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A presença de Dalcroze na vivência musical na infância: uma experiência do

ensino de música em uma escola de ensino regular.

Suelayne Mayumi Moraes Souza


Universidade do Estado do Pará
suelaynemayumi@hotmail.com

Pôster

Resumo: Este trabalho tem como objetivo observar e analisar como os fundamentos da
pedagogia musical de Émile Jaques-Dalcroze, que valorizam a importância da vivência corporal
no ensino e aprendizagem da música, ocorrem nas aulas destinadas à vivência musical em uma
escola de ensino regular. A música, enquanto forma de expressão artística, é garantida nas
escolas de ensino regular pública e particular pelo documento da BNCC – Base Nacional Comum
Curricular, e baseados nos direitos e diretrizes contidas nesse documento, entende-se que as
ideias do pedagogo Émile Jaques-Dalcroze são de fundamental importância para desenvolver
um trabalho pedagógico adequado a educação infantil, pois constituem um método pedagógico
ativo, fundamentado na interação entre escuta e movimento corporal. A pesquisa foi
empreendida através da observação, para o levantamento das informações em campo. Como
suporte para fundamentar as análises qualitativas, foi realizada uma pesquisa bibliográfica. Ao
final da pesquisa, compreendemos que utilizar as ideias de Dalcroze para o ensino música na
infância não só desenvolve a coordenação motora dos alunos, mas também cria e amplia a
consciência rítmica, sensibilizando musicalmente o aluno. Observou-se que durantes os meses
de estagio e pesquisa em campo, em todas as turmas houve um desenvolvimento dos alunos
em relação a aprendizagem musical e pré-disposição para a apreciação musical. Por fim,
através da experiência em campo, compreendemos que podemos desenvolver novas propostas
pedagógicas de aplicação e adaptação dos princípios e métodos deixados por Dalcroze.
Palavras chave: Émile Jaques-Dalcroze. Vivência Musical. Educação infantil.

Introdução

O acesso ao conhecimento da música enquanto linguagem artística no contexto das


escolas regulares do ensino básico é um direito do brasileiro. O documento mais recente que

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garante tal direito nas escolas públicas e particulares é o texto da nova Base Nacional Comum
Curricular (BNCC).
No currículo para a educação infantil, a BNCC enumera, dentre outros “campos de
experiência” para a criança: “corpo, gestos e movimentos” e “traços, sons, cores e linguagens”
(BRASIL, 2016, p. 64). Por sua vez, ao tratar das experiências com o “corpo, gestos e
movimentos”, são citados como “direitos de aprendizagem”: “experimentar, de múltiplas
formas, a gestualidade que marca sua cultura e está presente *...+ na música”, “expressar
corporalmente emoções, ideias e opiniões, [...+ nas músicas” (BRASIL, 2016, p. 71).
Dentre os “objetivos de aprendizagem” encontramos, por exemplo: “criar
movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo em brincadeiras, jogos e atividades
artísticas como dança, teatro e música”. (BRASIL, 2016, p. 72). Já quando são tratadas as
experiências com “traços, sons, formas e imagens”, são citados como direitos: “brincar com
diferentes sons e ritmos” (BRASIL, 2016, p. 76). Dentre os objetivos dessas experiências
constam: “explorar sons produzidos com o próprio corpo e com objetos cotidianos”. (BRASIL,
2016, p. 78).
A partir das informações da BNCC percebemos que o método ativo de Dalcroze, que
propõe um trabalho sistemático de educação musical fundamentado na interação entre escuta
e movimento corporal se configura como uma estratégia pertinente para a experiência musical
infantil no contexto da educação básica.
Esta pesquisa propôs observar e analisar como os princípios e fundamentos da
pedagogia musical de Émile Jaques-Dalcroze ocorreram nas aulas de música da escola onde foi
realizada a pesquisa, compreendendo a importância da vivência corporal no ensino e
aprendizagem da música, fazendo uma análise à luz dos fundamentos dalcrozianos.
Para o desenvolvimento do trabalho, foi feito o levantamento das informações com as
descrições e análises das atividades realizadas em sala de aula durante o período de estágio
supervisionado, como atividade exigida no âmbito da graduação. As turmas observadas –
Jardim I, Jardim II e 1º ano do fundamental – constituíram, portanto, a amostragem da
observação que, dessa maneira, se fundamentou numa ação descritiva. A técnica de pesquisa
foi a observacional participante, que, segundo Ludwing (2009), visa compartilhar os papéis e

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hábitos dos integrantes de um determinado ambiente ou grupo social durante um certo
período, tentando explicar, através da observação, o modo de pensar, agir e sentir do grupo.
Além disso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, através das coletas de dados em
livros, publicações periódicas e impressos diversos. O material bibliográfico deu suporte teórico
que fundamentou toda a análise das observações em campo, que foi realizada de maneira
qualitativa.

Concepções teóricas de Dalcroze

Dalcroze foi professor do conservatório de Genebra e um grande agente


transformador e revolucionário dentro da pedagogia musical. Fundamentando seu método
numa pedagogia que integra a vivência, o corpo e a música na construção dos saberes musicais
e na aplicação de metodologias para o ensino da música. Ele tentou conectar teoria musical
com a expressividade, sensibilidade e afetividade, atrelando gestos à música e usando ritmo
como elemento base.
A partir de suas experiências no âmbito da educação musical, paulatinamente Dalcroze
criou seu método denominado de Rítmica. Um método de ensino no qual os alunos
aprendessem explorando a escuta e experiência corporal. A partir disso, o pedagogo elaborou
exercícios que envolviam corpo e música.
Del Picchia; Rocha, Pereira (2013) explicam que Dalcroze, para uma melhor
compreensão, organizou sistematicamente a sua pedagogia dividindo-a em quatro
componentes, a Rítmica, o Solfejo, o Improviso e a Plástica Animada.
Segundo Fonterrada, “Dalcroze enfatiza o fato de o corpo e a voz serem os primeiros
instrumentos musicais do bebê, daí a necessidade de estimulo às ações das crianças desde
tenra idade, e da maneira mais eficiente possível”. (FONTERRADA, 2008, p. 131). Essa afirmação
dá subsídio para se trabalhar música e movimento corporal desde a educação infantil.
Ainda sobre os princípios deixados por Dalcroze, compreende-se que há certa
liberdade nos movimentos, pois, em se tratando de uma pedagogia livre como a de Dalcroze,
não se aconselha ter uma verdade absoluta com relação aos movimentos. Deve-se deixar o

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aluno livre para que cada vez possa se aperfeiçoar, e o professor possa elaborar seus próprios
movimentos de acordo com sua realidade e necessidades dos alunos, baseado no método.
Algumas das possibilidades de atividades baseadas pelo uso do método de Dalcroze
sob tais perspectivas são, por exemplo, a marcha associada à métrica, ou duração dos sons
associados à duração dos gestos no espaço.

Práticas educacionais na vivência musical

Dessa maneira, visualizamos aqui como essas compreensões teóricas foram aplicadas
numa escola regular de ensino infantil.
A escola adotou um sistema pedagógico baseado em projetos, que visa delimitar um
tema para o qual as atividades e aulas deveriam convergir. O tema do primeiro semestre do
ano letivo foi de trabalhar a cultura regional, sendo assim as atividades nas aulas de música
foram elaboradas com o intuito de inserir músicas regionais.
Vejamos um recorte da descrição de uma aula no formato do projeto do primeiro
semestre:
A primeira aula descrita neste trabalho ocorreu na turma de 1º ano, com o objetivo de
trabalhar andamento, pulsação, percepção auditiva e rítmica através da expressão corporal. A
aula começou com uma música de acolhimento e posterior foi apresentado a música utilizada
na atividade principal da aula.
Como estratégia para o uso da expressão corporal, a professora usou um pano grande
com várias cores e pediu que cada aluno segurasse uma parte da borda ao redor do pano. Em
seguida ela colocou a música para tocar e, ao longo da execução, deu os comandos da
atividade.
A música se iniciou com um andamento lento, assim, a professora solicitou que os
alunos balançassem o pano para cima e para baixo de maneira suave, mas quando eles
percebessem que a música acelerasse, deveriam balançar o pano com mais velocidade. Todos
deveriam fazer isso andando em círculos. Além disso, no refrão da música, que tinha um
andamento mais rápido, os alunos deveriam mudar o sentido que estavam andando.

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Ao final da aula cantava-se uma canção de despedida que sinalizava o seu fim.
Ermelinda Paz, ao abordar o método de Dalcroze, explica que esse tipo de trabalho
com vivência corporal desenvolve alguns objetivos específicos.

A expressão, o equilíbrio e o controle consciente do movimento corporal; o


desenvolvimento dos reflexos e impulsos; o desenvolvimento da concentração
e da capacidade de coordenação do movimento e do pensamento; a
capacidade de dissociação do movimento; e a libertação, expansão e
comunicação. (PAZ, 2000, p. 258).

Os objetivos dessa aula são claramente atendidos pelas estratégias de trabalhar os


movimentos de balançar o pano com mais velocidade, o que correspondia ao andamento mais
rápido da música; andar em círculos, que sinalizava a ideia de pulsação presente na música; e
mudar o sentido em que estavam andando, que remetia a mudança de andamento.
Na atividade descrita consegue-se identificar algumas características da rítmica de
Dalcroze como “representação corporal dos elementos musicais” e “expressão da música
através do corpo, segundo as relações de espaço, tempo e energia como uma experiência
individual” (DEL PICCHIA, ROCHA E PEREIRA, 2013, p.81). A partir dos exercícios propostos por
Dalcroze na plástica animada, nos quais cada gesto é correspondente a um elemento musical,
podemos identificar nesta atividade três movimentos expostos no esquema explicado por Del
Picchia; Rocha; Pereira (2013): métrica / marcha, rítmica sonora / rítmica gestual, e melodia /
sucessão contínua de movimentos.
A aula a seguir teve como objetivo introduzir o tema do projeto de natal que fazia
alusão a fábrica de brinquedos do papai Noel, que era o tema do segundo semestre, propondo
aulas que envolvessem brinquedos.
Esta aula foi realizada em uma turma de Jardim II, com objetivo de desenvolver o
canto, pulsação, ritmo, e manuseio de instrumentos percussivos. A aula foi introduzida pela
canção de acolhimento. Em seguida a professora colocou a música das vogais: A E I O U, em que
cada vogal tinha um movimento corporal correspondente.
Sobre o tema “Brinquedos” a professora colocou um vídeo do filme Toy Story com a
música em português Amigo estou aqui, que no filme retrata a vida de um brinquedo.

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Utilizando a música do vídeo, a professora fez uma atividade com os alunos em que todos
ficavam em pé para acompanha-la com os instrumentos dados pela professora. Os
instrumentos utilizados eram instrumentos percussivos: pandeiro e ganzá, que apresentavam
proporções adequadas aos alunos.
Nessa atividade a turma foi dividida em dois pequenos grupos. O primeiro grupo
marcava a pulsação da música com o pandeiro e o segundo tocava uma célula rítmica proposta
pela professora utilizando o ganzá. A professora então colocou a música para tocar e a
atividade foi feita. Quando a música foi repetida, no entanto, os grupos foram trocados. Os
alunos que estavam com os pandeiros passaram a utilizar os ganzás e vice-versa, podendo
assim, todos os alunos participarem das duas propostas da atividade. Ao final da aula foi
cantada a canção de despedida.
Fazendo uma análise desta aula a atividade com a música das vogais desenvolveu o
canto, pois ao mesmo tempo em que faziam o gestual, os alunos cantavam a música,
desenvolvendo inclusive a percepção auditiva. Nesta atividade das vogais encontram-se alguns
objetivos específicos do método apresentado por Dalcroze. Mariani (2012, p.41) pontua esses
objetivos da seguinte maneira, “as lições de rítmica visam estabelecer as relações entre música
e gesto, entre ritmo musical e expressividade do corpo.”
Na atividade da música Amigo estou aqui do filme Toy Story, foi trabalhado a pulsação,
ritmo, percepção musical, além de tocar instrumentos musicais percussivos de timbres
diferentes. Esta atividade relativamente simples desenvolve e aperfeiçoa a consciência rítmica
e auditiva do aluno.

Resultados da pesquisa

Através da experiência em campo, pode-se obter compreensões sobre a criação de


novos métodos de aplicação e adaptação dos princípios deixados por Dalcroze, entendendo
que o corpo é um instrumento vasto, no qual podemos explorar as mais diversas possibilidades
musicais.

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Dalcroze estimulou a criatividade e desenvolvimento daqueles que se baseiam no seu
método. Não que hoje não se use ou se tenha esquecido o método por ele deixado, mas há
uma liberdade de adaptação de criação de novas formas ou interpretações de seu método.
Segundo Gainza (1988)

[...] ultimamente abrem-se novas perspectivas nesse aspecto, pois as


pesquisas pedagógicas atuais deixam o educando em total liberdade para
explorar e descobrir suas próprias formas de expressão, suas próprias regras
de jogo, de materiais e até técnicas e estilos. Isso não significa que no
momento oportuno não possam e não devam ser abordadas formas
preestabelecidas. (GAINZA, 1988, p. 107).

Os movimentos corporais são importantes e de grande relevância dentro da pedagogia


musical. Observou-se que nas vivências musicais na escola onde foi desenvolvida esta pesquisa,
essa é uma estratégia muito presente. Acompanhando as aulas em classe, percebeu-se como a
competência, a qualificação e domínio dos conteúdos e das metodologias aplicadas, além da
preocupação em fazer uma aula de música apropriada para a educação infantil, utilizando
instrumentos alternativos, linguagem diferenciada para cada faixa etária em turmas diferentes,
por exemplo, são aspectos fundamentais para o exercício da docência.
Compreende-se que o desenvolvimento das crianças ocorre gradativamente, e que a
música na infância desperta não somente a questão da coordenação motora dos alunos, mas
também cria e amplia a consciência rítmica, sensibiliza a alma do aluno, incentivando a
participação do corpo na educação musical como um instrumento de ensino e aprendizagem.
Observou-se também que, durantes a pesquisa em campo, em todas as turmas houve
um desenvolvimento dos alunos em relação a aprendizagem musical e à pré-disposição para
apreciar a música. Assim, entende-se que é de grande importância desenvolver métodos e
estratégias didático-pedagógicas para as vivências musicais da infância, afim de beneficiar todo
o processo de aprendizagem e desenvolvimento musical dos alunos.
A pesquisa sobre as possibilidades de aplicação dos princípios de Dalcroze deve ser
permanente, pois são inúmeros os contextos possíveis, bem como distintas as propostas

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pedagógicas de cada escola ou professor. E esta pesquisa, se configura apenas como mais uma
dessas possibilidades.

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Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, 2016. 652 p.

DEL PICCHIA, Juliana Miranda Martins; ROCHA, Raimundo Andrade da; PEREIRA, Perdigão
Denise.Jaques-Dalcroze: fundamentos da rítmica e suas contribuições para a educação musical.
Revista Modus, Belo Horizote, MG, Ano III, n. 12, p. 73-88. Disponível em:
<http://www.uemg.br/openjournal/index.php/modus/article/viewFile/649/39>. Acesso em 04
mai. 2016.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios, ensaio sobre música e educação.
São Paulo: Unesp, 2008.

GAINZA, Violeta Hesy de. Estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus,1988.

LUDWING, Antônio Carlos Will. Fundamentos e prática de metodologia científica. Rio de


Janeiro: Vozes, 2009.

MARIANI, Silvana. Émile Jaques-Dalcroze: a música e o movimento. In: MATEIRO, Teresa; ILARI,
Betariz (Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Intersaberes, 2012.

PAZ, Ermelinda A. Pedagogia musical brasileira do século XX: metodologias e tendências.


Brasília: Musimed, 2000.

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