Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Anda Ultimo
Anda Ultimo
ABSTRACT: The following writing develops from our own experience as artists,
activists and researchers between Córdoba Argentina and Bahia Brazil. Based on
contemporary historical-political processes, mainly the advance of fundamentalist
right-wing governments in both countries, it is proposed to analyze some of the
artistic manifestations, carried out in the public space, as a political dispute scene, by
artistic groups and feminist movements and anti-racists created from groups,
collectives or companies. We visualize how, from the moments of crises and political,
social, cultural and sexual repression, peoples rise, organize and transform
themselves from organized resistance. From this perspective, we think of the body as
a place for political experimentation, dismounting canonical ideas that the Cartesian
paradigm established in the historical, political and ontological dimension.
KEYWORDS: Artivisms. Gender. Politic. Body. Art.
Introdução.
Partimos de nossa própria experiência como artistas ativistas e
pesquisadoras em Córdoba/Argentina e na Bahia/Brasil, dois contextos onde os
processos coloniais deixaram marcas, até hoje significativas de racismo,
heterocissexismo, patriarcado e desigualdade social. Salvador e Córdoba foram
capitais na época colonial, cenários de grandes revoltas e mobilizações sociais de
resistência. A partir dos processos históricos políticos contemporâneos,
principalmente o avanço dos governos fundamentalistas de direita em ambos os
países, nos propomos analisar algumas das manifestações artísticas realizadas no
âmbito do público, como espaço de disputa política através de grupos, coletivos,
companhias artísticas, movimentos feministas e antirracistas. Nesse sentido
pensamos o corpo como espaço de experimentação política desarmando ideais
canônicas que o paradigma cartesiano tem marcado na sua dimensão histórica,
política e ontológica.
Analisaremos o que aconteceu em quatro manifestações aRtivistas, duas
pertencentes à capital de Córdoba/Argentina e duas pertencentes a Salvador/Brasil.
Por um lado, o trabalho do “malambo por el derecho a decidir” será objeto desse
trabalho daqueles pertencentes à cidade de córdoba, que apelou a mulheres e
dissidentes, principalmente dançarina/e/os e músico/e/as, mas também outros
setores do ativismo da “Campaña por el aborto legal, seguro y gratuito”. Sendo o
malambo um tipo de dança dentro da dança folclórica de hegemonia masculina e
individual, que foi contestada por esta proposta. E, por outro lado, a intervenção
gerada na “Marcha de la gorra” no ano 2017, uma marcha que ocorre anualmente
para exigir justiça pelos assassinatos nas mãos da polícia, o racismo e a
discriminação policial contra as pessoas que vivem nos setores periféricos da
cidade. Quanto a Salvador, temos as marchas e intervenções do “Ele não”, no ano
de 2018, por iniciativa dos movimentos feministas e movimentos LBGTTQ+ em
oposição à candidatura do atual presidente do Brasil. Por outro lado uma
intervenção proposta por grupos feministas de Salvador pelo aniversário do
assassinato da ativista e vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro no mesmo
ano de 2018.
Consideramos essas quatro manifestações, mas poderiam ser muitas outras
nos processos que vêm ocorrendo nos últimos anos em nossos países, mas sem
desconsiderar que é uma decisão arbitrária, confiamos que é a partir dessas
intervenções que poderemos pensar sobre as intrincadas relações entre corpo e
política que estão em jogo em nossos contextos de luta e, particularmente, nos
modos de encontro que a dança e arte gera no espaço público.
2
Gorra significa boné em espanhol, e faz referencia aquele utilizado pelo/a/e/s jovens das zonas periféricas da
cidade de Córdoba em oposição ao boné da policia.
retalhos de pano, areia e incenso. Ao mesmo tempo em que se planejava uma série
de movimentos que nos permitiram avançar na marcha e produzir na repetição um
rito, uma ação conjunta no espaço público que deixara a marca de nosso caminhar,
de nos apropriar das ruas e nosso direito de habitá-las. Este apelo partia da ideia de
que era necessário gerar novos recursos, novos discursos, novos movimentos que
não se referissem a esta humanidade, como diz a poetisa e transartivista Susy
Shock "Não queremos mais ser esta humanidade".
Um apelo à urgência, à ação, ao estado de vigília de quem não pode mais
esperar e passa a se autorizar, a colocar sua voz e discurso. Quem disse? Quem
pode dizer? Como ele/a/es dizem isso? Colocar o corpo, esse corpo que não mais
se reconhece como humano, daquela humanidade assassina, segregadora,
hierárquica para escolher outras identificações que acentuam e desenha quem nós
queremos ser. A proposta nos convocou nesta ação de acender pequenos fogos, o
ritual, a magia, desde o poder de transformarmos em outra humanidade, de
transformar este mundo, de atear fogo às lutas que se acumulam para que a fumaça
movimente e se leve nossas dores.
Nesses processos de organização aRtivista, nos questionamos sobre a
conexão arte-política ou o que seria uma arte política. Nesta discussão, que já se
arrasta há muitos anos e muitos escritos, e em concordância com o que temos
falado acima, entendemos que não se trata mais apenas de um tema, isto é, que a
arte ou as obras artísticas abordam um determinado tema Político, mas sim, como
as práticas artísticas intervêm sobre um contexto ou certa realidade. Nesse sentido,
não seria só sobre um tema especifico, mas também sobre os processos de
composição, os materiais, os espaços de intervenção/exposição/publicação, as
formas de construção do olhar e do lugar dos espectadores, etc.
O potencial crítico dissidente da arte-política seria dado por três eixos
fundamentais: gesto, contexto e localização (RICHARD, 2015). Da mesma forma, a
autora Marie Bardet (2019) nos convida a pensar não mais a partir dos corpos, mas
dos gestos e esse deslocamento implica nos instalarmos no pensamento das
relações. Pensar a partir dos gestos como relação corpo/objeto/contexto e não como
mera forma corporal. Pensarmos desde um gesto, com gestos, a partir de gestos.
Compreendendo que a partir de certos gestos as formas políticas são reafirmadas.
Maneiras de pensar, fazer e organizar.
O gesto coletivo tanto de bater no chão, de ocupar as ruas com um
movimento coletivo, de acender fogo no epicentro do judiciário, de nos convocar a
partir de uma série de movimentos que se repetiram continuamente naquela jornada
pelas ruas, de queimar incensos e gerar fumaças, são gestos que reafirmam uma
determinada política, que colocam para nós na rua uma nova relação entre
corpos/contexto e disputam um ordenamento da realidade. Eles estabelecem outras
fronteiras de ação, outras formas de compor, outras formas de caminhar, dançar,
nos encontrar, nos manifestar. Talvez estejam aí, nessas outras formas que
podemos reinventar outras relações, outras formas de ser e intervir no mundo que
nos rodeia, de estabelecer fugas, para permear sentidos, para deflagrar tradições
machistas, racistas, classistas e homolesbotrans odiosas. Talvez, seja deste lugar
que possamos caminhar a uma proposta de corpopolítica aRtivistas dos feminismos
nas Américas.
Registro da performance na marcha de la gorra 2017. Autoria coletiva: MedioNegro.
3
https://www.youtube.com/watch?v=-lqtPw0T6gw&feature=youtu.be
esses itens supostamente resistentes à mudança... O repertório, por outro
lado, encena a memória incorporada-performance,
gestos,oralidade,movimento,dança, canto, em suma, todos aqueles atos
geralmente vistos como conhecimento efêmero, não reproduzível. Requer
presença de pessoas que participam da reprodução de conhecimento, ao
“estar lá”, sendo parte da reprodução. (Taylor 2013, p.48)
Referencias
BARDET, M. Hacer mundos con gestos. Editorial Cactus, Buenos Aires, Argentina,
2019.
BUALA produzido no âmbito do projeto de investigação MEMOIRS Filhos de Império
e Pósmemórias Europeias. Com Fernanda Vilar disponível em:
https://www.buala.org/pt/a-ler/enlaces-artes-perifericas-artivismo-e-pos-memoria
BUTLER, J. Cuerpos que importan, Editorial Paidós, Buenos Aires, Argentina, 2002.
CASTILLO, A. Ars Disyecta. Santiago de Chile, Chile, 2014.
CARNEIRO, S. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na américa
latina a partir de uma perspectiva de gênero em:
https://www.geledes.org.br/enegrecer-o-feminismo-situacao-da-mulher-negra-na-
america-latina-partir-de-uma-perspectiva-de-genero/?
gclid=cjwkcajwjqt5brapeiwajlbubxcprf2qoixmxwhrzz1qmqhupmzkxhurduwp2ut2ycck
whbfolvghboczpgqavd_bwe.
MBEMBE, Achille. Necropolitica: biopoder soberania estado de exceção política da
morte. Arte & Ensaios | revista do ppgav/eba/ufrj | n. 32 | dezembro 2016
RICHARD, N. Abismos Temporales: feminismo, estéticas travestis y teoría queer.
Ediciones Metales Pesados, Chile. 2018
____________. Arte y Política 2005 - 2015: Proyectos curatoriales, textos críticos y
documentación de obras. ediciones, Metales Pesados, Chile. 2015
RIVERA CUSICANQUI, Silvia Sociologia de la imagen, Miradas Ch`ixi desde la
historia andina. Tinta limón. Argentina, 2015.
SCHECHNER Richard. Performance. Teorias y prácticas interculturales. Buenos
Aires libro del Rojas. UBA. 2000
SOARES, S. J. P. O corpo-testemunha na encruzilhada poética. 2018. 251f. Tese
(Doutorado em Artes) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (PPGAC/ECA/USP), 2018.
Site de jornal consultados:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45700013,
https://correionago.com.br/portal/elenao-milhares-de-pessoas-ocupam-as-ruas-de-
salvador-contra-bolsonaro/
TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório. Perfomance e memoria cultural nas
américas. Belo Horizonte. editorial UFMG.2013.
VEGA, Calos. Las danzas populares argentinas tomos I. disponível em Instituto
Nacional de Musicología “Carlos Vega”, Bs. As., 1986.
i
Doutoranda em artes cênicas no programa de pós-graduação em Artes Cênicas da UFBA. Dançarina, professora e
pesquisadora. Mestra e especialista em dança pela UFBA. Forma parte dos grupos de extensão e pesquisa Andanças, da
Universidade Internacional da Lusofonia Afro-brasilera, do Núcleo de pesquisa e extensão de cultura e sexualidade
NuCuS UFBA, do grupo de pesquisa Umbigada UFBA e do coletivo feminista de capoeira angola Chamada de Mulher
do grupo Nzinga.veronicadnavarro@gmail.com
ii
Professora de Dança pela Universidade Provincial de Córdoba, Argentina e Especialista em Estudos contemporâneos
da dança pela Universidade Federal da Bahía, Brasil. Dançarina, professora e pesquisadora. Forma parte dos projetos de
pesquisa: Filosofía, danza y política: (des)anudamientos de la escena; e La perspectiva de género en la formación de
profesorxs de la UPC (Universidad Provincial de Córdoba). Dirige o grupo de dança Entrelazares e faz parte do grupo
ativista F.A.C (Feministas en Asamblea Córdoba) e do coletivo feminista de capoeira angola chamada de mulher do
grupo Nzinga de capoeira angola. laualazraki@gmail.com.