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6 DIANA DOMINGUES

Este capítulo trata sobre os conceitos de imersão e interação aplicados pela


artista Diana Domingues em algumas de suas instalações interativas. A artista utiliza
o termo ciberinstalações para definir os ambientes que dialogam com o cyberspace,
que é um espaço intermediado por computadores e conectado à rede. O primeiro
trabalho é TRANS-E: O enigma da pedra1 (1997), uma instalação interativa
apresentada no Itaú Cultural, na exposição Mediações: Arte e Tecnologia. Duas
outras instalações foram escolhidas para abordar o conceito de interatividade: I’Mito:
Zapping Mobile Zone2 (2004), na exposição Emoção Art.Ficial 2.0, e
Firmamento_Pop Stars3 (2005), apresentada na Exposição Cinético_Digital, ambas
no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo.

1
Esta instalação foi apresentada em diversas exposições, com apresentações e desenvolvimentos de
interfaces diferenciadas.
TRANS-E: O corpo e as tecnologias
• 1994 – Galeria do Século XXI – Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ, 1995 – Museu
de Arte Contemporânea do RS – MAC, RS, 1995 – Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre,
RS.
• 1995 – Museu Universitário UFRGS, Porto Alegre, RS, 1995 – GAU – Galeria de Arte da
Universidade de Caxias do Sul, RS, 1995 – Paço das Artes, São Paulo, SP.
TRANS-E: O enigma da pedra
• 1997 – Exposição Arte e Tecnologia, Itaú Cultural, SP.
TRANS-E: Meu corpo, meu sangue
• 1997 – ISEA 97, The Eighth Internacional Symposio of Society for the Eletronic Arts, Chicago, USA.
• 1998 / 1999 – GAU – Galeria de Arte da Universidade de Caxias do Sul.
• 1999 / 2000 – II Bienal do Mercosul – Mostra Arte e Tecnologia – Ciberarte: Zonas de Interação,
Porto Alegre.
• 2000 – MAMba – Museu de Arte Moderno de Buenos Aires, Argentina.
• 2000 – VII Bienal de La Habana, Cuba, 2002 – Centro de Artes de La Municipalidad Metropolitana
de Lima (Peru) – Galeria Municipal Pancho Fierro.
Este trabalho está exposto atualmente em um novo formato como a Caverna do TRANS-E.
• 2007 – Exposição “Memória do Futuro: Dez anos de arte e tecnologia no Itaú Cultural”, que
acontece de 4 de julho a 9 de setembro de 2007, no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo.
2
A instalação interativa I’Mito Zapping Móbile Zone foi apresentada em:
• 2004 – Exposição “Emoção Art.ficial II – Divergências Tecnológicas”, com curadoria de Arlindo
Machado e Gilbertto Prado, e consultoria especial de Jeffrey Shaw. Instituto Itaú Cultural, São Paulo,
SP, Brasil. Período: 1º de julho a 26 de setembro de 2004.
• 2005 – V Bienal de Artes Plásticas do Mercosul. Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS – Brasil. 30
de setembro a 4 de dezembro de 2005.
• 2006 – Copa da Cultura – Exposição “The image of sound”. Casa das Culturas do Mundo – Haus
der Kulturen der Welt – HKW – Berlim – Alemanha. Período: 4 a 10 de junho de 2006.
• 2006 – Casa da Cultura Percy Vargas de Abreu e Lima. Caxias do Sul, RS, Brasil. Período: 8 a 30
de novembro de 2006.
3
A instalação interativa Firmamento_Pop Stars foi apresentada em:
• 2005 – Exposição “Corpos Virtuais: Arte e Tecnologia”, no Centro Cultural Telemar – Rio de Janeiro
– RJ – Brasil. Curadoria: Ivana Bentes. Período: 12 de maio a 10 de julho.
• 2005 – Exposição “Cinético_Digital”, no Instituto Itaú Cultural – São Paulo, SP – Brasil. Período: 5
de julho a 11 de setembro de 2005.
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Diana Domingues é uma artista que atua como pesquisadora na intersecção


entre arte, ciência e tecnologia, desenvolvendo seus trabalhos em parceria com o
Grupo de Pesquisa Artecno, no Laboratório de Novas Tecnologias em Artes Visuais
da Universidade de Caxias do Sul (NTAV/UCS). Desde o final dos anos 70, Diana
Domingues trabalha com linguagens tecnológicas e vem desenvolvendo
videoinstalações e instalações multimídia, ou seja, ambientes que envolvem o corpo
do espectador por meio de dispositivos eletrônicos. Atualmente, com a introdução da
tecnologia digital, suas pesquisas se voltaram para o conceito de interatividade,
produzindo instalações interativas, ambientes em realidade virtual e de inteligência
artificial.
A artista desenvolveu diversas instalações interativas. Entre elas é possível
citar: Eletrourbs (1979/1983), Pulsação ou onda ou vermelho, não verde (1986),
Migrações (1989), Connexio (1990), Paragens (1991), Restos (1992), Bosques
(1994), TRANS-E: O corpo e as tecnologias (1995), In-Viscera (1995), Cagebim
(1995), Bio-Livro (1996), TRANS-E: O enigma da pedra (1997), TRANS-E: Meu
corpo, meu sangue (1997), INS(H)NAK(R)ES (2001), Ouroboros Places (2002),
Meu corpo, meu sangue II (2003), I’Mito: Zapping Mobile Zone (2004), RV
Aquarium (2005), Heart Scapes (2005) e Firmamento_Pop Stars (2005).
Na integração entre arte e ciência, a poética dos trabalhos de Diana possui
uma relação com os rituais e com o sagrado. A artista busca na relação com o
xamanismo um recurso imersivo além da tecnologia, proporcionando experiências
em que ciência e arte estão fundidas. Nas sociedades tribais, o xamã é a pessoa
que investiga a relação entre a arte e a ciência, e se posiciona entre a religião e a
verdade. As artes visuais e de performance estão integradas numa estrutura de
rituais e da vida cotidiana. O artista que conta/canta histórias ou esculpe os objetos
dos rituais é a mesma pessoa que é especialmente observadora e sábia sobre os
caminhos do paraíso, do clima, dos animais, das plantas, da terra, e tem os
conhecimentos sobre a vida e a morte (WILSON, 2002, p. 5).

Desde que eu comecei a trabalhar linguagens técnicas, veio a idéia


de envolver o corpo, de fazê-lo habitar um espaço e de que algo
ocorresse com a presença desse corpo. Nesse sentido eu acho que
o corpo é expandido e está ganhando poderes especiais. Eu sou
uma das teóricas que levanta a metáfora do xamanismo. Todos os
meus trabalhos estão ligados a rituais. Será que o homem hoje não
possui poderes que vão além de um corpo matérico? (DOMINGUES,
2007).
120

6.1 TRANS-E: O enigma da pedra

Figura 21 – Instalação interativa TRANS-E: O enigma da pedra

As instalações TRANS-E estão relacionadas ao projeto Rede Xamânica:


Intersecções entre as Culturas Indígena e Telemática e têm como base conceitual a
incorporação das redes comunicacionais numa relação da arte e da comunicação
com o desenvolvimento tecnológico que marca o final do século XX. Essas questões
foram discutidas pelo teórico Roy Ascott, que propunha que as pesquisas mais
relevantes em arte, na virada do milênio, estavam correlacionadas com a exploração
da mente, da consciência global, da celebração daquilo que ele chama de “telenóia”,
o sentido de união através da telepatia.
A relação com as comunidades indígenas é uma base importante de
aprendizagem para detectar formas de relacionamento, ritos, valores que
alicerçam essas novas relações imateriais, que alimentam as comunidades
virtuais do planeta (ARTECNO, 2007a).
A instalação interativa TRANS-E: O enigma da pedra (1997) é um ambiente
que conjuga imagens pré-gravadas com imagens em tempo real, fundindo ciência e
arte. A imagem de uma pedra com inscrições rupestres é projetada no telão, onde
se movimenta e se altera.
121

O ambiente procura simular um “TRANS-E eletrônico” por meio das


tecnologias digitais por “visões” em tempo real. As interfaces conectam os sinais
biológicos dos corpos em deslocamento, transformando-os em paradigmas
computacionais e os devolvem em seqüências de imagens que determinam a “vida”
do ambiente. É o movimento do espectador captado por sensores dentro da
instalação que faz a imagem da pedra reagir. A interatividade ocorre a partir da ação
do público, e a arte passa a se valer do campo da energia e da invisibilidade das
coisas. Sai da esfera material para a imaterial, enquanto ação e fenômeno
substituem a representação.

Figura 22 – Esquema da instalação TRANS-E

Diz-se que nas sociedades primitivas as pinturas das paredes são


trabalhos de xamãs cujos estados alterados de consciência lhes
conferem poderes para se comunicar com o além e intervir no mundo
real porque dialogam com os espíritos. Em TRANS-E, Meu Corpo,
Meu Sangue, as tecnologias digitais nos oferecem um ritual
eletrônico. Corpos conectados a interfaces dialogam com as
memórias eletrônicas de computadores e podem experienciar
“alucinações virtuais” em tempo real. (DOMINGUES, 1997).

Em entrevista, Diana Domingues fala sobre a trajetória de seus trabalhos e


explica a diferença entre as videoinstalações e as instalações multimídia que
desenvolvia nos anos 80 e 90, e as instalações interativas que passou a desenvolver
122

a partir do final dos anos 90, com a introdução da tecnologia digital. A artista
estabelece diferenças entre a participação que ofereciam as videoinstalações e a
interatividade permitida pelas instalações mediadas por recursos digitais. Para
ilustrar o exemplo de instalação multimídia, Diana fala sobre a versão de TRANS-E:
O corpo e as tecnologias (1995):

Na instalação TRANS-E: O corpo e as tecnologias, eu trabalhava


com vídeo (ela era somente uma instalação), mas possuía quatro
momentos diferentes: Bio-Biblion, A-feto, In-fluxos e A ceia, e em
todos eles havia uma participação. [...]
Essa instalação, que é da década de 90, o corpo já aparece numa
situação privilegiada, a noção de corpo ampliado para a noção de
identidade. Uma obra totalmente de participação, não de interação,
usando linguagem de vídeo, sensores infravermelhos, câmeras de
vigilância que capturavam a pessoa dentro de uma sala. Não existia
ainda um sistema de feedback, portanto ela não era interativa. Por
quê? Porque não existia uma conexão do corpo com o cyberspace.
[...] Se a gente observar a produção de artistas que trabalham com
vídeo, como Bill Viola, por exemplo, eles usam em alguns momentos
dispositivos que podem incluir o corpo dentro do espaço, que é a
noção de inclusão de John Cage, mas não se estabelece um diálogo,
[...] Isso pode existir com sensores infravermelhos, como no caso
dessa mesma instalação da década de 90 [...] mas ainda são
situações mais reativas, utilizando questões da mecânica, o corpo, o
calor e os sensores infravermelhos na arte da participação. E eu
acho que nós temos que diferenciar bem a arte da participação com
os dispositivos e a arte da interação, a arte interativa onde surgem as
noções de interface e de design de interface. (DOMINGUES, 2007).

As instalações com tecnologias eletrônicas, conforme foi descrito no capítulo


3, Instalações Interativas, são as videoinstalações, que possuem dispositivos de
vídeo, e as instalações multimídia, que utilizam vários dispositivos de imagem e
som.
Esses dispositivos compõem a cenografia e a ambientação do espaço, mas
principalmente acrescentam elementos internos à própria concepção da obra. As
instalações com tecnologias eletrônicas acrescentam a possibilidade de se conviver
com dados materiais e imateriais.
Já as instalações interativas, desenvolvidas com recursos de tecnologias
digitais, utilizam as interfaces para estabelecer o diálogo entre humano e máquina,
permitindo, assim, situações de retroação e de interatividade (DOMINGUES, 1998).
A instalação TRANS-E: O enigma da pedra (1997), apresentada no Itaú
Cultural, já possui uma situação de diálogo com o sistema computacional. Um tapete
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sensorizado e um software comandado por redes neurais4 são as interfaces que


fazem a mediação do diálogo entre humano e máquina nesse ambiente. As redes
neurais são constituídas fisicamente de chapas sensorizadas, dispostas no chão em
forma de tapete, que enviam sinais para um computador através de uma porta
paralela. O computador realiza o processamento das informações recebidas a fim de
definir a seqüência de imagens a serem projetadas (ARTECNO, 2007a).

Figura 23 – Arquitetura do sistema da instalação TRANS-E para seqüenciamento


e temporização da imagens (ARTECNO, 2007)

4
Redes Neurais – Foi realizado o "Estudo e Implementação de Redes Neurais Artific iais” para o
controle de um ambiente interativo em instalaç ões artísticas. As redes e o sensoriamento
determinam a vida do ambiente que incorpora pesquisas avançadas em artes integrada à
informática e à automação. Utilizam-se as Redes Neurais, que se constituem em modelos
matemáticos que visam a simular o funcionamento do cérebro (funções como aprendizado,
reconhecimento, etc.) e, mesmo que ainda bastante limitadas, simulam o sistema neurológic o
humano podendo tratar problemas não-lineares através de algoritmos. É possível se controlarem
determinados comportamentos e programar mutações do ambiente em tempo real. As
mutações das seqüências de imagens e sons resultam do comportamento dos visitantes
capturado pela sensibilidade por pontos sensorizados instalados no chão que transmitem os
sinais do corpo para as máquinas. As variáveis que determinam o comportamento da rede são a
localização, o tempo de permanência e quantas pessoas estão sobre o tapete sensorizado. Os
pontos enviam os sinais, cada estágio sensorizado é apreendido pela rede, manipulando os
dados e provocando visões na sala, numa experiência enigmática de TRANS-E. A rede
reconhece alguns padrões e interpreta sinais dos sistemas biológicos, traduzindo-os em
paradigmas computacionais (ARTECNO, 2007a).
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Imersão

Os ambientes das instalações interativas escolhidas, TRANS-E: O enigma da


pedra, I’Mito: Zapping Mobile Zone e Firmamento_Pop Stars, foram considerados
pela artista como ambientes que não possuem grandes qualidades imersivas. A
artista procura especificar com bastante precisão o que considera atualmente uma
total imersão em ambientes simulados computacionalmente.
Conforme citado anteriormente, as instalações interativas escolhidas são
ambientes que proporcionam um nível intermediário de imersão, e não uma imersão
total, como nos ambientes de realidade virtual. A análise da imersão que se propõe
é dentro desse nível que as instalações podem oferecer.
É importante salientar que a questão da imersão está diretamente relacionada
com o desenvolvimento das possibilidades tecnológicas de determinada época, para
proporcionar, por exemplo, ilusão ou vivência espacial. Isso pode ser verificado nos
exemplos citados por Oliver Grau (2007), que mostra, ao longo da história da arte,
como cada época realizou esforços extraordinários para produzir uma ilusão máxima
com os meios técnicos que tinham em mãos. Nos afrescos de Villa dei Misteri –
Pompéia (60 a.C.), citados por Grau, o público entra em uma sala e é ambientado
hermeticamente por 360º de visão, com unidade de tempo e lugar. O efeito dessa
imersão quebra as barreiras entre o observador e os acontecimentos das imagens
nas paredes mediante técnicas de ilusionismo. A principal característica desse
ambiente de afrescos é colocar espacialmente o observador na cena mitológica (a
temática é sobre os deuses Dionísio e Ariadne), envolvendo-o hermeticamente.
A história da arte registra sucessivas tentativas de criar espaços ilusórios com
imagens tradicionais que integram completamente o corpo humano, como nos
afrescos da Roma antiga ou nos panoramas; e com o tempo as tecnologias
passaram a ser aplicadas na tentativa de integrar a imagem e o observador. Pode-
se citar como exemplo o Cineorama, planetários, OminMax, cinema IMAX e CAVE
(Cave Automatic Virtual Environment). As tecnologias permitiram desenvolver
também aparatos visuais de ilusão tridimensional (aparatos agindo diretamente
nos olhos), como peepshows, óculos estereoscópios, TV estereoscópica,
Sensorama e HMD.
É importante salientar que, percorrendo a história dos aparatos imersivos,
somente se encontra a possibilidade de uma situação de ação e resposta efetiva
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dentro dos ambientes imersivos virtuais que são administrados por um sistema
computacional.
Diana Domingues considera que existe imersão quando é possível
estabelecer relações de espacialidade com o ambiente virtual, quando é
possibilitada uma vivência espacial desse ambiente. Os ambientes de realidade
virtual (em CAVEs) são os ambientes que permitem total imersão.
A imersão, para Diana Domingues, também pode ser obtida nos games,
como, por exemplo, o Second Life, ou em ambientes com teleimersão em 3D
(ambientes em rede), como os ambientes virtuais multiusuários, ou ainda em
ambientes de realidade aumentada ou de vida artificial. A visão em estereoscopia,
em que os objetos são vistos tridimensionalmente ou em relevo, também permite
determinado grau de imersão.

Na imersão total em espaços de Caves para visualização, o corpo


entra em um cubo imersivo que possui um alto poder de iludir os
sentidos. São ambientes com multiprojeções em estereoscopia e que
podem ser experimentados com rastreadores que oferecem ações e
modificam as posições do corpo em correlação com o espaço, em
estados proprioceptivos 5. Assim, a imersão em mundos virtuais
interativos é sempre fortemente experiencial. (DOMINGUES, 2003).

Erkki Huhtamo (1995) cita como situações que propiciam a imersão os


ambientes de realidade virtual, os jogos por computador, os sistemas
computacionais mediados por computador, os simuladores profissionais, algumas
especialidades de cinema, percursos em parques temáticos, festas
“neopsicodélicas” ou “cyberdelic” e as experiências com drogas. Ele afirma que o
novo interesse por “máquinas mentais” e “psicotecnologias” inclui as filosofias
orientais e o xamanismo. Huhtamo (1995) coloca que uma experiência de imersão
total pode ser descrita como uma “passagem” de um reino a outro a partir de uma

5
Em entrevista: “Imersão para mim é essa conectividade com uma matriz informática com relações
espaciais do corpo com estados de propriocepção” (DOMINGUES, 2007). Guasque Araujo cita a
definição de propriocepção feita por Katherine Hayles (1999, p. 88): “Propriocepção é o sentido que
nos fala onde estão as fronteiras do nosso corpo. Associado aos mecanismos do ouvido interno e às
terminações nervosas internas, ele nos faz sentir que habitamos nosso corpo a partir do lado de
dentro. Coerência proprioceptiva, um termo usado pelos fenomenólogos, refere-se a como essas
fronteiras são formadas através de uma combinação de circuitos de respostas fisiológicas e uso
habitual” (GUASQUE ARAUJO, 2005, p. 67).
126

realidade física imediata de objetos tangíveis e dados sensórios diretos para “um
outro lugar”.
As tecnologias atuam como mediadoras dessa passagem, mas a situação se
torna mais complexa, porque as próprias tecnologias têm se tornado “esse outro
lugar” de nossos desejos (HUHTAMO, 1995).
Segundo Diana Domingues (2003), esses “mundos sintéticos 3D gerados
pelos artistas não querem imitar a realidade, mas sim criar realidades paralelas que
mudam conforme as interações”.
O que se busca agora são graus mais elevados de realismo de
comportamento desse ambiente, no sentido de uma gestualidade de mimese e de
resposta (DOMINGUES, 2003).
Portanto, Diana afirma que, entre as suas três instalações aqui analisadas,
TRANS-E: O enigma da pedra é a que possui maiores qualidades imersivas, mas
que a versão atual, exposta no Itaú Cultural, como A Caverna do TRANS-E, é a que
pode ser considerada, segundo a artista, como um ambiente imersivo, por
possibilitar uma relação espaço-temporal com os objetos. Os controles Wii da
Nintendo6, utilizados como interfaces na instalação, permitem isolar e manipular as
simulações dos objetos espacialmente.
I’Mito: Zapping Mobile Zone se constitui em um ambiente de excessos,
pintado com cores vivas, um ambiente repleto de objetos de consumo, com gráficos
de neon e carregado pela estética pop, que coloca o interator numa sala preenchida
por objetos, som e imagens relativos a diversos ídolos na nossa história. A
instalação se apresenta como uma grande “loja” onde símbolos materiais e códigos
de consumo são manipulados para a obtenção de dados imateriais e geração de
novas identidades sintéticas. O ambiente é considerado pela artista com
potencialidades de imersão, mas dentro de uma arte da participação, de estar dentro
dessa sala como numa instalação. Dentro das possibilidades tecnológicas de
imersão, a instalação oferece, em uma das telas de projeção, a visão em
estereoscopia. A instalação, segundo a artista, tem baixa potencialidade imersiva do
ponto de vista tecnológico, oferecendo, entretanto, diversas possibilidades
interativas.

6
Wii Remote, um controle remoto para jogos da Nintendo. “The Wii Remote is the primary Wii
controller, which allows for point-and-click-style gameplay. It's also motion-sensitive, letting you twist,
lunge, tilt, and lift your way to gaming greatness. A rumble device and a built-in speaker offer
feedback.” (NINTENDO).
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Diana Domingues (2007) busca uma precisão “quase científica” ao se referir


aos ambientes simulados computacionalmente, que são os que permitem uma
vivência espacial do ambiente simulado, utiliza uma “regra” para se guiar a respeito
da imersão: “Nem toda interatividade é imersiva, mas toda imersão é interativa”.
Essa regra pode ser compreendida ao se pensar na relação entre imersão e
interação em dois diferentes ambientes, uma instalação interativa e um ambiente de
realidade virtual. É possível identificar que no ambiente de uma instalação interativa
a imersão pode não ocorrer como uma vivência espacial, mas a interação ainda
assim ocorre. Portanto, segundo Diana Domingues, o ambiente das instalações
interativas pode ser considerado interativo e não imersivo. Já ao estar imerso em um
ambiente de realidade virtual, conseqüentemente a interação também estará
ocorrendo. Tomando como exemplo o ambiente de realidade virtual Osmose, de
Char Davies, onde a respiração dos interatores era captada por sensores e
provocava alterações no sistema, estar imerso num ambiente como esse é interagir.
Rosangella Leote (2004) se refere à interatividade de uma forma mais ampla,
colocando-a como a base de um processo comunicacional, e não somente vista
dentro dos moldes das atuais tecnologias, por isso vê a relação entre imersão e
interação por outra ótica e afirma que “um ambiente imersivo não pressupõe que
nele haja interatividade, mas toda interatividade pressupõe algum grau de imersão”.
O cinema pode ser considerado um ambiente imersivo mas não proporciona a
interação, além disso, Leote pensa a relação entre interação e imersão em possíveis
diferentes níveis.
Segundo Huhtamo (1995), existem fortes discursos que enfatizam um vínculo
“natural” entre imersão e interatividade. Esse discurso é freqüentemente utilizado
pelo marketing das experiências e tecnologias imersivas e também por um otimismo
cultural de tradição de McLuhan (2005), que afirmava que as novas tecnologias são
“extensões dos aparatos sensórios humanos e mais ultimamente do sistema
nervoso”.

Para ir além de generalizações e “medir” suas validades, é


importante considerar as constelações específicas de parâmetros de
encontros entre humano e máquina, como intensidade, duração,
contexto, estrutura e função. Por exemplo, o relacionamento entre
imersão e interatividade parece pouco definido se nos movermos a
partir do nível de modelos para o nível de experiência. (HUHTAMO,
1995, tradução nossa).
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6.2 I’Mito: Zapping Mobile Zone

Figura 24 – Instalação interativa I’Mito: Zapping Mobile Zone

I’Mito: Zapping Mobile Zone é uma instalação interativa que explora diversas
possibilidades de interação através de diferentes interfaces.
A poética gira em torno de uma fabricação de identidades sintéticas, a partir
de uma base de dados de vinte mitos ou personalidades, em computação evolutiva,
com algoritmos genéticos e buscas na rede.
A instalação pede aos interatores, como interação principal, que manipulem
os objetos materiais relativos aos mitos. Esses objetos ficam dispostos numa
espécie de altar de acrílico. Os interatores devem escolher dois deles e os “oferecer”
ao leitor de código de barras, que fica posicionado de forma a remeter a localização
de um sacrário naquele altar, fazendo também nessa instalação uma referência ao
sagrado. Cada objeto está relacionado a um mito, e, ao fazer a leitura do código de
barras, uma imagem do mito correspondente é projetada em uma das telas. Outro
objeto também deve ser oferecido, e uma imagem do segundo mito aparece. Na
primeira grande tela, esses dados processam em tempo real imagens em morphing
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dos rostos dos dois mitos escolhidos através dos objetos, e, ao mesmo tempo,
frases são capturadas por mineração de dados na internet.
Na segunda grande tela, os dados renderizam em tempo real imagens de
objetos modelados tridimensionalmente, que remetem aos mitos escolhidos. Um
sistema de algoritmo genético e um atrator, computacionalmente, provocam o
aparecimento de mutações dos dois objetos, misturando a identidade dos mitos.
Essa segunda tela possibilita, pela técnica de realidade virtual, a visão em
estereoscopia, numa relação entre o virtual e os objetos que avançam no espaço
real da sala.

Figura 25 – Formas de interação na instalação I’Mito: Zapping Mobile Zone

Além disso, três monitores passam constantemente os códigos dos


algoritmos da instalação, e o ambiente possui trechos sonoros como referências aos
mitos.
Portanto, em estados de emergência, pode-se passar do objeto físico, na sua
materialidade, ao máximo da abstração das palavras, até imagens modeladas, e ao
gráfico da programação dos algoritmos (ARTECNO, 2007b).
A instalação promove seis acontecimentos simultâneos, que a artista coloca
como emergências dentro de uma leitura de um sistema complexo instalado nesse
ambiente. São elas:
a) um morphing do rosto de dois mitos escolhidos na primeira das grandes
telas principais;
b) um mecanismo de busca que captura na rede sentenças em tempo real e
as projeta na primeira tela, sobre as imagens dos ídolos escolhidos,
usando uma base de dados com palavras que identificam os mitos,
trazendo para a instalação referências de uma memória global;
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c) renderização em tempo real de objetos tridimensionais, em um ambiente


de OOL (otimização on-line), que podem ser visualizados em
estereoscopia. Um atrator provoca o morphing entre os dois objetos
provocando fusões;
d) o sistema do som da sala é controlado por uma base de dados e explora
pedaços de discursos, canções e ruídos relacionados à história dos mitos
escolhidos;
e) três monitores mostram a abstração dos algoritmos do sistema de
interação, misturados à fisicalidade dos objetos reais; e
f) uma seleção de palavras pode ser feita pelos interatores na base de
dados em uma tela de toque, touch screen, o que aciona um software de
algoritmos genéticos que produz uma geração nova e autônoma de seres
sintéticos (ARTECNO, 2007b).

Figura 26 – Planta da montagem de I’Mito: Zapping Mobile Zone na 5ª Bienal do


Mercosul, em 2005

É possível observar que o ambiente da instalação oferece diversas interfaces


de atuação. A atuação principal se dá por meio dos objetos materiais que possuem
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etiquetas com códigos de barras7. Esses códigos contêm informações sobre o


referente ou “dono” desse objeto. Os objetos são manipulados pelos interatores, e
suas etiquetas são lidas por um leitor de códigos de barras. A partir dessa interação
simples, chamada de primeira interatividade, segundo Couchot, ocorre uma
passagem do material para o imaterial. As informações contidas no código vão gerar
a projeção de uma imagem do mito correspondente na primeira tela. Essas primeiras
imagens são imagens referenciadas do real, do concreto, por serem fotos dos mitos.
Nessa primeira tela, uma escrita automática é constituída a partir de uma busca na
rede (internet), partindo de um banco de dados de informações sobre o mito
solicitado.
A segunda tela apresenta-se como outra interface, e nela são apresentados
objetos relativos aos mitos escolhidos, que passam a se fundir. As imagens que
surgem nessa tela são totalmente sintéticas, são imagens geradas por dados
numéricos, sem mais nenhuma referência ao real. Essas imagens podem ser vistas
com óculos estereoscópicos, que permitem a visão tridimensional dos objetos.
Uma terceira interface de interação é a tela sensível ao toque (touch screen),
que permite ao interator manipular informações de texto junto a um software de
algoritmo genético e gerar novos indivíduos nesse universo de mitos. Esse tipo de
interação pode ser considerado, segundo Couchot, como uma segunda
interatividade, porque o software ganha autonomia para produzir novos indivíduos,
ou informações por uma decisão interna da máquina. A ação do interator
desencadeia atitudes autônomas no sistema, que passa a gerar novos indivíduos,
de acordo com uma lógica interna do programa.
Nas duas versões seguintes dessa instalação, foram ampliadas as
possibilidades de intervenção para os interatores. Na versão para a V Bienal do
Mercosul, em 2005, foram acrescentados telefones celulares, para o envio de
mensagens de texto, com respostas da rede mundial de computadores, a partir de
uma base de dados em inteligência artificial. E na versão para a Casa da Cultura
Percy Vargas de Abreu e Lima, em 2006, acrescentou-se o envio de fotografias por

7
Para cada mito, o conjunto de termos que o representa é tratado como seu código genético.
Neste projeto, vinte mitos foram descritos, definindo-se para cada um deles 20 substantivos, 20
adjetivos, 20 verbos e 20 lugares. De dois a três sons, objetos e imagens foram armazenados
para cada um. Desse modo, o código genético de um mito é representado no sistema por um
conjunto de 80 termos, além de sete a oito itens que incluem imagens, objetos e sons
(ARTECNO, 2007b).
132

telefone celular, afirmando as conexões móveis como reconfiguradoras do humano,


ao lado da ubiqüidade da rede.
Nas interfaces disponibilizadas nessa instalação, foram exploradas
características de conectividade na interação, na relação entre corpo, ambiente e
rede, como interfaces de comunicação simples, nomadismo, mobilidade e
autonomia.
André Lemos salienta que as conexões da cibercultura são fenômenos
sociais e iniciaram-se a partir dos anos 70 com o uso dos Personal Computers (PC).
Essa conexão entre o virtual e o real é a que se apresenta de maneira mais simples
através de interfaces8, onde existe uma mútua relação da pessoa com uma matriz
informática. Essa conexão é chamada de Personal Computers (PC) (LEMOS apud
DOMINGUES; REATEGUI, 2005).
Na instalação I’Mito: Zapping Mobile Zone, quando o software de busca fazia
uma pesquisa na rede (internet) e gerava uma escrita projetada na tela do mito, a
conexão explorada era a de nomadismo, também chamada de Connected
Computers (CC).
Os interatores, a partir da manipulação e escolha de informações na tela
sensível, acionavam um software de algoritmo genético que gerava novos indivíduos
míticos. Nessa interação foi explorada a característica de autonomia. Essa conexão
é também chamada de Connected Computers Autonomy (CCA).
Com a inserção da possibilidade de envio de mensagens e fotos por celular
para a instalação, ocorre a característica de mobilidade. A possibilidade de interagir
com o ambiente estando fora dele se dá através de equipamentos específicos sem
fio, como laptops, celulares, palms, bluetooth, chips, RFIDs e outras interfaces
móveis, além do uso de tecnologias ubíquas e difundidas. Essa conexão é chamada
de Connected Computers Mobiles (CCM) (DOMINGUES; REATEGUI, 2005;
DOMINGUES, 2007).

8
Características citadas no texto “Collaborative and Transdisciplinary Practices in Cyberart: from
Multimedia to Software Art Installations” e descritas em relação à instalação I’MITO: Zapping Mobile
Zone em entrevista.
133

Figura 27 – Quadro conexões na cibercultura (DOMINGUES; REATEGUI, 2005)

A instalação permitia que mais de uma pessoa interagisse fisicamente ao


mesmo tempo, em seu ambiente, manipulando os objetos e explorando o
ambiente, por haver mais de uma interface de atuação. Entretanto, cada interface
tecnológica pedia um interator de cada vez. As interfaces foram planejadas para
atuar com estímulos sonoros e visuais, interagindo com a visão e com as mãos
dos interatores.
Cláudia Gianetti (2002) acrescenta duas características às que foram
listadas por Roger Malina para identificar um sistema interativo, que são a
facilidade do sistema de autogerar informação significativa original (não pré-
programada, como nos sistemas de IA) e a capacidade de simular comportamentos
como se se tratasse de organismos vivos (como os agentes inteligentes ou seres de
vida artificial), que podem ser identificadas na instalação I’Mito: Zapping Mobile Zone
e também na próxima instalação descrita, Firmamento_Pop Stars.
A instalação interativa Firmamento_Pop Stars (2005) também foi planejada
para, através da interface oferecida, permitir uma interação individual com o sistema
computacional. O restante do público poderia interagir com as projeções de texto via
celular ou habitar o espaço de interação de outra pessoa. A temática dessa
instalação também está relacionada a mitos, estrelas e personalidades.
Mas em relação às interfaces, ela se apresenta de forma diferente de I’Mito,
por possuir apenas dois canais de interação.
134

6.3 Firmamento_Pop Stars

Figura 28 – Instalação interativa Firmamento_Pop Stars

Como mostra a planta na Figura 29, a instalação possuía em uma das


paredes a projeção da imagem do cosmo que o interator possuía no tablet, e seu
reflexo era projetado numa esfera de glicerina no chão, como um lago (olho da
terra), que é um espelho para um cosmos virtual, onde mais uma vez a artista faz
referência ao sagrado. O ambiente de interação poderia ser visualizado com os
óculos estereoscópicos.

Figura 29 – Planta da instalação Firmamento_Pop Stars


135

A interação principal em Firmamento_ Pop Stars ocorre através de um


tablet no qual o interator manipula uma caneta óptica numa imagem de
constelação. Essa interação gera um ponto luminoso na projeção. Esse ponto de luz
atrai os astros e as estrelas da imagem da constelação, que estão em movimento.
Os astros e as estrelas da constelação apresentam um comportamento coletivo em
vida artificial, baseando-se na proximidade e no desejo de se aproximar da luz. É
uma busca pela luz das relações das estrelas umas com as outras. As estrelas
comportam-se perseguindo fontes de luz e, assim, fazendo aparecer constelações
mutantes. O diálogo do interator com a estrela tocada não é simplesmente aleatório;
é determinado por um comportamento do software de inteligência artificial, que
provoca a escolha e a aproximação das estrelas em diversas gradações de
tamanho. Quando o ponto luminoso encontra um desses astros, a estrela chamada
emite sons que se tornam mais fortes, num desejo de se comunicar, de revelar sua
identidade. As estrelas são personagens da história da humanidade e são
reconhecidas na abstração dos sons, das vozes e dos ruídos. A identidade do mito
conectado entre a população de pop stars que habita o firmamento é revelada
através de “ícones sonoros”, que desencadeiam fluxos de imagens mentais que nos
fazem reconhecer o mito chamado. Nesse encontro, sintoniza-se o som de algum
astro pop, como John Lennon, Carmem Miranda e Elvis Presley.
A outra forma de interação com a instalação se dava por meio de telefones
celulares. Na parede em frente ao tablet ocorria uma escrita automática sobre os
astros. Esses textos eram gerados a partir de mensagens enviadas por celular para
o número 27377. As mensagens trocavam informações com uma base de dados
composta de ações, objetos, qualidades e outras circunstâncias que demarcam a
vida dos mitos. Uma busca automática pela internet, a partir dessas referências,
gerava uma hipermemória desses mitos na era digital. As frases eram buscadas e
escritas em tempo real, acrescentando à abstração dos sons e das palavras
narrativas sobre cada mito partilhadas na comunidade virtual.
As interfaces atendiam aos requisitos de ação em “tempo real” porque a
conexão com o som dos astros escolhidos era imediata e a projeção dos textos
também. O sistema respondia ao interator prontamente, criando a possibilidade de
um diálogo.
136

Os óculos, o tablet e a projeção no lago de glicerina direcionavam a atenção


do interator para o cosmos que se projetava. Os sons de resposta à conexão feita
também complementavam o espaço de simulação e de interação. O texto projetado
em uma das paredes, apesar de ser complementar na contextualização, dispersava
um pouco a imersão dentro do universo simulado, mas abria um segundo campo de
interação, onde o público intervinha, enviando mensagens pelo celular, atuando na
construção coletiva da poética da obra, o que salienta a característica de mobilidade
de ação nesse ambiente.
As características de conexões como mobilidade e nomadismo também foram
exploradas nessa instalação. Além disso, diversas possibilidades de interação são
exploradas também nessa instalação por vias da ação em rede, da realidade
aumentada, do celular, do tablet, da visão estereoscópica e do sistema de busca.
Para Diana Domingues, para existir interatividade é necessário existir um
sistema de feedback. A interatividade está relacionada à criação de uma zona
intersticial para as interações do visitante com um sistema informacional, onde os
acontecimentos são decorrentes da ação do corpo, e esse corpo recebe uma
resposta vinda da matriz de informática com o intuito de expandi-lo para além de
seus limites. Assim se constrói uma situação que evolui para um diálogo do corpo
com as tecnologias (DOMINGUES, 2007).
Analisando a interatividade das duas instalações, pode-se considerá-las
segundo a classificação de Cláudia Gianetti (2002) como sistemas interativos.
Para Gianetti, um sistema interativo pode ser identificado quando o receptor pode
atuar também como emissor. Trata-se de uma interatividade de conteúdo, na qual o
interator dispõe de um maior grau de possibilidade de intervenção e manipulação
das informações audiovisuais ou de outras naturezas, como a possibilidade de ação
remota pela robótica ou de sistemas mais complexos, gerando novas informações.
As duas instalações possibilitam o recebimento de informações por via da tecnologia
móvel, cujo receptor pode agregar novo conteúdo à instalação.
A possibilidade de um sistema receber informações enviadas pelo interator,
ressaltando a mobilidade, pode ser classificada, segundo Peter Weibel, como
interação sinérgica, que se produz entre estados enérgicos, como em obras que
reacionam a troca com o entorno. Também possui características da interação
sinestésica, quando, por exemplo, na instalação Firmamento_Pop Stars, o interator
137

conectava-se aos astros, e referências sonoras produziam imagens mentais


(GIANETTI, 2002).
Edmond Couchot (2003b) dintingue dois níveis de interatividade: a exógena e
a endógena.
A primeira interatividade é a exógena, que é proporcionada pelo diálogo
existente entre as interfaces da instalação e o público. A segunda interatividade é
a endógena, e se refere à interatividade entre os objetos numéricos que estão na
fonte da imagem. Cada objeto reage com outros objetos, assim como reage com o
usuário. Criam-se, assim, objetos dotados de uma espécie de percepção, capazes
de informar sobre suas posições, velocidade, cor ou outras qualidades, objetos que
evoluem a partir da relação com sua vizinhança. Atribui-se a eles um
“comportamento” definido pelas funções e memórias estáticas. Eles se tornam
atores, que trocam mensagens entre si, assim como os usuários. A interatividade
endógena não é forçosamente imediata. Nesse caso, quando ela se combina à
interatividade exógena, deve ser imediata9.
Nas duas instalações, I’Mito: Zapping Mobile Zone e Firmamento_Pop Stars,
encontra-se a segunda interatividade: em I’Mito, quando um software de algoritmo
genético produz, a partir da interação com o público e por decisões próprias, novos
indivíduos míticos; e em Firmamento, um software de inteligência artificial determina
o comportamento dos astros dentro do ambiente em busca de luz. Os astros reagem
de acordo com informações desse sistema em relação à interação do público com o
ponto de luz, de forma que a ação desses astros não é aleatória, e sim relacionada a
um comportamento determinado pelo software de inteligência artificial, tornando-os
indivíduos autônomos em busca da luz.

9
Como exemplo da interatividade endógena citada por Couchot, apontam-se os trabalhos de Christa
Sommerer e Laurent Mignonneau, como Life Writer, exposto na Emoção Art.ficial 3.0 – Cibernética,
no Itaú Cultural, em São Paulo, em 2006. Quando os participantes datilografavam um texto nas teclas
de uma antiga máquina de escrever, formavam criaturas baseadas em um algoritmo genético que
determinava seu comportamento e movimento. As projeções dessas criaturas se movimentavam pela
folha de papel e interagiam entre si, conforme o comportamento que receberam como código
genético na sua criação.
O trabalho de Jon Mc Cormack (Éden, de 2000), exposto na mesma mostra, também é um exemplo
de um comportamento autônomo desencadeado pelo contato com o interator, uma instalação
evolucionária de vida artificial que forma um ecossistema. A partir da presença humana, os elementos
crescem, buscam alimento e se reproduzem, atraindo parceiros por meio de sons. Os agentes são
autômatos celulares que interagem entre si e com o ambiente.
138

O ambiente imersivo apresenta um comportamento coletivo em vida


artificial, baseando-se na proximidade e no desejo de luz das
relações das estrelas umas com as outras. Cada estrela é um agente
que manifesta seu desejo de viver em comunidade. A vida coletiva
das estrelas, perseguindo uma fonte de luz, faz aparecer
constelações mutantes, e determina a instabilidade e a autonomia do
cosmos. (ARTECNO, 2007b).

Diana Domingues classifica como simulação autopoiética uma situação em


que o software faz a reorganização dos dados, quer dizer, quando o próprio software
entra em autopoiese10, emitindo novas informações.
Diana Domingues salienta que as instalações desenvolvidas por ela e pelo
grupo Artecno possuem uma aceitação fora do circuito da arte e tecnologia, ao
participar de exposições de arte contemporânea e de Bienais. Ela atribui essa
aceitação a uma relação que seus trabalhos ainda mantêm com a matéria.

Sempre tem algumas coisas matéricas em nossos trabalhos, não é o


virtual pelo virtual. Não é só a conexão do mundo real com o virtual
nessa condição de cíbrido. Existe o cíbrido, mas existe muito o
híbrido no sentido matérico. A instalação [I’Mito: Zapping Mobile
Zone] é uma “loja” cheia de objetos do mundo material, as luzes
neons, as caixas transparentes de acrílico, os objetos de fetiche. Eu
poderia montar uma instalação com esses objetos que não fosse
uma instalação interativa, fosse somente uma instalação matérica.
(DOMINGUES, 2007).

Além das características materiais, Diana fala sobre o conceito de imaterialização


que carregam as instalações que lidam com o conteúdo de informações ou palavras.
Para Abraham Moles (apud DOMINGUES, 2007), a palavra é o máximo da
abstração em termos icônicos. A imaterialização está relacionada à idéia de fluxo:
agir num espaço de dados, numa rede, onde existem somente informações, onde
não existe nada de material. O cyberspace vai trabalhar a idéia de imaterial, porque
trabalha com pura informação, onde não existe matéria

10
Conceito de Maturana e Varela (2001).

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