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Os Especialistas da USO
Autor
K. H. Scheer
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Danger, o anão, e Kasom, o gigante — dois
HOMENS do século vinte e quatro!
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Lemy Danger — Um anão que possui qualidades incríveis.
Melbar Kassom — Que enfia Lemy Danger no bolso...
Atlan — Lorde-almirante e chefe da USO.
Macom Dootsman — Chefe do estado-maior do Quinto Center.
Bentlef Hakira — Chefe dos “verdes” de Haknor.
Grakhor — Que é chamado de “Lança-vermelha” pelo cobo
sagrado.
Prólogo I
Lemy Danger
Prólogo II
Melbar Kasom
1
Relatório de Lemy Danger
***
A cidadezinha de Polma, situada nas margens do rio Azul, estava transformada num
montão de destroços. Primeiro pertencera aos verdes, a seguir fora ocupada pelas tropas
governamentais e depois os revoltosos voltaram a apoderar-se dela. Por ter mudado de
dono tantas vezes, a cidade só podia ser identificada pelo traçado das ruas.
Em alguns lugares já haviam sido utilizados artefatos atômicos, embora houvesse
um acordo tático para que não se usassem armas nucleares. Porém os canhões de
radiações foram largamente usados.
Estava com meu radiador USO. Tratava-se de uma arma de impulsos grande e
pesada, que poderia ser manipulada por um saltador. Pesava quase cinqüenta quilos, mas
era tão curta que podia perfeitamente usá-la como arma manual.
Continuava com meu uniforme de uma peça, que já colocara a bordo da Kaso V. Ao
que parecia, ninguém desconfiava do que estava escondido no mesmo. O trabalho
conjunto dos microtécnicos siganeses e da divisão de equipamentos transformara o
uniforme num verdadeiro arsenal. O peso não me incomodava. Bastava fazer uma
pequena regulagem no meu microgravitor para que nem sentisse os quilos adicionais.
As condições reinantes em Polma eram diferentes das da capital. Ninguém queria
saber de onde vinham as pessoas ou para onde iam. A população havia fugido há muito
tempo.
Pude andar à vontade, mas tive o cuidado de não cruzar o caminho de um oficial de
alta patente.
No momento o front ficava alguns quilômetros além das montanhas da sede. Pelo
que se dizia, os rebeldes, conforme se costumava designar os colonos revoltados, se
haviam entrincheirado por lá e estavam preparando um ataque contra as linhas de
abastecimento das forças governamentais.
Em toda parte falava-se num homem que os cientistas da Explorer 1207 já nos
haviam indicado como o elemento mais importante, e de confiança, nas fileiras dos
verdes. Tratava-se de Bentlef Hakira, conhecido como o homem mais rico do país. Era
grande proprietário de terras e o melhor amigo dos nativos que, em virtude de sua
desenvoltura, costumavam ser chamados de sprinters.
Pelo que se dizia, corriam mais depressa que um cavalo terrano e, o que era mais
importante, tinham mais resistência. Os sprinters me interessavam, pois dizia-se que
possuíam inteligência e uma filosofia de vida. Era bem verdade que também se dizia que
possuíam um orgulho todo especial, que representava um perigo de vida para os
estranhos que não conseguiam adaptar-se ao mesmo.
A situação tornava-se cada vez mais interessante. No entanto, receava ser preso por
ainda não me ter apresentado como voluntário.
O avião militar largara-nos em campo aberto, fora de Polma. Uns cem soldados e
voluntários das áreas comerciais do leste haviam vindo conosco. Meu corpo logo chamou
a atenção. Dois oficiais dirigiram-me um convite a manifestaram a esperança de que me
dispusessem a trabalhar com eles como chefe subalterno.
Compreendia que estivessem interessados em minha colaboração, pois conheciam
perfeitamente as qualidades que eu poderia desenvolver numa guerra de guerrilha.
Como de costume, o baixinho lançou-me um olhar irônico e soltou algumas
observações que me ofenderam bastante. Parecia nem perceber o quanto sua situação era
ridícula. Geralmente ficava sentado sobre meu ombro e grasnava palavras idiotas,
provocando nos espectadores acessos de tosse.
Quando ia longe demais, dava um puxão na corrente presa à sua perna esquerda. Em
virtude disso ouvi insultos pesado na presença de outras pessoas, o que provocava
verdadeiras tormentas de gargalhadas entre a assistência.
Se eu quisesse, o baixinho já teria passado às mãos de outra pessoa. Um oficial
ofereceu-me uma soma considerável por esse cobo extraordinário. E o anãozinho ainda
chegou a orgulhar-se disso. Disse que estava desempenhando seu papel com a maior
perfeição.
Depois de nossa chegada recolhi-me a um acampamento de soldados desgarrados e
sondei a situação. As lutas faziam muitas vitimas e estavam sendo travadas de lado a lado
com muita brutalidade e fanatismo. As tropas governamentais queixavam-se dos colonos,
e estes afirmavam que o regime de Tesonta era corrupto.
No fundo pouco nos importava o que os haknoranos pensassem uns dos outros!... As
guerras civis eclodiam em muitos pontos da Galáxia, mas ao que parecia a que se travava
por aqui representava um caso especial.
O chefe dos verdes, ansiosamente procurado pelas tropas governamentais,
esgueirara-se pessoalmente para bordo da nave exploradora logo após a chegada da
mesma e pedira auxílio aos terranos. Era ele que havia fornecido as noticias transmitidas
pelo Tenente Hymik.
Tínhamos de entrar em contato com Bentlef Hakira e conquistar a amizade dos
nativos, pois estes já haviam descoberto que uma gigantesca nave desconhecida pousara
nas montanhas desérticas...
Restava saber o que se devia entender por gigantesco. Para um sprinter, um
cruzador ligeiro podia ser gigantesco. O que interessava realmente era saber o que se
havia escondido nas montanhas e o que estava acontecendo por lá.
***
Melbar Kasom estava sentado muito à vontade sob o teto de folhagem. Fazia de
conta que era um marajá e sorria, fazendo com que seu rosto largo se assemelhasse ainda
mais a uma panqueca.
Amarrara-me numa corrente pequena tão curta que mal conseguia fazer qualquer
movimento. Toda vez que me atrevia a bater as asas dava um puxão na corrente, dando a
impressão de que iria arrancar minha perna direita.
A finalidade daquilo resumia-se numa apresentação para cinco nativos, que estavam
sentados em posição humilde à frente do presunçoso ertruso e tremiam de medo ao ouvir
as pragas que eu rogava.
Fora promovido ao posto de cobo sagrado, e, naquele momento, Melbar Kasom me
apresentava aos sprinters que eram os únicos seres nascidos em haknor que sabiam em
que lugar estava pousada a espaçonave.
Os sprinters eram criaturas perfeitamente humanóides, mas tinham dois metros e
meio de comprimento, seus corpos eram muito finos e possuíam um par de pernas
robustas que lhes permitiam correr muito. A parte superior da coxa, muito musculosa, era
mais grossa que o tronco de um homem normal. Além disso, as pernas tomavam dois
terços do comprimento total do corpo. Era fácil imaginar que essa gente sabia correr
muito depressa.
Suas cabeças eram pequenas, tinham o formato de um ovo e possuíam um par de
grandes olhos esféricos. O armamento dos sprinters consistia em lanças de aspecto muito
perigoso, arremessadas por meio de um sistema de alavancas. Seus facões afiadíssimos
pareciam ainda mais apavorantes.
Desde o momento em que Melbar Kasom descobriu que esses nativos calvos de
cabeça azul tinham uma simpatia toda especial pelos cobos, minha paciência foi forçada
ao máximo. Não parava de transpirar, pois tinha que realizar constantemente acrobacias
aéreas, responder a chamados e voltar no ombro do gorducho.
Os cinco sprinters me veneravam. Quanto a isso não havia a menor dúvida. Assim
que cheguei em Haknor esforcei-me para aprender as palavras mais importantes do
vocabulário dos sprinters. Para um homem do meu grau de cultura isso não representava
nenhuma dificuldade.
— Grande guerreiro “Lança-vermelha” — grasnei e acenei com a cabeça de cobo.
— Grande guerreiro “Lança-vermelha” muito rápido, hein? Grande guerreiro.
Acionei o movimento automático das garras, arranhei a pele de Melbar e cochichei
ao seu ouvido:
— Solte-me, seu dorminhoco. Isto foi um elogio.
Kasom abriu o cadeado da corrente. Voei para junto do sprinter mais idoso, que me
fitava com uma expressão de enlevo. Possuía uma lança cuja ponta fora tingida de
vermelho.
Bentlef Hakira, que se encontrava ao nosso lado, observando a cena, me dissera que
esse nativo era um homem muito importante de seu povo. Chefiava todas as tribos
residentes nessa área.
Voei para onde estava ele, sentei sobre sua arma de arremesso e continuei a grasnar:
— Morte ao estranho, morte ao cobo gordo, falso cobo. Lança-vermelha apontar
caminho.
Preferi não arriscar mais que isso. Já chegara muito longe. Além disso, sentia-me
envergonhado por abusar de forma tão vergonhosa das superstições dos nativos. Pelo que
se dizia, eram seres decentes e relativamente pacatos. Pastoreavam as ovelhas dos
criadores de Haknor em troca de uma pequena recompensa. Os animais haviam sido
importados há muitos séculos. No curso do tempo se transformaram, em virtude de uma
série de mutações determinadas pelo meio ambiente, em criaturas gigantescas e
agressivas, mais sua lã era tão macia e perfumada que se transformara no mais valioso
produto de exportação do planeta.
Voltei para o ombro de Melbar Kasom, soltei um grito de triunfo e voltei a insultar o
ertruso.
Um dos sprinters levantou o braço. O movimento foi tão rápido que mal consegui
acompanhá-lo com a vista. A ponta de uma lança penetrou no chão entre as pernas
abertas de Melbar.
— Cuidado! — advertiu o chefe dos rebeldes em voz baixa. — O senhor não pode
manter a ave acorrentada. Foi transformada em cobo sagrado.
Melbar obedeceu com um gesto de resignação. Soltou de vez a corrente que me
prendia.
— Cobo sagrado! Ora essa! — resmungou o assimilado.
Subi aos ares descrevi alguns círculos, executei dois mergulhos e acabei pousando
sobre a cabeça de outro sprinter, que desempenhava o papel de chefe de uma tribo
montanhesa.
— Matar falso cobo — gritei e voltei a subir.
Prossegui no jogo, até que os nativos desaparecessem rapidamente e em silêncio.
Não faziam o menor ruído e tiravam proveito de todas as possibilidades de abrigar-se.
Assim mesmo consegui seguir seu caminho.
Corriam com a leveza de animais das montanhas sobre trilhas que passavam junto a
abismos profundos. Sempre que me viam atiravam-se no chão e cumprimentavam com
um gesto de humildade, erguendo as mãos.
Segui-os até a aldeia em que moravam. Uma vez lá, pousei sobre uma construção
redonda feita de pedras naturais e voltei a soltar meu grito de guerra.
— Lança-vermelha chegando — gritei para alguns nativos.
Depois disso fui em vôo rápido ao acampamento dos revolucionários. Fora montado
numa depressão, que oferecia a vantagem de não poder ser vista de cima. Além disso,
havia uma fonte, e em Haknor a água era mais preciosa que o ouro ou os diamantes.
Pousei ao lado do chefe dos rebeldes, que me fitou por algum tempo. Bentlef Hakira
era um homem alto e tinha os traços do rosto bem marcados. Seu olhar franco inspirava
confiança. Tive certeza de que o governo deveria ter procedido muito mal, pois, do
contrário, um criador de gado ponderado como este não teria chegado ao extremo...
— Excelente disfarce, sir — disse em meio às suas reflexões. — Naturalmente já
sabe que se encontra numa das áreas mais inacessíveis do planeta. Nem por isso se pode
dizer que os outros distritos disponham de maiores recursos ou sejam mais povoados. Só
os nativos conhecem os raros locais em que se pode encontrar água. Caso esteja
interessado em localizar a espaçonave, é bom que saiba que isso só pode ser feito com o
auxílio dos sprinters. Posso fazer alguma coisa pelo senhor?
Estava banhado de suor. O uniforme estava grudado na minha pele. Além disso,
sentia-me cansado.
Abri o fecho do falso pássaro, olhei em torno e tive o cuidado de saltitar mais para
dentro da caverna. Uma vez lá, sai da máquina e deixei que a ventilação da mesma
funcionasse a toda força.
Soltei um suspiro e sentei-me no chão ao lado do haknorano. Este permaneceu com
o rosto impassível. Um homem como ele seria incapaz de rir de um homenzinho vindo do
planeta Siga.
— Durma — recomendou Hakira. — No momento os nativos estão realizando uma
grande conferencia. São gente sincera, mas gostam de falar. Grakhor vai...
— Quem é Grakhor?
— O chefe que o senhor chamou de “Lança-vermelha”. Falará por horas a fio no
favor recebido do cobo sagrado e assumirá o novo nome. Naturalmente terá todos os
chefes subalternos de seu lado, e dessa forma o senhor poderá contar com o apoio desta
tribo de sprinters. É gente muito capaz, cuja inteligência não deve ser subestimada. São
ótimos artífices, entendem de Astronomia e sabem trabalhar o bronze com perfeição.
Seus moldes e fornos de fundição são excelentes. Basta ver as pontas de suas lanças.
Olhei para trás, mas a arma tinha desaparecido. Levantei-me, preocupado. No
mesmo instante alguma coisa atravessou o ar com um chiado. Uma ponta de bronze
atingiu uma árvore ressequida com tamanha força que o tronco foi perfurado.
— Isto é que é um arremesso de lança! — disse a voz trovejante de Kasom, que saiu
de trás de uma rocha. O chão da caverna tremeu sob o efeito dos seus passos.
O criador de gado deu uma risada.
— Os senhores formam uma boa equipe — disse. — O máximo que posso fazer é
destacar um homem para acompanhá-los. As tropas governamentais estão preparando
uma ofensiva. Provavelmente amanhã teremos de abandonar este acampamento. Há
algumas semanas entrei em contato com o comandante da nave exploradora porque
pensava que ele pudesse ajudar-me. Mas no dia seguinte foi desarmado e aprisionado.
Apesar disso conseguiu transmitir um pedido de socorro.
— É por isso que estamos aqui — observei.
Estava gostando daquele homem que amava a liberdade.
— Infelizmente chegaram tarde. Não sei o que está acontecendo nas montanhas.
Antes da chegada da nave explorador localizamos uma espaçonave que, segundo parece,
obteve permissão do governo para pousar nas montanhas do deserto. E continua lá até
hoje. As informações dos nativos são bastante vagas. Daqui a uma hora conheciam as
superstições dos sprinters e se aproveitaram delas.
— Quem foi que fez isso?
— Os tripulantes da espaçonave. Tratava-se de um veículo semelhante às esferas
espaciais dos arcônidas, com a diferença de que os pólos são bastante achatados. Seu
formato assemelha-se antes ao de um disco inflado.
— É a forma usada pelos acônidas — observou Melbar.
— É possível — disse o criador de gado. — Não conhecemos os acônidas. Seja
como for, é uma nave gigantesca. Poucos dias depois de sua chegada Tschatel foi à
capital, e depois disso começaram os conflitos. Sei de fonte segura que a insatisfação
estava latente em ambos os lados. Ainda esperava sair vencedor nas próximas eleições.
Mas, de repente, as tropas governamentais atacaram. Nossas fazendas foram
bombardeadas, o gado foi morto a tiros disparados do ar e nossas agrovilas foram
destruídas. Reuni o exercito clandestino que já existia há muito tempo e retirei-me para as
montanhas. Nossos abastecimentos de armas e munições vêm do leste. Um mercador é
sempre um mercador, e não há quem corrija um saltador estabelecido...
— O senhor descende desse povo, sir.
Bentlef Hakira fitou-me com uma expressão recriminadora.
— Sir, faz quinhentos anos que não temos nada a vez com os mercadores. Eles
descendem dos arcônidas, e nós voltamos a transformar-nos em arcônidas. A terra livre
nos pertence, que somos lavradores e criadores. Não permitiremos que ninguém nos tire a
mesma ou a desvalorize por meio de impostos excessivos. Procure conhecer as
montanhas, mas tenha cuidado para não perder a vida. Só os nativos poderão guiá-lo.
— Existe algum meio de transporte — perguntou Kasom. — Quem sabe se
poderemos encontrar animais de montaria ou veículos capazes de trafegar neste terreno?
— Nada disso. Os sprinters são mais velozes que qualquer outra criatura de Haknor.
Nunca chegaram a criar animais de montaria, embora algumas espécies de antílopes e até
mesmo certas aves de corrida do planeta se prestassem a isso. Não posso ceder-lhes
nenhum veículo. Possuo blindados de esteira estreita e planadores, mas se utilizarem os
mesmos não demorará mais de dez minutos para serem localizados. Acho que não é o que
querem.
Respondi que não. Era claro que não poderíamos utilizar qualquer meio de
transporte cujas emanações energéticas pudessem ser registradas por alguém. Isso
representaria o fracasso de nossa missão.
Tinham uma pergunta na ponta da língua desde o momento de minha chegada.
Resolvi formulá-la:
— Sir, por que não atacou a espaçonave desconhecida, uma vez que já a localizou?
Ou será que ainda tem alguma dúvida de que seus tripulantes são indiretamente
responsáveis pelos conflitos que se verificam em Haknor?
Melbar Kasom encostou-se ao paredão de rocha e refletiu intensamente.
— As montanhas são muito extensas e possuem inúmeros vales e desfiladeiros. A
localização foi feita durante o vôo de aproximação.
— Quer dizer que o senhor não sabe exatamente onde ela pousou?
— É isso mesmo, sir. Além disso, não possuímos as armas pesadas que seriam
indispensáveis para o ataque. As poucas espaçonaves que possuímos foram derrubadas
pelos veículos governamentais, antes da chegada dos desconhecidos. Não podemos
operar com aviões bombardeio de grande altitude. A nave portadora de caças especiais
Oskrusa pertence ao governo e circula em torno do planeta numa órbita permanente. O
senhor já viu que nossa tática é inteiramente ligada ao solo. Não contem com o meu
auxílio. Acho que só as tribos montanhesas sabem onde pode ser encontrada a nave. E os
sprinters são gente muito calada.
— Mas eles devem ter dito alguma coisa! — exclamou Kasom em tom contrariado.
Bentlef Hakira passou a mão pelo cabelo e disse, muito deprimido:
— Devem ter dito alguma coisa? O senhor não conhece os sprinters. Ninguém
consegue obrigá-los a fazer qualquer coisa. Interroguei-os várias vezes e só ouvi
indicações vagas. A julgar por essas indicações, a área em que pousou a nave foi
declarada “zona da morte”.
Tive minha atenção despertada.
“Zona da morte”! A expressão já fora usada pelo Tenente Hymik. O que vinha a ser
isso?
Perguntei, mas o chefe revolucionário não sabia o que dizer.
— Comecei a trabalhar com os nativos quando ainda era muito jovem, mas nunca
cheguei a conhecer muito bem os ritos que praticam. Só entendo da parte superficial.
Depois de uma hora a palestra chegou ao fim. Kasom carregou a bateria de minha
máquina com a força dos geradores do acampamento.
Deitamos ao pôr-do-sol. Antes disso o ertruso disse:
— Tenho certeza de que Bentosa pretendia transmitir informações importantes à
central. Ao que tudo indica, o governo anda de mãos dadas com a tripulação da nave. Por
que será?
Não sabia responder. Lancei os olhos para minha máquina, que estava jogada no
chão da caverna. Se expedisse uma mensagem de hiper-rádio por meu minitransmissor,
os impulsos sem dúvida seriam captados por alguma espaçonave. Mesmo que a pequena
duração de uma mensagem condensada não permitisse a determinação goniométrica da
posição do transmissor, logo compreenderiam que alguém acabara de chamar. Quais
seriam as conseqüências?
Era possível que a nave desconhecida decolasse. Nesse caso nunca descobriria o
motivo da guerra civil irrompida em Haknor. Por isso não poderia pensar num pedido de
socorro, ao menos nessa altura. Não se poderia colocar em risco o trabalho de coleta de
informações.
Armei-me de paciência, uma qualidade incutida em todos os especialistas da USO.
O cruzador da USO, que em conformidade com o plano esperava no espaço livre a
apenas alguns meses-luz do sistema de Atanus, também teria de esperar. O lorde-
almirante não poderia dar-se por satisfeito com informações incompletas. E, o que era
mais importante, os acônidas se haviam intrometido em assuntos que não lhes diziam
respeito. Tornava-se necessário descobrir o que estavam fazendo em Haknor e por que
haviam aparecido em circunstancias tão estranhas.
Caso ficasse provado que o governo de haknor havia estabelecido contato com uma
potência estranha sem informar o Império, então haveria um caso para a USO.
Quando inflei meu colchão de ar, o barulho ainda não cessara no acampamento.
— A situação de Bentlef Hakira é bastante difícil — constatou Melbar.
Não respondi e deitei para dormir. Os vôos prolongados dos últimos dias haviam
sido bastante cansativos.
***
Cada vez mais desconfiado, fui fazendo minhas observações pelo rastreador de
impulsos. Havia três horas que Lemy desaparecera pela escotilha de carga da espaçonave,
pois pretendia tentar influenciar os tripulantes.
Na verdade, o fato de meu rastreador de ecos não indicar nada significava que o
baixinho não fora descoberto nem preso. Num caso ou noutro os acônidas teriam
começado imediatamente a rastrear a área por meio do radar, pois a presença do baixinho
os levaria a concluir que havia outros inimigos por perto.
Tinha todo motivo para sentir-me tranqüilo, mas não confiava mais naquela calma
depois que Danger voltara naquele estado miserável do seu vôo de reconhecimento.
Estava quase inconsciente quando o retirei de dentro do pássaro robotizado. Quando
se recuperou, Lemy ficou tão furioso que não tive outra alternativa senão fechá-lo na
palma da mão e segurá-lo por uma hora.
Só depois disso, sua mente voltou ao normal. Já sabíamos que a perturbação do
espírito fora passageira. Bastava retirar-se da área de influência do misterioso transmissor
e esperar um pouco para voltar ao normal.
Seis horas antes do pôr-do-sol, o baixinho já estava bem-disposto. Em virtude de seu
temperamento agitado, não me deu sossego enquanto não concordei em que fosse dar
uma volta pela nave.
O homenzinho que usava o nome de Lemy Danger era mais ligeiro que um alce
terrano. Coloquei o microneutralizador gravitacional nas costas do baixinho e o regulei
para a gravitação local.
O baixinho perdeu o peso. Fui até a primeira curva do desfiladeiro e atirei-o para a
espaçonave. Chegou são e salvo e, como já disse, desapareceu pela escotilha de carga.
Estava deitado numa faixa de rocha saliente que ficava uns trinta metros acima do
fundo do desfiladeiro. O lugar fora descoberto por Lemy. A saliência impedia que
alguém pudesse ver de baixo. No entanto, não poderia arriscar-me a um combate com
armas de fogo, pois não teria para onde fugir.
A nave estava a uns cinqüenta metros do lugar em que me encontrava. As
irradiações térmicas do casco e das escotilhas das eclusas eram tão intensas que eu
consegui vê-la perfeitamente com meus óculos infravermelhos.
Olhei para o relógio e vi que o sol deveria nascer dali a, mais ou menos, três horas.
Era duvidoso que pudéssemos fazer qualquer coisa à luz do dia. Bem que gostaria de
aproveitar a escuridão para procurar o emissor dos sinais goniométricos.
Fiquei cada vez mais nervoso. Rastejei mais um pedaço par acompanhamento frente
e passei os olhos pela superfície da nave. Se Lemy agisse conforme eu esperava,
arriscaria o pescoço para escutar o que os tripulantes conversavam e descobrir o que
estava acontecendo por ali. Provavelmente se esconderia atrás de tudo quanto era
aparelho, atrás dos pés das poltronas e de outros objetos, onde nenhum homem sensato
desconfiaria da presença de um espião.
Não havia quem superasse o baixinho como espia. Era bem verdade que seu
pedantismo me incomodava. Enquanto não soubesse exatamente o que havia levado os
acônidas a Haknor, ele não voltaria.
Mais trinta minutos se passaram. Comecei a refletir à procura de um meio de tirar o
baixinho da situação difícil em que se encontrava. Nunca levara tanto tempo para
espionar uma tripulação...
Procurei convencer-me de que, no interior da nave, todo mundo devia estar
dormindo. Mas as estreitas faixas de luz, visíveis através das aberturas do casco,
provavam que parte da tripulação estava acordada. A grande escotilha inferior até estava
aberta o suficiente para que se pudesse ver o interior. Grande número de acônidas, dos
quais só reconheci os contornos, mexiam num veículo em forma de blindado.
Se o baixinho fosse inteligente, ficaria constantemente nesse recinto. Um grupo de
homens trabalhando gosta de falar sobre os problemas que esperam resolver por meio de
sua atividade.
Dali a dez minutos vi finalmente um pontinho luminoso que se desprendeu da
eclusa. Lemy deixou-se cair e passou a planar pouco acima do solo. As emanações do
jato de seu sistema propulsor eram tão insignificantes que apesar dos óculos
infravermelhos mal consegui distinguí-las.
Uma vez chegado num ponto situado bem embaixo de mim, o anão empurrou-se
com o pé e foi subindo. Peguei-o e enfiei-o no bolso do peito juntamente com seu
aparelho antigravitacional.
Lemy não disse uma palavra. Comecei a retirar-me pela trilha de rocha. No
momento em que pretendia saltar para o fundo do desfiladeiro, meu rastreador de
impulsos emitiu um sinal. A antena direcional começou a girar rapidamente, tateando
desfiladeiro com seus raios de eco que se deslocavam à velocidade da luz.
Fiquei parado, até que o chiado cessasse.
— Foi um rastreador? — gritou o baixinho dentro do bolso. — Aí! Faça o favor de
ter mais cuidado nos seus movimentos.
Ergui ligeiramente o tórax, a fim não esmagar aquele mosquito. Dali a pouco
chegamos a uma caverna. Fiquei triste ao notar que no interior da mesma não havia
nenhuma nascente.
Água: era este o primeiro problema que teríamos de enfrentar. Assim que nascesse o
sol, começaria a sentir a sede martirizante. No meu odre só havia alguns goles de água.
Talvez fossem cinco litros, no máximo.
O local em que havia água ficava numa ramificação do desfiladeiro. Para chegar lá.
Teríamos de passar junto à espaçonave ou encontrar um meio de contorná-la.
Lemy saltou do meu bolso e tirou a mochila antigravitacional.
— Faltam duas horas e meia para o raiar do sol — observei em voz baixa. — Como
estamos de água? Prefiro não saltar junto à nave. Eles me localizariam.
— Isso é bastante provável — confirmou Lemy. — Partiremos imediatamente.
Conheço um lugar que leva à nascente.
Saímos naquele mesmo instante. Dali a pouco já estava correndo pelo labirinto de
pedra. Fiquei refletindo sobre o que poderia ter descoberto o baixinho. Era estranho que
se mantivesse calado por tanto tempo. Quanto a mim, era orgulho demais para pedir-lhe
que me contasse o resultado de sua espionagem.
Dali a duas horas comecei a sentir-me cansado. Era uma conseqüência das corridas
dos últimos dias.
Ao nascer do sol, vi-me no interior de uma formação parecida com uma chaminé.
Teria de escalar uma subida de cerca de trezentos metros.
Quando cheguei no topo, vi o desfiladeiro que ficava do lado aposto. A descida não
foi nada fácil, ainda mais que o calor aumentava a cada minuto que passava.
Uma vez chegado embaixo, bebi parte da minha água, descansei durante dez
minutos e prossegui na minha corrida. Já nos encontrávamos ao oeste da nave.
Finalmente cheguei ofegante ao desfiladeiro, em cujo interior Lemy descobrira a
nascente. A espaçonave encontrava-se a uns quinhentos metros.
Bastava transpor uma encosta e descer na garganta mais próxima.
Lemy saiu voando em seu cobo, a fim de sondar a área. Esperei até que aparecesse
na curva mais próxima e fizesse um sinal. Atingi a caverna numa desabalada corrida.
Matei a sede, enchi o odre e voltei correndo. Descobrimos outra caverna numa
ramificação do desfiladeiro. Ficava a uns seis metros de altura e sua entrada estava
coberta por uma placa de pedra.
Finalmente pude descansar. Não se via o menor sinal dos tripulantes da nave. Vez
por outra ouvia-se o uivo do motor de um blindado. Não se percebia o ruído de tiros.
Quando o sol subiu mais alto, espantando a escuridão, pude ver melhor o baixinho.
A expressão de seu rosto deixou-me assustado. Sentei-me numa posição mais cômoda e
encostei-me à parede.
— O que foi que você descobriu? — perguntei.
Lemy estava sentado sobre meu pé, que também lhe servia de leito. Como não
respondesse logo, derrubei-o com um ligeiro movimento.
— Seu bruto — disse, mas seu rosto continuou impassível.
Isso me deixou ainda mais nervoso.
Finalmente levantou a cabeça. Estava parado à minha frente e olhava para fora.
— Eles não sabem que basta esperar que os loucos fiquem bons — disse sem
nenhum intróito. — Além disso, ainda acreditam que se trata de alguma infecção. A
bordo da nave, ninguém imagina que o estado doentio pode ser causado por efeitos
parafísicos. Dessa forma se explica por que os doentes são mortos a tiros e por que, ao se
aproximarem dos mortos, usam trajes espaciais, que posteriormente são desinfetados.
Nestas condições é natural que os cadáveres sejam incinerados. Essa gente ainda não se
lembrou de isolar um dos doentes por mais de três horas. Logo após o pouso isso foi
tentado, mas o comandante ordenou que o doente fosse morto. Se tivesse esperado mais
uma hora, tudo teria voltado ao normal. Estão sendo vitimas de um terrível engano.
Preferi nada comentar. Lemy falava em tom monótono. Percebi que não esperava
que eu falasse.
— A guerra civil foi provocada pelos acônidas. Há anos o governo vem recebendo
ajuda financeira. A simples ameaça de suspender as subvenções secretas bastou para que
as hostilidades latentes com os criadores independentes degenerassem em luta armada. O
interesse do governo acônida por esta área data dum tempo muito mais longo do que
supúnhamos. Não existe a menor dúvida de que se trata de um caso da competência da
USO.
Lancei um olhar prolongado para o cobo de Lemy, em cujo compartimento de carga
estava escondido o minitransmissor. Porém o baixinho limitou-se a sacudir a cabeça.
— Não. Por enquanto não devemos usar o rádio. Se o comandante acônida notar a
presença da frota da USO, ele lançará uma bomba no vale. O que está escondido por lá é
tão valioso que ele nunca permitiria que caísse nas nossas mãos. As ordens nesse sentido
foram dadas logo após o pouso. Os planos de expansão dos acônidas não permitem o
fortalecimento do Império.
Meu nervosismo diminuiu. Não poderia deixar de notar o estado sonhador de Lemy.
Descobrira alguma coisa que não cabia num relato de poucas palavras. Permaneci em
silêncio.
Mas, quando de repente o baixinho me ditou intensamente e deixou cair a mão
direito até o quadril, prendi a respiração. A arma de radiações de Lemy era muito
pequena, mas seus efeitos não me eram desconhecidos. Será que Lemy enlouquecera?
Por que assumira a posição típica de quem vai atirar?
— Acho que você vai atingir mais ou menos trezentos e cinqüenta anos de idade,
certo, grandalhão? — perguntou, esticando as palavras. — Acha que isso basta?
Encolhi as pernas.
— Fique sentado, Melbar Kasom. Quero saber se esse tempo de vida é suficiente.
— Perfeitamente. É minha opinião sincera.
— Ainda bem, grandalhão, pois a poucos quilômetros daqui está a vida eterna para
um de nós. Você se lembra das conferências realizadas no quartel-general? O Grande
Administrador informou que alguém havia espalhado vinte e cinco ativadores celulares
pela Galáxia. Esse alguém é o Ser energético do planeta Peregrino.
— Isso é de enlouquecer.
— Nada de promessas vazias, por favor. Os sinais de rádio são emitidos pelo
ativador. Há algumas semanas vêm sendo captados por um comando explorador dos
acônidas e são interpretados de forma mais ou menos correta no mundo central de Ácon,
uma vez que Ele ou Aquilo energético já comunicou a todos suas intenções. Como sabe, a
mensagem de rádio pôde ser ouvida em toda parte. Os agentes secretos de Ácon, que
atuam neste planeta, entraram em ação. Fizeram a medição da área de loucura e voltaram
a entrar em contato com seu mundo. O cruzador foi enviado para cá e os acônidas
provocaram a guerra civil.
“Já têm certeza de que um dos vinte e cinco ativadores se encontra no fundo do vale.
Infelizmente ninguém consegue aproximar-se dele. Subestimaram o humor macabro do
Ser; os acônidas nem sabem que as irradiações que provocam a loucura não passam de
uma brincadeira. Acham que se trata de um efeito permanente e lhe atribuem uma
importância maior do que merece. A História da Terra revela que em certa oportunidade
o Imortal formulou um enigma galático cuja solução levou à descoberta do planeta
artificial Peregrino. O presente caso é semelhante, se bem que não é tão complicado.”
Lemy ainda continuava com a mão sobre a arma. Gritei em tom indignado:
— Deixe disso. Que tolice é essa?
— Não se pode censurar nenhuma criatura inteligente pelo simples fato de ansiar
pela imortalidade.
— É claro que não.
— Pois você é um ser humano com todos os erros e fraquezas inerentes a essa
condição. Melbar Kasom, quem me garante que neste momento você não está pensando
em esquecer seu juramento de lealdade para apoderar-se desse aparelho?
Fitei Lemy, perplexo. Fiquei confuso ao notar que, em meu interior, surgiu um
sentimento que não consegui definir. Seria a avidez da vida eterna, a vontade de obter a
ativação celular bioquímica, que impediria o processo de envelhecimento?
Lemy sorriu como quem compreende tudo.
— Já está sentindo, não está? Eu também. Não posso negar. Resta saber qual de nós
possui mais força de vontade, decência e consciência do dever. Lembro-me de um
homem que usa o título de marechal e que ocupava um lugar ao lado de Perry Rhodan.
Seu nome é Reginald Bell. Pois esse homem morrerá dentro de algumas semanas, a não
ser que consiga um ativador Tenho a maior estima por este homem, que construiu o
Império juntamente com Rhodan e Atlan. Então, Melbar Kasom, qual é sua decisão?
Passei a mão pelos olhos e fiz um esforço para reprimir uma estranha vontade...
— Grandalhão, não posso fazê-lo sozinho. Os acônidas são técnicos excelentes.
Estão criando um método que lhes permitirá atravessar o campo de radiações. Tenho
certeza de que bastará tocar o aparelho para que os impulsos produtores da alienação
mental cessem. Dessa forma, a brincadeira chegará ao fim. Qual é sua decisão,
especialista Kasom?
— O que foi que você resolveu? — perguntei.
— Minha decisão é a favor do Império. Pediram-nos que ficássemos com os olhos e
os ouvidos bem abertos. Foi o que fizemos. Nenhum de nós tem o direito de ficar com o
ativador. Ainda acontece que chegarei com toda certeza aos novecentos anos, e é quanto
basta. É bem verdade que você só terá trezentos e cinqüenta anos de vida.
Levantei-me. Em alguns minutos recuperei o autocontrole. O rumorejar martirizante
em meu interior chegou ao fim.
— O que vamos fazer? Tem algum plano?
Lemy tirou a mão de cima da arma.
— Tenho. Já fiz a interpretação do diagrama de meu localizador de impulsos. A
faixa de ondas espalha-se na horizontal em todas as direções.
— É na vertical?
— Também, mas a intensidade é menor. O ativador está numa caverna situada na
encosta norte do vale. Para os acônidas, isso representa uma desvantagem, pois o acesso
fica bem do lado oposto ao que se encontram. Terão de viajar, voar ou correr uns
seiscentos metros para atravessar o vale. Terão de vencer as radiações periféricas menos
intensas para atingir a entrada do vale.
— Por que não penetram no vale por cima?
— Já tentaram. As máquinas são muito grandes. Meu cobo representa uma chance
melhor.
Discutimos o plano. Constantemente prestávamos atenção ao ruído dos motores dos
blindados que uivavam lá fora. Lemy notara que os veículos mais velozes haviam sido
equipados com tudo quando era dispositivo de defesa contra radiações.
Havia uma coisa que eu ainda não compreendia. Perguntei pelo comando explorador
que pela primeira vez teria captado as transmissões goniométricas. O alcance das mesmas
era muito reduzido. Por que aqueles acônidas haviam vindo às montanhas da sede?
— Por acaso — disse o baixinho. — Estavam à procura de um local adequado para
a fabricação de armas proibidas. Nessa oportunidade passaram por aqui e ouviram os
sinais Morse.
Discutimos todas as hipóteses possíveis e fomos dormir. À noite traria a decisão.
Teria de restaurar minhas forças e o baixinho precisava controlar os nervos.
Foi um dia muito longo. A cada momento erguia-me, sobressaltado. Só o frescor do
início da noite proporcionou-me o repouso de que precisava.
7
Relatório de Lemy Danger
A fim de chegar ao destino sem perda de tempo, arrisquei-me pouco antes do pôr-
do-sol a fazer um ligeiro mergulho para dentro do vale e lançar uma luminária
infravermelha nas proximidades do local em que se encontrava o ativador celular, cuja
posição fora determinada goniometricamente.
Caiu bem próxima da entrada de uma caverna que tinha pouco mais de dois metros
de altura. Distinguia perfeitamente suas irradiações térmicas. Essas irradiações eram tão
intensas que até mesmo a abertura no paredão de rocha chegou a ser iluminada. Se
conseguisse descer sem perda de um segundo e subir utilizando o impulso obtido ao
amortecer a queda da máquina, haveria uma possibilidade de ser bem-sucedido.
Ao arremessar a luminária, já sentira a força medonha, embora tivesse acionado o
mecanismo de lançamento cem metros acima do fundo do vale. Depois disso precisei de
duas horas de descaso.
Todavia, a experiência revelara que o efeito enlouquecedor não surgia
abruptamente. Podia-se resistir por algum tempo.
Agora tratava-se de recolher o aparelho depositado em haknor. A presença dos
acônidas era um elemento perturbador. Pareciam loucos. Constantemente surgiam
pessoas que queriam fazer mais uma tentativa de apoderar-se do ativador. O comandante
dava-lhes cartas branca. Ainda dispunha de mil tripulantes...
Planei para uma encosta, pousei na mesma e apliquei-me uma injeção estabilizadora
da circulação. Quando senti o efeito, tive consciência de ter feito o que estava ao meu
alcance para fortalecer o corpo e o espírito.
Melbar recebera ordens para dar-me cobertura, acontecesse o que acontecesse.
Olhei para o relógio. Estava na hora. Por certo o assimilado já encontrara uma boa
posição defensiva. Saí voando.
Quinhentos metros acima do vale já comecei a sentir um efeito menos intenso do
aparelho. O fundo do vale ficava uns quatrocentos metros abaixo do nível do planalto.
Dessa forma, as irradiações tinham um alcance de novecentos metros na vertical. Na
horizontal chegavam muito mais longe. O lugar em que estava Melbar ficava pelo menos
a mil e quinhentos metros do ativador...
Não perdi mais tempo. Fixei os olhos na luminária, encostei as asas ao corpo e desci
num ângulo de noventa graus. As encostas rochosas aproximavam-se velozmente. Dali a
alguns segundos cheguei aonde queria.
O impacto das radiações era tão forte que até tive a impressão de ter esbarrado num
objeto sólido. Meus sentidos ficaram perturbados. Consegui neutralizar o primeiro acesso
de raiva e, no mesmo instante, controlei a queda da máquina.
Passei para a horizontal junto ao solo e prossegui à velocidade máxima em direção à
abertura do paredão.
Sabia que estava gritando que nem um louco. Uma energia parapsíquica queria
obrigar-me a cessar toda atividade racional e passar a bater e atirar em tudo que
aparecesse à minha frente.
Apesar disso prossegui no vôo, batendo fortemente as asas. Depois de algum tempo
um espaço oco surgiu à minha frente.
Vi um objeto fosforescente sobre um bloco de pedra. Quando o fitei diretamente, ele
me fascinou. Esqueci minhas intenções. As radiações paranormais envolveram-me por
completo e comecei a esbravejar.
No entanto, antes de iniciar o vôo condicionei meu subconsciente de forma tal que,
mesmo sem saber poderia agir corretamente. Reuni toda minha capacidade de
autodeterminação e consegui dirigir a raiva incontrolável exclusivamente sobre o
aparelho.
Fiquei submetido às radiações, mas continuei a voar em direção ao ativador.
Dominado pela fúria destrutiva, precipitei minha máquina sobre o aparelho, passei os
braços pela abertura do peito e segurei o metal reluzente. A pressão formidável
desapareceu instantaneamente. Alguém riu tão alto que pensei que minha cabeça fosse
estourar.
— Seja bem-vindo — disse a voz telepática. — Proteja o bem precioso que você
acaba de conseguir e procure atingir a imortalidade ao menos por uma hora...
Mais uma vez a gargalhada se fez ouvir, mas logo cessou. Quase inconsciente,
estava debruçado por sobre o aparelho que mal consegui abranger com os braços.
Ofegante e cada vez mais nervoso, saí da máquina e procurei descobrir uma solução.
Ouvi um ruído. Peguei a arma e procurei abrigar-me.
— Sou eu, Melbar Kasom — disse a voz retumbante do ertruso. — Você deve ter
encontrado o aparelho, senão as radiações não teriam cessado de repente. Onde está você,
Lemy? Lemy...!
Respondi, e Kasom entrou correndo na caverna. Não deu a menor atenção ao
ativador, que poderia proporcionar a vida eterna a um homem.
— Os acônidas não levarão mais de cinco minutos para descobrir que as radiações
enlouquecedoras cessaram. Há dois veículos parados na entrada do desfiladeiro em cujo
interior você viu um louco furioso. Qual de nós levará o ovo a um lugar seguro?
— Você não deveria ter vindo — disse num gemido.
O mal-estar e as dores de cabeça continuavam a martirizar-me.
— Como pretende fugir deste vale? Os acônidas bloquearão a entrada, Kasom.
— Não pude deixar de saber o que estava acontecendo com você, baixinho. Se
tivesse havido algum imprevisto, eu poderia ao menos tentar salvar o ativador. Na costa
sul existe um lugar em que se pode tentar a escalada. É possível que eles nos supreendam.
Qual de nós ficará com o aparelho?
Quase não dissemos mais nada. Melbar enfiou a mão num dos seus profundos
bolsos e tirou um microgravitador. Amarrei-o às minhas costas. Dessa forma o peso de
meu corpo foi neutralizado, o que representou certo alívio para o funcionamento do
mecanismo do cobo.
Atirei fora o equipamento que se encontrava no interior de meu compartimento de
carga. Fiquei apenas com o hipertransmissor. O ativador celular estava preso a uma
corrente, que servia para carregá-lo. Kasom passou essa corrente em torno das minhas
pernas de cobo e fez um nó.
Entrei na máquina e apertei os cintos de segurança. O grandalhão carregou-me para
fora da caverna. Uma vez ao ar livre, atirei-me para o alto e iniciei meu vôo, ligando a
máquina à potência máxima. Quando o deserto pedregoso entrou em meu campo de
visão, Kasom já estava pendurado no paredão íngreme e iniciava a escalada. Dali a
alguns minutos, as fúrias do inferno pareciam estar às soltas no interior do vale.
Os veículos blindados atravessaram velozmente a garganta de acesso e dirigiram-se
à caverna. Sentado na borda superior do vale, espiei para baixo. O calor do corpo de
kasom produzia uma débil imagem infravermelha, mas esta mal se destacava da rocha
aquecida.
Disposto a não recuar diante de nada, fiz sair a canhão pelo bico de minha ave e fiz
pontaria para um dos veículos blindados. O intercâmbio de mensagens faladas entre os
acônidas era tão intenso que podia perfeitamente assumir o risco de entrar em contato
com Melbar.
— Onde está você, gorducho?
— Já venci metade da subida — respondeu este. — Você está em lugar seguro?
— Estou, sim. Já cheguei ao planalto.
— Pois continue voando.
— Sem você não.
— Não diga tolices, baixinho. O aparelho é mais importante que qualquer coisa.
Desça para a planície, transmita o pedido de socorro e mude de lugar. Ficarei escondido e
mais tarde transmitirei um sinal goniométrico.
Apesar de tudo esperei que Kasom concluísse a escalada. Lá embaixo irrompeu uma
luta armada que provavelmente teve origem num engano. Melbar saiu correndo e segui-o
com a máquina sobrecarregada. Neste momento um rugido saiu dos desfiladeiros.
— Estão decolando — transmitiu Kasom. — Aqui em cima serei localizado
imediatamente. Qual é a melhor descida? Preciso chegar à nascente onde acampamos por
último. Voe à minha frente e procure o caminho.
Ele já conhecia o terreno. Antes da nave acônida sair do esconderijo, o gigante
ertruso já estava descendo pela encosta em desabalada carreira. Apontei-lhe o caminho
que dava para a nascente e sai voando.
— Esperarei por você. Se não receber nenhum sinal goniométrico, não perca tempo
procurando por mim. Faça um trabalho perfeito, meu pequeno amigo.
Enquanto atravessava à noite num vôo veloz meus olhos se umedeceram. Ainda
estava pensando em Melbar Kasom, quando mergulhei sobre a planície a cem
quilômetros de distância e transmiti uma mensagem ao cruzador da USO que se mantinha
à espera. E imediatamente mudei de posição.
Mal o tinha feito, um monstro desceu do céu, cuspindo fogo. O solo abriu-se no
lugar de que transmiti a mensagem. Os acônidas não tiveram a menor dúvida em devastar
a paisagem com uma bomba nuclear de grande potência.
Dali a cinco minutos, o cruzador enviou sua resposta pela hiperfaixa da USO. Voltei
a chamar e, por meio de um impulso condensado, pedi o estado de prontidão de primeiro
grau. Dessa forma, uma esquadrilha da USO chegaria dali a pouco. Depois voltei a mudar
de posição.
A espaçonave continuou visível até o raiar do dia. Meu rastreador de impulsos
funcionava ininterruptamente. Os forasteiros estavam à procura do desconhecido que lhes
tirava o ativador à frente do nariz. Mas o mais importante era que, com minhas
mensagens de rádio facilmente determináveis pela goniometria, conseguiria não fazê-los
sair a procura de Melbar Kasom.
Três horas depois do nascer só sol, a nave acônida acelerou de repente e rugiu em
direção ao céu. Dali a quarenta minutos, o comandante do cruzador que se aproximara em
vôo linear comunicou que se vira obrigado a destruir a nave do Sistema Azul.
Os acontecimentos que se seguiram não me interessaram mais. Voei cautelosamente
ao planalto desértico e, no fim da tarde, cheguei ao lugar em que estava Melbar.
Não demorou mais de vinte e quatro horas e os membros do governo haknorano
descobriram o que acontecia com quem viola as leis do Império. Uma frota interventora
comandada por Atlan aproximou-se do planeta.
As hostilidades entre as tropas do governo e os rebeldes foram suspensas.
Melbar e eu fomos recolhidos por um barco espacial. Este nos deixou no porto
espacial de Tesonta, onde o lorde-almirante deu ordem para que nos dirigíssemos à nave
capitânia.
Envergando um uniforme bem passado, fiquei em posição de sentido sobre a
escrivaninha do arcônida imortal.
O ativador celular encontrava-se na minha frente. Só depois de nossa chegada, Atlan
descobrira o que havíamos encontrado em Haknor.
O gorducho estava de pé a meu lado. Os oficiais da esquadrilha estavam presentes, e
também o Tenente Hymik, cuja equipe científica confirmou que a peça era genuína.
Atlan formulou uma pergunta. Refleti para encontrar a resposta. Depois de algum
tempo respondo em tom discreto:
— Pois bem, sir, um homem que pode chegar aos novecentos anos não tem tanta
vontade de alcançar a vida eterna. Além disso... — interrompi-me e passei os olhos pelo
meu corpo. — além disso, por mais que quisesse, não poderia usar o aparelho.
A seriedade desapareceu do rosto de Atlan. Sua gargalhada alegre deixou-me muito
feliz.
É bom que o leitor saiba que o dia em que um siganês pode prestar um favor a um
terrano sempre é um dia de festa. Senti-me feliz, e era quanto bastava.
— Mas o senhor poderia usar o aparelho, Melbar Kasom — comentou Atlan.
Fitei o gorducho com uma expressão de curiosidade. Era um sujeito presunçoso,
mas nem por isso deixava de ser meu amigo. Era claro que nunca lhe diria isso.
— Os belos exemplares de homem ertrusos também atingem uma boa idade, sir —
respondeu tão confiante que me fez respirar profundamente. — Ainda acontece que
Lemy havia dito que uma certa pessoa deverá morrer dentro de algumas semanas, se não
receber o ativador.
Dessa forma o assunto estava resolvido.
Depois disso formos dispensados. A missão estava concluída. Quando cheguei à
porta do camarote especialmente preparado por mim, medi Melbar Kasom com os olhos.
— Coma e engorde, seu belo exemplar de homem! — disse em tom zangado. —
Veja lá, seu saco de toucinho. Ainda lhe ensinarei o que outras pessoas entendem por
discrição e decência.
— Sua boca é maior que a partícula de poeira cósmica que você costuma chamar de
Siga — respondeu Melbar.
Nesse momento colhi os frutos do cuidado que tivera ao regular minha arma para a
potência mínima. Num movimento instantâneo saquei a arma e disparei no dedo do pé
esquerdo do gigante. A bolha produzida pela queimadura lhe serviria de lembrete.
Kasom começou a berrar que nem um animal pré-histórico. Saltava num pé só.
Enfiei-me no meu camarote e tranquei a porta. Ouvi atentamente as terríveis ameaças,
que depois de algum tempo terminaram num gemido de dor.
Nunca se deve ofender um especialista siganês que tenha minha respeitável
estatura...
***
**
*
Nos volumes anteriores apresentamos personagens
novos, como Gucky, o rato-castor, ou Atlan, apresentado no
volume 50.
Desta vez surgiram Lemy Danger e Melbar Kasom, dois
especialistas tão diferentes um do outro, ambos pertencentes
à USO. No futuro contaremos mais a respeito deles, sob a
forma de aventuras nas quais os aspectos sérios e
humorísticos formarão um equilíbrio agradável.
Sinais da Eternidade é o título da próxima aventura.