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Pacote Anti-Crime

Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa

Aula 3

Professor Guilherme Carvalho

Parte 1/2

❖ A TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Lei nº 133.964 de 24 de dezembro de 2019 (entra em vigor após transcorrido 30 (trinta)


dias de sua publicação oficial). Esta Lei fez algumas alterações e inserções na Lei nº 8.429/92
que trata da ação civil pública de improbidade administrativa.

Insta salientar que a existência de uma certa incoerência na referida lei do pacote anticrime,
uma vez que esta fala sobre o aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal.

➢ Observação inicial

A lei de Improbidade Administrativa não é nem de perto uma lei penal, tampouco
processual penal. Podemos dizer que a Lei de improbidade administrativa tem um certo
entrosamento com o direito penal, em decorrência de fazer parte do chamado direito
administrativo sancionador ou direito administrativo sancionatório. Portanto, significa
dizer que a lei de Improbidade Administrativa visa a penação de determinados agentes
públicos e até mesmo pessoas físicas que fazem parte da administração pública, ou
terceiros, que tenham cometido ilícitos, mas que são ilícitos administrativos e não penais.
Razão pela qual a condenação em face de improbidade administrativa não suprime a
persecução por parte do Estado por meio de uma ação penal.

Material elaborado por Jeane Eulálio


Diante o exposto, vale ressaltar que a Lei de Improbidade Administrativa não se trata de
uma legislação penal, tampouco processual penal, mas sim, uma legislação civil. Uma vez
que, a parte processual da Lei de Improbidade Administrativa é regida, via de regra, pela
Lei de Ação Civil Pública e subsidiariamente pelo próprio Código de Processo Civil, e não
pelo Código de Processo Penal.

Parciais novidades

Já era possível a transação na ação de improbidade administrativa, mas, contudo, agora está
sacramentado no corpo da lei esta possibilidade. Conforme mencionado, já era possível, uma
vez que a LINDB permitia a referida transação.

Passa a existir dentro do sistema normativo a alteração substancial do § 1º do art. 17 da Lei


de Improbidade administrativa. A referida alteração substancial deixa a margem qualquer
dúvida quanto a possibilidade ou não de transacionar. Contudo, isso não significa dizer que
antes dessa alteração não fosse possível transacionar, vez que todo ordenamento já
caminhava nesse sentido.

❖ Histórico da Lei nº 8.429/92

Tudo se construiu, bem se relembre, em torno da suposta impossibilidade irrestrita de


ponderação em relação ao principio da indisponibilidade do interesse público, que, ao que se
demonstrará, não é princípio infalível e imponderável, conquanto convivente com outros,
sobremais o “melhor interesse público”.

O princípio da indisponibilidade do interesse público, como todo e qualquer outro princípio,


deve ser ponderado com os demais. Criou-se na sistemática do direito administrativo
brasileiro, a ideia de que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular,
vinculado ao princípio da indisponibilidade do interesse público tornavam o lado público um
núcleo tão duro, indisponível a tal ponto que não pudesse acordar, transacionar, ajustar ou
concertar. Uma vez que esta ideia foi talhada ao longo dos anos, e fez com que a lei de

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improbidade administrativa fosse promulgada no ano de 1992 com seu parágrafo primeiro
do art. 17 dizendo que era impossível a transação na ação de improbidade administrativa.

Vale ressaltar que a lei de improbidade administrativa surgiu num período em que o Bra sil
passava por irrestritos escândalos de corrupção.

A alteração que veio no pacote anti-crime não já era tratada na medida provisória nº 703 de
18 de dezembro de 2015, que revogou, expressamente o §1º do dito art. 17 da lei de
improbidade administrativa. Por questões relacionadas ao contexto politico vivenciado no
país, a referida medida não foi convertida em lei.

❖ Conteúdo constitucional da Improbidade Administrativa

A Constituição Federal de 1988 ousou, transferindo, do plano politico para o administra tivo,
infrações catalogadas sob à rubrica de improbidade administrativa.

Conceito de Improbidade Administrativa (José Afonso da Silva)

O professor José Afonso da Silva diz que a improbidade é uma imoralidade, mas uma
imoralidade constitucionalmente qualificada, ou seja, uma imoralidade que ganha acento
constitucional.

Portanto, a proposição de uma ação de improbidade administrativa requer antes de tudo, a


analise por parte de quem vai propor, se se trata de uma mera ilegalidade, de uma mera
imoralidade ou de uma imoralidade com conteúdo mais amplo, a ponto de desafiar
justamente uma resistência em relação ao que a Constituição trata sobre rubrica de
improbidade administrativa.

A CF/88 não veda em hipótese alguma a transação na improbidade administrativa. O exercício


da função administrativa no Brasil, em que pesa não claramente delineado nesta, haja vista
que não se diz na Constituição Brasileira o que é função administrativa, a o contrário, por
exemplo, da Constituição Espanhola e até mesmo a Colombiana, que tem artigos expressos
sobre o que é função administrativa, apesar nós conseguimos deduzir por meio de uma

Material elaborado por Jeane Eulálio


análise sistêmica de toda a CF/88 que ela tem um conteúdo razoavelmente preciso sobre
função administrativa. E neste conteúdo, a ideia central, ao menos para os dias de hoje, é
encarar a função administrativa como melhor cumprimento das atividades do público voltado
ao consumidor. Daí emerge em seu sentido mais amplo, o corolário da eficiência.

❖ Legislação correlata tendente à transação no Poder Público


a) Lei 13.129/15, que deu mova redação a lei de arbitragem permitindo à administração
Pública Direta e Indireta utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a
direitos patrimoniais disponíveis.
b) Lei 13.140/15, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução
de controvérsias e sobre a autocomposição no conflito no âmbito da administração
pública
c) Lei nº 12.846/13, que somente veio a ser regulamentada em 2015 (Decreto 8.420/15),
a denominada Lei Anticorrupção, com a possibilidade de Acordo de Leniência (vide IN-
CGU nº 13/2019);
d) Lei 13.129/14, estabelece o regime jurídico de parcerias entre a Administração Pública e
as organizações da sociedade civil, para concessão de interesses públicos;
e) Lei nº 13.655/18, que inclui no Decrecto-Lei nº 4.657/42 (LINDB) disposições sobre
segurança jurídica e eficiência na criação e novação do direito público.
f) Lei 13.876/19, que altera o Decreto Lei nº 3.365/41, para possibilitar a opção pela
mediação ou pela via arbitral para a definição de valores indenização nas
desapropriações por utilidade pública, nas condições especificas.

❖ Principais modificações especialmente a LINDB nos artigos 26 e 27

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na


aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade
administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de

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consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com
os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua
publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)

§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº


13.655, de 2018)

I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os


interesses gerais; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de


direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento
e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

Observação: art. 26 da LINDB passou a prevê um marco quanto consensualidade.

Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá
impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes
do processo ou da conduta dos envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de
2018) (Regulamento)

§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu
cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. (Incluído pela Lei nº 13.655, de
2018)

§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual


entre os envolvidos

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➢ Conclusão quanto à LINDB

O art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/92 já se encontrava totalmente em contrariedade as disposições


da LINDB, razão pela qual estava parcialmente revogado em relação à legislação
posteriormente que lhe é contraria.

➢ Algumas Resoluções Administrativas e decisões judicias anteriores à Lei nº 13.964/19


(Pacote Anticrime), que sacramentaram a transação em improbidade:

No mesmo sentido, à Resolução nº 179/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público –


CNMP em seu art. 1, § 2º, versa sobre a possibilidade de compromisso de ajustamento de
conduta nas ações de improbidade administrativa (art. 1º, §2º).

A Resolução nº 02/2017 – CSMP/MPAM, aprovada pelo Ministério Público do Estado do


Amapá, que admite a regulamentação e celebração de acordo com pessoas fiscais que
estejam sendo processadas ou investigadas pela pratica de atos de improbidade
administrativa. Aquele Ministério Público Estadual estabeleceu, para a realização de acordo,
alguns critérios.

➢ Casos concretos em que foi aplicada a transação em ações de improbidade


administrativa
• Justiça Federal do Paraná, processo nº 50006767.18.2015.05.7000, 5º Vara Federal de
Curitiba
• Tribunal de Justiça do Amapá, autos do Agravo de Instrumento nº 0002954-
34.2018.8.03.000, ocasião em que o Tribunal de Justiça pugnou pela validade de
transação realizada entre um réu em ação de improbidade administrativa e o
Ministério Público do Estado, após negativa de homologação de acordo pelo juízo de
primeira instância.

Material elaborado por Jeane Eulálio


➢ Motivos para que haja transação
• A Constituição Federal não veda;
• Já foi possível por um certo intervalo de tempo (vigência da MP 703/15);

Mais que isso, houve, em face das alterações na LINDB, uma revogação parcial do
comando contido no art. 17 da Lei nº 8.429/92.

É incompatível o ordenamento permitir a composição de vontades, com base em vários


instrumentos, normativos, em se tratando de supostos interesses indisponíveis e,
alternadamente, uma mera existência de lei ordinária proibir, peremptoriamente a mesma
composição quando se entabula os mesmos interesses. Assunto resolvido, ao menos
parcialmente, com o “Pacote Anticrime”.

❖ ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO § 1º DO ART. 17 DA LEI Nº 8.429/92

REDAÇÃO ANTIGA REDAÇÃO NOVA

Art. 17. A ação principal, que terá o rito Art. 17. A ação principal, que terá o rito
ordinário, será proposta pelo Ministério ordinário, será proposta pelo Ministério
Público ou pela pessoa jurídica Público ou pela pessoa jurídica
interessada, dentro de trinta dias de interessada, dentro de trinta dias de
efetivação da medida cautelar. efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou § 1º As ações de que trate este artigo


conciliação nas ações de que trate o caput. admitem a celebração de acordo de não
persecução civil, nos termos desta lei.

Material elaborado por Jeane Eulálio


Para além, a Lei 13.964/19, cria o § 10-A (negócio jurídico processual):

§ 10 – Da decisão que receber petição inicial, caberá agravo de instrumento.

§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz


a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.

Atenção: Todas as demais alterações foram vetadas.

❖ Algumas observações
a) Compatibilização do “acordo de não persecução civil” com o acordo de leniência,
previsto na Lei Anticorrupção. Uma tarefa árdua, uma vez que ambos devem ser
trabalhados em conjunto. Um ponto em que a Doutrina e Jurisprudência devem
trabalhar o mais rápido possível.
b) É possível às partes requererem ao juiz a interrupção do prazo para recursos? Há
silencio eloquente do legislador em relação somente à contestação? É possível sim a
interrupção desse prazo, levando em consideração que os recursos são uma extensão
do processo.

Vejamos:

Os requisitos de exigibilidade no corpo de parágrafos do art. 16 da Lei 12.846/2013 para


o acordo de leniência podem ser utilizados como um conjunto mínimo e cumulativo para
que a Administração Pública possa ser autorizada a firmar o acordo de persecução civil em
sede de improbidade administrativa. Assunto a ser avaliado pela doutrina.

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo
de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta

Material elaborado por Jeane Eulálio


Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo
que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob


apuração.

§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos,


cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para
a apuração do ato ilícito;

II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a


partir da data de propositura do acordo;

III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e


permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob
suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

Outras questões:

É possível transacionar em ação civil publica de improbidade administrativa já transitada


em julgado?

Parciais Conclusões:

I – Ficou mais fácil transacionar, uma vez que tem lei especifica e a administração pública
brasileira é legalista;

Material elaborado por Jeane Eulálio


2 – Existem outras legislações que tratam do mesmo tema relacionado á formação do
acordo, permitindo a transação em demandas com conteúdos inclusive mais restritivos,
como é o caso da delação premiada que possibilita a formação de ajustes na seara
criminal, além de outros;

3 – Dificuldade em saber os limites da transação;

MAIOR DE TODOS OS DESAFIOS?

O Controle externo e avaliação sobre a “vantajosidade” do acordo. É necessário que se


tenha um interesse reciproco, em relação ao controle externo e aqueles que sofrem
persecução civil, bem como a administração pública como um todo.

Material elaborado por Jeane Eulálio

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