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Neste último documento se registrou que após chegar em Ciudad Real, Céspedes y
Xeria
se deslocou até Villa Rica del Espíritu Santo, Xerez46 e o puesto (porto?) de Maracayú.
Nestes
locais, deparou-se com a miserável desventura de seus moradores, onde homens,
mulheres e
crianças maltrapilhas e que se abasteciam de poucos de víveres, “[...] seu sustento son
unas
Rayses q se llaman yuca naranjas y plantanos y trigo de las yndías” (CARTAS..., [1628],
f. 4) e
não havia quaisquer tipos de criação de gado.
Como os eventos narrados por Céspedes y Xeria retratam um período de apenas três
anos
após a transmigração de Santiago de Xerez para as cercanias do rio Ivinhema, percebe-
se que
as esperanças de que ali se encontrariam melhores condições de vida para os xerezanos
não
foram alcançadas. Ainda assim, surpreende que neste local tenha existido uma
população
indígena composta por “[...] 600 cristãos yanaconas e 3.000 infiéis encomendados que
falam
Niguará” (PASTELLS, 1912, p. 386, tradução nossa)47, o que leva a duas observações: ou
a
população xerezana foi superestimada ou, então, após a visita de Céspedes y Xeria
houve uma
mudança vital na situação socioeconômica local48, mas ambas questões são duvidosas.
Outro ponto digno de nota, relacionado à Santiago de Xerez e a Vacaria, diz respeito a
existência de dois pueblos que foram fundados na margem direita do rio Paraná, por
volta de
1580. De acordo com registros de Pedro Lozano (BRASIL, 1952a, p. 316), os indígenas
destes
locais, os Cuataguás e os Conumyais54, eram identificadas como guarani. Antonio
Santa
Clara Córdoba, historiador franciscano, acrescenta que a redução dos cuataguás foi
nomeada
de Pacuyú e era atendida pelo Frei Alonso de San Buenaventura; a outra, dos
conumyais,
recebia doutrina do Frei Luis Bolaños (CÓRDOBA, 1937, p. 60-61). Ambos locais teriam
subsistido até 1632, quando foram assolados por uma bandeira55.
Conforme Azara (1847b, p. 202-203), uma redução estava localizada ao norte do rio
Amambai, no caminho depois utilizado para chegar em Xerez; a outra, nas margens da
lagoa
Curumiai, um pouco antes do rio Paraná56. Entretanto, Nimuendajú (2017, p. 121:D7)
aloca os
dois grupos indígenas que formavam estas reduções ao sul de Xerez, em uma área
contínua
entre as cabeceiras dos rios Dourados e Brilhante, equivalente, hoje, à extensão de terras
que
segue do norte de Antonio João àparte leste de Maracaju, municípios sul-mato-
grossenses.
Sobre a existência destes lugares, próximos da Vacaria, Affonso Botelho de Paio e
Souza, em
um relato enleado e atribuído ao Barão do Rio Branco, traz a seguinte informação:
[...] no territorio da Vaccaria, ao norte do Yguatemy, no Alto Amambay e nas
cabeceiras do Rio Pardo, havia também tres aldeias de indios catechisados
pelos jesuitas hespanhóes, e que também estas foram arrazados pelos
Paulistas em seguida a invazão do Goayrá, em 1632; chamavam-se estas
aldeias S. José de Itatines, Augeles e San Pedro-y-San-Paulo e tinham sido
fundadas poucos annos antes com indios já mansos vindos das reducções
jesuiticas do rio Mbotetey (PAIO E SOUZA, 1895, p. 96, grifos do autor).
Contudo, o mesmo autor observa que não tinha acesso a fontes que assegurassem esta
afirmação, pois, “[...] nem nos documentos velhos existentes no archivo, nem nos
mappas
dessa região se encontram referencias a estas reducções jesuiticas do territorio da
Vaccaria”
(PAIO E SOUZA, 1895, p. 96). À parte destas incertezas, a área central da Vacaria
continuou a
despertar o interesse das coroas ibéricas, diferentemente do que ocorreu na região do
Guayrá
Não obstante, e ao que parece, a locação do trabalho indígena vigorou na Vacaria até
1895. A base para esta afirmação está em uma correspondência escrita por Domingos
Barbosa
Martins145, “Gato Preto”, ao jornal O Matto-Grosso, em novembro daquele ano. No
texto, em
que ele desfere acusações contra Muzzi, lê-se a seguinte afirmação: “[...] elle costuma
receber
peões alheios e conserval-os em sua casa sem pagar as respectivas contas, ferindo assim
directamente interesses alheios e desorganisando o serviço de locação” (MARTINS,
1895, p. 3,
grifos nosso). A partir deste registro e considerando que: a) a locação trata de serviço
feito por
indígena; b) na época os kaiowá tinham uma das maiores populações indígenas146 da
Vacaria,
e; c) que as pessoas envolvidas no conflito possuíam fazendas que estavam nas margens
do
rio Brilhante, é pertinente inferir que entre os peões alheios havia alguns kaiowá147
(Martins foi um dos fazendeiros mais abastados da região. No recenseamento de propriedades rurais, de
1920, ele foi listado como dono das seguintes fazendas: Santo Amaro, Santa Barbara, Jaboticabal,
Chavantes, Laranjalzinho (três áreas), Capão Alto, São Bento e Capão do Gato (BRASIL, 1923a, p. 17-
21).
Estas terras se alastravam da Vacaria até as imediações do rio Paraná. Não é improvável, também, que
outras
terras de Martins não tenham sido elencadas naquele censo (REZENDE, 1924, p. 9-10) )
Para Manuela Carneiro da Cunha, até os anos de 1860 não se debatia acerca “dos fins de
uma
política indigenista, e sim dos seus meios: se se deviam exterminar sumariamente os
índios,
distribuí-los aos moradores, ou se deviam ser cativados com brandura” (CUNHA, 1992,
p. 5).
Há, ainda,
denúncias de que Domingos Barbosa Martins229, o “Gato Preto”, abastado fazendeiro da
Vacaria (Fotografia 5), promoveu uma “caça” aos Ofaié230.
Darcy Ribeiro afirma que, na década de 1900, Rondon teria desarmado um bando de bugreiros, caçadores
de
índios, que agiam a mando de Martins. Conforme Ribeiro (1996, p. 133), alegava-se que um grupo de
ofaié
estaria “[...] acabando com seu gado”. Ainda que não seja improvável que este evento tenha ocorrido,
parece-me que a narrativa de Ribeiro é uma corruptela de uma ocorrência registrada na região de
Aquidauana. Neste caso, Rondon interveio para “salvar” os poucos ofaié que ainda viviam nas
“cabeceiras
dos rios Taboco e Negro, os quais estavam sendo sistematicamente caçados e exterminados a tiros de
carabina pelo Coronel José Alves Ribeiro, sob o pretexto de que os índios matavam, para comer, as reses
das
suas fazendas” (MISSÃO..., 2003, p. 41). Esta informação foi reproduzida no boletim no qual o SPI
prestou
homenagem ao centenário do nascimento de Rondon (BRASIL, 1965, p. 6). Há um relatório de
Nimuendajú
(1993, p. 101 et seq.), de 1913, que aborda a violência sofrida e promovida pelos Ofaié na Vacaria.
De toda forma, a percepção de que a violência contra os indígenas não era uma prática
isolada entre os vacarianos também foi confirmada por Nimuendajú. Conforme o
etnólogo
alemão, um grupo remanescente dos kaiowá afastou-se de suas áreas de ocupação para
fugir
“[...] da escravidão assalariada a que lhes submetiam seus patrões brasileiros de Vacaria,
buscando refúgio junto ao Serviço de Proteção aos Índios na reserva dos Ofaié-
Chavante no
Ivinhema” (UNKEL, 1987, p. 14). Em outro caso, narrado pelo mesmo autor, o
assassinato de
dois camaradas de Joaquim Barbosa232, atribuído ao líder ofaié, fez com que se
encarregasse
“um grupo de Kaiuá, moradores desta zona, de trazer as orelhas deste chefe233, sob pena
de
serem todos degolados. Os Kaiuá se meteram no mato atrás dos Ofaié234, e logo depois
entregaram ao fazendeiro os troféus exigidos” (NIMUENDAJÚ, 1993, p. 103-104, grifos
nosso)
Outrossim, cabe notar que nesta mesma região localizava-se uma das mais extensas
fazendas de Domingos Barbosa Martins, a Laranjalzinho (BRASIL, 1923b, p. 17), cuja
sede
estava próxima do posto indígena. Considerando a influência político-econômica de
Martins
(NIMUENDAJÚ, 1993, p. 114) e seus interesses naquele lugar, não é improvável que a
criação
do posto de atração servisse para oferecer alguma proteção para os indígenas. Para
Ribeiro
(1996, p. 133), o posto serviria para fornecer mão de obra indígena para a expansão das
fazendas de Martins. De acordo com Lima (1992, p. 51), no Posto Indígena
Laranjalzinho
chegaram a viver cerca de duzentos indígenas Ofaié e Guarani240.
REZENDE
REZENDE, P. 125
MANUEL CACULÉ – NEGRO A MANDO DO GATO PRETO PARA “OCUPAR” TERRAS DO SEU
PATRÃO” O BARÃO DE ANTONINA