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Exemplo 1 – Prevenção de roubos (transporte coletivo, condomínios e postos de

vendas de combustíveis)

Um exemplo básico do impacto do trabalho de análise criminal pode ser obtido a partir de
ações empreendidas por algumas polícias militares no Brasil, na prevenção de roubos em
transporte coletivo.

O que fazer quando se está inserido em uma situação onde a


região está marcada por uma alta incidência de roubo em
transporte coletivo?

O processo básico de caracterização de um problema envolve a identificação em termos de


tempo e espaço dos contextos de maior incidência. No contexto dos roubos em transporte
coletivo é importante a identificação de quais as linhas de ônibus onde ocorre maior número
de roubos e, para cada uma das linhas, identificar as regiões – bairros, ruas ou quarteirões –
onde se concentram as incidências criminais. Por fim, uma qualificação ainda mais estrita
deve ser obtida a partir da identificação das horas do dia ou da noite onde essas ocorrências
estão concentradas.

O trabalho de análise criminal deve atuar como a execução de uma seqüência contínua
de filtros: Identificar quais as linhas com maior número de vitimização; nessas linhas mais
vitimadas, as regiões da cidade onde se concentram o maior número de roubos e, por
último, identificar para essas regiões os horários que concentram essa vitimização. Veja
passo a passo:

Passo 1
Identificação da linha com maior vitimização. Elaboração de uma distribuição de
freqüência dos roubos em transporte coletivo de acordo com o número das linhas de ônibus.

Tabela 12 – Distribuição de freqüência de roubos em transporte


coletivo de acordo com o número de linhas de ônibus

LINHAS Ocorrências Percentual


1143 7 2,3
1422 56 18,3
2143 31 10,1
1234 212 69,3
TOTAL 306 100,0
Fonte: Elaboração própria.
Passo 2

Identificação do bairro com maior vitimização, considerando as 212 ocorrências de roubo


em transporte coletivo ocorridos na linha 1234. Elaboração de uma distribuição de
freqüência dos roubos em transporte coletivo de acordo com os bairros onde passa a
linha de ônibus.

Tabela 13 – Distribuição de freqüência de roubos em transporte coletivo nos


bairros por onde passa a linha de ônibus 1234

BAIRROS Ocorrências Percentual


Santo Antônio 23 10,8
Descoberto 102 48,1
Penha 47 22,2
Flor de Liz 40 18,9
TOTAL 212 100,0
Fonte: Elaboração própria.

Passo 3

Identificação do horário com maior vitimização, considerando as 102 ocorrências de


roubo em transporte coletivo ocorridos na linha 1234, no bairro Descoberto; elaboração de
uma distribuição de freqüência dos roubos em transporte coletivo de acordo com as horas
do dia.

Tabela 14 – Distribuição de freqüência de roubos em transporte coletivo de acordo com as


horas do dia em que a linha de ônibus 1234 passa no bairro Descoberto

HORA DO DIA Ocorrências Percentual


00:01 às 04:00 0 0,0
04:01 às 08:00 1 1,0
08:01 às 12:00 0 0,0
12:01 às 16:00 2 2,0
16:01 às 20:00 86 84,3
20:01 às 00:00 13 12,7
TOTAL 102 100,0

Fonte: Elaboração própria.


Final da análise
Ao final da execução da análise, verifica-se que, do total de 306 roubos em transporte
coletivo, 86 ocorrências têm sua incidência na linha 1234, bairro Descoberto, entre as 16 e 20
horas. Esse diagnóstico elaborado pelo analista criminal constituiria num importante
subsídio para a tomada de decisão sobre como atuar para reduzir a incidência dos
roubos em transporte coletivo com eficácia e eficiência. Um exemplo prático de
estratégia para a solução desse problema seria colocar policiais como passageiros dessa
linha, nesse local e horário.

A crítica sobre esse tipo de análise é que ela não evoluiu para descobrir todas as causas do
problema e, assim, a intervenção policial empreendida pode ter como resposta do agressor
uma mudança do local, linha ou horário do cometimento do roubo. Restam, então, duas
alternativas: manter um monitoramento contínuo da distribuição espacial e temporal da
incidência de roubos, fazendo com que o agressor tenha que mudar continuamente o
procedimento padrão de execução do crime ou avançar para identificar as causas e ampliar
as estratégias de ação a serem tomadas. Na lógica do triângulo da teoria das atividades
rotineiras, a análise criminal executada se restringiu a identificação das causas apenas na
ausência dos guardiões, em especial dos órgãos de segurança pública.

Figura 15: Teoria das atividades rotineiras: triângulo criminal.


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do

Ge
ula

ren
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so

te
Ma

res

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Ag

nte

CRIME

Alvo / Vítima

Guardião

Fonte: Elaboração própria.

Exemplo 2 – Perfil dos prédios com incidência de vitimização

Semelhante ao desenvolvido anteriormente para a identificação dos ambientes de


concentração dos roubos em transporte coletivo nas dimensões de tempo e espaço, o
trabalho de análise criminal começou também pela identificação dos bairros, dias da semana
e perfil dos prédios que apresentavam maior incidência de vitimização. Num contexto de
distribuição espacial e temporal das incidências que desfavorecia a obtenção de resultados,
a partir da adoção de estratégias de distribuição do efetivo, a estratégia foi fazer uma
parceria com a comunidade criando um alarme para chamar a polícia, o mais rápido possível,
no caso de ocorrências desse tipo.

A polícia militar convocou os síndicos dos condomínios identificados como potenciais


vítimas desse tipo de roubo e, em parceria com eles, formulou a seguinte estratégia para
solucionar o problema: cada prédio criou uma vaga de garagem ociosa para ser ocupada
quando os moradores entrassem nas garagens acompanhados com um assaltante dentro do
veículo e os porteiros eram treinados para chamar a polícia imediatamente quando vissem
essas vagas ocupadas. Assim, a polícia chegava no prédio e podia tomar as providencias
necessárias para reduzir o impacto da vitimização.

A estratégia para a prevenção de roubos em condomínios merece a mesma crítica


elaborada em relação à estratégia para prevenção dos roubos em transporte coletivo,
porque não evoluiu para descobrir as causas do problema.

A intervenção policial planejada pode ter como resposta do agressor tanto uma
mudança do local de cometimento do roubo ou até mesmo mudança de prática
delituosa. É necessário manter um sistema de monitoramento contínuo da distribuição
espacial e temporal da incidência de roubos em condomínio, fazendo com que o agressor
tenha que mudar continuamente o procedimento padrão de execução do crime. Outra
alternativa é identificar as causas do problema e ampliar as estratégias de ação a serem
tomadas.

Resta, no entanto, salientar o progresso trazido por essa estratégia ao chamar a comunidade
para trabalhar junto na formulação e na execução da prática de prevenção. Como relatado
anteriormente, a teoria das atividades rotineiras propõe que para ocorrer um crime é preciso
ter uma vítima disponível, um agressor em potencial e a ausência de guardiões. Os guardiões
não podem ser pensados apenas em termos dos profissionais dos órgãos de segurança
pública. A segurança pública tem como um de seus pressupostos fundamentais o
reconhecimento por parte de cada membro da comunidade do seu papel como agente
responsável pela segurança. A parceria entre polícia e comunidade é um dos pilares
fundamentais para garantir o efetivo controle da violência e criminalidade.
Exemplo 3 – Estudo das ocorrências de roubo a postos de combustível

Outro exemplo prático da análise criminal, relacionado à prevenção da incidência de roubos,


aconteceu na cidade de São Luís do Maranhão. O analista criminal do Centro Integrado de
Operações de Segurança (CIOPS) realizou o estudo das ocorrências de roubo a postos de
combustível. Ele verificou que os roubos eram realizados por motoqueiros, em duplas, que
entravam na área do posto para abastecer e anunciavam o assalto aos frentistas. Essa
informação foi utilizada pela polícia militar para deter a quadrilha.

Primeiramente foi identificado o número de ocorrências mensais no ano de 2007. Em


seguida foi verificado o bairro e os horários de maior incidência desse tipo de roubo. Além
disso, através da análise do mapa das ocorrências foi possível perceber que os postos mais
visados eram os próximos às principais avenidas do bairro. Por fim, a análise dos históricos
das ocorrências policiais registradas indicou que a maioria dos roubos era praticada por dois
indivíduos em uma motocicleta.

Com base nas tabelas e no mapa abaixo foi identificado que o roubo a postos se concentrava
no bairro Anil-zo, entre 21 e 22 horas, nos finais de semana. Também foi constatado que
geralmente os roubos ocorriam nos postos localizados nas avenidas Edison Brandão,
Casimiro Junior e na Estrada de Ribamar (ANIL). A Polícia Militar do Estado do Maranhão
passou a abordar motoqueiros nos horários e locais considerados críticos. Essas ações
propiciaram a diminuição das ocorrências.
Tabela 15 – Distribuição de freqüência mensal dos roubos a postos de combustível, no ano de 2007

TIPO/SUBTIPO TOTAL
Roubo a posto de combustível 145
Jan 12
Fev 13
Mar 14
Abr 27
Mai 20
Jun 21
Jul 15
Ago 16
Set 7

Fonte: CIOPS / Total geral 145 SESEC / MA.


Tabela 16 – Distribuição de freqüência dos roubos a postos de combustível de acordo com a hora do
dia e o bairro de maior incidência. Fonte: CIOPS / SESEC / MA.

BAIRRO HORA TOTAL


0 2
1 2
2 3
3 3
4 1
5 2
6 1
ANIL-ZO
14 1
17 2
18 1
20 1
21 6
22 5
23 1
TOTAL 31

Fonte: CIOPS / SESEC / MA.


Mapa 7 – Pontos para o roubo a postos de gasolina.

Fonte: CIOPS / SESEC / MA.

Exemplo 4 – Favela, tráfico e homicídios

O tráfico de drogas e a pobreza são dois fatores responsabilizados pelo grande número de
homicídios nas cidades brasileiras. Vários estudos testaram a correlação entre homicídios e
pobreza, obtendo resultados variados, mas poucos se dedicaram à análise da relação entre
tráfico de drogas e homicídio, em função de algumas dificuldades de operacionalização de
uma pesquisa desse gênero. Uma primeira dificuldade é como mensurar o tráfico, uma vez
que as estatísticas oficiais refletem em grande parte a atividade policial de combate ao delito
e não necessariamente a distribuição do delito em si.

Uma segunda dificuldade tem a ver com a “unidade de análise”: bairros e distritos
policiais são unidades geográficas agregadas, criando uma grande quantidade de
áreas sem casos de tráfico ou homicídio, provocando perturbações nas análises
estatísticas. Por exemplo, no município de São Paulo existe uma centena de distritos
policiais e 13 mil setores censitários.

Nesse exemplo de prática de análise criminal será exposta uma análise da relação entre
tráfico de drogas e homicídio na cidade de São Paulo. Os dados analisados foram as
denúncias confirmadas de tráfico feitas ao Disque-Denúncia como indicador de tráfico e os
1332 subsetores da polícia militar na capital como unidade de análise, de modo a obter um
número significativo de casos para estudo.

A favela não é apenas um indicador de pobreza, uma vez que existem outras características
urbanísticas, ecológicas e sociais específicas a esse tipo de habitat, que tornam os subsetores
com favelas mais propensos ao envolvimento com o crime, seja na qualidade de autores ou
de vítimas. Sabe-se já que boa parte dos homicídios ocorre no interior das favelas ou nas
suas imediações, como mostra o mapa na próxima página, com buffers de 50m ao redor das
favelas da capital. Dos 5521 casos de homicídios analisados, 33,5% ocorreram no interior ou
numa faixa de 50m de distância das favelas.

Figura 16: Distribuição dos homicídios segundo a distância entre o local de ocorrência
e as favelas

Os tópicos seguintes procurarão avaliar o peso das variáveis “tráfico de drogas” e “favelas”
para a explicação dos homicídios, mediante diversos procedimentos estatísticos.
Os homicídios dolosos registrados no Infocrim, entre 1999 e 2003, na capital, foram
reagrupados em cinco faixas, dividindo os subsetores em blocos com maior ou menor
quantidade de homicídios.

A primeira faixa agrega 341 subsetores com dois ou menos homicídios no período e a última
251 subsetores com mais de 29 homicídios. Os subsetores foram reagrupados também
segundo a quantidade de favelas: 61% dos subsetores da capital não têm favelas, enquanto
o restante tem uma ou mais favelas. Finalmente, os subsetores foram reclassificados,
segundo a existência ou não de denúncias de tráfico, independente da quantidade de
denúncias: 32% deles tinham pelo menos uma denúncia de tráfico de drogas entre janeiro
de 2003 e outubro de 2004.

Embora os mapas de denúncias de tráfico e homicídios sejam parcialmente


coincidentes, nota-se a presença de algumas áreas com tráfico, porém sem homicídio e
vice-versa. A interpretação é árdua, pois há uma superposição entre áreas com favelas,
tráfico e homicídio, dificultando a apreensão do peso de cada fator isoladamente. Conforme
esperado, subsetores com poucos homicídios estão em áreas sem tráfico ou favelas (33,8%),
enquanto subsetores com muitos homicídios estão em áreas com presença de tráfico e
várias favelas (27,9%). Lendo os dados de outra forma, apenas 2,4% dos subsetores sem
tráfico ou favelas têm 29 ou mais homicídios; em contraste, apenas 2,6% dos subsetores com
tráfico e muitas favelas têm dois ou menos homicídios.

Mapa 8 – Mapa de denúncia de tráfico e homicídios

No entanto, uma análise mais qualificada evidencia que a relação entre homicídios e tráfico
de drogas é condicional, isto é, é forte e significativa nas áreas onde não existem favelas e
torna-se não significativa quando analisadas em separado as áreas com favelas.
Observando as médias de homicídio de acordo com a existência ou não de tráfico,
controlado pela presença de favelas, os homicídios dobram com a presença do tráfico nas
áreas sem favelas (5,5 para 10,4). Por outro lado, o tráfico quase não influencia a média de
homicídios nas áreas com muitas favelas (41,4 para 43). Conclui-se que a influência do tráfico
é crimogênica, entretanto condicional, e a presença ou não de favelas influencia muito mais
a média de homicídios – 6,6 nas áreas sem favelas, 17,7 quando há uma e 42,3 quando
existem várias.
Os coeficientes de correlação de Pearson sugerem igualmente que a correlação dos
homicídios com tráfico é significativa na análise bivariada, porém mais fraca do que a
correlação com o número de favelas na área. A análise de regressão dos homicídios, tendo
como base a quantidade de favelas e a existência ou não de denúncia de tráfico no subsetor,
confirma as anteriores: embora ambas as variáveis sejam significativas, o poder de predição
da variável “favelas” é bastante superior a “tráfico”. Observe-se o que acontece quando se
roda a mesma regressão separadamente para as áreas sem e com presença de favelas.
Quando não existem favelas no subsetor, a presença do tráfico é um previsor, ainda que
fraco, do número de homicídios (r = .219, F e t significativos > .000). Entretanto, nos
subsetores onde existem favelas a relação entre tráfico e homicídios simplesmente
desaparece (r =. 057, F e t não significativos).

Figura 17: Média de homicídios por setor estratificados segundo a presença de tráfico e
presença de favelas

Case Summaries
Mean
Faixa de favelas Existência de tráfico no subsetor Número de homicídios
por subsetor no subsetor
Nenhuma favela Subsetor sem denúncia de tráfico 5,53
Subsetor com denúncia de tráfico 10,40
Total 6,66
Uma favela Subsetor sem denúncia de tráfico 15,38
Subsetor com denúncia de tráfico 21,21
Total 17,78
Várias favelas Subsetor sem denúncia de tráfico 41,65
Subsetor com denúncia de tráfico 43,09
Total 42,34
Total Subsetor sem denúncia de tráfico 14,18
Subsetor com denúncia de tráfico 25,55
Total 17,82
Os procedimentos adotados – análise de tabelas cruzadas, comparação de médias,
coeficientes de correlação parcial e análise de regressão – parecem coincidir no diagnóstico.
Aceitando-se que as denúncias confirmadas de tráfico feitas ao Disque- Denúncia sejam boas
substitutas da dimensão “tráfico de drogas”, e que os 1332 subsetores sejam uma unidade
de análise apropriada para estudar a questão, conclui-se que a presença do tráfico num
subsetor implica num aumento dos homicídios, principalmente nas áreas sem favelas. Nos
subsetores com presença de favelas, porém, a existência do tráfico diminui acentuadamente
sua influência, sugerindo que a pobreza e o contexto social e cultural predominante no local
são mais importantes que o tráfico para explicar o elevado número de homicídios.

Em termos práticos, a estratégia policial para a redução dos homicídios, através do combate
ao tráfico de entorpecentes será, provavelmente, mais eficaz nos 187 subsetores com
denúncias de tráfico, mas sem favelas. Do ponto de vista teórico, a análise sugere que as
condições socioeconômicas explicam mais do que o tráfico de drogas o elevado número de
homicídios em São Paulo, sugerindo que a solução para o problema deve passar também
por políticas sociais e urbanísticas, além das ações policiais.

Exemplo 5 – Desordem urbana

Agora você conhecerá uma experiência prática de gestão que ocorreu em São Paulo, na área
de Santo Amaro, onde foi identificada uma grande concentração (hot spot) de roubos. Os
responsáveis pela área nas polícias militar e civil foram chamados ao gabinete da SSP para
tomar conhecimento do problema, elaborar um plano de ação e dar início a uma série de
operações policiais para reduzir os índices de criminalidade na região, utilizando a
metodologia IARA – identificar, analisar, responder e avaliar.

Foi mencionado na reunião, o problema do grande fluxo de população flutuante e da


concentração de camelôs (cerca de 2 mil quiosques), o que exigiria uma ação conjunta com a
prefeitura e outros órgãos, e relatou-se que o atual subprefeito colaborava em operações
para a desocupação das vias.

Em razão da grande quantidade de camelôs, existiam também na área diversos depósitos


que armazenavam produtos piratas, que deveriam ser alvo de fiscalização e alertou-se
também para o fato de que a existência de um Poupa Tempo na área poderia implicar num
registro superestimado de roubo de documentos, mesmo que o crime tivesse ocorrido em
outro local.
Foi relatado que, recentemente, teria ocorrido migração de crimes para o local, em razão de
operações de outros batalhões de choque nas áreas vizinhas, embora o entrosamento entre
as duas polícias na área foi qualificado como “muito bom” e a comunidade caracterizada
como bastante participativa, com um Conseg ativo: a Associação Comercial Americana, por
exemplo, fazia campanhas preventivas contra a criminalidade na região. Há também um
contato com a CET para o monitoramento das vias principais por câmeras (Adolfo Pinheiro,
Ver. José Dinis, etc.)

No encontro foi sugerido que, dada as características da criminalidade, o policiamento a pé


seria o mais efetivo para prevenir os roubos. Também foi apontado que se trata da única
seccional de polícia da capital ainda sem Delegacia Participativa.

Como resposta policial aos problemas, a PM aumentou em 65 homens o efetivo policial da


área e formulou-se um projeto para a instalação de uma nova Cia PM no local. Uma força-
tarefa composta por 260 homens estava na ocasião atuando na área e foi previsto que 160
deles permaneceriam. A PC reativou o setor operacional e por determinação do Del. Geral, o
GARRA foi enviado para reforçar o policiamento no local. Por determinação da seccional,
recursos materiais e humanos foram remanejados para a área do 11º DP e, coordenada pela
seccional, as operações da PC passariam a contar com apoio de outros DPs próximos.

Figura 18: Avaliação da incidência de roubos e área sugerida para implantação de


supedâneos
Foi realizada uma reunião do Comando do CPM 10 com a subprefeitura, a guarda
metropolitana, os representantes da associação comercial local, a Eletropaulo e a Sabesp,
com o objetivo de iniciar ações conjuntas para a retirada de todas as barracas de camelôs,
apreensão de objetos ilegais, com a participação da seccional, viaturas, policiais civis e
militares e a delegacia móvel. Cerca de 1120 barracas foram retiradas durante as ações, que
contaram com 400 fiscais, guardas civis e policiais civis e militares. A intenção da
subprefeitura era realocar os ambulantes para o POP Centro, da Rua Antonio Bento, criado
para organizar o comércio de rua.

Como resultado das ações empreendidas, houve uma redução de 13% nos “roubos outros”
no 11º DP, entre abril de 2006 e abril de 2007, bem como uma redução de 45,6% nessa
modalidade, no polígono traçado com o Infocrim em torno do Largo 13 de Maio. Ao
contrário do que ocorreu em 2006, verificou-se também uma redução nos roubos no período
fevereiro a abril de 2007, tanto no DP (-12,9%) quanto no polígono (-44,4%). Aparentemente,
não houve migração para outras áreas dentro do distrito, uma vez que houve queda da
modalidade em todo o DP, ainda que menor do que a observada no polígono.

De acordo com a filosofia de “policiamento orientado a problemas”, e para que o roubo não
retorne ao padrão anterior, terminadas as operações, a CAP sugeriu a classificação da área
em torno do Largo 13 de Maio como uma AISP (Área de interesse de segurança pública) e a
análise da possibilidade da instalação de supedâneos em pontos estratégicos do largo ou,
ainda, uma central de monitoramento por câmeras, estratégias adequadas em função do
tipo de crime e da concentração espacial observada. O caso do Largo 13 de Maio ilustra
todas as etapas envolvidas na metodologia do policiamento orientado a problemas e o
sucesso de seu uso na redução dos roubos.
Exemplo 6 – Avaliação de eficiência de ações – Criação de buffer

A avaliação científica de uma intervenção policial é uma tarefa complexa que exige, dentre
outras cautelas, uma comparação com as tendências criminais preexistentes e a seleção
aleatória de uma área controle, com perfil semelhante à área onde se realiza e intervenção.
Um desenho de avaliação bastante utilizado em pesquisas científicas é conhecido como
“antes-depois com grupo de controle” e tem por finalidade evitar que as conclusões da
avaliação sejam equivocadas, tanto de rejeitar como inoperante uma ação eficaz, quanto de
abalizar uma intervenção ineficaz.

Num projeto experimental, duas ou mais áreas semelhantes são escolhidas, e um sorteio
aleatório é feito para saber quais serão as áreas de intervenção e quais as de “controle”; os
indicadores criminais de ambas as áreas são monitorados antes e depois da intervenção. O
problema com a avaliação de projetos policiais é que quase sempre são avaliados a
posteriori, sem que tenha havido o cuidado de selecionar aleatoriamente áreas similares
para os grupos controle e intervenção. Além disso, as áreas selecionadas para a intervenção
são costumeiramente diferentes das demais, porque concentram mais crimes, sendo esse o
motivo pelo qual foram escolhidas para a intervenção. É preciso ter isso em mente ao se
avaliar os resultados encontrados nos experimentos que e que envolvem a avaliação antes-
depois de certos indicadores criminais, contabilizados no interior de um buffer.

Um “buffer” é uma zona ao redor de um objeto, como uma favela ou avenida, que tenha um
significado investigativo. Ele não precisa ser necessariamente um “anel”, mas pode ter
qualquer formato. Com ele é possível analisar que tipo de objeto atrai ou afasta certo tipo de
crime (ou se não há efeito algum), qual o raio de ações de postes de luz, câmeras de vídeo,
onde distribuí-los, quais as características dos chamados ao 190, no raio de 1km ao redor das
escolas, etc. No mapa abaixo foi criado um buffer de 100m ao redor das vias principais de
São Paulo e foi contabilizada a proporção de latrocínios que ocorrem no interior dessa faixa.
Mapa 9 – Distribuição espacial da incidência de roubos seguidos de morte ou lesão grave

p ; )

Sabe-se que os diferentes “equipamentos públicos” ou tipos de estabelecimentos produzem


efeitos de atração ou repulsão na criminalidade. As faculdades atraem ocorrências de furto
de veículos, favelas atraem ocorrências de homicídio, etc. Por outro lado, existem alguns
“bloqueadores de oportunidades” – base policial, câmeras de vídeo, supedâneos, iluminação,
obstáculos físicos à circulação – que reduzem ou afastam o crime para outros locais menos
protegidos. Além da atração entre vias principais e latrocínios, há também nesse tópico, o
efeito inibidor dos equipamentos fixos de segurança – Base comunitária de segurança,
distrito policial e Companhia Policial Militar – sobre os furtos na cidade de São Paulo, no ano
de 2002.

Gráfico 8 – Incidência de furtos segundo a distância dos distritos policiais

Para simular esse efeito, foram construídos cinco círculos em torno desses equipamentos de
segurança, num raio de até 500m, e contabilizado o total de ocorrências de furto em cada
círculo. De um modo geral, quanto mais próximo do equipamento de segurança, menor a
quantidade de furtos, sugerindo o efeito inibidor. Supõe-se que o mesmo efeito pode ser
conseguido com as bases comunitárias móveis e com os supedâneos, equipamentos
públicos de segurança mais baratos e em alguma medida deslocáveis. O raio de ação desses
equipamentos de menor escala deve, teoricamente, ser menor do que o observado
anteriormente.

O local dos equipamentos fixos nem sempre pode ser escolhido livremente pelas polícias,
uma vez que a instalação de uma unidade policial depende da disponibilidade de imóveis,
acesso, dentre outros fatores. Com efeito, a análise dos mapas revela que nem sempre o
equipamento de segurança fixo está localizado nos pontos criminais mais críticos. A
localização das bases comunitárias móveis, supedâneos e outros equipamentos preventivos,
por outro lado, deve levar em conta os “hot spots” sugeridos pelos sistemas de informações
georeferenciadas. Como os crimes são altamente concentrados no espaço, a colocação
desses equipamentos nos locais corretos pode contribuir para inibir uma quantidade maior
de crimes.

Outro exemplo de uso da construção de buffers envolveu a avaliação da eficiência das


câmeras de vídeo monitoramento, instaladas pela Prefeitura de São Paulo no centro da
cidade, sobre a incidência de furtos. Em 26 de julho de 2006, entraram em funcionamento as
primeiras 35 câmeras de monitoramento, 32 das quais voltadas para áreas externas. As
câmeras são ocultas e não existe nenhuma sinalização para o público informando que a área
é monitorada. Atualmente, abril de 2008, já existem 99 câmeras instaladas e a proposta é de
chegar a até 12 mil em toda a cidade, daí a importância de uma avaliação sobre os efeitos do
monitoramento sobre a criminalidade. A avaliação da experiência é relevante também,
porque a PM está iniciando a implantação das primeiras 100 câmeras de monitoramento na
cidade e é preciso aprender com os erros e acertos de outras experiências.

Nesse tópico será feita apenas a análise das 32 câmeras iniciais. Ela iniciou com a construção
de nove anéis (buffers) de 15m, em torno de cada câmera, abrangendo uma área total de
145m, ao redor de cada uma. Depois, foram comparados os furtos ocorridos em volta das
câmeras nos seis primeiros meses de 2006, antes da instalação, com os furtos ocorridos nos
seis primeiros meses de 2007, depois da instalação. A análise inicial sugere uma diminuição
da ordem de 5% nos furtos, após a instalação das câmeras de monitoramento, embora
estimativas da prefeitura falem em 15% de redução.

Uma análise mais precisa fica prejudicada, uma vez que as câmeras não foram instaladas nos
locais de maior concentração criminal, onde seriam maiores seus efeitos. As câmeras não
tinham como função apenas reduzir a criminalidade, mas também a de zelar por
equipamentos públicos nas proximidades. Não se sabe ao certo que treinamento os
monitores receberam, nem em que medida há “pronta resposta” no caso de identificação de
crimes. Mas, mesmo assim, foi possível identificar uma redução da criminalidade depois da
instalação das câmeras, redução que seria potencializada, acredita-se:

(1) com uma correta seleção do local de instalação;

(2) com sinalização alertando que se trata de área monitorada; e

(3) com treinamento adequado para os monitores que acompanham as imagens e pronta
resposta no caso da identificação de delitos.

É importante ressaltar que apenas os furtos foram analisados, mas que as câmeras podem
também ter surtido efeito sobre outros crimes e contravenções não analisados nesse
trabalho.

Mapa 10 – Distribuição das câmeras e incidência de furtos ao redor das câmeras: amarelo
(2006) e vermelho (2007)
Gráfico 9 – Número de furtos no interior de cada anel (ao redor das câmaras) em 2006 e 2007

700

631
600

525
500

435
421 413
400 394
385

341 332
318
300 304
294 290
281
265 260
245

200 193

100

0
m etros m etros m etros m etros m etros m etros m etros m etros m etros
15 30 45 60 75 100 115 130 145

furtos 2006 furtos 2007

R AD IU D IS T_U N
S_ ITS AR E A_ fu rto s 2006 fu rto s 2007 v ar
15 m etros 24106,96 318 265 -16,67
30 m etros 68301,86 421 385 -8,55
45 m etros 105186,94 245 193 -21,22
60 m etros 135634,65 304 413 35,86
75 m etros 151785,88 631 525 -16,80
100 m etros 279509,53 435 394 -9,43
115 m etros 170039,95 294 341 15,99
130 m etros 169440,19 260 281 8,08
145 m etros 162710,14 332 290 -12,65
3240 3087 -4,72

Metodologia similar a essa foi utilizada para testar os efeitos do novo policiamento de
trânsito adotado na cidade. Após três meses de experiência, a SSP lançou, em 25 de
setembro de 2007, o Programa de Policiamento de Trânsito na Capital, em parceria com a
Prefeitura de São Paulo, voltado para a prevenção a crimes e infrações praticadas no trânsito.
Além de aplicar multas, os policiais também vistoriam o veículo ou prendem o motorista que
cometer crimes nas ruas. Foram disponibilizadas 365 viaturas (entre elas 140 motos) e 1375
homens, treinados especialmente para o programa, que atuam em 1011 cruzamentos
considerados estratégicos da cidade.

A novidade do programa dificulta uma avaliação mais detalhada dos seus efeitos no
policiamento. Foi comparado o número de crimes em 2006 e 2007, tomando por base o mês
de outubro, em 156 cruzamentos. Em torno de cada cruzamento, foi construído um “buffer”
(círculo) com 200m de raio e, posteriormente, foram contados os crimes no interior desses
círculos, tanto em 2006 quanto em 2007. A constatação é que, comparando outubro de 2006
com outubro de 2007, o total de crimes cai 20%, os furtos 36% e os roubos 52% nas áreas ao
redor dos pontos de estacionamento. Foram criados também 10 círculos concêntricos de
50m, ao redor do ponto de estacionamento das viaturas (total 500m), e os resultados
mostram que a queda ocorre mesmo a 500m de distância, embora os efeitos sejam
decrescentes conforme aumenta a distância, como esperado. Pelo menos, até 500m de
distância, não existe efeito deslocamento detectável nos furtos e apenas um ligeiro
deslocamento nos roubos, a partir dos 200m.

Tabela 17 – Número de roubos segundo distância do ponto de estacionamento

RING_ RADIUS_ DIST_UNITSAREA_ AREA_UNITS roubos 06 roubos 07 var furtos 06 furtos 07 var
1 50 metros 1172812,99 metros quadrados 453 203 -55 612 348 -43
2 100 metros 3404342,74 metros quadrados 218 107 -51 290 227 -22
3 150 metros 5495226,91 metros quadrados 250 114 -54 405 288 -29
4 200 metros 7473921,53 metros quadrados 261 141 -46 405 330 -19
5 250 metros 9276975,60 metros quadrados 269 181 -33 456 301 -34
6 300 metros 10813504,21 metros quadrados 282 146 -48 393 300 -24
7 350 metros 12121058,01 metros quadrados 294 190 -35 439 329 -25
8 400 metros 13321792,63 metros quadrados 276 196 -29 437 305 -30
9 450 metros 14390447,93 metros quadrados 284 168 -41 410 325 -21
10 500 metros 15379486,85 metros quadrados 271 185 -32 402 289 -28

Este tipo de procedimento – criação de um buffer em torno de um equipamento qualquer,


como distrito policial, câmera de vídeo ou ponto de estacionamento de viatura – pode ser
utilizado para avaliação da eficiência de vários tipos de projetos policiais, medindo-se a
evolução da criminalidade nos arredores antes e depois da instalação do equipamento. Mais
robustos ainda são as conclusões quando se evidencia que o comportamento da
criminalidade não foi similar em outras áreas, atuando aqui como um tipo rudimentar e
imperfeito de “grupo de controle”.

Exemplo 7 – Letalidade policial

Esse exemplo de prática de análise criminal foi desenvolvido pela Coordenadoria de Análise
e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Nesse caso, serão avaliados
os fatores determinantes da letalidade da ação policial. Para essa análise, foram selecionados
523 casos de incidentes letais ocorridos entre 2001 e 2003, envolvendo policiais civis e
policiais militares em serviço. Além de informações do banco de dados de letalidade da CAP,
serão utilizados dados adicionais do Infocrim para “plotar” incidentes no mapa. Foi
identificado o seguinte cenário típico: durante patrulhamento noturno, em bairros violentos
da periferia, policiais identificam veículo suspeito com pessoas em atitudes suspeitas e
durante a abordagem ou acompanhamento, há troca de tiros e o incidente termina com a
morte de uma das pessoas em atitudes suspeitas.

Quase metade dos casos de confrontos letais registrados ocorre apenas no município de São
Paulo. Por sua natureza e finalidade, o Choque é a unidade policial mais envolvida em
confrontos letais, como seria natural esperar. A distribuição dos confrontos é eqüitativa por
dia da semana, com ligeira queda nos finais de semana. A maior parte dos confrontos letais
ocorre entre 19h e 1h da madrugada. Os policiais militares estão envolvidos em cerca de 90%
dos casos de confronto letal, proporção esperada, dada a tarefa constitucional da PM.
Com relação ao contexto do início da ocorrência que terminou em confronto, 60% iniciaram-
se durante rotinas de patrulhamento e 37% por chamados ao 190. A situação mais freqüente
é aquela em que a patrulha se depara com um furto ou roubo em andamento, onde ocorre
troca de tiros com os criminosos. Cerca de 67% dos confrontos ocorrem nas vias públicas,
implicando numa situação potencialmente perigosa também para as pessoas que estão
circulando pelo local dos fatos.

A idade média das vítimas civis de confrontos é 24,6 anos, enquanto a média de idade dos
policiais envolvidos em confrontos é de 32 anos. Das vítimas, 98,4% são homens. Em 83,4%
dos confrontos apenas uma pessoa foi morta e em 13,2% duas pessoas.

Em 95% dos casos de confronto, a ocorrência é registrada como resistência seguida de


morte. Os casos de resistência seguida de morte em 2002 (círculos pretos) tenderam a
ocorrer em hot spots de homicídios dolosos (manchas vermelhas). Foram identificados, pelo
menos, três possíveis explicações para essa superposição. O policial que atende ocorrências
nas áreas violentas se sente inseguro e tende a não seguir os procedimentos de abordagem
padrão? Tratamento desigual efetivado pelos policiais devido ao baixo status
socioeconômico e pouca visibilidade das vítimas? Ou simplesmente concentração da
violência criminal nessas áreas?

Mapa 11 – Distribuição da letalidade policial e incidência de homicídios dolosos (2002)


Há uma relação linear entre a taxa de mortos por 1000 policiais e o tamanho do município:
nos pequenos a taxa é de 5,6:1000, crescendo para 44,7:1000 nas oito cidades com mais de
500 mil habitantes.

Gráfico 10 – Incidência de letalidade policial segundo tamanho do município (2002)

40,0000

categoria de população
ate 5000 hab
30,0000
de 5001 a 25000 hab
Values

de 25001 a 100000 hab


de 100001 a 500000 hab
mais de 500000 hab
20,0000

10,0000

Mean

É muito comum o envolvimento dos mesmos policiais em mais de uma ocorrência com
resultado letal. A reciclagem e o acompanhamento psicológico devem focar os policiais e
unidades que concentram o maior número de envolvimento em ocorrências letais. Sem
pretensão de fazer qualquer julgamento moral, sabe-se que cada comandante geral tem seu
estilo e preocupações próprias, o que tende a afetar o comportamento da corporação. A
questão dos “excessos” policiais é uma das mais afetadas pela postura e discursos adotados
pelo alto comando, que dão ênfase maior ou menor ao problema. Através de uma série de
“sinais” explícitos e implícitos, a tropa de algum modo “capta” esta linha e se comporta em
função da orientação superior.
Figura 19: Análise da incidência de letalidade destacando impacto das mudanças de
comando
Troca de
troca de comando
comando

Resistência
seguida de
morte, em
serviço:
mudança
de nível
para cima
em julho de
2002 e
para baixo
em
dezembro
de 2004

Caso dentista

Nessa análise, constata-se como a letalidade aumentou em julho de 2002, durante a gestão
do último comandante geral, que assumiu em abril de 2002; caiu em dezembro de 2004,
após a posse do atual comandante geral e ao episódio da morte do dentista negro, em
fevereiro de 2004. A análise sugere que a postura do comando e casos emblemáticos
(Carandirú, Favela Naval, etc.) afetam mais os níveis de letalidade do que os procedimentos
burocráticos internos.

O número de policiais encaminhados ao PROAR, no período analisado (2001 a 2005) e o


número de procedimentos adotados (inquéritos, sindicâncias, etc.) parece não ter impactado
no nível de letalidade. Ele manteve-se praticamente constante, portanto não explica nem o
aumento em 2002 e nem a queda em 2004. O número de procedimentos internos, por sua
vez, aumentou em julho de 2002 – acompanhando o crescimento da letalidade – e se
manteve estável desde então. Os dados reforçam a importância da postura do comando
perante a questão, deixando claro aos subordinados que mortes desnecessárias são um mal
– ainda que legais – e que afetam a legitimidade da ação policial e abusos não serão
tolerados.

Os dados da pesquisa de vitimização IFB, de 2003, sugerem que ainda pode haver um padrão
desigual de tratamento da população conforme o bairro, especialmente, no tocante às
revistas e averiguações de documentos. A população que mora nos bairros periféricos é mais
abordada pelas polícias para verificação de documentos e revistas. Incidência criminal e o
perfil epidemiológico dos criminosos podem justificar essa maior incidência.
Mapa 12 – População revista por profissionais de segurança pública

Nos Estados Unidos morrem, em média, por ano, cerca de 400 pessoas em confrontos com a
polícia. Esse número equivale a cerca de 1/3 das mortes ocorridas anualmente no Brasil,
embora a população brasileira seja bem menor. Segundo dados remetidos pelas Secretarias
de Segurança à Senasp, metade dos casos de vitimização fatal por agentes policiais no Brasil
ocorre em São Paulo. Em termos de taxa por 1000 policiais, São Paulo só fica atrás do Rio de
Janeiro. Como os homicídios têm diminuído em São Paulo, desde 2001, a proporção de
mortos em confrontos sobre o total de homicídios tem aumentado. Atualmente, os
confrontos são responsáveis por cerca de 9% dos homicídios do estado e essa proporção
equivale, aproximadamente, a encontrada nas cidades norte-americanas com mais de 1
milhão de habitantes.

Em função do melhor treinamento e equipamento, é natural esperar que os civis sejam mais
vitimados nos confrontos com a polícia. Em 85,2% dos casos analisados, o policial respondeu
que utilizava colete no momento do confronto. Contudo, a relação mortos policiais X mortos
civis no estado está desequilibrada, sugerindo excesso policial nas ações. Na cidade de
Buenos Aires, a relação entre civis e policiais mortos em confrontos varia de 6 a 15,7 (dados
de 1998). Nos Estados Unidos, a relação varia entre 5 e 7 vezes mais civis mortos nos
confrontos – proporção similar a do Rio de Janeiro entre 1997 e 1998. Nos confrontos entre
policiais e criminosos, o padrão é que o número de criminosos feridos seja superior ao
número de criminosos mortos (relação feridos X mortos menor que 1). O padrão atual de São
Paulo é ligeiramente invertido, com o número de mortos superando o de feridos.

As análises sobre as características dos confrontos estão baseadas em 2113 casos de


confrontos cadastrados pelo grupo de letalidade da CAP. Cerca de 84% dos confrontos
ocorrem com o policial em serviço e ¼ durante a folga. Quase metade dos casos de
confrontos letais registrados ocorre no município de São Paulo. Em 502 municípios do
estado, não houve mortes em confrontos com a polícia entre 2001 e 2003. O problema está
concentrado em 25 cidades. Em termos de taxa de mortos por 1000 policiais, São Paulo
perde para diversos municípios do interior do estado, que tem efetivos muito menores,
inflando artificialmente as taxas. A distribuição dos confrontos por município segue,
aproximadamente, a distribuição dos maiores efetivos policiais do estado, em termos
absolutos. As áreas onde mais ocorrem esses confrontos letais são o 1º DP de Guarulhos, o
73º e 41º DPs de São Paulo, Campinas, Santo André, Diadema e Osasco.

Informação é a matéria-prima do trabalho policial e sociedade pressiona polícia por


“resultados”. Quanto menos técnico-científico for o trabalho policial num determinado
departamento, maior o recurso à violência ou aos meios ilegais para a obtenção de
informação. A superação dos abusos na polícia virá não apenas do ensino específico dos
“direitos humanos”, mas da elevação da qualidade do ensino técnico nas academias de
polícia.

Exemplo 8 – Problema da segurança nos postos de saúde

Um exemplo importante de análise criminal que avançou de forma significativa para


conceber ações não restritas, apenas ao âmbito dos órgãos de segurança pública, ocorreu,
novamente, em Belo Horizonte. A prefeitura do município possuía um problema sério
relacionado à alta rotatividade de funcionários nos postos de saúde, causada pela própria
solicitação de transferência dos funcionários de local de trabalho justificada pela grave
situação de segurança nas regiões. Que estratégia utilizar para fazer com que os funcionários
dos postos de saúde parassem de solicitar tantas transferências?

A análise criminal do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/UFMG


começou pelo procedimento padrão de mapeamento da localização dos postos de saúde no
município e identificação do tipo de criminalidade predominante na região dos postos.
Como esboçado no mapa a seguir, essa análise levou a conclusão de que os postos não
estavam localizados em áreas tipicamente violentas. Como explicar que os funcionários dos
postos de saúde reclamavam da situação da segurança pública, se a incidência de crimes nas
regiões dos postos é muito pequena? Duas possibilidades de explicação foram cogitadas: a
vitimização nos postos de saúde envolve situações onde as vítimas não estão registrando os
crimes na polícia ou o medo dos funcionários dos postos de saúde resulta menos da
convivência com eventos reais de incidência criminal, e mais da existência de outros fatores
que promovem o aparecimento de uma forte sensação de insegurança.
A verificação dessas possibilidades exigiu que se fizesse uma pesquisa tipo survey
envolvendo a aplicação de questionários nos funcionários dos postos de saúde. A construção
do questionário teve como objetivo identificar os fatores que explicam a sensação de
insegurança. Questionou-se sobre a vitimização dos funcionários e o acompanhamento
pelos funcionários de casos de vitimização na região dos postos de saúde. Também foi
levantada uma série de características do ambiente do posto de saúde, a dinâmica interna de
trabalho, a relação com a comunidade atendida, as condições de infra-estrutura do posto, a
infra-estrutura urbana da região que circunda o posto e o comportamento da vizinhança.

A análise dos dados coletados por esses questionários explicitou um dado importantíssimo
para a formulação da estratégia de redução dos pedidos de transferência. O principal fator
relacionado com a sensação de insegurança não era a vitimização do funcionário ou de
outras pessoas no ambiente do posto de saúde. A sensação de insegurança mostrou-se
fortemente relacionada ao ambiente de infra-estrutura urbana da região que circunda o
posto. A presença de lotes vagos, calçadas quebradas, ruas com problema de pavimentação
e postes com luz queimada foram fatores destacados como fundamentais para a sensação
de insegurança por parte dos funcionários.

Mapa 8 – Mapa de Kernel dos eventos criminais nas proximidades dos postos de saúde

Postos de Saúde
Ruas e Avenidas
Parques e Praças

Concentração de
Ocorrências Criminais
Maior Concentração

Menor Concentração

Nesse contexto, a estratégia de ação sugerida pelo analista criminal envolveu muito mais a
atuação da prefeitura para promover uma melhora na situação da infra-estrutura urbana no
local dos postos de saúde do que a simples distribuição de policiais. Esse é um exemplo
típico de uma situação onde verdadeiramente se buscou a causa do problema e se
desenvolveu ações para resolvê-lo. Fica claro dessa forma, como o uso da estratégia
tradicional de policiamento não resolveria o problema e levaria ao esperdício de grande
quantidade de recursos financeiros, humanos e técnicos.

Exemplo 9 – Recuperação da sensação de segurança no espaço urbano

Outro exemplo interessante de trabalho de análise criminal que avançou para além das
ações específicas dos órgãos de segurança pública aconteceu em São Leopoldo/RS, em
relação à revitalização de uma praça. Tanto as análises de concentração espacial de crimes
no município de São Leopoldo apontavam a praça como um lugar com alta incidência
criminal, quanto a própria população reclamava para a polícia dessa situação.

O trabalho de análise criminal iniciou pela identificação do perfil de vitimização na praça, dos
dias e horas que concentravam maior volume de ocorrências. Dado o mínimo efetivo
disponível para atuar na segurança do município, destacar policial para permanecer grande
parte do tempo cuidando da praça foi um problema. A adoção dessa estratégia implicava,
também, na construção de uma situação de equilíbrio instável, pois permaneceu o temor da
população de que com a saída dos policiais a situação pioraria novamente. Sem atuar nas
reais causas do problema, a situação continuaria sendo a mesma.

O trabalho de análise criminal passou a avaliar quais seriam as possíveis explicações para a
degradação da região da praça. Após a realização de visitas técnicas na praça e conversas
com a população residente nas suas proximidades, o analista criminal identificou que as
condições da praça em termos de jardins, calçadas, iluminação e bancos estavam precárias e,
por conta dessa precariedade, a população ressaltava que permanecer na praça era inseguro.

A ação que se seguiu foi revitalizar a área da praça, com conserto das calçadas e dos bancos,
poda das plantas, aperfeiçoamento do processo de iluminação, dentre outras atividades. O
monitoramento dos resultados dessa ação nos meses seguintes evidenciou o sucesso da
iniciativa, porém, mesmo com a praça revitalizada, com o passar do tempo a situação da
insegurança voltou a piorar. Novamente, a partir de visitas técnicas na praça e conversas com
a população, o analista criminal identificou que a comunidade continuava não utilizando a
praça e os adolescentes e jovens da região continuavam degradando a praça, pois não
concebiam o espaço como uma área de propriedade deles.

O passo seguinte para a solução do problema foi criar uma série de atividades para
promover o uso da praça pela população. A praça passou a ser utilizada na realização de
exposições artísticas, a sediar a realização de oficinas de jardinagem e outras atividades. Com
isso, a população começou a freqüentar a praça e o problema da presença da degradação foi
resolvido. A população resgatou a propriedade sobre a área urbana e passou a constituir um
sistema de segurança informal sobre a praça que mostrou ser muito mais eficiente do que a
presença da polícia.

Exemplo 10 – Programa Fica Vivo

Um bom exemplo de estratégia de policiamento orientado a problemas realizado no Brasil é


o programa Fica Vivo executado pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais.
O programa envolveu uma intervenção focal em uma área de Belo Horizonte (MG)
denominada Morro das Pedras e vem apresentando resultados significativos. Ele é
executado numa parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais, a Prefeitura de Belo
Horizonte, o Ministério Público, as Polícias Militar e Civil de Minas Gerais, a Polícia Federal,
Organizações não-governamentais e a comunidade, dentre outros grupos, viabilizando
alternativas de ação ampla, ultrapassando as ações tradicionais de polícia.

O principal objetivo do programa é a redução do número de homicídios. Para atingir esse


objetivo são realizadas ações para melhorar as relações familiares e comunitárias e ações
imediatas no controle da criminalidade. Essas ações são estruturadas nos Grupos de
Intervenções Estratégicas (GIE) e de Proteção Social (GPS). O primeiro grupo tem como
responsabilidade a repressão ao crime, através da ação rápida na prisão e condenação dos
criminosos, e apreensão constante e eficiente de armas e drogas. O segundo grupo, por
meio da criação do Núcleo de Referência (NR) para atendimento aos jovens da comunidade,
tem como responsabilidade a organização de atividades de lazer e ensino para os
adolescentes, tais como: atividades de dança, esporte, cultura e cursos profissionalizantes,
visando à inserção no mercado de trabalho.

Todo trabalho é estruturado com um monitoramento contínuo do resultado das ações,


identificando os problemas a serem abordados. Os resultados do Fica Vivo foram
evidenciados pelas pesquisadoras Andrade e Peixoto (2006), em uma avaliação da relação
entre custo e benefício de oito diferentes estratégias de prevenção e controle da
criminalidade adotadas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. A tabela 17 denota que
o custo de prevenção de um crime por meio de um tipo específico de estratégia tradicional
de policiamento, como patrulha de prevenção ativa, é de R$ 6.916,42. Já o custo de
prevenção de um crime por meio do Programa Fica Vivo é de R$ 645,69.
Tabela 17 – Comparação das razões custo-efetividade de ações de prevenção
e controle da criminalidade (Brasil – 2005)

Reais por crime


Programas
sério prevenido

APAC R$ 21.109,75
Patrulha de prevenção ativa R$ 6.916,42
Liberdade assistida R$ 1.459,94
UERÊ R$ 18.290,73
Paz nas escolas R$ 1.174,45
Fica Vivo R$ 645,69
Bolsa Família R$ 11.256,15
PROERD R$ 1.682,33

Fonte: Andrade e Peixoto (2006).

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