Você está na página 1de 2

“Notícias falsas”: a polêmica chega ao

Judiciário
19/01/2017 | 15h59
Por Francisco Brito Cruz
Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente

Você já se perguntou quantas manchetes você lê por dia no seu feed? Quantas vezes
abriu um link “bombástico” enviado por um amigo ou familiar e foi levado a uma
notícia que parecia falsa? E quando esses links viralizam e são compartilhados por uma
multidão de pessoas? O tema está quente: após a eleição presidencial nos Estados
Unidos, a disseminação de “fake news” – ou “boatos” – tornou-se a principal polêmica
da primeira coletiva de imprensa do presidente eleito Donald Trump, acusado por parte
de canais estabelecidos da mídia de se beneficiar dos boatos durante o pleito.
No Brasil, o ambiente político polarizado também tem sido cenário para casos de
boatos, que inclusive já chegam ao Judiciário. No ano passado, o cantor Gilberto Gil
entrou com uma ação judicial em face do Facebook e do site Pensa Brasil para retirar do
ar uma matéria que continha citações de uma entrevista que, segundo ele, nunca existiu.
Para seus advogados, o site estaria em busca de criar um factoide e usar o nome de Gil
para “captar seguidores na internet e, com isso, alavancar seus negócios”. Na contestada
entrevista, Gil teria saído em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
ocasião de acusações feitas no bojo da operação Lava-Jato, afirmando que “o que
fizeram com Lula não passa de uma das maiores práticas de terrorismo, o nosso maior
líder que tanto lutou pela democracia não merecia uma desfeita dessa do Juiz Sérgio
Moro”.
Gil ficou incomodado com serem-lhe imputadas frases que nunca teria dito, em matéria
com verniz de verdadeira. Isso porque o site Pensa Brasil não é um site de notícias
reconhecidamente falsas, como é o caso do site de humor Sensacionalista. O que
indicaria, ao leitor, que aquilo poderia ser uma invenção?
 

A primeira manifestação da 12ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi
favorável a Gil, motivo pelo qual a matéria não está mais no ar (ficando acessível
apenas por meio de consulta no “Arquivo da Internet”). Na decisão (que tem caráter
liminar), o magistrado considerou que as alegações e documentos iniciais eram
suficientes para dar razão ao ex-ministro, e determinou a sua remoção da Internet para
protegê-lo de “dano irreparável” à sua honra e imagem. Mesmo a favor de Gil, a decisão
não foi suficiente para que a informação continuasse a se propagar emoutros sites de
notícias não compreendidos em seu pedido e em comentários de redes sociais e vídeos.
Por outro lado, a informação foi considerada “boato” pelo Boatos.org, site que realiza
checagem de conteúdos duvidosos.
 

 
O caso é exemplificativo da complexidade desse fenômeno. Uma recente análise
comparativa entre o engajamento de usuários de Facebook gerado por boatos, de um
lado, e notícias produzidas por grandes jornais e emissoras, de outro, apontou que, na
reta final da eleição presidencial americana, os boatos foram mais populares. As
consequências podem ser graves em termos de acesso à informação de qualidade (com
fontes verdadeiras e checagens realizadas), quadro que se agrava se considerada a
dificuldade de muitos usuários em julgar criticamente a qualidade das notícias com que
têm contato nas redes sociais. Um estudo da Universidade de Stanford revelou, no fim
de novembro do ano passado, que 80% dos estudantes nos Estados Unidos não
conseguem diferenciar notícias normais de anúncios. Um relatório de 2011 do instituto
britânico Demos traz dados ainda mais preocupantes, voltados para a realidade inglesa:
por volta de 25% dos jovens de 12 a 15 anos não checariam nenhuma informação
consumida nas redes sociais, e apenas ⅓ de crianças e adolescentes de 9 a 19 teriam tido
contato com algum tipo de discussão na escola sobre confiabilidade da informação
encontrada na Internet.
No ano passado, meios de comunicação e jornalistas começaram a pressionar o
Facebook para pensar em qual seria seu papel frente a essa realidade. Qual seria o
impacto de uma informação que não passou por qualquer crivo editorial ou checagem,
mas que foi compartilhada alguns milhões de vezes? Em novembro, o CEO do
Facebook, Mark Zuckerberg, pronunciou-se, dizendo que há riscos na atividade de
controlar notícias falsas, mas assinalando para possíveis mudanças. No dia 15 de
dezembro, o Facebook anunciou a criação de um recurso para que os usuários possam
sinalizar que uma notícia parece duvidosa, para que a empresa tome providências para
torná-la menos visível. A medida começará a valer na Alemanha, onde a chanceler
Angela Merkel tem se mostrado preocupada com o impacto do compartilhamento de
boatos na eleição no país. De fato, se considerarmos o alcance e a importância do
Facebook no debate público, é um poder considerável.
Com o tema na ordem do dia, como o Judiciário deve lidar com pedidos que envolvam
artigos ou páginas que apresentam informações falsas ou imprecisas? Além de nem
sempre a retirada surtir efeitos – o conteúdo retirado de um site pode voltar a aparecer
em outros – a discussão pode colocar o Judiciário em uma posição difícil. A tarefa de
analisar a “veracidade” das notícias publicadas e compartilhadas na Internet não é fácil,
colocando os juízes para enfrentar zonas cinzentas: por vezes, não haverá critérios
objetivos para fazer esse tipo de apreciação e entrarão em pauta questões delicadas
como a proteção ao sigilo de fontes. A complexidade (e o risco de ocorrerem abusos,
como alegações de que conteúdos legítimos seriam falsos) pode ainda se agravar se
decisões de remoção ocorrerem sem que seja dada à outra parte oportunidade de se
manifestar – como foi, aliás, o caso na liminar de Gil.
Boatos sempre foram comuns na sociedade; de panfletos e colunas sociais a tabloides e
especulações sobre a vida de famosos. O novo desafio é conter seu avanço para além
das questões de mera bisbilhotice, alcançando um poder de manipulação da opinião
pública com importantes repercussões políticas. Antes, combatê-los era uma questão de
honra. Agora, pode ser uma questão de cidadania.

Você também pode gostar