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WENDEL FREIRE

(organizador)

GESTAO
DEMOCRATICA
REFLEXÓESE PRÁTICAS DO/NO COTIDIANO ESCOLAR

Eunice MariaFerreira Silva João Baptista BastosJuliana Santos Costa


Lorena Lopes Pereira Bonomo Marcia Nico Evangelisla Maria Candida da Silva Almeida
MartaChristina Motta Macedo Silvina Julia Fernández

wak editora
GESTÃO
EDUCACIONAL
A SOMBRA DA
CRISE MODERNA

Marcia Nico Evengelista


Werndel Freire
GESTÃO EDUCACIONAL A SOMBRA DA CRISE MODERNA

Ahegemonia éuma tentatiua de criarcornsenso baseada


na ideia
dequeoqueelaproduzébompara todos.
Boaventura de Souza Santos

DO CORP0 ESTREBUCHANDO

O mundo moderno está imbuído da lógica cien-


tifica como único caminho confiável, dotado de ver-
dade. O maravilhoso mundo científico não considera
outras possibilidades de saberes, esclerosando as vias
de acesso e sufocando caminhos que busquem outras
formas de conhecimento. A crise evidente que nos as-
sola compõe quadros permeados de tantos aspectos
que tecer um diagnóstico torna-se um desatio instiga-
dor talvez uma tarefa irrealizável. Nossas vidas indi-
viduais e coletivas vão sendo delineadas dentro de
pressupostos políticos, estéticos, históricos, sociais,
econômicos, culturais e tantos outros presentes na di-
versidade do nosso mundo moderno que, talvez, seja
mais prudente considerarmos todas essas perspecti-
vas entrelaçadas para não escorregarmos em um re-

corte ouum fragmento que desconsiderea pburversalidade da


vida e de suas experiëncias sociais. Percebemos como
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GESTÃO DEMOCRÁTICA

a ciencia vem se encorpando ao longo da história junta-


mente com a expansão da sociedade capital1sta, mas tam-
bém o modo como, às margens do sistema, o organismo
social vivoe pulsante se recria no momento em que seus
canais de sobrevivência vão se fechando.
Mas em que esta retlexão nos orienta eoque ela
pode significar?
Para Wallerstein (2001), o capitalismo sempre se
apresentou como um sistema que consegue satistazer,
pelo menos, as necessidades básicas. Tal argumento faz
sentido na medida em que se desfrutam os avanços que
a humanidade tem adquirido com a tecnologia confor
tante: eletricidade, condicionadores de ar, encanamen-
to interno, automóveis, aviðes, computadores etc.
Diversos discursos - políticos, economicos, instituci-

onais, midiáticos, corporativos- fazem circular a ideia


de que a ciencia tem produzido,
produz e produzirá
soluções para o nosso mundo (bom exemplo disso é
um antigo slogan da IBM: "soluções para um mundo
pequeno"). No são poucas as vezes que ouvimos ta-
lar do surgimento de novas tecnologias que irão nos
salvar da másaúde, da má educação, da indigência etc.
Mas estará o mundo contemporâneo ao menos próxi-
mo do que deseja a humanidade?
Com tantos projetos e possibilidades, a ciência
vem se construindo, discursivamente, como trilha única
e inequívoca para todos os povos. Muito se tem investi-
do em pesquisas, objetivando adquirir maiores avanços
que pretendem superar aprópria natureza humana. Hoje
seriam pesquisas para a busca do homem pós-orgânico,

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GESTÃO EDUCACIONAL A sOMBRA DA CRISE MODERNA

aquele que, de alguma forma, precisa acompanhar a ve


locidade ea complexidade que as novas tecnologias vi-
sam demandar. Tudo isto dentro de uma visão harmônica
e com sentido "universal".O capitalismo considera que
o mundo, nos últimos quinhentos anos, muito caminhou
e que essas produções foram uma conquista da humani-
dade. Wallerstein nos aponta que tal sistema ainda não
conseguu superar questöes rudimentares, como a pro-
blemática da alimentação no mundo. Se a distribuição
dos alimentos ainda não possui expressões tão maravi-
lhosas como a evolução técnica, do que nos valeria avan-
çar em bases tão contraditórias? Segundo este mesmo
autor, 85% das pessoas que vivem dentro do siste-
ma-mundo capitalista não têm padrôes de vida supe-
riores àqueles das populaçöes trabalhadoras do
mundo háquinhentos ou mil anos.
Contrariando as teorias apologéticas do capita-
lismo e da tecnologia científica como inquestionáveis
conquistas contemporâneas da humanidade, Milton
Santos (2008) argumenta que o contorto eavariedade
de satistações materiais produzem avaliações contra-

ditórias. O autor aponta a tábula como pressuposto


deste mundo de globalização contado pelo capitalis-
fato real é que apenas trés praças Nova Ior-
-

mo; o
concentram mais da metade
que, Londres e Tóquio
-

de todas as transações e as ações. As empresas transna-


cionais são responsáveis pela maior parte do comér-
cio dito mundial, e os 47 países menos avançados
do comércio mundial.
representam juntos apenas 0,3%
Tamanho contraste nos taz concluir que este aspecto

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GESTÃO DEMOCRÁTICA

universal e de conquista mundial foi adquirido, somen-


te, por uma parte pequena do mundo e que os demais
ainda se encontram excluídos desta sociedade dita har-
moniosa e bem desenvolvida.
O corpo do capitalismo vem se estrebuchando em
longas convulsões incitadas por contradições internas:

(.) o capitalismo está acabando por causa dos limites im-


postos à acumulação de capital, de um lado, e do colapso
da sua sustentação politica, de outro (.) o sistema existe
para a acumulação incessante de capital. O que venho ar
gumentando é que isso está sendo prejudicado por três
razöes: um, o nível mundial de salários vem subindo e deve
continuar crescendo por causa da "desruralização" do
mundo; dois, o preço da matéria-prima vem subindo por
causa do fim da posibilidade de externalização barata dos
custos, essa éa crise ecológica; e três, o preço da arrecada-
ção de impostos vem subindo mundialmente - a porcen-
tagem de dinheiro recolhido que é destinada ao Estado,
por aquilo que eu chamo de democratização do mundo, à
medida que a população pressiona o Estado para que este
lhe propicie saúde, educação renda
e
perpétua.
(WALLERSTEIN, 1999)
Sabendo da crise de sustentabilidade do sistema
mundo moderno, melhor do que discutir a validade da
aposta no fim do capitalismo será abordar, agora, os
caminhares contra-hegemônicos. De onde Wallerstein
para, seguem outros intelectuais.

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GESTÃO EDUCACIONALA SOMBRA DA CRISE MODERNA

DA PAVIMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA

O pavimento epistemológico científico, represen


tado como hierarquicamente superior, é justamente o

que facilita o capitalismo de 180km/h, determinando


as ideias de progresso e produtividade. Tal pavimen-
tação vai obliterando sob seu revestimento diversasex
periencias sociais e conhecimentos locais, resultando
nomeou Santos
em verdadeiros epistemicidios, como
escola?
(2007). Não é o que ocorre frequentemente na
Não acontecem desperdícios de saberes
incontáveis
da
populares e experiencias cotidianas em funçâo pri
mazia da cultura escolar?
A proposta de Santos para romper com tal obli
do saber científico
teração, que parte da rigorosidade
frouxidão dos demais saberes, éa ecolo
para a (suposta)
da
dos saberes. Essa perspectiva propõe a superação
gia
monocultural do saber científico, do
tem-
contiguração
das diterenças; pressupQe,
po linear e da naturalização
outras histórias e
vivëncias que existi-
portanto, e s c a v a r
não terem corrobo-
ram e näo nos foram passadas por

rado a lógica capitalista.


A ecologia dos saberes busca experiëncias
dialógicas
conhecimento existentes na
entre as várias formas de
escola precisa também
sociedade. Da mesma torma, a

reconhecer e legitimar todos os


discursos entrelaçados
cotidiano. Trilhar passos
e mais passos neste
em seu
r e i n v e n t a r outras escolas para
rumo nos poss1bilitará
se centra no universalismo
além da escola dominante que
ena globalização.
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GESTÃO DEMOCRÁTICA

Essa miscigenação de razões e lógicas abre, sobretu


Os sujeitos que
do, oexercício de práticas democråticas.
experiências
participam desta jornada despertam para
constroem amplas visöes. A ex-
politicas com as quais
social propicia a
periencia democrática de participação
mais in-
construção de sujeitos que lutem por espaços
cludentes e solidários. A democracia que enxergamos
restrita a nenhum as-
sob este prisma näo pretende ser
pecto ao contrário da democracia que vem sendo pos-
tulada na modernidade, que enfrenta problemas
em seu

modelo de baixa intensidade.


A democracia de baixa intensidade (SANTOS,
2007) limita-se à representatividade, à eleição daqueles que
exercerão as decisões políticas, restringindo a participa-

ção política do corpo societário ao sufrágio. A democra-


cia rasa liberal sintoniza-se aos propósitos do capitalismo
caudaloso, dando forma a uma cidadania bloqueada,

..), na medida em que a muita gente - que é a caracte

rística do sistema democrático representativo - não se

garante as condições de participação... Condições ma-


teriais... Parece-me que com essa cidadania bloqueada
está se banalizando a participaçáo; participamos cada
vez mais do que é menos importante, cada vez mais
somos chamados a ter uma opinião sobre coisas que
são cada vez mais banais para a reprodução do poder.
(SANTOS, 2007, p.92)

Muitos dilemas são apresentados e percebemos que


a lógica presente é aquela da manutenção do sistema

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GESTÃO EDUCACIONAL A SOMBRA DA CRISE MODERNA

capitalistae do seu principal objetivo, o mercado. Para


a realização dessa tareta, muitos ajustes são necessários.
Inclusive intervenções para que tal regime continue se
desenvolvendo, como leis e um Estado mediador des
sas relaçoes sociais. Muitos direitos foram adquiridos
ao longo da história, ea instituição escolar não pode
deixar de ser destacada como uma grande conquista da
era moderna. A escola é uma notável instituiçåo e vem
se tornando um importante meio de democratização por
meio da socialização dos conhecimentos. Sem duvida, a
escola é, também, um grande aparelho ideológico, como
iá dizia Althusser. Tanto pode significar a transforma-
ção por meio de retlexöes desta ordem estabelecida
como a perpetuação da mesma.

Para quem e como esta escola está sendo


administrada?

DO RECEITUÁRIO ONIPRESENTE

A gestão educacional pressupõe vários tatores que


determinaråo sua postura diante das questões ideológi-
cas que visa trabalhar. Inicialmente, as práticas adminis-
coerentes
trativas e pedagógicas da escola precisam estar
Com as premissas que nortearäo o trabalho com os alu-
nos. Tais práticas formam quase que um espelho do gran-
de universo das politicas públicas que pouco ouvem os

entremeios da sociedade.
Poucos pensam e elaboram as orientações e os
demais se limitariam a posições de meros tareteiros.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA

Infelizmente a Política Educacional Brasileira vem de-


monstrando comportamentos autoritários ao longo
de nossa história. Determinações e leis que incorpo-
ram poderes de cima para baixo não reconhecendo o
universo singular. Mas como todo processo de sujei-
ção acaba por tomentar sujeitos e não mais sujeita-
dos, a história caminha passo a passo à procura de
saídas e alternativas.
Desta forma, a escola enquanto instituição per
tencente a esse sistema, algumas vezes, continua silen-
ciando mais vozes dos que as ouvindo. E como
ticariam os diversos saberese os discursos existentes
no espaço escolar? A escola estaria propiciando a
experiencia democrática? A escola estará mais paraaa
burocratização institucional ou para a rede complexa
de participação política?
Para Foucault, a verdade deste mundo é produzi-
da e cada sociedade possui seu regime de verdade. Por
verdade, Foucault não quer dizer "o conjunto das coi
sas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar" e, sim, "o
conjunto das regras segundo as quais se distingueo ver-
dadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos espe
cificos de poder". (FOUCAULT, 1979, p. 13)
De acordo com essa contribuição retlexiva, ver-
dade e poder estão intimamente relacionados. O
po-
der nao é somente uma força
que diz nåo, mas produz
coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discur-
so. Foucault vai mais além
quando afirma que as "mas
sas" näo necessitam dos intelectuais
para expor seus
saberes. O que de fato existe é um sistema
que barra,
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GESTÃO EDUCACIONAL A SOMBRA DA CRISE MODERNA

proíbe, invalida discursos e saberes. Algo que aconte


ce muitas vezes dentro da própria instituição escolar:
o aluno não "sabe nada" e precisa "ouvir disciplinar
mente" o discurso do professor. A comunidade tam-
bém "não contribui muito para a escola" e, às vezes,
"até atrapalha". Essas relações de poder dentro do con-
texto escolar orientariam exatamente para as práticas
ideológicas desenvolvidas pela escola. As possibilida-
des engendradas pela escola potencializariam um ca-
minho para o processo participativo de seus elementos
constituintes ou não?
De qualquer forma, onde há poder, há resistência.
Neste movimento entre poder e resistência, múltiplas
formas de recriaçöes do cotidiano väo se constituindo
ainda em situações embrionárias, mas prontas para trans
tormarem essa realidade posta em outras mais includen-
tes e partic1pativas.
A crise, que permeia tambémaeducação, preci-
sa ser emergencialmente pensada por educadores e edu-
candos, em uma (dia)lógica relação recriadora do
espaço escolar para a participação social e democráti-
ca. As práticas dentro da escola precisam ser constru-
ídas, discutidas e refletidas pelo coletivo escolar. A
garantia de um sistema mais ético e justo estará no per-
manente exercício da cidadania. O desafio é grande,
mas não inatingível. Muitas experiencias pelo Brasil já
demonstram essa vontade de outras lógicas escolares.
Transformações na própria organização do tempo e
do espaço, questionamentos em relação ao currículo,
legislações que garantam a educação básica e pública

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GESTÃO DEMOCRÁTICA

para todos, planos que propiciam mais verbas parao


desenvolvimento educacional, apesar de ainda serem
insuficientes. Caminhos que o Brasil vem trilhando,
obediente e esbaforido.
Politicas e retormas que prometem garantias de
avanços sociais, mas escondem o perigo do não-reco-
nhecimento dos sujeitos que constroem a educação dia-
riamente no nosso Brasil. Propostas sedutoras de mais
verbas ouo equilibrio delas pelas centenas de municipi-
os da nossa nação. Vejamos neste panorama a ideia do
FUNDEB: seria um novo recurso signiticativo para o
financiamento da educação no Brasil? Seria esta uma
politica pública que colocou a educação como meta para
avanços sociais? Estaríamos ganhando possibilidades de
investimentos na educação com tais medidas ou nåo?
Sobre o financiamento da educação, existem vári-
as
questoes que suscitam muitas críticas em relação às
verbas dispostas e sua "equivocada" aplicação. Atual
mente, dentro da Constituição,o financiamento da
edu-
cação é previsto nos artigos 211 e 212: a Uniäo deve
garantir equalização de oportunidades educacionais e
padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assis-
tência técnica e financeira aos
Estados, ao Distrito Fe-
deral e aos Municipios. A LDB n.°
9.394/96, no art. 74,
parágrato único, expõe claramente o compromisso com
o custo mínimo por aluno que seja capaz de garantir a
qualidade, considerando variações regionais no custo dos
insumos e diversas modalidades de ensino. Anterior-
as
mente seria o FUNDEF
e, hoje, vigora o FUNDEB,
que é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da
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GESTÃO EDUCACIONAL À sOMBRA DA CRISE MODERNA

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da


Educação. Ambos os Fundos possuem a mesma lóg1ca
que direciona para uma conta única as arrecadações dos
impostos estaduais e tederais pertencentes constitucio
nalmente ao Governo estadual e às Prefeituras de cada
unidade da federação. OFUNDEB consiste em uma re-
distribuição, entre o Governo estadual e as Prefeituras
de cada Estado, de 20% dos principais impostos vincu-
lados, com base no número de matrículas estaduais (en-
sino fundamental - regular e EJA, no ensino médio -
regular e EJA) e municipais (na educação infantil e no
ensino fundamental - regular e EJA). O FUNDEB so
mente se diterencia do FUNDEF por acrescentar um
recurso novo: a complementação federal.
Segundo Davies (2008), a Manutençáo e Desen-
volvimento de Ensino vem sofrendo problemas em rela-
são às perdas provocadas pela inflação, à renúncia fiscal,
à sonegaçåo fiscal, à política fiscal/econômica, à não-
aplicação da verba legalmente vinculada pelas diferen-
tes esferas de Governo, às variadas
interpretações que
os Tribunais de Conta adotam para o cálculo das recei-
tas e das despesas e à desigualdade de recursos nas três
esferas de Governo e entre Preteituras de um mesmo
Estado. Isto somente demonstra que a educação não tem
sido prioridade enquanto pressuposto b£sico para a so-
ciedade. Essas perdas são causadas por artifícios ou me-
didas dos governos para diminuir a proporção da receita
total destinada à educação.
Para piorar esta realidade tão desanimadora, os
Tribunais de Contas no Brasil so órgàos auxiliares do
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GESTÃO DEMoCRÁTICA

Poder Legislativo e são dirigidos por conselheiros no-


meados por critérios políticos a partir de acordos entre
o executivo e os "representantes" do povo (deputados
e vereadores). As contas dos governos são avaliadas por
tendem
pessoas comprometidas com tais critérios e que
a usar, segundo Davies, "para os inimigos, tudo que a lei
tem de pior, pois o que ela tem de melhor ficará reser
vado para os amigos". (2008, p.67)
Estes apontamentos são apenas algumas das irregu-
laridades que estão presentes dentro das políticas públicas
do País.
que muito têm afetado as perspectivas educacionais
Conforme estudos que Davies vem realizando, tanto FUN-
DEF quanto o FUNDEB possuem suas limitações.

Os únicos recursos novos, pelo menos em termos do

conjunto nacional das redes estaduais e municipais, são


a complementação federal, insignificante no FUNDEF
menos de 1% da receita nacional em 2006) e muito
pequena no FUNDEB (menos de 5% da receita naci-
onal em 2007 e 10% do total a partir de 2010).
(DAVIES, 2008, p.67)

Diante de tantas contradições e confusões, os pon-


tos de partida e os de chegada também precisam ser
cuidadosanmente estudados. O exercício democrático
abre questionamentos valiosíssimos a cerca da realida-
de instituída. Precisamos conhecer os reais interesses
daqueles que se colocam como iluminados" e refletir
sobre as medidas que apontam "a solução tão espera-
da". Por que será, então, que algumas reformas legais

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GESTÃO EDUCACIONAL A SOMBRA DA CRISE MODERNA

vieram com a bandeira de proteção aos pobres ou com

propostas delirantes de um mundo moderno que bene


ficiaria a todos?
Pisa, em bom português, significa uma boa surra;
em ingles, trata-se de uma sigla para Programmefor lnter
national Student Asessment (Programa Internacional de
Avaliação Comparada), um teste de aprendizagem apli
cado em 57 países. Os dados de 2006 mostram a grande
discrepância entre o Brasil e o grupo das 30 nações mais
ricas (OCDE). O sistema-mundo dá suas surras das
maneiras mais sutis(ou nem tanto). Aqui, a varade mar-
melo- pois é preciso endireitar o torto -é a competên-
cia com análises empertigadas de cientificidade, que se
apresentam como inquestionáveis no aval dos grandes
organismos internacionais. Sempre que países subalter-
nizados têm suas tripas dissecadas por grandes organis-
mos internacionais, ouvem, destes
que ditam as regras,
que a causa de suas mazelas é o não cumprimento do
receituário neoliberal.
Um estudo intitulado "How the World's Best-Perfor
ming School Systers Come Ont on Top'", realizado pela con-
sultoria americana McKinsey&Company, toma como
base os dados de 2006 do Pisa e dá as diretrizes em-
presariais para o sucesso dos sistemas escolares. Bas
tará segui-las para chegar ao "topo"? Não é demanda
de um "topo" que, para manutenço de um sistema
reprodutor de desigualdades e hierarquias, exista uma
larga base de sustentação?
Um dos pontos estudados diz
respeito à gestão
escolar: todas as escolas precisam de lideres;
para isso, é
181
GESTÃO DEMOCRÁTICA

preciso encontrar as rigth people com as right skills e for-


má-las em cursos de técnicas empresarias de gestão. A
consultoria cita o exemplo de formação encontrado
em Cingapura, que treina os gestores de escolas em
corporações estrangeiras, como a IBMea Hewlett-Pa-
ckard. Mas não estará a cultura empresarial para a cul-
tura escolar como a banda da polícia militar está para
a música? A cultura empresarial opera a estandardiza-
ção de processos com vistas no que se tira da diferença
entre o custo produtivo e o preço final de venda, o
lucro. A cultura escolar opera - ou, ao menos, deveria

- o múltiploe o universal, aquilo que nos diferencia, o


local, e aquilo que nos é comum, universal, o global,
com vistas na pluriversalidade humana. Assim como na
economia, a educação vive sob a sombra da crise, cha-
mada por uns de globalização, que cisma em apontar
para onde 1r e com que roupa.

REFERÊNCIAS

BARBER,MichaekMOURSHED,Mona.Howtheworld'sbestperformingsdhood
sytemscomeonuton top. MCKinsey&Company:September 2007.

DAVIES, Nicholas. FUNDEB: a redenção da educação básica? Campinas,


SP: Autores Associados,2008.

FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

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GESTÃO EDUCACIONAL À SsOMBRA DA CRISE MODERNA

SANTOS, Boaventurade Souza. Renouara teora críticaereinventaraeman

cipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.


à
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2008.

cedida ao
WALLERSTEIN, Immanuel. A ruína do capitalismo. Entrevista
Folha de São Paulo, 17 out 1999, Caderno Mais!P. 5-9.
Jornal
Capitalismo histórico & civilização capitalista. Rio de Ja-
neiro: Contraponto, 2001.

183
G
estão Democrática: reflexões e práticas do/no
cotidiano escolar, organizado por Wendel Freire,
educador especialmente sensível às questöes
sociais da educação, traz leitores um conjunto
aos

consistente e coerente de enfoques atuais, criticos e


contextualizados, que contribuem,de modo significativo,
para a discussão nesse åmbito temático de expressiva
relevancia.

O conjunto de autores e textos deste livro reúne


aportes que fundamentam uma visão ampla, teórica
e conceitualmente sustentada de principios de
organização do trabalho socioeducacional, enfatizando
o seu compromisso com o verdadeiro sentido da
democracia, que deve orientar as ações gestoras
das práticas educativas.

A iniciativa representa, portanto, uma contribuição


importante para os avanços de perspectivas e análises
no campo da gestão, no interesse de maior alcance
e efeitos politico-pedagógicos de suas ações.
Mary Rangel
(UFF, UERJ e La Salle Institutos
Superiores de Ensino)

ISBN 978-85-7854-028-9

wak 9ll7 8 85 78|540289

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