Você está na página 1de 96

1

INDICE

Considerações preliminares à carta de Judas


02

Esboço sintético 04

Esboço amplo 05

Comentários
07

Bibliografia 66

Apêndice 1 – Salvação 67

Apêndice 2 – Glória de Deus 72

Apêndice 3 – Doutrina da eleição 74

Apêndice 4 – Estudo: significado de 1ª Pedro 3.19 76

Apêndice 5 – Exemplos de outros esboços para a carta 85

Apêndice 6 – Estudo na palavra lascívia (aselgeia) 89

Explicação sobre a utilização de citações em aspas 97


2

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES À CARTA DE JUDAS


por Egon Paulitsch
A epístola foi e é crucial para a saúde espiritual da Igreja. A convocação escrita
no século I mantém-se como uma ordem permanente para os fiéis defenderem a
verdade do evangelho. O perigo é real. O perigo é tanto local como universal.
Talvez seja por isso que a carta não tenha um grupo específico de destinatário.
Judas, um líder comprometido com Seu Senhor, é um homem atento ao que
acontece ao seu redor. Sabe identificar os pastores que amam o rebanho e
reconhecer os lobos mercenários que mercadejam a Palavra. Sua percepção
espiritual o conduz a dissecar a vida e a obra dos ímpios apóstatas. Não é possível
calar-se. A omissão é um pecado nocivo que gera a degeneração da verdade.
Judas, seguindo a tradição dos bons profetas de Israel, levanta sua voz e aponta os
erros heréticos que se espalhavam pelas igrejas de Cristo Jesus. Uma frase citada
no seriado “Cold Case” ilustra os polos da relação heréticos – profetas: “O mal
triunfa quando os bons se calam!” Judas não quer ver o triunfo do mal. A sua opção
é: não esperar para ver. Tampouco assume o lema insano para a Igreja – “eles já
sabem a verdade, que se virem”.
A manutenção da sã doutrina requer compromisso, coragem e conhecimento. É
impressionante a constatação de que muitos crentes em nossas igrejas pouco
sabem das doutrinas cristãs. Muitos são envergonhados em confronto com
membros de grupos heréticos. A evidência de que a Igreja vive na apatia espiritual
está na pergunta do Instituto Cristão de Pesquisa: “Você faria pela Verdade o que
eles fazem pela heresia?” A carta de Judas é o remédio que a Igreja precisa para
despertar seus crentes. Sua exortação tem que romper o marasmo espiritual atual.
Por isso, o conselho de Raymond Perron é crucial: “Um profeta não cria sua própria
mensagem, e, sim, comunica fielmente a mensagem que recebeu. É exatamente a
mesma doutrina que por ser tão preciosa ao coração de nosso Senhor precisa ser
também preciosa para nós”1.
A ausência de dados geográficos e culturais impede que a situemos num
contexto específico. Ela é parte do grupo de cartas gerais ou universais. As citações
do Antigo Testamento e de dois apócrifos: “O Livro de Enoque” e “Assunção de
Moisés”, indicam que o seu público alvo tinha instruções vétero-testamentária. Se a
maioria dos membros das igrejas-alvo era formada por Judeus ou por gentios não é

1
Amado Timóteo, Editora Fiel, cap 11, p. 161
3

possível determinar. É melhor supor que um grupo misto era a composição das
igrejas.
Os comentaristas dividem-se quanto à data em que a epístola foi escrita. A
divergência gira em torno de uma questão: Judas usou o material de 2ª Pedro, ou
Pedro usou a carta de Judas? Os dois usaram o apócrifo “Livro de Enoque” como
fonte referencial e aceito a opinião da maioria: Pedro usou o material de Judas.
A carta é pequena, mas de conteúdo contundente. Ao lado do material nas
cartas de Paulo, Pedro e João que denunciam a presença de falsos mestres, a carta
de Judas reveste-se de um impacto mais estrondoso. Suas denúncias são
fervorosas. Elas clarificam a paixão do autor pela verdade. É algo que
urgentemente precisamos na igreja brasileira.

Temas e frases semelhantes entre as cartas:


JUDAS 2 PEDRO 2
4 (dissimulação) 1
4 (negam ao Senhor) 1
4 (destinados destruição/condenação) 1,3
4 (libertinagem) 2
6 (o caso dos anjos) 4
7 (o caso de Sodoma e Gomorra) 6
8 (rejeitar e desprezar autoridades) 10
9 (Miguel/anjos) 11
10 (agir como animais irracionais) 12
11 (o caso de Balaão) 15
12 (como nuvens) 17
12 (comidas, festas) 13
16 (bajulação) 3
16 (falar com arrogância) 18
4
2
ESBOÇO SINTÉTICO
1. Saudação – 1,2
2. Razão da carta – 3,4
3. Retrospectiva histórica da impiedade – 5 a 16
3.1 – Olhar o passado – v. 5 a 7
3.2 – Olhar o presente – v. 8 a 13
3.2.1 – As atitudes dos ímpios – v. 8
3.2.2 – A atitude do Arcanjo Miguel contraposta à dos ímpios. V.9
3.2.3 – Descrições das atitudes dos ímpios – v. 10,11
3.2.4 – Descrição do comportamento dos ímpios – v. 12,13
3.3 – Olhar o futuro – v. 14 a 16
4. Resistência contra os ímpios – 17 a 19
5. Recomendações aos santos – 20 a 23
5.1 – Perseverança na pureza – 20, 21
5.2 – Piedade no procedimento – 22,23
6. Adoração – 24, 25

2
Ver outros exemplos de esboços no apêndice 5
5

ESBOÇO AMPLO

Apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres nas igrejas enfatizando o
juízo de Deus acerca dos mesmos, e a perseverança dos santos na prática
da verdade.

I. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da infiltração do


ensino herético dos falsos mestres baseia-se em evidências históricas do
julgamento da impiedade. 1 a 13
1. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada é feito por Judas, que
fundamenta sua argumentação através da menção tripartida de privilégios e
bênçãos. 1, 2
2. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada tem sua razão apresentada
na constatação da existência de falsos mestres na vida da igreja. 3 e 4
3. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada traz as lições do
julgamento de Deus sobre a impiedade durante a história e torna-o vívido por meio
de descrições de quem são os ímpios. 5 a 13
3.1 Lembrar que a impiedade no passado recebeu o julgamento de Deus. 5 a
7
3.2 Atentar para a impiedade repetida no presente. 8 a 13

II. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da infiltração do
ensino herético dos falsos mestres enfatiza o julgamento de Deus reservado aos
ímpios. 14 a 16

III. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da infiltração do
ensino herético dos falsos mestres contém uma chamada à resistência leal por
parte da igreja verdadeira. 17 a 19

IV. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da infiltração do
ensino herético dos falsos mestres estimula a perseverança santa e a prática da
misericórdia nos relacionamentos. 20 a 23
6

V. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da infiltração do


ensino herético dos falsos mestres oferece ao Senhor Jesus toda a Glória e louvor.
24 e 25
7

COMENTÁRIOS:

I. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres baseia-se em evidências
históricas do julgamento da impiedade. 1 a 13
1. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada é feito por Judas,
que fundamenta sua argumentação através da menção tripartida de
privilégios e bênçãos. 1 e 2

Autor: Judas
Descarta-se a possibilidade de Judas ser um dos apóstolos por causa da indicação
no verso 17 – “dos apóstolos”. Há outras citações de pessoas com o mesmo nome.
O apóstolo é descrito em Lucas 6.16 e Atos 1.13 – como Judas, filho de Tiago. O
texto de Atos 15.22,32 menciona um Judas, chamado Barsabás. Não há
concordância entre os comentaristas se se trata da mesma pessoa. É mais provável
que não seja. Em 1ª Coríntios 9.5, há uma referência aos irmãos de Jesus que
trabalhavam no ministério “levando suas esposas”. Soma-se a isto a apresentação
do autor como “servo de Jesus” e “irmão de Tiago”.
Judas, o autor da epístola, era meio-irmão de Jesus Cristo. José e Maria tiveram,
pelo menos, 4 filhos – Mateus 13.55. Ele é mencionado em João 7.5 e depois em
Atos 1.14. Podemos notar a transformação que ocorreu na vida dele e de seu irmão
Tiago, autor da outra carta e líder da igreja em Jerusalém. Vários teólogos atribuem
à ressurreição de Cristo um peso decisivo na conversão dos irmãos.
Percebe-se a humildade de Judas no uso da expressão “servo de Jesus Cristo,
porém irmão de Tiago”. Não ostentou seu laço sanguíneo com o Salvador. O autor
usa o “porém” (traduzido por “e”) para destacar o irmão - líder mais importante e
conhecido com o objetivo de receber a atenção para suas verdades. Além da
humildade, notamos outras virtudes dele na carta: submissão – ao referir-se a
Jesus como Senhor (4,17, 21, 25); gratidão (24,25); devoção (1, 3, 20)...

Verso 1 – Tríade de privilégios

(1) Chamados – A palavra relaciona-se com a salvação. É feito por Deus.


Cremos que os eleitos serão chamados. O conceito é defendido na doutrina da
8

chamada eficaz. No momento determinado, o eleito é confrontado com a Palavra e


não resistirá a Graça de Deus que lhe chama do reino das trevas para o reino do
Filho. (Ver: Rm 1.1,7; 8.28; 2ª Tm 1.9; 1ª Pe 2.9)
Ninguém vem à salvação se Deus não o chamar. A iniciativa sempre é de Deus.
Os eleitos de Deus são induzidos à posição de santidade pela chamada eficaz (o
trabalho de vivificação do Espírito Santo), através do qual tornam-se crentes no
Evangelho. (Ver: 1ª Co 1.29 e 2ª Ts. 2.13-14) "Chamar" no Novo Testamento
geralmente significa a chamada eficaz para a salvação3. Os santos são feitos por
meio de uma chamada divina, mas este não é o significado das passagens de
Mateus 20.16; 22.14. Significa obviamente que muitos que ouvem o convite para
crer em Cristo não foram escolhidos por Deus para a salvação (ver: 1ª Ts 1.4-7; 2ª
Ts. 2.13). Chamar e escolher não são a mesma coisa. Escolher ou eleger aconteceu
na eternidade passada; chamar acontece no tempo e produz conversão e fé em
Cristo. Há uma chamada geral dada a cada pecador na pregação do Evangelho, e
há a chamada especial do Espírito Santo, a qual induz a aceitação da chamada
geral. A chamada geral na pregação do Evangelho é para os homens como
pecadores; a chamada especial pelo Espírito Santo é para o eleito e resulta em
salvação. O texto de Romanos 8.28 refere-se a esta chamada eficaz. Veja também
1ª Coríntios 1.26; Gálatas 1. 15-16. Para uma melhor apreciação do tema da
eleição – (ver apêndice 3).

(2) Santificados em Deus – Há uma diferença entre as versões. A versão


ARA, NVI trazem “amados”; e ACF traz “santificados”. A palavra é questionada, pois
em vários documentos aparece uma palavra que indica “santificados” e também por
não ser comum a referência “em Deus” em conjunto com o particípio “santificados”.
Creio que Judas usa a palavra “santificados”, pois é a melhor leitura nos
manuscritos e, também, visto que ele não é obrigado a redigir segundo o padrão de
outros autores bíblicos.
Antes de considerarmos a intenção de Judas, penso ser importante uma reflexão
sobre Justificação e Santificação. Duas doutrinas fundamentais na vida da Igreja,
portanto necessário que se esclareça abrangências e limitações, pois alguns as
confundem e outros as definem de maneira diferente da herança protestante.
Diferença entre justificação e santificação.4
3
Para melhor compreensão, ver estudo básico sobre salvação no apêndice 1.
4
Grudem, p. 622
9

JUSTIFICAÇÃO SANTIFICAÇÃO
Posição legal Condição interna
De uma vez por todas Continua por toda a vida
Obra inteiramente de Deus Nós cooperamos
Perfeita nesta vida Não perfeita nesta vida
A mesma em todos os cristãos Maior em alguns do que em outros

“Santificar é tornar sagrado, separar, consagrar, fazer santo. A palavra “santo”


tem muitos significados:”
“Separação - Representa o que está separado de tudo quanto seja terreno e
humano, 1ª Pe 3.11.”
“Dedicação - Representa o que está dedicado a Deus, no sentido ser sua
propriedade”. Rm 12.1
“Purificação - Algo que separado e dedicado tem de ser purificado, para melhor
ser apresentado”. 2ª Co 7.1
“Consagração - No sentido de viver uma vida santa e justa. Lv 11.44 - Muito
acentuada se acha no Antigo Testamento o conceito de que a santificação consta de
uma relação especial com Deus. As coisas consagradas ao Senhor eram
consideradas santas: Arca da Aliança; o Templo; o Tabernáculo; o Altar; os Vasos;
os Sacerdotes. No Novo Testamento, o pensamento é a de que a santificação
consiste no processo do homem ser perfeito como Ele é perfeito. Mt 5.48.”
Portanto: Santificação é um processo continuo da ação de Deus na vida do
crente cuja finalidade é livrá-lo do pecado e torná-lo dia após dia mais
semelhante ao caráter de Cristo.
“A santificação é parte integrante e inseparável da salvação de Deus
na qual Ele livra o Seu povo da condenação, corrupção e domínio do
pecado, e conforma-os à imagem de Cristo. É o processo pelo qual
Deus nos torna mais semelhante a Cristo. Isto nos conduzirá à uma
vida que demonstrará que o que pensamos, falamos, sentimos e
comportamento reflete Cristo.”

Judas objetiva que seus leitores considerem sua posição de separados para Deus
quando mencionar os pecados dos falsos líderes. Os crentes precisam ter em mente
a verdade da santificação como instrumento de avaliação. Quem foi chamado e
separado (santificado) tem o alvo de conformar-se com Deus, que é Santo - 1ª
Pedro 1.16.
(3) Guardados em Cristo
Desfrutamos do cuidado presente e eterno de nosso Salvador. Ele nos
assegurou isto em João 10. 28. Quão vil seria o Salvador em dar o bem mais
10

precioso que um pecador necessita e por causa de algo retirar a dádiva. Talvez,
pior do que o pensamento anterior é o ensino correlato na doutrina da perda de
salvação de que o homem é quem pode manter ou sustentar sua salvação. Jesus é
Deus todo-poderoso e fiel. Sua Palavra não falha. Nosso salvador prometeu que das
mãos do Deus triúno nada e ninguém tem poder para tirar as Suas ovelhas. Ver
João 10.29. Mesmo que a Bíblia não apresentasse outros versos que comprovassem
a segurança eterna ou perseverança dos santos, o texto de João 10.29 seria
suficiente.
“Nosso Senhor não foi apenas ressurreto dentre os mortos e
glorificado no céu como o vencedor. Ele “vive para sempre” para o
propósito de “fazer intercessão por nós” (Hebreus 7:25 e Romanos
8:34). Vê a lógica de Paulo? É ridículo imaginar que Cristo, o Juiz,
morreu por nós e faz intercessão por nós de um lado de Sua boca
e então, nos condena do outro lado de Sua boca. É impossível que
Ele possa nos salvar e condenar ao mesmo tempo! Oh, que os
crentes compassivos possam sentir a plenitude desta verdade que
liberta a alma. Aquele que morreu pelos nossos pecados é a
mesma pessoa que está assentada à mão direita de Deus, e Ele
está orando especificamente por você. Isto é glorioso!”5 Ver 1ª
João 2.1”
“Em Romanos 8.26, Paulo nos lembra que o Espírito Santo
está em nós e não somente nos ajuda a orar, mas realmente faz
intercessão por nós quando não sabemos como orar. No verso 26,
o Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade está em nós
orando, e no verso 34, o Filho de Deus, a segunda pessoa da
Trindade, está à mão direita de Deus orando para que sejamos
guardados salvos e seguros para sempre! Temos a terceira Pessoa
da Trindade orando em nós, e a segunda Pessoa da Trindade no
céu orando por nós; temos feito isto a despeito do Diabo, provas e
mesmo nossos próprios corações pecaminosos!”6

Os 3 privilégios alistados por Judas são muito bem apresentados em Romanos 8.


28-39.
5
Citação retirada do site – www.monergismo.com – artigo: A cadeia da Graça, por John G. Reisinger
6
op. cit.
11

8.28,30 – chamados;
8.30 – glorificou; (santificação é doutrina integrante da glorificação)
8.31– guardados;
8.33 – guardados;
8.34 – guardados (condenar);
8.35 a 39 – guardados;

“Que argumento para a segurança da salvação eterna!”.


“Se você realmente quer entender a lógica e a glória da cadeia da
graça, leia os elos de trás para frente. Comece com a extrema glorificação
no céu”.
“Quem são as pessoas que finalmente e certamente alcançaram o
céu e serão glorificados em perfeição sem pecado? Resposta: Todos
aqueles, sem exceção, mas somente eles, que foram justificados”.
“Quem são as pessoas que estão certas de serem justificadas
diante de Deus em justiça de Cristo? Resposta: Todas daqueles sem
exceção, mas somente eles, que foram chamados pela graça e poder de
Deus”.
“Quem são as pessoas que estão certas de serem chamadas para
salvação? Resposta: Todos aqueles sem exceção, mas somente eles, que
foram predestinados por Deus para serem conformes à imagem de
Cristo”.
“Quem são as pessoas que estão certas de terem sido
predestinadas para serem conformes à imagem de Cristo na glória?
Resposta: Todas daqueles sem exceção, mas somente eles, que foram
conhecidos de antemão, ou escolhidos na graça soberana, para serem
comprados por Cristo e regenerados pelo Espírito Santo”.
“Para aqueles que são o povo de Deus, Paulo pode assegurar:
‘Somos mais que vencedores’. Não somente alguém não pode finalmente
ser condenado eternamente, visto que todas as coisas cooperam para o
nosso bem (v. 28), mas até mesmo o pior das coisas será usado para nos
ministrar em cumprimento ao eterno propósito de Deus. As coisas
horríveis nos versos 35-39 servirão simplesmente para fazer a vitória
mais gloriosa na eternidade. Contudo, nunca nos esqueçamos de que
somos mais do que vencedores somente “por Aquele que nos amou e no
7
Seu sangue nos lavou”.
7
Ibid. Id.
12

Verso 2 – A tríade de bênçãos – as virtudes de Deus para os crentes.


Elas se relacionam com a tríade de privilégios dos crentes. Chamados –
Misericórdia; Santificação (Amados) - amor; Guardados – Paz.
Entendemos que Judas oferece aos leitores uma saudação e as três qualidades no
desejo são atributos morais de Deus comunicados ao homem na criação – Gn 1.27.
Assim sendo, vejamos as qualidades, primeiramente, como atributos de Deus e
seus significados e, depois, nas relações cristãs. Sem dúvida, o homem natural tem
condições de apresentá-las em seu viver por causa da imagem de Deus nele
residente.

Misericórdia – A misericórdia de Deus é um atributo moral, referindo-se à


bondade, ternura e compaixão de Deus. É um atributo que Deus usa para
manifestar-se sem acepção de pessoas, manifestando Sua Natureza e Seu Ser
infinitamente bondoso, compassivo.
A misericórdia para com o pecador revela que Deus é bom, e esse entrelace
provoca tanta semelhança que muitas vezes não conseguimos distinguir bondade
de misericórdia. Dos atributos mencionados nas pregações, ensino e orações, a
misericórdia muitas vezes toma o primeiro lugar.
O termo “misericórdia” vem do latim. Tem significado de "ter o coração na
miséria", portanto a palavra tem semelhança a compaixão. Isto dá o significado de
sofrer com o outro, sentir a dor do próximo. Misericórdia é uma declaração da
bondade de Deus, reflete o Seu amor para com os miseráveis, sem quantificar ou
qualificar se de fato os pecadores merecem receber ou não misericórdia. Deus é
eternamente misericordioso e Sua Palavra declara que esse atributo é infinito.
Nas Escrituras e nas conclusões teológicas ao longo dos séculos entendemos que:
há basicamente cinco palavras que descrevem esse atributo de Deus: duas
hebraicas (rahamîm / raham e hesed em larga escala) e três gregas (σπλαγχνα,
έλεος e οικτιρμος).
O termo hebraico "raham", normalmente traduzido por: compaixão, misericórdia,
significa literalmente, "intestino" (Sl 25.6; Dn 1.9). O outro termo – hesed tem o
sentido de comportamento correto segundo a aliança, a solidariedade que os
participantes da aliança devem um ao outro. 8 O Professor Carlos Osvaldo Pinto

8
DITNT, v. III, p.177
13

preferia traduzir por “amor leal do Senhor”. Hesed é, preferencialmente, traduzido


por misericórdia; bondade, amor e algumas vezes por graça. (Os 2.19 –
benignidade; Sl 25.6 – bondade; Os 6.6 – misericórdia; Os 6.4 – amor; Sl 63.3 –
graça;).
No NT o uso maior é “eleos”, cujo sentido geral é “compaixão”. Os autores
humanos do NT a usaram para designar a ação de Deus de intervir na realidade
humana de aflição, dor, desespero e desesperança. Outra palavra que corresponde
a do AT (rahamîm; raham) empregada no Novo Testamento (σπλαγχνα) significa
literalmente "entranhas" e é traduzida de formas diferentes. Terna misericórdia (Fp
1.8); Entranhados afetos (Fp 2.1); Compadecido (Mc 1.41) Os termos são
empregados para ilustrar as emoções que objetivam-se a ajudar quem necessita,
por isso misericórdia, compaixão, piedade, dó. Assim, hoje se usa a palavra coração
na Bíblia e literatura, e não, entranhas e intestino para descrever emoções.
Misericórdia e Graça têm distinções que são importantes. Misericórdia é universal
ou geral; Graça é particular. “Misericórdia está no mandato de pregar a todas as
pessoas; Graça é restrita aos eleitos ou salvos, embora não lhes seja ofertada. A
Graça é dada aos eleitos sem que queiram, peçam ou desejem. A misericórdia de
Deus sendo universal dá aos homens bons ou maus oportunidades de viverem,
progredirem e serem felizes”. O texto de Lamentações 3.23,24 indica algo que se
aplica a todos os homens – a renovação da misericórdia diariamente. Ela, porém, é
temporária sobre os incrédulos. A morte física indica que a misericórdia de Deus
não se renovou sobre eles e que enfrentarão o julgamento sem ela, pois receberão
a reta justiça de Deus sendo condenados à morte eterna. Deus é misericordioso por
um tempo determinado, suporta os seus pecados e não os trata como de fato
merecem. No Salmo 73 lemos da paciência de Deus e da Sua misericórdia para com
os ímpios. São abençoados e prosperam, mas isso não será para sempre.
Há diferença entre Deus ser misericordioso e Ele manifestar misericórdia? Sim!
Deus não pode deixar de ser misericordioso porque a misericórdia é uma qualidade
essencial nEle. Nisto vemos a comunhão dos atributos na Pessoa de Deus. Ele é
infinito e eterno. A manifestação da Sua misericórdia é regulada pela Sua vontade
que é soberana entendida e percebida em Seus decretos eternos (Rm 9.14-18).
Assim sendo, Deus de forma soberana, livre e justa manifesta a quem quer a Sua
misericórdia.
14

Para os santos eleitos, a misericórdia não se afasta nem um só momento –


mesmo na morte física, embora cumpra o mandamento de Gn 2.9 cf Rm 5.12, mas
é exercício da Sua bondade. Os eleitos gozaram dela na vida eterna. Deste modo
entendemos que a misericórdia de Deus que se manifesta para o eleito assim age
devido a queda no pecado. A misericórdia de Deus revela-se na não imposição da
penalidade sobre o pecador e atribuição da justiça divina caindo sobre Cristo que
substitui o pecador na cruz.
A relação entre a misericórdia (na salvação) e a Justiça na vida do pecador. O
pecador está debaixo da condenação de Deus (justiça – Rm 3.23; 6.23). Deus em
Sua soberania elegeu e predestinou tal pecador para salvação (Ef 1.4), mas ele
está morto em seus delitos e pecados sem condições de obter salvação e
impossibilitado de negociar qualquer justiça para ter salvação. Então, Deus, sendo
rico em misericórdia (Ef 2.4), não pune o pecador. A Sua justiça, entretanto,
precisa ser executada dada a realidade da retidão de Deus. A punição pelo pecado
tem que acontecer. A única maneira da misericórdia triunfar sobre o juízo é quando
o justo - Cristo substitui o réu, livrando-o da punição e tomando sobre Si o castigo
(Rm 5.18-21). Por causa da misericórdia não recebemos o que mereceríamos por
nossos pecados: a condenação. A misericórdia de Deus envolveu: “eu sei que foi
pago um alto preço”, pois, ao derramar dela, houve a aceitação das consequências
do pecado humano na cruz – o santo tomando sobre Si o pecado; o pecado
afastando-O da Glória divina expressa nas palavras: “Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste?” (Mt 27.46; Ef 2.4; Tt 3.5). É, também, algo que
precisamos diariamente. Lamentações 3.23 confirma nossa necessidade. Através de
compreender como Deus agiu comigo, posso entender como Deus quer que eu aja
com os outros.
Quando Paulo disse em Romanos 9: “compadece-se de quem quer”, é como se o
apóstolo dissesse: “Deus elegeu, resgatou, justificou, regenerou, santificou e
glorificou a quem Lhe aprouve”.
Por isso, Jesus fala na bem aventurança de ser misericordioso para alcançar
misericórdia. Atentemos para a ênfase no ser. O discipulado de Cristo atua no ser -
caráter. O fazer é decorrente do ser. Religiosos são especialistas em fazer sem ser.
A reação que temos para com o sofrimento de outros revela nosso caráter.
Demonstra qual é o conteúdo espiritual que possuímos.
15

Cremos que um crente pode agir de maneira contrária com que foi tratado – não
ser misericordioso; não tratar outra pessoa com compaixão. Isto não o levará à
perda da salvação. Qual consequência terá? Orações não respondidas. Perdas de
galardões. No dia do tribunal de Cristo será tratado mais com ira do que com
misericórdia (1ª Co 3.15).

Paz – Resumo geral: Temos a paz de Deus por causa da nossa justificação (ver:
Rm 5.1). Temos paz porque fomos adotados na família de Deus e porque deixamos
de ser inimigos. Deus quebrou, em Cristo, as barreiras da separação, da inimizade
entre Ele e nós; e em Efésios entre os judeus e os gentios. A Paz de Deus tem
efeito sobre nossa vida emocional e relacional. (Ver: Rm 14.19; Hb 12.14)
(1) A paz que Deus planejou. Ef 2.17
A obra expiatória de Deus através da cruz de Cristo na qual Ele reconcilia o
mundo conSigo mesmo e reconcilia os inimigos uns com os outros. Esta, é claro, foi
a maior conquista da cruz onde, como Paulo diz em Efésios 2.17, Cristo fez a paz
através do Seu sangue na cruz. Mas, esta é a obra de Deus. Sua obra objetiva,
histórica e expiatória. É Plano de Deus.
(2) A paz que Deus dá: Reconciliação pessoal – 2ª Co 5.18
... que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo...
Por Jesus ter morrido por nossos pecados, quando depositamos nossa fé nEle
somos reconciliados com Deus e temos paz com Deus. A paz no coração e na
consciência. Este também é um presente muito precioso e penso que está
relacionado com o que Paulo quer dizer quando menciona paz no fruto do Espírito.
Paz com Deus. A paz, porém, que Deus dá não é apenas paz com Deus, mas
também a paz de Deus. Isto é: liberdade da ansiedade e do pânico no meio dos
estresses, ocupações e preocupações da vida. É algo que Paulo descreve muito bem
em Filipenses 4:6-7: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém,
sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica,
com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará
o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus”.
(3) A paz de Deus dá: Reconciliação coletiva - Ef 2.13-15
No ano 1871, arqueólogos, escavando em torno do local do templo em
Jerusalém, descobriram uma pedra gravada com um aviso. Estas são as palavras
traduzidas tanto do hebraico como do grego:
16

"Nenhum homem de outra raça pode prosseguir para dentro da divisória e


ultrapassar o muro sobre o santuário. Qualquer um que for pego lá vai levar a culpa
pela pena de morte que lhe será imposta como consequência”.
Agora, a parede é um símbolo. Ela foi destruída no ano 70 d.C, vários anos
depois que a carta aos Efésios foi escrita, quando o próprio templo foi destruído.
Paulo, porém diz que a hostilidade que ela representou foi demolida em Jesus
Cristo. “Na melhor das hipóteses, os judeus trataram os gentios com
distanciamento; na pior das hipóteses, eles desprezavam e odiavam”. Havia uma
grande rivalidade por parte dos Judeus contra os gentios. O texto nos fala de
pacificação e não de sentimentos interiores como tranquilidade.
A parede ou cerca divisória, que significa?
Pacificação que de ambos fez um. Paulo se refere ao muro conhecido que
separava judeus de gentios, mas também à Lei judaica. Uma comparação análoga
da Torá como uma cerca protetora diante dos gentios ocorria na literatura judaica.
Esse muro que separava judeus e gentios foi “derribado” no momento em que o
acesso ao povo de Deus não acontece mais mediante a observância da lei do Sinai,
pela “circuncisão”, mas por meio da fé. Nesse momento, porém, elimina-se
igualmente “a inimizade” entre estes dois grupos da humanidade. Diante do
evangelho de Jesus Cristo podemos constatar que a hostilidade mais profunda é
aquela entre a humanidade e Deus. O ódio tem sua base no pecado, por meio do
qual o ser humano se rebela contra Deus, Sua lei e Seu governo. No entanto, visto
que essa inimizade (o judeu Paulo se inclui no termo “nós”: Rm 3.9) é eliminada
pela reconciliação de Cristo (Rm 5.5), anula-se igualmente a hostilidade entre os
humanos.
Isso aconteceu “em sua carne”. Com essas palavras Paulo sublinha a expressão
“em seu sangue” do v. 13. Ligamos ao que segue: “em sua carne Ele aboliu… a lei”.
O pensamento ecoa Cl 1.22 (“reconciliados no corpo da carne”) e Cl 2.14 (“o escrito
de dívida com os preceitos detalhados”). De um modo geral, Paulo faz associação
com as exposições na carta aos Gálatas - ver 3.13: ao morrer a morte maldita dos
pecadores, tornando-se pessoalmente maldição, Aquele que era sem pecado
redime os envolvidos da maldição da lei que os atingiu mediante o pecado. A
circunstância de que Deus ressuscitou o Crucificado demonstra que a lei como um
caminho até Deus foi anulado, que Cristo é “o fim da lei” (Rm 10.4).
17

Assim, temos que entender que aboliu não significa acabou, pois em outros
lugares Paulo valoriza a Lei: Rm 3.31; 13.8-11 e 7.22 que diz: tenho prazer na Lei
de Deus. O foco de Paulo é o caráter ameaçador da Lei que é um código que revela
a perfeição moral de Deus e seu padrão; evidencia o pecado e a sua maior
consequência – a morte. (baseado em Estevan Kirschener)
2ª - Quais os benefícios da Paz que Jesus dá?
(1) Paz com Deus – Lc 2.14
Paz é criação de Deus. O anúncio dos anjos é: de paz na terra em Lc 2.14 feito
como uma proclamação de luz com dois focos. Primeiro, ele proclamou que a paz
de Deus está disponível para homens e mulheres agora. Atente as palavras de
Lucas 2:14: "Glória a Deus nas alturas, e na terra a paz entre os homens com
quem Ele se agrada”.
Quem são aqueles com quem Ele está satisfeito? Eles são aqueles que têm suas
vidas debaixo da autoridade do princípe da Paz: "O Senhor se compraz nos que o
temem, naqueles que esperam pela sua misericórdia" (Salmo 147: 11, VKJA).
O anúncio do anjo de "paz na terra" declarou a chegada do Único que pode trazer
paz duradoura na terra. Que tipo de Paz trouxe?

(2) Paz que reconcilia - Ef 2.16-18


Entre inimigos.
Judeu e gentio em só corpo é uma posição simultânea a de reconciliados com
Deus. A inimizade com Deus foi desfeita e assim a inimizade entre povos tbm. É a
paz evangelizada. O exemplo vem de Pedro e Cornélio em Atos 10.

(3) A paz de Jesus dá firmeza – Cl 3.15 (... paz o árbitro nos corações)
Ela cria condições para a serenidade diante dos conflitos (confiança, esperança,
sabedoria, equilíbrio).
Um cristão é sereno. Diante dos conflitos, tem a oportunidade de desenvolver a
sua confiança. Diante dos problemas, alimenta-se de esperança. Ao passar pelas
dificuldades, sua sabedoria se fortalece. Em meio às pressões, consegue o
equilíbrio. Em termos ideais, assim deveria ser. No entanto, nem sempre “saber” se
torna “viver”.
18

Amor – A maior prova do amor de Deus é a cruz e a ressurreição de Cristo. O


amor de Deus é o exemplo a seguirmos. (ver: Rm 5.5) Amar é uma ordem para os
crentes, não opção. (ver: Jo 13.34; 14.21)
A relação do amor de Deus para conosco testificada por meio de uma doutrina:
adoção – Rm 8.14-17; 1ª Jo 3.1. Recebemos o privilégio de sermos chamados não
só amigos, mas filhos de Deus (Jo 1.12). Atravessamos o abismo da inimizade para
desfrutarmos dos cuidados do Pai.
Deus ama Seu povo com o mesmo amor que tem pelo Seu Filho. Jesus declara
em Jo 17.20,23, 24 que o amor de Deus é um amor eterno. Devemos atentar para
o tempo verbal: amaste. Amor determinado no passado e que acontece na vida
presente dos crentes. Não é condicionado a nenhum feito ou obra ou virtude do
homem. É um amor soberano, livre, gracioso e santo. Deus nos amou. Isto se
refere à Sua Igreja.
Arthur W. Pink contribui desta maneira:
“Cristo era amado pelo Pai, porém Ele não foi eximido de pobreza, humilhação
e perseguição. Cristo teve fome e sede. Assim, quando Cristo permitiu que os
homens cuspissem nEle e O golpeassem, isso não foi incompatível com o amor de
Deus por Ele. Portanto, que nenhum cristão questione o amor de Deus quando
passar por aflições e provações. Deus não enriqueceu a Cristo na terra com
prosperidade temporal, pois Ele não tinha “...onde reclinar a cabeça”. (Mateus 8:20).
Mas Deus Lhe deu o Espírito sem medida (João 3:34). Aprenda o cristão, pois, que
as bênçãos espirituais são os principais dons do amor divino. Que bênção saber que,
ao passo que o mundo nos odeia, Deus nos ama!”
Compartilho aqui o excelente material de James P. Boyce9
Desse há cinco tipos, os quais variam de acordo com o objeto sobre o qual o
amor é exercido. O atributo em Deus é o mesmo; mas é em sua saída, ou em sua
terminação, que assume essas formas diferentes.
1. Há o amor de complacência ou aprovação.
Esse é exercido para com um objeto digno, no qual excelências são percebidas. É
da natureza desse amor o belo, o bom ou o útil em nós. Ele considera com
complacência ou aprovação, pois há no objeto algo digno de tal consideração. Isso
é exercido por Deus, no seu grau máximo, no amor de si próprio, de sua própria
natureza e caráter, pois o infinitamente excelente deve ser para Deus o mais alto
objeto de amor complacente.

9
Em www.monergismo.net
19

Fosse Deus apenas uma pessoa, somente dessa forma tal amor poderia ser
exercido. Mas na Trindade da Divindade, é encontrado, no amor das pessoas
separadas umas para com as outras, outro modo no qual esse amor de
complacência pode ser exercido nesse mais alto sentido. Tal amor é também
sentido por Deus pelos seus propósitos. À medida que ele contempla-os como
sendo justos, sábios e graciosos, ele aprova e os considera com amor complacente.
Mas esse amor se estende também às criações, que resultam desse propósito.
Isso é verdade da criação inanimada. Ela é perfeita, conquanto conformada à sua
vontade, e ajustada para realizar o seu fim, e como tal Deus pode considerá-la e
pronunciá-la como sendo boa. Assim, descobrimos que ele fez isso na criação,
como registrado em Gênesis 1:10, 12. O mesmo registro é feito no versículo 25,
quanto à criação animal, antes daquela do homem; e após a criação, e investidura
do homem com o domínio sobre a terra, com suas plantas e animais, nos é dito, no
versículo 31: “E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”.
O amor complacente de Deus, portanto, se estende não só para si mesmo e sua
vontade, mas a toda a sua criação inocente, e mesmo à natureza inanimada. Esse
amor de complacência, contudo, como é exercido em seu mais alto grau para
consigo mesmo, assim também é exibido, na mais próxima semelhança deste, para
com aqueles seres que são mais parecidos com ele, tendo sido feitos à sua
natureza e semelhança. Um anjo inocente, ou um homem inocente é, portanto, por
natureza uma alegria para Deus, assim como é a criança para o pai que vê nela
uma semelhança peculiar consigo mesmo.
Mas o culpado não pode ser amado dessa forma. O homem pecador não pode
receber tal amor, enquanto for pecaminoso. Mesmo o penitente crente em Jesus,
até o tempo de sua perfeita santificação na vida porvir, e sem dúvida mesmo
então, tem acesso a Deus somente através de Cristo, e, de si mesmo, não pode de
forma alguma assegurar a aprovação de Deus.
2. Há o amor de benevolência, que corresponde à ideia da bondade de Deus para
com as suas criaturas.
Esse é o produto dos seus desejos pela felicidade deles. Não é dependente do
caráter deles, como é o amor de complacência, mas é exercido para o inocente
bem como para o culpado. Ele é geral em sua natureza, não especial, e existe para
com todos, mesmo os demônios, e os homens ímpios, pois a natureza de Deus é
benevolente, e, portanto, ele “deve” desejar a felicidade de suas criaturas.
20

Que essa felicidade não é obtida, nem obtenível, é devido, não a ele, mas ao
próprio pecado deles. Quando a benevolência de Deus é exercida ativamente na
concessão de coisas boas sobre suas criaturas, isso é chamado de sua beneficência.
Pelo primeiro, ele deseja a felicidade deles, pelo último, ele confere bênçãos para
torná-los felizes.
Isso é feito ao perverso também, assim como ao justo. É a isso que Cristo se
refere, em Mateus 5:45: “Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover
sobre justos e injustos.”
3. Há o amor que é de compaixão.
Esse corresponde à nossa ideia de piedade. É a disposição benevolente para
aqueles que estão sofrendo ou em desgraça. Esse também pode ser exercido para
com o culpado ou o inocente, se for possível supor que a culpa e sofrimento são
separáveis.
Tem sido muito comumente defendido que eles são inseparáveis. Acredita-se que
dor, sofrimento e angústia é resultado do pecado, e consequentemente,
inseparáveis da culpa. Mas essa é uma noção enganosa. O homem num estado de
inocência foi feito capaz de ter sofrimento físico. Aquela capacidade era necessária
para a proteção do seu organismo físico.
Os animais inferiores também sofrem. Portanto, seja qual for a adição feita à
capacidade de sofrimento pela queda, e pela consequência do pecado, não temos o
direito de concluir com base nisso que não pode haver sofrimento onde não há
pecado.
A capacidade de sofrer pode pertencer de tal forma a um organismo superior,
que naturalmente escolheríamos esse organismo, com essa capacidade, ao invés de
um inferior sem sofrimento. Se assim for, Deus pode nos criar dessa forma de
forma justa. Se a miséria, então, pode ser a porção do inocente, o amor de
compaixão de Deus pode ser exercido para com o tal.
Ele pode e é também exercido para com o culpado. Vemos isso na paciência com
a qual ele retarda seu castigo, na sua constante oferta de misericórdia, no seu
anseio pela sua salvação, e mais notadamente, no dom do seu Filho Unigênito,
“para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” João
3:16.
4. Há o amor de Deus correspondente ao que chamamos de misericórdia.
21

Esse pode ser exercido somente para com pecadores. Sua própria natureza
contempla culpa em seus objetos. Ela consiste, não somente no desejo de não
infligir o castigo devido ao pecado, à negligência e à rejeição, mas no real perdão
do ofensor. Ela não pode ser exercida para com um ser justo, pois nele não há
pecado ou culpa para ser perdoado.
Contudo, o mesmo não é um atributo novo em Deus, que surgiu por causa da
existência do pecado, e o qual é, portanto, uma adição aos seus atributos. É uma
virtude inerente em sua natureza, e é especialmente apenas uma forma na qual o
seu amor se apresenta, o mesmo amor daquela benevolência que as criaturas
inocentes evocam, e o mesmo amor que na forma de complacência tem sido
eternamente exercido na Divindade.
Quando dizemos que essa misericórdia deve ser exercida de acordo com a
verdade e justiça de Deus, dizemos não mais o que é verdade de cada um dos
atributos de Deus. Nenhum pode ser exercido de uma forma que destrua o outro.
Cada um deve estar em harmonia com os outros. Ou, lembrando o que declaramos
antes, esses atributos não são faculdades separadas; tudo o que significa nesse
caso, como em todos os outros, é que Deus deve agir em harmonia com a sua
natureza.
Os objetos do exercício desse atributo são todos aqueles a quem Deus perdoa
ofensas de qualquer tipo. Não devemos limitar isso aos pecadores redimidos,
embora esse seja o maior sinal de demonstração.
Sob a dispensação antiga, Deus governou como rei teocrático sobre Israel. Os
pecados da nação, e dos indivíduos em sua capacidade de cidadãos da nação, eram
perdoados. Debaixo daquela dispensação, Deus ocupou para aquelas pessoas a
posição de governador terreno, e consequentemente, poderia perdoar pecados
contra seu governo se assim desejasse, mediante arrependimento, e com base em
princípios meramente governamentais – isto é, que garantissem obediência à lei, e
a paz, ordem e bem-estar da nação. Essas eram ofensas contra a mera pessoa do
rei ou das leis do seu Estado, e não contra os princípios de santidade e justiça; daí,
soberania e conveniência poderiam decidir em cada caso o que poderia ser feito,
sendo a misericórdia exercida e a justiça dispensada.
Mas isso é muito diferente do caso de Deus, o Justo juiz, o dispensador, não de
lei arbitrária, mas de uma lei baseada na sua própria natureza e da do homem, à
22

qual é necessária uma obediência essencial, não para manter o governo, mas para
preservar e manter o direito e impedir a violação sem punição da lei eterna.
Em ambos os casos Deus deve agir em harmonia com toda a sua natureza. Mas
naquele de Israel, nenhum obstáculo era apresentado por aquela natureza ao
perdão de pecados individuais e nacionais contra o rei teocrático.
Daí, a misericórdia era estendida, pelo menos aparentemente, sem compensação
para a justiça. Todavia, havia, nas ofertas sacrificiais com as quais o povo deveria
se aproximar de Deus – buscando perdão para pecados individuais e nacionais – tal
semelhança à expiação feita por Cristo, que, de alguma forma, naquela expiação,
pode, afinal de contas, ser encontrada a razão pela qual Deus, mesmo naqueles
casos, poderia ser justo e ainda justificar os ofensores.
5. Há o amor que é a afeição.
Essa forma difere do amor de complacência, visto que nem sempre demanda um
objeto digno. Isso é exibido na parábola do “Filho Pródigo”.
Difere do amor de benevolência, visto que eu objeto não é visto em geral com
todos os outros, mas é um de interesse especial.
Difere do amor de compaixão e de misericórdia, pois o objeto não pode estar em
desgraça, nem ser pecaminoso. Ele surge do:
(1) Relacionamento mútuo; como do Pai para com o Filho, e de todas as
pessoas na Trindade para com cada uma das outras; de Deus para com Israel, de
Cristo para os seus apóstolos, discípulos e sua igreja, e dos filhos adotados para
com Deus-Pai.
(2) De dependência; como de criaturas para com o criador, e dos redimidos
para com o redentor.
(3) De propriedade; como de Deus sobre os homens, de Deus sobre Israel, e
de Cristo sobre os redimidos. Isso é ilustrado na dracma perdida em Lucas 15:8, 9.
Esse tipo de amor origina-se em cada uma dessas formas no homem, e, como
mostram as Escrituras, é encontrado também em Deus. É desse aspecto do amor
de Deus que procede a graça, que deve ser distinguida do amor, piedade e
misericórdia.
O amor, como vimos, é a característica geral, que se mostra dessas cinco
formas diferentes.
A misericórdia é uma dessas, mas é dada somente ao culpado.
23

A piedade é dada ao culpado ou inocente, que pode estar em desgraça, dor ou


sofrimento. A misericórdia é compaixão imerecida para o culpado somente.

2. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada tem sua razão na


constatação da existência de falsos mestres na vida da igreja. 3 e 4

Verso 3 – Judas esclarece que seu intuito original era de uma carta que
tratasse da doutrina da salvação. Veja as palavras: “empregar diligência” – É uma
palavra que significa prontidão. Esta palavra dá ênfase à continuação do que se
está falando. A grande solicitude, prontidão e diligência para escrever acerca da
salvação comum acentuam o compromisso e dedicação do pastor em preparar bem
seu material de estudo. Daí, diz que estava pronto para ensinar e revelar seu
entendimento da salvação. Uma doutrina ampla com tantas possibilidades de
ampliar o horizonte da fé cristã do grupo. O seu objetivo mudou e escreveu uma
exortação apologética. A “necessidade” da heresia martelou sobre seu coração e, a
dedicação e empenho pegam a curva da estrada. Deixa a doutrina em si e se lança
na defesa da fé. Isto é muito importante. Qual validade de comentar um assunto
profundo e teológico quando seu rebanho é seduzido pelos lobos disfarçados. Caso
venham a ter êxito na propagação de suas heresias, a doutrina não teria eco no
coração da igreja. Poderia ser descartada como material subversivo pelo ensino dos
falsos mestres. Sem dúvida, o homem de Deus entendia seu tempo, bem como
acompanhava a vida da Igreja. A ameaça herética vinha não só na perversão da
doutrina, mas no estilo de vida imoral dos falsos mestres.
A expressão “batalhar diligentemente” é um termo relacionado à agonia,
pois a defesa da fé é uma luta. Há um preço a pagar pela manutenção da fé. Os
que a defendem não são bem vistos pelo grupo herético. Têm que enfrentar os
sarcasmos; as portas fechadas; viver na periferia das luzes da oportunidade.
Talvez, agonizar no ministério de um grupo pequeno que não vende sua fé.
A chamada para batalhar concentra-se na “fé consumada”. O termo “fé”
refere-se ao conjunto de verdades que compõe a sã doutrina. Judas não
simplesmente disse: “defendam a fé”. Sua carta traz inúmeras citações de fatos
históricos que autenticam doutrinas; também expressões que indicam sua
aceitação e seu conhecimento das doutrinas fundamentais da Igreja. Alguns
exemplos:
24

v. 1 – fé em Deus;
v. 1,4,14,21 – divindade de Cristo;
v. 4 – Graça de Deus na salvação;
v. 5 – salvação e condenação eterna;
v. 5,7 – historicidade do AT;
v. 6 – existência dos anjos;
v. 9 – sobre o diabo; Moisés como personagem real e histórico;
v. 14 – a volta de Cristo;

Qual é o tipo de fé? (Ver: O apêndice 1 traz um pequeno estudo sobre a


doutrina da fé salvadora.)
Judas especifica uma palavra – traduzida por “uma vez por todas”. É uma
palavra chave na compreensão da Revelação escrita de Deus. O termo indica que a
Revelação é final, irrevogável e imutável na pessoa de Cristo e na Bíblia. As
Escrituras foram encerradas. A palavra empregada por Judas se refere a algo
ocorrido uma vez para sempre, com resultados permanentes. Não há necessidade
de repetições. Podemos designar assim uma expressão: fé consumada.
A expressão associa-se com os versículos de Gálatas 1.8-12; 2ª Timóteo 1.13;
2.2; 3.16,17. O ensinamento dos versos citados demonstra que só a Bíblia é a
Palavra de Deus. Somente na Bíblia encontramos a Revelação escrita de Deus. Ele
não se revelou, de maneira escrita, em nenhum outro livro. Além desta verdade,
Deus não usa mais pessoas para trazer outras revelações inspiradas sobre Si, Seu
plano e Sua vontade.
Outro termo importante é “entregue”. Judas emprega um tempo verbal que
indica um ato completo no passado, sem necessidade de algum elemento
continuador. O fato a ser observado na frase... “Fé entregue uma vez por todas” - é
que a fé cristã foi dada por Deus. Não é uma descoberta do homem. Fé é dom de
Deus. Efésios 2.9
Somos convocados a lutar por manter a fé cristã de maneira fiel. Não se
comprometer com doutrinas não bíblicas. Não se associar com pessoas que vivem
vidas imorais; que pregam doutrinas estranhas. A fé ortodoxa produz vida
consagrada. De que adianta viver segundo certos rigores da moral e da ética, mas
não defender as verdades de Deus? Qual é o proveito de defender as doutrinas
25

cristãs, porém viver uma vida imoral? Ao longo dos séculos, a Igreja tem
presenciado tais coisas. Os primeiros terão como recompensa “um certo” alívio das
penas na condenação eterna (ver: Ap 20.12). Acerca dos outros: alguns são
crentes e vivem sob o juízo de Deus (ver: Hb 12.5-12). Certamente, no julgamento
de suas vidas, não perderão a salvação, mas galardões; os demais são professos e
serão condenados eternamente. A ênfase nas doutrinas como “já entregue”,
portanto, imutável e inalterável tem o objetivo de dar bases para Judas argumentar
contra os falsos mestres. Prepara, também, seus leitores para rejeitar qualquer
nova doutrina ou nova revelação.

Verso 4 – “Tais indivíduos” são os inimigos da verdade.


Introduziram-se: mostra a maneira como certos ímpios entram na vida da
igreja. O estilo é “agachados em suas mãos e joelhos”, indo devagar para não
serem notados. Não se mostram logo, pois se o fizerem as pessoas veriam que são
lobos disfarçados.
A estratégia – dissimuladamente ou de maneira encoberta. Eles entraram
secretamente, ou seja, não falaram quais eram suas crenças (Ver: Gl 2.4). Mesmo
que uma nova doutrina se apresente como plausível em seu ensino; ou, que se
prove como necessária aos seus dias é falsa doutrina. Qualquer doutrina que se
apresente e se sustente sobre nova revelação é falsa e a rejeição é a única
alternativa à Igreja.
O verso 4 tem uma expressão do autor que é difícil para determinar, mas que
é necessária decidir sobre sua intenção. São os ímpios pecadores predestinados ou
são suas obras predestinadas para condenação? Em Romanos 15.4, Paulo usa a
mesma palavra traduzida por “antecipadamente” com referência às Escrituras. O
sentido, em ambos os textos, é o mesmo. Pedro, em sua segunda carta - 2.3, fala
de uma mesma condenação para os ímpios heréticos. Judas é claro em suas
afirmações: “preditos por escrito”; “desde muito”; “para esta condenação”.
A resposta à pergunta acima é: A condenação foi pronunciada ou predestinada para
punição de todos os pecadores ímpios? Os ímpios serão condenados por que seus
corações pecadores produzem obras más. A partir do verso 5, Judas exemplifica a
condenação através de pessoas e eventos na história de Israel.
No versículo 4, Judas dá a razão da condenação juntamente com a descrição e
a estratégia dos falsos irmãos e mestres. Judas os descreve assim: Homens ímpios;
26

Homens imorais; Homens insubordinados. Este ensino tem apoio em Paulo – ver
Romanos 9.22 e em Pedro – ver 1ª Pedro 2.8. A doutrina da reprovação é lógica à
doutrina da predestinação, mesmo que esta seja positiva, no sentido de descrever
a predestinação para salvação (Ef 1.5).
 O falso ensino deles – (1) mudam a Graça de Deus em libertinagem. A
Graça de Deus é um dos maiores temas do NT. Aqui mais um pouco desta doutrina
maravilhosa. (ver comentário do verso 2 – Graça)
A doutrina expressa o ensino bíblico de que o homem está morto em seus
delitos e pecados (Ef 2.1-2). Isso não significa que todos os homens sejam
igualmente maus, nem que o homem é tão mau quanto poderia ser, embora,
alguns, cheguem ao ápice da maldade. Essa doutrina ensina que, uma vez que o
homem segue o curso do pecado: segundo poderes do mundo; desejos da carne (Ef
2.1-2), desta maneira o homem natural está completamente dominado pelo
pecado, tendo motivações pecaminosas, por isso, é filho da desobediência e da ira.
Seu estado espiritual é de incapacidade de fazer ou querer qualquer coisa que o
conduza à salvação, bem como é totalmente incapaz de merecer ou negociar a
salvação mediante suas próprias obras.
Somos todos pecadores e nosso salário, isto é, a recompensa natural por
nossos méritos, é a morte (Rm 3.23; 6.23). Para recebermos vida, é preciso que
Deus aja conosco de modo que nossos méritos, obras ou justiça não são
consideradas, pois nada valem, portanto pela Graça Deus dá aquilo que não
merecemos. É justamente esse favor que recebemos de Deus sem merecer que se
chama “graça”.
Não temos a capacidade de nos salvarmos. A salvação não pode ser
comprada ou conquistada por nós. Na verdade, a salvação teve um preço sim, mas
o preço era muito alto para que eu ou você pudéssemos pagar. Quem pagou foi
Cristo. Ele comprou nossa salvação com Seu sangue e Sua obediência. Por isso a
salvação vem de graça para nós, e tem que ser recebida de graça, como um
presente.
Não temos nenhuma obra que contribui para a nossa salvação. SOLA
GRATIA significa que nenhuma obra nossa pode nos salvar. A nossa salvação não
acontece por causa dos nossos atos, nem mesmo os atos que fazem parte da
conversão. Isto é, na salvação nós nos arrependemos dos nossos pecados,
27

confiamos na obra de Cristo por nós, na morte de Cristo para o castigo dos nossos
pecados e obedecemos a Cristo como Senhor; mas nada disso é que nos salva.
Deus é que nos salva por Sua graça, pois Ele é quem nos dá o
arrependimento, a fé e a obediência, por uma obra sobrenatural do Espírito Santo
em nós. A obra de Deus por nós e em nós que nos salva é Jesus Cristo morto e
ressuscitado, não as nossas obras.
Por fim, a advertência de Judas é sobre a mudança que os líderes ímpios
fazem da Graça verdadeira numa “desgraça” – libertinagem. Por isso, “Afirmamos
a centralidade da Graça de Deus tanto na salvação como na santificação”.
Tt 2.11 - Ao mesmo tempo em que proclamamos que Cristo salva o pecador da
condenação pela Graça, temos que concluir que o Espírito Santo transforma o eleito
pela Graça. “Ou é tudo pela Graça ou nada pela Graça”. A salvação nos colocou na
posição de “santos” na cruz de Cristo. Nela temos justificação e santificação. O
Espírito Santo nos conduz diariamente, momentaneamente em santificação,
embora isto tenha que ter participação nossa (Hb 12.14).
A nossa santificação é a continuação da obra de salvação iniciada mediante a
fé. Ela é nossa, posse definitiva, mas devemos desenvolvê-la com temor e tremor –
Fp 1.6; 2.12; 1 Pe 1.2; 1.9 A Graça de Deus é a fonte, o motivo e a força que
impele a nossa santificação. Pela Graça, o poder do Espírito Santo torna a
santificação possível. Pela Graça, Deus nos transforma dia após dia na imagem do
Seu Filho Jesus. Pela Graça a Palavra é aplicada aos nossos corações, faz Seu
trabalho de transformação. Pela Graça, Deus nos salvou; pela Graça, Ele completa
essa salvação.
Agostinho, pelo estudo das cartas de Paulo afirmou que: A Graça é a primeira
e última palavra sobre a salvação. Ela é o todo de nossa vida; a fonte de todo o
bem em nós e a fonte de toda liberdade espiritual.
Na justificação FOMOS salvos da condenação do pecado, na santificação
ESTAMOS SENDO salvos do poder do pecado, na glorificação SEREMOS salvos da
presença do pecado. Mas tudo pela Graça de Deus, do começo ao fim. Dependemos
totalmente de Deus para tudo.
Libertinagem10 – A palavra se utiliza em vários lugares do Novo Testamento.
significa: desejos incontrolados, excesso de maldade, lascívia, insolência, atos
indecentes e ilícitos. É a palavra que aparece em Gálatas 5.19-21 para referir-se a

10
Ver anexo 6 - pequeno estudo da palavra aselgeia - lascívia
28

lascívia. Tais indivíduos demonstravam falta de reverência e temor de Deus, por


isso praticavam atos indecentes e não tinham vergonha da prática deles ou mesmo
de aprová-los. Faziam isto segundo o mesmo pensamento que Paulo combatera em
Romanos 6.1. Muitos estão pervertendo a graça de Deus dizendo que se pode
praticar qualquer pecado e satisfazer qualquer desejo, mesmo carnal e, ainda
assim, irão ser salvos. Isto é uma mentira do Diabo e deve ser rejeitada pelos
santos.
Essa afirmação de Judas retrata os ímpios que para justificarem
comportamentos pecaminosos, apelam para a graça de Deus. Defendem que Deus
é gracioso e nos chamou para viver em liberdade, sem leis e regras que limitam e
oprimem a vida humana. Com isso, transformam a graça em libertinagem. A
palavra é um verbo no presente. Judas chama a atenção para notar algo
permanente no comportamento dos falsos líderes.
Eles levam a liberdade que há em Cristo além dos limites da santidade. No uso
errado da liberdade, se entregam às paixões da carne e aos prazeres do mundo
como qualquer homem natural. (Mas, sejamos honestos, muitas pessoas
descrentes não fazem nem aprovam coisas de perversão sexual e imorais.) Alguns
exemplos - na área sexual: sexo entre namorados; assistir pornografia;
homossexualidade. Na vida comum vícios escravizadores (iguais às drogas) como
comer chocolate; refrigerantes; internet. Quando leis morais de Deus são
descartadas e desprezadas. A letra de uma musica do Lulu Santos é o resumo do
que pensam e querem tais pecadores:
Peguemos como exemplo uma música antiga “Sem nunca dar adeus” de Lulu
Santos:
“Tava na boa tocando a vida”
Quando um tipo veio me abordar
Dizendo que Jesus iria me salvar.
Primeira coisa que me veio à cabeça
Sem pestanejar, foi:
“que beleza, então eu posso pecar!”
O restante de Romanos 6 contribuiu com a verdade: rejeitar pensamentos e
conclusões da libertinagem e enfatizar a Graça libertadora e transformadora de
Cristo.
29

(2) negam a soberania e o senhorio de Cristo. Judas usa um termo que


está traduzido por “Soberano” – É uma palavra bem conhecida na cultura
brasileira e latina – “déspota”. O termo aparece 10 vezes no NT. Seu uso na
11
literatura secular da época de Cristo, segundo o DITNT , tinha o conceito de posse
ilimitada e crueldade. No NT vemos em: Lucas 2.29 – Senhor/Deus; Apocalipse
6.10 – Soberano/Deus; 1ª Timóteo 6.1; 1ª Pe 2.18 – senhores/donos de escravos;
2ª Pedro 2.1 e aqui em Judas – soberano/Cristo. Os dois últimos versos citados
ligam o termo a Cristo em num contexto de combate aos hereges. Os ímpios
rejeitam a Soberania de Cristo, pois não querem se submeter às ordens, aos
mandamentos e aos preceitos de Jesus. É obvio que tais indivíduos viviam segundo
suas crenças. A falta de temor, a libertinagem e a rebeldia são as marcas de tais
pecadores.
O conceito de ímpio – uma pessoa que não tem piedade. Piedade é a virtude
da reverência, do temor de Deus. Impiedade é uma expressão de alienação de
Deus. Indica vício sem limite e dominação. (ver: Rm 1.18; 11.26; 1ª Tm 1.9; Tt
2.12; 2ª Pe 2.5-9; 3.7)
Eram pessoas que aceitavam o imperativo do perdão, mas negavam o
imperativo da santidade. Deturpavam a doutrina da Graça (favor imerecido), pois
ensinavam que a Graça os libertava para a prática do mal. O mau pensamento de
tais homens conduziu-os à pratica da imoralidade. A libertinagem é uma pregação
contra Cristo. É uma afronta à santidade de Deus. J. C. Ryle nos ensina o seguinte:
“Existe apenas um teste satisfatório para julgarmos o caráter da vida espiritual de
uma pessoa. Este teste é seu comportamento e conversa”. E também: “A conduta é
o grande teste do caráter. As palavras são a grande evidência do estado de nosso
coração”.
A doutrina deles era corrompida. Negavam a Cristo e Deus. A negação da
unidade na Trindade é heresia (ver: Tt 1.16; 2ª Pe 2.1). Com certeza, o texto
original de Judas traz “negam a Deus”. Portanto, o versículo é uma declaração da
Trindade. “Negam a Deus, único Soberano e Senhor Jesus Cristo” é a expressão do
texto. A advertência de Raymond Perron ecoa como uma urgência permanente para
a Igreja: “A verdade permanece a verdade, contanto que seja dita em concordância
com aquilo que Deus afirme ser a verdade”12.

11
Dicionário Internacional de Teologia do NT, volume IV
12
Perron, op cit
30

Os líderes verdadeiros devem continuamente pregar a Graça de Deus e


combater a libertinagem, a imoralidade, a lascívia. Devemos atentar para as
palavras de Cristo em João 10.1ss que descrevem o comportamento dos falsos
pastores. Os ímpios da nossa epístola encaixam-se no perfil mercenário de João 10.
Isto não nos surpreende. Desde muito, Deus, através dos profetas, adverte o Seu
povo do perigo dos lobos no aprisco dos eleitos. (ver: Ez 13)

3. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada traz as lições do


julgamento de Deus sobre a impiedade durante a história e torna-o vívido
por meio de descrições de quem são os ímpios. 5 a 13
3.1 Lembrar que a impiedade no passado recebeu o julgamento de
Deus. 5 a 7
Judas ilustra a declaração da condenação dos ímpios e suas obras com 3
advertências. A história se repete. São exemplos do julgamento de Deus para
clarificar o que irá acontecer com os ímpios que se infiltraram na Igreja.
(1) O povo de Israel – v. 5
A característica da mente do povo – Incredulidade;
A característica do coração do povo – Imoralidade;
A característica da vontade do povo – Idolatria.
Hebreus 3.12-19 – A vida do povo marcou-se pela infidelidade. O
propósito de Judas em “lembrar” a igreja é fazer um paralelo entre os falsos
mestres e o povo infiel de Israel. É o processo cerebral que atenta para os
exemplos da história a fim de trazer reflexão. O fato de Judas dizer: lembrem-se,
subtende-se que a igreja conhecia a história do AT. Poderia, então, concluir
aplicativamente qual seria a consequência dos ímpios. A correlação entre os dois
grupos é inevitável. O resultado na vida do povo de Israel foi de apostasia. Com a
apostasia veio o julgamento.

(2) Os anjos - v. 6
Judas se utiliza do material apócrifo chamado “Livro de Enoque”. O
resumo de vários comentários (Gray e Adams; Green; Lenski13) se expressa nestas
ideias: A respeito do livro de Enoque, citado por Judas, sua citação numa passagem
dá uma sanção inspirada somente à verdade dessa passagem, não ao livro inteiro.

13
Autores citados várias vezes no estudo. Ver Bibliografia.
31

Acrescentamos o apóstolo Paulo que, supervisionado pelo Espírito Santo na


inspiração de alguns de seus escritos, usou porções de pensamento de ARATUS,
EPIMENIDES, e MENANDER, mas não todos seus escritos. Pensa-se, contudo que há
alguma variação ligeira entre a indicação de Judas e àquela do livro de Enoque.
Judas, provavelmente não era ignorante acerca do livro de Enoque, da tradição dos
judeus a respeito das profecias de Enoque com seus apelos escatológicos de juízos.
Agiu como Paulo que menciona os nomes dos mágicos egípcios, "Janes e Jambres"
(ver: 2ª Tm 3.8) não mencionados no AT e tampouco a obra em que isto fora
registrado.
Não podemos saber o que Judas pensava acerca da inspiração do livro
de Enoque. Isto não é importante para nós. O livro não é inspirado. Deus orientou
Judas a usar o material para escrever a sua epístola. A carta de Judas é inspirada,
então a profecia, por ser citada é verdadeira.
Concupiscência e orgulho levaram os anjos à queda. Eles foram
expulsos do céu para um lugar designado por Deus. Ou seja: um grupo de
demônios dentre os milhares deles está preso. Em Isaías 14.12-15 e Ezequiel
28.14-18 temos o relato bíblico da rebelião de Lúcifer e dos anjos. O texto de Judas
menciona que eles não guardaram a posição designada por Deus. Pedro em 2ª
Pedro 2.4 faz alusão ao mesmo episódio. A palavra traduzida por “original” é a
mesma usada para “principado” – Efésios 1.21; “início” – Filipenses 4.15;
“princípio” – João 1.1; W. Grudem traduz como “autoridade”. J. I. Packer em seu
artigo – demônios, no livro Teologia Concisa14, limita-se a dizer que os demônios
foram expulsos do céu e aguardam julgamento no juízo final. A julgar pelo material
na Teologia Concisa, o Dr Packer não crê que há dois grupos de demônios um preso
e outro solto. Ryrie e Chafer defendem a existência dos dois grupos. O texto de
Apocalipse 9.1-12 é uma base para endossar um cativeiro de demônios.
Judas é influenciado pelo livro apócrifo chamado “O livro de Enoque”.
O que Judas ensina é verdadeiro. Pelo uso da expressão “original” com a expressão
“própria habitação” um pensamento surge. Os anjos não “guardaram” sua posição
inicial, a qual entende-se como a esfera em que Deus os colocou; e, também
salienta que “abandonaram” seu lugar. O versículo é uma referência a Gênesis
6.1-4. Não deve ser a rebelião liderada por Satanás, visto que demônios rebelados
foram expulsos por Deus do céu. Para maior discussão ver: apêndice 4 – A

14
J.I. Packer, teologia Concisa, editora Cultura Cristã, p 63
32

interpretação de 1ª Pedro 3.19 e a Teologia Sistemática de L.S. Chafer. Chafer e


Charles Ryrie em suas obras de Teologia Sistemática concordam que a referência
de Judas 6 é ao episódio de Gênesis 6. Judas indica que os anjos abandonaram a
posição designada por Deus. O tom de imoralidade e rebelião marca a atitude dos
anjos maus que foram encarcerados. O “x” da questão em Gênesis 6 é a
identificação dos “filhos de Deus”. Novamente remeto o leitor para o estudo em
anexo – apêndice 4 para a discussão sobre “os filhos de Deus” e acerca do pecado
dos demônios aqui.
Chafer faz referência ao livro de Clarence Larkin, The Spirit Word (O
mundo dos espíritos) que defende a posição de que o pecado dos anjos foi sexual.
“O Sr. Larkin chega à conclusão de que os anjos caídos que se encontram em
cadeias estão sob condenação por causa de relacionamento imoral que tiveram com
as mulheres da raça humana”. Faz uma prévia conclusão: “A ‘outra carne’ e a
‘prostituição’ de Sodoma e Gomorra sugerem, segundo o Sr. Larkin, que o texto de
Jd 6,7 tem o intuito de revelar que este é o pecado daqueles anjos que estão
presos”.15
A questão maior da discussão é se: prisão em 2ª Pedro 2.4 e
“algemas eternas” em Jd 6 tem o sentido literal ou metafórico? O uso metafórico
significaria – poder limitado dos demônios. O sentido literal significa – demônios
presos sem influência alguma. Aceito o último sentido neste estudo.
Um grupo de anjos foi movido de seu lugar por causa da imoralidade e
da rebelião – não guardaram a posição designada por Deus. Pedro usa uma palavra
da mitologia – Tártaro, que foi traduzida por inferno. É um local de tormentos
onde aguardam o julgamento final. O outro grupo de demônios, sob a soberania de
Deus, atormenta e tenta os homens até o dia designado por Deus para cessarem
suas perversidades. O uso de “abismo” em Lucas 8.31 pode ser utilizado como
apoio para o conceito de uma prisão para anjos. “A legião” de demônios do texto de
Lucas pedem para não serem enviados para tal local. O desejo dos demônios é
continuar no mundo físico. (Ver: Ap 20.2-4; 7-10)
A associação que Judas pretende é da atitude dos anjos com a dos
falsos mestres. O propósito é mostrar a consequência que atingirá ambos. Se Deus
não poupou os anjos criados numa posição privilegiada, quanto mais os homens
presunçosos em suas atitudes.

15
Lewis S. Chafer, Teologia Sistemática, I, p. 418
33

(3) Sodoma e Gomorra – v. 7


O evento da destruição das cidades relaciona-se com o evento da
prisão dos anjos no verso anterior. A conjunção “como” liga e orienta a leitura para
o pecado na área sexual e, recebe no adjetivo “como aqueles” o elo de ligação nos
pecados.
As cidades são o exemplo mais vívido do julgamento de Deus. Gênesis
19.4-6,12 descreve o acontecimento. Os pecados são os mesmos dos exemplos
anteriores. O homossexualismo, porém era o mais latente dos pecados. Prostituição
– literalmente é cair na imoralidade. “Fogo eterno” – indica condenação eterna. A
punição das cidades se estabeleceu como um monumento público da ira e da
justiça de Deus.
“Seguir outra carne” – é a explicação de Judas da concupiscência
antinatural que se demonstrava na vida dos habitantes das cidades citadas. Alguns
podem argumentar que o pecado de Sodoma e Gomorra foi, na visão de Judas,
sexo diferente – sexo com anjos. Tentam levantar que a palavra “outra” (hetero =
diferente) deve ser entendida que os homens de Sodoma sabiam que os visitantes
eram anjos e queriam um sexo diferente, fora do campo humano. A leitura de
Gênesis 19 não indica em nada que os homens de Sodoma tinha consciência de que
os visitantes eram anjos.
Vemos aqui uma clara declaração do pecado da homossexualidade
praticada nas cidades. Ir atrás de outra carne é o homem deixar relação natural
com uma mulher (mulher com homem) e manter relações homem com homem
(mulher com mulher). A expressão “seguir outra carne” explica o pecado na área
sexual. Indica assim que nossa conclusão no verso 6 de pecado sexual para os
anjos rebeldes aprisionados tem fundamento.
Green16 diz: “o elo que une os pecados dos exemplos era algo
desnaturado”. Era antinatural para os judeus adorarem outro deus e se rebelar
contra seu libertador. Era antinatural para os anjos irem atrás de mulheres. Era
antinatural aos habitantes das cidades praticarem a homossexualidade. Judas
clama a Igreja para não seguir a rebelião e a libertinagem dos falsos mestres.
Judas une dois eventos de Gênesis (6 e 19) que envolvem pecado
sexual; punição e preservação de pessoas. A chamada de Deus ao arrependimento

16
Passim - Michael Green, ver Bibliografia.
34

é obvio nos dois momentos. A salvação em Cristo pela Graça de Deus tem nestes
episódios uma ótima ilustração. No dilúvio, Deus salva 8 pessoas na arca e pune os
pecadores. No derramamento de fogo e enxofre nas cidades da campina, Deus
salva Ló com sua família e pune os pecadores. Assim, Deus mostra Sua Graça e
Sua ira justa. Judas quer que entendamos tal relação: Graça e ira.
Os pecados são punidos. Deus não deixa impunes os transgressores. O
pagamento com o fogo eterno é um lembrete permanente para que todos atentem
para a ira de Deus. Os verdadeiros líderes têm a responsabilidade de formar vida
na igreja:
A característica da mente do crente – fidelidade;
A característica do coração do crente – submissão;
A característica da vontade do crente – adoração.

(3. O apelo para os fiéis defenderem a fé consumada traz as lições do


julgamento de Deus sobre a impiedade durante a história e torna-o vívido por meio
de descrições de quem são os ímpios. 5 a 13)
3.2 Atentar para a impiedade repetida no presente. 8 a 13

“Da mesma sorte” - Judas mira sua flecha de advertência nos falsos
mestres. Vai descrevê-los. O propósito é que a Igreja reconheça tais homens por
suas práticas e ideias; por sua conduta e caráter.
Verso 8 – Sonhadores (alucinados – é uma palavra acrescentada na
nossa tradução) é o adjetivo que Judas dá aos falsos mestres. O termo assume
uma posição de sinônimo de ímpios. Atrela-se a ele as designações descritivas das
atitudes dos “ímpios sonhadores”. Deus em Deuteronômio 13.1-6 dá instruções
sobre quem fala de sonhos ou visões, mas não é Palavra de Deus. Blasfêmia que
deveria ser punida com a morte.
Judas identifica três (3) atitudes dos falsos mestres sonhadores (v. 8) que
demonstram as verdades das ilustrações acerca da declaração de condenação dos
ímpios e suas obras. Os pecados das ilustrações são: imoralidade; irreverência e
insubordinação.

1ª atitude – sonhadores que contaminam a carne.


35

Calvino, apud Green, diz que eles estavam afundados na torpeza do


pecado. Judas ao chamá-los de “sonhadores” quer mostrar que se entregavam à
imaginação e à fantasia mental. Eles transportavam seus pensamentos imaginários
para a realidade. O resultado é a contaminação do corpo.
Em Atos 2.17, a palavra relaciona-se com sonhos proféticos, então é
possível que Judas indique que usavam os sonhos como argumento de suas ideias.
Ou seja: seus pensamentos heréticos de rebeldia e de libertinagem eram
defendidos como revelação de Deus.
“Carne” é um termo para designar o corpo e a fonte de pecado no
homem. A contaminação do corpo relaciona-se com a imoralidade. Podemos
afirmar que aquilo que mantém os pecadores na escravidão é a carne - a natureza
humana caída e egocêntrica. Nada de errado com os desejos naturais do corpo. A
contaminação é somente quando esses desejos se transformam em desejos
pecaminosos. As inclinações da carne envolvem também os desejos errados da
mente, tais como a ambição, a rejeição da verdade conhecida e pensamentos
maliciosos e vingativos. "Ef 2.3... fazendo a vontade da carne e dos pensamentos"
apresenta a razão por que todos nós andávamos "segundo o curso deste mundo".
A fonte do mal dentro do pecador está em sua natureza pecaminosa. É
essa natureza pecaminosa que obriga ou subjuga a vontade do homem a obedecer
às "inclinações da carne". O termo "carne" denota o ser moral do homem dominado
pelo pecado. Os apetites da carne (corpo) física, sob o domínio das
concupiscências, somente são satisfeitas mediante a busca e realização desses
desejos. A carne física é inconsciente, e o que a torna pecaminosa e desequilibrada
são os desejos da natureza pecaminosa dominante. O homem em seu estado
natural vive segundo os desejos da carne. Esses desejos, alimentados no interior,
transformam-se em vontade, e essa vontade, sob o domínio da natureza
pecaminosa, torna-se "vontade da carne e dos pensamentos". O pecador não
consegue dominar esses desejos da carne e dos pensamentos, senão pelo Espírito
Santo e depois da obra de regeneração (Gl 5.16-18). Os líderes ímpios vivem
assim: dominados pela natureza pecaminosa – a carne.
Seus pensamentos tornam-se prática pecaminosa. A maioria dos vícios
pecaminosos necessita de reeducação mental para que a vitória se mantenha
continuamente. O princípio da santidade da mente que Paulo ensina em Filipenses
36

4.8 é a base para a libertação de pecados arraigados na carne. Atitude que os


líderes ímpios não tinham.

2ª atitude – sonhadores que rejeitam governo.


“Descartavam a autoridade”. Qual é a autoridade em mente? É possível
que envolva, pelo co-texto, ao Senhorio de Cristo. Porém, o contexto interno e
externo da carta, aplica “governo” à esfera civil e religiosa. (ver: Ef 1.21; Cl 1.16;
2ª Pe 2.10,11) Green acrescenta: “Estes homens eram contrários à lei, um estado
de coisas bastante comum quando as pessoas seguem suas próprias
concupiscências e exultam no seu próprio conhecimento.”
É relevante observar que nem Jesus e nem os escritores do NT
estimularam a rebelião contra o império romano. Da mesma forma, não instigaram
os escravos a atitudes insubordinadas para com seus senhores. Pelo contrário,
exortaram-nos à obediência. (ver: Ef 6.5-8) A liderança da Igreja não está isenta
de erros e pecados. Paulo em 1ª Timóteo 5.19,20 adverte sobre como proceder
com os líderes acusados de alguma falta.
A Igreja, baseada numa cosmovisão bíblica, deve ter princípios acerca da
liberdade de expressão; da responsabilidade dos líderes e empregados;
governantes e cidadãos; dos direitos civis... Deve ter uma palavra reflexiva e
exortativa quando tais princípios são questionados ou feridos. Mas, nunca
proclamar uma palavra de rebelião. (ver: Pv 21.1; 1ª Pe 2.18) Os crentes têm no
livro “Manifesto Cristão” de Francis Schaeffer um material referencial para tratar a
questão da relação autoridade e obediência. Consideremos um pensamento dele:
“Quando se fala em força é importante manter em mente o axioma: sempre antes
de empregar protesto ou força, deve-se lutar por reconstrução. Em outras palavras,
devemos procurar corrigir e reconstruir a sociedade antes de sugerir destruir e
desconcertá-la.”17

3ª atitude – sonhadores que difamam autoridades superiores.


O termo autoridade é o mesmo para “glória”. A maioria dos comentaristas
entende uma referência aos seres angelicais. Certamente, o verso 10 dá apoio,
assim como o texto paralelo de 2ª Pedro 2.10. “Difamar” é literalmente:
blasfemar, que tem o conceito de palavras injuriosas. Aparece no verso 9 (juízo

17
Manifesto Cristão, Francis Schaeffer, editora Refúgio, p.99
37

infamatório) e verso 10. Nada sabemos sobre o conteúdo das difamações. Paulo
entregou dois homens ao juízo e a Satanás para que não mais blasfemassem em 1ª
Timóteo 1.20. Não podemos afirmar qual grupo de anjos era alvo dos impropérios.
Os verdadeiros líderes aceitam o fato de que não temos direito de insultar,
zombar de qualquer anjo. Lutam por manter uma mente pura sem recorrer àquilo
que é imoral. Ensinam o povo de Deus a ter o mesmo ideal. Seguem o princípio de
orar pelos homens investidos de autoridade. Mantêm uma sobriedade acerca das
questões éticas e políticas para não difamar, não agredir, mas também,
equilibrando uma responsabilidade com as questões da justiça social.

A atitude de Miguel contraposta a dos ímpios. v.9


Um exemplo positivo – a atitude do arcanjo Miguel.
Miguel identifica-se com o povo de Israel. (ver: Dn 10.13,21; 12.1; Ap
12.7) O arcanjo Miguel não cometeu o mesmo erro dos ímpios. Não foi arrogante.
Não foi zombeteiro. A palavra “contender” (que também aparece no verso 22)
tem o sentido de convencer do erro pela exposição e argumentação da verdade.
18
Gringrich e Danker aponta o seu uso com 3 possibilidades (de acordo com o
tempo e modo verbal de Judas): disputar, contender – Atos 11.2; duvidar, vacilar –
Romanos 4.20; Tiago 1.6 e Judas 22; hesitar – Atos 10.20. Seguimos a indicação
dos eruditos – contender, disputar.
O fato mencionado está em "A Assunção de Moisés" segundo a tradição
dos pais da Igreja – Clemente diz que a fonte de Judas foi o apócrifo. Baseia-se no
relato bíblico em Deuteronômio (34.1-6). O livrinho foi perdido na sua maioria,
infelizmente, a parte que contaria a disputa entre os anjos.
Várias teorias, interpretações têm sido formuladas quanto ao que teria
sido esta luta sobre o corpo de Moisés. São baseadas em documentos de
confiabilidade duvidosa. Pelas tradições católicas o apócrifo indica que, nesta
ocasião, surge o diabo, que disputa com o Arcanjo pelo corpo de Moisés. O inimigo
baseava sua pretensão, fundamentalmente, em duas razões: primeira, o corpo de
Moisés era matéria; a matéria seria má e, portanto, o corpo de Moisés lhe
pertenceria, visto que a matéria é seu domínio. Segundo, Moisés era um assassino,
já que havia tirado a vida do egípcio a quem vira castigar os hebreus (Ex 2,11-12).
E, por ser Moisés assassino, teria o diabo o direito de reclamar seu corpo. Outra, é

18
Passim – Léxico do Novo Testamento Grego
38

que Satanás pode ter resistido à elevação de Moisés para a vida eterna em razão
do pecado de Moisés em Meribá (Dt 32.51).
O ponto assinalado por Judas é este: Miguel é um Arcanjo; Satanás o
chefe dos demônios; Miguel estava empenhado numa tarefa da qual Deus lhe havia
encarregado; o chefe dos demônios procurou impedi-lo, dizendo que não tinha
direito algum. E, mesmo em tais circunstâncias, que lhe eram totalmente
favoráveis, Miguel não se atreveu a falar mal do diabo, não proferiu nenhuma
acusação contra ele, mas sim lhe disse, simplesmente: “O SENHOR te repreenda!”.
Neste ponto focal é a atitude de Miguel que se ressalta. Isto nos lembra
Zacarias 3.1,2. Miguel não profere palavras frívolas ou grosseiras (ou seja: não
blasfemou). Não agiu com desrespeito. Deixou a situação nas mãos de Deus. Se
um arcanjo teve uma atitude de tamanho respeito quanto mais os meros homens
mortais devem ter.19
A citação de Judas do ocorrido ajuda a Igreja a se opor ao ensino herético
de que o arcanjo Miguel é Jesus Cristo como alguns grupos pregam. Juntamos o
texto de Daniel em que o nome Miguel aparece 3 vezes (10.13,21 e 12.1) e 11.1
também pelo uso pronominal. Daniel dá certeza de que o primeiro anjo (arcanjo)
Miguel não é Jesus Cristo. A leitura simples do texto indica isto. Aliás, seria mais
fácil identificar o ser angelical (um homem) sem nome que aparece para consolar
Daniel e fazer guerra contra demônios com Jesus do que Miguel com Cristo 20. O ser
angelical não é Gabriel que aparece nos capítulos anteriores de Daniel; não é
Miguel, pois o texto diz que o arcanjo veio para ajudá-lo e não é Cristo, visto que
precisou de ajuda para derrotar os demônios. O texto de Daniel 11.1 enfatiza que
“um homem” – ser angelical socorreu a Miguel: para fortalecer e animar. Leon
Wood diz: “O visitante de Daniel havia suprido as qualidades de ambos conceitos a
Miguel dois anos antes... Miguel querendo que o retorno fosse efetuado, tinha
aparentemente encontrado dificuldade em influenciar Dario e Ciro para esse
fim...”21 Então, tratando o pensamento herético nos perguntamos: Como Miguel,
que é Jesus, que é Deus precisa de consolo e ajuda? Respondemos: Miguel é um
anjo criado por Jesus e não Jesus pré-encarnado. Igrejas que igualam Miguel a

19
Este versículo nos ajuda a refutar o falso ensino que as Testemunhas de Jeová e outros grupos propagam de que
Miguel é Jesus ou vice versa. Ver também Hebreus 1.5-14 –atenção aos versos 5,6 e 13.
20
Leon J. Wood, Comentário de Daniel, editora Batista Regular, no comentário de 10.17 explica que: “Meu senhor”
(adoni) é um termo de respeito, não de divindade que seria (adonay)
21
Ibid, p.300
39

Jesus são grupos heréticos. Eles não aceitam e não defendem a doutrina da
Triunidade. O texto de Judas contribui e reforça nossa posição.
Green faz um resumo das advertências: A decadência espiritual dos falsos
mestres permeava a totalidade de suas personalidades. Fisicamente – tornavam-se
imorais; intelectualmente – tornavam-se arrogantes; espiritualmente – tornavam-
se desobedientes ao Senhor.
A chamada de Judas é para que tenhamos uma integridade moral; uma
intelectualidade humilde; uma inteireza espiritual.

Descrições das atitudes dos ímpios. v. 10, 11


1ª São brutos (animais) irracionais. – v. 10
Judas faz um jogo de ideias. Relaciona entendimento e compreensão com
instinto natural e sem razão.
Pessoas em uso perfeito de suas mentes não ousariam provocar ou atacar
mundo angelical. Pessoas com boa consciência não rejeitam e atacam governos.
Então, classificá-los e identificá-los como irracionais no sentido animalesco é uma
ilustração válida e vívida destas pessoas.
Tudo o que não entendem – difamam. (difamar – ver verso 9) Tudo
que compreendem por instinto – corrompem-se (outro significado é arruinar – ver:
Ef 4.22; Ap 19.2). O que eles não entendem? Refere-se ao assunto que tratou nos
versos anteriores. Não entendiam acerca dos poderes do mundo angelical. A
resposta deles por falta de discernimento espiritual é difamar – falar mal; zombar.
Por que eles não entendem? Porque lhes falta a luz do Espírito Santo –
ver: v. 19. Porque a mente natural não pode compreender as verdades espirituais –
1ª Coríntios 2.7-16. Porque aqueles que optam pela vida dissoluta são entregues
por Deus a uma disposição mental reprovável – Romanos 1.28.
O toque irônico de Judas percebe-se no uso da frase – o que
compreendem por instinto natural (como os animais) até nisto eles o
corrompem. O que eles entendem? São as coisas no nível comum de todas as
pessoas, tais como: comida, sexo, leis. Os ímpios pecadores eram pessoas que se
vangloriavam de ter conhecimento. Julgavam que seus pensamentos eram
superiores. Mas, na verdade eram ignorantes – conclui Green. Os comentários e
julgamentos deles estão estragados.
40

Por meio de comparação com personagens da história, Judas descreve os


ímpios. As personagens alistadas no verso 11 se enquadram na classificação de
sonhadores; rebeldes, blasfemos e animais nos versos 8 a 10.

2ª - São desafiadores de Deus – v. 11a


Judas associa os ímpios irracionais pecadores com pessoas da história do
AT. A comparação visa identificar os erros e pecados que os ímpios cometem. O
objetivo de Judas se expressa pela declaração inicial – “ai deles”! Novamente,
vale-se dos três (3). São três pessoas para ilustrar a condenação que virá sobre os
indivíduos irracionais e ímpios. Judas usa os verbos indicando a certeza de
andavam; entregaram-se e pereceram. Estão ativos na igreja, mas o destino já
está selado.

Caim – Por que Caim torna-se o exemplo que Judas usa? Caim foi
assassino de seu irmão. Foi invejoso, materialista e desprezou a Palavra e a Pessoa
de Deus; não respeitou os homens (ver: Gn 4.8-15). O que Judas intentou
relacionar aos ímpios? Green entende que de modo sutil Caim tipifica o homem que
não tem cuidado com seu irmão. O autor de Hebreus 11.4 interpreta Caim como
uma pessoa incrédula. Tais pensamentos se encaixam na correlação de Caim e com
os ímpios. Eles não matavam o corpo, mas a alma dos homens. Buscavam coisas
materiais ao invés das espirituais. Desprezavam a Deus. Eram pessoas que não
viviam pela fé.
O cristão atenta às palavras de Deus: “o pecado jaz à porta, mas você
deve dominá-lo” – Gênesis 4.7. Ele não se entrega ao ódio pelo próximo. Age em
amor. Vive pela fé.
3ª – São avarentos sexuais – v. 11b
Balaão é o típico religioso motivado pelo dinheiro. Para se conhecer mais
de sua vida ímpia, leia Números 22 a 24. Mesmo conhecendo a Deus, o ímpio
profeta se propôs a amaldiçoar o povo de Deus por dinheiro. Além da área
financeira, Balaão envolveu Israel no pecado de idolatria e imoralidade em Baal-
Peor – Números 31.16. Motivou os Israelitas a pecarem fazendo-os crer desta
maneira: vocês são o povo de Deus, o povo da aliança e Deus não os punirá. O erro
foi detectado e combatido por Paulo em Romanos 6.1-10. Assim, os Israelitas
pecaram indo e adorando falsos deuses; praticando pecados sexuais.
41

Os ímpios irracionais e imorais pecadores são também gananciosos.


Usavam seus conhecimentos para ganhar dinheiro e vender suas perversidades.
Judas indica que enveredaram pelo erro de Balaão por ganância.
Os verdadeiros líderes não são movidos pelo dinheiro. Aprendem a confiar
seus suprimentos à dependência de Deus. Não enveredam pelo caminho
pecaminoso para obter lucros. Seguem o exemplo de Paulo em Filipenses 4.12,13.

4ª - São rebeldes – v. 11c


Coré – Ele promoveu rebelião contra os líderes de Deus, Moisés e Arão em
Números 16.1ss. A rebelião de Coré e sua turma não só questionava a liderança
dos irmãos, mas também promovia uma adoração corrompida e falsa.
Normalmente, os falsos líderes atacam a liderança instituída por Deus.
Entendemos que há diferenças administrativas e organizacionais nas diversas
denominações. O princípio da autoridade, do estilo de governo e de eleição que um
grupo adota deve ser observado por todos os seus membros. Atentemos o
seguinte: Quando alguém questiona de maneira desrespeitosa os líderes
constituídos; Quando alguém baseia seus argumentos trazendo as luzes à sua
pessoa e se comparando com os líderes; Quando alguém questiona os ensinos dos
líderes para realçar os seus, então, a congregação deve ficar atenta, pois tal pessoa
está muita inclinada a engrossar a fila dos seguidores de Coré. (ver: Tt 1.10,11;
3.10; 2ª Tm 3.8)
O que aprendemos? Os falsos mestres são:
Como Caim – não têm amor e não têm fé.
Como Balaão – não estão contentes com o que tem; ensinam a
imoralidade e a idolatria.
Como Coré – não querem seguir líderes; são insubmissos;
Assim como os exemplos citados por Judas, os ímpios irracionais pecadores
alegam conhecer a Deus e Sua Palavra. Porém, ensinam com suas vidas a não se
importarem com os irmãos; não combatem o pecado, mas praticam-no e
incentivam-no. Promovem divisões, facções e brigas no seio da igreja.
Nós, ao contrário, devemos: amar os irmãos e ajudá-los em suas
necessidades. Alegrarmo-nos em suas vitórias. Incentivar a santidade e a adoração
verdadeira por meio de vida consagrada e segundo os princípios bíblicos. Não
apoiar as fofocas contra os líderes, sejam os da igreja ou de outras esferas.
42

Descrições do comportamento dos ímpios – v. 12,13


1ª - São rochas submersas – v. 12 a
A figura representa o perigo que não se vê. As rochas que ficam abaixo
do nível da água podem causar desastres em barcos e navios. O propósito dos
ímpios visa naufragar os fiéis. Eles atuam nas festas de fraternidade – “ágape”. A
expressão refere-se à reunião da igreja para celebrar a ceia do Senhor. (ver: 1ª Co
11.17-34)
Judas diz que fazem “sem nenhum recato” (lit. sem medo) – buscam
sem qualquer constrangimento cuidar de si mesmos. Não possuem domínio próprio.
Paulo fala em Filipenses 3. 17-19 dos falsos mestres que servem ao deus do ventre.
A constatação de Paulo é válida aqui em Judas. Os ímpios adoram ao deus do
ventre. Os pecados descritos são: glutonaria, bebedice e egoísmo. Paulo em
Gálatas 5.21,23 fala de tais pecados na lista das obras da carne. Promoviam (sem
medo) seus pecados durante o tempo que deveria ser de maior temor – culto da
comunhão tríplice (maioria das igrejas: a ceia ou santa ceia). Na celebração da
morte e ressurreição de Cristo por meio dos elementos simbólicos do pão e vinho,
os ímpios não se importavam com a presença espiritual do Senhor da Glória.
Por isso, Judas os chama de rochas submersas. Eles, traiçoeiramente,
colocavam-se nas reuniões de fraternidade e comunhão para ferir os santos.
Robertson22 indica que “os falsos irmãos desfiguravam a comunhão cristã”.

2ª - São pastores de si mesmos – v. 12 b


Nas palavras de Jesus em João 10. 12, 13, eles são mercenários. Não
se pode deixa de pensar que Judas tenha em mente Ezequiel 34.8, visto ser um
homem que conhece bem o AT.
Os ímpios irracionais intoxicados só pensam em ganhar coisas. Não
estão prontos a morrer pelas ovelhas, mas em comer de suas carnes e usufruir de
suas lãs. Nas palavras de Cristo sobre o bom Pastor e o mercenário há sete (7)
contrastes. Fica claro que o mercenário pensa em si mesmo; não se importa com
Cristo, nem em trabalhar para cuidar das ovelhas.

3ª - São nuvens sem água – v. 12 c

22
Passim – O Novo Comentário da Bíblia
43

São enganadores. Aparentam algo, mas interiormente são vazios.


Hipócrita é uma palavra que cai bem como característica deles. Prometem chuva
para uma terra seca, porém não derramam nenhuma gota. A consequência é obvia
– nuvens deste tipo são levadas pelo vento.
Green salienta uma característica relevante da figura – a inutilidade do
ensino dos falsos mestres. Não se poderia esperar outra coisa de pastores egoístas.
Homens que vivem pensando em dinheiro, poder e sexo não podem oferecer um
ensino sadio, santo e nem com profundidade espiritual e teológica. O máximo que
fazem é repetir algumas ideias que logo se percebe não serem suas convicções. A
inutilidade dos iluminados ímpios é a avaliação precisa de Judas acerca de seus
ensinamentos.

4ª - São árvores sem frutos – v. 12 d


Os ímpios, como árvores, são descritos assim:
1) Estão na época de apresentar frutos maduros;
2) Não têm frutos;
3) São duplamente mortos;
4) Não têm raízes;
Não se pode deixar de ver a continuidade da metáfora anterior. Há um
engano que se apresenta. A figura ilustra a esterilidade do ensino e da vida dos
ímpios. Jesus adverte em Mateus 7.20 que pelos frutos se conhecerão os Seus
discípulos. Em João 15, Jesus diz que os Seus discípulos são ramos que produzem
frutos. Se não há frutos, então não é discípulo.
Os ímpios são duplamente mortos – o que Judas quer dizer? Uma – é
a condição espiritual, pois não são crentes – Efésios 2.1,5. A outra – é a
impossibilidade de vivificação pelo Evangelho. Ver v. 4 – condenação e o apêndice
nº 3.
Os ímpios são desarraigados. No AT, o conceito de estar sem raízes é
o de julgamento (ver: Jr 12.14-17). Isto explica por que são estéreis e mortos. Eles
não têm raízes.
Nós, pelo contrário, estamos arraigados em Cristo. Permanecemos nEle
e Cristo em nós. O resultado: nutrimo-nos de Cristo e produzimos frutos. (ver: Jo
15. 1-5; Cl 2.7)
44

Aprendemos das duas metáforas que o ensino deve agir na vida de


quem ensina. Os líderes verdadeiros apresentam suas vidas para serem vistas e
servir de referencial; apresentam frutos de justiça, do Espírito Santo e da fé.

5ª - São ondas bravas – v. 13 a


Há uma lógica no pensamento de Judas ao usar as metáforas da
natureza. O que é inútil; o que é estéril, então é imundo. Ondas agitadas fazem
muito barulho. O resultado de tanta inquietude no mar pode ser visto nas areias da
praia. Muita sujeira deixada pelas ondas.
Os falsos mestres fazem barulho para atrair a atenção. Ao final se vê a
sujeira que deixam. Eles rejeitam as verdades de Deus. São inquietantes. Não
produzem um ensino purificado. Seus ensinamentos resultam num lastro de
imundícia. Eles revelam o que Jesus afirmou em Mateus 12.34 – falam do que o
coração está cheio.

6ª - São estrelas errantes – v. 13 b


Aqui a consequência natural da vida e ministério dos ímpios imorais e
imundos mestres – vagar sem rumo certo. Estão fora de órbita. Green atenta para
um possível trocadilho de Judas entre errantes e erro do verso 11. A destruição
será o fim deles.
Tinham uma aparência de luz. Não servem, porém para dar direção.
São inapropriadas. Não ajudam quem precisa. São perigosos, egoístas e inúteis.
Demonstram sua condenação nos seus atos vergonhosos.
A igreja necessita de líderes que resplandeçam como luzes do mundo.
Que ofereçam direção. Que percorram o caminho da graça de Deus. Líderes que
não busquem ser a Luz, mas apontem para Cristo.
A citação do Livro de Enoque enfatiza o que foi dito no verso 6. Assim
como os anjos maus perderam o lar celestial, os ímpios perderam o céu. A
metáfora das estrelas é bem apropriada.
Os verdadeiros líderes agem com amor e humildade. No tempo do
serviço do Pão e Cálice (Ceia do Senhor) seus corações voltam ao Senhor em
reverência. Seus desejos são de servir aos irmãos presentes ao invés de servidos.
Suas ações e palavras edificam a igreja. Suas vidas brilham e são um porto seguro
a qualquer que precise de misericórdia.
45

II. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres enfatiza o julgamento de
Deus reservado aos ímpios. 14 a 16
Versos 14 e 15 - A profecia fala do juízo que Deus exercerá. Judas lê a
palavra do apócrifo e a entende e estende à volta de Cristo Jesus. “Santas
miríades” são os anjos que acompanham Cristo na Sua segunda vinda. Mateus
25.31 – Jesus vem com seus anjos; Apocalipse 19.11-16 – O exército dos céus
segue Jesus.

Verso 15 – Jesus virá para exercer juízo. Em 2ª Pedro 3.7 declara que a terra
e os céus são guardados para destruição no dia reservado para destruição dos
ímpios. A leitura da ACF – “condenar todos os ímpios” (3 vezes só neste verso)
46

é preferível a das demais (ARA e NVI “fazer convictos”, “convencer” ou “persuadir”


Tito 1.9; Tiago 2.9). Em Mateus 18.15 e 1ª Timóteo 5.20 é “reprovar”. O dia do
juízo é dia de condenação e não para provar a culpa que a expressão “fazer
convictos” sugere. O dia será de reprovação dos ímpios. Certamente, os ímpios
entenderão que sua pecaminosidade é a razão de sua destruição.
A condenação no dia do juízo terá duas práticas pecaminosas alistadas nos
“autos” contra os ímpios pecadores, são elas:
(1) obras impiamente praticadas;
(2) palavras insolentes (duras) proferidas;
Os ímpios agiam de maneira imoral, sem temor de Deus e externalizavam os
seus desejos pecaminosos. O Senhor Jesus disse que a boca fala do que está no
coração, por isso, a boca de tais pecadores era “uma pedreira” que produzia
palavras ofensivas. O que esperar de um coração endurecido? Palavras duras;
palavras que objetivavam macular e machucar a Glória de Deus.
Deus não deixará de punir aos que produzem a impiedade – Ver o rei Acabe e
Jezabel (ver: 2º Cr 18.28-34; 2º Rs 9.30-37).
Deus não deixará de punir os que falam impiamente. Um exemplo é Golias em
1º Samuel 17.10; 24-51; atente para o verso 45.

No verso 16, Judas detalha com cores mais vívidas as acusações contra os
ímpios pecadores. Os detalhes aqui fazem uma conexão explicativa mais
pormenorizada das duas atitudes descritas no verso 15.
As acusações:
(1) São murmuradores – conecta-se com “palavras duras”. Paulo usa a
mesma palavra em 1ª Coríntios 10.10. Assim como os israelitas no deserto que se
entregaram às queixas, os falsos líderes dedicam-se a produzir sons que
transmitem sua amargura e resmungam acerca de tudo. A murmuração acontece
quando não se apercebe da sabedoria e soberania de Deus na vida humana. Os
muitos percalços, provações, problemas e perturbações que vivencia uma pessoa
são formadores de sentimentos. Os sentimentos são avaliados pela percepção de
quem é Deus; são alimentados pelo assentimento a respeito do poder de Deus e de
quem sou eu. Os desvios são inúmeros nesta ponte estreita sobre a estrada da vida
pessoal.
47

O pecado fez o estrago total nos sentimentos. Danificou a visão correta do ser
imagem de Deus. E o pior, ensinou que o ser humano tem poder para enfrentar a
soberania e senhorio de Deus na vida humana. Formou no coração humano a
destrutível ideia de que se pode viver sem Deus. Mas, quando algo dá errado;
quando não se consegue ter o que se deseja; ou qualquer dificuldade que aconteça,
há um culpado: Deus! Interessantemente, no exercício da murmuração muitos
fazem boa teologia. Seus argumentos são: “Se Deus conhece tudo, porque não
impediu?” “Deus é bom, porque me faz passar por tais provas?” O coração
mergulhado na ira, na revolta, conduz a boca a reclamar contra Deus e contra os
líderes (ver: Nm 20.1-6).

(2) São descontentes – conecta-se com “obras ímpias praticadas”. É


possível ver a relação entre este pecado com o anterior. O descontentamento
infecta o coração com queixas sobre a falta de sorte e dos resultados ruins da vida.
O descontente não se satisfaz com nada. Só vê o negativo nos acontecimentos.
Uma pessoa descontente contamina outras com seu mau humor, com seu
negativismo. (Ver Tg 1.13; Hb 13.5,6)
“Andam segundo suas paixões” – a frase explica o estilo de vida
optado pelos ímpios murmuradores e descontentes. Robertson indica uma
possibilidade de pecados sexuais no tipo de condução de vida. No contexto de toda
a carta isto é claro. Contudo, aqui a palavra “paixões” entende-se melhor como: os
desejos gerais do coração humano, o que inclui a área sexual; não só ela. Os
líderes pecadores deixavam-se dominar por seus desejos. Não se dispunham a ter
domínio próprio na área alimentar; nas questões financeiras; diante do vinho; nas
relações pessoais; na disputa pelo poder... Paulo, João, Tiago e Pedro atacam nas
suas cartas tal pecado. (ver: 1ª Jo 2.16; Tg 2; 1ª Pe 3.8-12; 2ª Tm 3.1-9)

(3) São arrogantes no falar – Mayor é citado por Green: “Assim como o
temor a Deus expulsa o medo aos homens, assim também o desafio a Deus tende a
colocar o homem no lugar dEle, como fonte principal do bem ou do mal aos seus
companheiros.” A palavra “arrogante” também aparece em 2ª Pedro 2.18 –
jactanciosas. A arrogância de suas palavras visa impressionar outras pessoas. A
frase seguinte indica tal ação. São pessoas que falam de si mesmas; exaltam suas
48

posições, feitos e pensamentos. Eles se esqueceram de meditar em Provérbios


16.18.

(4) São aduladores – é uma expressão que designa a admiração por outra
pessoa. Seu uso é positivo. Aqui, porém, Judas usa para caracterizar uma ação
negativa dos ímpios. Palavras que elogiam são boas quando o coração não almeja
obter favores. Fora da motivação amorosa, desejos se transformam em demagogia,
em adulação. Eles falavam coisas bonitas e boas para um propósito pessoal. Eles
queriam se dar bem. Desejavam ser lembrados para as festas. Queriam que seus
nomes aparecessem nos informes. A hipocrisia se tornou o modo operacional
desses homens. Não era mais uma máscara que usavam de vez em quando. Passou
a ser o rosto deles. A lisonja é um mal. (Ver Pv 24.24; Mt 6.3) Bill Ascol chama a
atenção dos pastores fiéis da seguinte maneira: “E por coragem evangélica me
refiro ao compromisso incondicional de ministrar o Evangelho com compaixão, a
despeito das consequências e a qualquer preço”. Ele alerta para dois perigos no seu
artigo: “muito permissivo” ou “muito exigente”23. Os falsos mestres na carta de
Judas são enquadrados no primeiro.
Os líderes cristãos devem falar a verdade, com amor e mansidão. Que sua
vida expresse a alegria de depender de Deus; que seu coração viva contente, pois
confia no amor e no cuidado de Seu Senhor. Não busca favorecer uns em
detrimento de outros. Trata a todos de igual modo, rico ou pobre. Seu coração
nutre a gratidão. Suas orações são repletas de ações de graça.
“Na verdade, podemos entender porque o mundo, a igreja, os seres humanos
em geral estão tão fascinados pela religião da Psicologia. Por havermos nos tornado
adoradores dos deuses do absurdo e dos deuses impessoais, nos tornamos
adoradores de nós mesmos. Nós nos tornamos o padrão moral de valores e de
princípios. Nós, seres humanos, desesperadamente queremos nos tornar deuses.”24
Adauto Lourenço

23
Amado Timóteo, Cap. 8
24
Citação que reconhece o autor, mas infelizmente sem os dados referenciais.
49

III. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres contém uma chamada à
resistência leal por parte da igreja verdadeira. 17 a 19

Sua introdução é um contraste com os ímpios, pois os chama de “amados”.


Ele já o fez anterior no verso 1 e 3. Tal uso indica o coração pastoral do homem de
Deus. Algo que se percebe nas atitudes e palavras do verdadeiro “profeta” –
palavra que implica muito mais na pregação da Palavra do que no recebimento e
pronunciamentos de predições futuras. É oportuna a exortação de Paulo
Proscurshim – “Só conseguiremos mudar verdadeiramente o país se mudarmos a
mentalidade predominante”25. Judas pretende ver mudanças de atitudes na Igreja.
Dar conscientização da existência dos falsos mestres e de como agir diante de seus

25
À margem da História – Brasil: crítica e solução, Ed. Mundo cristão, p. 81
50

ensinos é trabalhar para que haja mudança mental. Se não há profecia o povo
perece. Há muito tempo, o sábio em Provérbios 29.18, já falava.
Judas continua seu ataque, porém, agora o faz por meio das palavras dos
apóstolos. Seu alvo são os crentes. Nesta primeira exortação deseja usar as
profecias apostólicas para incentivar a resistência. Na luta ou no batalhar
diligentemente pela fé, a Igreja não pode abrir a guarda. O fato da presença dos
líderes ímpios no seio da igreja não deveria assustá-la, ou desanimá-la.
Novamente, Judas reconhece que os irmãos têm conhecimento das verdades
apresentadas.
Por isso, diz: “lembrem-se”. Os apóstolos anteciparam o intercurso dos
ímpios pecadores na vida da igreja. Quando há esquecimento das verdades de Deus
por parte dos crentes, os falsos líderes têm um campo propício para semear suas
heresias. Green diz que isto traz a deterioração espiritual. Pior do que matar os
profetas ou os apóstolos é ignorá-los. Judas grita com toda a força de seus pulmões
– lembrem-se!
O verso 17 praticamente reproduz 2ª Pedro 3.2,3. A diferença está em que
Judas relaciona a profecia aos apóstolos e Pedro aos santos profetas. Bem,
devemos provar que a profecia é verdadeira. Pedro em 3.15,16 testificou sobre
Paulo como autor de mensagens que alguns deturpavam para sua destruição. Uma
relação simples de registros proféticos: Mateus 7.15; 21 e 22 – falsos profetas;
Atos 20.29,30 – penetrarão lobos entre os crentes; 1ª Timóteo 4.1 – apostasia por
causa de ensinos enganadores; 2ª Timóteo 3.1 a 9 – descreve as atitudes e
sentimentos dos homens que entram sorrateiramente nas casas dos crentes; 1ª
João 2.18 – os anticristos; 1ª João 4.1 – falsos profetas.

Verso 18 – “No último tempo” – É uma expressão escatológica. Ela é


equivalente às expressões de Pedro e Paulo, bem como de Jesus. Será que Judas e
os apóstolos entendiam a “parousia” (volta de Cristo) como um evento iminente
aos seus dias ou para um futuro bem distante? Judas atesta que a presença dos
ímpios “zombadores” é para o último tempo. Então, Judas crê estar nesta época.
Isto parece estranho? Sim! Contudo, é um pensamento lógico. Jesus não marcou
data. Seu ensino é “vigiar e orar”, pois como “um ladrão” virá o dia do Senhor. A
Igreja vive sempre na iminência da chegada do Noivo. Ela vive os últimos dias ou o
último tempo cronologicamente no presente. A noiva, desde os pais da Igreja,
51

reconhece que a consumação é futura. Nossos pés andam no presente e nossos


olhos no futuro. O futuro pode ser hoje!

“Escarnecedores” – São zombadores. Qual é a relação deste termo com o


conteúdo de palavras que descrevem as atitudes dos ímpios pecadores? Tanto o
que Judas já descreveu como o que diz neste verso e no seguinte conduz-nos ao
seguinte quadro: os zombadores pretextavam ter liberdade utilizando-se de
palavras obscenas para depreciar a doutrina da salvação e “detonar” a Graça de
Deus ao ensinar que podiam viver na imoralidade.
Para realçar a pintura das más palavras dos zombadores, Judas aponta sua
lanterna da verdade para focalizar uma característica dos desejos (paixões) deles.
Usa a sua palavra preferida “ímpias”. O autor quer salientar que o conteúdo íntimo
dos sentimentos e vontade dos zombadores não presta. Eles não possuem temor de
Deus. Afrontam ao Senhor com seus pecados. Confrontam a Igreja com suas
conclusões heréticas. Usam seus corpos e alma para manifestar diferentes formas
de impiedade.

O verso 19 continua a descrição das práticas dos ímpios que a Igreja deve
atentar para resistir na manutenção da fé consumada.
“Promovem divisões” – O objetivo dos zombadores ímpios era causar a
divisão no grupo de irmãos. Isto no lembra 1ª Coríntios 1 a 4. Os crentes de
Corinto se vangloriavam de seu conhecimento, de sua sabedoria. A cosmovisão de
uma pluralidade de deuses conduziu-os à formação de grupos. Os grupos regiam-se
por uma pretensa identificação com líderes cristãos – 1ª Coríntios 3.4. Paulo
argumenta atacando o que eles mais estimavam – seu conhecimento – 1ª Coríntios
1. 26-31; 2.6-16. Green chama-os de fariseus cristãos. A razão: Os fariseus (cuja
palavra significa separação) ostentavam uma vida superior aos demais do povo. A
aplicação é boa.
Judas ao usar a expressão “sem o Espírito” alinha-se na sua argumentação
ao estilo de Paulo ao usar o termo “sensuais”. Paulo trata a questão em 1ª
Coríntios entre “sensuais” e “espirituais”. Judas identifica que a intenção da
separação tem como fonte aquilo que é traduzido por “sensual”. Uma palavra sem
um equivalente em Português. O conceito da palavra pode ser resumido assim:
aquilo que naturalmente governa e anima o corpo. Souter citado por Robertson
52

define o termo assim: “é o princípio de vida e o fundamento da experiência


emotiva, que anima o nosso corpo físico, em contraste com a vida espiritual”.
Vivemos numa sociedade libidinosa que dia-a-dia se erotiza. Onde os valores
morais bíblicos foram rebaixados e considerados ultrapassados. Aquilo que dá
prazer, satisfaz e promove a carne é o que importa. Então, não é difícil entender o
que Judas e Paulo condenaram.
Certamente, podemos perceber a ironia de Judas ao atribuir uma
característica (sensual) ao grupo, pois os zombadores se intitulam “espirituais”. São
pessoas naturais, incrédulas – não têm o Espírito Santo. Irineu os chamou de
“cristãos falsificados”. Com tais declarações, Judas encerra seu ataque no qual
denuncia a conduta, o caráter e o ensino apóstata dos falsos mestres.
Os verdadeiros líderes agem no exemplo de Paulo (Ver 1ª Co 3.5). Entendem
que são servos. Suas ações e palavras promovem e incentivam a unidade da
Igreja. Não trabalham movidos pela inveja e nem por dinheiro; mas, sim, para a
Glória de Deus.

IV. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres estimula a perseverança
santa e a prática da misericórdia nos relacionamentos. 20 a 23

Um encorajamento para os fiéis manterem a fé e não esmorecerem diante


dos ataques dos falsos mestres. Judas repete a introdução do verso 17. Deseja que
seus leitores aprendam e desenvolvam suas exortações a fim de perseverarem na
vida cristã. O encorajamento tem 8 exortações. Aqui dividimos em dois grupos: 4
exortações nos versos 20 e 21 que se destinam a ensinar que os crentes são
chamados a conservar a pureza da doutrina cristã; e 4 exortações que são um
apelo para que os santos tenham um padrão de conduta diante dos falsos mestres
e daqueles que, infelizmente, foram enganados pelos ensinos heréticos.

Perseverança na pureza da fé cristã – 20, 21


1ª exortação:
53

Verso 20 – “Edifiquem-se na fé santíssima” – Judas começa sua


exortação para que os fiéis construam sua vida cristã continuamente na fé cristã. A
figura da edificação é comum no NT. A palavra aparece em Atos 20.32; 1ª Coríntios
3.10,12,14; Efésios 2.20; Colossenses 2.7; 1ª Pedro 2.5. A edificação não está
pronta. Ela necessita dos recursos espirituais para ser erguida. Os materiais a
serem usados precisam ser os melhores. Judas quer que seus leitores usem de
discernimento para rejeitar os produtos dos falsos mestres e decidam pela doutrina
apostólica do verdadeiro Evangelho. O uso de material inferior e inadequado
produzirá um edifício comprometido. Ele não resiste aos ataques dos falsos
mestres. A figura aplica-se à vida pessoal de cada crente. Ver 1ª Pedro 2.5.
“Fé santíssima” é o alicerce do edifício. Embora o edifício espiritual cresça,
o alicerce está estabelecido. Judas já falou isto no verso 3. Aqui o importante é o
modificador “santíssima”. A fé é santa no seu conteúdo e no seu objetivo. Ela se
distingue da fé promovida pelos ímpios mestres. É santa por que tem sua origem
em Deus. É santa por que produz santidade na vida daqueles que a guardam e nela
meditam. Robertson tem uma conclusão coerente: “A chamada de edificar-se sobre
esta fé sugere força e estabilidade de caráter, qualidades altamente desejáveis na
vida do crente. A vida dos falsos irmãos oferece um notável contraste”.

2ª exortação:
Verso 20 – “Orando no Espírito Santo” – A relação entre a frase anterior e
esta exortação é de uma lógica espiritual aprimorada. A expressão “orando no
Espírito Santo” não é particular de Judas. Ela pertence à Igreja cristã. A prova disto
é que Paulo a usa. Ver 1ª Coríntios 14.14,15; 2ª Coríntios 10.3-5; Ef 6.18. O que
Judas e Paulo querem dizer com a expressão? É uma indicação de que o crente
quando em oração deve estar sob o controle do Espírito Santo. Seus desejos
submetidos à vontade da terceira pessoa da Trindade. Sua vontade é fazer o que
Deus quer. Quando se dispõe a orar na dependência e suficiência do Espírito Santo,
o crente deixa a influência e o poder do Espírito orientar sua oração. O crente que
“ora no Espírito” o fará segundo as orientações da Palavra. Isto envolve: com
súplicas; intercessões; ações de graça; para Glória de Deus; o tempo todo.
Em Romanos 8.26,27 lemos que o Espírito Santo nos auxilia na oração. O
que Paulo quis dizer? Sem oração não há crescimento. Sem oração não haverá
discernimento profundo das Escrituras. Sem oração não haverá revestimento
54

espiritual para enfrentar os ímpios. Sem oração, a batalha pela fé consumada é


uma atividade humana. Sem oração, as vitórias são creditadas à vangloria dos
crentes.
3ª exortação:
Verso 21 – “Guardai-vos no amor de Deus”, Judas usa uma palavra cujo
significado não é o de proteção. Seria o caso se usasse outra palavra. Neste verso
“vigilância” expressa melhor a intenção do autor. Gingrich e Danker a definem
assim: “manter a guarda; guardar alguém; proteger; estar de guarda contra
alguém”... ver Lucas 8.28; 2ª Tessalonicenses 3.3; 2ª Timóteo 1.12. Judas volta a
usá-la no verso 24. Seu propósito é que os fiéis preservem-se como se guarda um
tesouro. A maneira de agir é como quem se mantém em vigilância ou busca
cumprir uma ordem (ver Jo 14.23; 2ª Co 11.9; Jd 1; Ap 2.26). O que deveriam
“guardar”? A resposta é obvia: eles mesmos. A razão disto é que eles são o tesouro
de Deus. A maneira de se guardarem é “no amor de Deus”. Isto envolve a “fé
santíssima”, a vida cristã e o ministério de defesa do Evangelho. “No amor de
Deus” é um círculo de proteção. O amor de Deus é dom à Igreja. Ele já foi expresso
no verso 1. Judas nos estimula a usufruirmos do cuidado e da proteção do amor de
Deus. Aqueles que ultrapassam os limites da fé cristã e da vida cristã enfrentarão a
disciplina do Deus que é Pai amoroso, portanto zeloso por Seus filhos.
4ª exortação:
Verso 21 – “Esperando na misericórdia de Jesus Cristo, nosso
Senhor”. Uma palavra de encorajamento escatológico, porém psicologicamente
prática. Esperar não é um suicídio nem mental nem emocional. É um exercício da
fé. Judas usa a expressão em contraste com o falso ensino dos ímpios do descaso
para com a volta de Cristo. Também contrasta com a expectativa do julgamento
de Deus. Os fiéis esperam na “misericórdia” enquanto aos ímpios está
reservada a condenação e a ira de Deus. Neste ponto, fica bem claro o sentido da
palavra misericórdia: não receber o que se merece. Todos os homens merecem
a condenação, pois todos são pecadores. Deus na Sua misericórdia não dará aos
eleitos o que mereceriam – o inferno. O mérito é de Cristo Jesus por Sua Justiça
na cruz do Calvário.
Talvez vejamos mais o coração de Judas no uso da palavra misericórdia, pois
a usa aqui e na saudação. O peso de glória de sua salvação (visão particular)
queda-se mais para a retenção do juízo expresso na “misericórdia” do que para a
55

alegria do presente da salvação expressa na Graça de Deus. Judas compreende a


Graça de Deus – ver verso 4 e a expressão “vida eterna” neste verso.
Pensamos que o fato passado de não crer em Cristo e até um tipo de perseguição
que teve ao Salvador, conduziu-o a nutrir maior gratidão pela mão divina que
retém a condenação.
A ênfase de Judas é na misericórdia de Jesus Cristo, nosso Senhor. É
uma defesa da divindade de Cristo no uso da palavra “Senhor”. O termo
26
significa: poderoso; quem tem controle; quem tem autoridade. O DITNT
examina o uso da palavra na literatura grega e no NT. Bietenhard indica que a
palavra só apareceu no século I a.C. como referência aos deuses. A comunidade
judaica usava o termo para Deus. Indicava com isto Deus como o criador e
soberano sobre todas as coisas. Seu domínio estende a tudo e a todos. O
senhorio de Cristo declarado aqui em Judas envolve o aspecto salvífico devido à
“misericórdia” e “vida eterna”, bem como escatológico. O termo “vida eterna” é
regido pela preposição “para”. Isto indica que a “misericórdia” de Cristo conduz e
dá “vida eterna” e não condenação aos santos no dia do julgamento. (Ver Rm
5.21; 6.23; 2ª Co 5.6,8; 2ª Ts 2.16) A volta de Cristo é uma doutrina que
modela o caráter. Os fiéis são conclamados a viver a esperança na edificação de
suas vidas.
O verso 21 é uma declaração acerca da Trindade. Judas mostra que conhece a
doutrina e a relação dos membros da Trindade na salvação do pecador. Os fiéis
são animados a perseverarem na defesa da doutrina por meio da manutenção da
pureza de vida. Edificar a vida cristã com os elementos doutrinários corretos é
dignificar o Construtor. A glória do edifício espelha o Senhor da Glória que nele
habita. A perseverança na doutrina se dá quando o fiel, em sua vida, vivencia as
verdades que defende. A eloqüência da doutrina é mais sonora através do caráter
aprovado.

Piedade no procedimento cristão – 22, 23


Após o tratamento severo, esperar-se-ia por uma orientação mais dura,
talvez como 2ª João 9 a 11. Judas mantém sua severidade temperada pela
compaixão. Ele não difere de João – amor e verdade permeiam a conduta e a
mente dos dois escritores. Assim Judas encoraja seus leitores. Judas tem em mente

26
Bietenhard, DITNT, artigo “Senhor”, volume IV
56

um grupo de irmãos que vacilam diante dos argumentos dos falsos mestres; outros
já aceitaram as seduções das mentiras deles. Contudo, há um terceiro grupo de
“outros”. Estes defendem as heresias.
Os dois versículos têm variações textuais. Green, Robertson e Lenski optam
pela leitura de 3 grupos como traduzido em ARC e NVI contra Van Gorder que
segue ARA com dois grupos. Green trata com detalhes as diferenças dos textos.
Aqui queremos somente indicar os dados. Uma razão para apoiar a leitura de 3
grupos é a preferência de Judas pelas tríades.
Além da decisão sobre o número de grupos, há variações em relação às
primeira e segunda cláusulas no versículo. A primeira cláusula há 3 possibilidades
de material nos manuscritos. Green e Lenski preferem “repreendei”; Robertson e
Gorder optam pela traduzida em ARA – “compadecei”. A melhor leitura é
“repreendei”. A segunda cláusula também tem uma disputa entre duas
possibilidades quanto à expressão que complementa repreender. São os leitores
que estão na dúvida, ou os que pertencem ao grupo de irmãos? A leitura de ACF
diz: “com discernimento” e NVI e ARA “estão na dúvida”. A expressão pertence a
um grupo de palavras que podem ligar-se ao verbo “separar”, “discriminar” ou
“duvidar”. A palavra aparece no verso 9 “disputava” ou “contender”. Ver o
comentário. Aqui continuamos com a indicação dos eruditos seguindo ARA e NVI –
“estão na dúvida” ou vacilantes.

5ª exortação:
Verso 22 – “repreender”. O 1º grupo – aqueles que têm dúvidas acerca
de quais são as doutrinas bíblicas. Judas exorta os fiéis para “corrigir”, “expor a
verdade” “trazer à luz” os erros daqueles que “estão na dúvida”. A intenção do
autor é: falem as verdades do Evangelho e não os deixem vacilar sem
confrontação. Os crentes firmes devem atentar nas coisas que falam e fazem os
que frequentam a igreja. Ao menor sinal de fumaça herética chamar a pessoa,
identificar as crenças e corrigir as falhas. Enquanto a planta da heresia é um broto
no coração humano é fácil tirar. Quando se deixa sem confronto, ela se enraíza e
cria estrutura na mente. Dará muito trabalho para extrair as mentiras; talvez, não
se consiga. Green afirma o seguinte: “Um homem que está flertando com falsos
ensinos não deve ser ostracizado pelos seus amigos cristãos; devem convidá-lo
para tomar um café e conversar com ele... com amor”.
57

Os verdadeiros líderes e os crentes firmes não podem se dar ao luxo, enm à


negligência de deixar tais pessoas à sua própria sorte. Devemos entender que tais
pessoas participam nas reuniões da igreja. Não devemos fazer pressuposições
quanto à sua salvação. A responsabilidade é confrontar pelo ensino da verdade. Só
os maus pastores não se preocupam com estado da alma de uma pessoa. Se se
preocupa com a alma, então se interessa pelas coisas que a alimenta. A
constatação realista de J. C. Ryle nos ajuda a entender a preocupação de Judas. O
bispo assim se pronunciou: “Se alguém ouvir falsa doutrina não esperemos que ele
se torne outra coisa além de incorreto nas coisas relacionadas à própria fé”.

6ª exortação:
Verso 23 – “salvar”. Quem é o objeto da ação? O 2º grupo – aqueles que
estão no “fogo”. O termo é o mesmo da salvação realizada por Deus. Judas não
ensina que os crentes podem dar salvação – perdão dos pecados; justificação; vida
eterna. A palavra tem seu uso não redentivo ou expiatório. Como acontece na
nossa cultura. Um bombeiro que socorre uma pessoa num incêndio – salva-a; um
salva-vida no mar, ao socorrer alguém que se afoga, salva-a. O que deve fazer um
crente quando sabe de uma pessoa que está no incêndio da heresia? O mesmo que
um bombeiro ou salva-vida faz. O verbo é um imperativo e demonstra assim a
seriedade do encorajamento. Correr para a pessoa e salvá-la. A ação é de quem
está fora, pois quem está dentro certamente está sem força, sem orientação e sem
direção. A maneira de salvar é por meio de um “arrebatamento” ou “rapto”. Uma
ação rápida é necessária, pois o grupo já cedeu aos falsos ensinos. Nada, porém de
ficar com conversinhas. A salvação é por meio de “repreensão”. Numa atitude
veloz, apontar os erros dos ensinos dos falsos mestres.
Judas escreve baseado em algum verso do AT? Zacarias 3.2 e Amós 4.11
tratam do tema. Zacarias diz que Josué é um “tição tirado do fogo”; Amós fala do
povo de Israel como “um tição arrebatado da fogueira”. Ou, simplesmente, não
tinha nenhuma das citações em mente? Pela expressão seguinte, o texto de
Zacarias é preferível. O pensamento de Tiago 5.20 ecoa e sussurra em nossos
ouvidos: escutem Judas.
A interpretação da palavra “fogo” indicará o pensamento de salvar pelo
rapto. Duas possibilidades são comuns: fogo das paixões; fogo do juízo. A segunda
opção corresponde melhor ao contexto. Judas já disse que os ímpios serão
58

condenados. A ordem para a Igreja é de pregar sempre o Evangelho. Alguns podem


ser tirados (por serem eleitos) do incêndio herético sobre o qual o juízo está
pronunciado (ver verso 4).

7ª exortação:
Verso 23 – “ter misericórdia”. O 3º grupo – “aqueles que apostataram”.
Judas ensina duas atitudes: compaixão ou ser misericordioso e detestar a
presença dos falsos irmãos. Dentre os incrédulos e dos frequentadores da igreja, há
alguns que serão salvos – sentido espiritual e doutrinário; outros de nenhum dos
sentidos da palavra salvação. O que Judas quer ensinar com as duas práticas?
Como é possível ter misericórdia e detestar a convivência dos hereges? Com a
misericórdia somos convocados a nutrir o sentimento divino. Ser compassivo com
os hereges, pois são pecadores e seguem o pai da mentira. Seguem, pois estão
cegos para a Luz da Verdade de Cristo; surdos para a chamada da Graça de Deus.
Com o “detestar a roupa contaminada” recorda-se de Zacarias 3.2-4 onde Josué
(representando Israel) precisa tirar as roupas sujas (pecados). Assim como Deus
que detesta o pecado, assim devem os fiéis proceder. “Carne” – tem o mesmo
sentido de outros escritores do NT. A carne é: corpo físico ou a natureza humana
contaminada pelo pecado. A pregação de Ageu 2.10 a 19, especificamente o verso
12 a 14 merece nossa atenção. Serve com um ponto a considerar no argumento de
Judas. Após o exercício da paciência vinda da misericórdia, chega um tempo que se
aceita que o herege não mudará. A convivência não é mais possível. As diferenças
doutrinárias têm a prioridade na manutenção da verdade.
Podemos relacionar o conceito de roupa na vida cristã. João fala dela em
Apocalipse 7.14 e 19.8 – os crentes terão uma roupa limpa pelo sangue do
Cordeiro. Isaías 61.10 – vestes de salvação e manto de justiça. É Deus quem dá
aos Seus filhos.

8ª exortação:
Por isso Judas acrescenta “em temor”. É o ponto de equilíbrio na vida do
fiel. Exercer misericórdia e detestar o pecado sem uma consciência da santidade e
do juízo de Deus pode encher o coração de hipocrisia. Os crentes não têm nada do
que se gloriar. A eleição não faz os salvos melhores que outros, visto que somos
constituídos do mesmo barro pecaminoso. É a Graça de Deus que merece a honra.
59

A compreensão do temor de Deus deve gerar um compromisso de gratidão.


Atentemos às palavras de Spurgeon no sermão sobre 2ª João 2: “Muito erro pode
estar misturado com a verdade recebida. Façamos guerra contra o erro, mas
também amemos o irmão pela medida da verdade que vemos nele; acima de tudo,
amemos e espelhemos a unidade nós mesmos”27.
Judas termina seu ataque e sua exortação com um enfoque evangelístico e
pastoral. Com as observações de Tiago, podemos estabelecer que a recuperação de
uma alma perdida e da extraviada requer oração e fé. Judas acrescenta o
conhecimento e a coragem espiritual, bem como a santidade. Sem tais virtudes
espirituais dificilmente obteremos bons resultados. O ministério da defesa do
Evangelho é árduo e, às vezes, com poucos frutos. A alegria de uma alma que se
converte ou de um arrependido que se arrepende voltando ao aprisco de Cristo
constitui-se no refrigério que dá alento ao trabalho na seara. Na árdua tarefa de
pastorear e liderar pessoas na igreja, as observações de Bill Ascol, resumidas aqui,
são um alerta e um consolo. Vejamos suas palavras: ao se lidar com ovelhas
errantes – “Qualquer que seja a natureza de seu pecado, a ovelha errante pode
fazer com que o pastor, que leva a sério sua responsabilidade de restaurá-la, tenha
de pagar um alto “preço” espiritual e emocional”. “Pode ser que a ovelha errante
não seja ovelha e sim bode. Alguns se tornam lobos em pele de cordeiro. O
membro errante geralmente está muito propenso a “morder a mão” que o alimenta
e não hesitará em macular a reputação daqueles que se aventurarem a dizer-lhes
que as coisas não estão bem com sua alma”28.
Mesmo cientes que a condenação dos ímpios é merecida, não temos nisto
motivo de alegria. Se não fosse a Graça e a Misericórdia de Deus teríamos o
mesmo destino. “Quem sente compaixão dos pecadores deve ao mesmo tempo
sentir ódio ao pecado”. Robertson

27
Lições aos meus alunos, Editora Mundo Cristão, sermão em 2ª João 2
28
Ascol, op.cit., p. 159
60

V. O apelo aos fiéis para defenderem a fé consumada por causa da


infiltração do ensino herético dos falsos mestres oferece ao Senhor Jesus
toda a Glória e louvor. 24 e 25

A doxologia não é meramente uma conclusão da carta. Ela intensifica o


pensamento dos versos anteriores de posicionar-se no salvamento e misericórdia
dos ímpios demonstrando que o crente fiel, em Deus, está revestido de poder e
autoridade. Um hino magnífico que conduz os santos à compreensão da proteção
de Deus sobre suas vidas. Lutero falou que “o crente deve ser uma doxologia viva.”
A força do cântico é tremenda, pois a carta revelou a presença de perigos na igreja.
Judas encorajou uma atitude ativa na defesa da fé, portanto uma palavra que
alavanque o ânimo é necessária.
Um hino que exalta o poder de Deus e que beneficia o crente na defesa da
fé.
Verso 24 – “Àquele que é poderoso”. É uma referência a Deus Pai ou ao
Deus Filho como quem é poderoso para “guardar de tropeçar”? A maioria dos textos
do NT onde a palavra aparece aponta para Deus. Deus é todo-poderoso. Hoje em
61

dia percebemos uma grande ignorância acerca de Deus. Fala-se muito em Deus,
porém a idéia da Pessoa dEle é superficial e capenga. James Orr disse o seguinte:
“Não é exagero afirmar que em princípio toda questão de importância que surge em
teologia já está praticamente resolvida na doutrina de Deus e seus atributos”29. Se
as pessoas que se dispõem a ingressar num grupo religioso que, pretensamente,
diz ser cristão estudasse a doutrina de Deus, a maioria sairia.
Com a proliferação de grupos que usam o nome de igreja e de líderes que se
intitulam “pastores”, “bispos” e até “apóstolos” distorceu-se o conceito de quem é
Deus. O atributo do poder de Deus é o mais enfatizado, mas de maneira
mercadológica. Ensinam: Deus tem poder para – dar dinheiro; dar emprego; dar
marido ou esposa; para curar. Não negamos o poder de Deus para atuar em áreas
específicas. Mas, poder de Deus sem os demais atributos é não cristianismo. Poder
de Deus para solucionar emergências da vida comum, não é ensino bíblico. Poder
de Deus sem denúncia ao pecado é misticismo e não cristianismo. Judas, tampouco
diz que o “poder de Deus para guardar de tropeços” signifique que estamos
isentos de doenças; prejuízos financeiros; adultérios, etc.
1º benefício – “Guardar” tem sentido de manter em segurança; proteger
algo precioso de ataques. O termo “Tropeços” é única citação no NT. Na literatura
se encontra na descrição de “cavalos que caem por causa de obstáculos”. O sentido
aqui é tropeçar nos obstáculos religiosos dos falsos mestres. A verdade de que
Deus guarda, conforta o fiel na sua luta contra os heréticos. Há uma promessa de
proteção quando pulamos no fogo (ver verso 23) para salvar os duvidosos e
extraviados. Uma palavra de advertência se faz necessária. Novos convertidos no
seu afã de demonstrar o amor do Senhor muitas vezes entram no fogo herético.
Envolvem-se com pessoas de seitas ou amigos que estão em grupos falsos. Eles,
ainda, não têm bases bíblicas e teológicas firmadas para argumentar. A
conseqüência normalmente é perdê-los para algum movimento herético. Alguns,
pela Graça de Deus, conseguem se manter firmes depois dos fracassos. Por isso,
temos que investir na formação doutrinária de nossos irmãos.

2º benefício – “Diante de Sua Glória apresentar com exultação os


fiéis”. Judas conduz os olhos dos crentes para a eternidade. Os crentes estão
cientes dos perigos e das armadilhas dos falsos mestres. O caminho da vida cristã e
29
Sem dados referenciais do autor – a citação foi extraída da apostila “Teologia Própria” – IBN, Ananindeua
- Pará
62

do ser igreja tem obstáculos. Eles, porém não podem ofuscar o brilho da “Glória
de Deus”. A presença de Deus é de tamanho esplendor, pureza e beleza que não
se pode descrever em palavras. A palavra “glória” viabiliza uma imagem. O tema
da “Glória de Deus” percorre toda a Escritura. Não é por acaso que os
dispensacionalistas a usam para representar o propósito da história humana. A
palavra relaciona-se com o poder, a majestade e a presença de Deus. Ver Apêndice
2.

“Com exultação” – uma palavra que expressa a alegria e o júbilo do céu.


Dentro do contexto de dificuldades e debates, a certeza da vitória traz alento. Judas
alude à exultação da entrada e apresentação diante de Deus, pois na nossa
peregrinação, ante a Glória de Deus, nos prostramos. Na luta contra o pecado e
contra os falsos mestres, as feridas e as derrotas nos entristecem. A perda de
pessoas para os grupos heréticos tira nosso ânimo. Temos que olhar para o céu e a
glória por vir. Deus nos apresentará por meio de Cristo “igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” – Efésios
5.27
3º benefício – “imaculados”. Ou seja: “sem culpa”; “perfeito” como em
Efésios 1.4; Hebreus 9.14. Somos libertos da condenação do pecado pelo sangue
de Cristo na cruz. Nossa salvação é obra de Cristo. A salvação de um grupo de
pecadores é plano eterno de Deus. O Espírito Santo convence o pecador e o conduz
pela fé e arrependimento à Graça de Deus. A salvação que temos não nos isenta de
pecar. Basta ler 1ª João 1. 1-9.
Spurgeon num sermão neste texto disse: “Adoremos àquele que nos apresentará
imaculados em seu tribunal. Ninguém pode livrar-nos da culpa antiga, ou guardar-
nos da culpa diária no futuro, exceto o próprio salvador. Ele o fará”...30

Verso 25 – “ao único Deus.” As versões diferem quanto ao conteúdo do


versículo. São duas as diferenças: ACF inclui “sábio” após Deus e omite “ mediante
Jesus Cristo, nosso Senhor”. ARA e NVI incluem “mediante Jesus Cristo, nosso
Senhor” e omitem “sábio”. Ficamos com a leitura de ARA e NVI.
“A afirmação básica desta doutrina é que a unidade de Deus é complexa. As
três “subsistências” pessoais (como são chamadas) são centros co-iguais e co-

30
Spurgeon, op.cit, sermão sobre Judas 24,25
63

eternos de autoconsciência, cada qual sendo “Eu” em relação aos dois que são
“Vós”, e cada qual participando da plena essência divina (a substância da deidade,
se assim podemos chamá-la) juntamente com os outros dois”31 (J.I. Packer). A
verdadeira Igreja confessa Deuteronômio 6.4 – O SENHOR é o único Deus. Judas
atribui o título de “Salvador” a Deus (ver: 1ª Tm 1.1; Tt 1.3; 3.4; Sl 106.21; Is
45.3,11,15,21). A Teologia Cristã afirma que a Trindade está envolvida na salvação
dos crentes “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a
estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou”.(Romanos
8:29-30). . Assim Anthony Hoekema se expressa: “Convém lembrar que a obra da
salvação é executada pela Trindade; isto é um mistério revelado em parte a nós,
ainda que não compreendamos totalmente a natureza de Deus que é Uno e trino.
Se Deus não fosse triúno, não haveria salvação para os homens”32.
Os louvores a Deus são dados “por meio ou mediante Jesus Cristo,
nosso Senhor”. Senhorio de Cristo – Quando falamos em salvação incluem-se
duas verdades nela: a suficiência única em Cristo para o perdão dos pecados e
assim libertação da condenação eterna; e, o compromisso com Cristo através da
obediência ao Seu senhorio (ver: Lc 6.16; Rm 6.23; 1ª Co 2.8; 12.3). A salvação
permite ao crente ter uma compreensão de Deus e expressar-se corretamente
diante dEle. Jesus é o nosso Salvador. Os benefícios de Sua justiça e redenção e
santidade são doados aos crentes mediante a fé (ver: Rm 8.30; Ef 2.8-10) ou
“imputados” conforme a leitura e a aplicação de Romanos 5.12. Michael Horton
chama nossa atenção assim – “Porém, qualquer pessoa justificada, foi regenerada,
enxertada na vida de Cristo, e frutos de gratidão inevitavelmente se seguirão. Sem
um interesse no Salvador e na Sua Palavra e sacramentos, não há vida. O senhorio
de Cristo não é uma opção para os cristãos de primeira classe, mas uma
33
inevitabilidade para todos os que compartilham Sua vida.” Ver verso 21. A
doxologia é um contraponto doutrinário aos princípios heréticos dos falsos mestres.
Como expressão de gratidão, então, os crentes oferecem-na a Deus:

31
J.I. Packer, Teologia Concisa
32
Criados à imgem de Deus, Ed. Cultura Cristã
33
Site: www.monergismo.com artigo Salvador, mas não Senhor?
64

“Glória” – Toda a honra a Deus. Dar glória ou honra significa fazer o melhor
– quer seja em pensamentos ou palavras; desejos ou atos. J.I. Packer descreve o
conceito de “glória” assim: “...a glória, que é seu alvo, é um relacionamento de dois
lados, de duas etapas: é, precisamente, uma conjunção de (a) atos revelatórios de
sua parte, por meio dos quais ele mostra sua glória aos homens e aos anjos com
espontânea generosidade, com (b) adoração responsiva da parte deles, por meio da
qual prestam-lhe glória de gratidão pelo que têm visto e recebido. A alternância de
contemplar a glória de Deus e dar-lhe glória é a verdadeira realização da natureza
humana em sua essência, o que traz suprema alegria ao homem, tanto quanto a
Deus (cf. Sf 3.14-17)”34. Ver o Apêndice 2.

“Majestade” – referência à magnificência de Deus. (ver: Hb 1.3; 8.1; 2ª Pe


1.16) A Bíblia indica que tanto a Pessoa de Deus como Sua criação transmite a
beleza da Sua Graça, Santidade. Judas nos exorta a dedicar a Deus majestade.
Uma ação de tributar ao Senhor louvor em reconhecimento de Sua soberania.

“Poder” – 1ª Pedro 4.11; Apocalipse 1.6; Uma palavra para descrever a


dominação de Deus sobre todas as coisas. O império é de Deus. Seu domínio é
total. Todos e todas as coisas pertencem ao domínio presente e eterno de Deus.
(Ver: Ap 4.11)

“Autoridade” – A palavra engloba o poder, a soberania, a providência, o


amor, a sabedoria de Deus. Podemos vê-la na criação; na eleição; na
predestinação; na permissão da queda; na salvação de um de pecadores. Ao
louvarmos o Senhor pela Sua autoridade reconhecemos o direito e o poder dEle
planejar e executar a salvação para os eleitos e, a condenação para os incrédulos.
Ele é o Senhor. Ele é o Soberano. “E a nós só nos cabe tudo dedicar”, diz o cântico.
A última frase é uma declaração acerca da eternidade da Trindade. Os
louvores ofertados e reconhecidos, por meio de Cristo, ao Senhor nosso Deus são
de eternidade a eternidade. “Antes” e “durante” e “sempre” – seja a adoração
ao Trino Deus. (Ver: Ap 1.8; 4.8; 5.13)

34
Teologia Concisa, p. 59
65

BIBLIOGRAFIA

GREEN, Michael, II Pedro e Judas, Introdução e Comentário, São Paulo, SP,


Mundo Cristão, trad. Gordon Chown, 1988
LENSKI, R.C.H. The Interpretation of I and II Epistles of Peter, the three Epistles
of John, and the Epistles of Jude, Augsburg Publishing House, 1966
VAN GORDER, Paulo, Um Pequeno estudo Clássico sobre Judas, São Paulo, SP,
Imprensa Batista Regular, Trad. Yolanda Krievin, 1976
GRINGRICH, F.W. e DANKER, F. W., LÉXICO do NT Grego/Português, São
Paulo, SP, Edições Vida Nova, Trad. Júlio Zabatiero, 1984
O NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA, Volume III, Editado por F. Davidson, editado
em Português por Russell Shedd, artigo de Judas, comentário de Robert Robertson,
1979
BIBLIA SAGRADA, Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri, SP, Edição Revista e
Atualizada, 1993
BIBLIA SAGRADA, Sociedade Trinitariana Internacional, São Paulo, SP, Edição
Corrigida Fiel, 1980
BIBLIA SAGRADA, Sociedade Bíblica Internacional, Nova Versão Internacional,
1993 – 2000
66

FREIBERG, Bárbara e Thimoty , NOVO TESTAMENTO ANALÍTICO,, São Paulo, SP,


Edições Vida Nova, Coordenação de Robinson N. Malkones, 1987
THE GREEK NEW TESTAMENT – According to The Majority Text, Thomas Nelson
Publishers, 1985

Site – www.monergismo.com e www.monergismo.net

Apêndice 1 – Salvação - O material é parte da apostila de Soteriologia – IBN,


Ananindeua – Pa, 2005.
A verdadeira fé salvífica inclui conhecimento, aprovação e confiança
pessoal. (W.Grudem)
Rm 10.14; Jo 3.2 e At 26.27; Jo 3.16;
Fé é uma confiança que, em profunda reflexão e certeza, reconhece Cristo como
quem perdoa pecados e dá vida eterna com Deus. Por exemplo, quando Davi e seus
homens voltaram a Zicagle, antes dos filisteus terem matado Saul na batalha, um
terrível espetáculo os aguardava. Na sua ausência, os amalequitas tinham
saqueado a sua aldeia, incendiando as suas casas e levado cativas as suas
mulheres e crianças. Davi e seus homens choraram “até não terem mais forças
para chorar” e então, na sua amargura, o povo cogitou de apedrejar a Davi. Era
uma crise séria e Davi facilmente poderia ter-se deixado cair no desespero. Mas,
em vez disso, lemos que “Davi se reanimou no Senhor seu Deus”. Esta era uma fé
verdadeira. Ele não fechou seus olhos aos fatos. Nem tentou criar sua própria
autoconfiança, ou dizer a si mesmo que se sentia realmente muito bem. Não! Ele se
lembrou do Senhor Deus, o Deus da criação, o Deus da aliança, o Deus que
prometeu ser o seu Deus e colocá-lo no trono de Israel. E, à medida em que Davi
se recordava das promessas e da fidelidade de Deus, sua fé crescia e se fortificava.
Ele “se reanimou no Senhor seu Deus”. Assim, pois, a fé e o pensamento caminham
juntos, e é impossível crer sem pensar. CRER É TAMBÉM PENSAR! 35 Diz John Stott.

O Dr. Lloyd-Jones deu-nos um excelente exemplo neotestamentário desta verdade


no comentário que fez sobre o Sermão da Montanha: Mateus 6:30 “Ora, se Deus
veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto
mais a vós outros, homens de pequena fé”? “A fé, de acordo com o ensinamento do
nosso Senhor neste parágrafo, é basicamente o ato de pensar, e todo o problema

35
Crer também é pensar
67

de quem tem uma fé pequena é não pensar. A pessoa permite que as


circunstâncias lhe oprimam... temos de dedicar mais tempo ao estudo das lições de
nosso Senhor sobre a observação e dedução. A Bíblia está repleta de lógica, e seja
algo meramente místico. Nós não nos sentamos simplesmente numa poltrona,
permanecendo à espera de que coisas maravilhosas nos aconteçam. Isso não é fé
cristã. A fé cristã é, em sua essência, o ato de pensar. Olhem para os pássaros,
pensem neles, e façam suas deduções. Vejam os campos, vejam os lírios silvestres,
considerem essas coisas... A fé , se quiserem, pode ser definida assim: É insistir em
pensar quando tudo parece estar determinado a nos oprimir e a nos pôr por terra,
intelectualmente falando. O problema com as pessoas de pequena fé é que elas ,
ao invés de controlarem seus próprios pensamentos, os seus pensamentos é que
são controlados por alguma circunstância e, como se diz, elas passam a rodar em
círculos. Isso é a essência da preocupação...Isso não é pensamento; isso é
ausência completa de pensamento, é não pensar”.
A segurança cristã é a “plena certeza da fé”. E se a certeza decorre da fé, a fé
decorre do conhecimento, do seguro conhecimento de Cristo e do Evangelho. Como
o expressou o bispo J.C. Ryle: “Uma grande parte de nossas dúvidas e de nossos
temores provém de sombrias percepções do que seja a real natureza do Evangelho
de Cristo... a raiz de uma religião feliz é um claro, preciso e bem definido
conhecimento de Jesus Cristo”. Citado por John Stott

Warfield – “crer em Deus segundo o AT é, portanto, não apenas assentir com a sua
palavra, mas com firme e inabalável confiança poder descansar na segurança e
credibilidade em relação a ele.” “O poder salvador da fé reside, então, não em si
mesma, mas no poderoso Salvador em quem ela repousa... Não é estritamente
falando, nem mesmo a fé em Cristo que salva, mas Cristo que salva por meio da fé.
O poder salvador reside exclusivamente, não no ato da fé ou na atitude de fé ou na
natureza da fé, mas no objeto da fé.”
“Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como
também padecer por ele” - Filipenses 1.29.
Aqui Paulo fala de duas coisas que foram “concedidas” aos cristãos. O termo
“concedido” é: “dar como um dom”. O que foi “concedido” aos crentes? O olho
corre para o final da frase, “padecer por ele”. Isto é o que a mente parece absorver
quando lemos a passagem. Tem sido concedido como um dom o padecer por
Cristo! Que pensamento estranho para muitos hoje que não experimentam
perseguição e sofrimento, mas certamente não o era para aqueles a quem Paulo
estava escrevendo. Mas, assim como o sofrimento não é algo produzido pelo nosso
“livre-arbítrio”, assim também não é com a primeira coisa que nos foi concedida:
crer em Cristo. Este é o termo normal usado para a fé salvadora – Deus nos
concedeu o crer em Cristo. Por que isso seria concedido já que, como somos
informados, qualquer um pode “crer”?

Hebreus 12:1-2
Jesus é descrito como o “autor e consumador” da fé. As palavras foram escolhidas
pelo autor são as mais interessantes - Autor: refere-se à origem, fonte, começo, e
então, por extensão, ao autor. Consumador: refere-se a alguém que completa ou
aperfeiçoa. O que isto significa: Jesus é a origem e fonte da fé; o objetivo da fé;
também é Aquele que completa e aperfeiçoa a fé. Certamente, parece que toda a
vanglória por parte do vaso, por ter contribuído com seu livre-arbítrio para crer, é
deixada de lado. Para os cristãos estas são palavras preciosas. Quando estamos
fracos. Quando estamos desencorajados. Quando parece que possivelmente não
68

poderemos continuar. Qual é a nossa única confiança? Cristo! Deus não abandonará
os Seus. Somos guardados pelo poder da fé, mas não uma fé meramente humana.
É uma fé divina, um dom de Deus! Por que alguns tropeçam e caem (abandonar a
igreja ou a fé), enquanto outros perseveram? Será que alguns são melhores e mais
fortes do que outros? Não. A razão descansa na diferença entre ter fé salvadora e
ter uma confiança que não é divina na origem ou natureza. Muitos são aqueles que
fazem uma profissão de fé não baseada na regeneração. Tal “fé” que é originada
neles não sobreviverá. Jesus ensinou esta verdade na parábola do solo em Mateus
13:3-9, 18-23. Algumas das sementes que foram semeadas resultaram em
crescimento imediato. O crescimento, porém não produziu fruto e não sobreviveu.
Estes são aqueles que têm uma fé falsa e humana. Os que têm a verdadeira fé
produzem fruto e perseveram. Ver também Simon Kistemaker - Hebreus e W.
Hendriksen sobre Mt 13.

Robert Muray McCheyne36 analisa assim o texto de Efésios 2.8


"Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus".
A maioria dos homens tenta colocar Deus numa posição de débito com relação a
sua salvação. Eles trabalham para serem salvos, ao invés de trabalharem por
serem salvos. Eles vão "procurando estabelecer a sua própria justiça" (Rm. 10:3).
Deste modo, pessoas mundanas procuram vida eterna - "Que faremos para realizar
as obras de Deus?" (Jo. 6:28). Embora em palavras renunciem toda pretensão de
qualquer mérito neles mesmos ou em suas obras, eles acalentam uma esperança
secreta de serem recomendados a Deus por sua decência, sobriedade e
performance religiosa. Deste modo, aqueles que têm uma pequena preocupação
com suas almas, como o jovem rico, buscam a vida eterna - "Mestre, que farei eu
de bom, para alcançar a vida eterna?" (Mt. 19:16). Seu maior desejo era parecer
justo diante de Deus. Assim também, aqueles que experimentam uma inquietação
mais profunda, freqüentemente vagueiam buscando perdão e paz. Talvez haja
traços deste sentimento na pergunta ansiosa do pobre carcereiro - "Senhores, que
devo fazer para que seja salvo?" (At. 16:30); e no grito lancinante do prostrado
Saulo - "Senhor, que queres que eu faça?" (At.9:6). Certamente esta justiça
própria é o pior e mais duradouro veneno do coração humano. A maioria dos
homens, debaixo de convicção, se mostra relutante em abandonar a confiança que
depositam em si mesmos. Eles não estão dispostos a tirar suas esperanças das
suas "boas" obras. Eles se assustam com a idéia de estarem perdidos, a despeito
de qualquer coisa que façam. Eles não gostam do perigo de jazer sem socorro e
sem justificativa, aos pés da soberania de Deus. Quão solene estas palavras
deveriam ser, para um pecador neste estado "Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus".

1 — SALVAÇÃO É PELA GRAÇA:


Quando um homem escolhe uma maçã de uma árvore, ele geralmente escolhe a
mais madura, a que parece ser melhor. Não é assim que Deus age na escolha das
almas que Ele salva. Até porque Sua escolha é feita na eternidade passada. Ele não
salva aqueles que menos pecaram ou aqueles que estão mais dispostos a serem
salvos. Ele frequentemente escolhe os mais vis dentre os homens "para o louvor e
glória da Sua graça" (Ef 1.6). Isto é provado pelos exemplos dados na Bíblia. Por
que Deus escolheu Manassés, que "queimou a seus filhos." Pôs imagem de

36
site www. monergismo.com - artigo - Fé salvadora: dom de Deus
69

escultura na casa de Deus" e encheu Jerusalém com o sangue de homens santos,


enquanto muitos do seu povo que pecaram muito menos, pereceram? (2º Cr 33).
Por que Deus salvou Zaqueu "maioral dos publicanos"? (Lc 19.10). Por que Jesus
disse aos fariseus: "os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino
de Deus." (Mt 21.31)? Por que Jesus entrou no paraíso com um pobre ladrão, que
nunca tinha feito nada a não ser pecar, até seu último momento? (Lc 23.43 e Mt
27.44) Por que Ele deixou o outro ladrão, que não era pior do que seu companheiro
(ambos merecedores do inferno), cair em perdição, estando ao alcance dos braços
do Salvador Todo-Poderoso? Todas estas coisas aconteceram a eles como
exemplos, para nos mostrar que Deus salva de acordo com a Sua boa vontade, não
por nossas "boas" obras, mas para mostrar Sua santa, justa e livre graça.
A mesma coisa se prova pela experiência de todo filho de Deus. Somente aqueles
que "provaram que o Senhor é gracioso", não sentem objeção no seu coração à
declaração de um simples crente - "Se Deus não tivesse me escolhido antes de eu
ter nascido, Ele nunca veria motivo para me escolher depois, pois não há nada em
mim que atraia o amor de Deus". Ver Jó 25.5-6. Ele ama o que é puro santo e
perfeito. Paulo entretanto diz: "mas eu sou carnal, vendido sob o pecado" (Rm
7.14). Tudo o que há em mim contribui para afastar a Deus. "Um Deus que se ira
todos os dias contra o mau" – Sl 7.11. A Sua natureza me causava aversão, pois eu
estava debaixo do pecado de Adão. Fui formado em iniqüidade. Cada membro do
meu corpo e cada área da minha alma era escravo do pecado. Eu não desejava
conhecer Seus caminhos, mas Ele me fez desejar o dia do Seu poder. Glória ao Pai
que me escolheu; ao Filho que morreu por mim e ao Espírito que me vivificou! A
salvação é do Senhor e é totalmente por Sua graça.

2 — SALVAÇAO É POR MEIO DA FÉ:


Quando David Brainerd37 estava sob convicção de pecado, a corrupção existente no
seu coração foi terrivelmente incomodada pelo fato de que a única condição para a
salvação era a fé. Ele costumava falar - "Este é um duro discurso, quem pode
suportá-lo?" Outra coisa que o mantinha na miséria era que - "eu não descobria o
que era fé, ou o que era crer e vir a Cristo. Eu lia os chamados de Cristo aos
cansados e sobrecarregados, mas não podia achar o caminho pelo qual eles são
dirigidos a Ele". Esta é uma dificuldade que a maioria dos pecadores inquiridores,
sente. É provável que Satanás use isto, frequentemente, como um dardo inflamado
para manter pobres pecadores longe de Cristo. O único modo de saber o que é a fé
é experimentando-a.
Em uma parte da Palavra, ela é descrita como "conhecimento": Ver Jo 17.3. Um
verdadeiro conhecimento de Deus e de Cristo como Seu enviado, é fé salvadora.
Carne e sangue não podem revelá-lO ao pecador, a não ser Deus Pai que está no
céu. Ele abriu o caminho para salvação, de maneira que pecador vê Sua sabedoria,
excelência e libertação. O homem nada pode fazer, a não ser crer, e esta humilde
confiança, é aquela fé que é dom de Deus.
Em outra parte das Escrituras, a fé é descrita como descoberta da beleza e
excelência de Cristo. Uma descoberta real da glória do Senhor Jesus Cristo na alma,
de forma correta e libertadora, é fé salvadora.

O texto de Efésios 2.8,9 elimina o fundamento de todos e de cada um dos sistemas


de salvação pelas obras. De qualquer ensino que nos diga que nossas realizações,
nossas obras, nossos esforços, são necessários para trazer a salvação. E é uma

37
Jonathas Edwards, O diário de David Brainerd
70

crítica vazia dizer que Paulo fala aqui somente da simples provisão da possibilidade
de salvação. Ele diz que seus leitores foram salvos pela graça através da fé. Eles já
tinham entrado no estado de salvação e continuavam nele. Os meios de sua
salvação são ditos ser pela graça, livre graça. Eles foram salvos através da fé.
Até este ponto todos concordam, pelo menos nos assuntos básicos. O debate
começa com a próxima frase: “e isto não vem de vós, é dom de Deus”. O assunto
básico é, “a que a palavra “isto” se refere?” O termo é um pronome neutro
singular demonstrativo. A regra básica é procurar um pronome neutro singular no
contexto imediato, como o antecedente do pronome. Todavia, não há nenhum
pronome neutro na primeira frase de Efésios 2.8. “Graça” é singular feminino; “sois
salvos” é um particípio masculino; “fé” é singular feminino.
Assim, a que isto se refere?
A resposta simples é: a toda frase “porque pela graça sois salvos, através da fé”. É
uma boa gramática grega usar um pronome neutro para abranger uma frase ou
uma série de pensamentos numa simples palavra. O ponto de Paulo é que a
inteireza da obra da salvação é um dom de Deus, não obra do homem. Tudo dela é
livre, tudo dela é divino, não humano. Ver os comentários de W. Hendriken, John
Stott e Martin Llyod-Jones sobre Efésios.
E sobre a reivindicação de que Efésios 2.8 ensina que a fé é um dom de Deus? É
comum para muitos apontarem triunfantemente que: a “fé” é feminino e “isto” é
neutro, então: fé não pode ser um dom. Isto é somente parcialmente verdadeiro.
Quem defende assim terá que admitir que a graça mencionada em Efésios 2:8 é um
dom: todavia, ela é feminino singular também, o que, se seguirmos o raciocínio
dele, significaria que a graça não é um dom, não mais do que a fé o é. Tal
argumentação é muito superficial para permitir que uma conclusão significativa seja
extraída.
Não há razão, contextual ou gramatical, para aceitar que o fato de que dois dos
três elementos substantivos (graça e salvação) sejam um “dom”, enquanto que o
terceiro, fé, seja uma contribuição estritamente humana. A teologia de Paulo,
incluindo o fato de que ele especificamente se refere à fé como algo que nos é
“concedido” (Filipenses 1:29), indica que todos os três elementos juntos constituem
um dom singular de Deus, porque certamente a graça é Sua, para livremente dar;
a salvação é Sua, para livremente dar, e da mesma forma, a fé salvadora é o dom
de Deus dado aos Seus eleitos.
A fé vem pelo ouvir a mensagem da Palavra. Deus decretou instrumentos para
chamar os homens à fé. O pecador ouve sobre Cristo e Sua obra (conhecimento);
aceita tais fatos e reconhece que é pecador (aprovação). Ambos os elementos não
trazem salvação. É preciso que alie-se ao conhecimento e à aprovação, a confiança.
Baseado em The Potter”s Freedom, de James White (disponível em ebook).
71

Apêndice 2 – O artigo foi publicado no boletim da Igreja dos Irmãos – Tubalina –


Uberlândia – MG (por Egon Paulitsch)
Salmo 26.8 – A glória de Deus
Davi nesta oração (salmo 26) derrama seu coração por causa do julgamento de
Deus. Suas ações e atitudes, avalia-as pelos critérios de Deus. Pesa sua vida em
comparação com a dos pecadores na balança da virtude, pois reconhece seu padrão
de fidelidade. O bloco de 6 a 8 é uma declaração de santificação de vida que lhe
permite estar no local de Deus – o tabernáculo. Sua vida está limpa. Tem a
liberdade – devido à Graça perdoadora de Deus, de estar na presença da Glória de
Deus.
A situação de apatia e da mesmice de muitos crentes; a busca pelo
entretenimento e a impaciência diante de um período de louvor cujas músicas têm
letras elaboradas na sã teologia; a agonia das mentes diante do tempo prolongado
de estudo ou pregação e o desesperado desejo de ouvir mensagens emocionais ao
invés de exposições claras, fiéis e profundas do texto bíblico – um diagnóstico
revela-se: Os crentes perderam o amor pela habitação da casa do SENHOR, a
GLÓRIA e a majestade de Deus. Preferem os remédios populares no mercado
evangélico, mesmo sabendo que o efeito é momentâneo e inebriante.
John Piper num artigo disse: “Estou persuadido de que a visão da grandeza de
Deus é o segredo da vida da Igreja. Tanto no ministério pastoral quanto na
expansão missionária.” A falta da visão da Glória de Deus tem transformado nossas
igrejas em clubes evangélicos com boas regras morais e éticas. Mas, é perceptível o
tipo de alegria neste clube. Não há prazer. Não há comprometimento profundo
entre os irmãos.
A Glória de Deus está no céu, na habitação de Deus. Ela pode se materializar. A
história nos ensina. No deserto apareceu como uma nuvem e coluna de fogo; no
rosto de Moisés; na sarça ardente. Ezequiel teve a visão do templo do milênio e viu
que a Glória de Deus entrava pelo portão oriental.
72

A Glória de Deus é visível na criação. Está no homem – criado à imagem


conforme a semelhança de Deus. O nome de Deus é glorioso. Jesus abriu mão de
Sua Glória para habitar entre os homens, pois os pecadores não suportariam olhar
para o Cordeiro de Deus com Sua Glória resplandecente.
A Glória de Deus é Sua posição de honra e poder. Encontra-se na total
capacidade de Deus de ser honrado, pois Deus é santo e puro. A Glória pode ser
vista – é a luz da salvação que resplandeceu nas trevas do coração pecador; é a
Palavra santa revelada e inspirada que exalta ao SENHOR.
A Glória de Deus que não pode ser descrita em palavras, visto que Deus é
infinito e habita em luz inacessível. Nossa mente é tão pequena para entender tão
complexa realidade e tão intrigante palavra, mas revela que a honra e a reputação
de Deus é a Sua Glória. Não necessita de algo material que apele aos sentidos –
por isso Deus não se deu em corpo aos olhos de Moisés, porém expressou Sua
majestade.
São inúmeros os fenômenos físicos que acompanham a revelação da Glória de
Deus na Bíblia. O caráter de Deus é profundo e alto e largo, contudo compreensível
por meio de Sua Palavra. Mesmo assim, Deus habitou com Seu povo – no jardim;
no tabernáculo; no templo; no serviço sacerdotal... em Cristo; na Igreja e ela será
a luz da nova Jerusalém. Atentemos à avaliação de Tozer: “A Glória de Deus não
tem sido revelada a esta geração de homens. O Deus do cristianismo
contemporâneo é apenas um pouquinho superior aos deuses da mitologia greco-
romana, se não lhes for na verdade inferior...” Qual é a razão?
Nós nos contentamos com tão pouco. Pior ainda, muitos nem se dão conta de
que Deus é tremendo e poderoso. A Glória de Deus está obscurecida. Igrejas têm
dado peso de glória aos homens, aos prédios e aos programas. A sociedade tem
dado glória aos seus ídolos (cantores, atores, políticos, jogadores) que estão
banhados em pecados sexuais, financeiros. Nós nos satisfazemos com coisas
efêmeras. Desviamos nosso olhar da Glória celeste para nos deliciarmos com a
visão da matéria podre e decadente. Desviamos nosso coração da Glória celeste
para nos embebedarmos com o prazer das futilidades. Deixamos a presença da
Glória de Deus na adoração, na oração, na Palavra (nos cultos e EBD e vida
devocional) para presenciar programas banais, estúpidos, apelativos da Tv ou em
atividades que não edificam a alma cristã. Faltam-nos critérios santos.
Recuperar, agora, a visão da Glória de Deus na vida do adorador é o apelo da
Palavra. Não com feitos e efeitos espetaculares que ofuscam a Glória de Deus; não
com gritarias e barulheiras de sons e palavras que abafam a voz de Deus. Corações
quebrantados, humildes e sensíveis à palavra de Deus expressam amor a Glória de
Deus. Adoradores que desejem estar na presença de Deus. Que prefiram honrar a
Deus mais que a si mesmos.
Meditemos nas palavras sábias de Molinos – “Deus tomará a alma pela mão e a
conduzirá pelo caminho da verdadeira fé e fazendo com que o entendimento deixe
de lado todas as considerações e os raciocínios, Ele a faz prosseguir... Assim,
através de um simples e obscuro conhecimento da fé, leva-a aspirar apenas por
Seu noivo, nas asas do amor... e que a bondade e a beleza do seu amado
ultrapassem infinitamente todo esse conhecimento. Ame a Deus como Ele é em si
mesmo e não como a sua imaginação diz que Ele é.” Toda Glória ao SENHOR.
73

Apêndice 3 – Estudo extraído da apostila de Discipulado (Igreja Evangélica dos


Irmãos em Macapá), por Egon Paulitsch
DOUTRINA DA ELEIÇÃO
(Adaptado de Teologia Concisa - JIP e O Plano da Salvação – B. Warfield)

Inicialmente, vamos dar o significado dos termos relacionados:


 PREDESTINAÇÃO: “é a palavra para significar a preordenação de Deus de
todos os eventos da história universal sejam eles passados, presentes ou
futuro”. Mas, podemos usar o termo para indicar especificamente a decisão
de Deus tomada na eternidade antes de qualquer coisa criada, acerca do
destino final dos pecadores individuais. É uma palavra sinônima para o plano
total de Deus. Ef 1.5,11; Rm 8.28,29; At 4.28; 1ª Co 2.7
 ELEIÇÃO: O termo significa “escolher”, “selecionar”. “A doutrina bíblica da
eleição consiste em que, antes da Criação, Deus selecionou da raça humana,
antevista como decaída, aqueles a quem Ele redimiria, traria à fé, justificaria
e glorificaria em Jesus Cristo e por meio dEle (Rm 8.28-39; Ef 1.3-14; 2 Ts
2.13,14; 2 Tm 1.9,10)”. JIP
 REPROVAÇÃO: É o nome que se usa para designar a eterna decisão de Deus
em não escolher um grupo de pecadores para a vida eterna.
A doutrina da eleição envolve mistério e, particularmente, é a que gera mais
controvérsias entre os grupos evangélicos de linha ortodoxa. “Mas nas Escrituras é
uma doutrina pastoral, incluída ali para ajudar os cristãos a verem quão grande é a
graça que os salva, conduzindo-os à humildade, confiança, alegria, louvor,
fidelidade e santidade pessoal como resposta”. JIP.
Uma tentativa de esclarecer a doutrina: é Deus (não o homem), por Seu
propósito pessoal (de acordo com Sua vontade e não por qualquer vontade do
homem), que desde a eternidade (o período da ação de Deus e não o tempo em
74

que o homem age) resolveu salvar (pois todos estavam mortos; ninguém tinha
salvação) um número definido de pessoas dentre a humanidade (não todos
os homens), como indivíduos, não em face de alguma obra praticada ou
mérito de tais indivíduos, muito menos por qualquer valor que possam ter
diante dEle (não por causa de fé, obras, santidade), mas por Seu beneplácito
(aprovação), simplesmente porque Ele se agradou em assim escolhê-los.
Dizemos também que aqueles a quem Deus predestinou para a vida, Ele se
agrada em chamar eficazmente, no tempo aceitável e por Ele determinado, por
meio da Sua Palavra e de Seu Espírito: do estado natural de pecado e morte – para
a graça e a salvação por Jesus Cristo.
A doutrina da eleição nos ensina que o homem é responsável por sua
condenação, pois todos pecaram e todos estão mortos espiritualmente. Ensina
também que aqueles que foram eleitos serão salvos, pois não podem resistir à
Graça salvadora, obviamente, respondem afirmativamente pela fé (que é dom de
Deus).
Muitos crentes usam Rm 8.29 para dizer que Deus escolheu aqueles que Ele
conheceu, pois sabia que eles aceitariam o Evangelho. A palavra “de antemão
conheceu” significa “amor prévio, “designação prévia”; é usada como
conhecimento temporal (At 26.5); a relação de Deus com Israel (Rm 11.2); o
sacrifício de Cristo (At 2.23; 1ª Pe 1.20); o povo de Deus hoje (1ª Pe 1.2). “Segue-
se disto que este conhecimento depende do beneplácito (aprovação) divino, visto
que, ao adotar aqueles a quem Ele quis, Deus não teve qualquer conhecimento
antecipado das coisas fora de Si mesmo, senão que destacou aqueles a quem
propôs eleger” - Calvino, comentário de Rm 8.29. Como o conceito de
relacionamento envolve tal palavra? Deus anteviu fé e não pessoas? Ou vice-versa?
Certamente, Deus viu pessoas e o Seu relacionamento com elas – ver 1ª Pe 1.2; At
2.23; Rm 11.2. O conhecimento prévio inclui o processo usado na obra de salvação
sem a participação do escolhido. Os pecadores estão mortos e não podem chegar,
por si mesmos à fé e ao arrependimento. Em João 6.44,65; 10.25-28, Jesus nos diz
que os pecadores que O escolhem, fazem-no porque Deus os concedeu ao Filho.
Quando aconteceu a eleição? (baseado em Warfield)
A resposta envolve o que chamamos de “ordem dos decretos”. A pergunta
inicial envolve a decisão sobre duas linhas de pensamentos: (1) “Deus planejou
simplesmente deixar o homem com capacidade maior ou menor para si mesmo se
salvar”. Ou (2) “planejou intervir Ele próprio para o salvar”. É claro, nossa posição
é: Deus é quem salva o homem. O homem não tem poder para se salvar.
A segunda decisão que temos de tomar envolve outras duas linhas de
pensamentos que estão relacionadas com os que adotam a posição 2 acima e
relaciona-se na maneira como o poder salvador de Deus é exercido na alma do
homem: (a) Deus, por cujo único poder efetua a salvação, salva os homens por
uma relação direta e imediata com eles como indivíduos; ou (b) Deus, salva-os por
meio de agências com poder sobrenatural por Ele estabelecidas no mundo. Em
outras palavras: Deus salva os homens por ação imediata da Sua Graça ou usa algo
(agência) para tal fim? Certamente, nossa posição é a que esta descrita em (a).
Cremos que Deus opera diretamente na alma humana, sem qualquer intermediário.
A Igreja reconhece que Deus pode usar instrumentos para que o Espírito Santo faça
a obra de salvação, mas tais instrumentos não são agentes que operam a salvação.
A terceira decisão discute se o poder para a salvação que vem de Deus é
diretamente na alma: (1) atinge todos os homens indiscriminadamente para que
sejam salvos ou não; ou (2) exerce somente sobre alguns (individualmente) que
serão realmente salvos. A divergência envolve: Deus tem um plano (1) para salvar
75

todos os homens pela Sua graça eficaz ou (2) se a Sua graça salvadora apenas é
derramada sobre os homens, pois a cada um individualmente, dado por ação direta
que cada um responda à Graça salvadora. Não somos universalistas (1), mas
optamos pelo particularismo (2). Mesmo esta tem seus dois grupos divergentes.
A quarta decisão é se o decreto de Deus da eleição e da reprovação diz
respeito aos homens (1) considerados simplesmente como homens ou (2)
considerados já como pecadores – uma raça corrupta? Dr Warfield toca no ponto
central da questão: o pecado. Ele diz: “tem de haver a perspectiva do pecado para
o estabelecimento de um decreto de salvação, assim como para o estabelecimento
de um decreto de punição.” Por isso, Deus por não desejar que todos os homens
morressem em seus pecados, intervém para salvar da ruína e da destruição um
grupo numeroso. Faz assim de acordo com Sua justiça, movido por Sua compaixão
e Graça. Assim, aceitamos o item 2.
O esquema do plano de salvação pode ser assim descrito: (1) permissão da
queda; (2) eleição de alguns para a salvação; (3) Morte de Cristo como fundamento
e oferta da salvação; (4) dádiva do E. Santo para salvar os eleitos; (5) santificação;
(6) glorificação.

APÊNDICE 4
O Significado de 1ª Pedro 3.19
por Egon Paulitsch

O Argumento da Carta
Pedro escreve a sua primeira epístola com um propósito pastoral. Seus
destinatários são “os peregrinos da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e
Bitínia” (cap. 1.1).
De que maneira os crentes devem agir e reagir diante dos sofrimentos?
Para dar base aos seus pedidos, Pedro se vale das doutrinas da eleição,
salvação e escatologia. Elas se tornam uma força motivadora que diz qual é a
posição que os crentes têm em Cristo e orientam a postura que devem manter
enquanto “estrangeiros residentes38 neste mundo.
O apóstolo Pedro exorta os crentes a terem uma vida exemplar para com os
de fora: prática zelosa de boas-obras; submissão às autoridades; tratar as pessoas
com respeito; estimula-os a viverem um estilo de vida segundo o exemplo de Jesus
Cristo. Também, dá-lhes ânimo quanto à perseguição que sofriam e que ainda
viriam a sofrer, pois, de Roma, onde Nero imperava, se irradiava uma terrível
perseguição contra os cristãos. Eles estão dispersos, mas, ali, a perseguição os
atingiria. Eles deveriam estar cônscios de que, assim como no passado, Noé
recebeu afrontas, escárnios, provações quando pregava aos antediluvianos e Cristo
em Seu ministério terreno; os peregrinos (paroikos), do mesmo modo, deviam,
pacientemente, suportar as perseguições, pois, para eles, estava assegurada a
maravilhosa esperança - a ressurreição que Cristo prometera. Pedro ilustra a futura
vindicação dos cristãos apontando para Jesus Cristo e Sua exaltação como
recompensa de Deus por Sua fidelidade.

38
MUELLER, Pedro., I Pedro - Introdução e Comentário, p. 30
76

O comportamento dos crentes para com os de dentro é salientado pelo


apóstolo: misericordiosos uns com os outros; humildade; oração uns pelos outros;
hospitalidade; uso do dom espiritual; atitudes de amor... Certamente, os líderes
são conclamados a se apresentarem como modelos do rebanho por demonstrarem
em suas vidas e ministérios as credenciais de seguidores de Cristo.

Pedro escreve aos peregrinos para animá-los a manterem uma


vida exemplar digna de sua posição de salvação, incentivando-os
a perseverar diante do sofrimento como Cristo fez, a fim de serem
aperfeiçoados.

O Texto e o Contexto

Dentro da divisão da carta, o nosso texto está na terceira seção:


2.11 a 4.6 – exortação para uma postura cristã exemplar de submissão.
a) 2.11-12 – peregrinos submissos para honrar a Deus.
b) 2.13-17 – peregrinos submissos às autoridades para honrar a
Cristo.
c) 2.18-25 – peregrinos submissos mesmo sendo escravos para
honrar a Cristo.
d) 3.1-7 – peregrinos submissos em seus relacionamentos
matrimoniais para honrar a Cristo.
e) 3.8-12 – peregrinos submissos em seus relacionamentos sociais
para honrar a Cristo.
f) 3.13-22 – peregrinos submissos testemunham de Cristo diante
do sofrimento injusto para honrar a Cristo.
1) 3.13-17 – o sofrimento injusto dos peregrinos submissos é
uma oportunidade de testemunho.
2) 3.18 – o sofrimento injusto foi a situação na qual a salvação
foi realizada por Cristo.
3) 3.19,20 – o sofrimento injusto foi a situação na qual a
salvação foi anunciada na época de Noé.
4) 3.21,22 – o sofrimento injusto pode advir da identificação com
Cristo no batismo.
g) 4.1-6 – peregrinos submissos não se conformam ao mundo a fim
de honrar a Cristo.

O texto de 3.18 a 20
18 – οτι και χριστος απαξ περι αμαρτιων επαθεν δικαιος υπερ αδικων ινα ημας
προσαγαγη τω θεω θανατωθεις μεν σαρκι ζωοποιηθεις δε τω πνευματι
19 – εν ω και τοις εν φυλακη πνευμασιν πορευθεις εκηρυξεν
20 – απειθησασιν ποτε οτε απαξ εξεδεχετο η του θεου μακροθυμια εν ημεραις
νωε κατασκευαζομενης κιβωτου εις ην ολιγαι τουτ εστιν οκτω ψυχαι διεσωθησαν δι
υδατος39

(tradução livre):
18 - Porque também Cristo sofreu de uma vez por todas pelos pecados, o
justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus; foi, certamente, morto na carne,
mas foi feito vivo no espírito;
39
Há uma diversidade grande de manuscritos para a leitura nesta palavra. Os melhores indicam como
probabilidade maior que foi esta a palavra empregada por Pedro.
77

19 - no qual também foi, e fez uma proclamação aos espíritos em prisão;


20 - os quais outrora foram rebeldes, quando unicamente a longanimidade de
Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto preparava a arca; na qual poucas, isto
é, oito pessoas se salvaram através da água.

1. Identificar os problemas
Introdução
Alguns já denominaram esse texto de "O Oráculo negro do Novo Testamento";
e outros: de “o menor texto de maior dificuldade”. É no Credo Apostólico que
aparece a frase: "desceu ao inferno". Muitos comentaristas bíblicos buscam desatar
o "nó" desse problema. Ou seja: Jesus desceu ao inferno? Não é incomum observar
que tratam do tema unificando 3 passagens: Efésios 4.9 – “... descera às regiões
mais baixas da terra”; 1ª Pedro 4.6 - “... foi pregado o evangelho também aos
mortos, ...” e o nosso texto de análise. Os textos não se referem ao mesmo evento.
A passagem de Efésios interpreta-se como uma referência à Encarnação de Cristo
Jesus40. A intenção de Pedro em 4.6 é, no contexto, de testificar que cristãos
mortos na carne ou no corpo (julgados pelos homens) porque creram no Evangelho
que lhes foi pregado, agora vivem no espírito (segundo Deus) 41. Portanto, o nosso
texto está sozinho.

Os problemas
O texto apresenta 5 problemas hermenêuticos:
(1) Onde estavam os espíritos?
(2) Quem são os espíritos mencionados?
(3) Quem pregou aos espíritos?
(4) Quando se deu a pregação?
(5) Qual foi o conteúdo da mensagem?

Perguntas indicativas à uma tomada de posição final


Além de responder às questões acima, podemos identificar as seguintes
dificuldades que o texto apresenta:
(a) Se todo o contexto de 1ª Pedro demonstra as atividades de Cristo na Sua
encarnação, paixão e entronização não seria estranha uma referência à atividade
pré-encarnada sem uma menção clara?
(b) Se a pregação foi uma oportunidade para salvação, por que só aos
contemporâneos de Noé?
(c) Se a pregação foi aos anjos caídos, tinha a necessidade de Jesus expor Sua
vitória; ou anunciar algum tipo veredito condenatório?
(d) Se a pregação foi ofertar salvação a todos os mortos do período anterior à
encarnação e à paixão de Cristo, qual é a validade da fé e das promessas vétero-
testamentária?
(e) Se a pregação foi do Cristo pré-encarnado em espírito, como relacionar
pessoas vivas – no contexto da vida de Noé com o contexto dos versículos de 1ª Pe
3 que indica que “estavam em prisão”?
(f) Se a pregação foi medianeira, através de Noé, de que maneira, então,
interpretar a antítese que os versos apresentam entre “carne” na qual Cristo sofreu
40
Ver Efésios, comentário do Novo Testamento de William Hendriksen, Editora Cultura Cristã, pp. 236-239
41
Ver Mueller, Enio. 1ª Pedro – Introdução e Comentário, Edições Vida Nova, pp 231-233. No comentário de
4.6, podemos usar a argumentação de Mueller para refutar a posição defendida por Champlin no seu comentário
versículo-por-versículo cuja tese em 1ª Pe 3.19 é da universalidade do oferecimento da redenção. Champlin não se
define como universalista e até a rejeita, com argumentos, tal posição.
78

e “espírito” no qual pregou? Além disto, qual justificativa para uma mudança na
tradução da conjunção δὲ de “em” por “pelo” para, assim, melhor expressar a
intenção do argumento?
(g) Por que Pedro usaria o termo πνευμασιν (pneumasin) para anjos se ele dá
indicações de preferir ἄγγελοι (angeloi) em 2ª Pe 2.4,11?
(h) Dizer que a “proclamação” se deu entre a morte e a ressurreição não é
ignorar que 3.18 afirma que Jesus foi vivificado no espírito, ou seja, que Cristo já
ressuscitara? (Os evangelhos de Mateus, Lucas e João dizem que quando Jesus
morreu – entregou o Seu espírito.)
(i) Qual é a relação aplicativa que Pedro tinha em mente ao usar o argumento
de 3.19 com os sofrimentos que a perseguição impingia sobre os cristãos?

2. Listagem das opções

Termo bíblico Opiniões Históricas


Em que Inferno Tártaro Uma prisão Prisão do corpo
prisão?
Que espíritos Anjos caídos Rebeldes da Os Patriarcas Justos e
eram? época de Noé injustos
Quem Cristo Noé Espírito Santo Os apóstolos
pregou?
Quando se Na época de No período do Após a
deu a Noé sepultamento de ressurreição de
pregação? Cristo Cristo
O conteúdo Mensagem de Mensagem de Vitória de
da pregação? salvação condenação Cristo

3. Eliminação das alternativas


Posicionamento temporal – Quando Cristo foi?
3.1 Alternativa: Agostiniana – O Cristo pré-encarnado pregou através de Noé aos
seus contemporâneos.
Refutações:
Argumento contextual – (1) Pedro fala de Cristo como quem morreu (3.18);
ressurreto (3.18,21); entronizado (3.22). Não há indicação alguma de uma ação
pré-encarnada de Cristo.
(2) A construção do pensamento de Pedro é de oferecer um exemplo e uma
esperança aos cristãos através da atitude de Cristo. Portanto, seria superficial
introduzir Cristo pré-encarnado.
Argumento hermenêutico – O verso 18 afirma que Cristo morreu na carne e
foi vivificado no espírito. A palavra vivificar é pouco frequente no NT, mas Paulo a
usa em Romanos 4.17; 1ª Coríntios 15.22,36,45 e Jesus em João 5.21 onde
aparece juntamente com ressurreição. A palavra é aceita como sinônima de
ressurreição. Então, o verso 19 – “no qual foi...” deve ser entendido – “foi no Seu
corpo ressurreto”.
79

Argumento linguístico – Pedro diz que “os espíritos” estavam em prisão. Não
livres ou soltos. O termo é melhor entendido como substantivo e não adjetivo, pois
vem antes do verbo e assim demonstra sua ênfase.
Champlin tem muitos argumentos contra esta posição em seu comentário.

3.2 Alternativa: credo apostólico – Cristo desceu ao inferno entre Sua morte e
ressurreição.
Refutações:
Argumento linguístico – A expressão “vivificado no espírito” significa
“ressurreição”. Por que devemos entendê-la assim? A palavra “vivificar” significa
“fazer viver”; “dar a vida”; “trazer à vida”42. O que foi vivificado em Cristo? Jesus
na cruz disse: Pai, entrego em Tuas mãos meu espírito. É uma referência à Sua
morte. O corpo (carne do verso 18) morreu – perdeu suas funções vitais. Cremos
que a Bíblia afirma a imortalidade da alma (ou espírito). Por isso, a expressão é
uma referência à ressurreição de Cristo.
Argumento teológico – Independente do conceito acerca do conteúdo da
proclamação, precisamos nos perguntar: O que Jesus faria no local chamado
“prisão” antes da Sua ressurreição? É a ressurreição que autentica a vitória na cruz.
É pela ressurreição que a vitória sobre a morte é atestada e assegurada (Rm 4.25).
Além disto, Pedro faz uma antítese no verso 18 entre “carne – morte” e “espírito -
vivo”.

Posicionamento da identidade: Para quem Cristo foi proclamar?


3.3 Alternativa: pessoas
Refutação:
Argumento linguístico – A palavra “espíritos” (pneumasin) tem um amplo uso
no NT. Fora dos textos em que há indicadores (de Deus; de Cristo; Santo), mais de
40 vezes é usado para indicar “seres angelicais” (ver: Mc 1.23; Hb 1.14).

3.4 Alternativa: anjos (demônios)


Refutações:
Argumento gramatical – A pergunta é: Por que Pedro usaria “pneumasin”
podendo usar “angeloi”? Na verdade, ele fez isto na 2ª carta e tratou do assunto
que muitos crêem estar aqui, embora outros não.
Argumento hermenêutico – Muitos que defendem esta alternativa usam
Gênesis 6 para embasar seus argumentos. Apesar do peso linguístico de aceitar
“filhos de Deus” em Gênesis 6 como anjos, o contexto dos capítulos de Gênesis 5 e
6 favorecem significado da expressão como a descendência de Seth.

Posicionamento da mensagem – O que Cristo proclamou?


3.5 Alternativa: universalismo – Cristo foi oferecer uma oportunidade de
salvação às pessoas mortas no inferno.
Refutações:
Argumento doutrinário - A Igreja cristã em suas bases doutrinárias e
teológicas defende que não há uma segunda chance para salvação. Podemos citar
dois textos para afirmar a posição doutrinária: Lucas 16.19-31 e Hebreus 9.27.
Argumento racional e emocional – Se vai haver uma segunda chance, por
que vou me privar de muitas coisas que a Bíblia condena como pecado?

42
Léxico do NT, edições Vida Nova, Gingrich e Danker, vocábulo ζωοποιεω
80

Argumento hermenêutico – O texto parece limitar a proclamação aos


“espíritos desobedientes” da época de Noé. Eles tiveram um século de pregação por
meio de Noé. Não creram. Por que só a eles uma nova oportunidade? O texto não
dá margem para entender que eles representam todos os mortos como afirma
Champlin43. Por outro lado, o texto pode indicar não pessoas, mas anjos.

3.6 Alternativa: triunfalista – Cristo proclamou Sua vitória.


Muitos, dentre os que defendem pessoas ou anjos como sendo “os espíritos”,
afirmam que Jesus foi à prisão para lhes declarar: o plano de Deus para salvação
do homem foi realizado.
Refutações:
Argumento hermenêutico – O texto delimita a ação de Cristo à época de Noé.
Será que eles (anjos ou pessoas) precisavam ouvir do triunfo de Cristo?
Argumento contextual – Isto não faz o texto fluir em coerência, nem se
encaixa nos argumentos de Pedro na carta. Em que isto ajudaria aos irmãos da
época de Pedro a enfrentar os sofrimentos provenientes da perseguição?
Argumento teológico – Qual é a base bíblica para sustentar que Cristo
precisava declarar Sua vitória? Os demônios sabiam do plano de Deus – Mateus
8.29. É claro que o tempo em que se deu a proclamação é importante, pois se
alguém defende a posição medianeira ou intermédiária entre a morte e a
ressurreição, então tal declaração é hipotética ou um blefe. Seguindo a linha de
raciocínio, a ressurreição ainda não aconteceu. Embora o decreto da ressurreição
exista, ela não aconteceu.

Posicionamento do local – Aonde foi Jesus proclamar?


Alternativa: Inferno – Hades ou Tártaro
Refutação:
Argumento linguístico – Pedro poderia usar especificamente quaisquer das
palavras se quisesse indicar o inferno.
A prisão pode estar dentro do Inferno. É a observação de muitos intérpretes.

4. Considerações finais
Qualquer que seja a alternativa escolhida estará sujeita a “chuvas e trovoadas”
teológicas. Devemos optar pela alternativa que melhor responda aos princípios
hermenêuticos. A busca do significado do texto necessita explicar o sentido
pretendido por Pedro no seu argumento de fornecer uma vindicação divina aos
crentes da sua época. Certamente, duas alternativas parecem satisfazer nossa
preocupação: alternativa agostiniana ou a triunfalista. O problema é que ambas
indicam “espíritos” como pessoas. A nossa conclusão se apresenta como triunfalista
modificada ou reconciliação cósmica.
5. Conclusão final
5.1 – Tempo
Concluímos que a expressão “vivificado no espírito” (3.18) refere-se à
ressurreição de Cristo44.

5.2 – Ouvintes
43
O verbo empregado por Pedro é ekêryxen, que se deriva de kerysso, que significa: “proclamar como um
arauto”. O verbo aparece 61 x no NT. Às vezes, é usado para descrever a pregação do Evangelho – e.g. Rm 10.8; Gl
2.2. O seu uso corrente, entretanto não é este. Para tanto ver 4.6 onde Pedro se utilizou de um termo específico
(euengelísthe) à pregação da salvação.
44
Ver 3.2 – argumento linguístico
81

Concluímos que a palavra “aos espíritos” (3.19) refere-se a anjos


(demônios)45.

5.3 – Local
Concluímos que a palavra “prisão” é algum lugar não especificado na Bíblia,
portanto não há como identificá-la. Pode ser um lugar dentro do inferno.

5.4 – Mensageiro
Concluímos que foi Jesus Cristo quem pregou ou proclamou aos “espíritos
em prisão”46.

5.5 – Mensagem
Jesus Cristo foi e proclamou aos “demônios em prisão” a Palavra de
reconciliação sobre todas as coisas que, atestado por Sua vitória na cruz, Sua
ressurreição e Sua entronização, era o governante do universo.

Explicação:
Os textos de 1ª Coríntios 15.24 a 28; Efésios 1.10; 1.20 a 22; Filipenses 2.9
a 11; Colossenses 1.20; Hebreus 2.8,9 falam de uma reconciliação cósmica 47.
Certamente, não é uma mensagem salvífica universalista. Iniciamos com o texto de
Efésios 1.10 que tem seu foco no programa da história de Deus ou nas palavras de
W. Hendriksen é “o tempo apropriado” “... particularmente com o período que
começou com a ressurreição e a coroação de Cristo”. Então, parte do mistério (Ef
1.9; Cl 1.27) é revelado: o governo de Cristo sobre todas as coisas. A coroação de
Cristo (Ef 1.20-22) é a Sua justa recompensa por ter realizado a obra mediadora,
então, por causa dessa, governa todas as coisas no interesse da Sua noiva – a
Igreja.
O texto em questão, bem como os demais, tem sua atenção para a
exaltação e poder governante sobre todos os seres angelicais agora (ressurreição e
ascensão) e no futuro (Ef 1.21; Hb 2.9). A finalidade da posição que Deus deu a
Cristo e da Sua extensão temporal descrita em Efésios 1.22 (também: Fp, Hb e 1ª
Co) é – “sujeitar todas as coisas debaixo de Seus pés” ou nas palavras de Calvino:
“... mas o Pai tem dado o poder a Cristo, para que possa administrar em Seu nome
o governo dos céus e da terra”. A reconciliação de “todas as coisas” não significa
salvação (2ª chance) ou aniquilação dos não eleitos, embora os incrédulos estejam
contemplados. No mesmo nível de ação, portanto os seres angelicais são
contemplados.
Ralph Martin levanta corretamente a pergunta (Cl 1.20): “Qual tipo de
reconciliação universal é contemplada como sendo um fato completado?” Nas suas
observações aqui resumidas e aplicadas à defesa da posição do presente artigo: (1)
refutar qualquer ideia de que algo no universo ficasse fora da obra reconciliadora;
(2) nenhum poder espiritual hostil poderia operar destruição à Igreja; (3) A cruz (Cl
2.15) incapacitou e venceu o maligno; (4) desta maneira, os poderes malignos são
reconciliados e restaurados ao seu lugar sob seu legítimo cabeça, pois tinham se
rebelado (Cl 2.10)48. O efeito da reconciliação para os demônios é serem feitos
subjugados ao senhorio supremo de Cristo. Somamos outras perguntas a fim de
esclarecer o assunto da reconciliação cósmica.
45
Ver 3.3 – argumento gramatical
46
Ver 3.1 – os vários argumentos.
47
Expressão empregada aqui para limitar o estudo e sua aplicação aos anjos maus.
48
MARTIN, Ralph., Colossenses – Introdução e Comentário, Edições Vida Nova, pp. 70,71
82

Qual é a causa para haver a necessidade de reconciliação? O pecado e o que


ele gerou – a morte. Ele atingiu o mundo angelical e também o humano (Is 14.12-
14 ; Ez 28.11-19; e.g Rm 5.12).
Quais são as formas de reconciliação e a quem ela se estende? O sujeito e o
objeto da reconciliação é Deus. Ele foi ultrajado e ofendido. O sangue de Cristo (o
agente) na cruz venceu o pecado, a morte e o diabo (e.g Cl 1.15-22; 1ª Co 15.24-
28). Duas verdades (de muitas) se apresentam na doutrina da reconciliação: (1)
Ela não se estende a todos os anjos. Os maus rebelados serão lançados no lago de
fogo e enxofre – Ap 20.7; (2) Ela não se estende a todas as pessoas. Os
descrentes serão julgados, condenados e lançados no lago de fogo e enxofre –
Apocalipse 20.14. Todos estes reconhecerão o senhorio de Cristo, pois Javé O fez
SENHOR, mas o farão por imposição, enquanto que os eleitos, por adoração (Fp
2.10). Falar de uma reconciliação somente nas dimensões: vertical (Deus e homens
exemplificada nas doutrinas da expiação; justificação; propiciação...) e horizontal
(homem com o homem exemplificada na doutrina da adoção; da comunhão e da
Igreja) é trair o apóstolo Paulo, pois, principalmente, em Colossenses 1.15-20
apresenta a dimensão cósmica da obra de Cristo. No texto, há a afirmativa
majestosa da soberania e supremacia de Cristo na criação e na redenção; na Igreja
e no Cosmos. Tudo o que foi criado (v.16,17) necessitava ser reconciliado (v.20). O
pecado dos anjos e também dos homens rompeu a harmonia da unidade da criação
inicial. Assim, requer-se uma reconciliação. No que tange aos homens, a doutrina
da salvação (bem como da eleição e reprovação) explica.
Qual é a relação da reconciliação com os anjos em prisão?
Após a rebelião no céu, os demônios foram expulsos e colocados nos
principados e potestades. Um grupo deles, porém não guardou sua posição Judas 6
(entendo que 2ª Pe 2.4 é uma referência à rebelião liderada por Satanás no céu).
Eles, então, foram confinados, sob algemas eternas, numa prisão. Assim sendo,
correlaciono 1ª Pedro 3.19 e Judas 6 com Gênesis 6. O tempo do acontecido, como
indica o apóstolo Pedro, se deu nesta época 49.
Portanto, qual foi a razão de Cristo ir à prisão e fazer uma proclamação aos
demônios?
Eles estavam confinados na prisão. Diferentemente dos demais demônios
que têm acesso aos acontecimentos da história da salvação, os “espíritos em
prisão” não. Os principados e potestades foram partícipes da marcha triunfal do
Cristo ressurreto (Ef 4.10); os “ espíritos em prisão” não. Por isso, entendemos que
o tempo da declaração tem que ser após a ressurreição. É a ressurreição a
confirmação da vitória na cruz pela morte do Filho Unigênito (Rm 4.25); do plano
eterno de Javé. A mensagem de Jesus Cristo: Javé sujeitou todas as coisas aos
Meus pés. A vitória está consumada, a rebelião condenada e o juízo eternamente
confirmado. Como afirma F.F. Bruce sobre o texto de Colossenses 1.15-20: “é uma
pacificação dos seres cósmicos, submetendo-os contra suas vontades a um poder
que não podem resistir”.

APLICAÇÃO
O apóstolo Pedro utiliza-se da reconciliação cósmica para animar seus leitores a
enfrentarem as dificuldades e as perseguições. Assim como Deus exaltou Jesus por
Sua obediência e Sua obra na cruz, assim Deus honrará os fiéis. O ponto que
sinaliza é o juízo de Deus. A vindicação aconteceu com Cristo e ela acontecerá com
a Igreja. Os leitores de Pedro poderiam se tranquilizar de que no reino de Deus não
49
Não penso que os anjos maus em sua forma espiritual possuíram as mulheres, mas, é possível, que tenham
possuído os corpos dos “filhos de Deus” – descendência de Sete, incitando-os à prostituição (Jd 7).
83

há impunidade. Se o sofrimento parecer injusto, deveriam lembrar de que Noé


sofreu e manteve-se fiel; Jesus sofreu e morreu, mas sempre fiel. Eles e nós somos
encorajados à fidelidade, pois a justiça de Deus é certa. Não importa o que nos
venha a acontecer, com Cristo somos vencedores.

Apêndice do artigo de 1ª Pedro 3.19


Posição Católica Romana50
"A Morada dos Mortos para a qual o Cristo morto desceu, a Escritura a denomina o
Inferno, o sheol ou o Hades, visto que os que lá se encontram estão privados da
visão de Deus. Este é, com efeito, o estado de todos os mortos, maus ou justos, à
espera do Redentor, o que não significa que a sorte deles seja idêntica, como
mostra Jesus na parábola do pobre Lázaro recebido no “seio de Abraão”. São
precisamente essas almas santas, que esperavam o seu Libertador no seio de
Abraão que Jesus libertou ao descer ao Inferno." Falam do "Limbo Patrum", que
significa a prisão do nosso texto, e entregou a alma dos santos e patriarcas do
Antigo Testamento e os precedeu para o céu.
Quanto ao Inferno propriamente dito, Jesus desceu lá, porém "não para libertar os
condenados nem para destruir o Inferno da Condenação." (tudo cf. Catecismo
n°632-633). Acerca do texto de 1ª Pe 3.19 diz a Bíblia de Jerusalém: “alguns dizem
que são demônios acorrentados de que fala o livro de Enoque e que foi Enoque que
pregou... eles esperam o domínio total do Kyrios”; Outros defendem os espíritos
dos mortos que, embora punidos no dilúvio, são, entretanto, chamados para a vida
pela paciência de Deus.”

Posição Agostiniana:
Agostinho, bispo de Hipona, interpretou assim: "Os espíritos encarcerados na prisão
são os ímpios que viviam no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas se achavam
presos na escuridão da ignorância, como em uma prisão; Cristo pregou a eles, não
na carne, pois ainda não se encarnara, mas no espírito, isto é, em sua natureza
divina" (Ad Evodiam, ep. 99).

Ênio Mueler
Jesus desceu ao inferno após sua ressurreição e proclamou aos demônios –
identificados como “os filhos de Deus” de Gn 6. Jesus anuncia sua vitória por meio
da morte e ressurreição.

Alguns que seguem na mesma linha:


John Gill: “O apóstolo Pedro escreveu esta epistola a fim de dizer que Cristo não foi
para a prisão, nem pregou nela, nem aos espíritos que foram, então para lá,
quando ele pregava, mas a pessoas vivas nos dias de Noé. E que sendo
insubmissos quando morreram suas almas foram colocados em prisão separada, e

50
Site: www. universocatolico.com.br
84

lá eles estavam quando o apóstolo escreveu: temos de aprender que era Cristo,
que existia na sua natureza divina antes de ser encarnado.”

John Piper:51
“Acredito que ele significa que, quando essas pessoas estavam vivas nos dias de
Noé, o Espírito de Cristo pregou a eles através da pregação de Noé; e agora eles
estão em prisão.”
“Assim, minha conclusão é que não existe nenhuma base textual para crer que
Cristo desceu ao inferno. De fato, ele disse ao ladrão sobre a cruz: “Em verdade te
digo que hoje estarás comigo no Paraíso”. Essa é a única pista que temos quanto
ao que Jesus estava fazendo entre a morte e a ressurreição. Ele disse, “Hoje – na
tarde dessa Sexta, após estarmos mortos – você e eu estaremos no Paraíso
juntos”. Não penso que o ladrão foi ao inferno e que o inferno seja chamado
Paraíso. Acredito que ele foi para o céu, e que Jesus estava ali com ele.”

Carlos O. Pinto52
(a) a expressão πνευματι acomoda tanto a ideia de um estado pré-encarnado de
vida quanto o conceito de Noé como o agente humano de tal proclamação; (b) a
descrição da audiência como τοις εν φυλακη πνευμασιν (tois en phulake
pneumasin) está de acordo com sua condição espiritual presente; (c) sua descrição
como απειθησασιν ποτε ... κιβωτου (apeithesasin pote ... kibotou) aponta mais
claramente para os contemporâneos humanos de Noé do que para anjos cujo
suposto relacionamento sexual com mulheres poderia ter acontecido séculos antes
da vida de Noé; (d) há um melhor paralelo contextual entre Noé como pregador,
passando por provações e sendo libertado, e os leitores de Pedro oferecendo uma
(apologian), passando por provações, e esperando libertação.

51
Artigo – Cristo desceu ao inferno? no site: www.monergismo.com
52
Apostila Teologia Bíblica do Novo Testamento, em fase de editoração para publicação – Foco em
desenvolvimento no Novo Testamento.
85

BIBLIOGRAFIA

BIBLIA ANOTADA EXPANDIDA, trad. João Ferreira de Almeida, Sociedade Bíblica


do Brasil – 2ª edição 1993, notas de Charles C. Ryrie e trad. De Susana Klassen,
Sociedade Mundo Cristão, São Paulo, 2007.
CHAMPLIN, Norman R., O Novo Testamento Interpretado versículo por
versículo, v. 6, Editora Candeia, São Paulo, 1985.
GRUDEM, W., Teologia Sistemática, Edições Vida Nova, São Paulo, 1994
GILL, John. Exposition of the Entire Bible. Disponível em www.e-sword.net
LENSKI, R. C. H., The Interpretation of I and II Epistles of Peter, the tree
Epistles of John, and the Epistle of Jude, Augsburg Publishing House,
Minneapolis,1966.
MUELLER, Ênio R., I Pedro, Introdução e Comentário, Mundo Cristão e edições
Vida Nova, São Paulo, 1991.
PINTO, Carlos O. C., Apostila de Teologia Bíblica do Novo Testamento, SBPV,
material a ser publicado.
THE GREEK NEW TESTAMENT, According to The Majority Text, Thomas Nelson
Publishers, editor Zaine Hodges, 1985.
THE GREEK NEW TESTAMENT TEXTUS RECEPTUS (STEPHANUS 1550),
material em versão digital – pdf, Preparado para Web por Richard T. Dodds para
Christian Hospitality, disponível em http://www.christianhospitality.org
www.monergismo.com artigo de John Piper: Cristo desceu ao inferno?
www.universocatolico.com.br artigo sobre morada dos mortos
86

Apêndice 5 - Exemplos de esboços:

ESBOÇO DETALHADO

1. Saudação – 1,2
2. Razão da carta – 3,4
3. Retrospectiva histórica da impiedade – 5 a 16
3.1 – Olhar o passado – v. 5 a 7
3.2 – Olhar o presente – v. 8 a 13
3.2.1 – As atitudes dos ímpios – v. 8
3.2.2 – A atitude do Arcanjo Miguel contraposta a dos ímpios. V.9
3.2.3 – Descrições das atitudes dos ímpios – v. 10,11
3.2.4 – Descrição do comportamento dos ímpios – v. 12,13
3.3 – Olhar o futuro – v. 14 a 16
4. Resistência contra os ímpios – 17 a 19
5. Recomendações aos santos – 20 a 23
5.1 – Perseverança na pureza – 20, 21
5.2 – Piedade no procedimento – 22,23
6. Adoração – 24, 25

Esboço autenticamente aliterado


Apresentação – 1,2
Apelo ante a apostasia – 3
Anúncio da apostasia – 4
87

Anatomia da apostasia – 5 a 16
Atitude ante a apostasia – 17 a 25

ESBOÇO CAPRICHOSAMENTE CONSTRUIDO


1. Comunicação – 1,2
2. Convocação para contenda – 3,4
3. Condenações concluídas – 5 a 7
3.1 Contra: comportamento contrário à crença constituída – 5
3.2 Contra: comportamento contrário à condição constituída – 6
3.3 Contra: comportamento contrário à castidade constituída - 7
4. Condenações contemporâneas – 8 a 10
4.1 Contra: comportamento corrosivo do corpo – 8
4.2 Contra: comportamento corrosivo da comunicação – 9
4.3 Contra: comportamento corrosivo do coração – 10
5. Condenações contempladas das condutas cafajestes – 11
6. Comparações clarificam condutas comprometedoras – 12,13
7. Condenação de confronto comunicado – 14,15
8. Características do comportamento carnal – 16
9. Convocação aos cuidados construtivos – 17 a 25
9.1 Critérios conforme comunicação – 17,18
9.2 Conduta condenável característica – 19
9.3 Comportamento cristão consagrado – 20 a 25
9.3.1 Construção do coração cristão – 20,21
9.3.2 Compaixão do coração cristão – 22,23
9.3.3 Contemplação do coração cristão – 24,25
88

ANEXO 6 - ASELGEIA
Adaptado de: http://liberdadeepensar.blogspot.com/2007/10/lascvia-definio-
tradicional-aurlio.html#ixzz4rBzGmmIT

1. Aselgeia (ἀσέλγεια )
Definição tradicional (Aurélio)
Sensual, libidinoso, lúbrico; desregrado; luxúria.
Luxúria: Dissolução, corrupção, libertinagem, Incontinência.

Definição bíblica
Aselgeia (no grego) = denota excesso, licenciosidade, ausência de restrição, indecência,
libertinagem sexual, às vezes incluindo outros vícios.
Passagens bíblicas:
 É um dos males que saem do coração do homem – Marcos 7.22;
 É um dos males que Paulo fala que a igreja de Corinto pratica – 2ª Coríntios 12:21; 
 É classificado entre os pecados da carne – Gálatas 5.19;
 É uma das coisas nas quais alguns descrentes (ímpios) transformaram a Graça de
Deus – 1ª Pedro 4:3 (traduzido como dissoluções) e Judas 4 (libertinagem);
 É um dos pecados sobre os quais os crentes são avisados para não praticarem –
Romanos 13:13 (dissoluções);
 É um caminho pernicioso – ruína ou perda física/mental/espiritual – 2ª Pedro 2:2
(libertinagem);
 Envolve inclusive conversas dissolutas (anastrophe – conversações) – 2ª Pedro 2:7
(libertinagem).

Ler todo o texto de 2ª Pedro, capítulo 2. Este texto, em geral, fala sobre pessoas que viveram
uma vida imoral e as consequências punitivas que colheram para suas vidas.
89

O mal que ela faz:


Em Efésios 4:19 (devassidão), Paulo fala que alguns tinham perdido a sensibilidade e se
entregaram à dissolução. Perder a sensibilidade, neste caso, significa que eles perderam a
capacidade de sentir o grau da gravidade do seu pecado. Ele não incomoda mais.
Há um sentido, o de licenciosidade, nesta palavra. Dá a idéia que a pessoa dissoluta tem
direito de fazer o que faz. Em Gálatas 5:1 , está escrito que é para a liberdade (eleutheria –
liberdade legítima, principalmente a moral ou cerimonial) que Cristo nos libertou. Mas que não
devemos usar desta liberdade para dar ocasião à carne (Gálatas 5:13 ).
Ela é base para muitos pecados. Não somente pecados sexuais, mas qualquer um, devido à
‘licenciosidade’ (o que eu faço não importa para os outros; se eu fizer, não é errado; ‘no meu
caso é diferente’). Assim, se forma uma base para que a pessoa firme sua conduta errada, de
um modo que pareça ‘legal’. Na verdade, se tornou escravo dela, pois o que é vencido pelo
pecado torna-se escravo dele (2ª Pedro 2:19 ).

Exemplos gerais
Na Igreja:
Infelizmente é comum vermos em algumas igrejas a manifestação deste pecado sem muitas
reservas. A lascívia apresenta-se nas pessoas que, levadas por sentimentos diversos, deixam-
se moldar pelos costumes comuns aos ímpios e lançam mão de roupas inadequadas aos
servos de Cristo.
É a moda que obriga as mulheres a usarem saias curtíssimas; calças justíssimas; fazerem uso
de vestidos curtos e decotes que expõem os seios e costas. É a sensualidade que se
manifesta com grande intensidade. “Portanto, usem o seu corpo para a glória dEle.” 1ª Co 6.12-
20 – Atente para as palavras de Werner de Boor: “Em Corinto existia a tendência de igualar a
vida sexual simplesmente ao ―alimentar-se‖. Ela é a satisfação de uma necessidade natural e,
por conseqüência, irrelevante para minha vida com Deus. Muito bem, diz Paulo, “os alimentos
para o estômago e o estômago para os alimentos”. Porém tenham em conta que “Deus
destruirá tanto estes como aquele”. Nessa esfera de fenômenos naturais, e por isso
passageiros, tudo pode transcorrer de forma natural. Contudo, a situação de nosso ―corpo‖ é
completamente diferente. Nosso ―corpo‖ faz parte de nossa ―pessoa‖; ele não é, como ―o
estômago‖, algo meramente natural e passageiro. Conseqüentemente, de forma alguma deixa
de ser importante o que fazemos com nosso corpo. Esse ―corpo‖ pertence ―ao Senhor‖ e
deve pertencer-lhe. “Porém o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor,
para o corpo.” Por isso é coerente que não deva servir “à impureza”. “Agora pode ser feita a
clara solicitação: “Fugi da impureza!” Essa formulação é de grande significado prático. Diante
das tentações na área sexual Paulo não convoca para ―resistir‖, nem para ―lutar‖, nem para
90

reprimir e prostrar as inclinações perigosas. Só há um conselho possível: ―Fugi!‖ E o mais


rápida e decididamente possível. Aqui unicamente a ―fuga‖ constitui a verdadeira coragem.
Porém esse conselho grave e duro não é dado a partir de uma ―lei‖ qualquer. É significativo
que em todo o presente trecho o sexto mandamento não seja mencionado com palavra
alguma. Não é com base num mandamento que Paulo fornece alguns preceitos legais que
precisam ser obedecidos, mas é a essência e o significado do ―corpo‖ que tornam a pureza
sexual necessária. “Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas
aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo.” “E por que ―pecar contra o
próprio corpo‖ é algo tão grave? Mais uma vez salienta-se toda a importância do corpo,
chegando agora à perfeita clareza: “Ou não sabeis que vosso corpo é um templo do Espírito
Santo (que habita) em vós, o qual tendes da parte de Deus?” É óbvio que somente a pessoa
renascida pode ver as coisas desse modo. Mas também precisa vê-las assim. O argumento
não pára na reflexão fundamental: ―o corpo ao Senhor, e o Senhor ao corpo‖, e: ―nosso
corpos, membros de Cristo‖. Agora vem a afirmação ainda mais poderosa: não apenas a igreja
como um todo, mas também o corpo de cada fiel é um ―templo‖, no qual o Deus vivo reside
com plena realidade por meio do Espírito Santo. Qualquer um sabe como se deve lidar com um
templo. Também para os gregos a profanação de um templo era um sacrilégio abominável.
Para o cristão ―pureza‖ significa considerar e preservar o corpo como templo do Espírito
Santo.” (Comentário Esperança)

Qual o objetivo de estar na moda e usar roupas que não condiz com os ensinamentos do
Senhor Deus? Com certeza, despertar no próximo uma série de sentimentos “carnais”
perturbando-o, chamando para si as atenções e fazendo renascer nos corações a velha
natureza. Sobre esta questão é oportuno as palavras de Joel Beeke no site mulheres piedosas:
“Modéstia é um valor do Novo Testamento, tendo a ver com nossa conduta ou nossa escolha
de vestuário. Então, por exemplo, um bispo ou alguém mais velho deve ser “modesto” (1ª Tm
3:2) e as mulheres cristãs devem “se ataviar com modéstia e bom senso” (1ª Tm 2:9). Em
ambas as referências, o texto grego usa a mesma palavra, kosmios, derivada da palavra da
mesma família, cosmos, a qual é usada no Novo Testamento para “universo”. Assim como o
universo reflete a ordem e beleza do seu Criador, também os cristãos devem refletir o caráter
de seu Senhor e Salvador em sua conduta e vestimenta. Lideres de igrejas devem ser, de
acordo com várias traduções, “ordenados”, “controlados”, “corteses” e “dignos”. Simplificando,
eles devem andar assim como Jesus andou (1ª João 2:6). Em contraste com os estilos atuais,
mulheres cristãs escolhem vestir-se de modo simples e sensato, atentas para o fato de serem
seguidoras de Cristo e servas do Senhor. Nessas questões, assim como em todas as coisas, o
alvo é fazer tudo para a glória de Deus (1ª Co 10.31).
91

Jeff Pollard, define modéstia como “autogoverno interior, enraizado em uma compreensão
adequada de si mesmo diante de Deus, o que  se exibe exteriormente em humildade e pureza
vindas de um amor genuíno por Jesus Cristo, ao invés de se exibir em autoglorificação ou
autopromoção.”
Considere as perguntas de Beeke: (apesar de escritas para as mulheres, os homens devem
pensar nas perguntas, sim.)
1.Você está se vestindo modestamente por amor a Cristo?
2. Você está lembrando em sua vestimenta que, se você é crente, você é templo do
Espírito Santo?
3. Você está se vestindo para conseguir atenção de outras pessoas?
4. A sua vestimenta reflete o seu amor pelos outros?
5. Sua aparência exterior diminuiria o valor de sua aparência interior?
6. Você está honrando o seu pai com o que você tem vestido?
7. Estaria tudo bem se sua mãe usasse isto?
8. Você pode pedir a benção de Deus sobre o que você está vestindo?  
9. Vocês, homens jovens, mostram pelo seu vestir e seu agir que vocês valorizam a
modéstia bíblica tanto em vocês quanto nas mulheres jovens?
10. Como suas roupas trazem glória a Deus?

No trabalho:
Se o temor a Deus não foi suficiente para coibir o uso de vestimentas inadequadas na igreja,
com certeza, no dia-a-dia, na rua, trabalho e nas obrigações sociais a situação torna-se mais
grave. Geralmente é preciso apresentar-se bem e quando o Espírito Santo não está no controle
(Gl 5.16,17), a carne manifesta-se com toda a sua força. Entra em cena todo um conjunto de
roupas e ações sensuais; algumas sentem satisfação em despertar no próximo a cobiça e
sentimentos baixos; alegram-se com “cantadas” e insinuações maliciosas feitas por colegas;
assemelham-se com os ímpios, impossibilitando visualizar o senhorio de Jesus Cristo na vida
(Romanos 13:14 ).

No lar:
A lascívia também encontra lugar nos lares, na intimidade dos casais, que levados por desejos
incomuns aos servos do Senhor, procuram fazer uso de diversas práticas mundanas que por
sua natureza imunda, entristece o Espírito Santo.
92

“Vocês fazem parte do povo de Deus; portanto, qualquer tipo de imoralidade sexual, indecência
ou cobiça não pode ser nem mesmo assunto de conversa entre vocês.” (Ef 5.3)
“Em Ef 4.9 Paulo já havia indicado “toda sorte de impureza em cobiça” como característica dos
gentios separados de Deus. Também aqui ele descreve inicialmente as realizações de uma
vida determinada pelo pecado, para depois lembrar a ruptura que Cristo produziu nos
destinatários da carta (“outrora trevas – agora luz”: v. 8) e admoestar para que se conduzam de
forma equivalente “Devassidão” (grego: porneia) refere-se sobretudo ao relacionamento com
prostitutas (cf. At 15.20; Lv 19.29) e ao adultério (Mt 19.9), porém inclui, por extensão, toda
sorte de relações sexuais extraconjugais e até as perversões da sexualidade concedida por
Deus, mencionadas em Rm 1.24ss e 1ª Co 6.9. Visto que o corpo do cristão é um templo do
Espírito Santo, ele é requisitado para uso exclusivo de Cristo, o seu Senhor (1ª Co 6.13,19). Ao
mesmo tempo o corpo de cada crente é membro de Cristo (1ª Co 6.15), e por isso só pode ter
comunhão com Cristo, que é o cabeça do corpo. Os cristãos também romperam total e
definitivamente com a devassidão. Por exemplo, alguns coríntios tinham sido enleados por
esse pecado: “Mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o
nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1ª Co 6.11). A separação de tais
amarras deve ser preservada na vida do crente, pois o “conhecimento básico” da doutrina
cristã” inclui a consciência do fato que os injustos não herdarão o reino de Deus”. Aos “injustos”
pertencem, entre outros, os devassos, os idólatras, os adúlteros, os rapazes de programa, os
abusadores de rapazes, os ladrões, os avarentos (1ª Co 6.9s). Embora a “devassidão” tenha
sido colocada enfaticamente no começo, Paulo amplia a exortação para “toda sorte de
impureza”. Jesus emprega o termo em seu discurso de crítica aos fariseus e escribas, que ele
compara com sepulcros, belos por fora, porém “cheios de podridão” no interior (Mt 23.27). Na
mesma forma genérica Paulo fala da impureza à qual Deus entregou as pessoas (Rm 1.24), de
modo que seus membros servissem à impureza (Rm 6.19). Em Gl 5.19 o apóstolo menciona
entre as “obras da carne” igualmente a impureza e a “dissolução”. Cabe lembrar a formulação
em Ef 4.19: os gentios se “entregaram à dissolução para se ocupar de toda sorte de impureza
com avidez”. Também aqui Paulo cita a “ganância” diretamente ao lado da “devassidão” e
“impureza”, de forma que – como já em Ef 4.19 – a periculosidade da busca desenfreada por
satisfação sexual e por enriquecimento material são vistas em conjunto. Uma prática de vida
assim descrita, à qual os ímpios “se renderam obtusamente”, não deve nem mesmo servir de
assunto para conversas ou reflexão no seio da igreja. A libertação dos vícios do “velho ser
humano” acontecida por meio de Cristo (cf. 1ª Co 6.11) também diz respeito a pensamentos e
palavras, motivo pelo qual também é reforçada pela exortação. Visto que a contaminação do
ser humano vem do coração (entre outros, com maus pensamentos, adultério, devassidão,
93

roubo) (Mt 15.19), a renovação do coração (cf. 2ª Co 4.6) também precisa ter conseqüências
nos pensamentos e no linguajar da igreja”. (Eberhard Hahn, Comentário Esperança)

“Que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra, não com o desejo
de concupiscência, como os gentios que não conhecem a Deus.” (1ª Ts 4.4,5)
Veja o comentário de Werner de Boor: “Pois esta é a vontade de Deus, vossa santificação.”
Também aqui precisamos levar em conta que “vontade” é mais que a nossa “intenção”, a qual
enfeitamos com a palavra “vontade”. A “vontade de Deus” – é com ela que nossa “santificação”
se torna um alvo imprescindível e necessário. No entanto, ficamos quase consternados ao
notar que essa “santificação” não se refere a nada “grandioso”, nem a nada especial, mas
“simplesmente” a “que vos abstenhais da impureza”. “Santificação” é, portanto, uma questão
muito sóbria, muito prática, mas justamente por isso também muito necessária e, ainda assim,
também muito grandiosa. Nessa cidade portuária grega ela se refere singularmente à área de
nossa vida que também hoje, como em todos os tempos, representa um campo de batalha de
cunho especial: nossa vida sexual. No mundo helenista daquele tempo, as relações sexuais
“na paixão da lascívia” (v. 5) eram um “direito” óbvio do homem. Por que, afinal, “os povos que
desconhecem a Deus” deveriam se privar de algo que nossas pulsões demandam e que é
capaz de propiciar à vida uma plenitude tão colorida? Mas – acontece que os tessalonicenses
não pertencem mais a esses “povos”. Conhecem a Deus e sabem que a vontade séria e
incondicional de Deus é sua santificação. Para a vida sexual isso significa “que cada um de vós
saiba conquistar seu próprio utensílio em santificação e honra” (v. 4)... E mais ainda diz: “O
paralelo mais próximo da presente passagem seria, nesse caso, 1ª Co 7.2. Tanto lá como cá o
olhar de Paulo não se dirige diretamente aos valores intrínsecos do matrimônio e da família,
como esperamos a partir do pensamento moderno. Pelo contrário, o poder da pulsão sexual,
que ameaça levar à “impureza”, i. é, para a satisfação indisciplinada e degradante, é visto de
forma muito sóbria. A liberdade plena dele não é “dom” de cada um (1ª Co 7.7). Por isso “cada
um deve ter sua própria esposa” (1ª Co 7.2), “cada um conquistar sua própria mulher”. Indo
além de 1ª Co 7, a presente passagem estaria trazendo uma palavra fundamental acerca de
como deve ser constituído um verdadeiro matrimônio: “em santificação e honra, não em paixão
de lascívia.” O matrimônio como tal, como mera instituição, não nos protege contra a violência
indomada da pulsão. Quantos casamentos acontecem na “paixão da lascívia”, contendo por
isso de antemão o gérmen da desgraça e da aflição matrimonial, porque o cônjuge não é
valorizado e amado como “tu”, como pessoa, mas foi tomado apenas como objeto da
satisfação egoísta do prazer pessoal. O matrimônio na igreja de Jesus não deve ser construído
assim! O matrimônio não deve ser o espaço em que todas as paixões “gentílicas” pensam
poder extravasar-se com sanção estatal e eclesiástica. A própria “conquista” da mulher deve
94

acontecer “em santificação e honra”. Em “santificação”: afinal, são pessoas “santas” que
celebram uma aliança entre si aqui. Em “honra”: cada um precisa ver e respeitar o outro como
filho de Deus redimido, herdeiro de glória eterna. Aqui se torna concreto o “andar de modo
digno do chamado”.

Hebreus 13.4 fala da santidade no leito matrimonial. “Quando o matrimônio é violado por
prostituição e adultério, o mandamento e a ordem de Deus são transgredidos (Gn 1,2). O
apóstolo sabe que a decadência moral e a incontinência sexual do mundo não cristão ao redor
procuram penetrar também nas fileiras da igreja (cf. 1Co 5.1). Por isto ele adverte
enfaticamente contra as transgressões morais: Digno de honra entre todos seja o matrimônio,
bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros. Ele sabe quanto
pecado acontece às escondidas, que jamais será investigado por um tribunal humano. Deus,
porém, tem o poder de julgar também sobre os pecados ocultos, e o fará no seu dia.” (Fritz
Laubach, Comentário Esperança)

É inconcebível que o nosso agir apague o Espírito de Deus em nossa vida, porém, entre as
“quatro paredes” muitos têm feito uso de fetiches, tais como: filmes pornôs; revistas de sexo;
novelas eróticas; objetos; com o objetivo de despertar e satisfazer o desejo sexual, de forma
antinatural.

Exemplo prático
Uma das palavras mais populares do vocabulário dos jovens e adolescentes é amor. Poucos,
porém deles realmente sabem o que é amor de verdade. Muitos confundem amor com lascívia,
desejo, cobiça. Amor é de Deus - lascívia é do diabo. O amor liberta - a lascívia lhe prende na
armadilha.
Adolescentes cheios de lascívia e desejo têm produzido contextos que chocam qualquer senso
de decência. Uma onda de promiscuidade sexual varre o país e o mundo. Os jovens
conversam abertamente sobre viverem juntos sem estarem casados, anticoncepcionais,
gravidez, fornicação vergonhosa. As doenças venéreas estão atingindo milhares de
adolescentes. As escolas estão alarmadas. Os pastores se preocupam. Os pais estão
horrorizados. Os adolescentes estão sendo lançados numa órbita de luxúria e de paixões
abomináveis e implacáveis.
Ler 2º Samuel 13 – Amonn e Tamar. Também é a história de um número incontável de
adolescentes por todo lado. A Bíblia diz: "Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando
esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, uma vez consumado, gera a morte" (Tiago 1:14-15). A cobiça produz a morte!
95

Entenda - você sabe o resultado do jogo. A rota da cobiça, da lascívia - é a rota do inferno. E o
inferno é a armadilha final do diabo! A atitude moderna em relação ao pecado não é nova em
absoluto. Satanás enlaçou Eva com as mesmas mentiras que usa para prender na armadilha
os adolescentes de hoje. Uma mesma rota sempre leva ao mesmo final. Flertar com o pecado
sempre o levará àquele ponto onde você se verá subjugado por ele, incapaz de dar um jeito.
Quando o jovem tenta se livrar das leis de Deus, ele acaba pego na armadilha pelo diabo.
O mais triste de Tamar é que ela só buscava o amor - todo adolescente o busca. E os que
buscam o amor nos pecados e prazeres da satisfação própria, cairão na armadilha exatamente
como ela caiu.
Relação com outros pecados:
Quando a Bíblia fala na lascívia, ela está envolvida em um número muito grande de outros
males, tão ruins quanto a própria lascívia.
Mc 7.22
Gálatas 5.19-21
1 Pe 4.3

Algumas destas palavras dizem mais do que uma leitura rápida destas passagens diz.
Vejamos:
 Imundícia (impureza física ou moral)- akatharsia
 Imoralidade – (incluindo adultério, incesto e fornicação) – porneia
 Bebedeiras –(intoxicações em geral, não somente o álcool) - méthai
 Emulações – (ciúmes, inveja) – zélos
 Dissensões – (divisões) – dichostasía
 Concupiscência – (desejo, paixão pelo que é proibido) - epithumía
 Glutonaria – também significa (orgia e descontrole) – o que acompanha e é
consequência da embriaguez - kómos
 Idolatria – (adoração à imagem ou ídolo pode ser literal ou figurativamente) - eidololatría
 Feitiçaria – (medicação mágica por extensão) - farmakeía

Acrescentamos ao estudo as seguintes observações:


A atitude (má) essencial de “aselgeia” acertadamente é quando se fala de uma pessoa que
pode ser impuro (akathatos) e esconder seu pecado, porém quando uma pessoa é descrita
como “aselgeia” surpreende a decência pública. (baseado em Barkely)
96

Entende-se desta maneira o homem que está possuído por seu pecado e tem perdido a
capacidade de envergonhar-se por seus atos impuros, sendo que não lhe importa o que as
pessoas em geral pensam a seu respeito.
O pecado da maioria das pessoas é realizado às ocultas. Quem desenvolve “aselgeia” torna-o
público. Atores e atrizes de pornografia; pessoas que se prostituem e pessoas que assumem
sua homossexualidade são “aselgeias”. Pessoas que se entregam ao vicio do álcool, drogas
são “aselgeias”, pois se vê que perderam a vergonha e não se importam em chocar a
comunidade ao redor com seu comportamento. Aqueles que não praticam alguns dos pecados
relacionados, mas apoiam as que praticam são “aselgeias”.

Ao longo do texto inseri inúmeras citações identificadas entre aspas (“ “).


A maioria não acompanha notas de rodapé e nem menção do nome do autor.
Escrevo assim por entender que as frases não são minhas. Elas foram retiradas de pregações
antigas que, por descuido meu, não fiz referências ao autor. Com isto, penso fazer jus a quem
escreveu e por meu desleixo não recebe o crédito devido. Da minha parte, porém, não quero
crédito à custa de quem trabalhou.
Assim, peço desculpas a quem lê.
Caso você saiba a fonte pode me enviar mensagem na pagina do facebook que terei o prazer
de inserir os dados.
Toda Glória ao Senhor Deus.

Você também pode gostar