milhão de pessoas reuniram-se no Rio de
Janeiro.711
Ainda sobre este movimento pode ser considerado que ele assinalou o respaldo
necessário para que a movimentação golpista se desencadeasse. Os acontecimentos de 1961
ainda pesavam na lembrança de todos aqueles que se articularam em torno de inviabilizar a
posse de João Goulart e poucos eram os que pensavam em encaminhar um movimento que
não estivesse legitimado por mobilizações populares, ainda que elas estivessem, em sua
maioria, calcadas na presença das classes médias. Contudo, não era apenas a classe média
que se manifestava através da “Marcha da Família”. Mário Victor indica que “embora
parecesse estranho, era também grande o número de operários, a maioria deles não
pertencente aos grupos filiados ao Comando Estaduais dos Trabalhadores e ao Forum
Sindical de Debates”.712 Se por um lado Jango afirmava possuir legitimidade na sua
movimentação pelas reformas, após 19 de março as direitas também poderiam alegar o
711
SAES, op. cit., p. 502.
274
275
mesmo. Para Argelina Figueiredo, depois da “marcha”, um grande número de atores passou
a atribuir uma alta probabilidade de sucesso ao movimento contra o governo. Daí em
diante, o custo de participação em atividades antigovernamentais decresceu
marcadamente”.713
Afinados em torno do que não queriam – a continuidade de Jango no poder –, os
grupos acima podiam, naquele mês, encaminhar o afastamento do Presidente em nome da
defesa da legalidade. A situação havia se invertido. Se em agosto de 1961 eram os
ministros militares, e todos aqueles que os apoiavam, que buscavam romper com a
continuidade constitucional, o mesmo não acontecia em março de 64. Para parcelas
significativas da opinião pública, era o Governo que então buscava romper com a
legalidade. Para o ex-presidente JK, “a legalidade estava onde estão a disciplina e a
hierarquia. Não há legalidade sem Forças Armadas íntegras e respeitadas em seus
fundamentos”.714 A propaganda liderada pelo IPÊS surtia, então, o efeito desejado. “A
legalidade está conosco e não com o caudilho aliado do comunismo”, era o que anunciava o
Jornal do Brasil após a eclosão do movimento golpista.715 Era o Governo que pedia
alterações constitucionais “na lei ou na marra”. Para eles era ainda o Governo que buscava
apoio extraparlamentar para encaminhar as reformas de base. Era ainda o Governo Jango
que respaldava ações de insubordinação militar, ao anistiar os marinheiros após a
movimentação do dia 24 de março. Neste sentido, afirmava uma reportagem do O Estado
de S. Paulo:
“Se o governo se põe contra a ordem jurídica, isto é, contra a Constituição e a lei, o
natural é que se crie na opinião pública uma dissidência entre os que seguem um e
outro. É preciso escolher, entre os dois contendores, um, a quem servir (...). assim se
definem as posições: este estará com o regime e contra o governo; o outro, com o
governo e contra o regime.
Para as Forças Armadas não há opção, dentro da lei. A Constituição lhes
impõe um dever expresso e inelutável: o de manter a ordem jurídica. Presume-se
que, portanto, deva começar por manter o governo, porque se pressupõe que o
governo encarne a ordem jurídica e não possa colocar-se contra a mesma. (...) Na
inconcebível situação de luta entre o Presidente da República e a lei, prevalesce a
lei”.716
712
VICTOR, op. cit., p. 486.
713
FIGUEIREDO, op. cit., p. 183.
714
Citado em VICTOR, op. cit., p. 511.
715
Idem, p. 571.
716
OESP, 17 de março de 1963. Citado em FIGUEIREDO, op. cit., p. 182.
275
276
717
VICTOR , op. cit., p. 489.
718
Citado em VICTOR, op. cit., p. 489.
719
Idem, ibidem, p. 510.
720
Citado em HIPOLLITO, op. cit., p. 245.
276
277
721
Jornal do Brasil, de 31 de março de 1964. Citado em VICTOR ,op. cit.,p . 505.
277
278
A disputa foi acirrando-se ao longo dos anos de 1964 e 1965, culminando neste
último período. No entanto, o momento ainda privilegiava o combate às esquerdas e não o
confronto entre si. Somente em fins de 1965 esta questão passou a estar mais presente e
vários foram os motivos para o confronto. Os militares nacionalistas-ditatoriais reclamavam
do alinhamento incondicional aos Estados Unidos e da liberdade, mesmo que limitada, que
alguns políticos ainda desfrutavam. Solicitavam o aprofundamento da limpeza na vida
política do país e a estatização de áreas que consideravam de segurança nacional.
Reivindicavam ainda medidas efetivas para diminuir as diferenças sociais.
De outro lado temos os internacionalistas-autoritários que buscavam abreviar a
intervenção militar na vida política mas que acabaram por ceder algo para os nacionalistas
em função de privilegiarem a unidade das Forças Armadas. Os udenistas, por sua vez,
senão a maioria pelo menos parcelas significativas do partido, discordavam da reforma
agrária que foi encaminhada ainda em 1965, apesar de seus limites. Manifestaram ainda seu
descontentamento em relação à perpetuação do regime de intervenção militar. Já os
ipesianos observaram contrariados a estatização de parcelas da economia, tal como nos
setores de produção de energia e telecomunicações. Viram-se, gradativamente, alijados do
poder que ajudaram a implementar.
Como pode ser depreendido pela análise do período posterior ao golpe, nos
governos dos sucessivos Generais-Presidentes, muito do que foi estabelecido nestes
projetos foi implementado. Não se observa a hegemonia de um único grupo, mas aspectos
que estavam presentes nos diversos projetos de sociedade aqui analisados. Talvez surja daí
a afirmativa de Maria Helena Alves que, analisando o período 1964-1984, indica que o
regime calcado na Doutrina de Segurança Nacional, no Brasil, apresentou-se atípico porque
não seguiu, por completo, o receituário liberal. Para ela, a política econômica adotada
apresentava um “modelo específico de desenvolvimento econômico associado-dependente
que combina elementos da economia keynesiana ao capitalismo de Estado”.722 Pode-se
assinalar que o ponto culminante do conflito destes projetos foi o estabelecimento do Ato
Institucional-2. Ao estabelecer o bipartidarismo e as eleições indiretas para presidente, o ato
provocou um profundo mal-estar em parcelas da UDN. Acabou por significar uma resposta
às reivindicações dos militares nacionalistas, que solicitavam uma higienização maior do
722
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 26.
278
279
279
280
5 - Conclusão
A bibliografia aqui citada, apesar das muitas divergências quanto à forma de análise
sobre o contexto político da década de 1960, apresenta-se de acordo em um aspecto
fundamental. Todos consideram os grupos analisados aqui como pertencentes à direita
política brasileira. Ora de forma mais direta, mas por vezes não sendo tão objetivos em suas
perspectivas, as análises sobre 1964 assinalam, em sua grande parte, que os grupos
apresentados pertenciam à direita política brasileira em função de sua oposição aos
movimentos populares, às forças progressistas de transformação ou ao governo Jango.
Stepan, Skidmore, Benevides, Dulci e Dreifuss, dentre outros, observam que estes grupos
eram restritivos quanto à questão da mobilização popular, quanto ao direito de voto e
quanto ao acesso à propriedade privada. As análises efetuadas confirmam esta perspectiva.
No entanto, se antes as abordagens feitas pelos autores mencionados priorizou o enfoque
particular de cada um dos grupos aqui estudados, o caminho seguido nestas páginas não foi
neste sentido. O enfoque realizado buscou a análise comparativa dos projetos dos centros
catalisadores: militares, políticos e elite empresarial. Compreendo que a metodologia
utilizada possibilita visualizar melhor em que aspectos estes grupos aproximavam-se e
distanciavam-se uns dos outros.
No entanto, se os grupos abordados – parcelas dos principais encaminhadores do
golpe que afastou Jango do poder –, estavam localizados, dentro do sistema político
brasileiro da década de 1960 no espaço das direitas, isto não é apenas em função de seu
referencial lógico, as esquerdas. Foi também resultado da presença de uma concepção de
mundo que possibilitava a sua existência enquanto grupamento político, viabilizando a
unidade que se percebe em março de 1964. Todos os grupos aqui analisados possuíam
como elemento fundamental a questão da desigualdade – fosse ela política, econômica ou
social – como aspecto inerente à estruturação de uma sociedade. Desta forma, não foram
apenas as questões conjunturais que provocaram a oposição entre direita e esquerda.
Quanto a este aspecto, os fatores da oposição entre direita e esquerda, dois autores
destacam-se pela forma quase antagônica de encaminharem suas análises. Renné Rémond e
280
281
723
Para maiores detalhes que caracterizam a dicotomia direita/esquerda ver: BOURDIEU, Pierre. O Poder
Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 1989, p. 179; BOBBIO, Noberto. Direita e Esquerda: razões
para uma distinção política. São Paulo, Universidade Estadual Paulistana, 1995, p. 63; e, ainda, RÉMOND,
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