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A relação entre Jesus e o povo no evangelho de

M arcos*

O sm ar Zizem er

I — Introdução

No p re fá c io do vol. II da m ais re ce n te T e o lo g ia do NT — a T eolo­


g ia do N o vo Testam ento de L. GOPPELT, e d iç ã o a le m ã — o seu d iscípulo
e e d ito r desta ob ra póstum a, J. ROLOFF, supõe q u e L. GOPPELT não in ­
cluiu e nem p la n e ja v a in c lu ir em sua o bra um p a rá g ra fo esp e cífico sobre
o e v a n g e lh o de M arcos. E isto p o rq u e , se gu nd o a sua o p in iã o , a pesquisa
neste e v a n g e lh o a in d a não chegou a um consenso em diversos pontos, e
tam bé m a in d a e xistem diversas lacunas a serem p esquisa dast1).
Um a das lacunas na pesquisa deste m ais a n tig o dos e v a n g e lh o s
canônicos é o estudo m in u cio so da re la ç ã o e n tre Jesus e o povo(?).
Em q ue consiste a p ro b le m á tic a a ssin a lad a p or esta lacuna na pes­
quisa?

* O p re s e n te a r tig o é a m in h a p r e le ç ã o in a u g u r a l p r o f e r id a n a Escola S u p e r io r d e T e o lo g ia d a
IECLB e m 0 9 /0 9 /1 9 8 7 . Ela fo i le v e m e n te m o d ific a d a e c o m p le m e n ta d a c o m a s n o ta s b ib lio g r á ­
fic a s p a ra a p u b lic a ç ã o .

(1) V e ja J. ROLOFF, in : L. GOPPELT, T h e o lo g ie des N e u e n T e s ta m e n ts , B d .2, G ö ttin g e n 1976, p.


317.
(2) Esta la c u n a fo i c o n s ta ta d a p o r e s c rito p e la p r im e ir a v e z p o r H .-W . K U H N , R e c e n s ã o d e H. R ai-
s ã n e n — D ie P a r a b e lth e o r ie im M a r k u s e v a n g e liu m (S c h rifte n d e r F in n is c h e n E x e g e tis c h e n G e ­
s e lls c h a ft 2 6), H e ls in k i 1973, in : ThLZ 101 (1 9 7 6 ), c o l. 122. T e n te i p r e e n c h e r e s ta la c u n a c o m a
m in h a te se d e d o u to r a d o : "D a s V e r h ä ltn is z w is c h e n Jesus un d V o lk im M a r k u s e v a n g e liu m " ,
M ü n c h e n 1983, a p re s e n ta d a à U n iv e r s id a d e d e M u n iq u e , R ep. Fed. A le m a n h a , c u ja s p r in c i­
p a is te se s o p re s e n te a r tig o c o lo c a à r e fle x ã o d e u m p ú b lic o m a io r . Q u a n d o o e s p a ç o d e s te a r ­
tig o n ã o p e r m itir e n tr a r e m m a io re s d e ta lh e s , r e m e te m o s o le ito r a e s ta te s e , q u e e s tá à d is p o ­
s iç ã o e m n ossa b ib lio t e c a d a EST.
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Q u a n d o lem os o e v a n g e lh o de M arcos do p rin c íp io ao fim e a te n ­


tam os para o re la c io n a m e n to e n tre Jesus e o povo, salta aos olhos, que
há ne le por assim d iz e r duas g ra nd es linhas de a firm a ç õ e s sobre esta re ­
lação:
a) Um a lin h a , que no g e ra l descreve de form a positiva a re la çã o
e ntre Jesus e o povo. C om o e x e m p lo sejam citadas passagens com o Mc
2.12; 3.7s; 3.31-35; 6.30-34; 6.35-44; 6.52-56; 8.1-9; 11,1 ss; 12,11; 14.2.
b) Um a lin h a , q ue descreve a re la ç ã o e ntre Jesus e o p o vo de fo r­
ma negativa. C om o e x e m p lo s para esta lin h a de a firm a ç õ e s tem os textos
com o M c 4.10-12(33-34); 6 .1 -6a; 15.6-15.
E o in trig a n te é q ue estas duas lin h a s de descrição desta re la çã o se
e n tre cru za m e e n tre la ç a m , perpassan do to d o o e v a n g e lh o de M arcos.
N ão é possível re co n h e ce r um cre scim e n to , um d e s e n v o lv im e n to nesta
re la çã o , no s e n tid o de um a m e lh o ra ou de um a d e te rio ra çã o .
C om o e n tã o e x p lic a r estas duas linhas? Será que M arcos, ao c o le ­
tar e ju n ta r p e q u e n a s ou m a iores u n id a d e s tra d ic io n a is , e n co n tro u estas
duas lin h as e não co nse gu iu h a rm o n iz á -la s na sua redação? Ou será que
o e v a n g e lis ta , ao ju n ta r estas d ife re n te s tradições, não p e rcebeu esta
tensão e ntre am bas as linhas?
Q uer me pa re ce r q ue , apesar de ter fe ito uso de d ife re n te s tra d i­
ções já p ré -fo rm u la d a s (p e lo m enos o ra lm e n te ), esta tensão e ntre as
duas linhas d e a firm a ç õ e s sobre a re la ç ã o e n tre Jesus e o p o vo é in ten ­
cional em M arcos. Caso c o n trá rio te ríam os de passar a testado de " lim it a ­
ção in te le c tu a l" a este e v a n g e lis ta — e este d ire ito nós não tem os!
M as, se é in te n c io n a l esta tensão, co m o in te rp re ta r esta in te n çã o
de M arcos?

II — Picadas na história da pesquisa

Em g e ra l pode-se d iz e r que na pesquisa do NT quase n ão fo i dada


a te n ç ã o a esta questão . A g ra n d e m a io ria dos e xegeta s apena s faz, se
faz, a firm a ç õ e s m u ito breves e g e n e ra liz a n te s sobre o " p o v o " no e v a n ­
g e lh o de M arcos, ao a n a lis a r um a ou ou tra passagem de seu interesse
e specífico , sem c o n tu d o re la c io n á -la s e n tã o com todo o e v a n g e lh o ou
com as d e m a is passagens, que fa z e m a firm a ç õ e s sobre o m esm o.
N ão obstante, pode-se d is tin g u ir três m odelos na te n ta tiv a de in ­
te rp re ta r a re la ç ã o e n tre Jesus e p ovo em M arcos:
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1) O povo como massa perditionis

Com o re p re se n ta n te deste m o d e lo de in te rp re ta ç ã o eu gostaria


de cita r o pesquisador A. JÜLICHER, no seu estudo sobre as P arábolas de
Jesus, que m arcou épo ca(3). N o co n te xto de sua p e rg u n ta p e la fin a lid a ­
de das p a rá b o la s de Jesus, ao e x a m in a r Mc 4.10-13.33-34, JÜLICHER faz
as suas a firm a ç õ e s sobre o p ovo em M arcos, q ue por longos anos tiv e ra m
in flu ê n c ia na pesquisa deste e v a n g e lis ta .
In ic ia lm e n te JÜLICHER constata qu e, c o n fo rm e a concepçã o de
M arcos segund o M c 4.11 há "d u a s classes de ou vin te s de Jesus: de um
lado ú[X£Íç, i. é, oÍTCpt auxòvauv xoíç ScoSexa, q u e têm o seu lu g a r ju n to a Je­
sus, ta m b é m a li o n d e e le está xaxà fxóvocç v. 10; do o utro la d o estão èx eivot
oí i.é , os q ue fic a ra m do la d o de fo ra , o p o v o ..." (4). A estes últim os
se d irig e o e n s in a m e n to de Jesus "áv rcocpaPoXaíç para que v e n d o ve ja m e
não p e rc e b a m ; e o u v in d o ouçam , e não e n te n d a m , para q ue não v e ­
nham a converter-se e lhes seja p e rd o a d o (v. 12) " ( 5). Portanto, JÜLICHER
descreve a fin a lid a d e do ensin o d e Jesus em p a rá b o la s segund o M arcos
assim : " O p ovo ( = d ie V o lk s h a u fe n ) rece be as p a rá b o la s, para q ue te ­
nha a lg o p a ra seus o lhos e o u vid os, p ara q ue àxoúeiv Súvavxai, e m esm o
assim não te n h a m na da que lhes p e n e tre na m ente e no coração: Ele d e ­
ve p e rm a n e c e r sendo o que é, não d e ve co n verter-se para o c a m in h o do
p e rd ã o "(6). Com outras palavras: No e n te n d im e n to de JÜLICHER, para
M arcos as p a rá b o la s são a q u e la técnica de Jesus fa la r para ofuscar e e m ­
botar os seus ouvintes. E esta técnica d e e n sin o Jesus usa ju sta m e n te p a ­
ra fa la r com ixeívoi. oí iljw , isto é, p ara JÜLICHER, o povo.
Em co n tra p o siçã o a estes, ao p o vo , estão, segund o JÜLICHER, oí
7tepí aüxòv aúv xotç 8co8e.xa, isto é: os discípulos. Estes já estão de posse do
segredo do R eino de Deus, já re co n h e ce ra m em Jesus o Messias, já são
exovxeç xat pXÉTOVTEçt7). M as, com o eles não co m p re e n d e m Jesus ao ouví-
lo fa la r em p a rá b o la s, e le lhes dá um a e x p lic a ç ã o ( = ÈTuXuatç) em p a rti­
cular, ao estar com eles xaxà fxóvaç/xocx’ t’8cav (Mc 6.31s; 7.33; 9 .2; 13.3).
Esta, p o ré m , segu n d o JÜLICHER, não é a co m p re e n sã o e in te n çã o
o rig in a l de Jesus. Ele co nta va c la ra m e n te com o a u m e n to do n ú m e ro dos
seus seg uido re s (cf. M c 6.34; 7.14-23). E o e v a n g e lh o mostra rastros do

(3) JÜLICHER, A d o lf — D ie G le ic h n is r e d e n Jesu I, 2 a e d ., T ü b in g e n , 1910, p p . 118-148.

N e s ta m e s m a lin h a d e p e s q u is a e n c o n tra -s e ta m b é m J. SCHAAID, D as E v a n g e liu m nach M a r*


k u s , R e g e n s b u rg e r NT II, 4 a e d . r e v is a d a , R e g e n s b u rg 1958, p p . 9 3 -9 6 .1 5 3 -1 5 8 .
(4) A . JÜLICHER, o p . c it., p. 122;
(5 ) A . JÜLICHER, o p . c it., p. 122;
(6 ) A . JÜLICHER, o p . c it., p. 122;
(7) A . JÜLICHER, o p . c it., p. 123s;
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bom re la c io n a m e n to h istó rico e n tre Jesus e o p ovo (Mc 12.12; 2.13; 3.20;
9 . 15ss; 10.1,46; 12.35-38)(8). Trata-se de um a "te o ria fa ta l” , c o n fo rm e
JÜLICHER, c ria d a po r M arcos, q u e q u e r com e la e x p lic a r para o seu p re ­
sente, p or q u e Jesus não e n co n tro u a c e ita ç ã o g e ra l e ntre a m a io ria do
povo ju d e u .
Para fo rm u la r esta sua " te o r ia das p a rá b o la s " M arcos p a rtiu de
duas prem issas: a) A m a io ria d o po vo ju d e u não a d e riu ao cristianism o
— p o rta n to Jesus não d e ve ter q u e rid o que isto acontecesse; b) As p a rá ­
bolas de Jesus não são m ais co m p re e n síve is para todos — elas necessi­
tam de um a e x p lic a ç ã o , m esm o para os discípulos.
A. JÜLICHER com certeza tem razão ao d ize r q ue esta " te o r ia
fa ta l" não pod e c o rre sp o n d e r à in te n ç ã o do Jesus histórico, q u a n d o fez
uso das p a rá b o la s p ara os seus e n sin a m en to s. M as, será que JÜLICHER
está certo q u a n d o d iz q u e oí é ig u a l a povo em M c 4.11 ? Pois, se este
fosse re a lm e n te o caso, com o e x p lic a r e n tã o ta m b é m as a firm a ç õ e s posi­
tivas sobre a re la ç ã o e n tre Jesus e povo , e xistentes não só em partes tra ­
d icio n a is , mas ta m b é m em versículos re da cio n a is?

2) O povo como coro p ara ressaltar a fig u ra central da perícope.

C om o re p re se n ta n te desta lin h a de in te rp re ta ç ã o eu gostaria de


cita r M . DIBELIUS(9). T am bém este e x e g e ta não te m a tiza de fo rm a e x ­
pressa a re la ç ã o e n tre Jesus e o povo. M as no seu liv ro "F o rm g e sch ich te
des E v a n g e liu m s " e le fa z a lg u m a s a firm a ç õ e s sobre o p ovo no e v a n g e ­
lho de M arcos que, se gu nd o a m in h a o p in iã o , co n trib u íra m m u ito para
qu e este tem a perm anece sse in d is c u tid o d u ra n te ta n to tem po.
M. DIBELIUS consid era o e v a n g e lis ta M arcos com o sendo em p ri­
m e ira lin h a um c o le to r de tra d iç ã o de p e rícopes isoladas. E o p rin c ip a l
tra b a lh o de M arcos e n tã o te ria consistido em o rg a n iz a r esta tra d iç ã o de
perícopes isoladas de a c o rd o com o seu p en sa m e n to te o ló g ic o ce n tra l, a
saber: a c e n tu a r a q u e le s traços da tra d iç ã o que m ostravam Jesus com o
Messias, mas q u e a o m esm o te m p o m o stravam p o rq u e o p ovo judeu não
o reco nh e ce u com o tal, p e lo c o n trá rio , o co m b a te u e o levou à cru zt10).
Para ta nto , c o n fo rm e DIBELIUS, M arcos usa duas técnicas: a) a te o ria do
segredo m essiânico, expresso nas ordens de Jesus para qu e seja g u a rd a ­

(8) A . JÜLICHER, o p . c it., p. 143.


(9) C o n f. DIBELIUS, M a r tin — D ie F o rm g e s c h ic h te d e s E v a n g e liu m s , 4 a e d . , T ü b in g e n , 1961. N e s ­
ta m e s m a lin h a ta m b é m p e n s a G N IL K A , J o s e f — D ie V e rs to c k u n g Is ra e ls . Is a ia s 6 .9 -1 0 in d e r
T h e o lo g ie d e r S y n o p tik e r, M ü n c h e n 1961, p p . 23-8 6 .
(10) C o n f. M . DIBELIUS, o p . c it., p. 232.
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do segredo dos seus atos (Cf. M c 5.43; 7.36; 8.26; 7.24); b) a c o m p re e n ­


são das p a ráb ola s com o e n s in a m e n to v e la d o , q ue representa a e p ifa n ia
de Deus no m un d o som e nte para os seus escolhidos, isto é, os discípulos
e os leitores cristãos do e v a n g e lis ta í11).
Segundo DIBELIUS, p o rta n to , M arcos desenh a a re la çã o e ntre Je­
sus e povo a p a rtir da sua situação presente, isto é: ex eventu. Para e le e
sua c o m u n id a d e Jesus é in d is c u tiv e lm e n te o Messias. Por outro la d o está
cla ro tam bé m que a m a io ria do p ovo jud eu não o reconhece u com o tal e
não a d e riu à c o m u n id a d e cristã. E este contraste M arcos só e n te n d e , se­
g u n d o DIBELIUS, a p a rtir da pressuposição de q ue Jesus, em sua vid a te r­
rena em c o n fo rm id a d e com a v o n ta d e de Deus, nem quis ser re c o n h e c i­
do com o M essias p e la m a io ria do povo. E esta id é ia o e v a n g e lis ta e x ­
pressa através das afirm ações negativas sobre o povo, com o na te o ria
das p a rá b o la s (M c 4.10-12) e nas ordens d e s ilê n c io sobre os seus fe ito s
(Mc 5.43a; 7.24,36 ; 8.26) e na seqüê n cia q u e e le dá na o rg a n iza çã o da
tradição .
M as há ta m b é m as afirm ações positivas sobre o povo em M arcos.
Delas DIBELIUS fa la , q u a n d o tra ta dos "P a ra d ig m a s ". C aracterística dos
p a ra d ig m a s é a p re se n ta r tipos im pessoais de atores, ou e n tã o " n ã o d e ix a r
as pessoas re a g ire m in d iv id u a lm e n te , mas sim em c o ro " (12). Trata-se aí
de um a e s tiliz a ç ã o dos auto re s ou responsáveis p e la tra d içã o , qu e q u e ­
rem assim d e svia r a a te n çã o d a q u e le que fa la , para ce n trá -la no co n te ú ­
do d a q u ilo q u e e le diz. Isto v a le e s p e c ia lm e n te para os textos qu e te rm i­
nam com um a rea ção c o le tiv a a um a p a la v ra ou um fe ito de Jesus, um
" c o r o " , q u e lo u v a ou se a d m ira do a c o n te c id o : "N u n c a vim os coisa as­
s im ..." ; "T a l coisa a in d a não acon tece u em Is ra e l..." , etc. Estas respostas
" e m c o ro " d e sviam a a te n ç ã o para a g ra n d e za do a co n te cid o , e com isto
para a q u e le que e fe tu o u o a co n te cid o . Em outras p alavras: segund o Dl-
BELIUS estas respostas " e m c o ro " não são e c le sio ló g ica s, mas sim cristo-
lógicas. Elas q u e re m ressaltar a im p o rtâ n c ia de Cristo, que M arcos qu e r
pregar.
O m é rito de DIBELIUS consiste em le va r a sério ta n to as a firm a çõ e s
ne gativa s, q u a n to as positivas sobre a re la ç ã o entre Jesus e o p ovo em
M arcos. M as o re su lta d o desta te n ta tiv a c o n trib u iu para que esta questão
não fosse o b je to de um estudo m ais a p ro fu n d a d o por lo n g o tem po. Pois,
segund o este a u to r, a re la ç ã o e n tre Jesus e p ovo em M arcos não é um te ­
ma com v a lo r p ró p rio , mas de v a lo r cris to ló g ico a u x ilia r.

(1 1) C o n f. AA. DIBELIUS, o p . c ít ., p. 225s.


(1 2) C o n f. M . DIBELIUS, o p . c i t . , p. 50.
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3) Prim eiras ten tativas de um a avaliação diferenciad a da relação en tre


Jesus e povo em M arcos.

As duas únicas te n ta tiva s a n te rio re s de um a a v a lia ç ã o m ais d ife ­


re n cia d a da re la ç ã o e n tre Jesus e p o vo em M arcos, e n contram -se em
dois a rtig o s re la tiv a m e n te breves em lín gu a in glesa: B. CITRON, The M u l-
titu d e in the S ynoptic G ospeK13), q u e fa z um estudo m u ito breve sobre o
p ro b le m a nos sinóticos em g e ra l. N ão se po de co n co rd a r com o seu re ­
sultad o , mas p e lo m enos e le d e n o ta consciência do p ro b le m a . O o utro
a rtig o é de P. S. MINEAR, A u d ie n c e C riticism and M arcan E cclesiology(14),
a q u e m a prese nto com o re p re se n ta n te deste m o d e lo de in te rp re ta çã o .
MINEAR parte d o p rin c íp io de q u e é necessário d ife re n c ia r clara e
cu id a d o s a m e n te e n tre os diversos g rupos de o u vin te s de Jesus em M a r­
cos, e s p e c ia lm e n te e ntre Xaóç, ô/Xo? e [jia0T]-cou.
a) O te rm o Xaóç é usado em Mc 7.6, num cita d o de Is 29.13, com o
q u a l os escribas e fa rise u s são acusados de ter se d e svia d o dos m a n d a ­
m entos de Deus e de ater-se aos m a n d a m e n to s da tra d iç ã o h u m a n a , sen­
do por isto taxados por Jesus de h ip ó crita s (Mc 7.6,8).
A lé m disso este te rm o a in d a a p a re c e em Mc 14.2, o n d e os a d v e r­
sários d e c id e m não e xe c u ta r Jesus " n o d ia da fe s ta ", para q ue não haja
tu m u lto e n tre o Xaóç. A q u i este te rm o d eve re fe rir-se aos pe re g rin o s,
m em bros do p ovo e s c o lh id o de Deus(15).
Este m esm o te rm o a in d a a p a re ce um a ú ltim a vez em Mc 11.32 co­
mo le ctio va ria para o te rm o ò'xXoç, sendo q u e a q u i são fe ita s a firm a çõ e s
positivas sobre a postura d o po vo de Deus fre n te a João Batista.
Em todos os casos cham a a a te n ç ã o o fa to de que na única passa­
gem ond e Xaóç é id e n tific a d o com um g ru p o co ncreto de pessoas (Mc 7.6)
h a ja um a posição crítica fre n te a eles (fariseus e escribas = hipócritas).
b) Para estud a r o uso do te rm o oyXoç P. S. MINEAR p arte de M c 7.1 -
23, onde o assunto é a pureza ritu a l dos a lim e n to s. A li Jesus não respon­
de à p e rg u n ta de seus in te rlo c u to re s , mas os acusa de d e s le ix a re m a
vo n ta d e de Deus para observar a tra d iç ã o dos anciãos. Então e le , Jesus,
convoca o õ/Xot; n o v a m e n te (jiáX iv) e o insta a ouvir e enten d er
(àxoúaaxe...(júv£T£ — M c 7.14). Interessante é o toxX iv : q u e r d iz e r que Jesus

(1 3) C ITR O N , B e rn h a rd — The M u lt it u d e in th e S y n o p tic G o s p e l, in : Scotish J o u rn a l o f T h e o lo g y 7


(1 95 4 ), p. 4 08 -4 1 8.
(1 4) M IN E A R , P a u l S. — A u d ie n c e C ritic is m a n d M a rc a n E c c le s io lo g y , in : N e u e s T e s ta m e n t und
G e s c h ic h te (F.S. fü r O . C u llm a n n ) , T ü b in g e n / Z ü r ic h 1972, p. 7 9-8 9 .
(1 5 ) Aaóç é te r m o té c n ic o n a LXX p a ra d e s ig n a r o p o v o e s c o lh id o d e J a v é .
27

costum ava fa z e r isto. Ou este roxXiv se re fe re a Mc 6.45, onde Jesus des­


p e d iu a m u ltid ã o d e p o is da 1° m u ltip lic a ç ã o dos pães. Neste ú ltim o caso
h a ve ria a id é ia de q ue um m esm o g ru p o de ô/Xoç esteve m ais vezes com
Jesus.
Em M c 2.1-12 a a flu ê n c ia d o oyXoç, p ara ju n to de Jesus em C afar-
naum é a resposta a sua a tiv id a d e nesta re g iã o . C o n fo rm e M c 2.2 eles
q u e re m ouvi-io p re g a r a P alavra; e em 2.12 eles lo u va m a Deus p e lo
p e rd ã o dos pecados e p e la cura do p a ra lític o .
Em M c 2.15ssraAXoí (p u b lica n o s e pe cadores) seguem a Jesust16).
Esta m u ltid ã o é, segund o MINEAR, um g ru p o constante de o u vin te s da
d o u trin a de Jesus. E é do m e io deste g ru p o constante de ouvintes, deste
o y \ o ç, que Jesus convoca os doze, para q ue "estivessem em to rn o d e le e
e le os pudesse e n v ia r " (Mc 3 . 13ss).
M u ito im p o rta n te para a a v a lia ç ã o da im p o rtâ n c ia do õxXoç em
M arcos, c o n fo rm e MINEAR, é M c 3.20-35, o n d e Jesus m a n ife sta seu gosto
pe la presença do p o vo ( = ô^Xoç) em to rn o d e le , e id e n tific a este oy\oç,
q ue o ouve e está a o seu re d o r com o sendo a sua m ãe e seus irm ãos
(V.32). E o q u e fa z com q ue este ôxXoç seja m ãe, irm ã o e irm ã? A sua
o b e d iê n c ia à v o n ta d e de Deus.
Ig u a lm e n te im p o rta n te s para a d e fin iç ã o da re la çã o e ntre Jesus e
o ò'xXoç em M arcos são as duas m u ltip lic a ç õ e s dos pães (Mc 6.30-44; 8.1-
10). O oykoç é com o um re b a n h o sem pastor, e Jesus se com p a d e ce d e le
(Mc 6.34; 8.2 — a7tXa-fXv^ £Xoa)< o q ue consiste em e n s in á -lo e a lim e n tá -lo .
A d e d ic a ç ã o do õ^Xo? a Jesus por seu la d o consiste em re co n h e cê -lo , em
procu ra r estar com Jesus a to do o custo, em não se d e ix a r afa sta r d e le
nem p e la fo m e física, e em se d e ix a r a lim e n ta r por e le . Este o y \o t ; com
certeza era m ais do q u e um a p la té ia ocasiona l de curiosos. A m u ltip lic a ­
ção dos pães em M arcos tem a in te n çã o de m ostrar a instrução de Jesus
aos seus discípu lo s com re spe ito ao p o vo (Mc 6.37; 8.4-6): "E les são h a b i­
litados e re ce b e m a o rd em de p a sto re ar as o ve lh a s e de substituir os es­
cribas, q ue fa lh a ra m nesta sua ta r e fa " ( 17).
E neste m esm o se ntid o positivo de Jesus se re la c io n a r com o õxXoç
e de o ò'xXoç se re la c io n a r com Jesus, MINEAR descobre m ais diversas
passagens:
Mc 8.34 — Jesus co n c la m a os discípulos e o oxXoç a to m a r a
sua cruz e a s e g u i-lo ;

(1 6) ’AxoXou6eIv é te r m o té c n ic o p a ra o d is c ip u la d o !
(1 7) C ita d o d e P.S. M IN E A R , o p . c it., p. 84.
28

M c 10.1 — O ox^oç aco rre a Jesus, e e le o ensina de novo, co­


m o de costum e;
Mc 10.32-34,46 — O o ^ o ç com os discípulos a c o m p a n h a Jesus a
J e ru sa lém ;
M c 11,8s — "o s m u ito s " ( = õx^oç / / Mc 2.15-17) o saúdam co­
m o Messias na e n tra d a triu n fa l em Je ru sa lé m ;
M c 11.18 — Os in im ig o s de Jesus te m e m o p o vo ;
M c 12.1-12 — Jesus consid era o ô/Xoç com o a vin h a do Senhor,
de ond e os m aus a d m in istra d o re s serão expulsos;
M c 12.35-37,38-40 — Tam bém no c o n fro n to de Jesus com as a u to ­
rid a d e s no te m p lo o õx^oç está do la d o de Jesus.
S om ente em q u a tro passagens o õx^oç tom a um a a titu d e fra n c a ­
m ente hostil a Jesus:
M c 14.43 — Judas, e com e le um òx^oç com espadas e cacetes,
v in do s da parte dos sacerdotes, escribas e a n ­
ciãos, vai p re n d e r Jesus no G e th sê m a n i;
M c 15.8 — O ôx^oç vem a Pilatos e pede a soltura de um p re ­
so, com o de costum e;
M c 15.11 — Os p rin c ip a is sacerdotes in cita m o ò'xXoç a p e d ir a
lib e rta ç ã o de Barrabás e a c ru cifica çã o de Jesus;
M c 15.15 — Pilatos, q u e re n d o c o n te n ta r o õx^oç, m anda soltar
B arrabás e e n tre g a Jesus à cru cifica çã o .
Nestas q u a tro passagens o ox^oç é um jo g u e te , q ue se d e ix a usar
p elos sacerdotes, qu e se d e ix a m a n ip u la r pelos ad ve rsá rio s de Jesus.
A q u i, diz MINEAR, d eve se tra ta r de um grupo especial de habitantes de
Jerusalém , q u e jam ais foi ouvinte de Jesus. O ôx^oç fa v o rá v e l a Jesus,
que o a c o m p a n h o u na e desde a G a lilé ia , não é m ais cita d o d ire ta m e n te
após M c 12. Talvez h a ja um a re fe rê n c ia a este ox^oç em M c 13.34, onde
se fa la da oixía sobre a q u a l os servos re cebem a u to rid a d e de seu Se­
n hor; ou em M c 13.37, on d e 7rávxeç são cham ados a v ig ia r! Em todos ós
casos as m u lh e re s sob a cruz (Mc 15.40) e as testem unha s da ressurreição
(Mc 16.7-8) são re prese nta n te s deste ôx^oç fa v o rá v e l a Jesus.
P. S. MINEAR resum e a sua o p in iã o sobre a fu n ç ã o do 6 y \o q em
M arcos assim : "M a rc o s deu ao ochlos q u e segue a Jesus um a fu n ç ã o
m u ito im p o rta n te nos e ve nto s narrados p e lo e v a n g e lh o . N ão se trata de
um a massa h e te ro g ê n e a , de pessoas ca su a lm e n te presentes, mas de
um a a u d iê n c ia constante , de crentes c o m is s io n a d o s "(18). C erto q ue em
q u a tro vezes o te rm o descreve um g ru p o hostil a Jesus; e em a lg u n s ca­

(1 8 ) C ita d o d e P.S. M IN E A R , o p . c i t . , p. 87.


29

sos, com o em M c 5.24,27,30,31; 12.41, se trata c la ra m e n te de um g ru p o


de curiosos casu a lm e n te presentes. M as na g ra n d e m a io ria dos casos
trata-se de um a a u d iê n c ia constante e crente.
c) O te rm o [xa9r]xaí é a d esig n a çã o dos doze, que têm vocação es­
p e cia l, re v e la ç ã o e spe cial (cf. tra n s fig u ra ç ã o ), ensino e sp ecial, com is­
sio n a m e n to e special para o a n ú n c io da P alavra, a cura, a o rg a n iza çã o e
o ensino em re la ç ã o ao ôx^oç.
Segundo MINEAR por detrás desta " a u d iê n c ia d ife re n c ia d a " de
Jesus estaria e sp e lh a d a a concepçã o e c le s io ló g ic a de M arcos, a saber:
(xa0r]Taí co rre s p o n d e ria aos líderes de sua co m u n id a d e ;
oyXoç, co rre s p o n d e ria aos cristãos leigos;

Xaóç d e s ig n a ria os judeus, os não-crentes.


Esta in te rp re ta ç ã o é, sem d ú v id a , m u ito interessante, e num p ri­
m e iro m o m e n to tem -se o im p u lso de co n co rd a r p le n a m e n te com esta
a n á lise . Mas, q u a n d o se o lh a esta a n á lis e m ais d e tid a m e n te , chega-se à
conclusão de q ue e la não co nvence re a lm e n te . Pois e la sabe lid a r m u ito
bem com as a firm a ç õ e s positivas sobre o re la c io n a m e n to e ntre Jesus e o
povo. M as e la não sabe lid a r m u ito bem com as a firm a ç õ e s n e g a tiva s so­
bre o m esm o. A o fa la r d e la s o a u to r precisa a p e la r, sem n e n h u m a pista
no p ró p rio te xto , para a pressuposição de um o u tro g ru p o de òyXoç, n a tu ­
ral de Je rusa lém , que não fo i o u v in te de Jesus.

III — T entativa de um a solução: A relação en tre Jesus e os que o cer­


cam como expressão da eclesiologia de M arcos.

Eu penso q u e n ã o é possível in te rp re ta r c o rre ta m e n te a re la çã o


e ntre Jesus e o p o vo no e v a n g e lh o de M arcos sem le va r em conta a re la ­
ção e n tre Jesus e os d e m a is grupos qu e, segund o M arcos, o cercam e
com q u e m e le tem re la c io n a m e n to . Por isso vam os v e rific a r com o M a r­
cos descreve o re la c io n a m e n to de Jesus com o m u n d o m a io r qu e o cerca
e, a li, v e rific a r com o se fa la de povo.
Q u a n d o se fa la em povo se g u n d o M arcos, tem os de le va r em
conta, que e le usa para d e sig n a r este g ru p o um a te rm in o lo g ia " n e u tr a " ,
que não q u a lific a a n te c ip a d a m e n te este povo, nem no se ntido p o sitivo ,
nem no se n tid o n e g a tiv o , nem q u a n to à sua p ro v id ê n c ia local ou social.
O seu te rm o p re fe rid o para d e s ig n á -lo é õxXoç(19). M as e le ta m b é m usa

(19) M a rc o s usa e sta d e s ig n a ç ã o 36 v e ze s.


30

outras designa ções, q u e quase sem pre são neutras q u a n to ao seu s ig n ifi-
ca d o t20). Por isto eu p a rto do p rin c íp io de q u e não é possível te n ta r d ife ­
re n cia r e n tre diversos grup o s de " p o v o " , se g u n d o a sua d e sig n a çã o ou
p ro v e n iê n c ia local ou social em M arcosí21). O p ovo é sim p le sm e n te um
dos grupos q u e cercam Jesus e q ue com e le se re la c io n a m , à s e m e lh a n ­
ça dos discípu lo s e dos a d versá rios de Jesus. Portanto deve-se a b a rca r to ­
das as a firm a ç õ e s sobre este g ru p o do p rin c íp io ao fim do e v a n g e lh o ,
para c o m p re e n d e r a sua fu n ç ã o .
E q u e q u a d ro M arcos nos p in ta da re la çã o deste povo, deste g ru p o
especia l que cerca Jesus, para com ele?

1) O povo na tradição pré-m arq u in a

M arcos e n c o n tro u um re tra to bem a m b íg ü o da re la çã o e n tre Jesus


e o p o vo na tra d iç ã o de q u e fe z uso(22).
a) Há tra d içõ e s em que o p o v o to m a um a posição bastante n e g a ti­
va fre n te a Jesus. Basta le m b ra r co m o e x e m p lo e x tre m o o pa p e l do povo
no processo de Jesus p e ra n te Pilatos (Mc 15.1-20). M as ta m b é m o povo
de N azaré se esca n d a liza d ia n te da re iv in d ic a ç ã o de Jesus, de en sin a r
com p o d e r, por co n h e ce r a sua fa m ília (Mc 6 .1 -6a); os gerasenos p e ­
dem a Jesus que e le a b a n d o n e o seu te rritó rio , por não estarem dispostos
a se e xp o r à re iv in d ic a ç ã o de Jesus, de a g ir com o p o d e r de Deus (Mc
5.1-20); a c o m u n id a d e e n lu ta d a ri (xaxayeXXáco) q u a n d o Jesus a firm a que
a filh a de J a iro não está m orta , mas d o rm e apenas (Mc 5.21-24,35-43, es­
p e c ia lm e n te V .40)(23).
b) Há passagens, em qu e o p o vo tem um a fu n ç ã o " in s tru m e n ta l"
para o d e c o rre r da n a rra tiv a . Assim a presença do povo recém o b rig a as
pessoas a b a ix a re m o p a ra lític o p e lo te lh a d o , para ch e g a re m até Jesus

(2 0 ) Os s e g u in te s te rm o s ta m b é m d e s ig n a m o p o v o e m M a rc o s : 7toXXoí = 9 v e z e s ; rcávr&ç — 6 v e z e s ;
710XÚ rcXfiõoç = 2 v e z e s ; okr\ t^toSXk; = 1 v e z ; a 3 a p ess. d o p lu r a l d a s fo r m a s v e r b a is = 1 ] v e z e s
Xaóç = 2 (o u 3) v e z e s , s e n d o q u e e ste é te rm o té c n ic o p a ra d e s ig n a r o P o vo d e D eus n a LXX.
Q u a n to òs ta b e la s d a te r m in o lo g ia e m p r e g a d a p o r M a rc o s , c o n f. m in h a te s e : D as V e rh ä ltn is
z w is c h e n Jesus un d V o lk im M a r k u s e v a n g e liu m , p. 2 65 -2 6 8.
(2 1) U m a e x c e ç ã o ta lv e z s e ja m a q u i M c 5 .1 -2 0 , o n d e os g e ra s e n o s s ã o d e u m a te r r a p a g ã , e M c
6 .1 -6 a , o n d e os n a z a re n o s n ã o a d m ite m a r e iv in d ic a ç ã o d e Je sus d e e n s in a r c o m p o d e r , p o r
c o n h e c e re m a su a fa m í lia .
(2 2 ) Q u a n to à d is c u s s ã o , se um te x to é tr a d ic io n a l ou r e d a c io n a l, v e ja m in h a te s e : Das
V e r h ä ltn is ... p. 3 4 -2 6 4 , o n d e e s tã o a n a lis a d a s to d a s a s p a s s a g e n s d e M a rc o s , e m q u e a p a r e c e
o povo.
(2 3 ) K axayeXXáto é u m r ir d e b o c h a d o .
31

(Mc 2.1-12); a presença da g ra n d e massa p o p u la r recém leva a m u lh e r


h e m o rrá g ic a a te n ta r ch eg ar s o rra te ira m e n te a Jesus e lhe tocar as vestes
(Mc 5.25-34).
c) Há m uitas a firm a ç õ e s positivas, ta n to sobre a a titu d e do povo
para com Jesus — q ue vai desde um a b a lo ín tim o , de um sentir-se in ­
q u ie ta d o e q u e s tio n a d o , que a in d a d e ix a em a b e rto um a decisão para a
fé ou de recusa, até a um a a titu d e de quase discípulos — , com o sobre a
a titu d e de Jesus para com o povo. Assim o p o vo se m a ra v ilh a (ÈSjejiXTÍaaov-
t o ) d ia n te da cura do surdo e g a g o (Mc 7.31-37), e se a d m ira (il-íc u o c v x o u )

d ia n te da cura do p a ra lític o (Mc 2.1-12); o p ovo considera Jesus o João


Batista ressurreto, Elias ou o u tro p ro fe ta (Mc 6 . 14s / / 8.27s); na fig u ra do
pai do m e n in o lu n á tic o , de q ue m d iz expressam en te q ue e le era um do
oyXoç, chega à fé ao d iz e r: Senhor, eu c re io ; a ju d a a m in h a fa lta de fé
(Mc 9.14-29, e s p e c ia lm e n te V. 17); o povo, ju n ta m e n te com os discípulos
saúda Jesus co m o M essias na e n tra d a triu n fa l em Jerusalém (Mc
11. 1- 11).
Nas passagens p ré -m a rq u in a s , que fa la m da posição de Jesus p a ­
ra com o povo , as a firm a ç õ e s ta m b é m são positivas. Assim , por e x e m p lo ,
diz que Jesus teve c o m p a ix ã o do p ovo (aTtXayxvíÇeToa), q ue o ensina e a li­
m enta (Mc 6.30-33.34.35-44; M c 8.1-9); Jesus considera o p ovo sua ve r­
d a d e ira fa m ília (Mc 3.31-35); e le com e com o povo sem fa z e r distin çã o e
o ensina^24).

2) O povo na redação de M arcos

Especialmente nas passagens conhecidas como


"S a m m e lb e ric h te ", M arcos desenh a um q u a d ro p o sitivo da re la çã o entre
Jesus e o povo. S egundo eles o p ovo se sente a tra íd o por Jesus em g ra n ­
de n ú m e ro , de m odo q u e há tu m u lto em to rn o d e le e passa a fa lta r lu g a r
(Mc 1.33; 2.2; 3.9s; 4.1, e tc .). Tanto é que , segund o a lg u m a s destas passa­
gens, Jesus te n ta re tira r-se do p ú b lic o sem sucesso (Mc 1.45; 6.31s). Sem ­
pre de n o vo o e v a n g e lis ta re p ete q u e Jesus se vo lta para o povo, o ensi­
na, lhe d iz a P alavra (Mc 1.21; 2 .2,13; 4.1-2; 6.6; 6.34; 10.1); cura os seus
doente s (Mc 1.34; 3.10, e tc .); lhes exp ulsa os d e m ô n io s (1.39). Sim, M a r­
cos a ce n tu a até q u e Jesus e n sin ou o p o vo e o e xo rto u para o u v ir e e n te n ­
d e r^ ) (Mc 7,14), e m ais, que e le ch am o u este povo em co n ju n to com os
discípulos ao d is c ip u la d o , que in c lu i a cruz (Mc 8.34).

(24) N ã o se p o d e , p o r ta n to ig u a la r o p o v o c o m oi è^oj, c u jo e n t e n d im e n to é e m b o t a d o p e lo e n s in o
e m p a rá b o la s d e Jesus (M c 4 .1 1 ). C o n f. m in h a te s e : D as V e r h ä lt n is ... p. 9 7 -1 1 8 , o n d e h á m a is
re fe rê n c ia s b ib lio g r á fic a s .
32

R esum indo, pode-se constatar: M arcos assum e os m otivos q ue na


tra d iç ã o fa la m p o s itiv a m e n te da re la ç ã o e ntre Jesus e o povo, e os re p e ­
te, a c e ntu a ou m u ltip lic a re d a c io n a lm e n te . Mas e le ta m b é m não exclu i
as tra d içõ es n e g a tiva s sobre este re la c io n a m e n to . Pelo c o n trá rio , ele as
in co rp o ra no seu e v a n g e lh o . Para e le ta m b é m as cores fortes deste q u a ­
dro, ta n to as p ositivas e claras (ex. M c 3.31 f f ) com o as n e g a tiva s e escu­
ras (ex. M c 15) são parte in te g ra n te e in disp e n sá ve l do m esm o.

3) A relação do povo com Jesus, os discípulos e os adversários

A re la ç ã o e n tre Jesus e o p ovo em M arcos não apresenta um d e ­


senvolvim ento lin e a r, de m od o q ue a sua in co m p re e n sã o e o seu e m b o ­
ta m e n to tivesse crescido. Tam bém não se pode fa la r de um a crise na G a-
liléia de m od o q u e Jesus se tivesse re tira d o com os seus discípulos de
d ia n te do p o vo , o q u e te ria c u lm in a d o com o " c r u c ific a -o " em Jerusa­
lém .
Esta re la ç ã o pode antes ser descrita com o um a situação de g ra v i­
tação, q u e vai da ne g açã o , da re je iç ã o (M c 6. l-6 a ; 15.6-15), passando
por um estar a b a la d o ou im p re ssio n a d o (Mc 3.20s.31 -35), por um sentir-
se a tra íd o , até quase ao d is c ip u la d o (Mc 7.31-37; 11.1-11), sim à p ró p ria
fé (Mc 9.17). E de Jesus sem pre de novo se d iz que e le se e m p e n h a p e lo
povo, preocupa -se com as suas necessidades e so frim e n to s (Mc 6.30ss),
cura as suas e n fe rm id a d e s e cham a ao a rre p e n d im e n to e d iscip u la d o .
Um a d e lim ita ç ã o cla ra e n tre o p o vo e os ad ve rsá rio s de um la d o e entre
o p ovo e os discípulos de o u tro la d o não se pode traçar. O ra o p ovo está
m ais p ró x im o do d is c ip u la d o e dos discípulos (Mc 3.20s; 3.31-53;
8.34-9.1; 11.1-11), ora está m ais p ró x im o dos a d versários (Mc 5.1-20; 6.1 -
6a), sim , sed uzid o pelos p ró p rio s a d ve rsá rio s de Jesus, e le se transform a
em a d v e rs á rio (M c 15.6-15).
A g o ra , esta situação de g ra v ita ç ã o em re la çã o a Jesus va le ta m ­
bém para os dois outros grup os q u e cercam Jesus e com os q uais e le se
re la c io n a de m od o id ê n tic o , a saber, para os discípulos e para os a d v e r­
sários. Tam bém os discípu lo s estão ora m ais p ró xim o s de Jesus, co m ­
p re e n d e n d o os seus e n sin am e n to s, ora se m ostram in co m p re e n síve is p a ­
ra o que Jesus q u e r d eles; ora reco n h e ce m a sua m essia n id a d e , mas
im e d ia ta m e n te têm de o u v ir: A rre d a Satanás (Mc 8.27-33); ora q u e re m
m o rre r p o r seu m e stre, o ra n e g a m s e q u e r tê -lo c o n h e c id o
(Mc 14.31,66ss); ora o d is c íp u lo se d e ix a c h a m a r por Jesus ao d is c ip u la d o ,
ora che ga a tra n sfo rm a r-se em seu a d v e rs á rio e tra id o r (Mc 14.43ss).
33

Sim, até para um de e n tre os a d ve rsá rios de Jesus o ca m in h o para


o d is c ip u la d o a in d a está a b e rto (Mc 12.34; 15.43).
E pessoas in d iv id u a is sem pre de novo ultrapassam os lim ite s dos
círculos não m u ito bem e c la ra m e n te d e lim ita d o s destes grupos q ue cer­
cam Jesus p ara um ou p ara o utro lado. Os discípulos são cham ados de
entre o povo (Mc 1.40-45); diversas pessoas do p ovo chegam à fé (Mc
5.1-20 — o g e rasen o c u ra d o ; M c 5.25-34 — a m u lh e r h e m o rrá g ic a ; Mc
9.14-29 — o pai do m e n in o lu n á tic o ; M c 10.46-52 — o cego B a rtim e u ; Mc
15.39 — o c e n tu riã o sob a cruz); até um escriba tem chance de che g a r ao
d iscip u la d o (M c 12.34); mas ta m b é m o d is c íp u lo pode tornar-se in im ig o
(Mc 14.43ss), e o p ró p rio p o v o po d e tornar-se a d v e rs á rio (Mc 15.6-15).
Poderíam os re p re se n ta r a re la ç ã o de Jesus com os grupos qu e o cercam ,
segundo M arcos, g ra fic a m e n te , da se g u in te fo rm a :
34

Q uer me p a re c e r q u e M arcos descreve com a sua expo siçã o da re ­


lação de Jesus com estes diversos grupos que o cercam a sua e cle sio lo -
gia. M as não a sua e c le s io lo g ia d o g m á tic a , e sim a sua e c le s io lo g ia v iv i­
da no seu d ia a d ia , no seu ca m p o m issio n á rio de missão in te rn a (discí­
pulos) e e x te rn a (p ovo , e a d ve rsá rio s — estes p rin c ip a lm e n te os judeus
represen ta do s pelas suas lid e ra n ça s), se é q ue dá pa ra usar um a tal te r­
m in o lo g ia m o d e rn a para d e screver um a re a lid a d e do e va n g e lista .

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