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Resumo: GARCÍA CANCLINI, Néstor. ¿Ser diferente es desconectarse?

Sobre las
culturas juveniles. In: GARCÍA CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguales y
desconectados. Barcelona: Gedisa: 2004.

Abrindo mão de uma abordagem comparativa geracional, pedagógica ou


disciplinadora, Canclini examina questões sociais acerca da juventude, olhando menos
para as características da faixa etária e buscando mais uma mirada intercultural e nas
temporalidades sociais. Dessa forma, a busca do autor é por entender como as
modificações da sociedade em diferentes âmbitos afetaram os modos de vida dos
jovens, pensando nos sentidos sócio temporais que transpassam diferentes e importantes
aspectos para a inserção enquanto cidadãos e o reconhecimento como ser social de
direitos – expectativa de emprego, escolaridade, vínculo familiar afetivo, participação
política, independência financeira, etc.
Para o autor, as sociedades latino-americanas “têm uma baixa capacidade, por
assim dizer, de se rejuvenescer, de ouvir quem pode mudá-las” ao não oferecer
perspectivas para a juventude, colocando o futuro dos jovens como incerto, duvidoso e
deixando-os sem espaço na organização social. Em seu trabalho mais recente, de 2020,
Canclini (com base em Hopenhayn, 2008) aponta uma série de contradições que fazem
com que as perspectivas de futuro dos jovens sejam esvaziadas: enquanto têm mais anos
de estudo e mais qualificação que os adultos, têm menos acesso a emprego formal; ao
passo que utilizam melhor os meios de comunicação e informação, têm menos acesso a
espaços institucionais de deliberação; por fim, enquanto expandem o consumo
simbólico, são privados do consumo material (CANCLINI, 2020, p. 63). E assim, nas
palavras do autor, “as utopias dos jovens se evaporam e quase nenhum deles se importa
mais em tê-las, os jovens vivem no presente, por isso não se interessam pela história ou
por ter história e olham com ceticismo ou indiferença aqueles que lhes falam sobre o
futuro (CANCLINI, 2004, p. 168, tradução nossa).
Para buscar as motivações dessa “evaporação de utopias” da juventude, Canclini
analisa alguns aspectos da vida cotidiana do jovem latino-americano. No que concerne
ao trabalho, o autor afirma, com base em um estudo do Organismo Internacional de
Juventud para Iberoamérica, que os jovens na América Latina constituem o grupo mais
vulnerável aos trabalhos informais. De maneira geral, a insegurança econômica e
política dos países latino-americanos, o papel de subalternidade desses Estados, sua
incapacidade de gerir uma distribuição mais equitativa de renda, descortina para os
jovens um cenário de pouca expectativa de emprego e riscos de exclusão no mercado de
trabalho, fazendo com que eles busquem empregos temporários, oportunidades
eventuais e informais. Além disso, Canclini aponta que a existência massiva de jovens
que não estudam nem trabalham (o termo brasileiro para essa condição é “nem nem”) é
outro obstáculo para a igualdade já que sua incidência, “mais alta nos lugares pobres e
vulneráveis, exacerba diferenças históricas, obstrui a mobilidade social e torna crônica a
pobreza”. Pesquisa do Ipea aponta que, em 2018, quase 11 milhões de jovens brasileiros
(23%) não trabalhavam nem estudavam (IBGE, 2019).
Outro fator que Canclini considera em sua avaliação sobre as questões sociais
que dizem respeito aos jovens é a relação deles com suas famílias. O pesquisador
considera que as condições familiares são particularmente significativas para que os
jovens construam laços sociais. Ao tecer essas considerações, Canclini dialoga
diretamente com uma das três esferas que Honneth considera fundamentais para o
reconhecimento social, a esfera do afeto. Na teoria do reconhecimento, essa esfera diz
respeito às relações primárias estabelecidas por ligações afetivas fortes entre pessoas
próximas, principalmente o núcleo familiar. Nessa esfera, o reconhecimento afetivo
pode proporcionar o desenvolvimento da autoconfiança, independência e personalidade
(sobretudo a relação do jovem com pais/mães) já que “o reconhecimento que os
indivíduos trazem reciprocamente para esse tipo de relacionamento é cuidar de bem-
estar do outro à luz de suas necessidades individuais” (HONNETH, 2003, p. 139,
tradução nossa).
Entretanto, Canclini afirma que em muitos âmbitos não é possível homogeneizar
os jovens como um grupo único nas análises sociais, preciso considerar as
desigualdades, como classe social e gênero, que refletem diretamente em seus modos de
vida. Até mesmo a percepção da temporalidade é diferente entre jovens de classes
sociais diferentes. Os jovens das classes médias e altas tendem a vivenciar de maneira
mais pungente uma sensação de fragmentação e descontinuidade de sua estrutura
cultural, já que o consumo tecnológico e informacional é mais diversificado e leva a
mais possibilidades de interconexão e contato com outras culturas. No campo do
trabalho, enquanto jovens de classe média e classe trabalhadora são submetidos aos
trabalhos informais como forma de acesso a bens de consumo típicos de uma cultura
juvenil ou até mesmo como forma de sobrevivência, os jovens de classe alta têm mais
possibilidades de estudar e de ocupar cargos em empresas familiares.
A fragmentação dos laços familiares, das temporalidades, das culturas, os riscos
de exclusão do mercado de trabalho e de marginalização e o silenciamento de suas
vozes fazem com que o presente e o futuro dos jovens se configurem como uma
“paisagem desencantada” (CANCLINI, 2004, p. 171, tradução nossa) e “a acumulação
de desencantos atuais não só gera ceticismo, como nos deixa em um mundo
fragmentado, despedaçado e sem continuidade histórica” (CANCLINI, 2004, p. 173,
tradução nossa). Para Canclini, os jovens vivem um hiperpresente, sem tempo para
memória ou para utopia, muito em razão da rápida evolução tecnologia, da substituição
de modais de consumo, da expansão dos mercados e de políticas industriais que
“conseguem fazer da aceleração e descontinuidade dos prazeres um estilo de vida
permanente dos consumidores” (CANCLINI, 2004, p. 176, tradução nossa).
Entre as saídas que Canclini propõe para que os jovens se interessem pelas
questões sociais ante um silenciamento no campo político e uma fragmentação cultural,
estão a aderência a movimentos sociais, indígenas, ecológicos ou musicais, ou estar em
sintonia com acontecimentos ou mobilizações que expressam suas causas. Entretanto,
em seu texto mais recente, o pesquisador não vê mudanças efetivas que tenham nascido
de reinvindicações de movimentos juvenis. “Não podemos esperar que os jovens, e
como não vemos muitos adultos, se interessem em administrar com responsabilidade o
tempo social se as únicas políticas oferecidas continuarem a encolher o futuro e a tornar
o passado redundante” (CANCLINI, 2004, p. 179, tradução nossa).

Referências:
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Ciudadanos reemplazados por algoritmos.
Guadalajara: CALAS, 2020.

HONNETH, Axel. Redistribution as Recognition: a response to Nancy Fraser. In:


FRASER, Nancy; HONNETH, Axel (eds.). Redistribution or recognition?: A
political-philosophical exchange. Trad. Joel Golb, James Ingram e Christiane Wilke.
London/New York: Verso, 2003.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pnad Contínua: Educação. Rio


de Janeiro: IBGE, 2019.

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