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Ciclos econômicos
Universidade do Sul de Santa Catarina
Os conteúdos reunidos neste livro focam na
discussão das instabilidades nas economias
capitalistas, destacando a teoria do
desenvolvimento econômico de Schumpeter e a
análise dos ciclos econômicos. Acrescenta-se ao

Ciclos
debate das instabilidades as teorias Keynesianas
e as pós-keynesianas, os conceitos de

Ciclos econômicos
heterodoxia e ortodoxia na economia e as
controvérsias das diferentes correntes teóricas.

econômicos

w w w. u n i s u l . b r
Universidade Sul de Santa Catarina

Ciclos
econômicos

UnisulVirtual
Palhoça, 2018
Copyright © UnisulVirtual 2018
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
Esta obra foi publicada originalmente com o título Macroeconomia II no ano 2012 com o ISBN 978-85-7817-501-6

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Livro Didático
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Wagner Dantas de Souza Equipe UnisulVirtual
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Marcelo Tavares de Souza Campos Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
Assistente acadêmico Revisão Ortográfica
Thayanny Aparecida Bedinot da Conceição Diane Dal Mago
ISBN
978-85-506-0264-6
e-ISBN
978-85-506-0265-3

S71
Souza, Wagner Dantas de
Ciclos econômicos : livro didático / Wagner Dantas de Souza. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2018.
166 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN - 978-85-506-0264-6
e-ISBN - 978-85-506-0265-3

1. Macroeconomia. 2. Desenvolvimento econômico. 3. Política monetária. I.


Título.

CDD (21. ed.) 339

Ficha catalográfica elaborada por Carolini da Rocha CRB 14/1215


Wagner Dantas de Souza

Ciclos
econômicos

Livro didático

UnisulVirtual
Palhoça, 2018
Sumário

Introdução  | 7

Capítulo 1
A instabilidade nas economias capitalistas | 9

Capítulo 2
Schumpeter e a teoria do desenvolvimento
econômico | 35

Capítulo 3
Keynes e a instabilidade em uma economia
capitalista | 59

Capítulo 4
Teoria pós-keynesiana e a instabilidade
em uma economia com sistema financeiro
desenvolvido  | 93

Capítulo 5
Controvérsias entre as teorias
macroeconômicas  | 123

Considerações Finais | 161

Referências | 163

Sobre o Professores Conteudistas | 166


Introdução

O trabalho de um economista é muitas vezes mal compreendido, pois ainda


associam a profissão somente aos momentos críticos vividos pela economia,
como as crises financeiras, corporativas, controle das finanças pessoais ou,
até mesmo, crises de dívida soberana, em que as contas do governo estão
desequilibradas.

No entanto, por de trás desse senso comum, quem escolhe a profissão de


economista terá de entender muito de situações que envolvem risco na tomada
decisão. Por outro lado, verificamos que planejamento, finanças, perícias,
análises e uma infinidade de atividades técnicas se encaixam perfeitamente nesta
profissão.

Nesse sentido, meu compromisso, nesta unidade de aprendizagem de Ciclos


Econômicos, é promover o entendimento de crises no sistema capitalista, na qual
você estudará as bases teóricas da instabilidade de uma economia capitalista e
aplicará essas bases ao contexto econômico atual.

Assim, você perceberá que o sistema capitalista sempre terá seus altos e baixos,
pontos fortes e fracos, desenvolvimento e retração, e verá que hoje dificilmente
observamos uma estabilidade econômica longa e duradora, pois o sistema
capitalista terá sempre momentos de instabilidade.

Sem pretensão de esgotar o assunto, sugiro que complemente seus estudos


consultando livros, artigos científicos e outras fontes de conhecimento que
abordem os conteúdos estudados, as quais permitirão você aprofundar os
conhecimentos construídos nesta unidade de aprendizagem.

Bons estudos!

Professor Wagner Dantas de Souza


Capítulo 1

A instabilidade nas economias


capitalistas

Seção 1
A macroeconomia antes de Keynes
Antes de iniciarmos nossos estudos quanto à caracterização dos ciclos
econômicos, vamos analisar o contexto da macroeconomia sob a ótica do
pensamento da escola clássica, cujo pensamento ditava os estudos econômicos
até Keynes, na década de 1930, inovar com suas ideias apresentadas na Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, em fevereiro de 1936.

1.1 A macroeconomia antes de Keynes: considerações sobre a


escola de pensamento clássica
Quando estudamos macroeconomia, podemos afirmar que todo período histórico
antes de 1936 foi caracterizado, predominantemente, pelo pensamento da escola
clássica, isso porque, a partir daquele ano, ocorre o lançamento da obra: A
Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de autoria do economista John
Maynard Keynes.

Para diferenciar as ideias apresentadas por Keynes daquelas defendidas


pelos economistas clássicos, faremos uma breve descrição dos pensamentos
econômicos da escola clássica, os quais estavam baseados em três teorias
distintas, as quais são apresentadas na sequência.

9
Capítulo 1

1.1.1 Lei de Say


A escola clássica acreditava no que propunha Jean-Baptist Say, um economista
nascido na cidade Lyon, na França, cujo raciocínio econômico seria equivalente
nos dias atuais que um bilhão de reais em produtos em oferta na economia iria
gerar exatamente” um bilhão de reais em demanda dos agentes econômicos 1,
ou simplesmente gastos.

É possível observar neste simples exemplo que a demanda agregada, soma de


toda a aquisição de bens e serviços numa economia, se igualaria automaticamente
à oferta agregada, soma de tudo o que foi produzido na economia.

Mas como uma economia poderia ser tão perfeita?

Os economistas clássicos argumentavam que toda renda não gasta seria


poupada e entraria no sistema financeiro para financiar investimento, porém,
suponhamos que, em algum momento, houvesse um aumento da poupança, ou
seja, os agentes da economia não adquirissem bens. Assim, teríamos a oferta
agregada maior que a demanda agregada.

Esse movimento de aumento da poupança aumentaria os recursos financeiros


disponíveis no mercado financeiro, chamado naquele momento de mercado de
fundos emprestáveis. Como em todo mercado, se a oferta fosse maior que a
demanda o preço cairia e, por conseguinte, a taxa de juros cairia rapidamente, pois,
de acordo com os economistas clássicos, os ajustes do mercado eram instantâneos.

Em virtude dessa queda na taxa de juros a demanda por investimento


aumentaria, uma vez que as empresas achariam interessante tomar recursos
nesse mercado para financiar os projetos de investimento. Assim, qualquer
queda na demanda agregada em razão de uma poupança maior seria
compensada pela demanda por investimentos.

Na visão da escola clássica não haveria motivos para se preocupar com uma demanda
agregada deficiente, pois o mercado se ajustaria automaticamente, e devido a esse
ajuste não haveria motivos para preocupação.

Com relação a esses aspectos, Keynes inova em sua análise macroeconômica


quando detalha os problemas na demanda agregada. O ponto de partida é
que Keynes não aceitava a Lei de Say, sendo que o motivo principal dessa
discordância era facilidade do uso da moeda enquanto meio de troca.

1 Podem ser definidos como todos participantes envolvidos nas tomadas de decisões econômicas de um país. São
considerados agentes econômicos de um país as famílias, as empresas, o governo e o restante do mundo por meio
da interação dos demais agentes de outros países ou exterior.

10
Ciclos econômicos

Segundo Keynes, a queda da taxa de juros faria com que as pessoas, em vez
de aplicar seus recursos no mercado financeiro, aumentassem o montante de
dinheiro em espécie mantendo-os em seus “bolsos” e em suas contas correntes.
Dessa forma, nem todo aumento de poupança seria convertido em financiamento
de investimentos produtivos.

Em síntese, Keynes acreditava que nem toda a oferta seria absorvida pela
demanda agregada, e em algum momento necessitaria da intervenção dos
dirigentes econômicos por meio da política monetária ou fiscal.

1.2 Flexibilidade de preços e salários


Quando nos referimos à flexibilidade de preços e salários em economia
podemos imaginar que os agentes econômicos negociam entre si de forma livre
e desembaraçada, porém, em diversas fases históricas da economia mundial,
observamos que essa situação é difícil de prevalecer em vários segmentos.

Os economistas clássicos acreditavam que os preços e os salários eram flexíveis,


no entanto o que verificamos em nossa realidade é que tanto os preços quanto os
salários são constantemente controlados.

O poder do governo para administrar alguns preços como da gasolina, gás, alimentos,
entre outros, e a força exercida pelos sindicatos, por meio de convenções coletivas
e acordos, por exemplo, influenciam no valor salarial. Essas ações fazem com que a
flexibilidade não seja perfeita ou até mesmo não exista.

A teoria dos economistas clássicos referente à flexibilidade dos salários


no mercado de trabalho afirmava que a “culpa” dessa flexibilidade era dos
empregados, que relutavam temporariamente em trabalhar devido à queda dos
salários. Essa teoria, nos dias de hoje, seria difícil de ser sustentada, pois é difícil
supor que um pai de família frente a uma recessão relute em trabalhar mesmo
com o salário mais baixo.

Os estudos dos economistas clássicos focavam em um período de longo prazo,


não prevendo uma eventual situação de desequilíbrio, imaginando que não seria
necessária a intervenção do governo porque as forças do mercado se ajustariam
automaticamente.

Para John Keynes, esses estudiosos clássicos, em virtude de sua preocupação de


longo prazo, não previam o comportamento cíclico no curto prazo e assim ignoravam
fenômenos de crises econômicas como, por exemplo, a Grande Depressão, em 1929.

11
Capítulo 1

A Grande Depressão de 1929 foi uma crise generalizada que iniciou nos Estados
Unidos e logo se alastrou para as demais economias capitalistas mundiais, e
somente foi superada em 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial em
decorrência do aumento de demanda gerada pela economia da guerra.

Podemos observar que esse período de declínio econômico foi de dez anos,
sendo que os economistas clássicos acreditavam que a economia poderia
recuperar-se automaticamente depois de um grande declínio, o que não era
compartilhado por Keynes.

1.3 Neutralidade da moeda


A constatação pelos economistas clássicos que a moeda era neutra foi uma
das principais contribuições desses estudiosos para a economia mundial. Eles
consideravam que as atividades monetárias de uma economia, ou seja, a emissão
de moeda por meio dos instrumentos à disposição das autoridades monetárias,
como, por exemplo, o Banco Central, não influenciava, no longo prazo, as
variáveis reais da economia, como o nível do produto do Produto Interno Bruto
(PIB), o emprego, a taxa de juros real.

Eles acreditavam que esse aumento na emissão de moeda no longo prazo apenas
geraria mais inflação 2, ou aumento de preços.

No entendimento dos economistas clássicos a política monetária era um instrumento


irrelevante, pois havia a crença da neutralidade da moeda. Porém, observamos hoje
em dia que a política monetária é muito utilizada por todos os bancos centrais no
mundo para realizar ajustes econômicos.

Cabe destacar que uma política monetária, quando expansionista, tem a


capacidade de aumentar a demanda agregada da economia. No entanto, no caso
de uma política de contração na quantidade de moeda faz com que ela cresça em
um ritmo menor.

Para compreendermos o raciocínio que está por trás dessa teoria vamos
materializá-la por meio da equação quantitativa da moeda, na qual a relação entre
a moeda e a renda é representada pela equação Mv = PY, sendo M a oferta de
moeda, v a velocidade de circulação da moeda, supostamente constante, P o
nível geral de preços praticados e Y é nível do produto agregado da economia.

2 É aumento generalizado dos preços em uma economia. Em geral, índices de inflação são calculados por institutos
de pesquisa públicos ou privados. No Brasil, o índice de inflação oficial é o Índice de Preço ao Consumidor Amplo
(IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O excesso de inflação reduz o poder de
compra dos agentes econômicos.

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Ciclos econômicos

Os economistas clássicos acreditavam que devido à flexibilização de preços


e salários no longo prazo o nível de produto Y era constante, e tendo Y e
constantes, dobrar a quantidade de moeda circulando em uma economia apenas
dobraria a inflação no longo prazo.

John Keynes não acreditava na hipótese de Y constante, mesmo aceitando que


o nível do produto, Y, no longo prazo fosse constante. Para Keynes, o caminho
percorrido no longo prazo seria em alguns casos muito lento, o que faria ocorrer
recessões prolongadas na economia. Assim, o produto Y não sendo fixo abriria
espaço para um aumento na oferta de moeda, ou ajustes na política monetária,
que afetaria o produto.

Para diferenciar a teoria dos economistas clássicos e keynesianos, podemos


resumir que a escola clássica acreditava que salários e preços eram flexíveis e
que, como resultado, o governo não deveria intervir na economia. Entretanto,
Keynes acreditava que essa relação era contrária, pois a intervenção do governo
era essencial para combater as crises de curto prazo utilizando para esse fim
tanto a política fiscal quanto a monetária.

Seção 2
Ciclos econômicos
Os ciclos econômicos são caracterizados por regularidade de períodos de
prosperidade e declínio da atividade econômica, os quais estão diretamente
relacionados às instabilidades e crises na economia mundial. Neste estudo
teremos como base a análise de uma economia capitalista cujos ciclos são
inerentes a esse sistema.

2.1 Os primeiros estudos sobre ciclo econômico


Os primeiros estudos sobre as crises na economia mundial tentaram descrever as
variações que ocorriam nos mercados compostas pelas altas e baixas da atividade
econômica. Essas variações foram denominadas de ciclos econômicos, os quais
foram caracterizados como um movimento ordenado semelhante aos eventos
naturais estudados na física tradicional, como, por exemplo, as ondas sonoras.

No século XIX, o economista britânico William Stanley Jevons desenvolveu uma das
primeiras teorias referentes à ocorrência de ciclos econômicos, a qual era baseada
em flutuações existentes nos preços das safras agrícolas como causa fundamental
para as altas e baixas das atividades econômicas como um todo, desconsiderando
todos os demais setores econômicos para formação dessa instabilidade na
atividade econômica.

13
Capítulo 1

Essa teoria por isso só, nos dias de hoje, seria pouco acreditada, pois atualmente a
econometria pode comprovar que somente as flutuações dos preços agrícolas não são
suficientes para explicar na totalidade as oscilações de uma economia.

As análises desses ciclos presentes na economia também fizeram parte dos


estudos do economista sueco Johan Gustaf Knut Wicksell, que, no final do século
XIX, baseou-se nas oscilações da oferta de moeda para desenvolver sua teoria, a
qual foi muito explorada por Ralph Hawtrey e Milton Friedman entre as décadas
de 1950 e 1960.

Johan Wicksell apresentava duas hipóteses centrais para fundamentar sua teoria:

1. Devido ao padrão ouro 3, os bancos tinham dificuldade de


estabelecer as taxas de juros de equilíbrio na economia, pois ora
fixavam essas taxas muito abaixo do equilíbrio, ora fixavam muito
acima, gerando assim oscilações e, portanto, criando ciclos na
economia;
2. As flutuações da oferta de moeda afetavam as quantidades antes
de afetar os preços.
Cabe destacar que a tentativa de explicar o fenômeno dos ciclos econômicos
aparece nos estudos de praticamente todos os economistas clássicos, os quais
buscavam mensurar a ocorrência desses ciclos com o objetivo identificar os
momentos de reversão, pois, caso conseguissem prever antecipadamente os
movimentos, as soluções para os problemas gerados pelos mesmos seriam
automáticas.

Na opinião desses estudiosos, em uma economia, caso tais ciclos fossem


regulares nada deveria ser feito para interromper o “processo econômico natural”
composto pelos altos e baixos da atividade econômica, e assim não deveria
haver intervenções para acelerar ou interromper o processo de alta ou queda da
atividade econômica.

Outra linha de estudos referente aos ciclos da economia foi realizada pelo
economista austríaco Joseph Alois Schumpeter, cujas conclusões partiram do
pressuposto que o investimento privado oscilaria a partir das inovações. Portanto,
o fenômeno das oscilações afetava as variáveis reais da economia como produto
agregado, desemprego, renda, e não apenas as variáveis monetárias, por
exemplo, a inflação, conforme afirmavam Wicksell e Friedman.

3 Foi um regime de política monetária que vigorou entre os anos de 1870 e 1931, em que cada país se comprometia em
deixar o valor de sua moeda fixa em uma quantidade específica de ouro. Esse regime se assemelha ao que conhecemos
como câmbio fixo, no qual uma unidade de moeda nacional equivale a uma quantia em moeda estrangeira

14
Ciclos econômicos

Para Schumpeter, a oferta de moeda se expandiria nas fases de prosperidade e


declinaria na recessão, o qual considerava esse movimento como consequência
e não como causa da instabilidade econômica. Quanto à teoria de Schumpeter,
referente ao desenvolvimento econômico, ressaltamos que a mesma fundamentou
muitos estudos e ainda hoje é muito utilizada nos negócios empresariais.

Em síntese, segundo estudos realizados por diferentes autores, os ciclos


econômicos são eventos que trazem oscilações regulares na economia,
ocasionando altos e baixos com certa frequência na mesma.

Segundo Carvalho (1988, p. 744),

[...] a concepção de regularidade pode ser definida de duas


formas: forte ou fraca. No sentido forte uma economia, deixada
por si, com certeza teria logo à frente um período de crescimento
ou estabilidade e vice-versa. Entretanto, na regularidade fraca,
não há definição sobre a duração de cada fase, ou desses bons
e maus momentos da economia. Por outro lado, no sentido forte,
deve existir uma forma de mensurar a duração e a profundidade
da instabilidade ou prosperidade. (grifo nosso).

O ponto central sobre o estudo de ciclos econômicos não é identificar se a


economia tende a oscilar, mas se os altos e baixos da economia são cíclicos
ou periódicos. Isto é, se os mesmos comportam-se de acordo com um padrão
estável e identificável.

Nesse sentido, ao estudarmos os ciclos econômicos devemos focar nas flutuações


econômicas, as quais representam a dificuldade de uma economia capitalista
obter um crescimento estável, pois para haver ciclos econômicos é necessário
haver repetição entre os períodos de prosperidade e recessão, e não apenas altos
e baixos na atividade econômica, que é comum ao sistema capitalista.

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Capítulo 1

De acordo com Burns e Mitchell (1946, p. 3),

[...] os ciclos dos negócios são tipos de flutuações encontradas


na atividade econômica agregada das nações que organizam as
suas economias, principalmente como economia de mercado
(onde as empresas privadas são o foco): o ciclo consiste de
expansões econômicas ocorrendo ao mesmo tempo em muitas
atividades e seguidas por similares recessões generalizadas,
contrações e períodos de melhoria que se fundem dentro de
fases de expansão do novo ciclo.

Trazendo essa definição para realidade vivida na economia contemporânea, os


ciclos econômicos seriam flutuações de curto prazo observadas na atividade
econômica, em que não existe regularidade determinada nas flutuações, não
importando, dessa forma, o tamanho exato dos ciclos. No entanto, as diferenças
de amplitudes são aceitas, pois algumas depressões são moderadas, outras
severas, algumas fases de expansão são intensas, outras mais suaves.

Portanto, podemos verificar que os ciclos econômicos se caracterizam


por flutuações na economia, sendo que para nossos estudos será apenas
considerada a regularidade fraca, visto que os estudos baseados na regularidade
forte são contraditórios, pois cada um apresenta uma periodização.

Além disso, a regularidade forte é dependente de comprovação empírica de que


a economia tem seus altos e baixos regulares. Assim, não conseguimos dizer que
os altos e baixos na economia ocorrem de quatro em quatro anos, de dez em dez
anos, entre outros. É possível apenas comprovar que há altos e baixos.

A partir da Teoria Geral de Keynes, na década de 1930, a macroeconomia sofreu uma


revolução, visto que foi identificado que os ciclos econômicos poderiam ser criados por
políticas: fiscal e monetária.

Segundo Keynes, a intervenção governamental por meio das políticas


econômicas poderia criar ciclos na economia, corrigindo os períodos de
instabilidade, pois, caso uma economia esteja atravessando um período de
contração, o governo intervindo, por exemplo, com redução de impostos, fará
com que a economia retome o caminho do crescimento, restabelecendo o ciclo
econômico, invertendo, por meio da política fiscal, um período de retração para
um período de crescimento.

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Ciclos econômicos

Seção 3
A instabilidade na Teoria Geral de Keynes
John Keynes fez uma abordagem diferenciada daquelas realizadas pelos
estudiosos clássicos referente aos ciclos econômicos, não partindo nem do
comportamento individual dos agentes econômicos – produtores e consumidores
–, nem do ajuste automático dos mercados.

3.1 Princípios do estudo keynesiano


Para facilitar nossa compreensão quanto à teoria de Keynes vamos fazer
uma analogia entre os elementos que constituem uma floresta e os integram
que a economia. Podemos dizer que na floresta há diversas árvores e seres
vivos interagindo entre si, assim como em uma economia há interações entre
consumidores, empresas e governo.

Keynes estudou a economia considerando os conceitos econômicos de


maneira agregada como a renda nacional e seus componentes, o consumo, o
investimento, as despesas do governo, as importações e as exportações, como
se estivesse estudado uma floresta de cima, como um todo, e não apenas as
árvores individualmente, ou os seres de forma particular.

A análise dos ciclos econômicos usa como base a microeconomia, na qual a


teoria dos preços prevalece e por isso mantêm o olhar nos indivíduos e seus
comportamentos. Já Keynes estudou a agregação dos agentes econômicos na
macroeconomia, focando-se no nível geral de preços e não apenas analisando
um determinado setor e seus problemas.

No estudo da macroeconomia, como, por exemplo, as contas nacionais de


um determinado país, prevalece o produto gerado por todos os seus agentes
econômicos, em que, por meio das contas nacionais, são calculados o consumo,
o investimento, a poupança e também os gastos públicos, e, a partir deste
estudo, o país consegue definir o seu PIB.

Keynes criticou fortemente a teoria econômica vigente até a década de 1930, na qual
imperava a lógica de que o mercado sempre seria capaz de determinar um preço que
igualasse a quantidade ofertada e demandada de bens ou serviços em qualquer tipo
de mercado.

17
Capítulo 1

Por exemplo, no mercado de trabalho, na teoria clássica, as famílias escolhiam


quanto desejavam trabalhar e as firmas escolhiam quanto contratar de mão de
obra, sendo o mercado que determinaria o salário de equilíbrio. Neste caso,
seria o “livre” mercado de trabalho que definiria a quantidade de horas ofertadas
pelos trabalhadores e a quantidade de horas demandada pelas empresas que
necessitavam contratar.

Para essa concepção econômica a quantidade de produto a ser produzido


estava relacionada à tecnologia vigente e dependeria da quantidade de máquinas
disponíveis nas empresas, as quais decidiriam a quantidade de mão de obra a ser
contratada para produzir determinada quantidade de produto.

De acordo com os princípios econômicos da teoria clássica que dominaram boa


parte dos séculos XIX e XX, a demanda sempre seria igual ao produto, assim
não haveria margem para uma demanda insuficiente ou subconsumo,
pois, tudo aquilo que fosse produzido seria consumido, idealizando
interações econômicas diferentes daquelas que Keynes observava, e só ficaria
desempregado quem não concordasse com as condições impostas pelo mercado
de trabalho e as empresas nunca teriam estoques indesejados.

Mas, como explicar, a partir da teoria dos economistas clássicos, a Grande


Depressão econômica de 1929 apenas partindo do equilíbrio obrigatório do
mercado de trabalho? Por que existiam filas de pessoas desempregadas e
estoques não vendidos pelas empresas?

Keynes observou um desequilíbrio geral e persistente na economia a partir de


1929, o qual era um fenômeno não explicado pela teoria do “autoajuste” ou dos
economistas clássicos.

Na macroeconomia clássica, cujos pressupostos básicos eram preços e salários


sempre flexíveis, o mundo econômico era governado por leis naturais que
possibilitavam encontrar o equilíbrio. A premissa era que quando as economias
funcionassem livremente produziriam sempre os melhores resultados possíveis.

Segundo Keynes, os economistas clássicos estavam errados em vários aspectos, e


uma das discordâncias era justamente no mercado de trabalho, pois não havia sentido,
por exemplo, que as pessoas optassem entre trabalho e lazer. Assim, o equilíbrio
automático da demanda e da oferta de trabalho não existia no mundo real.

18
Ciclos econômicos

Como a teoria clássica não podia mais se apoiar neste pressuposto de


quantidades de horas trabalhadas para determinar o nível de produto agregado
de uma economia, Keynes propôs o produto total de uma economia em função
de sua demanda total, focando suas atenções nos grandes agregados da
economia como as decisões com consumo privado e os investimentos e
gastos públicos, os quais condicionavam a decisão de produzir.

Os empresários, por exemplo, analisariam a situação da economia e decidiriam


quanto produzir, e não o contrário; produzir quanto puder, pois a demanda se
ajustaria. Para Keynes, os empresários, caso não encontrassem demanda para
seus produtos no mercado, iriam reduzir a produção, causando um efeito em
cadeia como desemprego, subconsumo e recessão.

Conforme podemos observar, a lógica de produção de Keynes é oposta


àquela preconizada pelos clássicos. Entretanto, em ambos os casos o valor do
produto deveria ser igual ao da despesa total, sendo que no modelo clássico
era a quantidade produzida que determinava a despesa, enquanto no modelo
keynesiano era a despesa que determinava a quantidade produzida, existindo um
permanente conflito entre oferta e demanda.

Para Keynes, as recessões poderiam ser amenizadas ou solucionadas pelas


políticas governamentais, principalmente pela política fiscal. Mas para os
clássicos a recessão teria um efeito negativo passageiro no produto e no nível de
consumo, e bastava o governo controlar os gastos e administrar suas receitas.

3.2 A instabilidade na teoria keynesiana


A instabilidade econômica foi o foco principal dos estudos de John Keynes que,
inconformado com a persistência das crises, como a Grande Depressão de 1929,
direcionou seus estudos às causas fundamentais das instabilidades econômicas.

A grande contribuição que a teoria keynesiana traz para a economia diz respeito
aos investimentos realizados pelos empresários, os quais não aumentam em
grau suficiente para cobrir a crescente taxa de poupança, ou então o nível de
poupança não é igual aos investimentos na economia.

A causa dessa diferença, entre poupança e investimento, é a propensão


marginal a consumir inferior a unidade, visto que na economia há uma
tendência permanente ao subconsumo, que é agravada pela distribuição desigual
da renda, a qual os investimentos não conseguem cobrir, resultando em uma
depressão crônica do sistema capitalista, com a possibilidade de o emprego
manter-se de forma indefinida.

19
Capítulo 1

Keynes inova em seus estudos encontrando respostas importantes a partir


da figura do multiplicador, conhecido como multiplicador keynesiano, o qual é
detalhado na sequência.

Por que os investimentos seriam insuficientes se deixados sob controle dos


mecanismos do mercado?

A insuficiência de investimentos na economia, caso fossem somente controlados


pelos mercados, ocorreria pela desconfiança tanto de consumidores quanto de
empresários, principalmente em situações de crise, em que os consumidores
reduziriam suas compras de bens de consumo e o empresariado reduziria o nível
de eficiência marginal 4 do capital prevendo lucros futuros menores, e, portanto,
reduzindo o nível de investimento.

A seguir apresentamos um sistema de equações que sintetiza nosso raciocínio


quanto ao multiplicador keynesiano e a ideia de eficiência marginal do capital.
Para simplificar esse raciocínio utilizaremos o exemplo de uma economia fechada,
sem transações comerciais com o resto do mundo.

Equação 1:

D=C + I +G
Em que:

D = Despesa total da economia


C = Representa o consumo privado
I = Investimento
G = Gasto público
Neste modelo de análise econômica uma das condições fundamentais é o
consumo privado, o qual é dependente da renda das famílias, pois quanto maior
for a renda de uma família, maior será seu consumo.

Segundo a teoria keynesiana, há uma relação direta entre o aumento da renda do


consumidor e seu consumo. Por exemplo, ao se aumentar (diminuir) uma unidade
monetária ($1,00) na renda o consumo familiar aumenta (diminui) em valor inferior a
uma unidade monetária ($1,00).

4 Essa eficiência marginal pode ser entendida como as taxas de retorno esperadas em um investimento. Sendo assim,
caso essas taxas sejam inferiores às taxas de juros praticadas no mercado financeiro, o empresário não investirá.

20
Ciclos econômicos

O aumento do consumo associado ao aumento na renda foi chamado de


propensão marginal a consumir, pois, de acordo com a definição anterior, a
propensão marginal a consumir é inferior à unidade.

Transformando a equação a seguir com base na premissa em relação ao


consumo das famílias teremos:

Equação 2:

Y = C (Y) + I + G

Na equação apresentada Y representa a renda total da economia, ou seja, o PIB.


Assim, desde que o investimento e o gasto do governo não dependam da renda,
a equação pode ser resolvida de forma a determinar o valor de Y para cada valor
de G e de I , para isto basta estabelecermos uma forma para a função
consumo.

Uma hipótese bastante prática para se trabalhar a hipótese de que o consumo é


uma função linear da renda é demonstrada a seguir por meio da Equação 3:

C (Y) = CA + cY

Na equação anterior a variável definida como C A representa o consumo


autônomo ou o básico do consumo familiar, sendo o mínimo de consumo
aceitável. Mesmo que a renda seja zero este consumo sempre existirá, o qual
também é chamado de consumo de subsistência. A propensão marginal a
consumir é dada pela variável c , e, caso a renda aumente uma unidade, o
consumo aumentará em c unidades monetárias.

No gráfico a seguir, podemos verificar que a demanda agregada (DA) está


igualada ao produto agregado( Y ) ou oferta agregada (DA) em que DA=Y por
meio de uma reta de 45 graus. A reta D = C(Y) + 1 + G representa a despesa, e
possui inclinação determinada por c = Propensão marginal a consumir.

É importante que tenhamos em mente que necessariamente c será menor que


1 em virtude da inclinação, sendo que o equilíbrio será obtido por meio da
interseção das duas retas, em que a despesa será igual à renda.

21
Capítulo 1

Figura 1.1 – Equilíbrio DA e Y (OA)

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Na figura apresentada, temos alguns elementos importantes para o entendimento


do multiplicador keynesiano. O primeiro é a reta de 45 graus, a qual divide a área
do gráfico em duas metades

iguais, os pontos ao longo dessa reta são equidistante dos dois eixos vertical
e horizontal, respectivamente (DA,Y), ou seja, essa reta é a representação
geométrica de todos os pontos em que DA=Y.

Por outro lado, a função consumo ou função demanda, DA=Y+1+G, intercepta


a reta de 45 graus no ponto E, no qual toda a renda agregada da economia será
gasta, permitindo assim o equilíbrio. É possível verificarmos à direita do ponto
E que Y>D, sendo a renda excedente à demanda; já à esquerda do ponto E,
observamos que D<Y, sendo que o consumo excede a renda.

Para solucionar e encontrar o multiplicador keynesiano, basta desenvolver as


seguintes equações:

Equação 4:

Y=CA+cY+1+G

A Equação 4 é resultado do equilíbrio entre a oferta e a demanda agregada, em


que toda renda Y será gasta pelo consumo autônomo (CA), pelo consumo como
função da renda (cY), investimentos (I) e despesas do governo (G). Para isolar os
efeitos da propensão marginal sobre os gastos resolvemos a Equação 4 para o
nível de produto (Y) e obtemos a Equação 5 mostrada a seguir:

22
Ciclos econômicos

CA + I + G
Y=
1� c

Essa última equação representa o equilíbrio encontrado no ponto E da figura


apresentada. Os gastos autônomos, divididos pela propensão marginal a
consumir, definirão o equilíbrio, sendo que quanto maior a propensão marginal a
consumir maior será a renda de equilíbrio. Este resultado corresponde à proposta
central de Keynes, de que a demanda determina a renda de equilíbrio, e que
quanto maior o consumo em uma sociedade maior será a renda do país.

A seguir apresentamos um exemplo prático do efeito multiplicador.

Como hipótese, suponhamos que um determinado país tenha propensão marginal


a consumir (c) de 0,6. A soma de tudo o que se consome nesta economia tenha
o valor de $ 5.000 unidades monetárias, e que o governo decida aumentar seus
gastos em $ 200 unidades monetárias. Com base na teoria do multiplicador de
Keynes, qual será o novo equilíbrio dessa economia?

Em primeiro lugar devemos considerar que a economia encontra-se em um ponto


de equilíbrio inicial: Y0

O aumento de gastos do governo da ordem de $ 200 resultará em:

Verificamos que um aumento dos gastos do governo de $ 200 resultou em um


aumento de renda no valor de $ 500. Este efeito está totalmente alinhado à teoria
de Keynes de que a despesa determinará a renda de equilíbrio.

Cabe destacar que uma situação inversa a essa apresentada também é


verdadeira, visto que, caso o consumo em uma economia seja reduzido, o
efeito multiplicador causa a redução da renda gerando um efeito recessivo na
economia.

23
Capítulo 1

Assim, concluímos que a retração da economia não é apenas um ajuste


temporário como imaginavam os economistas clássicos, podendo ser
permanente, pois o ciclo recessivo tomaria conta da economia, caso o consumo
agregado continuasse em queda, porque a renda agregada sempre reduziria mais
que a queda do consumo.

3.3 A poupança, o investimento e a determinação da renda –


modelo keynesiano
Para estabelecermos um contraste analítico entre a teoria clássica e a keynesiana
é fundamental determinarmos a renda agregada sob a ótica da poupança e
do investimento, e considerar a poupança a parte da renda não consumida da
economia como um todo.

Para entender essa relação, apresentamos um exemplo em que temos uma


economia fechada onde o consumo é efetuado pelas famílias e pelo governo,
conforme apresentado pela Equação 6 na sequência:

S (Y ) = Y � C (Y ) � G
Embutindo a Equação 3 da função consumo é possível transformá-la em função
poupança S(Y), a qual é representada na Equação 6 como sendo a renda
agregada da economia Y menos os gastos das famílias, ou consumo agregado
c(Y) também como função da renda agregada e do consumo do governo G.
Substituindo C(Y) com a definição que o consumo depende do nível de gastos
autônomos CA e do multiplicador do consumo cY, teremos como resultado a
equação 7 a seguir:

Sendo s = 1 - C, a propensão marginal a poupar.

Neste exemplo, a variável fundamental para determinar a poupança é a renda


e não a taxa de juros. Para determinar a renda de equilíbrio com base nessa
formulação usa-se a Equação 2Y - C - G = I, ou seja, premissa de que no
equilíbrio a poupança é igual ao investimento.

24
Ciclos econômicos

A figura seguinte ilustra o ponto de equilíbrio entre poupança e investimento:

Figura 1.2 – Equilíbrio entre poupança e investimento

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Podemos observar na figura anterior que o investimento, I , é representado por


uma linha reta devido ao fato de ser influenciado pela renda, e a poupança S(Y) é
uma função linear crescente da renda. Dessa forma, quanto maior a renda maior a
poupança (inclinação menor que 1).

Cabe destacar que vamos encontrar o ponto de equilíbrio onde a poupança é


igual ao investimento.

Essa formulação resultante é no mínimo intrigante, visto que há uma situação que
contradiz a intuição comum: o paradoxo da parcimônia.

Dessa forma, caso a economia decida ser mais poupadora, aumentando a propensão
marginal a poupar, tal aumento implicará em uma redução da propensão marginal de
consumir, porque essas duas variáveis, uma vez somadas, equivalem a 1.

Com essa redução da propensão marginal a consumir ocorrerá uma queda na renda
de equilíbrio, cujo valor depende da própria propensão marginal a consumir. Uma vez
que a poupança é determinada pela renda, esta redução na renda de equilíbrio pode
fazer com que o desejo de poupar mais, leve a uma redução da poupança.

25
Capítulo 1

3.4 Investimento e poupança na visão dos economistas clássicos


Na visão dos economistas clássicos, com a poupança dependendo da renda e
o investimento tratado como fixo, não dependendo da renda, o resultado é que
não existiria nenhuma força de mercado que fizesse com que a poupança se
igualasse ao investimento.

A ausência de forças do mercado financeiro capazes de igualar os mercados,


neste caso o investimento e a poupança, é uma das principais conclusões da
teoria de Keynes. Assim, o mercado não seria capaz de, sozinho, garantir que não
ocorressem crises enormes como, por exemplo, as que ocorreram recentemente
entre os anos 2008-2011.

As famílias, por exemplo, para efetuarem a poupança de parte de suas rendas


devem encontrar no mercado alguém disposto a pagar para poder usar este
dinheiro, sendo que a poupança (não confunda com a Caderneta de Poupança)
passa a ser uma oferta de recursos. Por outro lado, quando uma empresa decide
investir, terá que encontrar também no mercado alguém que assuma o risco e lhe
financie. Estamos tratando aqui de um mercado de fundos emprestáveis.

Caso as famílias decidam poupar uma quantia muito pequena em relação àquilo que as
empresas desejam investir, essas empresas disputarão os poucos recursos existes no
mercado, ofertando um pagamento maior pelo empréstimo, o qual resultará em uma
taxa de juros mais elevada no mercado e vice-versa.

É importante ressaltar que o aumento da taxa de juros funciona como um


incentivo para que as famílias poupem ainda mais, basta ver o que acontece
quando estamos com inflação alta e deliberadamente o Banco Central (BACEN)
realiza aumentos da taxa básica da economia (SELIC), com objetivo que a perda
de consumo hoje seja recompensada no futuro e vice-versa.

Na próxima figura observamos as variáveis que compõem o equilíbrio de fundos


emprestáveis.

26
Ciclos econômicos

Figura 1.3 – Equilíbrio entre fundos emprestáveis

Fonte: Elaboração do autor (2012).

A partir da análise da figura apresentada é possível constatar que o mercado de


fundos emprestáveis funciona como em qualquer mercado, sendo que a taxa de
juros de equilíbrio é representada por r , e a quantidade de poupança no equilíbrio
é representada por Q.

Cabe observar que, caso ocorra algum desequilíbrio entre poupança e


investimento, a taxa de juros se moverá para manter o equilíbrio. Nesta
perspectiva as forças de mercado são capazes de garantir a igualdade entre
poupança e investimento, de tal forma que não haverá espaço para crises
causadas por excesso de poupança e escassez de consumo.

Uma consequência imediata desta diferença entre a perspectiva do mercado de


fundos emprestáveis e o modelo keynesiano é a forma como a economia reage
a um aumento dos gastos do governo desacompanhado de um aumento nos
impostos. O modelo keynesiano prevê que o aumento de gastos do governo leva
a uma elevação da renda, ocasionando um aumento da poupança das famílias
uma vez que a mesma é função da renda.

Do ponto de vista do mercado de fundos emprestáveis, o aumento do gasto


público deve ser financiado de alguma forma, e, caso não ocorra, por exemplo,
por meio de um aumento de impostos, o governo terá de pegar emprestado parte
da poupança para financiar seus gastos, o que implicará em uma queda no total
de recursos disponível para empréstimo às firmas, ocasionando um deslocamento
para a esquerda da oferta de fundos emprestáveis.

27
Capítulo 1

Figura 1.4 – Aumento dos gastos públicos

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Observamos no gráfico anterior que esse deslocamento da oferta para esquerda


causará um aumento nos preços e uma redução na quantidade de fundos
emprestáveis, dinheiro disponível para empréstimo, resultando, para o mercado
de fundos emprestáveis, um aumento da taxa de juros e uma queda tanto na
poupança quanto no investimento privado.

Retomando a ideia da teoria keynesiana, em que a taxa de juros é dependente


tanto da oferta quanto da procura de moeda, verificamos que um nível mínimo
previsto, segundo esta teoria, em que a taxa de juros não cairá, ficando em um
patamar conhecido por armadilha da liquidez.

Isso ocorre, pois, a partir de certo nível reduzido da taxa de juros, a procura
de moeda seria perfeitamente elástica em relação aos juros, sendo a curva de
procura por moeda horizontal. Desse modo, as autoridades poderiam aumentar a
quantidade de moeda que a taxa de juros não cairia mais, ocorrendo o fenômeno
da armadilha da liquidez que é típica em momentos de recessão.

A redução da demanda efetiva de bens e serviços levaria a uma previsão de lucros


menores, gerando pessimismo entre investidores e acarretando uma redução nos
investimentos e a permanência da taxa neste nível, uma vez que, com o ajustamento
automático, a redução dessa taxa não funcionaria devido à armadilha da liquidez.

É importante registrar que a taxa de juros muito baixa é típica das recessões,
sendo que neste período ocorre redução da atividade econômica porque o
valor dos títulos públicos de renda fixa tende a aumentar fazendo baixar a taxa de
juros do mercado.

28
Ciclos econômicos

O valor desses títulos cresceria exatamente porque nessa época os investidores,


cuja previsão de lucros futuros estaria diminuída em decorrência da crise, sentir-
se-iam mais seguros aplicando seu dinheiro em títulos de renda fixa, por exemplo,
títulos do governo, em detrimento aos das empresas.

O resultado deste fenômeno seria a instabilidade da economia, desemprego


crônico, procura agregada efetiva em permanente estado de recessão, entre
outros. Neste cenário teríamos as flutuações, porque a economia estaria sendo
guiada pelo laissez-faire 5. Sem as intervenções das políticas monetárias ou fiscais
a economia seria tomada pela recessão, depressão e uma crise generalizada.

No modelo keynesiano a solução da teoria clássica para o desemprego via


redução dos salários nominais não era aceitável, pois, de um lado, os salários
são inflexíveis para baixo, devido à atuação de instituições como os sindicatos,
de outro porque uma redução nos salários reduzirá também a demanda efetiva,
principalmente no consumo.

A contra-argumentação clássica é que a redução dos salários faria crescer o valor


real do dinheiro e a taxa de juros reduziria, aumentando os investimentos. Keynes
teorizou que a redução da taxa de juros não é possível na armadilha da liquidez.

Keynes centralizava seus esforços na política fiscal, visto que a política monetária
ficava inerte nos momentos mais agudos de crise. Assim, propunha a realização
de grandes investimentos públicos.

Seção 4
Ciclos econômicos versus Teoria Geral de Keynes
Na visão dos economistas clássicos o nível de poupança define a renda da
economia e, por sua vez, o nível de investimento, e quando há um aumento na
poupança, considerando a taxa de investimento constante, há uma redução na
aquisição de bens e serviços na economia. Portanto, pela redução do consumo
de bens e serviços o lucro das empresas se reduz, o desejo de investir dos
empresários diminui a renda e o desejo de poupar também serão menores. Esse
processo traz a economia de volta ao equilíbrio segundo os clássicos onde
poupança será igual a investimento.

Para John Keynes o investimento não possui uma dependência da poupança, e


as decisões de investir e poupar são independentes.

5 Versão mais pura de capitalismo em que o mercado deve funcionar livremente.

29
Capítulo 1

Dessa forma, o investimento seria impulsionado pela demanda efetiva dos


agentes econômicos.

Em virtude dessa controvérsia sobre o investimento, a poupança e o nível de


atividade econômica entre as escolas de pensamento clássica e keynesiana, foi
preciso que o economista britânico Richard Ferdinand Kahn desenvolvesse um
multiplicador para diferenciar o nível da atividade econômica tanto na teoria de
Keynes quanto na clássica. Esse multiplicador relaciona a variação do consumo
ao investimento, em que ambos se movem na mesma direção, resultando
variações globais do emprego e do produto.

A obra de Kahn, The relation of home investment to unemployment, 1931, citado


por Keynes (1985), foi que pela primeira vez introduziu o conceito de multiplicador
na teoria econômica, relacionando a variação do volume de emprego à variação
líquida do investimento, procurando, inclusive, formalizar critérios para o cálculo
da relação real em termos quantitativos entre o incremento do investimento
líquido e o consequente crescimento provocado no nível do emprego agregado. O
multiplicador de Kahn poderia ser denominado de “multiplicador de emprego”.

Tendo como base os estudos de Kahn, John Keynes criou o multiplicador do


investimento, no qual o consumo cresceria menos proporcionalmente ao aumento
da renda agregada da economia, fenômeno conhecido nos livros didáticos como
propensão marginal a consumir.

No entendimento dos estudiosos das crises e dos altos e baixos da economia


anteriores à Keynes, economistas ditos clássicos, existir mais ou menos
desemprego em algum momento é apenas uma característica básica do sistema,
e que o desemprego é um processo natural para que logo se obtenha a volta para
o pleno emprego dos recursos.

É importante observar que Keynes não estuda em sua teoria o tipo de ciclo que
a economia está vivenciando nem a sua periodicidade, visto que direciona seus
estudos as causas que levam a economia aos seus altos e baixos. Assim, o
desemprego não seria apenas uma condição básica do sistema, e sim inerente ao
próprio sistema capitalista.

Na teoria de Keynes encontramos o estudo da incerteza e da formação de


expectativa dos agentes econômicos. Dessa forma, a ênfase passa a ser dada
a choques exógenos 6 que afetam a economia, entre os quais se encontra a
mudança nos estados de expectativas de longo prazo.

Para Keynes, o desemprego na economia, as mudanças de expectativas de longo


prazo e choques exógenos fazem parte do jogo econômico.

6 São eventos que afetam a economia de fora para dentro. Por exemplo, uma crise em um país vizinho afetando a
nossa produção.

30
Ciclos econômicos

Até mesmo no equilíbrio da economia há a possibilidade de convivermos com


capacidade ociosa e desemprego. Uma das novidades de Keynes na Teoria Geral foi
justamente a descoberta do “equilíbrio com desemprego”.

O ciclo econômico, na teoria de Keynes, tinha a característica de que a transição


da fase ascendente para a descendente, ou a crise propriamente dita, era abrupta
e o retorno, da fase descendente para a ascendente era gradual; o investimento
era considerado autônomo e as oscilações nas decisões de investimento
configuravam a origem dos ciclos econômicos.

Assim, durante as expansões econômicas o investimento na economia se tornaria


mais atraente que o investimento no mercado financeiro, como, por exemplo,
títulos; e nas retrações exatamente o inverso.

Os ciclos dessa forma são explicados por Keynes por meio de flutuações
do nível de investimento na economia. Lembrando que, quando tratamos de
investimento na Teoria Geral de Keynes, estamos considerando a aquisição de
equipamentos do setor produtivo, os quais não são as aplicações no mercado
financeiro.

4.1 Os ciclos na Teoria Geral de Keynes


Para Keynes, no mundo real, os movimentos da economia tendem a desfazer-se
antes de atingir extremos e a reverter, como acreditam os economistas clássicos.
Uma explicação aos altos e baixos da economia foi tratada naquilo que Keynes
denomina “condições de estabilidade”, que, supostamente, eram consideradas
responsáveis pela perda de impulso e, por fim, a reversão dos movimentos de
expansão ou contração.

Há uma convicção na teoria keynesiana de que flutuações podem começar


bruscamente, mas se desgastam antes de atingir extremos e podem, até mesmo,
se manter em uma situação intermediária entre picos e vales. Keynes era, porém,
demasiadamente ligado ao mundo real da economia para satisfazer-se com uma
concepção caracterizada pelo simetrismo e pela ausência de crises, conforme
preconizava o modelo clássico.

Para Keynes, o ciclo real de uma economia, ou seus altos e baixos, ocorre devido
à alteração na eficiência marginal do capital. Esta última seria influenciada pela
expectativa de longo prazo.

31
Capítulo 1

O ciclo inicia com um crescimento autônomo dos investimentos e, ao analisar


o comportamento dos estoques, é possível entender a ligação que existe entre
os investimentos fixos e o ciclo de negócios. Assim, se ocorrer um aumento
inesperado na demanda agregada essa será atendida pelo aumento dos estoques
e vice-versa.

A explicação para a variação dos estoques, uma vez que ocorreu o aumento da
demanda, é que as empresas desejam manter certos estoques de sua produção
total. Portanto, depois do aumento na demanda as mesmas ajustam sua
produção a um novo nível.

Quando a economia está inserida em uma recessão há acúmulo de estoques e,


quando a economia melhora, há o ajuste da produção e dos estoques futuros. Assim,
com os altos e baixos dos estoques reais na economia, podemos ter ciclos.

Para ilustrar como os ciclos estão presentes na teoria keynesiana vamos


apresentar o comportamento cíclico da economia por meio do ciclo dos
estoques.

Como a questão é a demanda insuficiente ou excesso desta para gerar ciclos,


a investigação se inicia com a variação nos gastos autônomos. No chamado
modelo de multiplicador, visto anteriormente, quando há ocorrência de uma
mudança nos gastos autônomos, acontece uma alteração na renda baseada no
multiplicador. Dessa forma, a passagem de uma renda de equilíbrio para outra
ocorreria sem ciclos.

De uma maneira mais formal verificar-se-ia da seguinte forma, conforme mostra a


Equação 8:

Y = C + I + �estoques
Sendo que o produto agregado (Y) é função do consumo C, dos investimentos I
e as variações dos estoques serão �estoques .

Os investimentos serão influenciados pelo “instinto animal” dos empresários.


No modelo matemático que vamos utilizar o consumo será igual ao do período
anterior.

C = cY

C = C-1

C=cY1

32
Ciclos econômicos

Como a variação dos estoques temos a Equação 9:

�estoques em t - 1 = cY-1 - cY-2


Com uma oscilação na renda ou consumo de forma repentina e não prevista
pelos empresários fará com que as empresas produzam para atender a demanda
e para repor os estoques anteriores.

Neste sentido, teremos equilíbrio nesse sistema apenas quando Y-1 - = Y-2, ou
seja, quando a variação dos estoques for igual a zero. No entanto, uma oscilação
inesperada da demanda levará a alterações no estoque e causará ciclos na
economia até o ponto de equilíbrio.

33
Capítulo 2

Schumpeter e a teoria do
desenvolvimento econômico

Seção 1
Quem foi Joseph Alois Schumpeter e quais
contribuições deixou para humanidade?
Joseph Alois Schumpeter foi um economista que marcou sua época ao
desenvolver teorias sobre todo o sistema econômico, teorizando sobre diversas
áreas do conhecimento econômico como a teoria econômica propriamente
dita; a evolução do sistema capitalista; e a história econômica. Assim, podemos
considerá-lo um sociólogo econômico.

1.1 Teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter e sua


abrangência
Em seus estudos alguns temas são considerados vitais para a compreensão
da situação de uma economia. Dessa forma, quando estudamos Schumpeter,
verificamos abordagens diversas sobre o desenvolvimento econômico, como, por
exemplo, o papel do empresário, a importância da inovação, o estudo dos ciclos
econômicos, e a evolução e a perspectiva sobre fim do capitalismo.

De acordo com Costa (2006, p.1), a forma como Joseph construiu sua teoria geral
da economia foi inspirada nos economistas clássicos Adam Smith (1723-1790),
David Ricardo (1772-1823), Karl Marx (1818-1883), dentre outros.

Em toda a sua obra podemos verificar a obstinação de compreender se a forma


de produção capitalista é sustentável ao longo do tempo. “Schumpeter procurou
compreender os movimentos gerais da economia e o destino de um modo
particular de produzir em sociedade: o capitalismo.” (COSTA, 2006, p. 1).

35
Capítulo 2

O próprio Schumpeter (1997, p. 24) relata na Teoria do Desenvolvimento


Econômico que seu objetivo é explicar o desenvolvimento econômico do
capitalismo, tendo a concepção de que não haveria mudanças naturais na
economia ao longo do seu desenvolvimento, e que as mudanças econômicas
seriam provocadas pelo empresário e suas inovações.

“O sistema econômico não se modificará arbitrariamente por iniciativa própria, mas estará
sempre vinculado ao estado precedente dos negócios.” (SCHUMPETER, 1997, p. 28).

1.2 Origens e aspectos relevantes sobre Schumpeter


Schumpeter nasceu em 8 de fevereiro de 1883, em Triesch, na Morávia, uma
província austríaca que hoje pertence a

Tchecoslováquia e era filho único do fabricante de tecidos, Alois Schumpeter, e


de sua esposa, Johanna.

Scumpeter completou todos os estudos na Áustria, onde obteve o título de


Doutor em Direito. Naquela época, o curso de Direito incluía o estudo em
economia e ciências políticas e isso proporcionou a Schumpeter a clareza com
que desenvolve os textos em economia e suas análises sobre o comportamento
da sociedade.

Schumpeter também se dedicou aos negócios e à política no período de 1919


e 1924, ficando distante das atividades docentes, sendo ministro da Fazenda
do primeiro governo republicano da Áustria, mas somente por um período curto
de apenas 10 meses, em 1919. Aventurou-se pelo mercado financeiro como
presidente do Biedermannbank, instituição bancária do setor privado, que apesar
pequena possuía renome.

Essa instituição bancária foi à falência em 1924 devido às difíceis condições


econômicas e também fraudes da diretoria, o que levou Schumpeter a retomar a sua
vida acadêmica, pois, em virtude dessa falência, havia perdido toda a sua fortuna e
estava endividado.

De acordo com Costa (2006, p. 2), de 1925 até seu falecimento, em 1950,
Schumpeter dedicou-se apenas a atividades ligadas à academia. Depois uma
longa passagem pela Universidade de Bonn, foi para Havard, no período de
1927 e 1928 com um retorno em 1930. Estabeleceu residência nos Estados
Unidos em 1932.

36
Ciclos econômicos

Na qualidade de professor, Schumpeter teve como alunos


economistas que se destacaram na profissão: Paul Sweezy,
Paul Samuelson, Wolfgang Stolper, H. Stackelberg, James
Tobin, Lloyd Metzler, Richard Goodwin, Paolo Sylos-Labini,
dentre outros. (COSTA, 2006, p. 2).

Cabe destacar que aos 50 anos Schumpeter já havia escrito 17 livros, inclusive
novelas e centenas de artigos e ensaios científicos. No conjunto da sua obra há
destaque para os seguintes textos: Theory of Economic Development (1911);
Business Cycles (1939); Capitalism, Socialism and Democracy (1942); e History of
Economyc Analysis (1954), esta publicada depois da sua morte.

Schumpeter, ao longo de suas obras, transita entre quatro grandes temas: Teoria
Econômica, Sociologia Econômica, Estrutura da Sociedade Econômica
e História Econômica. Tanto é que quando escreve Theory of Economic
Development ou Business Cycles, Schumpeter coloca o tema desenvolvimento
econômico em destaque.

Nesses estudos ele explica a função dos empresários como motor do


desenvolvimento da economia e das inovações como uma variável de mudança de
estado, as quais teriam o poder de romper com um ciclo de negócios antigo e trazer
prosperidade e crescimento.

Em Teoria do Desenvolvimento Econômico Schumpeter acaba rompendo de


certa forma com os demais economistas clássicos, pois considera o progresso
técnico, via inovações, a chave para um país se desenvolver, contrariando a ideia
dos referidos economistas de que a economia, para se desenvolver, utilizar-se-
ia apenas do aumento do estoque de mão de obra (população), aumento da
produção ou acúmulo de quaisquer outros recursos, inclusive capital.

Quando elabora A Teoria do Desenvolvimento Econômico Schumpeter reconhece


a diferença entre desenvolvimento e crescimento econômico, definindo que:
“[...] nem será designado aqui como um processo de desenvolvimento o mero
crescimento da economia, demonstrado pelo crescimento da população e da
riqueza”. (SCHUMPETER, 1997, p. 74).

Schumpeter, em outra passagem da sua obra, relaciona inovação à criação de


novos mercados e o empreendedor como sendo o responsável por promover as
“coisas novas” na economia. Nesse momento fica clara a noção de destruição
criadora na qual os antigos processos abrem espaço para novos.

37
Capítulo 2

[...] o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica,


e os consumidores são educados por ele, se necessário; são,
por assim dizer, ensinados a querer coisas novas, ou coisas que
diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de
usar. (SCHUMPETER, 1997, p. 76).

Podemos observar que na teoria de Schumpeter o consumidor tinha um papel


passivo porque dependia do empresário e de suas inovações, por isso, ensinado
pelos empresários a querer coisas novas.

Em outro ponto de sua teoria, Schumpeter retrata o sistema de crédito que


seria destinado apenas aos empresários para desenvolver as suas criações
ou inovações. Atualmente, o mercado de crédito é importante para o
desenvolvimento econômico de um país, em que os bancos de desenvolvimento
prestam um papel fundamental no fornecimento de capital ao empresário que
necessita sempre investir em novos projetos, ou inovar. Também se observa que o
crédito ao consumidor também é bastante desenvolvido e necessário.

No Brasil temos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) como


sócio ou credor de diversas empresas brasileiras e seu propósito é aumentar a
capacidade produtiva e a competitividade dessas para a geração de emprego e
desenvolvimento no país.

Schumpeter já reconhecia o importante papel do crédito no desenvolvimento


econômico e que este deveria ser reservado ao empreendedor como único
merecedor do crédito, justificado apenas para a alocação em projetos produtivos.

Primeiro devemos provar a afirmação, tão estranha à primeira vista, de que em


princípio ninguém além do empresário precisa de crédito – ou o corolário, mas
de imediato uma afirmação muito menos estranha, de que o crédito serve ao
desenvolvimento industrial. (SCHUMPETER, 1997, p. 107).

Nesse sentido, podemos verificar que o crédito ao consumidor, para Schumpeter,


não deveria ser considerado como vital para o desenvolvimento econômico
como é considerado hoje em algumas teorias de desenvolvimento. Apesar de
reconhecer a importância do crédito ao consumidor, não faz nenhuma análise
mais aprofundada do tema.

Ainda ao longo da sua obra há destaque para o capital como um “agente


especial”, unindo o mercado de capitais ao monetário. Assim, cria um tripé de
análise a partir do crédito, capital e dinheiro, visando a explicar o financiamento da
inovação, o processo de crescimento empresarial e o desenvolvimento econômico.

38
Ciclos econômicos

A seguir vamos abordar os fundamentos do desenvolvimento econômico na


visão de Schumpeter com foco nas suas principais variáveis: inovações, o papel
do empresário e o funcionamento do mercado financeiro com ênfase no crédito
e no capital.

Seção 2
Fundamentos do desenvolvimento econômico
de acordo com a teoria de Joseph Schumpeter
Em suas obras Schumpeter tem uma linha de análise que visa basicamente a
compreender o comportamento da iniciativa privada, a divisão do trabalho
e a livre concorrência, e faz críticas ao que entende como economia do fluxo
circular, que é basicamente um modelo de uma economia na qual a produção
sempre encontrará a sua demanda.

Como o próprio Schumpeter destaca, “[...] segue-se, pois, que, em qualquer


lugar do sistema econômico, uma demanda está, por assim dizer, esperando
solicitamente cada oferta [...]” (SCHUMPETER, 1997, p. 27).

2.1 A economia do fluxo circular


Essa economia do fluxo circular era idealizada, imaginária; muito fora da realidade
atual e até mesmo do contexto econômico de 1911. Quando Schumpeter
escreveu a primeira edição da Teoria do Desenvolvimento Econômico, a qual
contém teorias de outros economistas clássicos como Adam Smith e Karl
Marx, conforme relata Costa: “[...] a idéia de criar uma imagem mental, um tipo
de ‘protótipo’ de sistema econômico a partir do qual vai se aprofundando o
conhecimento” (COSTA, 2006, p. 3).

Com esse protótipo de economia, do fluxo circular, e a experiência adquirida de outros


economistas, Schumpeter inicia a sua teoria sobre desenvolvimento econômico.

Adam Smith, em a Riqueza das Nações, criou um sistema econômico no qual a


economia era dominada por uma “mão invisível”, expressão que popularizou o
sistema de liberalismo econômico em que os agentes econômicos atuariam
livremente no mercado e conseguiriam um equilíbrio que seria ideal a todos e sem
a interferência do Estado em nenhum momento.

39
Capítulo 2

A sociedade imaginária de Adam Smith, com a mão invisível, não parece muito
diferente daquela idealizada por Karl Marx. Segundo Costa (2006, p. 6), “[...]
Marx parte de uma economia mercantil simples para, então, introduzir elementos
próprios do modo de produzir capitalista”.

Schumpeter segue a linha desses economistas ao iniciar a sua análise sobre o


desenvolvimento econômico imaginando uma economia estática, isto é, onde não
ocorre desenvolvimento e predomina o fluxo circular, porém apenas utiliza o fluxo
circular como base da sua teoria para refletir sobre a possibilidade da economia
se desenvolver a partir do marco inicial do fluxo circular.

Diante deste contexto, faz-se necessário investigarmos esse protótipo de


economia antes de compreender como Schumpeter desenvolve a sua análise.
De acordo com Moricochi e Gonçalves (1994, p. 40), a economia do fluxo circular
apresentava as seguintes suposições:

a. não há lucros extraordinários;


b. não existem inovações;
c. os processos de trabalho são tradicionais;
d. o dirigente da produção é um administrador de rotinas conhecidas;
e. não há incerteza quanto ao futuro.

Mas como este modelo estático se sustentaria e quais são as suas hipóteses
complementares?

No modelo de fluxo circular existiria o pleno emprego nos mercados de bens,


de trabalho e de capitais, e a economia teria a capacidade de trabalhar sem
excedentes em nenhum mercado, sem desperdícios produtivos. Neste fluxo
circular a poupança seria uma função constante do nível corrente de renda,
sendo que quando

a renda fosse elevada a poupança também seria, e no mesmo patamar;


não haveria crédito para a produção, e as próprias receitas do fluxo circular
abasteceriam o nível de equilíbrio econômico.

Assim, para Schumpeter, o fluxo circular era repetitivo, e os agentes econômicos


usavam processos do passado, transmitidos pela tradição, a economia era
monótona, com possibilidade de crescimento econômico, porém não de
desenvolvimento.

40
Ciclos econômicos

De acordo Costa (2006, p. 3), no fluxo circular “[...] os agentes econômicos apegam-
se ao estabelecido, e as adaptações às mudanças ocorrem em ambiente familiar e de
trajetória previsível”.

A partir das críticas ao funcionamento de uma economia situada em um


fluxo perfeito, circular e repetitivo, Schumpeter começa a pensar como que o
deslocamento, ou desenvolvimento, se processa. Uma dessas investigações é
justamente o processo produtivo, ou seja, a oferta.

2.2 Processos de produção schumpeterianos


Na teoria de desenvolvimento econômico, Schumpeter define os processos de
produção como sendo uma combinação de forças produtivas que incluem
fatores materiais, originais da produção, isto é, terra e trabalho de onde
procedem todos os bens, e fatores imateriais, “fatos técnicos” e “fatos de
organização social” ou meio ambiente sociocultural, este último que representaria
todo o complexo social, cultural e institucional da sociedade.

Cabe destacar que os estudos realizados por Schumpeter para desenvolver sua
teoria são contemporâneos, visto que, ao analisarmos os fatores que a compõem,
percebemos que são atuais, com aplicabilidade direta aos cenários econômicos
que vivenciamos hoje.
Desse modo os administradores dos meios de produção possuíam funções de
“gerentes rotineiros”, pois administrariam a produção e os meios produtivos usando
os mesmos processos, adequando apenas as quantidades de trabalho e insumos.

No que se refere aos processos de produção no fluxo circular, Schumpeter


definiu que:

[...] dadas as quantidades necessárias de trabalho e


agentes naturais, a produção por este método será repetida
indefinidamente, sem nenhum exercício da escolha, e a corrente
de produtos será contínua (SCHUMPETER, 1997, p. 50).

Mas por que haveria ciclos na economia se o fluxo circular era perfeito entre a oferta e
a demanda?

Esses ciclos seriam decorrentes de algo novo e inusitado que apareceria na


economia do fluxo circular, perturbando a estabilidade e a estática do sistema.
Schumpeter definiu este “algo novo” como inovação, que teria a capacidade
de deslocar o fluxo circular provocando mudanças nunca antes vistas nem por
produtores ou consumidores, portanto, muito diferentes daquelas do dia a dia.

41
Capítulo 2

Segundo Costa (2006, p. 4), “[...] a evolução econômica se caracteriza por


rupturas e descontinuidades com a situação presente e se devem à introdução de
novidades na maneira do sistema funcionar.”

Fica claro nas palavras de Schumpeter que os novos processos produtivos são
responsáveis pelo desenvolvimento: “[...] na medida em que não for este o caso,
e em que as novas combinações aparecerem descontinuamente, então surge o
fenômeno que caracteriza o desenvolvimento (SCHUMPETER, 1997, p. 76).”

Cabe destacar que na economia não há uma mudança “natural”, pois o sistema
não se modifica por ele mesmo. Schumpeter define que produzir significa
combinar forças e coisas que estão ao alcance do agente econômico. Dessa
forma, todos os métodos de produção são diferentes porque as formas de
combinação são distintas.

2.2.1 Função da produção schumpeteriana segundo Adelman


Um método que ilustra, por meio de uma expressão matemática, como seria a
função de produção implícita na teoria de Schumpeter é encontrado em Adelman
(1961, p. 9) na forma de uma função de produção com o seguinte formato:

Y = f (K, N, L, S, U)

Em que:

Y = Nível de produção de determinada economia.

K = Estoque de capital já empregado e em atividade na economia e não a sua


noção pura de dinheiro.

N = Taxa de uso dos recursos naturais.

L = Força de trabalho.

Sendo S e U as principais forças motrizes da produtividade dos fatores K, N


e L, em que S seria um estoque de conhecimento da sociedade (society`s fundo
of applied knowledge) e U o meio ambiente sociocultural no qual a economia
está inserida.

É possível verificarmos nessa expressão que os impactos da cultura e do meio


empresarial afetam a forma de fazer negócios, sendo assim a produção de uma
economia não é puramente econômica, visto que depende de outros fatores.

Adelman (1961, p. 9) afirma que “[...] então, nós explicitamente reconhecemos que
a taxa de produto de uma economia não é um fenômeno puramente econômico”.

42
Ciclos econômicos

Os cinco fatores que compõem a expressão de Aldeman sintetizam bem o


pensamento de Schumpeter sobre o desenvolvimento econômico, porém não
teriam os mesmos efeitos sobre a produção, pois os três primeiros fatores
(K, N e L) seriam, para Schumpeter, os “componentes de crescimento” que
apresentariam não somente uma variação contínua no sentido matemático, mas
também uma variação cuja taxa se modificaria lentamente.

Já os dois últimos (S e U) seriam os “componentes de desenvolvimento”


responsáveis pelos ciclos econômicos, que representam os altos e baixos,
que uma economia sofre constantemente, sendo, portanto, os fatores mais
importantes na concepção schumpeteriana de desenvolvimento econômico.

Em síntese, o estoque de conhecimento, S, e o meio ambiente sociocultural, U,


sob os quais o empresário está inserido, farão toda a diferença. É importante
observar que no mundo real temos algumas indicações de que realmente
Schumpeter estava correto nesse ponto.

No Vale do Silício, nos Estados Unidos, há um grande estoque de conhecimento


associado a um ambiente de negócios tecnológicos que tem revelado ao mundo as
mais variadas inovações.

A seguir são apresentadas peculiaridades quanto a essa associação entre as


inovações e o empresário.

2.3 Inovações e o empresário


Conforme destacado anteriormente, Schumpeter considera a produção total
de bens e serviços em uma economia o resultado de combinações entre forças
produtivas e fatores específicos. Um exemplo seria o conhecimento técnico e
o meio ambiente para negócios, os quais estão sempre ao alcance do agente
produtor, porém essas combinações continuam a ser um fenômeno do fluxo
circular estático e não de desenvolvimento.

Para Schumpeter, o empresário é um agente que traz inovações


no mercado, na forma de novos produtos e novas tecnologias.
Sem a sua existência, a economia permanece na calmaria
do “fluxo circular”. O empresário, através de sua “destruição
criadora”, exerce um papel desequilibrador no mercado, ao
romper o equilíbrio do fluxo circular. Na ausência de inovações,
não é necessário nenhum processo que envolva atividade
empresarial para se atingir o equilíbrio. (BARBIERI, 2001, p. 109).

43
Capítulo 2

Dessa forma, podemos verificar que, para Schumpeter, o fenômeno de


desenvolvimento é decorrente de novas combinações de fatores e coisas que
são consideradas como “via” de mudanças drásticas ou “revolucionárias”,
sendo que as inovações, conseguidas apenas por meio destas mudanças drásticas,
seriam essenciais para promover em uma economia o desenvolvimento econômico.

Para ilustrar como diferenciar uma ruptura de uma simples continuidade, Schumpeter, nos
fornece em sua obra o seguinte exemplo: “[...] adicione sucessivamente quantas diligências
quiser, com isso nunca terá uma estrada de ferro” (SCHUMPETER, 1997, p. 75).

Schumpeter, neste exemplo, quando menciona diligências refere-se às grandes


carruagens movidas pela tração animal, comuns no velho oeste americano,
observando que não se “inova” apenas aumentando o sistema antigo, investindo
no aumento da quantidade dessas carruagens de tração animal.

Neste caso, mudanças contínuas nos processos de produção permitiriam apenas


transformar uma pequena empresa em uma enorme unidade empresarial, por
exemplo, uma grande frota de carruagens, mediante adaptações constantes
realizadas em etapas, considerando o fluxo circular da economia, no entanto, não
traria a ruptura para um novo modelo, as ferrovias.

2.3.1 Mudanças repentinas na forma tradicional de produção


Uma análise estática 1 da produção não seria suficiente para explicar a revolução
nos setores produtivos nem mesmo os fenômenos que os seguem. Desse modo,
a análise do fluxo circular somente conseguiria identificar o novo equilíbrio, porém
nunca o desenvolvimento da economia.

Para quebrar com o fluxo circular seria necessário haver uma ruptura total com
o processo produtivo anterior por meio de algo novo, inovador, visto que as
mudanças repentinas que ocorrem na economia, como, por exemplo, os ciclos e
crises na economia, para Schumpeter seriam todas causadas pela inovação.

Essa mudança no fluxo circular que ocorre na produção e não na ponta


consumidora do mercado seria decorrente de produtos revolucionários,
os quais induzem os consumidores ao consumo e, consequentemente,
ocasionando tais mudanças.

1 Em economia, a análise estática é a comparação de dois diferentes resultados na situação econômica, antes e
depois de uma mudança em algum parâmetro.

44
Ciclos econômicos

Fazendo uma análise comparativa entre a teoria de Schumpeter e a teoria


clássica tradicional, podemos verificar que nesta última há uma aproximação
com microeconomia, ou seja, os consumidores fariam suas escolhas e decidiriam
o que deveria ser produzido. De acordo com Schumpeter, essa decisão seria
tomada pelos produtores, no entanto, os novos produtos deveriam ser aceitos
pelos consumidores no mercado.

A ideia por trás das novas formas de produzir era combinar fatores produtivos que
desenvolvessem produtos ou serviços de melhor qualidade e/ou com um custo
mais baixo. Assim, essas novas combinações apareceriam de forma descontínua,
irreversível e destruiriam as combinações ultrapassadas.

Dessa forma, empresas tecnologicamente atrasadas entrariam em processo de


falência e, para evitar esse processo, deveriam investir em novas combinações,
às quais Schumpeter deu o nome de inovação, que seria um fenômeno
fundamental que possibilitaria o desenvolvimento econômico.

De acordo com Schumpeter (1997, p. 76), os tipos de inovação que possibilitam o


desenvolvimento econômico seriam:

• Introdução de um novo bem no mercado que os consumidores ainda não


conhecem, ou então uma nova qualidade aplicada a um determinado bem;

• Introdução de um novo modelo de produção, ou seja, um método ainda


não testado dentro de certo ramo produtivo, mas que não precisa,
obrigatoriamente, estar baseado em uma descoberta científica;

• Abertura de um novo mercado em que o produto de determinada empresa


nunca teria entrado, independente de este mercado ter ou não existido
anteriormente;

• Conquista de uma nova fonte de matéria-prima ou de bens


semimanufaturados, também independente de esta fonte ter existido ou não
anteriormente; e

• Estabelecimento de uma nova organização de qualquer empresa, como a


criação ou a fragmentação de uma posição de um monopólio.

As inovações que surgem na análise econômica Schumpeteriana são processos


descontínuos e destruições criadoras que provocam ou permitem saltos nos
processos econômicos, estes saltos seriam a criação de novos produtos, de
processos produtivos ou até mesmo um novo mercado.

45
Capítulo 2

Essas inovações nunca surgiriam sozinhas em um cenário econômico e sempre seriam


conduzidas por empresários inovadores que, de acordo com a teoria de Schumpeter,
eram líderes capazes de tornar eficiente o esforço de obtenção de novas maneiras de
combinar os fatores produtivos da sociedade, reunindo pessoal especializado e
capital necessário.

Segundo Costa (2006, p.6), “O empresário 2 é uma figura que se distingue na


sociedade por ser portador de uma energia e capacidade de realizar coisas novas
que não estariam presentes de maneira difundida entre a população.”

Deste modo, o empresário seria o agente responsável pela inovação econômica e


também o agente causador do ciclo econômico.

Esses “empresários” poderiam ser também pessoas assalariadas que não


tivessem necessariamente uma relação permanente com a empresa, e que
poderiam migrar de empreendimento, principalmente quando entrassem em um
período ou fase mais rotineira. Esses profissionais seriam os responsáveis por
promover as inovações no processo produtivo.

No mundo idealizado por Schumpeter o desenvolvimento aconteceria por meio de


ciclos, nos quais haveria um elevado grau de riscos e incertezas. Assim, a ação de
investir não era tarefa para um homem comum.

Os empresários inovadores agiam incentivados por uma pluralidade de motivos


que transcendiam a racionalidade, como, por exemplo, a vontade de realizar,
a gratificação de produzir e criar coisas e a procura pelo sucesso. Dessa
forma, esses empresários necessitariam ter talento e motivação para perceber
oportunidades de investir em negócios de alta rentabilidade.

Cabe destacar que, pela concepção schumpeteriana, havia uma diferença


funcional entre “empresários” e “capitalistas”. A função do capitalista seria
fornecer crédito ao empresário, o qual tinha a função de romper o fluxo circular e
levar a economia ao desenvolvimento. “O ‘empresário’ é meramente o portador
do mecanismo da mudança” (SCHUMPETER, 1997, p. 72). “Fornecer esse
crédito é exatamente a função daquela categoria de indivíduos que chamamos de
‘capitalistas’” (SCHUMPETER, 1997, p. 79).

2 São indivíduos que inovam, independentemente de serem proprietários capitalistas (detentores dos recursos
financeiros investidos na empresa) ou simplesmente gestores dos meios de produção. Os empresários inovadores
estão muito próximos do que conhecemos hoje por empreendedores.

46
Ciclos econômicos

Neste aspecto vale registrar um termo muito associado a Schumpeter: a


“destruição criadora”, que é caracterizada pela substituição de antigos produtos
e hábitos de consumir por novos, na qual poderiam ocorrer diversos fenômenos,
como, por exemplo, as falências, adaptações gerenciais, demissões e perda
de mercado. Assim, a introdução de um novo processo de produção alteraria a
dinâmica da econômica, gerando um ciclo positivo na mesma.

No pensamento schumpeteriano o empresário era a peça fundamental para o


desenvolvimento do sistema capitalista, pois o mesmo procurava reproduzir
seu capital obtendo lucro, embora tivesse objetivos maiores que a postura
conservadora vista no fluxo circular da renda, conforme descreve o próprio
Schumpeter sobre a postura do empreendedor: “Antes de tudo, há o sonho e o
desejo de fundar um reino privado, e comumente, embora não necessariamente,
também uma dinastia” (SCHUMPETER, 1997, p. 98).

Em síntese, o empresário de Schumpeter não pode ser confundido como um


mero capitalista, apesar de em alguns casos serem a mesma pessoa, pois em seu
entendimento a função principal do empresário é combinar os fatores produtivos
que já existem na economia. Para o autor, é uma atuação “especial” que ocorre
apenas na primeira combinação desses fatores, porque depois deste momento o
fluxo circular toma novamente o seu rumo.

Desse modo as inovações surgem pela ação do empresário ao combinar os


fatores de produção já existentes no fluxo circular ou na economia, as quais
levarão a economia para um novo ponto de equilíbrio. Schumpeter analisa um
mundo sob o mecanismo concorrencial, no qual os lucros das inovações se
esgotam com o tempo.

Sobre esse ambiente concorrencial, Schumpeter refere que as inovações são


destruidoras de processos antigos e que podem acabar com as empresas
tradicionais, destacando que:

[...] com isso ocorre com a destruição pela concorrência de


negócios antigos e, portanto, das vidas deles dependentes,
sempre corresponde a um processo de declínio, perda de
prestígio, de eliminação (SCHUMPETER, 1997, p. 152).

É interessante refrisar que algumas partes da teoria schumpeteriana se aplicam à


nossa atual realidade econômica, principalmente a que se refere à importância do
empresário e suas inovações, tendo em vista os inúmeros empresários de sucesso
atuando como personagens importantes do desenvolvimento econômico.

47
Capítulo 2

Seção 3
Os sistemas que integram o mercado financeiro
segundo Schumpeter
Para estudar o mercado financeiro na visão de Schumpeter é primordial
compreendermos o conceito de capital 3, o qual, segundo este autor, é um agente
de trocas, ou um instrumento com o qual o empresário adquire os bens de que
necessita para produzir.

Capital, de acordo com Schumpeter (1997, p. 123), era “[...] soma de meios
de pagamento que está disponível em dado momento para transferência aos
empresários”, sendo que tais recursos de capital seriam conseguidos nas
instituições financeiras criadoras de crédito.

A ênfase de Schumpeter ao mercado financeiro parte da análise do capital


do crédito e do juro na economia, reconhecendo a importância da moeda na
condução de mudanças no longo prazo, criticando a Teoria Quantitativa da
Moeda dos economistas clássicos como um erro de análise.

Ademais, a objeção realmente não pode ser feita de modo algum, porque todos
reconhecem o fenômeno análogo de que as mudanças na quantidade ou na distribuição
de dinheiro podem ter efeitos de muito longo alcance. (SCHUMPETER, 1997, p. 102).

3.1 Função do crédito e do sistema financeiro


O crédito no modelo schumpeteriano tinha um papel bem diferente daquele
verificado nos demais modelos clássicos, pois, ao compararmos esses
modelos, constatamos que a oferta monetária no modelo da teoria clássica era
determinada, ou

sempre respondia, de forma passiva quando ocorriam mudanças na produção de


bens e serviços, sendo que o nível geral de preços permanecia constante.

Para os clássicos, o dinheiro não tinha papel significativo, sendo independente na


determinação das variáveis reais do sistema.

3 Não é o estoque de bens reais de uma sociedade, mas sim uma reserva monetária que capacita o empresário
ter o “poder de controle” sobre os fatores de produção, deslocando-se dos processos produtivos ultrapassados e
canalizando-os para os novos usos que a inovação exige.

48
Ciclos econômicos

O modelo clássico tradicional considerava que uma alteração na quantidade de


moeda afetaria o nível geral de preços, ignorando por completo seu impacto nas
variáveis reais da economia. Esse entendimento em relação à oferta de moeda
somente começou a ser encarado de outra forma após a publicação da Teoria
Geral de Keynes, em 1936.

Ao idealizar o seu sistema econômico, Schumpeter relaciona o crédito como


elemento básico, fundamental para o empresário que não é proprietário do capital e
depende deste para realizar os seus projetos inovadores. O capital, uma vez utilizado
pelo empresário, estaria distribuído em unidades chamadas de ações de empresas.

Os recursos para combinar as novas “coisas” (inovações) estariam concentrados


nas mãos dos banqueiros que, por meio do sistema de crédito, assumiriam o
risco sobre o capital e forneceriam ao empresário o poder de compra necessário.

É o banqueiro que fornece poder de compra ao empresário,


dando-lhe acesso aos recursos existentes, isto é, meios de
produção, matérias-primas e trabalhadores. (BARBOSA;
CAVALCANTI, 2002, p. 44).

Schumpeter acreditava que crédito bancário não deveria ser concedido ao


consumidor, tanto que o retirou de suas análises. O sistema de crédito serviria
então como instrumento de fomento do processo industrial, sendo o responsável
por dotar o empresário de capacidade para gerar as inovações.

[...] o fenômeno do crédito ao consumo não tem maior interesse


para nós aqui, e, a despeito de toda a sua importância prática,
o excluímos de nossa consideração. Isso não implica nenhuma
abstração – reconhecemo-lo como um fato, apenas não temos
nada particular para dizer a respeito. (SCHUMPETER, 1997, p. 108).

O crédito seria transferido do capitalista ao empresário, em uma transferência do


sistema financeiro ao empresário na forma de uma “permissão” para criar novas
formas de produção.

O empresário, ao receber o crédito e inovar, criaria novos mercados e produtos


tendo como perspectiva seus lucros futuros. Assim, não seria apenas a
“capacidade de comprar” que o capitalista estava transferindo ao empresário via
crédito, mas o risco sobre os lucros que ainda estaria por vir com as inovações.

Parte desse lucro seria destinada aos donos do capital, ou seja, o sistema
financeiro, e no curto prazo as empresas utilizariam os recursos financeiros
para a produção do fluxo circular, desse modo o crédito seria utilizado para
providenciar as inovações e o desenvolvimento econômico.

49
Capítulo 2

Diante desses aspectos percebemos que o papel desempenhado pelo crédito no


modelo de Schumpeter era promover a inovação. Barbosa e Cavalcanti (2002, p.
45) destacam que:

os novos bens gerados produzem receitas e consequentemente


lucros, parte desses últimos são utilizados para pagamento ao
sistema bancário e parte para reposição dos equipamentos [...].

Uma vez que o crédito irriga as inovações na economia, inicia-se o processo de


desenvolvimento econômico, com a ruptura do “fluxo circular” e por meio de uma
alteração na forma antiga de produção.

O empresário, conforme já observamos, é quem percebe as oportunidades para


a introdução das inovações no processo produtivo, os quais são seguidos por
outros inovadores, fazendo com que o estado estacionário, ou seja, o equilíbrio
da economia seja rompido. Dessa forma, a introdução das inovações pelo
empresário faz com que as rendas e os preços se alterem.

Após o momento de boom 4, a economia tende a entrar em recessão, com


declínio da atividade inovadora que passa a ficar obsoleta. A recessão é
intensificada porque os agentes econômicos resgatam recursos e baixam os
empréstimos bancários, forçando os preços e a renda monetária para baixo.

Para Schumpeter, os processos de altos e baixos na economia eram naturais, sendo


que a fase de euforia seria causada pelas inovações, que levariam a economia a
um desenvolvimento rápido e, a partir de determinado momento, a atividade seria
reduzida sem aviso prévio, e o que era novidade, inovação, ficaria obsoleto.

Entre o momento de colapso dos antigos processos e a criação do novo, a


economia viveria momentos de retração, e logo a destruição criativa cederia lugar
aos novos empreendimentos, fazendo que a economia retomasse seu processo
de desenvolvimento.

Mas qual seria a causa de uma depressão profunda?

4 O significado de boom, muito utilizado em economia, originário do inglês, quer dizer um desenvolvimento
acelerado de uma determinada atividade econômica, de uma cidade, do apoio a uma candidatura política, dentre
outros. Neste texto utilizamos a palavra boom sempre no sentido do desenvolvimento acelerado da economia.

50
Ciclos econômicos

De acordo com Schumpeter (1997, p. 202), o boom termina e a depressão


começa após a passagem do tempo que deve transcorrer antes que os produtos
dos novos empreendimentos possam aparecer no mercado, sendo que um novo
boom se sucede à depressão, quando o processo de absorção das inovações
estiver terminado.

Então vejamos a situação como um todo: Schumpeter imaginava o crédito


irrigando o sistema produtivo, excluindo o consumidor da sua análise. O
empresário inovador, de posse dos recursos provenientes dos capitalistas ou do
sistema bancário, criaria seu novo produto ou mercado.

Esses novos produtos ou mercado, uma vez no fluxo circular, atormentam o


equilíbrio do sistema, pois o preço de produtos e processos obsoletos começa a
cair e, devido à queda da demanda dos antigos processos, os custos desses se
elevariam, chegando ao ponto em que há destruição dos antigos processos e fim
do período de prosperidade.

A queda da atividade econômica levaria a economia a ultrapassar para baixo


o equilíbrio, em que a destruição criativa não se limitaria apenas a destruir o
processo antigo, não sendo essa substituição pelo novo automática. Depois
da fase depressiva ocorreriam novas inovações fazendo com que a economia
novamente rompesse com o fluxo circular e voltasse a gerar fases de euforia.

Na figura a seguir apresentamos os possíveis ciclos de Schumpeter em relação à


linha de tendência do produto agregado da economia.

Figura 2.1 – Ciclo do crescimento do produto agregado

Fonte: Elaboração do autor (2012).

51
Capítulo 2

No gráfico apresentado verificamos no ponto ilustrado pela letra “a” o início de


um ciclo positivo na economia, o qual representa o momento da “inovação” – um
novo processo produtivo sendo criado, com consumidores empolgados com as
novidades e os novos produtos. Essa situação desloca a economia do seu fluxo
circular, do seu padrão de comportamento, ou seja, da linha de tendência. Os
novos produtos atraem a concorrência, ocasionando a redução nos preços.

O ponto “b” destaca a redução, ou estouro da “bolha”, causado pela descoberta


inovadora que agora já faz parte do passado. Nesta fase apenas um novo ciclo
positivo, ou outro período de inovação seria capaz de retirar a economia do
declínio ou do processo recessivo.

Essa era a visão que Schumpeter destacou na sua obra sobre o aparecimento
dos ciclos, em que o lucro apareceria enquanto a inovação estivesse em plena
atividade, sendo que entre o ponto inicial da inovação e a sua decadência,
quando então os lucros desaparecem aos poucos e o processo anterior morre, as
empresas antigas vão à falência.

O próprio Schumpeter destacou em sua obra o exato momento em que isso ocorreria:

Mas agora vem o segundo ato do drama. O encanto está quebrado


e os novos estabelecimentos estão surgindo continuamente sob o
impulso dos lucros sedutores. Ocorre uma reorganização completa
da indústria, com aumento de produção, luta concorrencial,
superação dos estabelecimentos obsoletos, possível demissão de
trabalhadores etc. (SCHUMPETER, 1997, p. 132).

O ciclo não seria meramente uma situação inerente ao desenvolvimento


econômico, pois ele deveria ocorrer para que a economia se desenvolvesse.

Podemos imaginar que como as ações de uma empresa oscilam na bolsa de valores a
espera de novidades de seus dirigentes, assim o faz toda a economia.

Para Schumpeter, nem todos os ciclos são regulares, ou seja, não há regularidade
no processo porque dependeria da característica da inovação e, dependendo do
tipo de inovação, esta poderia fazer a “bolha” do desenvolvimento ser maior ou
menor, conforme o caso.

Schumpeter, na sua obra Business Cycles (1939, p. 323), cita os três tipos de
ciclos: o primeiro, chamado de “ondas longas” (ou ciclo de Kondratiev), atribuído
a Nikolai Dimitrievich Kondratiev, conhecido por ter sido o primeiro a tentar provar
estatisticamente o fenômeno das “ondas longas”, movimentos cíclicos (ciclo
econômico) de aproximadamente 50 anos de duração.

52
Ciclos econômicos

O segundo tipo de ciclo tem duração de 9 a 10 anos (ciclos de Juglar), nome em


homenagem a Clement Juglar, e, finalmente, o terceiro tipo com duração de 40
meses (ciclo de Kitchin), dos estudos de Joseph Kitchin.

Em síntese, Schumpeter reconheceu a importância do crédito e do capital no


desenvolvimento econômico, desconsiderando em sua análise mais profunda o
crédito ao consumidor, o qual hoje sabemos que as economias crescem também
em função deste tipo de crédito.

Schumpeter analisa e enfatiza que o empresário usa o crédito e o capital para criar
coisas novas, sendo que o papel desse agente econômico especial é inovar, e que por
trás das inovações é que a economia se desenvolve.

No entanto, há um efeito colateral denominado ciclo, que é verificado após um


boom de desenvolvimento, necessariamente, pelo aspecto concorrencial, a
economia passa por uma recessão até que um novo ciclo de crescimento apareça.

É nítido que Schumpeter atribui às inovações o caráter cíclico da economia,


reconhecendo que a economia é dependente da circulação da moeda, e
quebrando a tradição clássica quanto à passividade da moeda na economia.

Seção 4
A dinâmica capitalista na visão de Schumpeter
Em 1928, Schumpeter nos fornece uma análise referente à dinâmica do
sistema capitalista ao tratar os altos e baixos deste sistema e ao diferenciar as
instabilidades políticas e sociais daquelas ditas econômicas.

As instabilidades políticas e sociais seriam aquelas não criadas pelo capitalismo e


teriam seus altos e baixos independentemente dessas forças. Já a instabilidade
inerente ao capitalismo seria igual àquela observada pelos empresários ao perceberem
a estabilidade ou instabilidade nas condições comerciais de seus negócios.

Por várias vezes esse autor insistiu na ideia de que não existe nenhuma razão
puramente econômica impedindo o capitalismo de transpor, com sucesso, novas
etapas. Isso pode ser observado pelo capitalismo que temos hoje, que é muito
diferente daquele que Schumpeter analisou nos anos de 1940, em que as invenções
já renderam novos projetos nos dias de hoje e a cada momento temos renovações.

53
Capítulo 2

Schumpeter destaca em sua obra que o capitalismo deveria sofrer três etapas
para completar o ciclo para efetivamente ser destruído pelo seu próprio sucesso:
1) destruição das camadas protetoras; 2) destruição das instituições capitalistas;
e 3) a obsolescência da função empresarial.

4.1 Destruição das camadas protetoras


Um crescente conflito de classes, por exemplo, entre trabalhadores, burocratas,
professores do ensino superior e intelectuais, estes últimos não exatamente uma
classe social, seria o maior motivo da destruição de camadas protetoras. Nas
palavras de Schumpeter,

[...] os intelectuais não constituem uma classe social, no sentido


em que nos referimos a camponeses ou operários. Surgem dos
quatro cantos do mundo social e passam grande parte de suas
vidas combatendo-se uns aos outros e formando ponta-de-lança
de interesses de classes que não são as suas. (SCHUMPETER,
1961, p. 183).

Os intelectuais são de grande importância na visão de Schumpeter apenas pelo


fato de influenciar as demais classes em função da sua formação e de suas
posições sociais, os quais interferiam em todas as classes desde professores
universitários e até trabalhadores (operários).

São essas classes que se envolvem em conflitos acabando com as camadas


protetoras que se referem ao ambiente institucional da economia: as instituições legais,
as atitudes do agente econômico e também a própria política estabelecida naquele
momento.

Segundo Schumpeter, o capitalismo enfraqueceria classes e camadas sociais que


antes lhe seriam aliadas e protetoras, destacando, por exemplo, que na história
da humanidade houve o enfraquecimento dos senhores de terras os quais, em
muitos casos, empobreceram, perderam força política e privilégios.

O término do poder dos senhores feudais levou ao aparecimento e fortalecimento


da monarquia absolutista na Europa, sendo que a burguesia apoiou essa
derrocada do feudalismo em prol da monarquia emergente.

Esse acordo de classes entre a burguesia e a monarquia foi duradoura. No


entanto, Schumpeter não trata de datas, mas sim do sustento econômico da
burguesia pela monarquia e o sustento político desta pela primeira, que somente
cessa com os períodos de guerra, na Europa, por exemplo, e se estende até o fim
da Primeira Guerra Mundial.

54
Ciclos econômicos

É importante observar que a nobreza apoiou politicamente o aparecimento dos


industriais e comerciantes em troca do apoio econômico e, após a Grande Guerra
de 1914, a aliança entre burguesia e monarquia terminou e um novo modelo
econômico foi implantado, no qual a monarquia apoiaria a nova ordem mundial,
composta por industriais e comerciantes.

À medida que esses industriais e comerciantes se tornassem mais influentes e


poderosos economicamente, conseguiriam se apoderar do poder político e implantar
muitas reformas no sistema vigente.

Assim, a burguesia rompeu com seu antigo aliado, a nobreza, destruindo o que
antes havia sido sua “camada protetora”, e, sem dúvida, observamos que houve
prejuízo político para a burguesia, pois perdeu apoio político, social e cultural que
a nobreza lhe garantia. Para Schumpeter, este prejuízo se traduzia na capacidade
de a burguesia governar politicamente.

4.2 Destruição do quadro institucional


Nesta etapa verificamos que o capitalismo vai se canibalizando, destruindo
seus próprios elementos que outrora foram essenciais para a sua existência.
Schumpeter destaca a destruição de dois de seus elementos principais: a
propriedade privada e a liberdade de contrato.

Quando Schumpeter trata de propriedade privada faz menção às firmas


individuais, em que havia uma forte relação entre

os proprietários e a propriedade, sendo inclusive possível a identificação de seu


proprietário, o orgulho e o amor entre a empresa e seu dono. Muitas empresas
hoje em dia ainda guardam o nome de seus proprietários originais como, por
exemplo, Ford, Fischer, Klabin, entre outras.

Excetuando-se os casos, ainda de grande importância, nas quais a sociedade


anônima é praticamente de propriedade de um único indivíduo ou família, a figura
do proprietário, e com ela o interesse direto e específico do dono, desapareceu
inteiramente do quadro. (SCHUMPETER, 1961, p. 177).

Nesse caso, conforme as empresas se tornassem gigantes da Bolsa de


Valores, negociadas em frações minúsculas na forma de títulos de propriedade,
denominados ações, as mesmas perderiam a essência da propriedade privada no
sentido schumpeteriano.

55
Capítulo 2

Nessas empresas, agora grandes corporações, o papel do proprietário seria


frequentemente realizado por um grupo de executivos e outros assalariados e por
um grupo específico, denominado bloco dos acionistas controladores, os quais irão
direcionar o rumo do investimento da corporação.

Assim, o antigo glamour da propriedade privada ficaria perdido com as grandes


corporações, visto que dois grupos sem ligações estritas com a empresa seriam
os donos do capital empregado.

De um lado os acionistas controladores que, pela regra da diversificação do


risco associado ao capital, investem em outras empresas e, portanto, não
possuem afeto geral em nenhuma delas. Do outro lado estão os minoritários
que, por não deterem grandes recursos investidos e sem poder de veto em
assembleias, apenas aguardam seus dividendos ou pequenas parcelas dos lucros
totais distribuídas a cada fim de exercício, e por isso mesmo sua ligação com a
empresa é pequena.

Nessa situação perder-se-ia o antigo sentido de propriedade privada, a


identificação entre os donos da empresa e seus meios de produção.

4.3 Obsolescência do empresário


O empresário é, para Schumpeter, a essência do capitalismo de produção, o qual
seria o criador de novos produtos e de novas formas de combinar os meios de
produção e, consequentemente, o responsável pela expansão econômica. No
entanto, o empresário no capitalismo também se torna obsoleto.

Em contrapartida, para Schumpeter, as inovações se tornam constantes e


rotineiras e seriam desenvolvidas por grupos de especialistas, como, por
exemplo, universidades, institutos de pesquisa, entre outros, e também dentro
das empresas.

As inovações, uma vez implantadas no sistema econômico por um empresário


inovador, encontrariam menos resistência de consumidores e de outros
produtores, que imitariam o criador das inovações. Uma vez estabelecidas em
todo o sistema econômico, cairiam na rotina do fluxo circular novamente.

Por meio desta análise podemos verificar que, se o empreendedor é aquele que
enfrenta as resistências e estas não existem mais, seu papel na economia fica menor
ou desaparece por completo.

56
Ciclos econômicos

Como o próprio Schumpeter (1961, p. 167) escreveu “[...] verifica-se, pois, o que
o progresso econômico tende a se tornar despersonalizado e automatizado”.
As decisões em assembleias substituem a ação do empresário individual e a
própria burguesia, segundo Schumpeter, perece com esse desaparecimento do
empresário individual.

Dessa forma a classe social burguesa seria renovada pela família do empresário
bem-sucedido, e a riqueza proveniente da burguesia empresarial poderia
desaparecer de duas formas: seja pelo empobrecimento que rebaixa a classe ou
por meio do falecimento dos burgueses, sendo sua riqueza distribuída entre os
herdeiros. Sobre isso Schumpeter escreve que

[...] a burguesia depende do empresário e, como classe,


viverá e morrerá com ele. Uma fase de transição mais ou
menos prolongada e, finalmente, uma fase em que ele se
sentirá simultaneamente incapaz de morrer e viver ocorrerá,
provavelmente, como ocorreu no caso da civilização feudal.
(SCHUMPETER, 1961, p. 168).

Com isso confirmamos que Schumpeter imaginava a morte do capitalismo


pelo seu sucesso, pois imaginava que a automatização dos processos levaria
o empresário, o burguês industrial, em suas palavras, a uma redução ao nível
assalariado.

Outro ponto observado é que uma vez distribuída a riqueza de períodos áureos,
esta poderia cair nas mãos de herdeiros sem capacidade administrativa ou
competência para o negócio, fazendo com que durasse poucas gerações. Assim,
à medida que os empresários se tornassem mais escassos, enfraqueceria o
processo de renovação da burguesia.

Para concluir este estudo, destacamos que Schumpeter acreditava que


capitalismo acabaria em virtude dos problemas criados por ele mesmo, porém o
que verificamos é que este sistema está em constante evolução. Talvez em um
futuro próximo se possa dar outro nome ao que Schumpeter mencionou como
destruição criadora, mas o fato é que essa mudança já ocorre.

57
Capítulo 3

Keynes e a instabilidade em uma


economia capitalista

Seção 1
Depressões e crises econômicas

1.1 Peculiaridades de recessão e depressão no contexto da


economia
Em economia tratamos a recessão como uma fase de contração no ciclo
econômico, isto é, quando ocorre a retração geral na atividade econômica. De
forma simples, após três trimestres seguidos de retração uma economia estará
oficialmente em recessão.

Quando ocorre o agravamento da recessão, ocasionando um desemprego muito


forte da mão de obra, falta de confiança dos investidores e empresários e consumo
em queda, dizemos que a economia entrou em um processo de depressão.

Cabe destacar que tanto a recessão quanto a depressão afetam frequentemente


as economias do sistema capitalista, em virtude de os ciclos econômicos que
causam tais eventos serem inerentes ao referido sistema. Assim, verificamos
no capitalismo recorrentes fases de bonança, recessão ou depressão, as quais
influenciam diretamente nosso dia a dia, tanto positiva quanto negativamente.

As consequências negativas, decorrentes de baixa na economia, muitas vezes


são geradas por políticas de ajuste econômico que falharam impactando
diretamente o Produto Interno Bruto (PIB), soma de tudo aquilo que é produzido
dentro das fronteiras de um país, causando assim retração na economia ou
ocasionando recessão ou depressão.

59
Capítulo 3

No decorrer da evolução do sistema capitalista surgiram diversas crises na economia


mundial, sendo que muitas outras ainda estão por ocorrer, podendo gerar retração na
atividade econômica ou ocasionar recessão ou depressão.

A crise econômica que ocorreu, por exemplo, no ano de 1929 representou uma
grande crise mundial. Naquele momento começava na Bolsa de Valores de
Nova Iorque a maior queda no valor das empresas que o mundo já havia visto,
caracterizando-se por ser um processo de perda de valores acumulativo e com
um “efeito dominó”, que se alastrou da economia americana para outros países,
e que durou até 1932, gerando perdas de aproximadamente 90% no valor dessas
companhias, e um desemprego recorde, sem precedentes na história mundial.
Passados aproximadamente 40 anos, verificamos outra crise na economia, neste
caso decorrente da alta do preço do petróleo que quadruplicou seu valor de
mercado, e como toda a cadeia produtiva dependia, e ainda hoje depende desse
insumo, ocasionou uma expressiva desaceleração na economia mundial.
De acordo com Santana (2006, p. 159), o primeiro choque do petróleo inicia em
outubro de 1973 com a guerra Yom Kippur, em referência a um dos dias mais
importantes do judaísmo, em que a Organização dos Países Árabes Exportadores
de Petróleo cancelou a exportação de sua produção para um conjunto de países
que apoiou Israel no conflito com Egito e Síria.

Essa crise do petróleo foi sentida em diversos países, inclusive o Brasil que naquele
período encontrava-se em ritmo acelerado de crescimento econômico.

Outras crises foram acontecendo em anos subsequentes, como em 1982 com


a crise da moratória da dívida no México, em 1987 quando o índice Dow Jones
recua 22,6% em um único dia; e aqui no Brasil, naquele mesmo ano, quando foi
decretada a moratória da dívida interna e externa.
Há ainda crises econômicas mais recentes como aquela ocorrida na Ásia
em 1997, a que afetou a Rússia no ano de 1998, a que deflagrou a crise do
terror – ataque às torres gêmeas em 2001 e as atuais como, por exemplo, a
desencadeada a partir do ano de 2008 com a crise do mercado imobiliário
americano e em 2011 a crise na Europa.
Essas crises são patologias, doenças do sistema capitalista, que de tempos em
tempos aparecem e causam as instabilidades, sendo que o combate a essas
crises é um dos campos mais estudados pelos economistas. Entretanto, não
há uma receita única para se lidar com essas patologias, pois existem apenas
as experiências adquiridas nas crises anteriores, que nos ajudam a combater
a inflação, a deflação e outros males que atacam a economia, os quais vamos
examiná-los com mais detalhes na sequência.

60
Ciclos econômicos

1.2 Desinflação, deflação e armadilha da liquidez


Ao se tratar de uma crise econômica, com frequência se desencadeia todo um
processo de queda dos componentes do PIB na economia, como, por exemplo, o
consumo das famílias, o investimento das empresas, a programação de gastos do
governo e comércio exterior, os quais causam efeitos adversos, e provocam um
declínio do PIB.

Em termos gerais, a macroeconomia keynesiana, exposta na Teoria Geral, é uma


teoria do emprego dos fatores de produção, a qual está baseada na ideia de
procura, ou demanda agregada efetiva, em que o nível de emprego desses fatores
é dependente da demanda agregada efetiva 1, e como consequência da renda.

No quadro a seguir observamos os principais fatores de produção e as formas


de sua remuneração. Por exemplo, ao contratar os trabalhadores as empresas
remuneram o fator mão de obra com salários; o capital investido pelo empresário
é remunerado na forma de lucro; o detentor da terra recebe o aluguel e formas
mais modernas de fatores como a tecnologia que, uma vez concedida pelo
criador para uso, será remunerada pelos royalties.

Quadro 3.1 – Principais fatores de produção e as formas de sua remuneração

Fator de Produção Remuneração


Trabalho Salário
Capital Juro
Terra Aluguel
Tecnologia Royalty
Investimento Empresarial Lucro

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Dentro desta abordagem o consumo das famílias é o elemento principal e


depende da renda disponível dos agentes econômicos (função consumo), sendo
que o mesmo tende a crescer a uma taxa menor que a renda, e como resultado
temos um aumento da propensão média à poupança.

Outro componente da procura agregada efetiva é o investimento empresarial, o


qual deve compensar o aumento no nível médio de poupança, pois é a variável
fundamental na teoria keynesiana, uma vez que pode ser facilmente alterada
enquanto o padrão de consumo leva tempo.

1 Pode ser conceituada como a aquisição imediata ou real de bens e serviços em uma economia pelos seus
agentes econômicos. O termo efetivo é enfatizado para diferenciar de potencial, uma vez que este seria apenas a
capacidade prevista de aquisições pelos agentes econômicos.

61
Capítulo 3

Esse investimento depende da eficiência marginal do capital e da taxa


de juros 2 prevalecente na economia, e, caso essa primeira variável seja mais
alta que a segunda, os empresários deverão investir na atividade produtiva em
detrimento de aplicar no mercado financeiro.

Cabe ressaltar que a taxa de juros é determinada pela oferta e pela procura de
moeda na economia, sendo que essa oferta de dinheiro vai depender dos motivos
transacionais (compras/ vendas de bens e serviços) e de precaução (guardar
dinheiro para momentos difíceis), ambas as variáveis relacionadas à renda.

Ao considerar os hábitos de pagamento dos agentes econômicos, como, por exemplo,


cartões de crédito/ débito, cheques, entre outros, determina-se também a velocidade-
renda da moeda e a especulação determinará o desejo de se guardar moeda.

Uma das maiores contribuições de Keynes à teoria econômica foi justamente o


motivo entesouramento, que contrapôs as ideias da Lei de Say 3 e a equação
quantitativa da moeda, pois entendia que quanto maior fosse a taxa de juros
maior seria a especulação na economia, podendo ser verificada pelas ações de
retenção de moeda ou aplicação em títulos do governo.

Assim, idealizando uma economia num momento de prosperidade, com taxa


média de juros elevada, haveria um estímulo à compra de títulos, ou seja, os
especuladores não manteriam dinheiro na forma líquida, preferindo adquirir títulos.
Porém, quando essa economia entra em crise, normalmente se vivencia uma
queda de juros, os preços dos títulos se elevam e os especuladores decidirão
vendê-los para aumentar a sua liquidez, aguardando preços mais baixos para
retornar a comprá-los.

Por que os investimentos na atividade produtiva são insuficientes ao se deixar a


economia se ajustar por si só?

O motivo é que em situações de crise, principalmente quando associadas à


desconfiança dos agentes econômicos, as famílias reduziriam suas compras de
bens de consumo e os empresários baixariam o nível de eficiência marginal do
capital prevendo lucros futuros menores.

2 É a relação entre o rendimento esperado de um investimento e seu preço de aquisição. Se os fluxos futuros do
investimento, trazidos a valor presente, superarem o preço de aquisição e a taxa resultante for superior aquela
prevalecente no mercado, a operação é eficiente, caso contrário não.

3 Esta lei tinha como principal entendimento a ideia que a procura criaria sua própria demanda.

62
Ciclos econômicos

Diante deste cenário não haveria justificativa de investir na economia uma vez que
não há lucros, sendo que a tendência dos mesmos é reduzir caso não haja uma
iniciativa governamental para incentivá-los.

Considerando que a taxa de juros depende da oferta e da demanda por moeda,


existe um nível mínimo sob o qual esta não cairá mais. Keynes tratou esse assunto
naquilo que chamou de armadilha da liquidez, que se verifica quando a economia
chega a um nível muito baixo de taxa de juros, e os especuladores optam por manter
a maior quantidade de moeda possível, assim a taxa de juros não baixaria mais.

Em outros termos, de nada adiantaria o Banco Central usar instrumentos para aumentar
a quantidade de moeda, como, por exemplo, baixar a taxa básica da economia (meta
Selic no Brasil) com o propósito de aumentar o crédito no sistema bancário.

De acordo com Keynes (1996, p. 206), quando a taxa de juros chega a um nível
extremamente baixo, ocorre a preferência pela liquidez “virtualmente absoluta”.
É importante observar que uma economia monetária, ao ingressar na armadilha
da liquidez, situação típica em épocas de recessão com redução da demanda,
tende a coincidir com a previsão de lucros menores pelas previsões pessimistas
dos investidores, tudo ocorrendo simultaneamente, justamente devido ao estado
recessivo da economia.
Neste contexto, verificamos uma redução ainda maior dos investimentos e, caso
fosse delegado ao mercado o ajustamento automático para correção dos rumos
da economia, esse nível poderia permanecer por tempo indeterminado.
A taxa de juros baixa, em nível próximo ao da armadilha da liquidez, é resultado
do aumento dos preços dos títulos de renda fixa. Ou seja, em momentos
recessivos aumenta-se o sentimento de precaução o que leva os especuladores a
demandarem mais títulos com um nível de segurança maior.

Esse aumento na demanda por títulos eleva seus preços e diminui a taxa de juros,
fazendo com que os empresários, por exemplo, se sintam mais seguros aplicando seus
recursos nesses títulos que investindo em seus negócios.

Diante dessas situações a armadilha da liquidez está configurada, pois com a


taxa de juros baixa, expectativa de lucros futuros das atividades produtivas em
baixa e pessimismo dos empresários, o desemprego tomaria conta da economia
e a demanda por bens permaneceria em estado de recessão. Esse seria o
caminho de uma economia capitalista se seguisse a receita do laissez-faire 4.

4 Significa deixar a economia seguir seus rumos sem a interferência do governo. Ficou consagrada nos anos mais
recentes na figura do liberalismo econômico.

63
Capítulo 3

A solução clássica para o desemprego, uma redução dos salários nominais, não
poderia ser aceita pela teoria keynesiana porque não condizia com a realidade da
armadilha da liquidez. Entretanto, Keynes admitia uma diminuição dos salários
reais utilizando-se de uma política monetária flexível, inflacionando um pouco a
economia, indicando esse processo para momentos de crise.

Com o aumento da inflação o efeito seria uma redução da renda real, uma vez que
o preço médio dos produtos e serviços da economia aumentaria dado o mesmo
nível de salários. John Keynes entende que mesmo a possibilidade institucional de
negociações para a queda do salário nominal dos empregados 5, representaria
um risco muito grande, sendo que no processo político seria praticamente
impossível de ser realizado sem grandes protestos e rupturas.

A forma mais inteligente para enfrentar o desemprego seria adotar uma política
monetária de expansão do crédito, e uma política fiscal para aumentar os investimentos
públicos e de redução dos impostos.

Para combater as crises que se instalavam em uma economia Keynes centralizava


suas análises na política fiscal, uma vez que os esforços de intervenção, via
política monetária, seriam praticamente nulos sob a armadilha da liquidez que
pressionam os juros para baixo, mesmo estes já estando demasiadamente baixos.

Com objetivo de contrabalançar a deficiência do investimento privado, Keynes


propunha que o aquecimento da economia, em situações de crise, seria uma
função do Estado por meio de grandes obras públicas que aumentassem o
emprego, e que o governo deveria também baixar os impostos para estimular os
empresários a investir e as famílias a consumir.

Para que possamos ter uma melhor visualização do que ocorre na armadilha
da liquidez, vamos estudar o conceituado modelo Investment Saving e Liquidity
preference Money supply (IS/LM).

1.3 Formalização via IS/LM


A formalização via IS/LM é uma série de equações matemáticas criadas por John
Richard Hicks (1904-1989), o qual modelou os pensamentos keynesianos com base
nessas equações. A sigla IS/ LM desse modelo provém do inglês e representa o
lado real e o lado monetário da atividade econômica, respectivamente.

5 É o salário contratual, baseado em uma quantidade de moeda corrente, e que se difere do salário real, salário
medido em termos de poder de compra de bens e serviços. A diferença entre ambos está justamente na inflação,
em que dado um nível de salário nominal, quando temos os preços médios da economia aumentando, o salário real
se reduz mesmo o salário nominal se mantendo estável.

64
Ciclos econômicos

Por meio do modelo IS/LM, um modelo simplificado da economia, é possível


simular a situação de uma crise econômica partindo da hipótese de um choque
adverso que provoque uma queda do produto agregado, e dado que a economia
já tenha ingressado em um cenário de depressão, uma recessão profunda e de
longa duração será instalada.

A figura a seguir ilustra, por meio do gráfico IS/LM, uma economia em recessão,
que apresenta a atividade econômica abaixo do produto potencial, e que está
retornando ao nível de equilíbrio.

Figura 3.1 – Gráfico IS/LM

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Na figura apresentada verificamos o gráfico IS/LM com as seguintes variáveis


interagindo:

Investment Saving (IS): A curva IS é combinação da taxa de juros e do nível de


renda agregada, que faz com que o mercado de bens esteja em equilíbrio. Essa
curva tem inclinação negativa porque um aumento na taxa de juros reduz os
gastos planejados e, dessa forma, reduz a demanda agregada, diminuindo o nível
de renda de equilíbrio.

Cabe destacar que quanto menor for o multiplicador dos gastos e a sensibilidade
dos gastos com investimentos às variações na taxa de juros, mais inclinada
será a curva IS, a qual se deslocará para a esquerda ou para a direita, conforme
as variações nos gastos autônomos, sendo estes menores ou maiores,
respectivamente.

65
Capítulo 3

Por exemplo, consumo, investimento, gasto do governo e saldo da balança


comercial quando aumentam deslocam a IS para a direita.

Liquidity Money (LM): A curva LM demonstra todas as combinações de taxas


de juros e níveis de renda nas quais a demanda estoque real de moeda é igual
à oferta real de moeda. Ao longo da curva LM, o mercado monetário está em
equilíbrio.

Y: Produto agregado da economia que dependerá da interação entre IS e LM.

Yn: Produto de pleno emprego da economia ou natural. De acordo com a


formalização de John Hicks, o pleno emprego é um caso geral. No entanto, há
falhas de mercado que deslocam os mercados econômicos para fora do seu
equilíbrio potencial, ou pleno emprego dos fatores de produção. John Keynes
em toda sua teoria combate a premisa de que o pleno emprego é condição
necessária para o equilíbrio econômico.

A possibilidade de o produto agregado da economia ficar abaixo do produto


natural, aquele no qual a economia empregaria todos os seus fatores de
produção, fará com que ocorra uma queda no nível geral de preços, ou seja, da
inflação. Assim, trabalhando com um estoque de moeda constante, essa redução
dos preços aumentará o estoque de moeda real 6 dentro de uma economia.

O gráfico IS/LM demonstra que a economia fora do equilíbrio de pleno emprego,


Y, no ponto A, fará com que ocorra uma queda no nível de preços (inflação). Essa
situação pode ser ilustrada pela dificuldade encontrada para a venda de produtos
e serviços uma vez que a economia está desaquecida. Outra consequência
de a economia estar trabalhando fora do seu produto potencial ou natural é o
desemprego, que diminui a renda, fazendo as famílias gastarem menos.

Em uma situação de recessão econômica observamos a queda no nível de


preços. Em contrapartida, considerando M/P (oferta de moeda real), a queda dos
preços terá o efeito de aumentar a renda em algum momento. Neste sentido,
ocorrerá um deslocamento da curva LM para a direita até atingir a situação de
pleno emprego novamente.

Esse modelo extremamente simplificado poderia nos levar a acreditar que as


economias possuem mecanismos extremamente fortes de autoajuste que as
tirariam das recessões econômicas automaticamente. No entanto, esse processo
não é simples, visto que algumas medidas a serem adotadas podem dar errado
de muitas formas.

6 É representado pela quantidade de moeda circulando em uma economia dividida pelo nível de preços (inflação).
Sendo o nível de moeda na economia, M, e o nível de preços, P, o estoque real de moeda será, M/P. Uma queda em
P aumenta o estoque de moeda, e vice-versa.

66
Ciclos econômicos

Cabe observar que até o momento consideramos que apenas a curva LM se


desloca para ajustar-se à nova situação econômica, porém, o efeito real no
mercado de bens foi desprezado. Dessa forma, é importante considerarmos o lado
real da economia, fazendo a distinção entre juros reais e nominais, analisando que
a curva IS, que mede o lado real da economia, também será afetada.

1.4 Investigando as taxas de juros (real e nominal) e a inflação


esperada
Quando estudamos o gráfico IS/LM não diferenciamos a taxa nominal de juros da
taxa real. Porém, é fundamental conhecermos as peculiaridades quanto às taxas
de juros reais e nominais e sua ligação, pois seus impactos são importantes para
explicar o que acontece com as curvas IS/LM, visto que as decisões de gasto
autônomo, base da curva IS, são impactadas pela taxa de juros real 7.

No caso da demanda de moeda, fator principal na determinação da curva LM, o


que importa é a taxa de juros nominal.

O gráfico a seguir representa uma economia em recessão e sua dificuldade de


retorno ao equilíbrio quando considerada a taxa de juros real.

Figura 3.2 – Gráfico IS/LM: Economia em recessão

Fonte: Elaboração do autor (2012).

7 Essa taxa leva em consideração a variação no nível de preços e reflete a alteração no poder de compra dos agentes
econômicos. Podemos obter a taxa de juros real por meio da fórmula de Fisher, ilustrada a seguir pela Equação 1:

67
Capítulo 3

As informações contidas no gráfico anterior representam uma economia que


está operando abaixo do produto de pleno emprego, na qual a taxa de juros
considerada é a taxa real. Este gráfico ilustra uma situação em que a queda do
produto agregado causará queda no nível de preços da economia, provocando
um aumento dos juros reais.

Considerando a diferença entre a taxa de juros nominal e real podemos fazer


uma análise mais realista de uma recessão numa economia capitalista. Partindo
da hipótese de que a economia esteja com nível abaixo do pleno emprego,
representado por Y, e o ponto A (intersecção das curvas IS/LM), mostra o
equilíbrio no mercado de bens e monetário. Note que utilizamos a mesma
premissa anterior em que a queda do produto agregado causará uma redução no
nível de preços.

O primeiro efeito de uma queda do nível do produto representado por Y em


relação ao pleno emprego Yn é o deslocamento da curva LM devido ao aumento
da quantidade real de moeda. Observe que essa situação vem da premissa de
que a oferta real de moeda é representada pela quantidade nominal de moeda
dividida pelo nível de preços.

A curva LM se desloca para a direita até o ponto B, intersectando a curva IS.


Em seguida, temos mais deslocamentos da LM, de uma forma dinâmica, até
que a economia se encontre novamente na posição de equilíbrio ou no ponto do
produto natural. No entanto, um segundo impacto é percebido sobre a curva IS
em virtude da taxa de juros real, que também afeta o produto agregado.

O segundo impacto será causado pela queda de preços (inflação reduzida), visto que
os agentes econômicos em uma recessão esperam que a inflação se reduza devido
à falta de atividade econômica. Pela fórmula de Fischer podemos observar que dada
uma taxa nominal de juros, a queda da inflação aumentará a taxa real de juros.

O efeito do aumento da taxa real de juros na economia resulta numa queda dos
gastos autônomos. Com isso temos a curva IS também se movimentando, mas,
ao contrário da LM, temos uma retração para o ponto B’’, que inclusive poderá
ter um nível de produto menor que aquele inicialmente identificado no início da
recessão, fazendo com que a situação piore ao invés de melhorar.

Esse cenário demonstra o que acontece na armadilha da liquidez, em que, quanto


maior a queda do nível de preços em uma economia dado um nível de juro
nominal, maior será a taxa de juros real e menor a atividade econômica que será
impactada por este aumento. Para ilustrar esta situação vamos exemplificá-la de
forma numérica.

68
Ciclos econômicos

1.4.1 Exemplo numérico da armadilha da liquidez


Para facilitar o entendimento sobre a armadilha da liquidez, vamos desenvolver
o mesmo raciocínio que trabalhamos graficamente por meio do sistema IS/
LM, porém agora com números. Sendo assim, vamos supor as seguintes
características de uma economia:

Inflação (p) = 5% ao ano;

Taxa de juros nominal (in) = 8,5% ao ano;

Taxa de juros real (ir) = 3,3% ao ano.

Diante desses índices vamos desenvolver um cálculo, por meio da fórmula de Fischer,
de modo a comprovar que a taxa real de juros apresentada é realmente 3,3%.

Suponhamos ainda que o crescimento real de moeda dessa economia cresce à


mesma taxa da inflação, ou seja, 5% ao ano, porém, em virtude da recessão que
atinge a economia, há uma expectativa de que a inflação seja menor passando
para 3% ao ano.

É possível verificarmos o que acontece com o estoque de moeda dessa economia


com a premissa de recessão e queda da inflação. Conforme observado pelos
gráficos IS/LM, estudados anteriormente, teremos um aumento da quantidade de
moeda, o qual é apresentado pela Equação 2 a seguir.

Portanto, verificamos um aumento da quantidade de moeda em 1,94%, que


corresponde a um deslocamento da curva LM para a direita.

Agora, vamos supor que o aumento da quantidade de moeda faz a taxa de juros
reduzir de 8,5 para 7% ao ano. Com base nessa premissa obtemos a seguinte
taxa de juros real na economia por meio da Equação 3 na sequência:

69
Capítulo 3

Podemos observar por meio desta equação que a taxa de juros real da economia
passou de 3,33% para 3,88% ao ano. Assim, verificamos que o efeito de uma
queda na inflação é o aumento da taxa de juros real.

Essa situação torna-se um ciclo vicioso em que uma recessão poderá se tornar uma
depressão profunda na economia, pois se a taxa de inflação cair mais teremos o
produto respondendo negativamente devido aos aumentos nas taxas reais de juros, e
essa situação levará a economia cada vez mais longe do produto natural.

A partir do raciocínio apresentado é possível constatar que os mecanismos de


autoajuste da economia às vezes falham, conforme Keynes destacou em sua
Teoria Geral, na qual descreveu que uma economia deixada ao autoajuste tende
a piorar em momentos de recessão e depressão econômica. Por esse motivo
defendia a intervenção das autoridades monetárias por meio de políticas fiscais
ou monetárias que levassem o produto de volta ao pleno emprego.

Na sequência veremos como a política monetária poderá ser eficiente neste


trabalho.

1.5 A política monetária


A política monetária é um instrumento de controle econômico utilizado pelas
autoridades governamentais, mais explicitamente o governo federal e o Banco
Central, que, diante da possibilidade de emitir e alterar a quantidade de moeda na
economia, pode alterar o nível do produto agregado ou PIB.

Essa intervenção é necessária visto que, conforme observamos anteriormente, a


economia tem dificuldade de retornar ao seu produto natural automaticamente.

Nas premissas do modelo simplificado de economia, representado pelas curvas


IS/LM, que trabalhamos, a oferta de moeda era fixa, a taxa de crescimento da
moeda ficou inalterada enquanto a queda da inflação e a recessão estavam
atuando na economia.

Em situações como essa o Banco Central, aqui no Brasil – Banco Central do Brasil
(BACEN), possui mecanismos para atuar, tendo por finalidade a estabilização da
economia.

Atualmente a política monetária brasileira é pautada pelo controle da inflação


em um sistema denominado Metas para Inflação. Basicamente, o Conselho
Monetário Nacional (CMN) define a meta de inflação, a qual é acompanhada
pelo Bacen, por meio do Comitê de Política Monetária (COPOM). Sendo assim, o

70
Ciclos econômicos

COPOM decide qual será a meta de inflação para determinado ano, ou seja, em
suas reuniões eles determinarão o nível de juros básico da economia, também
chamado de Meta Selic e outros instrumentos.

Os principais instrumentos de política monetária à disposição do CMN e do Bacen


são:

• Depósito compulsório: parte dos recursos do sistema bancário fica retido em


contas especiais sob a custódia do Bacen;

• Redesconto: concessão de empréstimos do Bacen aos bancos para


aumento de liquidez na economia;

• Open market: mecanismo de compra e venda de títulos públicos federais


visando ao controle da taxa de juros.

Os instrumentos de intervenção do Bacen na economia têm a capacidade de


movimentar a curva LM, alterando a quantidade real de moeda em circulação.
Como no nosso exemplo numérico temos a economia sendo afetada pela queda
da inflação e aumento da taxa de juros real, por consequência o nível de produto
agregado via IS será afetado.

Para reverter esse cenário na economia o Bacen teria que fazer a taxa real da
economia se estabilizar ou diminuir para aquecer a economia novamente. Para
isso, poderá reduzir a taxa básica de juros, ou outro instrumento que tiver o
mesmo efeito como, por exemplo, redução dos depósitos compulsórios ou até
mesmo do aumento do crédito aos bancos via redesconto.

Na sequência, vamos retomar nosso exemplo numérico, porém apresentando


outro raciocínio, agora demonstrando como ocorre a expansão da economia via
Política Monetária com a redução da taxa de juros nominal:

No exemplo trabalhado tínhamos uma economia com as seguintes variáveis:

Inflação = 5% ao ano;

Taxa de juros nominal (in) = 8,5% ao ano;

Taxa de juros real (ir) = 3,3% ao ano.

Essa conjuntura econômica foi alterada da seguinte forma: expectativa de queda


da inflação para 3% ao ano, crescimento moeda estável em 5% ao ano e juros
nominais em 7% ao ano:

71
Capítulo 3

Inflação = 3% ao ano;

Taxa de juros nominal (ir) = 7% ao ano;

Taxa de juros real (ir) = 3,88% ao ano.

Reduzindo ainda mais as taxas de juros nominal, além daquela que o mercado
negocia e com os novos parâmetros de inflação, o Bacen consegue manter,
ou até mesmo diminuir, a taxa real de juros, sendo que com essa intervenção
promove o crescimento do produto agregado.

Suponhamos que o Bacen pretenda manter a taxa de juros real no patamar de


3,33% ao ano e não 3,88%, que seria muito alta para proporcionar o crescimento
econômico. Dessa forma, o Bacen teria que estabelecer a taxa nominal (Selic) em
6,43% ao ano. Na Equação 4 a seguir temos:

Para diminuir o nível anterior de juros real para patamares inferiores aos 3,33%
ao ano, o Bacen teria que estabelecer a taxa nominal (Selic) em algo menor
ainda que os 6,43% ao ano, dependendo dos seus objetivos, conforme ilustra a
Equação 5 na sequência:

Caso o Bacen diagnosticasse uma recessão duradora e com término de difícil


previsão, poderia estimular a economia, no nosso exemplo reduzindo a taxa de
juros nominal para 5% ao ano e dessa forma a taxa de juros real seria de 1,94%
ao ano.

Com as taxas de juros reais em queda os empresários se animariam a investir


mais e a contratar, e, por outro lado, o crédito ficaria mais barato em termos reais
e as remunerações dos títulos do mercado financeiro ficariam menos atrativas,
fazendo com que as famílias comprassem mais bens e serviços, elevando o nível
do produto e até mesmo encontrando seu produto natural.

72
Ciclos econômicos

1.6 O limite da política monetária


Apesar dos benefícios proporcionados para a economia, a política monetária tem
um limite de atuação. O Bacen, por exemplo, não pode reduzir a taxa nominal de
juros para taxas inferiores a zero.

É importante observar que a efetividade de uma política monetária está no fato de


o Bacen ter espaço em termos de juros para atuar. Caso isso não ocorra há um
efeito chamado armadilha da liquidez.

A prescrição correta é claramente a de que uma política


monetária pode e deve ser usada nesse contexto. Mas existe
um limite para o que o Banco Central pode fazer: ele não pode
diminuir a taxa nominal de juros abaixo de zero. (BLANCHARD,
2004, p. 469).

Podemos verificar que Blanchard destaca a dificuldade de as autoridades


monetárias reduzirem as taxas de juros para abaixo de zero e, se existisse uma
situação como essa, mesmo com uma inflação bem baixa ou negativa, a taxa real
resultante ainda será alta, dado o desempenho da economia e a dificuldade de as
autoridades monetárias retirarem o país da depressão.

Com a taxa de juros nominal igual a zero os agentes econômicos seriam indiferentes
entre manter o seu dinheiro em espécie ou aplicados, pois ambas as decisões levariam
a um mesmo rendimento: zero.

Cabe refrisar que situações nas quais os agentes econômicos prevejam deflação
poderão comprometer a efetividade da política monetária, ao passo que a
deflação (inflação abaixo de zero) ocorre para dado nível de taxa de juros nominal,
o que pode aumentar a taxa real de juros.

Assim, finalizamos a análise de um ciclo de baixa, no qual a economia poderá


entrar em uma recessão ou depressão, caso as autoridades não se atuem por
meio de políticas de estabilização. Temos ainda o outro lado do ciclo, em que
verificamos momentos de euforia que da mesma forma podem levar a economia a
desequilíbrios, como, por exemplo, a questão da inflação.

73
Capítulo 3

Seção 2
Inflações persistentes no sistema capitalista
A inflação é o aumento generalizado dos preços em uma economia, sendo que
quando esse aumento ocorrer de forma rápida e descontrolada, com os preços
subindo desordenadamente, temos o fenômeno econômico denominado de
hiperinflação.

Dois efeitos normalmente ocorrem quando há um processo de hiperinflação: a


recessão e a desvalorização da moeda. Em um ambiente de hiperinflação nenhum
agente econômico deseja manter moeda em mãos em virtude da rapidez com que se
perde o poder de compra.

É importante destacar que diversas inflações persistentes e hiperinflações se


instalaram no sistema capitalista, sendo que há muitas semelhanças entre o
processo das hiperinflações entre diversos países que sofreram desse mal como,
por exemplo, o Brasil até meados da década de 1990.

Neste sentido, vamos examinar alguns exemplos de inflações persistentes do


atual mundo capitalista, porém de início observaremos como esse o processo se
instala teoricamente.

2.1 Instalação do processo inflacionário


O processo hiperinflacionário que verificávamos no caso do Brasil na década de
1990 não foi desencadeado por eventos bélicos (guerras) como aquele ocorrido
na Alemanha entre 1922 e 1923, e na Áustria, entre 1921 e 1922, com taxas
mensais de 322% e 47%, respectivamente, mas sim em virtude da enorme dívida
externa acumulada pelos governos na década de 1970 e devido também em
grande parte ao choque do petróleo em 1979, e, ainda, com a suspensão do
financiamento externo desde 1982.

A ineficiente administração pública também contribuiu para o Brasil chegar à hiperinflação.


Em meados da década de 1970 o país tinha 50% de dívida privada e 50% pública, sendo
que entre os anos de 1981 e 1983 a dívida brasileira era 90% pública.

Os planos de estabilização que tentaram reduzir o peso da dívida pública foram


frustrados. Em julho de 1994, quando a atual moeda, o Real, entrou em vigor a
inflação estava na casa dos 47% ao mês.

74
Ciclos econômicos

Mas o que provoca as hiperinflações?

A hiperinflação é causada pelo aumento nominal de moeda que se eleva em virtude


do aumento do déficit orçamentário do governo, fazendo com que a economia seja
afetada por grandes choques que dificultam ou impedem o governo de financiar
suas despesas de qualquer outro modo além da emissão de moeda.

Esse aumento no déficit orçamentário foi justamente o que ocorreu com o Brasil
na década de 1980 até meados de 1990. Com a interrupção dos empréstimos
externos, o financiamento desse déficit passou a depender cada vez mais do
endividamento interno e da senhoriagem 8.

No entanto, em consequência desse endividamento e do processo de


senhoriagem, gerou-se uma crise fiscal, em que o déficit orçamentário continuou
elevado, a dívida pública interna aumentou para aproximadamente 50% do
PIB e os prazos de vencimento da dívida eram extremamente curtos, rolados
praticamente no dia a dia do mercado financeiro, no chamado overnight.

Diante deste cenário, o governo brasileiro havia perdido totalmente a


credibilidade, tendo dificuldade para renegociar suas dívidas. Cabe ressaltar que
um governo poderá financiar a sua dívida de duas formas básicas: emissão de
títulos públicos e monetização da dívida pública.

2.2 Características do endividamento e senhoriagem


Na sequência vamos estudar algumas características referentes ao endividamento
e à senhoriagem.

1. Emissão de títulos públicos: Neste caso, para financiar suas dívidas


(interna e externa) o governo emite os chamados de títulos públicos,
estes geram ao comprador o direito de crédito. Quem negocia
estes títulos no Brasil é o Banco Central, atuando como o banco do
governo federal que atua apenas como colocador desses títulos no
mercado, sem emitir moeda. Desse modo, o governo passa a ser um
devedor ou um tomador de recursos representados por estes títulos.
2. Monetização da dívida pública: No processo de financiamento da
dívida pública por monetarização o governo entrega títulos públicos
ao Bacen, o qual paga ao governo em moeda corrente, que, por sua
vez, utiliza-se desse recurso para financiar a sua dívida.

8 São ganhos que derivam da diferença entre o valor nominal da moeda e o custo em produzi-la. Por exemplo,
a única instituição autorizada a emitir moeda no Brasil é o Bacen. Sendo assim, vamos imaginar que o custo de
fabricação de uma cédula de R$ 100,00 seja R$ 2,00. Dessa forma, o Bacen poderá utilizar, teoricamente, R$ 98,00
como quiser. Este seria o ganho vindo com a senhoriagem.

75
Capítulo 3

Em geral, os déficits do governo são financiados por meio de emissão de títulos


públicos ao mercado, em detrimento da emissão de moeda. No entanto, as
hiperinflações são eventos atípicos que podem ocorrer em momentos em que o
governo esteja enfrentando um déficit orçamentário elevado, causando assim o
agravamento da situação econômica, e dificultando a obtenção de investidores
para financiar a dívida, principalmente no longo prazo.

Cabe destacar que um dos motivos da fuga de investidores de uma economia


se dá justamente pelo tamanho da dívida (déficit) do Estado, pois, prevendo que
o governo possa dar o calote, não honrando a sua dívida no futuro, investidores
potenciais exigem taxas de juros cada vez mais altas e muitas vezes deixam o
país resgatando os seus recursos.

Neste caso, a única alternativa que resta a um país para honrar seus
compromissos fiscais é fazer uso da emissão de moeda como financiadora de
seus déficits, utilizando a senhoriagem como escapatória para a crise.

Em quantos por cento a taxa de crescimento da moeda nominal deve crescer para
financiar o déficit orçamentário de um governo?

Em um cenário de hiperinflação, conforme apresentado, o tempo torna-se cada


vez mais curto quando o assunto é financiamento do déficit orçamentário via
emissão de moeda. Para que possamos compreender esse contexto econômico,
apresentamos na sequência a Equação 6, referente à senhoriagem.

Considerando que a receita do governo gerada pela senhoriagem será �M / P ,


ou seja, a emissão de moeda dividida pelo nível de preços P, temos:

�M
Senhoriagem =
P
Em que:

M = Estoque de moeda nominal ao fim de cada mês.


�M / P = Variação do estoque de moeda nominal entre o mês anterior e o início
do mês atual.

Para entendermos quanto de emissão de moeda em percentual será necessária


para gerar a senhoriagem, reescrevemos �M / P , por meio da Equação 7 a
seguir:

�M �M M
= +
P M P

76
Ciclos econômicos

Matematicamente, a senhoriagem é o produto do crescimento nominal da


moeda 9 �M / M pelos saldos monetários reais �M / P (quantidade de dinheiro
em poder público considerando o efeito da inflação).

Estabelecida a equação de senhoriagem precisamos agora relacioná-la à renda


agregada em termos mensais, a partir da Equação 8 na sequência:

��M M �
� x ÷
Senhoriagem � M P�
=
Y Y

Em que:

Y = Renda real mensal.

Simplificando:

Senhoriagem �M �M / P �
= x� ÷
Y M � Y �

2.3 Exemplo numérico da aplicação da senhoriagem


No período compreendido entre 2011 e 2012 a Grécia apresentou um forte déficit
orçamentário que gerou uma acentuada crise econômica no país.

Pelas estimativas da Central de Inteligência do Governo Americano (CIA), o déficit


orçamentário da Grécia neste período estaria em torno de 9,9% do PIB grego.
Este número é resultado de uma arrecadação de impostos da ordem de US$
129,5 bilhões contra um gasto de US$ 159,5 bilhões. Esse déficit de US$ 30
bilhões, dividido pelo PIB projetado de US$ 303,1, chega ao déficit em relação ao
PIB de 9,98%.

Diante deste cenário, suponhamos que para financiar sua dívida orçamentária a
Grécia pretenda fazer uso da emissão de moeda.

Vamos desenvolver apenas um exemplo teórico, pois a Grécia utiliza como moeda
única o Euro, não se beneficiando da senhoriagem porque a emissão da moeda é
feita pelo Banco Central Europeu. Nesta situação a Grécia apenas tem um repasse
do valor da senhoriagem que, para efeitos deste estudo, não será abordado.

9 Significa apenas a quantidade absoluta de moeda em circulação e não valor de compra real de uma moeda ou
saldos reais. Por exemplo, se temos um produto na economia que custa R$ 25,00 e uma quantidade de moeda
no valor de R$ 100,00 podemos adquirir quatro unidades deste produto. Se os preços se elevarem para R$
50,00, apenas 2 produtos poderão ser adquiridos. Para manter o poder de compra a quantidade de moeda deve
se ajustar, assim o valor nominal ou quantidade nominal deve ser de R$ 200,00.

77
Capítulo 3

Sendo assim, quanto deverá crescer a quantidade de moeda nominal ao mês


para financiar o déficit orçamentário grego, imaginando que as famílias detenham
saldos reais (M / P) / Y iguais a dois meses de renda?

Para resolver essa questão vamos utilizar a fórmula da senhoriagem:

Senhoriagem �M �M / P �
= x� ÷
Y M � Y �

Observamos que a senhoriagem comparada ao produto da economia é


exatamente o ganho que o governo deve obter para pagar o seu déficit. Por isso,
no lugar de senhoriagem em relação ao produto da economia Y, vamos utilizar o
déficit em relação ao PIB grego de 9,98%.

A partir da equação apresentada podemos verificar que para financiar 9,98% de


déficit orçamentário por meio da senhoriagem, a taxa anual de crescimento da
moeda deve ser de 4,95%.

Aparentemente a senhoriagem seria uma forma infinita de os governos


financiarem seus déficits orçamentários de forma barata, pois, caso um país
tenha, por exemplo, um déficit de 20%, bastaria o governo aumentar a emissão
de moeda em 10% para equilibrar as suas contas.

No entanto, essa visão é equivocada, pois, comumente, observamos em uma


economia afetada pela hiperinflação que as pessoas não querem ficar com
dinheiro em mãos, o que diminui os encaixes reais, e quanto menores forem
esses encaixes menos efetiva será senhoriagem.

Durante as hiperinflações os agentes econômicos encontram diversas formas de


diminuir os encaixes monetários. No Brasil, até o final da década de 1990, as pessoas
adquiriam telefones como forma de investimento.

Assim, o fluxo de moeda é destinado para outros bens e títulos, reduzindo a


quantidade de moeda em poder dos agentes econômicos, fazendo com que a
moeda reduza seu valor.

Outra consideração importante quando um país enfrenta situações de


hiperinflações são as conversões em moedas mais fortes, como, por exemplo,
o dólar americano. Neste caso, diminui-se a quantidade de moeda nacional em
poder público e aumenta-se a quantidade de outra moeda.

78
Ciclos econômicos

A desvalorização da moeda nacional como causa da senhoriagem e de sua


ligação com altos déficits governamentais causam grandes danos para uma
economia. Desta forma, a política de ajuste fiscal se faz necessária para controlar
novos déficits e a política monetária deve ser utilizada para estabilizar novamente
a moeda, pois somente dessa forma um país poderá acabar com a hiperinflação.

2.4 Acabando com a hiperinflação


O principal problema da hiperinflação em uma economia, conforme estudamos, é
a dificuldade de o Estado financiar o déficit no orçamento público. Com isso, para
estabilizar um processo hiperinflacionário o governo deve iniciar pela reforma fiscal 10.

Caso o governo inicie a reforma fiscal pelo controle de gastos públicos, a primeira
ação a ser executada é a negociação da dívida, visto que todos os países que
tiveram sucesso na luta contra a inflação negociaram a dívida com seus credores,
obtendo descontos e pausas nos pagamentos.

Essas negociações facilitaram a execução outras ações essenciais para continuar o


programa de estabilização da economia, como, por exemplo, incentivar a iniciativa
privada, ou desenvolver projetos públicos de infraestrutura, dentre outros.

No que se refere às receitas públicas, o governo deve adotar medidas em que


a receita inflacionária obtida por meio da senhoriagem seja substituída pela
receita gerada pela arrecadação de impostos. Sendo assim, o governo precisará
estabelecer novas fontes de arrecadação, as quais poderão ser de difícil
implementação em um momento de incertezas econômicas.

Outro ponto importante é a coordenação da política monetária com uma


manutenção da estabilidade monetária. Uma vez que a moeda em um ambiente de
hiperinflação está muito depreciada, o Banco Central exercerá um papel importante
impondo restrições à senhoriagem e utilizará os instrumentos de política monetária
para estabilizar o poder de compra da moeda nacional e controlar a inflação, como,
por exemplo, compulsório, redesconto, open market e a taxa básica de juros.

Mesmo que as autoridades monetárias atuem nas duas frentes, administrando as


contas públicas e mantendo estabilizada a moeda, uma terceira via de atuação
ainda será necessária: a estabilização da taxa de câmbio ou a relação de compra
entre a moeda nacional e seus pares no exterior. Assim, o Banco Central exercerá
também o controle da política cambial, estabelecendo as regras deste mercado.

10 Basicamente está relacionada à administração dos gastos públicos e à arrecadação de impostos. Um bom
programa de estabilização deve alterar a composição de ambos os lados, na arrecadação e nos gastos.

79
Capítulo 3

Somente atuando nas três políticas: monetária, fiscal e cambial será possível
restabelecer a confiança dos agentes econômicos.

Neste sentido, a credibilidade dos agentes econômicos na administração do


Banco Central será crucial no programa de estabilização monetária, sendo assim
o mesmo deve ter regras bem estabelecidas para todas as políticas sob seu
controle. O Brasil, por exemplo, teve sucesso na estabilidade monetária fazendo
justamente a conjugação de ações entre a política fiscal, monetária e cambial.

2.5 A experiência brasileira no combate à inflação


A experiência brasileira no combate à inflação passa por uma série de planos
econômicos com a tentativa de estabilizar os preços que estavam fora de
controle. Foram cinco planos econômicos diferentes entre 1986 e 1994, a saber:
Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor e, por último, Plano Real.

O Plano Cruzado foi implantado com muita euforia em 1986, no governo José
Sarney, diante de um aumento excessivo de preços.

Esse plano era basicamente apoiado no congelamento de preços e salários,


e não tratava a causa da instabilidade monetária como os pesados déficits
orçamentários do governo. Depois de apenas 14 meses vigorando o Plano
Cruzado foi encerrado. Dois outros planos econômicos, ainda sob o governo de
José Sarney, foram implantados: os Planos Bresser e Verão, mas, no entanto,
pelos mesmos motivos de seu antecessor, não funcionaram.

Já o plano Collor por meio do mecanismo de confisco das aplicações financeiras


atingiu a economia em cheio no início da década de 1990. A equipe econômica
do presidente Fernando Collor imaginava que diminuindo a circulação de moeda
a inflação sumiria.

Esse equívoco causou traumas na sociedade brasileira e o plano fracassou. Ainda


ocorreram tentativas de um Plano Collor II, mas, da mesma maneira, em menos
de um ano os dois planos fracassam e o ex-Presidente, por outros motivos, foi
deposto do poder.

A partir de 1993, assume como Presidente da República Itamar Franco e seu


ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, os quais deram início ao
embrião do que conhecemos como Plano Real. Um plano diferente dos demais,
pois foi pensado para atuar em diferentes frentes.

80
Ciclos econômicos

O Plano Real foi um programa de combate à hiperinflação brasileira implantado


em três etapas:

1. Entre 1993 e 1994 ocorreu um período de estabilização das contas


públicas, no qual se verificou um aumento das receitas e redução
das despesas públicas;
2. Cria-se a Unidade Real de Valor 11 (URV), uma unidade de conta
que ajudou a apagar a memória inflacionária uma vez que atrela os
preços a uma unidade estável. Essa medida econômica contribuiu
para preservar o poder de compra das famílias e manter os
contratos estabilizados;
3. Lançamento de uma nova moeda (Real).

Na implantação do Plano Real foram estabelecidas medidas relacionadas à


administração dos gastos públicos e à arrecadação de impostos, as quais
objetivavam obter receitas para a estabilidade econômica e realizar reformas para
a redução da dívida pública.

Entre essas reformas estão as privatizações de empresas estatais em muitos


setores da economia, com a finalidade de reduzir o peso sobre as contas públicas,
a implantação a Lei de Responsabilidade Fiscal, liquidação e venda de bancos
públicos, a total renegociação das dívidas públicas de Estados e municípios com
critérios rigorosos, maior abertura comercial com o exterior, entre outras.

Para que possamos compreender o processo de implementação do Plano Real


para a estabilização da economia brasileira, apresentamos na sequência as
principais medidas econômicas adotadas pelo governo brasileiro:

2.5.1 Desindexação da economia


A desindexação da economia diz respeito à retirada do processo automático de
reajuste de preços e salários chamado de indexação. Em economia, a indexação
é um sistema de reajuste de preços, inclusive salários e aluguéis, de acordo com
índices oficiais de variação dos preços.

11 Foi a parte virtual do Real, que começou a vigorar na economia em 1º de março de 1994. Era, na verdade, um
índice que procurou reproduzir a inflação, ou variação do poder de compra, servindo apenas como unidade de
conta e referência de valores. Era paralela à moeda em circulação na época o Cruzeiro Real (CR$), coexistindo com
ele até o dia 1º de julho de 1994, quando foi lançada a nova moeda, o Real (R$).

81
Capítulo 3

Em países com inflações altas ou hiperinflações, a indexação permite corrigir


o valor real dos salários e aluguéis e demais preços da economia, reajustando-
os com base na inflação passada. O problema desta medida está no fato que
a inflação futura pode ser alimentada por este sistema, uma vez que havendo
indexação os agentes econômicos poderão projetar os aumentos do passado
para os preços futuros.

O Brasil, no período de início do Plano Real, tinha uma inflação inercial 12 muito
forte, em que os valores futuros eram corrigidos com frequência muito curta.

Os supermercados reajustavam os preços de seus produtos diariamente, os aluguéis


eram corrigidos mensalmente e, consequentemente, o ajuste de preços e demais
valores passavam a ser corrigidos anualmente.

No final de junho de 1995, um ano após o lançamento do Plano Real, o


governo federal encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória
que desindexava a economia brasileira, a qual já fazia parte do programa de
estabilização do Plano Real.

Em uma ação conjunta, os ministros da Fazenda, Planejamento e Orçamento,


Trabalho e Previdência e Assistência Social acreditavam que os preços da
economia não estavam coordenados e solicitavam diversas alterações na forma
como os preços deveriam ser corrigidos na economia. Lembrando que até este
momento ainda vigoravam aumentos mensais de preços, salários e aluguéis.

Dentre os principais pontos da Exposição de Motivos Interministerial (E.M.


Interministerial n° 250/MF/SEPLAN/ MTb/MPS) destacamos:

12 Termo, criado pelo economista brasileiro Mario Henrique Simonsen, que se refere à ideia de que os agentes
econômicos possuem memória inflacionária, em que o índice atual de inflação é a base para as negociações de
preços no futuro, portanto, sendo a inflação no futuro mais alta devido a este fato

82
Ciclos econômicos

• Naquele momento de transição para a estabilidade econômica era


necessário admitir cláusulas de correção monetária ou reajuste por índices
de preços em contratos de prazo de duração superior a um ano;

• Sobre os aluguéis: Se naquele período ou no futuro, um determinado aluguel


fosse objeto de revisão, o reajuste ou a correção só seria possível depois de
transcorridos doze meses da data da revisão anterior;

• Livre negociação de preços: Era prioritária a ampliação da livre negociação


dos contratos entre as partes, preservados o equilíbrio econômico-financeiro
e o ato jurídico perfeito, sem rupturas ou casuísmos;

• Livre negociação entre trabalhadores e empregadores: A ampliação do


escopo da livre negociação coletiva entre empregados e empregadores e
o estímulo à participação dos trabalhadores nos resultados das empresas
foram fatores essenciais para consolidar a liberdade no mercado de trabalho.

Com base nesses princípios e outros de menor interesse para o nosso


desenvolvimento, a atuação conjunta dos ministérios iniciou a quebra da
indexação de preços que existia no Brasil.

Cabe destacar que nos dias de hoje ainda há um grau de indexação na economia
brasileira, mas esta é incomparavelmente menor que aquela vivenciada até 1995.

A atuação do Plano Real, mesmo depois da moeda estabilizada, pôde ser


observada em outras medidas, visto que somente a estabilidade monetária não
seria suficiente, fazendo-se necessário o ajuste das contas públicas.

O Brasil, até a implantação do Plano Real, tinha empresas públicas extremamente


devedoras e ineficientes, as quais eram uma das causas da inflação, pois
aumentavam o gasto público, e que foi parte solucionado com as privatizações.

2.5.2 Privatizações no Brasil


As privatizações são medidas relacionadas à venda de ativos sendo adotadas
por diversos governos para fins de administração dos gastos públicos. No Brasil,
observamos privatizações antes da implantação do Real, durante e até mesmo
nos dias atuais.

83
Capítulo 3

Quando o governo observa que não tem capacidade administrativa para atuar em
determinado setor da economia ou que determinada empresa pública desperdiça
recursos públicos por não ser rentável, uma solução é a privatização.

Durante a implantação do Real as privatizações foram um dos temas mais polêmicos


enfrentados pelo governo brasileiro, mas que eram necessárias em um momento em
que o governo necessitava equalizar suas finanças.

Foi por meio da Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997, que criou o Conselho
Nacional de Desestatização, que o então Presidente Fernando Henrique Cardoso
(FHC) (1995-2002) adotou um amplo programa de privatizações. O governo FHC
apenas continuou um processo de privatizações que teve seu início no governo
de Fernando Collor.

Na gestão de FHC várias empresas públicas, que atuavam em variados setores


da economia, foram privatizadas, por exemplo, a Companhia Vale do Rio
Doce, empresa de minério de ferro, a Telebrás, até então monopólio estatal de
telecomunicações e a Eletropaulo.

Durante as privatizações muitos economistas, partidos de oposição, sindicatos


trabalhistas, o Judiciário e muitos outros setores da sociedade brasileira
manifestaram-se contrários ao processo de privatização; principalmente pela
forma como foi conduzida. Muitas ações judiciais foram solicitadas, mas sem
êxito não evitaram os leilões de privatizações que ocorreram na Bolsa de Valores
do Rio de Janeiro.

Vários motivos para a polêmica sobre as privatizações podem ser destacados,


entre eles era que no leilão os participantes poderiam pagar as ações dessas
empresas em títulos do governo de períodos anteriores, também conhecidos
como moedas podres; outro ponto foi a participação do BNDES como financiador
dos grupos participantes do leilão e um terceiro e último ponto foi a participação
de grupos estrangeiros que estariam expropriando um patrimônio nacional.

No entanto, o objetivo do governo era eliminar um grande peso para a dívida


pública, uma vez que essas empresas, para serem competitivas, exigiam altos
investimentos, e para propiciar tais investimentos muitas vezes o governo emitia
títulos e aumentava a quantidade de moeda na economia, o que agravava a inflação.

Passado o período de privatizações provou-se que em muitos casos o governo


estava certo em privatizar, pois algumas daquelas empresas tiveram um
expressivo crescimento.

84
Ciclos econômicos

A Vale, antiga Vale do Rio Doce, nas mãos da iniciativa privada tornou-se uma das mais
valiosas mineradoras do mundo.

O equilíbrio monetário, privatizações para reforçar o caixa do governo e uma


administração austera das contas públicas foram sugestões do Fundo Monetário
Internacional (FMI) que ficaram conhecidas como Consenso de Washington 13.

Podemos verificar por meio dessas regras de austeridade fiscal do consenso de


Washington, as quais foram adotadas pelo Brasil, que manter o equilíbrio das
contas públicas é fator primordial na administração econômica de países, Estados
e municípios.

2.5.3 Equilíbrio fiscal


O equilíbrio fiscal é a medida econômica que está relacionada ao modo como
o governo administra seus gastos. No decorrer da implantação do Plano Real
foi possível observarmos uma grande alteração na forma de administração das
receitas e despesas pelo Estado brasileiro.

Naquele período a estrutura de intervenção do Estado na sociedade brasileira


era grande, o que demandava a alocação de muitos recursos públicos para
mantê-la. Sendo assim, foram feitos cortes nas despesas e aumento nos
impostos federais, adotando-se de forma muito clara o aumento da arrecadação
e redução do gasto público. Entre os cortes nas despesas públicas estava a
demissão de aproximadamente 20 mil funcionários públicos e a extinção de
cargos e órgãos públicos.

Na administração de FHC, foram extintas por meio de Medida Provisória (MP), a


Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), que eram suspeitas de facilitar o desvio de
verbas públicas.

Dentre as exigências do consenso de Washington podemos destacar que o


equilíbrio fiscal seria marcado pela metodologia de superávit primário. Este é o
resultado das contas públicas excluindo os juros das dívidas interna e externa,
visto que os recursos provenientes do superávit primário, como não contemplam
os juros, poderiam ser comparados com estes.

13 Este consenso foi escrito por John Williamson, em 1989, e por outros economistas de Washington D.C., tornando-
se, a partir daquele momento, a política oficial do FMI quando concede fundos para países em dificuldades. É formado
por um conjunto de medidas que possui dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma
tributária; juros de mercado; câmbio de mercado; abertura comercial; investimento estrangeiro direto, com eliminação
de restrições; privatização das estatais; desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e direito
à propriedade intelectual.

85
Capítulo 3

Se o governo conseguisse um saldo maior que os juros a serem pagos não


necessitaria emitir novos títulos para cobrir a diferença, mas, caso contrário, seria
necessário complementar a diferença.

Do lado da receita governamental destacamos os impostos, tributos e lucros


recebidos de empresas estatais e/ou dividendos de empresas de capital misto. Do
lado dos gastos públicos temos salários, despesas administrativas, investimentos
em infraestrutura, e gastos de custeio, que são as principais despesas públicas.
O resultado entre essas receitas e despesas nem sempre era positivo, levando o
governo a cobrir a diferença via emissão de divisas ou de moeda.

Outra medida, herança do governo Collor, que contribuiu para a estabilização


monetária foi a abertura econômica, que teve continuidade durante o Plano Real.

2.5.4 Abertura econômica


A abertura econômica em um país contribui no combate à inflação, visto que
propicia a competição de produtos estrangeiros com os nacionais. No início do
Plano Real foi possível observar a intensificação da abertura econômica que teve
início no governo do ex-Presidente Fernando Collor de Melo.

Em paralelo ao estabelecimento desta medida econômica, houve a redução da


alíquota de importação e demais taxas aduaneiras, pressionando as indústrias
nacionais a melhorar a qualidade de seus produtos e serviços.

Além da redução dessas taxas e impostos aduaneiros a própria política externa


do governo FHC também foi decisiva no processo de consolidação da abertura
econômica nacional. Apoiada em uma âncora cambial (taxa de câmbio fixa)
fez com que produtos estrangeiros competissem com os nacionais com mais
intensidade, sendo possível observar nesta época uma entrada acentuada tanto
de Investimento Estrangeiro Direto (IED) quanto de investimento especulativo,
destinados à compra de títulos de curto prazo.

Quando o Plano Real teve início a moeda brasileira foi valorizada artificialmente
com o objetivo de manter as importações que traziam para o Brasil produtos de
qualidade a preços competitivos.

Dessa forma, os similares nacionais eram obrigados a baixar seus preços para
competir. Assim, o câmbio fixo, também foi um importante instrumento para a
estabilidade de preços.

86
Ciclos econômicos

2.5.5 Política monetária restritiva


A política monetária restritiva se resume ao uso dos instrumentos de política
monetária com o intuito de manter a circulação de moeda restrita dentro de uma
economia. Podemos destacar as seguintes atuações do Bacen quando se propõe
a restringir a quantidade de moeda em circulação:

•• Aumentar a exigência de compulsório: É um depósito obrigatório


do sistema bancário, exigido pelo Bacen. Caso a autarquia eleve
muito este valor, os bancos ficam com menos recursos para
prover empréstimos a seus clientes tomadores. O custo médio de
empréstimo sobe e a quantidade de moeda em circulação diminui.
•• Aumentar a taxa do redesconto: Os bancos privados podem
recorrer ao Banco Central para conseguir empréstimos para efetuar
os seus negócios. Na ausência de liquidez e clientes dispostos
a depositar nos bancos privados, estes procuram o Bacen. Em
uma política monetária restritiva o Bacen manterá uma taxa de
empréstimo dos redescontos alta para desestimular essa prática.
•• Consolidar um programa de venda de títulos públicos: Outra
alternativa foi utilizar a rede de distribuição bancária para conseguir
clientes para os títulos públicos federais. Uma vez que os recursos
se direcionam aos títulos, circularam na economia com menor
intensidade.
•• Aumentar a taxa básica de juros: Uma das medidas que fornece
efeito em todo o mercado financeiro é alterar diretamente a taxa
referencial de juros do mercado, no Brasil chamada de Meta Selic,
em uma referência ao sistema de custódia e liquidação do Banco
Central. Uma vez que esta taxa é alterada, todas as demais sobem,
causando efeito restritivo na economia.

Quando Plano Real passou a vigorar o Bacen do Brasil manteve a taxa de juros
alta e elevados níveis de compulsório. Essas ações tiveram como objetivo
atrair capital estrangeiro e diminuir a circulação de moeda, respectivamente,
consideradas assim uma política monetária restritiva.

A política monetária restritiva, além de manter a inflação sob controle porque diminui
a quantidade de moeda na economia com a taxa de juros elevada, atrai capital
estrangeiro para investir no país.

87
Capítulo 3

Dessa forma, o Brasil conseguiu manter capital estrangeiro circulando em sua


economia, aumentando a competição com as empresas locais e garantindo a
queda da inflação.

Seção 3
Estudos de caso da ocorrência de hiperinflação
em diferentes países
O estudo de caso da ocorrência de hiperinflações em diferentes países, como,
por exemplo, a Alemanha, China e Hungria, visa a inter-relacionar o conhecimento
teórico construído até o momento a casos reais.

Sendo assim, vamos iniciar nossos estudos pela inflação que afetou a economia
alemã no início do século XX.

3.1 A megainflação alemã


No início da Primeira Grande Guerra, em 1914, o Reichsbank, banco central
alemão à época, seguindo o que todos os outros bancos centrais das nações em
guerra estavam fazendo, suspendeu a conversão de sua moeda em ouro para que
não perdesse as reservas em ouro restantes.

O governo alemão preferiu pedir emprestado o montante de dinheiro necessário em vez


de aumentar substancialmente seus impostos, uma vez que a elevação de impostos é
sempre uma ação impopular.

Assim, para não iniciar uma medida impopular de aumento de impostos, o


governo alemão efetuou empréstimos e o grande financiador foi justamente o
seu banco central, o Reichsbank, que adquiriu uma grande quantidade de títulos
públicos, executando bem a sua função de banqueiro do governo no período,
quando financiou os projetos da guerra.

No entanto, em virtude da grande quantidade de títulos públicos emitidos pelo


governo, paralelo a uma dívida pública crescente e sem lastro, o banco central
alemão foi forçado a fazer uma grande emissão de moeda, fazendo com que a
monetização da economia alemã ficasse gigantesca.

88
Ciclos econômicos

Dessa forma, até o final da guerra a quantidade de dinheiro em circulação subiu


quatro vezes e alguns produtos tinham preços por volta de 140 por cento dos
valores reais. Cabe destacar que cinco anos depois, em dezembro de 1923, o
Reichsbank tinha emitido 496,5 quintilhões de marcos, cada um dos quais tinham
caído a um trilionésimo de seu valor em ouro de 1914, e praticamente todo o bem
econômico e serviço estava custando trilhões de marcos.

O dólar americano, por exemplo, que era cotado a 4,2 trilhões de marcos, passou
a ser cotado a 42 bilhões de marcos. Mas como poderia uma nação europeia, que
se orgulhava de seus altos níveis de educação e do conhecimento acadêmico,
sofrer tal destruição completa do seu dinheiro?

Um dos erros da equipe econômica alemã foi o de não assumir logo uma inflação
na economia, pois naquele período o ministro das Finanças, o economista
Helfferich, muitas vezes assegurou que não havia inflação na Alemanha. Assim,
não reconhecendo a existência da inflação, a mesma tomou um efeito galopante
trazendo consequências que foram sentidas por um longo período na Alemanha.

3.2 Hiperinflação na China


A China, entre anos de 1935 e 1949, passou por uma hiperinflação em que os
preços aumentaram mais de mil vezes no período. O que causou a hiperinflação
na China não foi muito diferente daquela observada em outros países.

Naquele período o governo nacionalista chinês injetara grandes quantidades


de papel-moeda na economia. A expansão monetária na China foi tão grave
que, durante a Segunda Guerra Mundial, prensas nacionalistas não suportaram
tamanha quantidade de moeda a ser fabricada e a moeda chinesa teve de ser
impressa na Inglaterra.

Um pré-requisito para que o país se perca em uma inflação persistente é o monopólio


da emissão da moeda pelo governo, e, caso não haja controle ao uso da emissão de
moeda pelas autoridades monetárias, o aumento de moeda inevitavelmente causará
aumentos dos preços.

Na ausência de um monopólio, os agentes econômicos poderiam transacionar


com qualquer outra moeda, e não necessariamente aceitar a moeda em vigor.
Assim, uma questão fundamental no estudo de qualquer inflação é como o
Estado controla esse monopólio.

89
Capítulo 3

Antes de 1935, a China apresentava um sistema bancário privado que atuava


livremente no mercado, sendo que a maioria estava sediada em Xangai. Alguns
governos provinciais controlavam seus próprios bancos, porém tinham que
manter as mesmas normas que os bancos privados, a fim de haver competição
entre os mesmos.

Além das instituições monetárias governamentais, os bancos privados também


emitiam as suas próprias moedas e pela competição entre si evitavam o processo
inflacionário. Com a chegada do governo nacionalista, em 1927, iniciou-se um
longo processo para eliminar o sistema bancário privado, sendo que em 1935 os
nacionalistas atingiram este objetivo.

O líder do partido nacionalista, Chiang Kalshek, entre 1928- 1931, via nos
banqueiros uma oportunidade de reforçar a posição financeira do seu novo
governo. Sendo assim, fechou um acordo com os banqueiros que previa que
Chiang iria suprimir as grandes greves que estavam ocorrendo na China, em troca
o governo nacionalista receberia empréstimos desses banqueiros.

Neste sentido, Chiang utilizou contra os banqueiros os mesmos métodos que


ele havia utilizado contra os grevistas, estabelecendo que um banqueiro que não
fornecesse mais empréstimos ao governo poderia ser preso como um subversivo
político ou ter sua propriedade confiscada.

No primeiro ano do governo nacionalista em 1928 o déficit orçamentário já era de


49% das receitas, e depois de muitos ajustes na parte monetária da economia,
ainda em 1928 foi fundado o banco central chinês, denominado Banco do
Estado da República da China. No começo o banco central chinês era uma mera
extensão do Tesouro Nacional e sem o monopólio de emissão de moeda.

No decorrer dos anos, o banco central chinês passou a ter maior autonomia e
capacidade de emitir moeda, e com o envolvimento da China na Segunda Guerra
Mundial contra o Japão desde 1937, e oficialmente em 1939, os problemas com a
inflação se iniciaram.

Essa situação de hiperinflação se agravou com a invasão japonesa ao país que


forçou o banco central a aumentar a emissão de moeda para garantir os esforços
de guerra. O resultado desse processo foi uma inflação de aproximadamente 4,2
mil por cento ao mês, o equivalente a 13,4% ao dia, sendo que durante os piores
meses da crise, os preços dobravam aproximadamente a cada semana.

90
Ciclos econômicos

3.3 Hungria e a hiperinflação


As causas iniciais da hiperinflação ocorrida entre 1945-1946 na Hungria podem
ser explicadas a partir de 1938, quando o país iniciou um processo lento de
inflação, a partir do financiamento para os esforços de guerra da Segunda
Guerra Mundial, para o qual governo húngaro recorreu à emissão de moeda para
financiar os débitos com a guerra.

Com a evolução da guerra, os gastos do governo húngaro aumentaram


acentuadamente, sendo que o volume de moeda em circulação em 1944 era,
aproximadamente, 14 vezes maior que aquele de 1939.

Em 1946, com o término da guerra, a Hungria se depara com o pior caso de


hiperinflação já visto, pois os preços naquele ano aumentavam em torno de 20%
ao dia, e com uma inflação semanal de aproximadamente 100%, a erosão da
arrecadação tributária era gigantesca.

Neste período a Hungria enfrentava grande dificuldade para financiar seu alto
déficit orçamentário em virtude de sua capacidade produtiva estar comprometida
devido à destruição dos meios de produção sofrida com a guerra e agravada pela
perda no poder de compra dos húngaros, o que forçava o governo a recorrer à
emissão de moeda sem controle.

Diante deste contexto, agravado pela desconfiança dos agentes econômicos nas
instituições públicas húngaras e do comprometimento do produto agregado pelo
medo da guerra, a Hungria sofre a pior hiperinflação da história.

91
Capítulo 4

Teoria pós-keynesiana e a
instabilidade em uma economia com
sistema financeiro desenvolvido

Seção 1
Análise de uma economia com incertezas dos
agentes econômicos 1
As incertezas dos agentes econômicos em uma economia capitalista podem
agravar ou até mesmo iniciar o processo de uma crise, as quais ocorrem em
virtude de diferentes fatores como, por exemplo, a falta de recursos na economia
para novos negócios; liquidez restrita de capital, alta nos preços de uma matéria-
prima básica; como o petróleo e instabilidade entre os preços dos bens de capital
e financeiro.

Neste sentido é importante estudarmos, com base em teorias econômicas de


várias frentes, alguns desses fatores que estão associados a essas crises.

O presidente norte-americano John F. Kennedy certa vez disse em um de seus


discursos que “quando escrita em chinês a palavra crise é composta de dois
caracteres. Um representa perigo e a outra representa oportunidade” (CITADOR, 2011).

Assim, um dos pontos centrais para compreendermos a estabilidade ou a crise no


sistema capitalista é a tomada de decisão dos agentes econômicos para investir
em uma economia em condições de incerteza, visto que o risco associado à decisão
desses agentes resulta na não realização dos lucros ou fluxos de caixa esperados.

93
Capítulo 4

Dessa forma, é fundamental estudarmos as bases teóricas da diferença entre


risco e incerteza, e também como esses dois conceitos podem influenciar nas
decisões de investimento dos agentes econômicos.

1.1 Risco e incerteza


O conceito de incerteza em economia tem sido estudado sob a ótica de
diferentes autores, desde suas definições até seus impactos nas decisões
tomadas pelos agentes econômicos, como, por exemplo, o ato de empreender, o
de investir em portfólio 1 e até mesmo em atividades simples como a escolha do
consumidor na hora de comprar bens e serviços.

Um dos autores mais citados quando estudamos incerteza e risco na economia


é Frank H. Knight, que publicou a obra intitulada Risk, Uncertainty and Profity,
em 1921. Segundo Knight (1921, p. 11), “[...] a incerteza deve ser tomada em
um sentido radicalmente distinto da noção familiar de risco, do qual nunca
foram devidamente separados”, e complementa que incerteza e risco aparecem
muitas vezes definidos como conceitos similares, porém apresentam diferenças
significativas (KNIGHT, 1921, p. 20).

Para Knight o risco está ligado à probabilidade estatística, e poderá ser mensurável
por meio dela, portanto controlado. Já a incerteza é uma situação na qual não se pode
calcular a sua ocorrência, visto que seus fatores determinantes são imensuráveis.

A discussão deste autor sobre incerteza na economia está relacionada com a


determinação do lucro capitalista, tendo a concepção de que o lucro apenas
pode ocorrer em um ambiente de extrema incerteza, pois somente após a tomada
da decisão dos agentes econômicos é que o nível de lucro poderá ser observável.
Portanto, em caso de não realização das expectativas dos lucros, novas previsões
mais pessimistas serão formadas.

Knight destaca o conceito de “incerteza verdadeira” no qual os julgamentos


daqueles agentes estariam propensos a erros de interpretação, visto que os
mesmos não possuiriam conhecimento completo sobre todos os dados da
economia e, dessa forma, nesse tipo de incerteza, não haveria como mensurar os
mecanismos de proteção, como, por exemplo, seguros, hedge, entre outros.

A seguir destacamos três formas do julgamento de Knight em relação à tomada


de decisão dos agentes econômicos, particularmente aplicadas ao ato de investir.

1 Uma carteira de títulos públicos, privados, ações ou produtos de investimento do mercado financeiro.

94
Ciclos econômicos

• A priori: a decisão de investir é calculável sem experiência (probabilidade de


obter uma dada face em um dado perfeito);

• Estatístico: a decisão de investir é formada pela experiência indutiva, a


partir do estudo de um grande número de ocorrências;

• Incerteza: não existe possibilidade de calcular a probabilidade associada ao


ato de investir, o qual se torna, no sentido estrito da palavra, incerto.

Keynes tinha conhecimento dos trabalhos desenvolvidos por Knight, tanto que
em sua obra, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, também elabora
considerações e definições sobre incerteza.

Para Keynes (1996, p.145), as expectativas dos agentes econômicos são formadas
levando em conta dados conhecidos como o nível de consumo agregado, o volume
de capital disponível, o nível de emprego dentre outros e os eventos que ainda
estão por vir e que apresentam um grande grau de subjetividade. Keynes (1996,
p. 202) acrescenta que “[…] a incerteza das futuras variações na taxa de juros é a
única explicação inteligível da preferência pela liquidez […]”.

Podemos verificar que a justificativa para os agentes migrem para ativos mais
líquidos são as futuras variações nas taxas de juros, pois existe a probabilidade
dessas taxas no futuro serem maiores e consequentemente afetarem os
investimentos efetuados no momento atual.

Em A Treatise on Probability (1921) Keynes especifica a diferença entre risco e


incerteza quando define incerteza como sendo algo impossível de se aplicar à
probabilidade de ocorrência.

Por conhecimento “incerto”, deixe-me explicar, eu não quero


dizer meramente distinguir o que se sabe ao certo do que é
apenas provável. O jogo de roleta não está sujeito, neste sentido,
a incerteza [...] Ou, ainda, a expectativa de vida é apenas um
pouco incerto. Mesmo o tempo é apenas moderadamente
incerto. O sentido em que eu estou usando o termo é aquele
em que a perspectiva de uma guerra européia é incerta, ou
o preço do cobre e a taxa de juros daqui a vinte anos, ou a
obsolescência de uma nova invenção [...] Sobre essas questões
não há nenhuma base científica para se calcular probabilidades.
(KEYNES, 1921, p. 213-214).

95
Capítulo 4

Diante desses aspectos, Keynes sugere em seu trabalho que os agentes


econômicos criem uma regra para a formação de suas expectativas de longo
prazo, observando a situação econômica existente e projetando-a para o futuro.

A alteração dessas expectativas se daria com o tempo e de acordo com a adição


de novos elementos que venham surgir na economia, como, por exemplo, lucros
divulgados pelas empresas, nível de emprego, PIB, inflação, entre outros.

Desse modo, as decisões sobre os investimentos na economia pelos


agentes econômicos derivariam de suas expectativas de longo prazo e essas
dependeriam de uma probabilidade de acerto das previsões futuras. Sendo
assim, essas decisões dependeriam sempre das informações conhecidas e
também daquelas impossíveis de serem previstas.

Há dificuldade na tomada de decisão para investir em um novo produto, pois se sabe a


quantidade demandada hoje, entretanto estimar a demanda futura é algo complexo, e
de difícil precisão.

Tratando sobre incerteza em sua obra, Keynes também faz críticas aos
economistas clássicos, os quais basearam as suas teorias em eventos futuros
conhecidos em maior ou menor grau. De acordo com esses economistas as
expectativas dos agentes econômicos já eram determinadas e o futuro das
variáveis econômicas previsíveis; assim cálculos bem elaborados minimizariam
o risco dos investimentos. Desta forma, análises baseadas na teoria da
probabilidade 2 poderiam reduzir a incerteza.

Para fins de nossos estudos, utilizaremos a definição de risco e incerteza


conforme Keynes e Knight definiram, sendo considerado incerto algum evento
imprevisível, sobre o qual não poderemos aplicar qualquer cálculo para minimizar
os seus efeitos. No entanto, a noção de risco, no mesmo sentido dos autores,
será passível de controle por meio de mecanismos de seguro, ou instrumentos
financeiros de proteção.

1.2 Expectativas, decisões e incerteza na economia


Sabemos que a incerteza e o risco dominam as decisões dos agentes
econômicos e suas expectativas têm papel importante na Teoria Geral de Keynes,
bem como para outros autores.

2 É o estudo matemático das probabilidades. A palavra probabilidade deriva do latim probare (provar ou testar). A
palavra probabilidade é muito associada às palavras incerteza, azar, risco, erro e acerto; e o seu estudo pode ser
considerado uma tentativa de quantificar o provável.

96
Ciclos econômicos

O modelo Investment Saving e Liquidity preference money Supply (IS/LM) foi


utilizado por praticamente todos os economistas que fizeram uso dos manuais de
economia da linha keynesiana para derivar a demanda agregada da economia e
estudar o seu comportamento.

Particularmente, a curva Investment Saving (IS) é formada pelo consumo agregado da


economia a partir do consumo das famílias, investimentos, gastos governamentais e
resultados da balança comercial.

Sendo assim, a melhor forma de entender como a incerteza e o risco afetam


uma economia, podendo inclusive gerar uma recessão profunda de longa
duração, depressão, será compreender o papel da incerteza por meio dos canais
de transmissão pelos quais as expectativas afetam os gastos de consumo e
investimento.

Destacamos a seguir os principais meios de contágio de uma economia:

• Crescimento da renda real, atual e futura esperada, dos agentes


econômicos, ou então a queda da taxa de juros que aumenta a riqueza e,
portanto, o nível de consumo;

• Aumento dos dividendos, composto por parte dos lucros dos proprietários
de empresas, reais e futuros esperados e uma queda das taxas de juros
reais que aumenta o preço das ações, e dessa forma também eleva a
riqueza e o poder de consumo hoje;

• Queda da taxa de juros nominal atual e futura que tem impacto sobre os
títulos de renda fixa negociados pelo mercado privado e governo. Assim,
uma queda na referida taxa incorrerá na elevação dos preços e causará
aumento da riqueza e do consumo;

• Expectativa de maiores lucros hoje e no futuro, associados a uma queda dos


juros que aumenta o valor presente dos lucros e dos investimentos.

É perfeitamente observável que o aumento da renda real do trabalhador e o aumento


dos lucros dos proprietários de empresas aumentem o poder de consumo. Um
exemplo numérico poderá ilustrar este efeito riqueza, no qual um aumento dos
dividendos e também a queda dos juros fará com que o consumo aumente e os
preços de títulos de renda fixa também subam, impulsionando tal efeito.

97
Capítulo 4

1.3 Efeito riqueza do preço das ações


O efeito riqueza sobre as expectativas dos agentes econômicos daquilo
que serão os dividendos no futuro pode ser observado por meio do modelo
matemático conhecido como método de Gordon e Shapiro (1959).

Este simples modelo matemático, que leva o nome de seus autores, Myron J.
Gordon e Eli Shapiro, foi elaborado em 1956 com a finalidade de determinar o
preço justo de ações negociadas no mercado financeiro.

A fórmula de Gordon e Shapiro é expressa pela Equação 1 a seguir:


D
P= ;
k �g

Em que:

P = Valor justo da ação no mercado;


D = Dividendos pagos;
k = Rentabilidade esperada pelo acionista;
g = Taxa de crescimento dos lucros brutos.

Para melhor compreendermos a aplicação deste modelo de Gordon e Shapiro,


vamos utilizá-lo para determinar o valor justo da ação de uma empresa no
mercado financeiro que apresenta as seguintes variáveis:

D = R$ 3,00 por ação;


k = 25% ao ano;
g = 17% ao ano.

Qual será o valor justo de uma ação (P) desta empresa no mercado financeiro?

Para solucionar nosso problema, basta fazermos uma aplicação direta da fórmula
de Gordon e Shapiro:

Dada a expectativa de rentabilidade mínima do acionista em torno de 25% ao


ano e um crescimento dos lucros da empresa de 17% ao ano, e com base em um
dividendo de R$ 3,00 por ação, o preço correto da ação, pelo modelo de Gordon
e Shapiro, deveria ser de R$ 37,50.

98
Ciclos econômicos

O valor de mercado das ações, ou o preço que estas assumem na Bolsa de


Valores, poderá diferenciar-se substancialmente do modelo Gordon e Shapiro, por
se tratar de um mercado influenciado pela oferta e pela procura.

As ações de uma determinada empresa valem RS 10,00, porém se não tiver nenhum
interessado na compra, os acionistas terão que baixar o preço. Assim, existe o preço
teórico (Gordon) e o preço do mercado (Bolsa).

Neste sentido, de acordo com o referido modelo, a qualquer momento o acionista


poderá vender suas ações no mercado e comprar quaisquer outros bens com o
dinheiro dessa venda. No entanto, reiteramos que o preço de mercado não será,
necessariamente, de R$ 37,50 devido à oferta e procura ou às condições de
mercado.

O impacto na riqueza atual desse acionista poderá ser observado em duas


frentes, a saber: queda nos lucros esperados e aumento na expectativa de
rentabilidade.

Suponhamos que devido ao estado de desemprego da economia as empresas


esperem lucros menores. Por exemplo, que a expectativa de aumento dos lucros
futuros sofra uma redução de 17% para 10% ao ano, mantendo-se estáveis as
demais variáveis. Assim, o acionista deverá considerar isso na avaliação das suas
ações, conforme ilustram as variáveis do exemplo a seguir.

D = R$ 3,00 por ação;


k = 25% ao ano;
g = 10% ao ano.

O que acontecerá com o preço justo da ação (P)?

Novamente utilizaremos o modelo de Gordon e Shapiro para ilustrar este novo


cenário econômico:

Podemos observar que a queda dos lucros esperados afeta imediatamente a


riqueza. Neste caso, a queda da renda foi de R$ 17,50 (R$ 37,50 - R$ 20,00). Fica
claro que se o acionista vender suas ações para comprar um bem de consumo
qualquer, por exemplo, um carro, terá menos recursos.

99
Capítulo 4

E caso o acionista imaginasse que no futuro será mais arriscado investir em ações
e decidisse elevar a exigência de retorno para 30% ao ano, dado o mesmo nível de
retorno dos lucros?

Nesta situação, temos mais uma vez o efeito riqueza atuando, pois se os riscos
aumentam, os preços devem compensar a situação de incerteza. Dessa forma, os
investidores irão preferir investir menos.

Mais uma vez vamos utilizar o modelo de Gordon e Shapiro para ilustrar esse
outro cenário econômico:

D = R$ 3,00 por ação;


k = 30% ao ano;
g = 17% ao ano.

Qual o novo valor do preço justo da ação (P)?

Neste caso a riqueza atual para compras de bens e serviços também seria menor,
verificando-se uma queda de R$ 14,42, ou seja, R$ 37,50 menos R$ 23,08.

Diante dos diferentes cenários econômicos apresentados observamos, pelo


modelo de Gordon e Shapiro, que a expectativa com relação aos lucros futuros
e também ao risco, expresso pela taxa de rentabilidade esperada pelo investidor,
poderão influenciar hoje o consumo pelo efeito riqueza. Esta influência decorre da
incerteza dos agentes econômicos quanto às expectativas geradas.

Desse modo, como saber qual taxa utilizar para a rentabilidade ou crescimento
dos lucros? Não há resposta, pois o futuro é incerto e isso causa instabilidade
hoje. A única forma de evitar as oscilações seriam as operações totalmente
protegidas de instabilidades, as chamadas unidades hedge.

Para concluir, destacamos que um aumento da incerteza quanto aos lucros pode
trazer volatilidade às ações e, dessa forma, volatilidade no nível de consumo,
tendo efeito direto no aumento e/ou queda da renda e dos lucros que também
afetam a riqueza.

100
Ciclos econômicos

1.4 Efeito riqueza nos títulos privados de renda fixa


De forma semelhante ao que estudamos no modelo de Gordon e Shapiro, para
determinar o valor da ação de uma empresa também utilizamos os recursos da
matemática financeira na análise de um título de renda fixa governamental ou privado.

Vamos imaginar um título governamental, ou mesmo de uma empresa, que daqui


a determinado período, n, terá como valor de resgate R$ 1.000,00, e queremos
verificar quanto vale este título hoje.

Para determinar o valor basta encontramos a seguinte solução para o fluxo de caixa:

Figura 4.1 – Investimento em renda fixa

Fonte: Elaboração do autor (2012).

Em que:
VP = Valor presente;
n = Prazo
i = Taxa de juros

Qual será o valor presente (VP) deste título caso a taxa de juros básica da economia,
neste caso representado por “ï”, seja de 10% ao ano?

Por estarmos tratando de um título público, podemos trabalhar com a taxa básica
da economia (no Brasil, Selic). Dessa forma, o cálculo seria realizado por meio da
Equação 2 apresentada a seguir:

101
Capítulo 4

Para realizarmos esse cálculo trabalhamos com a taxa de juros e o prazo, n,


anual. Neste caso, se o investidor de um título público com essas características
tiver interesse em se desfazer do mesmo, poderá negociá-lo no mercado ao
preço de R$ 909,09.

E se por conta de uma crise econômica o governo resolver aumentar as taxas de juros
repentinamente para 20%, qual seria o efeito riqueza?

Neste contexto, ocorreria o efeito entesouramento detalhado por Keynes.


Lembramos que a taxa de juros é um prêmio para os agentes econômicos não
guardarem moeda na forma física.

A simples expectativa de um aumento dos juros levaria a uma queda no valor


dos títulos e, pelo efeito riqueza, os agentes econômicos teriam menos poder de
consumo. Assim, o efeito riqueza deste exemplo teria uma queda de R$ 75,76
daquele valor inicial de resgate, conforme a Equação 3 na sequência:

Essa diferença de valores decorre do que estudamos anteriormente, em que as


expectativas de aumento e/ou redução dos juros traz oscilações no valor das
ações e títulos negociados no mercado podendo aumentar ou diminuir a riqueza,
e, portanto, o consumo.

1.4 Investimentos e incerteza na economia


Um princípio básico abordado por John Keynes é a preferência pela liquidez, o qual
destaca que, se os agentes econômicos preferem a liquidez de seus recursos, isso
acarretará um aumento da taxa de juros que, de certo modo, é um incentivo para
esses agentes não guardarem recursos na forma de moeda, ou não entesourar.

Dessa forma, caso os agentes econômicos não estejam em busca de liquidez,


aceitarão maiores riscos e investimentos de mais longo prazo.

102
Ciclos econômicos

A forma tradicional de pensar os juros como uma recompensa pela disposição de um


recurso financeiro pode ser questionável. Na verdade, a autoridade monetária utiliza o
juro como uma forma de retirar ou de colocar recursos na economia, aumentando ou
diminuindo as taxas de juros.

Sobre essa relação de juro e entesouramento Keynes entende que “[...] o erro se
origina em se considerar o juro como a recompensa da espera como tal, em vez
da recompensa pelo não- entesouramento” (KEYNES, 1996, p. 186).

Cabe destacar que a ênfase dada à moeda na teoria de keynesiana difere daquela
observada nos economistas clássicos, pois, enquanto nos primeiros a ênfase
era uma reserva de valor, para os outros era o meio de troca mais importante. Na
interpretação keynesiana os agentes econômicos guardam dinheiro como uma
defesa diante de um futuro incerto, medida totalmente racional.

Quanto maior a incerteza referente às variáveis que afetaram a reserva, maior será a
procura por investimentos com segurança máxima, gerando, assim, um aumento da
procura por liquidez, sendo os títulos, que são facilmente convertidos em moedas, os
de maior preferência pelos investidores.

A produção na economia depende da eficiência marginal do capital, em que


o investimento é obtido em função do nível de taxa de juros associado com
estimativas sobre o rendimento dos investimentos em bens de capital. Dessa
forma, é natural supor que os investimentos oscilem no tempo e surjam os
ciclos econômicos, os quais são decorrentes da incapacidade de os agentes
econômicos terem conhecimento satisfatório sobre o futuro dos lucros.

Para John Keynes, a economia monetária tem um lapso de tempo entre a tomada
de decisão e os resultados finais, pois todas decisões sobre investimento são
afetadas pelo futuro incerto. Assim, se os investimentos estiverem em posições
não líquidas o fato de não conseguir converter em dinheiro merece um prêmio,
atualmente denominado prêmio pela liquidez.

John Richard Hicks (1904-1989) foi um grande intérprete das premissas


keynesianas e contribuiu com a ideia de risco e incerteza ao escrever a obra
Theory of Uncertainty and Profit. Hicks fazia uma associação na forma de
cooperação entre os agentes econômicos.

As famílias que trabalham para as empresas recebem uma remuneração certa e


contratada previamente. Os capitalistas, por sua vez, dependem do saldo residual da
operação, assumindo todos os riscos e recebem a sua remuneração dependendo do
sucesso da empresa ou do lucro futuro da empresa.

103
Capítulo 4

Hicks amplia o conceito de incerteza de Knight (1921), que apenas apontava a


existência de uma incerteza futura totalmente desconhecida. Hicks enfatiza que ao
estudar a teoria do lucro identificou algumas medidas de proteção, as quais podem
ser adotadas pelos agentes econômicos que não estão dispostos a assumir riscos,
repassando-os para agentes com essa disposição como, por exemplo, o hedge, e
também mecanismos de transferência de risco como seguros.

É importante destacar que no mundo de hoje muito se fala de incerteza, a qual


faz parte dos negócios cotidianos de uma economia capitalista. Assim, para
minimizar os riscos dos investimentos foram criados mecanismos de proteção,
pois alguns agentes não possuem previsão sobre os eventos incertos, que é
comprovado pelo próprio desenvolvimento do mercado de seguros.

Podemos dizer que o risco é a caracterização futura da incerteza, o qual pode


ser positivo ou negativo no que se refere ao rendimento do capitalista, sendo
que a variável fundamental que leva ao risco é a incerteza sobre as variáveis
econômicas como lucro, preço dos ativos, inflação, desemprego, entre outras.
Assim, caso tivéssemos a certeza de que não teríamos lucro em determinado
investimento, muito provavelmente não estaríamos efetuando o mesmo.

Seção 2
As funções da moeda na teoria pós-keynesiana
As funções da moeda que estão presentes na teoria pós- keynesiana baseiam-
se nas ideias de John Maynard Keynes, no entanto, se diferenciam em alguns
aspectos em relação às funções identificadas na economia keynesiana.

De acordo com a concepção dos economistas pós-keynesianos, o papel da


moeda está relacionado à especulação financeira, sendo que a teoria pós-
keynesiana retoma as origens do modelo keynesiano, enfatizando o papel da
demanda agregada, só que agora sendo afetada pela especulação financeira e a
incerteza dos empresários, tendo a moeda um caráter endógeno 3.

Cabe ressaltar que na teoria em estudo a incerteza possui um maior destaque em


relação àquela apresentada pela teoria keynesiana, pois tem influência direta nos
componentes da demanda agregada, como consumo e investimento.

3Refere-se às variáveis de um modelo econômico como, por exemplo, a moeda que age internamente na economia
causando alterações permanentes ou não no sistema econômico, diferente das endógenas, as quais seriam varáveis
externas ao modelo econômico em questão.

104
Ciclos econômicos

2.1 Sobre os pós-keynesianos


A base da pesquisa associada aos pós-keynesianos refere-se às ideias da
economia monetária de John Keynes, na qual as mudanças que os agentes
econômicos preveem para o futuro são capazes de influenciar o nível de emprego
e o produto da economia. As bases da teoria pós-keynesiana têm como ponto
central o papel da incerteza, o tempo, a moeda e as instituições financeiras.

A teoria pós-keynesiana tem como objetivo ilustrar, detalhar e contribuir com novas
ideias para aprimorar a teoria de Keynes, assim seus economistas se apoiaram na
premissa de que Keynes elaborou uma teoria monetária da produção.

É importante observar que diferença básica entre o pensamento dos economistas


pós-keynesianos em relação aos clássicos e neoclássicos, esses que seguem os
clássicos, é que as variáveis monetárias, por exemplo, a oferta e a demanda de
moeda, afetariam sim a economia real, como o nível de emprego na economia.

Com relação ao tempo, este é irreversível uma vez que qualquer decisão que já
tenha sido tomada não há como voltar atrás, sendo o futuro desconhecido e o
passado irrevogável. Dessa forma, a incerteza domina as decisões financeiras
e afeta outros agentes econômicos. O futuro não é passível de cálculos
probabilísticos de forma confiável.

Segundo Dathein (2000, p. 118) “[...] os empresários decidem sobre produção,


emprego e investimentos com base em suas expectativas sobre a rentabilidade
futura de seus negócios […]”.

De acordo com a leitura apresentada podemos constatar que em uma


determinada economia, quando o nível de incerteza é grande, os empresários
estimam uma quantidade de vendas que pode não se concretizar e,
consequentemente, a rentabilidade poderá ser prejudicada.

No que se refere à moeda, verificamos que ela é essencial na análise keynesiana


e continua tendo papel importante para os pós-keynesianos, sendo que a mesma
é o ativo mais líquido presente numa economia capitalista, permitindo agilidade
nos negócios, custo de manutenção próximo a zero, mas, no entanto, sua
remuneração é próxima de zero.

Keynes (1996, p. 221-222) enumera diferentes atributos inerentes a outros ativos


de investimento em comparação à moeda, dentre os quais estão:

1. Rendimento da moeda.
2. Custos de manutenção – devido ao desgaste;

105
Capítulo 4

3. Prêmio de liquidez – que diz respeito a bens que são difíceis de


transacionar, cuja velocidade em se desfazer é maior em virtude do
preço que os agentes econômicos estão dispostos a pagar.

Assim, podemos concluir que a moeda poderá ser utilizada como refúgio,
um porto seguro em momentos de crise, nos quais ocorram um aumento da
incerteza em relação ao futuro, fazendo com que os agentes econômicos,
principalmente os empresários, reduzam seus investimentos em bens produtivos
e de consumo e recorram à segurança da moeda.

Diante deste contexto, a demanda agregada da economia diminui e a economia


entra em processo recessivo. É importante observarmos que a moeda, por ser
extremamente líquida, compete com os outros instrumentos de alocação de recursos.

Investir em máquinas e equipamentos em uma empresa seria menos líquido que ter
dinheiro em conta-corrente em um banco. Para um investidor se desfazer dessas
máquinas levaria um tempo considerável e a transferência desse risco para outro
investidor poderia levar a um desconto do valor dos equipamentos.

Desse modo, caso os empresários resistissem em investir em máquinas e


equipamentos ou em bens de capital, o mesmo fariam os consumidores que não
colocariam suas reservas em bens e serviços, como bem destacou Dathein (2000,
p. 122), entendendo que “[...] se ocorrerem vazamentos no circuito renda-gasto,
com aumento da demanda por moeda inativa (como reserva de valor), parte da
renda não se transforma em gasto de bens e serviços […]”.

De acordo os economistas pós-keynesianos, era necessário o estabelecimento


de regras monetárias e convenções institucionais para minimizar o efeito de
uma incerteza futura na economia. Essas regras contribuiriam para aumentar a
previsibilidade do processo de investimento, para a organização do processo
produtivo, reduziriam os conflitos entre os agentes econômicos e trariam uma
melhora na confiança empresarial sobre o futuro.

Um exemplo prático das convenções institucionais é a projeção de vendas


efetuada por uma empresa, cujas previsões são efetuadas com base em regras
conhecidas, e que muitas vezes extrapolam o passado para o futuro. Para garantir
que as expectativas dos agentes econômicos não sejam frustradas, os pós-
keynesianos defendem que as autoridades monetárias, principalmente o Banco
Central, estabilizem a economia para que haja fluidez dos negócios.

Para fins de nossos estudos sobre a instabilidade no capitalismo abordaremos


as ideias pós-keynesianas do economista americano Hyman Philip Minsky. Seus
estudos sobre a instabilidade do capitalismo abrangem três fontes de pesquisa:

106
Ciclos econômicos

o papel da incerteza, a natureza da moeda e a instabilidade do sistema


financeiro.

O objetivo de Minsky é mostrar que as decisões de investimento, poupança,


por exemplo, são determinadas em uma economia monetária, em que, havendo
incerteza sobre o futuro, o processo de produção poderá ser influenciado.

Tal situação ocorre porque, com a incerteza sobre o futuro aumentando, os


agentes econômicos, principalmente os empresários, passariam a reter moeda,
em consequência a demanda por bens e serviços seria menor que demanda
efetiva, causando desemprego e queda do produto agregado da economia.

Essa linha de pensamento enfatiza que a economia capitalista atual é uma


economia monetária na sua essência, seguindo assim o mesmo entendimento
de Keynes, o qual visualizava as crises em uma economia monetária como
corriqueiras. Deste modo, para os economistas pós-keynesianos, a economia não
está necessariamente em um estado permanente de pleno emprego.

É importante refrisar que a moeda é parte do modelo econômico, e é uma


condição essencial da linha de pesquisa pós-keynesiana. Assim, para entender
melhor essa escola de pensamento, vamos estudar como esses economistas
tratam a moeda em seus modelos econômicos.

2.2 A moeda
Para tratar do papel da moeda com uma visão pós-keynesiana utilizaremos o
modelo de uma economia monetária da produção, em que há duas formas pelas
quais a moeda circulará: industrial e financeira.

Na circulação industrial a moeda é utilizada para movimentar a renda real criada no


período em questão. Na segunda, a moeda não serve apenas para a movimentação
dos ativos de uma economia, mas também como uma forma de riqueza.

Cabe ressaltar que na circulação industrial há uma interferência endógena na


moeda porque ela necessita de um processo de investimento produtivo que
será financiado pelo tomador do sistema bancário. Já na circulação financeira a
moeda poderá ser alterada pelo desejo de portfólio dos agentes, coordenado pelo
Banco Central, que tem no mercado de títulos uma ferramenta para trocar moeda
em circulação por títulos do governo. Assim, a demanda de moeda é influenciada
pela autoridade monetária.

Conforme conclui Mollo (1988, p. 114), “Para Minsky, como para os pós-
keynesianos, a oferta de moeda depende da articulação entre os bancos e os
clientes e da variedade de instrumentos financeiros existentes”.

107
Capítulo 4

O termo articulação diz respeito à dinâmica própria entre as instituições captadoras


de recursos e seus clientes tomadores que interagem entre si no mercado financeiro.
Dessa forma, qualquer banco central hoje em dia deve ter ciência que compete
ao mercado, juntamente com as autoridades monetárias, aumentar a circulação
monetária por instrumentos cada vez mais sofisticados de movimentação.

Minsky (1980, p. 507) entendia essa evolução do sistema financeiro e alertou


que qualquer teoria econômica que ignorasse essa interação entre os agentes,
definida por ele como uma “marca característica do mundo moderno”, não
serviria como um instrumento efetivo para elaboração de políticas econômicas,
principalmente monetária.

Desse modo, com os devidos cuidados ao papel da moeda em modelos


econômicos, uma teoria monetária da produção, na qual a moeda tem um papel
central, pode ser construída com base em dois elementos:

1. Independente da rigidez de preços e salários haverá desemprego


involuntário e persistente;
2. A moeda é influenciada no curto e no longo prazo, de acordo com o
caminho delineado pela economia.

Há uma forte crítica por parte de Minsky em relação à síntese neoclássica 4


e, por isso, propõe a criação de políticas econômicas a partir dos estudos da
macroeconomia keynesiana original. Minsky faz essa crítica da seguinte forma.

Em particular, o que hoje é o padrão da teoria econômica – a


síntese neoclássica – que ignora os aspectos de financiamento
da moeda e persiste na visão da moeda apenas como meio de
troca, não pode explicar como a instabilidade é o resultado do
funcionamento normal em uma economia capitalista. (MINSKY,
1980, p. 507).

Minsky atribui as instabilidades do capitalismo ao fato de como a economia era


financiada, no qual o mercado financeiro possuía um papel fundamental; situação
que era desconsiderada pelos clássicos e neoclássicos.

Os pós-keynesianos também acreditam que as variações na quantidade de


moeda influenciem variáveis reais como o emprego e a renda. No entanto, isso
não significa que o programa de pesquisa acadêmico pós-keynesianos tenha
dependência intelectual com Keynes, visto que há liberdade para criar seus
próprios pontos de vista.

4 É uma tentativa de unir a análise individual da teoria neoclássica e a agregada keynesiana. A Síntese Neoclássica
teve destaque com os economistas Hicks, Hansen, Samuelson, Solow, Modigliani, Patinkin e Clower; e vigorou
aproximadamente de 1940 e 1970. A ideia fundamental desta síntese era apresentar uma estrutura analítica comum
às duas teorias.

108
Ciclos econômicos

Como a quantidade de moeda e o próprio sistema financeiro passam a ser


primordiais na discussão pós-keynesiana, a decisão de investir sob a ótica de
uma economia monetária da produção seria função da estratégia de acumulação
de riqueza dos agentes econômicos, principalmente famílias e empresas, com
destaque no sistema capitalista para essa última, pois se, por ventura, existir uma
competição na alocação de recursos os empresários (capitalistas) decidirão alocar
os seus recursos onde houver maior probabilidade de acumulação de capital.

Minsky em seus estudos analisa como os agentes econômicos acumulam riquezas,


e identifica desde as estratégias utilizadas para essa acumulação até o modo que
governo poderá interferir por meio de políticas públicas para regular essa acumulação.

Esse autor parte do princípio que as escolhas dos agentes econômicos na


alocação de recursos são feitas sob o efeito da incerteza, diferentemente da visão
neoclássica, em que havia a ideia de cooperação entre os agentes econômicos
em busca da satisfação entre ambos, o que contrasta com a análise do
capitalismo moderno onde cada agente busca sua satisfação individual.

Minsky chama essa situação de paradigma de Wall Street, porém antes de


definirmos esse paradigma precisamos entender por que que neste modelo pós-
keynesiano a moeda é endógena 5.

As autoridades monetárias, como, por exemplo, o Banco Central, estão no


mais alto grau da hierarquia financeira, e possuem a capacidade de restringir a
criação de moeda efetuada pelos bancos exigindo reservas compulsórias. Caso
o mercado seja mais inovador que as autoridades monetárias essa capacidade
estará comprometida.

A inovação na criação de produtos financeiros em uma economia capitalista


faz com que a capacidade de criação de moeda por meio do sistema bancário,
também conhecido como efeito multiplicador bancário 6, seja ampliada.

Essa inovação financeira, ajudando na capacidade do sistema bancário em criar


moeda, faz com que a efetividade do controle monetário efetuado pelo Banco
Central seja minimizada.

5 Variável endógena, dependente, ou explicada, tem seu comportamento definido pela teoria em questão,
nomeadamente pelo comportamento da variável independente. Um exemplo é o estudo da demanda como
função do preço da mercadoria, que difere se variável(eis) exógena(s), explicativa(s) ou independente(s), que são
determinadas por ocorrências exteriores a essa teoria.

6 Refere-se à capacidade que os bancos possuem de ampliar a quantidade de moeda em circulação. O depósito
em conta- corrente é um exemplo básico, uma vez que ao deixar o dinheiro na conta o banco poderá emprestá-lo a
outro cliente. Dessa forma, na contabilidade do sistema bancário há dois valores idênticos: o original, depositado na
conta, e o criado a partir do empréstimo bancário.

109
Capítulo 4

Para Minsky (1980, p. 510), em uma economia onde há vários instrumentos


financeiros competindo entre si pela preferência do investidor, suas características
se diferenciam em relação ao risco e ao retorno. Há possibilidade de mudanças
rápidas na alocação de recursos com os investidores saltando de um instrumento
financeiro para outro.

Neste sentido, caso as autoridades monetárias não equalizem rapidamente essa


mudança, o efeito geral na economia poderá ser desastroso.

Quanto maior a especulação financeira em uma economia maior será a necessidade de


liquidez, sendo que seu crescimento implicará em um endividamento cada vez maior
dos bancos no curto prazo, pois exigirá mais moeda gerada pelos mesmos, sendo
todo esse processo apoiado pelo Banco Central.

A subjetividade dos agentes financeiros, com um endividamento cada vez maior


em curto prazo, com a prerrogativa de financiar investimentos de longo prazo,
leva a uma estrutura especulativa na economia. Essa especulação financeira no
sistema bancário, a subjetividade e a incerteza por parte dos bancos quanto ao
nível de endividamento da economia também são responsáveis pela fragilidade
do sistema financeiro.

De acordo Minsky, não existe nenhuma regra universal para a política monetária
dos bancos, no entanto, os mesmos devem se adaptar à atual condição do
mercado financeiro.

Muito se discutiu em economia monetária se o banco central dos países deveriam


seguir regras rígidas como acompanhar o crescimento da moeda na economia e
aumentar e/ou diminuir a quantidade de emissão nos determinados casos. Minsky
era contrário a essa ideia e parte do princípio da flexibilidade de atuação dos
agentes econômicos.

Assim, Minsky (1976, p. 26) conclui que “o banco central deve aceitar sua
responsabilidade de emprestador de última instância para o mercado financeiro
como eles são”, pois, ao negar essa devida responsabilidade à economia, poderá
enfrentar crises severas.

Esse entendimento refere-se ao dever do banco central, guardião da moeda, em


estar sempre pronto para agir em defesa dessa e não permitir que o mercado por
si só equalize a quantidade de moeda em circulação. Em uma clara concepção
keynesiana, Minsky atualizou o papel das instituições financeiras como
combatentes das crises.

110
Ciclos econômicos

2.3 A economia monetária no contexto mundial


Temos que reconhecer que vivemos em uma economia monetária que influencia
diretamente nossas vidas. Desde a metade do século XX, os economistas
observam os fenômenos econômicos e hoje entendem que a Lei de Say não se
aplicaria à nossa economia atual.

Minsky (1976) observou que não estamos transacionando bens e serviços em


uma aldeia. Pelo contrário, não compramos bens e serviços pela simples troca
de outros bens e serviços, mas sim pela troca de títulos públicos, derivativos, e
outros instrumentos financeiros. Resulta daí que a demanda agregada é o fator-
chave para a determinação do produto agregado e do emprego; assim a política
monetária, por sua vez, afetará essa demanda agregada.

Uma observação mais complexa da economia monetária na sua essência é que a


moeda não é o que realmente impacta a economia, mas sim o crédito, conforme
podemos verificar nas atuais crises do sistema capitalista 2007-2012 em que
tivemos uma dramática demonstração que a demanda agregada depende do
volume, da disponibilidade, e do preço do crédito, bem como das alterações
dos ativos não monetários, como, por exemplo, o preço dos imóveis.

Os modelos econômicos mais simples, como aqueles estudados pela tradição


clássica, tanto a moeda como o crédito são considerados a mesma coisa. No
entanto, no atual sistema bancário as instituições depositárias possuem diversas
maneiras de conseguir liquidez e emitir moeda.

A capacidade de emprestar de um banco não depende somente de suas reservas,


mas também do seu capital próprio. As instituições financeiras são motivadas por
lucros, preferência pela liquidez, baixo risco e diversificação.

Minsky observou ainda que os mercados, especialmente o mercado financeiro,


não são racionais, sendo essa irracionalidade dos mercados causada pela
euforia, com investidores e poupadores aumentando a sua posição ao risco,
incluindo risco de insucesso nos empreendimentos, caso suas expectativas não
se confirmem.

Assim, com o passar do tempo o sistema econômico ficará mais vulnerável,


muitas vezes levando a uma crise e a um declínio na economia real.

O catalisador da crise de 2007-2008 nos Estados Unidos foi o declínio do preço dos
imóveis, porém caso o preço dos imóveis não tivesse declinado, a vulnerabilidade
cresceria e outro catalisador apareceria.

111
Capítulo 4

Para encerrar destacamos que o papel da moeda, do crédito e de toda a estrutura


do mercado financeiro é central numa economia monetária da produção, sendo
que será a própria moeda e seu ambiente que determinarão a demanda agregada.
Desde modo, conforme define Keynes, os ciclos e crises do sistema capitalista
surgem por problema de demanda efetiva, definição essa que é complementada
por Minsky com a inserção do foco na inovação financeira atual.

Seção 3
A instabilidade do mercado financeiro
As crises vivenciadas ao longo da evolução da história do pensamento
econômico sempre se instalaram nas economias de forma diferente, as quais se
caracterizaram por apresentar a capacidade de mutação ao longo do tempo, e
talvez isso tenha feito os economistas clássicos e neoclássicos confundirem de
certa forma a economia com organismos físicos ou vivos.

A instabilidade do mercado financeiro, para a história econômica, pode ser


considerada uma novidade e negar a sua influência na causa e na correção de
uma crise econômica atual seria um erro porque, conforme mostram as crises
mais recentes, o mercado financeiro sempre esteve envolvido. Minsky identificou
esse processo de instabilidade financeira e teorizou sobre o assunto, indicando as
possibilidades de ocorrência.

Cabe destacar que o mercado financeiro é dinâmico e a velocidade de


propagação de crises seguirá sua tendência. Dessa forma, estudar a dinâmica do
mercado financeiro, o papel da moeda e sua influência no sistema capitalista se
faz necessário.

3.1 Mercado financeiro e suas instabilidades


Hyman Minsky, em 1975, interpretando o pensamento keynesiano, integrou
as variáveis reais da economia como produção, desemprego, entre outros, às
variáveis financeiras, pois, segundo esse autor, somente assim seria possível
analisar uma economia capitalista na qual haveria o paradigma de Wall Street,
assim denominada em referência à inovação financeira de grandes instituições
financeiras que possuem sede na célebre rua de Nova Iorque que tem esse
mesmo nome.

Nos seus estudos Minsky apresenta uma interpretação da teoria keynesiana que
chamou de “hipótese da instabilidade financeira”.

112
Ciclos econômicos

De acordo com Minsky, a instabilidade financeira é a fonte geradora de ciclos


na economia, os quais não causariam estranheza aos agentes econômicos, pois
essas oscilações econômicas são inerentes ao sistema capitalista. Para esse
autor, o comportamento dos referidos agentes seria o grande responsável por
causar instabilidades dentro do sistema, e caberia ao governo controlar, intervir e
direcionar todos os esforços para estabilizar as instituições financeiras e conduzir
a evolução das mesmas.

A instabilidade do capitalismo e do sistema financeiro ocorre na forma de como


seu crescimento é financiado, visto que os investidores, ao comprarem bens
de capital para promover o crescimento da economia, financiam os mesmos.
Por sua vez, os produtos gerados por estes bens de capital também devem ser
financiados pelo sistema de crédito vigente. Porém, tanto as dívidas originadas
no sistema de bens de capital quanto no de bens de consumo final devem ser
reembolsadas.

Com o desenvolvimento e crescimento da economia, o sistema financeiro,


segundo Minsky, torna-se naturalmente instável e frágil, sendo que não há nada
ou ninguém que faça esse processo acontecer, sendo tampouco decorrente de
um erro da política econômica. Essa instabilidade deve-se ao funcionamento
normal de uma economia capitalista e de seu sistema financeiro.

Para entendermos a instabilidade financeira e sua ligação com a instabilidade do


capitalismo basta lembrar que o processo de investimento capitalista depende
da coerência entre dois preços da moeda: o industrial, composto pelos bens
correntes, e o financeiro, formado por ativos do mercado financeiro, cujos
determinantes são diferentes entre si.

Dathein (2000, p. 124) considera que “[…] a economia capitalista não é simplesmente
uma economia de mercado, mas também uma economia de finanças”.

A teoria pós-keynesiana trabalha em um ambiente de preços relativos que são


determinados de formas diferentes. O preço industrial, por exemplo, depende da
visão sobre as condições de demanda de curto prazo e do valor da mão de obra.

Já o preço dos ativos do mercado financeiro depende da visão decorrente sobre


os lucros futuros e também da incerteza incorporada no futuro do valor monetário,
os quais possuem volatilidade maior que preços industriais, uma vez que as
expectativas de longo prazo são imprecisas.

113
Capítulo 4

Desse modo, quando se trata de alocação de portfólio, estamos considerando


que os agentes econômicos escolherão as melhores alternativas de investimento
dadas as suas expectativas, sendo que as suas preferências e as ofertas de
ativos é que irão determinar os preços dos vários ativos de capital e financeiro,
os quais apresentam diferenciação em relação ao nível de liquidez, rentabilidade
esperada e custo.

A moeda é considerada um ativo com preço unitário bem estabelecido, sendo que os
preços dos demais bens dependerão do seu ambiente de negociação e das condições
específicas de mercado, como, por exemplo, a escassez ou excesso de liquidez.

Segundo a hipótese da instabilidade financeira, a principal transação que ocorre


na economia é a troca de dinheiro hoje motivada pela expectativa de juros no
futuro. Por esse motivo, as análises estáticas, que não consideram o tempo
decorrido da operação financeira, não possuem credibilidade.

Assim, a economia com este formato, fundamentalmente financeira, levou Minsky


a chamá-la de economia de Wall Street, em referência ao coração financeiro dos
Estados Unidos.

Uma economia baseada na economia de Wall Street depende dos lucros


futuros gerados pelos fluxos de caixa, os quais serão utilizados para garantir o
financiamento de bens de capital, para validar dívidas, e ainda permitirão honrar
aquelas dívidas assumidas em financiamentos passados.

De acordo com Dathein (2000, p. 126), “[…] a economia capitalista somente


funciona de forma saudável se existirem investimentos geradores de
lucros, sendo que as flutuações nos investimentos determinam se as
dívidas poderão ou não ser pagas”.

Por que as crises surgem em uma economia capitalista, e qual o motivo das flutuações
dos investimentos?

Em virtude da economia monetária da produção trabalhar com dois tipos de


preços, o alinhamento desses poderá ficar comprometido como forma de garantir
os investimentos constantes na economia. Para exemplificar vamos imaginar uma
economia em que os preços dos ativos de capital seja PK e os preços dos ativos
do mercado financeiro seja PI.

Minsky, para trabalhar os preços relativos dessa economia, idealizou três


unidades de finanças interagindo simultaneamente, as quais são apresentadas a
seguir:

114
Ciclos econômicos

• Finanças protegidas (hedge finance) – uma postura financeira coberta


ou hedge é uma situação na qual os agentes econômicos esperam que o
fluxo de caixa, oriundo da operação do ativo de capital, seja mais do que
suficiente para satisfazer os compromissos de pagamento contratuais no
presente e no futuro. Dessa forma, uma unidade com finanças cobertas não
poderá ter grande volume de dívidas, a não ser aquelas com instrumentos
de proteção ou seguro adequados.

• Finanças especulativas – envolvem o financiamento de posições


financeiras de longo prazo com dívidas de curto prazo. Neste tipo de
postura os agentes econômicos possuem uma situação na qual o fluxo
de caixa esperado para todo o período do investimento excede o total de
pagamentos de dívidas, porém, no curto prazo, o fluxo de caixa é inferior
aos compromissos neste mesmo prazo, necessitando que a dívida seja
refinanciada. Os bancos comerciais são exemplos de finanças especulativas.
É importante ressaltar que uma unidade protegida pode se tornar uma
unidade especulativa se a renda recebida for menor que a esperada; e uma
unidade especulativa pode se tornar uma unidade protegida caso haja um
crescimento inesperado da renda e se as dívidas forem razoáveis.

• Finanças ponzi – essas unidades no curto prazo são similares às


finanças especulativas, pois, para períodos próximos, os compromissos
de pagamento excedem as receitas esperadas dos ativos adquiridos, no
entanto, essa situação é percebida também no longo prazo.
Os agentes econômicos com uma postura ponzi apresentam fluxo de renda
inferior aos compromissos financeiros em todo o período, desse modo
necessitam de refinanciamento de parcela superior à quantidade de dívida. As
finanças ponzi são consideradas uma postura econômica de altíssimo risco.

Diante deste contexto fica claro, ao analisar as três posturas financeiras, que as
unidades especulativas e ponzi apenas serão sustentáveis se a expectativa de
crescimento de preços e ativos se mantiver no futuro.

Em uma economia é importante haver um mix entre essas três unidades financeiras,
visto que a composição, entre esses três tipos de finanças forma o pilar da estabilidade
financeira.

115
Capítulo 4

Dentre as possibilidades do estado da economia dentro de um conceito de


hipótese de instabilidade financeira podemos idealizar três situações:

Economia robusta: é uma economia caracterizada por uma postura financeira


protegida em que os agentes econômicos possuem margens de segurança
elevadas, ou seja, fluxo de caixa suficiente para honrar seus compromissos
financeiros. Criam-se oportunidades de lucros para se financiar no longo prazo
com dívidas de curto prazo.

Esse cenário é dominado pelos grandes bancos comerciais que tentam extrair o
máximo desse lucro; apresenta os preços dos ativos de capital (PK) maior que
os preços dos ativos do mercado financeiro (PI) e as taxas de curto prazo são
menores que as de longo prazo.

Economia fragilizada: é uma economia na qual a postura especulativa dos


agentes econômicos passa a dominar a economia, em que os investidores e seus
financiadores se endividam no curto prazo para aproveitar as oportunidades de
lucro.

O fluxo de caixa dos agentes econômicos em uma economia fragilizada já


seria menor que o total das dívidas sendo suficientes apenas para pagamentos
parciais, como, por exemplo, apenas os juros, sendo que o principal deveria ser
renegociado. Verificamos neste cenário a diminuição da diferença entre PK e PI.

Instabilidade: apresenta uma economia em que as posturas dos agentes


econômicos se tornam mais especulativas com a presença da postura ponzi,
porque o fluxo de caixa não é suficiente para pagamento dos compromissos de
curto prazo e já comprometem as expectativas de pagamento de longo prazo.

As margens de segurança (garantias e capital) estão baixas e a economia muito


fragilizada. O preço dos ativos do mercado financeiro se elevam e os
preços dos ativos de capital se reduzem, enquanto as taxas de juros
tendem a subir.

O resultado da instabilidade econômica se dá pela falta de alinhamento entre PI


e PK, em consequência a confiança do investidor em bens de capital diminui,
o mercado financeiro torna-se mais atrativo, os lucros caem e o desemprego
aumenta devido à menor contratação, e em virtude destes acontecimentos está a
instalação da crise econômica.

Fazendo uma comparação da economia monetária com o corpo humano


podemos dizer que as condições financeiras são para o bom funcionamento da
economia monetária da produção, o que o sangue é para o corpo humano a fim
de garantir seu bom funcionamento das células. Se elas forem convenientes, ou
seja, PK>PI, a decisão do empresário será investir e a economia terá crescimento.

116
Ciclos econômicos

Segundo Minsky, há uma tendência da economia desenvolver um sistema


financeiro cada vez mais frágil. Isso pode ser verificado por meio das três
unidades financeiras, apresentadas anteriormente, atuando em uma economia:
finanças protegidas (hedge finance), finanças especulativas e finanças ponzi.

Nas unidades de hedge, por exemplo, vemos um endividamento crescente, pois


a expectativa de lucros futuros é maior.

Nas unidades especulativas, verificamos saídas monetárias em pagamentos


das dívidas, as quais são superiores às entradas monetárias esperadas em
alguns curtos períodos, mas as unidades podem se refinanciar. Como os agentes
econômicos formam as expectativas de rendimento futuro baseando-se na taxa
de juros da economia, o valor líquido do investimento poderá se tornar negativo,
se esta subir muito.

E, por fim, nas unidades Ponzi, as saídas em pagamentos de juros da dívida


são superiores às entradas monetárias esperadas, e o valor do investimento é
negativo.

Em resumo, temos o chamado momento Minsky, que é o ponto do ciclo


de crédito ou do ciclo econômico em que os investidores muito endividados
vendem em massa os ativos para conseguir dinheiro, ou seja, liquidez, como, por
exemplo, aquilo que ocorreu em 2007-2008 quando os imóveis foram devolvidos
aos bancos americanos por conta da crise imobiliária.

Um efeito cascata derruba todos os preços dos ativos e há uma grande redução
da liquidez, em que há dinheiro circulando na economia. Em virtude dessas
dívidas assumidas anteriormente, justamente para financiar a aquisição dos ativos
de capital, os investidores cessam os pagamentos ou começam a ter problemas
de solvência.

Neste contexto verificamos uma venda maciça de ativos que inunda a economia
causando a instabilidade. O momento Minsky de instabilidade ocorre quando PI
é maior PK em que os valores de ativos financeiros são maiores que os de capital
devido à venda generalizada que derrubam os preços.

3.2 A extremada atividade financeira da economia


Uma atividade especulativa extremada já causava apreensão em Keynes. Quando
escrevia a Teoria Geral, este autor destacava que era perigosa a superação das
atividades especulativas sobre as atividades empresariais. Em certo momento
escreveu que “quando o desenvolvimento do capital em um país se converte
em subproduto das atividades de um cassino, o trabalho tende a ser malfeito”
(KEYNES, 1996, p. 168).

117
Capítulo 4

Keynes ainda reafirma sua posição quanto à especulação financeira, lembrando


que esta é necessária, mas deve ser controlada.

Os especuladores podem não causar dano quando são apenas


bolhas num fluxo constante de empreendimentos; mas a situação
torna-se séria quando o empreendimento se converte em bolhas
no turbilhão especulativo. (KEYNES, 1996, p. 168).

Em resumo, a atividade especulativa não deve ser encarada como um atividade


proibida que deveria ser banida do sistema econômico. No entanto, deve ser
controlada para que a economia não vire apenas especulação sem as atividades
corriqueiras dos negócios reais ou produtivos.

3.2.1 O sistema de Bretton Woods


Em 1944 por conta da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas
(ONU), realizada em Bretton Woods, Estado de New Hampshire, Estados Unidos,
o mundo inicia o contato com uma nova fase do capitalismo denominada de
globalização. Os representantes de 45 países naquele momento firmaram vários
acordos de cooperação no sentido de reformar o sistema monetário nacional.

O esforço deste encontro foi estabelecer medidas que evitassem desequilíbrios externos
dos países participantes por meio da definição de um conjunto de medidas que
promovesse a liquidez e, ao mesmo tempo, financiasse o desenvolvimento econômico.

A partir deste encontro criou-se um consenso de que a intervenção e a regulação


faziam-se necessárias para que se restabelecessem os fluxos comerciais que
estavam naquele momento prejudicados em função da Segunda Guerra Mundial.

Naquele momento nascia também uma importante instituição: o Fundo


Monetário Internacional (FMI), cuja principal atividade seria conceder
empréstimos de curto prazo para países em dificuldades financeiras.

Para nortear as ações desenvolvidas pelo FMI foram criados objetivos, entre os
principais, estão: promover a cooperação monetária internacional, principalmente
as discussões monetárias internacionais; facilitar o crescimento equilibrado
do comércio internacional; incentivar a criação de um sistema de pagamentos
internacional; oferecer ajuda financeira aos países membros em dificuldades
econômicas, emprestando recursos com prazos limitados e promover a
estabilidade das taxas de câmbio.

118
Ciclos econômicos

As ajudas financeiras prestadas pelo FMI são provenientes de duas fontes: quotas
de participação dos países membros e empréstimos para países membros. Cabe
destacar que quanto maior o volume de dinheiro investido no fundo por um país
membro maior será seu poder de decisão.

Para que um país receba ajuda financeira do FMI é necessário que o mesmo
se submeta a programas de ajuste das contas públicas tanto externas como
internas. O exemplo de um país membro desse fundo monetário é o Brasil, o
qual se encontra hoje como credor do FMI, porém não foi sempre assim, pois já
recebeu vários empréstimos do Fundo.

De acordo com informações publicadas pelo Ministério da Fazenda, o último


acordo financeiro do Brasil com o FMI foi efetuado na gestão do ex-ministro
da Fazenda Pedro Sampaio Malan, e vigorou de 6 de setembro de 2002 até
dezembro de 2003. O valor deste acordo foi de US$ 30 bilhões na modalidade
stand-by no qual os recursos ficam disponíveis, mas não são necessariamente
sacados. (MISTÉRIO DA FAZENDA, 2002).

Cabe observar que em 14 de dezembro de 2005, aproximadamente 2 anos após o


mencionado acordo, sob a gestão do então ministro da Fazenda Antônio Palocci,
o Brasil antecipa o pagamento ao FMI de US$ 15,5 bilhões, sendo que este valor
corresponde não apenas ao celebrado em 2002, mas também a saldos ainda não
pagos, e que venceriam no decorrer de 2006 e 2007. (MISTÉRIO DA FAZENDA,
2005). Esta foi uma operação de antecipação de dívida inédita para o país.

3.2.2 O fim de Bretton Woods e o início da instabilidade financeira


O fim do acordo de Bretton Woods entre 1971-1973 elevou a volatilidade dos
mercados em virtude da flexibilização das taxas de câmbio, o que provocou
um aumento das transações cambiais, e em volume superior que as transações
comerciais e investimentos no setor produtivo da economia.

Ressaltamos que no ano de 1973 ocorreu a crise do petróleo provocada pelo


cancelamento da exportação deste produto pela Organização dos Países Árabes
Exportadores de Petróleo.

Assim, naquele momento surgiu a necessidade de proteção, ou hedge, uma vez


que as taxas de câmbio das moedas de todos os países em relação ao dólar
americano começam a oscilar fortemente, tornando o dólar a forma de um ativo,
fazendo com que a moeda voltasse a ser considerada para efeito de alocação,
ou seja, retornasse a se confundir com os outros ativos como possibilidade de
proteção para os agentes econômicos.

119
Capítulo 4

Em momentos de crise como aquela vivenciada na década de 1970 aumenta


a preferência pela liquidez que, associada à alta incerteza no futuro, causam a
instabilidade financeira como Minsky definiu.

É importante destacar que a globalização é dominada por fatores financeiros,


na qual a economia monetária da produção se torna uma economia de finanças.
A instabilidade causada a partir de Breton Woods ainda é vivenciada nas crises
financeiras que vieram na sequência e também nas atuais. Neste sentido
podemos dizer que as crises com o passar dos anos se tornam mais financeiras
do que nunca.

Segundo Dathein (2000, p. 133), “Com mercados de capitais integrados


internacionalmente, os movimentos de equilíbrio ocorrem pelos mercados
financeiros de curto e longo prazo, e não pelo mercado de bens e serviços.”

Após a década de 1970 é possível observarmos um acentuado aumento das


inflações mundiais, levando os bancos centrais a praticarem aumentos em suas
taxas de juros, sendo mais um fator para a instabilidade econômica. Na figura
a seguir apresentamos um exemplo de país que teve aumento inflacionário, por
meio do gráfico da inflação brasileira medida pelo IGP-DI (1944-1980).

4.2 – Inflação brasileira medida pelo IGP-DI (1944-1980)

Fonte: Adaptado de IPEADATA (2012).

Na figura apresentada é possível observarmos que a inflação teve uma elevação


relativamente expressiva no Brasil após a década de 1970, o que forçou o
governo a desenvolver uma política de aumento das taxas de juros nas décadas
seguintes.

120
Ciclos econômicos

De modo geral verificamos hoje, em termos de globalização financeira, e


mercados extremamente financeirizados, a impossibilidade da existência de um
mercado financeiro no qual os agentes econômicos sejam homogêneos em suas
atitudes conforme defendiam os economistas neoclássicos.

No entanto, o que verificamos, na verdade, são duas linhas de pensamento bem


definidas, tendo de um lado os “analistas técnicos” do mercado financeiro que
tentam a partir de médias, ou muitas vezes apenas por gráficos, direcionar os
investimentos próprios e de seus clientes com base em dados passados; em
contrapartida, temos os “analistas fundamentalistas” que, por sua vez, também
tentam descobrir o valor dos investimentos baseando-se em lucros obtidos no
passado.

Esses analistas tentam descobrir e avaliar o comportamento do mercado. No entanto,


temos um ambiente de incerteza nas cotações futuras dos ativos e por essa incerteza
não sabemos o valor futuro.

Na verdade, não há como encontrar um único equilíbrio nessa interação, visto


que, de acordo com a interação dos analistas grafistas e fundamentalistas, com
maior ou menor especulação no sistema, veremos a economia caminhando para
determinado ponto que não se conhece antecipadamente.

Dathein (2000, p. 136) conclui sobre o tema que “o ponto de chegada não é uma
situação de equilíbrio geral”.

Diante deste cenário, podemos imaginar dois analistas de preços de ativos


(grafistas e fundamentalistas) com formas específicas de análise negociando no
mercado. Um analisa e negocia com uma predominância maior no curto prazo
(grafista) o outro analisa e negocia com uma visão de longo prazo (fundamentalista).

Fica claro que o sistema walrasiano 7 de equilíbrio geral não conseguiria


equilibrar esse mercado porque não é apenas uma consideração entre
vendedores e compradores na qual o “leiloeiro” poderia arbitrar o preço de
equilíbrio, pois o comportamento dos dois tipos de agentes é diferente.

Para finalizar, é importante observar que nas últimas décadas estamos presenciando
mais crises financeiras que abalam o sistema produtivo, ou a economia real, sendo
assim, a hipótese de ciclos econômicos advindos dos fatores produtivos é cada vez
menor dando lugar à instabilidade causada pelo sistema financeiro.

7 Imaginava o equilíbrio geral da economia sendo encontrado na igualdade entre a oferta e demanda agregada nos
mercados de bens e fatores de produção.

121
Capítulo 5

Controvérsias entre as teorias


macroeconômicas

Seção 1
Heterodoxia e ortodoxia em economia
O estudo da Ciência Econômica, ou Economia, pode ser dividido em dois grandes
grupos: Economia Heterodoxa e Economia Ortodoxa. Assim, ao estudarmos os
diversos pontos de vista sobre a instabilidade do capitalismo, transitamos entre
as ideias dos economistas ortodoxos e heterodoxos.

Quando imaginamos uma sociedade econômica e seus agentes interagindo


por meio da compra de bens e serviços; dos investimentos empresariais; nas
aplicações financeiras podemos entender essas relações de muitas formas, ou
então caracterizá-las como uma questão apenas de fluxo, no qual toda compra
de mercadoria deverá corresponder a uma produção exatamente na mesma
quantidade; ou não imaginando que o empresário produziu mais do que poderia
vender.

Essas diferentes formas de entendimento sobre as relações dos agentes


econômicos fornecem subsídio para estabelecermos diferença entre a
heterodoxia e a ortodoxia em economia.

1.1 A diferença entre ortodoxia e heterodoxia

1.1.1 Economia ortodoxa


A palavra ortodoxia significa absoluta conformidade com um princípio ou
doutrina, sendo assim, por se tratar de uma doutrina, pressupõe-se que seja uma
definição verdadeira, e, dessa forma, aceita por muitas pessoas.

123
Capítulo 5

Ao aplicar esse significado a economia, podemos dizer que a ortodoxia se refere


principalmente, porém não se limita, aos economistas clássicos e neoclássicos.
Não se limita porque a economia é uma ciência em constante evolução e aqueles
economistas que hoje fazem a ciência econômica evoluir podem, no futuro, ser
considerados ortodoxos também.

Para diferenciarmos de forma clara os economistas ortodoxos daqueles ditos


heterodoxos, vamos estudar a diferença, sob o ponto de vista das suas teorias
em relação à moeda e ao seu impacto na economia real, mais precisamente
sua influência no nível de emprego, na produção industrial, dentre outras.

Diferentemente de uma ciência natural, como a física ou a química, em que regras


bem estabelecidas do comportamento dos elementos podem ser empregadas.

A fórmula referente à velocidade média da física depende do deslocamento em relação


ao tempo percorrido, em que

Já no caso das ciências econômicas, por ser considerada uma ciência social
aplicada, o comportamento humano deve ser levado em conta, pois influencia
o sistema econômico. Sendo assim, o comportamento desses dos agentes
econômicos não pode ser mensurado como os fatores físicos, pois há uma
grande influência da psicologia e da sociologia em suas decisões.

Este comportamento não pode ser regido por regras estabelecidas e automáticas,
visto que o desenvolvimento da teoria econômica ocorre sem regras ou leis
físicas bem estabelecidas, no qual diversos pensadores e escolas do pensamento
interagem e contrapõem seus pontos de vistas de forma diferente.

Existem diversas escolas econômicas, entre elas podemos citar: clássicos,


neoclássicos, novos clássicos, keynesianos, novos keynesianos, pós-
keynesianos, monetaristas entre outros.

Conforme já mencionamos, muitos dos economistas ortodoxos são encontrados


entre os clássicos e também alguns neoclássicos, sendo que algumas premissas
desenvolvidas por esses economistas incluem o ajustamento automático do
mercado para o ponto de equilíbrio, a neutralidade da moeda sobre variáveis
reais e a menor, ou nenhuma, intervenção nas variáveis econômicas.

124
Ciclos econômicos

Cabe destacar que encontramos muita dificuldade ao tentarmos separar as


premissas sobre o desenvolvimento econômico elaborado pelos economistas
ortodoxos e heterodoxos, e também muita controvérsia na abordagem sobre os
temas.

Neste sentido, uma opção para fazer essa separação entre as premissas
desenvolvidas pelos referidos economistas é caracterizá-los sob os aspectos
da Teoria Quantitativa da Moeda e da Lei de Say, pois aqueles economistas
que aceitam a Teoria Quantitativa da Moeda ou a Lei de Say serão considerados
ortodoxos.

No que se refere a essa abordagem, Mollo (2004, p.326) define que:

Uma vez que a Lei de Say tanto quanto a Teoria Quantitativa da


Moeda foram aceitas de forma dominante pelos economistas
desde o início da Ciência Econômica, e tendo em vista a
afinidade dos supostos necessários para aceitá-las, elas são um
marco teórico importante na definição de ortodoxia econômica e
na separação entre ortodoxos e heterodoxos na economia.

Apesar de enfatizar que a diferença entre os economistas ortodoxos e


heterodoxos é a aceitação do comportamento passivo da moeda na economia
e seu ajustamento automático entre poupança e investimento pela Lei de Say,
devemos lembrar que outras diferenças estão constantemente sendo investigadas
pelas diversas escolas de pensamento econômico.

Entre estas diferenças estão a racionalidade dos agentes na tomada de decisão, o


ajustamento automático do mercado dentre outras.

De acordo com Dequech (2007, p. 300), a economia ortodoxa é também um


conceito temporalmente geral, sendo esta categoria atualmente representada pela
economia neoclássica, a qual é caracterizada pela enfase nos seguintes aspectos:
racionalidade e maximização da utilidade dos agentes econômicos, conceito de
equilíbrio e também nega teoricamente os fundamentos da incerteza dos agentes
na previsão econômica.

No caso dos economistas neoclássicos a noção de equilíbrio econômico é


fundamental, tanto que sob esse aspecto temos que considerar os estudos do
economista Leon Walras, o qual desenvolveu um sistema econômico, conhecido
como sistema walrasiano, cuja aplicação prática seria inviável em virtude da
quantidade de equações e interações entre as variáveis.

125
Capítulo 5

Diante do contexto da proposta de Leon Walras, Araújo (1995, p.76) cita um


caso prático da dificuldade de aplicação do sistema walrasiano para estipular o
equilíbrio econômico, destacando que para uma população como a brasileira,
utilizar o referido sistema, seriam necessárias mais de 92 bilhões de equações.
Walras em suas equações imaginava o equilíbrio geral da economia sendo
encontrado na igualdade entre oferta e demanda agregada nos mercados
de bens e de fatores de produção. Uma das impossibilidades práticas desse
equilíbrio era o conceito de um “leiloeiro walrasiano”, o qual seria responsável por
promover ajustes dos preços utilizados nos contratos “virtuais” entre os agentes
econômicos, em que os preços dos negócios efetuados neste sistema de leilão
somente seriam fechados ao preço de mercado.

1.2.2 Economia heterodoxa


A ideia de tratar a economia como a física, a química ou a biologia foi muito
questionada com o passar do tempo. Os economistas clássicos, por exemplo,
costumavam utilizar muito os termos como fluxo, equilíbrio natural, dentre outros
com a intenção de representar uma economia funcionando. Por exemplo, era
nítida a comparação com o corpo humano e seus fluxos e órgãos vitais.
Na economia, quando verificamos economistas e escolas de pensamento
contrários as ideias dos economistas clássicos e neoclássicos, podemos dizer
que os mesmos são heterodoxos. Segundo Dequech (2007, p. 297), a economia
heterodoxa consistiria de todas as escolas de pensamento que se diferenciam da
economia neoclássica.

Um economista para ser considerado heterodoxo não deve aceitar que uma economia
se ajuste por meio de leis naturais, como as existentes na física ou na química,
conforme creditam os economistas ortodoxos.

É importante ressaltar que na economia contemporânea percebemos a


influência do comportamento social dos agentes econômicos e estes não
podem ser quantificados. Por exemplo, quando temos uma venda muito
grande de ativos na Bolsa de Valores, será que todos os vendedores estão
conscientes do que estão fazendo e buscando os melhores preços com base
nas suas análises? Ou estão apenas seguindo uma “manada” de vendedores
desesperados em um sistema de caos?
Cabe destacar que no sistema econômico que vivenciamos hoje há uma
indicação muito forte da irracionalidade dos agentes em suas tomadas de
decisão, a qual afeta seu comportamento e influencia suas escolhas. Neste
sentido, um sistema walrasiano ou uma lei como aquela proposta por Say é de
difícil aplicação na economia capitalista atual.

126
Ciclos econômicos

Dessa forma, abre-se espaço para novas teorias que abordam o comportamento
humano, a influência da moeda na economia real, a irracionalidade dos agentes
ao fazerem escolhas, dentre outras. Essas aberturas no núcleo duro da economia
são devidamente chamadas de heterodoxia.

A Lei de Say, caso fosse aplicada no cenário econômico atual, encontraria desafios,
pois para que funcionasse adequadamente o processo de produção (oferta) geradora
de rendas deveria obrigatoriamente se igualar a compra de produtos (demanda) pelos
agentes econômicos.

Imaginando uma economia funcionando desta forma, um pequeno erro


na alocação de recursos colocaria tudo a perder. Um caso típico seria o
entesouramento, retenção de moeda, voluntário dos agentes econômicos, o qual
poderia quebrar o fluxo da renda e aumentar os estoques não vendidos causando
um ciclo negativo na economia.

Mollo (2004, p. 324) entende que “é preciso que a moeda seja vista como algo
não desejável por si mesma para que não haja vazamentos no fluxo circular de
renda que garante a Lei de Say […]”.

Caso ocorram tais “vazamentos” o dinheiro será desviado da compra de bens


e serviços e a Lei de Say não funcionará, originando uma crise no sistema
econômico justamente porque a oferta de bens na economia, fornecidos pelas
empresas, com a intenção de criar a sua própria demanda, ficaria com estoques
indesejados, uma vez que todos agentes econômicos terão preferência pela
liquidez, as empresas não produzirão e assim não investirão em novas máquinas
e as famílias não irão consumir, ambos com a prioridade em manter moeda pelo
motivo de precaução.

Outro ponto importante a ser discutido entre a visão da economia ortodoxia


e a heterodoxia é a questão da moeda ser endógena ou exógena. Na visão
dos economistas ortodoxos, a moeda é exógena, podendo ser controlada pela
autoridade monetária.

Para compreender de forma bem simples as peculiaridades da moeda exógena,


as autoridades monetárias, por exemplo, o Banco Central, teriam total controle
da quantidade de moeda em circulação; e não teriam como e nem a necessidade
de influenciá-la, pois a mesma seria utilizada somente para suprir as transações
existentes na economia.

A moeda, na visão dos economistas ortodoxos, é considerada neutra para efeitos


de deslocamento do fluxo ou crescimento econômico, sendo assim a demanda por
moeda é estável no sistema.

127
Capítulo 5

A facilidade das autoridades monetárias em controlar a moeda se deve ao fato


de que os agentes econômicos sempre utilizam a moeda para transacionar bens.
Ou seja, uma vez que a renda é auferida imediatamente é alocada no mercado
de produtos. Dessa forma, a ortodoxia monetária rejeita que a moeda tenha outra
finalidade. Para Mollo (2004, p. 325):

A rejeição do entesouramento aparece nas concepções


ortodoxas de mercados de fundos empréstimos, quando a
oferta de empréstimos é igualada à poupança, ou seja, toda
renda poupada é emprestada, o que elimina a possibilidade de
entesourar.

Assim, fica fácil entendermos por este prisma os argumentos dos economistas
heterodoxos, contrários tanto à Teoria Quantitativa da Moeda quanto à Lei de Say,
uma vez que, para esses economistas, a demanda por moeda não é estável ao
longo do tempo.

Portanto, sem a estabilidade da moeda, o Banco Central não tem como regular
exatamente o fluxo de moeda e por isso podemos ter inflação, não apenas pelo
efeito puramente monetário da emissão, mas em virtude da velocidade criada
pela tecnologia bancária.

A quantidade da moeda pode ter efeitos duradouros na economia uma vez que
existe também o efeito do crédito bancário, o qual quando é concedido a uma
empresa faz aumentar o investimento, o emprego e a renda. Este processo
permite o crescimento da economia, no entanto, quando não regulado, poderá
elevar a inflação.

Os economistas pós-keynesianos e marxistas rejeitam tanto a Lei de Say quanto a


Teoria Quantitativa da Moeda e por esse motivo são considerados heterodoxos.

A heterodoxia econômica, hoje, tem dominado a forma de se conduzir a economia


de diversos países, sendo que temos visto nas recentes crises econômicas uma
acentuada intervenção do Estado na economia, seja por meio da política fiscal
ou monetária tendo por finalidade estabilizar o processo recessivo.

Desse modo, é clara a percepção que os programas governamentais de


sustentação da renda e do desenvolvimento têm inspiração keynesiana e,
portanto, heterodoxa, pois o economista John Keynes foi um dos maiores
representantes contra a argumentação da teoria clássica, o qual entendia que
o sistema econômico não tende ao equilíbrio de maneira espontânea, e quando
ocorre, é de forma temporária e, às vezes, imperceptível.

128
Ciclos econômicos

Keynes entendia ainda que uma intervenção mais rígida das políticas monetária e fiscal
em uma determinada economia ajudaria a solucionar os problemas de instabilidade, os
quais poderiam ser duradouros.

O combate às anomalias econômicas como, por exemplo, a inflação, também


necessita de intervenção do Estado, sendo que hoje verificamos em alguns
países um papel ativo das autoridades monetárias diante desta questão, as quais
utilizam o seu poder de monopólio enquanto emissores de moeda para fornecer
aos agentes econômicos mais poder de compra, gerando maior capacidade para
adquirir bens e serviços, ou retirá-lo. Com essas ações as autoridades monetárias
conseguem mexer com os preços relativos da economia.

A Política Monetária de Metas de Inflação no Brasil tem uma inspiração heterodoxa


ampla, na qual o governo determina qual a inflação máxima, diferentemente da
concepção do “leiloeiro walrasiano” que previa ajuste dos preços utilizando contratos
“virtuais”.

1.2.3 Economia ortodoxia e heterodoxia no contexto global de hoje


A linha de pensamento heterodoxia e ortodoxia são as duas formas de pensar
a evolução da economia: sendo que a primeira parte da análise de recursos
escassos, tentando maximizar, com base nesses recursos, as satisfações dos
agentes econômicos individuais, encontrando pontos ótimos entre oferta e
demanda.

Já a segunda linha, conforme definiu Keynes, parte de uma economia como


inerentemente instável, em que apenas com a intervenção política na economia
seria possível ter crescimento econômico, mesmo que não sustentável ao longo
do tempo.

Muitos economistas que partem de uma análise econômica não neoclássica


atualmente são considerados heterodoxos, e combatem uma série de questões que
são fundamentais para os economistas ortodoxos.

Enquanto os textos neoclássicos partem de uma análise quase científica sobre o


comportamento da economia, chegando ao ponto de usar argumentos da física
moderna, os heterodoxos fazem uma análise econômica a partir de abordagem
mais subjetiva e ideológica, acrescentando em suas pesquisas uma visão mais
comportamental da economia.

129
Capítulo 5

Cabe destacar que a ortodoxia econômica trabalha com a livre escolha dos
agentes nos mercados econômicos, porém os textos e os economistas
heterodoxos reconhecem que podem ocorrer restrições aos mercados e às
situações nas quais o mercado não cumprirá a livre escolha como nos mercados
de câmbio que sofrem com as intervenções.
Estudos da heterodoxia econômica criticam que haja uma correlação perfeita
entre crescimento econômico e bem-estar. Enfatizam que entre o crescimento e
o bem-estar de uma sociedade há vários fatores que podem comprometer a sua
ligação estatística. Para os economistas ortodoxos, o crescimento da economia é
sinônimo de bem-estar.
Para a ortodoxia há uma economia de egoístas, ou seja, as pessoas são
naturalmente gananciosas, com apetite insaciável ao consumo e aos lucros,
tentando a todo o momento maximizar as suas necessidades. O capitalismo
em parte é bem-sucedido porque oferece um sistema de incentivo baseado no
comportamento de competição humana, em que os melhores colhem os frutos.
A linha de pesquisa heterodoxa condena a visão parcial de homo economicus 1,
tendo evidências de preocupações ambientais, considerações da economia
familiar e não apenas agregada; e que as economias capitalistas atuais devem
incorporar um sistema de governança social para satisfazer as necessidades
humanas e alternativas ao capitalismo devem ser propostas.
A heterodoxia visualiza um ser humano com interesses sociais, tendo um
direcionamento mais para homo sociales 2 que homo economicus. De acordo
com esta visão, o ser humano possui comportamentos que não podem ser
reduzidos aos sistemas mecanicistas, pois possui necessidades biológicas, de
aprovação na sociedade, sucesso e orgulho que conduzem as suas decisões, e
ainda comportamento influenciado pelo sistema social.

É importante destacar que a ortodoxia econômica não desapareceu, pois


ainda é muito discutida na economia, principalmente entre defensores da linha
de pensamento neoclássica que imaginam uma economia de mercado sem a
intervenção de políticas econômicas, como a monetária, cambial ou fiscal.

O neoliberalismo, pensamento da escola neoclássica, característico da década


de 1990, é um dos representantes da corrente ortodoxa, a qual defende que as
instabilidades ocorrem justamente porque há a intervenção do Estado na economia.

1 Existe neste conceito uma abstração do comportamento humano no que se refere às condições morais, éticas,
religiosas, políticas, sociais, filosóficas, etc. Ao assumir o homo economicus, economistas que seguem esse caráter
humano consideram o consumo e a produção como funções básicas para qualquer sociedade.

2 Contrapõe o homo economicus no sentido que as necessidades humanas estão além do consumir e produzir. Há
influência social, biológica e comportamentos individuais que interferem numa abordagem simplista e mecanicista
do desejo humano.

130
Ciclos econômicos

Podemos verificar no quadro a seguir algumas diferenças ou controvérsias da


ortodoxia e heterodoxia econômica, sem esgotar todas as possibilidades que
temos na atualidade.

Quadro 5.1 – Controvérsias entre as teorias econômicas

Textos neoclássicos Alternativas heterodoxas

A economia é vista como uma ciência natural A economia é vista como uma ciência social
e o economista, como um engenheiro e o economista, como um teórico social

As disciplinas complementares: matemática As disciplinas complementares: antropologia


e ciência da computação e sociologia

Homo economicus: o homem isolado Homo socialis: seres humanos em contexto


social

Uma “mão invisível” coordena o mercado O dilema do prisioneiro 3

Leiloeiro walrasiano Cassino

Concorrência perfeita e estratégica Competição, monopólios

Fonte: Elaborado pelo autor 2012

A forma como pensamos os ajustes em nossa economia ajuda a direcioná-


la, transformá-la e a delinear as políticas econômicas necessárias ao bom
desenvolvimento econômico.

As crises são doenças do sistema capitalista e as abordagens ortodoxas ou


heterodoxas são as prescrições dos economistas para combatê-las como, por
exemplo, a homeopatia e o uso de vacinas quimicamente modificadas são para
os médicos prescrições para a cura de doenças.

Cabe destacar que ambas as abordagens econômicas estudadas podem ajudar


a economia a se restabelecer de uma crise, sendo que não há indicação de que
uma seja melhor ou pior que a outra, pois dependerá de uma análise minuciosa
da conjuntura econômica.

3 Sendo um exercício da Teoria dos Jogos, é um exemplo de cooperação entre os agentes econômicos, neste caso
dois prisioneiros. Concedidas aos prisioneiros as opções de cooperar com a polícia e diminuir a pena, não cooperar
e pegar a pena máxima ou ambos ficarem quietos e obter metade da pena; ambos os prisioneiros se encontram
em selas separadas. Assim, no decorrer do jogo, a melhor escolha de ambos os jogadores seria cooperar entre
si e ficarem em silêncio, não assumindo a culpa nem delatando seu companheiro. Ou seja, nesse jogo é melhor
cooperar a ser individualista.

131
Capítulo 5

Seção 2
Características das crises financeiras e seus
atuais desdobramentos
A economia capitalista tem como característica o enfrentamento de crises e
por isso entender os seus princípios e desdobramentos é uma necessidade do
economista, neste sentido vamos analisar as crises financeiras contemporâneas,
investigando sua natureza, os agentes que participam no desenrolar da crise
financeira e as diferentes fases que as antecedem.

2.1 A natureza das crises financeiras


As crises financeiras são frequentes no sistema capitalista e, muitas vezes,
tomam dimensões desastrosas, visto que estouram como “bolhas de sabão”, da
noite para o dia, levando ao desemprego, à queda do Produto Interno Bruto (PIB),
perda da qualidade de vida, dentre outras anomalias.

Em virtude dessas crises países, antes ricos, perdem a sua competitividade e a


liderança econômica, e seus agentes econômicos podem sofrer sérios transtornos,
inclusive necessitando de produtos para a subsistência.

No entanto, mesmo afetado por essas constantes crises, o capitalismo ainda é


um promotor do desenvolvimento econômico, sendo que por meio dele é possível
a criação novos produtos e serviços.

Cabe ressaltar que o desenvolvimento de áreas do conhecimento humano


como a ciência, tecnologia, saúde, dentre outras, tiveram no capitalismo o apoio
necessário para sua consolidação, sendo que esse desenvolvimento, em uma
visão schumpeteriana, “anda de mãos dadas” com a inovação.

Contudo, é possível que seja esse desenvolvimento contínuo que cause crises
constantes, conforme destaca Schumpeter, quando descreve que talvez todo
esse sucesso um dia destruirá o capitalismo.

É nessa ambiguidade que se desenvolve o sistema capitalista e suas crises, em


seus altos e baixos e momentos de boom e de depressão. Talvez o que falte
para os agentes econômicos seja saber lidar com o “temperamento bipolar” do
capitalismo, buscando entender o seu processo e tentando, quando for o caso,
como aconselha Keynes, intervir na economia para corrigir a sua rota.

132
Ciclos econômicos

Assim, para entendermos as causas de uma crise financeira como, por exemplo,
a verificada no período recente que teve início em 2008, e se expandiu pelos
anos seguintes, é um exercício interessante. Em primeiro momento temos que a
inovação do mercado financeiro ao que tudo indica foi responsável pelo início de
uma fase de euforia, e essa inovação ficou conhecida como desregulamentação
financeira.

Essa desregulamentação nada mais é que a introdução de novos contratos


de alocação de recursos no mercado financeiro, os chamados instrumentos
financeiros. Para que possamos compreender esse processo vejamos como
esses derivativos financeiros, conhecidos como contratos com liquidação futura,
foram criados na década de 1970 para minimizar os efeitos da crise do petróleo, e
que ainda hoje são utilizados para várias finalidades, entre elas a especulação.

Os derivativos, principalmente os financeiros, são contratos que permitem a


alavancagem da economia 4 proporcionando baixo custo de transação e pouco
capital inicial.

Nos últimos anos diversos tipos de derivativos foram criados, desde os que estão
ligados aos juros internos como, por exemplo, títulos da dívida pública, títulos
privados, sob as ações, commodities; e até mesmo os derivativos que apostam
na falência de países e empresas, ou seja, quem adquire esses papéis teria uma
“proteção” contra a possível falência.

Os derivativos são inovações financeiras e acrescentaram uma nova dinâmica


ao mercado financeiro, os quais são negociados principalmente pelas grandes
instituições financeiras com o objetivo de atender as necessidades dos seus
clientes ou de fazer operações para elas próprias.

No entanto, a velocidade com que se negociam tais contratos e a exigência


mínima de recursos para se iniciar a negociação faz com que fortunas sejam
negociadas em segundos, potencializando em um momento de crise o declínio
das cotações.

Cabe observar que os agentes “operadores” do sistema financeiro desenvolvem


funções de destaque neste cenário econômico, em que a inovação rompeu com
a tradicional visão de crise, a qual está hoje muito mais rápida conseguindo se
alastrar para todos os países do mundo em questão de dias.

4 É um crédito de recursos financeiros para negociar ativos como, por exemplo, ações, imóveis, empreendimentos
e derivativos, sendo essa negociação em valor maior do que o patrimônio (dinheiro na conta). Em outras palavras, é
investir mais do que se tem.

133
Capítulo 5

2.1.1 Operadores do mercado financeiro


Com a nova dinâmica do mercado financeiro potencializada pelo uso de
derivativos os agentes econômicos, principalmente aqueles ligados ao mercado
financeiro, mudaram as suas posturas. Esses agentes podem investir por
um longo período de tempo, ou então apenas em questão de minutos serem
detentores de direitos sobre as ações de uma economia, e no minuto seguinte
não pertencerem mais ao quadro societário, acionistas, ou donos da empresa.

Dessa maneira, podemos identificar dois tipos de agentes no mercado financeiro,


os quais são denominados: investidor e especulador.

O agente investidor tem como uma de suas características a capacidade de


enxergar, em suas operações financeiras, o longo prazo, pois quando adquire
uma empresa, por exemplo, comprando ações em bolsa de valores, está
interessado em seus lucros futuros, denominados dividendos.

O investidor incorpora o seu capital ao patrimônio da empresa ajudando a construção


de ativos, uma vez que a empresa utilizará esse capital para a compra de máquinas e
matéria-prima e, consequentemente, ajudará no progresso do país.

Em suas análises o investidor, muitas vezes, utiliza como base os fundamentos


da empresa na qual participará, pois, para este agente, o importante é o seu nível
de lucro. Para fazer a análise de suas margens de ganho, o investidor compara o
lucro de seu investimento com o preço de negociação em mercado, dentre outras
ferramentas.

Esse agente investidor, também conhecido por analista fundamentalista, estará adquirindo
um negócio empresarial cujos lucros futuros compensarão o investimento inicial.

É justamente sobre esse lucro futuro que Minsky (1980) debateu a possibilidade
das expectativas dos agentes estarem incorretas, pois, caso as expectativas no
futuro não correspondam ao esperado, uma crise poderá se instalar simplesmente
em virtude das novas expectativas terem como base o período anterior. Desse
modo, o erro de previsão dos lucros futuros está no presente, quando o investidor
projeta os seus lucros futuros.

Outro participante de vital importância para o mercado financeiro são os agentes


especuladores, os quais fornecem liquidez às operações financeiras e, portanto,
agilizam as operações financeiras diminuindo o risco de falta de atividade no
mercado, que seria o risco de não encontrar compradores ou vendedores.

134
Ciclos econômicos

Um mercado com o menor risco de liquidez possui muitos especuladores,


fazendo os negócios fluírem. Em sua maioria, esses agentes não estão
preocupados com o longo prazo, muito menos com os fundamentos do ativo que
estão adquirindo, visto que suas operações se limitam ao curto prazo e ganham
ou perdem em suas alocações de investimento devido às oscilações do mercado.

Compra e venda de ativos no mesmo dia, day trade, ou seja, o especulador compra
uma quantidade específica de ações em determinado momento, tornando-se sócio da
empresa em questão, mas quando a cotação da ação sofre valorização, que poderá
ocorrer no instante após a aquisição, o especulador venderá no mesmo dia, auferindo
os lucros.

Essa operação, day trade, é característica de um especulador, pois o interesse


foi apenas o lucro imediato. Por outro lado, essa operação diminui o risco de
um investidor que se desfez da quantidade negociada e de outro investidor que
desejava comprar a determinada quantidade de ações. Caso não houvesse o
especulador, o encontro entre o investidor comprador e vendedor poderia ficar
comprometido.

Outra comparação diz respeito ao método de utilização dos mercados


financeiros. Um analista gráfico 5 se preocupa com os padrões formados no
mercado como, por exemplo, os preços, o volume e as médias derivadas do
mercado em questão, pois o que está em jogo são apenas o acerto da “direção” e
a intensidade do movimento dos preços dos ativos negociados, e se os mesmos
serão de alta ou de baixa.

Com muita frequência essa estratégia de aplicação financeira de análise gráfica


é utilizada pelos investidores pela sua facilidade de aplicação, porém isso não
significa que um analista fundamentalista deixe de observar o mercado no curto
prazo, utilizando inclusive essa ferramenta de análise.

Cabe destacar que no mercado onde o desejo da maioria predomina, também


chamado de mercado de massa, existe a influência da “psicologia de mercado”,
a qual afeta tanto os investidores quanto os especuladores, pois, caso os preços
iniciem a formar padrões de queda, os grafistas começam a soltar os seus alertas
de venda formando uma multidão de seguidores que iniciam as suas operações
na mesma direção, seguindo a “manada”.

5 Um especialista que compra e vende ações, derivativos e outros títulos baseado-se em gráficos formados a
partir dos preços dos ativos, volume financeiro de negociação, médias desses valores entre outros indicadores. A
análise desse especialista serve tanto para investimentos de longo quanto de curto prazo; serve para investidores e
especuladores.

135
Capítulo 5

Já os investidores em fundamentos, os fundamentalistas, não deveriam se deixar


influenciar pelas sequências de quedas, correto? Errado.

Muitas vezes, a psicologia de mercado e a teoria do caos entram em jogo, e o


investidor fundamentalista vê seu patrimônio se reduzir.

Essa redução de patrimônio pode fazer com que o investidor fundamentalista ceda
às pressões do mercado financeiro e coloque à venda as suas posições que antes
estavam alocados em carteiras de investimento com o objetivo de longo prazo.

Diante deste cenário a irracionalidade dos agentes econômicos toma conta do


mercado e supera os bons fundamentos das empresas e da economia, fazendo
com que os investidores fundamentalistas começassem a se questionar se suas
previsões estavam corretas.

Uma vez que essas dúvidas levam esses investidores a refazerem suas contas,
agora com previsões pessimistas, seus cálculos serão refeitos para baixo. Essa
situação causa instabilidade nos mercados e poderá levar a crises mais sérias na
economia.

2.1.2 Crise macroeconômica especulativa


A crise conhecida como macroeconômica especulativa possui como causas
principais a formação de expectativas negativas por parte dos agentes
econômicos e uma forte especulação, as quais desestabilizam todo o mercado
financeiro.

Aschinger (1997, p. 28) identifica as principais características das fases de uma


crise macroeconômica especulativa, as quais são destacadas a seguir.

136
Ciclos econômicos

• Deslocamento: decorrente de um choque exógeno na economia que


poderá ser proveniente do setor privado ou do setor público. Por exemplo, a
divulgação de maiores lucros por parte das empresas ou uma consolidação
do crescimento econômico, quando noticiado para os agentes econômicos,
fornece um catalisador para o deslocamento da economia em comparação
com o período anterior.

• Desenvolvimento do boom: resultante das novas oportunidades de


ganhos financeiros que aparecem na economia em virtude de novos
negócios e novas tecnologias. Nesta fase há um surto de desenvolvimento,
e inicia-se a expansão do mercado de crédito que é essencial para o
desenvolvimento econômico.

• Início da especulação: composta por uma quantidade expressiva de


crédito que possibilita a criação de novos instrumentos financeiros que
permitem a alavancagem se estabelecer. Os ganhos, no mercado financeiro
alavancado, levam ao aumento da compra de bens e serviços na economia,
cujos preços, muitas vezes, não são justificáveis de acordo com os seus
fundamentos.

• Especulação desestabilizadora: constituída por um mercado financeiro


que apresenta preços altos, os quais atraem cada vez mais investidores e
especuladores a procura de lucros. Os noticiários de boas oportunidades
induzem a uma reação exagerada criando uma “bolha de preços”, chamada
de bolha especulativa.

• Euforia: fase caracterizada por um comportamento do mercado financeiro


que é guiado por uma dinâmica social própria. Essa dinâmica se refere
aos agentes econômicos que somente enxergam lucros maiores a cada
negociação.

• Pânico: quando a economia está em um processo de boom os preços dos


ativos crescem muito rapidamente, no entanto, qualquer notícia, por mais
fantasiosa que seja, poderá levar a uma queda brusca. Nesses momentos,
os boatos especulativos devem ser controlados pelas agências reguladoras,
pois as expectativas formadas a preços extremamente altos são frágeis,
no entanto, caso as notícias ruins tornem-se realidade, seja as do mercado
privado ou público, os preços despencam e a bolha estoura.

Muitas das crises econômicas contemporâneas apresentam justamente estas seis


fases. É interessante observar que todas são importantes, mas, muitas vezes,
apenas a última fase, o pânico, é considerada como crise.

137
Capítulo 5

Neste sentido, a regulamentação econômica deve atuar em todas as fases para


manter a estabilidade econômica, isso em uma visão heterodoxa, visto que a
ortodoxia apenas considera um momento de transição que novamente levaria ao
deslocamento com novas invenções.

2.2 O ciclo financeiro


Para compreendermos as peculiaridades de um ciclo financeiro em uma crise
macroeconômica especulativa vamos analisar seu conceito, e também as
características crise macroeconômica, como, por exemplo, aquela que ocorreu
nos Estados Unidos nos anos 2007 e 2008.

2.2.1 Fase de boom do setor imobiliário


Os ciclos econômicos, caracterizados por oscilações econômicas, quando
comparado ao estado de pleno uso das atividades produtivas ou pleno emprego,
tentam ser explicados tanto pela ortodoxia econômica quanto pela heterodoxia.

Para os economistas clássicos os ciclos eram um acidente de percurso ao longo


do desenvolvimento econômico que, no longo prazo, seria resolvido. Keynes,
por sua vez, rejeitando de forma clara essa noção clássica, coloca toda a causa
dos ciclos na formação das expectativas de longo prazo, que são formadas no
momento presente.

Cabe destacar que o papel das expectativas dos agentes econômicos descrita
por Keynes (1936) ajuda a entender o ciclo financeiro atual, sendo que essa
concepção é reforçada por Hawa (2009), o qual destaca que, ao transferirmos a
noção de ciclos de Keynes aos títulos negociados no mercado financeiro, podemos
entender o motivo das oscilações ou volatilidade encontrada nesses preços.

[…] pode-se definir o conceito de “ciclo financeiro” como o


conjunto dos mecanismos que explicam a trajetória crescente do
preço dos ativos financeiros (movimento cumulativo ascendente)
e a trajetória decrescente do preço dos ativos financeiros
(movimento cumulativo descendente). (HAWA, 2009, p. 5).

Assim, diante do contexto apresentado, vamos estudar na sequência as crises


econômicas que possuem características de “ciclo financeiro”, em que os ativos
do mercado financeiro são importantes instrumentos de negociação dos agentes
econômicos e podem, da forma como transacionados, gerar oscilações bruscas
na economia e levar ou a uma fase de prosperidade ou a uma fase de declínio
econômico.

138
Ciclos econômicos

2.3 Crises atuais


A teoria econômica nos permite imaginar um mundo abstrato e reduzido da
realidade, assim são os modelos econômicos. Por outro lado, o dia a dia da
economia é bem mais complexo que um modelo teórico. Sabemos que as crises
existem, como elas acontecem e quais são as teorias que abordam tal situação.

Mas qual a real consequência de uma crise financeira?

Na sequência vamos abordar as mais recentes crises financeiras para


compreendermos as consequências reais de uma crise.

2.3.1 A crise do subprime americano


Como exemplo de uma crise financeira que contemple as suas diversas fases,
exploraremos a crise que aconteceu no mercado de crédito imobiliário americano,
chamada de crise do subprime americano 6.

Essencialmente essa crise foi decorrente do excesso de crédito no setor imobiliário


com critérios de concessão muitas vezes questionáveis criando uma bolha especulativa
no setor.

Prever a periodização do início e do término de uma crise é complicado e, muitas


vezes, controverso. Segundo Demyanyk e Hemert (2011, p. 1848), por exemplo,
a crise dos títulos subprime ocorreu no período compreendido entre os anos
2006 e 2007, sendo que antes deste período se observava uma grande expansão
monetária da economia norte-americana.

Com efeito, depois da crise nas bolsas em 2001, o governo


americano decidiu adotar uma política monetária expansionista
no objetivo de restabelecer a economia e ajudar as empresas
(que tinham-se endividado consideravelmente durante a fase de
valorização da bolsa) a se desendividar. (HAWA, 2009, p. 5).

Podemos observar, por meio da figura na sequência, que no período


compreendido entre 2001 e 2004 as taxas de juros nos Estados Unidos
retrocederam significativamente, assim, percebemos que houve uma clara política
governamental de redução das taxas de juros.

6 De uma forma geral, podemos definir subprime como um crédito de alto risco, concedido pelo sistema financeiro
a um tomador sem garantias suficientes, diferentemente do tomador de crédito que possui tais garantias que é
enquadrado como prime que, devido às garantias, consegue taxas mais baixas para financiar seus bens.

139
Capítulo 5

Figura 5.1 – Taxa básica de juros dos Estados Unidos entre os anos de 1954 a 2011

Fonte: Adaptado de IPEADATA (2012).

O gráfico apresentado ilustra uma forte redução na taxa básica de juros. Essa
redução desencadeou um aumento na oferta de crédito, inclusive chegando ao
ponto de taxas reais negativas.

É importante ressaltar que neste período os empréstimos, principalmente os


hipotecários, utilizados para a compra de imóveis residenciais cresceram como
proporção da dívida familiar, ou seja, o crédito imobiliário em comparação às
outras compras financiadas era bem superior.

Havia forte expansão dos bens de consumo, motivada pelas baixas taxas de juros,
fazendo com que a demanda agregada se expandisse rapidamente e com ela os
preços dos ativos financeiros.

A expansão do consumo motivada pelas baixas taxas de juros faz com que as
empresas lucrem mais e dessa forma um segundo efeito riqueza, a valorização
das ações dessas empresas em bolsa, pode ocorrer na economia.

Esse efeito riqueza é demonstrado com os dados do gráfico representado pela


figura a seguir em que podemos verificar que o principal índice da Bolsa de
Valores de Nova Iorque, o Dow Jones Industrial Average 7 (DJI), apresentou
variação extremamente positiva no período entre os anos de 2001 e 2008.

7 É um índice criado em 1896 por Charles Dow, nessa época editor do The Wall Street Journal, e representa uma
média do que ocorre com o mercado de ações americano.
Utiliza a cotação das ações de 30 das maiores e mais importantes empresas dos Estados Unidos

140
Ciclos econômicos

Figura 5.2 – Dow Jones Industrial Average

Fonte: Adaptado de Yahoo Finance (2012).

No gráfico anterior, observamos que no intervalo entre os anos de 2001 e 2008


ocorreu uma acentuada valorização dos ativos, representamos isso pela seta que
indica esse crescimento, sendo que o DJI sobe aproximadamente 7.000 pontos.

Segundo Hawa (2009, p. 10), essa extrema valorização das bolsas de valores e
também dos preços dos imóveis podem ser atribuídos a um período de grande
liquidez na economia mundial, motivada pelo aumento das reservas cambiais dos
países asiáticos e árabes, que investiram seus recursos em títulos do governo
americano, os quais foram facilmente direcionados ao mercado imobiliário.

Depois de uma fase de acentuada valorização dos ativos o momento de reversão


se aproxima, o qual é conhecido como fase de declínio no preço dos ativos. Este
é um momento crítico que pode ocasionar pânico nos mercados.

2.4 Fase de declínio dos preços dos imóveis


No epicentro da crise do subprime as análises da contabilidade dos bancos
indicavam uma alavancagem de mais de 20 vezes, ou seja, os bancos estavam
emprestando muito mais dinheiro que possuíam em caixa. Neste cenário
econômico o esquema ponzi de Minsky (1980), que mostra um desequilíbrio entre
os preços industriais e financeiros, estava estabelecido.

141
Capítulo 5

Além das questões do incentivo ao crédito, via redução da taxa de juros,


outros fatores, como, por exemplo, as diferentes formas de empréstimo,
clientes tomadores de crédito com características diferentes e a situação
macroeconômica favorável, foram determinantes para que houvesse o
estabelecimento da crise.

Demyanyk e Hemert (2011, p.1849) citam que em termos macroeconômicos um


dos fatores que contribuíram significativamente para o “estouro de uma bolha” no
setor imobiliário foi a supervalorização dos preços dos imóveis residenciais nos
Estados Unidos.

Como os preços dos imóveis subiam ano após ano e a taxa de juros estava em queda,
os empréstimos para financiamento ficavam extremamente atrativos, porém, depois
de um período de euforia, os preços do mercado imobiliário começam a cair e a crise
estava estabelecida.

Diante deste contexto, referente à crise das hipotecas imobiliárias americanas,


é possível verificarmos de forma clara as fases de uma crise macroeconômica
especulativa conforme descreveu Aschinger (1997).

O setor imobiliário, no período entre nos anos de 2001 e 2006, era o destaque dos
negócios no mercado financeiro americano, no qual os bancos, motivados pelo
governo, emprestavam dinheiro aos indivíduos que, em muitos casos, não teriam
como honrar suas dívidas.

Assim, o endividamento da população americana cresceu e houve queda do


crédito, o consumo retrocedeu e em um movimento na forma de um espiral
recessivo fez ruir em 2008 todo o sistema financeiro americano com reflexos de
menor proporção em outros países.

Em um movimento contracíclico, o Banco Central americano, Board of Governors


of the Federal Reserve System, também conhecido como The FED, tentou
reverter, com o aumento das taxas de juros de curto prazo de aproximadamente
1% em 2004 para pouco mais de 5% em 2006 conforme ilustramos na figura
da taxa básica de juros dos Estados Unidos entre os anos de 1954 a 2011, a
extremada valorização dos ativos.

Com esse aumento dos juros o endividamento dos americanos aumenta


drasticamente, fazendo com que a análise de crédito se tornasse mais criteriosa e
o dinheiro mais escasso.

142
Ciclos econômicos

Sendo assim, naquele momento a estrutura de crédito americana ficou


fragilizada, em virtude de os bancos realizarem, na fase de ascensão da
economia americana, a venda antecipada de suas carteiras de crédito, visto
que emprestavam recursos aos futuros proprietários dos imóveis e praticamente
faziam caixa no momento seguinte vendendo os direitos de crédito imobiliário
a outro banco, principalmente os de investimento, que, por sua vez, também
revendiam aos investidores institucionais.

A garantia de todas essas operações era justamente os imóveis financiados e que


estavam se depreciando, pois os créditos foram concedidos de forma displicente pelos
bancos, os quais de qualquer forma os revenderiam a outros agentes do mercado.

Esse modo de concessão de crédito é caracterizado como a mais ampla atuação


do risco moral, o qual surge quando uma das partes envolvidas na negociação
tem informações que a outra não tem e, dessa forma, existe a possibilidade de
distorção no real preço do ativo com prejuízo para uma das partes.

Dessa forma, quando boa parte do mercado financeiro mundial percebeu que
os títulos imobiliários eram do segmento subprime americano, iniciou-se um
processo de venda maciça dos mesmos, o que leva à sua desvalorização, pois
“assim, os produtos podres podiam ‘contaminar’ o conjunto de produtos e gerar
uma queda generalizada” (HAWA, 2009, p.11).

Aplicando o segmento subprime ao contexto da crise americana, e


especificamente ao sistema de crédito hipotecário (mortgage) do setor imobiliário,
podemos verificar que o sistema bancário atendia a tomadores de empréstimos
que representam maior risco nesse setor, sendo que a garantia era o próprio
imóvel financiado.

Os efeitos da crise de hipotecas dos americanos refletiram na economia brasileira,


principalmente via desaceleração do crescimento econômico ou perda de dinamismo.

De acordo com Hawa (2009, p. 14), são dois os principais canais de transmissão
do desquecimento econômico brasileiro: primeiro a fraca demanda mundial, que
ataca as exportações brasileiras; e, em segundo, as altas taxas de juros que em
momento de crise podem desestruturar a relação investimentos produtivos e
acumulação de capital.

143
Capítulo 5

Diante deste cenário de crescimento econômico desfavorável, o governo


brasileiro, entre os anos 2011-2012, atuou com uma nítida política monetária
expansionista aliada à uma política fiscal igualmente voltada ao estímulo do
crescimento. As taxas de juros, representadas pela meta Selic, nunca estiveram
tão baixas, conforme podemos observar no gráfico ilustrado na próxima figura.

Figura 5.3 – Movimento das taxas de juros no Brasil entre os anos de 1995 e 2012

Fonte: Adaptado de Ipeadata (2012).

A partir da interpretação dos dados do gráfico anterior podemos constatar que o


Brasil, entre os anos de 2010 e 2012, apresenta seu melhor momento em termos
de taxas de juros dos últimos 17 anos.

Essa redução da taxa de juros evidencia que a economia brasileira sente os


efeitos da crise dos Estados Unidos e entra em um processo de desaquecimento
causado, principalmente, pela queda exportações brasileiras, um dos fatores
primordiais que compõem o PIB de qualquer país.

Dessa forma, o governo brasileiro, para evitar um contágio maior, estimula a


sua economia via do consumo interno por meio da liberação do crédito no
sistema bancário. O governo, quando baixa as taxas de juros, proporciona um
ambiente adequado aos investimentos e ao consumo, esperando conseguir uma
recuperação acelerada da economia.

144
Ciclos econômicos

Cabe observar que uma crise financeira do setor privado como a subprime
americana pode ocasionar endividamento público caso o governo utilize de uma
política fiscal expansionista, ou seja, atue na emissão de dívida pública para
ajudar o setor privado a se recuperar. Os Estados Unidos foram exemplo de
atuação para salvar entidades privadas, no entanto, um forte endividamento do
Estado foi observado.

2.5 O endividamento dos governos


A crise do setor imobiliário americano causou um efeito dominó que atingiu toda a
economia americana, sendo que o setor bancário, grande detentor dos títulos de
crédito imobiliário, começou a apresentar graves problemas financeiros.

O auge da crise do sistema bancário americano ocorreu em 15 de setembro de 2008,


quando um grande banco de investimento, o Lehman Brothers, pediu concordata,
essa que foi considerada a maior falência dos Estados Unidos.

Frente a essa crise o governo americano resolveu agir com mais intensidade
depois da quebra do Lehman Brothers com a intenção de evitar que outros
bancos quebrassem e houvesse um dano maior à economia americana.

Assim, governo injetou dinheiro no sistema bancário, não só nos Estados Unidos
como no mundo inteiro, uma vez que o efeito dominó já estava em vigor.

Figura 5.4 – Dívida/PIB – Estados Unidos

Fonte: Adaptado de Fundo Monetário Internacional (2012).

145
Capítulo 5

A partir da figura apresentada podemos verificar que a crise deflagrada em 2008


acarretou em um crescimento da dívida pública dos Estados Unidos, que elevou
em aproximadamente 20% a sua relação dívida por PIB.

É importante destacar que neste momento de crise o estilo keynesiano imperou,


visto que os governos de diversos países injetaram maciçamento recursos nas
suas economias para tentar reaquecê-las, pois se acreditava que ao injetar uma
grande quantidade de recursos na economia o ritmo de crescimento voltaria ao
seu nível normal.

No entanto, não foi isso que aconteceu, pois a economia americana, por
exemplo, não cresceu na velocidade que se esperava e, com isso, o “remédio” do
salvamento dos bancos americanos surtiu apenas um efeito localizado no sistema
financeiro, mas não resolveu o problema da crise econômica em si.

2.5.1 Diferença entre a crise da dívida nos Estados Unidos e na Europa


A crise econômica dos EUA e de alguns países europeus tem uma diferença
essencial a qual está relacionada à moeda na qual os países têm sua dívida.
Isso ocorre porque quando um país consegue se endividar na sua própria
moeda tem o benefício da senhoriagem, que permite emitir mais moeda e se
autofinanciar.

Sendo assim, diante dessas crises, verificamos cenários econômicos distintos


entre os países envolvidos, pois nos EUA o financiamento de suas dívidas ficou
menos complicado que no caso dos países europeus, uma vez que os mesmos
integram o sistema do Euro, o qual funciona como uma espécie de condomínio
monetário forçado.

No caso dos EUA, por sua dívida ser 100% em dólar, o financiamento da
mesma pode ser realizado por meio da emissão de moeda, diferentemente do
caso dos países europeus, pois da forma como está estruturado o Euro, os
países membros não poderiam emitir a sua própria moeda e necessitariam da
autorização do Banco Central Europeu (BCE). Além disso, esses países possuem
culturas e administração fiscal diferentes entre si.

Países como a Alemanha e a Grécia são exemplos claros dessa administração


fiscal diferenciada, conforme podemos observar na próxima figura que mostra a
relação percentual da dívida em relação ao PIB da Grécia e da Alemanha.

146
Ciclos econômicos

Figura 5.5 – Percentual da dívida pública em relação ao produto interno bruto da Grécia e da Alemanha

Fonte: Adaptado de Fundo Monetário Internacional (2012).

No gráfico apresentado é nítida a diferença da administração fiscal desses países,


pois enquanto a Alemanha possui uma austeridade fiscal bem estabelecida, tendo
desde o ano 2004 uma relação dívida/PIB inferior a 40%, a Grécia atingiu o auge
de pouco mais 160%.

Cabe destacar que os países, ao emitirem mais moeda para se autofinanciar


automaticamente, estão inflacionando suas economias com a senhoriagem,
sendo que esse autofinanciamento pode diminuir a exposição à dívida, ou a
relação de sua dívida com a sua produção (PIB), no entanto, os efeitos da inflação
podem ser duradouros.

Outras formas de combate à crise podem ser utilizadas, como, por exemplo,
as utilizadas no combate à crise europeia que, apesar da necessidade de uma
análise mais detalhada, tem basicamente duas linhas de pensamento que se
opõem nesse momento: a reestruturação da dívida com aperto fiscal e uma
linha de desenvolvimento e maior crédito para as instituições.

147
Capítulo 5

A linha de reestruturação da dívida com aperto fiscal pode ocasionar queda do


produto interno bruto, gerar desemprego e agravar a situação, já uma linha de ação
desenvolvimentista poderá resolver a situação no curto prazo, porém se as mesmas não
surtirem efeito a situação estrutural da economia apenas gerará mais inflação no futuro.

O desfecho da crise nos Estados Unidos e dos países europeus pode dar suporte
às teorias heterodoxas que imaginam uma nova organização econômica. Na
verdade, essa nova organização econômica, ou nova economia, já está em vigor,
conforme estudaremos na sequência.

Seção 3
O que ainda está por vir?
Crises, mudanças atípicas nos preços dos bens, questionamentos sobre o
comportamento humano, novas tecnologias, novos consumidores que reacendem
a tese heterodoxa que algo novo está por vir.

Seria essa a nova economia? Uma nova organização social? A nova economia é
um campo vasto a ser explorado, e neste sentido vamos explorar um pouco do
que pode vir a ser a nova realidade da economia mundial.

3.1 A nova economia


A nova economia é um termo utilizado para descrever a transição de uma
economia baseada simplesmente na produção para uma economia baseada no
conhecimento.

É importante observar que o sistema econômico está sempre em movimento, e


talvez esse detalhe tenha passado despercebido pelos economistas clássicos
e neoclássicos quanto ao tratamento do mundo econômico, os quais tinham o
entendimento de que a economia se enquadrava a uma ciência natural, como,
por exemplo, a física. No entanto, os agentes econômicos, diferentemente do que
imaginavam os referidos economistas, possuem uma característica particular, que
é o livre arbítrio de suas decisões.

148
Ciclos econômicos

As decisões comportamentais como agressividade, amor, ódio, esperança,


dedicação, dentre tantas outras características formam um indivíduo complexo
chamado ser humano, dando à economia ares comportamentais, faz surgir daí a
necessidade de se estudar e pesquisar esse comportamento. O recente campo
da economia comportamental 8 se encarregará de nos trazer novas descobertas
nessa área de estudo.

Enquanto as novas descobertas da economia comportamental ainda não são


acessíveis, o que podemos fazer é observar e analisar o que está acontecendo
à nossa volta, para imaginar, ou inferir, sobre aquilo que ainda está por vir. É
dessa maneira que devemos observar o mundo hoje, com uma conectividade
extremada, mais social, com características que até mesmo os melhores
economistas e cientistas do século passado não poderiam imaginar.

Hoje temos blogs, youtube, facebook, twitter, Orkut, 3G, wireless, Iphone, Ipad,
Android, google, Wikipédia, dentre tantos outros. Estamos sem dúvida em uma
nova economia, uma sociedade conectada, on-line, real time.

3.1.1 A sociedade conectada


Para tratar da sociedade conectada, em primeiro lugar definiremos o que é
considerada uma sociedade em si. Para tanto, utilizaremos a definição da
sociologia, ou seja, uma sociedade (do latim: societas significa “associação
amistosa com outros”) é a união de pessoas com propósitos compartilhados,
gostos comuns, costumes, rituais. Essas pessoas interagem entre si formando
grupos que chamamos de sociedades.

Ao longo do desenvolvimento da humanidade até os dias de hoje várias formas


de sociedade apareceram, evoluíram e desapareceram. Com base nelas, e
criadas a partir delas, a economia se modificou e aprimorou a sua tecnologia.
Para cada sociedade foi atribuída uma determinada fase tecnológica, sendo que
com o passar do tempo tivemos uma transformação social na qual a tecnologia
de cada época se faz presente.

A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as


necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam
as tecnologias. Além disso, as tecnologias de comunicação e
informação são sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria
tecnologia. (CASTELLS, 2005, p. 17).

8 É o campo de estudo das ciências econômicas que se utiliza dos fatores sociais, emocionais e cognitivos para
explicar a tomada de decisões efetuadas pelos agentes econômicos (famílias, empresas, governo), tais como
consumidores, tomadores de crédito e investidores. Em suas análises estuda os efeitos nos preços de mercado,
lucros e na alocação de recursos escassos.

149
Capítulo 5

Neste sentido, podemos imaginar que a necessidade da sociedade, determinada


pelo momento em que vive e utiliza, faz aprimorar as suas tecnologias. Foi isso
que ocorreu ao longo de toda nossa história. Vivemos a primeira Revolução
Industrial quando a energia a vapor passa a ser utilizada na extração de minério,
nas locomotivas, na indústria têxtil.

Na Revolução Industrial a produção dispara e o consumo aumenta


devido a essa nova tecnologia, entretanto, o vapor foi superado
pela energia elétrica, as noites ganham uma iluminação constante;
a sociedade experimentou uma nova forma de interação, e esta foi
fruto da segunda grande Revolução Industrial.

Hoje estamos, sem dúvida, em uma terceira Revolução Industrial, que pertence
a uma cadeia longa de mudanças desde a linha de montagem padronizada da
indústria automobilística até sofisticados sistemas de telefonia e internet e que
mudou a classificação de eras, tudo está misturado, mudando rapidamente em
questão de segundos.

A sociedade em que vivemos tem sido caracterizada como a sociedade da


informação ou a sociedade do conhecimento, conforme definimos a sociedade
conectada. Entretanto, observamos que informação e conhecimento já faziam
parte de outras sociedades, como critica Castells (2005, p. 17).

Sobre isso este autor entende que “[...] o que é novo é o facto de serem de base
microelectrónica, através de redes tecnológicas que fornecem novas capacidades
a uma velha forma de organização social: as redes” (CASTELLS, 2005, p. 17).

A história nos apresentou vários exemplos de redes, muitas delas formadas


por um domínio privado, a rede da produção estava ligada ao poder e à guerra,
quem comandava eram organizações gigantescas e com hierarquia totalmente
verticalizada. São exemplos dessas organizações os Estados, as igrejas, os
exércitos e as grandes corporações que dominavam um segmento ou uma
matéria-prima básica com a característica de uma força de comando central.

No mundo contemporâneo temos uma rede digital definida como rede social
digital, em que a comunicação digital em tempo real faz o papel que outras redes
fizeram no passado, como, por exemplo, toda uma cadeia produtiva gerada a
partir do vapor, os benefícios para a sociedade da eletricidade (redes energéticas),
do petróleo, entre outras.

Uma rede social digital pode ser definida como um conjunto de agentes econômicos
(famílias, empresa ou governo) que faz uso da mais alta tecnologia para integrar
aqueles que partilham dos mesmos interesses: negociar, aproximar, alertar, dentre
outros usos.

150
Ciclos econômicos

A rede social digital tornou-se uma forma eficiente de organizar a produção,


distribuição e a gestão dentro de uma empresa ou segmento, e mesmo ainda
discriminada em muitas corporações, aumenta a produtividade quando bem
aplicada.

Há indícios que a nova organização econômica, a economia conectada,


representada pelas redes sociais digitais, aumente a produtividade. Castells
(2005), com exemplos da economia americana, associa as redes sociais digitais
à base do aumento substancial da taxa de crescimento da produtividade nos
EUA, e também em outras economias que adotaram essas novas formas de
organização.

Em seus estudos esse autor declara que a taxa de crescimento da produtividade


dos EUA mais que dobrou entre dois períodos temporais distintos, a saber: 1975-
1995 e 1996-2005. Fato ainda observado em outros países.

Podemos citar alguns motivos do aumento na produtividade dos usuários das


redes sociais. Conforme Granovetter (2005, p. 41), muitas tarefas não podem ser
completadas sem uma séria cooperação vinda de outros colaboradores; existem
ainda tarefas difíceis de serem executadas apenas seguindo as regras estipuladas
pela companhia e necessitam de interação; sendo assim fornecer assistência
aos outros pode ser considerada uma forma de ganhar status e promover a
competição aumentando a produtividade.

Granovetter discutia as condições de qualquer rede social, por exemplo,


os empregados de uma indústria automobilística. Castells (2005) afirma
que aplicando o conceito para as redes sociais digitais observamos que o
crescimento da produtividade está apoiado em três processos: difusão de novas
tecnologias, transformação do trabalho e difusão de uma nova organização
baseada nas redes.

A difusão de novas tecnologias tem como pontos fundamentais a pesquisa


científica, o surgimento de novas tecnologias, o seu uso pela sociedade e a sua
divulgação. No caso da transformação do trabalho, temos uma mão de obra
em média mais qualificada, com autonomia para inovar dentro de suas atividades
e alta capacidade de adaptação às mudanças constantes de forma específica,
em sua atividade ou globalmente. A nova organização se difunde rapidamente
entre seus participantes e a cada momento novos integrantes são inseridos à
organização.

As empresas ainda apresentam um papel central na economia, sendo


responsáveis pela grande parcela de capital gerado na mesma. Conforme o
pensamento de Castells (2005), a empresa continua a ser uma unidade legal e
uma unidade para acumulação de capital, mas a unidade operacional é a rede de
social digital voltada para negócios.

151
Capítulo 5

O capital circula pelo mercado financeiro global sendo a empresa simplesmente o elo
entre círculos de produção construídos a partir de projetos de negócios e de redes de
acumulação organizadas em torno das finanças globais.

A rede social digital é formada por outras redes já preestabelecidas no mundo


físico, sendo a rede de produção um conjunto de empresas que associam
clientes e fornecedores em torno de um bem ou serviço. A rede de acumulação
de capital representa o mercado financeiro global e associam investidores,
instituições financeiras, tomadores de recursos, dentre outros.

O mercado de trabalho de hoje mudou radicalmente e não há mais sentido em


tratar a estabilidade como ponto forte. O mundo é instável e o trabalhador deve
acompanhar essa estabilidade se protegendo como nas grandes instituições, e
dessa forma temos que pensar em um mecanismo de derivativos para o mercado
de trabalho. Talvez a livre mobilidade e a qualificação continuada façam esse papel.

Com a rede social digital temos mais sociabilidade, e o que observamos hoje não
é o desaparecimento da integração face a face, ou o acréscimo do isolamento das
pessoas em frente aos seus computadores. Há fortes indícios que, na maior parte
das vezes, os utilizadores da internet são mais sociáveis, possuem mais amigos e
contatos e são social e politicamente mais ativos que os não utilizadores.

A rede social digital inaugurou assim uma nova ordem econômica, pautada na
comunicação. Este novo sistema apresenta três grandes tendências, conforme
destacamos a seguir:

• Há uma parceria global nas telecomunicações onde a integração contratual foi ou


não estabelecida. Os grandes conglomerados de mídia global ainda dominam,
mas há muita participação localizada e individual na difusão do conhecimento. O
papel fundamental é realizado pela televisão, rádio, imprensa escrita, produção
audiovisual, publicação editorial, indústria discográfica e sua distribuição, e as
empresas comerciais on-line;

• Esses mesmos veículos que assumem o papel central na nova economia a cada
dia se tornam mais digitais e muito mais interativos;

• A verticalização, ou seja, uma instituição ou pessoa no comando e seus


subordinados, está em desuso. O que observamos são redes horizontais de
comunicação, independentes dos grandes conglomerados da mídia, muitas
vezes compostos de indivíduos interessados apenas na divulgação de fatos, o
que leva à massificação do conhecimento e à divulgação instantânea na rede.
Como exemplos destacamos os blogues, vlogues (vídeo-blogues), podding,
streaming, facebook, twitter, e outros.

152
Ciclos econômicos

Neste sentido, podemos verificar que estamos em uma sociedade em rede digital
em tempo real, na qual está a nova economia que abre espaço no que antes era uma
sociedade analógica produtiva ou industrial. Dessa forma, não devemos lutar contra
essa nova organização e sim compreendê-la e tirar proveito de seus benefícios.

Governos e instituições privadas devem facilitar o uso de banda larga, redes


sem fio e toda a tecnologia possível para ajudar no aumento da produtividade.
Entretanto, não podemos associar apenas a rede social digital ao aumento da
produtividade e inovação, pois a rede social digital é apenas um facilitador da
comunicação social.

A facilidade de comunicação social é mais ampla que a própria rede social, e


também faz parte da educação e dos bons costumes de uma sociedade. Cabe
observar que a rede social possibilita intensificar a velocidade de comunicação
entre os membros de uma sociedade, aumentando a interação entre os mesmos.
Porém, o resultado dessa maior interação ainda dependerá do tipo de usuários
que a sociedade criará.

Uma rede social de criminosos, como resultado fará apologias ao crime, uma rede
social de vegetarianos será contrária ao consumo de carne e assim podemos imaginar
que antes da rede social existe a sociedade propriamente dita.

Neste contexto, o entendimento dessa nova economia dependerá da


compreensão de como chegamos nela. É importante conhecermos a transição da
velha economia para uma nova economia, sendo que essa transição é dinâmica e
ainda não terminou, no entanto os traços da mudança já podem ser observados.

3.2 A transição para a nova economia


A teoria econômica evolui ao longo da nossa história, sendo a própria sociedade
que desenvolve e aprimora a teoria econômica. A inter-relação entre a história e a
economia pode nos mostrar sinais daquilo que teremos à frente, baseando-se na
evolução da economia. Por este motivo, vamos investigar essa evolução recente
da economia mundial.

3.2.1 A economia fordista


Podemos conceituar o fordismo como uma organização da produção industrial
herdada de Henry Ford e as suas famosas linhas de produção em série. Essa
organização produtiva, de acordo com Schapiro (2009, p.106), pode ser analisada
por meio de cinco pontos-chave: técnica produtiva, um tipo de relação
do trabalho, modelo de eficiência, produto fabril, espectro de consumo,
conforme apresentamos na sequência.

153
Capítulo 5

3.2.1.1 Técnica produtiva


Entre meados da Primeira Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos,
e após a Segunda Grande Guerra difundida para os demais países, a economia
fordista, era amplamente utilizada para ganhos de escala em diversos países.

Segundo Schapiro (2009, p. 107), “A técnica produtiva fordista consistia na


racionalização máxima da produção, mediante uma segmentação do processo
produtivo, maximizando a divisão do trabalho”.

Dessa forma, no processo produtivo, uma vez segmentado com trabalhadores


especializados em apenas um processo, a produção de bens se tornava mais
rápida e eficiente, pois os trabalhadores e os maquinários eram totalmente
dedicados a um processo específico. Assim, essa segmentação do sistema
produtivo garantiu o sucesso da técnica de produção fordista.

3.2.1.2 Tipo de relação do trabalho na economia fordista


A relação de trabalho era uma rotina ligada ao tipo de execução de tarefas dentro
da fábrica entre o trabalhador e a sua máquina em que não havia necessidade
de estudos complementares em outras áreas, e, muitas vezes, o operário não
conhecia o processo que estava sendo executado ao lado, ou seja, não havia o
conhecimento de todo o processo.

Para Schapiro (2009, p. 107), “Não era necessária a multiplicidade de habilidades.


Tanto a máquina quanto o trabalhador fordista dedicavam-se a cumprir tarefas,
rigidamente atribuídas”.

3.2.1.3 Modelo de eficiência


Cabe destacar que a economia fordista estava amplamente associada às
economias de escala 9, uma vez que todos os componentes da produção
fossem eficientes e ordenados.

3.2.1.4 Produto fabril


Quanto ao produto ou bem associado à forma de produção fordista este era
padronizado, na qual a eficiência produtiva estava ligada a bens produzidos em
série. Uma frase célebre associada a Henry Ford e seu automóvel, série “T”, dizia
que “O carro é disponível em qualquer cor, contanto que seja preto”.

9 Aparece quando uma empresa ou organização, entre os seus diversos objetivos, tentam diminuir o seu custo
médio. Para tanto, organizam todo o processo produtivo, como, por exemplo, matérias-primas, mão de obra, entre
outros, para alcançar a máxima produtividade com redução de custos e aumentar da produção de bens e serviços.
Sendo assim, se uma empresa conseguir incrementar a sua produção sem um aumento proporcional nos custos a
mesma estará em uma economia de escala.

154
Ciclos econômicos

3.2.1.5 Espectro de consumo


O espectro de consumo, na economia fordista, está evidentemente relacionado ao
consumo de massa, sendo assim possuía uma economia voltada para a produção
ampla, na qual encontraríamos uma demanda elevada, conforme previa a Lei de
Say, e o consumo da mesma forma elevado para sustentar a oferta crescente.
Assim, uma produção em massa aumentaria os ganhos de produtividade em
virtude da escala industrial e levaria ao aumento médio da renda. O ciclo era
fechado quando os trabalhadores com mais renda associada ao aumento da
produção elevarim o consumo na economia.
Cabe destacar que houve uma rota de colisão ao longo do século XIX: a
produção em massa e a produção flexível 10 (craft production). Entre fordismo
e a produção flexível o primeiro levou a melhor.
Ao comparar o craft production com o fordismo, observamos que o primeiro
se adapta às oscilações dos padrões de consumo, já segundo não se adapta
a essas oscilações, por exemplo, aos problemas de falta de demanda. Desse
modo, a crise do sistema produtivo em massa foi decorrendo do excesso não
absorvido pela crise de demanda ocorrida principalmente na década de 1930.

3.2.2 O papel do estado no sistema fordista


Com a crise de demanda identificada na década de 1930 uma nova forma de
controlar a economia era necessária, na qual o Estado necessitaria coordenar a
estabilidade da econômica.

Neste sentido, temos a aplicação do modelo keynesiano dando as condições


necessárias à economia fordista para sustentar uma oferta constante, apenas
atuando fortemente na demanda efetiva dos agentes econômicos, ou seja,
o modelo econômico fordista estava sustentado pela política de incentivo
keynesiana, e por isso se manteria de pé.

Dessa forma, como o modelo fordista modifica a forma de produção nas


corporações, a intervenção pública inaugurada com o New Deal 11 1933, pelo
então Presidente norte-americano Roosevelt, combateu os imperativos de uma
economia de mercado concorrencial, sendo um alívio para os desempregados e
pobres, visto que possibilitou a recuperação da economia aos níveis normais e
promoveu a reforma do sistema financeiro para evitar uma retomada da depressão.

10 Entende-se como uma produção exclusiva de um determinado produto, com muita interferência manual e visão
de todo o processo produtivo. Desse modo, podemos associar esse termo à produção artesanal.

11 Foi caracterizado por uma série de programas econômicos implementados nos Estados Unidos entre 1933 e
1936. Eles envolviam ordens executivas presidenciais ou leis aprovadas pelo Congresso durante o primeiro mandato
do Presidente Franklin D. Roosevelt. Os programas foram em resposta à Grande Depressão (1929) e focados no que
os historiadores denominam “3 Rs” (Relief, Recovery, and Reform): socorro, recuperação e reforma.

155
Capítulo 5

Essa intervenção do Estado foi necessária uma vez que a iniciativa privada e
seus agentes não eram capazes de equilibrar o mercado. Sendo assim, coube às
instituições públicas o dever de equilibrá-las. O modo de socorro idealizado no
modelo keynesiano e implementado no New Deal deu resultado, no entanto, os
gastos públicos com este tipo de política foram altíssimos.

3.2.3 A crise do fordismo e o paradigma da economia baseada no conhecimento


Não podemos afirmar que os países que utilizaram o esquema fordista e
a administração keynesiana, entre 1950 e 1970, não tiveram crescimento
econômico. Schapiro (2009) observa, por exemplo, que tanto Brasil quanto a
Coreia do Sul cresceram a taxas médias anuais de 6,5% entre 1950-1979.

No entanto, na década de 1980 desencadeou um sentimento de crise no Brasil e


no mundo, e, especificamente no caso brasileiro os bons resultados obtidos pela
fase desenvolvimentista iniciado com os planos governamentais – Plano de Metas
e II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) estavam comprometidos.

Dessa forma, naquela década instalaram-se crises no regime industrial fordista,


as quais aparentemente estavam banidas do sistema capitalista, porém voltaram
a assolar as economias desenvolvidas por meio da estagnação econômica e
a inflação. Neste período surge a estaginflação caracterizada pela retração da
demanda e capacidade excedente de produção.

Diante deste contexto, o modelo fordista passa novamente por problemas


que colocam em “xeque mate” a continuidade da sua existência, como, por
exemplo, os protestos de trabalhadores que surgiram a partir da década de 1960,
e que ainda foram muito atuantes no Brasil em 1980, os quais reivindicavam
equivalência salarial e equiparações, principalmente aqueles excluídos dos
acordos e proteções sindicais, que levaram a uma instabilidade no sistema.

Se investigarmos o cenário econômico existente antes desse período histórico,


constataremos que a mobilidade da classe trabalhadora associada a uma crise
financeira instalou-se a partir do fim da Segunda Grande Guerra mundial e estava
relacionada à flexibilidade cambial.

No entanto, a partir de 1970 foi derrubada a previsão de custos cambiais, um dos


pilares da economia fordista. Assim, sem saber antecipadamente seus custos, o
planejamento da eficiência produtiva na linha de montagem abre espaço para as
oscilações da produção.

A produção em massa ainda foi afetada pelas crises de sua matéria-prima básica,
o petróleo, as quais entre os anos de 1973 e 1979 fizeram aumentar os custos
dos insumos e geraram inflações consistentes no sistema capitalista.

156
Ciclos econômicos

Neste período ocorreu uma imprevisibilidade ainda maior quanto aos rumos da
economia, e a reação dos empresários fordistas na média retraiu seus planos de
investimento e perderam escala de produção decorrente da rigidez de contratos,
preços altos de insumos e uma demanda fraca.

Outro aspecto que podemos citar, que também afetou a produção em série, foi o
aumento dos juros americanos na década de 1980, que, no intuito de combater à
inflação, levou a economia produtiva e países subdesenvolvidos à falência.

O Brasil da década de 1980 foi afetado diretamente pela alta de juros americanos pela
crise de seus títulos públicos que levaram a um calote internacional.

O fato é que o mundo viveu uma crise de superprodução, sendo que os episódios
citados levaram à desordem das economias ancoradas em um processo
produtivo rígido e dependente de alto consumo.

De modo geral, o aumento dos custos, oscilações da demanda, acirramento da


competição e a saturação dos mercados consumidores levaram problemas de
identidade das economias fordistas.

Diante das incertezas, flutuações e restrições de mercados as corporações e


estados procuravam novas formas de atuação. Ao invés de rigidez; mecanismos
flexíveis de produção e regulação; em paralelo aos limites do mercado padronizado,
a inovação, a criatividade na criação de novos mercados e produtos.

3.2.4 Resposta a crise do fordismo: acumulação flexível e economia das inovações


Temos observado desde a década de 1980 uma reorganização do sistema
produtivo mundial, o qual se distancia do modelo fordista, pois apresenta
uma demanda que oscila constantemente, em virtude do rápido processo de
transmissão das informações e da busca de entendermos o processo como um
todo e não apenas as partes.

De acordo com Schapiro (2009), a nova organização industrial, pós-fordista


deve ser formada pelos seguintes princípios: regime produtivo flexível e capaz
de se adaptar às flutuações e incertezas da demanda; pela busca de inovações
permanente, que permite a criação de novos produtos, e pelas novas marcas e
com isso novos mercados.

Essa nova economia é baseada no conhecimento. No entanto, da mesma forma que a


economia de massa anterior possui uma forma de atuação estruturada por uma técnica
produtiva, um produto fabril, um espectro de consumo, um modelo de eficiência e uma
relação de trabalho.

157
Capítulo 5

Na técnica produtiva da economia do conhecimento verificamos a flexibilidade


da produção, na qual existe a capacidade de adaptação a mercados oscilantes
e às flutuações nos gostos e preferências dos consumidores. Ao contrário da
economia fordista, que era verticalizada, a economia do conhecimento agora
dá lugar a um arranjo corporativo, baseado em laços contratuais horizontais,
firmados entre fornecedores e produtores.

Enquanto a demanda do modelo fordista ocorre a saturação dos mercados, nessa


nova economia, a cada momento, temos novos produtos sendo criados a partir
dos seus antecessores.

Os vários tipos de pães integrais que temos em um supermercado para a economia


fordista seriam todos iguais e com a mesma embalagem, porém isso não tem
mais espaço na nova economia, em que o problema de saturação da demanda é
solucionado por uma diferenciação do produto fabril.

Neste contexto, a tradição schumpeteriana se impõe em oposição ao estilo


neoclássico de atuação, pois a mesma considera que os produtos fabricados
serão aceitos pela demanda, uma vez que conquistem seus nichos de mercado
e que inovem. A inovação é uma estratégia de diferenciação de produtos,
cujo propósito é a consequente conquista de novas e diferentes faixas de
mercado.

É importante ressaltar que o modelo de eficiência desta economia do


conhecimento está atrelado à capacidade de inovar, na qual a corporação
eficiente traz novidades constantemente por meio de novos produtos e novos
mercados. Dessa forma, o que estava pautado em uma economia de escala vira
uma economia de escopo 12.

As mudanças da nova economia trazem alterações também ao mercado de


trabalho, no qual surgem alternativas ao trabalho rotineiro e padronizado, em
que a qualificação da mão de obra e o trabalho em grupo são valorizados. Surge
também neste mercado a terceirização, os contratos temporários, entre outros.

A base de uma economia pós-fordista é a crescente utilização do conhecimento como


fator de produção, ou a economia baseada no conhecimento.

12 É entendida como uma diversificação dos negócios de uma empresa com o objetivo de ganhos de produtividade
e/ou receita.

158
Ciclos econômicos

Nossa economia caminha a passos largos para a nova economia digital e


as redes sociais criadas nesse ambiente amplificam esse processo. As crises
capitalistas daqui para frente serão cada vez mais intensas nas suas amplitudes
porque sua divulgação será instantânea, os erros nas políticas econômicas de
governos e de administração das instituições serão percebidos antes mesmo de
sua divulgação oficial e as oscilações no PIB serão maiores.

Para evitar crises acentuadas, as autoridades governamentais, que também


devem estar conectadas, precisam empenhar-se para manter o controle das
redes e não limitar a sua propagação, visto que estamos diante de uma nova
realidade produtiva, governamental e social.

159
Considerações Finais

Esta unidade de aprendizagem de Ciclos Econômicos foi estruturada visando lhe


oportunizar um aprendizado autônomo e reflexivo quanto a temas relacionados
tanto na história do pensamento econômico quanto à realidade econômica
atual. Sendo assim, estudamos um amplo e detalhado conjunto de fatores que
influenciam ou que apenas nos indicam os caminhos para lidar com as crises
econômicas do sistema capitalista.

Neste sentido, você teve a oportunidade de compreender temas que variaram


desde a teoria clássica e neoclássica, as quais defendem a não intervenção do
governo na atividade econômica e o autoajuste comum ou natural da economia,
até o intervencionismo do Estado na economia contido na teoria keynesiana, em
uma oposição evidente ao que era considerada linha mestra até a década de
1930.

Analisou abordagens econômicas atuais desenvolvidas por economistas pós-


keynesianos, como, por exemplo, Hyman Philip Minsky, que acreditava em uma
nova fronteira de análise econômica na qual o mercado financeiro desempenha
um papel fundamental, uma vez que a instabilidade do atual sistema capitalista
viria das inovações financeiras, sendo estas causadoras das crises pela facilidade
de alavancagem.

Estudou as características das crises financeiras que ocorreram em diferentes


países e aprendeu que as mesmas são formadas por fases. Estudou também
as crises contemporâneas, identificando suas fases teóricas, como a crise do
mercado imobiliário americano e de alguns países europeus.

Você compreendeu que a teoria econômica evoluiu e apresenta pontos


controversos, como, por exemplo, na discussão sobre a ortodoxia e a
heterodoxia. Quem está certo? Não há uma resposta exata, pois são linhas de
pesquisa com pontos de vista diferentes.

Teve a possibilidade de estudar que uma nova economia está em formação e por
que não dizer em plena atividade hoje.

Compreendeu que essa nova economia está estruturada em rede e cada vez
mais dinâmica e veloz, e que os resultados de equilíbrio econômico dessa nova
sociedade dependem da interação de seus participantes.

161
Cabe destacar que você já faz parte dessa nova realidade econômica, somente
pelo simples fato de que estudar pelo sistema e-learning você está mais do que
inserido nesta nova realidade economia.

Para finalizar, espero ter cumprido com a mediação do contato entre os atuais e
futuros profissionais de economia. Não tenho a pretensão de esgotar o assunto,
e espero que os temas abordados tenham contribuído para a compreensão da
complexa realidade que envolve o estudo e a pesquisa nas ciências econômicas.
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165
Sobre o Professores Conteudistas

Graduado em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Álvares Penteado


(2002), mestre em Economia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2005). É professor do Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE),
ministrando aulas nas disciplinas de Economia, Mercado de Capitais e Análise
de Investimentos. Presta serviço de consultoria e treinamento de executivos
financeiros para grandes instituições (Itaú, ABN, Citibank, Unibanco e outros).
Foi profissional do mercado financeiro durante aproximadamente dez anos
participando de instituições como BankBoston, Fininvest e Credicard. Atuou
principalmente na área de investimentos e estratégias financeiras. Atua na área de
pesquisa que se delimita a tratar de assuntos relacionados à política monetária e
investimentos.

166
capa.pdf 1 26/07/2019 12:50

Ciclos econômicos
Universidade do Sul de Santa Catarina
Os conteúdos reunidos neste livro focam na
discussão das instabilidades nas economias
capitalistas, destacando a teoria do
desenvolvimento econômico de Schumpeter e a
análise dos ciclos econômicos. Acrescenta-se ao

Ciclos
debate das instabilidades as teorias Keynesianas
e as pós-keynesianas, os conceitos de

Ciclos econômicos
heterodoxia e ortodoxia na economia e as
controvérsias das diferentes correntes teóricas.

econômicos

w w w. u n i s u l . b r

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