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1 HISTÓRICO

A Feira de Artes e Artesanato de Belo Horizonte teve seu início no final dos
anos 60, quando alguns artesãos e adeptos do movimento “hippie”
começaram a expor seu trabalho na Praça da Liberdade. O aumento do
número de expositores fez com que a Feira, inicialmente, ganhasse dois
dias de exposição (quinta-feira à noite e domingo pela manhã), e os
expositores, que passaram por dois processos licitatórios para demonstrar a
execução de seus trabalhos, foram credenciados pela Prefeitura, que
gerenciava e fiscalizava todo o funcionamento da feira que, logo, ganhou
renome em todo o País. Mas o grande aporte de visitantes, muitos deles de
outros Estados do Brasil, levou a Prefeitura de Belo Horizonte a se
preocupar com a preservação da histórica praça, buscando um novo espaço
em que coubessem todos os expositores por ela credenciados. Assim, a
antiga “Feira Hippie” passou a funcionar apenas aos domingos, sob o atual
nome de “Feira de Artes e Artesanato de Belo Horizonte”, na extensão da
Avenida Afonso Pena, centro da cidade, entre as ruas da Bahia e Guajajaras.

A Feira passou a representar uma importante fonte de crescimento


econômico, social e cultural para Belo Horizonte, ganhando ainda mais
relevância e renome nacional. Todos os domingos, milhares de cidadãos
belorizontinos e turistas de todas as partes do País e do mundo passaram a
freqüentar a feira, quer para conhecer e adquirir os produtos artísticos e
artesanais – de excelente qualidade, diga-se – elaborados pelos feirantes,
quer para saborear comidas e bebidas vendidas nos setores de alimentação,
quer para passear e passar o tempo. Os feirantes continuavam submetidos
ao credenciamento e à fiscalização da Prefeitura, que cobrava (e ainda
cobra) um valor mensal de cada expositor, valor este que se justificaria ao
custeio do pessoal de fiscalização, limpeza urbana e outros recursos
disponibilizados pelo Município para suporte e organização da Feira.

Vê-se, portanto, que a Feira conta com mais de trinta anos de atividade, e
muitos dos expositores que ainda hoje lá se encontram remontam aos
primeiros tempos, tendo tirado da Feira, como ainda tiram, o sustento
próprio e de suas famílias, aprimorando seus produtos e suas técnicas
artísticas ou artesanais para oferecer produtos de qualidade a preços
acessíveis.

Mas, recentemente, tais expositores viram-se surpreendidos com a


divulgação, pela Prefeitura de Belo Horizonte, de uma licitação para a
concessão de licença temporária para exposição de produtos, e cujos
critérios de aprovação são, sem sombra de dúvida, injustos, na medida em
que, como se demonstrará, praticamente impossíveis de serem atingidos
pela grande maioria dos expositores até hoje credenciados.

2 DAS “JUSTIFICATIVAS” PARA A REALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO

Em defesa do procedimento licitatório, a PBH enumera algumas razões,


dentre as quais enumeramos as seguintes:

a) A suposta “desvirtuação” da Feira com a comercialização de produtos


não-artesanais;

b) A suposta “comercialização” de espaços por feirantes credenciados a


outros não-credenciados;

c) A adoção de critérios “democráticos” para o credenciamento de


expositores.

Nenhum desses argumentos se sustenta, como demonstramos na


sequência, destacando principalmente a alínea “c”, para o qual deixaremos
para o final porque é, sem sombra de dúvida, a que mais importa neste
trabalho, sem desconsiderar as alíneas anteriores porque:

a) A suposta “desvirtuação” da Feira com a comercialização de produtos


não-artesanais

Alega a PBH que a Feira de Arte e Artesanato estaria se “desvirtuando” de


suas características originais, uma vez que nela estariam sendo
comercializados produtos não-artesanais. Todavia, nada há que comprove
tal alegação da PBH.

A palavra “artesão”, aliás, tem sua origem no italiano artigiano e traz os


seguintes significados: pessoa que fabrica manualmente determinadas
peças ou produtos ou pessoa que faz os seus próprios produtos e os
comercializa diretamente1. Artesanato é, pois, o produto final do trabalho do
artesão, fabricado no todo ou em parte manualmente e por ele
comercializado diretamente ao consumidor final. Depreende-se que produto
artesanal não é, portanto, apenas aquele fabricado totalmente à mão e
utilizando apenas produtos extraídos da natureza; ao contrário, para ser
caracterizado como artesanal basta que um produto tenha parte de sua
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Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
produção feita manualmente e seja vendido diretamente por quem o
produz. É, exatamente, o caso da Feira, sem qualquer intermediário.

Com efeito, os produtos produzidos pela esmagadora maioria dos artistas e


artesãos expositores são conhecidos nacionalmente, não apenas pela sua
qualidade, mas também pelo preço que faz com que, todos os domingos,
aportem inúmeros ônibus de excursões vindas de todas as partes do País
para compra e revenda destes produtos em seus locais de origem.

É necessário dizer, também, que produto artesanal não é sinônimo de baixa


qualidade. Lembrando que a Feira conta com expositores que ali atuam há
mais de trinta anos – conhecendo, portanto, o seu mercado consumidor, é
natural que haja melhoramentos pelo desenvolvimento de novas técnicas,
uso de novos materiais, criação de novos modelos, sem que isso signifique
que o produto deixe de ser “artesanato”.

Ora, pergunta-se: se os feirantes estivessem vendendo produtos


industrializados, como alega a PBH sem qualquer efetiva comprovação,
possivelmente o fariam a preços superiores aos que usualmente se
observam no comércio regular, haja vista que um feirante não teria
capacidade aquisitiva igual à do grande comerciante junto a atacadistas e
distribuidores. Aliás, como é cediço, estes usualmente vendem seus
produtos a lojistas e via de regra em altas quantidades, o que, por si só, se
mostra inconsistente com a ideia de que expositores individuais estariam
vendendo produtos “industrializados”.

Ademais, é importante salientar que, como gestora da Feira, incumbe à PBH


fiscalizar as atividades e, se necessário, aplicar as sanções cabíveis se
porventura constatada alguma irregularidade cometida por algum feirante.
Ora, tal situação, se constatada, consistiria em caso isolado (eis que, insista-
se, a PBH não apresenta qualquer prova real, concreta e efetiva de que
todos os expositores estariam comercializando produtos não-artesanais) e
jamais poderia ser tomada como “desvirtualização” da Feira. Tal
“desvirtualização”, de fato, não existe.

b) A suposta “comercialização” de espaços por feirantes credenciados a


outros não-credenciados

Outro argumento utilizado pela PBH é a suposta “comercialização” de


espaço por feirantes credenciados, que estariam “alugando” suas barracas
para terceiros não-credenciados. Novamente, estamos diante de um
argumento sem efetiva comprovação e que, caso aconteça, somente pode
ser atribuído à própria conduta da PBH, veja-se:

Como dito alhures, a Feira conta com mais de trinta anos de existência e,
neste lapso temporal, muitos feirantes deixam de exercer suas atividades
por razões variadas: falecimento, impossibilidade (física, financeira, etc) de
continuar as atividades, ingresso em emprego formal, dentre outros.

Nestes casos, em todo esse tempo a Prefeitura raramente (para não dizer
jamais) realizou qualquer procedimento para seleção de novos artistas ou
artesãos para ocupar essas vagas. O que se sabe é que, na maioria das
vezes, estas vagas eram ofertadas pela Prefeitura a pessoas que não
passavam por qualquer procedimento licitatório, até para atender a pedidos
políticos. Em contrapartida, no caso de falecimento do expositor titular seus
sucessores não conseguiam licenciamento para exposição, ainda que
tivessem aprendido o mesmo ofício artesanal com seus antepassados.
Some-se a isso o fato de que a fiscalização da PBH jamais conseguiu apurar,
de forma consistente e irrefutável, a ocorrência da dita comercialização de
espaços. Ao contrário, justamente pela não-ocorrência desta dita
“comercialização” de espaços houve um esvaziamento da Feira, o que é
bem fácil de se apurar – basta verificar, nas folhas de chamada realizadas
pelos fiscais da PBH todos os domingos, a grande quantidade de barracas
para as quais não consta a assinatura do expositor ou de seu preposto.

Como se vê o que sempre faltou foi a devida fiscalização por parte do órgão
que concedeu a concessão. Jamais por desrespeito por parte dos artesãos
que fizeram e construíram aquele espaço, como dito, de renome nacional e
internacional.

c) A adoção de critérios “democráticos” para o credenciamento de


expositores

Esta, talvez, seja a “justificativa” mais injusta e equivocada da PBH para a


realização do procedimento licitatório que ora impõe aos feirantes, e para
se chegar a essa conclusão faz-se necessário analisar os critérios e a
pontuação estipulados no edital, e que se mostram, para a grande maioria
dos expositores que hoje se encontram na Feira, e, acredito, para a maioria
dos cidadãos, praticamente impossíveis de serem alcançados.
c.1) A avaliação socioeconômica – exclusão da grande maioria dos
artesãos atuais por condições como tipo de moradia e grau de
instrução

O Governo Federal apresentou recentemente a sua nova logomarca, que


traz a frase “País rico é país sem pobreza”, trazendo, assim, no seu bojo a
preocupação do atual Poder Executivo com a erradicação da pobreza.

Também é do conhecimento da Nação, o primeiro pronunciamento da atual


Presidente da República, a grande preocupação do governo frente ao
problema da educação no país.

Curiosamente, o edital da licitação idealizado pela Prefeitura de Belo


Horizonte vai, justamente, na contramão do que preconiza o
Governo Federal, na medida em que incentiva a falta de educação
(analfabetismo) e a pobreza e falta de recursos como pressuposto
para obter o credenciamento e permanecer na Feira.

Assim se afirma porque, da simples leitura do edital e dos critérios de


pontuação, observa-se que o principal aspecto para a obtenção do
credenciamento não é a qualidade do artesanato produzido, não é o tempo
de experiência do artesão, não é sequer o seu eventual credenciamento
anterior. Tampouco é a qualificação ou o aprimoramento do artesão por
meio de cursos e desenvolvimento de novas técnicas artesanais. Ao
contrário, segundo o edital, o que favorece a obtenção da licença
para exposição é a condição socioeconômica do interessado.

De acordo com o edital, somente pessoas que têm baixo (ou nenhum)
grau de instrução e residem em moradias precárias e não dispõem
de veículo próprio – nem mesmo um veículo usado para uso
exclusivo de transporte de seus produtos para a Feira – possuem
condições reais e efetivas de alcançar a pontuação mínima exigida
no edital. Ou seja, aqueles expositores que, ao longo dos mais de trinta
anos, conseguiram a duras penas comprar sua residência em um dos
diversos planos governamentais de incentivo à casa própria, ainda que se
trate de imóvel financiado e até hoje não quitado, correm sério risco de não
alcançarem a pontuação necessária para a segunda fase de avaliação, o
mesmo ocorrendo com aqueles que alcançaram um grau de instrução um
pouco mais avançado – além do ensino fundamental.

Também é curioso observar que um dos critérios para pontuação é a


existência de dependentes. Esse critério é inegavelmente injusto pois não
considera que podem existir pessoas solteiras, ou viúvas, que não têm
dependentes – e nem por isso sua situação econômica pode ser considerada
melhor do que a de quem, eventualmente, possui dependentes mas, por
exemplo, recebe pensão ou algum tipo de benefício.

É de se ver que, a se manter tais critérios como condição para o


credenciamento, a PBH, na contramão dos anseios da maioria da
população do Brasil, nada mais faz do que incentivar os futuros
artesãos a não progredirem em sua condição socioeconômica: não
estudar, não comprar uma residência, não comprar um veículo, e nem
pensar em fazer da Feira uma atividade efetivamente rentável, pois o
aumento na renda familiar poderia implicar na exclusão do expositor em
licitação futura, caso mantidos os mesmos funestos critérios ora adotados.

Tudo isso somente pode ser avaliado se examinarmos atentamente o Anexo


III do referido edital. Atente-se para o fato de que o item 4 do edital afirma
categoricamente quando da avaliação socioeconômica (que terá duas fases:
a prévia e a definitiva) serão melhor classificados aqueles que melhor
pontuarem nas respostas dadas ao questionário socioeconômico, devendo
entregar a documentação comprobatória das respostas.

No item 3.3, alínea “b” estabelece o referido edital que serão eliminados os
candidatos que não obtiverem ao menos 630 pontos na avaliação
socioeconômica prevista no item 4.1”.

Vale ainda lembrar que o processo seletivo, de acordo com o item 2.5
possui três fases distintas: I – inscrição; II – avaliação socioeconômica e III –
avaliação técnica.

Na avaliação técnica (III Fase), somente entrarão aqueles que obtiverem,


como dito, 630 pontos na fase II, na medida de 2 candidatos por vaga, e, se
houver empate, será realizado sorteio entre os candidatos.

Também, na avaliação técnica, última etapa do processo, só receberá a


credencial o candidato que obtiver 206 pontos, no mínimo, aferidos pela
equipe que verificará os produtos fabricados pelos candidatos (item 5.3,
alínea “b”) e havendo empate ganhará o que tiver obtido maior pontuação
na avaliação socioeconômica ou maior idade (item 5.6 “a” e “b”).

Passemos, portanto, à análise do Anexo III do edital onde se


encontram os pontos para avaliar os critérios socioeconômicos.
O primeiro item é sobre a questão educacional. A indagação vai desde ser o
candidato analfabeto até se o mesmo tem o doutorado. Veja que quem é
analfabeto ganha a maior pontuação 8, tendo peso 5, o que equivale dizer
que quem é analfabeto tem, de início, 40 pontos, enquanto aquele que tem
doutorado possui apenas 1 ponto simples. A maioria dos artesãos que hoje
se encontram na feira e fizeram dela o evento que é, possui ou o ensino
fundamental completo ou o segundo grau completo, acarretando para estas
pessoas apenas 6 e 4 pontos simples consecutivamente.

Assim, demonstra-se que a Prefeitura de Belo Horizonte só quer


mesmo analfabetos para a composição de seus permissionários,
fazendo clara apologia à falta de educação, como se não estudar
fosse mérito, e não o contrário. Vai de encontro a tudo o que se
tem promovido para o desenvolvimento do país que está
diretamente ligado, como é de censo comum, ao fator educacional.
País inculto é pais não desenvolvido. Qualquer pessoa sabe disso,
mas a Prefeitura condecora isso como mérito, e, portanto, pontua
melhor aquele que jamais estudou, às vezes nem sempre por falta
de condições.

Logo a seguir verifica-se outra ilegalidade. Hoje a preocupação é a inclusão


do deficiente físico, mas para a Prefeitura quem é deficiente físico ganha no
processo licitatório menos pontos do que quem não é. Sendo deficiente
ganha 8 pontos, se não é deficiente ganha ponto 1 com peso 10, ou seja,
ganha 10 pontos. E, registre-se, não há qualquer previsão de cotas para os
portadores de deficiência física, o que vai na contramão da legislação,
inclusive municipal, prevista na Lei Municipal 6.691/94.

Passando ao item abaixo constatamos outro absurdo. Quem mora em


imóvel alugado tem ponto 8, com peso 5, o que equivale a 40 pontos. Se o
candidato tiver casa própria tem apenas 2 pontos. Assim, a Prefeitura vai na
contramão do slogan do governo federal, porque ser pobre vira mérito e ter
um imóvel, mesmo que financiado por programas governamentais como o
“minha casa, minha vida”, apenas obtêm míseros 2 pontos, o que já o
empurra para ser desclassificado.

Também a avaliação do padrão do imóvel que o candidato reside demonstra


a insensatez deste edital. Quem mora em barracão com 4 cômodos ou
menos tem 8 pontos, com 5 de peso, equivalendo 40 pontos. Se o candidato
mora em apartamento menor ou maior do que 50m2 tem 6 e 5 pontos
simples. Já quem mora em casa com terreno menor ou maior de 100m2,
têm, respectivamente, 4 e 3 pontos simples. Já aí dá para perceber que o
analfabeto (40 pontos), que mora de aluguel (40 pontos) e mora num
barracão com 4 cômodos (40 pontos) já possui, para se contrapor aos
demais, 120 pontos porque não estudou e é miserável. O universo de
participantes ficaria resumidíssimo, o que já implica em situação ilegal e
tratamento completamente desigual entre os concorrentes.

Seguindo adiante esbarra-se no fato de se ter ou não dependentes, o que


torna a situação absurda, porque as viúvas (os), por exemplo, que não
possuem renda a não ser a do fruto de seu trabalho, mas não possuem mais
dependentes, lhes dão apenas 2 pontos simples.

Partindo para frente procura-se saber sobre a renda e a despesa familiar. Se


o candidato tem renda menor que 3 salários mínimos, ganha 8 pontos com
peso 5 = 40 pontos. Se o candidato ganha acima de 10 salários ganha
apenas 2 pontos. Entretanto se sua despesa for superior a 10 salários
mínimos, também é ofertado 40 pontos. Em contrapartida quem tem
despesa de até 3 salários mínimos ganha 2 pontos. Assim está diante da
seguinte situação: para se ter nestes quesitos 80 pontos (somando-se
receita e despesa) o candidato teria que ganhar até 3 salários mínimos e
deveria gastar acima de 10 salários, o que é evidentemente, um impulso a
que a pessoa gaste mais do que ganhe. Em qualquer outra hipótese, o
máximo que o candidato pode conseguir é 42 pontos neste quesito,
lembrando-se que ele precisa, para não ser eliminado nesta fase de, no
mínimo, 630 pontos.

Logo abaixo verifica-se que a Prefeitura também avalia melhor quem não
tem carro. O candidato que tenha um carro, mesmo que este seja utilizado
para transportar as suas mercadorias, que tenha mais de 5 anos, só tem 4
pontos simples. Quem não tem carro, ganha 40 pontos e quem só tem uma
motocicleta, ganha 6 pontos simples. Isso faz com que venha a ocorrer, por
incentivo do próprio órgão permissionário, uma corrida para transferir às
vezes o único imóvel (normalmente financiado) e o único carro para o nome
de terceiros, exatamente por achar que a miserabilidade vale muito mais do
que a pessoa que quer viver condignamente do seu trabalho, tendo
condições mínimas para poder levar seus produtos e vender no local
permitido.

Outro descalabro é o fato de se pontuar melhor quem está desempregado.


Este candidato ganha 40 pontos em contrapartida com o artesão que já se
encontra na feira há mais de 30 anos, que ganha somente 6 pontos simples.
Isso demonstra cabalmente como a Prefeitura quer, a todo modo, excluir os
feirantes antigos e exterminar de vez com o evento que produz 0,1 do PIB
municipal, de acordo com a Associação dos Feirantes, que também
emprega grande mão de obra. São situações completamente desiguais e
que tornam o processo ilegal.
Risível também o fato de que recebe mais pontuação aquele que ganha
menos com a venda de seus produtos. Se o candidato ganha (lucra) até 3
salários mínimos, recebe 40 pontos. Aquele que venha a ter um lucro acima
de 10 salários mínimos, ganha apenas 2 pontos simples. Agora aquele que
gasta (despesa) mensalmente com os custos da mão de obra, insumos etc
para fabricar o seu produto mais de 10 salários mínimos, ganha 40 pontos.
Mas aquele que só gasta para a fabricação de seu produto até 3 salários
mínimos, ganha apenas 2 pontos. Ou seja, para ganhar 80 pontos é
necessário que o candidato lucre somente de 0 a 3 salários mínimos (veja
que zero salário mínimo é não ter lucro nenhum, ou seja, a pessoa sai de
casa fica de 6 a 8 horas trabalhando para não ter um mísero centavo para
levar para casa) terá que ter uma despesa de mais de 10 salários mínimos,
o que acarretaria a insolvência civil do artesão, porque ele não teria lucro
algum e ainda gastaria mais do que arrecada.

Ressalte-se, ainda, a indagação sobre o local onde o trabalho vai ser


executado: se for na própria residência, ganha 40 pontos. Se não for, ganha
4. Ora, se o candidato que obteve 40 pontos por morar em um barracão
alugado de apenas 4 cômodos, ele, automaticamente, estará excluído deste
quesito, porque, restaria para ele a impossibilidade de executar o seu
trabalho no local onde reside. Este absurdo também será evidenciado
quando da análise do item final do processo licitatório, avaliação técnica, na
parte de qualidade de produção.

Logo adiante a Prefeitura começa a perguntar ao candidato como é feito o


trabalho, a produção, o pessoal empregado, local de venda, tipos de
máquinas utilizadas, forma de produção e matéria prima.

Aqui depara-se com o seguinte: se o seu produto é feito individualmente, ou


seja, o candidato não tem sócio, não tem equipe de trabalho, ou sequer
familiares ajudando, ele obtém 8 pontos com peso 10, ou seja, 80 pontos.
Se ele tem sócio, ganha 8 pontos simples, se tem equipe de trabalho
remunerado com até 2 empregados, ganha 6 pontos simples, mas se tem
equipe de colaboradores sem remuneração tendo, por exemplo, 2 filhos
aprendendo e ajudando no ofício, ele ganha 4 pontos. Se tiver mais de 2
pessoas empregadas/aprendizes, ele será eliminado (e aqui nem sequer
precisa ser remunerado, porque o edital é omisso). Jamais uma pessoa
consegue produzir sozinha todo os produtos que são vendidos na feira da
Afonso Pena. A atual feira é hoje, como se disse, conhecida nacional e
internacionalmente, com consumidores de diversas partes do país, o que
implica em uma demanda muito superior ao que uma pessoa apenas possa
produzir. Assim, se um artesão tem vários filhos ajudando-o no ofício, por
exemplo, ele pode não obter pontos suficientes para levá-lo à condição de
licitante, o que poderá acarretar à sua exclusão não só da feira, como do
próprio processo licitatório.
Veja ainda que há uma contradição no edital que determina 4 pontos
simples para quem tem até 2 colaboradores não remunerados e, ao mesmo
tempo, dá 40 pontos para aqueles que respondem ao quesito seguinte,
quando alega não ter colaboradores não remunerados.

Ora, se o edital dá mais pontos no quesito anterior para aqueles que


possuem até 2 colaboradores remunerados ( o que incentiva o emprego da
mão de obra), no quesito seguinte a Prefeitura, contraditoriamente, dá mais
pontos (40) para aqueles que não têm colaboradores.

Como se disse no inicio desta exposição, trabalho artesanal não é somente


aquele que é feito de forma exclusivamente manual, sem qualquer emprego
de máquinas, ou de matéria prima na natureza. Nem no tempo medieval
isso era considerado. Entretanto, para a Prefeitura, foi aquilatado que
aquele que faz o seu trabalho totalmente de forma manual, ganha 80
pontos, o que utiliza parte manual e parte máquina, ganha 60 pontos. Os
que utilizam matéria prima da natureza, ganha 80 pontos e o que utiliza, o
que é a grande maioria dos artesãos de produtos adquiridos para a
fabricação de seu produto, ganha 2 pontos simples.

Assim pergunta-se: o que pretende a Prefeitura? Que a feira seja realizada


apenas por pessoas que vão vender, sem qualquer qualidade ou
possibilidade de venda, produtos tais como cordãozinhos de feijão, anel de
caroço de fruta ou flores secas do campo? Evidente o intuito de acabar com
a feira de artesanato existente hoje na Av. Afonso Pena. Ser analfabeto, ser
pobre, não ter casa, nem lucro e vender produtos sem qualidade e sem
procura de mercado.

Mas, mesmo que haja algum candidato que consiga 630 pontos para passar
para a última etapa do processo licitatório, ele, fatalmente não conseguirá
ultrapassar esta fase, que trata da avaliação técnica dos produtos, que
passamos a analisar.

Nesta etapa, o candidato terá que arrecadar mais 206 pontos no mínimo
para conseguir, finalmente, obter a sua credencial, sendo quase impossível
chegar ao final com tal pontuação, fato que passamos a examinar.

c.2. Critérios de avaliação de “qualidade da produção”- critérios


inatingíveis no caso de produtores individuais – exigências que se
enquadram apenas a empresas e grandes produtores –
incongruência com a avaliação socioeconômica
Dito isso, veja-se que a segunda parte da avaliação refere-se à “qualidade
da produção” é totalmente incongruente em relação aos critérios de
pontuação estabelecidos na avaliação socioeconômica.

Assim se diz porque, com a devida vênia, não é provável, tampouco


razoável supor, que uma pessoa que tenha baixa condição socioeconômica
como exigido na primeira parte do edital – baixa ou nenhuma instrução,
baixa renda familiar, ausência de residência própria e veículo, por exemplo
– atinja os critérios de avaliação da qualidade impostos no edital, tais como:

- POLÍTICA DE QUALIDADE

- PRODUÇÃO EM LOCAL ESPECÍFICO

- CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES

- PROCESSO ESTRUTURADO DE COMPRAS

- DISTRIBUIÇÃO DE TAREFAS E REGISTRO DE PROBLEMAS COM MÃO-DE-


OBRA

- IDENTIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO

- CONTROLE DE TEMPO DE PRODUÇÃO

- ESTOQUE, EMBALAGEM E COMERCIALIZAÇÃO

- CUSTOS DE MÃO-DE-OBRA

- PLANO DE AÇÃO

- CÁLCULOS DE CUSTOS DIRETOS E VARIÁVEIS

- DEFINIÇÃO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO

- NOÇÃO DE PRESERVAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS

- AÇÕES EDUCATIVAS PARA PRESERVAR A SAÚDE DE APRENDIZES

- USO DE EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)

- SISTEMA DE REGISTRO DE SUGESTÕES E RECLAMAÇÕES DE CLIENTES

A simples relação acima (que compõem apenas parte da avaliação de


qualidade do edital, Anexo IV) deixa claro que é, praticamente, impossível a
obtenção do credenciamento para exposição de produtos na Feira. Os
pontos de avaliação acima relacionados, e que em muito se assemelham
aos critérios de qualidade estabelecidos pelas Normas Internacionais ISO
9000, somente poderiam ser encontrados em empresas ou, pelo menos, em
uma situação de maior escala de produção, pois nunca, em tempo algum,
o artesão individual, pobre e analfabeto como quer a Prefeitura,
poderia atender à grande maioria desses critérios.

É, no mínimo, curioso ver que as duas avaliações não se coadunam entre si:
se, na fase socioeconômica, o edital privilegia o baixo grau de instrução,
baixa renda e condições precárias de residência, como poderia exigir, na
segunda fase, local próprio de produção, uso de equipamentos de proteção
individual, treinamento de aprendizes e “política de qualidade”, por
exemplo?

Basta ler o Anexo IV do edital para se verificar a impossibilidade entre um


requisito (condição socioeconômica) e o outro (avaliação técnica e
qualidade de produção) e, claramente, compreender que quem preenche
um, não preenche o outro. O que demonstra a ilegalidade absoluta do
referido edital. Nenhum analfabeto, ou miserável, conseguirá atender aos
requisitos da avaliação técnica.

Ora, o que se vislumbra da leitura acurada do edital, portanto, é que o


mesmo foi feito de tal forma que quem é aprovado na primeira fase
dificilmente passará na segunda, e vice-versa! E, INEXISTINDO PESSOAS
“HABILITADAS” SEGUNDO OS INJUSTOS E INATINGÍVEIS CRITÉRIOS
DO EDITAL, A FEIRA SERÁ SIMPLESMENTE EXTINTA!!!! E ESSE É
EXATAMENTE O INTERESSE DESSA ADMINISTRAÇÃO: ACABAR COM A
FEIRA, NADA MAIS. TANTO É ASSIM QUE NENHUM PONTO FOI
ADICIONADO AO CANDIDATO QUE JÁ ESTEJA EXPONDO NA FEIRA
POR PERÍODO SUPERIOR A 10 ANOS, POR EXEMPLO. ESTES
EXPOSITORES, REPITA-SE, JÁ PASSARAM POR DUAS LICITAÇÕES
FEITAS PELA PREFEITURA E JAMAIS TIVERAM QUE TER A SUA
CONDIÇÃO SÓCIOECONÔMICA ANALISADA, OU SE É, OU NÃO,
ALFABETIZADO. O QUE TIVERAM QUE DEMONSTRAR FOI SE O SEU
PRODUTO PODERIA SER CONSIDERADO ARTESANAL, OU NÃO, QUE
SEMPRE FOI DESDE O SEU INÍCIO, CONDIÇÃO “SINE QUA NON” PARA
PODEREM RECEBER A SUA CREDENCIAL.

Os motivos, portanto, para novo processo licitatório nos moldes em


que formulado, não se sustentam por tudo que foi apresentado e
manter válido tal edital completamente ilegal até o julgamento do
mérito, data vênia, dará à Prefeitura o ânimo para acelerar este
processo licitatório, excluindo todos os feirantes da Afonso Pena, o
que acarretará a perda da renda de mais de 2000 pessoas
(chegando a 11.000 entre aqueles que participam da produção e
venda) que ali expõem os seus produtos, muitos, há mais de 35
anos, o que acarretará uma comoção local e até mesmo nacional.

Espera-se, assim, diante de tais fatos, que se tenha um outro olhar


sobre as regras ali impostas pela Prefeitura de Belo Horizonte, para
que este processo licitatório somente possa ser deflagrado após
exame detalhado do referido edital pelo Judiciário em sua instância
final. Se for considerado legal, aos feirantes e aos outros futuros
participantes do processo licitatório, restaria, então, somente o
acatamento da decisão Judicial

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