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TERRA EM TRANSE:

O BRASIL EM TEMPOS DE NEGACIONISMO

Cleriston F.A.1

Resumo: A temática do negacionismo tem suscitado diversas indagações sobre os caminhos


da democracia na sociedade brasileira atual, principalmente após a posse de Jair Messias
Bolsonaro ao cargo de presidencial da República do Brasil. Somando o quadro geral de que
nossas elites sempre estiveram em conluio com ideais de supremacia socioeconômica e racial,
onde as problemáticas históricas não apenas foram relegadas ao desprezo e ao descaso, mas
foram maximizadas de maneira a se criar um quadro favorável às ideologias onde a
intolerância e a irresponsabilidade propositais são encaradas como um modus operantis aceito
e dogmatizante. O presente trabalho de pesquisa científica tem como objetivo conhecer e
analisar as principais causas e efeitos do negacionismo aceito pela parcela de brasileiros que
apoiam o atual governo e suas diretrizes que promovem, de maneira direta, a emersão de uma
onda de anti-cidadania em defesa das linhas democráticas de civilidade institucional, de
relações culturais e científicas. Trata-se de um estudo com base bibliográfica de caráter
teórico, de campo e estudo de caso. Dos 10 (dez) artigos pesquisados, tendo como referenciais
de pesquisa os termos negacionismo e bolsonarismo, conclui-se que o conhecimento do
termo e suas imediatas consequências demonstram a urgência de uma ação coletiva e
democrática para reverter as situações atuais e futuras de uma ação predeterminada e
interessada na subversão das medidas civis e institucionais relativas ao interesse da
coletividade guiada pelo bom senso e harmonia de pluralidade sociocultural.

Palavras-chave: negacionismo; bolsonarismo;

Summary : The theme of denial has raised several questions about the paths of democracy in
current Brazilian society, especially after Jair Messias Bolsonaro took office as President of
the Republic of Brazil. Adding the general picture that our elites have always been in
collusion with ideals of socioeconomic and racial supremacy, where historical issues were not
only relegated to contempt and neglect, but were maximized in order to create a favorable
framework for ideologies where intolerance and willful irresponsibility are seen as an
accepted and dogmatizing modus operantis. This scientific research work aims to understand
and analyze the main causes and effects of the denial accepted by the portion of Brazilians
who support the current government and its guidelines that directly promote the emergence of
a wave of anti-citizenship in defense of the democratic lines of institutional civility, of
cultural and scientific relations. It is a bibliographically based study of theoretical character,
field and case study. Of the 10 (ten) articles researched, having as research references the
1
Graduado em Filosofia pela Faculdade de Santa Cruz da Bahia – BA desde 2016; pós-graduado em Docência
do Ensino Superior pela Unifacs desde 2019; professor do ensino médio desde 2018 e atual graduando em
Física pela Uniasselvi.
2

terms negationism and pocketnarism, it is concluded that the knowledge of the term and its
immediate consequences demonstrate the urgency of a collective and democratic action to
reverse the current and future situations of an action predetermined and interested in the
subversion of civil and institutional measures relating to the interest of the community guided
by common sense and harmony of sociocultural plurality.

Keywords: denialism; bolsonarism;

1. Introdução

O presente trabalho de pesquisa científica promove a discussão e analisar as origens da


recente onda de negacionismo em diversas frentes de contestação de dados e opiniões
contrarias, em especial, aos interesses imediatos do atua governo federal eleito em 2018,
tendo como chefe do Executivo o presidente Jair Messias Bolsonaro, no momento sem partido
político, fator que coloca em evidencia sua ambiguidade em relação ao papel mediador em um
processo realmente democrático e transparente.
Fica evidente, portanto, a importância da analise e discussão dos meios pelos quais
aliados e eleitores o enxergam como um Salvador da Pátria 2 na encarnação de um verdadeiro
“mito”. Tal posição claramente dogmática pode estar ligada à base conservadora,
tradicionalista, moralista e (novidade) neopentecostal que aprova, palavra por palavra, cada
manifestação do presidente por meio de uma metodologia que foge dos protocolos e canais
oficiais (redes sociais pessoais, vídeos sem premeditação protocolar, manifestações populares
irresponsáveis etc.).
Como ressalta o pesquisador Guilherme Ignácio Franco de Andrade em seu trabalho A
trajetória da extrema direita no Brasil: integralismo, neonazismo e revisionismo histórico
(1930 - 2012), já há cerca de cinco anos antes de sequer se cogitar a candidatura de Bolsonaro
ao pleito presidencial:

"Por exemplo, em 9 de abril de 2011, alguns grupos de extrema direita fizeram uma
manifestação na cidade de São Paulo a favor do Deputado Jair Bolsonaro5. A
organização para a realização da manifestação começou através da internet, nas redes
sociais do Orkut e Facebook, nas comunidades dos grupos. No site do suposto

2
Referência ao título da novela da rede Globo de 9 de janeiro a 12 de agosto de 1989, cuja trama é a
da eleição de um simplório matuto para o cargo de prefeito de uma pequena cidade do interior do
Brasil que, como de praxe, é controlada por uma complexa rede de interesses, segredos e crimes do
colarinho branco. O matuto em questão, Sassá Mutema, no entanto, se rebela das influências
partidárias e segue como um inovador das práticas politicas ao seu modo bronco e inocente.
3

partido Nacional Socialista Brasileiro 88 os grupos integrantes se mobilizavam nos


fóruns de discussão para combinar o dia da manifestação, quais grupos estavam a
favor da marcha, quem lideraria, quais pontos deveriam ser expostos6. O site do
partido7 era a ferramenta de articulação de vários grupos do Brasil, entre eles:
Kombat Rac; White Power SP; Front 88; Ultra Defesa; Ultra Skins; Brigada
Integralista; Resistência Nacionalista; Terror Hooligans." (ANDRADE, 2013)

O grande efeito de tudo isto é a posição contraditória da massa de manobra à favor de


tais atitudes pautadas pela intemperança do momento, falta de preparo técnico ou logístico
para qualquer tipo de pronunciamento ou decisão, exaltação de comportamentos
inconsequentes mas, no entanto, razoáveis para com o procedimento padrão do cidadão
mediano que se vê espelhado no “mito”: uma pessoa pretensamente simples, comum e “gente
da gente”.
Desta forma, a necessidade da identificação de tais mecanismos que operam à favor do
bolsonarismo3 (e demais formas políticas) e da sua aceitação cega e obediente são evidentes,
pois desde o início deste governo as assertivas à favor de posições autoritárias, racistas,
obscurantistas, sub-moralistas e anti-éticas se mostram o “novo normal” do dito patriota-
padrão: eufemismo nacionalista, exaltação da força militar como resposta a todo e qualquer
problema de ordem social, completa e equivocada visão revisionista dos dados históricos e
mesmo quebra de protocolos de bioética médica e clínico/medicamentosa.
Segundo ainda Guilherme Ignácio Franco de Andrade, o negacionismo encontra suas
bases “teóricas” na produção intelectual de margem ao academicismo oficial e
metodologicamente científico. Pensadores da Direita como Olavo de Carvalho ou as
produções independentes direcionadas aos neonazistas brasileiros (alimentadas por fontes
externas), são o arroz com feijão que sustenta a paranoia em relação a ameaças reais ou
imaginárias, como o caso eterno do comunismo e da esquerda internacional:

“Os neonazistas usam os livros revisionistas para atrair mais público para o
movimento, de modo que as interpretações do revisionismo fazem com que até
negros e pardos simpatizem com o nacional-socialismo. Essa aceitação por parte das
minorias é construída a partir do mito de Jesse Owens, por conta de sua participação

3
Eufemismo dado ao movimento eleitoral e militante à favor de Jair Bolsonaro, sendo uma clara adaptação ao
“lulismo” vigente nos governos federais do PT anteriores ao impeachment de Dilma Rousseff, porém marcado
pela profunda simpatia à ações truculentas da polícia militar, exaltação de figuras obscuras da História da
Ditadura, apaixonada devoção ao ideal de meritocracia total e apoio ao liberalismo na sua forma mais
selvagem e irresponsável em questões de ecologia, bem estar social para os mais necessitados e irretocável
defesa ao patrimonio em qualquer situação imaginável;
4

nas Olimpíadas de Berlim, em 1936. A utilização do caso Jesse Owens tem como
pressuposto mostrar um nacional socialismo sem preconceitos contra os negros. O
atleta negro estadunidense foi o campeão da prova dos 100 metros rasos no
atletismo. Segundo a historiografia, Hitler teria se recusado a cumprimentar o
vencedor da prova, pois isso implicaria em prejuízo ao nacional socialismo, pois um
negro vencer um ariano em seu próprio território colocaria em xeque a
“superioridade racial” dos Alemães. O revisionista S. E. Castan em seu já
mencionado livro “O Holocausto Judeu ou Alemão: Nos Bastidores da Mentira do
Século”, procura recontar essa história partindo de documentos e de fontes orais que
absolvem Hitler de qualquer responsabilidade. Segundo a teoria negacionista, a
idealização de um Führer (titulação usada por Hitler como “guia” do povo
germânico) com preconceitos a negros foi uma corrente patrocinada por entidades
sionistas que obtinham o domínio dos meios de comunicação. A partir dessa análise,
torna-se possível que alguns negros absorvam a doutrina nazista como uma política
que abrangeria todas as pessoas." (ANDRADE, 2013)

O crescente ideal de “guerra” contra ordens internas que estariam semeando o ideal
de anarquia, comunismo, roubo de propriedade privada, ameaça ao Estado e a Nação e seus
símbolos religiosos e morais, a ordem tradicional e subversão dos costumes conservadores são
os pilares da plataforma típica de modelos de pensamento como o que rege o bolsonarismo
graças a principal peça que possibilita toda essa mecânica azeitada em seu momento mais
oportuno: a estabilidade no poder e a eliminação de qualquer inimigo politico civil ou
politico.

2. TERRA EM TRANSE: O BRASIL EM TEMPOS DE NEGACIONISMO

A questão do aceitamento incondicional do negacionismo pela parcela da população à


favor do regime presidencial imperialista de Jair Messias Bolsonaro surpreende pelo teor de fé
e dogmatismo4. Tem-se registrado absurdos de negação em relação aos mais diversos temas:
medicina, saúde pública, casos comprovados de desvio de verbas estratégicas para áreas
básicas em favor de compra de favores e apoio político, nepotismo institucionalizado, ataques

4
É notório o apoio da ala da “Bancada da Bíblia”: parlamentares supostamente conservadores e tradicionalistas
no campo dos costumes que usam do poder de influência sobre a massa de manobra neoevangélica para
atingir suas metas de controle e manipulação do Estado laico. Desnecessário dizer que a chamada “Bancada da
Bala” também tem interesses em comum com esse grupo autodenominado “de pessoas de bem”: grandes
latifundiários, inimigos da questão preservacionista e defensores da propriedade privada acima da lei e da
ordem social.
5

gratuitos e antiéticos à órgãos de imprensa que apenas fazem seu papel: a divulgação de fatos
e dados.

2.1. O HISTÓRICO DO NEGACIONISMO NO BRASIL

Embora não seja um fenômeno social característico apenas do atual período, não se
pode negar que agora, mais do que nunca, assistimos a um espetáculo da idiotização funcional
da mentalidade do que se conceitua generalizadamente entender por “classe média” brasileira.
De fato, o negacionismo está presente até no modo de falar do político brasileiro e com Jair
Messias Bolsonaro este fato atingiu um grau de saturação ad infinitum, tornando evidente o
fato de que a comunicação se limita apenas ao jogo conceitual de pragmatismos de variados
enquadramentos.
Uma das grandes ferramentas do diálogo negacionista são só chamados significantes
flutuantes, que nada mais são do que, segundo as palavras de Danillo da Conceição Pereira
Silva, “de palavras e imagens que, embora sejam centrais para instauração da hegemonia de
um projeto político (e sua vitória num pleito eleitoral, por exemplo), não possuem um
conteúdo estável, claro, transparente e sempre invocável sem a necessidade de procedimentos
de estabilização e/ou delimitação da natureza e do escopo de sua significação, por isso em
constante disputa no jogo político”.
Ainda segundo Danillo da Conceição Pereira Silva, o necessário embaralhamento dos
sentidos e significados revisionistas usados servem para a:

"... a) a sistemática instrumentalização das flutuações de significantes vazios,


próprios da mecânica política populista, com vistas à implementação de
revisionismos ideológicos e negacionismos históricos estratégicos para a
manutenção de certo efeito de hegemonia dos sentidos políticos do bolsonarismo
online sobre a Ditadura Civil-Militar; b) a insistente indexicalização de sentidos de
base autoritária, antidemocrática e repulsiva aos direitos humanos que são
(re)instaurados nas trajetórias textuais mobilizadas no discurso das redes digitais
bolsonaristas, a exemplo do locus desta pesquisa; c) a intensa fricção semiótico-
discursiva produzida em processos de disputa por enquadres metapragmáticos entre
articuladores digitais do bolsonarismo e seus oponentes em espaços públicos
virtuais." (SILVA. 2020)
6

Embora no caso do bolsonarismo, o negacionismo tenha sua principal ação no campo


do histórico da ação militar em todos os seus níveis de aplicabilidade cronológica 5, podemos
situar alguns casos históricos ocorridos no Brasil como o caso da Revolta da Siringa,
coincidentemente em outra crise sanitária, no Rio de Janeiro do final do século XIX, quando a
varíola fazia vítimas em toda ex-capital nacional.

2.2 PONTOS EMBLEMÁTICOS DO NEGACIONISMO NO BRASIL: ESCRAVIDÃO E


DITADURA MILITAR.

Um dos aspectos mais característicos das correntes negacionistas é a sua tenacidade


diante da de fatos concretos que desafiam as diretrizes de sua lógica alternativa à realidade
que se apresenta diante de todos os demais simples mortais, que se pautam por registros
“adulterados’ e não “enxergam um palmo diante dos próprios narizes”. No caso brasileiro,
podemos citar dois que são os prediletos dos guardiões das verdades secretas: a escravidão e a
Ditadura militar.
Sabe-se que o regime escravocrata no Brasil foi extremamente longevo e cruel, não
podendo ser comparado a qualquer outro do período e criticado até mesmo pela potência
econômica e científica do século XIX, a Inglaterra. Documentos de europeus que viajavam
por cá durante o movimento das Luzes, imbuídos de argumentação racional e positivista,
ficavam estarrecidos com as atitudes draconianas dos senhores de engenho para com os
escravos rebeldes ou improdutivos.

"Trata-se, isso sim, de uma colônia de exploração, universo histórico privilegiado na


produção de super-lucros destinados a alimentar o crescimento e o desenvolvimento
da metrópole europeia, por meio da tríade latifúndio-monocultura-escravidão ou do
regime de exclusivo aplicado aos núcleos mineradores. Ser de povoamento ou de
exploração não significa, contudo, excludência absoluta. Na colônia de povoamento
a exploração se fazia presente: na de exploração, a presença populacional era
inescapável. A diferença se explicita na ênfase, no elemento que detém a primazia
no estabelecimento da explicação e que integra, certamente, outras dimensões."
(Arruda, apud Luiz, 2020)

5
Em especial no caso das operações durante e depois do período da Ditadura de 64 até o início dos anos 80,
embora os militares sempre estiveram orquestrando ou auxiliando, na penumbra do cenário político, os mais
diversos atores à favor de um projeto de hegemonia elitista em termos econômicos, culturais e ideológicos em
nome do combate ao comunismo e ao avanço crescente da Esquerda na figura dos movimentos sociais a partir
dos anos 70 do século XX.
7

Tais atitudes são veemente negadas pelos defensores de um ideal de colonização


branda, onde o senso comum banaliza todo e qualquer agravante que pode, facilmente, ser
interpretado como supérfluo ou emocionalmente alarmista 6. Canais na internet como Brasil
Paralelo7, em clara defesa dos ideais que dão corpo ao bolsonarismo , são um exemplo disto.
Na produção “Brasil – A Última Cruzada: A Vila Rica”, a escravidão é apresentada como
mero mecanismo cosmopolita dos séculos XV-XX, subtraindo qualquer culpa dos seus
defensores em território nacional.

"A série documental “Brasil – A Última Cruzada” busca traçar uma história do
Brasil a partir da opinião de diversos comentaristas, entre eles profissionais
formados em História e jornalistas. Desse modo, o episódio “A Vila Rica” trata
sobre o período colonial, as relações com Portugal, as relações com os indígenas e a
escravidão. O discurso reducionista apresentado na série não só apresenta a história
sem embasamentos, como demonstra uma exaltação de Portugal em detrimento dos
ameríndios que aqui habitavam, bem como dos homens e mulheres oriundos da
África que aqui foram escravizados. Para ilustrar a fala, imagens de escravos vão
aparecendo. Podemos perceber que a escolha de imagens para corroborar com a fala
não é em vão, as imagens abaixo surgem sem sequer uma indicação se retratam de
fato a escravidão no Brasil, quem as fez, onde é possível encontrá-las, assim como
toda a informação trazida ao longo do documentário. Além disso, as imagens
reforçam a ideia da escravidão como “chaga” da humanidade, colocando como um
horror distante da realidade do Brasil atual. Tanto a fala do narrador quanto as
imagens apresentadas não fazem referência a luta e resistência dos próprios escravos
no que diz respeito a sua condição, tampouco mencionam a vida social da colônia, a
cultura material e a relação da colônia brasileira com outras colônias. Ignora-se a
historiografia e reforça-se o senso comum sobre algo que mantém suas raízes
profundamente fixas em nossa sociedade. Os convidados seguem comentando que 'o
fundamento da escravidão nunca foi a origem étnica', como uma tentativa de refutar
os argumentos sobre uma reparação histórica (e até mesmo sobre toda a discussão
do sistema de cotas raciais no Brasil), deslegitimando reinvindicações de negros no
Brasil, em uma tentativa de esconder o racismo presente."(LUIZ,2020)

6
É o que se conceitou se chamar de “mimimi”, termo que sintetiza o menosprezo pela opinião alheia de
maneira que se entenda essa opinião como sem fundamento, baseada no infantilismo e imaturidade diante da
realidade mundo defendida pela contra-argumentação. O termo se tornou famoso no uso do filósofo Luis
Felipe Pondé ao se referir ao militante de esquerda, que mora com os país depois do 30 anos, defensor da
Natureza e da pureza das boas ações, mas ainda sim um voraz consumidor das benesses do capitalismo
selvagem;
7
https://www.youtube.com/channel/UCKDjjeeBmdaiicey2nImISw
8

O mesmo segue no campo da temática do contexto da ditadura militar, período de


maior repressão às liberdades pessoais e de imprensa no país. Os defensores das posições
negacionistas colocam sua opinião equivocada e incompleta a frente de fatos documentados,
indo na contramão até mesmo do registro de agências de inteligência norte-americanas que
por aqui atuaram de maneira a sustentar o golpe e sua linha dura de repressão.
Vale lembrar que o negacionismo está associado a uma eficiente movimentação de
pseudo-documentários baseados no achismo e na interpretação errônea dos fatos históricos em
detrimento da opinião crítica da estrutura financiada por mega-empresários de diversos
setores e áreas estratégicas da economia, das finanças e do setor de entretenimento que molda
a subjetividade da massa de maneira determinista que não deixa margem para qualquer tipo
de dúvidas ou questões sobre as “certezas” fabricadas.

2.3 A CRISE DA PÓS-VERDADE E A ACENSÃO DO NEGACIONISMO COMO


SUBSTITUTO IMEDIATISTA

O tripé pandemia – distopia – pós-verdade são o elemento que sustenta a estrutura do


negacionismo na sua essência, pois tais elementos agregados promovem o caos e a confusão
que geram ideias contraditórias, porém, aceitas por uma massa que se subalimenta de um
conhecimento fechado em si e que em nada promove o consenso e a clareza do que aconteceu,
do que acontece e, portanto, do que acontecerá de fato.
Num cenário de constante transformação das “certezas”, o ser humano contemporâneo
procura, desesperadamente, uma ancora onde se fixar e continuar sua existência com o
mínimo de certezas para manter identificação, corpo social e unidade de idealização coesas e
fortificadas, mesmo sendo indo contra a corrente da lógica ou da razão científica e do bom
senso.
O pouco do Iluminismo que raiou sobre o nosso processo civilizatório se vai esvaindo
sob a ação de um obscurantismo arquitetado, não meramente acidental. Como salienta
Merielle do Espírito Santo Brandão:

"… análise do negacionismo como elemento que ganha força como fenômeno da
pós-verdade em oposição aos valores seculares herdados do Iluminismo, nos mostra
que há um tortuoso plano institucionalizado em curso. Esse plano tem empurrado a
9

sociedade brasileira para um retorno ao obscurantismo e em direção ao totalitarismo.


Acredito que muitas frentes de combate e resistência precisam ser erigidas em
oposição ao obscurantismo e outras fortalecidas. É necessário que pensemos sobre
nosso passado, apontando criticamente cada erro e opressão cometidos. Esse olhar
deve permitir que as injustiças históricas sejam concertadas e que nosso presente
seja inclusivo, acolhedor e transformador. Um dos caminhos que precisamos trilhar
é o de popularização do conhecimento científico e acesso às formas críticas de
pensar o mundo. É um esforço em tornar os espaços de produção acadêmica menos
herméticos e capazes de cumprir sua função social e emancipatória. Acredito que
essa é uma forma de, no longo prazo, ajudar as pessoas a compreenderem a
importância do pensar de forma racional e inviabilizar futuras ondas tão perigosas
como as próprias da pós-verdade." (Brandão,2020)

Ainda segundo Merielle do Espírito Santo Brandão, os valores iluministas nunca


foram tão necessários no Brasil, pois o quadro que é desenhado é cada vez mais de uma
grande revisão histórica que tem como etapa posterior um regime fascista. Enquanto a
suposição de que a verdade é uma narrativa em disputa for engendrada de forma tão perversa
e tão intrínseca por grupos organizados e de forma tão escancaradamente institucional,
precisaremos resistir e mostrar o quanto temos a perder. É cada vez mais crucial irmos em
defesa do secularismo, e para isso precisamos voltar a ter a verdade como norte, para que na
disputa entre pós-verdade e ciência no Brasil do negacionismo, vença a ciência.
A discussão sobre o negacionismo mira exatamente as possibilidades de crescimento
das múltiplas reações pejorativas que esta maneira de encarar e aceitar a realidade corrente
promovem no momento visto que o bolsonarismo é a síntese de toda maquinação estratégica
que envolve interesses anárquicos8 que libertam o ser humano de toda responsabilidade e
ética. Podemos definir alguns pontos essenciais deste modo de pensar o mundo:
• O recurso de uma nostalgia a um passado místico que glorifica uma estrutura de
dominação social: seja um período de supremacia masculina ou racial e até mesmo um
regime despótico como a ditadura militar no Brasil,
• Propaganda e a agitação fascista,
• O Anti-intelectualismo,
• A destruição da realidade e a relativização da verdade, compreendido hoje pela
disseminação das fake-news,
• A hierarquização da sociedade,
• A vitimização de um grupo dominante,
8
Não confundir o termo descrito com o usual associado à esquerda política;
10

• Disseminação de uma tensão sexual contra um grupo adversário que seria


naturalmente imorais,
• Uma saga contra a ideologia de gênero,
• Um elogio ao trabalho ao modo nazista e uma acusação a todos contrários a essa
teologia da prosperidade como vagabundos e preguiçosos que querem atravancar o
avanço da nação.

2.4 O EXÉRCITO VIRTUAL E VIRAL

Uma das características mais marcantes do negacionismo associado ao bolsonarismo é


a militância via internet contando com as ferramentas possíveis à disposição para a divulgação
de conteúdos equivocados, manipulação do senso comum da massa e rápida divulgação deste
material em tempo real e global. Nota-se, então, que o negacionismo é seletivo nos alvos
objetivados já que um arsenal de recursos como o encontrado no mundo virtual não poderia
ser “negado” sem que para isso se perdesse força e alcance nas atividades de militante
patrióticos.
O caráter messiânico e populista dos líderes alinhados ao ideal de revisionismo e
negacionismo é um atrativo que viabiliza os militantes abocanhar com anzol e tudo a
mensagem divulgada em milhares de sites e canais de vídeo que proliferam a cada nova onda
de alarmismo apocalíptico, de denúncia de conspirações moralistas/nacionalistas, de descrição
minuciosa de manobras da esquerda comunista e dos mecanismos de destruição do ideal de
bem-estar utópico cristalizado pelo american way of life.

"Nesse horizonte, eles representam uma quarta onda de populismo5 que foi
organizada como resposta à três recentes crises globais: os ataques terroristas de 11
de setembro nos EUA, a grande recessão de 2008 e a crise de refugiados de 2015.
Altamente ideológica, tais líderes oferecem narrativas messiânicas e salvacionistas,
que variam dadas as especificidades locais dos respectivos países, em tornos de
pautas relativas à imigração, segurança pública, corrupção e políticas internacional.
Nesse contexto, a atual crise planetária/sanitária originada pela pandemia do vírus
Covid-19 reconfigura uma nova fase dessa quarta onda populista: ao mesmo tempo
que temos a possibilidade de se observar as fragilidades no trato institucional de
uma crise por parte do reacionarismo institucionalizado, temos o risco de uma
guinada cada vez mais autoritária no controle dos corpos e da máquina pública,
promovida por um pensamento ideológico propagado nas últimas décadas pelos
mesmos gurus do apocalipse que influenciam diretamente lideranças da ultra direita
11

global. Para fins desse ensaio, nos deteremos ao caso brasileiro dessa nova dinâmica
social de modo a capturar o núcleo filosófico que compõe o Bolsonarismo. Para
isso, apresentaremos três traços ou hipóteses dessa constelação obscurantista em sua
dimensão social, geopolítica, e sobretudo ideológica, de modo apreender uma
dimensão oculta da política sistemática de dominação em voga no evento pandêmico
que eu denomino de “negacionismo viral exterminista”. (VERAS, 2020)

A ultra-direita vê com maus olhos todo e qualquer progresso no campo de “políticas


públicas de integração da sociedade civil, multiculturismo e democratização de formas de
vida”, o que ocasionalmente gera o debate sobre liberdades para minorias ou classes que não
estão alinhadas com os interesses imediatos da elite que irá, de todas as formas, criar
mecanismos de proteção e ataque ao “inimigo” do momento9.
Sendo assim, a política de “colisão” que o bolsonarismo propõe (mas é mais antiga
que o próprio advento de Bolsonaro na presidência) promove o constante choque de dados e
opiniões, criando um anacronismo kafkaniano: se utilizar do direito de expressão para minar
os atos de expressão contrários aos projetos de quem está no poder. A “mitagem” e a
“lacração” são elementos do método caótico do bolsonarismo contra tudo que represente um
advento progressista na política nacional e internacional.

3 O NEGACIONISMO E O PRAGMATISMO ECONÔMICO E SANITÁRIO


SEGUNDO O IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19

A maior “vitória” da ação negacionista na atual sociedade brasileira tem sido o senso
de desconfiança gerado no campo da economia e do combate eficaz da pandemia de COVID-
19 pois são pontos que tem impacto direto na vida da população no que lhe é mais caro: saúde
e subsistência da família. As manobras do presidente estão claramente ligadas à interesses
ordinariamente políticas e de sua manutenção no poder federativo pelo máximo de tempo
possível quer por fetiches de egocentrismo ou de benesses de imunidade diplomática.

3.1 O BRASIL NA “VANGUARDA”

9
Vale lembrar os casos lamentáveis dos discursos da diplomacia brasileira em relação á China com a
construção conspiratória de que a pandemia seria um projeto de sabotagem em escala mundial da economia
dos países capitalistas em favor da crescente influência do gigante asiático na balança comercial atual.
12

Aos olhos do mundo, já somos um dos países com graves complicações relativas a
pandemia, pois o governo bolsonarista se mantêm numa posição de total e constante
questionamento de bases e normas aceitas e consagradas em outras nações que lhes permitiu
resultados positivos, reorganização da sua estrutura social e retomada progressiva das
atividades básicas e vitais para suas populações. Não é o que tem acontecido com nossa
realidade. No geral, tem-se assistido uma guerra de tensões entre os governos federal,
estaduais e municipais pela ativação da usina de captação de tributos fiscais.
Dentro deste discurso, apela-se para todos espectros possíveis do moralismo e da
patriotada ululantes:

"À primeira vista, poderia parecer que o negacionista “pró-economia” é pautado por
uma relação erótica construtiva com o mundo. Seu discurso diz querer “salvar
vidas”, proteger “as crianças”, “as mulheres”, “os pobres”, “a família”, evitar “a
destruição do país”. Tudo muito bonito e edificante, não fossem as metáforas e
referências à morte que interpelam e dão sentido a esse imaginário. O mundo tal
como representado nesse discurso é o mundo do “menos pior”, é o esgoto, o
incêndio, o armário vazio, as crianças ao relento… Essa é “a verdade destruidora”
que os não-negacionistas “não veem”. A contiguidade ambivalente entre pulsões de
vida e de morte, à raiz dessa imaginação, pode ser notada na guerra declarada pelo
negacionista. “Vamos em frente, nós temos garra, somos guerreiros. Nós temos uma
Pátria para lutar por ela, nós temos a nossa missão para cumprir.” — e arremata —
“Eu com vocês, vamos à luta”. O negacionista, que não está sozinho, se oferece à
posição de mártir, se dispõe a morrer dizendo que pode “até não estar aqui” mais
tarde, embora queira arrastar consigo os demais, seus “colaboradores” e
consumidores do mercado, “à luta”, para “o normal de segunda”."(SZWAKO,2020)

Uma verdadeira manobra de semiótica se fez obrigatória para incentivar o


desobedecimento às normas científicas de higiene e prevenção por parte dos ideólogos do
negacionismo, promovendo a constante confusão na mente da população que se vê entre a
necessidade de retomada da normalidade e as caóticas posições frente a posição dos
governos10 que se viram despreparados para enfrentar a situação alarmante que se configurou
logo após os primeiros meses da pandemia.
Se isto já não fosse ruim, pior são as desculpas pseudo-pragmáticas em favor da
quebra de protocolos de segurança e de prevenção da propagação da COVID-19. Alas

10
Inação e desinformação do Governo Bolsonaro agravam a pandemia no Brasil -
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-16/inacao-e-desinformacao-do-governo-bolsonaro-agravam-a-
pandemia-no-brasil.html
13

tradicionalmente conservadoras, o alvo-limite da ascendente classe média nacional desde o


advento do liberalismo em nosso território, redigem todo um discurso de medo e pânico para
que o povo agarre com braços e pernas uma visão de apocalipse que, evidentemente, não tem
nada a ver com as diretrizes do governo bolsonarista.
"No discurso “pró-economia”, figuras da desigualdade e das relações de gênero se
cruzam para empreender uma “defesa” da “vida”. No post do “Autor desconhecido”,
lê-se que “é difícil defender quarentena quando o armário já está vazio e que, se não
trabalhar não tem salário, trabalha de manhã pra comer de noite e o filho tá pedindo
iogurte”. Neste âmbito das metáforas familistas, uma fala antipolítica pede que “não
se alimente a divisão, o momento é de união”, pois “discutir política durante uma
pandemia é como discutir divórcio durante um incêndio”. Também negando a
disputa política, o post do apresentador de televisão adverte que “a fome está
chegando antes da doença. Não é hora de guerra política”. Em resposta, a base
negacionista reafirmou sua convicção: “Soletra: Bolsonaro tem razão”. Não só o
negacionista se acha “razoável”, como também lhe é mentalmente impossível não
ter “a razão”." (SZWAKO,2020)

3.2 A NECROPOLÍTICA DO BOLSONARISMO

A clara ascensão de um extremismo da direita nacional (que sempre exisitiu , mas


precisa de um catalisador para se materializar como tal) sinaliza tomadas de decisões que vão
na contra-mão do bom senso democrático e da civilidade essencial para que um Estado de
direito nacional sobreviva a uma tentativa de instalação de uma autocracia racista,
preconceituosa, obscurantista e negacionista em tudo que lhe é desfavorável.
Os números da pandemia são um claro exemplo deste tipo de reação por parte dos
negacionistas de plantão em defesa do que afirma o presidente Bolsonaro a todo momento.
Obviamente que tal processo se alicerça no ideal de Estado mínimo pregado pela extrema
direita mundial, onde os serviços públicos seriam restringidos ao máximo para os que
precisam de auxílio financiado por impostos gerados na base de toda pirâmide social.
Bruno Latour afirma que "...o negacionismo cresceu porque as classes dirigentes
teriam concluído que não haveria mais mundo para todos. Assim, em vez de dirigir o planeta,
passam a querer se abrigar ‘fora dele’, abandonando a ideia moderna de que a história poderia
seguir rumo a um ‘horizonte comum’ no qual ‘todos os homens’ prosperariam igualmente.
Diante da constatação de que não há mundo para todos, as elites abandonaram qualquer
perspectiva comum e passaram a mentir descaradamente para se proteger, demarcando ainda
mais as fronteiras. O autor afirma ainda que, diante do colapso ecológico e da pandemia da
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Covid-19, são os mesmos atores que têm as mesmas reações: “Isso não vai acontecer conosco
porque nós vamos para outro lugar. Nós vamos para outra Terra” (Onde aterrar?..., 2020, apud
MOREL,2021).
Ou seja: o negacionismo não é meramente apenas uma “teimosia” de gente “burra”,
mas, também, uma estratégia egoísta de cercear os recursos legítimos em uma democracia
saudável e multicultural.

“No caso da pandemia da Covid-19, a extrema-direita reproduz explicitamente essa


lógica ao afirmar que “cada família deve cuidar de seus idosos”,5 desconsiderando
que os cuidados em saúde se dão com base em um mundo compartilhado. Ao negar
a gravidade da pandemia, a extrema-direita minimiza a importância crucial das
políticas públicas nesse momento, eximindo o Estado de investir na saúde pública. O
negacionismo passa a ter uma expressão nunca antes vista na história, ganhando
mais força inclusive no âmbito das próprias políticas públicas. A consequência mais
perversa dessa equação é a intensificação de uma política de morte voltada para
grupos mais vulnerabilizados." (MOREL,2021)

A necropolítica trabalha para construir um cenário que possuí como elementos


constituintes o total descrédito à críticas ao estado real das coisas em favorecimento ao ideal
pregado pela ideologia negacionista, a desinformação em massa e contradições contínuas se
ajustando ao momento emocional do governo no poder, a constante crítica ou revogação dos
dados civis levantados, a manutenção de um estado bipolar de medo apocalíptico e esperança
utópica, assessoria pseudocientífica manipulada pelo poder hierarquizado e necessária relação
de colisão com as diversas partes do problema, mantendo acesa a tocha da manobra verbal e
midiática do “não foi culpa nossa!”.
Para Naomar Almeida-Filho, tal argumentação não se sustenta já que o problema da
relação entre serviços e verbas públicas de um lado e os que de fato sempre precisaram destas
ações de responsabilidade estatal e governamental não poderiam nem em pensamento esteram
dissociadas, já que são prerrogativas democráticas de primeira instância. Qualquer desculpa
neste campo só revela uma maquinação de falta de respeito com a res pública, com o eleitor e
com o cidadão pagador de impostos – geralmente, o mais pobre e necessitado.

"Com a pandemia, pelo contrário, as políticas econômicas, assistenciais, de saúde e


segurança pública precisariam mitigar o efeito das desigualdades de toda ordem:
desigualdades de gênero, de raça/etnia, de classe social, territoriais. As medidas de
distanciamento e quarentena são muito difíceis de serem seguidas pela população
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pobre, com trabalhadores informais, autônomos, desempregados. Milhões de


brasileiros moram em áreas aglomeradas, em casas precárias, nas periferias das
grandes cidades. Essas pessoas têm di!culdade de permanecer isoladas em casa
durante semanas, principalmente porque faltam recursos para tudo: alimentos,
aluguel, água, energia. Além disso, é preciso cuidar de pacientes crônicos e grupos
prioritários como gestantes e lactentes, bem como a população e grupos em
situações de vulnerabilidade, as populações indígenas, ribeirinhas, grupos
quilombolas. Uma pandemia como esta, sem dúvida, aprofunda desigualdades
sociais, gerando um aumento da vulnerabilidade social, de iniquidades em saúde e
de violações de direitos humanos, afetando diretamente grupos populacionais
oprimidos e discriminados e, indiretamente, todos os pobres e excluídos da nação."
(Filho, 2020)

Neste campo, o governo Bolsonaro está superando todas as expectativas de erros,


controvérsias, abusos, descasos, desinformação e mentiras registradas nos anais do histórico
político nacional, criando uma guerra aberta com órgãos de impressa nacionais e
internacionais, financiando e multiplicando uma rede de agentes “do ódio” em redes sociais,
sites de vídeos e material dogmático. Abrindo mão dos recursos já disponíveis, Bolsonaro se
lança em uma jornada do Santo Graal em buscas de soluções à altura de seu entendimento da
situação e de acordo com seu método clássico de fazer política:

"24/03/2020. Num pronunciamento em cadeia nacional, o Presidente Bolsonaro


alarma que a doença será “quando muito, uma gripezinha,” que pouco afetará a
população brasileira, capaz de, segundo ele, espontaneamente produzir resistência ao
coronavírus. Introduz no discurso presidencial a notícia de que se está buscando “a
comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do COVID-19”.
Anteriormente, confrontado com os primeiros sinais da pandemia, sua primeira e,
por muito tempo, única resposta tinha sido promover o uso em massa desse
medicamento antimalárico, ordenando sua fabricação em instalações militares.."
(Filho, 2020)
Outra consideração a ser feita é a questão do auxílio das forças neopentecostais em
favor do obscurantismo em todas as formas possíveis de negacionismo anexado ao ideal de
uma ação soteriológica acima de todas as esferas humanas. Não é à toa que o tema do governo
Bolsonaro é a frase dogmática expressa nas seguintes linhas: “Deus acima de tudo. Brasil
acima de todos!” - um infeliz sinal de intolerância frente a enorme diversidade cultural em um
país com pretensão ao secularismo e à liberdade de expressão e escolha.
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O caos promovido pelas mudanças de hábitos no cotidiano que movia uma


considerável capacidade de gestão de lucros para tais organizações (já privilegiadas por muitas
isenções fiscais), onde o “rebanho” se vê impossibilitado de comparecer aos cultos e dedicar
seu dízimo para as “obras de Deus”, a queda na captação de tributos (como no caso da esfera
política) é uma provação que põe os mensageiros de Cristo em prova constante.

"Deve-se destacar que o artigo não pretende esgotar o tema, ou seja, a caracterização
de agremiações pentecostais e neopentecostais sobre a epidemia de coronavírus,
pois, trata-se de uma tentativa de aproximação por meio de uma análise das
complexas relações entre religião, opinião pública, laicidade e ciência na
contemporaneidade. Esses temas poderão suscitar novas agendas de pesquisa
envolvendo as dimensões exploradas neste artigo, adotando outros instrumentos para
coleta de dados como a aplicação de entrevistas semi-estruturadas, de acordo com
um roteiro delineado a partir de novos tópicos. Por ser um estudo ainda incipiente,
as informações obtidas, os recortes selecionados e as técnicas de pesquisa aplicadas
são provisórios, visto que o artigo entende que cada resultado é passível de
mudanças através de novas verificações, e esse cuidado deve ser observado tanto do
ponto de vista teórico, quanto metodológico a respeito das escolhas dos materiais e
do tratamento dos dados selecionados. A presença dos evangélicos durante a
epidemia, amplamente marcada pela exploração de algumas lideranças sobre o tema,
seja no temor causado pelo fechamento de templos e igrejas, o que remete a uma
visão profícua sobre a função pastoral, suas estratégias de culto, preocupações com a
queda de arrecadação através dos dízimos e o proselitismo propagado, seja no
tratamento dado aos impactos causados, minimizando o alcance da doença através
das asserções nos meios de comunicação, fornecendo explicações sobre a amplitude
da epidemia de coronavírus, muitas vezes remetendo a uma visão apocalíptica,
apoiada em preceitos bíblicos, corresponde apenas a alguns aspectos que reforçam a
importância do presente estudo, cujo propósito é fornecer dados para ampliar e
enriquecer o debate no campo das Ciências Sociais e da Religião voltado para a
compreensão das questões que envolvem as dimensões especificamente religiosas na
sociedade e os temas que abrangem a crença nas palavras e daquele que as
pronuncia (Bourdieu, 1989), formas de poder simbólico que também surgem
mediante a utilização das mídias oficiais pelas denominações evangélicas."
(GONÇALVES, 2020)

Desta maneira, fica evidente que o negacionismo segue diretrizes muito bem articuladas, não é
resultado de mera desinformação ou falta de estudo. Serve ao mais concentrado intuído de
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forma uma base sólida de cooptação de opiniões e preconceitos formando um senso de


realidade inabalável e fidedigno, onde se misturam conceitos e valores, criando uma combo
que tem uma definição instantânea e inconfundível, embora não seja original nem funcional
sem um apoio como ideais de força, controle, fé e/ou certeza absoluta sobre os fatos.

"Aqui é importante mencionar a caracterização de Foucault sobre poder, que


esclarece que “sem dúvida devemos ser nominalistas: o poder não é uma instituição
e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o
nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada”
(Foucault, 2009:116). A afinidade que ocorre entre fiéis, lideranças religiosas,
artistas do gênero gospel e comunicadores, demonstra como as relações de saber-
poder são extensivamente distribuídas nessa densa rede, ao mesmo tempo em que
são exploradas estrategicamente pelas mídias evangélicas."(GONÇALVES,2020)

Poder midiático, dogmatismo, revisionismo e interpretações equivocadas dos fatos


históricos são os conceitos defendidos pelo negacionismo (enquanto parte funcional do
discurso bolsonarista) para que funcione na medida em que interessa ao poder do grupo
politico e financeiro em ação para se criar uma realidade verossímel e confiante de para uma
massa de manobra guiada por uma autoilusão de pujança e presunção onde o mais importante
é “mitar” e “lacrar”. Custe o que custar...

3 Considerações Finais

Neste cenário de crise sanitária e humanitária, onde um governo negacionista se


notabiliza em elevar a potência do histórico descaso nacional com áreas importantes e básicas
para o bem-estar do povo, a estratégia de camuflagem dos problemas que vêm surgindo deste
quadro geral é uma tentativa desalmada de ser anti-ético da maneira mais irresponsável e
alienada que já se pode registrar nos anias da História política e civil brasileira.
Um esforço conjunto entre sociedade e instituições é necessário para se erradicar a
atual formatação de um movimento que ha tempos tem marcado território frente todas
tentativas de implementação de ações otimizadoras e integrativas das classes mais
desfavoráveis, visto que todo discurso do negacionismo é também um feraz defensor de
argumentação reacionária e segregacionista.
A homogeneidade de uma sociedade ideal sonhada pelos negacionistas é além de
danoso para o senso democrático um perigo para a evolução do pensamento livro e laico,
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onde o “diferente” não é visto como perigo ou ameaça, mas complemento para uma forma
mais eficiente de ser civilizado e racional, elementos que o negacionismo odeia com todas as
forças, pois tais conceitos representam o total inverso do que tal ideologia prega e acredita.

4 Referências

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integralismo, neonazismo e revisionismo histórico (1930 - 2012), Anais do V Simpósio
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presente e futuro”. Pensamento da direita e chauvinismo na América Latina, 10 a
13/09/2013.
BRANDÃO, Merielle do Espírito Santo, PÓS-VERDADE E PANDEMIA: Uma distopia
em Slavoj Žižek e Matthew D’Ancona, O Manguezal - Revista de Filosofia, Janeiro-Junho,
v. 1 n. 5 (2020)

FILHO, Naomar Almeida-, PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL: EQUÍVOCOS


ESTRATÉGICOS INDUZIDOS POR RETÓRICA NEGACIONISTA,
https://www.paho.org/pt/brasil, 2020.

GONÇALVES, Rafael Bruno, DISCURSO LAICO E DISCURSO RELIGIOSO EM


TEMPOS DE CORONAVÍRUS: A PANDEMIA VISTA NOS JORNAIS
MENSAGEIRO DA PAZ, JORNAL SHOW DA FÉ E FOLHA UNIVERSAL, Instituto
de Estudos Sociais e Políticos - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, 2020.

LUIZ, Isabella Ferreira, Negacionismo em rede: a negação da escravidão e da ditadura


militar no Brasil ganhou a internet,, PPGHS/Universidade Estadual de Londrina, XVII
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MOREL, Ana P. M. Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para


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REDES DIGITAIS BOLSONARISTAS: POPULISMO, NEGACIONISMO E
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SZWAKO, José, O que nega o negacionismo? Cadernos de Subjetividade, v. 1, n. 21


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VERAS, Thor João de Sousa, Negacionismo viral e política exterminista: notas sobre o
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