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1ª edição
apoio realização
N468
Nesteriuk, Sergio.
Dramaturgia de série de animação/ Sergio Nesteriuk, autor.
- São Paulo: Sergio Nesteriuk, 2011.
ISBN 978-85-911964-0-1
CDD 791.450
Conteúdo sob a licença Creative Commons by-nc-sa. Para ver uma cópia dessa
licença visite o site: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/
Agradeço:
todos aqueles que com muito empenho e dedicação mantem viva a animação
no Brasil.
Muito obrigado!
Dramaturgia de Série de Animação
Índice
Prefácio / 10
Introdução / 12
Capítulo 1
1. A Narrativa Seriada na Televisão / 18
1.1 Formas Predecessoras da Narrativa Seriada na Televisão / 21
Séries de animação no cinema / 26
1.2 Repetição, Serialidade e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o
“Minimalismo Narrativo” / 41
1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão / 49
Capítulo 2
2. Séries de Animação Televisiva / 58
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Índice
Prefácio
ANIMATV – PROCESSOS CRIATIVOS, PRÁTICA E RESULTADOS DE SUCESSO
Pensar política pública em animação é muito mais do que simplesmente ampliar a indústria. É pro-
mover a expertise e a capacitação de profissionais cada vez mais especializados. É também investir em
novos processos que deem vez e voz a experiências e criações singulares a partir de processos coletivos.
É oportunizar ideias, propostas e iniciativas por meio do encorajamento de cada profissional do setor
produtivo de conteúdos audiovisuais de animação. Trata-se, sobretudo, de respeitar o espectador, na
maioria das vezes, a criança, como cidadã crítica, reflexiva e participante.
Ao resgatar um pouco da história das séries de animação e de socializar a riqueza das in-
formações do projeto ANIMATV, este livro tem o mérito de chamar a atenção dos leitores para
os bastidores dos processos criativos e de produção das séries, servindo como fonte inspiradora
para novas produções.
A Secretaria do Audiovisual ao longo dos últimos anos investe no setor de animação por meio
de editais, programas, projetos e experiências singulares e inéditas que estão sendo propostas
e colocadas em prática. Queremos e podemos mais, muito mais. Os animadores brasileiros im-
primem a cada dia sua marca de qualidade, talento, técnica, responsabilidade e compromisso
em suas produções, tornando o Brasil visível no cenário internacional.
Que a leitura deste livro promova reflexões, diálogos, inquietações e, principalmente, ações con-
cretas, perenes e consequentes em novos processos de criação e produção da animação brasileira.
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Prefácio
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Dramaturgia de Série de Animação
Introdução
Os primórdios da animação remetem a tempos ancestrais, quando o homem já procurava
registrar o movimento de ações diversas por meio da sequência de imagens nas paredes de
cavernas, em tapetes ou em peças de cerâmica. Pouco depois dessas primeiras manifestações
surge, no Oriente, o teatro das formas animadas, em que personagens inanimadas ganham
vida por meio da manipulação direta de bonecos. Temos aqui a origem das duas bases centrais
da animação: a técnica e a narrativa, capazes de dar vida àquilo que não a tem, ou seja, de
evocar a anima.
A importância da animação também pode ser verificada, além de suas dimensões artísticas
e culturais, pelo célere crescimento econômico do setor – um de maiores perspectivas no atual
cenário global. Considerando filmes, séries, games (que, grosso modo, podem ser definidos
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Introdução
No Festival Anima Mundi de 2007, um importante passo foi dado a favor da animação nacional.
Por ocasião do Anima Forum, a Associação Brasileira de Cinema de Animação -ABCA propôs à
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura que se fizesse uma projeção para a realização
de um programa semelhante ao realizado com documentários no DOCTV (Programa de Fomento à
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Dramaturgia de Série de Animação
Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro), mas para a área da animação. Pouco depois,
com o apoio da Coordenação Executiva do DOCTV, a ABCA apresentou um primeiro projeto do
que seria o ANIMATV às emissoras TV Brasil e TV Cultura, bem como à Associação Brasileira das
Emissoras Públicas Educativas e Culturais – entidades que posteriormente se associaram ao projeto
e viabilizaram suas ações.
Além da seleção dos projetos inscritos e da exibição dos episódios pilotos em um circuito
nacional de teledifusão, o ANIMATV realizou uma série de ações continuadas, as quais veremos
mais detalhadamente no decorrer deste livro, objetivando a capacitação dos agentes envolvidos e
a potencialização de inserção das séries selecionadas no mercado internacional.
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Introdução
O quarto e último capítulo traz um maior detalhamento sobre as ações realizadas pelo
ANIMATV e os critérios avaliativos, balizados por parâmetros adotados internacionalmente,
utilizados para a definição das duas séries selecionadas pelo Programa para a produção
de outros doze episódios além do piloto. Conhecer esses parâmetros permite levá-los em
consideração durante a elaboração do projeto e das demais etapas subsequentes, aumentando
assim o potencial da série e de suas perspectivas. Esse capítulo apresenta, ainda, análises
narrativas das séries selecionadas pelo ANIMATV (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”),
seguidas de entrevistas com seus respectivos autores.
Nas considerações finais, ao invés de fazer uma revisão daquilo que foi abordado durante
todo o livro, procuramos desenvolver algumas dicas e conselhos que, acreditamos, possam
auxiliar tanto iniciantes quanto iniciados na área. Contatos, comentários, críticas e sugestões
são benvindos e podem ser dirigidos diretamente ao autor.
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Capítulo 1
Atelevisão
narrativa
seriada na
Dramaturgia de Série de Animação
A Narrativa
1
1. A Narrativa Seriada na Televisão
Seriada na
Televisão
O embrião da produção em série acompanha a humanidade desde tempos remotos, já
que determinados padrões (no campo das artes, da construção de artefatos e até mesmo de
estruturação do pensamento) podem ser observados nos povos mais antigos, o que nos permite
especular que tais padrões de produção tenham surgido a partir do momento em que o homem
passou a viver em grupo. Desta forma, a repetição e as inerentes transformações destes
padrões permitiram a transmissão de conhecimento através das gerações e a consolidação das
diferentes culturas a partir de suas próprias especificidades. Com a expansão das civilizações,
surge um maior intercâmbio entre os povos, nem sempre pacífico, é verdade. Surgem também
processos de trocas, misturas e, em alguns casos, imposições de determinados padrões que
adquirem, assim, aspectos de uma serialidade comum – ainda que com eventuais características
diferentes em épocas e lugares distintos.
Tal processo também se reflete no contexto das artes e da comunicação. Com a criação
e o aperfeiçoamento de alguns dispositivos técnicos inventados previamente, como a prensa
de Johannes Gutenberg, a comunicação humana passa de uma escala artesanal para outra,
análoga à industrial. É o momento em que surge o fenômeno identificado por pensadores da
Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, como Indústria Cultural, que
está atrelada à criação dos chamados Meios de Comunicação de Massa.
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A Narrativa Seriada na Televisão
É preciso lembrar que anteriormente a essa etapa, uma obra possuía a aura de peça única,
o que provocava o distanciamento e a reverência do público. Nas sociedades primitivas, esse
distanciamento estava calcado nas questões relacionadas ao sagrado e à experiência religiosa
e, paulatinamente, com o advento das grandes civilizações e, posteriormente, dos Impérios,
com o poder. No mundo moderno, o acesso à arte passa a ser compreendido como símbolo de
status social.
Se por um lado a questão da ampliação do acesso aos produtos culturais ocasionada por esse
processo é enaltecida, por outro, alguns pensadores – como os próprios Adorno e Horkeimer –
entendem esse traço como sendo prejudicial à sociedade, na medida em que contribui para a
perda da originalidade da obra e também para a instrumentalização de uma elite que tem a
possibilidade de manipular este processo desde sua raiz, podendo interferir efetivamente no
juízo valorativo do público.
Voltando ao tema específico deste livro, as narrativas seriadas, estas surgem provavelmente
junto com as demais modalidades narrativas baseadas na oralidade, adquirindo formas e
características distintas por meio de diferentes suportes ao longo do tempo. Neste capítulo,
como uma forma de melhor contextualizar nosso objeto de estudo e proporcionar um sucinto
panorama, trataremos brevemente de algumas dessas formas predecessoras e de alguns de
seus exemplos mais conhecidos.
Se este primeiro capítulo tem como objetivo principal contextualizar a serialidade narrativa
e refletir sobre seus aspectos, não poderíamos deixar de terminá-lo especulando acerca das
possibilidades diante de novas tecnologias ainda não exploradas em toda sua potencialidade
pela animação, como é o caso dos games, da internet, de aparelhos celulares e dos demais
dispositivos digitais.
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Dramaturgia de Série de Animação
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A Narrativa Seriada na Televisão
1.1 1.1
Formas predecessoras
dA narrativa seriada na televisão
Formas
Narrativa Seriada na Televisão
Predecessoras
sua comunicação para além do gestual. A evolução da fala possibilitou a criação das línguas
com vocabulários e sintaxes próprias. A oralidade, enquanto modalidade presencial, pressupõe
que o emissor de uma determinada mensagem compartilhe com seus receptores um mesmo
tempo e espaço, hic et nunc (aqui e agora). Se por um lado há uma limitação física no alcance
imediato daquela mensagem, por outro, existe a possibilidade de uma interação em tempo
real na construção do texto (discurso) por parte dos receptores – como o que ocorre no caso
de perguntas e intervenções durante uma conversa, por exemplo.
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Dramaturgia de Série de Animação
caráter simbólico que podem ser compreendidas de maneiras diferentes: como uma forma
de responder, explicar ou confortar o homem diante de questões para as quais ele não possui
resposta; como um conjunto de valores morais ocultados em forma de histórias; ou mesmo
como uma grande metáfora da própria natureza humana. Não por acaso, parte expressiva
dos psicanalistas - como o fizeram Freud e Jung - se utilizou de conhecimentos e referências
mitológicas para formularem suas ideias e teorias.
Com o surgimento da escrita, inicialmente cuneiforme e por hieróglifos, por volta de 5.500
a.C., entre os sumérios e os egípcios e, posteriormente, organizada em alfabeto pelos fenícios,
surge também a possibilidade do registro. Com isso, o homem desenvolve a capacidade de
registrar suas mais diversas mensagens e conhecimentos em um suporte, que preservado ou
reproduzido na íntegra, possibilita a sua fixação. Com a invenção da prensa de Gutenberg
(séc. XV) e, depois, com a Revolução Industrial (séc. XVIII), diversificam-se os suportes e as
possibilidades do homem se comunicar por meio de mensagens passíveis de se deslocar no
tempo e no espaço. O aumento expressivo da escala de reprodução destes suportes e de
seu alcance fez com que pensadores da Escola de Frankfurt, como vimos, desenvolvessem,
por meio de um viés sociológico, suas teorias acerca da Indústria Cultural e dos Meios de
Comunicação de Massa – estigmas que permanecem até hoje associados a tais meios, como o
jornal, o rádio, o cinema e a televisão.
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A Narrativa Seriada na Televisão
Embora muitos considerem que a arte sequêncial tenha surgido com o homem pré-histórico
e explorada por pintores ao longo da história da arte (como podemos observar, por exemplo,
no quadro “A Tentação de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, pintor em atividade entre os
séculos XV e XVI), a história em quadrinhos moderna tem sua origem no século XIX. É nesta
época que os jornais começam a trazer sátiras com charges de figuras políticas da época. Com
o tempo, o gênero foi se aperfeiçoando e se diversificando em técnicas, estilos e conteúdos.
Entre os precursores, estão os cartunistas Rudolph Topfer e Wilhelm Busch.
Mas foi somente na década de 30 do século XX que estas histórias passaram a ser compiladas e
apresentadas na forma de revista, dando origem aos gibis. Com o sucesso do novo formato, artistas
passaram a criar diretamente suas histórias nele, sem necessariamente passar antes pelo jornal.
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Dramaturgia de Série de Animação
O gênero (feuilleton) surgiu no início do século XIX, na França, e foi importado com
grande sucesso para o Brasil. Eram publicados capítulos diários ou semanais, normalmente na
parte inferior das páginas das seções destinadas ao entretenimento nos jornais. Em termos de
conteúdo, possuía abrangência semelhante a dos demais gêneros literários, indo desde conteúdos
superficiais até outros mais complexos. No entanto, a presença predominante de linguagem
clara, temas populares e polêmicos para os padrões da época e a própria acessibilidade ao
jornal asseguraram uma disseminação mais ampla de muitas de suas histórias.
Apesar de seu grande sucesso na época, o romance de folhetim perde, aos poucos, sua importância
e prestígio com a chegada do rádio, a partir da década de 20. Muitos autores do gênero passaram
a escrever roteiros para a nova mídia sonora, emprestando todo o conhecimento adquirido para a
criação de narrativas em série. Experiências isoladas, entretanto, foram realizadas posteriormente
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A Narrativa Seriada na Televisão
Entre os autores brasileiros pioneiros da radionovela estão Oduvaldo Viana, Amaral Gurgel
e Gilberto Martins, seguidos de outros roteiristas como Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Janete Clair
e Mario Lago. Uma das radionovelas de autoria nacional mais bem sucedidas foi “Jerônimo, o
Herói do Sertão”, de Moysés Weltman, que posteriormente foi adaptada para os quadrinhos e
para a televisão.
A radionovela tinha como principal aliado para seu sucesso o emprego da linguagem sonora
e musical. O uso de fala, música, efeitos sonoros e do “silêncio” estimulava a imaginação do
ouvinte, que diante da ausência de qualquer imagem pronta era responsável, ele mesmo, pela
construção destas em sua mente. Em outras palavras, cada ouvinte era capaz, a partir de
uma mesma mensagem original, de construir imagens mentais próprias, não necessariamente
parecidas com aquelas que rondavam a mente do autor ou de outros ouvintes.
A era de ouro do rádio chega ao fim com a chegada da televisão, que o tira do posto de
principal mídia da época. Ouvintes e, junto com eles, anunciantes migram do rádio para a
televisão. A narrativa seriada, assim como outros gêneros, abandona o rádio, que é obrigado a
se diferenciar da programação televisiva e a se reinventar para não deixar de existir.
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Dramaturgia de Série de Animação
Apesar de haver em diversos países protótipos e experiências desde o final do século XIX,
o boom da televisão se deu efetivamente a partir da década de 50 do século XX, após o fim da
Segunda Guerra Mundial. Filmes como a “Era do Rádio”, de Woody Allen, e “A Hora Mágica”,
de Guilherme de Almeida Prado, retratam bem este momento de transição da era do rádio
para a da televisão.
Todavia, trataremos melhor da história, das características e das formas narrativas da televisão
no segundo capítulo deste livro. Seguindo uma linha um pouco mais cronológica, trataremos
agora especificamente das séries de animação, que tiveram a sua origem no cinema no início do
século XX.
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A Narrativa Seriada na Televisão
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Dramaturgia de Série de Animação
Exibidas tanto nos nickelodeons quanto nas salas de cinema, as séries de animação surgem
no final da década de 10 e diminuem de produção a partir dos anos 60 do século XX, quando
passam a ser produzidas, em sua quase totalidade, diretamente para a televisão. Atualmente
a presença da animação no cinema se restringe aos longas e curtas-metragens, estes últimos
exibidos em festivais, mostras ou, eventualmente, antes de um filme de maior duração em
cartaz no circuito comercial.
É importante salientar que, da mesma forma como ocorreu por muitos anos com a televisão,
a grande maioria das produções seriadas de animação foi realizada nos Estados Unidos, ainda que
algumas destas por animadores estrangeiros. A presença de mão de obra qualificada e de uma boa
infraestrutura facilitou a rápida criação de uma indústria do setor no país. Nos demais países, a
animação esteve mais próxima da produção autoral de curtas-metragens (unitários) e da publicidade
(comerciais), com apoio do governo ou da iniciativa privada, mas sem seu aspecto de serialidade.
Ainda que houvesse animadores norte-americanos considerados mais experimentais, como Mary Ellen
Bute, os irmãos Quay, Harry Smith, John Whitney e outros tantos estrangeiros residentes nos Estados
Unidos, esse tipo de produção era restrito a um circuito mais específico e acabava não tendo a
mesma projeção do que as séries comerciais nesse país.
Como veremos, muitas destas séries inicialmente produzidas para o cinema foram e, em
alguns casos, ainda são reaproveitadas e reprisadas em inúmeros canais de televisão por todo
o mundo. Outras “migraram” do cinema para a televisão, isto é, deixaram de ser exibidas no
cinema e passaram a ser produzidas e exibidas exclusivamente na televisão. Outras, ainda,
simplesmente deixaram de ser produzidas e exibidas, à medida que este tipo de produção
perdeu seu espaço nas salas de cinema para os filmes de longa-metragem e as próprias séries
de animação se consolidaram na televisão.
Nomes importantes da animação, como Otto Messmer, Pat Sullivan, Walt Disney, Ubbe
Iwerks, os irmãos (Max e Dave) Fleischer, Amadee J. van Beuren, Tex Avery, Hugh Harman,
Rudolf Ising, George Pal, Walter Lantz, Paul Terry, William Hanna, Joseph Barbera, Chuck
Jones, entre inúmeros outros, viveram de maneira decisiva esse momento. Também foi nessa
fase, por conta da demanda e da velocidade de produção, que observamos o surgimento dos
primeiros estúdios de animação, marcando a passagem de um sistema de produção artesanal
para outro mais industrial - favorável à produção em larga escala e em série.
Fato importante quando mencionamos a produção de animação em série ocorre em 1914, quando
J.R. Bray e Earl Hund registraram a patente do papel de celuloide (acetato), composto originário da
mistura da cânfora com o algodão pólvora. O acetato pode ser entendido como um, entre inúmeros
exemplos, da importância que a tecnologia possui na animação, proporcionando a criação de novas
técnicas e métodos de produção. No caso do acetato, a possibilidade do animador desenhar e pintar
em uma folha transparente permitiu que elementos do desenho estáticos ou repetidos em uma mesma
cena fossem desenhados uma única vez e reproduzidos a cada fotograma. Cada desenho ocupava
um acetato diferente, que era sobreposto aos demais em diferentes camadas (layers). Por exemplo:
quando uma personagem corresse sobre um cenário estático, mantinha-se o acetato com o desenho
desse cenário, substituindo apenas os intervalos com o movimento da personagem.
Esse método possibilitou uma grande economia no trabalho do animador, já que, antes de
sua criação, todos os elementos do desenho tinham que ser elaborados a cada fotograma - o
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A Narrativa Seriada na Televisão
que, muitas vezes, proporcionava um efeito “trêmulo” a alguns desenhos. A nova tecnologia
ainda possibilitou a criação de “bibliotecas” de cenários e personagens, que podiam, desde que
conservado o acetato, ser repetidos em outras animações ad infinitum. No exemplo anterior,
toda vez que quiséssemos fazer uma personagem correr por um novo cenário, bastaria usar a
sequência de desenhos previamente feitos da corrida desta personagem e substituir apenas
o local (cenário) da ação. O aperfeiçoamento do uso do acetato possibilitou que, durante a
década de 50, a United Production of America (UPA) desenvolvesse uma técnica posteriormente
chamada de “animação limitada”, também conhecida como “animação econômica”. Esta
técnica, conforme veremos melhor mais adiante, não proporciona a reprodução de movimentos
“realistas”, permitindo que desenhos animados pudessem ser produzidos de maneira
relativamente mais rápida e barata também para a televisão.
Algumas das primeiras séries de animação no cinema estavam ligadas aos irmãos Van
Beuren, que mais tarde, em 1921, fundariam sua empresa, responsável pela produção de
diversas séries de animação do período “pré-hollywoodiano”. “Toodle Tales” (1914-1957),
inicialmente produzida pela International Film Service, que tinha como animador responsável
Burt Gillet, foi uma das primeiras séries de animação no cinema e contava com a presença, a
cada novo episódio, de diferentes fábulas.
O maior sucesso dos irmãos Van Beuren no final da década de 10 foi “Out of the Inkwell”,
série resultado das experiências que Max Fleischer inaugurou em rotoscopia alguns anos antes.
Outra referência foi o trabalho de Dave van Beuren no campo das artes circenses que, com o
auxílio do animador Dick Huemer, resultou na criação da personagem principal da série “Koko,
the Clown”. Inicialmente produzida por outros estúdios, a série trazia o próprio Max Fleischer
(também colaborando como roteirista e produtor) interagindo diretamente com os desenhos,
integrando assim imagens filmadas em live action com animação. Entre 1919 e 1929, foram
produzidos e exibidos mais de 100 episódios da série.
Outra série que teve seu início no final da década foi “Aesops Film Fables”, de Paul Terry.
Baseada nas fábulas da Grécia Antiga atribuídas a Esopo (tais quais “A Raposa e as Uvas”,
“A Tartaruga e a Lebre” e “O Lobo e o Cordeiro”), influenciou diversos animadores, entre
eles, Walt Disney. A série passou a ser produzida pelos estúdios Van Beuren a partir de 1929,
totalizando cerca de 130 episódios até 1935, ano de seu término.
Entretanto, a série mais popular da época revelou uma das fórmulas básicas para o
sucesso do gênero: a presença de uma personagem carismática. Trata-se do Gato Félix, cuja
criação é alvo de controvérsia entre Otto Messmer e Pat Sullivan. O felino ainda inaugurou
toda uma escola de personagens e mesmo um gênero de animação baseados em animais com
características humanas, os chamados funny animals.
Sua primeira aparição aconteceu ainda com o nome de Master Tom, uma versão inicial de Félix
presente no curta “Feline Follies”, de 1919. O estrondoso sucesso desta estreia fez o estúdio de Pat
Sullivan, onde Otto Messmer trabalhava, produzir um novo curta, “The Musical Mews”.
Com outro design, a personagem volta com seu novo nome em “The Adventures of Felix”,
curta-metragem lançado no final do mesmo ano (1919). Com excelente trabalho de apoio na
promoção e divulgação dos filmes e da personagem, a série se tornou um enorme êxito, sem
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Dramaturgia de Série de Animação
Entre os anos de 1919 e 1936, cerca de 200 episódios da série foram exibidos no cinema.
O sucesso de Félix também proporcionou a criação de produtos diversos, principalmente
brinquedos, revelando assim também o potencial do licenciamento de produtos na animação.
O Gato Félix estava presente não só no cinema, como também nos quadrinhos da época,
o que ajudou a personagem a se tornar um ícone da cultura popular norte-americana. Além
dos filmes, dos quadrinhos e dos produtos licenciados, sua presença enquanto mascote era
bastante comum nas mais diversas agremiações e associações, desde equipes esportivas até
regimentos militares.
Entretanto, com a transição do cinema mudo para o sonoro, a série passa por algumas
dificuldades técnicas e conceituais de adaptação e acaba perdendo espaço para as produções
de Disney. Em 1936, após obter permissão do irmão de Sullivan, os estúdios Van Beuren
chamaram Burt Gillet, animador formado por Sullivan e que já havia trabalhado em “Toodle
Tales”, para produzir novas animações da personagem, agora coloridas e sonorizadas. Com
uma forte influência do estilo Disney, com quem Gillet também havia trabalhado, a série não
conseguiu reeditar o sucesso de outrora e acabou sendo descontinuada. Problemas de ordem
pessoal e também de saúde, que levaram Sullivan à morte em 1933, também colaboraram para
o final da série no cinema. “Bold King Cole”, seu último episódio produzido, em cores e com
som, foi exibido em 1936.
Vale lembrar que, antes mesmo da estreia de Félix, em 1918, a Rossi Film produziu
“Aventuras de Bille e Bolle” no Brasil. O curta-metragem, uma das primeiras animações do
país, teve suas personagens principais inspiradas em duas figuras já conhecidas no mundo dos
quadrinhos de Budd Fischer: Mutt e Jeff. Realizada por Eugênio Fonseca Filho, a ideia inicial da
animação era se tornar uma série, o que não chegou efetivamente a acontecer.
Em seu primeiro ano de atividade, a empresa Laugh-O-Gram Studios produziu nove curtas-
metragens baseados em contos de fadas, como “Cinderela”, “O Gato de Botas” e “Cachinhos
Dourados e os Três Ursos”. Apesar do relativo sucesso que os filmes tiveram na cidade de
Kansas, os estúdios não conseguiram custear a folha de pagamento de seus funcionários,
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A Narrativa Seriada na Televisão
principal responsável por suas despesas. No ano seguinte, em 1923, produziram sua última
animação, “Alice´s Wonderland”, que serviu como uma espécie de episódio piloto da próxima
série animada do novo estúdio de Disney.
Roy, Walt e Ubbe Iwerks mudaram-se para Hollywood, onde fundaram a Disney Brothers
Cartoon Studio, renomeada como The Walt Disney Studio em 1926. A partir de 1924, começam
a produzir de forma regular episódios da série “Alice Commedies”. A série, que misturava
filmagens em live action com animação, apresentava as aventuras fantásticas de uma menina
chamada Alice com seu gato Julius – que para alguns trazia semelhanças em seu design com
o Gato Félix. Ao todo foram produzidos mais 19 episódios até o final da série, com o episódio
“Alice the Whaler”, em 1927.
Com o fim de “Alice Commedies”, os estúdios Disney foram incumbidos de criar uma
nova série para distribuição da Universal Pictures. Pensada e desenvolvida por Ubbe Iwerks,
“Oswald, the Lucky Rabbit” torna-se um grande sucesso em pouquíssimo tempo. Maxwell,
Harman, Freleng e Ising, que haviam trabalhado com Disney e Iwerks na Laugh-O-Gram Studios,
integram a nova equipe. Porém, em 1928, depois de animar nove episódios, Disney descobre
que seu produtor, Charles B. Mintz, havia contratado seus quatro animadores e aberto estúdio
próprio, passando a animar os novos episódios da série, que tiveram seus direitos negociados
com a Universal.
Assim, em 1928, Mickey aparece em sua primeira animação, “Plane Crazy”, episódio em
que a personagem faz alusão ao aviador norte-americano Charles Lindbergh. Um segundo
episódio (“Gallopin’ Gaucho”) foi lançado em 1928, mas, com problemas de distribuição e
críticas quanto a eventuais semelhanças visuais e narrativas em relação a outras séries, Disney
e Iwerks retrabalharam a animação e lançaram o terceiro episódio, “Steamboat Whillie”, que
utilizou recursos de áudio (como diálogo, efeitos e música) por meio do som ótico na película,
uma evolução técnica.
O lançamento, no ano anterior (1927), daquele que foi considerado o primeiro filme sonoro
(talkies),“O Cantor de Jazz”, contribuiu para que boa parte das salas de cinema nos Estados
Unidos estivessem equipadas com dispositivos que permitiam a exibição de filmes com essa
tecnologia. Ainda assim, os estúdios de animação da época ainda continuavam produzindo
filmes mudos (ainda que muitos deles fossem exibidos com trilha sonora executada ao vivo).
Uma exceção a essa regra, ainda que não tenha alcançado muita projeção, foi “Sound Car-
Tunes”, série realizada pelos irmãos Fleischer para exibição de som por meio de outro sistema
(o fonofilme, inventado por Lee de Forest). “Steamboat Whillie”, por sua vez, alcança grande
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Dramaturgia de Série de Animação
reconhecimento por parte do público e Disney sonoriza os dois episódios anteriores de Mickey
Mouse, que são relançados e exibidos com maior projeção.
Entre 1928 e 1953, os estúdios Disney produziram 141 episódios da personagem para o
cinema. Outros quatro episódios isolados para cinema foram produzidos nos anos de 1983,
1990, 1995 e 1999, dois destes por ocasião das festividades de natal. Nos últimos anos da
década de 20, Mickey Mouse supera em popularidade a personagem do Gato Félix, até então
maior sucesso de animação da época. Durante as décadas seguintes, Mickey Mouse se consolida
como uma das principais personagens do mundo da animação, participando de histórias em
quadrinhos, filmes de longa-metragem, série para televisão, jogos de videogame, parques
temáticos, além do licenciamento para diversos produtos. Também foi responsável pela
criação de dezenas de outras personagens relacionadas ao seu universo, como Minnie, Pluto,
Pateta, Tico e Teco, Bafo de Onça e Pato Donald - que depois mereceu o desenvolvimento de
seu próprio universo ficcional2.
Passando por diferentes utilizações e modificações em seu design, Mickey Mouse tornou-
se, em muitos países do mundo, o principal símbolo dos estúdios Disney, dos Estados Unidos
e até mesmo do capitalismo. Por conta disso, a personagem também vem sendo parodiada
em inúmeros protestos e manifestações (como aquelas ocorridas durante a Guerra do Vietnã
e a Guerra Fria). De forma menos virulenta, também tem sido ironizada em animações tão
diversas quanto “Macaco Feio, Macaco Bonito” (animação brasileira de 1933, produzida por
Luiz Seel e João Stamato), “South Park” e “The Simpsons”, por exemplo.
Entusiasmado com a utilização do som na animação, Walt Disney lança, em 1929, sua nova
série, “Silly Simphonies”. Diferentemente das séries produzidas até então, “Silly Simphonies”
não possuía repetição de elementos narrativos entre si, como personagens e ambientes. Em
comum, os 75 episódios, produzidos entre 1929 e 1939, havia a utilização da música como
elemento central da animação. Composta inicialmente pelo compositor e arranjador Carl
Stalling, a música era o principal elemento condutor da narrativa em todas as histórias da
série, que juntas formavam uma espécie de “filme musical”. Stalling foi também o responsável
por um sistema que permitia trabalhar o ritmo musical ainda no planejamento da animação,
de maneira que música e animação estabelecessem uma relação de indissociabilidade e de
mútua transformabilidade.
2. Após alguns desentendimentos, Ubbe Iwerks rompe, em 1930, com Walt Disney e funda o seu próprio estúdio,
o Ub Iwerks Studio. Apesar de contar com financiamento de Pat Powers e conseguir um contrato para
distribuição com a MGM, Iwerks não consegue alcançar o mesmo sucesso que havia tido no estúdio anterior
e seu estúdio acaba fechando em 1936. Após trabalhar por algum tempo no Leon Schlesinger Productions
(posteriormente renomeada para Warner Bros), onde chegou a dirigir dois episódios da série “Looney Tunes”,
e na divisão de cartoons da Columbia Pictures, Iwerks acaba voltando para os estúdios Disney na década
de 40. Lá, Iwerks passa a trabalhar com o desenvolvimento de efeitos visuais. Um de seus trabalhos mais
conhecidos nesta função foi feito para o filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock. A partir da década de
60, auxilia também na criação de atrações para os parques temáticos da Disney, lançados em 1955 com a
inauguração da Disneyland.
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A Narrativa Seriada na Televisão
As duas últimas foram produzidas pela Warner Bros e são, provavelmente, o maior sucesso
da produtora em animação. Surgiram inicialmente para concorrer, como vimos, com “Silly
Simphonies”, da Disney, mas também para promover o vasto acervo musical que a empresa
possuía. Lideradas pelo produtor Leon Schlesinger, as séries, produzidas regularmente desde
1930, contaram ainda com a participação de importantes animadores, como Hugh Harman e
Rudy Ising, também responsáveis pela criação dos estúdios de animação da Warner Bros3.
Entre 1930 e 1970, foram produzidos cerca de 1000 episódios de “Merrie Melodies” e
“Looney Tunes” para o cinema. Ainda hoje, episódios esporádicos para o cinema são produzidos,
mas em número muito menor – de 1970 até 2010 foram apenas 33. Além dos filmes em si, toda
uma galeria de personagens foi criada, como Gaguinho (Porky Pig), Patolino (Daffy Duck) e
Pernalonga (Bugs Bunny). As séries posteriormente reuniram suas personagens e tornaram-se
uma só, que foi também foi produzida para televisão e ainda é exibida com sucesso em muitos
países. Apesar, ou justamente por causa de seu sucesso, a série foi alvo de críticas por tratar
de maneira estereotipada culturas e raças estrangeiras.
“Academy Award Review of Walt Disney Cartoons” apresentava uma compilação de cinco
episódios de “Silly Symphonies” premiados com o Oscar. Posteriormente, quando foi relançado
3. Estes estúdios de animação foram desativados nos anos 60, quando a empresa passou a priorizar produções
em live action, como “Who´s Afraid of Virginia Woolf?” e “Bonnie and Clyde”.
4. Ao contrário do que alguns afirmam, este não é o primeiro filme de longa metragem de animação. Os
primeiros longas de animação, “El Apostól!” (1917) e “Peludópolis” (1931), este último sonorizado, foram
dirigidos pelo italiano, radicado na Argentina, Quirino Cristiani.
33
Dramaturgia de Série de Animação
em 1966, foram adicionados outros quatro episódios da série. Ao todo, os estúdios Disney
lançaram mais nove package films: “Fantasia” (1940), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos”, 1942),
“The Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia?”, 1944), “Make Minie Music” (“Música, Maestro!”,
1946), “Fun & Fancy Free” (1947), “Melody Time” (1948), “The Adventures of Ichabod and Mr.
Toad” (1949), “The Many Adventures of Winnie the Pooh” (1977) e “Fantasia 2000” (1999).
Sobre Zé Carioca, conta-se que a personagem foi pensada por Walt Disney enquanto
estava no Rio de Janeiro e escutava muitas piadas envolvendo papagaios. Disney teria ainda
se inspirado na personalidade de algumas pessoas com quem teve contato em sua visita ao
país. Talvez por isso, a personagem tenha se tornado muito mais popular no Brasil do que nos
Estados Unidos e no resto do mundo. Por aqui, Zé Carioca ganhou produção própria de história
em quadrinhos, assim como todo um universo de personagens, tais quais Rosinha, Nestor,
Pedrão, Zico e Zeca, Zé Galo, Morcego Verde, e a Anacozeca, uma espécie de associação
especializada em cobranças de dívidas do protagonista.
A viagem de Walt Disney serviu ainda para que ele se ausentasse dos estúdios durante uma greve
de cinco semanas de seus funcionários. A greve foi motivada pela demissão de um dos seus principais
animadores, Art Babbit, que havia organizado a criação de um sindicato de animadores para negociar
melhores condições de trabalho. Manifestações anteriores já haviam ocorrido nos estúdios Iwerks
(1931) e Van Beuren (1935) e, somadas às outras manifestações posteriores, resultaram na criação de
um sindicato dos animadores nos Estados Unidos no final dos anos 40.
Ainda a respeito da viagem de Disney ao Brasil, vale registrar que, entre 1938 e 1939, o
chargista Luiz Sá produziu “As Aventuras de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. As animações
tinham, segundo relatos, traços sofisticados e um estilo próprio bastante apurado. Sá pretendia
exibir seus filmes diretamente para Walt Disney. Entretanto, os filmes foram recusados pelo
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Decepcionado, Luiz Sá acabou ficando sem as
cópias destes seus filmes de animação: uma perdeu-se no laboratório, e outra foi vendida para
uma loja de projetores e distribuída como “brinde”, em vários pedaços, para os clientes.
34
A Narrativa Seriada na Televisão
produzida pelos estúdios Fleischer, exibiu 110 episódios entre os anos de 1932 e 1939. Com
forte presença nos quadrinhos da época (1934-1937), a série foi reprisada na televisão, lançada
em coletâneas de DVD - a exemplo do que também aconteceu com boa parte das primeiras
séries de animação para o cinema - e se tornou uma espécie de ícone pop cult, presente, ainda
hoje, em camisetas, action figures e objetos diversos.
Outra personagem importante na história da animação criada nessa época foi Popeye.
Adaptada dos quadrinhos de Elzie Crisler Segar, a animação tem como protagonista um
marinheiro de meia idade, com fortes braços tatuados e que fuma cachimbo. Popeye tem
como namorada Olívia Palito e recorre ao espinafre a fim de adquirir força extra para superar
seus desafios, como, por exemplo, vencer Brutus, seu principal antagonista. Produzida
inicialmente pelos estúdios Fleischer (1933-1942) e depois pelos Famous Studios (1942-1957),
foram exibidos cerca de 230 de seus episódios no cinema. Entre 1960 e 2003, a série foi
produzida de maneira mais ou menos regular para a televisão e exibida em diversos canais e
países, sendo relativamente conhecida até os dias atuais.
Durante a década de 40, novas séries surgem e se juntam às anteriores, que continuavam
sendo exibidas. William Hanna e Joseph Barbera, que haviam trabalhado juntos na década
de 30, criam e dirigem sua primeira série de sucesso para a MGM, “Tom and Jerry” (“Tom e
Jerry”). Baseada em situações cômicas de gato e rato, a série foi feita a partir do sucesso de
uma animação feita em 1939, “Puss Gets the Boots”. “Tom e Jerry” teve enorme sucesso de
público e de crítica, conquistando sete Academy Awards. Entre 1940 e 1967, foram produzidos
e exibidos 161 episódios da série para o cinema.
Ao lado de “Tom e Jerry”, a outra série de maior sucesso dessa década talvez tenha sido
“Woody Woodpecker” (“Pica-Pau”). A ideia da criação da personagem teria surgido durante a
lua-de-mel de Lantz, em uma cabana às margens de um lago, onde o casal era constantemente
incomodado por um ruidoso pica-pau carpinteiro. A primeira aparição da personagem aconteceu
em um episódio de “Andy Panda”, em 1940, “Knock Knock”, no qual Pica-Pau incomodava o urso
e seu pai (Papa Panda) apenas por diversão. Incomodada, a personagem Andy Panda tentava
capturar a ave, mas sempre por meio de formas previsíveis, o que tornava a fuga do pica-pau
demasiadamente fácil. Ao final, impotente e incapacitado, o panda acabava enlouquecendo e
desistindo da empreitada. Estava delineada aí a fórmula de sucesso da série.
35
Dramaturgia de Série de Animação
“Pica-Pau” talvez tenha sido a primeira série a introduzir como protagonista uma personagem
agressiva e lunática. O desenho fez grande sucesso durante a Segunda Guerra Mundial e a personagem
foi, a exemplo do ocorrido anteriormente com o Gato Félix, amplamente adotada como mascote.
Entre 1940 e 1972, foram produzidos e exibidos cerca de 200 episódios para o cinema.
A série ganhou ainda três Academy Awards e migrou posteriormente para a televisão, onde
manteve o seu sucesso. No ano de 2009, uma emissora televisiva brasileira reprisou alguns
episódios clássicos da série durante o horário nobre e conseguiu picos de liderança na audiência.
Por outro lado, “Pica-Pau” sofreu muitas críticas por seu humor negro e sua violência gratuita;
no Canadá, por exemplo, a série chegou mesmo a ter sua exibição proibida.
Além de Lantz, outro animador que teve grande destaque no período foi Paul Terry. Fundados
em 1929, os estúdios de Terry, Terrytoons, emplacaram, também a partir da década de 40, suas
duas séries de maior sucesso no cinema: “Heckle and Jeckle” (“Faísca e Fumaça”) e “Mighty
Mouse” (“Super Mouse”), este último criado por Izzi Klein para parodiar o Super-Homem.
O final dos anos 40 marca, para os estúdios Disney, um período de lançamento da maioria
de seus package films e de início da produção de live action, com a série “True Life Adventures”
e do longa “Treasure Island” (“Ilha do Tesouro”). Em 1950, em parceria com a empresa Coca-
Cola, os estúdios promovem sua primeira aparição na televisão, “An Hour in Wonderland”,
que foi um especial de Natal na rede ABC com duração de uma hora. Os estúdios só voltariam
à televisão em 1954, com “Disneyland” (depois intitulado “The Wonderful World of Disney”,
ou “O Maravilhoso Mundo de Disney”, em português). O programa reunia materiais diversos
(preexistentes ou não) e teve 52 temporadas e 1224 episódios exibidos em horário nobre
(prime time). Tem início assim a participação dos estúdios Disney na televisão, processo que
culminaria com a criação de um canal próprio, o Disney Channel, no ano de 1983.
A década seguinte marca o início das séries de animação na televisão e a diminuição, como vimos,
do número de produções desse gênero para o cinema. Novas tentativas de criação de séries originais
foram feitas, sem, contudo, conseguir reeditar o sucesso das décadas anteriores no cinema.
Walter Lantz cria sua segunda série de maior sucesso depois de “Pica-Pau”, “Chilly Willy”
(“Picolino”), um simpático pinguim que buscava sempre um meio para permanecer aquecido.
Picolino, que tem como antagonista o cachorro Smedley, gosta de panquecas e de roubar peixes
da morsa Leôncio (Walty Walrus), personagem que também aparece em outras animações de
Lantz. Produzida entre 1953 e 1972, a série teve cerca de 50 episódios exibidos no cinema. Em
1957, após terem saído da MGM, William Hanna e Joseph Barbera fundaram o seu próprio estúdio
36
A Narrativa Seriada na Televisão
de animação, Hanna-Barbera. Apesar de ter seu nome associado à produção para televisão,
que, de fato, foi seu “carro chefe”, o Hanna-Barbera produziu uma única série de animação
para cinema, “Loopy le Beau” (“Loopy de Loop”). A série, que teve cerca de 50 episódios
produzidos entre 1959 e 1965, contava as aventuras de Loopy, um lobo educado e gentil, com
sotaque francês. O objetivo do “lobo bom” era o de mudar a imagem de sua espécie junto
às pessoas e de se integrar à sociedade, por isso, além de seu comportamento impecável,
costumava ajudar as pessoas. Porém, além de nunca conseguir atingir esse objetivo, Loopy era
constantemente perseguido, inclusive pelas próprias pessoas que havia auxiliado, e tinha que
acabar fugindo da cidade simplesmente pelo fato de ser um lobo.
37
Dramaturgia de Série de Animação
No entanto, foi observada uma espécie de “último fôlego” das séries de animação no cinema,
antes da efetiva consolidação do gênero na televisão. Novas ideias proporcionaram uma “sobrevida”
para essas séries – ainda que sem contar com a mesma força das décadas anteriores. Uma destas
séries foi “The Beary Family” (“A Família Urso”), que trazia histórias “humanas” com uma família
de ursos: Ursolão (Charlie), o pai, Úrsula (Bessie), a mãe, Ursolina (Susi), a filha mais nova, Ursolino
(Junior), o filho mais velho e Goose, um ganso de estimação. A trama básica dos cerca de 30
episódios, produzidos entre 1962 e 1972, mostra Ursolão tentando economizar dinheiro ao realizar
pequenos serviços técnicos ou construir acessórios para casa, ao invés de contratar um profissional
especializado ou de adquirir o referido acessório diretamente em uma loja. No final, após uma série
de trapalhadas, o prejuízo acaba sendo sempre maior do que a suposta economia que almejava.
Em 1963, dois animadores da extinta Warner Bros Cartoons, Friz Freleng e David DePatie,
fundam a DePatie-Freleng Enterprises, também conhecida por DFE Films. O estúdio de animação
situado em Hollywood começou suas experiências por meio de séries para o cinema, passando,
posteriormente, para a televisão e a publicidade. Após seu fechamento, em 1981, boa parte de
suas produções foram adquiridas pela Marvel Comics, pertencente hoje à Disney.
O estúdio estreou com o “pé direito” ao fazer os créditos de abertura do primeiro filme
de “A Pantera Cor-de-Rosa”, dirigida por Blake Edwards e estrelada por Peter Sellers, no
papel do impagável inspetor Jacques Clouseau. O sucesso foi tamanho que a personagem
voltou nos créditos das sequências do filme e ganhou sua própria série no cinema, com cerca
de 120 episódios exibidos até 1980. Com um estilo novo, temática diferenciada e abordagem
inusitada, a série ganhou inúmeros fãs e também foi produzida e exibida na televisão.
Além de “The Pink Panther” (“ A Pantera Cor de Rosa”), o estúdio produziu para o cinema a série
“The Inspector” (“O Inspetor”). Apesar de alguns acharem que a série é uma referência ao inspetor
Clouseau, a personagem principal não possui nome e, ao contrário do célebre inspetor, é organizada
e relativamente competente. O humor da série surge a partir dos vilões, das situações inusitadas que
se apresentam e do relacionamento do inspetor com o comissário da polícia francesa, a Sureté. Os 35
episódios da série foram exibidos nos cinemas entre 1965 e 1969.
A DePatie-Freleng Enterprises produziu ainda, com pouco sucesso, algumas outras séries
no cinema, como: “Roland and Rattfink” (“Bom Bom e Mau Mau”, entre 1968 e 1971, com 17
episódios), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”, entre 1969 e 1971, com 17
episódios) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”, entre 1969 e 1972, com 17 episódios).
Em 1969, surge na União Soviética “Íó, Iîãîäè!” (“Ei, Espere!”), uma série do tipo pastelão
que conta a história de um lobo travesso (Âîëê) com pretensões artísticas, que tenta, a todo
custo, capturar uma lebre (Çàÿö). A série, que teve a maioria dos seus episódios dirigidos por
Vyacheslav Kotyonochkin, foi bastante popular na União Soviética e ainda o é na atual Rússia,
apesar das críticas menos favoráveis dos animadores locais.
Experiências isoladas fora dos Estados Unidos, como as de George Pal, Zdenìk Miller e de
Vyacheslav Kotyonochkin mostram, apesar da impossibilidade de se competir quantitativamente
com a indústria norte-americana de animação, que o mercado internacional, em toda a sua
dimensão e pluralidade, sempre esteve aberto para outros tipos de produções; diferentes,
tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, daquelas produzidas nos Estados Unidos.
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A Narrativa Seriada na Televisão
De lá para cá, o cinema, como dissemos, se tornou espaço para a exibição de filmes de
longa-metragem e a televisão, para as séries em animação. Experiências esporádicas e isoladas
aconteceram na década de 80 e 90, como a exibição de três curtas-metragens da personagem
Roger Rabbit. “Tummy Trouble”, “Roller Coaster Rabbit” e “Trail Mix-Up” foram exibidos antes
de filmes de longa-metragem da Touchstone/Disney, como “Querida, Encolhi as Crianças”, “Dick
Tracy” e “Viagem ao Grande Deserto”, respectivamente. O mesmo ocorreu com alguns episódios
especiais de “Scooby Doo”, exibidos antes de seus próprios filmes de longa-metragem.
Atualmente alguns estúdios, como a Disney, a Dreamworks e a Pixar estão exibindo filmes de
curta-metragem antes de suas animações principais. Ainda assim, trata-se de peças unitárias,
e não seriadas. No final de 2007, a Walt Disney Pictures lançou um episódio isolado do Pateta
para cinema: “How to Hook up your Home Theater” (“Como Instalar o seu Home Theater”).
Quase 50 anos após o lançamento de seu último episódio para o cinema, Pateta volta em uma
animação, dirigida por Kevin Deters e Stevie Wermers-Skelton, na qual se envolve em suas
tradicionais confusões e trapalhadas. O episódio isolado foi feito como uma espécie de revival
e não há previsão de lançamento de novos episódios da personagem.
No entanto, a experiência recente mais conhecida desse tipo talvez tenha sido aquela dos
três episódios de “Scrat”, o esquilo dente-de-sabre do filme “A Era do Gelo”. Sua primeira
aparição aconteceu em 2002, no curta de abertura do filme “A Era do Gelo”, do estúdio Blue
Sky. “Gone Nutty”, também conhecido por “Scrat´s Missing Adventure”, mostra as aventuras
do esquilo para conseguir salvar ao menos uma das nozes que havia coletado. Dirigida pelo
brasileiro Carlos Saldanha, a narrativa agradou enormemente ao público e foi indicada ao
Oscar de melhor curta de animação.
A receptividade a essa primeira experiência fez com que Scrat voltasse em um novo
episódio, “No Time for Nuts”, exibido em 2006, antes do longa “A Era do Gelo 2”. Neste
novo episódio, ao procurar um lugar para esconder sua noz, o esquilo acaba encontrando
uma máquina do tempo próxima ao corpo congelado de um cientista, que aparenta ser Albert
Einstein. Ao acionar por acidente a máquina, Scrat acaba indo parar na Idade Média e, depois
de aparentemente ter se dado bem, acaba em um futuro sem nozes.
Scrat volta a aparecer antes de “A Era do Gelo 3”, no curta “Surviving Sid”, no qual faz uma
“ponta”, novamente envolvido em sua saga com as nozes. O sucesso da personagem fez com que ela
fosse incorporada em uma trama paralela no próprio longa, desta vez acompanhado por Scratita, um
esquilo fêmea por quem se apaixona - ao mesmo tempo em que rivaliza com ela para ficar com a noz.
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Dramaturgia de Série de Animação
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A Narrativa Seriada na Televisão
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Dramaturgia de Série de Animação
42
A Narrativa Seriada na Televisão
Esse novo modelo de produção altera, obviamente, toda a cadeia da produção cultural. Sob
a perspectiva da criação, a própria noção de autoria passa a ser questionada, visto que muitas
vezes o processo criativo em si é resultado direto de colaborações diversas em diferentes
estágios de desenvolvimento do produto. A própria serialidade implica, muitas vezes, um
“autor no gerúndio”, isto é, um autor de uma obra aberta, que se apresenta em constante
estágio de criação. Em outras palavras, o autor de uma obra seriada tem a possibilidade de
construí-la em movimento, uma espécie de work in progress sujeito às interferências diretas
de seu público.
43
Dramaturgia de Série de Animação
44
A Narrativa Seriada na Televisão
Para Lorenzo Vilches (1984), dentro desta estrutura seriada da produção cultural, as séries
de televisão se apresentam como um caso à parte. Para o pensador espanhol, há três fatores
principais que interferem diretamente em sua produção: a estrutura produtiva, a estrutura
narrativa e as expectativas dos destinatários. A estrutura produtiva representa como as
rotinas dos aparatos envolvidos interferem sobre o produto. Diz respeito, portanto, aos níveis
e formas de autonomia técnica e criativa que o autor e o realizador da série possuem. A
estrutura narrativa, por sua vez, diz respeito à maneira como a serialidade será efetivamente
apresentada ao público, como veremos melhor mais adiante. Por fim, a expectativa do público
é um fator que engloba aspectos sociológicos, midiáticos, psicológicos e que aborda suas
relações intertextuais, permitindo integrar as partes distintas de uma série com seu todo.
Para Vilches, as séries de televisão possuem ainda elementos que o autor denomina de
paratextuais, isto é, elementos que, mesmo não pertencendo diretamente à série, acabam
atuando para ela. É o caso, por exemplo, das chamadas exibidas durante os intervalos
comerciais, das críticas e comentários da imprensa, de estudos acadêmicos, e das vinhetas de
abertura e de encerramento dos episódios.
Aliás, a respeito dessas vinhetas, usualmente compostas por uma sequência de imagens
acompanhada de trilha musical, devemos considerar uma dupla função. Em primeiro lugar,
servem para separar a série do fluxo televisual, isto é, indicar que aquele determinado episódio
está começando e depois terminando. Uma emissora de televisão pode ter uma programação
bastante diversa e é interessante pontuar a presença de uma série específica dentro deste
fluxo contínuo e ininterrupto. A segunda função representa a possibilidade de uma exploração
45
Dramaturgia de Série de Animação
mais subjetiva e simbólica acerca da própria identidade da série. Por tradicionalmente possuir
maior flexibilidade em sua criação e estruturação, as vinhetas de abertura e encerramento de
uma série procuram associar determinadas imagens e conceitos a fim de agregar certos valores
à própria série.
A noção de que a produção em série destitui uma obra de sua essência está
ainda impregnada de uma visão que atrela a obra à genialidade de sua autoria,
na qual a aura do criador e o status da obra única ou da peça unitária se
fazem presentes. Os novos parâmetros de produção artística e cultural
solicitam, portanto, que conheçamos e pensemos os paradigmas
presentes da narrativa em série, libertando-nos de preconceitos
fundados na reprodução automatizada de uma tradição reflexiva.
As transformações de gêneros narrativos trazidas pela televisão
se processam de forma mais rápida e dinâmica do que
normalmente nas outras mídias, por isso mesmo, muitas
vezes de forma mais veloz do que a nossa capacidade
de assimilá-las e de responder a elas criticamente. O
caráter dinâmico desse tipo de manifestação cultural
deve-se, sobretudo, ao fluxo contínuo e ininterrupto de
sua produção, consumida vorazmente por seu público,
invadindo o cotidiano de inúmeras pessoas.
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A Narrativa Seriada na Televisão
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Dramaturgia de Série de Animação
48
A Narrativa Seriada na Televisão
estruturas
1.3 e tipologia
da narrativa seriada na televisão
1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão
Assim como qualquer outra metodologia de classificação ou estudo de gênero, podemos partir
dos mais diversos critérios para chegar a diferentes resultados. Isso significa que é possível pensar
em diferentes formas e modelos classificatórios da narrativa seriada na televisão.
Esta estrutura temática, obviamente, acaba por classificar em um mesmo grupo animações
que, apesar de uma eventual semelhança retórica, podem possuir diversas outras diferenças
entre si. Em outras palavras, ao se mudar de um critério classificatório para outro, animações
que eventualmente pertençam a um mesmo gênero a partir de um determinado parâmetro
podem pertencer a gêneros diferentes se baseadas em novos parâmetros.
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Dramaturgia de Série de Animação
As séries de animação também podem ser classificadas de acordo com seu estilo, isto é,
seus processos próprios de enunciação. Tal classificação corresponde à adoção de um conjunto
de elementos e estratégias de representação do som e da imagem capazes de estabelecer um
gosto formal comum. Em animação observamos, desde os anos 40, uma discussão estilística
que acompanha o universo da animação até os dias atuais.
Em 1943, três animadores “rebelados” dos estúdios Disney - Zack Schwartz, David
Hilberman e Stephen Bosustow - fundam um estúdio que deu origem a United Production
Artists (UPA). A nova associação acreditava que a animação não deveria ter como modelo único
de referência o estilo “realista” de Disney, no qual a animação apresenta um traço sofisticado,
com movimentos fluidos e acabamento impecável. Para esses animadores, a adoção de um
modelo único de animação, que busca verossimilhança com representantes imediatos no
“mundo real”, fora da animação, pode ser entendida como um fator limitador de exploração
de suas potencialidades criativas, estéticas e de linguagem. Em outras
palavras, a animação não deve obrigatoriamente observar as
mesmas regras de um universo que lhe é exterior, ficando
assim livre para explorar novos e infinitos estilos que
incluam representações mais estilizadas. A partir
desta convicção, o estúdio desenvolveu um novo
estilo de animação: a “animação limitada”,
cuja técnica foi depois aperfeiçoada por outros
estúdios, principalmente Hanna-Barbera.
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A Narrativa Seriada na Televisão
uma personagem pode andar com poucos frames e de forma cíclica, movimentando apenas
as pernas sem dobrar os joelhos ou sem mexer o resto do corpo, tal qual faria uma pessoa
ao caminhar de fato na rua, por exemplo. Assim, as personagens das animações limitadas
costumam estar divididas em diferentes camadas (layers), facilitando a sua animação. Com
maior volume de episódios, essas séries passaram a utilizar bibliotecas de movimentos já
animados. Uma sequência de uma personagem caminhando poderia ser reaproveitada em
inúmeras situações, modificando-se apenas partes desta personagem, como sua cabeça, suas
roupas ou seus acessórios.
Por fim, uma última característica singular das animações limitadas é o uso expressivo da
linguagem sonora e musical. Trilhas sonoras dinâmicas e sofisticadas, aliadas a efeitos sonoros
caricatos e diálogos ágeis e trabalhados garantem uma atmosfera sonora envolvente que, ao
mesmo tempo em que auxilia na imersão do espectador na trama e
no próprio universo da série, dificulta a percepção dos truques
visuais que objetivam a economia de movimentos.
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Dramaturgia de Série de Animação
estúdios e animadores que, desta forma, ajudaram a consolidar o novo estilo – sobretudo, mas
não apenas, na televisão.
No esquema fixo com variações de personagens, o tema central e o perfil psicológico das personagens
principais da série permanecem invariáveis na medida em que novas personagens vão surgindo. Essas
novas personagens, de hierarquia secundária, assumem as funções variáveis da série.
O terceiro esquema é denominado pelo pesquisador como fixo com variação psicológica. Neste
esquema, a série avança com a resolução de conflitos interiores das personagens principais, que vão
se apresentando paralelamente às ações de cada episódio. A profundidade psicológica pode relegar
a ação ao segundo plano, uma vez que as nuances da psique humana e suas instabilidades podem
gerar o combustível necessário para o desenvolvimento narrativo. Há, portanto, uma espécie de
predomínio da personagem e de seu interior sobre as ações exteriores.
52
A Narrativa Seriada na Televisão
Por fim, o esquema de personagens fixos representa as séries nas quais há uma identificação
muito forte entre o ator (indivíduo que interpreta um papel) e sua personagem (o papel
representado). Tem-se assim uma série conhecida por apresentar uma personagem que
interpreta diversas “máscaras” e interage com temas diversos, de modo que se estabelece
uma espécie de biografia desta personagem.
O programa também pode ser pensado como parte de um todo, que pode se estender
por semanas, meses ou mesmo anos. Neste caso, temos a presença de uma narrativa seriada
que se apresenta de forma descontínua e fragmentada. Desta forma, o enredo é apresentado
em diferentes capítulos ou episódios, que podem, por sua vez, estar organizados em blocos
divididos pelos breaks comerciais.
Para Machado, existem três tipos principais de narrativas seriadas na televisão, a partir da
maneira como a fragmentação é oferecida ao espectador e estruturada na própria série. No
primeiro tipo (“capítulos”), há uma ou diversas narrativas (entrelaçadas ou paralelas) principais
que se apresentam de forma contínua e linear. Isto é, deve-se assistir aos episódios em uma ordem
cronológica predeterminada de exibição, na qual o entendimento de um episódio é fundamental
para o entendimento do próximo, e assim por diante, em um encadeamento teleológico.
No segundo tipo (“episódios seriados”), cada episódio se constitui como uma história
completa e autônoma, com a repetição de elementos narrativos centrais na série. A partir de
um padrão básico, recorrente, elementos variáveis são apresentados possibilitando variações
em torno de seu eixo. Não é necessário, portanto, que o espectador assista a episódios prévios
em determinada ordem para que se entenda o episódio atual, da mesma forma que este não é
necessário para os próximos. Como não há ordem de exibição, os diferentes episódios da série
podem ser exibidos em qualquer ordem, garantindo assim maior possibilidade de reprises.
O terceiro tipo (“episódios unitários”), por sua vez, apresenta as séries em que cada episódio
possui independência narrativa e, ao mesmo tempo, apresenta elementos narrativos diferentes
entre si, podendo mudar de personagens e mesmo de universos criativos inteiros. Neste caso, o que
possibilita que os diferentes episódios se constituam como série é uma determinada temática comum
recorrente, como narrativas de suspense, terror ou fantásticas, por exemplo.
53
Dramaturgia de Série de Animação
Os breaks comerciais, e, por consequência, os blocos de cada episódio, são definidos por
cada emissora de televisão em função da quantidade de seus anunciantes. Assim, a quantidade
e a localização exata do trecho de interrupção para as pausas de cada episódio competem a
cada emissora exibidora da série. Séries exibidas em emissoras diferentes, normalmente não
concorrentes entre si, podem ter quantidade e localização de breaks diferentes. Na maioria
dos casos, séries de interprogramas ou de sete minutos de duração não costumam ter breaks
comerciais. Já as séries com 11 minutos de duração costumam ter apenas um break e as
de 22 minutos três breaks comerciais. Já uma temporada, isto é, o conjunto de todos os
episódios exibidos no intervalo de um ano, costuma ser composta de 26 episódios, podendo
eventualmente chegar a 52 (“supertemporada”).
54
A Narrativa Seriada na Televisão
55
Séries de
Capítulo 2 animação
televisiva
Dramaturgia de Série de Animação
séries de
2. Séries de Animação Televisiva 2 animação
televisiva
Neste capítulo, discutiremos inicialmente a história e alguns aspectos característicos da
principal mídia da segunda metade do século XX e que, mesmo assim, ainda se apresenta em
determinados aspectos como uma ilustre desconhecida para muitas pessoas: a televisão.
Em seguida, abordaremos a história das séries de animação para televisão. Nesse sentido,
veremos que as animações exibidas inicialmente na televisão eram reprises dos antigos
theatricals já exibidos no cinema, proporcionando assim um reaproveitamento de material
(ready made). As primeiras séries de animação feitas especificamente para a televisão,
também conhecidas por desenhos animados, surgem em 1949 nos Estados Unidos, quando
essa mídia ainda era uma novidade. De lá para cá, com a popularização da televisão e, mais
recentemente, com o surgimento da internet, muita coisa aconteceu.
Na maioria dos casos, uma série de animação para televisão requer uma grande estrutura
de produção, distribuição e comercialização, que permita à série “se pagar” e também se
popularizar, preferencialmente para além de seu país de origem. Nessa indústria, os Estados
Unidos ocuparam papel praticamente hegemônico até os anos 70, quando os animes japoneses
passam a ser exibidos com maior frequência fora do Japão. Há alguns anos, países como
Canadá, Espanha, França e Inglaterra também têm conquistado maior espaço na criação e
desenvolvimento de desenhos animados no mercado internacional.
58
Séries de Animação Televisiva
Mesmo que tenha sido definido um modelo estrutural dominante de criação e produção,
experiências, ainda que em menor quantidade, realizadas em outros países fora deste eixo
também revelam soluções criativas e o desenvolvimento de produtos inteligentes. Neste
sentido, abordaremos alguns destes casos como uma forma de apontar eventuais novos
caminhos estilísticos e de desenvolvimento.
Durante cerca de 40 anos, as únicas animações vistas na televisão brasileira eram criadas
e produzidas no exterior, salvo raras exceções, como o extinto programa “Lanterna Mágica”,
apresentado por Roberto Miller na TV Cultura. Somente no início dos anos 90 é que pequenas
séries de curta duração e com número limitado de episódios passaram a ser vistas, sobretudo,
nas emissoras públicas e educativas.
A partir do início deste século, a situação parece ter se modificado um pouco. Apenas nos
dois últimos anos, quatro séries brasileiras com coprodução internacional passaram a ser vistas
em emissoras de televisão de todo o mundo. A TV Rá-Tim-Bum, canal infantil com programação
100% nacional - também assistido no Japão, Estados Unidos e Portugal -, anunciou ainda a
exibição de três novas séries em coprodução com estúdios brasileiros.
Por fim, o capítulo termina com uma análise livre de duas séries internacionais, “Bob
Esponja Calça Quadrada” e “Os Simpsons”, escolhidas por conta de suas bem sucedidas
trajetórias, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma indústria da animação em
nosso país.
Esperamos que as ideias e informações apresentadas neste capítulo sirvam não apenas
para um maior conhecimento histórico e teórico, mas também como importante elemento na
construção de um repertório fundamental para a elaboração de novas séries de animação.
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Dramaturgia de Série de Animação
60
Séries de Animação Televisiva
um breve histórico
2.1 da televisão e
características do meio
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio
Como afirmamos anteriormente, ao longo de sua existência, o homem vem utilizando diferentes
formas e suportes para expressar ideias, sentimentos e sensações resultantes de suas vivências.
Desde os primórdios da sua existência até os dias atuais, o constante crescimento da comunicação
humana pode ser entendido como uma condição de nossa espécie, ainda que, para muitos, a
pluralidade e diversidade proporcionada por este crescimento represente, paradoxalmente, uma
menor capacidade do homem efetivamente se comunicar e dialogar com o outro.
Este crescimento comunicacional também pode ser entendido como uma forma de compensação
humana pela inexorabilidade da morte. A produção vertiginosa de códigos e signos seria, neste
sentido, resultante da tentativa de se explicar o inexplicável, de buscar o sentido da vida e de
perpetuá-la por meio da obra, imortalizando assim o autor e seu legado.
O estudo da comunicação, da linguagem e das mídias, em seus mais diversos aspectos, vem sendo
realizado por diferentes pensadores e pesquisadores em épocas e culturas diferentes. Seguindo esta
ideia, devemos levar em conta que o advento de uma nova mídia não aniquila necessariamente
uma anterior – mesmo depois do advento da escrita, o homem continuou usando a fala para se
comunicar, por exemplo. A introdução de novas formas do homem se relacionar com o mundo faz
com que algumas destas sejam consideradas mais apropriadas em determinadas situações do que
outras. Também é possível observar a incorporação e a reconfiguração de algumas destas formas
precedentes a outras, como podemos observar na presença da oralidade no universo audiovisual,
por exemplo.
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Dramaturgia de Série de Animação
O fato de os Estados Unidos terem tido menos prejuízos com os conflitos mundiais e de não
terem sofrido ataques em seu próprio território fez com que a economia do país se desenvolvesse
sobremaneira no período do pós-guerra. É quando se firma o modelo do american way of
life baseado, principalmente, na produção e no consumo de bens. Nessa esteira, a televisão
surge como um território relativamente virgem para ser explorado. Transmissores, câmeras,
monitores, equipamentos e profissionais diversos, ligados direta ou indiretamente ao setor,
foram responsáveis pela criação de todo um modelo econômico baseado nesta nova mídia.
Apesar da ausência de imagens, o rádio também é considerado uma mídia terciária, isto
é, um meio de comunicação à distância. Além disso, rádio e televisão também tinham em
comum o predomínio dos programas “ao vivo” em sua grade, o que, por si só, assegura uma
característica bastante distintiva em relação à sétima arte.
No final dos anos 50 e início dos anos 60, a televisão se beneficia de dois avanços tecnológicos: o
videotape e a transmissão em cores. Vale observar que o videotape, ou VT, garantiu não apenas maior
dinamismo à produção televisiva, como também o desenvolvimento de programas que não seriam
viáveis sem a presença deste dispositivo tecnológico, que permite a gravação de sons e imagens para
posterior edição e reprodução. Apesar desta nova possibilidade, ainda hoje boa parte da programação
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Séries de Animação Televisiva
televisiva, principalmente dos canais abertos, é ou possui fortes marcas ou resíduos dos programas ao
vivo, provavelmente em função da maior facilidade e da economia de sua produção.
A partir da segunda metade do século passado, o modelo de televisão eletrônica foi sendo
instalado nos demais países de todo o mundo – processo que englobaria praticamente todos
os países do planeta até o final do século XX. Assim como normalmente acontece a maioria
das mídias, a televisão surge de forma elitista, restrita a uma camada financeiramente
privilegiada da população em um dado país ou região, e acaba se popularizando, tornando-se
posteriormente acessível para a grande maioria dessa população. Isso fez com que a televisão
se transformasse na principal mídia da segunda metade do século XX, ocupando em muitos
países, como nos Estados Unidos e no Brasil, um papel de grande destaque na vida social.
Um importante autor que versou sobre a televisão foi Marshall McLuhan. Em seu terceiro
livro, “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem”, de 1964, McLuhan identifica
o papel da tecnologia na sociedade contemporânea como uma extensão do próprio homem
e afirma que a televisão exerce uma força sinestésica unificadora capaz de determinar a
sensorialidade de diversos grupos sociais. O pensador canadense cunhou ainda, a partir de sua
observação sobre o papel da televisão, o termo “aldeia global”, no qual as redes eletrônicas e
de telecomunicações tornariam as comunidades de todo o planeta muito mais próximas – fato
consolidado pela disseminação da internet no século XXI.
Inúmeros outros estudos vêm sendo realizados desde a segunda metade do século XX sobre os
mais diversos aspectos da televisão. Podemos destacar, obedecendo ao interesse deste livro, duas
grandes vertentes: os estudos sociais e os estudos de linguagem. A primeira aborda os aspectos
sociais da televisão com enfoque especial nos estudos da recepção, isto é, na influência desta mídia
na sociedade e em seus diversos impactos comportamentais. A presença massiva da televisão no
cotidiano costuma ser interpretada a partir de efeitos considerados negativos ou positivos.
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Dramaturgia de Série de Animação
todos os lugares ao qual chega. A imagem de indígenas em ocas ou de uma família sentada
em um sofá assistindo à televisão é bastante presente no imaginário contemporâneo e
ilustra bem este caráter pervasivo do meio, inclusive em ambientes privados. A ubiquidade,
por sua vez, é atribuída por sua onipresença, sua capacidade de estar em diversos lugares
concomitantemente. Destes dois aspectos associados surgem as maiores preocupações quanto
ao poder da televisão, seu discurso, sua ideologia e a sua capacidade de eventualmente
manipular grandes contingentes de pessoas de uma única vez.
Duas metáforas são comumente evocadas para tentar ilustrar o papel e a relação da televisão
com a sociedade: a da janela e a do espelho. Entendida como janela, a televisão permite, quando
aberta, revelar em seu interior um mundo novo, diferente daquele existente do lado de fora (ou de
dentro) da janela. Enquanto espelho a televisão reflete sons e imagens de um mesmo mundo no qual
ela também se encontra inserida. As metáforas são empregadas principalmente quando se procura
entender prioritária ou exclusivamente normas e comportamentos sociais por meio de uma possível
relação direta de influência e de causa-efeito entre televisão e sociedade, sem considerar outros
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Séries de Animação Televisiva
elementos diversos de ordem política, econômica e cultural. Apresenta-se assim, a partir de uma
leitura negativa de ambas, um paradoxo ou mesmo um dilema de causalidade: a televisão é ruim por
conta da sociedade na qual ela está inserida ou é a sociedade que é ruim por causa da televisão que
possui? Quem influencia quem?
Os efeitos positivos da televisão, por sua vez, são evocados a partir de uma visão instrumentalista
do meio, isto é, a televisão não é por si só, boa ou má, ela simplesmente é um instrumento, uma
ferramenta. Sua natureza é determinada assim, pela utilização que se faz dela bem como pela motivação
e intencionalidade das pessoas que definem este uso. Desta forma, a partir dos mesmos poderes desta
mídia, seu potencial é utilizado para a transmissão de mensagens educativas ou edificantes, que
colaboram positivamente no processo formativo de constituição do cidadão enquanto sujeito próprio,
com autonomia de pensamento e que pertence, ao mesmo tempo, a uma coletividade.
Já os estudos sobre
a linguagem da televisão
buscam identificar os signos
presentes nesta mídia e
compreender a dinâmica de
seus sistemas, utilizada na
criação de uma gramática
própria. Neste sentido,
devemos considerar alguns
aspectos históricos e
culturais que influenciaram
no desenvolvimento de
uma linguagem intrínseca à
televisão.
Apesar de um grande
entusiasmo inicial em relação
às potencialidades do meio por
parte de artistas e teóricos, a televisão foi, pouco a pouco,
se distanciando da noção de uma nova forma elaborada de
arte e expressão. Conforme afirma Machado (2000), se o
interesse pela literatura, cinema ou por quaisquer outras
formas sofisticadas de arte representam uma demonstração
de “educação, refinamento e elevação do espírito”, o
interesse pela televisão é entendida como “sintoma de
ignorância, quando não de desequilíbrio mental”.
Porém, conforme aponta o mesmo autor, afirmar que na televisão só exista banalidade é um
“duplo equívoco”. Primeiro por dar a impressão de que as coisas sejam muito diferentes “fora da
televisão”. A banalização é, infelizmente, um fenômeno observável em toda a Indústria Cultural
e não apenas na televisão, diferenciando-se assim, noções como as de popular e popularesco,
quantidade e qualidade. No cinema, por exemplo, os filmes mais assistidos não correspondem aos
filmes considerados pela crítica especializada como as obras mais significativas do meio, o mesmo
ocorre com a literatura e seus best-sellers e assim por diante.
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Dramaturgia de Série de Animação
Em segundo lugar, mesmo que em menor número, é possível identificar “vida inteligente”
dentro da televisão. A diferença em relação às outras mídias é a mudança de escala
proporcionada pela televisão. Mesmo que uma pequena parcela dos programas exibidos
atinja uma pequena porcentagem do público espectador, estamos falando de números muito
maiores do que um trabalho de alta qualidade poderia almejar em qualquer outra forma de
comunicação e expressão.
Machado propõe, portanto, uma mudança de enfoque: ao invés de se enfatizar o que a televisão
tem de pior, deslocar o foco para a “diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades
expressivas desse meio”. Para tanto, é preciso entender a televisão como um dispositivo audiovisual,
isto é, olhar também “da tela para dentro” e não apenas seus “impactos sociais”. É preciso, portanto,
rever a falsa noção de que na televisão não existe nada além do banal ou do trivial. Em outras
palavras, é fundamental analisar o conjunto de seus programas, o que permite entender a televisão
como uma forma singular de comunicação e expressão “através da qual uma civilização pode exprimir
a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e descrenças, as suas
inquietações, as suas descobertas e os voos de sua imaginação”.
66
Séries de Animação Televisiva
Por fim, não devemos esquecer-nos de considerar as três formas de edição possíveis na
televisão: a da emissora (ao definir a grade de programação e as inserções comerciais), a do
programa (por meio da escolha de enquadramentos, montagem das cenas e ritmo de edição)
e a do espectador (a partir da própria maneira como assiste ao programa, incluindo aí o efeito
de mudar de canais, conhecido como zapping, estimulado após o advento do controle remoto
na metade da década de 50 e popularizado a partir da de 70).
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Dramaturgia de Série de Animação
se encontra inserida nesta mesma sociedade. Desta maneira, novos gêneros, abordagens e
linguagens surgiram de forma intrínseca ao próprio desenvolvimento da televisão – ainda que
certos paradigmas permaneçam imutáveis.
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Séries de Animação Televisiva
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Dramaturgia de Série de Animação
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Séries de Animação Televisiva
Dez anos após essa transmissão experimental, em 1939, o mesmo canal (W2XBS) exibe a
primeira animação produzida exclusivamente para a televisão, “Willie, the Worm”, dirigida
pelo animador da Disney Chad Grothkopf. Tratou-se, porém, de uma espécie de curta-metragem
baseado em um poema infantil, exibido de forma isolada e não seriada.
Em seus anos iniciais, a televisão não produziu novas animações, apenas reprisou séries e
episódios já exibidos no cinema (theatrical). Apesar de não haver uma duração específica, os
episódios das séries de animação no cinema possuíam em média seis ou sete minutos. Ao serem
exibidos na televisão, eram agrupados e apresentados dentro da grade da emissora em um programa
conduzido por um apresentador – formato ainda comum em muitos programas infantis.
O reaproveitamento dos theatricals (ready made) aconteceu por alguns fatores históricos
distintos. Em primeiro lugar, o enorme volume de produção animada acumulado no cinema deu
71
Dramaturgia de Série de Animação
uma falsa impressão de “recurso inesgotável”. Essa visão mais imediatista fez com que muitas
emissoras e produtores não julgassem necessário produzir novos conteúdos, apenas escolher
entre os já existentes.
Em segundo lugar, com o início da crise da exibição das séries de animação no cinema
em função da consolidação do longa-metragem, o custo para compra destes episódios caiu
drasticamente, tornando assim muito mais vantajoso financeiramente para as emissoras
comprar os theatricals do que efetivamente produzi-los. Além disso, o valor de uma animação
inédita na época podia custar até 16 vezes mais do que o custo de um programa em live action
com o mesmo tempo produzido para televisão.
Outro fator que podemos apontar para o reaproveitamento dos theatricals foi a notória ação
da Suprema Corte norte-americana de 1949 contra o “block booking”. Nesta ação do Estado, foi
quebrado o monopólio dos principais estúdios de cinema, que praticamente obrigavam as salas
de projeção a exibir as suas produções “B” e “C” em troca da cessão de seus melhores filmes
(“A”). Além de favorecer os grandes estúdios, essa prática também inviabilizava a veiculação
de produções menores, que não tinham qualquer janela de exibição fora do chamado circuito
“independente” ou “alternativo”. Destarte, os grandes estúdios acabaram expandindo seus
negócios para a televisão, adquirindo e depois comercializando, por exemplo, os antigos
theatricals com as redes (nacionais) e emissoras (regionais) de televisão.
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Séries de Animação Televisiva
Podemos também atribuir parcialmente esta mudança de público à censura que muitas
das animações sofreram por parte da Federal Communications Commission (FCC), órgão
responsável pela regulamentação e classificação do conteúdo veiculado na mídia norte-
americana, com atuação marcante a partir da década de 40. Diversos episódios ou seus trechos
considerados ofensivos ou inapropriados foram banidos ou reformulados. Em outras palavras,
a aparição ou menção à violência, humor negro, cigarros, bebidas alcoólicas, armas, erotismo
e qualquer conteúdo “suspeito” era censurado sob a rubrica de proteção às crianças. Assim,
inúmeros episódios acabaram sendo excluídos ou mesmo modificados, restringindo o escopo do
material efetivamente exibido na televisão.
O grande precursor das séries de animação para a televisão foi o produtor Jerry Fairbanks.
Ele criou a “janela” do horário de sábado de manhã para programas infantis – horário até
então abandonado pelas emissoras – e produziu, em 1949, o piloto de uma das primeiras
séries pensada exclusivamente para televisão, “Crusader Rabbit”. A série, dirigida pelo
animador Alex Anderson, que havia trabalhado anteriormente no Terrytoons Studios, teve
195 episódios produzidos. O enredo girava em torno das aventuras de um coelho cavaleiro
e era visualmente considerada como uma espécie de animatic, com poucos movimentos ou
sequências efetivamente animadas. Fairbanks foi responsável ainda pela comercialização,
durante os anos 50 e 60, de inúmeras séries de animação diretamente para emissoras locais
em todos os Estados Unidos.
Outro desenho animado apontado como precursor foi “Tele-Comics”, uma produção da Vallee
Video de 1949, também exibida em canais regionais. A série foi posteriormente comprada pela
NBC e rebatizada, no ano seguinte, para “NBC Comics”. Os episódios apresentavam histórias
de aventura com imagens estáticas (ou com ligeiros movimentos), dubladas por atores de
rádio, uma espécie de “rádio ilustrado” que garantia certa dinâmica narrativa.
Uma terceira série foi exibida em caráter experimental, em um programa local veiculado na
WNBT-TV de Nova York, também em 1949: “The Adventures of Pow Wow”. Produzida pela Tempe-
Toons e dirigida pelo animador Tom Baron, a série tinha como personagens principais o pequeno
índio Pow Wow, uma amiga índia e o sábio pajé que, juntos, buscavam salvar a floresta, os animais
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Dramaturgia de Série de Animação
e a vida selvagem de diversos problemas. Sem uso de fala e com enredos baseados na mitologia e
no folclore nativo norte-americano, a série foi considerada politicamente correta e obteve relativo
sucesso entre o público infantil, tendo sido reprisada na rede CBS em 1956.
Estima-se que, no início da década de 50, apenas 9% dos domicílios nos Estados Unidos
possuíam aparelhos de televisão. Como a verba publicitária destinada à nova mídia era bastante
restrita, o que limitava o orçamento das emissoras para novos programas que exigissem maior
aporte financeiro, programas ao vivo e baseados no diálogo (fala) eram, portanto, o carro
chefe da programação.
Nos anos seguintes, apenas outras duas séries de animação foram produzidas para a
televisão: “Jim and Judy in Teleland” (1949-1950) e “Winky Dink and You” (1953), este último
reconhecido como o precursor do licenciamento em animação, uma vez que o programa servia
para a venda de um kit (“Winky Dink Kit”) composto por papel, lápis colorido e crayons, que
permitia às crianças interagirem com o programa por meio de desenhos e pinturas.
Em 1951, os estúdios Disney começam a produzir especiais de natal para a rede de televisão
ABC. Os especiais foram exibidos, por exigência do próprio Walt Disney, sem intervalos
comerciais, apenas com a menção do patrocinador ao início e ao final dos programas. Pouco
depois, em 1954, interessado em uma aproximação com a rede ABC para a construção de
seu parque temático, o estúdio estreia nessa mesma emissora “Disneyland”. Esse programa
era apresentado por Walt Disney em pessoa e exibia materiais (animados e em live action)
pertencentes ao acervo do estúdio, aproveitando assim também os antigos theatricals.
O programa semanal de uma hora de duração foi exibido praticamente de forma ininterrupta
em horário nobre, desde sua estreia, em diferentes emissoras (ABC, 1954-1960; NBC 1961-
1980; CBS 1981-1983; ABC 1985-1988; NBC 1988-1990; Disney Channel 1990-1996; ABC 1997-
2008). Rebatizado posteriormente como “The Wonderful World of Disney” (“O Maravilhoso
Mundo de Disney”), a série, que teve seu último programa inédito exibido na véspera do natal
de 2008 e que ainda é reprisada em alguns países, é o segundo programa mais duradouro de
toda a história da televisão, com 52 temporadas e cerca de 1300 episódios.
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Séries de Animação Televisiva
Uma das exceções deste período foi “The Mighty Mouse” (“Super Mouse”), série que foi
originalmente pensada para parodiar o Super-Homem e que acabou tendo sucesso muito maior
quando reeditada na televisão do que quando exibida pela primeira vez no cinema. O super-
herói camundongo de formas antropomórficas, criado por Izzi Klein, fez enorme sucesso,
principalmente junto ao público infantil.
A partir do interesse das empresas, outras emissoras também abriram sua programação no horário
do sábado de manhã para novas séries de desenhos animados. Apesar da audiência deste horário ser
menor do que a do horário vespertino durante a semana, o anunciante tinha a oportunidade de
atingir diretamente o seu nicho, tornando assim o custo do investimento mais vantajoso.
No ano seguinte, em 1956, a rede americana CBS exibiu um programa de meia hora, com
desenhos animados da UPA, intitulado “Gerald McBoing-Boing Show”. O programa, exibido em
horário nobre, apresentava episódios de novas séries como “Dusty of the Circus”, “Twirlinger
Twins” e “Punch and Judy”, além do próprio “Gerald McBoing-Boing”. O objetivo era rivalizar
com “Mickey Mouse Club”, programa da Disney na ABC, produzindo mais animações por um
custo menor. Apesar da grande audiência, “Gerald McBoing-Boing Show” foi retirado do ar no
ano seguinte, sob pretexto de alto custo de produção alegado pela emissora.
5. Além da UPA, diversos artistas, profissionais e empresas das áreas das artes, da comunicação e da cultura
foram perseguidos e sofreram censuras e outras dificuldades criadas pelo comitê, que tinha como objetivo
principal livrar a América (os Estados Unidos) da ameaça comunista.
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Dramaturgia de Série de Animação
Bill Scott e Phil Eastman e forçou a demissão de um de seus mais talentosos animadores, John
Hubley. Além do aspecto emocional, o fato abalou também a base criativa do estúdio, que
iniciou seu processo de crise financeira.
Em 1957, a ABC convida Walter Lantz para produzir novos episódios exclusivos para a
televisão de sua série “The Woody Woodpecker” (Pica Pau), que foi exibida na emissora até
1960. Posteriormente, a série foi reeditada na NBC (1970-1972) e é esporadicamente reprisada
com grande sucesso em todo o mundo, a despeito de críticas quanto ao comportamento da
protagonista, da presença de personagens estereotipadas e de certo humor negro.
Em 1958, o produtor Joe Oriolo tenta reeditar na televisão o sucesso do gato Félix,
buscando uma atualização da série com algumas mudanças no enredo e a introdução de novas
personagens à trama. A série, exibida na CBS entre os anos de 1958 e 1961, não consegue,
entretanto, nem de perto repetir o êxito obtido anteriormente no cinema.
Neste mesmo ano, a MGM (Metro-Goldwyn-Meyer Studios Inc.), que havia hesitado em
produzir para a televisão, fecha seu departamento de animação para cinema e, entre os seus
funcionários desligados, estavam os experientes animadores William Hanna e Joseph Barbera.
Os dois trabalhavam no estúdio desde a década de 30 e juntos haviam ganhado sete Academy
Awards, sendo responsáveis, entre outros projetos, pelas séries “Tom e Jerry” e “Droopy”.
Em parceria com a Columbia Pictures, sócia em 20% do capital da nova empresa, Hanna e
Barbera fundam a H-B Enterprises, renomeada para Hanna-Barbera Productions em 1959. Nesta
nova empreitada, o estúdio ajudou a formar novos profissionais e contou com uma grande
equipe de animadores, composta por nomes como Carlo Vinci, Kenneth Muse, Lewis Marshall,
Michel Lah e Ed Barge. O primeiro projeto estreou no final de 1957: “The Ruff and Reddy
Show” (“Jambo e Ruivão”), uma série em que Ruff (Jambo), um gato, tem como amigo Reddy
(Ruivão), um cão. A primeira série de Hanna e Barbera para a televisão teve boa acolhida, o
que permitiu que a dupla desenvolvesse um novo projeto no ano seguinte.
76
Séries de Animação Televisiva
Assim, em 1958, a Hanna Barbera produz “Huckleberry Hound Show” (“Dom Pixote”), que tinha
como principal atração o desenho animado, inspirado nas aventuras da célebre personagem Tom Sawyer,
presente em diversas obras do escritor Mark Twain. A série tinha como protagonista um cachorro azul
com sotaque caipira e que cantarolava constantemente a canção “Oh, Querida Clementina”.
Outro desenho animado exibido no programa era “Pixie & Dixie and Mr. Jinks” (Plic, Ploc
& Chuvisco), série que trazia o gato Chuvisco contra os ratos Plic e Ploc, em um ambiente
doméstico. Apesar da inevitável comparação com “Tom & Jerry”, esta série tinha uma
atmosfera mais tranquila, uma vez que Chuvisco era menos violento do que Tom - ainda que
alguns o considerassem mais sinistro do que o outro gato.
“Huckleberry Hound Show” (Dom Pixote) fez grande sucesso e tinha, segundo pesquisas da
época, 40% de seu público formado por adultos. Era o início da produção de animações com apelo
intergeracional, capazes de atingir igualmente crianças e adultos, público designado em língua
inglesa pelo termo “kidult”. Uma das fórmulas para esse feito era a própria estrutura das animações
da Hanna Barbera, que apresentava de forma implícita e figurada questões contemporâneas por meio
de um visual infantil, com áudio (sobretudo trilha sonora e diálogos) mais adulto.
Com “The Ruff and Reddy Show” (Jambo e Ruivão) e “Huckleberry Hound” (Dom Pixote), o então
recém-formado estúdio Hanna-Barbera definiu as bases de um novo modelo de produção de séries
de animação para a televisão norte-americana, baseada nos moldes da animação limitada e que
conseguia atingir simultaneamente tanto o público infantil quanto o adulto (kidult).
Um recurso curioso utilizado em “The Rocky and Bullwinkle Show” era a presença de
quadros específicos dentro do programa, como “O Senhor Sabe Tudo”, no qual Bullwinkle
tentava ensinar ao telespectador uma lição de moral, mas acabava sempre se atrapalhando e
dizendo coisas sem sentido. Em 2000, foi lançado um filme em live action baseado nesta série
de televisão, porém, sem grande repercussão.
Ainda em 1959, a Hanna Barbera lança outro programa contendo séries apreciadas por
crianças e adultos, “The Quick Draw McGraw Show” (“O Show do Pepe Legal”). No programa,
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Dramaturgia de Série de Animação
além da série que contava as aventuras de um cavalo antropomórfico homônimo, eram exibidos
episódios de “Augie Doggie and Doggie Daddy” (“Bob Pai e Bob Filho”) e de “Snooper and
Blabber” (“Olho Vivo e Faro Fino”).
Outras séries animadas foram produzidas exclusivamente para televisão por estúdios
menores nos anos 50 e, em alguns casos, foram exibidas apenas em um circuito local ou
regional. Entre estas séries, podemos mencionar: “Tom Terrific” (Terrytoons, 1957-59),
“Deputy Dawg” (Terrytoons, 1957-72), “Spunky and Tadpole” (Beverly Hills Productions, 1958-
61), “Capt’n Sailorbird” (Magic Screen Pictures, 1959), “Bucky and Pepito” (Trans-Artists
Productions, 1959), “Matty’s Funday Funnies” (Famous Studios, 1959-61) e “Clutch Cargo”
(Cambria productions, 1959). Esta última inaugurou (e praticamente sepulcrou) a técnica
conhecida como syncro-vox, que consiste na utilização da imagem filmada ou gravada da boca
do dublador no lugar da boca da personagem animada, técnica esta considerada um exemplo
extremo de economia do custo de produção.
Devemos destacar mais duas séries produzidas fora do eixo dos principais estúdios da
época, mas que tiveram algum reconhecimento posterior. A primeira delas foi “Colonel Bleep”
(Soundac, 1957), considerada a primeira série de animação colorida na história da televisão.
Criada por Robert D. Buchanan e dirigida pelo animador Jack, foi exibida e reprisada até
meados dos anos 70. Na série, o protagonista Coronel Bleep viaja pelo tempo (para o passado
e para o futuro) e pelo espaço sideral, procurando livrar o universo das ameaças do sombrio
Dr. Destructo. Para ajudar em sua missão, Bleep conta com a ajuda de dois terráqueos de
épocas diferentes: Squeek, um menino dos anos 50 caracterizado de cowboy e Scratch, um
forte e musculoso homem das cavernas. Por suas histórias inusitadas e seu visual arrojado, a
série influenciou alguns futuros animadores, como John Kricfalusi – criador da série “Ren &
Stimpy” nos anos 90.
Outra série diferenciada produzida nos anos 50 foi “Gumby” (1957-1988), provavelmente
a primeira e uma das poucas séries para televisão realizadas com a técnica de stop motion. A
série, que utilizava “massinha” (clay), foi inicialmente pensada por Art Clokey em 1953, a partir
de seu curta-metragem de animação “Gumbasia”, realizado como trabalho de conclusão de
curso orientado pelo artista sérvio Slayko Vorkapić na University of South California. “Gumby”
tinha como personagens o protagonista Gumby (um boneco inspirado nos biscoitos modelados
em forma humana conhecidos como gingerbreads), seu amigo Pokey (um pônei falante), The
Blockheads (um par de bonecos vermelhos de cabeça quadrada), Nopey (o cachorro de Gumby
que responde a tudo com um sóbrio “não”) e Prickle (um dinossauro amarelo que encarna o
papel de detetive a la Sherlock Homes).
Esse afã atingiu não só os envolvidos na produção de séries de animação, como também o
mercado publicitário, que passou a produzir uma quantidade cada vez maior de animações em
78
Séries de Animação Televisiva
suas propagandas na televisão – fato que colaborou com a renda e a receita de muitos animadores
e estúdios. O cenário foi favorecido também pela grande oferta de animadores disponíveis no
mercado, uma vez que estes haviam sido dispensados dos grandes estúdios de animação para
cinema – a exemplo do ocorrido com os próprios William Hanna e Joseph Barbera.
Com a popularização dos programas em cores no início dos anos 60, os antigos theatrical
em preto e branco deixam de ser exibidos na televisão, restringindo a oferta dos “ready made” –
vale lembrar que uma boa parte dos theatricals era em preto e branco. Com isso, forçou-se
a produção de novas animações coloridas, que tinham, nessa época, como principal janela
de exibição a televisão. Temos aqui mais um exemplo de como os elementos tecnológicos
influenciaram na dinâmica de produção da animação ao longo de sua história.
Nesta visão fantasiosa do passado, os homens da caverna conviviam com animais pré-
históricos, como tigres dentre de sabre e dinossauros, e possuíam um estilo de vida
contemporâneo, utilizando, porém, uma tecnologia compatível com os recursos disponíveis na
Idade da Pedra. Por exemplo: músicas podiam ser escutadas a partir de aparelhos semelhantes
a um toca-discos, mas todo ele feito de pedra e com a função da agulha sendo executada pelo
bico afiado de uma ave, e assim por diante.
O êxito de “The Flintstones” fez com que a Hanna-Barbera se consolidasse como a maior
produtora de desenhos animados dessa década e uma das maiores, se não a maior, de todos os
tempos – ocupando papel de grande destaque no meio até os anos 90. Desta forma, o estúdio
foi o principal fornecedor de desenhos animados, principalmente para o horário do sábado
de manhã, das principais redes norte-americanas de televisão. Muito criticada pela Disney e
também pelos animadores mais tradicionais, o estúdio conseguia oferecer séries por um custo
até dez vezes mais barato do que o das concorrentes.
Na temporada de 1961-62, as chamadas “Big Three” (as três maiores emissoras abertas
dos Estados Unidos: ABC, CBS e NBS) possuíam um total de sete animações em horário nobre
durante suas grades semanais. Na opinião de Mittell, a “corrida pelo ouro” para preencher essa
demanda levou a um ciclo “inovação-imitação-saturação”.
79
Dramaturgia de Série de Animação
Inúmeras outras séries foram produzidas nos estúdios Hanna-Barbera durante a década
de 60, sem, contudo, ter a mesma repercussão do que “The Flinstones”, entre elas: “Top
Cat” (“Mandachuva”; 1961-62) “Jonny Quest” (1962-63), “Wally Gator” (1962-63), “Magilla
Gorilla” (“Maguila, o Gorila”, 1963-67), “The Jetsons” (“Os Jetsons”, 1964-65), “The Atom
Ant” (“A Formiga Atômica”, 1965-67), “Space Ghost” (1966-68), “Frankestein Jr.” (1966-68),
“The Impossible” (“Os Impossíveis”, 1966-68), “Shazzan” (1967-69), “Birdman” (“Homem
Pássaro”, 1967-69), “Galaxy Trio” (1967-69), “Moby Dick” (1967-69), “Young Sanson and
Goliath” (“Jovem Sansão e Golias”, 1967), “The Herculoids” (“Os Herculóides”, 1967-68),
“Fantastic Four” (“Quarteto Fantástico”, 1967-68), “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”, 1968-
70) e “Banana Splits” (live action com animação, 1968-70).
A ABC, objetivando ampliar o sucesso obtido com “The Flintstones”, estreia, em 1960, o
novo programa “The Bugs Bunny Show”. Produzido pela Warner Bros. Cartoons, o programa
reunia episódios das séries de “Looney Tunes” e contava ainda com a produção e a direção
dos experientes animadores Chuck Jones e Friz Freleng. Depois de três temporadas em horário
nobre, o programa se mudou em definitivo para o horário do sábado de manhã da ABC, onde
permaneceu de forma ininterrupta até o ano 2000, totalizando assim a impressionante marca
de 40 temporadas e mais de 1.000 episódios exibidos.
O universo de “Looney Tunes” criou uma das maiores, mais ricas e diversas galerias de
personagens de toda a história do desenho animado. Algumas destas personagens ganharam
inclusive suas próprias séries. Entre as personagens de maior sucesso de “Looney Tunes” estão:
Bugs Bunny (Pernalonga), Duck Dogers, Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino Troca-
Letras), Foghorn Leghorn (Frangolino), Marvin Martian (Marvin Marciano), Pepé Le Pew (Pépe,
o Gambá), Penelope Pussycat (Penélope), Porky Pig (Gaguinho), Road Runner (Papa-Léguas),
Speedy Gonzales (Ligeirinho), Sylvester (Frajola), Tasmanian Devil (Taz), Tweety (Piu-Piu),
Willie E. Coyote (Coiote) e Yosemite Sam (Eufrazino Puxa-Briga).
80
Séries de Animação Televisiva
Dois anos após “Gerald McBoing Boing Show”, a UPA faz sua segunda tentativa na televisão
com “Dick Tracy” (1961-62). A série detetivesca era normalmente exibida em emissoras locais
após o horário do sábado de manhã, reservado aos desenhos animados, e era considerada uma
espécie de versão infantil para a prestigiada série em live action “Os Intocáveis”. Baseado na
história em quadrinhos homônima, publicada durante a década de 30 por Chester Gould, a
série acabou tendo mais projeção nos anos 90, após o lançamento do filme de longa-metragem
“Dick Tracy”, produzido e dirigido por Warren Beatty.
O estúdio tenta melhor sorte com a exibição de dois filmes de longa-metragem em animação,
caminho pelo qual os estúdios Disney já haviam conseguido sucesso. O primeiro destes longas
foi “1001 Arabian Nights”, dirigido por Jack Kinney, que apresenta o protagonista Mr. Magoo no
contexto das tradicionais histórias do folclore árabe. O segundo longa animado produzido pela
UPA foi “Gay Purr-ee”, dirigido por Abe Levitow, em 1962, um romance musical envolvendo
dois gatos (Mewsett e Mewrice) em Paris, e que contou com trilha musical interpretada pela
atriz e cantora norte-americana Judy Garland.
Pouco depois, em 1964, a UPA lança a série “The Famous Adventures of Mr. Magoo”, exibida
no mesmo ano na rede NBC. Com 26 episódios, a série, mesmo sendo exibida em horário
nobre, acabou não tendo sequência e o estúdio encerra suas atividades. Sem conseguir êxito
na televisão e na produção de filmes de longa-metragem, a UPA enfrenta uma séria crise
financeira que culmina com a venda de seu acervo cinematográfico para a Columbia Pictures.
Os direitos de “Mr. Magoo” passam para a DFE Films, que tenta, também sem êxito, reeditar a
série no final da década de 70.
De maneira paralela às produções dos estúdios mais conhecidos, “The Beatles” (ABC,
1965-67), dirigida por George Dunning e produzida por Al Brodax, também apontou novas
direções para a animação. A série, exibida durante o auge da popularidade da banda inglesa,
se beneficiou do sucesso do quarteto de Liverpool e inspirou a criação, em 1968, do aclamado
longa “Yellow Submarine” - no qual foi repetida a dupla Dunning-Brodax. “The Beatles” foi a
primeira de uma série de desenhos animados adaptados a partir de pessoas ou grupos “reais”,
como “The Jackson 5ive” (ABC, 1971-73) e “Harlem Globe Trotters” (CBS, 1970-71).
Além da Hanna-Barbera e da Warner Bros. Cartoons, três outros importantes estúdios, que
iniciaram suas atividades na década de 60, também tiveram relativo sucesso no meio. Um deles
foi a Filmation, fundada em 1963 pelos produtores Lou Scheimer e Norm Prescott, que já haviam
produzido anteriormente desenhos animados como “Bozo: The World’s Most Famous Clown” (1958-
62) e “Popeye” (1960-62). O primeiro desenho animado oficialmente produzido pela Filmation foi
“Rod Rocket”, série que mostrava as aventuras de um menino chamado Rod Rocket e seu melhor
amigo, Joey. Juntos eram enviados pelo inteligente e excêntrico Professor Argus para uma missão
espacial cujo objetivo principal era resgatar a neta do professor, a jovem Cassie.
Três anos depois, em 1966, a Filmation lança sua primeira série baseada naquilo que se
constituiria como uma das principais marcas do estúdio: super-heróis – sobretudo da DC Comics.
Assim, vai ao ar em 1966 na CBS “The New Adventures of Superman”, dirigida por Hal Sutherland.
Superman torna-se, portanto, o super-herói pioneiro dos quadrinhos e também das séries de
animação no cinema e na televisão. A série abre as portas para maior presença de super-heróis, já
popularizados nos quadrinhos, que tiveram excelente recepção junto ao público infantil no horário
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Dramaturgia de Série de Animação
do sábado de manhã. Outras séries de super-heróis produzidas pelo estúdio nesta década com boa
repercussão foram “Aquaman” (CBS, 1968-70) e “Batman” (CBS, 1968-69).
Outro expediente bastante utilizado pelo estúdio eram os longos movimentos de câmera,
sobretudo panorâmicas, pelos cenários estáticos. Neste caso, o menor movimento de câmera
que fosse era o suficiente para quebrar a sensação de imagem parada e monotonia do plano.
Além disso, a Filmation possuía em muitas de suas séries animadas sequências de live action o
uso do recurso de rotoscopia – desenho por cima de imagem previamente registrada.
As experiências da Filmation fora do nicho de super-heróis não tiveram tanto êxito, como
se pôde observar com as séries “Journey to the Center of Hearth” (ABC, 1967), “Fantastic
Voyage” (ABC, 1968), “The Archie Show” (“Turma do Archie” – CBS, 1969) e “The Hardy
Boys” (ABC, 1969). Contudo, o estúdio permaneceria na ativa até meados da década de 80,
principalmente por conta do seu principal nicho.
O segundo estúdio a iniciar as suas atividades nessa década foi a Rankin/Bass Productions,
fundada em 1964 por Arthur Rankin e Jules Bass, originalmente com o nome Videocraft
International. Especializado em stop motion, o estúdio também produziu animações
tradicionais em 2D com terceirização da mão de obra nos estúdios japoneses Toei Animation e
Mushi Production. Um dos seus pontos fortes eram as dublagens realizadas por uma talentosa
equipe, em estúdio de áudio próprio. Apesar da presença relativamente discreta, a Rankin/
Bass produziu seis séries nos anos 60, além da participação em filmes de longa-metragem e
especiais para a televisão. Os estúdios encerrariam suas atividades na década de 80, após o
término de sua série de maior sucesso, “Thundercats”.
O outro estúdio com presença marcante nesse período foi o DePatie-Freleng Enterprises
(também conhecida por DFE Films), fundado no mesmo ano em que a Filmation (1963). A
DFE Films foi estabelecida por Friz Freleng e seu amigo e parceiro David H. DePatie. Juntos,
eles conseguiram montar um estúdio aproveitando todos os equipamentos, infraestrutura e
mesmo os funcionários da Warner Bros. Cartoons, que encerrou suas atividades com animação
no cinema no ano de 1963. Além das séries de animação, o estúdio também teve atuação
destacada junto à publicidade, especiais para a televisão, aberturas de programas e aos
remanescentes theatricals – conforme vimos no capítulo anterior.
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Séries de Animação Televisiva
O programa apresentava, além dos episódios da célebre personagem Pantera Cor-de-Rosa, que
lhe rendeu o único Oscar do estúdio em 1964, outras séries que o estúdio exibia de forma simultânea
no cinema (theatricals), como “The Inspector” (O Inspetor), “Roland and Rattfink” (“Bom bom e Mau
Mau”), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”) - a
maioria destas criadas pelo talentoso roteirista e animador John W. Dunn.
Além da estrutura, a DFE Films assumiu da Warner Bros. Cartoons também a produção
de “Looney Tunes”. Inicialmente dirigido pelo próprio Freleng, o estúdio terceirizado acabou
contratando Robert McKimson para a direção da série até o ano de 1967, quando a Warner Bros.
decidiu reabrir seus próprios estúdios e assumir novamente a produção de “Looney Tunes”.
Por um lado, a década de 60 marca o boom das séries de desenhos animados na televisão,
saltando de 25 séries produzidas na década anterior para cerca de 150. Por outro, marca
83
Dramaturgia de Série de Animação
Em 1961, Newton Minow, executivo responsável pela FCC, já havia encabeçado um movimento
de crítica à banalidade da televisão, que teve como principal alvo justamente os desenhos
animados. Em resposta, foram produzidas e exibidas séries de caráter predominantemente
educativo, como “Discovery”, “Exploring”, “1,2,3 – Go!” que, apesar de agradarem aos
críticos, não tinham audiência expressiva e afastavam os principais anunciantes.
Por isso mesmo, esse nicho de programas acaba confinado às emissoras públicas, que
buscam no chamado “edutainment” (entretenimento educativo), uma forma de agregar às
séries aspectos educativos de forma divertida. Um dos programas de maior sucesso na televisão
norte-americana neste formato foi “Sesame Street”, programa em live action com pequenas
cenas animadas e participação de bonecos de manipulação (puppets), criados pelo bonequeiro
Jim Henson. Garibaldo e sua turma tiveram 37 temporadas e mais de 4100 episódios, tornando-
se um dos programas infantis de maior duração de todos os tempos.
“Sesame Street” foi ainda exibido em mais de 120 países de todo o mundo, ganhando,
em alguns casos, versões próprias que incorporavam conteúdos específicos destes países. No
Brasil, “Vila Sésamo” tinha uma hora de duração e foi exibido nas redes Globo e Cultura de
televisão durante a década de 70.
Em 1963, Lyndon Johnson entra no lugar de Minow na FCC e adota a política “hands off”,
isto é, de não intervenção direta sobre os programas de televisão. Contudo, sobretudo após
a morte de John F. Kennedy (1963) e de Martin Luther King (1968), aumentam as críticas e
pressões referentes à linguagem e ao conteúdo dos desenhos animados por parte da mídia e
também por parte de diversos órgãos e entidades como NABB (National Association for Better
Broadcasting) e ACT (Action for Children´s Television).
Teóricos e pesquisadores do campo das ciências sociais dão suporte e legitimidade a estas
críticas, como George Gerbner, autor da teoria da enculturação (cultivation theory). Segundo esta
teoria, a televisão teria o poder de influenciar a maneira como as pessoas, sobretudo crianças em
fase de formação, constroem suas identidades e passam a ver e interagir com o mundo. Por meio da
criação de um ambiente simbólico comum sem precedentes, os telespectadores padronizariam seus
pensamentos, comportamentos e atitudes a partir de modelos fornecidos pela televisão, que teria
poder semelhante àquele ocupado pelas religiões em tempos ancestrais. Ainda segundo Gerbner, o
nível de influência da televisão poderia variar em função da quantidade média de horas assistidas por
dia pelas pessoas – quanto mais tempo assistido, maior a influência.
Os estudos de Gerbner, aliados a pressão de órgãos como NABB e ACT, fazem com que
a questão chegue ao congresso norte-americano por meio do senador John Pastore. Como
resultado, além das novas séries educativas, surgem novos desenhos animados com humor
mais leve, como “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”) e “Scooby-Doo”.
Desse modo, a década de 70 se inicia com um intenso debate sociológico como pano
de fundo para as séries de animação. No ano de 1973, em artigo de grande repercussão de
Bill Greeley na Revista Variety, os desenhos animados voltam a ser atacados. Entidades e
84
Séries de Animação Televisiva
Esta nova realidade impõe uma redução de custos que afeta toda a cadeia produtiva das
séries animadas para a televisão, determinando novas estratégias e métodos de produção.
O número de episódios por temporada cai de 26 para a metade. Reprises de séries antigas
também passam a ser frequentes, desde que atendendo aos critérios qualitativos exigidos pelo
governo e pelas entidades sociais representativas.
Um dos principais nomes dos desenhos animados na década de 70 foi o do executivo Fred
Silverman, entusiasta dos cartoons que chegou inclusive, ele mesmo, a dublar diversas vozes
de personagens. Com passagem por importantes cargos executivos nas três grandes emissoras
norte-americanas (ABC, CBS e NBC), o executivo garantiu a continuação de exibição de desenhos
animados nestas emissoras em um período de grandes dificuldades financeiras para o setor.
85
Dramaturgia de Série de Animação
O anime está estritamente ligado aos mangás, conhecido atualmente como as histórias
em quadrinhos produzidas no Japão. Assim, é relativamente comum encontrar mangás que se
tornaram animes e vice-versa. As raízes do mangá remontam ao século VIII, no período Nara,
com os emakimonos, os primeiros rolos de pintura japonesa. Nestes, já era possível perceber
histórias contadas por meio de imagens com texto em separado. No período Edo (séculos XVII a
XIX), os rolos são substituídos por livros e os desenhos são comumente utilizados para ilustrar
romances e poemas. Com o advento da estampa japonesa (ukyo-e), no século XVI, surgem livros
com predomínio de imagens em relação ao texto escrito, em outras palavras, livros pensados
muito mais para serem vistos do que propriamente lidos. Estes livros se tornam extremamente
populares no Japão, onde o termo mangá, que em romaji (transcrição fonética do japonês para
o alfabeto romano) significa “desenhos irresponsáveis”, foi cunhado no século XIX.
O mangá moderno surge, entretanto, no século XX, a partir da influência das revistas
comerciais européias e norte-americanas. O precursor do mangá moderno Osamu Tesuka tinha
como principais referências obras de Walt Disney e dos irmãos Fleischer – os olhos grandes que
caracterizam as personagens do gênero, por exemplo, teriam vindo de Betty Boop. Tezuka foi
responsável por criar algumas das características que definem o gênero contemporaneamente,
como o exagero nas proporções dos olhos, boca, nariz e sobrancelhas (que garantem maior
expressividade facial), uso de efeitos gráficos (como os traços e as linhas que fazem alusão ao
movimento), alternância de planos (semelhante, neste aspecto, ao storyboard) e uso da figura
semântica de linguagem das onomatopeias.
86
Séries de Animação Televisiva
para a televisão na década de 60. O primeiro deles foi a Toei Animation, que contava em seu
elenco com animadores como Isao Takahata, Hayao Miyazaki, Mamoru Oshii e Yasuo Otsuka. A
primeira produção do estúdio veiculada na televisão japonesa foi “Ookami Shonen Ken”, no
ano de 1963. Atualmente, o estúdio é considerado o maior produtor de anime do mundo.
Após o vencimento de seu contrato com a Toei Animation, Osamu Tezuka resolve abrir
seu próprio estúdio de animação, formando, inclusive, a própria mão de obra. Denominado
Mushi Productions, o estúdio de Tezuka é inaugurado com o objetivo de concorrer com a Toei
Animation. Logo na estreia, sua primeira série “Mighty Atom” (“Astro Boy”), exibida no Japão
em 1963, atinge grande sucesso e é exibida em diversos países de todo o mundo durante as
décadas de 60 e 70, inclusive nos Estados Unidos e Brasil. Adaptado a partir de um mangá de
Tezuka originalmente publicado em 1952, “Astro Boy” foi o primeiro caso de um anime para
televisão exibido fora do Japão com sucesso. Desde então, a grande maioria dos animes tem
relação direta com mangás. Na maior parte das vezes, animes são feitos a partir do sucesso
de mangás, mas, em outros casos, o anime também pode preceder o mangá ou mesmo ambos
podem ser feitos simultaneamente.
“Astro Boy” é uma série animada de ficção científica, ambientada em um futuro no qual seres
humanos convivem com androides. O protagonista da série é Astro, um poderoso robô criado pelo
ministro da Ciência, Dr. Tenma, para compensar a ausência de seu filho Toby, morto em um acidente
de carro. Apesar de tratar Astro com carinho, Dr. Tenma percebe que o menino robô não é capaz de
preencher a falta de seu filho. O cientista vende o menino robô para um circo, onde é posteriormente
descoberto pelo novo ministro da ciência, Professor Ochanomizu, que o adota e o trata como um
filho. Orientado pelo professor, Astro passa, por meio de suas habilidades e poderes, a combater as
forças do mal, quase sempre representadas por robôs e alienígenas.
Após seu início na década de 60, os animes se consolidam no Japão no final da década
de 70, favorecendo a criação de uma forte indústria de animação no país. A Toei Animation
produziu, nestas duas décadas, cerca de 50 séries, como “Uchuu Patrol Hopper” (“Space Patrol
Hopper”, 1965), “Kaizoku Ouji” (“Pirate Prince”, 1966), “Himitsu no Akko-chan” (“Akko-chan’s
Secret”, 1969-70), “Mahaou no Mako-chan” (“Magical Mako-chan”, 1970-71), “Mazinger Z”
(“Tranzor Z”, 1972-74), “UFO Robo Grendizer” (1975-77), “Majokko Megu-chan” (“Witch Girl
Meg”, 1974-75), “Getter Robo G” (“Starvengers”, 1975-76), “Magne Robo Gakeen” (“Magnetic
Robot Gakeen”, 1976-77) e “Eiko no Tenshitachi: Pink Lady Monogatari” (“Glorious Angels: The
Story of Pink Lady”, 1978-79).
A Mushi Productions realizou um pouco menos neste mesmo período: 16 séries, conseguindo,
entretanto alguma projeção com animes como “Ginga Shonen Tai” (“Galaxy Boys Squad”, 1963-
65), “The Amazing 3” (“W3”, 1965-66), “Kimba, the White Lion” (“Kimba, o Leão Branco”,
1965-66), “Gokū no Daibōken” (“The Adventures of Goku”, 1965-66) e “Princess Knight” (“A
Princesa e o Cavaleiro”, 1967-68).
Desta forma, enquanto a indústria de animação vivia um momento delicado nos Estados
Unidos, no Japão a década de 70 representou a consolidação do anime no país. Além da Toei
Animation e da Mushi Productions, havia a Tatsunoko Production, que produziu cerca de 30
séries nestas duas décadas, e a TMS Enterteinment, principal estúdio de anime para cinema do
Japão, que acumulou no mesmo período cerca de 35 séries exibidas na televisão. Surgem ainda
87
Dramaturgia de Série de Animação
outros estúdios especializados em animes para televisão, como A Pro, Madhouse Production,
Sunrise e Nippon Animation. Juntos, os estúdios de anime no Japão produziram cerca de 210
séries de animação para a televisão nas décadas de 60 (55 ao todo) e 70 (com 155 títulos). Tais
números transformaram o país, ao lado dos Estados Unidos, em um dos maiores produtores de
séries de animação para a televisão e abriram as portas para a grande popularização da cultura
japonesa em todo o mundo a partir da década de 80.
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Séries de Animação Televisiva
“He-Man and the Masters of the Universe” (“He-man e os Mestres do Universo”, Filmation,
1983-85), “Dungeons & Dragons” (“Caverna do Dragão”, coprodução Marvel, Toei Animation e
TSR Entertainment, 1983-85), “Transformers” (Sunbow productions, 1984-87), “Challenge of the
GoBots” (Hanna-Barbera, 1984), “She-Ra, Princess of Power” (“She-Ra, a Princesa do Poder”,
Filmation, 1985-87), “Thundercats” (Rankin/Bass, 1985-90), “Silver Hawks” (Rankin/Bass, 1986) e
“Teenage Mutant Ninja Turtles” (“Tartarugas Ninjas”, Muramaki Wolf Senson, 1987-96).
Nesse contexto de novo crescimento do setor, um estúdio francês radicado nos Estados
Unidos em 1982 se torna um dos principais produtores de séries de animação para a televisão.
Trata-se da DIC Entertainment, responsável pela produção de mais de 40 séries nos anos 80,
entre elas: “Inspector Gadget” (1983-86), “Rainbow Brite” (1984-86), “Denis, the Menace”
(“Denis, o Pimentinha”, 1986-88), “The Real Ghostbusters” (“Os Caça-Fantasmas”, 1986-91)
e “G.I. Joe” (1989-91).
O sucesso do anime é tão grande, que ele se estabelece como uma espécie de um gênero
próprio dentro da animação, atingindo um público segmentado e, na maioria das vezes,
extremamente aficionado - também conhecidos pelo termo otaku. A consolidação do anime no
Japão e em todo o mundo possibilitou que esse tipo de animação explorasse diversas temáticas
e que surgissem, com o tempo, alguns subgêneros, como: artes marciais, aventura, comédia,
drama, escolares, esportes, fantasia, ficção científica, garotas mágicas, hentai (erótico,
pornográfico), horror, robôs (mechas), sobrenatural e inúmeros outros.
O aquecimento do mercado de animação fora dos Estados Unidos gerou grande oferta de
mão de obra barata e qualificada, capaz de executar os mesmos serviços técnicos realizados
pelos animadores norte-americanos por um custo muito inferior. Assim, muitos estúdios norte-
americanos mantêm seus núcleos criativos no país, mas começam a terceirizar parte de
suas animações no Japão, Filipinas, Coréia, Tailândia e em alguns países da América Latina,
barateando significativamente os custos de produção e aumentando suas margens de lucro.
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Dramaturgia de Série de Animação
sendo comprado pela Marvel Comics em 1981. Freleng volta aos estúdios da Warner Bros.,
enquanto DePatie faz a transição para a nova empresa.
A Hanna-Barbera também enfrenta problemas e passa pela década com dificuldades. Apesar de
emplacar um grande sucesso no começo dos anos 80, com “The Smurfs” (“Os Smurfs”, NBC, 1981-89),
perde sua liderança de duas décadas no setor. Após um novo sucesso, com “Muppet Babies” (CBS, 1984-
91), o estúdio lança “The Funtastic World of Hanna-Barbera”, um programa semanal que reprisava suas
principais séries, além de reeditar alguns novos episódios de “The Jetsons” (“Os Jetsons”).
Em seguida, começa a produzir séries baseadas em suas antigas personagens, porém com idade
infantil, como “The Flintstones Kids” (“Os Pequenos Flintstones”, ABC, 1986-88) e “A Puppett
Named Scooby-Doo” (“O Pequeno Scooby-Doo”, ABC, 1988-91). Em 1987, o estúdio produziu
“Hanna-Barbera Superstars 10”, um programa que incluía dez novas séries baseadas em seus
clássicos. Nesse programa, apresenta-se um dos mais famosos crossovers da história da animação,
“The Jetsons Meet the Flintstones” (1987-88), em que Elroy Jetson constrói uma máquina do
tempo que acidentalmente leva sua família à pré-história, momento no qual irão conhecer os
Flintstones que posteriormente, também por acaso, viajam no tempo rumo ao futuro.
Desde 1967, a Hanna Barbera tinha como holding a Taft Broadcasting, empresa pertencente
à família do ex-presidente norte-americano William Howard Taft. Passando por dificuldades
financeiras, a Taft Broadcasting é comprada pela American Financial Corporation em 1987
e tem seu nome mudado para Great American Broadcasting. Afundada em dívidas, a nova
companhia coloca à venda a Hanna-Barbera, que tem seus estúdios e acervos comprados pela
Turner Broadcasting em 1991 por U$ 320 milhões.
Em 1986, começa a funcionar uma quarta rede aberta de televisão nos Estados Unidos, a
Fox Broadcasting, com emissoras nas seis maiores cidades norte-americanas, atingindo cerca
de 25% da população do país – número bastante inferior aos das “Big Three”. No ano seguinte,
é lançado na Fox “The Tracey Ullman Show”, apresentado pela atriz e humorista homônima e
que contava com quadros musicais, humor e pequenas “pílulas” (“bumpers”) animadas, que
eram apresentadas ao início e ao final de cada bloco. Uma dessas pílulas mostrava pequenas
animações criadas por Matt Groening com as personagens de uma família chamada Simpson.
Em três temporadas, foram produzidos 47 minutos de animação, ao longo de cerca de 50
pílulas no “The Tracey Ullman Show”.
O sucesso da experiência foi tão grande que, em 1989, a Fox decide produzir episódios
completos desta série para um programa de meia hora na emissora. O primeiro episódio exibido
foi “Simpsons Roasting on an Open Fire”, um especial de Natal exibido em 17 de dezembro de
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Séries de Animação Televisiva
1989. O segundo episódio da primeira temporada foi “Bart, the Genius”, exibido em horário
nobre no dia 14 de janeiro de 1990. A primeira temporada de “The Simpsons” (“Os Simpsons”)
teve 13 episódios exibidos no primeiro semestre de 1990 e, desde então, a série não saiu mais
do ar no horário nobre. Atualmente, em sua vigésima segunda temporada e próxima da marca
de quinhentos episódios, é uma das séries de animação mais assistidas de todos os tempos.
O êxito de canais a cabo fundados no início dos anos 80 - como MTV, ESPN e CNN -provou
haver espaço para a segmentação das emissoras na televisão. Ao invés do domínio das grandes
emissoras abertas, que tratavam de temas gerais, tornou-se possível acompanhar canais
específicos, que abordam um determinado segmento 24 horas por dia, como música, esportes,
jornalismo e, posteriormente, animação.
A partir da segunda metade dos anos 80 e início dos 90, os Estados Unidos presenciaram
o surgimento de novos canais UHF, a cabo e também uma maior independência das emissoras
locais, que passaram a produzir alguns programas próprios ao invés de simplesmente reproduzir
integralmente o conteúdo das grandes redes. Estes eventos proporcionaram um aumento da
demanda e, por consequência, uma maior oferta para programas que buscavam, em conteúdos
e abordagens diferenciadas, estratégias para conquistar uma nova audiência. Apesar de serem
consideradas menores, estas emissoras estavam, normalmente, mais abertas à inovação e dispostas
a correr mais riscos do que os grandes canais tradicionais. Além disso, a elevada quantidade destas
emissoras em todo o território norte-americano aumentou o volume de produções, ainda que não
atingissem a mesma audiência dos programas exibidos em rede nacional.
Outro elemento importante foi a ousadia de alguns canais locais e a cabo. Enquanto os canais
abertos de televisão viviam uma espécie de “ressaca” das experiências passadas, com cópias de
séries de sucesso, adaptações de celebridades e de super-heróis dos quadrinhos, além da reprise de
séries antigas, os novos canais davam vazão à segmentação das séries animadas para a televisão.
Em alguns casos, inclusive, exibindo séries animadas produzidas em outros países do mundo, o que
auxiliou na diversificação e na ampliação do próprio entendimento do gênero.
Um dos programas pioneiros na exibição de animação não americana nos Estados Unidos foi
“Pinwheel”, exibido entre os anos de 1977 e 1990 no canal a cabo Nickelodeon. No programa,
eram exibidos inúmeros curtas-metragens e séries de animações de países como Suécia,
Inglaterra, Bélgica, França e, sobretudo, dos países do Leste Europeu.
91
Dramaturgia de Série de Animação
Neste sentido, também é válido registrar que a partir das políticas introduzidas por Mikhail
Gorbachev em 1985, como a perestroika e a glasnot, na extinta União Soviética, e também
a partir da queda do muro de Berlim (1989), grandes transformações começam a ocorrer
nos países pertencentes ao regime político comunista do Leste Europeu. Se, por um lado,
parâmetros capitalistas ocidentais passam paulatinamente a influenciar o cotidiano destes
países, por outro, o resto do mundo passa a conhecer toda a diversidade e riqueza artística
e cultural que se escondeu por trás da chamada Cortina de Ferro, principalmente nos países
pertencentes às antigas União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia.
O grande pioneiro da animação no Leste Europeu foi Vladislav Starevich, conhecido por
suas animações em stop motion com insetos. Por ter ido morar na França, foi um dos poucos
animadores soviéticos a ter sua obra conhecida e difundida mundialmente muito antes do fim
da Guerra Fria. Seu principal trabalho, com grande repercussão internacional, foi o curta “La
Voix du Rossignol” (“The Voice of the Nightingale”, 1923), premiado em todo o mundo.
O cinema foi, como sabemos, um meio extremamente popular nos países do Leste
Europeu, o que fez com que surgissem inúmeros estúdios que produziam propagandas, curtas
e longas-metragens. É curioso notar que o desenvolvimento das principais características
da animação nestes países se deu de forma própria, independente, isto é, sem intercâmbio
com os demais países do mundo e longe de qualquer influência do dominante modelo norte-
americano de produção. Apesar de, em alguns casos, serem utilizadas para propaganda
ou sofrerem algum tipo de censura pelo governo, as animações dos países da Cortina de
Ferro adquiriram formas, linguagens, estéticas e retóricas próprias, que permaneceram,
durante muitos anos, confinadas nesses países, sem serem vistas no resto do mundo.6
Três grandes escolas de animação, responsáveis pela formação da mão de obra e pela
produção das animações, podem ser apontadas como as principais do Leste Europeu até meados
dos anos 80, e que ainda continuam ativas. A primeira delas, a Soyuzmultfilm, é um estúdio
fundado em 1936, tendo produzido mais de 1.500 animações. No seu auge, o estúdio chegou a
empregar mais de 700 funcionários e produzir cerca de 45 animações por ano. A Soyuzmultfilm
também é conhecida pela enorme diversidade de temas, estilos e técnicas presentes em suas
animações - diferentemente da maioria dos estúdios, que normalmente buscam determinadas
especializações ou segmentações.
6. Após nova organização política e geográfica, os atuais países internacionalmente reconhecidos que ocupavam
territórios pertencentes ao Leste Europeu são: Albânia, Armênia, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina,
Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Georgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia,
Montenegro, Polônia, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia e Ucrânia.
92
Séries de Animação Televisiva
Além disso, há o estúdio de Jiři Trnka, no qual o animador desenvolveu a maioria de seus filmes
utilizando a técnica de stop motion, por meio da manipulação de bonecos. Antes de animar, Trnka
tinha grande experiência profissional com a criação de bonecos e também com ilustração. O animador,
amplamente premiado e reconhecido, tornou-se notório por aliar uma alta carga poética em sua
dramaturgia à pesquisa de novos materiais, processos e técnicas para seus trabalhos, tornando-se
uma das maiores e mais importantes referências no mundo da animação.
Além destes três principais, é importante frisar que dezenas de outros estúdios têm
participação ativa e importante no cenário da animação no Leste Europeu. Dentre esses,
podemos mencionar o NuKu Film Studio, localizado atualmente na Estônia e um dos principais
estúdios de stop motion em todo o mundo, e a Pannónia Film Stúdió, produtora estatal húngara
de curtas, longas e séries, responsável pela formação dos principais animadores do país, como
Attila Dargay, Marcell Jankovics, Ferenc Rófusz, György Koyásznai, Sándor Reisenbüchler,
István Orosz, Liviusz Gyulai, Dóra Keresztes e Zsolt Richlv.
Com a queda da Cortina de Ferro, surgem também diversos novos estúdios de animação,
não mais estatais, mas privados. Um deles é o estúdio Pilot, um dos primeiros estúdios privados
do Leste Europeu, fundado em 1988 por Aleksandr Tatarskiy, Igor Kovalyov e Anatoliy Prokhorov.
Conhecido pelo senso de humor aguçado e pela técnica apurada de suas obras, o estúdio, um
dos maiores da Rússia, conseguiu rápida projeção com curtas-metragens como “The Hunter”
(1993) e “Bukashki” (2003). Atualmente, o estúdio também desenvolve alguns projetos de
séries de animação para a televisão.
93
Dramaturgia de Série de Animação
emissoras. Isso sem mencionar os próprios animadores desses países que migraram para os Estados
Unidos e começaram a trabalhar na grande indústria dos desenhos animados.
Com tudo isso, foi natural que a animação do Leste Europeu começasse a se tornar uma
referência para a produção de séries animadas ocidentais. Podemos, portanto, levantar a
hipótese de que, ao lado dos outros fatores aqui apontados, a queda da Cortina de Ferro tem
relação direta com a renovação e diversificação dos desenhos animados norte-americanos a
partir da década de 90. Uma das primeiras séries em que isso se manifestou de forma bastante
perceptível foi “Rugrats”, produzida pelo estúdio Klasky Csupó, fundado pelo animador
húngaro Gabor Csupó com sua esposa Arlene Klasky.
A segunda série foi justamente “Rugrats” (1991-2004), criada pelo estúdio de Gabor Csupó
e Arlene Klasky. A série apresenta uma possível visão de mundo de uma turma de bebês,
que conseguem se comunicar entre si, mas que não são compreendidos pelos adultos, apesar
de conseguirem entender tudo o que estes dizem. Uma das personagens, Angelica Pickles,
posteriormente adicionada à série, consegue se comunicar igualmente com os dois mundos,
sendo assim uma espécie de elo entre eles. A série, destinada para o público infantil, conseguiu
um fato raro: oferecer um entretenimento de qualidade com criatividade e que foi elogiado
por pais, adultos e organizações sociais, premiado pelos críticos e adorado pelas crianças.
A terceira série lançada pelos novos estúdios da Nickelodeon foi “Ren & Stimpy”, do criativo
e irreverente animador canadense John Kricfalusi. Os episódios giram em torno das bizarras
situações vividas pelos dois protagonistas que dão nome à série: Ren, um cachorro chihuahua
neurótico e Stimpy, um gato bem humorado e estúpido. Com estilo de animação semelhante ao
dos theatricals realizados entre as décadas de 40 e 60 (período conhecido como a Era de Ouro
da Animação Americana), a série abusava de humor negro e de violentas trapalhadas.
A ideia inicial da série surgiu em 1978, quando Kricfalusi, então estudante de animação,
viu uma fotografia de Elliot Erwitt intitulada “New York, 1946”, na qual uma imagem registra
próximo ao chão de uma rua urbana um chihuahua em primeiro plano, encarando a câmera ao
lado dos pés de uma mulher.
A primeira animação de Kricfalusi foi o curta “Ted Bakes One”, de 1979, exibido em
festivais e alguns canais a cabo. Nos anos 80, trabalhou em diversas séries na Filmation e
Hanna-Barbera, até passar a trabalhar em alguns projetos do diretor Ralph Bakshi, como o
videoclipe de “Harlem Shuffle”, da banda Rolling Stones, e em alguns episódios do revival da
série “Mighty Mouse” (“Super Mouse”).
Em 1989, Kricfalusi apresenta o projeto de sua série para a Nickelodeon, que financia a
produção de um episódio, “Big House Blues”, que foi animado no próprio estúdio de Kricfalusi,
94
Séries de Animação Televisiva
o Spümcø. No piloto, Ren e Stimpy são capturados pela carrocinha e vão parar em um canil,
onde conhecem Jasper e Phil, este último enviado para tirar um “grande sono”. A vida dos dois
parece estar por um fio quando são adotados por uma doce e delicada menina. O episódio foi
exibido com sucesso em diversos festivais de animação pelo mundo, até que a Nickelodeon
promovesse sua estreia na grade da emissora em agosto de 1991.
Por conta das inúmeras controvérsias causadas pela série e pela resistência de Kricfalusi
em adequá-la ao controle da emissora, o autor acaba desligado de “Ren e Stimpy” no final de
1992. No total, a série teve cinco temporadas e foi exibida até 1996, sem ter, as últimas, a
mesma irreverência e ousadia que caracterizou as duas primeiras temporadas.
Duas séries criadas pelo produtor Peter Keefe e dirigidas pelo animador Tom Burton
consolidam um retorno à produção de séries de animação mais autorais para a televisão
no início dos anos 90. A primeira delas, “Widget” (1990-92), tem como protagonista um
extraterrestre roxo, oriundo da nebulosa Cabeça de Cavalo, que tem o poder de mudar de
forma e possui um grupo de amigos formado por jovens humanos. Juntos, eles enfrentam
diversos desafios, inclusive defender o planeta de perversos vilões alienígenas interessados em
extrair os recursos naturais da Terra.
A outra série criada por Keefe é “Mr. Bogus” (1993-94), dividida em duas partes distintas:
a primeira animada de forma tradicional em acetato e a segunda em stop motion. Um dos
ambientes recorrentes da série é um balcão de cozinha no qual as personagens passam por
diversas aventuras com utensílios domésticos. A protagonista da série, Mr. Bogus, é uma
estranha criatura que vive nas paredes de uma casa no subúrbio. Em alguns episódios, as
histórias também são ambientadas em seu próprio mundo - Bogusland, uma dimensão paralela
de formas curvas e distorcidas -, sempre apresentando enredos delirantes.
Após o lançamento de “Doug”, “Rugrats” e “Ren & Stimpy”, a Nickelodeon produz uma
quarta série, também com grande repercussão. Trata-se de “Rocko’s Modern Life” (“A Vida
Moderna de Rocko”, 1993-96), criada pelo animador Joe Murray e cujo diretor criativo foi
Stephen Hillenburg, que desenvolveria mais tarde sua própria série, “SpongeBob SquarePants”
(“Bob Esponja Calça Quadrada”), no final da década.
95
Dramaturgia de Série de Animação
nos populares quadrinhos de Charles M. Schulz que, apesar de ter apenas duas temporadas na
televisão, deixou uma considerável legião de fãs.
O Nickelodeon está atualmente presente em mais de 200 países do mundo, incluindo Oriente
Médio, Europa, Oceania, América Latina e Índia e possui ainda outros quatro canais a cabo: “Nick
Jr”, voltado para crianças em idade pré-escolar; “TeenNick”, voltado para adolescentes; “TV
Land”, com reprise de séries e programas “clássicos”, e “NickToons”, voltado exclusivamente para
desenhos animados. O canal possui ainda um braço especializado na produção de filmes de longa-
metragem em animação, a maioria deles baseados em suas séries de maior sucesso.
Além do Nickelodeon, outro canal de grande importância para a história da animação na televisão
foi o Cartoon Network. Como vimos, o canal surge a partir da aquisição, por parte do magnata
das comunicações norte-americano Ted Turner, de todo o acervo da Hanna-Barbera. Turner pensou
que, ao invés de usar este material de forma dispersa entre seus canais, poderia criar um veículo
específico para tal propósito. Em 1994, o Cartoon Network era o quinto canal a cabo mais popular e,
em 2001, o segundo – sucesso maior que as previsões mais otimistas de Ted Turner. Em seus primeiros
anos, o canal vivia praticamente da reprise de séries adquiridas da Hanna-Barbera e de alguns outros
estúdios. A primeira série original do canal foi “The Moxy Show” (1993), uma das séries de animação
pioneiras contendo personagens animadas tridimensionalmente (3D).
Parte do sucesso do Cartoon Network, a partir da década de 90, pode ser explicada por
políticas e programas inteligentes para a produção de novas séries de animação. Em 1995,
a Cartoon Network lança “What a Cartoon Show” (também conhecido como “The Cartoon
Cartoon Show”), concebido pelo produtor e diretor criativo Fred Seibert. O conceito central
do projeto foi abrir espaço para novos e talentosos animadores desenvolverem pilotos de
séries autorais. Cada projeto selecionado contou com uma consultoria de dois experientes
profissionais (Jesse Stagg e Kelly Wheeler) antes de passar por uma estreia mundial no canal.
O primeiro piloto exibido foi “The Powerpuff Girls in Meat Fuzzy Lumpkins”, do animador
russo Genndy Tartakovsky, em fevereiro de 1995. Ao todo, foram produzidos e exibidos 48
pilotos, dos quais 18 resultaram em séries regulares, algumas de grande sucesso como “Dexter’s
Laboratory” (“Laboratório de Dexter”, 1996-2003), também de Genndy Tartakovksy, “Cow and
Chicken” (“A Vaca e o Frango”, 1997-99), de David Feiss, “Johnny Bravo” (1997-2004), de Van
Partible, “Ed, Edd n Eddy (“Du, Dudu e Edu”, 1999-2009), de Danny Antonucci, “Larry and
Steve”, que mais tarde deu origem à série “The Family Guy”(1999-atual), de Seth MacFarlane,
“Courage, the Cowardly Dog” (“Coragem, o Cão Covarde”, 1999-2002), de John Dilworth e
“Mike, Lu & Og” (1999-2000), de Mikhail Shindel.
A experiência de “What a Cartoon Show” foi considerada uma mistura do estilo clássico de
produção dos theatricals da década de 40 com o humor e a originalidade das séries de televisão
da década de 90. O êxito da iniciativa fez com que Fred Seibert lançasse “Oh Yeah! Cartoons”,
o maior programa de desenvolvimento de desenhos animados de todos os tempos. Entre os anos
de 1998 e 2001, o novo programa rendeu cerca de 100 episódios pilotos produzidos e exibidos,
que deram origem a séries como “The Fairly OddParents” (“Os Padrinhos Mágicos”, 2001-atual),
de Butch Hartman, “ChalkZone” (“Mundo Giz”, 2002-2009), de Bill Burnett e Larry Huber e “My
Life as a Teenage Robot” (“Uma Robô Adolescente”, 2003-2009) de Rob Renzetti.
96
Séries de Animação Televisiva
Outro canal de televisão que teve papel crucial para o desenvolvimento das séries de
animação na década de 90 foi a MTV. Fundada em 1981, a emissora atingiu em cheio o público
jovem e praticamente criou a indústria dos videoclipes. Entre um clipe musical e outro a
emissora costumava desenvolver uma série de vinhetas utilizando técnicas experimentais de
animação e de videografismo, reforçando sua identidade visual junto ao seu público.
Dez anos após sua inauguração, em parceria com a BBC, a MTV lança uma das experiências
mais radicais em termos de séries de animação na televisão: “Liquid Television” (1991-94).
Com dezenas de episódios realizados por animadores independentes, isto é, com alguma
experiência em curta-metragem, mas nenhuma em televisão, a série apresentava episódios
diferentes entre si, mas que tinham em comum apenas uma linha mestra pautada em um
visual diferente daquele normalmente visto nos desenhos animados. Com episódios variando
da abstração à crítica, “Liquid Television” fez enorme sucesso junto ao público da emissora e
serviu de base para o lançamento de algumas das futuras séries originais da MTV.
A primeira destas séries foi “Æon Flux” (1991-1995), criada pelo animador coreano Peter
Chung. Ambientada em um futuro distópico, a série incorporou referências diversas do anime,
do artista austríaco Egon Schiele, de quadrinistas como Moebius e, segundo o próprio autor, até
mesmo de técnicas de animação dos “Rugrats”. Com enredo singular e técnica apurada, “Æon
Flux” agradou o público jovem fã de ficção científica.
Em 1993, é lançada a série dos anárquicos “Beavis and Butt-Head” (1993-97), dois jovens
fãs de rock pesado que vivem em uma conservadora cidade no Estado do Texas. A comicidade da
série vem da não adoção de regras e convenções sociais por parte das personagens principais,
normalmente agindo de maneira grosseira e desagradável com os outros – inclusive entre
si. Desprovidos de bom senso ou de noção moral, Beavis e Butt-Head normalmente agem
instintivamente e terminam os episódios sem maiores problemas, ainda que possam prejudicar
outras personagens. Uma das cenas recorrentes na série mostra a dupla sentando-se em um
sofá, ligando a televisão e começando a comentar um videoclipe de uma banda qualquer.
Em 1996, a série ganhou um filme de longa-metragem animado, “Beavis and Butt-Head do
America”. A MTV anunciou que a série deve voltar a partir de 2011.
Em seguida, a emissora produziu e exibiu as séries “The Brothers Grunt” (1994-95), de Danny
Antonucci, “The Head” (1994-96) de Eric Fogel, “The Maxx” (1993-98), baseada na personagem de
Sam Kieth e dirigida por Gregg Vanzo, “Daria” (1997-2002) de Glen Eichler e “Downtown” (1999),
uma sitcom animada criada e dirigida por Chris Prynoski, George Krstic e Anne D. Berstein.
A MTV também ficou conhecida por duas séries originalmente desenvolvidas para o canal
humorístico “Comedy Central”, mas que foram exibidas na emissora. A primeira delas “Dr. Katz,
Professional Therapist” (“Dr. Katz, Terapeuta Profissional”, 1995-2002) criada por Jonathan Katz e
Tom Snyder, na qual o terapeuta Dr. Katz tinha como cliente atores e humoristas famosos. Entre
97
Dramaturgia de Série de Animação
uma sessão e outra, a série era entrecortada por trechos do cotidiano do terapeuta, envolvendo
normalmente seu filho Benjamin, sua secretaria Laura e seus dois amigos, Stanley e a garçonete
Julie. Muitos dos diálogos da série eram definidos pelos próprios atores, por meio de improvisações a
partir de temas ou situações norteadoras, depois da escrita do roteiro em si.
A outra série exibida na MTV e produzida originalmente no “Comedy Central” foi “South Park”
(1997-atual), de Trey Parker e Matt Stone. A série foi baseada em dois curtas realizados pelos autores
em 1992 e que se tornaram um dos primeiros casos de mídia viral da Internet. A série apresenta
quatro meninos (Stan, Kyle, Eric e Kenny, que sempre morre nos episódios) que vivem estranhas
aventuras na cidade fictícia de South Park. Cercada de humor negro e sátira, “South Park” aborda
uma ampla variedade de temas como sexo, violência, mídia, cultura pop e outros.
Um estúdio que volta a ter destaque na produção de séries de animação para televisão
na década de 90 foi a Warner Bros. Cartoons, com duas séries baseadas em personagens do
universo de Looney Tunes produzidas por Steven Spielberg e criadas por Tom Rueger: “Tiny
Toon Adventures” (1990-95) e “Animaniacs” (1993-98). Em 1995, o estúdio lança duas séries
originais e inventivas que trariam grande sucesso. A primeira delas, “Pinky and the Brain”
(“Pinky e o Cérebro”, 1995-98), criada pela dupla Spielberg e Rueger, apresenta como
protagonistas uma dupla de ratos brancos que utilizam os laboratórios Acme como base para
seu principal plano: dominar o mundo. Pink é um rato branco, alto e bastante bobo, por vezes
idiota. Cérebro é um rato branco baixo, gordinho e bastante inteligente. Os elaborados planos
de Cérebro para dominação do mundo acabam sempre dando errado, normalmente por conta
de alguma trapalhada de Pink. O principal antagonista da dupla é Bola de Neve (Snowball) um
hamster amarelo de nariz vermelho que possui inteligência tão aguçada quanto a de Cérebro
e que também deseja dominar o mundo, mesmo que para isso se utilize de métodos nefastos.
A outra série da Warner Bros. Cartoons foi “Freakazoid!” (1995-99), criada por Bruce Timm,
Paul Dini e Steven Spielberg, e que apresenta a história de um nerd que acaba acidentalmente
indo parar no ciberespaço, de onde volta na forma de um super-herói de pele azul. Maníaco e
insano, Frekazoid foge do estereótipo do super-herói clássico e convive em seu universo com
uma série de personagens excêntricas, sejam elas aliadas ou não.
“Tiny Toon Adventures” e “Animaniacs” foram exibidas por outro canal importante para a
animação nesta década, a Fox Kids. Entre as cerca de 80 séries exibidas pela emissora nesta
década, podemos destacar: “Bobby’s World” (“Mundo de Bob”, 1990-98), de Howie Mandel,
“Taz-Mania” (1991-95), de Art Vitello, “Eek, the Cat” (1992-97), de Savage Steve Holland e Bill
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Séries de Animação Televisiva
Koop, “Life With Louie” (1994-98), de Matthew O’Callaghan e Louie Anderson, “Where on Earth
is Carmen Sandiego?” (“Carmen Sandiego”, 1994-99), criada por Pjil Harnage e dirigida por Joe
Barruso, “Goosebumps” (1995-98), criada por R. L. Stine e dirigida por Deborah Forte.
A Fox Kids exibiu ainda novas produções ou adaptações envolvendo antigas personagens dos
desenhos animados, como “Tom & Jerry Kids” (1990-93), dirigida por Carl Urbano, Don Lusk,
Paul Sommer, Robert Alvarez e Jay Sarbry, “Droopy, Master Detective” (1993-94) produzida por
Joseph Barbera e dirigida por diversos animadores, “Casper” (“Gasparzinho, o Fantasminha
Camarada”, 1996-98), dirigida por Marija Dail e “Godzilla” (1998-2000), dirigido por Audu
Paden, Natan Chew, David Hartman e Sam Liu. A emissora a cabo da rede Fox também exibiu
séries baseadas em super-heróis criados por Stan Lee, como: “Batman” (1992-95), desenvolvida
e produzida por Bruce W. Timm, Eric Randomski e Alan Burnet, “X-Men” (1992-97), dirigida por
diversos animadores e “Spider-Man” (“Homem-Aranha”, 1994-98), dirigido por Bob Shellhorn.
Além dos canais de televisão aqui apresentados, outros três canais voltados para a animação
surgem no final da década de 90: “Teletoon” (1997 – atual), “Treehouse TV” (1997 – atual) e
“Animax” (1998-atual), este último voltado apenas ao anime. Juntos, são responsáveis pela
exibição de dezenas de outras séries de animação na televisão.
Todavia, grupos e entidades sociais, como o ACT, voltam novamente a pressionar a FCC
para tomar providências em relação ao conteúdo das novas séries. A ação surte efeito apenas
nas séries de animação infantis, que passam a incorporar novas questões politicamente
corretas, como a ecologia, por exemplo. Desta vez, porém, as séries de animação são
consideradas iguais aos demais gêneros televisivos e produtos audiovisuais, devendo indicar
a classificação etária e se adequar ao horário de exibição. Eventualmente, ações isoladas
na justiça foram movidas contra algumas dessas séries, normalmente envolvendo questões
particulares específicas, associadas à imagem de determinadas figuras públicas que sentiram
ridicularizadas ou mencionadas indevidamente em determinados episódios.
O início do novo século marca a consolidação das séries de desenho animado na televisão. O
avanço constante das tecnologias digitais facilitou o desenvolvimento dos desenhos animados,
reduziu o tempo de produção, inaugurou novas possibilidades criativas e favoreceu o modelo
de coprodução internacional, aproximando estúdios geograficamente distantes.
99
Dramaturgia de Série de Animação
Além disso, novos canais exibidores de desenhos animados surgem em todo o mundo, como
“Boomerang” (2000), “BBC Kids” (2001), “Adult Swim” (2001), “TV Rá-Tim-Bum” (2004), “Jetix”
(2004-10), “Animania HD” (2004-09), “Cartoonito” (2006), “4Kids TV” (2008), “Tooncast” (2008) e
“The Hub” (2010), ampliando ainda mais a janela de exibição das séries de animação.
Apesar de não termos um distanciamento histórico que nos permita examinar fatos
recentes com a mesma segurança com a qual examinamos o passado, podemos fazer algumas
considerações sobre os desenhos animados nesta primeira década do século XXI. Em primeiro
lugar, é possível observar uma descentralização, ainda que lenta e paulatina, do eixo Estados
Unidos – Japão na criação, produção e distribuição de séries de animação para a televisão,
mesmo que, em alguns casos, sob a forma de modelos de coprodução. Além da diversidade
estilística, esse processo tem estimulado a indústria da animação em outros países que já
desenvolveram (ou estão desenvolvendo) seu potencial no setor. Além do Leste Europeu,
outras localidades vêm criando e produzindo, com alguma regularidade, séries originais de
animação para a televisão, como Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia, Dinamarca, Espanha,
França, Índia, Inglaterra, Itália, Irlanda, México e Suécia.
100
Séries de Animação Televisiva
Uma das primeiras séries na televisão a apontar esta tendência adulta foi “Space Ghost Coast to
Coast” (“Space Ghost de Costa a Costa”, 1994-2001), criada por Mike Lazzo e exibida inicialmente
no Cartoon Network. Pensada em um formato de paródia aos clássicos programas de entrevistas
(talk shows), a série apresenta o protagonista Space Ghost como entrevistador de personalidades
“reais”, que aparecem em uma tela de vídeo ao seu lado. Variação da série original da Hanna-
Barbera desenvolvida nos 60, “Space Ghost Coast to Coast” resgatou uma galeria de vilões que
ocupam agora papel de auxiliares, como o louva-a-deus gigante Zorak (líder da banda do estúdio),
e o homem de lava dentro de uma armadura, Moltar (produtor do programa). Os dois trabalham
como uma espécie de pena a ser paga por seus crimes prévios e não escondem seu desgosto e
falta de motivação para a realização de tais atividades. Space Ghost ganhou um irmão gêmeo
extremamente inteligente e de personalidade maquiavélica, Chad, que pode ser distinguido pelo
cavanhaque, por uma voz mais grave e pelo uso de gírias em suas falas.
Exibidas depois das 23h30min (late night), as séries adultas de animação, como “Space
Ghost Coast to Coast”, se proliferam por toda a televisão, culminando, em 2001, com a criação
de um canal exclusivo para tal tipo de série, o “Adult Swim”. O nome do canal é uma analogia
ao termo utilizado em língua inglesa para os horários em que piscinas públicas estão restritas
ao uso de adultos. Entre as principais séries produzidas e exibidas pelo canal estão: “Robot
Chicken” (“Frango Robô”, 2005-atual), de Seth Green e Matthew Senreich, “Aqua Tenn Hunger
Force” (“Aqua Teen: O Esquadrão Força Total”, 2000 – atual), de Matt Maiellaro e Dave Willis,
“Harvey Birdman: Attorney at Law” (“Harvey, o Advogado”, 2000-07), de Michael Ouwellen e
Erik Ritcher e “Sealab 2021” (“Laboratório Submarino 2021”, 2000-05), de Adam Reed e Matt
Thompson. A maioria destas séries baseia-se em releituras de personagens da Hanna-Barbera.
O canal também exibe séries originalmente produzidas e/ou exibidas em outros canais, mas
que se encaixem no perfil da programação, como “Family Guy”, “King of The Hill”, “American
Dad”, “Futurama”, “The PJ’s” e também alguns animes mais voltados ao público adulto, como
“Neon Genesis Evangelion” (Studio Gainax, 1995-96), criado por Yoshiyuki Sadamoto e dirigido
por Hideaki Anno, “Bleach” (2004-atual), criado por Tite Kubo e dirigido por Noriyuki Abe,
“Full Metal Alchemist” (2003-2004), criado por Hiromu Arakawa e dirigido por Seiji Mizushima,
“Ghost in the Shell: Stand Alone Complex” (2002-2003), criado por Masamune Shirow e escrito
e dirigido por Hajime Shimomura e “Cowboy Bebop” (1998-99), de Shinichirō Watanabe.
Criado a partir do extinto canal TNN (The National Network), surge, em 2003, um novo canal
com programação destinada ao público adulto jovem masculino (young male adults), Spike TV,
posteriormente renomeado apenas como Spike. Apesar de não exibir apenas animações, o
canal foi responsável pela criação de algumas séries destinadas ao perfil de seu público-alvo.
Uma das primeiras iniciativas nesse sentido se deu em 2003, quando Kricfalusi foi convidado
pelo canal para voltar a dirigir suas duas personagens, desta vez na série “Ren & Stimpy Adult
101
Dramaturgia de Série de Animação
Party Cartoon” (“Ren & Stimpy só para Adultos”, 2003-04). Todavia, a ousadia e irreverência
foram tamanhas que a série teve grandes dificuldades em conseguir patrocinadores, o que
acabou levando ao final da temporada no ano seguinte de sua estreia.
Outras séries originais exibidas pelo canal foram “Gary, the Rat” (2003), escrito e dirigido
por Mark e Rob Cullen, que tinha como protagonista um imoral rato advogado, “Stripperella”
(2003-04), criada por Stan Lee e dirigida por Kevin Altieri, que apresentava a sexy heroína
Erotica Jones, uma agente secreta que tinha como disfarce a profissão de stripper, além da
reprise de algumas séries como “Conversation Pieces” (1983), de Peter Lord – um dos primeiros
trabalhos do Estúdio Aardman.
A animação com temática mais adulta ou “séria” já era realizada há muito tempo por animadores
como Ub Iwerks e Tex Avery. Apesar de não chegar a ser uma novidade em si, é a partir do século XXI
que elas se multiplicam e ganham maior espaço, definindo assim um novo perfil de público e nicho
de mercado. Estas séries, muitas vezes de baixo orçamento, se caracterizam, de uma maneira geral,
por diálogos ágeis e inteligentes, personagens jovens, presença de animais estranhos, humor físico e
sofisticado juntos, ironia e referências a temas contemporâneos.
Além das séries adultas, é importante frisar que diversas outras séries originais infantis
e kidults foram produzidas e exibidas nesta década. Entre as mais conhecidas podemos
mencionar: “Clifford, the Big Red Dog” (“Clifford, o Gigante Cão Vermelho”, 2000-03),
criada por Norman Bridwell, Deborah Forte, Martha Atwater e dirigida por John Over, “Yu-
102
Séries de Animação Televisiva
Gi-Oh” (2000-06), dirigida por Kunihisa Sugishima, “Samurai Jack” (2001-04), criada Gennddy
Tartakovsky e dirigida por Tartakovsky e Rob Renzetti, “The Proud Family” (2001-05), criada
e dirigida por Bruce W. Smith e Dooren Spicer, “What’s With Andy?” (“Lá Vem o Andy”, 2001-
07), criada por Andy Griffiths e dirigida por Tim Deacon, “The Grim Adventures of Billy and
Mandy”, (“As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy”, 2001-08) dirigida por Maxwell Atoms,
“Hamtaro” (2001-04), dirigida por Osamu Nabeshima, “Jimmy Neutron” (2002-06), dirigida
por Keith Alcorn e Mike Gasaway, “¡Mucha Lucha!” (2002-05), dirigida por Eddie Mort e Lili
Chin, “KND – Kids Next Door” (“Turma do Bairro”, 2002-08), dirigida por Tom Warburton, “Kim
Possible” (2002-07), dirigida por Bob Schooley e Mark McCorkle, “Naruto” (2002-07) e “Naruto
Shippuden” (2007-atual), criadas por Masatohi Kusakabe e dirigidas por Hayato Date, “Teen
Titans” (“Jovens Titãs”, 2003-06), criada e dirigida por Glen Murakami, “Lilo & Stich” (2003-
07), criada por Chris Sanders e Dean DeBlois e diridiga por Snaders, Debois, Roberts Gannaway,
Tony Craig, Vic Cook e Don McKinnon, “Code Lyoko” (2003-07), dirigida por Tania Palumbo
e Thomas Romain, “Atomic Betty” (“Betty Atômica”, 2004-08), dirigida por Trevor Bentley,
Mauro Casalese, Rob Davies e Olaf Miller, “The Backyardigans” (2004-atual), dirigida por Dave
Palmer, “Foster’s Home for Imaginary Friends” (“A Mansão Foster para Amigos Imaginários”,
2004-09), “Brandy and Mr. Whiskers” (“As Aventuras de Brandy e Sr. Bigodes”, 2004-06), criada
por Russel Marcus e dirigida por Timothy Björklund, John McIntyre e Steve Loter, “Pocoyo”
(2005-07), dirigida por Guillermo Garcia Carsí, Guillermo Garcia David Cantolla e Luis Gallego,
“Charlie and Lola” (2005-08), criada por Lauren Child e dirigida por Kitty Taylor, “Avatar: the
Last Airbender” (2005-08), criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko e dirigido por
Lauren MacMullan, Dave Filoni, Giancarlo Volpe, Ethan Spaulding e Joaquim dos Santos, “Camp
Lazlo” (“O Acampamento de Lazlo”, 2005-08), dirigido por Joe Murray, “Ben 10” (2005-08),
“Ben 10 Alien Force” (“Ben 10: Força Alienígena”, 2008-10), “Ben 10: Ultimate Alien” (“Ben
10: Supremacia Alienígena”, 2010-atual), criados por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly,
Steven T. Seagle, Dwayne McDuffie e Glen Murakami, “Grossology” (2006-09), dirigida por
Sylvia Branzei, “Pucca” (2006-09), dirigida por Craig McCracken e Rob Renzetti, “Ying Yang Yo”
(2006-09), criada por Bob Boyle e dirigida por Mark Ackland, “The Emperor’s New School” (“A
Nova Escola do Imperador”, 2006-08), criada e dirigida por Mark Dindal, “Back at Barnyard”
(“O Segredo dos Animais”, 2007 – atual), criada e dirigida por Steve Oedekerk, “Total Drama
Island” (“Ilha dos Desafios”, 2008), dirigida por Jennifer Pertsch e Tom McGillis, “The Penguins
of Madagascar” (“Os Pinguins de Madagascar”, 2008 – atual), dirigido por Bret Haaland e Nick
Filippi, “Kid vs Kat” (2008 – atual), criada por Rob Boutilier e dirigida por Boutilier, Josh
Mepham e Greg Sullivan, “Phineas and Ferb” (2008 – atual), dirigida por Dan Povenmire e Jeff
“Swampy” Marsh, “The Secret Saturdays” (“Os Sábados Secretos”, 2008 – atual), criada por
Jay Stephens e dirigida por Scott Jeralds, “Inazuma Elleven” (“Super Onze”, 2008 – atual),
“Star Wars: The Clone Wars” (“Star Wars: a Guerra dos Clones” -2008-atual), criada por George
Lucas e dirigida por Genndy Tartakovsky e Rob Coleman, “Bakugan Battle Brawlers” (2010 –
atual), dirigida por Mitsuo Hashimoto e “Kick Buttowski: Suburban Daredevil” (“Kick Buttowski:
um Projeto de Dublê”, 2010- atual), criada por Sandro Corsaro e dirigida por Chris Savino.
Outra tendência dos desenhos animados neste início de século é o crossmedia, processo pelo
qual as séries também se tornam presentes em outras mídias e suportes, como filmes, games, sites
na Internet, aplicativos e materiais extras (como ringtones, papel de parede para computador,
comentários dos diretores, making ofs, etc), garantindo que o aficionado possa continuar interagindo
com o universo da série mesmo após a exibição na televisão – sobretudo considerando o perfil de um
público cada vez mais adepto das chamadas “novas mídias”. Além de “premiar” o espectador mais
103
Dramaturgia de Série de Animação
entusiasta e favorecer a fidelização de sua relação com a série, o crossmedia se apresenta ainda
como uma expansão das formas tradicionais de licenciamento.
Se, na televisão, as séries de animação se consolidam como um dos gêneros mais populares
do audiovisual contemporâneo – foram produzidos mais desenhos animados nos últimos 15 anos
do que em seus primeiros 45 anos na televisão –, uma nova gama de possibilidades se oferece
na interface com as tecnologias e mídias digitais. Apesar da televisão ainda ser o principal
meio para se produzir e exibir séries de animação, com o avanço dessas tecnologias, outros
formatos podem oferecer interessantes possibilidades para futuros animadores.
Desde os anos 80, a popularização do sistema de vídeo cassete doméstico, o VHS (Video Home
System), permitiu outras formas de distribuição para algumas séries de animação. Uma primeira
modalidade se deu por meio de um sistema chamado “direct to vídeo”, que possibilitava a venda de
séries de animação diretamente para o público por meio de fitas VHS, disponibilizadas em lojas ou
entregues pelo serviço postal, sem necessariamente serem exibidas previamente em emissoras de
televisão. Assim, muitos estúdios pequenos e médios conseguiram viabilizar seus negócios, por vezes
segmentados, sem depender das tradicionais estruturas das distribuidoras e emissoras de televisão.
Outra modalidade inaugurada com o VHS foi a compilação de antigas séries “fora do ar”
para colecionadores, ou mesmo para novos espectadores que não tiveram a oportunidade de
assistir às suas exibições na televisão. Além de um aumento no faturamento, esta segunda
modalidade possibilitou também que séries antigas permanecessem evidenciadas na memória
do público. Atualmente esta estrutura de distribuição ainda existe, tendo atualizado o suporte
do VHS para o DVD (Digital Video Disc) ou mesmo diretamente pela internet (on demand).
A própria internet se oferece como território de projeção para dezenas de novas séries de
animações, sobretudo de baixíssimo orçamento ou feitas por realizadores estreantes. Assim, alguns
animadores têm encontrado na rede mundial uma forma possível de viabilizar suas produções e
exibir seu material. Além do caso mencionado anteriormente de “South Park”, que se tornou um
dos primeiros virais na internet, ganhando enorme projeção, outro caso de sucesso na rede é a
série “Happy Tree Friends”, criada por Aubrey Ankrum, Rhode Montijo e Kenn Navarro, disponível na
internet desde 2000, e também exibida em alguns países pela MTV (2006 – atual).
O sucesso da série reside no contraste de seu visual “bonitinho” com o humor negro de
seus enredos extremamente violentos, sendo por vezes comparada à “Itchy & Scratchy”, uma
espécie de “metasérie” exibida dentro dos Simpsons. Não indicado para crianças, ainda que seja
bastante popular entre elas, a série não apresenta fala (quando muito grunhidos ininteligíveis)
e mostra, de maneira sádica e cruel, detalhes de alguma morte que irá inevitavelmente
acontecer. Com personagens e protagonistas em formas de mamíferos antropomórficos, que se
revezam na participação de cada episódio, a animação costuma começar com alguma situação
cotidiana ordinária que antecede a anunciada tragédia. Ao final, é mostrado um trocadilho a
partir de uma moral que resultou no final funesto da história, como por exemplo: “Por isso,
nunca se esqueça de lavar atrás da orelha”. Assim, a série é assistida muito mais para se saber
“como” do que exatamente “o quê” vai acontecer.
Se, por um lado o caráter metamórfico da trajetória dos desenhos animados gera certa
imprevisibilidade quanto ao seu futuro, por outro, sua constante renovação acompanha as
104
Séries de Animação Televisiva
Interessa-nos aqui, neste final de capítulo, mencionar – ainda que brevemente – algumas
séries desenvolvidas fora do “grande eixo” comercial e que apresentaram alguma qualidade
diferenciada, digna de análise. Contudo, isso não significa que essa diferenciação só possa se
manifestar fora deste eixo – além de algumas das séries já mencionadas anteriormente, cito
aqui, apenas a título de novo exemplo, a série americana “Lenore – the Cute Little Dead Girl”
(2002) de Roman Dirge, inspirada no universo sombrio da poesia de Edgard Allan Poe.
Uma das primeiras séries que gostaríamos de destacar é “Krteček” (“The Mole”), criada pelo
animador checo Zdeněk Miler, que traz como protagonista uma simpática e curiosa toupeira. Com
cerca de 50 episódios produzidos e exibidos de maneira irregular, entre os anos de 1963 e 2002, a
série teve grande sucesso nos países do Leste Europeu. A primeira aparição da protagonista se deu em
um curta-metragem voltado para o público infantil, que tinha como objetivo ensinar para as crianças
o processo de produção do linho. A ideia expandiu-se, ainda que normalmente a personagem principal
mostrasse como as coisas são feitas, sempre abordando um tema por episódio, como carro, telefone,
pirulito e guarda-chuva, por exemplo. No primeiro episódio, havia a presença de um narrador que
foi retirada. A série tornou-se, então, sem falas, sonoramente apresentando somente interjeições da
toupeira, feitas pelos próprios filhos de Miler, que também serviam como uma espécie de consultores
(público-alvo) dos episódios.
Já “Bolek i Lolek” é uma série criada e dirigida por Wladyslaw Nehrebeck, exibida entre os
anos de 1963 e 1986 com grande sucesso nas emissoras de televisão de alguns países do Leste
Europeu. A série infantil apresentava dois irmãos, inspirados nos próprios filhos de Nehrebeck,
que passavam muito tempo ao ar livre e se envolviam em algumas aventuras e peripécias em
meio à natureza. Em 1973, em resposta às solicitações feitas pelo público, foi adicionada à
série uma personagem feminina chamada Tola. Com traço singular e a presença de uma trilha
sonora que auxiliava a pontuar as diversas situações dramáticas, os episódios também não
possuíam fala. Na Polônia, país de origem da série, as personagens ainda hoje podem ser vistas
licenciadas em diversos produtos e mídias. Em 1986, as personagens ganharam um filme de
105
Dramaturgia de Série de Animação
longa-metragem em animação, “Bolek i Lolek na Dzikim Zachodzie” (“Bolek and Lolek in the
Wild West”), dirigido por Stanislaw Dulz e produzida pelo Studio Filmów Rysunkowych.
Produzida na Zagreb School of Animation, a série “Professor Balthazar” foi criada pelo
premiado animador croata Zlatko Grgić e dirigida por ele em parceria com Ante Zaninović
e Boris Kolar. A primeira temporada surgiu a partir do sucesso da personagem principal no
curta-metragem “The Inventor”, de 1967. No total, foram produzidos 59 episódios em quatro
temporadas (1969, 1971/72, 1977 e 1978) da série, originalmente pensada para o público
infantil. Porém, acredita-se que a presença de histórias com bases filosóficas e poéticas
e a presença de mensagens humanistas universais tenha atraído também uma parte da
audiência adulta à série. Professor Balthazar é um cientista interessado em sempre fazer
o bem, preocupado com todas as formas de vida e em promover bons valores. Aliada à sua
índole, encontra-se a inteligência e a criatividade que lhe são características. Elaborada em
uma época na qual muitos cientistas estiveram a trabalho da indústria da guerra, “Professor
Balthazar” mostra que o conhecimento também pode ser usado a favor de boas causas.
“La Linea”, obra do cartunista e animador italiano Cava (Osvaldo Cavandoli), produzida
pela RAI (Radiotelevisione Italiana), emissora estatal da Itália, foi exibida em mais de 40 países
do mundo entre os anos 1972 e 1991. Em “La Linea”, Cava conseguiu resultados surpreendentes
a partir da utilização de elementos mínimos. O cenário era representado por uma espécie
de fundo neutro chapado em uma única cor que, eventualmente, mudava em função da
dramaticidade da cena. Em um primeiro plano os episódios começavam sempre com uma linha
branca a partir da qual se desenhava o contorno da personagem, que permanecia presa a esta
linha. Ao caminhar horizontalmente pela linha, a personagem se deparava com uma série de
obstáculos e elementos com os quais procurava interagir. Para tanto, a personagem olhava
para cima e costumava recorrer ao próprio animador, cuja mão aparecia na tela para interferir
diretamente no desenho.
Com estrutura de produção enxuta, a série contava, além de Cava, com a participação do músico
Franco Godi na sonorização e trilha sonora (com estilo predominante jazzístico) e do dublador
Carlo Bonomi que interpretava grunhidos ininteligíveis emitidos pela personagem em resposta às
diversas situações apresentadas. A ideia da série foi inicialmente utilizada pelo próprio Cava para a
publicidade de uma marca de utensílios domésticos na Itália. Por meio de uma estética mínima, o
autor conseguiu criar uma obra na qual a simplicidade é a sua própria razão de ser, sendo capaz ainda
de gerar inúmeras situações decorrentes da relação entre “criatura e criador”.
Na Hungria, em 1978, a série infantil “Kockásfülű Nyúl” (“The Rabbit with Checkered Ears”),
fez enorme sucesso junto às crianças na Magyar Televizió, canal estatal de televisão do país. Criada
pela escritora e artista gráfica Veronika Marék, animada por Zsolt Richly e realizada no Pannónia
Film Stúdió, a série girava em torno das enrascadas de quatro crianças (Kriszta, Menyus, Kistöfi e
Mozdony), das quais o coelho com as orelhas listradas procurava livrá-las. A série foi bastante popular
durante sua primeira exibição e ganhou diversas reprises, inclusive nos anos 2000, tornando o coelho
protagonista a principal mascote da animação no país.
“Leteći Medvjedići” (“The Little Flying Bears”) é outra série realizada na Zagreb School of
Animation, em uma coprodução Croácia – Canadá, criada por Pero Kvesić e dirigida por Jean
Sarault no ano de 1990. O desenho animado apresenta uma rara espécie de pequenos ursos
106
Séries de Animação Televisiva
alados que vivem em uma comunidade cooperativa utópica, em uma floresta mágica. Juntos,
eles devem impedir que as doninhas Shulk e Sammy, a cobra Slinky, a aranha Grizelda e o rato
Spike consigam poluir a floresta e acabar com sua harmonia. Nessa missão, os ursos contam
com os conselhos de Plato, o mais sábio dos ursos, porém muito velho para voar e da intrépida
coruja Ozzy.
Por fim, outra série recente que gostaríamos de destacar é “Bob and Margareth” (1998-
2001), uma coprodução Inglaterra-Canadá, criada por David Fine e Brit Alison Snowden – marido
e mulher na “vida real”. A ideia da série surgiu a partir do curta dirigido pela dupla, “Bob’s
Birthday”, vencedor do Oscar em 1994, que apresentava de forma cômica os planos de uma
mulher (Margareth) organizando os preparativos para uma festa surpresa do quadragésimo
aniversário de seu marido (Bob), enquanto ele lida com uma repentina crise de meia-idade.
Produzida nas mais diferentes épocas e lugares, com formas e características diversas, a
animação parece romper barreiras aparentemente intransponíveis e, muitas vezes, aproximar
culturas consideradas distintas e mesmo momentos históricos diversos. No próximo capítulo,
veremos como foi a participação brasileira neste cenário da produção de séries de animação
para a televisão e qual é o panorama atual do setor no país, tratando da experiência do
ANIMATV e das perspectivas para a futura criação de uma indústria da animação no Brasil.
107
Dramaturgia de Série de Animação
a experiência
2.3 brasileira
2.3 A Experiência Brasileira
Assim como na maioria dos países no mundo, o Brasil exibiu, desde a chegada da televisão
com Assis Chateaubriand, séries de animação produzidas principalmente pelos Estados Unidos.
Estas séries eram negociadas com emissoras de todo o mundo, isto é, uma mesma série
podia ser exibida simultaneamente por diferentes emissoras, desde que não concorressem
diretamente entre si. Como estas séries normalmente já haviam sido “pagas” internamente,
sua comercialização internacional permitia uma receita extra para os estúdios e distribuidoras.
Para as emissoras, o preço era atraente, normalmente inferior ao de se produzir o próprio
conteúdo e o retorno comercial era garantido.
No Brasil, a primeira série de animação que foi ao ar na televisão foi “Pica-Pau”. No dia
19 de setembro de 1950, um dia após sua fundação, a TV Tupi, primeira emissora de televisão
do país, exibiu o episódio “Pica-Pau Biruta”. A emissora também exibiu posteriormente outras
séries, como “Jambo e Ruivão”, “Pal’s Puppetoons” “Comicolor” e “Terrytoons”. No final dos
anos 50, surgiram “Super Mouse”, “Faísca e Fumaça” e “Deputy Dawg”, de Paul Terry. A partir
dos anos 60, foi a vez de outras séries serem exibidas na emissora, como “Zé Colméia”, “Os
Flintstones”, “Mandachuva”, “Os Jetsons”, “Popeye”, “A Pantera Cor-de-Rosa”, “O Inspetor”,
“XL-5 Stingray”, “Saturnin” (série de animação francesa de Jean Tourane) e “Speed Racer”,
além de alguns curtas animados dos Estúdios Disney.
Inicialmente, os episódios que tinham fala eram exibidos no idioma de origem, normalmente
o inglês, sem qualquer tipo de legenda ou dublagem. As dublagens para português dos desenhos
animados começaram apenas em 1960, na TV Rio, com alguns episódios de séries da Hanna-Barbera.
A emissora também exibia episódios da Van Beuren, como “Gato Félix” e, posteriormente, “Dom
Pixote”, “Pepe Legal”, “Comicolors”, “Thunderbirds”, “Wally & Gator”, “Lippy & Hardy”, “Tartaruga
Touché”, “Show do Pernalonga”, “Space Ghost”, “Frankstein Jr. & Os Impossíveis”, “Brasinhas do
Espaço”, “Super-Heróis Marvel”, “Benny & Cecil”, “Os Muzarellas” e “Alvin e os Esquilos”.
108
Séries de Animação Televisiva
Outras séries exibidas no país durante a década de 60 foram: “Batfino”, “Dick Tracy”,
“Super Presidente e o Sombra”, “Gato Coragem e Rato Minuto”, “Simbad Jr.”, “Roger
Ramjet”, “Super 6”, “Clutch Cargo”, “Anjos do Espaço”, “As Viagens de Gulliver”, “Josie e
as Gatinhas”, “The Archies”, “Super Seven”, “Jackson Five”, “Viagem Fantástica”, “Sansão e
Golias”, Corrida Maluca”, “Fantomas”, “Captain Scarlet”, “As Novas Aventuras de Huckleberry
Finn”, “Laboratório Submarino”, “Banana Split”, “The Beatles”, “Abbot e Costelo”, “Homem-
Aranha”, “Scooby-Doo” e “Turma da Gatolândia”.
Em 1917, Alvaro Marins (Seth), financiado por Sampaio Corrêa, lança “O Kaiser”, uma pequena
história na qual Guilherme II, o líder alemão perfilava junto aos nacionalistas brasileiros (que
pregavam o alistamento militar obrigatório) e, brincando com o globo mundial7, tentava dominar o
mundo com seu capacete. No final, o mundo cresce, foge ao seu controle e acaba engolindo-o.
7. Apesar de não haver mais nenhuma cópia desse filme, segundo relatos, a ideia é bastante semelhante à famosa
cena do filme de Chaplin (“O Grande Ditador”, 1940), no qual ele brinca com um globo terrestre inflável. Ainda
assim, não há registro sobre o conhecimento do comediante a respeito do curta de animação brasileiro.
109
Dramaturgia de Série de Animação
No mesmo ano, são exibidos “Traquinagens de Chiquinho e seu Inseparável Amigo Jagunço”-
creditado apenas à Kirs Filmes, no qual são utilizados personagens da revista infantil Tico Tico - e
“As Aventuras de Bille e Bolle”, com desenhos de Eugênio Fonseca Filho (Fonk) e produção de
Gilberto Rossi.
Em 1930, Seel lança outro curta, “Frivolitá”, a história de uma mocinha coquete que
enfrenta uma série de objetos animados ruidosos para tentar dormir até mais tarde. Em 1938
e 1939, o quadrinista Luiz Sá produz dois episódios com o protagonista Virgolino: “As Aventuras
de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. Segundo relatos, eram animações com um traço bastante
sofisticado e um estilo próprio bastante apurado. Sá queria mostrar suas animações para Walt
Disney (que, como parte da política da boa vizinhança norte-americana, visitou o país em
1939), mas foi impedido, porque seus filmes haviam sido recusados pelo DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda) do governo de Getúlio Vargas. Um desses filmes se perdeu no
laboratório e outro, foi vendido para uma loja de projetores, que o distribuiu cortado em
vários pedaços aos seus clientes.
Com apenas 13 anos de idade, Anélio, junto com seu irmão Mário Latini, realizam “Os Azares
de Lulu”, em 1940. Dois anos depois, Humberto Mauro, conhecido por seus documentários e um
dos mais importantes nomes do cinema brasileiro, realiza para o INCE (Instituto Nacional de Cinema
Educativo) “O Dragãozinho Manso”, primeira animação com manipulação de bonecos em tempo real
realizada no país – sem, contudo, utilizar a técnica de stop motion. A obra, destinada ao público
infantil, não é considerada importante na carreira de Humberto Mauro e é pouco vista e conhecida.
O filme conta a história do dragão Jonjoca que, ao ser derrotado por São Jorge, torna-se bonzinho,
mas, por sua fama, não consegue fazer amizade com os homens nem com outros animais. Depois de
ganhar o dom da invisibilidade de São Jorge, o dragão voa pelo mundo, em companhia de sua amiga
Maria Terezinha, fazendo boas ações. No final, o dragão se transforma em um príncipe, casa-se com
Maria Terezinha e juntos vão morar na Lua.
Na década de 50, além da iniciativa privada, o governo passa a utilizar animações como
propaganda, como, por exemplo, na campanha destinada à higiene e prevenção de contágio
de doenças realizada pelo SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) durante o segundo governo
de Getúlio Vargas. Entre as animações criadas, estava uma série desenvolvida por Rui Pieroti,
que tinha como personagens principais a dupla Sujismundo e Dr. Prevenildo. Em 1953, após seis
anos de trabalho árduo e ininterrupto, Anélio Latini finaliza praticamente sozinho, realizando
quase todas as etapas e tarefas, o primeiro filme de longa-metragem animado da história da
110
Séries de Animação Televisiva
animação brasileira: “Sinfonia Amazônica”. Latini chegou a trabalhar até 20 horas por dia para
concluir o filme, que tem cerca de 500.000 desenhos diferentes.
“Sinfônia Amazônica” conta sete lendas amazônicas típicas (“Noite”, “Formação do Rio
Amazonas”, “Fogo”, “Caipora”, “Jabuti e a Onça”, “Iara” e “Arco-Íris”), amarradas pelo
pequeno índio Curumi, que tem como companheiro de aventuras um boto. Além dessas, o
filme apresenta outras personagens, como o malandro Jabuti, grande tocador de flauta, a
Grande Cobra, mãe de todas as águas e sua filha Iara, a deusa das águas, o pássaro noturno
Urutau, sempre apaixonado pela Lua, o arteiro Curupira, defensor da floresta, o temido
Caapora, senhor da luz, o pássaro Japu, responsável por trazer o fogo sagrado do céu, o grande
Mapinguari e o pajé da tribo.
O filme conta ainda com um importante making of, no qual são apresentadas as técnicas
de animação utilizadas por Latini e os detalhes de produção da obra. O negativo encontra-se
conservado na Cinemateca Brasileira e uma empresa do Rio de Janeiro está captando recursos
para restaurar e digitalizar esta obra pioneira da animação brasileira. Apesar do sucesso de
público, Latini não recebeu devidamente sua parte na renda da bilheteria do filme, o que fez
com que desistisse de realizar seu outro projeto, “O Kitan da Amazônia”.
No mesmo período, Roberto Miller, também conhecido pela alcunha de “o feiticeiro das
imagens”, faz um estágio no National Film Board do Canadá junto de seu mestre e amigo Norman
McLaren. Ao retornar ao Brasil, Miller participa por algum tempo do Centro Experimental de
Ribeirão Preto, onde produziu algumas de suas primeiras animações no Brasil, como “Sound
Synthetic”, “Till Ton Special”, “Rock and Roll”, “Sinfonia Moderna” e “Sound Abstract”.
Com amplo domínio de diversas técnicas da animação experimental e abstrata, Miller tem
uma das mais amplas e ricas produções em animação de todos os tempos no Brasil, com quase
50 anos de carreira. Suas obras foram amplamente exibidas e premiadas em todo mundo;
entre elas destacam-se: “Rumba”, “Boogie Woogie”, a série de quatro animações “Desenho
Abstrato”, “Átomo Brincalhão”, “Balanço”, “Carnaval 2001”, “Can-Can”, “Ballet Kaley”, “Opus
3”, “Spit”, “Biscuit”, “Batucada”, “Faces”, “Feiticeiro Azul”, “Laser Beam”, “Temptation”,
“Triangular Color”, “Visual World”, “Cultura”, “Strip Clip”, “Paralelas”, “Splash”, “Soap”,
“Uma Nova Experiência”, “Spit Voodoo Key” e “Este Número não Existe”.
111
Dramaturgia de Série de Animação
Em 1967, alunos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, animadores, artistas plásticos
e entusiastas da animação fundam o CECA – Centro de Estudos de Cinema da Animação. Apesar
de ter tido apenas um ano de existência, o CECA produziu muitas animações e deu origem, em
1968, ao Grupo Fotograma.
O novo grupo produziu diversas mostras no Museu de Arte Moderna e um programa regular
de animação na extinta TV Continental (canal 9, Rio de Janeiro). As animações produzidas pelos
integrantes do Grupo Fotograma foram exibidas e premiadas nacional e internacionalmente.
Entre seus membros estavam: Rui Oliveira, Jô Oliveira, Carlos Alberto Pacheco, Pedro Ernesto
Stilpen (Stil), Sérgio Bezerra Pinheiro, Pedro Aares, Ênio Lamoglia Possebox, Hiroqui Ono,
Stenio Pereira, Roberto Chiron, entre outros. O Grupo se desfez em 1969, mas muitos de seus
integrantes continuaram animando, como Aares, Ono, Chiron e Stil – este último animador com
bastante projeção com curtas nas décadas de 60 e 70 como “Batuque”, “Urbis”, “Os Filhos de
Urbis”, “Lampião, ou Para cada Grilo uma Curtição”, “Reflexos”, “Statuos Quo”, “Faz Mal”,
“As Quatro Estações”, “Super-Tição” e “Asdrúbal – O que É que Há com o seu Peru?”.
No início dos anos 70, Álvaro Henrique Gonçalves, que já havia animado os curtas “A Cigarra
e a Formiga” (1956) e “O Índio Alado” (1967), lança o segundo filme de longa-metragem em
animação do Brasil, “Presente de Natal”. Terminado em 1971, o filme, totalmente colorido,
teve problemas de distribuição e praticamente só foi exibido na cidade de Santos, no estado
de São Paulo, permanecendo desconhecido por grande parte do público e da crítica.
No ano seguinte, o japonês radicado no Brasil, Ypê Nakashima, lança “Piconzé”, terceiro
longa-metragem de animação do Brasil, feito por Nakashima praticamente sozinho durante
seis anos de trabalho. Com trilha sonora composta por Damiano Cozella e letras do poeta e
ensaísta Décio Pignatari, a animação possui grande qualidade técnica, decorrente da própria
atuação profissional de Nakashima junto à animação. Com 80 minutos de duração, o filme
fez grande sucesso na época. Infelizmente o animador faleceu em 1974, deixando inacabado
seu segundo longa-metragem, “Irmãos Amazonas”. Além de inúmeros comerciais animados,
Nakashima realizou ainda os curtas “O Reino dos Botos”, “A Lenda da Vitória Régia” e “O
Gorila” e animou, entre os anos de 1961 e 1963, 12 episódios (além de outros quatro pré-
produzidos) pensando a eventual exibição de uma série para televisão chamada “Papa-Papo”,
que apresentava as personagens Tuca, Dado e o papagaio Papa-Papo em diversas aventuras,
como nos episódios “Pescaria” e “No Reino da Fantasia”.
Em 1973, o animador José Mário Perrot, em parceria com o engenheiro Aluizio Arceta,
produziu “Ballet de Lissajous”, primeira animação brasileira a utilizar um dispositivo
112
Séries de Animação Televisiva
Em 1974, Antonio Moreno, José Rubens Siqueira e Stil formam o Grupo NOS, responsável
por diversas animações amplamente exibidas e premiadas, como “Reflexos”, “Ícaro”, “Verdes
ou Favor não Comer a Grama”, “As Desventuras de Coco Banana”, “Papo de Anjo”, “Hamlet”,
“O Canto do Cisne Negro”, “PHN – Pequena História do Mundo”, “O Lago” e “Estrela Dalva”.
Em 1978, a TV Cultura de São Paulo exibe o programa semanal “Lanterna Mágica”, que
contava com direção de Roberto Miller e era retransmitido para diversas cidades do país.
Exibido à meia-noite das sextas-feiras, com reprise às 18 horas do domingo, o programa exibia
diversas animações internacionais antigas ou que não faziam parte do circuito comercial
de exibição. O programa abria espaço também para animações nacionais, assim como para
entrevistas com animadores brasileiros. Pode-se afirmar que foi um incentivador de uma futura
geração de animadores que, por meio dele, tomaram contato mais profundo com o universo
da animação.
Outros animadores que iniciaram sua carreira na década de 70, com grande prestígio, foram
Marcos Magalhães e Flávio del Carlo. O primeiro realizou os curtas “Mão Mãe”, “A Semente”
e, o aclamado “Meow!”, no qual um gato faminto, sem leite, é convencido por propagandas
a beber o refrigerante “Soda-Cólica”. Premiado com a Palma de Ouro em Cannes, em 1981,
o curta deu grande repercussão ao animador, que no ano seguinte realizou, com apoio da
Embrafilme e da Capes, um estágio no National Film Board do Canadá. Como resultado de seu
estágio, produziu outro curta bastante significativo em sua carreira: “Animando”, obra com
grande noção de ritmo, que mistura diversas técnicas, como animação tradicional, pixilation,
animação de recorte e pintura sobre vidro.
Com forte estilo pessoal, Flávio del Carlo, por sua vez, dividiu sua atuação autoral com
a publicidade. Entre os curtas mais destacados e premiados do animador, encontram-se
“Paulicéia”, “Veneta”, “Tzubra Tuma”, “Um Minuto para Meia Noite” e “Squich”, no qual
atores filmados em live action interagem com sequências animadas.
No final da década de 70, a produção de animação para publicidade na televisão atinge grande
sucesso, com diversas campanhas lembradas por muitas pessoas até os dias atuais. Alguns dos
113
Dramaturgia de Série de Animação
principais nomes da animação publicitária no Brasil no final dos anos 70 foram: Wilson Pinto, Horácio
Young, Walbercy Ribas Camargo, Alcídio da Quinta, Jorge Bastos, Heucy de Miranda, José Campos,
Luiz Briquet, Wilson Robledo e Amandio Amaral. O incremento da produção de animação nos anos 70
leva à criação de alguns importantes estúdios, sobretudo na cidade de São Paulo.
Em 1983, o artista plástico e animador baiano Chico Liberato lança o quarto filme de longa-
metragem em animação do Brasil, “Boi Aruá”. Com temática ligada ao folclore regional e
estilo visual singular, que faz referência à xilogravura, o filme foi exibido em diversos festivais
internacionais, ganhando alguns importantes prêmios.
Em 1985, Marcos Magalhães reúne 30 animadores brasileiros para produzir o filme coletivo
“Planeta Terra”. A animação fez parte do Ano Internacional para a Paz da ONU. Neste mesmo ano,
é firmada uma parceria entre o National Film Board do Canadá com a extinta Embrafilme para o
intercâmbio cultural e tecnológico que resulta na criação do CTAv – Centro Técnico do Audiovisual,
órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Com o objetivo de auxiliar na formação de animadores e de
fomentar a produção de animação no país, o CTAv oferece cursos com os canadenses Jean Thomas
Bédard e Pierre Veilleux e colabora com a formação de uma nova geração de animadores, como César
Coelho, Aida Queiroz e Daniel Schorr.
Marcos Magalhães percorre o país e auxilia, a partir dessa parceria Brasil-Canadá, a criação
de núcleos regionais de animação na Escola de Belas Artes da UFMG, em Minas Gerais (com
coordenação de José Tavares de Barros), na Universidade Federal do Ceará (com José Rodrigues
Neto) e no Instituto Estadual de Cinema do Rio Grande do Sul, estado este que já possuía um
expressivo pólo criativo de animação com os animadores José Maia, Lancast Motta e Otto
Guerra, formados pelo animador argentino Felix Follonier.
Não podemos deixar de mencionar que, com destacada atuação no final da década de 80,
Cao Hamburguer lança, depois de algumas experiências em Super-8 (“A Velinha” e “Bus Stop”),
dois curtas em stop motion com manipulação de bonecos de “massinha”: “A Garota das Telas”
e, em codireção com Eliana Fonseca, “Frankstein Punk”.
Com o fim da Embrafilme em 1990 e a grave crise financeira vivida no país, a produção de cinema
– e de animação – cai vertiginosamente no início da nova década. Por outro lado, novos realizadores
independentes despontam com curtas autorais realizados em Universidades ou mesmo com recursos
próprios, como “El Macho”, de Ennio Torresan, premiado no Festival de Havana em 1993 e que deu
grande repercussão internacional ao animador.
114
Séries de Animação Televisiva
Em 1994, Otto Guerra lança, junto com Lancast Motta, o primeiro filme de longa-metragem
adulto em animação no país, “Rocky & Hudson”. Inspirado na dupla de cowboys gays criada
nos quadrinhos por Adão Iturrusgarai, o filme foi realizado com equipe e orçamento mínimos
conseguindo, entretanto, boa acolhida junto ao público fã dos HQ´s.
Em 2005, o Brasil ganha uma mostra especial (“Charmes du Brésil”) no Festival de Annecy.
No ano seguinte, o Brasil ganhou uma mostra de animação contemporânea no Festival de
Ottawa, tornando-se ainda o país foco de negócios no TAC - Television Animation Conference.
O primeiro desafio de produção da animação brasileira para o novo século é o filme de longa-
metragem. Até hoje, foram produzidos apenas 21 filmes de longa-metragem em animação no país,
boa parte destes com pequena janela de exibição – sobretudo, se comparados às grandes animações
estrangeiras, largamente exibidas nas salas comerciais de cinema de todo o país. Todavia, mais da
metade desses filmes foi produzida nos últimos dez anos e outros tantos longas-metragens brasileiros
em animação encontram-se atualmente em diferentes estágios de produção – o que, por si só,
configura uma melhoria no cenário e permite a projeção de um futuro mais promissor. O segundo
desafio é, justamente, a produção de séries de animação, assunto que trataremos a seguir.
115
Dramaturgia de Série de Animação
Ao contrário de muitos países, nos quais o espaço para a produção independente na televisão
é grande, no Brasil as emissoras comerciais centralizam toda a produção dos programas exibidos,
permanecendo, na maior parte dos casos, fechadas às produções realizadas fora de seus domínios.
A despeito da qualidade técnica e criativa da animação brasileira, a quase totalidade das séries de
animação exibida hoje no Brasil é estrangeira. Trata-se de séries distribuídas por grandes empresas,
que já possuem sucesso internacional e que são adquiridas pelas emissoras por um custo mais barato
do que o da produção de material original próprio. Desta forma, as séries adquiridas são meramente
reproduzidas no país e acabam, diante da falta de iniciativa das emissoras privadas de televisão,
fechando as portas para a produção nacional.8 Por conta disso, o espaço mais aberto à produção e
exibição de séries de animações brasileiras foi, e ainda continua sendo, as emissoras educativas, a
maioria delas públicas ou estatais.
Na década de 90, algumas das primeiras séries de animação brasileira em pequenos formatos
são exibidas nestas emissoras, como na TV Cultura de São Paulo – emissora reconhecida e premiada
internacionalmente pela qualidade de sua programação infantil. “Os Urbanóides” (1991), de Cao
Hamburguer, é uma série infantil de interprogramas em stop motion com um minuto de duração,
8. Devemos lembrar que, em outros gêneros televisivos, apesar da mesma condição financeira em relação
aos produtos estrangeiros, há relativo espaço para a produção nacional, como no caso das telenovelas e de
alguns seriados e programas.
116
Séries de Animação Televisiva
abordando de forma bem humorada algum tema ligado à educação. Em um dos episódios, por
exemplo, uma personagem, ao acabar de consumir uma bebida em um copo descartável, arremessa-o
por sobre um muro ao invés de jogá-lo em um cesto de lixo que está ao seu lado na calçada. Instantes
depois, surge atrás do muro um senhor com o mesmo copo virado sobre sua cabeça. Envergonhada,
a personagem que jogou o copo sai lentamente de plano, não sem antes ganhar um rabinho e ter seu
rosto transformado no de um porco. Ao final, após o “porcalhão” sair de cena, o senhor tira o copo
de sua cabeça e o joga no cesto do lixo.
Em 1994, a TV PinGuim, estúdio de animação formado cinco anos antes por Celia Catunda e
Kiko Mistrorigo, lança duas séries na emissora pública paulista, “Rita” e “Poesias Animadas”. A
primeira, composta por oito interprogramas de 30 segundos, mostrava fragmentos do cotidiano
da protagonista, uma menina em idade pré-escolar, valorizando comportamentos saudáveis e
divertidos. Já “Poesias Animadas” apresentou 14 programas de 30 segundos com animações
criadas a partir de poemas curtos de Arnaldo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília
Meireles, Ferreira Goulart, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Paulo Leminski e Vinícius de
Moraes. O estúdio também produziu, em 1996, “O Direito do Trabalhador” série de 15 episódios
de um minuto em stop motion, exibida na TVE, do Rio de Janeiro, que utilizava materiais e
objetos diversos que “ganhavam vida” para explicar os direitos dos trabalhadores.
Algum tempo depois, em 2001, a TV Pinguim produz para a TV Futura 24 episódios de 1 minuto
e 30 segundos da série “Entre Pais e Filhos”, que abordava o relacionamento familiar em diversos
tipos de família. Dois anos depois, a série ganhou uma nova temporada com mais 50 episódios, desta
vez focando, de maneira divertida, situações corriqueiras do cotidiano de uma família especialmente
criada para a série, os Pereira. No mesmo ano, o estúdio produziu “De Onde Vem?”, exibida com
sucesso na TV Cultura, TVE Brasil, TV Escola e, atualmente, na TV Rá-Tim-Bum. Nesta série, objetos
animados respondem às dúvidas da curiosa Kika sobre a origem de determinadas coisas, uma por
episódio, como o açúcar, o arco-íris, o avião, o choro, entre outros exemplos.
Em 2002, a TV Cultura exibe a série de animação “Anabel”, cuja primeira temporada teve
13 episódios de 11 minutos cada. Os episódios giram em torno da protagonista homônima,
uma curiosa menina de sete anos de idade que vive no Brasil durante a década de 30. Entre
suas atividades prediletas, estão a leitura de livros, sobretudo de Edgard Allan Poe, e a atenta
escuta de radionovelas. E é por meio destas atividades lúdicas que sua imaginação a leva às
mais incríveis aventuras. Criada por Lancast Mota e desenvolvida pela Martinelli Films, a série
fez grande sucesso e, atualmente, encontra-se em uma segunda temporada.
Outra série da Martinelli Films é “Pinguinics”, produção inventiva criada por José Marcio
Nicolisi e Marina Di Grazia. Os episódios apresentam situações cômicas decorrentes do encontro
de dois alienígenas com um grupo de pinguins no polo sul. Com um visual simples e soluções
criativas diferenciadas, a série teve uma primeira temporada exibida pela TVE do Rio e pela TV
Escola. Atualmente, a série também se encontra em uma segunda temporada de produção.
Um canal que teve papel importante na trajetória das séries de animação nacional para
televisão foi a filial brasileira da MTV. A história das séries animadas nessa emissora começa
quase que por acaso. Em um dos programas regulares, o apresentador João Gordo, vocalista da
banda de punk rock Ratos de Porão, recebeu uma animação de um dos telespectadores na qual
117
Dramaturgia de Série de Animação
o vocalista da banda Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, destruía uma cidade com
sua música ruim. A animação agradou enormemente o apresentador e, algum tempo depois,
Marco Pavão, o telespectador que havia enviado a animação, acabou sendo contratado pela
emissora, onde coordenou a Drogaria de Desenhos Animados, pequeno setor da MTV Brasil
responsável pela produção das animações do canal.
Com baixo orçamento, criatividade e humor adequado ao perfil de seu público, a emissora
produziu e exibiu cinco séries de animação. A primeira delas, “MegaLiga de VJs Paladinos”,
estreou em 2003 e teve três temporadas com 56 episódios de 21 minutos de duração cada.
Nesta série, os VJs (apresentadores) da MTV Brasil são super-heróis com estranhos poderes e
participam de bizarras aventuras junto com nomes populares do meio musical.
A TV Rá-Tim-Bum expandiu suas fronteiras e também pode ser assistida via cabo por brasileiros
residentes no exterior e por estrangeiros. Desde 2007, a programação da emissora é exibida nos
Estados Unidos, por meio de um contrato de parceria assinado com a empresa Castalia, responsável
pela distribuição do canal naquele país. Em 2009, foi a vez de Portugal assinar, por meio da empresa
ZON Multimédia, uma das maiores operadoras de televisão a cabo, internet e telefone (triple play)
da Europa, contrato para exibição da emissora no país lusitano. E finalmente, em 2010, em parceria
com a Cyber TV, o canal também passou a poder ser assistido no Japão.
Com programação 24 horas no ar, a emissora lançou dezenas de novos programas e séries,
totalizando, entre animação e live action, cerca de 300 horas de material inédito por ano.
Em seu site na internet (www.tvratimbum.com.br), inaugurado em 2008, é possível enviar
mensagens para os programas, jogar mini games, assistir a vídeos, baixar imagens, escutar
uma rádio on-line com músicas dos programas, realizar atividades (como receitas culinárias,
pinturas, mágicas, experiências científicas e artesanatos), conferir eventos promovidos pela
emissora, ler informações destinadas aos pais e comprar diversos produtos licenciados.
Com cerca de três milhões de assinantes, as séries de animação do canal tem perfil
próximo ao do edutainment, isto é, buscam a transmissão de mensagens educativas de
118
Séries de Animação Televisiva
forma atraente, dinâmica e divertida. Diversas séries foram exibidas e/ou lançadas nos
últimos anos pela emissora como: “Anabel”, “Brichos – A Natureza da Cultura”, “Cantigas de
Roda”, “Carrinhos”, “Dango Balango”, “De Onde Vem?”, “Escola de Princesinhas”, “Grandes
Personagens”, “Isso Disso”, “Juro que Vi”, “Kiara e os Luminitos”, “O Papel das Histórias”, “O
que Eu Vou Ser Quando Crescer?”, “Os Caça-Livros”, “Os Eco-Turistinhas”, “Os Reciclados”,
“Palavras Mágicas”, “Pequenos Cientistas”, “P.F.C. – Portuguesitos Futebol Clube”, “O Quarto
do Jobi”, “Show do DJ Cão”, “Som na Caixa com o DJ Cão”, “Sidney”, “Simão e Bartolomeu”,
“Tchibum TV”, “Traçando Arte”, “Turma do Lambe-Lambe” e as recém-lançadas “A Mansão
Maluca do Professor Ambrósio”, “Sidnei” e “Nilba e os Desastronautas”.
Os episódios foram ao ar nos intervalos do bloco “Adult Swim”, faixa da emissora no Brasil,
destinada à exibição de séries de animação voltadas para o público adulto, às sextas-feiras,
sábados e domingos, a partir das 23 horas. A partir desse mesmo ano, a emissora passou a
exibir também algumas pequenas vinhetas do canal realizadas por estúdios brasileiros, como
a série em origami apresentando personagens dos desenhos animados da emissora realizada
pela TV PinGuim.
Um ano depois, em 2005, foi ao ar a primeira série de animação brasileira para televisão realizada
com a técnica 3D e, também, a primeira a ser exibida de forma regular internacionalmente, pelos
canais Cartoon Network e Animania. Criada por Marco Alemar e Caio Mário Paes de Andrade (MoP
Brasil Digital), “Pixcodelics” conta a história de quatro crianças, Pix, o líder do grupo, que tem
um cachorro chamado Aurroba, o bem-humorado, inteligente e criativo Nerd, o fortão e corajoso
Hack e a charmosa e simpática Mary Chat. Juntos, eles têm que salvar a internet das constantes
ameaças do terrível vilão Dr. Ping e de seu atrapalhado assistente, o gato Katslock.
Também em 2005, a MTV Brasil lança sua segunda série, “Fudêncio e seus Amigos” (2005),
que tem como protagonista a personagem título, originalmente um boneco utilizado por João
Gordo em seu programa, que ganha vida própria em sua forma animada. Depravado, cínico e
macabro, Fudêncio estuda em um sinistro colégio com as outras personagens da série, como
Conrado, um azarado menino com cabeça de caqui, a gótica Funérea, o debilitado Safeno, o
malandro Peruíbe e os policiais, também chamados de “Os Hômi”, liderados pelo Tenente Kevin
Costa. A série fez grande sucesso na emissora e acumula três temporadas com 52 episódios de
13 minutos de duração cada.
119
Dramaturgia de Série de Animação
Nos anos seguintes, novos projetos foram ao ar na MTV Brasil, porém sem o mesmo sucesso das duas
séries anteriores. “RockStar Ghost”, de 2007, que teve nove episódios de 11 minutos e contava a história
de um funcionário público chamado Nasi. Com ambientação decadente, a série apresenta as peripécias
do funcionário público, próximo de sua aposentadoria, especializado em capturar celebridades fantasmas
do mundo da música. Já “The Jorges”, de 2008, também com nove episódios de 11 minutos produzidos,
apresentava a história de uma banda que topava de tudo para fazer sucesso. A banda era formada por
Fornalha, band leader neurótico e desbocado, Amaury, baixista ingênuo e emotivo e Paradise, baterista
sociopata. Juntos, enfrentam as mais inusitadas situações na busca pelo sucesso.
Lançada em 2008, “Princesas do Mar” (Sea Princesses) é uma série de animação, baseada
no livro de Fábio Yabu, que conta com a produção da brasileira Flamma Films (empresa de
Reynaldo Marchezini) em parceria com a produtora australiana Southern Star e com o estúdio
catalão Neptuno – onde a série é animada. A série é ambientada no fundo do mar, no mundo
de Salácia, que é habitado por diversos seres divididos em diferentes reinos: tubarões, polvos,
arraias e outros. Em cada um deles, há um rei, uma rainha, princesas e príncipes que são
responsáveis pelo bem-estar de todas as formas de vida marinha. Com duas temporadas e 104
episódios, a série é exibida em mais de 124 países pelo canal Discovery Kids.
Também em 2008, é finalizado “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma”, dirigido por
Ale MacHaddo, com produção do próprio estúdio do diretor, a 44 Toons. A animação, com 11
minutos de duração funciona, na verdade, como uma espécie de híbrido de curta-metragem e
piloto de série. Exibido e premiado em diversas mostras e festivais de animação e de cinema,
como o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, “Osmar, a Primeira Fatia
do Pão de Fôrma”, tornou-se ainda o primeiro projeto de série de animação brasileiro e da
América Latina a ser premiada na MIPJunior, na cidade de Cannes, no ano de 2009. O evento
internacional tem periodicidade anual e é considerado um dos maiores e mais importantes
no mercado de entretenimento para o público jovem e infantil em todo o mundo. Na final, a
animação brasileira concorreu com outros quatro pilotos de séries da Espanha e do Canadá,
países com maior presença e tradição no evento e no próprio mercado mundial de animação.
120
Séries de Animação Televisiva
Em 2009, a MTV lança sua última e mais recente série animada, “Infortúnio com Funérea”,
spin off de “Fudêncio e seus Amigos”, no qual a mórbida personagem Funérea é a anfitriã de
um ácido programa de entrevistas, que mistura a animação da personagem com interação em
live action dos entrevistados, personalidades ligadas aos universos temáticos da emissora.
Em 2008, Pavão fundou, junto com Thiago Martins e Cazé Pecini, o Estúdio Estricnina, onde
desenvolve novos projetos em animação e também atua junto à publicidade.
Neste mesmo ano, a Cartoon Network Brasil fez um pitch de série infantil, durante o
Fórum Brasil – Mercado Internacional de Televisão, que premiou a série “As Aventuras de Gui
e Estopa”, de Mariana Caltabiano, para o desenvolvimento de um episódio piloto. A série
apresenta uma turma de cachorros que vivem juntos diversas situações. Em um dos episódios,
“Prima Esnobe”, a trama gira em torno da visita de uma prima francesa très chique e o choque
cultural proporcionado por seu contato com a turma de cachorros brasileira. A série possui
ainda dois spin offs: “Gui e Estopa no Fundo do Mar” e “Gui e Estopa em Bichos do Brasil”,
que misturam sequências de animação com imagens da natureza captadas diretamente em
vídeo. Exibida no domingo de manhã, a série compõe, junto com “Turma da Mônica”, o bloco
denominado pelo canal como “Brazucas”.
O ano de 2009 também marca o lançamento de “Escola pra Cachorro” (Doggy Day School),
uma série infantil que mostra o cotidiano de cinco pequenos cachorros em uma “creche”
121
Dramaturgia de Série de Animação
para animais, na qual eles aprendem, brincam e fazem novas amizades com outras espécies.
Com 26 episódios de 11 minutos cada, a série, que atualmente se encontra em sua segunda
temporada, é uma coprodução das produtoras Mixer (brasileira) e Cité-Amérique (canadense).
A série voltada para o público pré-escolar é exibida internacionalmente e pode ser assistida no
canal Nickelodeon e também pela TV Cultura.
122
Séries de Animação Televisiva
episódio, a misteriosa mansão do excêntrico Prof. Ambrósio recebe um novo visitante, que leva a
história para outra dimensão. Participam ainda da série a aranha Floribela, que vive no laboratório
localizado no porão, e o rato Leslie, o esperto e encrenqueiro assistente do professor.
A primeira década do século XX se encerra de maneira promissora para a animação brasileira com
os resultados do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), promovidos pela Ancine (Agência Nacional do
Cinema) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O FSA divulgou em outubro o resultado de
sua linha A, voltada para a produção de filmes de longa metragem, que contou com sete animações
entre os projetos contemplados: “Até que a Sbornia nos Separe”, de Otto Guerra, “As Aventuras do
Avião Vermelho”, de Frederico Pinto, “Bugigangue no Espaço”, de Ale McHaddo, “Cuca no Jardim”,
de Alê Abreu, “Lutas - O Filme”, de Luis Bolognesi, “Tarsilinha” de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo e
“A Turma do Pererê – O Filme”, de Marcos Magalhães.
Vale mencionar que, assim como acontece fora do país, algumas séries brasileiras têm
conseguido maior destaque utilizando como principal veículo a internet, como é o caso dos
123
Dramaturgia de Série de Animação
Além de assistir às animações, também é possível comprar material licenciado, fazer downloads,
jogar mini games, conferir a agenda de eventos e enviar seu próprio material. Com humor jocoso
e debochado, as animações do Mundo Canibal são repletas de trocadilhos, palavrões, humor negro
e sátiras, agradando ao público jovem-adulto, sobretudo masculino. Algumas das animações dos
irmãos Piologo foram ainda exibidas e premiadas em festivais do país.
De caráter menos corrosivo, mas não menos engraçado, o site criado e mantido pelo
chargista Maurício Ricardo Quirino (www.charges.com.br) apresenta charges animadas
envolvendo temas diversos, desde o universo adolescente até política. Quirino, que
ilustra, anima e dubla as vozes, possui algumas séries on-line como “Charges-okê”, na
qual personalidades nacionais e internacionais interpretam paródias musicais, “Espinha e
Fimose”, dois jovens nerds vivendo a crise da adolescência e “Tobby Entrevista”, na qual o
entrevistador que usa orelhas do Mickey Mouse entrevista personalidades diversas, sempre
representadas na forma de personagens animados. No site, é possível ainda jogar mini
games, escutar músicas e enviar cartões virtuais animados para amigos por e-mail. No ar
desde 2000, o site já ganhou o prêmio na categoria entretenimento do IBest e da Revista
Info Exame. As charges do site também são vistas com frequência em diversos programas da
televisão brasileira.
ANIMATV
O célere crescimento da animação brasileira nos últimos anos não passou despercebido
pelas instâncias públicas do país. Em 2003, foi proposto o projeto de lei (PL) nº 1821/03,
com o objetivo de incorporar gradativamente na televisão desenhos animados brasileiros,
ampliando a exibição de conteúdo nacional e estimulando a indústria do setor no país. Após
algumas audiências e pareceres preliminares, o projeto segue em tramitação no legislativo.
124
Séries de Animação Televisiva
No mesmo evento foi apresentado o ProAnimação, cujo escopo já havia incorporado o Programa
ANIMATV. O ProAnimação foi resultado do estudo de um grupo de trabalho previamente composto por
ABCA, Coordenação Executiva do ANIMATV, ABPITV, Cinemateca Brasileira, CTAv e TV Cultura/TV Rá
Tim Bum, supervisionado pela
Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura.
O programa parte de
algumas premissas iniciais:
o crescimento do setor
em nível internacional;
a elevada capacidade do
setor em gerar emprego,
rendas e divisas; o volume
de material inédito exibido
no Brasil (cerca de 1.800
horas apenas considerando
o público infanto-juvenil); a
criação de toda uma cadeia
de negócios por meio do
licenciamento de produtos
diversos; o elevado nível
técnico e artístico dos
animadores brasileiros (reconhecido nacional e internacionalmente)
e a contribuição para a formação de um imaginário nacional numa
perspectiva de pertencimento e valorização da cultura brasileira.
125
Dramaturgia de Série de Animação
Esse estímulo buscado pode ser medido pelo estabelecimento de um circuito nacional
de teledifusão de desenhos animados nacionais, pela motivação nos estúdios de animação
em produzir novos conteúdos e pela potencialização de inserção das séries selecionadas no
mercado internacional.
Durante o ano de 2008, a equipe do projeto formatou toda a estrutura do ANIMATV, até
a publicação de seu edital. Dado o ineditismo da proposta, em 2009, foram realizadas - nas
cidades de Belém, Salvador, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e
Porto Alegre - as Oficinas para Formatação de Projetos ANIMATV. Com a realização dessas
9. O Mercado Comum do Sul, também conhecido por Mercosul, é a união aduaneira (livre comércio) criada em 1991,
que envolve cinco Estados Partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), cinco Estados Associados
(Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) e um Estado Observador com status não oficial (México).
126
Séries de Animação Televisiva
No total, foram inscritos 257 projetos inéditos, de 17 Estados brasileiros, no período entre
08 de dezembro de 2008 e 21 de janeiro de 2009. Desse total, 30 foram pré-selecionados para
a segunda fase do programa. A Comissão de Seleção foi constituída por cinco membros: Renato
Nery, designado pela SAV e pela SPC do MinC, Berenice Mendes, designado pela Empresa Brasil
de Comunicação – TV Brasil, Mário Sérgio Cardoso, designado pela Fundação Padre Anchieta,
Marcelo Braga de Freitas, designado pela ABEPEC e Fábio Yamagi, designado pela ABCA.
127
Dramaturgia de Série de Animação
Título: Hiperion
Autor: Bruno Vidigal
Produção: UPX Studio
Sinopse: “Cadu, 12 anos, supera as dificuldades para se tornar um super-herói. Ele enfrenta
o vilão Hyrus com os superpoderes da armadura Hiperion e descobre que tem o destino do
universo em seus punhos”.
128
Séries de Animação Televisiva
Sinopse: “Platz entrega pizzas em qualquer lugar da cidade em até dez minutos. Isso se
não houver problemas com quaisquer dos obstáculos oferecidos pela cidade”.
Título: Scratch
Autor: Fred Luz
Produção: Cápsula
Sinopse: “As aventuras de três baratas que investigam os crimes mais bizarros para ajudar
um incompetente detetive”.
Título: Wilbor
Autor: Rodrigo Gava
Produção: Labo Cine
Sinopse: “Wilbor é um cara alto astral que, incentivado pelo narrador, se mete nas mais
engraças situações sem nunca perder o otimismo”.
129
Dramaturgia de Série de Animação
Após a seleção inicial das séries, a Coordenação Executiva do Programa iniciou o trabalho
de prospecção de parcerias para as séries, apresentando e representando o ANIMATV em
importantes eventos internacionais, como Upto3’, em Toronto, Festival Internacional de
Animação de Ottawa, KidScreen Summit, em Nova Iorque, World Television Festival/Next
Media, em Banff (Canadá), MIPCOM e MIPJunior, em Cannes, Anima Fórum do Anima Mundi, no
Rio de Janeiro e na Expotoons, em Buenos Aires.
Além desta importante e ativa presença em feiras e eventos do setor, o ANIMATV também
tem obtido interessantes desdobramentos por meio da seleção e premiação de muitos dos
episódios em festivais nacionais e internacionais de animação, da exibição em mostras
especiais e também pela reprise nas emissoras parceiras da Rede ANIMATV: TV Cultura, TV
Brasil e suas retransmissoras.
A criação e a produção de séries de animação no Brasil vivem, portanto, seu momento mais
expressivo. Além das séries de animação mencionadas neste capítulo e que já se encontram
em uma fase regular de produção e exibição na televisão, estima-se que existam cerca de
50 projetos nacionais devidamente estruturados buscando, por diferentes mecanismos
e estratégias, a viabilidade para o desenvolvimento de suas produções. Se este cenário
praticamente surgiu e se consolidou em menos de dez anos, a perspectiva para a próxima
década é, portanto, bastante otimista.
130
Séries de Animação Televisiva
131
Dramaturgia de Série de Animação
132
Séries de Animação Televisiva
Análise
2.4 Análise das Séries
2.4 das séries
A seguir, faremos uma sucinta análise narrativa de caráter mais livre de duas séries
internacionais de animação, “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”. Poderíamos ter
escolhido outros casos, entretanto, pautamos nosso critério de seleção pelo sucesso de ambas
junto ao público, à crítica e ao mercado, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma
indústria de animação no Brasil.
Stephen Hillenburg nasceu em 1961 e, em sua infância, tinha a praia como “quintal”,
extensão de sua casa. Por conta disso, teve grande contato com o mar e aprendeu a surfar e
mergulhar. Além disso, se interessava por tudo que fosse relacionado à vida marinha, como os
filmes e documentários produzidos pelo oceanógrafo Jacques Cousteau. Ao terminar o segundo
grau, Hillenburg resolveu cursar biologia marinha, curso em que se formou no ano de 1984,
atuando como biólogo marinho e professor do ensino infantil até 1987.
Foi quando resolveu dar uma virada em sua vida e decidiu estudar animação, sua segunda
paixão. Hillenbrug se matriculou na CalArts – tradicional escola de animação fundada por Walt e
Roy Disney na década de 60 – onde conclui a graduação e o mestrado em animação experimental no
ano de 1993. Em 1989, ainda quando estava na graduação, criou um gibi chamado “The Intertidal
133
Dramaturgia de Série de Animação
Zone” sobre criaturas marítimas que vivem nas “poças de maré”. O gibi tinha como protagonista
Bob Esponja, que inicialmente era desenhado como uma verdadeira esponja do mar, mas que,
posteriormente, ganhou formas quadradas para ficar mais engraçado. Hillenburg chegou a enviar o
projeto para algumas editoras, mas, na ocasião, nenhuma delas se interessou. Ele mostra então o
gibi para seu colega Martin Olson, um roteirista especializado em humor, que sugeriu reescrever o
projeto no formato de uma série de animação sobre o fundo do mar.
Durante o curso e após algum tempo depois de formado, Hillenburg anima diversos curtas-
metragens, como “The Green Beret” (1991) e “Wormholes” (1992), que participam de inúmeros
festivais por todo o mundo. Entre 1991 e 1993, trabalhou ainda na série de animação infantil
“Mother Goose and Grimm” – baseada no quadrinho homônimo de Mike Peters.
Em um dos festivais em que “Wormholes” estava sendo exibido, Hillenburg conheceu Joe
Murray, criador da série “Rocko’s Modern Life” (“A Vida Moderna de Rocko”) que o convidou
para dirigir a série. Além de dirigir a série, Hillenburg atuou também como roteirista, produtor
e artista de storyboard. Foi por meio de “Rocko’s Modern Life” que Hillenburg conheceu o ator,
dublador, cantor e comediante Tom Kenny, a futura voz da personagem Bob Esponja em inglês,
além de Doug Lawrence, Martin Olson, Paul Tibbit e outros futuros colaboradores da série.
Com o fim de “Rocko’s Modern Life”, em 1996, Hillenburg retoma seu projeto de série
sobre o fundo do mar. No ano seguinte, conta com a colaboração dos colegas com quem
havia trabalhado, que o auxiliam no desenvolvimento dos cenários, das personagens e na
direção de arte do novo projeto. Dois anos depois, em 1998, Hillenburg faz um inusitado pitch
para o Nickelodeon usando um aquário, modelos das personagens, a música tema da série e
o storyboard do episódio piloto, “Help Wanted”. No dia seguinte, recebeu um telefonema
dizendo que seu projeto havia sido aprovado. Algum tempo depois, a série se tornaria o
programa de maior audiência e popularidade da emissora.
Em “Help Wanted”, Bob Esponja vai até a lanchonete Siri Cascudo se candidatar a
uma vaga de chapeiro. Ao perceber que o protagonista se aproxima da lanchonete com a
intenção de conseguir o emprego, o mal-humorado Lula Molusco pede ao proprietário do
estabelecimento, Sr. Siriqueijo, para não contratar a esponja, pois isso seria uma catástrofe.
O dono da lanchonete diz então a Bob Esponja que, se ele trouxer um raro tipo de espátula,
o emprego será dele. Entusiasmado, ele sai do estabelecimento cantarolando alegremente.
Interpelado por Lula Molusco, Sr. Siriqueijo afirma ter pregado uma peça no candidato, pois,
na verdade, não existe tal espátula. Nesse momento, diversos ônibus estacionam na frente da
lanchonete, que fica totalmente tomada por peixes famintos. A horda de clientes toma conta
de todo o espaço interno e Lula Molusco e o Sr. Siriqueijo vão parar no teto da lanchonete,
amedrontados com a situação. Quando tudo parece estar perdido, eis que surge Bob Esponja
voando por cima dos clientes, utilizando a rara espátula encontrada por ele como hélice. O
Sr. Siriqueijo afirma que se Bob Esponja conseguir atender todos os clientes peixes, o emprego
será dele. Motivado, o protagonista vai para a chapa onde começa, em um ritmo alucinado, a
montar centenas de hambúrgueres até efetivamente alimentar toda a horda faminta. Com um
enorme saco de dinheiro e um igualmente grande sorriso no rosto, o Sr. Siriqueijo efetiva Bob
Esponja na lanchonete Siri Cascudo, para desespero de Lula Molusco.
134
Séries de Animação Televisiva
A première da série, com a exibição desse episódio piloto, foi em maio de 1999 e os
demais episódios começaram a ser exibidos regularmente a partir de julho do mesmo ano. De
início, a série não fez o sucesso estrondoso que alcançaria depois. Porém, teve uma constante
e crescente curva de crescimento de popularidade, o que significa uma maior fidelidade do
público e perspectiva de consolidação da audiência em médio prazo – diferentemente das
séries que apresentam uma curva mais acentuada (“boom”) e que normalmente tendem a
perder a audiência depois de algum tempo.
As relações sociais que definem a própria existência da série giram em torno de Bob Esponja,
personagem principal da série, que apesar de ser uma esponja do mar tem a forma de uma
bucha de cozinha. Com grandes olhos azuis, dois dentes da frente aparentes, corpo retangular
amarelo com furos, Bob Esponja normalmente veste calça quadrada marrom, camisa branca
social de manga curta, uma pequena gravata vermelha, além de calçar sapatos pretos. Ele vive
em um abacaxi de dois quartos, com Gary, seu caramujo de estimação, que mia como um gato
e, ao se movimentar, deixa um rastro gosmento por onde passa.
Com atitudes e comportamentos positivos, Bob Esponja é uma personagem otimista, satisfeita e
bem intencionada. Sempre disposto, é bastante ativo e busca diversão tanto no trabalho quanto fora
135
Dramaturgia de Série de Animação
dele. Essa sua personalidade faz com que tenha uma visão muito particular das coisas do mundo,
gerando inúmeros contrapontos e situações com as outras personagens da série. Por exemplo, quando
quer agradar seu vizinho Lula Molusco, acaba, sem perceber, por irritá-lo cada vez mais.
Bob Esponja trabalha, desde o início da série, como chapeiro na lanchonete Siri Cascudo,
tendo como colega de trabalho seu vizinho Lula Molusco. Desde que começou a trabalhar na
lanchonete, ganhou todos os prêmios de “funcionário do mês”. Trabalha por prazer, pois adora
fazer os saborosos hambúrgueres, mesmo ganhando um reduzido salário. Não possui grandes
ambições na vida, sua maior motivação e objetivo é apenas ser o melhor chapeiro da Fenda do
Biquíni e fazer lanches que as pessoas adorem. Os hobbies prediletos de Bob Esponja são caçar
águas-vivas, fazer bolhas de sabão e praticar caratê com Sandy. Ele frequenta ainda as aulas na
autoescola com a Sra. Puff, sua professora, mas nunca conseguiu ser aprovado nos exames.
Patrick não possui emprego ou atividade fixa e, quando não está na companhia de seu
melhor amigo Bob Esponja, passa a maior parte do tempo dormindo ou vendo televisão
embaixo da pedra onde mora. Apesar de não ter essa intenção, acaba muitas vezes colocando
a si mesmo e a seu amigo em situações embaraçosas.
Sandy Bochechas é uma geniosa amiga de Patrick e Bob Esponja que mora em uma redoma de
ar embaixo d´água, na qual foi recriado o habitat de um esquilo na terra. Ela usa uma espécie de
escafandro, que permite a respiração fora da redoma quando está submersa. Oriunda da superfície,
mais precisamente do estado do Texas, nos Estados Unidos, Sandy é uma cientista cujas invenções
são, muitas vezes, acidentalmente quebradas por seus dois amigos. Praticante de caratê e aficionada
por esportes radicais, o esquilo possui grande força e adora desafios.
Já Lula Molusco é, mesmo pelo criador da série, ora referido como uma lula, ora como um
polvo, que mora ao lado de Bob Esponja e de Patrick. Sua casa é feita de pedra e se assemelha
fisicamente aos moais, esculturas em forma de cabeça humana característica da Ilha de Páscoa
(Chile), com os olhos fazendo a função de janelas no segundo andar da casa. Lula Molusco tem pele
verde azulada, olhos vermelhos, seis tentáculos, nariz grande e é careca. Além de vizinho, é também
colega de trabalho de Bob Esponja na lanchonete Siri Cascudo, onde exerce a função de caixa. Seus
dois vizinhos o consideram um amigo, embora o sentimento não seja recíproco.
136
Séries de Animação Televisiva
O proprietário da lanchonete Siri Cascudo, é o Sr. Siriqueijo, de origem humilde, sem pai
conhecido, é descendente, por parte de mãe, de uma família de piratas. Em sua juventude,
trabalhou na Marinha, onde, após se aposentar, passou por um período de depressão, que
termina com a criação da lanchonete Siri Cascudo, estabelecimento bastante popular na Fenda
do Biquíni. Como nunca foi casado, nem teve filhos, resolve adotar a baleia cachalote Pérola
e transformá-la em sua herdeira.
O Sr. Siriqueijo convive com as constantes ameaças do vilão Plankton, ex-sócio que, por
desavenças passadas nos negócios, tornou-se o maior inimigo do proprietário da lanchonete.
O objetivo do minúsculo Plankton é roubar a fórmula secreta do delicioso hambúrguer de siri,
fazer sucesso com sua própria lanchonete e levar o Siri Cascudo à falência.
Outras personagens com aparições menos regulares na série são: Sra. Puff, a traumatizada
professora de Bob Esponja na autoescola, Pérola, a filha adotiva do Sr. Siriqueijo, Sr. e Sra.
Calça Quadrada, os pais de Bob Esponja, o Holandês Voador, fantasma de um pirata que assusta
a Fenda do Biquíni, os super-heróis aposentados Homem-Sereia e Mexilhãozinho e o Pirata
Pattie, ator de carne e osso, fã declarado da série que possui um papagaio de madeira (Potty)
e que faz o papel de apresentador de alguns episódios.
137
Dramaturgia de Série de Animação
138
Séries de Animação Televisiva
The Simpsons
Durante sua infância, em Portland, Matt Groening não era um grande entusiasta da vida
escolar, o que o levou a desenhar com bastante frequência. Ao terminar o segundo grau, cursou
artes plásticas na The Evergreen State College, faculdade conhecida pelo seu caráter liberal
na educação e no ensino das artes. Entre 1972 e 1977, Groening atuou ainda como redator do
jornal da faculdade, no qual além de escrever também produzia algumas tirinhas.
Após terminar os estudos, em 1977, muda-se para Los Angeles para tentar trabalhar como
escritor. Todavia, acaba se virando financeiramente com pequenos “bicos”. Groening descrevia
para seus amigos suas experiências na cidade por meio de um fanzine artesanal, de fabricação
própria, chamado “Life in Hell”. A publicação autoral foi inspirada pela leitura do capítulo
“Como Ir ao Inferno”, do livro “Crítica da Religião e da Filosofia”, de Walter Kaufmann. O
fanzine também era distribuído em uma loja de discos de vinil em que trabalhava.
Quatro anos depois, a partir de uma sugestão de sua namorada e futura (ex) esposa,
Deborah Caplan, Groening publica uma série de livros com o mesmo tipo de humor das tirinhas,
como “Love is Hell”, “Work is Hell”, “School is Hell”, “Childhood is Hell”, “The Big Book of
Hell” e “The Huge Book of Hell”. A tirinha “Life in Hell” mantém sua produção semanal e é
publicada atualmente em cerca de 250 jornais.
Em 1987, a Fox lança o programa “The Tracey Ullman Show” (1987-1990). Criado, dirigido
e apresentado pela polivalente atriz, comediante, cantora, dançarina e roteirista Tracey
Ullman, o programa ganhou três Emmy Awards, o “Oscar” da televisão. Entre os quadros fixos
do programa, havia dois pequenos segmentos (“bumpers”) animados.
O primeiro deles era “Dr. N!Godatu”, uma série de pequenos curtas criados por M.K. Brown e
animados pelo Estúdio Klasky-Csupó. Foi exibida apenas durante a primeira temporada do programa.
No total, foram produzidos e exibidos seis pequenos episódios, que apresentam como protagonista a
sui generis Dra. Janice N!Godatu e seu cotidiano dentro e fora de seu consultório.
A segunda série, “The Simpsons”, era exibida logo depois dos comercias - durante a
primeira e a segunda temporada - e no meio de um bloco do programa - durante a terceira. As
pequenas animações da família deixariam de ser exibidas na quarta temporada, à medida que
ganharam sua própria série independente do programa de Tracey Ullman.
139
Dramaturgia de Série de Animação
Criada e escrita por Matt Groening, os esquetes eram animados por Bill Kropp, David Silverman
e Wes Archer, animadores do Estúdio Klasky-Csupó. No total, foram exibidos 48, com cerca de um
minuto de duração, entre 1987 e 1989, quando “The Simpsons” se tornou uma série própria.
Inicialmente, a série tinha design mais sujo, com cara de rascunho, mas, aos poucos, foi
ganhando traço e acabamento próprios. Outra curiosidade foi a equipe de dubladores, formada
por atores do “The Tracey Ullman Show”, que gravava as falas em gravadores portáteis.
Embora a maioria das personalidades das personagens seja semelhante às que estão
atualmente em exibição, Lisa era inicialmente retratada como uma versão feminina de Bart,
sem a atual inteligência que bem caracteriza a personagem nos dias atuais.
“The Tracey Ullman Show” não foi considerado um grande fenômeno em termos de audiência,
mas a popularidade das pequenas animações da família Simpson teve grande acolhida. Em 1989,
é criada uma série própria com episódios de 22 minutos de duração. James L. Brook, produtor e
consultor da nova série, conseguiu negociar um contrato de autonomia criativa com a Fox, impedindo
a emissora de interferir em seu conteúdo. Em pouquíssimo tempo, “The Simpsons” se transforma
em um enorme fenômeno mundial, sendo considerado o desenho animado mais popular de todos os
tempos, para a surpresa de todos os envolvidos inicialmente no projeto.
Groening, que mencionou como referência a obra do satírico escritor Joseph Heller, criou
uma série que pode ser entendida como uma espécie de sátira do estilo de vida da classe média
trabalhadora norte-americana, representada pelos membros da família Simpsom: Homer, o
pai; Marge, a mãe; Lisa, a filha; Bart, o filho e Maggie, a bêbe recém-nascida. Os nomes das
personagens foram apropriados de nomes de membros da própria família de Groening, com
exceção de Bart, que é um anagrama de brat (moleque, em inglês).
Springfield pode representar, portanto, qualquer cidade dos Estados Unidos, sem ser uma cidade
específica. O próprio nome do município foi escolhido por ser um dos nomes mais comuns de cidade
naquele país. Além de ter representadas as devidas instituições e aparatos sociais, a cidade possui uma
enorme usina nuclear que, ao mesmo tempo em que representa uma terrível ameaça, é a principal
geradora de renda e de empregos, causando uma terrível relação de dependência na cidade.
Apesar de outros desenhos animados já terem retratado a classe média trabalhadora norte-
americana, como, por exemplo, “The Flintstones” e “The Jetsons”, “The Simpsons” estabelece uma
140
Séries de Animação Televisiva
crítica mais ácida quando comparada a estas séries anteriores, cujas famílias são representadas de
maneira mais harmônica e feliz. A família de Springfield dialoga mais proximamente com paradigmas
da sociedade contemporânea, explorando outras fronteiras sociais e individuais.
Além da família protagonista, a série possui uma gigantesca galeria de personagens – alguns
até mesmo com aparições especiais em um único episódio. Estas personagens ocupam diferentes
papéis de acordo com um determinado tipo ou função presente na cidade: a celebridade,
o policial, o padre, o prefeito, o dono de mercadinho, o dono da escola, o trabalhador, o
palhaço, o nerd, o arruaceiro etc. Algumas dessas outras personagens possuem ainda um
papel secundário, servindo de suporte para a trama e, em algumas ocasiões, ganhando maior
destaque ou ênfase em determinados episódios.
141
Dramaturgia de Série de Animação
sequestram a personagem MacGyver, interpretada pelo ator Richard Dean Anderson, da série
de televisão dos anos 80, “Profissão Perigo”. Neste caso de “importação” de personagens
externas ao universo da série, “The Simpsons” consegue incorporar dinâmicas pertencentes
ao contexto de origem do convidado “estrangeiro”, metamorfoseando, assim, sua própria
estrutura narrativa. No exemplo de McGyver, após ser sequestrado, amarrado e aprisionado
no quarto das rancorosas irmãs gêmeas, a engenhosa personagem cria suas improvisadas
traquitanas e consegue escapar do cativeiro das irmãs.
Destarte, “The Simpsons” utiliza uma estrutura de sitcom, porém com um maior
escopo temático que a maioria das comédias desse gênero. Dada a amplitude de universos
potencialmente oferecidos em Springfield, a série explora diversos temas e situações recorrentes
à sociedade contemporânea. Estes podem surgir a partir da própria família protagonista, como
as relações de trabalho vividas por Homer, o sistema educacional representado pela escola
frequentada por Bart e Lisa, a indústria da comunicação e do entretenimento, sobretudo da
televisão, assistida por toda a família.
É possível ainda identificar na série uma crítica quanto ao próprio estado da arte da
televisão, principalmente, mas não apenas, por meio da personagem Krusty, uma clara analogia
ao palhaço Bozo, e do desenho animado “Comichão e Coçadinha” (“Itchy & Scratchy”), analogia
à Tom & Jerry, que funciona como uma espécie de metasérie extremamente violenta exibida
no programa infantil do referido palhaço e muito apreciada pelas crianças.
142
Séries de Animação Televisiva
“The Simpsons” concilia esta diversidade com alguns elementos recorrentes, como os
bordões de Homer, “D’oh!” - com expressão facial paralizada -, do Sr. Burns, “Excelente...” -
enquanto esfrega as duas mãos. Além de elementos, algumas situações específicas também se
apresentam de maneira recorrente, como os trotes telefônicos de Bart para o bar do Moe.
Tal estrutura de suporte, que mescla elementos variáveis com outros invariáveis, é o que
dá sustentação para a família Simpson - ou, por outra perspectiva, é o que surge ou se torna
visível a partir dela. Apesar dos anos que se passaram, há uma suspensão do tempo, isto é, as
personagens da série não sofrem a ação do tempo, mantendo a mesma idade e aparência em
todas as temporadas.
O eixo central da série é, portanto, a família, que tem como patriarca Homer Simpson, uma
personagem caracterizada por seu baixo nível de inteligência, sua preguiça e suas explosões de
raiva – como quando impulsivamente estrangula Bart. Também não gosta de trabalhar e adora
comer junk food e beber cerveja, o que fez com que ficasse acima do peso e portador de uma
barriga sobressalente. Seus vizinhos, os Flanders, família extremamente religiosa e ordenada,
são motivo constante de inveja, o que o leva a fazer troça e premeditar ações destrutivas –
único momento na série em que age desta maneira intencionalmente. O relacionamento com
a família é bastante variável: o mesmo Bart que é por vezes repreendido por ele torna-se
seu aliado em outras situações, normalmente envolvendo algum tipo de traquinagem. Em
relação à Lisa, filha com personalidade oposta a do pai, ele se mostra carinhoso e atencioso,
muitas vezes desistindo de alguma vontade própria para agradar a filha. Apesar de interagir
com a pequena Maggie, parece, por vezes, esquecer-se de sua existência. Já quanto a Marge,
sua esposa, mesmo fazendo constantemente coisas que a desagradam, demonstra não ter
intencionalidade nestes atos e, não raramente, sente culpa e remorso, se esforçando para
mudar sua atitude e agradar seu amor. Homer tem ainda um pai, que foi colocado em um lar
de idosos e com quem tem contato neutro e de forma esporádica.
Dominado por seus impulsos, o protagonista parece ser escravo de suas vontades,
materializadas na série pela tríade cerveja, televisão e rosquinhas. Apesar de sua limitação
intelectual, Homer é capaz de absorver e processar algumas informações em sua mente,
normalmente sobre assuntos muito específicos ou de caráter mais simplista. Em muitas
oportunidades, ele dialoga com sua própria mente, como se fosse a voz da consciência ou um
pensamento em voz (off) alta.
Por outro lado, Homer possui certas virtudes, como a simplicidade, a alegria, o amor
incondicional à família e a capacidade de modificar sua atitude em favor das pessoas de
que gosta. Dessa maneira, é uma personagem extremamente humana, com seus defeitos e
qualidades, o que o torna tanto desprezível quanto admirável em certos aspectos.
Homer é, portanto, um anti-herói, mas não um vilão. Sua alienação, preguiça e egoísmo
podem ser transformar diante de seu arrependimento quando decepciona a família, única
coisa capaz de chacoalhar sua inércia. A simpatia com a personagem reside, provavelmente, na
dicotomia razão-emoção, isto é, na ambivalência de sua personalidade natural e espontânea
e de sua devoção familiar. Apesar de estar longe de um modelo ideal de ser humano, pai e
marido, ele é capaz de amar e, por isso, acredita que pode ser uma pessoa melhor, mesmo que
para isso tenha que se comportar, algumas vezes, contra seus hábitos.
143
Dramaturgia de Série de Animação
Marge é a típica representação da figura materna nos seriados de sitcom, uma “Amélia”, a devotada
dona de casa que vive em função da família, sem muito espaço para suas próprias vontades e desejos
– ainda que estes sejam explorados em alguns episódios isolados. Possui duas irmãs, as ranzinzas Patty
e Selma Bouvier, que nunca se casaram, moram juntas e odeiam Homer, apesar de relacionarem bem
com Marge. Benevolente, é a força moral da família, zelando pela ordem e pelo bem-estar de todos.
Por isso, sua união com Homer é, em alguns momentos, bastante atribulada. Apesar de reconhecer os
defeitos de seu marido, ela retribui seu amor, o que, no final das contas, faz com que permaneçam
juntos. Ela nunca julga Homer a priori e nem se coloca contra o marido, pois sempre espera boas ações
dele. Sua atitude é, portanto, mais reativa do que ressentida: ao identificar algum defeito procura
corrigi-lo. Apesar de sua personalidade se aproximar mais da filha, com quem se relaciona muito bem,
Marge também demonstra carinho e preocupação com Bart, identificando a índole pessoal por trás do
moleque travesso. Quanto à pequena Maggie, mostra-se igualmente uma mãe devotada e atenciosa.
Por vezes, o fervor moral de Marge ultrapassa os limites do lar e ela participa de causas e
associações, tentando expandir frustradamente sua voz da razão para a cidade, mas seus moradores
se mostram demasiadamente inertes para, de fato, transformarem os problemas apontados por
meio de ações efetivas. Em outras palavras, a liderança exercida em casa acaba não sendo bem-
sucedida na cidade. Religiosa, é a principal responsável pelo fato da família frequentar a igreja
aos finais de semana. A despeito de sua moral, Marge tem, por vezes, que lidar com alguns de seus
vícios que eventualmente voltam para assombrá-la, como o jogo, por exemplo.
Um fato curioso aconteceu no ano de 1990 envolvendo Barbara Bush e Marge Simpson. Em
uma entrevista para a revista “People Magazine”, a então primeira-dama norte-americana
afirmou ter perplexidade em relação à série e a família nela representada, afirmando ser “a
coisa mais estúpida” que ela já assistiu. Os roteiristas da série resolveram escrever uma carta
particular endereçada à primeira-dama, assinada por Marge Simpsons, que posteriormente foi
respondida pela Sra. Bush com um pedido de desculpas:
“Estimada Primeira-Dama,
recentemente li suas críticas à nossa família. Eu fiquei profundamente magoada. O céu sabe
que estamos longe da perfeição, eu sei, talvez até mesmo um pouco distante do normal; mas
como Dr. Seuss diz: “uma pessoa é uma pessoa”. Eu tentei educar minhas crianças (...) sempre
estimulando o benefício da dúvida e nunca permitindo que qualquer um falasse mal deles,
mesmo que fosse uma pessoa rica. É difícil fazê-los compreender este ensinamento quando a
própria primeira-dama do país chama-nos não apenas de idiotas, mas de “a coisa mais estúpida
que ela já viu”.(...) Eu espero que haja alguma maneira de sair dessa controvérsia. Pensei que,
talvez, apenas fazendo minha mente falar pudesse ser um bom começo.” 10
Filha de Marge e Homer, Lisa é uma menina de oito anos com uma inteligência muito acima
de sua faixa etária, de sua família e da maioria dos moradores da cidade. Ela adora escutar
10. Tradução livre do autor de: “Dear First Lady, I recently read your criticism of my family. I was deeply hurt.
Heaven knows we’re far from perfect and, if truth be known, maybe just a wee bit short from normal; but as
Dr. Seuss says, “a person is a person”. I try to teach my children [...] always to give somebody the benefit of the
doubt and not talk badly about them, even if they’re rich. It’s hard to get them to understand this advice when
the very First Lady in the country calls us not only dumb, but “the dumbest thing” she ever saw. [...] I hope there
is some way out of this controversy. I thought, perhaps, it would be a good start to just speak my mind.”
144
Séries de Animação Televisiva
jazz e tocar saxofone. Reflexiva e preocupada com diversos problemas atuais, costuma se
engajar e participar ativamente dessas causas. Em um episódio especial, Paul McCartney exigiu
como contrapartida de sua participação que Lisa se tornasse vegetariana para todo o resto
da série, o que, de fato, aconteceu. Outras causas pelas quais Lisa milita são o feminismo,
o ambientalismo, os direitos dos animais e a libertação do Tibet. Lisa também aderiu ao
budismo, desenvolveu grande espiritualidade e busca difundir a cultura da paz.
Consciente, ligada em artes e cultura e dona de uma mente e espírito abertos, Lisa parece
ter herdado da mãe a boa intenção e o papel de consciência da família. Apesar de perceber
que não encontra eco à sua inteligência em casa, nem tampouco ser valorizada por isso,
parece não se importar excessivamente com essa situação, valorizando o relacionamento
mais emotivo e afetivo no convívio com seus parentes. Apesar de comumente se desapontar
com as coisas do mundo, Lisa é compassiva e demonstra uma atitude relativamente otimista,
principalmente naquilo com que ela puder efetivamente contribuir.
Em seu relacionamento com a família, Lisa demonstra, por vezes, desaprovação e vergonha
quanto a determinadas atitudes e comportamentos. Em suas aventuras na constante busca do
saber e do conhecimento, encontra uma espécie de compensação pela falta de estímulos e de
interação domésticos, porém sua casa é o seu porto seguro.
Oposto de sua irmã, Bart é o típico moleque descolado, que vai mal na escola, adora
bagunça, é rebelde e tem problemas em aceitar estruturas hierárquicas ou autoritárias. Filho
primogênito, com dez anos de idade, suas principais atividades fora da escola incluem andar
de skate, ler histórias em quadrinhos e assistir televisão. É grande fã de Krusty e chegou
a ajudá-lo em diversos episódios, sem, contudo, ter o devido reconhecido do palhaço mal-
humorado e deprimido. Estereótipo da “criança problema”, Bart foi inspirado na infância do
próprio Groening e também na personagem de “Denis, o Pimentinha”. Herdou do pai certo
filisteísmo, porém, ao contrário de Homer, isso implica conflitos nas diversas esferas sociais
em que convive. Na escola, é um aluno problemático, que possui como principal antagonista o
diretor Seymour Skinner – que age como a personagem Norman Bates, interpretada por Anthony
Perkins, no filme “Psicose”, e cujo sobrenome é uma alusão ao fundador do behaviorismo. Por
outro lado, demonstra certa integridade, tendo, inclusive, em algumas situações, ajudado ao
próprio Sr. Skinner. Assim, apesar de seu comportamento inconsequente, podemos afirmar que
Bart é um “bom menino”, que apenas gosta de se divertir, não agindo com má intenção mesmo
quando “apronta”. O relacionamento com sua irmã é comum à maioria dos irmãos, alternando
momentos de união e fraternidade com outros de competição e rivalidade. Embora às vezes se
envergonhe do tímido e certinho Milhouse, ele é seu melhor amigo.
145
Dramaturgia de Série de Animação
A natureza rebelde e iconoclasta de Bart fez com que sua figura fosse amplamente utilizada
fora da série (“Bartmania”), o que preocupou algumas pessoas mais conservadoras quanto
à possível adoção da personagem como influência ou modelo para os jovens e as crianças.
Questionado em uma entrevista, no ano de 1998, sobre este assunto, Groening respondeu:
“Agora que tenho um menino com sete e outro com nove anos de idade, tudo o que posso dizer
é “eu peço desculpas”. Agora sei do que vocês estavam falando. Minha resposta padrão é, se
você não quer que seus filhos sejam como Bart, não haja como Homer.” 11
Após o sucesso de “The Simpsons”, Groening apresentou sem sucesso alguns projetos de
spin-offs da série, como um programa em live action sobre Krusty, o palhaço, “Comichão e
Coçadinha” e uma série sobre os demais moradores de Springfield, sem focalizar a família
Simpson. Todavia, “The Simpsons” permanece como a maior série de animação de todos os
tempos, com a confirmação da realização de sua 23ª temporada, permitindo que ultrapasse,
em breve, a marca dos 500 episódios. Além disso, é o segundo programa a permanecer de forma
contínua por mais tempo no ar na televisão norte-americana, ganhando inúmeros prêmios e
homenagens. A série gerou ainda o licenciamento de diversos produtos, jogos de videogame e
deu origem a um bem sucedido filme de longa-metragem.
A maneira simples, descontraída e divertida com que a série aborda temas complexos
da contemporaneidade e mesmo da natureza humana conseguiu agregar a um programa de
qualidade grandes níveis de audiência, desafiando a máxima sobre a televisão de que quanto
melhor o programa, menor seu público. Além disso, a audiência do programa atinge estratos
amplos e diversos, ultrapassando inúmeras barreiras. Isso fez com que “The Simpsons”
reiventasse o gênero sitcom e a própria animação na televisão, servindo de referência para
inúmeras séries (em live action e animação) que surgiram posteriormente.
Inúmeros roteiristas já passaram pela série, sendo John Swartzwelder o mais creditado,
com a criação de 60 episódios. Eventualmente alguns roteiristas convidados participam com a
criação de um único episódio, como foi o caso do comediante inglês Ricky Gervais (criador da
série “The Office”), no episódio número 371, “Homer Simpson, This is Your Wife”, exibido na
décima sétima temporada.
11. Tradução livre do autor de: “I now have a 7-year-old boy and a 9-year-old boy, so all I can say is, I apologize.
Now I know what you guys were talking about. My standard comment is, if you don’t want your kids to be
like Bart Simpson, don’t act like Homer Simpson”.
146
Séries de Animação Televisiva
147
Capítulo 3 dramaturgia
aplicada à produção de séries de
ANIMAçÃO
Dramaturgia de Série de Animação
dramaturgia
3 ANIMAçÃO aplicada à produção de séries de
Isso significa que, pelo menos inicialmente, cada autor deve se abrir ao mundo e aproveitar
ao máximo suas próprias referências e sua subjetividade, não impondo a si qualquer tipo de
censura ou restrição e não se preocupando com qualquer obrigação formal. Nesse sentido,
o projeto deve ser, antes de qualquer coisa, um processo autoral resultante de questões e
reflexões pessoais – ainda que aborde questões universais.
Apesar de não existir uma fórmula ou regra absoluta referente à dinâmica de criação de
um projeto de série de animação, é importante observar que sua apresentação, entretanto,
150
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
possui certas formas e estruturas mais consolidadas. Assim, este capítulo apresenta um modelo
de projeto completo de série de animação, conhecido como “bíblia de produção” (production
bible). Este modelo, baseado no que se pratica atualmente no mercado internacional, também
foi utilizado no Programa ANIMATV.
O terceiro capítulo deste livro parte do aproveitamento das reflexões e das ideias
apresentadas nos capítulos anteriores para apresentar os itens constituintes de uma bíblia
de produção, amplamente utilizada no mercado internacional de projetos de séries de
animação. Cada um destes itens ganhou um subcapítulo próprio no qual são abordadas suas
particularidades, características principais e elementos atinentes. A ordem de apresentação
desses itens não implica necessariamente a ordem de desenvolvimento do projeto, que pode
ser alterada em função de cada autor. Da mesma forma, mudanças nestes itens são comuns e
normalmente acarretam em novas alterações nos demais itens também.
No quarto subcapítulo, é a vez de abordar os cenários que irão compor o universo da série. Aqui,
mais importante do que a descrição dos ambientes internos ou externos é pensar qual é a atmosfera
ou a mensagem que estes cenários irão produzir no contexto da série. É válido observar, conforme
veremos, que a composição dessas atmosferas não está restrita aos aspectos visuais, podendo
explorar também elementos da linguagem sonora e musical. Também trataremos da elaboração de
concept arts responsáveis por dar forma às ideias escritas sobre os cenários de uma série.
A partir das definições prévias acerca do conceito da série, seu universo e suas personagens,
é possível pensar em ações que irão compor os episódios de uma temporada. Em um projeto,
151
Dramaturgia de Série de Animação
algumas sinopses técnicas (springboards) costumam ser elaboradas para se ter uma maior
noção dos episódios da série além de seu piloto. Diferentemente da sinopse comercial, a
sinopse técnica deve apresentar, de maneira clara, direta, resumida, com começo, meio e fim
e com spoiler, alguns episódios previstos para a série.
No final deste capítulo, traremos outros aspectos que, mesmo estando além do escopo
narrativo e dramatúrgico deste livro, devem ser considerados na elaboração do projeto, como
a “bíblia de comercialização” e o pitch.
É preciso que o leitor consiga estabelecer e criar suas próprias relações com os subcapítulos
apresentados, assim como com diversos outros aspectos apresentados por todo este livro. A
compreensão do projeto dentro de uma dinâmica interdisciplinar integrada e indissociável de seus
mais diversos elementos é uma das chaves para elaboração de um projeto coerente e articulado.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
153
Dramaturgia de Série de Animação
154
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
conceito geral
3.1
3.1 Conceito Geral da Série
A tela em branco...
da série
Esta já foi a grande preocupação de infindáveis autores, criadores, cientistas, artistas e objeto
de estudo de inúmeros pesquisadores nas mais diversas áreas criativas. Não é e nem poderia ser nosso
objetivo aqui esgotar essa questão, mas, afinal de contas, de onde vêm as boas ideias?
Apesar de não termos uma resposta única, simples e absoluta a esta questão, podemos
seguramente afirmar que elas nunca “vêm do nada”. Ainda que as referências não sejam
apontadas ou não sejam conscientemente reconhecidas, ninguém cria qualquer coisa sem
referências – tenham elas os nomes e as formas que forem. Para isso, basta pensarmos que
somente “somos quem somos” porque nossas formações, experiências, valores e visões de
mundo são resultantes de uma série de fatores e combinações improváveis. Se tivéssemos
nascido e sido criados em outras épocas, lugares ou circunstâncias, por exemplo, certamente
seríamos pessoas diferentes.
Com isso queremos dizer que cada pessoa possui motivações e uma carga interior
singulares, que lhe são próprias e que, na maioria das vezes, se expressam de inúmeras
maneiras no cotidiano e em suas manifestações criativas. Não seria diferente, portanto, com a
animação. Certa personagem, por exemplo, pode representar, de uma maneira mais ou menos
consciente, mais ou menos crível, um ex-chefe, um parente, um amigo, uma figura pública,
uma personagem de outra narrativa, o próprio autor ou mesmo uma mistura de todas em uma
única persona. Da mesma forma, ocorre com os demais elementos narrativos e criativos, sejam
eles pensados ou não a priori.
O acúmulo dessas referências forma o que podemos aqui chamar de repertório, instrumento
pessoal bastante útil em duas dimensões complementares na criação de qualquer projeto. Em
primeiro lugar, o repertório evita que uma obra seja muito semelhante à outra sem que haja a
intencionalidade do autor. É claro que corremos este risco a todo o momento: como saber, com toda
155
Dramaturgia de Série de Animação
certeza, que qualquer pessoa em qualquer lugar não teve uma mesma ideia antes de nós? Não temos
como nos certificar disso, claro, mas pressupõe-se que, ao menos, isso não ocorra em relação às
obras basilares de uma determinada forma de expressão. Em outras palavras, devemos atentar para
não estarmos “reinventando a roda”, como se diz. Neste caso, se o autor não possuir tais referências
básicas, provavelmente será considerado uma pessoa desonesta ou então alguém que não possui nem
um repertório rudimentar – o que pode ser igualmente negativo.
Em segundo lugar, o repertório auxilia no diálogo com uma tradição consolidada em uma
determinada área. Assim, possibilita ao autor buscar referências em determinadas estruturas
e modelos que permitem desenvolver sua própria obra. Um exemplo bastante conhecido
no meio narrativo é o livro “A Jornada do Escritor”, de Christopher Vogler, no qual o autor
propõe a aplicação de ideias e teorias desenvolvidas pelo mitólogo Joseph Campbell ao roteiro
audiovisual – como podemos bem perceber nas animações dos Estúdios Disney, nas quais Vogler
atua como consultor.
156
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
sincera, alguém pode prejudicar muito mais do que ajudar. Uma alternativa é sempre contar
com consultorias de profissionais, que, em função do distanciamento e da experiência com
outros projetos, são capazes de emitir pareceres mais imparciais e precisos antes de uma
avaliação final de seu projeto.
A virtude de se criar e desenvolver um projeto pode ser tão grande quanto a de perceber o
momento de deixá-lo de lado - ainda que apenas por algum tempo. Algumas ideias precisam de tempo
para amadurecer, assim como alguns “nós criativos” precisam de uma pausa para se desfazer.
Isso posto, deve-se pensar nos primeiros passos da criação de um projeto de série de
animação para televisão. Apesar de o processo criativo em si poder variar de pessoa para
pessoa, é possível observar um modelo vigente, no qual se elabora um projeto de criação
conhecido como bíblia de produção (production bible). Usaremos como referência neste
capítulo, portanto, esse modelo já consolidado no mercado internacional de séries de animação,
abordando, sempre que necessário, questões adjacentes dentro desses próprios itens.
Nesse sentido, o primeiro item apresentado no programa é o conceito geral da série. Aqui,
é necessário um poder de síntese capaz de apresentar, em linhas gerais, o projeto em um
único parágrafo, priorizando o tema, o enredo central e o tom da série. Para isso, o primeiro
passo pode ser pensar naquilo que denominamos story line, uma sentença conceitual, isto é,
não narrativa, que apresente a ideia central da narrativa em uma única frase, tornando-a,
portanto, mais universal. Vejamos, a título de exemplo, o mito grego de Perseu e Medusa.
Na versão mais difundida do mito, conta-se a saga do jovem Perseu que, para presentear o
rei Polidectes, decide oferecer a cabeça da Medusa. A górgona, até então, havia transformado em
pedra qualquer guerreiro que ousou entrar em seus domínios. Mesmo sabendo do perigo mortal
da empreitada, Perseu, exemplo da figura do herói clássico, não hesita em realizar sua tarefa e
consegue derrotar o ser ctônico ao encará-lo pelo reflexo de seu escudo e, não, diretamente nos
olhos. Daí, uma possível story line para este mito seria: “Podemos superar qualquer desafio, mesmo
aqueles considerados intransponíveis, se o encararmos sob uma nova perspectiva”.
O story line pode, portanto, servir de ponto de partida para a criação dos demais elementos
narrativos de uma série, mantendo a essência pensada inicialmente, mesmo quando assume
diferentes formas e aparências. Quantas vezes, por exemplo, a tragédia “Romeu e Julieta”,
de Shakespeare, não foi recontada com outros nomes, nas mais variadas formas e em inúmeras
mídias, desde o final do século XVI?
157
Dramaturgia de Série de Animação
conseguem solucionar, variando, por exemplo, os desafios apresentados a cada novo episódio.
O story line seria mantido, portanto, independentemente da série ser ambientada no espaço
sideral, em uma geleira glacial, no fundo do mar, em uma floresta tropical ou mesmo da
protagonista ser representada por um monstro, uma máquina, um animal ou ser humano.
O story line pode ser definido em linhas gerais como uma espécie de “frase-conceito”, que
explicita em seus aspectos subjetivos uma narrativa qualquer. Serve como fio condutor, uma espécie
de bússola norteadora para o desenvolvimento do conceito geral da série e mesmo de cada episódio.
Apesar de, na maioria das vezes, não ser solicitado isoladamente no desenvolvimento de um projeto,
o story line pode ser considerado um dos aspectos centrais do conceito geral. Trata-se de um
exercício minimalista e abstrato que, em alguns casos, pode ser tão ou mais difícil do que o próprio
desenvolvimento do roteiro em si. Já em outros casos, principalmente naqueles em que as animações
possuam maior apelo visual, pode até mesmo ser pensado por fim, isto é, após a criação de todo o
universo narrativo e de seus elementos constituintes.
Além dessa essência apresentada pelo story line, o conceito geral da série deve ainda
explicitar, sempre em linhas gerais de, no máximo, um parágrafo (cerca de oito linhas), o tom
da série, bem como o enredo central, com a apresentação do universo no qual a série será
desenvolvida, das personagens principais e de seus relacionamentos. Além de sintético, o texto
do conceito geral da série deve ser bastante claro e objetivo, possibilitando um entendimento
em linhas gerais das principais características e elementos propostos pela série.
Atente para o detalhe de que o processo de criação de uma série nunca é inconsciente
e que se o conceito central dessa criação não estiver claro pelo menos para o próprio autor,
não estará para mais ninguém. Vejamos abaixo os conceitos gerais apresentados pelas séries
“Carrapatos e Catapultas” e “Tromba Trem”, posteriormente analisadas neste livro.
Temos aqui, em poucas linhas, a apresentação dos principais elementos da série e de seu tom. O
Planeta Vaca é habitado por carrapatos que gostam de se catapultar e sugar comida, sucos e objetos
com canudinhos para engordarem e explodir, exceto os amigos Bum e Bod, que, mesmo sugando,
não conseguem engordar como os demais carrapatos. Nesse “mundo reino”, objetos humanos como a
“caixa de luz” (televisão), inexistentes ali, aparecerão do nada e proporcionarão inúmeras situações –
uma vez que assumirão nesse novo mundo outros valores. Infere-se pelo tom do texto a presença do
inusitado, da ironia e a abertura para inúmeras situações resultantes do contexto apresentado, que
se revela potencialmente inventivo e criativo.
158
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
“Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia de cupins
paranoicos que acredita ser de outro planeta viajam juntos num trem a vapor pela América
Latina. Tromba Trem é uma série de animação no formato “filme de estrada”, em que a cada
episódio conhecemos uma nova personagem”.
Nesse caso, podemos notar a qualidade de concisão à qual nos referimos anteriormente.
Logo na primeira sentença, localizamos as protagonistas e adjetivos que melhor definem
suas personalidades (“colônia de cupins paranoicos”, “tamanduá vegetariana” e “elefante
sem memória”), o ambiente (América Latina) e a ação central da série (uma viagem em um
trem a vapor). Em seguida, é feita uma referência ao gênero narrativo audiovisual “filme de
estrada” (road movie) e mencionado o fato de que, a cada episódio, conheceremos uma nova
personagem. Também é possível inferir que variações narrativas serão apresentadas pelas
situações decorrentes do relacionamento dessas personagens antagônicas durante a viagem.
159
Dramaturgia de Série de Animação
apresentação
3.2
3.2 Apresentação (Overview)
(overview )
Na apresentação do projeto, o autor possui um espaço maior, cerca de três páginas, para
desdobrar as ideias apresentadas no conceito geral, bem como introduzir outras tantas que
julgar necessárias para melhor compreensão do projeto. É o local no qual se deve apresentar
com mais detalhes os elementos constituintes da série e suas articulações. Ao final da leitura da
apresentação do projeto, o avaliador não deve ter nenhuma dúvida quanto às questões centrais
da série, como o tema, o tom, o enredo condutor, o relacionamento entre as personagens, o
estilo visual, as técnicas de animação a serem utilizadas e o público-alvo a quem se destina.
160
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
entretanto, um consenso absoluto quanto à faixa etária exata atribuída a cada uma destas fases, uma
vez que podem variar em função da época em questão e de características sociais específicas. Há
quem diga, por exemplo, que no mundo contemporâneo pós-globalizado, assistimos a um aumento
do período da adolescência: em uma ponta abreviando a infância e na outra atrasando o ingresso
efetivo na vida adulta.
A segunda infância abrange a faixa etária entre três e seis anos de idade, também
conhecida como pré-escolar. Nessa fase, podemos observar a presença de um pensamento
mágico ou lúdico, no qual o elemento maravilhoso começa a despertar maior interesse. O
tempo se manifesta principalmente por meio de uma presentidade, isto é, pelo predomínio do
tempo presente em relação às noções de passado e de futuro.
Com o ingresso obrigatório na escola entre os cinco e seis anos de idade (o que ocorre na
maioria dos países), a criança se depara com situações diferentes daquelas vividas em sua casa
e desenvolve maior habilidade na resolução de problemas e conflitos. As brincadeiras e demais
atividades lúdicas envolvendo a imaginação e a criatividade se tornam mais elaboradas. Para
alguns pesquisadores, como o pedagogo francês René Hubert, por exemplo, tudo isso pode
influenciar na manifestação de certo comportamento egocêntrico ou narcisista, característico
desta etapa do desenvolvimento infantil.
A terceira infância, por sua vez, é considerada a faixa etária compreendida entre os
seis e os doze anos de idade. É na terceira infância que a criança passa a racionalizar seu
pensamento, procurando os “porquês”, e a comparar melhor as coisas do mundo entre si. Há
um crescimento da vida social da criança, o que diminui a referência de apoio e de autoridade
dos pais, em relação a quem passam a agir de maneira mais questionadora, aumentando a
importância dos amigos como modelos de comportamento.
161
Dramaturgia de Série de Animação
162
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
É, portanto, na adolescência que o indivíduo busca construir sua própria identidade por
meio de dois processos complementares: o autodesenvolvimento, movimento de caráter
externo e o autoconhecimento, de caráter interno. De acordo com o professor norte-americano
de psicologia Edward Tory Higgins, podemos pensar em três (auto)representações possíveis da
própria pessoa: a real (o que a pessoa é, de fato), a ideal (o que gostaria de ser) e a desejável
(o que “deveria” socialmente ser). Ainda segundo Higgins, essas três dimensões tornam ainda
mais complexo o entendimento de si mesmo por parte dos adolescentes, uma vez que, graças
às suas discrepâncias, podem constantemente estar em conflito – fato que, em alguns casos,
perdura até a vida adulta.12
12. Já a vida adulta, cujo estudo enquanto público-alvo encontra-se além do escopo deste livro, apesar de também poder
ser dividida por faixas etárias, costuma ser pensada por meio de outros critérios para definição de um determinado
segmento, como nível de escolaridade, classe social, localização geográfica, hábitos, consumo etc.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
A apresentação da série, assim como a apresentação de qualquer projeto, deve ainda abordar, de
alguma forma, certas questões fundamentais. Em primeiro lugar, é importante que se faça presente
uma justificativa que aponte a relevância do projeto, sua pertinência e seus diferenciais.
Os objetivos também são importantes e devem estar presentes, pois permitem visualizar
de maneira mais clara a intencionalidade e a motivação por trás do projeto. O objetivo geral
pode ser entendido como uma espécie de anseio, uma intenção maior que o projeto deseja
atingir. Já os objetivos específicos representam as formas mais diretas e objetivas pelas quais
se pretende atingir esse objetivo geral.
É preciso atentar para que a definição dos objetivos e das justificativas do projeto ocorra
a partir de uma demanda própria do criador e não como algo “forçado”, a partir de temas
politicamente corretos ou mais evidenciados em uma determinada época. No caso do exemplo
anterior, seria coerente e recomendável – embora não obrigatório – que a própria produção
da série conseguisse estipular maneiras de diminuir seus impactos ambientais, evitando a
utilização de papel, estimulando a carona entre os funcionários do estúdio, compensando a
emissão de carbono, entre outras medidas.
De toda forma, a escolha de temas “edificantes” não é, por si só, garantia de uma
boa avaliação de um projeto – mesmo nos casos de projetos em que tais temáticas sejam
obrigatórias. Por isso, no caso da participação em editais, é importante sempre prestar atenção
aos critérios de avaliação apresentados, que serão tomados como parâmetros apreciativos por
parte da comissão julgadora. No caso de apresentação direta do projeto para um parceiro
potencial, é preciso se inteirar sobre que tipo de material ele está procurando. Nesse sentido,
o fato de um projeto não ser aprovado ou escolhido pode significar que o projeto, apesar de
eventualmente estar bem elaborado e apresentado, não seja apropriado dentro dos parâmetros
de um determinado contexto.
Deve haver ainda uma clara articulação entre forma e conteúdo do projeto, isto é, que
as escolhas de linguagem, de estética e de retórica conversem entre si e não que pareçam
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Dramaturgia de Série de Animação
coisas pensadas e desenvolvidas separadamente - afinal, não existe forma sem conteúdo e nem
conteúdo sem forma. O uso da tecnologia durante toda a produção também pode ser pensado
como elemento integrador entre as diferentes esferas do projeto.
Não se deve perder de horizonte que seu texto será lido de maneira crítica por alguém, um
avaliador, que não participou da sua elaboração, e, portanto, não conhece o seu projeto tão
bem como você. Isso significa que, antes de qualquer coisa, você deve ser capaz de apresentar
o projeto de maneira clara. Questões que eventualmente sejam evidentes para você ou que lhe
pareçam menos importantes podem não o ser para alguém que esteja lendo seu projeto uma
primeira (e, talvez, única) vez. Ao mesmo tempo, o texto deve possuir certa aura persuasiva,
sem que isso signifique carta branca para a presença de qualquer tipo de autoavaliação ou
autopromoção. O ideal é sempre que o leitor possa achar seu projeto bom sem que você tenha
efetivamente escrito isso explicitamente.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Tais ideias vão ao encontro das linhas gerais postuladas pela Gestalt, que entende que a percepção
humana está além dos rudimentos fornecidos por nossos sentidos, uma vez que cada coisa do mundo
seria apreendida como uma unidade pela tendência à estruturação inerente ao próprio ser humano.
Assim, a máxima dessa escola da psicologia da percepção - postulada por um de seus fundadores, Max
Wertheimer - afirma que “o todo é sempre maior que a soma de suas partes”.
Esse pensamento sistêmico implica, portanto, uma compreensão mais holística de certa
realidade, na qual os elementos constituintes de um todo maior encontram-se sempre, de
alguma forma e com alguma intensidade, relacionados entre si. Tal pensamento, em que as
relações são tão ou mais importantes que as coisas em si, pode ser encontrado atualmente em
boa parte das ciências, das artes e do conhecimento humano.
Em um nível mais complexo, essas relações, principalmente quando são mais recorrentes
e adquirem determinados tipos de rotinas ou padrões, estabelecem redes que, por sua vez,
podem se conectar a outras redes e assim por diante. Tais redes, sejam elas sociais, físicas,
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Dramaturgia de Série de Animação
Além da indissociabilidade do
todo e da relação interdisciplinar
essencial existente entre seus
elementos basais, outro fator
importante a ser considerado na
criação de um universo narrativo
é aquilo que podemos denominar
de “contexto” - que também pode
se manifestar sob as mais diversas
formas e meios. Em nosso caso, é
preciso pensar como e quanto certas
circunstâncias, conjunturas e condições,
ainda que provisórias, podem influenciar o
universo narrativo da série. Em “Carrapatos
e Catapultas”, por exemplo, objetos humanos
adquirem diferentes valores quando deslocados
para o planeta Vaca, um universo próprio, diferente
- ainda que possa guardar algumas semelhanças
com o universo de origem destes objetos.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
imutável, mas como um sistema aberto e orgânico, que, como tal, depende da alimentação
de um fluxo contínuo de matéria e de energia para se manter vivo. Nesse sistema, estrutura
e processo caminham, portanto, pari passu, em uma relação de indissociabilidade e de mútua
transformabilidade. Tal qual um jogo, o universo narrativo de uma série deve prever quais
serão suas peças, espaços, regras, estratégias, resultados possíveis e as maneiras pelas quais
esse jogo poderá ser jogado.
Assim como acontece nas diversas sociedades e culturas humanas, também podemos buscar
interessantes elementos e importantes relações de um universo narrativo naquilo que escapa à
compreensão, ultrapassa a lógica, a razão ou mesmo a própria existência. Estamos a falar da
dimensão do imaginário, do enigma, do mágico, da crença, do sublime, enfim, do inominável,
que nos permite olhar além da superfície simbólica de uma realidade mais imediata.
Da mesma maneira que, em uma árvore, apenas aquilo que é aparente ou palpável não
corresponde à completude do todo e a realidade também pode, portanto, se encontrar além
do visível, do imediato, entranhada em suas raízes. Mesmo o visível pode esconder mistérios
além do que imaginamos – não conhecemos, por exemplo, todos os segredos contidos em uma
única gota de orvalho. Além disso, para mantermos a analogia, a árvore interage com outros
sistemas igualmente complexos, isto é, com pássaros, insetos, com outras árvores e com todo
o meio ambiente no qual se encontra inserida.
Já no segundo caso, o autor criar um novo universo a partir de elementos e relações autóctones,
isto é, nativas de um dado universo e que não necessariamente guardam semelhanças com a
realidade externa à série – caso bastante recorrente em universos fantásticos, por exemplo. Nesse
caso, o universo narrativo pode possuir seus próprios códigos e normas, sem que, contudo, possuam
semelhanças com outros universos nas estruturas e relacionamentos gerados.
171
Dramaturgia de Série de Animação
pensamentos diversos, que talvez não pudessem ser assimilados do mesmo modo de outra
forma. Aparentemente despretensiosas, as narrativas com elementos fantásticos ou não
realistas seriam capazes de estabelecer uma conexão mais livre e direta com o público,
atingindo-o, paradoxalmente, de forma mais aberta do que em uma narrativa mais realista.
Coleridge acreditava que, por meio da suspensão voluntária da descrença, seria possível
transferir elementos reais, imaginários e simbólicos da natureza humana capazes de
proporcionar, em um novo universo, semblantes da verdade passíveis de serem apreendidos de
maneira diferente de como seriam percebidos na vida em sociedade. Também seria possível,
pelo mesmo motivo, ignorar o suporte técnico ou linguagem utilizada, favorecendo a imersão
do público na obra. A ideia é que, se dessa maneira o público passa a aceitar a história
narrada como verdade, o mesmo se passará com suas interpretações e reações. Tais histórias
excitariam, portanto, experiências e sensações análogas às do sobrenatural, ao tirar a mente
da letargia cotidiana, dirigindo-a, como vimos, para além do visível imediato.
Todavia, é preciso considerar que, quanto maior for o universo criado e mais complexas forem suas
relações, mais difícil será sua constituição. Além disso, devemos lembrar que, para que um universo
narrativo se apresente como um todo é preciso que ele possua sempre alguma coerência interna,
isto é, que ele seja, digamos, verossímil em si mesmo. Isso não significa que o universo narrativo
deva operar necessariamente dentro dos limites da factualidade, do provável ou do plausível. Deve,
sim, apresentar determinadas lógicas ou nexos - ainda que absurdos ou aleatórios - na integração de
seus elementos constituintes e de suas relações, a ponto de desenvolver de forma espontânea uma
consistência suficiente para caracterizar um universo narrativo distinto, e não um mero “pano de
fundo” no qual a história será ambientada.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
Mas, mais importante do que pensar em ambientes internos ou externos, é pensar o cenário em
termos daquilo que os narratologistas chamam de “ambiência”, isto é, o “clima” ou a “atmosfera”
que ele irá criar em cada cena. Esse clima proporcionado pelo cenário irá afetar, de forma mais ou
menos explícita ou importante para a história, as ações que ali irão se desenrolar, além do próprio
comportamento das personagens. Em uma sinistra construção abandonada à noite, por exemplo,
certa personagem se movimentará e se comportará diferentemente de outra situação na qual se
encontra em uma praia cheia de pessoas durante o dia – e assim por diante.
Nesse sentido, desenvolver um cenário para animação é uma tarefa que apresenta duas fases
complementares: uma mais ligada à sua criação e outra, à sua apresentação. No momento da criação
de um cenário, a tarefa se assemelha, em alguns aspectos e com as devidas proporções, às funções
desempenhadas por profissionais como arquitetos, paisagistas e designers de interiores. Ao pensar em
termos de cidades, bairros, condomínios, edifícios, jardins, parques, apartamentos ou salas de estar,
os projetos elaborados por esses profissionais levam em conta diversos aspectos multidisciplinares,
relacionados tanto às suas formas quanto às suas funções, resultando em diferentes maneiras de se
organizar o espaço e de se construir ambientes.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Assim como pode ocorrer em qualquer etapa criativa de um projeto de série de animação, no
concept art também podem acontecer estudos, ajustes, modificações ou mesmo transformações
não pensadas a priori, mas que trarão ganhos ao projeto. Vale aqui o bom senso: se tais alterações
forem válidas e possíveis de serem feitas, melhor sempre fazê-las. Normalmente, em uma animação,
as alterações são feitas ainda na pré-produção, etapa que se encerra – como veremos mais adiante
neste livro - com o animatic. Depois da pré-produção, eventuais alterações implicam refazer ou
recomeçar a animação em si, processo que irá consumir tempo e recursos extras e que, por isso
mesmo, costuma ser evitado graças à sua antecipação.
Com o concept art terminado - o que normalmente ocorre após alguns estudos, esboços e
versões -, é possível “sentirmos o clima” desejado para o cenário. Essa ilustração conceitual, que
funciona como uma espécie de perspectiva artística do ambiente, é encaminhada para a pessoa
que será responsável pelo desenvolvimento do segundo momento, a apresentação do cenário
finalizado. Partindo do concept art, o artista responsável irá definir os elementos visuais que darão
a aparência e o acabamento final do cenário tal qual ele será utilizado na série.
Tanto no processo de elaboração do concept art quanto da finalização dos cenários da animação
é recomendável que o artista possua um amplo domínio da gramática e da sintaxe visual. Referimo-
nos aos termos “gramática” e “sintaxe”, pois de maneira análoga à escrita, a visualidade também
possui toda uma gama de elementos capaz de estabelecer uma linguagem expressiva própria.
Da mesma forma que um escritor domina os códigos da escrita, a partir dos quais desenvolve
seu próprio estilo para escrever textos dos mais diversos gêneros e formatos, artistas, designers e
desenhistas dominam os elementos técnicos, artísticos e criativos da linguagem visual, como pontos,
linhas, perspectiva, profundidade, contraste, luz, sombra, escala, textura e cor. A própria Gestalt,
mencionada anteriormente neste capítulo, possui alguns fundamentos básicos - como continuidade,
fechamento, pregnância, proximidade, segregação, semelhança e unidade -, capazes de auxiliar
tanto no processo de leitura de uma imagem quanto no de sua construção.
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Dramaturgia de Série de Animação
Além da música, outros elementos sonoros que também devem ser levados em conta são
as vozes, os efeitos sonoros e o “silêncio”. Em relação às vozes, normalmente se apresentam
como falas das personagens – das quais trataremos mais adiante neste capítulo.
Por fim, o silêncio, embora tecnicamente só exista no vácuo onde não há propagação do som,
também pode ser pensado como elemento ativo, isto é, como presença e não ausência – dessa
forma, inserir um “silêncio” é diferente de se tirar os sons de uma cena. No exemplo da “sinistra
construção abandonada à noite”, o silêncio após uma personagem chamar alguém pelo nome e não
obter resposta reforça ainda mais a atmosfera assustadora do ambiente e da própria cena.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Nesse concept art, temos um ambiente externo urbano, com edificações em linhas modernas
e vias pavimentadas. O céu, ao fundo, começa a passar de um tom acinzentado para outro
mais azulado, revelando que estamos no início da manhã. Ao lado da escadaria, é possível ver
raios de sol começando a iluminar a parte superior da parede. A paisagem sonora é constituída
por uma música (“Sous le ciel de Paris”, com Édith Piaf) ligeiramente grave e abafada, emitida
por algum rádio ligado por perto e que reverbera pela rua. Também é possível escutar sons de
pássaros e, mais ao longe, de carros e pessoas falando.
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Dramaturgia de Série de Animação
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Agora temos um ambiente interno. A visão do alto foi escolhida para melhor representar o
espaço em sua totalidade, no caso, uma sala. O objetivo aqui é apresentar um coadjuvante,
que ajuda o protagonista oferecendo sua casa como abrigo. A paisagem sonora é constituída
principalmente pelo nítido som da televisão, que muda de característica e de volume na
medida em que os canais são zapeados. Todavia, é possível identificar em outras camadas,
com menor intensidade, ruídos da paisagem sonora da rua, abafados pela parede e, de vez em
quando, os sons do motor do elevador do prédio e o latido agudo de um cachorro da vizinha
bem ao fundo.
Apesar de ter alto poder aquisitivo e ser aficionado por tecnologia, esse amigo é um
sujeito despojado. Por isso a “super TV” e os diversos aparelhos eletrônicos convivem com
móveis simples e aconchegantes. As grandes janelas do ambiente servem para sua iluminação e
também para mostrar a altura do pé direito do apartamento. As cores são sóbrias, contrastando
com algumas ousadias no tapete e nas cadeiras, já que o proprietário prefere um estilo
contemporâneo ao clássico suntuoso.
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Dramaturgia de Série de Animação
Quanto à função, as personagens costumam ser classificadas em dois tipos opostos: protagonistas
e antagonistas. As primeiras representam aquelas que buscam alguma coisa na história, figura
normalmente associada ao mocinho ou herói. Já as antagonistas são as personagens que irão procurar
impedir os protagonistas de atingirem seus objetivos, figura normalmente associada ao bandido ou
vilão. Mas devemos atentar para o fato de que não necessariamente o protagonista será sempre o
herói e o antagonista, o vilão; em uma história cuja trama principal seja a tentativa de um assalto
ao banco, por exemplo, o ladrão é o protagonista e o policial, que tenta impedir o roubo, torna-se
antagonista. Em alguns roteiros, acontece justamente de se jogar com essa classificação, revelando
para o espectador ao final do filme, que, na verdade, aquele que pensávamos ser o protagonista era
o antagonista e vice-versa.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
estão associadas a uma única ideia ou qualidade, são estáticas e estão mais próximas de
características genéricas do que singulares, podendo, sobretudo nos casos de humor, serem
estereotipadas ou caricaturadas. Já as personagens redondas possuem maior complexidade,
profundidade psicológica e apresentam diversas qualidades intrínsecas, podendo gerar ou até
mesmo transcender os conflitos da trama.
A noção de personagem pode ser entendida como a representação de uma entidade que pratica
e, principalmente, vive as ações apresentadas em uma história. Seja por meio da dinâmica visual
(sua movimentação, ações e características físicas) ou psicológica (a forma de pensar, sentir, agir,
as palavras que usa e os comportamentos mais frequentes), a construção de uma personagem forte
depende tanto da capacidade de observação do roteirista quanto de sua inventividade. Quantas
vezes nos deparamos com pessoas que parecem “saídas de um filme”, reunindo traços físicos ou
comportamentais tão marcados que, em uma ficção, talvez parecessem inverossímeis? Por outro
lado, mesmo que inspiradas em pessoas reais, as personagens de uma animação reagirão aos
estímulos e acontecimentos do universo de uma trama ficcional, exigindo do roteirista uma boa dose
de imaginação. Criar uma personagem é, portanto, um exercício complexo e envolve duas esferas
complementares, uma interna (psicológica) e outra externa (visual).
Embora não exista qualquer tipo de manual consolidado para a construção de uma personagem,
abordaremos a seguir alguns aspectos que, acreditamos, possam auxiliar nessa trajetória. Em primeiro
lugar, é preciso considerar que, mesmo quando a personagem não é representada visualmente por
uma figura humana, como no caso de prosopopeias, ela é efetivamente um ser humano. Isso significa
que qualquer personagem é um indivíduo que pensa, sente e se comporta, isto é, que vive e se
relaciona com o universo narrativo da série. Dessa forma, ideias e conceitos da psicologia, como os
tipos psicológicos e os arquétipos de Carl Gustav Jung, por exemplo, podem auxiliar na construção
da personagem. Todavia, aventurar-se pelo estudo das veredas da psique humana é não apenas uma
tarefa abstrusa como também infindável.
Por isso, se não é possível oferecer todas as respostas, podemos, ao menos, apontar
algumas trilhas e oferecer alguns recursos para se fazer as perguntas certas. Um bom começo
é pensar a história pregressa, isto é, a biografia da personagem: qual sua ascendência,
quem são seus pais, como eles se conheceram, como é o relacionamento entre eles, em que
circunstâncias a personagem nasceu, como foi sua criação, sua educação, suas amizades,
sua infância, sua juventude, quais são suas lembranças e traumas. O passado (background)
é elemento fundamental na elaboração da ficha biográfica de qualquer personagem, pois
permite conhecermos melhor sua constituição e pensarmos em suas demais características.
Também faz parte da ficha biográfica o nome da personagem, que pode ser escolhido por
seu significado, sonoridade ou alusão a pessoas ou outras personagens e o perfil psicológico
da personagem, que são suas qualidades distintivas: idade, autoimagem, autoestima,
temperamento, humor, virtudes, defeitos, maneirismos, habilidades, medos, orgulho, pontos
de vista, ocupação principal, relacionamentos com outras personagens, sonhos, interesses,
necessidades, superstições, transtornos, enfim como ela pensa, sente e (re)age nas diversas
situações e condições presentes no universo da série.
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Dramaturgia de Série de Animação
personagem se comporta e é vista nas esferas pública (coletiva), pessoal (restrita às pessoas
mais próximas) e privada (interna do indivíduo). Assim, uma mesma personagem pode ser
tida como uma figura arrogante no ambiente de trabalho, afável entre os poucos amigos e
reservada (introvertida, não expansiva) em sua vida privada, por exemplo.
Para que essa dimensão interior da personagem possa ser transmitida, percebida e assimilada
pelo público da série, é preciso que seja de alguma forma externada. Deparamo-nos, neste ponto,
com uma questão crítica, não apenas da criação de personagens, mas da própria existência humana:
somos o que pensamos ou somos o que fazemos? Embora o filósofo René Descartes tenha colocado
como condição primeira da existência o pensamento13, a forma como vivemos nossas vidas é
decorrente diretamente de nossas ações no mundo. Contradições entre o pensar e o fazer14 podem
trazer conflitos e diversas situações contraditórias interessantes para o desenvolvimento narrativo
da série. Da mesma fora, o alinhamento entre essas duas esferas pode ser a grande motivação da
protagonista na trama ou mesmo a principal geradora de situações cômicas em um universo no qual
as demais personagens não tenham a mesma conduta.
A dinâmica visual da personagem representa, portanto, a principal maneira pela qual a personagem
se expressará, isto é, pela qual sua dimensão interna se exteriorizará. Assim como nas demais
etapas, a busca por referências criativas costuma ser o primeiro passo. Tais referências não precisam
necessariamente pertencer ao universo da animação, podendo ser recolhidas e pesquisadas no cinema,
teatro, grafite, quadrinhos, artes plásticas, reino animal e até mesmo no próprio cotidiano do artista.
A partir das referências, podem ser feitos alguns esboços, que funcionam como estudos
da personagem para se verificar a correspondência de suas dimensões interiores e exteriores.
Normalmente são desenhadas versões bem diferentes entre si para que, ao final, o artista
escolha entre uma delas ou mesmo “monte” uma nova versão a partir do “aproveitamento” de
partes de outras versões. Dessa forma, é definido, ainda em uma versão inicial da personagem,
um biótipo característico, com determinada altura15, peso e aparência geral.
13. No século XVII, o filósofo elaborou sua célebre frase: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”).
14. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – ditado popular.
15. A altura de uma personagem costuma ser medida em relação à proporção de sua cabeça. Assim, uma
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Apesar da liberdade criativa na constituição física de uma personagem, ela quase sempre
é pensada a partir de três paradigmas: a divisão do corpo em cabeça, tronco e membros; a
cefalização (concentração dos órgãos sensoriais na cabeça, próximos ao cérebro) e a simetria
bilateral, na qual a metade de um lado do corpo é equivalente a do outro16.
personagem humana mais “realista” tem entre oito a nove cabeças de altura, enquanto outra mais
“cartunizada” pode obedecer a uma proporção diferente.
16. Podemos pensar aqui em algumas exceções, como a série “Barbapapa”, que apresentava uma família de
“joões-bobos” (homens) e pinos de boliche (mulheres) capazes de se metamorfosear nas mais diferentes
formas que encontravam pelo seu caminho; e nos irmãos Zan e Jayna, os supergêmeos da série “Super
Amigos”, que se transformam nas formas de objetos de gelo e de animais.
183
Dramaturgia de Série de Animação
As ilustrações, por sua vez, se organizam na forma de um model sheet, responsável pela
apresentação da dinâmica visual da personagem. O model sheet é apresentado em uma única
folha e traz alguns elementos próprios. No centro da página, mostra-se uma imagem principal
da personagem devidamente finalizada. Essa imagem principal pode ser considerada como
uma “imagem síntese”, isto é, uma imagem que representa da melhor maneira possível a
personagem. Se você só pudesse representar a personagem com uma única imagem, como ela
seria mais bem representada: em pose de combate? Pensativa? Alegre? Cansada?
O model sheet costuma apresentar também, em um canto de sua página, o turn around
com a personagem aparecendo, sempre de corpo inteiro, de frente, perfil, ¾ e de costas.
Nesse desenho específico, a personagem pode ser representada em uma pose mais “neutra” e
linhas horizontais de apoio podem ser utilizadas em diferentes alturas dos corpos para que se
mantenha a mesma proporção da personagem nessas cinco posições.
Acompanham ainda o model sheet cerca de cinco desenhos de corpo inteiro, nos quais a
personagem é representada em poses dinâmicas (action poses) e expressivas, características de
suas ações na série. Assim, se a personagem possui determinados padrões de comportamento,
ações recorrentes e cacoetes, esses devem aqui ser representados. É importante, portanto,
pensar de que maneira a postura (poses) e a linguagem corporal da personagem expressarão
personalidade, sentimentos, emoções e estados de espírito diversos.
Além dos desenhos de corpo inteiro, cinco desenhos de expressões faciais da personagem,
em um plano mais próximo, sem a necessidade de exibir o restante do corpo, fazem parte do
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
model sheet. O rosto costuma ser considerado na animação como uma das partes mais difíceis
de trabalhar, pois em uma pequena área concentra uma grande quantidade de músculos,
capazes de gerar, segundo alguns fisiologistas, cerca de 20.000 expressões distintas, que
podem ainda se transformar em um curto intervalo de tempo.
Por fim, dois testes visuais costumam ser feitos com as personagens. O primeiro, de
silhueta, em que o model sheet elaborado é apresentado em uma versão composta apenas por
sombras, na qual se avalia a força e a eficiência das poses escolhidas.
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Dramaturgia de Série de Animação
No segundo, as personagens são colocadas “lado a lado”, preferencialmente tendo como fundo
algum cenário da série, tornando possível avaliar se há uma integração entre o design adotado nos
diferentes cenários e personagens, isto é, se eles parecem, de fato, pertencer a um mesmo universo.
Assim como acontece com os demais elementos visuais de um projeto de série de animação, a
apresentação do model sheet deve ser altamente profissional, ou seja, possuir excelente resolução,
acabamento e diagramação. Ao ver e interpretar as imagens apresentadas em seu projeto, um
avaliador enxerga mais que ilustrações: enxerga a própria animação. Por isso cabe atentar aos
critérios avaliativos e adequar as informações solicitadas aos termos e espaços efetivamente
destinados, tomando cuidado para não pecar nem pela limitação nem pelo excesso.
Posteriormente, durante a animação, novos elementos deverão ser incorporados à dinâmica visual,
como a movimentação (que depende da anatomia criada), o peso e os gestos da personagem. Além
das poses, o acting, isto é, a linguagem corporal, a maneira como uma determinada personagem anda,
corre, senta, gesticula ou olha para alguém também pode revelar bastante de sua personalidade e de
sua representação junto ao público. Em alguns casos, o próprio acting dos atores durante a dublagem é
aproveitado como referência para dar maior dramaticidade e expressividade à personagem.
Personagens são seres que vivem dentro do universo narrativo da série e, como tal, pensam,
sentem e (re)agem com este universo e com seus outros seres. Suas dinâmicas internas (psicológicas) e
externas (visuais) devem ser pensadas de forma complexa e integrada, fazendo com que as personagens
ganhem vida própria. A partir desse momento, quando abandonadas em si mesmas, as personagens
começam a tecer suas próprias tramas e a preencher os espaços vazios que surgem na série.
O campo de criação de personagens, também conhecido como character design, vem crescendo
bastante nos últimos anos, a ponto de termos estúdios especializados exclusivamente neste
segmento. Isso acontece pois, além de se pensar na tradução de elementos internos em externos e na
especificidade de personagens que serão posteriormente animadas, é preciso considerar ainda outras
possibilidades que compreendem a mudança de suporte, mídia e material, como no caso de confecção
de bonecos, fantasias, livros, desenvolvimento de games e outros licenciamentos diversos.
Personagens representam, portanto, ao lado do universo narrativo e das ações que irão ocorrer
a cada episódio, a tríade básica necessária para o desenvolvimento de uma série e que, como vimos,
interagem constantemente entre si. Após discorrermos sobre o universo narrativo e as personagens,
trataremos nos próximos capítulos das maneiras como as ações se organizam e estruturam na
dinâmica narrativa de uma série e de seus respectivos episódios.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
A sinopse comercial é, portanto, um tipo de sinopse voltada para o público final, e não
para avaliadores de projetos ou para a equipe de produção. Por isso mesmo, seu texto
costuma ser escrito por pessoas especializadas em publicidade e possui estilo persuasivo:
mostra algumas coisas, ao mesmo em que desperta a curiosidade do leitor para saber
outras – o que, obviamente, só conseguirá assistindo à obra ou comprando um produto.
Além do estilo persuasivo, o texto de uma sinopse comercial normalmente apresenta o
uso de adjetivos, buscando reforçar alguns elementos, características, críticas positivas e
eventuais premiações recebidas.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
O texto de uma sinopse técnica possui caráter técnico, por isso dispensa o uso de adjetivos
como o artifício persuasivo. A história do episódio é apresentada de maneira sintetizada,
sempre com início, meio e fim, incluindo spoilers. Em outras palavras, não se deve ter dúvida
do quê, como, onde e por que motivos acontecerão os eventos principais daquele episódio:
seja em seu início, desenvolvimento ou final. O objetivo é justamente contar a história de
forma resumida, sem deixar nada “no ar”; quanto mais claro, melhor.
Apesar de ter uma função bem específica, a sinopse técnica deve deixar claro o gênero
narrativo e procurar revelar o próprio tom da série. Assim, ao lermos o texto de uma série de
humor, por exemplo, não podemos ter dúvidas – seja pela trama apresentada ou mesmo pelo
uso de um determinado vocabulário – que a história é, ou pode ser divertida e engraçada.
Antes do início de uma temporada, todas as sinopses técnicas são aprovadas previamente,
de maneira que se tenha um arco narrativo que compreenda toda aquela sequência de
episódios. A coerência de uma temporada e a articulação dos episódios entre si, mesmo que não
pressuponham uma continuidade narrativa linear, é garantida em boa parte pela elaboração
conjunta de todas as sinopses técnicas antes do início da produção daquela temporada.
Os métodos criativos utilizados para a escritura e a seleção das sinopses técnicas variam
de equipe para equipe e de projeto para projeto. O mais importante é que a criatividade possa
fluir livremente e que os melhores textos possam ser sempre selecionados. Um dos processos
mais comuns nesse momento consiste em uma espécie de brainstorming criativo envolvendo,
além do autor e do roteirista, boa parte da equipe da série, na qual qualquer um pode sugerir
ideias de episódios. As melhores ideias são desenvolvidas no formato de sinopses técnicas e
passam para o roteirista que, após consultar o autor, diretor e/ou produtor, poderá refiná-las
em roteiros de episódios.
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Dramaturgia de Série de Animação
Além da vantagem da abertura para novas ideias que, de fato, podem surgir de qualquer
pessoa da equipe, esse processo dinâmico e colaborativo também costuma ser apontado como
importante elemento de integração e valoração da equipe de trabalho. Ao ser convidado a
participar e ao ver uma sugestão própria sendo selecionada ou discutida pela equipe, qualquer
membro se sentirá mais valorizado e motivado, aumentando significativamente sua participação
e envolvimento com o projeto.
Veremos, no próximo capítulo, como essas ideias iniciais, pensadas em poucas linhas na
forma de sinopses técnicas são desenvolvidas em seus detalhes, organizadas e apresentadas
sob a forma de roteiros finais dos episódios.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
3.7 Roteiro
3.7 roteiro
Estudos e pesquisas sobre as formas e estruturas narrativas não são novos. Uma das obras
críticas mais antigas nesta área é “Poética”, de Aristóteles, escrita em III a.C. e ainda hoje
bastante consultada para questões como as da representação humana, da tragédia, da comédia
e da própria dramaturgia.
Desde então, muito foi escrito sobre os elementos e estruturas narrativas em seus mais
diversos gêneros, propósitos e mídias. Entretanto, foi apenas em 1969, no livro “Análise
Estrutural da Narrativa”, que o linguista e filósofo búlgaro Tzvetan Todorov cunhou o termo
“narratologia”, buscando emancipar a narrativa do campo da crítica literária e definindo-a
como um campo próprio de estudo.
Apesar de podermos considerar o roteiro como uma modalidade narrativa, não se pode
associar suas origens às primeiras histórias contadas e transmitidas pelos homens por meio da
oralidade. Diferentemente de uma história oral ou de um livro, podemos dizer que o roteiro
não constitui em si mesmo um fim, mas um meio. Enquanto uma história oral ou impressa se
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
apresenta como um produto final ao seu público, o roteiro é mais uma etapa especializada
intermediária, elaborada antes da apresentação da obra em si.
Ou seja, enquanto o que guardamos de uma montagem teatral não é a própria encenação,
mas apenas seus registros parciais (fotos, lista do elenco, figurinos, críticas em periódicos
etc.), no cinema, a obra propriamente dita é o que se fixa em um rolo de filme, em fita ou
arquivo digital. Nesse sentido, o “original” de um filme é ele próprio, não o texto que guiou a
sua criação. Na dramaturgia contemporânea, temos muitas peças baseadas no improviso ou no
teatro físico. Esses exemplos, obviamente, guardam uma relação menos estreita com o texto
do que as encenações tradicionais.
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Dramaturgia de Série de Animação
pode providenciar todos os detalhes necessários, como aluguel de itens e reserva de locações,
por exemplo. Também os atores podem conhecer melhor o enredo e o desenvolvimento das
personagens na trama, e assim por diante.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
audiência. Nesse caso, o primeiro episódio da série coincide com o piloto – o que nem sempre
ocorre necessariamente.
Quando não é bem recebido, o piloto pode representar o único episódio de uma série.
Nos Estados Unidos, principal país produtor de séries de televisão, estima-se que apenas 25%
dos pilotos realizados resultem em séries regulares. Em outras situações ainda, ressalvas são
feitas ao piloto e modificações podem ser sugeridas para a série, como mudanças no design,
na técnica de animação e a inclusão, remoção ou alteração de personagens.
Em alguns casos, o episódio piloto mostra uma situação inaugural que deu origem à série,
por exemplo: como as personagens se conheceram e foram parar em certo lugar. Entretanto,
isto não é uma regra, visto que muitas séries não explicam sua origem ou o faz alguns episódios
mais a frente. O principal é que o roteiro do episódio piloto possa apresentar, da maneira mais
clara e direta possível, ainda que não em sua totalidade, o universo narrativo, as personagens
principais e o tom da série.
O passo seguinte na elaboração do roteiro piloto é pensar nas ações que ocorrerão e na
história que será contada, sempre em consonância com o conceito geral da série. Quando se
tem o universo narrativo e personagens bem construídas, a premissa da série oferece algum
tipo de condição ou circunstância maior, que permite o desdobramento potencial de inúmeras
situações específicas para cada episódio. As maneiras mais comuns para isso acontecer se
manifestam: pela busca de objetivos da(s) protagonista(s), pelo relacionamento conflitante
entre personagens de personalidades distintas ou por meio da introdução de alguma situação
ou elemento inusitado e desestabilizador de um determinado modus operandi padrão.
Uma das maneiras de se começar a pensar a história pode ser, como dissemos anteriormente,
por meio da definição de uma story line seguida da escrita de uma sinopse técnica. A escolha de
um título para o episódio pode auxiliar no processo de passagem da primeira para a segunda,
embora, às vezes, o título definitivo só seja criado após a finalização do episódio.
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Dramaturgia de Série de Animação
Justamente por não ser o produto final, o argumento diferencia-se do conto, principalmente
pela ausência de certos recursos literários formais e de caráter mais interpretativo ou subjetivo. O
estilo do texto do argumento deve ser claro, direto e descrever os aspectos audiovisuais pelos quais
a história será contada, sempre em terceira pessoa, com o tempo verbal no presente. Deve-se, por
fim, sempre ter em mente de que maneira os sons e as imagens, e não as palavras, irão contar uma
história. Portanto, a escrita de um argumento não precisa se preocupar em agradar o leitor por meio
de seu estilo e construção textual, diferentemente do que acontece com um conto.
Por exemplo: em um conto, poderíamos ler algo como: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu
o maior medo de sua vida”. Em um argumento, entretanto, esse texto poderia ser considerado
demasiadamente subjetivo, pois não diz absolutamente nada em termos audiovisuais, exigindo
participação imaginativa do leitor na construção de imagens mentais e sensações. Nesse caso,
o argumento deveria ser muito mais descritivo e preciso: “Fulano caminha lentamente com
o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro da
mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis
brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem
alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na
mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos”.
A principal diferença entre o primeiro e o segundo trechos, além do tamanho, reside no fato de
que no argumento foram utilizadas descrições visuais e sonoras para detalhar o ambiente e externar a
sensação de medo da personagem por meio de suas ações. Assim, o medo que a personagem sentiu no
primeiro exemplo, mais literário, foi manifesto por meio de seu acting, mais visual.
Apesar de sua especificidade, o argumento não deve apresentar qualquer tipo de detalhe
técnico de produção, como indicações de câmera, por exemplo. A ênfase está, portanto, muito
mais na estrutura narrativa e dramatúrgica do episódio do que em sua linguagem – que costuma ser
mais bem explorada posteriormente, durante a decupagem do roteiro. Também não costumam ser
apresentadas no argumento as falas das personagens. Quando presentes, os diálogos são descritos
de maneira genérica em relação ao teor da conversa e não de maneira detalhada e específica, ipsis
litteris como as falas serão ditas pelas personagens na animação.
Quando terminada a primeira versão, o argumento pode passar por eventuais ajustes e novas
versões antes de migrar para o roteiro. Assim como acontece em qualquer outro processo criativo,
cabe ao autor decidir o momento em que considera que sua obra está pronta, finalizada.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Depois do argumento e antes da escrita do roteiro em si, pode-se elaborar uma etapa
intermediária, conhecida por escaleta. Nessa etapa, o autor faz uma primeira decupagem do
argumento, dividindo a história apresentada em cenas. Por cena entendemos uma unidade
dramática, com sentido próprio, dentro de uma história, por exemplo: a cena da família
jantando. A escaleta é montada a partir de uma sequência de cenas que podem se apresentar
de forma contínua ou entrecortada, seguindo ou não a ordem cronológica de uma história.
Apesar de não existir um número exato de cenas por episódio, é preciso considerar que
episódios com ritmo mais lento tendem a ter menos cenas do que episódios mais dinâmicos.
Todavia, um número muito grande ou muito pequeno de cenas pode, dependendo da maneira
como forem organizadas, comprometer o entendimento da história por parte do público.
No primeiro caso, o número reduzido de cenas pode dar a impressão de que nada está
acontecendo ou causar monotonia. Já no segundo, o número elevado de cenas pode dificultar
o entendimento da trama e dar a impressão de que nada foi devidamente visto. Por isso, em
um roteiro vale o bom senso: nada pode sobrar nem faltar.
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Dramaturgia de Série de Animação
Ao expandir o resumo de cada cena, o roteiro começa a ganhar corpo até ter finalizada
sua primeira versão. O estilo de texto claro, direto e descritivo - que apresenta cenários e
ações centradas nas referências audiovisuais - é mantido, garantindo o pleno entendimento da
história apresentada, sem o uso de recursos de caráter mais subjetivo.
Um dos formatos mais utilizados para formatação de roteiro é conhecido como master scenes e
apresenta as cenas em ordem cronológica, respeitando a sequência desenvolvida pelo autor. Cada
cena se inicia com o cabeçalho, que é estruturado da mesma maneira apresentada anteriormente na
escaleta. Cada mudança de cena é representada, portanto, pela mudança de cabeçalho.
O conteúdo de cada cena, introduzida pelo cabeçalho, é constituída basicamente por três
tipos de texto: descrição, narração e diálogos. A descrição é utilizada, como o próprio nome
sugere, para apresentar os ambientes e objetos presentes em cada cena, sejam eles mais
“realistas” ou cartunizados. A primeira aparição destes ambientes e objetos costuma ser mais
detalhada, permitindo melhor percepção da atmosfera desejada e de seus elementos físicos
constituintes. Determinados ambientes e objetos já apresentados em uma cena prévia não
precisam ser novamente apresentados com seus mesmos detalhes em uma nova cena, exceto
quando algo tenha se alterado neles.
A narração por sua vez apresenta as ações que acontecem na cena, aquilo que se manifesta
por meio de som e/ou imagem, sejam elas mais ou menos verossímeis. As ações são responsáveis
pela progressão da história; o motor que coloca e mantém a trama em movimento. A fim de
evitar sua gratuidade, cada ação costuma ser pensada, ainda que de maneira breve e sucinta,
em relação aos seus aspectos pregressos e progressos. No primeiro caso, é importante saber por
que aquela ação está ocorrendo, isto é, o que motivou sua manifestação. Em alguns roteiros,
ações parecem ser inseridas na trama muito mais para direcionar a história ou justificar
escolhas do autor do que como decorrência direta da própria trama – o que pode causar uma
quebra da cumplicidade estabelecida com o espectador.
Em relação aos aspectos progressos de uma ação, é importante considerar, após sua realização,
seus impactos e reações na própria história. Nesse sentido, as ações podem ser classificadas em dois
tipos: diretas ou indiretas. Ações diretas são aquelas que interferem mais claramente na história, isto
é, cujas reações fazem a história tomar certo rumo que não tomariam de outra forma, normalmente
representadas por algo que quebra uma rotina. As ações indiretas por sua vez não interferem
diretamente no rumo da história, mas são importantes ferramentas para se explorar as entrelinhas
ou subtextos de uma situação, sobretudo pelo acting da personagem.
Por fim, os diálogos representam as falas que serão ditas pelas personagens. Em animação,
diferentemente do live action, as falas costumam ser compostas por um número reduzido, cerca de
três, breves sentenças. A ausência de falas maiores das personagens pode ser explicada pelo fato da
linguagem facial de uma personagem animada não ser tão expressiva quanto a de um ator humano.
Pequenas nuances no rosto, seja ele humano ou não, exigem uma grande variedade de movimentos
sutis, em uma área restrita, durante um curto intervalo de tempo – o que dificulta enormemente a
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
técnica da animação. Por isso, quanto mais tempo se focar o rosto de uma personagem animada,
mais o público perceberá a ausência dessas pequenas nuances, uma vez que estamos acostumados a
elas no contato cotidiano com outras pessoas.
Além disso, muitos autores preferem mostrar ao invés de dizer, isto é, sempre que for
possível, optar por passar uma mensagem sem o recurso da fala. De fato, o acting de uma
personagem é um recurso suficientemente expressivo a ponto de dispensar diálogos. Prova
disso é que podemos observar uma grande quantidade de animações que abdicam ou usam
muito pouco este elemento, muito mais frequentemente do que ocorre em live action. Em
termos de séries de animação que usam esse expediente, podemos citar “La Línea”, “The Red
and The Blue”, “A Pantera Cor-de-Rosa” e “Pingu”, entre outras.
Há casos, entretanto, em que os diálogos podem ser não apenas necessários como a própria
raison d´être de uma série. Trabalhar com diálogos costuma ser uma das partes mais difíceis
de um roteiro, tanto que já existe em alguns lugares uma função conhecida por dialoguista, um
profissional responsável justamente pelo uso apropriado das falas em um roteiro.
Deve-se atentar para a coerência entre o tom da série e dos diálogos. Falas corriqueiras podem
soar estranhas em animações fantásticas e vice-versa. Por isso, sua criação deve manter a mesma
atenção dada às demais partes de uma animação e possuir suas mesmas liberdades criativas. Dessa
maneira, o uso de indicações de estado de espírito, canto, rima, sobreposição e efeitos nas vozes
podem ser pensados como recursos expressivos de linguagem da própria série.
A maneira como falamos não é igual à maneira como escrevemos, da mesma forma que
a maneira pela qual escutamos não é igual à maneira como lemos. Isso significa que há uma
tendência espontânea para que um diálogo escrito em um roteiro se aproxime muito mais da
linguagem escrita do que da linguagem oral.
Por isso, muitas vezes, mais importante do que seguir à risca a leitura dos diálogos em
um roteiro é manter o seu sentido, ainda que isso signifique a mudança de algumas palavras.
Atores e atrizes podem ser estimulados a colaborar nas falas das personagens, melhorando sua
compreensão ou enfatizando determinados aspectos de sua interpretação. Respiração, pausas,
vícios de linguagem, hesitações, ênfases e demais nuances da fala podem proporcionar ganhos
significativos à animação e são normalmente indicadas no texto do roteiro por rubricas entre
parênteses antes dos diálogos.
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Dramaturgia de Série de Animação
Isso torna necessária uma direção de atores capaz de garantir a dramaticidade desejada para
cada fala e a sensibilidade necessária para incorporar eventuais alterações ou improvisações
realizadas pelos atores aos diálogos previamente escritos no roteiro. A definição das falas
finais é importante para a elaboração do animatic e também da folha de exposição (x-sheet),
a partir da qual será feito o processo de sincronia labial da personagem. Nesse processo,
sempre é levada em consideração a maneira como se fala, e não como se escreve, isto é,
são considerados elementos como a prosódia e a pronúncia das palavras, não as pausas e
os limites típicos da escrita. Por exemplo: em um roteiro, a oralização das palavras “luz e
sombra”, dependendo da variedade dialetal da personagem, pode soar como “luzisombra”,
dando continuidade ao movimento labial que no texto era representado graficamente por uma
descontinuidade, ou seja, três palavras transformaram-se em uma só.
Além das falas, também é possível aproveitar a espontaneidade das próprias expressões, gestos e
movimentações físicas dos atores para o acting das personagens na animação. Isso pode ser feito por
meio do registro, com uma câmera de vídeo, da performance do ator durante a gravação do áudio,
buscando transferir posteriormente tais movimentações à personagem animada.
As definições das cenas, suas descrições, narrações e diálogos permitem a escrita do roteiro,
que atualmente costuma ser feita em softwares específicos, proprietários ou gratuitos, que
facilitam sua formatação, organização e modificações. Um dos programas bastante utilizados
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
atualmente é o Celtx, que permite, além da escrita do roteiro, a criação de diversas anotações
paralelas referentes aos mais diversos aspectos da pré-produção, como ficha de personagens,
de objetos de cena, agenda, notas com comentários, entre outros. O Celtx possui ainda
exemplos de roteiros formatados, comunidade de usuários on-line e possibilidade de impressão
do arquivo em formato pdf. O programa, organizado no modelo freemiun (programa gratuito
com alguns recursos avançados pagos), possui interface fácil e intuitiva, contando ainda com
tutorial e suporte on-line. Alguns outros programas existentes para formatação de roteiro são:
Final Draft, Five Sprockets, Montage, Movie Magic Screenwriter e Page 2 Stage. A formatação
final de um roteiro tem estrutura semelhante ao exemplo a seguir.
Finalizada a escrita da primeira versão do roteiro, são feitos ajustes também conhecidos
por tratamento. Na maioria dos casos, o primeiro tratamento é responsável por uma adequação
do roteiro à duração do episódio – normalmente de 11 minutos. Aqui são condensados alguns
elementos e eliminados outros, dispensáveis à história. Os parâmetros principais para tais
intervenções devem ser baseados no conceito geral da série e na story line do episódio. Em
média, um roteiro de episódio de série de animação de 11 minutos terá entre cerca de 16 e 22
páginas formatadas – dependendo do nível de detalhamento do texto.
Ao final de cada tratamento, tem-se uma nova versão do roteiro, não havendo uma regra
quanto ao número de versões necessárias até se chegar à última. Depois de ajustado o tamanho
do roteiro, outros tipos de tratamento, de ordem mais qualitativa, podem ser realizados.
Um deles, como vimos há pouco, é o tratamento dos diálogos, que além da adequação à
201
Dramaturgia de Série de Animação
Outros ajustes podem ser feitos pelo chamado tratamento reverso, no qual se realiza a
leitura do roteiro em sua ordem reversa (da cena final para a inicial). Dessa forma, é possível
identificar mais facilmente eventuais falhas na lógica da estrutura narrativa, sobretudo de
continuidade e de gratuidade das ações, assim como trabalhar melhor aspectos como os
bits de antecipação. Bit de antecipação é um elemento qualquer – fala, ação, objeto cênico
etc. – que permite nova leitura após sua manifestação no roteiro. Pode ser, por exemplo,
uma determinada fala que, no momento em que foi dita por certa personagem, passou de
maneira despercebida pelo público espectador e que posteriormente, ao final da trama, foi
reinterpretada diferentemente a partir da amarração de alguns de seus elementos.
Quando considerado terminado, o ideal é que o roteiro seja “esquecido” por algum tempo
para poder passar por um último tratamento pelo roteirista. Esse “esquecimento” favorece
maior distanciamento do autor, fazendo-o voltar com novo olhar sobre seu próprio roteiro. Ao
mesmo tempo em que reconhece seu texto, esse afastamento proporciona ao roteirista ver seu
próprio roteiro como outro, mais próximo, portanto, da visão que o público terá da obra.
Findo este último tratamento, alguns roteiristas costumam, por fim, submeter seus roteiros a
consultores especializados. O trabalho de consultoria consiste na leitura, seguida de um diagnóstico
avaliativo do roteiro e de seus elementos atinentes, como personagens, universo e estrutura narrativa.
São apontadas as potencialidades do roteiro bem como seus pontos mais vulneráveis e sugestões de
melhorias. O retorno da consultoria costuma ser feito por meio de anotações e de uma reunião em
tempo real (presencial ou on-line) com o roteirista. Dependendo do que for acertado entre as partes,
o próprio consultor contratado pode realizar um tratamento final do roteiro.
202
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Não se deve restringir o universo ficcional de uma série de animação ao realismo, já que
a animação proporciona grande flexibilidade em relação à inclusão de elementos oníricos ou
fantásticos na sua história, criando novas realidades verossímeis ou então proporcionando
novas abordagens a referências previamente existentes. Não estamos aqui afirmando que toda
animação precisa se passar em universos de fantasia ou ficção científica. Mas, sim, que é
sempre bom lembrar-se de suas potencialidades peculiares em relação aos filmes em live
action. A título de exemplo, uma personagem que fica “roxa de raiva” quando é contrariada,
em uma animação, pode apresentar isso literalmente de forma esteticamente muito mais
convincente do que quando se está trabalhando com atores reais.
Ainda em relação ao cronograma, na maioria dos casos, projetos de séries de animação são
elaborados com o tempo que for preciso para que se atinja a qualidade desejada, uma vez que
não existem dead lines específicos. Quanto melhor estiver o projeto, maiores são as chances
de viabilizar sua produção, por isso, todo e qualquer esforço e ajuste no projeto de criação
costuma ser bem-vindo. O mesmo ocorre, sem dúvidas, com o roteiro de um episódio piloto.
203
Dramaturgia de Série de Animação
O escopo do projeto revela seu alcance: uma série pode ser exibida em âmbito local,
regional ou global, variando normalmente os recursos envolvidos em suas produções. Na esfera
comercial, a questão do escopo diz respeito ao custo-benefício: projetos de menor alcance
dificilmente contam com o mesmo aporte oferecido para séries de maior alcance, uma vez que
objetivam retornos compatíveis com seus investimentos.
Os recursos de um projeto dizem respeito a dois aspectos; o primeiro deles os recursos humanos
envolvidos, isto é, as capacidades e as características da equipe. Nesse sentido, deve-se ter clareza
quanto à técnica e ao estilo da animação, assim como em relação às referências visuais do processo
criativo para melhor aproveitamento destas características dentro da estrutura narrativa da série.
O segundo aspecto é o orçamento efetivo da série que, obviamente, pode variar bastante: séries
com grandes verbas possuem maior estrutura, mas possuem suas próprias dificuldades, diferentes
daquelas que contam com verbas mais restritas.
O roteirista é responsável por escrever roteiros que deverão ser efetivamente realizados,
por isso, é preciso ponderar sobre as demandas que serão necessárias. Por exemplo: se o
roteiro envolve muitas cenas com multidão em movimento ou coisas trabalhosas que só vão
aparecer uma única e breve vez na tela, a tendência é que se precise de mais tempo e recursos
para sua realização. Da mesma forma, se estiver fazendo um roteiro para uma animação em
stop-motion, não se pode esquecer de que esse tipo de animação é relativamente menos fluida
do que uma em 2D. Nesse sentido, as ações para um boneco em massa de modelar talvez não
possam ser as mesmas que se elaboraria para uma personagem desenhada.
Se por um lado é preciso considerar eventuais limitações, por outro, é preciso considerar
de maneira criativa as potencialidades envolvidas no projeto para poder se tirar o máximo
proveito do roteiro - o ideal é que haja uma indissociabilidade entre a forma e o conteúdo da
série. Em “Beavis and Butt-Head”, por exemplo, o traço irregular, visual “sujo” e a animação
simples estabelecem esta relação de indissociabilidade ao criar um diálogo direto com o
universo narrativo da série e sua abordagem temática.
Além disso, também é possível neste caso transformar visualmente suas personagens de
forma radical, caso considere isso necessário. Voltando ao exemplo de “Bob Esponja Calça
Quadrada”, há um episódio em que - desafiados por Sandy - Bob, Lula Molusco, Patrick e
o Sr. Siriqueijo resolvem se aventurar em terra firme. Chegando lá, há uma gravação em
live action de todos eles como “bonecos” ou objetos (Bob é representado por uma esponja
de cozinha, Patrick, por uma estrela-do-mar seca etc.). Na mesma série, Bob, por vezes,
também é animado com características diversas, literalmente derretendo-se de tanto chorar,
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
ou explodindo em músculos de tanto levantar pesos. Isso seria difícil de conseguir em uma
série em live action já que, nesse caso, o roteirista teria que contar com um trabalho de ator
extremamente físico ou com efeitos especiais, mas em ambos, o efeito inverossímil seria
muito maior do que em uma série de animação.
Podemos afirmar que a animação, seja qual for seu gênero, suporte ou propósito, é uma
manifestação artística que busca a verdade nas formas extremas da artificialidade. Por conta
disso, consegue desenvolver certas situações sui generis e provocar determinadas reações no
público que dificilmente seriam conseguidas de outra forma. É como se o fato de aparentemente
não se posicionar próxima àquilo que as pessoas entendem por realidade permitisse à animação
abordar as mais diversas questões de maneira “inofensiva” e “despretensiosa”. Com a “guarda
baixa”, o público favorece a receptividade da animação e uma maior abertura na recepção e
decodificação de sua mensagem.
Muitas personagens animadas podem fazer e dizer coisas que não seriam aceitas, às vezes sequer
imaginadas, por personagens humanas reais. A alegoria é, sem dúvida, um recurso poderoso não
apenas na animação – conforme denotam a durabilidade e a universalidade das “Fábulas de Esopo”,
por exemplo. Esta maneira própria que a animação tem de dizer algo sobre a natureza humana,
sejam questões existenciais ou supérfluas, é um de seus grande trunfos. A possibilidade de se chegar
a novos e desconhecidos lugares ou de se mudar a maneira de enxergar algo ultrapassa o desígnio
primário da animação de “dar vida a algo ou alguma coisa”. A animação deve, portanto, acrescentar
algo intrínseco à própria narrativa, de uma forma que o live action não possa fazer, e essa questão
deve estar clara para o autor o quanto antes no processo de elaboração do projeto.
Em quarto lugar, derivado dos itens anteriores: a série de animação costuma ser visualmente
mais estimulante do que as séries em live action. A paleta de cores, as características físicas
e psicológicas das personagens, os cenários – tudo em uma animação pode ser criado de novas
e variadas formas, sem dialogar proximamente com aquilo que se considera ser a realidade
imediata. Quando trabalhamos com atores ou com locações reais, ainda que contando com
efeitos especiais (mecânicos, ópticos ou de pós-produção) e com maquiagem, haverá sempre
referências claras de comparação para o espectador. Assim, a Londres de Harry Potter, mesmo
transfigurada, faz com que o público compare o cenário mostrado no filme com as imagens
da cidade inglesa que têm registradas em sua mente; e Cameron Diaz, quando escalada para
um papel, pode suscitar para o espectador, mesmo involuntariamente, a imagem que ele tem
dessa atriz, baseando-se nos papeis que ela já incorporou anteriormente.
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Dramaturgia de Série de Animação
com atores reais costuma-se ter uma média de um minuto por página de roteiro, em animação
essa média pode ser de cerca de uma página e meia ou duas por minuto de roteiro animado.
Em “Os Simpsons”, por exemplo, há uma imersão anual, na qual uma equipe rotativa de 16
roteiristas se reúne para fechar todos os roteiros de uma temporada. A dinâmica consiste na
seleção das melhores sinopses técnicas escritas entre eles, a partir das quais serão realizadas as
primeiras versões de roteiros e os tratamentos de roteiro dos episódios de toda a temporada.
Já em outras séries, como “Bob Esponja Calça Quadrada”, a estrutura narrativa passou, a
partir da experiência acumulada da equipe na série, a ser definida diretamente no storyboard.
Desta maneira, não há a necessidade de se passar por um roteiro escrito, o que proporciona
economia de tempo e um tipo de raciocínio audiovisual específico, no qual o pensamento e as
ideias são transmitidos diretamente por meio de sons e imagens, sem passar necessariamente
por palavras em uma folha de papel ou tela de computador.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
3.8 Storyboard
3.8 storyboard
A origem do storyboard remete a meados da primeira década do século XX, quando
Gregory LaCava desenvolveu uma série de desenhos em miniatura (thumbnails), dispostos
sequêncialmente como uma grande tira em quadrinhos, para a pré-produção das animações
que dirigia para a Hearst´s International Film Service Studios. Neste primeiro modelo de
storyboard, LaCava marcava as cenas cortadas, anotava a duração aproximada de cada plano
e organizava a sequência correta dos planos da animação – muitas vezes recortando e colando
diretamente os desenhos miniaturizados em uma nova folha de papel. Apesar de não haver
qualquer registro ou evidência, acredita-se que LaCava tenha descoberto essa técnica alguns
anos antes no Raoul Barre Studio, onde havia sido treinado. Também é possível especular
sobre uma provável influência das tiras de quadrinhos, que começaram a ser publicadas em
praticamente todos os jornais da época.
No final da década de 20, Webb Smith, animador dos Estúdios Walt Disney, aperfeiçoou a
técnica original de LaCava e utilizou esboços visuais narrativos em trechos de alguns curtas do
estúdio, como “Plane Crazy” e “Steamboat Willie”. O advento do som nos filmes de animação
tornou os processos técnicos e criativos de produção mais complexos, uma vez que era preciso
pensar não apenas na dinâmica visual da história, mas também em sua sincronização com os
elementos da linguagem sonora e musical.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
Com o passar do tempo, novas colaborações foram feitas ao uso do storyboard, como a
metodologia adotada pela Warner Bros., na qual uma primeira versão mais rascunhada era
previamente aprovada pelo diretor antes de ser finalizada em uma versão de trabalho. Os
diálogos eram adicionados posteriormente, de maneira que a ação sempre pudesse conduzir
as falas, e não o contrário.
Durante a chamada Era de Ouro dos desenhos animados norte-americanos, muitos estúdios
passaram a trabalhar a narrativa diretamente em seus storyboards, sem passar previamente
pelo roteiro. Além de economizar tempo e dinheiro, tratava-se de uma questão de pensar
diretamente em termos de sons e imagens – o que pode ser bastante útil em situações de maior
apelo visual, como acontece em muitas gags, por exemplo. Atualmente, como vimos no final
do capítulo anterior, há séries que trabalham das duas maneiras: com e sem a elaboração de
um roteiro prévio.
Da mesma forma que um argumento não é igual a um conto, o storyboard não deve ser
entendido como sinônimo de HQ, nem vice-versa. Apesar de possuir algumas semelhanças com
a história em quadrinhos e de provavelmente ter sido influenciado por esta, o storyboard deve
ser entendido como um processo próprio e distinto, que foi sendo aperfeiçoado com o passar
do tempo. Atualmente, a criação e o uso de storyboards na produção de uma animação são
considerados indispensáveis.
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Dramaturgia de Série de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
Por ser desenhado e, de certa maneira, se aproximar mais da animação do que do roteiro
escrito, o storyboard possibilita um melhor dimensionamento do projeto da série, considerando
seus problemas e desafios. Dessa maneira, acaba facilitando a busca por soluções práticas e
inventivas que poderão ser incorporadas à animação. Por exemplo: a partir uma cena que
envolvesse uma multidão em movimento, o artista de storyboard, a partir da necessidade
efetiva de realizar essa cena, poderia pensar em diferentes formas de viabilizá-la. Assim, a
multidão poderia ser representada de maneira desfocada, por meio de um borrão disforme ou
ainda simplesmente por meio de sons ao fundo, desde que essas propostas dialogassem com o
próprio conceito da série.
Antes de qualquer coisa, a realização de um storyboard deve obedecer a uma regra básica:
é preciso que ele possa ser entendido da mesma forma por diferentes pessoas. Não deve existir
qualquer equívoco sobre o quê, como e onde está se desenvolvendo a história. Ao se olhar para
um desenho, não deve haver dúvida que se trata de uma representação da protagonista da
série realizando determinada ação em certo ambiente, e não de outras coisas quaisquer.
O método digital, por sua vez, consiste no desenho realizado diretamente em um suporte
digital, como as tablets e Cintiqs, que dispensam o processo de escaneamento da imagem. Por
ser originalmente digital, a imagem costuma passar pelos processos de ajustes e detalhamento
durante seu próprio desenho. Boa parte dos animadores que começou a animar de maneira
analógica prefere utilizar o primeiro método, enquanto o segundo, mais rápido, é preferido por
animadores nativo-digitais. Cada desenho finalizado deve ser salvo em um único arquivo digital
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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animação em si. Uma versão portátil do storyboard costuma ser feita, na qual cada folha
desenhada é reduzida e normalmente disposta ao lado ou abaixo de outras duas em uma
mesma página. Dessa maneira, cada página é composta por três (podendo chegar até a seis)
linhas ou colunas nas quais, além dos desenhos, podemos observar um cabeçalho, indicações
de ações e ambiente e descrições do áudio (diálogos, paisagem sonora, efeitos ou música),
sempre referentes ao quadro de sua coluna.
Os planos, por sua vez, podem ser brevemente definidos pelo “corte” da câmera; cada
vez que a câmera corta de seu enquadramento para outro, temos a mudança de um plano.
Embora seja possível fazer uma cena e até mesmo um episódio inteiro com um único plano
(por meio de câmera estática ou de um grande plano sequência), as cenas costumam utilizar
diversos planos. Por exemplo: a cena de uma família jantando pode ser mostrada por meio
de uma sucessão de planos intercalados dos rostos das pessoas, de detalhes de objetos de
cena, ações e enquadramentos mais abertos de conjunto. A quantidade e a duração de cada
plano é resultado de uma escolha estilística do diretor: normalmente uma grande quantidade
de cortes passa maior dinamismo, enquanto planos mais lentos passam a ideia de calma e
tranquilidade.
Neste exemplo, poder-se-ia pensar na seguinte sequência de sete quadros para um mesmo
plano de uma mesma cena: personagem andando pela rua, com a pedra do outro lado da rua;
personagem alguns passos mais à frente, no meio da rua, com a pedra na mesma posição;
personagem no final da rua, próxima à pedra; personagem tropeçando na pedra; personagem
desequilibrada com o corpo na diagonal em queda; personagem com o corpo tombado na
vertical batendo a cabeça no meio-fio; personagem deitada no chão da rua desmaiada, com
o corpo imóvel.
Nos exemplos anteriores, da fala e da queda, o segundo caso exigiria uma quantidade
muito maior de desenhos para representar todos os seus momentos principais – de modo
semelhante à definição dos key frames de um movimento no processo de animação. Assim,
planos com uma mesma duração de tempo podem ter diferentes quantidades de desenhos de
quadros. Quanto mais ações houver ou mais detalhadas elas forem, em um plano, maior será
a quantidade necessária de quadros desenhados no storyboard.
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No exemplo da personagem que tropeça na pedra, a rua e a pedra não precisariam ser
redesenhadas a cada novo quadro, bastando repetir a mesma camada do primeiro desenho nos
demais. A camada contendo o desenho da personagem poderia ser deslocada um pouco mais a
frente, eventualmente alternando um pouco a posição das pernas, de maneira a parecer que
a personagem estaria se deslocando, no meio e, no quadro seguinte, no final da rua. Para os
demais quadros (tropeço, queda, batida de cabeça e desmaio), seria necessário o desenho da
personagem nas respectivas poses e posições, podendo-se manter inalteradas as camadas com
os cenários originais do plano.
O artista de storyboard deve ter acesso, além do roteiro, à maior quantidade de materiais
possíveis sobre a série, como o conceito da série, descrição do universo, model sheets e
concept arts. Da mesma forma, deve manter diálogo constante com o diretor da série, a
fim de tornar mais ágil o processo e garantir que tenha a melhor qualidade possível. Caso
alguma parte da trilha, sonoplastia ou dublagem esteja pronta antes ou durante a realização
do storyboard, também pode ser disponibilizada para auxiliar o trabalho desse profissional.
Depois de revisado e finalizado, o storyboard de trabalho costuma ser organizado, como vimos,
em uma versão portátil (impressa e/ou digital), com desenhos reduzidos, para consulta rápida e
disponível em qualquer lugar. Já a fixação dos desenhos em tamanho original em uma grande parede
ocupa, em alguns casos, todas as paredes de uma sala e só está disponível naquele espaço.
Nessa versão presencial, com desenhos fixados na parede, pode acontecer uma nova etapa
nesse processo, na qual é realizada uma espécie de apresentação ou interpretação em tempo
real (com o artista de storyboard), como uma dramatização ao vivo de cada quadro desenhado
no storyboard. Dessa maneira, o diretor consegue ter outra percepção do trabalho realizado
até então e eventualmente sugere novos ajustes e mudanças no storyboard.
Diferentemente do live action, a animação não possui flexibilidade para se refazer cenas
ou experimentar novos planos e interpretações durante a sua realização. Isso significaria, em
uma animação, um grande desperdício de tempo e de recursos para produção de materiais
alternativos que, ao final, não seriam aproveitados. Salvo casos de tela dividida (split) ou de
recursos como máscaras e picture in picture, apenas um plano é utilizado de cada vez em um
audiovisual, dispensando-se as opções não escolhidas. Daí, a importância do storyboard e a
possibilidade de se conseguir antever a própria animação em seus desenhos.
Apesar de ser sempre utilizado nas animações, o storyboard também costuma ser utilizado
em outros produtos audiovisuais, como comerciais, videoclipes e mesmo em alguns filmes
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
em live action. Isso ocorre principalmente em filmes que exigem rígida marcação de cena
para posterior composição com efeitos digitais, ou em casos de diretores que exploram certo
preciosismo na fotografia. O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, por exemplo, era conhecido
por não iniciar as filmagens antes de ter definido o storyboard de todas as suas cenas.
Nesse caso, os desenhos são limpos (clean up), retocados, pintados (storyboards de
trabalho normalmente são feitos em branco e preto) e finalizados com aparência semelhante
à da própria animação. Quando necessário, revela-se um processo bastante trabalhoso e
demorado, por isso sua prática costuma se restringir ao universo da publicidade. Nas séries
de animação, produtores e executivos, mesmo que não dominem a técnica da animação
em si, estão familiarizados com seu meio e conseguem entender o storyboard de trabalho
de maneira semelhante ao diretor, sobretudo se ele vier acompanhado de outros materiais
visuais mais finalizados.
O storyboard é considerado indispensável em uma animação, não apenas por conta dos
fatores aqui elencados, mas também porque representa uma maneira de se produzir qualitativa
e quantitativamente mais. Quanto mais desenvolvido for o storyboard, melhor, mais rápido e
mais barato será a próxima etapa de desenvolvimento rumo à animação, o animatic.
Também conhecido por leica reel e story reel, o animatic consiste em uma espécie de
versão audiovisual do storyboard. Cada quadro desenhado permanece exibido pelo tempo
predeterminado de sua duração em tela cheia até ser substituído pelo desenho seguinte e
assim por diante. Apesar de apresentar uma sequência de imagens ligeiramente diferente
uma das outras, o animatic ainda não possui o acabamento e a fluidez de movimento de uma
animação finalizada. De toda forma, permite uma visualização mais dinâmica dos planos, já
acompanhada do áudio da animação devidamente sincronizado.
Animatics podem ser simples (video storyboard) como uma sequência de slides ou mais
sofisticados (high-end), semelhantes a uma animação limitada, com algum movimento de
câmera, deslocamento de personagens e objetos, transições e efeitos simples de vídeo.
Independentemente de seu nível final de acabamento, devem sincronizar o áudio com a
imagem apresentada. Para tanto, softwares de edição e pós-produção de vídeo são utilizados
para gerar o arquivo audiovisual.
O animatic gerado é utilizado como uma espécie de arquivo guia para o desenvolvimento da
animação em si. À medida que cada plano do animatic começa a ser animado, atualiza-se esse
arquivo guia com os novos planos em diferentes estágios de animação. Conforme é atualizado,
com planos mais ou menos finalizados, o animatic se transforma naquilo que é conhecido como
rough cut. O rough cut em animação, diferentemente do live action, é entendido como uma
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Dramaturgia de Série de Animação
Quando o rough cut estiver totalmente atualizado com todos os planos devidamente
animados passa a dar lugar à animação propriamente dita. A animação, por sua vez, geralmente
passará ainda por processos de composição, pós-produção e finalização de som e imagem antes
de ser entregue para exibição.
Com essa abordagem final sobre o storyboard e a importância de seu desenvolvimento para as
etapas seguintes de produção, terminamos o último item da apresentação de uma bíblia de produção
de série de animação. Veremos a seguir alguns outros itens que acabam se aproximando mais dos
aspectos de comercialização e produção de uma série de animação. Apesar de extrapolar a dimensão
narrativa e dramatúrgica que propomos abordar neste livro, acreditamos ser importante que o leitor
possua, ao menos, alguma noção destes outros fatores como forma de melhor visualizar e conceber,
passo a passo, seu projeto de maneira planejada e integrada.
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
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Dramaturgia de Série de Animação
Neste sentido, outro material de grande importância para quem pretende apresentar um
projeto é a chamada “bíblia” (bible), cujo foco está mais voltado à comercialização do projeto
de uma série de animação do que à sua produção. Esse documento é apresentado em uma
versão mais enxuta do que a bíblia de produção. Assim, não se deve assumir que quanto mais,
melhor. A bíblia de comercialização possui textos resumidos contendo a apresentação geral da
série, descrição das personagens principais, sinopses técnicas de cerca de cinco episódios, a
arte da série (cenários, objetos de cena, logo etc.) e o contato dos responsáveis. Trata-se de
um primeiro documento, que é apresentado pelo autor e/ou produtor proponente da série para
produtores e executivos de estúdios interessados na realização do projeto. Essa apresentação
costuma acontecer em eventos internacionais destinados para esse tipo de encontro, como
KidScreen e MIPCOM.
O caráter enxuto da bíblia se deve ao fato de, nesses eventos, existirem interesses prévios
variados, como temática e público-alvo, que limitam o escopo dos executivos, obrigando-os a
uma filtragem dos projetos que irão se propor a analisar. O fato de alguém não se interessar
por um projeto não significa necessariamente que o projeto não esteja bom, mas que apenas
não se encaixa no tipo específico de produção que estava sendo buscada. Além disso, é preciso
considerar que nesses eventos existem muitos projetos apresentados, o que aumenta a
concorrência e restringe o tempo de contato entre aqueles que querem vender e aqueles que
querem viabilizar a realização de uma série de animação para televisão.
A bíblia serve, ainda, como documento de referência para a breve apresentação presencial
(normalmente com duração entre cinco a dez minutos) realizada in loco. Essa apresentação,
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
essencialmente oral, é conhecida como pitch. E esse é um momento importante para convencer
alguém interessado em seu projeto que ele realmente vale a pena. O uso de recursos extras,
como pequenos trechos animados ou um teste de animação, música tema, abertura da série e
bonecos das personagens podem ser utilizados, mas, diante do projeto em si, acabam tendo
papel secundário.
O comércio faz parte da cultura humana desde tempos imemoráveis e normalmente esta
é uma parte que não costuma agradar autores e profissionais criativos. Seria ótimo se todos,
assim como o próprio autor, tivessem a mesma avaliação de seu projeto. Entretanto, para que
o projeto possa ser realizado, de fato, é preciso antes que seja comercializado para viabilizar
sua produção – caso contrário continuará sendo “apenas” mais um projeto.
É importante que o pitch seja feito pelo próprio autor ou produtor da série, pois são pessoas
que a conhecem suficientemente bem para apresentá-la e para responder a quaisquer dúvidas
que possam surgir. Nesse momento, pressupõe-se que a pessoa responsável pela apresentação
acredite e saiba por que o projeto é bom e quais são os diferenciais qualitativos significativos
que o distingue dos demais.
A primeira coisa a se fazer sobre o pitch é buscar formas de conseguir efetivamente fazê-
lo. É possível, embora bastante raro, realizar um pitch diretamente no escritório de uma
empresa desejada, mediante contato e agendamento prévio. Entretanto, a forma mais comum
é por meio de apresentações em eventos especializados. Pressupõe-se, é claro, que todo e
qualquer projeto que for apresentado esteja não apenas bem acabado, como também em suas
melhores condições de desenvolvimento. Mais importante do que ter pressa em apresentar,
é causar uma boa impressão pela qualidade final do projeto. Em um pitch vale o ditado: “a
primeira impressão é a que fica”.
É desejável que a pessoa que irá apresentar o projeto seja reconhecida no meio – o
que normalmente é conseguido após algum tempo de atuação profissional na área. Por isso,
representantes de projetos de séries costumam participar ativamente de eventos do setor,
expandindo gradativamente seu networking e visibilidade. Além da participação em si, é
igualmente importante que esta pessoa seja reconhecida no mercado como um profissional
sério e organizado. Estando bem representado, as portas se abrirão mais facilmente.
Ao conseguir alguém para escutar e avaliar seu projeto, é preciso estar preparado. O pitch envolve
dinâmicas diversas relacionadas à apresentação de ideias e de estratégias de venda. Conhecer em
extensão e profundidade o mercado de séries de animação é fundamental para fazer um diagnóstico
preciso e elaborar as melhores táticas para o desenvolvimento e a apresentação de um projeto. É
importante que o proponente seja, portanto, um especialista não apenas no projeto apresentado,
mas também na leitura da conjuntura em que se insere esse projeto.
227
Dramaturgia de Série de Animação
Por mais que possa parecer clichê, demonstrar confiança e paixão pelo projeto também é
fundamental. Se o próprio proponente não estiver entusiasmado com o projeto, dificilmente
transmitirá essa sensação de envolvimento e comprometimento para o avaliador. Esse
sentimento otimista e apaixonado pelo projeto é tão natural que não pode tentar ser simulado
pelo proponente, pelo contrário, sua espontaneidade pode inclusive ser contagiante.
Ao apresentar uma personagem jovem, deve-se evitar, por exemplo, apresentar seu perfil como
“alguém que não gosta de seguir a moda, nem de ser igual a outros jovens”. Mesmo fazendo parte
do perfil psicológico da personagem, esse traço da personalidade não pode ser apresentado desta
forma, uma vez que esses valores negativos (“não gosta”, “não é”) podem ser interpretados como
futura dificuldade para conseguir anunciantes e patrocinadores. Não é preciso mudar o projeto e
a característica da personagem para reverter esta impressão. Pode-se apresentar essas mesmas
características por um ponto de vista mais positivo, valorativo: uma personagem com ideias próprias
e personalidade forte – o que tende, por sua vez, a agregar valor para futuros anunciantes. Observem
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
que, em ambos os casos o projeto da série é exatamente o mesmo, a única mudança foi a maneira
como foi apresentado. A diferença entre o “sim” e o “não” para um projeto pode estar em detalhes
aparentemente pequenos como esse.
Este roteiro de apresentação deve ter como público-alvo o avaliador do projeto e, não,
o próprio apresentador, tornando, portanto, a apresentação a mais clara e objetiva possível,
abordando obrigatoriamente os aspectos centrais da série e seus diferenciais qualitativos.
Ensaios são recomendáveis e podem ser realizados inúmeras vezes, com diferentes pessoas
dispostas a colaborar, a fim de simular eventuais situações que possam ocorrer posteriormente.
Quanto mais rigorosas forem estas simulações e quanto mais vezes elas forem realizadas,
melhor preparado o pitch estará.
Conversar com pessoas que normalmente você não conversaria sobre o seu projeto também
pode ajudar. Pessoas com atuação profissional ligada à parte executiva, ainda que não na área
de animação, pequenas amostras de seu público-alvo, assim como quaisquer outras pessoas
para quem se puder mostrar o projeto, podem levantar questões diversas, algumas dessas
talvez bastante relevantes.
Todavia, como podemos imaginar, por mais preparado que se esteja no momento de sua
realização, esse roteiro de apresentação está sujeito a mudanças: uma pergunta inesperada
pode interromper a fala e a linha de raciocínio adotada pelo apresentador, fazendo com
que o pitch tome um rumo diferente daquele incialmente imaginado. Por isso, além dos
ensaios, é preciso que o proponente conheça todos os detalhes do projeto para que tenha
respostas assertivas e imediatas sempre que forem solicitadas. Da mesma forma, esse domínio
permitirá certos improvisos e variações na apresentação, respeitado os objetivos do pitch e as
características da série.
Para tanto é preciso que o apresentador faça a “lição de casa”, se preparando o melhor
possível e respondendo algumas perguntas fundamentais: para quem será feito o pitch? Quais
são as características desse possível parceiro? O que ele procura? Que tipos de projetos ele
costuma realizar? Também é importante se imaginar do outro lado e tentar antecipar perguntas
que provavelmente serão feitas para o apresentador: o que se deve saber sobre este projeto?
Por que deveria financiá-lo? Quais são seus diferenciais em relação aos demais projetos? O que
ele agregará à minha empresa?
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Dramaturgia de Série de Animação
Nesta preparação prévia, pode-se aplicar método semelhante ao da análise S.W.O.T., que
permite fazer um exame abrangente do contexto como instrumento para a gestão e elaboração
de ferramentas estratégicas. Esta análise leva em conta as dimensões internas e externas
de um projeto, que podem ajudar - forças (strengths) e oportunidades (opportunities)-, ou
atrapalhar - fraquezas (weaknesses) e ameaças (threats) - a conquista de um objetivo.
O apresentador deve atentar ainda às reações do avaliador para eventuais ajustes durante
o próprio pitch. Precisa escutar com atenção e entender, sem qualquer tipo de dúvida, tudo
o que for dito pela pessoa que estiver do outro lado. Também não deve hesitar em responder
qualquer questão, da mesma forma que pode fazer eventuais perguntas para se certificar que
a apresentação esteja eficiente ou mesmo para melhorá-la para novas oportunidades.
Também se revela cada vez mais importante diante das gerações nativas-digitais pensar
em termos de transmídia, isto é, em maneiras pelas quais o universo desenvolvido possa existir
simultaneamente e de forma integrada em diferentes plataformas e mídias. Assim, depois de
assistir a um episódio na televisão, por exemplo, o público pode continuar acompanhando o
universo da série por diversas outras formas, como jogos digitais, website, livros, quadrinhos,
peças de teatro e licenciamento de produtos diversos.
Ainda que de nada adiante uma boa apresentação sem conteúdo interessante, projetos com
apresentação visualmente limitada costumam ser mal avaliados. Quem arriscaria investir em
um projeto de série de animação que não consegue sequer desenvolver uma boa apresentação
visual de seus materiais? Diferentemente do que pode acontecer em outras áreas, a arte e
a diagramação de qualquer material em um projeto de série de animação representa, de
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Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
certa forma, a própria animação como um todo, e não um mero esquema, ilustração ou
preenchimento de espaços. Além disso, por meio de uma boa elaboração e apresentação
desses materiais é possível inferir o esmero e envolvimento presentes por trás do projeto e
a vontade de causar uma boa impressão para tentar viabilizar a produção da série. Por isso,
podemos afirmar que essa seriedade destinada aos materiais é condição mínima inicial para
que alguém possa olhar devidamente para um projeto de série de animação.
A partir de um interesse nesse primeiro contato o proponente pode ser convidado para um
novo encontro, no qual deverá apresentar de forma mais completa o seu projeto, normalmente
por meio da bíblia de produção. É importante frisar aqui que os primeiros aceites do projeto
ocorrem sempre a partir de uma avaliação dos aspectos narrativos e criativos da série. Diante
de um interesse inicial, é assinado um contrato de opção de compra (option agreement), a
partir do qual se demonstra o interesse do estúdio ou empresa no projeto e a obrigatoriedade
do autor ou responsável pela série de parar de exibir o projeto para outras pessoas. Também
costuma ser assinado um termo de confidencialidade (ou NDA – Non-Disclosure Agreement),
assegurando que nenhuma informação sobre o projeto e o processo de comercialização da
série seja divulgada – em alguns casos, o próprio contrato pode ser mantido em sigilo por meio
deste termo.
Apenas em um segundo momento é que são discutidos elementos relacionados à produção
e à comercialização da série. Nesse momento posterior, aspectos sobre o desenho de produção
(detalhes sobre a técnica de animação, infraestrutura e formação das equipes), cronograma,
fluxograma de produção e orçamento são definidos entre as partes envolvidas.17 Também podem
ser discutidos, dependendo da participação de cada parte envolvida, detalhes referentes
ao plano de negócios, incluindo a parte de licenciamento e marketing (L&M plans). Nesses
processos de negociações, alguma flexibilidade é necessária de ambas as partes para que haja
um ajuste entre o lado criativo e o lado business da produção de uma série de animação.
Entretanto, devemos lembrar que apenas uma pequena quantidade, entre todos os projetos
apresentados, resultam em uma série de animação com temporadas regulares. Com isso,
não pretendemos desanimar os autores, mas, ao contrário, estimulá-los a continuar sempre
tentando. Boa parte das séries de animação exibidas ou em exibição passou por alguns ajustes
e versões anteriores em seus projetos até serem finalmente escolhidas. Também não são raros
os casos em que algumas séries de sucesso foram recusadas antes de serem aprovadas por
outras pessoas. Da mesma forma, existem casos de aposta no projeto de determinadas séries
que, entretanto, não chegaram a fazer o sucesso comercial projetado.
Isto porque esse processo não é uma ciência exata e pode apresentar grandes equívocos.
Cabe apenas ao responsável realizar uma autoavaliação de seu projeto de série, mesurar se é
possível ajustá-lo e por quanto tempo se deve insistir nele antes de substituí-lo por um novo.
Caso um projeto não seja rapidamente selecionado, o mais importante é não desistir e ter
paciência e perseverança. Com o tempo, aumenta a experiência na elaboração e apresentação
de projetos e, consequentemente, as chances de que um projeto venha a ser selecionado em
um pitch.
17. O edital do ANIMATV disponibiliza arquivos anexos com instruções detalhadas para o preenchimento destes itens.
231
Dramaturgia de Série de Animação
Da mesma forma, é preciso cautela no caso de um pitch exitoso. O fato de um projeto ser
escolhido e elogiado não deve gerar um entusiasmo capaz de deixar de lado a necessidade de se
conhecer quem oferece a possibilidade de parceria e as condições oferecidas para sua realização.
Dada a distância existente entre o desenvolvimento do projeto e o público final de uma série
de animação, é importante ter uma boa estrutura e “clima” para o trabalho em equipe, contando
sempre com bons profissionais em todos os setores. Considerando o grande número de artistas e a
diversidade dos profissionais envolvidos, conseguir trabalhar de maneira harmoniosa e produtiva se
revela como um dos grandes desafios da produção de uma série de animação.
Antes de tentar entrar nesse mercado, é preciso saber de seu alto nível de competividade
e dos riscos envolvidos. Além de um bom projeto e apresentação, é fundamental possuir uma
entrosada e profissional equipe de trabalho, além de estar devidamente preparado para essa
jornada. Melhor do que conseguir produzir uma série de animação, é produzir várias.
Desta maneira, encerramos este capítulo, que objetivou versar e refletir sobre os diversos
elementos e aspectos envolvidos na dinâmica do desenvolvimento de um projeto de criação de uma
série de animação. No próximo capítulo, abordaremos e analisaremos duas experiências realizadas
no âmbito do Programa ANIMATV, as séries “Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”.
232
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação
233
Capítulo 4
estudos
de caso
Dramaturgia de Série de Animação
4. Estudo de Caso
4 estudos
de caso
Como vimos no segundo capítulo, o ANIMATV surge como o primeiro programa de fomento à
produção e teledifusão de séries de animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o
estímulo da indústria nacional de animação. Para tanto, o programa foi resultado de uma parceria
inédita entre a Secretaria do Audiovisual (SAv) e a Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do Ministério
da Cultura (MinC), a Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, a Fundação Padre Anchieta - TV
Cultura, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), com o
apoio da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Esse estímulo foi concretizado pelo
estabelecimento de um circuito de exibição de desenhos animados nacionais na televisão, pela
motivação gerada nos estúdios de animação em produzir novos conteúdos e pela potencialização da
inserção das séries selecionadas no mercado internacional.
Os pilotos desenvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, pela TV Cultura e por mais 20 emissoras de
toda a rede de associadas à ABEPEC, a partir de 25 de janeiro de 2010, com reprises em diversos
canais e horários, além de exibições em eventos diversos, como o Anima Mundi, por exemplo.18
Durante a veiculação na televisão, foi realizada uma votação popular na internet, na qual os projetos
“Abílio e Traquitana” e “A Princesa do Coração Gelado” foram os mais bem votados.
Além disso, dois projetos de série (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”) foram
selecionados, entre os 17 exibidos, para o desenvolvimento de mais outros 12 episódios. O
processo de escolha dessas duas séries aconteceu por meio de uma comissão própria de seleção,
que levou em conta os seguintes critérios de avaliação: qualidade do piloto, qualidade da
bíblia, relatório de desempenho da equipe ao longo da produção e os resultados das pesquisas
de audiência e de grupos focais com o público-alvo de cada série.
236
Estudos de Caso
Cada um desses itens foi devidamente avaliado pela comissão a partir de materiais
elaborados previamente por diferentes agentes: a bíblia e o piloto foram realizados pelos
próprios responsáveis pelos projetos selecionados, enquanto o relatório de desempenho foi
feito pela Coordenação Executiva do ANIMATV, as pesquisas de audiência pelas emissoras TV
Brasil e TV Cultura e a pesquisa de grupos focais pela Cultura Data.
Essa pesquisa qualitativa teve como principal objetivo avaliar, da perspectiva do público-
alvo de cada episódio piloto, três aspectos principais: impacto, entendimento e personagens.
O primeiro deles, impacto, foi mensurado por meio da observação de reações espontâneas, da
aceitação do público, do interesse despertado pelos elementos da série e também por meio
dos destaques positivos e negativos de cada episódio.
Por fim, a avaliação das personagens aconteceu por meio de sua aceitação e empatia,
pelas características atribuídas de personalidade, incluindo os defeitos e as virtudes, pela
identificação junto ao público-alvo e pela relação dos atributos mais apreciados e dos mais
desaprovados das personagens das séries.
Este modelo de avaliação de projetos de séries de animação para televisão, adotado pelo
ANIMATV, está em consonância com aquilo que é utilizado internacionalmente pelas emissoras de
televisão ao fazer a apreciação e prospecção dos projetos oferecidos para exibição em sua grade
de programação. Conhecer essa metodologia representa, portanto, a oportunidade de levar em
consideração os aspectos aqui apresentados durante a elaboração do projeto de criação da série e
das demais etapas subsequentes, aumentando assim suas potencialidades e perspectivas.
O ANIMATV ofereceu ainda aos 17 selecionados uma ação contínua de formação dos
produtores e autores, capacitando-os para a produção e comercialização dos projetos e
237
Dramaturgia de Série de Animação
A Oficina de Capacitação em Mercado foi ministrada por três profissionais com experiência
no mercado internacional de séries de animação: Reynaldo Marchezini, produtor responsável
pela série “Princesas do Mar”, exibida internacionalmente em diversos países; Andre Breitman,
sócio e produtor executivo da 2DLab, estúdio brasileiro que realiza a série “My Big Big Friend”
(em coprodução com a canadense Breakthrough Entertainment) e Silvia Chicca, cujo currículo
inclui passagens pela Warner Bros. e pela Disney (onde foi responsável pelo planejamento,
desenvolvimento e implantação das personagens Disney Babies) e gerenciou, de 2007 a 2010,
a Cultura Marcas, área de licenciamento da TV Cultura.
A Oficina de Criação Transmídia, por sua vez, contou com a participação de Jesse Cleverly,
CEO da Connective Media Solutions, palestrante em eventos como MIPCOM e KidScreen e
profissional com ampla experiência na BBC. Na rede estatal inglesa, Cleverly trabalhou por
mais de dez anos ocupando os cargos de editor de roteiros na divisão de filmes, diretor de
coprodução e aquisições de produções infantis para a BBC Children e chefe de desenvolvimento
do Fictionlab, unidade de inovação de conteúdo digital da BBC para projetos transmídia.
Questão relativamente nova, mas de crucial importância para se pensar a atual geração - conhecida
por alguns como geração “Y” ou geração “@” -, a transmídia é a realização de projetos multiplataforma nos
quais, ao mesmo tempo em que se deve pensar a especificidade de cada mídia envolvida (geralmente há
um mínimo de três), também se deve pensar em todas elas de maneira integrada. A tendência apontada
por teóricos e profissionais do mercado, e que já se começa a verificar, é a de que a convergência digital
tornará indistinto o acesso a conteúdos e o que definirá a mídia ou suporte para este acesso será muito
mais uma questão de conveniência do que necessidade ou limitação.
238
Estudos de Caso
Comunidades se apresentam como algo muito mais próximo e “palpável” do que um target
elaborado por uma equipe de marketing, pois permitem aprender muito mais sobre os hábitos e
características das pessoas que interagem com o universo oferecido. Dizem muito mais sobre as
pessoas com quem estamos lidando, em outras palavras, essas pessoas se tornam algo mais do
que os números que as escondiam. O ambiente digital dá a impressão às pessoas que, ao terem
a possibilidade de interagir e fazer escolhas em relação a um determinado conteúdo, elas estão
definindo uma extensão de suas próprias personalidades, se expressando como elas acham que são.
Este novo paradigma se apresenta não apenas para o público, mas também para os
profissionais envolvidos em todas as etapas de desenvolvimento de conteúdos multiplataformas.
Para a criação de projetos transmídia que partam de uma série de animação, é importante
considerar a adequação ao público-alvo, descobrir onde está esse público quando não está na
televisão e pensar, para diferentes suportes midiáticos, em diferentes maneiras de se mostrar
o produto em questão. A transmídia se revela complexa em qualquer aspecto: da perspectiva
teórica e conceitual, dialoga com os conceitos de inter e transdisciplinaridade abordados
anteriormente neste livro; da perspectiva de produção, assim como em um projeto de série de
televisão, envolve uma série de etapas, desde a parte criativa até sua efetiva implementação
e acompanhamento (follow up).
O público nativo digital tem por costume um grande anseio pelo aumento da interatividade,
sobretudo quando se trata de um produto criativo e de entretenimento - como é o caso de
uma série de animação. Por isso, também é preciso adotar sempre, em todas as etapas de
desenvolvimento de um projeto transmídia, uma metodologia centrada no usuário dessas
múltiplas plataformas (user center design).
Além da maior adequação ao perfil das novas gerações, a transmídia também representa a
possibilidade de maximizar o valor de um projeto por não apenas agregar valor ao universo criado,
como também aumentar as margens de lucro do negócio. Atualmente, não são raros os casos, nem
restritos à animação, de projetos que possuem faturamento maior nas mídias “agregadas” do que na
própria mídia de “origem” daquele conteúdo. Por isso, projetos das mais diferentes áreas, como a
música e o cinema, pensam cada vez mais em termos de transmídia.
“Acho que o problema para muitas pessoas é que muitas propostas que você vê na televisão
não passam essa sensação de que são boas, com essa verdadeira paixão, e fica a sensação de
que elas foram criadas por departamentos de marketing. Então eu acho que paixão é essencial
se você vai fazer alguma coisa valiosa”.
239
Dramaturgia de Série de Animação
A programação da Oficina de Criação Transmídia foi dividida em dois dias. No primeiro dia,
os representantes dos projetos selecionados no ANIMATV puderam participar de um debate
sobre transmídia que também contou com a presença de André Melmenstein (Revista Tela
Viva), Rogério de Campos (Editora Conrad), Camila Machado (TV Brasil), Daniela Vieira (Turner)
e Fábio Monteiro Ribeiro (Associação de Mídia Indoor).
No segundo dia, cada um dos produtores presentes realizou um pitch de seu projeto e teve
a oportunidade de ouvir comentários e sugestões de Cleverly sobre os planos para expandir o
universo narrativo da série de animação para outras plataformas além da televisão.
19. No site bibliastransmidia.com.br é possível conferir diversos vídeos e informações sobre transmídia e a
oficina realizada por Jesse Cleverly no final de 2010.
20. Lembramos que é possível acompanhar todas as ações realizadas e notícias atualizadas sobre o ANIMATV e os
17 projetos de séries participantes no blog do Programa: blogs.cultura.gov.br/animatv.
240
Estudos de Caso
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Dramaturgia de Série de Animação
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Estudos de Caso
uma colônia de cupins paranoicos que viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina.
Em formato filme de estrada (road movie), a série explora as divertidas situações decorrentes
do convívio de personagens antagônicas e de aventuras que surgem a cada novo lugar visitado,
como cordilheiras, planícies, desertos, geleiras e florestas tropicais.
A responsabilidade na definição das rotas fica a cargo de Gajah que, por ser um elefante, possui
apurada orientação espacial. Porém, o que ninguém sabe é que esse paquiderme é uma exceção
à sua raça e não possui essa orientação, transformando a viagem em uma enorme excursão pela
América Latina. A cada novo episódio, os tripulantes do trem – que comumente é utilizado como
metáfora da própria vida em sociedade - encontram um novo local, conhecem novas personagens
(geralmente animais da fauna local) e enfrentam inúmeros desafios para continuarem sua viagem.
Assim como nossas próprias vidas, essa viagem é, ao mesmo tempo e em certos aspectos, previsível
e imprevisível, marcada por certezas e incertezas, calmaria e turbulências.
Com um ritmo narrativo bastante dinâmico, “Tromba Trem” possui ainda um design criativo
bastante inteligente, em que há uma valorização do acting, das poses das personagens e a presença
de rostos amplos, o que possibilita uma grande área para valorização das reações e expressões faciais.
21. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo
a produção, disponível em: http://trombatrem.blogspot.com
243
Dramaturgia de Série de Animação
Sem perder a ênfase na personagem, a série consegue ainda, por meio de enquadramentos, ângulos e
movimentos de câmera, valorizar os diferentes cenários e paisagens apresentados em toda a série.
O episódio piloto da série – que discutiremos um pouco mais adiante – apresenta a situação
na qual Gajah, Duda e a colônia de cupins se conhecem e passam a viver juntos. E isso só
acontece graças à presença do elefante fora de seu habitat natural, abrindo novos horizontes
para todas as personagens envolvidas: Duda encontra em Gajah uma espécie de guru; a colônia
de cupins descobre que o elefante é útil para o carregamento de água (combustível do trem)
e para a manutenção do vegetarianismo de Duda (uma tamanduá naturalmente devoradora de
cupins) e o próprio Gajah faz novas amizades e consegue um meio de transporte mais rápido
em sua perseguição ao dirigível.
Gajah é um jovem elefante indiano, que questiona as regras ao mesmo tempo em que se
mostra um tanto quanto preguiçoso. Seu principal hobbie é a fotografia e seu comportamento
corresponde ao estereótipo do “artista avoado”: vive em seu próprio mundo lúdico e se deixa
levar pelas emoções. Vegetariano, adora comer hortaliças, ao mesmo tempo em que se mostra
entusiasmado para descobrir novos gostos e sabores.
Sua vida sofre uma reviravolta quando, de maneira misteriosa e inexplicável, é sequestrado
por um dirigível, indo parar no meio do cerrado brasileiro. Ao perder suas memórias mais
antigas, resolve ir atrás do dirigível em busca de respostas. Suas pretensões artísticas passam
ainda pelo teatro e geralmente resultam em momentos de grande inspiração, o que, por um
lado constrange os racionais cupins e, por outro, aumenta a admiração de Duda.
Apesar de solitária, a tamanduá Duda é bastante sociável e comunicativa – como todo tamanduá,
é bastante linguaruda, por isso “fala sem parar”. De boa índole, também é vaidosa, hiperativa,
ansiosa e muito influenciável. Em busca de sua própria identidade, adere às mais diversas e variadas
formas de encontrar “algo maior”, mas sempre de forma simplista. Também costuma misturar
conhecimentos e referências diversas como budismo, autoajuda, astrologia e esoterismo.
Duda, que usa óculos grossos, costuma falar bastante e de forma muito rápida, sempre
emitindo um som sibilado por conta de sua fina e comprida língua. Quando fala mais devagar,
costuma gaguejar, demonstrando certa falta de hábito para se comunicar dessa maneira. Em alguns
momentos, alterações momentâneas em seu estado de humor chegam a assustar os cupins.
No reino animal, os cupins, assim como as abelhas e as formigas, são considerados seres
eussociais, isto é, que possuem sociedades complexas, nas quais há clara divisão do trabalho,
um cuidado cooperativo com a própria espécie, sobretudo, mas não apenas, com a prole,
e que apresentam a sobreposição de gerações em um mesmo habitat. Na série, a unidade
de pensamento da colônia de cupins é tanta, que é possível pensar nela como uma única
personagem, embora alguns de seus cupins tenham mais destaque que outros.
244
Estudos de Caso
245
Dramaturgia de Série de Animação
Os cupins possuem uma rainha, Joaquina Segunda, que reina de maneira firme e autoritária.
No começo, a rainha pensa que Gajah é um tipo de tamanduá, mas depois percebe ser vantajoso
mantê-lo na companhia da colônia, uma vez que ele pode manipular as vontades de Duda – o
que pode ser um modelo para a educação de outros tamanduás para não comerem cupins. Em
um futuro ideal, livre de predadores naturais, os cupins estariam livres para dominar o mundo
e ampliar sua tecnologia espacial.
O jovem filho da rainha é Júnior, o mais culto e inteligente entre todos os cupins, pois foi
alimentado apenas com livros desde que nasceu. Curioso e menos paranoico do que os demais,
é o cupim que mais se aproxima de Gajah e Duda e não está convencido que seus ancestrais
vieram, de fato, do espaço. A colônia conta ainda com o eficiente Capitão, uma espécie de
braço direito da rainha, responsável pela segurança dos cupins. Bélico e paranoico, ele vive
organizando planos contra os eventuais ataques de predadores naturais dos cupins.
246
Estudos de Caso
cipós a poucos centímetros do chão. Duda questiona em voz alta suas dúvidas sobre a origem
e a natureza do animal até que surge Mestre Urubu, um urubu que responde às suas dúvidas e
também é responsável por acordar o elefante por meio de um sonoro e fedorento arroto.
Ao acordar, Gajah pergunta quem são eles, mas não consegue responder à devolutiva de
sua pergunta dizendo quem é ele mesmo, pois simplesmente não se lembra. O urubu afirma
que o nome dele é Gajah e que ele veio da Índia. Perguntado sobre como descobriu, a ave
afirma que viu uma foto na câmera que o elefante carregava junto a ele. Neste momento,
Gajah se recorda de que gosta de fotografar e começa a clicar sem parar.
Enquanto isso, o Capitão cupim, que descobrimos ser quem estava observando toda a
cena pelo binóculo, avisa à rainha que “os tamanduás” estão arquitetando um plano contra a
colônia. O pequeno e esperto filho da rainha, Júnior, tenta avisar que “o grandão” não é um
tamanduá, mas ninguém o escuta.
Mestre Urubu conversa com Gajah tentando ajudar a descobrir como ele foi parar ali e
chegam à conclusão que teve a ver com o dirigível, uma vez que elefante não sabe voar. A ave
some repentinamente e Duda se oferece para seguir o elefante indiano, a quem considera uma
espécie de guru. Após algum tempo, Gajah percebe que a tamanduá não para de falar, o que o
incomoda bastante. Então ele pede para ela fazer um mantra, enquanto aproveita para fugir
sem ser percebido.
Gajah acorda e começa a conversar com Júnior, que pede desculpas pelo comportamento
da colônia. A rainha avista seu filho e, temendo que ele estivesse correndo risco, aciona o
comandante que dá a ordem para o início do ataque dos cupins contra o indefeso elefante, que
iriam furar algo “muito mais macio que madeira”. É quando surge Duda que, completamente
enfurecida, pega o capitão cupim e manda soltar seu guru. Fora de controle, Duda ameaça
devorar os cupins, porém Gajah intervém lembrando-a de que é vegetariana e evocando um
mantra que a deixa muito mais calma e tranquila, de volta ao seu estado normal.
Ao perceber que Duda era vegetariana e que Gajah possui controle sobre a vontade da
tamanduá, a rainha enxerga em Duda um modelo, uma possibilidade de um futuro melhor para
os cupins - sem predadores - e manda soltar o paquiderme. Nesse exato momento, passa no
céu o dirigível e Gajah sai correndo em direção a uma corda próxima ao chão, pendurada na
aeronave. Atrás dele vem Duda e, atrás dela, o trem dos cupins a todo vapor.
O elefante alcança a corda, se segura a ela, mas percebe Duda tropeçando e permanecendo
imóvel em cima dos trilhos, correndo risco de ser atropelada pelo trem que vinha logo atrás, a
toda velocidade. Nesse momento, Gajah toma uma decisão: se solta da corda e corre em direção à
tamanduá, salvando sua vida. O trem, todavia, já havia sido freado por solicitação de Júnior à sua
mãe. A rainha, após hesitar um pouco, ordena que o maquinista pare. Duda acaba sendo jogada pelo
247
Dramaturgia de Série de Animação
paquiderme, sã e salva, em um lago, enquanto Gajah é que acaba colidindo contra o trem - que a
esta altura já estava parado. O dirigível segue seu caminho e vai embora.
Após uma pequena discussão, o elefante pede para a rainha dos cupins uma carona no trem
para alcançar novamente a aeronave. A soberana explica que o trem está sem combustível
(água) e que levaria semanas para os cupins encherem o reservatório, gota por gota. Gajah
percebe que pode ajudar a encher o reservatório de forma muito mais rápida, por meio de sua
tromba, e se oferece para ajudar. Assim, Gajah e Duda se juntam à colônia de cupins e partem
todos em busca do misterioso dirigível.
No final, o urubu volta e “puxa” a música tema da série, que é utilizada para o encerramento,
apresentando os créditos da produção junto com novas imagens das personagens interagindo
com a animada canção tema da série.
Gajah (que em malaio significa elefante) não possui os atributos nem as virtudes da
divindade hindu e sua presença é completamente inusitada na América Latina, uma vez
que este espaço não corresponde ao seu habitat natural. É este elemento estrangeiro que
traz consigo a novidade e desencadeia a trama central da série. Sua presença é vista com
admiração por Duda e como novidade pela colônia de cupins, mas nunca é hostilizada por
qualquer personagem. Da mesma forma, Gajah também trata de forma cordial seus novos
colegas, mesmo que para isso tenha que, por vezes, superar suas antigas ideias e valores.
Se Gajah não está em casa, também não demonstra sentir saudades da Índia. Tampouco enfrenta
grande resistência em sua acolhida no novo mundo, pelo contrário. O elefante representa, portanto,
os diferentes povos que vieram, e continuando vindo, para a América Latina e que, junto com seus
habitantes nativos, ajudam a definir as identidades múltiplas e multifacetadas de seus países.
Assim, as características internas das personagens, suas virtudes e seus defeitos motivam
seus relacionamentos e amizades, fugindo de certo determinismo reservado para essas
espécies: Duda é uma tamanduá, diferentemente da natureza de sua espécie, vegetariana;
Gajah, um elefante que descobre uma nova vida em uma localidade geográfica da qual não se
originou e os cupins formam uma colônia que reverte seu papel de presa (caça) e confinamento
por meio da tecnologia e da motivação baseada em uma crença.
248
Estudos de Caso
Depois, foi colocar essa história sob a apreciação da equipe de criação. Essa equipe era
formada de pessoas que já haviam trabalhado juntas em processos criativos semelhantes.
Todos que estavam ali apostavam na qualidade da premissa, acreditando no seu sucesso. A
equipe veio com sugestões para a história, e muitas delas foram aproveitadas, enriquecendo
muito o projeto. Nosso grupo de desenhistas se juntou para pensar a história graficamente, e
várias coisas que surgiram no desenho foram acrescentadas à narrativa.
Quais foram as referências no processo de criação da série?
Todas as referências eram unanimidade na equipe de criação. Queríamos fazer um desenho
que nos agradasse, que nos divertisse, portanto, as referências eram sempre as preferidas.
Muitas dessas referências eram desenhos em série, como “Bob Esponja”, “Mansão Foster” e
“Caverna do Dragão”, mas não se limitavam a isso, pelo contrário, a maneira como a Pixar
constrói suas personagens em longas-metragens influenciou muito. Nos inspiramos bastante
em nossas próprias experiências de vida, em filmes road movie, em épicos, jornadas de heróis
etc. Além de música, muita música, que ditou o ritmo da série.
249
Dramaturgia de Série de Animação
Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você
definiria sua série?
Uma série de humor, centrada nas personagens (character driven), que aposta na marcante
diferença entre elas e nas relações que estabelecem. A série também traz consigo o prazer da
descoberta, de novos lugares e personagens. Um gigantesco road movie, no qual não existe o
discurso maniqueísta de mocinho e vilão. Todos erram e acertam.
Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?
O humor é uma presença constante, porém as piadas dificilmente são gratuitas, devem sempre
levar a história adiante, afinal as personagens têm objetivos, a viagem precisa seguir. A América
Latina é apresentada pelo olhar do estrangeiro, com o frescor do novo. Quando abordamos um tema
social, ele é colocado de maneira natural, sem um tom didático, moralista.
Como se dá a articulação da narrativa com os demais elementos (visuais, produção,
comercialização, etc) da série?
Tentamos nunca engessar a narrativa por conta de qualquer elemento. Acreditamos no
poder da história e damos muita importância a ela. Porém sabemos que a série tem limitações,
existem coisas que devem ser evitadas, pois visualmente seriam muito trabalhosas/dispendiosas.
Tentamos sempre resolver as coisas de maneira criativa visualmente para limitar o mínimo
possível à criatividade nos roteiros. E até hoje nunca fizemos nada na história preocupados com
o que vende mais ou menos. Achamos que se fizermos algo genuinamente bom, verdadeiro, ele
vai agradar a outras pessoas, e naturalmente vender.
Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série
de animação para TV?
Faça algo em que você acredite e de que goste muito, independente de tendências sociais
ou de mercado. Pense que para que dê certo você vai precisar fazer o seu melhor, e se der
certo você terá que conviver com essa ideia durante muito tempo. Se for algo de que você não
goste muito, não vai valer a pena.
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Estudos de Caso
251
Dramaturgia de Série de Animação
252
Estudos de Caso
Série selecionada:
“Carrapatos e
4.2 Catapultas”
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas”
22
Em outra galáxia, no Planeta Vaca, carrapatos bico de pato usam canudinho para sugar
gororoba visando engordar e explodir – o que os levará ao desejado paraíso dos carrapatos.
Nesse estranho mundo, os protagonistas Bum e Bod são dois jovens amigos, que vivem no
trigésimo andar de prédios vizinhos. Além disso, eles têm em comum a característica de não
conseguirem engordar e explodir como os demais carrapatos.
Toda noite, Bum recebe as ligações de sua mãe chamando direto do Mundo dos Carrapatos
Fantasmas. Além de lhe dar conselhos, a progenitora faz alguns presságios. Bum sofre de
sonambulismo, o que faz com que não se lembre de algumas de suas ações durante a noite.
Costuma se chatear e se irritar facilmente com Bod, porém, de uma forma ou de outra, sempre
releva esses sentimentos em nome da amizade.
Alto e magro, Bod é extremamente guloso, mas nunca engorda, pois sofre de um problema
hormonal. Depois de comer, sempre solta um alto e sonoro arroto. Pouco inteligente, se revela medroso
e expressa isso fisicamente por meio de tremores no corpo e ao colocar as mãos na boca diante de
22. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo
a produção, disponível em: http://carrapatosecatapultas.blogspot.com
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Dramaturgia de Série de Animação
algum perigo iminente. Também é bastante atrapalhado, mas como é sortudo, as coisas costumam dar
sempre certo para ele. Toda vez que fica empolgado, Bod repete seu bordão: “- Super carrapatal!”.
No Planeta Vaca, ao mesmo tempo em que há alguns sistemas e objetos semelhantes aos
do nosso mundo, outras coisas são completamente diferentes. Não existem, por exemplo,
refrigeradores, máquinas de lavar, rádios, ipods, computadores e nem automóveis. Lá,
o principal meio de transporte são as catapultas, por meio das quais os carrapatos são
“catapultados” para os mais diversos lugares.
A cidade dos carrapatos é ocupada por prédios com formas irregulares, revestidos de
pedras e repletos de janelas abertas, para permitir o entra e sai dos moradores e visitantes.
Por dentro, cada apartamento tem acabamento e decorações diferenciadas, de acordo com o
perfil de cada personagem.
A maioria dos carrapatos adultos já explodiu e se mudou para o desejado Mundo dos Carrapatos
Fantasmas. De lá, podem manter contato com os carrapatos do Planeta Vaca por meio de uma
espécie de telefone. As explosões são sempre repentinas e acompanhadas pela vibração de um grupo
de carrapatos que, também inesperadamente, surge comemorando o evento.
254
Estudos de Caso
Bum e Bod são exceções: Bum tem medo de explodir e Bod possui um problema hormonal
que o impede de engordar. Os dois se tornam amigos e aprendem a curtir a vida cotidiana no
Planeta Vaca, onde são felizes. De manhã, estudam em um colégio onde os professores vivem,
literalmente, explodindo e à tarde, trabalham como estagiários, realizando as mais diversas
tarefas. O chefe deles é Bonaparte, um carrapato mal-humorado que usa um chapéu idêntico
ao de Napoleão e que vive passando tarefas impossíveis para a dupla que, sempre com o auxílio
da sorte, consegue realizá-las.
Além de Bum e Bod, a série apresenta diversas outras personagens. Entre elas, está Bolão,
um “carrapato bico-de-pato” dentuço e muito gordo, obcecado em explodir – o que nunca
acontece. Costuma levantar sua enorme barriga que, ao cair, reproduz os sons das coisas que
foram sugadas. Por conta de seu tamanho exagerado, Bolão tem dificuldade para entrar e para
sair de muitos lugares, não raramente ficando entalado.
Baixinho é um “carrapato bico-de-pato” criança que, com a explosão simultânea de seus pais,
vai morar com seu primo Bum. Curioso e ao mesmo tempo distraído, é viciado em se catapultar,
ficando extremamente agitado quando fica muito tempo sem utilizar uma catapulta.
O episódio começa com um terremoto no Planeta Vaca que, assim como outros tremores,
faz surgir misteriosamente alguns objetos. Da janela do seu edifício, Bod convida seu “vizinho
255
Dramaturgia de Série de Animação
de andar” no prédio ao lado, Bum, para ver o fascinante objeto, trazido pelo terremoto,
que surgiu em seu apartamento. Após hesitar um pouco, Bum aceita o convite, saltando pela
janela. Durante a queda livre, diversos carrapatos catapultados atravessam o caminho de
Bum, saudando-o com cumprimentos de bom dia. Alguns instantes depois, um paraquedas
automático é acionado, permitindo o pouso seguro de Bum.
Na sala de seu apartamento, Bod apresenta a novidade “super carrapatal”: uma caixa de
luz (aparelho de televisão). Bum afirma que aquilo é apenas “sucata alienígena”, mas Bod está
apaixonado pela misteriosa caixa, apelidada de Cirene, e acha que ela também gosta dele. Bod
revela seu trauma em se apaixonar por carrapatas que, nos momentos de romance, acabam
sempre explodindo. Por isso, seu desejo de substituir uma carrapata pela caixa de luz, que
não irá explodir. Os dois amigos vão conversar na cozinha e sugar uma gororoba verde com
tentáculos vivos. Após uma discussão sobre a novidade trazida, Bod volta para a sala, enquanto
Bum termina de tomar sua gororoba.
Quando chega à sala, Bum percebe que Bod havia sido hipnotizado por Cirene e que seu amigo
estava totalmente dominado. Preocupado, não vê outra saída a não ser arrancar o dispositivo da
frente do amigo e jogá-lo pela janela. Porém, no meio do caminho, Bum é interceptado por Bod e
ambos começam a brigar. Durante o combate, Bolão, um carrapato enorme, chega catapultado no
apartamento, o que gera uma pausa na confusão. Bum ajuda o novo visitante a entrar, uma vez que
este havia ficado, por conta de seu enorme tamanho, entalado na janela. Ao desentalar Bolão, Bum
acaba ficando preso, esmagado embaixo do grande colega, enquanto Bod foge com o dispositivo.
Bum só consegue convencer Bolão a se levantar e a segui-los depois de mentir, dizendo que Bod havia
levado com ele toda a comida da casa.
Os dois saltam e veem Bod e Cirene sendo catapultados. Eles correm para a mesma
catapulta e pedem para seguir o carrapato. Porém, no momento em que seriam lançados,
o catapulteiro explode repentinamente e os dois não conseguem segui-lo. Bum acha outra
catapulta logo mais à frente e vai ao encontro de seu vizinho hipnotizado, enquanto Bolão fica
em solo firme, sugando uma família de lesmas que havia encontrado em uma árvore.
Ao chegar a uma larga pedra delicadamente equilibrada no topo de uma montanha, como uma
espécie de gangorra, Bum encontra Bod ainda hipnotizado por Cirene. Ele consegue arrancar o aparelho
de televisão de seu amigo e o arremessa direto do alto da montanha para o chão. Desesperado, Bod
salta atrás do aparelho, mas antes de conseguir alcançá-lo, seu paraquedas é acionado e Cirene
acaba destroçada no chão. Ao aterrissar, Bod sai do transe e é reconfortado por Bum, que o convida
para sugar alguma gororoba na Suganete. Nesse momento, Bolão aparece repentinamente em cena
e diz: “- Hummm... Alguém falou em gororoba?”.
À noite, Bum está dormindo em seu apartamento quando subitamente seu telefone toca. O
carrapato levanta e atende o aparelho, colocando-o em cima de sua própria cabeça. O aparelho
256
Estudos de Caso
de telefone foi recolhido por Bum e é guardado em seu quarto secreto de lixos alienígenas. Ele
pode ouvir uma voz familiar, que telefonou para lhe dar “conselhos de mãe”, pedindo para ele
sugar tudo direitinho a fim de explodir rápido e ir logo para o paraíso, juntar-se a ela. A ligação
cai, pode-se ouvir um sinal de ocupado e o telefone é colocado no gancho.
Surgem os créditos finais da série, com a cidade ao fundo e um grande placar que tem
marcado em giz o número 92. Ouvimos um som de explosão, seguido de breves comemorações
de multidão. Um carrapato que estava imóvel, encostado na placa, apaga o último dígito (dois)
e escreve em seu lugar o número três, de maneira que o número exibido no placar se torna 93,
ou seja, mais um carrapato explodiu.
257
Dramaturgia de Série de Animação
Neste sentido, a série, que teve seu nome e conceitos centrais pensados a partir da
sonoridade do termo “Carrapatos e Catapultas”, aproxima-se, em certo sentido, de “Bob
Esponja”. Todavia, ao deslocar e desconstruir objetos e hábitos associados à nossa civilização
contemporânea, a série brasileira reforça a crítica social, o conceito de valor das coisas e
inverte a noção de absurdo: como pode alguém se apaixonar por uma caixa de luz a ponto de
seguir suas ordens, tendo para isso até mesmo que brigar com seu melhor amigo?
O humor e o insólito presentes na série fornecem uma espécie de licença para que
questões caras ao nosso mundo possam ser abordadas, ainda que por meio de metáforas ou de
maneira sútil. Quando mais distante do “mundo real” a série parece estar, mais próxima dele,
paradoxalmente, ela consegue ficar.
Na série, os carrapatos devem sugar ao máximo, para engordarem e explodirem. Isso significa
que, quanto mais se conseguir comer, melhor – mesmo que para isso se ultrapasse alguns limites.
Podemos associar esse fato à crescente obesidade mundial, decorrente da maior presença de
alimentos menos saudáveis, da perda de um paladar apurado e da mudança dos hábitos alimentares,
problema oposto ao da fome que afeta uma grande parte da população mundial.
O carrapato sugador, parasita do mundo que o cerca, pode ser visto como uma paródia ao
homem, impregnado e irremovível dentro da dinâmica do mundo contemporâneo, transmissor
do vírus materialista e de todos os males modernos, esperando uma vida melhor após sua
explosão. Eis aí o “homem carrapato” de nosso mundo, representado no universo da série pelo
“carrapato bico-de-pato”.
O fato de explodir para ascender a uma vida melhor pode nos fazer lembrar, em um
primeiro momento, dos homens-bomba, comumente presentes entre os xiitas muçulmanos em
258
Estudos de Caso
conflitos no Oriente Médio; homens que prendem explosivos aos seus corpos e, por crenças,
religião ou ideologia, sacrificam sua própria vida e de suas vítimas em favor de um atentado
terrorista com a promessa de recompensas na pós-vida. Porém, tirando a explosão física,
os carrapatos da série não se assemelham aos homens-bomba, visto que não arbitram sua
detonação, tampouco prejudicam outras pessoas com a explosão, pelo contrário, ela é motivo
de comemoração para todos.
Neste sentido, a explosão dos carrapatos na série pode ser interpretada, em relação ao
mundo contemporâneo, de maneira simbólica. É esse homem diminuto, reificado, que vai,
ainda que não perceba, se entupindo até o momento em que explode. Esta explosão é a
promessa de transformação nesta ou em outra vida, de realização daquilo que não se efetivou
em sua existência. Ao não explodirem como os demais, Bum e Bod representam a existência
plena, valorizada em si mesma, enriquecida pelo sentido e que não depende da promessa de
dias melhores.
O universo da série é, portanto, dominado por um espírito jovem, uma vez que os carrapatos
mais velhos já explodiram e os mais novos ainda são crianças, imaturas. E é o frescor da
juventude que fornece a tônica dominante da série e a liberdade para que as personagens
vivam as mais diversas e inusitadas aventuras nesse mondo bizarro, ao mesmo tempo tão
distante quanto próximo ao nosso.
Como se deu o processo de criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as demais
etapas? Como é formada a equipe de criação e quais são as tarefas desenvolvidas por ela?
O primeiro passo é a ideia. As palavras “Carrapatos e Catapultas” surgiram assim, quase
do nada. Primeiro a ideia era fazer um livro infantil. Depois veio o ANIMATV. Da ideia, vieram
259
Dramaturgia de Série de Animação
as personagens e o mundo delas, que eu queria diferente do nosso. Não queria os carrapatos
vivendo numa vaca e assim surgiu o Planeta Vaca (total non sense), em outra Galáxia. Foi
interessante; na pesquisa apresentada, muitas crianças acharam que os carrapatos viviam
numa vaca, apesar do episódio piloto mostrar planetas no início. As pessoas sempre pegam a
realidade como referência, isso é lógico, afinal é o mundo delas, mas têm muita dificuldade de
sair dessa realidade, de se libertar para novos mundos e fantasias.
Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você
definiria sua série?
Humor, non sense, estranhamento, mas ao mesmo tempo muito crítica, se as pessoas
realmente prestarem a atenção. O mundo dos carrapatos é o nosso mundo aumentado e
ridicularizado. Muitas coisas da nossa realidade poderão ser transpostas para lá.
Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?
O piloto foi o roteiro mais complicado, por ser o primeiro. Depois que você já tem bem
claro o mundo, e as personagens já têm vida, as coisas vão fluindo. Acho que um bom texto
narrativo, livro, série, novela começa realmente a funcionar, de “acordo com as peças que
colocou no tabuleiro”, quando as personagens começam a falar por si e a direcionar a história.
O autor apenas segue o que está sendo pedido por elas.
Como exemplo de humor trabalhado na série, cito a explosão dos carrapatos. Primeiramente,
ela aconteceria depois de os carrapatos sugarem muito, mas aí seria tudo muito previsível. Então
optamos por que os carrapatos explodissem nos momentos mais inusitados. Esse inusitado é um dos
elementos de humor da série. O estranhamento é outro elemento de humor que colocamos na série.
Os conceitos são trabalhados muitas vezes de forma implícita, que faz com que o espectador tenha
que pensar e estabelecer relações com a nossa realidade para entender a proposta apresentada. E
também de forma explícita, escancarada, principalmente nas gags.
260
Estudos de Caso
a tecnologia que já temos. Falei, inclusive (e isso é bacana, pois não foi pensado, apenas
aconteceu naturalmente), que a nossa série é muito ecológica também. Se as pessoas
prestarem atenção, vão descobrir isso e rir ainda mais. No mundo dos carrapatos, não existem
automóveis e eles usam “rolantes” (enormes rodas) para exercícios e para gerar energia para
suas residências de pedra.
Os Carrapatos têm uma estética simples e diferente e um universo que foge completamente
ao padrão. Tudo isso com muito humor, o que certamente facilitará a sua comercialização e a
criação de outros produtos, como games.
Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série
de animação para TV?
Ler é importante. Os animadores e desenhistas precisam fazer isso. Muitos desenham,
muitos animam, mas poucos conseguem contar uma história. E aí a literatura mostra quão
importante isso é. Eu sou professor, escritor e roteirista. Acho que tudo isso me ajudou muito.
Não adianta fulano criar uma personagem super bem desenhada e não saber o que fazer com
ela. Acho que a história vem antes, abstrata na sua cabeça, depois ela passa para o papel na
forma de palavras e, então, desenhos.
261
Dramaturgia de Série de Animação
Considerações finais
Muitas coisas foram afirmadas e comentadas neste livro e, para alguém que esteja
começando a desenvolver projetos de série de animação, talvez este possa parecer um meio
um tanto quanto inacessível, repleto de questões técnicas e especializadas. Mas é preciso
lembrar que todo caso de sucesso passou, em algum momento de sua trajetória, pelas mesmas
dúvidas, problemas e dificuldades pelos quais qualquer projeto irá passar.
Por isso, ao começar o desenvolvimento de um projeto, o mais importante é não ter medo
e seguir a sua própria trajetória sempre de maneira confiante. Claro que a confiança, sozinha,
não faz nada, por isso esperamos que este livro possa ter colaborado para quem está no início
de sua jornada. Para o leitor já iniciado na área, esperamos que o livro possa ter levantado
novas questões e ter lançado novas luzes sobre outras, já conhecidas.
Para terminar este livro, ao invés de fazermos uma síntese ou resumo do que foi apresentado,
optamos por elaborar uma relação de 15 dicas e conselhos que, acreditamos, possam ajudar tanto
iniciantes quanto iniciados no sucesso de seus projetos e em suas realizações profissionais e pessoais.
262
Considerações Finais
na primeira vez, o animador deverá trabalhar com cronograma e orçamento mais rigorosos e
criteriosos, tendo que prestar contas ao agente financiador no final do processo.
Essas experiências prévias permitem ao animador uma noção mais próxima do processo
de produção de uma série de animação, em comparação com alguém que não as possui. Boa
parte, se não a totalidade dos autores de séries, passou por esse processo. Em alguns casos,
inclusive, essas experiências se apresentaram como embriões de futuros projetos de séries.
2 – Esteja atualizado
Estar sempre atualizado em relação à área é fundamental e deve acontecer por diferentes
formas simultaneamente: assistindo e analisando séries antigas e atuais, conversando com
diferentes pessoas relacionadas ao meio, participando de eventos, visitando regularmente sites,
lendo livros e revistas especializados, fazendo cursos, acompanhando sessões de pitchs abertas
etc. Enfim, deve procurar as mais diversificadas maneiras pelas quais consiga ter um panorama
abrangente do mercado de séries de animação.
Não podemos saber, entretanto, quando, como e de que forma serão aproveitadas estas referências
– e mesmo se serão efetivamente aproveitadas. Em alguns casos ainda, este aproveitamento pode
se dar de maneira não muito clara e consciente para o autor. De qualquer forma, é importante que
as referências estejam sempre por perto, guardadas em algum lugar acessível para que possam ser
evocadas a qualquer momento – o que nem sempre ocorre de forma imediata.
263
Dramaturgia de Série de Animação
Mesmo que não possa ser facilmente definida, a ausência de paixão em um projeto pode ser
facilmente percebida. A presença da paixão em um projeto é sempre espontânea e transparece
em todas as etapas. Projetos motivados apenas por glamour ou por sucesso comercial parecem
ser criados por setores de marketing, carentes de alma.
O universo da animação não possui limites e assim também deve ser a cabeça do autor.
Séries de animação já existem há muito tempo e possuem um público bastante exigente: o que
o seu projeto pode acrescentar ou trazer de novo?
Todavia, nem todas as críticas e sugestões devem obrigatoriamente ser sempre incorporadas
ao projeto. É preciso bom senso para saber quais as críticas que devem realmente ser levadas
em conta e quais não. Em outras situações, mesmo concordando com uma crítica em relação
a algum aspecto específico, ela não será incorporada ao projeto devido a outros elementos ou
fatores prioritários na produção.
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Considerações Finais
Da mesma forma, não ignore suas ideias e pensamentos, por mais ingênuos e despretensiosos
que possam parecer à primeira vista. Muitas ideias “geniais” surgiram de situações e pensamentos
inusitados ou inesperados. Certa vez, uma maçã madura mudou para sempre a história da ciência
ao cair de uma macieira e atingir certeiramente a cabeça de um jovem físico inglês que descansava
à sua sombra. Este simples fato, que em outros casos teria resultado apenas em uma ligeira dor na
cabeça, desencadeou a fundamentação de toda a mecânica clássica e da lei da gravitação universal,
mudando para sempre a história da ciência e os rumos da própria humanidade. Assim como aconteceu
com Newton na Física, é possível que a “maçã” de uma série de animação esteja em qualquer lugar,
a qualquer hora. É preciso achar o estopim que desencadeará algo maior que seu fato de origem e
que resultará em alguma coisa imprescindível ao projeto.
Em um pitch, por exemplo, ao ser indagado sobre alguma questão, o proponente não
deve hesitar ou (aparentar) desconhecer a resposta. Eventuais inseguranças são assimiladas
imediatamente pelo avaliador, que pensará duas vezes antes de investir em um projeto
incompleto ou indefinido. Lembre-se: o autor não faz o projeto de uma série para si próprio.
Além disso, o eventual reconhecimento, quando existente, se dá de maneira muito mais restrita
e específica do que em outras áreas, nas quais se conhece a partir do autor suas obras. Para o grande
público espectador, o nome do autor de uma série de animação é menos conhecido do que o da
própria série, fazendo com que a imagem do criador viva na sombra de sua própria obra.
10 – Seja profissional
Vivemos em uma época em que o profissionalismo é cada vez mais exigido nas mais diversas áreas
e segmentos - sobretudo em nichos de mercado competitivos, como é o das séries de animação. Ser
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Dramaturgia de Série de Animação
Apesar de séries de animação muitas vezes envolverem humor e certo clima informal, é
importante não confundir isso com uma atitude relapsa. O ideal é buscar conciliar essa atmosfera,
importante para se formar uma equipe harmoniosa e motivada, com o profissionalismo. Neste
sentido, a união de fatores como formação, experiência, competividade, responsabilidade,
pontualidade, comprometimento, dedicação, motivação, carisma e saber trabalhar em
equipe com os conhecimentos, habilidades e competências específicas da área é fundamental
para o sucesso profissional em animação. Também é preciso o domínio pleno de um idioma
estrangeiro, normalmente o inglês, para conseguir se comunicar fluentemente em situações
diversas, sobretudo com eventuais parceiros internacionais.
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Considerações Finais
Em certas situações pode não haver consenso entre as diferentes partes envolvidas em uma
série de animação. Nesses momentos, é importante saber como e, mesmo, se é possível ceder,
negociar ou manter uma posição. O radicalismo pode ser tão prejudicial quanto a falta de
opiniões próprias ou de um ponto de vista coerente com o projeto. É necessário ter, portanto,
sensibilidade e poder de persuasão no trato de questões diversas que envolvam negociações
e decisões.
Às vezes, a opção que parece ser a melhor no calor do momento pode implicar em coisas
menos favoráveis posteriormente. Por isso, é preciso considerar todas as opções e seus
desdobramentos e aprender a negociar com seus parceiros – eventualmente, posicionando-se
como agente intermediário entre dois deles. Por exemplo: a ideia de licenciamento de um
determinado tipo de produto pode ir de encontro aos conceitos da série, podendo ser vista
como contradição, ou mesmo hipocrisia, por parte do público. Assim, seria mais apropriado
repensar esse produto diminuindo o índice de rejeição da série.
Por outro lado, o simples fato de um produtor sugerir alguma ideia em relação ao aspecto
criativo da série não significa que ela seja ruim. Tão importante quanto manter uma posição
ou saber negociá-la é ter humildade e reconhecer o momento de abrir mão dela. Não são raros
os casos de autores que afirmaram terem sido contrários inicialmente a algum tipo de sugestão
de terceiros e que acabaram por adotá-la. Nestes casos, os autores acabam convencidos de
que se trata, de fato, de uma boa sugestão para o projeto e que não tinham conseguido ver
isso com clareza no momento de sua elaboração.
267
Dramaturgia de Série de Animação
quando agenciados por outras? Como diz o ditado popular: “só erra quem faz e só faz quem não tem
medo de errar”. Determinação e perseverança são palavras- chave. Se você acredita nas suas ideias
e em seu projeto, não desista diante dos percalços do caminho.
Mesmo que não haja dúvidas que o projeto tenha sido um sucesso sob diversas perspectivas,
é preciso considerar o que pode ser melhorado para a próxima temporada e o que pode ser
feito com esse “sucesso”. A máxima de que é mais difícil manter o sucesso do que chegar a
ele vale neste caso. Não por coincidência, existem algumas séries de animação com número
reduzido de temporadas, ou mesmo, com uma única temporada realizada.
Assim chegamos ao final deste livro. Contatos, comentários, críticas e sugestões são
benvindos e podem ser feitos diretamente com o autor. Esperamos que possamos ter colaborado
com a bibliografia sobre animação em língua portuguesa, assim como com o desenvolvimento
de novas ideias e projetos de série de animação e quiçá com o próprio desenvolvimento do
setor da animação no país.
268
Considerações Finais
269
Dramaturgia de Série de Animação
Posfácio
O sucesso não vem barato, nem rápido, nem certo, nem sempre e, mesmo assim, não
se deve desistir, pois o seu bilhete pode ser o da vez. Basta uma ideia simples e brilhante,
um passo à frente de tudo. Ou, talvez, ao contrário, ir pela contramão, mas ainda com a
intenção de inovar. A dúvida, no entanto, é difícil. A espera pela aprovação do investidor, que
está preocupado em obter o máximo retorno para os custos, é sempre um fator de tensão
para o animador.
“What a Cartoon” (1994), do estúdio Hanna-Barbera, foi uma das primeiras experiências
bem-sucedidas na produção de curtas para reinventar um mercado ultrapassado e tentar
reconquistar o sucesso de outras décadas. Dos vinte e tantos produzidos, três fizeram história - “Garotas
Super Poderosas”, “Johnny Bravo” e “A Vaca e o Frango”-, criados por recém-formados cheios
de criatividade.
Em 1998, a Nickelodeon também fez sua tentativa, com “Oh Yeah, Cartoon”, no qual
um orçamento anual era dedicado à criação de curtas que se tornariam seriados, conforme
a votação do público infantil. Nessa época, surgiu na contracorrente “Bob Esponja Calça
Quadrada”, uma série que ousou não seguir nenhum padrão tradicional.
Agora, esta brilhante ideia tem versão brasileira, com o Programa ANIMATV. A sorte foi
lançada e se transformou em 17 fantásticos pilotos, que não devem nada àqueles produzidos
fora do país. Cada um deles é genial, inovador e, acima de tudo, brasileiro.
Todos trabalharam intensamente para cumprir datas e respeitar o orçamento, num trabalho
sério, que exigiu qualidade artística específica e inteligência emocional coletiva para que os
grupos produzissem em equipe por longos períodos.
270
Posfácio
O processo de criar tudo a partir do nada é exaustivo: conseguir aprovar o roteiro, depois,
conduzir os storyboards para além do roteiro, além da palavra, adicionando humor. Este
aparece na hora do traço e é potencializado pela escolha do enquadramento adequado à
gag, ao jargão. E, hoje, este quer perpassar todas as faixas etárias, criando vários níveis de
compreensão. A piada de um jargão apenas, criada nos primórdios da animação, atualmente
já não satisfaz. Ela vem triplicada na estrutura dramatúrgica, concentrada, na proporção de
três em um.
Por exemplo: uma estrela do mar aparece grudada embaixo de uma pedra, que se levanta
feito tampa para surpreender uma outra personagem aquática com um alegre “olá”. Esta é
apenas a primeira parte de uma piada em três partes. A estrela nota que está nua, sente-se
envergonhada e a pedra se fecha com rapidez para, logo em seguida, reabrir, mostrando a
estrela já adequadamente vestida e saudando novamente o seu parceiro. Este retribui com a
mesma alegria, parecendo não notar nada. Neste momento, a piada se encerra no espectador,
que acaba assumindo o papel de testemunha única dos fatos. Aí é que está a graça multiplicada.
Ela não está apenas no primeiro, nem no segundo ou no terceiro fato, ela está além dos fatos,
ela está no espectador e é intrínseca à natureza de suas personagens.
As personagens não podem jamais ser traídas por seus criadores. Elas devem ir além dos
animadores e dubladores, médiuns finais da alma destas criaturas que, de fato, não existem
em plano algum além do tempo dos fotogramas. A criança ri da brincadeira, das cores, da
música alegre, do som caricato e se identifica com as coisas que são comuns à sua idade. E o
adulto se identifica com a neurose e a ingenuidade desses seres e ri de si mesmo. Desenhos que
desafiam faixas etárias diversas e parâmetros estabelecidos por suas emissoras, encantando o
público em seus variados níveis de compreensão, parecem existir mais e mais nas animações
contemporâneas.
No final das contas, a sua personagem principal deve ter o charme e o encanto da inocência.
A vontade de vencer da forma jovem, ingênua, de quem acredita que pode mudar o mundo.
Esse ser está dentro de todos nós e é com ele que nos identificamos, não importa qual seja
a nossa a idade, cor ou origem. O encanto da personagem é o segredo da dramaturgia em
animação, do sucesso e da longa vida de um seriado.
Ennio Torresan1
1. Ennio Torresan é storyboarder da série “Bob Esponja Calça Quadrada”, trabalhou também em longas
como”Madagascar”, “Kung Fu Panda”,” Kung Fu Panda 2” e “Master Mind”, pela DreamWorks.
271
Dramaturgia de Série de Animação
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sobre o autor
Sergio Nesteriuk é graduado em Comunicação Social – Rádio e Televisão pela
UNESP, com mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Foi consultor de roteiro e dramaturgia dos projetos selecionados no ANIMATV.
Leciona disciplinas relacionadas a projetos, roteiro, animação, games e
hipermídia, além de orientar projetos de naturezas diversas nos cursos de
Animação, Design de Games, Comunicação em Multimeios e Tecnologia e
Mídias Digitais. É realizador independente nas áreas de audiovisual, produção
sonora e hipermídia. Atua ainda como consultor de roteiros e projetos.