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ANÁLISE DE SISTEMAS DE MICRO E MACRODRENAGEM NA ZONA

URBANA DE MOSSORÓ/RN

Iran Eduardo Lima Neto¹ & George Leite Mamede²

RESUMO – Este estudo apresenta uma análise de parte do sistema de drenagem pluvial da zona
urbana de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte. A cidade é cortada pelo rio Mossoró, com
uma bacia hidrográfica de aproximadamente 10.000 km². Esta cidade vem sendo fortemente afetada
por problemas de inundações causados pelas cheias no rio, assim como a ineficiência do sistema de
microdrenagem. A avaliação do sistema de microdrenagem é realizada com base em estudo de
ocorrência de eventos extremos a partir de séries históricas de dados pluviométricos e modelos
chuva-deflúvio. No caso da macrodrenagem, dados de vazão de postos fluviométricos localizados
próximos do trecho em questão são usados nos estudos de cheia. Os resultados mostram que o
sistema de microdrenagem está sub-dimensionado, com pontos de estrangulamento e problemas
estruturais. Quanto à macrodrenagem, observa-se que o sistema também está sub-dimensionado,
com recorrência freqüente de eventos extremos e consequente alagamento do centro urbano. De
acordo com este estudo, os problemas de inundação são agravados pela construção de imóveis na
planície de inundação e pelo baixo desnível do centro urbano em relação ao rio. Por fim, diferentes
cenários são analisados para estimativa dos impactos resultantes de alterações
(alargamento/aprofundamento) na seção do rio.

ABSTRACT – This study presents an analysis of part of the drainage system of the urban area of
Mossoró, in the state of Rio Grande do Norte. The city is drained by the Mossoró river, with a
10,000-km² catchment. This city has been strongly affected by flood problems caused by the high
water levels at the river, as well as the inefficiency of the drainage system. The assessment of the
micro drainage system is carried out based on flood events analysis using time series of rainfall data
and rainfall-runoff models. In the case of the macro drainage system, measured data of water
discharges from gauging stations located close to the area are used in the flood study. The results
show that the micro drainage system is under-dimensioned, with constriction points and structural
problems. Regards to macro drainage, the system is also under-dimensioned, with high frequency of
flood events covering the urban area. According to this study, the flood problems are enhanced by
the construction of houses at the floodplain and by the low level difference between the urban area
and the river. Finally, different scenarios are tested for the estimation of the impacts resulted from
changes (enlargement/excavation) on the river section.

Palavras-chave: Drenagem urbana, eventos extremos, intervenções estruturais

1) Professor adjunto da UFC, Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental – DEHA, Campus do Pici, Bloco
713, CEP 60.451-970, Fortaleza. E-mail: ielneto2003@yahoo.com
2) Professor adjunto da UFERSA, Departamento de Ciências Ambientais. E-mail: georgemamede@hotmail.com
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X Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste 1
 
1. INTRODUÇÃO

A drenagem urbana é um setor de grande destaque na área de recursos hídricos (Linsley e


Franzini, 1978; Maidment, 1993; Tucci et al., 1995). Este setor vem recebendo cada vez mais a
atenção dos profissionais da área em conseqüência do crescimento acelerado das cidades e da
ocorrência relativamente freqüente de cheias urbanas. Em virtude de suas interações com outros
setores das engenharias civil e ambiental como esgotamento sanitário e resíduos sólidos, no Brasil,
a drenagem urbana foi recentemente incluída no âmbito do saneamento básico (Lei Federal
11.445/07). Alguns trabalhos recentes que destacam essas interações são apresentados por Neves &
Tucci (2008), Silva et al. (2009) e Dias e Rosso (2009). Portanto, para minimizar os problemas de
cheias urbanas e suas conseqüências sócio-econômicas e ambientais, tanto soluções mais drásticas
como ampliação e/ou substituição das instalações existentes como soluções alternativas menos
onerosas vêm sendo consideradas em diversos municípios brasileiros (Oliveira et al., 2009; Vieira
et al., 2009; Zelioli et al., 2009; Gomes et al., 2010).
O problema de cheias urbanas tem sido em geral destacado para as regiões sul e sudeste do
Brasil (Tucci et al., 1995). No entanto, nos últimos 10 anos, este problema também tem ocorrido
com bastante freqüência em zonas urbanas da região nordeste (COGERH, 2001; Peplau, 2005;
Plano de Saneamento Ambiental da Região Metropolitana de Fortaleza, 2007; RECESA, 2008). A
motivação para realização do presente trabalho surgiu com a necessidade de se avaliar o sistema de
drenagem na zona urbana da cidade de Mossoró/RN, que vem sofrendo freqüentes alagamentos
severos e causando sérios transtornos à sociedade. O trabalho apresenta uma análise dos sistemas de
micro e macrodrenagem da área de estudo, sendo ressaltados pontos de estrangulamento da rede e
propostas ações para minimização dos problemas identificados.

2. METODOLOGIA

O município de Mossoró situa-se na porção oeste do estado do Rio Grande do Norte,


limitando-se ao norte como Estado do Ceará e o Município de Grossos, ao sul com os Municípios
de Governador Dix-Sept Rosado e Upanema, ao leste com Areia Branca e Serra do Mel e a oeste
com Baraúna. Mossoró conta hoje com uma população de aproximadamente 235 mil habitantes,
mas apesar do porte tem muitas limitações quanto aos sistemas de drenagem pluvial e esgotamento
sanitário.
Para realização do presente trabalho fez-se necessário o desenvolvimento de estudos
hidrológicos e hidráulicos para avaliar o sistema de microdrenagem da área urbana de Mossoró/RN
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e analisar as condições de escoamento no rio Mossoró (macrodrenagem), conforme relatado a
seguir.

Microdrenagem

Para avaliação do sistema de microdrenagem da área urbana de Mossoró, utilizou-se a série


histórica do posto pluviométrico de Mossoró (código 537037, ANA) e informações resultantes de
levantamento topográfico realizado no contexto deste trabalho. A Figura 1 apresenta uma zona
crítica do sistema de drenagem em estudo, obtida a partir do levantamento topográfico supracitado.
Destaca-se ainda o sistema de microdrenagem da área em questão, composto basicamente por três
bocas-de-lobo e tubulação de descarga das águas pluviais coletadas.

DESCARGA
B1 B2
B3 BOCAS‐DE‐LOBO

ÁREA DE DRENAGEM

Figura 1 – Representação esquemática de sistema de microdrenagem na área urbana de


Mossoró/RN

Dispondo da série pluviométrica referente ao período de 1990 a 2009, foram obtidas as


precipitações máximas anuais (Pmáx), as probabilidades de ocorrência de cada precipitação máxima
(Prob) e os seus respectivos tempos de retorno (TR). Em seguida, foram calculadas as intensidades
de chuva (i) para diferentes durações e tempos de retorno normalmente adotados no

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dimensionamento de sistemas de microdrenagem. As relações entre alturas pluviométricas de
chuvas de diferentes durações foram obtidas de Bertoni e Tucci (2000).
Para avaliar a capacidade do sistema de microdrenagem supracitado, adotou-se uma chuva
típica com duração de uma hora e tempo de retorno (TR) de dois anos. Em seguida, gerou-se um
hietograma triangular simétrico, conforme descrito em Tucci et al. (1995).
Para o cálculo do escoamento superficial na área de drenagem, utilizou-se a equação (1),
fornecida por Tucci et al. (1995):

QE  0, 278CE iA (1)

em que: QE é a vazão gerada com o escoamento superficial (m3/s), CE é o coeficiente de escoamento


(adotou-se CE = 0,70, referente a edificações não muito densas), i é a intensidade de chuva (mm/h) e
A é a área de drenagem (km2) (obtida a partir do levantamento topográfico, A = 0,1 km2).
Para o cálculo da vazão de engolimento das bocas-de-lobo, utilizou-se a equação (2),
disponível em Tucci et al. (1995):

QB  2,91 AB y1/2 (2)

em que: QB é a vazão de engolimento de bocas-de-lobo do tipo grelha (m3/s),  é o fator de redução


do escoamento devido a obstruções e irregularidades nos pavimentos das ruas junto às sarjetas e
alinhamento real (adotou-se  = 0,50, referente a bocas-de-lobo do tipo grelha localizadas em
pontos baixos), AB é a área das grades, excluídas as áreas ocupadas pelas barras (m2) e y é a altura
de água sobre as bocas-de-lobo (m).
Adotou-se uma altura máxima sobre as bocas-de-lobo de 1 m, valor este observado nos
estudos de campo e corroborado por relatos dos moradores do local. Logo, realizando um balanço
entre o escoamento superficial e as vazões de engolimento, pode-se calcular a variação do volume
de alagamento e do nível d’água sobre as bocas-de-lobo.
Os níveis d’água sobre as bocas-de-lobo permitiram ainda verificar a capacidade de transporte
das tubulações de descarga, considerando escoamento a seção plena (Tucci et al., 1995), sem
obstruções e com diferentes níveis de obstrução em porcentagem dos diâmetros.
Finalmente, verificou-se a necessidade de ampliação do sistema de microdrenagem para
minimizar os problemas de estrangulamento da rede.

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Macrodrenagem

Para realização dos estudos hidrológicos do rio Mossoró, utilizou-se a série histórica de
vazões do posto fluviométrico de Mossoró (código 37090000, ANA/CPRM). A Figura 2 apresenta
a localização do posto Mossoró, assim como o traçado do rio Mossoró e os canais de dicotomização
e tricotimização, contruídos em 1982 e 1987, respectivamente, para minimizar o impacto das cheias
no rio sobre a cidade.

Figura 2 – Localização do posto fluviométrico e traçado do rio Mossoró na área urbana de


Mossoró/RN

A série histórica de vazões diárias do posto Mossoró está disponível no sistema de


informações da Agência Nacional de Águas (HIDROWEB/ANA), compreendendo o período de
1987 a 2005. Contudo, observou-se que os dados diários de nível d’água naquele mesmo posto
abrangiam um período maior (1987 a 2010). Para aumentar nossa série de dados fluviométricos,
sobretudo onde só se dispunha de dados de nível d’água, foi realizado o traçado da curva chave
daquela seção, com base nos dados existentes de ambas as varáveis (nível d’água e vazão).
Dispondo da curva chave, foi possível preencher eventuais falhas nos valores de vazão em
dias em que se dispunha de medições de nível d’água naquela seção do rio para o período de 1987 a
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2010. Contudo, para efeito de estudos de cheia, esse período pode ser considerado curto,
considerando ainda os anos com ausência de medições nos eventos extremos.
Para solucionar esta insuficiência dos dados disponíveis, utilizaram-se os dados de vazões do
posto Pedra de Abelhas (código 37080000, ANA/CPRM), localizado cerca de 50 km a montante do
posto Mossoró. Este posto apresenta uma série histórica de vazão para o período de 1964 a 2006,
segundo os arquivos disponibilizados pela Agência Nacional de Águas (HIDROWEB/ANA).
Comparando-se os dados de vazão entre os postos Mossoró e Pedra de Abelhas, para o
período com existência de dados em ambos, observou-se que as vazões do primeiro são
aproximadamente 20% superiores, o que é aceitável, considerando que as áreas das bacias
contribuintes são de 6.622 e 9571 km², respectivamente. Portanto, aplicou-se um fator de correção
de 1,2 aos valores de vazão do posto Pedra de Abelhas para o período de 1964 a 1986, o que
possibilitou a geração de uma série de dados de vazão para o período de 1964 a 2010, com dados de
ambos os postos.
Deve-se observar, no entanto, que as vazões medidas no Posto Mossoró são subdivididas no
trecho de rio que passa pela área urbana da cidade, em virtude dos canais dicotomização em 1982 e
trocotimização em 1987, construídos pela Prefeitura Municipal de Mossoró em parceria com o
Governo Federal para minimização dos limites das áreas alagadas. Para considerar tal efeito,
admite-se que a vazão no leito principal do rio corresponde a 75% e 70% da vazão no posto
Mossoró com as obras de dicotomização e trocotimização, respectivamente. Estes percentuais
foram estimados com base na largura dos braços de rio que cruzam a área urbana de Mossoró.
A variação do nível d’água do rio Mossoró nas proximidades da área objeto deste trabalho é
estimada com base na equação de descarga da barragem vertedouro localizada a jusante das pontes
que dão acesso ao centro de Mossoró, como segue:

Q = C.L.H3/2 (3)

em que: Q é a vazão no rio estimada com base nos dados do Posto Mossoró (m3/s); C é o
coeficiente de descarga, admitindo um valor de 2,0 para um vertedouro com soleira delgada; L é o
comprimento do vertedouro (83 m); e H é a lâmina d’água vertida (m).
Com base nos dados do levantamento topográfico, admitindo uma cota fictícia de 100,00 m
na soleira da barragem vertedouro, observou-se que o desnível entre a cota da geratriz inferior da
galeria no cruzamento das ruas Jerônimo Rosado e José Negreiros e o ponto de deságüe da rede de
drenagem no rio Mossoró é de 1,49 m (cota fictícia 100,023 m), conforme esquematizado na Figura
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3. Portanto, sempre que o nível da água do rio extrapola este valor, a água na galeria escoa no
sentido inverso e transborda na via neste cruzamento.

Figura 3 – Representação esquemática do sistema de deságüe da drenagem pluvial no rio Mossoró

Dispondo da série de vazões do posto Mossoró, complementada com dados do posto Pedra de
Abelhas para o período de 1964 a 2010, procedeu-se o estudo de vazões extremas utilizando a
distribuição probabilística de Gumbel.
Finalmente, verificou-se a necessidade de alargamento e/ou aprofundamento do canal de
macrodrenagem. As vazões na seção do posto fluviométrico Mossoró foram simuladas utilizando a
equação de Manning, ajustada a partir dos dados medidos naquela seção.

1
Q
2/3
A.Rh .S 1 / 2 (4)
n

em que: Q é a vazão (m³/s), n é o coeficiente de Manning, A é a área da seção b(m²), Rh é o raio


hidráulico da seção (m), e S é a declividade da linha de energia (m/m), correspondente a 0,003 m/m
(valor ajustado com base em dados medidos na seção).
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Para estimativa dos impactos resultantes de alterações na seção do posto fluviométrico,
diferentes cenários foram considerados. Vale-se ressaltar que as cotas apresentadas neste estudo têm
como referência o ponto mais profundo da seção original (cota fictícia de 200,00 m). Para cada um
dos cenários considerados foram estimadas as vazões correspondentes a diferentes profundidades.
Dispondo das curvas chave para cada cenário, foi possível estimar os níveis d’água associados a
vazões com tempos de retorno de 25, 50, 100 e 100 anos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Microdrenagem

Com relação ao sistema de microdrenagem, as probabilidades de ocorrência de cada


precipitação máxima (Prob) e os seus respectivos tempos de retorno (TR) são apresentados no
Quadro 1.

Quadro 1 – Precipitações máximas anuais (Pmáx), probabilidades de ocorrência (Prob) e tempos de


retorno (TR)
Ano Pmáx (mm) Ano Pmáx (mm) Ordem Prob. TR (anos)
1990 36,5 2002 137,6 1 0,05 20,0
1991 71,3 2004 108,2 2 0,10 10,0
1992 68,2 1997 103,2 3 0,15 6,7
1993 33,8 2007 89,3 4 0,20 5,0
1994 63,5 2009 83,5 5 0,25 4,0
1995 57,0 1996 75,5 6 0,30 3,3
1996 75,5 1991 71,3 7 0,35 2,9
1997 103,2 1992 68,2 8 0,40 2,5
1998 33,0 1999 67,8 9 0,45 2,2
1999 67,8 1994 63,5 10 0,50 2,0
2000 57,8 2008 63,4 11 0,55 1,8
2001 31,5 2000 57,8 12 0,60 1,7
2002 137,6 1995 57,0 13 0,65 1,5
2003 47,6 2003 47,6 14 0,70 1,4
2004 108,2 2006 45,9 15 0,75 1,3
2005 42,4 2005 42,4 16 0,80 1,3
2006 45,9 1990 36,5 17 0,85 1,2
2007 89,3 1993 33,8 18 0,90 1,1
2008 63,4 1998 33,0 19 0,95 1,1
2009 83,5 2001 31,5 20 1,00 1,0

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Adotando uma chuva típica com duração de uma hora e tempo de retorno (TR) de dois anos,
obtém-se uma intensidade média de 24,99 mm/h (ver Quadro 2). Em seguida, obtém-se um
hietograma triangular simétrico (Figura 4), conforme descrito em Tucci et al. (1995).

Quadro 2 – Intensidades de chuva (i) para diferentes durações e tempos de retorno normalmente
adotados no dimensionamento de sistemas de microdrenagem
INTENSIDADES, i (mm/h)
Duração (h) TR = 2 anos TR = 5 anos TR = 10 anos
0,08 75,46 115,11 145,10
0,17 59,93 91,41 115,23
0,25 51,79 79,00 99,58
0,33 44,94 68,56 86,42
0,42 40,39 61,62 77,67
0,50 36,99 56,43 71,13
1,00 24,99 38,13 48,06
6,00 7,14 10,89 13,73
8,00 5,80 8,85 11,16
10,00 4,88 7,44 9,38
12,00 4,22 6,43 8,11
24,00 2,83 4,31 5,44

60 instantânea
Intensidade de chuva  (mm/h)

50 média

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70

Tempo (min)

Figura 4 – Hietograma triangular gerado utilizando a intensidade média calculada para uma chuva
típica com duração de uma hora e tempo de retorno de dois anos

Utilizando a equação (1) para as diferentes intensidades de chuva mostradas na Figura 4,


obtém-se um hidrograma triangular com vazão máxima de 0,97 m³/s, conforme apresentado na
Figura 5. Utilizando a equação (2) adotando uma altura máxima sobre as bocas-de-lobo de 1 m
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(valor observado nos estudos de campo), obtém-se uma vazão máxima de engolimento de 0,83 m³/s.
Em seguida, calculou-se o tempo necessário para que as bocas-de-lobo esgotassem o escoamento
superficial gerado (70 minutos), considerando também um hidrograma triangular para as vazões de
engolimento (ver Figura 5).

1,2 Escoamento superficial
Vazão de engolimento
1,0

0,8
Vazão (m3 /s)

0,6

0,4

0,2

0,0
0 20 40 60 80
Tempo (min)

Figura 5 – Hidrogramas triangulares obtidos a partir das equações (1) e (2)

Realizando um balanço entre o escoamento superficial e as vazões de engolimento, pode-se


calcular a variação do volume de alagamento e do nível d’água sobre as bocas-de-lobo, conforme
apresentado nas Figuras 6 e 7, respectivamente.

300
Volume de alagamento  (m 3 )

250

200

150

100

50

0
0 20 40 60 80

Tempo (min)

Figura 6 – Variação do volume de alagamento


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1,2

Nível  d'água  sobre as bocas‐de‐lobo
1,0

h (m) 0,8

0,6

0,4

0,2

0,0
0 20 40 60 80

Tempo (min)

Figura 7 – Variação do nível d’água sobre as bocas-de-lobo

Os resultados permitiram estimar os impactos de diferentes níveis d’água sobre as bocas-de-


lobo. A Figura 8 apresenta os impactos de elevações de h = 0,5 m e h = 1,0 m sobre as bocas-de-
lobo. Observa-se que, em ambos os casos, áreas significativas são potencialmente atingidas com o
alagamento.

ÁREA POTENCIALMENTE
ATINGIDA (h = 0,5 m)
ÁREA POTENCIALMENTE
ATINGIDA (h = 1,0 m)

Figura 8 – Impacto de elevações de 0,5 e 1,0 m do nível d’água sobre as bocas-de-lobo


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X Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste 11 

 
Os níveis d’água sobre as bocas-de-lobo mostrados na Figura 7 permitiram ainda calcular a
capacidade de transporte das tubulações de descarga para diferentes obstruções. Verificou-se que
obstruções superiores a 25% do diâmetro (conforme observado nos estudos de campo) já seriam
suficientes para que as tubulações tivessem capacidade igual ou inferior à das bocas de lobo,
representando assim outro possível ponto de estrangulamento da rede de microdrenagem.
Finalmente, verificou-se que dobrando a capacidade das bocas-de-lobo e desobstruindo a tubulação
de descarga seria suficiente para evitar alagamentos significativos na área estudada.

Macrodrenagem

Com relação ao sistema de macrodrenagem, gerou-se inicialmente uma curva-chave,


conforme apresentado na Figura 9. Logo, foi possível preencher eventuais falhas nos valores de
vazão.
Conforme descrito anteriormente, aplicando-se um fator de correção de 1,2 aos valores de
vazão do posto Pedra de Abelhas para o período de 1964 a 1986, foi possível gerar uma série de
dados de vazão para o período de 1964 a 2010. Usando a equação (3) com base nos dados obtidos,
pode-se gerar uma evolução histórica do nível de água do rio Mossoró na seção de deságüe da
galeria, conforme mostrado na Figura 10.

Figura 9 – Curvas-chave do posto fluviométrico Mossoró para o período de 1987-2010

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X Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste 12 

 
Figura 10 – A evolução histórica do nível de água do rio Mossoró na seção de deságüe da galeria

De acordo com os resultados apresentados na Figura 10, observa-se uma freqüente recorrência
de transbordamento no cruzamento das ruas Jerônimo Rosado e José Negreiros através da galeria
que, neste caso, funciona como acesso direto das águas do rio Mossoró durante eventos de cheia,
totalizando 13 eventos em 46 anos, ou seja, um evento a cada 3,5 anos. Nas últimas duas décadas,
entretanto, a freqüência de recorrência destes eventos reduziu significantemente para um evento a
cada 7 anos, o que pode ser justificado pelos efeitos benéficos da construção dos canais de
dicotomização e tricotimização, além da atenuação das cheias decorrente da construção da
Barragem Santa Cruz do Apodi.
Utilizando a distribuição probabilística de Gumbel, foram obtidas vazões máximas associadas
a tempos de recorrência de eventos extremos para a seção do posto fluviométrico Mossoró,
conforme apresentado na Figura 11.

Figura 11 – Vazões máximas associadas a tempos de recorrência de eventos extremos para a seção
do posto fluviométrico Mossoró
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X Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste 13 

 
De acordo com os resultados apresentados na Figura 11, verifica-se a ocorrência de vazões de
779,31, 1.036,48, 1.227,27 e 1.416,65 m³/s, associadas aos tempos de retorno de 10, 25, 50 e 100
anos, respectivamente. Estes valores são, portanto, ligeiramente inferiores aos apresentados no
Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, com vazões de 993,11, 1.380,65,
1.668,81, 1.955,86 m³/s para os tempos de 10, 25, 50 e 100 anos. Contudo, os valores superiores
apresentados no PERH-RN podem ser explicados pelas incertezas decorrentes do uso de modelos
de chuva-deflúvio, ou ainda, por considerar um período histórico com precipitações relativamente
maiores que as observadas nas últimas décadas.
Ainda com relação aos estudos de cheia, estima-se que os problemas de fluxo inverso das
águas do rio pela galeria, com transbordamento no cruzamento das Ruas Jerônimo Rosado e José
Negreiros (Figura 3), tem uma recorrência de 3,2 anos, o que corresponde a uma recorrência pouco
mais freqüente que a observada na série de dados medidos.
A Figura 12 apresenta os impactos resultantes de alterações na seção do posto fluviométrico,
de acordo com quatro cenários, além daquele em que se considera a seção original: (a)
aprofundamento da calha do rio Mossoró em 50 cm no trecho mais profundo da seção (ao longo de
50 m da seção); (b) aprofundamento da calha do rio Mossoró em 100 cm no trecho mais profundo
da seção (ao longo de 50 m da seção); (c) alargamento da calha do rio Mossoró no trecho mais
profundo da seção (ao longo de 30 m da seção), após nivelamento com base no ponto mais
profundo; (d) alargamento da calha do rio Mossoró no trecho mais profundo da seção (ao longo de
60 m da seção), após nivelamento com base no ponto mais profundo.

213 213
211 Cenário (b) 211 Cenário (d)
Cenário (a) 209 Cenário (c)
209
Y (m)

Seção original 207 Seção original


Y (m)

207
205 205
203
203
201
201
199
199
0 40 80 120 160
0 40 80 120 160
X (m) X (m)

Figura 12 – Modificações da seção do posto fluviométrico Mossoró

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Tabela 1 – Níveis atingidos pela água em eventos com tempos de retorno de 25, 50, 100 e 1000
anos para cada um dos cenários considerados
Cotas (m)
C enário
Tr = 25 anos Tr = 50 anos Tr = 100 anos Tr = 1000 anos
Seção original 205,16 205,46 205,78 206,75
Cenário (a) 204,75 205,17 205,45 206,48
Cenário (b) 204,16 204,73 205,15 206,17
Cenário (c) 204,80 205,20 205,47 206,51
Cenário (d) 203,39 203,75 204,12 205,43  

De acordo com as estimativas da Tabela 1, todos os cenários considerados reduzem os níveis


atingidos pela cheia, contudo o cenário (d) apresenta as menores cotas de inundação, com redução
de até 1,32 m se comparado com o nível atingido na simulação com seção original e tempo de
retorno de 1000 anos. Um decréscimo desta natureza reduz significativamente o percentual de área
atingida pela cheia.
A Tabela 2, por sua vez, apresenta as estimativas de redução na freqüência com que ocorrem
os problemas de fluxo inverso das águas do rio pela galeria, com transbordamento no cruzamento
das Ruas Jerônimo Rosado e José Negreiros (Figura 3). De acordo com os resultados deste estudo,
estes eventos ocorrem sempre que há vazões superiores a 432 m³/s na seção do posto fluviométrico
Mossoró, o que corresponde a uma cota de 203,41 m na seção original. Admitindo-se esta cota para
os demais cenários, foi possível estimar as vazões e correspondentes tempos de retorno.

Tabela 2 – Freqüência de inundações no cruzamento das ruas Jerônimo Rosado e José Negreiros
através de fluxo de retorno pela galeria, em cada um dos cenários
C enário Q (m³/s) Tr (anos)
Seção original 432,61 3,2
Cenário (a) 601,88 5,4
Cenário (b) 791,23 10,4
Cenário (c) 588,08 5,2
Cenário (d) 1048,67 26,0

Como se pode observar na Tabela 2, todos os cenários reduzem a freqüência de ocorrência de


vazões de retorno no trecho crítico da Rua Jerônimo Rosado, destacando-se o cenário (d), que
apresenta uma recorrência de 26 anos, o que melhoraria significativamente os impactos das cheias
naquela área.

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4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

De acordo com os estudos realizados pode-se concluir que o sistema de drenagem pluvial da
área urbana do município de Mossoró está sub-dimensionado tanto em relação à microdrenagem
quanto à macrodrenagem. A falta de manutenção dos elementos do sistema de drenagem pluvial,
lançamento desordenado de lixo nas bocas de lobo, além do assoreamento do trecho do rio
Mossoró, são alguns dos agravantes aos problemas evidenciados.
Para evitar a ocorrência dos problemas descritos neste trabalho, sugere-se a adoção das
seguintes medidas em relação à micro e macrodrenagem:
 limpeza e desobstrução periódica de sarjetas, bocas-de-lobo e tubulações ou galerias;
 implantação de programas de conscientização da sociedade acerca do impacto dos resíduos
sólidos na drenagem;
 implantação e/ou ampliação da capacidade de bocas-de-lobo e galerias;
 canalização, aprofundamento e/ou alargamento do canal de macrodrenagem, incluindo
possíveis serviços de dragagem do leito do rio para retirada de material previamente
depositado;
 realização de serviços de aterramento e nova pavimentação no trecho crítico, no cruzamento
entre as ruas Jerônimo Rosado e José Negreiros, onde se observa um elevado desnível em
relação às vias de acesso a esse cruzamento, o que resulta nos constantes alagamentos.
 implantação de sistemas alternativos de drenagem urbana.
Do ponto de vista técnico, essas medidas são viáveis. Financeiramente, algumas das medidas
podem ser consideradas onerosas, sobretudo as obras de infra-estrutura hidráulica no trecho do Rio
Mossoró que passa pela área urbana (canalização, aprofundamento e/ou alargamento). No entanto,
considerando os recorrentes problemas de inundação do centro urbano de Mossoró e seus impactos
sócio-econômicos e ambientais, tais medidas devem ser levadas em consideração.

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