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O que é ética?

Pode-se dizer que a ética é a disciplina que procura responder às seguintes

questões: como e por que julgamos que uma ação é moralmente errada ou correta? E

que critérios devem orientar esse julgamento? Hoje várias respostas atendem a essas

perguntas: é possível afirmar que a ação correta é aquela que (i) maximiza a felicidade

de todos, (ii) é praticada por um agente virtuoso, (iii) está de acordo com regras

determinadas, ou, ainda, (iv) pode ser justificada aos outros de forma razoável.

O procedimento de determinação da ação correta varia conforme a escola

filosófica, bem como de acordo com a razão pela qual se adota esse procedimento. O

estudo das várias correntes de determinação da ação correta é o que chamamos de

ética normativa. Além desta, temos ainda a metaética, que estuda as condições de

verdade e validade dos enunciados éticos, e a ética aplicada, que procura resolver

conflitos práticos utilizando os princípios obtidos pela ética normativa.

A ética divide-se em três campos principais de estudo: metaética, ética

normativa e ética aplicada. A ética normativa pretende responder a perguntas como “o

que devemos fazer?” ou, de forma mais ampla, “qual a melhor forma de viver bem?”.

As respostas a essas questões recorrem ou à determinação da ação ou regra correta, ou

à determinação mais ampla de um caráter moral.

Diferentemente da ética normativa, a metaética não pretende determinar o que

devemos fazer, mas investiga a natureza dos princípios morais, indagando se são

objetivos e absolutos os preceitos defendidos pelas diversas teorias da ética, ou se são

de fato inteligíveis, ou, ainda, se podem ser verdadeiros esses princípios éticos num

mundo sem Deus.

A ética aplicada diz respeito à aplicação de princípios extraídos da ética

normativa para a resolução de problemas éticos cotidianos, isto é, procura resolver


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problemas práticos de acordo com princípios da ética normativa. Geralmente, as

correntes de ética aplicada não se detêm a examinar apenas os princípios de uma

teoria, mas apresentam sobretudo princípios oriundos da ética utilitarista – como o da

avaliação das consequências -, conjugados com princípios da ética deontológica –

como o da consideração da dignidade da pessoa e o do respeito pela liberdade de

decisão.

Uma das razões do desenvolvimento da ética aplicada deu-se principalmente

em função da necessidade de se resolverem os problemas relacionados à vida. A

corrente que se dedica ao estudo dessa finalidade recebe o nome específico de

bioética. Alguns assuntos como o aborto e a eutanásia, as relações entre médico e

paciente, a pesquisa científica com cobaias humanas e a manipulação genética são

tratados pela bioética mais propriamente. Em sentido mais abrangente, a ética

aplicada ocupa-se também de problemas relativos ao meio ambiente, à proteção dos

animais e às questões morais envolvidas nas trocas comerciais.

Éticas normativas e suas divisões

Podemos dividir as correntes da ética normativa em duas categorias: a ética

teleológica e a ética deontológica. A primeira determina o que é correto de acordo

com uma certa finalidade (télos) que se pretende atingir. Suas duas subdivisões

principais são: a ética consequencialista, que se baseia nas consequências da ação, e a

ética da virtude, que considera o caráter moral ou virtuoso do indivíduo.

A ética deotológica procura determinar o que é correto, não segundo uma

finalidade a ser atingida, mas segundo as regras e as normas em que se fundamenta a

ação. Uma das correntes mais importantes da ética deontológica é a ética kantiana ou

ética do dever.
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Éticas teleológicas

a) Ética consequencialista

As duas correntes principais do consequencialismo são o egoísmo ético e o

utilitarismo. Ambas defendem que os seres humanos devem agir de forma tal que

produzam boas consequências. A diferença é que para o egoísmo ético o fundamental

é que o ser humano deve agir em seu próprio benefício, ao passo que de acordo com o

utilitarismo o ser humano deve agir em função do interesse de todos.

Podemos enumerar três posturas típicas do egoísmo ético:

1) o indivíduo entende que as ações de todos devem convir com seu interesse

individual;

2) o indivíduo age apenas segundo seu interesse individual, sem que a ação ou o

interesse dos outros seja objeto de sua preocupação ética;

3) o indivíduo crê que cada pessoa deve sempre agir de acordo com seu interesse

próprio (egoísmo ético universal).

A principal vantagem do egoísmo ético é a facilidade de determinar o próprio

interesse, comparada com a dificuldade de determinar o que seria do interesse de

todos, ou o que traria maior benefício para todos. O problema com a primeira e a

segunda versões é que ambas seriam benéficas apenas para um indivíduo, e não

poderiam ser aplicadas à humanidade em geral. A terceira formulação poderia

acomodar-se ao interesse da humanidade em geral, uma vez que não estipula apenas

que o interesse de um indivíduo deva ser atendido, mas que cada um deve buscar a

satisfação dos seus próprios interesses. O problema com a terceira forma é que, se

estivesse vigente, não comportaria enunciados de normas ou ações com validade


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universal, considerando que muitas vezes as pessoas têm interesses mutuamente

excludentes. Podemos imaginar uma situação exemplar a esse respeito: João, a fim de

satisfazer seu interesse, deve realizar a ação A; Pedro, por sua vez, para ver atendido

seu interesse, precisa praticar a ação B. Suponhamos que a ação B contrarie o

interesse de João, e que a ação A oponha-se ao interesse de Pedro. Não seria possível

portanto que ambos agissem, simultaneamente, conforme seu próprio interesse, pois a

afirmação do interesse de um implicaria a negação do interesse do outro. Visto que os

interesses dos agentes são diversos, a dificuldade do egoísmo ético em enunciar

máximas que tenham a pretensão de valer para todos impõe uma limitação à sua

teoria.

O utilitarismo assinala que cada indivíduo deve agir de forma a proporcionar o

maior bem ou a maior felicidade para todos que o cercam. Divide-se em utilitarismo

de ação e utilitarismo de regra. Segundo o utilitarismo de ação, cada indivíduo deve

analisar a situação particular na qual se encontra e descobrir qual a ação que trará o

maior benefício para todos os envolvidos. Uma vez que cada situação é única, não

podemos determinar regras universais de ação – como, por exemplo, “dizer sempre a

verdade” -, já que nem sempre essas regras trariam o maior benefício para os

envolvidos.

O utilitarismo de regra estabelece que devemos agir segundo regras que

determinem o maior bem ou a maior felicidade para todos a que diz respeito nossa

ação. A possibilidade de se arrolarem regras gerais provém da crença em que os

indivíduos, seus motivos, características e valores não divergem tanto entre si que seja

impróprio estabelecer normas com validade para todas as situações. Segundo o

utilitarismo de regra, poderíamos formular certos preceitos como “não matar, exceto

em caso de autodefesa”, visto que uma regra desse gênero acarretaria mais bem do
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que mal a uma sociedade, uma vez que poderia coibir que as pessoas tirassem a vida

umas das outras conforme seu próprio interesse ou, eventualmente, por considerar que

a morte de alguém produziria um benefício geral, o que decerto perpetraria um

perigoso antecedente. Seria ainda possível formular uma regra como “não quebrar as

promessas”, posto que impediria que os contratos firmados entre indivíduos fossem

rompidos em prejuízo da sociedade.

b) Ética de virtudes

Nas éticas de virtudes, segundo as quais a virtude é definida como “excelência

moral ou retidão”, a ênfase incide sobre o caráter virtuoso ou bom dos seres humanos,

e não primeiramente sobre os seus atos e sentimento, ou sobre suas regras e

consequências.

Pode-se dizer que o marco inicial da ética de virtudes é a doutrina moral que

Aristóteles desenvolve na obra Ética a Nicômaco. A questão central da teoria

aristotélica das virtudes alude ao que nós queremos em nossa vida, indagando qual a

finalidade das nossas ações. A resposta, ou seja, a justificativa para as nossas ações, é

a busca da felicidade (eudaimonia). Essa felicidade de que fala Aristóteles não

consiste em uma alegria momentânea nem em uma euforia efêmera, mas sim em um

estado duradouro de satisfação. Aristóteles afirma que é preciso desconsiderar

motivos pessoais e subjetivos para se alcançar a felicidade, pois o homem é feliz

apenas quando realiza bem a sua função (ergon) própria, a sua razão. Assim, o bem

supremo constitui uma condição de bem-estar duradouro, conquistada pela realização

da racionalidade humana, que é a finalidade da vida virtuosa. Apenas o

desenvolvimento da capacidade racional do ser humano poderá proporcionar-lhe uma


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vida plena. Esse desenvolvimento só é possível pela virtude, que é a excelência moral

do ser humano.

Contemporaneamente, um dos defensores da ética de virtudes é Alasdair

MacIntyre. No livro After virtue, ele propõe a ética de virtudes como alternativa à

ética do dever e ao utilitarismo. O objetivo da ética seria, segundo MacIntyre, a

criação de homens virtuosos, cujos sentimentos e inclinações fossem cultivados

moralmente.

Ética deontológica

Segundo a ética deontológica (deontológico significando precisamente

“dever”) – também chamada não-consequencialista -, a análise das consequências de

um ato ou comportamento não deve influir no julgamento moral sobre as ações ou as

pessoas. O que é moral ou imoral decide-se com respeito a outros padrões que não

sejam as consequências da ação. As correntes principais da ética não-

consequencialista são o intuicionismo moral, a ética do dever, a ética do discurso e o

contratualismo moral.

O intuicionismo moral fundamenta-se na crença de que as pessoas são dotadas

de um conhecimento imediato quanto ao que é correto ou não, e que as teorias

filosóficas elaboradas para explicar o senso comum moral só são aceitas quando

propõem justificar como correto aquilo que já o sabíamos ser intuitivamente. O ponto

positivo do intuicionismo moral é que se trata de uma teoria fiel ao fato de que as

pessoas normalmente possuem o senso do que é certo ou errado. O ponto negativo é

que a defesa dessa teoria torna impossível qualquer argumentação no campo da

moralidade, visto que apela à intuição, e não à razão, a fim de justificar suas crenças.
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A ética do dever, iniciada por Kant, pretende discriminar as regras do que é

certo ou errado moralmente, utilizando uma noção chamada imperativo categórico,

segundo a qual a ação é moral se a regra da ação puder ser tomada como regra

universal, ou seja, se puder ser observada e seguida por todos os seres humanos, sem

contradição. Tomemos por exemplo alguém que mente para se esquivar de uma

situação embaraçosa. Poderia essa pessoa desejar que todos mentissem nessa mesma

situação? Outro exemplo: alguém sem dinheiro planeja um assalto. Poderia, em vista

disso, querer que essa regra fosse válida para todos? Certamente essa pessoa não

tardaria a concluir que embora pudesse querer que uma ou outra ação servisse para si,

não poderia recomendá-la a todos, visto que não lhe poderia ser favorável, em outra

situação, que todos mentissem, ou que todos roubassem quando bem lhes aprouvesse.

Contudo, para que uma ação seja moral, não basta apenas conformar-se à máxima

externa: é preciso que o móbil da ação seja o respeito pela lei moral, e que não derive

de sentimentos egoístas, visando ao proveito próprio. Essa distinção moral encontrar-

se-ia no que o senso moral comum chama boa vontade: uma vontade que, por respeito

à lei moral, quer agir segundo o que essa lei ordena.

Recentemente vimos surgir várias reformulações da ética kantiana. Uma delas

é a ética do discurso, elaborada por Habermas e Apel, que pretende determinar as

regras do que é correto a partir de uma comunidade ideal de comunicação. Autores

como Tugendhat empregaram uma versão renovada do conceito kantiano de

imperativo categórico para associá-lo à questão do respeito mútuo entre os agentes

morais.

Outra corrente, denominada contratualismo moral, inspirou-se, em certa

medida, na teoria da justiça de John Rawls, segundo a qual as regras de justiça que

deveriam reger as principais instituições de uma sociedade decorreriam de um


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contrato hipotético em que os contratantes ignorassem previamente a posição que

ocupariam em tal sociedade. Essa teoria foi defendida por Gauthier e Scanlon, com

base no argumento de que a determinação das regras dá-se a partir de um contrato

hipotético firmado entre as partes, que decidem qual deve ser a regra do moralmente

correto.

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