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PSICOLOGIA NA ARQUITECTURA:

CONTRIBUTOS PARA UMA PERSPECTIVA DA


ARQUITECTURA COMO ARTE CRIADORA DE ESTÍMULOS

Ricardo Manuel Coelho Almeida, 2010

Universidade da Beira Interior – Mestrado Integrado em Arquitectura –


Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em Arquitectura

DECA – ARQUITECTURA

2009/2010
ÍNDICE DE CONTEÚDOS

AGRADECIMENTOS .................................................................................................... III

RESUMO/ABSTRACT .................................................................................................... IV

LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES ..................................................................... V

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

2. INTRODUÇÃO À ARQUITECTURA E SUA EVOLUÇÃO AO LONGO DA


HISTÓRIA ....................................................................................................................... 3

2.1. INTRODUÇÃO À ARQUITECTURA.............................................................. 3

2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO ................................................................. 5

3. PERCEPÇÃO DO AMBIENTE ........................................................................... 22

3.1. A MOTIVAÇÃO .............................................................................................. 24

4. INTERPRETAÇÃO ESPACIAL ......................................................................... 36

4.1. INTERPRETAÇÃO SEGUNDO ZEVI ........................................................... 37

4.2. INTERPRETAÇÃO SEGUNDO OUTROS AUTORES................................. 39

5. INTERLIGAÇÃO DE CONCEITOS DE PSICOLOGIA COM A


ARQUITECTURA NO ESPAÇO URBANO, EDIFÍCIOS E INTERIORES ......... 43

5.1. O ESPAÇO URBANO ..................................................................................... 45

5.2. O EDIFÍCIO ..................................................................................................... 48

5.3. OS INTERIORES............................................................................................. 50

6. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 55

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 56

ANEXOS ........................................................................................................................ 60

II
AGRADECIMENTOS

Queria agradecer a todas as pessoas que me apoiaram a desenvolver esta


dissertação, assim como à orientadora Prof. Doutora Maria da Graça Esgalhado e ao
Prof. Doutora António Delgado pelas análises feitas com intuito de me auxiliar na
resolução da mesma.

III
PSICOLOGIA NA ARQUITECTURA:

CONTRIBUTO PARA UMA PERSPECTIVA DA ARQUITECTURA


COMO ARTE CRIADORA DE ESTÍMULOS

Resumo

Apresento na presente dissertação uma proposta de pesquisa na interface


entre a Arquitectura e a Psicologia, buscando obter directrizes para relacionar a
intervenção arquitectónica com as necessidades do Homem. Este tema sempre me
pareceu cativante, já que todos nós habitámos “um lugar”, porque esse espaço é
um universo único, onde as ideias tomam forma. É, portanto, importante conhecer
como a mente humana actua em termos motivacionais assim como a evolução da
arquitectura e da relação do homem com o objecto arquitectónico ao longo dos
tempos. Assim, poderemos identificar quais os elementos que poderão ser tidos
em conta no acto de projectar, para contribuir para uma arquitectura criadora de
estímulos. Pretende-se, deste modo, conceptualizar a arquitectura como uma arte
criadora de estímulos e de respostas, e não apenas que cumpra conceitos
abstractos de estética e funcionalidade.

Palavras-Chave: Arquitectura, arte, percepção, necessidades humanas

Abstract

I bring out in this dissertation a suggestion of research on Architecture and


Psychology interface, trying to get lines to connect the architectonic intervention
with the man needs. This subject always seemed attractive to me, since all of us
habit “a space”, because this space is a single universe, where the ideas take
shape. Therefore, is important to know how human mind act on motivation terms
as well as architecture evolution and the relationship between the man and
architectural object over the time. Then, we can identify which are the elements
that can contribute to an architecture that creates stimuli. We intend, thus, to
conceptualize the architecture as a creative art of stimuli and answers, and not
only that satisfy abstract concepts of aesthetics and functionality.

Keywords: Architecture, art, perception, human needs

IV
LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 - Interpretações psicológicas produzidas pelos estilos arquitectónicos (Zevi,


2000) ............................................................................................................................... 37
Tabela 2 - Exemplos da expressividade dos elementos geométricos na Arquitectura
(Zevi, 2000) ..................................................................................................................... 37

Figura 1 - Triângulo de Vitruvius (baseado no triângulo original de Marcus Vitruvius) 4

Figura 2 - Cronologia histórica da Arquitectura .............................................................. 6

Figura 3 - Templo egípcio do Império Novo (Editorial La Muralla) .............................. 8

http://snap3.uas.mx/RECURSO1/Diapositivas/Egipto/18.Templo%20Egipcio.jpg

Figura 4 - Vivenda egípcia (meshboxbb.com) ................................................................. 8

http://meshboxbb.com/viewtopic.php?t=488

Figura 5 - Templo períptero grego ................................................................................. 11

http://intranet.arc.miami.edu/rjohn/images/Greektownplanning/Temple%20Construction%20copy.jpg

Figura 6 - Partenón, de Ictinos e Calícrates, Acrópole, Atenas, c.447-432 a.C. ............ 11

http://downloads.open4group.com/wallpapers/ruinas-do-partenon-ad5f8.jpg

Figura 7 - Dómus romana............................................................................................... 13

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Domus_blank.png

Figura 8 - Casa islâmica (Schoenauer, 1984) ................................................................ 15

http://www.jeronimo.com.br/internas/sub_mono/capitu01.htm

Fonte: Schoenauer, 1984, pág. 138.

Figura 9 - Catedral de Chartres, França (James Martin) ................................................ 16

http://goeurope.about.com/od/chartresfrance/ss/chartres_tour_2.htm

Figura 10 - Perspectiva linear ........................................................................................ 17

http://www.minerva.uevora.pt/pag2002/renascimento/brunellesci.htm

V
Figura 11 - O Homem de Vitrúvio, Leonardo da Vinci ................................................. 17

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/leonardo-da-vinci/o-homem-de-vitruvio.php

Figura 12 - Lâmpada Hawthorn, William Morris .......................................................... 18

http://www.oldhousejournal.com/products2/lighting/2662

Figura 13 - Casa Gaudi, Barcelona ................................................................................ 18

http://www.travelblog.org/Photos/54568

Figura 14 - Villa Savoye, Le Corbusier, França, 1929 .................................................. 19

http://www.emich.edu/public/geo/335book/335ch5.html

Figura 15 - Casa privada, Zaha Hadid, Moscovo .......................................................... 20

http://www.dezeen.com/2007/03/18/private-house-near-moscow-by-zaha-hadid/

Figura 16 - Quatro diferentes formas de comportamento (adaptado de Lawson, 2001) 25

Fonte: Lawson, 2001, pág. 17.

Figura 17 - Pirâmide da hierarquia das necessidades de Maslow .................................. 26

Figura 18 - Pirâmide de hierarquia das necessidades em Arquitectura ......................... 27

Figura 19 - Curva de relação entre estimulação e performance (adaptado de Lawson,


2001) ............................................................................................................................... 30

Fonte: Lawson, 2001, pág. 20.

Figura 20 - Ópera de Paris, Garnier, 1874 ..................................................................... 32

http://www.spirit-of-paris.com/2006/05

Figura 21 - Diagrama do sistema de cores, Munsell, 1920 ............................................ 33

http://www.prettyyourworld.com/color-theory.html

Figura 22 - Kunsthal, Rem Koolhaas, 1987-1992 ......................................................... 34

Figura 23 - Universo de estudo ...................................................................................... 43

Figura 24 - Exemplo de visão serial (Cullen, 1961) ...................................................... 47

Fonte: Cullen, 1961, pág. 22.

Figura 25 - Visão serial desenvolvida por Cullen (Cullen, 1961) ................................. 46

Fonte: Cullen, 1961, pág. 20.


VI
Figuras 26 e 27 - Casa da cascata, Frank Lloyd Wright, 1934-1937 ............................. 49

http://blog.lib.umn.edu/glend015/architecture/

Figura 28 - Corredor Monte da Quinta Suites, Quinta do Lago, Algarve...................... 52

http://www.mqclub.com/BackOffice/UserFiles/Image/MQS_corridor.JPG

Figura 29 - Restaurante em Terras de Bouro, Parque Nacional Peneda do Gerês, Siza


Vieira ............................................................................................................................... 53

http://tascasdamalta.blogspot.com/2009/09/petiscando-no-geres-2.html

VII
1. INTRODUÇÃO

Arquitectura não é apenas estética nem função. Arquitectura é, também, a relação


da obra arquitectónica com a pessoa que dela vai usufruir. Este documento irá tentar
relacionar a intervenção arquitectónica com as necessidades do homem, de modo a
conceber uma arquitectura que transmita estímulos. Todo o ser humano tem as suas
necessidades, entre as quais o beber, o comer, o dormir. Quando falamos na satisfação
de necessidades em arquitectura, referimo-nos à tentativa de identificar os elementos
que o ser humano carece, quais as motivações que o movem para, de modo a criar uma
arquitectura que responda a essas mesmas expectativas.

Para alcançar esse objectivo, é importante estudar o modo como a arquitectura


evoluiu ao longo da história, como as pessoas viviam, como se relacionavam com o
espaço arquitectónico e como estas viam a arquitectura, de forma a identificar as
principais inovações desses períodos e se essas inovações ainda são empregadas no
nosso tempo. É também importante analisar como a mente humana organiza toda a
informação que é recebida pelo meio, de modo a que possamos entender quais os
mecanismos que estão na origem da percepção do ambiente. Parte essencial do trabalho
é a análise das motivações do ser humano para a satisfação das suas necessidades.
Todos os espaços necessitam de ser providos com luz adequada, devem transmitir
segurança, protecção, conforto, identidade e não só. Analisaremos estes e outros
factores que poderão contribuir para a satisfação do ser humano. Também nos
debruçaremos sobre os diferentes pontos de vista de diversos autores sobre a
interpretação espacial na arquitectura, em especial as teorias ao nível do conteúdo,
psicofisiológicas, formalistas e espaciais de Bruno Zevi. Por último, apresentamos uma
interligação entre todos os conceitos referidos anteriormente. Pretendemos deste modo
relacionar a psicologia e a arquitectura tendo em conta a experiência arquitectónica,
num universo que engloba o espaço urbano, o edifício arquitectónico e os interiores. Ao
relacionarmos estes dois saberes poderemos perceber como o desenho de certos espaços
influenciam as nossas actividades diárias.

Este trabalho visa oferecer um contributo aos estudantes de arquitectura e


arquitectos, para que todos os ambientes projectados sejam cuidadosamente ajustados às
necessidades e desejos do homem. Hoje em dia existem muitos arquitectos que
escolhem concentrar-se mais na parte artística da profissão ignorando o lado social da
1
profissão. Por isso é necessário que haja uma inclusão de ambas as ciências para que
assim se consiga gerar um ambiente expressivo, agradável e integrativo para as pessoas
que se vão servir dele.

2
2. INTRODUÇÃO À ARQUITECTURA E SUA EVOLUÇÃO AO
LONGO DA HISTÓRIA

2.1. INTRODUÇÃO À ARQUITECTURA

Comparada a outras actividades humanas, a arquitectura é uma arte que teve o seu
início há muito tempo atrás, quando os homens e as mulheres, havendo descoberto a
agricultura e a pecuária, abdicaram da procura de comida, passando a cultivar os seus
próprios alimentos. Até lá, foram expostos às condições climatéricas, precariamente
protegidos por tendas de pele de animais: eles cozinhavam em fogueiras e reuniam-se
em pequenas tribos. Tudo isto mudou quando as pessoas se tornaram sedentárias. As
tendas foram substituídas por casas e, um lar permanente tornou-se o centro de abrigo.
Inúmeras barracas surgiram em zonas férteis; aldeias cresceram. De aldeia em aldeia
uma rede de caminhos foi executada. Os caminhos teriam de atravessar rios, exigindo a
construção de pontes, feitas em troncos de árvores ou suspensas em cordas de fibra
vegetal (Carvalho, 1970). Na verdade, ao longo do tempo, temos vindo a testemunhar
mudanças incríveis nas nossas culturas, sendo a revolução industrial um dos momentos
mais marcantes.

A arquitectura é a mais conservativa das artes humanas. As mudanças na


arquitectura, mais quantitativas que qualitativas, têm sido motivadas pela aglomeração
de pessoas. A cidade é uma amiga da arquitectura pois tem deixado erguer cada vez
mais edifícios em altura acabando por encerrar espaços amplos. Em 2000 a.C., as
cidades de Creta já ostentavam edifícios de quatro andares e, em Roma, casas para
alugar nas zonas mais populares, com cerca de 10 pisos (Colin, 2000). Nós somos os
herdeiros dessas construções. A ciência e a tecnologia, no seu melhor, estão motivadas
para satisfazer as verdadeiras necessidades humanas. Assim poderemos afirmar, em
termos gerais, que a arquitectura pode ser considerada a arte de criar espaços para
abrigar as actividades do Homem, que por deveres próprios e colectivos, necessita de
ambientes que envolvam aspectos tanto funcionais como técnicos e estéticos.

Para esta definição contribuiu o arquitecto Marcus Vitruvius (séc. I a.C.). Os seus
padrões de proporções e os seus princípios para a Arquitectura, utilitas, firmitas e
venustas, estabeleceram a base para a Arquitectura Clássica que abordaremos mais à
frente. Marcus Vitruvius, engenheiro e arquitecto romano foi o autor de “De

3
Architectura” (séc. 40 a.C.), obra com 10 volumes também conhecida como os 10 livros
da arquitectura. Este foi o primeiro e mais famoso texto da história da arquitectura, da
arquitectura paisagista ocidental, da engenharia e do planeamento urbano. De acordo
com este teórico da arquitectura, tal como consta na Figura 1, as componentes da
arquitectura são:

Figura 1 - Triângulo de Vitruvius (baseado


no triângulo original de Marcus Vitruvius)

― Utilitas

A palavra função deriva do latim functio/functionis. Todo o espaço arquitectónico


destina-se a determinado fim, sem o qual não tem necessidade de existir.

― Firmitas

A sua origem encontra-se no termo grego teknné, que significa a “arte ou maneira
de agir”. A técnica define-se como o conjunto de regras ou procedimentos para se fazer
algo com determinada finalidade.

― Venustas

A estética provém da palavra grega aisthesis, que significa percepção sensorial,


mas cuja definição pode ser ampliada como a da ciência das aparências perceptíveis, da
sua percepção pelos homens e da sua importância para estes como parte do sistema
sociocultural.

Poderemos então retirar destas ideias que o primeiro passo para a criação de um
projecto de arquitectura é a elaboração de um programa de necessidades, que
corresponde ao conjunto de especificações funcionais a que o espaço arquitectónico irá

4
dar resposta. A componente técnica corresponde aos elementos, materiais e técnicos,
que garantem a execução de uma obra e, consequentemente, a definição da sua forma
tridimensional. A arquitectura é sempre uma construção no espaço. Quanto à
componente estética, toda a obra arquitectónica é composta por elementos visuais
(volumes, planos, linhas, cores, tons, texturas, etc.), portadores da mensagem estética e
de significado.

No entanto, a estética poderá ser vista por dois lados: a estética do objecto e a
estética de valor. A estética do objecto refere-se à descrição dos sinais e características
das obras arquitectónicas, através da expressão verbal sobre os mesmos e da sua
importância sobre os espectadores ou utilizadores. A estética de valor corresponde à
importância dada pelo espectador aos objectos artísticos e arquitectónicos em relação
aos conceitos subjectivos de valores e de acordo com o sistema de normas
socioculturais (Castelnou, 2004).

Investigações recentes mostram que os conceitos atribuídos à expressão, daquilo


que a objecto arquitectónico nos transmite, encontram-se ligados aos aspectos
emocionais e são elementos afastados da realidade. Essa expressão faz parte das
manifestações dos sentimentos humanos que se podem definir pelos fenómenos
imaginários, reais e fantásticos de cada época (Consiglieri, 2000).

Então, estes três princípios poderão nos ajudar a passar uma mensagem, uma
comunicação estética. Ou seja, um processo pelo qual o arquitecto emite mensagens
dirigidas aos sentidos do utilizador a partir de um objecto ou obra arquitectónica, no
qual o utilizador é receptor passivo e, ao mesmo tempo, activo, pois emite respostas,
através da acção ou uso. No entanto, primeiramente, justifica-se fazer uma análise da
evolução histórica da arquitectura, o modo como os habitantes de cada época encaravam
a arquitectura e como esta influenciava as suas vidas.

2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

Tão antigo como a humanidade, o habitar só foi preocupação a partir da


necessidade do homem se fixar num local e ter um abrigo permanente e seguro, contra o
clima, os animais selvagens e os inimigos humanos. Na pré-história, o homem era um
caçador nómada que vivia em constante mudança à procura de alimentos, morando em
cavernas naturais ou à sombra de árvores. Até cerca de 4000 a.C., a necessidade de
5
construir habitações ainda não era grande, mas a partir do momento que começou a
cultivar alimentos, a sua fixação no território tornou-se primordial. É durante a pré-
história que surgem os primeiros monumentos, quando o homem começa a dominar a
técnica de trabalhar a pedra.

O surgimento da arquitectura, como foi referido, está associado à ideia de abrigo.


O abrigo, como construção predominante nas sociedades primitivas, será o elemento
principal da organização espacial de diversos povos. A presença do conceito de abrigo
no inconsciente colectivo dos povos é tão forte que marcará a cultura de várias
sociedades posteriores. Vários teóricos da arquitectura como Vitruvius, na Antiguidade,
e Alberti, no Renascimento, evocaram o mito da cabana primitiva. Este mito diz que o
ser humano recebeu dos deuses a sabedoria para a construção do seu abrigo, uma
construção de madeira composta por quatro paredes e um telhado de duas águas.

Tanto na Idade Antiga como na Era Medieval, a actividade arquitectónica não era
como a conhecemos agora, uma vez que as grandes obras eram realizadas por grupos ou
corporações de artesãos, sem qualquer formação técnica. Só com o Renascimento é que
o arquitecto adquiriu a condição de grande mestre. Assim, a evolução da Arquitectura
ao longo da história da humanidade pode dividir-se em períodos ou idades (Figura 2). A
apresentação dos aspectos distintivos dos vários períodos, contribui para compreender
como a arquitectura evoluiu a par do desenvolvimento das sociedades.

Figura 2 - Cronologia histórica da Arquitectura

6
A Idade Antiga ou antiguidade pode ser dividida em dois grandes períodos: o
primeiro, de ≈ 4000 a.C. ao séc. VII a.C., abarca a Arquitectura Egípcia e a
Mesopotâmica, e o segundo, com início por volta do séc. VII a.C., que se reporta à
antiguidade clássica, englobando a Arquitectura Grega e a Romana.

IDADE ANTIGA (Antiguidade) (≈ 4000 a.C.)

Com o início da fundição do bronze surgiram as primeiras civilizações e, com


elas, um período marcado pelo desenvolvimento gradual e lento de estilos particulares.
Nessa época, as civilizações mantiveram-se isoladas, o que lhes conferiu traços próprios
e muito característicos. Surgiram as primeiras cidades, cuja configuração estava
limitada pela existência de muralhas que protegiam das ameaças exteriores. Num
segundo período nasceu a arquitectura religiosa, um mundo que acreditava na existência
de deuses vivos, génios e demónios, um mundo que não conhecia nenhuma
objectividade científica. Muitos aspectos da vida quotidiana estavam baseados na
adoração ao divino e sobrenatural. O poder divino era equivalente ao poder secular,
fazendo com que os principais edifícios dentro das cidades fossem os templos e os
palácios. Esta importância dos edifícios fazia com que a figura do arquitecto estivesse
associada aos sacerdotes ou aos próprios governantes. As cidades marcavam a
interrupção da natureza selvagem, eram agora consideradas um espaço sagrado no meio
do espaço natural. Da mesma forma, os templos dentro das cidades marcavam os deuses
vivos no meio do ambiente humano.

― Arquitectura Egípcia

Para entender a sua magnificência há que ter em conta as condicionantes


ideológicas da sociedade egípcia e as suas técnicas: um poder político fortemente
centralizado e hierarquizado, um conceito religioso da imortalidade do Faraó na “outra
vida”, os conhecimentos matemáticos e técnicos, por vezes desconcertantes para a
época e a existência de artistas e artesãos experientes. Contam-se como construções
características da arquitectura monumental egípcia os complexos piramidais, os templos
e os túmulos.

As pirâmides eram edificações monumentais e faziam parte de um conjunto de


estruturas funerárias. Habitualmente os complexos funerários egípcios são formados
por: (1) pirâmide, componente primordial de todo o conjunto, com a câmara funerária
7
no seu interior a qual poderia ser acedida pela passagem a Norte; (2) pirâmides
secundárias, utilizadas para o enterramento das esposas do faraó ou apenas como
monumentos funerários; e (3) recinto amuralhado que rodeava a pirâmide.

Os templos egípcios
são a imagem da casa de
Deus (Figura 3). Nas épo-
cas da pré-dinastia eram
apenas simples capelas com
tecto arqueado, construídas
com elementos vegetais. Só
nas primeiras dinastias
surgiram os primeiros tem-
plos em adobe. Os templos Figura 4 - Templo egípcio do Império Novo (Editorial La Muralla)

mais monumentais surgem


no Império Novo. Estes templos eram constituídos por: (1) uma avenida com esfinges
de ambos os lados (o dromo); (2) um pátio descoberto com colunas extensas ou
dispondo pórticos periféricos (a sala hipetra); (3) uma sala grande com colunas, coberta
(a sala hipostila); (4) uma câmara pequena sagrada, pouco iluminada (o santuário); (5)
um lago sagrado que servia para rituais e como reserva de água potável; e (6) templos
mais pequenos, anexos, dedicados a diversos deuses, como as “casas de nascimento
divino”. Esta disposição arquitectónica enfatiza a divisão social, pois o povo só poderia
chegar aos pilares, os altos funcionários e militares tinham acesso à sala hipetra, a
família real podia entrar na sala hipostila e os sacerdotes e o faraó ao santuário. O
templo também possuía uma
residência para sacerdotes, aulas
para escribas, bibliotecas e arquivos
e despensas reservadas para a
colocação de alimentos e materiais.
Todo o templo era encerrado por
uma muralha periférica que o
protegia. Com a graduação da
luminosidade e a circulação em
espaços amplos e outros mais
Figura 3 - Vivenda egípcia
fechados, conseguia-se um ambiente (meshboxbb.com)

8
apropriado para celebração das cerimónias religiosas.

Por seu lado, a vivenda egípcia era constituída por várias habitações, dispunha de
uma grande sala de estar com colunas e luz zénite, de terraços, adega subterrânea e um
jardim (Figura 4). Muitas vivendas dispunham de pátios interiores de onde provinha a
luz, com todos os quartos dispostos em torno do mesmo, e sem janelas para o exterior,
para assim estar protegidas do calor.

― Arquitectura Mesopotâmica (≈7 a.C.)

Dada a importância da vida terrena, assim como a preocupação pela morte, as


edificações mais representativas eram o templo e o palácio. Como em todas as
sociedades, tinham grande importância as vivendas, urbanas ou não, e os sistemas de
defesa. Os mesopotâmicos construíam sem argamassa, e quando o edifício já não era
seguro ou não cumpria a sua tarefa, deitava-se abaixo e voltava-se a construir no mesmo
lugar. Ao longo dos milénios esta prática propiciou que as cidades mesopotâmicas se
desenvolvessem em suaves colinas sobre o território que as circundava.

O templo era um centro religioso, económico e político. Eram edifícios de uma


planta, com vários pátios e uma sequência de salas em labirinto ou ordenadas em fila em
volta de um pátio. O palácio era uma construção de grandes dimensões que girava em
volta de cinco pátios. No geral construíam-se em volta de pátios internos e, dependendo
da sua importância, podiam estar entre muralhas. Nestas construções distinguiam-se três
partes: zona real, religiosa e zona para armazenamento e funcionários.

As vivendas eram geralmente compostas por uma planta circular disposta em


torno de um pátio, construídas em adobe com vigas de madeira. A partir da entrada
acedia-se a um vestíbulo que comunicava com o pátio, partilhando o rés-do-chão com
cozinha, arrumos e por vezes uma pequena câmara. No primeiro piso encontravam-se os
quartos e por vezes uma sala maior que fazia de sala de estar. A cobertura era plana e
transitável que era utilizada para secar as colheitas ou para apanhar ar.

IDADE ANTIGA (Antiguidade Clássica) (≈ séc. VIII a.C.)

A arquitectura e o urbanismo praticados pelos gregos e pelos romanos


distinguiam-se claramente da dos egípcios e babilónicos, reflexo da importância
atribuída à vida social. A cidade converte-se no elemento principal da vida política e
9
social destes povos: os gregos desenvolveram-se a partir de cidades-estado e o império
romano surgiu a partir de uma única cidade.

Durante os períodos e civilizações anteriores, os assuntos religiosos possuíam um


papel fundamental na vida terrena. No período greco-romano o mistério religioso
ultrapassou os limites do templo/palácio e passou a ser um assunto dos cidadãos ou da
pólis.1 Surge então a palavra “política”, ligada à ideia de cidade.

Enquanto os povos anteriores desenvolveram apenas as arquitecturas militar,


religiosa e residencial, os gregos e os romanos foram os responsáveis pelo
desenvolvimento de espaços próprios para a manifestação citadina e dos afazeres
quotidianos: a ágora grega definia-se como um espaço livre ao público destinado à
realização de assembleias, rodeado por templos, mercados e edifícios públicos. A ágora
converteu-se no símbolo de uma nova visão do mundo, que incluía o respeito por
interesses comuns e pelo incentivo ao debate entre os cidadãos.

Os assuntos religiosos continuavam a assumir um papel fundamental na vida


terrena, pelo que agora foram incorporados em espaços públicos da pólis. Os espaços
para rituais populares eram realizados em espaços construídos para esse fim, em
especial a acrópolis2. Cada lugar possuía a sua própria natureza. Os templos passaram a
ser construídos em cima das colinas, criando um ponto visual da cidade ao mesmo
tempo que possibilitava um refúgio para a população em tempos de guerra, para estar
mais perto dos céus.

― Arquitectura Grega

A Arquitectura grega estabeleceu as bases para o que seria a arquitectura do


mundo ocidental, durante séculos. A codificação do período arcaico em três ordens
estéticas, o dórico, o jónico e o coríntio, converteu-se numa linguagem comum em todo
o Mediterrâneo. As ordens consistiam num sistema de dimensionamento relativo das
várias partes de um todo, de forma a resultar numa harmonia. A coluna é o elemento
mais importante da cultura arquitectónica grega. A coluna é, não só o elemento
fundamental na definição das características estilísticas da ordem, como também
determina o módulo segundo o qual se constrói todo o sistema normalizado de
proporções do edifício e que constitui a sua essência.

1
Pólis ou cidades-estado, referem-se a várias regiões que são governadas por apenas uma cidade.
2
A acropolis ou acrópole, é a parte mais elevada das cidades gregas e que constituía a cidadela: recinto protegido por
muralhas onde se situavam os principais edifícios sagrados.
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Este foi o princípio no qual assentou a criação das ordens: a formulação de um
sistema normalizado de construção baseado num traçado geométrico que regulava as
dimensões de todos os elementos que compõem o edifício e as relações entre eles, ou
seja, uma regra que estabelecia a relação proporcional das partes entre si e das partes
com o todo. A natureza destas relações resulta do princípio de harmonia, que mais tarde
se veio a converter num ideal de beleza.

Os materiais normalmente utilizados na arquitectura grega foram a madeira, para


suporte e tectos, o tijolo cru para as paredes, principalmente das casas, o calcário e o
mármore para as colunas, muros e para as partes mais altas dos templos e edifícios
públicos, e o bronze para elementos decorativos. Estes materiais eram utilizados mais
para os edifícios religiosos, cívicos, domésticos, funerários e recreativos enquanto que
as edificações de menor importância eram construídas em adobe.

No entanto, é de referir que o


aspecto geral dos edifícios era diferente
do que vemos hoje em dia. Os edifícios
eram pintados de cores brilhantes, tons
de vermelho ou tons de azul, de maneira
a que chamassem a atenção não só pela
estrutura, mas também pela policromia.

Quanto à edificação, o templo


grego normalmente de planta rectangular, Figura 6 - Templo períptero grego

servia como um depositário de tesouros


associados ao culto dos deuses (Figura
5). O templo compreendia três espaços:
(1) a cella ou naos, o habitáculo da
divindade; (2) o pronaos, um pórtico
que precedia a cella; e (3) o opisthomos,
com a função de câmara do tesouro. O
templo é, acima de tudo, um objecto
arquitectónico para ser contemplado do
seu exterior, pelo que, podemos dizer
Figura 5 - Partenón, de Ictinos e Calícrates,
que tem um sentido escultórico. Para Acrópole de Atenas, c.447-432 a.C.

muitos autores, o Partenón é conside-

11
rado uma obra invulgar que expressa o ideal de beleza dos gregos, pois o seu aspecto
resulta de um sistema de proporções da Secção de Ouro3 (Figura 6).

Uma das criações artísticas que mais facilmente identificamos como pertencente à
cultura grega é o teatro. Este era usado tanto para reuniões públicas como para
espectáculos ao vivo, normalmente ligados a cerimónias religiosas. Geralmente, os
teatros compreendiam três componentes: (1) a bancada, um recinto circular com cerca
de ¾ de círculo, construída numa encosta de uma colina de forma a aproveitar o declive
natural; (2) a cena, lugar onde decorre a acção dos interpretes; e (3) a orquestra, situada
entre a cena e o público, destinado ao coro ou actos rituais dionisíacos.

Quanto a espaços considerados de utilidade pública, podemos referenciar: (1) as


ágoras ou praças públicas rodeadas de pórticos e obras artísticas para reuniões civis,
mercados e assembleias; (2) ginásios, palestras e edifícios para escolas, também com
pátios e pórticos, onde se praticavam exercícios e concursos; e (3) os estádios, com
arquibancada recta e semicircular numa ponta, estavam destinados a espectáculos de
carácter desportivo. O estádio grego mais antigo encontra-se em Olimpia.

Quanto aos edifícios unifamiliares, as aglomerações urbanas das cidades-estado,


não seguiam nenhum plano específico. As ruas eram estreitas e tortuosas, com os
edifícios apertados uns contra os outros. As casas eram habitações pequenas distribuídas
num rectângulo em redor de um pátio interior e colunas. No entanto, as casas do período
helenístico4 tinham mais diversidade. Os edifícios dos mais ricos apresentavam
patamares, colunas e entradas de mármore, os chãos com mosaico representando cenas
humanas ou animais e paredes rebocadas para parecer pedra.

― Arquitectura Romana

A Arquitectura Romana, caracterizada por edifícios grandiosos e sólidos, é um


dos testemunhos mais significativos da civilização romana, que ainda perdura nos
nossos dias. Os romanos aprenderam diferentes tipologias que foram modificadas ou
adaptadas às suas próprias necessidades, através do desenvolvimento de novas técnicas,
entre as quais o domus5, o templo, o teatro e os monumentos funerários (Figura 7).

3
A Secção de Ouro é um sistema de proporções utilizado na Antiguidade, originado no conceito de Pitágoras de que
o universo podia ser explicado através de números. Esta Secção de Ouro foi ainda utilizada pelos arquitectos no
Renascimento e também foi por Le Corbusier para elaborar o “Modulor”.
4
O período helenístico foi um período compreendido entre a morte de Alexandre (O Grande) que se caracterizou
pela difusão da cultura grega aos territórios que conquistava. É exemplo disso a cidade de Alexandria no Egipto.
5
O domus, ou casa de peristilo, é assim chamada por organizar os seus espaços em torno de um átrio/peristilo,
porticado e ajardinado, que é o centro da casa.
12
Também construíram: (1) basílicas, palácios
de justiça, de planta rectangular com pronaos
ou pórtico; (2) “arcos de triunfo”, construídos
em honra de algum vencedor glorioso; (3)
termas, ou edifícios de banhos para serviço
público; (4) anfiteatros, de planta circular ou
elíptica, para luta de gladiadores, matança de
feras e corridas de bigas6; (5) circos, que
serviam para as corridas de carros como os
hipódromos gregos; (6) naumaquias, para
representar combates navais, realizados por
Figura 7 - Dómus romana
vezes nos mesmos anfiteatros onde
decorriam as lutas dos gladiadores; (7)
pontes e aquedutos; e (8) calçadas.

Os templos eram dispostos de maneira similar à dos gregos, embora tenham


reduzido o número de colunas exteriores ou substituindo por pilastras, abobadando as
naves sem se notar pelo exterior. Por vezes os sepulcros eram compostos por uma
simples lápide, outras vezes por grandes mausoléus. A arquitectura funerária atingiu
uma importante dimensão na arquitectura romana, pela sua diversidade formal. A casa
romana era de planta mais ou menos rectangular, e tinha um pátio no centro, atrium, que
servia para a entrada de luz e ventilação na casa. As casas eram de propriedade comum
e os telhados confluíam as águas das chuvas para o átrio, onde se situava um
reservatório para armazenar essa mesma água. O local principal da casa era o tablinium,
onde se guardavam os arquivos familiares e os deuses da família que, no geral, se
situava em frente à entrada, mas com o eixo de entrada desviado para que não se
pudesse ver da rua. Mais tarde, por influência grega, abriu-se na parte posterior da casa
outro átrio rodeado de colunas, o peristilo7.

Augusto8 conferiu a Roma a grandiosidade, a monumentalidade e o prestígio que


fazia da cidade a capital de um imenso império. A febre da construção de templos,

6
As bigas são os carros de duas rodas, movido por dois cavalos, e eram usados como carros de combate.
7
Pátio rodeado de colunas com tanque central, repuxos ou jogos de água, por vezes ajardinado.
8
Augusto (63 a.C.-14 d.C.) foi o primeiro imperador romano. Foi responsável pela implementação de um programa
de organização do território, urbanização e monumentalização: a pax romana.
13
monumentos, pontes, estradas, aquedutos, edifícios púbicos, fóruns9 e infra-estruturas
que se estendeu por todo o império, criou uma dinâmica de desenvolvimento que
nenhuma civilização havia conseguido até à altura. O sistema urbanístico utilizado, de
divisão da cidade em zonas e bairros, não só facilitava a administração da cidade como
também o sistema de circulações.

IDADE MÉDIA (≈ 476 d.C.)

Os principais feitos que influenciaram a produção arquitectónica medieval foram


a rarefacção da vida nas cidades e a hegemonia da Igreja Católica. À medida que o
poder secular se submetia ao poder papal, passava a ser a igreja que trazia o capital
necessário para o desenvolvimento das grandes obras arquitectónicas. Durante este
período desenvolveu-se principalmente a construção de catedrais, sendo o conhecimento
arquitectónico controlado por corporações de ofício10 e artesãos.

Durante praticamente todo o período medieval, a figura do arquitecto, como


criador solitário do espaço arquitectónico e da construção, não existe. A construção das
catedrais é acompanhada por toda a população e insere-se na vida da comunidade e em
todo o ser redor. O conhecimento é guardado pelas corporações de ofício, que reuniam
dezenas de mestres e artesãos que conduziam a execução das obras que haviam
elaborado. É a origem das associações que ficaram conhecidas como maçonaria.

A Cristianismo definiu uma nova visão do mundo, que não só submetia os desejos
humanos a desígnios divinos, mas também esperava que o indivíduo buscasse o divino.
Num primeiro momento, e devido a limitações técnicas, a concepção do espaço
arquitectónico dos templos era voltado para dentro, convidando à reflexão. Mais tarde,
com o desenvolvimento da arquitectura gótica, buscou-se alcançar os céus através da
projecção de edifícios em altura.

Como exemplos paradigmáticos deste período, podem-se referenciar a


Arquitectura Islâmica e a Arquitectura Gótica.

9
O fórum era o centro vital da cidade romana, lugar de comércio, culto, administração e justiça, dinamizando toda a
vida urbana.
10
As corporações de ofício eram constituídas por um conjunto de associações de pessoas em que cada grupo
desenvolvia determinada actividade profissional.
14
― Arquitectura Islâmica

A arquitectura islâmica teve influência


de inúmeros estilos arquitectónicos. Um dos
mais notados é formado a partir dos modelos,
romano, egípcio, persa e bizantino. A cidade
islâmica adoptou o que ainda vemos hoje em
dia: (1) um núcleo central, onde se situavam
os edifícios religiosos e políticos; (2) a
residência do califa (chefe), ou seja a
mesquita principal; e (3) os espaços
comerciais. À volta da cidade dispunham-se
os bairros habitacionais separados do núcleo
central por muralhas que fechavam durante a
noite. As ruas não têm o mesmo significado Figura 8 - Casa islâmica
(Schoenauer, 1984)
que conhecemos na nossa cultura. Elas são
estreitas, sinuosas e labirínticas, muitas vezes sem saída, pois têm um carácter semi-
privado para proteger a intimidade familiar que constitui um dos traços mais
particulares da cultura islâmica. A casa muçulmana está voltada para dentro, isto é,
rompendo o mínimo de aberturas para a rua, organizando todos os compartimentos em
volta de um pátio interior (Figura 8).

― Arquitectura Gótica

O termo “gótico” surgiu no Renascimento italiano para designar a arte medieval.


O gótico marcou o nascimento de uma nova concepção do homem, do mundo e de
Deus. A arquitectura caracteriza-se pela inovação das técnicas e processos construtivos:
a abóbada de ogivas, o arco quebrado, os arcobotantes, definindo um novo conceito de
espaço e luz. A abóbada ogival gótica contrapôs uma elasticidade própria, sendo
formada por arcos soltos sobre os quais assenta o casco (enchimento) da abóbada em
alvenaria, tijolo e cantaria. Este esqueleto estrutural permite elevar as construções,
privilegiar a sua verticalidade e conferir novas qualidades plásticas ao espaço interior.

Na arquitectura dá-se grande importância aos vitrais que, ao filtrar e colorir a luz,
desmaterializam a arquitectura e convertem o seu interior num espaço mágico,
sobrenatural, metafísico, totalmente diferente de qualquer outro que recebe directamente
a luz do sol. Era objectivo reduzir ao mínimo a superfície da parede.
15
Se bem que as catedrais sejam a
construção mais característica do Gótico,
também o meio urbano se desenvolveu
(Figura 9). Organizando-se em volta da
praça do mercado, câmara municipal e
catedral, a cidade proporcionava o aumento
da indústria, do comércio e do artesanato.
Todas as cidades góticas tinham em
comum esse símbolo de orgulho dos
habitantes e a imagem de poder e de
riqueza. A preocupação básica da vida Figura 9 - Catedral de Chartres, França
(James Martin)
terrena era assegurar um lugar no céu,
assim, toda a morfologia urbana era baseada em linhas verticais dirigidas para o céu.
Mesmo no centro da cidade, onde se encontravam as praças, elevava-se uma torre
quadrada, cuja altura devia rivalizar com a das catedrais.

IDADE MODERNA (≈ 1453)

Com o fim da Idade Média, a estrutura de poder europeia modifica-se


radicalmente. Começam a surgir os estados-nação, ou seja, um território delimitado
composto por um governo e população já estabilizada. O Renascimento abriu a Idade
Moderna, arrasando a estética e a cultura medieval, propondo uma nova posição do
homem diante do universo: o antropocentrismo11 frente ao teocentrismo12 medieval.
Antigos tratados arquitectónicos romanos são descobertos por novos arquitectos,
influenciando profundamente a nova arquitectura. A relativa liberdade de investigação
científica que se obteve levou a um avanço das técnicas construtivas, permitindo novas
experiências e a concepção de novos espaços. Algumas regiões italianas, em especial
Florença, devido ao controlo das rotas comerciais que levavam a Constantinopla,
convertem-se em grandes potências mundiais e, é aí que se desenvolvem as condições
para a criação da arte renascentista.

11
Teoria segundo a qual o Homem é o centro de tudo.
12
Teoria segundo a qual Deus é o centro do universo.
16
― Renascimento

Foi nos conceitos vitruvianos de “ordem, disposição, euritmia, proporção,


conveniência e distribuição” que assentaram as bases do programa arquitectónico
renascentista, os quais foram sistematizados por Leon Battista Alberti. Alberti não só
traduziu o pensamento de Vitrúvio contribuindo para uma nova conjuntura cultural,
como afirma a arquitectura como a disciplina de bases racionais e científicas. Assim, é
no Renascimento que a arquitectura ganha uma vertente mais teórica.

De um novo enquadra-
mento do homem no mundo,
decorreu uma nova concepção
do universo. Para os renascen-
tistas, o Homem continuava a
ser uma obra de Deus. O artista Figura 10 - Perspectiva linear
renascentista submeteu o sen-
sorial ao racional, daqui resultando uma
necessidade de traduzir o mundo tal como era
percepcionado pelos olhos. Brunelleschi aplicou
a perspectiva linear o que possibilitou a
representação do espaço de um modo rigoroso e
racional (Figura 10). Aberti13 refere que o belo
na arquitectura atinge-se através da geometria
dos traçados, cuja perfeição é uma questão de
harmonia e proporção entre as partes que
compõem um todo. O quadrado e o círculo são
as figuras geométricas que representam a
perfeição (Figura 11). Numa construção
Figura 11 - O Homem de Vitrúvio,
profundamente romana, a arquitec-tura clássica Leonardo da Vinci

obedecia a um sistema de proporções fixas que


estabelecia as dimensões de todos e cada um dos elementos que a compunham, ou seja,
determinada por uma ordem. O ideal de perfeição era transmitido através da
simplicidade estrutural, o rigor, a perfeição da utilização das ordens arquitectónicas e o
harmonioso sistema de proporções do conjunto. Um jogo de volumes espaciais
buscando a forma ideal.
13
Alberti, L. (1452). De Re Aedificatoria – primeiro tratado de arquitectura a ser impresso.
17
IDADE CONTEMPORÂNEA (≈ 1789)

A arquitectura que surge com a Idade Contemporânea reflecte os avanços


tecnológicos e os paradoxos socioculturais gerados pela Revolução Industrial e pelo
desenvolvimento de novos materiais como o aço e o vidro. As cidades passam a crescer
de um modo desconhecido anteriormente e as novas questões sociais relativas ao
controlo do espaço urbano devem ser respondidas pelo Estado, o que acabaria por levar
ao surgimento do urbanismo como disciplina académica. O papel da arquitectura e do
arquitecto é constantemente questionado pois, segundo alguns críticos, há uma crise
arquitectónica que engloba todo o século XIX, que só seria resolvida com a chegada da
arquitectura moderna.

Todo o século XIX assistiu a uma série de crises


estéticas que se traduzem nos movimentos chamados
historicistas. Ou seja, os arquitectos deste período
vêem na cópia da arquitectura do passado e no estudo
dos seus cânones e tratados, uma linguagem legítima
de estética. Um dos primeiros movimentos foi o
Neoclassicismo, e mais tarde surge a arquitectura
Neogótica inglesa, profundamente associada aos ideais
românticos nacionalistas. Toda esta mistura de fontes Figura 12 - Lâmpada Hawthorn,
William Morris
do passado foi denominada de Ecletismo.

A primeira tentativa de resposta à questão levantada pelas crises estéticas deu-se


com o pensamento dos românticos John Ruskin e William Morris, aspirantes de um
movimento estético que foi conhecido pelo nome de Arts & Crafts (Figura 12). O
movimento promulgou a investigação formal aplicada a novas possibilidades
industriais, vendo no artesanato uma figura a
destacar. Para eles, o artesanato, não deveria
submeter-se à razão da indústria, nem
depender da mecanização e da produção em
massa, mas tornar-se seu agente
transformador, o seu elemento principal de
produção. Com a contestação dos seus ideais
e a dispersão dos seus defensores, as ideias do
Figura 13 - Casa Milá, Gaudi,
movimento evoluíram. Surgiu então, na Barcelona, 1905

18
França, a Art Nouveau. Uma arte que se destaca pelas formas orgânicas. Gaudí é um dos
mais reconhecidos artistas dentro deste estilo, sendo as suas obras caracterizadas pelas
linhas curvas e irregulares e a utilização de mosaicos e ladrilhos na decoração dos seus
edifícios (Figura 13).

SÉCULO XX – ARQUITECTURA “MODERNA” E “CONTEMPORÂNEA”

Depois das primeiras décadas do século XX, havia já uma clara distinção entre os
arquitectos que estavam mais próximos das vanguardas artísticas em curso na Europa e
aqueles que praticavam uma arquitectura mais ligada à tradição, ou seja com
características historicistas. A renovação estética proposta pelas perspectivas
vanguardistas, especialmente o cubismo, o neoplasticismo, o construtivismo e a
abstracção no campo das artes, abriu caminho para uma aceitação mais natural de
propostas de novos conceitos arquitectónicos. Estas propostas baseiam-se na crença de
uma sociedade marcada pela indústria, na qual a máquina surge como elemento
absolutamente integrado na vida humana.

De uma forma geral, as novas teorias


que discutem acerca da arte e do papel do
artista vêem na indústria e na sociedade
industrial como um todo, a manifestação
máxima de todo o trabalho artístico, sendo
este artificial, racional, preciso, numa
palavra, moderno (Figura 14). A ideia de
modernidade surge como um ideal ligado a
uma nova sociedade composta por Figura 14 - Villa Savoye,
Le Corbusier, França, 1929
indivíduos com um novo tipo de educação
estética, caracterizada por novas relações sociais, uma vez que as desigualdades foram
superadas pela neutralidade da razão (Benevolo, 2001). Este conjunto de ideias vê na
arquitectura a síntese de todas as artes, visto que é ela que define e dá lugar a
acontecimentos da vida quotidiana. Assim sendo, o campo da arquitectura abarca todo o
ambiente habitável, desde os utensílios de uso doméstico até à cidade no seu todo.

A denominada arquitectura moderna é caracterizada por um forte discurso social e


estético de renovação do ambiente da vida do homem contemporâneo. Este ideal está

19
ligado com a fundação e evolução da escola alemã Bauhaus. De lá saíram os principais
nomes desta arquitectura. A busca de uma nova sociedade, naturalmente moderna, era
entendida como universal. Desta maneira, a arquitectura influenciada pela Bauhaus
caracterizou-se como sendo internacional, daí o surgimento da corrente Estilo
Internacional.

Na segunda metade do século XX, a


arquitectura praticada é caracterizada, de forma
geral, como uma reacção às propostas do
movimento moderno. Os arquitectos relêem os
valores modernos e promovem novas concepções
estéticas, enquanto outros implementam projectos
radicalmente novos, como forma de manifestação,
afirmando a sua oposição ao modernismo. As
primeiras reacções negativas ao movimento
moderno surgiram, de uma forma sistémica e
rigorosa, por volta da década de 1970, tendo como Figura 15 - Casa privada,
Zaha Hadid, Moscovo
principais responsáveis Aldo Rossi e Robert
Venturi. A crítica anti-moderna, que num primeiro momento se restringiu a
especulações de ordem teórico-académicas, imediatamente ganhou experiência prática.
Estes primeiros projectos estão ligados, de forma geral, à ideia de revitalização do
referente histórico, colocando para trás os valores anti-históricos do movimento.

Durante a década de 1980 o espaço moderno evoluiu para a sua total


desconstrução, denominada de Desconstrutivismo e, apesar de muito criticada, esta
linha de pensamento estético manteve-se. Na década de 1990 seduziu o grande público e
torna-se, assim, sinónimo de uma arquitectura de vanguarda. Nomes como Rem
Koolhaas, Peter Eisenman e Zaha Hadid estão ligados a este movimento (Figura 15).

Em síntese, a análise de todas as correntes ou movimentos existentes desde os


primórdios até aos dias de hoje, permite-nos afirmar que a arquitectura é a representação
do momento histórico da época, uma reprodução fiel da verdadeira produção
arquitectónica quotidiana, vivida em todo o mundo. Cada povo de determinada época
evocava o que para si fosse mais importante: para uns a sobrevivência e abrigo, para
outros o divino e a transcendência, e para outros a sociedade urbana. Mas em todos se
encontra um denominador comum: o homem no espaço arquitectónico. Todos nós

20
habitámos um lugar, porque esse espaço é um universo único, seja para habitar,
socializar ou apenas estar.

Da análise das correntes do período contemporâneo, concluímos que, por vezes,


dá-se determinada importância a certos elementos e não a um todo, não havendo um
equilíbrio e uma unidade. Alguns arquitectos evocam apenas a função, não dando ênfase
a outros aspectos como a estética, o local da sua implantação, criando assim uma
espécie de produção em série sem a atribuição de qualquer tipo de importância pelas
pessoas que vão utilizar esse espaço. Outros, adeptos da corrente vanguardista, criam
“esculturas” por vezes vistosas e até interessantes, sendo que o espaço interior é muitas
vezes moldado pelo limite exterior, descartando qualquer organização lógica desse
espaço, o que poderá ter consequências negativas para o utilizado: por vezes o utilizador
pode não conseguir aguentar a vivência diária, não se sentir bem, sentir-se confuso ou
até com algum desconforto. Consideramos que cabe ao arquitecto tentar conjugar todos
estes aspectos e tentar criar um ambiente arquitectónico que se adeqúe às funções e
expectativas de quem o vai utilizar, uma unidade entre as expectativas do utilizador e a
obra.

Assim, propomos uma nova concepção de espaço arquitectónico que não cumpra
apenas conceitos abstractos de estética ou funcionalidade mas que também procure ser
um objecto artístico que transmita, que remeta, que crie, ao mesmo tempo dando
resposta às necessidades do ser humano. É, portanto, importante conhecer como a mente
humana actua em termos motivacionais e emocionais para, assim, identificar os factores
que constituem estímulos a que o ser humano responde.

21
3. PERCEPÇÃO DO AMBIENTE

Segundo Bruno Zevi (2000), o espaço arquitectónico experiencia-se como uma


extensão tridimensional do mundo que nos rodeia, formado por intervalos, relações e
distâncias entre pessoas, entre pessoas e coisas, e entre coisas.

Tal como há diversas formas de perceber, compreender e classificar o mundo


existente, são produzidas também várias interpretações do meio ambiente. A percepção
do ambiente consiste no estudo do conjunto de atitudes, motivações e valores que
influem nos distintos grupos sociais no momento de dar significado ao meio ambiente, o
qual, não somente afecta o seu conhecimento, como também o seu comportamento
dentro deste. Assim, o processo de percepção de determinado meio ambiente
construído, pode levar a comportamentos, expectativas e significados distintos
(Rapoport, 1980).

Mas, afinal, como é que os humanos percebem o espaço? Susana Vilaça (2008)
refere que percebemos o espaço da mesma maneira que percebemos as outras coisas, ou
seja, através dos sentidos. A informação recebida através dos sentidos são em seguida
processadas no cérebro e, com base no tipo de receptores sensoriais estimulados, David
Mark (1993) propõe a seguinte taxonomia do espaço:

― Espaços hápticos (espaços definidos pelo contacto e interacção do corpo)


― Espaços pictóricos (espaços percebidos através de experiências visuais)
― Espaços transperceptuais (espaços apreendidos através da procura e
experiência)

Estes espaços seriam organizados hierarquicamente pela ordem descrita acima,


sendo que cada um era formado através dos conceitos dos outros. Também importante
para a cognição14 espacial humana é a transformação dos dados recebidos em
informação e o contexto em que isso ocorre. De acordo com o The National Academies
Press, existem três contextos em que essa transformação ocorre:

― Espaços do dia-a-dia, que envolvem o pensamento no mundo em que vivemos;


― Espaços físicos, que envolvem o pensamento no modo como o mundo
funciona;

14
Entende-se por cognição o conjunto de processos mentais que levam à aquisição de conhecimentos.
22
― Espaços intelectuais, que envolvem o pensamento abstracto.

Depois de percebida e transformada, a informação espacial necessita de ser


processada. Esta fase é chamada de pensamento espacial. O pensamento espacial ajuda-
nos a entender a estrutura e a função. A estrutura proporciona uma descrição de como
algo é organizado, como por exemplo, sermos capazes de reconhecer a organização de
objectos no espaço. A função permite-nos descrever como e o porquê de algo funcionar,
por exemplo, sermos capazes de perceber e explicar porque algo muda com o tempo e o
porquê disso acontecer.

Segundo Castelnou (2004), pode-se identificar três níveis de percepção ambiental,


os quais podem ser compreendidos como fases consecutivas de um mesmo processo:

― Captação sensorial do meio


― Cognição ambiental
― Avaliação ambiental

Entende-se por captação sensorial do meio a recepção física através dos sentidos,
ou seja, a sensação, que é mais ou menos idêntica entre as pessoas, e é necessária à
sobrevivência do ser humano. Os espaços arquitectónicos são presenciados e percebidos
a partir dos sentidos humanos: visual, auditivo, táctil, cinestésico, gustativo e olfactivo.
O sentido visual é um sentido dominante nos seres humanos, pois proporciona mais
informação que os outros sentidos, apoiando-se na percepção de distância,
profundidade, cor, contraste, tamanho, etc. Toda a informação recebida através deste
sentido é processada ao nível cerebral. O sentido auditivo é um sentido transitório,
muito mais fluído e passivo que a visão. O espaço acústico não tem limites. Ou seja, se
não quisermos ver, fechamos os olhos, não sendo possível fazer o mesmo quanto aos
nossos ouvidos. O sentido táctil é o sentido através do qual se percebe a textura, cuja
experiência se faz através das mãos e pés. A percepção táctil de duro/macio, liso/rugoso,
etc., compõe todo o ambiente. O sentido cinestésico é o sentido que comtempla as
sensações de deslocamento e mudança de posição, relacionada com as variações de
escala, forma, direcção, sentido, etc. O sentido gustativo é o sentido do gosto, que
permite sentir, juntamente com o olfacto, os quatro sabores (doce, salgado, ácido e
amargo). O sentido olfactivo é um sentido imediato, emotivo e primitivo, podendo ser
mais ambíguo que exacto. Tem um papel essencial na recordação de locais,
enriquecendo o sentido de lugar. Da atribuição de significado às diversas sensações
recebidas por todos os sistemas sensoriais, resulta um conhecimento do espaço que se
23
adquire e modifica a partir das experiências sob o mesmo. Assim podemos dizer que a
cognição ambiental diz respeito à compreensão e ao conhecimento, tratando da
descrição de como as pessoas estruturam, apreendem e conhecem o seu meio, através de
formas como esquemas, noções, etc., que variam com a cultura. Por exemplo,
reconhece-se um local como “bar” pela noção que possuímos de bar. É um processo
mais abstracto e variável. A avaliação ambiental está ligada às preferências, baseando-
se na definição de valores em relação ao ambiente, às qualidades do meio e à
imaginação “idealizada” do meio ambiente. É um processo muito subjectivo e variável,
pois cada grupo social tem a sua imagem do que é um ambiente de qualidade. Por
exemplo em relação a preferências de cor, forma, privacidade, segurança, etc.

De um modo geral, pode-se dizer que as pessoas analisam os estímulos ambientais


graças a esquemas cognitivos que contêm informação diferenciada pois assenta nas suas
experiências prévias, nos níveis de adaptabilidade conseguidos e na cultura em que
estão inseridas. As pessoas reagem diante do meio, em primeiro lugar, de maneira
global e emocional, e depois, analisam-no mais detalhadamente. Ou seja, qualquer
espaço arquitectónico proporciona antes de mais nada, um fundo emocional a partir do
qual se seleccionam imagens que se associarão com ele (Castelnou, 2004).

Por seu lado, Daniel Serrano (2000) refere que a percepção é o processo de
descodificar os estímulos que recebemos do meio. “O processo perceptivo inicia-se com
a captação, através dos órgãos dos sentidos, de um estímulo que, em seguida, é enviada
ao cérebro15”. Este processo inicia-se com a sensação, mecanismo fisiológico através do
qual os órgãos sensoriais registam os estímulos externos e efectuam a transdução de
energia física em energia nervosa, que de seguida é interpretada na área cerebral
respectiva, permitindo dar um significado a esses mesmos estímulos.

Em suma, a percepção é um dos processos cognitivos que intervém no modo


como o ser humano se relaciona com o espaço arquitectónico.

3.1. A MOTIVAÇÃO

A concepção mais antiga e mais partilhada pelo senso comum é a de que o ser
humano é um ser racional. As opções, as decisões e a sua acção seriam orientadas pelo

15
Ver: Serrano, D. (2000, 8 de Setembro). Percepção. In: http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/07/percepo-o-
processo-de-decodificar-os.html.
24
pensamento. Se reflectirmos sobre alguns
dos nossos comportamentos, será mais fácil
compreender o conceito de motivação:
comemos, bebemos, dormimos, etc. Estes e
outros comportamentos têm origem numa
força interna que predispõe as pessoas a
desenvolver uma acção com vista a um
objectivo: um alimento, uma bebida.
Podemos, então, utilizar o termo para
designar um conjunto de forças internas que
Figura 16 – Tipos de comportamentos
mobilizam e orientam a acção do organismo (adaptado de Lawson, 2001)

em direcção a determinados objectivos como


resposta a um estado de necessidade, carência ou desequilíbrio (Monteiro e Santos,
2003b).

É através da experiência da necessidade que se origina o impulso. Este é um


processo interno que incita a pessoa à acção, isto é, ao conjunto de comportamentos que
permitem atingir um objectivo. O impulso termina quando o objectivo é alcançado.
Com a satisfação da necessidade o motivo deixa de orientar o comportamento. Segundo
Lawson (2001), as motivações desempenham um papel fundamental no comportamento
humano. Este autor categoriza o comportamento como sendo consciente ou
inconsciente, assim como controlável ou incontrolável (Figura 16). Comportamentos
que são inconscientes e incontroláveis podem ser chamados de instintivos, por exemplo
piscar os olhos ou virar a cabeça quando vemos movimento. Do lado oposto,
comportamentos que são conscientes e controláveis podem ser chamados de cognitivos,
onde se inclui a inteligência. Conscientes mas incontroláveis podem ser chamados de
conotativos16, onde se encontram as emoções. Comportamentos inconscientes mas
controláveis, acções como o andar, nadar, conduzir um carro, estão incluídos nesse tipo
de comportamentos.

Outra perspectiva que permite explicar o que leva o ser humano a agir, é a teoria
da hierarquia das necessidades de Maslow. Segundo Maslow (1968), as necessidades
humanas estariam organizadas numa hierarquia, representadas numa pirâmide, em que
na base estariam as necessidades fisiológicas e, no cume, as necessidades mais elevadas,

16
Poderemos chamar de conotativo ao significado para além do sentido literal de um conceito. Ou seja, muitas vezes
um conceito é entendido dependendo do contexto em que está inserido.
25
que seriam as de auto-realização (Figura 17). Após satisfeitas as necessidades básicas, o
indivíduo ascenderia a outras mais complexas e, se no decurso da sua existência não
houvesse obstáculos, progrediria até ao topo.

Figura 17 - Pirâmide da hierarquia das necessidades de Maslow

São consideradas necessidades fisiológicas, a fome, a sede, o sono, o evitamento


da dor, o desejo sexual. É a satisfação destas necessidades que domina o
comportamento do ser humano. Assim, as necessidades de segurança só surgem se estas
estiverem satisfeitas. As necessidades de segurança manifestam-se na procura de
protecção relativamente ao meio, assim como na busca de uma ambiente estável e
ordenado. O perigo físico provoca insegurança e ansiedade dominando o
comportamento do indivíduo. Uma pessoa com medo prescinde da relação com os
outros. Os motivos da estima surgem só quando a pessoa se sente segura. As
necessidades de afecto e pertença manifestam o desejo de associação, participação e
aceitação por parte dos outros. Nos grupos a que pertence, o indivíduo procura o afecto
e aprovação. As necessidades de estima, segundo Maslow, assumem duas expressões: o
desejo de realização e competência e o estatuto e desejo de reconhecimento, ou seja, as
pessoas desejam ser competentes, desenvolver actividades com sucesso e ser
reconhecidas através de mérito pessoal. A satisfação da necessidade de estima,
desenvolve no indivíduo sentimentos de auto-confiança e a frustração gera sentimentos
de inferioridade. Quanto às necessidades de auto-realização se, no decorrer do percurso
que vai da base ao topo, todas as necessidades estiverem satisfeitas, a necessidade de
auto-satisfação manifestar-se-á, ou seja, a necessidade de realização do potencial de

26
cada um, a concretização das capacidades pessoais será manifestada. Um facto a ter em
conta é que as necessidades não desaparecem somente porque foram satisfeitas
(Monteiro e Santos, 2003b). Posteriormente Maslow acrescentou as necessidade
cognitivas, ou de conhecimento (compreender, explicar, satisfazer curiosidades,
entender o misterioso) e as necessidades estéticas (ordem, simetria, beleza), antes das
necessidades de auto-realização.

O conjunto de necessidades que acabámos de enunciar contribui para


compreender o comportamento do indivíduo, na medida em que ele age e interage para
satisfazer ou preencher essa necessidade. Este agir e interagir para satisfazer uma
necessidade, parece-nos também acontecer em relação ao espaço arquitectónico.

Assim, em arquitectura,
podemos propor uma pirâmide
semelhante, onde poderemos
hierarquizar o que seriam as
nossas necessidades espaciais
(Figura 18). Essa pirâmide seria
composta por duas partes: a
consciente, onde estariam todas
as necessidades básicas, que os

arquitectos procuram satisfazer Figura 18 - Pirâmide de hierarquia das


necessidades em Arquitectura
propositadamente, e a não cons-
ciente, onde estariam aquelas necessidades sobre as quais, muitas vezes não temos
controlo nem noção das mesmas. Esta divisão da pirâmide pode ser unificada se
tivermos em conta todas estas necessidades pois, nos dias de hoje, apenas se projecta a
parte “consciente” da pirâmide.

Quando falamos em necessidade espacial referimo-nos às necessidades que se


esperam que o espaço arquitectónico satisfaça. A maior parte de nós detesta estar
aborrecido, e quer de algum modo diversão ou entretenimento. Podemos ver isso como
uma necessidade de estimulação, e esperamos que esse espaço, que nos envolve, o
promova. No geral tendemos a evitar altos níveis de incerteza e mudança, pretendendo
um nível de estabilidade e estrutura nas nossas vidas. Podemos ver isso como uma
necessidade de segurança, pelo que são requeridos espaços que nos proporcionem essa
mesma segurança. Muitos de nós sentem um desejo forte de voltar ao sítio a que

27
pertence, uma necessidade enorme de voltar às raízes das suas vidas. Também
poderemos encarar isso como uma necessidade de identidade e de pertença, ou seja,
uma necessidade de pertencer a um local. Robert Ardrey (1967), citado por Lawson
(2001), foi o primeiro a apontar que não só temos estas três necessidades espaciais de
estimulação, segurança e identidade, mas também que isso pode ajudar a explicar as
razões para o comportamento territorial.

Como referido, nos dias que correm, arquitectos e clientes apenas se limitam a
traçar ideias para a base da pirâmide. A segurança e protecção, como é óbvio estariam
em primeiro lugar. Todas as pessoas pretendem que os espaços que idealizam sejam
espaços seguros, que possam ser habitados/utilizados sem receio, quer sejam espaços
privados ou públicos. Todos nós temos uma necessidade fundamental por um nível de
estabilidade, continuidade e previsibilidade nas nossas vidas. Poderá ser excitante não
ter essa estabilidade, mas uma vida de constante imprevisibilidade poderá ser stressante.
Por um lado é excitante porque pode representar progresso ou uma nova fase da vida.
Por outro lado não temos bem a certeza como nos comportarmos nesse novo contexto e
a incerteza pode gerar insegurança e, consequentemente, desconforto ou mal-estar.
Como já vimos no capítulo anterior, desde os primórdios da humanidade, havia a
necessidade de nos abrigarmos contra os animais selvagens e o tempo, em outros casos,
de nos defendermos contra outros povos, daí construírem-se castelos, fortalezas,
abrigos, para que nos sentíssemos mais seguros. Durante a época greco-romana o
urbanismo era limitado à construção de moradias em lugares defensivos e próximos a
fontes de água para abastecimento. Durante o séc. XIII, as cidades já proporcionavam
protecção contra os invasores. A inclusão de regras ou normas nesses povos trouxe
alguma estabilidade da vida do ser humano. As normas sociais regulam o
comportamento, o vestuário, formas de linguagem e até, em alguns casos, definem
inteiramente aspectos locais. Estas normas dão segurança às pessoas de um grupo,
permitindo que estas se comportem de um modo regular, sem medo que o seu
comportamento seja inapropriado em relação aos seus vizinhos, colegas ou amigos
(Lawson, 2001).

O segundo nível da hierarquia diz respeito à funcionalidade. Crê-se que, quando


uma pessoa quer que se projecte algo, esse espaço deva desempenhar certa função, seja
ela uma casa, uma galeria, um museu, um centro de artes e exposições, etc. É a
funcionalidade que dá um propósito ao que foi construído. Se um espaço não conseguir

28
desempenhar a função para que foi concebido, pode levar a que as pessoas se sintam
desconfortáveis ou até confusas.

Só depois de satisfeita esta necessidade se passaria ao conforto e identidade.


Qualquer pessoa idealiza o espaço à sua maneira, relacionado com os seus modos de
vida, com o seu dia-a-dia. Sendo esse espaço idealizado, ele se sentirá seguro.
Claramente, um dos papéis fundamentais do espaço é criar mecanismos que nos
facilitem o nosso movimento nesse mesmo espaço. A primeira, ou uma das primeiras
acções do homem nómada para se tornar sedentário, foi a busca de uma moradia fixa. A
busca por um espaço seu, onde pudesse criar a sua família, cultivar os seus próprios
alimentos e criar os seus próprios animais. Isso deu ao homem a característica de ser o
único animal capaz de modificar a paisagem onde vive. Cada modificação que o homem
faz no seu espaço é uma tentativa de moldá-lo aos seus desejos, às suas necessidades,
criando algo à sua imagem. É muito comum reconhecermos cidades pelo tipo de
habitações ou pelos detalhes culturais que transparecem na arquitectura. Entretanto essa
identificação não ocorre apenas no colectivo das cidades, mas ocorre principalmente na
individualidade, ou seja, na própria residência (Silva, 2007). Desmond Morris (1969)
afirma que uma das mais importantes características que uma casa poderá ter é a
capacidade de se distinguir, de alguma forma, de todas as outras. A sua localização é
única, mas não é suficiente. A sua forma e a aparência geral devem ressaltar como uma
entidade, e só assim se torna uma propriedade personalizada da família que lá vive. Isto
é algo que parece bastante óbvio, mas que é frequentemente ignorado. Fabiana Silva
(2007) esclarece que quando um indivíduo se apropria do seu local, ele demarca o seu
território, tornando-o um universo único, que revela quem ele é e como se posiciona
diante desse espaço, que o protege e acolhe. Por esse motivo, quando um cliente vai a
um escritório de arquitectura, ele apenas quer que o arquitecto coloque no papel o seu
sonho. É muito comum, os arquitectos e os clientes se desentenderem-se e não
prosseguirem com os projectos, por considerarem as ideias do cliente um pouco
desapropriadas e ultrapassadas. Deve-se ter em atenção que os arquitectos vão servir
outra pessoa, por isso devem avaliar todas as hipóteses possíveis, não cometendo o erro
de projectar ao seu próprio estilo ou fazendo com que a obra seja apenas mais um
espaço vivencial que será ocupado por pessoas.

29
O topo da pirâmide seria
considerado o elemento em falta,
que deveria ser pensado na
altura em que se está a projectar.
Quando falamos em criação,
falamos dos diferentes tipos de
mensagens que a obra arquitectónica deveria passar, falamos na criação de ambientes
que nos façam lembrar de algo, falamos na criação de estímulos que o espaço deveria
proporcionar ao utilizador. Este é o elemento da base do topo da pirâmide, que ao ser
satisfeita, poderá levar à auto-satisfação. Como já foi referido, normalmente, poucas
pessoas pensam nesse elemento “criação”. Apenas se confinam a projectar algo para
servir algo. Primeiramente o indivíduo percebe o ambiente, identifica-o e, só depois,
consegue dizer se se sente bem ou não. A relação ambiente construído/comportamento
humano é muito forte, por isso é necessário que, antes de o projecto ser concebido, haja
uma leitura do que o cliente idealiza e do que não idealiza, pois o cliente não se
apercebe como poderá fazer do espaço um espaço que transmita algo, que crie, ao
mesmo tempo que cumpre com todas as suas funções.

Quanto às necessidades de
estimulação, Bryan Lawson (2001) afirma
que não estamos concebidos para existir
num espaço neutro, por isso compensamos
ao inventar a nossa mesma estimulação
mental interna, que rapidamente pode sair
fora de controlo. Pessoas sem qualquer
contacto com o exterior, colocadas em
espaços fechados e silenciosos, podem ter Figura 19 - Curva de relação entre estimulação e
performance (adaptado de Lawson, 2001)
consequências bastante dolorosas a nível
psicológico. Pelo contrário, um ambiente com excesso de estímulos parece igualmente
ser perturbante, e pode ser encarado como forma de tortura. Algumas pessoas gostam
simplesmente de uma vida serena, enquanto que outros preferem mais acção. Mas,
mesmo assim, as nossas necessidades mudam, assim como muda o nosso humor e
também a nossa idade. É, no entanto, impossível produzir um ambiente que possa ser
considerar ideal para todos. Lawson elaborou um referencial no qual relaciona os níveis
de estimulação com a nossa performance (Figura 19). Se estivermos inadequadamente

30
estimulados, sentimo-nos aborrecidos e perdemos o interesse no que estamos a fazer.
Um excesso de estimulação pode implicar dificuldade em nos conseguirmos concentrar.
No entanto, existem certos lugares que esperamos que nos providenciem grandes
quantidades de estimulação. Por exemplo, um jardim público ou uma praça, à noite, as
luzes que provêm dos candeeiros ou por vezes do próprio chão proporcionam um outro
ambiente, do qual não nos apercebemos durante o dia. O uso destes pontos de luz torna
a nossa atenção mais selectiva, e à medida que nos movimentamos, estamos
constantemente a descobrir novos locais (Lawson, 2001). Evans e McCoy (1998),
citado por Lawson (2001), afirmam que, no dia-a-dia, as pessoas necessitam de mais
continuidade e previsibilidade, mas também necessitam de um pouco de mistério e
complexidade para manter o interesse no que está à sua volta. Maija Ojala (2007)
considera que a atenção aos detalhes é um aspecto unificador. Por exemplo, o impacto
da atenção, que ultrapassa as nossas necessidades básicas, pode ser enorme. Pode fazer
com que as pessoas se sintam especiais, melhorarem a sua auto-estima e contribuir de
maneiras inesperadas para as coisas que estão a fazer. Em arquitectura podemos
interpretar isto como uma negação das nossas necessidades básicas. O nosso ambiente
deveria estar cheio de surpresas escondidas, coisas que não saltem à vista, e quando
damos por isso, pensamos que já houve alguém que pensara nesse pormenor. É, então,
necessário encontrar o ponto de equilíbrio entre o nível de estimulação em arquitectura
para que as pessoas se sintam confortáveis.

Então, como poderemos proporcionar a criação desses estímulos? Das mais


variadas formas. A escala, a cor, a luz, a cinestesia, entre outros, desempenham um
papel fundamental neste campo.

Todos nós sabemos que os objectos não mudam de tamanho à medida que se
afastam de nós. As pessoas que estão no fim de uma determinada fila não são mais
pequenas das que estão ao nosso lado. Então, embora as imagens mudem, a nossa
percepção não o faz. Do mesmo modo, aprendemos que se algo se vira a nossa frente,
não muda de forma. Estes são truques mentais que tivemos de aprender e que não o
podíamos fazer quando éramos mais novos. Uma criança aprende a reconhecer certos
objectos, mas se estes estiverem colocados de uma forma não usual, esta já não os
consegue identificar. O tamanho, a forma e a cor de um objecto são normalmente
percebidos por nós para permanecerem constantes quando se movem no espaço, ou nos
movemos. Em arquitectura, podemos ter edifícios que podem ser de grande escala ou
edifícios que são mais de uma escala modesta. Como estes adjectivos sugerem, os
31
edifícios parecem tentar cumprir um
papel na sociedade, com a sua
grandiosidade ou humildade. A
famosa Ópera de Paris, completada
por Garnier em 1874, é uma
construção de enorme escala (Figura
20). Tudo neste edifício é simples-
mente enorme: a entrada, o vestí-
bulo, a famosa escada e até o Figura 20 - Ópera de Paris, Garnier, 1874

auditório. Esta Ópera é um excelente exemplo para compreender o fenómeno escala.


Aqui todas as particularidades do espaço que se relacionam directamente com a forma
humana estão desenhadas em excesso. Inevitavelmente a forma humana atrai a nossa
atenção (Lawson, 2001). Bryan Lawson afirma que são as características do edifício que
parecem estar munidas especificamente para acomodar a nossa forma e tamanho, o que
atrai a nossa atenção. Se estas características forem um pouco mais pequenas ou
desnecessariamente grandes, notámos. É a porta que nos dá a transparecer a escala. É o
que nos faz passar através dela. Lawson considera que a escala dá ênfase à importância
do edifício, exemplificando um edifício para um banco. Se este for composto por uma
estrutura robusta, a pessoa que lá for colocar o seu dinheiro terá a sensação, pela
imponência do banco, que o seu dinheiro ficará bem guardado.

Quanto à cor e à luz, Frank Vodvarka17 (1999), refere que o estudo da cor é muito
complexo, pois envolve as componentes estéticas, psicológicas, fisiológicas,
associativas e simbólicas. Este afirma que a cor tem um poder extraordinário no nosso
nível emocional. Leonardo Da Vinci acreditava que o propósito da luz era revelar a
forma e que a cor só funcionava localmente. Emilio Ambasz (1980), citado por
Vodvarka (1999), salienta os efeitos emocionais criados pela arquitectura de Bárragan.
Ambasz aponta as qualidades sensuais dos materiais que utiliza, assim como uma
arquitectura baseada em elementos construtivos com um sentido místico criado através
da cor. O estudo da cor iniciou-se através da interacção da luz e da cor, concluindo que,
sem luz não conseguíamos observar a cor, a forma ou o espaço. Segundo a história,
sabemos que Isaac Newton descobriu, no século XVIII, que a luz branca continha todas
as cores visíveis, que quando esta encontrava uma pirâmide a luz era difundida num

17
Em “Aspects of color”, por Frank Vodvarka, 1999. Frank Vodvarka é um professor de belas artes da Universidade
Loyola de Chicago, onde desenvolveu vários estudos referentes à teoria da cor, design, fotografia e história da
arquitectura.
32
leque de cores. Johann Goethe (1982) refere que “quando o olho vê uma cor, é
imediatamente excitado e, é da sua natureza, espontaneamente e por necessidade, querer
produzir outra, no qual compreende toda a escala cromática. Nisto reside a lei
fundamental para toda a harmonia das cores18”. Ostwald, citado por Johannes Itten
(1970), escreve que “a experiência ensina-nos que certas combinações de diferentes
cores são agradáveis, desagradáveis ou indiferentes19”. Este refere que as cores que nos
parecem agradáveis são aquelas que mantêm um relacionamento. Ambos os autores
concordam com a organização das cores usando uma cor “sólida” com uma cor definida
com o mesmo valor e matiz20. Estudos na área da psicologia da cor e da decoração
referem que, quando as pessoas são obrigadas a olhar por um determinado período de
tempo para o vermelho, observa-se que há uma estimulação em todo o nosso sistema
nervoso: há um aumento da pressão arterial e nota-se que o ritmo cardíaco se altera.
Observar o azul produz o efeito exactamente oposto: o ritmo cardíaco e a respiração
diminuem21.

Munsell (1920) criou uma teoria


harmoniosa da cor, organizada num formato
esférico, segundo valor, matiz e saturação, onde o
centro da esfera é o equilíbrio natural de todos os
parâmetros da cor (Figura 21). No campo da
arquitectura, Faber Birren (1950), foi um dos
primeiros psicólogos a desenvolver trabalhos na
área da cor e como a mesma pode manipular o
interior de modo a aumentar a produção, a
eficácia, o bem-estar e a segurança no trabalho22. Figura 21 - Diagrama do sistema de cores,
Munsell, 1920

Em relação à sinestesia, esta pode ser entendida como um fenómeno em que uma
estimulação causa a percepção em um ou mais dos nossos sentidos (Zimm, 2000). A
sinestesia é basicamente a junção de todos os nossos sentidos. Husserl (1972) chama
sinestesia à unidade de sensações e movimento do corpo vivo. Para sentirmos certos

18
Goethe, J. (1982). Theory of Colours. Cambridge, Massachusetts: The M.I.T. Press, p.317.
19
Itten, J. (1970). The Elements of Color. Ed. Faber Birren, New York: Van Nostrand Reinhold Company, p.21.
20
Segundo Itten, o valor ou brilho, o matiz e a intensidade ou saturação são três propriedades para definir a cor. O
valor ou brilho mede o quão escura ou clara está determinada cor, ou seja, mede o grau de claridade ou obscuridade
da cor. O matiz refere-se ao estado puro da cor sem o branco e sem o preto, ou seja, é a qualidade que nos permite
distinguir as cores uma das outras. A intensidade ou saturação mede o grau de saturação de determinada cor, isto é,
mede a intensidade da cor, se ela é pura ou não, e pode ser definida pela quantidade de cinza que contém uma cor.
21
Ver: http://www.nucleodecoracao.com.br/default2.asp.
22
Para mais informações ver: Birren, F. (1961). Color Psychology and color therapy. New York: University Books.
33
aspectos ao nosso redor, como a luz, cor, texturas, temos que mover a cabeça, as mãos,
os olhos, etc. As associações “isto lembra-me aquilo” permitem-nos anteceder o
reconhecimento dos objectos e despertam-nos para uma acção. Ou seja, “todos os
aspectos experimentados sinestesicamente, suscitam associações sempre variáveis de
modo mais ou menos vaga de objectividades, que vão introduzindo constantemente
motivações para ir mais além do que actualmente se vê23”. O arquitecto deveria partir
precisamente destes conhecimentos e deveria também questioná-los, para que consiga
desenhar um espaço que nos incite a usá-lo. Malin Zimm (2000) refere que a
arquitectura deveria abranger estas experiências para levar a arquitectura e a sua função
aos limites da percepção.

A ideia de percurso advém já desde a antiguidade. A ideia de que a arquitectura


não é só espaço interior, não é apenas essencial um percurso interior, mas também um
exterior, um percurso até chegar ao edifício. A acrópole de Atenas é exemplo disso
mesmo, sendo que esse percurso também servia para contemplação da acrópole. Na
cultura egípcia, o percurso era entendido como o caminho da vida para a morte,
existindo uma sequência nesse percurso tanto na arquitectura como na nossa vida, ou
seja, existe uma ideia sequencial até chegar ao edifício. O percurso do Nilo até às
pirâmides organizava os elementos dispostos no espaço. O percurso será então uma
condição própria da arquitectura, uma evolução da forma espacial. Rem Koolhaas
afirma que o percurso do homem, dentro e fora do espaço arquitectónico, cria o
projecto. Na sua obra, Kunsthal, Koolhaas
tenta criar uma ligação entre o exterior e o
interior, sendo que no exterior, o edifício é
atravessado por uma rua e no interior existe
um percurso livre que cria várias sensações e
nos permite perceber a própria obra (Figura
22). O conceito é que haja uma sequência
narrativa que ligue as partes e que crie uma
percepção dinâmica em todo o espaço. O
movimento é importante para criar uma
sobreposição de sensações, que são Figura 22 - Kunsthal, Rem Koolhaas,
Rotterdam, 1987-1992
influenciados pelo factor tempo.

23
Pedragosa, P. (2005). Phenomenology 2005, Vol. 3, Selected essays from the euro-mediterranean area, Part 2. Ed.
Ion Copoeru & Hans Rainer Sepp, Bucharest: Zeta Books 2007, p. 437.
34
Entre outros elementos, para além dos enunciados anteriormente, poderemos
alcançar, de várias formas, esse factor de criação, seja através de pormenores
minuciosos ou até a geração de novos ambientes. Importa agora realçar estudos de
como, ao longo dos tempos, diversos autores interpretam o espaço arquitectónico e
modo como este influencia o nosso comportamento.

35
4. INTERPRETAÇÃO ESPACIAL

No decorrer da história nem todos os espaços arquitectónicos mereceram a


atenção dos estudiosos, mas apenas aqueles que possuíam algum valor artístico que
foram reconhecidos como património e cultural. Uma edificação, seja qual for, somente
é considerada uma obra de arte quando sobrevive, graças às suas qualidades estético-
formais, independente da sua função, da técnica construtiva ou mesmo da sua
importância social (Castelnou, 2000).

Um dos objectivos da teoria da arquitectura consiste em interpretar o espaço


arquitectónico, procurando analisar as suas características e o seu valor como arte.
Interpretar o espaço significa incluir todas as realidades de um edifício estudando as
suas dimensões, luz, cor, usos, formas, intenções do projecto e inclusive as expectativas
do utilizador. Portanto é necessário desenvolver uma metodologia de análise da
arquitectura, ou seja, uma disciplina ou modo de ver, que não desconsidere nenhuma
das dimensões que compõem o espaço arquitectónico e que inclua todo o seu conteúdo
social. A compreensão da arquitectura requer o contributo da percepção espacial, que
analisa como as pessoas lêem o espaço, interpretam-no e são influenciados por ele.

A teoria da Gestalt24 tenta descrever o modo como as pessoas tendem a organizar


os elementos visuais em grupos ou num todo unificado, de acordo com certos
princípios: (1) a semelhança, quando um objecto é semelhante a outro, as pessoas
percebem-no como sendo um grupo; (2) a continuidade, segundo o qual tendemos a
percepcionar linhas que fluem no espaço; (3) o encerramento, se um objecto, ou espaço,
está incompleto ou não está fechado, tendemos a percepcioná-lo como fechado; (4) a
proximidade, que ocorre quando os elementos estão colocados perto uns dos outros; e
(5) a pregnância das formas, ou seja, percepcionamos melhor as formas simples,
regulares e simétricas, do que as mais complexas.

24
A Gestalt é uma teoria da psicologia, desenvolvida por psicólogos alemães em 1920, que possibilitou o estudo da
percepção visual.
36
4.1. INTERPRETAÇÃO SEGUNDO ZEVI

Segundo Bruno Zevi (2000), há quatro formas de interpretação da arquitectura,


embora nenhuma ocorra isoladamente: as interpretações ao nível do conteúdo, as
psicofisiológicas, as formalistas e as espaciais.

― Interpretações ao nível do conteúdo

Tal como o nome indica, são aquelas que buscam explicar o espaço arquitectónico
a partir do seu conteúdo, ou seja, das razões da sua existência.

― Interpretações psicofisiológicas

São aquelas que se relacionam com questões psicológicas, procurando associar as


formas e os espaços arquitectónicos a reacções físicas e psíquicas dos utilizadores,
destacando a questão do significado da obra de arquitectura.

Bruno Zevi refere estas interpretações como aquelas que recorrem a evocações
literárias de “estados de alma”, emoções e sentimentos produzidos pelos estilos
arquitectónicos, decorrentes das diferentes épocas históricas (Tabela 1).

Tabela 1 - Interpretações psicológicas produzidas pelos estilos arquitectónicos (Zevi, 2000)

Arquitectura Egípcia Idade do medo

Arquitectura Romana Idade da força

Arquitectura Grega Idade da graça

Arquitectura Gótica Idade da aspiração

Renascimento Idade da elegância

Esta forma de caracterizar os estilos arquitectónicos é complementada com as


interpretações simbolistas das formas arquitectónicas que, supostamente, suscitam
reacções no nosso corpo e no nosso espírito (Tabela 2).

Tabela 2 - Exemplos da expressividade dos elementos geométricos na Arquitectura (Zevi, 2000)

Linha horizontal Repouso

Linha vertical Ascensão, infinito

Linha recta Razão, rigidez, força

Linha curva Emoção, flexibilidade

37
Círculo Perfeição, equilíbrio

Triângulo Tensão

Cubo Certeza, segurança

Elipse Incerteza, movimento

― Interpretações formalistas

As interpretações formalistas são aquelas que se relacionam com a forma da


arquitectura, enumerando uma série de regras, leis e qualidades a que deve corresponder
a harmonia de uma composição. Pode-se entender por harmonia o conjunto de
princípios e normas que visa a concordância ou disposição bem ordenada entre as partes
de um todo. Zevi menciona: (1) o “equilíbrio” como referência visual mais forte e
constante do homem, que serve de base, consciente ou não, para a formulação de juízos
visuais; (2) a “simetria” como o equilíbrio segundo o qual cada unidade situada a um
lado da linha centra da composição corresponde exactamente outra igual no outro lado,
ou seja, o rebatimento dos elementos visuais segundo um eixo axial ou radial; (3) o
“ritmo” como sendo um compasso numa composição artística, o que corresponde à
identificação de uma sequência de algum elemento visual; (4) a “unidade” sendo um
princípio de composição artística, segundo o qual deve haver uma totalidade
visualmente perceptível na qual todas as partes devem-se entrosar de maneira a que se
perceba e se considere como único; (5) a “ênfase” na composição, que consiste em
realçar intensamente uma só coisa contra um fundo uniforme, criando uma tensão em
relação ao ponto focal ou centro de interesse visual; (6) a “escala” como a relação
dimensional entre um elemento e o homem; (7) a “proporção” como sendo a relação
harmoniosa das partes entre si e com o conjunto do edifício; (8) a “verdade” quando o
edifício expressa realmente o que é; (9) o “carácter” que consiste na expressão geral que
a obra pode exprimir; e (10) o “contraste” como a oposição entre duas coisas, através da
diferenciação de forma, de cor ou de material. Arnheim (1998) afirma que o “contraste”
é o elemento essencial das artes, influencia todas as sensações visuais, pois permite
intensificar uma mensagem visual. Além disso pode provocar ilusões perceptivas.

― Interpretações espaciais

São aquelas que não se limitam aos efeitos visíveis abordados pela análise
formalista ou às questões mais abstractas, que são abordadas pelas interpretações ao
nível do conteúdo e psicofisiológicas, mas valorizam o espaço, considerado como
38
objectivo e fim da arquitectura. Aqui o espaço arquitectónico é visto como a
materialização de conteúdos sociais, efeitos psicológicos, valores formais e
funcionalidade. Scott (2000), citado por Zevi (2000), considera o espaço interior como o
valor próprio e original da arquitectura, sendo todos os outros elementos válidos para
apreciação do edifício em função do modo como acentuam ou escondem o valor
espacial. Como a interpretação da arquitectura requer uma vivência do seu espaço,
pode-se dizer que este modo de ver seria o mais completo de todos, já que envolveria
todos os demais aspectos, os quais se concretizam no contacto directo com o ambiente.

4.2. INTERPRETAÇÃO SEGUNDO OUTROS AUTORES

Talbot Hamlin (1916), citado por Zevi (2000), afirma que a arquitectura pode
proporcionar um número de emoções limitado. Segundo este, todo o edifício, todo o
ambiente, deve encerrar uma mensagem de poder, paz ou repouso e alegria. Também
refere que a atracção que o edifício exerce sobre os sentidos é produzida apenas por
duas coisas: o jogo da luz e das sombras sobre as superfícies, e a cor dos materiais de
que se compõem.

Irving Pond (1918), citado por Zevi (2000), num dos seus livros, ilustra o efeito
psicofisiológico das diversas unidades geométricas. Segundo o autor deve-se construir
verticalmente nas planícies, referindo o Egipto como exemplo e com predominância de
linhas horizontais nas colinas, referindo-se à Grécia. Contudo, também refere que, nos
países de céu mais limpo, a arquitectura deve adoptar formas mais simples enquanto que
nos países de céu mais enevoado, se num terreno plano, formas piramidais, se num
terreno montanhoso, formas mais cúbicas, exemplificando o Gótico e os castelos
medievais.

Claude Bragdon (1922), citado por Zevi (2000), refere que, no quadro das artes,
existem dois pólos, sendo estes constituídos pela música e pela arquitectura. A primeira
vive essencialmente no tempo, a segunda, no espaço. Este autor revela que a Unidade é
a primeira lei da arquitectura. A segunda é a Polaridade, ou seja, todas as coisas têm um
sexo, masculino ou feminino, indicando que na arquitectura verifica-se um contacto
constante entre o masculino (simples, directo, positivo, primário, activo) e o feminino
(indirecto, complexo, passivo, negativo), referindo que “as formas duras, rectas, fixas,
verticais são masculinas; as suaves, curvas, horizontais, flutuantes são femininas”. A

39
terceira lei é a Trindade. O contacto entre o masculino e o feminino tende para uma
terceira coisa que é neutra, como por exemplo, da junção do vertical com o horizontal
resulta o arco. A quarta lei é a Consonância, a repetição de algo com variações. A
Diversidade na monotonia é a quinta lei. O Balance é a sexta lei e a Transformação
rítmica a sétima. Assim como um dedo se alonga numa diminuição rítmica, a coluna
grega se estreita ritmicamente, o que explica a ênfase.

Howard Robertson (1924), citado por Zevi (2000), afirma que a unidade, a
composição das massas e o elemento contraste constituem as leis da arquitectura,
enquanto a ênfase, a expressão de carácter, as proporções e a escala são princípios
secundários. Este explica estes elementos exemplificando através das fachadas e
volumes dos edifícios.

William Newton (1925), citado por Zevi (2000), critica a ignorância dos
funcionalistas, que acreditam que a utilidade e a estrutura determinam a forma do
edifício. Este aponta para que os edifícios sejam pensados de dentro para fora, em vez
do contrário.

Arthur Butler (1926), citado por Zevi (2000), refere que a beleza do edifício está
na sua aparência. Este menciona que nem todos os edifícios produzem o mesmo efeito
de todos os ângulos de visão. O autor exemplifica com o Baptistério de Pisa que,
“completamente circular e uniforme, faz com que o olhar rode indefinidamente sem
nunca alcançar a satisfação total”.

Georges Gromort (1938), citado por Zevi (2000), divide o campo da arquitectura
em três interesses tradicionais: solidez estrutural, utilidade prática e beleza. Georges
enuncia a unidade, o contraste, a simetria, a proporção, as proporções geométricas e
matemáticas, os valores estéticos do partido, da franqueza e da verdade, o carácter, a
escala, a decoração arquitectónica e escultórica, a simplicidade e a sobriedade e o estilo
e a matéria como categorias do belo arquitectónico.

Tristan Edwards (1945), citado por Zevi (2000), afirma que “a função do design
nas artes visuais é dar às coisas inanimadas as qualidades da vida”, e confere essas
qualidades à arquitectura através de três princípios fundamentais: o número, a
pontuação e a inflexão. O número é tratado juntamente com a unidade, dualidade e a
trindade que analisa exclusivamente a composição das fachadas; a pontuação é definida
como o “processo do desenho através do qual se dá a um objecto uma certa consciência

40
das suas extremidades”, ou seja, trata-se de uma análise da ênfase estendida à totalidade
da fachada de um edifício; a inflexão é definida como “o princípio que governa as
relações das partes com o todo e a relação do todo com o que o rodeia”.

Clough Williams-Ellis (1946), citado por Zevi (2000), diz, de um modo muito
irónico, que para se compreender um edifício é preciso que ele fale, ou seja, que
responda a perguntas concretas como: “és prático?; tens uma construção sólida?; se és
novo, qual será o teu aspecto daqui a dez anos?; transmites alguma ideia?; és repousado
e vigoroso, alongado (horizontal) ou todo recto (vertical), calmo ou alegre, delicado ou
forte, luminoso ou sombrio, feminino ou masculino?; és bom vizinho?; tudo o que te
rodeia ganha ou perde com a tua presença?”.

Mark Thomas (1947), citado por Zevi (2000), responde à pergunta “como se deve
ver a arquitectura?” afirmando: “uma vez que o objectivo principal da arquitectura é
encerrar espaços, um edifício deve ser antes de mais nada avaliado, quer nos
encontremos dentro ou fora dele, pela maneira segundo o qual realiza esse encerramento
do espaço; é preciso sentir o edifício não como um conjunto de massas, à maneira de
uma montanha, de um monumento ou de uma fachada (os edifícios concebidos e
elaborados em função de uma única fachada nos chocam por serem uma negação da
base tridimensional da arquitectura), mas como uma combinação de vazios de contorno
variado”.

Atendendo ao facto de que “os objectos da arquitectura aparentemente não


comunicam, mas funcionam”, que “os objectos comunicam mesmo quando não são
utilizados”, como por exemplo uma escada “estimula a subir”, Umberto Eco (1968),
citado por Zevi (2000), afirma que “aquilo que permite o uso da arquitectura (passar,
entrar, parar, subir, estender-se, debruçar-se, apoiar-se, etc.) não são apenas as funções
possíveis, mas antes de mais nada os significados que dispõem para o uso funcional”,
refutando a tese de William Morris segundo a qual a arquitectura seria “composta de
veículos sinaléticos que promovem comportamentos”. Contudo, Eco, não nega que
“toda a verdadeira obra de arquitectura traz qualquer coisa de novo”. O autor conclui
que a tarefa do arquitecto é “antecipar e acolher”.

Poderemos concluir, com estas variadas afirmações e interpretações, que os


autores partilham de opiniões muito similares. Mas como é que estas opiniões nos
poderão ajudar, para que possamos transmitir essa mensagem de beleza, uma
arquitectura de estímulos, para que os utilizadores desse espaço se possam sentir bem
41
nesse mesmo espaço? De que modo os elementos enunciados anteriormente nos
poderão ajudar a comunicar com esse espaço? Procuramos dar resposta a estas questões
no próximo capítulo, tendo em vista contribuir para afirmar a interligação da
componente psicológica do indivíduo com a arquitectura.

42
5. INTERLIGAÇÃO DE CONCEITOS DE PSICOLOGIA COM A
ARQUITECTURA NO ESPAÇO URBANO, EDIFÍCIOS E INTERIORES

“O ser humano sempre teve um interesse pelo passado, e os traços do passado da


cidade, as suas ruínas, são, simultaneamente, sinais de um passado imaginado que tem
o poder de nos reconfortar, enquanto sinónimo de uma proximidade, também são sinais
de um passado artístico e uma marca de uma continuidade e de um fim” (Eder Santos
Carvalho, 2009).

Uma das primeiras coisas


que nos vem à cabeça quando
pensamos numa casa é a obtenção
de segurança e protecção. Contudo,
espera-se que esse espaço arquitec-
tónico nos proporcione mais do
que a função de um simples abrigo.
Todos nós temos a expectativa que
Figura 23 - Universo de estudo
esse espaço nos ofereça conforto,
tranquilidade e estabilidade, o que não acontece com muitas das obras existentes. E,
seguindo a orientação deste documento, quais os espaços arquitectónicos que
poderemos considerar como criadores de estímulos? Quais os elementos que podem
despertar esses impulsos? Como já vimos anteriormente, a escala, a cor, a luz, a
sinestesia desempenham um papel fundamental, assim como muitos outros. Yvonne
Courtney (2010) refere que para além das características que as pessoas procuram para
o seu edifício, como o tamanho, a localização, o número de quartos, acabamentos, uma
outra categoria a ser adicionada era o design inteligente dos espaços, para que nos
transmita algo a nível emocional. Resta saber como poderemos pôr em prática esses
elementos para, assim, fazer da arquitectura, uma arte criadora de estímulos.

A concretização da interligação entre estes dois conceitos visa a criação de


admiração, surpresa, nas pessoas quando estas utilizam os espaços. Na época em
vivemos, em que todas as pessoas estão tão ocupadas com o dia-a-dia, é essencial que
essas pessoas entrem num determinado espaço e sintam qualquer coisa que não tenham
experienciado em mais lado nenhum. O objectivo é criar impulsos, a admiração, a
procura, a chamada de atenção pelos mínimos detalhes com os quais ninguém se depara
43
à primeira vista. E para cumprir esse propósito, é necessário abranger todo o tipo de
espaços, desde o espaço urbano até aos interiores de uma obra arquitectónica (Figura
23).

Segundo estudos no campo da Psicologia Ambiental25, sabe-se que as sensações


de conforto e segurança na arquitectura estão ligados às necessidades básicas que nos
levam à luta pela sobrevivência. Angelita Scardua (2009) exemplifica que “a
sobrevivência dos nossos antepassados dependia da capacidade de encontrar lugares
seguros, que fornecessem abrigo aos elementos naturais e protecção contra os
predadores. Assim tendemos a preferir lugares acolhedores, que dão a sensação de
conter, abrigar, acolher…”. As obras de Frank Lloyd Wright são conhecidas por
transmitirem esse tipo de sensações, tanto através da inserção da casa com a paisagem
envolvente, como da utilização de materiais como a pedra, a madeira e outros, ligados a
natureza, promovendo, assim uma sensação de conforto e segurança.

“Os edifícios devem contar qualquer coisa, não ser apenas um jogo sério de
formas e luzes26” (Charles Moore, 2000).

Outro dos exemplos é também a questão da visibilidade para os nossos


antepassados. A importância de antever as ameaças circundantes fez com que os
humanos dependessem de visualizar o que ocorria nas redondezas. De certeza, não foi
por acaso que ao longo da história “os lugares altos sempre foram uma escolha para a
construção de castelos, fortalezas e todo o tipo de espaços para a defesa”. Aliás,
“mesmo hoje, há uma certa predilecção por espaços amplos, tectos altos, luminosidade,
etc. O mesmo vale pelo encantamento que ainda sentimos com casas erigidas em
colinas, montanhas e, até mesmo, pelo fascínio suscitado pelos arranha-céus das grandes
metrópoles no imaginário moderno” (Scardua, 2009).

A mesma autora referencia ainda a atracção do ser humano pelo desconhecido.


“Os humanos possuem uma forte atracção pelo mistério, o que parece fazer sentido, já
que descobrir, desvendar, conhecer, etc., são interesses inerentes à própria evolução da
espécie. A nossa sobrevivência como espécie está directamente associada ao nosso
interesse pelo que é desconhecido, misterioso. É a vontade de conhecer que nos
impulsiona a realizar coisas e a descobrir. Neste sentido, ao agir para dar resposta às

25
A Psicologia Ambiental estuda a relação do meio ambiente com o comportamento humano.
26
Citação retirada de: Consiglieri, V. (2000). As significações da arquitectura: 1920-1990. 1ª Edição, Lisboa: Ed.
Estampa, p.220.
44
suas necessidades, o ser humano estabelece novas relações com a obra arquitectónica, e,
na base deste novo relacionamento situamos não só a motivação como a emoção, dois
processos psicológicos básicos que se relacionam com a capacidade adaptativa dos
indivíduos (Palmero & Sánchez, 2008). Talvez, por isso, tendamos a sentir-nos atraídos
por corredores, escadas, nichos, etc., espaços que prometem a revelação de algo mais
que nos escapa à primeira vista. “Halls de entrada, portas sólidas; caminhos de acesso à
entrada da casa com curvas, esquinas, cantos; cortinas que não ocultam totalmente os
ambientes mas velam os seus conteúdos”, ou seja, espaços com pequenos mistérios
parecem atrair-nos mais (Scardua, 2009).

A relação com a natureza é outro dos exemplos. Segundo Angelita Scardua


(2009), “há sólidos indícios de que imagens naturais podem melhorar o humor e,
consequentemente, causar um impacto positivo na saúde dos seres humanos”. O feng
shui, conhecido como uma ciência ambiental milenar, estuda a influência do espaço no
nosso bem-estar e a forma como os locais onde vivemos se reflecte no modo como nos
sentimos. Mas como é claro, nem todos podem ser privilegiados com uma vista sobre a
natureza. Para os nossos antepassados, os locais cercados de vegetação e água eram a
garantia da produção de alimentos, ou seja, a sobrevivência. Logo, “ornar paredes com
fotografias, papel de parede, pinturas de paisagens, etc., são maneiras de nos mantermos
em contacto com a natureza”.

“Uma das ideias dominantes actualmente nas neurociências é que o nosso cérebro
se sente recompensado com padrões”. Do ponto de vista biológico e psicológico, “o
equilíbrio das proporções, a regularidade e a ordem parecem também sinalizar boas
condições para a perpetuação da espécie”. A existência de formas ordenadas e
padronizadas, a simetria e o equilíbrio parecem não só sinalizar confiabilidade, como
também influenciam o modo como se percepciona (Scardua, 2009).

5.1. O ESPAÇO URBANO

“Um aspecto da experiência humana em edifícios pode ser explicado em termos


de sucesso ou fracasso da experiência para satisfazer as expectativas ou intenções do
indivíduo ou grupo de indivíduos. Esta experiência é dependente do tempo, ou seja,
pode ser reforçada ou dissuadida pelo tempo de permanência no edifício. Isto é mais

45
evidente no caso dos espaços públicos, onde a experiência é de natureza dinâmica27”
(Farshchi e Fisher, 1997). Este autor refere que a memória a curto-prazo nos humanos
tem uma capacidade limitada e, no caso de estarmos a viajar de carro pela cidade, o
cérebro humano apenas consegue registar uma visão da estrada, que é confinada a
linhas, sinais, ligações e movimentos. Isto limita o número de detalhes que podem ser
observados pelo condutor, enquanto que o utilizador, caminhando, poderá experienciar
uma quantidade mais detalhada de todos os eventos. Quando relacionamos o objecto
arquitectónico com o meio ambiente ou lugar, e encontramos uma imagem isolada no
fundo, podemo-nos referir a esse objecto como um ícone, seja ele enquadrado em
qualquer período da história, egípcio, grego, romano, renascimento, etc. Actualmente, a
relação entre o objecto e o fundo é algo importante e a ter em conta. Algumas leis
sugere-nos isso mesmo, ou seja, respeitar a envolvente, os materiais, para que assim
exista uma identidade, coisa que se tem vindo a perder ao longo do tempo.

Quanto ao surgimento das cidades e das grandes metrópoles, sabemos que elas se
desenvolveram perto dos grandes rios, primeiro na antiga Mesopotâmia, perto do rio
Nilo, alargando-se para a Europa e, posteriormente, para o resto do mundo. O elemento
água era fundamental para o desenvolvimento da agricultura e sustento das famílias. Por
isso, ainda hoje temos uma tendência para viver perto de rios, ribeiros, onde a natureza
nos proporcione essa qualidade.

Gordon Cullen (1971) escreve que os ambientes agradáveis não são projectados
ao acaso. Este estabelece que o sucesso de uma cidade pode ser conseguido através da
sua capacidade para despertar emoções, entusiasmo e/ou dramatismo. Para este autor, a
complexidade visual é um aspecto fundamental neste processo, pelo que propõe uma
análise sequencial da paisagem urbana através da visão serial 28 recorrendo
sistematicamente a imagens (Figuras 24 e 25).

Figura 24 – Exemplo de visão serial (Cullen, 1961)

27
Farshchi, M. e Fisher, N. (1997). The Emotional Content of the Physical Space. London: RICS, p.4.
28
Segundo o autor, a visão serial pode ser entendida como a sucessão de surpresas ou revelações súbitas que a
paisagem urbana proporciona ao transeunte.
46
Elementos como os arcos,
que separam uma ambiência de
um lado e outra do lado oposto,
cantos que escondem praças, são
elementos que dão “a sensação de
estar a desvendar um mistério, de
poder vir a descobrir sempre mais
alguma coisa se continuarmos a
andar”. Gordon Cullen menciona
que o “abrigo, sombra, conveniên- Figura 25 - Visão serial desenvolvida por Cullen
(Cullen, 1961)
cia e um ambiente aprazível são as
causas mais frequentes da apropriação do espaço, as condições que levam à ocupação de
determinados espaços”; o ponto focal como símbolo vertical de convergência. Esse
ponto focal (coluna, cruz, pelourinho) surge como um ponto de encontro entre as
pessoas, normalmente existente nas cidades, vilas ou praças. É certo que em muitas
cidades, já não se dá muita importância a isso; Pórticos, varandas e terraços, possuem a
capacidade para nos orientar para o exterior; um ponto iluminado, uma pessoa a apontar
para algo, guia o nosso olhar, o que suscita as nossas emoções para algo que nos é
exterior; “uma descrição das nossas reacções emotivas perante a posição que ocupamos
num determinado espaço deverá, forçosamente incluir a questão dos níveis”. Um nível
abaixo do terreno onde nos encontramos proporciona sensações de intimidade,
inferioridade, encerramento enquanto que acima do nosso nível produz sensações de
euforia, domínio ou superioridade. Cullen refere que “o acto de descer significa ir ao
encontro do que conhecemos enquanto que o de subir implica ascender ao
desconhecido”; as saliências e reentrâncias nas fachadas de uma rua, impedem que
apreendamos a rua de uma só vez, pelo que o nosso olhar fica “embrenhado numa
complexidade e sinuosidade que ajudam o espírito a deter-se tranquilamente”; a
importância de criar fachadas que se realcem das outras para, assim, “prender o olhar,
impedindo-o de deslizar para longe, e evitando, desta forma, a monotonia”; os
estreitamentos de ruas através dos edifícios, proporcionam uma espécie de pressão, que
podem ser compensadas quando existam praças ou um espaço amplo depois desse
estreitamento; a racionalização de todos os espaços numa grelha ortogonal “parece ser
contrária à natureza humana”. Os espaços são criados pelos próprios edifícios; arcos ou
túneis estão envoltos de mistério, pois levanta a expectativa do que vai aparecer depois
do que esconde; entre outros. Gordon Cullen escreve que o homem “necessita de
47
emoção, do dramatismo que é possível fazer surgir do solo e do céu, das árvores, dos
edifícios, dos desníveis e de tudo o que o rodeia…”.

Por seu lado, Kyvin Lynch (1960) fala da existência de cinco elementos
fundamentais para uma melhor legibilidade da paisagem urbana, podendo ser definida
como a “facilidade com a qual as partes podem ser reconhecidas e organizadas numa
estrutura coerente29”. O autor entende que a imagem é resultado de sensações imediatas
e da memória de experiências anteriores. Só através destes cinco elementos – vias, nós,
elementos marcantes, bairros e limites – seria possível actuar sobre a cidade.

5.2. O EDIFÍCIO

Quando se fala na percepção de um edifício, fala-se sobretudo no contexto em que


este se insere. Geoffrey Baker (1991) refere que uma das três forças que actuam na
arquitectura é o lugar, sendo as outras o programa e a cultura dominante. Um edifício
encontra-se implantado em determinado meio ambiente e, independentemente do lugar
onde se encontre, o edifício e o meio dependem um do outro. M. Huet (1990), citado
por Muga (2005), assinala que “a arquitectura não é o mundo dos objectos, mas sim o
mundo das relações30”. Então, é importante que o edifício interaja e se adeqúe com os
edifícios vizinhos, ruas, praças, etc. Assim, tendemos a agrupar, num todo, edifícios
semelhantes nas cores, texturas, tamanhos, alinhamentos de fachadas (Muga, 2005).

Henrique Muga (2005) salienta, também, a importância do edifício no modo como


nos recebe e nos acolhe quando nos aproximamos deste. Hertzberger (1999), citado por
Muga (2005), diz que “um pré-requisito para criar uma forma convidativa é a empatia, a
qualidade que faz com que a hospitalidade consista em antecipar os desejos dos
convidados31”. Ou seja, a posição do edifício tem de estar voltada de modo a receber-
nos, de carácter “aberto”, fluído e transparente (Arnheim, 1988). Hertzberger (1999)
refere, ainda, que “a concretização da soleira, como intervalo, significa criar um espaço
para as boas-vindas e as despedidas e, portanto, é a tradução, em termos arquitectónicos,
da hospitalidade32”, para além de que este elemento, assim como as entradas, alpendres,
ou outro tipo de intervalos, dão a sensação de relação entre o interior e o exterior. Logo

29
Lynch, K. (1960) The Image Of The City, MIT Press, Cambridge, Mass. (Trad. 1998) A Imagem da Cidade.
Lisboa: Edições 70, p.13
30
Muga, H. (2005). Psicologia da arquitectura. 2ª Edição, Canelas VNG: Edições Gailivro, Lda, p.154.
31
Idem, p.162
32
Idem, p.166.
48
é necessário que exista também uma relação entre o espaço privado e o espaço púbico, a
porta de casa e a rua, para que não haja uma rígida divisão entre esses dois espaços.
Muga dá o exemplo das portas que recuam relativamente às fachadas, criando um
espaço aberto semi-público, o que contribui para a relação entre o edifício e a rua.
Bryan Lawson (2001) refere que para dar um sentido de grandiosidade a um edifício, se
o piso principal estiver sobrelevado, faz com que o nosso centro das atenções se volte
para cima, para esse mesmo piso. Outros elementos que poderão dar essa sensação são
as colunas, quando expostas o mais alto possível. Relativamente ao ritmo, este refere
que uma simples e regular repetição de um objecto, faz com que o objecto desapareça,
dando o exemplo das florestas, ao não nos conseguirmos aperceber das árvores.

Quanto à relação dos espaços, todos


já ouvimos falar na relação espaço
exterior/interior. Tanto Mies Van Der
Rohe como Frank Lloyd Wright, entre
outros, tentaram transpor essa mesma
ideia ao utilizarem grandes envidraçados
nas suas obras ou a utilização de materiais
provenientes da natureza, respectiva-
mente, para assim conseguirem esse elo
de ligação (Figuras 26 e 27). O conceito
de integrar o espaço exterior no interior do
edifício é patente nas preocupações de
Hertzberger (1999). Em certa parte, tal
como na arquitectura clássica, “a inclusão
do exterior no espaço de habitação passa
pela criação de pátios e jardins interiores e
pelo redimensionamento das varandas,
fazendo-as reentrar no edifício ou Figuras 26 e 27 - Casa da cascata,
Frank Lloyd Wright, 1934-1937
projectando-as para fora do perímetro de
construção33”.

33
Ibidem, p.168
49
5.3. OS INTERIORES

“O interior é um mundo fechado e completo. Normalmente composto de várias


divisões, que devem ser autónomas mas, ao mesmo tempo, inter-relacionadas34” (Muga,
2005). Para Goethe, a arquitectura, deve responder, primeiro que tudo, para o “sentido
do movimento mecânico do corpo humano”. Bruno Zevi (1984) e Arnheim (1988),
citado por Muga (2005), encontraram algumas estratégias para orientar a deslocação do
indivíduo:

― O canal dinâmico: O ocupante não deve ser asfixiado pela inércia de um


conjunto de contentores, ligados uns aos outros por corredores com paredes paralelas,
que não transmitem qualquer espécie de avanço: assim como o alargamento de uma
vista que diverge ante o caminhante que se aproxima tem um efeito de avanço exaltante,
também o estreitamento temporário do caminho pode actuar dinamicamente; tal como
os sinais da distância percorrida numa auto-estrada nos dão a sensação de avanço,
também as aberturas e os objectos funcionais ou decorativos de um corredor constituem
elementos que dão ritmo ao nosso movimento;
― O magnetismo de um alvo: Tal como um arco ou nicho nos acenam, uma
simples cor mais forte numa parede do fundo do corredor, basta para transformar a
passagem estática num trilho orientado para o alvo;
― O entrave temporário: À semelhança do suspense, derivado da suspensão
temporária da acção, a superação de obstáculos intensifica a luta de quem anda para
atingir um alvo; uma porta oferece uma abertura, mas ao mesmo tempo interpõe-se no
caminho como um impedimento temporário – é a contribuição relutante de uma parede
para a passagem; um patamar intercalar aos lances de escada de um edifício é uma
paragem no movimento vertical, que nos permite recuperar o fôlego numa subida ou
travar a velocidade numa descida;
― A distinção entre o espaço transitável e os espaços de paragem ou de chegada:
Utilizando diferentes tipos de pavimentos (duro ou macio, liso ou coberto de cascalho,
horizontal ou oblíquo, etc.), diferentes cotas no chão, etc.35.

“Deste modo, a experiência do visitante não será apenas uma monótona sequência
de vistas, mas uma transformação gradual e constante, criada pela perspectiva e pela
iluminação em cada parede ou constelação de elementos, com um sentido de avanço e

34
Ibidem, p.170
35
Ibidem, p.171-172.
50
um desejo de ficar” (Muga, 2005). Arnheim (1988) realça as igrejas medievais em
forma de cruz, em que, quando o espectador chega ao cruzamento criado pelo transepto,
nos convida a olhar à nossa volta.

No que diz respeito às cores, Massel e Kail (1989), Rasmussen (1998) e Beresniak
(1987), citado por Muga (2005), concordam que estas desempenham funções
importantes na arquitectura. Para eles, a cor pode ser utilizada com vários propósitos,
entre os quais:

― Organizar a actividade humana: Indicando percursos, por exemplo, a


existência de faixas de cores nas paredes, que acompanham o visitante até ao local
desejado; indicando a localização de algo; assinalando perigos;
― Realçar um prédio ou, pelo contrário, atenuar o seu impacto negativo, ou ainda
inscrevê-lo numa continuidade;
― Contribuir para a maior legibilidade: Dos edifícios, ruas ou locais (o autor dá o
exemplo das faixas de cores das casas alentejanas, que clarificam o contorno dos planos
brancos);
― Acentuar as formas e outros elementos arquitectónicos: As cores claras fazem
um objecto parecer mais leve do que realmente é; as cores de onda curta fazem parecer
o objecto como se fosse plano, enquanto que as de onda longa dão a impressão de
relevo;
― Regular o volume e a temperatura de uma divisão: As cores claras e suaves
ampliam a dimensão do espaço, as cores escuras encurtam-no;
― Enfatizar o que está em cima e em baixo: O piso que caminhamos deve ser de
tom escuro, as paredes devem ser mais claras e o tecto deve ser leve e incorpóreo;
― Caracterizar diferentes aposentos: A existência de cores que se podem achar
mais adequadas para certas divisões do edifício.

Diversos estudos sobre o papel da cor têm sido utilizados. Nancy Stone e Anthony
English (1999) testaram, tal como Faber Birren, os efeitos da cor no local de trabalho e
a sua correlação com a performance dos trabalhadores. Concluíram que um escritório
vermelho é mais estimulante e pode causar sentimentos de raiva ou tensão. No entanto
aumentava a performance dos trabalhadores. Também notaram que o azul pode causar
maior depressão, assim como tristeza, sentimentos de fadiga ou relaxamento. Os
trabalhadores queixavam-se mais de dores de cabeça.

51
Para alguns estudiosos, a
arquitectura tem o poder de criar
ambientes que proporcionem harmonia e
até com capacidades curativas. Vivek
Sabherwal (2010) refere que a harmonia
pode ser conseguida através da esti-
mulação de todos os elementos sensoriais,
por exemplo o som da água, na arqui- Figura 28 - Corredor Monte da Quinta Suites,
Quinta do Lago, Algarve
tectura Zen, a cor, a natureza, a arte, o
aroma ou até o próprio odor ambiente. Este autor explica que o contacto diário com a
natureza, com o uso de materiais o mais naturais possíveis e com qualidades artísticas
como a música, poesia, dança ou decorações florais proporciona às pessoas um estado
de espírito e mental saudáveis (Figura 28). As divisões devem ser planeadas com
clareza de modo a perceberem-se os espaços, espaços públicos mais públicos e espaços
privados mais privados. Os espaços públicos devem encorajar a actividade social. Os
espaços e os acabamentos devem antecipar o comportamento humano. E, como já
referido, o feng shui tem muito a dizer acerca deste assunto. Estes princípios chineses de
colocar os objectos em harmonia com o ambiente, anteciparam o que os neurocientistas
e os arquitectos têm vindo a evidenciar.

Segundo Sabherwal (2010), as cores e padrões devem ser usados de modo


discreto, pois estes têm, sem margem para dúvida, impacto no comportamento. O
apetite pode ser aprimorado por cores quentes36 enquanto que se devem evitar as cores
em tons de amarelo a verde, pois estão associadas a fluidos corporais. As texturas fazem
com que os tons pareçam mais escuros, pois absorvem a luz ambiente. A cor
monocromática de um edifício pode fazer com que se torne aborrecido olhar para ele
depois um determinado período de tempo, pode contribuir para a privação sensorial o
que pode levar à desorganização do funcionamento do cérebro, deterioração da
inteligência e a incapacidade de concentrar por longos períodos de tempo37. As cores
primárias38 e os padrões relativamente fortes são agradáveis à primeira vista, mas
podem-se tornar cansativos. As cores podem afectar as percepções do tempo, tamanho,
volume e peso. Em espaços como a sala de jantar ou sala de estar, uma cor quente faz

36
Segundo Itten (1970) são consideradas cores quentes as cores: vermelho, cor-de-laranja e amarelo.
37
Ver: Sabherwal, V. (2010). Healing aspects of architecture. In: http://www.expresshealthcare.in/201004/
strategy04.shtml.
38
Entendem-se por cores primárias o vermelho, o azul e o amarelo.
52
com que as actividades pareçam mais longas; num espaço onde de realizam tarefas mais
monótonas, uma cor fria faz com que o tempo passe mais rapidamente (Sabherwal,
2010).

Sabherwal refere, ainda, que portas repetidas num longo corredor podem
desorientar o utilizador; a iluminação e o tratamento do tecto podem ajudar a reduzir
visualmente o tamanho dos corredores; para encurtar os corredores também poderão ser
colocados nichos para as pessoas se sentarem, o que também incita a mobilidade; as
crianças necessitam de espaços que lhes estimulem todos os sentidos, desde espaços
onde possam correr, superfícies com texturas, que reflictam luz, que convidem ao toque;
as portas de entrada da casa devem ser claras e convidativas; deve-se evitar arranjos,
mobiliário no hall, pois bloqueia a linha de visão com todo o ambiente que nos envolve.

Gifford (1997) refere que a iluminação abundante, acabamentos num material de


cor mais clara, pé-direito elevado ou até a inexistência de cobertura ou encerramentos
laterais conduzem à sensação de amplidão. Yvonne Courtney (2010) refere estudos em
que factores como a intensidade de luz, pé-direito ou a dimensão das divisões
influenciam os nossos processos cerebrais, mais precisamente os que estão ligados às
emoções e ao stress. Ou seja, o pé-direito alto activa secções no lado direito do nosso
cérebro, que está associado à liberdade e
ao pensamento abstracto, enquanto que,
se este for baixo, activa o pensamento
forçado, baseado em algo mais preciso.
Esta autora nota que Frank Lloyd Wright
já estava a par do poder da arquitectura na
nossa mente. O uso de lareiras, grandes
janelas e espaços abertos remete-nos um
pouco para os nossos antecessores: a
caverna com uma fogueira e a vista sobre Figura 29 - Restaurante em Terras de Bouro, Parque
Nacional Peneda do Gerês, Siza Vieira
as planícies.

Em síntese, podemos identificar um leque de elementos que podem ser tidos em


conta no acto de projectar. Estes aqui enunciados servem apenas como contributo para
uma perspectiva da arquitectura como uma arte criadora de estímulos (Anexo 1). Porém,
existem mais. Cabe agora ao arquitecto, saber interpretar e aplicar esta teoria no seu dia-

53
a-dia de modo a contribuir, de modo favorável, para uma arquitectura que proporcione
mais e melhor para as pessoas que dela vão fruir.

54
6. CONCLUSÃO

As nossas escolhas são determinadas pelo nosso sistema límbico, que rege uma
variedade de funções tais como as emoções e o comportamento. Podemos
eventualmente justificar o nosso estilo ou as nossas preferências, mas a nossa actividade
mental indica que tem mais a ver com as emoções do que com a lógica. Mesmo um
ambiente que tenha uma vista fantástica, tende, com o tempo, a que nos habituemos e,
de seguida, já não tem a mesma importância que lhe demos no início.

Podemos concluir que um dos pontos-chave para que a arquitectura crie estímulos
que levem as pessoas a usufruir plenamente do espaço é a criação, a criação de
ambientes que mudem e que nos envolvam. Um espaço que não nos diga tudo à
primeira vista, um espaço que prometa mais do que estejamos à espera. No interior pode
passar pela organização espacial, luz e cor; no exterior pela criação de espaços que
incitem a actividade social; na relação exterior/interior pela própria natureza. Este
estudo permite-nos definir, de algum modo, como poderemos conceber esses espaços,
acabando por respeitar as precisões do cliente, o próprio meio envolvente e também as
necessidades humanas dos utilizadores que deles vão usufruir.

A combinação dos conceitos da psicologia e da arquitectura dá-nos uma


compreensão da importância da arquitectura para a satisfação das nossas necessidades
assim como os aspectos que devem ser considerados na criação do projecto
arquitectónico. Hoje em dia, a arquitectura é feita de modo a servir rapidamente o
mercado, descurando a componente psicóloga do ser humano, alimentando, como
supracitado, uma produção em série para o público que o vai “consumir”.

Como Peter Zumthor (2005) afirma, “a força de um bom projecto encontra-se em


nós e na capacidade de perceber o mundo racional e emotivamente. Um bom projecto
arquitectónico é sensual. Um bom projecto arquitectónico é inteligente39”.

39
Zumthor, P. (2005). Pensar a arquitectura. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, p.53.
55
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Carvalho, É. (2009, 13 de Outubro). Cidades: percepção, memória e esquecimento.


Acedido a 17 de Dezembro de 2009, em: http://historiaearquitetura.blogspot.com/
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ANEXOS

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Anexo 1 – Elementos a ter em conta no acto de projectar

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