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Seminário: Da divisão do trabalho social

Nos trechos lidos da obra Da divisão do trabalho social, Durkheim se propõe a


compreender a função social do trabalho, a qual necessidade corresponde e verificar seu
aspecto moral. Demonstra o método que utilizara em sua análise, os tipos de
solidariedade que percebe através dele, e as causas que permitem o desenvolvimento da
divisão do trabalho.

O autor inicialmente faz algumas definições pertinentes ao estudo. Moral é aqui


como sendo “o mínimo indispensável, (..) sem o qual as sociedades não podem viver” p.
59, que nos obriga a um determinado caminho, para uma finalidade definida, possuindo
capacidade de ordenar e instruir. Já solidariedade é por ele é apontada como uma
ligação entre indivíduos combinando esforços de modo solidário e que se desenvolvem
conjuntamente. Pressupõe que compartilhem valores morais de alguma forma e que os
envolvidos são incompletos, dependendo mutuamente um do outro.

A partir de uma hipótese levantada por Comte, o autor pergunta-se em que


medida a solidariedade produzida pela divisão social do trabalho contribui para a
integração social em geral? O autor reconhece as dificuldades para perceber e avaliar
questões moral, e propõe substituir o fato interno por outro externo que o simbolize.
Essa simbolização visível, no caso, seria o direito, visto aqui como a própria
organização da vida social.

“Os diferentes tipos de solidariedade analisados referem-se a diferentes grupos


sociais aos quais ela assegura a unidade” (p. 72), variando, assim, conforme variam os
tipos sociais. Ele então classifica as regras jurídicas com base em suas sanções, divido-
as eu dois tipos: as repressivas, e as restitutivas, e a seguir, mostra as solidariedades com
as quais se relacionam.

As sanções repressivas, que infligem sofrimento, dor ou perda ao agente,


relaciona-se ao direito penal. A ruptura do direito repressivo constitui o crime, que é
visto “atos reprimidos por punições definidas” p.75 que podem ser tomados como
medida de imoralidade. Eles são “universalmente reprovados por todos os membros de
cada sociedade” (p.78) ou seja, ele “ofende os sentimentos que, para um mesmo tipo
social, encontra-se em todas as consciências sãs” (p.78) sendo comuns à média dos
indivíduos dessa sociedade.
Esse conjunto de crenças e dos sentimentos comuns forma um sistema
determinado que tem vida própria, a qual podemos denominar de consciência coletiva
ou comum” (p. 83). Esta apresenta-se de modo difuso, como o tipo psíquico da
sociedade, com propriedades, modos de desenvolvimento e condições de existência
específicos. Refere-se a totalidade de similitudes sociais, mas não se trata, porém de
uma consciência tão ampla quanto a vida psíquica da sociedade, podendo ser apenas
uma parte muito restrita dela. Assim, o crime ofende a consciência coletiva, seja
diretamente causando comoção, ou indiretamente, ao ofender o Estado, que seria por
fim um símbolo da consciência coletiva, ou ela mesma “encarnada”.

A reação ao crime se daria então pela pena, que “consiste essencialmente em


uma reação passional, pois os estados fortes da consciência coletiva foram atacados e
reagem de modo a se defender. Atua como uma forma de expiação de um mal causado a
algo transcendente, ou seja, a consciência coletiva, o que mostra o caráter religioso do
direito penal. Essa punição é exercida de forma organizada, por meio da instauração de
um tribunal que atua como uma reação do proprio corpo social.

Segundo Durkheim haveriam em nós então duas consciências, uma individual e


outra coletiva, que possuindo um único substrato orgânico estão ligadas e são solidarias
entre si.

A solidariedade cujo vínculo é simbolizado pelo direito penal se baseia na


semelhança, os indivíduos são atraídos uns para os outros porque se parecem. A
sociedade, por sua vez, apresenta nessas semelhanças fundamentais as condições para
sua coesão. O direito repressivo relaciona-se ao coração da consciência coletiva,
permanecendo difuso. A sociedade é aqui um conjunto mais ou menos organizado de
crenças e de sentimentos comuns a todos os seus membros (tipo coletivo). Aumenta no
sentido inverso da personalidade. Ela está no seu ponto máximo quando a consciência
coletiva abrange por completo a individual, a individualidade é nula, nos tornamos no
“ser coletivo”. Chama-se mecânica pois une “corpos brutos”, o vínculo que une
individuo a sociedade é análogo ao que une a coisa à pessoa, e estaria mais presente nas
chamadas sociedades menos desenvolvidas.

Por sua vez, o vínculo de solidariedade social simbolizado pelo direito


restitutivo busca uma reparação. Atua não diretamente “entre o indivíduo e a
sociedade, mas entre as partes restritas e específicas da sociedade ligadas entre si por
tais relações.” Elas podem assumir duas formas diferentes: negativas, produzindo
abstenção, ou positivas ou de cooperação.

A relação negativa utilizada como modelo é a que une coisa à pessoa. Abarca o
direito real e o pessoal. Liga diretamente as coisas às pessoas, mas não as pessoas entre
si, criando uma solidariedade negativa, pois não apresenta finalidades coletivas nem
contribui para o corpo social, não resultando em colaboração. Ao invés de criar
solidariedade e fortalecer vínculos entre partes de uma sociedade, acaba evidenciando as
barreiras entre elas. Não há, na verdade, solidariedade aqui. Ela “só é possível quando
há outra, de natureza positiva, da qual ela é, ao mesmo tempo, resultante e condição” (p.
116)

Assim, retirando-se do direito restitutivo as regras mencionadas acima, o que


sobra (presentes no direito doméstico, contratual, comercial, processual, administrativo
e constitucional) exprimem uma colaboração positiva derivada da divisão do trabalho.
Direito doméstico, por exemplo, determinaria direitos e deveres de cônjuges e
integrantes do núcleo familiar, ou seja, suas funções familiares, “exprime a
solidariedade particular que une entre si os membros da família em consequência da
divisão do trabalho doméstico.” Já em relação ao direito contratual, o contrato seria a
expressão jurídica da colaboração, pois pressupõe cooperação e implica divisão do
trabalho. Dessa forma as “relações reguladas pelo direito cooperativo com sanções
restitutivas e a solidariedade que elas exprimem resulta da divisão do trabalho.” (p.122)

A solidariedade simbolizada pelo direito restitutivo depende da sociedade pois


depende das partes que a compõem (orgânica). A sociedade é vista aqui como “um
sistema de funções diferentes e específicas unidas por relações definidas”. Aquela
produzida pela divisão do trabalho supõe que os indivíduos sejam diferentes entre si, só
é possível se cada um tem uma esfera de ação própria, ou seja, uma personalidade. A
individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes, embora, por
exemplo, em nossas profissões dividíssemos semelhanças com outros dos mesma. Atua
como atuaria um sistema nervoso, e mantem a harmonia do corpo social. Essa
solidariedade é chamada orgânica pois se assemelharia aos organismos dos animais
superiores.
Após as definições, conforme o método delimitado pelo autor, é nas
variações do meio social que se deve buscar a causa para o desenvolvimento da
divisão do trabalho.

Assim, Durkheim refuta ideias como a de que a explicação para a especialização


deva ser procurada em fatores externos a sociedade, como propõe Spencer. Para ele, a
divisão do trabalho é um fenômeno social, por isso deve ter como causa outro fenômeno
social.

O autor mostra dois tipos sociais tendo como base os conceitos de solidariedade
apontados. O primeiro apresenta uma estrutura segmentaria, cuja coesão social se baseia
na semelhança e na qual cada segmento tem seus próprios órgãos que são “protegidos”
de outros segmentos. Quando há uma ruptura desse equilíbrio, as barreiras caem e os
órgãos similares entram em contato. Essa aproximação permite que indivíduos antes
separados pelos segmentos se tornem em massas livres e entrem em contato, se
combinem e troquem entre si. Aqui a competição e complexidade da vida social se
acentuaria, aumentando a luta pela sobrevivência dentro da sociedade. A divisão do
trabalho permite que diferentes, e agora mais números, indivíduos convivam em certa
harmonia

Conforme a estrutura segmentaria desaparece cresce assim estrutura organizada


e a divisão do trabalho. Ele chama de densidade moral a troca ativa resultante dessa
aproximação, podendo-se dizer que o progresso da especialização está em razão direta
com a densidade moral da sociedade, e da diminuição da distância entre indivíduos,
com consequente multiplicação das relações intrassociais. O crescimento e o
adensamento não apenas permitem, mas exigem uma divisão do trabalho, sendo sua
causa determinante. A individualidade aqui cresce e as diferenças unem os indivíduos.

A divisão do trabalho não precede então a vida social, mas deriva dela. “Há uma
vida social fora de toda divisão do trabalho, mas está a supõe” p 254. Aparece a partir
de massas pluricelulares, já dotadas de alguma coesão. As unidades sociais se agrupam
inicialmente pelas semelhanças, para posteriormente se diferenciar. Esse processo é
observado em cada estágio de evolução. Assim, a associação e a cooperação são fatos
distintos, embora o segundo reaja sobre o primeiro e o transforme, mas a dualidade dos
fenômenos não desaparece. A cooperação torna-se não apenas possível, mas necessária.
Assim, também a formação da individualidade moderna não precede a vida social nem a
coloca em risco, uma vez que é fruto desta e lhe é solidaria.

Alguns pontos podem ser levantados a partir da leitura do texto.

Notamos a preocupação em demonstrar e seguir um método de análise


específico da sociologia e as influencias das ciências naturais e do positivismo na obra.
Em alguns momentos percebe-se que o autor se utiliza de termos que hoje causam
desconforto e estranheza, como sociedades primitivas ou menos desenvolvidas, ou
corpo brutos, os quais acredito que devam ser vistos relativizados pela época na qual o
autor realizou o estudo.

A forma como traz luz para questões sociais por vezes parece gerar divisões
muito delimitadas entre questões sociais e individuais que, ao meu ver, embora acredite
seja um reflexo tentativa de delimitar o objeto da sociologia e legitimá-la enquanto
ciência, são difíceis de serem completamente separadas, como quando trata de
consciência individual e outra coletiva. De alguma forma, provavelmente pela
influencia de um sobre o outro, a reflexão lembra-me da definição de Bourdieu (teórico
da síntese) de habitus, que traz a ideia “interiorização da exterioridade e exteriorização
da interioridade”. Ao mesmo tempo, permite, por exemplo reflexões como a de
diferenciação entre gêneros como resultado de diferentes funções e construções sociais,
desnaturalizando a questão, ou quando trata de como as necessidades ou gosto são
construções sociais.

Por fim, alguns termos, para mim, também não ficam não ficam propriamente
claros ou parecem ser utilizados para abarcar diferentes sentidos, como quando usa
sociedade, me perguntei a que se referia a um pais, a sociedade capitalista, aos povos
europeus ou outros.

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