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2021

Da nossa terra
CONSELHO EDITORIAL

P ROPONENTE, CONCEPÇÃO,
EDIÇÃO, DIREÇÃO E MONTAGEM
Luciano Diniz Camargo
Dedico esta obra à memória de meus
R EVISÃO E ARTE FINALIZAÇÃO
Lorraine Scotelaro pais (Dair e Maria de Lurdes), minha
R EVISÃO DO TEXTO irmã Lucimara, minha sogra Ângela, apoio
Hugo Augusto Rodrigues
diuturno incondicional, minha amada esposa
D IAGRAMAÇÃO, CAPA
E EDIÇÃO DE IMAGENS Vanessa, companheira de todas as horas e
SCALT Soluções Editoriais
nossos filhos Fernando, Mariana e Lorena,
A CERVO DA COMPOSIÇÃO TEXTUAL :
Jornal da Cidade de Salto de Pirapora /SP que assim como eu, são pessoas comuns,
simples, mas que amam e têm orgulho de ser

Projeto realizado com recursos


Da nossa terra
da ação emergencial - Lei nº
14.017/2020 - Lei Aldir Blanc

Esta obra foi composta de acordo com o novo acordo ortográfico


DA NOSSA TERRA

S umário
A presentação . . . . 9

C apítulo 1 . . . . . 11
A dhemar V ieira de M oraes

C apítulo 2 . . . . . 15
A nna V ieira S antos M arum

C apítulo 3 . . . . . 21
A ntonio R odrigues de A lmeida

C apítulo 4 . . . . . 25
A ristójanes de A lmeida

C apítulo 5 . . . . . 29
A ure a M arum de B arros

C apítulo 6 . . . . . 33
B ertilha R odrigues de O liveira

C apítulo 7 . . . . . 37
C izina G uilherme dos S antos

C apítulo 8 . . . . . 41
C l aude te A ires de C ampos

C apítulo 9 . . . . . 45
C ristina Q uitzal M ora

C apítulo 10 . . . . . 49
D arcy R ibeiro da C osta

C apítulo 11 . . . . . 53
F rancisco A ugusto C astelhano

C apítulo 12 . . . . . 57
F rancisco C arlos V ieira

7
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

C apítulo 13 . . . . . 61
F rancisco V ieira D aniel

C apítulo 14 .
G ualberto M achado de
.
A ndrade
. . . 65
A presentação
C apítulo 15 . . . . . 69
G uaraci R amos dos S antos

E
C apítulo 16 . . . . . 73 sta singela e humilde obra tem como objetivo
J osé A lencar O liveira S antos perpetuar as memórias e histórias de cida-
C apítulo 17 . . . . . 79 dãos saltopiraporenses (de nascimento
J osé A ntonio R amos
ou de coração), que aqui fixaram suas raízes,
C apítulo 18 . . . . . 83 colaborando com o crescimento da cidade.
J osé R oberto R osa
Não é nossa intenção dar destaque a alguém
C apítulo 19 . . . . . 87
L úcio N estor G alhoto em especial, pois cada indivíduo, mesmo que em
C apítulo 20 . . . . . 93 sua mais absoluta simplicidade, sempre tem algo
M aria J osé M artins F ogaça a oferecer ou colaborar com sua história de vida.
C apítulo 21 . . . . . 97 Da nossa terra traz os relatos, histórias e uma
N e yde L eme dos S antos
breve biografia de 27 personalidades de nossa ci-
C apítulo 22 . . . . . 101 dade, conhecidas por grande parte da população,
N orma C astell ani de B ritto
e que ainda hoje são referência para muita gente.
C apítulo 23 . . . . . 105
O lyntho R odrigues G arcia Infelizmente parte dos homenageados nos
C apítulo 24 . . . . . 109 deixou recentemente, mas desejamos de todo
O smir A lbuquerque de S ouza coração que este livro possa, de alguma forma,
C apítulo 25 . . . . . 113 eternizá-los na história de nossa cidade, perma-
P aulo R oberto B orges
necendo relevantes com seus bons exemplos e um
C apítulo 26 . . . . . 117 legado de dedicação e amor à Salto de Pirapora.
R ene S antos

C apítulo 27 . . . . . 121 Salto de Pirapora, outono de 2021


S ebastião R ibeiro J ustino

S obre o autor . . . . 125 Luciano Diniz Camargo

8 9
CAPÍTULO 1

Adhemar Vieira de Moraes

A
dhemar Vieira de Moraes exerceu o ofício
de açougueiro durante toda a sua vida pro-
fissional, mão de obra que atualmente não
é fácil de encontrar qualificada. Filho de Victor
Vieira de Moraes e Diva de Góes Vieira, Adhemar
é o sexto de nove irmãos. É casado com Berna-
dete e tem quatro filhos: Tábita, Tiago, Tadeu
e Victor. Adhemar iniciou a vida profissional
aos 17 anos, em 1973, quando a sua mãe lhe
mandou ao açougue do Quinzão, que era loca-
lizado na rua João Teixeira do Espírito Santo.

11
“Vai lá no açougue e o Quinzão vai lhe ensinar a durante os últimos anos. Sou extremamente
cortar carne”, disse. Mal sabia ela que esta profis- grato a todos, mas eles eu menciono de maneira
são ia acompanhar o filho por toda a vida. especial”, diz.
Questionado se desejava ter alguma profissão Atualmente afastado dos balcões frigoríficos
nos tempos de escola, Adhemar conta que não. por motivo de saúde, Adhemar sente falta do
“Trabalhava com o meu pai como carroceiro o dia contato com os clientes e se sente privilegiado
todo e estudei apenas até a conclusão do ensino por ter conquistado a amizade e respeito de
fundamental. Pelo empurrãozinho da minha mãe muitas pessoas, inclusive de outras cidades como
peguei gosto pela arte de cortar carnes e, since- São Paulo, Guarulhos, Osasco, Diadema e Santo
ramente, não almejei nada de diferente pra minha André, que são presença constante aos finais
vida. Sou grato a tudo que consegui, pois foram os de semana no Portal de Pirapora. “Sinto-me
anos de trabalho nos açougues que me proporcio- honrado por fazer parte do convívio das pessoas,
realizar a recomendação de uma boa carne, um
naram o sustento da minha família”, relata.
corte especial e ouvir um elogio para os produtos
Sobre outros locais em que exerceu a pro-
que preparo. Isso pra mim é extremamente gra-
fissão, além do Quinzão, onde ficou por sete
tificante, não tem dinheiro que pague”, finaliza
anos, Adhemar também trabalhou na fábrica
o dedicado açougueiro, que exerceu sua função
Alpargatas (um ano e meio), no Supermercado
com amor conquistando a admiração de muitos.
Ouro Branco (20 anos) e o Mercado MM, no bairro
Portal de Pirapora.
Sobre as amizades conquistadas no ambien-
te profissional ao longo dos anos, Adhemar se
lembra de Hamiltinho, Zé Rubens, Paulinho, Eli-
zeu, Eudes, Fernandão, entre muitos outros. No
entanto, quando questionado sobre os chefes
que teve durante a vida, ele destaca dois. “Gra-
ças a Deus sempre tive excelentes chefes, mas
dedico um agradecimento especial ao Valter e
ao Márcio, que me ajudaram em muitas coisas

13
CAPÍTULO 2

Anna Vieira Santos Marum

E
ra 1936 e na Fazenda Santa Maria, bairro
Morro Branco (próximo de onde hoje é a
transportadora Bandeira), vivia o casal Theo-
dora Borges Vieira e Vicente Leme dos Santos,
juntamente com os dois filhos mais velhos, Bene-
dito e Osvaldo. Nesse ano Theodora dá à luz Anna
Vieira Santos Marum, a mais velha entre as filhas.
O casal ainda teve os filhos Osmar, Ademar, Anita,
Virgulina, Jacira, Maria e José. Como era natural
na época, Anna passa a infância no sítio, de onde
vem o sustento da família.

15
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Desde muito cedo aprende todos os mane- instante se formou no curso, e sorri ao lembrar-
jos com os animais e, a pedido do pai, começa -se do tamanho do certificado de conclusão que,
a ordenhar vacas, ofício que não gostava, mas segundo sua lembrança, era enorme. Passado
desempenhava muito bem. Nas conversas que esse período, Benedito já tinha tudo arquiteta-
tinha com o pai sempre deixava claro a vontade do em mente com a mãe: matriculou a irmã no
de estudar e se tornar professora. No entanto, o curso ginasial, na Escola Ciências e Letras.
pai não via fundamento. Por ser mulher, entendia Anna já estava com 13 anos e lembra que
que deveria se dedicar aos afazeres domésticos, tinha vergonha de estar na sala de aula, pois
aprender a cozinhar e costurar. os colegas de turma eram menores do que ela.
Apoiada pela mãe, Anna foi mandada para No entanto, outra garota, da mesma idade,
casa da avó Ana Guilherme da Rocha (Nhá Cota), chamou a atenção e com as conversas diárias,
esposa de Ovídio Leme dos Santos, que residia uma grande amizade nasceu. O nome desta
em Sorocaba. Lá, seu irmão mais velho Benedi- garotinha era Joracina de Oliveira. Descobri-
to Leme Vieira Neto já morava há tempos para ram muitas coisas em comum, pois além de
concluir os estudos, formando-se professor. nascidas no mesmo ano, faziam aniversário
Em conversa com o irmão, que carinhosamente no mesmo mês, em datas próximas. Joracina
chamava de Neto, disse que faria o curso de compartilhava da mesma história de luta para
costura para agradar o pai, mas não era o que poder estudar e então se formaram juntas no
queria. Assim como o irmão, tinha o desejo de ginásio. Joracina atualmente vive na cidade
ser professora. Neto então pede para que Anna de Curitiba e por telefone as amigas mantém
tenha paciência e aguarde. contato até hoje.
Em um final de semana, enquanto visitava a Voltando ao período que morava no sítio do pai,
família, Neto e a mãe Theodora pegam dinheiro certo dia Anna avista ao longe na estrada um ca-
da “burra” (como era chamado o lugar onde se minhão carregado com porcos, cabritos e galinhas,
guardava dinheiro antigamente) para que ele além de um casal e mais onze filhos. Anna, imaginan-
pudesse fazer a matrícula de Anna no curso de do ser o circo chegando na cidade, chamou a família
costura, que era apoiado pelo pai. Mesmo não toda para ver. Ao passar o caminhão, um olhar cha-
sendo da sua vontade, Anna recorda que em um ma sua atenção: era o jovem Fuad Elias Marun, que

16 17
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

junto com sua família, estava de mudança para inclusive, ela tem uma lembrança engraçada.
a cidade. Tempos depois, em uma cerimônia de “Certa vez, explicando sobre a linha do Equador,
casamento de amigos em comum, os jovens se que divide o mundo em hemisférios, o aluno
encontram e, por conta da distância, já que Fuad Alexandre Xavier ficou indignado com a expli-
estudava em Botucatu, passam a se correspon- cação da divisão, e que desejava saber onde ela
der e namorar por cartas, por mais de seis anos. se encontrava que ele iria pessoalmente cortar”,
Anna estudou no Estadão, onde fez magistério e relembra sorrindo.
se formou em 1958. A primeira escola que a pro- Centenas de alunos que fizeram parte da sua
fessora Anna lecionou ficava na Ponte Alta, mas trajetória, com certeza, fazem história em nossa
também lecionou no Bairro da Ilha e Vila Branca, cidade. As amizades com as professoras Santana,
onde ia de carona. Fuad formou-se contador e Jurema, Doraci, Inez, Suria, entre tantas outras,
foi um dos primeiros funcionários da prefeitura são lembradas com carinho pela professora Anna,
da nossa cidade, na época recém-emancipada. que também demostra enorme carinho com os
Em 10 de julho de 1960, ambos formados e já alunos da EJA, que na época era chamada de “es-
trabalhando, se casaram em nossa cidade. O cola da noite” e teve alunos como Lazão e Chico
esposo a apoiava integralmente em seu oficio, do Bar da rodoviária.
tanto que a ajudava nas dificuldades como Questionada se tem alguma saudade, pro-
quando deu aula na cidade de Ibiúna, a cidade fessora Anna fala com enorme carinho do antigo
disponível mais próxima na época. prédio do Grupo Escolar Afonso Vergueiro, um
De volta para Salto de Pirapora, Anna lecio- lindo imóvel que não existe mais, e que remete a
nou no Bairro da Ilha, Capão Redondo, Grupo inúmeras boas lembranças. Em 2010, Anna perdeu
Matarazzo, foi também eventual no então Grupo o marido. O amor, que começou por correspon-
Escolar Afonso Vergueiro, no antigo prédio na dência, durou mais de 50 anos e os frutos desta
Silvino Dias Batista e também no atual prédio, união mantêm a semente da família, que começou
onde lecionou por 23 anos, até se aposentar. com os filhos José Vicente (Zeca), Ana Cláudia,
Dra. Silvia (cirurgiã-dentista), Cris Macedo (pro- Patrícia Helena e Gizele Maria e que continuará
fessora) e Alexandre Xavier são alunos que até com os netos Ana Lis, Matheus, Ana Lara, Mariana,
hoje a professora Anna se recorda. Deste último, Márcio, Isabela, Ana Lívia e Paulo Francisco.

18 19
DA NOSSA TERRA

Anna, mesmo em meio aos inúmeros per-


calços, não desistiu dos seus sonhos. Tornou-se
professora, profissão que exerceu com dedicação CAPÍTULO 3
e carinho, mas também foi esposa dedicada, é
boa mãe e avó amorosa.

Antonio Rodrigues de Almeida

A
s baixas temperaturas, geralmente, desper-
tam a vontade de consumir pratos que são
mais comuns nos festejos juninos, mas que
acabam sendo preparados durante todo o ano.
Que atire a primeira pedra quem nunca teve von-
tade de comer mingau de milho verde em um dia
frio, não é mesmo? E falando em milho verde, An-
tonio Rodrigues de Almeida tem uma forte ligação
com esse saboroso e versátil alimento. Estamos
falando de “Toninho do Milho”, que nasceu em 16
de novembro de 1949 em Itapetininga e estudou

20 21
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

apenas até o terceiro ano do ensino primário. olimpíadas do trabalhador, com a premiação em
“Antigamente tinha que se trabalhar desde muito várias modalidades. “A nossa equipe era a Rural”,
cedo e o simples fato de aprender a ler e escrever recorda, aos risos.
já era tido como suficiente para boa parte dos Ainda na juventude, o prazer maior era vir
pais, com relação ao aprendizado dos filhos”, diz. para a cidade e assistir filmes de faroeste no
Com 11 anos veio morar em Salto de Pira- cinema que existia onde hoje se localiza o Banco
pora, na fazenda do “Manezinho”, no bairro dos do Brasil. “Cheguei a vir do Capão Redondo para
Leites. A chegada à cidade, como relembra, foi o centro a pé. Outras vezes vim a cavalo e todos
um grande desafio. “Éramos oito irmãos e vie- nós deixávamos os animais amarrados perto da
mos em uma charrete e uma carroça, trazendo a antiga fábrica de farinha do Batista (próximo ao
mudança e a criançada toda durante o dia. Meus atual Colégio Anglo) e depois, ao voltarmos, os
pais vieram durante a noite e tivemos que pro- animais estavam todos lá. Ninguém mexia no que
curar por um lugar que sequer sabíamos onde era dos outros”, diz.
era, apenas perguntando pra um aqui, pra outro Já na fase mais madura de sua vida, junto com
ali”, recorda Toninho. Aos 17 anos começou a o irmão Zelio, trabalhando na lavoura alcançou
trabalhar na fazenda do Roque de Barros Leite resultados financeiros fantásticos, que permiti-
(prefeito da cidade de 1959 a 1962) e lá teve a ram o financiamento e quitação de tratores em
oportunidade de se desenvolver muito profis- curto espaço de tempo. “Pagamos em seis meses
sionalmente. Dos quatro anos que trabalhou na um financiamento de três anos, mas a época era
propriedade, tem admiração por vários amigos, outra. Os juros bancários eram fixos e depois com
mas em especial ao Marcos Barros, da família a inflação elevada foi ficando cada vez mais difícil
proprietária das terras. “Nunca vi um homem tão de sustentar. Chegamos a ter quatro tratores e
humilde como este. Comia a mesma comida que colhemos quase 1000 sacos de feijão para pouco
a gente, não aceitava regalias e chegou a comer tempo depois, a crise nos pegar e nos obrigar a se
na mesma marmita e com a mesma colher que desfazer de praticamente tudo”, relembra.
os demais. Isso não é qualquer um que faz”, res- Após essa fase de turbulência econômica
salta Toninho, que diz ainda que ele e os amigos para o ramo agrícola, quando não tinha mais ne-
fizeram uma equipe para participar das antigas nhum trator, foi que um amigo lhe deu o estalo

22 23
DA NOSSA TERRA

para a atividade que faz até hoje. “Em 1992 eu


tinha quatro alqueires de plantação de milho e
não tinha conseguido vender para o pessoal de CAPÍTULO 4
Capela do Alto, pois o preço estava muito baixo.
Meu vizinho e amigo Josias, do Frutal, emprestou
o trator e me disse para vender o milho na cidade,
direto para os consumidores. Deu tão certo que
vendi tudo na rua, não sobrou nada”, diz Toninho,
que desde então é figurinha carimbada na cida-
de, com o seu famoso milho verde, encostado na
Praça da Fonte.

Aristójanes de Almeida

F
igura carismática e conhecida de todos na ci-
dade: Aristójanes de Almeida. Poucas pessoas
devem saber de quem se trata. Agora, se falar-
mos do Canecão, aí a memória de muita gente vai
refrescar, não é mesmo? Canecão, ou simplesmen-
te Caneco, é nascido em Salto de Pirapora aos 18
de junho de 1952, filho de Dito Frango e Conceição
de Almeida. Como ele mesmo diz, já fez de tudo
um pouco na vida. “Trabalhei em várias atividades,
desde entregas de carregamentos de cimento
para a Usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu/PR, e até

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DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

venda de leite pelas ruas com charrete”, recorda tempo. “Lembro com saudades do Pracídio, do
Canecão, que conta que recebeu o apelido de um Chico da antiga Ressolagem de Pneus São Ja-
tio, ainda na infância. “Eu brigava com os outros nuário, Paulo Romeu, Meirelles, o Carlos Festa
para tomar café ou qualquer coisa que fosse na e muitos outros. Também considero bastante
caneca, pois pra mim tinha que ser no canecão”, o Paulinho Mixirica, Jobinho, Batista e muitos
relata aos risos. outros”, relembra.
Grande cozinheiro e chapeiro, é reconhecido Sobre alguma lembrança engraçada, Caneco
como um dos melhores da cidade, sendo sem- relata uma em que Carlos Festa, um conhecido
pre muito elogiado. Esta habilidade na cozinha, médico de Sorocaba, e o Chico da Ressolagem,
segundo ele, vem desde os tempos de infância, chegaram ao trailer e como o mesmo estava
quando começou a cozinhar por curiosidade, fechado, abriram o cadeado, colocaram as mesas
gostou e não largou mais. Por conta disso, Caneco na calçada e começaram a consumir cervejas.
é contratado com frequência para cozinhar em “Eu tomei um susto, pois passei de ônibus
eventos de grandes empresas. “Gosto muito de e vi que o trailer estava aberto. Desci correndo
cozinhar, já cheguei a fazer churrasco para 1700 e quando cheguei percebi que eram eles que
pessoas na Adimax e o pessoal gosta das minhas tinham conseguido abrir o cadeado com uma
refeições”, relata Caneco, orgulhoso. chave qualquer e tranquilamente tomavam suas
Quando fala da família, Caneco se emociona, bebidas”, conta.
principalmente quando se recorda da esposa Vera Sobre o que espera para o futuro, Caneco
Lúcia, falecida em 2016. “Até hoje sinto a partida espera que a cidade consiga se desenvolver e
da minha esposa, uma mulher batalhadora, não voltar a atrair grandes empresas, para empregar
consegui assimilar direito. Mas a vida dá voltas e a população que precisa buscar oportunidades
uma felicidade sempre aparece para compensar fora. “Tomara que as empresas do porte da an-
as tristezas. Tenho cinco filhos (Helen, Elidamaris, tiga Matarazzo, COSIPA e tantas outras que em-
Fernando, Vera Márcia e Alex) e até neto ganhei.” pregaram muitas pessoas voltem a se instalar na
Falando das amizades, Caneco se recorda cidade, pois a população é carente de emprego.
de amigos falecidos, daqueles que vê constan- Também desejo que Salto de Pirapora cresça,
temente e de outros que não vê há um bom mas se mantenha interiorana. Que bom seria se

26 27
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

ainda fosse como a época em que praticamente


todos se conheciam. Hoje isso é impossível, mas
não custa sonhar com dias melhores para nossos CAPÍTULO 5
filhos e netos”, finaliza.

Áurea Marum de Barros

Á
urea Marum de Barros nasceu em Salto de
Pirapora aos 16 de julho de 1937, sendo
filha de imigrantes árabes. “Áurea da Assis-
tência”, como é conhecida por muitos até hoje,
diz que seu nome não era para ser Áurea, mas
sim Hallia. “Meu pai foi me registrar e ao infor-
mar o nome para o tabelião, o mesmo disse que
não sabia escrever isso, que era um nome muito
difícil. Passava pela rua Áurea, esposa do ex-pre-
feito Agenor Leme dos Santos, e ele então ele
colocou o nome dela em mim e meu pai achou

28 29
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

que estava tudo certo, como ele tinha dito pra Pouco tempo depois eu engravidei e como na
ser”, relembra. época não havia ultrassom para saber o sexo do
Realizou os estudos em Sorocaba, onde se bebê antes do parto, eu estava apreensiva. Não
formou em Contabilidade. Muito ativa, trabalha- sei se foi real ou não, mas na hora do parto eu vi
va como professora substituta, ajudava na loja de meu pai, ali do lado, olhando pra mim e sorrindo.
tecidos e armazém do pai e também no escritório, Os médicos me disseram que durante a cirurgia
onde trabalhava com Fuad e Ananias. eu falava com meu pai, agradecia por ter vindo,
Em 1961, então com 24 anos, casou-se com que estava feliz por ter a oportunidade de pagar
Benedito de Barros, 14 anos mais velho. “No início a promessa que fiz a ele. Assim que expliquei
eu relutei um pouco em aceitar me casar com ele, para eles o que eu havia prometido eles ficaram
pois eu era muito festeira e ele muito reservado, emocionados também, pois tinha nascido o tão
mas acabei cedendo. Ele era extremamente amo- sonhado Hibraim”, recorda emocionada.
roso, trabalhador, honesto, carinhoso”, diz. Tanto Jaqueline, quanto Hibraim, já saíram
Desta união nasceram dois filhos: Jaqueline batizados do hospital e Benedito, seu esposo,
e Hibraim. Sobre os nomes dos filhos, as expli- comprava bolos e salgados para festejar com
cações para seus nomes são curiosas. Jaqueline todos que estavam presentes, sendo médicos,
tem este nome, pois Áurea era admiradora de enfermeiros, pacientes.
Jacqueline Kennedy, esposa de John Kennedy A vida pública, que a tornou querida e conhe-
(presidente dos Estados Unidos assassinado em cida por todos, iniciou-se em 1973, com a eleição
1963), e que era considerada um exemplo de be- de seu irmão João Marun para prefeito. “Ele me
leza e elegância na época. Já o nome de Hibraim chamou para ajudá-lo, pois queria alguém que
remete a um momento emocionante. “Meu pai, tivesse uma boa comunicação com as esferas
na Síria, era Hibraim, mas como era muito comum públicas e o povo e, graças a Deus, usei muito
antigamente, acabou ‘abrasileirado’ para Abrão. bem este dom. Conversava com assessores,
Ele queria um neto com o mesmo nome dele, deputados e com o povo da mesma forma, com
mas acabou falecendo quando Jaqueline tinha respeito. Mesmo tendo que dizer não algumas
um ano e meio. Eu havia prometido para ele que vezes, isso era explicado e dito com jeito, sem
assim o faria, se um dia tivesse um filho homem. magoar ou desmerecer. Isso eu tenho orgulho

30 31
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

de fazer até hoje e prova disso é o carinho de


pessoas que recebo nas ruas. Muitos eu nem me
lembro quem são, mas as palavras de agradeci- CAPÍTULO 6
mento que recebo são a melhor recompensa que
posso receber”, enfatiza.
Quando questionada sobre as maiores con-
quistas que pôde ajudar a cidade, tem um cari-
nho pela área da habitação popular, onde ajudou
a concretizar a vinda de empreendimentos como
o Jardim Madalena, Vera Lúcia, Matarazzo, Daniel
Haddad, entre outros.
Áurea diz que é extremamente grata ao que
a cidade de Salto de Pirapora proporcionou para
ela e sua família. Segundo suas palavras, seu pai
dizia para nunca voltarem à Síria, pois se fosse Bertilha Rodrigues de Oliveira
bom, não teria saído de lá. É bom reforçar que
na época a Síria não estava em guerra, como nos

B
dias atuais. ertilha Rodrigues de Oliveira nasceu em Sa-
Atualmente com 83 anos, é viúva, e além dos rapuí, filha de José Rodrigues de Oliveira, um
filhos, tem quatro netos (2 homens e duas mu- agricultor e pecuarista, e de dona Benedita
lheres) e uma bisneta. Domingues de Oliveira, dona de casa. Criada no
Para finalizar, deixa uma mensagem que re- sítio do bairro São Bento e bairro da Barra, teve
sume bem a sua vida: “Quer dormir bem, faça o
nove irmãos maternos e paternos, e mais sete
bem a alguém.”
somente paternos, totalizando 16, todos conhe-
cidos na cidade de Salto de Pirapora, e formando,
assim, uma grande família tradicional.
Desde muito jovem, mostrou-se interessada
em ajudar seu pai nos serviços braçais, como na roça

32 33
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

e no trato com animais, contrariando costumes da necessitados. Mulher brava, mas tinha um coração
época, onde as mulheres ajudavam as mães com os de ouro e ajudou muita gente. Um dia com ela era
afazeres domésticos. um dia de risada, pois sempre conseguia fazer
Fez seus estudos primários na escola do bair- dos momentos mais simples, uma grande festa.
ro da Barra, mas por diversas vezes, sem sua mãe Faleceu em 06 de maio de 2021, aos 76 anos.
saber, ficava no rio nadando, até que um dia sua
mãe foi atrás e a pegou em flagrante, dizendo
que já que ela era tão corajosa, que atravessasse
a correnteza. Ela então na hora atravessou, dei-
xando a mãe desesperada.
Quando se tornou uma mocinha, veio para a
cidade trabalhar e morar na casa de dona Jaci-
ra, mulher do seu João Dionízio, e aqui começou
a namorar. Então, em 1963, casa-se com Áureo
Alves. O casal começa a trabalhar num bar, onde
ficava o banco HSBC, e vários anos após o casa-
mento, nasce a única filha do casal, Adriana.
Mudam-se para a rua Silvino Dias Batista,
onde ela se dedicou ao comércio, como exemplo
de mulher esforçada, competente e corajosa.
Trabalhou sempre com muita determinação, fi-
zesse chuva ou sol, sempre esteve na luta.
Sua grande paixão era andar a cavalo, pes-
car, estar num sítio, herança da vida que teve
outrora, e sendo assim, mantinha tais ativida-
des como lazer.
Sua filha diz que um de seus passeios preferi-
dos era visitar doentes e levar cestas básicas aos

34 35
CAPÍTULO 7

Cizina Guilherme dos Santos

C
izina Guilherme dos Santos nasceu em 17 de
novembro de 1926, é filha de João Leme dos
Santos e Benedita de Barros Leite. Foi casada
com Vicente Marcello dos Santos e teve 10 filhos,
sendo cinco homens e cinco mulheres.
Cizina, a exemplo de muitas mulheres da
época, não foi muito longe nos estudos. Sonha-
va ser professora, mas o pai não deixou ir além
da quarta série, que realizou no Colégio Antonio
Padilha, em Sorocaba. “Meu pai dizia que apenas
até a quarta série já estava bom, pois mulher

37
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

era pra fazer serviços domésticos e cuidar da Cizina é um belo exemplo de pessoa que ama
casa. Estudar e dirigir, por exemplo, eram coisas a sua terra. Aqui nasceu, casou, teve e criou seus
desnecessárias para as mulheres”, relembra. filhos e se orgulha muito de ter sido testemunha
Morou por muito tempo no sítio do bairro ocular da história da cidade, inclusive a oportuni-
Morro Branco, e fala com muita nostalgia da dade de ter conhecido Antonio Maximiano Fidélis,
época em que a cachoeira do rio Pirapora, que o fogueteiro, fundador de Salto de Pirapora.
deu origem ao nome da cidade, era visitada por
muitas pessoas, inclusive de fora da cidade. “A
cachoeira era muito linda. A água era cristalina
e as crianças brincavam, as mulheres lavavam
roupas, a gente pescava. Muito diferente do
que está hoje, com todo aquele esgoto”, relata.
Durante boa parte de sua vida, Cizina viveu e
trabalhou nas terras da família, onde produziam
por volta de 1000 litros de leite por dia, que eram
vendidos para a Cooperativa de Laticínios de So-
rocaba (Colaso). Trabalho realizado arduamente,
junto com toda a família.
Quando questionada sobre as saudades que
tem do passado, Cizina relembra das festas. Na
época de São João as moças faziam vestidos
coloridos para carregar o andor do santo. “Eram
muito lindas as procissões, que tinham barracas
cobertas de sapê e fogueiras. Tudo muito dife-
rente dos tempos de hoje. Existia um clube na
cidade, mas o horário de funcionamento era das
18 horas até, no máximo, 22 horas. Não tinha essa
de amanhecer, como é agora”, finaliza.

38 39
CAPÍTULO 8

Claudete Aires de Campos

C
laudete Aires de Campos Barros é nascida em
Salto de Pirapora aos 18 de agosto de 1953
e foi casada com Luiz Antônio de Barros, com
quem teve duas filhas: Ana Amélia e Ana Emília.
Claudete é lembrada até hoje pelos alunos que
passaram pelas suas aulas, seja na educação in-
fantil, geografia, história ou até mesmo de OSPB.
Os leitores mais jovens devem estar perguntan-
do o que significa isso, não é mesmo? Pois bem,
OSPB era uma disciplina obrigatória que já não
existe mais, que significava Organização Social

41
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

e Política Brasileira. Tinha como objetivo apre- vascular cerebral (AVC). Ana Emília recorda que
sentar aos jovens estudantes as instituições da a mãe ficou internada e por muito tempo, pelas
sociedade brasileira e a organização do Estado, a sequelas, o pai dava comida na boca de sua mãe,
Constituição, os processos democráticos, os di- tamanho o carinho que existia entre o casal. Com
reitos políticos e deveres do cidadão. No entanto, o agito já relatado pela filha, assim que se recu-
sua obrigatoriedade foi revogada em 1993, pelo perou e mesmo com as limitações, fazia serviços
então presidente Itamar Franco. Mas voltando de casa, lavava louças e cozinhava, mesmo com
ao que interessa, Claudete lembra com saudades um lado do corpo paralisado. Lutadora, Claudete
das lutas que teve pela classe dos professores, superou outros duros golpes, como dois AVC, dois
participando inclusive de greves na capital. “A infartos e a morte do marido, que tinha apenas
gente ia pra São Paulo e brigava pela gente mes- 51 anos. “Sofremos muito nessas épocas, mas
mo. Participavam comigo nesta época outros graças a Deus tive pessoas amigas e maravilhosas
amigos, como a Maria do Céu, Marisa Marcello e que até hoje tenho um carinho enorme, como o
o Tarcísio”, recorda. Sobre este último, Claudete Dr. Carlos Alberto Festa, que fez coisas inimaginá-
se lembra de uma situação engraçada. “Como eu veis por nós, e o padre Francisco, que conversava
fumava o tempo todo, Tarcísio colocava fósforos comigo pelo aperto de mão”, recorda.
dentro do meu cigarro. De repente, o cigarro pe- Recentemente, Claudete perdeu a filha Ana
gava fogo no meio, e eu já sabia que era ele que Amélia. Mesmo não sendo a ordem natural da
tinha feito isso”, lembra aos risos. vida, uma mãe enterrar uma filha, ela não se aba-
Mesmo trabalhando como professora, nas teu. “Meu neto Miguel precisa de mim, não posso
horas que não estava em sala de aula ajudava o me abater”, diz a professora. Pelo relato de Ana
marido Luiz Antônio, no antigo açougue Novilho Emília, ela faz de tudo pelo neto. Mesmo com as
de Ouro, próximo ao atual prédio do Fórum. limitações, ela o leva pra escola, brinca de dinos-
“Minha mãe não conseguia ficar parada. Sempre sauro e joga futebol. Por falar nisso, uma das pai-
muito elétrica e em vários momentos estressada, xões da professora, além do neto, é o Corinthians.
ajudava meu pai em tudo”, recorda Ana Emília, E ela torce mesmo, é fanática. Fala com alegria de
filha de Claudete. No entanto, em 1997 um duro Sócrates, Neto, Marcelinho Carioca, Ronaldo Fe-
golpe atingiu a agitada professora: um acidente nômeno, entre outros grandes craques da história

42 43
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

do time. Mesmo com as restrições impostas pela


doença, Claudete e Ana Emília não ficam presas
em casa. “Onde eu vou, ela vai comigo, se diverte. CAPÍTULO 9
Ela nunca foi de ficar parada, e não é agora que
ela vai ficar”, relata Ana Emília, que não esconde o
orgulho da mãe guerreira.
Por fim, Ana e Claudete pedem que os gover-
nantes do município olhem para as pessoas que
dependem de acessibilidade. “As pessoas com
mobilidade reduzida ou que necessitam de uma
cadeira de rodas querem o mesmo direito de ir e
vir, de frequentar todos os lugares, como todas as
pessoas. Precisamos de rampas e calçadas ade-
quadas, para poder ter a mesma mobilidade que
todos, seja para tratamento médico, locomoção Cristina Quitzal Mora
ou mesmo para lazer”, finalizam.
Que essa mulher batalhadora, que superou

A
as perdas familiares e as sequelas impostas pela judar as mulheres na mais sublime das mis-
enfermidade, nos sirva de exemplo. Afinal, não é sões: ser mãe! Essa foi a missão de Cristina
pra qualquer um superar tantas adversidades e Quitzal Mora, ou simplesmente Dona Cris-
seguir a vida. tina, que nasceu em 18 de maio de 1921, foi
casada com Generino Mora e teve cinco filhos:
Alcides, Carlos, Olga, Odair e Amarílio. Aprendeu
e desenvolveu o dom de ser parteira em uma
época em que não eram tão acessíveis os cur-
sos de formação de enfermagem, como nos dias
atuais. “Aprendi a fazer partos com um médico
chamado Paulo, na maternidade de Indaiatuba,

44 45
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

e a convite do senhor Agenor Leme dos Santos sobre o segredo da vitalidade que esbanja aos
vim para Salto de Pirapora, onde fiquei a maior 100 anos, a resposta está na ponta da língua:
parte de minha vida”, relembra. “Quem dança, não envelhece!”
Durante os muitos anos que trabalhou, fez
muitas amizades e aprendeu muita coisa com
o Dr. Anésio e o Dr. Rodolfo Araújo, médicos
que atenderam por muito tempo no hospital.
Mas não só de partos vivia dona Cristina, que
auxiliava em praticamente todas as áreas do
hospital, sempre disposta a ajudar. “Eu ajuda-
va no que fosse preciso, até me acidentei com
a ambulância levando pacientes para Soroca-
ba”, diz aos risos dona Cristina, que parou de
trabalhar em 2011, aos 89 anos.
Em 2005, por iniciativa do então vereador
Sergio Tadeu dos Santos, dona Cristina foi
homenageada com o título de “Cidadã Sal-
topiraporense”. Na ocasião, foram contabiliza-
dos mais de 5000 partos que ela havia feito.
“Muitas crianças nasceram pelas minhas mãos,
homens e mulheres que ganharam o mundo.
Políticos, comerciantes e até padres”, conta
Cristina, que hoje vive na cidade de Indaiatuba
com a filha Olga. Mas para quem pensa que ela
é uma clássica velhinha, que fica fazendo cro-
chê na cadeira de balanço, está muito enga-
nado. Mesmo aos 100 anos ela faz caminhada,
passeia com o cachorro e dança! Questionada

46 47
DA NOSSA TERRA

CAPÍTULO 10

Darcy Ribeiro da Costa

D
arcy Ribeiro da Costa, muito provavelmen-
te, seja desconhecido por grande parte dos
leitores. Mas se falarmos que Darcy é o “Pai
Dique”, com certeza muitos vão se surpreender
em saber o seu nome verdadeiro. Nascido em
Salto de Pirapora aos 26 de novembro de 1951,
é casado com Roseli e tem quatro filhos (Tamara,
Priscila, Lucas e Ana Júlia) e seis netos. Pai Dique
conta que tem este apelido desde a infância, pois
seu avô Raimundo Soares da Rosa era conhecido
pelo mesmo apelido e, por andar sempre junto

49
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

ao avô e ser gordinho como ele, ganhou o mesmo também foi um vitorioso treinador, sendo cam-
apelido, que carrega desde então, sendo conheci- peão de sete edições do campeonato Varzeano e
do em praticamente toda a cidade. uma do intermunicipal.
Na infância, estudou no Grupo Escolar Afonso Uma lembrança interessante que o nosso
Vergueiro e tem lembranças da rigidez da disciplina homenageado tem é de um jogo entre juvenis do
na época. “Havia no pátio uma marca que separava Esporte Clube Salto de Pirapora x Corinthians,
o pátio em dois lados, nos quais os meninos e as ocorrido em Salto de Pirapora, entre o final da
meninas não poderiam se misturar. Caso houves- década de 60 e o início da década de 70. “Abrimos
se algum abuso o inspetor orientava e, caso não o placar com um gol de cabeça do falecido João
fosse suficiente, éramos levados para a diretora Cabeleira, mas um tal de Casagrande, que hoje é
Eglantina, que deixava de castigo com as mãos comentarista da TV Globo, fez dois gols e acaba-
levantadas, de frente com a parede”, relembra aos mos perdendo por 2×1”, recorda.
risos. “Hoje em dia não se pode mais fazer isso, A simplicidade de Pai Dique o torna uma pes-
mas a educação naquele tempo era outra”, conclui. soa muito querida no meio do futebol, onde che-
Darcy, ou melhor, Pai Dique, conta que tra- gou a atuar como presidente, técnico, massagis-
balhou por toda a vida na prefeitura municipal, ta, tudo que fosse necessário. “Até os uniformes
onde entrou em 1966, aos 15 anos, no mandato eram lavados pela minha esposa em casa, mesmo
do prefeito Agenor Leme dos Santos, e lá perma- sem ganhar nada com isso”, lembra o paizão da
neceu até 2001, no mandato de Santelmo Xavier garotada, que certa vez pleiteou a mudança de
Sobrinho, quando se aposentou. um jogo dos seus comandados, pois queria levar
Questionado sobre os amigos dessa época, os meninos ao Parque Rottweiler (quis dizer Hopi
relembra com carinho de Jobes Domingues, Ro- Hari), lembra aos risos.
sana, Adilson Frango, Gersinho, Carlão e Tom, en- Nos dias atuais Pai Dique acompanha o
tre tantos. “Graças a Deus sou muito querido até futebol de maneira mais tímida e aos poucos
hoje pelos colegas de prefeitura. Fiz e conservo tenta retomar para a vida cotidiana que tinha
muitas amizades de lá”, relata. antes do acidente em que quase perdeu a vida
Um assunto que o deixa animado são as lem- em 2013, ficando três dias em estado de coma.
branças do futebol, onde foi jogador da várzea e “Clinicamente estou recuperado, mas ainda não

50 51
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

tenho confiança e vontade para fazer coisas


que me davam prazer, como dirigir para longas
distâncias, passear no shopping com a família,
mas logo tudo se acerta. Graças a Deus sobrevivi
CAPÍTULO 11
e aos amigos e familiares digo que nasci de novo
depois daquele dia”, finaliza.
Com uma memória invejável e rica em deta-
lhes, podemos dizer que é um orgulho para nós
podermos contar com um cidadão ilustre que, na
sua simplicidade, externa toda a sua paixão pela
cidade, pelo esporte e pelos amigos.

Francisco Augusto Castelhano

F
rancisco Augusto Castelhano está no Brasil
desde 1966, quando chegou para exercer o
sacerdócio da Igreja Católica. Mesmo há mais
de 50 anos em nossa cidade, ainda mantém o
clássico sotaque de Portugal, sua terra natal. Es-
tamos falando do conhecido padre Chico.
Nascido aos 17 de novembro de 1931 no po-
voado de Chosendo, em Portugal, desde muito
cedo já tinha a convicção de sua vocação sacer-
dotal. “Meu pai me levava na missa desde sempre,
e quando eu tinha seis anos me senti chamado

52 53
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

quando ouvi a passagem do pastor que buscava a Em 2008 foi nomeado reitor do Santuário de
ovelha perdida. Naquele momento tive a certeza Nossa Senhora dos Remédios, no bairro Itinga.
do que queria para a minha vida”, relembra. Apesar de sua idade avançada, tem excelente
No entanto, seu pai não aprovava a sua ideia, saúde e faz pessoalmente as suas atividades do
pois desejava alguém que o ajudasse no trabalho cotidiano, inclusive dirigindo. Sobre isso, tem uma
de construtor de casas, atividade que exercia história engraçada, que aconteceu mais de uma
em Portugal. Mesmo trabalhando com o pai, não vez. “Inúmeras vezes entrei em carros que não
desistiu do seu objetivo e apesar das dificuldades eram os meus. Uma vez entrei em um e coloquei a
da época, entrou para o seminário. Mas uma febre carteira na parte interna da porta e depois que vi
tifoide que acometeu praticamente toda a famí- alguns objetos desconhecidos, notei que não era
lia, lhe obrigou a adiar o seu desejo. A ausência de o meu carro. Saí e fui procurar o meu e quando o
água em condições de potabilidade comprome- encontrei lembrei-me da carteira e voltei procu-
teu a sua saúde, deixando muito debilitado. rar, mas ele já não estava mais no local. Por sorte
“Todas essas dificuldades não me abalaram, a dona do carro me reconheceu nos documentos
pois mesmo assim estava em busca de minha e me devolveu tudo”, conta, aos risos.
vocação. Sabia que uma hora daria certo. Estudei Padre Chico é muito querido por todos, rece-
em Fátima e outros seminários em Portugal, mas bendo o carinho de inúmeras pessoas quando es-
a minha ordenação só ocorreu em outro país, em tão pelas ruas fazendo as suas atividades, como
1966, na cidade de Friburgo, na Suíça”, relata. ir ao banco ou ao supermercado, por exemplo.
A ideia inicial era voltar para Portugal, mas Com quase 90 anos, mesmo não estando mais
uma palestra de Dom José Thurler – bispo au- responsável por uma paróquia, celebra missas
xiliar de Sorocaba que estava na Europa – lhe em uma capela que tem em sua própria casa,
despertou a vontade de vir ao Brasil. “Manifestei faz visitas e atende quem lhe procura, sempre
o interesse, recebi o convite e aceitei o desafio. com uma palavra amiga. “Desde sempre tenho
Provisoriamente cobri a ausência do padre Boa- em mente o lema da minha ordenação, pois em
ventura Manara, que estava na Itália, mas acabei todas as dificuldades o Senhor me testou, me
ficando por 40 anos como responsável pela conheceu e impôs sobre mim tuas mãos. Essa é
paróquia”, recorda. a minha missão”, finaliza.

54 55
CAPÍTULO 12

Francisco Carlos Vieira

F
rancisco Carlos Vieira é uma figurinha ca-
rimbada, conhecido por praticamente todos os
moradores da cidade, principalmente dos pro-
prietários de veículos. Muito provavelmente, querido
leitor, pelo menos alguma vez na vida, você precisou
do seu socorro. Não estamos falando de nenhum
médico, enfermeiro ou bombeiro, profissões que
logo surgem em nossas mentes quando falamos de
socorro. Se você está desprevenido, dependendo da
situação, ele te devolve a locomoção. Seria ele um mi-
lagreiro? Não. Estamos falando do Chico Borracheiro.

57
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Nascido em Salto de Pirapora aos 29 de março No entanto, Chico, no seu modo de vida sim-
de 1953, é filho de Gentil de Góes Vieira e Rosa de ples, não deixa de perceber as mudanças de nossa
Almeida Vieira. Tem seis irmãos. De poucas, aliás, cidade nos últimos anos. “Não tenho problema
pouquíssimas palavras, Chico revela que nunca com ninguém, mas percebo o quanto a nossa
casou e não teve filhos, sempre viveu pelo ofício cidade está carente de empregos e de segurança.
de borracheiro, função esta que desempenha As pessoas precisam sair buscar oportunidades
inclusive aos sábados, domingos e feriados. Mas de serviços fora. Aqui não chegam mais as gran-
nem por isso ele deixa de se divertir. “Gostava des firmas de antigamente. Além disso, não se
muito do clube de domingo, o Baturité, o Bar do tem mais segurança, tudo está mais perigoso.
Gênio. Não danço, mas gostava de ir pra ver o Antes, todo mundo se conhecia na rua e hoje isso
pessoal se divertindo e tomar uma cerveja”, relata mudou”, finaliza.
em um raro momento de descontração. “A última Aqui está um grande profissional, que mesmo
com todo o aparato tecnológico disponível, não
animação que lembro na cidade era o baile do
deixa de trabalhar na profissão que aprendeu (e
Lagarto, que também já não existe mais”, conclui.
da forma que aprendeu) desde criança e que, se-
Chico é um exemplo ímpar de desprendimento
gundo suas próprias palavras, assim seguirá até
de tecnologia, ainda mais no mundo atual em que
quando Deus lhe permitir.
vivemos, onde praticamente tudo é informatizado.
Sua oficina tem equipamentos que em sua grande
maioria são manuais, mas nem por isso o seu ser-
viço deixa a desejar ou perde em qualidade para
qualquer borracharia, por qualquer maquinário que
tenha. Praticamente, a única e inevitável máquina
que ele teve que se render é o compressor, onde
enche os pneus que conserta. Mas, para o leitor so-
licitar os seus serviços, deve dar um jeito de chegar
até ele. Sabe por quê? Ele não tem habilitação, logo,
não dirige. Vai pedir ajuda pelo telefone? Também
não conseguirá. Ele não usa celular!

58 59
CAPÍTULO 13

Francisco Vieira Daniel

F
rancisco Vieira Daniel, popularmente conheci-
do como Quito, nasceu em Araçoiaba da Serra
em 5 de Novembro de 1944, é casado com
Angela e tem uma filha, Laura. Apaixonado por
cinema, Quito relata que, ainda criança, recortava
tiras de histórias em quadrinhos e passava os de-
senhos em papel vegetal, com tinta nanquim. Fei-
to isso, colava os desenhos em sequência, como
se fosse um rolo de filme, e colocava em uma cai-
xa de papelão com duas lâmpadas, para projetar
na parede. Esta paixão foi responsável, no futuro,

61
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

pelo segmento comercial no qual atendeu por 22 muito tempo nas décadas de 70 e 80 foi o con-
anos, na antiga Dakar Vídeo, locadora da qual foi fronto entre as equipes da Matarazzo e Cosipa.
proprietário. “Aos finais de semana, após a missa, Apesar das provocações, Quito relata que
a locadora virava um ponto de encontro, pois tí- não ocorriam brigas, fato este muito comum
nhamos muitos clientes. Sempre investi em fitas nas várzeas nos dias atuais. “A semana inteira os
originais, para bem atender meus clientes”, lem- jogadores das equipes ficavam cutucando uns
bra Quito que, assim como muitos, não imaginava aos outros, e só se falava nisso, tanto nos bares,
que o surgimento dos DVDs, que facilitaram a ex- quanto nas firmas. No entanto, havia respeito
pansão da pirataria, e depois outras plataformas e nunca houve violência”, lembra Quito, que foi
de filme on demand, como o Netflix, por exemplo, campeão em muitos anos e, além da várzea, jogou
praticamente mataria as locadoras. “Na época de em times de Sorocaba (Barcelona e Monte Negro,
Titanic, por exemplo, adquiri 30 cópias do filme, Unidos, entre outros) e na juventude defendeu a
e mesmo assim tinha fila de espera. Hoje, isso é Associação Atlética Saltense, da cidade de Salto/
impossível de acontecer, com a popularização dos SP. Questionado sobre os amigos e companheiros
conteúdos via internet”, relata. do futebol, relata que muitos ficaram, por muitos
Paralelo ao negócio, Quito trabalhou prati- anos, inclusive, jogando nos Parados e no Bumbo,
camente a vida toda na Companhia Siderúrgica que fizeram história no futebol local.
Paulista (Cosipa) e se recorda da popularização Atualmente Quito é aposentado e dedica seu
dos campeonatos varzeanos, que se iniciaram tempo em manter um grande arquivo de fotos e
em 1973. Relata que no primeiro campeonato vídeos da história de Salto de Pirapora e do futebol
poucos times participavam e o campeão foi o local, disponível no Facebook. Há, inclusive, muitos
time da Barra, que tinha como grandes desta- vídeos de festas, casamentos, aniversários e atos
ques Marcos Barros e Balaio, amigos que tem cívicos da cidade. Em sua residência, mantêm em
convívio até hoje. Nas outras edições que vie- arquivo inúmeras fitas de VHS, que datam a partir
ram, firmas como a Hokko e a Matarazzo tam- de 1986. Conforme a disponibilidade e autorização
bém montaram boas equipes e o campeonato dos envolvidos, estes vídeos são colocados na in-
caiu no gosto da cidade. Em semana de final de ternet e geram um grande número de pesquisas e
campeonato, uma rivalidade que perdurou por compartilhamentos. A página de registros históricos

62 63
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

da cidade chama-se Memórias de Salto de Pirapora


e os registros esportivos estão na página Só Futebol,
ambas no Facebook.
Ambos são grupos fechados, mas os mode-
CAPÍTULO 14
radores aceitam a participação de qualquer in-
teressado. Podemos garantir que o leitor não vai
se arrepender. E para finalizar, Quito relata que
sonha com a criação de um museu em nossa cida-
de, para que as informações e registros históricos
fiquem acessíveis para as futuras gerações e não
se percam com o tempo.

Gualberto Machado de Andrade

G
ualberto Machado de Andrade. Alguns já de-
vem saber quem é, mas muitos ainda não.
Talvez uma música, inesquecível para quem
viveu a infância principalmente nas décadas de
80 e 90, vai refrescar a memória de quem ainda
está tentando se recordar. “Segura o tio Bertinho
que ele quer fugir, roubou meu peniquinho pra
fazer xixi.” Agora ficou mais fácil, né? Tio Bertinho
nasceu em 29 de janeiro de 1956. Filho de Joa-
quim Leite de Andrade (Quinzinho Mandú) e Ma-
ria Aparecida Machado (Cida do Mandú), teve ao

64 65
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

todo sete irmãos: José Luiz e Miguel (falecidos), e comecei a cantar. Seria normal se a festa que
Toninho, Sidinei, Maria Derli, Ana Alice e Valdir. É entrei fosse a que eu fui convidado”, relata aos
casado com Vanilde Aparecida Calixto de Andra- risos. No entanto, Bertinho conta que fez muito
de (Rita) e tem um casal de filhos, sendo Carlos sucesso e que todos os convidados se divertiram
Augusto e Maria Júlia. Sempre muito bem humo- com a sua participação. “Não me deixaram ir
rado, Bertinho conta que sua grande paixão era embora, só consegui ir embora perto da meia-
o transporte escolar. “Eu era muito feliz quando -noite, quando me levaram no ponto, para pegar
eu fazia o transporte de escolares. Minha alegria o último ônibus”, conclui.
era dirigir pela cidade com a criançada cantando Sobre as muitas amizades, Bertinho se refe-
a musiquinha. Às vezes eu não estava bem, com re em especial ao tio Zelão (em memória), seu
algum problema em casa, mas era só começar parceiro de transporte escolar por muitos anos,
a rodar com a criançada, que tudo ficava bem”, e Agenor de Góes Vieira, parceiro de transporte
relata. Além do transporte escolar, outra paixão de universitários. “Tenho muito orgulho de ter a
de Bertinho é a música. Por muitos anos cantou oportunidade de tornar essa admiração públi-
com o amigo Paulinho, formando a dupla Paulo ca, pois são mais que amigos, são parceiros”, diz.
César e Robertinho, que animou muitas festas Hoje aposentado, Bertinho se diz agrade-
pela região. Nesse meio, Bertinho já tocou com cido pelo reconhecimento que tem nas ruas,
figuras conhecidas no meio sertanejo, como mesmo depois de tanto tempo. “O que mais me
Nalva Aguiar, Perla e Eliane Camargo. Como todo emociona é ser abordado na rua por pessoas
bom cantor, adora estar presente em festas dos que me perguntam se eu sou o Bertinho, da
amigos, animando a todos com o seu violão e, música do peniquinho. Essas pessoas cresceram,
certamente, muitas histórias devem fazer par- formaram suas famílias e mesmo assim, tanto
te da sua memória. Uma, no entanto, ele relata tempo depois, ainda se lembram de mim. Acho
como inesquecível. “Certa vez fui convidado para que realmente fui importante pra eles, pra ser
tocar num casamento em Sorocaba e ao finalizar lembrado com tanto carinho”.
a cerimônia na igreja, os convidados se dirigiram Emocionado, Bertinho finaliza dizendo que
para a festa. Como não sabia onde era, comecei a se fosse possível voltar no tempo, faria tudo de
procurar o salão e ao encontrar uma festa, entrei novo. “Minha paixão era transportar as crianças,

66 67
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

tanto da pré-escola, quanto os da escola especial


e os universitários. Isso é a minha maior recom-
pensa, depois de ser abençoado por Deus e poder
fazer parte da vida de pessoas que nem sei o
CAPÍTULO 15
nome, mas que se lembram de mim”.

Guaraci Ramos dos Santos

G
uaraci Ramos dos Santos nasceu aos 22 de
novembro de 1936 e desde muito novo teve
que assumir responsabilidades. Segun-
do suas lembranças, a década de 40 foi uma
época de intensas mudanças. Um surto de
malária, que era chamado de maleita, atingiu
muitas pessoas na cidade, principalmente na
região da Ponte Alta, nas proximidades do Pi-
raporinha. A doença acometeu sua mãe, que
após vários anos debilitada, faleceu. “Meu pai
arrumou outra esposa e eu com meus irmãos

68 69
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

fomos entregues para sermos criados por fa- o primeiro registro, na Companhia Brasileira
miliares. Lembro até hoje de quando éramos de Alumínio (CBA), onde aprendeu a trabalhar
distribuídos, nós nos abraçávamos e choráva- como soldador e ficou por vários anos. Voltou
mos para não nos separarmos”, recorda. para Salto de Pirapora para cuidar de um irmão
Ficou na casa de sua tia Francisca Ramos dos doente e mesmo com os percalços, nunca ficou
Santos, a “Mulatinha”, até os 15 anos, quando parado. Trabalhou com beneficiamento de milho
fugiu da casa. “Minha tia era muito boa comigo, e em 1975 entrou na Cimento Santa Rita, onde
mas tinha pessoas em sua fazenda que pratica- foi borracheiro e ficou até 1992.
mente me escravizaram. Fazia o serviço exaus- Apesar de não ser comum na época, Guaraci
tivo e penoso para uma criança, ia para a escola viveu sozinho até os 46 anos. Só com esta idade
à tarde e trabalhava depois da aula novamente, se casou com Neusa, com quem tem duas filhas:
até anoitecer”, diz. Renata e Rogéria.
Com a fuga da casa da tia, teve que buscar Desta época, tem uma história interessante.
um serviço para ser remunerado. Trabalhou “A Santa Rita assinou um contrato de forneci-
como leiteiro com vários empregadores, até mento de um cimento especial para a construção
que apareceu Otávio Rodrigues Simões, que da Usina de Itaipu e, por este motivo, desocupou
segundo suas próprias palavras, foi o melhor um silo e jogou cimento fora. Perguntei ao enge-
patrão de toda a sua vida. Fazia o serviço no sí- nheiro se poderia pegar o cimento e ele autorizou.
tio, acordava cedo e dormia tarde, mas sempre Com este cimento, que levei de pouco em pouco
foi respeitado e bem remunerado. Nessa época, pra casa, construí uma prensa e fiz 2000 blocos
segundo suas palavras, a entrega do leite era que serviram para eu construir a minha casa”,
feita em Sorocaba e no meio das entregas tinha relembra orgulhoso.
que levar enxada e pá, pelas péssimas condições Seu último emprego foi na prefeitura
da estrada, ainda de terra e cheia de atoleiros, municipal, onde se aposentou. Desde então,
que precisavam ser superados. teve mais tempo para ajudar aos outros com
No ofício de leiteiro ficou por muitos anos, um dom que recebeu aos seis anos de idade,
até a propriedade de Otávio ser vendida. Já com passado pelo avô Francisco Ramos dos Santos:
30 anos, tirou a carteira profissional e recebeu o benzimento.

70 71
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

“Quando ele me passou essa missão, pediu


para que eu atendesse quem me procurasse, sem
dia e sem hora, e que também jamais cobrasse
alguma coisa, pois as coisas de Deus não devem
CAPÍTULO 16
envolver dinheiro e assim eu faço”, finaliza.
Quando questionado sobre a sua trajetória,
Guaraci revela não achar nada demais, uma vida
comum. Em sua simplicidade talvez não tenha a
visão da base sólida que a vida acabou lhe impon-
do – com as dificuldades e adversidades desde a
sofrida infância – que moldaram a personalidade
de um homem trabalhador, íntegro e que nunca
desistiu dos seus projetos.
Dono de uma memória histórica invejável e
com riqueza de detalhes, é o tipo de pessoa que José Alencar Oliveira Santos
ficaríamos horas e horas ouvindo as suas histó-
rias, sempre querendo saber mais.

J
osé Alencar Oliveira Santos, o “Zitão”, não é
apenas aumentativo do apelido, mas também
no amor pela cidade e na diversidade de atua-
ção na sua vida profissional, cultural e esportiva.
Nascido aos 03 de setembro de 1947 na cidade
de Itapeva/SP, adotou como sua a cidade de Salto
de Pirapora para estudar, trabalhar e constituir
família. Casado com Regina Leite (em memória),
é pai de Virgínia e tem dois netos: José Ricardo e
João Lucas. Estabelecido na cidade desde os seis
anos, fez seus estudos iniciais no Grupo Escolar

72 73
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Afonso Vergueiro, onde concluiu o primário. Tra- por muitos anos foram orgulho da cidade. “Na
balhou como eletricista na construção do atual época tínhamos uma intensa participação das
prédio da escola Afonso Vergueiro, onde voltou empresas, escolas e da sociedade em geral. Dava
a estudar em 1970, chegando até o segundo ano gosto de ver os desfiles”, relembra. Também são
do ensino médio. de sua época eventos como a feira de artesanato
Trabalhou no setor de construção civil, Grupo e geração de renda (FEAGER), peças de teatro e
Matarazzo e na fábrica de sacarias do Aristides, gincanas nos bairros, além de grandes eventos
fornecedora das indústrias Incalesa, São Pedro e como o Canta Cidade, que era organizado pela TV
Pelizari, produtoras de cal que existiram na cida- Aliança Paulista (atual TV Tem Sorocaba).
de e são lembradas até hoje. Paralelamente ao período de funcionalismo
Em 1974, na administração João Marun, en- público, durante 12 anos foi presidente do Espor-
trou na prefeitura municipal como auxiliar de es- te Clube Salto de Pirapora. Na sua gestão, destaca
critório e lá ficou até 2004, quando se aposentou. a conclusão da parte inferior, construção do pa-
Na administração municipal também passou vimento superior (da sede central) e a aquisição
pelos setores de obras, esportes e cultura. Em da área da sede campestre. “Sempre tivemos
cada um desses setores, lembra com muito or- uma diretoria forte e muito conseguimos fazer
gulho das realizações que ajudou a concretizar, para o nosso clube, que tantos eventos recebeu e
sempre enfatizando as equipes afinadas que fez também nas domingueiras, que atraía pessoas de
parte e o apoio recebido dos prefeitos. toda a região”, destaca.
Mais do que ajudar a organizar os eventos e Outra boa lembrança que Zitão menciona são
competições, Zitão recorda com muito orgulho os carnavais na praça, em que o povo se divertia
que também participava dos eventos. Campeo- e não tinha briga, apenas diversão. “Fui muito
natos de futebol de campo, como o renomado atuante no carnaval da cidade, sendo inclusive
intermunicipal, o “Pé no Chão” e a “Miniolimpíada presidente da escola de samba Pomba Jhaya e
do Trabalhador” são criações das quais se orgulha mestre de bateria da Fonte de Luz”, recorda.
de ter participado. Esta última foi um comple- Olhando o passado, Zitão demostra nos-
mento aos saudosos desfiles e gincanas de 1º de talgia por antigas construções como os fornos
maio, organizados por Olézio dos Santos e que de cal, o prédio do grupo escolar, o casarão de

74 75
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Agenor Leme dos Santos, entre outros em- não me recordar de todos, mas aos que fizeram
preendimentos que já não existem mais. Tam- parte disso tudo que se sintam igualmente re-
bém é nostálgico e tem uma excelente memória conhecidos”, finaliza.
dos eventos esportivos que participou como Sobre Dito Bueno, tem uma história engra-
goleiro e treinador, inclusive citando grandes çada. “Certa vez, ele nos contou que jogando na
jogadores que atuaram na várzea local. “Tive o várzea foi cobrar uma falta nas proximidades da
prazer de jogar com grandes atletas como João grande área e o goleiro colocou vários homens
Marun, Kito, Bena, Orlandinho, Edson, Balaio, na barreira e todos viraram de costas para o
Marcos Barros, Roque de Barros, Zé Luiz e Torto. cobrador, ficando de frente com o goleiro. Bravo
Grandes atletas”, recorda. com os seus jogadores, o goleiro perguntou para
Para finalizar, Zitão faz uma retrospectiva a barreira o motivo de estarem de costas para o
das obras que marcaram em sua participação cobrador. Então os jogadores teriam dito: você
acha que somos loucos de perder um gol do Dito
na equipe em que atuou na administração
Bueno?”, recorda aos risos.
municipal de Newton Guimarães. “Nessa época
Atualmente aposentado, Zitão foi recen-
grandes obras foram realizadas na cidade como
temente homenageado pela escola de samba
a Câmara e Biblioteca Municipal, o ginásio de
Belarmino Show e pelo Esporte Clube Salto de
esportes, cemitério da Consolação, rodovia do
Pirapora, que deu o seu nome ao ginásio da sede
Minério, Concha Acústica, pavimentação da
campestre.
avenida Pedro Pires de Melo, usina de asfalto,
etc… Não fiz nada sozinho, fui parte da equipe,
mas me orgulho muito de ter participado des-
sas grandes obras, algumas infelizmente não
existem mais”, diz. “Nessa trajetória, grandes
parceiros fizeram parte de nossas equipes, e
faço questão de citar alguns especiais como
Luiz Carriel, Fernando Duarte, Manoel Viana,
Luizinho, Robinson Martins, Clovis, Baldy (Zi-
tinho), Carlinhos Surdeca e Dito Bueno. Sinto

76 77
CAPÍTULO 17

José Antonio Ramos

D
ia 20 de setembro está para os gaúchos
como o 9 de julho está para os paulistas. His-
toricamente, Salto de Pirapora foi caminho
de tropeiros vindos do sul e que deixaram fortes
influências em nossa gastronomia, forma de fa-
lar e viver. Desde 2001 a cidade tem um contato
maior com o tradicionalismo gaúcho, graças à
iniciativa de José Antônio Ramos. Nascido pelas
mãos da tradicional parteira “Mulatinha”, é um
dos sete filhos de Ana de Oliveira Ramos e Fran-
cisco Ramos. Após a aposentadoria dedicou-se

79
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

a ministrar aulas de dança gaúcha na escola Dr. a necessidade de fortalecer o grupo e em 2005,
Afonso Vergueiro aos sábados, juntamente com com aprovação na Câmara Municipal, foi criado
sua esposa Rosana de Brito Ramos e sua filha Ro- o CTG Alma Charrua, que recebeu este nome
berta Ramos, fazendo parte do Programa Escola em homenagem aos índios antepassados de sua
da Família, introduzindo o aprendizado de ritmos avó. Desde sua fundação, seja para membros do
como o vanerão, milonga, chamamé, valsa, bugio, grupo ou eventos sociais, vem fazendo eventos
rancheira, polonesia e polca, danças folclóricas beneficentes. Hoje, o CTG e o grupo de dança
ou tradicionais da cultura gaúcha, sendo ao todo somam 34 integrantes. Com mais de um terço da
26 danças e coreografias. Em 2005, fruto do vi- vida dedicado ao CTG e ao grupo de dança, Ra-
torioso projeto, nascia o grupo de dança Herança mos vem colhendo frutos desse trabalho, sendo
Nativa. sempre convidados a participar de eventos, pois
Ao longo dos anos, a história de vida de Ra- são sinônimos de confiança e responsabilidade.
“A maior finalidade do projeto é tirar a moçada
mos, como é mais conhecido, se funde com a do
da rua, tenho noção que meu legado foi plantado
grupo. Desde o início, já fez a diferença na vida de
com sucesso, os ouço dizendo que a cultura gaú-
mais de 23 mil alunos, de toda a região. “A cultura
cha no interior de São Paulo não é cultura sem o
gaúcha sempre fez parte da minha vida. Meu tio
Ramos, e mesmo sabendo que eles pensam assim,
Zé, irmão do meu pai, era padre e percorreu o
pois pretendo aos poucos me afastar, pretendo
Rio Grande do Sul em missão pela igreja católica.
ser apenas convidado nos eventos. Essa geração
Dele e de meu pai herdei muitos objetos, que
de tradicionalistas está pronta para assumir os
tenho orgulho em tê-los. Alguns que passaram
compromissos”, conclui.
por gerações até chegar em minhas mãos”, relata.
Entre as histórias e causos, conta que seu pai é
tataraneto de Romão Ramos dos Santos, que
era conhecido como português, um dos primei-
ros moradores do nosso município. Casado com
uma índia charrua, ambos estão sepultados em
nossa cidade, sendo o túmulo datado de 1903.
Com o crescimento dos adeptos da dança houve

80 81
CAPÍTULO 18

José Roberto Rosa

J
osé Roberto Rosa é conhecido em terras
paraguaias há muitos anos, onde carinhosa-
mente é chamado de “Chuchu”. Sabe de quem
estamos falando? Se ainda não deu pra matar
a charada, ele é um tradicional comerciante de
produtos eletrônicos na cidade. O seu apelido,
na versão brasileira, é uma fruta tropical, mun-
dialmente famosa. Agora ficou fácil: José Rober-
to Rosa, ou simplesmente, Banana! O apelido é
uma herança do pai, que tinha uma estufa para
amadurecer bananas e acabou pegando para si.

83
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Nascido aos 18 de fevereiro de 1962 em Soroca- dia. “Não dá para ficar arriscando fazer as coisas
ba, viveu a infância e a juventude em Pilar do Sul, na ilegalidade e correr o risco de perder tudo. Além
mas desde os 20 anos mora em Salto de Pirapora. do mais, hoje em dia o Dólar está muito elevado e a
Atualmente é casado com Neusa e tem quatro viagem para o Paraguai é muito cansativa”, relata.
filhos: Roger, Murilo, Renata e Regiane. Dos velhos tempos, Banana sente saudades
Banana trabalhou por vários anos em posto de das opções de lazer que havia na cidade e não
combustível, sendo frentista, lavador, trocador existem mais. “Íamos aos bailes de carnaval, nas
de óleo e chegou até a gerência do Posto Trevão. domingueiras do Esporte Clube Salto de Pirapora
Depois decidiu entrar para o ramo do comércio, e depois esticávamos na Lanchonete do Mariano,
vendendo produtos que buscava no Paraguai, na no Bar do Mário, no Bar do Gênio”, recorda. “Hoje
época dos famosos “sacoleiros”. Por um bom tem- em dia dá tristeza saber que o clube não existe
po, fazia a venda nas feiras livres da cidade. No mais. Infelizmente para se buscar uma diversão
entanto, em 1994 convidou o amigo Sidnei Matias tem que se procurar algo fora da cidade”, conclui.
para montar uma loja e desde então não parou Hoje em dia são muito comuns na internet
mais. Hoje em dia Sidnei já não é mais seu sócio na os famosos desafios em que os youtubers fa-
loja, mas Banana tem uma recordação engraçada zem uns aos outros e recebem dos internautas,
do amigo. “Na época da febre dos famosos pa- nos quais são incentivados a ter ações que
tins de quatro rodas alinhadas, conhecidos como geralmente são bizarras. Banana relata que
speed rollers, o Sidnei foi ao Paraguai e trouxe sempre foi brincalhão e entrava no ritmo dos
uns 50 pares. Quando parado pela fiscalização na amigos sempre que era desafiado a cometer
estrada, o mesmo foi questionado pelo policial alguns exageros, especialmente envolvendo co-
sobre quantos braços e pernas ele tinha. Ao res- mida. Agora ele garante que não comete mais o
ponder quatro, o policial mandou colocar um em pecado da gula. “Cheguei a comer 14 lanches,
cada membro e apreendeu o resto, dizendo que um atrás do outro. Refrigerante de dois litros
não precisava de tudo aquilo”, recorda aos risos. eu tomava no gargalo. Pudim, comi uma assa-
Hoje em dia Banana já não viaja mais para com- deira e meia; garrafa de champanhe tomei seis.
prar as mercadorias que comercializa, comprando Uma vez, estava com vontade de tomar caldo
tudo de importadores e com a documentação em de cana e tomei 12 copos”, lembra.

84 85
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Mesmo sem graves problemas de saúde por


causa da obesidade, Banana resolveu fazer a
cirurgia bariátrica. Ele relata que tem pressão
alta pelo seu peso elevado, mas não tem dia-
CAPÍTULO 19
betes, colesterol alterado ou outros problemas.
“Cheguei a pesar 176 kg em algumas épocas
passadas e a cirurgia foi uma decisão pessoal,
por mais qualidade de vida, não por imposição
ou recomendação médica”, finaliza.
José Roberto Rosa, Chuchu ou Banana, inde-
pendente da maneira que você o conheça, é um
comerciante querido por todos, sempre com um
sorriso no rosto e um atendimento de qualidade.

Lúcio Nestor Galhoto

L
úcio Nestor Galhoto é o precursor do radia-
lismo em Salto de Pirapora. Compadre Lúcio,
como é mais conhecido, nasceu em Birigui em
13 de Dezembro de 1943 e, segundo ele mesmo,
já nasceu apaixonado pelo rádio. “Quando criança
eu brincava com baterias, imaginando que elas
fossem rádios. Com 13 anos já fazia sonoplastia
e operava equipamentos na Rádio Clube de Bilac
(cidade entre Araçatuba e Birigui), onde as rádios
tocavam discos de carvão, já que nem existia o LP
ainda”, recorda.

86 87
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Por volta de 1960, buscando evoluir ainda grande audiência”, lembra. “Fazíamos pedidos
mais no rádio, Lúcio fez cursos de eletrônica, de remédios, cestas básicas, cadeiras de rodas
passando a realizar também a montagem de e todo tipo de ajuda. Pela nossa credibilidade, o
transmissores AM e FM, além de toda a parte que a gente pedia, vinha”, conclui.
de infraestrutura de uma emissora. Ques- Questionado pelo termo rádio pirata, usado
tionado sobre a apresentação de programas, por muitos, ele discorda. “Pirata pra mim é quan-
Lúcio relata preferir os bastidores aos micro- do você tá lesando ou roubando alguém, e eu não
fones, mas é um grande crítico de programas e fazia isso. Além do mais, eu possuía uma liminar
locutores de rádio. de uma juíza da capital que me autorizava a ope-
“Na minha juventude era fã de locutores como rar a rádio”, diz Lúcio, que acha que a principal
Zé Bettio, da Rádio Record, e também dos progra- função do rádio é informar e ajudar as pessoas e,
mas de notícias O trabuco, de Vicente Leporace e segundo ele, não se vê isso em nenhuma emissora
José Paulo de Andrade, na Rádio Bandeirantes”, nos dias atuais. “Nem mesmo as rádios religiosas
lembra Lúcio, que hoje em dia é fã da programa- fazem campanhas para ajudar as pessoas que
ção da Rádio Cultura de São Paulo. precisam, e isso pra mim é errado, pois ao invés
Sobre a vinda para Salto de Pirapora, Lúcio disso elas pedem ajuda para elas mesmas”, relata.
relembra que fazia instalações para a empresa Sobre as novas plataformas de comunicação
Minercal, em Arujá/SP, e conhecia muita gente de existentes na atualidade, Lúcio acha que houve
nossa cidade. A convite do grande amigo Isaias um avanço tecnológico muito grande, mas nem
Pereira de Souza, já falecido, veio morar aqui e mesmo a internet e a TV oferecem rapidez na
com a ideia de montar uma emissora de rádio. Em informação como nas que são feitas pelas trans-
13 de Março de 1995 ia ao ar a Rádio Liberdade missões de rádio, que são democráticas e tem um
FM, pela frequência 107,1 Mhz. poder de alcance muito grande, não dependendo
“No começo foi muito difícil, pois eu tinha de conexões para acessos aos conteúdos, como
poucos discos e comecei as transmissões sozi- ocorre com o mundo virtual.
nho. No entanto, com bastante trabalho social e “Hoje em dia está tudo muito mais fácil, com
comunitário, fomos crescendo e em pouco tem- este monte de tecnologia nova. Nos tempos
po já tínhamos uma programação que alcançava da Liberdade FM fazíamos sorteios de lojas e

88 89
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

transmissão de jogos do campeonato varzeano como a voz da população”, diz Lúcio, que mesmo
nos campos de toda a cidade, com um link de sem a sua emissora, não perde o amor pelo meio
transmissão ligado em uma cabine improvisada, de comunicação que aprendeu a gostar desde
praticamente sem nenhuma estrutura. Além criança.
disso, uma vez, fizemos a transmissão ao vivo da “O rádio jamais irá morrer, pois ele diverte, in-
chegada da imagem de Nossa Senhora Aparecida forma e ajuda. Resumindo, o rádio é companheiro
na cidade, desde o trevo do bairro Green Valley para todas as horas”, finaliza.
até Salto de Pirapora, durante todo o trajeto, da
carroceria de um caminhão, na estrada. Isso tudo
só é possível de se fazer quando se tem amor pelo
rádio”, diz Lúcio, orgulhoso.
Sobre as pessoas com as quais trabalhou em
sua rádio, Lúcio destaca alguns locutores como
Rogério Leite, Lagartinho, Silva Neto e duas locu-
toras, como Drica Ventura e Priscila Amaral, re-
ferindo-se de forma especial à última. “A Priscila
Amaral não era uma simples locutora, era mais do
que isso, era uma comunicadora nata. O carisma
dela com o ouvinte era um dom, e em poucos,
durante minha vida, encontrei isso”, relata.
No entanto, em novembro de 2000, por uso
em manobras de politicagens de duas pessoas, a
Justiça determinou o fechamento da emissora,
no auge do sucesso. “Eu não vou nem citar essas
pessoas, pois nem vale a pena, mas quando elas
lerem saberão que é delas que estou falando.
Tentando prejudicar a mim, acabaram preju-
dicando a cidade, que já tinha abraçado a rádio

90 91
CAPÍTULO 20

Maria José Martins Fogaça

F
ilha de Roque Martins Fogaça e Olga Guilher-
me da Rocha Fogaça, Maria José Martins
Fogaça, ou simplesmente “Zezé do Rainha”
sempre trabalhou no restaurante dos pais, an-
tes mesmo da instalação no local atual, há mais
de 50 anos. Para surpresa de muitos, Zezé não é
cozinheira. Sua relação com a cozinha vem pelos
negócios da família, desde a década de 70. “Ser-
víamos a refeição para o padre Boaventura Ma-
nara e com a chegada de empresas mineradoras
na cidade, a demanda acabou crescendo muito.

93
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Lembro que certa vez um grupo de funcionários eu tenho saudades dele. Tudo que eu falei, sobre
da Matarazzo queria que servíssemos refeições as opções de lazer e cultura, o senhor Olézio foi o
para eles e disseram que se um padre comia, eles grande incentivador. Um homem extremamente
comeriam também”, recorda, aos risos. amoroso com a cidade, que dava aulas particu-
O movimento só cresceu e, em 1962, o res- lares para preparação dos alunos para o exame
taurante Rainha foi inaugurado onde se encontra de admissão no ginásio, e tudo com recursos pró-
atualmente, e as demandas só crescendo. “Naquela prios dele. Definitivamente, um homem muito à
época servíamos as refeições para as empresas em frente do seu tempo”, relembra.
marmitas de alumínio, não era em descartáveis Muito bem humorada e extremamente forte,
como hoje. O ritmo de trabalho para dar conta de Zezé não esconde a luta que trava para comba-
lavar e montar mais de 200 marmitas não era fácil”, ter um câncer. Mas para quem pensa que isso é
relata. Quando questionada sobre a juventude, Zezé motivo para demonstrar fragilidade e reclamar
da sorte, ela manda um recado. “Não é fácil o tra-
se empolga com as lembranças dos grandes eventos
tamento, mas se Deus nos dá a possibilidade de
que existiam na cidade. “Como eu gostava do des-
correr atrás, cabe a nós enfrentarmos a doença.
file de 1º de Maio, das gincanas do trabalhador, dos
O abatimento e a lamentação não curam, então
torneios de cidade contra cidade, dos desfiles das
bola pra frente. Enquanto Deus me der forças,
escolas, das peças teatrais, quanta saudade”, re-
vou adiante, dia após dia. É necessário muita
lembra. Nas opções de lazer, segundo Zezé, o clube,
energia para essa luta”, finaliza.
que ficava na Silvino Dias Batista, apesar de peque-
no, era muito movimentado. “Fazíamos bailes de
debutantes, de carnaval e inúmeras vezes fizemos
eventos para levantar fundos para a construção da
sede central do Esporte Clube e era um sucesso.
As meninas disputavam o título das competições
entre os fornos de cal São Pedro e Incalesa e quem
conseguia vender mais votos era a rainha”, diz.
Sobre os amigos de antigamente, Zezé se
emociona ao lembrar de Olézio dos Santos. “Como

94 95
CAPÍTULO 21

Neyde Leme dos Santos

N
eyde Leme dos Santos nasceu em Salto de
Pirapora em 9 de novembro de 1946. Filha de
Salvador Leme dos Santos e Romilda Bene-
detti Santos, tem três irmãs: Ilda, Maria José e Ilva.
A sua infância foi basicamente a que se tinha
no então distrito de Sorocaba: subir em árvores,
carrinho de rolimã, entre outras brincadeiras.
Os estudos do primário e ginásio foram reali-
zados no Grupo Escolar Afonso Vergueiro. Cur-
sou técnico em administração na Organização
Sorocabana de Ensino (OSE) e posteriormente

97
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

licenciatura em Educação Física e também His- mudando os cabos de lugar. Com o decorrer
tória e Geografia. dos anos, foi aumentando o número de linhas
Assumidamente peralta, Neyde lembra que e basicamente os empresários e comerciantes
chegou ao ponto de apanhar de sandália do que tinham telefones em suas casas. Tempos
padre Boaventura Manara, pároco da cidade depois, chegou o primeiro orelhão, que ficava
na época. “Certa vez subi na torre do relógio na área central, onde hoje é a praça Francisco
da matriz e não conseguia descer. Comecei a Pedroso de Brito. Dessa época, todas as ligações
chorar e o padre me ouviu e foi me socorrer. passavam pela telefonista, que completava as
Quando terminou de me acudir, arrancou a chamadas, pois não havia ligação direta. Por
sandália e me deu duas chineladas e levou para esse motivo, Neyde relata que conhecia a voz
a minha casa. Para a minha mãe, ele disse que já de praticamente todas as pessoas, mesmo tra-
tinha dado início, e que minha mãe terminasse balhando na central em Sorocaba. “Certa vez,
o serviço”, relembra. Apesar da surra, Neyde começaram a passar trotes e eu conheci a voz
relata um carinho e respeito muito grande do dos três que estavam no telefone e falei que
padre pela sua família. “Ele pedia para que eu ia entregá-los para seus pais. Tempos depois,
fosse limpar a casa dele e ficava na minha mãe encontrei os três e rimos muito da situação. Era
aguardando terminar o serviço. Assim que eu o Carlinhos do seu Elias, o Alfredinho do Lauzão
chegava, ele voltava”, diz. e o Pedro Paulo Benedetti”, recorda, aos risos.
A maior fase profissional, apesar das for- Testemunha ocular da solenidade de insta-
mações adquiridas, se iniciou na Companhia lação do município, com a posse do primeiro
Telefônica de Salto de Pirapora, empresa fun- prefeito, Neyde tem um grande acervo de
dada com investimentos de Agenor Leme dos recortes e material histórico de nossa cidade,
Santos, Aníbal de Goes, Manoel da Costa Pereira mas nada supera sua memória, com riqueza de
e Gonçalo Correia, para a venda da cal produzida detalhes. Cada evento importante que a cida-
nos fornos da cidade. Depois foi migrada para a de teve desde sua emancipação não escapam
COTESP e por fim a TELESP. “Nesse tempo, o te- de sua memória afiada. Assim como sempre
lefone tinha apenas um algarismo e necessitava foi, durante toda a vida, Neyde se empenha em
de uma telefonista para completar as ligações, ajudar quem precisa. “Adoto como lema aquele

98 99
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

ditado de que quem não vive para servir, não


serve para viver, pois abdiquei de tudo para
cuidar das pessoas que amo, sendo familiares
ou não”, finaliza.
CAPÍTULO 22
Neyde é um exemplo de mulher lutadora,
que se desprendeu da própria vida sentimen-
tal para cuidar de quem precisava de sua mão
amiga. Mesmo sem ter filhos, cuidou com de-
dicação maternal dos pais, sobrinhos, da irmã e
também de quem precisou de sua colaboração
nos serviços voluntários na Casa Áurea e Santa
Casa de Misericórdia.

Norma Castellani de Brito

N
orma Castellani de Brito, ou simplesmente
Dona Norma, é filha de um casal de imigran-
tes europeus (pai Italiano e mãe espanhola).
Nasceu aos 19 de fevereiro de 1919, na cidade de
São Roque/SP. Casou-se aos 17 anos com Araldo
Pedroso de Britto na cidade de Sorocaba e, des-
de então, vive em Salto de Pirapora. Teve quatro
filhos, sendo Álvaro, Serly, Claudiney e Iverany. Ál-
varo faleceu ainda bebê, aos cinco meses, e Clau-
diney faleceu aos 28 anos, vítima de um acidente
de caminhão na cidade de Rosário, na província de

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DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Santa Fé, na Argentina. Por ser muito querido e mas é muito grata ao sogro Francisco Pedroso de
também um esportista de destaque no Esporte Britto, que lhe deu todo o suporte para continuar
Clube Salto de Pirapora, seu nome (Claudiney Na- o trabalho. Mesmo tendo estudado até a quarta
talício de Brito) foi dado ao ginásio municipal de série, fato normal para a época, Dona Norma tem
esportes de nossa cidade. a notoriedade de ser uma mulher pioneira.
Dona Norma praticamente viu a cidade se Além de ter sido a primeira juíza de paz, foi
desenvolver, pois segundo ela conta, quando também a primeira vereadora e a primeira tabeliã
veio morar na cidade não existia nenhuma es- da cidade. Mas, como tudo tem seu tempo, ela
trutura urbana. “A água tínhamos que pegar e própria decidiu parar com a celebração de casa-
armazenar em tambores. Como aqui não existia mentos, depois de milhares de atos. Ainda nos
energia elétrica, usávamos lampiões para cla- dias de hoje, nas poucas vezes que sai de casa,
rear a noite e as ruas eram todas de terra, tudo Dona Norma relata que recebe o carinho da popu-
lação, inclusive com muitas pessoas dizendo que
muito rústico”, lembra.
ela celebrou o casamento de filhos e até de netos.
Além disso, ela relata como era a vida no
A sua família, constituída nesta terra, rendeu
então Distrito de Salto de Pirapora, antes da
muitos frutos, pois dos filhos de seu casamento
emancipação. “A minha casa era praticamente
vieram netos, bisnetos e tataranetos.
uma prefeitura, pois fazíamos de tudo. Além de
registros de nascimento e casamentos, meu ma-
rido e eu éramos procurados para auxiliar na so-
lução de demandas diversas da cidade e o tempo
todo tinha gente com alguma coisa pra resolver.
O cartório, quando começou, era uma mesa com
quatro cadeiras”, relata.
Apesar de ser uma mulher guerreira e bata-
lhadora desde sempre, a vida lhe deu mais um
duro golpe quando, aos 41 anos, ficou viúva e
se viu obrigada a administrar o cartório sozinha.
Desta época ela recorda com saudades do marido,

102 103
CAPÍTULO 23

Olyntho Rodrigues Garcia

O
lyntho Rodrigues Garcia nasceu em Itape-
tininga aos 17 de julho de 1931. “Quando
tinha uns 15 anos trabalhei com um italiano
relojoeiro e ele não me deixava nem tocar nos re-
lógios. Mesmo assim, só de olhar, aprendi a fazer
os reparos. Inclusive com a formação técnica cer-
tificada pela relojoaria Mido”, relembra.
A formação de óptico-optometrista veio
depois, em 1963. Visando agregar ao amor pelos
consertos de relógios e aos óculos, após já ter a
experiência de ter a sua própria loja no centro de

105
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Sorocaba, foi um dos integrantes da frente de para Salto de Pirapora para conhecer a loja e a cida-
comerciantes que reivindicou para a Boulevard de, para uma eventual aquisição. Confesso que na
Dr. Braguinha se tornar um corredor comercial. A época não gostei nem de uma coisa, nem de outra.
visão de futuro foi tão certeira que até hoje a via De nada adiantou, pois Olyntho já tinha acertado
é uma referência de comércio popular. todos os detalhes do negócio e em 5 de fevereiro de
Sempre aprimorando na prestação de seus 1991 eu já estava aqui na cidade”, relembra.
serviços, junto com o proprietário do antigo Nos primeiros meses, Terezinha recorda
Centro Ótico Pasini, desenvolveu a forma que vinha de Sorocaba e voltava, todos os
de atendimento diferenciado para a referi- dias, de ônibus, com o filho Alexandre. Dessa
da ótica. “Antigamente as óticas atendiam época, Olyntho e a esposa são gratos, além do
os clientes em um balcão, em pé, como uma casal Elesbão e Serly, à também amiga Judith
farmácia. Visando prestar um atendimento Gimenez. “Não conhecíamos ninguém por aqui
mais confortável, implantamos o atendimento e ela nos ajudou muito, inclusive referencian-
sentado, em frente ao atendente, com um es- do a locação de um imóvel da dona Leonor, no
pelho articulado”, relata. centro da cidade. Lá foi nossa primeira casa na
Já bem estabelecido na cidade de Sorocaba, cidade”, recordam.
buscou expandir os seus serviços para outros lu- Sempre ativo no desenvolvimento local,
gares, mesmo com opiniões contrárias. Benedito Olyntho é um dos fundadores do Rotary Club
Pagliato, um de seus amigos, chegou a desestimu- de Salto de Pirapora, que teve como primeiro
lá-lo da ideia, achando perda de tempo investir em presidente o amigo Elesbão Gonçalves, em 1993.
uma cidade de comércio fraco e que tem ônibus de Ações pioneiras na época são lembradas até hoje,
15 em 15 minutos para Sorocaba. Mesmo assim, como os famosos intercâmbios de rotarianos.
Olyntho foi persistente. Apareceu a oportunidade Inclusive, seu filho Alexandre e a Nívea, filha de
de adquirir a antiga Ótica Aliança, no prédio de Eli de Góes Vieira, foram os primeiros intercam-
propriedade do Elesbão Gonçalves (Zito) e da Serly bistas a viajarem para os Estados Unidos.
de Brito. Segundo Terezinha, esposa de Olyntho, a Há 30 anos na cidade, a Ótica Saltense só
maneira como veio parar na cidade foi inesquecível. tem agradecimentos pelo acolhimento dado pela
“Era 3 de fevereiro de 1991 e Olyntho me trouxe cidade. Inicialmente contrária à mudança, Tere-

106 107
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

zinha hoje defende a cidade dos que falam mal.


“Graças a Deus a primeira impressão que tive não
foi a que ficou. Aqui terminei a criação de meus
filhos, tivemos o reconhecimento da cidade com
CAPÍTULO 24
o nosso comércio e hoje posso dizer com todo o
orgulho que me amo esta cidade e me considero
saltopiraporense”, finaliza Terezinha.
Por acreditar na cidade, mesmo com opiniões
desfavoráveis e contrárias, podemos afirmar,
com a mesma precisão e certeza de um relógio
suíço, que Olyntho enxergou um futuro promissor
nesta terra.
Faleceu em 14 de janeiro de 2021 aos 89 anos.

Osmir Albuquerque de Souza

O
smir Albuquerque de Souza nasceu em 15
de dezembro de 1960 na rua Vicente Fer-
reira dos Santos e teve uma infância como
a da maioria das crianças da época. “Jogava bola
praticamente todos os dias no campinho do João
Canalle, que ficava bem em frente à nossa casa.
Além disso, os circos e parques de diversões que
vinham à cidade ali se instalavam”, recorda.
Segundo Osmir, nessa época a rua era co-
nhecida como rua da Maria Italiana ou rua da
paia (paia mesmo, não palha), pois ali existia

108 109
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

uma máquina de beneficiamento de arroz e a Banco Bamerindus. Na época já pensava em abrir


“paia” se tornou um sinônimo da identificação uma papelaria, o que se concretizou em 1982.
da rua pelos que ali residiam na época. Um pou- Como deu certo, pediu demissão do banco para
co acima existia a Granja São Luiz, onde todos dedicação exclusiva ao comércio.
os dias ia buscar leite e não voltava embora sem Adepto a uma boa pescaria, Osmir lembra de
antes tomar uma caneca de leite com chocolate, uma situação ocorrida no rio Taquari, no Mato
oferecido pelo seu Elpídio Domingues. Grosso do Sul. “O dia estava acabando e não
Nesse mesmo local aconteciam as festas, havíamos pescado nenhum peixe de expressão e
com bandas de música, fogos, leilões e até uma cansados sob um calor de 40 graus resolvemos ir
tourada amadora, que divertia aos presentes. embora. Encontramos um barco com fotógrafos
Estudava no Afonso Vergueiro e aos 12 anos que nos avisaram de um local onde havia peixes
começou a trabalhar como marmiteiro, que é pequenos e os pintados estavam atrás delas.
como se chamavam os garotos que levavam Fomos até o local já anoitecendo e começamos a
marmitas da cidade aos operários das pedrei- pescar. Pegamos tantos peixes que tivemos que
ras e fábricas de cal. “Éramos um grupo de 12 parar para o barco descarregar e voltar nos bus-
marmiteiros e percorríamos 12 km diários, entre car. Aí começou o sofrimento, pois ficamos mais
a ida e a volta, com sol ou chuva, para levar as de duas horas esperando os barcos, no meio de
refeições”, lembra. nuvens de pernilongos e o repelente não dava re-
Aos 13 anos Osmir entrou para a Patrulha sultado. Foi um alívio quando os barcos chegaram
Cívica Mirim, que era um grupo similar ao que e pudemos voltar ao acampamento. Só quem é
hoje é conhecido como a Guarda Mirim. A patru- fã de uma pescaria sabe o quanto isso é bom,
lha tinha por objetivo desenvolver a disciplina, mesmo com toda essa dificuldade”, recorda.
responsabilidade e civismo, ajudando a formar o Sempre ativo na comunidade, Osmir já par-
jovem para o futuro. Foi graças ao trabalho ali de- ticipou da diretoria do Esporte Clube Salto de
senvolvido que começou a trabalhar como office Pirapora, Santa Casa de Misericórdia, Casa Áurea
boy no escritório do Gumercindo e mesmo com o dos Velhinhos e Rotary de Salto de Pirapora, do
fim da patrulha acabou efetivado e lá ficou até os qual foi um dos fundadores na década de 90 e
20 anos, de onde saiu para trabalhar no extinto permanece até hoje.

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DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Quando questionado sobre o que mais tem


saudades do passado, Osmir se lembra das casas
que praticamente não tinham trancas, pois havia
respeito pela propriedade dos outros. Também
CAPÍTULO 25
recorda dos desfiles cívicos, quermesses na ma-
triz, do cinema do Neto e das atividades culturais
promovidas pelo Olézio dos Santos, como o teatro
de encenação da Independência.
Casado com Sueli, é pai de Raquel e Taís, e tem
duas netas, Manuella e Elisa.

Paulo Roberto Borges

P
aulo Roberto Borges nasceu em Barra Mansa/
RJ em 27 de setembro de 1963 e em janei-
ro de 1987 entrou para os Correios. Por dez
anos trabalhou em Cubatão/SP e em 1997 veio
para Salto de Pirapora, onde desde então fixou
residência. Trabalhou na central de distribuição
em Sorocaba e, posteriormente, na agência local.
Recém-aposentado, Paulinho diz que é mui-
to grato aos Correios, que lhe proporcionaram
uma experiência esportiva fantástica, que lhe
acompanhará para sempre: as corridas de rua.

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DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

“Participei por curiosidade da edição de 2002 “Quando a criança espera algo e a gente chega
da tradicional corrida dos carteiros e não parei pra entregar, eles nos recebem com um cari-
mais”, lembra Paulinho, que tem no seu currícu- nho enorme, como se eu tivesse comprado o
lo inúmeras participações em provas regionais e presente”, relembra Paulinho, aos risos.
nacionais, como a São Silvestre, Meia Maratona No entanto, os momentos mais emocionantes
do Rio de Janeiro e a Maratona de São Paulo, e as manifestações de gratidão mais inesquecí-
prova esta que, na sua avaliação, é a mais difícil veis são das entregas dos presentes das cartinhas
que já disputou. Sobre os desejos no esporte, de Natal, deixadas nas agências. “Muitas vezes
sonha em participar de uma prova internacio- os presentes pedidos são abertos na hora que
nal e da prova que é disputada dentro do Par- entregamos, e aí podemos perceber o quanto
que Nacional do Iguaçu, conhecida como a Meia o mundo consumista em que vimemos não faz
Maratona das Cataratas. parte da realidade de muita gente. Camisetas,
par de chinelos, comida, sonhos simples que nós
Quando questionado sobre o sentimento
podemos participar e receber um abraço emocio-
que tem pelos Correios, Paulinho responde
nado de agradecimento, dizendo que foi o tio do
com uma palavra: gratidão. “Graças ao Cor-
Correio que deu”, conta Paulinho, orgulhoso.
reios pude sustentar minha família, ter a
minha casa, meu carro e a possibilidade de
fazer inúmeros amigos ao longo dos 20 anos
que estou aqui. Não vou citar nomes nos meus
agradecimentos para não ser injusto e esque-
cer alguém, mas agradeço a população como
um todo”, diz Paulinho, que ainda recorda
momentos especiais ao longo da sua carreira,
que proporcionam emoções que o dinheiro
não pode pagar. Segundo ele, o mais gratifi-
cante de ser carteiro é poder fazer a entrega
de um presente que você não comprou, mas
ser recepcionado como se tivesse comprado.

114 115
CAPÍTULO 26

Rene Santos

R
ene Santos nasceu em 15 de outubro de 1943
em Salto de Pirapora. De família tradicional,
é bisneto de Antonio Leme dos Santos (nome
da praça central), neto de Pedro Aleixo dos Santos
(nome da rua da antiga prefeitura) e Francisca
Ramos dos Santos (conhecida como Mulatinha,
tradicional parteira da cidade e que também é
nome de rua e creche).
Com 60 anos de experiência e exclusiva de-
dicação ao ofício de barbeiro, Rene conta que
aprendeu a profissão com o pai, que também

117
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

era barbeiro, desde os sete anos. Não tinha al- seus clientes mais fiéis, há alguns que cortam
tura para trabalhar em uma cadeira, mas subia o cabelo com ele há aproximadamente 50 anos.
em um caixote de madeira e cortava o cabelo Rene é um profissional apaixonado pelo que
de irmãos e parentes. Rene lembra exatamen- faz. Visionário, foi o primeiro cabeleireiro unis-
te como foi o dia em que começou a trabalhar sex da cidade, com lavagem e escova de cabelos,
como barbeiro. “Eu tinha uns 12 anos e estava por volta de 1977.
com meu pai na barbearia, engraxando sapatos Em seu entendimento, a sua profissão se
dos clientes que aguardavam o atendimento. assemelha à de um padre, recebendo uma
Nisso entrou um senhor que tinha compromisso confissão. “Todo tipo de gente passa pela nossa
em Sorocaba e estava atrasado, perguntando se cadeira, e cada uma tem um assunto que gosta
não tinha como fazer a barba na vez de alguém. de conversar. Nem sempre é futebol, política ou
Diante da negativa de todos, meu pai disse ao religião. Às vezes são aflições que tem em casa
homem que eu faria a barba dele. Olhei assus- e acaba encontrando no salão um confidente,
tado para o meu pai, me colocando numa fria no qual confia a exposição dos seus problemas.
destas, mas como na época não contrariávamos De forma alguma o que um cliente conversa co-
nossos pais, fiz o serviço. O homem gostou tanto migo no salão sai do salão, pois respeito demais
que disse que a barba que eu fiz com a navalha meus clientes”, relata.
ficou melhor do que a que meu pai fazia. Ao fi- Como ninguém vive só de trabalho, Rene foi
nal, os demais clientes queriam que eu também ativo contribuinte da cultura e entretenimento
fizesse a barba deles”, relembra aos risos. da cidade. Dom Pedro I em desfile cívico, cantor
Daquele momento para a frente a confiança de carnaval, vice-presidente do Esporte Clube
aumentou e a clientela só cresceu. Com o au- Salto de Pirapora. Dessas épocas sente saudade
mento da demanda, começou a cortar cabelo da interação das pessoas, do interesse pelas
também, com a mesma forma de incentivo do coisas da cidade. “O que mais tenho saudade
pai, lhe dando uma tarefa sem perguntar se dos tempos antigos são as conversas em frente
queria e podia fazer. Não só deu certo, como ao portão de casa, madrugada adentro. Não se
cresceu tanto que chegou ao ponto de clientes tinha preocupação com criminalidade, tínhamos
de seu pai optarem pelos seus serviços. Entre confiança em permitir as pessoas dentro de casa.

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DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Hoje, infelizmente, isso não é mais possível. Não


se tem mais aquele costume de cumprimentar
as pessoas na rua, saber quem são. Em minha
opinião isso é um peso que o crescimento das
CAPÍTULO 27
cidades acarreta nos dias atuais. Não somos nada
além do que um número, nada mais”, desabafa.
Na atualidade, além do trabalho no salão,
que orgulhosamente conta que foi o único
que desempenhou durante toda a vida e deu
o sustento da sua família, Rene participa da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia e do
Rotary Club de Salto de Pirapora. “No que posso
contribuir, estou sempre ajudando. Apesar de
estar chegando aos 80 anos, gosto de estar
engajado com causas beneficentes ao próximo Sebastião Ribeiro Justino
e isso me faz muito bem”, finaliza.

S
ebastião Ribeiro Justino nasceu em 19 de
janeiro de 1945 na cidade de Pouso Alegre/
MG. Chegou a Salto de Pirapora em 1953,
no antigo Bechara (atual Quintas), e veio morar
na cidade em 1958. O “Pelé da Lyra”, como tam-
bém é conhecido, perdeu a mãe muito cedo e foi
adotado pelo casal Otávio Pereira e Julieta Rosa
da Conceição, aos cinco anos. “Mesmo sendo
adotado, fui tratado como um filho biológico pe-
los meus pais, que davam o mesmo carinho e as
mesmas broncas que os outros levavam. Tivemos

120 121
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

uma educação muito rígida, mas também muito Dono de uma memória fantástica, Sebas-
amorosa. Em hipótese alguma eles aceitavam tião tem um conhecimento de praticamente
algum tratamento diferenciado pra mim por ser todas as famílias mais antigas da cidade, lem-
negro. Era tudo exatamente igual, para tudo”, brando-se de boa parte dos que fizeram parte
lembra. da história. Muito provavelmente o nome da
Estudou apenas até o segundo ano, pois na rua que o leitor mora seja de alguém que Pelé
época era muito comum ter que trabalhar desde conheceu ou conviveu. Lembra, inclusive, do
cedo. Começou a vida profissional aos 13 anos, plebiscito em que o então distrito optou em se
trabalhando nas Indústrias Matarazzo, onde emancipar da cidade de Sorocaba e caminhar
entrou e saiu várias vezes. Assim que se tornou como cidade com as próprias pernas. “A cidade
adulto, exerceu sempre a profissão de moto- cresceu, mas eu mantenho na minha cabeça o
rista. Os empregos mais longevos foram com a conhecimento das famílias e das pessoas como
se a cidade ainda fosse pequena. Tenho orgulho
família Benedetti e na COSIPA, onde ficou por 19
de poder manter vivas as lembranças desta
anos, quando se aposentou.
cidade que tão bem me acolheu”, finaliza.
Das lembranças que tem da juventude, recor-
Faleceu em 13 de fevereiro de 2021 aos 76 anos.
da a rigidez da educação que existia. “Meu pai não
gostava que a gente nem jogasse e nem assistisse
futebol. Ficar em bar então, nem pensar. Mas eu
soube aproveitar. Comecei a jogar futebol assim
que casei aos 21 anos e joguei até os 50 anos, só
pra compensar”, recorda.
Já que o esporte não era bem visto, acabou
se interessando pela música, quando entrou
para a Lyra São João Batista. “Entrei na banda
em 1963 e comecei a aprender os instrumentos
meio que por curiosidade. Depois peguei gos-
to pela percussão, mas também toco outros
instrumentos”, relata.

122 123
S obre o autor

Apesar de não fazer


parte diretamente de
sua formação profissio-
nal (Segurança do Tra-
balho, Atendimento de
emergências e Gestão
de Recursos Humanos)
começou a escrever a
coluna Da nossa terra
para o Jornal da Cidade
e desde então esta tem
se mostrado uma das
preferidas dos leitores,
tanto na edição impres-
sa, quanto na versão
LUCIANO DINIZ CAMARGO para internet.
é natural de Salto de
Pirapora, nascido aos Admirador da história
13/02/1980 e filho de local, decidiu compilar
Dair de Souza Camargo o acervo da coluna para
(Jair Mariano) e Maria esta obra homônima,
de Lurdes Diniz Camargo como forma de valori-
(Lurdes costureira). Casa- zar e eternizar perso-
do com Vanessa de Goes nagens da história local
Vieira Camargo, tem três neste primeiro volume
filhos: Fernando, Mariana que, ao que tudo indica,
e Lorena. terá edições futuras.

125
DA NOSSA TERRA DA NOSSA TERRA

Hino ao município de Salto de Pirapora


(Oficializado pela Lei Municipal nº 353, de 19 de novembro de 1981)

Letra: Olézio dos Santos

Terra tão bela minha querida,


Doce vaidade sinto eu agora.
És orgulho de minha vida,
Ó minha Salto de Pirapora.

Querida Salto de Pirapora,


Por ti luta quem te adora.
Só por ti quero viver,
Em ti pensando hei de morrer.

Nos verdes campos da rica terra,


Muge sadio gado exemplar.

B r as ã o d e S alt o d e P i r a p o r a Lindas pedreiras teu solo encerra,


Tua grandeza sempre a mostrar.

Querida Salto de Pirapora,


(Instituído pela Lei Municipal nº 6, de 2 de novembro de 1957)
Por ti luta quem te adora.
Características: Só por ti quero viver,
Em ti pensando hei de morrer.
Escudo – contorno clássico português, cortado em campo verde e
azul e no chefe de centro uma faixa verde, contendo a figura de um
touro (em ouro), no meio um ramo de café, um feixe de espigas de No céu azul que te cobre puro,
arroz e um forno de cal prata, com chaminé em atividade e ao pé Sobe a fumaça do teu labor.
um rio prata, atravessando o escudo, vendo-se o salto. Hino de glória a teu futuro,
Jura de paz e santo amor.
Timbre – coroa mural de cinco torres de prata.

Suportes – um laço de fitas (verde, amarelo, vermelho, preto e Querida Salto de Pirapora,
branco), subindo e formando o pé do brasão. Por ti Luta quem te adora.
Dístico – em listel de goles, sobre os suportes, o dístico: Salto Só por ti quero viver,
de Pirapora. Em ti pensando hei de morrer.

126 127
Camargo, Luciano Diniz
Da nossa terra | Luciano Diniz Camargo
Salto de Pirapora, 2021, 128 p

ISBN: 978-65-00-24982-8

1.Da nossa terra - I. Título

Esta obra foi composta com a fonte


Margem, em 12pt, com a medida 14x21mm no
papel sulfite, de gramatura de 75g

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