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N.

15 JAN 2019 entrevista com o


presidente do ibge:
estatísticas com mais
eficiência e menor custo

OS IMPRESSIONANTES
NÚMEROS POR TRÁS
DE UM CENSO

CONVIVÊNCIA E
sUSTENTABILIDADE
NAS ECOVILAS

senhoras
das
palmeiras
i
4
um retrato
mais apurado
14
mais perto
do país
da natureza

22
cinema

6
o valor
dentro
e fora
das salas
do censo

i
8
donas das
árvores

26 O IBGE de Gilson e Garcia


o
EXPEDIDENTE
Presidente
Roberto Olinto Ramos
Diretor-Executivo
ano começa com o Brasil envolvido nos preparativos para em Fernando José de Araújo Abrantes
Diretoria de Pesquisas
2020 realizar mais um Censo Demográfico. Mas qual a impor- Cláudio Crespo

tância dessa grande pesquisa que envolve o emprego de recursos Diretoria de Geociências
João Bosco de Azevedo
públicos e o trabalho de muita gente? Para responder a essa Diretoria de Informática
José Sant`Anna Bevilaqua
pergunta, a Retratos traz nesta edição uma matéria que mostra Centro de Documentação
e Disseminação de Informações
como os dados coletados em um recenseamento são utilizados David Wu Tai
pelo governo e pela sociedade. O Censo impressiona tanto pelos Escola Nacional de Ciências Estatísticas
Maysa Sacramento de Magalhães
números relativos à sua operacionalização, como pela relevância UNIDADE RESPONSÁVEL
Coordenação de Comunicação Social
das informações que disponibiliza para o país. Diana Paula de Souza

Editor
Além dos resultados do Censo 2020, a atualização da legislação Marcelo Benedicto

estatística nacional e a ampliação do uso de registros adminis- Editora assistente


Marília Loschi
trativos na produção das estatísticas oficiais são iniciativas que Editora de arte
Simone Mello
vão ajudar a melhorar o retrato do Brasil. A meta, como mostra Editora de fotografia
Licia Rubinstein
a entrevista com Roberto Olinto Ramos, presidente do IBGE, é Projeto gráfico
produzir mais informações, com menor custo e mais eficiência. Helga Szpiz e Simone Mello
Reportagem
Adelina Bracco, Camille Perissé, Diana Paula de
Apurar nosso retrato é observar cada vez mais as diversas reali- Souza, Leandro Santos, Marcelo Benedicto,
Marília Loschi, Mônica Marli e Pedro Renaux
dades presentes no país, como é o caso das comunidades tradi- Editoração eletrônica
cionais presentes em várias partes do território brasileiro. Por Simone Mello
Foto de capa
isso, depois de falar sobre os Quilombolas (Retratos nº 2) e os Peter Caton

Yanomami (Retratos nº 14), nossa equipe preparou uma reporta- Fotografia


editorial

Acervo ISPN/Peter Caton, Camerindo Ferreira


gem sobre as quebradeiras de coco babaçu: um grupo de mu- Máximo/Acervo Fotográfico do Museu da Cidade
de São Paulo, Jonathan Lins, Leandro Santos,
lheres que perpetuam uma tradição na zona rural do município Licia Rubinstein, Pedro Vidal e Peter Caton
Ilustração
maranhense de Bacabal, localizado a cerca de 250 quilômetros da Selene Fortini/ISPN
Tratamento de imagens
capital, São Luís. Licia Rubisntein

Logística de distribuição
Nesse retrato também há espaço para o novo: o contraste entre o Helena Pontes

envelhecimento no perfil dos produtores que atuam na agricultu- Colaboradores


Irene Gomes, Instituto Sociedade População
ra familiar e o perfil dos jovens que deixam a cidade grande para Natureza (ISPN) e Luiz Bello
Revisão de textos
resgatar o contato com a natureza e viver nas chamadas ecovilas. Marília Loschi
Impressão
E por falar em mudanças, apesar de ter perdido muitas de suas Alter Gráfika e Editora Eireli-me
Tiragem
salas de exibição, o cinema se atualizou, buscando novas for- 30.000 exemplares

mas de exibição e de se relacionar com o público. Por fim, vale ISSN


2595-0800
conhecer a experiência de dois angolanos que vestiram a camisa
do IBGE. Boa leitura!
Retratos a Revista do IBGE é uma publicação mensal
Equipe da redação do Instituto para distribuição interna e externa.
A publicação não é comercializada.
Todos os direitos são reservados.
ERRAMOS: Na página 24 da Retratos nº 14, no item Trabalho Infantil, faltaram os totais das faixas etárias 14-15 anos e 16-17 anos, que são 430 mil e
Caso queira reproduzir as matérias e as imagens desta
1,2 milhões, respectivamente.
edição, entre em contato através do nosso e-mail.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística A publicação das informações individuais na Retratos


foi autorizada pelos entrevistados.
Avenida Franklin Roosevelt, 166 sala 900 A - Centro - Rio de Janeiro - RJ 20021-120 Críticas e sugestões: revistaretratos@ibge.gov.br

jan 2019 retratos a revista do ibge 3


um
retrato mais
apurado

do país texto  Diana Paula de Souza


e Marcelo Benedicto
foto  Licia Rubinstein 
design  Simone Mello

Mais informações sobre o Brasil, com menor


custo e mais eficiência são alguns dos motivos
para se buscar um sistema estatístico nacional
mais moderno e integrado. Para isso, segundo o
presidente do IBGE, Roberto Olinto Ramos,
o país precisa atualizar sua legislação estatística
e avançar no uso de registros administrativos
na produção das estatísticas oficiais.

Revista Retratos Diversos países do mundo já fazem uso in-


tensivo de registros administrativos na produção de estatísticas.
Como o IBGE se coloca nessa questão?
Roberto Olinto Ramos Atrasado em termos. A gente já tem
experiência de usar registros administrativos na área de contas
nacionais, sempre através de convênios, por exemplo, com o
Banco Central do Brasil e com a Secretaria do Tesouro Nacio-
nal. Temos um convênio com a Secretaria da Receita Federal
para usar os dados da declaração de Imposto de Renda de
pessoa jurídica nas Contas Nacionais. Esse é um exemplo de
solução parcial porque nós recebemos os dados agregados.

Revista Retratos Como deveriam ser esses dados?


Roberto Olinto Ramos [A questão é saber se] estou acessando o
dado para me ajudar na análise, para complementar uma pesquisa,

4 retratos a revista do ibge jan 2019


ou estou acessando o dado para vamos trabalhar com instru- e, no final, a gente observou
substituir uma pesquisa. A ideia mentos de busca ou de processa- que [nossa] legislação de 1974 é
do registro administrativo, e isso mento em alta velocidade para a bastante completa. O que ela ne-
inclusive está no projeto de lei produção de estatísticas oficiais. cessita é de algumas definições
extraordinária proposto pelo O mundo hoje está discutindo o ou regulamentações. Como na
IBGE, é que nós possamos ter uso do Big Data e a gente ainda época isso não se colocava, ela é
acesso aos dados e microdados, está discutindo o acesso ao regis- omissa no acesso ao microdado.
se necessário, para que possamos tro administrativo. Por isso eu Essa é uma das leis extraordiná-
gerar estatísticas. Por que isso? digo que estamos atrasados. rias que estamos fazendo. Agora,
Porque nós do IBGE temos que ela define muito bem que o
estabelecer a lógica da produção Revista Retratos Quais pesqui- IBGE é o coordenador do siste-
de estatísticas com o produtor sas do IBGE poderiam utilizar ma estatístico e que [o país] tem
dos microdados. esses registros? O Censo Demo- que ter um plano geral de infor-
gráfico seria um bom exemplo? mações estatísticas e geográficas.
Revista Retratos Quais são as Roberto Olinto Ramos A gente Mas ela não diz como se compõe
vantagens de o IBGE usar os ainda não é como a Suécia e a o sistema estatístico nacional. E
registros administrativos? Noruega que acabaram com o no plano geral de informação,
Roberto Olinto Ramos A lógica Censo. Terminar com o Censo [e ela diz as pesquisas, a periodici-
do uso do registro administrati- passar a usar] o registro [adminis- dade, mas não diz qual é o órgão
vo é diminuir a carga do infor- trativo] significa ter uma identifi- responsável.
mante. Não ir duas, três vezes ao cação de cada pessoa, um número
mesmo informante. É diminuir único, alguma coisa que registre, Revista Retratos Em que pé
o custo do IBGE. Ao não pre- por exemplo, a mobilidade dessa estão essas discussões?
cisar mais ir a campo, estamos pessoa. No entanto, mesmo nesse Roberto Olinto Ramos Nós te-
economizando dinheiro. Por caso, você não tem informações, mos que retomar e definir quem
outro lado, podemos aumentar o por exemplo, sobre o tipo de do- é membro do sistema [estatísti-
serviço estatístico, o microdado micílio, a renda dessa pessoa. Isso co], definir um plano e começar
nos permitiria fazer mais estatís- ainda teria que ser obtido. Isso a discutir coisas como: se os
ticas do que já fazemos. poderia ser obtido, por exemplo, produtores vão trabalhar com
no Imposto de Renda da pessoa determinados padrões estabe-
Revista Retratos Então, você física, mas ainda faltaria toda a lecidos, registro de metadados,
disse que estamos atrasados por- parte da informalidade, que no classificações comuns, compar-
que o resto do mundo já faz um Brasil ainda é grande. tilhamento de informações ou
uso intensivo desses registros. divisão de tarefas. Por exemplo,
Roberto Olinto Ramos O avan- Revista Retratos Os registros a gente tem uma pesquisa de vi-
ço do sistema de estatística no administrativos e o Big Data timização planejada, com a área
resto do mundo está se dando são frutos de uma transforma- de segurança e defesa, mas que
em duas etapas. Você sai do ção tecnológica recente, mas a tem que ser discutida dentro

i
processo clássico de coleta de legislação estatística brasileira desse contexto: qual é o papel
dados, via censos, via amostra- é da década de 1970. Em quais das informações dos registros
gem, e acrescenta a esse processo aspectos essa legislação precisa administrativos sobre violência,
o uso de registro administrativo. ser modernizada? sobre as questões penitenciá-
O próximo passo que esses ins- Roberto Olinto Ramos A gente rias, para que se tenha infor-
titutos e os organismos interna- analisou muito esse ano a legis- mações completas sobre a área.
cionais estão discutindo é o uso lação, o IBGE inteiro recebeu a Esse é o grande desafio atual e
do Big Data. Ou seja, como nós lei genérica da União Europeia é urgente.

jan 2019 r etratos a revista do ibge 5


o valor
censo


texto Marcelo Benedicto


e Marília Loschi


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design  Simone Mello

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colaboração  Luiz Bello

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Planejar program
Identificar ligações
cada dez anos, os censos demográficos pro- tomadas de decisão do poder público e da entre municípios;
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duzem informações que atualizam o retrato iniciativa privada. de transporte público
do país. Em 2020, recenseadores do IBGE O diagrama ao lado traz exemplos de e redes viárias
vão percorrer todo o território nacional, de alguns desses usos, tendo como referência
domicílio em domicílio, para coletar dados os temas pesquisados no Censo 2010 - os
sobre a população. Com isso, o Brasil vai quais, em grande parte, estarão presentes
dispor de informações necessárias para nos questionários do Censo 2020.
conhecer as características das pessoas e de O tema “sexo e idade dos moradores”, por so
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suas residências, planejar políticas públicas exemplo, levanta o total de moradores Mon betizaç criança es
e o investimento de seus recursos. do país e sua distribuição pelo território, alfa olar, as m crech
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Os números do Censo impressionam, informações que são referências básicas atens pesso escola
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em especial o quantitativo de pessoas para outros temas do Censo, para o de- e a uentam
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Porém, o que impressiona ainda mais é a a distribuição de recursos federais entre do e sua
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o equivalente a postos de coleta municipais


pessoas contratadas mapas de cidades,
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vilas e localidades
por habitante aproximadamente
coordenações regionais
em uma população estimada em 70 milhões 420 mil
de endereços a serem visitados
212,2 milhões 583 arquivos digitais
e impressos
de pessoas em 2020 5570 municípios agências do IBGE dos setores censitários

6 retratos a revista do ibge jan 2019


cálculo das projeç
Subsidiar o õe s p o *Sexo e idade dos moradores
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jan 2019 r etratos a revista do ibge 7
donas das
árvores
Com mais de 60 anos, quebradeiras de coco
ainda estão na atividade em Bacabal
texto  Leandro Santos e
Marília Loschi
fotos  Acervo ISPN/Peter
Caton, Leandro Santos e
Peter Caton
design  Simone Mello
Mesmo com idade avançada, ilustrações  Selene Fortini

as quebradeiras de coco
babaçu no interior do
Maranhão ainda exercem
o ofício, superando as
limitações impostas pelo
corpo. A extração do produto
é a principal fonte de renda
dessas mulheres

8
b
retratos a revista do ibge jan 2019
Acervo ISPN/Peter Caton

jan 2019 retratos a revista do ibge 9


n
a zona rural do município ma-
ranhense de Bacabal, a cerca de
250 quilômetros da capital, São
Luís, está o povoado Aldeia
do Odino, onde as mulheres
perpetuam uma tradição:
desde crianças até senhoras de
mais de 60 anos de idade, as
filhos, netos e bisnetos com
essa renda. “Coco no mato e
machado na mão. Era o que eu
tinha para criar os meus filhos”,
relata Dona Maria.
Como ela já não mais atua
tão diretamente na extração do
coco, os laços de Dona Maria
com a comunidade se mantêm
quebradeiras de coco babaçu
contribuem para que o Mara- através do trabalho voluntário.
nhão seja o estado com a maior “Hoje meu trabalho maior é
extração de amêndoa desse cuidar do povo, ajudando a
tipo de coco no país. Segundo a comunidade a se desenvolver.
Produção da Extração Vegetal Tenho vontade de montar um
e Silvicultura (PEVS), do IBGE, clube de mães: já tenho um co-
o estado é responsável por 93% meço e quero levar para frente”.
da amêndoa de coco babaçu O conhecimento é passa-
extraída em todo o Brasil. do de geração em geração e a
Enormes pilhas do produto questão de gênero é central.
podem ser vistas na frente das “A atividade é exercida quase
casas, esperando para serem exclusivamente por mulheres.
quebrados e ter a amêndoa As meninas aprendem desde
extraída e comercializada. cedo a lidar com o coco acom-
Maria da Paz da Silva, 65 anos panhando suas mães, desde a
de idade, é quebradeira de coco coleta dentro das fazendas, ao
Selene Fortini/ISPN

desde os cinco anos. Mesmo carregar para casa e à quebra


afastada das atividades por do coco para tirar a amêndoa”,
problemas de saúde, volta e explica Marta Antunes, pesqui-
meia ela insiste. “Tem dia que sadora do IBGE.
o braço não levanta mais, mas
de vez em quando ainda quebro Donas das árvores
uns dois ou três quilos”, relata As quebradeiras de coco são
a aposentada, que criou seus uma das quinze identidades

10 retratos a revista do ibge jan 2019


Utilidades
étnicas brasileiras reconhecidas
Toda a planta é
como comunidades tradi- aproveitada como
cionais e, portanto, merecem fonte de renda nos
proteção de seu modo de vida povoados: a lenha é
usada na construção
por parte do Estado. Mas suas ou como adubo,
conquistas nasceram, princi- quando apodrecida; a
palmente, da articulação das farinha do mesocarpo
de babaçu é rica
próprias mulheres da região,
em amidos e sais
através do Movimento Inte- minerais; da casca
restadual das Quebradeiras do coco produzem-
de Coco Babaçu (MIQCB), se carvão e palha
para artesanato.
que contempla os estados do O óleo extraído da
Maranhão, Pará, Tocantins e amêndoa do coco é
Piauí. A maior conquista do um dos produtos mais
utilizados dentre os
movimento foi a criação de derivados do babaçu,
uma lei municipal, conhecida usado na culinária, em
como Lei do Babaçu Livre, que cosméticos e como
lubrificante, além
nasceu em Lago do Junco, no
de ser estudado em
Maranhão, e se espalhou por pesquisas científicas
vários outros municípios. para a fabricação
As leis do babaçu livre de biocombustíveis.
Dados relacionados
deram às mulheres direitos à extração do coco
sobre as palmeiras indepen- babaçu constarão
dentemente da terra onde se na divulgação dos
resultados do Censo
localizassem. Na luta por sua Agropecuário do IBGE
implementação, as mulheres ao longo de 2019.
alegaram que, antes do direito
à propriedade privada, estava
o direito à vida. “Antes da lei
elas faziam ‘empates’, ou seja,
se colocavam na frente das pal-
meiras com os filhos em volta.
Falavam que cada palmeira

jan 2019 retratos a revista do ibge 11


Nos municípios com a Lei do Babaçu Livre,
os fazendeiros permitem a entrada
das mulheres em suas fazendas
sem negociação e ficam proibidos de
derrubar as palmeiras e usar agrotóxicos

que matavam era uma mãe de do de 15 a 20 quilos do coco


família que caía junto”, conta todos os dias. A senhorinha
Marta Antunes. aprendeu tudo o que sabe com
Nos municípios com a Lei sua mãe e, desde os dez anos
do Babaçu Livre, os fazendei- de idade, faz parte do grupo de
ros permitem a entrada das quebradeiras de coco da região.
mulheres em suas fazendas Maria das Graças conta
sem negociação nenhuma e que, em épocas anteriores, esse
eles ficam proibidos de derru- valor era bem maior. Foi com
bar as palmeiras e usar agro- esse dinheiro que ela conse-
tóxicos. Marta explica que a guiu criar seus nove filhos e
Leandro Santos

legislação garante que os fazen- ainda hoje consegue ajudar na


deiros mantenham uma distân- educação dos netos e bisnetos.
cia mínima entre as palmeiras Suas mãos calejadas são as
e deixem adultas e jovens para evidências de que ainda hoje a
renovar. Queimar coco inteiro atividade faz parte da sua roti-
Produtividade passou a ser proibido e cortar na. “Pegamos o coco, quebra-
a palmeira e o cacho de cocos mos e depois vendemos para
Dados da Produção da Extração Vegetal e Silvicultura
também, aumentando a dispo- o barraqueiro. Aqui ninguém
(PEVS) do IBGE mostram que, em 2017, o Brasil nibilidade de coco e diminuin- para”, diz.
produziu 54.330 toneladas de amêndoa de coco do a distância percorrida pelas A aposta da região é o
babaçu no Brasil. Cerca de 93% desse total teve mulheres. “Toda essa organi- Projeto Floresta de Babaçu
origem no Maranhão, com 50.476 toneladas. O zação aumentou o preço da em Pé, também articulado
segundo maior produtor, Piauí, produziu 3.366 amêndoa”, comenta a pesquisa- pelo MIQCB, com objetivo de
dora do IBGE. organizar as quebradeiras para
toneladas e o terceiro, Tocantins, produziu 304
Entretanto, a lei do Babaçu que conheçam e lutem por seus
toneladas. O município de Bacabal ocupou, em Livre ainda não chegou a Baca- direitos, inclusive pela implan-
2017, a quarta posição entre os maiores produtores bal e o manejo do coco babaçu tação da Lei do Babaçu Livre. O
da amêndoa de babaçu. Foram 2.317 toneladas compensa cada vez menos na projeto prevê, ainda, a criação
produzidas naquele ano, atrás apenas dos municípios região. Aos 64 anos, Maria das do Fundo Babaçu, com recursos
de Vargem Grande (4.344 t), Pedreiras (3.290 t) e Graças Pereira fatura cerca de financeiros para a melhoria das
Poção de Pedras (2.671 t). 50 reais por dia com a extração conduções de vida das famílias
e venda da amêndoa, quebran- agroextrativistas.

12 retratos a revista do ibge jan 2019


Foto
As quebradeiras
de coco babaçu de
Bacabal, Maria das
Graças Pereira e
Maria da Paz da Silva,
perpetuadoras de
uma tradição

Acervo ISPN/Peter Caton

jan 2019 retratos a revista do ibge 13


A agricultura de base familiar testemunha o
envelhecimento no perfil dos produtores.
Mas se, por um lado, existem dificuldades para
atrair ou manter os mais jovens no campo, o inverso
também ocorre: pessoas jovens, de diferentes perfis,
que deixam a cidade grande para resgatar o contato
com a natureza e viver com sustentabilidade. É esse
o perfil dos que buscam as ecovilas, um fenômeno
que vem crescendo aos poucos, sinalizando novas
possibilidades de convivência.

mais perto
da natureza
texto  Camille Perissé e Marília Loschi 
fotos  Pedro Vidal e Licia Rubisntein 
design  Simone Mello
Licia Rubinstein

jan 2019
g
retratos a revista do ibge 15
p rojetos de moradia coletiva,
preocupação com o meio
ambiente, produção de culturas
orgânicas e construção civil
com materiais alternativos.
“Ecovila” é o nome que tem
sido dado desde a década de
1990 a um estilo de vida e orga-
Gabriel Siqueira mora com
esposa e filhos numa ecovila
no litoral norte de Ilhéus, na
Bahia, e faz de seu estilo de
vida um objeto de estudo e de
trabalho. Com mestrado em
administração, é especialista
em gestão de ecovilas e dá
nização que pode abarcar todas cursos e consultorias na área.
essas tendências, ou algumas Sua inquietação é responder à
delas combinadas. No Brasil, pergunta: afinal, por que tantas
há cada vez mais comunida- pessoas, geralmente de classe
des que se autodenominam média ou alta, abrem mão de
desse modo, o que traz novos seu conforto, de seus privilé-
desafios ao IBGE para retratar gios, para ir buscar outra vida
o país nos censos agropecuário na zona rural?
e demográfico. “As motivações acho
Pesquisadores nacionais que são múltiplas”, pondera
e internacionais classificam Gabriel. “Boa parte é uma
as ecovilas como um tipo de insatisfação com a vida pessoal
“comunidade intencional”. De e também, em muitos casos,
acordo com Maria Accioly, com o sistema, com a socieda-
doutora em Ecologia Social de”. Entretanto, os “neorrurais”
pela Universidade Federal – é como ele chama as pessoas
do Rio de Janeiro (UFRJ), as que têm deixado suas vidas na
comunidades intencionais são cidade para viver em ecovilas
grupos de pessoas que delibe- rurais – precisam estar cientes outras pessoas. Tem as pessoas
radamente escolhem fazer um das dificuldades de percurso. que vão aprendendo aos tran-
projeto juntos, procuram uma Gabriel considera que a adap- cos e barrancos mesmo, bolha
Produção própria terra, se instalam e realizam tação do meio urbano para na mão, queimando a cara no
Na ecovila Goura esse projeto. “As ecovilas o mundo rural nunca é fácil, sol”, conta.
Vrindávana, há podem ser consideradas um seja por falta de familiaridade A pesquisadora do IBGE
uma variedade de
hortaliças, plantas
tipo de comunidade intencio- com a vida longe dos centros Maria Monica O`Neill observa
medicinais, flores, nal específico, que responde urbanos, seja pelos desafios de estar havendo maior desloca-
plantas alimentícias geralmente a questões de gerar renda no campo. “Quem mento de pessoas urbanas para
não convencionais
sustentabilidade ecológica, tem mais grana pode compen- o campo pelos mais diversos
(PANCs), frutas e
legumes para consumo mas não apenas”, comenta a sar sua dificuldade em traba- motivos. “Não podemos falar
da comunidade. pesquisadora. lhar com a terra contratando de ‘êxodo urbano’, pois não há

16 retratos a revista do ibge jan 2019


Licia Rubinstein
dados que mostrem isso. Mas já Goura-Vrindávana: ecovila estão a proteção de bo-
existe uma tendência mundial sustentabilidade e vinos (animais criados para dar
de opção por morar mais longe espiritualidade leite, não para corte), construções
dos centros urbanos, com deslo- Vida simples e pensamento eleva- e cursos sobre o uso do bambu,
camento de cerca de duas horas do: este é o lema que une os mo- agroecologia e geração de eletri-
até o trabalho, por exemplo”. radores e visitantes do Ashram cidade. Lá vivem cerca de vinte
Para Monica, esta análise preci- & Ecovila Goura-Vrindávana, na pessoas, incluindo crianças, mas
sa ser feita com cautela no Bra- cidade de Paraty, RJ, nos limites o número flutua de acordo com
sil. “Os dados de deslocamento da Serra da Bocaina. Mais de o movimento dos voluntários e
e migração do Censo Demográ- dois terços de sua propriedade hóspedes da pousada que ocupa
fico de 2020 permitirão a análise são cobertos por florestas. Entre o mesmo terreno e é administra-
desses temas”, observa. as atividades desenvolvidas na da separadamente.

jan 2019 retratos a revista do ibge 17


O diferencial de Goura “Aqui nós temos perceber que a vida das pessoas
está no próprio nome: além de na maioria dos casos não é sus-
ecovila, é um ashram, pala-
o ambiente mais tentável. Elas perderam a visão
vra derivada do sânscrito que adequado para a filosófica da vida. Aqui nós te-
denota refúgio espiritual. A prática espiritual: mos o ambiente mais adequado
comunidade tem como base para essa prática espiritual: vida
a filosofia Hare Krishna, uma vida simples simples e pensamento elevado”.
tradição religiosa que chegou e pensamento
ao Brasil através dos ensina- Muriquiassu, uma ecovila
mentos do guru indiano Srila
elevado” em construção
Prabhupada nos anos 1970 e Swami Purushatraya, No bairro de Muriqui, Niterói,
mentor espiritual da ecovila e
que pratica a devoção ao deus RJ, a ecovila Muriquiassu é um
ashram Goura-Vrindávana
hindu Krishna. projeto iniciado há quatro anos
Os Hare Krishna seguem pelo casal Wilson Dias e Eloína
princípios como a dieta O mentor espiritual da Pimentel. No momento, estão
lactovegetariana e vedação comunidade é também o construindo o que será a sede
de uso de qualquer tipo de morador mais antigo. Swami da ecovila e, para isto, alugaram
droga, álcool ou cigarro. Na Purushatraya, como é conheci- uma casa ao lado do terreno e
ecovila, não é obrigatório ser do, vive em Goura há mais de abriram vagas para voluntaria-
um devoto, mas a observação vinte anos, entremeados por do. De 2016 para cá, estimam
Fotos desses princípios é impres- constantes peregrinações à Ín- já terem passado mais de cem
As touceiras de bambu cindível. Por isto, para fazer dia em busca de conhecimento. voluntários pela casa.
foram plantadas há
mais de 20 anos
parte da comunidade é preciso Sua vivência mostra, na prática, O casal idealiza um projeto
pelo guia espiritual passar por um período de o que os pesquisadores das de bioconstrução no terreno de
de Goura Vrindávana experiência – o que é comum ecovilas vêm apontando: além um hectare, sendo que metade
e fornecem matéria-
na maioria das comunidades da questão da sustentabilidade, disto pertence à Reserva Ecoló-
prima para construção
de várias estruturas intencionais. “Temos esquema as ecovilas se preocupam com gica Darcy Ribeiro, também em
na comunidade. Conta- de voluntariado para as pesso- uma visão integrada que inclui Niterói. As casas estão sendo
se que a atividade as ficarem alguns dias”, explica questões sociais e princípios construídas com materiais em
preferida de Krishna
é cuidar de vacas, por
Vraja Lila, bióloga, moradora éticos. “O termo que se usa sua maior parte não-industria-
isto elas têm grande de Goura. Nessa modalidade, nesse meio alternativo é que lizados, como bloco de adobe,
importância para os a pessoa colabora com uma tem que ter uma cola”, explica hiperadobe (terra ensacada),
devotos. Todas têm
nome, parentesco
diária que cubra os gastos Swami. “Então, nossa cola para pau-a-pique, barro queimado,
e história; seu leite básicos e se compromete com juntar as pessoas é o interesse reboco fino, cordwood (lenha).
tem especial valor algumas horas de serviço por pela prática espiritual, chamada Plantam bananeira, árvores
espiritual e a manteiga
dia. “Pesquisamos esse modelo ‘bhakti yoga’. As pessoas falam frutíferas, feijão, gengibre,
clarificada (ghee) é
importante em todos em diferentes ecovilas”, diz de desenvolvimento sustentá- inhame, tomate, aipim, alface e
os rituais. Vraja Lila. vel em relação à natureza sem planejam ter cisternas ecológi-

18 retratos a revista do ibge jan 2019


Licia Rubinstein Licia Rubinstein

Licia Rubinstein

jan 2019
retratos a revista do ibge 19
Pedro Vidal
Pedro Vidal

Wilson Dias se
apaixonou pelas ideias
de permacultura e
bioconstrução que
norteiam o projeto da
ecovila Muriquiassu.
As casas estão sendo
construídas com materiais
não-industrializados,
como hiperadobe (terra
ensacada), e já têm
uma plantação diversificada
e criação orgânica
de galinhas.
20 retratos a revista do ibge jan 2019
cas, com captação de água da a casa dos avós, na fazenda. Lá rurais. De acordo com Censo Permacultura
chuva. Além disso, têm uma se fabricavam farinha, açúcar Agropecuário 2017 do IBGE, É um conjunto de
práticas agrícolas e
criação orgânica de galinhas e mascavo, rapadura. Comia-se o houve mais envelhecimento do humanas integradas de
produzem desinfetante natu- que se plantava. Essa vida mu- que renovação na mão-de-obra forma sustentável, com
ral e sabão. Hoje, o objetivo é dou aos dezoito anos, quando na agropecuária em relação a o objetivo de utilizar a
terra e seus recursos
construir oito casas e o pré-re- saiu para estudar. Vivendo na 2006. Na agricultura de base
sem desperdício
quisito para participar do grupo cidade, ela teve um sítio como familiar, quase metade dos ou poluição, com
é que todos sigam um estatuto refúgio e chegou a morar numa trabalhadores tem de 45 a 64 consumo mínimo de
permacultural. comunidade cristã por vinte anos e muitos estão em vias energia, reunindo
conhecimentos
Wilson conta que Muri- anos. Entretanto, para terminar de se aposentar, ao passo que tradicionais e as
quiassu nasceu da intenção de a educação dos filhos, teve de o número de trabalhadores modernas tecnologias.
fazer um condomínio ecológico retornar à cidade. com até 34 anos vem declinan- Os permacultores
enunciam três
voltado para o mercado. “Mas O perfil das ecovilas é de do. “A quantidade média de princípios éticos
se você pesquisar o que tem pessoas jovens – casais grávidos pessoas por estabelecimento se básicos: o cuidado
de ecológico no mercado, é só ou com filhos, querendo criá- reduziu, porque os filhos estão com a terra, o cuidado
com as pessoas, e a
uma ‘pincelada’”, analisa. Ao -los de forma diferente. Entre- saindo e não está havendo
partilha justa.
estudar sobre permacultura, ele tanto, é justamente a população reposição”, comenta Antônio
abandonou a ideia inicial e quis mais jovem que tem deixado os Florido, coordenador do Censo
construir coletivamente todas as estabelecimentos agropecuários, Agropecuário do IBGE. “Se
casas com técnicas de biocons- geralmente em busca de melho- continuar essa redução, muitos
trução. Empresário, perdeu os res oportunidades de trabalho e desses produtores vão parar
investidores e sócios no projeto, de formação profissional. as atividades, porque não têm
mas ganhou o voluntariado. Entre os produtores na força de trabalho nem renda
A esposa Eloína reduziu as ati- agricultura familiar, a dificul- para contratar”.
vidades como advogada para se dade de reter as novas gerações Já as ecovilas acabam sendo
dedicar a Muriquiassu. Ela diz é objeto de preocupação. “Essa um perfil bem diferente. A
que a permacultura já está no tendência já acontece há algum maioria delas não é baseada
seu DNA: “Vem dos meus avós, tempo”, analisa a pesquisadora na agricultura como atividade
meu pai, esse amor pela terra, Maria Monica O`Neill. “Se o econômica principal, como
pelas plantas. Isso encanta, dá produtor rural pode dar uma esclarece Maria Accioly. “São
muito mais sentido de viver formação melhor para o filho, em geral famílias de classe
do que advocacia, tribunal, ele sai e nem sempre volta [a média e classe média alta, com
corrupção”. trabalhar na agricultura]”. dinheiro para comprar uma
Nesse contexto, é neces- terra e investir ou trabalham
Mudanças no perfil na sário diferenciar os perfis de com outras coisas, até trabalho
produção familiar quem sobrevive há gerações remoto. A agricultura no Brasil
As memórias de Eloína reme- na agricultura familiar e quem é extremamente desvalorizada
tem à infância, frequentando chega para viver nas ecovilas para o pequeno produtor”.

jan 2019 retratos a revista do ibge 21


Camerindo Ferreira Máximo / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo

e
22 retratos a revista do ibge
jan 2019
cinem a dentro e fora das salas
texto  Adelina Bracco e Pedro Renaux 
fotos  Camerindo Ferreira Máximo/Acervo Fotográfico

d
do Museu da Cidade de São Paulo, Jonathan Lins e
Licia Rubinstein  design  Simone Mello

esde a invenção do cinemató- pria origem da forma cinema”. salas passaram por adaptações.
grafo pelos irmãos Lumière, Mesmo com essas mudanças, Se antes havia um projetor
em 1895, o que conhecemos a produção cinematográfica para cada ambiente, por ser
atualmente por cinema já pas- segue marcada por processos economicamente mais viável,
sou por provações ao longo de industriais, que não diminuem essa forma convencional de
sua história. Por ser um meio em nada a sua potência como assistir aos filmes foi otimiza-
de comunicação para as massas arte: “nem só o autoral, nem só da, sob a perspectiva comer-
e fruto de um trabalho coletivo, o de bilheteria. O cinema tem cial, pelas salas multiplex, em
ele já foi visto com descon- várias vocações. Entreter não é que um único aparelho é capaz
fiança por algumas camadas um pecado, não compromete de transmitir filmes diferentes
da sociedade, que o acusavam a arte”. para mais de um espaço.
de uma suposta ausência de Ainda que essa discussão De acordo com dados da
atributos artísticos e de uma persista, a evolução tecnológi- Agência Nacional do Cinema
linguagem simples. De lá para ca permite outras problemati- (Ancine), o país tinha 3.223
cá, a consolidada sétima arte zações. Simone diz que, apesar salas em 2017, com a quase
respondeu com atualizações nas da popularização das platafor- totalidade, 89,3%, localizada
formas exibição e na relação mas digitais, que transmitem em shopping centers. A profes-
com o público, dentro e fora das filmes via transferência de sora acredita que a diminuição
tradicionais salas escuras. dados (streaming), o cinema dos cinemas de rua é uma
Se o cinema podia ser resu- segue relacionado ao circuito tendência global relacionada
mido a filmes de longa-metra- das salas de exibição: “quando à especulação imobiliária e às
gem, produzidos em película, a gente assiste a um filme na crises que essa indústria sofreu
que seguiam um processo internet, você sabe que não ao longo do tempo. Moradora
próprio, a cena contemporânea está vendo cinema, porque de Niterói (RJ), ela diz ainda se
mudou essa definição, como você não está na sala, com a lembrar de “quando as pessoas
explica a doutora em Comuni- tela, junto com uma plateia, saíam em peregrinação pelas
cação e Cultura e professora da em uma sala escura. A experi- ruas, como a Coronel Moreira
Escola de Cinema Darcy Ribei- ência é o que define, cinema é César, paralela à quadra da
ro, Simone do Vale: “agora que aquilo que você experimenta praia de Icaraí, onde havia um
tudo é bit, que tudo é digital, na sala de exibição”, sintetiza. cinema por quarteirão”.
não tem mais uma diferença Antes de chegar às plata- O professor do curso de
antológica na questão da pró- formas digitais, as próprias Jornalismo Cultural da Uni-

jan 2019 retratos a revista do ibge 23


versidade do Estado do Rio exclusividade. Além disso, é a 10,4% dos municípios do
de Janeiro (Uerj), Fábio Iorio, um hábito de consumo vir ao país, de acordo com o suple-
defende que a experiência do cinema e depois sair para jan- mento 2014 de Cultura do
cinema ainda é diferente das tar”, diz a gerente de marke- Perfil dos Municípios Brasi-
demais, com o seu espaço e ting da rede, Patricia Cotta. leiros (Munic), pesquisa do
o seu lugar, mesmo que as A mudança no formato IBGE cuja nova edição foi a
salas estejam em áreas de de transmissão foi acompa- campo em 2018. A gerente da
consumo: “para você ir até nhada de uma nova dinâmica Munic, Vânia Pacheco, diz que
um lugar ver um filme, gastar na recepção do público e na o questionário é respondido
dinheiro, você faz disso um motivação de ir ao espetáculo. pelo gestor local de políticas
grande acontecimento. Por Os diferenciais oferecidos pe- culturais e precisou passar
isso que dentro do shopping las ditas salas vip e a promessa por adaptações, uma vez que
há mais apelo, porque as de diversão podem competir os cinemas, em sua maioria,
pessoas vão até lá por um com a própria narrativa dos não são municipais: “de uns
conjunto de motivos, não é filmes. “Estamos vendo agora tempos para cá, um estabele-
apenas pelo cinema”. o que os franceses viram em cimento passou a ter quatro,
Recanto paulista 1895, 1896, que é o cinema de cinco salas. O gestor público
Em São Paulo, o Cine Em São Paulo, atrações [que buscava sur- não é obrigado a ter conheci-
Olido é um exemplo tendências e tradições preender o espectador], que mento dessa quantidade, então
de resistência e de
adaptação a essa nova A capital paulista reúne a sempre permeou a história do perguntamos as principais
realidade. Inicialmente maior quantidade de salas cinema”, diz Simone, otimista formas de fomento”.
com mais de 1.300 entre as cidades brasileiras, com as novas experiências, De acordo com a pesquisa
lugares, a sala passou
por várias reformas até
com um total de 347, as como as poltronas que vibram do IBGE, dos 5.570 municí-
ficar limitada a 236 quais 87,6% em shoppings, e a exploração dos sentidos, pios do país, 22,4% promo-
poltronas vermelhas, a segundo a Ancine. Sinal dos a partir de elementos como viam diretamente ou apoia-
mesma cor do passado.
tempos, um cinema localiza- movimento, água, cheiro, ven- vam fi­nanceiramente festivais
Mesmo com as
mudanças estruturais, do em um centro comercial to e iluminação: “alguém que ou mostras de cinema, como é
o espaço recebe apoio a céu aberto no Itaim Bibi não pode ver ou escutar pode o caso de Penedo (AL). Desde
do poder público oferece seis salas digitais, experimentar a narrativa com 2016, lá ocorre o Circuito
municipal e integra o
projeto Circuito Spcine, poltronas espaçosas e recli- toda essa mecânica. O impor- Penedo de Cinema, que, com
que oferece ingressos náveis, com distância maior tante é que a experiência de ir apoio do poder público e de
gratuitos e a preços umas das outras, menos luga- ao cinema seja preservada”. outros parceiros, reúne um
populares, com uma
programação que
res por sala e bandeja retrátil festival de cinema brasileiro,
muda constantemente para apoiar as guloseimas. Alternativas para um um festival universitário, um
e inclui um filme Na bombonière, o cardápio acesso ainda limitado encontro regional e uma mos-
nacional, tudo para
inclui pipoca com sabor, cer- Seja para entreter, seja para tra ambiental.
estimular a formação
de uma clientela cativa veja e sorvete. “É um público fazer pensar, a experiência de A relação dos penedenses
do centro paulista. ávido por conforto, luxo e ir ao cinema ainda é restrita com o cinema remonta ao pas-

24 retratos a revista do ibge jan 2019


Jonathan Lins
sado, em particular os anos alternativas: “começamos
de 1975 a 1982, quando com uma ação cineclubista
o município, então com em 2008, com o cinema na
37.442 pessoas, segundo rua. Depois passamos por
o Censo 1980, recebeu seis edições do festival uni-
oito edições do Festival do versitário. Em 2016, já com Renovando a tradição
Cinema Brasileiro: “para se acúmulo de experiência, No interior de Alagoas, a relação do município de Penedo com
ter uma ideia, Cacá Diegues chamamos de volta o antigo o cinema é antiga. A cidade já foi sede de oito edições do
Festival do Cinema Brasileiro e chegou a ter um cinema para
lançou ‘Bye, Bye, Brazil’ Festival do Cinema Brasi- mil espectadores.
aqui. Não foi em nenhu- leiro”. Além de permitir à
ma grande capital, foi no população voltar às salas de
interior de Alagoas, em uma exibição, Sérgio tem no Cir-
cidade que já teve um cine- cuito um projeto ambicioso:
ma para mil espectadores”, “trabalhamos também com
conta o coordenador geral a formação profissional em
do Circuito, Sérgio Onofre. um laboratório-escola, com
Quando ele e sua equipe produção e pesquisa, e com
chegaram à cidade, em 2006, a exibição, que é a fruição
Penedo possuía apenas um do produto final. A previsão
equipamento cultural, o é abrirmos um curso de gra-
Licia Rubinstein

Theatro Sete de Setembro, o duação para fecharmos essa


que o motivou a pensar em cadeia que é o cinema”.

jan 2019 retratos a revista do ibge 25


o IBGE de
Gilson e Garcia Os angolanos Gilson
Domingos e Garcia
Neto participaram da
última edição do Curso
de Desenvolvimento em
Habilidades de Pesquisa
(CDHP), oferecido pelo
IBGE. Além das aulas,
eles também viveram a
experiência de realizar uma
pesquisa domiciliar no Brasil.

“Tive contato de forma


direta com a população,
com o brasileiro, e nas
vestes do IBGE! Muitas
pessoas se surpreenderam
ao ver um angolano fazendo
uma pesquisa do instituto.
texto  Mônica Marli
design  Simone Mello 
foto  Licia Rubinstein

Penso que elas, assim como


eu, ficaram com uma boa
imagem, ao saber que o
IBGE dá a outros países a
oportunidade de aprender a
metodologia de pesquisa
que adota”. (Gilson)

“Para mim, o dia mais


marcante foi quando
estávamos em uma casa
que se recusava a responder
a pesquisa, mas quando
perceberam que eu era
angolano tudo mudou.
A mãe, emocionada, dizia
que queria muito conhecer
a Angola, porque o avô dela
era angolano e tinha sido
escravo no Brasil. Aquilo
também me emocionou
muito!” (Garcia)

26 retratos a revista do ibge jan 2019


#ibge
agenciadenoticias.ibge.gov.br  @ibgecomunica  /ibgeoficial  
referência: novembro 2018

@ibgeoficial  /ibgeoficial

95.329 pessoas alcançadas

15.085
envolvimentos

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Gráfico Pnad Contínua


Hoje o Brasil tem um diagnóstico mais completo sobre o
mercado de trabalho. Veja na imagem as subdivisões do
mercado de trabalho de acordo com as classificações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua).
Veja mais: bit.ly/2Bo0M2B

1.119
#IBGEemCampo

30
Hoje é dia de #IBGEemCampo! O @waribeiro.s
curtidas esteve no distrito de Estrela do Norte, em
comentários Castelo (ES), fazendo a Pesquisa Nacional

11.541
de Saneamento Básico, e clicou essa linda
paisagem! Arrasou na foto! Obrigado por
pessoas alcançadas compartilhar com a gente!
#IBGE #cidadania #natureza #pesquisa
#trabalhodecampo #paisagem
Notícia mais lida Veja mais: bit.ly/2SV4b02

Escassez de recursos humanos


no IBGE ameaça a produção de
informações estratégicas para o país
Desde 2008, o IBGE perdeu mais de 2.400 servidores, o
equivalente a um terço do total. Essa crise ameaça todo o
plano de trabalho do Instituto, incluindo a realização do Censo
Demográfico 2020, que já se encontra em planejamento.

6.286
acessos
Veja mais: bit.ly/2BoUO1y

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