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(Umlivro inacabad

spetqgulo betiehismo aldeologid


Prefácio
deMichael Lõwy
Seu pensamento filosóÊco não epa um
exercício académico:de ponta a ponta, ele
está atravessadopela corrente elétrica da
indignação- um sentimento de revolta que
não pode ser dissolvido «nas águas moi'nas
da resignação consensual».Ele só tinha
desprezo por aqueles que chamava «Homo
pesignatus»,os intelectuais e políticos que
se i'econhecemde longe poP sua passiva
aceitação da impiedosa ordem estabelecida.
Em BensaXd,a i'evolução deixa de ser
considerada como o produto necessái'io
das leis da história, ou das contradições
económicasdo capital, papa se toi'nar uma
.ó@óápseesánaálügea, um hoi'izonte ético,
{' sem o qual a vontade renuncia, o espírito de
resistência capitula, a âdelidade é quebrada
e a tradição é perdida ». Pop conseguinl;e,o
revolucionário é um ser humano que duvida,
um indivíduo quecoloca uma energia absoluta
ao serviço de certezas relativas. Elm outras
palavras, alguém que tenta, obstinadamente,
levar em-prática a exigência colocada por
Walter Benjaminem seu último escrito, as
Teses sobre o conceito de história (3S4ah
escovar a história à contra-pêlo.

MichaelLõwy

Plebeu
Gabinete
ll l l l
'lU7 B B 5 LI ?
KRIVINE
nouvel 1968
abona
s livi'os foram chegando
M
0 de mansinho, alguns
quietos, solenes, graves.
Out;poschegaram aos boi'botões,
p\P4tiales
B pr
dU monde
:lEAHNE Une
radicãtté

pomo água de enxurrada,


deslocando cei'rezas de algibeira
e ditos empossados. Um livro
chamavaoutro e mais um. E atei 13ensaid
assim a história bonita de amor
aos livros: eles pedem atenção e
o afeto da leitura. Livro fechado,
guardado a sete chaves, cei'Fado
em biblioteca austera é sinal
ktlhli:zlx.le$ vaicu.r8d baia
de aval'eza e morte. Livro vivo 11 dra$tdes
pituvles
é livro aberto,generoso,
lido,
compai'pilhado
em voz alta, o
LA dISCORdANCEdES TEHPS
que passa de mão em mão. Assim
RI
E

foi com esta modesta biblioteca


que se foi formando nos
sebes, livrei'ias, alfarrabistas,
banquinhos de meio de pua,
HI Lionel,
qu'as.tu fa
de
nutre vlctoir
no chão de feri'unhas coloridas
e alguns, muitos, prendas de DÜt&i 1 8 nn $d unan4rés
lx+(ditas\
amigos distintos e mui amados, PENSEI
daqui e d'além mar. Pois, agora AGIR a mUHÜUE
estkjuW ?
®
g
estes livros e outros mais iCOMMEAH SmTEGIUE Ü RÉ9SiHeE:
quem'em
viver no centro da cidade
de Foi'taleza.
Pedemleitura à
gente sonhadora e teimosa, aos
inconformistas e atrevidos.
A biblioteca tem um nome:
Plebeu Gabinete de Leitura. Tem BEHSATÜ Kzvul.U'T10N
Fl®HeXIS
lIMOI R
um desde: quer sep um lugar' de =#.n ;S10n
liberdade da palawa e do gesto. # =: -- : '::'=
U RÉVOLUTION Kar Mar
Tem uma espei'onça: enconti'ap 0ANEÜ BEnSAt0

muitas vozes dissidentes para


uma leitura em copo contra a
t. \ [ L E X T]
ordem do capital. Temuma utopia:
sementeira de limos impressos
1 !{ }) A'f l E N {l: l:

@lá$igi/ CALUMAPO
le nouvel
BENSAID
KRIVINE
1968
DANIEL '1
nternatíonatisme
M JIABHE Une
i&dicaljté
em vermelho, rubros de desejo
de justiça, encarnadosdo verbo
jayeu$emend libertário.
N SA } D mélnicoliquo
Ao modo de sementeira, o
Danh] Bensúd PlebeuGabinetede Leitura dá à
11

estampa este livro inacabado de


Daniel Bensald, um comunista
tMem@sW hei'ético, no dito certeiro de
l)adiei liensald
DanieIBensald Michael LõW, pai'a quem os
Bl
livros de Daniel,são lidos com
um imenso prazer, poi'que saídos
da pluma afiada e do verbo de
lCõrl Mi:ltlç, le# voicur8 d b$í$ impacto. No belo prefácio que
etle draitdQSpauvr#8 abreo livro de DanielBensaXd, se
ofereceao leitor uma descrição
primorosa da escrita a serviço de
l
l b.dh-dANce.d"!eHP.
caiwç bs <lH+n,
C! $ÕB+uR t6s Fbi+çeiH
uma ideia, de uma mensagem,de
um chamado: não se dobrar, não
se resignar, não se i'econciliar
qu'as.t.
de
com os vencedores.IJmaescrita
Le #übfiüue
&dlt :ls noite vi( que MichaelLõW, amigo e
camas'ada de Daniel BensaXd,
entendebrotar de uma fórmula
Lt+ Íd;íkns
BtNSAT0
PENSAR impactante: uma fórmula que
AGIR podia sep assassina, irónica,

ll
M furiosa ou poética,mas que ia
dipeto ao seu alvo.
IJmaobrainacabada,
escritade
interrogação, urgente, apressada,
ardente, é o que se ofereceaos
BAHl E[ leitoresde DanlelBensald.
itHSATÜ 0 Plebeu Gabinete de Leitura é
grato a SophleBensaide Michael
il&!iÜlitHH!
U RÉVOLUnON LõW, que tornaram possível esta
U DAHIEL BENSAID edição,e a SamuelCavalcanteo
labor da tradução.
;''q

Adelaide Gonçalves
Fortaleza,Ceará,
\;l P Â T í E: N C: em agosto de 2013.

.l«#@ii? a-Cú-'i
D «í.i b...;id
(Umlivro inacabado)
Daniel BensaTd
Prefácio de Michael Lõwy

D; /

(IJmlivro inacabado)

Plebeu
rabi,mete
de Leltuta

1;..1--1... 0n1 2
20 13 (e)PlebeuGabinete de Leitura Sumário

Título Original
Le Spectacle,StadeUltime du Fétichisme de
la Marchandise (Marx, Marcuse, Debord, Daniel Bensald,Comunista Herético - Michael Lõwy . 9
Lefebwe, Baudrillard etc.) Nota do Tradutor - Samuel Cavalcante...................,...15
Autor
Daniel Bensald l Da Servidão Involuntária 17

Tradução e Notas
Samuel teimar Cavalcante e Silva 11 Mitos e Lendas da [)ominação. 25

1. [)o Espetácu]o ao Simu]acro......... 27


Prefácio 31
2. Uma revolução chamada desejo. ...
Michael Lõwy
3. A Política Como Arte da Reversão 37
Revisão 4. Trabalhar a Contradição ...... 40
banda Souto

111 Da .Nienação à Coisificação. 45


Capa e Diagramação
Léo de Oliveira
lv Em Buscada Totalidade Perdida 65
Impressão e Acabamento
Expressão Gráfica
V Eclipse da Razão Crítica 83

VI Do Espetáculo ao Simulacro. 105


Dados Internacionais 108
O Espetáculo Contra a História
de Catalogação na Publicação 110
B281D Bensaid. Daniel
O Urbanismo Contra a Cidade ......
Daniel Bennid: Espetáculo,Fetichismo,Ideologia.(Um livro inacabado)/ O Espetáculo Contra a Arte 112
Daniel Bensaid;Samue]Weimar Cava]cantee Si]va]tradutor]. - Fortaleza:
Plebeu Gabinete de Leitura/ Expressão Gráfica e Editora, 2013. O Colapsodo Horizonte Histórico
e o Eclipse da Razão Histórica ........ 113
ll'z n 115
ISBN: 978-85-420-0154-9 Vanguardassem Revoluções............
1. Democraciasocialista 2. Crítica anticapitalista Epitáfio 117
1. Salva,Samuel Weimar Cavalcante e 11.Título
CDD320
Anexos 121
Daniel Bensald, Comunista Herético

Michael Lõwy

Daniel Bensald (1946-2010) não é um desconhecido


para os leitores brasileiros; seustrabalhos Geramfrequentemente
publicados pelo jornal .Em Zeznpo, órgão da corrente "Demo-
cracia Socialista" do Partido dos Trabalhadores, e vários de seus
livros foram traduzidos ao português: .AZarx,o /nre/npesfípo(Edi-
tora Cavilização Brasileira), Os ü'ozsêümoi (Expressão Gráfica e
Editora), etc. Sem exagerar, pode-se caracteriza-lo como um dos
principais representantesda renovação do pensamento marxista
na França hoje em dia. Ele Goi, no sentido corte da palavra, um
/n/eZecfz/a/
mi#zamlr que não separasua reflexãodo combate pela
transformação revolucionária da sociedade.
Daniel foi um dos fiindadores, em 1966, da JCR, Juven-
tude Comunista Revolucionária, um grupo de jovens rebeldes,
inspirado por Trotsky e Che Guevara. Em1968 ele organizou,
Junto com Daniel Cohn-Bendit e outros estudantesradicais,o
Movimento 22 de Março, e logo se tornou um dos principais
líderes da revolta de Maio de 68. Um ano depois, em 1969, ele
vai fundar, junto com Alain e Hubert Krivine, JanetteHabel,
Catherine Samarye outros, a LCIR, Liga Comunista Revolucio-
nária, seçãofrancesada Quarta Internacional. Ao contrário de
tantas outras personalidades de 1968, ele permaneceu obstina-
damente fiel aos sonhos e lutas de sua juventude. Pouco antes de
suamorte, em 2009, ele participou, junto à Olivier Besancenot

9
-- com o qual ele escreveu um de seus últimos livros, PremzZr? A fidelidade à Marx não impedia Daniel Bensaldde pro-
Barfí (Tomar Partido, em tradução livre) -- na conferência de por uma profiinda renovaçãodo pensamentomarxista,sobre-
fundaçãodo N])A, o Novo Partido Anticapitalista. tudo em duas áreas onde esta tradição foi mais deficiente : o
feminismo e a ecologia.As feministas tinham razãode criticar
Daniel Bensald nos deixou em janeiro de 2010. Foi uma
Frederico Engels, quando ele considerava a opressão doméstica
grande perda, não só para nós, seusamigos e camaradasde luta,
mas para o pensamento critico. Eu me lembro de nossaslongas como um arcaísmopré-capitalista destinado à desaparecercom o
conversas, as vezes, discussões, em torno de uma mesa, sobretu- acessodas mulheres ao trabalho assalariado. A necessáriaaliança
do na hora do café, no seu restaurante preferido, « Le Charbon ». entre a consciência de gênero e a consciência de classenão pode
Nem sempre estávamos de acordo, mas os laços de amizade eram ter lugar sem um balanço crítico, pelos marxistas, de sua teoria
intensos e eu admirava seu humor, sua irreverência, sua criativi- e de sua prática.

dade e, acima de tudo, seu espírito de resistência, contra ventos O mesmo vale, segundo Bensald, para a questão ambien-
e marés, à infâmia da ordem estabelecida. tal: aderindo ao compromisso fordista e à lógica produtivista
do capitalismo, o movimento operário tem sido, muitas vezes,
« Auguste Blanqui, comunista herético » é o titulo de um
artigo que escrevemosjuntos em 2006, publicado depois na re- indiferente ou hostil à ecologia. Por outro lado, os Partidos
Verdesse contentam com uma ecologia de Mercado. Na verda-
vista A4arKemEsgzlerzáz.Este conceito se aplica perfeitamente a
de, o antiprodutivismo de nossa época tem de ser também um
seu próprio pensamento, teimosamente fiel à causa dos oprimi-
anticapitalismo (e vice-versa): a luta ambiental é inseparávelda
dos, mas alérgico às ortodoxias.
luta social. Confrontados com as destruições catastróficas do
Se os livros de Daniel se leem com tanto prazer, é porque
meio-ambiente pela lógica do valor de troca mercantil, precisa-
coram escritos com a pluma afiada de um verdadeiro escritor,
mos combater por uma mudança do modelo de produção e de
que tinha o dom da formula impactante: uma fórmula que po-
consumo, de civilização e de vida; para estaalternativa, Daniel
dia ser assassina,irónica, furiosa ou poética, mas que sempre ia
Bensald inventou um nome : eco-comzz/cismo.
direto ao seu alvo. Este estilo literário, próprio ao autor e ini-
Seu pensamento filosófico não era um exercício
mitável, não era gratuito, mas a serviço de uma ideia, de uma
acadêmico: de ponta a ponta, ele está atravessadopela corrente
mensagem, de um chamado: não se dobrar, não se resignar, não
se reconciliar com os vencedores. elétrica da indignação - um sentimento de revolta que não pode
ser dissolvido « nas águas mornas da resignação consensual ».
Bensald recusou, da forma mais enérgica, as tentativas de
Ele só tinha desprezo por aqueles que chamava « Homo resig-
reação neoliberal de dissolver o comunismo no estalinismo. Mas
natus », os intelectuais e políticos que se reconhecem de longe
ele não deixava de reconhecer a necessidadede um balanço crítico
por sua passivaaceitação da impiedosa ordem estabelecida. Para
dos erros que desarmaram os revolucionários de Outubro de 19 17,
Daniel, «a indignação é o começo. Uma maneira de se levantar
favorecendo a contrarrevolução 'lhermidoriana: a confusão entre
e começar a andar. Primeiro vem a indignação, depois a revolta,
Partido e Estado, a cegueira face ao perigo burocrático. Precisamos
em seguida, já veremos ».
tirar alguma lições históricas, já sugeridas por Rosa Luxemburgo
Entre as contribuições de Bensaid à renovaçãodo mar-
em 1918: a importância da democracia socialista, do pluralismo,
da autonomia dos movimentos sociais em relação ao Estado. xismo, a mais importante, a meus olhos, foi sua ruptura radical

In 11
O [ivro aqui pub]icado, Apezúmü, XP/]cóümo, ]2üaZ7lgía é
com a ideologia positivista, determinista e fatalista do Progresso
o último escritode Daniel Bensald.Trata-sede uma obra inaca-
inevitável, que tanto pesou sobreo marxismo {{ ortodoxo », so-
bada,masde uma extraordinária riqueza. Como o observaRené
bretudo na França(masvale também para o Brasil, onde duran-
te muitos anos predominou, na esquerda,o que Leandro Kon- Schêrer,no prefácio à edição francesa,sua escrita é interrogativa,
der chamou « a derrota da dialética )}). Sua releitura de Marx, apressada,ardente,como que movida pelaurgência, na inquietude
com a ajuda do revolucionário do século 19, Auguste Blanqui, de uma morte tragicamente próxima.
e do filoso6odo século20, Wãlter Benjamin, o levou a entender Sepoderia dizer que o âo condutor é um esboçode « ge-
a história como uma série de encruzilhadase bifürcaçóes, um nealogia do desespero », uma análise crítica dos pensadores que
campo de possibilidades, cujo desenvolvimento é imprevisível. parecemconsiderar - mesmo que seja para deplorá-lo - que a
A luta de classesé central neste processo histórico, mas seu resul- dominação do capital não tem limite. Enquanto que Gyõrgy
tado é incerto e implica uma parte de contingência. Lukács acreditava -- como o mostra ainda Z)fa&flca e Eponin-
ne/zü2e (1925), sua resposta aos críticos « ortodoxos » de .IBf/ó-
Em Z,ePa ! meóz co#gzle (A aposta melancólica, 1997),
r/a e Coniciê zela Ze CZzife(1923) -- na atualidade da revolução
que é, talvez, seu mais belo livro, Bensald se apropria de uma
conceito de Blaise Pascal,filósofo francêsdo século 18, para e no papel decisivo do favor subjetivo, vários de seusdiscípulos
parecem aderir à uma visão muito mais sombria, onde a aliena-
argumentar que a ação emancipatória é um « trabalho para o
ção e a dominação absorvem todas as alternativas históricas. É
incerto )}, implicando uma aPoiía no futuro. Referindo-seà in-
o caso,pelo menosem parte, de Herbert Marcuse,que lamen-
terpretação marxista de Pascalpor Lucien Goldmann, ele deâne
o combate socialista como « uma aposta racional no processo ta o declínio da « Grande Recusa» ao mundo dos negócios,o
mundo baseadono cálculo e no lucro -- uma recusainspirada
histórico », uma aposta na qual sejoga toda a existência do luta-
pelo elemento omá lzro da cultura, pelo « espaçoromântico da
dor, <.correndo o risco de perder tudo ),. Em Bensald,a revolu-
imaginação ». Eu sei que Bensald desconfiava do romantismo
ção deixa de ser considerada como o produto necessário das leis
era um de nossos temas de discussão - mas ele parece acei-
da história, ou dascontradições económicasdo capital, para se
tar aqui, semmuitas reservas,o argumento do autor do Homem
tornar uma ó@óreieesfruiEé@ra,um horizonte ético, « sem o qual
UnlZzme/zi/oa/ (1964) sobre o potencial subversivo da cultura
a vontade renuncia, o espírito de resistênciacapitula, a fidelidade
romântica. Em todo caso, para Marcuse, apesar de tudo, escreve
é quebradae a tradição é perdida ». Por conseguinte, o revolu-
Bensald, « a porta estreita por onde pode ainda fmer irrupção
cionário é um serhumano que duvida, um indivíduo que coloca
um possível intempestivo fica entreaberta » - uma bela imagem
uma energia absoluta ao serviço de certezas relativas. Em outras
que entretanto parece mais bem inspirada por Wãlter Benjamin
palavras, alguém que tenta, obstinadamente, levar em prática a
do que por Herbert Marcuse.
exigênciacolocadapor Wãlter Benjamin em seuúltimo escrito,
as 72seiioZ're a canceífa Ze &jsfórla (1940) : escovar a história à Mais pessimista ainda do que Marcuse é Guy Debord,
escritor, filósofo e cineasta, fundador do Situacionismo e autor da
contra-pêlo.
SacieüdeZa .E»eMcwb(1967), uma obra importante de crítica
anticapitalista que vai inspirar o título do livro de BensaTd. Os
escritos de Debord estão carregados de uma sombria melanco-

12
lia : « damos voltas sem fim na noite, devorados pelo fogo » é Nota do Tradutor
o titulo de um de seusmais belosfilmes. Convencido de que
Samuel Cavalcante
« o conjunto do prometorevolucionário » foi derrotado já nos
anos 1930, Debord denuncia a sociedade do espetáculo, que na
sua versão suprema, o espetáculo integrado, elimina sistemati-
camente a história e destrói qualquer prometocrítico. O grande
mérito de Debord, segundoBensaTd,foi o de perceberque a
tentaçãodo determinismo científico é a brecha no pensamento
de Marx pela qual penetrou a « ideologização do marxismo ».
Esta visão infernal da eternidade mercantil capitalista é
levadaao extremo por Baudrillard, Agamben, Surya,Hollowayl
Bensald opõe à esta « radicalidade sem política » o Pr zsame fa
ef/zn/égico,que busca uma saída nas práticas, na crise, no parti- O livro ora apresentadoao público brasileiro é um livro
do. Este é o título de um último capítulo que ele não teve tempo inacabado. Livros inacabados adicionam problemas extras à ta-
de escrever. . . refa do tradutor, que tem lidar com frases nem sempre revira-
das pelo autor, com notas ainda não plenamente organizadas,
finais abruptos etc -- desafios que aceitamos com prazer. Prazer
que não advém apenas do desafio técnico, mas também de um
Paris,janeiro de 2013
reencontro pessoal do tradutor com suas raízes políticas e com
o formidável e exuberanteuniverso intelectual do marxismo re-
volucionário.

Seguimos, do ponto de vista da organização e da apresen-


tação do texto, as indicações da edição francesa. Para facilitar a
fluidez da leitura, uniâcamos todas as notas e evitamos diferen-
ciar entre notasdo autor, do editor francêse do tradutor.De
qualquer modo, as notas originais de D. BensaTdforam preser-
vadase sãoindicadas, embora náo separadamente.As notas da
tradução estão entre colchetes.

Existem, além disso, Horadas notas e no próprio corpo do


texto, indicações em conte menor e colocados entre os sinais > <.
Elas correspondem às anotaçõese comentários do próprio autor
e que teriam servido para fiituros desenvolvimentos,correçóes,
ampliações e esclarecimentos -- não consumados, tendo em vis-
ta a morte prematura deste.

14 15
In
Ponderamosque, tendo em vista a dimensão dessepro'
feto, não nos 6oi possívelindicar, nas obras com tradução em
português, as páginas correspondentes nas edições brasileira ou
portuguesa, referindo-nos sempre às páginas da edição francesa.
Contudo, para facilitar ao leitor brasileiro não familiar com a
língua francesa a compreensão do universo bibliográâco citado
pelo autor, apontamos, sempre que 6or o caso,a existênciade
edição brasileira ou portuguesa.

Fortaleza,julho de 2013

l -= Da Servidão Involuntária

IE
;E o povo que seescraviza,que sedecapita, que, podendo
escolherentre ser livre e ser escravo,se decide pela Efta de liber-
dade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura
por todos os meios [...] . Tomai a reso]ução de não mais servirdes
e sereislivres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis,
massomenteque o não apoieis: não tardareisa ver como, qual
Colossodescomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se
quebrará.":
Estas famosas linhas do Z)/fc fo [da Servidão Voluntá-

ria] de La Boétie tornaram-se um lugar-comum dos discursos


contemporâneosda resistênciafilosófica. Uma vez que nos é
dada a escolha, seria necessário apenas, para nos tornarmos
livres, tirar o poder (ou o biopoder) de nossascabeças,assim
como o foi, antes, para dissipar a alienação religiosa, tirar deus.
A proximidade não é fortuita. O que combate, na realidade, La
Boétie, em nome de uma ideia política do Estado, é uma con-
cepção teológica fundada sobre vínculos de fidelidade e depen-
dência pessoais. No Estado moderno, ao contrário, a dominação
impessoal -- e não mais a servidão -- se enraiza na objetivação de
relações sociais coisificadas.

Não surpreende, dessemodo, que a atualidade renovada


do /)ifczzriotenha acompanhadoa ascensão
em potênciada
temática antitotalitária e o colapso das tiranias burocráticas.

l E. de La Boétie, Z)2srowrx
zü ázServir (& WoZanínirr,
Paras:GF, 1983. p.
15 1. [Existem várias traduções pub]icadas no Brasil. Uma delas é Z)!írarsa
cúzSerá,ié&oUo/u/zí#r/a. São Pau]o: Martin C]aret, 201 0] .

19
As "revoluções" ditas de veludo parecem, de Eito, confirmar ma- ParaGustav Landauer, "o ensaio de La Boétie representa
ravilhosamente a evocação deste co]osso do qual destruímos a o espírito o qual dizemosque não existesenãona negação,mas
base -- gritando-lhe "Nós somos o povo" ' e que desmoronou que é, entretanto, na negação, espírito: pressentimento e expres'
sobre seuspróprios pés. A descrição que Em La Boétie do sistema são ainda inexprimível do positivo em vias de nascer.Ele anun-
de "favores e subEavores", de graças e desgraças, de cortesãos e cia o que dirão mais tarde, em outras línguas, Godwin e Stirner,
cúmplices "que não se apoiam, mas temem uns aos outros evo- Proudhon, Bakhunin e To]stoi[. . .] . Sem dúvida, a negaçãodes-
ca irresistivelmente os privilégios e o c]iente]ismo da ]Mamen,êáz- sasnaturezasrevoltadasé cheia de amor, o qual é energia,mas
fzóxa2 burocrática. somente no sentido dado magnificamente por Bakhunin ao di-

A transposição anacrónica, sob pretexto de analogias zer 'que o prazer da destruição é um prazer criador'."Ó Landauer
sublinha corretamente que o "Contr'un"' ilustra a emergência
aproximativas, do l)!srzlrso para as condições do Estado moder-
no é cheiade consequências.
A mais infeliz delasé a que ali- de um povo "composto de indivíduos" e de uma "soberania indi-
vidual" contra a fidelidade feudal "que os ligava a um só". Mas a
menta um soberbo desprezo social com relação a este povo de
trabalhadores, de consumidores, de espectadores,de "Blooms"' estaprimeira "grande descoberta"ele acrescentauma outra, que
ele chama de "Contra Estado", que não é mais apenasemanci-
que, "tendo possibilidade de escolha", deleitam-se na servidão,
como um "grande populacho" que se contenta em "observar o pação pessoal, mas contrapoder social: " Começou-se a ver que
existeuma comunidade ao lado do Estado náo uma soma de
que estádiante dos pés" e para quem a servidão "é questão de
indivíduos isolados, mas um pertencimento orgânico comum
gosto"4 (P. 20) (1.). Já que seria suficiente não mais servir para
ser livre, a servidão é o resultado ou a punição por uma certa que, vindo de múltiplos grupos, tende a se alargar até formar
uma abóbada (volte). Não se sabe ainda nada, ou quase nada,
covardiacoletivado povo.
acercadestaestrutura supraindividua] que é grande de espírito:
No Estado moderno, onde a dominação impessoal se
um dia, entretanto,saberemosque o socialismonão é a invenção
enraizana exploraçãofHsamenteconsentidaem nome de um
de algo novo, mas a descoberta de uma realidade já existente e já
contrato de simplórios, a resistência passiva ("basta que não
desenvolvida. Então, uma vez descobertasaspedras necessárias,
os apoiem mais") se traduz não pela luta por "pressionar" ou os arquitetos também estarão ali."' Dito de outra maneira, se a
"sacudir" o poder, maspelo exílio, êxodo, evasão,em direção
emancipação de cada um é a condição para a emancipação de to-
a linhas de fuga. Mas não se foge em massado círculo infernal
dos, a emancipação não é portanto um prazer solitário. E se po-
da reprodução capitalista. Não bastaria imaginar um SísiEofeliz.
demos escapar da servidão voluntária tirando-a de nossa cabeça,
Teríamos que imaginar também um Bartlebys livre.
não podemos quebrar a submissãoinvoluntária ao despotismo
do capital senãopela luta de classes.
2 Palavra russa,de origem latina, que era usada para designar a elite dirigente
da antiga U.R.S.S. -- o que no trotskismo era chamado dc "burocracia O radicalismo róis dos retóricos da resistênciaprocede de
3 IBensaldfaz aqui referênciaà teoria do 'Bloom' da revista ZZgg##.O uma tentativa recorrente, em tempos defensivos, de "purificar a
nome "Bloom" se refere ao personagem do livro U7isffi, de James Joyce] .
contradição" e eliminar toda mediação e representação. Em face
4 E. de La Boétie, Z)isca rf zü & Sf j/wz& UoZanialrr,Paras,GF, 1983, P. 151
5 preferência ao curioso personagem-título do conto de Herman Melville 6 G. Landauer,La Révolution, Champ Libre, 1974, p. 139
Bartleby, O Escrivão", que sistematicamente diz não aos pedidos do 7 Subtítulo do texto citado de La Boétie, significando 'o contra um'.
patrãoJ. 8 Ibid.,p. 162

2n 21
como seu intérprete. Glucksmann tinha escrito nos anos 1960
de um sistema onipotente, que parece ser capaz de digerir toda
um belo artigo no Zei ZeznPS
.A4odernef
sobreo "estruturalisma
oposição e integrar toda contestação, trata-se de fazer como se ventríloquo". A partir daí estavamelhor preparado para se ins-
não pertencêssemos a essemundo, como se pudéss.emos acam- tituir enquanto porta-voz do Gulag ventríloquo. "A figura da
par alhures, em uma exterioridade absoluta ao círculo vicioso da plebe -- percebe Ranciêre de maneira sutil -- aparececomo o que
dominação, livres para substituir os protagonistasreais da luta o intelectual representa, do mesmo modo como, antes, ele repre-
histórica por um teatro de sombras, onde seenfrentam não mais sentava o proletariado, mas de um jeito que nega precisamente
as classesou fraçóes de classes,partidos ou movimentos sociais,
a representação;a plebe significa, ao mesmo tempo, toda a po-
mas massasdissidentes informes (plebes, multidões, hordas de sitividade do sofrimento e a parte da recusae da negatividade
cabeludos) e um Estado totalitário concebido à imagem de um
que a acompanha, realizando assim a unidade imediata entre o
Gzíüg gigantesco' intelectuale o povo."':
Esta transformação conceptual das classesem plebes e de Do comitê invisível:3 a John Holloway, passandopor
povosem multidõescomeçaa partir de 1974,:om o livro Za Miguel Benassayag, esta figura, na qual a substituição assume o
CujSj fêrr ef &' ]ÜÚ/!grzórdHommeslode André Glucksmann, so- lugar da representação,soa hoje, para nós, demasiado familiar.
bre o qual Ranciêre escreviaque era inteiramente organizado em
torno da " purificaçãoda contradição", opondo, de um lado,
o discurso dos senhorese, do outro, a plebe, a não classe,cujo
discurso de pura generosidade exprime somente o desejo.de não
ser mais oprimido.:' Ao desaparecerentre a ficção policiales-
ca de um poder proletáriototalitário e o sonho pastoralde um
não-poder plebeu, a política se desvanecediante da pr.egação
moralizadora e compassivaque nutrira o paróof dos direitos do
homem
O deslocamentode vocabulário ajuda a eliminar a ques-
tão das mediaçõese da representaçãopercebidacomo principal
obstáculo à emancipação.O sofrimento da plebe é silencioso.
O que não é desvantajosopara o intelectual que se pretende

2009.Pauis:
ÉditonsLignes,2010].
10EExiste uma tradução portuguesa deste livro: .4 Coz/nAejxa e o Z)luar'odor 12 LesScênes
du Peup[e.[op. cit. ,] p. 307-308.
ó ,fíamfm.Lisboa:Afrontamento,19781 . . 13 IReeerênciaao livro 27 zs rrecüan Q í Wr/zr (A Insurreição Vindoura, em
11 D. e J. Ranciêre, "La Bergêre au Goulag" [Revoltes Logiques, n' l, tradução livre), publicado na trança, escrito por um autodenominado
inverno de 1975, retomado em Z,ef Srê/zesd P?UPü. Lff cePO/ffS LaWgzles, "Comitê ]nvisíve]" e que circu]a no meio anarquista] .
1975-1985, Lyon: Hora-Lieu, 2003] .

23
22
da Dominação
Em 1964, no ]ivro .4 ]2Zeoá2Kia
zúZSoclezúz2e/ndwsaja/ i4
Herbert Marcuse punha a questão de saber se ainda era possível
'quebrar o círculo vicioso da dominação". Em outros termos,
eracomo se perguntar se a revolução ainda era possível nos paí-
sescapitalistasdesenvolvidos,onde se cumpria "a forma pura da
dominação". A classeoperária, ligada desde então ao sistema de
necessidades,
"mas não à sua negação", pareciater que perder
na "sociedadede abundância"toda a sua capacidadesubversi-
va. Vinte e cinco anos mais tarde, Michel Foucault formulava a
questão de maneira diferente: "Mas é desejável, esta revolução?
A questão da possibilidade histórica se apagava assim diante da
subjetividade desejante.:s
Duas épocas, dois momentos, duas abordagens.

1. Do Espetáculo ao Simulacro

A questão posta por Marcuse é representativadas dúvidas


nascidas do período do crescimento económico do pós-guerra,
do dinamismo renovado do capitalismo e de sua capacidade de
integrar o movimento operário aos procedimentos contratuais
do Estado-providência. Ela seinscreve em uma produção teórica

14 [Bensald se refere sempre ao título em francês que é mais fiel ao original


do que o correspondente em português. Em português, o livro de Marcuse
ficaria O /7omfm [/nlz&me iianaZ Por razõespráticas,o tradutor optou
por se referir ao títu]o pub]icado no Brasi]].
15 M. Foucault, «/n üb üiesazíóvn", Le Monde, ll de maio de 1979, reeditado
em D/ü #.&üü, t. 11,Paria, GaHimard, cola."Quarto", 2001, p. 790.

27
abundância que é vazia: "Eles queriam a superabundância.O
confrontada com os efeitos dessaprosperidade relativa, da inter-
inimigo era invisível. Ou melhor, estavaneles.Ele os havia deito
venção de um Estado estrategista, da alienação em uma socieda-
apodrecer, gangrenar, devastar. Pequenos seres dóceis, o reflexo
de de consumo prometida em abundância.
6el de um mundo que os provocava." Uma sociedade adorme-
Do ,4 U22a Cafj2í /z no ]M# da MaZernotõ, de Henri
cida pelascantigasde ninar de um progressoilimitado não co-
Lefebvre, ao Sociez&zZe
Zr Co zíz/moi7, de Jean Baudrillard, pas- nhece mais outro inimigo senão aquele que o ataca a partir da
sando por ..4; Calam,i8 de Georges Perec, .4 Sociezüzü 2a APr- interior, a alienação diante dos fetiches tirânicos do mundo da
Mcz/Za,t
9 de [)ebord, ou ainda.4 Re?ro2afáo,20
de Bourdieue mercadoria. Não existem mais nem epopeias nem tragédias re-
Passeron, reencontramos, sob diversas formas, o eco da questão vojucionárias, mas somente, diz secamente Pérec, "uma tragédia
levantada por Marcuse. Em face de "uma sociedade fechada", tranquila": "Jerâmee Sylvie não acreditavam muito que se pu'
que integra "todas as dimensões da vida privada ou pública' desselutar por divãs [da marca] Chesterfield, e, entretanto, teria
os possíveis laterais parecem condenados: "(quando este estágio sido a palavra de ordem que mais facilmente os mobilizariam"
é atingido, escreveMarcuse, a dominação [.. .] invade todas as Teórico ou romanesco, esta literatura dos anos 1960 se
esferasda existência privada e pública, ela integra toda oposi-
interroga sobre o que poderiam ser os novos lares e os novos
ção real, absorve todas as alternativas históricas.":: Encontramos atires da subversãoface à racionalidade instrumental e à gestão
aqui o pano de fundo do tema da "recuperação" que assombra burocrática. A própria arte, que 6oi "a negaçãodeterminada dos
os movimentos contestatáriosdos anos 1960: como não ser re- valores dominantes", parece neutralizada pelo "6enâmeno de as-
capturado e absorvido por estacoisa da qual queremos escapar? similação cultural" que elimina toda transgressão. Para Marcuse,
As personagens
do romancede Pérec,publicadono as classespopulares se tornaram conservadoras. É necessário bus-
mesmo ano do livro .4 .22eaZa@a
zZzSociedade /ndzólrrla/, são a car um novo sujeito no lado "dos párias e owilidexs", "das outras
encarnaçãode uma neurose consumista. O livro começa por raça", das "outras cores", dos "desempregados" e "daqueles que
uma longa descriçãode um apartamento.Lembrando as pri- não se pode explorar", e cuja "vida exprime a necessidademais
meiras páginas d'O Capita/ em que Marx define o capitalismo imediata e a mais real de pâr um âm a condições e instituições
como uma "enorme acumulação de mercadorias", o inventário intoleráveis.":: Pois é dos desesperançados
que a esperançanos
desveloum imenso acúmulo de objetos. Ao longo das páginas, é dada. Esta esperançadesesperadairia encontrar na irrupção
atormentadopelo "frenesi de ter", que termina por "ocupar o dos eventosde 1968 e seusprolongamentos confirmação e re-
lugar da existência", um jovem casalde sociólogos formados em conforto.
técnicas novas de m rêf'ríng, "afiinda na abundância", mas uma Para Marcuse a alternativa parece ainda entreaberta:
"Ou a sociedade industrial avançada é capaz de impedir uma
16 IH. LeGebvre,
.4 U?züCofidían /zoÃ/# 2o .44oéüma,Editora ética, 1991].
17 [J. Baudrillard,.4 Saríeúzíüzü Comimo,Edições70, 1975]. transformação qua[itativa da sociedade [. . .]; ou existem corças
18 [G. Pérec, .b Coisa, Companhia das Letra, 2012] . e tendências capazes de passar além e explodir a sociedade."'3 A
19 [G. Debord, .4 SarífóúzzÜÜ E@e/druü, Contraponto Editora, 2003] . partir do refluxo dos anos 1970, o fechamento dos horizontes
20 [R Bourdieu & J-C. Passeron, .4 Rq'rodwf'ía.- .EbmenfoJ Eaxn C/ma bearl
Ü Sls/fma zü Elzi/no, Editora Francisco A]ves 1975] .
22 Ibid., P.280
21 [H. Marcuse,.4 J2üobgüz
zü Sorfezúz.ü
/nd ia/, Zahu Editora, 1979. 23 Ibid., P.21.
Página. 42 da edição francesa(assim como as referências seguintes)].

29
28
de expectativatermina por triunfar: "Pelaastúciada tecnolo- vem a decretar a perda pura e simples de todo o sentido históri-

gia, a cultura, a política, a economiase amalgamamem um co: "a história se retirou" porque seu negócio é "retirado de nossa
sistemaonipresente que devora ou que reprime todas as alter- vida por estetipo de neutralização gigantescaque leva o nome de
nativas":4. Por sua vez, os escritos de Debord tomam, no decor- coexistência pacífica, à escala mundial, e monotonia pacificada,
rer do tempo, um tom mais e mais crepuscular,à medida que ao nível do cotidiano". O "domínio máximo da probabilidade'
realidade e ficção se confundiam no "espetacular integrado' pela simulação, o bloqueio e o controle crescentesfazem com
E desde 1970, Baudrillard anuncia a temática pós-moderna da que "náo seveja mais que projeto, que poder, que estratégia,que
história em migalhas e da perda de sentido do futuro, ao intro- sujeito poderia existir por trás dessa clausura, dessa saturação
duzir na Sociedade de Consumo a noção de simulação. Assim gigantesca de um sistema por suaspróprias corçasneutralizadas'
como o pensamento mítico tenta conjurar a mudança histórica, Fim da história? Política, grau zero?
"o consumo generalizado de imagens" visa "conjurar a história
nos sinaisde mudança".Esta sociedadeque consomedurante 2. Uma revolução chamada desejo
um presenteeterno se torna propícia a uma violência que não é
mais propriamente histórica, sagrada, ritual, ideológica, mas que Com a crise de 1973-74, a interrupção em novembro de
explode de maneira esporádica "no seio do nosso universo de 1975 da revoluçãoportuguesa,o Pactode Moncloa na Espa-
quietude consumada" e "vem reassumir, aosolhos de todos, uma nha, o compromisso histórico de 1976 na Itália, a porta estreita
parte da função simbólica perdida, muito brevemente, antes de da esperança,entreaberta em 1969, parece se fechar novamen-
desaparecerela mesma enquanto objeto de consumo". Despro- te. A contrao6ensiva liberal dos anos Thatcher-Reagan é então
vida de toda visão estratégica,estaviolência urbana (anunciada anunciada.A relaçãoentre a mudança de contexto político e a
pelasrevoltas estudantis de Amsterdam em 1966 ou de Montreal evolução dos enunciados teóricos parece claro. A título de de-
em 1969), colocadaem imagenstelevisuais,sãoofertadascomo monstração, basta relembrar as datas editoriais que marcaram
espetáculo. Após o espetáculo, estágio supremo do 6etichismo da essa sequência: .R/gama e M2/ Ph/ós,2S de Deleuze e Guattari em
mercadoria,soa a hora do simulacro como estágiosupremo do 1976 e 1980; o curso de Foucault no Collêge de France sobre o
espetáculo. Nascimento ch BiopoLítica?' em \977-78\A Condição PósModer-
Com a exclusão espetacular da historicidade, é a possi- na,27de Lyotard, em 1979; o .42ez/iízoPra&íar/zzZo,28
de Gorz,
bilidade mesmada política como pensamentoestratégicoque em 1980;Sím ázcrosr S/mz/&zfóes,:9
de Baudrillard,em 1981;
é negado. Como bem o compreendeu Debord, um movimento 7Uemaríesaf CZa?alem inglês no original, .A4emórimzúzCZaie,
que sofra de um grave déficit de conhecimentos e perspectivas em tradução]ivre], de Zygmunt Bauman,em 1982;.4# 7»af
históricos "não pode mais ser conduzido estrategicamente". Não 25[G. De]euze & F. Guattari, R]zoma, Assírio & A]vim, 2008; ]1ã/ P&zró',
resta senão a gestão de um presente sem amanhã e os prazeres Capiza&ímo
e.Ekgu]á3a#e/z]a,
Editora34, 1995].
26IM. Foucau]t, ACzirime /a óúzBloco/#]c.z, Edições 70 Brasi], 2010]
do divertimento. Em 1970, Baudrillard apresentava este eclipse 27 [J-F. Lyotard, .4 Co/zdzfão /bs-.A4ozú'rma,Editora José O]ympio, 2004]
da razão estratégica. Dez anos mais tarde, em seu Símz/&croi e 28 IA. Gorz, Adeus ao Pro]etariado, Editora Forense-Universitária,1982] .
S/mzz&f'Zo,
que antecipaem muito o anúncio de Fukuyama, ele 29 [J. Baudri]]ard, SimKézrrase Símu&zf,ía,Editora Re]ógio D'Agua, 1991].
30 [Z. Bauman,.A4rmorfei
of Czar, Londres/Boston:Routledge& Kegan
Paul,1982].
24 Ibid., P.22.

31
Is SoLid Melts indo Air. Experiente ofModernitf" Vem \n$ts no nas relaçõesde poder, asclassesna plebe hirsuta e a revolução nos
original] , de Marshall Berman, em 1982; /Z P?ni/era Z)eóoZe,32
de caprichos de uma subjetividade desejante. Ele mesmo tira daí a
Gianni Vattimo, em 1983. conclusão: "Minha moral teórica é antiestratégica: ser respeitoso
quando uma singularidade se subleva e intransigente, quando o
Se seguirmos a periodização de Boltanski e Chiapello
n'O Mofo .8}PIHroda (:2zp/Za/esmo,3S
a questão marcusiana esta- poder viola o universal. Escolha simples, trabalho duro: pois é
necessário, ao mesmo tempo, observar um pouco sob a história,
ria ligada ao "segundo espírito", o do capitalismo organizado do
o que a rompe e o que a agita, e ver, um pouco por trás da polí-
pós-guerra; e a questão 6oucaultiana, ao novo espírito da con-
trarreforma liberal. Por um ardil da razão, do qual a história tem tica, aquilo que deva limita-la incondicionalmente."34

o segredo,a invenção conceptualde Deleuze e Foucault, radical- Mais ou menos no mesmo momento, também Claude
mente subversivaem relaçãoao capitalismo estatista (ou "molar' Le6ortdestitui a ideia da revoluçãoenquanto "mento absoluto"
segundo a terminologia deleuziana) dos "trinta gloriosos" [30 cujosamores seriam,de algum modo, "os encarregados da mis-
anos de crescimento capita]ista 1945-1975], acabaria assim por são da História universal". Opondo-se a Furet, ele se recusa,
perder a hora. Ela entraria em ressonânciacom o discurso da entretanto,a enterrar o Eito junto com a ideia. Se a Revolução
desregulamentação liberal, da "sociedade líquida", da história maiúsculase dispersaem "mil teatros revolucionários", o fato
revolucionário é teimoso. Sem ele, "a ideia revolucionária não
em migalhas. Ao isomoríismo entre um capitalismo nacional,
centralizado e organizado e um movimento operário ele mes- seformaria", por isso é preciso continuar a estuda-lo.E a afir-
mo nacional, centralizado e organizado, se sucederiaum novo mação vulgar, extrapolado por Foucault, segundo a qual "o po-
isomorfismo entre um capitalismo mundializado e desterritoria- der estáem todos os lugares", é mistificadora. Ela confunde, sob
lizado e um movimento social reticular ou rizomático. Uma vez um mesmo grande conceito, toda posição de dominação ou de
mais, o sistema demonstra sua capacidade de se nutrir da crítica inHuência. "TH como se utiliza", este conceito de poder onipre-
e de digere-la. sente se torna mesmo um "conceito tela" que dispensa "pensar
a política."3S
Quando a questão da desejabilidade da revolução anula a
de sua necessidade (no sentido de uma necessidade irreprimível A fórmula segundoa qual é na "desejabilidadeda revolu-
nascida das contradições sistêmicas), a teoria marginalista walra- ção" que "residiria hoje o problema" aparece,de fato, como uma
siana do "valor-desejo" tem sua revanche contra a teoria do valor- renúncia em tratar os enigmas do século em sua espessurasocial e
trabalho de Marx. Na realidade,é todo um paradigma político histórica. Ela traduz a profiinda desordem política que Foucault
que se acha posto em questão-- paradigma no qual searticulava exprime de maneira explícita: "Depois de 120 anos, é primeira
uma concepção de Estado, uma representação das classes e de vez que não existe um só ponto sobre a terra de onde poderia
suas lutas e um pensamento estratégico acerca da revolução. Em jorrar a luz de uma esperança.Não existe mais orientação'
Foucault, o poder do Estado se torna substancialmentediluído Esperança? Grau zeros Orientação? Pontos cardeais mis-
turadosl
31 [M. Barman, Zazü O QKe r Só#2o Z)eimúzzróa ]\i2) ,4r.' .4 .4uenfzlxn zúz

a4o.ü74zzizúzzü,
Companhia
dasLetras,2007].
32IG. Vattimo,]ZPz/ziiera
Z)eóo&,
Turim, Fe]trine]]i,1983]. 34 M. Foucalt, "/n flôr zü ie izzóüz'er", an. Cit., op. cit., p. 794.
33[L. Bo]tanski & E. Chiape]]o, O JMoz/o.8}p/Hio zü C]@/íaZísmo, Martins 35 C. Le6ort, "Ea gzíeslfan zü & r»o/uüan"(1 976), in Zf 7?mpsPrúfnr, Paria
Fontes,2009]. Belin,2007.

32
Este desencantamento é a consequência lógica de um in- revolução", na conjunção dos anos 1970 e 1980, as palavras

vestimento ilusório da esperança revolucionária em seus avatares não são mais seguras.A revolução iraniana parece Ihe anunciar

estatais.Depois da contrarrevolução burocrática na Rússia, nem a chegadade revoluçõesde um novotipo. Enquantoum certo
marxismo, prisioneiro de seuspróprios clichês, náo quer ver aí
a China pós-maoísta,nem a Indochina recortada podem m.ais
encarnar uma política de emancipação. "Não é mais um só pais senão a repetição de uma velha história, segundo a qual a religião
'levanta a cortina" antes que comece o "ato principal" da luta
constataentão Foucault, "do qual nós possamosnos reivindicar
de classes,Foucault demonstra uma incontestável lucidez. Um
para dizer: é assim que tem que ser deito". Nostalgia das "pátrias
imaginário esclerosadose obstina a pensar o novo nos despojos
perdidas do socialismo realmente existente? E, entretanto, esta
do velho,com o Imã Khomeini no papeldo papaGapone,e
perda de inocência, esta desilusão necessáriaque depende todo
a revoluçãomística como prelúdio da revolução social... "Tem
relançamento futuro dos dados.
certeza?", pergunta-se Foucault. Evitando uma interpretação
Ao invés de buscar superar a crise pela extensão no tempo
normativa das revoluções modernas, ele lembra que "o islã -- que
e no espaçoda revolução em permanência, Foucault se consola
náo é simplesmenteuma religião, masum modo de vida, um
das ilusões perdidas pensando-a "não simplesmente como um
pertencimento a uma história e a uma civilização -- corre o risco
prometo político, mas como um estilo, um modo de existência,
de se constituir em um imenso barril de pólvora."3z
com sua estética, seu ascetismo e formas particulares de relação
Este interesse pela revolução iraniana não é um parêntese
consigo mesmo e com os outros". Ou seja, uma revolução re-
duzida a um estilo e a uma estéticasem ambição política. O ca- no pensamento de Foucault. Ele se encontra no Irã dez dias após
minho está então aberto às revoltas em miniatura e aos prazeres o massacrede 8 de setembro de 1978, perpetrado pelo regime
do Xá. Em 5 de novembro, ele publica no Con'/ere ZeZh Sexo
pós-modernos.
Este desafio lançado ao fetiche da Revolução maiúscula
o artigo intitulado "Uma revoluçãode mãosnuas".Ele anali-
sa,em seguida,o retorno de Khomeini e a instalaçãodo poder
tem como objetivo sedesfazerda "forma vazia de uma revolução
dos mulas em uma série de artigos, notadamente, "Um Barril
universal" para levar em consideração a pluralidade de revolu- de Pólvora Chamado lslã", em fevereiro, e "Inútil se sublevar?"3'
çõesprofanas. Pois "os conteúdos imaginários da revolta não são
Ele que havia empreendido a tarefa de pluralizar a ideia de revo-
dissipadas no grande dia da revolução". Retorno, então, àsgran-
lução vê, paradoxalmente, na revolução iraniana a expressãode
des dissidências plebeias e teológicas, às heresias subterrâneas,
uma "vontade coletiva perfeitamente unificada". Fascinado pelo
às resistências teimosas, à autenticidade dos mujiques celebrada
casamento entre a última palavra da técnica e formas de vida
por SoIJenitsin.Neste contexto, a revolução iraniana vai se tor- 'intocadas há mil anos", ele afirma que não existe espaço para se
nar para Foucault o fato revelador de uma nova semântica dos
inquietar, pois "não haverá um governo khomeinista". Tratava-
tempos históricos.
se de uma experiência pioneira do que alguns chamam hoje de
Em ll de fevereiro de 1979, a revolução teve lugar no
Iri',3ú escreveele. Mas reconhece, entretanto, que esta longa 37 Ibid., P.761
38 Le Monde, 11-22 de maio de 1979. Para um exame mais detalhado dos
sequência de festas e lutos "era, para nós, difícil chama-la de artigos de Foucault sobre a revolução iraniana e o dossiê de sua controvérsia
com Maxime Rodinson, ver ãozlrúz//f ,z/zZíÉe/xa/zfíznRez,o/#fían,
Jane
36 M. l;oucaul . Unfpa driêrfzzppe&f /sózm", in Dita et Ecrits, t. ll, OP. cit ,
Afery e Kevin Anderson,University PressofChicago, 2005.
P.759

34
antipoder. Este "imenso movimento dos de baixo" supostamente apenasa encarnação,sem mediação, de uma plebe ou de uma
rompe com as lógicas binárias da modernidade e transgride as multidão que se fiinde. Esta admiração repousasobrea ideia de
fronteiras da racionalidade ocidental. "Nos confins entre o céu e
uma diferença irredutível entre dois discursos e dois tipos de
a terra", ele representauma guinada em relaçãoaosparadigmas sociedade: Oriente e Ocidente. O antiuniversalismo de Foucault
revolucionáriosdominantes desde 1789. E por isto, e não por encontraali sua prova prática. A revolução iraniana como for-
razões sociais, económicas ou geoestratégicas , que o islã pode-
ma (espiritual) enfim encontrada de emancipação? Existe algo
ria se transformarem um formidável "barril de pólvora". Não de desesperadonesta resposta. Ela é, entretanto, coerente com
é mais o "ópio do povo", mas o encontro entre um desejo de a ideia patética segundo a qual a humanidade estaria, em 1978,
mudança radical e uma vontade coletiva.
de volta ao "ponto zero". Através de um tipo de orientalismo
Esta emergênciade uma nova forma de espiritualidade desviado, a salvação residiria então em uma irredutível alteridade
eú um mundo cadavez mais prosaicoatrai Foucault na medida iraniana: os iranianos "não tem o mesmo regime de verdade que
em que ela parece suscetível de responder aos avatares da razão nós". Talvez. Mas o relativismo cultural náo autoriza o relativis-
dialética e ao ressecamento das Luzes. A própria ideia de moder- mo axiológico.
nização (e não apenas as ilusões do progresso) se torna arcaica a
Foucault criticou vivamente a pretensão do inte]ectua]
seusolhos. Seuinteressepela espiritualidade xiita e a mitologia
em se erigir como porta-voz do universal.Fazer-seporta-voz
do mártir, em ação na revolução iraniana, parece fazer eco a suas das singularidades sem horizonte de universalidade não é menos
próprias pesquisassobre o cuidado (iazlci) e as técnicas do si. perigoso. A recusa do escravismo ou da opressão das mulheres
Ele teme que os historiadores do ftlturo as reduzam a um banal
náo é mera questão de clima, gosto, usose costumes. As liberda-
movimento social, enquantoque a voz dos mulas troveja em
des cívicas, religiosas e individuais não são menos importantes
seus ouvidos com os mesmos acentos terríveis que tiveram um
em Teerã que em Londres ou Paras.As desventuras teóricas de
dia asvozesde Savonaroleou dos anabatistasde Münster. Ele
Foucault postas à prova na revolução iraniana não diminuem
percebe a corrente xiita como a linguagem da rebelião popular
em nada o seu mérito de haver politizado numerosasquestões
que "transforma milhares de descontentamentos, ódios, miséria
(a loucura, a homossexualidade, as prisões) hoje qualificadas de
e desesperoem uma corça"
societais" e de haver alargado o domínio da luta política. Mes-
A Claude Mariac, que o interpela acerca dos desgastes mo que tenham sido conjunturais, seusartigos sobreo Irá cons-
que poderia provocar esta aliança-fusãoentre espiritualidade tituem não uma derrapagem, mas, antes, o teste prático de um
(religiosa)e política, ele responde:"E a política sem espiri- impasse teórico.
tualidade, meu caro Claude?" A questão é legítima; a resposta
implícita, inquietante. A politização conjunta das estruturas 3. A Política Como Arte da Reversão
sociais e religiosas sob a hegemonia da lei religiosa signiâca, na
prática, uma faisãodo po]ítico e do social, do público e do pri- Fazendoda impotência política uma virtude, os movi-
vado, não pelo definhamento das classese do Estado, mas pela mentos sociaisrenascidos no final dos anos 1990 são largamente
absorçãodo sociale do político no Estadoteocrático dito alimentados
por um deleuzismo
e por um 6oucaltismo
vulgar
de outro jeito, de uma nova forma totalitária. Fascinadopor para traçar suas"linhas de hga" e embalar seussonhos de êxodo
uma revoluçãosem partido, Foucault quer ver no clero xiita para cora de um sistema sem saídasaparentes. Percorrendo um

37
caminho inverso, Pierre Bourdieu se espantavaem 1998 "que bem fechado, quer se trate da absolutização do biopoder Gou-
não houvesse cada vez mais transgressões ou subversão, delitos caultiano, radicalizado por Agamben, do 6etichismo, segundo
ou loucuras" de tão irrespiráveis que estavam os aresdo tempo Holloway4', ou da "bloomificação" generalizadasegundoo Co-
mitê Invisível. Não haveria mais alternativas,e a Sra. Thatcher
Entretanto, estas transgressões e subversões existem, de
teria tido razão apenas um pouco mais cedo.
Fato, nas práticas cotidianas, por mais que permaneçamos sub-
O desenvolvimento das lutas sociais depois de 1994 e sua
jugados pelo conceito massivo de dominação tal como foi esti-
cristalização no movimento altermundialista conjugam, no en-
pulado por Marcuse,ou mesmopelo próprio Bourdieu.3W
Ele re-
tanto, diversasrecusasem uma espéciede momento utópico, tal
cupera toda uma paleta de relações-- de hegemonia, exploração,
como existem nos períodos de reaçãoe de restauração,na ma-
opressão, discriminação, desqualificação, humilhação, que são
nhã seguinte das grandes derrotas das políticas de emancipação.
objeto de tantas resistências,certamente subalternos àquilo que
Um momento utópico, no sentido em que utopia é definida por
elas resistem, mas este é o destino de toda luta, ser assimétrica, e
Henri Lefebvre"como um sentido não prático do possível";ou
o desafio de toda emancipação, reverter uma fraqueza em corça.
como Debord Edavade "uma experimentaçãode soluçõesde
O problema da política, concebida estrategicamente e
problemas anuais,sem se preocupar em saber seas condições de
não de maneira gerencial, consiste precisamente a captar esses sua realização estão imediatamente dadas". A retórica em voga
momentos de crise e as conjunturas propícias à reversãodes- da alteridade abstrata ("um outro mundo... uma outra Europa..
sa assimetria. E necessário, para tal, que se aceite trabalhar nas uma outra campanha... uma outra política") exprime bastante
contradições e correlações de força reais, e não acreditar, iluso- bem este momento de indeterminação do possível, quando
riamente, que se pode nega-lasou sesubtrair delas. Pois os subal- pressentimos que alguma coisa parece querer nascer,uma coisa
ternos (ou os dominados) não são exteriores ao domínio político da qual percebemosapenasos contornos e, sobretudo, e cujos
da luta, e a dominação não é nunca inteira e absoluta. O lado de meios de atingi-la ignoramos.
Geraestá sempre dentro. A liberdade perfura o seio mesmo dos
Pensarpoliticamente é pensar historicamente (e recipro-
dispositivos de poder. A prática é portadora de experiênciase camente), e não, como recomendaJohn Holloway, "cuspir na
conhecimentos próprios, suscetíveisde fornecer asarmas de uma
história". É concebero tempo político como um tempo quebra-
hegemonia alternativa. E as normas da dominação podem ser do, descontínuo, ritmado por crises.É pensar a singularidade
quebradas por um acontecimento resultante não de uma necessi- das conjunturas e das situações. E pensar o acontecimento não
dade da ordem social, nem da ação de um sujeito historicamente
como um milagre surgido do nada, mas como algo historica-
predestinado, nem de um milagre teológico, mas da organização mente condicionado, como articulação entre o necessárioe o
de práticas políticas que trabalham no movimento que tende a contingente, como singularidade política.
abolir a ordem estabelecida.
Em um texto sobreas/)esz/enfz/zm
2o P? izzmr/zlaCr#fca4t
Será possível -- de novo "quebrar o círculo vicioso da Ranciêremostra como os procedimentos do pensamento que
dominação"? Pela leitura de alguns autores, a resposta parece ser,
40IExpresso em seu livro CBang? /óe WbrW IP7/go f Za#/ng ige Pomar (ma'ür
hoje, definitivamente, não. O círculo vicioso estaria fechado e o ]Uazzzü Sem Zam zr a Poür, em tradução ]ivre)]

39 Ver C. Nordmann, Bourdieu/Ranciêre, La politique entre philosophie et 41 [J. Ranciêre,"Zfi mázuf f rei zú ózpfniée rr/ffqzíf", in Le Spef/aff r
Ema/zr@/,Paras,La Fabrique, 2008]
sociologie, Paria, Amsterdã, 2006.

38
pretendiam ainda ontem suscitar uma quebra de consciência são mundo sem lado de cora, sem a exterioridade que buscavaMar-
hoje ou desconectados
de todo horizonte de emancipação,ou cuse.A destruição deste mundo está em seu seio, imanente.
se colocam abertamente contra seu sonho. A perda da inocên- Bata se instalar na contradição, de trabalhar do interior. Nem
cia, o desencantamento,a desilusãopodem cumprir um papel exílio, nem êxodo de novos nâmades. (quando Bourdieu sesen-
salutar. Mas "a melancolia de esquerda", pela força de nos fazer tia tentado a absolutizar a lógica da reproduçãoe do Á óífz/s(a
reconhecer que nossas necessidades de subversão são elas mes- dominaçãomasculina), Passeron(ou as feministas) Ihe opunha
mas submetidas às leis do mercado, acaba por se nutrir de sua aspráticas sociais que fazem viver a contradição na reprodução.
própria impotência. Ranciêre recomenda,como consequência, Abordagem diferente entre Brossat e Jameson. Para o primeiro
sair do círculo" (1),de partir de outros pressupostos
nada ra- o "niilismo leve"da "democraciacultural" é vitorioso: a expan-
zoáveis, começando por afirmar que os incapazes são capazes, são da esfera cultural e consensual é inversamente proporcional
que os ignorantes sabem, que não existe mecanismo fatal e que ao encolhimento do conflito político. A estaconstataçãoda do-
'toda situação é suscetível de ser cândida em seu interior". Mas minação triunfante, ele responde por uma reabilitação heroica
a confiança nessacapacidade de invenção, nessaexperimentação ou desesperada
da arte (contra a cultura) e da filosofiacomo
sem prometo,pode também desconectarsua capacidadecrítica último refiígio da política.4: Jameson, ao contrário, trabalha no
de todo horizonte de emancipação.A questão que se coloca é, interior da contradição tentando articular a guinada cultural às
então, saber se seremos capazes de juntar o revolucionário e o metamorfosesdo capital e de seumodo de acumulação,à luz de
anticapitalista, o militante e o ativista, aquele se põe a questão do Mandei ou Arrighi.
poder e aquele que resisteincondicionalmente, aquele que escla-
c) Estasdiferentes abordagens não sãosem consequências
rece e aquele que joga sondas, para tecer entre eles uma cultura
sobre a maneira de conceber as corças de resistência e de transfor-
revolucionária comum.
mação. Às vésperas da maior luta operária da história da França,
Marcuse perdia a esperança na luta de classes e a buscava nas
4. Trabalhar a Contradição margense periferias. Uma visão despolitizada de 1968, reduzida
a uma modernizaçãoestrutural, poderia parecerIhe dar razão.
a) O estágio supremo (mas não necessariamente o último)
ParaDebord, a generalizaçãoda alienação setraduzia, ao contrá-
da separaçãoé a esquizofrenia social generalizada, a divisão do
rio, por uma extensãodo proletariado, mas ao preço de uma dis-
indivíduo contra ele mesmo,como constatadoum ex-diretor do
sociaçãoentre a consciência e a condição, entre a crítica artística
Crédit Lyonnais (J. Peyrelevade, em Z,eCap/za/ ZoiaD: o diálogo
entre "dois seresabstratos", o acionista e o consumidor desencar- e a crítica social (segundo Boltanski), agravadaposteriormente
em dissociação
entre o sociale o societal.Paraele,"a imensa
nado, ou ainda, entre o homem privado e o homem público, o
maioria dos trabalhadoresque perderam todo o poder sobre o
grevista e o usuário (Barthes), o salariado acionista que se licen-
emprego de sua vida, desde que o saibam, se redefinem como
cia ele mesmo para Emersubir asaçóesde sua empresas"0 cida-
proletariado". A classese define, dessa forma, unilateralmente
dão e o acionista são dois seres diferentes que vivem em galáxias
pela sua consciênciae não mais pela sua condição. Os eclipses
distintas". Isto é Peyrelevade,belo como Debord.
da consciênciatornam-seeclipsesda própria luta. A alienação
b) Existe uma outra abordagemcrítica possívelda pri-
vatizaçãoe da mercantilizaçáogeneralizadado mundo. Um 42
IA. Brossat,Ze GxnmZZ)égpáfCb/Mre/, Paras,Editions du Seui], 2008]

4n 41
setorna, contrariamente a resistênciaà exploração,o verdadeiro e começa um presente possível". A primeira realização de uma
critério da oposição; "Onde seencontrava o isto económico deve vanguarda é, assim, "a própria vanguarda", de tal forma que o re-
advir o eu". Como em Marx, na crítica à filosofia do direito, sultadomais importante da Comuna é a suaprópria existência.
trata-se de uma respostafilosófica especulativa a um enigma es- No sentido tradicional, a que pressupõe que ela marche à frente
tratégico. Debord postula um sujeito "por natureza fora do espe- da trupe; pelo contrário, a vanguarda entrou numa crise final e
táculo", esquecendo-se daquilo que ele mesmo estabelece quanto caminha para desaparição em razão da innação organizada de
ao fiincionamento inconsciente da economia de mercado gene- Essasnovidades das vanguardas que passam apressadamentee
ralizada que "impele a combater a alienação sob formas aliena- em todo lugar saudadascomo a originalidade do nosso tempo
das", senãonão compreendemos bem como o proletariado pede Mas a política é a arte das mediaçõese da totalidade mediada, os
ser enganado por tanto tempo Brossat renuncia aos conceitos partidos fazem parte dessas mediações necessárias.
de classepara pedir emprestadoa Foucault e a Glucksmann o e) Pensarestrategicamente é pensar historicamente e não
conceito de plebe como novo sujeito hirsuto, na exterioridade cuspir na história. Pensar estrategicamente e não sociologizar o
irredutível ao sistema.A plebe do novo império é, entretanto, acontecimento ou pensa-lo culturalmente. O "culturalmente,
também o pão (o salário mínimo) e os jogos de circo (televisio- nós ganhamos" de Cohn-Bendit. Retórica de esquerdista que as-
nados) do império. Jameson, pelo contrário, busca decifrar as cendeu socialmente. Pensar o acontecimento não como milagre
metamorfoses da luta de classesisomórficas às da acumulação de surgido do nada, mas historicamente condicionado, como arti-
capital e de seu modo de dominação. culação entre o necessário e o contingente, como singularidade

d) Os partidos estãocom má Fama.Por boase másrazões. política.


Apesar disso, eles são um elemento necessário da resposta, uma
vez que eles são portadores de uma memória coletiva e uma ex-
periência da duração contra o tempo pulverizado em presentes
efémeros;na medida em que tendem a uma "nova coerência'
(Debord), ou totalizaçãodialética, contra a separaçãoe a frag-
mentação generalizadas. Não há necessidade para isso da noção
de vanguarda que, estética ou política, pertence ao paradigma em
crise da modernidade política. A IS4sse proclamava "vanguarda
da verdade". O termo implicava na afirmação de uma novidade
como a fronteira entre o momento do puro prognóstico abstrato
acercado futuro e o momento do reconhecimento dessanovida-
de. A vanguarda era, para Debord, "o início da realização de uma
novidade, mas apenasseu início". Ela era então chamada/conde-
nada a desaparecer com a plena manifestação do novo e quase no
momento mesmo de seu envelhecimento, visto que "ela descreve

43 [A Internacional Situacionista

42 43
r'l
ao a Coisificação
>Atualidade
do problema,cf. Mono.de Canterburyou ainda
Sarkozy em Toulon.
Mas como é que as classesnão quem o que seriasuposto quer
conforme seus supostos interesses?
Em Marx, três conceitos que se encaixam e se articulam: alienação,
6etichismo, reificação.<

No começo, era a separação -- separação do homem e da


natureza,do trabalhador e do seuinstrumento, do produtor e do
consumidor,do homem edo cidadão,do sociale do político, da
economia e da moral -- e o esmigalhamento do ser: "Cada esfera
aplica uma norma diferente e contraditória, a moral aplica uma
e a economia, outra [...]." 44Esse divórcio se ref]ete na discor-
dância entre os economistasque "recomendavamo luxo e mal-
diziam a poupança" e aquelesque "recomendavama poupança
e maldiziamo luxo". "0 princípio destadivisão"é o próprio
princípio das contradiçõesque operam na sociedadecapitalis-
ta e do "cinismo da economia política" que é sua representação
apologética. Pois "a economia política não nos fornece nenhuma
explicação acercada razão da separaçãoentre capital e trabalho,
entre capital e a terra."45

Daí resulta uma depreciação dos homens, uma desposses-


são (Enüz/iirrwng) e um despertencimento ou alienação (Ene#?m-
dazzX)
que Jean Hyppolite traduz também por "estranhamente",

44 K. Marx, Jda zzlsrríroiEconóm/co-J%üi(@fai,


Boitempo Editorial, 2004.
Página 104]da edição francesas.
45 K. Marx, áa zz/sfr//asZ?fonémica-XZbs(@coi,
página 55[Todas asreferências
de pagina sãoda edição francesa,citada na bib]iografia no final do ]ivro] .

47
e para o qual o inglês usa por vezesa palavra saída do francês um poder estranho"a quem ele pertence?"A um outro ser que
arcaico "estrangement não eu". (}ue ser? Os deuses? "Não são os deuses, não é a natu-
reza que podem ser essepoder estranho sobre o homem, mas
Do que se trata, pelo menosnos .Adanz/crífai de .r844?
sim o próprio homem."S' "A propriedade privada é, portanto,
Segundo"a linguagem e as leis da economia política" o operá-
rio é "rebaixadoao nível de mercadoria".Ele mesmose torna o produto, o resultado,a consequência
necessária
do trabalho
uma mercadoriaainda mais vil, pois cria mais mercadorias.A alienado, da relação exterior do operário consigo mesmo e com
a natui'eza."''
depreciação do mundo dos homens aumenta na razão direta da
valorização do mundo das coisas. E exatamente esta inversão que De onde concluímos logicamenteque paravencer os sor-
é exprimido com talento no romance de Georges Pérec.4õ tilégios do estranhamento em si mesmo, não basta derrubar a ser-

"(quanto mais o operário produz objetos [. . .] mais ele cai vidão, é necessárioir à raiz das coisas:abolir o trabalho forçado
sob a dominação de seu produto, o Capita]. [...] o operário se e a propriedadeprivada, a qual é sua coronária,e revolucionar a
relacionacom o produto de seu trabalho como se com um ob- divisão do trabalho que é a "expressão económica do caráter social
do trabalho no quadro da alienação"SS
Jeto estranho." 47Sua alienação significa que "seu trabalho existe
cora dele, independente e estranho a ele, e se torna um poder A propensão ao consumo pelo consumo, de se cercar
autónomo, que a vida que ele empresta ao objeto se opõe a si de uma multidão de objetos, é a consequênciada cisãoentre
mesmo, hostil e estranha."48 produtor e consumidor: "Todo homem se dedica a criar para o
O mundo fica povoado de poderesautónomos, o Dinhei- outro uma necessidadenova para força-lo a um novo sacrifício,
ro, o Mercado, a Economia, o Estado, a História, a Ciência, a para coloca-lo numa nova dependênciae empurra-lo para um
Arte, que são expressõesda atividade humana e de suas relações novo modo de fruição, e dessemodo, para a ruína económica.
sociais,masque parecemdominar o seu criador com uma força Cada um busca criar uma corça essencialestranhaque domina
terrível. os outros homens para encontrar aí a satisfaçãode sua própria
O trabalho exterior ao trabalho é "trabalho forçado", não necessidadeegoísta. Com a massade objetos aumenta também
o império de seresestranhosao qual o homem estásubmetido
mais a satisfaçãode uma necessidade,mas um meio de satisíbzer
e todo produto novo reforça ainda mais o engano recíproco e a
necessidadesexteriores ao trabalhador. Torna-se assim "um tra-
balho de sacriHcio de si, de mortificação",49 em que o homem pilhagem mútua. O homem se torna mais pobre enquanto ho-
não é mais ativo senãoem suas"ftinçóes animais" de reprodução mem, tem mais necessidade de dinheiro para se tornar senhor do
ta] serhostil e o poder de seudinheiro cai na razãoinversado vo-
biológica, de modo que "animal se torna humano e o humano,
lume da produção, ou seja,sua indigência aumenta à medida que
animal."SOMas se o produto do trabalho "se opõe a mim com
cresceo poder do dinheiro. A necessidadede dinheiro é assima
46 IG. Pérec,.4r Cotim, Companhia dasLetras, 2012. Romance sobreo qual
verdadeira necessidade produzida pela economia política e a úni-
D. Bensaíd tornará a Edar no capítulo seguinte: "Em Busca da Totalidade
Perdida"l. ca necessidadeque ela produz. A quantidade de dinheiro setorna
47 K. Marx,Mz/z MirasEconómico-.f;lhos(ocas,
P-57.
48 Ibid., P. 58. 51 [[bid.,p. 63]
49 [[bid.,p.59] 52 Ibid.,p. 64.
50 [[bid.] 53 Ibid., P.IOI

48 49
cada vez mais a única e poderosa propriedade deste; da mesmo verdadeira existência artística é minha existência na filosofia da
maneira que ele reduz todo ser à sua abstração, ele mesmo se arte,minha verdadeiraexistênciahumana é minha existênciafi-
reduz em seu próprio movimento a um ser quantitativo. A au- losófica" 57.Marx relaciona a alienação não a uma simples ilusão
sência de medida e a desmesura se tornam a verdadeira medida.' ou fenómeno de Essaconsciência, mas às suas determinações
54A satisfação aparente dessas"necessidades primária" consiste materiais na relação social do trabalho. Ele rejeita a ideia de uma
entãoem "seaturdir" ao entrar no circuito infernal dasmerca- saídapuramentefilosóficada alienação.Mas suacrítica proce-
dorias. Toda a crítica da sociedade de consumo, da desmesura do de ainda de uma diabética da consciência, do em-si e para-si,
mundo, e do sistema de necessidades encontra aí sua fonte. da aparênciae da essência.Assim o comunismo aparececomo
Nos Maná/icr/fai 2e .r844, a crítica da alienaçãoreligiosa "a realização,pela primeira vez tornada real para o homem, de
sua essência enquanto essência real."s* Os manuscritos de 1857-
se aproRinda tornando-se crítica da a]ienaçãosocial. Ela per-
1858 e os d'O Cbpiia/ Ihe permitirão superaressaherançaespe-
manece,entretanto, tributária da antropologia hegeliana,que
culativa que assombra ainda seu próprio pensamento.
toma a produção do homem por si mesmo como processode
alienação(ou "de alienaçãode si do espírito") e a supressãoda "A classepossuidora e a classeproletária representama
alienação -- da saída de si, da chegada em si e a elevação por so- mesma alienação humana. Mas a primeira se sente à vontade
bre si -- atravésdo trabalho: "0 homem que reconheceu que no nessaalienação; ela encontra aí uma conârmação, ela reconhece
direito, na política etc, leva uma vida alienada, leva, nesta vida nesta alienação de si seu próprio poder e possui nela a aparência
alienada enquanto tal, sua vida humana verdadeira. A afirmação de uma existência humana. A segunda se sente negada nesta
de si, a confirmaçãode si em contradição consigo mesmo, tanto alienação e vê nela sua impotência e a realidade de uma existên-
com o saber quanto com a essênciado objeto, é o verdadeiro cia humana. E]a é [. ..], no avi]tamento, a revolta contra esse
saber e a verdadeira vida." 55Esta superação da alienação per- aviltamento." 59Na Sagrnzúz /üm//!a, fica claro que o conceito
manece, em Hegel, segundo Marx, "um ato meramente formal" de alienaçãopressupõeuma essênciahumana comum autên-
"a supressão da alienação se transforma em confirmação da tica, perdida nas aparências do mundo. N'-4 ]2eoZapa .4Zemá,

alienação", "nada mais do que supressãoabstrata e vazia desta Marx acertacontascom a herançado idealismoalemão.Ali, a
abstração vazia", uma "expressão abstrara, lógica, especulativa do existênciadetermina a consciência enquanto "produto social
movimento da história[...]."só Mas, na ausênciade uma teoria mais elaborada do eetichismo, a
ideologia permanece um reflexo/eco de relaçõessociais sem his-
A crítica hegeliana contribui então para voltar sobre si
tória. Entretanto, "estafixação da atividadesocial,estapetrifi-
mesmo o círculo vicioso da alienação sem conseguir sesair: para
cação de nosso próprio produto em um poder objetivo que nos
Marx "minha verdadeira existência religiosa é minha existência
domina, que escapaa todo controle, frustra nossasexpectativas
na filosofia da religião, minha verdadeiraexistênciapolítica é
e reduz a nada nossos cálculos, é um dos momentos capitais do
minha existênciana filosofia do direito, minha verdadeiraexis-
tência natural é minha existência na filosofa da natureza, minha 57 Ibid.,p. 127
58 Ibid., P.129.
54 Ibid., P. 92. 59 K. Marx e F. Engels, ,4 SapnzúzEam#ía, ow, ,4 rrz'hc.zzÚzrzúlf.z fn'f/rd
55 [[bid., P. 126] fonnu Bmno Bazíere fo pior/es,Boitempo Editorial, 2003, p. 41 [da edição
56 ibid., P.116. francesa].

51
desenvolvimento histórico até nossosdias."6' Esta alienação não Em Freud, o 6etichismo encontra sua origem no tabu,
pode ser abolida senãoatravésde duas questõespráticas. [)e um sagrado, por um lado, proibido e inquietante, por outro, que
lado, é necessárioque ela tenha feito da massada humanidade setorna pouco a pouco, nos povos primitivos, "um poder inde-
uma massaprivada de propriedade, em contradição flagrante pendente". Mas "nós sabemos que os demónios, como todos os
com o mundo de riqueza e cultura realmenteexistente.E de deuses, são corças psíquicas do homem e se trata de conhecer sua
outro, que as corçasprodutivas tenham sido desenvolvidasem proveniência e a substância dos quais são feitos." ó3"Os primiti-
um nível sem o qual é "a luta pelo necessárioque recomeçariae vos veem no nome uma parte da pessoa'
tombaríamos fatalmente na velha merda." 6i
Nos Maná/ifr//os Ze /844, o fetichismo apareceprincipal-
Inspirado no português (feitiço -- fabricado, artificial), a mente como um culto arcaico ao Dinheiro. Assim, "são como
introduçãodo termo "eetichismo"no vocabuláriodo conheci- [etichistas [. . .] que aparecem aos o]hos desta economia po]ítica
mento social é geralmente atribuído a Balthazar Bekker, autor, esc[arecida [. . .] os partidários do sistema monetário e do mercan-
em 169 1, do .A4unzüEnramznzü,no qual desenvolve uma análise tilismo que conhecem a propriedade privada como uma essência
comparada das velhas religiões pagãs e das religiões dos "selva- somente objetiva para o homem." 6' Enquanto que o fetiche "da
gens"; e também, sobretudo, ao livro de Charles de Brosses,Z)o velha riqueza existia somente como objeto", no 6etichismoda
Ca/io doí Z)eme!Xzffcóes,aparecido em 1760. O termo evoca, mercadoria ele não é abolido, mas somente interiorizado, e o
neste caso, uma religião simbolicamente pobres:. Parade Brosses, provérbio segundoo qual o dinheiro náo tem senhor "exprime
presidente da Assembleia de Dijon, todos os povos podem pro- toda a dominação da matéria inerte sobre os homens."CS
gredir da mesmamaneira, mas encontramos nos negrosdricanos O dinheiro mexe as cordas do mundo: "Tudo o que não
o culto de certos objetos materiais, chamado fetiches que "eu cha- podes, teu dinheiro pode; ele pode comer, beber,ir ao baile ou
maria de Eetichismo". Este Eetichismo é, na sua opinião, o sinal ao teatro; ele conhece a arte, a erudição, as curiosidades históri-
de um arcaísmo em relação a uma linha de progresso que consiste
cas, o poder po]ítico [. . .]; e]e pode te atribuir tudo isso; é a ver-
em passar "dos objetos sensíveisaos conhecimentos abstratos" dadeira capacidade." "o poder verdadeiro e o objetivo único"Ó'
Com Marx (que leu de Brossesem 1842) e com Freud, o Nos Gra Zr/ife, é a "forma universal da riqueza" que tem diante
Getichismo não designa mais um culto primitivo, mas fenóme- de si o mundo inteiro do qual ele é "a pura abstraçáo"
nos sociaisou psíquicos contemporâneos,quer se trate da sub- Esta crítica do 6etichismo monetário é ainda impregnada
missão ao fetichismo da mercadoria, quer se trate da perversão de repulsão cristã aos últimos corruptores de Judas, o qual en-
sexualque consisteem tomar uma parte pelo todo. Ele deixa de contra eco nas obras homónimas de Zola e Péguy 67.Trata-se, a
ser um conceito etnológico para se tornar um conceito crítico.
partir daí, de ultrapassar uma crítica moralizadora do dinheiro e
O caráter de fetiche da mercadoria resulta da ausência de refle-
63 S. Freud, Zofemr Zaózl,Editora Imago, 1999, p. 36 da ediçãofrancesa
xividade crítica sobrea produção social e a atribuição às coisas
jasmim como as referências seguintes] .
sociais de propriedades naturais. 64 Ibid., P.76.
60lK. Marx e F.Engels,.4 J2&aZa@a
,4Zem.í,
CivilizaçãoBrasileira,2007, p. 65 Ibid., P.52.
63 (da edição francesa)] 66 Ibid« p.94 e p. 98.
61 [bid., p. 64 [da edição francesa]. 67 IE. Zela, Z;4%f/zr, 1891. C. Péguy,Z:4rgfnr, 1913. IArgent' é dinheiro em
62 Ver A]6onso Alonso, Le XVfirólsme, ÃÜ/a/rr dbn fo#f@r, Paria, PUF, 1993. francêsl .

52
da propriedade mostrando o que determina o "sistema de apa- fetiche. A partir daí, sua existência pressupõe "uma coisiâcação
rências", aparências mais significativas, pois não são redutíveis a da conexãosocial" e "os indivíduos são dominados por abstra-
simples ilusões. çóes,enquanto que antes elesdependiam uns dos outros." 7' O
dinheiro foi o instrumento dessa dependência pessoal, mas ele
O fetiche que domina e tiraniza a humanidade é, nova-
se transforma com a generalização da produção de mercadorias
mente, o dinheiro, enquanto forma abstrata da riqueza, e não
o capital, abstraçãoda abstração,cujo dinheiro não serámais, para se tornar "o Deus entre as mercadorias" e representar "sua
n'O CbplzaZ,senão uma de suas formas de mani6estaçáo: a forma existência celeste, enquanto que elas representam sua existência
terrestre
suprema do 6etichismo, pelos prodígios do crédito e pela ilusão
do autoengendramento do dinheiro. Depois disso, o dinheiro se torna o suporte e o vetor da
desmesura, de um "frenesi de enriquecimento" e de prazer, mas
Os Grz/n2rísieíàzem a transição. Encontramos aqui a ci-
um "frenesi abstrato" e neurótico. Mas "o que torna particular-
são entre atos de compra e venda, independentes uns dos outros,
mente difícil a compreensãodo que é o dinheiro em toda a sua
pela qual "a troca pela troca se separa da troca de mercadorias'
determinidade de dinheiro [. . .] é o Eito que nele uma relação so-
e pela qual o valor se autonomiza. A força de trabalho percebe
cial, uma relação determinada entre os indivíduos, aparececomo
então as condiçõessubjetivas de trabalho, seus meios de sub-
sistência, como "coisas, valores que se Ihe confrontam em uma um metal, uma pedra, uma coisa puramente corporal."z'
personificação externa que ordena", um valor "dotado de um Com o livro ZeoüzzfzúzMú/r-%a#a, reencontramos na
poder e vontade próprios." õ8 relaçãoentre trabalho e capital "a inversão da relaçãoque já
havíamosencontrado ao estudar o dinheiro e designadopelo
Portanto, o dinheiro não é mais a sobrevivênciade um
termo eetichismo"72.O fetichismo, a partir daí, é estreitamente
antigo eetichismo monetário, mas torna-se uma abstração social
associado à coisificação: "Esta relação Já é, em sua simplicidade,
real: o valor de troca "destacado do produto [. . .] é o dinheiro."Ó9
uma inversão: personiâcação da coisa e coisiâcação da pessoa.'
Historicamente, o capital começou a aparecersob a forma de
O capitalismonão domina o trabalhador em virtude de uma
dinheiro acumulado, "todas os investimentos pessoaisse trans-
qualidade qualquer de sua pessoa, mas somente porque ele en-
formam em dinheiro", de modo que o valor monetário adquire
;uma existência social universal" distinta de todas as mercadorias carna o capital. Sua dominação é a do trabalho materializado
(morto) sobre o trabalho vivo, do produto sobre o trabalhador,
particulares e de "seu modo de existência natural". A troca uni-
ao ponto em que até "a ciência e as forças naturais igualmente se
versal aparece então como "alguma coisa independente, como
apresentamcomo corçasprodutivas do capital". "E tudo issoEm
uma coisa" (Ueriacó#cóz/ng).
O tema da coisificaçãovem desse
Faceaos trabalhadores [. . .] como sendo estranhado e coisificado
modo se superpâr ao da alienação e ao do 6etichismo. É enquan-
[e @rmZef z//z.Zsacó#có], simples forma de existência dos meios
to relação social coisiâcada, no qual o "poder da pessoa se trans-
de trabalho, independente deles e dominando-os."" Os próprios
formou em poder das coisas",que o dinheiro se transforma em
70 [[bid.,P. 101].
68 71 [[bid.,P. 179].
K.. bÁau, Gmndrisse, manuscritoseconómicocle 1857-1858: Esboçoscla
C}Ú/r.z zãzEcc70mfa Boá fra, Boitempo Editorial, 201 1, t. 1, p. 392 [da 72 [K. Marx, Teoriasda Mais-Valia,BertrandBrasi1,1987, t. 1, p. 456 (da
edição francesa, assim como as referências seguintes]. edição francesa)].
69 [lbid., P.80]. 73 [bid., p. 457 [da edição francesa].

54
meios de trabalho sob a simples forma física do material, dos
T' se distingue justamente da mercadoria em si par estaproprie-
instrumentos etc, fazem-lhe face como "fiinçóes do capital e, dade e que, por conseguinte,possui uma forma particular de
assim, do capitalista". Fora dessa relação, a corça de trabalho, alienação [...] A determinação formal graças a qua] se eFetua
literalmente subjugadae enfeitiçada, torna-se impotente e "sua a transformação do dinheiro ou da mercadoria em capital se
capacidade é quebrada", enquanto que, pelo outro lado, com o encontra apagada."7ó
desenvolvimento do maquinismo, ascondições de trabalho apa- Na forma de juros, "a forma 6etichizada
do capitalé fi-
recemcomo dominadorasdo trabalhador igualmente do ponto nalizada,assimcomo a ideia do capital-fetiche". E nesta"forma
de vista tecnológico e, ao mesmo tempo, substituem-no, sufo- fixa e esclerosada","completamente alienada" do lucro, "o capi-
cam-no, tornam-no supérfluo "em seusfins autónomos' tal adquire cada vez mais uma forma objetiva e, de relação que é,
Os efeitos de uma forma social determinada de trabalho transforma-se cada vez mais em coisa, mas coisa que incorporou
são, então, "atribuídas à coisa, aos produtos desse trabalho; mis- a relaçãosocial, que a absorveu, coisa que se comporta, com
tifica-sea própria relaçãode trabalho em uma forma reificada relação a si mesma, como dotada de uma vida e de uma autono-
(coisificada)". O capital representa, portanto, o estágio supre- mia fictícia, serao mesmo tempo perceptíve]e imaterial." 77Ou,
mo do 6etichismo e da reificação; cuja alienação não é mais que como o fetiche se torna espectros
a contrapartida do lado do trabalhador: "No capital portador No capital portador de juros "o capital adquiriu sua for-
de juros, esse6etichismo automático é aperfeiçoado: é o valor ma reiâcadapor excelência,sua forma de puro fetiche,e a na-
que valoriza a si mesmo, o dinheiro feito de dinheiro, e, sob essa tureza da mais-valia é representada como tendo desaparecido
forma, ele não carrega a menor cicatriz reveladora de seu nasci- totalmente por si mesma; o capital enquanto coisa apareceaqui
mento. A relação social atingiu sua forma perfeita de relação da como fonte autónoma de valor" e os agentesda produção capi-
coisa (dinheiro, mercadoria) consigo mesma."z4 talista vivem assim em um "mundo mágico" onde suas próprias
E justamente por isso que a forma dos juros é "o capital relações lhes aparecem como propriedades das coisas: "É sob as
por excelência": "a coisa aparece,a partir daí, enquanto capi- formas últimas, as mais mediatizadas, que as figuras do capital
tal e o capital enquanto uma simples coisa; o resultado total aparecem como os agentes reais e relações imediatas da produ-
do processode produçãoe do processode circulaçãocapita- ção. O capital portador de juros personificado no capitalista fi-
lista apareceenquanto qualidade inerente da coisa e depende nanceiro (o banqueiro), o capitalista industrial no cavalheiroda
do proprietário do dinheiro, ou seja,da mercadoriasemprein: indústria e o capital que gera rendas no capitalista fundiário e,
tercambiável, quer ele a gasteenquanto dinheiro ou a alugue enfim, o trabalho no trabalhador assalariado:é sob estasfiguras
enquanto capital" 25.Quando o "dinheiro troca de lugar" para fixas, encarnadas em personalidades independentes, que apare'
ser emprestado como capital, a mediação "é apagada" e se torna cem, ao mesmo tempo, como simples representantesdas coisas
"invisível": "Empresta-se dinheiro enquanto valor que se valo- personificados,que elu entram em concorrência e se engajam
riza, [enquanto] mercadoria, mas [enquanto] mercadoria que no processode produção real [.. .] Â medida que, nessemovi-
mento, asconexões internas se impõem, elas aparecemcomo leis
74 K. Marx, O Capa/a/, Centauro, 2005, t. 111,p. 538 [da edição francesa,
assim como asreferências seguintes] . 76 Ibid.,P. 541-542
75 Ibid., P.539. 77 Ibid., P.570.

57
misteriosas.A melhor prova disso é a própria economia política, A fetichização das corças produtivas subsumidas pelo ca-
ciência empregadapara descobrir asligações internas ocultas.«7a pital conseguefmer da máquina e do dinheiro as duas manifes-
Importância das abstraçóes reais que remetem à objetiva- taçõesmaioresdo fetichismo do capital no processode produção
ção de processos sociais e náo a uma Essa consciência a qual seria e no processode circulação;'. Mas ainda se ignora aqui um feti-
necessáriodissipar pelo desvelamento pedagógico da realidade chismo generalizado (da Arte, da Ciência, do Estado, da Histó-
oculta ou pela provocação reveladora. ria) de todas as hipóstasesmaiúsculasonde seperpetua a domi-
naçãodas "abstraçõesreais" até e compreendendoo fetichismo
>Citar o importante livro de Tony Altous que o siscemariza70< da organizaçãoadministrativaburocrática.Mérito de Lukács,
via beber, haver aberto o caminho a Lefebvre,ao estenderà
Nos .A/anz/Jcr//aj de /844, a problemática do trabalho
cotidianidade a crítica do fetichismo e da reificação.
alienado permanece tributário da dialética sujeito-objeto (obje-
Como forma hipostasiada do social, a mercadoria gera
tivação/alienação). A alienação ali ainda é concebida como perda
a coisificação da relação social: 'tAs relações sociais se coagulam
de si e daquilo que confere o caráterhumano ao homem. N'O
fora dos homens, como exterioridade no que diz respeitoàs rela-
C:zP/ZaZ,
Mare parte do modo pelo qual o capitalista organiza e
determina o trabalho, não da dominação do valor de troca sobre ções sociais mais imediatas, porque elas acabam por depender de
abstraçóes sociais como a circulação monetária, os mercados fi-
as atividades humanas, mas da determinação dessasatividades
nanceiros, o mercado de trabalho etc." ;: Trata-se bem de abstra-
pelo processo de valorização. Dito de outra maneira, ele não par-
çóes reais, ou seja, de expressões teóricas de relações materiais que
te mais do homem antropológico e da diabéticasujeito-objeto dominam o indivíduo, tal como Marx o expõe nos Grzzndrísse.
implicada no trabalho, masda estrutura social e das relaçõesde
produção. A ideologia e a representação como manifestações do feti-
chismo e da coisificação na cotidianidade (LeEebvre).Numerosos
Sua teoria do 6etichismo, balbuciante nas obras de juven-
autores entendem por ideologia apenas uma "falsa consciência'
tude, pede então se desdobrarcomo uma teoria organicamente
e Errem inversamentedo proletariado o suporte de uma cons-
ligada à teoria do valor: coisificação da relaçãosocial e perso-
ciência verdadeira, pelo menos potencialmente. Entretanto, a di-
nificação (6etichização) da coisa resultam da transformação das
mensão imaginária do social é inseparável de sua dimensão real,
relações sociais em abstraçóes sociais que circulam por sobre a
lembram Jean-Mana Vincent e Antoine Artous, de modo que a
cabeçados indivíduos, dominando-os." ;' N'O CúP/ía/,a teori-
ideologia não é o produto direto dos interesses de classe,mas um
zação do 6etichismo não é mais uma crítica comparável à crítica
tipo de "miopia espontânea";3. Não, obviamente, uma simples
6euerbachiana da religião.O fetichismo consiste,de agoraem
ilusão oposta à transparência e ao desvelamento científico.
diante, em considerar o valor como uma propriedade da coisa
singular e não como a expressãoreificada de uma relaçãosocial 81 Ver Tran Hai Hac [Vietnamita, é, entre outros, o autor do livro Re/Irf
de produção e troca.
Le Capita!-- Mare cHtique de L 'économiepoLittqwe et objet & L'économie
78 pa/ff/gzíf, Lausanne, Éditions PageDeux, 2003]
Ibid., p. 587. Reencontramosesta passagem,
sob uma outra forma, no 82 \-M. V\nçent. " Sociologia d'Allorna" , in La PosteHté& L'École& Frandort,
capítulo do livro 111sobre a fórmula trinitária
79 Paria, Syllepse, 2004
IA. Artous, Zf .fVÜcóümeChez Marx, Paria,Syllepse,2006] 83 [J-M. Vincent, EZf/cólsme f Sor/ef/, Prefácio de François Châtelet, Paria,
80
A. Artous, Ze .f#ncó/ímeChez Man, op. cit., p. 15. Anthropos, 1973]

58
afazer uma conexãocom lsabelle Garo<
T' sua gênese obJetiva";8. O uso variado da representação em Marx
impede a construção de um conceito unívoco de representação,
É "a divisão da vida social em domínios separados que mas determina em sua obra "uma presença lancinante desta ca-
explica, até certo ponto, estarelativa, mas eíetiva, independência tegoria". Ele mostra que a representaçãose explica pelas causas
das ideias" '4, de modo que as análisesem termos de classenão
que a produzem e pela cisão social que ela perpetua, e não como
esgotam a questão de sua validade e que "a questão se compli- entidade dotada de uma natureza própria: "A representação é
ca a partir do momento em que se admite que existe,em cada mediaçãoe não coisa ou estado"". Ela não é uma imagem mas
época, muitas ideologias concorrentes e que uma ideologia pode uma parte da estrutura social historicamente enraizada,o que
também comportar um saberverdadeiro"'S. A mercadoria como
Ihe dá uma margem de liberdade e Ihe permite escaparà lógica
'coisa sensível suprassensível" gera ilusões e superstições de um
estrita da reprodução. Ao permitir identificar aslinhas de futura
novo género
do real, a representaçãoé a condição de possibilidade da crítica.
Para lsabelle Gare, Marx é um pensador da representa-
"A ideologia tem por vocaçãoprimeira ser uma noção ge-
ção e é necessário reconhecer a existência de representações dos
ral que deve poder englobar o conjunto dasrepresentações,ilusó-
dominados contra as quaiso combate político é necessário.Pois
rias ou não, e incluir, neste aspecto, tanto a ilusão quanto a ciên-
estas representações são ao mesmo tempo expressão das contra-
cia, tanto a apologia quanto a denúncia da ordem existente"90.
dições da realidade e parte mesma de sua evolução. Como o ho-
[)aí a análiseda Repúb]icacom um primeiro esboçode uma
mem mais simples da França pede adquirir uma importância
ideologiados dominados, e a metáfora do "hieróglifo social". A
de ta] complexidade. Em 1848, todas as classes"foram obriga-
expressão "modos de representação" que se encontra no Zoar!
das a sair dos alojamentos, dos jardins e das galeriaspara aduar
.Zz .Amais-Za#a (T. ]], p. 1 84[da edição fancesa]) pode ser conce-
pessoalmente na cena revolucionária" (Marx, O /8 .Brzzm#rjo 2e
ZzÍÚ.Ba/papar/e).Este teatro não é o mundo de ilusão. m,s a bida como um aperfeiçoamento diabético da noção de ideologia.
"A ideologia não é nem um aparelho de Estado, nem uma dou-
cena da representaçãoque vem para "cindir, a partir de dentro,
trina definida, mas uma representaçãomodeladaem parte pelo
tanto o trabalhador quanto a mercadoria" e aí instalar "a lógi-
controle social do qual resulta", e setrata de compreender "como
ca da representação" 'ó, mas representações determinadas, pois
a "representaçãoenquanto valor de troca, a mercadoria,suscita a ideologia organiza sua própria compreensão, ou como os teóri-
cos criam a teoria acerca de sua atividade"9' . Ideologia e verdade,
uma representação ao quadrado,já que o suporte privilegiado
fita de Moebius, no Famoso texto de Lacan. Que seja, então, a
das teorizaçõesda economia política é a pedra angular de um
estudo da realidade económica em sua totalidade." 87 ideologia uma representaçãoparcial "incapaz de se dar conta de
si mesma"92;a partir de 1857, Marx dá um sentidoinédito ao
O reflexo não designa então o conhecimento verdadeiro,
termo ideologia, tornado mais concreto pela pesquisa.
'mas um processo complexo de formações de representações ao mes-
mo tempo parcialmente autónomas e duravelmente subordinadasà
88 Ibid., P.191.
84[1. Gare, ajam, Unf CHdgKezü úzP»/üsaPAfe,Paria,Seuil 2000, p. 73] 89 Ibid.,p. 241
85 Ibid.,p.74. ' 90 Ibid., P.77
86 ibid., P. 153. 91 ibid., P.276.
87 Ibid.,p. i55. 92 1. Gare, L]2úioZa@e
a ózP? éeEmóaxqzlár,Paris, La Fabrique, 2008, p. 22

61
A teoria da ideologia não opõe a teoria à ciência, mas O crescimento das capacidadesintelectuais de abstraçãocarac-
teriza a época na qual o dinheiro torna-se, cada vez mais, puro símbolo,
ao comunismo, "não como ciência vinda de cora" (da prática indiferente a seu valor particular."P7
social), mas como "elaboração de representações inéditas [. . .] Não aboleentretanto a "dupla naturezado dinheiro": "ser,ao mes-
imanentes àspráticas de luta e de emancipação que elasacompa- mo tempo, uma substânciabastante concreta e com preço bastanteclaro
nham" 9s,ou ainda, "a invençãode uma outra vida". "0 contra [o ta] e, entretanto, não tirar seu próprio. sentido senão da dissolução
completa em movimentos e funções, repousa sobre o Eito de que ele consiste
rio da ideologia não é um outro sistemade pensamento situado unicamenteem hipóstase,em encarnaçãode uma pura fiinção, que é a de
no seio das mesmas coordenadas sociais, é a antecipação em ação permitir a troca entre os humanos "9
TA pureza simbólica dos valores económicos é o ideal rumo ao qual
de uma outra relação da teoria com a prática, o questionamen- o dinheiro tende no decorrer de sua evolução, o qual não é jamais atingido
to, pejo menostendencial,da divisãodo trabalhoque realiza completamente."'9Do metal à moeda eletrânica, passandopelo.couro,.o
uma clivagem dos indivíduos que aí se constroem."94Pois, ao selo,' a escritura e o papel, a desmaterializaçãonutre a ilusão do fetiche
(força abstrata e estranh;), mas sem levar à abolição da '.função reguladora"
fio da crítica, a ideologia vem se articular com o eetichismoque do metal como reserva: "a realização desta exigência ideal, a passagemda
não é mais uma forma primitiva de fé nos poderes sobrenaturais fiinção monetáriaao puro símbolo monetário, a libertaçãototal destacom
relação a todo valor substancial capaz de limitar a.quantidade de dinheiro,
de certos objetos, mas uma "uma forma elaborada e potente de
tudo isso permanecetecnicamente não factível." '" Tecnicamente?Por sua
ilusão social, que disfarça e transpõe a riqueza socialmente pro- essênciaprofunda", enquanto "fenómeno integralmente.sociológico", ele
duzida em riqueza abstrata captada pela apropriação privada seria "pouco vinculado à materialidade de seu substrato" '''. Pouco, mas
de novo?
jantes de tudo, a ideologia não é uma ilusão produzida pelos Seguramente, este valor do dinheiro deve também possuir um su-
especialistas em ideias, mas a organização subjetiva, mais ou me- porte, maso que é decisivo é que o suporte não.é mais.a fonte destevalor,
nos refinada, das aparências sociais objetivas que nascem à medi- pelo contrário se tornou completamente secundário.":02 Seguramente? Se-
cundário, mas não indiferente.
da do processo produtivo e comercial."'s "Condensado ideal do
Representa a dissolução das ligações de dependência pessoal: da
capitalismo, o fetichismo oculta ao mostrar, travesteao desvelar, liberdade de escolha do tempo (de con;umo etc), portanto, uma liberdade
joga vertiginosamentecom a visibilidade e com a transparência, que tem como contrapartid; uma sujeição à abstração real<

impedindo a apreensão desta totalidade da qual é um reflexo, ao


mesmo tempo em que fecha os homens na solidão de seus papéis
de vendedor ou comprador."'Ó

>Retomar depois para terminar o capítulo de conclusão de lsabelle


Garo (p. 153-167) sobreascondiçõesde possibilidade de uma crítica ima-
nente à ideologia que permita questionar o círculo vicioso da dominação<
>Como Simmel (P»/Zosapólf
de/:4rgr/zr,PUF, Quadrige,1987) se

O dinheiro nivela di6erençu e desigualdadesenquanto "forma pura


de intercâmbio", "meio em si", "meio absoluto" ou "quantidade pura' 97 G. Simmel, PÉiZaioP#!e 2r /14rgr/zf, Paria PUF Quadrige 1987,P.57
98 Ibid., P. 193.
93 Ibid., P. 56. 99 Ibid.,P. i66.
94 ibid.,p. 103.
100Ibid.,p. 176.
95 Ibid.,p. i25-i26. 101Ibid.,p. 187
96 Ibid., P. 127. 102Ibid., P.233.

B2
B

m ;alidadePerdida
Para Lukács, o Getichismo consiste, no sentido freudiano,
em tomar a parte pelo todo. Hipóstase de momentos destacados
da totalidade concreta, o Getichismosó poderia ser superado
pelo proletariado enquanto sujeito-obJeto de seu próprio co-
nhecimento. Pois, enquanto "os fatos forem escrupulosamente
examinadosem seu isolamento" :'3, náo se pode obter senão
um saber e uma racionalidade parcelares ("méfiers burgueses",
segundo Husserl). O marxismo, ao contrário, "ultrapassa essas
separações,elevando-asou rebaixando-as ao papel de momentos
dialéticos"i04

É importante lembrar que Lukács, quando escreve os tex-


tos de /Bí/ár/a e Co/zscié ci,z dr Cázsie, não teve acesso nem aos
Manuscritosde 1844 e nem aos Manuscritosde 1857 ÇasGrun-
driíse). É, então, a partir d'O Capital e da contribuição de beber
que ele reconstrói de maneira original o 6enâmenoda reificação,
segundoo qual "uma ligação, uma relaçãoentre pessoasadqui-
rem um caráter de coisa e, desta maneira, de uma objetividade
ilusória.":'S A racionalização crescente e a "eliminação cada vez
maior das propriedades qualitativas humanas e individuais do
trabalhador"aparecemcomo um problemaespecíficode nossa
época,levando à quebra do processode trabalho em "operações

103 G. Lukács,HlsfÓrlú e Consr/é/zela


zü CZzisr,Marfins Fontes,2003, p. 44
da edição francesa]assim como as referências seguintes].
104 Ibid., p. 48. Ver também J-M. Vincent, /Vf/rólrmf fr Sarlefé (Paras,
AnEhropos, 1973), sobre "a vida independente das formas sociais
segundo Marx.
105 G. Lukács,IDsrtír2ae Ca jr/é flzzcÜCZzsle,
op. cit., p. 110.

67
parciais abstratamente racionais":oóque deslocam a relação do experiência e de suasconvicçõespessoaispodem ser compreendi-
trabalhador com o seuproduto. dasapenascomo o ponto culminante da deificaçãocapitalista."'"
Ca/rz/Zemzíi.
É a ditadura do cálculo e da calculabilidade, Mas também uma justiça e uma administraçãocujo
até a medida da desmedida e a quantificação do inquantificável. fiincionamento pode ser, "pelo menos em princípio, calculado
O deslocamento temporal e espacialda produção setraduz pelas racionalmente". Reforma dos hospitais e da universidade, tira-
manipulações parciais" nas quais o homem não é mais nada nia da avaliação.Do mesmo modo, o juiz tende a se tornar um
ou, senão,como havia predito Marx, "uma carcaçado tempo "distribuidor automático", encarregadode aplicar uma tabela
Enquanto mercadorias,os bens de uso adquirem uma nova ob- de tarifação das penas (peimc'.pü cóeP'P)e transformar a justiça
jetividade, uma "nova coisidade", escreveLukács, ao preço da em abstração.Ele "cospe a partir de baixo o julgamento com
destruição de sua coisidade original, como no caso do solo sub- as expectativasmais ou menos sólidas" e seu funcionamento é
metido à especulação
imobiliária. Disto resultaum mundo en- "calculável no geral."::'
feitiçado, "de cabeça pra baixo".
'0 proletariado compartilha com a burguesiaa reiâcação
A teoria da coisiâcaçãopermite elucidar o problema da de todas as mani6estaçóesda vida", à medida que ele mesmo
burocracia moderna que "implica uma adaptaçãodo modo de aparececomo "produto da ordem social capitalista" e onde a rei-
vida e do trabalho [...] aos pressupostoseconómicos e sociais ficação se exprime nele de maneira mais marcante "produzindo
gerais da economia capitalista": TA racionalização formal do Di- a mais profunda desumanização" :''. Como superar, como no
reito, do Estado, da Administração etc, implica, objetivamente caso do co]onizado de [Frantz] Fanon, esta desumanização? "A
e realmente, em uma decomposição semelhante de todas as hn- afirmação da qual todos partimos permanece: na sociedadecapi-
çóes sociais em seus elementos, uma busca semelhante de leis ra- talista o ser social é -- imediatamente -- o mesmo para o proleta-
cionais e formais que regem essessistemas parciais separados."'07 riado e para a burguesia"::z.Mas: e mediatamente?A dinâmica
Esta maneira cada vez mais "formalmente racional" de tratar os conflitual dos interessesde classe,em uma para conservare em
problemas singularescaracteriza a burocracia enquanto encarna- outra para ultrapassar, transformando-se na prática (na luta, na
çãodo racionalismoformal. Daí resultaum "homemparcelado" experiência...). O proletariado certamente não tem ideais dou-
(hoje diríamos "plural" ou "em migalhas"), à maneira da subjeti- trinários a realizar, mas sua consciência é a expressão de uma "ne-
vidade absoluta dominada pela objetividade absoluta do capital; cessidadehistórica", pois "ela mesmanão é senãoa contradição
origem de um individualismo ilusório semindividualidade. da evolução social tornada consciente".' :'
Esta estrutura se mostra sob os traços mais grotescos no
>Desenvolveraqui uma crítica da metafísicada consciênciae do
jornalismo, em que a própria subjetividade,o saber,o tempe- suleito<
ramento, a faculdade da expressão,tornam-se um mecanismo
108 Ibid.,p. 129.
abstrato, independente tanto da personalidadedo proprietário 109 [Figura jurídica do Direito anglo-saxão oposta ao princípio da
quanto da essênciamaterial e concretados assuntostratados [. ..] individualização da pena]
A 'ausênciade convicção'dos jornalistas, a prostituição de suas 110Ibid., P.124-125.
lll Ibid., P.189.
106 Ibid., P. 115. 112Ibid., P.205.
107 Ibid., P. 127. 113Ibid., P.221.

68
Pode-se compreender, então, que os fatos não sejam engolida de Weimar para se impor de novo adiante da cena inte-
nada além de partes, de momentos destacadosdo processo em lectual": '7. Compreendendo aí, no romance de Pérec a Houelle-
seuconjunto, artificialmente isoladose fixados. Ao mesmotem- becq, uma atmosfera de reificação. Empiricamente constatável
po, compreendemostambémpor que o processoem seucon- nas pessoastratadas como objetos (meras portadoras, mercan-
junto, na qual a essênciado processo se aârma sem Edsificaçáo tilização das relações amorosas, explosão da indústria do sexo).
e cuja essência não é obscurecida por nenhuma fixação coisista, Haveria em Lukács uma concepção "ontologizante" da
representa,com relaçãoaos fatos, a realidade superior e autênti- reificação,segundoa qual a relaçãoentre as pessoastoma a for-
ca. E compreendemos, ao mesmo tempo, por que o pensamento ma de relação entre coisas. Sua atenção se debruça sobre o fe-
burguês reificado devia Emerjustamente desses'fatos' seu feti- tichismo da mercadoria, mas ele vai além da esfera económica
che teórico e prático supremo. Esta facticidade petrificada, na para observar os "constrangimentos exercidos pela reiíicação na
qual tudo se congelaem 'grandezafixa', na qual a realidadedo conjunto da vida cotidiana na era do capitalismo":com "a ex-
momento estápresenteem uma imutabilidade total e absurda, tensãodasatitudes com finalidade racional", a reificaçãoteria se
torna toda compreensão, até mesmo desta realidade imediata, tornado uma segunda natureza. "Tudo setorna coisa": "na esfera
metodologicamente impossível. A reiâcação é, então, levada em sempre em expansão das trocas mercantis, os sujeitos são cons-
suasformas ao seu ponto culminante.": :4 "Para todo homem que trangidosa secomportar em relaçãoà vida socialcomo obser-
vive no capitalismo, a reificaçãoé, dessemodo, a realidadeime- vadoresdistanciadose não como participantes ativos" a fim de
diata necessária;e ela não pode ser superada senãona tendência eliminar a parte emocional do comportamento racionalizado.::;
ininterrompida e sempre renovada de fazer explodir praticamen- Para Lukács, o tratamento instrumental de outrem é antes
te a estrutura reiâcada da existência, através de uma relação con- um batosocialdo que um erro moral, masseudiscursonão é,
creta das contradições que se manifestam na evolução do todo, entretanto, isento de implicações normativas ou de pressuposi-
atravésde uma tomada de consciência do sentido imanente des-
ções antológicas "Eu me atenho à [areea de saber se existe sen-
tas contradições na evolução do todo."' '5 É necessário, portanto, tido em reatualizar o conceito de 'reiíicação' compreendendo-o
apostar na única força transformadora, ou seja, na capacidade como um sinal de atrofia e de distorção de uma prática originá-
revolucionária do proletariado e na sua autoconsciência. ria na qual os homensempreendemuma relaçãoenganada (ei#
anfeiZneómr/z2rfWeóáZmii) entre si e com o mundo."''9 Lukács
>Desenvolver aqui, contra o eetichismo dos fatos (que não falam
nunca deles mesmos) e contra o relativismo segundo o qual o discurso teria subestimado o Eito de que sociedades bastante diferentes são
constró! a realidade?o discurso de classe(talvez;e referindo aqui à crítica conduzidas "por razões ligadas à eâcácia" (como se existisse uma
da ideologia segundo lsabelle Gaio:''). E a crítica da terrível dialética do
concepçãotrens-histórica de eficácia), a agir de uma maneira tal
em-si ao para-si, da qual o partido seria a encarnação. <
que seus membros "aprendem a se relacionar entre si e com
Para Axel Honneth, a categoria reiÍicação, nascida de os outros de um modo estratégico."::oHonneth sepropõe, ao
Marx, beber e Simmel, "reemergedas profiindezas da época 117 IA. Honneth, Za Ré@farion.P?df fxnjf/ zÜ iÉéar/f rHügwf, Paria,
Ga[[imard, 2007,p. 15]
ii4 Ibid., P. 229. 118Ibid.,p. 26.
115 Ibid., P. 243. 119 Ibid., P. 31
1 16 [A qual seencontra no capítulo ]]], "Da Alienação à Coisificação"]. 120Ibid., P.32.

7n 71
contrário, a reformular o conceito lukacsiano na linguagem de emocional,um mundo se abre. Na ontogênese(a infância) o
uma teoria da ação. reconhecimento de alguém próximo precede o conhecimento; e
Lukács teria pressuposto,como referênciaimplícita de a compreensãodo sofrimento de outrem não é conhecimento,
suacrítica da reificação,uma forma verdadeiraou autênticada mas expressão de uma simpatia: "o tecido da interação social
prática humana. Daí sua ideia de uma praxis participativa en- não se e6etua, como frequentemente se admite em âlosoíia, a
gajada que permite reverter a reificação. Para ele, a superação partir de atos de conhecimento, mas com o material fornecido
das relações sociais reificadas não poderia ser concebida senão pelas posturas do reconhecimento"::3, como formas elementares
como o movimento pelo qual a classeoperária toma consciência, de intersubjetividade. Axel Honneth apaga,dessemodo, a di-
por uma "reversão espontânea" (Axel Honneth), das operações mensão conHitual (de classe) da autoemancipação em proveito
produtivas que a determinam. anão, qual o papel do partido, de uma paciâcação, retirando a re]ação social, abstração real, do
vanguarda, pedagogo, consciência delegada. ..?< lado da intersubjetividade metodológica.

ParaLukács, como para Heidegger, um "véu ontológico A reificação se transforma em "esquecimento do reconhe-
ocultada o modo da existênciarealmente vivida. Ambos. vela. cimento" (ou do ser), enquanto que, para Lukács, ela define o
mento e reiâcação,não conseguemeliminar completamente a processo social pelo qual "a perda se produz" (aqui, perda ou
preocupação originária que sobrevive no saber pré-reflexivo ou esquecimentode uma origem). É, em todo caso,a interpretação
naspráticas marginais elementaresque uma análise pode levar de Honneth que dá lugar às ambiguidades da ontologia lukac-
à consciência. Esta relaçãointeressadacom o mundo, Heideg- siana: o processo de reificação é "um processo pelo qual a pers-
ger chama de "cuidado" ou "participação enganada".A atitude pectiva originalmente participante se encontra neutralizadaaté
que Ihe correspondetem primazia conceitual sobrea apreensão o ponto de se tornar, finalmente, instrumento do pensamento
neutra da realidade; "Com a prudência necessária,eu substituo objetivante."::4 A diferença de Dewey, Lukács confiindiria obje-
o conceito heideggeriano de 'cuidado' pela categoria, tirada da tividade e reificaçãoe se recusariaa admitir um valor qualquer
obra de Hegel, do 'reconhecimento'."Uma postura aârmativa ao acréscimo de objetividade no desenvolvimento social. Esten-
formada pelo reconhecimento::' precede todas as outras atitu- dendo Lukács, "nós podemos chamar de 'deificação' esta forma
des, tanto do ponto de vista genérico quanto do ponto de vista de 'esquecimentodo reconhecimento'", o processopelo qual "a
categorial."i2z consciência se perde de tudo aquilo que resulta da participação
O "primado do reconhecimento" é, então, a tese segundo enganadae do reconhecimento". Tema da perda: "deste momen-
a qual "o reconhecimento precede o conhecimento", o reconhe- to de esquecimento,de amnésia,eu quero Emera chaveuma
cimento como "aptidão de endossar racionalmente a perspectiva redefinição do conceito de 'reificação'."'2s
de outrem" enraizadaem uma interação anterior. Com efeito, Portanto, Honneth reformula a questão da reificação.
um ser humano se torna humano ao imitar outros humanos. Poderíamos EHar de reificação apenas no caso das relações com
de onde uma simpatia existencialoriginária. Graçasao apego as outras pessoase não em relação à natureza externa, pois se

12 1 [Foi suprimida um acréscimo feito pe]o editor francês ('e'). Para o tradutor 123 Ibid., P. 67.
o acréscimo atrapalha a plena compreensão do texto] . 124 Ibid.,p.74.
122 Ibid., P.44 i25 Ibid., P. 78-79

72 73
l
trata aqui de um esquecimentodo reconhecimentode segundo atitude reificante senão ao perderem de vista o reconhecimento
grau. Honneth subjetiviza assima reificação de tal modo que de- anterior."::9 Mas por que e como elesa perdem. Morde-se o rabos
pende de comportamentos subjetivos emancipar-se dela, já que Lukács teria também ignorado o fato de que, nas trocas
caracteriza não relações interindividuais mas, antes, uma relação económicas, "o estatuto jurídico dos dois participantes os prote-
social tornada autónoma. Assim, ele censura Lukács por ele não ge a ambos contra uma postura reificante". Ele não pode então
definir "o que seria uma atitude positiva" de um jornalista que medir corretamente a função protetora do direito, que é hoje
não renunciasseà sua subjetividade, ao seu temperamento, ao obstáculoà evoluçãoreificanteem matériado direito do tra-
seu talento questão que, na problemática de Lukács, não tem balho, das manipulações genéticasetc. Na URSS, a reificação
nenhum sentido.
(burocrática) não passava pelo mercado.
;Em meu percurso [de re6ormu]ação], eu neg]igenciei a O centro das controvérsias vivas suscitadaspelo livro ,füf-
peça'chave da análise de Lukács", a saber, "a tese segundo a qual fór/a e Co/ziciénc/a 2r Chiie, desde sua publicação, é esclarecida
a generalização, na era capitalista, das trocas mercantis constitui pela resposta de Lukács a seusdetratores em um texto de 1929,
a causaúnica desses6enâmenosda reificação"i2ó.De fato. "Luká- ignorado por muito tempo, chamado Z)ia#fíca e .ÊíPO/ziane/zúz-
cs tem a tendência [. . .] a co]ocar uma equiva]ência entre os pro- det30.Nele Lukács Eazessencialmente a réplica às críticas de L.
cessos de despersonalização das relações sociais e os processos Rudes relativas ao "subjetivismo" ou ao "voluntarismo" de .f?lrM-
de reificação."i27 É Simmel quem, em sua .r;ZJas(:#a
2a Z)j/zAe/ra, rja e Co Jr/ê cia de CZnie. Para Rudas, as derrotas das revoluções
procurou compreendero porquê da indiferença interindividual, alemã e húngara se devem, essencialmente, aos limites das con-
a relação social "despersonalizada" pela troca monetária, para po- dições objetivas, enquanto Lukács insiste no fato da ausênciade
der considerar o parceiro de troca como confiável, enquanto que um partido à altura da situação,capaz,como o partido bolchevi-
a reificação significa a negação do caráter humano. que em 1917, de intervir e decidir o futuro dos acontecimentos.
Lukács não discute reificação senão em relação aos pro- É claro, admite, condições subjetivas e objetivas se determinam
cessosde troca: "Tudo o que, desde esta época, testemunha mui- reciprocamente sem cessar, de modo que as fraquezas do Eator
to mais fortemente uma conduta reificante, a saber,as formas subjetivo têm razõesobjetivas, mas que estasrazõesobjetivas re-
de desumanização bestiais próprias ao racismo e ao tráfico de sultam, elas próprias, em parte, das Edhasou das fugas do Eator
sereshumanos, ele [Lukács] não tematiza nem de modo margi- subjetivo. Mas não é menos verdade que "o reHexosubjetivo do
nal."i28 Daí o preconceito segundo o qual as "condições econó- processoobjetivo cumpre um papel real, e não somente imagi-
micas podem, sozinhas, em última instância, conduzir à negação nário no seio do próprio processo." '3'
das característicaspróprias ao homem". Lukács não conseguiu 129 Ibid., P. 114.
\ 3Q G. 'L:u\çâcs, Dialectique el Spontanéité. En clé#ense d'Histoire et Consciente
"compreender outras contes sociais da reificação". Se, por outro
cü (;Zlsse,
Pauis,Éditionsde la Passion,2001. O tradutorlpara o
lado, "o núcleo de toda reificação consiste em um esquecimento
francês] escolheu traduzir por "Dialectique et Spontanéité" [Dialética e
do reconhecimento", os sereshumanos "não podem adotar uma Espontaneidade] o título original de Lukács "Chvostismus und Dialetik"
inspirado no termo criado por Lênin a partir da pa]avra "khvost" [âla].
]26 Ibid., P. 107. Suivisme (queuisme) et Dialectique" [Seguidismo e Diabética, em
127 Ibid., P. 109. português] seria uma tradução mais literal do título.
128 Ibid.,p. 112. 131 Ibid., P.33.

74 75
'n'«"n'H'r

O objetivismo subordina a política e a ação à ciência, e Poderíamos nos perguntar se esta insistência não seria li-
daí o "fatalismo khvostista (seguidista, espontaneísta)". Assim, gadaestreitamente ou exclusivamente a uma hipótese estratégica
Rudas critica em Lukács uma "pretensateoria do instante" que particular, ou seja, a da insurreição enquanto momento do pro-
privilegiada o momento propício, eventual, em detrimento do cessorevo]ucionário no qual "o elemento subjetivo se torna de
processo. Lukács responde que Rudas reduz o processo a uma uma preponderância decisiva". Mas Lukács recorda que, em sua
evolução mecânica, linear, que elimina o "instante da decisão": política contra o esquerdismo,Lênin semprese opas ao "subje-
O que é um 'instante'?Uma situaçãoque podedurar ou não tivismo de esquerda" (a ação de março na AJemanha). Ao invés
bastantetempo, masque se destacado processodo qual é o re- de dissolver, como íàz Rudas, os instantes propícios do processo,
sultado pelo fato de que nela as tendências essenciais deste pro- 'de cultivar a arte da insurreição, Em-seda insurreição um jogo,
cessose concentram, pelo bato de que nela uma decisão, relativa o papel ativo legitimamente assumido pelo sujeito setransforma
à orientação altura do processo, deve ser tomada.":3: Se, de Eito, em um subjetivismo verborrágico."'ss"E claro que a preparação
o devir histórico é o resultadode uma luta (de classes),com um da revolução, uma questão fiindamental do leninismo, é incom-
resultado incerto e não um cumprimento de um destino fixado patível com a perspectiva khvostista."isó
pelos astros,então existem pontos de bifilrcação entre possíveis A decisãodecide o indecidível. Mas quem decide. Aqui,
que são instantes de decisão. "Não se trata de um movimento a questão da consciência de classe.O proletariado? Mas ele sofre
de intensificação linear, como se, por exemplo, em uma evolu- o efeito da reificação, do fetichismo, da alienação, de modo que
ção favorável ao proletariado, a situação de depois de amanhã sua consciênciaimediata, espontânea,é, no melhor dos casos,
tivesseque ser necessariamente melhor que a de amanhãetc; sindicalista. Pois sea ideologia dominante é mesmo a das classes
pelo contrário, é necessáriodizer que, em um certo momento, a dominantes, isto significa que a grande maioria dos dominados
situação exige uma decisão, e depois de amanhã poderá ser tarde estáimpregnadapor ela ou a compartilha. Como sair dessecír-
demais.":33Poderíamos dar muitos exemplos: a insurreição de culo vicioso, de novo. Rudes, como a maioria dos social-demo-
17, a de insurreição de Hamburgo, a greve geral de 68. cratas que concebem o papel do partido essencialmentecomo
Isso não quer dizer, argumentaLukács, que o instan- pedagógico, um transmissor de saberes, aposta em "um trabalho
te (o acontecimento) possa ser arbitrariamente "separado do deeducação'
processo",o que o tornaria semelhanteao milagre religioso ou Lukács Ihe responde a partir da noção de "consciência de
se traduziria em um voluntarismo propriamente esquerdista, classe imputada ou atribuída", já colocada no ,f#f/ór/a e Cani-
indiferente às condições de possibilidades efetivas que deter- c/é cla Ze CZaie. No que concerne às classesque, pelo fato de
minam a situação.Mas "trata-seaqui de compreenderque esta sua situação económica, agem necessariamente com uma "Essa
autonomia (dialética e, portanto, dialeticamente ultrapassada) consciência", entre "a consciência que eles têm efetivamente da
do elemento subjetivo constitui, no estágio atual do processo situação e a consciênciaque elespoderiam ter -- em fiinção de
histórico, no período da revolução proletária, um caráter deci- sua situação de classe existe uma disparidade que cabe pre-
sivo da situação geral."'34
cisamente aos partidos e seus dirigentes preencher o máximo
132Ibid., P. 35.
133Ibid.,p. 35-36. 135Ibid.,p.39
134Ibid.,p. 37. 136Ibid., P.43

76 77
"q-'nH E"V HT'rr-

J
possível."t37
Mas "o proletariado não estána mesmasituação: dando a elas o ponto de vista da totalidade, ou seja,sua cons-
ele pode por causade suaprópria situaçãode classe ter um ciência de si, Lukács descarta todo determinismo sociológico.
conhecimento exato do processohistórico e de suasdiferentes Não somente a consciência não é fiinçáo do tamanho das ü-
etapas [postulado onto]ógico]'3*] . Mas e]e tem esseconhecimen- bricas, como não se desenvolve necessariamente lá onde a classe
to em todos os casos?Não. Uma vez constatadoo fato, a tarefa operária é mais concentrada e educada. Pelo contrário, pode-se
de todo marxista é a de refletir seriamente acercadas causasdessa encontrar nesseslugares condições de cristalizações corporati-
diferença e, sobretudo, acercados meios para remediá-la". A ex- vase burocráticas ligadas aos privilégios relativos da aristocracia
pressãoconsciênciaimputada ou atribuída designa o nível que operária. Para "descobrir o que na aristocracia operária vai ao
corresponde, em um dado momento, à situação económica ob- encontro da dinâmica revolucionária de conjunto", é necessário
jetiva do proletariado, ao nível de consciência que Ihe é acessível "deixar o plano da imediaticidade" e troca-lo pelo da totalidade
neste momento. Lukács diz ter empregado essaexpressãopara e da mediaticidade. Para os revolucionários, a necessidadere-
'exprimir claramente a disparidade entre a consciência real e a corrente de nadar contra a corrente deveria ser suficiente para
consciência possível."is9 refutar a teoria khvostista da espontaneidade.
Mas como corrigir isso?Lukács retoma as famosaspala- Voltamos, assim, à questão do partido, questão que "para
vras de Marx: "pouco importa o que ta] ou tal proletário, ou todo adepto da teoria da espontaneidade constitui consciente
mesmo o proletariado como um todo, imagina momentanea- ou inconscientemente -- uma pedra no meio do caminho"i42: "o
mente como objetivo. O que importa é o que ele é e o que his- conceito de consciência de classeé um conceito concreto, expri-
toricamente será forçado a fazer de acordo com esseser.":4' Ci- mindo um conteúdo determinado", e o lugar onde o conceito se
taçãoda SagradaFamí[ia,ou seja,de 1845, na qual uma forte realiza "é na organização do partido comunista"'43. A formação
tentaçãoontológica participa da primeira temática da alienação e a elevação do nível de consciência se efetuam "em interação
como perda no mundo de uma humanidadeautêntica.A ta- constantecom a evo]uçãodo conjunto da rea]idadesocial [...]
refa se torna então, para Lukács, "suprimir a disparidade entre e, por consequência,não segueuma curva linear uniformemen-
ser e consciência,ou mais exatamente:entre a consciênciaque te ascendente."'44E por isso que, segundo Lênin, as formas de
correspondeobjetivamente ao sereconómico do proletariado e organização são necessárias.Elas não são, em absoluto, contra-
uma consciência cujo caráter de classepermanece por trás desse riamente ao que escreveu Rosa Luxemburg, "garantias de papel",
ser."'4' Ou seja, consciência atrasada com relação ao ser. elas constituem, ao contrário, um Eator decisivo no desenvolvi-

Admitindo, com Rudas, que as classes são "formações Hu- mento de uma consciência de classedo proletariado: "as formas
tuantes", às quais somente o partido pode oferecer consistência de organizaçãodo proletariado, o partido em primeiro lugar, são
formas de mediação reais, na e para qual a consciência de classe
137 Ibid., P. 46. correspondente ao ser social do proletariado se desenvolve e se
138 [Nota de D. Bensa]d]. encontra desenvolvida."i4s
139 Ibid., P. 47.
140lK. Marx, K. Marx e F. Engels, .4 SízWnzü EamÜa, ou, ,4 rrz'hc IZz crz'Hrz 142 Ibid.,p. 55
fn'ffr.z co/z/xnBrzénaBa er e fonsorfer,Boitempo Editorial, 2003. Página 143 Ibid., P. 57
460 da ediçãofrancesa] 144 Ibid., P. 59
141 G. Lukács,Z)/a&fffg f fr SPa/z/a/i/é, op- cit., p. 47. 145 Ibid., P. 59

78 79
Lukács Eda de "forma de mediação real" para inscrever re[açóes sociais]discutíve]: medida miseráve]' 5'] . Para Lukács, por outro ]ado,
a coisificação daspessoassob o efeito da quantificação reduz o trabalhador ao
na totalidade 6enâmenossociais cuja articulação não é imedia- estadode mercadoria e de pura quantidade. Esta abordagem Ihe permite li-
tamente dada, para ascenderà "abstraçãoverdadeira" ou real do gar a crítica do eetichismo à crítica da alienação via temática da reiÊcação sob
efeito da quantificação. Para Jakubowsld também, "cálculo e racionalidade
ponto de vista do proletariado.Marx e Lênin não sãosomente
são princípios da economia capitalista". Artous vê aqui a influência de um
autores críticos da economia política, mas são também fiinda- marxismo weberiano; uma objetivação racional segundo a qual os próprios
dores de organizações. É certo que "as formas de organização indivíduos são quantificados e transformados em coisas, com sua subjetivi:
dade absorvida pela objetividade até o ponto de uma alienação absoluta. É
não são simples expressõesintelectuais do estado de consciência
este deslize lukácsiano que inspirará até hoje asversões mais desesperadasvia
imediato do operário médio"'4ó. "Pois o ser social do proletaria- Marcuse e Debord, até Baudrillard, Surya ou Coupat.<
do não o coloca, imediatamente, senãoem relação de confronto >Tuntar Gramsci, Debord.

com os capitalistas, enquanto que a consciência do proletariado ParaGramsci, a unidade das classesdirigentes seproduz no e pelo
Estado. e sua história é "essencialmente" a dos Estados:S'. Por outro lado,
só se torna verdadeiramente uma consciência de classe a partir do as classessubalternas não são, por definição, unificadas, mas podem sê-lo
momento em que abraçaa totalidade da sociedadeburguesa.":47 sepuderem se tornar Estado". Assim, sua história é uma função fragmen-
tada da história da sociedade civil. E por isso que uma parte importante
>Retomar a questãoda exterioridade, o que o próprio Lukács Em. do Príncipe moderno deveria ser consagradaà questão de uma "reforma
De acordo com um ponto- A importância do partido, de outro ponto de intelectual e moral, ou seja, relacionada com a questão religiosa ou concep-
vista, mediano, para escapar ao círculo vicioso da deificação e da consciência ção de mundo. [. . .] O Príncipe moderno deve e não pode sero campeão
alienada, que vai de par com o desenvolvimentode um pensamentoestra- e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa criar
tégico de intervenção, de decisão, e não com um objetivismo cientificista. terreno para um desenvolvimento ulterior da vontade coletiva nacional
Mas, para isso, não recorrer à metagsica da consciência de classe"encar- popular rumo à realização de uma forma superior e total de civilização
moderna."iSZ
nada na política do partido" (p. 67), à antologia proletária, do em-si e
para'si. Basta pensaro devir realde uma pluralidade de formas emergentes Compreender as correlações de corças,o modo de analisar as situa-
de amores e agentessem um grande sujeito. Não relativizar, entrega;to, o ções, estabelecerdiferentes graus de correlaçõesde força e "juntar a isso,
papel do partido como meio necessáriopara visar à totalidade para além o expostodo que é necessárioentender, em política, por estratégiae por
da particularidade das coisas,das tentaçõescorporativistas. Um partido tática, por 'plano' estratégico, por propaganda e por agitação."'s3
estracegista,que não é somente uma vanguarda, mas uma peça-chaveno Na análise "do momento do sistema de correlações de corça exis-
quebra-cabeça.:stratégico. Fazer referênciaà Labica e o ao paradigma do tente em uma situação determinada, podemos recorrer ao conceito que se
Grand-Hornui4ü< ' '
chama, na linguagem militar, de conjuntura estratégica, ou seja,de manei-
anota crítica a partir de Artous''P< ra mais precisa, do conceito de grau de preparação estratégica do teatro da
>Lukács produz uma teoria da reificação diferente da teoria mar- luta, da qual um dos principais elementosé constituído pelascondições
xiana do fetichismo, onde não são mais as relações sociais que são reificadas, qualitativa do pessoaldirigente e pelasforças atiras que se pode chamar
mas os próprios indivíduos, por causa da racionalização e da quantificação de primeira [in[;a. [. . .] o grau de preparação estratégica pode dar a vitória
instrumental. Ora, contrariamente à teoria lukácsiana, que vai buscar no às forças que são 'aparent(Imente' (ou seja, quantitativamente) inferiores a
processo imediato de produção (a mecanização) a fonte db trabalho abstra- do adversário."'s'
to, a crítica marxiana não coloca no centro da análise a quantificação das
150 [Nota do próprio D. Bensaid
146Ibid., P.62. 151 Antonio Gramsci, Ckcür/zafíü CZrffre, Editora Civilização Brasileira, em
147Ibid., P.64. 6 volumesa partir de 1999. Caderno 25 (1934). Página312 da edição
148IG. Labica, Le na/zzzZlgmfdaGxnnd./íomu, Bsa/r r /%é#aZapf,Montreuil- francesa.
sous-Bois,
PEC-]aBroche,1987] 152 AnronioGramsci,Caca'rnoiü (2rreHr,op- cit. Caderno13 (1932-1934).
149 [Na bibliografia listada por D. Bensald,encontra-seo ]ivro de Antoine Página 358 da edição francesa [assim como as referências seguintes]
Artous, Ze /Vffr#!fme C»ez Jáam, Paras, Syllepse, 2006. É provavelmente 153 Antonio Gramsci, Clzcürnofíü C2rrex?,op. cit., p. 359.
uma referência a e]e] i54 Ibid.,P.406.

8n 81
Passardlt.gueryl de movimento (no Oriente) à guerrade posição,
a única possível"(no Ocidente), é o que tinha compreendido Lênin, e ta]
"me parece ser a significação da fórmula da 'frente única' [. . .] Mas ]]itch
não teve tempo de aprofiindar sua fórmula" 155. <
> "0 cálculo mais desenvolvido depende ele mesmo dos motivos
introduzidospelaimprevisívelsucessão
de'respostas
do adversário.
A in-
ceraçãopermanente entre tática e estratégiapode dar vazão a surpresase
inversões, por vezesaré no último instante. Os princípios sãoseguros e sua
aplicação é sempre incerta."'SÓ<

V';-- Eclipse da Razão Ci'ítica


(da crítica da vida cotidiana ao homemunldimensional)

i55 Ibid., P.183.


156 G. Debord, Ze E?zíZe éz G fm?, Paria,Gallimard, 2006, p. 148

82
Os anos 1960 são marcados por uma série de publicações
que sublinham os efeitos sociais e culturais da terceira casedo
capitalismo (spãréapila#smws de Mandei): massificação da classe
operária industrial, compromisso social, sociedadede consumo,
mercantilizaçãoda cultura, irrupção da juventude etc. A Cr#Zca
ü RazãoD/a#ffca de Sartre, em 1961; o segundovolume da
Crúica óúz1,'7züCofí2:a/z/z,iS7
de Henri Lefebvre, no mesmo ano
(com uma versão reduzida em edição de bo]so em 1967); .4 ]2íeo-
Logia ch Sociechde Indusnial de NÂatcuse, em \')G4\ NeocapitaLis-
moe Es/xa//XI Opezüriade André Gorz, em 1964; Oi .f/e?úeirai
de Bourdieu e Passeron,em 1964; ..4sCo/iaf de GeorgesPérec,
em 1965; .4i 2aüz,xafe zziCo2iaide Foucault, em 1966; /)ia&fi-
ra Nega/fz,a de Adorno, em 1966; .4 SociezúzZe2o E»eürzzZa de
Debord, em 1967.:S' Retrospectivamente, pode-se decifrar nes-
sestextos filosóficos, sociológicos ou literários, as premissasdas
explosões sociais e juvenis da década, que culminou, na França,
na greve geral de 1968.
Se Ihe 6oi atribuído abusivamente uma inHuência direta
sobre os movimentos de 1968, o ]ivro de Marcuse [H ]2üoZa-

gia zúzSociezZzde
/n2ni i 4 se concentra tanto nas interroga-
ções emergentes quanto nas novas condições de uma política
de emancipação. Ele constata que as tendênciascontemporâneas

157 0 primeiro volume apareceuem 1947, o segundo,vinte anos depois,em


1967, apósa ruptura com o partido comunista, e o terceiro em 1981.
Uma versão condensada dos dois primeiros foi publicada em 1967 sob o
título Za We (2uof/Óf zzze
Z)amsü J4on.ü A4úúr/ze("ldées" Gallimard).
158 Some-sea isso o Ã/Pega/aWef,de Barthes em 1957
do capitalismo americano conduzem a uma "sociedade fechada' O capitalismo organizado do WÉ'#àreStar?:" parece, com
capaz de integrar "todas as dimensões da existência privada ou efeito, estender ao extremo os íenâmenos da alienação e da rei-
pública", de modo que os indivíduos e as classesreproduzem ficação analisados por Marx. O que Marcuse define como "um
como nunca a repressãosofrida e que a democracia "consolida processo de introjeção" marca um estágio supremo da alienação,
a dominação mais firmemente que o absolutismo":S9:"quando em que não haveria mais simplesmente a adaptaçãodo indiví-
este estágio é atingido, a dominação [.. .] invade todas as esfe- duo à sociedade,mas identificação imediata, tendo como con-
ras da existência privada e pública, integra toda oposição real, trapartida uma perda da "corça crítica da Razão": "Eu quero su-
absorve todas as alternativas históricas"'C'. É assim, bem antes gerir que o conceito de alienação se torna problemático quando
da .p# ê/fz/de do /zo.»rwr#6/ e sua versão Ihatcher (Tina), um os indivíduos se identificam com a existência que lhes é imposta
diagnóstico sobrea 6orclusãodos horizontes de expectativa. e onde eles encontram realização e satisfação.Esta identificação
E necessário notar que a dominação se torna o tema chave não é uma ilusão, mas uma realidade. Entretanto, esta realidade

e assume a forma da dependência pessoal para engendrar "uma ra- não é, ela mesma, senão um estágio mais avançado da alienação:

cionalidade maior": "Em seu estágio mais evoluído, a dominação ela se tornou totalmente objetiva; o sujeito alienadoé absorvido
funciona como uma administração; nos setores superdesenvolvidos por sua existência alienada."i65(2luanto à reificação, ela atinge o
do consumo de massa,a vida administrada é a boa vida do todo e estágio da "reiâcação total no fetichismo total da mercadoria".'cú
para de6endê-]a os opostos se unem. Tã] é a forma pura da domina- Estaforclusão de todo o espaçocrítico se traduz também tanto
ção."'ó2Não é grande coisa diante da literatura crepuscular de Surya pela anemia da razão crítica quando pela neutralização da arte
ou doslnvisíveis. mercantilizada.

Marcuse estabelece, desse modo, uma ligação estreita en- O que ilustra o jovem casalde Pérec:"Parecia-lhes,por
tre abundância, consumo, administração e dominação que de- vezes,que uma vida inteira poderia harmonicamenteescorrer
[ermmam conjuntamente o "comportamento unidimensional" [. . .] entre objetos tão perfeitamente domesticados que eles aca-
do homem em uma sociedadeque transformou a oposiçãone- bariam por acreditar neles como se durante todo o tempo ti-
gativa em oposição positiva, com a aniquilação de toda possibi- vessem sido criados para este único uso [. ..], seus meios e seus
lidade de mudança qualitativa e a negação do "espaço romântico desejosentrariam em acordo em todos os pontos, em todos os
da imaginação". Daí ser necessáriose pâr, escreveMarcuse, uma tempos. Eles chamariam a este equilíbrio de felicidade e pode-
vez mais a questão central que nunca cessou de se tornar mais riam, por sualiberdade, por sua sabedoria,por sua cultura, pre'
insistente: "como os indivíduos administrados [. . .] podem se serva-lo, descobri-lo em cada instante de sua vida comum"'c7
liberar ao mesmo tempo deles mesmos e de seus mestres?Como Assim poderiam discorrer longamente sobre "a genialidadede
se pode pensar que o círculo vicioso pode ser quebrado?":" um cachimbo ou de uma mesa de centro" :6; e o entusiasmo por

159 IH. Marcuse,H J2üaZaWa


úz Sar/ezZ
üe /n2ui#iú/, Zahar Editora. 1979. 164 [Em inglês no original, 'Estado do bem-estar social']
Página 7 da edição francesa, assim com as referências seguintes]. 165 Ibid., p. 35 e 36, respectivamente.
160 Ibid.,p.42 166Ibid., P.8.
161 [Em inglês no origina], significando, em tradução livre 'sem fiituro']. 167 G. Pérec,.4s Coisa, Companhia das Letras, 2012 P 15 [da edição
162Ibid., P.278-279. francesa, assim como asreferências seguintes] .
]63 Ibid., P.274. 168 Ibid.,p. 22

87
uma valise. Enquanto que no pano-de-fiando corria a guerra da necessidades,pela riqueza exposta, pela abundância ofertada":7s
Argélia, "Jerâme e Sylvie não tinham muita fé que se pudesse Mas a abundância não é senãoo outro nome do enorme entu-
lutar por divãs C%eiz?@eáZ.
Mas esta terá sido a palavra de ordem Ihamento de mercadorias que, nas primeiras páginas do capital,
que os teriam mais Facilmente mobilizado" iõ9.
define a riqueza na sociedade capitalista. Do mesmo modo, a
O condicionamento, lembra Marcuse, não começa com o longa descrição do apartamento, ao qual é dedicado o primeiro
rádio e a TV de massas, "é um universo racional que pelo simples capítulo do CoISa, revela "a deriva dos objetos, dos móveis, dos
peso, pela simples capacidades de seu aparelho, bloqueia toda a livros, dos pratos, das papeladas, das garrafa vazias"'74.Os per-
hga". Produz-se assim o que ele chama de "uma dessublimaçáo sonagens"afiindavam na abundância":7s, e, ao mesmo tempo,
repressiva crescente segundo a qual "o princípio do prazer absor- "eles se sufocavam sob a deriva dos detalhes", sob uma "fragmen-
ve o princípio da realidade"''o. Ela é eficaz no domínio sexual tação tensa"frente a uma "impalpável neblina dos esplendores
onde se constitui "um efeito secundário dos controles sociais da magros, dos sonhos em farrapos [...]". Sem movimento de con-
tecnologia": "[...] toda uma dimensão da atividade e da passivi- junto, elesnão eram mais que uma "pequenailhota de pobreza
dade humanas 6oi des-erotizada". Daí resulta "uma contrição da num grande mar de abundância":76
líbido" e a redução do erótico à experiência e à satisfação sexuais: O dinheiro suscita sem cessarnovas necessidades,a ponto
'IA dessublimação assim estruturada oferece prazeres; mas a des- de transformar a percepção dos próprios corpos que são possuí-
sublimação preservaa consciência das renúncias que a sociedade dos por seus desejos ilimitados: "No mundo que era o seu, era
repressiva impõe aos indivíduos e preserva, assim, a necessidade quasea regradesejarsempremais do que sepodia adquirir. Não
de libertação."i7]
coram elesque assimo decretaram; era uma lei da civilização, um
Mas um dos pontos essenciaisdo projeto marcusiano re- dado de bato cuja publicidade em geral, as revistas, a arte das pra-
pousa sobre a capacidade postulada de distinguir as verdadeiras teleiras, o espetáculo da rua e até mesmo, sob um certo aspecto,
necessidades das Édsas. Seu objetivo é "abandonar a satisfação re- o conjunto das produções comumente chamadasculturais, eram
pressiva" e "substituir as necessidades Essas pelas verdadeiras."'7: as expressões mais conformes":77. "Era um desejo louco, doen-
Se as necessidadessão sociais e históricas, quem decide o que tio, opressivo, que parecia governar o menor dos gestos [...].
é verdadeiro e o que é fuso? Pérecé o mais próximo da lógica Eles disso se embriagavam" e "se entregavam sem moderação aos
íntima do capital quando constata que a "imensidão de desejos" delírios do imaginário."t78
de seus personagenslhes paralisam ao ponto de que se tornam O "frenesi de ter" lhes tomava lugar da existência.Parasin-
incapazesde "olhar de frente estaespéciede fiíria lastimável que teira era para eles "uma perpétua tentação". Caso clínico de des-
iria se tornar o seu destino, sua razão de ser, sua palavra de or- sublimação repressiva, "vorazes", eles sonhavam confiisamente
dem, maravilhados e quasesubmergidos pela amplitude de suas
173 G. Pérec,.4sCoisa,op.cit., p- 35-36 [da ediçãofrancesa,
assimcomoas
referências seguintes] .
169 Ibid., P. 80. 174 ibid.,p. 18
170 H. Marcuse, 4 ]2#aZa@z
ZzSaffelZz# /nz/m/na/, OP.cit., p. 32Ída edição i75 Ibid.,P. 96
francesas
.
176 Ibid« p. 101 e p. 102, respectivamente.
]71 Ibid., p. 97 e p.99.
177Ibid., P.44.
172 Ibid., P. 32 178 Ibid., P. 89

88
;com outra coisa", mas "amavam a riqueza antes de amar a vida' (segunda uma 6rmula emprestada de Roland Barthes) "não de-
:Eles estavambem no seu tempo. Estavam bem na sua pele. monstra, não explica", apenas"comunica a decisão,o lúê&#&,a
Eles não eram, assim diziam, completamente ingênuos. Eram ordem"'87 por meio de tautologias e sentenças eficazes.
descontraídosou, pelo menos,tentavamser"i79em um mundo No mesmo sentido, "o antagonismo entre realidade cul-
'estranhoe cintilante", "no universobrilhoso da civilização mer- tural e realidade social se enfraquece"'88 e os valores estéticos
cantil, das prisões da abundância, das armadilhas fascinantes da
que eram "a negação determinada dos valores dominantes"''9 se
felicidade":". Mas estavam"no coração do vazio" e se pergunta- degeneramno valor de troca. A cultura superior do Ocidente,
vam "se existiam realmente". Atormentados por "uma vacuidade reservadaa algumas minorias privilegiadas tinham em si "um
fiindamental", viviam somente "uma tragédia tranquila." '8i elemento romântico" que exprimia um desafeto metódico em
A derrota da razão crítica é apenaso outro lado do triunfo relaçãoao mundo dos negóciosà indústria fundada na cálculo e
do positivismo (lógico ou outro): "0 pensamentopositivo e sua no lucro. Hoje, escreveMarcuse, Madame Bovary não seria mais
filosofia neopositivista neutralizam o conteúdo histórico da ra- uma história romanesca, mas um simples "caso clínico", pois "a
cionalidade":': e transformam o mundo objeto em "instrumen- rea[idade tecno]ógica destrói[. . .] a possibi]idade mesma da dis-
talidades". Do mesmo modo, o operacionalismo na física e o tanciação artística"'P'. A arte que era, em suas posições extremas,
óeó z//oz/r/fmonas ciências sociais "se reduzem a um empirismo a grande recusa - "o protesto contra o que é" -, é por seu lado,
total"''3? A compreensãodo discursoordinário pelo positivismo recusada. "A assimilação cultural" elimina a transgressão: "E a
1(5gico"se orienta no interior do universo reificado dos discursos raciona[idade da dominação [. . .] E foi verdadeiramente uma
de todos os dias"'", em detrimento da dimensãohistórica do dissociaçãoporque, desde o início, a ciência continha a Razão
sentido. Ora, atravésdo empírico, é o indivíduo abstrato que estética, o jogo livre e mesmo a loucura da imaginação, a fantasia
EJa. Para Marcuse, a filosofia analítica "se refere a uma reali- da transformação; a ciência se transforma em racionalização das
dade mutilada de pensamento e de palavra":;S e seu caráter te- possibilidades" :9 :

rapêutico é evidente. O doente é uma categoriade intelectuais A sociedadede consumo significaria então a extinção dos
;cujos pensamentos e linguagem não se conformam aos termos
possíveis, entendendo-se como possibilidades "aquilo que está
do discurso ordinário"'8Õ. Assim, na comunicação fiincional, o verdadeiramente ao alcance de cada sociedade" e que podem ser
conceito é reduzido a siglas, abreviações, "imagens fixas" e "fór- definidas como "objetivos práticos" (possibilidade determinada
mulas hipnóticas" que ritualizam autoritariamente o discurso e ou concreta).As possibilidadesnão realizadasse tornam fatos
o imunizam contra a contradição. Esta "clausura da linguagem' quando a prática histórica - "o domínio do possívelno interior
179 Ibid., P.46. do necessário" - as atualiza. A ideologia do Eito cumprido celebra
180 Ibid., P. 80. "o universo dado dos fatos":P: e "se submete ao poder esmagador
181 Ibid., P. 132.
182 H. Marcuse, .4 J2ea/a@a
lúzSarífzúzü/nz/ i la/, op. cit., p. 249[da edição 187Ibid. P. 126
francesa, assim como as referências seguintes] . 188Ibid. P 82.
183 Ibid.,p. 37. 189Ibid. P. lO.
184 Ibid., P.205 190ibid. P. 87
185 Ibid., P. 227. 191Ibid P.253
186 Ibid.,p. 206. 192Ibid P. 17

91
da realidade estabelecida"'PS.
O pensamento diabético, ao contrá- automaçãosoviética administrada que estariaà altura de amea-
rio, dedica-se a apreender "o potencial como uma possibilidade çar o sistemaconcorrencial ocidental (Krushchov, retomar e ul-
histórica [e] sua realizaçãocomo um evento histórico"'P4.Ora. trapassar...).O Estado, o Partido e o Plano poderiam então se
na racionalidade operacional, é esta dimensão e a própria histó- dissolver na automação e na abundânciallPP
ria que se encontram "suprimidas de um só golpe". Pois a lingua- Mas a dúvida permanece sobre as forças que ainda seriam
gem fiincional é uma linguagem "radicalmente anta-histórica: capazesde quer explodir a sociedade,já que "na sociedadede
A história ameaçadapelo estruturalismo e pelo fiincionalismo, abundância" a classeoperária seria agora "ligada ao sistema de
e com ela a política; ameaça(pressentidapor Debord) que se necessidades,mas não à sua negação":oo.Ao perder sua autono-
confirmará com a quedana pós-modernidade,fim da história, mia profissional, os trabalhadores setornaram apêndicesfiincio-
cemitério dos possíveis. nais da máquina e o "véu tecnológico" contribui para mascarar
Existe uma alternativa, um outro mundo possível, uma a desigualdade e a escravidão. A mecanização reduz em quanti-
vida para além do capitalismo? Questões lancinantes que encon- dade e em intensidade a energia física dispensada no trabalho.
tram aqui sua origem. Marcuse deixa a questão aberta, apesar Portanto, não existe,para o sistemacapitalista, um "ver-
do pessimismo evidente: " l) Ou a sociedadeindustrial avançada dadeiro exterior". Ora, "a ideia de que as corçashistóricas de
é capazde impedir uma transformaçãoqualitativa da socieda- libertação devem se desenvolver no interior da sociedade esta-
de em um fiituro imediato. 2) Ou existem forças e tendências belecida é a pedra angular da teoria marxista". "Nos nossos dias,
capazes de passar além e explodir a sociedade":PS. Não se pode é precisamente este 'espaço interior' [. . .] que é obstruído pela
responder claramente pois, "atravésda tecnologia, a cultura, a sociedade [...].":'' (E algum dia houve?... Ilusão do lado exte-
política e a economia se amalgamam em um sistema onipresente rior absoluto, da pureza...). Tema da integração. O sindicato se
[unidimensiona['9ó]que devoraou que reprime todas as alter- identifica com a empresa e funciona como grupo de pressão.
nativas"iP7. A racionalidade tecnológica se impõe como racio- E necessário,então, buscar em outro lugar, que não nestepro-
nalidade política, a oposiçãose reduz a buscarare.nativas "no
letariado submisso não somente pelas cadeia brutas da opres-
interior do iza/zíí galo"198.É o papel da social-democracia e dos
são, mas também pelas cadeias douradas do consumo, as fontes
stalinistas cogerentes do Estado-providência.
subversivasde um "sujeito histórico essencialmente novo". O
Subsiste, entretanto, tendências emancipatórias em ação. antagonismo social subsistede fato nas "condições de vida desu-
Assim, se a automação se estende,a naturezadas corçasprodu- manas daque[es [. . .] que não são empregados e nem podem ser
tivas pode mudar. E a automaçãocompleta significaria a passa- empregados, as raças de cor perseguidas, os internos das prisões
gem para uma outra civilização. Sem dúvida, esteé o resultado e das casaspsiquiátricas":'z. O exterior é, a partir de agora, a
em Marcuse do efeito spz//n/É:a ilusão quanto ao potencial da margem, antecipa Foucault e 68, mas também a temática da
exclusão ou da multidão.
193 TWI Adorno, citado por Marcuse,op cit« p. 144.
194 Ibid., P. 122.
195 Ibid., P. 21. 199 Ibid., P.69
196 [Nota de D. Bensa]d]. 200 Ibid., P. IO
197 Ibid.,p.22. 201 Ibid.,p.49
i98 Ibid., P. 28. 202 Ibid., P. 78

92
Mas numerosos Eatoresimpedem a emergência desse tradição. Nem esperavamser herdeiros":';. Era, precisamente,
novo sujeito: "o poder e a eficiência do sistema, o fato de que a altura geraçãoMiterrand: "Nos meiosda publicidade,geral-
o espírito se assimila ao fato, o pensamentoao comportamen- mente situados,de uma maneira quase mitológica, à esquerda,
to requerido, as aspiraçõesà realidade.":'sApenas descoberto, mas mais agudamente definíveis pelo tecnocratismo, pelo culto
o sujeito radicalmente novo se revelatambém unidimensional: da eficiência,da modernidade,da complexidade,o gosto pela
[...] os fatos e as evo]uçóes possíveis são aqui como os fatos que especulação prospectiva, as tendências mais propriamente dema-
náo têm relação entre si, ou como um mundo de objetos mudos, gógicas na sociologia e pela opinião, bastante embasada, de que
sem sujeito; Efta uma prática que daria a essesobjetos uma nova noventa por cento das pessoas eram estúpidas, capazes de cantar
direção"204,pois "somente a prática pode realizar a teoria e anual- em coro louvores a qualquer coisa ou a qualquer um. Nos meios
mente não existe prática que a realize"20S.
O povo nem mesmo é publicitários era de bom tom desprezartoda a política pequena
mais o fermento da contestação,mas da coesãosocial. do dia-a-dia e de abraçar a história somente numa escala de sécu-

A esperança reside, então, no "substrato dos párias e dos los."20PEste desprezo social pelos promovidos e pelos que tinham
;oz/zsíderi'" que subsistem "sob as classespopulares conservado- ganhado alguma ascensãotinha um belo fiituro, até os Invisíveis,
ras" e se situam "no exterior do processo democrático": as outras Coupat e Brossat.

raças, as outras cores, as classesexploradas e perseguidas, os de- Para este novo sujeito revolucionário hipotético, Eaz-se

sempregadose os que não sepode empregam:,


todos "exprime]m] necessárioum projeto: "Eu repeti o termo 'projeto' porque, para
a necessidade mais imediata e mais real de pâr fim às instituições mim, ele convém melhor ao caráter específicoda prática histó-
e àscondições intoleráveis. Assim, sua oposição é revolucionária, rica. Ele designauma escolhadeterminada, a apreensãode uma
mesmo que a sua consciêncianão o seja":". Retomando uma 6r- maneira dentre outras de compreender, organizar e transformar
mula de Benjamin "é somentepor causadaquelesque não mais a realidade. A escolha inicial determina a série de desenvolvi-
têm esperança que a esperança nos é dada", conclui Marcusez07. mentos que se oferecem nessa direção e elimina as escolhas que

Em se tratando dos estudantes,Pérec,mais próximo do não são compatíveis com ele."::' Ora, toda sociedade estabele-

rascunho situacionista ou dos Herdeiros, é mais reservadoque cida tem uma tendência a "prejulgar os projetos possíveis", mas
Marcuse: "Eram 'homens novos', jovens dirigentes nos quais o termo "escolhadeterminada" póe em evidência"a incursãoda
nem todos os dentesainda haviam nascido, tecnocratasa meio liberdade na necessidade histórica":::. Para Marcuse, a porta es-

caminho do sucesso.Vinham quasetodos da pequena burguesia treita permanece entreaberta para que possa fazer uma irrupção
e seusvalores, pensavameles,não lhes eram suficientes: olhavam um possívelintempestivo.
com inveja, com desespero,
para o conforto evidente,o luxo, 'Nós podemos distinguir as verdadeiras necessidades das
a perfeição dos grandes burgueses.Não tinham passadoe nem Essas"ziz, aârma Marcuse. Mas quem é esse "nós"? "Por exemplo,

208 G. Pérec, .4í Coisa, op. cit., p. 45 [da edição francesa]


203 Ibid., P.276. 209 ibid., p. 71-72 [da edição fiancesa] .
204 Ibid., P.276. 210 H. Marcuse, 4 ]:üa/aWazúzSorlrzZzz&
/nz/ i/Ha/, op. cit. p.243Edaedição
205 Ibid., P.270. francesa, assim como as referências seguintes] .
206 Ibid.,p.280. 211Ibid., P.245.
207 Ibid., P.281 212Ibid., P.30.

94
pode-se calcular o mínimo de trabalho graças ao qual as neces- exterioridade ao sistema. A "única via" aberta consiste em "des-
J
sidades vitais [. . .] podem ser satisfeitas" e "quantificar o grau de crevere analisaro cotidiano a partir da filosofia por mostrar a
liberdade possível com relação à necessidade":'s. (.quem pode? dualidade,a degradação
e a fecundidade,a misériae a rique-
A "produtividade repressiva"::4 responde ao "inferno de Essas za"21ó.Ele analisa não somente as tendências pesadas e as Formas
necessidades" geradas pela publicidade e pela &Wórlsconsumista. contemporâneasda coisificação, mas busca "também mostrar a
Mas estemodo de vida ocidental não generalizávelproduz uma derrota dessastendências: os 'irredutíveis', as contradições que
"prosperidade destrutiva". Quanto mais "as necessidades hete- nascem ou renascem, mesmo que sufocadas, desviadas, desenca-
rânimas que condicionam a vida desta sociedade" sejam postas minhadas"2i7
;para coincidir com as necessidades e satisfações individuais, mais A cotidianidade e a modernidade são "as duas faces do es-
difícil será para recalcá-las sua supressãorepresentaria uma pírito do tempo. No cotidiano, conjunto do insignificante (que
despossessão total e fatal. Mais precisamente: esta supressão fatal reúne o conceito), responde e corresponde o moderno, conjunto
poderia criar a principal condição subjetiva e necessáriapara uma de signos pelos quais esta sociedade se significa, justifica-se e que
mudança qualitativa, ou seja, a redefinição das necessidades"::s. Emparte de sua ideologia"2:8. Fascinado pela cibernética, LeEebvre,
Importância, em plena euforia dos anos trinta gloriosos, longe da pesadaarquitetura da superestrutura cobrindo a in6aes-
do tema da abundância, seja como Eator de saturação e opaci- trutura ou das nebulosasteorias do reflexo, explora na cotidiani-
dade em Marcuse e Pérec, seja como condição de emancipação dade os efeitos dobrei/-óaclê graça ao qual, a despeito da explora-
feliz em Mandei. ParaMarcuse, a sociedadeda abundância liga a ção e da humilhação, a sociedade capitalista consegue se legitimar
classeoperária ao sistemade necessidades.De acordo com Pérec, e se reproduzir. Em 1962, em pleno período de crescimento e de
Jerâme e Sylvie "afundavam na abundância", mas a abundância expansão que modifica em profiindidade as relações sociais, a divi-

é o vazio, a vacuidade fundamental que toma o lugar da exis- são e organização do trabalho, as relações entre cidade e campo, o

tência. Em Mandei, por outro lado, o coringa da abundância conceito de cotidiano seimpõe para Le6ebvreque atribui à dúvida
permite realizar imediatamente o programa de cada um segundo [pessoal],quanto à suapertinência, o longo intervalo entre a pu-
seu trabalho, a cada um segundo suas necessidades. blicação do primeiro volume e do segundo::P. Ele propõe chamar
esta sociedade, que outros qualificam como Estado-Providência,
neocapitalismo ou capitalismo organizado, de "sociedadeburocrá-
Lefebvre.
tica de consumo dirigido". Ela se caracteriza pelo recorte, agenda-

A despeito de uma aparente proximidade crítica, a abor- mento do cotidiano e a programação: "0 cotidiano setorna o ob-
dagem de Lefebvre, anterior a de Marcuse, leva a conclusões jeto de todos os cuidados: domínio da organização, espaço-tempo

diferentes ou mesmo contrárias. De cara, ele se propõe a se da autorregulação voluntária e planiâcada. Bem administrado,
e[etende a se constituir em um sistemacom ]imite próprio [...]
instalar no coração da contradição para trabalha-la a partir de
dentro ao invés de procurar uma exterioridade improvável, uma 216 H. Lefebvre, ,4 UZzüCo//22an.z /zo.A4apzzü
ã4ozüma, Editora Anca, 199 1
Página 30]da edição francesa] .
213 Ibid.,p.256. 217Ibid.,p.128.
214 Ibid., P.267. 218 Ibid., P.51.
215 Ibid.,p.269. 21 9 Existem outras considerações mais diretamente políticas

97
Procuramos prever, manipulando-o, as necessidades; cercamos o 'Retórica desta sociedade", a publicidade fornece ao con-
desejo [.. .] A cotidianidade se tornaria assim, no curto prazo, o sumo uma imensa massade signos, imagens, discursos". Ela im-
sistemaúnico, o sistemaperfeito, velado sob os outros que visam pregna a linguagem, a literatura, o imaginário social e tende a se
o pensamento sistematizante e a ação estruturante. Com relação a tornar a ideologiadominante desta sociedade.Libera uma massa
este aspecto, a cotidianidade seria o principal produto da socieda- enorme de significantes flutuantes. Ela não procura mais descre-
de dita organizada, ou de consumo dirigido [...] "::'. ver e informar, master precedênciasobre o objeto que ela dubla
O [ivro 1.4 Uzü Cb//zú z /zoA4n/zdo J[4oder/zo] começa e que não vale mais que si. Assim, a publicidade torna fictícios o
por um comentário sobre o Ulisses,romance sobre a cotidia- desejo e o prazer. Destinada a suscitar o consumo de bens, torna-
nidade, onde o sujeito se dissipa e onde o objeto prevalece.A se, ela mesma, o primeiro dos bens de consumo. É a "ideologia
da mercadoria"2:4. E Le6ebvre não viu nada!
jornada de Bloom se torna, de acordo com a expressão de H.
Broch, o símbolo da "vida cotidiana universal", onde nada se Para além do espetáculo, este "simulacro, esta simulação
passa,nenhum acontecimento. O círculo vicioso da dominação ana[ógica da história pe[os jogos de [inguagem [...]"::5. (Bau-
que também inquieta Marcuse está aqui presente, mas não é ain- drillard na escola de Le6ebvre) .
da fechado. A catástrofe é iminente, mas ainda há tempo para [Lefebvre] recusa os nomes de sociedade de abundância
conjura-la. TA repressãose estende à vida biológica e fisiológica, ou de sociedade do lazer. Sociedade de consumo assimilada à so-
à natureza, à infância, à educação, à pedagogia, à entrada na vi-
ciedade de abundância: TA passagemà sociedadede abundância
da."zz'A burocracia domina melhor ao dirigir, ao racionalizar, à
caracterizaria nossa época e poderíamos tirar daí uma definição'
sua maneira, a vida privada. Le6ebvre, na trilha da sociedade do Mas crescimentonão é desenvolvimento."No seio desta socie-
controlee do biopoder.
dade dita de abundância, manifestam-se novas raridades"::ó.Sa-
Assistimos à passagemde uma velha cultura fundada na turação não é satisfação.A pobreza na abundância.
limitação das necessidades
para uma nova cultura baseadana
Le6ebvredistingue entre tempo obrigado e tempo restrin-
abundância da produção e na amplitude do consumo. A ideolo-
gido, tempo livre, para constatar que seo tempo obrigado dimi-
gia do consumo resultante expropriou a classeoperária de suas
ideias e valores. nui, o tempo restringido cresce.E que o lazer,longe de seruma
atividade livre, reduz-se ao espetáculo generalizado.
O consumo do espetáculo se transforma em espetáculo
QzíiZdas corças de transformação. Ao contrário de Marcu-
do consumo."2:2 Transformadas em espetáculo, a energia criado-
se, é justamente porque a classe operária "se banha no cotidiano"
ra das obras é desviada para "uma visão espetacular do mundo".
que ela pode "(ou poderia) nega-lo ou transforma-lo":27. Entre-
Consumo de espetáculos,espetáculodo consumo, consumo do
espetáculo do consumo. Consumo de sinais e sinais do consu- tanto, no decorrer dos anos, ela se vê expropriada de sua cons-
ciência de classe,ao mesmo tempo em que o suposto modelo de
mo. Cada subsistemaque tenta se fechar dá uma dessasrevira- sociedadealternativa "cai no descrédito". "0 movimento diabético
voltas autodestrutivas. No nível da cotidianidade."223

220Ibid., P.141. 224Ibid., P.203.


221Ibid., P.270. 225Ibid., P.263.
222 Ibid.,p. 163. 226Ibid., P. 101-102
223 Ibid., P.204. 227ibid., P.79.
da história se volta (momentaneamente)contra si mesmo e se desencadeado nas festas?). A revolução possível porá um âm à
aniqui[a; o pensamento diabético se desarma, perde-se. [. . .] O cotidianidade reinvestindo-a de prodigalidade, desperdício,ex-
papel e o aporte histórico da classeoperária se obscurecem com plosãodas limitações. A revolução não se define somente no pla-
sua ideologia":28. O proletariado para de "crescer intensamente' no económico, político ou ideológico, mas também, mais con-
na "dignidade do trabalho e do trabalhador"::P. cretamente, pelo fim do cotidiano", como "revolução cultural
Mas rr?do: o proletariado não pode abandonar sua missão permanente":sS. Mas uma desvantagem: "[...] a revo]ução traiu
histórica sem renunciar a si mesmo. "Se ele 'escolher' a integração estaesperança tornando-se ela mesma cotidianidade: instituição,
à sociedade gerida pela burguesia e organizada segundo as relações burocracia, organização da economia, racionalidade produtivista
de produção capitalistas, abandona sua existência de classe.Para [. . .] . Diante desses fatos, perguntamo-nos se a palavra 'revo]u-
ele, integração coincide com desintegração.Ora, o suicídio de ção' não teria perdido seu sentido":s4
uma classe dificilmente se concebe e se realiza mais dificilmente
Para quebrar o círculo da dominação e rasgar o véu da ideo-
ainda":s'. "0 que nós vemos?Uma sociedadetensionada, tati- logia restam a praxis, as práticas, "a exploração das situações co-
camente e estrategicamente, para a integração da classe operária tidianas" que supõem uma capacidade de intervenção, uma pos-
consegue em parte este objetivo (pela cotidianidade organizada sibilidade de mudança e reorganização no quotidiano contrários
repressivamente segundo as restrições, pela ideologia persuasiva à instituição planificadora. "Enquanto praxis à escalaglobal da
do consumo, mais do que pela realidadedeste consumo), mas sociedade, e]a Em parte da revo]ução cu]tura] fundada no fim do
perde por outro lado toda capacidade integradora de seuselemen- terrorismo ou, pelo menos, na possibilidade de intervençõescon-
tos: juventude, etnias, mulheres, intelectuais, ciências, culturas. traterroristas. [. . .] Desde que haja uma demonstração nestecami-
Ao levar o proletariado à beira da renúncia a ele mesmo, pro- nho, o não fechamento terá sido demonstrado. Não existesistema
mulgando esse'taxa-#í#, o neocapitalismo se suicida enquanto único, absoluto, privilegiado, mas subsistemas:e entre eles, fis-
sociedade. O proletariado a carrega em sua ruína":s:. A diferença suras, buracos, ]acunas [. . .] O irredutíve] se manifesta após cada
de Marcuse, Le6ebvre não busca tanto um sujeito de reposição. redução":ss.A ideia de revolução e mesmo de "revolução total"
Inclusive, ele os nega um a um. (pois não existe revolução senão a total) "permanece intacta."2SÓ
Princípio esperança,Lefebvrereivindica a utopia: "Todos O estruturalismo como discurso ou jargão ideológico da
utópicosl" desde que você não seja submisso e resignado, que cotidianidadevitoriosa. Não se trata aqui do uso linguístico ou
desejeoutra coisae que recusea ser um executorou um servi- antropológico, mas da generalização metodológica que Eazdisso
çal do sistema.A revoluçãoadquire um sentido novo: "ruptura uma metalinguagem de validade científica universal.
do cotidiano, restituição da Festa":SZ.Tema da festividade, nos O estruturalismo é uma totalidade imobilizada. ':As ideo-
antípodas da fórmula de Mao: "A revoluções passadas Geram
logias da função (fiincionalismo), da forma (formalismo), da es-
Gestos(cruéis, mas não houve sempreum lado cruel, violento, trutura (estruturalismo) têm em comum com o cientiâcismo e o
228 Ibid. p. 82 [0 destaqueé de D. Bensa]d].
229 Ibid.,p. 86. 233Ibid., P.73-74.
230 Ibid.,p. i5i. 234 Ibid., P.74.
231 Ibid., P. 152. 235 Ibid.,p.346-347
232 Ibid., P. 73. 236 Ibid.,p. 360.

lnn lnl
positivismo o fato de não se consideraremideológicas."2S7
Assim, Marx é "Hleráclito, visto, revisto e corrigido por um eleita"z421
A
preparandoa virada cultural, a linguagemsetorna seupróprio ciênciaunitária que o estruturalismo quer constituir sob o man-
referencial, discurso sobre o discurso que dissolve o real. Barthes to da "teoria" "elimina o possível, a saber, a exploração do campo
estendeuaté o paradoxo a eliminação do sujeito: no sistemada de possibilidades ou impossibilidades". Ora, uma concepção do
moda, a moda elimina ao mesmotempo o corpo como sujeito real que elude o possível ou o separa do real "se arrisca de estru-
físico e se apropria de]e como sujeito social, é assim que ela se turar o real segundo os códigos aceitos e validados semcrítica":43.
diferencia da confecção ou do p#/-2'correr.
Daí o ardor em eliminar o conceitode alienaçãoque
Le6ebvre voltará a esse tema em 1 971 , no seu Eaxn .,4&m Zo significa uma possibilidade (o fim de uma tal alienação)e um
.é}/rw/z/za#smo.238
Neste livro, ele define o estruturalismo como conjunto de possíveis,dentre os quais a própria Revolução.E
ideologia do poder" que, neutralizando a história, neutraliza, imprime, negativamente, uma "totalidade virtual" e retoma,
com o mesmo golpe, a política. "Com a historicidade tombam transformando-o, o conceito de subjetividade. Para LeÉebvre, de
e a busca de sentido, e a contradição diabética,e o trágico. Des- fato, a noção de alienação "não é somente ligada ao humanismo
dramatiza-se":sP.
Em Foucault,notadamente,"o poderda lin- [. . .] E, sobretudo, ]igada ao conceito de apropriação"z44
guagem se substitui à historicidade presumida em estado de apo-
drecimento"240. A evacuação dos conteúdos leva a um idealismo >Nada ma], a corrente quente do marxismo (Lukács, Bloco, Ben
jamin) e sua 6ecundidade<
estupefaciente que dogmatiza as estruturas. A morte aparente
diante da majestadedas estruturas torna impensável o conflito,
o acontecimento e a revolução, é claro, como o testemunha a
contribuição de Balibar no livro vazaZ,erO (::zp/ía/.
Qual o objetivo deste "pan-estruturalismo", senão à
'preencher as fissuras","encher os buracos", enquanto que o
nosso objetivo é alarga-los. O sistema não padece de reificação,
ele é a "a própria reificação" e "a alienação suprema quando apa-
ga todo traço da alienação"24i.O sistema"íàz o vazio", que ele
acredita somente constatar. "Tem-se horror do movimento, eri-
ge-se em dogmas e em tipos de inteligibilidade a estabilidade.
Rejeita-se as transições e os estados transitórios em proveito dos
estados estacionários". O comentário dos althusserianos sobre

237 Ibid., P.i85.


238 H. LeEebvre,
Z:rl#a/ppf Sü f xn/ffff, Paris,Point Seuil, 1975[Cinco
ensaios selecionados de Au-delà du Strururalisme, Pauis, Anthropos,
1971].
239 Ibid., P.60. 242 Ibid., P. 130
240 Ibid., P.72 243 Ibid., P. i52
241 Ibid., P. 109. 244 ibid., P. 139

ln2 ln3
l

l i.Guio Simulaci'o
n

Parlraseando o Mz i@efro Com 2sfa -- "Tudo o que


é sólido se desmancha pelo ar" -- Guy [)ebord caracteriza as-
sim a modernidade: "Tudo o que era absoluto se torna históri-
co"z45.A história certamente sempre existiu, mas nem sempre
sob a forma histórica que implica em marcar a história ou fmer
época.E é parcialmente ligada à cidade. Ela nasceaí, porque a
história da cidade seria a história da liberdade. .4 confraria, 'h
liquidação da cidade" seria a negaçãodesta liberdade moderna
e a história desaparece com ela no espetáculo: "No espetáculo,
uma sociedade de classes quis, muito sistematicamente, e/ímp-
ar Ólffória.'a4óO que confirma a retórica pós-modernacom
suas estatísticas incontroláveis, suas narrativas inverificáveis e
seusraciocíniosinalcançáveis.
Deste colapso da temporalidade nasce uma "sombria me-
lancolia": esmagadosentre o não mais e o não ainda, como cida-
dãos sem cidade em cidades sem cidadãos, "nós circulamos pela
noite e somos devorados pelo fogo"z47.O espetáculo, segundo
Debord, é o "momento no qual a mercadoria consegue a ocupação
rala/ da vida social":4'. Inaugura uma literatura da opacidade, da
obturação, da unidimensionalidade, na qual a dinâmica histórica

245 G. Debord, .4 Soríecúzz&


2o llkpeMczü, Contraponto Editora, 2003, p
792 [da edição francesas.
246 G. Debord, "JVafei SKr óz 'QKeifío/z íüs /mmÜrá", in CEuvres, op. cit., p
1592
247 G. Debord, /n @mm/m s nofff ef ro/zr mímwr Ün/, in(Euvres, op' cit.
1371
248 G. Debord, .4 Sariezázzú'
ZoEpeüm/o, p. 778]da ediçãofrancesa].

ln7
do conflito é sufocada,onde o futuro, como temia Blanqui, pi- 'uma imensa acumulação de espetáculos". "Inversão concreta da
soteia eternamente no mesmo lugar. Torna-se, então, impossível vida", o espetáculoé o "lugar do olhar desiludido e da falsacons-
combater a alienação sob formas alienadas. Quando o espetáculo ciência", a "linguagem oficial da separação generalizada", a "rela-
seimpõe como "ideologia por excelência"e como ideologia ab- ção social entre pessoasmediatizada pelas imagens", "a afirmação
solutamente, o círculo vicioso da dominação se reaârma inexo- de toda vida humana [...] como simples aparência"ou ainda
ravelmente.
"o sol que não se põe jamais no império da passividademoder-
Esta eventualidade, cada vez mais presente na obra de na". "Cisão acabadano interior do homem", ele é também o
Debord, estava inscrita nas duas orientações da oposição situa- sonho mal da sociedademoderna subserviente que não exprime

cionista à sociedadedo espetáculo.A primeira consisteem opor mais do que o seu desejo de dormir. Falsaconsciência do tempo,
a autenticidade à Eaticidade,o valor de uso ao valor de troca. a tem por fiinção "fazer esquecera história na cultura", dissolver
qualidade à quantidade, o desejo ao ser substituto publicitário, o acontecimentonos fatos diversos, no anúncio publicitário ou
como se fosse possível extrair uma essência original de seu sangue nos "'pseudoacontecimentos' prefabricados":s' que o esporte
de mercadoria. A segunda consiste em restaurar a unidade perdi- espetacularproduz em profissão. Este congelamento do tempo
da contra a cisão e a separação generalizadas que produzem uma histórico encontrou sua expressãoideológica no estruturalismo.
sociedade esquizofrênica. Contra o despotismo da parcelização, Ao se analisar o espetáculo, reconhece lucidamente De-
atomização dos prob[emu, divisão social do trabalho, somente a bord, termina-sepor falar "a linguagem mesmodo espetacular'
crítica teórica unificada" vai ao encontro da "prática social unifi- Quando nenhuma ideia pode levar para além do espetáculo
cada":4P.Este tema da praxis unificada é obsessivo nos anos 1960.
existente, mas somente "para além das ideias existentessobre o
Questionamento da separaçãoprivado/público que se arrisca to-
espetáculo", o círculo infernal da dominação se fecha. A teoria
talitária, mas o que fazer quando precisamentea prática não está
crítica do espetáculo só poderia ser verdadeira ao se aliar à "cor-
presente no encontro com a teoria? Daí a constatação desiludida
rente prática da negação na sociedade", ou seja, à "retomada da
em forma de epitáfio: "É necessárioadmitir que não havia sucesso luta de classerevolucionária"2S2.
Ora, mesmoestaluta heroicaFoi
ou derrota para Guy Debord e suas pretensões desmesuradas."2SO
eclipsada depois da contrarrevolução burocrática dos anos 1930.
Indiscutivelmente, Debord é um estilista, um clássico,
No livro .4 Safiezúz2e
2o EçperáczlZa,
em 1967, Debord
um homem dasLuzesno limiar do crepúsculo,a retaguardada
distingue ainda o espetacular difuso, que procede por recupera'
razão ameaçada tanto ou mais que a vanguarda de uma resistên-
ção, do espetacularconcentrado, encarnado por uma persona-
cia à ameaça tripla de aniquilação: da história pelo espetáculo, da
lidade ditatorial ou totalitária. Vinte anos depois, em 1988, em
cidade pelo urbanismo, da arte pela mercadoria.
seus Comentários Acerca da Sociechde do EspetácuLo,ele destaca
uma terceira forma sintética, "o espetáculo integrado", que se
O EspetáculoContra a História
impõe mundialmente sob o efeito das "partículas midiáticas
aceleradas".
É o reinodo Edsosemréplica,instalado
em um
Seo capital se apresentacomo uma imensa superlotação
de mercadorias,as condiçõesmodernasde produçãolevam a 251 G. Debord, -4 Sarífeúzz&
do E3peámü, op. cit., respectivamente
páginas
249 Ibid.,p. 855. 766, 767, 768, 769, 771, 848 e 851 [da edição francesas.

250 G. Debord, Zn@mm/m narreeffonJ m/m r ik7z/,OP.cit., P. 1789. 252 [bid., p. 768 e p. 852 [da edição francesa]

ln8 ln9
presenteperpétuo, que negatodo o potencial crítico da opinião no tempo de trabalho e a transformação da circulação em prazer.
pública e do sensocomum: "Por todos os lados onde reina o es- Pois o urbanismo oficial existe apenas enquanto "técnica de sepa-
petáculo, as únicas corças organizadas são aquelas que querem ração" e ideologia, com suas colónias de férias, seus grandes con-
o espetáculo.":S3 A ponto de que a própria moda seja imobilizada juntos, sua arquitetura destinada aos pobres. Ao espalhar e disper-
e que, de agora em diante, seja arcaico gritar com escândalo, já sar nos campos recobertos massasinformes de resíduos urbanos,
que o próprio escândalo 6oi banalizado no Áappe/z/ng. de supermercados, estacionamentos, terrenos baldios e desolados,
Nos anos 1950, Debord escreviana revista Poíücó que a cidade tende "a se consumir a si mesma":58. Como Leeebvre,

o verdadeiro problema revolucionário é o do lazer"254e ele pro- Debord reivindica um alargamento do direito à habitação em
punha "alargar a parte não medíocreda vida, subtrair dela o um direito novo à cidade que prefigura a efémeraexperiênciada
máximo possível de momentos nulos"2SS.No decorrer das expe- Comuna, "única realizaçãode um urbanismo revolucionário que
riências e do desencantamento, ele retorna a este assunto, cons- ataca em campo os sinais petrificados da organizaçãodominante
tatando que o capitalismo, ao esvaziaros ofícios de significação, da vida" e se recusaa acreditar "que um monumento possaser
esforçou-se por deslocar o sentido da vida em direção ao la:er, inocente""'
a ponto de não ser mais possívelolhar o lazer como negaçãodo Bem antes, Nicolu Hulot, Marx, Engels e William Morras
cotidiano. O trabalho náo é a vida, mas não basta mais clamar haviam sonhado com uma superação da divisão social e espacial
nunca trabalhem", pois enquanto o trabalho permaneça explo- entre cidade e campo. Mas o que advêm, na euforia urbanística
rado e alienado,não haverávida. O próprio lazeré alienadoe dos trinta gloriososzóo,
é algo totalmente diferente: não a supera-
as pseudo-cestasvulgarizadas não são mais que uma paródia do ção dessadivisão, mas o colapso recíproco da cidade e do campo
diálogo e do dom. A prova por Jack Lang, Senhor Local das fes- O urbanismo destrói a cidade para construir paisagenspseudo-
tividades institucionais. campestresem nome do arranjo do território e em proveito de
cidades novas onde nada mais se supõe acontecer: cidades sem
O Urbanismo Contra a Cidade história para uma história sem acontecimentos, zona que não são
mais periferiase sim não-lugares.Assim, "as corçasda ausência
A proposição deita por Le Corbusier de "suprimir a rua histórica começam a compor sua própria paisagem exclusiva"2ó'
exprime o desejodominante de acabarcom "as chancesde insur-
reição e encontro"z5ó.A esteprograma de ilhamento e vigilân- 258 G. Debord, .4 Safifzúzzü2oEPeMrwb, op. cit., p. 840 [da edição francesa].
cia, o situacionismo juvenil opõe o prometosubversivode "um 259 G. Debord, 'IAux poubelles de I'histoire", in (Euvres, op. cit., p. 630. Ver
K. Rosé, a derrubada da ColunaVendâme como símbolo da derrubada das
urbanismo unitário":s7, com a inclusão do tempo de transporte verticalidades hierárquicas, enquanto que o urbanismo da era Miterrand é
típico o estilo de Versailles: arcos e pirâmides, restauração da verticalidade
253 G. Debord, "Gomme ia/reJ SUr óz Sarlef/ d SPefiarb", in(Euvres, op. dominante.[A ColunaVendâme 6oium monumento derrubadodurante
cit., páginas 1599 e 1 605 respectivamente. ' a Comuna de Parasque simbolizava, segundo aquelesque votaram por sua
254 G. Debord, in no/üró, n' 7, 3 de agostode 1954, in(Euvres, op cit., p. 146. demolição, os ideaisde guerra e conquista da trança imperial, assimcomo
255 G. Debord, "R#parfi r ü ra /mrüa/zzüf i!/mrlom", in(Euvres, op. cit., a própria monarquia] .
P
260IRe6erência ao 30 anos de crescimento económico após a ll Guerra
256 G. [)ebord, in no/ZzcÉ,n' 7, 20 de julho de 1954, in (Euvres, op. cit« p. 144 Mundial]
257 G. Debord, "Er fo/zpÊTz/;4/óa",in (Euvres,op cit., p. 249. 26 1 G. Debord, .4 Sar/e.Zzz&zü E)pei#r#/o, op. cit., p. 84 lida edição francesa] .

lln lll
A destruição de Paria,assim como o "assassinatode Nova
desejado realizar a arte sem suprima.la'2õ8 e de terem se tornado
lorque" descrito por Robert Finch, ou o de Los Angeles, evocado os precursoresde um irracional que "serviu durante algum tem
por Mike Davis,ilustramperfeitamente
a doençamortal que
carrega a grande cidade e fragmenta o espaço em novos gÉeüoJ.
PariaEoi arrasadaantes de outras metrópoles sem dúvida por
que, mais que qualquer outra, suasrevoluções e suaslibertações
causavam inquietação. Assim, "era necessário abandona-la em
a separação. Tudo é político?
breve, esta cidade que para nós Éoi tão livre, mas que vai cair in-
teiramente nas mãos dos nossosinimigos"2úz,profetiza Debord. >Trataraqui a questãodasvanguardas(conferirR. Williams:':)<
Profecia cumprida, .plano de ocupação do solo após plano de
ocupação do solo, Chirac após Delanoê. Antes de 1968, "as casas
O Colapso do Horizonte Histórico e o Eclipse da Razão
não eram desertasno centro [...]. A mercadoria moderna não
Histórica
tinha vindo ainda paramostrar tudo o que pode fazerde uma
rua. Ninguém, por causados urbanistas,era obrigado a ir dor-
mir longe"2õs. Mas, em 1990, a constatação é categórica; "Pauis
não existe mais":«, a cidade caiu nas mãos dos nossosinimigos.

O EspetáculoContraa Arte

"Nossa época vê morrer o Estético"2õs,diagnostica De-


bord desde 1953. O refluxo revolucionário do período entre
guerras, depois o dos anos cinquenta, é também o refluxo de
movimentos que "tentaram afirmar novidades libertadoras na
cultura e na vida cotidiana":óõ, como o surrealismo ou a psicaná-
lise. Ele retoma issono Ba ílgzr/ca.O único princípio admitido
para todos era que, quando a arte se transformasseem fetiche

n * nll
..espetacular,
não poderia haver mais poesia e nem arte e "que de-
via-se encontrar algo melhor"267. Ele acusa os surrealistas de ter

262 G. Debord.Zngmm fmm Offffr ra rzzmfmzlr


iklz/,OP.cit., P. 1781.
271 usemdúvida Raymond Williams autor de C#/f#
.:..,
264 Ibid.,p. 1772. 272 G Debord, " CommeZzfízjreJs r &zjofíeré d SPerfacü", in(Euvres, op' cit.

265 G' Debord,".4Zanf$zfirPaKr


/zfra /mrüalzúx i//wladom",
OP.cit., P. 105.
7' ar wr ü fa/zs/mrüa#z&sí//ziadom", in(Euvres, op. cit«

267 G. Debord, na/zeK7rlgKe,


in(Euvres, op. cit., P. 1666. valorizando as letras e os sons, concl

112
'q'qq 'PP7

Em Marx, "a compreensão racional das corças que se exer- Se o objetivo estratégico consiste em aproveitar "o mo-
cem realmente na sociedade" fiindava um conhecimento origi- mento favorável"28i para chegar ao "centro da ocasião"28z,é claro,
nal, não cientificista, certamente, mas estratégico, "uma com- de fato, que a razão estratégica desenvolve, no tempo histórico,
preensãoda luta e não da lei"z7õ.A "teoria da ação histórica", e o ponto de vista da totalidade. É o que a distingue propriamente
não a filosofia da história, consiste então em fazer avançar a "teo- do 'golpe' simplesmente tático; assim, lembra Debord em suas
ria estratégica", que é a politização da incerteza e do jogo. Pois na 'Notas sobreo póquer", "a unidade não é nunca o golpe, mas
guerra, afirmava Clausewitz, estamossempre na incerteza da si- a partida"283.Trata-se não somente de se colocar sob o ponto
tuação recíproca dos dois partidos e devemos, como consequên- de vista dos amores,
mas de aproveitar "todas as circunstâncias
cia, "nos acostumar a agir sempre de acordo com probabilidades onde fe e con/za/rlagm
os amores"284.
Mas o ponto de vista da
gerais" sem esperaro momento onde nos sentiríamos "livres de totalidade náo poderia subentender senão um deus onividente,
toda a ignorância"z77. enquanto a totalização profana é sempre inacabada.A melhor
das estratégiasnão pode assim eliminar sua porção aleatória e
Se a estratégia é mesmo "o campo integral do desenrolar
de aposta razoável, e ninguém sabe a parte exata que se pode
da lógica diabéticados conflitos"278,a anulação espetaculardo
conceder às suas próprias forças "até que elu tenham podido
conflito é também o marco zero da razão estratégica. O espe-
Emê-lasconhecer, justamente no momento de seuemprego, cujo
táculo anula a perspectivahistórica na qual se pode inscrever um
resultado, àsvezes,transforma-a, ao mesmo tempo em que pro-
conhecimento de tipo estratégico:"Um Estado, na gestãodo qual va sua existência""'
seinstala duravelmente um grande déficit de conhecimentos his-
tóricos, não pode mais ser conduzido estrategicamente"2z9. Dá
Vanguardas sem Revoluções
lugar, então, à gestãoe à expertise,à governançadespolitizada.
E à utopia que é a sua negação não diabética, à utopia enquanto O esgotamento das vanguardas, políticas e estéticas,con-
'experimentaçãode soluçõesaos problemas atuais sem que se firma a crise da razão estratégica. Após a derrota das vanguardas
preocupe em saber se as condições de sua realização são ime- culturais e políticas, a proclamação da novidade, tanto no novo
diatamente dadas":", ou como "sensonão prático do possível" romancequanto na nova filosofia, não celebrasenãonovidades
diria também Henri Leeebvre.No -4 SacjerZz2e 2a EíPei#f Za,as de retaguarda,de modismos.A Internacional Situacionistase
correntes utópicas se definem pela sua recusa da história do so- pretendia, muito imodestamente, "vanguarda da verdade", o
cialismo. A utopia/ucronia aparece assim como contrapartida de início, mas o início somente da realização de uma autêntica no-
um eclipse da razão estratégica. vidade. Ela estava condenada, é o dilema de toda vanguarda,
a desaparecer
com o pleno cumprimentodestanovidade."A
276 G. Debord, .4 Sor/f ÜZr do E fzãfzf/a,OP.cit., p. 795 da ediçãofrancesa.
277 G. Debord, /n g/mm /mzfJ Ocrefr co Jzím/mr ikPZ/,
OP.cit« P. 1388. 281 G. Debord,/n g/r#m/m arr?ef fo i m/mwrikn/, OPcit., P-1388.
278 G. Debord, "Camme ia/rff J r &zJaf/ezfdUSPfríac&",in (Euvres, op cit., 282 Ibid., P.1376.
P. 1611. 283 G. Debord, "Comme / /res i r &paên", in (]1luvres, op. cit« p. 1790
279 Ibid., P.i605. 284 [Clausewitz, citado por G. Debord in na/zeK7rlguf,in (Euvres, op- cit P

L8q G. 'i)ehalà. " PTéLiminairestour une Ü$nition de I'unité du proEramme 1657]


#z/o/afia/za/rf",
in(Euvres,op.cit., p. 517. 285 G. Debord,naneK7r/gwe,
in (Euvres,op. cit., p. 1657.

114 115
vanguardanão tem seulugar no fiituro, masno presente",na proibimos ninguém de se exprimir, mas, enquanto comunidade
medida em que "elacomeçaum presentepossível"z8ó.
A primei- eletiva, "nos recusamos zznos mZs/z/xarcontra nossas convicções
ra realização de uma vanguarda é, então, a própria vanguarda, e gostos"289. Esta necessidade de eliminação permanente
assim como a invenção mais importante da Comuna de Pariaeoi comporta o risco evidente de se condenar a uma solidão difícil
sua prõpna existência.
ou mesmo de se degenerar em seita (filosófica, política, estética,
Em sua crise final, a vanguarda caminha, segundo De- psicanalítica),o que se torna o seu âm. Mas o que decide pela
bord, rumo à suadesapariçãoem razãoda inflação de Essasno- vitória ou a derrota de uma vanguarda se a prova de suavitória é
vidadese da sucessão
de modismosefémeros.A sociologiaou a autodestruição e sua autodissolução? "Na metade do caminho
a polícia de uma época se esforça por avaliar e classificar uma da verdadeira vida, somos envolvidos por uma melancolia
vanguarda, mas, por pouco que seja real, ela carrega dentro de si sombria, expressanas palavras zombeteiras e tristes no café da
os únicos critérios segundo os quais pode ser julgada. "Uma teo- Juventude perdida":P', em jogos desesperados.
ria da vanguarda"não poderiaserconcebidasenãoa partir "da
vanguarda da teoria (e não, evidentemente, manipulando velhas
Epitáfio
ideias [...]"z87.E por isso que Debord acusaLucien Goldmann
de ter qualificado como "vanguarda da ausência" uma certa re- Permanece a satisfação de ter conseguido nunca aparecer
cusa da reificaçáo presente na escrita e nas práticas artísticas. Ele na "cena da renúncia"zP'. O tom é exatamente o mesmo do dan-
pretende, ao contrário, uma "vanguarda da presença", pois esta dismo29ze da melancolia clássicado Blanqui da .Eferzz/zúz2e
P?Zoi
ausência seria, na realidade, a ausência da própria vanguarda: "as .,bati: "Ela tornou ingovernável esta 'terra estragada' onde novos

vanguardastêm apenasum tempo; e o que pode acontecerde sofrimentos se disfarçam sob o nome de ve]hos prazeres [. . .] Eis
mais feliz é, no sentido pleno do termo, fazer época"z8s aí uma civilização que queima, soçobra e seafiinda"203.
Fizemos nossa época ou nossa época nos fez (desfeitos e Como a Liga de 1852, como a AIT em 1874,a Interna-
refeitos)? De fato, é incrível constatar como a vanguarda caiu cional Situacionistase dissolveuquatro anosdepois de 1968.
em desuso. Efeito do eclipse estratégico ou anúncio de um novo Mas a tentativa de apresentar essaautodissolução na classecomo
paradigma estratégico? uma superaçãoda vanguarda separadatambém não convence.
No repuxo,como Marx experimentou por duasvezes,a cons-
É claro que a própria ideia de vanguarda,importada, no
piração dos iguais [égaux] se transforma em conspiraçãodos
início do séculoXX, do vocabuláriomilitar paraa arte e para a
política, implica em um imperativo de purificação permanente. egos:P4.Ilusão de pretender que seu papel tinha se esgotado por
Ela intima a eliminar os vagabundos.De onde a recorrência 289 G. Debord, "Zeraeà BancoUufífoz,íf",27 de novembrode 1965, in
dos expurgou nas vanguardas (estéticas, políticas, psicanalíticas) CEuvres,op. cit., p. 699.
290 G. Debord, /n @r m /m /zarff efuns m/m r Ün/, op' cit., p. 1370
sempre ameaçadasde ver sua novidade alcançada e integrada
291Ibid., P.1784.
pelos modismos. Debord justifica: não somos um poder, não 292 latitude, originária da Inglacerra, em voga entre os românticos franceses
de extrema sofisticação e cuidado nos modos]
293 Ibid.,p.1788.
287 Ibid, Po64 1'. /z/ gaxzÜfm /9á3 ffaP»s", in (Euvres, op' cit., p. 638.
294 IBensald Em aqui um interessante jogo de palavras que, infelizmente, não é
288 G. Debord,/nPmm /m J or/f fl co Jzzm/mr Ün/, OP-cit., P. 1389. rraduzível em português. Em &ancês,rKa e ókam lêm(quase) o mesmo som]

116 117
que a teoria da ]nternaciona] Situacionista "havia sido passada de uma ilusão revolucionária.Mas Debord passada crítica aa
paraas massas".Na realidade,entre o momento megalâ [manía- stalinismo como fenómeno social e histórico inédito a uma visão
co] de 1968 e o momento paranâ [ico] de 1972, e]ase desinte- genealógica-- ela mesma ideológica que faz com que ele decor-
gra à prova implacável do próprio acontecimento que desejou e ra mecanicamenteda forma partido.
mesmo contribuiu a eclodir. A verdadeira cisão está "entre. de
um lado toda a realidade revolucionária da época e, de outro, as
ilusões com relação a seu propósito":PS. Lucidez retrospectiva de
Debord ou última bravata: "Levamos o óleo para onde estavao
fogo" "ruminando toda satisfação estabelecida"2PÚ

Se ele se mostrou lúcido acerca do alcance histórico da


derrota dos anos trinta e cinquenta, ele se mostrou teimoso,
como outros à época,em não ceder (Mandei etc) a interpretar
a situação sob o esquema normativo do atraso: "atrasos na
liquidação da economiamercantil", "atrasoda revolução",ou
atraso da consciência com relação à existência, o proletariado
estava ainda "subjetivamente [. . .] aEmtado de sua consciência
prática de classe":P7.As condições objetivas mais do que maduras
não esperaramque o fato subjetivo viesseou se mostrassetarde
demais, infiel ao encontro da história. Permaneceno eormalisma
diabéticoe no historicismo. Como Trotski, reduzindo a crise da
humanidade à crise de "sua direção revolucionária
Apesar da influência de um certo esquerdismo teórico,
Debord provou ter clarividência política em relaçãoaosaconte-
cimentos da China, Hungria ou Argélia. Percebeu a tentação do
determinismo científico como uma brecha no pensamento de
Marx por onde se pede passar "o processo de ideologização do
marxismo". A ideologiasocialdemocrataortodoxa constituiu as-
sim um socialismo de cátedra, uma prática reformista em nome

295 G. \)ehold, "'mêses sur [Tntemationak simationbte et son temo?' , ap. dt.

296 G. Debord9/n @'# /m /zorrr ef ranfzzmímur {gn/, Édition Critique, op

297 G. l)ebord, H SlrzelZ üzü .E@fl#rliZo, OPI cit., p. 816 da edição francesa.
relação] à sua Emeconsciente. a] rwolução de sua fase empíricalem

118 lt9
Anexos
ANEXOI

Círculo vicioso semsaídada dominação


(e do fetichismo) absolutos
1968: ano crucial,
Marcusee o homem unidimensional
Do primeiro ao segundoDebord

Atualmente,radicalidade heroica em face de uma do-


minação sistêmica sem lado de fora. A mundialização liberal
dá a forma acabadada lógica da dominação,deixa apenasa
possibilidade de resistência intersticial ou de combate estético,
enquanto que a própria arte parece haver perdido sua fiinção
critica.

opacificação do mundo: o grevista e o usuário (Bar-


thes), o assalariadoe o acionista, o privado e o pú-
blico.

Esquizofrenia: a demência do fetiche(nos Grzfn2r/sse).

O discurso da reprodução
Bourdieu, dos .fíezzZe/roí à Dom/n.zf,Ío ]14hcw#na, o
laço da reprodução;
Foucault,da disciplina à sociedade
de controle.O
biopoder está em todos os lugares (Agamben);
Surya e a dominação total. (üme oz/rr. Visão infernal
da eternidade do mercado: a arte contemporânea que
'sabe que não pode mais se cumprir cora do capi-
tal, o qual não tem mais exterior do que aqueleque
Ihe oferece a arte", dá um acabamento sem exterior
à "dominação em sua totalidade irreversível". Nada
mais que "possa se opor à dominação'

123
--- n

As consequências ANEX02
DesreaJização do mundo: do espetáculo ao simulacro
(Baudrillard, da economiapolítica do símbolo à si-
mulação passando pela sociedade de consumo; Hon-
neth; fIoU/eZZznge o esmagamento da razão crítica Plano geral
como confirmação de Marcuse).
O mundo encantado do capital
Eclipse da política. Mudança radical das condições e o baile de máscarasdas mercadorias
espaço'temporais e a governança enquanto técnica
Marx e o capítulo sobreo fetichismo
do poder, e:x?rr//íe,avaliação,governo sem política;
A santatrindade
O impasse estratégico, a retórica da resistência e do
A desmesura e a loucura
antipoder, a postura de radicalidade sem política (en-
tre a estéticae a moralina [Nietzsche]).Ho]]oway,
Day e outros. Fetichismo e deificação
As saídas:
DeLukácsaJ-M. Vincent
aspráticas
Benjamin e Kracauer, fantasmagorias e Geericidades
a crise da modernidade
o partido. Leeebvrecrítica da vida cotidiana
A controvérsia Artous/Tombazos

Do situacionismocrítico
ao situacionismo senil

o triunfo do espetacular
dacidade àzona
a arte desdentada

o fim das vanguardas


Anexo: novas misérias no meio estudantil

124 125
O homem unidimensional
ANEXO 3: Bibliografia
dessublimaçáo repressiva
sociedade administrada
AJfonso lacono: Z,f /Vffcó/fme, ólífa/rr d'an concePf(PUF, 1992)
arte ornamental
Freud: Zoirm ef Zaóoz/ (Payot)
o áZgoicomunicacional e a razão crítica
Marx: Z,ef m#nz/scfíli Ze .r844 (Garnier-Flammarion)
Roland Barthes e a mitologia da modernidade
Marx: Livre l du C:zp/íaZ,capítulo 1, 4; "Le caractere fetiche de
la marchandise et son secret:
Jameson leitor de Adorno
Marx: Livre 111du C2p/zn/, sétima seção ("Les revenus et leurs
Do espetáculo ao simulacro
sources"e, particular, o capítulo XVlll: "La formule trinitaire")
BaudriJlard e a sociedade de consumo
Antoine Artous: Z,e$Fficó/fmr cóez .A/arx (Syllepse, 2006)
Simulacro e simulação
S\antas 'Tanxbams\ Féticbisme et forme uakur ÇContretemps,na
stoDteLling.. . 20, setembro2007)
StavrosTombazos:/Vf/c time ef ré@caf/on(Canüzfempi, n' 2 1,
fevereiro2008 )
[sabe[[e Garo: ]Marx- z/ne criflgzíe Ze áz pÃiZosap#íe (Points Seuil,
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Daniel Bensald: Maré /7n/e/npfi/g'(Fayard, 1995)


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