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Canção brasileira: uma proposta de curso de

português como língua adicional

José Peixoto Coelho de Souza (PPG-Letras/UFRGS)1

Resumo: Este artigo traz um recorte da monografia Canção brasileira: proposta de


material didático para um curso de Português como Língua Adicional e tem como
objetivo refletir sobre a criação de um curso de canção brasileira para estrangeiros
através da proposta de um programa para um curso de português como língua
adicional (PLA) tendo a canção como gênero estruturante do material didático. O
curso tem como objetivo apresentar aos alunos oito diferentes gêneros musicais
brasileiros e baseia-se no conceito de canção como constelação de gêneros, tal
como proposto por Coelho de Souza (2010), a qual é composta por inúmeros
gêneros discursivos canção de (gênero musical), tais como canção de rock e canção
de bossa nova, cada um com características próprias no que se refere à letra e à
música. No Inicio, apresento o curso de Canção Brasileira, desenvolvido
especialmente para o Programa de Português para Estrangeiros da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, descrevendo seus objetivos e analisando os critérios
utilizados para a estruturação do curso e para a seleção dos temas e canções
abordados em aula. Após a análise, apresento uma proposta de organização de
materiais didáticos com base em canções em diferentes etapas a fim de promover
uma exploração mais aprofundada do gênero em estudo.

Palavras-chave: ensino de português como língua adicional, canção brasileira,


material didático, course design

Abstract: This paper aims to reflect on how to design a Portuguese as a Foreign


Language (PFL) course based on Brazilian songs through the introduction and
analysis of the syllabus of the Canção Brasileira course from the PFL program at the
Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil. The focus of the course is to present
students eight different Brazilian music styles and the course is based on the concept
of song as a genre constellation, as proposed by Coelho de Souza (2010), which is
formed by countless speech genres, such as rock song and bossa nova song, each
one with its own characteristics related to music and lyrics. First, the Canção
Brasileira course is introduced, its objectives are presented, and the criteria used to
design the course and to select the themes and songs studied in class are analyzed.

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josepcoelho@gmail.com

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Afterwards, a proposal for how to design pedagogical materials based on songs is
suggested as a way to promote a more thorough use of songs in PFL teaching.

Keywords: Portuguese as a foreign language teaching, Brazilian song, pedagogical


materials, course design

1. Introdução

A canção brasileira é um objeto artístico de amplo reconhecimento em nível nacional

e internacional tanto pela sua riqueza melódica, harmônica e rítmica quanto pelas letras

sofisticadas, que geralmente lançam mão de recursos de linguagem poética. Além disso, a

música popular brasileira i é reconhecida pela ampla diversidade de gêneros musicais

produzidos no país, cada um com suas características no que diz respeito ao maior ou menor

uso desses elementos musicais e poéticos. Por essas e outras razões, geralmente há uma

grande expectativa por parte dos alunos estrangeiros sobre o uso de canções em aulas de

português como língua adicional (PLA).

Apesar da grande variedade de pesquisas produzidas no Brasil na área de PLA,

ainda há poucos estudos que tratam especificamente sobre a canção, como Coelho de Souza

(2009), Souza (2010) e Barbosa (2011). Uma possível razão para a falta de estudos sobre a

canção como recurso pedagógico é que, no contexto acadêmico brasileiro, a canção é

frequentemente considerada um gênero menor, especialmente em relação à literatura, pelo

fato de ser de origem popular e de estar mais próxima da língua oral, em geral desprestigiada

em relação à variante escrita nesse contexto (BARBOSA, 2001). Segundo Barbosa (2001, p.

3), no Brasil, “a música (assim como a culinária e outros elementos da nossa cultura) é

depositária da pluralidade cultural que nos marca, e é esse caráter plural que nos fornecerá

índices importantes sobre diversos aspectos da nossa cultura”. Por essa razão, a autora

afirma que “uma proposta do ensino de Português como Língua Estrangeira, através da

música, apresenta-se pertinente, possível e produtiva” (ibidem).

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Nesse contexto, o presente artigo tem com objetivo refletir sobre a estruturação de

um curso de canção brasileira para falantes de outras línguas, especialmente no que diz

respeito às quais critérios podem ser levados em conta para a seleção dos temas e canções a

serem abordados, e para a organização do material didático a ser utilizado. Para isso, trago

um recorte da monografia Canção brasileira: proposta de material didático para um curso de

Português como Língua Adicional (COELHO DE SOUZA, 2009), a qual apresenta e analisa

parte do material didático especialmente elaborado para um curso criado para o Programa de

Português para Estrangeiros ii (PPE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), a fim de materializar a discussão com base na análise de um programa para um

curso de PLA já existente, que tem a canção como gênero estruturanteiii do material didático.

Para criar um curso organizado a partir de canções de diferentes gêneros musicais,

faz-se necessário compreender as especificidades do trabalho com esse gênero,

especialmente no que diz respeito à interlocução por ele projetada e à construção dos

sentidos a partir das suas duas linguagens constitutivas (verbal e musical). Em Coelho de

Souza (2010), o autor propõe que a canção seja entendida como uma constelação de

gêneros iv formada pelos inúmeros gêneros discursivos canção de (gênero musical)

existentes, tais como canção de rock e canção de rap, os quais se agrupam

sem hierarquização entre si, ligados uns aos outros por partilharem o fato de
sua construção composicional envolver uma materialidade verbal e outra
musical, mas diferenciando-se por possuírem contextos de produção,
propósitos comunicativos e interlocutores distintos, delimitados pela afiliação
do compositor/intérprete de uma canção a um dado gênero musical
(COELHO DE SOUZA, 2010, p.130).

Nessa concepção, parte-se do pressuposto que toda canção afilia-se a um gênero

musical e que o mesmo projeta uma interlocução, no sentido de quem fala através da canção,

para quem, e com que propósito, além de delimitar temas que são mais comumente

retratados nesse gênero. Ademais, todos os gêneros canção de (gênero musical) são

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formados pela junção entre letra e música, sendo assim considerados sincréticos (CARETTA,

2007; PAULA, 2008; COELHO DE SOUZA, 2010), uma vez que seus sentidos decorrem da

articulação entre as duas linguagens. Por essa razão, a compreensão da canção requer uma

tripla competência: a verbal, a musical e a literomusical (COSTA, 2002), sendo que é através

desta que conseguimos perceber, por exemplo, que na canção O céu (de Marisa Monte e

Nando Reis), nos versos “olhai pro céu / olhai pro chão” a palavra céu é cantada em uma nota

mais aguda, enquanto a palavra chão é cantada em uma nota mais grave, o que pode ser

interpretado como um reforço à ideia de que para enxergar o céu olhamos para cima,

enquanto que o oposto ocorre ao avistarmos o chão.

Partindo do conceito de canção acima apresentado, passo agora a apresentar o

curso de Canção Brasileira do PPE da UFRGS que tem como objeto de estudo um recorte de

diferentes gêneros canção de (gênero musical), analisando os seus objetivos e os critérios

levados em conta para a sua organização. Após, apresento um possível modelo de estrutura

para a elaboração de materiais didáticos com base em canção a fim de explorar o gênero de

modo mais aprofundado.

2. O curso de Canção Brasileira e seus objetivos

O curso de Canção Brasileirav do PPE da UFRGS foi planejado para alunos que

estão morando temporariamente na cidade de Porto Alegre (ou cidades vizinhas), interagindo,

portanto, em vários contextos cotidianos em língua portuguesa, e pensado para o nível

intermediário (abrangendo as turmas de Intermediário I e II). Essa decisão foi tomada uma vez

que alunos nesse nível já possuem proficiência em língua portuguesa para uma compreensão

mais aprofundada do conteúdo verbal da canção e para expressar suas opiniões e

interpretações, e também pelo fato de esse nível geralmente possuir um maior número de

alunos inscritos no PPE do que as turmas de avançado,

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O curso tem como objetivos gerais apresentar aos alunos diferentes gêneros

musicais do Brasil, abordando elementos presentes tanto na letra quanto na música, e

promover o debate acerca de temas relacionados a esses gêneros, buscando ampliar a

compreensão dos alunos com relação à cultura brasileira, a fim de possibilitar um outro olhar

para sua própria cultura. Para isso, os diferentes gêneros musicais produzidos no Brasil foram

tomados como elemento estruturante, por entender que cada canção de gênero musical

possui elementos distintos no que se refere à constituição da linguagem verbal e musical, e

também por acreditar que, embora os alunos do PPE estejam em constante contato com

diversos gêneros musicais brasileiros através da TV, do rádio e da Internet, muitas vezes não

têm os recursos para identificá-los.

O programa de Canção Brasileira a ser aqui apresentado compreende nove

unidades planejadas para serem trabalhadas em quinze aulas de duas horas cada,

totalizando um curso de 30 horas. Além de oito unidades referentes respectivamente a oito

gêneros musicais produzidos no país, há também uma unidade introdutória, para ser

trabalhada na primeira aula, cujo objetivo é oportunizar aos alunos um primeiro contato com o

recorte dos gêneros que serão abordados no decorrer do curso.

As unidades didáticas referentes a cada um dos gêneros musicais trabalhados no

curso foram concebidas para serem desenvolvidas em três horas/aula, exceto as unidades de

bossa nova e de funk carioca, que incluem tarefas extras de compreensão oral e/ou escrita,

planejadas para serem desenvolvidas em quatro horas/aula cada. Todas as unidades foram

elaboradas buscando promover a prática das quatro habilidades (compreensão oral, leitura,

produção oral e escrita), muitas vezes de maneira integrada.

Além dos objetivos gerais, já apresentados, o curso de Canção Brasileira do PPE da

UFRGS tem como objetivos:

 Apresentar uma amostra da variedade dos gêneros musicais brasileiros

organizados a partir de um encadeamento cronológico;

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 Promover a prática e o desenvolvimento das quatro habilidades a partir de

tarefas de análise da canção em estudo e de resposta a ela;

 Desenvolver estratégias de compreensão oral;

 Relacionar a música brasileira com aspectos da cultura do país;

 Refletir sobre temas e questões retratados nas letras trabalhadas,

comparando-os com a realidade no país de origem dos alunos;

 Familiarizar o aluno com termos referentes à linguagem musical (como melodia,

ritmo, arranjo, entre outros) e com vocabulário referente ao nome dos instrumentos

musicais;

 Estimular o desenvolvimento da percepção musical do aluno, através do

reconhecimento auditivo de diferentes elementos musicais, tais como a melodia, o

andamento, a performance vocal e os instrumentos presentes em um determinado

arranjo;

 Promover a reflexão sobre os propósitos da canção e a interlocução projetada

pelo gênero musical ao qual se afilia;

 Aprimorar a competência literomusical a partir da construção dos sentidos da

canção em estudo através da articulação entre letra e música.

A fim de oferecer uma visão mais abrangente da estrutura do curso, apresento na

tabela o programa com um resumo de cada uma das unidades, incluindo os gêneros musicais

na sequência em que são trabalhados, a canção estudada em cada unidade, o tema

abordado, seu intérprete e os objetivos específicos.

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Unidade Gênero Canção Tema Intérprete Objetivos
vi
Específicos
1 Samba Caviar Diferenças sociais Zeca - Discutir a comida como
elemento de diferenças
Pagodinho sociais.
- Reconhecer o contexto
social retratado na letra
da canção e a sua
relação com a linguagem
utilizada pelo
compositor.
2 Bossa Nova A Felicidade Linguagem João Gilberto - Reconhecer recursos
de linguagem poética em
poética língua portuguesa, tais
como rima, aliteração e
metáfora.
- Discutir a importância
da bossa nova para a
música brasileira.
- Reconhecer diferenças
entre os gêneros do
discurso poema e artigo
jornalístico.
3 Música Ramilonga Expectativas Vitor Ramil - Discutir semelhanças e
diferenças entre música
Gaúcha sobre Porto Alegre gaúcha de música
gauchescavii.
e o Brasil
- Refletir sobre o ponto
de vista dos alunos
sobre a cidade de Porto
Alegre.
- Relacionar o conteúdo
da letra com o gênero
musical.
4 Música Asa Branca Preconceito Luiz Gonzaga - Discutir as diferenças
de sotaque e vocabulário
Nordestina Linguístico apresentadas na canção
em relação à variante
aprendida pelos alunos e
relativizá-las.
- Discutir o problema da
seca e dos retirantes no
nordeste, comparando-o
com a realidade no país
de origem dos alunos.
5 Rock Brasileiro Geração Juventude e Legião Urbana - Identificar os
interlocutores na letra da
Coca-cola influência dos canção.
- Relacionar o conteúdo
EUA
da letra com o gênero
musical.
- Discutir a influência dos
Estados Unidos no Brasil
e nos países dos alunos.
6 MPB Que nem a Estereótipos Celso Viáfora - Discutir os conceitos de
estereótipo e
gente preconceito.
- Apresentar e discutir
estereótipos
relacionados ao Brasil e
a aos brasileiros.

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- Discutir estereótipos
relacionados ao país dos
alunos e à sua
nacionalidade.
7 Tropicalismo Cérebro Prós e contras da Gilberto Gil - Discutir os prós e
contras da tecnologia.
eletrônico tecnologia - Refletir sobre a
dependência da
tecnologia na vida
moderna.
- Reconhecer referentes
na letra da canção.
8 Funk Carioca Diretoria Preconceito MC Sapão - Apresentar gírias que
surgiram no contexto do
Musical funk e que são
atualmente utilizadas em
outros contextos.
- Discutir o papel do funk
carioca na vida das
moradores dos morros
da cidade do Rio de
Janeiro.
- Debater a relevância
deste gênero musical
sob esse ponto de vista,
com base em diferentes
opiniões sobre o tema.

Quadro 1: Programa do curso de Canção Brasileira do Programa de Português


para Estrangeiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como podemos observar, os oito gêneros musicais abordados no curso são: samba,

bossa nova, música gaúcha, música nordestina, rock brasileiro, MPB, tropicália e funk carioca.

Embora esse seja apenas um recorte da variedade e riqueza existente na música popular

brasileira, acredito que o curso permite aos alunos entrar em contato com alguns dos gêneros

musicais brasileiros com que poderão se deparar nas esferas onde circulam. Ademais, os

objetivos específicos das diferentes tarefas incluem discutir, reconhecer, apresentar, refletir

sobre, relacionar, identificar e debater elementos referentes ao conteúdo da letra da canção,

ao gênero musical e a questões linguísticas e culturais mobilizadas pelas canções.

As razões para a escolha dos gêneros musicais e os critérios usados para a

elaboração do material didático e estruturação o curso serão tratados na seção seguinte.

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3. Critérios para a estruturação do curso e dos materiais didáticos

Nesta seção, explicito e analiso os critérios utilizados para a organização do curso de

Canção Brasileira referentes à seleção dos gêneros musicais, dos temas e das canções

abordados. Além disso, apresento uma proposta de organização das unidades didáticas

especialmente elaboradas para o curso em seis diferentes etapas, tendo em vista uma

abordagem mais completa da canção em estudo. Passo agora a discorrer sobre cada um

desses aspectos.

3.1. Seleção dos gêneros musicais

Para estruturar o curso de Canção Brasileira aqui apresentado, a primeira etapa

realizada foi a seleção dos gêneros musicais a serem incluídos, a qual se baseou em critérios

subjetivos e de relevância do gênero no contexto musical do país. O primeiro refere-se à

apreciação pessoal dos gêneros, tendo como objetivo a exposição dos alunos a diferentes

estilos musicais, buscando apresentar uma ampla diversidade de ritmos, harmonias e

instrumentos, numa tentativa de oferecer uma visão mais abrangente da riqueza da música

brasileira.

O segundo critério diz respeito ao grau de representatividade dos gêneros musicais

no âmbito da música brasileira, apoiado na análise de Tatit (2008), no seu livro O Século da

Canção. Nessa obra, o autor traça um panorama da canção popular brasileira no século XX,

abordando a sua origem e os principais movimentos que marcaram essa manifestação

artístico-cultural no país. Nesse contexto, o autor vê o samba como “representante-mor da

canção brasileira” (TATIT, 2008, p. 149) e afirma que o tropicalismo e a bossa nova são os

movimentos musicais de maior importância no processo de desenvolvimento da canção, pois,

nas palavras do autor, “o gesto de recolhimento e depuração da bossa nova e o gesto de

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expansão e assimilação do tropicalismo tornaram-se seiva que realimenta a linguagem da

canção popular” (idem, p. 86).

É importante ressaltar que o tropicalismo não é considerado um gênero musical, mas

sim um movimento artístico-cultural que modificou a cena musical brasileira no final da década

de 1960 e cuja influência é percebida na música produzida no país desde então. Entretanto, o

fato de incluir instrumentos elétricos, como guitarra, o órgão e baixo, como em canções

representativas do movimento como Alegria, alegria (de Caetano Veloso) e Panis et circensis

(Gilberto Gil e Caetano Veloso), permite ao ouvinte reconhecer características musicais

únicas em comparação com as canções produzidas na época.

Quanto à escolha dos outros gêneros, MPB foi incluído pelo fato de muitos artistas

representantes desse estilo, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, terem

reconhecimento internacional, e por ser considerado um gênero muito rico devido às suas

letras de cunho poético aliadas a melodias não convencionais e a harmonias sofisticadas.

Além disso, acredito que se quisermos apresentar aos alunos uma perspectiva cronológica

dos gêneros musicais, faz-se necessário abordar a MPB produzida na década de 1960,

período entre a bossa nova e o tropicalismo, como forma de contrastá-los no que tange às

temáticas e seu tratamento dado nas letras, aos elementos presentes na linguagem musical,

como o ritmo, os tipos de arranjo e os instrumentos nele presentes, e às características das

formas de canto mais típicas de cada gênero.

Com relação à escolha dos gêneros regionais (música gaúcha e nordestina), entendo

que a relevância do primeiro deve-se ao fato de os alunos estarem morando em Porto Alegre

e, portanto, estarem em contato com diferentes manifestações culturais gaúchas, dentre elas

a música gauchesca, composta principalmente no interior do estado. Ademais, conforme Silva

(2009),
a canção popular de inspiração rural do Rio Grande do Sul, como as canções
populares de maneira mais abrangente, constitui-se em vasto material no
qual se podem empreender estudos que possibilitem dar conta das
vicissitudes formadoras da cultura à qual pertencem (SILVA, 2009, p. 88).

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Dos diferentes gêneros musicais produzidos no estado, como a vaneira e o

chamamé, por exemplo, a canção de milonga foi selecionada para ser o gênero estruturante

da unidade por ser um estilo musical no qual “a palavra tem função fundamental, pois,

articulada a uma melodia suave, deixa aguçar os sentidos e o pensamento” (DI FANTI, 2009,

p. 149), estimulando o aluno a fruir a canção em estudo tanto a partir letra quanto da música.

No intuito de contrastar esse gênero local com a produção musical de outras regiões

brasileiras, foi incluído um recorte da música produzida no nordeste do país pela sua grande

variedade e riqueza cultural e musical, focalizando a canção de baião. Neste caso, entendo

que o recorte pode ser um tanto limitante, visto que

a imensa área ocupada pelos nove estados da região tem dezenas de


práticas musicais características, que apresentam graus variados de
projeção nacional e popularidade. Desde o samba de roda do Recôncavo
baiano ao reggae do Maranhão, da música de carnaval e de São João, a
variedade é uma marca sonora da região (TROTTA, 2008, p. 7).

Por esse motivo, as unidades didáticas contêm uma etapa cujo objetivo principal é

ampliar a compreensão dos alunos sobre o gênero musical em estudo através da audição de

quatro outras canções, o que no caso da unidade de música nordestina inclui um forró, um

axé, um frevo e um xote.

O rock foi um dos gêneros musicais selecionados devido à sua popularidade no

Brasil e no mundo, e por ser de origem internacional, fato que, como veremos a seguir, está

intimamente ligado ao tema proposto na unidade; enquanto o funk carioca foi o último a ser

incluído no curso por ter sido selecionado para servir como uma unidade-exemplo de um

projeto elaborado sobre o uso de canção brasileira no ensino de PLA no Seminário de

Formação de Professores de Português para Estrangeirosviii na edição de 2009/2.

Por fim, com base na história da música brasileira apresentada pelo musicólogo

Ricardo Cravo Albin, na sua obra O Livro de Ouro da MPB (2004), as unidades foram

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organizadas na sequência apresentada na tabela 1, apresentada anteriormente, de forma que

haja um encadeamento cronológico entre eles, exceto os de música gaúcha e nordestina,

visto esses gêneros terem raízes na música folclórica dos dois locais.

Após tratar dos critérios de seleção dos gêneros musicais incluídos no curso, passo a

discorrer sobre a escolha dos temas e das canções nos quais as unidades didáticas foram

desenvolvidas.

3.2. Seleção dos temas e canções

Definidos os gêneros musicais a serem trabalhados no curso, a seguinte etapa

envolveu a escolha dos temas e das canções, realizada com base em dois critérios:

representatividade e temática. O primeiro refere-se ao fato de a canção apresentar aspectos

musicais representativos do gênero a que pertence, isto é, ritmo, instrumentos musicais e

arranjos típicos do gênero em questão, uma vez que se almeja uma familiarização dos alunos

com esses elementos a fim de que possam reconhecê-los em outras canções do mesmo

estilo musical. O segundo critério diz respeito ao fato de a temática abordada na letra ser

relevante para os alunos e que, desse modo, instigue-os a discutir sobre o assunto e refletir

sobre sua própria realidade.

Tendo esses dois critérios em vista, inicialmente busquei canções cuja temática

fosse, dentro do possível, relacionada ao próprio estilo musical, por entender que o gênero

musical delimita não apenas os elementos da linguagem musical da canção, mas também os

da letra (CARETTA, 2010; COELHO DE SOUZA, 2010). Por exemplo, a canção Geração

Coca-cola (de Renato Russo), foco da unidade de rock (gênero musical surgido nos Estados

Unidos na década de 1950), aborda a questão da influência da cultura norte-americana sobre

a juventude no Brasil. Já a unidade sobre música gaúcha enfoca as expectativas dos alunos

em relação à vinda para o Brasil e as diferenças que encontraram ao chegar a Porto Alegre,

cidade onde temporariamente residem, retratada na canção Ramilonga (de Vitor Ramil).

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No caso das unidades sobre música nordestina e funk carioca, a escolha dos temas

deu-se por questões relacionadas ao próprio gênero, como os problemas do preconceito

musical contra o funk carioca e do preconceito linguístico referente a variantes linguísticas

comumente estigmatizadas, como as que estão presentes em algumas canções

representativas da produção musical do nordeste brasileiro. Semelhantemente, a seleção do

tema da unidade sobre bossa nova considerou uma característica bastante comum nas letras

das canções pertencentes a esse gênero: a presença de recursos de linguagem poética, tais

como o uso de rimas, aliterações e metáforas, entre outros. Partindo dessas considerações,

foram selecionadas respectivamente as canções Asa Branca (de Luis Gonzaga e Humberto

Teixeira), Diretoria (de MC Sapão) e Felicidade (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes), cujas

letras apresentam essas características.

Por fim, com relação às unidades de MPB, tropicalismo e samba, o processo foi

justamente o contrário: a escolha da canção determinou a temática a ser estudada. As

canções escolhidas - Que Nem a Gente (de Celso Viáfora) e Cérebro Eletrônico (de Gilberto

Gil) - abordam temas (estereótipos e a relação do homem com a máquina, respectivamente)

que chamaram a minha atenção por tratarem de questões relevantes com as quais os alunos

poderiam identificar-se. Mesmo assim, o critério de representatividade musical também foi

levado em conta na decisão final, visto que as duas canções apresentam características

musicais próprias dos gêneros que representam, como no caso da canção de Gilberto Gil,

cujo arranjo é construído com instrumentos como a guitarra elétrica e o órgão elétrico.

3.3. Estrutura do material didático

Nesta seção, apresento a estrutura do material didático produzido para o curso de

Canção Brasileira a fim de propor uma possível organização de unidades didáticas com base

em canções tendo como objetivo uma exploração mais aprofundada do gênero em estudo.

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Para elaborar e estruturar as unidades didáticas do curso, parti da proposta de

Schlatter (2009), na qual se discute como o ensino de línguas adicionais deve ter como meta

a promoção do letramento dos alunos, além de tratar do planejamento de materiais didáticos

para esse contexto, propondo critérios para a sua elaboração. A autora reforça a importância

de “elaborar atividades de uso da língua e planejar diferentes etapas para o desenvolvimento

da tarefa” (SCHLATTER, 2009, p.15), e divide as atividades em quatro categorias, das quais

ressalto três: preparatórias, de compreensão e de resposta ao texto.

Baseado nessas categorias, as oito unidades referentes a cada um dos gêneros

musicais estudados apresentam uma estrutura padrão, sendo divididas em seis etapas: Pra

começar, Conhecendo a canção, Compreendendo a letra, Ouvindo música, Produção escrita

e Conhecendo mais, as quais serão descritas a seguir. Além dessas etapas, as unidades de

bossa nova e funk carioca possuem tarefas extras de compreensão escrita e oral, com textos

e vídeos relacionados a esses gêneros, de modo a ampliar a visão dos alunos sobre os

mesmos. Isso se deve ao fato de que o tema da produção final das duas unidades

relaciona-se diretamente com o gênero musical abordado, tornando-se necessário fornecer

mais insumos para sua realização.

Diferentemente dos outros módulos, a unidade (Re)Conhecendo gêneros musicais

brasileiros, criada para a primeira aula, busca ativar o conhecimento prévio dos alunos como

ouvintes de música e seu conhecimento sobre música brasileira além de introduzir alguns

conceitos referentes à linguagem musical e de expor os alunos a trechos de oito canções

representativas gêneros que serão abordados no decorrer do curso. Por musicalmente

representativas, refiro-me a canções que sejam facilmente associadas ao seu gênero musical,

permitindo o seu reconhecimento por parte dos alunos.

As seis etapas básicas das unidades didáticas e seus objetivos são descritos nas

próximas subseções.

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3.3.1. Pra começar

Na etapa inicial são propostas tarefas preparatórias com perguntas sobre o tema a

ser abordado a fim de ativar o conhecimento prévio dos alunos, preparando-os para uma

maior compreensão da canção a ser estudada. Além disso, em algumas unidades (como a de

samba, a de música gaúcha e a de rock brasileiro) é apresentado vocabulário relacionado à

temática, de modo a melhor contextualizá-la e a ampliar o repertório dos alunos.

Em muitas das unidades, baseados nas discussões realizadas e no título da canção,

as tarefas propõem que os alunos deduzam o conteúdo da letra, criando expectativas que

serão confirmadas (ou não) durante a sua audição. Um exemplo de utilização desse recurso

pode ser encontrando na unidade de samba, que, como vimos, tem como tema a questão das

diferenças sociais. Nela, os alunos são apresentados a uma lista de comidas e bebidas, das

mais comuns às mais sofisticadas, relacionando-as ao seu conhecimento sobre o contexto em

que são consumidas, com o propósito de discutir questões relacionadas às diferenças entre

elas e relacionar o assunto à canção em estudo, Caviar (de Zeca Pagodinho).

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3.3.2. Conhecendo a canção

Nesta etapa, após terem tratado de questões referentes ao tema da canção, os

alunos são convidados a escutá-la, entrando em contato com a letra e música a partir de

tarefas de leitura e compreensão oral. Quando o objetivo inicial é de compreensão escrita, a

leitura ocorre antes da audição da canção como forma de atribuir sentido à letra anteriormente

à sua compreensão oral. Isso é feito através de tarefas que envolvem o preenchimento de

lacunas a partir de diferentes procedimentos, tais como dicas com a definição das palavras a

serem completadas, listas com palavras previamente apresentadas, ou simplesmente a

escolha de palavras adequadas ao contexto. Assim, ao escutar a canção, os alunos podem,

primeiramente, conferir se suas escolhas foram as mesmas presentes na letra original e, caso

não, escrever a palavra original.

Por essa razão, acredito que, nesses casos, o uso de lacunas duplas, como no

exemplo abaixo, pode facilitar o trabalho do aluno, visto não ser necessário que ele apague a

palavra por ele escolhida, podendo focar sua atenção na confirmação (ou não) das suas

escolhas. Na unidade de MPB, cuja canção estudada retrata estereótipos referentes a

diversos tipos de pessoas, os alunos preenchem, inicialmente, as lacunas da direita com base

nos seus próprios estereótipos, para então comparar suas escolhas com as dos colegas.

Após, ao ouvir a canção, eles podem conferir cada palavra, e caso seu estereótipo seja

diferente daquele apresentado pelo compositor, podem completar as lacunas da esquerda.

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3.3.3. Compreendendo a letra

Após terem um primeiro contato com a canção, as perguntas propostas nesta etapa

têm o intuito de estimular a compreensão e interpretação da canção por parte dos alunos,

envolvendo, assim, tarefas de compreensão. Para isso, as tarefas convidam os alunos a

inferir o significado de palavras e/ou expressões idiomáticas através do contexto, a identificar

a ideia principal da letra como um todo e/ou de versos e estrofes específicos, e a reconhecer

interlocutores e referentes, entre outros objetivos propostos. Na unidade sobre tropicalismo,

por exemplo, os alunos respondem as seguintes perguntas:

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Além disso, como pode ser visto acima, esta etapa tem como objetivo a produção

oral dos alunos sobre o tema e questões específicas presentes na letra da canção,

estimulando-os a relacionar as ideias com o seu conhecimento de mundo e seu ponto de

vista, e convidando-os a dar suas opiniões, sobre as quais poderão escrever mais adiante na

tarefa final de produção escrita.

3.3.4. Ouvindo música

Com o intuito de expor os alunos a mais exemplos de canções pertencentes o gênero

musical em estudo, de ampliar sua visão sobre e demonstrar a diversidade existente dentro do

próprio gênero, esta etapa propõe a audição de mais quatro canções com um enfoque maior

nos elementos da linguagem musical. Nesse sentido, a tarefa também busca desenvolver a

percepção musical dos alunos através do reconhecimento de elementos como os

instrumentos presentes no arranjo e o andamentoix da canção. Além disso, os alunos são

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estimulados a refletir sobre as sensações que a canção lhe provoca e sobre algo que lhe

chame a atenção, abrindo espaço para questões relacionadas às suas opiniões e

subjetividade.

Podemos ver esses elementos na tarefa a seguir, trabalhada na unidade sobre

música gaúcha, na qual se discute as características que diferenciam música gaúcha de

música gauchesca a partir das semelhanças e diferenças apontadas pelos alunos sobre as

cinco canções escutadas no decorrer da unidade.

3.3.5. Produção escrita

Por fim, esta etapa (a ser realizada em casa) traz uma tarefa de resposta à canção

estudada na qual os alunos são solicitados a escrever um texto relacionado a algum dos

assuntos tratados, como forma de sistematizar as discussões realizadas no decorrer da

unidade, permitindo que coloquem em prática o que foi debatido e o que aprenderam. Para

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escrever o texto, os alunos são informados sobre o gênero discursivo a ser escrito, seu

interlocutor, propósito e sobre algumas informações a serem incluídas.

O gênero artigo de opinião foi escolhido para ser trabalhado em seis das oito

unidades por permitir lançar mão de outras fontes de informações além das que estão na

unidade, além de envolver um registro mais formal, esperado, em alguns contextos, de alunos

de nível intermediário. Dessa forma, espera-se convidar o aluno a buscar mais dados, mas ao

mesmo tempo, a dar o seu ponto de vista pessoal sobre o tema da produção.

Um exemplo de tarefa que explicita essas razões pode ser encontrado na unidade de

rock brasileiro, na qual os alunos são convidados a escrever um artigo para uma revista para

jovens sobre a “geração coca-cola” do seu país, abordando semelhanças e diferenças

existentes em relação à retratada na canção estudada.

O outro gênero discursivo selecionado para ser objeto da produção textual foi a carta

de opinião, mais relevante para as unidades sobre música nordestina e funk carioca, as quais

envolvem assuntos mais controversos, como preconceitos linguístico e musical. Através de

uma carta de opinião para um jornal e uma revista, respectivamente, espera-se que os alunos

possam posicionar-se e expressarem suas opiniões sobre os temas propostos lançando mão

do conhecimento aprendido no decorrer do curso.

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3.3.6. Conhecendo mais

Com base nos exemplos de materiais didáticos propostos nos cadernos do aluno

elaborados conjuntamente com os Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (RIO

GRANDE DO SUL, 2009), esta última etapa foi incluída com o objetivo de fornecer recursos

para que os próprios alunos possam ampliar o seu conhecimento sobre o intérprete e o

gênero musical estudados na unidade. Para isso, alguns sites são indicados, como os

apresentados na unidade de música nordestina, nos quais os alunos podem ler mais sobre o

gênero e o artista ou banda estudados na unidade. Também são recomendados outros

nomes representativos do gênero e outras canções famosas, a fim de que possam ampliar

seu repertório. Esta etapa permite que o aluno possa ter uma visão ainda mais abrangente do

que foi estudado e conhecer outras referências da música popular brasileira.

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4. Considerações finais

Neste artigo, refleti sobre a possibilidade de construção de um programa para um

curso de PLA tendo a canção como gênero estruturante dos materiais didáticos e sobre os

possíveis critérios a serem utilizados para sua criação. Para isso, apresentei o curso de

Canção Brasileira do Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS, analisando os

critérios utilizados para a seleção dos gêneros musicais, dos temas e das canções, e

propondo uma maneira de estruturar materiais didáticos com base em canções com o intuito

de explorá-las de forma mais aprofundada.

O curso aqui apresentado apresenta um recorte de oito gêneros musicais brasileiros

de forma cronológica, abordando temas e/ou questões presentes nas letras das canções

trabalhadas, em uma tentativa de relacionar a canção brasileira com aspectos da cultura do

país, uma vez que, segundo Barbosa (2000), a canção produzida no Brasil representa as

emoções e as aspirações do povo. Além disso, o curso procura trabalhar elementos

referentes às duas linguagens constitutivas da canção (verbal e musical), tratando-a como um

gênero sincrético (PAULA, 2008; CARETTA, 2009; COELHO DE SOUZA, 2010), cuja

compreensão envolve a articulação das duas linguagens a partir da prática da competência

literomusical (COSTA, 2002).

Apesar de o curso de Canção Brasileira ter sido planejado para o nível intermediário,

a canção enquanto recurso pedagógico pode também ser utilizada com alunos de nível

básico, expondo-os a temas relacionados à cultura brasileira e à linguagem autêntica,

lembrando, porém, que a seleção da canção e que as tarefas propostas devem ser

adequadas a esse nível de proficiência (BRESSAN, 2002).

Por fim, espero que a reflexão realizada neste trabalho possa contribuir para um uso

mais amplo e aprofundado da canção em aulas de PLA, uma vez que, nas palavras do

maestro Júlio Medaglia (2003) “a riqueza musical que existe sobre as terras brasileiras é, sem

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dúvida, uma das mais abundantes e motivadoras matérias-primas culturais do planeta”

(MEDAGLIA, 2003, p. 142).

Notas

i
Por música popular brasileira, refiro-me aos diferentes gêneros musicais produzidos no país, não
apenas ao gênero conhecido como MPB.
ii
O Programa de Português para Estrangeiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi criado
em 1993 e estrutura-se em cinco níveis (básico I, básico II, intermediário I, intermediário II e avançado),
no quais são além das disciplinas de mesmo nome, são oferecidos outros cursos complementares,
como Cultura Brasileira, Leitura e Produção Textual, Contos e Crônicas, entre diversos outros.
iii
Por gênero estruturante, refiro-me ao gênero discursivo do principal texto abordado na unidade
didática.
iv
Segundo Araújo (2006, p.74), uma constelação de gêneros é “um agrupamento de situações
sociocomunicativas que se organizam por meio de pelo menos uma característica comum à esfera de
comunicação que os congrega, partilhando do mesmo fenômeno formativo e atendendo a propósitos
comunicativos distintos”.
v
Anteriormente à criação do curso, dois professores-bolsistas do PPE, Rômulo Torres e Gabriela
Bulla, haviam ministrado um curso de Música Brasileira para alunos dos níveis intermediário e
avançado. Embora o mesmo nome tenha sido utilizado para se referir às duas disciplinas, as suas
propostas e materiais didáticos eram diferentes, pois partiam de elementos estruturantes distintos:
enquanto o curso intermediário baseava-se em gêneros musicais, o avançado organizava-se a partir de
temas relacionados com a realidade e a cultura brasileira retratadas nas letras das canções.
vi
As unidades didáticas de bossa nova, rock brasileiro, MPB e tropicalismo foram elaboradas por José
Peixoto Coelho de Souza; a unidade de samba foi reelaborada por José Peixoto Coelho de Souza e
André Fuzer a partir de uma unidade elaborada por Gabriela Bulla e Maíra Gomes; as unidades de
música gaúcha e música nordestina foram elaboradas por José Peixoto Coelho de Souza e André
Fuzer; e a unidade de funk carioca foi elaborada por José Peixoto Coelho de Souza, Ana Cristina
Balestro, André Fuzer, Arildo Aguiar e Bruno Coelho.
vii
Geralmente o termo música gauchesca diz respeito à música produzida no interior do estado, que
costuma retratar a realidade do campo, enquanto que música gaúcha refere-se a toda música
produzida no Rio Grande do Sul.
viii
O Seminário de Formação de Professores de Português para Estrangeiros é ministrado
semanalmente pela Profa. Dra. Margarete Schlatter, coordenadora do PPE da UFRGS, e tem a
participação de todos os professores-bolsistas do programa que estão atuando em sala de aula.
ix
Andamento refere-se à velocidade (lenta, média ou rápida) da música.

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