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LANE, Harlan.

A Máscara da Benevolência : a comunidade surda


amordaçada. São Paulo: Instituto Piaget, 1992. 286p.

Título original: The Mask of Benevolence


Autor: Harlan Lane, 1992
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A MÁSCARA DA BENEVOLÊNCIA
A COMUNIDADE SURDA AMORDAÇADA
Estou em dívida para com muitos surdos pela sua orientação,
paciência e amizade. E a eles que dedico este livro.
A verdadeira tarefa política... consiste em criticar o trabalho das
instituições que aparentam ser tanto neutras como independentes;
criticá-las de tal maneira que a violência política que sempre
exerceram camufladamente por seu intermédio seja desmascarada
para poderem ser combatidas.
MICHEL FOUCAULT, 1974
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PREFÁCIO
O nosso ponto de vista normal em relação aos surdos, a forma como
falamos deles, são um produto da história. No meu livro When the
Mind Hears propus-me narrar essa história. Neste livro, apresento a
questão por forma a que esses pontos de vista sirvam tanto as
pessoas surdas como as ouvintes. Defendo uma forma de relacionar e
de encarar os membros da comunidade surda, diferente daquela que
muito se pratica actualmente, uma abordagem inspirada
principalmente na opinião da própria comunidade surda, e nas
descobertas linguísticas respeitantes a linguagem através de sinais.
A maioria dos americanos que têm a audição afectada não são
membros da comunidade americana surda. Assimilaram a cultura da
sociedade ouvinte, a sua primeira linguagem foi falada, foram tendo
dificuldades auditivas ou ficaram surdos no decorrer das suas vidas,
frequentemente, com idade avançada. Não é sobre eles que este livro
se debruça; é sobre as pessoas que crescem surdas, ligadas à
linguagem gestual e à sociedade comunitária surda. Neste caso,
estou preocupado, mais exactamente, com as relações entre pessoas
ouvintes, principalmente com aquelas que dizem estar ao serviço das
pessoas surdas, e com os próprios membros da comunidade surda.
As actuais opiniões de ouvintes acerca da melhor maneira de
descrever, educar e reabilitar crianças e adultos surdos estão
estreitamente ligadas, assim como as inúmeras profissões que,
advindo destas opiniões, moldam e até regulam as vidas dos surdos.
Estas opiniões revelam uma premissa comum: os surdos são
deficientes. A comunidade surda tem uma premissa bastante
diferente, aquela que orienta este livro; a comunidade surda é uma
minoria linguística. Tendo gravado os diversos meios de
conceptualização cultural, os surdos percorrem várias gerações; não
posso afirmar que o conceito que aqui desenvolvo seja o
«verdadeiro» e o último. Nem posso espreitar o futuro, um futuro
para o qual espero que de alguma forma este livro venha ajudar a
moldar. O melhor que posso fazer é justapor o meu ponto de vista
em relação aos surdos como uma minoria linguística e cultural ao
ponto de vista oposto, domi-
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nante na nossa sociedade, que a surdez é uma enfermidade trágica, e
deixar o leitor julgar qual das conceptualizações é mais coerente e
compassiva.
Embora esteja empenhado na questão da melhor forma de
conceptualizar e relacionar os membros da comunidade surda, as
reflexões em torno desta matéria levam rapidamente a uma questão
mais vasta e fundamental relativa ao lugar que queremos construir
na nossa sociedade para as distintas comunidades que a constituem.
Para aqueles que pensam que seria melhor continuar a fazer o
pluribus unum as medidas que parecem reconhecer e até reforçar as
nossas diferenças, tal como a educação bilíngue e bicultural poderão
provocar divisões perigosas. Para aqueles que, como eu, pensam que
a heterogeneidade da nossa sociedade é o seu recurso mais valioso,
a crescente utilização da tecnologia nas ciências sociais e biológicas
para minimizar e até apagar as nossas diferenças é, na verdade,
alarmante. Este livro prova o nosso empenho na tolerância ao
explorar a distância que nos separa do respeito pela legitimidade de
uma minoria linguística e cultural que provém de uma organização
física diferente da nossa.
Estou a tornar público um processo privado. Enquanto psicólogo,
estou preocupado com as formas pelas quais os conceitos da espécie
moldam a dimensão do homem parecendo validar os conceitos
anteriores. Enquanto educador, quero, cautelosamente, pronunciar-
me sobre o único desafio capaz de instruir crianças surdas, tornando-
as letradas e enaltecer a sua capacidade para se realizarem no
trabalho, no amor e na diversão - por oposição a um desafio ainda
maior que é a educação de jovens em geral. Enquanto cientista que
dirige as investigações relativas a próteses auditivas, pretendo
entender algumas das formas pelas quais a ciência e os valores
humanos colidem ou, outras vezes, se harmonizam. Duas razões
levam-me a tornar público o processo. Primeiro, espero incrementar
uma reavaliação mais arrojada e mais crítica do que as anteriormente
feitas no que se refere as práticas correntes com crianças e adultos
surdos. Segundo, estou consciente de que muitos dos meus amigos
surdos espalhados pelo mundo, e pessoas igualmente surdas que lhes
são queridas, são desnecessariamente vítimas das práticas das
pessoas ouvintes; na verdade, é o que fazem as pessoas ouvintes
empenhadas nessas práticas. Não é minha intenção dizer às pessoas
surdas o que fazer. Deixo aqui patente a minha compreensão sobre
os contornos da conflitualidade entre a comunidade surda e as
sociedades ouvintes. Espero que seja um instrumento nas mãos dos
surdos e dos seus aliados ouvintes que queiram utilizá-lo.
As pessoas ouvintes ao serviço de crianças e adultos surdos têm
permanecido em silêncio acerca da principal divergência entre o seu
ponto de vista sobre a surdez e o dos surdos a quem dizem servir.
Raramente discutem estes desacordos entre si ou com os líderes
surdos; a vida é mais agradável dessa forma. Este silêncio dos
profissionais ouvintes é uma resposta adaptada à uma velha disputa,
à uma luta esgotante que parece nunca mais ter fim,
independentemente das diligências tomadas no sentido de acabar
com ela, porque é a incansável luta de uma minoria linguística e
cultural pela autodeterminação. Além disso, no seio da comunidade
surda, muitos líderes se associam a conspiração do silêncio,
acreditando que se atingem maiores progressos quando aqueles que
detêm o poder não são ofendidos mas sim tratados com discrição.
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Outros indivíduos surdos não conseguem protestar e reivindicar com
firmeza os seus direitos porque abandonaram há muito a esperança
de que as pessoas ouvintes respeitariam a sua cultura e linguagem
bem como a sua capacidade para gerir os assuntos respeitantes aos
surdos. Correndo o risco de ofender muitos, não obstante o amor que
tenho pela maioria, estou profundamente convencido de que surdos e
ouvintes podem viver melhor juntos se as nossas diferenças forem
estudadas à luz do dia, decidi quebrar o silêncio.
O presidente da World Federation of the Deaf (Federação Mundial do
Surdo), Dr. Yerker Andersson, lamentou o conhecimento limitado
sobre os surdos que os autores ouvintes possuem quando escrevem
acerca da questão da surdez, propõe que nos apresentemos «limpos»
e fala ainda da nossa habilidade comunicativa e do nosso
conhecimento acerca dos surdos contidos nos nossos relatórios.
Sinto-me feliz por satisfazer a esse pedido. Travei conhecimento com
a American Sign Language (ASL - Linguagem Gestual Americana) e
com os membros da comunidade surda em 1973, através da Dra.
Ursula Bellugi que, com o Dr. Edward Klima e colaboradores surdos,
no Salk Institute, orientava as primeiras investigações no domínio da
gramática e da utilização da ASL. Um ano depois, quando criei um
laboratório de investigação no campo da ASL, na Universidade de
Northeastern, as minhas colaboradoras e professoras eram duas
 jovens surdas que têm sido, desde então, distingui- das
internacionalmente no domínio da educação e das artes: Marie Philip
e Ella Mae Lentz. Nos anos que se seguiram tenho vindo a aprender a
ASL e a conhecer a comunidade que a utiliza. Procurei as respostas
no meu laboratório, nos livros e jornais, nos clubes de surdos e nas
casas de amigos surdos assim como nas escolas para crianças surdas
existentes pelo mundo fora. Tenho tido a sorte de conhecer muitos
líderes surdos em vários países. Em geral, tenho encontrado pessoas
surdas extremamente cândidas, pacientes, generosas e prontas a
ajudar-me. Julgo que isso se deve ao facto de as pessoas ouvintes
raramente quererem escutar, de facto, com espírito aberto o que eles
têm para dizer; mas talvez eu esteja enganado. Por vezes eu tenho
dificuldade em perceber o que os meus interlocutores americanos
surdos pretendem dizer através da ASL, mas, de um modo geral, eu
compreendo-os e eles a mim. (Podia dizer o mesmo em relação aos
meus interlocutores franceses). Em parte, isto reflecte a competência
dos meus professores de ASL, a quem reconheço estar em dívida,
mas acima de tudo traduz a competência de muitos surdos em
ultrapassar as barreiras da comunicação. Nas comunidades surdas
fora dos Estados Unidos da América, era necessariamente ajudado
por interpretes, tal como frequentemente tenho sido aqui.
Reconheço, no entanto, que a minha procura de conhecimentos
acerca dos surdos, apesar de intensa e prolongada, não me dará
nunca o conhecimento que uma pessoa surda possui. Em resposta a
um editorial meu publicado no New York Times, que incentivava a
criação de escolas internas para crianças surdas, um jovem surdo
escreveu-me a perguntar por que razão, eu, uma pessoa ouvinte, se
pronunciava sobre a questão da surdez. Respondi-lhe que tinha
razão: eu só podia saber o que significa ser surdo a partir do exterior,
através de construções mentais e da penetração por empatia; não
poderia sabê-lo a partir do interior. Porém, ambos os
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conhecimentos são esclarecedores para as duas partes: a que está
fora e a que está dentro. Quando linguistas ouvintes, que
colaboravam com surdos, apresentaram os primeiros estudos sobre a
ASL, muitos surdos responderam com interesse e entusiasmo: no
final, essa investigação provou que reforça a posição dos surdos.
Contrariamente os surdos têm um acesso às chamadas questões
cruciais nas quais reside a falha natural; eles conseguem guiar quem
está de fora pelo mais rico canal. Por conseguinte, existem duas
maneiras diferentes de conhecer uma cultura. Os dois modelos
tendem a ter discursos de tipo diferente. No primeiro, eu, um
psicólogo ouvinte poderia dizer, por exemplo, que a média do
estudante surdo da escola secundária situa-se sete pontos abaixo da
dos seus colegas ouvintes nos testes convencionais de inglês oral. No
segundo, um adulto surdo poderia dizer: eu normalmente não pego
num livro; na minha escola nunca ensinam realmente inglês; o
professor não conseguia transmitir as ideias a turma.
Na qualidade de pessoa ouvinte e de membro da sociedade que
penetra na comunidade americana surda, posso transportar as duas
perspectivas sobre a cultura ouvinte que se exige para esta história
especial em torno das relações entre as nossas duas comunidades.
Quando se chega à parte da história referente aos surdos posso olhar
partindo do exterior e ouvir as vozes que falam partindo do interior -
isto é, alunos surdos, líderes surdos e amigos surdos. A comunidade
surda julgará por si própria se tenho sido ou não um ouvinte atento.
Espero, pois, que esteja claro que não pretendo e não posso falar
pela comunidade surda. Os surdos falam por eles próprios em muitos
livros, revistas, jornais, cassetes de vídeo, palestras. Refiro isso em
diversas páginas deste livro.
No entanto, a comunidade surda não partilha das mesmas ideias -
mais do que isso ê, digamos, a comunidade hispano-americana. Ela
pode ser especialmente diversa uma vez que alguns surdos provêm
de casas de surdos, e outros de casas de ouvintes. E dentro da
comunidade surda há pessoas que são simultaneamente hispano-
americanas, afro-americanas, americanas nativas, asiático-
americanos, homossexuais e surdos com incapacidades físicas ou
mentais.
Os profissionais ouvintes que trabalham com surdos também estão
longe de partilhar a mesma opinião. Quando nestas páginas condeno
a prática dos profissionais ouvintes, alguns deles são injustamente
acusados-fazem tudo o que estiver ao seu alcance para habilitar os
surdos. E há ainda, culturalmente falando, pessoas ouvintes que
perderam parte ou toda a audição, e essas pessoas podem
perfeitamente dizer, «um vírus em ambas as casas». Outro grupo
extremamente preocupado, com um ponto de vista próprio e variado,
compreende os pais de crianças surdas; estes, também, desejam que
a sua voz seja ouvida e considerada superior. É difícil incrementar
reformas como as que aqui faço, e continuar a respeitar opiniões tão
diversas, e até mesmo conflituosas. Existe, pelo menos, uma base
consensual, que pode servir de ponto de partida: as relações entre
ouvintes e surdos na América, como em qualquer lugar do planeta,
não são satisfatórias. Necessitamos urgentemente de rever os
princípios que consubstanciam essas relações e qual a finalidade
delas. E esse o objectivo deste livro.
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 Actualmente, na América, qualquer escritor, e principalmente aquele
que defende alterações no vocabulário a fim de debater a questão
das preocupações de uma minoria, tem de se confrontar com a
questão dos pronomes e gêneros em inglês. Não acho aceitável
nenhuma das alternativas: neologismos; pronomes com duas formas;
o uso da passiva ou do plural quando a activa ou o singular é mais
acessível, o uso de «she»(ela) quando não se pretende nenhum dos
gêneros em especial; ou continuar com a velha prática do uso de
«he»(ele) enquanto forma não marcada, como se a questão não
tivesse sido já fortemente debatida. Preferi seguir o caminho da
clareza, com o risco de perder alguns aliados preciosos.
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AGRADECIMENTOS
Quero agradecer à Universidade de Northeastern por me ter nomeado
Professor Universitário com distinção e por me ter afastado de outras
obrigações para que me fosse possível orientar a investigação
descrita neste livro. Parte dessa investigação foi também levada a
cabo enquanto chefiava o Deaf Studies (Departamento encarregue
dos estudos sobre os surdos) na Universidade Gallaudet, à qual quero
expressar a minha profunda gratidão. Este livro surgiu graças a
sugestão de Arthur Rosenthal, vice-presidente editor, de Hill e Wang,
é um prazer deixar patentes os meus agradecimentos. Agradeço
reconhecidamente a contribuição dos meus colegas através de
discussões e comentários instrutivos sobre os capítulos deste livro,
nem sempre concordei com as suas intervenções, mas
invariavelmente beneficiei com elas. Profundos agradecimentos a:
Ben Bahan, Graduate School of Education (Escola Superior de
Educação), Universidade de Boston; Dr. Michael Karchmer e Dr.
Kathtryn Meadow-Orlans da Universidade Gallaudet; Dr. L. Peterson,
Department of Social Medicine, Harvard University Medical School
(Departamento de Medicina Social, da Faculdade de Medicina da
Universidade de Harvard); Dr. Donald Eddington, Massachusetts Eye
and Ear Infirmary; Dr. Mario Svirsky e Dr. William Rabinowitz,
Research Laboratory of Electronics (Laboratório de Investigação
Electrónica), Massachusetts Institute of Tecnology (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts); Dr. Donald Sims do National Technical
Institute for the Deaf (Instituto Nacional Técnico do Surdo); Dr.
James Gee, Universidade do Sul da Califórnia; Dr. Robbin Battison,
do International Business Machines Corporation, Estocolmo; e Dr.
Tony Smith, Universidade Tufts.
Recebi muitas sugestões válidas relativas aos manuscritos: de
Franklin Philip, de Robert Hoffmeister, Universidade de Boston;
Marcella Meyer, Greater Los Angeles Council of Deafness; Dr. Vcki
Hanson, International
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Business Machines Corporation; Dr. Moise Goldsttein, Universidade
John Hopkins; Dr. William Isham, Universidade de Northeastern; e
Dr. Carol Padden, Universidade da Califórnia, San Diego. Corona
Machemer, minha editora, ajudou-me a conceber e a organizar este
livro, a torná-lo mais simples e gracioso; além disso, ela é uma das
pessoas ouvintes que, quando confrontada com os factos, desenvolve
uma grande empatia com a causa dos surdos.
As notas, incluindo referências, estão organizadas no fim do livro,
ligadas ao texto através de palavras e da numeração das páginas. As
referências a todas as citações, bem como a livros e pesquisas,
aparecem nas notas. Quando uma nota inclui mais de uma referência
- por exemplo, chamadas suplementares ou uma lista de palavras
importantes - é assinalada no texto com um asterisco.
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CAPÍTULO 1 - REPRESENTAÇÕES DO SURDO: A DEFICIÊNCIA E OS
MODELOS CULTURAIS
UM MUNDO DIFERENTE
No dia 27 de Junho de 1990, a United States Food and Drug
Administration* aprovou a proposta da Cochlear Corporation
respeitante à comercialização de um «ouvido bionómico» para
implante cirúrgico em crianças com idade superior a dois anos e
sofrendo de surdez. Este aparelho denominado prótese coclear
transforma as ondas do som em correntes eléctricas que são
transmitidas a um canal implantado no ouvido interno da criança. A
revista American Health reflecte boas perspectivas para o aparelho,
prova disso é o artigo publicado com o título «New Hope for Deaf
Children: Implant Gives Them Hearing and Speech». «Os resultados
prometem ter ainda mais sucesso nas crianças (do que têm tido nos
adultos). Na realidade, o implante dar-lhes-á a possibilidade de
comunicarem oralmente.» O recente milagre da biotecnologia, como
poderá afirmar, assim como os media e a National Association of the
Deaf qualificou a aprovação da FDA «eticamente, operacionalmente e
cientificamente inviável do ponto de vista auditivo». Audiologistas e
otologistas - aqueles que medem os níveis de audição e que a tratam
recorrendo à medicina, especialistas que «apenas têm no coração os
principais interesses das crianças surdas» - proclamam um grande
avanço; contudo, a American Community of the Deaf, cujos membros
querem apenas o bem-estar das crianças surdas, proclamam um
revés perigoso para os seus interesses.
A implantação coclear é um procedimento cirúrgico com uma duração
de cerca de três horas e meia sob efeito de uma anestesia geral,
devendo o paciente ficar hos-
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pitalizado entre 2 a 4 dias. Na parte posterior do ouvido operado, é
feita uma incisão extensa em forma de meia lua e a pele é levantada.
Em seguida, é retirada uma parte do músculo temporal, é feita uma
concavidade no crânio de modo a tornar possível a colocação da
bobina interna eléctrica do implante coclear. É também retirada uma
parte do osso mastóide para deixar a descoberto a cavidade do
ouvido médio. Uma perfuração posterior expõe a membrana da janela
oval no ouvido interno. Todo o procedimento é observado com o
auxílio do microscópio e o cirurgião perfura a membrana. Através da
abertura é introduzido um canal com cerca de 25 mm de
comprimento. Por vezes, a sua colocação é bloqueada pelo
crescimento irregular do osso no ouvido interno; de um modo geral, o
cirurgião perfuraria o osso, mas talvez tenha de o colocar na
extremidade para uma inserção apenas parcial do canal, este segue o
seu próprio percurso à medida que se vai fazendo movimentos em
torno do ouvido externo em que foi instalada a bobina. O canal em
forma de caracol designado coclear deriva do latim que significa
«caracol». A microestrutura extremamente detalhada do ouvido
interno é frequentemente cortada à medida que o eléctrodo segue o
seu caminho, destruindo células e perfurando membranas; caso o
ouvido conseguisse ainda ouvir algum rumor, ele seria concerteza
quase destruído. No entanto, é pouco provável que o nervo auditivo
sofra qualquer tipo de danos. O implante estimula directamente o
nervo auditivo. A bobina interna é então colocada no lugar devido e a
pele é colocada sobre a bobina. Pouco depois da FDA ter dado luz
verde ao cirurgião para implantar em crianças a prótese da Cochlear
Corporation, o fabricante anunciou uma conferência promocional em
Boston, à qual eu assisti. Dois grupos de pais deslocaram-se a Boston
e estiveram presentes juntamente com os seus filhos que já tinham
sido sujeitos a este tipo de implante e que foram, obviamente o
centro das atenções. Barry com nove anos ficou surdo aos sete anos
e meio; June com quatro, já nasceu surda. As duas crianças usam o
implante há já cerca de um ano e ambas assistem a programas
especiais para crianças surdas ministrados em escolas públicas. Barry
conseguia entender quase tudo o que os professores diziam, mas
June tinha necessidade de um interprete de linguagem gestual. Todos
os dias, Barry e June passavam várias horas a exercitar a audição e a
fala sob a orientação das mães ou dos terapeutas.
Durante a apresentação, investigadores da Cochlear Corporation
relataram as suas pesquisas com várias centenas de crianças sujeitas
ao implante, aos quais se seguiram os membros de uma equipa de
implantes: o cirurgião, um audiologista, um terapeuta da fala e por
último um educador especial. Enquanto os especialistas continuavam
o seu discurso com a respectiva atenção dos progenitores, reparei
que as duas crianças, atrás dos pais, mas um pouco escondidas da
audiência comunicavam furiosamente por gestos através do palco.
Será que as crianças que já nasceram surdas como a June, ou que
ficaram surdas muito cedo serão capazes de entender uma conversa
trivial, mesmo depois de terem sido sujeitas à cirurgia e a muitas
horas de treino? Provavelmente não. Será que ele ou ela serão
capazes de falar de modo perceptível? Provavelmente não. Será que
Barry aprenderá melhor o inglês depois do implante? Provavelmente
não, contudo não existem certezas. Será que Barry terá êxito numa
escola juntamente com crianças
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Ouvintes? Provavelmente não. Será que então, Barry confiará mais
nas suas capacidades visuais do que nas auditivas? Sim.
Apesar da criança surda que foi sujeita ao implante não se mover
facilmente no mundo ouvinte, é pouco provável que o faça na
comunidade dos surdos, é pouco provável que aprenda fluentemente
a American Sign Language (Linguagem Gestual Americana - ASL),
criando os seus próprios valores fundamentais existentes naquela
comunidade. A criança surda corre então o risco de se desenvolver
sem qualquer tipo de comunicação concreta, seja ela falada ou
gestual. Consequentemente, esta criança poderá desenvolver
problemas de identidade, de adaptação emocional e até mesmo de
saúde mental - tudo isto ainda não foi estudado. No seguimento de
tudo o que foi dito, surge a questão: sendo tão poucas as vantagens
e os riscos sociais e psicológicos tão grandes, por que razão a FDA
aprovou a comercialização do aparelho e os cirurgiões a sua
implantação?
Qual a verdadeira razão? Por que razão é praticada tal medicina em
crianças surdas? Para que estas questões sejam justificadas, a
situação das crianças surdas tem de ser considerada como
verdadeiramente desesperante. No entanto, pode afirmar-se que a
situação da criança surda já por si só é desesperante. A criança não
consegue comunicar com a mãe nem com o pai, nove em cada dez
crianças têm pais ouvintes e como tal receberão uma educação
«especial» - de facto, trata-se de uma educação especialmente
fracassada que frequentemente conduz a empregos que não
correspondem às suas verdadeiras capacidades. Uma pessoa surda
casará com outra pessoa surda e ficará isolada do mundo ouvinte de
que fazem parte os seus pais e da maioria da sociedade americana.
A maioria das pessoas que nasceu surda ou que ficou surda muito
cedo, como a June e que cresceu sofrendo de surdez, integrando-se
na comunidade dos surdos têm um ponto de vista diferente. Estas
pessoas consideram-se essencialmente visuais, com uma linguagem
visual, uma organização social, uma história e com valores morais
que lhes são próprios, ou seja, estas pessoas têm a sua própria
maneira de ser e possuem uma linguagem e cultura próprias. A
investigação que tem sido levada a cabo neste campo desde os anos
1970, bem como a linguística, a antropologia, a sociologia e a história
apoia-os nestas suas considerações. Sem qualquer dúvida a criança
surda enfrenta muitos obstáculos durante toda a sua vida, mas a
falta de comunicação em casa, a educação de nível inferior nas
escolas, a discriminação no emprego são obstáculos colocados no seu
caminho por pessoas ouvintes, que caso conhecessem a comunidade
dos surdos, os retirariam de imediato.
Carol Padden e Tom Humphries, escritores surdos, afirmam no seu
livro American Deaf Culture que os profissionais ouvintes que
trabalham com pessoas surdas têm um «mundo» diferente do dos
seus clientes. A seguinte observação ilustra bem essa diferença de
mundos: de acordo com as pessoas ouvintes, é melhor ser-se duro
de ouvido do que surdo; aquele que é «um pouco duro de ouvido» é
muito menos surdo do que aquele que é «muito duro de ouvido».
Quem é surdo vê as coisas de outra maneira. Quando afirmam que
uma pessoa é um Pouco-Dura-De-
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-Ouvido (Nota 1), querem dizer que possui algumas capacidades
iguais às das pessoas ouvintes mas, que basicamente é surda. Em
contrapartida, quando dizem que uma pessoa é Muito-Dura-De-
Ouvido, querem dizer que a pessoa se parece muito com as pessoas
ouvintes, e que de maneira nenhuma se parece com os surdos. Os
mesmos contraditórios pontos de vista do surdo-mudo e do surdo não
mudo estão expressos nesta observação: membros da comunidade
dos surdos criticam normalmente a pessoa surda mas não muda, ou
seja, aquela que não reconhece totalmente que sofre de surdez. Eles
afirmam caluniosamente que aquela pessoa Planeia Sempre as suas
acções para cada situação, de modo a ser aceite no mundo ouvinte.
Contudo, alguns peritos da audição não entendem a razão pela qual
alguns surdos-mudos condenam os surdos não mudos que tentam ser
aceites na sociedade; eles usam termos como «afligido» para o
primeiro grupo - surdos-mudos - e aplaudem os esforços dos que
tentam comunicar oralmente.
Duas culturas, dois pontos de vistas, dois «mundos» diferentes. Este
livro é uma exploração do abismo que separa estes dois grupos.
REPRESENTAÇÕES DO SURDO
Como são os surdos? Para responder a esta pergunta, foram feitos
pelo menos três estudos. Pode reflectir-se em primeiro lugar sobre a
identidade dos surdos; eles pertencem a uma categoria e esta tem
atributos que constituem uma parte da nossa cultura popular, como
consequência do tratamento do surdo na literatura e nos meios de
comunicação. Em segundo lugar, tentemos dar um salto do mundo
ouvinte e tentar imaginar como seria o nosso mundo se fossemos
surdos. A maior parte das pessoas ouvintes se for levada a pensar
nos surdos, dão de imediato o salto do seu mundo para o mundo dos
surdos, visto não terem mais nada em que se basear. Estas pessoas
nunca leram nada sobre a linguagem e cultura dos surdos, por isso,
esta passagem imaginária do mundo ouvinte para o mundo surdo é o
único meio a que podem recorrer para tentarem obter um
conhecimento mais real. Se por acaso, conhecermos alguém que seja
surdo, está aberto um terceiro caminho para a compreensão da
surdez, que é baseada nas características dessa determinada pessoa,
por exemplo: «John compreende-me quando falo directamente com
ele; por conseguinte pode afirmar-se que os surdos conseguem ler os
lábios.»
Normalmente, todos estes estudos levam as pessoas ouvintes ao
mesmo ponto de partida respeitante às representações dos surdos: a
surdez não é um privilégio.
Na sociedade ouvinte, a surdez é estigmatizada; o sociólogo, Erving
Goofman distingue três tipos de estigma: físico, psicológico e social.
«Existe apenas um indiví-
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duo que engloba os três estigmas, o norte-americano
descomplexado», explica. «É jovem, casado, branco, heterossexual,
vive na cidade, é um padre protestante de instrução superior, com
um bom emprego, bem estruturado sobre o ponto de vista físico e
com um recorde recente em desporto.» Qualquer desvio é susceptível
de impor um estigma e nós temos tendência a atribuir muitos
estigmas quando encontramos apenas um. Todas estas três
categorias de estigmas são atribuídas aos surdos os quais fisicamente
são considerados deficientes, facto este que faz com que surjam
algumas características indesejáveis da sua personalidade, tais como:
raciocínios confusos e comportamentos impulsivos. Os ouvintes
podem também considerar os surdos como indivíduos pertencentes a
uma comunidade específica, chegam mesmo a considerá-los um
mundo à parte, indesejável, causando-lhes deste modo distúrbios
sociais, como aqueles presentes na lista de Goffman: prostitutas,
toxicodependentes, delinquentes, criminosos, músicos de jazz,
boêmios, ciganos, artistas de rua, vaga-bundos, gente do
espectáculo, jogadores, «praistas», homossexuais e os pobres que
sobrevivem nas cidades sem vontade de trabalhar. Mas, mesmo que
a comunidade dos surdos americanos fosse conhecida pelo que é,
uma minoria linguística e cultural com uma rica e única herança,
estaria ainda sujeita a um estigma tribal, tal como acontece com a
comunidade hispano-americana.
O estigma é relativo. Na comunidade dos surdos, ser-se surdo não
mudo é, como já vimos inaceitável. Ser-se surdo não mudo significa
que este fez más opções de vida, que adoptou indiscriminadamente
valores fora do comum que privilegiam a fala. As pessoas ouvintes
não conseguem ver o que está errado com os surdos não mudos; a
articulação é privilegiada na sociedade americana, enquanto a
gesticulação já não o é.
No estereótipo do ouvinte, a surdez representa a falta e não a
presença de algo. O silêncio é sinônimo de vácuo. De acordo com
Padden e Humphries, a comunidade dos surdos reconhece que o
«silencioso» «é um competente de um ponto de vista que julga o
surdo, que é difuso na sociedade ouvinte, contudo aceitam-no como
um modo fácil para que outros os reconheçam (aos surdos)». Por isso
a revista publicada pela National Association of the Deaf (NAD) foi
intitulada durante muito tempo por The Silent Worker. Mas, para o
ouvinte, «silencioso» representa o lado obscuro do surdo. Quem é
surdo não pode ter a mesma orientação e segurança no seu ambiente
que nós temos no nosso; concerteza, que não podem apreciar
música, dizemos a nós próprios; nem participarem numa conversa,
ouvir anúncios ou utilizar o telefone. A pessoa surda anda à toa,
parece que está numa redoma; existe uma barreira entre nós, por
isso o surdo está isolado. Gerasin, personagem de Ivan Turgenev, por
exemplo, foi «expulso pela sua angústia em relação à da sociedade
dos homens», tal como foi o protagonista surdo de Carson McCulters
em The Heart is a Lonly Hunter.
O surdo, na realidade, não consegue comunicar na linguagem do
ouvinte; para ele o simples facto de tentar é como se envolvesse num
dialogue des sourdes - um diálogo surdo significa a não compreensão
mútua. O ouvinte é muitas vezes, em sentido figurado, chamado
surdo, quando se recusa a ouvir, principalmente, os conselhos
morais. Se os grandes progressos em inglês estão associados a uma
mente instruída, um discurso simples, pouco cuidado, assim como a
gesticulação estão
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Existem paralelismos notáveis entre a operação de autoridade
reguladora no caso do prisioneiro, como Foucault o descreve, e no
caso do aluno surdo. A prisão recebe a pessoa sentenciada; não está
propriamnente preocupada com o seu acto ofensivo, nem tão pouco
está preocupada com pessoa enquanto praticante de tal acto
ofensivo; pelo contrário ele é um objecto diferente, definido por
variáveis que não foram consideradas no acto do julgamento, visto
serem apenas relevantes para uma tecnologia correctiva. Do mesmo
modo, os pais entregam o seu filho surdo à escola, a qual não está
minimamente interessada na criança como tal, mas sim como objecto
de um diferente conjunto de variáveis ao qual podemos talvez
chamar aluno; para completar este facto e para legitimar as acções
tomadas, a escola determina a «dimensionalidade» do aluno de
acordo com alguns padrões já delineados. Podemos possivelmente
afirmar que a escola tenta conseguir o total conhecimento do aluno,
mas não da criança. O aluno é um «caso» isolado, sempre que a
criança seja caracterizada pelo seu relacionamento social na sua
família, na sua comunidade e na sua escola. Segundo o ponto de
vista de Claudine Umuvyeyi, algumas das questões mais notáveis são
o seu domínio crescente da ASL, que a liga aos seus colegas e à
comunidade americana dos surdos; a incessante novidade do seu
meio; a sua ligação romântica com alguns dos seus colegas; as
amizades que fez com alguns dos seus colegas de turma e com
alguns adultos surdos; a sua saudade dos pais e dos amigos do
Burundi, a repugnância à comida, a aversão à disciplina... Nada disto
é avaliado e integrado no seu dossier. Obviamente que ela também
se preocupa com ela própria enquanto estudante, e nesta matéria as
suas preocupações sobrepõe-se às da escola. Ela gosta de aprender
algumas coisas. Ela quer ser um «sucesso».
O conhecimento que a criança Claudine possui incluem um
considerável conhecimento do «modo como são as coisas» no seu
país: os papéis da mulher e os preconceitos com eles relacionados; a
confecção dos alimentos; agricultura; o papel dos pais, líderes tribais,
líderes dos rituais; as atitudes dos ouvintes para com os ouvintes; e
muito mais. Mas isto não é o aluno. A criança e o aluno são gêmeos,
como se um existisse em subjectividade na ligação à família e à
comunidade e o outro fosse a criação tecnológica que existe em
relação à escola.
«Os discursos... formam sistematicamente os objectos dos quais eles
faiam.» A observação de Foucault tem uma importância terrivelmente
assustadora para os membros da comunidade dos surdos, que
aceitam as recompensas oferecidas pelo sistema audista pelo facto de
usarem o emblema de incapacidade. Se a comunidade dos surdos
rejeita a sua realidade histórica, social, lingüística, cultural e se por
outro lado adopta o modelo de enfermidade, se ela age em termos
que validem e reforcem
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as práticas correntes de avaliação, as quais decretam a sua
incapacidade sensorial e psicológica, as práticas correntes de uma
educação simulada, a qual tem como objec- tivo ensinar à criança
deficiente o seu papel numa sociedade normal, a qual põe em prática
as cruéis proezas tecnológicas nessa criança - se a comunidade dos
surdos optar ainda por juntar a sua legitimidade poderosa ao discurso
sobre a enfermidade dos surdos, então essa comunidade tornar-se-á
na realidade incapacitada. Ao rejeitar os estereótipos no
procedimento da aplicação da ciência psicométrica, estamos a tornar
aquela comunidade incapaz. A educação que é orientada de um modo
que nega a identidade da criança, não consegue usar a sua
linguagem e isola-a dos seus colegas; é um tipo de educação que
incapacita ainda mais a criança surda, tal como a cirurgia e a
tecnologia que reforçam estas atitudes de discriminação e de
categorização.
Naturalmente, a comunidade dos surdos reage contra a negação
discriminativa da sua existência sem fundamento histórico, razão pela
qual, a Associação Nacional do Surdo, logo que os filmes mudos
começaram, registou as histórias dos maiores oradores da nação,
enquanto contavam a sua luta e os momentos numa ASL bastante
animada. Este foi o motivo pelo qual ela patrocinou a realização e a
publicação do influente Deaf Heritage: A Narrative History of Deaf
America em 1981. Motivo pelo qual, as organizações surdas nunca se
cansam de censurar o infame Congresso de Milão, no qual em 1880,
os professores ouvintes de crianças surdas resolveram, a nível
mundial, acabar com a linguagem gestual nas suas escolas. Razão
pela qual, a NAD (Nota estrela) propôs no centenário daquele
congresso que renunciasse à resolução de Milão (os líderes
contemporâneos da educação dos surdos, fiéis à sua herança,
recusaram atribuir um voto à proposta, ou inseri-la juntamente com
outras resoluções nas actas do congresso). Este facto fez com que a
NAD tenha criticado o marketing ilimitado sobre implantes cirúrgicos
para crianças surdas.
Michel Foucault tem analisado a evolução histórica na qual o controlo
dos corpos das pessoas chegou a ser conciderado como um assunto
legítimo do governo. Aquilo a que Foucault chama «biopoder»
estende o seu alcance à nossa civilização em campos muito diversos
tais como: a criminalidade, psiquiatria, educação, e planeamento
familiar. No «biopoder», o conhecimento e o poder constituem uma
tecnologia reguladora, cujo objectivo é «forjar um corpo frágil que
possa ser sujeito, usado, transformado e aperfeiçoado». Foucault
declara que a ligação no biopoder entre as atribuições de
caraterísticas e o contolo dos corpos é: «um poder cuja tarefa é
responsabilizar-se pelas reguladoras e permanentes necessidades da
vida humana e pelos mecanismos correctivos... Tal poder deve
qualificar, avaliar, apreciar e hierarquizar em vez de se revelar na sua
magnificência assassina... é este poder que determina, segundo um
modelo preestabelecido, quais as categorias a atribuir e a quem».
Aqueles que participam no exercício deste poder defendem, em
primeiro lugar, que a tecnologia pode isolar aqueles que são
diferentes e, em segundo lugar, que outro tipo de tecnologia
relacionada com a resolução do problema da surdez pode corrigir
essa diferença. O teste do QI de Henry Goddard, com os seus resulta
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dos alarmantes, ajudaram a estabelecer os fundamentos para uma
educação especial, calculava uma classificação segundo um modelo,
preestabelecido e, as crianças com resultados inferiores à média
eram colocadas em instituições especializadas devido à tecnologia ter
provado a sua deficiência interna, apesar dos testes terem sido a
única prova. Pode considerar-se que o modelo dos testes era mais
arbitrário do que deveria ser, visto que, a julgar pelo seu teste, a
média da idade mental dos recrutados para a Primeira Guerra
Mundial era de 13 anos e mais de metade das crianças que ele
designou como sendo débeis mentais, necessitando de cuidados
médicos, seriam classificadas como normais por outros testes do QI.
O desenvolvimento da nova «educação especial» processou-se
rapidamente no decorrer dos seguintes decênios, incentivado pelos
professores das escolas dos ouvintes, os quais ficaram encantados
com a homogeneização das suas salas de aulas.
Os psicólogos franceses Alfred Binet e Theodore Simon, cujo teste foi
alterado por Goddard, aperceberam-se logo de início da ligação entre
a nova tecnologia de avaliação e o alargamento de uma educação
especial: «Desde que os interesses públicos se manifestaram na
questão respeitante à existência de escolas para crianças surdas, a
ambição egoista viu surgir a sua grande oportunidade. Os interesses
notoriamente mais egoistas escondem-se por detrás da máscara da
filantropia, e aquele que sonhar em encontrar a situação ideal para si
próprio nestas novas escolas, nunca conseguirá falar das crianças
sem lágrimas nos olhos. Esta é a eterna comédia humana.» Na
Finlândia, o número de crianças inscritas na educação especial tem
aumentado desmesuradamente no decorrer dos últimos cinco
decênios; nalguns estados da Austrália, aumentou quinze vezes mais;
na Grã-Bretanha, o relatório Warnock, um estudo abrangente das
«necessidades» da educação especial concluiu em 1978, que uma em
cada cinco crianças necessitaria de uma educação especial e esse
mesmo relatório evoca a urgência da expansão das instituições de
educação especial.
Deste modo, a maioria está protegida da descriminação social. Mas
não estaremos todos nós empobrecidos e atrasados por este tipo de
«defesa» contra a diversidade da raça humana? «Precisamos de nos
libertar da situação e do tipo de discriminação, a qual lhe está
associada», Foucault escreve. A função política é criticar estas
instituições - no presente caso, a instituição audista - com o objectivo
de retirar a máscara da neutralidade, manifestando a sua violência
política, por aquilo que é, para que possa ser avaliada. Edward Said
tem verificado que o orientalismo (Middle Eastern Studies) ocultou a
disputa pelo território e pela riqueza «com o interesse pelo
desenvolvimento do conhecimento escolar e estilos artísticos», do
mesmo modo, tenho defendido a ideia de que as doutrinas que fazem
parte da instituição audista têm também omitido a luta pelo poder
com a intenção de desenvolver uma linguagem psicométrica e a
pretensão de um humanitarismo desinteressado. O que os audistas
tentam conseguir, contrariando a vontade dos surdos, é a
perpetuação do sistema audista «servindo os surdos», com a sua
filosofia orientadora anti-surdez e com a exclusão dos surdos das
suas posições naquela instituição. Esta é a disputa que a «psicologia
do surdo» pretende ocultar.
Do mesmo modo que a recusa do colonizado é injuriosa para o
colonizador, também a recusa da comunidade dos surdos e do seu
mundo tem sérias consequên-
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cias para o audista. Visto que este não reconhece a história dos
surdos, a sua cultura e a sua linguagem não pode participar nelas.
Em qualquer dos casos, ele está mais ligado à cultura dos ouvintes, à
linguagem oral e aos valores do mundo ouvinte, por isso não
consegue comunicar com as pessoas, no seio das quais, ele escolheu
passar a sua vida profissional. Naturalmente, ele sente uma certa
falta de gratidão pelos os seus esforços. Não respeitou ele sempre a
dignidade e os direitos dos surdos, não trabalhou ele sempre para ter
a certeza que os outros também procediam da mesma maneira?
Então, concerteza, que gostaria de ser um pouco melhor
recompensado. Mas um direito tem de ser merecido; não existe
qualquer razão para mostrar gratidão se o esforço feito tiver sido de
livre vontade, só há motivo para indignação caso tal não se verifique.
Se o audista se aperceber que se está a apoderar do papel da pessoa
surda, se vê que no seu relacionamento com os surdos é do tipo
opressor e oprimido, talvez se possa ofender com as pessoas cuja
existência o coloca em tal situação. «Sobretudo os professores
daqueles com deficiências auditivas não estão satisfeitos com o
ensino», concluiu um estudo que avaliou as atitudes de cerca de 200
professores de crianças surdas. Estes professores, em relação aos
colegas do ensino geral, expressam uma maior insatisfação
respeitante à sua quantidade de trabalho e em relação às opressões
criadas pelas expectativas da comunidade. Os audistas queixam-se
frequentemente de «interrupções súbitas» e Kthryn Meadow
considera este facto um grave problema entre os educadores das
crianças surdas, de acordo com o seu estudo. Curiosamente, o «tom»
principal para prevenção e tratamento, segundo sua sugestão,
consiste no facto de profissionais ouvintes desenvolverem as suas
próprias redes de apoio. Recordo-me dos obstáculos dos antigos
colonizadores que visitei, juntos no meio da confusão da bonomia
alcoólica em Dakar ou Ouagadougou.
Para mostrar que as relações institucionalizadas entre os dois grupos
são opressivas é revelar modos segundo os quais certas estruturas
sociais agem em detrimento de ambas as partes. Existem muitas
vítimas mas poucos são os que as provocaram. Quando analisamos a
força matriz das relações em tais instituições, escreveu Foucault, «a
lógica é perfeitamente clara, os propósitos decifráveis e é ainda
freqüente o caso de que não foi preciso ninguém para os ter
inventado e pode mesmo afirmar-se que foram poucos os que os
formularam.» Os participantes não podem controlar essas relações e
raramente se apercebem delas. «As pessoas sabem o que fazem;
normalmente sabem a razão pela qual o fazem, mas não sabem as
conseqüências do que fazem.» Obviamente existem indivíduos que
tentam pelas suas acções e declarações assumir um comportamento
paternal ou então opressivo, mas faz parte da natureza dos factos
que estes apenas possam ter um sucesso parcial. Num âmbito de
referência, a um nível muito pequeno, podemos distinguir o
paternalismo intencional e o paternalismo não intencional e os
diferentes graus de paternalismo - nem todos os indíviduos e grupos
são intencionalmente paternalistas, nem o nível de paternalismo é o
mesmo. Contudo a uma maior distância, a um nível bastante elevado,
podemos observar que não existem vilões nem heróis. As relações
estruturais opressivas são o resultado de forças históricas, tais como
a apropriação do corpo por parte do Estado; o crescente poder da
medicina, o darwinismo social/a
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eugenia e o desenvolvimento da psicometria; o etnocentrismo e a
formação de novos estados e a desigual distribuição da riqueza e do
poder. Como Memmi salienta, uma pessoa pode optar por não se
envolver com o oprimido, mas uma vez que aceita este envolvimento
não pode recusar as suas condições, as quais antecedem o seu
nascimento e que provavelmente permanecerão durante e após toda
a sua vida. Consequentemente, não existem membros bons nem
maus na classe opressora - somente aqueles que aceitam a sua
realidade como opressores e os poucos que não a aceitam. Um
destes poucos, um renegado, pode lutar por uma maior igualdade da
distribuição do poder, «mas os privilégios que condena são aqueles
dos quais não tira proveito». Aplico isto a mim mesmo; onde estaria
eu sem as pessoas surdas? Se os surdos não fossem oprimidos pelos
ouvintes, este livro não tinha razão de ser; para além disto, teriam
existido muitas histórias válidas sobre surdos, a maioria das quais
escritas por surdos, e para mim teria sido supérfulo escrever When
the Mind Hears. Os opressores estão furiosos com o renegado. As
suas acções questionam as acções dos opressores. Ele consegue dar
mais passos para entrar na classe dos oprimidos, mas ele é um deles,
embora na realidade não o queira ser; eles são pessoas diferentes.
Então, o que pode fazer o ouvinte de boa vontade? Karl Marx afirmou
que o papel da intelligentsia burguesa era o de apressar a revolução.
O PAPEL DO OPRIMIDO
Tenho salientado o papel do audista, a parte auxiliar do duo da
dependência, o qual por muito que se sentisse inútil, ou se sentisse
frustrado nunca trocaria de posições com o seu dependente; é óbvio
a quem pertence o melhor papel neste pacto. O comportamento da
pessoa oprimida reage em relação à opressão. A hostilidade encontra
caminhos seguros, sendo assim reorientada. O humor do surdo inclui,
frequentemente, o tema da pessoa surda fazendo uso da sua surdez
para enganar a pessoa ouvinte. Um casal surdo é sempre acolhido
pelo proprietário do motel, mesmo quando fazem o registro de
entrada já tarde. Vão para o seu quarto, onde a mulher se apercebe
que deixou os cigarros no carro; o marido vai buscá-los e não se
consegue lembrar de qual dos quartos mais próximos e idênticos -
está tudo escuro - ele havia saído apenas alguns minutos antes. Ele
começa, então, a buzinar insistentemente, acendem-se as luzes em
todo o motel - excepto num quarto, onde ele entra e vai para a cama.
Outro reencaminhamento «seguro» da hostilidade resultante da
repressão é o vitimar outras pessoas oprimidas. Tal como escrevi,
duas partes da população negra sul-africana está a matar-se entre si
em vez de atacarem os brancos que dirigem o apartheid. Como
conseqüência da comercialização de escravos e da colonização do
Texas, os afro-americanos culparam os mexicanos pela sua pobreza
em vez de terem culpado os proprietários das terras e atacaram de
surpresa as propriedades dos mexicanos, como aconteceu em
Beeville, em 1894. Com a colonização do Burundi, surgiu a guerra
entre as tribos, tendo como conseqüência um massacre a uma escala
de genocídio sem precedentes em toda a sua história. Quando a
frustração dos sur-
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dos está dirigida horizontalmente, como Jeff McWhinney, um líder
britânico dos surdos explica «assume geralmente a forma de
bisbilhotice, traição, e escárnio dos líderes dos surdos». Estão aqui
presentes alguns dos termos empregues pelos surdos após terem
interiorizado os valores dos audistas, para humilharem outros surdos,
segundo Ben Bahan, um autor surdo: nível-inferior, cérebro-de-
ervilha, FRACO-EM-INGLÊS, ASL-FORTE, CLUBE-DOS-SURDOS, NÃO-
É-INTELIGENTE-MAS-É-BOM- -no-trabalho, FRACA-GRAMÁTICA, M-L-
S (minimal language skills (Nota 1), uma designação audista).
O colonizado deseja ser inserido nas classes do colonizador - preto,
mulato, branco; apelido mexicano, hispano-americano, hispânico,
latino, espanhol; índio, mestiço; subdesenvolvido, menos
desenvolvido, em desenvolvimento - também igualmente as pessoas
surdas, geralmente e tragicamente, tentam inserir-se nas classes do
audista. A HiGH-SIGN, por exemplo (linguagem gestual de alto nível),
refere-se a um modo de gesticular que se assemelha menos à ASL e
se assemelha mais ao inglês; a LOW-SIGN (linguagem de baixo
nível), núcleo da cultura do surdo, a herança principal da história dos
surdos, é a ASL. Se um surdo se considera a ele próprio como
DEFICIENTE-AUDITIVO, deixa perceber muita coisa. A classificação
foi inventada e divulgada nos finais dos anos 1960 pela instituição
audista, defendendo que as crianças surdas deviam ser melhor
tratadas se fossem designadas como deficientes auditivos. O rótulo
inclui o modelo de enfermidade que legitima o sistema e só existe em
oposição aos ouvintes, ou seja, é como o rótulo de «não-homens»
atribuído às mulheres, como o rótulo de «não-branco» para os povos
de cor, ou «deficientes sexualmente» como um rótulo para os
homossexuais. Quando um membro da comunidade dos surdos aceita
tal rótulo, está a renunciar à sua própria identidade e aceita a
definição atribuída pelo grupo social dominante. De tempos a tempos,
o grupo dominante modificará o rótulo; mas o que é importante é
que ele tem o poder para o fazer.
Se os responsáveis pela criação do termo deficiente auditivo tivessem
consultado a comunidade dos surdos, saberiam que «surdo» não tem
um valor negativo, enquanto que «deficiente auditivo» tem. «Surdo»
faz referência a uma cultura, linguagem e experiência partilhadas;
«deficiente auditivo» faz referência à deficiência física que alguém
fora da cultura dos surdos possui. Em qualquer dos casos, com que
direito, podem os que não pertencem à comunidade atribuir aos
membros da minoria dos surdos uma designação comum a todos?
Não será a atribuição de nomes um direito precioso e tradicional de
uma cultura? Podemos nós substituir o rótulo «alemão» por um outro
só porque a determinado momento na nossa história os alemães não
tiveram um bom relacionamento com alguns americanos? Isto não é
negar o facto de que existem crianças ouvintes e adultos com
deficiências auditivas. Mas a maioria das crianças com as quais, o
sistema teve bons resultados na atribuição de novo rótulo eram
culturalmente surdas antes e após a nova designação. As crianças
ficaram surdas antes de terem aprendido o inglês, e a ASL foi a sua
primeira
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linguagem; elas já eram ou seriam membros da comunidade dos
surdos. Então o jogo lingüístico da concha, o inverso dos rótulos da
afirmação de identidade, tais como: «negro» ou «chicano», não
poderiam ter criado novas oportunidades para as crianças surdas,
apenas com excepção de algumas.
Quanto mais o surdo interiorizar a identidade de «deficiente auditivo»
proferida pela instituição audista, mais ele se presta a este tipo de
designações. «As classificações são aceites pela própria
comunidade», afirma um líder francês dos surdos. «Observações
como: 'ele ficou surdo e saí com pessoas ouvintes/ 'Ele tem um
aparelho auditivo, por isso é duro de ouvido. 'Ele prefere ler os lábios
e a fala ao gesto, por isso não faz parte do nosso mundo'.» O sistema
está estruturado para determinar e perpetuar a dependência dos
surdos ao sistema audista. Se o estudante surdo interiorizar a
imagem de inválido, se na realidade for incapacitado pela educação
opressiva e assim vocacional e economicamente limitado, se o seu
desenvolvimento emocional está bloqueado pela separação na escola
local para crianças ouvintes, então é muito provável que seja visto
como uma pessoa necessitada e que deva receber os serviços da
instituição audista tais como: aconselhamento de reabilitação,
psicologia e psiquiatria, para além de programas para adultos surdos,
e outros semelhantes.
Os audistas querem conseguir manter a dependência mútua e por
isso tratam, frequentemente, as crianças surdas de determinadas
maneiras que impossibilitem à criança o desenvolvimento da sua
autoconfiança. Para além deste facto, privam as crianças surdas de
estas tiverem opiniões divergentes. A comunidade dos surdos é uma
abstracção; mas precisamente a esse nível, ela tem a sua linguagem,
costumes e história, as suas instituições - por exemplo, o clube dos
surdos, as quais podem constituir um melhor auxiliar do que qualquer
indíviduo, surdo ou ouvinte; elas têm um conteúdo simbólico.
A criança ou o adulto surdo não são dependentes vulgares, como
qualquer pessoa ouvinte o possa ser, que vai a um médico, a um
audiologista ou a um psicólogo.
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É um dependente estigmatizado. Quando está separado dos seus que
têm o mesmo tipo de problema, a criança surda com pais ouvintes e
na escola para crianças ouvintes é obrigada a sentir-se à parte.
Porque razão não pode ser como os outros e adaptar-se às exigências
que lhe são feitas - sobretudo à exigência da fácil comunicação em
inglês? Claramente porque é deficiente. Por isso, o surdo acredita
geralmente que deve adaptar-se às exigências dos ouvintes; deveria
gritar, mesmo quando pensasse que está errado; em princípio não
tem qualquer condição a partir da qual consiga formar uma base com
a qual formar a maioria. Este facto é conveniente para o professor;
os estudantes competentes socialmente são ameaçados, porque
podem ser um desafio para o professor e até mesmo para as práticas
das instituições; esta é a razão pela qual às crianças mais novas, as
quais socialmente são as menos competentes, lhes é muitas vezes
atribuído o maior espaço na sala de aula. As crianças estão na base
do poder de qualquer hierarquia, observa Sally Tomlinson, mas as
crianças que recebem educação especial são as mais inferiores de
todas aquelas que já são consideradas inferiores: as suas queixas são
consideradas como menos legítimas e sobre elas é exercido mais
controlo físico. São só estas crianças que podem ser colocadas numa
escola contra a vontade dos seus pais, sem intervenção do tribunal.
Estas crianças são por isto mesmo muito mais vulneráveis à
administração de drogas e a intervenções cirúrgicas.
A criança surda impotente e flexível recebe mensagens, por vezes
conflituosas respeitantes à sua própria natureza. Consideremos em
primeiro lugar a criança surda filha de pais surdos; ela própria está
ligada às suas parecenças com os seus pais nas suas actividades,
linguagem, no tratamento recebido de outras pessoas surdas,
nomeadamente, com os amigos surdos ou com os seus parentes. As
crianças ouvintes são estranhas a esta criança; elas possuem,
aparentemente, uma personalidade diferente. Um surdo vindo de
uma distinta família surda conta como, enquanto criança, fez amizade
com uma menina da porta ao lado. Descobriu, no entanto, que não
podia comunicar com ela do mesmo modo que comunicava com a sua
família, mesmo os gestos mais simples a deixavam confusa. Por isso
estava limitado a apontar-lhe e a trazer-lhe as coisas ou a levá-las
até ela. Ele não sabia o que nela havia de errado, foi então que algo
aconteceu para confirmar a sua convicção de que, na realidade, ela
era mesmo estranha. Um dia a mãe dela veio ao seu encontro,
enquanto eles estavam a brincar e começou a mover, furiosamente, a
boca; subitamente a sua companheira apanhou os seus brinquedos e
foi-se embora. O meu amigo foi ter com a sua mãe e perguntou-lhe o
que era aquele tipo de aflição que a criança tinha. A sua mãe
explicou-lhe que ela podia falar, não era surda, não sabia a
linguagem gestual e por isso ela e a mãe comunicavam através da
fala.
O recentemente falecido presidente do Quênia, Jomo Kenyatta,
contou que quando a pele branca foi vista pela primeira vez,
assumiu-se que tal era a conseqüência de uma doença terrível. Só
naquele momento é que o negro se apercebeu que era negro, do
mesmo modo que o surdo só se apercebe que é surdo na sociedade
dos ouvintes. O psiquiatra Frantz Fanon conta-nos um pouco da sua
infância: «Eu sei que sou negro mas não o sei apenas porque sou
negro. Quando estou em casa a minha mãe canta-me canções
francesas de amor, nas quais nunca existe uma palavra
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sobre os negros. Quando desobedeço, ou quando faço muito barulho,
a minha minha mãe diz-me: pára de te comportares como um
preto!» Um amigo francês surdo contou-me que apenas se apercebeu
que era surdo quando aos oito anos foi colocado num lar para
crianças ouvintes com deficiências físicas. A surdez da criança surda é
silenciosa apenas entre os ouvintes. Entre os surdos, a sua
característica perde o seu relevo e surgem outras características. Por
isso, ironicamente, a criança aprende a ser verdadeiramente surda
entre as pessoas surdas, precisamente onde a característica da
surdez não é relevante.
De que modo a criança surda desenvolve a sua própria personalidade
no seio de uma família ouvinte? Ela observa, que geralmente, um
adulto aproxima-se de outro e que move a boca rapidamente e
durante muito tempo e o outro responde de igual modo, ou talvez se
envolva abrupta e inexplicavelmente nalguma actividade. Se
existirem crianças ouvintes em casa, elas comportar-se-ão do mesmo
modo entre elas, mas se estiverem com adultos comunicarão por
gestos. «Reparei em pessoas que observavam os seus rostos
mutuamente», escreveu uma educadora surda, lembrando-se da sua
infância «mas eu só assisti a movimentos de lábios lineares e circula-
res quase incompreensíveis, bocas a abrirem-se e a fecharem-se.
Porque razão eram as bocas tão interessantes? As bocas aborreciam-
me.» «Os movimentos dos lábios são raramente orientados para a
criança surda e, quando o são, são indecifráveis; os próprios
movimentos dos lábios das crianças surdas são incompreensíveis. Por
vezes, a família é capaz de prever acontecimentos: abrem a porta da
entrada principal da casa precisamente quando estão pessoas à
espera; surgem de outra parte da casa, precisamente, quando a
criança se magoou e chorou. Estes podem ser alguns dos primeiros
indícios de que algo está errado. Se a criança for alvo de extensos
exercícios orais, os quais são dolorosos e frustantes, surge a ideia:
algo de errado se passa comigo. Quando vai para uma escola ou para
um programa para surdos, onde a urgência de compreender os
movimentos dos lábios é maior do que nunca, o que estava errado
torna-se evidente. O comportamento do professor e de outros
elementos, o próprio papel da escola, projecta para a criança surda
filha de pais ouvintes, uma determinada imagem da sua
personalidade - a representação que orienta a instituição audista e
que é apurada na Tabela 2. Se a criança pode ser levada a
interiorizar aquela imagem, integrar-se-á melhor num sistema que
seja por ela orientado. Uma força bruta será neste caso menos
necessária; a criança estará mais flexível. Se por exemplo, uma
criança surda que não tenha vantagens na utilização dos aparelhos
auditivos, chegar a considerá-los como uma parte integrante do seu
ser, não será então necessário que um professor implore, castigue, e
insista psicologicamente para que a criança o utilize. E o facto de os
usar é uma sempre presente recordação para a criança e um
confortante símbolo para o professor do corte entre o sistema e a
criança.
Ben Bahan salientou que o programa das escolas para crianças
surdas é opressivo, tanto pelo que não está nele inserido, como pelo
que está. Normalmente não existem adultos surdos. Na realidade,
alguns adultos surdos afirmaram que quando eram crianças
pensavam que morreriam antes de atingir a idade adulta, uma vez
que nunca tinham visto um adulto surdo. Não existem heróis surdos.
Não existe ASL. Os comportamentos manuais que os alunos
conhecem são proibidos ou inúteis,
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enquanto aqueles que parecem estranhos - agarrar o queixo, puxar
(em lições de articulação) - eram continuadamente demonstrados.
Para a criança surda, filha de pais surdos, o facto de ser o novo
centro das atenções em quase todos os relacionamentos nas escolas
deve ser surpreendente. É como se quase todos estivessem
interessados na sua coxa. Nunca pensou muito nela. Mas as pessoas
insistem em examiná-la. Tiram-lhe raios X. A criança tem de mantê-
la exposta e usar uma liga desconfortável em torno da coxa. A sua
coxa torna-se uma importante parte da sua identidade - uma parte
negativa.
Enquanto que a criança surda, filha de pais surdos, descobre as
preocupações do mundo ouvinte ao entrar numa escola de surdos, a
criança surda, filha de pais ouvintes descobre com alegria a
solidariedade do mundo surdo, a qual substitui a incompreensão e a
alienação do seu lar ouvinte e, geralmente da escola para crianças
ouvintes, a descoberta de uma comunidade surda tem muitos
significados de ordem simbólica e emocional: é um nível de transição
narrado inúmeras vezes na autobiografia dos surdos: a metáfora
mais comum é o regresso a casa, uma nova família. Por exemplo,
Edmund Booth, um jornalista surdo do século XIX e um dos
fundadores da Associação Nacional do Surdo, descreveu a sua
chegada ao Asilo Americano Para Surdos e Mudos em Hartford, em
1827: «Charles [o meu irmão ouvinte] e eu fomos para a sala de
convívio dos rapazes próximo da das raparigas. Era tudo uma
novidade para mim e para o meu irmão, era divertido, os incontáveis
movimentos dos braços e das mãos. Depois do jantar ele saiu e eu
fiquei entre os estranhos, mas sabia que estava em casa.»
Entrevistas (traduzidas da ASL) aos estudantes no Instituto Técnico
Nacional para o Surdo testemunham esta passagem. Um estudante
explica que quando freqüentava a escola secundária local para os
surdos, «eu não via muito a minha família, mas sentia que pertencia
à família na instituição. E ainda no meu coração também pertenço à
família em casa». Outro conta-me como era a escola secundária
local: «Uma má experiência. Era o único surdo e por isso era-me
difícil conviver com as pessoas. Por vezes deixavam-me sossegado,
outras aborreciam-me, implicavam comigo e riam-se de mim, da
minha maneira de falar só porque eu era surdo, e eles não
conseguiam perceber o que eu estava a dizer.» Mas um outro colega
teve mais sorte por ter freqüentado uma escola secundária que
abrangia vários bairros, «por isso a maioria dos meus amigos era
deficiente auditva. Tínhamos a nossa própria sala... Era então que
estava a maioria dos meus amigos e, eu não tinha muitos amigos
ouvintes - eu tinha imensos amigos surdos.» Um estudante entrou
para um clube de adolescentes surdos: «Eu ía para lá e conversava
com eles e como tal nunca fui excluído pelos surdos. Estava sempre
envolvido na comunidade dos surdos de diversas maneiras.» Outro
conta: «Senti-me muito sozinho ao longo dos anos que estive no
liceu.» Depois ele foi para o ITNS. «Descobri que a felicidade era
estar no meio dos surdos e não a minha vida solitária... Tornei-me
tão popular sem perceber a razão de tal popularidade, foi
surpreendente, saí da escuridão para a luz.» «Quando fui para a
universidade dos surdos senti-me como um membro de uma família»,
conta ainda outro estudante. «Eu era parte de algo e, apesar de ter
amigos e inimigos... agíamos sempre como uma comunidade.... Uma
das coisas que me impressionou a respeito dos surdos é que eles se
preocupavam uns com os outros.»
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Na juventude, a solidariedade com a comunidade dos surdos é
confirmada pela rejeição, por parte da criança, da incompreensão em
casa e na escola, e pela sua inegável atracção por uma comunicação
clara e simples e pelas amizades entre os surdos. Na idade adulta, a
força repulsiva é frequentemente a incompreensão e rejeição no local
de trabalho e, uma importante força de integração é o casamento
com outra pessoa surda. «Detesto ter de voltar ao trabalho. Não
gosto de ser a única pessoa surda. É solitário», lamentava-se uma
mãe trabalhadora já perto do fim da sua licença de parto. Um homem
surdo explica a sua decisão de casar com uma mulher surda: «Se me
casasse com uma mulher ouvinte, o que é que lhe aconteceria?...
Visitaria ela o clube dos surdos? As pessoas ouvintes vão para o clube
dos ouvintes - eles vão para os clubes e dançam. Seria capaz de me
integrar no meio dos ouvintes? De modo nenhum. Eles não me
conhecem... Por isso, ficaria apenas sentado a um canto sem fazer
nada; Diria, 'eu não quero ir para um clube de ouvintes', e a minha
mulher diria, 'eu não quero ir para um clube de surdos.' tomar-nos-
íamos opostos. Culturas opostas e vidas opostas.»
Após vários anos de aculturação na comunidade dos surdos, após
incontáveis experiências sociais partilhadas, após terem estado
expostos a artefactos culturais e a várias formas de arte e história, o
surdo adulto pode adquirir uma maior consciência da sua (dele) ou
(dela) própria comunidade e cultura. Na entrevista que se segue
(traduzida da ASL) a uma educadora ouvinte uma surda adulta tenta
tornar explícito os seus sentimentos por fazer parte de uma minoria:
Muitas pessoas pensam que a pessoa surda e a ouvinte são iguais.
Sim, é verdade, mas no entanto existem diferenças. A cultura surda é
mais surda. [Se] você for surdo [e], eu sou surdo - constituímos uma
família... Qual a frequência com que vê alguns dos seus antigos
colegas de liceu? Já não os vê há muito tempo, não é verdade? Qual
a frequência com que eu vejo alguns dos meus antigos colegas?
Regularmente! A cultura dos surdos está sempre mais envolvida com
a família, nós somos uma família de surdos... Quando vê um ouvinte
e um surdo, eles são iguais, mas no modo como a família se une, eles
constituem dois tipos de família e não são iguais. Acontece a mesma
coisa como os italianos... russos... diferentes grupos étnicos. Algumas
daquelas pessoas não entendem inglês, por isso permanecem juntas.
Eu não me consigo divertir com os meus primos [ouvintes]. Os
irmãos e irmãs dizem: «Eh! vamos embora, vamo-nos divertir», e eu
digo, «hum!...» Mas com os surdos, há sempre coisas divertidas para
fazer e [por isso] vamos com os surdos.
No entanto, a verdadeira consciência da identidade do surdo e da
comunidade não é facilmente ou completamente adquirida. Durante o
período de desenvolvimento da criança surda duas coisas tornam-se
para elas óbvias: que os valores dos ouvintes incutidos pela
instituição audista são diferentes dos seus e que, geralmente, as
pessoas ouvintes têm sucesso. «O oprimido aceita o julgamento do
outro», Sartre escreve, «incorporando nele próprio o modelo que lhe
decreta a sua condição de inferior. Na realidade, ele consente a
opressão. Em resposta ao olhar do outro, ele olha para baixo». Os
afro-americanos há muito tempo que se sujeitam ao conceito da
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inferioridade africana. Por muito tempo, as pessoas surdas em países
como a Grã- -Bretanha, Alemanha e França, todos com sistemas
audistas muito poderosos consideraram bastante natural o facto das
crianças surdas não terem acesso a um ensino liceal normal, muito
menos ao ensino universitário. Muitos adultos surdos naqueles países
também negariam o facto de terem uma linguagem, pelo contrário, a
única linguagem que eles reconhecem é a linguagem oral nacional, a
qual eles não podem falar e não lêem. Sempre que insisto com eles
para que me ensinem a sua linguagem manual, na qual estou
interessado, normalmente não acreditam: «Oh!, está mesmo
interessado em aprender a nossa língua?» perguntam surpreendidos.
Com isto querem dizer que a sua linguagem gestual obedece a uma
determinada ordem de palavras a qual não corresponde à linguagem
oral nacional, sendo por isso «idiomática».
Os surdos têm de rejeitar esta aceitação do julgamento do outro, tal
como afirma Jeff McWhinney, e devem adquirir a consciência da sua
surdez «antes de atingirmos a igualdade política. Por outras palavras,
para destruir o relacionamento perigoso entre o controlo das pessoas
ouvintes e a as deficiências da aprendizagem das pessoas surdas,
devemos ultrapassar o nosso próprio medo de nos tornarmos
incapazes face ao poder aparente dos ouvintes».
Alguns dos colonizados aceitam tão intrinsecamente aqueles valores
que decretam a sua inferioridade que abandonam - a comunidade dos
surdos, a comunidade dos argelinos e a comunidade dos afro-
americanos. Eles tentam conseguir superar o colonizador. «Existe
uma pirâmide do poder», escreveu Albert Memmi. Os renegados
menosprezarão o oprimido; o seu menosprezo teve origem no
menosprezo que eles sofreram. O não pertencer a nenhum dos dois
grupos faz com que eles falhem frequentemente, mas como são
demasiado inportantes para o colonizador permitir que falhem, são
apoiados. Desde Saboureux-de-Fontenay no século XVIII, aluno
famoso do «grande ensinador de mudos», Jacob Pereire, de Mabel
Bell no século XIX, aluna de Alexander Graham Bell e mais tarde sua
mulher, directamente para os clientes da instituição audista, sempre
existiram surdos que foram socializados para serem deficientes
auditivos e que servem as instituições audistas que os socializa,
confirmando que as pessoas surdas tem as necessidades que as
instituições pretendem que tenham. Há alguns anos atrás, a BBC
filmou um debate sobre os méritos relativos da British Sign Language
(BSL - Linguagem Gestual Britânica) e do inglês como meios de
instrução das crianças surdas britânicas. Os lados opostos estavam
sentados em bancadas opostas num palco; os intérpretes e o
anfitrião estavam sentados no meio. À esquerda havia um grupo de
pessoas surdas de várias posições e eu. À direita estavam os
professores ouvintes de crianças surdas - e uma jovem surda com um
discurso pouco claro. Ela estava notavelmente doente, sentindo-se
incomodada na sua posição, para além disto, como não conseguia
compreender completamente o que era falado ou gesticulado, tinha o
seu próprio intérprete oral, o qual estava sentado na sua frente e que
articulava, de um modo claro, os pontos essenciais do que tinha sido
falado.
Estão a ser dados pela segunda vez modelos ao colonizado: existe o
colonizador e depois o assimilado, muito parecido com eles próprios.
Se o estigma não for bastante óbvio, o assimilado pode tentar passar
como um dos poderosos. Mesmo que não o consiga, pode sempre
recorrer a meios que o ajudem a disfarçar, des
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viando por conseguinte a atenção do estigma. Por exemplo, os óculos
escuros para os cegos, vestidos tipo ocidental e a utilização de um
francês muito cuidado para os africanos e afastar-se dos surdos não
mudos.
O disfarce pode ser exaustivo; cada situação requer o seu próprio
disfarce e, a pessoa que o utiliza corre sempre o risco de ser
desmascarada. Deve evitar-se o contacto com algumas pessoas -
especialmente aquelas com um estigma semelhante - ao mesmo
tempo que devem ser recrutados cúmplices. «Eu evito qualquer tipo
de alusão à minha deficiência», Mabel Bell, perto do fim da sua vida,
escreveu, «e não serei vista em público com outra pessoa surda».
«Eu tenho feito esforços em todos os sentidos para esquecer [minha
surdez ] e para ser tão normal que acabe por passar por uma pessoa
normal. Ao ter qualquer relação com outra pessoa surda, aquela
deficiência opressiva que tanto me esforço por ocultar imediatamente
se evidencia.
Por isso tenho auxiliado noutras coisas e outras pessoas... qualquer
coisa, tudo menos a pessoas surdas. Não teria amigos entre eles.»
Presentemente, os membros da minoria dirão à pessoa que tenta
passar por ou disfarçar algo que elas se estão a enganar a elas
próprias. A sua verdadeira solidariedade é para com as outras
pessoas surdas. Em vez de tentar ser como o opressor, ela deveria
assumir uma posição de luta pelos seus direitos. Exibir a sua
linguagem gestual (o seu dialecto negro, o seu comportamento
homossexual) e não escondê-la, j adoptar as características únicas da
sua minoria, mas nunca fazer-se passar por, optar pelo disfarce e
muito menos lutar contra a surdez, independentemente do seu í
comportamento ser determinado pela opressão a que a pessoa surda
está sujeita.
Quando o audista é desmascarado aos olhos do ouvinte, a
dependência deixa í de ser tolerada. A posição inferior do dependente
parece uma grande injustiça. Existe um modelo óbvio de justiça:
Aqueles que providenciam o tratamento beneficiam mutuamente. O
antigo dependente insiste agora nesse tratamento de igualdade. «O
escravo devolve o olhar do seu senhor. Neste momento, nasce um
homem.» O audista é confrontado com uma terrível situação: se fizer
concepssões, arrisca-se a perder a sua posição superior. Suponhamos
que, por exemplo, um grande número de surdos era contratado para
servir numa escola para surdos. Possivelmente substituiriam algumas
pessoas ouvintes. A sua grande capacidade para comunicar com as
crianças surdas e, geralmente, em entrar em empatia com elas e
orientá-las, poderia dificultar a função dos ouvintes. E, como Mannoni
salienta, «qualquer avanço para a igualdade faz com que as
diferenças que permanecem pareçam ainda mais intoleráveis». É
bastante razoável: se o modelo do tratamento justo for o modo como
os auxiliares se comportam uns com os outros, então, quanto mais
me derem um estatuto de igualdade, mais as suas regras parecerão
aplicar-se a mim e mais exigirei ser abrangido por elas. As mais
pequenas concessões levam às maiores e, por último, ao final do
relacionamento opressivo. Esta é a razão pela qual existem poucos
árbitros envolvidos em tais lutas. Então os antigos dependentes
concluem que devem recorrer à força se quiserem alcançar as suas
 justas exigências, tal como fizerem os estudantes surdos durante a
Revolução Gallaudet de 1988, assim como as várias minorias e os
vários povos colonizados têm feito.
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A Revolução Gallaudet surgiu como um choque para a América e
para a Europa Ocidental. Nós sabíamos que existiam linguagens de
minorias oprimidas; mas não sabíamos que a comunidade dos surdos
era uma delas. Pensámos que está- vamos a fazer tudo aquilo que
uma sociedade iluminada faria pelos surdos. Consideramos
inaceitável o facto de a criança surda não ter acesso a uma boa
educação, que aos adultos surdos lhes sejam negadas funções
respeitantes à educação daquelas crianças e outras profissões
relativas ao apoio dos surdos, que o conselho dos surdos não seja
considerado, nem sequer solicitado, em assuntos de extrema
importância para os surdos, e que tudo isto ocorra perante os nossos
olhos e em grande parte com o dinheiro dos nossos impostos. Nós
estamos um pouco indiferentes a este facto, porque se não fosse a
nossa indiferença colectiva, o sistema audista não conseguiria
desempenhar funções que prejudicassem os surdos e a eles próprios,
envergonhando o resto da nossa sociedade. As palavras de Jean-Paul
Sartre parecem acusar-nos quando escreve: «A vossa passividade
apenas serve para vos colocar nas fileiras dos opressores.»
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CAPÍTULO 4 - INTOLERÂNCIA LINGÜÍSTICA E COMUNIDADES
SURDAS
A OPRESSÃO DA ASL
A maioria dos países é multilingue. Nos cerca de duzentos países do
mundo, falam-se aproximadamente seis mil línguas. Em todo o globo
existem mais povos multilingues do que monolingues. No entanto, o
poder está principalmente nas mãos dos monolingues. Os povos
multilingues tornam-se maioritários porque vivem em países onde a
sua língua materna não é a língua do discurso oficial, por isso, são
obrigados a aprender uma segunda língua.
Normalmente, os membros destas minorias linguísticas encaram a
questão da língua e poder com realismo; reconhecem que os seus
filhos têm necessidade de conhecer a língua da maioria para
Embora o fracasso do francês gestual e do inglês gestual fosse
definitivo, um grupo resistente da linha de Sicard faz nova tentativa
nos Estados Unidos, Alemanha e outros locais. Numa perspectiva
histórica, não seremos enganados pelos seus objectivos primordiais -
nomeadamente, a introdução de novas e melhores formas de ensinar
a língua oral nacional às crianças surdas.
Quando uma única língua constitui a língua nacional da grande
maioria, o grupo da língua dominante pode aspirar a impor essa
língua a todas as pessoas numa tentativa de substituir totalmente a
língua minoritária. No período entre as duas Guerras Mundiais,
muitos governos europeus seguiram esta política de substituição que
pareceria ser uma consequência quase inevitável do etnocentrismo
humano (frequentemente incentivado por outros motivos), excepto
alguns estados tolerantes que demonstraram um verdadeiro
liberalismo linguístico. Heinz Kloss salienta que os estados que
sucederam aos impérios Turco, Habsburgo e Russo «prosseguiram
impiedosamente com o aniquilamento linguístico. Um método crucial
era, com certeza, a substituição das línguas minoritárias pelas
maioritárias nas escolas. Em 1918, havia 147 escolas lituanas na
Polônia; em 1941 havia duas. O número de escolas alemãs na
Lituânia desceu para um terço no mesmo período. Existiam 2600
escolas ucranianas no Leste da Galicia em 1918 e 400 em 1928».
Na América, existiam 26 instituições de ensino para crianças surdas
em 1867, e a ASL era a língua de instrução em todas elas; por volta
de 1907, existiam 139 escolas para crianças surdas e em nenhuma
era permitida a ASL. Em termos comparativos, os números franceses
proporcionam um olhar sobre a brutalidade do imperialismo
linguístico: em 1845, 160 escolas para crianças surdas sendo a LSF a
linguagem aceite; no final do século, não era permitida numa única
escola francesa.
No mundo ocidental, a luta da substituição das linguagens gestuais
pelas línguas maioritárias começou, significativamente, após o
fracasso dos esforços de dialectização em meados do século XIX. No
entanto, a decisiva vitória da substituição foi ganha no fim desse
século, começando com uma reunião de instrutores ouvintes de
crianças surdas convocada à pressa para Paris aquando da Exposição
Francesa de 1878. Apenas 54 pessoas compareceram, metade delas
instrutores, e todas excepto duas eram de França. Nenhum surdo foi
autorizado a participar, embora na altura, em França, a maioria dos
instrutores fossem os próprios surdos. Todavia, o grupo dos ouvintes
proclamou, ele próprio, o Primeiro Congresso Mundial para Melhorar a
Assistência Social ao Surdo e ao Cego, afirmando que apenas a
instrução oral poderia restaurar integralmente o papel do surdo na
sociedade, e escolheu Milão como local do segundo congresso,
agendado para 1880.
Apesar do impacto devastador sobre as crianças e adultos surdos ao
longo do século, o encontro de Milão foi apenas uma breve reunião
conduzida por opositores ouvintes à linguagem gestual. O congresso
durou 24 horas, durante as quais três ou quatro audistas
reasseguraram a conveniência das suas acções perante dificuldades
embaraçosas. No entanto, o encontro de Milão foi o único e o mais
crítico evento na colocação das linguagens das comunidades surdas
abaixo do nível; creio que é a única e a mais importante causa da
limitação dos empreendimentos educativos das mulheres e dos
homens modernos.
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Escrevendo de Milão, um professor britânico rebatia: «A vitória pela
causa do discurso puro foi ganha antes que o congresso começasse.»
E o director da Royal School for Deaf Children em Inglaterra declarou
que o congresso «foi sobretudo uma assembleia partidária. A
maquinação para elaborar os decretos segundo as linhas dos seus
promotores evidentemente que tinha sido preparada antes e, quanto
a mim, parecia que a principal característica era o entusiasmo [pela]
"orale pure" em vez de uma deliberação calma sobre as vantagens e
desvantagens dos métodos». O local escolhido, a constituição do
comitê de organização, o programa e as demonstrações do
congresso, a composição dos participantes, os responsáveis do
encontro - todos os elementos foram ardilosamente arranjados para
produzir o efeito desejado.
Os italianos eram mais de metade dos 164 delegados, e 56 eram
franceses; os delegados destes dois países constituíam sete oitavos
dos participantes. No discurso de abertura o anfitrião italiano dizia
aos delegados que «lembrassem que o discurso vivo é um privilégio
do homem, o único e exacto veículo do pensamento, uma dádiva de
Deus, da qual se tem dito: o discurso é a expressão da alma, assim
como a alma é a expressão do pensamento divino».
O congresso de educadores de crianças surdas de que os educadores
surdos foram excluídos (embora um tivesse conseguido penetrar),
elegeu como presidente um inimigo feroz da linguagem gestual, um
padre italiano de nome Giulio Tarra. «O reino do discurso», Tarra
começou com o que seria a prova de uma peroração de dois dias, «o
reino do discurso é um reinado cuja rainha não tolera rivais. O
discurso é o ciúme e deseja ser a amante absoluta. Tal como a
verdadeira mãe da criança a ser julgada perante Salomão, o discurso
deseja-a inteira para si - instrução, escola, surdo- -mudo - sem
partilhar; de outro modo, renuncia a tudo... Sei que os meus alunos
têm apenas alguns sinais imperfeitos, os rudimentos de um edifício
que não devia existir, algumas migalhas de pão sem consistência e
que nunca serão suficientes para alimentar a alma».
O presidente do congresso chegou àquilo a que chamaria argumento
fundamental. «O discurso oral é o único poder capaz de reacender a
luz que Deus introduziu no homem quando, ao lhe conceder uma
alma num corpo físico, deu-lhe também os meios para compreender,
para conceber e para se exprimir... por um lado, os sinais mímicos
não são suficientes para exprimir o conteúdo do pensamento, por
outro, enaltecem e glorificam fantasias e todas as faculdades do
sentido de imaginação... A fantástica linguagem gestual exalta os
sentidos e fomenta as paixões, ao passo que o discurso eleva a
mente de forma muito mais natural, com calma, prudência e
verdade.»
Tarra explica que quando um surdo-mudo confessa um acto injusto
através de sinais, reactivam-se as sensações que acompanham o
acto. Por exemplo, quando uma pessoa surda confessa através de
sinais que estava zangada, a paixão detestável regressa ao pecador o
que certamente não ajuda na sua recuperação moral. Por outro lado,
através da fala, o penitente surdo-mudo reflecte sobre o mal que
cometeu e nada estimula a paixão de novo. Tarra termina desafiando
alguém que consiga definir alma, fé, esperança, caridade, justiça,
virtude, anjos, Deus, através de sinais... «Nenhum molde, nenhuma
imagem, nenhum desenho», conclui Tarra, «pode repro
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duzir estas ideias. Só a fala, ela própria divina, constitui a maneira
certa para falar de questões divinas».
presidente da Associação Americana Nacional do Surdo declarou: «Ao
suprimir a linguagem gestual o homem surdo será excluído de toda a
sociedade, até mesmo da dos seus irmãos infortunados; estará mais
isolado que nunca.» O congresso de líderes surdos terminou com um
conjunto de resoluções muito diferentes das votadas em Milão,
visando promover a assistência social aos surdos. Proclamou a
linguagem manual como sendo «o instrumento mais indicado para
desenvolver o intelecto do surdo» e encerrou com o seu próprio
«Viva!» - «Viva a emancipação do surdo!»
Mas as opiniões dos surdos foram ignoradas. No último congresso
sobre a educação de crianças surdas - realizado em Paris em 1900 -
que nos deixou o presente legado da instrução com base no inglês, os
professores surdos foram uma vez mais excluídos pela liderança
ouvinte. O presidente do encontro, um otologista, escreveu um
manual sobre o ensino da fala: «O surdo-mudo é por natureza
inconstante e improvidente, sujeito a ociosidade, à bebedeira e à
libertinagem, fácil de enganar e pronto a ser corrompido.» A partir do
momento em que os líderes surdos exigiram a sua participação nos
próximos congressos relativos a segurança social e planearam
participar no congresso de Paris de 1900, o otologista presidente
decidiu separar as sessões dos surdos das dos ouvintes com o
pretexto que de outro modo as sessões seriam demasiado longas e a
tradução da linguagem manual para a linguagem falada provocaria
confusão. Os líderes surdos propuseram então um compromisso, uma
reunião conjunta com todos os delegados no fim do congresso, a fim
de debater e votar as resoluções. O otologista na presidência rejeitou
igualmente essa proposta. Em seguida os organizadores surdos
reuniram-se para decidir se condescendiam ou tentavam travar os
planos para o congresso; optaram por condescender e estabeleceram
uma secção de surdos separada.
Logo na primeira sessão da secção dos ouvintes, Edward Minor
Gallaudet e Alexander Graham Bell desentenderam-se seriamente.
Gallaudet era filho de Thomas Hopkins Gallaudet, co-fundador da
educação para surdos nos Estados Unidos, e de Sophia Fowler
Gallaudet, a mulher mais destacada da sociedade americana surda;
enquanto líder da causa da educação dos surdos nos Estados Unidos,
era um fervoroso defensor do «sistema misto» - ASL durante as aulas
e aprendizagem da fala depois para aqueles que podiam beneficiar
disso (em primeiro lugar as crianças com surdez recente). Alexander
Graham Bell, filho de um destacado orador e de uma mulher que
ouvia mal, marido de uma mulher que mais tarde ficou surda, era o
líder da facção oralista. Bell apoiou a exclusão dos delegados surdos
das deliberações do congresso: «Aqueles que são, eles próprios,
incapazes de falar», contestava, «não são os juizes indicados para
avaliar o valor da fala para os surdos». Gallaudet insurgiu-se contra a
exclusão daqueles cujas vidas estavam implicadas. Considerou
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o Congresso de Milão irrepresentativo e as suas declarações um
grande erro, porém, «as decisões aí tomadas têm sido citadas há
vinte anos como se tivessem o peso de um veredicto do Supremo
Tribunal». Disse ainda que actualmente esse congresso já não é
representativo: qualquer pessoa com dez francos pode votar. Milão
não decidiu nada, pois a controvérsia cresce. Posteriormente
apresentou uma resolução apelando a um intercâmbio aberto de
ideias com os líderes surdos. A esse propósito, o presidente - não
dando a ninguém a oportunidade de exprimir a sua opinião e não
submetendo a proposta à votação - declarou que a proposta tinha
sido rejeitada pelo congresso, o qual ficaria suspenso até à tarde.
No início da sessão seguinte, o delegado do governo francês pediu ao
congresso que reafirmasse que o direito de voto estava reservado às
pessoas ouvintes e a alguns surdos que falavam, «já que é
inadmissível conceder o direito de voto às pessoas que não podem
seguir as discussões». Gallaudet pediu permissão para ler a sua
proposta numa sessão conjunta com as duas secções; os líderes da
secção dos surdos apoiaram este pedido, mas o presidente recusou.
Gallaudet reclamava que o ora- lismo não tinha cumprido com as
suas promessas e levantava a questão de qual dos testemunhos
deveria ter mais peso no apuramento da veracidade dos factos. O dos
professores? Mas estes são partidários e estão demasiadamente
familiarizados com o discurso dos próprios alunos para poderem fazer
uma avaliação exacta. O dos amigos e conhecidos dos surdos? Mas
também eles se adaptam ao pobre discurso e aos gestos dos alunos
com aulas orais. O de estranhos? O seu testemunho é mais
importante. Mas o maior peso deve advir das opiniões dos próprios
surdos. Pode-se imaginar a forma como essas observações foram
recebidas pelos professores oralistas, que consecutivamente excluíam
as opiniões dos surdos! Mas palavras ainda mais duras estavam para
chegar: Gallaudet trouxe ao de cima a questão de os educadores
oralistas serem ou não moralmente defeituosos. Afirmou que os
mesmos estavam a conspirar a favor do engano. Era difícil admitir a
possibilidade de estes professores estarem a enganar-se a si
próprios, por isso deve ser essa a razão de pretenderem enganar
outras pessoas.
A luta entre oralistas e seus opositores andava para a frente e para
atrás. O vice- -reitor da Escola Gallaudet apresentou uma resolução a
favor do sistema misto. O director de uma escola oralista francesa leu
as conclusões do Congresso de Milão e depois apresentou a resolução
referente a sua própria reafirmação pelo oralismo puro. Quando a
questão foi apresentada, o sistema misto recebeu apenas sete votos
ao passo que quase todos votaram a favor da resolução francesa
afirmando a «incontestável superioridade da fala sobre os sinais a fim
de restaurar a posição do surdo- -mudo na sociedade e dar-lhe um
conhecimento mais perfeito da língua»*.
Um líder surdo fez a seguinte observação: «O poder do governo
provém do consentimento dos governados - mas isso não acontece
quando estão os surdos em questão». E os líderes surdos não tinham
- nem têm - a última palavra. Cito um importante jornal profissional
relatando o congresso de Paris: «O método oral pesado pesado... e
não está em défice. Considerando que Milão era a esperança», dizia
ainda o referido jornal, «Paris era a conclusão - o veredicto após o
 julgamento.
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A acção de Paris terá o efeito primordial... de confirmar a fé daqueles
que praticam... ó ensino oral com os surdos... A questão dos métodos
está praticamente fora do campo da discussão».
OUTRAS FORMAS DE LINGUAGEM
Com a Lei sobre o Ensino Bilíngue de 1968, os americanos
institucionalizaram a premissa indicadora de que as crianças são
melhor educadas, pelo menos transitoriamente, quando se utiliza a
língua em que elas são mais fluentes. As leis da maioria dos estados
passaram a exigir que as escolas com mais de uma certa
percentagem de crianças cuja língua materna é o navajo, chinês ou
outra qualquer, devem leccionar uma parte da instrução nessas
línguas. No Outono de 1990, o governo federal reafirmou os méritos
da educação bilíngue quando o Presidente George Bush aprovou uma
lei «a encorajar e a apoiar o uso de línguas nativas como línguas de
instrução». Porém, a ASL, a linguagem indígena de maior
predominância nacional (as estimativas rondam entre um milhão e
meio e dois milhões de utilizadores) e entre as minorias linguísticas
que mais predominam, não tem qualquer reconhecimento oficial do
governo federal e nenhum lugar na educação das crianças que
utilizam a ASL consoante os estados. Não se têm aplicado às crianças
que utilizam a ASL, nem as leis que garantem os fundos para os
programas de ensino bilíngue, nem as leis que exigem a existência
desses programas nas escolas com grande número de crianças que
usam uma língua minoritária. Na Grã-Bretanha, o Programa para as
Minorias Linguísticas, o Programa para a Língua Materna e outras
iniciativas apontam para um interesse crescente nas vantagens do
pluralismo linguístico e no reconhecimento das línguas das minorias.
A discussão inclui línguas tão diversas como o gujarati e o chinês,
mas nunca a BSL. Uma razão para esta opressão particularmente
severa da ASL e de outras linguagens manuais é o tratamento da
surdez cultural. E justamente esta a posição do governo americano,
em que as agências que apoiam a investigação e a formação em prol
da educação de pessoas retardadas são as mesmas e agem do
mesmo modo com os surdos e as agências que lidam com as
necessidades de grupos linguísticos minoritários recusam-se a tratar
as questões dos milhões de americanos que utilizam algumas
variedades da ASL na comunicação diária.
Uma outra razão pela qual as linguagens gestuais estão sujeitas a
uma supressão maior do que aquela normalmente feita pelos grupos
linguísticos dominantes às línguas minoritárias, é a sua forma
inesperada - manual e visual. Uma vez mais, a apreensão imaginária
induz tanto os leigos como os eruditos em erro. Como seria a minha
comunicação, pensam eles, se ficasse privado da linguagem falada?
Limitar-me-ia a apontar para coisas concretas à minha volta e a fazer
sinais sobre diversos actos - é assim que a linguagem manual deve
ser. Por exemplo, num livro sobre pensamento e linguagem publicado
em 1975, a psicóloga Judith Greene lamenta «a rusticidade da
linguagem gestual... Mesmo as pessoas surdas e mudas que confiam
inteiramente na linguagem gestual acham difícil fazer declarações
abstractas complexas devido à falta de inflexões gramaticais subtis».
Como vimos, ela está muito enganada acerca da semântica e da
gramática de ASL.
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Os educadores que tiveram um breve contacto com a ASL acharam-
na primitiva por uma outra razão. Foram induzidos em erro pela
transcrição palavra por palavra das declarações mímicas; a
substituição dá origem a uma série de palavras que necessariamente
violam as regras do leitor da linguagem e faz com que a fonte pareça
primitiva e sem gramática. Por exemplo, a transcrição em ASL da
frase A bear killed my father's geese; father shouldered his gun and
went to look for it (Um urso matou os gansos do meu pai; o pai
empunhou a arma e foi à procura dele), em palavra por palavra é:
GEESE, FATHER HIS, BEAR CATCH EAT; FATHER, GUN SHOULDER-
ON, GO-LOOK-FOR BEAR (gansos, pai dele, urso apanhar comer, pai,
arma ombro, ir-procurar-urso). Não há maior prova de primitivismo
do que a correspondente transcrição do latim - «Urso, gansos do pai
meu matou; arma ombro empunhou para poder procurar urso - o que
só não é óbvio dado o preconceito dos educadores em relação à
própria ideia de linguagem manual.
Creio que há algo a aprender se virarmos a sorte aos snobes da
linguagem oral com esta afirmação: a ASL é não só intrinsecamente
tão boa como qualquer linguagem oral, como também é melhor.
O argumento é o seguinte: a nossa espécie, juntamente com todos os
mamíferos, preocupa-se mais com um espaço tridimensional. Ao
satisfazermos as nossas necessidades, tanto biológicas como sociais,
deslocamo-nos no espaço. Normalmente esses movimentos
coordenam-se entre os membros de um casal ou de um grupo de
pessoas, e relacionam-se com um conjunto de pessoas ou objectos.
Consequentemente, maior parte da comunicação humana é
explicitamente acerca da ordem espacial. Como podemos ir daqui até
ao mercado? Onde vais colocar o sofá novo? Onde deixaste o carro?
Inúmeras perguntas quotidianas semelhantes cujas respostas exigem
que falemos de espaço.
Mas somos um animal tão espacial que preferimos igualmente falar
de assuntos não espaciais em termos espaciais. A lista é extensa. O
alinhamento político oscila entre a direita e a esquerda. O futuro está
à nossa frente, o passado atrás. As relações de poder estendem-se
do mais alto e poderoso até ao mais humilde. Os comparativos, em
geral, são expressos em metáforas espaciais, acima de todas as
outras formas. No entanto, o espaço está ligado a uma linguagem
mais profunda do que uma mera metáfora. Um ex-aluno meu de
doutoramento descobriu que os falantes de inglês interrogados para
avaliar a semelhança entre os verbos ingleses seguem, quase todos,
um critério espacial - nomeadamente se o significado do verbo
envolve movimento de translação ou posição fixa. Assim, os
interrogados repetidamente consideraram giving (dar) mais próximo
de pushing (empurrar) do que de giving up> (desistir), e standing
(ficar, permanecer) mais próximo de waiting (esperar) do que de
walking (caminhar). Vários linguistas apresentaram a tese de que os
significados de muitas palavras inglesas estão baseadas
fundamentalmente em conceitos espaciais.
Vejamos, pois, quão hábil é de facto a linguagem oral nesta tarefa
fundamental da descrição espacial. Até que ponto o inglês exprime
bem o posicionamento e a$ distâncias das pessoas e coisas num
espaço tridimensional? Tanto literalmente como metaforicamente
teremos necessidade de referir esquerda-direita, à frente-atrás, e
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em cima-em baixo. Suponhamos que estou a dar uma palestra e
observo na plateia duas pessoas lado a lado - Will e a sua mulher. Em
inglês poderia dizer-se, «Will está à esquerda da mulher», mas neste
caso também posso dizer que ele está do lado direito da mulher - ou
seja, «Will está à direita da mulher». Por conseguinte não fui
suficientemente claro. De que lado está ele? Will está à esquerda ou à
direita da mulher? A resposta é: está dos dois lados. Anna, que está
sentada atrás deles, não concorda comigo; Will nunca esteve à
esquerda da esposa. Se acompanhou este raciocínio e acha que o
inglês é claro embora complicado em relação à esquerda e direita,
tente o seguinte: coloque Will, a mulher, e Anna por forma a que Will
fique à esquerda da mulher, que esta fique à esquerda de Arma e que
Will fique à direita de Anna.
Tentei demonstrar que em inglês devemos dar diferentes descrições
para a mesma posição, dependendo de dois aspectos: primeiro, do
ponto de vista do locutor e, segundo, se o locutor está a empregar o
sentido verbal ou a referência intrínseca. O sentido verbal,
denominado deixis requer que o ouvinte inglês saiba onde se
encontra o locutor. O sistema intrínseco requer uma interpretação da
cena e uma orientação intrínseca. Aplica-se às pessoas e às casas,
mas não funciona com árvores, mesas ou objectos amontoados. Para
ilustrar, vejamos a cena de um piquenique. Se lhe pedir que coloque
a mesinha de piquenique em frente à árvore, poderá cumprir a
instrução colocando-a em qualquer lugar do planeta Terra; não fui
suficientemente claro.
Suponhamos que há nas redondezas uma pista de corridas de cães e
que nos sentamos junto à linha de partida. Quando saem do portão,
o único cão que consigo ver é aquele que está mais próximo de mim,
que está, com certeza, à frente dos outros cães; mas também pode
estar atrás deles - principalmente se foi nele que apostei. A lebre que
corre no interior das grades da pista está atrás de todos os cães até
ao fim, mesmo que esteja sempre à frente de todos eles.
O meu cão perde e o céu escurece. Diz-se que «o sol está atrás das
nuvens». Quando o sol surge saindo de trás das nuvens, será que
está então à frente das nuvens? É claro que não! Por isso o sol está
sempre atrás das nuvens. Na verdade, o sol só está atrás das nuvens
quando não está sol.
Comprei dois balões para o piquenique e amarrei-os num ramo de
modo a que o vermelho ficasse por cima do verde. No entanto, você
está deitado sobre a relva olhando para a abóbada celeste, e o
vermelho está à esquerda do verde - ou à direita do verde,
dependendo do lado em que você estiver deitado. A menos que
consiga ver o horizonte, caso em que o vermelho está por cima do
verde. Eu digo-lhe, «Olha amigo, está uma aranha a balançar por
cima da tua cabeça». Você vai enxotá-la, mas de que lado sacudir?
Ela estará perto ou longe? Estará junto à face ou junto ao topo da
cabeça? Quem sabe?
Will está à esquerda da mulher. A mesa está à frente da árvore. O
cão preto está à frente dos outros. Está uma aranha por cima da sua
cabeça. Todas estas frases são ambíguas, mas parecem-se com as
que usamos constantemente. Então, a nossa comunicação em inglês
deve ser bastante pobre uma vez que o mais importante das
mensagens humanas é a ordem espacial. Decidi fazer uma
experiência.
Comprei uma casa de bonecas - a minha primeira - que veio com
algumas peças de mobiliário de plástico e, o mais importante, uma
fotografia na caixa mos
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trando como arrumar os móveis nesta casa de dois andares. Havia
um sofá, uma TV, uma aparelhagem de som, uma mesa de
piquenique e duas cadeiras, um grelhador. Um assistente formado e
eu pedimos a casais falantes de inglês que nos ajudassem da
seguinte maneira: com a casa já montada e o mobiliário empilhado
em frente da mesma, um dos casais olharia para a fotografia e diria
ao outro onde colocar cada peça do mobiliário, esforçando-se por
reproduzir a arrumação apresentada na fotografia da caixa. Pedimos
aos que arrumavam os móveis que não falassem, e gravámos os que
davam as instruções. Colocar normalmente sete peças de mobiliário:
devia ser fácil. Aqui têm uma transcrição típica, influências e tudo, do
falante nativo de inglês:
- Bem, vamos começar com a mesa e as cadeiras no piso de baixo. À
frente da casa, hum!, há um espaço verde, como um pátio, e a mesa
redonda fica no - no - ah! - no canto superior do - do espaço verde.
Certo. E em frente a - no - em frente a mesa - hum! - entre a escada
e a mesa - ficam as cadeiras vermelhas. Certo. E transversalmente
àquela cadeira vermelha, do outro lado da mesa, fica a segunda
cadeira vermelha. Correcto. Agora o grelha - o grelhador fica na faixa
do pátio entre o espaço verde e a casa. Hum!, do lado esquerdo,
quase no canto esquerdo. Não tanto. Está bom, agora vamos ao piso
de cima. Oh, desculpa, temos de voltar ao piso de baixo; Esqueci-me
do gira-discos. Agora estamos dentro da casa e se estiveres de
frente , é - a - a direita - o canto à tua direita; é aí onde colocas o
gira-discos. Encostado à parede, bem, encostado à parede no canto.
Está certo? Agora vamos para cima. Bem. Agora no segundo piso - o
piso está dividido em terraço e um quarto de dormir, e justamente na
divisão entre o terraço e o quarto não há - há uma estrutura mas
sem parede e o sofá ou a cadeirinha vermelha fica nessa estrutura,
num ângulo, só que mais chegada ao quarto, mas parece projectar-
se um pouco para o terraço. Certo. E a televisão fica - bem, o chão
nesse quarto está separado por - há uma pequena cumeeira que
parte do chão, portanto o sofá está num dos lados da cumeeira - a TV
fica na área que está separada com o outro lado da cumeeira - e fica
de frente para que a pessoa que estiver sentada no sofá possa ver o
ecrã da TV - por outras palavras, o ecrã da TV está virado para - está
virado para a parte de fora da casa. Certo. Como se estivesse de
frente para a escada. Certo. E já está.
Ora, porque a ASL é uma língua espacial, ela pode comunicar a
ordem e a distância relativa das coisas e pessoas de uma maneira
diferente da do inglês ou, na verdade, da de qualquer língua oral.
Isso faz com a interpretação dos sinais para a língua falada e vice-
versa seja única entre os actos de tradução, na medida em que o
intérprete deve mediar entre a linguagem espacial e a linear,
restruturando completamente o discurso espacial à medida que for
traduzindo de uma língua para a outra. A ASL, em vez de exprimir
uma ordem espacial através de uma cadeia linear de palavras, pode
traçar essa mensagem espacial directamente para a sua forma
superficial. Além disso, em ASL, uma vez estabelecida a localização
para um objecto,
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ela não precisa de ser restabelecida para se referir a ela. Quando pedi
a casais de expressão gestual para fazerem a minha experiência, eles
foram não só mais rápidos que os falantes de inglês, mas também
seguiram uma estratégia diferente: criaram um mapa verbal da casa
de bonecas dando nomes às partes fixas da casa e localizando essas
partes no espaço. Depois deram nomes às peças móveis que tinham
de ser colocadas pelos parceiros e posicionaram-nas no espaço verbal
que tinham acabado de criar. Efectivamente não sei como traduzir as
suas frases espaciais para uma língua não espacial como o inglês,
mas tentei fazê-lo usando as palavras here (aqui) e there (ali) para
traduzir a localização de um objecto numa posição em relação aos
outros:
- Bem, pegue na mesa branca redonda e ponha-a fora, à frente da
casa, na zona verde. As duas cadeiras ficam junto a mesa por isso a
mesa é aqui e as cadeiras são uma aqui e outra aqui em frente.
Agora, o grelhador, sabes, com a tampa preta que abre - a mesa fica
aqui e o grelhador vai para aqui. A mesa redonda fica aqui, as
cadeiras aqui, o grelhador aqui. Agora, a aparelhagem de som -
cuidado é pesada; procura a parede da sala de estar que tem
estantes com livros e um espelho e coloca-a aí no canto, assim.
Agora, a TV - vai para o piso de cima, por cima dos degraus, entra
onde começa o tecto, vê onde há uma cômoda, quadros e uma
lâmpada - coloca aí a TV. Agora, a cadeira, que os estofos abrem
como uma cama, é vermelha e branca, leva-a para cima. Vês onde
estão a TV, a cômoda e a lâmpada? Coloca-a aí. Isso mesmo.
Então a fala é, segundo as palavras da resolução de Milão,
«incontestavelmente superior ao sinal», ou será ao contrário? Na
minha opinião, nenhuma linguagem é superior a outra qualquer, e
nenhuma fica por baixo se for respeitada. As linguagens evoluíram
dentro das comunidades de uma forma que respondem às
necessidades dessas comunidades. A ASL está preparada para as
necessidades da comunidade surda dos Estados Unidos; o inglês não
está. E o esforço despendido nestes últimos cem anos para substituir
a ASL pelo inglês terá um capítulo próprio na história da ignomínia
humana.
CAPÍTULO 5 - A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS SURDAS: AFOGAMENTO
NA CORRENTE PRINCIPAL E NA CORRENTE LATERAL (Nota estrela)
O MALOGRO DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS
Hoje, mais de um século depois do congresso de Milão a supressão
das linguagens das comunidades do mundo dos surdos, continua ao
mesmo ritmo e, no sector crucial da educação esta situação está a
piorar cada vez mais. A tentativa para educar as crianças surdas
recorrendo aos mesmos métodos de ensino desenvolvidos para as
crianças ouvintes continua a mostrar-se ineficaz, decênio após
decênio. Numa sala de aula onde o inglês falado ou escrito, é o meio
de comunicação principal, as crianças surdas sentem-se confusas e
postas de lado, tanto mais que, nove em cada dez crianças ficaram
surdas antes de terem conseguido aprender o inglês em casa*. Estas
crianças não têm conhecimentos de inglês, facilidade na articulação
das palavras nem na leitura dos lábios, necessárias para o seu
sucesso.
Considere-se, por exemplo, a dificuldade de uma criança de nove
anos inserida num programa educacional para crianças surdas. O
professor, que se encontra à frente, dirige-se à turma, mas a criança
é típica e profundamente surda, ela dificilmente consegue
compreender uma única palavra pela observação dos rápidos
movimentos dos lábios do professor, mesmo as crianças com
deficiências auditivas pouco profundas ou com aparelhos auditivos
não conseguem perceber o professor. Um estudo demonstrou que no
final da escolaridade os estudantes surdos da Grã- -Bretanha não
lêem melhor os lábios do que uma pessoa qualquer (apesar de todo o
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tempo de estudo dos estudantes). Experimente o caro leitor ligar a
televisão para ver o telejornal da noite sem som e veja o quanto
pode ser difícil ver televisão deste modo. Neste momento a criança,
sem qualquer receio, tem algo a dizer; ela levanta a mão e se for de
um dos muitos países onde lhe é pedido para falar na sala de aula,
esforça-se por articular de um modo claro algumas palavras da língua
nacional que lhe tem sido ensinada. Os papéis inverteram-se: o
professor não consegue compreender a criança; dois terços dos quais
consideram os seus próprios alunos surdos, difíceis de perceber ou
totalmente impossível compreendê-los*. A aprendizagem da leitura
dos lábios e da fala, falha geralmente com as crianças que nunca
ouviram alguém falar e, hoje, a maioria das crianças surdas nas
escolas nunca ouviu alguém falar. Durante os anos 1980, visitei
escolas para crianças surdas em quatro continentes; e na realidade
conheci crianças que, com dificuldade, conseguiam ler os meus lábios
e a quem, com dificuldade, eu (ou o meu intérprete) podia
compreender. Em quase todos os casos eram crianças que tinham
ficado surdas após terem aprendido a linguagem oral ou que tinham
simplesmente deficiências auditivas.
Na realidade, os professores nos E.U.A. não falam inglês devagar com
os seus alunos surdos, assim como também escrevem inglês
depressa. Mas o inglês escrito é ainda inglês oral, tal como uma
sinfonia escrita é também um trabalho musical. Como devo salientar,
a criança surda escolarizada tem tanta dificuldade em perceber as
vogais e consoantes no quadro como percebê-las nos lábios do
professor. Na realidade quando ensinamos uma criança surda a ler e
a escrever, apelamos aos seus conhecimentos da fala e da
compreensão. A criança surda chega mesmo a considerar o princípio
do alfabeto confuso: porque razão devem as ideias estar designadas
por uma ordem sequencial de um pequeno número de elementos
(vogais e consoantes) ? Quando Laura Bridgman uma cega e surda
americana do século XIX foi corrigida na sua infância por ter
soletrado incorrectamente GATO - (cat em inglês) perguntou qual era
a diferença entre soletrar «cta», «act» ou «tac».
Como a criança permanece em silêncio face à incompreensão mútua,
o professor pode recorrer ao uso de alguns gestos para acompanhar
o seu discurso: não com frases da ASL, note-se, mas apenas algum
vocabulário gestual que aprendeu, vaca, gesticula, em seguida
articula algumas palavras impossíveis de serem lidas nos lábios, em
seguida volta a gesticular algo que parece cavalo e correr. Talvez seja
a história de uma quinta ou um conto; alguém fez algo à vaca e ao
cavalo, ou um deles fez algo ao outro. Alguém correu ou um dos
animais correu ou está a correr ou irá correr.
Existem muitas coisas mais importantes na vida do que falar a língua
nacional em voz alta ou compreendê-la quando alguém fala
connosco. Em todo o mundo, muitos milhões de pessoas surdas e
ouvintes não falam a língua nacional - têm a sua própria linguagem
minoritária, a qual satisfaz a maior parte das suas necessidades. A
tragédia não reside no facto de as crianças americanas surdas não
poderem falar nem ler o inglês nos lábios, mas sim no facto de a sua
educação ser exclusivamente orientada num inglês que elas não
conhecem.
Um autêntico desastre educacional resultou do uso da linguagem
oral, falada ou escrita, para instruir crianças surdas. Eis o resultado
de um estudo sobre 17 mil estudantes surdos de escolas secundárias
nos E.U.A.: a média demonstrou que o
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estudante surdo de 16 anos lia tão mal como uma criança ouvinte de
8 anos. Mesmo na sua disciplina preferida, aritmética, ela estava
quatro níveis abaixo*. Os mesmos resultados atrozes foram
encontrados em Inglaterra: um estudo levado a cabo em quase todas
as crianças surdas de 16 anos, demonstrou que apesar dos 10 anos
de uma educação estritamente oral, saíam da escola aos 16 anos a
ler como as crianças de 8 anos. Apesar de terem sido oralmente
treinadas e ensinadas, estas crianças, nem sequer possuem boas
capacidades orais. Se nos questionarmos sobre a percentagem de
estudantes surdos que no final da sua educação escolar consegue ler
matérias complexas, a resposta é 4 por cento, ou seja, uma em cada
25. Quase metade da população dos surdos britânicos não consegue
ler a um nível funcional; os estudantes surdos têm apenas um quinto
das possibilidades dos estudantes ouvintes para serem aprovados nos
testes de avaliação nacionais realizados quando os estudantes têm 15
ou 16 anos. De igual modo, a média japonesa mostra que os
estudantes surdos daquele país, durante toda a sua vida lerão como
uma criança de 9 anos ouvinte.
Tal facto verifica-se em todo o mundo, onde quer que a educação da
criança surda seja, exclusivamente, realizada na língua nacional.
Estes níveis de sucesso incrivelmente baixos são médias;
aproximadamente 50 por cento das crianças têm ainda menos
instrução. Por exemplo, 35 por cento dos alunos surdos americanos
que saem das escolas secundárias não conseguem ler como as
crianças que frequentam o segundo nível. Infelizmente, trata-se
agora de verdadeiras crianças e, não apenas de meras estatísticas, as
quais muito em breve se tomarão em adultos analfabetos. Se
considerarmos a capacidade de leitura de uma média de crianças
ouvintes com 11 anos em ler um jornal vulgar, verificamos que 75
por cento surdos que abandonam a escola não consegue ler um
 jornal, e que 85 por cento dos finalistas profundamente surdos não
consegue fazê-lo.
Vivemos num mundo cada vez mais tecnológico. Hoje em dia, quase
três quartos de todo o tipo de emprego requer uma instrução
tecnológica para além do diploma adquirido na escola secundária. Os
projectos para o ano 2000 - a menos de um decênio - mostram que
para os novos empregos será exigida uma mão-de-obra que tenha
pelo menos, em média, uma educação de 14 anos. Tal significa que,
em média, os empregados que ocuparão aqueles postos de trabalho
terão de ter alguma instrução de nível universitário só para poderem
levar para casa o seu salário ; não necessariamente para serem
patrões.
A educação constitui, deste modo, a chave para o futuro das pessoas
surdas, mas neste preciso momento, na América assim como em
qualquer outro lugar, está longe de habilitar os surdos para se
confrontarem com os futuros desafios. Visto que os programas de
educação para as crianças surdas não têm tido bons resultados no
ensino do inglês, do qual, ainda hoje, depende a capacidade de
aprendizagem, os programas de educação já há muito ministrados e
que recorriam à linguagem gestual para instrução dos surdos,
reentram agora em vigor. Hoje em dia, o estudante finalista de nível
médio sai da escola com mais algumas habilitações e acaba por
exercer uma daquelas muitas profissões que estão a desaperecer a
um ritmo bastante rápido e cada vez exigem menos habilitações. Este
tipo de profissão está neste
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momento a ser substituída por trabalhos que exigem níveis
superiores de matemática, linguagem e capacidade de raciocínio*.
Para além disto, as escolas avaliam os números significativos de
estudantes surdos que são incapazes de atingir os resultados, mesmo
os mais baixos, estabelecidos para eles pelas escolas, as quais
colocam estes estudantes nos chamados programas de vivência
prática, que não são mais do que um eufemismo para a sua vivência
quotidiana. Na Grã-Bretanha, metade de todos os estudantes surdos
acaba a escola sem nenhumas habilitações acadêmicas; dois terços
estão em empregos que exigem muito poucas ou nenhumas
habilitações. Muitos professores americanos crêem que o nível
secundário é o nível mais elevado que os surdos são capazes de
atingir; para os professores franceses, mesmo este parece ser
impossível de atingir; por fim os professores do Burundi duvidam que
as crianças surdas sejam capazes de tirar algum proveito da
educação primária. O sistema da educação especial determina aquilo
de que a criança é capaz; a criança não o faz. A juventude surda não
só está vocacionalmente mal preparada pelo sistema audista, como
também é privada do seu próprio desenvolvimento pessoal normal e
da aculturação que lhe permitiria prosperar no casamento, na
comunidade, na recreação e em todos os aspectos de uma vida bem
estruturada.
Em 1986, o Congresso norte-americano criou uma comissão para
analisar a educação das crianças surdas. Após dois anos de
descobertas e testemunhos de líderes surdos, pais, professores e
outros, a comissão concluiu: «Nos Estados Unidos, a actual situação
da educação para pessoas que sejam surdas é insatisfatória e,
consequentemente inaceitável.» De igual modo, uma comissão
nacional de carácter semelhante chegou à mesma conclusão há 23 e
anos atrás. O sistema educacional audista tem conseguido resistir a
alterações significativas dos seus métodos baseados no inglês e dos
seus valores baseados nos dos ouvintes, não apenas durante os
últimos 25 anos, mas durante os últimos cem anos.
Segundo uma perspectiva histórica, a evolução do programa audista
respeitante a uma aprendizagem forçada dos ouvintes decorreu,
passando por cinco fases distintas:
• Oralistno. A primeira fase, como já referi, foi o último movimento
do século XIX para acabar com as linguagens gestuais e com os
professores surdos nas escolas de bairro em favor das linguagens
orais e dos professores ouvintes. Estas medidas tiveram um sucesso
total. Quase sem excepção, hoje não se vê a ASL em nenhuma sala
de aula das escolas americanas para crianças surdas, a BSL nas
escolas britânicas, nem a Linguagem Gestual Alemã (German Sign
Language) nas escolas alemãs, etc.. Um estudante americano surdo
que frequentou a escola secundária nos anos 1980 declara: «Se
tentássemos gesticular, batiam-nos nas mãos.»
Com a maioria das crianças surdas nas escolas que ficaram surdas
antes dos três anos, o esforço para as ensinar a falar de um modo
que fosse perceptível e a ler os lábios era inevitavelmente inútil e, a
criança treinada sob o ponto de vista oral, estava certa de ser de
facto deficiente. Uma grande parte da sala de aula era responsável
por tentar fazer com que a criança conseguisse falar. De facto,
muitas escolas tornaram-se em clínicas da fala. Os professores
ouvintes de alunos surdos, normalmente não tinham instrução em
determinadas áreas acadêmicas porque nenhuma
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delas podia ser totalmente ensinada às crianças surdas sob o regime
oralista. A experiência escocesa serviu de exemplo: «Sem o benefício
de possuir uma linguagem gestual que se transmita de geração para
geração, embora de um modo não oficial», o líder surdo, A. Murry
Holmes escreve, «os finalistas surdos quando iam aos clubes locais
dos surdos eram incapazes de terem uma conversa coerente com os
seus amigos, os quais eram fluentes na linguagem gestual. Devido ao
facto de os estudantes não terem práticas de vivência e apesar de
não terem problemas comportamentais, os voluntários que trabalham
com os surdos acham cada vez mais difícil arranjar- -lhes um
emprego remunerado».
No Japão, os líderes dos surdos contaram-me que a ligação dos
professores audistas ao oralismo e à supressão da Linguagem Gestual
Japonesa 0apanese Sign Language) tem sido tão longa e profunda
que muitos finalistas surdos sentem-se frustrados no seu desejo de
comunicar com os adultos surdos, de participar na vida da
comunidade, de conviver e de encontrar uma mulher com quem
casar. O líder do Clube dos Surdos de Osaka contou-me que os seus
membros chegaram à incrível conclusão de que, pela primeira vez na
história da comunidade surda japonesa, as pessoas surdas mais
velhas tinham de ensinar aos mais novos a JSL.
Escolas Diurnas (Nota estrela). Numa segunda fase da aprendizagem
forçada, estabeleceram- -se escolas diurnas a nível nacional no início
deste século, para que as crianças surdas pudessem viver em casa
um ambiente onde é predominante a linguagem oral. As aulas eram
leccionadas em inglês oral, esperando que a criança surda não
aprendesse a linguagem da comunidade dos surdos e não casasse
com outra pessoa surda; mas quase todas elas aprenderam a ASL e
casaram com outra pessoa surda, a qual encontraram na escola, no
clube dos surdos ou através de amigos, acabando por entrar para a
comunidade dos surdos. Muitas destas escolas eram na realidade
pequenas classes de crianças surdas nas escolas normais para
ouvintes; por isso o movimento da população contemporânea e
integração das crianças surdas no seio das escolas para ouvintes, já
se efectuavam, embora em pequena escala, desde o final do século
passado.
• O domínio do inglês. A terceira fase, o domínio do inglês (ou
francês, alemão, etc.) foi reforçado pelo incentivo da sua utilização
em todas as formas de comunicação na sala de aula: soletrar, leitura
dos lábios, inglês escrito, oral, discurso oral acompanhado por gestos
e inglês gestual. Esta fase é dominada pela onda dos programas de
comunicação total que teve início nos anos 1970. Na teoria,
«comunicação total» significa que o professor recorre a todos os
meios de comunicação disponíveis para comunicar com os alunos
surdos: linguagem gestual, soletrar com o alfabeto gestual, escrita,
fala, pantomima, desenhos, etc.. Na prática, «comunicação total»
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significa apenas que o professor pode acompanhar o seu inglês falado
com alguns gestos, caso conheça alguns, da ASL. Ocasionalmente, o
professor quando fala «grita» um gesto, ou seja, gesticula um
substantivo de fácil compreensão ou um verbo se souber, mas numa
ordem errada e sem usar a gramática difícil da ASL, a qual requer
correspondência no espaço, em número e em forma, etc.. O professor
ao gesticular, ao mesmo tempo que fala, tem a ilusão de que se faz
compreender, tal como um piloto num simulador, cuja percepção lhe
diz que está a aterrar um avião apesar, de na realidade, quando visto
do lado de fora, estar ainda a voar sem rumo.
A maioria dos programas de educação americanos para as crianças
surdas afirmam que estão a usar o método chamado comunicação
total. Os restantes programas usam o inglês oral na sala de aula ou
um dos sistemas recentemente inventados tal como os gestos
metódicos de Epée, ou a linguagem gestual inglesa*. Os linguistas,
Robert Johnson e Scott Liddell, da Universidade Gallaudet salientam
que os professores de estudantes ouvintes nunca dizem que o
método a que recorrem para ensinar ciências, história, ou
matemática é o «inglês»; todavia, «comunicação total» é a resposta
habitual a perguntas sobre a metodologia dos programas para
crianças surdas. Esta é outra das indicações que mostra que a
educação não é a preocupação das salas de aulas para crianças
surdas; o inglês é. O que é essencialmente uma questão de opressão
cultural e linguística tem sido remodelada como uma questão de
metodologia. Os educadores audistas tentam o mesmo jogo de mãos
quando caracterizam as lutas já muito antigas, seculares, entre a ASL
e o inglês como a «controvérsia oral- manual» ou a «disputa de
métodos difíceis». A recusa francesa do Breton nas escolas, ou a
recusa britânica do Guajarati, não é uma disputa metódica, mais
importante do que a rejeição americana da ASL; é uma questão de
cultura, política e história.
Como os seus fracos resultados demonstraram, as escolas que se
sujeitaram à comunicação total transmitem muito pouco a muito
poucos. Quase 15 anos de comunicação total e o perfil
desencorajador do sucesso acadêmico dos surdos na América não
sofreu alterações significativas. A iniciativa americana respeitante à
comunicação total foi seguida por muitos países de todo o mundo,
mas salvo raras execpções, não criaram espaço na sala de aula para
as suas linguagens gestuais indígenas e a prática não teve sucesso na
educação das crianças surdas. Os líderes surdos que pensaram
erradamente que a comunição total basear-se-ía menos na língua
nacional oral do que no «puro» oralismo da primeira fase e que
abriria as portas da sala de aula para a linguagem manual estavam
profundamente enganados. É simplesmente impossível utilizar,
simultaneamente, duas linguagens, por isso o professor ouvinte
sujeita a linguagem manual à linguagem oral, omitindo a rica
morfologia da linguagem gestual e trocando a ordem dos gestos,
tornando consequentemente, a mensagem gestual quase
imperceptível às crianças surdas e sem nenhuma ordem gramatical;
também a fala é distorcida e o seu ritmo diminuído em razão deste
duplo desempenho. No entanto, o professor que tem alunos que
falam inglês e alunos que comunicam em ASL, mas que não tem
nenhum intérprete na sua sala de aula é obrigado a usar este método
totalmente inadequado ou repetir as mesmas coisas duas vezes.
Há já mais de um decênio, que os líderes surdos na Inglaterra,
Alemanha, França, Itália, Japão e em muitas outras nações, as quais
permaneceram na Idade
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Média do oralismo olhavam para os programas de comunicação total
americanos com inveja. Agora conhecem-na melhor. Contudo,
concebo a possibilidade de que a comunicação total possa ser um
meio necessário no caminho desde o oralismo à educação bilingue
das crianças surdas na América.
• Corrente Principal. Na quarta fase de assimilição forçada, a minoria
tem sido incrivelmente dispersa ao colocar-se as crianças surdas em
escolas afastadas para crianças ouvintes. Apesar da integração
forçada das crianças surdas realizada em França e na Alemanha, no
decorrer do século passado, ter tido um grande insucesso em ambos
os casos, assistiu-se em 1977* a uma nova tentativa nos Estados
Unidos da América. Esta tendência para a integração forçada está
agora a ser concretizada na Grã-Bretanha, no continente europeu e
em todo o mundo.
• Cirurgia. Finalmente, um modelo médico orienta de um modo cada
vez mais intenso as relações das pessoas ouvintes e das pessoas
surdas, na tentativa da maioria, respeitante, à resolução de questões
sociais pela rejeição da sua existência. Com o título: Cochlear
Implants - Oralism's 'Final Solution'?
• A British Deaf News criticou severamente o Congresso Internacional
sobre a Educação do Surdo de 1985 devido à sua preocupação
respeitante aos implantes cocleares. Os implantes cocleares não são
a solução para a questão social; em conjunto com outras próteses,
são um instrumento para a vida, um entre muitos outros, adequado
para alguns mas não para todos. O facto de serem apresentados
como um aparelho que cura todos os surdos e de serem adoptados
pelos educadores, evidencia uma vez mais o programa central da
assimilação forçada e a rejeição da diferença.
Apesar de serem ainda poucas as crianças que foram sujeitas ao
implante, a maioria das crianças surdas na América está agora a ser
integrada, embora de um modo forçado, no seio da sociedade
americana ouvinte. Aproximadamente três quartos de oitenta mil
crianças surdas nos Estados Unidos vão agora para as escolas locais
de crianças ouvintes e as escolas especializadas para as crianças
surdas estão a ser encerradas ou a servir novas populações, tais
como crianças sofrendo de várias deficiências*.
A designação «corrente principal» engloba um tão vasto leque de
programas educacionais que, tal como a designação «comunicação
total», as pessoas com crenças diferentes à cerca da educação das
crianças surdas podem ser levadas a reforçá-la. Em algumas escolas
urbanas, existem turmas de crianças surdas, agrupadas segundo os
seus níveis de conhecimento, sem qualquer contacto com as crianças
ouvintes, apenas com a excepção das únicas turmas de arte e de
desporto. Geralmente, estas turmas «independentes» só são viáveis
numa escola pública - estão implementadas em escolas
prefabricadas, em edifícios isolados, antigos ou em caves. Por outro
lado, em áreas com uma densidade populacional inferior, as crianças
podem não ter com quem comunicar; é obrigada a «desembaraçar-
se» numa turma de crianças ouvintes em lições particulares
ocasionais com apenas algumas crianças surdas de diferentes idades
e capacidades. A maioria das crianças surdas frequenta escolas onde
existem apenas uma ou duas crianças surdas.
Em algumas aulas, pode ser fornecido um intérprete de ASL para a
criança surda da corrente principal; mas muitos destes intérpretes
não têm habilitações sufi
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cientes para abranger todo o conjunto das disciplinas escolares
requeridas e são poucos os diplomados. Muitas comunidades não
podem recrutar nem pagar intérpretes qualificados. Na América são
muito poucas as escolas que seleccionariam uma enfermeira, um
terapeuta, ou um audiologista sem um certificado; no entanto,
quando se trata de encontrar um intérprete de ASL, o nível de
exigência é bastante mais baixo. Então, também, a criança que
depende de um intérprete não tem nenhuma, ou quase nenhuma,
ligação com o professor. Para além disto, a criança deve fixar o olhar
no intérprete por longos momentos, enquanto que os acontecimentos
na sala de aula se desenrolam, de um modo adequado para os seus
colegas de turma ouvintes: os mapas são expostos, os diapositivos
são projectados, os quadros de números são accionados e, enquanto
o professor fala, o intérprete interpreta e a criança surda não pode
nunca desviar o olhar do intérprete.
Inserida num meio ouvinte, onde se fala inglês, a criança surda,
frequentemente, afoga-se na corrente principal.
«Eu já vivi ambas as experiências, no seio de uma população ouvinte
e numa escola para surdos» declarou Jesse Thomas, aluno do oitavo
nível, ao National Council on Disabilties. Em primeiro lugar explicou,
«eu não sou incapaz, sou apenas surdo» e depois deu as suas razões
para ser contra a integração forçada: «A aprendizagem através de
um intérprete é muito difícil; é desvantajoso sob ponto de vista
social, quando inseridos numa sociedade maioritariamente ouvinte; a
criança é sempre apontada, não se sente na sua própria escola,
nunca conhece adultos surdos, não se sente inserida, não se sente
confortável na sua condição de surdo.» São estes os resultados dos
inquéritos a estudantes surdos universitários que frequentaram
escolas secundárias de tipo corrente principal para ouvintes ou
escolas primárias. Um estudo declara que: «Quase todos os
informantes descreveram a sua vida social em termos de solidão,
rejeição e descriminação social.» Para se inserir o melhor possível
numa classe para ouvintes, a criança surda esconde o seu aparelho
auditivo, finge que compreende as lições, quando na realidade não
compreende, copia os trabalhos dos outros alunos, raramente faz
perguntas na sala de aula ou se voluntaria para respondê-las, fala o
menos possível com os estudantes ouvintes, ou até mesmo com os
estudantes surdos. Uma criança, tentado inserir-se na sociedade,
escreve: «detesto que as pessoas saibam que sou surda.»
A integração na corrente principal é uma parte de um grande
movimento nos Estados Unidos que retirou de instituições do Estado
várias crianças e adultos com deficiências físicas e mentais. «A
desagregação», como era designado o movimento, foi acompanhado
pela promessa de estilos de vida mais normais para todos e de mais
serviços na comunidade para quem deles precisasse. Acima de tudo,
existe o consenso de que a promessa não foi cumprida, nem sequer
talvez, por motivos que incluíssem a alteração da política de custos
de manutenção. É menos dispendioso colocar uma criança surda na
escola local, mesmo com um departamento para serviços especiais,
como por exemplo um professor especial itinerante ou um
departamento de recursos, do que fornecer educação numa
instituição local.
As crianças surdas eram por isso, indiscriminadamente, excluídas da
corrente principal, quase todas eram crianças previamente
«institucionalizadas». As antigas
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instituições eram não só onerosas, como também aceitavam muito
mais crianças com deficiências físicas e mentais do que aquelas que
na realidade tinham necessidade de lá estar, promovendo uma
dependência e uma liberdade restrita sem qualquer outro tipo de
recompensa. Contudo, esta não era a verdade das escolas de bairro
para as crianças surdas. E verdade, que os elementos audistas destas
escolas «de uma minoria» diminuiam frequentemente as suas
responsabilidades, não podiam comunicar com eles e, como
professores, não eram eficientes. Contudo, a escola de bairro oferecia
algo de grande valor: linguagem, a capacidade para comunicar com
os outros seres humanos. Para a maioria das crianças surdas, vindas
de casas onde o ambiente é de ouvintes e onde não se sabe a ASL,
este facto constituía, na realidade um privilégio, tal como o era a
comunidade e a cultura que eles implementaram na escola de bairro.
Apesar da linguagem gestual não ser usada nas salas de aula, de
facto era frequentemente proibida, a escola não deixava de ser uma
comunidade gestual, onde o estudante surdo poderia obter ajuda
depois das aulas nos trabalhos de casa, participar em debates
relativos a matérias de carácter local, nacional e internacional, onde
poderia ser aconselhada, participar em actividades escolares,
desenvolver amizades com outros estudantes surdos, com
funcionários, e adquirir auto-estima enquanto pessoa surda*.
Nenhuma destas vantagens é acessível à criança surda numa escola
pública vulgar onde a ASL, os adultos surdos e a comunidade dos
surdos estão ausentes. Para além de tudo isto, nesta instituição não é
facultada à criança a aprendizagem de «mensagens indirectas» da
educação: as crenças expressas e ocasionalmente ensinadas,
sentimentos, atitudes e capacidades de integração na sociedade.
Visto que apenas um aluno em cada mil é surdo, não existe na maior
parte das escolas do conselho um número suficiente de crianças
estudantes surdos. Uma criança, tentado inserir-se na sociedade,
escreve: «detesto que as pessoas saibam que sou surda.»
A integração na corrente principal é uma parte de um grande
movimento nos Estados Unidos que retirou de instituições do Estado
várias crianças e adultos com deficiências físicas e mentais. «A
desagregação», como era designado o movimento, foi acompanhado
pela promessa de estilos de vida mais normais para todos e de mais
serviços na comunidade para quem deles precisasse. Acima de tudo,
existe o consenso de que a promessa não foi cumprida, nem sequer
talvez, por motivos que incluíssem a alteração da política de custos
de manutenção. É menos dispendioso colocar uma criança surda na
escola local, mesmo com um departamento para serviços especiais,
como por exemplo um professor especial itinerante ou um
departamento de recursos, do que fornecer educação numa
instituição local.
As crianças surdas eram por isso, indiscriminadamente, excluídas da
corrente principal, quase todas eram crianças previamente
«institucionalizadas». As antigas
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instituições eram não só onerosas, como também aceitavam muito
mais crianças com deficiências físicas e mentais do que aquelas que
na realidade tinham necessidade de lá estar, promovendo uma
dependência e uma liberdade restrita sem qualquer outro tipo de
recompensa. Contudo, esta não era a verdade das escolas de bairro
para as crianças surdas. E verdade, que os elementos audistas destas
escolas «de uma minoria» diminuíam frequentemente as suas
responsabilidades, não podiam comunicar com eles e, como
professores, não eram eficientes. Contudo, a escola de bairro oferecia
algo de grande valor: linguagem, a capacidade para comunicar com
os outros seres humanos. Para a maioria das crianças surdas, vindas
de casas onde o ambiente é de ouvintes e onde não se sabe a ASL,
este facto constituía, na realidade um privilégio, tal como o era a
comunidade e a cultura que eles implementaram na escola de bairro.
Apesar da linguagem gestual não ser usada nas salas de aula, de
facto era frequentemente proibida, a escola não deixava de ser uma
comunidade gestual, onde o estudante surdo poderia obter ajuda
depois das aulas nos trabalhos de casa, participar em debates
relativos a matérias de carácter local, nacional e internacional, onde
poderia ser aconselhada, participar em actividades escolares,
desenvolver amizades com outros estudantes surdos, com
funcionários, e adquirir auto-estima enquanto pessoa surda*.
Nenhuma destas vantagens é acessível à criança surda numa escola
pública vulgar onde a ASL, os adultos surdos e a comunidade dos
surdos estão ausentes. Para além de tudo isto, nesta instituição não é
facultada à criança a aprendizagem de «mensagens indirectas» da
educação: as crenças expressas e ocasionalmente ensinadas,
sentimentos, atitudes e capacidades de integração na sociedade.
Visto que apenas um aluno em cada mil é surdo, não existe na maior
parte das escolas do conselho um número suficiente de crianças
surdas para implementar um programa eficaz com professores com o
necessário nível de instrução, um grupo de elementos surdos com
bastantes elementos de várias idades e actividades extracurriculares.
A única alternativa plausível às escolas de bairro para crianças
surdas, são os programas regionais, mas as crianças para terem
acesso a estes programas passam tanto tempo no autocarro como
nas salas de aula, diminuindo o tempo de que poderiam dispor para
as actividades extracurriculares, para os trabalhos de casa e para as
suas famílias. A piorar toda esta situção, é muito provável que os
seus amigos surdos vivam longe deles.
Visto que as condições na escola local pública para o desenvolvimento
social e emocional da criança surda são bastante fracas, estará a
criança a receber uma melhor educação nos «três Rs»?(Nota estrela)
De maneira nenhuma. Os primeiros boletins escolares referentes à
integração das crianças surdas mostram que não houve nenhum
melhoramento no seu fraco inglês ou na matemática devido à
tentativa de integrá-las na sociedade, apesar das primeiras crianças
que foram integradas fossem crianças com um melhor nível de
discurso e de audição e, as habilitações acadêmicas dos seus
professores fossem geralmente superiores às dos professores das
escolas de
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bairro. Na realidade, existem algumas evidências que mostram que
quando os níveis de sucesso estão estatisticamente correctos no que
respeita às diferenças na constituição das organizações dos
estudantes surdos nas escolas de bairro e nas escolas do conselho, a
criança surda na escola para ouvintes do conselho está em
desvantagem acadêmica*.
As crianças surdas que fazem o seu melhor nas escolas - da corrente
principal ou do bairro - constituem os fortunados 10 por cento que
aprenderam a ASL, como língua nativa, através dos seus pais, os
quais constituem o núcleo da sua mioria linguística. Estes falantes
nativos da ASL obtêm melhores resultados do que os seus colegas
surdos vindos de casas de ouvintes em quase todas as disciplinas,
incluindo a leitura e a escrita do inglês - um êxito conseguido que se
toma ainda mais notável quando sabemos que provêm de casas
pobres, o que geralmente constitui uma desvantagem e, que as
escolas que frequentaram - do bairro ou da corrente principal - não
tiram vantagem das suas capacidades respeitantes à sua linguagem
nativa*. As crianças surdas que vão para a escola com
conhecimentos de ASL têm mais facilidade na adaptação, no convívio
social e têm atitudes mais positivas do que os seus colegas que não
tiveram acesso a uma comunicação eficaz*. Chegam-nos, também,
de outros lados descobertas semelhantes. Em Israel, as crianças
surdas, filhas de pais surdos tiveram melhores resultados do que as
filhas de pais ouvintes na compreensão da leitura, desenvolvimento
emocional, auto-imagem, e na iniciativa de comunicação; na Grécia,
tiveram melhores resultados na comunicação expressiva e receptora
e na leitura dos lábios; na Dinamarca, elas comunicavam mais
eficazmente com os amigos, também estes surdos*.
O melhor desempenho das crianças surdas, filhas de pais ouvintes,
evidencia quais as alterações prioritárias que devem ser feitas na
educação das crianças surdas: nomeadamente, o regresso à
linguagem gestual, aos professores surdos e aos administradores
surdos para a direcção das escolas de bairro, ou seja, aos métodos
empregues no século passado, quando as cianças surdas estudavam
todas as matérias na linguagem, em que eram mais fluentes, a ASL.
Estas alterações têm sido apoiadas pela própria comunidade dos
surdos. «Como poderemos, alguma vez, aprender a enfrentar
situações difíceis como as pessoas surdas, sem as experiências
partilhdas de todas as outras pessoas surdas que estão à nossa
volta?» Pergunta um líder surdo da Califórnia, criticando a integração
forçada na corrente principal. «Ela garante a emergência de um
adulto surdo com sérias dúvidas sobre a sua personalidade. Como
pode uma criança, provavelmente, com dificuldades na leitura e,
quase de certeza, intimidada pela atmosfera, por vezes, hostil e de
difícil concentração da sufocante sala de aula, aprender
confortavelmente com o auxílio de um intérprete (possivelmente com
as habilitações mínimas) e sem o contacto directo com o professor?
Para mim é confuso saber que os pais destas crianças permitirão tudo
isto.» Contudo, os pais são mal aconselhados pelos especialistas, que
em qualquer caso, ignoram completamente os seus desejos.
É colocado, pelos ouvintes um outro obstáculo à revitalização e à
expansão das escolas de bairro e de outros programas especializados
para crianças surdas e, para todos aqueles que tenham deficiências.
Agora que os defensores dos direitos das
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pessoas deficentes conseguiram obter a tão merecida integração das
crianças com deficiências físicas e psicológicas nas escolas públicas,
receiam que o ensino à parte das crianças surdas, que pertençam a
uma minoria linguística, possa criar um precedente para um recuo
das crianças deficientes a um meio, onde não se conseguem inserir
naturalmente; esta é a razão pela qual tais defensores fizeram uma
grande campanha em 1990 para o encerramento da Escola
Americana para Surdos em Hartford, Connecticut. Os líderes surdos
do resto de país, sentindo-se ultrajados com esta agressão à mais
antiga escola de bairro americana, a qual já instruiu tantos outros,
contra-atacaram. Tal desacordo entre os líderes da comunidade dos
surdos e o movimento reivindicativo pelos direitos dos deficientes,
surgiu apenas porque nenhum dos grupos tem controlo sobre o seu
destino, tentando por isso persuadir um terceiro grupo, os ouvintes,
os especialistas não deficientes, cuja incompreensão é por todos
receada.
Todos os defensores dos direitos das crianças com dificuldades de
aprendizagem estão de acordo com aqueles que no sistema audista
acreditam que a educação sem assimilação é um fracasso e que esta
assimilação só pode ser forçada*. Este é o conselho que muitos pais
ouvintes querem receber, já que compreensivelmente preferem ter o
seu filho perto de si, em casa. De acordo com a Comissão para a
Educação do Surdo, o propósito da lei de colocar todas as crianças
deficientes em ambientes o menos restritivos possível, foi mal
interpretada ao ter sido considerada como uma medida de integração
forçada para todas as crianças surdas nas escolas locais, onde o
ambiente é precisamente mais restritivo para estas mesmas crianças
dadas as barreiras sociais e de comunicação aí existentes.
O Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu que quando o
Congresso aprovou a Lei de Educação para todas as crianças
Incapacitadas, em 1975, reconheceu que «classes normais
simplesmente não eram o local adequado à educação de muitas
crianças deficientes», sendo por isso necessário estabelecer
colocações alternativas. O Código de Regulamentos Federais ao
introduzir a Lei de Educação para Todas as Crianças Incapacitadas
requer igualmente que a colocação nas escolas seja feita de modo
«apropriado», que todas as possíveis consequências prejudiciais para
a criança têm de ser consideradas, e que uma criança pode ser
transferida de «classes normais» quando a sua educação não pode,
de outro modo, atingir um grau satisfatório. Em 1988, um juiz decidiu
que «a integração forçada que interfere com a aquisição de
capacidades linguísticas fundamentais é pura insensatez tomada por
sabedoria». Mas os departamentos de educação federais e estatais e
os conselhos directivos das escolas locais, frequentemente
encorajados pelo sistema audista, têm largamente ignorado
determinadas cláusulas da referida lei, leis federais e as decisões do
tribunal quando uma total aquiescência favorece a colocação de uma
criança surda num programa especializado junto de outras crianças
surdas.
Assim como muitas mães de brilhantes crianças utilizadoras de ASL, a
mãe de Jesse Thomas apelou ao esforço dos órgãos administrativos e
pedagógicos da sua escola local para que inserissem o seu filho numa
escola local para surdos; ela concordava com o desejo do seu filho de
ser integrado numa escola estatal para crianças surdas. (Porque ela é
ouvinte e não poderia ser um modelo de linguagem manual
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para o seu filho, a Sr. a  Thomas já tinha feito ponto de honra na
colocação do seu filho na companhia de outras crianças surdas assim
como de adultos, desde a sua infância.) Os especialistas locais
reinvindicaram saber o melhor para Jesse em detrimento de sua mãe,
e ela perdeu o seu recurso. Os professores e administradores têm os
seus próprios meios para conseguirem manter os pais afastados,
apesar da lei exigir a participação destes na decisão da aplicação do
Programa de Educação Individualizado aos seus filhos. Esses métodos
incluem a omissão da informação, a apresentação de questões de
maior interesse como sendo questões de menor interesse, limitação
de assuntos sobre os quais os pais poderiam ter algo a dizer,
identificando de forma autoritária a fonte de problemas, como sendo
a criança e não a escola, a escolha do momento, local, modo e da
linguagem, nos quais será realizado o debate. Embora, o julgamento
dos profissionais possa ser baseado nas diferenças sociais, nos
estéreotipos, nos resultados imprecisos dos testes, ou numa
incapacidade de comunicação com a criança, muitos pais são
intimidados, sobretudo se pertencerem a uma minoria étnica. Ambas
as partes acreditam que os pais precisam mais do profissional do que
o contrário.
Os especialistas dão conselhos, que não são mais do que exigências
para a confirmação do seu julgamento. Os pais nunca são convidados
a colaborarem na elaboração de qualquer plano, apenas lhes é pedido
que aceitem o plano dos audistas. Para além disto, os pais são
encorajados a não agirem por recearem que as suas reivindicações
tenham eventuais repercursões prejudiciais para o seu filho. No
entanto, os pais determinados e com alguns recursos conseguem, por
vezes, vencer o sistema. A Sr.a  Thomas teve conhecimento de um
condado que inseriu as suas crianças surdas, exclusivamente, em
programas orais. O casal Thomas, tendo recebido a informação de
que esses programas não aceitariam alunos que utilizassem a ASL,
mudaram-se para esse condado. Tal como esperavam, os
administradores do programa não admitiriam a sua filha Jesse e não
viram outra alternativa senão enviá-la para a escola local do estado
para crianças surdas.
Quando Susan Dutton, que é surda, se mudou com o seu filho surdo,
Mark para Harveys Lake, Pensilvânia, o rapaz foi colocado numa
escola local, numa classe de crianças com necessidades especiais, de
idades compreendidas entre os 8 anos e os 18 anos. Mark era fluente
na ASL, mas nenhum dos professores ou alunos era capaz de
gesticular. Existia um «intérprete auxiliar» presente, que tinha
completado um ano de estudos sobre a linguagem gestual. Quando a
escola organizou uma conferência para formular o Plano Educacional
Individualizado de Mark, a Sr. a  Dutton não tinha na sua companhia
um intérprete e foi-lhe dito que «apesar dos meus desejos, do meu
direito na qualidade de pai para decidir o que é melhor para o meu
filho, Mark deveria permanecer na escola local e ser integrado nas
turmas do quarto nível, juntamente com os estudantes ouvintes dois
anos mais novos do que ele». A Sr. a  Dutton recusou assinar o PEI,
visto que naquela escola faltavam colegas surdos, cultura e papéis
padrão relativos à surdez e a comunicação não era eficaz. Foi
organizada uma conferência de ouvintes para que a Sr. a  Dutton
expusesse o seu problema perante o superintendente assistente da
escola: «Nenhum intérprete estava presente, não houve nenhum
debate, o superintendente assistente compareceu nesta conferência
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 já com a decisão tomada, a qual me foi comunicada por escrito e que
evidentemente era a favor da integração». A Sr.A Dutton consultou
um advogado e foram realizadas audiências, durante nove noites
consecutivas, perante o oficial de audiências do Departamento
Estadual de Educação da Pensilvânia. O advogado da escola do
concelho argumentou que a integração era o meio menos restritivo
para Mark Dutton. O advogado de Susan e de Mark juntamente com
vários estudantes argumentaram por sua vez que a escola local era o
local mais restrictivo para a educação de Mark, visto que ele não
conseguiria compreender os professores nem os colegas e, por sua
vez nem estes o conseguiriam compreender e nem a escola poderia
ajudá-lo a desenvolver a sua língua e cultura, sendo ele uma pessoa
surda. A opinião da escola prevaleceu, mas o casal Dutton apelou à
decisão do oficial das audições e conseguiu ganhar a causa com o
auxílio de um grupo constituído por dois advogados e um educador,
os quais afirmaram que «a comunicação é a essência da educação» e
que o oficial das audiências tinha interpretado mal a lei. Susan e Mark
sentiram um grande alívio ao verem que os seus anos de luta e
dinheiro gastos não foram em vão, até ao momento em que se
aperceberam que a escola do concelho pediu recurso ao tribunal
federal, o qual foi feito, aquando da elaboração deste livro; razão
pela qual não possuo mais informação sobre o sucedido.
Confrontados com a tragédia da integração forçada na Grã-Bretanha,
os membros da União Nacional Britânica dos Surdos culparam
formalmente o seu governo pela violação da Convenção das Nações
Unidas sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Este
tratado proíbe as agressões mentais às crianças pertencentes a um
grupo étnico e, proibe a sua transferência forçada para outro grupo.
De acordo com esta organização de surdos, a integração forçada
prejudicará gravemente «não apenas as crianças surdas como o total
direito destas crianças à linguagem e à sua cultura». A sua já
publicada Carta dos Direitos do Surdo estabelece que «as escolas
para surdos estão, de facto, a ser forçadas a fechar e,
consequentemente, as crianças de um grupo pertencente a uma
minoria étnica/linguística, ou seja, as pessoas surdas estão a ser
transferidas, de um modo forçado, para outro grupo, ou seja, o grupo
dos ouvintes», em violação à convenção das Nações Unidas.
Há já aproximadamente um século, foi dito aos pais de crianças
surdas que as colocassem em programas especializados que lhes
ensinariam a falar e a ler os lábios; em casa, os pais tinham como
função exercitar o seu filho na fala e nunca mais deixá-lo fazer um
ínico gesto; no entanto há 15 anos foi dito à maioria dos pais que os
seus filhos podiam fazer gestos soltos, ao mesmo tempo que falam. A
alguns foi dito que o inglês expresso na linguagem gestual através de
gestos verdadeiros e de gestos inventados concedia-lhes a grande
esperança de que o seu filho adquirisse o domínio do inglês. Há 10
anos, foi dito aos pais que colocassem os seus filhos nas escolas
locais para ouvintes. Agora é-lhes dito, de um modo insistente, que
uma operação ao ouvido da criança associada a exercícios orais e
sem qualquer gesto é a melhor esperança. Se a escola local não pode
fornecer exercícios suficientes da fala e da audição, talvez então, os
pais tenham necessidade de inscreverem os seus filhos em
programas especializados que os ensinem a falar e a ler os lábios; em
casa, os pais devem exercitar a fala do seu filho e nunca deixá-lo
gesticular. Por conseguinte,
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o conselho mantém-se num ciclo vicioso. Os audistas continuam a
alterar as regras porque eles têm o poder para o fazer, sempre que
uma versão do regime audista se torne num insucesso. Para além
disto, o fracasso de uma fase de assimilação forçada, longe de
arruinar o sistema e os seus princípios regulamentares, leva a uma
expansão do seu regime. Então, do mesmo modo, o sistema de
prisão oferece como uma resolução para os seus próprios males e
fracassos, justificando os vários fracassos da ciência social aplicada a
realização de mais pesquisas. O plano fundamental nunca é
questionado. Pelo contrário o biopoder estabelece como questão o
modo como melhor implementar os objectivos já determinados e
aceites.
Contudo, a comunidade dos surdos, mantém firmemente a uma única
verdade: a identidade dos surdos e, consequentemente a linguagem
e a cultura dos surdos. «Os métodos não se adquirem naturalmente
como as linguagens», escreve um linguista surdo M. J. Bienvenu,
«eles são inventados por indivíduos para determinados propósitos».
OS SURDOS SEM UMA COMUNIDADE DOS SURDOS
O Burundi fornece uma lição objecto sobre o que acontece aos surdos
quando estão isolados na sociedade, quando não conseguem conviver
nas escolas, nos clubes, em casa, nas associações e instruirem-se
mutuamente usando a linguagem um do outro. Existem cinco tipos de
instrução, consoante a fonte de mensagens educativas, que
transformam a criança num adulto instruído. Existem certas coisas
que aprendemos por nós próprios, aquelas que aprendemos com os
nossos colegas, pais, com a comunidade e com a escola. No mundo,
existem muitas crianças que não recebem este último tipo de
instrução, instrução formal, simplesmente porque não tiveram um
acesso físico a ela, ou porque - devido às mesmas razões - não têm
um acesso linguístico, uma vez que aquela instrução é efectuada
numa linguagem, a qual eles não conseguem compreender. Uma
criança sem instrução formal, geralmente, desenvolve-se para se
tornar num adulto opressivo, sob o ponto de vista econômico, mas
não no que é considerado débil mental. Tal criança recebe instrução
informal dos seus amigos, pais, da sua família e dos seus vizinhos.
Com sorte e talento, a criança pode tornar-se num líder da sua
comunidade, seja ela uma comunidade de ouvintes ou uma
comunidade de surdos.
Consideremos, no entanto, as dificuldades de uma criança surda, filha
de pais ouvintes e, que como a maioria, está sozinha na «corrente
principal» - instituição ouvinte. Para além da falta de acesso à
instrução formal, aquela criança não tem oportunidades para
comunicar com os seus amigos surdos e não consegue comunicar
com os seus pais nem com os seus vizinhos. A criança cresce e atinge
a idade adulta recorrendo à sua auto-instrução, que é a sua
(dele/dela) única fonte de instrução. Esta pessoa é, inevitavelmente,
considerada como um deficiente mental, sendo- -lhe assim atribuídos
determinados papéis sociais de acordo com a sua condição.
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Em 1986, viajei para o Burundi para determinar a base de uma
possível educação formal das crianças surdas daquele país. Durante o
percurso, visitei escolas para crianças surdas no Quênia, onde
encontrei Assumpta Naniwe, uma psicóloga e a mãe de um rapaz
surdo, que tinha parado em Nairobi, a caminho do seu nativo
Burundi; concordamos em reunir as nossas forças. Chegámos a
Bujumbura, a capital de Burundi na estação das chuvas e por isso a
vista do meu hotel, a nascente do rio Nilo, era uma vegetação
tropical, abundante, que chegava a atingir as margens do lago
Tanganica. Com o objectivo de encontrar pessoas surdas, deslocámo-
nos a uma missão protestante nos subúrbios da cidade que
providenciou algumas aulas para crianças surdas. No momento da
nossa chegada, a turma estava a progredir e, para o meu espanto, o
professor, na instrução da crianças, recorria à utilização de gestos da
ASL para facilitar a compreensão do seu francês oral.
O professor explicou-me em francês que ele e um colega passaram
três meses a estudar a educação dos surdos na Nigéria, sob a
orientação do Dr. Andrew Foster. Já tinha ouvido falar de Foster, o
primeiro afro-americano licenciado pela Universidade Gallaudet em
Washington, e dos seus anos de trabalho em África, dedicados à
formação de pequenas turmas para crianças surdas, em que as aulas
eram leccionadas pelos elementos da própria missão. Foi o próprio
Foster, surdo, que ensinou aos professores do Burundi um pouco de
ASL, pelo menos algum vocabulário, para que pudessem ensinar
alguns gestos às crianças surdas e assim comunicar com elas. A
capela que funcionava como uma escola para quatro turmas mas só
podia alojar duas turmas de cada vez (uma cortina de serapilheira
estava pendurada no meio a separar as duas turmas), por isso duas
tinham aulas de manhã e as outras duas à tarde. As crianças mais
novas, dos sete aos oito anos estudavam matemática e escreviam
francês, apesar do governo, tal como me foi dito, ter criticado a
escola por não ensinar, em primeiro lugar, os alunos a escrever em
kirundi, a língua nacional, como nas escolas vulgares. Nos graus
superiores, as ciências físicas e naturais foram acrescentadas aos
programas das escolas, e por último história e geografia.
Levei comigo um vídeo e filmei uma turma de geografia, as crianças
sabiam as localizações e os nomes dos estados vizinhos e
soletravam-nos rapidamente. Pedi para conhecer uma criança que
seguia todos os movimentos e que frequentemente levantava a mão
primeiro do que as outras; a criança tinha dez anos e chamava-se
Claudine Umuvyeyi, vinda de uma família com cinco crianças - dois
irmãos adolescentes, uma irmã mais velha e, um irmão mais novo -
quatro das quais são surdas.
Eu e Claudine conversámos recorrendo aos gestos da ASL, mas
seguindo a ordem francesa, como faziam os seus professores;
perguntei a Claudine se podíamos visitar a sua família e filmar a sua
gesticulação; ela ofereceu-se prontamente para nos levar lá, e
pusemo-nos a caminho. Já em casa de Claudine, Assumpta explicou à
Sr.a  Umuvyeyi, em kirundi, a razão da nossa visita. A mãe de
Claudine parecia estar na casa dos 40 anos. Como todos os burundis
de origem Tutsi, ela era alta e magra, a sua pele era bastante escura
e contrastava com o seu lindo e colorido vestido primaveril. Ela
pareceu-me tímida e distante e, frequentemente, desviava o seu
olhar do meu, tal como o faziam muitas mulheres que conheci no
Burundi. A Sr.a Umuvyeyi contou-nos que o seu quinto filho estava a
perder a audição, no entanto, tal como as
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outras crianças quando a sua surdez foi diagnosticada, ele não estava
ainda completamente surdo. A Sr. a  Umuvyeyi reparou que o seu
primeiro filho aos dois anos, ao contrário das outras crianças, ainda
não conseguia falar e, por conseguinte testou a audição do seu filho
com vários tipos de barulho e chegou à triste e inesperada conclusão
(o seu marido e todos os seus parentes eram ouvintes) que a sua
criança era surda. O seu segundo filho, aos dois anos já falava
fluentemente, mas subitamente, deixou de responder aos sons e,
gradualmente, foi perdendo as suas capacidades da fala. A mãe
estava desesperada.
A seu tempo, contudo, e especialmente com a vinda de mais duas
crianças surdas, desenvolveu-se um sistema gestual em casa. A Sr. a
Umuvyeyi era assim capaz de compreender tudo o que os seus filhos
lhe diziam nesta linguagem - as suas queixas, os seus pedidos, os
seus relatos - e eles percebiam tudo o que ela lhes dizia. Por isso se
viu obrigada a adaptar-se à situação, enquanto o pai, que nunca
aprendeu «os sinais da casa», nunca se conseguiu adaptar.
Em resposta ao meu pedido, a Sr. a Umuvyeyi disse à filha para ir ver
se os feijões que tinha posto ao lume já estavam cozidos. Claudine
obdeceu-lhe prontamente e voltou minutos depois, as suas mãos
gesticulavam. «Ainda não estão prontos», traduziu a mãe. Eu tinha
levados alguns desenhos comigo (um gato numa cadeira, e um cão a
saltar o arco), e pedi a um dos irmãos adolescentes para que
descrevessem, na sua linguagem, os meus desenhos aos outros
presentes e eles imediatamente assim o fizeram, enquanto Claudine
traduzia da ASL para os «sinais de casa»; em seguida perguntei aos
irmãos sobre os seus amigos, que na sua maioria eram surdos e
viviam nas redondezas. Talvez uma dúzia. Também os amigos já
tinham aprendido a linguagem gestual praticada em casa, apesar de,
obviamente, não serem tão fluentes como os anfitriões. Tentei
convencer os irmãos a considerarem a hipótese da criação de um
clube para surdos e descrevi-lhes como era um dos muitos clubes na
América.
Os irmãos fizeram-me uma pergunta (por intermédio de Claudine).
Quais as actividades comerciais praticadas pelos surdos na América?
Enumerei algumas e acrescentei que alguns surdos iam para a
universidade e que exerciam algumas profissões, apesar de terem
muitas dúvidas. Eles próprios trabalhavam para um alfaite na cidade,
«que os explora», acrescentou o pai, que entretanto tinha chegado a
casa, vindo do emprego, no qual trabalhava como secretário num
departamento do governo. Cumprimentei-o no seio da sua família:
dois filhos empregados, a filha mais nova na escola e a filha mais
velha, Christine, empregada numa instituição para deficientes. «Cinco
filhos surdos», afirmou. «Por vezes questiono-me: Porquê eu?» fez
uma pausa. «O que é que lhes vai acontecer? Será Christine capaz de
casar? Claudine deveria ir para a escola, mas já não há mais
turmas.» Tive de reconhecer que talvez se passem alguns anos antes
de ela poder continuar os seus estudos numa escola oficial do
governo para crianças surdas.
Os burundis têm um orgulho justificado na sua universidade nacional.
Eu fui ter com o reitor, a quem fiz a seguinte proposta. Com o
objectivo de implementar no Burundi uma educação formal para
crianças surdas, os professores teriam de ser instruídos. A Faculdade
de Psicologia e Ciências da Educação já providenciou muitos dos
cursos necessários. Se o reitor designar um finalista da faculdade e
tratar da
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transferência do candidato para Boston, a Universidade do Nordeste
providenciará uma bolsa de estudos para instruir aquela pessoa de
acordo com os métodos de ensino para as crianças surdas. O bolseiro
pode então regressar à faculdade para leccionar os cursos
suplementares de que os professores dos surdos necessitam; o reitor
concordou.
No dia seguinte conheci vários funcionários governamentais, que
apoiavam a nossa iniciativa e, em breve, a universidade tinha
indicado um candidato para eu entrevistar; Adolphe Sururu, um alto
e simpático director de liceu com 27 anos de idade, bastante
recomendado pelo deão da Faculdade de Psicologia, na qual se tinha
formado com distinção. Não demorou muito para que ficasse a
conhecer a inteligência e a dedicação deste distinto jovem e
preenchemos juntos os seus impressos de candidatura à Universidade
do Nordeste. Estávamos lançados numa grande aventura, que
poderia melhorar as vidas de pessoas surdas e ouvintes, dentro e
fora dos nossos países.
No início desta iniciativa, estávamos ansiosos por saber como era o
«terreno» em que se iria alicerçar a educação especial para surdos no
Burundi. Utilizando como referência a incidência de surdez em
crianças registada no Quênia, estimámos que, no Burundi, haviam
cerca de quatro mil crianças surdas em idade escolar. Pelo facto da
maioria das famílias se encontrar dispersa pelos campos do país,
onde consegue subsistir lavrando as suas pequenas parcelas de
terreno, e da maior parte das viagens ser feita a pé, duvidávamos da
possibilidade de encontrar uma comunidade de surdos que fizesse
uso generalizado de uma linguagem gestual. Na ausência desse
recurso, era difícil ver como é que as crianças surdas filhas de pais
ouvintes poderiam ter acesso a alguma instrução.
A minha colega do Burundi, Assumpta Naniwe, foi em busca de
algumas dessas crianças, bem como dos seus pais e parentes. Sem
que tal constituísse uma surpresa, descobriu que cada família tinha
desenvolvido os seus próprios gestos idiossincrásicos e «sinais
familiares». Com excepção daquelas que têm uma criança a
frequentar uma das duas escolas erguidas pelos missionários, as
famílias pareciam não ter qualquer linguagem gestual em comum,
pelo que, no final, Assumpta decidiu entrevistar os pais em kirundi,
registando discretamente a conversa num gravador.
Nesta sociedade virtualmente sem comunicação para muitas das
pessoas surdas, as 12 entrevistas feitas por Assumpta a pais de
crianças surdas revelam que os entrevistados, por força da sua falta
de conhecimentos, têm ideias erradas sobre as pessoas surdas e o
seu possível papel na sociedade. Como resultado comum destas
ideias infundamentadas, tanto os pais como a criança sofrem
bastante e comportam- -se de uma maneira inadequada. Duas
entrevistas representativas (traduzidas e resumidas) demonstram o
aviltamento da criança na falta da linguagem gestual e as
consequências profundamente habilitadoras da sua introdução. A
primeira entrevista teve lugar na choupana coberta por colmo de uma
mulher com uma filha surda, a quem chamaremos Jeanne, mas que é
tratada por Surdinha pelos seus pais e parentes. Na altura do registo,
Jeanne tinha trinta e poucos anos e um grande número de irmãos e
irmãs ouvintes.
«Quando vemos uma pessoa surda a andar pela rua», disse a mãe de
Jeanne a Assumpta, «pensamos que é perfeitamente normal, alguém
igual aos outros, mas, na
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verdade, não tem inteligência nenhuma. Temos de a alimentar, suprir
todas as suas necessidades, vesti-la; na verdade, temos de fazer
tudo por ela.» Assumpta perguntou-lhe se estava mesmo a querer
dizer que as pessoas surdas não tinham inteligência nenhuma.
«Infelizmente, sim», respondeu. «Acha que considero a minha filha
igual aos meus outros filhos? Uma filha em quem não se pode confiar
e que depende para tudo das outras pessoas?» Agora está na casa
dos 30 anos; as outras mulheres da sua idade têm três, quatro ou
mesmo cinco filhos; e ela - o que é ela? Anda sempre atrás de mim,
nunca casou, nem nunca poderá fazê-lo. Mas, sabe, não é que não
queira. Já fiz tudo o que era possível e imaginário para a impedir de
andar atrás dos homens.» Aqui, a mãe ri com embaraço. Assumpta
viria a saber mais tarde junto de um parente que a mãe tinha
obrigado a filha, contra a sua vontade, a abortar por três vezes.
«Sabe, os homens só pensam em divertir-se com ela; nenhum deles
considerou a hipótese de a desposar. Sabe como é, a Surdinha não
sabe o que significa ter filhos fora do casamento. Eu é que tenho de
pensar nessas coisas por ela.»
«Porque é que não lhe conta a história dos pássaros e das abelhas?»,
perguntou Assumpta.
«Mas como é que eu posso conversar com alguém que não fala?»,
replicou a mãe. «Diga-me, como é que se explica tudo isso a alguém
que parece viver noutro mundo?» Já é difícil com pessoas normais
que utilizam a mesma linguagem que nós, a quem se pode dizer o
que não presta, o que é muito mau e o que é bom e que, mesmo
assim, conseguem meter-se em problemas. Quanto mais com alguém
sem ouvidos nem inteligência...
«Dei-lhe pequenas tarefas», continuou a mãe da Jeanne tais com
«cozinhar, varrer, ou ir buscar água ao poço». Nunca podemos
confiar nela, mas como tenho mais filhos, posso pedir-lhes que
tomem conta dela. Depois das irmãs mais velhas terem casado,
Jeanne apercebeu-se de que nunca iria sair de casa. Na sua própria
linguagem explica que as irmãs arranjaram marido, tiveram filhos e
que ela nunca irá deixar a casa dos pais. «Só tenho problemas com
ela. Educar uma criança que nunca poderá ser normal ou encaixar-se
na nossa sociedade, é uma verdadeira perda de tempo.»
Assumpta perguntou-lhe porque achava que a filha não se
«encaixava na sociedade». «Quem pode ajudar uma mulher surda?»
respondeu a mãe, «assim que a vêem, as pessoas sentem pena dela,
só pena mais nada. Ela é minha filha e enquanto eu viver terei que
tomar conta dela, e quando eu morrer, é a família que irá tomar
conta dela, porém estou bastante preocupada com o seu futuro.»
A segunda entrevista foi feita à mãe de um rapaz chamado Vincent,
que é o mais velho dos quatro irmãos. Vincent tem 13 anos e anda
no 3.° nível de uma escola católica para crianças surdas. A situação
deste rapaz é bem diferente da situação da Jeanne, embora um e
outro sejam os únicos surdos na família. É notável, por exemplo o
facto da mãe ter começado a entrevista ao falar sobre a competência
em vez da incompetência. «Pessoalmente acho que devia haver um
trabalho que qualquer pessoa surda fosse capaz de fazer, ter uma
profissão; e tenho a certeza de que apesar da surdez ele faz bem o
seu trabalho. Por exemplo esta criança», disse apontando para o filho
que é surdo, «meteu na cabeça que um dia iria vender amendoins, e
eu deixei-o, porque quando ele mete uma coisa na cabeça, é
escusado tentar dissuadi-lo.
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Estava com receio, porque achei que ele não iria ser capaz de fazê-lo,
mas fincou o pé e conseguiu fazer bastante dinheiro. Se as outras
pessoas percebessem que ele pode fazer o mesmo que elas, se lhe
dessem trabalho, o Vincent poderia sair-se muito bem na vida».
Assumpta perguntou quem é que se intrometia no caminho de
Vincent, fazendo o que os ouvintes fazem. «Todos nós», respondeu a
mãe, «começando por mim. Não é que não o ame, mas porque tenho
receio daquilo que lhe possa acontecer. Repare, quando não se
consegue comunicar com ele, é difícil de saber o que se deve fazer.
Quando o Vincent quer vender coisas, eu tenho sempre receio. Fico
preocupada pelo facto de ele poder não ser capaz de contar o
dinheiro, ou pelo facto de o quererem enganar ou assaltar. Existe um
sem número de coisas que invade o coração de uma mãe, que sabe
quais os problemas do seu filho, ao passo que as outras pessoas
apenas o subestimam e o tratam como um idiota. Apesar de tudo, ele
é trabalhador, como já lhes disse. Tenho a certeza que no dia em que
ele arranjar trabalho como pedreiro, ninguém o irá voltar a
incomodar, por o acharem incompetente.»
«Mesmo assim diz-me que ele tem um pequeno e jeitoso negócio de
amendoins?», contrapôs Assumpta. Na gravação que fizemos pode
ouvir-se a mãe do Vincent rir com vontade. «Bem, este rapazinho
que é surdo, conhece bem o seu negócio e sabe o que quer. Portanto,
como já lhes disse, quando decide fazer qualquer coisa, ele faz, ou
caso não consiga fazer, tem ataques de fúria que nos assustam a
todos. Na verdade, quando ele reage assim, é conhecido pelo
alvoroço que faz e acho que ninguém se atreve a tocar-lhe com medo
de se magoar. Acho que é por isso que o seu negócio de amendoins
corre tão bem, toda a gente tem medo dele.»
«Então não acha qua as pessoas irão enganá-lo?», perguntou
Assumpta. «Enganá-lo! Não se preocupe com isso», retorquiu a mãe.
«Aprendeu a contar desde que foi para a escola. Sabe a diferença
entre uma nota de cem francos e uma de mil. Está bem ciente do
valor do dinheiro. Foi a partir dessa altura que começou o seu
negócio. Faz agora três anos que ele entrou para a escola e tenho a
sensação de que aprendeu bastante. Não me pergunte o quê, porque
apesar de eu saber ler, não entendo uma palavra do que eles
escrevem, mas apercebo-me que ele mudou muito. Aprendeu a ler,
contar e falar por gestos. Não entendo aqueles gestos, mas quando
ele está com os colegas, comunicam com os olhos, os braços e as
bocas. E bastante intrigante, mas mais ninguém os entende. Quando
caímos em nós, é a única situação em que eu vejo o Vincent
realmente "vivo"; ele brinca, conta anedotas, podemos ouvi-lo rir, ao
passo que connosco e os irmãos a única coisa que se ouve é o
ressoar de estalidos.»
Certamente que o Vincent vai ter uma vida melhor do que Surdinha,
a mulher surda da geração anterior. Vincent encontrou pessoas com
as quais pode comunicar. A linguagem gestual do Vincent, permite-
lhe aprender coisas elementares como comprar e vender com
dinheiro.
O Burundi é um país onde, por motivos geográficos e históricos, a
maioria das pessoas surdas envia aparentemente poucas mensagens
e recebe menos ainda. Também é um país onde a maioria das
pessoas surdas não é chamada pelo seu nome, mas pela designação
comum nyamuragi «surdinha» ou «estúpido». A palavra «surdo» em
kirundi está relacionada com a expressão «atrasado mental».
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As entrevistas com os pais das crianças surdas, esclarecem que
quando as pessoas ouvintes não podem comunicar com as pessoas
surdas, concluem que estas são atrasadas mentais e atribuem-lhes
papéis sociais para surdos, chegando mesmo a distinguir
características que consolidam essa crença. Além disso, o epíteto que
os surdos carregam, ou seja nymuragi, os modestos papéis sociais
que lhes são permitidos e as características comportamentais que os
distinguem, reforçam a crença na sua inferioridade mental.
Naturalmente esta sociedade não teve meios para proporcionar
ensino às crianças surdas.
No Burundi, os pais das crianças surdas, vêem na sua maioria os seus
filhos como fundamentalmente estúpidos. Ao falar da sua filha de 10
anos, Imelda explica que «uma criança surda não tem noção de
nada, temos de cuidar dela o tempo todo». À mãe de um rapaz surdo
de 16 anos chamado Pierre, afirmou: «sabemos que os surdos não
são inteligentes, só fazem o que lhes apetece e não compreendem as
consequências das suas atitudes». A mãe de Spès no dia em que se
apercebeu que a filha era surda disse: «foi o dia mais infeliz da minha
vida.» As pessoas diziam-me, em vão «uma criança é uma criança,
aceita-a tal como Deus te deu». «Eu podia fazê-lo, mas estava a
pensar no seu futuro e a interrogar-me se ela conseguiria sobreviver
sendo surda.» Ouviu falar em escolas para crianças surdas e disse,
«pergunto-me o que se pode ensinar a estas crianças, uma vez que
não são suficientemente inteligentes».
Assumpta pediu à mãe de um rapaz surdo para tentar imaginar, por
um instante, uma sociedade onde só existissem surdos. Esta
retorquiu: «Só pessoas surdas? Está a falar a sério? Que linguagem
poderiam ter? Não conseguiriam viver em conjunto, a sua inteligência
é demasiado limitada.»
A maioria dos pais destas crianças surdas, estabeleceram alguma
comunicação rudimentar com elas, mas é tão limitada que não
conseguem avaliar a inteligência dos seus filhos. E embora em alguns
casos, os vejam comunicar gestualmente e com facilidade com outras
crianças surdas, continuam a não ver a possibilidade deles tomarem
o seu próprio rumo. A mãe do Vincent, por exemplo diz que a única
situação em que o filho está realmente vivo é quando ele se exprime
gestualmente com os colegas, contudo ela própria não pondera a
possibilidade de aprender a linguagem gestual. Isto não é o resultado
de um mau conselho profissional ou de métodos errados praticados
nas escolas. Imelda começou a frequentar a escola missionária.
Agora a situação melhorou, a mãe de Imelda salienta que isso se
deve ao facto de lhe estarem a ensinar a linguagem gestual, «não os
conheço, mas sempre que vai para a escola, os amigos vêm ter com
ela, e haveria de vê-los juntos! Fazem todos aqueles gestos, riem
como nós - é um verdadeiro espectáculo! Compreendem-se tal como
você e eu.»
O Pierre também entrou agora para a escola. «Quando está com os
colegas, ele é uma criança totalmente diferente», afirma o pai. «Têm
a sua própria linguagem que aprendem na escola. Às vezes ensina-
me alguns gestos, mas eu esqueço-os depressa, em contrapartida os
irmãos sabem uma série deles. Falam uns com os outros e contam
coisas uns aos outros. Às vezes oiço-os rir e quando vou ver o que se
está a passar, vejo o meu filho surdo a fazê-los rir.» Didier, de 14
anos, tem três irmãos a quem ensinou alguns gestos. O pai refere:
«Agora as coisas estão muito melhores, ensinam a linguagem gestual
na escola. Por exemplo para dizer "pai ou árvore" (e demonstra
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através de sinais). E para cada coisa há um sinal. É realmente
interessante. Visto ser um rapaz com grande prontidão e que se dá
bem com toda a gente, quando chega a casa mostra-nos tudo aquilo
que aprendeu. Agora os irmãos conhecem todos esses sinais e para a
conversa diária que mantém, a comunicação deixou de ser um
problema.»
Eis como a mãe de Jeanne descreve a sua forma de comunicação
com a filha. «Desde que vivemos juntas, compreendemo-nos através
de alguns gestos, por exemplo para dizer que as irmãs estão casadas
(faz o gesto correspondente), para dizer que têm filhos (faz o gesto
de uma mãe a amamentar). Usa pequenos gestos comigo para eu
compreender, assim como com os irmãos. Por exemplo, o pai tem
barba, por isso quando quer falar dele, usa gestos que se referem à
barba. Desta forma se temos dificuldade em dizer o que queremos,
podemos por vezes adivinhar o que ela quer dizer. Não temos uma
conversa completa, porque isso é impossível de fazer com uma
pessoa surda, mas quando quero que ela vá buscar água, vou buscar
o vaso que ela costuma levar aponto para ele e com o meu dedo
aponto na direcção do poço. Deste modo ela fica a perceber que eu
preciso que vá buscar água. Consoante a sua disposição pode ir ou
não.»
Deste modo, os pais desconsolados encontram algum conforto nas
conversas gestuais dos seus filhos com os amigos e na sua
capacidade para orientar os seus filhos através da linguagem gestual.
Porém, não conseguem ver que os surdos apresentaram-lhes a chave
para o sucesso do futuro dos seus filhos - nomeadamente a
linguagem gestual; por outras palavras a afirmação da surdez em vez
da sua rejeição.
Se o Burundi está atrasado em relação à educação das crianças
surdas, os Estados Unidos também estão, pelo facto da maior parte
das mães e pais norte-americanos não fazerem melhor. Os pais
norte-americanos são mal orientados pelos especialistas e fazem
pouco uso ou quase nenhum das oportunidades enríquecedoras
proporcionadas pela imensa sociedade de surdos norte-americana,
bem como da sua longa herança e da sua linguagem tão rica. Não
tiram nenhuma lição da fluente comunicação manual dos adultos
surdos. Permitem que os filhos fiquem sem comunicar durante os seis
primeiros anos das suas vidas. Depois toleram ou encorajam um
plano de educação em que os filhos surdos ficam ainda mais isolados.
Assim, as crianças surdas norte-americanas estão geralmente
privadas de instrução paternal, social e convencional devido a uma
quebra na comunicação.
Nas semanas que se seguiram à minha visita ao Burundi, a animada
aluna surda que conheci primeiro e cuja família visitei, Claudine
Umuvyeyi, não saiu do meu pensamento. Parecia-me que Claudine e
as crianças como ela não faziam apenas parte do problema que me
propus aleviar, devem fazer parte também da solução. Os adultos
surdos e a sua linguagem manual devem estar ao serviço das escolas
para as crianças surdas do Burundi, contudo como é que isto pode
ser conseguido se não existem escolas onde estas crianças possam
ser educadas? Como pode a educação para surdos fazer-se por si
própria? Fui levado a escrever uma carta à mãe da Claudine,
pedindo-lhe autorização para deixar a filha viajar até aos Estados
Unidos, de modo a poder integrar-se na comunidade de surdos norte-
americana, continuar os estudos e tomar-se na primeira professora
surda para surdos no Burundi.
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«Eu sei que é difícil imaginar no Burundi um adulto que é surdo na
qualidade de professor.» Escrevi à mãe da Claudine. «Mas é apenas
nisto que eu lhes peço para reflectirem visto não poder existir no
Burundi uma educação para surdos bem sucedida sem a Claudine e
sem pessoas surdas como ela na qualidade de professores. Há, nos
Estados Unidos, evidências suficientes que demonstrem o facto de as
pessoas ouvintes, enquanto grupo, não conseguirem sozinhas, sem
que haja o envolvimento de pessoas surdas, de educar as crianças
surdas de forma bem sucedida.»
Como posso desacreditar a conduta das crianças surdas norte-
americanas e em seguida pedir à Claudine que venha para cá
aprender? Pelo menos numa coisa a educação que eu critico é
certamente melhor do que não ter nenhuma. Além disso, permitirá
que a Claudine seja credenciada e tenha o conhecimento e a
capacidade que necessitará para ter um bom emprego no seu país. E
embora a educação para surdos tenha falhado bastante durante
decênios quanto ao ensino das crianças surdas, conseguiu pelo
menos unir os surdos de forma a poderem aprender uns com os
outros acerca da escola, cultura, desporto e amor, isto é acerca da
vida. Na realidade os professores norte-americanos de hoje,
propositadamente ignorantes relativamente à linguagem dos seus
alunos surdos, isolaram cada vez mais as crianças surdas umas das
outras e enviaram a maior parte para escolas vizinhas onde o inglês é
apenas falado. Mas eu aperceber-me-ia de que a Claudine não fazia
parte de tal programa. A comunidade de surdos norte-americana
pode oferecer-lhe uma linguagem completamente desenvolvida,
ricamente estruturada, com bastante comunicação, amizade e
solidariedade e uma nova visão das possibilidades de vida para o
surdo que vive no campo.
Tal como no início do século XIX a ASL se desenvolveu a partir da FSL
(Linguagem Gestual Francesa) graças a Laurent Clerc, então também
talvez a BSL (Linguagem Gestual do Burundi) se desenvolva a partir
da ASL. Como também no século passado a linguagem dos surdos
que usava a ASL nas escolas de bairro era fundamental para o
desenvolvimento da comunidade de surdos norte-americana, então
talvez a educação para surdos no Burundi possa servir como um
objectivo para tal.
Na minha carta para a senhora Umuvyeyi escrevi que «nas leituras
que faço das minhas aulas de história para surdos na Europa e nos
Estados Unidos, levam-me a acreditar que deve ser dado aos surdos
o poder da autodeterminação, uma vez que só apenas há alguns
decênios os habitantes do Burundi afirmaram a sua própria
autodeterminação. As pessoas ouvintes podem trabalhar em conjunto
com colegas surdos desde que aprendam a sua linguagem e que
sejam constantemente cuidadosos em relação à doença do
paternalismo e desde que o seu poder de persuasão com os seus
colegas surdos lhes seja favorável.
O que tantos americanos surdos e ouvintes anseiam, mas não têm
conseguido alcançar, é uma relação de igualdade onde a diferença
seja apenas uma diferença, nem mais nem menos. Se os habitantes
do Burundi forem capazes de alcançar isto, ou seja surdos e ouvintes
viverem em conjunto numa base de respeito mútuo, poderão ser os
pioneiros da primeira escola para crianças surdas no seu país. Foi
assim que começou a educação para surdos há mais de 150 anos no
meu país, antes do seu grande impulso é claro. Um surdo
proveniente de França, Laurent Clerc, chegou e
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abriu a primeira escola em Hartford com uma colega ouvinte. Qual
será o primeiro habitante do Burundi designado para esta nobre
missão, designado para fazer o papel de Laurent Clerc, Apóstolo dos
Surdos? Se a senhora e o seu marido acreditarem nisso, essa pessoa
poderá ser a vossa filha Claudine, e então juntemo-nos para fazê-la
encontrar o caminho de forma a poder continuar os estudos.»
Os pais da Claudine responderam à minha carta, afirmando que eles
próprios e a filha queriam que ela pudesse continuar os estudos. As
Nações Unidas acederam a arranjar fundos para os seus primeiros
anos de estudo numa escola secundária nos Estados Unidos; e, como
disse, Claudine matriculou-se na Model Secondary School da
Universidade de Gallaudet; terminará os seus estudos em 1992.
Existe uma razão para estarmos optimistas em relação às
perspectivas para as crianças surdas do Burundi, mas na verdade
pessimistas quanto às suas perspectivas nos Estados Unidos. No
Burundi, Adolphe Sururu após ter tido três anos de treino nos Estados
Unidos onde pôde aprender a ASL com a comunidade de surdos e
outras coisas mais fora dela, voltou ao seu país para abrir a primeira
escola oficial para crianças surdas, que oferece instrução através da
linguagem gestual. A comunidade de linguagem gestual está a unir-
se nas escolas, professores ouvintes estão a aprender a comunicar
uns com os outros gestualmente, e em breve Claudine fará parte
deles. Além disso, as pessoas ouvintes que pretendem sacrificar a
comunicação ainda não têm influência sobre a educação de surdos no
Burundi, uma vez que isso é um factor recente.
Por outro lado, no «primeiro mundo» a influência dura há já um
século e é opressiva. A falta de comunicação persiste na Europa e é
cada vez pior na América, visto que um número crescente de crianças
surdas é colocado nas escolas de ouvintes. Os nossos programas
educativos para crianças surdas continuam a produzir um grande
número de estudantes mal formados. E a cirurgia de implantes
cocleares tornou-se uma ameaça, pois, pode retardar a efectivação
da comunicação gestual por não oferecer à criança surda de nascença
ou que cedo se tornou surda, nenhuma forma significativa de
comunicação oral como contrapartida.
A PROVAÇÃO DOS PAIS
Descrevi de forma breve a história da luta entre as minorias
linguísticas que utilizam linguagens gestuais e as maiorias de
linguagem oral que se encontram em seu redor. Proponho-me agora
demonstrar de que forma é que esta história de lutas determina a
vida das crianças surdas e dos seus pais. Tomando uma família-tipo,
o Sr. e a Sr.a Rue, hipotéticos pais ouvintes de uma criança surda, o
Sammy. À medida que os desafios surgem, os Rue, impelidos por
uma mistura de emoções, tais como o amor, a culpa e o medo, e mal
aconselhados pelos especialistas, tomam a decisão errada.
A provação dos Rue começa no dia em que descobrem que o seu filho
Sam é surdo. Talvez da mesma maneira narrada por Thomas e James
Spradley no seu relato da vida com uma criança surda, Deaf Like Me,
Thomas e a sua mulher, Louise,
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tinham ido ver uma barulhenta parada com a sua filha de três meses,
Lynn: «Só alguns segundos mais tarde», escreveu o pai, «é que me
ocorreu que Lynn poderia assustar-se com a ruidosa dissonância que
provocava uma onda de excitação entre a multidão. Quando reparei
que ela se mantinha acordada, quieta e imperturbável, olhando para
o olmeiro acima como se ninguém ali estivesse, senti-me aliviado. Foi
então que o instinto me fez olhar para ela com mais atenção. Não
titubeava nem se virava; não havia nela qualquer movimento ou
reacção que sugerisse que estava a ouvir aqueles sons que vibravam
no ar com tanta força... Senti algo de estranho no fundo do
estômago, como que a pressentir que algo de terrível estava para
acontecer, e não consegui evitá-lo. Pensei então que ela poderia ser
surda.»
Sendo os Rue pais ouvintes normais, esta descoberta inflige neles um
profundo choque emocional. Como não sabem nada sobre os surdos e
a sua comunidade, ficam com o espírito à mercê dos piores medos -
para eles, a sua filha nunca terá uma vida feliz e saudável. De início,
a incredulidade poupa-os piedosamente de enfrentarem abertamente
este medo desnecessário; mas a série seguinte de visitas a vários
«especialistas» - o pediatra, o otologista, o audiologista - confirma a
profunda perda de audição sofrida por Sammy. Não há lugar à
incredulidade, mas os especialistas oferecem aos Rue aquilo que
melhor a substitui - a negação. Sammy pode voltar a ser normal com
os devidos esforço, tempo e dinheiro. Aprenderá a ler lábios, a ouvir
as pessoas com os olhos, em vez dos ouvidos, e a falar, mas tudo
isto exigirá grandes doses de exercícios. Ao contrário do que
aconteceria com uma criança ouvinte, Sammy não assimilará
automaticamente a linguagem oral.
Os meses passam; os pais de Sammy sentem em si a frustração, a
raiva, a impotência, a dor, a culpa. Sem que dêem por isso, são eles,
e não o seu filho, que se tornam no maior problema. Desconhecem
que existe uma comunidade de surdos na América com vários
milhões de membros e que a maioria deles encara a surdez
simplesmente como uma forma de existir e não como uma
calamidade, ou mesmo como uma incapacidade física, e que há pais
de crianças surdas que vêm no seu nascimento um motivo de alegria
e não uma tragédia. Thomas Gallaudet põe a opção com que se
confrontam os Rue no seguintes termos: há sempre a possibilidade
de saudarem o nascimento do vosso filho surdo como motivo de
grande alegria e de aprendizagem. Nos primeiros tempos, sentem-se
maravilhados com a criança, transmitem-lhe o carinho que nutrem
por ela, não se poupam a esforços para a fazer feliz e regozijam-se
com o facto de o vosso filho parecer apreciar cada vez mais aquilo
que fazem por ele. A criança, por sua vez, tenta constantemente dar
a conhecer os seus desejos através das suas várias expressões faciais
e dos sinais e gestos motivados pelos seus sentimentos espontâneos.
Se nunca viveram esta experiência, ser-vos- -á impossível sentir a
alegria de testemunhar a originalidade do crescimento da criança e a
sua capacidade ao fazê-lo, a sua pantomima gráfica, o prazer que
demonstra quando vê que é compreendida, os seus rápidos
progressos ao nível desta linguagem única, o desenvolvimento do seu
intelecto, o seu prazer (bem como o das outras crianças) em
aprender os seus próprios sinais e o poder que em vós se revela para
lhe transmitirem ideias e desejos cada vez mais subtis... Ou, pelo
contrário, irá o advento do vosso filho surdo constituir uma tragédia?
Irão sucumbir
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perante o ónus de terem de aprender uma nova linguagem? Irão
fingir que não há nada para aprender e pensar que podem educá-lo
tal como educaram os vossos outros filhos?
Infelizmente, os Rue não sentem prazer algum em ver Sammy
desenvolver a sua «pantomima». Longe de tentarem aprendê-la,
vêem-na antes como uma gesticulação patética. Além disso, foram
aconselhados a ignorá-la, pois Sammy sentir-se-á pouco motivado
para utilizar a sua voz se puder utilizar as mãos. E é aí que começa a
verdadeira tragédia, visto que Sammy torna-se numa criança
virtualmente colocada dentro de uma «redoma»; tal como as crianças
com graves problemas de imunodeficiência que necessitam de crescer
num isolamento completo, literalmente dentro de uma «redoma», a
fim de não contraírem nenhuma infecção mortal, Sammy vê-se
cercado por uma barreira - neste caso, por uma barreira
comunicacional. O mundo evolui à sua volta, mas Sammy raramente
consegue antecipar os acontecimentos ou entende-los após a sua
ocorrência. E ainda mais raramente consegue concebê-los. Os seus
pais não conseguem comunicar com ele pela via oral e, por seguirem
os conselhos dos especialistas, não comunicarão com ele
gestualmente, o que faz com que, na verdade, poucas mensagens
passem entre pais e filho e, quando isso acontece, e aquelas que o
conseguem referem-se a objectos concretos e presentes.
Thomas Spradley conta a luta que teve de enfrentar só para dizer à
sua filha para não esperar na esquina pelo autocarro da escola
porque era sábado. Tal como acontece nos dias de semana, Lynn
tinha tomado o pequeno-almoço e saído a correr jovialmente porta
fora. Ali ficou na esquina durante mais de meia-hora, a bater o pé
impacientemente, à espera que o autocarro passasse. «Vou buscá-
la?», perguntou o pai à mãe. «Não», respondeu ela, «Vamos esperar;
penso que é algo que poderá ter de aprender por ela própria.» Por
fim, Lynn voltou e enroscou-se numa cadeira em frente ao televisor.
Por insistência dos profissionais que consultou, a Sr. a  Rue decide
inscrever Sammy num externato de educação oral. O director diz-lhe
que, a não ser que Sammy revele problemas de atraso mental, o seu
filho irá aprender a falar e a ler lábios - desde que não o deixem
utilizar a linguagem gestual e que ela passe com ele várias horas por
dia a exercitar a fala em casa. A Sr. a Rue é levada a visitar a escola
e, na verdade, as crianças surdas que ali vê falam; respondem a
perguntas e lêem em voz alta. A Sra. Rue vê com os seus próprios
olhos que não se tratam de «surdos e burros».
Infelizmente, os pais, os especialistas e os professores têm sido
enganados em tais circunstâncias desde os primórdios da educação
oral para crianças surdas. Existem três grandes ratoeiras no que
respeita ao aluno, à audiência e ao material. Cada grande escola tem
um grupo de alunos notáveis que podem ser apresentados a uma
inspecção. Mas quão representativo será o melhor aluno surdo? Com
que idade perdeu ele a audição? E que há um mundo de diferenças
entre inculcar um conjunto de conhecimentos pela via da oralidade
numa pessoa surda e retardar a deterioração das competências orais
de alguém que já falou, talvez mesmo quando se entra na escola. É o
aluno apenas duro de ouvido? Consegue ouvir a fala que lhe é
directamente dirigida em voz alta? Comunica o melhor aluno surdo
apenas com uma
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audiência familiar - o professor, eventualmente, ou outro aluno?
Acontece geralmente que os alunos surdos compreendem melhor o
professor do que qualquer outra pessoa e o professor retribui a
amabilidade. E o material ensaiado? Os professores que ensinam pela
via da oralidade têm, não raras vezes, um grupo de alunos
preparados para enunciarem expressões coloquiais quando
confrontados com visitas: «De onde vens?» e frases do gênero. Além
disso, se a questão ou o texto for do conhecimento do visitante,
poderá facilmente parecer-lhe mais inteligível do que aquilo que
realmente é. Os visitantes são muitas vezes cúmplices involuntários
desta charada quando pedem para ouvir o Voto de Compromisso
(Nota estrela) ou o Padre-Nosso ou quando seguem com os olhos a
leitura de um texto por parte de um aluno.
Completamente alheios a estes factos, nem sequer ocorre aos Rue
perguntar qual a gravidade da surdez daquelas crianças, quem é que
costumam ouvir falar ou quando é que ficaram surdas. Em breve,
Sammy encontra-se numa aula de educação oral. Qual é a sensação?
Eis uma descrição dada por um autor surdo:
Os primeiros passos consistiram em fazer-me colocar a boca de uma
certa forma, colocar a língua desta e daquela maneira e, em seguida,
emitir um som observando os movimentos da boca do meu professor
e passando com as mãos sobre a sua garganta ou o seu nariz. Se
tivesse de pronunciar a letra F, tinha de colocar os meus dentes
superiores sobre o meu lábio inferior e soprar num bocado de papel
assente nas costas da minha mão. Se a letra fosse o V, tinha de
acrescentar um som. As letras M, B e P assemelhavam-se de tal
modo quando pronunciadas pelos lábios que ficava sem saber qual
das três letras é que o professor me estava a pedir para articular. As
letras R, Ng, K, etc., eram tão tenuamente proferidas na garganta do
meu professor, que quase sentia necessidade de entrar na boca dele
para tentar achá-las. Todo este processo ou método era tão
entediante quanto desencorajador. Posso também acrescentar que se
tornava algo desagradável nos dias em que o professor comia
cebolas... Para dizer a verdade, devo reconhecer uma motivação
superior e uma completa honestidade de propósitos em alguns dos
oralistas. Mas no que respeita aos resultados, podemos também
reconhecê-la [a honestidade de propósitos] no Grande Inquisidor
Tomás de Torquemada ou nos caçadores de bruxas e carrascos que
queimavam os hereges. O preconceito contra a linguagem gestual
encontra-se de tal modo enraizado em certas classes, que chega a
assumir foros de perseguição.
Passam-se meses, anos, mas Sammy consegue poucos progressos ao
nível da fala e da leitura dos lábios. Citando as conclusões de um
estudo inicial realizado por Alfred Binnet e Theodore Simon: «O
surdo-mudo [oralmente ensinado] não consegue manter uma
conversação com um desconhecido, nem sequer com os seus
parentes; e quanto às suas necessidades imediatas, só consegue
comunicar mediante uma
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combinação de métodos em que o gesto prevalece constantemente
sobre a palavra.» Sammy não compreende ninguém excepto a sua
mãe e o seu professor, e isto com a condição de estes se lhe
dirigirem num local bem iluminado, de frente para ele e de forma
pausada, abordando assuntos do quotidiano. Não obstante, mal
conseguem percebê-lo e os desconhecidos não o conseguem
entender de todo. Imagino o Sr. Rue a contestar as palavras de outro
pai de uma criança surda, um dos fundadores da primeira escola de
educação oral para surdos nos Estados Unidos. «Provavelmente»,
declarou num dos exercícios públicos da escola, «há aqui pessoas que
irão para casa decepcionadas. Conseguirão perceber apenas uma
parte, talvez mesmo uma pequena parte, daquilo que será dito pelos
alunos; nos seus pensamentos mais íntimos, estará latente a questão
sobre se esta instituição não terá tomado a seu cargo uma tarefa
impossível e se não terão de algum modo desperdiçado nela uma
grande quantidade de tempo, trabalho e dinheiro. Mas uma perna de
pau é apenas uma imitação deprimente de osso, nervos e músculo...
Um olho de vidro é totalmente inútil para a visão... Enquanto a mais
rudimentar articulação conseguida vale pelas maiores auto-estima e
felicidade sentidas pelo aluno. Estas palavras representam,
obviamente, a fantasia de um pai, se bem que indubitavelmente
bem-intencionada. A suposta fala de Sammy, mesmo que alguma vez
a pudesse aprender, não iria fazer dele uma pessoa igual a uma
pessoa ouvinte, da mesma forma que para se ser negro não basta ter
uma cara negra. O pai que comunica tão fluentemente com as
pessoas à sua volta afirma que «a mais rudimentar articulação
conseguida vale pela auto- -estima.» A busca deste tipo de auto-
estima irá exigir de Sammy um preço terrível. Se ele mal consegue
comunicar oralmente e não lhe é permitido fazê-lo gestual- mente, é
lógico que não pode comunicar de todo. Pode a autonegação ser uma
via conducente à auto-estima?
Não se trata só de Sammy não vir a ser uma pessoa ouvinte; trata-se
também de não vir a ser sequer uma pessoa surda instruída. Não lhe
é possível captar mensagens sobre história, aritmética ou geografia a
partir de alguns movimentos evanescentes dos lábios do seu
professor; mais do que isso, e antes de mais, esses movimentos nem
sequer exprimem tais mensagens. Isto porque a educação oral para
crianças surdas, na sua desesperada tentativa de integrar a criança
surda na comunidade dos falantes da língua inglesa, põe de parte
toda a outra instrução. Segundo as palavras de um importante
compêndio sobre a educação para surdos: «Pelo facto de se esperar
que os professores ensinem a língua e a fala, mesmo a carga horária
destinada às disciplinas acadêmicas era muitas vezes inteiramente
dedicada à recuperação da fala e da língua. Uma vez que a maioria
dos professores de surdos não tem formação em áreas acadêmicas
específicas, a tendência para sacrificar o conteúdo acadêmico da
educação é crescente.»
Foi dito aos pais de Sammy que teriam de participar na recuperação
da língua e da fala e que tanto os progressos como os desaires da
criança seriam da sua responsabilidade. Aliviada por poder finalmente
fazer algo para combater o seu sentimento de culpa, a mãe de
Sammy inscreve-se num curso por correspondência de exercícios da
fala para crianças surdas e pratica-os com o seu filho uma hora por
dia. O trabalho é longo e entediante, o seu filho resiste aos exercícios
e os progressos são pouco
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evidentes. Um grande número de estudos demonstrou que os pais
ouvintes de crianças surdas tendem a ser mais manipuladores, tensos
e irritadiços do que os pais surdos (ou os pais ouvintes de crianças
ouvintes). Os filhos surdos de pais ouvintes mostram-se, por sua vez,
menos complacentes, atentos e cativadores.
O tempo passa. Sammy torna-se adolescente, mas não sabe ler nem
escrever; na verdade, nunca o fará fluentemente. Já fiz referência às
tristes estatísticas. Desesperada com a falta de progressos de
Sammy, a Sr.a  Rue vai falar com o director da escola de educação
oral. Conta-lhe então que Sammy tem «aprendido sinais» junto de
outros surdos seus conhecidos e que começa a pensar se não seria
melhor para Sammy inseri-lo num dos programas de comunicação
total, os quais empregam todas as formas de comunicação - voz,
sinais, ortografia, gestos. O director aconselha-a a ponderar bem a
situação: será que ela quer mesmo adoptar a linguagem gestual,
condenar o seu filho ao mundo dos surdos, no qual casará com uma
mulher surda e executará trabalhos manuais? A Sr. a Rue ouviu falar
na adaptação ao sistema. Porque não meter Sammy numa escola
pública normal? Não seria pior para Sammy, pois estaria entre
crianças falantes do inglês, e pouparia muito dinheiro com isso. Isso
é um absurdo, responde o director. Se ele não consegue apresentar
resultados palpáveis numa escola especializada com professores
altamente qualificados, como o conseguirá fazer no banco dos surdos
da escola da sua área?
Sammy está a viver uma adolescência melancólica. Não pode usar o
telefone, mas também não tem nenhum TTY - um teleimpressor para
pessoas surdas -, visto que não tem ninguém a quem telefonar. Não
consegue ser um ouvinte e a sociedade à sua volta não o deixa ser
surdo, pelo que se vê dividido entre ambas as culturas e ambas as
linguagens, a do inglês e a da ASL. No seu livro sobre o bilinguismo,
François Grosjean remete-nos para a categoria semelhante com que
são contemplados os adolescentes filhos de magrebinos na França
actual: nascidos em França, mas falando frequentemente um francês
arrevesado, são rejeitados pela sociedade francesa, têm um baixo
nível de instrução e as suas vidas estão destinadas ao desempenho
de trabalhos manuais. No entanto, demasiado afrancesados para
serem verdadeiros magrebinos, são igualmente rejeitados pela
sociedade árabe. O mesmo acontece com a segunda geração dos
trabalhadores turcos na Alemanha, eufemisticamente chamados
Gastarbeiter (trabalhadores convidados), que se queixa de estar a
perder a sua própria identidade sem que consiga assimilar a
identidade alemã devido às barreiras linguísticas e sociais.
Passaram-se aproximadamente 15 anos desde a descoberta
traumática, por parte dos Rue, de que o seu filho Sammy era surdo.
E, no entanto, nunca conheceram nenhum surdo adulto. Por fim,
conheceram um casal de surdos que, embora menos instruído e
menos abastado do que os Rue, transmitiu a linguagem gestual que
utilizava à sua filha e criou-a tal como quaisquer pais fariam, isto é,
com amor, disciplina e instrução - em suma, através da comunicação,
recorrendo à ASL. Tal como já mencionei, as perspectivas de Lucy
são, à conta disso, e em termos de desenvolvimento educativo e
pessoal, superiores às de Sammy.
Contudo, sendo a Sr.a Rue uma pessoa dita normal, o contacto que
manteve com o casal de surdos limitou-se a confirmar as suas
convicções anteriores. O casal não
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conseguiu comunicar com ela, concluiu, pois a ASL não é a
linguagem convencional da sociedade. De igual modo, tal como já a
tinham avisado, a ASL pareceu-lhe ser uma linguagem altamente
emotiva expressa sob a forma de grunhidos, trejeitos e gestos, ou
seja, nada que se pareça com uma verdadeira linguagem.
Os Rue não se apercebem da oportunidade que se lhes deparou ao
contactarem com aquele casal de surdos. Sentiram-se incomodados
com a linguagem gestual dos seus novos conhecidos, mas aquilo que
mais os perturbou foi o facto de eles formarem um casal. Embora
surdos, tinham casado e tido um filho surdo. Mas que egoísmo,
povoar a Terra com crianças surdas! Graças à sua educação oral,
Sammy acabaria por casar com uma mulher ouvinte, que poderia
ajudá-lo durante a vida e dar-lhe um filho ouvinte.
Porém, os Rue estão redondamente enganados. Em primeiro lugar,
90 por cento das crianças surdas têm pais ouvintes. E esse é o
principal problema de Sammy: aprender a ser culturalmente surdo
com outras pessoas - e isto à revelia dos seus pais. Em segundo
lugar, 90 por cento das crianças filhas de pais surdos são ouvintes, e
muitas delas deixarão a comunidade dos surdos ao atingirem a idade
adulta. Em terceiro lugar, Sammy irá quase de certeza, e em
qualquer dos casos, casar com uma mulher surda; 90 por cento das
uniões entre surdos envolvem dois cônjuges surdos,
independentemente do seu nível de instrução. As razões que estão na
origem dos casamentos entre surdos são fáceis de encontrar:
comunicação simplificada, uma experiência partilhada e o facto de os
amigos de um membro do casal se tornarem mais facilmente amigos
do outro. As pessoas surdas sabem também que, por estes motivos,
os casamentos entre dois parceiros surdos estão menos sujeitos ao
divórcio. E, tal como já foi apontado, o casamento no seio da sua
cultura é positivamente valorizado por essa cultura.
Suponhamos que Sammy e Lucy casavam e tinham um filho surdo.
Haveria alguma coisa a apontar-lhes? A surdez não implica nenhum
crime, desgraça ou sofrimento de ordem física. As pessoas surdas
instruídas, tal como as suas congêneres ouvintes, gerem os seus
negócios sensatamente, educam bem os seus filhos e tornam-se
membros úteis e respeitáveis da comunidade.
Assim que a idade o permite, Sammy abandona o liceu e começa a
trabalhar numa loja de máquinas. A Sr. a  Rue nunca esperou outra
coisa. Apenas duas em cem crianças surdas chega à universidade e,
durante muitos decênios, a maioria desses estudantes frequentou
uma de duas escolas: A Universidade Gallaudet, em Washington D.C.,
e o Instituto Técnico Nacional para Surdos em Rochester, Nova
Iorque. Actualmente, há mais doze escolas com programas alargados
para estudantes surdos. Centenas de outras universidades norte-
americanas têm, na sua maioria, mostrado pouca disponibilidade para
contratar ou formar intérpretes para que os estudantes surdos
possam frequentar aulas leccionadas em inglês.
Uma noite, Sammy regressa a casa vindo do trabalho na companhia
de um homem ouvinte que sabe ASL e, com a ajuda do intérprete,
explica à sua mãe que lhe foi oferecida uma colocação numa fábrica
da sua companhia, situada numa grande cidade com uma grande
comunidade de surdos. A primeira reacção da Sr. a Rue é insurgir-se
contra tal hipótese, mas o choque de ter de discutir com o seu filho
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através de um intérprete traz-lhe à memória o grande hiato
comunicacional que os separa - e que sempre os separou - e o facto
de aquela nunca ter sido realmente a casa de Sammy. Em breve,
Sammy parte.
Bastava que os Rue tivessem sido incentivados a optar pela
comunicação em vez do preconceito, a adaptarem-se à linguagem
gestual, reconhecendo assim a impossibilidade do seu filho alguma
vez dominar a linguagem oral. Que tivessem permitido a entrada do
bilinguismo na sua casa, aceitando deste modo que o seu filho fazia
parte de uma minoria linguística. Que tivessem conhecido alguns
membros da comunidade dos surdos, estudado a sua linguagem,
observado a forma como levavam as suas vidas, ouvido os seus
conselhos e não os dos audistas. Que tivessem visto nisso uma
oportunidade de o seu filho aprender na linguagem em que
evidenciava maior fluência. Que tivessem tentado, à medida que
Sammy fosse crescendo integrado na comunidade dos surdos, crescer
com ele. A mãe de Jesse Thomas enveredou por muitas destas vias e
afirma: «A minha vida tornou-se mais rica e compensadora, e a
minha relação com o meu filho talvez mais íntima, do que se ele
tivesse nascido ouvinte.»
A maioria de nós não tem consciência das premissas culturais que
conduzem as nossas vidas: somos por natureza etnocêntricos, pois a
vida em sociedade seria impossível se tivéssemos de reflectir sobre
cada acção que fizéssemos. Temos um modelo mental inconsciente
da nossa cultura que faz por nós a maior parte das nossas escolhas,
deixando-nos livres para lidar com as restantes. As nossas ideias
sobre riqueza, família, sexualidade e incapacidade, por exemplo, são
por nós tidas como dados mais ou menos adquiridos e correctos. De
uma forma abstracta e vaga, sabemos que outras pessoas vivem de
maneira diferente; mas não conhecemos as premissas que suportam
essas diferenças, não vemos os elos de ligação entre as diferenças e
não conseguimos dar o salto em frente que nos permita ver o mundo
de outra perspectiva privilegiada. O facto de não nos apercebermos
de que há toda uma série de escolhas que correspondem a diversas
maneiras de levar a vida impossibilita-nos de verificar que já fizemos
essas escolhas. E uma vez que não nos apercebemos de as fazer,
acabamos por, de alguma forma, não as ter feito realmente, pois
escolher é um acto de vontade consciente. As escolhas fundamentais
foram feitas por alguém ou algo no nosso lugar - pelos nossos pais e,
para além deles, pela história.
Nestas circunstâncias, o estudo de outra cultura pode constituir uma
revelação - pode libertar-nos e fortalecer-nos, ajudando-nos a
imaginar outras premissas e outras maneiras de viver. Uma vez
libertados pela perspectiva cultural, ficaremos mais aptos para
modelar ás nossas próprias vidas e se «ligarmos» às vidas dos
outros. Estas são algumas das compensações que a sorte de ter um
filho surdo colocou ao alcance dos Rue, mas que o audismo deitou a
perder.
Muitos americanos conseguem recordar o seu choque inicial quando
se aperceberam de facto de que haviam outras pessoas que levavam
as suas vidas numa linguagem completamente diferente. Talvez esse
choque seja o reflexo de uma espécie de egocentrismo que, em nome
do nosso interesse mútuo, importa superar pois o desenvolvimento
da consciencialização social, tal como o da criança, é, em larga
medida, um conjunto de vitórias sobre o egocentrismo. Da mesma
maneira que
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posso ser algo mais por reconhecer o movimento heliocêntrico dos
planetas e a continuidade biológica das espécies, também posso ser
algo mais por reconhecer a existência de outros tipos de linguagem,
gestual ou oral, que coexistem com a minha. Esse reconhecimento
abre o caminho à colaboração com pessoas que utilizem outra
linguagem e me possam ensiná-la. Quando Thomas Gallaudet partiu
para França para aprender como educar crianças surdas, virou-se
para Laurent Clerc, o mais importante professor surdo da escola de
Paris e disse-lhe: «Ensine-me.» Regressaram à América juntos. Clerc
escreveu mais tarde: «Demos por bem empregue o tempo da
viagem. Ensinei ao Sr. Gallaudet o método do sinais e ele ensinou-me
inglês.» Podemos imputar todos os fracassos do Sr. e da Sr. a Rue a
um erro perfeitamente compreensível: o de terem confiado naqueles
em quem a sociedade lhes tinha ensinado a confiar/ou seja, o
sistema audista. Posto isto, consideraram as pessoas surdas
deficientes, fecharam-lhes o seu espírito e não procuraram
aconselhar-se junto delas. Victor Hugo enuncia bem a moral da
história. «Que importa a surdez do ouvido» escreveu, «se o espírito
continuar a ouvir. A verdadeira e incurável surdez é a surdez do
espírito.»
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CAPÍTULO 6 - ENSINO BILINGÜE E CAPACIDADE DO SURDO
PELO PROGRESSO, UM RETORNO AO ENSINO CENTRADO NOS
SURDOS
No início do século passado, as crianças americanas surdas
estudavam todas as matérias na língua em que eram mais fluentes, a
ASL. Assim que a primeira geração de alunos completou a instrução
primária, surgiu a necessidade de frequentarem o liceu para poderem
continuar os estudos. Para tal, várias escolas criaram programas que
incluíam aulas de inglês, história, geografia, matemática e línguas
estrangeiras. Por outro lado, muitos estudantes surdos ao
completarem o liceu procuravam continuar os estudos e abraçar uma
profissão, especialmente a de ensinar as crianças surdas. Por isso,
surgiu a necessidade de uma universidade que utilizasse a sua
primeira língua, a ASL, e também a segunda língua, o inglês, e assim,
em 1864, nascia a Universidade Gallaudet. O escalão mais baixo era
o liceu. Os candidatos ao escalão superior, longe de poderem ler no
nível 3 ou 4, eram examinados em inglês, latim, história, geografia,
filosofia, psicologia e matemática através de equações. Os formados
na primeira área eram jornalistas, tradutores, inventores, editores e
professores entre outras profissões.
A partir da realização do Congresso de Milão, como já referi, muito
desse progresso tem sido destruído. Actualmente existe um sistema
audista; actualmente as práticas educativas são na sua maioria
ineficazes; actualmente os surdos e a sua linguagem não são aceites
para trabalhar no ensino de surdos. A única e mais importante
reforma, da qual partirão outras, consiste em tomar a incluir os
adultos surdos -professores, administradores e pais - na educação
das crianças surdas. Este é o caminho certo a seguir, não só por uma
questão de justiça ou de respeito pela dignidade humana e pelos
princípios democráticos, mas sobretudo porque as actuais políticas
sociais não são boas nem para os surdos nem para os ouvintes. Os
adultos
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surdos podem proporcionar as crianças surdas que vivem em casas
de ouvintes um modelo de linguagem; é importante que as crianças
surdas não permaneçam anos a fio sem linguagem, pois isso impede
o seu desenvolvimento intelectual e social. Os pais ouvintes que
estudam ASL e adquirem um certo nível de fluência podem estimular
esse desenvolvimento*. Contudo, sem os adultos surdos, a
mensagem que implicitamente os pais transmitem aos filhos é que
este é um mundo no qual os surdos não têm lugar. Só os adultos
surdos podem proporcionar o melhor modelo de linguagem, podem
exprimir o sentido do mundo dos ouvintes numa perspectiva dos
surdos, podem ensinar a criança como lidar com esse mundo
enquanto pessoa surda informada e com orgulho.
Em termos práticos, significa que os adultos surdos e ouvintes
necessitam uns dos outros e devem manifestar a vontade de uma
aproximação mútua, frequentemente contra os respectivos instintos,
no interesse das crianças surdas. Só se as organizações e
individualidades surdas tiverem vontade de partilhar a cultura e
linguagem dos surdos com esses forasteiros, só se o ensino pré-
escolar e as casas de ouvintes procurarem os adultos surdos e
abrirem-lhes as portas terá lugar esta necessária colaboração.
A razão diz que os adultos surdos seriam especialmente eficientes na
sala de aulas: a maioria seria fluente na primeira língua dos alunos;
partilhariam com os alunos um conjunto de experiências comuns e
poderiam dar-lhes exemplos do que é um adulto surdo com formação
superior; estariam prontos a ensinar a história e a cultura dos
surdos; e por terem sobrevivido ao sistema de ensino especial,
sabem exactamente quão deficiente ele é e como minimizar os seus
efeitos. Além disso, porque os professores surdos são pessoas
visuais, que reúnem e exprimem as informações primeiramente na
modalidade visual, teriam a tendência de conceptualizar as lições de
uma maneira visual, o que seria uma combinação mais estreita com
as melhores estratégias dos alunos para processar as informações.
Há alguns anos, a UNESCO convocou consultores do ensino para
surdos de todos os pontos do globo para aconselharem sobre as
diversas abordagens da educação de crianças surdas. O relatório da
UNESCO conclui que os adultos surdos têm um importante papel a
desempenhar «no desenvolvimento e na educação das crianças
surdas» e considera que a interacção entre os adultos surdos e os
pais, entre as crianças surdas e os professores também «enriquece a
socialização da criança surda». Se os adultos surdos fossem
novamente enquadrados de forma substancial no ensino de crianças
surdas haveria modelos para essas crianças, a linguagem manual
seria reintroduzida, a preparação em linguagem falada teria a
prioridade adequada, a alfabetização seria melhor, as escolas já não
seriam clínicas da fala mas sim instituições educativas. E necessário
que reconheçamos a comunidade surda pelo que é e aproximar a
educação de surdos da perspectiva educativa de línguas minoritárias,
em vez da perspectiva exclusiva da educação de deficientes.
Ao longo de um quarto de século, o Congresso norte-americano
prosseguiu com as reformas educativas para acolher as crianças cuja
primeira língua não era o inglês. Teve êxito na mudança das escolas
locais usando um pau e uma cenoura. A cenoura é a Lei sobre o
Ensino Bilíngue, que fornece os fundos para uma extensa
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variedade de programas que promovem o uso de línguas minoritárias
nas escolas. O pau é composto pelos estatutos dos direitos civis, que
impõem nas escolas o dever firme de conceder às crianças que falam
uma língua minoritária a mesma oportunidade educativa baixando a
barreira da língua inglesa.
A Lei sobre o Ensino Bilingue afirma que muitas crianças dos E.U.A.
têm apenas uma proficiência limitada em inglês porque possuem uma
herança cultural distinta, e que o governo federal tem obrigação de
assistir as crianças de minorias linguísticas na aquisição de igual
acesso a educação e no domínio do inglês. A lei prossegue afirmando
que as crianças aprendem usando em primeiro lugar a sua língua
nativa e a sua herança cultural e que o ensino bilingue é portanto
necessário para muitas crianças americanas.
De acordo com o Código dos Regulamentos Federais, o teste para
avaliar se uma criança está ou não dentro dessa lei consiste em saber
se ela normalmente fala o inglês. Para cumprir com os objectivos da
lei, não importa qual a língua falada pelos pais da criança. O que
importa para o sucesso do empreendimento educativo, e por
conseguinte para a aplicação da lei, é a língua que a criança fala.
Segundo o código, se a criança normalmente fala outra língua que
não seja o inglês, portanto a sua língua nativa não é o inglês, e se a
criança tem uma proficiência limitada em inglês, então ela pode
beneficiar do programa instituído pela lei.
Algumas das actividades que correntemente estão ao abrigo dessa lei
a fim de beneficiar as crianças das várias minorias linguísticas
incluem programas com modelos bilingues e biculturais; formação
professoral; programas para desenvolver testes exactos; bolsas de
estudos para professores bilingues e centros especiais com materiais
bilingues.
A instrução bilingue/bicultural inclui muitos componentes: matérias
acadêmicas leccionadas pelo menos transitoriamente na primeira
língua do aluno; inglês ensinado como uma segunda língua (ESL);
história, cultura e artes do grupo linguístico minoritário do aluno;
cultura e história americanas. O objectivo de muitos programas
bilingües é ensinar o inglês ao aluno para que no fim ele possa ser
instruído exclusivamente em inglês assegurando, no entanto, que não
baixe de nível nas outras disciplinas. Este objectivo é cumprido
incentivando o aluno a criar uma imagem saudável de si próprio;
desenvolvendo as suas faculdades cognitivas; criando uma ponte
para o actual conhecimento linguístico e cultural do mesmo e
desenvolvendo a sua capacidade de expressão e de leitura em inglês.
Enquanto o Congresso fornecia a cenoura para motivar as escolas a
auxiliar as crianças bilingues, o Tribunal Supremo fornecia o pau.
Numa decisão histórica que promoveu grandemente o ensino
bilingue, o Tribunal, através do caso Lau versus Nichols, decretou que
a Lei sobre os Direitos Civis de 1964 (Título VI) exigisse que as
autoridades das escolas locais recebessem apoio financeiro a fim de
proporcionar uma instrução especial aos estudantes oriundos de
minorias linguísticas. O Tribunal escrevia: «Sabemos que essas
crianças que não compreendem inglês têm a certeza de que acham
as experiências escolares totalmente incompreensíveis e sem
qualquer significado (se a língua de instrução for exclusivamente o
inglês)».
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Dez anos depois da Lei sobre os Direitos Civis, o Congresso aprovou a
Lei sobre a Igualdade de Oportunidades Educativas, que
explicitamente exige que as autoridades locais tomem «as medidas
adequadas para ultrapassar as barreiras linguísticas que impedem
uma participação igual nos programas de instrução». Falando em
nome desta legislação, o presidente Nixon dizia: «Esta lei vai criar
novos projectos de lei sobre os direitos dos americanos de origem
mexicana, porto-riquenhos, índios e outros cuja educação começa
com insuficiências linguísticas para que tenham a certeza de que eles,
também, terão a mesma oportunidade.»
Num outro caso relativo aos testes das crianças com proficiência
limitada em inglês, Rios versus Read, o Tribunal decretou que a Lei
sobre os Direitos Civis e a Lei sobre a Igualdade de Oportunidades
Educativas e outras leis «obrigam que as matérias leccionadas a
essas crianças sejam na sua língua nativa (quando houver exigência)
e por professores competentes...e (sugere fortemente) a exigência de
uma componente bicultural como apoio psicológico à instrução». O
Tribunal considerou que a escola da zona não estava apenas a
proporcionar aos estudantes uma preparação intensiva em inglês
enquanto ficavam atrasados em disciplinas que exigiam um
conhecimento de inglês. O Tribunal ordenou que as autoridades da
escola acrescentassem três aspectos ao programa educativo: educar
os professores em relação às bases culturais especiais das crianças
provenientes de minorias linguísticas; formar todos os professores no
sentido de ensinarem o inglês como uma segunda língua; procurar
activamente e empregar professores pertencentes ao mesmo grupo
minoritário que os alunos.
A cenoura e o pau têm por base uma única ideia. Nós, americanos,
queremos que os nossos filhos sejam educados e que dominem o
inglês. Reconhecemos que para alcançar este objectivo, se a língua
em que são mais fluentes não for o inglês, a sua escolaridade deverá
ser conduzida na língua em que são mais fluentes até que tenham
um domínio suficiente do inglês. Isto é verídico para as crianças que
podem ouvir os professores e é igualmente verídico para as crianças
que não podem ouvir os professores. Mais de vinte estados têm
legislação que promove um determinado tipo de ensino bilingue, e,
em 1985, só em Nova Iorque havia trezentos programas bilingues. O
relatório da UNESCO sobre a educação de surdos atesta como um
princípio que «temos de reconhecer a legitimidade das linguagens
gestuais como sistemas linguísticos a quem devem ser concedidos o
mesmo estatuto que as outras línguas... já não se admite que sejam
omitidas ou que não se incentive a sua integração na educação de
surdos». O Parlamento Europeu fez uma declaração semelhante em
1987. Porém, o ensino bilingue para as crianças que utilizam a ASL
virtualmente nunca se ouviu nos Estados Unidos. Os tribunais
decretaram que as barreiras linguísticas abrangidas pela Lei sobre a
Igualdade de Oportunidades Educativas não necessitavam de integrar
uma língua estrangeira mas podiam integrar línguas indígenas da
América (Guadalupe versus Temple Elementary School District) ou
um dialecto inglês que substancialmente tivesse origem no inglês
padrão americano (Martin Luther King Elementary School Children
versus Michigan Board of Education). Por isso, parece razoável
acreditar que a protecção das línguas minoritárias estipulada por
estes estatutos e casos afins devia ser e é extensiva às crianças
pertencentes à minoria
Página 157
que utiliza a ASL. Estas crianças são portanto discriminadas nas
escolas monolingues e a solução é um programa bilingue/bicultural;
tal programa unifica-as, proporciona-lhes instrução numa língua que
compreendem e afirma o valor da sua única herança. Os defensores
legais da comunidade surda têm negligenciado o seu trabalho com os
pais de crianças que utilizam a ASL no sentido de exigir em tribunal o
mesmo acesso a educação que é concedido às crianças que falam,
por exemplo, espanhol. Esta exigência de igual tratamento perante a
lei tem sido adiada porque a maioria dos pais de crianças surdas,
contrariamente aos pais hispano-amerianos, por exemplo, não
partilha com os filhos a mesma e única herança linguística e cultural
e não se apercebe do quanto a afirmação dessa herança tem para
oferecer ao desenvolvimento dos seus filhos.
Os tempos mudam. Não podemos culpar os educadores ou os
administradores por não saberem durante todo este tempo que a ASL
é uma verdadeira língua, antes que o facto fosse descoberto e
confirmado nos anos 1970 e 1980. Mas podemos culpar qualquer um
que adira rigorosamente às velhas e fracassadas práticas agora que a
evidência assumiu o comando e acadêmicos, educadores e líderes
surdos apelam para a mudança. A Comissão da Educação do Surdo
afirma: «É nosso desejo que a política educativa antiquada alinhe
com as recentes descobertas científicas no campo da linguística e da
psicologia. Tem-se revelado constantemente que as crianças cuja
primeira língua é a ASL, tal como as que falam outras línguas
minoritárias, como o espanhol ou o navajo, estão em grande
desvantagem educativa num sistema que exclui, denigre e rejeita a
sua primeira língua. É razoável pensar que a mesma solução
educativa estipulada pelo Congresso e pelos tribunais a favor dos
falantes de todas as minorias linguísticas irão beneficiar as crianças
falantes de ASL. Em todo o caso é a lei.» No entanto, o
Departamento de Educação ainda tem de implementar esta
recomendação.
Existe uma quantidade substancial de literatura que compara o
ensino monolingue e bilingue para crianças cuja primeira língua não é
o inglês. A avaliação mais abrangente dessa literatura até a data
considera que há uma vantagem significativa do ensino bilingue
acerca dos «testes de leitura, atenção, aptidão linguística,
matemática, estudos sociais, realização total e atitudes em relação à
escola e a si própria». Uma avaliação independente acrescenta que
quanto maior for a integração da língua e da cultura do aluno no
curriculum da escola, maior é o sucesso dele nesse curriculum. No
seu livro sobre o bilinguismo, de 1986, o psicólogo Kenji Hakuta
conclui que os bilingues têm também uma vantagem sobre os
monolingues na flexibilidade cognitiva; um especialista canadiano em
bilinguismo, Wallace Lambert, chegou a mesma conclusão um
decênio antes: os bilingues são mais sensíveis às relações semânticas
entre as palavras do que os monolingues; são melhores na análise da
estrutura da frase e geralmente na descoberta das regras; são mais
capazes de reorganizar situações perceptuais; são mais criativos na
solução de problemas.
As potenciais vantagens da extensão dos programas
bilingues/biculturais às crianças que usam a ASL são semelhantes às
das crianças de outras minorias linguísticas. Devia haver uma infusão
de novas ideias e novos métodos de ensino para esta minoria,
incluindo novas estratégias para o ensino do inglês; melhorar a
comunica
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ção entre professor e aluno; melhorar a alfabetização em inglês;
melhorar os níveis acadêmicos; melhorar a adaptação emocional;
diminuir a necessidade de aconselhamento; aumentar o tamanho da
turma sem reduzir a atenção individualizada; diminuir o grau de
desistências; diminuir o subemprego para os que concluem os
estudos; aumentar a fluência bilingue dos professores das salas de
aulas; constituir carreiras abertas aos adultos que utilizam a língua
minoritária. Alguns educadores de crianças surdas, muito ligados à
prática actual, pedem provas dos méritos do ensino bilingue para as
crianças que utilizam a ASL. Eles não pediram provas antes de
apoiarem a comunicação total, e também não pediram provas antes
de pertencerem à sociedade comum. Quando algumas escolas
acolheram um número significativo de crianças falantes de
vietnamita, por exemplo, e solicitaram fundos federais para a
formação de professores e o aperfeiçoamento de materiais para o
ensino bilingue, não houve pedido de provas de que as actuais
práticas com dezenas de outras línguas teriam êxito com esta. No
entanto, devíamos reconhecer que a maioria das crianças que
utilizam a ASL têm pouca ou nenhuma familiaridade com qualquer
língua oral e muitas delas passam os primeiros anos das suas vidas
sem linguagem. Os resultados de uma investigação bem conduzida
sobre o ensino bilingue de crianças que utilizam a ASL de certeza que
seria bem-vinda. Entretanto, temos provas de que as actuais práticas
de educação de crianças surdas estão a falhar, e de que temos uma
linha de pensamento, ligada à linguística e à psicologia, que nos leva
na direcção exigida pela minoria em questão.
O ensino bilingue tem os seus críticos frontais. Argumentam que os
programas que deviam fazer a transição para o inglês persistem em
usar espanhol (por exemplo); que a instrução em espanhol é tempo
perdido com a familiarização do aluno com o inglês; que na realização
das actividades acadêmicas, muitos programas bilingues não
apresentam qualquer vantagem sobre os normais; e que as crianças
hispânicas aprenderiam rapidamente o inglês nas escolas onde se
lecciona só em inglês. Hakuba refuta cada uma destas alegações:
estudos mostram que os programas bilingues são maioritariamente
transitórios; há prova de que a preparação dada numa língua - por
exemplo para a leitura - transfere-se para outra; os programas
bilingues variam na qualidade e no âmbito para os quais
implementam realmente a educação bilingue /bicultural; e não está
claro que as crianças de minorias linguísticas aprendam o inglês num
instante, principalmente a espécie de inglês usada nas salas de aulas.
Hakuta salienta que estas refutações normalmente levam o crítico a
proferir algumas palavras de respeito pelos eruditos e pela
investigação, uma afirmação da importância do inglês nos Estados
Unidos - e renovada crítica ao ensino bilingue.
Sejamos sinceros: a fonte do forte sentimento em torno desta
questão é mais profunda do que as disputas acerca da política
educativa. A observação de Hakuta de que as descobertas das
investigações frequentemente não conseguem persuadir os críticos do
ensino bilingue é uma prova; outra, é a primeira alegação do crítico:
alguns programas, na verdade, perpetuam a herança linguística e
cultural da criança. O ensino bilingue tornou-se o símbolo de uma
grande questão que nos divide enquanto uma nação - o empenho de
alguns americanos, e a hostilidade de outros relativamente ao
pluralismo cultural.
Página 159r
Mas não precisamos de estar divididos quando o assunto é a
educação de crianças que utilizam a ASL. Enquanto que muitas
crianças imigrantes tomam-se bilingues por si próprias, sem
programas especiais, e que outras tornam-se rapidamente
monolingues em inglês ao casar com um homem ou uma mulher
nascido na América e que apenas fala inglês, e se integra na
sociedade americana ordinária, esta aquisição informal de uma
segunda língua não acontece nem pode acontecer com as crianças
surdas pelo único facto que quase todas não conseguem ouvir
suficientemente bem para adquirir o inglês. Consequentemente, a
ASL toma-se e permanece sendo a sua primeira língua, e casam-se
com outra pessoa cuja primeira língua é a ASL; a maioria não
consegue nem pode diluir-se na sociedade ordinária falante de inglês.
Por isso, embora a educação de crianças surdas esteja actualmente
pautada na negação da comunidade surda como uma minoria
linguística, o facto é que a comunidade linguística é o único grupo
linguístico que nunca poderá ser totalmente assimilado e cuja
linguagem nunca poderá ser totalmente erradicada. Os clamorosos
opositores ao ensino bilingue não têm em consideração os surdos,
com certeza, quando defendem a teoria de afundar ou nadar na
sociedade dos falantes de inglês.
De um modo geral, não é fácil para os tais opositores ao ensino
bilingue verem porque razão se deve fazer uma excepção para as
crianças que não ouvem. Na verdade, mesmo o ensino bilingue de
transição, cujo objectivo é substituir a primeira língua da criança pelo
inglês, é irrealista para a maioria das crianças surdas; o objectivo
mais indicado é a manutenção do bilinguismo, com o qual um
domínio do inglês escrito (e em casos raros, falado) é desenvolvido
paralelamente ao domínio da ASL, sendo cada uma delas usada de
acordo com a audiência e a ocasião.
Enquanto que a necessidade de um ensino bilingue para as crianças
que utilizam a ASL é evidente, a necessidade de uma componente
bicultural na sua educação é talvez menos clara. Porém, a introdução
de matérias versadas na surdez como parte do curriculum tem mais a
oferecer à criança surda. Ao aprender a vida de figuras históricas
surdas, os El Mudos e Laurent Clerc do nosso mundo, a criança surda
ganha ideias das possíveis vidas que pode levar e encontra uma base
para a auto- estima numa sociedade que insiste na sua inferioridade.
Ter-se um conhecimento da herança faz parte de um adulto bem
informado, e tal conhecimento proporciona igualmente uma base útil
para a organização de outros conhecimentos. Assim, o aluno surdo
que se inteirar das viagens de Laurent Clerc pela Nova Inglaterra no
início de 1800 à procura de ajuda caridosa para a primeira escola de
crianças surdas, aprenderá, também, sobre o primeiro governo
americano, medicina, agricultura e valores religiosos. Além disso, um
conhecimento das forças que moldaram a comunidade surda tal como
ela é hoje, dará ao estudante surdo um discernimento sobre os
mecanismos de opressão que influenciarão a sua vida tal como
influenciaram a dos seus antepassados - mecanismos que, por sua
vez, pode usar para oprimir outra minorias dentro e fora da
comunidade surda. Finalmente, o pensamento profundo, os valores
estéticos, os universos da experiência humana podem ser ensinados
examinando qualquer das inúmeras literaturas, mas permitir que a
criança surda aprenda isso através da literatura dos surdos expressa
em ASL e em inglês dá-lhe uma capacidade extra de imediatismo,
clareza e força emotiva. Os estudos sobre os
Página 160
surdos não necessitam de estar a cargo das ciências sociais, ciências
naturais e do resto do curriculum. Ao contrário, toda a aprendizagem
é facilitada quando ocorre num cenário válido para a criança, e toda a
aprendizagem é travada quando a escola é um local estranho.
Estes benefícios acadêmicos não serão alcançados por uma mera
mudança da orientação fundamental da educação de deficientes para
a educação de minorias. Esse é o primeiro passo. Mas também deve
haver uma fase de desenvolvimento na qual novos métodos e
materiais são concebidos, ensaiados e modificados. Os professores
têm de ser preparados em novos moldes e em novas matérias, e tem
de se encontrar os meios para aumentar grandemente o número de
professores e administradores recrutados no seio da minoria surda.
Tal como outras crianças que usam línguas minoritárias, as que
utilizam a ASL não constituem um grupo homogêneo que respeite o
uso da língua, a classe social, a raça e muitos outros factores
educativos importantes. Num mundo ideal, os estudantes sino-
americanos inseridos nos programas de ensino bilingue poderiam ter
um professor que falasse não só uma língua chinesa, mas também a
sua linguagem chinesa. Afinal, o mandarim e o cantonense, por
exemplo, são duas línguas bastante diferentes. De igual modo, há
muitas crianças americanas cuja língua mais fluente é a dos pais
sicilianos, mas o italiano usado pelo professor é o falado na região
toscana. O termo «falante de ASL», como «falante de chinês» ou
«falante de italiano», abrange uma vasta gama de representações
linguísticas, portanto não se resolvem todos os problemas de
comunicação quando o professor se dirige à criança com um domínio
qualquer da ASL. No entanto, o problema da incompreensão pode ser
substancialmente reduzido e as vantagens acrescidas se se partir da
afirmação da linguagem e identidade da criança.
Pelos propósitos da educação, devíamos considerar que, actualmente
na América, a maioria das crianças surdas integradas nos programas
de educação de surdos são falantes de ASL neste sentido. Não falam
todos o mesmo dialecto ou registo; não têm todos o mesmo nível de
domínio da língua. A ASL não é a língua materna da maioria deles -
se por língua materna entendermos «adquirida naturalmente dos
pais»; nem o inglês. Mas a única língua que é acessível e que
portanto dá a maior esperança por uma educação compreensível e
significativa é a ASL. E a ASL é um direito natural das crianças
americanas surdas uma vez que são os membros da futura
comunidade americana surda. O inglês também constitui um direito
natural, e para alguns também é o espanhol, o chinês ou outra língua
minoritária. Não nos devemos preocupar com a prontidão das escolas
em apresentar e abraçar a cultura e os valores da sociedade
(Nota asterisco da página 125)«regime oralista.» D. Moores (1978).
Educating the Deaf. Nova Iorque: Houghton Mifflin, p. 257.
(Nota asterisco da página 125)«pessoa surda.» A. M. Holmes (1991).
Haverá um lugar para professores sur-dos de surdos? Um ponto de
vista escocês. Deaf American, 41, 67-70, p. 68. «entrar para a
comunidade dos surdos.» J. D. Schein (1989). At Home Among
Strangers. Washington, DC: Gallaudet University Press.
(Nota asterisco da página 125)«do século passado.» J. Van Cleve
(1991). A integração escolar de crianças sur-das: Uma perspectiva
histórica. Em R. Fischer e H. Lane. Looking Back: A Reader on the
History of Deaf Communities and Their Sign Languages. Hamburg:
Signum.
Página 245
(Nota asterisco da página 125)«desenhos, etc.» O educador surdo
Roy Holcomb introduziu este termo em 1968. Este termo foi adoptado
para um estudo educacional na Maryland School for the Deaf sob a
orientação de David Denton; Veja D. Denton (1972). A razão
fundamental
fundamental para a comunicação total. Em T. J. 0’Rourke, ed.,
Psycholinguistics and Total communication: The State of the Art.
Silver Spring, MD: American Annals of the Deaf, pp. 53-61.
(Nota asterisco da página 125)«comunicação total.» I. K. Jordan, G.
Gustason, e R. Rosen (1979). Uma actua- lização nas tendências de
comunicação e dos programas para surdos. American Annals ofthe
Deaf, 124, 350-357.
(Nota asterisco da página 126)«linguagem gestual.» W. Newell, M.
Stinson, D. Castle, D. Mallery-Ruganis, B.R. Holcomb (1991).
Comunicação simultânea: uma discrição feita por pro-fissionais
surdos que trabalham numa instituição educacional. Sign Language
Studies, 69, 391-413.1. K. Jordan e M. A. Karchmer (1986). Formas
dos gestos usados entre estudantes com deficiências auditivas. Em A.
N. Schildroth e M. A. Karchmer, ed., Deaf children in America (pp.
125-38). San Diego, CA: College-Hill; J. Woodward e T. Allen (1987).
O uso de ASL por professores na salas de aula. Sign Language
Studies, 54,1-10. Uma revisão da literatura sobre a comunicação
simultânea será encontrada nas páginas 41-47 de N. Israelite, C.
Ewolt e R. Hoffmeiter (1989) Uma revisão da literatura sobre a
utilização eficaz da linguagem nativa gestual sobre a aquisição da
linguagem maioritá- ria pelos estudantes com deficiências auditivas.
Relatório não publicado, Boston University Center for the Studies of
Communication and Deafness.
(Nota asterisco da página 126)«crianças surdas.» R. Johnson e S.
Liddell (1990). O valor de ASL na educação de crianças surdas. Deaf
American, 40,59-69.
(Nota asterisco da página 126)«na America.» Deve ter havido um
meio grau de melhoramento do segundo grau no caminho entre o
segundo e terceiro grau na capacidade de leitura na escola
secundária desde 1974 até 1983. Ver T. E. Allen (1986). Padrões de
sucesso acadêmico entre estudantes com deficiências auditivas: 1974
e 1983. Em A. N. Schildroth e M. A. Karchmer, eds., Deaf children in
America, (pp. 161- 206). San Diego, CA: College-Hill.
(Nota asterisco da página 126)«duplo desempenho.» C. Baker
(1979). De que modo o «Sim-com» se infere num estudo bilingüe da
educação. Em F. Caccamise e D. Hicks, eds., American Sign
Language in a Bilingual Context: Proceedings of the Second National
Symposium on Sign Language Research and Teaching. Silver Spring,
MD: NAD; G.Marmor e L. Petito (1979). Comunicação simultânea na
sala de aula: De que modo está representada a gramática inglesa?
Sign Language Studies, 23, 99-136.
(Nota asterisco da página 127)«em 1977.» Public Law 94-142, The
Education for Ali Handicapped Children Act foi aprovada em 1975, ela
exige uma educação livre e apropriada para todas as crianças
deficientes num ambiente o menos restritivo possível; a lei entrou em
vigor em 1977. No insucesso dos primeiros esforços sociais em
França, na Alemanha e em Inglaterra. Ver H. Lane (1984). When the
Mind Hears: A History ofthe Deaf. Nova Iorque: Random House. J.
Van Cleve (1992). A integração acadêmica das crianças surdas. Em
R. Fischer e H. Lane. Looking Back: A Reader on the History of Deaf
communities and Their Sign Languages. Hamburg: Signum.
(Nota asterisco da página 127)«crianças sofrendo de várias
deficiências.» p. Ries (1986). As características dos jovens com
deficiências auditivas no seio da população geral e dos estudantes em
programas de educação especial para deficientes auditivos.
Página 246
(Nota asterisco da página 127) Em A. N. Schildroth e M. A. Karchmer,
eds., Deaf. Em A. N. Schildroth e M. A. Karchmer, eds., Children in
America, (pp. 1-32). San Diego, CA: College-Hill, p. 22. T. E. Allen e
T. I. Osborn (1984). Integração acadêmica de estudantes com
deficiências auditivas: factores demográficos, impeditivos e de êxito.
American Annals of the Deaf, 129,100-13; Convention of American
Instrutors of the Deaf (1990). Escolas e turmas para os surdos nos
Estados Unidos. American Annals ofthe Deaf, 135, p. 135.
(Nota asterisco da página 127)«em caves.» H. Goodstein (1988). O
que é a integração? Documento preparado para Gallaudet Research
Institute Roundtable on Mainstreaming. Washington, DC: Gallaude
University.
(Nota asterisco da página 127)«um ou duas crianças surdas.» Citado
em L. Siegel (1991). Um ambiente o menos restritivo? Deaf
American, 41 135-39.
(Nota asterisco da página 128)«intérprete de ASL.» C. Estes (Abril
1991). O melhor de teste realizado por Estes. The National
Association of the Deaf Broadcaster, 13, p. 3.
(Nota asterisco da página 128)«condição de surdo.» J. Thomas,
testemunho, National Council on Disabilities. Escolas Especiais. 8 de
Junho de 1989.
(Nota asterisco da página 128)«discriminação social.» S. Foster
(1989). Reflexões de um grupo de adultos surdos sobre as suas
experiências na sociedade e em programas de escolas de bairros nos
Estados Unidos. Disability, Handicap and Society, 4 37-56, p. 44.
(Nota asterisco da página 128)«estudantes surdos.» T. Booth (1988).
Desafiando os modelos de integração. Em L. Boston, ed., The Politics
of Special Educational Needs (pp. 99-122) - Filadélfia: Falmer Press.
Ver também M. G. Gaustad e T. Kluwin (1991). Padrões de
comunicação entre surdos e os adolescentes ouvintes em programas
de escolas públicas. Em T. Kluwin, D. F. Moores, e M. G. Gaustad,
Defining the Effective Public School Programfor Deaf Students. Não
publicado ms. Gallaudet University, pp. 124-46).
(Nota asterisco da página 128)«sou surda.» Citado em T. Booth
(1988). Desafiando os modelos de integração. Em L. Barton, ed., The
Politics of Special Education Needs (pp. 97-122). Filadélfia: Falmer
Press, p. 113.
(Nota asterisco da página 128)«instituição local.» E. B. Emerson e G.
M. H. Pretty (1987). Salientando a rele-vância social da práctica de
avaliação. Disability, Handicap and Society, 2, 151- 62, p. 152. Em
1991, Moores menciona alguns factores demográficos influentes na
alteração de escolas de bairro para programas de integração. Ele
chama a atenção para o facto de que a epidemia da Rubeola de
1964/65 causou um surto nos alunos surdos num grupo da mesma
idade, muitos deles também com deficiências fisícas ou mentais,
relativamente às quais as escolas de bairro estavam mal preparadas
para apoia-los. Para além de tudo isto «o surto da rubéola» ocorreu
na mesma altura em que a taxa de natalidade nacional estava a
descer, fazendo com que muitas escolas locais ficassem vazias.
Escolas essas que tinham sido construídas em grande número para
receber o boom de bebés ocorrido imediatamente a seguir à II
Guerra Mundial. D. Moores (1991). Uma perspectiva histórica na
colocação de estudantes surdos em escolas. Em T. Kluwin, D. F.
Moores e M. G. Gaustad, Defining the Effective Public School
Programfor Deaf Students. Não publicado ms., Gallaudet University,
pp. 7-34.
(Nota asterisco da página 129)«enquanto pessoa surda.» Em 1989,
Mertens realizou um questionário a alguns cinqüenta estudantes da
Universidade de Gallaudet, metade dos quais mal frequentou as
escolas de bairro para alunos surdos, e os outros, mal fre-qüentaram
os programas de integração. O primeiro grupo descreveu as suas
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experiências sociais de uma forma mais positiva; citaram a sua
capacidade em conviverem com outros estudantes surdos, na
participação em actividades extra-curriculares e para comunicar mais
fluentemente com o professor. D. Mertens (1989). Experiências
sociais de jovens deficientes auditivos na escola secundária. American
Annals of the Deaf, 134, 15-19. Relativamente à participação nos
desportos, Stewart e Stinson, em 1991, salientaram: «os desportos
dos surdos são talvez a melhor instituição social organizada na
comunidade dos surdos. Um jogador de voleibol surdo podia jogar
para a Greater Vancouver Association of the Deaf, participar nos
torneios patrocionados pela British Columbia Deaf Sports
Confederation, competir nos jogos de Verão do Canadá e por último
representar o Canadá nos World Games for the Deaf» (p. 164). D. A.
Stewart e Stinson (1991). O papel do desporto e das actividades
extracurriculares na formação dos padrões de socialização dos surdos
e dos estudantes com deficiências auditivas. Em T. Kluwin, D. F.
Moores, e M. G. Gaustad, Defining the Effective Public School
Program for Deaf Students. Não publicado ms. Gallaudet University,
pp. 147-70.
(Nota asterisco da página 129)«longe deles.» Ver T. Kluwin (1991).
«Qual o significado de 'programa de escolas locais'?» Também T.
Kluwin (1991). Algumas reflexões sobre o definir do programa eficaz.
Em T. Kluwin (1991). D. F. Moores, e M. G. Gaustad, Defining the
Effective Public School Program for Deaf Students. Não publicado ms.
Gallaudet University, pp. 35-55; 272-82.
(Nota asterisco da página 129)«escolas de bairro.» Professores
descreveram quatro em cada cinco dos seus alunos deficientes
auditivos foram integrados intensivamente, como detentores de um
discurso pouco ou nada intiligível. T. E. Allen e M. A. Karchmer
(1990). Comunicação nas salas de aula para estudantes surdos:
aluno, professor e características do programa. Em H. Bornstein, ed.,
Manual Communication: Implications for Education. Washington, DC:
Gallaude University Press, p. 55.
(Nota asterisco da página 130)«desvantagem acadêmica.» Em 1981,
T. E. Allen e M. A. Karchmer analizaram os resultados da matemática
no Stanford Achievement Test de um grupo de 330 estudantes
surdos, escolhidos ao acaso na escola primária e secundária, que
ficaram surdos devido ao sarampo que as mães contraíram durante a
gravidez. Aqueles estudantes que foram parcialmente integrados nas
instituições da sociedade tiveram melhores resultados para começar
com (assim como menor perda de audição), logo esta diferença entre
eles e estudantes surdos nos programas especializados tinham de ser
consideradas estatisticamente. Quando tal foi concretizado, não se
verificaram vantagens respeitantes à integração. T. E. Allen e M. A.
Karchmer (1981). Influências no sucesso acadêmico dos estudantes
com deficiências auditivas nascidos durante o período da epidemia da
rubéola entre 1963/65. Em 1989, Holt e Allen, como elementos
integrantes de um grande estudo, avaliaram a leitura e os resultados
matemáticos de sessenta alunos surdos em escolas especiais e em
algumas instituições de integração, para quem estavam disponíveis
os resultados prioritários do êxito. Quando os estudantes estavam, de
facto estatisticamente ligados nesta e noutras variáveis, não havia
diferença na leitura dos resultados obtidos nas duas instituições.
Contudo, os estudantes surdos que estavam completamente inte-
grados com estudantes ouvintes obtinham resultados inferiores na
matemática do que os seus colegas em escolas especiais. Holt e Allen
(1989). As conseqüências das escolas e dos seus programas de
estudo no êxito na leitura
Página 248
e nos resultados matemáticos de estudantes com deficiências
auditivas. International Journal of Educational Research, 13,547-62.
Foram citados quatro estudos por alguns autores como sendo um
suporte para a integração das crianças surdas na sociedade.
s ociedade. Contudo,
esta conclusão não se opõe a uma introspecção íntima. Com uma
inclinação claramente tendenciosa na sociedade, Van der Horst
(1971) publicou um relato no British journal The Teacher of the Deaf
(69, 398-414) em grupos de doze «defectivos auditivos,»
matriculados numa escola especial ou numa escola local para crianças
sem deficiências auditivas, organizados segundo a idade, o sexo, o
Quociente de Inteligência não-verbal e não segundo o nível
socioeconômico em à instrução dos seus professores, muito embora
se saiba que ambos os fac- tores tenham influência no êxito
acadêmico. Os dois grupos não diferem num teste Q.I. verbal, mas
diferem, em benefício dos alunos da escola para ouvintes,
rapidamente, fomos informados que a diferença era estatisticamente
sig- nificante mas não fomos informados de quanto. Além de que três
dos cinco subtestes neste segundo teste do Q.I. não mostrou
qualquer diferença entre os grupos. A comparação dos dois grupos
nos testes escritos não mostraram qualquer diferença, mas os alunos
da escola para surdos, demostraram menos progresso entre os oito e
os onze anos de idade na escrita. Através de recordes pessoais e de
testes psicológicos eles falharam na identificação e os autores
pediram estabilidade emocional para com os alunos. Este dado
favorece as crianças que freqüentam a escola especial, em que foram
consideradas normais 86 por cento do tempo em comparação com só
54 por cento das crianças surdas na escola para não-surdos. Devido
ao fracasso do controlo de variáveis importantes, de não encontrar
qualquer diferença no primeiro teste Q.I. verbal e três dos cinco
subtestes do segundo teste Q.I.. Acredito que seja desaconse- Ihável
citar este estudo como algo vantajoso para a integração. Um estudo
de 1975 publicado por Toronto Board of Education (C. Reich, R.
Hambleton, e B. Klein, The Integratíon
Integratíon of Hearing-Impaired Children
Children
in Regular Classrooms) encon-trou um nível mais elevado na leitura,
linguagem, e inteligibilidade no dis-curso dos estudantes da escola
para ouvintes que nos da escola para surdos, mas «quando percas de
audição assim como outras diferenças de background fossem levadas
em linha de conta, haveria pouca diferença nos grupos que
mostraram uma clara superioridade num método sobre o outro... De
qualquer forma, os resultados não apoiam a ideia de que a integração
seja uma boa ideia.» italics theirs Como era evidente no primeiro
estudo mencionado, o problema que envolvia comparações de êxito
acadêmico de estudantes de escolas para surdos e ouvintes e de falta
de comparação dos estudantes que freqüentaram os dois tipos de
escolas. Em 1984, Allen e Osborne (integração acadêmica de
estudantes com deficiências auditivas. American Annals of the Deaf,
129, 100-13) fizeram uma tentativa diferente para torná-los
comparáveis, por métodos estatísticos, grupos incomparáveis de
estudantes surdos que fre-qüentavam escolas para surdos e escolas
para ouvintes. Se soubessemos a contribuição, por exemplo do
passado socioeconômico para o sucesso da leitura nos estudantes
surdos e se o grupo da escola para ouvintes viesse, em média, de
familias mais abastadas, poderia ser convenientemente diminuída a
média da leitura para assim poderem ser comparáveis com os
estudantes da escola para surdos. O problema com esta aproximação
surge quando os
Página 249
grupos discordam em diferentes aspectos importantes, por isso não é
óbvio que a desvantagem surja de raízes mais abastadas e isso surja
de dizer que a audição residual é simplesmente aditiva. Este relatório
estatístico seria menos crítico se a diferença substancial
permanecesse depois das correcções, mas de facto «a actual
proporção de realização da variante contada por integração foi
posicionada sozinha sendo muito pequena em relação às outras três
variáveis» (um teste de leitura e dois de matemática).
Os autores continuam a afirmar que, aquelas tais diferenças
mantêem-se «não podem ser interpretadas como se representassem
uma relação casual entre integração posição e realização.» Eles
também reconhecem que havia muitas variáveis incontroláveis, tais
como posterior abilidade acadêmica imputáveis para a demográfica
variável incontrolada. Além de que, talvez tivessem existido
diferenças entre os grupos comparados em matemática, na aptidão
da linguagem e na preparação dos seus professores para mencionar
mais dois factores ainda não examinados. Desde que a uma pequena
diferença na pon-tuação podia ser atribuída aos processos de
correcção ou às incontroláveis variavéis e não pode ser atribuída ao
acaso para a integração posicionai. É desaconselhável citar este
estudo como um apoio à integração. Em 1985, Kluwin e Moores
estudaram os efeitos dos surdos na integração, no sucesso da
matemática e num exemplo não realizado de oitenta estudantes
surdos de três liceus. T. Kluwin e D. Moores. Os efeitos da integração
no sucesso da matemática de adolescentes com deficiências
auditivas. Exceptional Children, 52, 153-61. Os autores usaram um
método diferente de correcções post hoc para algumas mas não para
todas as diferenças do grupo, deixando uma pequena vantagem para
os estudantes integrados. Eles concluiram «que a grande parte da
variante talvez tenha sido tomada em linha de conta pelo simples
facto de simples professores de matemática serem especialistas na
matéria e terem mais experiência em leccionar». Nenhum dos
professores nas escolas especiais, com uma média de 6 anos de
experiência era especialista em matemática; todos os professores nas
escolas para não-surdos tinham qualificações elevadas em
matemática, excepto um que tinha Ph. D.; Eles tinham uma média de
18 anos de experiência. Os mesmos autores encontraram-se
novamente com efeitos triviais no sucesso acadêmico de estudantes
surdos num estudo prolongado. T. Kluwin e D. Moores(1989). O
sucesso da matemática de adolescentes com deficiências auditivas
em locais diferentes. Exceptional children. Kluwin concluiu: «A
sociedade não é uma solução para a melhoria do sucesso acadêmico
dos estudantes surdos.» T. Kluwin (1991). Algumas reflexões em
definir o programa efectivo. Em T. Kluwin e D. Moores (1989).
Defining the Effective Public School Programfor Deaf Students. Não
publicado ms. Gallaudet University. Na minha maneira de ver não
existem estudos que suportem as informações que uma criança surda
suceda substancialmente melhor numa escola incerida na sociedade
do que numa escola social para crianças. Um estudo que compara
estudantes com deficiências auditivas na sociedade com estudantes
não-surdos nas mesmas sala de aula chegaram à conclusão de que
os estudantes mais velhos com deficiências auditivas «tinham
maiores dificuldades acadêmicas, freqüentaram menos cursos
acadêmicos, evidênciaram menor motivação escolar além de fazerem
menos trabalhos de casa e pareciam ter menos orientação em atingir
a meta do que
Página 150
normalmente os seus colegas» J. F.Gregory, T. Shanahan e H. J.
Walberg (1984).
Os mais velhos da escola secundária com deficiências auditivas na
sociedade. Nova análise da perspectiva nacional. American Annals of
the Deaf, 129, 11-16. «capacidades relativas à sua linguagem
nativa.» Estudos recentes são revistos em E. D. Mindel e M. Vernon,
They Grow in Silence. Silver Spring, MD: National Association of the
Deaf, 1971. Ver também A. E. Geers e B. Schick (1988). Aquisições
de inglês oral e gestual por crianças surdas de pais com iguais
deficiências auditivas e pais ouvintes. Journal of Speech and Hearing
Disorders, 53, 136-43. Crianças surdas de pais surdos tem um
aumento de 20 por cento na elaboração das frases nos testes do que
crianças surdas de pais ouvintes. Demonstram também maior perícia
no inglês practicado, oral e modos combinados. Também Ver K. E.
Brasel (1975). A influência de lingua-gem adquirida, do ambiente
comunicação, no desenvolvimento da linguagem das crianças surdas.
Ph. D. dissertação, Universidade de Illinois; H. Corson (1973).
Comparação de crianças surdas de pais surdos que utilizam a lingua-
gem oral e pais surdos que utilizam a comunicação gestual com
crianças surdas de pais não-surdos no acadêmico, social e
comunicação funcional. Ph. D. Disertação, Universidade de Cincinnati;
N. Israelite, C. Ewoldt, e R. Hoff- meister (1989). A revisão da
literatura no uso eficaz da linguagem gestual nativa na aquisição da
linguagem maioritária por estudantes com deficiências auditivas.
Relatório não publicado, Boston University Center for the study of
Communication and Deafness; A. Weisel e J. Reichstein (1987).
Posição dos pais não-surdos, na perícia da compreensão da leitura e
reajuste socioemocio- nais. Em R. Ojala, ed., Proceedings of the
Tenth World Congress of the World Federation of the Deaf. Helsinki:
Finnish Association of the Deaf; A. Zweibel (1987). Mais nos efeitos
de comunicação manual inicial em desenvolvimento da comunicação
cognitiva de crianças surdas. American Annals ofthe Deaf, 132,16-20.
«comunicação eficaz.» E. D. Mindel e M. Vernon, They Grow in
Silence. Silver Spring, MD: National Association of the Deaf, 1971. A
lista de novas referências será facilmente encontrada em R. E.
Johnson, S. K. Liddell, e C. J. Erting (1989). Unlocking the
curriculum: princípios para o acesso na educação dos surdos.
Gallaudet Research Institute Working Papers, p. 10. Ver também R.
Harris (1978). Controlo impulsivo em crianças surdas. Em L. Liben,
ed., Deaf Children: Developmental Perspectives. Nova Iorque:
Academic Press.
(Nota asterisco da página 130)«com os amigos.» V. Kourbetis
(1987). Crianças surdas de pais surdos e crianças surdas de pais não-
surdos na Grécia: um estudo comparou: Ph.D. dissertação na
Universidade de Boston. Ver também B. Hansen e R. Kjaersorensen
(1976). The sign Language of Deaf Children in Denmark. Copenhaga,
Dinamarca: A escola dos surdos. A. Weisel e J. Reichstein (1987).
Posição parental de audição, perícia na compreesão da leitura e
ajuste socio-emocional. Em R. Ojala, ed., Proceedings of the Tenth
World Congress of the World Federation of the Deaf. Helsinki: Finnish
Association of the Deaf. A razão porque as crianças surdas de pais
igualmente surdos possuíem todas estas vantagens, é devido à
existência de uma aquisição da linguagem nativa de modo natural
durante os primeiros anos de suas vidas; mas não podemos
estabelecer outros factos que estejam entrelaçados com a
aprendizagem da linguagem, tais como a intimidade das possíveis
relações com os seus pais, ou os seus pais especulavam acerca da
realização de seus filhos acadêmica e socialmente.
Página 151
(Nota asterisco da página 130)«permitirão tudo isto.» B. White
(1990). Educação dos surdos: Um jogo que as pessoas jogam.
DCARA News, Janeiro 1990.
(Nota asterisco da página 131)«forçada.» Conferência de executivos
nas escolas americanas para surdos (1977). Relatório com «menores
restrições « na colocação de estudantes surdos American Annals of
the Deaf, 129, 62-69. Ver também National Association of the Deaf,
1987. A posição assente da National Association of the Deaf, NAD
Broadcaster, 8,1.
(Nota asterisco da página 131)«escola local.» Commission on the
Education of the Deaf. (1988). Toward Equality, Education of the
Deaf. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, p. 30.
(Nota asterisco da página 131)«crianças deficientes.» J. G. Duncan
(1984), Recente legislação afecta a pessoas com deficiências
auditivas. American Annals ofthe Deaf, 129, 83-94.
(Nota asterisco da página 131)«atingir um grau satisfatório.» 34
C.F.R. Citado em L. Siegel (1991). O menor ambiente restritivo? Deaf
American, 41,135-39.
(Nota asterisco da página 131)«por sabedoria.» Visco by Visco School
Distrit of Pittsburgh. Citado em L. Siegel (1991) O menor ambiente
restritivo? Deaf American, 41,135-39, p. 137.
(Nota asterisco da página 131)«aos seus filhos.» A. T. Bennett
(1988). Gateway to powerlessness: incorporação Hispanica de
crianças surdas e familiares em formação escolar. Disability,
Handicap and Society, 3,119-51, p. 127.
(Nota asterisco da página 133)«Departamento Estadual de
Educação.» S.Dutton (1991). A educação dos surdos: Quem decide.
The Bicultural Center News, 33, 1-2; L. Levítan (1991). Mark Dutton:
uma tragédia educacional. Deaf Life, Dezembro de 1991,10-17.
(Nota asterisco da página 133)«Convenção das Nações Unidas»
National Union of the Deaf (1982). Charter of the Rights ofthe Deaf.
Bedford, Middlesex, Inglaterra.
(Nota asterisco da página 134)«determinados propósitos.» MJ
Bienvenu (1990). Carta ao editor. Deaf American, 40,133.
(Nota asterisco da página 135)«francês oral.» O Sr. Harry Johnson, o
tesoureiro da missão, e a sua mulher receberam-me com grande
amabilidade e com grande cortesia. E reconhecendo os nossos
esforços têm sido uns grandes amigos, no Burundi. E um imenso
prazer tê-los conhecido e sinto por eles e por toda a sua dedicada
equipa da sua escola um profundo agradecimento.
(Nota asterisco da página 137)«o reitor concordou.» O bilhete de
avião para a América foi fornecido pela Christoffelblidenmission, uma
organização de caridade que ajuda escolas para cegos e para crianças
surdas de toda a África, incluindo a escola missionária em
Bujumbura. O professor Nyamoya, antigo reitor da Faculty of
Economics na University of Burundi, ofereceu-me toda a hospitalidade
e assistência sem as quais eu não teria tido êxito nas minhas
investigações.
(Nota asterisco da página 143)«em 1992.» Os fundos eram
fornecidos pela United Nations High Commission for Refugees.
Patricia Fagen, a porta-voz da UNHCR em Washington, DC, tem sido
uma aliada inestimável. Claudine entrou primeiro para a Model
Secondary School como aluno do intercâmbio escolar sob o patrocínio
da American Field Service. E óptimo ter conhecimento do apoio que
estas organi-zações e a assistência de muitos membros da faculdade
e do pessoal da Gallaudet University, em especial o Dr. Robert Davila,
agora secretário assis-tente, U.S. Department of Education, que foi o
vice-presidente da Gallaudet University para os programas de pré-
universidade no tempo em que Claudine se candidatou e conseguiu a
sua admissão à faculdade. Diversas famílias muito generosas abriram
as portas de sua casa para acolher Claudine
Página 252
e durante a sua estadia foram como «pais»: Cathryn Carroll, Caroline
Newsome, Sr. e Sr,a Giansanti, e Sr. Sr.a Kona.
(Nota asterisco da página 144)«ser surda.» T. S. Spradley e f. P.
Spradley (1978). DeafLike Me. Nova Iorque: Random House, p. 158.
(Nota asterisco da página 144)«milhões de membros.» J. Schein
(1989). At Home Among Strangers. Washington, DC: Gallaudet
University Press, pp. 8-9.
(Nota asterisco da página 145)«outros filhos?» H. Lane (1984). When
the Mind Hears: A History of the Deaf. Nova Iorque: Random House,
p. 264.
(Nota asterisco da página 145)«com ele, pela via oral.» K. Meadow-
Orlans (1987). Uma análise da eficácia de programas de intervenção
precoce destinados às crianças com deficiências auditivas. Em M. J.
Guralnick e F. C. Bennett, eds., The Effectiveness of Early
Crianças, Indiana University School of Medicine, Indianapolis, IN,
Janeiro de 1990.
(Nota asterisco da página 187)«só nos Estados Unidos.» Food and
Drug Administration, Center for Devices and Radiological Health
(1990). Os implantes cocleares para crianças com idades
compreendidas entre os 2 e os 17 anos. Publicação de 28 de Junho
de 1990. Washington, DC: Department of Health and Human
Services.
(Nota asterisco da página 187)«aparelho auditivo.» R. I. Kohut, ed.
(1988). Os implantes cocleares. National Institutes of Health
Consensus Development Conference Statement, 7, 1-25, p. 4.
(Nota asterisco da página 188)«não ter fim.» I. Illich (1976). Medicai
Nemesis. Nova Iorque: Pantheon.
(Nota asterisco da página 188)«dos adultos.» P. Conrad e J.
Schneider (1985). Deviance and Medicalization. Nova Iorque: Merrill.
(Nota asterisco da página 188)«problemas do foro privado.» C.
Wright Mills citado em S. Tomlinson (1982). A Sociology of Special
Education. Boston: Routledge e Kegan Paul, p. 105.
(Nota asterisco da página 188)«para a escola.» «Muitas pessoas
incapacitadas descrevem os sentimentos de «pertença» da Medicina
que nos define em termos do nosso diagnóstico, 'ela é uma
espasmódica, ou seja, alguém que nos avalia e define os nossos
direitos para assistência física e financeira, que planeiam e decidem a
nossa saúde, cujas as assinaturas em pedaços de papel que anulam a
nossa apreciação até mesmo nos assuntos mais pessoais e nas areas
mais fundamentais das nossas vidas.» R. Rieser e M. Mason (1990).
Disability Equality in the Classroom: A Human Rights Issue. Londres:
ILEA, p. 14. Citado em J. Corbett (1990). Observando e escutando:
uma carreira de pediatra, 1944-1986. Disability, Handicap and
Society, 5, 185-98, p. 185.
(Nota asterisco da página 189)«para nos abstrairmos.» P. Conrad e J.
Schneider (1985). Deviance anã Medicalization. Nova Iorque: Merrill.
Página 258
(Nota asterisco da página 189) «dessa cultura.» B. J. Good e M.-J.
Delvecchio Good (1982). Rumo a uma analise focalizada nas
categorias de doenças comuns: «doenças aterrorizadoras» e
«problemas cardíacos» no Irão. Em A. J. Marsella e G. M. White, eds.,
Cultural Conceptions of Mental Health and Therapy (pp. 141-66).
Dordrecht, Holanda: Reidel.
(Nota asterisco da página 189)«Times Magazine.» B. Werth (1991).
«How short is too short?» New York Times Magazine, 6 de Junho de
1991,14-17,28-29,47.
(Nota asterisco da página 189)«para o indíviduo.» A. Caplan, H. T.
Engelhardt, e J. J. McCartney, eds. (1981). Concepts of Health and
Disease (pp. 119-29). Lendo, MA: Addison-Wesley, p. XXV.
(Nota asterisco da página 189)«objectivos sejam divergentes.» p.
Sedgwick (1981). Doenças - Mentais ou outras. Em A. Caplan, H. T.
Engelhardt, e J. J. McCartney, eds., Concepts of Health and Disease
(pp. 119-29). Lendo, MA: Addison-Wesley, p. 123.
(Nota asterisco da página 190)«ou enfermas.» L. S. King (1981). O
que é doença? Em A. Caplan, H. T. Engelhardt, e J. J. McCartney,
eds., Concepts of Health and Disease (pp. 107-18). Lendo, MA:
Addison-Wesley, p, 111.
(Nota asterisco da página 190)«doença culturalmente específica.» B.
J. Good e M.-J. Delvecchio Good (1982). Rumo a uma analise
focalizada nas categorias de doenças comuns «doenças
aterrorizadoras» e «problemas cardíacos» no Irão. Em A. J. Marsella
e G. M. White, eds., Cultural Conceptions of Mental Health and
Therapy (pp. 141-66). Dordrecht, Holanda: Reidel.
(Nota asterisco da página 190)«na Dinamarca.» N. E. Waxler (1981).
A perspectiva da rotulação social na prática médica e na doença. Em
L. Eisenberg e A. Kleinman, eds., The Relevance of Social Science for
Medicine (pp. 283-306). Dordrecht, Holanda: Reidel, p. 300.
(Nota asterisco da página 190)«os tratamentos.» H. T. Engelhardt
(1981). A doença da masturbação: os valo-res e o conceito de
doença. Em A. Caplan, H. T. Engelhardt, e J. J. McCartney, eds.,
Concepts of Health and Disease (pp. 267-80). Lendo, MA: Addison-
Wesley. (Nota asterisco da página 190)«negociações sociais.» N. E.
Waxler (1981). A perspectiva da rotulação social na prática médica e
na doença. Em L. Eisenberg e A. Kleinman, eds., The Relevance of
Social Science for Medicine (pp. 283-306). Dordrecht, Holanda:
Reidel.
(Nota asterisco da página 191)«ou não.» p. Ménière (1853). Citado
em A. Houdin, De la surdi-mutité; exa- men critique et raisonné de la
discussion soulevée à 1'Académie Impériale de Médecine de Paris,
séances des 19 et 26 avril 1853 sur cinq questions. Paris: Lubé,
1855, p. 14.
(Nota asterisco da página 191)«metal com carga eléctrica.» Luigi
Galvani (1737-1798), publicado em 1791. «excremento linfático.» A.
Corone (1960). Contribution à 1'histoire de la sonde d'Itard. Histoire
de la Médecine, 10,41-42.
(Nota asterisco da página 191)«sem resultados.» J. M. G. Itard
(1842). Traité des maladies de 1'oreille et de Vaudi- tion, 2.*ed.:
Paris: Méquignon-Marvis fils, p. 342.
(Nota asterisco da página 192)«secassem.» p. Ménière (1853). De la
guérison de la surdi-mutité et de 1'éduca- tion des sourds-muets.
Exposé de la discussion qui a eu lieu à 1'Académie Impériale de
Médecine, avec notes critiques. Paris: Baillière, p. 47.
(Nota asterisco da página 192)«quanto a isso.» A. Esquiros (1847).
Les Sourds-Muets. Em Paris au XIX siècle, Vol. 2. Paris: Imprimerie
Unis, pp. 391-492, p. 412.
(Nota asterisco da página 192)«pais naturais.» A. G. Bell (1920).
Será possível o suicídio de uma raça? Journal of Heredity, II, 339-41.
Página 259
(Nota asterisco da página 192)«dos desejáveis.» A. G. Bell para
David Fairchild, 23 de Novembro de 1908. Bell papers, Library of
Congress. Citado em R. Winefield (1987). Never the Twain Shall
Meet. Washington, DC: Gallaudet University Press, p. 83.
(Nota asterisco da página 192)«da sociedade.» A. G. Bell (1883).
Memoir Upon the Formation of a DeafVariety of the Human Race.
New Haven: National Academy of Sciences. A. G. Bell (1884). Ideias
errôneas sobre o surdo. American Annals ofthe Deaf, 29, 32-69, p.
66. Reeditado: Washington, DC: Gibson, 1884.
(Nota asterisco da página 193)«professores ouvintes.» A. G. Bell
(1883). Memoir Upon the Formation of a Deaf Variety of the Human
Race. New Haven: National Academy of Sciences, «com o mundo?»
Conference of Executives of American Schools for the Deaf (1884).
Proceedings, p. 178.
(Nota asterisco da página
página 193)«educação especial para surdos.» S.
Hegarty e p. Pocklington (1982). Integration in Action. Windsor:
NFER- Nelson. Citado em T. Booth (1988). Desafiando modos de
integração. Em L. Barton, ed., The Politics of Special Educational
Needs (pp. 99-122), Filadélfia: Falmer Press, p. 120.
(Nota asterisco da página 193)«programa educacional.» T. Cole
(1986). Residential Special Eduaction. Milton Keynes, Open University
Press. Citado em T. Booth (1988). Desafiando modos de integração.
Em 1. Barton, ed., The Politics of Special 'Educational Needs (pp. 99-
-122). Filadélfia: Falmer Press, p. 120.
(Nota asterisco da página 194)«não se reproduzirem.» R. H. Johnson
(1918). O casamento dos surdos. Jewish Deaf, 5-6, p. 6.
(Nota asterisco da página 194)«imputou-as a Bell.» Citado em S. H.
Mitchell (1971). A grande influência de Alexander Graham Bell.
American Annals ofthe Deaf, 116, 349-56, p. 355.
(Nota asterisco da página 194)«raça humana.» American Genetic
Association, Sessão Eugenics (1912)... American Sterilization Laws.
Preliminary Report of the Committee of the Eugenics Section of the
American Breeders Association to Study and to Report on the Best
Practical Means for Cutting Off the Defective Germ Plasm in the
Human Population. Londres: Eugenics Educational Society, p. 3.
«degenerados.» M. Haller (1963). Eugenics: Hereditarian Attitudes in
American Thought. New Brunswick: Rutgers University Press, p. 133;
D. May e D. Hughes (1987). Organizando serviços para pessoas
com deficiên-cias mentais: a experiência californiana. Disability,
Handicap and Society, 2, 213-30, p. 215.
(Nota asterisco da página 194)«movimento eugénico.» P. Conrad e J.
Schneider (1985). Deviance and medicali- zation. Nova Iorque:
Merrill, p. 12.
(Nota asterisco da página 194)«pessoa ouvinte.» A. G. Bell (1891).
Casamento. Science, 17(424), 160-163. Reeditado: Silent World,
5(6), 1891,1,4; Marriage: An Address to the Deaf, 3.a ed.
Washington, DC: Sanders, 1898.
(Nota asterisco da página 195)«à cirurgia.» J. Kveton (1991). O
estatuto da impantação coclear nas crianças. Surgery Subcommittee
on Cochlear Implants. American Academy of Otolaryngology, Head
and Neck Surgery. Journal of Pediatrics, 118,1-7.
(Nota asterisco da página 195)«com o dispositivo standard Nucleus-
22.» N. Cohen, R. Hoffman, e M. Stroschein (1988). Complicações
médicas e cirúrgicas relacionadas com o implante coclear Nucleus
com múltiplos canais. Annals of Otology, Rhinology, and Laryngology,
Suplemento, 97, 8-13. Ver também I. M. Windmill, S. A. Martinez, M.
B. Nolph, e B. A. Eisenmenger (1990). Complicações cirúrgicas e não
cirúrgicas associadas a implantes de próteses cocleares. The
American Journal of Otology, 11,415-420.
Página 260
(Nota asterisco da página 195) «e complicações adversas.» Food and
Drug Administration (1990). Summary of Safety and Effectiveness
Data, Pre-Market Approval Application P890027. 27 de Junho de
1990. Clark, Cohen, e Shepherd (1991) constataram uma com-
plicação médico/cirúrgica de escala 6,8 por cento em 309 crianças. G.
M. Clark, N. L. Çohen, e R. K. Shepherd (1991). Considerações sobre
as cirurgias e sobre a segurança dos implantes cocleares com
múltiplos canais em crianças. Ear and Hearing, Suplemento, 12(4),
15S-24S.
(Nota asterisco da página 195)«para o resto da vida.» A. House.
Implantes cocleares em crianças: perspecti-vas passadas e actuais.
Dirigida ao Third Sympósium on Cochlear Implants in Children,
Indiana University School of Medicine, Indianapolis, IN, Janeiro de
1990.
(Nota asterisco da página 195)«graves danos estruturais.» G. E. Loeb
(1989). Estratégias neurais protéticos para crianças. Em E. Owens e
D. Kessler, eds., Cochlear Implants in Young Deaf Children (137-52).
Boston: Little, Brown, p. 142.
(Nota asterisco da página 195)«qualquer problema.» Declarações
proferidas no Third Sympósium on Cochlear Implants in Children,
Indiana University School of Medecine, Indianapolis, IN, Janeiro de
1990. Ver também G. M. Clark, N. L. Cohen, e R. K. Shepherd
(1991). Considerações sobre as cirúrgias e sobre a segurança dos
implantes cocleares com múltiplos canais em crianças. Ear and
Hearing, Suplemento, 12(4), 15S-24S.
(Nota asterisco da página 196)«da cóclea.» J. B. Nadol, Y. S. Young,
e R. J. Glynn (1989). A sobrevivência das células do gânglio espiral
na perda profunda de audição sensorineural: implicações no implante
coclear. Annals of Otology, Rhinology and Laryngology, 98, 411-16.
Em 1991, Beiter, Staller, e Dowell afirmaram que as «familias
deveriam ser informadas de que o grau de viabilidade do nervo
auditivo é importante para a quantidade de bons resultados
conseguidos com o (implante do) aparelho» mas, no entanto, «não
temos informação sobre os indicadores pré-operatórios relativos ao
possivel número de células sobreviventes.» (p. 28S). A. L. Beiter, S.
J. Staller, e R. C. Dowell (1991). A avaliação e o projecto do aparelho
em crianças. Ear and Hearing, Suplemento 12(4), 25S-33S. Contudo,
alguns pacientes que sofreram de uma surdez tardia de origem
hereditária obtiveram excelentes resultados com o implante coclear.»
A. House (1990). Implantes cocleares em crianças: perspectivas
passadas e actuais. Dirigida ao Third Sympósium on Cochlear
Implants in Children, Indiana University School of Medicine,
Indianapolis, In, Janeiro de 1990.
(Nota asterisco da página 197)«cerca de um polegar.» A. J. Hudspeth
(1989). Como funciona o ouvido? Nature, 341, 397-404.
(Nota asterisco da página 198)«com o implante.» E. Owens (1989). O
actual condição dos adultos com implantes cochleares. Em E. Owens
e D. Kessler, eds., Cochlear Implants in Young Deaf Children (pp. 25-
52). Boston: Little, Brown, p. 44.
(Nota asterisco da página 198)«aprender inglês.» S. S. Staller, A. L.
Beiter, J. A. Brimacombe, D. J. Mecklenburg, e p. Amdt (1991). O
desempenho pediátrico com o sistema de implante coclear canal
Nucleus-22. American journal of Otology, Suplemento, 12, 126-36.
Num relatório posterior, com mais dez assuntos que na maioria dos
testes realizados para a percepção da fala, um terço desse mesmo
teste (Phonetically Balanced Kindergarten Iist, PBK) revelou
resultados significati-vamente melhores depois do implante e de um
ano de exercícios; estes resul-tados rondavam os 11,8 por cento.
Mapas de dados pessoais revelaram que
Página 261
cerca de metade das crianças que foram submitidas ao implante
tiveram zero nestes testes enquanto usavam o aparelho, ao passo
que a outra metade obteve resultados que iam de pouco mais que
zero até os 100 por cento. Os resultados da leitura dos lábios foram
aumentados em 20 por cento e 12 por cento em dois testes
diferentes ministrados no ano seguinte ao implante.
Este artigo fornece algumas informações sobre a melhoria na
percepção da fala que é esperada com a utilização do implante a
longo-termo e exercício. Pouca exactidão da identificação das frases
(«CID Sentences») subiu de 13 para 20 por cento três anos após o
implante, mas a maioria das crianças que ficaram surdas muita cedo
contiuam a revelar pouca capacidade na identificação das frases
deste teste decorridos três anos. O teste com fraca pontuação
resultou 11 por cento acima mencionados («Identificação Espondeu»)
subiu para 20 por cento três anos após o implante. O aumento no
terceiro teste no qual existiam já pro-gressos significativos não foram
obtidos, mas outro teste do mesmo gênero (Um simples teste à
linguítica e à percepção, o 'GASP') subiu de 23 para 56 por cento;
contudo, a última prova foi um pequeno sub-grupo dum grupo inicial.
S. S. Staller, R. C. Dowell, A. L. Beiter, J. A. Brimacombe, e p. Arndt
(1991). Capacidades perceptivo das crianças com implante coclear
Nucleus-22 canal. Ear and Hearing, Suplemento, 12(4), 34S-47S.
Osberger e al., em 1991, examinaram 28 crianças que tinham usado
o implante Nucleus-22 durante 1,7 anos, em média; a idade em que
as crianças se torna-ram surdas variava muito: algumas ficaram
surdas à nascença e outras só aos 10 anos de idade. Elas obtiveram
em média 6 por cento no teste PBK e 15 por cento num simples teste
de frases. Um pouco mais de metade das crianças (61 por cento)
obtiveram algum grau de identificação; este subgrupo mais bem
sucedido tinha os fracos resultados de 11 e 24 por cento nos doisa
testes, res-pectivamente. Apenas 6 das 28 crianças obtiveram mais
do que zero nos dois testes. E «mesmo aquelas crianças que
mostravam conseguir identificar a fala num ambiente bem
estruturado continuavam a ter dificuldades na comunica-ção fora da
clínica, especialmente em salas de aulas onde existisse muito baru-
lho» (p. 77S). Os resultados obtidos na leitura de lábios eram
ligeiramente aumentadas um após o implante. M. J. Osberger, R. T.
Miyamoto, S. Zimmerman-Phillips, J. L. Kemink, B. Stroer, J. B.
Firszt, e M. A. Novak (1991). Avaliações independentes das
capacidades de percepção da fala das crianças com o sistema de
implante coclear Nucleus-22 canal. Ear and Hearing, Suplemento,
12(4), 66S-80S. Em 1990, Tyler noticia diversas medidas para a
percepção da fala em cinco crianças com idades compreendidas entre
6 e 10 anos utilizando o implante Nucleus-22 canal que receberam
um treino na lei-tura de lábios antes do implante e um extensivo
treino verbal e auditivo (qua-tro para vinte meses) depois da cirúrgia.
Uma criança que ficou surda à nascença obteve 6 por cento num
teste de identificação de palavras (outra criança surda desde a
nascença não pode ser testada pela lista-padrão). As restantes
crianças obtiveram 2, 10, e 46 por cento. A última criança a ficar
surda, com cinco anos, obteve a pontuação mais baixa: 2 por cento.
O autor conclui que a influência directa no treino é dificil de ser
apreciada. É obvio que existe uma grande variedade de resultados
não classificados. R. Tyler (1990). A percepção da fala com o
implante colcear Nucleus-22 em crianças treinadas sob uma
perspectiva auditiva/verbal. American Journal of Otology, 11, 99-107.
Página 262
Chute e os colegas (1990) num estudo realizado em seis crianças,
três com um único canal e três com o implante coclear Nucleus-22,
descobriu que o desem-penho na melhor das hipóteses atingiram
uma identificação consistente de palavras ( não relatada nenhuma
percentagem). Isto ocorreu em duas crianças. Uma das crianças ficou
surda aos dois anos de idade foi-lhe implantado um aparelho de um
único canal dois anos depois e testada cinco anos após a operação. A
criança é descrita como sendo atípica e uma «estrela de cinema». A
outra criança tornou-se surda aos seis anos e três meses de idade e
recebeu o aparelho com múltiplos canais dez anos mais tarde. P. M.
Chute, S. A. Hellman, S. C. Parisier, e S. H. Selesnick (1990). Uma
comparação realizada a pares de aparelhos um único canal e de
múltiplos canais de implantes cocleares em crianças. Laryngoscope,
100, 25-28. Berliner e os colegas examinaram uma identificação da
fala em crianças que foram submetidas ao implante de um aparelho
House/3M. Metade das crianças que foram operadas no House Ear
Institute obtiveram zero numa tarefa de tema livre; a média da
pontuação no grupo, muitos dos quais tornaram-se surdos após o uso
da língua, foi de 17,3 por cento. A média dos resultados de trinta e
quatro crianças implantadas em outros sete lugares onde também se
realizavam a cirurgia foi de 10,1 por cento. K. I. Berliner, R. A.
Stovall, W. F. House, e H. E. Maddox (1990). As diferenças de
investigador nos implantes cocleares em crianças. Otolaryngology,
Head and Neck Surgery, 102, 683-89.
(Nota asterisco da página 198)«ainda mais baixas.» Staller e os
colegas constataram que no teste GASP da percepção da fala,
crianças surdas congênitas com implantes tinham uma média de
resultados de 10 por cento; as crianças surdas «perilingualmente»,
aquelas que ficaram surdas depois do nascimento mas antes da idade
de 5 anos, tiveram uma média de 25 por cento quando usavam o
aparelho; e as crianças surdas «póslingualmente» obtiveram uma
média de 45 por cento, usando as próteses. S. S. Staller, A. L. Beiter,
J. A. Brimacombe, D. J. Mecklenburg, e p. Amdt (1991). O
desempenho pediátrico com o sistema do implante coclear Nucleus-
22 canal. American Journal of Otology, Suplemento, 12,126-36.
(Nota asterisco da página 198)«em cada dez.» M. J. Osberger, A. M.
Robbins, R. T. Miyamoto, S. W. Berry, W. A. Myres, K. S. Kessler, e
M. L. Pope (1991). A capacidade da percepção da fala em crianças
com implantes cocleares, ajuda no tacto ou ajudas na audição.
American Journal of Otology, Suplemento, 12, 105-15. Ver também
R. T. Miyamoto, M. J. Osberger, A. M. Robbins, e W. A. Myres (1991).
Comparação de capacidades na percepção da fala em crianças surdas
com ajuda auditiva ou implantes cocleares. Otolaryngology, Head and
Neck Surgery, 104,42-46.
(Nota asterisco da página 198) «serviços de reabilitação.» R. T.
Miyamoto, M. J. Osberger, A. M. Robbins, e W. A. Myres (1991).
Comparação de capacidades na percepção da fala em crianças surdas
com ajuda auditiva ou implantes cocleares. Otolaryngology, Head and
Neck Surgery, 104,42-46, p. 46.
(Nota asterisco da página 198)«deficientes auditivos.» R. M. Horn, R.
J. Nozza, e J. N. Dolitsky (1991). Considerações médicas e
audiológicas em crianças com implantes cocleares. American Annals
ofthe Deaf, 136,82-86, p. 85.
(Nota asterisco da página 198)«aparecer esporadicamente.» Ver
revisões em E. Owens e D. K. Kessler (1989). Cochlear Implants in
Young Deaf Children. Boston: Little, Brown; J. Kveton (1991). O
estatuto do implante coclear nas crianças. Surgery Subcommittee on
Página 263
Cochlear Implants, American Academy of Otolaryngology, Head and
Neck Surgery.
Journal of Pediatrics, 118, 1-7; American Journal of Otology,
Suplemento, 12, 1991; Ear and Hearing, Suplemento, 12,1991.
(Nota asterisco da página 198)«muito pouco satisfatórios.» Um
estudo realizado à percepção da fala em 50 crianças que usavam o
aparelho 3M/House de um único canal, que se torna-ram surdas com
as mais variadas idades, revelou que o número médio de palavras
vulgares correctamente identificadas num grupo de doze era uma; a
média foi de duas. K. I. Berliner, L. L. Tonokawa, L. M. Dye, e W. F.
House (1989). A identificação da percepção da fala num tema livre
em crianças com implantes cocleares de um único canal. Ear and
Hearing, 10, 237-42. «O apare-lho 3M/House de um único canal deve
ser capaz de, no melhor dos casos, con-verter uma criança
totalmente surda numa criança com surdez profunda com alguma
capacidade auditiva - ou seja, uma criança com uma perda de
audição numa escala de 100 a 110 dB e sem utilização capaz da
audição acima dos 1000 Hz»: A. Boothroyd (1989). Ajudas auditivas,
implantes cocleares e crianças profundamente surdas. Em E. Owens e
D. Kessler, eds., Cochlear Implants in Young Deaf Children (pp. 81-
100). Boston: Little, Brown, p. 89.
(Nota asterisco da página 199)«forma viável e válida.» A. L. Beiter,
S. J. Staller, e R. C. Dowell (1991). Avaliação e programação do
aparelho em crianças. Ear and Hearing, Suplemento, 12(4), 25S-33S,
p. 28S.
(Nota asterisco da página 200)«reconhecimento de palavras.» S. S.
Staller, A. L. Beiter, J. a. Brimacombe, D. J. Mecklenburg, e p. Amdt
(1991). O desempenho pediátrico com o sistema de implante coclear
Nucleus-22 canal. American Journal of Otology, Suplemento, 12.126-
  36.
(Nota asterisco da página 200)«teste de escolha múltipla.» S. S.
Staller, A. L. Beiter, J. A. Brimacombe, D. J. Mecklenburg, e p. Arndt
(1991). O desempenho pediátrico com o sistema de implante coclear
Nucleus-22 canal. American Journal of Otology, Suplemento, 12.126-
  36.
(Nota asterisco da página 200)«surdas congênitas.» M. J. Osberger,
S. L. Todd, S. W. Berry, A. M. Robbins, e R. T. Miyamoto (1991). O
efeito de idade no início da surdez nas capacidades de percepção da
fala das crianças com implantes cocleares. .Annals of Otology,
Rhinology, and Laryngology, 100, 883-88.
(Nota asterisco da página 200)«depois de serem implantados.» E.
Owens (1989). O actual estatuto dos adultos com implantes
cocleares. Em E. Owens e D. Kessler, eds., Cochlear Implants in
Young Deaf Children (pp. 25-52). Boston: Little, Brown, p. 45.
(Nota asterisco da página 201)«na escola.» T. Allen e M. Karchmer
(1990). A comunicação nas salas de aulas para alunos surdos: aluno,
professor e características do programa. Em H. Bornstein, ed.,
Manual Communication: Implications for Education. Washington, DC:
Gallaudet University Press, pp. 45-66.
(Nota asterisco da página 201)«em apenas metade de um nível.» T.
E. Allen (1986). Padrões de sucesso esco-lar entre alunos com
deficiências auditivas: 1974 e 1983. Em A. N. Schildroth e M. A.
Karchmer, eds., Deaf Children in America (pp. .161-206). San Diego,
CA: College-Hill, p. 165.
(Nota asterisco da página 201)«produção da fala.» A. E. Geers e J. S.
Moog (1987). Factors Predictive of the Development of Reading and
Writing Skills in the Congenitally Deaf: Report of the Oral Sample.
Final Report to NINCDS. St. Louis, Mo: Central Institute for the Deaf,
p. 34.
Página 264
(Nota asterisco da página 201) «exercícios intensivos.» Geers num
discurso proferido no Third Symposium on Cochlear Implants in
Children, Indiana University School of Medicine, Indianapolis, IN,
Janeiro de 1990, revelou que não existiam vantagens no
desenvolvimento da linguagem das crianças de seis anos que
estavam a usar o implante Nucleus.
(Nota asterisco da página 201)«a não agravar a situação.» N. Tiber
(1985). Uma avaliação psicológica dos implantes cocleares em
crianças. Ear and Hearing, 6, 48S-51S, p. 50S. Existiram melhorias
Beneficence in Health Care. Nova Iorque: Oxford University Press, p.
113.
(Nota asterisco da página 214) «é uma limitação.» H. Fine e p. Fine,
produtores (Março de 1990). «60 Minutos». Nova Iorque: Columbia
Broadcasting System.

Página 285
ÍNDICE
PREFÁCIO: Página 11
AGRADECIMENTOS: Página 17
CAPÍTULO 1 - REPRESENTAÇÕES DO SURDO: A DEFICIÊNCIA E OS
MODELOS CULTURAIS : Página 19
Um Mundo Diferente: Página 19
Representações do Surdo: Página 22
A Deficiência e os Padrões Culturais do Surdo: Página 28
CAPÍTULO 2 - AS REPRESENTAÇÕES DO SURDO: COLONIALISMO,
«AUDISMO» E «PSICOLOGIA DO SURDO: Página 43
A Colonização dos africanos e as Comunidades Surdas: Página 43
Denunciando o Paternalismo: Página 49
«A Psicologia do Surdo» dos Audistas: Página 58
CAPÍTULO 3 - REPRESENTAÇÕES DO SURDO: O PODER, A POLÍTICA
E A DEPENDÊNCIA MÚTUA: Página 73
Representação e Poder : Página 73
O Papel do Oprimido: Página 89
Página 286
CAPÍTULO 4 - INTOLERÂNCIA LINGÜÍSTICA E AS COMUNIDADES
SURDAS: Página 101
A Opressão da ASL: Página 101
Outras Formas de Linguagem: Página 115
CAPÍTULO 5 - A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS SURDAS: AFOGAMENTO
NA CORRENTE PRINCIPAL E NA CORRENTE LATERAL : Página 121
O Malogro da Educação dos Surdos: Página 121
Os Surdos sem a Comunidade dos Surdos: Página 134
A provação dos pais: Página 143
CAPÍTULO 6 -A EDUCAÇÃO BILINGÜE E A EDUCAÇÃO DO SURDO:
Página 153
Pelo Progresso, o Retorno ao Ensino Centrado nos Surdos: Página
153
A Política do Ensino de Surdos: Página 170
Após a Revolução: Página 174
CAPÍTULO 7 - BIOPODER VERSUS CRI ANCA SURDA: Página 183
O Último Recurso do Oralismo: Página 183
Perspectiva Histórica dos Tratamentos Heróicos: Página 191
Os Riscos e Limitações dos Implantes Cocleares durante a Infância:
Página 195
O Erro da FDA: Página207
NOTAS: Página 215

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