Você está na página 1de 9

POLÍCIA COMUNITÁRIA E

GESTÃO INTEGRADA
AULA 2

Prof. Dalton Gean Perovano


CONVERSA INICIAL
Nesta aula trataremos de aspectos históricos que deram origem aos
primeiros momentos de comunitarismo desenvolvido pelas polícias no mundo.
Dois países e duas instituições se destacam nesse processo histórico: a
Inglaterra, com a Nova Polícia Metropolitana de Londres (New Scotland Yard),
e o Japão, com o sistema de policiamento instalado em Kobans e Chuzaichos.
Ambos os sistemas de policiamento contribuíram para que as instituições
policiais efetivassem maior aproximação entre as comunidades, determinando
novas tendências de gestão, aplicação das ações de policiamento e
construindo maior relação de proximidade entre as pessoas das comunidades,
por intermédio de respeito e confiança.
Vale ressaltar que, quando tratamos sobre o tema “Polícia Comunitária”,
nos referimos a três interesses de aplicação do termo: o conceito acadêmico, a
ação de policiamento ostensivo e as atividades comunitárias. Para realizarmos
a ação de policiamento e as atividades comunitárias, devemos ter bem claro o
conceito de polícia comunitária e não o tratar de maneira utilitarista, como
apenas mais um projeto ou programa institucional, mas como uma concepção
de gestão que baliza e traduz os anseios de segurança pública e defesa social
destinado às pessoas nas comunidades.
Para entendermos esses aspectos, devemos conhecer as origens que
ligam os processos históricos da polícia comunitária.

TEMA 1 – PRINCÍPIOS DE GESTÃO PARA A SEGURANÇA PÚBLICA E


DEFESA SOCIAL
As mudanças de paradigmas, relacionadas à aproximação das
instituições de segurança pública e defesa social, proporcionada pela eficiente
resposta apresentada aos problemas, tornam essas instituições mais ativas e
próximas das pessoas.
A perspectiva de polícia comunitária, segundo Bayler e Skolnick (2006)
permite que as pessoas de uma determinada comunidade participem das
discussões sobre segurança pessoal e coletiva e ajudem a criar, em
colaboração com as instituições de segurança pública e defesa social, as

2
prioridades e estratégias de ação, bem como compartilhar com as
responsabilidades pela segurança da sua comunidade.
Essa questão fica caracterizada na sociedade moderna e democrática
com existência de instituições de segurança pública e defesa social que
desempenham funções que vão muito além do lidar com o crime, uma vez que
estão atualmente empenhadas em desenvolver ações de prevenção primária,
cuja principal finalidade é desenvolver atividades de educação social
comunitária, pois esses profissionais, de acordo com Granjeiro (2001, p. 21)
são “um permanente ator social e socializador, e que no seu dia a dia
profissional, têm de agir na instauração da paz social”. No Brasil, as
concepções de polícia comunitária foram adiadas em razão da demora na
implantação dos conceitos de direitos humanos. Essa demora ocorre em razão
do forte vínculo das polícias com o modo de pensar e fazer a “polícia
tradicional”, fortemente vinculada ao desenvolvimento de ações em segurança
pública, voltadas à mera resolução do problema, do crime, de respostas
pontuais.
Nesse sentido, o desenvolvimento de métodos e ferramentas pelas
Instituições torna-se útil, pois facilita o acesso da comunidade com a sua
aproximação da população. As comunidades vislumbram que as instituições
superem os problemas internos, frutos de aspectos culturais e paradigmáticos
das organizações, com a formação inicial e continuada dos profissionais de
segurança pública e defesa social que acompanhem a evolução social e as
suas conformidades e variações, por intermédio do comprometimento com o
resultado final do processo de trabalho.

TEMA 2 – ESTRATÉGIAS DE POLICIAMENTO


A prática da gestão foi visivelmente desenvolvida de forma intuitiva na
maioria das instituições de segurança pública e defesa social, em que os
gestores a área não costumam considerar as diferentes estratégias
institucionais para o policiamento, e uma grande parcela apenas repete o que
tem observado na atividade operacional ou o que aprendeu nas academias,
sem considerar a existência de modelos de policiamento.
Nesse sentido, podemos observar que os quatro grandes grupos de
estratégias adotadas nos últimos 50 anos destacam modelos operacionais e de
gestão, conforme segue: o combate profissional do crime ou Policiamento

3
Tradicional, o Policiamento Estratégico, o Policiamento Orientado para o
Problema (POP) e a Polícia Comunitária. Esses grupos de estratégias seguem
um processo histórico e evolutivo das instituições, partindo-se do policiamento
tradicional, à última perspectiva, que é a polícia comunitária.
O combate profissional do crime ou policiamento tradicional foi a
estratégia administrativa que orientou mundialmente o policiamento a partir de
1950 e no Brasil ainda orienta a maioria das polícias, e tem como principais
características o foco direto sobre o controle do crime. O objetivo da estratégia
de combate profissional do crime é criar uma força de combate do tipo militar,
disciplinada e tecnicamente sofisticada.
No policiamento estratégico, o gestor desenvolverá ações para a
resolução de pontos fracos do policiamento profissional de combate ao crime e
manterá o foco sobre o controle efetivo do crime, reconhecendo que a
comunidade pode ser um importante instrumento de auxílio para a polícia. A
terceira estratégia é o policiamento orientado para o problema (POP) e seu
objetivo é a melhoria da estratégia de policiamento profissional, com o
acréscimo da reflexão e prevenção. No policiamento comunitário, a atividade
de polícia, como ação prática da filosofia de trabalho da polícia comunitária,
enfatiza a criação de uma parceria eficaz entre a comunidade e a polícia, em
que o sucesso da polícia está não somente em sua capacidade de combater o
crime, mas na habilidade de criar e desenvolver comunidades sustentáveis
para solucionar problemas gerados neste espaço.

TEMA 3 – A RELAÇÃO ENTRE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO E DIREITOS


HUMANOS
Não há como falar em polícia comunitária sem tratar do tema
relacionado à evolução da trajetória dos Direitos Humanos no Brasil.
Podemos falar de Direitos Humanos a partir da Revolução Francesa,
que foi um movimento histórico da burguesia que derrubou a monarquia,
momento em que foi composto o texto jurídico conhecido como Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, aprovado pela Assembleia Nacional
Constituinte da França revolucionária em 1789. O Art. 12 da mencionada
Declaração diz que: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita

4
de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não
para utilidade particular daqueles a quem é confiada”.
No Regime Imperial brasileiro, de acordo com Souza (2016), as
primeiras noções normativas sobre Direitos Humanos viriam com a
Constituição de 1824, que determinava à Polícia o cumprimento de sua missão.
Após a Revolução Constitucionalista de 1932, apesar das limitações de
direitos, foi promulgada a Constituição de 1934, que previu um capítulo sobre
direitos e garantias individuais e coletivas. Segundo Moraes (1997, p. 33), pela
primeira vez a polícia é citada na Constituição. Após a Ditadura Vargas, na
Segunda República, a Carta Magna de 1946 destinou um capítulo específico
para os direitos e garantias individuais e estabeleceu diversos direitos sociais
relativos aos trabalhadores e empregados.
Com a Revolução de 1964 foi promulgada a Constituição de 1967, e
editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em que as polícias militares do Brasil
foram vítimas e instrumentos de repressão.
Como podemos observar, no Brasil os ambientes organizacionais das
polícias, até então, não eram propícios para a implantação de inovações como
uma força pública de segurança que promovesse maior interação com a
sociedade, em função do amadurecimento tardio e de sua ruptura com os anos
1960 a 1980, do processo democrático no país.

TEMA 4 – MODELO DA POLÍCIA METROPOLITANA DE LONDRES


Como contraponto ao tardio amadurecimento das práticas
administrativas da polícia aqui no Brasil, na Inglaterra, ao final do Século XIX,
de acordo com Bondaruk e Souza (2014, p. 17), o Primeiro Ministro do Interior
inglês Robert Peel institui uma polícia moderna, diferente da polícia francesa,
que era constituída pelos burgueses no processo de sua Revolução.
Essa polícia, criada por Peel, deveria ser visível, sem impor medo às
pessoas, e estabelecer hierarquicamente os seus objetivos básicos:
restabelecer a fé do público, proteger o inocente e sustentar a lei.
A polícia desenhada por Peel é a atual Nova Polícia Metropolitana de
Londres, também conhecida por New Scotland Yard. Para Monet (2001, p.88),
a polícia britânica constitui um modelo de descentralização policial, como um
modelo “acabado”, mas não “absoluto”. Os princípios de Robert Peel se

5
mantêm até os dias atuais, e orientaram as principais polícias, presentes na
maioria dos manuais de procedimentos institucionais.
Segundo Skolnick e Bayley (2002, p. 23), Sir Robert Peel estabeleceu
dez Princípios para a aplicação na Polícia Metropolitana da Inglaterra, fundada
em 1829:
Princípios Conteúdo
1º Princípio A missão básica para a polícia existir é prevenir o crime e a desordem;
2º Princípio A capacidade da polícia em realizar suas obrigações depende da aprovação
pública de sua ações;
3º Princípio A polícia necessita realizar segurança com o desejo e cooperação da
comunidade, na observância da lei, para ser capaz de realizar seu trabalho
com confiança e respeito do público;
4º Princípio O nível de cooperação do público para desenvolver a segurança pode
contribuir na diminuição proporcional do uso da força;
5º Princípio O uso da força pela polícia é necessário para a manutenção da segurança,
devendo agir em obediência à lei, para a restauração da ordem, e só usá-la
quando a persuasão, conselho e advertência forem insuficientes;

6º Princípio A polícia visa à preservação da ordem pública em benefício do bem comum,


fornecendo informações à opinião pública e demonstrando ser imparcial no
cumprimento da lei;
7º Princípio A polícia sempre agirá com cuidado e jamais demonstrará que se usurpa do
poder para fazer justiça;
8º Princípio O teste da eficiência da polícia será pela ausência do crime e da desordem, e
não pela capacidade de força de reprimir esses problemas;
9º Princípio A polícia deve esforçar-se para manter constantemente com o povo um
relacionamento que dê realidade à tradição de que a polícia é o povo e o povo
é a polícia.
10º Princípio A polícia deve esforçar-se para manter-se constantemente preparada.

TEMA 5 – NO ORIENTE NASCE O MODELO DE POLÍCIA E COMUNIDADE


No Japão, a polícia teve esse entendimento muito bem esclarecido
desde cedo. O sistema Koban surgiu no início da era Meiji (1868), sendo que
os atuais Koban remontam a uma antiga instalação chamada Kobansho.
Segundo a revista Japão em Foco (2016), no ano de 1881, os Koban foram
transformados em estações comunitárias locais com até seis oficiais e eram
chamados de Hashutsusho (estação de polícia). A partir de 1994 voltou a ser
chamado Koban.
Após uma história turbulenta, que decorreu do final do Século XIX à
primeira metade do Século XX, nesse Período da Restauração, o Estado
japonês necessitava garantir o monopólio do uso da Força e, ao mesmo tempo,
proteger o seu povo. A Força Policial e a Defesa Civil foram efetivadas em um
único departamento subordinado ao Ministério do Interior, com a distribuição
dos policiais no país que lhes permitisse manter um contato constante com os
moradores, a fim de prevenir os temidos incêndios.
6
Esse foi o nascimento do conceito de polícia comunitária. A questão tem
ainda relação direta com o término da Segunda Guerra Mundial no ano de
1945, entre o Japão e os Estados Unidos da América. Como consequências do
final do conflito houve a sanção sobre o Japão de severa limitação das Forças
Armadas, o que demandou do governo japonês, dentre outras questões, o
significativo cuidado e a atenção com a segurança das comunidades dos
centros urbanos e das áreas rurais.
O sistema de polícia japonês, a partir do início da década de 1950,
começou a ser novamente agrupado, primeiramente nas pequenas prefeituras
e, após, com a criação da Agência Nacional de Polícia do Japão (JNPA). As
Polícias Municipais foram regulamentadas e atualmente são controladas pela
JNPA.
A reorganização da segurança interna do Japão foi possível em função
da determinação do governo norte-americano. Para que o país
descentralizasse a polícia, segundo Souza (2016), vários problemas foram
detectados nas primeiras décadas de existência, pela incapacidade financeira
de alguns municípios em manter a polícia e as acusações frequentes de
ingerência do poder local e grupos de interesse nas polícias municipais.

NA PRÁTICA
Determinado gestor da área de planejamento de Segurança Pública foi
incumbido pelos seus superiores para elaborar um plano efetivo a fim de conter
o tráfico de drogas nos arredores de quatro estabelecimentos de ensino em um
bairro de uma determinada capital brasileira.
Diante de desafio, e adotando-se os princípios dos grandes grupos de
estratégias de policiamento, devemos determinar:
 Como essas estratégias seriam efetivadas com a adoção do combate
profissional do crime ou policiamento tradicional?;
 Como seria o planejamento de adotássemos a estratégia de polícia
comunitária?
 Quais as vantagens e desvantagens dos dois grupos de estratégias para
o problema relatado?
 Qual dos dois grupos de estratégias seria mais efetivo para o
planejamento e por quê?

7
FINALIZANDO
Conforme podemos observar em nossa aula, os princípios de
policiamento do Sir. Robert Peel estabeleceram parâmetros para a análise de
processos de gestão para a atuação das polícias, assim como o delineamento
conceitual dos quatro grandes grupos de estratégias.
Essas estratégias de policiamento orientam os objetivos das instituições,
o foco de atuação, a forma como se relaciona com a comunidade e as ações
táticas operacionais.
Assim, conclui-se que o foco do trabalho desenvolvido pelos gestores
das áreas de segurança pública e defesa social deve estar centrado na
atividade preventiva primária, caracterizada pela antecipação de ações de
instalação de ambientes com elevado nível de agressividade, de violências que
possam ser transmutadas em delito.

8
REFERÊNCIAS

BAYLEY, D. H.; SKOLNICK, J. H. Policiamento comunitário: questões e


práticas através do mundo. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
2006.

BONDARUK, R. L.; SOUZA, C. A. Polícia comunitária: polícia cidadã para um


povo cidadão. 4. ed. Curitiba: Comunicare, 2014.

BRASIL. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Método, 2014.

GRANJEIRO, L. H. F. A academia vai à academia: uma experiência de


formação para policiais. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.

MONET, J. C. Polícias e sociedade na Europa. Tradução de Mary Amazonas


Leite de Barros. São Paulo: Edusp, 2001. (Coleção Polícia e Sociedade)

MORAES, A. de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários


aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998.

SKOLNICK, J. H.; BAYLEY, D. H. Policiamento comunitário: questões e


práticas através do mundo. São Paulo: Edusp, 2002.

SOUZA, C. A. Polícia comunitária e gestão integrada. Curitiba: Intersaberes,


2016.

Você também pode gostar