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ISSN 2595-0886
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RESUMO
O projeto caminhos do cuidado surge com uma nova perspectiva de cuidado aos usuários de álcool e outras
drogas, uma visão ampla do território e respeito à individualidade. Não diferente, a metodologia ativa busca
em um novo método de ensino, apresentar ao participante a possibilidade de exercer sua autonomia, respon-
sabilidade e compromisso em seu aprendizado, extrapolando as formas tradicionais que limitam o aprendi-
zado e sua abrangência. Ambos possibilitam uma inserção direta de todos os envolvidos proporcionando a
participação ativa e significativa no processo de cuidado e na aquisição do aprendizado, valorizando todo o
conhecimento prévio, experiências de vida, percepção e entendimento de todos, permitindo um olhar holístico
e compreensivo do usuário de álcool e outras drogas e suas necessidades de atenção e a sua inserção na rede
de cuidado da Saúde Mental. Esse trabalho tem como objetivo apresentar um relato de experiência de duas
profissionais que executaram a função de tutoras no Projeto Caminhos do Cuidado no município de Corumbá/
MS no ano de 2014. Como resultado observou-se a dimensão do projeto, sua efetividade e sua viabilidade na
capacitação dos profissionais das ESF ACS e ATEnf através da metodologia adotada. Concluiu-se assim a
possibilidade de mudança de pensamento e de atitudes através da necessidade do reconhecimento de seus
territórios e diante dos usuários de álcool e outras drogas e o quanto é importante o processo do cuidado, a
escolha correta da metodologia para realização da educação permanente e a valorização do trabalhador em
todo o processo.
1
Psicóloga pela UFMS-CPAN. Especialização em Dependência Química UNIDERP, Mestrado em Saúde e Desenvolvimento
na Região Centro-Oeste, UFMS-Campo Grande/MS. Atualmente, professora substituta da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul – Campus do Pantanal, curso de Psicologia, e Facilitadora do Instituto de Ensino e Pesquisa Sírio-Libanês
do Curso de Gestão da Clínica nas Regiões de Saúde. Contato: silvinha.s.f@bol.com.br
Psicóloga pela UFMS-CPAN. Especialização em Saúde Mental FIOCRUZ-ETSUS. Prefeitura Municipal de Corumbá/ MS.
2
Contato: daiannypsic@yahoo.com.br
CONVOCAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA AO Colônia em Barbacena, Basaglia presenciou as
CUIDADO DOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E crueldades destinadas aos internos do local, e não
OUTRAS DROGAS contente com o que constatou, apresentou através
O presente artigo tem como objetivo descrever da mídia sua indignação com o que foi observado no
a experiência e o aprendizado de duas facilitadoras local, demonstrando total repúdio às atrocidades ali
através do Projeto Caminhos do Cuidado e a aten- dispensadas às pessoas com transtornos mentais e
ção ao usuário de álcool e outras drogas, realizado que até então nunca havia presenciado tal situação
no município de fronteira Corumbá MS. em qualquer outro lugar do mundo, ainda compa-
O processo da Reforma Psiquiátrica surge em rando-o a um campo de concentração. Tal discurso
decorrência da Reforma Sanitária, movimento dos repercutiu por todo o Brasil e em diferentes países
anos 70 que buscou novos modelos de atenção à do mundo, de tal forma que se iniciou o processo da
saúde, formas de gerenciar as práticas de saúde, reforma em Barbacena em seus diferentes contex-
defesa da saúde coletiva, o acesso a todos os ser- tos (ARBEX, 2013).
viços de forma igualitária e realizar o protagonismo O movimento então passa a ter a defesa de gran-
dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde des nomes, profissionais, familiares, usuários que
nos processos de desenvolvimento das gestões, tec- conheciam a realidade e por pessoas que tinham
nologias e formas de fazer a saúde (BRASIL, 2015). consciência das atrocidades realizadas nas institui-
Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, ções manicomiais que se destinavam ao cuidado do
o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira tem paciente com transtorno mental.
uma história própria, inscrita num contexto inter- Apesar da reforma psiquiátrica ter início no final
nacional de mudanças pela superação da violência dos anos 70 e início dos anos 80, é na década de 90,
asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise do marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na
modelo de assistência centrado no hospital psi- assinatura da Declaração de Caracas e pela reali-
quiátrico, por um lado, e na eclosão, por outro, dos zação da II Conferência Nacional de Saúde Mental,
esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos que passam a entrar em vigor no país as primeiras
pacientes psiquiátricos, o processo da Reforma normas federais regulamentando a implantação de
Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de serviços de atenção diária, fundadas nas experiên-
novas leis e normas e maior do que o conjunto de cias dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as
mudanças nas políticas governamentais e nos ser- primeiras normas para fiscalização e classificação
viços de saúde (BRASIL, 2005). dos hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2005).
Vários países já realizavam processos de E somente em 2001 que o Brasil passa a contar
mudança na maneira de cuidar a saúde mental com uma Lei que defende os direitos das pessoas
nesse período, o modelo utilizado na Itália, serviu com transtorno mental. A Lei Federal 10.216,
como modelo para o Brasil. conhecida como a Lei Paulo Delgado, da Luta
Franco Basaglia, psiquiatra italiano e com ideais Antimanicomial, que dispõe sobre a proteção e os
de defesa dos direitos humanos e de resgate da direitos das pessoas com transtornos mentais e
cidadania das pessoas com transtornos mentais redireciona o modelo assistencial em saúde men-
iniciou o movimento da Luta Antimanicomial origi- tal (BRASIL, 2001). A partir desse momento surge
nando a Reforma Psiquiátrica na Itália, na segunda uma Política de Saúde Mental e os novos serviços
metade do século XX. Em 1979 quando veio ao Bra- de substituição ao modelo manicomial.
sil, sua estada possibilitou visibilidade à maneira Então, nos anos 2002 a 2005 que os serviços de
como a loucura era tratada no país. Ao visitar a substituição para atenção ao cuidado começam a
BRASIL. Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
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Recebimento – 07-09-2017
Aceite – 20-01-2018