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Constitucionalismo, Descolonizaciónl (Electrónico)
Constitucionalismo, Descolonizaciónl (Electrónico)
DESCOLONIZACIÓN
Y PLURALISMO JURÍDICO
EN AMÉRICA LATINA
(Constitucionalismo, descolonização
e pluralismo jurídico na América Latina)
Antonio Carlos Wolkmer
Ivone Fernandes M. Lixa
(Orgs.)
CONSTITUCIONALISMO, DESCOLONIZACIÓN
Y PLURALISMO JURÍDICO EN AMÉRICA LATINA
(Constitucionalismo, descolonização e pluralismo jurídico na América Latina)
Varios colaboradores.
ISBN 978-607-8062-56-0
ISBN 978-607-8062-56-0
Apoio Institucional:
CLACSO (Argentina)
CAPES (Brasil)
CRÍTICA JURÍDICA (México)
PRUJULA (México)
UFSC (Brasil)
NEPE - Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias
ÍNDICE
Introdução 9
Introducción 13
PARTE I
PLURALISMO JURÍDICO
PARTE II
CONSTITUCIONALISMO, CRÍTICA JURÍDICA
Y FILOSOFÍA DE LA LIBERACIÓN
PARTE III
DESCOLONIZACIÓN E INTERCULTURALIDAD
PARTE IV
EL ESTADO EN AMÉRICA LATINA
A obra coletiva que está sendo apresentada, visa aprofundar a discussão e difusão do
pensamento jurídico-político crítico, descolonizador e pluralista, e suas perspectivas teó-
rico-práticas entre pesquisadores, professores, alunos e operadores jurídicos, abrindo um
espaço para o diálogo na América Latina.
Tal esforço, concretizado por contribuições teóricas, originou-se do I Encontro
Internacional sobre “Descolonização e Pluralismo Jurídico na América Latina”, ocorrido
no Brasil, em Florianópolis-SC, entre os dias 11 e 13 de novembro de 2013, na Univer-
sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), proposto pelo Núcleo de Estudos e Práticas
Emancipatórias (NEPE) do programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFSC),
realizado em parceria com o Grupo de Crítica Jurídica – Centro de Investigaciones Inter-
disciplinarias en Ciencias y Humanidades de la Universidad Nacional Autónoma de Me-
xico (UNAM) e do Grupo Pluralismo Jurídico en Latinoamérica (PRUJULA), no âmbito
do Projeto do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), “Crítica Jurídica
Latinoamericano, Movimientos Sociales y Procesos Emancipatórios”.
O diálogo intercultural e o profícuo intercâmbio dos participantes reforçaram,
assim, as expectativas de questionamento e ruptura com o ideário hegemônico da mo-
dernidade universalista eurocêntrica de pensar as formas de produção do conhecimento
jurídico e sua institucionalidade oficializante lógico-instrumental, reafirmando a impor-
tância de um pensamento descolonizado e insurgente no campo da teoria e prática crítico-
emancipadora do Direito. Esse exercício compartilhado expressa a confluência de pes-
quisas e matrizes engendradas por fundamentações epistemológicas, históricas, políticas,
sociais e culturais autenticamente voltadas para o pensamento e a realidade normativa dos
povos latino-americanos, suas cosmovisões, possibilitando questionamentos, reflexões e
inter-relações liberadoras, compromissados com uma outra visão de mundo, mais justa,
igualitária e pluralista.
É com este intento que o conteúdo –que traduz os pontos nucleares do Evento
Internacional– projeta-se nos eixos temáticos, distribuídos em quatro grandes momentos,
como: I Parte – Pluralismo Jurídico; II Parte: Constitucionalismo, Crítica Jurídica e Filosofia da
Libertação; III Parte: Descolonização e Interculturalidade; IV Parte: O Estado na América Latina.
Eis, portanto, este olhar diferenciado e comprometido presente na leitura de 18
(dezoito) contribuições que se seguem:
Primeiramente, Débora Ferrazzo introduz a discussão sobre as novas diretrizes cons-
titucionais, a refundação do Estado boliviano, seguida pela análise e problematização da
9
10 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Lei do Deslinde; e concluída pelo estudo de caso envolvendo jurisdição indígena, aprecia-
do pelo Tribunal Constitucional Plurinacional.
Na sequência, Luís Henrique Orio, tomando em conta a materialidade das neces-
sidades como fundantes do pluralismo comunitário-participativo e do socialismo indo-
americano de Mariátegui, oferece reflexão no sentido de apontar elementos que contri-
buem para recuperar a força do poder comunitário.
Diante da crise da estatalidade político-jurídica e dos impactos da globalização
econômica o Prof. da UFRG, Francisco Quintanilha Véras Neto articula a economia solidária
com o pluralismo jurídico comunitário-participativo, propondo formas de produção de-
mocrática e de cooperativismo popular.
Por outro lado, Thais Luzia Colaço, professora do PPGD/UFSC, examina no âm-
bito do pluralismo jurídico, o reconhecimento do Direito Indígena, destacando como a
legislação brasileira tem tratado ineficazmente a questão, tornando imperiosa a neces-
sidade de se propor uma emenda constitucional que venha atualizá-la diante das novas
tendências na América Latina.
Já em nosso texto, “Pluralismo Jurídico, Movimentos Sociais e Processos de Lutas
desde a América latina” que abre a II Parte da coletânea, tratou-se de defender uma cultu-
ra político-jurídica latino-americana delineada pelo pluralismo, descolonização e liberação,
fazendo-se necessário, forjar um pensamento crítico, construído a partir da práxis histó-
rica e dos processos sociais de lutas, interagindo por novos sujeitos coletivos, capazes de
legitimar parâmetros alternativos de Direito e Justiça.
O pesquisador de Crítica Jurídica, Daniel S. Cervantes (México) realça a questão de
uma metodologia para explicar os processos políticos que se denominaram como “novo
constitucionalismo latino-americano” desde uma perspectiva da Crítica Jurídica e do ma-
terialismo histórico, especificamente, no contexto mais geral de uma história social.
Em outra reflexão, o Professor Celso Ludwig (titular de Filosofia do Direito da
UFPR), considerando o delineamento metodológico e epistemológico na direção da filo-
sofia da libertação, assentada nos conceitos dusselianos de “totalidade” e “exterioridade”,
argumenta não só por uma racionalidade crítica, mas, sobretudo, advoga no sentido de
uma filosofia jurídica descolonial.
Não menos relevante, em aporte jusfilosófico, o coordenador do Mestrado em
Direitos Humanos, da Universidade de San Luis Potosí (México), Alejandro Rosillo Martínez
discorre sobre formas limitadas, reducionistas e convencionais que sustentam as concep-
ções hegemônicas de Direitos Humanos, para em seguida, introduzindo a visão pluricul-
turalista e comprometida com o pensamento latino-americano, fazer a opção por uma
fundamentação libertadora de Direitos Humanos.
Inaugurando a III Parte da obra, a Professora Ivone F. Morcila Lixa, uma das orga-
nizadoras da obra, define a insurgência de uma teoria crítica desde o Sul e do pluralismo
jurídico como elementos orientadores para a construção da nova hermenêutica na pers-
pectiva da América Latina.
Introdução 11
participaram com a honrosa presença e com o esforço final de elaboração da obra com
seus textos apresentados no I Encontro Latino-americano “Descolonização e Pluralismo
Jurídico”. Agradecimentos aos colegas que representaram o apoio material e acadêmico
de CLACSO (Beatriz Rajland), da Crítica Jurídica (Daniel Sandoval), do PRUJULA (Juan
Carlos Martínez), da UASLP (Alejandro Rosillo). Igualmente, aos órgãos de financiamen-
to no Brasil, como à CAPES (auxílio com passagens internacionais e infra-estrutura),
ao Centro de Ciências Jurídicas/UFSC e ao PPGD/UFSC, pelo apoio institucional e
material.
Por fim, os agradecimentos não somente ao Prof. Dr. Alejandro Rosillo (Universi-
dad Autónoma de San Luis Potosí-México) por aceitar esta co-edição internacional, mas
também a todos os integrantes do Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE/
UFSC) pelo grande empenho na operacionalização e na dedicação acadêmica (desde o
Projeto até o encerramento do Evento Internacional). Igualmente, uma menção especial
aos “orientandos” João Victor A. Krieger e, de forma muito especial, à Débora Ferrazzo,
pelo incansável labor e desprendimento, na montagem e na formatação da obra.
Fica, portanto, o convite para uma leitura atenta e compromissada dos textos que
compõem esta obra, os quais contribuem para uma produção latino-americana mais inter-
disciplinar, plural e descolonial de outro Direito possível.
Esta obra colectiva pretende profundizar la discusión y difusión del pensamiento jurídico-
político crítico, descolonizador, pluralista y sus perspectivas teórico-prácticas entre inves-
tigadores, profesores, alumnos y operadores jurídicos, abriendo un espacio para el diálogo
en América Latina.
Tal esfuerzo, concretizado por contribuciones teóricas, se originó del I Encuen-
tro Internacional sobre “Descolonización y Pluralismo Jurídico en América Latina”, que
ocurrió en Brasil, en Florianópolis-SC, entre los días 11 y 13 de noviembre de 2013, en
la Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), propuesta por el Núcleo de Estudos e
Práticas Emancipatórias (NEPE) del Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/
UFSC), realizado en asociación con el Grupo de Crítica Jurídica – Centro de Investigacio-
nes Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades de la Universidad Nacional autónoma
de Mexico (UNAM) y del Grupo Pluralismo Jurídico en Latinoamérica (PRUJULA), en el
ámbito del Proyecto del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) “Críti-
ca Jurídica en Latinoamérica, Movimientos Sociales y Procesos Emancipatorios”.
El diálogo intercultural y el proficuo intercambio de los participantes reforzaron,
así, las expectativas de cuestionamiento y ruptura con el ideario hegemónico de la mo-
dernidad universalista eurocéntrica de pensar las formas de producción del conocimiento
jurídico y su institucionalidad oficializante lógico-instrumental, reafirmando la importan-
cia de un pensamiento descolonizado e insurgente en el campo de la teoría y práctica
crítico-emancipadora del Derecho. Este ejercicio compartido expresa la confluencia de
investigaciones y matrices engendradas por fundamentaciones epistemológicas, históricas,
políticas, sociales y culturales auténticamente dirigidas para el pensamiento y la realidad
normativa de los pueblos latinoamericanos, sus cosmovisiones, posibilitando cuestiona-
mientos, reflexiones e interrelaciones liberadoras, comprometidos con una otra visión del
mundo, más justa, igualitaria y pluralista.
Es con esa intención que el contenido –que traduce los puntos nucleares del Even-
to Internacional– se proyecta en los ejes temáticos, distribuidos en cuatro grandes mo-
mentos, como: I Parte – Pluralismo Jurídico; II Parte: Constitucionalismo, Crítica Jurídica y
Filosofía de la Liberación; III Parte: Descolonización e Interculturalidad; IV Parte: El Estado en
América Latina.
Esa es, por lo tanto, la mirada diferenciada y comprometida presente en la lectura
de las dieciocho contribuciones que siguen:
Primeramente, Débora Ferrazzo introduce la discusión sobre las nuevas directrices
constitucionales, la refundación del Estado boliviano, seguida por el análisis y proble-
13
14 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
pluralismo jurídico como elementos orientadores para la construcción de una nueva her-
menéutica en la perspectiva de América Latina.
Prosiguiendo, el profesor Rosembert Ariza Santamaría (de la Universidad Nacional
da Colombia, en el área de la Sociología Jurídica), tomando en cuenta la propuesta de un
pluralismo descolonizador de sujetos colectivos analiza el constitucionalismo transforma-
dor en la experiencia contemporánea del Estado boliviano y de su Tribunal Constitucional
Plurinacional.
A raíz de la temática del “nuevo’ constitucionalismo, el doctorando Emiliano Mal-
donado Bravo debate los procesos constituyentes boliviano y ecuatoriano, la participación
de los pueblos indígenas y las luchas sociales que resultaron en los cambios incorporados
en las recientes constituciones de los Andes, destacando los principios edificadores de un
ecosocialismo indoamericano.
Avanzando en esa temática compleja, la profesora de la Maestría en Derecho de la
Universidade Federal do Rio Grande, Raquel Fabiana Lopes Sparemberger busca repensar la
producción del conocimiento jurídico, enfatizando el papel del pluralismo jurídico en la
convergencia con las rupturas descoloniales e interculturales, sin dejar de contemplar las
“voces silenciadas de lo subalterno’.
También la doctoranda Isabella C. Lunelli propone, en su texto, que pensar sobre
la descolonización y sobre el Derecho permite reflexionar cuestiones como el etnocen-
trismo jurídico. Así, la concepción del Estado pluriétnico, asociada al reconocimiento del
pluralismo jurídico, demarca los rasgos propios de una cultura jurídica latinoamericana,
capaz de liberarse de una imposición colonizadora.
En los dos ensayos siguientes, se privilegia la temática de la interculturalidad. Pri-
mero, Flavia do A. Vieira trata de verificar la presencia del principio de la interculturali-
dad en los procesos constituyentes de Venezuela, Ecuador y Bolivia, componiendo un
“nuevo” constitucionalismo en la región. En secuencia, João Victor A. Krieger trabaja la
interculturalidad a partir de procesos educacionales, mediante un aporte metodológico
diferenciado, vinculado con la alteridad y con el pluralismo.
La IV y última parte de la obra rescata la discusión siempre relevante y oportuna
acerca del Estado en América Latina. Así, la investigadora de Bolívia, M. Vianca Copa Pa-
bón, a raíz de la tradición indígena y del pensamiento amáutico, discute la propuesta de un
Estado Plurinacional desde la experiencia constitucional boliviana de 2009. Mientras que
el profesor, miembro investigador del Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en
Antropología (CIESAS) y coordinador de PRUJULA, Juan Carlos Martínez destaca en su
contribución, la inserción del concepto de Estado nacional latinoamericano, la identidad
indígena y las transformaciones sociales que vienen ocurriendo en los países de la región.
Por fin, la discusión proporcionada por la profesora titular de Teoría del Estado de la
Universidad de Buenos Aires, Beatriz Rajland, que retoma la cuestión del Estado y su pro-
blematización en América Latina, sus continuidades y rupturas en tiempos de globalidad
político-ideológica.
16 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Introdução
Após intensa resistência política na Bolívia, entrou em vigor, no ano de 2009, a nova
Constituição Política do Estado. Trazendo diversas novidades em termos de normatiza-
ção e também de horizontes jurídicos, consagra, dentre seus principais alicerces o plura-
lismo, a interculturalidade e a descolonização. O potencial inovador dos novos institutos
adotados na Bolívia faz da cena política e jurídica do país um campo profícuo de estudo
e aprendizado.
Os mecanismos desenvolvidos no país para coordenar as jurisdições têm sido alvo
de críticas e também de apostas positivas, como é o caso da Lei de Deslinde, que se mos-
trou bastante vulnerável às críticas de teóricos e juristas do país, especialmente no que se
refere ao seu processo legislativo e seu caráter pouco democrático.
A imbricação dos elementos essenciais da Constituição (pluralismo, intercultura-
lidade e descolonização) e como todos se materializam –ou nem tanto– nas normas e
práticas do país serão analisadas neste texto, recorrendo ao método monográfico de pro-
cedimento, cujo caso de estudo será a Sentença Constitucional Plurinacional 1422/2012,
proferida em Ação de Liberdade proposta no país. Tal sentença foi selecionada por abar-
car diversos aspectos teóricos suscitados nas primeiras partes deste texto, bem como de-
monstrar a funcionalidade e importância dos instrumentos criados pelo Tribunal Consti-
tucional Plurinacional para solucionar as controvérsias decorrentes do novo sistema, tal
como, a Unidade de Descolonização do Tribunal.
Portanto, o seguinte estudo se desenvolverá apresentando na primeira parte um re-
corte teórico dos pressupostos assinalados, especialmente os aspectos vinculados à refun-
dação do Estado; a segunda parte, analisará a Lei de Deslinde e a terceira parte analisará
a forma como o Tribunal Constitucional Plurinacional tem procedido quanto aos casos
decorrentes da jurisdição indígena originária campesina, por meio do estudo do caso sele-
cionado. Finalmente, na quarta parte, analisará a vinculação dos pressupostos teóricos do
pluralismo jurídico comunitário participativo proposto por Antonio Carlos Wolkmer, aos novos
valores e princípios jurídicos e políticos da Bolívia.
A Bolívia foi, recentemente, palco de diversos conflitos sociais, dos quais emergiu um
novo quadro de protagonismo e empoderamento popular. As comunidades e movimen-
tos sociais inicialmente se organizaram para resistir às políticas neoliberais implementadas
no país, notadamente a privatização das riquezas naturais em contraste com conjunturas
de privação das massas no acesso às mesmas riquezas. Posteriormente se mobilizaram
para garantir a primeira eleição de um líder indígena (num país de maioria étnica descen-
dente de comunidades indígenas) para a função de presidente do país.
As mudanças sociopolíticas foram tão profundas que impuseram a necessidade de
um novo referencial político e jurídico para o país, o qual se materializou na Constituição
Política do Estado, após um complexo processo constituinte, onde interesses contraditó-
rios se enfrentaram, negociaram e complementaram, até culminar no referido documento,
que passou a vigorar no ano de 2009.
A Constituição Política do Estado da Bolívia consolida, dentre diversas inovações,
uma forma de Estado distinta daquela conhecida e herdada pela cultura jurídico-política
eurocêntrica. Deixa para traz o velho Estado nação, para reconhecer formalmente a re-
alidade concreta do país, marcada por diversas comunidades, povos e nações indígenas.
Deixa para traz, tal como destaca seu Preâmbulo, o Estado colonial, republicano e neo-
liberal, para assumir o compromisso de assumir um Estado unitário, mas Plurinacional
Comunitário. Assim é que, nos termos do artigo 1º da nova Constituição, enuncia-se o
novo horizonte político do país, bem como suas implicações necessárias:
3 GRIJALVA JIMENEZ, Augustín. EXENI RODRÍGUEZ, José Luis. Coordinación entre jus-
ticias, ese desafio. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; EXENI RODRÍGUEZ, José Luis (org.).
Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidade em Bolívia. 2 ed. Quito: Fundación
Rosa Luxemburgo, 2013. pp. 699-732. p. 724.
4 A própria Lei do Tribunal Constitucional Plurinacional reconhece a plurinacionalidade, assim
como o pluralismo jurídico, a interculturalidade entre outros, como princípios da “justiça constitu-
cional” (vide item 3 deste trabalho).
5 GRIJALVA JIMENEZ, Augustín. O Estado Plurinacional e intercultural na Constituição Equa-
toriana de 2008. In: VERDUM, Ricardo (org.) Constituição e Reformas Políticas na América
Latina. Brasília: INESC, 2009. pp. 115-133. p. 117-118.
6 GARCÉS V., Fernando. Os esforços de construção descolonizada de um Estado Plurinacional
na Bolívia e os riscos de vestir o mesmo cavalheiro com um novo paletó. In: VERDUM, Ricardo
(org.) Constituição e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: INESC, 2009. pp. 167-
192. p. 176.
7 CHIVI VARGAS, Moisés Idón. Os caminhos da descolonização na América Latina: os Povos
Indígenas e o igualitarismo jurisdicional na Bolívia. In: VERDUM, Ricardo (org.) Constituição e
Reformas Políticas na América Latina. Brasília: INESC, 2009. pp. 151-166. p. 155.
8 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico e perspectivas para um novo constituciona-
lismo na América Latina. In: WOLKMER, Antonio Carlos. MELO, Milena Petters. Constitucio-
nalismo latino-americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013. pp. 19-42. p.
29-32.
9 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. O processo constituinte vene-
zuelano no marco do novo constitucionalismo latino-americano. In: WOLKMER, Antonio Car-
22 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
nas comunidades se consolidem e se fortaleçam. Por outro lado, é possível falar em qua-
tro premissas fundamentais acerca da coordenação entre justiças indígenas e ordinária,
tomando como horizonte o pluralismo jurídico: a primeira é que uma norma, por si só,
não basta para garantir a coordenação entre justiças; a segunda, é que a lei não é um ins-
trumento fundamental para tanto; a terceira é que normas inadequadas podem colonizar
as justiças indígenas e a quarta é que na promulgação de uma lei de deslinde, esta deve
expressar verdadeiramente um Estado Plurinacional.18
Neste sentido, a Lei de Deslinde pode ser um instrumento de manutenção da co-
lonização jurídica e política, e pode mesmo, atentar contra o Estado Plurinacional. Para
estes autores, a Lei de Deslinde confina e desapropria as justiças indígenas de suas prer-
rogativas constitucionais e trata como concessão a repartição de competências, deixando
matérias residuais para as autonomias indígenas originárias campesinas.
Isto porque, embora enunciando diversos dos princípios constitucionais relaciona-
dos à descolonização do Estado e do próprio sistema de justiças, tais como a intercultu-
ralidade, o pluralismo jurídico e outros, a Lei de Deslinde avança num sentido contrário
ao preconizado pela Constituição, ao determinar somente “competências residuais” para
a jurisdição indígena. Tal se depreende do art. 10 da citada lei, quando esta determina o
rol de matérias que a jurisdição indígena não alcança, abrangendo diversos fatos afetos à
matéria penal, civil, trabalhista, seguridade, tributário entre outros, até, finalmente, vedar
também o alcance a outras matérias reservadas pela Constituição às demais jurisdições.
Expressamente, reserva à jurisdição indígena as matérias que esta tradicionalmente co-
nheceu. Segundo Augustín Grijalva e Exení Rodriguez,19 desta forma, a Lei de Deslinde
confina a justiça indígena e a impede de evoluir.
18 Ibid., p. 699-700.
19 Ibid., p. 725-727.
26 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
20 Ação prevista na Constituição Política do Estado, artigo 125, enquanto instrumento hábil para
proteção de toda e qualquer pessoa que considere sua vida ou liberdade em risco, bem como,
considere-se indevidamente processada ou ofendido seu direito ao devido processo.
28 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
ponderação acerca da estrita necessidade, concluiu-se que tal sanção não era estritamente
necessária comunitária.
Finalmente, entende o TCP, a decisão da comunidade afeta dois grupos em con-
dição de vulnerabilidade –mulheres e menores– contrariando sua própria cosmovisão.
Assim, a decisão do TCP acaba por determinar que os atos considerados ofensivos aos
autores da ação, especialmente os contrários ao paradigma do vivir bien, fossem cessados,
inclusive a suspensão do fornecimento de água. A sentença também deveria ser traduzida
para quéchua e aymara e socializada com toda a comunidade de Poroma.
21 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Di-
reito. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Alfa Omega. 2001. 403 p. 231-232.
22 Ibid., pp. 127-129; 160.
Pluralismo jurídico e deslinde jurisdicional na Bolívia 31
Conclusão
23 Ibid., p. 241.
32 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
nomia dos povos e nações, entre outros, bem como, a concretização de um sistema de
satisfação de necessidades fundamentais.
Verifica-se também que a regulamentação dada pela lei de deslinde, apesar de reco-
nhecer, em seu artigo 7º, a competência das justiças indígenas para administrar seus con-
flitos, nos artigos seguintes impõe limitações a esta competência, dentre elas, a ocorrência
simultânea24 de três requisitos: pessoal, territorial e material. Impondo o limite de que os
efeitos da transgressão se produzam no âmbito territorial da jurisdição indígena, ignora a
dificuldade em delimitar tais territórios.
Por outro lado, a Lei de Deslinde traz importantes contribuições, como o dever
de cooperação entre justiças, fator que pode contribuir para a factibilidade dos sistemas
de justiça ao possibilitar-lhes acesso a instrumentos, mecanismos e métodos que possam
contribuir com a solução de seus conflitos, sempre que julgados adequados.
Finalmente, com relação ao Tribunal Constitucional Plurinacional, verifica-se o im-
portante avanço deste no sentido de reconhecer que as comunidades indígenas originárias
campesinas constituem-se como fontes diretas e originárias de direito, tal como a Consti-
tuição, retirando desta o locus privilegiado de enunciação de direitos, mitigando com isto,
o monismo estatal. Além disto, a criação de uma Unidade de Descolonização, composta
inclusive por profissionais raramente respaldados nas práticas jurídicas eurocêntricas, tais
como antropólogos, historiadores e sociólogos e, em especial, a participação ativa e deci-
siva de tal Unidade no controle plural de constitucionalidade representam um significativo
avanço na perspectiva da interculturalidade, inclusive na metodologia transdisciplinar, tal
como propõe o Raúl Fornet-Betancourt.
É certo que o sistema é inovador e muito recente e complexo, pelo que, muito
há que se fazer, observar e aprender com a experiência boliviana. Apesar das inúmeras
dificuldades e controvérsias vivenciadas no processo de efetivação da nova ordem políti-
ca, jurídica e cultural no país, há também inúmeras possibilidades de sucesso no sentido
da emancipação e da libertação das comunidades, especialmente aquelas historicamente
negadas e silenciadas.
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modulostcp/leyes/cpe/cpe.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2014.
24 Tal exigência é específica da Lei de Deslinde, uma vez que na Constituição Política do Estado,
art. 191, não se exige a simultaneidade de requisitos, mas somente apresenta a enunciação de âm-
bitos de vigência.
Pluralismo jurídico e deslinde jurisdicional na Bolívia 33
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WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito.
3 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Alfa Omega. 2001. 403 p.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico e perspectivas para um novo constitucionalismo
na América Latina. In: WOLKMER, Antonio Carlos. MELO, Milena Petters. Constitu-
cionalismo latino-americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013. pp.
19-42.
SISTEMA DE NECESSIDADES HUMANAS FUNDAMENTAIS
NO PLURALISMO JURÍDICO:
UM POSSÍVEL REENCONTRO DA COMUNIDADE
Luís Henrique Orio1
Introdução
A abertura para a construção desta síntese e sua posterior mediação teórica virá
amparada no exame das necessidades como critério de efetividade material do Pluralismo Jurí-
dico Comunitário Participativo. O foco na materialidade da efetividade deste novo modelo
de organização jurídico-política impõe buscar, em nosso entender, as origens do desman-
telamento da vida comunitária, da perda do mútuo reconhecimento humano dos seres
sociais, explicação que não pode ser outra que não a que parte da centralidade do trabalho
e seu estranhamento na égide do capital, o que traz na sua dinâmica a consequente aliena-
ção das necessidades humanas.
Na esteira de uma síntese da crítica da economia política marxiana, busca-se por
último, a partir do marxista peruano José Carlos Mariátegui, arrematar a questão da efeti-
vidade material de um modelo comunitário de organização jurídico-política em correlação
a sua particular aplicação do método do materialismo histórico-dialético à realidade lati-
no-americana: o problema do índio e, em última instância, das classes exploradas, como
um problema estreitamente ligado à questão da propriedade, e sua visão do comunismo inca
como experiência e embrião de uma reordenação societal avançada rumo à emancipação
humana.
A difícil proposta de articulação entre a importância das necessidades para o Plu-
ralismo Jurídico Comunitário-Participativo, a crítica filosófico-econômica da ordem bur-
guesa marxiana e a perspectiva da emancipação humana mariateguiana para a América La-
tina estará colocada, no presente artigo, como um conjunto de mediações dialeticamente
possíveis e pretensamente propositivas, de alguma forma, de desdobramentos conceituais
úteis para armar a crítica de fenômenos sócio-políticos em curso, como o mencionado no
início desta introdução.
3 Ibid.
4 Ibid., p. 24.
Sistema de necessidades humanas fundamentais no Pluralismo Jurídico 37
[…] (sentido genérico, mais abrangente) [como sendo] todo aquele sentimento,
intenção ou desejo consciente que envolve exigências valorativas, motivando
o comportamento humano para a aquisição de bens materiais e imateriais
considerados essenciais.8
5 Ibid., p. 77.
6 Ibid.
7 Ibid.
8 Ibid., p. 242. Grifo no original.
38 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
[…] Com isso quer-se frisar que, para alcançar a real compreensão da “estrutura
da satisfação das necessidades” nas formas de vida imperantes na América
Latina e no Brasil, ainda que ela seja em grande parte constituída por carências
e “necessidades necessárias”, engendradas pelas condições do seu próprio
modelo de desenvolvimento capitalista, não caberá excluir a contingência de
necessidades eventuais, indeterminadas ou racionalizadas.11
Em certa medida propomos afirmar que não está tanto em pauta, no exame da
questão das necessidades, a regulamentação de sua justeza em si, o que não é de somenos
importância, mas sim a compreensão de seu papel na dinâmica social no marco da plu-
ralidade. Fica claro que Wolkmer não pretende hierarquizar as necessidades, nem mesmo
restringi-las consoante sua qualidade (reconhecendo, ademais, que aquelas também podem
se referir a valores, desejos, etc.), mas não deixa de consignar, entrementes, em uma pas-
sagem do texto, um indício de critério: pode ser legítima a satisfação de uma necessidade
se nesse mister não for utilizada outra pessoa como mero meio12.
Advogando, portanto, que o conjunto das necessidades humanas fundamentais é
amplo e plurideterminado, Wokmer fornece uma pista metodológica para o que enten-
demos ser a real dimensão das necessidades na sua obra: tal conjunto de necessidades
apresenta-se “quer como gerador de novos sujeitos coletivos, quer como força motivado-
9 Ibid.
10 Conferir da autora, respectivamente, Teoria das Necessidades em Marx e Políticas da pós-
modernidade.
11 WOLKMER, 2001, op.cit., p. 248.
12 Ibid..
Sistema de necessidades humanas fundamentais no Pluralismo Jurídico 39
13 Ibid., p. 248.
14 Ibid., p. 242.
15 Ibid., p. 160-161.
40 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
sujeitos um nível de coesão e coletivismo que permitem que, em seu seio, produza-se
normatividade, formas organizativas político-jurídicas próprias.
Agnes Heller não deixa de observar que a efetivação e a força motora dos
movimentos sociais depende cada vez mais do sistema de necessidades
insatisfeitas, sistema pautado em reivindicações de índole social, política e
cultural-espiritual. Sem dúvida, os movimentos sociais são engendrados por
uma estrutura de necessidades que os torna “potencialmente emancipadora”,
fonte de legitimação de um direito próprio, importância que assegura aos
novos sujeitos sociais sua afirmação como modo de participação democrática e
intermediação emancipatória […]16
16 Ibid., p. 247.
17 Não obstante, como já ressaltado anteriormente, neste ponto Wolkmer (2001, p. 248) não aceita
qualquer compreensão reducionista das necessidades, entendendo-as pluricausais e multidetermi-
nadas. A nota a se fazer aqui é que esta análise é estreitamente colada à teoria dos novos movimen-
tos sociais, que Wolkmer (2001, p. 121; 138) repercute em sua tese. A partir do deslocamento da
noção da centralidade da classe e, portanto, entendendo a dinâmica deste novo ator político em
cena como mais fluída e pluridimensional, os novos movimentos sociais corporificam o novo sujeito
histórico do Pluralismo. A expansão dos tipos de necessidades, portanto, está atrelada a expansão da
morfologia destes novos sujeitos políticos.
18 WOLKMER, 201, op.cit., p. 161.
Sistema de necessidades humanas fundamentais no Pluralismo Jurídico 41
19 Ibid.
20 Bem assim, o presente excerto da tese de Wolkmer é lapidar para esclarecer a presença da noção
de alienação das necessidades e seu vínculo com o nível da produção: “Agnes Heller parte de uma
interpretação adequada de Marx para registrar que as condições econômicas geradas pelo capitalis-
mo impedem a satisfação das necessidades essenciais, determinando um sistema de falsas necessi-
dades, sedimentadas basicamente na divisão social do trabalho, nas leis do mercado e na valorização
do capital. Assim, a sociedade capitalista como totalidade social não apenas produz alienação mas
também propicia a ‘consciência da alienação’ representada pelo conjunto de ‘necessidades radicais’,
necessidades ligadas ás forças sociais criadas pelo trabalho e que ‘não podem ser satisfeitas nos
limites desta sociedade’” (WOLKMER, op. cit.)
21 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 84.
42 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Em outras palavras:
22 Ibid., p. 85.
23 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do tra-
balho. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 22.
24 MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2010.
25 ANTUNES, 2009, op. cit., p. 22.
26 MARX, 2010, op. cit., p. 14 (Apresentação).
Sistema de necessidades humanas fundamentais no Pluralismo Jurídico 43
27 FRAGA, Paulo Denisar Vasconcelos. A teoria das necessidades em Marx: da dialética do re-
conhecimento à analítica do ser social. Campinas-SP, 2006. Dissertação de mestrado - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, p. 187.
28 MARX, 2010, op. cit., p. 80.
29 Ibid., p. 83.
30 Ibid., p. 84.
31 MÉSZÁROS, 2010, op. cit..
44 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
lukacsiana) que, como alertado no começo, vem a lume no presente trabalho para possibi-
litar o encontro da centralidade produtiva do homem com a abertura crítica para a questão
das necessidades que faz o Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo na projeção de
um marco comunitário possível para o contexto plural da América Latina, proposta da
qual vem a calhar, por último, um encontro com Mariátegui e seu marxismo romântico.
Nesta seção final do presente artigo, faremos um paralelo entre a análise das necessidades
no Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo lançada na primeira parte do trabalho e
as necessidades ontologicamente consideradas, de cuja compreensão partimos a partir da
seção imediatamente anterior. A tentativa de síntese dialética desta tarefa será arrematada,
como anunciado, por alguns traços elementares do pensamento do revolucionário e inte-
lectual peruano José Carlos Mariátegui.
Metodologicamente convém observar que não pretendemos com esta proposta de
trabalho negligenciar as diferenças epistêmicas, éticas e políticas centrais entre as elabora-
ções das quais tratamos. Entrementes, a não exposição suficiente delas se dá pelos limites
do artigo, ao mesmo passo que o desafio de entrecruzar elementos de cada uma das ra-
zões críticas analisadas é o que entendemos necessário e salutar no ambiente acadêmico
com corte progressista e comprometido com a constante reelaboração teórica instrumen-
tal que se ponha a serviço da transformação do Direito e das relações sociais.
É dizer: apostamos aqui na possibilidade de síntese dialética crítica que permita
expandir propostas do marco do Direito para o marco global das relações sociais. Por
isso, ao confrontarmos um elemento inserido em uma proposta cultural por um novo pa-
radigma jurídico-político (o Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo) com o cerne
da crítica filosófica-econômica do sistema do capital, queremos indicar a precedência da
interdisciplinaridade e a necessidade da superação de quaisquer positivismos, de modo a
oxigenar o caldo teórico política e socialmente comprometido com o qual dialogamos.
Partimos assim, das observações da primeira seção para reafirmar a interpretação
de que o Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo qualifica o fundamento material
da satisfação das necessidades e sua geração de mobilização e organização coletiva como
um momento de um movimento maior: o avanço da consciência da situação histórica de
privação37. Ressalte-se que Wolkmer reconhece que as necessidades no seio do capital são
tendencialmente falsas38, mediadas por aquele. As necessidades caracterizadas como origem
dos novos sujeitos históricos, conforme dito, é que se investem da condição de necessida-
des emancipatórias, que engendram os sujeitos coletivos.
Assim, muito embora a proposta geral da via pluralista não comporte o que para a
crítica das necessidades em seu fundamento ontológico é essencial, ou seja, a emancipação
do trabalho, da atividade consciente de mediação primária dos homens, a abertura histó-
rica apontada pela consciência das necessidades e da luta política daí derivada importa (a)
na tendência à negação da ordem burguesa, suas leis e suas explorações veladas e (b) na
construção de laços coletivos que podem também evoluir para uma crescente expansão
organizativa social.
Este movimento dialético das necessidades é historicamente determinado: a gera-
ção das necessidades tanto guarda relação com o estágio de desenvolvimento da realidade
social no qual se insere como a sua satisfação obrigatoriamente é pautada neste mesmo
contexto. Para o Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo e sua hipótese central,
qual seja, a da primazia da produção jurídico-política comunitária, desde baixo, isto im-
plica em que um novo paradigma jurídico deverá estar conformado tanto por aquilo que
a história logrou afirmar como conquista como por aquilo que surge como novo e que
encontra nesta produção jurídica autônoma sua objetivação39.
No marco de uma nova cultura jurídico-política pluralista, portanto, podemos
afirmar que a superação do monismo jurídico burguês passa pela sua negação dialética
(portanto com a incorporação de seus avanços históricos) e que a força material deste
movimento está na comunidade organizada, em corpos coletivos que põem em cena este
processo produzindo e reproduzindo sua juridicidade.
Bem aqui é que ousamos transcender este marco cultural jurídico e trazer a cena
José Carlos Marátegui, situando o debate na esfera das relações de produção. Desenha-
mos de certa forma quase que um paralelo: o gérmen do novo tanto para uma nova cultura
jurídica como para uma nova sociabilidade está na regeneração de vínculos coletivos, em
última análise, na comunidade.
Nossa inserção de Mariátegui no presente trabalho está colocada, assim, sob o
prisma de um dos traços distintivos de sua militância socialista e produção intelectual:
estudando as formações econômicas primitivas (principalmente do Peru) utilizando-se do
método marxiano, Mariátegui construiu sua perspectiva revolucionária própria e original,
visualizando no comunismo incaico, na célula comunitárias do ayllu, relações sociais de
tal modo organizadas que necessariamente deveriam ser as “bases mais sólidas da
sociedade coletivista preconizada pelo comunismo marxista”40.
Sem entrar na polêmica quanto a caracterização do pensamento mariateguiano
como um “marxismo romântico”, ainda que esta pecha seja quase um senso comum para
39 Cf. RUBIO, David Sánchez. Pluralismo Jurídico e Emancipação Social. In: WOLKMER, Anto-
nio Carlos (Org.); NETO, Francisco Q. Veras (Org.); LIXA, Ivone M. (Org.). Pluralismo Jurídico:
os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 51-66.
40 MARIÁTEGUI apud LOWY, Michael. Nem decalque, nem cópia: o marxismo romântico de
José Carlos Mariátegui. In: MARIÁTEGUI, José Carlos. Por um socialismo indo-americano: en-
saios escolhidos. Seleção e Introdução: Michael Lowy. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005, p. 20.
Sistema de necessidades humanas fundamentais no Pluralismo Jurídico 47
quem sobre sua obra se debruça, Mariátegui foi sobretudo um revolucionário. A agudeza
de sua análise combinada com a originalidade e sensibilidade para utilizar o marxismo
como método para interpretação da sua realidade lhe permitiu revelar o problema do índio
no problema da terra41; por via de consequência, a um problema da esfera de produção,
relacionado às formas de propriedade e a organização do trabalho e sua libertação das
amarras de um estado racista: “Somente o movimento revolucionário classista das massas
indígenas exploradas poderá permitir-lhes dar um sentido real a libertação de sua raça, da
exploração, favorecendo as possibilidades de sua auto-determinação”42.
Mariátegui tinha a clareza, portanto, de que a união de índios, negros e trabalha-
dores tinha um recorte de classe e era, portanto, revolucionária. Dizia: “Capitalismo ou
Socialismo. Este é o problema de nossa época”43. Entrementes, ao colocar a tarefa históri-
ca neste plano, Mariátegui não aplicava uma fórmula específica, mas sim exortava (em
uma demonstração do que se entende pelo seu “romantismo”) as massas exploradas a
criarem o novo pela sua própria práxis:
mas sim produzir uma síntese que permita novas formulações críticas interre-
laionadas: a razão de se encontrar na comunidade o gérmen do novo, seja de um
novo paradigma jurídico-político, seja de um novo marco de produção material
comunitária. Este desdobramento das formulações ventiladas sofre o recorte das
necessidades e sua repercussão crítica dimensionada materialmente na crítica das
formas jurídico-políticcas burguesas e na crítica de todas as formas de exploração
e opressão que derivam do sistema do capital.
Estas tímidas aproximações aqui ventiladas não intentam sintetizar fórmulas,
novos paradigmas ou elucubrações idealistas, senão que são influenciadas pelos novos
fenômenos sócio-políticos que surgem no cenário latino-americano, marcadamente o
Novo Constitucionalismo Latino-Americano e suas criações históricas, no sentido de
poder abrir possibilidades teórico-práticas para o desenvolvimento cada vez maior de um
arsenal crítico para armar as lutas dos povos latino-americanos.
Conclusão
Pretendíamos, com o presente escrito, articular uma proposta de revisão teórica do peso
da comunidade para as formulações de um novo paradigma cultural jurídico-político do
Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo de Antonio Carlos Wolkmer e do social-
ismo indo-americano de José Carlos Mariátegui. O recorte deste labor se deu pelo trato
da questão das necessidades, a partir de interpretação de sua fundamentação para o Plu-
ralismo, com o aporte da crítica marxiana da economia política e seu dimensionamento na
esfera produtiva da chave analítica de Mariátegui.
Se bem partíamos do pressuposto de que os temas tratados não encontrariam
total identidade epistêmica, foi todo modo possível expor algumas incompatibilidades de
modo a abrir a oportunidade dialética da formulação de novos caminhos teórico-práticos
que visavam aproveitar elementos de uma ou outra proposta analisada.
Daí podemos concluir que crítica da ordem burguesa, com suas formas político-
jurídicas e suas explorações e opressões, encontra na perspectiva comum de recuperação
do comunitário um caminho de transformação, concebendo-o como um espaço e uma
prática tendencialmente criadoras do novo adequado às necessidades históricas e
contingenciais dos povos latino-americanos (contexto que demarca as propostas),
seja no momento da produção autônoma jurídico-política seja no momento mais
primário da produção material da vida comunitária em si.
Avaliar e compreender as implicações, as pertinências e os problemas desta síntese
de retorno ao comunitário de baixo da força destrutiva, universal e totalizadora do capital
é uma tarefa que fica pendente, mas que se esboça necessária para um responsável trato
dos caminhos de transformação da serem seguidos.
50 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Referências
Introdução
O artigo objetiva estabelecer uma leitura de convergência, entre o pluralismo jurídico co-
munitário participativo e a economia popular solidária utilizando, como ponto de partida
a forma do cooperativismo de viés autêntico popular. A justificativa deste estudo é a de
criar uma perspectiva em que estas realidades se transformam em instrumentos de trans-
formação social utópica do quadro societal em face da sua corrosão pela implementação
do ideário conservador do neoliberalismo imposto pela internacionalização capitalista
globalitária das últimas décadas.
O pluralismo jurídico, por sua vez, edifica uma teoria da história e da práxis social
que demonstra o caráter fetichista e ideológico do modelo do monismo jurídico emanado
das grandes revoluções burguesas do século XVIII e XIX.
Esta modelagem jurídica eurocêntrica cristalizou uma forma jurídica axiologica-
mente sustentada pela metanarrativa do positivismo jurídico de cunho tecnicista e con-
servador3.
Historicamente o monismo jurídico era o corolário do processo pós-absolutista,
dentro da processualidade não linear ditada pela contextualização histórica de ruptura
com o mundo medievo; que levou a consolidação da forma jurídica monista estabelecida
através do nacionalismo jurídico do século XIX, consolidado após o processo de ruptura
revolucionária representado pelas Revoluções burguesas: Gloriosa Inglesa de 1688, Ame-
ricana de 1776 e Francesa de 1789, a primeira no século XVII e as duas últimas no século
XVIII.
A burguesia, ao instalar-se no poder, não só coíbe as formas herdadas de organi-
zações corporativas, como, sobretudo, cria uma moderna instituição burocrática centra-
lizadora (Conselho de Estado); e implementa, mediante o controle do poder estatal, um
corpo orgânico de normas abstratas, genéricas e sistematizadoras, visando a constituir um
Direito nacional unificado4 dentro do modelo de dominação racional legal centrado no
“monopólio legítimo da violência pela estatalidade5”.
Paul Singer, “... Nessas condições a economia solidária se integra ao terceiro setor tomando a forma
de organizações não-governamentais (ONGs), sustentadas primordialmente pelo poder público
mediante contratos, In: SINGER, Paul. Economia Solidária, p. 116, In: CATTANI, Antonio David
(Org) A outra economia: os conceitos essenciais. In: CATTANI, Antonio (Org.). A outra econo-
mia. Porto Alegre: Veraz, 2003 Veraz Editores, 2003.
3 Neste sentido, Antônio Cattani define o intervencionismo estatal de forma crítica: “O inter-
vencionismo estatal foi, em primeiro lugar, uma tradução política dos conflitos de interesse que já
não podiam continuar se desenvolvendo no marco da esfera privada. Mais tarde, incrementou-se
como resposta aos desafios e reajustes colocados pelo crescimento econômico, pela reestruturação
agrária, pela hiper-urbanização, pelas mudanças ocorridas na estratificação e mobilizações sociais
e pelos conflitos ideológicos e políticos, alternando-se ciclos de autoritarismo e democracia, in:
CUNILL, apud: CIMADAMORE, Alberto D.; CATTANI, Antonio David. Produção da pobreza
e desigualdade na América Latina. Porto Alegre: Tomo Editorial/Clacso, 2007, p. 133.
4 Cf. WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito. Editora Alfa-Ômega: São Paulo, 1991, p. 53.
5 Weber dentro de sua visão do tipo ideal descreve a dominação legal como quadro administrativo
burocrático dentro dos limites das normas legais, como a imposição da impessoalidade, a hierarquia
racional fixa, o formalismo burocrático, a gestão racional significa dominação pelo conhecimento,
o princípio da organização documental, separação entre o quadro administrativo e os meios de
administração, a execução utilitarista pelos funcionários das tarefas pessoais, In: WEBER, Max.
Economia e Sociedade. Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 1. Tradução de Regis
Barbosa e Karen Elsabe Barbosa (a partir da quinta edição, revista, anotada e organizada por Jo-
hannes Winckelmann). Revisão técnica de Gabriel Cohn. Brasília: Editora da UNB, 20000, pp.
O pluralismo jurídico comunitário participativo e economia solidária 53
A dívida consumiu R$ 708 bilhões em 2011, ou seja, quase dois bilhões de reais
por dia! Essa façanha é possibilitada pela crescente expansão de privilégios que
compõem o Sistema da Dívida. Durante os trabalhos da CPI da Dívida Pública,
sequer chegou a ser aprovado o Requerimento de Informações que requisitava
dados sobre detentores dos títulos da dívida pública brasileira. A informação
que a CPI obteve foi extremamente limitada e está reproduzida no gráfico
a seguir, que indica que a quase totalidade dos títulos da dívida mobiliária
brasileira se encontram em poder do setor financeiro nacional e internacional,
revelando que grande parte da dívida interna está em mãos de estrangeiros (ou
de brasileiros no exterior), ou seja, é também externa. Em resumo, não são
conhecidos os beneficiários da Bolsa Rico, que receberam quase R$ 2 bilhões
por dia durante o ano de 2011. A sociedade brasileira sabe somente que está
pagando uma elevadíssima dívida, mas não sabe para quem paga.12
12 FATTORELLI, Maria Lucia. Bolsa Rico. In: Antonio David Cattani & Marcelo Ramos Oliveira.
A sociedade justa e seus inimigos. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2012, p. 63.
13 Euclides Mance define que muitas ONGs podem sistematizar uma atuação defensora de versões
neoliberais de atuação social, sendo solidárias ou não as ONGs aglutinam um número extrema-
mente expressivo de recursos, In: MANCES, Euclides. A revolução das redes. A colaboração soli-
dária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001, p. 21.
56 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
terceiro setor e da ideologia da terceira via14 com o formato de Oscips e outras formata-
ções jurídicas destinadas a substituir o estado social, já que o Estado Paternalista Penal
sofre nítido endurecimento Hobbesiano.
No próximo item, se demonstrará como as duas formas de organização societária
alternativa no plano jurídico comunitário participativo; e econômico associativo comuni-
tário popular articulam-se como vias abertas de empoderamento social.
Tem cada vez menos sentido tratar as questões ecológica e social de forma
independente, tanto no plano político quanto reivindicativo. Não podemos
aceitar ou estaremos correndo o risco de contradições explosivas, desenvolver
dois conjuntos paralelos de medidas, um para responder às necessidades sociais
(salvar a humanidade) e outro para responder aos danos ecológicos (salvar o
planeta). O objetivo atual é combinar estas duas exigências solidárias em um
mesmo programa de ação que seja, de fato, coerente. Isto vale também para o
62 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Desta premissa básica ditada pelo cenário contemporâneo e futuro desenhado por
esta perspectiva, que implica em uma ruptura do paradigma cartesiano mecanicista impos-
to pelo saber matematizado e quantitativo do capitalismo naturalizador da realidade social
e da “civilização” capitalista28 rumo a uma nova articulação epistemológica dos saberes
demarcada pelo suleamento no sentido Paulo Freiriano da autonomia pedagógica popular
libertadora.
Esta busca implica na busca de um novo Estado forte na questão social e ambien-
tal; mais que seja passível de seu controle transparente pela ação democrática e pluralista
dos sujeitos sociais coletivos insurgentes que moldam práticas sociais e jurídicas pluralis-
tas, um Estado não baseado no monismo jurídico, mais na pluralidade de fontes jurídicas,
na pluralidade dos poderes sociais, e não apenas dualidade de poderes, ou seja, além da
dualidade de poderes preconizadas pelo marxismo leninismo com seus soviets subordina-
dos ao “centralismo democrático”.
Isto pode ser efetuado pela pluralização das esferas jurídicas pelos movimentos
sociais, o que implica na quebra do modelo do monismo jurídico conservador imposto
hierarquicamente para consolidar uma dominação racional legal desenhada a favor das
oligarquias ou das classes dominantes.
Esta nova esfera social dialógica insurgente implica também na reconstrução de
um novo mundo das solidariedades culturais, econômicas e étnicas situadas, num novo
marco ético da alteridade capaz de desconstruir as premissas do produtivismo capitalista
anti-socioambiental e induzindo a uma solidariedade dialógica, plural, horizontal e basista
formadas por redes de troca solidária e por uma cultura da partilha fundada na ética da
alteridade.
Esta nova forma de conceber a economia de uma forma indivisível em relação as
outras realidades sociais fundamentais, edifica-se pela busca de um plano emancipatório
libertador, o que somente pode ser consolidado pela ação da práxis de intelectuais e da
própria comunidade de vítimas, os sujeitos coletivos, os intelectuais orgânicos coletivos
além da lógica do partido, ou do príncipe defendida por Gramsci e Lênin, que não precisa
ser eliminadas mais devem ser subordinadas a base da espontaneidade dos movimentos
sociais que os criaram mitigando a lógica de burocratização institucional típica da chegada
27 ROUSSET, Pierre. O ecológico e o social: combates, problemas, marxismos, p. 223, In: CAT-
TANI, Antonio David. Fórum Social Mundial: a construção de um mundo melhor. Porto Ale-
gre/Petrópolis: Editora da Universidade/UFRGS/Vozes/Unitrabalho/Corag/Veraz Comunica-
ção, 2001.
28 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A Civilização Capitalista. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013.
O pluralismo jurídico comunitário participativo e economia solidária 63
29 Cf. DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. Tradução de: Ephraim Ferreira Alves, Jaime A.
Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p. 217.
30 Vide a guerra do Paraguai no século XIX, a repressão dos movimentos sociais no Brasil (Caba-
nagem, Canudos, Contestado, etc), a guerra do Chaco, na década de 30 do século XX, a revolta dos
Gaúchos na argentina no século XIX, no governo de Mitre, a política de matança das experiências
nacionalistas da América Central nos anos 30, por multinacionais americanas como, a United Fruit
e novamente nos anos 80, a políticas do Evil Empire de Reagan sobre os Sandinistas. Anterior-
mente, a escravidão negra, os mais de 70 milhões de índios mortos desde a invasão da América. A
derrubada do governo Chileno de Allende, promovido pela International Telephone and Telegrath,
as ditaduras militares latino-americanas mantidas sob o gerenciamento norte-americano. As polí-
ticas neoliberais de Carlos Salinas de Gortari, Ernesto Zedillo, Carlos Menen, Alberto Fugimori,
Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90 que privatizaram o patri-
mônio estatal, energético, mineral e natural, no caso do Brasil, o setor telefônico, elétrico, a Vale
do Rio Doce, a CSN, a Belgo Mineira, a Aço Minas, a maioria dos Bancos de Fomento estaduais,
estabeleceram avultosas concessões de Pedágio para inescrupulosas empresas estrangeiras, e hoje
as políticas ainda se materializam com o combate aos movimentos sociais organizados como os
Sem-Terra, os Zapatista e os governos nacional-populares de Hugo Chávez, Rafael Corrêa, Evo
Moralez, conforme estampado na capa na reacionária revista Veja do mês de março de 2008, da
editora Abril. Cf.: RAMPINELLI, Waldir José. A história: uma arma de dominação, p. 23-48, in:
RAMPINELLI, Waldir José (org). Florianópolis: Insular, 2003; GALEANO, Eduardo. As veias
abertas da América Latina. 45ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005; BANDEIRA, Luiz Alberto Mo-
niz. Formação do Império Americano. Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque. 2ª edi-
ção. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2006; RIBEIRO, Darcy. As Américas e a Civilização.
Processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. São Paulo:
64 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Companhia das Letras, 2007; Biondi, Aloysio. O Brasil privatizado. Um balanço do desmonte
do Estado. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999. 48 p; DUSSEL, Enrique. Enrique. De
Medellín a Puebla uma Década de Sangue e Esperança: de Sucre à crise relativa do Neofa-
ciscismo – 1973-1977; tradução: Luis João Gaio. São Paulo: Edições Loyola, 1982, MUÑOZ, Luis.
Cooperativismo e Direito. Identidade Latino-Americana das Cooperativas Populares. Universidade
Federal do Paraná: Curitiba, 2008.
31 MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O Mito do desenvolvimento sustentável. Meio am-
biente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2008.
32 VEPPO BURGARDT, Victor Hugo. Embates Políticos na Fronteira Setentrional do Bra-
sil: A difícil digestão da Raposa Serra Sol. São Paulo/Jundiái, Paco Editorial, 2011.
O pluralismo jurídico comunitário participativo e economia solidária 65
estatal de acordo com Pierre Clastres35, as famosas sociedades contra o Estado, então
quem tem a ensinar e quem tem a aprender; ou melhor, porque o bloqueio do diálogo
inter-cultural?
35 Cf. CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: ERCA, 1990.
36 Ora, numa sociedade agrícola, tais condições não surgiram naturalmente – elas teriam que ser
criadas. O fato de terem sido criadas gradualmente de maneira alguma afeta a natureza surpreen-
dente das mudanças envolvidas. A transformação implica numa mudança da motivação da ação por
parte dos membros da sociedade: a motivação do lucro passa a substituir a motivação da subsistên-
cia. Todas transações se transformam em transações monetárias e estas, por sua vez, exigem que
seja introduzido um meio de intercâmbio em cada articulação da vida industrial. Todas as rendas
devem derivar da venda de alguma coisa e, qualquer que seja a verdadeira fonte de renda de uma
pessoa, ela deve ser vista como resultante de uma venda. É isto o que significa o simples termo “sis-
tema de mercado” pelo qual designamos o padrão institucional descrito. Mas a peculiaridade mais
surpreendente do sistema repousa no fato de que, uma vez estabelecido, tem que se lhe permitir
funcionar sem qualquer interferência externa. Os lucros não são mais garantidos e o mercador tem
que auferir seus lucros no mercado. Os preços devem ter a liberdade de se auto-regularem. É justa-
mente esse sistema auto-regulável de mercados o que queremos dizer com economia de mercado,
O pluralismo jurídico comunitário participativo e economia solidária 67
rótulo embutido como marca das práticas sustentáveis do mundo empresarial, sem querer
satanizar seus agentes aprisionados a mentalidade do moinho satânico acima descrito:
drão toyotista cooptadoras da subjetividade dos trabalhadores, adensadas que estão pela
aceleração do processo de produção, por novas tecnologias como a internet, o celular, etc.
Este novo processo é chamado por alguns de fluxo tênsil39, talvez a explicação
esteja mais próxima, a novas formas de extração da mais valia relativa, agora realizadas de
forma mais sutil, já que estão naturalizadas pela nova ideologia patronal hegemônica, que
está difusa e impregnada todos os tecidos sócio-comunitários da sociedade do espetáculo,
em um processo de fragmentação laboral emergente do emprego das novas tecnologias
convergindo para a sociedade global do entretenimento, do espaço narcisista do indivi-
dualismo privado, que é o único espaço societal compatível com as formas de produção
advindas do padrão criado pelo modelo neoliberal orientado pelo consumo40, a ideologia
é alimentada pela esfera circulacionista informacional.
Para uma maior inteligibilidade da esfera jurídica cooperativa situando-a neste con-
texto amplo é necessário estabelecer quais pontos são utilizados para defini-las como
sociedades cooperativas, preceitos retirados dos quadros da própria Aliança Cooperativa
Internacional: a) tratar-se de uma entidade com dupla natureza: é ao mesmo tempo uma
sociedade de pessoas e uma empresa econômica; b) apóia-se na ajuda mútua dos sócios;
39 O toyotismo teria inaugurado um novo tipo de manejo da produção caracterizado pela pilo-
tagem pelo fim, definida conceitualmente como fluxo tensionado, caracterizado por um fluxo in-
formacional descendente. Tal conceito generalizado a toda a cadeia de produção significa que cada
posto de trabalho é cliente daquele logo acima, o qual, na incerteza do que lhe será demandado,
não constitui mais estoques como no fluxo fordiano. Basta estar em condições de entregar à ju-
sante, no momento certo (just in time) e segundo a quantidade demandada, os produtos ou serviços
necessários. Historicamente, na Toyota – que é a inventora desse sistema – cada posto de trabalho
era prevenido por um ticket (um kanbam) do pedido à jusante. Donde um duplo fluxo: matéria, de
cima para baixo da cadeia (com uma ausência ou uma quase ausência de estoque comercial), e in-
formacional, de baixo para cima. É preciso assinalar que, de todo modo, há um fluxo informacional
descendente, qual seja: o da planificação das matérias-primas e das disponibilidades dos meios para
tornar a produção possível. O fluxo informacional puxado é que determina a produção, in: DU-
RAND, Jean Pierre. A refundação do trabalho no fluxo tensionado. Tradução de Leonardo Gomes
Mello e Silva. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. Departamento de Sociologia,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. v. 15, n. 1 (abril de
2003). São Paulo: USP, FFLCH, 1989. p. 143.
40 Essa nova objetivação social está refletida na pouca representatividade das organizações sindi-
cais, em que o trabalhador diante desse novo contexto de risco de desemprego passa a se identificar
mais facilmente com o empregador, seu parceiro na luta e disputa pelo consumidor e, portanto
responsável pela sua sobrevivência dentro das estruturas competitivas do mercado. Desta forma,
como parceiros, devem canalizar seus esforços mútuos para a cooperação voltada a derrotar os
seus competidores comuns. Os próprios sindicalistas aderem a esses modelos de cooptação e se
transformam em agentes de gestão assimiladoras visando à cooperação e à facilitação da estratégia
empresarial, In: COUTINHO, Aldacy Rachid. Direito do Trabalho: A passagem de um regime
despótico para um regime hegemônico, p. 18. In: WALDRAFF, Célio; Coutinho, Aldacy R. (Orgs.)
Direito do Trabalho & Direito Processual do Trabalho: temas atuais. Curitiba: Juruá, 1999, p.
19.
O pluralismo jurídico comunitário participativo e economia solidária 69
56 VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias com a Administração Pública: uma
análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 146.
57 ROCHA, Sílvio Ferreira da Rocha. Terceiro setor. 2ª Ed. Revista e aumentada. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 48.
74 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Conclusão
estatalidade e pelo anúncio de um novo direito comunitário forjado pelo cotidiano dos
povos de nossa região e do mundo, silenciados pelo poder econômico e pelas formas
culturais eurocêntricas edificadoras da servidão e do extermínio.
A democratização da “esfera pública”, melhor seria dizer das práticas comunitárias
pluralistas emancipatórias insurgentes, pode ser atingida pelo pluralismo jurídico comu-
nitário participativo, em que os novos sujeitos coletivos plurais e mesmo os movimentos
sociais tradicionais configurarão um direito calcado no ideário da democratização direta
e participativa orientada pelo controle sócio-jurídico comprometido com a justiça social
e ambiental; possibilitadora da efetividade de novas formas sociais, jurídicas e epistemo-
lógicas voltadas para uma consolidação não antropocêntrica dos direitos humanos rom-
pendo com a cultura jurídica dogmática, conservadora e elitista própria de nossa tradição
sócio-histórica forjada pelo modelo colonialista eurocêntrico e etnocêntrico, e pelas novas
formas de gestão neoliberal multilaterais neocoloniais sequestradoras do tempo e das
riquezas de nossa região.
Esta proposta conjunta se pauta por um novo plano de alteridade ético-material
que se chocará com a cultura político-jurídica do bloco histórico hegemônico conservador
performado nas últimas décadas por um neocolonialismo que busca sempre criar um mo-
nismo jurídico do Estado Mínimo na área social; e máximo na esfera repressiva, exposto
pelas políticas impostas pelo multilateralismo, preocupado unicamente com o comércio e
a segurança jurídica estabelecida em prol de investimentos efetivados pelas transnacionais,
que encontra o seu corolário máximo contemporâneo, no Velho Continente abduzido
pelo neoliberalismo com seu sacerdócio multilateral a serviço do sistema financeiro e da
geopolítica militarizada pelos EUA, ONU e OTAN.
Esta sociabilidade vigiada, delega apenas uma participação residual tímida e tute-
lada da população em relação aos processos sociais de controle político e jurídico, que
pode ser superada por modelos coletivistas, solidários e comunitários de gestão social,
econômica e cultural capazes de organizar demandas e constituir formas “institucionais”
democratizadas, e acessíveis a práticas comunitárias plurais capazes de consolidar uma
esfera dialógica e participativa de gestão dos povos e não de corporações privatizadoras.
Os novos mundos possíveis poderão constituir novas formas utópicas que em
um plano de compreensão e transformação da complexidade poderão sedimentar pela
edificação do Princípio Esperança, a conjugação de novas formas econômicas e jurídicas
plurais, a caminho do plano utopístico da autogestão jurídica e econômica, gerando a
autonomia coletiva de grupos, até hoje vitimados pela exploração colonialista e neocolo-
nialista do capital, sem incorrer nos vícios do neoliberalismo com suas reformas visando
um Estado mínimo para as oligarquias beneficiadas pela financeirização econômica.
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PLURALISMO JURÍDICO E O DIREITO INDÍGENA
NA AMÉRICA LATINA: UMA PROPOSTA DE EMENDA
CONSTITUCIONAL NO BRASIL
Thais Luzia Colaço1
Introdução
ras indígenas no continente. Pelo contrário, seu desaparecimento, contribui, por sua vez,
a assimilação e ao etnocídio dos povos indígenas.”8
Se reconhecendo os direitos políticos e a competência das autoridades indígenas
para “administrar a justiça por meio de seus sistemas normativos próprios ao direito in-
dígena,” também se está reconhecendo os seus próprios sistemas jurídicos.9 As organiza-
ções e movimentos indígenas equatorianos definem o seu direito valorizando-o perante o
sistema jurídico estatal:
Para nós os índios, o Direito indígena é um direito vivo, dinâmico, não escrito,
no qual através do seu conjunto de normas regula os mais diversos aspectos e
condutas de convívio comunitário. A diferença do que sucede com a legislação
oficial, a legislação indígena é conhecida por todo o povo, é dizer, existe uma
socialização do conhecimento do sistema legal, uma participação direta na
administração da justiça, nos sistemas de reabilitação, que garantem o conviver
harmônico.10
19 COLAÇO, Thais Luzia; DAMAZIO, Eloise da Silveira Petter. Novas perspectivas para a
antropologia jurídica na América Latina: o direito e o pensamento decolonial. Florianópolis:
FUNJAB, 2012. p. 107.
20 CABEDO MALLOL, Ibid., p. 88-9.
21 FLORES GIMÉNEZ, Fernando. Acerca de la constitucionalización y funcionamiento de la
justicia indígena. In: GIRAUDO, Laura. (Ed.). Derechos, costumbres y jurisdicciones indíge-
nas en la América Latina contemporânea. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucio-
nales, 2008. p. 282, 285.
22 CLAVERO, 1994, Id. p. 115, 155.
23 RENTERÍA, Miguel Ánguel. El derecho de los pueblos índios versus derecho del Estado. In:
DURAND ALCÁNTARA, Carlos H.; et al. (Coord.). Hacia una fundamentación teórica de la
costumbre jurídica índia. México: Universidad Chapingo, 2000. p. 80.
Pluralismo jurídico e o direito indígena na América Latina 85
Walsh24 adverte que a aceitação oficial de mais de um direito não garante que o
direito positivo estatal não se sobreponha aos demais e a sua superioridade fique eviden-
ciada, chamando isto de “pluralismo jurídico subordinado”, tratando-se de um reconhe-
cimento inferior ou “especial” com relação ao sistema nacional, sem questionar efetiva-
mente as relações coloniais. 25
Na relação do direito indígena com o direito estatal “se combinam resistência e
adaptação mútuas (um sincretismo jurídico)”. A aplicação da “lei e do costume por parte
dos povos indígenas. [...] segundo sua própria conveniência. [...] Diferem a lógica e a racio-
nalidade os sistemas jurídicos indígenas e estatal”. O acesso a justiça estatal é dificultosa,
pois a administração de justiça muitas vezes está longe das comunidades indígenas , que
pode ser corrupta e que é custosa.26
Surge o problema de articulação, coordenação e harmonização do sistema jurídico
nacional com o reconhecimento do direito indígena, com a implantação da jurisdição indí-
gena, através do respeito da diversidade étnica e cultural, que terá seus limites na violação
dos direitos humanos por parte das autoridades indígenas, e cada país deverá ter o seu
órgão responsável por esta função.27
Com referência ao confronto, “a principal conseqüência está na criminalização das
práticas judiciais dos povos indígenas”, na função jurisdicional que penaliza os procedi-
mentos das culturas jurídicas indígenas. O conflito das “definições político-ideológico de
cidadania”, que traz embates “permanentes entre direitos individuais e direitos coletivos,
soberania política estatal e autonomia dos povos indígenas, e graus assimétricos de reco-
nhecimento normativo da livre determinação dos povos indígenas.”28
A possibilidade de se reconhecer o “Direito indígena como autêntico Direito traz
problemas singulares” que “carecem de respostas claras e, todavia menos, universalmente
válidas”. A identidade destes povos também se manifesta na “especialidade do Direito
Indígena que deriva, entre outras coisas, de sua conduta do direito consuetudinário, tradi-
cional, conservado e respeitado por uma comunidade ou um povo que o percebe como
ordem própria”. A consideração pelas novas constituições latino-americanas “como Di-
reito vigente e aplicável”, reconhece a “sua importância não só como elemento integrante
Perante o conflito entre o reconhecimento dos direitos humanos indígenas que re-
quer do estado uma tutela correspondente, e “o princípio da diversidade étnica e cultural,
que obriga o poder público a preservar o direito a diferença e a manutenção da própria
idiossincrasia do grupo humano aborígene”, devem ser preservados “os direitos coletivos
de determinados grupos humanos residentes em seu território”, sendo interpretadas “as
garantias individuais dentro de um enfoque mais coletivo e social, com uma dimensão
supra-individual distinta da operada na cultura ocidental”. Mantendo a tolerância, o diá-
logo intercultural e o “consenso entre o universal e o particular (a cosmovisão ocidental
e oficial, e a indígena)”.31
Vários motivos fazem com que os governos dos países não aceitem integralmente
o sistema jurídico dos povos indígenas:
Sem dúvida, uma ordem jurídica estatal ainda está longe de integrar a ordem
jurídica interna dos diferentes povos que conformam seu mosaico demográfico.
O assunto é reconhecer plenamente esse direito alternativo, isto é, das ordens
e sistemas jurídicos não positivos como parte formal estatal. Tão simples que
parece, não é de todo, pois os governos dos países com presença étnica temem
as prováveis contradições que uma ordem jurídica consuetudinária possa
chegar a ter com a ordem jurídica estatal. [...] se teme a concessão de concessão
de certas formas de autonomia [...] avançar na obtenção de posições políticas
com seus respectivos efeitos no social e no econômico. [...] Queira ou não, é
uma diminuição do poder do governo, pois é este que tutela os povos étnicos
em sua própria visão de como regulá-los e controlá-los.32
Cabe ressaltar que a realidade brasileira quanto aos povos indígenas que é bem
diferente dos demais países latino-americanos, quantitativamente tem uma pequena popu-
lação, equivalente a 0,47 % da população brasileira, cerca de 896,9 mil pessoas; no entanto,
33 CARREIRA, Eliane Amorim. Pluralismo jurídico. Laudos antropológicos: contextos e pers-
pectivas. Ministério Público Federal: Brasília, 2008.
34 Acreditamos que aos poucos esta postura será modificada com a obrigatoriedade da introdu-
ção do conteúdo de Antropologia Jurídica nos currículos dos cursos de graduação em Direito.
35 CARREIRA, Eliane Amorim; ARAÚJO, Ana Valéria et. ali. (Org.) Povos indígenas e a lei
dos “brancos”: o direito à diferença. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
36 Atualmente os debates estão mais centrados na questão do reconhecimento e demarcação das
terras indígenas.
37 CABEDO MALLOL, Ibid., p. 280.
38 BARIÉ GREGOR, Cletus. Pueblos indígenas y derechos constitucionales en América
Latina: um panorama. México: Instituto Indigenista Interamericano, 2000. p. 202, 203.
Pluralismo jurídico e o direito indígena na América Latina 89
possuí a maior diversidade cultural, 305 etnias que falam 274 idiomas reconhecidos39,
sendo que ainda existem grupos isoladas ou semi-isoladas do convívio com a sociedade
nacional e com outros grupos indígenas.40 Cada grupo étnico tem a sua forma de organi-
zação social e sua maneira própria de materializar o seu direito à autodeterminação.
Conclusão
39 Estima-se que antes da chegada dos portugueses, habitavam o atual território brasileiro cerca
de 5.600.000 pessoas que falavam aproximadamente 1.300 línguas. (FUNAI). Atualmente, den-
tre os 305 povos, as etnias mais populosas são: Tikúna (46 mil), Guarani Kaiowá (43,4 mil), Kain-
gang (37,4 mil), Makuxí (28,9 mil), Terena (28,8 mil) e Tenetehara (24,4 mil). Vivendo em zo-
nas rurais 63,8%, e em zonas urbanas 36,2%. Os 896,9 mil habitantes estão distribuídos por re-
gião da seguinte forma: Norte 38,2%, Nordeste 25,9%, Centro-Oeste 16%, Sudeste 11,1% e
Sul 8,8%. Tendo 505 terras reconhecidas, proporcionalmente a 12,5% do território brasilei-
ro. Cf. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo de 2010. Disponível em:
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40 IBGE, Ibid.
90 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
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92 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Introdução
2 Ver, nesse sentido: SANTOS, Boaventura de S. Crítica da Razão Indolente. Contra o des-
perdício da Experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
98 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Por que não buscar fontes e fundamentos que trabalham o direito a partir do
periférico, do excluído, da realidade concreta? Dito isso, introduziu-se a noção da crítica
descolonizadora como instrumental teórico-prático, da crítica como resistência e trans-
formação.
Mas, a expressão crítica é dúbia e ampla, tem muitos significados; de qualquer modo, a crí-
tica emerge como elaboração instrumental dinâmica, transpõe os limites naturais das teo-
rias tradicionais, não se atendo apenas a descrever o que está estabelecido ou a contemplar
os fenômenos sociais e reais. Reconhece-se que a crítica pode revelar o esclarecimento,
como assinalava Paulo Freire, “aquele conhecimento que não é pragmático, mas que existe
num contínuo processo de fazer-se a si próprio”.3 Como um processo histórico, a crítica
está identificada ao utópico, ao desmitificador e ao liberador. Entendida a crítica como
instrumental pedagógico de conscientização, descolonização e de libertação, a questão
que se coloca é: como viabilizá-la na inserção da trajetória de nossas sociedades como as
de América Latina?
O desafio está em buscar processos de conhecimento que partam do periférico, do
subalterno e da experiência das regiões excluídas e subordinadas ao globalismo neoliberal.
Na verdade, recordando Boaventura de S. Santos, um pensamento contra-hegemônico de
resistência e emancipação4 que surge de sujeitos negados, transforma-se em manifesta-
ções aptas a instrumentalizar a força de uma crítica inconformista e transgressora, no sen-
tido de contribuir na desconstrução de velhas práticas colonizadoras de saber e de poder
dominantes. A crítica como saber e como prática da libertação deve demonstrar até que
ponto os sujeitos estão codificados e moldados pelos determinismos históricos, que nem
sempre estão cientes das implicações hegemônicas, das dissimulações opressoras, das fa-
lácias ilusórias do mundo objetivo real. O pensamento crítico tem a função pedagógica de
provocar a consciência e a ação dos sujeitos sociais em luta, que sofrem as injustiças por
parte dos setores dominantes, dos grupos privilegiados e das formas institucionalizadas
de violência e de poder, tanto do poder global quanto do poder local.
Certamente que a crítica, como dimensão epistemológica e prática política, tem
papel pedagógico transformador, à medida que se torna o instrumental operante ade-
quado ao esclarecimento, à resistência e à liberação, respondendo aos interesses e as ne-
cessidades de todos aqueles que sofrem qualquer forma de discriminação, exploração e
exclusão. De igual modo, para se constituir uma nova cultura marcada pelo pluralismo e
pela interculturalidade, há que se por com muita clareza as categorias críticas emergentes
dos velhos descartados, das crianças exploradas, dos povos ignorados e, das culturas ani-
quiladas. Em suma, um paradigma crítico liberadora da política deve transgredir as fron-
teiras do que é hegemônico, assumindo compromisso com a prática política do “outro”,
contribuindo para implementar estruturas políticas justas e legítimas, mediante novas nor-
mas, leis, ações e instituições políticas. Uma vez feitas essas considerações, destacando a
importância de uma teoria política crítica liberadora, cabe o direcionamento para o que
vem a ser um paradigma crítico e descolonizador do Direito.
É imprescindível ter, como ponto de partida para a reflexão sobre Direito e Justiça,
a inclusão do paradigma da vida humana. Na óptica das premissas norteadoras da alteri-
dade, adverte-se sobre a imperatividade da vida humana para a construção de uma rea-
lidade social justa, que venha receber “a dignidade negada da vida íntima do oprimido ou
excluído”.7 Diante dos grandes paradigmas da tradição ocidental, como ser, conhecer,
saber e comunicar, apresentam-se, na transposição da totalidade excludente e na dimensão
agora da exterioridade libertadora, elementos críticos e descolonizadoras de um projeto
político centrado no outro, base para repensar o Direito e o Pluralismo Jurídico. Há de se
considerar, portanto, que o Direito tem sua raiz no ser humano. Sem dúvida, é o outro
o que dará sempre a pauta de uma busca histórica do ser real, dos direitos humanos, da
justiça e do “buen vivir”. Mas, particularmente, a juridicidade moderna, por ser exclu-
dente, formalista e desumanizadora, será superada por uma episteme crítica e emancipa-
dor que encontra sentido na luta do povo por Justiça, quando o outro seja reconhecido
dignamente em sua identidade, em sua diversidade e em sua dimensão intercultural, como
chama a atenção Catherine Walsh.
A libertação legitima-se como expressão da luta descolonizadora por direitos, e das
lutas sociais, de onde nascem os direitos. Ao relacionar a libertação com Justiça e Direitos,
deixa-se claro que falar em libertação é apostar numa determinada concepção de Justiça,
cuja opção sejam as populações carentes e que no processo social operam como vítimas
do universo hegemônico capitalista e globalizado. Isso explica porque o conceito de Jus-
tiça se torna tão importante na América Latina; mais precisamente, a justiça reclamada
pelos coletivos marginalizados e pelos pobres excluídos de direitos revela-se fonte mais
autêntica de toda a luta social contra situações de exploração. O direito á vida e à liberda-
de, entendidos como individuais e coletivos, moldam o espaço necessário, a partir do qual
a dignidade humana é desenvolvida nos contextos de adversidade, miséria e dominação.
Portanto, uma episteme crítica e descolonizadora forjado na denúncia e na luta
dos próprios grupos oprimidos e subalternos e subalterno oprimidos, contra as falsas
legitimidades e as falácias opressoras do formalismo legalista da sociedade massificadora,
serve de substrato para uma autêntica e compromissada filosofia política da alteridade,
reflexo de uma sociedade intercultural e pluralista. Essa filosofia jurídica da alteri-
dade, incorporando as necessidades fundamentais, como liberdade, justiça, vida
digna e direitos humanos, possibilita a descoberta de um novo sujeito social um sujeito
subalterno, emergente. Um direito que fala e legitima, acima de tudo, a dignidade do outro,
que respeita e protege. O Direito direcionado para a libertação deixa de legitimar e asse-
gurar o interesse de sociabilidades dominantes para transformar-se num movimento vivo
de humanização e da descolonização de nossa sociedade, da sociedade latino-americana
como um todo, com suas diversidades e identidades. Daí a importância, de uma teoria
crítica liberadora, fundado em um projeto epistêmico intercultural e pluralista, que faça
um diagnóstico das patologias do momento e expresse mais do que nunca, uma proposta
teórico-prática, uma concepção crítica do Direito compromissado com as transforma-
ções, e principalmente, com os princípios básicos da vida humana com a plena realização
de um “buen vivir”.
Conclusão
Os novos sujeitos sociais que entram em cena e a reinvenção de suas necessidades es-
senciais justificam o aparecimento de “novas” modalidades de direitos que desafiam e
questionam profundamente a dogmática jurídica tradicional, seus institutos formais e suas
modalidades convencionais de tutela. A par dos direitos absolutos e específicos de cada
época, subsistem direitos relativos, que nascem em qualquer momento enquanto neces-
sidades fundamentais, exigências valorativas ou condições emergências de vida. Assim,
o surgimento e a existência dos chamados “novos” direitos referentes às dimensões indi-
viduais, coletivas, meta-individuais, bioéticas e virtuais, em verdade, são demandas contí-
nuas da própria coletividade e das representações de seus sujeitos sociais frente às novas
carências humanas e às crescentes prioridades impostas institucionalmente. Em suma,
urge transpor o modelo jurídico individualista, técnico-formal e dogmático, avançando,
desafiadoramente, no sentido de criar novas figuras e novos instrumentos, fundados em
procedimentos interdisciplinares e pluralistas, capazes recepcionar, garantir e materializar
os “novos” direitos.
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EL CONSTITUCIONALISMO EN AMÉRICA LATINA DESDE
UNA PERSPECTIVA HISTÓRICA CRÍTICA DEL DERECHO
Daniel Sandoval Cervantes1
Introducción
La presente ponencia tiene como objetivo proponer un aparato crítico para estar en con-
diciones de analizar y explicar los horizontes y las limitaciones de las nuevas constitucio-
nes de Nuestra América. La intención final de estos esfuerzos es potenciar los horizontes
transformadores que se expresan en ellos y que han sido producto de la lucha social y
de los procesos políticos que fueron básicos para su existencia. La importancia de estos
esfuerzos reside en la situación política actual existente en Bolivia y Ecuador, principal-
mente, pero también en Venezuela, países en que las nuevas constituciones no han hecho
desaparecer los conflictos y las contradicciones de clase inherentes al sistema capitalista,
lo que hace necesario reexaminar el papel de las constituciones y sus posibilidades trans-
formadoras.
Se aborda el tema desde la Crítica Jurídica y, dentro de ella, desde una perspectiva
histórica, desde la historia social. Por la extensión del trabajo resulta imposible abarcar
todos los temas, razón por la cual, en esta ocasión, me limitaré a exponer los principios
básicos de la metodología crítica propuesta.
Para iniciar cualquier explicación, crítica o no, en torno del derecho y su papel en la
construcción y reproducción de las ciencias sociales, resulta necesario partir tanto de un
concepto de derecho –para estipular lo que se entenderá por éste–, así como también de
los conceptos y categorías de análisis desde los cuales se empleará dicho concepto para
explicar un problema o una realidad concreta. Para el presente trabajo, propongo utilizar
los aportes teóricos y metodológicos de dos grandes corrientes del pensamiento: la Crítica
Jurídica y la Historia social.
Por un lado, la metodología crítica del derecho que se propone para analizar el
tema de las nuevas constituciones no parte de la nada, sino que retoma y utiliza los con-
ceptos y categorías de análisis ya desarrollados y afianzados por la Crítica jurídica a lo lar-
go de las últimas décadas. Específicamente retomaré de ella el concepto del derecho como
discurso y las categorías que distinguen el sentido deóntico y el sentido ideológico del
derecho. Estos conceptos y distinciones son imprescindibles para estar en condiciones de
comprender al derecho como parte de las relaciones sociales, desde las cuales se forma y
sobre las cuales tiene efectos. Comprender la complejidad social del fenómeno jurídico.
Esta misma complejidad del derecho denota la tendencia interdisciplinaria de la
Crítica Jurídica, si bien, son de lo más variado los conocimientos producidos en otros
campos disciplinares que pueden ser útiles para ella –como la sociología, la ciencia política
y la antropología–, en nuestro caso recurriremos a la utilización de conceptos provenien-
tes de una disciplina a la cual la crítica jurídica no suele recurrir, se trata de la historia. En
particular recurriremos a una de las principales corrientes críticas de la historiografía con-
temporánea: la historia social. Ésta retoma la postura teórica y política del materialismo
histórico para aproximarse a la comprensión de nuestras sociedades desde una perspectiva
de totalidad. Para nuestro trabajo retomaremos el concepto de larga duración, también la
idea misma de la historia y la realidad social como una totalidad.
Así, en primera instancia estipulamos que comprendemos el derecho como un
discurso, pero uno con características peculiares que determinan su especificidad. En pri-
mera instancia, el discurso del derecho es prescriptivo, es decir, no tiene como objetivo
comunicar una mera descripción de un estado de cosas, sino ordenar –prescribir– con-
ductas humanas. En segundo lugar, es un discurso autorizado, lo que significa que para
que sea considerado como discurso del derecho, como un discurso normativo jurídico,
tanto su forma de producción como su sentido debe coincidir con las formas y los senti-
dos autorizados por las normas superiores. Por último, es un discurso que coactivo, que
amenaza con la violencia, o, mejor dicho, que organiza la violencia, a diferencia de otros
discursos que también pueden ser normativos e incluso autorizados –como podría ser el
moral y el religioso, por ejemplo–, el derecho ejerce la violencia física y lo hace de una
manera organizada y centralizada.2
Ahora bien, de este concepto estipulativo de lo que se entenderá por derecho
sobresale la idea misma de percibir al derecho como un discurso y la relación entre éste
y la organización de la violencia física. Desde nuestra perspectiva, y con la intención de
comprender el punto metodológico desde el cual se parte, es necesario, a estas alturas del
trabajo, explicar la forma en que se construye y se produce el sentido del derecho y, de
esta forma, explicar el papel que el discurso del derecho, como organizador de la violencia
física en las sociedades contemporáneas. Además de ello, entender al derecho como un
discurso que forma parte y tiene efectos en las relaciones sociales.
La primera distinción útil es aquella que se estipula entre discurso del derecho,
como aquel que expresa, entre otras cosas, normas jurídicas, y discurso jurídico, el cual es
un discurso que habla sobre el primero, es un discurso sobre las normas jurídicas. Por otro
lado, también es importante señalar la diferencia entre el sentido deóntico del derecho,
aquel que se construye a través de la modalización deóntica de las conductas, permitién-
dolas, prohibiéndolas o haciéndolas obligatorias, y el sentido ideológico del discurso del
derecho, el cual no contiene una modalización deóntica de la conductas, pero sí tiene un
papel determinante en la interiorización del orden jurídico, de las normas jurídicas, como
algo debido, reproduce la conducta de obediencia al derecho y, con ello, al orden social
que las normas jurídicas intentar reproducir a través de la regulación de las conductas.3
El sentido del derecho es uno que se construye socialmente, a partir de las rela-
ciones de fuerza existentes en una sociedad, esto significa que en su producción tienen
efecto los distintos intereses de clase, antagónicos e irreductibles entre sí, desde los cuales
los distintos sujetos y colectivos luchan por interpretar y utilizar las normas jurídicas. De
esta manera, el derecho, en cualquier sociedad, se produce en medio de los conflictos
sociales existentes, en las sociedades capitalistas, como las nuestras, estos conflictos, con
sus diferentes grados de intensidad, se entienden bajo el concepto de lucha de clases. De
tal forma que el sentido del derecho es siempre, también, la expresión de la correlación
de fuerzas de la sociedad.4
Es así como entendemos al derecho como un efecto de la lucha de clases y, por tan-
to, como producto de las relaciones sociales en medio de las cuales ésta se desarrolla. Sin
embargo, el derecho no solamente es un efecto de esta lucha, sino que también es un ins-
trumento. De manera que explicamos, también, al derecho como un instrumento de clase.
Instrumento en el sentido de que, de conformidad con su complejidad y la construcción
social de su sentido, el derecho puede ser interpretado y utilizado tanto para defender, si
bien con diferentes posibilidades de éxito, tanto los intereses de la clase dominante como
los de las clases subalternas. En este sentido, el derecho es un campo de la lucha de clases,
un campo de disputa.5
3 “Llamaremos sentido deóntico del discurso del derecho al sentido que se puede encontrar en
los enunciados del discurso del derecho, mediante el análisis de los mismos a la luz de cualesquiera
de los tres operadores deónticos. Cuando un enunciado puede ser reducido a la forma canónica,
entonces decimos que es una norma, cualquiera sea su redacción. El sentido de un enunciado re-
ducido a su forma canónica será, para nosotros, su sentido deóntico; el dado por la modalización
deóntica de la descripción de la conducta. Desde luego, la identificación del sentido deóntico de un
enunciado expresado en lenguaje común sólo aparece en el análisis que precisamente es la tarea del
jurista”. Cf. CORREAS, Oscar. Crítica a la ideología jurídica. Ensayo sociosemiológico, México,
UNAM-CEIICH, Ediciones Coyoacán, 2005, pp. 147-148. En el mismo libro, en las páginas 148 a
150, se explica el sentido ideológico.
4 CORREAS, 2005, op. cit., pp. 113-114; CORREAS, 2004, op. cit., p. 24.
5 Ibid.
106 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Así, el derecho, el discurso del derecho, constituye una parte importante para la
reproducción de las relaciones sociales, la complejidad en la producción e interpretación
del sentido del derecho, como causa y como efecto en la lucha de clases, la explicamos a
partir de considerarlo como un campo de disputa, es decir, como un discurso por cuya
determinación de sentido se disputa en la vida cotidiana desde subjetividades políticas
antagónicas. Ahora bien, para continuar hay que recordar que esta disputa por el sentido
del derecho no se desarrolla en condiciones de equidad, sino que se encuentra atravesada
por las desigualdades y marginaciones inherentes a las sociedades capitalistas, es decir,
aquellas divididas en clases.
En este sentido, hay que explicar la contradicción existente en las utilizaciones e
interpretaciones del derecho, atravesadas por el choque entre subjetividades e intencio-
nalidades políticas determinadas, en buen grado, por los intereses y la posición de clases
irreductiblemente antagónicas. De esta condición se deriva la posibilidad de un uso del
discurso del derecho para la dominación y la construcción de la hegemonía del sistema
capitalista, es decir, la producción y aplicación de un derecho que reproduzca y profun-
dice las desigualdades y las condiciones explotación del régimen capitalista. Sin embargo,
por otro lado, también la posibilidad de que se utilice el derecho para hacer avanzar los
intereses de las clases subalternas, de los sujetos y las colectividades marginadas del de-
sarrollo capitalista y a costa de quienes éste es posible; es decir, de una manera contra-
hegemónica.
Mi hipótesis personal es que, si bien el derecho, por llamarlo de alguna manera,
estatal, es producto de este choque y esta lucha por la utilización del derecho, en realidad
estaríamos hablando de formas irremediablemente antagónicas de pensar, interpretar y
utilizar el derecho, las cuales se enfrentan en la lucha de clases, resultando una de ellas la
victoriosa y la que, con sus mediaciones, impone el sentido dominante del discurso del
derecho y así está en mejores condiciones de reproducir el sistema de dominación y ex-
plotación que le resulta favorable.
Ahora bien, para poder pensar en la realidad concreta estas categorías, es decir,
para estar en condiciones de explicar alguna situación o algún problema específico de
nuestras sociedades a partir de los conceptos de la Crítica Jurídica anteriormente aludi-
dos, me parece oportuno retomar un par de conceptos que provienen del materialismo
histórico, de las corrientes de pensamiento historiográfico comprometidas con la trans-
formación social.
La primera cuestión es el carácter desmitificador de la historia con perspectiva ma-
terialista. Así pues, retomar una perspectiva histórica tiene la intención de comprender el
pasado para poder explicar el presente y para estar en condiciones de construir un futuro
más justo. En este sentido, es importante recalcar que se tomará un concepto de historia
atrapado en la legitimación de la situación actual, por medio de la glorificación de los mi-
tos de origen de las sociedades capitalistas, sino, precisamente con la intención contrario,
desmitificar la historia del derecho para comprenderlo, a cabalidad, como un campo de
El constitucionalismo en AL desde una perspectiva histórica crítica del derecho 107
queda del sentido literal de los textos producidos en una época, sino, en la forma en que
los hechos, las interpretaciones de los hechos, sirven para explicar las transformaciones
sociales. En este contexto, para la Crítica jurídica, la historia social ofrece una metodología
histórica que intenta explicar lo social no desde la cómo una época se percibe a sí misma,
sobre todo, desde la perspectiva de la clase dominante. En este sentido, tiende a ser una
historia desde abajo, la cual intenta reconstruir la perspectiva de las clases subalternas
y, sobre todo, explicar las condiciones materiales e ideológicas de las transformaciones
sociales.8
En este sentido, para la historia social, uno de los objetivos más importantes es el
de explicar las condiciones del cambio o la transformaciones de las relaciones sociales,
lo cual, interesa al presente, no porque, a partir de dichas explicaciones se pueda prede-
cir el futuro, sino porque, por medio de estas compresiones es posible evaluar, desde la
comprensión del pasado, la situación presente para pensar las alternativas posibles hacia el
futuro. Al menos de una manera más sólida que desde una perspectiva ahistórica.9
En este sentido, explicar desde la historia social el derecho, implica, por tanto,
intentar comprender su papel dentro de la totalidad que son las relaciones sociales, por
un lado, sin perder de vista la especificidad jurídica de éstas, pero, por el otro, sin dejar de
pensar dicha especificidad dentro del contexto social en que emerge y en el cual adquiere
un sentido concreto. Para efectos de la presente investigación, lo anterior es importante
para no deshistorizar las explicaciones de la crítica jurídica del derecho realmente exis-
tente, para disociar las normas jurídicas de las relaciones sociales y la lucha de clases en
medio de la cual son producidas y en las cuales adquieren un sentido, una aplicación y
tienen efectos en la correlación de fuerzas. Utilizar los conceptos para pensar críticamente
al derecho realmente existente y no para justificarlo.
Por otro lado, tenemos el concepto de larga duración, entendida como la meto-
dología que permite identificar aquellos fenómenos que permiten explicar lo social más
allá de las comprensiones coyunturales, más allá de los grandes acontecimientos con sus
rupturas aparentes, indagar sobre las condiciones de existencia de los sistemas de domina-
ción, como el capitalista, que se presentan a lo largo de periodos de tiempos seculares. Es
decir, sin demeritar la importancia de las transformaciones coyunturales en la conforma-
ción de las relaciones sociales y su impacto para cambiar o limitar un régimen de domina-
ción, el capitalista; lo cierto es que analizar estas transformaciones desde una perspectiva
puramente coyuntural corre el riesgo de concebir la historia de nuestras sociedades de
una manera tergiversada, encontrando rupturas sistémicas ahí en donde solamente existen
reacomodos o transformaciones en las condiciones y en las maneras desde las cuales la re-
producción del sistema de dominación capitalista es posible. Una perspectiva ingenua, aun
8 THOMPSON, E.P. History from Below. In: The essential E.P. Thompson. op. cit., pp. 481-
489.
9 Hobsbawm, Eric, Sobre la historia, trad. Jordi Beltrán y Josefina Ruiz, Crítica (Grijalbo Monda-
dori, S.A.), Barcelona, 1998, pp. 24-31, 38-50.
El constitucionalismo en AL desde una perspectiva histórica crítica del derecho 109
10 BRAUDEL, Fernand. La larga duración. In: La Historia y las Ciencias Sociales. Alianza
Editorial, Madrid, 1999, pp. 60 y ss.
11 Un análisis similar a este, lo planteo en mi tesis de doctorado, intentando retomar las preguntas
planteadas en Marx, Karl, Sobre la cuestión judía. Consultado en: < http://www.hojaderuta.org/
imagenes/lacuestionjudiamarx.pdf >. El día 26 de marzo de 2013: 11:45 a.m., pp. 8-30.
12 Cf. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del garantismo penal. Prólogo Norberto
Bobbio. Madrid, Trotta, 2000, p. 906-917, 933-935.
110 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
13 Véase la obra precursora de este enfoque: CORREAS, Oscar. Acerca de los derechos huma-
nos. Apuntes para un ensayo, México, UNAM-CEIICH, Ediciones Coyoacán, 2003.
El constitucionalismo en AL desde una perspectiva histórica crítica del derecho 111
Ahora, si bien es cierto que las políticas neoliberales se impusieron de manera constante
en nuestra región durante las dos últimas décadas del siglo XX, profundizando la relación
entre capitalismo, desarrollo y derecho; lo cierto es que esta relación no se actualiza de ma-
nera homogénea en Nuestra América, pues, como lo veremos, han existido movimientos
sociales que la han cuestionado y, sobre todo en Bolivia, Ecuador y Venezuela, estos cues-
tionamientos, aún con sus asegunes, han logrado modificar o transformar esta relación e
incrementar la posibilidad tanto de cuestionar el modelo de desarrollo como replantear la
manera en que el derecho lo articula y promueve.
La historia social de nuestra región demuestra que ni el capitalismo, ni las políticas
que se conocen específicamente como “neoliberales” han podido construir una hege-
monía total, pues, ante y contra ellos han existido siempre resistencias y movilizaciones
sociales que, en alguna medida, también han recurrido a la interpretación y utilización
del discurso del derecho, si bien desde una subjetividad política distinta a aquella desde la
cual lo hacen las clases dominantes. En este sentido, la historia del capitalismo en nuestra
región es también la historia de la resistencia ante éste.15
Durante la década de los noventa del siglo XX se vivieron, a lo largo de toda nues-
tra región, movilizaciones sociales que, partiendo de los intereses de algunos sectores de
las clases subalternas, resistieron los embates del capitalismo a partir de formas distintas,
y antagónicas con respecto a aquéllas promovidas por el capitalismo. De esta manera,
inclusive en aquellos en los cuales las políticas neoliberales se impusieron con mayor fuer-
za, tuvieron movilizaciones sociales importantes en resistencia con aquel modelo, así el
ejemplo de México, pero también el de Brasil y Argentina.16
Las resistencias en dichos países tuvieron distintos grados de impacto en la trans-
formación de las políticas públicas, en el caso de México, se intensificaron las políticas
neoliberales, a pesar de que la resistencia no ha cesado; en Brasil también, aunque por un
espacio de tiempo se llegó a pensar que otra forma de políticas públicas era posible; y, en
Argentina, a pesar de que la lucha social logró derribar varios gobiernos claramente iden-
tificados con las políticas neoliberales, lo cierto es que los gobierno de Néstor y Cristina
Kirchner, lo único que han promovido es un capitalismo “en serio”, un capitalismo con
un poco más de inclusión social, pero igualmente injusto.
Sin embargo, en ninguno de estos países se lograron cambios sustanciales, ni en
el concepto de desarrollo, ni en el modelo de acumulación ni, tampoco, en el sistema
jurídico. Al contrario de estos casos, en tres países de nuestra región, Venezuela, Ecuador
y Bolivia, la articulación de los movimientos sociales impulsó procesos políticos que fue-
ron un factor central en la emergencia de procesos constituyentes y, posteriormente, en
la promulgación de textos constitucionales que, sobre todo al inicio, ofrecían horizontes
para pensar una transformación más profunda, por ejemplo que incluían derechos de los
pueblos indígenas, derechos de la naturaleza, el derecho de la soberanía alimentaria, la in-
tensificación de los derechos sociales y de sus formas de garantización, así como también
la inclusión de nuevas formas de democracia.17
No obstante, como veíamos en el apartado anterior, en el tema de los derechos
constitucionales lo central no es, precisamente, analizar los contenidos semánticos de los
textos constitucionales, desde una perspectiva que pierda de vista que, cualquiera que sea
el sentido que se le otorgue al discurso del derecho, éste se construye socialmente, es de-
cir, a partir de la lucha de clases, de la disputa por su interpretación, por la posibilidad de
designar qué es lo que se debe entender por derecho. Al menos en las sociedades dividas
15 ZAVALETA, René. Problemas de la determinación dependiente y la forma primordial. ZA-
VALETA Mercado, René. El estado en América Latina, La Paz, Los amigos del libro, 2009, pp.
133-135.
16 BORÓN, Atilio. Crisis de las democracias y movimientos sociales en América Latina:
notas para una discusión. In: OSAL (Observatorio Social de América Latina), año VII, no. 20, Con-
sejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, 2006, pp. 289-299.
17 NOGUERA FERNÁNDEZ, Albert. Los derechos sociales en las nuevas constituciones
latinoamericanas. Valencia, Tirant Lo Blanch, 2010, pp. 159-169.
El constitucionalismo en AL desde una perspectiva histórica crítica del derecho 113
tencia, la manera en que se impone y se legitima, pues, de otra forma, corre el riesgo de
ser terminado.
Sin duda, este tipo de explicación de los procesos constituyentes recientes de nues-
tra región resulta de importancia, pues, en todos ellos, los procesos políticos que llevaron
las nuevas constituciones, fueron, en realidad, el campo de enfrentamiento entre clases y,
también, entre fracciones de clases.18 En los tres casos, se cuestionó de manera profunda
la manera en que la clase dominante ejercía su poder y reproducía el régimen de domi-
nación capitalista. Sin embargo, a pesar de que, hasta el día de hoy, es difícil tener expli-
caciones concluyentes de los procesos, parece que, tanto en Bolivia, como en Ecuador y
Venezuela, el capitalismo y los intereses antagónicos de clase inherentes a dicho régimen,
sigue existiendo y, por tanto, es importante explicar y repensar dichas constituciones, no
tanto como un punto final en los procesos de transformación radical y estructural necesa-
rios para nuestra región, sino como etapas de transición hacia nuevas formas de lucha por
dicha transformación. Adelantar algunas ideas y explicaciones que puedan ser útiles para
ello fue la intención principal del presente trabajo.
Conclusiones
18 Véase, por ejemplo, para el caso de Bolivia: PEÑARANDA U., Raúl. Del conflicto al diá-
logo. Memorias del acuerdo constitucional. Crónica del proceso constituyente, La Paz, Funda-
ción para la Democracia Multipartidaria/FES-Ildis, Marzo 2009; PAZ PATIÑO, Sarela. Una mi-
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116 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Introdução
1. A Filosofia da Libertação
A categoria da totalidade pode ser compreendida a partir de diferentes filosofias. Por conta
disso, o importante é compreender o movimento que ocorre entre unidade e multiplicida-
de. Habermas3 chama a atenção para a seguinte dinâmica da filosofia:
3 Ibid., p. 151.
4 Ibid., p. 154.
5 Ibid., p. 151-166.
6 Norberto Bobbio (1989, p. 59) usa a expressão redutio ad unum ao falar do ordenamento
jurídico e a necessidade de uma norma única no ápice do sistema.
Filosofia da libertação, crítica jurídica e pluralismo 119
Nessa ordem de ideias a reflexão filosófica leva a uma valorização central da cate-
goria da totalidade, e consequentemente, à desvalorização da multiplicidade, e à negação da
exterioridade (tudo aquilo que se encontra para além do horizonte da totalidade). Ocorre
uma desvalorização ontológica, cognitiva, axiológica, ética, estética, epistemologia, her-
menêutica, jurídica, cultural, social, e filosófica, enfim, de modos alternativos, múltiplos,
plurais de ser, pensar, comunicar e viver. A partir dessa premissa, dossel afirma a necessi-
dade de “destruição” do pensamento europeu, apontando sua lógica e seus limites, com
a finalidade de proporcionar lugar ao novo, ao outro, ao diferente, ao distinto. Assim, é
importante questionar o “pensar de centro”.
Para exemplificar sigo alguns passos dessa lógica na razão comunicativa. As for-
mulações filosóficas de Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, ao que se vê, conseguem a
superação da subjetividade solipsista moderna.
Qual o objetivo de Karl-Otto Apel? Ele busca obter a fundamentação pragmático-trans-
cendental e a fundamentação das normas situacionais na razão discursiva, por considerar que nela
estão antecipadamente as exigências dos discurso que visam à formação do consensos nos afetados.8
Assim, as normas situacionais seriam sempre revisáveis, enquanto o princípio procedimental
do discurso seria o único que conserva validade incondicional: aparece como um critério
permanente, como ideia regulatória. E não ficaria, com isso, comprometida a autonomia
da consciência, pois cada indivíduo pode e deve, em princípio, examinar, julgar, ponderar
e até questionar todo e cada resultado fático, fruto de consenso, tendo como critério o
consenso ideal.
7 DUSSEL, Enrique D. Filosofia da libertação na América Latina. São Paulo: Loyola, 1977.
p. 11-12.
8 APEL, Karl-Otto e outros. Fundamentación de la ética y filosofia de la liberación. Méxi-
co: Siglo Veintiuno, 1992. p. 23.
120 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
9 Ibid., p. 30-31.
10 DUSSEL, Enrique D. e outros. Fundamentación de la ética y filosofía de la liberación.
México: Siglo Veintiuno, 1992. p. 76.
Filosofia da libertação, crítica jurídica e pluralismo 121
No ponto de partida aqui sugerido, o sujeito vivente constitui o critério fonte, condição de
possibilidade de todo o mais. Esse critério –a vida humana– serve como referência de
todo ato, norma, estrutura, sistema, subsistema, instituição etc. Assim, a premissa é que a
vida humana em comunidade é o modo de realidade do sujeito. Em resumo, a vida humana
concebida não como valor. Ela não é um horizonte ontológico, não é trabalho apenas, não
é mera sobrevivência, não se esgota na cultura, não é condição de ser, não se esgota na
consciência, não é condição de possibilidade da argumentação, não é só um direito, e não
é condição de possibilidade, mas modo de realidade. Nesse sentido é precisamente fonte e con-
teúdo de onde emana, inclusive, a racionalidade como momento do ser vivente humano.
Assim, a vida humana orienta as ações em geral, razão pela qual nenhum siste-
ma ou subsistema (inclusive o subsistema direito) pode deixar de ter como referência o
conteúdo o sujeito vivente. No plano mais concreto, o importante é a produção, reprodução e
desenvolvimento da vida do sujeito. Condições essas que, se não forem levadas em conta,
acarretam negações a aspectos da vida e no limite fatalmente levam à morte (negação do
critério fonte e da condição de possibilidade). Trata-se da originária e genuína vulnerabilidade da
vida do sujeito.
O momento da produção da vida humana se desdobra no mais diversos níveis da vida:
desde os níveis vegetativo ou físico até as funções superiores da mente, esta na sua cons-
ciência, autoconsciência, linguagem, valores, liberdade e assim por diante.
O momento da reprodução da vida humana, - ainda que se possa fazer menção ao ins-
tante da autopoiese subjetiva abstratamente considerada -, é o momento das instituições e
dos valores culturais, na condição de mediações necessárias e adequadas para a continui-
dade da vida do sujeito que reproduz a si mesmo no fato de viver.
E por fim, importa o momento do desenvolvimento da vida humana no quadro das
macro e microestruturas da sociedade. O desenvolvimento histórico deixou lugar para
a construção do humano para além de um mero crescimento natural. Assim, o sistema
que em sua reprodução impede o desenvolvimento humano deverá ter na razão crítica a
exigência de sua transformação.
122 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
camponesa etc.), mas além disso, por todas as subjetividades que sofrem negações, ainda
que não sejam classe capitalista, ou que exercem práticas de classe esporadicamente (mar-
ginais, etnias, tribos e demais grupos que apresentam negações de vida). É o bloco social
e histórico dos oprimidos. É na ótica do pluralismo jurídico, a comunidade das vítimas,
legitimidade fundante dos novos sujeitos coletivos, no projeto comunitário-participativo,
de produção de novos direitos.
Ao tratar de tema semelhante em outra oportunidade, escrevi12 sobre o assuntos
o que segue transcrito: “nos países periféricos e semi-periféricos do sistema mundo, a
categoria “povo” está intimamente ligada ao pobre ou às vitimas, à comunidade das vítimas.
Povo, pobre, vítimas constituem o oprimido como oprimido, fato que resulta da subsunção
ao sistema de dominação. No entanto, a dominação não elimina inteiramente a exteriorida-
de. Ante a persistência da racionalidade negada –momento analético da dialética–, o opri-
mido, enquanto outro, desdobra-se, em “oprimido como oprimido” (intratotalizado) e em
“oprimido como exterioridade”. Tendo em vista essa distinção, abre-se o espaço analético.
A exterioridade consiste na reserva real atual que cada sujeito como modo de realidade
em sua vida em comunidade mantém através de um existir com alteridade, num sistema
caracterizado pela dominação eticamente perversa, no saber epistemicida, na injustiça po-
lítica, e assim por diante. A alteridade que se mantém viva, que é efetiva nas organizações
e movimentos populares, na manifestação da cultura alternativa de resistência, é manifes-
tação real da condição do oprimido como exterioridade. Portanto, além da totalidade do
sistema, encontra-se a experiência da exterioridade das subjetividades afirmadas e negadas
(oprimido como exterioridade e oprimido como oprimido), seja na ordem individual ou
coletiva. As vítimas, os oprimidos, os pobres, a nação periférica (bem como todo afetado
pela dominação nos mais diversos aspectos) têm realidade (“o não-ser é real”), “mais além”
do horizonte da totalidade totalizada de cada sistema. O oprimido contém em sua vida
(que é não-ser para a ontologia da totalidade), isto é, na sua subjetividade, na sua cultu-
ra, na sua experiência, na sua compreensão, na sua práxis, no seu existir, exterioridade
analética, que lhe permite descobrir-se como oprimido no sistema, mas também como
diferente e distinto do sistema. Como o outro do sistema. Não fosse a exterioridade como
afirmação analética (afirmação de sua dignidade, de sua liberdade, de sua cultura, de seus
direitos, de seu trabalho - trabalho vivo, primeiro, e fonte de todo valor) estaria submerso,
sem possibilidade de descobrir e produzir as alternativas que a realidade permite, sob o
ponto de vista de como poderia ser, ou até deveria ser. Enfim, sem a exterioridade não
teria a possibilidade de desejar e projetar a utopia. Ficaria sem a possibilidade de sonhar e
produzir outro mundo factível. A exterioridade é, assim, a afirmação positiva e fonte axio-
lógica da exigência de justiça. A negação da opressão inicia-se e é possível pela afirmação
da exterioridade do outro (aqui as vítimas, nunca inteiramente subsumidas nos diferentes
12 LUDWIG, Celso Luiz. Filosofia e Pluralismo: uma justificação filosófica transmoderna ou des-
colonial. In: WOLMER , Antonio Carlos e outros (orgs.). Pluralismo Jurídico: novos caminhos
da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 117.
124 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
aspectos da dominação). O caminho concreto de busca dessa alteridade pode dar-se pela
práxis alternativa, desde a categoria filosófica da exterioridade, na condição de fonte inultra-
passável da legítima necessidade e possibilidade de emancipação e de libertação.
Conclusão
13 Dussel apresenta algumas das limitações que devem ser superadas para a elaboração de um
Politica da Libertação (2007, p. 11-13).
Filosofia da libertação, crítica jurídica e pluralismo 125
breves justificações expostas, entendo que o campo jurídico necessariamente deve estar
atravessado pela racionalidade crítica, porém, racionalidade critica libertadora descolonial, tendo
sempre em conta o contexto das reais negatividades existentes. E dada a complexidade mui-
to própria dessa situação nos atuais tempos de globalização e exclusão, o desafio deve ser
assumido com atenção, (1o.) no nível dos princípios universais e abstratos; (2o.) no nível parti-
cular das mediações sistêmicas; e (3o.) no nível da ação concreta, para sugerir um esboço desse
encaminhamento, na condição de uma filosofia jurídica de libertação descolonial, tendo
em conta a especificidade da dinâmica da transformação do direito frente aos novos direitos e frente
às fontes plurais de juridicidade, produzidas pela intensa práxis dos mais diversos agentes.
A impossibilidade de viver em algum nível –viver dignamente–, que se revela nega-
tivamente em algum aspecto material da vida, ou em muitos aspectos, mostra igualmente
uma negatividade formal, porque produzida pelo direito ou porque não prevista pelo sistema
do direito vigente. A critica jurídica de libertação descolonial torna-se necessária, a partir do
momento negativo que descobre a injustiça (na positividade do sistema), agora, portanto,
desde a negatividade formal (algum aspecto material da vida é negado formalmente). Assim,
o conceito de justiça e sua exigência surgem desde o conceito de injustiça (Hinkelammert).
A injustiça está ou pode estar nos mais diversos aspectos de negação da vida concreta dos
sujeitos. Na contra-imagem, a exigência de justiça surge, portanto, da negatividade. Negar
a diversidade cultural, por exemplo, implica em perpetrar uma injustiça. A negatividade
referida provem de diverso lugares, sendo que a negatividade jurídica, é certamente, uma
dessas importantes determinações. Negação que está, portanto, na esfera dos direitos
–dos direitos negados–, negação no campo jurídico. Dois são os aspectos a serem ressalta-
dos. De uma parte, essa negatividade é efeito da perversidade da lógica global do sistema
mundo nesse momento histórico, por outra, no entanto, é efeito específico da lógica de
cada subsistema: efeitos negativos do subsistema jurídico.
No campo ético e jurídico a transformação crítica do sistema requer um conceito de
justiça –desde a injustiça da negatividade–, o que é possível historicamente nos momentos
em que a necessidade de afirmação da vida é produzida conduzida pela comunidade das
vitimas. A práxis efetiva das vítimas é decisiva para a transformação. E se muitas são as
mediações necessárias, uma das mediações específicas é a do direito, que neste caso, tem o
sentido de possibilitar o exercício efetivo de incorporação de novos direitos.
Para isso, a práxis comunitária é decisiva para a concretização de uma cultura do
pluralismo, em especial do pluralismo jurídico emancipatório e de libertação. Não se pode
deixar de levar em conta o paradigma societal que está em jogo. No mundo do capitalismo
globalizado a lógica mais geral desse sistema (e sua irracionalidade) não pode ser esquecida
–em especial toda perversidade que resulta da mais-valia do processo de produção–, e tam-
bém o amplo contexto da luta de classe não pode ser negligenciado. No entanto, também
é importante a participação da sociedade civil nesse projeto comunitário-participativo de
emancipação e libertação. Assim, os novos agentes e sujeitos históricos que mostram uma
nova forma de fazer política, que descobrem novos espaços, e um novo modo de atuar
126 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
nos espaços, sejam tradicionais ou não, tendo como finalidade a defesa de direitos huma-
nos já reconhecidos como tais, ou que atuam na produção de novos direitos humanos,
até a defesa do trabalho e de direitos do trabalho, de proteção à natureza, de necessidades
muitos específicas, de interesses locais, e também globais. Enfim, são pautas das comuni-
dades que se auto-organizam também em ONGs, voluntariados, terceiro setor, economia
solidária, em redes, cooperativas, clubes de troca, grupos de reflexão, novas escolas de
formação, grupos de cidadania e pressão, diversos movimentos sociais (os movimentos
indígenas, os quilombolas, os novos movimentos sexistas, os movimentos negros, grupos
ecológicos, os “sem-terra”, os “sem-casa”, os “sem-direitos” e outros), produzindo redes
de solidariedade nacionais, regionais e internacionais, como em geral a fenomenologia do
assunto permite identificar.
Nessa fenomenologia pode-se notar que a atuação anti-hegemônica plural –são
frentes as mais diversas– terá que ser vista e compreendida como ação superadora da
globalização atual hegemônica, que produz novas e contínuas formas de dominação, de
opressão e de exclusão. A renovação e persistência dessa situação desafia a capacidade
criadora, inovadora da comunidade das vítimas, em especial a dos pobres e excluídos, mas
desde a condição de sujeitos viventes comunitários, condição na qual a falta, a privação, enfim a
negação de vida necessita e exige transformações. Portanto, essa mudança de compreensão
na ordem da filosofia que faz a reflexão desde a comunidade das vítimas em suas frentes
de libertação, hoje se atualiza como desafio para a busca de expectativas de uma vida possível e
melhor, mas a partir da condição de sujeito vivente, que quer, pode e deve viver, na condição
de outro do sistema, tendo na categoria da exterioridade, o critério fonte de justiça, e mo-
tivo objetivo para legitimamente enfrentar a lógica e a práxis perversas que produzem as
comunidade de vítimas, ainda que não intencionais.
A percepção dessa situação para além da aparência do existente, e portanto, num
ir avançando ao nível estrutural mais profundo (da totalidade até encontrar a exterioridade) é
não só um desafio, mas uma exigência para todos nós.
Referências
Introducción
La pluralidad cultural en relación con los derechos humanos es un tema conflictivo, pues
filosóficamente se ha concebido como un choque entre el universalismo y el relativismo;
es decir, se discute dentro de la dicotomía universal-particular. En términos generales se
afirma que asumir la validez de los derechos humanos significa reconocer una ética uni-
versal, válida para todo ser humano en cualquier tiempo y lugar, donde los “países desa-
rrollados” son la punta de lanza en el proceso de su implementación. No obstante, lo que
se puede constatar en sentido contrario es el uso que de los derechos humanos realizan
pueblos y culturas diversas al Occidente hegemónico, donde se suelen apropiar de ellos y
resignificarlos desde sus propias comovisiones, espiritualidades y condiciones vitales.
Ahora bien, el fundamento de los derechos humanos es uno de los temas donde se
muestra con claridad la dicotomía arriba descrita; tanto las corrientes iuspositivistas como
iusnaturalistas suelen pasar por alto el hecho de la pluralidad cultural. En consecuencia,
invisibilizan o desconocen las maneras en que diversos pueblos y culturas resignifican de-
rechos humanos desde sus propias corporalidades. Esto ocasiona que de raíz la teoría y la
praxis de derechos humanos, desde una ubicación geopolítica, se encuentren divorciadas.
Los iusfilósofos continúan defendiendo fundamentaciones de derechos humanos que no
corresponden con la riqueza de las prácticas de los diversos pueblos. De ahí surge la tarea
de ensayar una fundamentación que sea capaz de asumir una ubicación geopolítica. Para
lo cual, tomamos como referente la Filosofía de la Liberación pues varios de sus con-
ceptos y categorías pueden colaborar en una fundamentación de derechos humanos que
supere el monoculturalismo.
En este artículo trataremos de delinear algunas líneas de reflexión sobre dicha fun-
damentación. En un primer momento, ampliaremos las formas en que las fundamenta-
ciones hegemónicas de derechos humanos niegan o soslayan el pluralismo cultural; en un
segundo momento, estableceremos los tres pilares que consideramos pueden conformar
una fundamentación a partir del pensamiento latinoamericano de la liberación.
Podemos señalar que las fundamentaciones de derechos humanos corren el riesgo de caer
en el dogmatismo, en el pensamiento débil, en el reduccionismo y en el etnocentrismo.2
De estos riesgos dos están estrechamente vinculados con la imposibilidad de generar una
interculturalidad de los derechos humanos: el dogmatismo y el etnocentrismo.
Una fundamentación de derechos humanos es dogmática cuando pretende encon-
trar un fundamento absoluto. Se establece un tipo de fundamento que al ser una razón
tan evidente ninguna persona puede estar excusada en reconocerla; una vez establecido
no puede posteriormente discutirse y quien se rebela a él queda, por ese hecho, excluido
de la comunidad de los sujetos racionales. Esa postura niega la diversidad y la pluralidad
cultural, pues al considerar que se tiene un acceso privilegiado al conocimiento del funda-
mento de derechos humanos, entonces aquellos que se oponen han de ser considerados
irracionales y, por lo tanto, criminales. Un ejemplo claro de esto es el discurso racionalista
e iusnaturalista de Ginés de Sepúlveda: teniendo como referencia lo que él consideraba el
contenido de la naturaleza humana (claro reflejo de la cultura eurocristiana del siglo XVI)
calificaba a las prácticas culturales de los pueblos indios como reprochables y esto era la
base para justificar la guerra justa contra ellos.3 También lo encontramos en John Locke
quien en su Segundo tratado del gobierno civil señala que los derechos naturales son evidentes
para la mente humana; en quien transgrede la ley natural no rige la ley de la razón y por
lo tanto él mismo se excluye de la comunidad de seres racionales; como consecuencia es
despojado de los derechos naturales que son atribuidos a quienes efectivamente poseen
“condición humana”.4
El otro problema de las fundamentaciones dominantes de derechos humanos es
el etnocentrismo. Como señala Senent, “[u]no de los problemas teóricos con que nos
encontramos al tratar la cuestión de los derechos humanos es que se señala que estos
representan una institución etnocéntrica, y precisando aun más, se denuncia que son una
institución eurocéntrica”.5 Para superar esta situación, la fundamentación de derechos
humanos debe posibilitar el diálogo intercultural para mostrar que la experiencia de lucha
2 Cf. SENENT, Juan Antonio. Problemas fundamentales de los derechos humanos desde
el horizonte de la praxis. Valencia: Trant lo Blanch, 2007. pp. 48-58.
3 Para un estudio al respecto, véase: ROSILLO MARTÍNEZ, Alejandro. Los inicios de la tra-
dición iberoamericana de derechos humanos. San Luis Potosí: UASLP-CENEJUS, 2011.
4 Cf. LOCKE, John. Segundo tratado del gobierno civil. Trad. Cristina Piña, Losada, Buenos
Aires, 2004, nos. 8-10, pp. 12-13. Más adelante, al abordar la crítica a la ideologización de los dere-
chos humanos profundizaremos sobre esta visión de Locke.
5 SENENT DE FRUTOS, op. cit., p. 56.
Filosofía de la liberación, pluralidad cultural y derechos humanos 131
7 Por ejemplo, un texto de Peces-Barba que refleja este reduccionismo monocultural: “La uni-
versalidad de los valores occidentales, expresión de la modernidad, o son discutidos, alterados o
disueltos desde dentro, o son sustituidos por otros valores alternativos que vienen de otras culturas,
antes silenciosas o desconocidas, que exaltan la nación, la religión, el poder, la privacidad, pero no
son integrados en otra propuesta unitaria, sino por una multiplicidad de líneas, que expresan un
caos cultural, que apenas se disimula con la respetable noción de pluralismo o pluralidad” (PECES-
BARBA, Gregorio. Ética, poder y derecho. México: Fontamara, 2000, p. 16).
8 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Hacia una sociología de las ausencias y una sociología de
las emergencias. In: El milenio huérfano. Ensayos para una nueva cultura política. Madrid: Trotta,
2005, pp. 151-192.
9 La idea del proceso de “traducción” entre culturas es propuesto por Boaventura de Sousa
Santos, utilizando la “hermenéutica diatópica” (Cf. SANTOS, op. cit., pp. 180-187). Más adelante, al
hablar de la compresión compleja de derechos humanos, ampliaremos este punto.
Filosofía de la liberación, pluralidad cultural y derechos humanos 133
cesos de liberación de las personas y los pueblos. Si bien la fundamentación no puede ser
la única instancia crítica, puede ser una de gran importancia, si se evita caer en los riesgos
ya comentados sobre la negación de la pluralidad cultural.
La fundamentación de derechos humanos que proponemos se basa en tres pilares,
estrechamente vinculada con los procesos de subjetivización de los excluidos y las vícti-
mas: la alteridad, la praxis y la vida.
3. La alteridad
12 Cf. HINKELARMMERT, Franz. El sujeto y la ley. El retorno del sujeto reprimido. Heredia
de Costa Rica: EUNA, 2005.
13 Cf. GARCÍA RUIZ, Pedro Enrique. Filosofía de la liberación. Una aproximación al pensa-
miento de Enrique Dussel. México: Dríada, 2003, pp. 171-202; SALAMANCA, Antonio. Yo soy
guardián mundial de mi hermano. Hacia la universalización ética de la opción por el pobre des-
de el pensamiento de K.O. Apel, E. Dussel y X. Zubiri. Frankfurt: IKO, 2003, pp. 65-70.
136 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
juristas cercanos a los movimientos de liberación las han tomado en cuenta para la cons-
trucción de su pensamiento jurídico.14 Estas categorías son la proximidad, la totalidad, las
mediaciones, la libertad situada, la exterioridad y la enajenación.
a) Proximidad: Dussel señala que la experiencia griega o indoeuropea y la moder-
na privilegiaron la relación ser humano–naturaleza.15 Comprendieron el ser como luz o
como cogito, lo que conlleva definir el ámbito del mundo y lo político como lo visto, lo
dominado, lo controlado. En cambio, si se privilegia la relación ser humano-ser humano
(la especialidad y lo político), se puede dar un discurso filosófico con otro origen. En efec-
to, se trata de comenzar desde la proximidad, distinguiéndola de la proxemia.16 Praxis es
acortar distancia; es un obrar hacia el otro como otro. Es una acción que no se acerca a las
cosas, sino al otro en cuanto otro; por eso es un aproximarse y no una proxemia. De ahí
que pueda hablarse de diversas proximidades (originaria, histórica, metafísica)17. Ante esta
equivocidad de la proximidad histórica, Dussel habla de la proximidad inequívoca, que es
la que se da ante el rostro del oprimido, de la víctima, del que es exterior a todo sistema.
Es la proximidad ante el que clama justicia, al que invoca responsabilidad. La proximidad
inequívoca es la que se establece con el que necesita servicio, porque es débil, miserable,
necesitado. De ahí que la proximidad es la raíz de la praxis y desde donde parte toda res-
ponsabilidad por el otro, y en concreto con el otro víctima del sistema.
b) Totalidad: La totalidad es la manera cómo las cosas se presentan al ser humano.
La proximidad, el cara-a-cara del ser humano con el ser humano, deja irremediablemente
lugar a la lejanía. Entonces el ser humano se acerca a los entes, a las cosas, a los objetos; las
cosas-sentido, los entes, nos enfrentan en una multiplicidad casi indefinida. No obstante,
esto se da en una totalidad, en un sistema, que los comprende y los unifica. Los entes, seña-
la Dussel, no nos rodean de manera caótica sino que forman parte de un mundo, que es una
totalidad instrumental de sentido. Es el horizonte cotidiano en el cual vivimos.18
c) Mediaciones: Las mediaciones no son otra cosa que aquello que empuñamos para
alcanzar el objetivo final de la acción. La proximidad es la inmediatez del cara-a-cara con
el otro; la totalidad es el conjunto de los entes en cuanto tal: en cuanto sistema. Las me-
diaciones posibilitan el acercarse a la inmediatez y permanecer en ella, constituyen en sus
partes funcionales a la totalidad.19
d) Libertad situada: Las cosas y entes que constituyen su entorno son mediaciones,
posibilidades. Cuando el ser humano obra, lo hace por un proyecto. Ese proyecto deter-
mina las posibilidades, las mediaciones para su realización. Es decir, la persona está asedia-
da por decisiones que debe tomar, y caminos que se abren y se cierran. Este estar abierto
14 Cf. DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio. Apuntes para una introducción filosófica
al derecho. México: Porrúa, 2007, pp. 139-159.
15 Cf. DUSSEL, 1996, op. cit., p. 29.
16 Ibid., p. 30.
17 Ibid., pp. 31-35.
18 Ibid., p. 37.
19 Ibid., p. 45.
Filosofía de la liberación, pluralidad cultural y derechos humanos 137
20 Ibid., p. 55.
21 Ibid., p. 56.
22 Ibid., p. 70.
23 Esos mismos, esos que reafirman la mismidad del sistema, son los que concretizan al ser humano
abstracto, a ese ser humano que se considera “sujeto universal de derechos”, es decir, el varón,
blanco, burgués, adinerado, occidental, etc.
138 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
ajeno y hasta peligroso al sistema. A ese otro, al contrario, aunque exija la satisfacción
de las mismas necesidades que los mismos, es catalogado de delincuente; por eso, se cri-
minalizan la protesta y las luchas sociales y las praxis de liberación se reprimen (ellas son
finalmente los medios en que los otros emergen para romper la alienación a la que son
sometidos). En efecto, la fundamentación de derechos humanos efectuada sólo desde el
individuo carga con algunos de los reduccionismos que comentamos; está marcada por
el reduccionismo monocultural e historicista. Derechos humanos fundamentados desde
el sujeto abstracto fácilmente se convierte en herramienta de enajenación, y son parte de
lo que Dussel describe en el siguiente texto: “Vestida de nobles virtudes nietzscheanas,
guerreras, saludables, blancas y rubias como los arios, Europa se lanza sobre la periferia,
sobre la exterioridad geopolítica; sobre las mujeres de otros varones; sobre sus hijos; sobre
sus dioses. En nombre del ser, del mundo humano, de la civilización, aniquila la alteridad
de otros hombres, de otras culturas, de otras eróticas, de otras religiones. Incorpora así
aquellos hombres o, de otra manera, despliega violentamente las fronteras de su mundo
hasta incluir a otros pueblos en su ámbito controlado.”24
Sin negar la subjetividad como elemento de una fundamentación de derechos hu-
manos, es imprescindible abrirla a la pluriculturalidad y a las luchas históricas llevadas
a cabo por los diversos pueblos oprimidos del planeta; se trataría de un sujeto inter-
subjetivo, comunitario, que sea el sujeto de derechos humanos como praxis de liberación.
Es lo que propone la FL a partir de una metafísica de la alteridad, que se concretiza en
comprender a la ética, a la responsabilidad por el otro, como el inicio de toda filosofía.
Esta ética es una ética de la solidaridad que tiene sus consecuencias para la construcción
de una juridicidad alternativa, generada desde las luchas sociales.25
La ética de la alteridad busca una apertura del sujeto que sea capaz de comprender
lo nuevo de la historia que se construye desde la exterioridad. “El punto de partida es la
víctima, el Otro, pero no simplemente como otra ‘persona-igual’ en la comunidad argu-
mentativa, sino ética e inevitablemente (apodícticamente) como Otro en algún aspecto ne-
gado-oprimido (principium oppressionis) y afectado-excluido (principium exclusiones).”26 Desde
el otro como otro –el pobre, el oprimido, la víctima–, que es libertad incondicionada por
cuanto se desprecia su exterioridad considerándola nada (como incultura, analfabetismo,
barbarie, primitivismo, incivilización), es como surge en la historia lo nuevo. Por ello todo
sistema futuro realmente resultante de una revolución subversiva en su sentido metafísico
es analógica: semejante en algo a la anterior totalidad, pero realmente distinto.
Todo lo anterior se realiza, se hace realidad, cuando alguien dice, por ejemplo, “¡[t]
engo hambre, necesito alimento!”.27 El hambre del pobre es consecuencia de un sistema
injusto, y en su situación de víctima no tiene lugar dentro del sistema. No tiene lugar por
ser negatividad, por sufrir falta-de, por ser no-ente en el mundo. Pero fundamentalmente
está fuera porque saciar estructuralmente el hambre del pobre es cambiar radicalmente el
sistema. En efecto, derechos humanos fundamentados desde la alteridad han de compren-
derse en herramientas de lucha de quienes son víctimas del sistema, y por eso, más que
elementos conservadores del sistema han de ser subversivos, transformadores, revolucio-
narios. El cara-a-cara con el otro inequívoco obliga a repensar constantemente derechos
humanos, pues los derechos del otro no son parte del sistema.28
Este encuentro con el otro, el cara-a-cara, queda complementado y llevado más allá,
con el pensamiento de la liberación de Franz Hinkelammert. Este autor habla del retorno
del sujeto, pero no del sujeto metafísico, sino del sujeto viviente, corporal, en cuanto ho-
rizonte filosófico para una crítica radical de la globalización neoliberal. Como habíamos
dicho, este autor señala que la sociedad moderna occidental más que antropocéntrica es
mercadocéntrica.
El concepto de sujeto surge en la relación sujeto-objeto, en la filosofía de Descar-
tes. El sujeto es visto como instancia que se relaciona con el objeto, es decir, la res cogitans
frente a la res extensa. Es un sujeto del pensamiento que se enfrenta al mundo de los ob-
jetos. Para él todo es objeto, tanto la corporalidad del otro como la propia corporalidad.
Por eso, Hinkelammert señala que es un sujeto trascedental, que desde un punto de vista
externo a la corporalidad del mundo juzga sobre éste como mundo objetivo, del que no
se considera parte sino sólo juez.29 Su existencia se sostiene solamente en su autorrefle-
xión sobre sí mismo, y por eso no tiene corporalidad ni tampoco, en consecuencia, tiene
sentidos.30
Pero no queda ahí la noción de este sujeto epistemológico, pues es a la vez un
individuo poseedor; es el individuo que se dirige al mundo para dominar y poseer; al
pensar el mundo corporal como objeto, en la relación sujeto-objeto se entiende como
poseedor del mundo. Lo más grave es que la negación del sujeto trascendental realizado
por la postmodernidad no ha significado una recuperación de una subjetividad liberadora
e intercomunitaria; al contrario, ha fortalecido al sujeto actuante como individuo pro-
pietario; al respecto, señala Hinkelammert: “Pero esta negación del sujeto trascendental
no ha afectado al individuo poseedor, que es su contrapartida. De hecho ha sustituido el
sujeto pensante por el sujeto actuante, que es un individuo propietario y calculador de sus
intereses. Sigue interpretando todo el mundo corporal como objeto de acción, pero se
ve a sí mismo más bien como una sustancia calculadora, que se mueve en un mundo de
puros objetos, y calcula su posibilidad de acceder a este mundo consumiéndolo y acumula
27 Ibid., p. 524.
28 DUSSEL, 1996, op. cit., p. 59.
29 HINKELAMMERT, 2005, op. cit., p. 485.
30 DUSSEL, 1998, op. cit., p. 515.
140 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
como propiedad partes crecientes de él. Para este sujeto calculante, el propio cuerpo sigue
siendo un objeto igual como lo es el mundo exterior. No tiene cuerpo, para calcular su
acción sobre cuerpos, que es su objeto. Este sujeto calculante es el individuo, que no se ve
molestado por la negativa al sujeto trascendental”.31
Una fundamentación de derechos humanos desde el sujeto trascendental, o desde
su negación postmoderna, termina siendo funcional para los intereses del sujeto calculan-
te. Los derechos humanos se reducen a los “derechos” necesarios para acceder “al mundo
consumiéndolo” y acumular propiedades. Paradójicamente, el sujeto actuante verá en los
otros a objetos, pues la sociedad del mercado lo conduce a “[t]ransformar todo en objeto,
inclusive a sí mismo, [y esto] es presentado ahora como libertad y salvación”.32 Entonces
los bienes protegidos por los derechos humanos no son satisfactores para la producción y
reproducción de vida, sino meros objetos para ser consumidos. En cambio, la FL propone
recuperar al ser humano como se hace presente en la realidad, como ser corporal, como
sujeto viviente frente a otros que también se hacen presentes como seres corporales y
sujetos vivientes; es una relación de cuerpo a cuerpo, de cara-a-cara. La pregunta clave de
este sujeto no es “si existo” sino “puedo seguir existiendo”. Se trata de responderse por
las condiciones de posibilidad de vivir cómo ser corporal, como ser viviente.
La demanda de la recuperación del sujeto, de la vida humana concreta, de la vida
para todos, en las instituciones sociales y en las construcciones culturales, es la demanda
más urgente del mundo de hoy, según Hinkelammert. Para esto, derechos humanos es,
sin duda, una herramienta importante, pero fundamentado en un sujeto inter-subjetivo.
Y esto tiene que ver con la vuelta, en palabras de nuestro autor, al sujeto reprimido y al
bien común.
4. La praxis
La FL no se comprende sólo como una ética de la alteridad, sino también puede enten-
derse como una filosofía de la praxis. Diversos autores –por ejemplo, Ellacuría, Dussel
y Hinkelammert– abordan en su reflexión las diversas formas de praxis. De una u otra
forma, buscan encontrar sus características para poder considerarla como una praxis de
liberación. Si bien parten del análisis de la praxis humana en general, coinciden en señalar
que no toda praxis es liberadora, sino que existen unas opresoras, homicidas y alienantes.
En este sentido, derechos humanos como realidad histórica está afectada por esta ambiva-
lencia de la praxis; derechos humanos bien pueden ser instrumentos de ideologizaciones
funcionales a prácticas opresoras o herramientas para la liberación. Fundamentar dere-
chos humanos desde la praxis significa encontrar un fundamento sociopolítico; se trata de
entenderlos como herramientas de las praxis de liberación.
Ellacuría aborda la praxis desde el análisis de los elementos y dinamismos que
integran la realidad histórica que van desde la materialidad hasta la dimensión personal, y
desde el individuo hasta el cuerpo social. Como señala Antonio González, la praxis hu-
mana “en cuanto apropiación y transmisión tradente de posibilidades es la categoría más
apropiada para comprender la originalidad de lo histórico”.33 En diversos escritos, tanto
en los de carácter político, filosófico como teológico, Ellacuría utiliza el concepto praxis,
y en variadas ocasiones lo hace de manera adjetivada; así se encuentran conceptos como
praxis histórica, praxis social, praxis política, etc. Es un concepto utilizado por este autor
como parte de su diálogo con el marxismo, aunque con una importante fundamentación
en el pensamiento de Xavier Zubiri.
Para Ellacuría, por su carácter transformador, la praxis es el ámbito donde con
mayor claridad se expresa la interacción entre el ser humano y el mundo, pues en ella las
relaciones no son siempre unidireccionales sino respectivamente codeterminantes. A tra-
vés de la praxis se muestra el poder creativo del ser humano. Este poder “está en estrecha
relación con el grado de libertad que vaya alcanzado [el ser humano] dentro del proceso
histórico”.34 Si bien todo tipo de actividad humana transformadora está incluido en la
reflexión filosófica de la praxis humana, pues ella incluye todas las formas del quehacer
humano, tanto especulativas, educativas, técnicas, religiosas, etc., Ellacuría pone énfasis en
las praxis históricas de liberación, es decir, en aquellas que actúan como productoras de
estructuras nuevas más humanizantes. En sentido semejante, Dussel señala que la praxis
de liberación “es la acción posible que transforma la realidad (subjetiva y social) teniendo
como última referencia siempre a alguna víctima o comunidad de víctimas”.35
El proceso práxico de liberación, ya en el ámbito ético y político, es principalmente
dialéctico –aunque no exclusivamente– en cuanto busca negar la negación de los seres
humanos, y se avance afirmando lo positivo. Un proceso que se da dentro del dinamismo
histórico de la posibilitación y capacitación, por lo cual no existe ninguna garantía de
triunfo. Ya se ha dicho que la realidad histórica puede ser principio de humanización y de
personalización, pero también puede ser de opresión y alienación. Esto porque “la praxis
histórica no es reducible ni a las leyes del mundo natural ni a los saltos dialécticos de al-
gún presunto espíritu”.36 A diferencia de lo que puede suceder con posturas idealistas o
mecanicistas de la historia, el mal y la injusticia en la historia no pueden ser legitimados
ni justificados como unas necesidades lógicas en el desarrollo de una teleología o como
partes de un devenir forzoso de la historia. Más bien el mal histórico es un límite real que
se presenta como un desafío a la praxis de liberación.
La liberación es, entonces, un proceso a través del cual el ser humano va ejerciendo
su libertad, y va haciéndose cada vez más libre gracias a su estructura de esencia abierta.
“La liberación es, por lo pronto, un proceso. Un proceso que, en lo personal, es, funda-
vida. En este sentido, Dussel afirma: “El sujeto de la praxis de liberación es el sujeto vivo,
necesitado, natural, y por ello cultural, en último término la víctima, la comunidad de
las víctimas y los a ella co-responsablemente articulados. El ‘lugar’ último, entonces, del
discurso, del enunciado crítico, son las víctimas empíricas, cuyas vidas están en riesgo,
descubiertas en el ‘diagrama’ del Poder por la razón estratégica”.41
El sujeto de la praxis de liberación supone no una mera subjetividad individual sino
la ya mencionada inter-subjetividad. La intersubjetividad no significa la creación de un
sujeto colectivo natural, pues esto conlleva finalmente a una sustantivización indebida; los
sujetos socio-históricos son fluidos y fragmentarios, aparecen y desaparecen en coyuntu-
ras bien determinadas, según las tramas sociales. Más bien significa el reconocimiento de
la subjetividad de cada sujeto humano concreto, y de su encuentro con el otro, que tam-
bién es sujeto, y que por sus cualidades de víctimas o solidario con ellas, se conforman en
una comunidad de vida.42 Como señala Dussel, la intersubjetividad “se constituye a partir
de una cierta comunidad de vida, desde una comunidad lingüística (como mundo de la
vida comunicable), desde una cierta memoria colectiva de gestas de liberación, desde ne-
cesidades y modos de consumo semejantes, desde una cultura con alguna tradición, desde
proyectos históricos concretos a los que se aspira en esperanza solidaria”.43
Por su parte, Hinkelammert resalta el carácter procesual del hacerse sujeto que,
para la FL, significa la vuelta –la recuperación– del sujeto reprimido: “…el ser humano
como sujeto no es una instancia individual. La intersubjetividad es una condición para
que el ser humano llegue a ser sujeto. Se sabe en una red, que incluye la misma naturaleza
externa al ser humano: que viva el otro, es una condición de la propia vida”.44 El ser hu-
mano para vivir requiere hacerse sujeto; la vida es un llamado a constituirse como sujeto.
En efecto, el ser sujeto no es un antes, un a priori del proceso, sino que resulta del mismo
proceso.45 Es decir, el “sujeto” no contiene un valor o una sustancia a priori, sino que
depende del sentido negativo del sistema que lo hace víctima; lo que podría decirse es que
ese sujeto buscará revertir su situación de víctima a través de la generación de un nuevo
sistema. En efecto, para llegar a ser sujeto de la praxis de liberación es necesario efectuar
una crítica autoconsciente del sistema que causa la victimización. Las víctimas han de
caer en la cuenta de que no habían participado en el acuerdo originario del sistema –por
utilizar expresiones de la ética del discurso– y, sobre todo, en que debido a dicho sistema
no pueden producir, reproducir y desarrollar su vida.46
Habíamos señalado párrafos arriba que el proceso práxico de liberación es princi-
palmente dialéctico, aunque no exclusivamente. En cuanto a derechos humanos, la praxis
de liberación se constituye, en diversas ocasiones, por el enfrentamiento de un movimien-
41 Ibid., p. 525.
42 GALLARDO, 2008, op. cit., p. 60.
43 DUSSEL, 1998, op. cit., p. 525.
44 HINKELAMMERT, 2005, op. cit., p. 495.
45 Ibid., p. 496.
46 Ibid., pp. 495-496.
144 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
47 GALLARDO, 2008, op. cit., p. 44; DUSSEL, 1998, op. cit., p. 541.
48 DUSSEL, Enrique. Veinte tesis de política. México: Siglo XXI, 2006, p. 105.
49 Cf. SALAMANCA, Antonio. Filosofía de la revolución. Filosofía para el socialismo en el
siglo XXI. San Luis Potosí: UASLP-CEDH, 2008, pp. 28-34.
50 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Sociología jurídica crítica. Para un nuevo sentido común
en el derecho. Madrid: Trotta, Bogotá: ILSA, 2009, p. 31.
Filosofía de la liberación, pluralidad cultural y derechos humanos 145
porque alimenten; una pieza de ropa no se fabrica, aunque caliente y dé abrigo, si su pro-
ducción no es competitiva. Con esta realidad virtual, según la cual todo tiene su criterio en
la competitividad, desaparece el valor de uso de las cosas. No obstante, esto se extiende
a todas las facetas de la vida, incluyendo aquellas relacionadas con lo jurídico y derechos
humanos. Una cultura humana que no produce competitividad tiene que desaparecer, y su
desaparición podrá ser interpretada como un devenir natural de los acontecimientos y por
el “ejercicio de la libertad” de sus miembros que optaron por dejar de utilizar, por ejem-
plo, su lengua (es más competitivo hablar inglés que ñañú, por ejemplo); o, igualmente
desde este criterio, se ha de considerar que las transformaciones sociales que no aumenten
la competitividad no deben realizarse. El dominio de la competitividad no admite acciones
frente a los efectos destructores que ella produce; es más, impide siquiera verlos. Significa
la afirmación de la Totalidad y la negación del Otro; el encubrimiento del rostro de la
víctima, quien lo es por su propia responsabilidad, por no ser “competitivo”. Por eso un
sujeto práctico o actuante no es suficiente.
Contrario a la racionalidad medio-fin, Hinkelammert señala que la vida del actor
no puede ser un fin, dado que no puede ser tratada como un fin en competencia con
otros. Quien elige la muerte, elige la disolución de todos los fines posibles. La vida es
la posibilidad de tener fines, y sin embargo, no es un fin. Por eso, si abordamos al actor
como un ser vivo que se enfrenta a sus relaciones medio-fin, entonces lo miramos como
sujeto. El actor, antes de ser actor, es sujeto humano; sólo se transforma en actor cuando
ha decidido sobre el fin y calcula los medios, incluyendo en estos su propia actividad. La
racionalidad reproductiva es la propia del sujeto vivo. Para poder enfocar esta racionali-
dad, debemos asumir al actor más allá de sus relaciones medio-fin; percibirlo como sujeto
y, por tanto, no como un fin sino condición de la posibilidad de los fines. El ser humano
como sujeto vivo concibe fines y se refiere al conjunto de sus fines posibles. Pero no pue-
de realizar todos los fines que bajo un cálculo medio-fin parecen posibles; por lo menos
debe excluir aquellos fines cuya realización atenta contra su posibilidad de vivir. Si bien
el sujeto determina sus fines, no puede desconocer la materialidad de la historia, como
señala Ellacuría.55 De ahí que el sujeto esté “atado” al circuito natural de la vida humana
que es condición de posibilidad de su propia vida.
El criterio de vida o muerte se convierte en el criterio en última instancia. La ra-
cionalidad medio-fin pierde legitimidad en cada caso en el que ella entra en contradicción
performativa con la racionalidad reproductiva; aquella racionalidad es una racionalidad
subordinada a la vida. La irracionalidad de lo racionalizado no es otra cosa que la eviden-
cia de esta contradicción performativa. Como señala Hinkelammert, “[ll]a racionalidad
medio-fin aplasta la vida humana (y de la naturaleza), lo que evidencia su carácter poten-
cialmente irracional.”56
55 Cf. ELLACURÍA, Ignacio. Filosofía de la realidad histórica. San Salvador: UCA Editores,
1999 pp. 55 y ss.
56 HINKELAMMERT, 2005, op. cit., p. 49.
Filosofía de la liberación, pluralidad cultural y derechos humanos 147
57 Ibid., p. 53.
58 Ibid., p. 57.
59 HINKELAMMERT, 2002, op. cit., p. 338.
148 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
vida y entonces el esfuerzo de evitar aquello que la amenace; se trata de un aprendizaje ne-
gativo. La praxis de liberación surge, en este contexto, como consecuencia de la experien-
cia, por parte de las víctimas, de las distorsiones que el mercado produce en la vida y en la
naturaleza. Además, la afirmación de la vida no es un fin sino un proyecto: el conservarse
como sujeto que puede tener fines. Es así como se genera una conciencia generadora de
praxis de liberación: “Se trata de conservar la vida del actor, y no de realizar algún fin
positivo mediante una gama de alternativas de la acción por probar. Este aprendizaje en la
lógica de la racionalidad reproductiva se refiere a un futuro desconocido con la posibilidad
del fracaso. De ahí que los valores implícitos de este aprendizaje son diferentes: de solida-
ridad; de respeto a la vida propia y a la de los otros, incluyendo a la propia naturaleza; de
cuidado y sabiduría. Son valores que relativizan la racionalidad medio-fin y la transforman
en racionalidad secundaria. Su relativización es, asimismo, cuestión de vida y muerte”.60
Si bien la comunidad de víctimas toma conciencia y se organiza, generando un
consenso para guiar su praxis (principio formal), éste debe tener como proyecto –y a la
vez como límite– el desarrollo de la vida (principio material). El sujeto tiene un horizonte
objetivo que es de vida y muerte.61 Si no contara con ese horizonte no sería un sujeto
vivo; podría en cambio pretender ser un actor de la racionalidad medio-fin que no tiene
como límite la vida y llega a generar, como hemos visto, el suicidio.
Quedarse únicamente con el criterio de la producción de vida, del sujeto vivo, como
fundamento de derechos humanos correría el riesgo, entre otros, de terminar defendiendo
un individualismo justificador de un egoísmo que afirmase un imperativo “sálvase quien
pueda” o “viva quien pueda vivir”. Por eso es necesario completar este fundamento con
el fundamento de la alteridad y de la praxis de liberación. En este sentido, Hinkelammert
señala que “[e]l quererse salvar no es suficiente, si bien es condición necesaria. A partir
de esta situación, toda relación humana tiene que ser reenfocada. No hay salida, excepto
por un reconocimiento mutuo entre sujetos que, a partir de este reconocimiento, someten
todo el circuito medio-fin a la satisfacción de sus necesidades. Si se parte de este recono-
cimiento, es necesaria una solidaridad que sólo es posible si este la sustenta”.62 El sujeto
se hace sujeto por la afirmación de su vida, pero esta subjetividad se complementa con la
afirmación de la vida del otro.
El otro aparece con claridad en las crisis de los sistemas que causan muerte: “Surge
así en y ante los sistemas, en los diagramas del Poder, en los lugares standard de enunciación,
de pronto, por dichas situaciones críticas, el Otro que el sistema, el rostro del oprimido o
excluido, la víctima no-intencional como efecto de la lógica performativa del todo formal
racionalizado, mostrando su irracionalidad desde la vida negada de la víctima”.63
Conclusión
Referencias
DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio. Apuntes para una introducción filosófica al dere-
cho. México: Porrúa, 2007.
DUSSEL, Enrique. Ética de la liberación. En la edad de la globalización y de la exclusión. Madrid:
Trotta, 1998.
________. Filosofía de la liberación. Bogotá: Nueva América, 1996.
________. Veinte tesis de política. México: Siglo XXI, 2006.
ELLACURÍA, Ignacio. En torno al concepto y a la idea de liberación. In: Escritos Teológicos.
Tomo I. San Salvador: UCA Editores, 2000.
________. Respuesta a CETRAL [Mayorías oprimidas, reivindicaciones indígenas en Centroamé-
rica y el problema de los derechos humanos]. In: SENENT, Juan Antonio (Ed.). La lucha
150 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Será necessário percorrer vários séculos para chegar à outra etapa da mesma história na qual o logos segue
sendo o fator determinante sobre o que é e deve ser para aqueles que o possuem e para aqueles que o acatam
(Leopoldo Zea)
Introdução
1 Pós Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-SC); Doutora pela Univer-
sidad Pablo de Olavide (Sevilla-Espanha); Mestre em Teoria do Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina com pós doutoramento pela mesma Universidade; Professora, Pesquisadora e
Extensionista da Universidade Regional de Blumenau (FURB-SC). Autora de livros, como: Her-
menêutica & Direito. Uma Possibilidade Crítica. Curitiba: Juruá, 2003.
153
154 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
que o sistema-mundo moderno essencialmente capitalista e que por isto sobrevive a cinco séculos,
criou economias-mundo divididas em estados de centro e periferia e também semi-periféricas, que
num processo de expansão, tendem a aumentar as distâncias sociais e econômicas, distanciamento
mascarado pelos avanços tecnológicos e homogeneizadas culturalmente para servir aos interesses
dos grupos-chaves.
4 SOUSA SANTOS, Boaventura; MENESES, Paula Maria (orgs.). Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010, p. 19.
5 QUIJANO, Aníbal. El regresso del futuro y las cuestiones del conocimiento. Revista Hueso
Húmero, nº 38, Peru: Francisco Campodónico Ed., abril de 2001, p.7
156 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Os eventos sociais e políticos dos anos finais do século XX acabaram por frustrar
as esperanças e ilusões tanto nas áreas centrais da modernidade como em sua periferia.
Mas a derrota que começa a ser reconhecida não era somente política ou econômica, era
também intelectual. Um vazio de futuro emancipador foi entregue tanto às vítimas do
capitalismo como a seu tradicional centro articulador. Anunciava-se o final do projeto da
modernidade e o sistema internacional passa a enfrentar uma grave e talvez irreversível
crise moral e institucional. Sobretudo no centro eurocêntrico começa s ser forte um dis-
curso difuso e complexo que denunciava o irreversível fim do projeto da modernidade.
Para autores como Willerstein, a tensão entre a modernidade tecnológica e liber-
tadora desde 68 tornou-se explícita e irremediável. O autor, em seu pessimismo, vê no
pós-modernismo, enquanto tentativa de superação da modernidade, uma clara evidência
de esgotamento da própria modernidade. Pós-modernidade é uma forma de rejeitar a mo-
dernidade tecnológica em nome da modernidade da libertação. Se ganhou tão grotesca denominação, é
porque o pós-modernismo é confuso. Como doutrina anunciatória, ele é presciente, sem dúvida, porque de
fato estamos caminhando para um outro sistema histórico.7 Sua angústia intelectual é anunciada
desde uma perspectiva específica dos que sempre viveram ou até então pensavam viver no
melhor dos mundos possíveis.
6 WALLERSTEIN, 2002, op. cit., p. 145.
7 WALLERSTEIN, 2002, op. cit., p. 149.
Teoria crítica e pluralismo 157
Por esta razão toda crítica à Modernidade e disputas intelectuais pós-modernas que
não ultrapassam o horizonte eurocêntrico, que vê o “periférico” como expectador trata-
se, no dizer de Dussel12, de uma falácia reducionista. Uma negação niilista conservadora.
Os filósofos pós-modernos, com distintos discursos e considerações, embora reconhe-
cendo e afirmando teoricamente a diferença, não refletem acerca das origens deste sistema
para além da centralidade, são profundamente acríticos e, por isso, não têm possibilidade de tentar
trazer qualquer alternativa (cultural, econômica, política, etc.) válida para as nações periféricas, nem
para as grandes maiorias dos povos dominados excluídos do centro e/ou da periferia.13 Neste sentido,
retomar o pensamento crítico a partir da atitude pós-colonial, mais que uma construção
epistemológica é política e permanece na América Latina, seja nas serras como em Chia-
pas, seja nas cidades como Fórum Social Mundial, ou nas universidades americanas e
europeias.
Pós colonialismo relacionado a emergência de uma nova geopolítica do conheci-
mento deve ser compreendido distintamente do pós-colonialismo enquanto luta de eman-
cipação política das colônias europeias. Para Boaventura de Sousa Santos é um conjunto de
práticas (predominantemente performativas) e de discursos que desconstroem a narrativa colonial, escrita
pelo colonizador, e procuram substituí-las por narrativas escritas do ponto de vista do colonizado.14 A
diferença colonial cria uma condição única de, sob o ponto de vista do subalterno, oferece
um novo horizonte crítico para as representações da crítica interna às narrativas modernas
hegemônicas. É a superação do discurso linear que vai do moderno precoce ao moderno
e ao moderno tardio ultrapassando as fronteiras internas –conflitos entre os império – e
externas –conflitos nas representações– da própria modernidade.15
11 Ibid., p. 63
12 Ibid., p. 64.
13 Ibid., pp. 64-65.
14 SOUSA SANTOS, Boaventura de. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política.
São Paulo: Cortez, 2006, p. 233.
15 MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais/Projetos Globais: colonialidade, saberes subal-
ternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003. p. 11
Teoria crítica e pluralismo 159
Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo que é visível a partir
de um determinado ponto...ter horizonte significa não estar limitado ao que há
de mais próximo, mas poder ver mais além disso.....A elaboração da situação
hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento
correto para as questões que se colocam frente à tradição.16
18 SOUSA SANTOS, Boaventura. A crítica à razão indolente. Vol. I, São Paulo: Cortez, 2002,
p. 48
19Metáfora semelhante é utilizada por Boaventura de Sousa Santos para significar o sentido da
“crise” como momento inovador.
20 A expressão A Vingança da História é utilizada como título para obra de Emir Sader (São Paulo:
Boitempo, 2003) que reflete acerca do contexto político brasileiro dos finais do século XX que
teriam levado a eleição de do presidente Lula, um ex-sindicalista, de origem popular e vinculado
a um partido construído no momento de transição democrática e sempre rechaçado pelas elites
do país. Sua análise parte do pressuposto que a dinâmica da história e a historicidade humana são
inseparáveis e possuem como um dos elos o processo permanente de construção e reconstrução a
partir da luta concreta cotidiana.
21 São inúmeros os pensadores do direito relacionados ao pensamento jurídico crítico, mas a
verdadeira arqueologia epistemológica feita por Antonio Carlos Wolkmer na obra Introdução ao pen-
samento jurídico crítico, lembra com acuidade nomes e trajetórias que merecem ser registradas.
Teoria crítica e pluralismo 161
tes ao direito moderno, buscando tomar o direito como instrumento não de manutenção
da ordem estabelecida, mas a possibilidade de emancipação do sujeito histórico tradi-
cionalmente submerso em determinada normatividade repressora, mas também discutir e redefinir o
processo de constituição do discurso legal mitificado e dominante.22 Mostrava-se assim um horizonte
inovador, mas que trazia consigo, a necessidade de rompimentos e abandonos teóricos.
Foi exatamente neste contexto que a hermenêutica jurídica ganha um novo status
na discussão jurídica. Entretanto esta não é uma novidade. Nos momentos agudos de
transição a questão hermenêutica ganha relevância. Mais do que nunca é necessário com-
preender a partir de novas categorias uma realidade também inovadora. A complexidade
desta nova problemática, qual seja, descobrir o “lugar” da hermenêutica numa lógica ju-
rídica emancipadora fez com que fosse instaurada uma discussão que assumiu distintos
caminhos a partir de distintas matrizes.
22 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 3 ed., São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 18
23 MÉDICI, Alejandro. La constitucionalización horizontal: teoria constitucional y giro deco-
lonial. San Luis de Potosí: Universidad Autónoma de San Luis Potosí, 2012, p. 56
162 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
para aquelas, tampouco fonte de justiça social para estas, mas acabou em finais do século
XX assumindo um papel político do qual não pode mais renunciar.
Com esta realidade na América Latina em geral e no Brasil em particular, torna-se
urgente a tarefa de tradução das múltiplas compreensões de mundo e dentre as quais jurí-
dica. E é neste sentido que não cabe uma hermenêutica jurídica nos moldes tradicionais.
São campos distintos que se tocam –o estatal e o social– em que mundos normativos,
práticas e saberes dialogam, se desentendem e interagem tornando possível reconhecer
os pontos de contato entre a tradição moderna ocidental e os saberes leigos. As duas zo-
nas de contacto constitutivas da modernidade ocidental são a zona epistemológica, onde se confrontam a
ciência moderna e os saberes leigos, tradicionais, dos camponeses, e a zona colonial, onde se defrontam o
colonizador e o colonizado. São duas zonas caracterizadas pela extrema disparidade entre as realidades
em contacto e pela extrema desigualdade das relações de poder entre elas.24 A tarefa hermenêutica
como tradução retoma o sentido mais original do termo,mas a partir de uma perspectiva
inovadora que traduz saberes nem sempre convergentes.
Como as práticas sociais de compreensão e solução de conflitos é mais retórica
e argumentativa são grandes os desafios a serem enfrentados pelos juristas de profissão.
Boaventura de Sousa Santos sugere uma hermenêutica diatópica que em síntese consiste
em buscar os topois –lugares comuns que constituem o consenso básico e torna possível
o dissenso argumentativo– presentes na argumentação, que é normalmente assentada em
postulados, axiomas, regras e concepções aceitas por todos. O trabalho de tradução não dispõe
à partida de topoi, por que os topoi que estão disponíveis são os que são próprios de um dado saber ou de
uma dada cultura.25 O trabalho consiste em, sem que se tenha um ponto de partida, reco-
nhecer os topoi que cada prática expressa como forma argumentativa. É um trabalho exigente,
sem seguros contra riscos e sempre à beira de colapsar. A capacidade de construir topoi é uma das marcas
mais distintas da qualidade do intelectual ou sage cosmopolita.26 São dificuldades que se impõe e
devem ser superadas pela prática do reconhecimento e da oportunidade de dar voz ao
outro, mesmo ao que não quer fazer uso dela, do que permanece em silêncio.
Já Walter Mignolo fala de uma hermenêutica pluritópica27 como parte da resis-
tência à semiose colonial, porque a colonialidade do poder pressupõe a diferença colonial como sua
condição de possibilidade e como aquilo que legitima o subalterno do conhecimento e a subjugação dos
povos.28 Considerando a construção do pensamento hermenêutico jurídico brasileiro, na
linha de pensamento da descolonização e na inclusão dos múltiplos atores sociais no pro-
cesso de construção do saber jurídico, sua perspectiva é monotópica, ou seja, é edificada
sob a perspectiva de um único sujeito cognoscente – o jurista de profissão – e com uma
posição de quem fala de um lugar virtual uma terra-de-ninguém universal, como chama
Mignolo. A intenção de sua hermenêutica é apagar a concepção de que interpretar é des-
crever a realidade a partir de seu horizonte compreensivo. O objetivo é apagar a distinção entre
o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido, entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido, entre
um objeto “híbrido” (o limite como aquilo que é conhecido) e um “puro” sujeito disciplinar ou interdisci-
plinar (o conhecedor) não contaminado pelas questões limiares que descreve.29 Uma hermenêutica que
assume-se como dialógica que numa perspectiva pedagógica emancipatória, caminha para
a conscientização e auto construção.
A redemocratização aliada a um constitucionalismo construído nas matrizes eu-
ropeias que consagram direitos fundamentais – conquistados ao longo de um processo
histórico específico -, em terras brasileiras tem sido uma proposta desacompanhada de
políticas públicas e sociais capazes de conferir eficácia e efetividade à nova ordem, ainda
com agravante de existirem fortes resistências entre juristas herdeiros de uma lógica car-
tesiana ainda reféns do ultrapassado paradigma formal legalista de direito. Sem medo de
errar, pode-se afirmar que aí está uma das razões centrais para compreender o por que de
passados quase vinte anos de Constituição Democrática ainda o Brasil é um país em que
os princípios democráticos fazem parte de uma mera intencionalidade nem sempre ou
raramente contemplada. Para se ter uma idéia, o princípio constitucional da ampla defesa ficou quase
quinze anos sem ser aplicado nos interrogatórios judiciais, sem que a doutrina e a jurisprudência – com
raríssimas exceções – tivesse reivindicado a aplicação direta da Constituição.30 Evidentemente sem
esquecer que ainda o “peso da balança” pende para um “lado”.
É indo em direção a uma lógica plural e emancipadora que é possível falar-se
em reconhecer o mundo social como mundo de possibilidade compreensiva e, portanto,
fonte de uma nova racionalidade hermenêutica. Trata-se de uma perspectiva pluralista de
direito que reconhece múltiplos espaços de fontes normativas, apesar de na maioria das
vezes, como lembra Antonio Carlos Wolkmer31 é informal e difusa. O pluralismo é uma
fonte de inúmeras possibilidades de regulação. Para Antonio Carlos Wolkmer
29 Ibid., p. 42.
30 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursi-
vas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 155
31 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamento de uma nova cultura no
Direito. São Paulo: Editora Alfa Omega, 1994, p. 155.
164 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Conclusão
Numa perspectiva pluralista de direito é possível ampliar o espaço jurídico para além
do estatal articulando saberes, práticas e ações coletivas inovadora até então pouco re-
conhecida. Uma prática cujo espaço de investigação é inesgotável para a hermenêutica.
Identificar os elementos comuns nas traduções das múltiplas realidades – a jurídica e a
coletivamente criada - para encontrar o comum, o ponto inicial para a tradução é uma
tarefa que não cabe numa teoria hermenêutica tradicional.
Referências
32 Ibid., p. 158
DESCOLONIZAÇÃO JURÍDICA NOS ANDES1
Rosembert Ariza Santamaría2
Introdução
América Latina é o céu e o inferno dos modernos, aqui tudo é possível e nada é possí-
vel, afirma Nestor García Canclini, e acrescentaríamos, o princípio e o fim de todas as
experiências institucionais do Ocidente. Um território particularmente estratégico e que
novamente retoma particular relevância no sistema mundo3 capitalista, uma vez que os
recursos naturais estratégicos estão concentrados neste lugar da geografia ocidental.
Os povos desta parte do planeta durante séculos calaram e silenciosamente resis-
tiram aos embates do modelo global, todavia, nas últimas três décadas, em alguns países,
deram-se as condições para transformar o Estado e o poder judicial, fato que não é alheio
à leitura teórica e que desde dito lugar se aborda na seguinte análise, com as evidentes
limitações que ainda marcam o tema.
Abordaremos em primeiro lugar o Estado Boliviano e sua tarefa descolonizadora
junto ao trajeto e reflexões que estas transformações suscitam ao modificar as estruturas
do velho Estado. E em segundo revisaremos a compreensão descolonizadora que se vem
gestando no Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia (TCPB) e as críticas e limi-
tações que alguns setores acadêmicos formulam acerca da descolonização jurídica.
1 Tradução do espanhol feita por Débora Ferrazzo (mestranda em Direito pela Universidade
Federal de Santa Catarina).
2 Advogado, Doutor em Sociologia, Professor Associado do Departamento de Sociologia da
Universidade Nacional da Colômbia, Diretor da pesquisa “Constitucionalismo Andino e Estado de direito.
Encruzilhadas do Estado constitucional”. Membro do Prujula-Clacso, Relaju e da Rede de constitu-
cionalismo democrático latino-americano, Docente em diversas universidades latino-americanas,
e defensor dos direitos dos povos indígenas e comunidades étnicas. Autor do livro: El Derecho
Profano. Justicia indígena, justicia informal y otras maneras de realizar lo justo. Bogotá: Universi-
dad Externado de Colombia, 2010.
3 Immanuel Wallerstein foi o primeiro a falar da análise de sistemas – mundo. Definido como:
“Um sistema mundial, é um sistema social que possui limites, estruturas, grupos, membros, regras
de legitimação e coerência. Sua vida resulta das forças conflitivas que o mantém unido por tensão
e o desagregam à medida que cada grupo busca eternamente remodelá-lo para seu benefício”. A
respeito do capitalismo, o autor adverte que a característica principal deste sistema-mundo é o que
conseguiu subsistir por mais de 500 anos, como nenhum outro na história.
165
166 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Os processos atuais que tem se desenvolvido dentro do Estado boliviano são o resultado
de históricas e constantes lutas dos movimentos sociais, dos povos e dos habitantes deste
país, pela reivindicação de sua própria identidade. Como consequência destas lutas, e com
o fundamento na nova constituição boliviana, nasce o valor estrutural e fundamental da
Bolívia, a descolonização; processo no qual a sociedade boliviana busca reivindicar seu
imaginário coletivo, sua cultura, suas formas de compreender o mundo.
É pertinente esclarecer de pronto, que a menção à descolonização na Carta Política
Boliviana implica diretamente ao Estado, frente à dita descolonização, com a pretensão
de melhorar as formas pelas quais este se relaciona com a sociedade, e assim, fixar um
horizonte de pensamento coerente com seu contexto dentro das novas expressões de
estatalidade.
Os desenvolvimentos da categoria descolonização estão profundamente ligados ao
processo de uma nação, como a boliviana, que enfrenta o jugo do colonialismo e que
pretende subverter a cultura imposta, a economia e o imaginário coletivo dominante. De
maneira limitada, se considera que os processos descolonizadores iniciaram-se no final do
século XVIII e início do século XIX – falando desde o contexto latino-americano. Estes
processos estão encarnados nas lutas históricas que pugnam pelo reconhecimento do
autogoverno e da criação de um modelo próprio de Estado.
Observando-se o ocorrido nos últimos séculos na América Latina, pode-se cons-
tatar a persistência da colonização. Ainda assim, muitos afirmam que a colonização ter-
minou com a saída da Espanha e Portugal dos países latino-americanos. Bolívia, com
uma das nações mais ricas em diversidade cultural no nosso continente não partilha de
tal afirmação, pois suas cosmovisões e cultura tem se mantido em permanente luta frente
aqueles que as querem incorporar e aculturar conforme o modelo hegemônico.
Com a entrada no século XXI, as lutas por este ideário coletivo tem iniciado pro-
cesso emancipatório através da descolonização, reivindicando os imaginários próprios, e
reconstruindo o ser andino da sociedade boliviana. Mas, porque descolonizar? Perguntam os
que acreditam que o Estado republicano superou o colonialismo.
É evidente que, desde o início dos processos de independência na América Lati-
na, tem se imposto um modelo de Estado que tem sido patrocinado e executado pelos
que ostentam o poder, legitimando mais uma vez o modelo eurocêntrico. Este modelo
imposto desde cima4 tem levado à reafirmação de uma colonização incessante em todo
o nosso continente.
A isto corresponde a nova Constituição Boliviana: a exercer um novo tipo de inde-
pendência dentro de todos e cada um dos campos de produção do estatal –e de maneira
4 Retomando a afirmação de Boaventura de Sousa, onde assinala que o Estado moderno foi
imposto desde cima pelos que acreditam que “descolonizaram” a latino-américa.
Descolonização jurídica nos Andes 167
[...] os que estão à frente estão em progresso, são avançados, enquanto todos os
outros são atrasados. É por isto que países menos desenvolvidos não podem
ser nunca, em nada, mais desenvolvidos que os desenvolvidos, porque a lógica
da seta do tempo impede esta possibilidade.5
Todo o exposto permite inferir que a ideia atual de Estado na Bolívia está ligada ao
reconhecimento de distintas epistemes, sem ignorar que o colonialismo do século XXI se
mantém ligado a processos de dominação geográfica – que na realidade hoje são evidentes
– para impedir a percepção de que os processos de imposições históricas conduzem os
povos ancestrais e originários a abdicar seus saberes, sua cultura, seu sistema legal e cada
um dos elementos que os constituem como sociedade.
2. A marcha da descolonização
Ainda que a nova constituição tenha sido construída dentro de uma assembleia
constituinte, não se pode esquecer de que ela é resultado do pensamento de múltiplos
saberes e identidades, o que conduz a que dentre as persecuções mais importantes do
Estado, esteja o êxito em determinar o aplicável a cada população e, desta maneira, o êxito
em encontrar princípios básicos que sejam determinantes dentro das relações efetivas que
se desenvolvem e se desenvolverão nos anos posteriores à aplicação da Carta Política.
Conforme assinalado, existem duas maneiras de compreender o processo atual de
descolonização na Bolívia: uma é a que busca a reconstrução da cultura originária, que
resultou nas múltiplas mobilizações que tem engendrado a constituição atual e que até
certo ponto podem sentir-se desiludidas referentemente à descolonização, enquanto a ou-
tra forma é a materialização de outro Estado, é a que consegue aceitar a nova constituição
como um avanço importante para a refundação do Estado e que dará as bases para vários
pontos que são básicos e que ajudarão a reconstruir desde pilares sólidos a sociedade
boliviana, como são a educação –concretamente, outro conhecimento–; um sentido con-
textualizado do poder público –nova compreensão do público– e uma sociedade “outra”
descolonizada que participa efetivamente do pacto político do Estado em construção.
6 CHOQUE CAPUMA, Efren. La justicia originaria campesina. Revista Red jurídica. El talante
del constitucionalismo en américa Latina. Nº 2 La paz, Bolivia, 2013. Tradução livre da tradutora.
Descolonização jurídica nos Andes 169
Então, deve-se perceber que as novas implicações que conduzem a um novo en-
tendimento, na verdade, são as bases não somente de algumas práticas jurídicas, eventu-
almente adotadas no momento de dirimir conflitos, mas sim, de todo o conhecimento,
tanto do povo, como de cada um dos setores do Estado. Exemplo disto é visível na
criação do Vice-Ministério para descolonização na Bolívia; demonstrando a importância
de reinterpretar o que serve e não serve no ocidente, de criar uma nova epistemologia in-
tercultural, já que tudo não se determina em esquecer e abandonar o que já foi aprendido,
mas sim, tomar o bom e utilizá-lo para alcançar uma progressividade palpável em âmbitos
nacionais reais.
Base de toda esta transformação são os documentos constituintes bolivianos, que
em comum, expressão um sentido do plural baseado na descolonização. Sentido expressa-
do claramente no art. 9.1 da Constituição Política do Estado que estabelece a construção
da sociedade plural, cimentada na Descolonização a partir da consolidação das identida-
des Plurinacionais, que, entenda-se, está vinculado não somente a uma identidade indi-
vidual, mas também, essencialmente ao caráter Plurinacional. Ou seja, as nações e povos
indígenas originários campesinos, já não são somente “reconhecidos”, “revalorizados”,
“incorporados”, agora são “Estado Plurinacional”, superando a concepção de Estado-
nação (Estado sem nações e/ou nacionalidades sem Estado).
A refundação do Estado ou sua transição a outra forma de Estado é a tarefa cen-
tral e mais decisiva que tem o Executivo boliviano, as contradições que se derem com a
proposta pré-constituinte e com as demandas históricas de “outro” Estado, sem dúvida
definirão a fase atual do Estado de Direito na região e sua desconfiguração ou sua nova
relegitimação depende de todos, e não somente dos bolivianos, avançarem nesta tarefa.
E, tal como afirmou a própria Assembleia Constituinte Boliviana, o Estado pluri-
nacional é o modelo de organização política para a descolonização de nações e povos que
reafirmem, recuperem e fortaleçam a autonomia territorial indígena.
3. Descolonizar o direito
A pergunta descolonizar o direito é possível? É uma pergunta recorrente aos que enfrentam
esta reflexão. Talvez sejam úteis algumas noções teóricas já trabalhadas com a advertência
da falta de reflexão sobre a descolonização jurídica no mundo do direito. Para isto, o mais
pertinente resulta ser o giro decolonial. Uma proposta que vem fazendo carreira no “pensa-
mento de frontera” das ciências sociais e cujos fundamentos guardam uma estreita relação
com “a busca de perspectivas de conhecer o eurocêntrico (que na latino-américa) tem
uma longa e valiosa tradição”.8 Uma breve genealogia que sem dúvida revela os diferentes
momentos da história latino-americana, e ao mesmo tempo, a preocupação por encontrar
as “múltiplas formas em que opera o poder e elaborar propostas para transformas estas
realidades marcadas pela ‘ferida colonial’”.9
Onde precisamente assume força a proposta do giro decolonial, definido por Mig-
nolo como
Além disto, Mignolo diz que o giro decolonial também pode ser entendido como um
giro epistêmico decolonial, que basicamente tem como razão de ser e objetivo a decolonialidade
do poder (ou seja, da matriz colonial do poder), que Aníbal Quijano, em um artigo pio-
neito no qual se resume a plataforma do projeto modernidade/colonialidade, descreve da
seguinte forma:
A partir destas duas definições, que expressam as ideias básicas do que trata a pro-
posta giro decolonial, vale a pena aportar um elemento a mais em seus elementos constituti-
vos e desta maneira expor que a estrutura triangular da colonialidade: Colonialidade do poder,
Colonialidade do saber e Colonialidade do ser, estaria abordada no estudo da descolonização do
direito desde o seguinte referente com um elemento primordial no mundo jurídico:
1. Colonialidade do poder jurídico.
2. Colonialidade do saber jurídico.
2. Colonialidade do ser jurídico, e
3. Colonialidade do fazer jurídico
Um aspecto que não podemos deixar de mencionar frente ao giro decolonial como
proposta de enfoque, resulta de sua maneira particular de problematizar sobre as mes-
mas variáveis que definem o colonialismo. Isto é, basear sua discussão sobre os mesmo
autores, as mesmas categorias e os mesmos princípios “científicos” que se pretende “de-
colonizar”. O que em um dado momento (e sem prejuízo do rigor dos “decoloniais”), faz
com que esta seja uma proposta que ainda se encontra muito ligada à acadêmica, ao texto,
ao autor (à crítica ao pensamento moderno) e, todavia, não oferece um marco analítico
independente, ou em um sentido mais amplo: “descolonizado”.
Com esta advertência, a perspectiva da descolonização jurídica, ou do direito, não
deixa para trás este aspecto, que se constitui em um questionamento permanente a estes
exercícios de reflexão. Apesar do valor que se reconhece ao giro decolonial, é ele precisa-
mente que convida à reflexão conjunta na latino-américa sobre o legado da colonialidade
e suas possíveis implicações na maneira como se enfrentam as questões do direito e do
mundo jurídico nesta região do planeta.
A descolonização da chamada Colonialidade do poder jurídico está suscitada no
caso da Bolívia e, em menor medida, no Equador pela ideia do Estado plurinacional, em-
bora as abordagens do processo constituinte boliviano, sua consagração na carta política e
os desenhos do órgão judicial plurinacional ofereçam bases para identificar a Colonialida-
de do fazer jurídico e considerar-se um fazer de descolonização do direito, esta condição
de possibilidade se dá desde as tarefas que desenvolve a própria unidade de descoloniza-
ção jurídica e o Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia.
Todo o exposto pode-se materializar em uma proposta que está em marcha no Tri-
bunal Constitucional Plurinacional da Bolívia e que se apresenta na sequência, como uma
via para iniciar a descolonizar o direito desde a colonialidade do fazer jurídico.
4. Pluralismo descolonizante
12 SANTOS, Boaventura de Sousa; EXENI RODRÍGUEZ, José Luis (org.). Justicia indígena,
plurinacionalidad e interculturalidad en Bolívia. 2 ed. Quito: Fundación Rosa Luxemburgo,
2013. p.147
Descolonização jurídica nos Andes 173
mas de direito; o segundo é que de tal processo participa a comunidade étinica envolvida
e o terceiro é que sua validade não depende do método jurídico, mas sim da legitimidade
sociocultural.
O alcance deste procedimento da Unidade de Descolonização pode ser constatado
no Relatório da Comunidade Indígena Chiquitana Altamira – La Porfia, no Município
de Concepción, Província Ñuflo de Chavez, Departamento de Santa Cruz, datado de
novembro de 2013.
O primeiro item do relatório trata do seguinte: se efetivamente a referida comuni-
dade conta com um sistema de administração de Justiça Indígena. Se a resposta é afirma-
tiva, se deve questionar sobre o modo de organização de seu sistema de administração de
Justiça Indígena.
O segundo item do mesmo relatório se intitula: informe sobre se o exercício da
jurisdição por parte das nações e povos indígenas lhes resulta obrigatória, se ocorrem os
pressupostos do art. 191.II da Constituição Política do Estado, ou se a mesma pode ser
renunciável e, neste caso, especificar em que situações; e o terceiro item do relatório a
ser observado nesta análise: de maneira geral e teórica, informe sobre como percebe-se
o inter-relacionamento e o diálogo entre os sistemas de justiça e o Estado Plurinacional
da Bolívia.
Com relação ao segundo item, eis o que o relatório assinala: na comunidade indíge-
na originária de Altamira o exercício da jurisdição indígena originário campesina se aplica
dentro da jurisdição territorial, nos âmbitos de vigência pessoal, material e territorial,
conforme estabelece o art. 191, II da CPE e a Lei nº 073, Lei de Deslinde Jurisdicional.
Para as autoridades e membros da comunidade de Altamira, a aplicação da Justiça Indíge-
na Originária Campesina não é obrigatória; em outros termos, não implica em obrigação
para os membros da comunidade o cumprimento do que estabelece o artigo mencionado.
Desde sempre as comunidades têm praticado e aplicado, desde seus ancestrais, as formas
de resolução de conflitos. Pelo que, as normas mencionadas não são uma opção a parte,
mas sim, estão fundadas conforme seus usos e costumes. Referente a isto, assinalam o
seguinte: “nós sempre temos resolvido nossos problemas em função dos usos e costumes, para nós, ainda
que não conheçamos muito o que diz a Lei de Deslinde, em parte é o que nós fazemos e sempre temos
resolvido nossos problemas em função dos usos e costumes”. Por isto, a comunidade de Altamira
antes das reformas estruturais que mudaram a relação de Estado – povos indígenas, em
Altamira as famílias têm mantido suas formas de resolução de conflitos baseados em sua
cosmovisão própria.
Com relação ao item três, se diz o seguinte: sobre o inter-relacionamento e diálogo
entre a Justiça Indígena Originária Campesina e a Justiça Ordinária, dentro do Estado
Plurinacional da Bolívia; se adverte que os habitantes de Altamira não veem uma relação
nem mecanismos de cooperação e coordenação entre ambas as justiças. Contrariamente,
desconhecem as funções e atribuições da Justiça Ordinária, consideram como uma instân-
cia superior à sua própria justiça. Segundo as autoridades e membros da comunidade de
174 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Altamira assinalam “[...] nós, como autoridades de Altamira, quase não recorremos às autoridades da
justiça ordinária [...] somente pelos conflitos que temos com a família do senhor Carlos Bailaba, mas antes
não tínhamos conflitos semelhantes”. Em diversas passagens da intervenção das autoridades de
Altamira, estas assinalam que seu sistema de justiça não esta em condições de resolver
conflitos maiores.
A razão por que recorrem à Justiça Constitucional, segundo as autoridades e mem-
bros da comunidade de Altamira, é conseguir paralisar os constantes abusos e afrontas
contra a comunidade de Altamira por parte de Carlos Bailaba e sua família, que tem pro-
tagonizado uma série de agressões de caráter verbal, ou ausência nas reuniões, rejeição às
autoridades com prejuízo para toda a comunidade.
O projeto de desenvolvimento apoiado pelo programa Pró-Terra é um dos fatores
de conflito que opôs os membros da comunidade de Altamira e a família de Carlos Bai-
laba Mangarí. As tentativas de solução do conflito realizadas na própria comunidade não
alcançaram uma solução favorável para o conflito, situação pela qual, ou pelo fracasso de
uma solução na própria comunidade, as autoridades e membros da comunidade de Alta-
mira recorreram à Justiça Constitucional para encontrar uma solução favorável a todas as
famílias que compõe a comunidade de Altamira.13
Nas conclusões, o relatório estabelece o seguinte: conforme indicado nos conteú-
dos do referido documento, a comunidade somente tem conhecimento da forma como
suas autoridades administram justiça, já que também, a própria comunidade é responsável
pelas sanções determinadas em assembleia comunitária; neste sentido, existe uma percep-
ção positiva das bases ou membros da comunidade, acerca do papel de suas autoridades,
sempre e quando trata-se de assuntos de sua competência; neste caso, as decisões são
tomadas em assembleia comunitária. A comunidade de Altamira tem dois tipos de reu-
nião: a assembleia comunitária ordinária, que é realizada uma vez por mês, e a assembleia
comunitária extraordinária, convocada em casos emergenciais. Com relação à promotoria,
justiça ordinária, constitucional, são entidades cujo papel ou função a comunidade desco-
nhece; portanto, desconhecem se estas são eficazes ou ineficazes (em diversas passagens
da reunião, foi referido que a promotoria somente foi conhecida por conta do conflito que
a comunidade tem com a família de José Bailaba).
Este relatório contribui com a decisão que o Tribunal Constitucional Plurinacional
toma a respeito da matéria submetida ao seu conhecimento e, sem dúvida, avança em
relação ao que o modelo jurídico conhecia até então em termos de perícia cultural.
Os elementos aportados pela própria comunidade adquirem relevância em um sis-
tema que procura avançar à interculturalidade e não ater-se ao mero “formalismo”.
Conclusão
Em comum na América Latina temos um alto déficit pluralista e isto implica em distintos
desenvolvimentos da pluralidade jurídica nos países da região.
As diferenças atuais saltam aos olhos: o Chile aparece como caso paradigmático
do lento avanço formal e pouco reconhecimento constitucional do pluralismo. Por outro
lado, no Equador e na Bolívia as novas Constituições parecem garantir os direitos nelas
incluídos como resultado da emergência de um “pluralismo desde baixo”, que tem resul-
tado efetivos em termos de reconhecimento dos direitos dos setores marginalizados e
excluídos, especialmente, os povos indígenas. Aqui a questão central é o desafio de como
articular eficazmente o mandato constitucional com o ordenamento jurídico vigente ou
por reconfigurar-se.
Uma doutrina orientada por sistemas jurídicos plurais deve percorrer a rota que
propõe o constitucionalismo boliviano, que é a da interculturalidade. Nesta proposta, há
diversas contribuições a serem revisadas para alcançar um avanço comum neste momento
crucial na Latino-américa.
Sem dúvida alguma, esta é a ruptura mais significativa feita pelo Tribunal Plurina-
cional com base na constituição boliviana e que faz com que efetivamente se possibilite
um pluralismo intercultural, expresso na Resolução que reconhece explicitamente como
fonte de direito as normas e procedimentos das nações e povos originários campesinos,
em termos concretos, isto é o mais avançado em matéria de pluralismo que tem alcançado
na América Latina e muitos Estados estão longe de compreender que um exercício de
interculturalidade obriga a romper a clássica ideia das fontes de direito e incluir outros
sistemas jurídicos.
Referências
Introdução
momento, segundo Dussel, a Europa deixa de ser periferia do mundo oriental e torna-se
o “centro” global da humanidade.4
Nesse sentido, para além do aspecto positivo que teria a Era Moderna, o giro
descolonial desvela a existência de um verdadeiro “mito” que funda-se na “falácia
desenvolvimentista” que gera o “eurocentrismo”. Esse conceito, assume a característica
de uma categoria filosófica fundamental, pois explicita uma posição ontológica que
compreende o modelo de desenvolvimento que historicamente foi seguido pela Europa
deve ser o modelo a ser alcançado por toda a humanidade e suas respectivas culturas.5
No plano filosófico, tal característica pode ser observada, por exemplo, em
dois dos pilares da ilustração filosófica; Kant e Hegel. Ambos, a sua maneira e com as
respectivas diferenças, explicitam claramente a perspectiva eurocêntrica plasmada na
modernidade, bem como seu racismo inerente, o qual destruiu violentamente a riqueza e
diversidade sociocultural dos povos de suas colônias e a vasta gama de riquezas naturais
aqui existentes. Portanto, deve-se explicitar o “mito moderno”, a fim de visualizar a face
oculta da modernidade, qual seja, a irracionalidade da sua violência constitutiva para com
as demais culturas.6
Descoberto o “mito moderno”, outra categoria deve ser observada, nos referimos à
ideia de “Colonização do mundo da vida”, inserida e vista a partir do violento e sanguinário
processo histórico de conquista da famigerada civilização ocidental europeia.7
A partir do resgate histórico do processo civilizatório, marcado, principalmente,
por uma colonialidade expropriatória, implantado pelas metrópoles europeias na América
Latina, o qual serviu de “motor” para o desenvolvimento econômico-político do sistema
capitalista – torna-se indispensável repensar e interpretar esses processos a partir do con-
texto e da história latino-americana.
Para isso, ao contrário do discurso hegemônico, que tende a mimetizar a linearida-
de histórica da teoria jurídica liberal-conservadora e a sua visão estatalista da ampliação de
direitos, entendemos que dois elementos são cruciais para um salto qualitativo no debate
e nas reflexões sobre a atuação dos movimentos sociais latino-americanos na sua luta in-
surgente por direitos, são eles: a “Descolonização” e a “Interculturalidade”.
O primeiro, como referimos anteriormente, seria a necessária superação do “euro-
centrismo” e da “falácia desenvolvimentista”, os quais tem servido há mais de 500 anos
para encobrir, por trás do lado emancipador da Modernidade, o mito sacrifical, violento e
opressor do chamado: “processo civilizatório”.8
Em busca disso, antes de mais nada, é necessário superar a crença de que os mo-
delos produzidos no Norte global são universais e adequados à nossa realidade e, assim,
passar a construir alternativas a partir da história, dos saberes e das lutas promovidas pelo
e no “Sul” do globo. Por isso, a descolonização é crucial para a interpretação dos proces-
sos jurídico-políticos ocorridos na nossa região. Essa nova lente hermenêutica, portanto,
é uma questão candente que deve ser suscitada por aqueles que buscam realizar pesquisas
no campo do direito, da política e da sociologia de forma engajada na luta contra-hege-
mônica ao sistema capitalista.
Enfim, chegamos ao segundo “elemento crucial” que deve ser incorporado ao
debate, isto é, a Interculturalidade. Junto com Dussel9, de forma diversa à boa parte
das correntes culturalistas e pós-modernas, entendemos que a dimensão econômica é
constitutiva da dimensão cultural, não há como entender uma cultura, sem entender a sua
economia-política. Isso, por outro lado, também não leva ao economicismo, que reduz
todos os problemas à dimensão econômica.
Assim, será nesse espaço de diálogo intercultural, partindo de uma teoria mar-
xiana contextual e concreta, preocupada com a historicidade cotidiana do povo pobre,
índio, negro, quer dizer, uma teoria que colabore organicamente com o “bloco social dos
oprimidos”10 que se poderá superar o paradigma jurídico-político moderno e fortalecer
a construção, lenta e gradual, mas revolucionária de uma organização social alternativa ao
capitalismo, melhor dizendo, socialista.
2. Socialismo indo-americano
8 Ibid.
9 Sobre isso, ver: DUSSEL, Enrique. Transmodernidade e Interculturalidade. Interpretação des-
de a filosofia da libertação, pp. 159-209. In: FORNET-BETANCOURT, RAÚL. Interculturalida-
de: críticas, diálogos e perspectivas. Trad. Angela Tereza Sperb. São Leopoldo: Nova Harmonia,
2004.
10 DUSSEL, 1993, op. cit. p. 159.
Descolonização e constitucionalismo numa perspectiva ecossocialista indoamericana 185
da realidade e riqueza desse tipo de organização comunal existente em boa parte dos
países andinos instigar e promover modos de resistência e autodeterminação para efetivar
uma verdadeira libertação que trilhe para a realização de um projeto econômico-político
de caráter socialista.15
Nesse aspecto, Mariátegui demonstra que o movimento comunista mundial,
deve reformular e adequar as suas interpretações sobre o papel do campesinato, porque
não dizer “descolonizar-se”, para poder compreender e organizar adequadamente uma
transição revolucionária na América Latina, ou seja, deve-se recolocar o problema indígena
e perceber a sua importância em determinados países. Nesse sentido, não se trata de puro
indigenismo, pelo contrário, trata-se de um Socialismo Indoamericano, situado concretamente
na histórica formação econômico-política e nas peculiaridades sócio-culturais do nosso
continente.16
Trata-se, portanto, de redimensionar o problema indígena para uma escala social
e classista, isto é, a nova colocação consiste em procurar o problema indígena no problema da terra17,
promovendo uma necessária e fundamental aliança proletária e camponesa, na qual a
resistente cultura indígena potencializa e possibilita os processos de coletivização e
solidariedade fundamentais à construção de uma sociedade comunista.
Questionar a visão ortodoxa que não reconhecia a importância crucial do
campesinato-indígena num projeto revolucionário no continente, significa, portanto,
pensá-lo de forma conexa à problemática concreta da origem e formação capitalista na
América Latina. Recolocar a problemática indígena, unida à superação da divisão desigual
do trabalho e da constituição da propriedade privada como alicerce das relações de
produção (proprietário-trabalhador), significa, portanto, superar o latifúndio e sua relação
exploratória de servidão, bem como, garantir e promover a existência de terras comunais,
nais quais o coletivismo prevaleça e se aperfeiçoe gerando cooperativas de produção e
conjunto de famílias que formam a comunidade. (...)Mas o espírito coletivista do indígena não se
revela apenas na existência das comunidades. O costume secular da minka subsiste nos territórios
do Peru, da Bolívia, do Equador e do Chile (…) a população indígena incásica reúne condições
tão favoráveis para que o comunismo agrário primitivo, subsistente em estruturas concretas em em
um profundo espírito coletivista, se transforme, sob a hegemonia da classe proletária, em uma base
mais sólida da sociedade coletivista pregada pelo comunismo marxista”. Ibid., pp 142-144.
15 LÖWY, Michel (Org.). O Marxismo na América Latina. Trad. Claudia Schilling, Luis Carlos
Borges. 2ª edição ampliada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006, p. 112.
16 Sobre isso, o Amauta refere: “(...) em relação à convergência ou articulação de “indigenismo”
e socialismo, ninguém que considere o conteúdo e a essência das coisas pode surpreender-se. O
socialismo ordena e define as reivindicações das massas, da classe trabalhadora. E, no Peru, as
massas – a classe trabalhadora – são indígenas na proporção de quatro quintos. Nosso socialismo,
pois, não seria peruano – sequer seria socialismo – se não se solidarizasse, primeiramente, com as
reivindicações indígenas”. MARIATÉGUI, 2005, op. cit., p. 110.
17 MARIATÉGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. Trad: de
Felipe José Lindoso. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular/Clacso, 2008, p. 61.
Descolonização e constitucionalismo numa perspectiva ecossocialista indoamericana 187
3. Ecossocialismo
Ou seja, ao mesmo tempo que é uma corrente crítica ao economicismo que hege-
monizou o marxismo e que, por conseguinte, o dogmatizou e burocratizou, trata-se de
uma vertente que considera: “A questão ecológica é, a meu ver, o grande desafio para uma
renovação do pensamento marxista no início do século XXI. Tal questão exige do mar-
xismo uma revisão crítica profunda da sua concepção tradicional de “forças produtivas”,
bem como uma ruptura radical com a ideologia do progresso (...)”.21
Sob esse aspecto, Löwy menciona que Walter Benjamin foi um dos primeiros mar-
xistas do século XX a se colocar esse tipo de questão, pois em diversos momentos ques-
tionou a ideia de progresso ilimitado, o positivismo e a concepção que defendia a domina-
ção da natureza e a necessidade de expansão das forças produtivas a qualquer custo, não
observando que pela sua dinâmica expansionista, o capital põe em perigo ou destrói as suas próprias
condições, a começar pelo meio ambiente natural.22
Desse modo, a corrente ecossocialista incorpora todo o desenvolvimento que as
reflexões ecológicas tem realizado no último século para interpretar e verificar os limi-
tes materiais do modelo capitalista e da civilização atual, a fim de permitir um projeto
revolucionário radical e utópico que proponha uma nova civilização nos marcos de um
socialismo ecológico.23
A conexão entre marxismo e ecologia, portanto, buscada pela corrente ecossocia-
lista pretende explicitar a crise civilizatória vivida pela humanidade, fruto da ordem capi-
talista, que põe em jogo a própria possibilidade de manutenção da vida no planeta. Sem
cair em catastrofismos, pretende, também, mostrar a urgência e radicalidade de construir
uma nova forma de organização socioeconômica, que rompa com a lógica do progresso
imposta pelo ideologia positivista no sistema capitalista.
Outro aspecto fundamental da proposta ecossocialista consiste numa crítica ferre-
nha ao modo de produção e de consumo dos países “desenvolvidos”, uma vez que ele se
sustenta numa ilimitada acumulação do capital que necessita manter as desigualdades e a
exploração entre os países do Norte e do Sul do globo, isto é, o american way of life jamais
poderiam ser expandido para toda a população mundial, sob pena de simplesmente extin-
guir a humanidade em alguns dias.
21 Ibid., p. 43.
22 Ibid., pp. 43-44.
23 Löwy menciona que essa corrente está longe de ser politicamente homogênea, mas a maioria
dos seus representantes partilha de alguns temas comuns, nesse aspecto, vejamos o seguinte trecho:
James O’Connor define como ecossocialistas as teorias e os movimentos que aspiram a subordinar
o valor de troca ao valor de uso, organizando a produção em função das necessidades sociais e das
exigências de proteção do meio ambiente. O seu objetivo, um socialismo ecológico, seria uma socie-
dade ecologicamente racional fundada no controle democrático, na igualdade social, e na predomi-
nância do valor de uso. Eu acrescentaria que tal sociedade supõe a propriedade coletiva dos meios de
produção, um planejamento democrático que permita à sociedade definir os objetivos da produção e
os investimentos, e uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Ibid., p. 48-49.
Descolonização e constitucionalismo numa perspectiva ecossocialista indoamericana 189
Tal aspecto, contudo, jamais é visto como uma prova da necessidade que o sistema
capitalista tem de manter os países da nossa região no paradigma da dependência e sub-
desenvolvimento tão bem criticado pelos pela teoria marxista da dependência24 e pelos
teóricos descoloniais, pois esse sistema é, necessariamente, fundado na manutenção e
no agravamento da desigualdade gritante entre o Norte e o Sul. Contrapondo-se a isso o
projeto ecossocialista visa uma redistribuição planetária da riqueza, e um desenvolvimento em comum dos
recursos, graças a um novo paradigma produtivo.25
Diante disso, deve-se pensar um novo paradigma produtivo que revolucione e co-
letivize o controle dos meios de produção alterando completamente a sua natureza, di-
recionando a produção para a satisfação das necessidades básicas da população, ou seja,
trata-se, portanto, de orientar a produção para a satisfação das necessidades autênticas, a começar por
aquelas a que podemos chamar “bíblicas”: água, comida, roupas, moradia, etc.26
Além da crítica econômica e ecológica, a perspectiva ecossocialista possui, tam-
bém, uma preocupação ética, pois defende um projeto utópico de transformação da reali-
dade que rompe com a lógica econômica do mercado capitalista e se reconhece socialista,
ou seja, o ecossocialismo defende: (…) uma mudança radical de paradigma, um novo modelo de
civilização, em resumo, uma transformação revolucionária. Essa revolução se refere às relações de produ-
ção – propriedade privada, a divisão do trabalho – mas também às forças produtivas.27
Nos limites deste trabalho, apresentamos apenas o início de uma pesquisa bibliográfica
de caráter qualitativo vinculada à essas temática. No entanto, a fim de esboçar algumas
aproximações com as teorizações realizadas e trazer alguma concretude, relataremos alguns
acontecimentos históricos que consideramos importantes e que podem ser relacionados às
perspectivas teóricas esboçadas alhures. Nos referimos as lutas dos movimentos indígena
e campesinos bolivianos e equatorianos, em especial, a sua luta pela água e a sua defesa
como bem comum da humanidade, que possibilitaram a incorporação e reconhecimento
da cosmovisão andino-amazônica que ressalta uma nova relação entre o ser humano/
natureza, bem como a luta por reconhecimento de Plurinacionalidade28, como forma de
al abuso y a la corrupcción, las organizaciones que de tiempo em tiempo han salido a las calles a
protestar contra los gobiernos neoliberales propusieron, y com éxito, definir el estado como pluri-
nacional (…) El reconocimiento del Estado plurinacional es un paso importante, pero insuficiente,
ahora toca contruirlo. ACOSTA, Alberto. Plurinacionalidad. Democracia en la Diversidad. Qui-
to: Ediciones Abya-Yala. 2009, pp. 20-21.
29 Las movilizaciones y rebeliones populares, especialmente desde el mundo indígena em Ecua-
dor y Bolivia, asoman com la fragua de procesos históricos, culturales y sociales de larga data,
conforman la base del Buen Vivir o sumak kawsay (kichwa) o suma qamaña (aymara). En esos países
andinos estas propuestas revolucionarias cobraron fuerza em sus debates constituyentes y se plas-
maron em sus contituciones, sin que por esto se cristalizen aún em políticas concretas. ACOSTA,
Alberto. Buen Vivir – Sumak Kawsay. Una oportunidad para imaginar otros mundos. Quito: Edi-
ciones Abya-Yala. 2012, p. 19.
Descolonização e constitucionalismo numa perspectiva ecossocialista indoamericana 191
da Água parecem sintetizar as teorizações que se buscou abordar ao longo deste texto.
Isso mesmo, a defesa do líquido vital, abundante em boa parte do nosso continente, no
último século tornou-se uma das “mercadorias” mais disputadas no mercado capitalista
mundial, pois além de ser elementar para a sobrevivência da humanidade é indispensável
para garantir os ciclos produtivos de setores cruciais, como por exemplo, a exploração do
petróleo, a mineração, as hidrelétricas, etc.
Nesse sentido, ao longo da década de 90 com a implantação do neoliberalismo e
sua sede expropriatória e privatizante esse bem comum foi leiloado às transnacionais, as
quais estão comprando inúmeras fontes desse liquido precioso. Será exatamente contra
esses processos de mercantilização e privatização da água que se insurgirão os movimentos
sociais, seja para defender as suas fontes, seja, para reverter os processos de privatização e
ou até mesmo para denunciar a sua contaminação por parte de empresas internacionais.
Seja na Bolívia com a série de revoltas populares contra a privatização da água que
foram intituladas de Guerra da Água de Cochabamba, como no Equador com as inúmeras
manifestações e levantes contra as contaminações provocadas pelas transnacionais
petrolíferas e buscando reverter os processos de privatização em curso no país, as lutas
dos movimentos sociais contra-hegemônicos pautaram a insurgência de um novo direito,
isto é, o direito humano fundamental à água. Será a partir dessas lutas concretas que, por
exemplo, na Constituinte de Montecristi se conseguiu incorporar essa outra perspectiva
sobre o liquido vital, visto e reconhecido como um bem comum da humanidade.30
Dentre os diversos aspectos transformadores observados, especialmente, no
processo constituinte equatoriano, verifica-se também a inédita proteção dos direitos da
natureza pela incorporação constitucional da cosmovisão indígena expressa na mítica
Pachamama31. No caso Boliviano, mesmo que não tenha ocorrido um reconhecimento
expresso dos direito da natureza no plano constitucional, diversos avanços legislativos
podem ser observados, como por exemplo, a Ley de la Madre Tierra, a qual incorpora uma
perspectiva diferente da relação entre ser humano/natureza, ou seja, que, em síntese,
reconhece e garante a defesa dos bens comuns a partir dos marcos de uma ontologia
distinta à da civilização ocidental.
Conclusão
Referências
Introdução
3 Colonialidade é um conceito utilizado inicialmente por Quijano. Este termo é uma importante
contribuição dos autores latino-americanos para a consolidação no âmbito acadêmico do pensa-
mento de fronteira que surge a partir do anthropos. A palavra colonialidade (e não colonialismo)
é utilizada para chamar atenção sobre as continuidades históricas entre os tempos coloniais e o
tempo presente e também para assinalar que as relações coloniais de poder estão atravessadas pela
dimensão epistêmica. Colonialidade é um conceito complexo (atua em vários níveis). Cf. DAMA-
ZIO, Eloise Peter. Colonialidade e decolonialidade da (Anthropos) logia jurídica: da Univer-
salidade a pluriversalidade epistêmica. Tese de Doutoramento. Programa de Pós-Graduação em
Direto da Universidade Federal de santa Catarina, 2011. p. 55.
4 MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de iden-
tidade em política. Cadernos de Letras da UFF, Dossiê: Literatura, língua e identidade. Niterói,
n. 34, 2008, 2008, p. 287-324.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 197
5 FIGUEIREDO, Carlos Vinícius da Silva. Estudos subalternos: uma introdução aos estudos
subalternos. Revista Raído, Dourados, MS, v. 4, n. 7, jan./ jun. 2010. p. 84.
6 SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart
Almeira; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.
p. 12.
7 O termo “subalterno” foi utilizado inicialmente por Gramsci (2002), para referir-se as classes
subalternas, especialmente ao proletariado rural. Já os Subaltern Studies modificaram o significado
de subalterno, ele é considerado como um sujeito histórico que responde também as categorias
de gênero e etnicidade, não apenas de classe. Nesse sentido, o conceito “subalterno” é utilizado
a partir da diferença colonial. O subalterno é identificado como o colonizado, ou com o sujeito
colonial, não se trata de um ser passivo, um sujeito ausente, mas um sujeito ativo. Cf. Damázio,
2011, op. cit. p.47.
8 SPIVAK, 2010, op. cit. p.14
9 Figueredo, 2000, op. cit. p. 87.
10 SPIVAK, 2010, op. cit. p.14.
11 SANTOS; MENESES, 2010, op. cit., p. 49.
198 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
12 Ibid.
13 Senso comum teórico dos juristas designa as condições implícitas de produção, circulação e
consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do Direito. Trata-se de um
neologismo proposto para que se possa contar com um conceito operacional que sirva para men-
cionar a dimensão ideológica das verdades jurídicas. Nas atividades cotidianas –teóricas, práticas e
acadêmicas– os juristas encontram-se fortemente influenciados por uma constelação de represen-
tações, imagens, preconceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereóti-
pos e normas éticas que governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação.
Cf. WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, l994, v. I. p. 13.
14 OLIVEIRA, Odete M. Relações internacionais: estudos de introdução. Curitiba: Juruá, 2001.
15 PENNA, Antonio G. Introdução à epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 199
nos consciente, têm perturbado o estudo do Direito. Hans Kelsen foi um dos principais
expoentes de um tipo de conhecimento que desconhecia as realidades outras, ou seja, de-
senvolveu os seus trabalhos com o objetivo de delinear com precisão os exatos contornos
do conhecimento jurídico no campo científico.
É importante salientar que o conceito de ciência do Direito influenciou e traçou os
limites do conhecimento jurídico na contemporaneidade. Tal influência é que possibilita
a discussão do que é ser científico para Kelsen: qual o conceito de ciência que ele utiliza
e transfere para o campo do Direito, o significado do termo “pura”, uma vez que este
trabalha com a ideia de uma ciência do Direito isenta de todos os elementos considerados
por ele estranhos para o mundo do Direito, como a Sociologia, a Psicologia etc. Observou
que sendo o Direito uma esfera específica não seria de bom alvitre transportar para a égide
da ciência jurídica métodos válidos para outras ciências. Entendendo que o jurista deveria
investigar o Direito mediante processos próprios ao seu estudo, esse autor concluiu que
isso só seria possível se houvesse “pureza metódica”21. Então, com base no postulado
kantiano de que “todo conhecimento é puro quando não se acha misturado com algo
estranho que prejudique sua autonomia”22, e vendo-a ser diluída entre os conceitos de
Psicologia, Biologia, da moral e da Teologia, Kelsen se propõe a dela eliminar todos os
elementos que lesam a sua pureza e independência, ensejando levar a ciência do Direito
às últimas consequências do Positivismo. Assim, a ciência jurídica pode ser caracterizada
como uma ciência normativa à medida que toma seu objeto como norma e constitui-se
numa atividade somente descritiva, ou seja, para Kelsen, a ciência é uma atividade que se
esgota na descrição de leis postas – do Direito positivo. Nesse ponto, é possível entender
o “jurídico” ou o “direito” não apenas pelo viés eurocêntrico e institucional, mas como
um discurso que além de moderno também é colonial e, sendo assim, participava e parti-
cipa da lógica colonialista, subalternizando saberes.
Nessa perspectiva, a contribuição de Edward Said23 é no sentido de que as consti-
tuições dos saberes relacionavam-se com o colonialismo, não considerado como uma ex-
periência que tinha sido finalizada, mas que continuava presente nas relações de conheci-
mento, determinando a pretensa superioridade/inferioridade de certas pessoas e saberes.
Nesse ponto, ressalta-se como o paradigma dominante de ciência vem monopolizando a
produção do saber, e como tal fato produziu efeitos na ciência jurídica. A Teoria Pura do
Direito é considerada como principal produto desse fenômeno. Assim, a crítica a essa con-
cepção estrita de conhecimento, propugnando uma abertura epistemológica e metodoló-
21 DINIZ, Maria Helena. Ciência jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
22 KELSEN, Hans. A teoria pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1994. p. 82.
23 SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de Rosaura
Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 201
gica da ciência jurídica, foi capaz de justificar a adoção do tudo vale de Paul Feyerabend24
ao Direito, com a finalidade de torná-lo mais adequado ao seu papel de realização de um
projeto de sociedade25. Segundo Feyrabend, o predomínio dessa concepção de ciência não
possui razões transcendentais ou uma justificação lógica insofismável, mas sim decorre,
em verdade, de ser ele o que melhor atende aos ideais das classes que ocupam a centra-
lidade do processo de globalização cultural, ou seja, os Estados capitalistas ocidentais
desenvolvidos, sendo impostos por eles aos demais países26. De acordo com o autor, o
predomínio dessa forma de produção de saberes também se justifica por haver a ciência
moderna se tornado o que Thomas Kuhn27 chama de “ciência normal”, isto é, o modelo
que, em regra, os novos cientistas aprendem muitas vezes sem maiores questionamen-
tos de ordem epistemológica28. A produção científica restringe-se ao desenvolvimento
das questões já levantadas pelos precursores, contribuindo para uma estabilização29. Mas,
então, por que prevalece esse paradigma até o presente momento, ao menos numa pers-
pectiva teórica? A resposta parece evidente, e já foi enunciada: a Teoria Pura permite que
o Direito seja considerado uma ciência, de acordo com a concepção ainda dominante que
se possui desse conceito. Claro, uma ciência de abrangência restrita, e talvez exatamente
por isso uma ciência de forte influência dos discursos coloniais de construção da própria
ciência do Direito.
calizar e agir com rigor quando da sonegação de impostos, e representar a figura do Rei. O
povo não detinha nenhuma importância, sendo que dele somente era exigido o profundo
respeito pelo Monarca, fato que quando contrariado era punido severamente30. Deve-
se ter presente que o Estado brasileiro não nasce das exigências do cidadão, e é a partir
daí que se constrói no Brasil o conhecimento jurídico e nasce o conceito de subalterno.
Segundo Boaventura de Sousa Santos na obra “O Discurso e o poder”, historicamente
o Brasil é marcado pelo pluralismo de ângulo colonial, pois o direito oficial implantado
foi o direito português, em específico as Ordenações. A relação entre o direito oficial e
o direito tradicional da colônia foi de exclusão e não reconhecimento deste último. Não
havia o reconhecimento de outro direito além do direito português. O direito que brotava
das relações sociais existentes na colônia era ignorado pelo direito oficial português. A
segunda expressão tem, de certa forma, ligação com a primeira. São os direitos dos povos
indígenas que viviam no Brasil ao tempo da colonização31. Qualquer ideia de pluralidade
foi totalmente desconsiderada pelo direito oficial português. Assim, o tipo de conheci-
mento construído foi o monista, cuja concepção parte da ideia de que o Direito só existe
na forma de um sistema único e universal. Para Jean Carbonnier:
Percebe-se assim que uma visão monista do Direito pressupõe que um sistema
jurídico existe quando as normas jurídicas são produto exclusivo do Estado. Todas as
normas que estão fora do Direito estatal de visível influência colonial não podem ser
consideradas como direito. Para que se possa avançar na tentativa de construção de um
outro tipo de conhecimento/discurso decolonial, ou de questionamento crítico a respeito
de alguns aspectos das ideias kelsenianas, no que concerne à construção da ciência do
Direito/do conhecimento jurídico monista, faz-se necessário “abandonar” um pouco a
perspectiva tradicional e, por meio de uma linguagem um tanto alheia aos métodos tradi-
cionais, buscar compreender o agir dos juristas dentro dessa e de uma nova perspectiva
epistemológica decolonial.
30 MALISKA, Marcos. Pluralismo Jurídico: notas para pensar o direito na atualidade. Trabalho
de aula, 1997, p. 20-21.
31 SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder. Ensaio sobre a sociologia da retórica
jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988.
32 CARBONNIER, Jean, Sociologie juridique. Paris: Armand. Colin, 1972, p. 24.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 203
Segundo Reis33, há muitas questões que podem ser enfrentadas, como por exem-
plo: “(...), o modelo da ciência moderna é o único capaz de produzir um conhecimento
absolutamente verdadeiro? A resposta negativa se impõe, porque: a) existem conheci-
mentos não científicos; b) existem conhecimentos científicos produzidos fora do para-
digma moderno (conquanto os adeptos do modelo dominante possam negar-lhes cien-
tificidade); c) o método moderno não consegue produzir verdades absolutas”. De fato,
entendendo-se que o paradigma científico da modernidade não pode monopolizar a pro-
dução do conhecimento, a Ciência do Direito deve abandonar as pretensões de pureza
e objetividade, para abarcar de maneira mais ampla possível todos os elementos relati-
vos à elaboração e implementação de um projeto de sociedade, este sim seu objetivo.
Evidentemente, isso implica num intercâmbio com diversos ramos do saber, e também
como assevera Linda T. Smith, uma antropóloga Maori34 da Nova Zelândia, trabalhar
com a ideia de “descolonização de metodologias”. Descolonizar metodologias significa uma
compreensão mais crítica dos pressupostos subjacentes, motivações e valores que moti-
vam as práticas de investigação. Nesse sentido, concordamos com a autora ao defender-
mos que os pesquisadores precisam criticar seu próprio olhar35.
Segundo Damazio36, diferente das metodologias clássicas de pesquisa científica,
as metodologias decoloniais são pluralistas e se posicionam como uma ruptura desse tipo
de pesquisa colonizadora que tem sido central para perpetuar a colonialidade em todos os
seus aspectos. Há uma necessidade de produção de diferentes conhecimentos, que devem
se originar a partir de distintas abordagens e conceitos. Autores como Michel Foucault,
Edward Said e Walter Mignolo são exemplos dessas múltiplas perspectivas metodológicas.
Trata-se da possibilidade de ir além do discurso jurídico moderno/colonial e pen-
sar condições outras do jurídico. Significa vivenciar o “direito” não como um sistema fe-
chado de normas jurídicas pensado apenas a partir do “Estado”, tampouco defender que
conceitos como democracia, justiça e direitos humanos sejam entidades únicas definidas e
válidas para todo o planeta. Nessa linha, Eloise Peter Damázio assevera que
[...] para podermos nos mover nesta direção, precisamos nos distanciar
da universalidade epistêmica (e suas concepções de verdade, sujeito de
conhecimento deslocalizado e neutro, tempo linear, progresso, bem como as
relações binárias tradicionais do pensamento filosófico) e nos direcionarmos
para pluriversalidade epistêmica. Esta diz respeito a uma outra visão de mundo
pautada na geopolítica e na corpo-política do conhecimento. Nesse sentido, o
fundamental é afirmar os saberes construídos a partir de distintos corpos em
diferentes localizações. Representa, portanto, a entrada em cena do “outro”,
do anthropos e de suas formas de conhecimento “outras” em um processo
decolonial da própria “lógica” epistêmica que dá suporte à colonialidade37.
37 Ibid., p. 150.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 205
Verifica-se, aqui, a presença do termo interculturalidade que pode ser usado para
“significar e representar um processo e projeto político-social transformador”40. Para
Walsh, a interculturalidade, nesse sentido, pode ser considerada como uma ferramenta
conceitual central para construção de um pensamento decolonial. Primeiro porque está
concebida e pensada desde a experiência vivida da colonialidade; segundo porque reflete
um pensamento não baseado apenas nos legados eurocêntricos ou da modernidade e,
terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim uma volta na geopolítica dominante
do conhecimento que tem tido como centro dominante o norte41.
Segundo Damazio42, diferente do multiculturalismo oficial, no qual a diversidade
se expressa em sua forma mais radical, por separatismos e etnocentrismos e, em sua for-
ma liberal, por atitudes de aceitação e tolerância, a interculturalidade, como é entendida
pelos grupos historicamente subalternizados, diz respeito a complexas relações, nego-
ciações e intercâmbios culturais que emergem de espaços de fronteira. Trata-se de uma
interação entre pessoas, conhecimentos, práticas, lógicas, racionalidades e princípios de
vida diferentes. Uma interação que admite e que parte das assimetrias sociais, econômicas,
O Brasil assim como em outros países da América Latina colonizados por euro-
peus e que herdaram o modelo universalista, deixou à margem índios, negros, pobres,
entre tantos outros que se tornaram vitimas de um Estado desigual em oportunidades
e distribuição de renda. Apesar disso, é possível comemorar as mudanças e evoluções
ocorridas nas três ultimas décadas e ter esperança num futuro próximo de menores ní-
veis de pobreza e desigualdades, por isso a relevância do novo constitucionalismo latino-
americano. Stuart Hall acrescenta:
48 HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; Tra-
dução Adelaine La Guardia Resende... [et all. - Belo Horizonte: EditoraUFMG; Brasilia: Represen-
tação da UNESCO no Brasil, 2003, p. 56.
49 HALL, 2003, op. cit., p. 57.
208 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
livre fluxo de capital, dominado pelo Primeiro Mundo, e os programas de reajuste estru-
tural, prevalecendo os interesses e modelos ocidentais de controle50.
Além do discurso da interculturalidade, a perspectiva da “descolonização” (do Es-
tado, da sociedade) também entrou em evidência, principalmente na Bolívia e no Equa-
dor, a partir da primeira década deste século (sofrendo influência inclusive dos estudos
acadêmicos latino-americanos da decolonialidade, Quijano, Mignolo, etc.).
Na Bolívia as organizações camponesas, indígenas e originárias, no contexto da
Assembleia Constituinte (que elaborou o texto aprovado em janeiro de 2009), articularam
o discurso da descolonização a partir da proposta do “Estado plurinacional”51. O Estado
plurinacional é considerado para esses movimentos e organizações com um modelo de
organização que teria como função “descolonizar nações e povos indígenas originários,
recuperar sua autonomia territorial, garantir o exercício pleno de todos os seus direitos
como povos e exercer suas próprias formas de autogoverno”52.
Para concretizar o Estado plurinacional, um dos elementos fundamentais seria o
direito à terra, ao território e aos recursos naturais, possibilitando acabar com o latifúndio
e com a concentração de terras em poucas mãos, rompendo assim com o monopólio de
controle dos recursos naturais em benefício de interesses privados. Da mesma forma, o
Estado plurinacional “implica que os poderes públicos tenham representação direta dos
povos e nações indígenas, originários e camponeses de acordo com suas normas e proce-
dimentos próprios”53.
Seria, segundo Garcés54, um “Estado de consorciação onde as coletividades políti-
cas opinam, expressam seu acordo e tomam decisões sobre as questões centrais do Esta-
do.”. A ideia de que o Estado tem soberania única e absoluta sobre seu território é desfeita
e, desse modo, possibilita-se o exercício do autogoverno (para dentro) e do cogoverno, em
relação ao Estado central e com as outras entidades territoriais55.
Com relação ao Equador, a proposta da plurinacionalidade foi introduzida inicial-
mente no final da década 1980 pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equa-
dor (CONAIE) e amplamente discutida por essa organização durante os anos de 1990,
mas com pouco entendimento e acolhida por parte da sociedade dominante “branco-
mestiça”. As organizações indígenas, junto com vários intelectuais não indígenas, deixa-
ram claro que a plurinacionalidade não implica numa política de isolamento ou separatis-
mo, mas sim no reconhecimento de sua própria existência como povos e nacionalidades
50 HALL, 2003, op. cit., p. 57.
51 GARCÉS, Fernando. Os esforços de construção descolonizada de um Estado plurinacional
na Bolívia e os riscos de vestir o mesmo cavalheiro com um novo paletó. In: VERDUM, Ricardo
(Org.). Povos indígenas. Constituições e reformas políticas na América Latina. Brasília: Instituto
de Estudos socioeconômicos, 2009, p. 167-192. p. 175.
52 Ibid., p. 176.
53 Ibid., p. 176.
54 Ibid., p. 176
55 Ibid., p. 176.
O conhecimento jurídico colonial e o subalterno silenciado 209
no interior do Estado equatoriano, enfatizando que não existe uma só forma nacional,
mas várias formas historicamente estabelecidas56.
A América Latina tende cada vez mais a se renovar no sentido pluralista, através
de uma democracia que inclui o índio e o negro como personagens atuantes, construindo
uma sociedade mais humana e mais próxima da igualdade econômica, social e cultural. As
experiências tanto da Bolívia quanto do Equador demonstram os anseios da população
latino-americana por uma nova ordem constitucional.
As novas Constituições trazem mudanças que abrangem não só a questão cultural
e os direitos coletivos, mas os sistemas políticos e jurídicos. O objetivo é que um Estado
que assista todos os seus cidadãos possa crescer com menos conflitos, que o respeito às
diferenças e peculiaridades de cada grupo possa criar uma sociedade mais humana, e que
os povos de cultura diferenciada, antes excluídos das sociedades nacionais, possam somar
na luta por um meio ambiente saudável e uma sociedade inclusiva.
Nas palavras de Raquel Yrigoyen57, o chamado constitucionalismo pluralista de
características decoloniais começou a ser desenvolvido em três ciclos:
Constitucionalismo multicultural (1982-1988), com a introdução do conceito de
diversidade cultural e reconhecimento de direitos indígenas específicos;
Constitucionalismo pluricultural (1988-2005), com adoção do conceito de “nação
multiétnica” e o desenvolvimento do pluralismo jurídico interno, sendo incorporados
vários direitos indígenas ao catálogo de direitos fundamentais;
Constitucionalismo plurinacional (2005-2009), no contexto da aprovação da De-
claração das Nações Unidas sobre o direito dos povos indígenas. Nesse ciclo há e houve
a demanda pela criação do Estado plurinacional e de um pluralismo jurídico igualitário.
Percebe-se por fim, segundo Damazio58, que os estudos pós-coloniais e decoloniais pos-
sibilitam compreender os discursos jurídicos pretensamente universais como construções
que surgem a partir das relações coloniais. Estes discursos, inevitavelmente, resultam na
subalternização dos saberes que surgem a partir do “outro”, do anthropos. Trata-se, desta
maneira, de uma perspectiva diferente de se entender o direito, pois permite que este seja
pensado a partir de diferentes categorias e formas de conhecimento, inimagináveis para o
direito eurocêntrico.
por Antonio C. Wolkmer, de pluralismo jurídico como “projeto cultural pluralista e eman-
cipatório que permite aduzir um ‘novo’ Direito –um Direito produzido pelo poder da co-
munidade e não mais unicamente pelo Estado–”, em que “rompe-se com a configuração
mítica de que o Direito emana tão-somente da norma cogente estatal, instaurando-se a
idéia consensual do Direito como ‘acordo’, produto de necessidades, confrontos e reivin-
dicações das forças sociais na arena política.” Enunciar as condições que servem como
seus fundamentos– para diferenciar tal proposta de outras que afirmam o pluralismo (já
que se poderia aventar um pluralismo de viés conservador)–, quais sejam, os de eficácia
material e os fundamentos de efetividade formal. Os de eficácia material englobam o conteúdo,
os elementos constitutivos; concretamente, está-se a falar da emergência dos novos sujei-
tos coletivos e da satisfação das necessidades humanas fundamentais. Os novos sujeitos
coletivos superam a concepção de sujeito individual erigida na modernidade. Ao mesmo
tempo, retoma-se a noção de sujeito, com nova dimensão, apostando contrariamente à
propugnada “morte do sujeito”. Cabe restringir ainda a noção, pois é nos novos movi-
mentos sociais em âmbito político e sociológico que se visualiza o ator histórico de luta
pela transformação por excelência. São eles, os movimentos, que buscarão a realização
das necessidades humanas fundamentais, configuradas como o segundo elemento de efeti-
vidade material. 59 Um complexo de necessidades é montado a partir da insurgência desses
sujeitos coletivos. Importa compreendê-las não apenas como carências que precisam ser
satisfeitas por questões de necessidade material, mas sim como uma construção histórico-
contingencial, de atores que se encontram em um determinado espaço geopolítico,
também temporalmente localizados.
Para que o direito possa descobrir a outridade latente na América Latina, e chegar
a ser descolonizado, há um movimento dialético necessário no que diz respeito ao rompi-
mento com modernidade; pois, enquanto uma mudança normativa pode permitir/revelar
o estabelecimento de outras relações sociais de produção no espaço público – que não as
capitalistas e colonizadas -, por sua vez é somente com uma mudança no sistema social
dominante do espaço público, que é produzido e produz o direito, que se muda o modo
de compreensão –ou a ideologia– que dá sentido e explica os textos jurídicos. Assim, para
Almeida,
parece evidente, portanto, que o pluralismo jurídico desejado para o século XXI
não poderá ser o pluralismo liberal das elites econômicas e do livre mercado
defendido na primeira metade deste século, o qual está sendo rearticulado,
mais recentemente, como uma nova estratégia de dominação dos países
centrais avançados, a partir do chamado pluralismo jurídico multicultural.
Logo, a discussão sobre que pluralismo jurídico pode transformar o direito
latino-americano revela-se imperativa, principalmente, quando se pensa num
para o constitucionalismo das sociedades pesquisadas e assim para suas formas de direito
e Estado. Este representa a consciência do comunitário e sua utilização como estratégia
de transformação –e na Plurinacionalidade– como significado da busca por participação
autônoma no espaço social.
Conclusão
Referências
Introdução
A exposição que segue é fruto das reflexões proporcionadas pelo I Encontro Latino-
Americano “Descolonização e Pluralismo Jurídico”, realizados em meados de Novem-
bro de 2014 e, principalmente, pelos estudos e pesquisas realizadas no NEPE –Núcleo
de Pesquisa e Práticas Emancipatórias– na Universidade Federal de Santa Catarina, sob
orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer.
Em todos estes momentos, engajados em se pensar a superação da colonialida-
de presente nas ciências jurídicas no contexto latino-americano, em “descolonizar-se”,
compreendemos que o delineamento de características próprias de uma “outra” cultura
jurídica, capaz de libertar de uma imposição colonizadora torna-se possível a partir da
supressão de concepções atinentes ao Estado monocultural, monoétnico.
O pensar sobre a descolonização –esta ação libertadora sobre as esferas político-
jurídicas delineadas pela cultura europeia– quando voltada ao Direito permite refletir so-
bre o etnocentrismo presente na construção da história e do conhecimento jurídico, ainda
mais quando percebemos a diversidade cultural presente. O objetivo deste trabalho é,
portanto, relacionar colonialidade e etnocentrismo jurídico, de tal modo a refletir sobre a
descolonização jurídica necessária sobre as heranças coloniais ainda presentes (e persis-
tentes) no pensamento jurídico.
2 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1985.
3 WOLKMER, Antonio Carlos. Síntese de uma História das Ideias Jurídicas: da antiguidade
à Modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 106.
4 DUSSEL, Enrique. Europa, modernindade e eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org). A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colecci-
ón Sur Sur, Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 28.
5 DUSSEL, Enrique. 1492, el encubrimiento del Otro: Hacia el origen del “mito de la Moder-
nidade”. La Paz: Plural editores, 1994. Colección Academia. N. 01, p. 35.
6 RIBEIRO, Darcy. A América Latina existe? Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro; Brasí-
lia: UNB: 2010, p. 38.
Etnocentrismo jurídico, colonialidade e descolonização 219
7 Tradução livre: “Orden y razón son vistos como el fundamento para la igualdad y la libertad,
posibilitando así el lenguaje de los derechos.” ESCOBAR, Arturo. Mundos y conocimientos de
otro mod: el programa de investigación de modernidad/colonialidade Latinoamericano. Tabula
Rasa, Bogotá, n. 1, p. 51-86, 2003. Disponível em: < http://www.unc.edu/ãescobar/text/esp/
escobar-tabula-rasa.pdf >. Acesso em: 17 jul. 2014, p. 56.
8 Ibid., p. 56-57.
9 CESAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Trad. Anísio Garcez Homem. Florianó-
polis: Letras Contemporâneas, 2010, p.79.
10 Ibid., p. 74.
11 Ibid., p. 66.
220 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
12 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2007. Co-
leção primeiros passos; n.º 124, p. 7-8.
13 Ibid., p. 9.
14 Ibid., p. 9.
15 Tradução livre: “la percepción del otro en cuanto primitivo, arcaico, bárbaro, tradicional, simple
o salvaje que Occidente produjo la imagen y la reafirmación de sí mesmo”. MELLINO, Miguel. La
crítica poscolonial: descolonización, capitalismo y cosmopolitismo en los estudios poscoloniales.
Buenos Aires: Paidós, s/d, p. 45-47.
16 Walter Mignolo explica que, partilhando da concepção de Aníbal Quijano, eurocentrismo é
definido, então, não em termos geográficos, mas epistêmicos e históricos, isto é, o controle do
conhecimento e da subjetividade como instrumento de dominação. Trata-se da colonialidade do
saber e do ser, respectivamente. MIGNOLO, Walter. La idea de América Latina (la derecha, la
izquierda y la opcion decolonial). Crítica y Emancipación, (2): 251-276, primer semestre, 2009.
17 Tradução livre: “[...] el único “privilégio epistémico” es el de la Modernidad, [...]. El privilegio
epistémico de la modernidade es el que genera y mantiene la colonialidade del saber y del ser”.
MIGNOLO, op. cit., p. 260.
Etnocentrismo jurídico, colonialidade e descolonização 221
Identificando-se com o poder colonial –e, obviamente, com uma forma de Estado
própria da cultura e língua colonizadora– os Estados latino-americanos recém indepen-
dentes se irrompem contra sua própria diversidade cultural, consolidando-se monocultu-
ral e mono-ético mesmo sobre a resistência de povos e comunidades.
Resistências estas fortemente combatidas ante a clara supervalorização da herança
cultural europeia que repudiava formas culturais com as quais não se identificava. Por isso
é que a América Latina será determinante para a projeção universal da cultura europeia,
reafirmando o etnocentrismo presente desde o colonialismo.
A hegemonia delineada a partir desta cultura, “associada à acumulação de conhe-
cimentos, à uniformidade de padrões transmitidos e à racionalidade individualista”23 se
estenderá ao Direito, enquanto fenômeno jurídico, uma vez que este é elemento integran-
te desta cultura.
É certo que a Modernidade, enquanto fenômeno cultural, conferirá igualmente
uma delimitação qualitativa ao Direito, sendo responsável pelo delineamento de uma cul-
tura jurídica que repercutirá na dominação de ideias decorrentes destes valores e ganhará
a universalidade a partir do colonialismo, se mantendo então como instrumento de do-
minação.
A importância do Estado, enquanto centralizador político perante a ordem norma-
tiva moderna, será fundamental para determinar seu exercício de monopólio da produção
de normas jurídicas. A ideologia tecno-formal do “centralismo legal”, característica do
monismo jurídico estatal clássico tem sua historicidade ligada à visão racional do mundo,
“permanentemente traduzida por processos de “estatalidade”, “unicidade”, “positivação”
e “sistematização”. Construindo, assim, a máxima de que só é direito aquilo que provém
do Estado e, nesta lógica, o Direito vira sinônimo de “Direito Estatal”.24
Outro dos valores incutidos na episteme colonizadora, responsável pela única
forma de se ver a realidade, é a crença no desenvolvimento da humanidade através do
progresso, do desenvolvimento. Um desenvolvimento que só será possível mediante a
aplicação da racionalidade científica; pois para se determinar os rumos do progresso, para
conhecer o que é melhor para a humanidade (a verdade), são necessários a utilização de
métodos científicos. A validade científica é auferida pelos métodos “racionais” e o método
científico é a única forma de conhecer a verdade, como diriam os positivistas.
A questão é que a racionalidade científica elevará o dogma de que a sociedade po-
deria ser analisada da mesma forma que os fenômenos da natureza, aplicando às ciências
sociais os mesmos paradigmas das ciências naturais, das teorias evolucionistas.
As teorias evolucionistas atrelaram-se à uma postura etnocêntrica e a identidade
europeia-ocidental é alicerçada sobre a construção negativa do outro ao ponto de que a
designação “povos não europeus” seja um contraponto à “civilização europeia”, levando
a uma analogia de que os “outros” tratam-se de “povos não” civilizados.25
A desigualdade entre os seres humanos (europeus e não europeus) é constitutiva
da própria modernidade e a racionalidade cientifica acentua-a ainda mais, a ponto de
institucionalizar o “outro” como o bárbaro. Óbvio é, por todo o relatado, que a projeção
de um modelo de progresso a ser seguido por toda a humanidade em nenhum momento
dotaria os não europeus de racionalidade europeia, cientifica. Mesmo porque os não euro-
peus “não participaram no desenvolvimento da ciência”26, sendo a ciência inventada pelo
Ocidente e, portanto, “somente o Ocidente sabe pensar”.27
24 Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. Fundamentos de uma Nova cultura no
direito. 3ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2001. P. 60-61.
25 BÔAS FILHO, Orlando Villas. A constituição do campo de análise da pesquisa da antro-
pologia jurídica. Prisma Jurídico, São Paulo, v.6, p. 333-349, 2007.
26 CESAIRE, op. cit., p. 50.
27 CESAIRE, op. cit., p. 70.
224 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
28 Ainda que este pensamento seja parte constituinte da antropologia enquanto ciência, resta ób-
vio que hoje a antropologia não mais divide desta lógica. Embora não sendo objeto deste trabalho
detalhar a evolução da antropologia, acreditamos ser necessária esta ressalva.
29 HESPANHA apud WOLKMER, 2012, op. cit. p. 34.
30 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. Op..cit., p. 26.
Etnocentrismo jurídico, colonialidade e descolonização 225
34 FANON. Frantz. Os condenados da terra. Prefácio de Jean-Paul Sartre e trad. de José Lau-
rêncio de Melo. Rio de Janeiro: Editora Civilizações Brasileiras, 1968. Coleção Perspectivas do
Homem. V. 42, p. 9.
35 O que nos leva a refletir se, na concepção histórico-positivista, poderia se falar em progresso
quando não há o domínio e uso da escrita?
36 OLIVEIRA, João Pacheco de. Os Caxixós do Capão do Zezinho: Uma comunidade indígena
distante de imagens da primitividade e do índio genérico. Relatório encaminhado à FUNAI – Fun-
Etnocentrismo jurídico, colonialidade e descolonização 227
É natural pensarmos que o Direito, assim como a história, fundamenta sua verda-
de somente quando escrito. Sobre estas considerações, pensar sobre Descolonização do
Direito, impõe um duplo desafio aos juristas formados na clássica racionalidade jurídico-
positivista –ainda presente hegemonicamente nos cursos jurídicos–.
O primeiro desafio remete à noção de Direito atrelado a normas escritas, positi-
vadas. Já mencionamos que a racionalidade da cultura ocidental nos impõe uma visão do
mundo onde o grupo do “eu” é tomado como centralidade e o “outro” é pensado e sen-
tido através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência,
do que é história e do que é Direito.37
Ao reconhecer a escrita como única fonte de conhecimento, de tradição cultural da
expressão jurídica, o antropólogo João Pacheco de Oliveira trata a escrita como um mau
paradigma para o reconhecimento de direitos de povos e comunidades que resistiram, tal
como os povos indígenas.38 E, tomado isto, o Direito do “outro” –se é que podemos no
afã da ciência jurídica-positivista considerar “Direito” como aquele não escrito– “fica,
nessa lógica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível”39.
E, se a escrita é a única fonte de conhecimento, como é possível conhecer (e reco-
nhecer) a história e (d)o Direito dos “outros”?
A verdade é que não se pode conhecer quando fixamo-nos nos termos científico-
jurídico-positivista, pois não é possível racionalizar o Direito sem que este seja expresso
de forma escrita, sem que seja imposto hierarquicamente por um poder político centrali-
zador, sem que a observância da norma seja determinada por uma coação/sanção; como
o é no Direito Estatal Positivo.
Não há “método” em se analisar isto; decorrendo que daí não haja cientificidade
e, portanto, não interesse à ciência do Direito. Os juristas saem treinados a pensarem e
construírem tão somente o Direito Estatal positivado, próprio da cultura que os informou
(e formou); por isso que é evidente a dificuldade em pesquisar e compreender um “outro”
Direito, uma outra racionalidade jurídica aquém da única forma de ler a realidade.
E o que se projeta disto são meras tipificações de práticas culturais distintas ao Di-
reito positivado. Comum são pesquisas que intentem configurar práticas como expressão
de Direito Civil, de Direito Penal, de Direito Comercial, sem que, em realidade, fossem
equiparáveis. Esquecem-se de que “a cultura humana; o direito. As culturas humanas; os
direitos”40 e que o Direito Estatal positivo se refere a tão somente um produto da socie-
dade ao qual pertence, expressão do pensamento dominante.
Conclusões
Referências
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DIÁLOGO INTERCULTURAL NO
NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
Flávia do Amaral Vieira1*
Introdução
Este artigo resulta da busca por uma análise crítica do cenário político e jurídico das resis-
tências e transformações paradigmáticas que vem se construindo nas últimas décadas em
alguns países da América Latina, no chamado “novo constitucionalismo latino america-
no”, referente aos processos constituintes da Venezuela (1999), Equador (2008) e Bolívia
(2009), com relação à aplicação do princípio da interculturalidade.
Reconhece-se que trataremos de processos que ainda estão em curso, com pouco
tempo histórico e com diferentes contextos de rupturas em cada Estado. Ante a comple-
xidade do tema, propõe-se assim a construção de um panorama introdutório dessas cartas
políticas, explorando o conceito da interculturalidade, para averiguar se tal como está
posto pelas constituições é funcional ao sistema dominante, ou se permanece concebida
como projeto político, social, epistêmico e ético de transformação e decolonialidade.
Nesse sentido, Damasio explica que no mundo ocidental, historicamente, por in-
termédio de instituições como as universidades, o ensino obrigatório, os museus e outras
organizações, alguns modos de cultura foram consagrados e reproduzidos, assim como
exportados para os territórios coloniais, “reproduzindo nesses contextos concepções que
são definidas como eurocêntricas”, por fazerem referência e valorizarem o conhecimento
produzido na Europa em detrimento de outras formas de saber2.
Como colônia europeia, na América Latina esse processo de afirmação da cultura
eurocêntrica é muito acentuado, tornando-se evidente em padrões de poder hierarquiza-
dos de dominação e exploração, que se desenvolvem em conceitos como a colonialidade
do poder, do ser e do saber, num contexto de repressão e exclusão do ser, saber e poder
dos povos indígenas, negros e outros oprimidos, e valorização do que ou é ou descende
do europeu.
No período pós-colonial e com os processos de globalização, foi criado o termo
multiculturalismo para descrever a diversidade cultural nos Estados do hemisfério Norte;
para lidar com a situação resultante da chegada de imigrantes vindos do Sul no espaço
europeu, da falta de fronteiras internas, da diversidade étnica e da afirmação identitária das
minorias nos EUA, entre outros fatores3.
No entanto, com a emergência do neoliberalismo, o resultado foi a incorporação
do multiculturalismo às politicas culturais neoliberais, que constitui estratégia própria da
globalização, da conversão relativa dos cidadãos em consumidores.
Assim, o multiculturalismo geralmente é um termo ligado a ideais liberais. Para
Borrero, através dele se exprime a ideia de que os direitos étnicos não só são consistentes
com o Estado liberal e democrático de direito, como que é um correlato necessário quan-
do presentes algumas características populacionais4.
Nessa linha, os estados afirmam proceder baixo ao império do que chama de
“omissão bem intencionada”, pela qual o Estado não protege nenhuma cultura em par-
ticular, mas reage quando se discrimina alguma em especial. Borrero ressalta que tal ale-
gação não condiz com a verdade, uma vez que o Estado sempre faz opções culturais, o
que reflete na administração publica (língua, escolha de dias para feriados, sistemas de
educação e saúde, etc.)5.
A crítica que se faz ao multiculturalismo é que ele designa uma estratégia política
que mantem a assimetria do poder entre as culturas, ao não colocar em xeque o marco
estabelecido pela cultura hegemônica. Sendo assim, o respeito e a tolerância, tão difun-
didos pela retórica do multiculturalismo, estão fortemente limitados por uma ideologia
semicolonialista que consagra a cultura ocidental como cultura dominante.
Afirma-se que a partir dos projetos multiculturais os povos são reconhecidos ape-
nas enquanto subordinados à hegemonia do Estado-nação, sua existência coletiva e direi-
tos coletivos são reconhecidos somente enquanto forem compatíveis com as noções de
soberania, direitos e, em especial, direitos de propriedade.
Já o interculturalismo, como princípio orientador das políticas culturais, nasce das
propostas e reclamações das comunidades e movimentos indígenas e afrodescendentes
andinos na América latina, da luta continua entre a colonização e a descolonização.
Visa assim à superação do horizonte da tolerância e das diferenças culturais e a
transformação das culturas por processos de interação.
Desta forma, a interculturalidade se afirma em um pensamento pós-colonial, que
assume que a integração étnica própria do multiculturalismo é uma estratégia de assimila-
ção cultural, que esconderia um proposito homogeneizador do liberalismo. Nesse sentido,
a interculturalidade se apresenta como uma crítica ao multiculturalismo e ao liberalismo.
Além de um princípio ideológico, é uma busca pelo resgate e pela construção de
um pensamento próprio, de quem foi mais excluído e oprimido historicamente na região,
ou seja, os indígenas. Assim, pela construção de um projeto politico e social, cultural, ét-
nico, que aponte para uma transformação que gere um outro conhecimento, uma pratica
politica outra, uma outra sociedade.
Nas palavras de Marina Almeida, é inegável que as lutas sociais com bases intercul-
turais foram as principais responsáveis pela radicalização do pensamento emancipatório
na América Latina.6 Nesse sentido, a linguagem da interculturalidade foi logo apropriada
pelo Estado, no chamado novo constitucionalismo latino-americano.
Na verdade, o que tem que ser destacado é que a proposta dos movimentos andi-
nos se apresenta como projeto transformador que implica a reinvenção do Estado e da
nação como pluriétnico, ou plurinacional, transformações profundas na memoria, nos
relatos e representações do Estado, o que tem como consequência uma redefinição do
espaço cultural, que influenciou os processos constitucionais de Venezuela, Equador e
Bolívia. A interculturalidade então supera o conceito de multiculturalidade, a lógica e a
significação de aquilo que foi pensado desde cima, que tende a sustentar os interesses
hegemônicos e manter os centros de poder.
De acordo com Wolkmer, a constituição deve ser resultado das correlações de forças e lu-
tas sociais em um dado momento histórico de desenvolvimento da sociedade. No entanto,
6 ALMEIDA, Marina Correa. Direito insurgente latino-americano: pluralismo, sujeitos coleti-
vos e nova juridicidade no século XXI. In: Constitucionalismo Latino-americano: tendências
contemporâneas. Antonio Carlos Wolkmer e Milena Petters Melo (org.). Curitiba: Juruá, 2013. pp.
169-190. p. 181.
236 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
as constituições tradicionais ocidentais são marcadas pela exclusão histórica das grandes
massas campesinas, populares, e dos afrodescendentes e indígenas7.
As mais recentes constituições latino-americanas sobre as quais se tratará nesse
estudo, diferentemente, resultaram diretamente de revoltas e protestos populares: na Ve-
nezuela, o Caracaço, de 1989; a Guerra da água em 2000, e do Gás em 2003 na Bolívia; e
aos protestos no Equador de 2005.
Nesse contexto, esses Estados passaram a reconhecer a necessidade de reformular
seus projetos políticos de modo a reaproximar os cidadãos do poder político governa-
mental, além de efetivar direitos estabelecidos em seus textos constitucionais.
De acordo com Walsh, no Equador e Bolívia, os movimentos indígenas não só de-
safiaram as noções e práticas do Estado-nação, como por meio de uma politica diferente,
lograram inverter a hegemonia branca-mestiça8.
Dessa forma, esse “novo” constitucionalismo, principalmente na Bolívia, tem
como característica principal surgir do pensamento das comunidades indígenas, campesi-
nas e andinas. Nesse giro epistêmico, o que passa a importar nesse processo é a criativida-
de e originalidade gestada nos próprios territórios, substituindo a colonialidade vinda do
Norte. Nesse sentido, os protagonistas desse processo passam a ser não mais a elite eco-
nômica, e sim o povo oprimido, as vítimas excluídas, todos os partícipes do que Wolkmer
chama de “largo fosso de desigualdades do continente latino-americano”9.
Para Wolkmer, o que marca e o que une estas três constituições é o reconhecimen-
to de direitos da natureza (Pachamama), da proposta do bem viver (sumak kawsay), a cons-
trução do Estado plurinacional e a oficialidade do pluralismo jurídico comunitário10.
Este novo modelo de Estado, quando se define plurinacional, refunda o Estado,
ao promover a recuperação e uma releitura da soberania popular, se fundamentando em
procedimentos de democracia participativa, com intervenção direta dos cidadãos e da
sociedade civil organizada no controle e gestão da administração estatal.
Para isso, as constituições estabeleceram instituições paralelas de controle, o “po-
der ciudadano” na Venezuela, o “control social” na Bolivia, e o “quinto poder” no Equa-
dor. É nesse cenário que deve ocorrer o diálogo intercultural.
Los idiomas indígenas también son de uso oficial para los pueblos indígenas
y deben ser respetados en todo el territorio de la República, por constituir
patrimonio cultural de la Nación y de la humanidad.
Dessa forma, verifica-se que as línguas indígenas, ao serem concebidas como patri-
mônio e em caráter subsidiário/inferior ao castelhano –língua imposta e dominadora– eis
que oficiais apenas aos povos indígenas; são vistas pelo discurso oficial do Estado mais
próximas do folclórico do que como meio de comunicação vigente para a sociedade ve-
nezuelana. Isto será objeto de estudo do próximo tópico.
Dando continuidade, a Constituição do Equador de 2008 inova ao prever juris-
dição indígena e fortalecimento do principio da interculturalidade na educação, senão
vejamos em seu artigo 28:
16 Ibid.
17 WALSH, Catherine. Interculturalidad y (de)colonialidad: Perspectivas críticas y políticas.
Ponencia preparada para el XII Congreso ARIC, Florianópolis, Brasil. 29 jun. 2009. p.2.
240 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Conclusão
Referências
Introdução
1 Graduando do Curso de Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista e pesqui-
sador da área de Pluralismo Jurídico, Direitos Humanos, Cidadania e Interculturalidade pelo grupo
Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE).
2 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro; SANCHES, Samyra Haydêe Dal Far-
ra Naspolini. O Paradigma Dogmático da Ciência Jurídica nos Manuais de Ensi-
no do Direito. Universitas Jus, Brasília, v. 24, n. 2, p. 1-9, 2013. Disponível em:
< h t t p : / / w w w. p u b l i c a c o e s a c a d e m i c a s. u n i c e u b. b r / i n d e x . p h p / j u s / a r t i c l e / v i e w /
2361>. Acesso em: 15 abr. 2014. p. 3.
245
246 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
no processo de aprendizagem (alunos e professores), e essa, por sua vez, rege-se segundo
as exigências do mercado de trabalho. O bacharelismo (elevado prestígio dado às carreiras
profissionais jurídicas com alta remuneração e status de poder político) é exemplo evi-
dente dessa opção, trazendo como consequência uma desvalorização social dos trabalhos
humanitários, militantes e acadêmicos.
Neste primeiro momento, cabe expor as bases que tradicionalmente norteiam o ensino do
direito nas universidades brasileiras. Muito mais que princípios, é importante esclarecer o
paradigma dominante e os objetivos que vigoram nesse processo de ensinamento, além da
consequência sobre os atuais discentes e graduados.
É necessário destacar que o termo “tradicional” não será usado para designar a
metodologia pedagógica aplicada nos primeiros cursos de direito do Brasil. Tal filosofia
jurídica era, como orienta Wolkmer de matriz jusracionalista e humanística, herança das
faculdades de direito ibéricas, principalmente de Coimbra.3 Tratava-se de um idealismo
erudito e meramente retórico, revelando-se “[...] proclamações abstratas, portadoras de
efeitos contraditórios, entre ‘suas pretensões e suas realizações.’”4
O ensino jurídico “tradicional” refere-se, portanto, ao modelo que substitui o pa-
drão ibérico. O paradigma jusnaturalista perde lugar enquanto o positivismo jurídico se
consolida como prática e forma de ensino dominante.
2. O dogmatismo
Ferraz Junior, inspirado na teoria de Viehweg, identifica dois enfoques para o conheci-
mento: o zetético e o dogmático. O primeiro é voltado para uma investigação especulativa,
3 WOLKMER, Antonio Carlos. Síntese de uma História das Idéias Jurídicas: da Antiguidade
Clássica à Modernidade. Florianópolis: Ed. Fundação José Arthur Boiteux, 2006. p. 88-97.
4 Ibid., p. 90-91.
5 Ibid., p. 190.
6 Ibid., p. 191-192.
Ensino intercultural do direito: uma alternativa ao método tradicional 247
onde qualquer fato ou conceito pode ser confrontado e dissecado até sua raiz. Já o segun-
do parte de verdades pré-construídas (dogmas) e visa dar uma solução de ordem prática,
ou seja, direcionar a ação.7
O estudo dogmático ganha importância quando a prática e o ensino do direito
aderem à matriz filosófica do positivismo. Em realidade, o dogmatismo representa o ápice
do positivismo, pois afirma que toda pesquisa e investigação jurídica deve ter como objeto
o direito escrito e positivado.
Dessa forma, nos cursos superiores de direito da atualidade, o estudo dogmáti-
co predomina sobre o zetético. “Como a dogmática jurídica elegeu apenas o conjunto
normativo como objeto de estudo da Ciência do Direito, evidenciou-se desta forma a
predominância do dogmatismo, servindo este de norte ao Ensino Jurídico, real produtor
deste paradigma.”8 Assumindo a roupagem do estudo de códigos e leis, disciplinas funda-
mentadas na instrução e formação ao direito positivo recebam maior importância frente
às derivadas de outros saberes humanos que visam estabelecer pressupostos de discussão
(história do direito, sociologia jurídica, antropologia do direito, filosofia do direito etc.).
Nesse sentido, os interesses dos setores dominantes não se torna alvo de avaliação,
perpetuando-se através da máscara legalista. O mito popular do jurista humanitário e
atento a questões sociais se mostra hoje representado por uma cifra pequena dos gradu-
andos e profissionais. O sistema positivista age e se perpetua graças à imobilidade dos
estudantes e juristas diante da ordem vigente.
Para além da mera reprodução das fórmulas abstratas, ao separar o direito dos con-
textos sociais, o ensino do direito atual dissemina uma lógica eurocêntrica e monocultural
firmada sobre valores e princípios liberais. Por nascer do mesmo berço do positivismo, as
formulações e teorias jurídicas europeias e derivadas destas prevalecem em importância
frente às de origens diversas. Além disso, o dogmatismo fecha os olhos dos discentes ao
pluralismo cultural, fenômenos sociais diversos e diferença de racionalidades. O forma-
lismo obstrui a visão de outras perspectivas senão a si próprio, impedindo assim a sua
superação.
5. Necessidade de mudança
Fica evidente, portanto, que é preciso uma alteração na estrutura dos cursos de direito
para aproximar os estudantes dos diversos contextos da realidade. É necessário, portanto,
deslocar a cultura jurídica do seu mundo de abstrações e formalismos para que seus ope-
radores possam atuar com as demandas concretas da sociedade.
Ora, o uso de manuais pelas faculdades de direito não conseguirá lograr êxito
na busca de um bacharel em direito com sólida formação geral, humanística
e axiológica [...]. Exige-se do bacharel em direito, além dessas habilidades,
capacidade de análise, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e
sociais, aliada a uma postura reflexiva e visão critica que fomente a capacidade
e aptidão de aprendizagem autônoma e dinâmica [...].18
17 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 25. ed., São Paulo: Paz e Terra, 1998. p. 58.
18 MEYER-PFLUG e SANCHES, 2013, op. cit., p. 8.
Ensino intercultural do direito: uma alternativa ao método tradicional 251
Percebe-se, então, que a tradicional forma de ensino jurídico se distancia dos pro-
blemas fáticos da sociedade. Os profissionais do direito se mostram incapazes de compre-
ender os conflitos que fogem dos modelos abstratos e padronizados que são repetidos nas
salas de aulas da faculdade. Para que o direito atue como uma ferramenta emancipadora e
de transformação social, visando atender aos anseios da coletividade, é preciso pensar em
modificações no padrão vigente.
Apesar das consideráveis críticas, a universidade ainda se apresenta como um espa-
ço de debate mais amplo e aberto quando comparada com o ambiente profissional. Além
disso, é oportuno levar o questionamento ao público ainda em formação intelectual, pois
são estes que comporão o corpo profissional no futuro. Mostra-se muito propício, por-
tanto, buscar a transformação do entendimento e do uso do direito através da mudança
no ensino superior.
Uma vez descrito o paradigma técnico-formal que domina no ensino do direito, revela-se
a importância de projetar alternativas visando a construção de um modelo mais concreto,
engajado, democrático e plural.
Nesse sentido, a interculturalidade, entendida como o espaço de encontro e in-
teração entre culturas diversas, aparece como uma proposta para a pedagogia do século
XXI. A aplicação desse novo paradigma educacional nas escolas ao redor do mundo,
principalmente na América Latina, tanto no ensino básico e médio quanto no superior,
é crescente e os resultados que se apresentaram revelam uma verdadeira revolução com
relação ao método tradicional. Por privilegiar uma postura dialógica e aberta, o ensino
intercultural é uma abordagem que se mostra em conformidade com o cenário global de
conflitos sociais e ascensão de novos sujeitos de direito e suas necessidades, assunto esse
de alta pertinência e importância para o estudo jurídico.
7. Definindo interculturalidade
8. Os sujeitos da interculturalidade
Não basta apenas proporcionar o encontro de diferentes culturas que vivem à margem da
sociedade de forma institucionalizada e através de um pretexto de uma igualdade abstrata,
ignorando a diferença de relações de poderes (político, econômico, social, institucional,
técnico-intelectual etc.) que há entre elas. É esse o erro que é reproduzido pela intercultu-
ralidade de matriz conservadora (identificada, por vezes, ao multiculturalismo), o que, por
consequência, cria ainda mais dominação por parte da cultura dita central (eurocêntrica,
liberal e controladora das esferas de poder) sobre as demais. Guzmán, denunciando o
mecanismo opressivo desta prática (associada ao multiculturalismo), adverte:
A educação intercultural, do nível básico ao superior, deve ser orientada por princípios
democráticos e pluralistas. Sem eles, o projeto pode facilmente ser convertido para sua
modalidade acrítica e conservadora, impedindo a real transformação pedagógica que se
pretende.
[...] propõe buscar a universalidade desligada da figura da unidade. [...] Por esta
razão, a ‘filosofia intercultural’ procura, neste nível, contribuir para refazer a
idéia [sic] da universalidade no sentido de um programa regulativo [sic] centrado
no fomento da solidariedade consequente [sic] entre todos os ‘universos’ que
compõem nosso mundo.28
deve-se à negação da condição de sujeito capaz e consciente aos povos indígenas, fruto do
preconceito que se fundava na racionalidade europeia da época.
Iniciou-se, então, um entrave com as agências conservadoras e eurocêntricas do
Estado pela defesa, valorização e disseminação dos saberes e culturas ancestrais. Adotou-
se a pedagogia como ferramenta para tal transformação social, pois, como explica Cathe-
rine Walsh:
Não é estranho que um dos espaços centrais desta luta seja a educação, como
instituição política, social e cultural: o espaço de construção e reprodução de
valores, atitudes e identidades e do poder histórico-hegemônico do Estado.35
O projeto pedagógico de Paulo Freire, visto até hoje como modelo de renome
mundial em educação revolucionária e transformadora, está ligado aos primeiros debates
latino-americanos sobre um ensino intercultural de teor crítico (década de 1960). Como já
mencionado, essa proposta se iniciava com a conscientização da opressão das comunida-
des marginalizadas para promoção da transformação, rompendo com a dominação que se
encontram imersas. Maria Aparecida Pimentel enfatiza a importância que o processo de
reconhecimento da opressão assume na pedagogia freireana:
Apesar da repressão, esse método pedagógico seguiu latente, sendo estudado na-
cionalmente à margem da autorização do regime político e influenciando intelectuais da
área a nível internacional. Após o reestabelecimento da democracia no Brasil, o pensa-
mento de Freire pode enfim ser debatido novamente, voltando à pauta das discussões
interculturais.
A abertura política e o consequente fim das ditaduras militares em toda Amé-
rica Latina permitiu a retomada das discussões sobre pedagogia intercultural. Confor-
me Catherine Walsh (2012), sujeitos historicamente reprimidos puderam fazer-se ouvir
e reivindicaram um ensino atento à suas necessidades. A partir dessa abertura política,
desenharam-se por toda América Latina projetos denominados Educação Intercultural
Bilíngue (EIB), que pretendia fornecer uma base para o diálogo através do ensino do
idioma “oficial” do Estado em comunidades indígenas.
Entretanto, o projeto EIB revelou-se em algumas ocasiões como uma ferramenta
dominadora das esferas hegemônicas da sociedade, direcionada para atender as necessida-
des do capital internacional de inclusão forçada das culturas paralelas. “[...] o intercultural,
então, marca o relacionamento que os alunos indígenas devem buscar com a sociedade e
com a língua dominante, e não vice-versa.”39 Fica claro, assim, que a EIB depositava toda
a responsabilidade da comunicação intercultural sobre os povos periféricos enquanto não
demandava esforço algum da sociedade dita “central”.
Conclusão
Para o curso de direito, o projeto de uma pedagogia intercultural pode significar im-
portantes mudanças. Contrapondo-se com o ensino tradicional, a interculturalidade se
desenvolve através da diversidade de culturas e do diálogo entre elas. Esse pluralismo pos-
sibilita ao discente uma maior compreensão dos fenômenos sociais presente no cotidiano,
deslocando-os de suas torres de marfim de elitismo intelectual e inserindo-os no mesmo
contexto dos sujeitos oprimidos.
A interculturalidade crítica pode representar, portanto, a superação do formalismo
e do positivismo jurídico. Essa troca de paradigmas possibilita o desenvolvimento de uma
concepção humanística concreta (não meramente retórica) do direito e dos juristas e, con-
sequentemente, importantes avanços para os sujeitos historicamente marginalizados.
Espera-se, assim, que esse novo paradigma educacional cresça em importância,
aplicação e resultados para possibilitar uma cultura jurídica mais engajada e socialmente
atuante.
Referências
Introducción
Para comprender la Constitución Boliviana, hay que ubicarla dentro del marco histórico,
eso requiere recurrir a la memoria colectiva de su pueblo. Aquella que está escrita junto
a los paisajes andino-amazónicos de las naciones originarias de Bolivia. Para ello, es justo
hacer referencia a los más de cinco siglos de guerra anticolonial, por la liberación del
Qullasuyu3; desde las rebeliones de Manco Inca (1535-1544), Sairi Tupaj, Inca Titu Cusi
Yupanqui, Tupaj Amaru, hermanos Tomas, Damasco y Nicolás Katari, Julián Apaza (Tu-
paj Katari) y Bartolina Sisa (1781), Pablo Zarate Willka, (1896-1900), Santos Marka T’ula,
Apiguaiki Tumpa (1892), Leandro Nina Qhispi (1930) 4; las marchas por el territorio y la
dignidad de tierras bajas (1990), guerra del agua en Cochabamba (2000) y la guerra del
gas (2003).
Referirse a la guerra anticolonial, no es una intensión lírica o sólo hacer la reme-
moración de la histórica clásica; sino, es rescatar las significaciones profundas que estas
tienen para el presente. Pues son estas luchas y movilizaciones sociales anticoloniales que
han terminado por quebrar el sistema y el Estado colonial (en crisis), haciendo posible el
escenario constituyente. Por ello, “no hay que interpretarlo ni como un hecho milenarista
ni como un hecho simplemente religioso, o un acto desesperado de “nativismo”, sino
como una re-actualización del proyecto histórico…”5
En este orden, lo “plurinacional”, es resultado de una re-actualización permanente
del proyecto histórico de liberación de las naciones y pueblos indígenas, en el que la Asam-
blea Constituyente, se convierte en un escenario e instrumento formal para la restitución y
reconstitución de lo “propio”, en el marco de una nueva Constitución. De ahí que Prada
sostiene que: “El Estado Nación ha muerto, nace el Estado Plurinacional, comunitario autonómico
¿Cuáles son las condiciones, las características, la estructura, los contenidos y las formas institucionales de
este Estado? Uno de los primeros rasgos que hay que anotar es su condición plurinacional, no en el sentido
de multiculturalismo liberal, sino en el sentido de descolonización, en el sentido de la emancipación de las
naciones y pueblos indígenas originarios (…)”6.
Prada se refiere al sentido descolonizador, y la interrogante es: ¿Cuál es ese senti-
do? Ese sentido es el carácter propio, que emerge del pensamiento indio; cuyas significa-
ciones y sentidos yacen de las experiencias, vivencias y luchas de los pueblos y naciones
originarias, que ahora conforman lo “plurinacional” del Estado Boliviano. Y el preám-
bulo constitucional tiene ese horizonte: “El pueblo boliviano de composición plural, desde la pro-
fundidad de la historia, inspirado en las luchas del pasado, en la sublevación indígena anticolonial, en la
independencia, en las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas, sociales y sindicales, en las
guerras del agua y de octubre, en las luchas por la tierra y territorio, y en la memoria de nuestro mártires,
construimos un nuevo Estado”7.
8 REINAGA, Fausto. Pensamiento Amáutico. Bolivia: Editorial “UNIDAS” S.A., 1978. pp. 26.
9 REINAGA, Fausto. La Razón y el indio. La Paz: 1978b. p. 203.
10 Ibid., p. 207.
11 HORKHEIMER, Max. Crítica de la razón instrumental. Buenos Aires: Sur, 1973.
12 CORREAS, Oscar. Crítica a la ideología jurídica. Ensayo sociosemiológico, México,
UNAM-CEIICH, Coyoacán, 2005. p. 45
266 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
19 Ibid., p. 138.
20 Ibid., p. 146.
268 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Lo plurinacional, más allá del cambio en la denominación del Estado –De la “República
de Bolivia al Estado Plurinacional de Bolivia– y su refundación el 22 de enero de 2009;
para su real aplicación y desarrollo constitucional exigía (y exige) la deconstrucción y el
desmontaje del Estado Colonial; a partir de una nueva forma de ser y hacer leyes, que ins-
tituyan y expresen las agendas y demandas históricas de las luchas anticoloniales y del pen-
samiento indio, establecidas en la Constitución. Esto significa que las nuevas autoridades
del Estado “Plurinacional”, no sólo son “nuevas” en términos literales, sino en términos
ideológicos y políticos; lo que implica un cambio de mentalidad. A ello se complementa la
de construir y consolidar el Estado Plurinacional desarrollando un nuevo orden legal, que
permita la ruptura con el viejo sistema colonial.
Sin duda, el escenario político y social para los cambios legislativos, después de la
promulgación de la nueva Constitución Política del Estado, tiende un manto apropiado,
para que se desarrolle el paquete de “Leyes Fundamentales del Estado Plurinacional”;
entre ellas, la Ley Marco de Autonomías, la Ley de Régimen Electoral, la Ley de Deslinde
Jurisdiccional, la Ley Marco de la Madre Tierra. Sin embargo, estas normas en el proceso
mismo reflejan un proceso contrario a la visión de país de la Asamblea Constituyente,
con profundas fracturas al proyecto histórico expresado en la Constitución boliviana. Es
decir, se retrocede y se fortalece al viejo estado, con mantos indígenas. De esta manera se
ha escamoteado el poder a los indios, y el sentido descolonizador ha sido reducido a un
mero discurso romántico.
Por ejemplo, la Ley Marco de Autonomías 031, a tiempo de establecer ciertos “re-
quisitos” de acceso a la autonomía indígena originaria campesina (art.56), entre los cuales,
se exige un “certificado de ancestralidad” emitido por el Ministerio de Autonomías, a ser
definida sobre la base poblacional igual o mayor a 1.000 habitantes para pueblos minori-
tarios (paradójicamente existe diversidad de pueblos indígenas en el oriente boliviano con
menor población), los cuales acaban por liquidar y limitar el acceso a la autonomía, a la
libre determinación y a la autodeterminación de las naciones originarias, desconociendo
así la condición de pre-colonialidad establecida en el art. 2 de la Constitución boliviana.
En el ámbito del pluralismo jurídico igualitario establecido en el art. 179.II de la
CPE; la Ley de Deslinde Jurisdiccional, limita el ejercicio y acceso en condiciones desigua-
les a la jurisdicción indígena originaria campesina con respecto a la jurisdicción ordinaria,
dejando a su competencia solo los casos de “bagatela”. Entonces, elimina cualquier in-
tento de restitución y reconstitución de los sistemas jurídicos de las naciones originarias,
dejando en la clandestinidad (ilegalidad) las prácticas de justicia y sistemas jurídicos que
las comunidades aymaras, quechuas, guaranies, etc. Ya que históricamente estas naciones
indígenas han venido aplicando su justicia desde tiempos milenarios; y, por supuesto con-
tinuaran haciéndolo pese a la Ley de Deslinde Jurisdiccional 073.
270 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Asimismo en el ámbito del pluralismo político expresado en los arts. 11.II y 147 de
la Constitución, éste termina subsumido en el art. 56 de la Ley de Régimen Electoral (Ley
026) que dispone la creación de siete circunscripciones especiales, que en la práctica han
sido perforadas por el sistema democrático representativo liberal y occidental, pues en las
elecciones cada partido político debe contar con su candidato indígena en cada circuns-
cripción especial, sin considerar las formas de democracia comunitaria (rotación, turno,
sucesión, entre otras). Al contrario, bebieron ser las organizaciones ancestrales, quienes
postulen a sus candidatos sin la intermediación de los partidos políticos, que tienen origen
netamente colonial.
Respecto al modelo de vida, del Vivir Bien o Suma Qamaña, insertada en el art. 8.II
de la CPE, tuvo sus avances parciales en la Ley 071 de Derechos de la Madre Tierra, pro-
mulgada antes del conflicto del TIPNIS, el 21 de diciembre de 2010. Sin embargo, luego
de la marcha de los pueblos indígenas de Tierras Bajas, que se opusieron a la construc-
ción de una carretera en medio del territorio del TIPNIS (Territorio Indígena y Parque
Nacional Isiboro-Secure), y a cualquier consulta “previa”; en el parlamento se debatía el
proyecto de Ley Marco de la Madre Tierra, que sufre varias modificaciones; promulgán-
dose el 15 de octubre de 2012, la Ley 300 bajo la título de “Ley Marco de la Madre Tierra y
Desarrollo Integral para Vivir Bien”; en la que se inserta la “visión de desarrollo integral”,
en cuya disposición final única establece su vigencia a partir de su reglamentación, misma
que a la fecha no ha sido elaborada; y, en ese transcurso se promulga la Ley Minera, la Ley
de Consulta, entre otras que no están en el marco de la Ley de la Madre Tierra, dejando
esta norma y el paradigma del “Vivir Bien” en la simple retórica.
Por otra parte, la descolonización hoy se encuentra reducida a un Viceministerio
que depende del Ministerio de Culturas, que flokloriza y deja el discurso descoloniza-
dor en ridículo. Sólo se introdujo en la denominación de los Ministerios y los cargos
el término “Plurinacional” como complementación. Sin embargo, todas las iniciativas
descolonizadoras, son aplacadas y reprimidas. Por ejemplo, los cuatro sub oficiales de la
FFAA, que impulsaron la descolonización para acabar con la discriminación y racismo,
han terminado destituidos y encarcelados. Finalmente, el juicio político instaurado contra
los magistrados indígenas Gualberto Cusi Mamani y Soraida Chanéz Chire que junto a
Ligia Velásquez Castaños, fueron electos por el voto popular, que dicho sea de paso uno
de ellos (Cusi), por vez primera impulsa la creación de la Unidad de Descolonización,
en el Tribunal Constitucional; y plantea la descolonización de los abogados. Estos tres
magistrados, que pretendieron actuar en el marco del principio de la independencia de los
Órganos del Estado, hoy afrontan un juicio político en la Asamblea Legislativa “Plurina-
cional”, que los suspendió de sus funciones y busca destituirlos de sus cargos, dejando
con ello en suspenso el proyecto descolonizador de la justicia y la composición plural del
Tribunal Constitucional.
De esta forma el poder constituido que tiene por misión consolidar el Estado
Plurinacional, hoy nos entrega leyes, decretos y prácticas políticas orientadas al reordena-
Lo “plurinacional” como reto histórico 271
miento del Estado colonial envueltas bajo el falso discurso romántico “descolonizador” y
“plurinacional”, vaciando estos términos de su contenido histórico y liberador.
5. Conclusiones
A manera de conclusión, en este intento por describir y analizar la situación actual que
vive el “Estado Plurinacional de Bolivia”; es preciso diferenciar dos factores opuestos
sobre los cuales se debate la transición en nuestro País.
Un primer factor, es la “herencia colonial”. Esta herencia aún se refleja en las for-
mas de administración de los Órganos del Estado. Es lógico que para los “herederos” de
la colonia, esta forma de administración, “vendada y ciega”, a la historia, a la realidad y
sometida a las leyes positivas y formalistas, no les es “conveniente” trastocar y desarrollar
normas, en concordancia con la Constitución. Al respecto, Walter Benjamin afirma: “…
cuando se pregunta con quién se compenetra el historiador historicista. La respuesta suena inevitable: con
el vencedor. Pero los amos eventuales son los herederos de todos aquellos que han vencido. Por consiguiente
la compenetración con el vencedor resulta cada vez más ventajosa para el amo del momento”23. Lo que
quiere decir, que los coloniales, siempre buscan al vencedor para que las viejas prácticas,
pervivan y con ella se re-articule el viejo Estado colonial. Nos referimos a la colonialidad
objetivada y subjetivada que, aún subsiste y frena cualquier proyecto descolonizador. En
este marco, romper con la “formalidad” de los procedimientos y la “jerarquización”,
creada entre las autoridades y jurisdicciones. Todo ello impide la consolidación de los
cambios constitucionales.
Otro factor opuesto y antagónico al anterior, tiene origen en el estancamiento
regresivo de los procesos de trasformaciones y cambios que se habían propuesto en la
Asamblea Constituyente (AC). Existe una crisis del proceso. Esta crisis se ha ahondado
con las medidas legislativas, ejecutivas y judiciales, que en vez de cambiar y trastocar las
estructuras del viejo Estado e implementar la nueva Constitución Política del Estado, han
retrocedido y han terminado manteniendo las viejas estructuras coloniales, permitiendo el
reordenamiento del sistema colonial. Entonces ¿Cuál es el elemento principal que permite
el reordenamiento del Estado Colonial? Es en definitiva “la neocolonización”, y éste se
encubre con el falso discurso anticolonial. Nos referimos a los “pluralismos aparentes”, y
las “descolonizaciones retóricas” que se vienen repitiendo en los últimos tiempos.
¿Qué significan los pluralismos aparentes?, nos referimos a la manera cómo las
estructuras coloniales, para continuar vigentes, se agazapan, disfrazan y se encubren,
bajo discursos de un “pluralismo” que en el fondo continúan anclados en el multicultu-
ralismo liberal. A nuestro entender la descolonización y el pluralismo no logran superar
el “multiculturalismo” liberal, y eso es neocolonialismo; pues no cuestiona, no trastoca
ni desestructura las relaciones desiguales, asimétricas y de sometimiento a las naciones y
pueblos indígenas. Esta forma de “transición”, supone más bien reacomodos del antiguo
Estado -Nación colonial, y va deslegitimando la voluntad del constituyente, y traicionado
la lucha anticolonial de más de 500 años.
Que no se haga efectiva ni se intente poner el cimiento al proyecto del Estado
Plurinacional, no significa que la causa de la crisis sea la ausencia de propuestas descolo-
nizadoras o que la vieja ni la nueva derecha liberal lo haya impedido, sino por el contrario
la causa de la crisis es la incorporación del viejo sistema en el proyecto del Estado Pluri-
nacional. Por ello, estamos estancados, en la fase del tránsito, de lo viejo a lo nuevo, de lo
ajeno a lo propio. Este escenario, sin embargo, tiene aún la posibilidad de “reconducirse”,
para que verdaderamente se inicie con la consolidación de un “Estado Plurinacional”.
Esta reconducción sin duda, debe emerger, nuevamente desde las entrañas de las naciones
y pueblos indios.
Referencias
Introducción
El presente trabajo aborda una serie de conceptos sobre la identidad cultural y el Estado
nacional que vienen cobrando particular relevancia en la vida política de los países latinoa-
mericanos frente a una crisis profunda del sistema económico imperante y de los sistemas
políticos como garantes del bienestar de las mayorías. Me refiero a conceptos nuevos que
sin embargo buscan dar acomodo a viejas realidades y pasan de las ciencias sociales al
Derecho como intento de éste por recuperar su capacidad ordenadora de una realidad que
ha desbordado su cauce.
Dividiré el texto en 3 partes. Una primera que se refiere a los aspectos sociohistó-
ricos que nos permiten entender el surgimiento del Estado nacional europeo como una
construcción cultural identificable históricamente. En un segundo momento me referiré a
cómo llega a nuestra América el concepto de Estado nacional y se busca implantar como
búsqueda de una nación integrada donde los indios representan el problema principal,
así como una descripción de los fracasados intentos por eliminar la diversidad cultural
de nuestro entorno político y jurídico. En tercer lugar mostraré porqué es de vital impor-
tancia encontrar diseños institucionales que respondan de mejor manera a la situación
histórica y el grave momento de transformaciones por las que atraviesan los países lati-
noamericanos.
1 Profesor investigador CIESAS - Unidad Pacífico Sur. Maestro y Doctor en Antropología Social
por el CIESAS. Licenciado en Derecho por la UNAM. Miembro de RELAJU, PRUJULA y del
sistema Nacional de Investigadores en México. Autor del libro: La Nueva Justicia Tradicional.
Oaxaca: 2011.
273
274 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
traiciones y sometimientos2. Para los países de America Latina las nociones de Estado
moderno llegan en momentos de insurgencia y a unos sirve para pensar un destino eman-
cipatorio y desligado de sus metrópolis y a otros como una forma de mantener el control
social y estamental que venía funcionando en estos países coloniales y periféricos. Así,
desde el nacimiento de las repúblicas latinoamericanas en el siglo XIX, la idea del estado
nacional que se venía configurando en Europa y los Estados Unidos, se arraiga a nuestra
tradición política pero penetra más como discurso retórico, a veces simulador y a veces
proyectivo, que como andamiaje normativo eficaz y capaz de estructurar pensamientos y
modelar conductas concretas. El Estado moderno esta presente en la palabra y ausente
en los hechos, es un Estado de instituciones siempre precarias o coludidas frente al poder
fáctico y de ciudadanos imaginados3.
Para entender porqué el Estado-nación ha permanecido como proyecto inconclu-
so en América Latina, es importante hacer referencia a algunos elementos de contexto
sin las cuáles no se puede entender la vida económica social y política europea en esa
época; una es la reforma protestante iniciada en el siglo XVI, cuando ya América se estaba
convirtiendo en el alter ego de Europa (sea como el atrasado sin alma o el buen salvaje).
La otra, es el surgimiento en de la revolución industrial en la segunda mitad del siglo
XVII, proceso en buena medida, financiado con las enormes riquezas que Europa llevó
desde América4. Comprender ambos fenómenos en su contexto nos permite entender
porqué el Estado moderno más que una receta para la organización de mundo como a la
postre resultó, era una salida histórica a desafíos concretos de ese momento y esa realidad
específica, Europa y su Estado-nación no era, ni es una salida repetible para el resto de
mundo y el intento de “ser como ellos”5 ha sido un acto suicida de la humanidad, que
lamentablemente incluso vienen repitiendo los gobierno de izquierda en América del Sur,
a pesar de que históricamente se han mostrado las desventajas estructurales de los países
periféricos para acceder a un modelo de desarrollo basado en una generación de bienes
industriales y un consumo extendido de los mismos6.
2Cf. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difu-
sión del nacionalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1993; GELLNER, Ernest. Nacio-
nes y nacionalismo. Madrid: Alianza, 2003 e FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. Madrid:
Siglo XXI Editores. 1986.
3 ESCALANTE GONZALBO, Fernando. Ciudadanos imaginarios. Memorial de los afanes y
desventuras de la virtud y apología del vicio triunfante en la República mexicana: tratado de moral
pública. México: El Colegio de México, 1992; CAPELLA, Juan Ramón. Los ciudadanos siervos.
Madrid: Trotta, 1993.
4 DUSSEL, Enrique. 1492: El encubrimiento del Otro. Hacia el origen del “mito de la Moder-
nidad”. México: Alianza, 1992; GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de Américas Latina.
México: Siglo Veintiuno de México Editores, 1971;
5 GALEANO, Eduardo. Ser como ellos y otros artículos. España: Siglo Veintiuno de España
Editores, 1992.
6 CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependencia y desarrollo en América La-
tina. México: Siglo XXI, 1969; COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL
Pluralismo jurídico y neoconstitucionalismo latinoamericano 275
La creación del Estado moderno no se explica sin la sangrienta ruptura que signifi-
có la reforma protestante. El desgaste generado por la violenta disputa entre los príncipes
germánicos y la iglesia católica por el control económico y político de las masas campe-
sinas y lo procesos económicos regionales crea la necesidad de una separación entre el
poder político-terrenal y el -espiritual de la Iglesia, con ello, la necesidad de un discurso
racional, no-religioso7 que cohesione bastos territorios caracterizado por su fragmenta-
ción a partir de tradiciones, lenguas y costumbres heterogéneas, pero con una lealtad
compartida la papa de Roma y a la religión católica. Tras este quiebre se vuelve necesario
un acuerdo que detenga el baño de sangre y una nueva doctrina que legitime el poder polí-
tico al margen del discurso religioso y cohesione la sociedad en torno a un poder terrenal.
Como podemos ver, ésta situación particularísima de una sociedad rota en sus principios
fundamentales prefigura el invento del Estado-moderno.
Sin la Iglesia católica como referente de cohesión tributaria y de generación valo-
res, es decir sin la comunidad que provee los referentes axiológicos que dan coherencia
e identidad a esas sociedades, los grupos dominantes vislumbran una pérdida de control
social, económico y político frente a un pluralismo religioso que se suma al ya de por sí
fragmentado panorama cultural europeo. Así, se empieza a buscar el fundamento de una
nueva comunidad que de cuerpo a los diversos grupos coexistentes dentro de un territo-
rio continuo. Así se crea una figura capaz de dominar, primero por la fuerza, a todas esas
pequeñas comunidades fragmentadas y después preverlas de referentes simbólicos que
permitan a todos los habitantes de esos territorios inventar una nueva identidad8.
Durante los siguientes 200 años Europa vive profundas transformaciones particu-
larmente basadas en un crecimiento económico inusitado debido en parte los minerales,
productos agrícolas y mano de obra esclava proveniente de las colonias americanas, junto
con un gran despegue de la ciencia, la maquinización de los sistemas productivos y su
respectivo excedente, importantes migraciones del campo a la ciudad, disminución de
epidemias, así como un aumento en la definición y el control de las fronteras correspon-
dientes al territorio de un soberano. Para la mitad del siglo VXIII, importantes pensado-
res habían construido las nociones teóricas del Estado moderno, Hobbes, Rousseau y
Voltaire, entre los más destacados como forma de crear un “nuevo orden”. A partir de la
paulatina apropiación del poder económico por parte de la burguesía, ésta disputar a las
monarquías el control político de las grandes y desordenadas masas que habían migrado
de contextos rurales a centros urbanos. Los individuos que habían roto las viejas lealtades
colectivas feudales comienzan a creer en una comunidad imaginada por la burguesía y
los pensadores llamada nación; una comunidad que habla el mismo idioma, comparte la
misma historia, los mismos valores y se subordina al mismo poder político racional lla-
CARIBE (CEPAL). Cincuenta años del pensamiento de la CEPAL. Chile: FCE, 1998.
7 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. Traducción de
Manuel García Morente. 6ª ed. Madrid, Espasa-Calpe, 1980.
8 GELLNER, 2003, op. cit.
276 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
mado Estado y que según la ficción nace de la soberanía y la voluntad de “todos los que
conforman la nación”9.
Existen 3 medios fundamentales a través de los cuál las nuevas clases dominantes
crean la idea de nación compartida y la no menos inventada idea de que a cada “nación
imaginada” corresponde un Estado. El primero es el sistema educativo que manejado
o definido desde el Estado extiende en la población el uso de un idioma común, la for-
mación de individuos y la incorporación en su imaginario de los mitos y valores sobre el
surgimiento del Estado propio a partir de la historia común ancestral o bien la idea del
futuro común, de irremisible superación de todo atavismo, un futuro de desarrollo, paz,
civilización y ciencia a que nos conduciría el Estado. Todo esto genera una consecuente
lealtad a la nueva comunidad nacional y a sus autoridades: el Estado moderno.
El Estado crea constituciones, leyes, procedimientos, instituciones y autoridades
que encarnan el orden que permitirá organizar a la comunidad milenaria o bien que per-
mitirá alcanzar ese futuro de esplendor. El segundo medio fundamental para construir la
nación es el sistema de leyes, los postulados legítimos, creados por la autoridad de todos
que obligan, permiten o prohíben conductas y constituyen a las autoridades que atrapan y
juzgan al infractor. La escuela indoctrina y convence, la justicia obliga y castiga al no con-
vencido, doblega al disidente y legitima el poder único, la violencia legítima del Estado.
El tercer medio fundamental que la burguesía utiliza para construir la nación es
el Mercado. El Estado crea las libertades de producir, transportar, vender y comprar y
define las fronteras donde este sistema de intercambio será controlado por las reglas y las
monedas del propio Estado, así se establecen los delitos de contrabando, los aranceles y
el control de todo tipo de intercambio comercial, particularmente aquél desarrollado más
allá de las fronteras propias. El Mercado le da a la comunidad imaginaria gustos comparti-
dos dentro de todo un territorio, hábitos, modelos de trabajo y contratación, reglas de in-
tercambio, los productos de la “nación”, las comidas de la nación, los artistas de la nación,
los héroes de la nación aparecen en las monedas y los billetes que todos intercambian.
El Mercado estandariza hábitos, gustos, conocimientos… y ahí donde un producto, una
música o una comida fue característico de una religión, de una de las múltiples culturas
extendidas en el territorio se convierte en producto, música o comida de toda la nación y
paulatinamente aquello que no logra producto “nacional” tiende a desaparecer.
En los albores del siglo XIX, cuando todos estos procesos se consolidan en Europa, las
colonias españolas y más tarde las portuguesas en América (lo que a la postre se definiría
como América Latina) también viven procesos de cambio, pero cambios muy distintos y
mucho menos extendidos que los suscitados en Europa. En América no hubo reforma
protestante porque más o menos todas las colonias de España y Portugal, cuyas coronas
fueron los grandes defensoras del catolicismo, siguieron compartiendo un patrón religio-
so. Menos aún hubo una revolución industrial en la época, aunque pronto los pobladores
del “nuevo mundo” se convirtieron en consumidores preferidos de los productos ma-
nofacturados en el primer mundo, así como exportadores preferidos –a partir de empre-
sas fundadas en su mayoría con capital extranjero- de materias primas para la elaboración
de los mismos.10
No obstante las ostensibles diferencias históricas, los pensadores y los próceres
latinoamericanos son seducidos por la idea del Estado-nacional como figura política para
independizarse de las metrópolis. Para algunos el Estado-nacional representaba el ideario
emancipador de la igualdad y la superación de los atavismos culturales, para otros fue una
forma de similar una igualdad inexistente que permitiría mantener la dominación y el co-
lonialismo interno que caracterizó las sociedades estamentales latinoamericanas11.
No obstante la construcción formal de los Estados nacionales en América Latina,
en la práctica, durante todo el siglo XIX, ni se creó un sistema educativo abarcante con
lo que no se abolieron las lenguas, las tradiciones y las culturas particulares, tampoco se
extendió el sistema de leyes, con lo que la gente siguió ligada a sus propias formas tradi-
ciones y costumbres, ni se extendió un Mercado nacional con lo que la gente siguío en re-
laciones de vasallaje, producción agrícola no industrial y siguió consumiendo sus propios
productos artesanales, sus propias comidas, sus propias expresiones culturales, salvo en
los centros urbanos que intensificaron su filiación a los mercados del primer mundo y con
ello profundizaron las diferencias dentro de los Estados latinoamericanos y convirtieron
a los enclaves aculturados de las nacientes “naciones” en la vanguardia civilizatoria del
Estado.
Los países latinoamericanos copian la receta sin tener la enfermedad. Así, durante
todo el siglo XIX y en buena medida hasta los albores del siglo XXI, la noción de Estado
nacional es para algunos proyecto integrador y para otros simulación de un estado de
leyes. Aunque ningún país de mundo ha logrado del todo suprimir su diversidad cultural
interna, es menester afirmar que los países de Europa central logran con mayor eficacia la
construcción de la nación integrada, el Estado genera una cultura nacional y aunque haya
diferencias, en términos generales se logra la formación de ciertos patrones que el grueso
de su población comparte.
Si Europa construye la alteridad de su Estado civilizado alteridad desplazando a los
pueblos “bárbaros” de su continente a los otros, en América Latina el tema de la diver-
sidad se encarna en “el otro” interno, el obstáculo para construir la nación, el epitome del
atraso versus la civilización: el Indio.
A lo largo del siglo XIX uno de los retos fundamentales para construir la nación
fue el qué hacer con los indios, que en muchos países representaban a la mayor parte de
la población y qué elementos de la diversidad de estos países podrían ser ocupados para la
construcción de la identidad nacional. Los pensadores y los estadistas se plantean los retos
de la identidad cultural y política de América Latina en obras como “Facundo, civilización
o barbarie” de Faustino Domingo Sarmiento, “Ariel” de José Enrique Rodó, “Los grandes
problemas nacionales” de Andrés Molina Enríquez, entre otros. Uno de los grandes temas
es cómo hacer que los indios dejen de serlo, desde el exterminio hasta la integración, la
pregunta es cómo eliminar este molesto ingrediente en pos de la construcción del Estado
nacional.
Así surgen políticas de confiscación de tierras indígenas, de integración cultural, de
castellanización forzada, después de educación bilingüe, programas de asistencia social,
desarrollismo etc. todas políticas tendientes a que los indios dejen de serlo y permitan la
construcción de la nación integrada.
Durante el siglo XX las políticas educativas y la extensión de Mercado a los territo-
rios indígenas se vuelve más agresiva, surgen las teorías de la aculturación y las políticas in-
tegracionistas, surgen los procesos de reforma agraria y campesinización de los indios. Sin
embargo la meta esperada de “desaparecer” la diversidad no llegó y hacia finales del siglos
XX el “movimiento indígena” contemporáneo12 surge con gran fuerza para objetar los
propósitos integracionistas, demandar su derechos de permanecer como culturas diferen-
ciadas y el reconocimiento de derechos particulares que les permitan esta supervivencia.
En los albores del siglo XXI constatamos que el proyecto del Estado nacional ho-
mogéneo sigue tener éxito. Los indígenas han estado ahí, siguen estando, siguen forman-
do unidades socioculturales, siguen manteniendo sus propios vínculos históricos, siguen
manteniendo sus lenguas, tradiciones y en muchos casos diversas expresiones del Estado
siguen siendo algo lejano, ajeno, algo de lo que hay que cuidarse.
Aunque cada nación del sub-continente ha tenido sus particularidades y procesos
republicanos divergentes, grosso modo encontramos semejanzas en la constitución de sus
Estados. De igual manera, en mayor o menos medida, la revisión histórica de finales del
siglo XX y principios del siglo XXI, muestra la crisis del Estado que se expresa en nuevas
constituciones o profundas reformas a las ya existentes. En éstas nuevas constituciones es
ostensible la renuncia al proyecto de nación homogénea y un mayor o menos reconoci-
miento al tema de la diversidad sin que éste sea aún claramente implementado en ningún
país, pues particularmente choca con un proceso paralelo de exacerbada explotación de
los recursos naturales para sustentar un caduco modelo de desarrollo, mismo que pro-
bablemente será frenado por una crisis ambiental de grades dimensiones que ya se viene
avizorando13.
Ahora bien, en este contexto diversos movimientos indígenas, particularmente de
la region andina, han comenzado a manifestar su desacuerdo con el modelo de Estado
nacional dominante. En un principio los movimientos indígenas retoman demandas de
caracter social como tierra, trabajo, salud y educación, sin embargo en el proceso de lu-
cha muchos líderes e intelectuales se preguntan llegan a un cuestionamiento del modelo
hegemónico y reconocen en la autonomía indígena una alternativa a la integración y a las
prácticas depredadoras de desarrollo (Ver declaraciones I, II y III de Barbados).
Además de importantes cambios legislativos, de mayor o menor envergadura en el
marco normativo de prácticamente todos los países latinoamericanos, el movimiento in-
dígena contemporáneo ha ganado un espacio en el “Foro Permanente para las cuestiones
indígenas de Naciones Unidas” y diversos espacios de encuentro y discusión a los largo
del Continente. Han sido un factor real de poder político en Ecuador, Nicaragua y Bolivia
y su manifestación ha sido altamente significativa en la definición de políticas públicas en
México, Guatemala, Colombia, Surinam y Chile.
Este indigenismo contemporáneo busca por un lado aumentar la participación
y visibilidad política de los indígenas dentro del Estado, mismo que debe ser redefinido
como Estado multicultural, pero también luchan por autonomía política que implica to-
mar sus propias decisiones a través de instituciones, normatividad y procedimientos pro-
pios y por ende una redefinición del concepto clásico de Estado nacional.14
Por otra lado, a partir del llamado proceso de globalización, los Estados nacionales
pierden funciones, particularmente en lo referente al control local de la economía para
articularse a un mercado internacional, al tiempo que surgen movimientos para hacer
frente a nuevos modelos globales de explotación15 y pierden paulatinamente el monopo-
lio ideológico de sus connacionales por la acción de las redes sociales, los movimientos
13 CAMPBELL, Kurt M.; GULLEDGE, Jay; McNEILL, J.R.; PODESTA, John; OGDEN, Pe-
ter; FUERTH, Leon; WOOLSEY, R. James; LENNON, Alexander T.J.; SMITH, Juliann; WEITZ,
Richard; MIX, Derek. The Age of Consequences: Policy and National Security. Implications of
global climate chang. Washington D.C.: Center for Strategic & International Studies and Center for
a New American Security, 2007; OLABE, Antxón; GONZÁLEZ, Mikel. Cambio Climático, una
amenaza para la seguridad global. Politica Exterior, Nº. 124, Julio/ Agosto, 2008; SCHOIJET,
Mauricio. Límites del Crecimiento y Cambio Climático. México, DF: Siglo XXI, 2008.
14 SANTOS, Boaventura de Sousa. Más allá de la gobernanza neoliberal: el Foro Social Mundial
como legalidad y política cosmopolita subalternas. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; RODRÍ-
GUEZ GARAVITO, Cesar A. (editores). El derecho y la globalización desde abajo. Hacia una
legalidad cosmopolita. México: UAM, Anthropos, 2007.
15 RODRIGUEZ GARAVITO, César A. La ley de Nike: el movimiento antimaquila, las empre-
sas transnacionales y la lucha por los derechos laborales en las Américas. In: SANTOS, Boaventura
de Sousa; RODRÍGUEZ GARAVITO, Cesar A. (editores). El derecho y la globalización desde
abajo. Hacia una legalidad cosmopolita. México: UAM, Anthropos, 2007.
280 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
El derecho en el siglo XXI redefine el papel del Estado tanto frente a la comunidad
internacional, como a sus difusas sociedades nacionales. En este contexto, la noción del
derecho monista hace agua hacia lo arriba –derecho internacional-, como hacia abajo –de-
rechos subalternos-. Sistemas jurídicos supranacionales y subnacionales que se tocan en
giros inesperados desafiando las hegemonías tradicionales y las certezas del derecho que
controla el ámbito nacional.18
La trilogía: un pueblo, un Estado, un Derecho, entra en una profunda crisis que de-
safía las certezas de la concepción clásica del Estado y la hegemonía de las clases políticas
tradicionales. No obstante, los juristas, guardianes del orden establecido por el derecho en
crisis, resisten los cambios y se atrincheran en nociones formalistas.
El formalismo jurídico defiende la supuesta separación del razonamiento jurídico
que es la supuesta aplicación mecánica del derecho a los hechos concretos obviando todo
tipo de consideración social, cultural o política. Esta creencia de muchos juristas, particu-
larmente insertos en la función pública supone que el proceso de producción normativa
es exclusiva del Estado y se abstrae de todo tipo de consideración contextual. Por lógica,
el campo de la ley puede ser visto como más o menos “cerrado” y el sistema normativo es
algo tangible a través de la ley escrita19. Así, la lógica formal supone un funcionamiento
lógico aristotélico que parte de la definición de conjuntos cerrados de condiciones nece-
sarias y suficientes que pueden excluir otras condiciones reales que en teoría quedan fuera
de la abstracción jurídica. Por ende, esta concepción es muy precaria en sociedades que
como hemos visto se distinguen por su falta de homogeneidad y cohesión.
El positivismo jurídico es particularmente poderoso por su funcionalidad, crea
una ilusión de “certeza jurídica” que en teoría permite a todos saber qué es lo debido, lo
permitido y lo prohibido. El fenómeno de la ilegalidad en América latina, sin embargo,
muestra lo contrario y hace evidentemente el escaso conocimiento de sus contenidos
base el respeto a la libre determinación de los pueblos indígenas dentro de los estados
latinoamericanos contemporáneos y reglas claras de coordinación entre los múltiples sis-
temas normativos que componen el panorama jurídico de estos países. Es importante
recalcar que la primera fuente de derecho positivo de este nuevo paradigma en ciernes,
es el Convenio 169 de la OIT, ratificado por la mayoría de los países de la región, y tiene
un importante avance en la Declaración de naciones Unidas sobre los Derechos de los
Pueblos Indígenas aprobada por la Asamblea General de la ONU en 2007.
El derecho de libre determinación no puede ser un enunciado constitucional vacío
de contenidos. Tal como los Estados soberanos gozan de dicha atribución y ello les per-
mite ser la fuente de legitimidad del gobierno constituido, los pueblos indígenas gozan
de tal prerrogativa, pero la ejercen en el marco de la soberanía de los Estados, en muchos
casos como autonomía, y a semejanza de los Estados federales conceden márgenes de ac-
tuación que no están exclusivamente reservados al Estado nacional, lo que permite mayor
eficiencia y racionalidad en el ejercicio del gobierno, es decir una mayor gobernanza de
los territorios.
Por supuesto que no se trata de una claudicación del Estado en territorios indíge-
nas, sino una coordinación donde el Estado sigue haciéndose cargo de tareas específicas,
mantenga ciertas competencias, pero descentralice las mayores funciones posibles en las
autonomías.
Quizá el mayor problema asociado al reconocimiento de las autonomías está en
el modelo de desarrollo del que dependen los Estados latinoamericanos tan ligados a las
industrias extractivas y explotación de recursos naturales. Incluso en países como Bolivia
y Ecuador existe una enrome contradicción entre el modelo pluralista planteando en sus
constituciones y las necesidades extractivas de sus gobiernos para sustentar su propia
hegemonía. Amparados en la necesidad de construir poder político frente a las Viejas
oligarquías, en muchos momentos estos gobiernos de izquierda han dado la espalda a los
derechos colectivos de sus pueblos en aras de proteger las inversiones y los intereses del
gran capital sobre territorios comunales. Por supuesto éste es también un problema de
otros gobiernos, pero en éstos la contradicción es menos evidente.
En síntesis, podemos ver que el nuevo paradigma pluralista ha venido avanzando
como forma de reconocimiento jurídico en las constituciones latinoamericanas y los ins-
trumentos internacionales. Éste pluralismo reconoce el derecho de libre determinación
de los pueblos indígenas y hace de la Constitución un “techo” que alberga tanto las ex-
presiones jurídicas de los pueblos indígenas y las comunidades locales, como las de las
instituciones formales ordinarias del Estado, crea mecanismos legales de coordinación
de competencias y jurisdicciones y permite una relación de igualdad entre los sistemas
que coexisten en un territorio teniendo como límites los derechos humanos reconocidos
internacionalmente.
No obstante, la implementación tiene serios problemas tanto por las persistentes
objeciones positivistas, los cambios socio culturales que atraviesan las comunidades indí-
Pluralismo jurídico y neoconstitucionalismo latinoamericano 283
genas y los proyectos económicos que impulsan los Estados y que particularmente favo-
recen el extractivismo y macro-alternativas de desarrollo que por momentos se vuelven
incompatibles con el medio ambiente, la autonomía indígena y el desarrollo local.
Conclusiones
24 FITZPATRICK, Peter. La mitología del derecho moderno. México: Siglo XXI Editores,
1998.
25 MARTINEZ, Juan Carlos. Derechos indígenas en los juzgados: un análisis del campo judi-
cial oaxaqueño en la región mixe. México: INAH, 2004.
26 BOURDIEU, 2002, op. cit.
27 MARTÍNEZ, et. al., 2012, op. cit.
284 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
desde esa época han sido asiduos litigantes frente al Estado28. Lo que sí implica es un nue-
vo modelos de relación con las comunidades históricamente subyugadas y nuevos princi-
pios de organización basados en la pluralidad y la coordinación de sistemas que más que
crear fronteras definen espacios interlegales29 y principios comunicativos30 para construir
acuerdos sin negar las diferencias y la diversidad.
Los jueces rurales y otros funcionarios son muy concientes de la existencia de sis-
temas normativos en las comunidades indígenas. Ellos saben que en los pueblos se aplica
justicia y de definen reglas de parentesco, propiedad, traslación de uso o de dominio,
herencia, obligaciones públicas etc. Ahora ya no es necesario fingir que esto no ocurre,
simplemente se debe hacer una valoración sobre la constitucionalidad de estas reglas y su
aplicación. El Estado debe tener tribunales constitucionales interculturales para ponderar
y definir la norma aplicable o bien un justo equilibrio entre principios opuestos en caso de
contradicciones. La argumentación legal y la ponderación en las sentencias tiene que ser la
clave para avanzar en este nuevo modelo.
Tenemos que superar el modelo decimonónico de “civilización o barbarie” y acep-
tar que las culturas se necesitan, todas las culturas son complementarias e incompletas
aún cuando en apariencia existan grandes avances en algunas sociedades. Vivimos frente a
grandes contradicciones por los avances que ha traído un modelo civilizatorio frente a las
grandes catástrofes que ha desencadenado el mismo. Los grandes problemas que aquejan
a la humanidad contemporánea son paliables sólo en la medida que nos abramos a formas
distintas de vida, a partir del diálogo intercultural y en condiciones simétricas, las respues-
tas están en otras culturas, en otras formas de plantarse frente al mundo que nos permitan
encontrar respuestas que sobre las bases económicas y políticas actuales no tienen salida.
Es evidente que el pluralismo jurídico no es una panacea, ni un remedio milagroso,
es más quizá esté lleno de problemas que cotidianamente se irán enfrentando, sin embar-
go sí representa un viraje necesario porque las formas políticas y jurídicas actuales están
llegando a un agotamiento en exceso costoso para la humanidad. Me parece que el cami-
no es muy difícil pero de alguna manera estamos en una coyuntura histórica donde pode-
mos realmente darle una cobertura jurídica a lo que realmente hacen nuestras sociales sin
sentir vergüenza por no ser como “los otros”. Es verdad que nuestras relaciones sociales
están marcadas por la exclusión y la injusticia y que las formas indígenas de organización
social han sido parte de esta dominación, pero también es cierto que mucha de esta in-
justicia viene de que los valores que tradicionalmente han sustentado estos pueblos se ha
vuelto inservibles para el mundo contemporáneo. Estamos corriendo muchos riesgos
de violencia y desintegración y se pueden buscar salidas falsas en nuevos autoritarismos,
Referencias
Introducción
1 Profesora consulta de la UBA. Docente asociada en la Cátedra en Teoría del Estado y inte-
grante del Instituto de Investigaciones Jurídicas y Sociales “Ambrosio L. Gioja”, de la Facultad de
Derecho de la Universidad de Buenos Aires. Vice presidenta FISYP. Miembro y investigadora de
la CLACSO.
2 Así conocemos diversos modelos de acumulación todos dentro del capitalismo: liberal, desa-
rrollista-keynesiano o de “bienestar”, neo-liberal, neo-desarrollista. Una misma línea directriz con
variaciones de aplicación, de ninguna manera secundarias.
287
288 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
O sea que el poder se genera por fuera del Estado, en el ámbito de lo conocido
como privado y se torna público a través de la institución Estado, de la utilización de sus
aparatos. El aparato del Estado no es la sede del poder, sino la organización en que se
encarna el poder que se genera en ciertas clases y fracciones de clase, a cuyos intereses
responde en última instancia el Estado. El aparato del Estado, sus instituciones, son ex-
presión de ese poder, posibilitan y organizan su ejercicio.
El aparato del Estado está atravesado por los procesos sociales y posee un grado de
autonomía que le permite retroactuar sobre la sociedad y no sólo reflejar las relaciones que
se traban en el seno de aquella, así como desarrollar procesos cuya lógica se desenvuel-
ve al interior del propio aparato estatal. No es, por tanto, un mero instrumento de la clase
dominante, pero el grado relativo de su autonomía, se traduce en que, en última instancia
como veremos esa es su frontera, sucumbe ante los intereses de la clase dominante, ya que es
una especie de ¨comité de administración de sus intereses¨ (Marx y Engels, 2008) que no
siempre son homogéneos.
Categoría de alto grado de complejidad, el tratamiento de lo estatal exige que se
parta de caracterizar la estructura de clases de la sociedad, cuál es su clase dominante y
de dónde obtiene su predominio económico y como puede ‘convertirlo’ en hegemonía
política, en qué momento histórico concreto actúa, cuál es la forma de acción y manifes-
tación de lo estatal y sus contradicciones. Esto es lo que dará las llamadas condiciones de
estatalidad.
Ya entrado el siglo XX, y a partir de la revolución rusa de octubre de 1917, apa-
recieron tentativas de construir sociedades no capitalistas, en las que el Estado se asu-
mía como poder de clase, ‘dictadura del proletariado’ destinada a terminar tanto con el
estado-nación como con el capitalismo. A su vez, en las sociedades capitalistas, frente al
desafío que les planteaba la construcción de una sociedad socialista, -como se planteó la
revolución de 1917–, comenzó a procurarse una atenuación de los conflictos, de la lucha
de clases, apareció la figura del pretendido ‘arbitraje’ de las contradicciones sociales, con
el Estado en un rol progresivamente protagónico.
Uno de los temas a los que frecuentemente se ha aludido y se alude en especial
a partir de la crisis mundial de 2008, es el referido a la “intervención” estatal. En este
sentido, debe tenerse en cuenta lo que acabamos de expresar, alejarse de pensar a sus ins-
tituciones como meros “instrumentos” de las clases dominantes, pero tampoco, de nin-
guna manera, como instituciones “neutras” que dirimen el conflicto de intereses desde la
imparcialidad. Esto se traslada también al aparato del Estado capitalista, que no puede ser
neutral en tanto no lo es el Estado, por lo que no puede cruzar el límite de acumulación
y reproducción capitalista. No cambia si no cambia la relación social básica capitalista. El
Estado capitalista es producto del capital como relación social en sentido histórico, y al
mismo tiempo, es espacio de lucha disputado por las clases subalternas.
Hay un sentido común instalado acerca de que en los noventa, no intervenía (eso
era ser neoliberal) y que, en cambio ahora sí lo hace (porque estaría dejando de ser neoli-
beral). Ni lo uno ni lo otro. Esto conduce a un debate estéril, sobre: estatal-no estatal.
El estado del Estado en Nuestra América 289
El carácter de clase del Estado hace que siempre intervenga en resguardo y rease-
guro de la política de los sectores hegemónicos y es la lucha de las clases subalternas la que
disputa el sentido de la intervención estatal.
Es por todo ello, que la discusión sobre el hacer, la acción del Estado, tiene que estar
centrada, en establecer quiénes se benefician y quiénes se perjudican con la misma, para
que quede claro, cuál es el bloque histórico en el poder.
Insistimos una vez más, el Estado es un lugar de la lucha de clases, es un lugar de
disputa, de disputa total (se expresa en el concepto complejo de “tomar el poder”) y tam-
bién es objeto de disputas parciales a veces con éxitos relativos y a veces con derrotas, en
dependencia de la relación de fuerzas entre las clases antagónicas.
El resultado de esas luchas se traducirá, en consecuencia, en los distintos grados de
avance o construcción de contrapoder por parte de las clases subalternas o de fisuras en
los intersticios del poder, hasta su culminación con la ruptura revolucionaria.
En razón de la unidad del poder del Estado como poder de dominación de clase, las
clases subalternas aunque lleguen por el ejercicio legítimo del sufragio, a ocupar cargos al
interior de un aparato de Estado en manos del bloque representativo de los intereses del
capital, sean ejecutivos o deliberativos, e incluso judiciales, siempre serán una individua-
lidad en el medio de un bloque que no es el propio. Una individualidad en el conjunto de
un proyecto que no es el proyecto de las clases subalternas.
Hay infinidad de posibilidades de avances en la construcción de contrapoder y
Nuestra América hoy es una muestra, pero si no se cambian las estructuras de dominación
hay una limitación fundamental: el propio sistema capitalista que no se desvanece con sólo
ganar elecciones. Se puede, incluso, llegar al gobierno, pero ello no implica tener el poder,
conquistar el Estado. Es necesario tener claro los límites y las posibilidades que el capital
establece o trata de establecer para garantizar su hegemonía, para lo cual no escatima
procedimientos ni acciones.
Porque no es al interior del capitalismo que podemos resolver la emancipación
humana. Hace falta la acción política, junto con la acción social, gremial, porque lo social
y lo gremial sin lo político tienen también un punto de límite del que es preciso tener
conciencia: la defensa de los derechos de los trabajadores, de los desocupados, de los
precarizados, sin la producción de cambio sistémico o sin transitar hacia esos cambios, sin
tenerlos como horizontes, son derechos conquistados dentro de la dominación burguesa,
obtenidos dentro de la legislación burguesa. Muy importantes, pero claramente no cons-
tituyen emancipación de la explotación.
290 Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina
Nos hemos referido de alguna manera a los límites y posibilidades de la disputa por el
cambio al interior del Estado capitalista. Límites y disputa están referidos a los cambios
revolucionarios en los estados nacionales que no pueden abordarse en general sino en
particular. Teniendo claro ello es que podemos analizar las continuidades y rupturas que
se dan en cada una de las situaciones de disputa.
Hay formatos que desbordan los limites estatales y se despliegan en un campo
social y político más amplio, el aparato estatal se entrelaza con formas de institucionalidad
política, con lo que conocemos como gobierno en cuanto aparato burocrático. Significa
un límite cierto que se impone al accionar gubernamental, un límite estructural que ase-
gura reproducción del sistema aunque, como ya dijimos, no resulte impenetrable Si nos
detenemos más particularmente en Nuestra América Latina y Caribeña, tenemos que re-
cordar el origen colonial de sus estructuras, producto de la conquista que unificó capitalis-
mo y modernidad en la Europa de entonces que resultaba inconcebible sin colonialismo.
Y esta región fue una de las avasalladas. Su resultado es la existencia de lo que Tilman
Evers calificó como capitalismo periférico, es decir, capitalismo pero con especificidades
y particularidades, entre las cuales la subordinación y la dependencia respecto a los países
centrales.
Nos encontramos hoy, en una región convulsionada con procesos de cambio, del
que unos son meros maquillajes sistémicos, mientras que otros tienen un carácter decla-
radamente revolucionario marcado por el hecho de reconocer que no hay posibilidad de
cambio dentro del capitalismo, aunque aún no se haya producido esa transición.
El estado del Estado en Nuestra América 291
La clave consiste en cómo construir las relaciones de fuerzas, los apoyos suficientes
como para avanzar en transformaciones más profundas. Y la diferencia entre los gobier-
nos también estará planteada en función de los recursos que movilizan para cambiar la
relación de fuerzas a favor de las mayorías populares. Porque no se trata de aceptar límites
sino de empujar hacia horizontes emancipatorios.
No se visualiza aun una movilización alternativa generalizada, una construcción
política popular alternativa en consonancia con los cambios en la región. Por eso, nos en-
contramos ante una profunda crisis no sólo de representación política, sino también ante
una crisis política en general, aunque la penetración de la ideología posibilista (incluida la
de la llamada izquierda tradicional), sostenga argumentaciones en contrario. La lógica del
posibilismo en tiempo de crisis capitalista mundial y fuerte ofensiva del capital sobre los
trabajadores se la pretende hacer aparecer, como lo más avanzado que deja la coyuntura.
Lo cierto es que son necesarios cambios de fondo, estructurales, en nuestra rea-
lidad socio-económica. Es lo que se requiere para avanzar en sentido contrario a las po-
líticas hegemónicas de los noventa. No alcanza con el discurso crítico, la observación o
los “buenos deseos” y si no se remueven las reformas estructurales regresivas se corre el
peligro de la reversión política favorable a las demandas de las clases dominantes.
La personalización de la política, la generación de liderazgos nacionales y locales,
caracterizan la gestión política en la etapa actual, tanto respecto a los políticos profesio-
nales más o menos autonomizados de sus tradiciones de origen, como a las nuevas estrellas
políticas sin antecedentes de militancia ni experiencia en ella.
O sea, que lo político se realizaría, se concretaría por la vía de la actividad política en
su significado más tradicional, el asociado a las estructuras partidarias. Esta concepción,
de algún modo encorseta, limita, el concepto de lo político y de la política.
En cambio, desde un abordaje alternativo al tradicional enunciado, si bien el objeti-
vo último, necesariamente va a estar simbolizado en el poder, lo será a través de la acción
dirigida a un proceso de construcción de poder y hacia la obtención del poder pensado
como resultado –no de una evolución, sino de una ruptura–, pero no meramente como
un momento de asalto.
Conclusión
Resumiendo, cuando nos planteamos que “hay que ir por más”, por la emancipación, no
quiere decir desechar la labor cotidiana, o la lucha gremial, quiere decir, tener claro un ho-
rizonte utópico pero sí realizable y ese es el de la ruptura revolucionaria y la construcción
de una nueva sociedad que yo llamo socialismo, pero que no es una cuestión de nombre,
es un problema de realización.
Así, lamentablemente el balance nos presenta más continuidades que rupturas.