Você está na página 1de 284

Sérgio Nesteriuk

1ª edição

Uma edição do I Programa de Fomento à Produção e Teledifusão


de Séries de Animação Brasileiras – ANIMATV

apoio realização

São Paulo - 2011


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Bibliotecária Silvia Marques CRB 8/7377)

N468

Nesteriuk, Sergio.
Dramaturgia de série de animação/ Sergio Nesteriuk, autor.
- São Paulo: Sergio Nesteriuk, 2011.

Uma edição do primeiro Programa de fomento à produção e


teledifusão de séries de animações brasileiras - ANIMATV.

ISBN 978-85-911964-0-1

1.Animação-televisão 2.Animação-produção de séries


3. ANIMATV – programa de televisão I.Título.

CDD 791.450

Conteúdo sob a licença Creative Commons by-nc-sa. Para ver uma cópia dessa
licença visite o site: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/
Agradeço:

Rune Tavares, idealizador e incentivador do projeto deste livro,

colegas da ABCA – Associação Brasileira do Cinema de Animação,

grupo de trabalho idealizador do ANIMATV, em especial Ale Mchaddo, Arnaldo


Galvão e Marta Machado (ABCA),

Ministério da Cultura e suas Secretarias do Audiovisual (SAV) e de Políticas


Culturais (SPC), a Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, a Fundação
Padre Anchieta – TV Cultura e a ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras
Públicas pela iniciativa pioneira,

Cristiane Oliveira, pela paciência, leitura atenta e constante incentivo,

equipe do ANIMATV por toda atenção e dedicação, especialmente Marina


Volpatto e Bárbara Fernandes pela revisão,

Ricardo Troula, por conseguir interpretar tão bem meus devaneios


a la Jacopo Peterman,

Andréa Catropa, pela revisão e dicas de estruturação do texto,

colegas, estudantes, alunos, professores e profissionais que tenho convivido e


que tanto me ensinam,

todos aqueles que com muito empenho e dedicação mantem viva a animação
no Brasil.

Muito obrigado!
Dramaturgia de Série de Animação

Índice
Prefácio / 10
Introdução / 12
Capítulo 1
1. A Narrativa Seriada na Televisão / 18
1.1 Formas Predecessoras da Narrativa Seriada na Televisão / 21
Séries de animação no cinema / 26
1.2 Repetição, Serialidade e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o

“Minimalismo Narrativo” / 41
1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão / 49
Capítulo 2
2. Séries de Animação Televisiva / 58
6
Índice

2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio / 61


2.2 História das Séries de Animação para Televisão / 71
Séries de animação para televisão além dos Estados Unidos e Japão /
105
2.3 A Experiência Brasileira / 108
Séries de animação brasileiras / 115
ANIMATV / 124
2.4 Análise das Séries / 133
“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”) / 133
The Simpsons / 139
Capítulo 3
3. Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação / 150
3.1 Conceito Geral da Série / 155
3.2 Apresentação (Overview) / 160
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo / 169
3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação de Cenários / 174
3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens / 180
3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial / 188
7
3.7 Roteiro / 192
3.8 Storyboard / 208
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Considerar / 226
Capítulo 4
/ 236
4. Estudo de Caso

4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem” / 243


Episódio piloto: “O Estrangeiro” / 246
Entrevista com Zé Brandão, autor de “Tromba Trem” / 249
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas” / 253
Episódio Piloto: “Caixa de Luz” / 255
Entrevista com Almir Correia, autor de “Carrapatos e Catapultas” / 259
Considerações finais / 262
Posfácio / 270
para saber mais / 272
sobre o autor / 283
Dedico este livro a Andrea, Natasha e Ravi. Sempre.
Dramaturgia de Série de Animação

Prefácio
ANIMATV – PROCESSOS CRIATIVOS, PRÁTICA E RESULTADOS DE SUCESSO

Pensar política pública em animação é muito mais do que simplesmente ampliar a indústria. É pro-
mover a expertise e a capacitação de profissionais cada vez mais especializados. É também investir em
novos processos que deem vez e voz a experiências e criações singulares a partir de processos coletivos.
É oportunizar ideias, propostas e iniciativas por meio do encorajamento de cada profissional do setor
produtivo de conteúdos audiovisuais de animação. Trata-se, sobretudo, de respeitar o espectador, na
maioria das vezes, a criança, como cidadã crítica, reflexiva e participante.

Ao resgatar um pouco da história das séries de animação e de socializar a riqueza das in-
formações do projeto ANIMATV, este livro tem o mérito de chamar a atenção dos leitores para
os bastidores dos processos criativos e de produção das séries, servindo como fonte inspiradora
para novas produções.

Ao valorizar os compromissos éticos e estéticos inerentes às séries ora produzidas, a Secre-


taria do Audiovisual reconhece a animação como uma área estratégica de fomento, formação,
criação e pesquisa; como poderosa ferramenta de expressão, linguagem e de integração social;
como setor de relevância artística e econômica em âmbito nacional e internacional.

A Secretaria do Audiovisual ao longo dos últimos anos investe no setor de animação por meio
de editais, programas, projetos e experiências singulares e inéditas que estão sendo propostas
e colocadas em prática. Queremos e podemos mais, muito mais. Os animadores brasileiros im-
primem a cada dia sua marca de qualidade, talento, técnica, responsabilidade e compromisso
em suas produções, tornando o Brasil visível no cenário internacional.

Que a leitura deste livro promova reflexões, diálogos, inquietações e, principalmente, ações con-
cretas, perenes e consequentes em novos processos de criação e produção da animação brasileira.

Que o Brasil avance ANIMADO e ANIMANDO!

ANA PAULA DOURADO SANTANA


Secretária do Audiovisual

10
Prefácio

11
Dramaturgia de Série de Animação

Introdução
Os primórdios da animação remetem a tempos ancestrais, quando o homem já procurava
registrar o movimento de ações diversas por meio da sequência de imagens nas paredes de
cavernas, em tapetes ou em peças de cerâmica. Pouco depois dessas primeiras manifestações
surge, no Oriente, o teatro das formas animadas, em que personagens inanimadas ganham
vida por meio da manipulação direta de bonecos. Temos aqui a origem das duas bases centrais
da animação: a técnica e a narrativa, capazes de dar vida àquilo que não a tem, ou seja, de
evocar a anima.

O advento dos brinquedos óticos durante a Idade Média possibilitou um gradativo


aperfeiçoamento da tecnologia da animação e a posterior criação do cinema de animação
no final do século XIX. A popularização do cinema e, em seguida, da televisão durante o
século XX consolidaram a cultura do audiovisual, na qual a animação sempre ocupa papel
de grande importância.

A animação é uma importante forma de comunicação e expressão contemporânea, com


forte presença nas artes e na cultura do século XX e início do XXI. Neste sentido, a animação é
um produto cultural que pode ser influenciado, como também pode influenciar as sociedades
nas quais se encontra inserida. Além disso, tanto o seu pensamento quanto sua prática
envolvem complexas relações inter e transdisciplinares com as mais diversas áreas do saber,
como a administração, as artes, a comunicação, o design, os estudos culturais, a narratologia,
a psicologia e a tecnologia, entre outras. Com o envelhecimento de seus espectadores e a
expansão de sua popularidade por todo o mundo, a animação atravessou diferentes épocas e
ultrapassou fronteiras e barreiras etárias, étnicas, sociais, econômicas e culturais diversas.

A importância da animação também pode ser verificada, além de suas dimensões artísticas
e culturais, pelo célere crescimento econômico do setor – um de maiores perspectivas no atual
cenário global. Considerando filmes, séries, games (que, grosso modo, podem ser definidos

12
Introdução

como um tipo de animação interativa) e demais produtos e mídias relacionadas, a animação


se apresenta hoje como a maior indústria do entretenimento e uma das maiores entre todas
as outras do mundo.

No Brasil, a animação sempre despertou grande interesse no público, desde as primeiras


exibições no país, há mais de cem anos. O Anima Mundi, por exemplo, em pouco tempo se
consolidou como o maior festival mundial de animação em termos de público, com pouco
mais de 100.000 espectadores por edição. Raras vezes, entretanto, este fascínio do público
brasileiro com a animação é suprido por obras produzidas no país, que acabam por ficar
restritas a um circuito distante do grande público.

Apesar, ou justamente por conta disso, a animação brasileira conquistou tradição e


reconhecimento internacional nas áreas da publicidade e da produção de curtas-metragens.
Falta ao país, portanto, expandir essa referência para o desenvolvimento de filmes de longa-
metragem e de séries de animação – sem mencionar as novas possibilidades oferecidas pelas
tecnologias digitais. É justamente nas salas de cinema e nas grades de programação das
emissoras de televisão que a animação encontra o grande público. Todavia, esses espaços são
ocupados no Brasil quase que em sua totalidade por produções estrangeiras. Assim, perdem
todos: autores e produtores, que limitam seu campo de atuação e mercado de trabalho; o
público, que desconhece a qualidade e mesmo a existência de produções animadas nacionais
e o país, que não aproveita o potencial cultural e econômico dessa significativa forma de
expressão e comunicação da contemporaneidade.

Sob a perspectiva econômica, a exploração de novos territórios da animação brasileira


representa uma das maiores possibilidades, não apenas da Economia da Cultura, mas também
de toda a chamada Economia Nova. Neste novo modelo de economia, há uma mudança de
paradigmas em que, a partir da reconfiguração dos modelos de produção e circulação, a
capacidade criativa passa a ter papel mais importante do que o próprio capital. Ignorar essa
perspectiva seria, portanto, desperdiçar todo um mercado inexplorado com uma das melhores
previsões de crescimento no cenário mundial atual.

Da perspectiva cultural, a expansão da animação para além do mercado da publicidade e do


circuito de curtas-metragens representa a possibilidade de apresentar ao grande público mais uma
forma de manifestação realizada por artistas brasileiros. Assim como outras formas de expressão,
como a literatura, as artes plásticas e a música, por exemplo, a animação também pode ajudar
a divulgar e valorizar, nacional e internacionalmente, toda a riqueza e a diversidade cultural de
nosso país – seja pela presença de conteúdos típicos em seus roteiros ou pelo reconhecimento de
um estilo ou escola própria da animação brasileira, distinta das demais.

No Festival Anima Mundi de 2007, um importante passo foi dado a favor da animação nacional.
Por ocasião do Anima Forum, a Associação Brasileira de Cinema de Animação -ABCA propôs à
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura que se fizesse uma projeção para a realização
de um programa semelhante ao realizado com documentários no DOCTV (Programa de Fomento à

13
Dramaturgia de Série de Animação

Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro), mas para a área da animação. Pouco depois,
com o apoio da Coordenação Executiva do DOCTV, a ABCA apresentou um primeiro projeto do
que seria o ANIMATV às emissoras TV Brasil e TV Cultura, bem como à Associação Brasileira das
Emissoras Públicas Educativas e Culturais – entidades que posteriormente se associaram ao projeto
e viabilizaram suas ações.

Em 2008, por parte do Ministério da Cultura, é criado o “Programa Nacional de Fomento


à Animação Brasileira” (ProAnimação), que tem como objetivo principal: “(...) fomentar o
desenvolvimento de ações de capacitação, produção, difusão e distribuição da animação brasileira
no Brasil e no exterior”. No Granimado (Festival de Animação de Gramado) desse mesmo ano, é
lançado o Programa ANIMATV ação que foi incorporada ao ProAnimação. Além das entidades citadas,
o ANIMATV contou ainda com a participação da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da
Cultura para sua viabilização.

Além da seleção dos projetos inscritos e da exibição dos episódios pilotos em um circuito
nacional de teledifusão, o ANIMATV realizou uma série de ações continuadas, as quais veremos
mais detalhadamente no decorrer deste livro, objetivando a capacitação dos agentes envolvidos e
a potencialização de inserção das séries selecionadas no mercado internacional.

E é justamente no escopo dessas iniciativas do ANIMATV, e especialmente da estruturação da


Oficina de Desenvolvimento de Projetos, que surge a proposta de desenvolvimento deste livro,
a partir da percepção de uma escassez bibliográfica sobre animação em língua portuguesa. O
objetivo principal, portanto, é o de colaborar neste cenário, ao trazer questões que acreditamos
serem caras ao estudo e à produção de séries de animação.

Neste sentido, o livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, trataremos da


questão da narrativa seriada na televisão, começando com um panorama sobre suas formas
predecessoras antes da televisão, seguido de aspectos conceituais e teóricos referentes a esta
modalidade narrativa especificamente na televisão.

O segundo capítulo é focado nas séries de animação, apresentando inicialmente as principais


características do meio (televisão), para depois passar a uma abordagem histórica das séries
de animação, incluindo a experiência brasileira. No final desse capítulo, foram realizadas
análises de duas séries internacionais emblemáticas por conseguirem aliar à criatividade traços
autorais e sucesso comercial: “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”.

O capítulo seguinte abordará uma metodologia consagrada para a elaboração de uma


bíblia de produção de série de animação, desde a ideia inicial até seu desenvolvimento final e
pitch – uma espécie de apresentação comercial em que se buscam parceiros para a coprodução
das séries. Dessa maneira, serão vistos nesse capítulo temas relacionados ao conceito geral
da série, sua apresentação (overview), criação do universo narrativo, cenários, personagens,
sinopse técnica (springboards), sinopse comercial, roteiro, storyboard e demais elementos e
aspectos atinentes a serem considerados na elaboração do projeto.

14
Introdução

O quarto e último capítulo traz um maior detalhamento sobre as ações realizadas pelo
ANIMATV e os critérios avaliativos, balizados por parâmetros adotados internacionalmente,
utilizados para a definição das duas séries selecionadas pelo Programa para a produção
de outros doze episódios além do piloto. Conhecer esses parâmetros permite levá-los em
consideração durante a elaboração do projeto e das demais etapas subsequentes, aumentando
assim o potencial da série e de suas perspectivas. Esse capítulo apresenta, ainda, análises
narrativas das séries selecionadas pelo ANIMATV (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”),
seguidas de entrevistas com seus respectivos autores.

Ao longo desses capítulos, há uma variação conforme a proposta e a demanda de cada


parte do texto, entre abordagens mais teóricas, conceituais, históricas, expositivas, analíticas
e metodológicas. Essa alternância é resultado da própria diversidade temática relacionada ao
universo das séries de animação, envolvendo complexas questões como as articulações entre
arte e técnica, forma e conteúdo, teoria e prática, educação e entretenimento, demandas
autorais e comerciais, entre outras tantas.

Nas considerações finais, ao invés de fazer uma revisão daquilo que foi abordado durante
todo o livro, procuramos desenvolver algumas dicas e conselhos que, acreditamos, possam
auxiliar tanto iniciantes quanto iniciados na área. Contatos, comentários, críticas e sugestões
são benvindos e podem ser dirigidos diretamente ao autor.

Desejamos, desde já, uma boa leitura a todos.

15
Capítulo 1
Atelevisão
narrativa
seriada na
Dramaturgia de Série de Animação

A Narrativa
1
1. A Narrativa Seriada na Televisão
Seriada na
Televisão
O embrião da produção em série acompanha a humanidade desde tempos remotos, já
que determinados padrões (no campo das artes, da construção de artefatos e até mesmo de
estruturação do pensamento) podem ser observados nos povos mais antigos, o que nos permite
especular que tais padrões de produção tenham surgido a partir do momento em que o homem
passou a viver em grupo. Desta forma, a repetição e as inerentes transformações destes
padrões permitiram a transmissão de conhecimento através das gerações e a consolidação das
diferentes culturas a partir de suas próprias especificidades. Com a expansão das civilizações,
surge um maior intercâmbio entre os povos, nem sempre pacífico, é verdade. Surgem também
processos de trocas, misturas e, em alguns casos, imposições de determinados padrões que
adquirem, assim, aspectos de uma serialidade comum – ainda que com eventuais características
diferentes em épocas e lugares distintos.

Todavia, é a partir das inovações tecnológicas decorrentes da Revolução Industrial, em


meados do século XVIII, e de seus diversos impactos econômicos, políticos e sociais, que
a produção em série atinge outra escala. A velocidade e as dimensões das transformações
decorrentes da industrialização resultaram em mudanças expressivas no modo de vida do
homem e da própria dinâmica de boa parte do mundo contemporâneo.

Tal processo também se reflete no contexto das artes e da comunicação. Com a criação
e o aperfeiçoamento de alguns dispositivos técnicos inventados previamente, como a prensa
de Johannes Gutenberg, a comunicação humana passa de uma escala artesanal para outra,
análoga à industrial. É o momento em que surge o fenômeno identificado por pensadores da
Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, como Indústria Cultural, que
está atrelada à criação dos chamados Meios de Comunicação de Massa.

18
A Narrativa Seriada na Televisão

É preciso lembrar que anteriormente a essa etapa, uma obra possuía a aura de peça única,
o que provocava o distanciamento e a reverência do público. Nas sociedades primitivas, esse
distanciamento estava calcado nas questões relacionadas ao sagrado e à experiência religiosa
e, paulatinamente, com o advento das grandes civilizações e, posteriormente, dos Impérios,
com o poder. No mundo moderno, o acesso à arte passa a ser compreendido como símbolo de
status social.

A “reprodutibilidade técnica” (Benjamin, 1985) e o surgimento de outras formas de


comunicação e expressão – como a fotografia e o cinema – eliminam a diferença conceitual
existente entre original e cópia, o que torna mais fácil o acesso do público à obra por meio
de sua reprodução e distribuição. Com essa “dessacralização”, a obra se liberta de antigos
paradigmas e abre novas possibilidades de criação, produção, divulgação e interpretação.

Se por um lado a questão da ampliação do acesso aos produtos culturais ocasionada por esse
processo é enaltecida, por outro, alguns pensadores – como os próprios Adorno e Horkeimer –
entendem esse traço como sendo prejudicial à sociedade, na medida em que contribui para a
perda da originalidade da obra e também para a instrumentalização de uma elite que tem a
possibilidade de manipular este processo desde sua raiz, podendo interferir efetivamente no
juízo valorativo do público.

Posteriormente, esse aspecto comercial e mercadológico da obra foi explorado por


movimentos como, por exemplo, a pop art entre as décadas de 50 e 60, sobretudo nos Estados
Unidos e Inglaterra. As questões introduzidas por esses movimentos passavam, entre outras,
pela apropriação e subversão de formas populares de cultura de massa e influenciaram não
apenas a arte como também, em uma dinâmica de retroalimentação, a própria comunicação a
partir da segunda metade do século XX.

Voltando ao tema específico deste livro, as narrativas seriadas, estas surgem provavelmente
junto com as demais modalidades narrativas baseadas na oralidade, adquirindo formas e
características distintas por meio de diferentes suportes ao longo do tempo. Neste capítulo,
como uma forma de melhor contextualizar nosso objeto de estudo e proporcionar um sucinto
panorama, trataremos brevemente de algumas dessas formas predecessoras e de alguns de
seus exemplos mais conhecidos.

Especificamente no que tange à animação, a serialidade surge, diferentemente do que


poderiam imaginar alguns, no cinema - antes mesmo das conhecidas séries de desenhos animados
para a televisão. Esse período “pré-televisão” serviu como uma espécie de laboratório para as
futuras experiências que a animação passaria a ter com a outrora nova mídia audiovisual.

Em seguida, traremos algumas reflexões sobre conceitos centrais da serialidade narrativa,


como a fragmentação, a descontinuidade e a repetição, que nos permitem pensar em certas
estruturas e categorias intrínsecas à narrativa televisiva.

Se este primeiro capítulo tem como objetivo principal contextualizar a seriali­dade narrativa
e refletir sobre seus aspectos, não poderíamos deixar de terminá-lo especulando acerca das
possibilidades diante de novas tecnologias ainda não exploradas em toda sua potencialidade
pela animação, como é o caso dos games, da internet, de aparelhos celulares e dos demais
dispositivos digitais.

19
Dramaturgia de Série de Animação

20
A Narrativa Seriada na Televisão

1.1 1.1
Formas predecessoras
dA narrativa seriada na televisão
Formas
Narrativa Seriada na Televisão
Predecessoras

Com o desenvolvimento da fala, o homem desenvolveu também a capacidade de expandir


da

sua comunicação para além do gestual. A evolução da fala possibilitou a criação das línguas
com vocabulários e sintaxes próprias. A oralidade, enquanto modalidade presencial, pressupõe
que o emissor de uma determinada mensagem compartilhe com seus receptores um mesmo
tempo e espaço, hic et nunc (aqui e agora). Se por um lado há uma limitação física no alcance
imediato daquela mensagem, por outro, existe a possibilidade de uma interação em tempo
real na construção do texto (discurso) por parte dos receptores – como o que ocorre no caso
de perguntas e intervenções durante uma conversa, por exemplo.

Entretanto, a transmissão daquela mensagem sofre transformações inerentes (desejáveis


ou não) em seu conteúdo sempre que se desloca temporal e espacialmente, como ocorre
na brincadeira “telefone sem fio”. Isso porque a fala, por si só, existe essencialmente no
momento de sua reverberação muito mais do que no espaço físico enquanto registro. Certa
história transmitida de geração para geração, pode assumir formas (versões) distintas em
épocas e lugares diferentes.

Um dos gêneros narrativos ancestrais mais significativos na história da humanidade é a


mitologia. Alguns autores, como Joseph Campbell, Mircea Eliade e Roger Callois dedicaram
boa parte de suas obras para estudar e pensar a mitologia e suas mais diversas relações com
o homem. Por mitologia podemos entender o estudo de um conjunto de mitos pertencentes
a uma determinada cultura, associado a certas crenças ou sistemas religiosos – e é por esta
associação que a mitologia pode ser entendida diferenciadamente das lendas ou do folclore.

Na medida em que a mitologia aborda questões universais e atemporais, de caráter


atávico e existencial, seu conhecimento e estudo possuem, além de relevância cultural e
social, grande importância para a criação e a análise de qualquer história. São narrativas de

21
Dramaturgia de Série de Animação

caráter simbólico que podem ser compreendidas de maneiras diferentes: como uma forma
de responder, explicar ou confortar o homem diante de questões para as quais ele não possui
resposta; como um conjunto de valores morais ocultados em forma de histórias; ou mesmo
como uma grande metáfora da própria natureza humana. Não por acaso, parte expressiva
dos psicanalistas - como o fizeram Freud e Jung - se utilizou de conhecimentos e referências
mitológicas para formularem suas ideias e teorias.

Com o surgimento da escrita, inicialmente cuneiforme e por hieróglifos, por volta de 5.500
a.C., entre os sumérios e os egípcios e, posteriormente, organizada em alfabeto pelos fenícios,
surge também a possibilidade do registro. Com isso, o homem desenvolve a capacidade de
registrar suas mais diversas mensagens e conhecimentos em um suporte, que preservado ou
reproduzido na íntegra, possibilita a sua fixação. Com a invenção da prensa de Gutenberg
(séc. XV) e, depois, com a Revolução Industrial (séc. XVIII), diversificam-se os suportes e as
possibilidades do homem se comunicar por meio de mensagens passíveis de se deslocar no
tempo e no espaço. O aumento expressivo da escala de reprodução destes suportes e de
seu alcance fez com que pensadores da Escola de Frankfurt, como vimos, desenvolvessem,
por meio de um viés sociológico, suas teorias acerca da Indústria Cultural e dos Meios de
Comunicação de Massa – estigmas que permanecem até hoje associados a tais meios, como o
jornal, o rádio, o cinema e a televisão.

Com o aumento na produção de livros e o surgimento de periódicos (jornais e revistas),


há uma expansão do acesso às modalidades de produção cultural escrita, que desta forma
pouco a pouco vai abandonando seu caráter prévio de restrição às elites. Muitas das histórias
transmitidas oralmente através das gerações foram registradas em suporte impresso,
reproduzidas e disseminadas por todo o mundo. Por outro lado, também podemos observar a
criação e o desenvolvimento de formas narrativas seriadas próprias, como é o caso do romance
de folhetim e da história em quadrinhos moderna.

22
A Narrativa Seriada na Televisão

Embora muitos considerem que a arte sequêncial tenha surgido com o homem pré-histórico
e explorada por pintores ao longo da história da arte (como podemos observar, por exemplo,
no quadro “A Tentação de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, pintor em atividade entre os
séculos XV e XVI), a história em quadrinhos moderna tem sua origem no século XIX. É nesta
época que os jornais começam a trazer sátiras com charges de figuras políticas da época. Com
o tempo, o gênero foi se aperfeiçoando e se diversificando em técnicas, estilos e conteúdos.
Entre os precursores, estão os cartunistas Rudolph Topfer e Wilhelm Busch.

No Brasil, destaca-se o trabalho pioneiro de Angelo Agostini, italiano radicado no Rio de


Janeiro, que produziu diversas charges e caricaturas durante o Segundo Reinado e que também
é considerado um dos primeiros a utilizar textos em forma de legenda.

Mas foi somente na década de 30 do século XX que estas histórias passaram a ser compiladas e
apresentadas na forma de revista, dando origem aos gibis. Com o sucesso do novo formato, artistas
passaram a criar diretamente suas histórias nele, sem necessariamente passar antes pelo jornal.

No final desta mesma década, a dupla Joe Shuster e


Jerry Siegel cria “Superman”, o primeiro de uma série
de super-heróis que povoam o universo deste gênero. A
presença de super-heróis nas histórias em quadrinhos
é tão marcante que para alguns é sinônimo do gênero
– da mesma forma que, para alguns, animação é um
gênero exclusivamente infantil. “Superman” foi ainda
o primeiro super-herói a aparecer em animação,
produzida na década de 40, pelos irmãos Fleischer.

O super-herói é uma personagem fictícia


baseada em arquétipos ou estereótipos que
possui poderes extraordinários ou mesmo sobre-
humanos. Suas aventuras, normalmente voltadas
para a defesa da humanidade contra os supervilões,
podem se prolongar por anos ou mesmo décadas,
criando assim verdadeiras sagas. Outros atributos e
características recorrentes que podemos associar aos
super-heróis são: uma identidade secreta, a adoção
de um código ético e moral, o uso de um uniforme
próprio, amigos ou pessoas próximas que podem
(ou não) saber de sua identidade, ter uma sede
ou um esconderijo, e possuir um ponto fraco
(físico ou psicológico).

Na década de 50, a história em quadrinhos já havia se popularizado por todo o mundo e


trazia também outros conteúdos, como suspense, terror e guerra. Dado o sucesso do gênero
entre jovens e crianças, houve grande polêmica acerca da temática, do conteúdo e do
possível efeito nocivo de muitas das histórias em quadrinhos – semelhante ao que ocorreu
posteriormente com a televisão e, mais recentemente, com os games. Na década seguinte,
uma série de cartunistas considerados undergrounds, como Robert Crumb, foi responsável

23
Dramaturgia de Série de Animação

por uma grande renovação do gênero e


ampliação do seu nicho.

Hoje as histórias em quadrinhos


possuem estilos e temáticas diversas
voltadas para os mais diferentes
públicos e propósitos. O preconceito
outrora sofrido deu lugar ao respeito e
a um maior entendimento dessa arte,
que é, inclusive, pesquisada por um
número cada vez maior de pessoas.

O romance de folhetim, por sua vez,


é reconhecido como o primeiro gênero
literário a explorar exclusivamente a
serialidade. Caracteriza-se principal­men­
te pela presença de uma narrativa ágil,
com profusão de eventos, e a presença
dos chamados “ganchos de tensão”:
efeitos de suspensão que funcionam
como uma espécie de “isca” para o leitor
continuar lendo os próximos números.
Nesse tipo de texto, a trama torna-se
mais importante do que as próprias
personagens, constituindo o principal elo
com o leitor.

O gênero (feuilleton) surgiu no início do século XIX, na França, e foi importado com
grande sucesso para o Brasil. Eram publicados capítulos diários ou semanais, normalmente na
parte inferior das páginas das seções destinadas ao entretenimento nos jornais. Em termos de
conteúdo, possuía abrangência semelhante a dos demais gêneros literários, indo desde conteúdos
superficiais até outros mais complexos. No entanto, a presença predominante de linguagem
clara, temas populares e polêmicos para os padrões da época e a própria acessibilidade ao
jornal asseguraram uma disseminação mais ampla de muitas de suas histórias.

Importantes autores da literatura brasileira, como Joaquim Manuel de Macedo, Camilo


Castelo Branco, José de Alencar, Machado de Assis e Lima Barreto escreveram romances de
folhetim para jornais da época. Em alguns casos, a compilação dos episódios foi publicada,
posteriormente, na forma livro (peça unitária). Um exemplo bastante conhecido é o clássico
da literatura brasileira “O Guarani”, de José de Alencar. Publicado originalmente entre janeiro
e março de 1857, no “Diário do Rio de Janeiro”, a história do romance de Peri e Ceci tornou-se
depois um livro, que vem sendo comercializado até os dias atuais.

Apesar de seu grande sucesso na época, o romance de folhetim perde, aos poucos, sua importância
e prestígio com a chegada do rádio, a partir da década de 20. Muitos autores do gênero passaram
a escrever roteiros para a nova mídia sonora, emprestando todo o conhecimento adquirido para a
criação de narrativas em série. Experiências isoladas, entretanto, foram realizadas posteriormente

24
A Narrativa Seriada na Televisão

com algum sucesso, como os romances de


Suzana Flag (pseudônimo de Nelson Rodri­
gues), nos anos 40, e de Janete Clair, também
dramaturga de televisão, nos anos 70 e 80.

Durante sua era de ouro, que durou até


a popularização da televisão nos anos 60,
a ficção era um dos principais gêneros do
rádio. Nomes importantes da dramaturgia
mundial, como Bertold Brecht e Orson
Welles, entre inúmeros outros, emprestaram seu
talento para o gênero. A ficção no rádio podia se
apresentar em forma de peça unitária (“radiatros”);
em fragmentos dentro de outros programas (sketches) ou
em série (radionovelas).

No Brasil, assim como em boa parte da América Latina,


ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, as radionovelas
prevaleceram sobre os “radiatros” e fizeram enorme sucesso,
principalmente junto ao público feminino da época. Por isso, os
principais anunciantes destes programas eram marcas de produtos de
limpeza, de higiene pessoal e de cosméticos.

Os roteiros das primeiras radionovelas exibidas no país eram traduzidos de autores


estrangeiros, sobretudo cubanos, como “Em Busca da Felicidade”, de Leandro Blanco, e “O
Direito de Nascer”, de Félix Caignet. Esta última ficou mais de três anos no ar e foi considerada
a radionovela de maior sucesso no país. Entre as décadas de 40 e 50, somente a Rádio Nacional
- uma das principais emissoras da época, juntamente com a Rádio Tupi - exibiu um total de 807
produções de 118 autores distintos.

Entre os autores brasileiros pioneiros da radionovela estão Oduvaldo Viana, Amaral Gurgel
e Gilberto Martins, seguidos de outros roteiristas como Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Janete Clair
e Mario Lago. Uma das radionovelas de autoria nacional mais bem sucedidas foi “Jerônimo, o
Herói do Sertão”, de Moysés Weltman, que posteriormente foi adaptada para os quadrinhos e
para a televisão.

A radionovela tinha como principal aliado para seu sucesso o emprego da linguagem sonora
e musical. O uso de fala, música, efeitos sonoros e do “silêncio” estimulava a imaginação do
ouvinte, que diante da ausência de qualquer imagem pronta era responsável, ele mesmo, pela
construção destas em sua mente. Em outras palavras, cada ouvinte era capaz, a partir de
uma mesma mensagem original, de construir imagens mentais próprias, não necessariamente
parecidas com aquelas que rondavam a mente do autor ou de outros ouvintes.

A era de ouro do rádio chega ao fim com a chegada da televisão, que o tira do posto de
principal mídia da época. Ouvintes e, junto com eles, anunciantes migram do rádio para a
televisão. A narrativa seriada, assim como outros gêneros, abandona o rádio, que é obrigado a
se diferenciar da programação televisiva e a se reinventar para não deixar de existir.

25
Dramaturgia de Série de Animação

Apesar de haver em diversos países protótipos e experiências desde o final do século XIX,
o boom da televisão se deu efetivamente a partir da década de 50 do século XX, após o fim da
Segunda Guerra Mundial. Filmes como a “Era do Rádio”, de Woody Allen, e “A Hora Mágica”,
de Guilherme de Almeida Prado, retratam bem este momento de transição da era do rádio
para a da televisão.

Todavia, trataremos melhor da história, das características e das formas narrativas da televisão
no segundo capítulo deste livro. Seguindo uma linha um pouco mais cronológica, trataremos
agora especificamente das séries de animação, que tiveram a sua origem no cinema no início do
século XX.

Séries de animação no cinema


Historiadores da animação, como Beckerman (2003), Bendazzi (1994) e Crafton (1993),
associam os primórdios da animação a determinados registros ancestrais, como as pinturas
nas cavernas de Altamira, as cerâmicas do Antigo Egito, a tapeçaria da Pérsia Antiga, passando
pelo teatro das formas animadas no Oriente e os brinquedos óticos na Europa Moderna (como,
por exemplo, o thaumatrópio, a lanterna mágica, o flip book, o zootrópio, o zoopraxinoscópio
e o fenaquistiscópio).

Contudo é a partir do praxinoscópio e da primeira exibição do teatro ótico de Chrales-Émile


Reynaud, no Museu Grevin, em Paris, no ano de 1892, que surge o chamado cinema de animação.
Este é, curiosamente, mais antigo do que as primeiras experiências de cinema realizadas pelos
irmãos Lumière (cinematógrafo, de 1885) ou por Thomas Edison (cinematógrafo, de 1888).
Reynaud desenvolveu animações com até 15 minutos de duração, tempo muito superior ao
proporcionado pelos brinquedos óticos predecessores, que permitiam a criação de narrativas
mais desenvolvidas.

26
A Narrativa Seriada na Televisão

Com a popularização do cinema no início do século XX, muitos animadores se utilizaram


dessa tecnologia e de sua linguagem para divulgarem suas obras, que fizeram grande sucesso
junto ao público. Pioneiros do cinema da animação, como J. Stuart Blackton, Émile Cohl,
Ladislav Starevich e Winsor McCay ajudaram a popularizar - por meio de histórias carismáticas e
também de técnicas e efeitos sofisticados para os padrões da época - o cinema de animação.

Os filmes produzidos (curtas-metragens) eram exibidos nos chamados nickelodeons,


ambientes que posteriormente acabaram sendo substituídos pelas salas de cinema. Os
nickelodeons, normalmente localizados nos bairros mais afastados do centro, eram pequenas
salas para a projeção de filmes dos mais variados temas e gêneros, com duração média de 15
minutos. As exibições dos filmes eram acompanhadas por uma trilha sonora executada ao vivo
em um piano ou órgão. O preço do ingresso era bastante acessível a toda a população, que
normalmente usava “moedinhas” para pagar a entrada nas sessões, que concorriam, na época,
com o teatro de variedades (vaudeville). Com a expansão das cidades, foram surgindo salas
de cinema maiores, mais confortáveis e mais adaptadas para a exibição dos filmes de longa-
metragem, o que fez com que os nickelodeons fossem gradativamente desaparecendo.

A partir do sucesso dos filmes unitários de animação em curta-metragem (com duração


média de dez e máxima de 30 minutos), abriu-se espaço para a produção e exibição de séries
de animação. Ao invés de se assistir a um curta unitário, a ideia era que universos e personagens
que tivessem boa aceitação pudessem cativar o público e fazê-lo retornar e assistir a um
novo episódio. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma série, ao invés de vários curtas
unitários, permite a otimização de seu processo de produção por meio do aproveitamento de
elementos previamente elaborados.

27
Dramaturgia de Série de Animação

Exibidas tanto nos nickelodeons quanto nas salas de cinema, as séries de animação surgem
no final da década de 10 e diminuem de produção a partir dos anos 60 do século XX, quando
passam a ser produzidas, em sua quase totalidade, diretamente para a televisão. Atualmente
a presença da animação no cinema se restringe aos longas e curtas-metragens, estes últimos
exibidos em festivais, mostras ou, eventualmente, antes de um filme de maior duração em
cartaz no circuito comercial.

É importante salientar que, da mesma forma como ocorreu por muitos anos com a televisão,
a grande maioria das produções seriadas de animação foi realizada nos Estados Unidos, ainda que
algumas destas por animadores estrangeiros. A presença de mão de obra qualificada e de uma boa
infraestrutura facilitou a rápida criação de uma indústria do setor no país. Nos demais países, a
animação esteve mais próxima da produção autoral de curtas-metragens (unitários) e da publicidade
(comerciais), com apoio do governo ou da iniciativa privada, mas sem seu aspecto de serialidade.
Ainda que houvesse animadores norte-americanos considerados mais experimentais, como Mary Ellen
Bute, os irmãos Quay, Harry Smith, John Whitney e outros tantos estrangeiros residentes nos Estados
Unidos, esse tipo de produção era restrito a um circuito mais específico e acabava não tendo a
mesma projeção do que as séries comerciais nesse país.

Como veremos, muitas destas séries inicialmente produzidas para o cinema foram e, em
alguns casos, ainda são reaproveitadas e reprisadas em inúmeros canais de televisão por todo
o mundo. Outras “migraram” do cinema para a televisão, isto é, deixaram de ser exibidas no
cinema e passaram a ser produzidas e exibidas exclusivamente na televisão. Outras, ainda,
simplesmente deixaram de ser produzidas e exibidas, à medida que este tipo de produção
perdeu seu espaço nas salas de cinema para os filmes de longa-metragem e as próprias séries
de animação se consolidaram na televisão.

Nomes importantes da animação, como Otto Messmer, Pat Sullivan, Walt Disney, Ubbe
Iwerks, os irmãos (Max e Dave) Fleischer, Amadee J. van Beuren, Tex Avery, Hugh Harman,
Rudolf Ising, George Pal, Walter Lantz, Paul Terry, William Hanna, Joseph Barbera, Chuck
Jones, entre inúmeros outros, viveram de maneira decisiva esse momento. Também foi nessa
fase, por conta da demanda e da velocidade de produção, que observamos o surgimento dos
primeiros estúdios de animação, marcando a passagem de um sistema de produção artesanal
para outro mais industrial - favorável à produção em larga escala e em série.

Fato importante quando mencionamos a produção de animação em série ocorre em 1914, quando
J.R. Bray e Earl Hund registraram a patente do papel de celuloide (acetato), composto originário da
mistura da cânfora com o algodão pólvora. O acetato pode ser entendido como um, entre inúmeros
exemplos, da importância que a tecnologia possui na animação, proporcionando a criação de novas
técnicas e métodos de produção. No caso do acetato, a possibilidade do animador desenhar e pintar
em uma folha transparente permitiu que elementos do desenho estáticos ou repetidos em uma mesma
cena fossem desenhados uma única vez e reproduzidos a cada fotograma. Cada desenho ocupava
um acetato diferente, que era sobreposto aos demais em diferentes camadas (layers). Por exemplo:
quando uma personagem corresse sobre um cenário estático, mantinha-se o acetato com o desenho
desse cenário, substituindo apenas os intervalos com o movimento da personagem.

Esse método possibilitou uma grande economia no trabalho do animador, já que, antes de
sua criação, todos os elementos do desenho tinham que ser elaborados a cada fotograma - o

28
A Narrativa Seriada na Televisão

que, muitas vezes, proporcionava um efeito “trêmulo” a alguns desenhos. A nova tecnologia
ainda possibilitou a criação de “bibliotecas” de cenários e personagens, que podiam, desde que
conservado o acetato, ser repetidos em outras animações ad infinitum. No exemplo anterior,
toda vez que quiséssemos fazer uma personagem correr por um novo cenário, bastaria usar a
sequência de desenhos previamente feitos da corrida desta per­sonagem e substituir apenas
o local (cenário) da ação. O aperfeiçoamento do uso do acetato possibilitou que, durante a
década de 50, a United Production of America (UPA) desenvolvesse uma técnica posteriormente
chamada de “animação limitada”, também conhecida como “animação econômica”. Esta
técnica, conforme veremos melhor mais adiante, não proporciona a reprodução de movimentos
“realistas”, permitindo que desenhos animados pudessem ser produzidos de maneira
relativamente mais rápida e barata também para a televisão.

Algumas das primeiras séries de animação no cinema estavam ligadas aos irmãos Van
Beuren, que mais tarde, em 1921, fundariam sua empresa, responsável pela produção de
diversas séries de animação do período “pré-hollywoodiano”. “Toodle Tales” (1914-1957),
inicialmente produzida pela International Film Service, que tinha como animador responsável
Burt Gillet, foi uma das primeiras séries de animação no cinema e contava com a presença, a
cada novo episódio, de diferentes fábulas.

O maior sucesso dos irmãos Van Beuren no final da década de 10 foi “Out of the Inkwell”,
série resultado das experiências que Max Fleischer inaugurou em rotoscopia alguns anos antes.
Outra referência foi o trabalho de Dave van Beuren no campo das artes circenses que, com o
auxílio do animador Dick Huemer, resultou na criação da personagem principal da série “Koko,
the Clown”. Inicialmente produzida por outros estúdios, a série trazia o próprio Max Fleischer
(também colaborando como roteirista e produtor) interagindo diretamente com os desenhos,
integrando assim imagens filmadas em live action com animação. Entre 1919 e 1929, foram
produzidos e exibidos mais de 100 episódios da série.

Outra série que teve seu início no final da década foi “Aesops Film Fables”, de Paul Terry.
Baseada nas fábulas da Grécia Antiga atribuídas a Esopo (tais quais “A Raposa e as Uvas”,
“A Tartaruga e a Lebre” e “O Lobo e o Cordeiro”), influenciou diversos animadores, entre
eles, Walt Disney. A série passou a ser produzida pelos estúdios Van Beuren a partir de 1929,
totalizando cerca de 130 episódios até 1935, ano de seu término.

Entretanto, a série mais popular da época revelou uma das fórmulas básicas para o
sucesso do gênero: a presença de uma personagem carismática. Trata-se do Gato Félix, cuja
criação é alvo de controvérsia entre Otto Messmer e Pat Sullivan. O felino ainda inaugurou
toda uma escola de personagens e mesmo um gênero de animação baseados em animais com
características humanas, os chamados funny animals.

Sua primeira aparição aconteceu ainda com o nome de Master Tom, uma versão inicial de Félix
presente no curta “Feline Follies”, de 1919. O estrondoso sucesso desta estreia fez o estúdio de Pat
Sullivan, onde Otto Messmer trabalhava, produzir um novo curta, “The Musical Mews”.

Com outro design, a personagem volta com seu novo nome em “The Adventures of Felix”,
curta-metragem lançado no final do mesmo ano (1919). Com excelente trabalho de apoio na
promoção e divulgação dos filmes e da personagem, a série se tornou um enorme êxito, sem

29
Dramaturgia de Série de Animação

qualquer precedente na animação. No universo de Félix, qualquer coisa pode acontecer a


qualquer momento. A personagem possui uma cauda mágica que pode assumir as mais diversas
formas e funções para lhe auxiliar nas aventuras e confusões em que se vê envolvido.

Entre os anos de 1919 e 1936, cerca de 200 episódios da série foram exibidos no cinema.
O sucesso de Félix também proporcionou a criação de produtos diversos, principalmente
brinquedos, revelando assim também o potencial do licenciamento de produtos na animação.

O Gato Félix estava presente não só no cinema, como também nos quadrinhos da época,
o que ajudou a personagem a se tornar um ícone da cultura popular norte-americana. Além
dos filmes, dos quadrinhos e dos produtos licenciados, sua presença enquanto mascote era
bastante comum nas mais diversas agremiações e associações, desde equipes esportivas até
regimentos militares.

Entretanto, com a transição do cinema mudo para o sonoro, a série passa por algumas
dificuldades técnicas e conceituais de adaptação e acaba perdendo espaço para as produções
de Disney. Em 1936, após obter permissão do irmão de Sullivan, os estúdios Van Beuren
chamaram Burt Gillet, animador formado por Sullivan e que já havia trabalhado em “Toodle
Tales”, para produzir novas animações da personagem, agora coloridas e sonorizadas. Com
uma forte influência do estilo Disney, com quem Gillet também havia trabalhado, a série não
conseguiu reeditar o sucesso de outrora e acabou sendo descontinuada. Problemas de ordem
pessoal e também de saúde, que levaram Sullivan à morte em 1933, também colaboraram para
o final da série no cinema. “Bold King Cole”, seu último episódio produzido, em cores e com
som, foi exibido em 1936.

Posteriormente, entre 1958 e 1961, houve uma tentativa de reviver a personagem na


televisão, por meio de uma série reformulada, dirigida por Grim Natwick, animador também
responsável pela criação da personagem Betty Boop durante a década de 30.

Vale lembrar que, antes mesmo da estreia de Félix, em 1918, a Rossi Film produziu
“Aventuras de Bille e Bolle” no Brasil. O curta-metragem, uma das primeiras animações do
país, teve suas personagens principais inspiradas em duas figuras já conhecidas no mundo dos
quadrinhos de Budd Fischer: Mutt e Jeff. Realizada por Eugênio Fonseca Filho, a ideia inicial da
animação era se tornar uma série, o que não chegou efetivamente a acontecer.

Além da continuidade do sucesso dos estúdios Van Beuren, a década de 20 testemunha o


surgimento dos estúdios Disney, ainda hoje um dos gigantes da animação. Após trabalhar com
desenho e animação em algumas agências de publicidade e estúdios, Walt Disney funda, em
1922, com seu irmão Roy e seu amigo, o também animador Ubbe Iwerks, os Laugh-O-Gram
Studios. Disney, então com 21 anos de idade, contratou um time reunindo alguns dos principais
animadores da época, com quem havia tido a oportunidade de trabalhar previamente, como
Carmen Maxwell, Hugh Harman, Friz Freleng e Rudolph Ising.

Em seu primeiro ano de atividade, a empresa Laugh-O-Gram Studios produziu nove curtas-
metragens baseados em contos de fadas, como “Cinderela”, “O Gato de Botas” e “Cachinhos
Dourados e os Três Ursos”. Apesar do relativo sucesso que os filmes tiveram na cidade de
Kansas, os estúdios não conseguiram custear a folha de pagamento de seus funcionários,

30
A Narrativa Seriada na Televisão

principal responsável por suas despesas. No ano seguinte, em 1923, produziram sua última
animação, “Alice´s Wonderland”, que serviu como uma espécie de episódio piloto da próxima
série animada do novo estúdio de Disney.

Roy, Walt e Ubbe Iwerks mudaram-se para Hollywood, onde fundaram a Disney Brothers
Cartoon Studio, renomeada como The Walt Disney Studio em 1926. A partir de 1924, começam
a produzir de forma regular episódios da série “Alice Commedies”. A série, que misturava
filmagens em live action com animação, apresentava as aventuras fantásticas de uma menina
chamada Alice com seu gato Julius – que para alguns trazia semelhanças em seu design com
o Gato Félix. Ao todo foram produzidos mais 19 episódios até o final da série, com o episódio
“Alice the Whaler”, em 1927.

Com o fim de “Alice Commedies”, os estúdios Disney foram incumbidos de criar uma
nova série para distribuição da Universal Pictures. Pensada e desenvolvida por Ubbe Iwerks,
“Oswald, the Lucky Rabbit” torna-se um grande sucesso em pouquíssimo tempo. Maxwell,
Harman, Freleng e Ising, que haviam trabalhado com Disney e Iwerks na Laugh-O-Gram Studios,
integram a nova equipe. Porém, em 1928, depois de animar nove episódios, Disney descobre
que seu produtor, Charles B. Mintz, havia contratado seus quatro animadores e aberto estúdio
próprio, passando a animar os novos episódios da série, que tiveram seus direitos negociados
com a Universal.

Depois de perder os direitos de “Oswald”1, os estúdios Disney começaram a trabalhar em


um novo projeto. A ideia surgiu de Walter Disney, que havia adotado um rato como bicho de
estimação em seu antigo estúdio em Kansas. A partir de alguns esboços de Disney, Ubbe Iwerks
trabalhou o design da personagem pensando em sua animação. Disney emprestou sua própria
voz e personalidade para a personagem. A esposa de Walt Disney batizou o camundongo com
o nome de “Mickey Mouse”.

Assim, em 1928, Mickey aparece em sua primeira animação, “Plane Crazy”, episódio em
que a personagem faz alusão ao aviador norte-americano Charles Lindbergh. Um segundo
episódio (“Gallopin’ Gaucho”) foi lançado em 1928, mas, com problemas de distribuição e
críticas quanto a eventuais semelhanças visuais e narrativas em relação a outras séries, Disney
e Iwerks retrabalharam a animação e lançaram o terceiro episódio, “Steamboat Whillie”, que
utilizou recursos de áudio (como diálogo, efeitos e música) por meio do som ótico na película,
uma evolução técnica.

O lançamento, no ano anterior (1927), daquele que foi considerado o primeiro filme sonoro
(talkies),“O Cantor de Jazz”, contribuiu para que boa parte das salas de cinema nos Estados
Unidos estivessem equipadas com dispositivos que permitiam a exibição de filmes com essa
tecnologia. Ainda assim, os estúdios de animação da época ainda continuavam produzindo
filmes mudos (ainda que muitos deles fossem exibidos com trilha sonora executada ao vivo).
Uma exceção a essa regra, ainda que não tenha alcançado muita projeção, foi “Sound Car-
Tunes”, série realizada pelos irmãos Fleischer para exibição de som por meio de outro sistema
(o fonofilme, inventado por Lee de Forest). “Steamboat Whillie”, por sua vez, alcança grande

1. Recentemente, em 2006, a Disney readquiriu os direitos de “Oswald” da Universal.

31
Dramaturgia de Série de Animação

reconhecimento por parte do público e Disney sonoriza os dois episódios anteriores de Mickey
Mouse, que são relançados e exibidos com maior projeção.

Entre 1928 e 1953, os estúdios Disney produziram 141 episódios da personagem para o
cinema. Outros quatro episódios isolados para cinema foram produzidos nos anos de 1983,
1990, 1995 e 1999, dois destes por ocasião das festividades de natal. Nos últimos anos da
década de 20, Mickey Mouse supera em popularidade a personagem do Gato Félix, até então
maior sucesso de animação da época. Durante as décadas seguintes, Mickey Mouse se consolida
como uma das principais personagens do mundo da animação, participando de histórias em
quadrinhos, filmes de longa-metragem, série para televisão, jogos de videogame, parques
temáticos, além do licenciamento para diversos produtos. Também foi responsável pela
criação de dezenas de outras personagens relacionadas ao seu universo, como Minnie, Pluto,
Pateta, Tico e Teco, Bafo de Onça e Pato Donald - que depois mereceu o desenvolvimento de
seu próprio universo ficcional2.

Passando por diferentes utilizações e modificações em seu design, Mickey Mouse tornou-
se, em muitos países do mundo, o principal símbolo dos estúdios Disney, dos Estados Unidos
e até mesmo do capitalismo. Por conta disso, a personagem também vem sendo parodiada
em inúmeros protestos e manifestações (como aquelas ocorridas durante a Guerra do Vietnã
e a Guerra Fria). De forma menos virulenta, também tem sido ironizada em animações tão
diversas quanto “Macaco Feio, Macaco Bonito” (animação brasileira de 1933, produzida por
Luiz Seel e João Stamato), “South Park” e “The Simpsons”, por exemplo.

Entusiasmado com a utilização do som na animação, Walt Disney lança, em 1929, sua nova
série, “Silly Simphonies”. Diferentemente das séries produzidas até então, “Silly Simphonies”
não possuía repetição de elementos narrativos entre si, como personagens e ambientes. Em
comum, os 75 episódios, produzidos entre 1929 e 1939, havia a utilização da música como
elemento central da animação. Composta inicialmente pelo compositor e arranjador Carl
Stalling, a música era o principal elemento condutor da narrativa em todas as histórias da
série, que juntas formavam uma espécie de “filme musical”. Stalling foi também o responsável
por um sistema que permitia trabalhar o ritmo musical ainda no planejamento da animação,
de maneira que música e animação estabelecessem uma relação de indissociabilidade e de
mútua transformabilidade.

No início da década de 30, a indústria de animação já havia se consolidado nos Estados


Unidos. Disney aproveita a projeção da série “Silly Simphonies” como uma espécie de base
para experimentação de processos de produção (tecnologia, técnicas de animação, roteiros,

2. Após alguns desentendimentos, Ubbe Iwerks rompe, em 1930, com Walt Disney e funda o seu próprio estúdio,
o Ub Iwerks Studio. Apesar de contar com financiamento de Pat Powers e conseguir um contrato para
distribuição com a MGM, Iwerks não consegue alcançar o mesmo sucesso que havia tido no estúdio anterior
e seu estúdio acaba fechando em 1936. Após trabalhar por algum tempo no Leon Schlesinger Productions
(posteriormente renomeada para Warner Bros), onde chegou a dirigir dois episódios da série “Looney Tunes”,
e na divisão de cartoons da Columbia Pictures, Iwerks acaba voltando para os estúdios Disney na década
de 40. Lá, Iwerks passa a trabalhar com o desenvolvimento de efeitos visuais. Um de seus trabalhos mais
conhecidos nesta função foi feito para o filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock. A partir da década de
60, auxilia também na criação de atrações para os parques temáticos da Disney, lançados em 1955 com a
inauguração da Disneyland.

32
A Narrativa Seriada na Televisão

criação e desenvolvimento de personagens) junto ao público. Um exemplo destas experiências


foi o contrato de exclusividade, por cinco anos, para uso do novo sistema de cores Technicolor,
que permitia uma projeção full color. O primeiro episódio da série produzido com esta nova
tecnologia foi “Flowers and Trees”, seguido por “Os Três Porquinhos”. O sucesso da série foi
tão grande que outras séries semelhantes foram criadas por concorrentes, normalmente com
nomes parecidos, como “Happy Harmonies”, “Merrie Melodies” e “Looney Tunes”.

As duas últimas foram produzidas pela Warner Bros e são, provavelmente, o maior sucesso
da produtora em animação. Surgiram inicialmente para concorrer, como vimos, com “Silly
Simphonies”, da Disney, mas também para promover o vasto acervo musical que a empresa
possuía. Lideradas pelo produtor Leon Schlesinger, as séries, produzidas regularmente desde
1930, contaram ainda com a participação de importantes animadores, como Hugh Harman e
Rudy Ising, também responsáveis pela criação dos estúdios de animação da Warner Bros3.

Entre 1930 e 1970, foram produzidos cerca de 1000 episódios de “Merrie Melodies” e
“Looney Tunes” para o cinema. Ainda hoje, episódios esporádicos para o cinema são produzidos,
mas em número muito menor – de 1970 até 2010 foram apenas 33. Além dos filmes em si, toda
uma galeria de personagens foi criada, como Gaguinho (Porky Pig), Patolino (Daffy Duck) e
Pernalonga (Bugs Bunny). As séries posteriormente reuniram suas personagens e tornaram-se
uma só, que foi também foi produzida para televisão e ainda é exibida com sucesso em muitos
países. Apesar, ou justamente por causa de seu sucesso, a série foi alvo de críticas por tratar
de maneira estereotipada culturas e raças estrangeiras.

Com o sucesso de “Mickey Mouse” e “Silly Simphonies”, os estúdios Disney adquiriram


experiência e acumularam conhecimento necessário para a produção de seu primeiro longa-
metragem de animação: “Branca de Neve e os Sete Anões”4. Baseado no conto de fadas dos
Irmãos Grimm, o roteiro do filme começou a ser escrito em 1934 e só foi terminado no final de
1935, quando teve início a produção da animação. O filme, que tem 83 minutos de duração,
estreou no final de 1937 e foi exibido, no ano seguinte, com sucesso em salas de cinema de
todo o mundo.

A fim de favorecer a promoção de seu filme de longa-metragem, os estúdios Disney lançam,


em 1937, um dos primeiros package films da história do cinema. Um package film é um filme,
em live action ou animação, que apresenta uma compilação ou coleção de curtas-metragens,
dirigidos por um ou mais diretores, que se interligam por meio de uma temática, evento,
personagem, local ou objeto. Em muitos casos, permite o reaproveitamento de materiais
prévios, compilados em uma nova organização, podendo atingir um público mais novo,
desconhecedor das produções mais antigas, ou ainda fãs saudosistas e os colecionadores.

“Academy Award Review of Walt Disney Cartoons” apresentava uma compilação de cinco
episódios de “Silly Symphonies” premiados com o Oscar. Posteriormente, quando foi relançado

3. Estes estúdios de animação foram desativados nos anos 60, quando a empresa passou a priorizar produções
em live action, como “Who´s Afraid of Virginia Woolf?” e “Bonnie and Clyde”.
4. Ao contrário do que alguns afirmam, este não é o primeiro filme de longa metragem de animação. Os
primeiros longas de animação, “El Apostól!” (1917) e “Peludópolis” (1931), este último sonorizado, foram
dirigidos pelo italiano, radicado na Argentina, Quirino Cristiani.

33
Dramaturgia de Série de Animação

em 1966, foram adicionados outros quatro episódios da série. Ao todo, os estúdios Disney
lançaram mais nove package films: “Fantasia” (1940), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos”, 1942),
“The Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia?”, 1944), “Make Minie Music” (“Música, Maestro!”,
1946), “Fun & Fancy Free” (1947), “Melody Time” (1948), “The Adventures of Ichabod and Mr.
Toad” (1949), “The Many Adventures of Winnie the Pooh” (1977) e “Fantasia 2000” (1999).

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os estúdios de animação norte-americanos


tiveram uma diminuição na oferta de trabalho, além de uma diminuição de parte seu quadro
de funcionários, que foi servir ao exército. Os estúdios Disney acabaram encontrando na
propaganda para o governo norte-americano uma fonte de renda adicional. Durante esse
período, foram lançados seis filmes de longa-metragem: “Pinnochio” (1940), “Fantasia”
(1940), “Dumbo” (1941), “Bambi” (1942), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos,” 1942) e “The
Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia”, 1944). Nestes dois últimos filmes, a ambientação
acontece em países da América Latina, resultado do tour realizado anteriormente por Walt
Disney nestes países como parte da chamada “política da boa vizinhança” do governo norte-
americano. Desse intercâmbio cultural surgem personagens como Panchito (México), Pedro
(Chile), Gauchito (Argentina) e Zé Carioca (Brasil).

Sobre Zé Carioca, conta-se que a personagem foi pensada por Walt Disney enquanto
estava no Rio de Janeiro e escutava muitas piadas envolvendo papagaios. Disney teria ainda
se inspirado na personalidade de algumas pessoas com quem teve contato em sua visita ao
país. Talvez por isso, a personagem tenha se tornado muito mais popular no Brasil do que nos
Estados Unidos e no resto do mundo. Por aqui, Zé Carioca ganhou produção própria de história
em quadrinhos, assim como todo um universo de personagens, tais quais Rosinha, Nestor,
Pedrão, Zico e Zeca, Zé Galo, Morcego Verde, e a Anacozeca, uma espécie de associação
especializada em cobranças de dívidas do protagonista.

A viagem de Walt Disney serviu ainda para que ele se ausentasse dos estúdios durante uma greve
de cinco semanas de seus funcionários. A greve foi motivada pela demissão de um dos seus principais
animadores, Art Babbit, que havia organizado a criação de um sindicato de animadores para negociar
melhores condições de trabalho. Manifestações anteriores já haviam ocorrido nos estúdios Iwerks
(1931) e Van Beuren (1935) e, somadas às outras manifestações posteriores, resultaram na criação de
um sindicato dos animadores nos Estados Unidos no final dos anos 40.

Ainda a respeito da viagem de Disney ao Brasil, vale registrar que, entre 1938 e 1939, o
chargista Luiz Sá produziu “As Aventuras de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. As animações
tinham, segundo relatos, traços sofisticados e um estilo próprio bastante apurado. Sá pretendia
exibir seus filmes diretamente para Walt Disney. Entretanto, os filmes foram recusados pelo
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Decepcionado, Luiz Sá acabou ficando sem as
cópias destes seus filmes de animação: uma perdeu-se no laboratório, e outra foi vendida para
uma loja de projetores e distribuída como “brinde”, em vários pedaços, para os clientes.

Os estúdios Disney também produziram outras séries que trouxeram importantes


personagens ao seu universo na década de 30, como Pluto, Pato Donald (Donald Duck) e Pateta
(Goofy). Mas outras produções, além daquelas produzidas por esses estúdios, também tiveram
êxito no período, como Betty Boop. Baseada na It girl Clara Bow e na cantora Helen Kane, a
personagem se tornou a primeira sex symbol da animação. Criada por Grim Natwick, a série,

34
A Narrativa Seriada na Televisão

produzida pelos estúdios Fleischer, exibiu 110 episódios entre os anos de 1932 e 1939. Com
forte presença nos quadrinhos da época (1934-1937), a série foi reprisada na televisão, lançada
em coletâneas de DVD - a exemplo do que também aconteceu com boa parte das primeiras
séries de animação para o cinema - e se tornou uma espécie de ícone pop cult, presente, ainda
hoje, em camisetas, action figures e objetos diversos.

Outra personagem importante na história da animação criada nessa época foi Popeye.
Adaptada dos quadrinhos de Elzie Crisler Segar, a animação tem como protagonista um
marinheiro de meia idade, com fortes braços tatuados e que fuma cachimbo. Popeye tem
como namorada Olívia Palito e recorre ao espinafre a fim de adquirir força extra para superar
seus desafios, como, por exemplo, vencer Brutus, seu principal antagonista. Produzida
inicialmente pelos estúdios Fleischer (1933-1942) e depois pelos Famous Studios (1942-1957),
foram exibidos cerca de 230 de seus episódios no cinema. Entre 1960 e 2003, a série foi
produzida de maneira mais ou menos regular para a televisão e exibida em diversos canais e
países, sendo relativamente conhecida até os dias atuais.

O final da década de 30 marca também o início da carreira do animador Walter Lantz


na qualidade de produtor independente, um dos primeiros na indústria norte-americana de
animação. Depois de passar por alguns estúdios e de ter trabalhado em algumas séries, Lantz
cria “Andy Panda”, que é distribuído pela Universal Pictures (1939-1947) e, em sua fase final
(1948-1949), pela United Artists.

Ainda que houvesse uma hegemonia norte-americana na produção de séries de animação


para o cinema, a Inglaterra registrou, na década de 30, uma experiência singular com a
produção e a exibição da série “Puppetoons”, de George Pal. A série ficou conhecida por usar
uma variação da técnica de stop motion, o puppetoon, na qual um objeto - ou parte dele -
é substituído por outros, quadro a quadro (replacement animation). Na década de 40, Pal
começa a trabalhar nos Estados Unidos, onde passa a ser produzido pela Paramount Pictures e
chega a ter quatro animações indicadas ao Oscar.

Durante a década de 40, novas séries surgem e se juntam às anteriores, que continuavam
sendo exibidas. William Hanna e Joseph Barbera, que haviam trabalhado juntos na década
de 30, criam e dirigem sua primeira série de sucesso para a MGM, “Tom and Jerry” (“Tom e
Jerry”). Baseada em situações cômicas de gato e rato, a série foi feita a partir do sucesso de
uma animação feita em 1939, “Puss Gets the Boots”. “Tom e Jerry” teve enorme sucesso de
público e de crítica, conquistando sete Academy Awards. Entre 1940 e 1967, foram produzidos
e exibidos 161 episódios da série para o cinema.

Ao lado de “Tom e Jerry”, a outra série de maior sucesso dessa década talvez tenha sido
“Woody Woodpecker” (“Pica-Pau”). A ideia da criação da personagem teria surgido durante a
lua-de-mel de Lantz, em uma cabana às margens de um lago, onde o casal era constantemente
incomodado por um ruidoso pica-pau carpinteiro. A primeira aparição da personagem aconteceu
em um episódio de “Andy Panda”, em 1940, “Knock Knock”, no qual Pica-Pau incomodava o urso
e seu pai (Papa Panda) apenas por diversão. Incomodada, a personagem Andy Panda tentava
capturar a ave, mas sempre por meio de formas previsíveis, o que tornava a fuga do pica-pau
demasiadamente fácil. Ao final, impotente e incapacitado, o panda acabava enlouquecendo e
desistindo da empreitada. Estava delineada aí a fórmula de sucesso da série.

35
Dramaturgia de Série de Animação

“Pica-Pau” talvez tenha sido a primeira série a introduzir como protagonista uma personagem
agressiva e lunática. O desenho fez grande sucesso durante a Segunda Guerra Mundial e a personagem
foi, a exemplo do ocorrido anteriormente com o Gato Félix, amplamente adotada como mascote.
Entre 1940 e 1972, foram produzidos e exibidos cerca de 200 episódios para o cinema.

A série ganhou ainda três Academy Awards e migrou posteriormente para a televisão, onde
manteve o seu sucesso. No ano de 2009, uma emissora televisiva brasileira reprisou alguns
episódios clássicos da série durante o horário nobre e conseguiu picos de liderança na audiência.
Por outro lado, “Pica-Pau” sofreu muitas críticas por seu humor negro e sua violência gratuita;
no Canadá, por exemplo, a série chegou mesmo a ter sua exibição proibida.

Além de Lantz, outro animador que teve grande destaque no período foi Paul Terry. Fundados
em 1929, os estúdios de Terry, Terrytoons, emplacaram, também a partir da década de 40, suas
duas séries de maior sucesso no cinema: “Heckle and Jeckle” (“Faísca e Fumaça”) e “Mighty
Mouse” (“Super Mouse”), este último criado por Izzi Klein para parodiar o Super-Homem.

O final dos anos 40 marca, para os estúdios Disney, um período de lançamento da maioria
de seus package films e de início da produção de live action, com a série “True Life Adventures”
e do longa “Treasure Island” (“Ilha do Tesouro”). Em 1950, em parceria com a empresa Coca-
Cola, os estúdios promovem sua primeira aparição na televisão, “An Hour in Wonderland”,
que foi um especial de Natal na rede ABC com duração de uma hora. Os estúdios só voltariam
à televisão em 1954, com “Disneyland” (depois intitulado “The Wonderful World of Disney”,
ou “O Maravilhoso Mundo de Disney”, em português). O programa reunia materiais diversos
(preexistentes ou não) e teve 52 temporadas e 1224 episódios exibidos em horário nobre
(prime time). Tem início assim a participação dos estúdios Disney na televisão, processo que
culminaria com a criação de um canal próprio, o Disney Channel, no ano de 1983.

Com 50 filmes de longa-metragem produzidos, inúmeras séries para cinema e televisão,


parques temáticos, canal próprio de televisão, jogos, brinquedos, sites, games, licenciamentos
diversos, além das aquisições de outras companhias, como a Pixar (2006) e a Marvel (2009),
a Walt Disney Company é uma das maiores companhias comerciais de todo o mundo, com
faturamento anual na ordem de U$ 40 bilhões. Da admiração à crítica, da idolatria ao ódio,
as opiniões e reações do público e de profissionais da animação em relação à Disney são
proporcionais ao crescimento da própria companhia nos últimos 80 anos. Como afirma Moreno
(1978), “apesar da temática pobre, das soluções formais simplistas, ideologia conformista, a
contribuição de Disney ao cinema de animação é inegável”.

A década seguinte marca o início das séries de animação na televisão e a diminuição, como vimos,
do número de produções desse gênero para o cinema. Novas tentativas de criação de séries originais
foram feitas, sem, contudo, conseguir reeditar o sucesso das décadas anteriores no cinema.

Walter Lantz cria sua segunda série de maior sucesso depois de “Pica-Pau”, “Chilly Willy”
(“Picolino”), um simpático pinguim que buscava sempre um meio para permanecer aquecido.
Picolino, que tem como antagonista o cachorro Smedley, gosta de panquecas e de roubar peixes
da morsa Leôncio (Walty Walrus), personagem que também aparece em outras animações de
Lantz. Produzida entre 1953 e 1972, a série teve cerca de 50 episódios exibidos no cinema. Em
1957, após terem saído da MGM, William Hanna e Joseph Barbera fundaram o seu próprio estúdio

36
A Narrativa Seriada na Televisão

de animação, Hanna-Barbera. Apesar de ter seu nome associado à produção para televisão,
que, de fato, foi seu “carro chefe”, o Hanna-Barbera produziu uma única série de animação
para cinema, “Loopy le Beau” (“Loopy de Loop”). A série, que teve cerca de 50 episódios
produzidos entre 1959 e 1965, contava as aventuras de Loopy, um lobo educado e gentil, com
sotaque francês. O objetivo do “lobo bom” era o de mudar a imagem de sua espécie junto
às pessoas e de se integrar à sociedade, por isso, além de seu comportamento impecável,
costumava ajudar as pessoas. Porém, além de nunca conseguir atingir esse objetivo, Loopy era
constantemente perseguido, inclusive pelas próprias pessoas que havia auxiliado, e tinha que
acabar fugindo da cidade simplesmente pelo fato de ser um lobo.

Um ano antes do lançamento de “Loppy le Beau”, na antiga Tchecoslováquia, Zdenìk Miller


lança “Krtek” (“A Toupeira”). Inspirado pelo estilo Disney, Zdenìk criou um desenho com o
objetivo de ensinar às crianças sobre o processamento do linho. A ideia da personagem surgiu
após seu criador tropeçar em um montinho de terra durante uma caminhada. O primeiro filme
da série, “Jak Krtek ke Kalhotkám Pøišel” (“Como a Toupeira Conseguiu as suas Calças”), fez
grande sucesso em outros países do leste europeu, além da Austrália, Índia, China, Áustria e
Alemanha. Apesar de este primeiro episódio ser narrado, Zdenìk decidiu-se por não utilizar
falas nos demais episódios, o que garantiu maior universalidade de sua obra. Até o ano de
2002, foram produzidos e exibidos cerca de 50 episódios desta série.

Os anos 60 marcam o término da produção para o cinema de séries desenvolvidas


anteriormente, como “Faísca e Fumaça”, “Super Mouse”, “Looney Tunes”, “Tom e Jerry”,
“Pateta” e “Loopy le Beau”. Além disso, o sucesso de séries como “The Flintstones” (“Os
Flintstones”) na televisão pareceu não ter deixado dúvidas de que o futuro da animação seriada
estava mesmo na nova mídia. Para muitos historiadores da animação, como Jerry Beck, este
período marca o fim da chamada animação clássica.

37
Dramaturgia de Série de Animação

No entanto, foi observada uma espécie de “último fôlego” das séries de animação no cinema,
antes da efetiva consolidação do gênero na televisão. Novas ideias proporcionaram uma “sobrevida”
para essas séries – ainda que sem contar com a mesma força das décadas anteriores. Uma destas
séries foi “The Beary Family” (“A Família Urso”), que trazia histórias “humanas” com uma família
de ursos: Ursolão (Charlie), o pai, Úrsula (Bessie), a mãe, Ursolina (Susi), a filha mais nova, Ursolino
(Junior), o filho mais velho e Goose, um ganso de estimação. A trama básica dos cerca de 30
episódios, produzidos entre 1962 e 1972, mostra Ursolão tentando economizar dinheiro ao realizar
pequenos serviços técnicos ou construir acessórios para casa, ao invés de contratar um profissional
especializado ou de adquirir o referido acessório diretamente em uma loja. No final, após uma série
de trapalhadas, o prejuízo acaba sendo sempre maior do que a suposta economia que almejava.

Em 1963, dois animadores da extinta Warner Bros Cartoons, Friz Freleng e David DePatie,
fundam a DePatie-Freleng Enterprises, também conhecida por DFE Films. O estúdio de animação
situado em Hollywood começou suas experiências por meio de séries para o cinema, passando,
posteriormente, para a televisão e a publicidade. Após seu fechamento, em 1981, boa parte de
suas produções foram adquiridas pela Marvel Comics, pertencente hoje à Disney.

O estúdio estreou com o “pé direito” ao fazer os créditos de abertura do primeiro filme
de “A Pantera Cor-de-Rosa”, dirigida por Blake Edwards e estrelada por Peter Sellers, no
papel do impagável inspetor Jacques Clouseau. O sucesso foi tamanho que a personagem
voltou nos créditos das sequências do filme e ganhou sua própria série no cinema, com cerca
de 120 episódios exibidos até 1980. Com um estilo novo, temática diferenciada e abordagem
inusitada, a série ganhou inúmeros fãs e também foi produzida e exibida na televisão.

Além de “The Pink Panther” (“ A Pantera Cor de Rosa”), o estúdio produziu para o cinema a série
“The Inspector” (“O Inspetor”). Apesar de alguns acharem que a série é uma referência ao inspetor
Clouseau, a personagem principal não possui nome e, ao contrário do célebre inspetor, é organizada
e relativamente competente. O humor da série surge a partir dos vilões, das situações inusitadas que
se apresentam e do relacionamento do inspetor com o comissário da polícia francesa, a Sureté. Os 35
episódios da série foram exibidos nos cinemas entre 1965 e 1969.

A DePatie-Freleng Enterprises produziu ainda, com pouco sucesso, algumas outras séries
no cinema, como: “Roland and Rattfink” (“Bom Bom e Mau Mau”, entre 1968 e 1971, com 17
episódios), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”, entre 1969 e 1971, com 17
episódios) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”, entre 1969 e 1972, com 17 episódios).

Em 1969, surge na União Soviética “Íó, Iîãîäè!” (“Ei, Espere!”), uma série do tipo pastelão
que conta a história de um lobo travesso (Âîëê) com pretensões artísticas, que tenta, a todo
custo, capturar uma lebre (Çàÿö). A série, que teve a maioria dos seus episódios dirigidos por
Vyacheslav Kotyonochkin, foi bastante popular na União Soviética e ainda o é na atual Rússia,
apesar das críticas menos favoráveis dos animadores locais.

Experiências isoladas fora dos Estados Unidos, como as de George Pal, Zdenìk Miller e de
Vyacheslav Kotyonochkin mostram, apesar da impossibilidade de se competir quantitativamente
com a indústria norte-americana de animação, que o mercado internacional, em toda a sua
dimensão e pluralidade, sempre esteve aberto para outros tipos de produções; diferentes,
tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, daquelas produzidas nos Estados Unidos.

38
A Narrativa Seriada na Televisão

A década de 70 representa o fim da presença das séries de animação no cinema. Todas


as séries produzidas regularmente, e que ainda não tinham terminado ou migrado para a
televisão, chegaram ao seu final. A DePatie-Freleng Enterprises ainda tenta algumas últimas
experiências com: “The Blue Racer” (“A Cobrinha Azul”, entre 1972 e 1974, com 17 episódios),
“Hoot Kloot” (“Xerife Hoot Kloot”, entre 1973 e 1974, com 17 episódios) e “The Dogfather”
(“O Poderoso Cachorrão”, entre 1974 e 1976, com 17 episódios).

De lá para cá, o cinema, como dissemos, se tornou espaço para a exibição de filmes de
longa-metragem e a televisão, para as séries em animação. Experiências esporádicas e isoladas
aconteceram na década de 80 e 90, como a exibição de três curtas-metragens da personagem
Roger Rabbit. “Tummy Trouble”, “Roller Coaster Rabbit” e “Trail Mix-Up” foram exibidos antes
de filmes de longa-metragem da Touchstone/Disney, como “Querida, Encolhi as Crianças”, “Dick
Tracy” e “Viagem ao Grande Deserto”, respectivamente. O mesmo ocorreu com alguns episódios
especiais de “Scooby Doo”, exibidos antes de seus próprios filmes de longa-metragem.

Atualmente alguns estúdios, como a Disney, a Dreamworks e a Pixar estão exibindo filmes de
curta-metragem antes de suas animações principais. Ainda assim, trata-se de peças unitárias,
e não seriadas. No final de 2007, a Walt Disney Pictures lançou um episódio isolado do Pateta
para cinema: “How to Hook up your Home Theater” (“Como Instalar o seu Home Theater”).
Quase 50 anos após o lançamento de seu último episódio para o cinema, Pateta volta em uma
animação, dirigida por Kevin Deters e Stevie Wermers-Skelton, na qual se envolve em suas
tradicionais confusões e trapalhadas. O episódio isolado foi feito como uma espécie de revival
e não há previsão de lançamento de novos episódios da personagem.

No entanto, a experiência recente mais conhecida desse tipo talvez tenha sido aquela dos
três episódios de “Scrat”, o esquilo dente-de-sabre do filme “A Era do Gelo”. Sua primeira
aparição aconteceu em 2002, no curta de abertura do filme “A Era do Gelo”, do estúdio Blue
Sky. “Gone Nutty”, também conhecido por “Scrat´s Missing Adventure”, mostra as aventuras
do esquilo para conseguir salvar ao menos uma das nozes que havia coletado. Dirigida pelo
brasileiro Carlos Saldanha, a narrativa agradou enormemente ao público e foi indicada ao
Oscar de melhor curta de animação.

A receptividade a essa primeira experiência fez com que Scrat voltasse em um novo
episódio, “No Time for Nuts”, exibido em 2006, antes do longa “A Era do Gelo 2”. Neste
novo episódio, ao procurar um lugar para esconder sua noz, o esquilo acaba encontrando
uma máquina do tempo próxima ao corpo congelado de um cientista, que aparenta ser Albert
Einstein. Ao acionar por acidente a máquina, Scrat acaba indo parar na Idade Média e, depois
de aparentemente ter se dado bem, acaba em um futuro sem nozes.

Scrat volta a aparecer antes de “A Era do Gelo 3”, no curta “Surviving Sid”, no qual faz uma
“ponta”, novamente envolvido em sua saga com as nozes. O sucesso da personagem fez com que ela
fosse incorporada em uma trama paralela no próprio longa, desta vez acompanhado por Scratita, um
esquilo fêmea por quem se apaixona - ao mesmo tempo em que rivaliza com ela para ficar com a noz.

Scrat é um entre tantos exemplos existentes na animação de “breakout character”, isto


é, personagem que transita entre diferentes histórias em diferentes séries, mídias e formatos,
ainda que com aparições únicas.

39
Dramaturgia de Série de Animação

40
A Narrativa Seriada na Televisão

1.2 a “estética da repetição”


repetição, serialidade
e fragmentação:
e o “minimalismo narrativo”
1.2 Repetição, Serialidade e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o “Minimalismo
Narrativo”

Como afirmamos, os processos desencadeados pela Revolução Industrial deram origem


à elaboração em série dos mais diversos produtos. É o momento em que observamos, por
exemplo, o surgimento do design moderno e de suas diversas escolas, responsáveis pelo
pensamento de diferentes metodologias e processos de planejamento e criação dos produtos
industrializados ou industrializáveis. Diferencia-se, assim, o trabalho do designer moderno
daquele do artesão, uma espécie de precursor que se dedicava ao desenvolvimento de objetos
a partir de um conhecimento empírico obtido por transmissão familiar ou via relação mestre-
aprendiz. Ao contrário das práticas modernas, o trabalho do artesão não era especializado e
ele se responsabilizava por todas as etapas de produção desses objetos, necessitando de um
tempo de aprendizado para se aperfeiçoar em cada um desses estágios.

No esquema de produção em série, é observada a recorrência de elementos comuns, como


a presença de equipamentos e processos sistematizados e padronizados, e cada funcionário se
especializa na repetição de uma única e determinada função, repetindo-a maciçamente. Por
conta desta repetição excessiva, houve muitas críticas quanto à desumanização do trabalho e
do próprio trabalhador, considerado nesse processo - sob um ponto de vista negativo - como um
autômato. Alguns movimentos se insurgiram contra esse modelo de produção, como o Ludismo,
cujos defensores ficaram conhecidos como “quebradores de máquinas”. Inspirado por essa
questão, Charles Chaplin fez o filme “Tempos Modernos” (uma crítica divertida e genial ao
ritmo alucinante a que a linha de produção submeteu os operários), no qual a personagem
Carlitos interpreta um trabalhador de uma grande fábrica que, após muitas confusões e
trapalhadas, acaba sendo vítima de um colapso nervoso.

41
Dramaturgia de Série de Animação

Apesar dessa parcela de “sofrimento” humano causada pela mudança de papéis e de


expectativas em relação ao desempenho de cada trabalhador, ao padronizar seus processos e
materiais, a produção em série consegue um aumento expressivo na velocidade e no volume da
fabricação de produtos, com barateamento progressivo do seu custo. Não tardou, portanto, que
essa racionalização chegasse também à produção cultural. Quando é pensada e produzida em
série, a obra se liberta de sua aura, de sua condição de peça única, associada, como vimos, ao
sagrado ou, posteriormente, ao status social. A “reprodutibilidade técnica”, qualidade atribuída
pelo pensador alemão Walter Benjamin (1985) às novas formas expressivas - como a fotografia,
o cinema e a gravura - tornava impossível distinguir o original da cópia. Conceitualmente, a
primeira ampliação de um negativo não é diferente da segunda; ao contrário do que ocorreria,
por exemplo, com duas telas a óleo pintadas por um mesmo artista. Para Benjamin, essa
“dessacralização” da obra a liberta de antigos paradigmas e inaugura novas potencialidades
artísticas e políticas. A reprodutibilidade técnica nas artes e na comunicação favoreceria,
portanto, a democratização da estética, na medida em que essas obras já seriam produzidas
objetivando a própria reprodução. Pensemos no negativo de uma foto, por exemplo, que não
carrega o prestígio de “original”, mas é visto como uma matriz que carrega a informação a ser
ampliada e, aí sim, estabelecer uma relação com seu público.

Por outro lado, pensadores da Escola de Frankfurt


(como Adorno e Horkheimer, que no livro “Dialética do
esclarecimento” utilizam pela primeira vez o termo
para designar as novas formas de arte reprodutíveis),
compreendem esse processo como sendo prejudicial
ao entendimento humano por transformar a cultura
em mercadoria, submetendo manifestações legítimas
em instrumento de manipulação capitalista.

Movimentos artísticos como a pop art, em meados


da década de 50 e 60, principalmente nos Estados
Unidos e na Inglaterra, exploram essa questão de
forma diversa. Ao se apropriarem de ícones da cultura
de massa e subverterem a sua lógica, agregando a
estes ícones o status de obra de arte e sua aura,
promovem uma espécie de retroalimentação, isto é,
devolvem para a cultura e para a própria sociedade
contem­porânea novos elementos de reflexão sobre
seus usos e costumes. Um dos mais famosos artistas
dessa tendência, Andy Warhol, enxergava nos
produtos em série uma possibilidade de partilha
de um mesmo objeto por todas as classes sociais,
indiscriminadamente. Portanto, utilizava as imagens
de produtos industrializados, como as garrafas de
refrigerante ou as latas de sopa, já que estas eram
consumidas da mesma forma tanto pela elite quanto
pelos setores populares.

42
A Narrativa Seriada na Televisão

Omar Calabrese (1987) é um pesquisador


que busca compreender o funcionamento
da repetitividade na produção cultural,
atribuindo-lhe três funções: como modelo de
produção em série a partir de uma matriz;
como mecanismo estrutural de generalizações
de texto; e como condição de consumo dos
produtos comunicativos por parte do público.
A primeira função é condição do próprio modo
de produção em série. Já a segunda, permite a
criação de um sistema apto às generalizações
do conteúdo efetivamente produzido. Por fim,
a terceira função corresponde à possibilidade
de transformar o processo em um bem, atribuir-
lhe um valor e comercializá-lo junto ao público.
Para o pensador italiano, estas funções geram
uma “estética da repetição”, diferente daquela
tradicionalmente presente nas artes clássicas.
Ainda segundo o autor, as formas mais comuns
de repetição na cultura contemporânea seriam
a retomada de um tema prévio de sucesso e o
decalque, isto é, a reformulação de narrativas
consagradas a partir de pequenas alterações.

Assim é possível considerar que a produção


cultural em série depende tanto dos elementos invariáveis quanto dos variáveis. Os elementos
invariáveis (fixos) funcionam não apenas estabelecendo uma continuidade com as expectativas
e conhecimentos do público, mas, principalmente, como reiteração das partes estruturais dos
códigos do sistema de uma série. Assim, por exemplo, ao assistir a um episódio de uma sitcom,
o espectador já espera das personagens determinadas reações, e o roteirista irá interagir com
essa demanda de forma a atendê-la ou frustrá-la, de acordo com as reações que queira causar.
Já os elementos variáveis têm a função de palimpsesto, isto é, de introduzir novas peripécias
e informações a partir de uma estrutura previamente existente. Podemos, portanto, comparar
este modo de produção à própria dinâmica da vida cotidiana, que ao se renovar, também se
mantém atada às estruturas cumulativas prévias.

Esse novo modelo de produção altera, obviamente, toda a cadeia da produção cultural. Sob
a perspectiva da criação, a própria noção de autoria passa a ser questionada, visto que muitas
vezes o processo criativo em si é resultado direto de colaborações diversas em diferentes
estágios de desenvolvimento do produto. A própria serialidade implica, muitas vezes, um
“autor no gerúndio”, isto é, um autor de uma obra aberta, que se apresenta em constante
estágio de criação. Em outras palavras, o autor de uma obra seriada tem a possibilidade de
construí-la em movimento, uma espécie de work in progress sujeito às interferências diretas
de seu público.

Quanto à recepção de produtos culturais, é preciso pensar que a serialidade estabelece


novos critérios de apreciação da obra. Inicialmente devemos considerar sua apresentação

43
Dramaturgia de Série de Animação

44
A Narrativa Seriada na Televisão

como fragmentação de um sintagma, de um fluxo contínuo maior, seja o episódio, muitas


vezes separado em partes pelos breaks comerciais, seja a própria série, constituída em sua
totalidade pela soma de seus episódios exibidos separadamente.

À experiência de mediação do público, a partir de seu próprio repertório, soma-


se a uma nova experiência que a mensagem seriada é capaz de produzir, descontínua e
fragmentariamente, baseada na intertextualidade. A esse receptor atribui-se o papel de
interator capaz de reorganizar elementos (objetivos e subjetivos) preexistentes e proporcionar
novas (re)leituras desse mesmo sintagma. Tais leituras só conseguem ser apreendidas em sua
totalidade por aqueles que compartilharem a estrutura dos códigos do sistema de serialidade
que se apresenta. Neste caso, as séries passam a funcionar com uma espécie de arquitexto, de
uma enciclopédia na qual, por meio de um processo de aprendizagem, o próprio espectador
estabelece o seu conceito de serialidade a partir de processos de compreensão, interpretação
e de diferentes estratégias de leitura.

Para Lorenzo Vilches (1984), dentro desta estrutura seriada da produção cultural, as séries
de televisão se apresentam como um caso à parte. Para o pensador espanhol, há três fatores
principais que interferem diretamente em sua produção: a estrutura produtiva, a estrutura
narrativa e as expectativas dos destinatários. A estrutura produtiva representa como as
rotinas dos aparatos envolvidos interferem sobre o produto. Diz respeito, portanto, aos níveis
e formas de autonomia técnica e criativa que o autor e o realizador da série possuem. A
estrutura narrativa, por sua vez, diz respeito à maneira como a serialidade será efetivamente
apresentada ao público, como veremos melhor mais adiante. Por fim, a expectativa do público
é um fator que engloba aspectos sociológicos, midiáticos, psicológicos e que aborda suas
relações intertextuais, permitindo integrar as partes distintas de uma série com seu todo.

A intertextualidade permite ao público fixar os tópicos centrais da série e de suas articulações


com determinadas situações, episódios e com a própria série. É, portanto, uma atividade semântica
que possibilita ao espectador memorizar, em longo prazo, aspectos importantes para que sejam
evocados em momentos oportunos. Também podem ser registrados elementos secundários, que,
eventualmente podem ser esquecidos ao final do episódio. Estes elementos normalmente servem
para ligar uma determinada sequência à outra, ou para “presentear” o espectador mais atento
com informações adicionais (easter eggs), que não chegam a ser cruciais para o entendimento da
narrativa, mas que adicionam um valor, uma sensação ou dado extra.

Para Vilches, as séries de televisão possuem ainda elementos que o autor denomina de
paratextuais, isto é, elementos que, mesmo não pertencendo diretamente à série, acabam
atuando para ela. É o caso, por exemplo, das chamadas exibidas durante os intervalos
comerciais, das críticas e comentários da imprensa, de estudos acadêmicos, e das vinhetas de
abertura e de encerramento dos episódios.

Aliás, a respeito dessas vinhetas, usualmente compostas por uma sequência de imagens
acompanhada de trilha musical, devemos considerar uma dupla função. Em primeiro lugar,
servem para separar a série do fluxo televisual, isto é, indicar que aquele determinado episódio
está começando e depois terminando. Uma emissora de televisão pode ter uma programação
bastante diversa e é interessante pontuar a presença de uma série específica dentro deste
fluxo contínuo e ininterrupto. A segunda função representa a possibilidade de uma exploração

45
Dramaturgia de Série de Animação

mais subjetiva e simbólica acerca da própria identidade da série. Por tradicionalmente possuir
maior flexibilidade em sua criação e estruturação, as vinhetas de abertura e encerramento de
uma série procuram associar determinadas imagens e conceitos a fim de agregar certos valores
à própria série.

A serialidade narrativa proporciona, como vimos, a construção de um texto fragmentado


e descontínuo, na qual a repetição de seus elementos constituintes e a imposição de um
determinado ritmo de exibição da obra determinam características próprias e específicas.
Se, por um lado, algumas pessoas criticam essa forma, associando-a a fatores da produção
industrial – daí, por exemplo, a denominação pejorativa de “enlatados” para se referenciar às
séries de televisão – e a certo mau gosto, é preciso que reconsideremos alguns fatores.

A noção de que a produção em série destitui uma obra de sua essência está
ainda impregnada de uma visão que atrela a obra à genialidade de sua autoria,
na qual a aura do criador e o status da obra única ou da peça unitária se
fazem presentes. Os novos parâmetros de produção artística e cultural
solicitam, portanto, que conheçamos e pensemos os paradigmas
presentes da narrativa em série, libertando-nos de preconceitos
fundados na reprodução automatizada de uma tradição reflexiva.
As transformações de gêneros narrativos trazidas pela televisão
se processam de forma mais rápida e dinâmica do que
normalmente nas outras mídias, por isso mesmo, muitas
vezes de forma mais veloz do que a nossa capacidade
de assimilá-las e de responder a elas criticamente. O
caráter dinâmico desse tipo de manifestação cultural
deve-se, sobretudo, ao fluxo contínuo e ininterrupto de
sua produção, consumida vorazmente por seu público,
invadindo o cotidiano de inúmeras pessoas.

Se a própria noção de obra é alterada, alteram-


se também sua concepção, distribuição, recepção e
interpretação, o que leva Calabrese a definir uma “estética
da repetição”. À noção clássica de autor, incorpora-se agora
a dinâmica de processos colaborativos e de work in progress. A
noção do espectador contemplativo dá lugar a um espectador que,
a partir da constante verificação de seus conhecimentos adquiridos,
estabelece leituras de segundo grau, uma espécie de “bricolagem pós-
moderna” na qual constitui e valoriza o potencial intertextual da série.
A presença de uma dialética (entre ordem e novidade, entre repetição e
inovação) evoca vicissitudes e seduz o espectador, convidando-o a participar
desta teia de relações na qual quanto mais emaranhado se estiver, melhor.

46
A Narrativa Seriada na Televisão

47
Dramaturgia de Série de Animação

48
A Narrativa Seriada na Televisão

estruturas
1.3 e tipologia
da narrativa seriada na televisão
1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão
Assim como qualquer outra metodologia de classificação ou estudo de gênero, podemos partir
dos mais diversos critérios para chegar a diferentes resultados. Isso significa que é possível pensar
em diferentes formas e modelos classificatórios da narrativa seriada na televisão.

Em um primeiro momento, a partir de uma classificação genérica mais abrangente, podemos


aplicar os mesmos critérios já utilizados e consagrados no audiovisual e nas demais formas
narrativas às séries de animação. Conforme veremos mais detalhadamente no próximo capítulo,
ao longo de sua existência, as séries de animação exploraram diferentes temáticas, o que, neste
sentido, permite que possam ser pensadas nos mesmos termos classificatórios dos demais produtos
audiovisuais, por exemplo: aventura, suspense, humor, drama, educação etc.

Esta estrutura temática, obviamente, acaba por classificar em um mesmo grupo animações
que, apesar de uma eventual semelhança retórica, podem possuir diversas outras diferenças
entre si. Em outras palavras, ao se mudar de um critério classificatório para outro, animações
que eventualmente pertençam a um mesmo gênero a partir de um determinado parâmetro
podem pertencer a gêneros diferentes se baseadas em novos parâmetros.

Os modos de produção, distribuição, recepção e interpretação das narrativas seriadas


na televisão possuem características próprias para que as classifiquemos como um gênero
próprio e específico dentro da televisão e do próprio audiovisual. Todavia, sabemos que é
possível aplicar outros critérios para novas classificações dentro deste gênero, isto é, existem
diferentes tipos e gêneros de séries de televisão.

A distinção entre produtos animados e em live action (registros diretamente filmados ou


gravados em tempo real) pode, por si só, ser um destes critérios, visto que estas linguagens do

49
Dramaturgia de Série de Animação

audiovisual, apesar de algumas semelhanças evidentes, possuem técnicas, estéticas e retóricas


intrínsecas relativamente diferentes entre si. Como nosso objeto de estudo se restringe aqui às
séries de animação, enfocaremos os aspectos deste tipo de série, o que não significa que parte
do exposto aqui também não se possa aplicar às séries não animadas, em live action.

As séries de animação também podem ser classificadas de acordo com seu estilo, isto é,
seus processos próprios de enunciação. Tal classificação corresponde à adoção de um conjunto
de elementos e estratégias de representação do som e da imagem capazes de estabelecer um
gosto formal comum. Em animação observamos, desde os anos 40, uma discussão estilística
que acompanha o universo da animação até os dias atuais.

Em 1943, três animadores “rebelados” dos estúdios Disney - Zack Schwartz, David
Hilberman e Stephen Bosustow - fundam um estúdio que deu origem a United Production
Artists (UPA). A nova associação acreditava que a animação não deveria ter como modelo único
de referência o estilo “realista” de Disney, no qual a animação apresenta um traço sofisticado,
com movimentos fluidos e acabamento impecável. Para esses animadores, a adoção de um
modelo único de animação, que busca verossimilhança com representantes imediatos no
“mundo real”, fora da animação, pode ser entendida como um fator limitador de exploração
de suas potencialidades criativas, estéticas e de linguagem. Em outras
palavras, a animação não deve obrigatoriamente observar as
mesmas regras de um universo que lhe é exterior, ficando
assim livre para explorar novos e infinitos estilos que
incluam representações mais estilizadas. A partir
desta convicção, o estúdio desenvolveu um novo
estilo de animação: a “animação limitada”,
cuja técnica foi depois aperfeiçoada por outros
estúdios, principalmente Hanna-Barbera.

Em primeiro lugar, nesse estilo é feito


um estudo de roteiro e de storyboard a fim
de se detectar a efetiva necessidade de
cenas e planos com movimento. Ao se utilizar
uma única imagem estática durante alguns
segundos, tem-se uma economia significativa de
tempo e recursos de produção. “Truques”, como
pequenos movimentos de câmera ou de cenário,
podem ainda ser utilizados para a associação
ou sensação de movimento às imagens estáticas
utilizadas. Soma-se a este estudo prévio a utilização
inteligente da linguagem audiovisual, por meio de
enquadramentos e da própria edição dos planos.

Proporcionalmente em relação àquelas cenas ou planos


em que efetivamente se faz necessária a presença técnica
do movimento, são idealizadas sequências mais simples
de desenhos, que não correspondem necessariamente à
representação exata do movimento trabalhado. Dessa forma,

50
A Narrativa Seriada na Televisão

uma personagem pode andar com poucos frames e de forma cíclica, movimentando apenas
as pernas sem dobrar os joelhos ou sem mexer o resto do corpo, tal qual faria uma pessoa
ao caminhar de fato na rua, por exemplo. Assim, as personagens das animações limitadas
costumam estar divididas em diferentes camadas (layers), facilitando a sua animação. Com
maior volume de episódios, essas séries passaram a utilizar bibliotecas de movimentos já
animados. Uma sequência de uma personagem caminhando poderia ser reaproveitada em
inúmeras situações, modificando-se apenas partes desta personagem, como sua cabeça, suas
roupas ou seus acessórios.

Mesmo sequências inteiras já animadas poderiam ser reprisadas na íntegra, como um


flashback ou como uma cena que se repete, exatamente da mesma forma, em diferentes
episódios. Para exemplificar, pensemos na transformação de uma personagem comum em um
super-herói, que pode ocorrer sempre da mesma maneira. Essa cena poderá utilizar um mesmo
trecho animado em todos os seus episódios, facilitando sobremaneira o trabalho do animador
nessa etapa.

Outra característica observada nas animações limitadas é a simplificação do desenho


(traço) e da pintura de personagens, cenários e objetos de cena. Da mesma forma, a ausência
de sombras e eventuais rastros nos movimentos tornam o traço mais fácil e rápido. A pintura,
por sua vez, apresenta uma estrutura mais “chapada”, com reduzidas variações em sua paleta
de cores e em seu degradê. A retificação de formas orgânicas e o uso de pinturas “chapadas”
não chegaram a provocar grandes incômodos ao público, visto que este novo estilo de animação
está mais próximo de uma estética contemporânea, presente nas artes e no design.

Por fim, uma última característica singular das animações limitadas é o uso expressivo da
linguagem sonora e musical. Trilhas sonoras dinâmicas e sofisticadas, aliadas a efeitos sonoros
caricatos e diálogos ágeis e trabalhados garantem uma atmosfera sonora envolvente que, ao
mesmo tempo em que auxilia na imersão do espectador na trama e
no próprio universo da série, dificulta a percepção dos truques
visuais que objetivam a economia de movimentos.

Um dos marcos divisores entre uma linha de


animação mais estilizada e outra, mais realista,
se deu em 1950, quando “Gerald McBoing-
Boing” ganhou o Oscar de melhor curta
em animação. A animação, que foi
o primeiro grande sucesso da UPA,
apresenta um garoto que, ao invés
de falar, comunica-se por meio de
efeitos sonoros. Este primeiro curta
deu origem a três outros, todos
indicados ao Oscar. O sucesso dos
filmes deu origem a uma série de
televisão, a primeira a ser exibida
regularmente em horário nobre e
que fez escola, sendo adotada como
modelo de produção entre diversos

51
Dramaturgia de Série de Animação

estúdios e animadores que, desta forma, ajudaram a consolidar o novo estilo – sobretudo, mas
não apenas, na televisão.

Além de uma classificação baseada em critérios estilísticos, Lorenzo Vilches afirma


ser possível classificarmos as séries em tipos relativos à estruturação e à apresentação de
seus elementos narrativos e das relações destes mesmos elementos. Nesse sentido, o tipo
topológico compreende as séries que priorizam o uso de locações como forma de associações
diversas do espectador. O local se estabelece, portanto, como elemento central da trama e
toda a dinâmica narrativa da série gira em torno de sua ambientação. Apesar de normalmente
apresentarem enredos superficiais, podem gerar situações enunciativas originais quando
utilizadas para situações como a ironia, por exemplo.

O tipo enciclopédico representa as séries que estabelecem relações de intertextualidade


dentro de um “sistema enciclopédico”, isto é, a série funciona como um conjunto de possibilidades
virtuais do gênero. Aqui, o papel do espectador é interiorizar um conjunto de regras do gênero,
que permite a compreensão de uma série potencialmente infinita de eventos e episódios.

Já o tipo rendado (encajes) possui uma estrutura baseada na definição de objetivos


ou missões diferentes que devem ser cumpridas a cada novo episódio. Ainda que se trate
de missões diferentes, não há a necessidade de o espectador ter referências prévias para
compreender um episódio isoladamente do contexto da própria série. Da mesma maneira,
elementos apresentados em um episódio podem eventualmente não aparecer nos demais,
tendo sua importância restrita a uma única participação.

As funções narrativas resultantes da relação entre os elementos variáveis com os elementos


invariáveis de uma série podem, ainda segundo o mesmo autor, criar cinco esquemas possíveis.
No primeiro, fixo, se encaixam os casos das séries com o maior grau de redundância. Os
temas e perfis psicológicos das personagens permanecem invariáveis de um episódio a outro. A
excessiva repetição de elementos o transforma em uma espécie de protótipo de uma estrutura
extremamente simplificada, com grandes possibilidades de dilatação temporal.

No esquema fixo com variações de personagens, o tema central e o perfil psicológico das personagens
principais da série permanecem invariáveis na medida em que novas personagens vão surgindo. Essas
novas personagens, de hierarquia secundária, assumem as funções variáveis da série.

O terceiro esquema é denominado pelo pesquisador como fixo com variação psicológica. Neste
esquema, a série avança com a resolução de conflitos interiores das personagens principais, que vão
se apresentando paralelamente às ações de cada episódio. A profundidade psicológica pode relegar
a ação ao segundo plano, uma vez que as nuances da psique humana e suas instabilidades podem
gerar o combustível necessário para o desenvolvimento narrativo. Há, portanto, uma espécie de
predomínio da personagem e de seu interior sobre as ações exteriores.

Já no esquema fixo com variação de tema, a personagem e seu perfil psicológico


permanecem estáveis, mas há uma variação temática (“aventura”) a cada novo episódio.
Neste caso, as personagens se apresentam consolidadas na série e, muitas vezes, fora delas –
como é o caso dos super-heróis.

52
A Narrativa Seriada na Televisão

Por fim, o esquema de personagens fixos representa as séries nas quais há uma identificação
muito forte entre o ator (indivíduo que interpreta um papel) e sua personagem (o papel
representado). Tem-se assim uma série conhecida por apresentar uma personagem que
interpreta diversas “máscaras” e interage com temas diversos, de modo que se estabelece
uma espécie de biografia desta personagem.

Além de critérios estilísticos e narrativos, Arlindo Machado propõe um critério possível de


classificação das séries televisivas baseado na estruturação e apresentação da fragmentação ofertada
ao espectador. Como sabemos, a programação televisiva é constituída pela presença de diversos
programas que, por sua vez, estão estruturados em diversos blocos. Mesmo filmes produzidos
originalmente para cinema e pensados para serem assistidos sem pausas ou interrupções, quando
exibidos em uma emissora de televisão são, normalmente, apresentados de maneira fragmentada.
Diferentemente das produções cinematográficas, os programas de televisão, independentemente
de seu gênero, são concebidos para atender a essa fragmentação.

O programa também pode ser pensado como parte de um todo, que pode se estender
por semanas, meses ou mesmo anos. Neste caso, temos a presença de uma narrativa seriada
que se apresenta de forma descontínua e fragmentada. Desta forma, o enredo é apresentado
em diferentes capítulos ou episódios, que podem, por sua vez, estar organizados em blocos
divididos pelos breaks comerciais.

Apesar das pausas oferecerem a possibilidade de inserção de anunciantes comerciais, principal


fonte de renda das emissoras privadas, permitem também uma espécie de pausa para o espectador
“respirar” ou mesmo realizar outras atividades breves. Mesmo emissoras públicas que não possuem
comerciais publicitários também costumam inserir intervalos nos programas.

Para Machado, existem três tipos principais de narrativas seriadas na televisão, a partir da
maneira como a fragmentação é oferecida ao espectador e estruturada na própria série. No
primeiro tipo (“capítulos”), há uma ou diversas narrativas (entrelaçadas ou paralelas) principais
que se apresentam de forma contínua e linear. Isto é, deve-se assistir aos episódios em uma ordem
cronológica predeterminada de exibição, na qual o entendimento de um episódio é fundamental
para o entendimento do próximo, e assim por diante, em um encadeamento teleológico.

No segundo tipo (“episódios seriados”), cada episódio se constitui como uma história
completa e autônoma, com a repetição de elementos narrativos centrais na série. A partir de
um padrão básico, recorrente, elementos variáveis são apresentados possibilitando variações
em torno de seu eixo. Não é necessário, portanto, que o espectador assista a episódios prévios
em determinada ordem para que se entenda o episódio atual, da mesma forma que este não é
necessário para os próximos. Como não há ordem de exibição, os diferentes episódios da série
podem ser exibidos em qualquer ordem, garantindo assim maior possibilidade de reprises.

O terceiro tipo (“episódios unitários”), por sua vez, apresenta as séries em que cada episódio
possui independência narrativa e, ao mesmo tempo, apresenta elementos narrativos diferentes
entre si, podendo mudar de personagens e mesmo de universos criativos inteiros. Neste caso, o que
possibilita que os diferentes episódios se constituam como série é uma determinada temática comum
recorrente, como narrativas de suspense, terror ou fantásticas, por exemplo.

53
Dramaturgia de Série de Animação

Independentemente do critério e do próprio gênero a que uma série de animação pertença


ou no qual possa estar classificada, é importante registrar que atualmente as séries de animação
para televisão possuem algumas estruturas fixas possíveis de fragmentação. Em primeiro lugar, a
duração de cada episódio pode ter de um a dois; sete; 11 ou 22 minutos. No primeiro caso, a duração
mais curta é utilizada nos chamados interprogramas, histórias rápidas e dinâmicas apresentadas,
normalmente, no intervalo entre um programa e outro de uma emissora de televisão. A duração de
sete minutos é um formato mais tradicional, bastante utilizado principalmente em algumas séries
de animação mais antigas. Já os episódios de 11 minutos são os mais praticados nos dias de hoje.
Episódios de 7 e de 11 minutos também costumam ser agrupados em um mesmo programa a fim
de completar uma determinada carga horária própria de sua janela de exibição. Assim, episódios
diferentes de séries diferentes podem ser apresentados e exibidos em um mesmo programa.
Por fim, os episódios mais longos, de 22 minutos, não costumam ser exibidos junto com outras
animações, tendo, na maioria dos casos, exibição em um programa próprio que se encaixa na
janela de meia hora das emissoras de televisão.

Os breaks comerciais, e, por consequência, os blocos de cada episódio, são definidos por
cada emissora de televisão em função da quantidade de seus anunciantes. Assim, a quantidade
e a localização exata do trecho de interrupção para as pausas de cada episódio competem a
cada emissora exibidora da série. Séries exibidas em emissoras diferentes, normalmente não
concorrentes entre si, podem ter quantidade e localização de breaks diferentes. Na maioria
dos casos, séries de interprogramas ou de sete minutos de duração não costumam ter breaks
comerciais. Já as séries com 11 minutos de duração costumam ter apenas um break e as
de 22 minutos três breaks comerciais. Já uma temporada, isto é, o conjunto de todos os
episódios exibidos no intervalo de um ano, costuma ser composta de 26 episódios, podendo
eventualmente chegar a 52 (“supertemporada”).

No próximo capítulo, delinearemos uma breve história da televisão e algumas de suas


principais características, para depois traçarmos um panorama da história das séries de
animação nesta mídia. Em um segundo momento, trataremos da experiência brasileira de
produção das séries de animação para televisão (mais conhecidas como “desenhos animados”),
finalizando o capítulo com análises de duas séries atuais de grande sucesso internacional.

54
A Narrativa Seriada na Televisão

55
Séries de
Capítulo 2 animação
televisiva
Dramaturgia de Série de Animação

séries de
2. Séries de Animação Televisiva 2 animação
televisiva
Neste capítulo, discutiremos inicialmente a história e alguns aspectos característicos da
principal mídia da segunda metade do século XX e que, mesmo assim, ainda se apresenta em
determinados aspectos como uma ilustre desconhecida para muitas pessoas: a televisão.

Os estudos sobre a televisão são relativamente recentes e divididos em algumas linhas


distintas, das quais enfatizaremos elementos referentes à crítica social e aos estudos de sua
linguagem e estética. Conhecer, mesmo que brevemente, tais características permite uma
ampliação da visão do meio e uma melhor exploração de suas potencialidades.

Em seguida, abordaremos a história das séries de animação para televisão. Nesse sentido,
veremos que as animações exibidas inicialmente na televisão eram reprises dos antigos
theatricals já exibidos no cinema, proporcionando assim um reaproveitamento de material
(ready made). As primeiras séries de animação feitas especificamente para a televisão,
também conhecidas por desenhos animados, surgem em 1949 nos Estados Unidos, quando
essa mídia ainda era uma novidade. De lá para cá, com a popularização da televisão e, mais
recentemente, com o surgimento da internet, muita coisa aconteceu.

Na maioria dos casos, uma série de animação para televisão requer uma grande estrutura
de produção, distribuição e comercialização, que permita à série “se pagar” e também se
popularizar, preferencialmente para além de seu país de origem. Nessa indústria, os Estados
Unidos ocuparam papel praticamente hegemônico até os anos 70, quando os animes japoneses
passam a ser exibidos com maior frequência fora do Japão. Há alguns anos, países como
Canadá, Espanha, França e Inglaterra também têm conquistado maior espaço na criação e
desenvolvimento de desenhos animados no mercado internacional.

58
Séries de Animação Televisiva

Mesmo que tenha sido definido um modelo estrutural dominante de criação e produção,
experiências, ainda que em menor quantidade, realizadas em outros países fora deste eixo
também revelam soluções criativas e o desenvolvimento de produtos inteligentes. Neste
sentido, abordaremos alguns destes casos como uma forma de apontar eventuais novos
caminhos estilísticos e de desenvolvimento.

Em um terceiro momento deste capítulo, trataremos da experiência brasileira em animação


que, grosso modo, possui reconhecimento técnico e criativo em termos de produções autorais
de curtas metragens e de publicidade. Os desafios para as próximas décadas residem no
desenvolvimento de filmes de longa-metragem e de desenhos animados – além da exploração
dos potenciais das chamadas “novas mídias”. Observaremos em linhas breves esta experiência
desenvolvida de maneira independente da televisão brasileira.

Durante cerca de 40 anos, as únicas animações vistas na televisão brasileira eram criadas
e produzidas no exterior, salvo raras exceções, como o extinto programa “Lanterna Mágica”,
apresentado por Roberto Miller na TV Cultura. Somente no início dos anos 90 é que pequenas
séries de curta duração e com número limitado de episódios passaram a ser vistas, sobretudo,
nas emissoras públicas e educativas.

A partir do início deste século, a situação parece ter se modificado um pouco. Apenas nos
dois últimos anos, quatro séries brasileiras com coprodução internacional passaram a ser vistas
em emissoras de televisão de todo o mundo. A TV Rá-Tim-Bum, canal infantil com programação
100% nacional - também assistido no Japão, Estados Unidos e Portugal -, anunciou ainda a
exibição de três novas séries em coprodução com estúdios brasileiros.

Neste sentido, destacamos o ProAnimação, criado pelo Ministério da Cultura em 2008 e


destinado ao desenvolvimento da indústria da animação brasileira. Como um dos primeiros
resultados desse programa, tivemos o lançamento do ANIMATV, voltado ao desenvolvimento de
séries de animação brasileiras. Faremos o estudo de caso de duas destas séries.

Por fim, o capítulo termina com uma análise livre de duas séries internacionais, “Bob
Esponja Calça Quadrada” e “Os Simpsons”, escolhidas por conta de suas bem sucedidas
trajetórias, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma indústria da animação em
nosso país.

Esperamos que as ideias e informações apresentadas neste capítulo sirvam não apenas
para um maior conhecimento histórico e teórico, mas também como importante elemento na
construção de um repertório fundamental para a elaboração de novas séries de animação.

59
Dramaturgia de Série de Animação

60
Séries de Animação Televisiva

um breve histórico
2.1 da televisão e
características do meio
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio
Como afirmamos anteriormente, ao longo de sua existência, o homem vem utilizando diferentes
formas e suportes para expressar ideias, sentimentos e sensações resultantes de suas vivências.
Desde os primórdios da sua existência até os dias atuais, o constante crescimento da comunicação
humana pode ser entendido como uma condição de nossa espécie, ainda que, para muitos, a
pluralidade e diversidade proporcionada por este crescimento represente, paradoxalmente, uma
menor capacidade do homem efetivamente se comunicar e dialogar com o outro.

Este crescimento comunicacional também pode ser entendido como uma forma de compensação
humana pela inexorabilidade da morte. A produção vertiginosa de códigos e signos seria, neste
sentido, resultante da tentativa de se explicar o inexplicável, de buscar o sentido da vida e de
perpetuá-la por meio da obra, imortalizando assim o autor e seu legado.

O estudo da comunicação, da linguagem e das mídias, em seus mais diversos aspectos, vem sendo
realizado por diferentes pensadores e pesquisadores em épocas e culturas diferentes. Seguindo esta
ideia, devemos levar em conta que o advento de uma nova mídia não aniquila necessariamente
uma anterior – mesmo depois do advento da escrita, o homem continuou usando a fala para se
comunicar, por exemplo. A introdução de novas formas do homem se relacionar com o mundo faz
com que algumas destas sejam consideradas mais apropriadas em determinadas situações do que
outras. Também é possível observar a incorporação e a reconfiguração de algumas destas formas
precedentes a outras, como podemos observar na presença da oralidade no universo audiovisual,
por exemplo.

O domínio ou a valorização de uma destas formas em detrimento de outras em uma


cultura ou sociedade interfere diretamente no juízo valorativo, nas referências e na própria
interpretação da realidade. Para muitos, após o advento da televisão, passamos a viver a “era
do audiovisual”, na qual a imagem passa a ser supervalorizada.

61
Dramaturgia de Série de Animação

Os primórdios da televisão remontam ao início do século XIX, com as transmissões de fotos


por aparelhos de facsimile, técnica aperfeiçoada, sobretudo, para a transmissão de imagens
jornalísticas à distância. A descoberta da fotocondutividade do selênio (1876) e a invenção
do disco de Nipkow (1884) permitiram que vários países, como Estados Unidos, Japão, União
Soviética, Inglaterra, França e Alemanha desenvolvessem, entre o final do século XIX e início
do XX, pesquisas em laboratórios sobre a televisão eletromecânica.

Entretanto, com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as pesquisas e os


projetos para o lançamento da televisão ficam estagnados. As primeiras emissoras, assim como
os primeiros aparelhos de televisão comercializados, com cerca de 40 linhas de resolução,
surgem apenas em 1928. O dado curioso fica por conta da primeira imagem transmitida pela
televisão: um boneco do gato Félix. A personagem foi escolhida por conta de seu contraste
(branco e preto) e também pelo fato de ser uma imagem amplamente conhecida e de fácil
identificação. Para os mais supersticiosos, foi uma espécie de presságio do sucesso que a
animação teria na nova mídia.

Em 1936, as emissoras e aparelhos passam a trabalhar com o modelo eletrônico e, após


outro período de estagnação, desta vez por conta da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
o novo modelo de televisão se consolida e se desenvolve. Com um número muito maior de
linhas de resolução (525 ou 625, dependendo do sistema), a televisão eletrônica se populariza
rapidamente, desbancando o lugar do rádio como principal meio de comunicação de massa.

O fato de os Estados Unidos terem tido menos prejuízos com os conflitos mundiais e de não
terem sofrido ataques em seu próprio território fez com que a economia do país se desenvolvesse
sobremaneira no período do pós-guerra. É quando se firma o modelo do american way of
life baseado, principalmente, na produção e no consumo de bens. Nessa esteira, a televisão
surge como um território relativamente virgem para ser explorado. Transmissores, câmeras,
monitores, equipamentos e profissionais diversos, ligados direta ou indiretamente ao setor,
foram responsáveis pela criação de todo um modelo econômico baseado nesta nova mídia.

Em seu “ano zero”, entretanto, os pioneiros da televisão tiveram grandes dificuldades em


pensar uma linguagem própria - assim como normalmente ocorre também com outras mídias.
Apesar de nesta mesma época o cinema já ter desenvolvido uma gramática mínima, a principal
referência utilizada pela televisão foi o rádio – principal meio de comunicação de massa nesta
época. Não por acaso, a televisão era chamada inicialmente em muitos países pela alcunha de
“rádio com imagens”.

Apesar da ausência de imagens, o rádio também é considerado uma mídia terciária, isto
é, um meio de comunicação à distância. Além disso, rádio e televisão também tinham em
comum o predomínio dos programas “ao vivo” em sua grade, o que, por si só, assegura uma
característica bastante distintiva em relação à sétima arte.

No final dos anos 50 e início dos anos 60, a televisão se beneficia de dois avanços tecnológicos: o
videotape e a transmissão em cores. Vale observar que o videotape, ou VT, garantiu não apenas maior
dinamismo à produção televisiva, como também o desenvolvimento de programas que não seriam
viáveis sem a presença deste dispositivo tecnológico, que permite a gravação de sons e imagens para
posterior edição e reprodução. Apesar desta nova possibilidade, ainda hoje boa parte da programação

62
Séries de Animação Televisiva

televisiva, principalmente dos canais abertos, é ou possui fortes marcas ou resíduos dos programas ao
vivo, provavelmente em função da maior facilidade e da economia de sua produção.

Em relação à transmissão em cores, a televisão “tira o atraso” de quase três décadas em


relação ao cinema, que já exibia com certa regularidade filmes coloridos desde a década de
30. Com o mote “a vida é colorida”, a televisão passa a trabalhar melhor a questão do uso
das cores em suas produções, o que representou um avanço expressivo em sua direção de
arte, sobretudo em áreas como as de figurino e cenografia. Assim, pouco a pouco, a televisão
desenvolve e consolida gêneros, estéticas e gramaticas próprias, distintivas do cinema e dos
demais meios e formas de comunicação e expressão.

A partir da segunda metade do século passado, o modelo de televisão eletrônica foi sendo
instalado nos demais países de todo o mundo – processo que englobaria praticamente todos
os países do planeta até o final do século XX. Assim como normalmente acontece a maioria
das mídias, a televisão surge de forma elitista, restrita a uma camada financeiramente
privilegiada da população em um dado país ou região, e acaba se popularizando, tornando-se
posteriormente acessível para a grande maioria dessa população. Isso fez com que a televisão
se transformasse na principal mídia da segunda metade do século XX, ocupando em muitos
países, como nos Estados Unidos e no Brasil, um papel de grande destaque na vida social.

Um importante autor que versou sobre a televisão foi Marshall McLuhan. Em seu terceiro
livro, “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem”, de 1964, McLuhan identifica
o papel da tecnologia na sociedade contemporânea como uma extensão do próprio homem
e afirma que a televisão exerce uma força sinestésica unificadora capaz de determinar a
sensorialidade de diversos grupos sociais. O pensador canadense cunhou ainda, a partir de sua
observação sobre o papel da televisão, o termo “aldeia global”, no qual as redes eletrônicas e
de telecomunicações tornariam as comunidades de todo o planeta muito mais próximas – fato
consolidado pela disseminação da internet no século XXI.

O autor classifica os meios de comunicação em duas categorias, a partir de uma terminologia


que tomou emprestado do universo musical do jazz: quente (jazz clássico) e frio (cool jazz).
Meio quente é aquele que em função de sua alta definição e baixo ruído, exige pouco esforço
para captação de uma mensagem, prolonga um único sentido e não deixa espaços para serem
preenchidos – como, por exemplo, a fotografia. Já o meio frio, como a televisão, possui baixa
definição, exige envolvimento e participação do destinatário para completar as lacunas, uma
vez que pouca informação é efetivamente fornecida. Neste sentido, um meio frio possibilita ao
destinatário uma participação maior e mais ativa do que a de um meio quente.

Inúmeros outros estudos vêm sendo realizados desde a segunda metade do século XX sobre os
mais diversos aspectos da televisão. Podemos destacar, obedecendo ao interesse deste livro, duas
grandes vertentes: os estudos sociais e os estudos de linguagem. A primeira aborda os aspectos
sociais da televisão com enfoque especial nos estudos da recepção, isto é, na influência desta mídia
na sociedade e em seus diversos impactos comportamentais. A presença massiva da televisão no
cotidiano costuma ser interpretada a partir de efeitos considerados negativos ou positivos.

Os efeitos negativos da televisão normalmente estão associados ao caráter pervasivo e


ubíquo da mídia. Pervasivo, pois tende a se espalhar e se fazer efetivamente presente em

63
Dramaturgia de Série de Animação

todos os lugares ao qual chega. A imagem de indígenas em ocas ou de uma família sentada
em um sofá assistindo à televisão é bastante presente no imaginário contemporâneo e
ilustra bem este caráter pervasivo do meio, inclusive em ambientes privados. A ubiquidade,
por sua vez, é atribuída por sua onipresença, sua capacidade de estar em diversos lugares
concomitantemente. Destes dois aspectos associados surgem as maiores preocupações quanto
ao poder da televisão, seu discurso, sua ideologia e a sua capacidade de eventualmente
manipular grandes contingentes de pessoas de uma única vez.

A televisão também costuma ser acusada de restringir, em extensão e profundidade,


determinados temas e conteúdos, colaborando para uma visão simplificada e limitada da
realidade. Além da superficialidade, os temas costumeiramente abordados são apontados
como triviais, quando não banais e, em alguns casos, vulgares. Destarte, a superficialidade e
a banalidade da televisão colaboram na “deseducação” do cidadão, transformando o sujeito
em um ser limítrofe, alienado. Quando esta lógica é pensada em termos coletivos, tem-se
a formação de um público homogeneizado e virtualmente mais fácil de ser manipulado por
aqueles que efetivamente produzem o discurso do meio e que, portanto, detêm o poder.

Duas metáforas são comumente evocadas para tentar ilustrar o papel e a relação da televisão
com a sociedade: a da janela e a do espelho. Entendida como janela, a televisão permite, quando
aberta, revelar em seu interior um mundo novo, diferente daquele existente do lado de fora (ou de
dentro) da janela. Enquanto espelho a televisão reflete sons e imagens de um mesmo mundo no qual
ela também se encontra inserida. As metáforas são empregadas principalmente quando se procura
entender prioritária ou exclusivamente normas e comportamentos sociais por meio de uma possível
relação direta de influência e de causa-efeito entre televisão e sociedade, sem considerar outros

64
Séries de Animação Televisiva

elementos diversos de ordem política, econômica e cultural. Apresenta-se assim, a partir de uma
leitura negativa de ambas, um paradoxo ou mesmo um dilema de causalidade: a televisão é ruim por
conta da sociedade na qual ela está inserida ou é a sociedade que é ruim por causa da televisão que
possui? Quem influencia quem?

Os efeitos positivos da televisão, por sua vez, são evocados a partir de uma visão instrumentalista
do meio, isto é, a televisão não é por si só, boa ou má, ela simplesmente é um instrumento, uma
ferramenta. Sua natureza é determinada assim, pela utilização que se faz dela bem como pela motivação
e intencionalidade das pessoas que definem este uso. Desta forma, a partir dos mesmos poderes desta
mídia, seu potencial é utilizado para a transmissão de mensagens educativas ou edificantes, que
colaboram positivamente no processo formativo de constituição do cidadão enquanto sujeito próprio,
com autonomia de pensamento e que pertence, ao mesmo tempo, a uma coletividade.

Já os estudos sobre
a linguagem da televisão
buscam identificar os signos
presentes nesta mídia e
compreender a dinâmica de
seus sistemas, utilizada na
criação de uma gramática
própria. Neste sentido,
devemos considerar alguns
aspectos históricos e
culturais que influenciaram
no desenvolvimento de
uma linguagem intrínseca à
televisão.

Apesar de um grande
entusiasmo inicial em relação
às potencialidades do meio por
parte de artistas e teóricos, a televisão foi, pouco a pouco,
se distanciando da noção de uma nova forma elaborada de
arte e expressão. Conforme afirma Machado (2000), se o
interesse pela literatura, cinema ou por quaisquer outras
formas sofisticadas de arte representam uma demonstração
de “educação, refinamento e elevação do espírito”, o
interesse pela televisão é entendida como “sintoma de
ignorância, quando não de desequilíbrio mental”.

Porém, conforme aponta o mesmo autor, afirmar que na televisão só exista banalidade é um
“duplo equívoco”. Primeiro por dar a impressão de que as coisas sejam muito diferentes “fora da
televisão”. A banalização é, infelizmente, um fenômeno observável em toda a Indústria Cultural
e não apenas na televisão, diferenciando-se assim, noções como as de popular e popularesco,
quantidade e qualidade. No cinema, por exemplo, os filmes mais assistidos não correspondem aos
filmes considerados pela crítica especializada como as obras mais significativas do meio, o mesmo
ocorre com a literatura e seus best-sellers e assim por diante.

65
Dramaturgia de Série de Animação

Em segundo lugar, mesmo que em menor número, é possível identificar “vida inteligente”
dentro da televisão. A diferença em relação às outras mídias é a mudança de escala
proporcionada pela televisão. Mesmo que uma pequena parcela dos programas exibidos
atinja uma pequena porcentagem do público espectador, estamos falando de números muito
maiores do que um trabalho de alta qualidade poderia almejar em qualquer outra forma de
comunicação e expressão.

Machado propõe, portanto, uma mudança de enfoque: ao invés de se enfatizar o que a televisão
tem de pior, deslocar o foco para a “diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades
expressivas desse meio”. Para tanto, é preciso entender a televisão como um dispositivo audiovisual,
isto é, olhar também “da tela para dentro” e não apenas seus “impactos sociais”. É preciso, portanto,
rever a falsa noção de que na televisão não existe nada além do banal ou do trivial. Em outras
palavras, é fundamental analisar o conjunto de seus programas, o que permite entender a televisão
como uma forma singular de comunicação e expressão “através da qual uma civilização pode exprimir
a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e descrenças, as suas
inquietações, as suas descobertas e os voos de sua imaginação”.

Ao se conhecer um repertório expressivo fundamental de obras televisivas, ao invés


de apenas aquilo que o meio tem de pior, o público espectador, assim como estudantes,
pesquisadores, produtores, diretores e demais profissionais teriam outro leque de referências,
o que permitiria novas e diferenciadas abordagens do meio.

66
Séries de Animação Televisiva

Esta abordagem valorativa da televisão remete ao conceito de quality television, surgido


em meados dos anos 80 na Inglaterra. Ao se pensar a televisão a partir de uma perspectiva
valorativa, questões acerca do conceito de qualidade se tornam cruciais. O mote é o de que o
modelo industrial e a demanda comercial não necessariamente inviabilizam a produção de obras
de qualidade acentuada. Ao contrário, a arte não pode ser entendida de maneira dissociada
de sua época, incluindo aí, seus recursos, tecnologias, modelos sociais, culturais e econômicos
vigentes. Não existe razão, portanto, para que a seleção das obras mais significativas para
televisão tenha critérios essencialmente diferentes daqueles utilizados em outras áreas.

Todavia, o conceito de qualidade pode se apresentar de forma ampla e genérica, suscetível


a diferentes acepções ou entendimentos a partir de uma predisposição prévia. Nesse sentido,
o pesquisador Geoff Mulgan (1990) enumera sete acepções possíveis para o termo qualidade
na televisão. A primeira acepção se refere a um conceito estritamente técnico, isto é, o
uso apropriado dos recursos do meio, como fotografia, roteiro e interpretação, por exemplo.
Uma segunda acepção refere-se à capacidade efetiva de um programa atingir com êxito seu
público- alvo, isto é, sua audiência e, consequentemente, anunciantes. Desta maneira, um
bom programa pode ser entendido como qualquer outro produto dentro de uma lógica de
marketing. Qualidade também pode ser entendida como a capacidade de um programa ousar,
inovar e romper com padrões preestabelecidos e paradigmas dentro de um determinado gênero,
ampliando assim os horizontes estéticos e de linguagem. Uma quarta acepção possível engloba
os aspectos educativos, pedagógicos e morais, ou seja, sua capacidade de transmitir mensagens
e valores considerados socialmente edificantes. Próxima a esta acepção encontra-se outra, a
noção de qualidade como a capacidade interativa de um programa gerar reflexão, interesse
público, participação e mesmo mobilizações em torno de temas políticos e ideológicos. A
sexta acepção proposta por Mulgan diz que qualidade pode ser entendida como a valorização
das diferenças, das individualidades e das minorias, normalmente excluídas ou abordadas
de maneira distorcida pela grande mídia. Por fim, uma última acepção do termo qualidade
diz respeito à diversidade, a capacidade de abordar os aspectos plurais e multiculturais de
qualquer sociedade.

A riqueza e a heterogeneidade destas acepções devem ser entendidas não como um


problema, mas sim como uma virtude da televisão. Para o autor, independentemente das
acepções utilizadas, a discussão sobre qualidade na televisão é não apenas fundamental como
também imprescindível. Além disso, para o pesquisador inglês, quanto mais um programa
conseguir combinar estas diversas acepções, maiores serão seus atributos. Em outras palavras,
a qualidade de um programa reside em sua capacidade singular de aglutinar a maior quantidade
de qualidades possível.

Por fim, não devemos esquecer-nos de considerar as três formas de edição possíveis na
televisão: a da emissora (ao definir a grade de programação e as inserções comerciais), a do
programa (por meio da escolha de enquadramentos, montagem das cenas e ritmo de edição)
e a do espectador (a partir da própria maneira como assiste ao programa, incluindo aí o efeito
de mudar de canais, conhecido como zapping, estimulado após o advento do controle remoto
na metade da década de 50 e popularizado a partir da de 70).

Como qualquer outro produto cultural, a televisão acompanha as mudanças e


transformações culturais e sociais de maneira inerente e dinâmica, uma vez que ela própria

67
Dramaturgia de Série de Animação

se encontra inserida nesta mesma sociedade. Desta maneira, novos gêneros, abordagens e
linguagens surgiram de forma intrínseca ao próprio desenvolvimento da televisão – ainda que
certos paradigmas permaneçam imutáveis.

Tecnologicamente, o modelo eletrônico permanece, desde a década de 60 até os dias


atuais (após o advento da transmissão em cores e do videotape), sem alterações estruturais
expressivas. Entretanto, atualmente estamos passando por um período de transição para um
novo paradigma do meio: o modelo digital de televisão.

Vivemos hoje, portanto, um novo e importante momento de transformações nesta mídia,


com a mudança do modelo eletrônico para o digital. Mais do que alterações na resolução do
som e da imagem ou na proporção da tela, a televisão digital representa a possibilidade de
uma profunda mudança estrutural e conceitual do próprio meio, que instiga novas reflexões
e projeções para o futuro desta mídia – as quais serão discutidas melhor no final deste livro,
junto com as demais perspectivas para o futuro da animação.

68
Séries de Animação Televisiva

69
Dramaturgia de Série de Animação

70
Séries de Animação Televisiva

2.2 História das séries


de animação para televisão
2.2 História das Séries de Animação para Televisão
Para Jason Mittell, as séries de animação na televisão (conhecidas no Brasil como desenhos
animados), constituem um gênero próprio dentro desta mídia audiovisual. Para o pesquisador
americano, o principal fator de definição da especificidade deste gênero é, mais do que qualquer
fator artístico ou estético, a presença de um modelo centrado na produção. Nesse sentido, o
papel da indústria da animação foi fundamental para a criação e a efetiva consolidação dos
desenhos animados em todo o mundo.

Historiadores da televisão mencionam o fato de que, em 1929, a primeira imagem


transmitida à distância sem fios, pelo canal 4 (W2XBS), filial da NBC em Nova Iorque, foi a
de um boneco em papel machê do Gato Félix. A escolha da mascote teria se dado, como
vimos anteriormente, pelo fato de ser uma imagem popular e de fácil reconhecimento em um
dispositivo que possuía, naquela época, apenas 40 linhas de resolução.

Dez anos após essa transmissão experimental, em 1939, o mesmo canal (W2XBS) exibe a
primeira animação produzida exclusivamente para a televisão, “Willie, the Worm”, dirigida
pelo animador da Disney Chad Grothkopf. Tratou-se, porém, de uma espécie de curta-metragem
baseado em um poema infantil, exibido de forma isolada e não seriada.

Em seus anos iniciais, a televisão não produziu novas animações, apenas reprisou séries e
episódios já exibidos no cinema (theatrical). Apesar de não haver uma duração específica, os
episódios das séries de animação no cinema possuíam em média seis ou sete minutos. Ao serem
exibidos na televisão, eram agrupados e apresentados dentro da grade da emissora em um programa
conduzido por um apresentador – formato ainda comum em muitos programas infantis.

O reaproveitamento dos theatricals (ready made) aconteceu por alguns fatores históricos
distintos. Em primeiro lugar, o enorme volume de produção animada acumulado no cinema deu

71
Dramaturgia de Série de Animação

uma falsa impressão de “recurso inesgotável”. Essa visão mais imediatista fez com que muitas
emissoras e produtores não julgassem necessário produzir novos conteúdos, apenas escolher
entre os já existentes.

Em segundo lugar, com o início da crise da exibição das séries de animação no cinema
em função da consolidação do longa-metragem, o custo para compra destes episódios caiu
drasticamente, tornando assim muito mais vantajoso financeiramente para as emissoras
comprar os theatricals do que efetivamente produzi-los. Além disso, o valor de uma animação
inédita na época podia custar até 16 vezes mais do que o custo de um programa em live action
com o mesmo tempo produzido para televisão.

Outro fator que podemos apontar para o reaproveitamento dos theatricals foi a notória ação
da Suprema Corte norte-americana de 1949 contra o “block booking”. Nesta ação do Estado, foi
quebrado o monopólio dos principais estúdios de cinema, que praticamente obrigavam as salas
de projeção a exibir as suas produções “B” e “C” em troca da cessão de seus melhores filmes
(“A”). Além de favorecer os grandes estúdios, essa prática também inviabilizava a veiculação
de produções menores, que não tinham qualquer janela de exibição fora do chamado circuito
“independente” ou “alternativo”. Destarte, os grandes estúdios acabaram expandindo seus
negócios para a televisão, adquirindo e depois comercializando, por exemplo, os antigos
theatricals com as redes (nacionais) e emissoras (regionais) de televisão.

72
Séries de Animação Televisiva

Mittell observa um fenômeno curioso na migração destas séries de animação do


cinema para a televisão: enquanto no cinema eram assistidas por um público diverso, mas
predominantemente adulto, na televisão estas mesmas séries passaram a ser assistidas quase
que exclusivamente pelo público infantil. Tal perspectiva se manifestou de maneira tão forte
que ainda hoje é possível encontrar disseminada a falsa noção de que desenho animado é
sinônimo de entretenimento infantil. Apesar de não haver uma única explicação consensual
capaz de justificar este fenômeno, podemos apontar as diferenças características fundamentais
entre estas duas mídias como uma de suas possíveis causas.

Podemos também atribuir parcialmente esta mudança de público à censura que muitas
das animações sofreram por parte da Federal Communications Commission (FCC), órgão
responsável pela regulamentação e classificação do conteúdo veiculado na mídia norte-
americana, com atuação marcante a partir da década de 40. Diversos episódios ou seus trechos
considerados ofensivos ou inapropriados foram banidos ou reformulados. Em outras palavras,
a aparição ou menção à violência, humor negro, cigarros, bebidas alcoólicas, armas, erotismo
e qualquer conteúdo “suspeito” era censurado sob a rubrica de proteção às crianças. Assim,
inúmeros episódios acabaram sendo excluídos ou mesmo modificados, restringindo o escopo do
material efetivamente exibido na televisão.

Com o aperfeiçoamento das técnicas de animação limitada, inicia-se timidamente a produção de


novas séries específicas para a televisão (cartoons), todavia relegadas ao público infantil. Os episódios
eram exibidos principalmente no horário do sábado de manhã, considerado pelos anunciantes e pelas
próprias emissoras como um horário inexpressivo comercialmente e destinado às crianças. Assim, os
desenhos animados foram inicialmente um tipo de produção de baixo orçamento, marginalizada pela
crítica, pelos anunciantes e até mesmo pelas próprias emissoras.

O grande precursor das séries de animação para a televisão foi o produtor Jerry Fairbanks.
Ele criou a “janela” do horário de sábado de manhã para programas infantis – horário até
então abandonado pelas emissoras – e produziu, em 1949, o piloto de uma das primeiras
séries pensada exclusivamente para televisão, “Crusader Rabbit”. A série, dirigida pelo
animador Alex Anderson, que havia trabalhado anteriormente no Terrytoons Studios, teve
195 episódios produzidos. O enredo girava em torno das aventuras de um coelho cavaleiro
e era visualmente considerada como uma espécie de animatic, com poucos movimentos ou
sequências efetivamente animadas. Fairbanks foi responsável ainda pela comercialização,
durante os anos 50 e 60, de inúmeras séries de animação diretamente para emissoras locais
em todos os Estados Unidos.

Outro desenho animado apontado como precursor foi “Tele-Comics”, uma produção da Vallee
Video de 1949, também exibida em canais regionais. A série foi posteriormente comprada pela
NBC e rebatizada, no ano seguinte, para “NBC Comics”. Os episódios apresentavam histórias
de aventura com imagens estáticas (ou com ligeiros movimentos), dubladas por atores de
rádio, uma espécie de “rádio ilustrado” que garantia certa dinâmica narrativa.

Uma terceira série foi exibida em caráter experimental, em um programa local veiculado na
WNBT-TV de Nova York, também em 1949: “The Adventures of Pow Wow”. Produzida pela Tempe-
Toons e dirigida pelo animador Tom Baron, a série tinha como personagens principais o pequeno
índio Pow Wow, uma amiga índia e o sábio pajé que, juntos, buscavam salvar a floresta, os animais

73
Dramaturgia de Série de Animação

e a vida selvagem de diversos problemas. Sem uso de fala e com enredos baseados na mitologia e
no folclore nativo norte-americano, a série foi considerada politicamente correta e obteve relativo
sucesso entre o público infantil, tendo sido reprisada na rede CBS em 1956.

Estima-se que, no início da década de 50, apenas 9% dos domicílios nos Estados Unidos
possuíam aparelhos de televisão. Como a verba publicitária destinada à nova mídia era bastante
restrita, o que limitava o orçamento das emissoras para novos programas que exigissem maior
aporte financeiro, programas ao vivo e baseados no diálogo (fala) eram, portanto, o carro
chefe da programação.

Nos anos seguintes, apenas outras duas séries de animação foram produzidas para a
televisão: “Jim and Judy in Teleland” (1949-1950) e “Winky Dink and You” (1953), este último
reconhecido como o precursor do licenciamento em animação, uma vez que o programa servia
para a venda de um kit (“Winky Dink Kit”) composto por papel, lápis colorido e crayons, que
permitia às crianças interagirem com o programa por meio de desenhos e pinturas.

Em 1951, os estúdios Disney começam a produzir especiais de natal para a rede de televisão
ABC. Os especiais foram exibidos, por exigência do próprio Walt Disney, sem intervalos
comerciais, apenas com a menção do patrocinador ao início e ao final dos programas. Pouco
depois, em 1954, interessado em uma aproximação com a rede ABC para a construção de
seu parque temático, o estúdio estreia nessa mesma emissora “Disneyland”. Esse programa
era apresentado por Walt Disney em pessoa e exibia materiais (animados e em live action)
pertencentes ao acervo do estúdio, aproveitando assim também os antigos theatricals.

O programa semanal de uma hora de duração foi exibido praticamente de forma ininterrupta
em horário nobre, desde sua estreia, em diferentes emissoras (ABC, 1954-1960; NBC 1961-
1980; CBS 1981-1983; ABC 1985-1988; NBC 1988-1990; Disney Channel 1990-1996; ABC 1997-
2008). Rebatizado posteriormente como “The Wonderful World of Disney” (“O Maravilhoso
Mundo de Disney”), a série, que teve seu último programa inédito exibido na véspera do natal
de 2008 e que ainda é reprisada em alguns países, é o segundo programa mais duradouro de
toda a história da televisão, com 52 temporadas e cerca de 1300 episódios.

Segundo o pesquisador de cartoons Hal Erickson, “Disneyland” foi a primeira série a


promover a animação em horário nobre na televisão e também a atender todos os grupos
demográficos, sendo considerada, à época, o quarto programa favorito do público nos Estados
Unidos, logo atrás do tradicional “Ed Sullivan Show”.

A participação de Walt Disney na televisão, mídia a qual havia declarado antipatia


e recusado ofertas prévias, causou alvoroço no meio. Para competir com “Disneyland”, a
CBS contratou Paul Terry para dirigir, em 1953, “Barker Bill’s Cartoon Show”, programa que
tinha como apresentador um corpulento chefão de circo que anunciava animações antigas da
Terrytoons, como “Farmer Al Fafa” e “Kiko, the Kangaroo”. O sucesso da série, exibida duas
vezes por semana, levou a CBS a comprar todo o acervo de 40 anos do estúdio Terrytoons, com
cerca de 1.000 animações. Posteriormente, em 1955, a emissora acabou por comprar o próprio
estúdio, que se tornou assim uma divisão da CBS responsável pela produção de animações da
emissora durante muito tempo.

74
Séries de Animação Televisiva

Todavia, na metade da década de 50, as principais animações exibidas na televisão eram,


em sua quase totalidade, frutos do reaproveitamento de antigos theatricals que haviam sido
adquiridos por empresas que os revendiam diretamente para diferentes redes ou emissoras -
desde que não coincidisse a exibição de uma mesma série em uma região comum.

Uma das exceções deste período foi “The Mighty Mouse” (“Super Mouse”), série que foi
originalmente pensada para parodiar o Super-Homem e que acabou tendo sucesso muito maior
quando reeditada na televisão do que quando exibida pela primeira vez no cinema. O super-
herói camundongo de formas antropomórficas, criado por Izzi Klein, fez enorme sucesso,
principalmente junto ao público infantil.

Disney e Terrytoons produziam, eventualmente, algumas novas animações para a televisão


Entretanto, a base permanecia “ready made”, pois, como afirmamos anteriormente, não havia
a percepção da necessidade de novas produções; os desenhos animados ainda eram vistos
como um gênero menor, de audiência específica e restrita aos horários menos prestigiados das
emissoras, não justificando, portanto, qualquer tipo de gasto ou investimento.

Em 1955, a então pequena empresa de brinquedos Mattel resolve, em uma iniciativa


arrojada, investir toda sua verba publicitária no patrocínio de um ano do programa “The
Mickey Mouse Club”, exibido na rede de televisão ABC. O carro chefe desta ação foram
dois brinquedos: a “Mattel’s Burp Gun”, direcionado para os meninos, e a boneca “Barbie”,
direcionada para as meninas. O sucesso sem precedentes desta ação fez com que outras
empresas de brinquedos e produtos destinados ao público infantil, como cereais matinais, por
exemplo, fizessem o mesmo.

A partir do interesse das empresas, outras emissoras também abriram sua programação no horário
do sábado de manhã para novas séries de desenhos animados. Apesar da audiência deste horário ser
menor do que a do horário vespertino durante a semana, o anunciante tinha a oportunidade de
atingir diretamente o seu nicho, tornando assim o custo do investimento mais vantajoso.

No ano seguinte, em 1956, a rede americana CBS exibiu um programa de meia hora, com
desenhos animados da UPA, intitulado “Gerald McBoing-Boing Show”. O programa, exibido em
horário nobre, apresentava episódios de novas séries como “Dusty of the Circus”, “Twirlinger
Twins” e “Punch and Judy”, além do próprio “Gerald McBoing-Boing”. O objetivo era rivalizar
com “Mickey Mouse Club”, programa da Disney na ABC, produzindo mais animações por um
custo menor. Apesar da grande audiência, “Gerald McBoing-Boing Show” foi retirado do ar no
ano seguinte, sob pretexto de alto custo de produção alegado pela emissora.

Com a direção de Stephen Bosustow, um dos fundadores da UPA, o estúdio retira-se


definitivamente do cinema em 1959, após produzir cerca de 600 animações. Apesar de seu
sucesso com os antigos theatricals, o estúdio não conseguiu reeditar o mesmo desempenho
na televisão. A UPA sofreu grande pressão do comitê de investigação anticomunista norte-
americano (“The House Un-American Activities Committee”)5, que investigou seus roteiristas

5. Além da UPA, diversos artistas, profissionais e empresas das áreas das artes, da comunicação e da cultura
foram perseguidos e sofreram censuras e outras dificuldades criadas pelo comitê, que tinha como objetivo
principal livrar a América (os Estados Unidos) da ameaça comunista.

75
Dramaturgia de Série de Animação

Bill Scott e Phil Eastman e forçou a demissão de um de seus mais talentosos animadores, John
Hubley. Além do aspecto emocional, o fato abalou também a base criativa do estúdio, que
iniciou seu processo de crise financeira.

Em 1957, a ABC convida Walter Lantz para produzir novos episódios exclusivos para a
televisão de sua série “The Woody Woodpecker” (Pica Pau), que foi exibida na emissora até
1960. Posteriormente, a série foi reeditada na NBC (1970-1972) e é esporadicamente reprisada
com grande sucesso em todo o mundo, a despeito de críticas quanto ao comportamento da
protagonista, da presença de personagens estereotipadas e de certo humor negro.

Em 1958, o produtor Joe Oriolo tenta reeditar na televisão o sucesso do gato Félix,
buscando uma atualização da série com algumas mudanças no enredo e a introdução de novas
personagens à trama. A série, exibida na CBS entre os anos de 1958 e 1961, não consegue,
entretanto, nem de perto repetir o êxito obtido anteriormente no cinema.

Neste mesmo ano, a MGM (Metro-Goldwyn-Meyer Studios Inc.), que havia hesitado em
produzir para a televisão, fecha seu departamento de animação para cinema e, entre os seus
funcionários desligados, estavam os experientes animadores William Hanna e Joseph Barbera.
Os dois trabalhavam no estúdio desde a década de 30 e juntos haviam ganhado sete Academy
Awards, sendo responsáveis, entre outros projetos, pelas séries “Tom e Jerry” e “Droopy”.

Em parceria com a Columbia Pictures, sócia em 20% do capital da nova empresa, Hanna e
Barbera fundam a H-B Enterprises, renomeada para Hanna-Barbera Productions em 1959. Nesta
nova empreitada, o estúdio ajudou a formar novos profissionais e contou com uma grande
equipe de animadores, composta por nomes como Carlo Vinci, Kenneth Muse, Lewis Marshall,
Michel Lah e Ed Barge. O primeiro projeto estreou no final de 1957: “The Ruff and Reddy
Show” (“Jambo e Ruivão”), uma série em que Ruff (Jambo), um gato, tem como amigo Reddy
(Ruivão), um cão. A primeira série de Hanna e Barbera para a televisão teve boa acolhida, o
que permitiu que a dupla desenvolvesse um novo projeto no ano seguinte.

76
Séries de Animação Televisiva

Assim, em 1958, a Hanna Barbera produz “Huckleberry Hound Show” (“Dom Pixote”), que tinha
como principal atração o desenho animado, inspirado nas aventuras da célebre personagem Tom Sawyer,
presente em diversas obras do escritor Mark Twain. A série tinha como protagonista um cachorro azul
com sotaque caipira e que cantarolava constantemente a canção “Oh, Querida Clementina”.

Outro desenho animado exibido no programa era “Pixie & Dixie and Mr. Jinks” (Plic, Ploc
& Chuvisco), série que trazia o gato Chuvisco contra os ratos Plic e Ploc, em um ambiente
doméstico. Apesar da inevitável comparação com “Tom & Jerry”, esta série tinha uma
atmosfera mais tranquila, uma vez que Chuvisco era menos violento do que Tom - ainda que
alguns o considerassem mais sinistro do que o outro gato.

“Huckleberry Hound Show” (Dom Pixote) fez grande sucesso e tinha, segundo pesquisas da
época, 40% de seu público formado por adultos. Era o início da produção de animações com apelo
intergeracional, capazes de atingir igualmente crianças e adultos, público designado em língua
inglesa pelo termo “kidult”. Uma das fórmulas para esse feito era a própria estrutura das animações
da Hanna Barbera, que apresentava de forma implícita e figurada questões contemporâneas por meio
de um visual infantil, com áudio (sobretudo trilha sonora e diálogos) mais adulto.

Com “The Ruff and Reddy Show” (Jambo e Ruivão) e “Huckleberry Hound” (Dom Pixote), o então
recém-formado estúdio Hanna-Barbera definiu as bases de um novo modelo de produção de séries
de animação para a televisão norte-americana, baseada nos moldes da animação limitada e que
conseguia atingir simultaneamente tanto o público infantil quanto o adulto (kidult).

Na esteira do sucesso dessas experiências da Hanna-Barbera, o produtor pioneiro do


desenho animado na televisão Jay Ward, lança as séries “Rocky and His Friends” e “The
Bullwinkle Show” em 1959. Posteriormente ambas fundiram-se numa mesma série chamada
“The Rocky and Bullwinkle Show” (“As Aventuras de Rocky and Bullwinkle”) – exibida no Brasil
pela Rede Globo no final dos anos 90. Com personagens tolos, roteiros absurdos e recursos de
linguagem como trocadilhos, duplo sentido e sátiras, a série tinha como protagonistas Rocky
(Dentinho), um esquilo voador e a morsa Bullwinkle (Alceu).

Rocky possuía uma personalidade ingênua, honesta e representava o cérebro da dupla.


Bullwinkle por sua vez era moralista, ainda que bem intencionado, otimista e persistente,
porém um tanto quanto estúpido – o que gerava diversas situações cômicas na série. Juntos,
os dois tinham que superar os malvados planos dos antagonistas Mr. Big e Fearless Leader
(Temerário Líder), que contavam com o apoio de Boris Godunov e da femme fatale Natasha
Fatale, agentes do país fictício de Pottsylvania – uma nítida paródia ao contexto da Guerra Fria
do final dos anos 50 e início dos 60.

Um recurso curioso utilizado em “The Rocky and Bullwinkle Show” era a presença de
quadros específicos dentro do programa, como “O Senhor Sabe Tudo”, no qual Bullwinkle
tentava ensinar ao telespectador uma lição de moral, mas acabava sempre se atrapalhando e
dizendo coisas sem sentido. Em 2000, foi lançado um filme em live action baseado nesta série
de televisão, porém, sem grande repercussão.

Ainda em 1959, a Hanna Barbera lança outro programa contendo séries apreciadas por
crianças e adultos, “The Quick Draw McGraw Show” (“O Show do Pepe Legal”). No programa,

77
Dramaturgia de Série de Animação

além da série que contava as aventuras de um cavalo antropomórfico homônimo, eram exibidos
episódios de “Augie Doggie and Doggie Daddy” (“Bob Pai e Bob Filho”) e de “Snooper and
Blabber” (“Olho Vivo e Faro Fino”).

Outras séries animadas foram produzidas exclusivamente para televisão por estúdios
menores nos anos 50 e, em alguns casos, foram exibidas apenas em um circuito local ou
regional. Entre estas séries, podemos mencionar: “Tom Terrific” (Terrytoons, 1957-59),
“Deputy Dawg” (Terrytoons, 1957-72), “Spunky and Tadpole” (Beverly Hills Productions, 1958-
61), “Capt’n Sailorbird” (Magic Screen Pictures, 1959), “Bucky and Pepito” (Trans-Artists
Productions, 1959), “Matty’s Funday Funnies” (Famous Studios, 1959-61) e “Clutch Cargo”
(Cambria productions, 1959). Esta última inaugurou (e praticamente sepulcrou) a técnica
conhecida como syncro-vox, que consiste na utilização da imagem filmada ou gravada da boca
do dublador no lugar da boca da personagem animada, técnica esta considerada um exemplo
extremo de economia do custo de produção.

Devemos destacar mais duas séries produzidas fora do eixo dos principais estúdios da
época, mas que tiveram algum reconhecimento posterior. A primeira delas foi “Colonel Bleep”
(Soundac, 1957), considerada a primeira série de animação colorida na história da televisão.
Criada por Robert D. Buchanan e dirigida pelo animador Jack, foi exibida e reprisada até
meados dos anos 70. Na série, o protagonista Coronel Bleep viaja pelo tempo (para o passado
e para o futuro) e pelo espaço sideral, procurando livrar o universo das ameaças do sombrio
Dr. Destructo. Para ajudar em sua missão, Bleep conta com a ajuda de dois terráqueos de
épocas diferentes: Squeek, um menino dos anos 50 caracterizado de cowboy e Scratch, um
forte e musculoso homem das cavernas. Por suas histórias inusitadas e seu visual arrojado, a
série influenciou alguns futuros animadores, como John Kricfalusi – criador da série “Ren &
Stimpy” nos anos 90.

Outra série diferenciada produzida nos anos 50 foi “Gumby” (1957-1988), provavelmente
a primeira e uma das poucas séries para televisão realizadas com a técnica de stop motion. A
série, que utilizava “massinha” (clay), foi inicialmente pensada por Art Clokey em 1953, a partir
de seu curta-metragem de animação “Gumbasia”, realizado como trabalho de conclusão de
curso orientado pelo artista sérvio Slayko Vorkapić na University of South California. “Gumby”
tinha como personagens o protagonista Gumby (um boneco inspirado nos biscoitos modelados
em forma humana conhecidos como gingerbreads), seu amigo Pokey (um pônei falante), The
Blockheads (um par de bonecos vermelhos de cabeça quadrada), Nopey (o cachorro de Gumby
que responde a tudo com um sóbrio “não”) e Prickle (um dinossauro amarelo que encarna o
papel de detetive a la Sherlock Homes).

Se a década de 40 viu o início da produção de séries de animação para a televisão com


apenas quatro produções (“Crussader Rabbit”, “Tele-Comics”, “The Advetures of Pow Wow”
e “Jim and Judy in Teleland”), a década de 50 se encerra com um total de 25 novas séries,
cerca de seis vezes mais do que o total produzido na década anterior. Esta base de produção
de desenhos animados criada no final dos anos 50 fez com que houvesse uma “corrida pelo
ouro” na década seguinte.

Esse afã atingiu não só os envolvidos na produção de séries de animação, como também o
mercado publicitário, que passou a produzir uma quantidade cada vez maior de animações em

78
Séries de Animação Televisiva

suas propagandas na televisão – fato que colaborou com a renda e a receita de muitos animadores
e estúdios. O cenário foi favorecido também pela grande oferta de animadores disponíveis no
mercado, uma vez que estes haviam sido dispensados dos grandes estúdios de animação para
cinema – a exemplo do ocorrido com os próprios William Hanna e Joseph Barbera.

Com a popularização dos programas em cores no início dos anos 60, os antigos theatrical
em preto e branco deixam de ser exibidos na televisão, restringindo a oferta dos “ready made” –
vale lembrar que uma boa parte dos theatricals era em preto e branco. Com isso, forçou-se
a produção de novas animações coloridas, que tinham, nessa época, como principal janela
de exibição a televisão. Temos aqui mais um exemplo de como os elementos tecnológicos
influenciaram na dinâmica de produção da animação ao longo de sua história.

A partir do sucesso de suas séries lançadas no final da década de 50, a Hanna-Barbera


amplia sua capacidade produtiva e passa a contar com novos talentos em sua equipe, como os
roteiristas Michael Maltese e Warren Foster. Esta estrutura proporcionou a criação, em 1960, da
série de animação de maior sucesso na história da televisão até então: “The Flintstones” (“Os
Flintstones”). A série, ambientada na Idade da Pedra, mostrava o cotidiano de duas famílias
trabalhadoras vizinhas em um subúrbio (bairro periférico) da cidade fictícia de Bedrock. “The
Flintstones” foi inspirada por uma sitcom (comédia de situação) bastante popular na televisão
da época, “The Honeymooners”, e também pela série de animação para cinema “Stone Age
Cartoons”, dirigida por Dave Fleischer e distribuída pela Paramount Pictures nos anos 40.

“The Flintstones” foi, provavelmente, a primeira série de animação estruturada como


uma sitcom, apresentando enredos domésticos, cenários suburbanos, situações artificiais
(forçadas), humor óbvio e, até mesmo, a inserção sonora de efeitos de risadas (laugh track).
Com 22 minutos de duração por episódio, a série permaneceu sendo exibida por seis anos com
grande sucesso durante o horário nobre.

Nesta visão fantasiosa do passado, os homens da caverna conviviam com animais pré-
históricos, como tigres dentre de sabre e dinossauros, e possuíam um estilo de vida
contemporâneo, utilizando, porém, uma tecnologia compatível com os recursos disponíveis na
Idade da Pedra. Por exemplo: músicas podiam ser escutadas a partir de aparelhos semelhantes
a um toca-discos, mas todo ele feito de pedra e com a função da agulha sendo executada pelo
bico afiado de uma ave, e assim por diante.

O êxito de “The Flintstones” fez com que a Hanna-Barbera se consolidasse como a maior
produtora de desenhos animados dessa década e uma das maiores, se não a maior, de todos os
tempos – ocupando papel de grande destaque no meio até os anos 90. Desta forma, o estúdio
foi o principal fornecedor de desenhos animados, principalmente para o horário do sábado
de manhã, das principais redes norte-americanas de televisão. Muito criticada pela Disney e
também pelos animadores mais tradicionais, o estúdio conseguia oferecer séries por um custo
até dez vezes mais barato do que o das concorrentes.

Na temporada de 1961-62, as chamadas “Big Three” (as três maiores emissoras abertas
dos Estados Unidos: ABC, CBS e NBS) possuíam um total de sete animações em horário nobre
durante suas grades semanais. Na opinião de Mittell, a “corrida pelo ouro” para preencher essa
demanda levou a um ciclo “inovação-imitação-saturação”.

79
Dramaturgia de Série de Animação

Inúmeras outras séries foram produzidas nos estúdios Hanna-Barbera durante a década
de 60, sem, contudo, ter a mesma repercussão do que “The Flinstones”, entre elas: “Top
Cat” (“Mandachuva”; 1961-62) “Jonny Quest” (1962-63), “Wally Gator” (1962-63), “Magilla
Gorilla” (“Maguila, o Gorila”, 1963-67), “The Jetsons” (“Os Jetsons”, 1964-65), “The Atom
Ant” (“A Formiga Atômica”, 1965-67), “Space Ghost” (1966-68), “Frankestein Jr.” (1966-68),
“The Impossible” (“Os Impossíveis”, 1966-68), “Shazzan” (1967-69), “Birdman” (“Homem
Pássaro”, 1967-69), “Galaxy Trio” (1967-69), “Moby Dick” (1967-69), “Young Sanson and
Goliath” (“Jovem Sansão e Golias”, 1967), “The Herculoids” (“Os Herculóides”, 1967-68),
“Fantastic Four” (“Quarteto Fantástico”, 1967-68), “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”, 1968-
70) e “Banana Splits” (live action com animação, 1968-70).

A ABC, objetivando ampliar o sucesso obtido com “The Flintstones”, estreia, em 1960, o
novo programa “The Bugs Bunny Show”. Produzido pela Warner Bros. Cartoons, o programa
reunia episódios das séries de “Looney Tunes” e contava ainda com a produção e a direção
dos experientes animadores Chuck Jones e Friz Freleng. Depois de três temporadas em horário
nobre, o programa se mudou em definitivo para o horário do sábado de manhã da ABC, onde
permaneceu de forma ininterrupta até o ano 2000, totalizando assim a impressionante marca
de 40 temporadas e mais de 1.000 episódios exibidos.

O universo de “Looney Tunes” criou uma das maiores, mais ricas e diversas galerias de
personagens de toda a história do desenho animado. Algumas destas personagens ganharam
inclusive suas próprias séries. Entre as personagens de maior sucesso de “Looney Tunes” estão:
Bugs Bunny (Pernalonga), Duck Dogers, Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino Troca-
Letras), Foghorn Leghorn (Frangolino), Marvin Martian (Marvin Marciano), Pepé Le Pew (Pépe,
o Gambá), Penelope Pussycat (Penélope), Porky Pig (Gaguinho), Road Runner (Papa-Léguas),
Speedy Gonzales (Ligeirinho), Sylvester (Frajola), Tasmanian Devil (Taz), Tweety (Piu-Piu),
Willie E. Coyote (Coiote) e Yosemite Sam (Eufrazino Puxa-Briga).

80
Séries de Animação Televisiva

Dois anos após “Gerald McBoing Boing Show”, a UPA faz sua segunda tentativa na televisão
com “Dick Tracy” (1961-62). A série detetivesca era normalmente exibida em emissoras locais
após o horário do sábado de manhã, reservado aos desenhos animados, e era considerada uma
espécie de versão infantil para a prestigiada série em live action “Os Intocáveis”. Baseado na
história em quadrinhos homônima, publicada durante a década de 30 por Chester Gould, a
série acabou tendo mais projeção nos anos 90, após o lançamento do filme de longa-metragem
“Dick Tracy”, produzido e dirigido por Warren Beatty.

O estúdio tenta melhor sorte com a exibição de dois filmes de longa-metragem em animação,
caminho pelo qual os estúdios Disney já haviam conseguido sucesso. O primeiro destes longas
foi “1001 Arabian Nights”, dirigido por Jack Kinney, que apresenta o protagonista Mr. Magoo no
contexto das tradicionais histórias do folclore árabe. O segundo longa animado produzido pela
UPA foi “Gay Purr-ee”, dirigido por Abe Levitow, em 1962, um romance musical envolvendo
dois gatos (Mewsett e Mewrice) em Paris, e que contou com trilha musical interpretada pela
atriz e cantora norte-americana Judy Garland.

Pouco depois, em 1964, a UPA lança a série “The Famous Adventures of Mr. Magoo”, exibida
no mesmo ano na rede NBC. Com 26 episódios, a série, mesmo sendo exibida em horário
nobre, acabou não tendo sequência e o estúdio encerra suas atividades. Sem conseguir êxito
na televisão e na produção de filmes de longa-metragem, a UPA enfrenta uma séria crise
financeira que culmina com a venda de seu acervo cinematográfico para a Columbia Pictures.
Os direitos de “Mr. Magoo” passam para a DFE Films, que tenta, também sem êxito, reeditar a
série no final da década de 70.

De maneira paralela às produções dos estúdios mais conhecidos, “The Beatles” (ABC,
1965-67), dirigida por George Dunning e produzida por Al Brodax, também apontou novas
direções para a animação. A série, exibida durante o auge da popularidade da banda inglesa,
se beneficiou do sucesso do quarteto de Liverpool e inspirou a criação, em 1968, do aclamado
longa “Yellow Submarine” - no qual foi repetida a dupla Dunning-Brodax. “The Beatles” foi a
primeira de uma série de desenhos animados adaptados a partir de pessoas ou grupos “reais”,
como “The Jackson 5ive” (ABC, 1971-73) e “Harlem Globe Trotters” (CBS, 1970-71).

Além da Hanna-Barbera e da Warner Bros. Cartoons, três outros importantes estúdios, que
iniciaram suas atividades na década de 60, também tiveram relativo sucesso no meio. Um deles
foi a Filmation, fundada em 1963 pelos produtores Lou Scheimer e Norm Prescott, que já haviam
produzido anteriormente desenhos animados como “Bozo: The World’s Most Famous Clown” (1958-
62) e “Popeye” (1960-62). O primeiro desenho animado oficialmente produzido pela Filmation foi
“Rod Rocket”, série que mostrava as aventuras de um menino chamado Rod Rocket e seu melhor
amigo, Joey. Juntos eram enviados pelo inteligente e excêntrico Professor Argus para uma missão
espacial cujo objetivo principal era resgatar a neta do professor, a jovem Cassie.

Três anos depois, em 1966, a Filmation lança sua primeira série baseada naquilo que se
constituiria como uma das principais marcas do estúdio: super-heróis – sobretudo da DC Comics.
Assim, vai ao ar em 1966 na CBS “The New Adventures of Superman”, dirigida por Hal Sutherland.
Superman torna-se, portanto, o super-herói pioneiro dos quadrinhos e também das séries de
animação no cinema e na televisão. A série abre as portas para maior presença de super-heróis, já
popularizados nos quadrinhos, que tiveram excelente recepção junto ao público infantil no horário

81
Dramaturgia de Série de Animação

do sábado de manhã. Outras séries de super-heróis produzidas pelo estúdio nesta década com boa
repercussão foram “Aquaman” (CBS, 1968-70) e “Batman” (CBS, 1968-69).

A Filmation também utilizava os princípios característicos da animação limitada,


incorporando algumas marcas distintivas, como o corte rápido de planos reaproveitados ou
que não estavam devidamente animados. Isso porque, em dois ou três segundos de exposição
na tela, os defeitos ou truques se tornavam praticamente imperceptíveis diante da condução
narrativa como um todo. Em outras palavras, os cortes rápidos faziam com que o espectador
não tivesse tempo hábil para a percepção de eventuais falhas na imagem, apenas para a
compreensão do sentido principal do plano.

Outro expediente bastante utilizado pelo estúdio eram os longos movimentos de câmera,
sobretudo panorâmicas, pelos cenários estáticos. Neste caso, o menor movimento de câmera
que fosse era o suficiente para quebrar a sensação de imagem parada e monotonia do plano.
Além disso, a Filmation possuía em muitas de suas séries animadas sequências de live action o
uso do recurso de rotoscopia – desenho por cima de imagem previamente registrada.

As experiências da Filmation fora do nicho de super-heróis não tiveram tanto êxito, como
se pôde observar com as séries “Journey to the Center of Hearth” (ABC, 1967), “Fantastic
Voyage” (ABC, 1968), “The Archie Show” (“Turma do Archie” – CBS, 1969) e “The Hardy
Boys” (ABC, 1969). Contudo, o estúdio permaneceria na ativa até meados da década de 80,
principalmente por conta do seu principal nicho.

O segundo estúdio a iniciar as suas atividades nessa década foi a Rankin/Bass Productions,
fundada em 1964 por Arthur Rankin e Jules Bass, originalmente com o nome Videocraft
International. Especializado em stop motion, o estúdio também produziu animações
tradicionais em 2D com terceirização da mão de obra nos estúdios japoneses Toei Animation e
Mushi Production. Um dos seus pontos fortes eram as dublagens realizadas por uma talentosa
equipe, em estúdio de áudio próprio. Apesar da presença relativamente discreta, a Rankin/
Bass produziu seis séries nos anos 60, além da participação em filmes de longa-metragem e
especiais para a televisão. Os estúdios encerrariam suas atividades na década de 80, após o
término de sua série de maior sucesso, “Thundercats”.

O outro estúdio com presença marcante nesse período foi o DePatie-Freleng Enterprises
(também conhecida por DFE Films), fundado no mesmo ano em que a Filmation (1963). A
DFE Films foi estabelecida por Friz Freleng e seu amigo e parceiro David H. DePatie. Juntos,
eles conseguiram montar um estúdio aproveitando todos os equipamentos, infraestrutura e
mesmo os funcionários da Warner Bros. Cartoons, que encerrou suas atividades com animação
no cinema no ano de 1963. Além das séries de animação, o estúdio também teve atuação
destacada junto à publicidade, especiais para a televisão, aberturas de programas e aos
remanescentes theatricals – conforme vimos no capítulo anterior.

Entre as principais séries produzidas pelo estúdio de Depatie e Freleng na década de 60


estavam: “Super President” (NBC, 1967-68), “Super Six” (NBC, 1966-69/reeditada em 1978),
“Here Comes the Grump” (1969-71) e “The Pink Panther Show” (1969-78), este último o maior
sucesso do estúdio.

82
Séries de Animação Televisiva

O programa apresentava, além dos episódios da célebre personagem Pantera Cor-de-Rosa, que
lhe rendeu o único Oscar do estúdio em 1964, outras séries que o estúdio exibia de forma simultânea
no cinema (theatricals), como “The Inspector” (O Inspetor), “Roland and Rattfink” (“Bom bom e Mau
Mau”), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”) - a
maioria destas criadas pelo talentoso roteirista e animador John W. Dunn.

Além da estrutura, a DFE Films assumiu da Warner Bros. Cartoons também a produção
de “Looney Tunes”. Inicialmente dirigido pelo próprio Freleng, o estúdio terceirizado acabou
contratando Robert McKimson para a direção da série até o ano de 1967, quando a Warner Bros.
decidiu reabrir seus próprios estúdios e assumir novamente a produção de “Looney Tunes”.

Por um lado, a década de 60 marca o boom das séries de desenhos animados na televisão,
saltando de 25 séries produzidas na década anterior para cerca de 150. Por outro, marca

83
Dramaturgia de Série de Animação

também o início da vigilância ideológica, sobretudo nas questões tangentes à violência,


questões estas que outrora já haviam assolado o teatro, o rádio, os quadrinhos e o cinema.

Em 1961, Newton Minow, executivo responsável pela FCC, já havia encabeçado um movimento
de crítica à banalidade da televisão, que teve como principal alvo justamente os desenhos
animados. Em resposta, foram produzidas e exibidas séries de caráter predominantemente
educativo, como “Discovery”, “Exploring”, “1,2,3 – Go!” que, apesar de agradarem aos
críticos, não tinham audiência expressiva e afastavam os principais anunciantes.

Por isso mesmo, esse nicho de programas acaba confinado às emissoras públicas, que
buscam no chamado “edutainment” (entretenimento educativo), uma forma de agregar às
séries aspectos educativos de forma divertida. Um dos programas de maior sucesso na televisão
norte-americana neste formato foi “Sesame Street”, programa em live action com pequenas
cenas animadas e participação de bonecos de manipulação (puppets), criados pelo bonequeiro
Jim Henson. Garibaldo e sua turma tiveram 37 temporadas e mais de 4100 episódios, tornando-
se um dos programas infantis de maior duração de todos os tempos.

“Sesame Street” foi ainda exibido em mais de 120 países de todo o mundo, ganhando,
em alguns casos, versões próprias que incorporavam conteúdos específicos destes países. No
Brasil, “Vila Sésamo” tinha uma hora de duração e foi exibido nas redes Globo e Cultura de
televisão durante a década de 70.

Em 1963, Lyndon Johnson entra no lugar de Minow na FCC e adota a política “hands off”,
isto é, de não intervenção direta sobre os programas de televisão. Contudo, sobretudo após
a morte de John F. Kennedy (1963) e de Martin Luther King (1968), aumentam as críticas e
pressões referentes à linguagem e ao conteúdo dos desenhos animados por parte da mídia e
também por parte de diversos órgãos e entidades como NABB (National Association for Better
Broadcasting) e ACT (Action for Children´s Television).

Teóricos e pesquisadores do campo das ciências sociais dão suporte e legitimidade a estas
críticas, como George Gerbner, autor da teoria da enculturação (cultivation theory). Segundo esta
teoria, a televisão teria o poder de influenciar a maneira como as pessoas, sobretudo crianças em
fase de formação, constroem suas identidades e passam a ver e interagir com o mundo. Por meio da
criação de um ambiente simbólico comum sem precedentes, os telespectadores padronizariam seus
pensamentos, comportamentos e atitudes a partir de modelos fornecidos pela televisão, que teria
poder semelhante àquele ocupado pelas religiões em tempos ancestrais. Ainda segundo Gerbner, o
nível de influência da televisão poderia variar em função da quantidade média de horas assistidas por
dia pelas pessoas – quanto mais tempo assistido, maior a influência.

Os estudos de Gerbner, aliados a pressão de órgãos como NABB e ACT, fazem com que
a questão chegue ao congresso norte-americano por meio do senador John Pastore. Como
resultado, além das novas séries educativas, surgem novos desenhos animados com humor
mais leve, como “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”) e “Scooby-Doo”.

Desse modo, a década de 70 se inicia com um intenso debate sociológico como pano
de fundo para as séries de animação. No ano de 1973, em artigo de grande repercussão de
Bill Greeley na Revista Variety, os desenhos animados voltam a ser atacados. Entidades e

84
Séries de Animação Televisiva

organizações étnicas rezingam visões estereotipadas e reclamam maior representatividade nas


séries. Independentemente da audiência, essas questões afetam diretamente os anunciantes,
que, muitas vezes, por conta da pressão desses grupos, repensavam a associação da imagem
de suas marcas aos desenhos animados.

Ao mesmo tempo, o governo restringe a quantidade e o tipo de propaganda voltada para


o público infantil (como, por exemplo, comerciais de doces ou de produtos que contivessem
açúcar), conside­rando este público vulnerável às mensagens persuasivas da publicidade. Por
fim, o licenciamento de produtos, outra importante fonte de receita dos estúdios, também é
limitado pelo governo.

Esta nova realidade impõe uma redução de custos que afeta toda a cadeia produtiva das
séries animadas para a televisão, determinando novas estratégias e métodos de produção.
O número de episódios por temporada cai de 26 para a metade. Reprises de séries antigas
também passam a ser frequentes, desde que atendendo aos critérios qualitativos exigidos pelo
governo e pelas entidades sociais representativas.

Inicialmente com o objetivo de contemplar estas exigências educativas e sociais, surgem,


como uma espécie de subproduto derivado das séries de desenhos animados, vinhetas e
interprogramas animados. Trazendo as personagens mais conhecidas das séries, este novo
formato animado, com duração entre 30 segundos e dois minutos, é exibido nos intervalos
dos programas durante toda a grade de programação das emissoras, abordando temas
socialmente edificantes de forma politicamente correta. Também era comum a presença de
quadros especiais nos finais dos episódios, nos quais as protagonistas pediam para as crianças
serem boazinhas, respeitarem seus pais, fazerem a lição de casa, se alimentarem direito e
praticarem atividades físicas.

Um dos principais nomes dos desenhos animados na década de 70 foi o do executivo Fred
Silverman, entusiasta dos cartoons que chegou inclusive, ele mesmo, a dublar diversas vozes
de personagens. Com passagem por importantes cargos executivos nas três grandes emissoras
norte-americanas (ABC, CBS e NBC), o executivo garantiu a continuação de exibição de desenhos
animados nestas emissoras em um período de grandes dificuldades financeiras para o setor.

A década de 70 também presencia o surgimento de novas séries de animação para a televisão,


normalmente dentro dos preceitos do socialmente edificante e do humor leve. Entre estas séries
podemos destacar: “The Adventures of Gulliver” (“As Aventuras de Gulliver”, Hanna-Barbera, ABC
1970), “Doctor Dolittle” (“Doutor Dollitle”, DFE Films, NBC 1970-71), “Josie and the Pussycats”
(“Josie e as Gatinhas”, Hanna-Barbera, CBS 1970-71), “Sealab 2020” (“Laboratório Submarino”,
Hanna-Barbera, NBC 1972), “The Barkleys” (“Os Caretas”, DFE Films 1972), “Fat Albert and the
Cosby Kids” (Filmation, CBS 1972-84), “Bailey’s Comets” (“Os Cometas”, DFE Films 1973), “The
Addams Family” (“A Família Addams”, Hanna-Barbera, 1973-74), “Valley of the Dinossaur” (“Vale
dos Dinossauros”, Hanna-Barbera, CBS 1974-76), “Baggy Pants and the Nitwits” (“Charlie Gato &
Os Super Velhacos”, DFE Films, NBC 1977), “Captain Caveman and the Teen Angels” (“Capitão
Caverna e as Panterinhas”, Hanna-Barbera, ABC 1977-80).

Enquanto isso, do outro lado do mundo, os animes se consolidam na televisão nacional. No


Japão, o termo “anime” é utilizado para designar todo e qualquer tipo de animação, onde quer que

85
Dramaturgia de Série de Animação

tenha sido produzido. No ocidente,


entretanto, o mesmo termo é utilizado
como uma designação genérica para se
referenciar a todo e qualquer tipo de
animação realizada no Japão, normalmente
exibida em forma de série na televisão.

A primeira animação realizada no Japão,


“Imokawa Mukuzo Genkanban no Maki”, dirigida por
Oten Shimokawa, é de 1917. Até a década de 60, o
anime é exibido nas salas de cinema, principalmente
na forma de curta-metragem. O primeiro anime
exibido de forma não seriada na televisão foi
“Three Tales” de Keiko Kozonoe, na NHK,
no ano de 1960. No ano seguinte, a TBS TV
(Tokyo Broadcasting System Television)
exibe “Otogi Manga Calendar”, dirigida
por Ryuichi Yokoyama, que é não apenas
a primeira série de anime produzida e
exibida no Japão, como também a
primeira série de qualquer gênero
televisivo produzida no país.

O anime está estritamente ligado aos mangás, conhecido atualmente como as histórias
em quadrinhos produzidas no Japão. Assim, é relativamente comum encontrar mangás que se
tornaram animes e vice-versa. As raízes do mangá remontam ao século VIII, no período Nara,
com os emakimonos, os primeiros rolos de pintura japonesa. Nestes, já era possível perceber
histórias contadas por meio de imagens com texto em separado. No período Edo (séculos XVII a
XIX), os rolos são substituídos por livros e os desenhos são comumente utilizados para ilustrar
romances e poemas. Com o advento da estampa japonesa (ukyo-e), no século XVI, surgem livros
com predomínio de imagens em relação ao texto escrito, em outras palavras, livros pensados
muito mais para serem vistos do que propriamente lidos. Estes livros se tornam extremamente
populares no Japão, onde o termo mangá, que em romaji (transcrição fonética do japonês para
o alfabeto romano) significa “desenhos irresponsáveis”, foi cunhado no século XIX.

O mangá moderno surge, entretanto, no século XX, a partir da influência das revistas
comerciais européias e norte-americanas. O precursor do mangá moderno Osamu Tesuka tinha
como principais referências obras de Walt Disney e dos irmãos Fleischer – os olhos grandes que
caracterizam as personagens do gênero, por exemplo, teriam vindo de Betty Boop. Tezuka foi
responsável por criar algumas das características que definem o gênero contemporaneamente,
como o exagero nas proporções dos olhos, boca, nariz e sobrancelhas (que garantem maior
expressividade facial), uso de efeitos gráficos (como os traços e as linhas que fazem alusão ao
movimento), alternância de planos (semelhante, neste aspecto, ao storyboard) e uso da figura
semântica de linguagem das onomatopeias.

Antevendo a possibilidade de sucesso da adaptação dos mangás para séries de desenhos


animados na televisão, dois dos principais estúdios de animes do Japão começam a produzir

86
Séries de Animação Televisiva

para a televisão na década de 60. O primeiro deles foi a Toei Animation, que contava em seu
elenco com animadores como Isao Takahata, Hayao Miyazaki, Mamoru Oshii e Yasuo Otsuka. A
primeira produção do estúdio veiculada na televisão japonesa foi “Ookami Shonen Ken”, no
ano de 1963. Atualmente, o estúdio é considerado o maior produtor de anime do mundo.

Após o vencimento de seu contrato com a Toei Animation, Osamu Tezuka resolve abrir
seu próprio estúdio de animação, formando, inclusive, a própria mão de obra. Denominado
Mushi Productions, o estúdio de Tezuka é inaugurado com o objetivo de concorrer com a Toei
Animation. Logo na estreia, sua primeira série “Mighty Atom” (“Astro Boy”), exibida no Japão
em 1963, atinge grande sucesso e é exibida em diversos países de todo o mundo durante as
décadas de 60 e 70, inclusive nos Estados Unidos e Brasil. Adaptado a partir de um mangá de
Tezuka originalmente publicado em 1952, “Astro Boy” foi o primeiro caso de um anime para
televisão exibido fora do Japão com sucesso. Desde então, a grande maioria dos animes tem
relação direta com mangás. Na maior parte das vezes, animes são feitos a partir do sucesso
de mangás, mas, em outros casos, o anime também pode preceder o mangá ou mesmo ambos
podem ser feitos simultaneamente.

“Astro Boy” é uma série animada de ficção científica, ambientada em um futuro no qual seres
humanos convivem com androides. O protagonista da série é Astro, um poderoso robô criado pelo
ministro da Ciência, Dr. Tenma, para compensar a ausência de seu filho Toby, morto em um acidente
de carro. Apesar de tratar Astro com carinho, Dr. Tenma percebe que o menino robô não é capaz de
preencher a falta de seu filho. O cientista vende o menino robô para um circo, onde é posteriormente
descoberto pelo novo ministro da ciência, Professor Ochanomizu, que o adota e o trata como um
filho. Orientado pelo professor, Astro passa, por meio de suas habilidades e poderes, a combater as
forças do mal, quase sempre representadas por robôs e alienígenas.

Após seu início na década de 60, os animes se consolidam no Japão no final da década
de 70, favorecendo a criação de uma forte indústria de animação no país. A Toei Animation
produziu, nestas duas décadas, cerca de 50 séries, como “Uchuu Patrol Hopper” (“Space Patrol
Hopper”, 1965), “Kaizoku Ouji” (“Pirate Prince”, 1966), “Himitsu no Akko-chan” (“Akko-chan’s
Secret”, 1969-70), “Mahaou no Mako-chan” (“Magical Mako-chan”, 1970-71), “Mazinger Z”
(“Tranzor Z”, 1972-74), “UFO Robo Grendizer” (1975-77), “Majokko Megu-chan” (“Witch Girl
Meg”, 1974-75), “Getter Robo G” (“Starvengers”, 1975-76), “Magne Robo Gakeen” (“Magnetic
Robot Gakeen”, 1976-77) e “Eiko no Tenshitachi: Pink Lady Monogatari” (“Glorious Angels: The
Story of Pink Lady”, 1978-79).

A Mushi Productions realizou um pouco menos neste mesmo período: 16 séries, conseguindo,
entretanto alguma projeção com animes como “Ginga Shonen Tai” (“Galaxy Boys Squad”, 1963-
65), “The Amazing 3” (“W3”, 1965-66), “Kimba, the White Lion” (“Kimba, o Leão Branco”,
1965-66), “Gokū no Daibōken” (“The Adventures of Goku”, 1965-66) e “Princess Knight” (“A
Princesa e o Cavaleiro”, 1967-68).

Desta forma, enquanto a indústria de animação vivia um momento delicado nos Estados
Unidos, no Japão a década de 70 representou a consolidação do anime no país. Além da Toei
Animation e da Mushi Productions, havia a Tatsunoko Production, que produziu cerca de 30
séries nestas duas décadas, e a TMS Enterteinment, principal estúdio de anime para cinema do
Japão, que acumulou no mesmo período cerca de 35 séries exibidas na televisão. Surgem ainda

87
Dramaturgia de Série de Animação

outros estúdios especializados em animes para televisão, como A Pro, Madhouse Production,
Sunrise e Nippon Animation. Juntos, os estúdios de anime no Japão produziram cerca de 210
séries de animação para a televisão nas décadas de 60 (55 ao todo) e 70 (com 155 títulos). Tais
números transformaram o país, ao lado dos Estados Unidos, em um dos maiores produtores de
séries de animação para a televisão e abriram as portas para a grande popularização da cultura
japonesa em todo o mundo a partir da década de 80.

Além das diferenças visuais em termos de design de personagem, traços de cenários e


paleta de cores, os animes também guardam diferenças narrativas estruturais em relação aos
desenhos animados norte-americanos, como a presença majoritária de universos fantásticos,
batalhas épicas, tramas e subtramas complexas e, até mesmo, a morte da protagonista no final
da série. Algumas das primeiras séries de anime exibidas a partir dos anos 70 com sucesso fora
do Japão foram “Uchū Ēsu” (“Space Ace”, 1964-66), “Jungle Taitei” (“Kimba, the White Lion”,
1965-66), “Mahha Gō Gō Gō” (“Speed Racer”, 1966-68), “Taro Kid” (“Skyers 5”, 1967-69) e
“Ribon no Kishi” (“Princess Knight”, 1967-68).

A década de 80, nos Estados Unidos, também


ficou conhecida como a “Era Reagan”, por conta
do governo do presidente Ronald Reagan entre
os anos de 1981 e 1989. Durante boa parte
desse período, a FCC é presidida por Mark
S. Fowler, que tinha como principal
lema a máxima “deixe o mercado
decidir”. Reflexo de uma era marcada
por políticas favoráveis aos grandes
negócios e ao laissez-faire, a visão de
Fowler representa o entendimento da
televisão como um meio de negócios
mais do que um meio artístico ou
mesmo educativo, com predomínio
das formas de entretenimento.

Assim, diversas séries baseadas


em brinquedos preexistentes
ou que foram criados a partir
de licenciamento, dominam
o cenário da animação na
televisão. A parceria com
empresas como Mattel e
Hasbro promoveu uma espécie
de saturação desse tipo de
série de desenho animado,
também conhecido em
língua inglesa pela expressão
“toys-cum-cartoons”. Séries
populares pertencentes
a esta categoria foram:

88
Séries de Animação Televisiva

“He-Man and the Masters of the Universe” (“He-man e os Mestres do Universo”, Filmation,
1983-85), “Dungeons & Dragons” (“Caverna do Dragão”, coprodução Marvel, Toei Animation e
TSR Entertainment, 1983-85), “Transformers” (Sunbow productions, 1984-87), “Challenge of the
GoBots” (Hanna-Barbera, 1984), “She-Ra, Princess of Power” (“She-Ra, a Princesa do Poder”,
Filmation, 1985-87), “Thundercats” (Rankin/Bass, 1985-90), “Silver Hawks” (Rankin/Bass, 1986) e
“Teenage Mutant Ninja Turtles” (“Tartarugas Ninjas”, Muramaki Wolf Senson, 1987-96).

Nesse contexto de novo crescimento do setor, um estúdio francês radicado nos Estados
Unidos em 1982 se torna um dos principais produtores de séries de animação para a televisão.
Trata-se da DIC Entertainment, responsável pela produção de mais de 40 séries nos anos 80,
entre elas: “Inspector Gadget” (1983-86), “Rainbow Brite” (1984-86), “Denis, the Menace”
(“Denis, o Pimentinha”, 1986-88), “The Real Ghostbusters” (“Os Caça-Fantasmas”, 1986-91)
e “G.I. Joe” (1989-91).

A década de 80 marca também a entrada definitiva do anime no mercado norte-americano,


por meio da exibição de séries como “Robotech” (Harmony Gold e Tatsunoko Productions,
1985-88), “Macron 1” (Ashi Productions, 1985), e “Tranzor Z” (Toei Animation, 1985-87). Em
pouco tempo, o anime se oferece como uma commodity quente, isto é, um produto sem
diferenciação, com baixo custo de produção e, consequentemente, de vantajosa aquisição
para exibição nas emissoras.

O sucesso do anime é tão grande, que ele se estabelece como uma espécie de um gênero
próprio dentro da animação, atingindo um público segmentado e, na maioria das vezes,
extremamente aficionado - também conhecidos pelo termo otaku. A consolidação do anime no
Japão e em todo o mundo possibilitou que esse tipo de animação explorasse diversas temáticas
e que surgissem, com o tempo, alguns subgêneros, como: artes marciais, aventura, comédia,
drama, escolares, esportes, fantasia, ficção científica, garotas mágicas, hentai (erótico,
pornográfico), horror, robôs (mechas), sobrenatural e inúmeros outros.

A presença regular e crescente do anime na televisão de todo o mundo a partir de meados


dos anos 70 pode ter influenciado, ainda na infância, uma série de animadores fora do Japão.
Como consequência, é possível observar, sobretudo a partir dos anos 90, uma série de desenhos
animados que, apesar de não serem considerados animes em si, incorporaram algumas
características do gênero, como o design de personagens, o estilo da animação ou mesmo seus
elementos narrativos.

O aquecimento do mercado de animação fora dos Estados Unidos gerou grande oferta de
mão de obra barata e qualificada, capaz de executar os mesmos serviços técnicos realizados
pelos animadores norte-americanos por um custo muito inferior. Assim, muitos estúdios norte-
americanos mantêm seus núcleos criativos no país, mas começam a terceirizar parte de
suas animações no Japão, Filipinas, Coréia, Tailândia e em alguns países da América Latina,
barateando significativamente os custos de produção e aumentando suas margens de lucro.

Se por um lado houve o aquecimento do setor, por outro, a concorrência aumentou


sobremaneira. Com a insistência da DFE Films em continuar produzindo séries de animação
para o cinema e a rejeição em cortar custos de produção em detrimento da qualidade de suas
animações, o estúdio não consegue se tornar competitivo dentro do novo panorama e acaba

89
Dramaturgia de Série de Animação

sendo comprado pela Marvel Comics em 1981. Freleng volta aos estúdios da Warner Bros.,
enquanto DePatie faz a transição para a nova empresa.

A Hanna-Barbera também enfrenta problemas e passa pela década com dificuldades. Apesar de
emplacar um grande sucesso no começo dos anos 80, com “The Smurfs” (“Os Smurfs”, NBC, 1981-89),
perde sua liderança de duas décadas no setor. Após um novo sucesso, com “Muppet Babies” (CBS, 1984-
91), o estúdio lança “The Funtastic World of Hanna-Barbera”, um programa semanal que reprisava suas
principais séries, além de reeditar alguns novos episódios de “The Jetsons” (“Os Jetsons”).

Em seguida, começa a produzir séries baseadas em suas antigas personagens, porém com idade
infantil, como “The Flintstones Kids” (“Os Pequenos Flintstones”, ABC, 1986-88) e “A Puppett
Named Scooby-Doo” (“O Pequeno Scooby-Doo”, ABC, 1988-91). Em 1987, o estúdio produziu
“Hanna-Barbera Superstars 10”, um programa que incluía dez novas séries baseadas em seus
clássicos. Nesse programa, apresenta-se um dos mais famosos crossovers da história da animação,
“The Jetsons Meet the Flintstones” (1987-88), em que Elroy Jetson constrói uma máquina do
tempo que acidentalmente leva sua família à pré-história, momento no qual irão conhecer os
Flintstones que posteriormente, também por acaso, viajam no tempo rumo ao futuro.

Em 1989, um especial no canal TNT (“Hanna-Barbera’s 50th: a Yabba Dabba Doo


Celebration”) comemora os seus 50 anos de produções para a televisão. Entretanto, com
poucas animações “no ar” e com sua mão de obra terceirizada na Ásia e Austrália, diversos
profissionais do estúdio, como o produtor Tom Ruegger, aceitam o convite da Warner Bros.
para a restruturação de seu departamento de animação. Lá, os ex-funcionários da Hanna-
Barbera produzem séries como “Tiny Toon Adventures” (CBS, 1992-95) e “Animaniacs” (Fox
Kids, 1993-95). Em 1990, a Hanna-Barbera licencia suas personagens para Universal Studios,
que produzem algumas adaptações para filmes de longa-metragem em live-action.

Desde 1967, a Hanna Barbera tinha como holding a Taft Broadcasting, empresa pertencente
à família do ex-presidente norte-americano William Howard Taft. Passando por dificuldades
financeiras, a Taft Broadcasting é comprada pela American Financial Corporation em 1987
e tem seu nome mudado para Great American Broadcasting. Afundada em dívidas, a nova
companhia coloca à venda a Hanna-Barbera, que tem seus estúdios e acervos comprados pela
Turner Broadcasting em 1991 por U$ 320 milhões.

Em 1986, começa a funcionar uma quarta rede aberta de televisão nos Estados Unidos, a
Fox Broadcasting, com emissoras nas seis maiores cidades norte-americanas, atingindo cerca
de 25% da população do país – número bastante inferior aos das “Big Three”. No ano seguinte,
é lançado na Fox “The Tracey Ullman Show”, apresentado pela atriz e humorista homônima e
que contava com quadros musicais, humor e pequenas “pílulas” (“bumpers”) animadas, que
eram apresentadas ao início e ao final de cada bloco. Uma dessas pílulas mostrava pequenas
animações criadas por Matt Groening com as personagens de uma família chamada Simpson.
Em três temporadas, foram produzidos 47 minutos de animação, ao longo de cerca de 50
pílulas no “The Tracey Ullman Show”.

O sucesso da experiência foi tão grande que, em 1989, a Fox decide produzir episódios
completos desta série para um programa de meia hora na emissora. O primeiro episódio exibido
foi “Simpsons Roasting on an Open Fire”, um especial de Natal exibido em 17 de dezembro de

90
Séries de Animação Televisiva

1989. O segundo episódio da primeira temporada foi “Bart, the Genius”, exibido em horário
nobre no dia 14 de janeiro de 1990. A primeira temporada de “The Simpsons” (“Os Simpsons”)
teve 13 episódios exibidos no primeiro semestre de 1990 e, desde então, a série não saiu mais
do ar no horário nobre. Atualmente, em sua vigésima segunda temporada e próxima da marca
de quinhentos episódios, é uma das séries de animação mais assistidas de todos os tempos.

O êxito de canais a cabo fundados no início dos anos 80 - como MTV, ESPN e CNN -provou
haver espaço para a segmentação das emissoras na televisão. Ao invés do domínio das grandes
emissoras abertas, que tratavam de temas gerais, tornou-se possível acompanhar canais
específicos, que abordam um determinado segmento 24 horas por dia, como música, esportes,
jornalismo e, posteriormente, animação.

A partir da segunda metade dos anos 80 e início dos 90, os Estados Unidos presenciaram
o surgimento de novos canais UHF, a cabo e também uma maior independência das emissoras
locais, que passaram a produzir alguns programas próprios ao invés de simplesmente reproduzir
integralmente o conteúdo das grandes redes. Estes eventos proporcionaram um aumento da
demanda e, por consequência, uma maior oferta para programas que buscavam, em conteúdos
e abordagens diferenciadas, estratégias para conquistar uma nova audiência. Apesar de serem
consideradas menores, estas emissoras estavam, normalmente, mais abertas à inovação e dispostas
a correr mais riscos do que os grandes canais tradicionais. Além disso, a elevada quantidade destas
emissoras em todo o território norte-americano aumentou o volume de produções, ainda que não
atingissem a mesma audiência dos programas exibidos em rede nacional.

É importante observar que para a nova geração de adultos da época, independentemente


da qualidade em si, os desenhos animados pertencem à memória de suas infâncias e, de uma
forma ou de outra, colaboraram na formação identitária de toda uma geração. E é justamente
na década de 90 que o desenho animado se expande e começa a ganhar prestígio.

Além do elemento geracional mencionado acima e da diversificação e expansão dos canais


de televisão, outros fatores colaboraram para esta transformação. Em primeiro lugar, houve o
ressurgimento de longas-metragens em animação entre as maiores audiências, com filmes como
“Who Framed Roger Rabbit” (“Uma Cilada para Roger Rabbit”, 1988), “The Little Mermaid” (“A
Pequena Sereia”, 1989), “Beauty and the Beast” (“A Bela e a Fera”, 1991), e “The Lion King” (“O Rei
Leão”, 1994). Tal ressurgimento fez com que a animação voltasse a se evidenciar na mídia em geral
e também junto ao grande público, o que acabou por favorecer todo o setor.

Outro elemento importante foi a ousadia de alguns canais locais e a cabo. Enquanto os canais
abertos de televisão viviam uma espécie de “ressaca” das experiências passadas, com cópias de
séries de sucesso, adaptações de celebridades e de super-heróis dos quadrinhos, além da reprise de
séries antigas, os novos canais davam vazão à segmentação das séries animadas para a televisão.
Em alguns casos, inclusive, exibindo séries animadas produzidas em outros países do mundo, o que
auxiliou na diversificação e na ampliação do próprio entendimento do gênero.

Um dos programas pioneiros na exibição de animação não americana nos Estados Unidos foi
“Pinwheel”, exibido entre os anos de 1977 e 1990 no canal a cabo Nickelodeon. No programa,
eram exibidos inúmeros curtas-metragens e séries de animações de países como Suécia,
Inglaterra, Bélgica, França e, sobretudo, dos países do Leste Europeu.

91
Dramaturgia de Série de Animação

Neste sentido, também é válido registrar que a partir das políticas introduzidas por Mikhail
Gorbachev em 1985, como a perestroika e a glasnot, na extinta União Soviética, e também
a partir da queda do muro de Berlim (1989), grandes transformações começam a ocorrer
nos países pertencentes ao regime político comunista do Leste Europeu. Se, por um lado,
parâmetros capitalistas ocidentais passam paulatinamente a influenciar o cotidiano destes
países, por outro, o resto do mundo passa a conhecer toda a diversidade e riqueza artística
e cultural que se escondeu por trás da chamada Cortina de Ferro, principalmente nos países
pertencentes às antigas União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia.

O grande pioneiro da animação no Leste Europeu foi Vladislav Starevich, conhecido por
suas animações em stop motion com insetos. Por ter ido morar na França, foi um dos poucos
animadores soviéticos a ter sua obra conhecida e difundida mundialmente muito antes do fim
da Guerra Fria. Seu principal trabalho, com grande repercussão internacional, foi o curta “La
Voix du Rossignol” (“The Voice of the Nightingale”, 1923), premiado em todo o mundo.

O cinema foi, como sabemos, um meio extremamente popular nos países do Leste
Europeu, o que fez com que surgissem inúmeros estúdios que produziam propagandas, curtas
e longas-metragens. É curioso notar que o desenvolvimento das principais características
da animação nestes países se deu de forma própria, independente, isto é, sem intercâmbio
com os demais países do mundo e longe de qualquer influência do dominante modelo norte-
americano de produção. Apesar de, em alguns casos, serem utilizadas para propaganda
ou sofrerem algum tipo de censura pelo governo, as animações dos países da Cortina de
Ferro adquiriram formas, linguagens, estéticas e retóricas próprias, que permaneceram,
durante muitos anos, confinadas nesses países, sem serem vistas no resto do mundo.6

Três grandes escolas de animação, responsáveis pela formação da mão de obra e pela
produção das animações, podem ser apontadas como as principais do Leste Europeu até meados
dos anos 80, e que ainda continuam ativas. A primeira delas, a Soyuzmultfilm, é um estúdio
fundado em 1936, tendo produzido mais de 1.500 animações. No seu auge, o estúdio chegou a
empregar mais de 700 funcionários e produzir cerca de 45 animações por ano. A Soyuzmultfilm
também é conhecida pela enorme diversidade de temas, estilos e técnicas presentes em suas
animações - diferentemente da maioria dos estúdios, que normalmente buscam determinadas
especializações ou segmentações.

Outra importante escola de animação do Leste Europeu é a Escola Checa, também


conhecida por Escola de Praga. Suas animações pertencem atualmente a Krátký Film Praha
– instituição criada por decreto presidencial em 1945 – da qual fazem parte dois importantes
estúdios. Um deles, o Studio Bratři v triku, é considerado o maior estúdio de animação da
República Checa. Por ele passaram alguns dos principais nomes da animação do país, como Jiři
Trnka, Břetislav Pojar, Jiři Brdečka e Zdeněk Miler. Com mais de 1.600 animações produzidas
e centenas de prêmios no mundo todo, o estúdio trabalha atualmente, além de desenvolver
projetos próprios, em coproduções com a Alemanha, a Suíça, a Holanda e os Estados Unidos.

6. Após nova organização política e geográfica, os atuais países internacionalmente reconhecidos que ocupavam
territórios pertencentes ao Leste Europeu são: Albânia, Armênia, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina,
Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Georgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia,
Montenegro, Polônia, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia e Ucrânia.

92
Séries de Animação Televisiva

Além disso, há o estúdio de Jiři Trnka, no qual o animador desenvolveu a maioria de seus filmes
utilizando a técnica de stop motion, por meio da manipulação de bonecos. Antes de animar, Trnka
tinha grande experiência profissional com a criação de bonecos e também com ilustração. O animador,
amplamente premiado e reconhecido, tornou-se notório por aliar uma alta carga poética em sua
dramaturgia à pesquisa de novos materiais, processos e técnicas para seus trabalhos, tornando-se
uma das maiores e mais importantes referências no mundo da animação.

A terceira escola de animação de grande influência no Leste Europeu foi a Escola de


Zagreb, formada principalmente pela Zagreb School of Animation (pertencente à Zagreb Film,
fundada em 1953 e que produziu mais de 600 animações e recebeu inúmeros prêmios. Entre
eles, um Oscar, em 1962, pelo curta “Surogat” (“Lonely Guy”) de Dušan Vukotić, que se tornou
o primeiro animador não americano a ganhar tal prêmio. Entre os principais animadores da
Escola, encontram-se nomes como os de Nikola Kostelac, Vatroslav Mimica, Dušan Vukotić e
Vladimir Kristl. A Escola de Zagreb também se tornou conhecida pela produção de 12 séries, a
maioria feita em película, mas também exibidas na televisão, como: “Inspector Mask” (1950-
56), “Professor Balthazar” (1967-74), “Maxi Cat” (1972-73) e “Leteći Medvjedići” (“The Little
Flying Bears”, coprodução com CinéGroup do Canadá, 1990-91).

Além destes três principais, é importante frisar que dezenas de outros estúdios têm
participação ativa e importante no cenário da animação no Leste Europeu. Dentre esses,
podemos mencionar o NuKu Film Studio, localizado atualmente na Estônia e um dos principais
estúdios de stop motion em todo o mundo, e a Pannónia Film Stúdió, produtora estatal húngara
de curtas, longas e séries, responsável pela formação dos principais animadores do país, como
Attila Dargay, Marcell Jankovics, Ferenc Rófusz, György Koyásznai, Sándor Reisenbüchler,
István Orosz, Liviusz Gyulai, Dóra Keresztes e Zsolt Richlv.

Com a queda da Cortina de Ferro, surgem também diversos novos estúdios de animação,
não mais estatais, mas privados. Um deles é o estúdio Pilot, um dos primeiros estúdios privados
do Leste Europeu, fundado em 1988 por Aleksandr Tatarskiy, Igor Kovalyov e Anatoliy Prokhorov.
Conhecido pelo senso de humor aguçado e pela técnica apurada de suas obras, o estúdio, um
dos maiores da Rússia, conseguiu rápida projeção com curtas-metragens como “The Hunter”
(1993) e “Bukashki” (2003). Atualmente, o estúdio também desenvolve alguns projetos de
séries de animação para a televisão.

Ressaltamos que, apesar de haver um domínio comercial dos desenhos animados


americanos e japoneses no mercado mundial, existem inúmeras experiências de séries de
desenhos animados para televisão em diversos outros países de todo o mundo. Ainda que em
menor volume e com menor projeção internacional, estas séries pensadas e produzidas fora
do eixo dominante possuem, muitas vezes, qualidade e técnicas criativas tão grandes, senão
maiores, do que as séries de maior sucesso comercial. No final deste capítulo, falaremos um
pouco mais de algumas delas.

Além de alguns programas de televisão, como “Pinwheel”, da Nickelodeon, diversas mostras e


festivais começam a exibir com maior frequência e regularidade as animações dos países da extinta
Cortina de Ferro. Nesses eventos, tanto o público quanto os realizadores passaram a ter um contato
mais sistemático com essas obras. Também os estúdios do Leste Europeu dão início a coproduções
com estúdios de outros países que, aos poucos, começam a ser exibidas na grade regular das grandes

93
Dramaturgia de Série de Animação

emissoras. Isso sem mencionar os próprios animadores desses países que migraram para os Estados
Unidos e começaram a trabalhar na grande indústria dos desenhos animados.

Com tudo isso, foi natural que a animação do Leste Europeu começasse a se tornar uma
referência para a produção de séries animadas ocidentais. Podemos, portanto, levantar a
hipótese de que, ao lado dos outros fatores aqui apontados, a queda da Cortina de Ferro tem
relação direta com a renovação e diversificação dos desenhos animados norte-americanos a
partir da década de 90. Uma das primeiras séries em que isso se manifestou de forma bastante
perceptível foi “Rugrats”, produzida pelo estúdio Klasky Csupó, fundado pelo animador
húngaro Gabor Csupó com sua esposa Arlene Klasky.

Com a ampliação da cobertura para todo o território norte-americano e seu maior


direcionamento para as séries de animação, o canal Nickelodeon resolve produzir, em 1991,
séries originais de animação. Desta iniciativa, saem três das principais séries exibidas pela
emissora nesta década. A primeira delas, “Doug” (1991-99), criada por Jim Jinkins, contava
o cotidiano de Doug Funnie, um menino de onze anos, na cidade fictícia de Bluffington, para
onde sua família havia se mudado.

A segunda série foi justamente “Rugrats” (1991-2004), criada pelo estúdio de Gabor Csupó
e Arlene Klasky. A série apresenta uma possível visão de mundo de uma turma de bebês,
que conseguem se comunicar entre si, mas que não são compreendidos pelos adultos, apesar
de conseguirem entender tudo o que estes dizem. Uma das personagens, Angelica Pickles,
posteriormente adicionada à série, consegue se comunicar igualmente com os dois mundos,
sendo assim uma espécie de elo entre eles. A série, destinada para o público infantil, conseguiu
um fato raro: oferecer um entretenimento de qualidade com criatividade e que foi elogiado
por pais, adultos e organizações sociais, premiado pelos críticos e adorado pelas crianças.

A terceira série lançada pelos novos estúdios da Nickelodeon foi “Ren & Stimpy”, do criativo
e irreverente animador canadense John Kricfalusi. Os episódios giram em torno das bizarras
situações vividas pelos dois protagonistas que dão nome à série: Ren, um cachorro chihuahua
neurótico e Stimpy, um gato bem humorado e estúpido. Com estilo de animação semelhante ao
dos theatricals realizados entre as décadas de 40 e 60 (período conhecido como a Era de Ouro
da Animação Americana), a série abusava de humor negro e de violentas trapalhadas.

A ideia inicial da série surgiu em 1978, quando Kricfalusi, então estudante de animação,
viu uma fotografia de Elliot Erwitt intitulada “New York, 1946”, na qual uma imagem registra
próximo ao chão de uma rua urbana um chihuahua em primeiro plano, encarando a câmera ao
lado dos pés de uma mulher.

A primeira animação de Kricfalusi foi o curta “Ted Bakes One”, de 1979, exibido em
festivais e alguns canais a cabo. Nos anos 80, trabalhou em diversas séries na Filmation e
Hanna-Barbera, até passar a trabalhar em alguns projetos do diretor Ralph Bakshi, como o
videoclipe de “Harlem Shuffle”, da banda Rolling Stones, e em alguns episódios do revival da
série “Mighty Mouse” (“Super Mouse”).

Em 1989, Kricfalusi apresenta o projeto de sua série para a Nickelodeon, que financia a
produção de um episódio, “Big House Blues”, que foi animado no próprio estúdio de Kricfalusi,

94
Séries de Animação Televisiva

o Spümcø. No piloto, Ren e Stimpy são capturados pela carrocinha e vão parar em um canil,
onde conhecem Jasper e Phil, este último enviado para tirar um “grande sono”. A vida dos dois
parece estar por um fio quando são adotados por uma doce e delicada menina. O episódio foi
exibido com sucesso em diversos festivais de animação pelo mundo, até que a Nickelodeon
promovesse sua estreia na grade da emissora em agosto de 1991.

Por conta das inúmeras controvérsias causadas pela série e pela resistência de Kricfalusi
em adequá-la ao controle da emissora, o autor acaba desligado de “Ren e Stimpy” no final de
1992. No total, a série teve cinco temporadas e foi exibida até 1996, sem ter, as últimas, a
mesma irreverência e ousadia que caracterizou as duas primeiras temporadas.

Duas séries criadas pelo produtor Peter Keefe e dirigidas pelo animador Tom Burton
consolidam um retorno à produção de séries de animação mais autorais para a televisão
no início dos anos 90. A primeira delas, “Widget” (1990-92), tem como protagonista um
extraterrestre roxo, oriundo da nebulosa Cabeça de Cavalo, que tem o poder de mudar de
forma e possui um grupo de amigos formado por jovens humanos. Juntos, eles enfrentam
diversos desafios, inclusive defender o planeta de perversos vilões alienígenas interessados em
extrair os recursos naturais da Terra.

A outra série criada por Keefe é “Mr. Bogus” (1993-94), dividida em duas partes distintas:
a primeira animada de forma tradicional em acetato e a segunda em stop motion. Um dos
ambientes recorrentes da série é um balcão de cozinha no qual as personagens passam por
diversas aventuras com utensílios domésticos. A protagonista da série, Mr. Bogus, é uma
estranha criatura que vive nas paredes de uma casa no subúrbio. Em alguns episódios, as
histórias também são ambientadas em seu próprio mundo - Bogusland, uma dimensão paralela
de formas curvas e distorcidas -, sempre apresentando enredos delirantes.

Após o lançamento de “Doug”, “Rugrats” e “Ren & Stimpy”, a Nickelodeon produz uma
quarta série, também com grande repercussão. Trata-se de “Rocko’s Modern Life” (“A Vida
Moderna de Rocko”, 1993-96), criada pelo animador Joe Murray e cujo diretor criativo foi
Stephen Hillenburg, que desenvolveria mais tarde sua própria série, “SpongeBob SquarePants”
(“Bob Esponja Calça Quadrada”), no final da década.

A série gira em torno de Rocko, um marsupial (wallaby) de formas antropomórficas, que


imigrou da Austrália para a cidade fictícia de O-Town, nos Estados Unidos, onde passa por
diversas situações e aventuras sui-generis. “Rocko’s Modern Life” é carregada de duplos
sentidos, insinuações, alusões e paró­dias contemporâneas. Os episódios das quatro temporadas
foram escritos por 30 roteiristas dife­­rentes, o que garantiu uma enorme diversidade estilística
dentro de uma linha mestra comum à série.

Em 1996, a Nickelodeon desenvolve duas novas séries originais: “Kablam!” e “Hey


Arnold!”. A primeira foi uma espécie de miscelânea de animações realizadas por animadores
diversos com diferentes técnicas, que tinham em comum entre si apenas o tom humorístico do
programa. Apesar da ousadia da proposta, a série teve quatro temporadas e foi descontinuada
no ano de 2000. Já “Hey Arnold!”(1996-2002) traz como protagonista um menino cabeçudo,
idealista, que sempre tenta fazer a coisa certa e ver o melhor das pessoas. O tom da série foi
comparado, por muitos, com “The Charlie Brown and Snoopy Show” (1983-85), série baseada

95
Dramaturgia de Série de Animação

nos populares quadrinhos de Charles M. Schulz que, apesar de ter apenas duas temporadas na
televisão, deixou uma considerável legião de fãs.

O Nickelodeon está atualmente presente em mais de 200 países do mundo, incluindo Oriente
Médio, Europa, Oceania, América Latina e Índia e possui ainda outros quatro canais a cabo: “Nick
Jr”, voltado para crianças em idade pré-escolar; “TeenNick”, voltado para adolescentes; “TV
Land”, com reprise de séries e programas “clássicos”, e “NickToons”, voltado exclusivamente para
desenhos animados. O canal possui ainda um braço especializado na produção de filmes de longa-
metragem em animação, a maioria deles baseados em suas séries de maior sucesso.

Além do Nickelodeon, outro canal de grande importância para a história da animação na televisão
foi o Cartoon Network. Como vimos, o canal surge a partir da aquisição, por parte do magnata
das comunicações norte-americano Ted Turner, de todo o acervo da Hanna-Barbera. Turner pensou
que, ao invés de usar este material de forma dispersa entre seus canais, poderia criar um veículo
específico para tal propósito. Em 1994, o Cartoon Network era o quinto canal a cabo mais popular e,
em 2001, o segundo – sucesso maior que as previsões mais otimistas de Ted Turner. Em seus primeiros
anos, o canal vivia praticamente da reprise de séries adquiridas da Hanna-Barbera e de alguns outros
estúdios. A primeira série original do canal foi “The Moxy Show” (1993), uma das séries de animação
pioneiras contendo personagens animadas tridimensionalmente (3D).

Parte do sucesso do Cartoon Network, a partir da década de 90, pode ser explicada por
políticas e programas inteligentes para a produção de novas séries de animação. Em 1995,
a Cartoon Network lança “What a Cartoon Show” (também conhecido como “The Cartoon
Cartoon Show”), concebido pelo produtor e diretor criativo Fred Seibert. O conceito central
do projeto foi abrir espaço para novos e talentosos animadores desenvolverem pilotos de
séries autorais. Cada projeto selecionado contou com uma consultoria de dois experientes
profissionais (Jesse Stagg e Kelly Wheeler) antes de passar por uma estreia mundial no canal.

O primeiro piloto exibido foi “The Powerpuff Girls in Meat Fuzzy Lumpkins”, do animador
russo Genndy Tartakovsky, em fevereiro de 1995. Ao todo, foram produzidos e exibidos 48
pilotos, dos quais 18 resultaram em séries regulares, algumas de grande sucesso como “Dexter’s
Laboratory” (“Laboratório de Dexter”, 1996-2003), também de Genndy Tartakovksy, “Cow and
Chicken” (“A Vaca e o Frango”, 1997-99), de David Feiss, “Johnny Bravo” (1997-2004), de Van
Partible, “Ed, Edd n Eddy (“Du, Dudu e Edu”, 1999-2009), de Danny Antonucci, “Larry and
Steve”, que mais tarde deu origem à série “The Family Guy”(1999-atual), de Seth MacFarlane,
“Courage, the Cowardly Dog” (“Coragem, o Cão Covarde”, 1999-2002), de John Dilworth e
“Mike, Lu & Og” (1999-2000), de Mikhail Shindel.

A experiência de “What a Cartoon Show” foi considerada uma mistura do estilo clássico de
produção dos theatricals da década de 40 com o humor e a originalidade das séries de televisão
da década de 90. O êxito da iniciativa fez com que Fred Seibert lançasse “Oh Yeah! Cartoons”,
o maior programa de desenvolvimento de desenhos animados de todos os tempos. Entre os anos
de 1998 e 2001, o novo programa rendeu cerca de 100 episódios pilotos produzidos e exibidos,
que deram origem a séries como “The Fairly OddParents” (“Os Padrinhos Mágicos”, 2001-atual),
de Butch Hartman, “ChalkZone” (“Mundo Giz”, 2002-2009), de Bill Burnett e Larry Huber e “My
Life as a Teenage Robot” (“Uma Robô Adolescente”, 2003-2009) de Rob Renzetti.

96
Séries de Animação Televisiva

Juntos, os dois programas de formação de séries ajudaram a revelar novos nomes da


animação, como Alex Kirwan, Antoine Guilbaud, Bob Boyle, Bill Burnett, Butch Hartman, Byron
Vaughns, Carlos Ramos, C. Milles Thompson, David Wasson, Jaime Diaz, Greg Emison, John Eng,
John Fountain, Ken Kessel, Larry Huber, Pat Ventura, Rob Renzetti, Seth MacFarlane, Steve
Marmel, Thomas Fitzgerals, Vincent Waller, Zac Moncrief.

Outro canal de televisão que teve papel crucial para o desenvolvimento das séries de
animação na década de 90 foi a MTV. Fundada em 1981, a emissora atingiu em cheio o público
jovem e praticamente criou a indústria dos videoclipes. Entre um clipe musical e outro a
emissora costumava desenvolver uma série de vinhetas utilizando técnicas experimentais de
animação e de videografismo, reforçando sua identidade visual junto ao seu público.

Dez anos após sua inauguração, em parceria com a BBC, a MTV lança uma das experiências
mais radicais em termos de séries de animação na televisão: “Liquid Television” (1991-94).
Com dezenas de episódios realizados por animadores independentes, isto é, com alguma
experiência em curta-metragem, mas nenhuma em televisão, a série apresentava episódios
diferentes entre si, mas que tinham em comum apenas uma linha mestra pautada em um
visual diferente daquele normalmente visto nos desenhos animados. Com episódios variando
da abstração à crítica, “Liquid Television” fez enorme sucesso junto ao público da emissora e
serviu de base para o lançamento de algumas das futuras séries originais da MTV.

A primeira destas séries foi “Æon Flux” (1991-1995), criada pelo animador coreano Peter
Chung. Ambientada em um futuro distópico, a série incorporou referências diversas do anime,
do artista austríaco Egon Schiele, de quadrinistas como Moebius e, segundo o próprio autor, até
mesmo de técnicas de animação dos “Rugrats”. Com enredo singular e técnica apurada, “Æon
Flux” agradou o público jovem fã de ficção científica.

Em 1993, é lançada a série dos anárquicos “Beavis and Butt-Head” (1993-97), dois jovens
fãs de rock pesado que vivem em uma conservadora cidade no Estado do Texas. A comicidade da
série vem da não adoção de regras e convenções sociais por parte das personagens principais,
normalmente agindo de maneira grosseira e desagradável com os outros – inclusive entre
si. Desprovidos de bom senso ou de noção moral, Beavis e Butt-Head normalmente agem
instintivamente e terminam os episódios sem maiores problemas, ainda que possam prejudicar
outras personagens. Uma das cenas recorrentes na série mostra a dupla sentando-se em um
sofá, ligando a televisão e começando a comentar um videoclipe de uma banda qualquer.
Em 1996, a série ganhou um filme de longa-metragem animado, “Beavis and Butt-Head do
America”. A MTV anunciou que a série deve voltar a partir de 2011.

Em seguida, a emissora produziu e exibiu as séries “The Brothers Grunt” (1994-95), de Danny
Antonucci, “The Head” (1994-96) de Eric Fogel, “The Maxx” (1993-98), baseada na personagem de
Sam Kieth e dirigida por Gregg Vanzo, “Daria” (1997-2002) de Glen Eichler e “Downtown” (1999),
uma sitcom animada criada e dirigida por Chris Prynoski, George Krstic e Anne D. Berstein.

A MTV também ficou conhecida por duas séries originalmente desenvolvidas para o canal
humorístico “Comedy Central”, mas que foram exibidas na emissora. A primeira delas “Dr. Katz,
Professional Therapist” (“Dr. Katz, Terapeuta Profissional”, 1995-2002) criada por Jonathan Katz e
Tom Snyder, na qual o terapeuta Dr. Katz tinha como cliente atores e humoristas famosos. Entre

97
Dramaturgia de Série de Animação

uma sessão e outra, a série era entrecortada por trechos do cotidiano do terapeuta, envolvendo
normalmente seu filho Benjamin, sua secretaria Laura e seus dois amigos, Stanley e a garçonete
Julie. Muitos dos diálogos da série eram definidos pelos próprios atores, por meio de improvisações a
partir de temas ou situações norteadoras, depois da escrita do roteiro em si.

A outra série exibida na MTV e produzida originalmente no “Comedy Central” foi “South Park”
(1997-atual), de Trey Parker e Matt Stone. A série foi baseada em dois curtas realizados pelos autores
em 1992 e que se tornaram um dos primeiros casos de mídia viral da Internet. A série apresenta
quatro meninos (Stan, Kyle, Eric e Kenny, que sempre morre nos episódios) que vivem estranhas
aventuras na cidade fictícia de South Park. Cercada de humor negro e sátira, “South Park” aborda
uma ampla variedade de temas como sexo, violência, mídia, cultura pop e outros.

Na esteira do sucesso permanente de “The Simpsons” e das demais séries exibidas em


outros canais, a Fox lança, também no final dos anos 90, outros desenhos animados originais e
criativos em horário nobre, com relativo sucesso, como “King of The Hill” (“O Rei do Pedaço”,
coprodução da Film Roman, Deedle-Dee Productions, Judgemental Films e 20th Century
Fox Television, 1997 - 2009) de Mike Judge e Greg Daniels, “Family Guy” (“Uma Família da
Pesada”, coprodução Fuzzy Door Productions e 20th Century Fox Television, 1999 – atual) de
Seth MacFarlane, “Futurama” (coprodução The Curiosity Company, Rough Draft e 20th Century
Fox Television, 1999 – 2003; 2008 - atual) de Matt Groening e “The PJ’s” (coprodução Imagine
Entertainment, Touchstone Pictures, The Murphy Company e Will Vinton Studios, 1999 - 2001),
série de stop motion criada por Eddie Murphy, Larry Wilmore e Steven Tompkins.

Um estúdio que volta a ter destaque na produção de séries de animação para televisão
na década de 90 foi a Warner Bros. Cartoons, com duas séries baseadas em personagens do
universo de Looney Tunes produzidas por Steven Spielberg e criadas por Tom Rueger: “Tiny
Toon Adventures” (1990-95) e “Animaniacs” (1993-98). Em 1995, o estúdio lança duas séries
originais e inventivas que trariam grande sucesso. A primeira delas, “Pinky and the Brain”
(“Pinky e o Cérebro”, 1995-98), criada pela dupla Spielberg e Rueger, apresenta como
protagonistas uma dupla de ratos brancos que utilizam os laboratórios Acme como base para
seu principal plano: dominar o mundo. Pink é um rato branco, alto e bastante bobo, por vezes
idiota. Cérebro é um rato branco baixo, gordinho e bastante inteligente. Os elaborados planos
de Cérebro para dominação do mundo acabam sempre dando errado, normalmente por conta
de alguma trapalhada de Pink. O principal antagonista da dupla é Bola de Neve (Snowball) um
hamster amarelo de nariz vermelho que possui inteligência tão aguçada quanto a de Cérebro
e que também deseja dominar o mundo, mesmo que para isso se utilize de métodos nefastos.

A outra série da Warner Bros. Cartoons foi “Freakazoid!” (1995-99), criada por Bruce Timm,
Paul Dini e Steven Spielberg, e que apresenta a história de um nerd que acaba acidentalmente
indo parar no ciberespaço, de onde volta na forma de um super-herói de pele azul. Maníaco e
insano, Frekazoid foge do estereótipo do super-herói clássico e convive em seu universo com
uma série de personagens excêntricas, sejam elas aliadas ou não.

“Tiny Toon Adventures” e “Animaniacs” foram exibidas por outro canal importante para a
animação nesta década, a Fox Kids. Entre as cerca de 80 séries exibidas pela emissora nesta
década, podemos destacar: “Bobby’s World” (“Mundo de Bob”, 1990-98), de Howie Mandel,
“Taz-Mania” (1991-95), de Art Vitello, “Eek, the Cat” (1992-97), de Savage Steve Holland e Bill

98
Séries de Animação Televisiva

Koop, “Life With Louie” (1994-98), de Matthew O’Callaghan e Louie Anderson, “Where on Earth
is Carmen Sandiego?” (“Carmen Sandiego”, 1994-99), criada por Pjil Harnage e dirigida por Joe
Barruso, “Goosebumps” (1995-98), criada por R. L. Stine e dirigida por Deborah Forte.

A Fox Kids exibiu ainda novas produções ou adaptações envolvendo antigas personagens dos
desenhos animados, como “Tom & Jerry Kids” (1990-93), dirigida por Carl Urbano, Don Lusk,
Paul Sommer, Robert Alvarez e Jay Sarbry, “Droopy, Master Detective” (1993-94) produzida por
Joseph Barbera e dirigida por diversos animadores, “Casper” (“Gasparzinho, o Fantasminha
Camarada”, 1996-98), dirigida por Marija Dail e “Godzilla” (1998-2000), dirigido por Audu
Paden, Natan Chew, David Hartman e Sam Liu. A emissora a cabo da rede Fox também exibiu
séries baseadas em super-heróis criados por Stan Lee, como: “Batman” (1992-95), desenvolvida
e produzida por Bruce W. Timm, Eric Randomski e Alan Burnet, “X-Men” (1992-97), dirigida por
diversos animadores e “Spider-Man” (“Homem-Aranha”, 1994-98), dirigido por Bob Shellhorn.

Além dos canais de televisão aqui apresentados, outros três canais voltados para a animação
surgem no final da década de 90: “Teletoon” (1997 – atual), “Treehouse TV” (1997 – atual) e
“Animax” (1998-atual), este último voltado apenas ao anime. Juntos, são responsáveis pela
exibição de dezenas de outras séries de animação na televisão.

O período a partir do início da década de 90 é conhecido nos Estados Unidos como


“American Animation Renaissance” (Renascimento da Animação Americana), e marca um
novo crescimento não apenas quantitativo como qualitativo das séries de desenhos animados.
Assim, podemos apontar a ampliação e a diversidade dos canais, a abertura da animação
norte-americana para estúdios e animações estrangeiras, o fator intergeracional, os programas
formativos de novos talentos, a ousadia criativa de novos animadores e as facilidades de
produção introduzidas pelas tecnologias digitais como os principais elementos responsáveis
por esse “renascimento”.

Todavia, grupos e entidades sociais, como o ACT, voltam novamente a pressionar a FCC
para tomar providências em relação ao conteúdo das novas séries. A ação surte efeito apenas
nas séries de animação infantis, que passam a incorporar novas questões politicamente
corretas, como a ecologia, por exemplo. Desta vez, porém, as séries de animação são
consideradas iguais aos demais gêneros televisivos e produtos audiovisuais, devendo indicar
a classificação etária e se adequar ao horário de exibição. Eventualmente, ações isoladas
na justiça foram movidas contra algumas dessas séries, normalmente envolvendo questões
particulares específicas, associadas à imagem de determinadas figuras públicas que sentiram
ridicularizadas ou mencionadas indevidamente em determinados episódios.

A virada de século vê o surgimento de um dos maiores sucessos da história do desenho


animado, ao lado de “The Flintstones” e “The Simpsons”, “SpongeBob SquarePants” (“Bob
Esponja Calça Quadrada, 1999-atual”), de Stephen Hillenburg, série da qual trataremos com
mais detalhes no final deste capítulo.

O início do novo século marca a consolidação das séries de desenho animado na televisão. O
avanço constante das tecnologias digitais facilitou o desenvolvimento dos desenhos animados,
reduziu o tempo de produção, inaugurou novas possibilidades criativas e favoreceu o modelo
de coprodução internacional, aproximando estúdios geograficamente distantes.

99
Dramaturgia de Série de Animação

Além disso, novos canais exibidores de desenhos animados surgem em todo o mundo, como
“Boomerang” (2000), “BBC Kids” (2001), “Adult Swim” (2001), “TV Rá-Tim-Bum” (2004), “Jetix”
(2004-10), “Animania HD” (2004-09), “Cartoonito” (2006), “4Kids TV” (2008), “Tooncast” (2008) e
“The Hub” (2010), ampliando ainda mais a janela de exibição das séries de animação.

Apesar de não termos um distanciamento histórico que nos permita examinar fatos
recentes com a mesma segurança com a qual examinamos o passado, podemos fazer algumas
considerações sobre os desenhos animados nesta primeira década do século XXI. Em primeiro
lugar, é possível observar uma descentralização, ainda que lenta e paulatina, do eixo Estados
Unidos – Japão na criação, produção e distribuição de séries de animação para a televisão,
mesmo que, em alguns casos, sob a forma de modelos de coprodução. Além da diversidade
estilística, esse processo tem estimulado a indústria da animação em outros países que já
desenvolveram (ou estão desenvolvendo) seu potencial no setor. Além do Leste Europeu,
outras localidades vêm criando e produzindo, com alguma regularidade, séries originais de
animação para a televisão, como Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia, Dinamarca, Espanha,
França, Índia, Inglaterra, Itália, Irlanda, México e Suécia.

Outra tendência perceptível é o crescimento das séries adultas de animação. Da mesma


forma que é um terrível equívoco considerar que toda animação seja infantil, também o é
pensar que toda animação adulta seja pornográfica ou contenha palavrões. Devemos aqui,
portanto, fazer uma observação a fim de diferenciar o conceito de censura do de público-
alvo. Uma série de animação adulta não necessariamente contém cenas de sexo, palavrões,
violência e demais conteúdos inapropriados para menores. É claro que parte destas séries
exploram temáticas consideradas mais “pesadas”, mas uma animação também pode, sem
utilizar tais recursos, ser considerada adulta pela sutileza de seus traços, pelo tipo de humor
ou pela complexidade de seu roteiro, por exemplo.

100
Séries de Animação Televisiva

Uma das primeiras séries na televisão a apontar esta tendência adulta foi “Space Ghost Coast to
Coast” (“Space Ghost de Costa a Costa”, 1994-2001), criada por Mike Lazzo e exibida inicialmente
no Cartoon Network. Pensada em um formato de paródia aos clássicos programas de entrevistas
(talk shows), a série apresenta o protagonista Space Ghost como entrevistador de personalidades
“reais”, que aparecem em uma tela de vídeo ao seu lado. Variação da série original da Hanna-
Barbera desenvolvida nos 60, “Space Ghost Coast to Coast” resgatou uma galeria de vilões que
ocupam agora papel de auxiliares, como o louva-a-deus gigante Zorak (líder da banda do estúdio),
e o homem de lava dentro de uma armadura, Moltar (produtor do programa). Os dois trabalham
como uma espécie de pena a ser paga por seus crimes prévios e não escondem seu desgosto e
falta de motivação para a realização de tais atividades. Space Ghost ganhou um irmão gêmeo
extremamente inteligente e de personalidade maquiavélica, Chad, que pode ser distinguido pelo
cavanhaque, por uma voz mais grave e pelo uso de gírias em suas falas.

Apesar de parodiar o formato de um programa de entrevistas, os episódios costumam criar


situações inusitadas, como respostas sem sentido (provavelmente editadas previamente para não
responder às perguntas do entrevistador). Outro exemplo ocorre no início do programa, quando
o protagonista costuma perguntar para o entrevistado - uma personalidade humana do “mundo
real” - sobre seus superpoderes. Sátira do estereótipo de apresentador de programas de entrevista,
Space Ghost manifesta comportamentos e atitudes egocêntricas e arrogantes, é desinformado,
desconhecedor de suas limitações e responde sempre de forma violenta às provocações.

Exibidas depois das 23h30min (late night), as séries adultas de animação, como “Space
Ghost Coast to Coast”, se proliferam por toda a televisão, culminando, em 2001, com a criação
de um canal exclusivo para tal tipo de série, o “Adult Swim”. O nome do canal é uma analogia
ao termo utilizado em língua inglesa para os horários em que piscinas públicas estão restritas
ao uso de adultos. Entre as principais séries produzidas e exibidas pelo canal estão: “Robot
Chicken” (“Frango Robô”, 2005-atual), de Seth Green e Matthew Senreich, “Aqua Tenn Hunger
Force” (“Aqua Teen: O Esquadrão Força Total”, 2000 – atual), de Matt Maiellaro e Dave Willis,
“Harvey Birdman: Attorney at Law” (“Harvey, o Advogado”, 2000-07), de Michael Ouwellen e
Erik Ritcher e “Sealab 2021” (“Laboratório Submarino 2021”, 2000-05), de Adam Reed e Matt
Thompson. A maioria destas séries baseia-se em releituras de personagens da Hanna-Barbera.

O canal também exibe séries originalmente produzidas e/ou exibidas em outros canais, mas
que se encaixem no perfil da programação, como “Family Guy”, “King of The Hill”, “American
Dad”, “Futurama”, “The PJ’s” e também alguns animes mais voltados ao público adulto, como
“Neon Genesis Evangelion” (Studio Gainax, 1995-96), criado por Yoshiyuki Sadamoto e dirigido
por Hideaki Anno, “Bleach” (2004-atual), criado por Tite Kubo e dirigido por Noriyuki Abe,
“Full Metal Alchemist” (2003-2004), criado por Hiromu Arakawa e dirigido por Seiji Mizushima,
“Ghost in the Shell: Stand Alone Complex” (2002-2003), criado por Masamune Shirow e escrito
e dirigido por Hajime Shimomura e “Cowboy Bebop” (1998-99), de Shinichirō Watanabe.

Criado a partir do extinto canal TNN (The National Network), surge, em 2003, um novo canal
com programação destinada ao público adulto jovem masculino (young male adults), Spike TV,
posteriormente renomeado apenas como Spike. Apesar de não exibir apenas animações, o
canal foi responsável pela criação de algumas séries destinadas ao perfil de seu público-alvo.
Uma das primeiras iniciativas nesse sentido se deu em 2003, quando Kricfalusi foi convidado
pelo canal para voltar a dirigir suas duas personagens, desta vez na série “Ren & Stimpy Adult

101
Dramaturgia de Série de Animação

Party Cartoon” (“Ren & Stimpy só para Adultos”, 2003-04). Todavia, a ousadia e irreverência
foram tamanhas que a série teve grandes dificuldades em conseguir patrocinadores, o que
acabou levando ao final da temporada no ano seguinte de sua estreia.

Outras séries originais exibidas pelo canal foram “Gary, the Rat” (2003), escrito e dirigido
por Mark e Rob Cullen, que tinha como protagonista um imoral rato advogado, “Stripperella”
(2003-04), criada por Stan Lee e dirigida por Kevin Altieri, que apresentava a sexy heroína
Erotica Jones, uma agente secreta que tinha como disfarce a profissão de stripper, além da
reprise de algumas séries como “Conversation Pieces” (1983), de Peter Lord – um dos primeiros
trabalhos do Estúdio Aardman.

A animação com temática mais adulta ou “séria” já era realizada há muito tempo por animadores
como Ub Iwerks e Tex Avery. Apesar de não chegar a ser uma novidade em si, é a partir do século XXI
que elas se multiplicam e ganham maior espaço, definindo assim um novo perfil de público e nicho
de mercado. Estas séries, muitas vezes de baixo orçamento, se caracterizam, de uma maneira geral,
por diálogos ágeis e inteligentes, personagens jovens, presença de animais estranhos, humor físico e
sofisticado juntos, ironia e referências a temas contemporâneos.

Além das séries adultas, é importante frisar que diversas outras séries originais infantis
e kidults foram produzidas e exibidas nesta década. Entre as mais conhecidas podemos
mencionar: “Clifford, the Big Red Dog” (“Clifford, o Gigante Cão Vermelho”, 2000-03),
criada por Norman Bridwell, Deborah Forte, Martha Atwater e dirigida por John Over, “Yu-

102
Séries de Animação Televisiva

Gi-Oh” (2000-06), dirigida por Kunihisa Sugishima, “Samurai Jack” (2001-04), criada Gennddy
Tartakovsky e dirigida por Tartakovsky e Rob Renzetti, “The Proud Family” (2001-05), criada
e dirigida por Bruce W. Smith e Dooren Spicer, “What’s With Andy?” (“Lá Vem o Andy”, 2001-
07), criada por Andy Griffiths e dirigida por Tim Deacon, “The Grim Adventures of Billy and
Mandy”, (“As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy”, 2001-08) dirigida por Maxwell Atoms,
“Hamtaro” (2001-04), dirigida por Osamu Nabeshima, “Jimmy Neutron” (2002-06), dirigida
por Keith Alcorn e Mike Gasaway, “¡Mucha Lucha!” (2002-05), dirigida por Eddie Mort e Lili
Chin, “KND – Kids Next Door” (“Turma do Bairro”, 2002-08), dirigida por Tom Warburton, “Kim
Possible” (2002-07), dirigida por Bob Schooley e Mark McCorkle, “Naruto” (2002-07) e “Naruto
Shippuden” (2007-atual), criadas por Masatohi Kusakabe e dirigidas por Hayato Date, “Teen
Titans” (“Jovens Titãs”, 2003-06), criada e dirigida por Glen Murakami, “Lilo & Stich” (2003-
07), criada por Chris Sanders e Dean DeBlois e diridiga por Snaders, Debois, Roberts Gannaway,
Tony Craig, Vic Cook e Don McKinnon, “Code Lyoko” (2003-07), dirigida por Tania Palumbo
e Thomas Romain, “Atomic Betty” (“Betty Atômica”, 2004-08), dirigida por Trevor Bentley,
Mauro Casalese, Rob Davies e Olaf Miller, “The Backyardigans” (2004-atual), dirigida por Dave
Palmer, “Foster’s Home for Imaginary Friends” (“A Mansão Foster para Amigos Imaginários”,
2004-09), “Brandy and Mr. Whiskers” (“As Aventuras de Brandy e Sr. Bigodes”, 2004-06), criada
por Russel Marcus e dirigida por Timothy Björklund, John McIntyre e Steve Loter, “Pocoyo”
(2005-07), dirigida por Guillermo Garcia Carsí, Guillermo Garcia David Cantolla e Luis Gallego,
“Charlie and Lola” (2005-08), criada por Lauren Child e dirigida por Kitty Taylor, “Avatar: the
Last Airbender” (2005-08), criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko e dirigido por
Lauren MacMullan, Dave Filoni, Giancarlo Volpe, Ethan Spaulding e Joaquim dos Santos, “Camp
Lazlo” (“O Acampamento de Lazlo”, 2005-08), dirigido por Joe Murray, “Ben 10” (2005-08),
“Ben 10 Alien Force” (“Ben 10: Força Alienígena”, 2008-10), “Ben 10: Ultimate Alien” (“Ben
10: Supremacia Alienígena”, 2010-atual), criados por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly,
Steven T. Seagle, Dwayne McDuffie e Glen Murakami, “Grossology” (2006-09), dirigida por
Sylvia Branzei, “Pucca” (2006-09), dirigida por Craig McCracken e Rob Renzetti, “Ying Yang Yo”
(2006-09), criada por Bob Boyle e dirigida por Mark Ackland, “The Emperor’s New School” (“A
Nova Escola do Imperador”, 2006-08), criada e dirigida por Mark Dindal, “Back at Barnyard”
(“O Segredo dos Animais”, 2007 – atual), criada e dirigida por Steve Oedekerk, “Total Drama
Island” (“Ilha dos Desafios”, 2008), dirigida por Jennifer Pertsch e Tom McGillis, “The Penguins
of Madagascar” (“Os Pinguins de Madagascar”, 2008 – atual), dirigido por Bret Haaland e Nick
Filippi, “Kid vs Kat” (2008 – atual), criada por Rob Boutilier e dirigida por Boutilier, Josh
Mepham e Greg Sullivan, “Phineas and Ferb” (2008 – atual), dirigida por Dan Povenmire e Jeff
“Swampy” Marsh, “The Secret Saturdays” (“Os Sábados Secretos”, 2008 – atual), criada por
Jay Stephens e dirigida por Scott Jeralds, “Inazuma Elleven” (“Super Onze”, 2008 – atual),
“Star Wars: The Clone Wars” (“Star Wars: a Guerra dos Clones” -2008-atual), criada por George
Lucas e dirigida por Genndy Tartakovsky e Rob Coleman, “Bakugan Battle Brawlers” (2010 –
atual), dirigida por Mitsuo Hashimoto e “Kick Buttowski: Suburban Daredevil” (“Kick Buttowski:
um Projeto de Dublê”, 2010- atual), criada por Sandro Corsaro e dirigida por Chris Savino.

Outra tendência dos desenhos animados neste início de século é o crossmedia, processo pelo
qual as séries também se tornam presentes em outras mídias e suportes, como filmes, games, sites
na Internet, aplicativos e materiais extras (como ringtones, papel de parede para computador,
comentários dos diretores, making ofs, etc), garantindo que o aficionado possa continuar interagindo
com o universo da série mesmo após a exibição na televisão – sobretudo considerando o perfil de um
público cada vez mais adepto das chamadas “novas mídias”. Além de “premiar” o espectador mais

103
Dramaturgia de Série de Animação

entusiasta e favorecer a fidelização de sua relação com a série, o crossmedia se apresenta ainda
como uma expansão das formas tradicionais de licenciamento.

Se, na televisão, as séries de animação se consolidam como um dos gêneros mais populares
do audiovisual contemporâneo – foram produzidos mais desenhos animados nos últimos 15 anos
do que em seus primeiros 45 anos na televisão –, uma nova gama de possibilidades se oferece
na interface com as tecnologias e mídias digitais. Apesar da televisão ainda ser o principal
meio para se produzir e exibir séries de animação, com o avanço dessas tecnologias, outros
formatos podem oferecer interessantes possibilidades para futuros animadores.

Desde os anos 80, a popularização do sistema de vídeo cassete doméstico, o VHS (Video Home
System), permitiu outras formas de distribuição para algumas séries de animação. Uma primeira
modalidade se deu por meio de um sistema chamado “direct to vídeo”, que possibilitava a venda de
séries de animação diretamente para o público por meio de fitas VHS, disponibilizadas em lojas ou
entregues pelo serviço postal, sem necessariamente serem exibidas previamente em emissoras de
televisão. Assim, muitos estúdios pequenos e médios conseguiram viabilizar seus negócios, por vezes
segmentados, sem depender das tradicionais estruturas das distribuidoras e emissoras de televisão.

Outra modalidade inaugurada com o VHS foi a compilação de antigas séries “fora do ar”
para colecionadores, ou mesmo para novos espectadores que não tiveram a oportunidade de
assistir às suas exibições na televisão. Além de um aumento no faturamento, esta segunda
modalidade possibilitou também que séries antigas permanecessem evidenciadas na memória
do público. Atualmente esta estrutura de distribuição ainda existe, tendo atualizado o suporte
do VHS para o DVD (Digital Video Disc) ou mesmo diretamente pela internet (on demand).

A própria internet se oferece como território de projeção para dezenas de novas séries de
animações, sobretudo de baixíssimo orçamento ou feitas por realizadores estreantes. Assim, alguns
animadores têm encontrado na rede mundial uma forma possível de viabilizar suas produções e
exibir seu material. Além do caso mencionado anteriormente de “South Park”, que se tornou um
dos primeiros virais na internet, ganhando enorme projeção, outro caso de sucesso na rede é a
série “Happy Tree Friends”, criada por Aubrey Ankrum, Rhode Montijo e Kenn Navarro, disponível na
internet desde 2000, e também exibida em alguns países pela MTV (2006 – atual).

O sucesso da série reside no contraste de seu visual “bonitinho” com o humor negro de
seus enredos extremamente violentos, sendo por vezes comparada à “Itchy & Scratchy”, uma
espécie de “metasérie” exibida dentro dos Simpsons. Não indicado para crianças, ainda que seja
bastante popular entre elas, a série não apresenta fala (quando muito grunhidos ininteligíveis)
e mostra, de maneira sádica e cruel, detalhes de alguma morte que irá inevitavelmente
acontecer. Com personagens e protagonistas em formas de mamíferos antropomórficos, que se
revezam na participação de cada episódio, a animação costuma começar com alguma situação
cotidiana ordinária que antecede a anunciada tragédia. Ao final, é mostrado um trocadilho a
partir de uma moral que resultou no final funesto da história, como por exemplo: “Por isso,
nunca se esqueça de lavar atrás da orelha”. Assim, a série é assistida muito mais para se saber
“como” do que exatamente “o quê” vai acontecer.

Se, por um lado o caráter metamórfico da trajetória dos desenhos animados gera certa
imprevisibilidade quanto ao seu futuro, por outro, sua constante renovação acompanha as

104
Séries de Animação Televisiva

próprias transformações da sociedade contemporânea – ao menos em comparação com certos


gêneros audiovisuais televisivos que parecem permanecer “congelados”.

Séries de animação para televisão além dos Estados Unidos


e Japão
Como dissemos anteriormente, a grande maioria dos desenhos animados tem sido
produzida pelos Estados Unidos e Japão. A partir da década de 80 percebemos o surgimento
de grandes estúdios de animação voltados para a produção de séries para a televisão em
países como Canadá, Inglaterra, França e, mais recentemente, Coréia do Sul e Espanha. Tais
países produzem, atualmente, muitas séries de grande sucesso comercial exibidas em canais
de televisão de todo o mundo.

Todavia, devemos lembrar que a animação, independentemente da televisão, é uma arte


universal e que pode se manifestar de diversas formas em diversos formatos – o desenho animado é
apenas uma delas. Assim, muitos países desenvolveram uma tradição em animação mais expressiva e
constante na produção de curtas-metragens do que em séries para televisão, por exemplo.

Interessa-nos aqui, neste final de capítulo, mencionar – ainda que brevemente – algumas
séries desenvolvidas fora do “grande eixo” comercial e que apresentaram alguma qualidade
diferenciada, digna de análise. Contudo, isso não significa que essa diferenciação só possa se
manifestar fora deste eixo – além de algumas das séries já mencionadas anteriormente, cito
aqui, apenas a título de novo exemplo, a série americana “Lenore – the Cute Little Dead Girl”
(2002) de Roman Dirge, inspirada no universo sombrio da poesia de Edgard Allan Poe.

Uma das primeiras séries que gostaríamos de destacar é “Krteček” (“The Mole”), criada pelo
animador checo Zdeněk Miler, que traz como protagonista uma simpática e curiosa toupeira. Com
cerca de 50 episódios produzidos e exibidos de maneira irregular, entre os anos de 1963 e 2002, a
série teve grande sucesso nos países do Leste Europeu. A primeira aparição da protagonista se deu em
um curta-metragem voltado para o público infantil, que tinha como objetivo ensinar para as crianças
o processo de produção do linho. A ideia expandiu-se, ainda que normalmente a personagem principal
mostrasse como as coisas são feitas, sempre abordando um tema por episódio, como carro, telefone,
pirulito e guarda-chuva, por exemplo. No primeiro episódio, havia a presença de um narrador que
foi retirada. A série tornou-se, então, sem falas, sonoramente apresentando somente interjeições da
toupeira, feitas pelos próprios filhos de Miler, que também serviam como uma espécie de consultores
(público-alvo) dos episódios.

Já “Bolek i Lolek” é uma série criada e dirigida por Wladyslaw Nehrebeck, exibida entre os
anos de 1963 e 1986 com grande sucesso nas emissoras de televisão de alguns países do Leste
Europeu. A série infantil apresentava dois irmãos, inspirados nos próprios filhos de Nehrebeck,
que passavam muito tempo ao ar livre e se envolviam em algumas aventuras e peripécias em
meio à natureza. Em 1973, em resposta às solicitações feitas pelo público, foi adicionada à
série uma personagem feminina chamada Tola. Com traço singular e a presença de uma trilha
sonora que auxiliava a pontuar as diversas situações dramáticas, os episódios também não
possuíam fala. Na Polônia, país de origem da série, as personagens ainda hoje podem ser vistas
licenciadas em diversos produtos e mídias. Em 1986, as personagens ganharam um filme de

105
Dramaturgia de Série de Animação

longa-metragem em animação, “Bolek i Lolek na Dzikim Zachodzie” (“Bolek and Lolek in the
Wild West”), dirigido por Stanislaw Dulz e produzida pelo Studio Filmów Rysunkowych.

Produzida na Zagreb School of Animation, a série “Professor Balthazar” foi criada pelo
premiado animador croata Zlatko Grgić e dirigida por ele em parceria com Ante Zaninović
e Boris Kolar. A primeira temporada surgiu a partir do sucesso da personagem principal no
curta-metragem “The Inventor”, de 1967. No total, foram produzidos 59 episódios em quatro
temporadas (1969, 1971/72, 1977 e 1978) da série, originalmente pensada para o público
infantil. Porém, acredita-se que a presença de histórias com bases filosóficas e poéticas
e a presença de mensagens humanistas universais tenha atraído também uma parte da
audiência adulta à série. Professor Balthazar é um cientista interessado em sempre fazer
o bem, preocupado com todas as formas de vida e em promover bons valores. Aliada à sua
índole, encontra-se a inteligência e a criatividade que lhe são características. Elaborada em
uma época na qual muitos cientistas estiveram a trabalho da indústria da guerra, “Professor
Balthazar” mostra que o conhecimento também pode ser usado a favor de boas causas.

“La Linea”, obra do cartunista e animador italiano Cava (Osvaldo Cavandoli), produzida
pela RAI (Radiotelevisione Italiana), emissora estatal da Itália, foi exibida em mais de 40 países
do mundo entre os anos 1972 e 1991. Em “La Linea”, Cava conseguiu resultados surpreendentes
a partir da utilização de elementos mínimos. O cenário era representado por uma espécie
de fundo neutro chapado em uma única cor que, eventualmente, mudava em função da
dramaticidade da cena. Em um primeiro plano os episódios começavam sempre com uma linha
branca a partir da qual se desenhava o contorno da personagem, que permanecia presa a esta
linha. Ao caminhar horizontalmente pela linha, a personagem se deparava com uma série de
obstáculos e elementos com os quais procurava interagir. Para tanto, a personagem olhava
para cima e costumava recorrer ao próprio animador, cuja mão aparecia na tela para interferir
diretamente no desenho.

Com estrutura de produção enxuta, a série contava, além de Cava, com a participação do músico
Franco Godi na sonorização e trilha sonora (com estilo predominante jazzístico) e do dublador
Carlo Bonomi que interpretava grunhidos ininteligíveis emitidos pela personagem em resposta às
diversas situações apresentadas. A ideia da série foi inicialmente utilizada pelo próprio Cava para a
publicidade de uma marca de utensílios domésticos na Itália. Por meio de uma estética mínima, o
autor conseguiu criar uma obra na qual a simplicidade é a sua própria razão de ser, sendo capaz ainda
de gerar inúmeras situações decorrentes da relação entre “criatura e criador”.

Na Hungria, em 1978, a série infantil “Kockásfülű Nyúl” (“The Rabbit with Checkered Ears”),
fez enorme sucesso junto às crianças na Magyar Televizió, canal estatal de televisão do país. Criada
pela escritora e artista gráfica Veronika Marék, animada por Zsolt Richly e realizada no Pannónia
Film Stúdió, a série girava em torno das enrascadas de quatro crianças (Kriszta, Menyus, Kistöfi e
Mozdony), das quais o coelho com as orelhas listradas procurava livrá-las. A série foi bastante popular
durante sua primeira exibição e ganhou diversas reprises, inclusive nos anos 2000, tornando o coelho
protagonista a principal mascote da animação no país.

“Leteći Medvjedići” (“The Little Flying Bears”) é outra série realizada na Zagreb School of
Animation, em uma coprodução Croácia – Canadá, criada por Pero Kvesić e dirigida por Jean
Sarault no ano de 1990. O desenho animado apresenta uma rara espécie de pequenos ursos

106
Séries de Animação Televisiva

alados que vivem em uma comunidade cooperativa utópica, em uma floresta mágica. Juntos,
eles devem impedir que as doninhas Shulk e Sammy, a cobra Slinky, a aranha Grizelda e o rato
Spike consigam poluir a floresta e acabar com sua harmonia. Nessa missão, os ursos contam
com os conselhos de Plato, o mais sábio dos ursos, porém muito velho para voar e da intrépida
coruja Ozzy.

Por fim, outra série recente que gostaríamos de destacar é “Bob and Margareth” (1998-
2001), uma coprodução Inglaterra-Canadá, criada por David Fine e Brit Alison Snowden – marido
e mulher na “vida real”. A ideia da série surgiu a partir do curta dirigido pela dupla, “Bob’s
Birthday”, vencedor do Oscar em 1994, que apresentava de forma cômica os planos de uma
mulher (Margareth) organizando os preparativos para uma festa surpresa do quadragésimo
aniversário de seu marido (Bob), enquanto ele lida com uma repentina crise de meia-idade.

Na série, os protagonistas são apresentados como um casal inglês trabalhador de meia


idade que tem dois cães (William e Elizabeth), mas nenhum filho. Bob é dentista e Margareth
uma podóloga. Juntos, os dois vivem questões cotidianas em uma cidade ao sul de Londres.
Nas duas últimas temporadas, o casal se muda para a cidade de Toronto, no Canadá e temas
relacionados ao choque cultural tornam-se frequentes.

Produzida nas mais diferentes épocas e lugares, com formas e características diversas, a
animação parece romper barreiras aparentemente intransponíveis e, muitas vezes, aproximar
culturas consideradas distintas e mesmo momentos históricos diversos. No próximo capítulo,
veremos como foi a participação brasileira neste cenário da produção de séries de animação
para a televisão e qual é o panorama atual do setor no país, tratando da experiência do
ANIMATV e das perspectivas para a futura criação de uma indústria da animação no Brasil.

107
Dramaturgia de Série de Animação

a experiência
2.3 brasileira
2.3 A Experiência Brasileira
Assim como na maioria dos países no mundo, o Brasil exibiu, desde a chegada da televisão
com Assis Chateaubriand, séries de animação produzidas principalmente pelos Estados Unidos.
Estas séries eram negociadas com emissoras de todo o mundo, isto é, uma mesma série
podia ser exibida simultaneamente por diferentes emissoras, desde que não concorressem
diretamente entre si. Como estas séries normalmente já haviam sido “pagas” internamente,
sua comercialização internacional permitia uma receita extra para os estúdios e distribuidoras.
Para as emissoras, o preço era atraente, normalmente inferior ao de se produzir o próprio
conteúdo e o retorno comercial era garantido.

No Brasil, a primeira série de animação que foi ao ar na televisão foi “Pica-Pau”. No dia
19 de setembro de 1950, um dia após sua fundação, a TV Tupi, primeira emissora de televisão
do país, exibiu o episódio “Pica-Pau Biruta”. A emissora também exibiu posteriormente outras
séries, como “Jambo e Ruivão”, “Pal’s Puppetoons” “Comicolor” e “Terrytoons”. No final dos
anos 50, surgiram “Super Mouse”, “Faísca e Fumaça” e “Deputy Dawg”, de Paul Terry. A partir
dos anos 60, foi a vez de outras séries serem exibidas na emissora, como “Zé Colméia”, “Os
Flintstones”, “Mandachuva”, “Os Jetsons”, “Popeye”, “A Pantera Cor-de-Rosa”, “O Inspetor”,
“XL-5 Stingray”, “Saturnin” (série de animação francesa de Jean Tourane) e “Speed Racer”,
além de alguns curtas animados dos Estúdios Disney.

Inicialmente, os episódios que tinham fala eram exibidos no idioma de origem, normalmente
o inglês, sem qualquer tipo de legenda ou dublagem. As dublagens para português dos desenhos
animados começaram apenas em 1960, na TV Rio, com alguns episódios de séries da Hanna-Barbera.
A emissora também exibia episódios da Van Beuren, como “Gato Félix” e, posteriormente, “Dom
Pixote”, “Pepe Legal”, “Comicolors”, “Thunderbirds”, “Wally & Gator”, “Lippy & Hardy”, “Tartaruga
Touché”, “Show do Pernalonga”, “Space Ghost”, “Frankstein Jr. & Os Impossíveis”, “Brasinhas do
Espaço”, “Super-Heróis Marvel”, “Benny & Cecil”, “Os Muzarellas” e “Alvin e os Esquilos”.

108
Séries de Animação Televisiva

Outras emissoras brasileiras da década de 60 também exibiam animações, como a TV


Continental (“Gandy Goose e Sourpuss”, de Paul Terry) e a TV Excelsior (“Merrie Melodies”,
“Looney Tunes”, “Gasparzinho”, “Popeye”, “Mr. Magoo”, “Sombras e Silhuetas”, “Betty Boop”,
“Hugh Harman”, “Laurel & Hardy”, “Recruta Zero” e alguns curtas animados da Van Beuren).

A partir da primeira metade da década de 60, todos os desenhos animados exibidos na


televisão brasileira começam a ser dublados. A Rede Globo, criada em 1965, exibia inicialmente
quatro séries: “Jambo e Ruivão”, “Hércules”, “Gato Félix” e “Jonny Quest”. A partir de 1967,
a emissora passou a exibir também “Maguila Gorila Show”, “Peter Potamus Show”, “Ricochete
e Blau-Blau”, “Bacamarte e Chumbinho”, “Matraca e Fofoquinha”, “Mosquete, Mosquito e
Moscardo”, “Os Herculóides”, “Mobby Dick & Mighty Thor” e “Shazzam”.

Outras séries exibidas no país durante a década de 60 foram: “Batfino”, “Dick Tracy”,
“Super Presidente e o Sombra”, “Gato Coragem e Rato Minuto”, “Simbad Jr.”, “Roger
Ramjet”, “Super 6”, “Clutch Cargo”, “Anjos do Espaço”, “As Viagens de Gulliver”, “Josie e
as Gatinhas”, “The Archies”, “Super Seven”, “Jackson Five”, “Viagem Fantástica”, “Sansão e
Golias”, Corrida Maluca”, “Fantomas”, “Captain Scarlet”, “As Novas Aventuras de Huckleberry
Finn”, “Laboratório Submarino”, “Banana Split”, “The Beatles”, “Abbot e Costelo”, “Homem-
Aranha”, “Scooby-Doo” e “Turma da Gatolândia”.

Com a popularização da televisão no Brasil, as séries de animação televisivas já se


constituíam um gênero próprio e faziam parte, portanto, do repertório de seus telespectadores,
sobretudo os jovens e as crianças da época – isto é, os adultos de hoje. Demoraria ainda,
entretanto, muito tempo até que séries de animação brasileiras pudessem ser desenvolvidas.

A dificuldade em se falar da história da animação no Brasil é inversamente proporcional


a sua perseverança e qualidade técnica e criativa, sobretudo, mas não apenas, no campo da
publicidade e do curta-metragem mais autoral. Essa história começa em 1907, de maneira
experimental e esporádica, com as pequenas charges animadas feitas por Raul Pederneiras para
terminar a exibição dos cinejornais projetados nas salas de cinema. Em 1910, Alberto Botelho
e Alberto Moreira lançam o curta em animação “Paz e Amor”, uma crítica aos acontecimentos
da campanha civilista e ao governo do presidente Nilo Peçanha. Os nomes das personagens
principais eram apresentados como anagramas de figuras políticas conhecidas da época, como
o próprio presidente, representado pela personagem El-Rei Olin I. Entretanto, o protagonista
da animação era Tibúrcio da Anunciação, conhecida personagem da época, criada pela Revista
Careta e que era responsável pela condução de toda a trama do filme. A animação foi ainda
pintada à mão (fotograma por fotograma), tendo suas projeções exibidas, de maneira pioneira
no país, em cores.

Em 1917, Alvaro Marins (Seth), financiado por Sampaio Corrêa, lança “O Kaiser”, uma pequena
história na qual Guilherme II, o líder alemão perfilava junto aos nacionalistas brasileiros (que
pregavam o alistamento militar obrigatório) e, brincando com o globo mundial7, tentava dominar o
mundo com seu capacete. No final, o mundo cresce, foge ao seu controle e acaba engolindo-o.

7. Apesar de não haver mais nenhuma cópia desse filme, segundo relatos, a ideia é bastante semelhante à famosa
cena do filme de Chaplin (“O Grande Ditador”, 1940), no qual ele brinca com um globo terrestre inflável. Ainda
assim, não há registro sobre o conhecimento do comediante a respeito do curta de animação brasileiro.

109
Dramaturgia de Série de Animação

No mesmo ano, são exibidos “Traquinagens de Chiquinho e seu Inseparável Amigo Jagunço”-
creditado apenas à Kirs Filmes, no qual são utilizados personagens da revista infantil Tico Tico - e
“As Aventuras de Bille e Bolle”, com desenhos de Eugênio Fonseca Filho (Fonk) e produção de
Gilberto Rossi.

Na década de 20, a produção de animação no Brasil seguiu de forma irregular devido,


sobretudo, às dificuldades de realização oriundas da falta de apoio e do distanciamento
técnico e tecnológico dos grandes centros mundiais. Entretanto, o interesse pela novidade
que a animação representava motivou a criação de novas peças, muitas destas utilizadas como
propagandas nas salas de cinema, como “Sapataria Pé de Anjo” e “Cigarros Sudan”, na cidade
do Rio de Janeiro. Seth produziu pequenas peças para publicidade em cinema e um trecho de
um minuto para o documentário “Operação de Estômago”, de Luiz de Barros (1928). Luiz Seel
e o caricaturista Belmonte lançam, em 1928, uma série de seis charges animadas intituladas
“Brasil Animado”. No ano seguinte, Seel lança “Macaco Feio, Macaco Bonito”, a história de um
macaco bêbado que foge do zoológico e é perseguido por animais do local e pela polícia – esta,
provavelmente, a primeira animação brasileira que ainda possui registro fílmico conservado.

Em 1930, Seel lança outro curta, “Frivolitá”, a história de uma mocinha coquete que
enfrenta uma série de objetos animados ruidosos para tentar dormir até mais tarde. Em 1938
e 1939, o quadrinista Luiz Sá produz dois episódios com o protagonista Virgolino: “As Aventuras
de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. Segundo relatos, eram animações com um traço bastante
sofisticado e um estilo próprio bastante apurado. Sá queria mostrar suas animações para Walt
Disney (que, como parte da política da boa vizinhança norte-americana, visitou o país em
1939), mas foi impedido, porque seus filmes haviam sido recusados pelo DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda) do governo de Getúlio Vargas. Um desses filmes se perdeu no
laboratório e outro, foi vendido para uma loja de projetores, que o distribuiu cortado em
vários pedaços aos seus clientes.

Com apenas 13 anos de idade, Anélio, junto com seu irmão Mário Latini, realizam “Os Azares
de Lulu”, em 1940. Dois anos depois, Humberto Mauro, conhecido por seus documentários e um
dos mais importantes nomes do cinema brasileiro, realiza para o INCE (Instituto Nacional de Cinema
Educativo) “O Dragãozinho Manso”, primeira animação com manipulação de bonecos em tempo real
realizada no país – sem, contudo, utilizar a técnica de stop motion. A obra, destinada ao público
infantil, não é considerada importante na carreira de Humberto Mauro e é pouco vista e conhecida.
O filme conta a história do dragão Jonjoca que, ao ser derrotado por São Jorge, torna-se bonzinho,
mas, por sua fama, não consegue fazer amizade com os homens nem com outros animais. Depois de
ganhar o dom da invisibilidade de São Jorge, o dragão voa pelo mundo, em companhia de sua amiga
Maria Terezinha, fazendo boas ações. No final, o dragão se transforma em um príncipe, casa-se com
Maria Terezinha e juntos vão morar na Lua.

Na década de 50, além da iniciativa privada, o governo passa a utilizar animações como
propaganda, como, por exemplo, na campanha destinada à higiene e prevenção de contágio
de doenças realizada pelo SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) durante o segundo governo
de Getúlio Vargas. Entre as animações criadas, estava uma série desenvolvida por Rui Pieroti,
que tinha como personagens principais a dupla Sujismundo e Dr. Prevenildo. Em 1953, após seis
anos de trabalho árduo e ininterrupto, Anélio Latini finaliza praticamente sozinho, realizando
quase todas as etapas e tarefas, o primeiro filme de longa-metragem animado da história da

110
Séries de Animação Televisiva

animação brasileira: “Sinfonia Amazônica”. Latini chegou a trabalhar até 20 horas por dia para
concluir o filme, que tem cerca de 500.000 desenhos diferentes.

“Sinfônia Amazônica” conta sete lendas amazônicas típicas (“Noite”, “Formação do Rio
Amazonas”, “Fogo”, “Caipora”, “Jabuti e a Onça”, “Iara” e “Arco-Íris”), amarradas pelo
pequeno índio Curumi, que tem como companheiro de aventuras um boto. Além dessas, o
filme apresenta outras personagens, como o malandro Jabuti, grande tocador de flauta, a
Grande Cobra, mãe de todas as águas e sua filha Iara, a deusa das águas, o pássaro noturno
Urutau, sempre apaixonado pela Lua, o arteiro Curupira, defensor da floresta, o temido
Caapora, senhor da luz, o pássaro Japu, responsável por trazer o fogo sagrado do céu, o grande
Mapinguari e o pajé da tribo.

O filme conta ainda com um importante making of, no qual são apresentadas as técnicas
de animação utilizadas por Latini e os detalhes de produção da obra. O negativo encontra-se
conservado na Cinemateca Brasileira e uma empresa do Rio de Janeiro está captando recursos
para restaurar e digitalizar esta obra pioneira da animação brasileira. Apesar do sucesso de
público, Latini não recebeu devidamente sua parte na renda da bilheteria do filme, o que fez
com que desistisse de realizar seu outro projeto, “O Kitan da Amazônia”.

No final da década de 50, Rubens Francisco Luchetti e o italiano, radicado no Brasil,


Bassano Vacari fundam o Centro Experimental de Ribeirão Preto, espaço destinado às
experimentações dos artistas plásticos em animação. Entre 1959 e 1962, a dupla produziu
diversas animações experimentais, como “Abstrações”, “Rinocerontes”, “Vôo Cósmico”,
“Arabescos” e “Cattedrale”.

No mesmo período, Roberto Miller, também conhecido pela alcunha de “o feiticeiro das
imagens”, faz um estágio no National Film Board do Canadá junto de seu mestre e amigo Norman
McLaren. Ao retornar ao Brasil, Miller participa por algum tempo do Centro Experimental de
Ribeirão Preto, onde produziu algumas de suas primeiras animações no Brasil, como “Sound
Synthetic”, “Till Ton Special”, “Rock and Roll”, “Sinfonia Moderna” e “Sound Abstract”.

Com amplo domínio de diversas técnicas da animação experimental e abstrata, Miller tem
uma das mais amplas e ricas produções em animação de todos os tempos no Brasil, com quase
50 anos de carreira. Suas obras foram amplamente exibidas e premiadas em todo mundo;
entre elas destacam-se: “Rumba”, “Boogie Woogie”, a série de quatro animações “Desenho
Abstrato”, “Átomo Brincalhão”, “Balanço”, “Carnaval 2001”, “Can-Can”, “Ballet Kaley”, “Opus
3”, “Spit”, “Biscuit”, “Batucada”, “Faces”, “Feiticeiro Azul”, “Laser Beam”, “Temptation”,
“Triangular Color”, “Visual World”, “Cultura”, “Strip Clip”, “Paralelas”, “Splash”, “Soap”,
“Uma Nova Experiência”, “Spit Voodoo Key” e “Este Número não Existe”.

Em 1965, no MASP (Museu de Arte de São Paulo), é realizado o “I Festival Internacional de


Cinema de Animação no Brasil”. Em uma época em que o intercâmbio internacional não era
tão frequente, a mostra permitiu aos animadores e ao público conferir animações de vários
países do mundo. Além dos curtas, havia um programa especial com filmes de animação de
publicidade produzidos na Holanda, Inglaterra e no Brasil. Desse festival, participam dez obras
brasileiras produzidas por sete realizadores entre os anos de 1957 e 1965: “Ensaio de Cor
Animada”, de Ana Sacerdote, “Tourbillon” e “Vôo Cósmico”, de Rubens Lucchetti e Bassano

111
Dramaturgia de Série de Animação

Vaccarini, “O Homem e sua Liberdade”, de Ayrton Gomes, “A Lenda da Vitória Régia” e


“Gorila”, de Ype Nakashima, “Uma História do Brasil Tipo Exportação”, de Hamilton de Souza,
“Rumba”, “Boogie Woogie” e “Átomo Brincalhão”, de Roberto Miller.

Em 1967, alunos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, animadores, artistas plásticos
e entusiastas da animação fundam o CECA – Centro de Estudos de Cinema da Animação. Apesar
de ter tido apenas um ano de existência, o CECA produziu muitas animações e deu origem, em
1968, ao Grupo Fotograma.

O novo grupo produziu diversas mostras no Museu de Arte Moderna e um programa regular
de animação na extinta TV Continental (canal 9, Rio de Janeiro). As animações produzidas pelos
integrantes do Grupo Fotograma foram exibidas e premiadas nacional e internacionalmente.
Entre seus membros estavam: Rui Oliveira, Jô Oliveira, Carlos Alberto Pacheco, Pedro Ernesto
Stilpen (Stil), Sérgio Bezerra Pinheiro, Pedro Aares, Ênio Lamoglia Possebox, Hiroqui Ono,
Stenio Pereira, Roberto Chiron, entre outros. O Grupo se desfez em 1969, mas muitos de seus
integrantes continuaram animando, como Aares, Ono, Chiron e Stil – este último animador com
bastante projeção com curtas nas décadas de 60 e 70 como “Batuque”, “Urbis”, “Os Filhos de
Urbis”, “Lampião, ou Para cada Grilo uma Curtição”, “Reflexos”, “Statuos Quo”, “Faz Mal”,
“As Quatro Estações”, “Super-Tição” e “Asdrúbal – O que É que Há com o seu Peru?”.

A década de 60 marca ainda uma maior entrada da animação na publicidade (cinema e


televisão), com a profissionalização de animadores como Ruy Peroti, Wilson Pinto e o francês
radicado no Brasil Guy Lebrun. A publicidade também funcionou como a principal fonte de
renda de muitos outros animadores que mantinham de maneira independente, isto é, com
recursos próprios, suas produções autorais.

No início dos anos 70, Álvaro Henrique Gonçalves, que já havia animado os curtas “A Cigarra
e a Formiga” (1956) e “O Índio Alado” (1967), lança o segundo filme de longa-metragem em
animação do Brasil, “Presente de Natal”. Terminado em 1971, o filme, totalmente colorido,
teve problemas de distribuição e praticamente só foi exibido na cidade de Santos, no estado
de São Paulo, permanecendo desconhecido por grande parte do público e da crítica.

No ano seguinte, o japonês radicado no Brasil, Ypê Nakashima, lança “Piconzé”, terceiro
longa-metragem de animação do Brasil, feito por Nakashima praticamente sozinho durante
seis anos de trabalho. Com trilha sonora composta por Damiano Cozella e letras do poeta e
ensaísta Décio Pignatari, a animação possui grande qualidade técnica, decorrente da própria
atuação profissional de Nakashima junto à animação. Com 80 minutos de duração, o filme
fez grande sucesso na época. Infelizmente o animador faleceu em 1974, deixando inacabado
seu segundo longa-metragem, “Irmãos Amazonas”. Além de inúmeros comerciais animados,
Nakashima realizou ainda os curtas “O Reino dos Botos”, “A Lenda da Vitória Régia” e “O
Gorila” e animou, entre os anos de 1961 e 1963, 12 episódios (além de outros quatro pré-
produzidos) pensando a eventual exibição de uma série para televisão chamada “Papa-Papo”,
que apresentava as personagens Tuca, Dado e o papagaio Papa-Papo em diversas aventuras,
como nos episódios “Pescaria” e “No Reino da Fantasia”.

Em 1973, o animador José Mário Perrot, em parceria com o engenheiro Aluizio Arceta,
produziu “Ballet de Lissajous”, primeira animação brasileira a utilizar um dispositivo

112
Séries de Animação Televisiva

computacional. A animação realiza um contraponto de sons concreto-eletrônicos e de imagens


geradas em um osciloscópio, produzidas pelas composições ortogonais descobertas pelo músico
francês Jules Lissajous.

Em 1974, Antonio Moreno, José Rubens Siqueira e Stil formam o Grupo NOS, responsável
por diversas animações amplamente exibidas e premiadas, como “Reflexos”, “Ícaro”, “Verdes
ou Favor não Comer a Grama”, “As Desventuras de Coco Banana”, “Papo de Anjo”, “Hamlet”,
“O Canto do Cisne Negro”, “PHN – Pequena História do Mundo”, “O Lago” e “Estrela Dalva”.

Em 1975, Wilson Lazzaretti e Mauricio Squarizzi fundam o NCA – Núcleo de Cinema de


Animação de Campinas. O NCA Campinas é um dos núcleos de animação mais antigos em
atividade no mundo e é responsável por diversas obras e atividades de ensino e educação
relacionados à animação em todo o país, sobretudo junto às crianças. Com atuação bastante
ativa, o núcleo acumula mais de 250 produções e está atualmente produzindo seu primeiro
filme de longa-metragem, “História Antes da História”.

Em 1978, a TV Cultura de São Paulo exibe o programa semanal “Lanterna Mágica”, que
contava com direção de Roberto Miller e era retransmitido para diversas cidades do país.
Exibido à meia-noite das sextas-feiras, com reprise às 18 horas do domingo, o programa exibia
diversas animações internacionais antigas ou que não faziam parte do circuito comercial
de exibição. O programa abria espaço também para animações nacionais, assim como para
entrevistas com animadores brasileiros. Pode-se afirmar que foi um incentivador de uma futura
geração de animadores que, por meio dele, tomaram contato mais profundo com o universo
da animação.

No mesmo ano, Antonio Moreno lança o livro “A Experiência Brasileira no Cinema de


Animação”, publicado pela editora Artenova com apoio da Embrafilme. Esgotado há mais de
20 anos, continua sendo o único livro sobre a história da animação brasileira publicado até os
dias de hoje.

Outros animadores que iniciaram sua carreira na década de 70, com grande prestígio, foram
Marcos Magalhães e Flávio del Carlo. O primeiro realizou os curtas “Mão Mãe”, “A Semente”
e, o aclamado “Meow!”, no qual um gato faminto, sem leite, é convencido por propagandas
a beber o refrigerante “Soda-Cólica”. Premiado com a Palma de Ouro em Cannes, em 1981,
o curta deu grande repercussão ao animador, que no ano seguinte realizou, com apoio da
Embrafilme e da Capes, um estágio no National Film Board do Canadá. Como resultado de seu
estágio, produziu outro curta bastante significativo em sua carreira: “Animando”, obra com
grande noção de ritmo, que mistura diversas técnicas, como animação tradicional, pixilation,
animação de recorte e pintura sobre vidro.

Com forte estilo pessoal, Flávio del Carlo, por sua vez, dividiu sua atuação autoral com
a publicidade. Entre os curtas mais destacados e premiados do animador, encontram-se
“Paulicéia”, “Veneta”, “Tzubra Tuma”, “Um Minuto para Meia Noite” e “Squich”, no qual
atores filmados em live action interagem com sequências animadas.

No final da década de 70, a produção de animação para publicidade na televisão atinge grande
sucesso, com diversas campanhas lembradas por muitas pessoas até os dias atuais. Alguns dos

113
Dramaturgia de Série de Animação

principais nomes da animação publicitária no Brasil no final dos anos 70 foram: Wilson Pinto, Horácio
Young, Walbercy Ribas Camargo, Alcídio da Quinta, Jorge Bastos, Heucy de Miranda, José Campos,
Luiz Briquet, Wilson Robledo e Amandio Amaral. O incremento da produção de animação nos anos 70
leva à criação de alguns importantes estúdios, sobretudo na cidade de São Paulo.

Em 1983, o artista plástico e animador baiano Chico Liberato lança o quarto filme de longa-
metragem em animação do Brasil, “Boi Aruá”. Com temática ligada ao folclore regional e
estilo visual singular, que faz referência à xilogravura, o filme foi exibido em diversos festivais
internacionais, ganhando alguns importantes prêmios.

Em 1985, Marcos Magalhães reúne 30 animadores brasileiros para produzir o filme coletivo
“Planeta Terra”. A animação fez parte do Ano Internacional para a Paz da ONU. Neste mesmo ano,
é firmada uma parceria entre o National Film Board do Canadá com a extinta Embrafilme para o
intercâmbio cultural e tecnológico que resulta na criação do CTAv – Centro Técnico do Audiovisual,
órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Com o objetivo de auxiliar na formação de animadores e de
fomentar a produção de animação no país, o CTAv oferece cursos com os canadenses Jean Thomas
Bédard e Pierre Veilleux e colabora com a formação de uma nova geração de animadores, como César
Coelho, Aida Queiroz e Daniel Schorr.

Marcos Magalhães percorre o país e auxilia, a partir dessa parceria Brasil-Canadá, a criação
de núcleos regionais de animação na Escola de Belas Artes da UFMG, em Minas Gerais (com
coordenação de José Tavares de Barros), na Universidade Federal do Ceará (com José Rodrigues
Neto) e no Instituto Estadual de Cinema do Rio Grande do Sul, estado este que já possuía um
expressivo pólo criativo de animação com os animadores José Maia, Lancast Motta e Otto
Guerra, formados pelo animador argentino Felix Follonier.

Também em 1985, sob coordenação de Luiz Gonzaga de Lucca, a empresa Mauricio de


Souza monta a primeira linha industrial de cinema de animação no Brasil, responsável pela
produção de várias animações (séries, curtas e longas-metragens) da “Turma da Mônica”, cujas
personagens foram criadas por Souza para os quadrinhos a partir do final da década de 50.

Não podemos deixar de mencionar que, com destacada atuação no final da década de 80,
Cao Hamburguer lança, depois de algumas experiências em Super-8 (“A Velinha” e “Bus Stop”),
dois curtas em stop motion com manipulação de bonecos de “massinha”: “A Garota das Telas”
e, em codireção com Eliana Fonseca, “Frankstein Punk”.

No final dessa mesma década, em 1989, a TV Cultura lança o programa “Rá-Tim-Bum”,


criado por Flávio de Souza e que contou com a direção de Fernando Meirelles. Apesar de
possuir diversas sequências em live action, o programa infantil premiado internacionalmente
mantinha uma equipe fixa de animadores responsáveis pela animação de diversas partes
e quadros, totalizando cerca de três horas de animação por ano. O sucesso da série fez a
emissora lançar outro programa infantil nos mesmos moldes, no ano de 1992, “Glub-Glub”.

Com o fim da Embrafilme em 1990 e a grave crise financeira vivida no país, a produção de cinema
– e de animação – cai vertiginosamente no início da nova década. Por outro lado, novos realizadores
independentes despontam com curtas autorais realizados em Universidades ou mesmo com recursos
próprios, como “El Macho”, de Ennio Torresan, premiado no Festival de Havana em 1993 e que deu
grande repercussão internacional ao animador.

114
Séries de Animação Televisiva

Em 1993, a TV Cultura lança “Castelo Rá-Tim-Bum” e convida diversos estúdios para


produzirem animações para o programa. No mesmo ano, Aida Queiroz, Cesar Coelho, Léa
Zagury e Marcos Magalhães criam o Festival Anima Mundi, hoje um dos principais e mais
respeitados festivais de animação de todo o mundo. Com público anual da ordem de 100.000
pessoas, o Festival tem importante papel não só na exibição de animações estrangeiras, como
também no estímulo à formação de novos animadores, que muitas vezes têm maior contato
com a arte da animação por meio das sessões, palestras e oficinas realizadas anualmente.

Em 1994, Otto Guerra lança, junto com Lancast Motta, o primeiro filme de longa-metragem
adulto em animação no país, “Rocky & Hudson”. Inspirado na dupla de cowboys gays criada
nos quadrinhos por Adão Iturrusgarai, o filme foi realizado com equipe e orçamento mínimos
conseguindo, entretanto, boa acolhida junto ao público fã dos HQ´s.

Em 1996, após quatro anos de trabalho, Clóvis Vieira lança o longa-metragem em


computação gráfica “Cassiopéia”. O filme gerou certa polêmica em relação à superprodução
norte-americana “Toy Story” quanto ao fato de qual deles foi, efetivamente, o primeiro
longa-metragem totalmente feito em computador na história mundial. Apesar da audácia e
pioneirismo de Vieira, o filme não conseguiu, entretanto, uma boa janela de exibição nas salas
de cinema e teve uma audiência apenas regular.

A animação brasileira no século XXI parece ter se consolidado de vez em termos de


publicidade e produção de curtas-metragens. Em 2003, é criada a ABCA – Associação Brasileira
do Cinema de Animação -, primeira entidade nacional a reunir empresas e profissionais do
setor. No ano seguinte, o Brasil passa a fazer parte do “Dia Internacional da Animação”, evento
realizado em diversos países em 28 de outubro.

Em 2005, o Brasil ganha uma mostra especial (“Charmes du Brésil”) no Festival de Annecy.
No ano seguinte, o Brasil ganhou uma mostra de animação contemporânea no Festival de
Ottawa, tornando-se ainda o país foco de negócios no TAC - Television Animation Conference.

O primeiro desafio de produção da animação brasileira para o novo século é o filme de longa-
metragem. Até hoje, foram produzidos apenas 21 filmes de longa-metragem em animação no país,
boa parte destes com pequena janela de exibição – sobretudo, se comparados às grandes animações
estrangeiras, largamente exibidas nas salas comerciais de cinema de todo o país. Todavia, mais da
metade desses filmes foi produzida nos últimos dez anos e outros tantos longas-metragens brasileiros
em animação encontram-se atualmente em diferentes estágios de produção – o que, por si só,
configura uma melhoria no cenário e permite a projeção de um futuro mais promissor. O segundo
desafio é, justamente, a produção de séries de animação, assunto que trataremos a seguir.

Séries de animação brasileiras


A primeira série de animação desenvolvida no Brasil com o intuito de ser exibida na
televisão foi “A Turma da Mônica”, de Maurício de Souza, que produziu, entre os anos de
1981 e 1985, 13 episódios da sua turma popularizada nas histórias em quadrinhos. No total,
o estúdio contabiliza mais de 100 episódios produzidos de maneira irregular, não sistemática
e com diferentes durações desde o ano de 1985. Tais episódios, entretanto, não chegaram a
ser exibidos diretamente na televisão durante a sua produção. O estúdio acabou compilando

115
Dramaturgia de Série de Animação

muitos destes episódios em formato de package films e mesmo comercializando-os no sistema


direct to video. Foi a partir de 2008 que a série, contendo antigos e novos episódios, passou
a ser exibida na RTP2 de Portugal e no Brasil, pela Cartoon Network e pela Rede Globo de
Televisão. “A Turma da Mônica” possui ainda oito filmes de longa-metragem animados: “As
Aventuras da Turma da Mônica” (1982), “A Princesa e o Robô” (1983), “Cine Gibi” (2004), “Cine
Gibi 2” (2004), “Uma Aventura no Tempo” (2007), “Cine Gibi 3” (2008), “Cine Gibi 4” (2009) e
“Cine Gibi 5” (2010), sendo toda a série “Cine Gibi” editada na forma de package films.

Publicada em 1959 para o Jornal Folha da Manhã, a criação de Souza apresentava-se


originalmente em forma de “tirinhas”, histórias envolvendo o simpático cachorro Bidu e seu
dono Franjinha. Posteriormente, novas personagens foram adicionadas, incluindo aquelas que
se tornariam as protagonistas da turma: Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. Inspirada em
uma de suas filhas, Mônica é uma menina decidida, de temperamento forte, dona da rua.
Normalmente trajando um vestidinho vermelho, anda sempre acompanhada de seu coelho
de pelúcia Sansão, que também serve de “arma” contra os meninos da rua. Cebolinha é um
menino de cabelo espetado e que ao falar troca a letra “r” pela “l”. Apesar de se considerar
uma vítima da Mônica, vive arquitetando planos infalíveis contra a “baixinha golducha” [sic].
Cascão é o melhor amigo de Cebolinha e tem o estranho hábito de não tomar banho e de
temer qualquer fonte de água. Já Magali, inspirada em outra filha de Souza, é a amiga de
Mônica que adora comer, principalmente melancia, mas que consegue manter uma boa forma
física. Uma galeria formada por inúmeras personagens secundárias completa a Turma da
Mônica, como Anjinho, Aninha, Franjinha, Humberto, Jeremias, Maria Cascuda, Nimbus, Titi,
Xaveco, entre diversas outras. Maurício de Souza criou ainda outras “turmas”, como as do
Chico Bento, Horácio, Bidu, Penadinho, Piteco, Tina, Pelezinho, Papa-Capim, Astronauta e,
mais recentemente, Mônica Jovem – quadrinhos inspirados nos mangás, voltado para o público
adolescente e pré-adolescente.

Ao contrário de muitos países, nos quais o espaço para a produção independente na televisão
é grande, no Brasil as emissoras comerciais centralizam toda a produção dos programas exibidos,
permanecendo, na maior parte dos casos, fechadas às produções realizadas fora de seus domínios.
A despeito da qualidade técnica e criativa da animação brasileira, a quase totalidade das séries de
animação exibida hoje no Brasil é estrangeira. Trata-se de séries distribuídas por grandes empresas,
que já possuem sucesso internacional e que são adquiridas pelas emissoras por um custo mais barato
do que o da produção de material original próprio. Desta forma, as séries adquiridas são meramente
reproduzidas no país e acabam, diante da falta de iniciativa das emissoras privadas de televisão,
fechando as portas para a produção nacional.8 Por conta disso, o espaço mais aberto à produção e
exibição de séries de animações brasileiras foi, e ainda continua sendo, as emissoras educativas, a
maioria delas públicas ou estatais.

Na década de 90, algumas das primeiras séries de animação brasileira em pequenos formatos
são exibidas nestas emissoras, como na TV Cultura de São Paulo – emissora reconhecida e premiada
internacionalmente pela qualidade de sua programação infantil. “Os Urbanóides” (1991), de Cao
Hamburguer, é uma série infantil de interprogramas em stop motion com um minuto de duração,

8. Devemos lembrar que, em outros gêneros televisivos, apesar da mesma condição financeira em relação
aos produtos estrangeiros, há relativo espaço para a produção nacional, como no caso das telenovelas e de
alguns seriados e programas.

116
Séries de Animação Televisiva

abordando de forma bem humorada algum tema ligado à educação. Em um dos episódios, por
exemplo, uma personagem, ao acabar de consumir uma bebida em um copo descartável, arremessa-o
por sobre um muro ao invés de jogá-lo em um cesto de lixo que está ao seu lado na calçada. Instantes
depois, surge atrás do muro um senhor com o mesmo copo virado sobre sua cabeça. Envergonhada,
a personagem que jogou o copo sai lentamente de plano, não sem antes ganhar um rabinho e ter seu
rosto transformado no de um porco. Ao final, após o “porcalhão” sair de cena, o senhor tira o copo
de sua cabeça e o joga no cesto do lixo.

Em 1994, a TV PinGuim, estúdio de animação formado cinco anos antes por Celia Catunda e
Kiko Mistrorigo, lança duas séries na emissora pública paulista, “Rita” e “Poesias Animadas”. A
primeira, composta por oito interprogramas de 30 segundos, mostrava fragmentos do cotidiano
da protagonista, uma menina em idade pré-escolar, valorizando comportamentos saudáveis e
divertidos. Já “Poesias Animadas” apresentou 14 programas de 30 segundos com animações
criadas a partir de poemas curtos de Arnaldo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília
Meireles, Ferreira Goulart, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Paulo Leminski e Vinícius de
Moraes. O estúdio também produziu, em 1996, “O Direito do Trabalhador” série de 15 episódios
de um minuto em stop motion, exibida na TVE, do Rio de Janeiro, que utilizava materiais e
objetos diversos que “ganhavam vida” para explicar os direitos dos trabalhadores.

Algum tempo depois, em 2001, a TV Pinguim produz para a TV Futura 24 episódios de 1 minuto
e 30 segundos da série “Entre Pais e Filhos”, que abordava o relacionamento familiar em diversos
tipos de família. Dois anos depois, a série ganhou uma nova temporada com mais 50 episódios, desta
vez focando, de maneira divertida, situações corriqueiras do cotidiano de uma família especialmente
criada para a série, os Pereira. No mesmo ano, o estúdio produziu “De Onde Vem?”, exibida com
sucesso na TV Cultura, TVE Brasil, TV Escola e, atualmente, na TV Rá-Tim-Bum. Nesta série, objetos
animados respondem às dúvidas da curiosa Kika sobre a origem de determinadas coisas, uma por
episódio, como o açúcar, o arco-íris, o avião, o choro, entre outros exemplos.

Em 2002, a TV Cultura exibe a série de animação “Anabel”, cuja primeira temporada teve
13 episódios de 11 minutos cada. Os episódios giram em torno da protagonista homônima,
uma curiosa menina de sete anos de idade que vive no Brasil durante a década de 30. Entre
suas atividades prediletas, estão a leitura de livros, sobretudo de Edgard Allan Poe, e a atenta
escuta de radionovelas. E é por meio destas atividades lúdicas que sua imaginação a leva às
mais incríveis aventuras. Criada por Lancast Mota e desenvolvida pela Martinelli Films, a série
fez grande sucesso e, atualmente, encontra-se em uma segunda temporada.

Outra série da Martinelli Films é “Pinguinics”, produção inventiva criada por José Marcio
Nicolisi e Marina Di Grazia. Os episódios apresentam situações cômicas decorrentes do encontro
de dois alienígenas com um grupo de pinguins no polo sul. Com um visual simples e soluções
criativas diferenciadas, a série teve uma primeira temporada exibida pela TVE do Rio e pela TV
Escola. Atualmente, a série também se encontra em uma segunda temporada de produção.

Um canal que teve papel importante na trajetória das séries de animação nacional para
televisão foi a filial brasileira da MTV. A história das séries animadas nessa emissora começa
quase que por acaso. Em um dos programas regulares, o apresentador João Gordo, vocalista da
banda de punk rock Ratos de Porão, recebeu uma animação de um dos telespectadores na qual

117
Dramaturgia de Série de Animação

o vocalista da banda Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, destruía uma cidade com
sua música ruim. A animação agradou enormemente o apresentador e, algum tempo depois,
Marco Pavão, o telespectador que havia enviado a animação, acabou sendo contratado pela
emissora, onde coordenou a Drogaria de Desenhos Animados, pequeno setor da MTV Brasil
responsável pela produção das animações do canal.

Com baixo orçamento, criatividade e humor adequado ao perfil de seu público, a emissora
produziu e exibiu cinco séries de animação. A primeira delas, “MegaLiga de VJs Paladinos”,
estreou em 2003 e teve três temporadas com 56 episódios de 21 minutos de duração cada.
Nesta série, os VJs (apresentadores) da MTV Brasil são super-heróis com estranhos poderes e
participam de bizarras aventuras junto com nomes populares do meio musical.

No ano seguinte, em 2004, a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura,


inaugura a TV Rá-Tim-Bum, primeiro canal infantil brasileiro e também primeiro canal a cabo
com programação 100% nacional. Além da reprise de alguns programas exibidos originalmente
pela TV Cultura, como “Rá-Tim-Bum”, “Cocoricó”, “X-Tudo” e “Glub-Glub”, o canal também
serviu de importante plataforma para lançamento de produções próprias e coproduções com
estúdios nacionais de animação. Desta forma, a emissora formatou parcerias com realizadores
independentes e estimulou a produção nacional de séries de animação, oferecendo novos
conteúdos e uma grade diferenciada para seus telespectadores.

Assim como acontece na TV Cultura, toda a programação da TV Rá-Tim-Bum é realizada


com a supervisão de psicólogos e pedagogos especializados em educação infantil e com vasta
experiência na produção de conteúdo para este público. Isso garante a participação de temas
importantes à faixa etária da emissora (crianças de dois até dez anos de idade), apresentados
com uma linguagem divertida, criativa e de forma inteligente. A partir das dez horas da noite,
a programação é destinada ao público adulto, com a exibição da faixa “Fui Criança Também”,
com reprise de programas e séries infantis que fizeram sucesso no passado.

A TV Rá-Tim-Bum expandiu suas fronteiras e também pode ser assistida via cabo por brasileiros
residentes no exterior e por estrangeiros. Desde 2007, a programação da emissora é exibida nos
Estados Unidos, por meio de um contrato de parceria assinado com a empresa Castalia, responsável
pela distribuição do canal naquele país. Em 2009, foi a vez de Portugal assinar, por meio da empresa
ZON Multimédia, uma das maiores operadoras de televisão a cabo, internet e telefone (triple play)
da Europa, contrato para exibição da emissora no país lusitano. E finalmente, em 2010, em parceria
com a Cyber TV, o canal também passou a poder ser assistido no Japão.

Com programação 24 horas no ar, a emissora lançou dezenas de novos programas e séries,
totalizando, entre animação e live action, cerca de 300 horas de material inédito por ano.
Em seu site na internet (www.tvratimbum.com.br), inaugurado em 2008, é possível enviar
mensagens para os programas, jogar mini games, assistir a vídeos, baixar imagens, escutar
uma rádio on-line com músicas dos programas, realizar atividades (como receitas culinárias,
pinturas, mágicas, experiências científicas e artesanatos), conferir eventos promovidos pela
emissora, ler informações destinadas aos pais e comprar diversos produtos licenciados.

Com cerca de três milhões de assinantes, as séries de animação do canal tem perfil
próximo ao do edutainment, isto é, buscam a transmissão de mensagens educativas de

118
Séries de Animação Televisiva

forma atraente, dinâmica e divertida. Diversas séries foram exibidas e/ou lançadas nos
últimos anos pela emissora como: “Anabel”, “Brichos – A Natureza da Cultura”, “Cantigas de
Roda”, “Carrinhos”, “Dango Balango”, “De Onde Vem?”, “Escola de Princesinhas”, “Grandes
Personagens”, “Isso Disso”, “Juro que Vi”, “Kiara e os Luminitos”, “O Papel das Histórias”, “O
que Eu Vou Ser Quando Crescer?”, “Os Caça-Livros”, “Os Eco-Turistinhas”, “Os Reciclados”,
“Palavras Mágicas”, “Pequenos Cientistas”, “P.F.C. – Portuguesitos Futebol Clube”, “O Quarto
do Jobi”, “Show do DJ Cão”, “Som na Caixa com o DJ Cão”, “Sidney”, “Simão e Bartolomeu”,
“Tchibum TV”, “Traçando Arte”, “Turma do Lambe-Lambe” e as recém-lançadas “A Mansão
Maluca do Professor Ambrósio”, “Sidnei” e “Nilba e os Desastronautas”.

No mesmo ano da fundação da TV Rá-Tim-Bum, em 2004, a sede brasileira do canal


Cartoon Network cria, por sugestão do experiente animador brasileiro Daniel Messias, que
trabalhou em alguns projetos com a emissora desde o ano de 1999, um bloco exclusivo voltado
para a exibição de pequenas animações brasileiras. Denominado de “Cartum Netiuorque”,
a série apresentou 25 vinhetas com até um minuto de duração baseadas em personagens
criadas por importantes nomes do universo do quadrinho brasileiro. No final, o projeto
apesentou animações de “Overman” (de Laerte), “Geraldão” e “Geraldinho” (de Glauco), “Os
Pescoçudos” e “Pequeno Pônei” (de Caco Galhardo), “Luke e Tantra” (de Angeli) e “Aline” (de
Adão Iturrusgarai).

Os episódios foram ao ar nos intervalos do bloco “Adult Swim”, faixa da emissora no Brasil,
destinada à exibição de séries de animação voltadas para o público adulto, às sextas-feiras,
sábados e domingos, a partir das 23 horas. A partir desse mesmo ano, a emissora passou a
exibir também algumas pequenas vinhetas do canal realizadas por estúdios brasileiros, como
a série em origami apresentando personagens dos desenhos animados da emissora realizada
pela TV PinGuim.

Um ano depois, em 2005, foi ao ar a primeira série de animação brasileira para televisão realizada
com a técnica 3D e, também, a primeira a ser exibida de forma regular internacionalmente, pelos
canais Cartoon Network e Animania. Criada por Marco Alemar e Caio Mário Paes de Andrade (MoP
Brasil Digital), “Pixcodelics” conta a história de quatro crianças, Pix, o líder do grupo, que tem
um cachorro chamado Aurroba, o bem-humorado, inteligente e criativo Nerd, o fortão e corajoso
Hack e a charmosa e simpática Mary Chat. Juntos, eles têm que salvar a internet das constantes
ameaças do terrível vilão Dr. Ping e de seu atrapalhado assistente, o gato Katslock.

Com temática relacionada ao universo jovem digital, representações gráficas baseadas no


uso de caracteres de computadores (ASCII art) e animação 3D estilizada, “Pixcoledics” teve 65
episódios produzidos, com a duração média de cinco minutos cada.

Também em 2005, a MTV Brasil lança sua segunda série, “Fudêncio e seus Amigos” (2005),
que tem como protagonista a personagem título, originalmente um boneco utilizado por João
Gordo em seu programa, que ganha vida própria em sua forma animada. Depravado, cínico e
macabro, Fudêncio estuda em um sinistro colégio com as outras personagens da série, como
Conrado, um azarado menino com cabeça de caqui, a gótica Funérea, o debilitado Safeno, o
malandro Peruíbe e os policiais, também chamados de “Os Hômi”, liderados pelo Tenente Kevin
Costa. A série fez grande sucesso na emissora e acumula três temporadas com 52 episódios de
13 minutos de duração cada.

119
Dramaturgia de Série de Animação

Nos anos seguintes, novos projetos foram ao ar na MTV Brasil, porém sem o mesmo sucesso das duas
séries anteriores. “RockStar Ghost”, de 2007, que teve nove episódios de 11 minutos e contava a história
de um funcionário público chamado Nasi. Com ambientação decadente, a série apresenta as peripécias
do funcionário público, próximo de sua aposentadoria, especializado em capturar celebridades fantasmas
do mundo da música. Já “The Jorges”, de 2008, também com nove episódios de 11 minutos produzidos,
apresentava a história de uma banda que topava de tudo para fazer sucesso. A banda era formada por
Fornalha, band leader neurótico e desbocado, Amaury, baixista ingênuo e emotivo e Paradise, baterista
sociopata. Juntos, enfrentam as mais inusitadas situações na busca pelo sucesso.

Lançada em 2008, “Princesas do Mar” (Sea Princesses) é uma série de animação, baseada
no livro de Fábio Yabu, que conta com a produção da brasileira Flamma Films (empresa de
Reynaldo Marchezini) em parceria com a produtora australiana Southern Star e com o estúdio
catalão Neptuno – onde a série é animada. A série é ambientada no fundo do mar, no mundo
de Salácia, que é habitado por diversos seres divididos em diferentes reinos: tubarões, polvos,
arraias e outros. Em cada um deles, há um rei, uma rainha, princesas e príncipes que são
responsáveis pelo bem-estar de todas as formas de vida marinha. Com duas temporadas e 104
episódios, a série é exibida em mais de 124 países pelo canal Discovery Kids.

Também em 2008, é finalizado “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma”, dirigido por
Ale MacHaddo, com produção do próprio estúdio do diretor, a 44 Toons. A animação, com 11
minutos de duração funciona, na verdade, como uma espécie de híbrido de curta-metragem e
piloto de série. Exibido e premiado em diversas mostras e festivais de animação e de cinema,
como o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, “Osmar, a Primeira Fatia
do Pão de Fôrma”, tornou-se ainda o primeiro projeto de série de animação brasileiro e da
América Latina a ser premiada na MIPJunior, na cidade de Cannes, no ano de 2009. O evento
internacional tem periodicidade anual e é considerado um dos maiores e mais importantes
no mercado de entretenimento para o público jovem e infantil em todo o mundo. Na final, a
animação brasileira concorreu com outros quatro pilotos de séries da Espanha e do Canadá,
países com maior presença e tradição no evento e no próprio mercado mundial de animação.

Estruturado como sitcom, “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma” é ambientado em um


universo de “café da manhã”, no qual as personagens são diferentes tipos de pães e alimentos
correlatos e os cenários são compostos por objetos atinentes, como prédios em forma de caixas
de cereais, postes de colheres e pisos com textura de toalhas de mesa. Osmar, o protagonista,
é a última fatia do pão de forma (a “casca”), que procura o Dr. Croix Saint, um psicólogo com
sotaque francês e aspecto de croissant, na esperança de resolver seus complexos e traumas
de infância. Com apurado senso de humor e temáticas universais, a série foi contemplada, no
final de 2010, pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e deverá ter sua primeira temporada,
com 26 episódios, exibida na TV Cultura a partir de 2012.

Assim como a animação de A le McHaddo, diversos outros projetos de série de animação


brasileira vêm participando das principais feiras internacionais do setor, com o importante
apoio de alguns órgãos e instituições nacionais, como a ABPI-TV (Associação Brasileira de
Produtores Independentes de Televisão), fundada em 1999. Como parte de suas ações, a
Associação criou, no ano de 2004, o BTVP (Brazilian TV Producers), um programa especial
voltado para a exportação de conteúdo audiovisual brasileiro, favorecendo a coprodução
internacional. Contando ainda com apoio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura

120
Séries de Animação Televisiva

e da APEX-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o BTVP


vem realizando diversas e importantes ações para o setor de séries de animação no país, como
oficinas, workshops e a organização das comitivas brasileiras para a participação em eventos
como os MIPs (MIPCOM, MIPTV e MIPJunior) e KidScreen, por exemplo.

Em 2009, a MTV lança sua última e mais recente série animada, “Infortúnio com Funérea”,
spin off de “Fudêncio e seus Amigos”, no qual a mórbida personagem Funérea é a anfitriã de
um ácido programa de entrevistas, que mistura a animação da personagem com interação em
live action dos entrevistados, personalidades ligadas aos universos temáticos da emissora.
Em 2008, Pavão fundou, junto com Thiago Martins e Cazé Pecini, o Estúdio Estricnina, onde
desenvolve novos projetos em animação e também atua junto à publicidade.

Neste mesmo ano, a Cartoon Network Brasil fez um pitch de série infantil, durante o
Fórum Brasil – Mercado Internacional de Televisão, que premiou a série “As Aventuras de Gui
e Estopa”, de Mariana Caltabiano, para o desenvolvimento de um episódio piloto. A série
apresenta uma turma de cachorros que vivem juntos diversas situações. Em um dos episódios,
“Prima Esnobe”, a trama gira em torno da visita de uma prima francesa très chique e o choque
cultural proporcionado por seu contato com a turma de cachorros brasileira. A série possui
ainda dois spin offs: “Gui e Estopa no Fundo do Mar” e “Gui e Estopa em Bichos do Brasil”,
que misturam sequências de animação com imagens da natureza captadas diretamente em
vídeo. Exibida no domingo de manhã, a série compõe, junto com “Turma da Mônica”, o bloco
denominado pelo canal como “Brazucas”.

As personagens de Caltabiano estrelam ainda o filme “As Aventuras de Gui e Estopa”,


exibido pela Cartoon Network em 2009 – o primeiro longa-metragem de animação brasileiro
exibido pela emissora. O filme conta a história de dois produtores sem experiência, Stress e
Relax, que resolvem fazer uma série de animação. Com perfis completamente opostos, as duas
personagens vão descobrindo com se dá o processo de criação do desenho animado, desde
a criação até sua exibição. Além do canal, o filme foi exibido no Festival Anima Mundi e no
circuito brasileiro da rede de cinemas Cinemark, dentro do Projeto Escola.

A dupla de cachorros participará também de um segundo filme de longa-metragem da


diretora, denominado “Brasil Animado”. Nesse novo filme, Gui e Estopa serão os mestres de
cerimônia, conduzindo a narrativa do filme que tem por objetivo mostrar a diversidade natural
e cultural do país, por meio de imagens captadas em vídeo e projetadas em 3-D.

Também em 2009, a ABPI-TV organiza, dentro de seu PIC (Programa Internacional de


Capacitação), o 1º Workshop de Formação para Projetos de Séries de Animação para TV. De um total
de 65 projetos inscritos, 25 foram selecionados para uma semana de workshops com importantes
nomes do setor no Brasil (Andre Breitman, César Coelho, Kiko Mistrorigo, Marta Machado e Reynaldo
Marchezini) e no exterior (Cathy Chilco, Emmanuèle Petry, Heather Kenyon, Jacques Bensimon, Josh
Selig, Madeleine Lévesque e Tanya Kelen). O programa proporcionou apresentação e consultoria dos
projetos selecionados, ampliando a formação profissional do setor no país e aumentando o potencial
de comercialização das séries brasileiras de animação no atual cenário internacional.

O ano de 2009 também marca o lançamento de “Escola pra Cachorro” (Doggy Day School),
uma série infantil que mostra o cotidiano de cinco pequenos cachorros em uma “creche”

121
Dramaturgia de Série de Animação

para animais, na qual eles aprendem, brincam e fazem novas amizades com outras espécies.
Com 26 episódios de 11 minutos cada, a série, que atualmente se encontra em sua segunda
temporada, é uma coprodução das produtoras Mixer (brasileira) e Cité-Amérique (canadense).
A série voltada para o público pré-escolar é exibida internacionalmente e pode ser assistida no
canal Nickelodeon e também pela TV Cultura.

Neste mesmo ano, surge “Peixonauta” (“Peztronaut” ou “Fishtronaut”), apontada pela


TV PinGuim - criadora e coprodutora da série de animação ao lado do canal Discovery Kids -
como o primeiro desenho animado produzido nos moldes internacionais totalmente feito no
Brasil e exibido em diversos países do mundo. Com uma equipe formada por cerca de 160
profissionais, a série, destinada para crianças de três a sete anos, encontra-se em uma segunda
temporada, cada qual composta por 52 episódios de 11 minutos. “Peixonauta” foi financiada
pelo ProCult, programa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
para desenvolvimento da economia da cultura e conta com um site próprio na internet (www.
fishtronaut.com ou www.peixonauta.com.br), no qual as crianças podem conferir materiais
adicionais ou brincar com algumas atividades.

A série, de cunho educativo e ecológico, conta as aventuras de Peixonauta, um peixe que


trabalha como agente secreto para a OSTRA (Organização Secreta para a Total Recuperação
Ambiental) e possui um escafandro cheio de água, o Bublex, com o qual consegue viver entre
dois mundos, o molhado e o seco. Em suas missões, Peixonauta conta com a ajuda de sua melhor
amiga, a inteligente e curiosa Marina, uma menina de oito anos de idade, especialista em
animais e que conversa diretamente com o espectador olhando para a câmera. “Peixonauta”
tem ainda como personagens o macaco pré-adolescente Zico, os gêmeos Pedro e Juca, o
simpático veterinário do parque Dr. Jardim, a agente secreta Rosa e o sábio peixe Chumbo
Fino, que mora tranquilo no fundo do Lago do Sossego. A série convida ainda as crianças a se
levantarem e a repetirem uma sequência rítmica utilizando seus próprios pés e mãos em uma
determinada parte dos episódios.

Depois de “Pixcoledics”, “Princesas do Mar”, “Escola pra Cachorro” e “Peixonauta”, a mais


nova série de animação com coprodução brasileira e sucesso internacional é “Meu Amigãozão”
(“My Big Big Friend”), com criação e direção de Andres Lieban e produção de Andre Breitman,
Ira Levy e Peter Williamson. A série é uma coprodução Brasil-Canadá, entre o Estúdio 2DLab, a
Breakthrough Entertainment e a Treehouse TV.

Com 52 episódios de 11 minutos, a ideia surgiu a partir de um curta-metragem


realizado por Lieban alguns anos antes. Pensada para crianças de três a sete anos de
idade, “Meu Amigãozão” apresenta três personagens em início de vida escolar que possuem
três grandes amigos: o solitário Yuri tem a companhia do elefante azul Golias, o arteiro
Matt a do canguru verde Bongo e a mandona Lili a da girafa rosa Nessa. Cada animal ajuda
seu dono a superar medos e defeitos, além de brincar com ele e o auxiliar no estímulo à
fantasia e à imaginação infantil.

A partir de uma experiência acumulada ao longo de seus primeiros anos de atividade, a TV


Rá-Tim-Bum chegou, em 2010, a um modelo próprio de coprodução de três novas séries, dentro
de um formato regular e que já está indo para uma segunda temporada de produção. A primeira
destas séries é “A Mansão Maluca do Professor Ambrósio”, realizada pelos Estúdios Tortuga. A cada

122
Séries de Animação Televisiva

episódio, a misteriosa mansão do excêntrico Prof. Ambrósio recebe um novo visitante, que leva a
história para outra dimensão. Participam ainda da série a aranha Floribela, que vive no laboratório
localizado no porão, e o rato Leslie, o esperto e encrenqueiro assistente do professor.

Já “Nilba e os Desastronautas”, da 44 Toons, conta as aventuras de uma nave espacial, a


S.S. Geniwald, perdida no espaço e que busca retornar ao planeta Terra. Para isso, a tripulação
formada por adultos dependerá do comando nada convencional do capitão Nilton Bawsk (Nilba).
O capitão Nilba é um menino de oito anos que, apesar de sua inexperiência, procura sempre
superar os inúmeros desafios que surgem a cada episódio. Com diversas referências, doses de
bom humor e situações inusitadas, a série é destinada a crianças de seis a oito anos de idade.

A terceira série é “Sidnei”, da To Beat Animação, que conta a história do protagonista


homônimo, um pequeno rato, e seu amigo, a barata Juca Barato. Juntos, eles vivem escondidos
dentro de uma sala de aula, onde descobrem a existência de um portal mágico dentro do
telescópio da classe. E é por meio desse portal que eles viajam por diferentes momentos
históricos, aprendendo e vivendo grandes aventuras.

A primeira década do século XX se encerra de maneira promissora para a animação brasileira com
os resultados do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), promovidos pela Ancine (Agência Nacional do
Cinema) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O FSA divulgou em outubro o resultado de
sua linha A, voltada para a produção de filmes de longa metragem, que contou com sete animações
entre os projetos contemplados: “Até que a Sbornia nos Separe”, de Otto Guerra, “As Aventuras do
Avião Vermelho”, de Frederico Pinto, “Bugigangue no Espaço”, de Ale McHaddo, “Cuca no Jardim”,
de Alê Abreu, “Lutas - O Filme”, de Luis Bolognesi, “Tarsilinha” de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo e
“A Turma do Pererê – O Filme”, de Marcos Magalhães.

No mês seguinte, em novembro de 2010, o FSA anuncia o resultado de outra linha de


financiamento, voltada para a produção independente para televisão aberta ou por assinatura,
incluindo projetos de coprodução internacional. No edital, era exigida como interveniente
uma empresa emissora ou programadora de televisão, que assumiu a responsabilidade pela
aquisição da primeira licença de exploração comercial da série e também pela exibição em
sua janela de programação. Oito projetos de séries de animação foram contemplados com
aporte de cerca de R$ 6,7 milhões e devem ser exibidos a partir de 2012: “Osmar, a Primeira
Fatia do Pão de Forma” de Ale McHaddo (44 Toons/TV Cultura), “Zica e os Camaleões”, de Ari
Nicolosi (Cinema Animadores/TV Brasil), “Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas”,
de Victor Hugo Borges (Glaz Entretenimento/TV Brasil), “Meu Amigãozão”, de Andrés Lieban
(LD – Laboratório de Desenhos/TV Brasil), “O Baú do Lú”, de Victor Hugo Borges (Neoplastique
Entretenimento/TV Cultura), “Boa noite, Martha”, de Vivian Altman (Otto Desenhos Animados/
TV Cultura), “Brichos”, de Paulo Munhoz (Tecnokena Audiovisual e Multimídia/TV Brasil) e
“Godofredo”, de Eva Funari (Um Filmes/TV Cultura).

Aos poucos, as séries de animação brasileiras, que iniciaram timidamente em pequenos


formatos de maneira irregular, começam a expandir, diversificar e a se consolidar dentro de
uma dinâmica de produção industrial.

Vale mencionar que, assim como acontece fora do país, algumas séries brasileiras têm
conseguido maior destaque utilizando como principal veículo a internet, como é o caso dos

123
Dramaturgia de Série de Animação

intrépidos irmãos Piologo e seu Mundo Canibal (www.mundocanibal.com.br). No site, é possível


conferir diversas séries animadas produzidas pela dupla, como “Avaiana de Pau”, “Beto, o
Magnífico”, “Bonequicha”, “Bob, Psicótico”, “Canibytes”, “Carlinhos”, “Deforméd Baby”, “Sr.
Donizildo e Donizete”, “Urubródi”, “Tomelirolla” e “Youtoba”.

Além de assistir às animações, também é possível comprar material licenciado, fazer downloads,
jogar mini games, conferir a agenda de eventos e enviar seu próprio material. Com humor jocoso
e debochado, as animações do Mundo Canibal são repletas de trocadilhos, palavrões, humor negro
e sátiras, agradando ao público jovem-adulto, sobretudo masculino. Algumas das animações dos
irmãos Piologo foram ainda exibidas e premiadas em festivais do país.

De caráter menos corrosivo, mas não menos engraçado, o site criado e mantido pelo
chargista Maurício Ricardo Quirino (www.charges.com.br) apresenta charges animadas
envolvendo temas diversos, desde o universo adolescente até política. Quirino, que
ilustra, anima e dubla as vozes, possui algumas séries on-line como “Charges-okê”, na
qual personalidades nacionais e internacionais interpretam paródias musicais, “Espinha e
Fimose”, dois jovens nerds vivendo a crise da adolescência e “Tobby Entrevista”, na qual o
entrevistador que usa orelhas do Mickey Mouse entrevista personalidades diversas, sempre
representadas na forma de personagens animados. No site, é possível ainda jogar mini
games, escutar músicas e enviar cartões virtuais animados para amigos por e-mail. No ar
desde 2000, o site já ganhou o prêmio na categoria entretenimento do IBest e da Revista
Info Exame. As charges do site também são vistas com frequência em diversos programas da
televisão brasileira.

ANIMATV
O célere crescimento da animação brasileira nos últimos anos não passou despercebido
pelas instâncias públicas do país. Em 2003, foi proposto o projeto de lei (PL) nº 1821/03,
com o objetivo de incorporar gradativamente na televisão desenhos animados brasileiros,
ampliando a exibição de conteúdo nacional e estimulando a indústria do setor no país. Após
algumas audiências e pareceres preliminares, o projeto segue em tramitação no legislativo.

No mesmo ano, o então Secretário Executivo do Ministério da Cultura, visualizou o


potencial da animação brasileira, compreendendo a importância cultural e o fator econômico
envolvido na atividade, dando início a uma série de ações a favor do setor. A simples criação
de alguns editais específicos para a animação, por exemplo, já se configurou como um avanço
significativo, uma vez que projetos de animação tinham que concorrer juntos com projetos
em live action, que, por si só, possuem outros parâmetros avaliativos e mesmo de produção,
tornando díspar e inviável a comparação e competição entre estas técnicas distintas do
audiovisual.

Posteriormente, em meados de 2008, o Ministério da Cultura assina a Portaria Ministerial


nº 68, de 10 de outubro de 2008, na qual institui a criação do Programa Nacional de Fomento
à Animação Brasileira, também conhecido por ProAnimação. A coordenação das ações do
programa está, desde então, a cargo da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura,
com recursos de Lei Orçamentária, incentivados e de outras fontes.

124
Séries de Animação Televisiva

Em outubro deste mesmo ano, durante a realização do 3º Granimado – Festival de Animação de


Gramado, o ministro da Cultura faz um discurso no qual valoriza a função da animação na cultura
contemporânea e enaltece o papel e a responsabilidade do Estado no desenvolvimento deste setor
no país. Isso, pois, a escala necessária para se criar uma verdadeira indústria da animação envolve
uma grande quantidade de profissionais qualificados, uma ampla infraestrutura tecnológica e um
esforço contínuo para comercialização, distribuição e exibição dessas animações. O ministro afirmou
ainda que no atual panorama internacional, a animação é, dentre as indústrias do audiovisual, a mais
promissora economicamente.

No mesmo evento foi apresentado o ProAnimação, cujo escopo já havia incorporado o Programa
ANIMATV. O ProAnimação foi resultado do estudo de um grupo de trabalho previamente composto por
ABCA, Coordenação Executiva do ANIMATV, ABPITV, Cinemateca Brasileira, CTAv e TV Cultura/TV Rá
Tim Bum, supervisionado pela
Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura.

O programa parte de
algumas premissas iniciais:
o crescimento do setor
em nível internacional;
a elevada capacidade do
setor em gerar emprego,
rendas e divisas; o volume
de material inédito exibido
no Brasil (cerca de 1.800
horas apenas considerando
o público infanto-juvenil); a
criação de toda uma cadeia
de negócios por meio do
licenciamento de produtos
diversos; o elevado nível
técnico e artístico dos
animadores brasileiros (reconhecido nacional e internacionalmente)
e a contribuição para a formação de um imaginário nacional numa
perspectiva de pertencimento e valorização da cultura brasileira.

A compreensão de toda a cadeia socioeconômica contemplada


neste programa pode possibilitar a criação, o desenvolvimento e a
manutenção de uma indústria de animação brasileira, capaz de, em
longo prazo, se estruturar de forma autossustentável e permanente.
Contemplando um amplo conjunto integrado de ações, com horizonte
de dez anos de execução e investimentos previstos da ordem de R$ 760
milhões, o objetivo principal do programa é a inserção da animação
brasileira no mercado internacional e nacional – neste último com a
meta de ocupação de 25% do setor no prazo de uma década.

125
Dramaturgia de Série de Animação

Para tanto, o ProAnimação é constituído de três programas principais: formação, para


capacitar os profissionais necessários para a expansão do setor; infraestrutura, para organização
e ampliação da base produtiva, e fomento, para promover a produção e capitalizar os
estúdios. Além desses programas, estão previstas também três linhas auxiliares: diagnóstico,
por meio da elaboração do perfil socioeconômico do segmento no Brasil; comunicação, por
meio da divulgação e promoção das animações brasileiras e preservação, por meio da criação,
manutenção de um acervo das produções brasileiras em animação.

O Programa envolve um amplo arco institucional, com a participação de diversos órgãos do


governo e da iniciativa privada. Entre as ações anunciadas estava a pesquisa socioeconômica
para diagnosticar o setor, permitindo uma maior e melhor compreensão de suas demandas e
potencialidades para uma posterior prospecção de negócios. Além da pesquisa, outra ação
anunciada busca contemplar a radiodifusão pública e comercial, por meio da realização de três
programas: o AnimaSur, envolvendo séries de animação dos países do Mercosul9, o Programa de
Fomento à Produção de Séries de Animação Adulta e o ANIMATV

O ANIMATV é o primeiro programa de fomento à produção e teledifusão de séries de


animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o estímulo da indústria nacional da
animação. O ANIMATV é uma realização da Secretaria do Audiovisual - SAV, da Secretaria de
Políticas Culturais - SPC (ambas do Ministério da Cultura), da Empresa Brasil de Comunicação
- TV Brasil, da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, da ABEPEC - Associação Brasileira das
Emissoras Públicas e contando com o apoio institucional da ABCA - Associação Brasileira de
Cinema de Animação. O ANIMATV é realizado no âmbito do Programa Nacional de Estímulo à
Parceria entre a Produção Independente e a Televisão, instituído pelo Ministério da Cultura por
meio da Portaria no 19 de 07 de maio de 2008.

Esse estímulo buscado pode ser medido pelo estabelecimento de um circuito nacional
de teledifusão de desenhos animados nacionais, pela motivação nos estúdios de animação
em produzir novos conteúdos e pela potencialização de inserção das séries selecionadas no
mercado internacional.

Os objetivos principais do programa são: estimular o desenvolvimento da indústria


brasileira de animação a partir da sistematização de ações que visem à geração de projetos de
série de animação em diversos pontos do país; a realização de ações regionais de capacitação
que reforcem a cultura da série de animação para a televisão; a articulação de um circuito
nacional de teledifusão de séries de animação brasileiras; a dinamização da produção integrada
entre estúdios no território nacional e a potencialização da inserção da animação brasileira no
mercado internacional.

Durante o ano de 2008, a equipe do projeto formatou toda a estrutura do ANIMATV, até
a publicação de seu edital. Dado o ineditismo da proposta, em 2009, foram realizadas - nas
cidades de Belém, Salvador, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e
Porto Alegre - as Oficinas para Formatação de Projetos ANIMATV. Com a realização dessas

9. O Mercado Comum do Sul, também conhecido por Mercosul, é a união aduaneira (livre comércio) criada em 1991,
que envolve cinco Estados Partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), cinco Estados Associados
(Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) e um Estado Observador com status não oficial (México).

126
Séries de Animação Televisiva

oficinas, promoveu-se o desenvolvimento de pré-projetos de séries de animação a partir do


modelo proposto no edital, possibilitando ainda o esclarecimento de dúvidas e a discussão de
aspectos diversos relacionados ao tema.

No total, foram inscritos 257 projetos inéditos, de 17 Estados brasileiros, no período entre
08 de dezembro de 2008 e 21 de janeiro de 2009. Desse total, 30 foram pré-selecionados para
a segunda fase do programa. A Comissão de Seleção foi constituída por cinco membros: Renato
Nery, designado pela SAV e pela SPC do MinC, Berenice Mendes, designado pela Empresa Brasil
de Comunicação – TV Brasil, Mário Sérgio Cardoso, designado pela Fundação Padre Anchieta,
Marcelo Braga de Freitas, designado pela ABEPEC e Fábio Yamagi, designado pela ABCA.

Os critérios de seleção previstos no regulamento e adotados pela comissão de avaliação


foram: a criatividade das propostas, o potencial de formação da audiência e de coprodução
internacional, a adequação à faixa etária pretendida, a viabilidade de realização. Em um
segundo momento, dedicado à apresentação presencial (pitching), também são avaliados o
entrosamento entre autor e produtor, a capacidade produtiva do estúdio e o comprometimento
dos proponentes com a proposta.

Nos dias 12 e 13 de março de 2009, estes 30 projetos pré-selecionados passaram pelo


pitching, depois do qual foram contemplados 17 pré-projetos para o desenvolvimento de um
piloto com 11 minutos de duração e um projeto completo de série (bible).

Entre os dias 10 e 16 de maio, os projetos selecionados passaram ainda pela Oficina de


Desenvolvimento de Projetos de Séries de Animação, na qual tiveram, durante uma semana
de imersão, a consultoria de Chelo Loureiro (produção), Ennio Torrezan (direção de arte e
design), Reynaldo Marchezini (comercialização) e Sérgio Nesteriuk (roteiro e dramaturgia).
Segue abaixo uma pequena ficha técnica e sinopse dos 17 projetos pilotos realizados.

Título: A Princesa do Coração Gelado (The Princess OF THE frozen Heart)


Autora: Zu Escobar
Produção: Mínima
Sinopse: “As aventuras da Princesa Lucy e de seus amigos em busca do elemento que falta
para o feitiço que descongelará o coração dela”.

Título: Abílio e Traquitana (Herbie & Gadgety)


Autor: Henrique Barone
Produção: Lightbox Studios
Sinopse: “Abílio, um inventor curioso e Traquitana, sua inseparável maquineta têm problemas
com a lâmpada do projetor de cinema. Com a ajuda das Famílias do Conhecimento, eles
descobrem como solucionar o problema e aprendem muito mais sobre a luz”.

Título: Bolota & Chumbrega (Chubbie and Cheesy)


Autor: Frederico Pinto
Produção: Armazém de Imagens
Sinopse: “Quando o dono do cão Bolota não o deixa experimentar um arroz carreteiro, a gata
Chumbrega convida-o e ao hamster VonVon para uma incrível aventura. Por meio de um guarda-
chuva mágico, os três amigos são levados para uma fazenda onde provam o melhor carreteiro”.

127
Dramaturgia de Série de Animação

Título: Carrapatos e Catapultas (Duck-Ticks and Catapults)


Autor: Almir Correia
Produção: Zoom Elefante
Sinopse: “Em outra galáxia, no planeta Vaca, carrapatos bico-de-pato gostam de se
catapultar, sugar gororoba e explodir para ir morar no mundo dos carrapatos fantasmas”.

Título: Hiperion
Autor: Bruno Vidigal
Produção: UPX Studio
Sinopse: “Cadu, 12 anos, supera as dificuldades para se tornar um super-herói. Ele enfrenta
o vilão Hyrus com os superpoderes da armadura Hiperion e descobre que tem o destino do
universo em seus punhos”.

Título: Historietas Assombradas Para Crianças Malcriadas


(Haunted Tales for Wicked Kids)
Autor: Victor-Hugo Borges
Produção: Neoplastique Entretenimento
Sinopse: “A chegada da vovó transforma a rotina de um garoto de onze anos de idade em
um universo sem limites para a imaginação”.

Título: Arara Rara (AMAZON TAILS)


Autor: Fred Mathias
Produção: MOL Toons
Sinopse: “Jajá, uma amalucada ararinha vermelha, e seus amigos Nininha e Salomão, a
maior arara azul do mundo, vivem engraçadas aventuras na Floresta Amazônica”.

Título: Miúda e o Guarda Chuva (Thainie and the Umbrella)


Autor: Victor Cayres
Produção: Santo Forte
Sinopse: “Miúda alimenta sua planta carnívora com formigas que arquitetam um plano
secreto cheio de fatos extraordinários, guarda-chuvas e poesia”.

Título: Nave Sub-D (Star Trash)


Autor: Pedro Aguilera
Produção: Maria Bonita
Sinopse: “A decadente nave espacial Sub-D resgata os tripulantes da luxuosa nave G-8. A
partir daí, as duas tripulações são obrigadas a viver juntas”.

Título: Piratas vs Ninjas vs Robôs vs Caubóis


(Pirates vs Ninjas vs Robots vs Cowboys)
Autor: João Penna
Produção: Abuzza Filmes
Sinopse: “ Inimigos naturais se enfrentam em uma batalha no melhor estilo videogame”.

Título: Platz na Cidade (Platz)


Autor: Paulo Miyada
Produção: Animatório

128
Séries de Animação Televisiva

Sinopse: “Platz entrega pizzas em qualquer lugar da cidade em até dez minutos. Isso se
não houver problemas com quaisquer dos obstáculos oferecidos pela cidade”.

Título: Scratch
Autor: Fred Luz
Produção: Cápsula
Sinopse: “As aventuras de três baratas que investigam os crimes mais bizarros para ajudar
um incompetente detetive”.

Título: Tromba Trem (Trunk Train)


Autor: Zé Brandão
Produção: Copa Studio
Sinopse: “Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia de cupins
que acredita ser de outro planeta viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina.
Cada episódio da série apresenta novos lugares e personagens”.

Título: Vai dar Samba (Samba´s Club)


Autor: Humberto Avelar
Produção: Urca Filmes
Sinopse: “Os pequenos Catoco, Nonô, Rosinha, Filô e Pandeco formam o Clube do Samba,
que se reúne secretamente na mágica loja de instrumentos musicais do Seu Viola para
brincar de fazer música”.

Título: Vivi Viravento (VIVI)


Autor: Alê Abreu
Produção: Mixer
Sinopse: “Vivi é uma menina muito curiosa que vive procurando Viravento, um lugar
secreto revelado por sua avó escritora, Rosa Rara. Vivi se aventura em busca desse mundo
mágico, sempre na companhia de seus amigos Mochilão e Lanterninha”.

Título: Wilbor
Autor: Rodrigo Gava
Produção: Labo Cine
Sinopse: “Wilbor é um cara alto astral que, incentivado pelo narrador, se mete nas mais
engraças situações sem nunca perder o otimismo”.

Título: Zica e os Camaleões (Zica & The Chameleons)


Autor: Ari Nicolosi
Produção: Conteúdos Diversos
Sinopse: “O dia-a-dia de Zica, uma adolescente de 14 anos que busca sempre fazer uma
leitura do mundo através de sua arte”.

Os pilotos desenvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, TV Cultura e mais 20 emissoras


associadas à ABEPEC, a partir de 25 de janeiro de 2010. Todos os episódios pilotos
podem ser assistidos nos sites: www.tvcultura.com.br/animatv e www.tvbrasil.org.
br/animatv.

129
Dramaturgia de Série de Animação

Após a seleção inicial das séries, a Coordenação Executiva do Programa iniciou o trabalho
de prospecção de parcerias para as séries, apresentando e representando o ANIMATV em
importantes eventos internacionais, como Upto3’, em Toronto, Festival Internacional de
Animação de Ottawa, KidScreen Summit, em Nova Iorque, World Television Festival/Next
Media, em Banff (Canadá), MIPCOM e MIPJunior, em Cannes, Anima Fórum do Anima Mundi, no
Rio de Janeiro e na Expotoons, em Buenos Aires.

Além desta importante e ativa presença em feiras e eventos do setor, o ANIMATV também
tem obtido interessantes desdobramentos por meio da seleção e premiação de muitos dos
episódios em festivais nacionais e internacionais de animação, da exibição em mostras
especiais e também pela reprise nas emissoras parceiras da Rede ANIMATV: TV Cultura, TV
Brasil e suas retransmissoras.

Em julho de 2010, foi anunciada a coprodução Brasil-Canadá para a realização de um dos


17 projetos inicialmente selecionados, “Vivi Viravento”, de Alê Abreu. Em uma coprodução da
brasileira Mixer com a canadense Skywriter, a série, que terá 52 episódios por temporada, será
produzida em 2011 e vai ao ar em 2012 pela TV Ontário, com possibilidade de pré-venda para
canais europeus.

A criação e a produção de séries de animação no Brasil vivem, portanto, seu momento mais
expressivo. Além das séries de animação mencionadas neste capítulo e que já se encontram
em uma fase regular de produção e exibição na televisão, estima-se que existam cerca de
50 projetos nacionais devidamente estruturados buscando, por diferentes mecanismos
e estratégias, a viabilidade para o desenvolvimento de suas produções. Se este cenário
praticamente surgiu e se consolidou em menos de dez anos, a perspectiva para a próxima
década é, portanto, bastante otimista.

130
Séries de Animação Televisiva

131
Dramaturgia de Série de Animação

132
Séries de Animação Televisiva

Análise
2.4 Análise das Séries
2.4 das séries
A seguir, faremos uma sucinta análise narrativa de caráter mais livre de duas séries
internacionais de animação, “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”. Poderíamos ter
escolhido outros casos, entretanto, pautamos nosso critério de seleção pelo sucesso de ambas
junto ao público, à crítica e ao mercado, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma
indústria de animação no Brasil.

“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”)


“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob SquarePants”) é uma série de animação
norte-americana desenvolvida por Stephen Hillenburg. Em uma mesa durante o Anima Fórum
realizado no 18º Anima Mundi, em 2010, no Rio de Janeiro, o animador contou alguns detalhes
sobre o processo de criação da série.

Stephen Hillenburg nasceu em 1961 e, em sua infância, tinha a praia como “quintal”,
extensão de sua casa. Por conta disso, teve grande contato com o mar e aprendeu a surfar e
mergulhar. Além disso, se interessava por tudo que fosse relacionado à vida marinha, como os
filmes e documentários produzidos pelo oceanógrafo Jacques Cousteau. Ao terminar o segundo
grau, Hillenburg resolveu cursar biologia marinha, curso em que se formou no ano de 1984,
atuando como biólogo marinho e professor do ensino infantil até 1987.

Foi quando resolveu dar uma virada em sua vida e decidiu estudar animação, sua segunda
paixão. Hillenbrug se matriculou na CalArts – tradicional escola de animação fundada por Walt e
Roy Disney na década de 60 – onde conclui a graduação e o mestrado em animação experimental no
ano de 1993. Em 1989, ainda quando estava na graduação, criou um gibi chamado “The Intertidal

133
Dramaturgia de Série de Animação

Zone” sobre criaturas marítimas que vivem nas “poças de maré”. O gibi tinha como protagonista
Bob Esponja, que inicialmente era desenhado como uma verdadeira esponja do mar, mas que,
posteriormente, ganhou formas quadradas para ficar mais engraçado. Hillenburg chegou a enviar o
projeto para algumas editoras, mas, na ocasião, nenhuma delas se interessou. Ele mostra então o
gibi para seu colega Martin Olson, um roteirista especializado em humor, que sugeriu reescrever o
projeto no formato de uma série de animação sobre o fundo do mar.

Durante o curso e após algum tempo depois de formado, Hillenburg anima diversos curtas-
metragens, como “The Green Beret” (1991) e “Wormholes” (1992), que participam de inúmeros
festivais por todo o mundo. Entre 1991 e 1993, trabalhou ainda na série de animação infantil
“Mother Goose and Grimm” – baseada no quadrinho homônimo de Mike Peters.

Em um dos festivais em que “Wormholes” estava sendo exibido, Hillenburg conheceu Joe
Murray, criador da série “Rocko’s Modern Life” (“A Vida Moderna de Rocko”) que o convidou
para dirigir a série. Além de dirigir a série, Hillenburg atuou também como roteirista, produtor
e artista de storyboard. Foi por meio de “Rocko’s Modern Life” que Hillenburg conheceu o ator,
dublador, cantor e comediante Tom Kenny, a futura voz da personagem Bob Esponja em inglês,
além de Doug Lawrence, Martin Olson, Paul Tibbit e outros futuros colaboradores da série.

Com o fim de “Rocko’s Modern Life”, em 1996, Hillenburg retoma seu projeto de série
sobre o fundo do mar. No ano seguinte, conta com a colaboração dos colegas com quem
havia trabalhado, que o auxiliam no desenvolvimento dos cenários, das personagens e na
direção de arte do novo projeto. Dois anos depois, em 1998, Hillenburg faz um inusitado pitch
para o Nickelodeon usando um aquário, modelos das personagens, a música tema da série e
o storyboard do episódio piloto, “Help Wanted”. No dia seguinte, recebeu um telefonema
dizendo que seu projeto havia sido aprovado. Algum tempo depois, a série se tornaria o
programa de maior audiência e popularidade da emissora.

Em “Help Wanted”, Bob Esponja vai até a lanchonete Siri Cascudo se candidatar a
uma vaga de chapeiro. Ao perceber que o protagonista se aproxima da lanchonete com a
intenção de conseguir o emprego, o mal-humorado Lula Molusco pede ao proprietário do
estabelecimento, Sr. Siriqueijo, para não contratar a esponja, pois isso seria uma catástrofe.
O dono da lanchonete diz então a Bob Esponja que, se ele trouxer um raro tipo de espátula,
o emprego será dele. Entusiasmado, ele sai do estabelecimento cantarolando alegremente.
Interpelado por Lula Molusco, Sr. Siriqueijo afirma ter pregado uma peça no candidato, pois,
na verdade, não existe tal espátula. Nesse momento, diversos ônibus estacionam na frente da
lanchonete, que fica totalmente tomada por peixes famintos. A horda de clientes toma conta
de todo o espaço interno e Lula Molusco e o Sr. Siriqueijo vão parar no teto da lanchonete,
amedrontados com a situação. Quando tudo parece estar perdido, eis que surge Bob Esponja
voando por cima dos clientes, utilizando a rara espátula encontrada por ele como hélice. O
Sr. Siriqueijo afirma que se Bob Esponja conseguir atender todos os clientes peixes, o emprego
será dele. Motivado, o protagonista vai para a chapa onde começa, em um ritmo alucinado, a
montar centenas de hambúrgueres até efetivamente alimentar toda a horda faminta. Com um
enorme saco de dinheiro e um igualmente grande sorriso no rosto, o Sr. Siriqueijo efetiva Bob
Esponja na lanchonete Siri Cascudo, para desespero de Lula Molusco.

134
Séries de Animação Televisiva

A première da série, com a exibição desse episódio piloto, foi em maio de 1999 e os
demais episódios começaram a ser exibidos regularmente a partir de julho do mesmo ano. De
início, a série não fez o sucesso estrondoso que alcançaria depois. Porém, teve uma constante
e crescente curva de crescimento de popularidade, o que significa uma maior fidelidade do
público e perspectiva de consolidação da audiência em médio prazo – diferentemente das
séries que apresentam uma curva mais acentuada (“boom”) e que normalmente tendem a
perder a audiência depois de algum tempo.

Hillenburg afirmou que o conceito de criação da série possui referências de “O Gordo e


o Magro” e da personagem Pee-Wee Herman, criada e interpretada pelo ator Paul Reubens.
No desenho animado, há o predomínio do foco nas personagens e em seus relacionamentos,
muito mais que no contexto social em si. Para a ambientação da série foi utilizado, como
referência, um lugar isolado no fundo do mar, no Oceano Pacífico, próximo ao Atol de Bikini.
Este se localiza na Micronésia, que pertence atualmente às Ilhas Marshall, e foi utilizado para
testes nucleares pelos Estados Unidos nas décadas de 40 e 50. Ao passar uma noção geral de
comunidade, a Fenda do Biquíni funciona mais como ambientação e sustentação do universo
criado do que como elemento ativo na trama.

As relações sociais que definem a própria existência da série giram em torno de Bob Esponja,
personagem principal da série, que apesar de ser uma esponja do mar tem a forma de uma
bucha de cozinha. Com grandes olhos azuis, dois dentes da frente aparentes, corpo retangular
amarelo com furos, Bob Esponja normalmente veste calça quadrada marrom, camisa branca
social de manga curta, uma pequena gravata vermelha, além de calçar sapatos pretos. Ele vive
em um abacaxi de dois quartos, com Gary, seu caramujo de estimação, que mia como um gato
e, ao se movimentar, deixa um rastro gosmento por onde passa.

Originalmente, a protagonista da série se chamaria SpongeBoy, mas foi descoberto que o


nome já estava em uso para uma marca de esponjas domésticas, o que obrigou a adoção do
novo nome, Bob Esponja Calça Quadrada. Além de ser uma menção à vestimenta, essa alcunha
funciona também como sobrenome da personagem. Apesar de não haver alusão clara à sua
idade, Bob Esponja é um jovem adulto, pois mora sozinho, trabalha e quer tirar sua carteira de
motorista. O desenvolvimento da personalidade da personagem também foi inspirado na voz e
na interpretação de Tom Kenny, dublador original da personagem em língua inglesa.

Mesmo presumindo a faixa etária da protagonista e, por consequência, das demais


personagens, não há na série o desenvolvimento de relacionamentos amorosos. O próprio
Hillenburg afirmou que não pensou nessa questão na criação dos episódios e disse ainda que
o protagonista, Bob Esponja, estaria mais para uma figura assexuada. Entretanto, a partir de
uma campanha social a favor da diversidade e da tolerância realizada nos Estados Unidos no
ano de 2005, surge, por parte de alguns grupos mais conservadores, uma polêmica em relação
ao entendimento de um possível relacionamento homossexual entre Bob Esponja e Patrick. Já
para outras pessoas, há um sentimento amoroso heterossexual não realizado e não manifesto
explicitamente entre Bob Esponja e Sandy.

Com atitudes e comportamentos positivos, Bob Esponja é uma personagem otimista, satisfeita e
bem intencionada. Sempre disposto, é bastante ativo e busca diversão tanto no trabalho quanto fora

135
Dramaturgia de Série de Animação

dele. Essa sua personalidade faz com que tenha uma visão muito particular das coisas do mundo,
gerando inúmeros contrapontos e situações com as outras personagens da série. Por exemplo, quando
quer agradar seu vizinho Lula Molusco, acaba, sem perceber, por irritá-lo cada vez mais.

A inocência e o desejo de ser bom e correto da protagonista acabam ressaltando alguns


defeitos morais das outras personagens da série. As boas intenções de Bob Esponja, por contraste,
transformam-se para o espectador em crítica à ganância do Sr. Siriqueijo, da impetuosidade de
Sandy Bochechas, do mau-humor de Lula Molusco e do destempero de Patrick. A simplicidade da
personagem faz com que ela valorize as pequenas coisas da vida – como no episódio em que se
diverte enormemente com uma caixa de papelão que embalava um aparelho de televisão. Bob
Esponja é ainda extremamente sentimental e afetuoso, por isso, a frequente alegria que acompanha
a personagem pode, eventualmente, ser substituída por um sentimento de tristeza e preocupação,
principalmente quando acha que magoou alguém ou quando perde algo de que gostava.

Bob Esponja trabalha, desde o início da série, como chapeiro na lanchonete Siri Cascudo,
tendo como colega de trabalho seu vizinho Lula Molusco. Desde que começou a trabalhar na
lanchonete, ganhou todos os prêmios de “funcionário do mês”. Trabalha por prazer, pois adora
fazer os saborosos hambúrgueres, mesmo ganhando um reduzido salário. Não possui grandes
ambições na vida, sua maior motivação e objetivo é apenas ser o melhor chapeiro da Fenda do
Biquíni e fazer lanches que as pessoas adorem. Os hobbies prediletos de Bob Esponja são caçar
águas-vivas, fazer bolhas de sabão e praticar caratê com Sandy. Ele frequenta ainda as aulas na
autoescola com a Sra. Puff, sua professora, mas nunca conseguiu ser aprovado nos exames.

O melhor amigo da protagonista é Patrick, estrela do mar cor-de-rosa, gordinha e que


vive sob uma rocha, ao lado da casa de Bob Esponja. Sua principal característica é a absurda
limitação de inteligência, o que o torna quase limítrofe, a ponto de, às vezes, perder o
controle e se animalizar. Extremamente ingênuo, Patrick também possui uma faceta ciumenta
e possessiva, alternando constantemente entre estados extremos de humor.

Patrick não possui emprego ou atividade fixa e, quando não está na companhia de seu
melhor amigo Bob Esponja, passa a maior parte do tempo dormindo ou vendo televisão
embaixo da pedra onde mora. Apesar de não ter essa intenção, acaba muitas vezes colocando
a si mesmo e a seu amigo em situações embaraçosas.

Sandy Bochechas é uma geniosa amiga de Patrick e Bob Esponja que mora em uma redoma de
ar embaixo d´água, na qual foi recriado o habitat de um esquilo na terra. Ela usa uma espécie de
escafandro, que permite a respiração fora da redoma quando está submersa. Oriunda da superfície,
mais precisamente do estado do Texas, nos Estados Unidos, Sandy é uma cientista cujas invenções
são, muitas vezes, acidentalmente quebradas por seus dois amigos. Praticante de caratê e aficionada
por esportes radicais, o esquilo possui grande força e adora desafios.

Já Lula Molusco é, mesmo pelo criador da série, ora referido como uma lula, ora como um
polvo, que mora ao lado de Bob Esponja e de Patrick. Sua casa é feita de pedra e se assemelha
fisicamente aos moais, esculturas em forma de cabeça humana característica da Ilha de Páscoa
(Chile), com os olhos fazendo a função de janelas no segundo andar da casa. Lula Molusco tem pele
verde azulada, olhos vermelhos, seis tentáculos, nariz grande e é careca. Além de vizinho, é também
colega de trabalho de Bob Esponja na lanchonete Siri Cascudo, onde exerce a função de caixa. Seus
dois vizinhos o consideram um amigo, embora o sentimento não seja recíproco.

136
Séries de Animação Televisiva

Rabugento, pretencioso, mal humorado, pedante, individualista e narcisista são alguns


adjetivos que bem podem definir essa personagem. Sempre reclamando de tudo, Lula Molusco
gosta de pintar quadros e tocar clarinete, porém não tem a menor consciência de sua limitação
artística. Egocêntrico, não gosta de dividir nem partilhar qualquer coisa ou experiência. Finge
levar uma vida sofisticada, diferente das demais personagens, mas, na verdade, vive da mesma
forma que os outros e não faz nada para mudar essa situação – o que pode nos levar a pensar
se ele, de fato, quer mudar. O descompasso entre o que deseja e o que realmente vive é o
principal motivo que faz com que esteja sempre mal humorado.

O proprietário da lanchonete Siri Cascudo, é o Sr. Siriqueijo, de origem humilde, sem pai
conhecido, é descendente, por parte de mãe, de uma família de piratas. Em sua juventude,
trabalhou na Marinha, onde, após se aposentar, passou por um período de depressão, que
termina com a criação da lanchonete Siri Cascudo, estabelecimento bastante popular na Fenda
do Biquíni. Como nunca foi casado, nem teve filhos, resolve adotar a baleia cachalote Pérola
e transformá-la em sua herdeira.

O Sr. Siriqueijo convive com as constantes ameaças do vilão Plankton, ex-sócio que, por
desavenças passadas nos negócios, tornou-se o maior inimigo do proprietário da lanchonete.
O objetivo do minúsculo Plankton é roubar a fórmula secreta do delicioso hambúrguer de siri,
fazer sucesso com sua própria lanchonete e levar o Siri Cascudo à falência.

Estereótipo do capitalista burguês, Sr. Siriqueijo é extremamente avarento e ganancioso,


capaz de explorar sobremaneira outras personagens e mesmo sacrificar seu próprio bem-estar
para poupar mais dinheiro. O toque de humor fica por conta do fato de seu amor ao dinheiro
não ser apenas uma metáfora, mas literal, com o apego físico às notas e moedas.

Outras personagens com aparições menos regulares na série são: Sra. Puff, a traumatizada
professora de Bob Esponja na autoescola, Pérola, a filha adotiva do Sr. Siriqueijo, Sr. e Sra.
Calça Quadrada, os pais de Bob Esponja, o Holandês Voador, fantasma de um pirata que assusta
a Fenda do Biquíni, os super-heróis aposentados Homem-Sereia e Mexilhãozinho e o Pirata
Pattie, ator de carne e osso, fã declarado da série que possui um papagaio de madeira (Potty)
e que faz o papel de apresentador de alguns episódios.

Inicialmente pensada para o público infantil, “Bob Esponja Calça Quadrada”


acabou agradando também jovens e adultos de ambos os sexos. Esse fenômeno pode
ser explicado por alguns fatores, como pela ambientação original, na qual o universo
do fundo do mar é misturado a elementos externos e inusitados, como a casa-abacaxi
da protagonista, por exemplo.

O desenvolvimento das personagens é, ao mesmo tempo, psicologicamente próximo de


matizes presentes na vida cotidiana em sociedade e visualmente fantasioso, com design
criativo e livre das formas predominantes antropomórficas, criando assim uma relação
ambígua de identificação e estranhamento. Do relacionamento ordinário dessas personagens,
emanam temas e situações universais, que nos permitem, aparentemente a partir de pequenas
questões, estabelecer uma visão mais crítica e reflexiva.

137
Dramaturgia de Série de Animação

138
Séries de Animação Televisiva

The Simpsons
Durante sua infância, em Portland, Matt Groening não era um grande entusiasta da vida
escolar, o que o levou a desenhar com bastante frequência. Ao terminar o segundo grau, cursou
artes plásticas na The Evergreen State College, faculdade conhecida pelo seu caráter liberal
na educação e no ensino das artes. Entre 1972 e 1977, Groening atuou ainda como redator do
jornal da faculdade, no qual além de escrever também produzia algumas tirinhas.

Após terminar os estudos, em 1977, muda-se para Los Angeles para tentar trabalhar como
escritor. Todavia, acaba se virando financeiramente com pequenos “bicos”. Groening descrevia
para seus amigos suas experiências na cidade por meio de um fanzine artesanal, de fabricação
própria, chamado “Life in Hell”. A publicação autoral foi inspirada pela leitura do capítulo
“Como Ir ao Inferno”, do livro “Crítica da Religião e da Filosofia”, de Walter Kaufmann. O
fanzine também era distribuído em uma loja de discos de vinil em que trabalhava.

Pouco tempo depois, Groening arruma um emprego em um pequeno jornal alternativo,


chamado “Los Angeles Reader”, onde “fazia de tudo um pouco”, desde atender ao telefone
até a diagramação das páginas do tabloide. Em certa ocasião, apresenta seu fanzine para o
editor, que lhe cede um pequeno espaço para publicação no jornal. Assim, em 1980, estreia a
tirinha “Life in Hell”, que faz sucesso quase que imediatamente.

Quatro anos depois, a partir de uma sugestão de sua namorada e futura (ex) esposa,
Deborah Caplan, Groening publica uma série de livros com o mesmo tipo de humor das tirinhas,
como “Love is Hell”, “Work is Hell”, “School is Hell”, “Childhood is Hell”, “The Big Book of
Hell” e “The Huge Book of Hell”. A tirinha “Life in Hell” mantém sua produção semanal e é
publicada atualmente em cerca de 250 jornais.

O trabalho de Groening despertou o interesse do roteirista e produtor James L. Brooks que, em


1985, contatou o autor para a criação de pequenas animações (bumpers) da série “Life is Hell” para
um futuro programa de variedades no canal Fox. Com receio de perder os direitos de sua criação,
Groening desenvolveu um novo projeto a partir de uma família disfuncional, os Simpsons.

Em 1987, a Fox lança o programa “The Tracey Ullman Show” (1987-1990). Criado, dirigido
e apresentado pela polivalente atriz, comediante, cantora, dançarina e roteirista Tracey
Ullman, o programa ganhou três Emmy Awards, o “Oscar” da televisão. Entre os quadros fixos
do programa, havia dois pequenos segmentos (“bumpers”) animados.

O primeiro deles era “Dr. N!Godatu”, uma série de pequenos curtas criados por M.K. Brown e
animados pelo Estúdio Klasky-Csupó. Foi exibida apenas durante a primeira temporada do programa.
No total, foram produzidos e exibidos seis pequenos episódios, que apresentam como protagonista a
sui generis Dra. Janice N!Godatu e seu cotidiano dentro e fora de seu consultório.

A segunda série, “The Simpsons”, era exibida logo depois dos comercias - durante a
primeira e a segunda temporada - e no meio de um bloco do programa - durante a terceira. As
pequenas animações da família deixariam de ser exibidas na quarta temporada, à medida que
ganharam sua própria série independente do programa de Tracey Ullman.

139
Dramaturgia de Série de Animação

Criada e escrita por Matt Groening, os esquetes eram animados por Bill Kropp, David Silverman
e Wes Archer, animadores do Estúdio Klasky-Csupó. No total, foram exibidos 48, com cerca de um
minuto de duração, entre 1987 e 1989, quando “The Simpsons” se tornou uma série própria.

Inicialmente, a série tinha design mais sujo, com cara de rascunho, mas, aos poucos, foi
ganhando traço e acabamento próprios. Outra curiosidade foi a equipe de dubladores, formada
por atores do “The Tracey Ullman Show”, que gravava as falas em gravadores portáteis.

Embora a maioria das personalidades das personagens seja semelhante às que estão
atualmente em exibição, Lisa era inicialmente retratada como uma versão feminina de Bart,
sem a atual inteligência que bem caracteriza a personagem nos dias atuais.

“The Tracey Ullman Show” não foi considerado um grande fenômeno em termos de audiência,
mas a popularidade das pequenas animações da família Simpson teve grande acolhida. Em 1989,
é criada uma série própria com episódios de 22 minutos de duração. James L. Brook, produtor e
consultor da nova série, conseguiu negociar um contrato de autonomia criativa com a Fox, impedindo
a emissora de interferir em seu conteúdo. Em pouquíssimo tempo, “The Simpsons” se transforma
em um enorme fenômeno mundial, sendo considerado o desenho animado mais popular de todos os
tempos, para a surpresa de todos os envolvidos inicialmente no projeto.

Groening, que mencionou como referência a obra do satírico escritor Joseph Heller, criou
uma série que pode ser entendida como uma espécie de sátira do estilo de vida da classe média
trabalhadora norte-americana, representada pelos membros da família Simpsom: Homer, o
pai; Marge, a mãe; Lisa, a filha; Bart, o filho e Maggie, a bêbe recém-nascida. Os nomes das
personagens foram apropriados de nomes de membros da própria família de Groening, com
exceção de Bart, que é um anagrama de brat (moleque, em inglês).

A série é ambientada na cidade fictícia de Springfield, de médio porte, localizada no interior


dos Estados Unidos. Na série, a cidade foi fundada em 1796, por um pequeno grupo guiado por
Jebediah Springfield, líder religioso que, depois de ler de maneira equivocada uma passagem
da bíblia, tenta encontrar Nova Sodoma. A partir de uma dissidência com alguns membros
desse grupo, é fundada também Shelbyville, cidade desde então rival de Springfield.

A geografia da cidade é absurdamente variada e incognoscível, com a presença, por


exemplo, de florestas e desertos, geleiras e praias. Apesar dessa diversidade, o local possui
inúmeros problemas ecológicos retratados em diversos episódios da série. A cidade possui ainda
estruturas urbanas características, como bairros, estabelecimentos comerciais, delegacia de
polícia, sistema de transportes, prefeitura, bancos, supermercados, escolas etc.

Springfield pode representar, portanto, qualquer cidade dos Estados Unidos, sem ser uma cidade
específica. O próprio nome do município foi escolhido por ser um dos nomes mais comuns de cidade
naquele país. Além de ter representadas as devidas instituições e aparatos sociais, a cidade possui uma
enorme usina nuclear que, ao mesmo tempo em que representa uma terrível ameaça, é a principal
geradora de renda e de empregos, causando uma terrível relação de dependência na cidade.

Apesar de outros desenhos animados já terem retratado a classe média trabalhadora norte-
americana, como, por exemplo, “The Flintstones” e “The Jetsons”, “The Simpsons” estabelece uma

140
Séries de Animação Televisiva

crítica mais ácida quando comparada a estas séries anteriores, cujas famílias são representadas de
maneira mais harmônica e feliz. A família de Springfield dialoga mais proximamente com paradigmas
da sociedade contemporânea, explorando outras fronteiras sociais e individuais.

A utilização da matriz familiar - estrutura mínima, indivisível de toda e qualquer sociedade -


garante, ao mesmo tempo, maior penetração junto a públicos de diferentes faixas etárias e uma
espécie de licença para a prática de um humor tipicamente atual. Desta maneira, as personagens
centrais da série possibilitam simultânea e contraditoriamente sua ridicularização e identificação
por parte dos espectadores.

Em relação às personagens centrais, há uma clara distinção em função do gênero: enquanto


Homer e Bart são egoístas, Marge e Lisa respeitam as regras de convivência social e zelam
pelo bem-estar da família. Ainda que desrespeitem as regras, a conduta “masculina” de pai
e filho contribui para a manutenção do status quo baseado no american way of life, levando
ao consumo inconsciente, ao anti-intelectualismo exacerbado, à ausência de solidariedade
em relação ao próximo. Já a conduta de mãe e filha, mesmo que também “conservadora” da
estrutura social, reveste-se de uma positividade que, no longo prazo, poderia transformar a
qualidade da vida e das relações sociais em Springfield.

Essa variedade de comportamentos acaba resultando em um equilíbrio baseado na interação


dos familiares: quando se deparam com a censura ou os conselhos de Marge, tanto Bart quanto
Homer corrigem seus comportamentos inadequados. Da mesma forma que Lisa e sua mãe, por
vezes, agem de maneira diversa de seu comportamento habitual para enfrentarem os “homens
da família” (Homer e Bart).

Além da família protagonista, a série possui uma gigantesca galeria de personagens – alguns
até mesmo com aparições especiais em um único episódio. Estas personagens ocupam diferentes
papéis de acordo com um determinado tipo ou função presente na cidade: a celebridade,
o policial, o padre, o prefeito, o dono de mercadinho, o dono da escola, o trabalhador, o
palhaço, o nerd, o arruaceiro etc. Algumas dessas outras personagens possuem ainda um
papel secundário, servindo de suporte para a trama e, em algumas ocasiões, ganhando maior
destaque ou ênfase em determinados episódios.

A presença relativamente constante de personagens com uma única aparição é um


fato incomum em séries de animação, uma vez que exige um maior trabalho da equipe e
diminui a margem de uso de bibliotecas de animação. Tais personagens, quando existentes,
costumam ocupar um papel ou função importante no episódio, servindo de pretexto para o
desenvolvimento da trama. Eventualmente, essas personagens “bissextas” são mencionadas
em outros momentos da série, ou mesmo voltam para uma segunda aparição, fazendo uma
pequena ponta em outro episódio. Personagens com uma única aparição podem ser classificadas
em duas grandes categorias em “The Simpsons”. A primeira, como um tipo de representação
ficcional, isto é, interna ao próprio universo da série, como no caso de algum parente distante
que faz uma visita de surpresa à cidade, por exemplo.

Uma segunda categoria pode ser indicada pela representação de personagens e


personalidades externas à série, isto é, pertencentes ao “mundo real” ou a outros universos
criativos. Em um dos episódios, por exemplo, as irmãs solteiras de Marge, Patty e Selma Bouvier,

141
Dramaturgia de Série de Animação

sequestram a personagem MacGyver, interpretada pelo ator Richard Dean Anderson, da série
de televisão dos anos 80, “Profissão Perigo”. Neste caso de “importação” de personagens
externas ao universo da série, “The Simpsons” consegue incorporar dinâmicas pertencentes
ao contexto de origem do convidado “estrangeiro”, metamorfoseando, assim, sua própria
estrutura narrativa. No exemplo de McGyver, após ser sequestrado, amarrado e aprisionado
no quarto das rancorosas irmãs gêmeas, a engenhosa personagem cria suas improvisadas
traquitanas e consegue escapar do cativeiro das irmãs.

De acordo com Groening, a série adotou o conceito de utilização de um vasto número de


personagens secundárias e de sustentação às tramas dos episódios a partir de “Second City Television”
(1976-1984), programa de humor canadense criado por Bernard Sahlins e Andrew Alexander,
que tinha como eixo central o estranho cotidiano de uma emissora de televisão independente,
misturando a exibição de seus próprios programas com seus bastidores de produção.

O uso de alusões, como no caso da participação desse tipo de personagens, é um recurso


extremamente recorrente na série. Tal recurso é pensado de maneira que proporcione, ao
mesmo tempo, o estabelecimento de novas relações para os espectadores que possuem as
devidas referências de origem, sem que comprometa a compreensão da história para aqueles
que não as têm. Isso garante, portanto, a autonomia dos episódios e a possibilidade de
diferentes formas e níveis de leituras.

Destarte, “The Simpsons” utiliza uma estrutura de sitcom, porém com um maior
escopo temático que a maioria das comédias desse gênero. Dada a amplitude de universos
potencialmente oferecidos em Springfield, a série explora diversos temas e situações recorrentes
à sociedade contemporânea. Estes podem surgir a partir da própria família protagonista, como
as relações de trabalho vividas por Homer, o sistema educacional representado pela escola
frequentada por Bart e Lisa, a indústria da comunicação e do entretenimento, sobretudo da
televisão, assistida por toda a família.

Temas e relações políticas e de poder também se fazem presentes de maneira direta


e transversal nos episódios. A presença de uma ironia e de um senso de humor mais liberal
aproxima a série, no contexto norte-americano, mais ao gosto dos democratas do que ao dos
republicanos, tradicionalmente mais conservadores. Todavia, a série faz piada com todo o
universo político, independente de sua orientação ou tendência. Também os aparatos sociais
responsáveis pela manutenção da ordem são representados de maneira irônica, como a polícia,
as grandes corporações, as associações sociais e as religiões.

O humor da série se aproveita, portanto, de referências sociais e culturais que abrangem um


amplo espectro da sociedade contemporânea em um mundo pós-globalizado. Estas referências
também podem se manifestar por meio de microestruturas ou mesmo de pontos mais específicos,
muitas vezes em quantidade maior do que a capacidade de assimilação do espectador.

É possível ainda identificar na série uma crítica quanto ao próprio estado da arte da
televisão, principalmente, mas não apenas, por meio da personagem Krusty, uma clara analogia
ao palhaço Bozo, e do desenho animado “Comichão e Coçadinha” (“Itchy & Scratchy”), analogia
à Tom & Jerry, que funciona como uma espécie de metasérie extremamente violenta exibida
no programa infantil do referido palhaço e muito apreciada pelas crianças.

142
Séries de Animação Televisiva

“The Simpsons” concilia esta diversidade com alguns elementos recorrentes, como os
bordões de Homer, “D’oh!” - com expressão facial paralizada -, do Sr. Burns, “Excelente...” -
enquanto esfrega as duas mãos. Além de elementos, algumas situações específicas também se
apresentam de maneira recorrente, como os trotes telefônicos de Bart para o bar do Moe.

Tal estrutura de suporte, que mescla elementos variáveis com outros invariáveis, é o que
dá sustentação para a família Simpson - ou, por outra perspectiva, é o que surge ou se torna
visível a partir dela. Apesar dos anos que se passaram, há uma suspensão do tempo, isto é, as
personagens da série não sofrem a ação do tempo, mantendo a mesma idade e aparência em
todas as temporadas.

O eixo central da série é, portanto, a família, que tem como patriarca Homer Simpson, uma
personagem caracterizada por seu baixo nível de inteligência, sua preguiça e suas explosões de
raiva – como quando impulsivamente estrangula Bart. Também não gosta de trabalhar e adora
comer junk food e beber cerveja, o que fez com que ficasse acima do peso e portador de uma
barriga sobressalente. Seus vizinhos, os Flanders, família extremamente religiosa e ordenada,
são motivo constante de inveja, o que o leva a fazer troça e premeditar ações destrutivas –
único momento na série em que age desta maneira intencionalmente. O relacionamento com
a família é bastante variável: o mesmo Bart que é por vezes repreendido por ele torna-se
seu aliado em outras situações, normalmente envolvendo algum tipo de traquinagem. Em
relação à Lisa, filha com personalidade oposta a do pai, ele se mostra carinhoso e atencioso,
muitas vezes desistindo de alguma vontade própria para agradar a filha. Apesar de interagir
com a pequena Maggie, parece, por vezes, esquecer-se de sua existência. Já quanto a Marge,
sua esposa, mesmo fazendo constantemente coisas que a desagradam, demonstra não ter
intencionalidade nestes atos e, não raramente, sente culpa e remorso, se esforçando para
mudar sua atitude e agradar seu amor. Homer tem ainda um pai, que foi colocado em um lar
de idosos e com quem tem contato neutro e de forma esporádica.

Dominado por seus impulsos, o protagonista parece ser escravo de suas vontades,
materializadas na série pela tríade cerveja, televisão e rosquinhas. Apesar de sua limitação
intelectual, Homer é capaz de absorver e processar algumas informações em sua mente,
normalmente sobre assuntos muito específicos ou de caráter mais simplista. Em muitas
oportunidades, ele dialoga com sua própria mente, como se fosse a voz da consciência ou um
pensamento em voz (off) alta.

Por outro lado, Homer possui certas virtudes, como a simplicidade, a alegria, o amor
incondicional à família e a capacidade de modificar sua atitude em favor das pessoas de
que gosta. Dessa maneira, é uma personagem extremamente humana, com seus defeitos e
qualidades, o que o torna tanto desprezível quanto admirável em certos aspectos.

Homer é, portanto, um anti-herói, mas não um vilão. Sua alienação, preguiça e egoísmo
podem ser transformar diante de seu arrependimento quando decepciona a família, única
coisa capaz de chacoalhar sua inércia. A simpatia com a personagem reside, provavelmente, na
dicotomia razão-emoção, isto é, na ambivalência de sua personalidade natural e espontânea
e de sua devoção familiar. Apesar de estar longe de um modelo ideal de ser humano, pai e
marido, ele é capaz de amar e, por isso, acredita que pode ser uma pessoa melhor, mesmo que
para isso tenha que se comportar, algumas vezes, contra seus hábitos.

143
Dramaturgia de Série de Animação

Marge é a típica representação da figura materna nos seriados de sitcom, uma “Amélia”, a devotada
dona de casa que vive em função da família, sem muito espaço para suas próprias vontades e desejos
– ainda que estes sejam explorados em alguns episódios isolados. Possui duas irmãs, as ranzinzas Patty
e Selma Bouvier, que nunca se casaram, moram juntas e odeiam Homer, apesar de relacionarem bem
com Marge. Benevolente, é a força moral da família, zelando pela ordem e pelo bem-estar de todos.
Por isso, sua união com Homer é, em alguns momentos, bastante atribulada. Apesar de reconhecer os
defeitos de seu marido, ela retribui seu amor, o que, no final das contas, faz com que permaneçam
juntos. Ela nunca julga Homer a priori e nem se coloca contra o marido, pois sempre espera boas ações
dele. Sua atitude é, portanto, mais reativa do que ressentida: ao identificar algum defeito procura
corrigi-lo. Apesar de sua personalidade se aproximar mais da filha, com quem se relaciona muito bem,
Marge também demonstra carinho e preocupação com Bart, identificando a índole pessoal por trás do
moleque travesso. Quanto à pequena Maggie, mostra-se igualmente uma mãe devotada e atenciosa.

Por vezes, o fervor moral de Marge ultrapassa os limites do lar e ela participa de causas e
associações, tentando expandir frustradamente sua voz da razão para a cidade, mas seus moradores
se mostram demasiadamente inertes para, de fato, transformarem os problemas apontados por
meio de ações efetivas. Em outras palavras, a liderança exercida em casa acaba não sendo bem-
sucedida na cidade. Religiosa, é a principal responsável pelo fato da família frequentar a igreja
aos finais de semana. A despeito de sua moral, Marge tem, por vezes, que lidar com alguns de seus
vícios que eventualmente voltam para assombrá-la, como o jogo, por exemplo.

Um fato curioso aconteceu no ano de 1990 envolvendo Barbara Bush e Marge Simpson. Em
uma entrevista para a revista “People Magazine”, a então primeira-dama norte-americana
afirmou ter perplexidade em relação à série e a família nela representada, afirmando ser “a
coisa mais estúpida” que ela já assistiu. Os roteiristas da série resolveram escrever uma carta
particular endereçada à primeira-dama, assinada por Marge Simpsons, que posteriormente foi
respondida pela Sra. Bush com um pedido de desculpas:

“Estimada Primeira-Dama,
recentemente li suas críticas à nossa família. Eu fiquei profundamente magoada. O céu sabe
que estamos longe da perfeição, eu sei, talvez até mesmo um pouco distante do normal; mas
como Dr. Seuss diz: “uma pessoa é uma pessoa”. Eu tentei educar minhas crianças (...) sempre
estimulando o benefício da dúvida e nunca permitindo que qualquer um falasse mal deles,
mesmo que fosse uma pessoa rica. É difícil fazê-los compreender este ensinamento quando a
própria primeira-dama do país chama-nos não apenas de idiotas, mas de “a coisa mais estúpida
que ela já viu”.(...) Eu espero que haja alguma maneira de sair dessa controvérsia. Pensei que,
talvez, apenas fazendo minha mente falar pudesse ser um bom começo.” 10

Filha de Marge e Homer, Lisa é uma menina de oito anos com uma inteligência muito acima
de sua faixa etária, de sua família e da maioria dos moradores da cidade. Ela adora escutar

10. Tradução livre do autor de: “Dear First Lady, I recently read your criticism of my family. I was deeply hurt.
Heaven knows we’re far from perfect and, if truth be known, maybe just a wee bit short from normal; but as
Dr. Seuss says, “a person is a person”. I try to teach my children [...] always to give somebody the benefit of the
doubt and not talk badly about them, even if they’re rich. It’s hard to get them to understand this advice when
the very First Lady in the country calls us not only dumb, but “the dumbest thing” she ever saw. [...] I hope there
is some way out of this controversy. I thought, perhaps, it would be a good start to just speak my mind.”

144
Séries de Animação Televisiva

jazz e tocar saxofone. Reflexiva e preocupada com diversos problemas atuais, costuma se
engajar e participar ativamente dessas causas. Em um episódio especial, Paul McCartney exigiu
como contrapartida de sua participação que Lisa se tornasse vegetariana para todo o resto
da série, o que, de fato, aconteceu. Outras causas pelas quais Lisa milita são o feminismo,
o ambientalismo, os direitos dos animais e a libertação do Tibet. Lisa também aderiu ao
budismo, desenvolveu grande espiritualidade e busca difundir a cultura da paz.

Consciente, ligada em artes e cultura e dona de uma mente e espírito abertos, Lisa parece
ter herdado da mãe a boa intenção e o papel de consciência da família. Apesar de perceber
que não encontra eco à sua inteligência em casa, nem tampouco ser valorizada por isso,
parece não se importar excessivamente com essa situação, valorizando o relacionamento
mais emotivo e afetivo no convívio com seus parentes. Apesar de comumente se desapontar
com as coisas do mundo, Lisa é compassiva e demonstra uma atitude relativamente otimista,
principalmente naquilo com que ela puder efetivamente contribuir.

Normalmente, possui opinião e conhecimento sobre assuntos diversos. Seus temas de


interesse pessoal são igualmente amplos e variados, como medicina, ciências, astronomia,
filosofia, literatura, artes e música. Todavia, esse requinte intelectual resvala em algumas
falhas humanas, manifestas em sentimentos como raiva, ciúmes, moralismo e arrogância, e
sentimentos tipicamente infantis, nunca se tornando, portanto, uma espécie de adulta presa
em um corpo de criança. Na verdade, estas duas instâncias convivem simultaneamente, o
que podemos perceber nas ocasiões em que se junta ao seu irmão para assistir “Comichão e
Coçadinha”, um desenho animado tolo e politicamente incorreto, mas que, por alguma razão,
agrada ao público infantil.

Em seu relacionamento com a família, Lisa demonstra, por vezes, desaprovação e vergonha
quanto a determinadas atitudes e comportamentos. Em suas aventuras na constante busca do
saber e do conhecimento, encontra uma espécie de compensação pela falta de estímulos e de
interação domésticos, porém sua casa é o seu porto seguro.

Oposto de sua irmã, Bart é o típico moleque descolado, que vai mal na escola, adora
bagunça, é rebelde e tem problemas em aceitar estruturas hierárquicas ou autoritárias. Filho
primogênito, com dez anos de idade, suas principais atividades fora da escola incluem andar
de skate, ler histórias em quadrinhos e assistir televisão. É grande fã de Krusty e chegou
a ajudá-lo em diversos episódios, sem, contudo, ter o devido reconhecido do palhaço mal-
humorado e deprimido. Estereótipo da “criança problema”, Bart foi inspirado na infância do
próprio Groening e também na personagem de “Denis, o Pimentinha”. Herdou do pai certo
filisteísmo, porém, ao contrário de Homer, isso implica conflitos nas diversas esferas sociais
em que convive. Na escola, é um aluno problemático, que possui como principal antagonista o
diretor Seymour Skinner – que age como a personagem Norman Bates, interpretada por Anthony
Perkins, no filme “Psicose”, e cujo sobrenome é uma alusão ao fundador do behaviorismo. Por
outro lado, demonstra certa integridade, tendo, inclusive, em algumas situações, ajudado ao
próprio Sr. Skinner. Assim, apesar de seu comportamento inconsequente, podemos afirmar que
Bart é um “bom menino”, que apenas gosta de se divertir, não agindo com má intenção mesmo
quando “apronta”. O relacionamento com sua irmã é comum à maioria dos irmãos, alternando
momentos de união e fraternidade com outros de competição e rivalidade. Embora às vezes se
envergonhe do tímido e certinho Milhouse, ele é seu melhor amigo.

145
Dramaturgia de Série de Animação

A natureza rebelde e iconoclasta de Bart fez com que sua figura fosse amplamente utilizada
fora da série (“Bartmania”), o que preocupou algumas pessoas mais conservadoras quanto
à possível adoção da personagem como influência ou modelo para os jovens e as crianças.
Questionado em uma entrevista, no ano de 1998, sobre este assunto, Groening respondeu:
“Agora que tenho um menino com sete e outro com nove anos de idade, tudo o que posso dizer
é “eu peço desculpas”. Agora sei do que vocês estavam falando. Minha resposta padrão é, se
você não quer que seus filhos sejam como Bart, não haja como Homer.” 11

Após o sucesso de “The Simpsons”, Groening apresentou sem sucesso alguns projetos de
spin-offs da série, como um programa em live action sobre Krusty, o palhaço, “Comichão e
Coçadinha” e uma série sobre os demais moradores de Springfield, sem focalizar a família
Simpson. Todavia, “The Simpsons” permanece como a maior série de animação de todos os
tempos, com a confirmação da realização de sua 23ª temporada, permitindo que ultrapasse,
em breve, a marca dos 500 episódios. Além disso, é o segundo programa a permanecer de forma
contínua por mais tempo no ar na televisão norte-americana, ganhando inúmeros prêmios e
homenagens. A série gerou ainda o licenciamento de diversos produtos, jogos de videogame e
deu origem a um bem sucedido filme de longa-metragem.

A maneira simples, descontraída e divertida com que a série aborda temas complexos
da contemporaneidade e mesmo da natureza humana conseguiu agregar a um programa de
qualidade grandes níveis de audiência, desafiando a máxima sobre a televisão de que quanto
melhor o programa, menor seu público. Além disso, a audiência do programa atinge estratos
amplos e diversos, ultrapassando inúmeras barreiras. Isso fez com que “The Simpsons”
reiventasse o gênero sitcom e a própria animação na televisão, servindo de referência para
inúmeras séries (em live action e animação) que surgiram posteriormente.

Tais feitos devem-se principalmente à dinâmica criativa e colaborativa da elaboração dos


roteiros dos episódios. A equipe de roteiristas é formada, em média, por 16 pessoas que,
no início de dezembro, se reúnem para apresentar as ideias para os episódios da próxima
temporada. As ideias eleitas são desenvolvidas por seus proponentes, que apresentam uma
primeira versão do roteiro. Cópias dessa primeira versão do roteiro são encaminhadas aos
demais roteiristas, que atuam como consultores, fazendo os devidos ajustes e modificações
até se chegar a uma versão final.

Inúmeros roteiristas já passaram pela série, sendo John Swartzwelder o mais creditado,
com a criação de 60 episódios. Eventualmente alguns roteiristas convidados participam com a
criação de um único episódio, como foi o caso do comediante inglês Ricky Gervais (criador da
série “The Office”), no episódio número 371, “Homer Simpson, This is Your Wife”, exibido na
décima sétima temporada.

Veremos no próximo capítulo os conceitos e as metodologias narrativas e dramatúrgicas


envolvidas no desenvolvimento de um projeto de série de animação, desde a ideia original e o
conceito de criação da série até a finalização do animatic.

11. Tradução livre do autor de: “I now have a 7-year-old boy and a 9-year-old boy, so all I can say is, I apologize.
Now I know what you guys were talking about. My standard comment is, if you don’t want your kids to be
like Bart Simpson, don’t act like Homer Simpson”.

146
Séries de Animação Televisiva

147
Capítulo 3 dramaturgia
aplicada à produção de séries de

ANIMAçÃO
Dramaturgia de Série de Animação

dramaturgia
3 ANIMAçÃO aplicada à produção de séries de

3. Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação


Algumas pessoas costumam fazer uma distinção muito rígida entre as dimensões práticas
e teóricas presentes em qualquer área do saber. Em seu afã produtivo, amparados por uma
lógica dominante de mercado, essas pessoas costumam dizer, direta ou indiretamente, que a
teoria é irrelevante diante da prática. De fato, esta parece ser mais uma entre as inúmeras
dicotomias com forte presença no mundo contemporâneo ocidental: a diferença entre corpo e
mente; pensar ou fazer; ser ou ter; entre outras tantas.

Criar um projeto de série de animação é um processo que envolve diversas dimensões e


variáveis. É neste momento que o autor aproveitará suas referências pessoais e procurará aliar
aspectos teóricos, conceituais, retóricos, técnicos e estilísticos a favor do desenvolvimento
de um projeto inventivo e criativo. Este talvez seja um bom exemplo de que, sobretudo em
processos criativos, teoria e prática devam caminhar juntas ou de que, além disso, talvez essa
distinção nem mesmo exista.

Isso significa que, pelo menos inicialmente, cada autor deve se abrir ao mundo e aproveitar
ao máximo suas próprias referências e sua subjetividade, não impondo a si qualquer tipo de
censura ou restrição e não se preocupando com qualquer obrigação formal. Nesse sentido,
o projeto deve ser, antes de qualquer coisa, um processo autoral resultante de questões e
reflexões pessoais – ainda que aborde questões universais.

Apesar de não existir uma fórmula ou regra absoluta referente à dinâmica de criação de
um projeto de série de animação, é importante observar que sua apresentação, entretanto,

150
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

possui certas formas e estruturas mais consolidadas. Assim, este capítulo apresenta um modelo
de projeto completo de série de animação, conhecido como “bíblia de produção” (production
bible). Este modelo, baseado no que se pratica atualmente no mercado internacional, também
foi utilizado no Programa ANIMATV.

O terceiro capítulo deste livro parte do aproveitamento das reflexões e das ideias
apresentadas nos capítulos anteriores para apresentar os itens constituintes de uma bíblia
de produção, amplamente utilizada no mercado internacional de projetos de séries de
animação. Cada um destes itens ganhou um subcapítulo próprio no qual são abordadas suas
particularidades, características principais e elementos atinentes. A ordem de apresentação
desses itens não implica necessariamente a ordem de desenvolvimento do projeto, que pode
ser alterada em função de cada autor. Da mesma forma, mudanças nestes itens são comuns e
normalmente acarretam em novas alterações nos demais itens também.

O primeiro subcapítulo aborda questões referentes ao início do processo de criação: seus


desafios, as questões do repertório e da (auto)crítica e o desenvolvimento de um conceito
geral da série, que pode ser facilitado a partir do engendramento de uma story line específica.
A elaboração do conceito implica o pleno conhecimento da série, isto é, na capacidade de
se responder a quaisquer questões de caráter mais abstratos referentes à sua justificativa,
objetivos e demais aspectos conceituais.

A partir da elaboração desse conceito, o segundo subcapítulo explora a apresentação da série,


na qual se procura evidenciar como os conceitos abstratos serão representados dentro da dinâmica
da série e como haverá uma articulação entre forma e conteúdo. Também é neste item em que se
define, a partir do conhecimento de suas características, o público-alvo do projeto.

Em seguida, trataremos da criação, desenvolvimento e apresentação do universo narrativo, no


qual a série estará inserida. Este universo deve ser entendido não apenas como um mero pano de
fundo no qual as ações acontecem, mas como um conjunto integrado no qual todas as realidades
criadas existem e se relacionam. É preciso considerar ainda seu contexto de criação e a necessidade
de uma coerência interna que garanta a imersão e a cumplicidade do espectador.

No quarto subcapítulo, é a vez de abordar os cenários que irão compor o universo da série. Aqui,
mais importante do que a descrição dos ambientes internos ou externos é pensar qual é a atmosfera
ou a mensagem que estes cenários irão produzir no contexto da série. É válido observar, conforme
veremos, que a composição dessas atmosferas não está restrita aos aspectos visuais, podendo
explorar também elementos da linguagem sonora e musical. Também trataremos da elaboração de
concept arts responsáveis por dar forma às ideias escritas sobre os cenários de uma série.

Logo depois, apresentaremos algumas informações relacionadas à criação de personagens,


cujo papel é central no desenvolvimento de qualquer série – não à toa se costuma dizer que uma
série é conduzida pela personagem (character driven). As personagens podem, grosso modo, serem
idealizadas a partir de suas dimensões interiores (perfil psicológico), exteriores (dinâmica visual) e
também possuem representação visual própria, conhecida por model sheet.

A partir das definições prévias acerca do conceito da série, seu universo e suas personagens,
é possível pensar em ações que irão compor os episódios de uma temporada. Em um projeto,

151
Dramaturgia de Série de Animação

algumas sinopses técnicas (springboards) costumam ser elaboradas para se ter uma maior
noção dos episódios da série além de seu piloto. Diferentemente da sinopse comercial, a
sinopse técnica deve apresentar, de maneira clara, direta, resumida, com começo, meio e fim
e com spoiler, alguns episódios previstos para a série.

A escrita do roteiro vem em seguida e, em um projeto de série, ele é desenvolvido para


o episódio piloto. Estruturas dramáticas e narrativas são importantes para a realização de um
bom roteiro, mas também é fundamental pensar acerca das especificidades e potencialidades
do roteiro para série de animação – que, em muitos aspectos, se diferencia de um roteiro de
live action. Consultorias e tratamentos de roteiro são sempre desejáveis até que este atinja
sua forma final desejada.

Resultante de uma decupagem do roteiro surge o storyboard, processo que consiste no


desenho de quadros de ação da história e é atualmente utilizado em todas as produções
de animação. Quando bem feito e organizado, permite ajustes, diminui custos e tempo de
produção, além de facilitar o desenvolvimento de um animatic bem detalhado.

No final deste capítulo, traremos outros aspectos que, mesmo estando além do escopo
narrativo e dramatúrgico deste livro, devem ser considerados na elaboração do projeto, como
a “bíblia de comercialização” e o pitch.

É preciso que o leitor consiga estabelecer e criar suas próprias relações com os subcapítulos
apresentados, assim como com diversos outros aspectos apresentados por todo este livro. A
compreensão do projeto dentro de uma dinâmica interdisciplinar integrada e indissociável de seus
mais diversos elementos é uma das chaves para elaboração de um projeto coerente e articulado.

152
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

153
Dramaturgia de Série de Animação

154
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

conceito geral
3.1
3.1 Conceito Geral da Série
A tela em branco...
da série
Esta já foi a grande preocupação de infindáveis autores, criadores, cientistas, artistas e objeto
de estudo de inúmeros pesquisadores nas mais diversas áreas criativas. Não é e nem poderia ser nosso
objetivo aqui esgotar essa questão, mas, afinal de contas, de onde vêm as boas ideias?

Apesar de não termos uma resposta única, simples e absoluta a esta questão, podemos
seguramente afirmar que elas nunca “vêm do nada”. Ainda que as referências não sejam
apontadas ou não sejam conscientemente reconhecidas, ninguém cria qualquer coisa sem
referências – tenham elas os nomes e as formas que forem. Para isso, basta pensarmos que
somente “somos quem somos” porque nossas formações, experiências, valores e visões de
mundo são resultantes de uma série de fatores e combinações improváveis. Se tivéssemos
nascido e sido criados em outras épocas, lugares ou circunstâncias, por exemplo, certamente
seríamos pessoas diferentes.

Com isso queremos dizer que cada pessoa possui motivações e uma carga interior
singulares, que lhe são próprias e que, na maioria das vezes, se expressam de inúmeras
maneiras no cotidiano e em suas manifestações criativas. Não seria diferente, portanto, com a
animação. Certa personagem, por exemplo, pode representar, de uma maneira mais ou menos
consciente, mais ou menos crível, um ex-chefe, um parente, um amigo, uma figura pública,
uma personagem de outra narrativa, o próprio autor ou mesmo uma mistura de todas em uma
única persona. Da mesma forma, ocorre com os demais elementos narrativos e criativos, sejam
eles pensados ou não a priori.

O acúmulo dessas referências forma o que podemos aqui chamar de repertório, instrumento
pessoal bastante útil em duas dimensões complementares na criação de qualquer projeto. Em
primeiro lugar, o repertório evita que uma obra seja muito semelhante à outra sem que haja a
intencionalidade do autor. É claro que corremos este risco a todo o momento: como saber, com toda

155
Dramaturgia de Série de Animação

certeza, que qualquer pessoa em qualquer lugar não teve uma mesma ideia antes de nós? Não temos
como nos certificar disso, claro, mas pressupõe-se que, ao menos, isso não ocorra em relação às
obras basilares de uma determinada forma de expressão. Em outras palavras, devemos atentar para
não estarmos “reinventando a roda”, como se diz. Neste caso, se o autor não possuir tais referências
básicas, provavelmente será considerado uma pessoa desonesta ou então alguém que não possui nem
um repertório rudimentar – o que pode ser igualmente negativo.

Em segundo lugar, o repertório auxilia no diálogo com uma tradição consolidada em uma
determinada área. Assim, possibilita ao autor buscar referências em determinadas estruturas
e modelos que permitem desenvolver sua própria obra. Um exemplo bastante conhecido
no meio narrativo é o livro “A Jornada do Escritor”, de Christopher Vogler, no qual o autor
propõe a aplicação de ideias e teorias desenvolvidas pelo mitólogo Joseph Campbell ao roteiro
audiovisual – como podemos bem perceber nas animações dos Estúdios Disney, nas quais Vogler
atua como consultor.

Mesmo que se proponha a quebra de paradigmas, o


repertório mostra-se igualmente fundamental ao autor,
uma vez que para se subverter determinadas bases e
parâmetros, é preciso, ao menos, conhecê-los antes.

Boas narrativas não surgiram com a animação


e também podem muito bem se manifestar
independentemente dela. Por isso, é necessário,
antes de qualquer coisa, que o autor possua
o maior e mais variado repertório possível. As
referências que irão compor seu repertório
estão na animação e parte deste livro aborda
essa questão. Mas também devem ser buscadas
no cotidiano, no teatro, na literatura, na ópera,
no cinema, nos quadrinhos e em diversas outras
formas de manifestação e expressão.

Tão importante quanto a questão do repertório,


é a necessidade da crítica e da autocrítica. A
primeira pode surgir por meio de consultoria ou
mesmo de opiniões diversas sobre o seu projeto. Em
alguns casos, boas dicas e conselhos podem partir de
onde menos esperamos; em outros, por sua vez, devemos
ignorar comentários fora de contexto ou sem validade. Emitir
e receber críticas em relação a um trabalho pressupõe uma
separação das esferas pessoal e profissional, ou seja, se alguém
próximo se sentir de alguma forma intimidado para dizer o que
realmente achou de seu projeto, esse processo não terá, do ponto
de vista edificante da crítica, qualquer validade.

Por isso, em lugares e situações nas quais a separação entre pessoal


e profissional não for tão clara, esse método pode não funcionar de
maneira efetiva. Pelo contrário; ao evitar a emissão de uma opinião

156
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

sincera, alguém pode prejudicar muito mais do que ajudar. Uma alternativa é sempre contar
com consultorias de profissionais, que, em função do distanciamento e da experiência com
outros projetos, são capazes de emitir pareceres mais imparciais e precisos antes de uma
avaliação final de seu projeto.

Em relação à autocrítica, que é indiscutivelmente uma das etapas mais importantes em


qualquer processo criativo, devemos considerar que ela está diretamente ligada à questão do
repertório. Em princípio, quanto maior e mais qualificado for o nosso repertório, maior e mais
criteriosa será nossa autocrítica. Muitas vezes, isso pode resultar em um processo conhecido
como “bloqueio criativo”, no qual achamos que nossos projetos não são “originais” ou bons o
suficiente. O mais importante em relação a isso é que busquemos sempre nos atualizar quanto ao
status oscilante de nossas potencialidades e limites. Oscilante, porque esses elementos variam
em nossa trajetória pessoal e profissional. Um grande desenhista, ao tornar-se animador, por
exemplo, pode ficar preso à própria virtude do traço, esquecendo-se da importância do roteiro
em uma peça de sua criação, transformando, assim, uma potencialidade em limitação.

A virtude de se criar e desenvolver um projeto pode ser tão grande quanto a de perceber o
momento de deixá-lo de lado - ainda que apenas por algum tempo. Algumas ideias precisam de tempo
para amadurecer, assim como alguns “nós criativos” precisam de uma pausa para se desfazer.

Isso posto, deve-se pensar nos primeiros passos da criação de um projeto de série de
animação para televisão. Apesar de o processo criativo em si poder variar de pessoa para
pessoa, é possível observar um modelo vigente, no qual se elabora um projeto de criação
conhecido como bíblia de produção (production bible). Usaremos como referência neste
capítulo, portanto, esse modelo já consolidado no mercado internacional de séries de animação,
abordando, sempre que necessário, questões adjacentes dentro desses próprios itens.

Nesse sentido, o primeiro item apresentado no programa é o conceito geral da série. Aqui,
é necessário um poder de síntese capaz de apresentar, em linhas gerais, o projeto em um
único parágrafo, priorizando o tema, o enredo central e o tom da série. Para isso, o primeiro
passo pode ser pensar naquilo que denominamos story line, uma sentença conceitual, isto é,
não narrativa, que apresente a ideia central da narrativa em uma única frase, tornando-a,
portanto, mais universal. Vejamos, a título de exemplo, o mito grego de Perseu e Medusa.

Na versão mais difundida do mito, conta-se a saga do jovem Perseu que, para presentear o
rei Polidectes, decide oferecer a cabeça da Medusa. A górgona, até então, havia transformado em
pedra qualquer guerreiro que ousou entrar em seus domínios. Mesmo sabendo do perigo mortal
da empreitada, Perseu, exemplo da figura do herói clássico, não hesita em realizar sua tarefa e
consegue derrotar o ser ctônico ao encará-lo pelo reflexo de seu escudo e, não, diretamente nos
olhos. Daí, uma possível story line para este mito seria: “Podemos superar qualquer desafio, mesmo
aqueles considerados intransponíveis, se o encararmos sob uma nova perspectiva”.

O story line pode, portanto, servir de ponto de partida para a criação dos demais elementos
narrativos de uma série, mantendo a essência pensada inicialmente, mesmo quando assume
diferentes formas e aparências. Quantas vezes, por exemplo, a tragédia “Romeu e Julieta”,
de Shakespeare, não foi recontada com outros nomes, nas mais variadas formas e em inúmeras
mídias, desde o final do século XVI?

A partir do exemplo mitológico mencionado anteriormente, poderíamos pensar em uma


série sobre um corajoso jovem que sempre consegue resolver os problemas que os outros não

157
Dramaturgia de Série de Animação

conseguem solucionar, variando, por exemplo, os desafios apresentados a cada novo episódio.
O story line seria mantido, portanto, independentemente da série ser ambientada no espaço
sideral, em uma geleira glacial, no fundo do mar, em uma floresta tropical ou mesmo da
protagonista ser representada por um monstro, uma máquina, um animal ou ser humano.

O story line pode ser definido em linhas gerais como uma espécie de “frase-conceito”, que
explicita em seus aspectos subjetivos uma narrativa qualquer. Serve como fio condutor, uma espécie
de bússola norteadora para o desenvolvimento do conceito geral da série e mesmo de cada episódio.
Apesar de, na maioria das vezes, não ser solicitado isoladamente no desenvolvimento de um projeto,
o story line pode ser considerado um dos aspectos centrais do conceito geral. Trata-se de um
exercício minimalista e abstrato que, em alguns casos, pode ser tão ou mais difícil do que o próprio
desenvolvimento do roteiro em si. Já em outros casos, principalmente naqueles em que as animações
possuam maior apelo visual, pode até mesmo ser pensado por fim, isto é, após a criação de todo o
universo narrativo e de seus elementos constituintes.

Além dessa essência apresentada pelo story line, o conceito geral da série deve ainda
explicitar, sempre em linhas gerais de, no máximo, um parágrafo (cerca de oito linhas), o tom
da série, bem como o enredo central, com a apresentação do universo no qual a série será
desenvolvida, das personagens principais e de seus relacionamentos. Além de sintético, o texto
do conceito geral da série deve ser bastante claro e objetivo, possibilitando um entendimento
em linhas gerais das principais características e elementos propostos pela série.

Atente para o detalhe de que o processo de criação de uma série nunca é inconsciente
e que se o conceito central dessa criação não estiver claro pelo menos para o próprio autor,
não estará para mais ninguém. Vejamos abaixo os conceitos gerais apresentados pelas séries
“Carrapatos e Catapultas” e “Tromba Trem”, posteriormente analisadas neste livro.

“Em outra galáxia, no Planeta Vaca, os carrapatos bicos-de-pato e os carrapatos megafone


gostam principalmente de sugar gororoba e objetos com canudinhos, ficar se “catapultando” por
aí e explodir, virando fantasmas que sobem pro “Mundo dos Carrapatos Fantasmas” (o paraíso
para eles). Bum e Bod são dois grandes amigos adolescentes que não engordam feito a maioria.
Eles estudam e trabalham e tem como amigos os carrapatos Bolão e Baixinho. Nesse “mundo
reino” não há automóveis e nem muitos objetos comuns no mundo humano. Inexplicavelmente
tais objetos surgem do nada, após terremotos, e geralmente são catapultados como sucata
alienígena para os lixões da cidade. Bum toda noite recebe uma ligação telefônica de sua mãe
que já explodiu e “mora” agora no Mundo dos Carrapatos Fantasmas”.

Temos aqui, em poucas linhas, a apresentação dos principais elementos da série e de seu tom. O
Planeta Vaca é habitado por carrapatos que gostam de se catapultar e sugar comida, sucos e objetos
com canudinhos para engordarem e explodir, exceto os amigos Bum e Bod, que, mesmo sugando,
não conseguem engordar como os demais carrapatos. Nesse “mundo reino”, objetos humanos como a
“caixa de luz” (televisão), inexistentes ali, aparecerão do nada e proporcionarão inúmeras situações –
uma vez que assumirão nesse novo mundo outros valores. Infere-se pelo tom do texto a presença do
inusitado, da ironia e a abertura para inúmeras situações resultantes do contexto apresentado, que
se revela potencialmente inventivo e criativo.

Já o conceito geral da série “Tromba Trem”, diz:

158
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

“Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia de cupins
paranoicos que acredita ser de outro planeta viajam juntos num trem a vapor pela América
Latina. Tromba Trem é uma série de animação no formato “filme de estrada”, em que a cada
episódio conhecemos uma nova personagem”.

Nesse caso, podemos notar a qualidade de concisão à qual nos referimos anteriormente.
Logo na primeira sentença, localizamos as protagonistas e adjetivos que melhor definem
suas personalidades (“colônia de cupins paranoicos”, “tamanduá vegetariana” e “elefante
sem memória”), o ambiente (América Latina) e a ação central da série (uma viagem em um
trem a vapor). Em seguida, é feita uma referência ao gênero narrativo audiovisual “filme de
estrada” (road movie) e mencionado o fato de que, a cada episódio, conheceremos uma nova
personagem. Também é possível inferir que variações narrativas serão apresentadas pelas
situações decorrentes do relacionamento dessas personagens antagônicas durante a viagem.

Da mesma forma que a introdução de um livro é definida inicialmente em linhas gerais e


posteriormente atualizada e reescrita ao término da redação da obra, o conceito geral de uma
série, quando escrito como ponto de partida para o desenvolvimento das demais etapas, vai se
transformando e atualizando automaticamente na medida em que o projeto e seus conceitos
atinentes se metamorfoseiam. Isso pode acontecer durante o desenvolvimento do projeto, conforme
novas ideias e questionamentos se apresentam, mas também, eventualmente, ao longo de novas
temporadas, em função de mudanças estruturais ou
de foco na própria série.

Veremos, a seguir, as demais etapas


presentes no desenvolvimento de uma bíblia
de produção de série de animação, nas quais
os elementos apresentados nesse primeiro
momento, de forma mais conceitual e
concisa, começam a efetivamente tomar
forma e ganhar volume.

159
Dramaturgia de Série de Animação

apresentação
3.2
3.2 Apresentação (Overview)
(overview )
Na apresentação do projeto, o autor possui um espaço maior, cerca de três páginas, para
desdobrar as ideias apresentadas no conceito geral, bem como introduzir outras tantas que
julgar necessárias para melhor compreensão do projeto. É o local no qual se deve apresentar
com mais detalhes os elementos constituintes da série e suas articulações. Ao final da leitura da
apresentação do projeto, o avaliador não deve ter nenhuma dúvida quanto às questões centrais
da série, como o tema, o tom, o enredo condutor, o relacionamento entre as personagens, o
estilo visual, as técnicas de animação a serem utilizadas e o público-alvo a quem se destina.

Diferentemente do curta-metragem, em que o animador pode criar sem necessariamente


pensar na audiência, em um projeto de série de animação é fundamental que se tenha definido
de forma bastante clara seu público-alvo. Nesse caso, o que está sendo dito não é suficiente
se não for direcionado para o público certo.

O primeiro passo para a definição do público-alvo é a segmentação do mercado em


pequenos grupos, por meio de semelhanças existentes entre as pessoas pertencentes a um
mesmo segmento. Nesse sentido, o público-alvo que compõe um determinado segmento tende
a ter percepções semelhantes em relação a um determinado produto ou obra. A definição
do público-alvo é uma importante etapa em qualquer projeto ou plano de negócios e pode
obedecer a diferentes critérios de segmentação (demográficos, psicográficos, comportamentais
etc.), em função da demanda da ação planejada. No caso específico de séries de animação,
o principal critério para segmentação do público-alvo costuma ser o de faixa etária: toddlers
(até três anos de idade), preschoolers (de três a seis anos), kids (seis a oito anos), tweens (8
a 12 anos) e teens (12 a 15 anos).

A pedagogia e a psicologia tradicionalmente dividem o ciclo de vida humano em algumas etapas


antes da vida adulta: primeira infância, segunda infância, terceira infância e adolescência. Não há,

160
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

entretanto, um consenso absoluto quanto à faixa etária exata atribuída a cada uma destas fases, uma
vez que podem variar em função da época em questão e de características sociais específicas. Há
quem diga, por exemplo, que no mundo contemporâneo pós-globalizado, assistimos a um aumento
do período da adolescência: em uma ponta abreviando a infância e na outra atrasando o ingresso
efetivo na vida adulta.

De toda forma, a primeira infância compreende o período comumente compreendido por


crianças com até três anos de idade, etapa em que essas começam a descobrir o mundo, a se
relacionar com o outro, a identificar padrões e compreender um pouco melhor as coisas a sua
volta. Por se presumir que não assistam à televisão nessa idade, se encontram normalmente
fora da classificação de público-alvo de séries de animação.

A segunda infância abrange a faixa etária entre três e seis anos de idade, também
conhecida como pré-escolar. Nessa fase, podemos observar a presença de um pensamento
mágico ou lúdico, no qual o elemento maravilhoso começa a despertar maior interesse. O
tempo se manifesta principalmente por meio de uma presentidade, isto é, pelo predomínio do
tempo presente em relação às noções de passado e de futuro.

Nesse mesmo período, a criança passa por grande desenvolvimento psicológico e


amadurecimento emocional e social, descobrindo a realidade exterior. Apesar disso, a
incompletude cognitiva leva a uma série de pensamentos contraditórios acerca dessa nova
realidade. Os padrões de comportamentos sociais básicos são adquiridos e amizades com
outras crianças da mesma faixa etária são estabelecidas. Apesar de o contato com outras
crianças começar a ter mais importância, a família ainda permanece sendo o núcleo principal
de estruturação de sua vida.

Com o ingresso obrigatório na escola entre os cinco e seis anos de idade (o que ocorre na
maioria dos países), a criança se depara com situações diferentes daquelas vividas em sua casa
e desenvolve maior habilidade na resolução de problemas e conflitos. As brincadeiras e demais
atividades lúdicas envolvendo a imaginação e a criatividade se tornam mais elaboradas. Para
alguns pesquisadores, como o pedagogo francês René Hubert, por exemplo, tudo isso pode
influenciar na manifestação de certo comportamento egocêntrico ou narcisista, característico
desta etapa do desenvolvimento infantil.

A terceira infância, por sua vez, é considerada a faixa etária compreendida entre os
seis e os doze anos de idade. É na terceira infância que a criança passa a racionalizar seu
pensamento, procurando os “porquês”, e a comparar melhor as coisas do mundo entre si. Há
um crescimento da vida social da criança, o que diminui a referência de apoio e de autoridade
dos pais, em relação a quem passam a agir de maneira mais questionadora, aumentando a
importância dos amigos como modelos de comportamento.

O incremento da importância do relacionamento com amigos representa, de certa forma,


uma superação do egocentrismo e do narcisismo manifestados na fase anterior. Na maioria dos
casos, as amizades entre as meninas desta faixa etária são mais intensas e íntimas, enquanto
entre os meninos costumam ser mais numerosas, porém menos afetuosas. Os relacionamentos
sociais dessas crianças enfatizam também a importância da confiança e da reciprocidade.

161
Dramaturgia de Série de Animação

Há um aumento sensível de habilidades relacionadas à linguagem e à memória, ligado


principalmente ao aproveitamento de uma educação formal escolar. Por conta das grandes
transformações presentes nesta etapa e da maior diferença de inteligência observada a
cada ano de idade, é comum, dentro do mercado de séries de animação, encontrarmos uma
subdivisão dentro deste grupo: seis a oito, oito a dez e dez a doze anos de idade.

A autoimagem e a autoestima também começam a se manifestar com mais intensidade e


podem ser medidas pelo nível de discrepância entre o que a criança pensa ser e aquilo que
ela deseja ser. Quanto menor essa discrepância, maior a autoestima e melhor a autoimagem.
Eventuais problemas ou disfunções familiares começam agora a afetar de forma mais efetiva
a personalidade dessas crianças. Também a aceitação (ou rejeição) por determinados grupos
ganha muita importância, explicitando a diferença e o relacionamento entre os gêneros -
meninos e meninas. Por isso mesmo, é uma etapa de grande instabilidade, com ampla
imprevisibilidade de reações e comportamentos, em que a maioria das lembranças traumáticas
e de eventos marcantes da infância costuma se localizar de maneira mais consciente.

Se o início da terceira infância se caracteriza pelo começo da vida escolar propriamente


dita, seu final é marcado, a partir dos dez anos de idade, por um período conhecido como
“pré-adolescência”. Esse período final da terceira infância se manifesta fisicamente pela
puberdade e socialmente pelo aumento de deveres e responsabilidades, ao mesmo tempo em
que esta criança passa a exigir maior respeito por parte das outras pessoas, principalmente
dos adultos.

O quarto momento do ciclo de vida humano, a adolescência, representa o momento de


transição entre a infância e a vida adulta, englobando o período compreendido entre os doze
e vinte e um anos (apesar da maioridade legal em muitos países, inclusive no Brasil, ser aos
dezoito anos de idade). Laurence Steinberg, professor e pesquisador norte-americano, classifica
a adolescência em três fases: a adolescência inicial (onze a quatorze anos), adolescência
média (quinze a dezessete anos) e adolescência final (dezoito a vinte e um anos).

Durante a adolescência, a capacidade do pensamento abstrato se desenvolve expressivamente,


trazendo novas questões em relação à própria existência do adolescente. A constante busca pela
identidade torna-se uma questão primordial e se manifesta por meio de experiências diversas. As
transformações físicas ocorrem de forma mais rápida e acentuada e têm início os relacionamentos
amorosos. Os padrões de relacionamento com o outro e com o mundo, desenvolvidos nesta fase e que
são influenciados por traços remanescentes das fases anteriores, costumam se transpor para a vida
adulta. Assim, o adolescente costuma se afastar de privilégios típicos da infância e adquire certas
condições que o aproximam do papel social de um adulto.

Observamos ainda um desenvolvimento expressivo da cognição, com um aumento


quantitativo e qualitativo do pensamento e da interpretação das informações, estimulando
a formação de uma consciência própria. O adolescente também é capaz de estabelecer
diferentes níveis de leitura da realidade, de relativizar algumas questões, compreendendo
outros pontos de vistas e valores, e de estabelecer diferentes conexões entre fenômenos
diversos. Assim, desenvolve uma base adequada para lhe oferecer autonomia suficiente para
solucionar os desafios de seu cotidiano, considerando, inclusive, possibilidades elaboradas a
partir de hipóteses próprias.

162
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

163
Dramaturgia de Série de Animação

Nesta fase, o pensamento abstrato atinge outro nível, possibilitando o entendimento


de estruturas mais complexas e o estabelecimento de opiniões próprias em relação a temas
diversos da natureza humana e do mundo contemporâneo, como política, filosofia e relações
sociais, por exemplo. Além disso, o adolescente passa a refletir sobre seu próprio pensamento,
permitindo assim o estabelecimento de certa autocrítica e da introspecção.

Em relação às três fases anteriores da infância, é na adolescência onde podemos observar


a maior variação no comportamento e na personalidade entre indivíduos de uma mesma idade.
Isso significa dizer que diferentes indivíduos adolescentes podem ter diferentes ritmos e formas
de desenvolvimento, definindo assim suas próprias personalidades – que, por mais que possam
se assemelhar a de outros colegas, sempre serão únicas. Esta situação se acentua ainda mais se
considerarmos as variações que as pessoas e os meios podem oferecer no relacionamento com
os adolescentes nas mais diversas situações. Além disso, na adolescência, os diversos tipos de
desenvolvimentos não se expandem necessariamente juntos com uma mesma velocidade, o que
pode gerar problemas em seu relacionamento com o mundo. Um adolescente pode, por exemplo, ter
sua estrutura física bem desenvolvida, dando a falsa impressão de ser uma pessoa mais madura, mas
com o desenvolvimento psicológico e emocional não condizente com o de sua aparência.

Enquanto na infância vivemos sob o domínio do tempo presente, na adolescência os outros


tempos passam a se manifestar, inclusive como importante referencial identitário. Na medida
em que a infância se apresenta como uma “presença ausente” durante a adolescência, isto é,
deixa determinados traços e reminiscências na personalidade do adolescente ao mesmo tempo
em que é superada diante dos novos desafios da vida, o passado costuma ser evocado para
ratificar transformações (“como eu era”) ou para evidenciar uma fase ultrapassada, sobretudo
por meio da memória – lembranças seletivas que parecem ser muito mais antigas do que são
de fato. O futuro, normalmente mais imediato, é motivo de grande apreensão e expectativas,
uma vez que se revela incerto e imprevisível.

É, portanto, na adolescência que o indivíduo busca construir sua própria identidade por
meio de dois processos complementares: o autodesenvolvimento, movimento de caráter
externo e o autoconhecimento, de caráter interno. De acordo com o professor norte-americano
de psicologia Edward Tory Higgins, podemos pensar em três (auto)representações possíveis da
própria pessoa: a real (o que a pessoa é, de fato), a ideal (o que gostaria de ser) e a desejável
(o que “deveria” socialmente ser). Ainda segundo Higgins, essas três dimensões tornam ainda
mais complexo o entendimento de si mesmo por parte dos adolescentes, uma vez que, graças
às suas discrepâncias, podem constantemente estar em conflito – fato que, em alguns casos,
perdura até a vida adulta.12

Independentemente de a série ter um cunho mais ou menos educativo, é sempre importante


poder contar com a assessoria de um pedagogo e/ou psicólogo infantil, preferencialmente
que tenham experiência na produção de materiais para esse público, para garantir que os
conteúdos desejados possam ser transmitidos da melhor maneira possível.

12. Já a vida adulta, cujo estudo enquanto público-alvo encontra-se além do escopo deste livro, apesar de também poder
ser dividida por faixas etárias, costuma ser pensada por meio de outros critérios para definição de um determinado
segmento, como nível de escolaridade, classe social, localização geográfica, hábitos, consumo etc.

164
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Definido o público-alvo, conhecidas suas características principais, suas demandas e


necessidades, é preciso dissertar sobre o tema principal da série. Em um primeiro momento isso
pode ocorrer de forma mais descritiva, podendo evoluir para temas secundários ou para outros
níveis de leitura do tema principal, como o que ocorre, por exemplo, no caso de metáforas e
alegorias. Assim, tão importante quanto o tema em si é determinar a maneira pela qual ele
será abordado, o que pode ser feito pela questão do gênero e do tom da série. Destarte, um
mesmo tema pode assumir um sentido completamente diferente dependendo da abordagem
que dele será feita ou mesmo temas diferentes podem apresentar certas semelhanças em
função de uma determinada abordagem comum.

A apresentação da série, assim como a apresentação de qualquer projeto, deve ainda abordar, de
alguma forma, certas questões fundamentais. Em primeiro lugar, é importante que se faça presente
uma justificativa que aponte a relevância do projeto, sua pertinência e seus diferenciais.

Os objetivos também são importantes e devem estar presentes, pois permitem visualizar
de maneira mais clara a intencionalidade e a motivação por trás do projeto. O objetivo geral
pode ser entendido como uma espécie de anseio, uma intenção maior que o projeto deseja
atingir. Já os objetivos específicos representam as formas mais diretas e objetivas pelas quais
se pretende atingir esse objetivo geral.

Se pensarmos, a título de exemplo, em uma série de temática ecológica, o objetivo geral


poderia ser o desejo de abordar, de maneira lúdica e divertida, a relação do homem com a
natureza, incentivando o desenvolvimento de uma consciência ecológica nos futuros adultos,
atuais espectadores da série. Os objetivos específicos seriam os meios pelos quais isso poderia
se concretizar, isto é, por meio da realização de um conjunto de eventos relacionados à série,
pela associação do protagonista às causas ecológicas, do vilão à poluição etc.

É preciso atentar para que a definição dos objetivos e das justificativas do projeto ocorra
a partir de uma demanda própria do criador e não como algo “forçado”, a partir de temas
politicamente corretos ou mais evidenciados em uma determinada época. No caso do exemplo
anterior, seria coerente e recomendável – embora não obrigatório – que a própria produção
da série conseguisse estipular maneiras de diminuir seus impactos ambientais, evitando a
utilização de papel, estimulando a carona entre os funcionários do estúdio, compensando a
emissão de carbono, entre outras medidas.

De toda forma, a escolha de temas “edificantes” não é, por si só, garantia de uma
boa avaliação de um projeto – mesmo nos casos de projetos em que tais temáticas sejam
obrigatórias. Por isso, no caso da participação em editais, é importante sempre prestar atenção
aos critérios de avaliação apresentados, que serão tomados como parâmetros apreciativos por
parte da comissão julgadora. No caso de apresentação direta do projeto para um parceiro
potencial, é preciso se inteirar sobre que tipo de material ele está procurando. Nesse sentido,
o fato de um projeto não ser aprovado ou escolhido pode significar que o projeto, apesar de
eventualmente estar bem elaborado e apresentado, não seja apropriado dentro dos parâmetros
de um determinado contexto.

Deve haver ainda uma clara articulação entre forma e conteúdo do projeto, isto é, que
as escolhas de linguagem, de estética e de retórica conversem entre si e não que pareçam

165
Dramaturgia de Série de Animação

coisas pensadas e desenvolvidas separadamente - afinal, não existe forma sem conteúdo e nem
conteúdo sem forma. O uso da tecnologia durante toda a produção também pode ser pensado
como elemento integrador entre as diferentes esferas do projeto.

Assim, é de grande relevância que os principais elementos de criação venham escritos


de forma contínua e seu conteúdo articulado, coeso e coerente. O estilo da escrita pode
transitar, conforme a demanda de cada momento, entre trechos mais descritivos, conceituais,
criativos e mesmo teóricos. Obviamente, a revisão de texto, não só da apresentação como de
todo o projeto, é não apenas desejável como fundamental. Erros gramaticais, de coerência
e de sentido podem comprometer o entendimento do texto e, por conseguinte, a própria
avaliação de todo o projeto.

Não se deve perder de horizonte que seu texto será lido de maneira crítica por alguém, um
avaliador, que não participou da sua elaboração, e, portanto, não conhece o seu projeto tão
bem como você. Isso significa que, antes de qualquer coisa, você deve ser capaz de apresentar
o projeto de maneira clara. Questões que eventualmente sejam evidentes para você ou que lhe
pareçam menos importantes podem não o ser para alguém que esteja lendo seu projeto uma
primeira (e, talvez, única) vez. Ao mesmo tempo, o texto deve possuir certa aura persuasiva,
sem que isso signifique carta branca para a presença de qualquer tipo de autoavaliação ou
autopromoção. O ideal é sempre que o leitor possa achar seu projeto bom sem que você tenha
efetivamente escrito isso explicitamente.

166
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

167
Dramaturgia de Série de Animação

168
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

3.3 Criação, desenvolvimento e


apresentação do universo
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo
O universo de uma série de animação pode ser entendido não apenas como o local onde as ações
acontecem, mas como um conjunto integrado, no qual as realidades criadas existem e se relacionam.
Está sujeito, portanto, ao domínio de certas regras, princípios ou convenções responsáveis pela
integração de suas partes constituintes em um todo articulado e coerente em si mesmo.

Mais do que pensar em cada um dos elementos do universo isoladamente, é importante


a adoção de uma reflexão mais sistêmica, na qual as propriedades essenciais do todo não
possam ser encontradas em nenhuma de suas partes de forma isolada. Estas propriedades não
são resultantes, portanto, apenas das partes existentes de um universo, mas principalmente
de seus complexos relacionamentos, essenciais para a existência daquela totalidade e para a
definição de suas características intrínsecas como tal.

Tais ideias vão ao encontro das linhas gerais postuladas pela Gestalt, que entende que a percepção
humana está além dos rudimentos fornecidos por nossos sentidos, uma vez que cada coisa do mundo
seria apreendida como uma unidade pela tendência à estruturação inerente ao próprio ser humano.
Assim, a máxima dessa escola da psicologia da percepção - postulada por um de seus fundadores, Max
Wertheimer - afirma que “o todo é sempre maior que a soma de suas partes”.

Esse pensamento sistêmico implica, portanto, uma compreensão mais holística de certa
realidade, na qual os elementos constituintes de um todo maior encontram-se sempre, de
alguma forma e com alguma intensidade, relacionados entre si. Tal pensamento, em que as
relações são tão ou mais importantes que as coisas em si, pode ser encontrado atualmente em
boa parte das ciências, das artes e do conhecimento humano.

Em um nível mais complexo, essas relações, principalmente quando são mais recorrentes
e adquirem determinados tipos de rotinas ou padrões, estabelecem redes que, por sua vez,
podem se conectar a outras redes e assim por diante. Tais redes, sejam elas sociais, físicas,

169
Dramaturgia de Série de Animação

psicológicas, morais, ou quaisquer outras, estruturam-se em complexas teias de relações,


que operam em diversos níveis e que podem ser tecidas de inúmeras maneiras diferentes, de
forma hierárquica ou não, possibilitando assim a constituição de um todo que, como vimos, se
apresenta sempre maior que a soma de suas partes.

Por conta da riqueza existente em um universo narrativo, da multiplicidade de seus elementos


constituintes e da diversidade de suas formas de relacionamento e interação, é importante atentar
para a necessidade da presença de uma visão e de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade
permite que áreas do conhecimento historicamente separadas e aparentemente distantes entre si
possam se relacionar de maneira integrada, sem suturas. Assim, conhecimentos de campos como
os da mitologia, psicologia, sociologia, filosofia, antropologia, administração, narratologia, artes,
design, comunicação, entre outros, são importantes para melhor criação e conhecimento destas
relações formadoras do universo.

Além da indissociabilidade do
todo e da relação interdisciplinar
essencial existente entre seus
elementos basais, outro fator
importante a ser considerado na
criação de um universo narrativo
é aquilo que podemos denominar
de “contexto” - que também pode
se manifestar sob as mais diversas
formas e meios. Em nosso caso, é
preciso pensar como e quanto certas
circunstâncias, conjunturas e condições,
ainda que provisórias, podem influenciar o
universo narrativo da série. Em “Carrapatos
e Catapultas”, por exemplo, objetos humanos
adquirem diferentes valores quando deslocados
para o planeta Vaca, um universo próprio, diferente
- ainda que possa guardar algumas semelhanças
com o universo de origem destes objetos.

Da mesma forma em que o contexto pode influenciar


o universo, o oposto também pode ocorrer. Certos
comportamentos ou atitudes tidos como inapropriados, por
exemplo, podem ser considerados absolutamente adequados
a partir de mudanças internas de um determinado universo ou
mesmo a partir da mudança de um universo para outro qualquer.
Mantendo o exemplo de “Carrapatos e Catapultas”, sugar
lesmas até explodir é considerado, dentro do universo narrativo
dessa série, algo positivo, diferentemente do que poderíamos
considerar inicialmente.

Destarte, o universo narrativo de uma série não


deve ser pensado como algo monolítico, estático,

170
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

imutável, mas como um sistema aberto e orgânico, que, como tal, depende da alimentação
de um fluxo contínuo de matéria e de energia para se manter vivo. Nesse sistema, estrutura
e processo caminham, portanto, pari passu, em uma relação de indissociabilidade e de mútua
transformabilidade. Tal qual um jogo, o universo narrativo de uma série deve prever quais
serão suas peças, espaços, regras, estratégias, resultados possíveis e as maneiras pelas quais
esse jogo poderá ser jogado.

Assim como acontece nas diversas sociedades e culturas humanas, também podemos buscar
interessantes elementos e importantes relações de um universo narrativo naquilo que escapa à
compreensão, ultrapassa a lógica, a razão ou mesmo a própria existência. Estamos a falar da
dimensão do imaginário, do enigma, do mágico, da crença, do sublime, enfim, do inominável,
que nos permite olhar além da superfície simbólica de uma realidade mais imediata.

Da mesma maneira que, em uma árvore, apenas aquilo que é aparente ou palpável não
corresponde à completude do todo e a realidade também pode, portanto, se encontrar além
do visível, do imediato, entranhada em suas raízes. Mesmo o visível pode esconder mistérios
além do que imaginamos – não conhecemos, por exemplo, todos os segredos contidos em uma
única gota de orvalho. Além disso, para mantermos a analogia, a árvore interage com outros
sistemas igualmente complexos, isto é, com pássaros, insetos, com outras árvores e com todo
o meio ambiente no qual se encontra inserida.

Os universos narrativos pertencem à categoria da representação, mas podem se apresentar


de duas maneiras distintas em relação à sua diegese: enquanto simulações de nosso universo
“real” ou como naturezas próprias. No primeiro caso, o autor busca em seu referencial imediato
elementos e relações factuais pertencentes ao seu próprio universo e os transporta para um
novo universo. Essa representação pode ser mais ou menos fiel ao seu referencial – como no
caso de personagens representadas por animais antropomorfizados, por exemplo – servindo,
muitas vezes, como forma de paródia ou crítica.

Já no segundo caso, o autor criar um novo universo a partir de elementos e relações autóctones,
isto é, nativas de um dado universo e que não necessariamente guardam semelhanças com a
realidade externa à série – caso bastante recorrente em universos fantásticos, por exemplo. Nesse
caso, o universo narrativo pode possuir seus próprios códigos e normas, sem que, contudo, possuam
semelhanças com outros universos nas estruturas e relacionamentos gerados.

Neste sentido, um importante conceito da narratologia introduzido pelo filósofo e poeta


inglês Samuel Taylor Coleridge foi o de “suspensão voluntária da descrença”. Desenvolvido
no século XIX e originalmente utilizado no contexto literário, o conceito passou a ser utilizado
com maior frequência em diversas mídias no século XX. Para Coleridge, o uso de elementos
fantásticos ou não realistas em uma narrativa pode infundir o interesse humano a ponto de
suspender qualquer julgamento sobre a plausibilidade desta narrativa. Nessas condições, o
público tende a ignorar as condições e limitações do meio, de modo que essas não interfiram
na aceitação das premissas apresentadas na história e em seu próprio desenrolar – por mais
absurdas que possam eventualmente parecer à primeira vista.

Longe de um julgamento crível, as premissas desenvolvidas em tais narrativas estariam


livres para romper as barreiras do realismo e propor de maneira fluida teorias, ideias e

171
Dramaturgia de Série de Animação

pensamentos diversos, que talvez não pudessem ser assimilados do mesmo modo de outra
forma. Aparentemente despretensiosas, as narrativas com elementos fantásticos ou não
realistas seriam capazes de estabelecer uma conexão mais livre e direta com o público,
atingindo-o, paradoxalmente, de forma mais aberta do que em uma narrativa mais realista.

Coleridge acreditava que, por meio da suspensão voluntária da descrença, seria possível
transferir elementos reais, imaginários e simbólicos da natureza humana capazes de
proporcionar, em um novo universo, semblantes da verdade passíveis de serem apreendidos de
maneira diferente de como seriam percebidos na vida em sociedade. Também seria possível,
pelo mesmo motivo, ignorar o suporte técnico ou linguagem utilizada, favorecendo a imersão
do público na obra. A ideia é que, se dessa maneira o público passa a aceitar a história
narrada como verdade, o mesmo se passará com suas interpretações e reações. Tais histórias
excitariam, portanto, experiências e sensações análogas às do sobrenatural, ao tirar a mente
da letargia cotidiana, dirigindo-a, como vimos, para além do visível imediato.

Todavia, é preciso considerar que, quanto maior for o universo criado e mais complexas forem suas
relações, mais difícil será sua constituição. Além disso, devemos lembrar que, para que um universo
narrativo se apresente como um todo é preciso que ele possua sempre alguma coerência interna,
isto é, que ele seja, digamos, verossímil em si mesmo. Isso não significa que o universo narrativo
deva operar necessariamente dentro dos limites da factualidade, do provável ou do plausível. Deve,
sim, apresentar determinadas lógicas ou nexos - ainda que absurdos ou aleatórios - na integração de
seus elementos constituintes e de suas relações, a ponto de desenvolver de forma espontânea uma
consistência suficiente para caracterizar um universo narrativo distinto, e não um mero “pano de
fundo” no qual a história será ambientada.

172
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

173
Dramaturgia de Série de Animação

3.4 Criação, desenvolvimento


e apresentação de cenários
3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação de Cenários
Os cenários são todos os ambientes nos quais as ações ocorrem dentro do universo da série.
Tradicionalmente, por uma herança do cinema, costumam ser classificados em duas grandes
categorias: internos e externos. Essa distinção se deve a alguns fatores, como a logística e
uma maior exposição a variáveis não controláveis. Em um ambiente externo, por exemplo,
alterações na luz natural podem ocorrer a qualquer momento, fazendo necessários constantes
ajustes na câmera. Já em um estúdio, por sua vez, a luz artificial pode ser totalmente
controlada quanto ao seu posicionamento, intensidade e temperatura de cor.

Mas, mais importante do que pensar em ambientes internos ou externos, é pensar o cenário em
termos daquilo que os narratologistas chamam de “ambiência”, isto é, o “clima” ou a “atmosfera”
que ele irá criar em cada cena. Esse clima proporcionado pelo cenário irá afetar, de forma mais ou
menos explícita ou importante para a história, as ações que ali irão se desenrolar, além do próprio
comportamento das personagens. Em uma sinistra construção abandonada à noite, por exemplo,
certa personagem se movimentará e se comportará diferentemente de outra situação na qual se
encontra em uma praia cheia de pessoas durante o dia – e assim por diante.

Nesse sentido, desenvolver um cenário para animação é uma tarefa que apresenta duas fases
complementares: uma mais ligada à sua criação e outra, à sua apresentação. No momento da criação
de um cenário, a tarefa se assemelha, em alguns aspectos e com as devidas proporções, às funções
desempenhadas por profissionais como arquitetos, paisagistas e designers de interiores. Ao pensar em
termos de cidades, bairros, condomínios, edifícios, jardins, parques, apartamentos ou salas de estar,
os projetos elaborados por esses profissionais levam em conta diversos aspectos multidisciplinares,
relacionados tanto às suas formas quanto às suas funções, resultando em diferentes maneiras de se
organizar o espaço e de se construir ambientes.

Assim como ocorre com todos os elementos narrativos trabalhados na criação de um


projeto de série de animação, um cenário nunca pode ser construído de forma gratuita. Mesmo
ambientes considerados mais simples, ou que não possuam equivalentes fora do universo da
série, devem idealmente apresentar justificativas de todas as suas escolhas criativas. Tais

174
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

justificativas precisam, obviamente, ser coerentes e dialogar com as necessidades dramáticas


e com os próprios conceitos apresentados na série.

Uma vez definidos, teórica e conceitualmente, os cenários da série, começa o trabalho


conhecido como “concept art”, que pode aqui ser entendido como uma ponte entre os
momentos de criação e de apresentação. É nesse estágio que as ideias pensadas para os cenários
começam a tomar forma de um desenho em uma folha de papel ou tela de computador. Trata-
se, portanto, de uma tradução da virtualidade das ideias e conceitos inicialmente concebidos
para formas efetivamente visíveis – ou “pensar com a mão”, como se diz.

Quando nos referimos anteriormente a uma “sinistra construção abandonada à noite”,


cada pessoa pode construir sua própria imagem mental daquele cenário. Em uma animação,
entretanto, este cenário só poderá ter efetivamente uma única forma composta por uma
combinação singular, envolvendo os tipos das máquinas, o mobiliário, o piso, as paredes, o pé
direito, o teto, as vidraças, as cores, a iluminação, a sujeira etc.

Assim como pode ocorrer em qualquer etapa criativa de um projeto de série de animação, no
concept art também podem acontecer estudos, ajustes, modificações ou mesmo transformações
não pensadas a priori, mas que trarão ganhos ao projeto. Vale aqui o bom senso: se tais alterações
forem válidas e possíveis de serem feitas, melhor sempre fazê-las. Normalmente, em uma animação,
as alterações são feitas ainda na pré-produção, etapa que se encerra – como veremos mais adiante
neste livro - com o animatic. Depois da pré-produção, eventuais alterações implicam refazer ou
recomeçar a animação em si, processo que irá consumir tempo e recursos extras e que, por isso
mesmo, costuma ser evitado graças à sua antecipação.

Com o concept art terminado - o que normalmente ocorre após alguns estudos, esboços e
versões -, é possível “sentirmos o clima” desejado para o cenário. Essa ilustração conceitual, que
funciona como uma espécie de perspectiva artística do ambiente, é encaminhada para a pessoa
que será responsável pelo desenvolvimento do segundo momento, a apresentação do cenário
finalizado. Partindo do concept art, o artista responsável irá definir os elementos visuais que darão
a aparência e o acabamento final do cenário tal qual ele será utilizado na série.

Tanto no processo de elaboração do concept art quanto da finalização dos cenários da animação
é recomendável que o artista possua um amplo domínio da gramática e da sintaxe visual. Referimo-
nos aos termos “gramática” e “sintaxe”, pois de maneira análoga à escrita, a visualidade também
possui toda uma gama de elementos capaz de estabelecer uma linguagem expressiva própria.

Da mesma forma que um escritor domina os códigos da escrita, a partir dos quais desenvolve
seu próprio estilo para escrever textos dos mais diversos gêneros e formatos, artistas, designers e
desenhistas dominam os elementos técnicos, artísticos e criativos da linguagem visual, como pontos,
linhas, perspectiva, profundidade, contraste, luz, sombra, escala, textura e cor. A própria Gestalt,
mencionada anteriormente neste capítulo, possui alguns fundamentos básicos - como continuidade,
fechamento, pregnância, proximidade, segregação, semelhança e unidade -, capazes de auxiliar
tanto no processo de leitura de uma imagem quanto no de sua construção.

É importante considerarmos que além da visualidade, elementos da linguagem sonora e


musical também podem ser pensados como constituintes do clima desejado para um determinado
cenário – visto que a animação se apresenta como uma forma de expressão audiovisual.

175
Dramaturgia de Série de Animação

A música é, portanto, um componente fundamental e pode se manifestar de forma


diegética (como se estivesse sendo escutada “dentro” da cena) ou extra-diegética (inserida
posteriormente “fora” da cena, não audível para as personagens). Também pode variar em
função de ser uma canção (letra e voz) ou uma música instrumental, atribuindo, no primeiro
caso, um sentido mais ou menos figurado e exigindo, no segundo, maior capacidade de
abstração. Assim, elementos musicais como altura, timbre, intensidade, duração, letra,
melodia, harmonia e ritmo, dialogam constantemente com os elementos visuais apresentados
em uma cena a fim de compor uma unidade entre estas linguagens.

Além da música, outros elementos sonoros que também devem ser levados em conta são
as vozes, os efeitos sonoros e o “silêncio”. Em relação às vozes, normalmente se apresentam
como falas das personagens – das quais trataremos mais adiante neste capítulo.

Os efeitos sonoros, organizados em um trabalho de sound design, têm a função de


representar objetos e os chamados ruídos de sala (foley), assim como eventualmente aquilo
que não possui equivalente sonoro fora do universo da série – como no caso das onomatopeias
sonoras. Tais efeitos podem ainda ser utilizados de maneira não figurativa na qualidade de
metáforas, por exemplo: o som de um trem apitando quando a personagem comeu algo muito
picante. Devem ainda ser pensados não apenas no eixo vertical, isto é, em sua sucessão
sequêncial, mas também no eixo horizontal, nos sons regulares que permanecem constantes
em um determinado ambiente (“bafo”), como no caso do som do ar condicionado em um
escritório. Juntos, os efeitos contínuos e os esporádicos constituem aquilo que Murray Schafer
definiu como “paisagem sonora”: todas as camadas de sons, cada qual com suas próprias
características, que se oferecem simultaneamente em um ambiente.

Por fim, o silêncio, embora tecnicamente só exista no vácuo onde não há propagação do som,
também pode ser pensado como elemento ativo, isto é, como presença e não ausência – dessa
forma, inserir um “silêncio” é diferente de se tirar os sons de uma cena. No exemplo da “sinistra
construção abandonada à noite”, o silêncio após uma personagem chamar alguém pelo nome e não
obter resposta reforça ainda mais a atmosfera assustadora do ambiente e da própria cena.

176
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Apresentaremos a seguir, a título de ilustração, dois concept art de cenários desenvolvidos,


um externo, outro interno, acompanhados de breves descrições dos conceitos trabalhados e da
atmosfera desejada para a cena.

Nesse concept art, temos um ambiente externo urbano, com edificações em linhas modernas
e vias pavimentadas. O céu, ao fundo, começa a passar de um tom acinzentado para outro
mais azulado, revelando que estamos no início da manhã. Ao lado da escadaria, é possível ver
raios de sol começando a iluminar a parte superior da parede. A paisagem sonora é constituída
por uma música (“Sous le ciel de Paris”, com Édith Piaf) ligeiramente grave e abafada, emitida
por algum rádio ligado por perto e que reverbera pela rua. Também é possível escutar sons de
pássaros e, mais ao longe, de carros e pessoas falando.

No primeiro plano, a rua e a calçada mostram-se pouco movimentadas. Um estabelecimento


comercial (que poderia ser um bar ou restaurante), ainda fechado devido ao horário, é parte
importante do ambiente. Assim como a escada, ele pode ser cenário de diversas ações das
personagens. A arquitetura da fachada sugere um estilo clássico em um prédio que – embora
conservado – não é novo. O uso de tons pastéis, com predomínio de nuances terrosas e
acinzentadas, cria uma atmosfera de introspecção. Tanto as portas fechadas quanto a rua
quase vazia e o homem sentado na escada trazem uma sensação de expectativa, de placidez
que brevemente será rompida por algum acontecimento (a chegada de mais transeuntes, a
abertura do estabelecimento, a passagem dos carros) que desencadeará o início da história.

É importante, nesta etapa de planejamento do trabalho, visualizar de forma clara os locais


aonde irão se desenrolar os elementos da trama, sejam eles meros lugares de passagem, sejam
eles as principais “locações”. A sua caracterização também é fundamental e precisa estar em
consonância com a atmosfera que se pretende elaborar para dar suporte a outros pontos chave,
como a aparência das personagens, sua personalidade e as rotas de seu deslocamento.

177
Dramaturgia de Série de Animação

178
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Agora temos um ambiente interno. A visão do alto foi escolhida para melhor representar o
espaço em sua totalidade, no caso, uma sala. O objetivo aqui é apresentar um coadjuvante,
que ajuda o protagonista oferecendo sua casa como abrigo. A paisagem sonora é constituída
principalmente pelo nítido som da televisão, que muda de característica e de volume na
medida em que os canais são zapeados. Todavia, é possível identificar em outras camadas,
com menor intensidade, ruídos da paisagem sonora da rua, abafados pela parede e, de vez em
quando, os sons do motor do elevador do prédio e o latido agudo de um cachorro da vizinha
bem ao fundo.

Apesar de ter alto poder aquisitivo e ser aficionado por tecnologia, esse amigo é um
sujeito despojado. Por isso a “super TV” e os diversos aparelhos eletrônicos convivem com
móveis simples e aconchegantes. As grandes janelas do ambiente servem para sua iluminação e
também para mostrar a altura do pé direito do apartamento. As cores são sóbrias, contrastando
com algumas ousadias no tapete e nas cadeiras, já que o proprietário prefere um estilo
contemporâneo ao clássico suntuoso.

Vemos, assim, como o cenário está inteiramente implicado na caracterização tanto da


ação quanto da personagem, colaborando para uma definição mais clara na elaboração dos
cenários e na própria concepção visual da animação. No próximo capítulo, explicitaremos
como ocorre este processo em relação à criação e o desenvolvimento das personagens.

179
Dramaturgia de Série de Animação

3.5 Criação e desenvolvimento


das personagens
3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens
Dentre os elementos centrais de uma série de animação, talvez a personagem seja o mais
fundamental – não à toa o termo character driven é comumente utilizado para definir a estrutura
narrativa da série em sua especificidade. A própria etimologia dos termos “animação” e “personagem”,
em latim, reforça essa proximidade: anima (alma, dar vida a) e persona (pessoa).

De modo geral, as personagens costumam ser classificadas em diferentes categorias: quanto à


importância em relação à história, quanto à função narrativa e quanto ao nível de desenvolvimento
psicológico. Em relação à primeira categoria, as personagens são pensadas em termos hierárquicos:
principais, secundárias e figurantes. Ressaltamos que o critério para tal classificação é baseado na
relevância da personagem para a trama e não necessariamente no tempo total de sua aparição. Nos
filmes “Encurralado” (1972) e “Tubarão” (1975), de Steven Spielberg, por exemplo, as personagens
principais (um caminhoneiro psicopata e um tubarão assassino) pouco aparecem efetivamente no
filme, embora suas presenças possam ser sentidas todo o tempo.

Quanto à função, as personagens costumam ser classificadas em dois tipos opostos: protagonistas
e antagonistas. As primeiras representam aquelas que buscam alguma coisa na história, figura
normalmente associada ao mocinho ou herói. Já as antagonistas são as personagens que irão procurar
impedir os protagonistas de atingirem seus objetivos, figura normalmente associada ao bandido ou
vilão. Mas devemos atentar para o fato de que não necessariamente o protagonista será sempre o
herói e o antagonista, o vilão; em uma história cuja trama principal seja a tentativa de um assalto
ao banco, por exemplo, o ladrão é o protagonista e o policial, que tenta impedir o roubo, torna-se
antagonista. Em alguns roteiros, acontece justamente de se jogar com essa classificação, revelando
para o espectador ao final do filme, que, na verdade, aquele que pensávamos ser o protagonista era
o antagonista e vice-versa.

Em relação ao desenvolvimento psicológico, as personagens podem ser chamadas de planas


(lineares) e esféricas (redondas). Personagens planas são tipos ou caricaturas superficiais, que

180
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

estão associadas a uma única ideia ou qualidade, são estáticas e estão mais próximas de
características genéricas do que singulares, podendo, sobretudo nos casos de humor, serem
estereotipadas ou caricaturadas. Já as personagens redondas possuem maior complexidade,
profundidade psicológica e apresentam diversas qualidades intrínsecas, podendo gerar ou até
mesmo transcender os conflitos da trama.

A noção de personagem pode ser entendida como a representação de uma entidade que pratica
e, principalmente, vive as ações apresentadas em uma história. Seja por meio da dinâmica visual
(sua movimentação, ações e características físicas) ou psicológica (a forma de pensar, sentir, agir,
as palavras que usa e os comportamentos mais frequentes), a construção de uma personagem forte
depende tanto da capacidade de observação do roteirista quanto de sua inventividade. Quantas
vezes nos deparamos com pessoas que parecem “saídas de um filme”, reunindo traços físicos ou
comportamentais tão marcados que, em uma ficção, talvez parecessem inverossímeis? Por outro
lado, mesmo que inspiradas em pessoas reais, as personagens de uma animação reagirão aos
estímulos e acontecimentos do universo de uma trama ficcional, exigindo do roteirista uma boa dose
de imaginação. Criar uma personagem é, portanto, um exercício complexo e envolve duas esferas
complementares, uma interna (psicológica) e outra externa (visual).

Embora não exista qualquer tipo de manual consolidado para a construção de uma personagem,
abordaremos a seguir alguns aspectos que, acreditamos, possam auxiliar nessa trajetória. Em primeiro
lugar, é preciso considerar que, mesmo quando a personagem não é representada visualmente por
uma figura humana, como no caso de prosopopeias, ela é efetivamente um ser humano. Isso significa
que qualquer personagem é um indivíduo que pensa, sente e se comporta, isto é, que vive e se
relaciona com o universo narrativo da série. Dessa forma, ideias e conceitos da psicologia, como os
tipos psicológicos e os arquétipos de Carl Gustav Jung, por exemplo, podem auxiliar na construção
da personagem. Todavia, aventurar-se pelo estudo das veredas da psique humana é não apenas uma
tarefa abstrusa como também infindável.

Por isso, se não é possível oferecer todas as respostas, podemos, ao menos, apontar
algumas trilhas e oferecer alguns recursos para se fazer as perguntas certas. Um bom começo
é pensar a história pregressa, isto é, a biografia da personagem: qual sua ascendência,
quem são seus pais, como eles se conheceram, como é o relacionamento entre eles, em que
circunstâncias a personagem nasceu, como foi sua criação, sua educação, suas amizades,
sua infância, sua juventude, quais são suas lembranças e traumas. O passado (background)
é elemento fundamental na elaboração da ficha biográfica de qualquer personagem, pois
permite conhecermos melhor sua constituição e pensarmos em suas demais características.

Também faz parte da ficha biográfica o nome da personagem, que pode ser escolhido por
seu significado, sonoridade ou alusão a pessoas ou outras personagens e o perfil psicológico
da personagem, que são suas qualidades distintivas: idade, autoimagem, autoestima,
temperamento, humor, virtudes, defeitos, maneirismos, habilidades, medos, orgulho, pontos
de vista, ocupação principal, relacionamentos com outras personagens, sonhos, interesses,
necessidades, superstições, transtornos, enfim como ela pensa, sente e (re)age nas diversas
situações e condições presentes no universo da série.

Devemos considerar que a identidade da personagem, assim como a de qualquer pessoa,


pode se alterar em função dos domínios pelos quais ela transita, isto é, a maneira como a

181
Dramaturgia de Série de Animação

personagem se comporta e é vista nas esferas pública (coletiva), pessoal (restrita às pessoas
mais próximas) e privada (interna do indivíduo). Assim, uma mesma personagem pode ser
tida como uma figura arrogante no ambiente de trabalho, afável entre os poucos amigos e
reservada (introvertida, não expansiva) em sua vida privada, por exemplo.

Em princípio, quanto mais se conseguir pensar e escrever sobre a personagem, melhor


– mesmo nos casos em que a personagem se apresente de forma misteriosa e enigmática ao
espectador. Quanto mais informações e características houver, mais a personagem caminha
em direção à chamada “vida própria”. Em outras palavras, quanto mais desenvolvida for sua
personagem, mais autonomia ela ganha para viver dentro do universo narrativo da série. Dessa
forma, é possível antecipar o que ela vai fazer ou como vai reagir em determinadas situações,
assim como evocar traços desta identidade capazes de desencadear inúmeras situações.

Diferentemente de um curta ou longa-metragem, em que a personagem pode se submeter


muito mais à ação, em uma série o desenvolvimento da personagem é crucial. Mesmo que
este desenvolvimento não apareça em sua totalidade para o público, permite a autonomia
da personagem dentro do universo narrativo da série e maior identificação dos espectadores
com ela, além de abrir novas possibilidades narrativas em episódios específicos – como alguma
questão arraigada que seja trazida da história pregressa.

Para que essa dimensão interior da personagem possa ser transmitida, percebida e assimilada
pelo público da série, é preciso que seja de alguma forma externada. Deparamo-nos, neste ponto,
com uma questão crítica, não apenas da criação de personagens, mas da própria existência humana:
somos o que pensamos ou somos o que fazemos? Embora o filósofo René Descartes tenha colocado
como condição primeira da existência o pensamento13, a forma como vivemos nossas vidas é
decorrente diretamente de nossas ações no mundo. Contradições entre o pensar e o fazer14 podem
trazer conflitos e diversas situações contraditórias interessantes para o desenvolvimento narrativo
da série. Da mesma fora, o alinhamento entre essas duas esferas pode ser a grande motivação da
protagonista na trama ou mesmo a principal geradora de situações cômicas em um universo no qual
as demais personagens não tenham a mesma conduta.

A dinâmica visual da personagem representa, portanto, a principal maneira pela qual a personagem
se expressará, isto é, pela qual sua dimensão interna se exteriorizará. Assim como nas demais
etapas, a busca por referências criativas costuma ser o primeiro passo. Tais referências não precisam
necessariamente pertencer ao universo da animação, podendo ser recolhidas e pesquisadas no cinema,
teatro, grafite, quadrinhos, artes plásticas, reino animal e até mesmo no próprio cotidiano do artista.

A partir das referências, podem ser feitos alguns esboços, que funcionam como estudos
da personagem para se verificar a correspondência de suas dimensões interiores e exteriores.
Normalmente são desenhadas versões bem diferentes entre si para que, ao final, o artista
escolha entre uma delas ou mesmo “monte” uma nova versão a partir do “aproveitamento” de
partes de outras versões. Dessa forma, é definido, ainda em uma versão inicial da personagem,
um biótipo característico, com determinada altura15, peso e aparência geral.

13. No século XVII, o filósofo elaborou sua célebre frase: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”).
14. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – ditado popular.
15. A altura de uma personagem costuma ser medida em relação à proporção de sua cabeça. Assim, uma

182
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

O passo seguinte consiste em aperfeiçoar a personalidade da personagem por meio de sua


visualidade, afinando seu estilo, seus traços típicos. Costuma-se começar pelos aspectos gerais
para gradativamente passar ao plano de detalhes específicos. Nesse processo de criação, o artista
deve sempre levar em conta, diferentemente do que acontece em um livro ou em uma história
em quadrinhos, que a personagem efetivamente se movimentará. Isso implica, principalmente, a
definição de uma anatomia coerente, que costuma ser mais bem explorada no campo do desenho
dinâmico. Além disso, a própria técnica da animação também deve ser considerada em suas
especificidades, uma vez que possui diferentes parâmetros e modos de produção.

Apesar da liberdade criativa na constituição física de uma personagem, ela quase sempre
é pensada a partir de três paradigmas: a divisão do corpo em cabeça, tronco e membros; a
cefalização (concentração dos órgãos sensoriais na cabeça, próximos ao cérebro) e a simetria
bilateral, na qual a metade de um lado do corpo é equivalente a do outro16.

Definidos os traços gerais que denotam a personalidade, a próxima etapa trata do


desenvolvimento de elementos atinentes à personagem e que lhe atribuem maior estilo e
individualidade, como no caso da indumentária e dos acessórios. Além da necessidade e da
utilidade, as roupas e objetos associados à personagem (como óculos, pulseira, colar, tatuagens
etc.) permitem identificar melhor uma determinada personalidade: formal, casual, esportivo,
típico (regional), profissional, descolado, desleixado... Em alguns casos, cicatrizes podem ser
pensadas como metáforas ou marcas que a personagem carregará sempre com ela.

personagem humana mais “realista” tem entre oito a nove cabeças de altura, enquanto outra mais
“cartunizada” pode obedecer a uma proporção diferente.
16. Podemos pensar aqui em algumas exceções, como a série “Barbapapa”, que apresentava uma família de
“joões-bobos” (homens) e pinos de boliche (mulheres) capazes de se metamorfosear nas mais diferentes
formas que encontravam pelo seu caminho; e nos irmãos Zan e Jayna, os supergêmeos da série “Super
Amigos”, que se transformam nas formas de objetos de gelo e de animais.

183
Dramaturgia de Série de Animação

Depois de efetivamente constituída com um ser dentro do universo narrativo da série,


a apresentação da personagem costuma acontecer de forma híbrida, por meio de texto
escrito e de ilustrações. No primeiro caso, explora-se a dimensão interior da personagem e
sua escrita costuma ser mais concisa e concentrada em relação a todo o material elaborado
previamente. As principais características e informações são selecionadas e apresentadas, de
forma condensada, em até meia página de texto para as personagens principais e em até um
parágrafo para as secundárias.

As ilustrações, por sua vez, se organizam na forma de um model sheet, responsável pela
apresentação da dinâmica visual da personagem. O model sheet é apresentado em uma única
folha e traz alguns elementos próprios. No centro da página, mostra-se uma imagem principal
da personagem devidamente finalizada. Essa imagem principal pode ser considerada como
uma “imagem síntese”, isto é, uma imagem que representa da melhor maneira possível a
personagem. Se você só pudesse representar a personagem com uma única imagem, como ela
seria mais bem representada: em pose de combate? Pensativa? Alegre? Cansada?

O model sheet costuma apresentar também, em um canto de sua página, o turn around
com a personagem aparecendo, sempre de corpo inteiro, de frente, perfil, ¾ e de costas.
Nesse desenho específico, a personagem pode ser representada em uma pose mais “neutra” e
linhas horizontais de apoio podem ser utilizadas em diferentes alturas dos corpos para que se
mantenha a mesma proporção da personagem nessas cinco posições.

Acompanham ainda o model sheet cerca de cinco desenhos de corpo inteiro, nos quais a
personagem é representada em poses dinâmicas (action poses) e expressivas, características de
suas ações na série. Assim, se a personagem possui determinados padrões de comportamento,
ações recorrentes e cacoetes, esses devem aqui ser representados. É importante, portanto,
pensar de que maneira a postura (poses) e a linguagem corporal da personagem expressarão
personalidade, sentimentos, emoções e estados de espírito diversos.

Além dos desenhos de corpo inteiro, cinco desenhos de expressões faciais da personagem,
em um plano mais próximo, sem a necessidade de exibir o restante do corpo, fazem parte do

184
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

model sheet. O rosto costuma ser considerado na animação como uma das partes mais difíceis
de trabalhar, pois em uma pequena área concentra uma grande quantidade de músculos,
capazes de gerar, segundo alguns fisiologistas, cerca de 20.000 expressões distintas, que
podem ainda se transformar em um curto intervalo de tempo.

Para alguns, o rosto representa, inclusive, o principal elemento da linguagem corporal –


daí a presença de toda uma tipologia de personagens “cabeçudas”, que se expressam muito
mais pelo rosto do que pelas outras partes do corpo. Em uma expressão facial, os elementos
do rosto que melhor transmitem emoções são os olhos, juntamente com as sobrancelhas, as
rugas de expressão e a boca. Artistas e animadores usam, muitas vezes, espelhos, ou mais
recentemente webcam, como referência para aperfeiçoar algumas das expressões faciais que
serão utilizadas por suas personagens.

Muitos animadores costumam evitar o cruzamento ou intersecção de duas linhas distintas


no desenho do corpo da personagem. Da mesma forma, não é recomendável o uso de uma
linha contínua para partes diferentes da personagem, impedindo, por exemplo, que o traço
de uma calça seja unido ao de uma camisa. Também é sugerido buscar a quebra do paradigma
da simetria bilateral, procurando trabalhar alguma assimetria na personagem, ainda que na
forma de pequenos detalhes entre os lados do corpo.

Eventuais objetos e acessórios que sempre acompanham a personagem também podem,


em algum espaço restante da página, aparecerem sozinhos, como uma espada, varinha ou
mochila. Pequenos textos, com pouquíssimas palavras, podem ser escritos próximos a cada
desenho do model sheet, reforçando cada representação, por exemplo: “Quando fica triste,
abaixa a cabeça e chora baixinho”.

Por fim, dois testes visuais costumam ser feitos com as personagens. O primeiro, de
silhueta, em que o model sheet elaborado é apresentado em uma versão composta apenas por
sombras, na qual se avalia a força e a eficiência das poses escolhidas.

185
Dramaturgia de Série de Animação

No segundo, as personagens são colocadas “lado a lado”, preferencialmente tendo como fundo
algum cenário da série, tornando possível avaliar se há uma integração entre o design adotado nos
diferentes cenários e personagens, isto é, se eles parecem, de fato, pertencer a um mesmo universo.

Assim como acontece com os demais elementos visuais de um projeto de série de animação, a
apresentação do model sheet deve ser altamente profissional, ou seja, possuir excelente resolução,
acabamento e diagramação. Ao ver e interpretar as imagens apresentadas em seu projeto, um
avaliador enxerga mais que ilustrações: enxerga a própria animação. Por isso cabe atentar aos
critérios avaliativos e adequar as informações solicitadas aos termos e espaços efetivamente
destinados, tomando cuidado para não pecar nem pela limitação nem pelo excesso.

Posteriormente, durante a animação, novos elementos deverão ser incorporados à dinâmica visual,
como a movimentação (que depende da anatomia criada), o peso e os gestos da personagem. Além
das poses, o acting, isto é, a linguagem corporal, a maneira como uma determinada personagem anda,
corre, senta, gesticula ou olha para alguém também pode revelar bastante de sua personalidade e de
sua representação junto ao público. Em alguns casos, o próprio acting dos atores durante a dublagem é
aproveitado como referência para dar maior dramaticidade e expressividade à personagem.

Personagens são seres que vivem dentro do universo narrativo da série e, como tal, pensam,
sentem e (re)agem com este universo e com seus outros seres. Suas dinâmicas internas (psicológicas) e
externas (visuais) devem ser pensadas de forma complexa e integrada, fazendo com que as personagens
ganhem vida própria. A partir desse momento, quando abandonadas em si mesmas, as personagens
começam a tecer suas próprias tramas e a preencher os espaços vazios que surgem na série.

O campo de criação de personagens, também conhecido como character design, vem crescendo
bastante nos últimos anos, a ponto de termos estúdios especializados exclusivamente neste
segmento. Isso acontece pois, além de se pensar na tradução de elementos internos em externos e na
especificidade de personagens que serão posteriormente animadas, é preciso considerar ainda outras
possibilidades que compreendem a mudança de suporte, mídia e material, como no caso de confecção
de bonecos, fantasias, livros, desenvolvimento de games e outros licenciamentos diversos.

Quando plenamente desenvolvidas, as personagens garantem maior identificação do público,


assim como maior autonomia em relação à série, podendo, muitas vezes, viver além dela. Não por
acaso, personagens marcantes continuam vivas mesmo depois do final de uma série – em outros
casos, são mais facilmente lembradas do que as próprias séries e seus episódios.

Personagens representam, portanto, ao lado do universo narrativo e das ações que irão ocorrer
a cada episódio, a tríade básica necessária para o desenvolvimento de uma série e que, como vimos,
interagem constantemente entre si. Após discorrermos sobre o universo narrativo e as personagens,
trataremos nos próximos capítulos das maneiras como as ações se organizam e estruturam na
dinâmica narrativa de uma série e de seus respectivos episódios.

186
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Estudos de decomposição das partes consituintes da personagem


também podem ser feitos para se pensar em sua expressividade,
funcionando como uma espécie de conjunto de peças intercambiáveis.

187
Dramaturgia de Série de Animação

3.6 Sinopse técnica


e sinopse comercial
3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial
Em um projeto de série de animação, costuma-se apresentar cerca de cinco episodes
springboards, isto é, sinopses técnicas de outros episódios da série. Trata-se das premissas e das
linhas gerais de outros episódios – além do piloto – que ajudarão o avaliador a conhecer melhor
a série em seu desenvolvimento narrativo. Depois da leitura do projeto da série, incluindo
o roteiro com o episódio piloto, o avaliador consegue prospectar novos episódios a partir
das sinopses técnicas. Em outras palavras, é capaz de, a partir de poucas linhas elaboradas,
visualizar as ações das personagens, suas falas e ações dentro do universo narrativo da série.

Antes de seguirmos adiante, é importante definirmos o termo “sinopse” e diferenciar os


seus dois tipos principais. Por sinopse entendemos um resumo da história, no máximo, com dez
linhas, que apresente os elementos principais de uma determinada história. Normalmente, é
conhecida pelo grande público em seu tipo comercial, presente nas embalagens, sites, jornais,
revistas, materiais gráficos e promocionais.

A sinopse comercial é, portanto, um tipo de sinopse voltada para o público final, e não
para avaliadores de projetos ou para a equipe de produção. Por isso mesmo, seu texto
costuma ser escrito por pessoas especializadas em publicidade e possui estilo persuasivo:
mostra algumas coisas, ao mesmo em que desperta a curiosidade do leitor para saber
outras – o que, obviamente, só conseguirá assistindo à obra ou comprando um produto.
Além do estilo persuasivo, o texto de uma sinopse comercial normalmente apresenta o
uso de adjetivos, buscando reforçar alguns elementos, características, críticas positivas e
eventuais premiações recebidas.

Todavia, assim como acontece em um anúncio publicitário, quando demasiadamente


apelativo, o texto costuma ter efeito contrário: ao invés de instigar o público, causa
desconfiança. Por isso mesmo, a sinopse comercial é habitualmente realizada, como dissemos,
por pessoas com o domínio de uma retórica própria, normalmente durante a pós-produção,
depois de a obra estar finalizada.

188
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Já a sinopse técnica, ao contrário, costuma ser feita ainda na pré-produção, sendo,


muitas vezes, o primeiro passo para o desenvolvimento de um episódio. Diferentemente da
sinopse comercial, esta é destinada, portanto, para avaliadores do projeto ou para a equipe
de produção, não para o público final da série. A diferença não reside em seu tamanho, já
que ambas possuem de três a seis sentenças em no máximo dez linhas, mas justamente nas
informações apresentadas e no estilo de texto.

O texto de uma sinopse técnica possui caráter técnico, por isso dispensa o uso de adjetivos
como o artifício persuasivo. A história do episódio é apresentada de maneira sintetizada,
sempre com início, meio e fim, incluindo spoilers. Em outras palavras, não se deve ter dúvida
do quê, como, onde e por que motivos acontecerão os eventos principais daquele episódio:
seja em seu início, desenvolvimento ou final. O objetivo é justamente contar a história de
forma resumida, sem deixar nada “no ar”; quanto mais claro, melhor.

Deve-se ainda procurar usar as personagens principais da série na elaboração do texto,


isto é, fazer com que elas participem da trama do episódio. À exceção de casos específicos
(e que dificilmente ocorrem nos primeiros episódios de uma série), personagens secundárias
não possuem maior atenção ou participação nos episódios do que as personagens principais.
Por isso, é importante não se esquecer do papel das personagens principais na história, cuja
participação deve ser sempre enfatizada no próprio texto.

Apesar de ter uma função bem específica, a sinopse técnica deve deixar claro o gênero
narrativo e procurar revelar o próprio tom da série. Assim, ao lermos o texto de uma série de
humor, por exemplo, não podemos ter dúvidas – seja pela trama apresentada ou mesmo pelo
uso de um determinado vocabulário – que a história é, ou pode ser divertida e engraçada.

É desejável que se elabore, antes da apresentação do projeto, o maior número possível de


sinopses técnicas para, posteriormente, descartar-se aquelas que você considerar incompletas
ou não tão bem desenvolvidas. Assim, é possível selecionar apenas as cinco melhores, entre
todas as elaboradas, para futura apresentação do projeto de série. Não apenas aqui, mas
também em todos os demais itens do projeto, nunca é recomendável a apresentação de ideias
ou materiais sobre as quais o próprio autor ainda esteja inseguro.

Antes do início de uma temporada, todas as sinopses técnicas são aprovadas previamente,
de maneira que se tenha um arco narrativo que compreenda toda aquela sequência de
episódios. A coerência de uma temporada e a articulação dos episódios entre si, mesmo que não
pressuponham uma continuidade narrativa linear, é garantida em boa parte pela elaboração
conjunta de todas as sinopses técnicas antes do início da produção daquela temporada.

Os métodos criativos utilizados para a escritura e a seleção das sinopses técnicas variam
de equipe para equipe e de projeto para projeto. O mais importante é que a criatividade possa
fluir livremente e que os melhores textos possam ser sempre selecionados. Um dos processos
mais comuns nesse momento consiste em uma espécie de brainstorming criativo envolvendo,
além do autor e do roteirista, boa parte da equipe da série, na qual qualquer um pode sugerir
ideias de episódios. As melhores ideias são desenvolvidas no formato de sinopses técnicas e
passam para o roteirista que, após consultar o autor, diretor e/ou produtor, poderá refiná-las
em roteiros de episódios.

189
Dramaturgia de Série de Animação

Além da vantagem da abertura para novas ideias que, de fato, podem surgir de qualquer
pessoa da equipe, esse processo dinâmico e colaborativo também costuma ser apontado como
importante elemento de integração e valoração da equipe de trabalho. Ao ser convidado a
participar e ao ver uma sugestão própria sendo selecionada ou discutida pela equipe, qualquer
membro se sentirá mais valorizado e motivado, aumentando significativamente sua participação
e envolvimento com o projeto.

Veremos, no próximo capítulo, como essas ideias iniciais, pensadas em poucas linhas na
forma de sinopses técnicas são desenvolvidas em seus detalhes, organizadas e apresentadas
sob a forma de roteiros finais dos episódios.

190
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

191
Dramaturgia de Série de Animação

3.7 Roteiro
3.7 roteiro
Estudos e pesquisas sobre as formas e estruturas narrativas não são novos. Uma das obras
críticas mais antigas nesta área é “Poética”, de Aristóteles, escrita em III a.C. e ainda hoje
bastante consultada para questões como as da representação humana, da tragédia, da comédia
e da própria dramaturgia.

Desde então, muito foi escrito sobre os elementos e estruturas narrativas em seus mais
diversos gêneros, propósitos e mídias. Entretanto, foi apenas em 1969, no livro “Análise
Estrutural da Narrativa”, que o linguista e filósofo búlgaro Tzvetan Todorov cunhou o termo
“narratologia”, buscando emancipar a narrativa do campo da crítica literária e definindo-a
como um campo próprio de estudo.

A despeito desta “emancipação”, correntes do pensamento e obras anteriores que abordavam


questões ligadas ao universo narrativo não foram desconsideradas. A narratologia dialoga com
obras anteriores às de Todorov, como a própria “Poética” de Aristóteles, ou ainda com aquelas
elaboradas pelos formalistas russos do início do século XX, sobretudo, com “A Morfologia dos
Contos de Fadas” (1928). Nesse trabalho, o autor Vladimir Propp identifica e divide diferentes
classes de personagens, estágios de evolução narrativa e funções dramáticas.

Com o passar do tempo, a narratologia foi se aproximando de diversas escolas e correntes


de pensamento, como por exemplo, o estruturalismo, a semiótica, o existencialismo, a
fenomenologia e os estudos culturais. Nomes importantes do pensamento contemporâneo
ocidental, como Roland Brathes, Gerard Genette, Claude Bremond, Christian Metz, Umberto
Eco e Algirdas Julien Greimas escreveram alguns dos textos basais da narratologia.

Apesar de podermos considerar o roteiro como uma modalidade narrativa, não se pode
associar suas origens às primeiras histórias contadas e transmitidas pelos homens por meio da
oralidade. Diferentemente de uma história oral ou de um livro, podemos dizer que o roteiro
não constitui em si mesmo um fim, mas um meio. Enquanto uma história oral ou impressa se

192
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

apresenta como um produto final ao seu público, o roteiro é mais uma etapa especializada
intermediária, elaborada antes da apresentação da obra em si.

O roteiro possui, portanto, caráter transitório e efêmero. Transitório, pois se estabelece


como um gênero próprio em algum lugar entre a literatura e o audiovisual, isto é, se utiliza
de alguns elementos próprios da escrita para contar uma história que será posteriormente
apresentada por meio de sons e imagens em uma tela. Efêmero, pois só existe durante o tempo
de produção, isto é, sua fixação interessa apenas para especialistas, caso de estudantes,
pesquisadores ou fãs, e não para o público em geral.

As origens do roteiro remontam, provavelmente, às primeiras peças de teatro originais, ou


seja, àquelas que foram elaboradas para uma apresentação específica e, não, montadas como
uma encenação de relatos históricos ou religiosos. Nelas, os autores pensaram em histórias
próprias e inéditas que, por determinadas razões, imaginaram ser mais apropriadas para o
público quando encenadas do que narradas oralmente ou registradas em um livro escrito.

Diferentemente do que abordamos há pouco sobre a questão da efemeridade, roteiros


elaborados pelos principais dramaturgos costumam ser pensados também como peças literárias,
independentemente de seus elementos extratextuais, como cenários, atores, figurinos e
direção. Assim, muitas peças, sobretudo as clássicas, podem ser discutidas e analisadas, ainda
que raramente assistidas. Pesa aí o fato de haver alguma semelhança estrutural entre as peças
clássicas e certos gêneros da prosa (como o romance), como a presença de um narrador e a
base dramatúrgica fundamentalmente dialógica. Além disso, devemos considerar que o teatro
é uma arte que existe essencialmente no tempo, mais que no espaço. Dessa forma, o roteiro
ocupa no teatro simultaneamente o papel de guia e de registro de uma peça – diferentemente
do audiovisual, cujo registro sempre pôde ser assistido tal e qual por meio de uma cópia
analógica ou digital.

Ou seja, enquanto o que guardamos de uma montagem teatral não é a própria encenação,
mas apenas seus registros parciais (fotos, lista do elenco, figurinos, críticas em periódicos
etc.), no cinema, a obra propriamente dita é o que se fixa em um rolo de filme, em fita ou
arquivo digital. Nesse sentido, o “original” de um filme é ele próprio, não o texto que guiou a
sua criação. Na dramaturgia contemporânea, temos muitas peças baseadas no improviso ou no
teatro físico. Esses exemplos, obviamente, guardam uma relação menos estreita com o texto
do que as encenações tradicionais.

As origens do roteiro audiovisual, por sua vez, estão atreladas ao desenvolvimento do


cinema: na medida em que os filmes foram aumentando sua duração e envolvendo maiores
recursos de produção, surge também a necessidade do roteiro. Nesse sentido, o roteiro
passa a existir com uma dupla função no cinema. Em primeiro lugar, permite que produtores
visualizem, de alguma forma, o filme antes dele ser feito. Isso significa que, antes de se fazer
um aporte financeiro, produtores executivos e investidores podem ter alguma ideia de onde
estão aplicando seu dinheiro.

Em segundo lugar, facilita a organização da produção, indicando para todos envolvidos na


realização do filme a ordem em que as cenas serão apresentadas para o público. Ao apresentar
“o quê”, “por que”, “como” e “onde” a história será contada, a equipe de produção de um filme

193
Dramaturgia de Série de Animação

pode providenciar todos os detalhes necessários, como aluguel de itens e reserva de locações,
por exemplo. Também os atores podem conhecer melhor o enredo e o desenvolvimento das
personagens na trama, e assim por diante.

Dispomos hoje de centenas de livros escritos sobre roteiro, divididos basicamente em


duas categorias: aqueles que apresentam e/ou analisam roteiros de obras já realizadas e
aqueles que objetivam auxiliar na formação do roteirista e na escritura de roteiros próprios.
Entre os autores mais conhecidos nesta segunda categoria, podemos citar Christopher Vogler,
David Howard, Edward Mabley, Jean-Claude Carriére, Michel Chion, Robert McKee, Syd Field,
além de alguns autores nacionais, como Doc Comparato, Flávio Campos, Leandro Saraiva, Luís
Carlos Maciel, Marcos Rey, Newton Cannito e Renata Pallottini.

Evidentemente que, em cada um desses livros, podemos recolher aspectos interessantes


e pertinentes, por isso suas leituras são de grande importância – mesmo que não abordem
especificamente séries de animação. Todavia, por mais que se estude os elementos
apresentados e se siga eventuais regras ou sugestões, não há qualquer garantia de que apenas
isso produza um bom roteiro. Da mesma forma, é possível eventualmente encontrar roteiristas
que não tenham referências de boa parte dessas obras e que, mesmo assim, tenham escrito
bons roteiros.

Ainda assim, como acreditamos na importância do conhecimento estrutural narrativo e


da capacidade de reflexão sobre a própria prática, recomendamos suas leituras. Também
apresentamos aqui uma relação de dicas para roteiristas que, acreditamos, possa auxiliar na
elaboração de roteiros para episódios de série de animação.

Ao se trabalhar com objetos de caráter aberto e complexo, como é o caso de um roteiro,


uma das sugestões é procurar responder primeiro ao essencial, antes de seguir adiante. As
respostas para estas perguntas, ainda que não respondidas prontamente, podem apontar os
caminhos e as direções a serem tomadas.

É importante, portanto, responder às perguntas mais elementares da obra, sobretudo no


que tange sua relação com o autor. Em outras palavras, deve-se, com a licença do pleonasmo,
“começar pelo começo”. Por que fazer esta série? Qual a sua relevância? O que se pretende
com ela? Porque esta série tem que ser feita em animação? Qual o conceito geral? A quem se
destina? Isso pode parecer bastante básico - e é, de fato -, mas é preciso que o autor de uma
série tenha certeza dessas respostas antes de seguir adiante no projeto.

O passo seguinte envolve os dois elementos já abordados anteriormente neste capítulo: a


criação do universo narrativo e das personagens da série. Como vimos, as séries são compostas
por esses dois elementos que, juntos de um terceiro - as ações -, se apresentam ao público
na forma de episódios. Universo, personagens e ações compõem, portanto, a tríade básica a
partir da qual uma série toma forma.

Ao se começar a pensar especificamente em episódios para a série, a primeira coisa é


estabelecer um piloto. O episódio piloto funciona como uma espécie de protótipo da série e
serve para que os executivos responsáveis possam avaliar melhor o produto. Pode acontecer
ainda de o episódio piloto ser exibido para o público como uma espécie de teste com a

194
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

audiência. Nesse caso, o primeiro episódio da série coincide com o piloto – o que nem sempre
ocorre necessariamente.

Quando não é bem recebido, o piloto pode representar o único episódio de uma série.
Nos Estados Unidos, principal país produtor de séries de televisão, estima-se que apenas 25%
dos pilotos realizados resultem em séries regulares. Em outras situações ainda, ressalvas são
feitas ao piloto e modificações podem ser sugeridas para a série, como mudanças no design,
na técnica de animação e a inclusão, remoção ou alteração de personagens.

Um equívoco bastante comum ao se pensar o piloto é a tentativa de se colocar “tudo”, ou


o máximo de informações neste episódio específico. Isso pode ocorrer por ansiedade do autor
ou por vontade de querer convencer que a série possui muitos elementos interessantes. Mas
não se deve presumir que “mais é melhor” e o episódio piloto deve funcionar da mesma forma
que se imagina que os outros episódios devam funcionar.

Em alguns casos, o episódio piloto mostra uma situação inaugural que deu origem à série,
por exemplo: como as personagens se conheceram e foram parar em certo lugar. Entretanto,
isto não é uma regra, visto que muitas séries não explicam sua origem ou o faz alguns episódios
mais a frente. O principal é que o roteiro do episódio piloto possa apresentar, da maneira mais
clara e direta possível, ainda que não em sua totalidade, o universo narrativo, as personagens
principais e o tom da série.

O passo seguinte na elaboração do roteiro piloto é pensar nas ações que ocorrerão e na
história que será contada, sempre em consonância com o conceito geral da série. Quando se
tem o universo narrativo e personagens bem construídas, a premissa da série oferece algum
tipo de condição ou circunstância maior, que permite o desdobramento potencial de inúmeras
situações específicas para cada episódio. As maneiras mais comuns para isso acontecer se
manifestam: pela busca de objetivos da(s) protagonista(s), pelo relacionamento conflitante
entre personagens de personalidades distintas ou por meio da introdução de alguma situação
ou elemento inusitado e desestabilizador de um determinado modus operandi padrão.

Uma possibilidade interessante de ser explorada é a realização de um roteiro híbrido,


isto é, que possibilite à animação posteriormente ser exibida tanto na qualidade de curta-
metragem quanto como piloto de série, como foi o caso de “Osmar, a Primeira Fatia do Pão
de Forma”, de Alê McHaddo. Esse hibridismo permite, além de maior visibilidade à obra,
conhecer a recepção da animação por diferentes tipos de público.

Uma das maneiras de se começar a pensar a história pode ser, como dissemos anteriormente,
por meio da definição de uma story line seguida da escrita de uma sinopse técnica. A escolha de
um título para o episódio pode auxiliar no processo de passagem da primeira para a segunda,
embora, às vezes, o título definitivo só seja criado após a finalização do episódio.

A partir da sinopse técnica, é possível expandi-la em um argumento com cerca de três


páginas. O argumento manterá a essência da sinopse técnica de contar a história com spoilers
(descrições e revelações sobre o enredo, que são omitidas previamente do espectador),
começo, meio e fim, porém em um espaço maior, o que permite mais detalhes. Podemos
comparar o argumento ao gênero literário do conto, mas com algumas diferenças. Assim como

195
Dramaturgia de Série de Animação

o próprio roteiro, o argumento também é mais uma etapa no desenvolvimento de um produto


final que não será escrito, mas, assistido por meio de sons e imagens: a animação.

Justamente por não ser o produto final, o argumento diferencia-se do conto, principalmente
pela ausência de certos recursos literários formais e de caráter mais interpretativo ou subjetivo. O
estilo do texto do argumento deve ser claro, direto e descrever os aspectos audiovisuais pelos quais
a história será contada, sempre em terceira pessoa, com o tempo verbal no presente. Deve-se, por
fim, sempre ter em mente de que maneira os sons e as imagens, e não as palavras, irão contar uma
história. Portanto, a escrita de um argumento não precisa se preocupar em agradar o leitor por meio
de seu estilo e construção textual, diferentemente do que acontece com um conto.

Por exemplo: em um conto, poderíamos ler algo como: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu
o maior medo de sua vida”. Em um argumento, entretanto, esse texto poderia ser considerado
demasiadamente subjetivo, pois não diz absolutamente nada em termos audiovisuais, exigindo
participação imaginativa do leitor na construção de imagens mentais e sensações. Nesse caso,
o argumento deveria ser muito mais descritivo e preciso: “Fulano caminha lentamente com
o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro da
mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis
brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem
alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na
mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos”.

A principal diferença entre o primeiro e o segundo trechos, além do tamanho, reside no fato de
que no argumento foram utilizadas descrições visuais e sonoras para detalhar o ambiente e externar a
sensação de medo da personagem por meio de suas ações. Assim, o medo que a personagem sentiu no
primeiro exemplo, mais literário, foi manifesto por meio de seu acting, mais visual.

Ocasionalmente trechos menos objetivos podem ser utilizados em um argumento para


se reforçar determinado clima ou sensação, desde que complementando uma sentença, isto
é, que não se dependa exclusivamente desses trechos para a compreensão de uma cena ou
passagem. No mesmo exemplo, a primeira sentença poderia eventualmente ser acrescida
de uma informação mais subjetiva ao seu final: “Fulano caminha lentamente com o corpo
encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e a respiração ofegante para dentro da mansão
abandonada, sentido o maior medo de toda a sua vida. (...)”. Todavia, o texto de um argumento
não poderia ser apenas: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu o maior medo de sua vida”.

Apesar de sua especificidade, o argumento não deve apresentar qualquer tipo de detalhe
técnico de produção, como indicações de câmera, por exemplo. A ênfase está, portanto, muito
mais na estrutura narrativa e dramatúrgica do episódio do que em sua linguagem – que costuma ser
mais bem explorada posteriormente, durante a decupagem do roteiro. Também não costumam ser
apresentadas no argumento as falas das personagens. Quando presentes, os diálogos são descritos
de maneira genérica em relação ao teor da conversa e não de maneira detalhada e específica, ipsis
litteris como as falas serão ditas pelas personagens na animação.

Quando terminada a primeira versão, o argumento pode passar por eventuais ajustes e novas
versões antes de migrar para o roteiro. Assim como acontece em qualquer outro processo criativo,
cabe ao autor decidir o momento em que considera que sua obra está pronta, finalizada.

196
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Depois do argumento e antes da escrita do roteiro em si, pode-se elaborar uma etapa
intermediária, conhecida por escaleta. Nessa etapa, o autor faz uma primeira decupagem do
argumento, dividindo a história apresentada em cenas. Por cena entendemos uma unidade
dramática, com sentido próprio, dentro de uma história, por exemplo: a cena da família
jantando. A escaleta é montada a partir de uma sequência de cenas que podem se apresentar
de forma contínua ou entrecortada, seguindo ou não a ordem cronológica de uma história.

Apesar de não existir um número exato de cenas por episódio, é preciso considerar que
episódios com ritmo mais lento tendem a ter menos cenas do que episódios mais dinâmicos.
Todavia, um número muito grande ou muito pequeno de cenas pode, dependendo da maneira
como forem organizadas, comprometer o entendimento da história por parte do público.
No primeiro caso, o número reduzido de cenas pode dar a impressão de que nada está
acontecendo ou causar monotonia. Já no segundo, o número elevado de cenas pode dificultar
o entendimento da trama e dar a impressão de que nada foi devidamente visto. Por isso, em
um roteiro vale o bom senso: nada pode sobrar nem faltar.

Ao contrário do story line, da sinopse comercial e do argumento, a escaleta possui, por


herança do cinema, uma formatação de texto própria, mais próxima daquela utilizada no
roteiro. Assim, o texto é estruturado em diversos blocos, sendo que cada bloco corresponde
a uma cena. Em relação à formatação, cada bloco de texto começa com um cabeçalho (slug
line), com a indicação do número da cena (1,2,3, etc.), ambiente interno ou externo (INT./
EXT.), nome da locação (COZINHA, por exemplo), e período em que se passa (AMANHECER/DIA/
TARDE/ANOITECER/NOITE/MADRUGADA). O cabeçalho vem sempre no início do bloco de texto,
em um parágrafo próprio, com caixa alta e maior espaço entre linhas. Por exemplo:

5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE.


FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos
arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro
da mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga
alguns móveis cobertos com lençóis brancos empoeirados e
teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças,
que possuem alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o
interior da mansão. É possível escutar, na mata vizinha, o som
do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos.
O conteúdo textual de cada bloco corresponde a uma espécie de sinopse técnica específica
daquela cena e, muitas vezes, é escrito aproveitando trechos do próprio argumento. Assim como
acontece no argumento, a escaleta não apresenta especificações técnicas de linguagem e nem
diálogos. Apesar disso, permite melhor visualização da história cena a cena, possibilitando eventuais
ajustes na estrutura narrativa do episódio. Muitas vezes, é durante a escrita da escaleta que se
percebe, por exemplo, que certa situação que inicialmente ocuparia três cenas pode ser contada
em duas, ou mesmo, em uma única cena. Da mesma forma, certas ações podem ser retiradas ou
acrescentadas para facilitar a compreensão e enfatizar determinados aspectos da história.

Assim como a sinopse técnica ajuda na elaboração do argumento, a escaleta auxilia na


escrita do roteiro. De uma maneira geral, todas as etapas previamente realizadas acabam

197
Dramaturgia de Série de Animação

por facilitar o processo de realização do roteiro. Ao se conhecer um universo narrativo, suas


personagens e premissas, tem-se um ponto de partida sólido para se pensar nas situações que
se apresentarão em cada episódio.

Ao expandir o resumo de cada cena, o roteiro começa a ganhar corpo até ter finalizada
sua primeira versão. O estilo de texto claro, direto e descritivo - que apresenta cenários e
ações centradas nas referências audiovisuais - é mantido, garantindo o pleno entendimento da
história apresentada, sem o uso de recursos de caráter mais subjetivo.

Um dos formatos mais utilizados para formatação de roteiro é conhecido como master scenes e
apresenta as cenas em ordem cronológica, respeitando a sequência desenvolvida pelo autor. Cada
cena se inicia com o cabeçalho, que é estruturado da mesma maneira apresentada anteriormente na
escaleta. Cada mudança de cena é representada, portanto, pela mudança de cabeçalho.

O conteúdo de cada cena, introduzida pelo cabeçalho, é constituída basicamente por três
tipos de texto: descrição, narração e diálogos. A descrição é utilizada, como o próprio nome
sugere, para apresentar os ambientes e objetos presentes em cada cena, sejam eles mais
“realistas” ou cartunizados. A primeira aparição destes ambientes e objetos costuma ser mais
detalhada, permitindo melhor percepção da atmosfera desejada e de seus elementos físicos
constituintes. Determinados ambientes e objetos já apresentados em uma cena prévia não
precisam ser novamente apresentados com seus mesmos detalhes em uma nova cena, exceto
quando algo tenha se alterado neles.

A narração por sua vez apresenta as ações que acontecem na cena, aquilo que se manifesta
por meio de som e/ou imagem, sejam elas mais ou menos verossímeis. As ações são responsáveis
pela progressão da história; o motor que coloca e mantém a trama em movimento. A fim de
evitar sua gratuidade, cada ação costuma ser pensada, ainda que de maneira breve e sucinta,
em relação aos seus aspectos pregressos e progressos. No primeiro caso, é importante saber por
que aquela ação está ocorrendo, isto é, o que motivou sua manifestação. Em alguns roteiros,
ações parecem ser inseridas na trama muito mais para direcionar a história ou justificar
escolhas do autor do que como decorrência direta da própria trama – o que pode causar uma
quebra da cumplicidade estabelecida com o espectador.

Em relação aos aspectos progressos de uma ação, é importante considerar, após sua realização,
seus impactos e reações na própria história. Nesse sentido, as ações podem ser classificadas em dois
tipos: diretas ou indiretas. Ações diretas são aquelas que interferem mais claramente na história, isto
é, cujas reações fazem a história tomar certo rumo que não tomariam de outra forma, normalmente
representadas por algo que quebra uma rotina. As ações indiretas por sua vez não interferem
diretamente no rumo da história, mas são importantes ferramentas para se explorar as entrelinhas
ou subtextos de uma situação, sobretudo pelo acting da personagem.

Por fim, os diálogos representam as falas que serão ditas pelas personagens. Em animação,
diferentemente do live action, as falas costumam ser compostas por um número reduzido, cerca de
três, breves sentenças. A ausência de falas maiores das personagens pode ser explicada pelo fato da
linguagem facial de uma personagem animada não ser tão expressiva quanto a de um ator humano.
Pequenas nuances no rosto, seja ele humano ou não, exigem uma grande variedade de movimentos
sutis, em uma área restrita, durante um curto intervalo de tempo – o que dificulta enormemente a

198
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

técnica da animação. Por isso, quanto mais tempo se focar o rosto de uma personagem animada,
mais o público perceberá a ausência dessas pequenas nuances, uma vez que estamos acostumados a
elas no contato cotidiano com outras pessoas.

Além disso, muitos autores preferem mostrar ao invés de dizer, isto é, sempre que for
possível, optar por passar uma mensagem sem o recurso da fala. De fato, o acting de uma
personagem é um recurso suficientemente expressivo a ponto de dispensar diálogos. Prova
disso é que podemos observar uma grande quantidade de animações que abdicam ou usam
muito pouco este elemento, muito mais frequentemente do que ocorre em live action. Em
termos de séries de animação que usam esse expediente, podemos citar “La Línea”, “The Red
and The Blue”, “A Pantera Cor-de-Rosa” e “Pingu”, entre outras.

Há casos, entretanto, em que os diálogos podem ser não apenas necessários como a própria
raison d´être de uma série. Trabalhar com diálogos costuma ser uma das partes mais difíceis
de um roteiro, tanto que já existe em alguns lugares uma função conhecida por dialoguista, um
profissional responsável justamente pelo uso apropriado das falas em um roteiro.

Deve-se atentar para a coerência entre o tom da série e dos diálogos. Falas corriqueiras podem
soar estranhas em animações fantásticas e vice-versa. Por isso, sua criação deve manter a mesma
atenção dada às demais partes de uma animação e possuir suas mesmas liberdades criativas. Dessa
maneira, o uso de indicações de estado de espírito, canto, rima, sobreposição e efeitos nas vozes
podem ser pensados como recursos expressivos de linguagem da própria série.

Em animação, é comum os atores selecionados no casting gravarem as vozes das personagens


ainda durante a pré-produção, e esse processo pode ser utilizado a favor da série. Atores e
atrizes possuem conhecimentos e experiências acumulados que não devem ser desperdiçados,
pelo contrário, devem ser aproveitados ao máximo.

A maneira como falamos não é igual à maneira como escrevemos, da mesma forma que
a maneira pela qual escutamos não é igual à maneira como lemos. Isso significa que há uma
tendência espontânea para que um diálogo escrito em um roteiro se aproxime muito mais da
linguagem escrita do que da linguagem oral.

Por isso, muitas vezes, mais importante do que seguir à risca a leitura dos diálogos em
um roteiro é manter o seu sentido, ainda que isso signifique a mudança de algumas palavras.
Atores e atrizes podem ser estimulados a colaborar nas falas das personagens, melhorando sua
compreensão ou enfatizando determinados aspectos de sua interpretação. Respiração, pausas,
vícios de linguagem, hesitações, ênfases e demais nuances da fala podem proporcionar ganhos
significativos à animação e são normalmente indicadas no texto do roteiro por rubricas entre
parênteses antes dos diálogos.

Embora pouco frequente, a possibilidade de se gravar simultaneamente as vozes com


dois ou mais atores em tempo real in loco no estúdio pode garantir maior entrosamento e
continuidade dramática. Quando o ator contracena apenas com uma gravação prévia em
áudio, sem a presença física de outros atores, ou quando, ainda pior, apenas lê suas linhas no
roteiro, uma após a outra, muito se perde da expressividade da fala da personagem.

199
Dramaturgia de Série de Animação

Isso torna necessária uma direção de atores capaz de garantir a dramaticidade desejada para
cada fala e a sensibilidade necessária para incorporar eventuais alterações ou improvisações
realizadas pelos atores aos diálogos previamente escritos no roteiro. A definição das falas
finais é importante para a elaboração do animatic e também da folha de exposição (x-sheet),
a partir da qual será feito o processo de sincronia labial da personagem. Nesse processo,
sempre é levada em consideração a maneira como se fala, e não como se escreve, isto é,
são considerados elementos como a prosódia e a pronúncia das palavras, não as pausas e
os limites típicos da escrita. Por exemplo: em um roteiro, a oralização das palavras “luz e
sombra”, dependendo da variedade dialetal da personagem, pode soar como “luzisombra”,
dando continuidade ao movimento labial que no texto era representado graficamente por uma
descontinuidade, ou seja, três palavras transformaram-se em uma só.

Além das falas, também é possível aproveitar a espontaneidade das próprias expressões, gestos e
movimentações físicas dos atores para o acting das personagens na animação. Isso pode ser feito por
meio do registro, com uma câmera de vídeo, da performance do ator durante a gravação do áudio,
buscando transferir posteriormente tais movimentações à personagem animada.

As definições das cenas, suas descrições, narrações e diálogos permitem a escrita do roteiro,
que atualmente costuma ser feita em softwares específicos, proprietários ou gratuitos, que
facilitam sua formatação, organização e modificações. Um dos programas bastante utilizados

200
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

atualmente é o Celtx, que permite, além da escrita do roteiro, a criação de diversas anotações
paralelas referentes aos mais diversos aspectos da pré-produção, como ficha de personagens,
de objetos de cena, agenda, notas com comentários, entre outros. O Celtx possui ainda
exemplos de roteiros formatados, comunidade de usuários on-line e possibilidade de impressão
do arquivo em formato pdf. O programa, organizado no modelo freemiun (programa gratuito
com alguns recursos avançados pagos), possui interface fácil e intuitiva, contando ainda com
tutorial e suporte on-line. Alguns outros programas existentes para formatação de roteiro são:
Final Draft, Five Sprockets, Montage, Movie Magic Screenwriter e Page 2 Stage. A formatação
final de um roteiro tem estrutura semelhante ao exemplo a seguir.

5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE.


FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos
arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para
dentro da mansão abandonada. A construção em estilo
gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis
brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua
cheia atravessa as vidraças, que possuem alguns vidros
quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É
possível escutar, na mata vizinha, o som do vento, das
árvores balançando e o sibilar dos morcegos.
FULANO
Olá. (pausa) Alguém em casa?
FULANO caminha mais cinco passos para dentro da mansão,
enquanto examina com a cabeça todos os cantos do interior
da construção.
FULANO
(gritando)
Boa noite. Tem alguém aqui?
(etc.)

Finalizada a escrita da primeira versão do roteiro, são feitos ajustes também conhecidos
por tratamento. Na maioria dos casos, o primeiro tratamento é responsável por uma adequação
do roteiro à duração do episódio – normalmente de 11 minutos. Aqui são condensados alguns
elementos e eliminados outros, dispensáveis à história. Os parâmetros principais para tais
intervenções devem ser baseados no conceito geral da série e na story line do episódio. Em
média, um roteiro de episódio de série de animação de 11 minutos terá entre cerca de 16 e 22
páginas formatadas – dependendo do nível de detalhamento do texto.

Ao final de cada tratamento, tem-se uma nova versão do roteiro, não havendo uma regra
quanto ao número de versões necessárias até se chegar à última. Depois de ajustado o tamanho
do roteiro, outros tipos de tratamento, de ordem mais qualitativa, podem ser realizados.
Um deles, como vimos há pouco, é o tratamento dos diálogos, que além da adequação à

201
Dramaturgia de Série de Animação

espontaneidade e à linguagem oral, também pode ser desenvolvido no sentido de manter


certa verossimilhança da fala com um determinado tipo de personagem. Um velho e sábio
mestre, por exemplo, tem a fala e o vocabulário diferentes de um jovem e irresponsável
aprendiz, de maneira que suas falas devam se distinguir não apenas em termos de conteúdo,
mas estilisticamente também.

A forma pela qual é estruturada a lógica de um pensamento, formalizada por meio da


fala, é um dos modos mais eficientes pelo qual o público tem acesso à personalidade e ao
caráter de uma personagem. Da mesma forma, bordões podem ser criados, funcionando como
uma espécie de marca registrada de uma personagem. Nesse caso, o público saberá que
determinado bordão será usado por uma personagem e, portanto, a graça não está meramente
na sua utilização, mas na situação que o leva a ser dito e na forma como isso é feito.

Outros ajustes podem ser feitos pelo chamado tratamento reverso, no qual se realiza a
leitura do roteiro em sua ordem reversa (da cena final para a inicial). Dessa forma, é possível
identificar mais facilmente eventuais falhas na lógica da estrutura narrativa, sobretudo de
continuidade e de gratuidade das ações, assim como trabalhar melhor aspectos como os
bits de antecipação. Bit de antecipação é um elemento qualquer – fala, ação, objeto cênico
etc. – que permite nova leitura após sua manifestação no roteiro. Pode ser, por exemplo,
uma determinada fala que, no momento em que foi dita por certa personagem, passou de
maneira despercebida pelo público espectador e que posteriormente, ao final da trama, foi
reinterpretada diferentemente a partir da amarração de alguns de seus elementos.

Também é possível realizar um tratamento objetivando a inserção de alguns easter eggs,


isto é, elementos diversos que dialogam com outros elementos ou aspectos apresentados
em diferentes episódios da mesma série. Tais elementos funcionam como uma espécie de
gratificação para o espectador mais fiel, que acompanha a série regularmente, permitindo o
estabelecimento de relações entre episódios e situações diversas. Todavia, os easter eggs não
podem se apresentar como elementos imprescindíveis para a compreensão de um episódio,
funcionando muito mais como uma bonificação para o fã da série. Por exemplo, suponhamos
que, em um episódio de um seriado, o prato principal servido no jantar do qual participa
uma personagem seja exatamente lasanha, que a mesma personagem afirmou detestar num
episódio anteriormente exibido.

Quando considerado terminado, o ideal é que o roteiro seja “esquecido” por algum tempo
para poder passar por um último tratamento pelo roteirista. Esse “esquecimento” favorece
maior distanciamento do autor, fazendo-o voltar com novo olhar sobre seu próprio roteiro. Ao
mesmo tempo em que reconhece seu texto, esse afastamento proporciona ao roteirista ver seu
próprio roteiro como outro, mais próximo, portanto, da visão que o público terá da obra.

Findo este último tratamento, alguns roteiristas costumam, por fim, submeter seus roteiros a
consultores especializados. O trabalho de consultoria consiste na leitura, seguida de um diagnóstico
avaliativo do roteiro e de seus elementos atinentes, como personagens, universo e estrutura narrativa.
São apontadas as potencialidades do roteiro bem como seus pontos mais vulneráveis e sugestões de
melhorias. O retorno da consultoria costuma ser feito por meio de anotações e de uma reunião em
tempo real (presencial ou on-line) com o roteirista. Dependendo do que for acertado entre as partes,
o próprio consultor contratado pode realizar um tratamento final do roteiro.

202
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Não é possível esquecer, no entanto, que estamos tratando de um roteiro de série de


animação e que, portanto, este possui especificidades próprias do meio. A boa notícia é que as
restrições, no que se refere aos recursos imaginativos, são mínimas neste tipo de roteiro. Por
outro lado, aspectos do acting que poderiam ser corriqueiros em live action, como expressões
faciais muito elaboradas, podem dificultar a vida do animador. É importante levar isso em
consideração durante a criação do roteiro.

Não se deve restringir o universo ficcional de uma série de animação ao realismo, já que
a animação proporciona grande flexibilidade em relação à inclusão de elementos oníricos ou
fantásticos na sua história, criando novas realidades verossímeis ou então proporcionando
novas abordagens a referências previamente existentes. Não estamos aqui afirmando que toda
animação precisa se passar em universos de fantasia ou ficção científica. Mas, sim, que é
sempre bom lembrar-se de suas potencialidades peculiares em relação aos filmes em live
action. A título de exemplo, uma personagem que fica “roxa de raiva” quando é contrariada,
em uma animação, pode apresentar isso literalmente de forma esteticamente muito mais
convincente do que quando se está trabalhando com atores reais.

Em segundo lugar, o roteirista é um dos primeiros profissionais envolvidos na cadeia


de produção de uma animação. Por isso, é fundamental entender o que acontecerá com o
roteiro depois que for escrito, isto é, conhecer o “proscênio” da animação. Neste sentido,
é importante saber que projetos normalmente envolvem três dimensões inter-relacionadas,
para as quais o roteirista de uma série de animação deve sempre atentar: tempo, escopo e
recursos (humanos e financeiros). Essas dimensões são inter-relacionadas, conforme veremos
mais adiante, pois uma pode influenciar diretamente a outra.

A primeira dessas dimensões, o tempo é, muitas vezes, um fator limitador da produção.


Enquanto um longa-metragem de animação leva cerca de três anos para produzir pouco mais
de uma hora de animação, uma série pode chegar a produzir, no mesmo período, até cinquenta
vezes mais tempo de animação. Isso significa que o processo todo deve ser otimizado o máximo
possível, incluindo o roteiro. Em alguns casos, cria-se uma cadeia de produção de maneira
que, quando um episódio começa a ser finalizado, um segundo começa a ser animado e um
terceiro começa ser escrito – e assim sucessivamente. Em outros casos, todos os roteiros de
uma temporada são escritos juntos, quase que simultaneamente, antes daquela temporada
começar a ser animada.

Ainda em relação ao cronograma, na maioria dos casos, projetos de séries de animação são
elaborados com o tempo que for preciso para que se atinja a qualidade desejada, uma vez que
não existem dead lines específicos. Quanto melhor estiver o projeto, maiores são as chances
de viabilizar sua produção, por isso, todo e qualquer esforço e ajuste no projeto de criação
costuma ser bem-vindo. O mesmo ocorre, sem dúvidas, com o roteiro de um episódio piloto.

De qualquer forma, os roteiros de todos os episódios de uma temporada de série só


costumam ser escritos após a efetiva confirmação de sua realização. Isso significa que, mesmo
partindo de sinopses técnicas prontas, o prazo para o desenvolvimento do roteiro dos episódios
regulares será provavelmente menor do que aquele destinado à elaboração do piloto. Por outro
lado, quanto maior o envolvimento com uma série e mais frequente se tornar a prática de sua
escrita, maior será a intimidade do roteirista e sua facilidade em desenvolver os episódios.

203
Dramaturgia de Série de Animação

O escopo do projeto revela seu alcance: uma série pode ser exibida em âmbito local,
regional ou global, variando normalmente os recursos envolvidos em suas produções. Na esfera
comercial, a questão do escopo diz respeito ao custo-benefício: projetos de menor alcance
dificilmente contam com o mesmo aporte oferecido para séries de maior alcance, uma vez que
objetivam retornos compatíveis com seus investimentos.

Os recursos de um projeto dizem respeito a dois aspectos; o primeiro deles os recursos humanos
envolvidos, isto é, as capacidades e as características da equipe. Nesse sentido, deve-se ter clareza
quanto à técnica e ao estilo da animação, assim como em relação às referências visuais do processo
criativo para melhor aproveitamento destas características dentro da estrutura narrativa da série.
O segundo aspecto é o orçamento efetivo da série que, obviamente, pode variar bastante: séries
com grandes verbas possuem maior estrutura, mas possuem suas próprias dificuldades, diferentes
daquelas que contam com verbas mais restritas.

O roteirista é responsável por escrever roteiros que deverão ser efetivamente realizados,
por isso, é preciso ponderar sobre as demandas que serão necessárias. Por exemplo: se o
roteiro envolve muitas cenas com multidão em movimento ou coisas trabalhosas que só vão
aparecer uma única e breve vez na tela, a tendência é que se precise de mais tempo e recursos
para sua realização. Da mesma forma, se estiver fazendo um roteiro para uma animação em
stop-motion, não se pode esquecer de que esse tipo de animação é relativamente menos fluida
do que uma em 2D. Nesse sentido, as ações para um boneco em massa de modelar talvez não
possam ser as mesmas que se elaboraria para uma personagem desenhada.

Se por um lado é preciso considerar eventuais limitações, por outro, é preciso considerar
de maneira criativa as potencialidades envolvidas no projeto para poder se tirar o máximo
proveito do roteiro - o ideal é que haja uma indissociabilidade entre a forma e o conteúdo da
série. Em “Beavis and Butt-Head”, por exemplo, o traço irregular, visual “sujo” e a animação
simples estabelecem esta relação de indissociabilidade ao criar um diálogo direto com o
universo narrativo da série e sua abordagem temática.

Em terceiro lugar, o roteiro de animação normalmente dá mais destaque aos aspectos


visuais do que um roteiro em live action. Quando consideramos os seriados televisivos, então,
podemos afirmar que são praticamente baseados nas falas das personagens e em seu gestual,
muitas vezes se passando em locações fixas. Já uma série de animação pode ter uma grande
variedade de cenários e até mesmo universos. Podemos contrastar, por exemplo, “Friends”
(que normalmente mostra as personagens em seus apartamentos, ou em um bar) com “Bob
Esponja Calça Quadrada” (que já mostrou diversos lugares da Fenda do Biquíni, como um
presídio, uma região distante na qual a protagonista deverá fazer uma entrega, a praia, o Siri
Cascudo, uma sala de aula, as casas de cada personagem, etc.).

Além disso, também é possível neste caso transformar visualmente suas personagens de
forma radical, caso considere isso necessário. Voltando ao exemplo de “Bob Esponja Calça
Quadrada”, há um episódio em que - desafiados por Sandy - Bob, Lula Molusco, Patrick e
o Sr. Siriqueijo resolvem se aventurar em terra firme. Chegando lá, há uma gravação em
live action de todos eles como “bonecos” ou objetos (Bob é representado por uma esponja
de cozinha, Patrick, por uma estrela-do-mar seca etc.). Na mesma série, Bob, por vezes,
também é animado com características diversas, literalmente derretendo-se de tanto chorar,

204
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

ou explodindo em músculos de tanto levantar pesos. Isso seria difícil de conseguir em uma
série em live action já que, nesse caso, o roteirista teria que contar com um trabalho de ator
extremamente físico ou com efeitos especiais, mas em ambos, o efeito inverossímil seria
muito maior do que em uma série de animação.

Podemos afirmar que a animação, seja qual for seu gênero, suporte ou propósito, é uma
manifestação artística que busca a verdade nas formas extremas da artificialidade. Por conta
disso, consegue desenvolver certas situações sui generis e provocar determinadas reações no
público que dificilmente seriam conseguidas de outra forma. É como se o fato de aparentemente
não se posicionar próxima àquilo que as pessoas entendem por realidade permitisse à animação
abordar as mais diversas questões de maneira “inofensiva” e “despretensiosa”. Com a “guarda
baixa”, o público favorece a receptividade da animação e uma maior abertura na recepção e
decodificação de sua mensagem.

Muitas personagens animadas podem fazer e dizer coisas que não seriam aceitas, às vezes sequer
imaginadas, por personagens humanas reais. A alegoria é, sem dúvida, um recurso poderoso não
apenas na animação – conforme denotam a durabilidade e a universalidade das “Fábulas de Esopo”,
por exemplo. Esta maneira própria que a animação tem de dizer algo sobre a natureza humana,
sejam questões existenciais ou supérfluas, é um de seus grande trunfos. A possibilidade de se chegar
a novos e desconhecidos lugares ou de se mudar a maneira de enxergar algo ultrapassa o desígnio
primário da animação de “dar vida a algo ou alguma coisa”. A animação deve, portanto, acrescentar
algo intrínseco à própria narrativa, de uma forma que o live action não possa fazer, e essa questão
deve estar clara para o autor o quanto antes no processo de elaboração do projeto.

Em quarto lugar, derivado dos itens anteriores: a série de animação costuma ser visualmente
mais estimulante do que as séries em live action. A paleta de cores, as características físicas
e psicológicas das personagens, os cenários – tudo em uma animação pode ser criado de novas
e variadas formas, sem dialogar proximamente com aquilo que se considera ser a realidade
imediata. Quando trabalhamos com atores ou com locações reais, ainda que contando com
efeitos especiais (mecânicos, ópticos ou de pós-produção) e com maquiagem, haverá sempre
referências claras de comparação para o espectador. Assim, a Londres de Harry Potter, mesmo
transfigurada, faz com que o público compare o cenário mostrado no filme com as imagens
da cidade inglesa que têm registradas em sua mente; e Cameron Diaz, quando escalada para
um papel, pode suscitar para o espectador, mesmo involuntariamente, a imagem que ele tem
dessa atriz, baseando-se nos papeis que ela já incorporou anteriormente.

Com a animação, podemos estimular a percepção e a imaginação daqueles que a criam e


que a assistem de forma muito mais livre do que nas outras formas de produção audiovisual,
contanto que não cedamos à acomodação e à reprodução de coisas já vistas e testadas. É
preciso lembrar que, em uma série de animação, fazer uma mulher dar banho em seu cachorro
pode exigir tantas horas de trabalho do animador quantas seriam necessárias para fazer um
alienígena banhar uma morsa intergaláctica. Ou seja, em termos de complexidade para sua
realização, ambas as situações são hipoteticamente equivalentes numa série animada.

Por conta da importância e do grande nível de detalhamento em que as ações e ambientes


são apresentados, o tamanho médio de um roteiro para animação pode ser até duas vezes
maior do que um em live-action. Se em um roteiro com ações gravadas (ou filmadas) ao vivo

205
Dramaturgia de Série de Animação

com atores reais costuma-se ter uma média de um minuto por página de roteiro, em animação
essa média pode ser de cerca de uma página e meia ou duas por minuto de roteiro animado.

Claro que projetos diferentes possuem demandas e dinâmicas de produção diferentes. Em


determinadas produções, a autoria pode ser descaracterizada por censuras ou intervenções
excessivas de produtores e executivos nos processos criativos – normalmente, com o objetivo
de tornar a série mais “palatável” e aumentar sua audiência. Em outros casos, a marca autoral
pode ser considerada um fator distintivo fundamental e, então, é dada plena liberdade criativa
ao autor. Infelizmente, não há como antecipar qual será o caso de cada projeto e as decisões
a serem tomadas em relação a isso dependem de um conjunto de fatores, que cada autor deve
considerar.

Da mesma forma, a metodologia de criação de um projeto de série de animação pode


sofrer alterações de acordo com cada projeto. Certos autores talvez prefiram criar primeiro
personagens para, depois, pensar no universo narrativo, enquanto outros fazem exatamente o
contrário. Outros, ainda, podem pensar primeiro em uma história para, depois, definir todo o
resto, ou mesmo, utilizar outros métodos de criação. Em qualquer dos casos, é importante que
haja sempre liberdade criativa e seriedade profissional.

Em “Os Simpsons”, por exemplo, há uma imersão anual, na qual uma equipe rotativa de 16
roteiristas se reúne para fechar todos os roteiros de uma temporada. A dinâmica consiste na
seleção das melhores sinopses técnicas escritas entre eles, a partir das quais serão realizadas as
primeiras versões de roteiros e os tratamentos de roteiro dos episódios de toda a temporada.

Já em outras séries, como “Bob Esponja Calça Quadrada”, a estrutura narrativa passou, a
partir da experiência acumulada da equipe na série, a ser definida diretamente no storyboard.
Desta maneira, não há a necessidade de se passar por um roteiro escrito, o que proporciona
economia de tempo e um tipo de raciocínio audiovisual específico, no qual o pensamento e as
ideias são transmitidos diretamente por meio de sons e imagens, sem passar necessariamente
por palavras em uma folha de papel ou tela de computador.

No próximo capítulo, veremos exatamente como o storyboard desenvolve uma primeira


decupagem do roteiro em termos de sons e imagens. A partir dessa nova etapa, é possível ter
uma noção mais completa da integração entre forma e conteúdo de uma série, bem como
definir e aperfeiçoar aspectos técnicos como ritmo, ângulos, plano e movimentação de câmera,
rumo ao início do processo de animação em si.

206
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

207
Dramaturgia de Série de Animação

3.8 Storyboard
3.8 storyboard
A origem do storyboard remete a meados da primeira década do século XX, quando
Gregory LaCava desenvolveu uma série de desenhos em miniatura (thumbnails), dispostos
sequêncialmente como uma grande tira em quadrinhos, para a pré-produção das animações
que dirigia para a Hearst´s International Film Service Studios. Neste primeiro modelo de
storyboard, LaCava marcava as cenas cortadas, anotava a duração aproximada de cada plano
e organizava a sequência correta dos planos da animação – muitas vezes recortando e colando
diretamente os desenhos miniaturizados em uma nova folha de papel. Apesar de não haver
qualquer registro ou evidência, acredita-se que LaCava tenha descoberto essa técnica alguns
anos antes no Raoul Barre Studio, onde havia sido treinado. Também é possível especular
sobre uma provável influência das tiras de quadrinhos, que começaram a ser publicadas em
praticamente todos os jornais da época.

No final da década de 20, Webb Smith, animador dos Estúdios Walt Disney, aperfeiçoou a
técnica original de LaCava e utilizou esboços visuais narrativos em trechos de alguns curtas do
estúdio, como “Plane Crazy” e “Steamboat Willie”. O advento do som nos filmes de animação
tornou os processos técnicos e criativos de produção mais complexos, uma vez que era preciso
pensar não apenas na dinâmica visual da história, mas também em sua sincronização com os
elementos da linguagem sonora e musical.

No início da década seguinte, Smith sugeriu aumentar o tamanho de cada quadro


desenhado, utilizando uma folha de papel para cada desenho realizado, ao invés de diversos
desenhos miniaturizados em forma de tirinha. Smith também sugeriu pendurar cada desenho
sequêncialmente em grandes painéis de cortiça, nos quais se tornaria mais simples adicionar
ou remover as folhas com os desenhos. Também permitiria dessa maneira que os artistas de
storyboard pudessem acompanhar o fluxo visual de toda uma sequência de uma só vez, em
escala maior de tamanho, um pouco mais próxima a de uma tela de aparelho de televisão.
O aperfeiçoamento do storyboard promovido por Smith foi fundamental para a realização de
“Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), o primeiro longa-metragem em animação produzido

208
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

pelos Estúdios Disney. Em pouco tempo, os estúdios de animação passaram a utilizar o


storyboard em todas as suas produções e, a partir do final da década de 20, já havia menções
de artistas de storyboard nos créditos das animações.

Com o passar do tempo, novas colaborações foram feitas ao uso do storyboard, como a
metodologia adotada pela Warner Bros., na qual uma primeira versão mais rascunhada era
previamente aprovada pelo diretor antes de ser finalizada em uma versão de trabalho. Os
diálogos eram adicionados posteriormente, de maneira que a ação sempre pudesse conduzir
as falas, e não o contrário.

Durante a chamada Era de Ouro dos desenhos animados norte-americanos, muitos estúdios
passaram a trabalhar a narrativa diretamente em seus storyboards, sem passar previamente
pelo roteiro. Além de economizar tempo e dinheiro, tratava-se de uma questão de pensar
diretamente em termos de sons e imagens – o que pode ser bastante útil em situações de maior
apelo visual, como acontece em muitas gags, por exemplo. Atualmente, como vimos no final
do capítulo anterior, há séries que trabalham das duas maneiras: com e sem a elaboração de
um roteiro prévio.

O storyboard pode ser entendido, portanto, como a representação visual da narrativa,


exibindo uma sucessão de imagens, de modo a proporcionar uma pré-visualização da animação.
Sua criação é resultado de um processo de decupagem do roteiro e permite visualizar melhor
a história por meio de uma perspectiva ilustrada sequêncial e não apenas por meio de palavras
escritas, como acontece no roteiro. Neste caso, vale o ditado popular: “uma imagem vale mais
do que mil palavras”.

Da mesma forma que um argumento não é igual a um conto, o storyboard não deve ser
entendido como sinônimo de HQ, nem vice-versa. Apesar de possuir algumas semelhanças com
a história em quadrinhos e de provavelmente ter sido influenciado por esta, o storyboard deve
ser entendido como um processo próprio e distinto, que foi sendo aperfeiçoado com o passar
do tempo. Atualmente, a criação e o uso de storyboards na produção de uma animação são
considerados indispensáveis.

A utilização do storyboard durante a pré-produção de uma animação possui algumas funções


e objetivos primordiais. Em primeiro lugar, permite uma definição estética da linguagem da
animação, com a composição dos planos por meio da escolha de enquadramentos, movimentos
de câmera, efeitos, trilha sonora, movimentação de personagens etc. Destarte, a forma deve
trabalhar a favor do conteúdo, valorizando sempre suas necessidades dramáticas. Em uma
sequência de um episódio cujo sentido seja enfatizar a superioridade ou grandiosidade de
determinada personagem, por exemplo, o uso de uma câmera baixa (que mostra a personagem
em uma angulação de baixo para cima) pode passar muito melhor essa ideia do que o uso de
uma câmera plana – cujo sentido normalmente remete à noção de igualdade.

Permite, portanto, testar algumas funcionalidades da narrativa, como a continuidade, o


acting das personagens e o timing das ações, por exemplo. A decupagem da história em uma
sequência de desenhos deve atentar não apenas para a clareza da mensagem, mas também
à intencionalidade e aos sentidos por trás de cada plano, de maneira a não estimular uma
eventual gratuidade das ações e a enfatizar aquilo que efetivamente for desejado pelo autor.

209
Dramaturgia de Série de Animação

O storyboard serve ainda como importante ferramenta de comunicação do diretor com


a equipe de produção. Devemos considerar que uma série de animação costuma envolver
um número elevado de profissionais com as mais diferentes especializações e que uma
comunicação eficiente é fundamental para o sucesso do trabalho em equipe. Por isso, os
storyboards costumam ficar fixados em uma sala comum para que todos tenham fácil acesso
ao mesmo material.

210
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

Um mapa de cena, ou planta baixa da locação, pode facilitar o entendimento da


movimentação das personagens e posicionamento das câmeras para composição dos planos,
diminuindo a possibilidade de erros de continuidade, de eixo de ação e outras regras do audiovisual

211
Dramaturgia de Série de Animação

Por ser desenhado e, de certa maneira, se aproximar mais da animação do que do roteiro
escrito, o storyboard possibilita um melhor dimensionamento do projeto da série, considerando
seus problemas e desafios. Dessa maneira, acaba facilitando a busca por soluções práticas e
inventivas que poderão ser incorporadas à animação. Por exemplo: a partir uma cena que
envolvesse uma multidão em movimento, o artista de storyboard, a partir da necessidade
efetiva de realizar essa cena, poderia pensar em diferentes formas de viabilizá-la. Assim, a
multidão poderia ser representada de maneira desfocada, por meio de um borrão disforme ou
ainda simplesmente por meio de sons ao fundo, desde que essas propostas dialogassem com o
próprio conceito da série.

Um artista de storyboard deve, assim, pensar sempre em termos da estruturação narrativa do


episódio (contar a história), da intencionalidade ou objetivo das ações de acordo com os conceitos e
premissas da série (não gratuidade) e da articulação forma-conteúdo a fim de se explorar o máximo
possível os recursos disponíveis (linguagem e estética). Para tanto, deve também obedecer a
determinadas regras caras ao audiovisual, como a continuidade, por exemplo.

Para que o artista de storyboard possa desenvolver ao máximo as potencialidades dessa


etapa, é fundamental que conheça e domine questões diversas, como composição de imagem,
enquadramento, movimentos de câmera, acting (poses, gestos e expressões), timing,
paisagem sonora e linguagem musical. Por possuir essa experiência, muitas vezes, animadores
são escolhidos para realizar storyboards ao invés de ilustradores que, apesar do domínio da
técnica do desenho, não possuem necessariamente igual domínio em relação ao movimento e
às especificidades da linguagem audiovisual.

Antes de qualquer coisa, a realização de um storyboard deve obedecer a uma regra básica:
é preciso que ele possa ser entendido da mesma forma por diferentes pessoas. Não deve existir
qualquer equívoco sobre o quê, como e onde está se desenvolvendo a história. Ao se olhar para
um desenho, não deve haver dúvida que se trata de uma representação da protagonista da
série realizando determinada ação em certo ambiente, e não de outras coisas quaisquer.

Atualmente, os storyboards costumam ser realizados de duas maneiras: tradigital e


digital, variando em função do costume e da afinidade de cada artista. Na primeira maneira,
o desenho é feito de maneira analógica em uma folha de papel, inicialmente com lápis azul
não reprográfico e finalizado com caneta ou lápis de cor preta. Em seguida, o desenho é
digitalizado por meio de um scanner. Na maioria dos casos, uma resolução entre 150 e 300
dpis é suficiente, dependendo do tamanho e do nível de detalhes da imagem. Uma dica nesse
processo é escanear os desenhos finais em modo colorido, aumentar o contraste e só depois
converter para escala de cinza (grayscale). Uma vez digitalizado, pode-se posteriormente
ajustar alguns dos elementos do desenho, como a saturação, por exemplo, em um software de
tratamento e manipulação de imagem.

O método digital, por sua vez, consiste no desenho realizado diretamente em um suporte
digital, como as tablets e Cintiqs, que dispensam o processo de escaneamento da imagem. Por
ser originalmente digital, a imagem costuma passar pelos processos de ajustes e detalhamento
durante seu próprio desenho. Boa parte dos animadores que começou a animar de maneira
analógica prefere utilizar o primeiro método, enquanto o segundo, mais rápido, é preferido por
animadores nativo-digitais. Cada desenho finalizado deve ser salvo em um único arquivo digital

212
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

e nomeado com o padrão “nomedoarquivo_0001”. A numeração no final do nome do arquivo


deve ser respeitada de acordo com a própria ordem dos planos da animação, de maneira que,
ao final do trabalho, todos os desenhos realizados possam ser ordenados na sequência correta
do próprio storyboard.

Independentemente do método utilizado (tradigital ou digital), recomenda-se que cada


desenho seja feito em uma folha inteira, em uma moldura de proporção 16:9 (1,78:1). Esta
proporção corresponde ao aspect ratio dos atuais aparelhos de televisão de alta definição
(HDTV), mais retangular que a dos antigos monitores, de 4:3 (1,33:1) e mais próxima à
proporção de boa parte das telas de cinema (1,85:1). Apesar do guia de campo (field guide)
ser utilizado apenas na produção da animação em si, é importante que os quadros desenhados
no storyboard possuam, para melhor composição dos planos, proporção semelhante àquela
que terão posteriormente na tela.

Em relação ao acabamento e sua utilização, os storyboards podem ser divididos em três


categorias: rascunho, trabalho e apresentação. Storyboards de rascunho são realizados em
forma de thumbnails, de forma rápida, com desenhos com menos detalhes e menor acabamento.
Em alguns casos, inclusive, são esboçados nas margens das páginas de um roteiro impresso,
em papéis de rascunho para rápido registro de uma ideia ou em folhas com diagramação livre,
geralmente acompanhadas de rabiscos, anotações e observações feitas à mão.

O storyboard de trabalho corresponde à versão utilizada no cotidiano do estúdio e


apresenta mais detalhes e informações que a versão de rascunho. Por isso mesmo, costuma
sofrer diversas alterações, normalmente sugeridas pelo diretor, até o início do processo da

213
Dramaturgia de Série de Animação

animação em si. Uma versão portátil do storyboard costuma ser feita, na qual cada folha
desenhada é reduzida e normalmente disposta ao lado ou abaixo de outras duas em uma
mesma página. Dessa maneira, cada página é composta por três (podendo chegar até a seis)
linhas ou colunas nas quais, além dos desenhos, podemos observar um cabeçalho, indicações
de ações e ambiente e descrições do áudio (diálogos, paisagem sonora, efeitos ou música),
sempre referentes ao quadro de sua coluna.

Cada desenho de um storyboard corresponde a um quadro (panel) de um plano (shot) de


uma cena (scene), devidamente indicado no cabeçalho de cada desenho – geralmente pouco
acima da moldura. Conforme definimos anteriormente, uma cena corresponde a uma unidade
dramática específica unitária e contínua dentro de uma história. Ainda que seja possível contar
uma história com uma única cena, normalmente os episódios de uma série de animação são
compostos por algumas cenas distintas.

Os planos, por sua vez, podem ser brevemente definidos pelo “corte” da câmera; cada
vez que a câmera corta de seu enquadramento para outro, temos a mudança de um plano.
Embora seja possível fazer uma cena e até mesmo um episódio inteiro com um único plano
(por meio de câmera estática ou de um grande plano sequência), as cenas costumam utilizar
diversos planos. Por exemplo: a cena de uma família jantando pode ser mostrada por meio
de uma sucessão de planos intercalados dos rostos das pessoas, de detalhes de objetos de
cena, ações e enquadramentos mais abertos de conjunto. A quantidade e a duração de cada
plano é resultado de uma escolha estilística do diretor: normalmente uma grande quantidade
de cortes passa maior dinamismo, enquanto planos mais lentos passam a ideia de calma e
tranquilidade.

Finalmente os quadros representam os momentos principais de um mesmo plano. Em um


plano com uma personagem falando, movimentando apenas a boca, um único quadro para
representar este momento no storyboard é suficiente. Já em uma situação que apresente
no mesmo plano uma personagem atravessando uma rua, tropeçando em uma pedra, caindo
e batendo a cabeça no meio-fio antes de desmaiar, é preciso utilizar cerca de sete quadros
distintos do mesmo plano para representar os diferentes momentos dessa ação.

Neste exemplo, poder-se-ia pensar na seguinte sequência de sete quadros para um mesmo
plano de uma mesma cena: personagem andando pela rua, com a pedra do outro lado da rua;
personagem alguns passos mais à frente, no meio da rua, com a pedra na mesma posição;
personagem no final da rua, próxima à pedra; personagem tropeçando na pedra; personagem
desequilibrada com o corpo na diagonal em queda; personagem com o corpo tombado na
vertical batendo a cabeça no meio-fio; personagem deitada no chão da rua desmaiada, com
o corpo imóvel.

Nos exemplos anteriores, da fala e da queda, o segundo caso exigiria uma quantidade
muito maior de desenhos para representar todos os seus momentos principais – de modo
semelhante à definição dos key frames de um movimento no processo de animação. Assim,
planos com uma mesma duração de tempo podem ter diferentes quantidades de desenhos de
quadros. Quanto mais ações houver ou mais detalhadas elas forem, em um plano, maior será
a quantidade necessária de quadros desenhados no storyboard.

214
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

215
Dramaturgia de Série de Animação

216
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

217
Dramaturgia de Série de Animação

218
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

219
Dramaturgia de Série de Animação

220
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

221
Dramaturgia de Série de Animação

O uso de softwares de tratamento e composição de imagens facilitou o processo de


desenho dos quadros de um plano em um storyboard. Elementos que permaneçam estáticos
em uma mesma posição não precisam ser redesenhados a cada novo quadro – como no processo
do uso do acetato, que vimos anteriormente. Dessa maneira, artistas de storyboard utilizam
diferentes camadas (layers) e desenham novamente ou reposicionam apenas aquilo que se
movimenta nos diferentes quadros de um plano. Sendo assim, um episódio de 11 minutos
pode ter mais de 600 desenhos em seu storyboard, dependendo da demanda do nível de
detalhamento dos planos do episódio. Apesar do volume e de parecer muito trabalhoso, em
princípio, nesse caso, quanto mais desenhos houver, melhor.

No exemplo da personagem que tropeça na pedra, a rua e a pedra não precisariam ser
redesenhadas a cada novo quadro, bastando repetir a mesma camada do primeiro desenho nos
demais. A camada contendo o desenho da personagem poderia ser deslocada um pouco mais a
frente, eventualmente alternando um pouco a posição das pernas, de maneira a parecer que
a personagem estaria se deslocando, no meio e, no quadro seguinte, no final da rua. Para os
demais quadros (tropeço, queda, batida de cabeça e desmaio), seria necessário o desenho da
personagem nas respectivas poses e posições, podendo-se manter inalteradas as camadas com
os cenários originais do plano.

O artista de storyboard deve ter acesso, além do roteiro, à maior quantidade de materiais
possíveis sobre a série, como o conceito da série, descrição do universo, model sheets e
concept arts. Da mesma forma, deve manter diálogo constante com o diretor da série, a
fim de tornar mais ágil o processo e garantir que tenha a melhor qualidade possível. Caso
alguma parte da trilha, sonoplastia ou dublagem esteja pronta antes ou durante a realização
do storyboard, também pode ser disponibilizada para auxiliar o trabalho desse profissional.

Depois de revisado e finalizado, o storyboard de trabalho costuma ser organizado, como vimos,
em uma versão portátil (impressa e/ou digital), com desenhos reduzidos, para consulta rápida e
disponível em qualquer lugar. Já a fixação dos desenhos em tamanho original em uma grande parede
ocupa, em alguns casos, todas as paredes de uma sala e só está disponível naquele espaço.

Nessa versão presencial, com desenhos fixados na parede, pode acontecer uma nova etapa
nesse processo, na qual é realizada uma espécie de apresentação ou interpretação em tempo
real (com o artista de storyboard), como uma dramatização ao vivo de cada quadro desenhado
no storyboard. Dessa maneira, o diretor consegue ter outra percepção do trabalho realizado
até então e eventualmente sugere novos ajustes e mudanças no storyboard.

Diferentemente do live action, a animação não possui flexibilidade para se refazer cenas
ou experimentar novos planos e interpretações durante a sua realização. Isso significaria, em
uma animação, um grande desperdício de tempo e de recursos para produção de materiais
alternativos que, ao final, não seriam aproveitados. Salvo casos de tela dividida (split) ou de
recursos como máscaras e picture in picture, apenas um plano é utilizado de cada vez em um
audiovisual, dispensando-se as opções não escolhidas. Daí, a importância do storyboard e a
possibilidade de se conseguir antever a própria animação em seus desenhos.

Apesar de ser sempre utilizado nas animações, o storyboard também costuma ser utilizado
em outros produtos audiovisuais, como comerciais, videoclipes e mesmo em alguns filmes

222
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

em live action. Isso ocorre principalmente em filmes que exigem rígida marcação de cena
para posterior composição com efeitos digitais, ou em casos de diretores que exploram certo
preciosismo na fotografia. O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, por exemplo, era conhecido
por não iniciar as filmagens antes de ter definido o storyboard de todas as suas cenas.

Em alguns casos excepcionais, o storyboard de trabalho pode ser complementado pelo


storyboard de apresentação, destinado, como o próprio nome sugere, para a apresentação
junto a alguém que não pertença à equipe técnica da animação. Nessa versão, o storyboard
é ainda mais desenvolvido e seu acabamento deve ser o mais próximo possível ao próprio
acabamento final da animação. Uma de suas utilizações mais comuns ocorre no mercado
publicitário, quando uma agência ou cliente não conseguem visualizar no storyboard de
trabalho (muito menos no de rascunho) a animação final.

Nesse caso, os desenhos são limpos (clean up), retocados, pintados (storyboards de
trabalho normalmente são feitos em branco e preto) e finalizados com aparência semelhante
à da própria animação. Quando necessário, revela-se um processo bastante trabalhoso e
demorado, por isso sua prática costuma se restringir ao universo da publicidade. Nas séries
de animação, produtores e executivos, mesmo que não dominem a técnica da animação
em si, estão familiarizados com seu meio e conseguem entender o storyboard de trabalho
de maneira semelhante ao diretor, sobretudo se ele vier acompanhado de outros materiais
visuais mais finalizados.

O storyboard é considerado indispensável em uma animação, não apenas por conta dos
fatores aqui elencados, mas também porque representa uma maneira de se produzir qualitativa
e quantitativamente mais. Quanto mais desenvolvido for o storyboard, melhor, mais rápido e
mais barato será a próxima etapa de desenvolvimento rumo à animação, o animatic.

Também conhecido por leica reel e story reel, o animatic consiste em uma espécie de
versão audiovisual do storyboard. Cada quadro desenhado permanece exibido pelo tempo
predeterminado de sua duração em tela cheia até ser substituído pelo desenho seguinte e
assim por diante. Apesar de apresentar uma sequência de imagens ligeiramente diferente
uma das outras, o animatic ainda não possui o acabamento e a fluidez de movimento de uma
animação finalizada. De toda forma, permite uma visualização mais dinâmica dos planos, já
acompanhada do áudio da animação devidamente sincronizado.

Animatics podem ser simples (video storyboard) como uma sequência de slides ou mais
sofisticados (high-end), semelhantes a uma animação limitada, com algum movimento de
câmera, deslocamento de personagens e objetos, transições e efeitos simples de vídeo.
Independentemente de seu nível final de acabamento, devem sincronizar o áudio com a
imagem apresentada. Para tanto, softwares de edição e pós-produção de vídeo são utilizados
para gerar o arquivo audiovisual.

O animatic gerado é utilizado como uma espécie de arquivo guia para o desenvolvimento da
animação em si. À medida que cada plano do animatic começa a ser animado, atualiza-se esse
arquivo guia com os novos planos em diferentes estágios de animação. Conforme é atualizado,
com planos mais ou menos finalizados, o animatic se transforma naquilo que é conhecido como
rough cut. O rough cut em animação, diferentemente do live action, é entendido como uma

223
Dramaturgia de Série de Animação

evolução do animatic e é composto, portanto, por uma sucessão de planos sonorizados em


diferentes estágios de desenvolvimento da animação.

Quando o rough cut estiver totalmente atualizado com todos os planos devidamente
animados passa a dar lugar à animação propriamente dita. A animação, por sua vez, geralmente
passará ainda por processos de composição, pós-produção e finalização de som e imagem antes
de ser entregue para exibição.

Com essa abordagem final sobre o storyboard e a importância de seu desenvolvimento para as
etapas seguintes de produção, terminamos o último item da apresentação de uma bíblia de produção
de série de animação. Veremos a seguir alguns outros itens que acabam se aproximando mais dos
aspectos de comercialização e produção de uma série de animação. Apesar de extrapolar a dimensão
narrativa e dramatúrgica que propomos abordar neste livro, acreditamos ser importante que o leitor
possua, ao menos, alguma noção destes outros fatores como forma de melhor visualizar e conceber,
passo a passo, seu projeto de maneira planejada e integrada.

224
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

225
Dramaturgia de Série de Animação

3.9 Outros elementos e


aspectos a considerar
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Considerar
A metodologia de projeto de série de animação presente neste livro costuma ser compilada
e apresentada em um documento próprio, conhecido no mercado como “bíblia de produção”
(production bible). Mas além desse documento específico, é preciso que o autor tenha
conhecimento de novas etapas que poderão ser desenvolvidas futuramente.

Neste sentido, outro material de grande importância para quem pretende apresentar um
projeto é a chamada “bíblia” (bible), cujo foco está mais voltado à comercialização do projeto
de uma série de animação do que à sua produção. Esse documento é apresentado em uma
versão mais enxuta do que a bíblia de produção. Assim, não se deve assumir que quanto mais,
melhor. A bíblia de comercialização possui textos resumidos contendo a apresentação geral da
série, descrição das personagens principais, sinopses técnicas de cerca de cinco episódios, a
arte da série (cenários, objetos de cena, logo etc.) e o contato dos responsáveis. Trata-se de
um primeiro documento, que é apresentado pelo autor e/ou produtor proponente da série para
produtores e executivos de estúdios interessados na realização do projeto. Essa apresentação
costuma acontecer em eventos internacionais destinados para esse tipo de encontro, como
KidScreen e MIPCOM.

O caráter enxuto da bíblia se deve ao fato de, nesses eventos, existirem interesses prévios
variados, como temática e público-alvo, que limitam o escopo dos executivos, obrigando-os a
uma filtragem dos projetos que irão se propor a analisar. O fato de alguém não se interessar
por um projeto não significa necessariamente que o projeto não esteja bom, mas que apenas
não se encaixa no tipo específico de produção que estava sendo buscada. Além disso, é preciso
considerar que nesses eventos existem muitos projetos apresentados, o que aumenta a
concorrência e restringe o tempo de contato entre aqueles que querem vender e aqueles que
querem viabilizar a realização de uma série de animação para televisão.

A bíblia serve, ainda, como documento de referência para a breve apresentação presencial
(normalmente com duração entre cinco a dez minutos) realizada in loco. Essa apresentação,

226
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

essencialmente oral, é conhecida como pitch. E esse é um momento importante para convencer
alguém interessado em seu projeto que ele realmente vale a pena. O uso de recursos extras,
como pequenos trechos animados ou um teste de animação, música tema, abertura da série e
bonecos das personagens podem ser utilizados, mas, diante do projeto em si, acabam tendo
papel secundário.

O comércio faz parte da cultura humana desde tempos imemoráveis e normalmente esta
é uma parte que não costuma agradar autores e profissionais criativos. Seria ótimo se todos,
assim como o próprio autor, tivessem a mesma avaliação de seu projeto. Entretanto, para que
o projeto possa ser realizado, de fato, é preciso antes que seja comercializado para viabilizar
sua produção – caso contrário continuará sendo “apenas” mais um projeto.

É importante que o pitch seja feito pelo próprio autor ou produtor da série, pois são pessoas
que a conhecem suficientemente bem para apresentá-la e para responder a quaisquer dúvidas
que possam surgir. Nesse momento, pressupõe-se que a pessoa responsável pela apresentação
acredite e saiba por que o projeto é bom e quais são os diferenciais qualitativos significativos
que o distingue dos demais.

É importante lembrar que a principal qualidade de um bom pitch está na capacidade


de conseguir o que o proponente deseja. Em outras palavras, conseguir fazer um negócio
é uma parte deste objetivo; a outra é que este negócio mantenha aquilo que o autor do
projeto quer. É fundamental, portanto, estar atualizado quanto às tendências do mercado e
conseguir se imaginar “do outro lado”. Um projeto é avaliado não apenas por sua inventividade
e criatividade, mas também por sua viabilidade e propósitos.

A primeira coisa a se fazer sobre o pitch é buscar formas de conseguir efetivamente fazê-
lo. É possível, embora bastante raro, realizar um pitch diretamente no escritório de uma
empresa desejada, mediante contato e agendamento prévio. Entretanto, a forma mais comum
é por meio de apresentações em eventos especializados. Pressupõe-se, é claro, que todo e
qualquer projeto que for apresentado esteja não apenas bem acabado, como também em suas
melhores condições de desenvolvimento. Mais importante do que ter pressa em apresentar,
é causar uma boa impressão pela qualidade final do projeto. Em um pitch vale o ditado: “a
primeira impressão é a que fica”.

É desejável que a pessoa que irá apresentar o projeto seja reconhecida no meio – o
que normalmente é conseguido após algum tempo de atuação profissional na área. Por isso,
representantes de projetos de séries costumam participar ativamente de eventos do setor,
expandindo gradativamente seu networking e visibilidade. Além da participação em si, é
igualmente importante que esta pessoa seja reconhecida no mercado como um profissional
sério e organizado. Estando bem representado, as portas se abrirão mais facilmente.

Ao conseguir alguém para escutar e avaliar seu projeto, é preciso estar preparado. O pitch envolve
dinâmicas diversas relacionadas à apresentação de ideias e de estratégias de venda. Conhecer em
extensão e profundidade o mercado de séries de animação é fundamental para fazer um diagnóstico
preciso e elaborar as melhores táticas para o desenvolvimento e a apresentação de um projeto. É
importante que o proponente seja, portanto, um especialista não apenas no projeto apresentado,
mas também na leitura da conjuntura em que se insere esse projeto.

227
Dramaturgia de Série de Animação

Por mais que possa parecer clichê, demonstrar confiança e paixão pelo projeto também é
fundamental. Se o próprio proponente não estiver entusiasmado com o projeto, dificilmente
transmitirá essa sensação de envolvimento e comprometimento para o avaliador. Esse
sentimento otimista e apaixonado pelo projeto é tão natural que não pode tentar ser simulado
pelo proponente, pelo contrário, sua espontaneidade pode inclusive ser contagiante.

Em um pitch, todo o trabalho realizado em um projeto, às vezes de anos de


desenvolvimento, é colocado à prova, “cara a cara” com alguém, em alguns poucos minutos.
Essa carga concentrada acaba fazendo com que detalhes aparentemente pequenos possam
fazer a diferença, desde coisas óbvias, como ser pontual, educado e saber se comunicar,
até outras mais sutis, como inspirar confiança e usar corretamente determinadas palavras e
respostas. Às vezes, a diferença entre o sucesso ou fracasso de um pitch está justamente em
um desses detalhes aparentemente pequenos.

Ao apresentar uma personagem jovem, deve-se evitar, por exemplo, apresentar seu perfil como
“alguém que não gosta de seguir a moda, nem de ser igual a outros jovens”. Mesmo fazendo parte
do perfil psicológico da personagem, esse traço da personalidade não pode ser apresentado desta
forma, uma vez que esses valores negativos (“não gosta”, “não é”) podem ser interpretados como
futura dificuldade para conseguir anunciantes e patrocinadores. Não é preciso mudar o projeto e
a característica da personagem para reverter esta impressão. Pode-se apresentar essas mesmas
características por um ponto de vista mais positivo, valorativo: uma personagem com ideias próprias
e personalidade forte – o que tende, por sua vez, a agregar valor para futuros anunciantes. Observem

228
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

que, em ambos os casos o projeto da série é exatamente o mesmo, a única mudança foi a maneira
como foi apresentado. A diferença entre o “sim” e o “não” para um projeto pode estar em detalhes
aparentemente pequenos como esse.

Destarte, é importante não perder de horizonte a perspectiva do avaliador durante a


organização e planejamento de um pitch. É ele quem deve, em primeiro lugar, entender o
projeto, para depois tentar compreendê-lo, visualizá-lo e, quem sabe, se interessar por sua
realização. Assim como os episódios de uma série, também o pitch é uma experiência para
“um outro” e por isso deve passar por etapas de planejamento, organização e possuir alguma
espécie de roteiro base para o momento da apresentação.

Normalmente, a fala do pitch em si começa com uma breve saudação e a apresentação


profissional do proponente. É importante nesse momento que o apresentador responsável pelo
projeto saiba exatamente qual sua função na produção da série, evitando a todo custo assumir
o papel do “faz-tudo” ou aquele que faz “um pouco de cada coisa”.

Este roteiro de apresentação deve ter como público-alvo o avaliador do projeto e, não,
o próprio apresentador, tornando, portanto, a apresentação a mais clara e objetiva possível,
abordando obrigatoriamente os aspectos centrais da série e seus diferenciais qualitativos.
Ensaios são recomendáveis e podem ser realizados inúmeras vezes, com diferentes pessoas
dispostas a colaborar, a fim de simular eventuais situações que possam ocorrer posteriormente.
Quanto mais rigorosas forem estas simulações e quanto mais vezes elas forem realizadas,
melhor preparado o pitch estará.

Conversar com pessoas que normalmente você não conversaria sobre o seu projeto também
pode ajudar. Pessoas com atuação profissional ligada à parte executiva, ainda que não na área
de animação, pequenas amostras de seu público-alvo, assim como quaisquer outras pessoas
para quem se puder mostrar o projeto, podem levantar questões diversas, algumas dessas
talvez bastante relevantes.

Todavia, como podemos imaginar, por mais preparado que se esteja no momento de sua
realização, esse roteiro de apresentação está sujeito a mudanças: uma pergunta inesperada
pode interromper a fala e a linha de raciocínio adotada pelo apresentador, fazendo com
que o pitch tome um rumo diferente daquele incialmente imaginado. Por isso, além dos
ensaios, é preciso que o proponente conheça todos os detalhes do projeto para que tenha
respostas assertivas e imediatas sempre que forem solicitadas. Da mesma forma, esse domínio
permitirá certos improvisos e variações na apresentação, respeitado os objetivos do pitch e as
características da série.

Para tanto é preciso que o apresentador faça a “lição de casa”, se preparando o melhor
possível e respondendo algumas perguntas fundamentais: para quem será feito o pitch? Quais
são as características desse possível parceiro? O que ele procura? Que tipos de projetos ele
costuma realizar? Também é importante se imaginar do outro lado e tentar antecipar perguntas
que provavelmente serão feitas para o apresentador: o que se deve saber sobre este projeto?
Por que deveria financiá-lo? Quais são seus diferenciais em relação aos demais projetos? O que
ele agregará à minha empresa?

229
Dramaturgia de Série de Animação

Nesta preparação prévia, pode-se aplicar método semelhante ao da análise S.W.O.T., que
permite fazer um exame abrangente do contexto como instrumento para a gestão e elaboração
de ferramentas estratégicas. Esta análise leva em conta as dimensões internas e externas
de um projeto, que podem ajudar - forças (strengths) e oportunidades (opportunities)-, ou
atrapalhar - fraquezas (weaknesses) e ameaças (threats) - a conquista de um objetivo.

Em relação ao comportamento do apresentador, é importante que ele possua um nível


relativo de calma, suficiente para que não seja atrapalhado pela ansiedade, tampouco relaxe
demais e se esqueça de dar o tônus necessário à sua fala. Da mesma forma que a animação
procura dar vida e criar uma alma para suas personagens e histórias, o pitch deve fazer o mesmo
em relação ao projeto de uma série de animação. O próprio tom do pitch pode mimetizar o
tom da série: se a série tiver humor, o pitch pode ser um pouco mais descontraído e informal
- desde que não deixe de abordar todos os itens fundamentais do projeto.

O apresentador deve atentar ainda às reações do avaliador para eventuais ajustes durante
o próprio pitch. Precisa escutar com atenção e entender, sem qualquer tipo de dúvida, tudo
o que for dito pela pessoa que estiver do outro lado. Também não deve hesitar em responder
qualquer questão, da mesma forma que pode fazer eventuais perguntas para se certificar que
a apresentação esteja eficiente ou mesmo para melhorá-la para novas oportunidades.

Para começar a participar de eventos buscando a viabilização de uma série, é recomendável


possuir cerca de três projetos distintos, todos com a mesma qualidade de desenvolvimento. A
possibilidade de oferecer projetos com diferentes características, conceitos e até mesmo públicos-
alvo permite a ampliação da oferta de propostas e consequentemente o escopo de avaliadores
potencialmente interessados e a própria possibilidade de sucesso comercial do pitch.

Também se revela cada vez mais importante diante das gerações nativas-digitais pensar
em termos de transmídia, isto é, em maneiras pelas quais o universo desenvolvido possa existir
simultaneamente e de forma integrada em diferentes plataformas e mídias. Assim, depois de
assistir a um episódio na televisão, por exemplo, o público pode continuar acompanhando o
universo da série por diversas outras formas, como jogos digitais, website, livros, quadrinhos,
peças de teatro e licenciamento de produtos diversos.

Tanto na bíblia de comercialização quanto na de produção, assim como em qualquer outro


material de apresentação a ser entregue, é preciso que as informações apresentadas possam
estar acompanhadas de um projeto gráfico elaborado, que valorize sua própria apresentação.
A fim de se obter melhor resultado, é recomendável trabalhar com um designer gráfico
experiente, capaz de pensar no formato da peça gráfica e/ou digital, na escolha ou criação
tipográfica para os diferentes tipos de texto, na disposição dos diversos elementos na página,
em eventuais grafismos e intervenções e na impressão e acabamento final da peça. A arte deve
procurar sempre passar alguma emoção e reproduzir formalmente o próprio tom da série.

Ainda que de nada adiante uma boa apresentação sem conteúdo interessante, projetos com
apresentação visualmente limitada costumam ser mal avaliados. Quem arriscaria investir em
um projeto de série de animação que não consegue sequer desenvolver uma boa apresentação
visual de seus materiais? Diferentemente do que pode acontecer em outras áreas, a arte e
a diagramação de qualquer material em um projeto de série de animação representa, de

230
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

certa forma, a própria animação como um todo, e não um mero esquema, ilustração ou
preenchimento de espaços. Além disso, por meio de uma boa elaboração e apresentação
desses materiais é possível inferir o esmero e envolvimento presentes por trás do projeto e
a vontade de causar uma boa impressão para tentar viabilizar a produção da série. Por isso,
podemos afirmar que essa seriedade destinada aos materiais é condição mínima inicial para
que alguém possa olhar devidamente para um projeto de série de animação.

A partir de um interesse nesse primeiro contato o proponente pode ser convidado para um
novo encontro, no qual deverá apresentar de forma mais completa o seu projeto, normalmente
por meio da bíblia de produção. É importante frisar aqui que os primeiros aceites do projeto
ocorrem sempre a partir de uma avaliação dos aspectos narrativos e criativos da série. Diante
de um interesse inicial, é assinado um contrato de opção de compra (option agreement), a
partir do qual se demonstra o interesse do estúdio ou empresa no projeto e a obrigatoriedade
do autor ou responsável pela série de parar de exibir o projeto para outras pessoas. Também
costuma ser assinado um termo de confidencialidade (ou NDA – Non-Disclosure Agreement),
assegurando que nenhuma informação sobre o projeto e o processo de comercialização da
série seja divulgada – em alguns casos, o próprio contrato pode ser mantido em sigilo por meio
deste termo.
 
Apenas em um segundo momento é que são discutidos elementos relacionados à produção
e à comercialização da série. Nesse momento posterior, aspectos sobre o desenho de produção
(detalhes sobre a técnica de animação, infraestrutura e formação das equipes), cronograma,
fluxograma de produção e orçamento são definidos entre as partes envolvidas.17 Também podem
ser discutidos, dependendo da participação de cada parte envolvida, detalhes referentes
ao plano de negócios, incluindo a parte de licenciamento e marketing (L&M plans). Nesses
processos de negociações, alguma flexibilidade é necessária de ambas as partes para que haja
um ajuste entre o lado criativo e o lado business da produção de uma série de animação.

Entretanto, devemos lembrar que apenas uma pequena quantidade, entre todos os projetos
apresentados, resultam em uma série de animação com temporadas regulares. Com isso,
não pretendemos desanimar os autores, mas, ao contrário, estimulá-los a continuar sempre
tentando. Boa parte das séries de animação exibidas ou em exibição passou por alguns ajustes
e versões anteriores em seus projetos até serem finalmente escolhidas. Também não são raros
os casos em que algumas séries de sucesso foram recusadas antes de serem aprovadas por
outras pessoas. Da mesma forma, existem casos de aposta no projeto de determinadas séries
que, entretanto, não chegaram a fazer o sucesso comercial projetado.
Isto porque esse processo não é uma ciência exata e pode apresentar grandes equívocos.
Cabe apenas ao responsável realizar uma autoavaliação de seu projeto de série, mesurar se é
possível ajustá-lo e por quanto tempo se deve insistir nele antes de substituí-lo por um novo.

Caso um projeto não seja rapidamente selecionado, o mais importante é não desistir e ter
paciência e perseverança. Com o tempo, aumenta a experiência na elaboração e apresentação
de projetos e, consequentemente, as chances de que um projeto venha a ser selecionado em
um pitch.

17. O edital do ANIMATV disponibiliza arquivos anexos com instruções detalhadas para o preenchimento destes itens.

231
Dramaturgia de Série de Animação

Da mesma forma, é preciso cautela no caso de um pitch exitoso. O fato de um projeto ser
escolhido e elogiado não deve gerar um entusiasmo capaz de deixar de lado a necessidade de se
conhecer quem oferece a possibilidade de parceria e as condições oferecidas para sua realização.

Além do desenvolvimento e da produção de uma série, outros aspectos podem colaborar


para seu sucesso, como a distribuição, exibição e o licenciamento de produtos. Distribuição,
exibição e licenciamento modestos certamente resultaram em menor projeção da série,
independentemente de suas virtudes.

Dada a distância existente entre o desenvolvimento do projeto e o público final de uma série
de animação, é importante ter uma boa estrutura e “clima” para o trabalho em equipe, contando
sempre com bons profissionais em todos os setores. Considerando o grande número de artistas e a
diversidade dos profissionais envolvidos, conseguir trabalhar de maneira harmoniosa e produtiva se
revela como um dos grandes desafios da produção de uma série de animação.

Antes de tentar entrar nesse mercado, é preciso saber de seu alto nível de competividade
e dos riscos envolvidos. Além de um bom projeto e apresentação, é fundamental possuir uma
entrosada e profissional equipe de trabalho, além de estar devidamente preparado para essa
jornada. Melhor do que conseguir produzir uma série de animação, é produzir várias.

Desta maneira, encerramos este capítulo, que objetivou versar e refletir sobre os diversos
elementos e aspectos envolvidos na dinâmica do desenvolvimento de um projeto de criação de uma
série de animação. No próximo capítulo, abordaremos e analisaremos duas experiências realizadas
no âmbito do Programa ANIMATV, as séries “Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”.

232
Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação

233
Capítulo 4
estudos
de caso
Dramaturgia de Série de Animação

4. Estudo de Caso
4 estudos
de caso
Como vimos no segundo capítulo, o ANIMATV surge como o primeiro programa de fomento à
produção e teledifusão de séries de animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o
estímulo da indústria nacional de animação. Para tanto, o programa foi resultado de uma parceria
inédita entre a Secretaria do Audiovisual (SAv) e a Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do Ministério
da Cultura (MinC), a Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, a Fundação Padre Anchieta - TV
Cultura, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), com o
apoio da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Esse estímulo foi concretizado pelo
estabelecimento de um circuito de exibição de desenhos animados nacionais na televisão, pela
motivação gerada nos estúdios de animação em produzir novos conteúdos e pela potencialização da
inserção das séries selecionadas no mercado internacional.

Os pilotos desenvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, pela TV Cultura e por mais 20 emissoras de
toda a rede de associadas à ABEPEC, a partir de 25 de janeiro de 2010, com reprises em diversos
canais e horários, além de exibições em eventos diversos, como o Anima Mundi, por exemplo.18
Durante a veiculação na televisão, foi realizada uma votação popular na internet, na qual os projetos
“Abílio e Traquitana” e “A Princesa do Coração Gelado” foram os mais bem votados.

Além disso, dois projetos de série (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”) foram
selecionados, entre os 17 exibidos, para o desenvolvimento de mais outros 12 episódios. O
processo de escolha dessas duas séries aconteceu por meio de uma comissão própria de seleção,
que levou em conta os seguintes critérios de avaliação: qualidade do piloto, qualidade da
bíblia, relatório de desempenho da equipe ao longo da produção e os resultados das pesquisas
de audiência e de grupos focais com o público-alvo de cada série.

18. Todos os episódios pilotos podem ser assistidos no site: www.tvcultura.com.br/animatv e


www.tvbrasil.org.br/animatv

236
Estudos de Caso

Cada um desses itens foi devidamente avaliado pela comissão a partir de materiais
elaborados previamente por diferentes agentes: a bíblia e o piloto foram realizados pelos
próprios responsáveis pelos projetos selecionados, enquanto o relatório de desempenho foi
feito pela Coordenação Executiva do ANIMATV, as pesquisas de audiência pelas emissoras TV
Brasil e TV Cultura e a pesquisa de grupos focais pela Cultura Data.

A Cultura Data é uma unidade de negócio especializada em pesquisas de comunicação, mercado


e opinião pública, que foi responsável por elaborar testes qualitativos para os 17 pilotos das séries.
Para tanto, foi utilizada a técnica de discussão em grupo, por meio de reuniões em salas com cerca
de dez participantes dentro do perfil do público-alvo de cada série. Ao todo, foram 17 grupos de
discussão, formados por 164 crianças e adolescentes espectadores de televisão - 87 meninos e 78
meninas - pertencentes à classe socioeconômica B2C, segundo classificação da ABEP (Associação
Brasileira de Empresas de Pesquisa). Os encontros aconteceram em 2010, nas cidades de Porto
Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

O procedimento inicial consistia em uma moderação que procurou deixar os participantes à


vontade, além de usar dinâmicas apropriadas, exercícios de atenção e técnicas projetivas, tais
como figuras de estímulo, kit avaliação e conversas com o moderador. As figuras de estímulo
expressaram sentimentos (de “muito” a “nenhum interesse”, em uma escala de cinco pontos),
reações (de “não quero ver” a “me divirto”, em uma escala de quatro pontos) e entendimento
(“entendi” x “não entendi”) em relação às animações exibidas. Por meio do kit avaliação, cada
participante pôde colocar seu voto individual e secreto com cartões em uma urna.

Essa pesquisa qualitativa teve como principal objetivo avaliar, da perspectiva do público-
alvo de cada episódio piloto, três aspectos principais: impacto, entendimento e personagens.
O primeiro deles, impacto, foi mensurado por meio da observação de reações espontâneas, da
aceitação do público, do interesse despertado pelos elementos da série e também por meio
dos destaques positivos e negativos de cada episódio.

O segundo deles, o entendimento, foi avaliado a partir da compreensão do roteiro, pela


facilidade ou dificuldade de compreensão do vocabulário e dos diálogos e pela adequação do
piloto exibido ao perfil do público-alvo atribuído pelo próprio autor da série.

Por fim, a avaliação das personagens aconteceu por meio de sua aceitação e empatia,
pelas características atribuídas de personalidade, incluindo os defeitos e as virtudes, pela
identificação junto ao público-alvo e pela relação dos atributos mais apreciados e dos mais
desaprovados das personagens das séries.

Este modelo de avaliação de projetos de séries de animação para televisão, adotado pelo
ANIMATV, está em consonância com aquilo que é utilizado internacionalmente pelas emissoras de
televisão ao fazer a apreciação e prospecção dos projetos oferecidos para exibição em sua grade
de programação. Conhecer essa metodologia representa, portanto, a oportunidade de levar em
consideração os aspectos aqui apresentados durante a elaboração do projeto de criação da série e
das demais etapas subsequentes, aumentando assim suas potencialidades e perspectivas.

O ANIMATV ofereceu ainda aos 17 selecionados uma ação contínua de formação dos
produtores e autores, capacitando-os para a produção e comercialização dos projetos e

237
Dramaturgia de Série de Animação

tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Além das oficinas ministradas


durante a imersão, já citadas anteriormente neste livro, houve ainda o acompanhamento
regular da Coordenação Executiva do ANIMATV durante todas as etapas de produção do
episódio piloto (o que resultou na elaboração do relatório de desempenho), a Oficina de
Capacitação em Mercado e a Oficina de Criação Transmídia. Esta última foi realizada por
meio de uma parceria com o Programa Cinema do Brasil e com o UpTo3’- Brazilian Short
Animation & New Media Exhibition of Toronto.

A Oficina de Capacitação em Mercado foi ministrada por três profissionais com experiência
no mercado internacional de séries de animação: Reynaldo Marchezini, produtor responsável
pela série “Princesas do Mar”, exibida internacionalmente em diversos países; Andre Breitman,
sócio e produtor executivo da 2DLab, estúdio brasileiro que realiza a série “My Big Big Friend”
(em coprodução com a canadense Breakthrough Entertainment) e Silvia Chicca, cujo currículo
inclui passagens pela Warner Bros. e pela Disney (onde foi responsável pelo planejamento,
desenvolvimento e implantação das personagens Disney Babies) e gerenciou, de 2007 a 2010,
a Cultura Marcas, área de licenciamento da TV Cultura.

Nesta oficina, os responsáveis pelos projetos selecionados no ANIMATV tiveram a oportunidade


de conhecer aspectos diversos relacionados à comercialização, coprodução internacional e
licenciamento de produtos para séries de animação. Além disso, puderam conversar com esses
três profissionais, compartilhar suas experiências, passar por consultorias específicas e pensar
em estratégias adequadas para as necessidades e demandas de cada projeto selecionado,
preparando-os assim para uma melhor apresentação no mercado internacional.

A Oficina de Criação Transmídia, por sua vez, contou com a participação de Jesse Cleverly,
CEO da Connective Media Solutions, palestrante em eventos como MIPCOM e KidScreen e
profissional com ampla experiência na BBC. Na rede estatal inglesa, Cleverly trabalhou por
mais de dez anos ocupando os cargos de editor de roteiros na divisão de filmes, diretor de
coprodução e aquisições de produções infantis para a BBC Children e chefe de desenvolvimento
do Fictionlab, unidade de inovação de conteúdo digital da BBC para projetos transmídia.

Questão relativamente nova, mas de crucial importância para se pensar a atual geração - conhecida
por alguns como geração “Y” ou geração “@” -, a transmídia é a realização de projetos multiplataforma nos
quais, ao mesmo tempo em que se deve pensar a especificidade de cada mídia envolvida (geralmente há
um mínimo de três), também se deve pensar em todas elas de maneira integrada. A tendência apontada
por teóricos e profissionais do mercado, e que já se começa a verificar, é a de que a convergência digital
tornará indistinto o acesso a conteúdos e o que definirá a mídia ou suporte para este acesso será muito
mais uma questão de conveniência do que necessidade ou limitação.

Por trás da questão geracional, a transmídia evidencia a mudança do paradigma do


comportamento da passividade associado à noção de audiência, composta por espectadores,
para o paradigma da interatividade, associado à noção de comunidade formada por usuários ou
interatores. Destarte, o feedback do público se mostra mais imediato e interativo, permitindo
uma melhor avaliação qualitativa dessa relação. Em comparação com os produtos presentes
exclusivamente na televisão, quando se diz que x pessoas assistiram a um programa, muitos
autores, produtores e executivos permanecem sempre com algumas dúvidas em suas cabeças:
viram mesmo? De que forma? Onde eles estão? Como eles são?

238
Estudos de Caso

Comunidades se apresentam como algo muito mais próximo e “palpável” do que um target
elaborado por uma equipe de marketing, pois permitem aprender muito mais sobre os hábitos e
características das pessoas que interagem com o universo oferecido. Dizem muito mais sobre as
pessoas com quem estamos lidando, em outras palavras, essas pessoas se tornam algo mais do
que os números que as escondiam. O ambiente digital dá a impressão às pessoas que, ao terem
a possibilidade de interagir e fazer escolhas em relação a um determinado conteúdo, elas estão
definindo uma extensão de suas próprias personalidades, se expressando como elas acham que são.

Este novo paradigma se apresenta não apenas para o público, mas também para os
profissionais envolvidos em todas as etapas de desenvolvimento de conteúdos multiplataformas.
Para a criação de projetos transmídia que partam de uma série de animação, é importante
considerar a adequação ao público-alvo, descobrir onde está esse público quando não está na
televisão e pensar, para diferentes suportes midiáticos, em diferentes maneiras de se mostrar
o produto em questão. A transmídia se revela complexa em qualquer aspecto: da perspectiva
teórica e conceitual, dialoga com os conceitos de inter e transdisciplinaridade abordados
anteriormente neste livro; da perspectiva de produção, assim como em um projeto de série de
televisão, envolve uma série de etapas, desde a parte criativa até sua efetiva implementação
e acompanhamento (follow up).

Segundo Cleverly, o princípio por trás de qualquer projeto transmídia é a profundidade


do universo criativo envolvido: enquanto ele for capaz de motivar o interesse e fornecer
novos conteúdos estará garantida a energia necessária para a criação de novos materiais
multiplataformas. Neste sentido, o ideal é sempre começar a pensar estrategicamente a
transmídia, desde o início do projeto, pois o planejamento bem realizado e a coordenação das
peças ao longo de sua produção podem ser a chave para o seu sucesso.

O público nativo digital tem por costume um grande anseio pelo aumento da interatividade,
sobretudo quando se trata de um produto criativo e de entretenimento - como é o caso de
uma série de animação. Por isso, também é preciso adotar sempre, em todas as etapas de
desenvolvimento de um projeto transmídia, uma metodologia centrada no usuário dessas
múltiplas plataformas (user center design).

Além da maior adequação ao perfil das novas gerações, a transmídia também representa a
possibilidade de maximizar o valor de um projeto por não apenas agregar valor ao universo criado,
como também aumentar as margens de lucro do negócio. Atualmente, não são raros os casos, nem
restritos à animação, de projetos que possuem faturamento maior nas mídias “agregadas” do que na
própria mídia de “origem” daquele conteúdo. Por isso, projetos das mais diferentes áreas, como a
música e o cinema, pensam cada vez mais em termos de transmídia.

Porém, de nada adianta a adoção de um pensamento estratégico eficiente se a origem criativa


e a motivação inicial do projeto não envolverem “paixão”. É este sentimento que deve guiar o
movimento do projeto, definindo todos os passos que serão dados. Nas palavras de Cleverly:

“Acho que o problema para muitas pessoas é que muitas propostas que você vê na televisão
não passam essa sensação de que são boas, com essa verdadeira paixão, e fica a sensação de
que elas foram criadas por departamentos de marketing. Então eu acho que paixão é essencial
se você vai fazer alguma coisa valiosa”.

239
Dramaturgia de Série de Animação

A programação da Oficina de Criação Transmídia foi dividida em dois dias. No primeiro dia,
os representantes dos projetos selecionados no ANIMATV puderam participar de um debate
sobre transmídia que também contou com a presença de André Melmenstein (Revista Tela
Viva), Rogério de Campos (Editora Conrad), Camila Machado (TV Brasil), Daniela Vieira (Turner)
e Fábio Monteiro Ribeiro (Associação de Mídia Indoor).

No segundo dia, cada um dos produtores presentes realizou um pitch de seu projeto e teve
a oportunidade de ouvir comentários e sugestões de Cleverly sobre os planos para expandir o
universo narrativo da série de animação para outras plataformas além da televisão.

Em seus dois dias de atividades, a programação da Oficina de Criação Transmídia abordou


as diversas etapas dos processos pelos quais devem passar um projeto multiplataforma, como
planejamento, desenvolvimento, narrativa, produção, audiência e remuneração. 19

A perspectiva para os 17 projetos selecionados pelo ANIMATV, que passaram por um


programa contínuo de formação e capacitação para produção de séries de animação, é que
possuam os recursos e as capacidades necessárias para que possam achar seus parceiros de
coprodução, viabilizando a realização efetiva de seus projetos. 20

Neste último capítulo do livro, abordaremos especificamente os dois projetos selecionados,


“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”, promovendo uma melhor apresentação e análise
de seus elementos narrativos e dramatúrgicos, além de duas entrevistas realizadas com os
autores das respectivas séries.

19. No site bibliastransmidia.com.br é possível conferir diversos vídeos e informações sobre transmídia e a
oficina realizada por Jesse Cleverly no final de 2010.
20. Lembramos que é possível acompanhar todas as ações realizadas e notícias atualizadas sobre o ANIMATV e os
17 projetos de séries participantes no blog do Programa: blogs.cultura.gov.br/animatv.

240
Estudos de Caso

241
Dramaturgia de Série de Animação

242
Estudos de Caso

4.1 Série selecionada:


“Tromba Trem”
4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem”
“Tromba Trem” reúne um elefante com pretensões artísticas, uma tamanduá hiperativa e
21

uma colônia de cupins paranoicos que viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina.
Em formato filme de estrada (road movie), a série explora as divertidas situações decorrentes
do convívio de personagens antagônicas e de aventuras que surgem a cada novo lugar visitado,
como cordilheiras, planícies, desertos, geleiras e florestas tropicais.

Juntas, essas personagens percorrem diversas regiões atrás de um misterioso dirigível.


Gajah, que perdeu a memória ao chegar ao cerrado, faz isso porque acha que a nave poderá
ajudá-lo a desvendar o seu passado. Já a colônia de cupins acredita que a aeronave é uma nave
espacial que os levará até seus evoluídos antepassados alienígenas.

A responsabilidade na definição das rotas fica a cargo de Gajah que, por ser um elefante, possui
apurada orientação espacial. Porém, o que ninguém sabe é que esse paquiderme é uma exceção
à sua raça e não possui essa orientação, transformando a viagem em uma enorme excursão pela
América Latina. A cada novo episódio, os tripulantes do trem – que comumente é utilizado como
metáfora da própria vida em sociedade - encontram um novo local, conhecem novas personagens
(geralmente animais da fauna local) e enfrentam inúmeros desafios para continuarem sua viagem.
Assim como nossas próprias vidas, essa viagem é, ao mesmo tempo e em certos aspectos, previsível
e imprevisível, marcada por certezas e incertezas, calmaria e turbulências.

Com um ritmo narrativo bastante dinâmico, “Tromba Trem” possui ainda um design criativo
bastante inteligente, em que há uma valorização do acting, das poses das personagens e a presença
de rostos amplos, o que possibilita uma grande área para valorização das reações e expressões faciais.

21. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo
a produção, disponível em: http://trombatrem.blogspot.com

243
Dramaturgia de Série de Animação

Sem perder a ênfase na personagem, a série consegue ainda, por meio de enquadramentos, ângulos e
movimentos de câmera, valorizar os diferentes cenários e paisagens apresentados em toda a série.

O episódio piloto da série – que discutiremos um pouco mais adiante – apresenta a situação
na qual Gajah, Duda e a colônia de cupins se conhecem e passam a viver juntos. E isso só
acontece graças à presença do elefante fora de seu habitat natural, abrindo novos horizontes
para todas as personagens envolvidas: Duda encontra em Gajah uma espécie de guru; a colônia
de cupins descobre que o elefante é útil para o carregamento de água (combustível do trem)
e para a manutenção do vegetarianismo de Duda (uma tamanduá naturalmente devoradora de
cupins) e o próprio Gajah faz novas amizades e consegue um meio de transporte mais rápido
em sua perseguição ao dirigível.

Gajah é um jovem elefante indiano, que questiona as regras ao mesmo tempo em que se
mostra um tanto quanto preguiçoso. Seu principal hobbie é a fotografia e seu comportamento
corresponde ao estereótipo do “artista avoado”: vive em seu próprio mundo lúdico e se deixa
levar pelas emoções. Vegetariano, adora comer hortaliças, ao mesmo tempo em que se mostra
entusiasmado para descobrir novos gostos e sabores.

Sua vida sofre uma reviravolta quando, de maneira misteriosa e inexplicável, é sequestrado
por um dirigível, indo parar no meio do cerrado brasileiro. Ao perder suas memórias mais
antigas, resolve ir atrás do dirigível em busca de respostas. Suas pretensões artísticas passam
ainda pelo teatro e geralmente resultam em momentos de grande inspiração, o que, por um
lado constrange os racionais cupins e, por outro, aumenta a admiração de Duda.

Na natureza, os tamanduás são mamíferos desdentados, hábeis comedores de insetos,


principalmente formigas e cupins. Eles se encontram ameaçados de extinção, principalmente
pela redução de seu habitat, o que os leva a se deslocarem em busca de novos espaços para
a sobrevivência. Com visual diferenciado e olfato aguçado, é um animal calmo, cauteloso e
solitário – só sendo visto em grupos durante a primavera, período de reprodução.

Apesar de solitária, a tamanduá Duda é bastante sociável e comunicativa – como todo tamanduá,
é bastante linguaruda, por isso “fala sem parar”. De boa índole, também é vaidosa, hiperativa,
ansiosa e muito influenciável. Em busca de sua própria identidade, adere às mais diversas e variadas
formas de encontrar “algo maior”, mas sempre de forma simplista. Também costuma misturar
conhecimentos e referências diversas como budismo, autoajuda, astrologia e esoterismo.

Duda, que usa óculos grossos, costuma falar bastante e de forma muito rápida, sempre
emitindo um som sibilado por conta de sua fina e comprida língua. Quando fala mais devagar,
costuma gaguejar, demonstrando certa falta de hábito para se comunicar dessa maneira. Em alguns
momentos, alterações momentâneas em seu estado de humor chegam a assustar os cupins.

No reino animal, os cupins, assim como as abelhas e as formigas, são considerados seres
eussociais, isto é, que possuem sociedades complexas, nas quais há clara divisão do trabalho,
um cuidado cooperativo com a própria espécie, sobretudo, mas não apenas, com a prole,
e que apresentam a sobreposição de gerações em um mesmo habitat. Na série, a unidade
de pensamento da colônia de cupins é tanta, que é possível pensar nela como uma única
personagem, embora alguns de seus cupins tenham mais destaque que outros.

244
Estudos de Caso

245
Dramaturgia de Série de Animação

Os cupins são extremamente organizados e exímios carpinteiros, sendo capazes de


construírem qualquer coisa em madeira. Também possuem grande domínio tecnológico, que os
faz acreditar serem descendentes de uma avançada civilização alienígena – esperando apenas
pelo regresso da nave mãe, que acreditam ser o dirigível, para levá-los “de volta” à terra
natal de seus ancestrais. Tal crença faz com que demonstrem certo tom de superioridade e
arrogância, mesmo que para conseguirem seus objetivos e conviverem com outras espécies
tenham que rever suas ideias e valores.

Os cupins possuem uma rainha, Joaquina Segunda, que reina de maneira firme e autoritária.
No começo, a rainha pensa que Gajah é um tipo de tamanduá, mas depois percebe ser vantajoso
mantê-lo na companhia da colônia, uma vez que ele pode manipular as vontades de Duda – o
que pode ser um modelo para a educação de outros tamanduás para não comerem cupins. Em
um futuro ideal, livre de predadores naturais, os cupins estariam livres para dominar o mundo
e ampliar sua tecnologia espacial.

O jovem filho da rainha é Júnior, o mais culto e inteligente entre todos os cupins, pois foi
alimentado apenas com livros desde que nasceu. Curioso e menos paranoico do que os demais,
é o cupim que mais se aproxima de Gajah e Duda e não está convencido que seus ancestrais
vieram, de fato, do espaço. A colônia conta ainda com o eficiente Capitão, uma espécie de
braço direito da rainha, responsável pela segurança dos cupins. Bélico e paranoico, ele vive
organizando planos contra os eventuais ataques de predadores naturais dos cupins.

Episódio piloto: “O Estrangeiro”


Gajah, um elefante indiano, despenca do céu,
tendo sua queda amortecida por algumas árvores.
Duda, que estava meditando no alto de uma pedra,
percebe o movimento e vai em direção ao local da
queda. No trajeto, é atentamente observada por um
sujeito oculto por meio da lente de um binóculo.

Chegando ao local, a tamanduá vê o elefante


desmaiado, um pouco ferido e sustentado por alguns

246
Estudos de Caso

cipós a poucos centímetros do chão. Duda questiona em voz alta suas dúvidas sobre a origem
e a natureza do animal até que surge Mestre Urubu, um urubu que responde às suas dúvidas e
também é responsável por acordar o elefante por meio de um sonoro e fedorento arroto.

Ao acordar, Gajah pergunta quem são eles, mas não consegue responder à devolutiva de
sua pergunta dizendo quem é ele mesmo, pois simplesmente não se lembra. O urubu afirma
que o nome dele é Gajah e que ele veio da Índia. Perguntado sobre como descobriu, a ave
afirma que viu uma foto na câmera que o elefante carregava junto a ele. Neste momento,
Gajah se recorda de que gosta de fotografar e começa a clicar sem parar.

Enquanto isso, o Capitão cupim, que descobrimos ser quem estava observando toda a
cena pelo binóculo, avisa à rainha que “os tamanduás” estão arquitetando um plano contra a
colônia. O pequeno e esperto filho da rainha, Júnior, tenta avisar que “o grandão” não é um
tamanduá, mas ninguém o escuta.

Mestre Urubu conversa com Gajah tentando ajudar a descobrir como ele foi parar ali e
chegam à conclusão que teve a ver com o dirigível, uma vez que elefante não sabe voar. A ave
some repentinamente e Duda se oferece para seguir o elefante indiano, a quem considera uma
espécie de guru. Após algum tempo, Gajah percebe que a tamanduá não para de falar, o que o
incomoda bastante. Então ele pede para ela fazer um mantra, enquanto aproveita para fugir
sem ser percebido.

No meio da fuga, entretanto, Gajah é capturado em uma pequena armadilha e levado


pelos cupins à presença da rainha. Esta lhe mostra o trem que levará sua colônia para a nave-
mãe e os conduzirá de volta para o avançado mundo de seus ancestrais. Os cupins liberam
um gás que faz Gajah dormir, deixando para decidir o futuro do prisioneiro mais tarde. Nesse
momento, não muito distante dali, Duda termina seu mantra e percebe que está sozinha.

Gajah acorda e começa a conversar com Júnior, que pede desculpas pelo comportamento
da colônia. A rainha avista seu filho e, temendo que ele estivesse correndo risco, aciona o
comandante que dá a ordem para o início do ataque dos cupins contra o indefeso elefante, que
iriam furar algo “muito mais macio que madeira”. É quando surge Duda que, completamente
enfurecida, pega o capitão cupim e manda soltar seu guru. Fora de controle, Duda ameaça
devorar os cupins, porém Gajah intervém lembrando-a de que é vegetariana e evocando um
mantra que a deixa muito mais calma e tranquila, de volta ao seu estado normal.

Ao perceber que Duda era vegetariana e que Gajah possui controle sobre a vontade da
tamanduá, a rainha enxerga em Duda um modelo, uma possibilidade de um futuro melhor para
os cupins - sem predadores - e manda soltar o paquiderme. Nesse exato momento, passa no
céu o dirigível e Gajah sai correndo em direção a uma corda próxima ao chão, pendurada na
aeronave. Atrás dele vem Duda e, atrás dela, o trem dos cupins a todo vapor.

O elefante alcança a corda, se segura a ela, mas percebe Duda tropeçando e permanecendo
imóvel em cima dos trilhos, correndo risco de ser atropelada pelo trem que vinha logo atrás, a
toda velocidade. Nesse momento, Gajah toma uma decisão: se solta da corda e corre em direção à
tamanduá, salvando sua vida. O trem, todavia, já havia sido freado por solicitação de Júnior à sua
mãe. A rainha, após hesitar um pouco, ordena que o maquinista pare. Duda acaba sendo jogada pelo

247
Dramaturgia de Série de Animação

paquiderme, sã e salva, em um lago, enquanto Gajah é que acaba colidindo contra o trem - que a
esta altura já estava parado. O dirigível segue seu caminho e vai embora.

Após uma pequena discussão, o elefante pede para a rainha dos cupins uma carona no trem
para alcançar novamente a aeronave. A soberana explica que o trem está sem combustível
(água) e que levaria semanas para os cupins encherem o reservatório, gota por gota. Gajah
percebe que pode ajudar a encher o reservatório de forma muito mais rápida, por meio de sua
tromba, e se oferece para ajudar. Assim, Gajah e Duda se juntam à colônia de cupins e partem
todos em busca do misterioso dirigível.

No final, o urubu volta e “puxa” a música tema da série, que é utilizada para o encerramento,
apresentando os créditos da produção junto com novas imagens das personagens interagindo
com a animada canção tema da série.

Na Índia, o elefante é um animal relativamente comum, sendo utilizado há séculos para


ajudar no trabalho e também como meio de transporte – inclusive urbano. Desde o ano de 2010,
o elefante foi declarado um patrimônio nacional naquele país e sua preservação reforçada. Na
religião hindu, o elefante é associado à Ganesha, filho de Shiva e Parvati, considerado um deus
extremamente sábio, provedor de fortuna, prosperidade e também superador de obstáculos –
sejam eles físicos ou espirituais. Sua graça é invocada por meio de diversos mantras.

Gajah (que em malaio significa elefante) não possui os atributos nem as virtudes da
divindade hindu e sua presença é completamente inusitada na América Latina, uma vez
que este espaço não corresponde ao seu habitat natural. É este elemento estrangeiro que
traz consigo a novidade e desencadeia a trama central da série. Sua presença é vista com
admiração por Duda e como novidade pela colônia de cupins, mas nunca é hostilizada por
qualquer personagem. Da mesma forma, Gajah também trata de forma cordial seus novos
colegas, mesmo que para isso tenha que, por vezes, superar suas antigas ideias e valores.

Se Gajah não está em casa, também não demonstra sentir saudades da Índia. Tampouco enfrenta
grande resistência em sua acolhida no novo mundo, pelo contrário. O elefante representa, portanto,
os diferentes povos que vieram, e continuando vindo, para a América Latina e que, junto com seus
habitantes nativos, ajudam a definir as identidades múltiplas e multifacetadas de seus países.

Assim, as características internas das personagens, suas virtudes e seus defeitos motivam
seus relacionamentos e amizades, fugindo de certo determinismo reservado para essas
espécies: Duda é uma tamanduá, diferentemente da natureza de sua espécie, vegetariana;
Gajah, um elefante que descobre uma nova vida em uma localidade geográfica da qual não se
originou e os cupins formam uma colônia que reverte seu papel de presa (caça) e confinamento
por meio da tecnologia e da motivação baseada em uma crença.

A presença de novos lugares e personagens a cada episódio possibilita a inserção de elementos


variáveis que potencializam a abertura de situações e contextos originais. Desta forma, na medida
em que as próprias personagens principais da série complexificam seus relacionamentos, ampliam
seus conhecimentos e expandem seus horizontes, também o espectador é convidado a embarcar
nesse trem e pensar nas questões propostas, seja no contexto da série ou mesmo em sua própria vida
cotidiana em sociedade.

248
Estudos de Caso

Entrevista com Zé Brandão, autor de “Tromba Trem”


Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto de animação
para curta-metragem e para série de TV?
O curta-metragem é uma história que se encerra em si mesma. Se ao fim do filme o
expectador sai com a sensação de que não há nada mais a ser contado, não há problemas, o curta
cumpriu seu papel de entreter e/ou emocionar. Sua estrutura narrativa pode ser extremamente
complexa, pois não precisará ser repetida. A série para a TV precisa transmitir a sensação de
que sempre haverá algo mais a ser mostrado. Despertar a curiosidade do expectador de que
outras histórias podem surgir a partir daquelas. A narrativa deve ser estruturada de forma
que possa ser remontada a cada episódio, pois o formato identifica a série, que por natureza
remete à repetição.

Quais são os diferenciais narrativos de uma boa série de animação?


Apesar de respeitar a estrutura narrativa que é comum a todos os episódios, a boa série
o faz de maneira que cada capítulo seja único, sempre trazendo um elemento original. Uma
boa série deve ter sua identidade reconhecida em poucas linhas do roteiro, mas trazer uma
sensação de novidade ao fim da leitura. 
 
Como se deu o processo de criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as demais
etapas? Como é formada a equipe de criação e quais são as tarefas desenvolvidas por ela?
Por incrível que pareça o primeiro passo para a criação da série “Tromba Trem” foi um
exercício, uma brincadeira de associar palavras aleatórias. Sorteei três palavras que não tinham
nenhuma relação entre si e criei uma história que conectasse todas elas. O resultado era uma
premissa engraçada, porém fraca, não se sustentaria se depois não houvesse um trabalho de
realmente justificar cada conexão. Então veio o processo de desenvolver o universo da história,
desenvolver cada personagem separadamente e como se dá a relação entre elas. Quais eram
os objetivos, os medos, as características de cada um e como isso se somava na evolução da
premissa. No fim, a história era bem mais densa que a inicial, com muito mais conteúdo.

Depois, foi colocar essa história sob a apreciação da equipe de criação. Essa equipe era
formada de pessoas que já haviam trabalhado juntas em processos criativos semelhantes.
Todos que estavam ali apostavam na qualidade da premissa, acreditando no seu sucesso. A
equipe veio com sugestões para a história, e muitas delas foram aproveitadas, enriquecendo
muito o projeto. Nosso grupo de desenhistas se juntou para pensar a história graficamente, e
várias coisas que surgiram no desenho foram acrescentadas à narrativa.
 
Quais foram as referências no processo de criação da série?
Todas as referências eram unanimidade na equipe de criação. Queríamos fazer um desenho
que nos agradasse, que nos divertisse, portanto, as referências eram sempre as preferidas.
Muitas dessas referências eram desenhos em série, como “Bob Esponja”, “Mansão Foster” e
“Caverna do Dragão”, mas não se limitavam a isso, pelo contrário, a maneira como a Pixar
constrói suas personagens em longas-metragens influenciou muito. Nos inspiramos bastante
em nossas próprias experiências de vida, em filmes road movie, em épicos, jornadas de heróis
etc. Além de música, muita música, que ditou o ritmo da série.
 
249
Dramaturgia de Série de Animação

Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você
definiria sua série?
Uma série de humor, centrada nas personagens (character driven), que aposta na marcante
diferença entre elas e nas relações que estabelecem. A série também traz consigo o prazer da
descoberta, de novos lugares e personagens. Um gigantesco road movie, no qual não existe o
discurso maniqueísta de mocinho e vilão. Todos erram e acertam. 

Quais são as principais propostas/objetivos da série?


Antes de tudo, divertir e entreter. Depois, apresentar em forma de desenho animado as paisagens
e a cultura da América Latina. Também abordamos temas sociais universais, como o respeito às
diferenças, a aceitação de outras crenças e a admiração da diversidade. 

Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?
O humor é uma presença constante, porém as piadas dificilmente são gratuitas, devem sempre
levar a história adiante, afinal as personagens têm objetivos, a viagem precisa seguir. A América
Latina é apresentada pelo olhar do estrangeiro, com o frescor do novo. Quando abordamos um tema
social, ele é colocado de maneira natural, sem um tom didático, moralista.
 
Como se dá a articulação da narrativa com os demais elementos (visuais, produção,
comercialização, etc) da série?
Tentamos nunca engessar a narrativa por conta de qualquer elemento. Acreditamos no
poder da história e damos muita importância a ela. Porém sabemos que a série tem limitações,
existem coisas que devem ser evitadas, pois visualmente seriam muito trabalhosas/dispendiosas.
Tentamos sempre resolver as coisas de maneira criativa visualmente para limitar o mínimo
possível à criatividade nos roteiros. E até hoje nunca fizemos nada na história preocupados com
o que vende mais ou menos. Achamos que se fizermos algo genuinamente bom, verdadeiro, ele
vai agradar a outras pessoas, e naturalmente vender. 

Quais foram, em termos narrativos, as principais dificuldades encontradas? Como foram


contornadas?
A estrutura narrativa básica da nossa série toma muito tempo do roteiro. Precisamos
estabelecer a chegada das personagens num novo lugar, onde elas vão conhecer novas
personagens e dessa relação vai surgir uma história. Isso deixa pouco tempo para desenvolver
todo o resto numa série que dura apenas 11 minutos (cada episódio). Contornamos esse
problema imprimindo um ritmo intenso na história, uma montanha-russa a cada capítulo.

Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série
de animação para TV?
Faça algo em que você acredite e de que goste muito, independente de tendências sociais
ou de mercado. Pense que para que dê certo você vai precisar fazer o seu melhor, e se der
certo você terá que conviver com essa ideia durante muito tempo. Se for algo de que você não
goste muito, não vai valer a pena.

250
Estudos de Caso

251
Dramaturgia de Série de Animação

252
Estudos de Caso

Série selecionada:
“Carrapatos e
4.2 Catapultas”
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas”
22

Em outra galáxia, no Planeta Vaca, carrapatos bico de pato usam canudinho para sugar
gororoba visando engordar e explodir – o que os levará ao desejado paraíso dos carrapatos.
Nesse estranho mundo, os protagonistas Bum e Bod são dois jovens amigos, que vivem no
trigésimo andar de prédios vizinhos. Além disso, eles têm em comum a característica de não
conseguirem engordar e explodir como os demais carrapatos.

Bum é um “carrapato bico-de-pato” gordinho, realista, sincero e que costuma se enervar


pelas confusões e trapalhadas de seu melhor amigo, Bod. Ao contrário dos outros carrapatos,
não tem pressa em explodir, pois acha que tudo está bom do jeito em que está. Assim como
Bod, toda vez que é catapultado para casa erra a janela de seu apartamento, batendo contra
a parede e escorregando até a entrada.

Toda noite, Bum recebe as ligações de sua mãe chamando direto do Mundo dos Carrapatos
Fantasmas. Além de lhe dar conselhos, a progenitora faz alguns presságios. Bum sofre de
sonambulismo, o que faz com que não se lembre de algumas de suas ações durante a noite.
Costuma se chatear e se irritar facilmente com Bod, porém, de uma forma ou de outra, sempre
releva esses sentimentos em nome da amizade.

Alto e magro, Bod é extremamente guloso, mas nunca engorda, pois sofre de um problema
hormonal. Depois de comer, sempre solta um alto e sonoro arroto. Pouco inteligente, se revela medroso
e expressa isso fisicamente por meio de tremores no corpo e ao colocar as mãos na boca diante de

22. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo
a produção, disponível em: http://carrapatosecatapultas.blogspot.com

253
Dramaturgia de Série de Animação

algum perigo iminente. Também é bastante atrapalhado, mas como é sortudo, as coisas costumam dar
sempre certo para ele. Toda vez que fica empolgado, Bod repete seu bordão: “- Super carrapatal!”.

No Planeta Vaca, ao mesmo tempo em que há alguns sistemas e objetos semelhantes aos
do nosso mundo, outras coisas são completamente diferentes. Não existem, por exemplo,
refrigeradores, máquinas de lavar, rádios, ipods, computadores e nem automóveis. Lá,
o principal meio de transporte são as catapultas, por meio das quais os carrapatos são
“catapultados” para os mais diversos lugares.

Comumente, os dois protagonistas conversam diretamente através da janela de seus


apartamentos. Quando querem sair de casa, fazem como os demais carrapatos: saltam pela
janela em queda livre até que o paraquedas automático que eles mantêm guardado em suas
carapaças seja acionado, permitindo o pouso em segurança no solo. Para retornarem aos
apartamentos ou se deslocarem para qualquer outro lugar, utilizam as inúmeras catapultas
espalhadas por todo o planeta. As catapultas são operadas por “catapulteiros” e podem lançar
um ou diversos carrapatos de uma única vez em inúmeras trajetórias diferentes, muitas vezes
tão inusitadas que chegam a contrariar as leis básicas da física.

A cidade dos carrapatos é ocupada por prédios com formas irregulares, revestidos de
pedras e repletos de janelas abertas, para permitir o entra e sai dos moradores e visitantes.
Por dentro, cada apartamento tem acabamento e decorações diferenciadas, de acordo com o
perfil de cada personagem.

A maioria dos carrapatos adultos já explodiu e se mudou para o desejado Mundo dos Carrapatos
Fantasmas. De lá, podem manter contato com os carrapatos do Planeta Vaca por meio de uma
espécie de telefone. As explosões são sempre repentinas e acompanhadas pela vibração de um grupo
de carrapatos que, também inesperadamente, surge comemorando o evento.

254
Estudos de Caso

Bum e Bod são exceções: Bum tem medo de explodir e Bod possui um problema hormonal
que o impede de engordar. Os dois se tornam amigos e aprendem a curtir a vida cotidiana no
Planeta Vaca, onde são felizes. De manhã, estudam em um colégio onde os professores vivem,
literalmente, explodindo e à tarde, trabalham como estagiários, realizando as mais diversas
tarefas. O chefe deles é Bonaparte, um carrapato mal-humorado que usa um chapéu idêntico
ao de Napoleão e que vive passando tarefas impossíveis para a dupla que, sempre com o auxílio
da sorte, consegue realizá-las.

O inusitado universo da série permite a apresentação de inúmeros elementos insólitos,


como: a “quase roda-gigante” (uma roda-gigante torta); os asteroides que caem no planeta
e mudam a personalidade de alguns carrapatos; as pedras flutuantes; os reis que explodem
constantemente; os buracos com olhos que levam a mundos subterrâneos, cheios de monstros
desconhecidos; as saborosas frutas pulantes e falantes chamadas de tingues-lingues; os
“carrapatos megafone”, que funcionam como emissários de notícias e também como
fofoqueiros, e os aviõezinhos de papel, que levam mensagens para qualquer endereço.

A abertura inventiva do universo da série e a presença do absurdo permitem a fecunda criação


de infinitos elementos e situações, mesmo que não pensadas a priori, uma vez que se tem a
impressão de que quase tudo é possível. A série faz ainda referências ao mundo contemporâneo e
possui humor elaborado, tornando-a também atrativa a um público mais adulto.

Com formas físicas semelhantes, os carrapatos variam de tamanho, cores e de


personalidade. De dentro de suas carapaças, podem ser retirados objetos estranhos e
improváveis, como o paraquedas acionado automaticamente em situações de queda livre. Os
objetos alienígenas (terráqueos), que surgem após os terremotos, são recortes fotográficos
dos referidos objetos, dando um visual diferenciado e distinguindo estes dos demais objetos
do mundo dos carrapatos.

Além de Bum e Bod, a série apresenta diversas outras personagens. Entre elas, está Bolão,
um “carrapato bico-de-pato” dentuço e muito gordo, obcecado em explodir – o que nunca
acontece. Costuma levantar sua enorme barriga que, ao cair, reproduz os sons das coisas que
foram sugadas. Por conta de seu tamanho exagerado, Bolão tem dificuldade para entrar e para
sair de muitos lugares, não raramente ficando entalado.

Baixinho é um “carrapato bico-de-pato” criança que, com a explosão simultânea de seus pais,
vai morar com seu primo Bum. Curioso e ao mesmo tempo distraído, é viciado em se catapultar,
ficando extremamente agitado quando fica muito tempo sem utilizar uma catapulta.

Episódio Piloto: “Caixa de Luz”


O episódio piloto de “Carrapatos e Catapultas” começa com a divertida abertura da série, na qual
são exibidas algumas imagens do desenho animado e de carrapatos dançando ao som da música tema,
até a entrada dos créditos com o logo da série e o título do episódio, no caso do piloto, “Caixa de Luz”.

O episódio começa com um terremoto no Planeta Vaca que, assim como outros tremores,
faz surgir misteriosamente alguns objetos. Da janela do seu edifício, Bod convida seu “vizinho

255
Dramaturgia de Série de Animação

de andar” no prédio ao lado, Bum, para ver o fascinante objeto, trazido pelo terremoto,
que surgiu em seu apartamento. Após hesitar um pouco, Bum aceita o convite, saltando pela
janela. Durante a queda livre, diversos carrapatos catapultados atravessam o caminho de
Bum, saudando-o com cumprimentos de bom dia. Alguns instantes depois, um paraquedas
automático é acionado, permitindo o pouso seguro de Bum.

No chão, um ambulante anuncia em um megafone pílulas engordativas, boas para explodir.


Bum passa por ele e caminha em direção a uma catapulta, onde pede para ir para a casa de
Bod. Antes que pudesse pedir para ir direto, Bum é catapultado acertando em cheio a parede
externa do prédio. Depois, escorrega para a janela do apartamento de seu amigo – o que
acontece sempre com a dupla.

Na sala de seu apartamento, Bod apresenta a novidade “super carrapatal”: uma caixa de
luz (aparelho de televisão). Bum afirma que aquilo é apenas “sucata alienígena”, mas Bod está
apaixonado pela misteriosa caixa, apelidada de Cirene, e acha que ela também gosta dele. Bod
revela seu trauma em se apaixonar por carrapatas que, nos momentos de romance, acabam
sempre explodindo. Por isso, seu desejo de substituir uma carrapata pela caixa de luz, que
não irá explodir. Os dois amigos vão conversar na cozinha e sugar uma gororoba verde com
tentáculos vivos. Após uma discussão sobre a novidade trazida, Bod volta para a sala, enquanto
Bum termina de tomar sua gororoba.

Quando chega à sala, Bum percebe que Bod havia sido hipnotizado por Cirene e que seu amigo
estava totalmente dominado. Preocupado, não vê outra saída a não ser arrancar o dispositivo da
frente do amigo e jogá-lo pela janela. Porém, no meio do caminho, Bum é interceptado por Bod e
ambos começam a brigar. Durante o combate, Bolão, um carrapato enorme, chega catapultado no
apartamento, o que gera uma pausa na confusão. Bum ajuda o novo visitante a entrar, uma vez que
este havia ficado, por conta de seu enorme tamanho, entalado na janela. Ao desentalar Bolão, Bum
acaba ficando preso, esmagado embaixo do grande colega, enquanto Bod foge com o dispositivo.
Bum só consegue convencer Bolão a se levantar e a segui-los depois de mentir, dizendo que Bod havia
levado com ele toda a comida da casa.

Os dois saltam e veem Bod e Cirene sendo catapultados. Eles correm para a mesma
catapulta e pedem para seguir o carrapato. Porém, no momento em que seriam lançados,
o catapulteiro explode repentinamente e os dois não conseguem segui-lo. Bum acha outra
catapulta logo mais à frente e vai ao encontro de seu vizinho hipnotizado, enquanto Bolão fica
em solo firme, sugando uma família de lesmas que havia encontrado em uma árvore.

Ao chegar a uma larga pedra delicadamente equilibrada no topo de uma montanha, como uma
espécie de gangorra, Bum encontra Bod ainda hipnotizado por Cirene. Ele consegue arrancar o aparelho
de televisão de seu amigo e o arremessa direto do alto da montanha para o chão. Desesperado, Bod
salta atrás do aparelho, mas antes de conseguir alcançá-lo, seu paraquedas é acionado e Cirene
acaba destroçada no chão. Ao aterrissar, Bod sai do transe e é reconfortado por Bum, que o convida
para sugar alguma gororoba na Suganete. Nesse momento, Bolão aparece repentinamente em cena
e diz: “- Hummm... Alguém falou em gororoba?”.

À noite, Bum está dormindo em seu apartamento quando subitamente seu telefone toca. O
carrapato levanta e atende o aparelho, colocando-o em cima de sua própria cabeça. O aparelho

256
Estudos de Caso

de telefone foi recolhido por Bum e é guardado em seu quarto secreto de lixos alienígenas. Ele
pode ouvir uma voz familiar, que telefonou para lhe dar “conselhos de mãe”, pedindo para ele
sugar tudo direitinho a fim de explodir rápido e ir logo para o paraíso, juntar-se a ela. A ligação
cai, pode-se ouvir um sinal de ocupado e o telefone é colocado no gancho.

Surgem os créditos finais da série, com a cidade ao fundo e um grande placar que tem
marcado em giz o número 92. Ouvimos um som de explosão, seguido de breves comemorações
de multidão. Um carrapato que estava imóvel, encostado na placa, apaga o último dígito (dois)
e escreve em seu lugar o número três, de maneira que o número exibido no placar se torna 93,
ou seja, mais um carrapato explodiu.

O estranhamento inicial causado pela série, em função da presença do absurdo e do


inusitado, logo dá lugar ao entendimento de um universo que, embora não seja factual, é
coerente internamente – o que é conhecido no campo da narratologia como a “suspensão do
descrédito”. Esta outra realidade, da qual somos convidados a participar, se apresenta como
uma espécie de metáfora ampliada de nosso próprio mundo.

257
Dramaturgia de Série de Animação

Neste sentido, a série, que teve seu nome e conceitos centrais pensados a partir da
sonoridade do termo “Carrapatos e Catapultas”, aproxima-se, em certo sentido, de “Bob
Esponja”. Todavia, ao deslocar e desconstruir objetos e hábitos associados à nossa civilização
contemporânea, a série brasileira reforça a crítica social, o conceito de valor das coisas e
inverte a noção de absurdo: como pode alguém se apaixonar por uma caixa de luz a ponto de
seguir suas ordens, tendo para isso até mesmo que brigar com seu melhor amigo?

O humor e o insólito presentes na série fornecem uma espécie de licença para que
questões caras ao nosso mundo possam ser abordadas, ainda que por meio de metáforas ou de
maneira sútil. Quando mais distante do “mundo real” a série parece estar, mais próxima dele,
paradoxalmente, ela consegue ficar.

Na vida natural, os carrapatos nascem de ovos, e na medida em que crescem, se transformam


durante sua vida. Mesmo sem alimento, podem sobreviver durante anos, ficando, entretanto, com
algumas de suas funções limitadas. São parasitas que se alimentam de sangue de outros animais, por
isso podem ser transmissores de diversas doenças e vírus, dependendo da região de ocorrência. Apesar
de sua associação às zonas rurais, também podem ser encontrados em zonas urbanas. Normalmente,
após sugar sangue, costumam inchar e mudar radicalmente de aparência.

Dependendo da espécie, os carrapatos podem se instalar por tempos variados no corpo do


hospedeiro, lá buscando alimento. Removê-los de maneira adequada desse corpo que lhes fornece
nutrição é um processo trabalhoso, mas diminui consideravelmente o risco de transmissão de
doenças.

Na série, os carrapatos devem sugar ao máximo, para engordarem e explodirem. Isso significa
que, quanto mais se conseguir comer, melhor – mesmo que para isso se ultrapasse alguns limites.
Podemos associar esse fato à crescente obesidade mundial, decorrente da maior presença de
alimentos menos saudáveis, da perda de um paladar apurado e da mudança dos hábitos alimentares,
problema oposto ao da fome que afeta uma grande parte da população mundial.

Diminuído à dimensão de “comer-dormir-trabalhar”, o homem se afasta cada vez mais


de sua própria natureza, substituindo seus valores existenciais basilares por aquilo que está
mais proximamente ligado à rotina de viver em função da aquisição e do consumo de bens
materiais. Em um mundo no qual “ter” vale cada vez mais do que “ser” (e/ou que para “ser” é
preciso, por sua vez, “ter”), os produtos preenchem esse vazio e promovem os privilegiados a
um “status superior”. Questionar, portanto, a natureza destes bens e de suas relações com os
seres (ainda que representados como carrapatos), assim como com a sociedade em que vivem,
é um procedimento crítico legítimo.

O carrapato sugador, parasita do mundo que o cerca, pode ser visto como uma paródia ao
homem, impregnado e irremovível dentro da dinâmica do mundo contemporâneo, transmissor
do vírus materialista e de todos os males modernos, esperando uma vida melhor após sua
explosão. Eis aí o “homem carrapato” de nosso mundo, representado no universo da série pelo
“carrapato bico-de-pato”.

O fato de explodir para ascender a uma vida melhor pode nos fazer lembrar, em um
primeiro momento, dos homens-bomba, comumente presentes entre os xiitas muçulmanos em

258
Estudos de Caso

conflitos no Oriente Médio; homens que prendem explosivos aos seus corpos e, por crenças,
religião ou ideologia, sacrificam sua própria vida e de suas vítimas em favor de um atentado
terrorista com a promessa de recompensas na pós-vida. Porém, tirando a explosão física,
os carrapatos da série não se assemelham aos homens-bomba, visto que não arbitram sua
detonação, tampouco prejudicam outras pessoas com a explosão, pelo contrário, ela é motivo
de comemoração para todos.

Neste sentido, a explosão dos carrapatos na série pode ser interpretada, em relação ao
mundo contemporâneo, de maneira simbólica. É esse homem diminuto, reificado, que vai,
ainda que não perceba, se entupindo até o momento em que explode. Esta explosão é a
promessa de transformação nesta ou em outra vida, de realização daquilo que não se efetivou
em sua existência. Ao não explodirem como os demais, Bum e Bod representam a existência
plena, valorizada em si mesma, enriquecida pelo sentido e que não depende da promessa de
dias melhores.

O universo da série é, portanto, dominado por um espírito jovem, uma vez que os carrapatos
mais velhos já explodiram e os mais novos ainda são crianças, imaturas. E é o frescor da
juventude que fornece a tônica dominante da série e a liberdade para que as personagens
vivam as mais diversas e inusitadas aventuras nesse mondo bizarro, ao mesmo tempo tão
distante quanto próximo ao nosso.

Tal qual a personagem de Raul Seixas apresentada na música “Ouro de Tolo”, os


protagonistas Bum e Bod representam alguma esperança nesse mundo, uma vez que não ficam
esperando a morte chegar “porque longe das cercas/embandeiradas/que separam quintais/no
culme calmo/do meu olho que vê/assenta a sombra sonora/de um disco voador...”.

Entrevista com Almir Correia, autor de “Carrapatos e Catapultas”


Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto de animação
para curta-metragem e para série de TV?
Com certeza um curta de animação é mais simples. Você cria personagens e um universo só
pra contar aquela história que terá 11 ou 15 minutos. Na série você precisa manter um padrão
imagético e também de repetições que dão “cara” para o produto, ou seja, o espectador tem
que assistir a qualquer episódio e conseguir identificar de imediato à série projetada.

Quais são os diferenciais narrativos de uma boa série de animação?


Em todo projeto, fugir do lugar comum. E quando for trabalhar com o lugar comum,
desconstruí-lo também. O humor e as gags são elementos importantes, pois mantêm o
interesse. No caso dos “Carrapatos [e Catapultas]”, temos ainda os estranhamentos de um
mundo absurdo, que de imediato podem ser bem recebidos por alguns e não por outros.

Como se deu o processo de criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as demais
etapas? Como é formada a equipe de criação e quais são as tarefas desenvolvidas por ela?
O primeiro passo é a ideia. As palavras “Carrapatos e Catapultas” surgiram assim, quase
do nada. Primeiro a ideia era fazer um livro infantil. Depois veio o ANIMATV. Da ideia, vieram

259
Dramaturgia de Série de Animação

as personagens e o mundo delas, que eu queria diferente do nosso. Não queria os carrapatos
vivendo numa vaca e assim surgiu o Planeta Vaca (total non sense), em outra Galáxia. Foi
interessante; na pesquisa apresentada, muitas crianças acharam que os carrapatos viviam
numa vaca, apesar do episódio piloto mostrar planetas no início. As pessoas sempre pegam a
realidade como referência, isso é lógico, afinal é o mundo delas, mas têm muita dificuldade de
sair dessa realidade, de se libertar para novos mundos e fantasias.

A equipe de criação é formada pelo autor-roteirista e depois passa pelo artista de


storyboard, que dá algumas dicas em termos de adequação da história aos elementos visuais
propostos e finaliza com os cenaristas e desenhistas responsáveis pelos objetos e itens de cena.
Na gravação dos diálogos, os atores também fazem pequenas modificações.

Quais foram as referências no processo de criação da série?


O cenário, eu queria algo feito de prédios de pedra, aqui a referência são os Flintstones.
Os absurdos, com certeza, remetem ao Bob Esponja.

Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você
definiria sua série?
Humor, non sense, estranhamento, mas ao mesmo tempo muito crítica, se as pessoas
realmente prestarem a atenção. O mundo dos carrapatos é o nosso mundo aumentado e
ridicularizado. Muitas coisas da nossa realidade poderão ser transpostas para lá.

Quais são as principais propostas/objetivos da série?


Entreter é o primeiro. A partir disso, podemos conseguir muita coisa. Cito novamente Bob
Esponja, que também tem essa finalidade e possui alguns episódios extremamente críticos de
nossa realidade. Analisar a nossa sociedade humana é outro com certeza, sempre com humor
e crítica.

Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?
O piloto foi o roteiro mais complicado, por ser o primeiro. Depois que você já tem bem
claro o mundo, e as personagens já têm vida, as coisas vão fluindo. Acho que um bom texto
nar­­rativo, livro, série, novela começa realmente a funcionar, de “acordo com as peças que
colocou no tabuleiro”, quando as personagens começam a falar por si e a direcionar a história.
O autor apenas segue o que está sendo pedido por elas.

Como exemplo de humor trabalhado na série, cito a explosão dos carrapatos. Primeiramente,
ela aconteceria depois de os carrapatos sugarem muito, mas aí seria tudo muito previsível. Então
optamos por que os carrapatos explodissem nos momentos mais inusitados. Esse inusitado é um dos
elementos de humor da série. O estranhamento é outro elemento de humor que colocamos na série.
Os conceitos são trabalhados muitas vezes de forma implícita, que faz com que o espectador tenha
que pensar e estabelecer relações com a nossa realidade para entender a proposta apresentada. E
também de forma explícita, escancarada, principalmente nas gags.

Como se dá a articulação da narrativa com os demais elementos (visuais, produção,


comercialização etc.) da série?
O visual já está feito. As personagens já têm cara, voz, personalidade. O mundo delas
já existe e quero que seja mais louco e interessante do que o nosso mundo, mesmo sem

260
Estudos de Caso

a tecnologia que já temos. Falei, inclusive (e isso é bacana, pois não foi pensado, apenas
aconteceu naturalmente), que a nossa série é muito ecológica também. Se as pessoas
prestarem atenção, vão descobrir isso e rir ainda mais. No mundo dos carrapatos, não existem
automóveis e eles usam “rolantes” (enormes rodas) para exercícios e para gerar energia para
suas residências de pedra.

Os Carrapatos têm uma estética simples e diferente e um universo que foge completamente
ao padrão. Tudo isso com muito humor, o que certamente facilitará a sua comercialização e a
criação de outros produtos, como games.

Quais foram, em termos narrativos, as principais dificuldades encontradas? Como foram


contornadas?
Acho que os argumentos iniciais foram a parte mais complicada. Agora está mais fácil
escrever um argumento, porque as personagens já criaram vida. Acho que duas ou três linhas
já resolvem para dar diretriz ao roteiro do episódio.

Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série
de animação para TV?
Ler é importante. Os animadores e desenhistas precisam fazer isso. Muitos desenham,
muitos animam, mas poucos conseguem contar uma história. E aí a literatura mostra quão
importante isso é. Eu sou professor, escritor e roteirista. Acho que tudo isso me ajudou muito.
Não adianta fulano criar uma personagem super bem desenhada e não saber o que fazer com
ela. Acho que a história vem antes, abstrata na sua cabeça, depois ela passa para o papel na
forma de palavras e, então, desenhos.

261
Dramaturgia de Série de Animação

Considerações finais
Muitas coisas foram afirmadas e comentadas neste livro e, para alguém que esteja
começando a desenvolver projetos de série de animação, talvez este possa parecer um meio
um tanto quanto inacessível, repleto de questões técnicas e especializadas. Mas é preciso
lembrar que todo caso de sucesso passou, em algum momento de sua trajetória, pelas mesmas
dúvidas, problemas e dificuldades pelos quais qualquer projeto irá passar.

Por isso, ao começar o desenvolvimento de um projeto, o mais importante é não ter medo
e seguir a sua própria trajetória sempre de maneira confiante. Claro que a confiança, sozinha,
não faz nada, por isso esperamos que este livro possa ter colaborado para quem está no início
de sua jornada. Para o leitor já iniciado na área, esperamos que o livro possa ter levantado
novas questões e ter lançado novas luzes sobre outras, já conhecidas.

Para terminar este livro, ao invés de fazermos uma síntese ou resumo do que foi apresentado,
optamos por elaborar uma relação de 15 dicas e conselhos que, acreditamos, possam ajudar tanto
iniciantes quanto iniciados no sucesso de seus projetos e em suas realizações profissionais e pessoais.

1 – Realize antes, ao menos, dois curtas-metragens animados


Apesar de cada meio possuir especificidades que diferenciem suas produções, é desejável
alguma experiência prévia em curta-metragem antes de se aventurar em projetos de séries
de animação para televisão. Na maioria dos casos, a primeira experiência de um animador na
área se dá pela realização de um curta-metragem autoral com recursos próprios, adquirindo a
experiência necessária para um segundo trabalho.

Dependendo do desempenho dessa primeira experiência autoral, normalmente medida por


seleções e eventuais premiações em festivais, o animador consegue o aporte de algum edital
para a realização de uma nova obra. Agora, além de aperfeiçoar aquilo que não funcionou bem

262
Considerações Finais

na primeira vez, o animador deverá trabalhar com cronograma e orçamento mais rigorosos e
criteriosos, tendo que prestar contas ao agente financiador no final do processo.

Essas experiências prévias permitem ao animador uma noção mais próxima do processo
de produção de uma série de animação, em comparação com alguém que não as possui. Boa
parte, se não a totalidade dos autores de séries, passou por esse processo. Em alguns casos,
inclusive, essas experiências se apresentaram como embriões de futuros projetos de séries.

2 – Esteja atualizado
Estar sempre atualizado em relação à área é fundamental e deve acontecer por diferentes
formas simultaneamente: assistindo e analisando séries antigas e atuais, conversando com
diferentes pessoas relacionadas ao meio, participando de eventos, visitando regularmente sites,
lendo livros e revistas especializados, fazendo cursos, acompanhando sessões de pitchs abertas
etc. Enfim, deve procurar as mais diversificadas maneiras pelas quais consiga ter um panorama
abrangente do mercado de séries de animação.

3 – Procure sempre expandir suas referências


O proponente de projetos de séries de animação deve buscar sempre sair de sua zona de conforto e
buscar “outras” referências, pertençam elas à animação ou não. Expandir quantitativa e qualitativamente
o repertório exige um movimento voluntário do autor. Devemos considerar que a inteligência e a
criatividade humana podem se manifestar nas mais diferentes épocas, lugares e suportes.

Ainda que seja fundamental conhecer o métier da animação, também é fundamental


explorar outros territórios como a dança, música, teatro, ópera, literatura, enfim, qualquer
forma de expressão. Como o conhecimento e a produção cultural humana são praticamente
infinitos e vivem em constante expansão, é importante que esse processo nunca seja freado.

Não podemos saber, entretanto, quando, como e de que forma serão aproveitadas estas referências
– e mesmo se serão efetivamente aproveitadas. Em alguns casos ainda, este aproveitamento pode
se dar de maneira não muito clara e consciente para o autor. De qualquer forma, é importante que
as referências estejam sempre por perto, guardadas em algum lugar acessível para que possam ser
evocadas a qualquer momento – o que nem sempre ocorre de forma imediata.

Além disso, a ampliação do repertório diminui a possibilidade da chamada “reinvenção da roda”.


Ainda que não haja uma forma de se assegurar completamente sobre o ineditismo do projeto, quanto
maior e mais diversificado o repertório, menor serão as chances de que isso aconteça.

4 – A paixão pelo projeto deve ser a principal motivação


Embora possa parecer clichê, a motivação principal de um projeto de série deve sempre
ser a paixão. Além da competência técnica, que pode ser adquirida, o que distingue um projeto
bom de outro excelente é, muitas vezes, a paixão envolvida.

263
Dramaturgia de Série de Animação

Mesmo que não possa ser facilmente definida, a ausência de paixão em um projeto pode ser
facilmente percebida. A presença da paixão em um projeto é sempre espontânea e transparece
em todas as etapas. Projetos motivados apenas por glamour ou por sucesso comercial parecem
ser criados por setores de marketing, carentes de alma.

5 – A criatividade deve sempre se fazer presente


Assim como a paixão, a criatividade deve ser sempre um dos pilares de qualquer projeto de
série de animação. Não se autocensure: o pior tipo de censura que pode ocorrer é a censura do
próprio autor. Para evitar isso, é preciso achar o ponto em que se localiza a tênue linha entre
a (auto)crítica e a liberdade criativa; em outras palavras, o meio termo entre o “vale-tudo”
e o “não vale nada”.

O universo da animação não possui limites e assim também deve ser a cabeça do autor.
Séries de animação já existem há muito tempo e possuem um público bastante exigente: o que
o seu projeto pode acrescentar ou trazer de novo?

6 – Veja o quadro geral e considere aspectos diversos


Priorizando sempre a paixão e a criatividade, não se deve esquecer de considerar aspectos
diversos que tornem viáveis e atraentes a realização da série. Isso exige uma percepção acurada
do contexto e da realidade envolvidos no projeto, além de um hábil jogo de cintura com os
demais setores e agentes envolvidos na produção. Daí, mais uma vez, a importância da formação
de uma equipe não apenas competente profissionalmente, mas também comprometida e que
compartilhe com o autor os mesmos sentimentos em relação à série.

7 – Crítica, autocrítica e consultoria: saber procurar e escutar


Não apenas ouvir, mas escutar os outros e a si mesmo. Procurar entender as críticas,
edificantes ou não, é tão importante quanto à capacidade de desenvolver uma autocrítica
aguçada. Consultores especializados podem ajudar bastante ao fornecer uma visão externa
e imparcial, apontando, ou mesmo realizando alterações e modificações fundamentais no
roteiro e na estrutura do projeto.

Todavia, nem todas as críticas e sugestões devem obrigatoriamente ser sempre incorporadas
ao projeto. É preciso bom senso para saber quais as críticas que devem realmente ser levadas
em conta e quais não. Em outras situações, mesmo concordando com uma crítica em relação
a algum aspecto específico, ela não será incorporada ao projeto devido a outros elementos ou
fatores prioritários na produção.

Às vezes, as mais importantes críticas e sugestões podem surpreendentemente surgir nas


situações em que menos se espera. Procure escutar a maior quantidade e variedade de pessoas
possível e esteja sempre aberto – muitas vezes, um olhar diferenciado sobre algo presente no
cotidiano ou aparentemente simples pode levar a lugares interessantes.

264
Considerações Finais

Da mesma forma, não ignore suas ideias e pensamentos, por mais ingênuos e despretensiosos
que possam parecer à primeira vista. Muitas ideias “geniais” surgiram de situações e pensamentos
inusitados ou inesperados. Certa vez, uma maçã madura mudou para sempre a história da ciência
ao cair de uma macieira e atingir certeiramente a cabeça de um jovem físico inglês que descansava
à sua sombra. Este simples fato, que em outros casos teria resultado apenas em uma ligeira dor na
cabeça, desencadeou a fundamentação de toda a mecânica clássica e da lei da gravitação universal,
mudando para sempre a história da ciência e os rumos da própria humanidade. Assim como aconteceu
com Newton na Física, é possível que a “maçã” de uma série de animação esteja em qualquer lugar,
a qualquer hora. É preciso achar o estopim que desencadeará algo maior que seu fato de origem e
que resultará em alguma coisa imprescindível ao projeto.

8 – Conheça o seu projeto e nunca o apresente antes do tempo


O autor ou proponente do projeto deve conhecer, mais do que ninguém, seu próprio projeto. Por
isso mesmo, não se deve pensar em apresentá-lo oficialmente antes que se tenha certeza sobre todas
as decisões e pleno conhecimento de todos os seus elementos. Assim como acontece em qualquer
outra área, é preciso que o projeto atinja a sua maturidade antes de ser apresentado.

Em um pitch, por exemplo, ao ser indagado sobre alguma questão, o proponente não
deve hesitar ou (aparentar) desconhecer a resposta. Eventuais inseguranças são assimiladas
imediatamente pelo avaliador, que pensará duas vezes antes de investir em um projeto
incompleto ou indefinido. Lembre-se: o autor não faz o projeto de uma série para si próprio.

9 – Considere a possibilidade de conviver com seu projeto


É preciso considerar a possibilidade de convívio com a realidade de trabalho do meio por muito
tempo, uma espécie de casamento. Apesar de que, provavelmente, a grande maioria das pessoas
que desenvolve projetos de séries o faz por gostar de animação, é preciso considerar que assistir
ou se pensar em um projeto é bem diferente de se trabalhar cotidianamente com ele.

Independente do prazer e da satisfação de ver um projeto próprio realizado não se deve


esquecer que, em muitos aspectos, trata-se de um ofício como outro qualquer, incluindo os
seus altos e baixos. Também é preciso considerar o nível de envolvimento e a disponibilidade
regular e constante que uma série de animação exige.

Além disso, o eventual reconhecimento, quando existente, se dá de maneira muito mais restrita
e específica do que em outras áreas, nas quais se conhece a partir do autor suas obras. Para o grande
público espectador, o nome do autor de uma série de animação é menos conhecido do que o da
própria série, fazendo com que a imagem do criador viva na sombra de sua própria obra.

10 – Seja profissional
Vivemos em uma época em que o profissionalismo é cada vez mais exigido nas mais diversas áreas
e segmentos - sobretudo em nichos de mercado competitivos, como é o das séries de animação. Ser

265
Dramaturgia de Série de Animação

um profissional da área de animação exige conhecimentos, habilidades e competências específicas


da área, mas também diversos outros comuns à maioria das áreas. O estereótipo do artista “maluco
beleza” aqui não vale; é preciso vender uma imagem de profissional criativo.

Apesar de séries de animação muitas vezes envolverem humor e certo clima informal, é
importante não confundir isso com uma atitude relapsa. O ideal é buscar conciliar essa atmosfera,
importante para se formar uma equipe harmoniosa e motivada, com o profissionalismo. Neste
sentido, a união de fatores como formação, experiência, competividade, responsabilidade,
pontualidade, comprometimento, dedicação, motivação, carisma e saber trabalhar em
equipe com os conhecimentos, habilidades e competências específicas da área é fundamental
para o sucesso profissional em animação. Também é preciso o domínio pleno de um idioma
estrangeiro, normalmente o inglês, para conseguir se comunicar fluentemente em situações
diversas, sobretudo com eventuais parceiros internacionais.

11 – Procure acompanhar e participar de todas as etapas


Da mesma forma que o autor, por vezes, pode ou deve ouvir produtores, executivos e
demais pessoas envolvidas em uma série de animação, também é importante que ele possa
acompanhar e participar das demais etapas de produção. Isso possibilita que a “essência” da
obra perpasse pelas mais diversas etapas e também pode garantir a formação de uma equipe
de trabalho mais coesa e harmoniosa, fundamental para se manter a qualidade final da série.

Claro que fatores como remuneração e condições de trabalho também influenciam


bastante na dinâmica de processo de uma equipe e deve-se buscar formas para que sejam
sempre as melhores possíveis. Mas, além disso, quanto mais a paixão do autor contaminar e for
compartilhada com todos os envolvidos – o que ocorre sempre de forma pessoal e espontânea -
melhor para toda a equipe e o público final. Quanto mais o autor conseguir acompanhar todas
as etapas de produção de sua série, maiores são as possibilidades de que a essência criativa
e os objetivos iniciais da obra perpassem todas as etapas e cheguem ao público espectador.
Participar dessas etapas permite uma visão mais abrangente e integrada sobre o projeto e,
também, pode auxiliar no processo de criação ao se considerar previamente aspectos que não
seriam levados em consideração de outra forma.

12 – Dê o máximo de si, sempre


Em mercados competitivos, como é o das séries de animação, ser apenas bom não basta.
Ao examinarem qualquer projeto, os avaliadores vão entender que aquilo que for apresentado
representa o máximo que pode ser feito. Então, mais importante que correr para conseguir
apresentar o projeto em um determinado lugar, é apresentar um projeto maduro e competitivo.

Em algumas situações, entretanto, o cronograma pode não fornecer o tempo necessário


para o desenvolvimento e amadurecimento de um projeto de série de animação. Por isso, o
ideal é que o autor possua de antemão pelo menos três projetos devidamente elaborados.
Assim, em um caso de necessidade, basta reativar estes projetos e, eventualmente, fazer
pequenos ajustes para uma apresentação profissional.

266
Considerações Finais

É preciso que o proponente mantenha, sempre e em qualquer etapa ou circunstância, o


máximo de sua capacidade e potencial. Além disso, é preciso que este “máximo” possa se
expandir constantemente, isto é, que se procure continuar melhorando e aperfeiçoando seu
trabalho, aumentando sistematicamente os padrões e expectativas sobre seu projeto.

13 – Bom senso, coerência e jogo de cintura


Bom senso, coerência e jogo de cintura são três termos diferentes aqui utilizados para
definir um mesmo conselho. Em um projeto que lide com ironia, por exemplo, é preciso que
o autor tenha autoironia também, da mesma forma que um projeto que aborde questões
sobre meio ambiente e preservação da natureza deve ter algum tipo de preocupação com
essas questões além dos próprios episódios - diminuindo ou eliminando a quantidade de
papel utilizado na produção, plantando árvores para compensação dos impactos ambientais,
combatendo o desperdício, utilizando fontes de energias renováveis, estimulando a carona
entre os funcionários etc.

Em certas situações pode não haver consenso entre as diferentes partes envolvidas em uma
série de animação. Nesses momentos, é importante saber como e, mesmo, se é possível ceder,
negociar ou manter uma posição. O radicalismo pode ser tão prejudicial quanto a falta de
opiniões próprias ou de um ponto de vista coerente com o projeto. É necessário ter, portanto,
sensibilidade e poder de persuasão no trato de questões diversas que envolvam negociações
e decisões.

Às vezes, a opção que parece ser a melhor no calor do momento pode implicar em coisas
menos favoráveis posteriormente. Por isso, é preciso considerar todas as opções e seus
desdobramentos e aprender a negociar com seus parceiros – eventualmente, posicionando-se
como agente intermediário entre dois deles. Por exemplo: a ideia de licenciamento de um
determinado tipo de produto pode ir de encontro aos conceitos da série, podendo ser vista
como contradição, ou mesmo hipocrisia, por parte do público. Assim, seria mais apropriado
repensar esse produto diminuindo o índice de rejeição da série.

Por outro lado, o simples fato de um produtor sugerir alguma ideia em relação ao aspecto
criativo da série não significa que ela seja ruim. Tão importante quanto manter uma posição
ou saber negociá-la é ter humildade e reconhecer o momento de abrir mão dela. Não são raros
os casos de autores que afirmaram terem sido contrários inicialmente a algum tipo de sugestão
de terceiros e que acabaram por adotá-la. Nestes casos, os autores acabam convencidos de
que se trata, de fato, de uma boa sugestão para o projeto e que não tinham conseguido ver
isso com clareza no momento de sua elaboração.

14 – Aprendendo a lidar com o “fracasso”


O “fracasso” faz parte de qualquer atividade humana e, muitas vezes, está mais perto do
“sucesso” do que se pode imaginar. O fato de um projeto não ter sido bem avaliado por alguém não
significa necessariamente que ele seja ruim. Quantas vezes não ouvimos histórias de projetos em
diversas áreas que foram recusados por certas pessoas e depois acabaram fazendo enorme sucesso

267
Dramaturgia de Série de Animação

quando agenciados por outras? Como diz o ditado popular: “só erra quem faz e só faz quem não tem
medo de errar”. Determinação e perseverança são palavras- chave. Se você acredita nas suas ideias
e em seu projeto, não desista diante dos percalços do caminho.

15 – Aprenda a lidar com o “sucesso”


Talvez mais difícil que lidar com o “fracasso” seja lidar com o “sucesso”. Antes de qualquer
coisa é preciso considerar se o projeto foi, de fato, um sucesso. Para isso é preciso verificar
se os objetivos propostos foram alcançados e ponderar sobre o sentido deste termo. O que
significa o “sucesso” de seu projeto? A sua simples realização? Remuneração financeira?
Reconhecimento do público? Realização pessoal e profissional? Críticas favoráveis? Prêmios?

Mesmo que não haja dúvidas que o projeto tenha sido um sucesso sob diversas perspectivas,
é preciso considerar o que pode ser melhorado para a próxima temporada e o que pode ser
feito com esse “sucesso”. A máxima de que é mais difícil manter o sucesso do que chegar a
ele vale neste caso. Não por coincidência, existem algumas séries de animação com número
reduzido de temporadas, ou mesmo, com uma única temporada realizada.

Conseguir a realização de uma primeira temporada de série de animação deve, portanto,


ser entendido como o primeiro passo na trajetória de um caminho exitoso. Além de novas
temporadas, o êxito de um primeiro projeto pode, por exemplo, abrir portas para a realização
de novos projetos de séries, diversificando a experiência e aumentando os desafios.

Assim chegamos ao final deste livro. Contatos, comentários, críticas e sugestões são
benvindos e podem ser feitos diretamente com o autor. Esperamos que possamos ter colaborado
com a bibliografia sobre animação em língua portuguesa, assim como com o desenvolvimento
de novas ideias e projetos de série de animação e quiçá com o próprio desenvolvimento do
setor da animação no país.

268
Considerações Finais

269
Dramaturgia de Série de Animação

Posfácio
O sucesso não vem barato, nem rápido, nem certo, nem sempre e, mesmo assim, não
se deve desistir, pois o seu bilhete pode ser o da vez. Basta uma ideia simples e brilhante,
um passo à frente de tudo. Ou, talvez, ao contrário, ir pela contramão, mas ainda com a
intenção de inovar. A dúvida, no entanto, é difícil. A espera pela aprovação do investidor, que
está preocupado em obter o máximo retorno para os custos, é sempre um fator de tensão
para o animador.

“What a Cartoon” (1994), do estúdio Hanna-Barbera, foi uma das primeiras experiências
bem-sucedidas na produção de curtas para reinventar um mercado ultrapassado e tentar
reconquistar o sucesso de outras décadas. Dos vinte e tantos produzidos, três fizeram história - “Garotas
Super Poderosas”, “Johnny Bravo” e “A Vaca e o Frango”-, criados por recém-formados cheios
de criatividade.

Em 1998, a Nickelodeon também fez sua tentativa, com “Oh Yeah, Cartoon”, no qual
um orçamento anual era dedicado à criação de curtas que se tornariam seriados, conforme
a votação do público infantil. Nessa época, surgiu na contracorrente “Bob Esponja Calça
Quadrada”, uma série que ousou não seguir nenhum padrão tradicional.

Agora, esta brilhante ideia tem versão brasileira, com o Programa ANIMATV. A sorte foi
lançada e se transformou em 17 fantásticos pilotos, que não devem nada àqueles produzidos
fora do país. Cada um deles é genial, inovador e, acima de tudo, brasileiro.

Todos trabalharam intensamente para cumprir datas e respeitar o orçamento, num trabalho
sério, que exigiu qualidade artística específica e inteligência emocional coletiva para que os
grupos produzissem em equipe por longos períodos.

270
Posfácio

O processo de criar tudo a partir do nada é exaustivo: conseguir aprovar o roteiro, depois,
conduzir os storyboards para além do roteiro, além da palavra, adicionando humor. Este
aparece na hora do traço e é potencializado pela escolha do enquadramento adequado à
gag, ao jargão. E, hoje, este quer perpassar todas as faixas etárias, criando vários níveis de
compreensão. A piada de um jargão apenas, criada nos primórdios da animação, atualmente
já não satisfaz. Ela vem triplicada na estrutura dramatúrgica, concentrada, na proporção de
três em um.

Por exemplo: uma estrela do mar aparece grudada embaixo de uma pedra, que se levanta
feito tampa para surpreender uma outra personagem aquática com um alegre “olá”. Esta é
apenas a primeira parte de uma piada em três partes. A estrela nota que está nua, sente-se
envergonhada e a pedra se fecha com rapidez para, logo em seguida, reabrir, mostrando a
estrela já adequadamente vestida e saudando novamente o seu parceiro. Este retribui com a
mesma alegria, parecendo não notar nada. Neste momento, a piada se encerra no espectador,
que acaba assumindo o papel de testemunha única dos fatos. Aí é que está a graça multiplicada.
Ela não está apenas no primeiro, nem no segundo ou no terceiro fato, ela está além dos fatos,
ela está no espectador e é intrínseca à natureza de suas personagens.

As personagens não podem jamais ser traídas por seus criadores. Elas devem ir além dos
animadores e dubladores, médiuns finais da alma destas criaturas que, de fato, não existem
em plano algum além do tempo dos fotogramas. A criança ri da brincadeira, das cores, da
música alegre, do som caricato e se identifica com as coisas que são comuns à sua idade. E o
adulto se identifica com a neurose e a ingenuidade desses seres e ri de si mesmo. Desenhos que
desafiam faixas etárias diversas e parâmetros estabelecidos por suas emissoras, encantando o
público em seus variados níveis de compreensão, parecem existir mais e mais nas animações
contemporâneas.

O poder do bom desenho animado ultrapassa fronteiras, dá exemplo, alimenta o imaginário


para além da lógica convencional.

No final das contas, a sua personagem principal deve ter o charme e o encanto da inocência.
A vontade de vencer da forma jovem, ingênua, de quem acredita que pode mudar o mundo.
Esse ser está dentro de todos nós e é com ele que nos identificamos, não importa qual seja
a nossa a idade, cor ou origem. O encanto da personagem é o segredo da dramaturgia em
animação, do sucesso e da longa vida de um seriado.

Ennio Torresan1

1. Ennio Torresan é storyboarder da série “Bob Esponja Calça Quadrada”, trabalhou também em longas
como”Madagascar”, “Kung Fu Panda”,” Kung Fu Panda 2” e “Master Mind”, pela DreamWorks.

271
Dramaturgia de Série de Animação

para saber mais


Indicamos a seguir algumas referências que acreditamos possam ser úteis àqueles que
desejarem aprofundar nos diversos assuntos abordados neste livro.

Capítulo 1
ADORNO, Theodor w. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

BAGNARIOL, Piero (et al.). Guia Ilustrado de Graffiti e Quadrinhos. São Paulo: Graffiti 76%, 2004.

BALOGH, Anna Maria. Televisão: ficção seriada e intertextualidade. São Paulo: Revista Comunicação
e Educação, vol. 12, no 3, 2007. Disponível para consulta em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/
scielo.php?pid=S0104-68292007000300006&script=sci_arttext

________________. Conjunções, Disjunções e Transmutações: da Literatura, ao Cinema e a TV. São


Paulo: AnnaBlume, 2005.

________________. O Discurso Ficcional na TV: Sedução e Sonhos em Doses Homeopáticas. São


Paulo: Edusp, 2002.

BARBOSA FILHO, André. Gêneros Radiofônicos – Os Formatos e os Programas em Áudio. São Paulo:
Paulinas, 2010.

BARRIER, Michael. Hollywood Cartoons: American Animation in its Golden Age. Oxford: Oxford
University Press, 2003.

BECK, Jerry. MALTIN, Leonard. Of Mice and Magic: a History of American Animated Cartoons. New
York: Plume, 1987.

BECKERMAN, Howard. Animation: The Hole Story. New York: Allworth Press, 2003.

272
Para Saber Mais

BENDAZZI, Giannalberto. Cartoons: One Hundred Years of Cinema Animation. Bloomington: Indiana
University Press, 1994.

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: magia e arte; técnica e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.

CAGNIN, Antonio Luis. Os Quadrinhos. Coleção Ensaios no 10. São Paulo: Ática, 1975.

CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1987.

CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus – Mitologia Primitiva. Vol. 1. São Paulo: Palas
Athenas, 2010.

_______________. As máscaras de Deus – Mitologia Oriental. Vol. 2. São Paulo: Palas Athenas, 2010.

_______________. As máscaras de Deus – Mitologia Ociental. Vol. 3. São Paulo: Palas Athenas, 2010.

_______________. As máscaras de Deus – Mitologia Criativa. Vol. 4. São Paulo: Palas Athenas, 2010.

_______________. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athenas, 2007.

_______________. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 1995.

CANEMAKER, John. Walt Disney´s nine old men and the art of animation. New York: Disney Editions,
2001.

CIRNE, Moacy. Quadrinhos, paixão e sedução. Petrópolis: Vozes, 2001.

___________ . Para ler os Quadrinhos: da Narrativa Cinematográfica à Narrativa Quadrinizada.


Petrópolis: Vozes, 1975.

COUPERIE, Pierre (org.). História em Quadrinhos e Comunicação de Massa. São Paulo: Museu de Arte
Moderna Assis Chateaubriand, 1970.

CRAFTON, Donald. Before Mickey – The Animated Film (1898-1928). Chicago: University of Chicago
Press, 1993.

ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Coleção Debates no 19. São Paulo: Perspectiva, 2008.

EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequêncial. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano: a Essência das Religiões. Coleção Biblioteca do Pensamento
Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

____________. Mito e Realidade. Coleção Debates, no 52. São Paulo: Perspectiva, 2002.

FABER, Liz. WALTERS, Helen. Animation Unlimited: Innovative Short Films Since 1940. New York:
Collins Design, 2004.

FEIJÓ, Mário. Quadrinhos em Ação – Um Século de História. São Paulo: Moderna, 1997.

FERRARETO, Luiz Artur. Rádio: o Veículo, a História e a Técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.

273
Dramaturgia de Série de Animação

GUBERN, Román (org.). Literatura da Imagem. Biblioteca Salvat de Grandes Temas vol. 57. São
Paulo: Salvat, 1981.

GRANT, John. Master of Animation. New York: Watson-Guptill, 2001.

IANNONE, Leila Rentroia & Roberto Antonio. O Mundo das Histórias em Quadrinhos. São Paulo:
Moderna, 1994.

IWERKS, Leslie. KENWORTHY, John D. The Hand Behind the Mouse: an Intimate Biography of Ub
Iwerks, the man Walt Disney Called “The Greatest Animator in the World”. New York: Disney
Editions, 2001

KITTLER, Friedrich. A história dos meios de comunicação, in: LEÃO, Lucia (org.). O Chip e o
Caleidoscópio: Reflexões sobre as Novas Mídias. São Paulo: Senac, 2005.

KLEIN, Norman M. Seven Minutes; the Life and Death of the American Animated Cartoon. New York:
Verso Books, 1996.

LESLIE, Esther. Hollywood Flatlands: Animation, Critical Theory and the Avant-Garde. New York:
Verso Books, 2004.

LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

MACHADO, Arlindo. A Televisão levada a Sério. São Paulo, Senac, 2009.

______________. Prés-Cinemas e Pós-Cinemas. São Paulo: Papirus, 2002.

McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2004.

MEDITSH, Eduardo (org.). Teorias do Rádio. Florianópolis: Insular, 2005.

MORRIS, Matt & Tom. Super Herói e a Filosofia: Verdade, Justiça e o Caminho Socrático. São Paulo:
Madras, 2010.

MOYA, Alvaro de. Vapt Vupt. São Paulo: Clemente e Gramani, 2003.

_____________ . História da História em Quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1993.

_____________ . Shazam! Coleção Debates no 26. São Paulo: Brasiliense, 1977.

PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia de Televisão. São Paulo: Moderna, 1998.

SERRA, Tania Rebelo Costa. Antologia do Romance-Folhetim (1839 a 1870). Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1997.

SOLOMON, Charles. Enchanted Drawings: The History of Animation. New York: Random House Value
Publishing, 1994.

VILCHES, Lorenzo. Play it Again Sam, in: Revista Anàlisi – Quaderns de Comunicació I Cultura, no 9,
pp. 57-70, 1984. Disponível para consulta em: http://www.raco.cat/index.php/Analisi/article/
view/41268/88272

274
Para Saber Mais

WELLS, Paul. Animation and America. Rutgers University Press, 2002. Piscataway: Rutgers University
Press, 2002.

ZIELEINSKI, Siegfried. Arqueologia das mídias, in: LEÃO, Lucia (org.). O Chip e o Caleidoscópio:
Reflexões sobre as Novas Mídias. São Paulo: Senac, 2005.

Capítulo 2
ABRAMSON, Albert. The History of Television, 1880 to 1941. Jefferson: McFarland, 2009.

_______________. The History of Television, 1942 to 2000. Jefferson: McFarland, 2007.

AKASS, Kim. McCABE, Janet (editors). Quality TV: Contemporary American Television and Beyond.
London: I.B. Tauris, 2007.

ALBERTI, John. Leaving Springfield: The Simpsons and the Possibility of Oppositional Culture.
Detroit: Wayne State University Press, 2003.

AMIDI, Amid. Inside the UPA. Northridge: Cartoon Brew Books: 2007.

__________. Caroon Modern: Style and Design in 1950’s Animation. San Francisco: Chronicle Books,
2006.

BARBOSA JUNIOR, Alberto Lucena. Arte da Animação: Técnica e Estética Através da História. São
Paulo: Senac, 2005.

BECK, Jerry. The 100 Greatest Looney Tunes Cartoons. San Rafael: Insight Editions, 2010.

_________. The Hanna-Barbera Treasury: Rare Art and Mementos from your Favorite Cartoons
Classics. San Rafael: Insight Editions, 2007.

_________. Warner Bros Animation Art: The Characters, The Creators, The Limited Editions. New
York: Universe, 1998.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão – Seguido de a Influência do Jornalismo e Os Jogos. Rio de


Janeiro: Zahar, 1997.

BRUZZO, Cristina. FALCÃO, Antonio Rebouças (orgs.). Coletânea Lições com Cinema: Animação. Vol.
4. São Paulo: FDE-Secretaria de Estado da Cultura, 1996.

BURKE, Timothy & Kevin. Saturday Morning Fever: Growing up with Cartoon Culture. New York: St.
Martin’s Press, 1999.

BUTLER, Jeremy G. Television: Critical Methods and Applications. New York: Routledge, 2008.

CLEMENTS, Jonathan. McCARTHY, Helen. The Anime Encyclopedia: A Guide to Japanese Animation
Since 1917. Berkeley: Stone Bridge Press, 2006.

275
Dramaturgia de Série de Animação

CONARD, Mark T. (et al.). Os Simpsons e a Filosofia. São Paulo: Madras, 2007.

COTTER, Bill. The Wonderful World of Disney Television: a Complete History. New York: Disney
Editions, 1997.

DELANEY, Tim. Simpsonology: There´s a Little Bit of Springfield in All of Us. New York: Prometeu
Book, 2008. DOYLE, Larry. Huh Huh for Hollywood MTV’s Beavis and Butthead. New York: MTV, 1996.

ERICKSON, Hal. Television Cartoons Shows: an Illustrated Encyclopedia, 1949-2003. 2 volumes.


Jefferson: McFarland & Company, 2005.

FEUER, Jane et alli (ed.) MTM ‘Quality Television’. London: British Film Institute Publishing, 1984.

FOY, Joseph J. SpongeBob SquarePants and Philosophy. Chicago: Open Court, 2011.

FRANÇOIS, Jost. Compreender a Televisão. Porto Alegre: Sulina, 2010.

FURNISS, Maureen (editor). Animation: Art and Industry. John Libbey Publishing, 2009.

FUSARI, Maria F. de Resende. Educador e o Desenho Animado que a Criança vê na Televisão. Coleção
Educar, no 3. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

GOLDSCHMIDT, Rick. The Enchanted World of Rankin/Bass. Bridgeview: Miser Bros. Press, 2001.

GRAÇA, Marina Estela. Entre o Olhar e o Gesto: Elementos para uma Poética da Imagem Animada.
São Paulo: Senac, 2006.

GRAY, Jonathan. Watching With The Simpsons: Television, Parody and Intertextuality. New York:
Routledge, 2005.

HILMES, Michele. JACOBS, Jason (editors). The Television History Books. London: Britisish Film
Institute Publishing, 2008.

JONES, Chuck. Chuck Amuck: The Life and Times of an Animated Cartoonist. New York: Farrar,
Straus and Giroux, 1999.

KELTS, Roland. Japanamerica: How Japanese Pop Culture Has Invaded the U.S. New York: Palgrave
Macmillan, 2007.

KESLOWITZ, Steven. The World According to The Simpsons: What our Favorite TV Family Says About
Life, Love and the Pursuit of the Perfect Donut. Naperville: Sourcebooks, 2006.

KITSON, Clare. British Animation: The Channel 4 Factor. Bloomington: Indiana University Press,
2009.
LENBURG, Jeff. The Encyclopedia of Animated Cartoons. New York: Checkmark Books, 2008.

MAGOUN, Alexander B. The Life Story of a Technology. Baltimore: The Johns Hopkins University
Press, 2009.

MALLORY, Michael. Hanna-Barbera Cartoons. New York: Universe, 1998.

276
Para Saber Mais

McCARTHY, Helen. The Art of Osamu Tezuka: God of Manga. New York: Abrams ComicArts, 2009.

McGRATH, Tom. MTV: The Making of a Revolution. Philadelphia: Running Pr., 1996

McLUHAN. Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix,
1996.

McNEIL, Darrel. SWANIGAM, Michael A. Animation by Filmation. Fort Bragg: Black Bear Press, 1993.

MIRANDA, Carlos Alberto. Cinema de Animação: Arte Nova / Arte Livre. Petrópolis: Vozes, 1971.

MITTEL, Jason. Genre and Television: from Cop Shows to Cartoons in American Culture. New York:
Routledge, 2004.

MORENO, Antonio. A Experiência Brasileira no Cinema de Animação. Rio de Janeiro: Arte Nova /
Embrafilme, 1978.

MORGAN, Michael. Against the Mainstream – The Selected Works of Gerbner George. Pieterlen:
Peter Lang, 2002.

MULGAN, Geoff (editor). Broadcasting Debate: The Question of Quality. Broadcasting Debate
Monographs no 6. London: British Film Institute Publishing, 1990.

NEWCOMB, Horace. Television: The Critical View. Oxford: Oxford University Press, 2006.

PLACE-VERGHNES, Floriane. Tex Avery: A unique Legacy (1942-55). London: John Libbey Publishing,
2006.

POITRAS, Gilles. Anime Essentials: Every Thing a Fan Needs to Know. Berkeley: Stone Bridge Press,
2000.

ROBINSON, Chris. Animators Unearthed: a Guide to the Best of Contemporary Animation. London:
Continuum Press, 2010.

_____________. Japanese Animation: Time Out of Mind. London: John Libbey Publishing, 2010.

_____________. Estonian Animation: Between Genius and Utter Illiteracy. London: John Libbey
Publishing, 2007.

_____________. Unsung Heroes of Animation. London: John Libbey Publishing, 2006.

SCHODT, Frederik L.The Astro Boy Essays: Osamu Tezuka, Mighty Atom and the Manga/Anime
Revolution. Berkeley: Stone Bridge Press, 2007.

TAMPLIN, Tristan D. STEIFF, Josef (editors). Anime and Philosophy. Chicago: Open Court, 2010.

TOLEDO, Silvio. Um Caminho para a Animação. Campina Grande: Epigraph, 2005.

TURNER, Chris. Planet Simpson: How a Cartoon Masterpiece Defined a Generation. Cambridge: Da
Capo Press, 2005.

277
Dramaturgia de Série de Animação

Capítulo 3
ALBURGER, James. The art of voice acting: the craft and business of performing for voice-over.
Burlington: Focal Press, 2006.

AMENT, Vanessa Theme. The Foley Grail: The Art of Performing Sound for Film, Games, and
Animation. Burlington: Focal Press, 2009.

ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual – Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Thomson
Pioneira, 1998.

BANCROFT, Tom. Creating Characters with Personality: For Film, TV, Animation, Video Games, and
Graphic Novels. New York: Watson-Guptill, 2006.

BACHER, Hans. Dream Worlds: Production Design for Animation. Burlington: Focal Press, 2007.

BAZALGETTE, Cary. BUCKINGHAM, David (editors). In Front of Children: Screen Entertainment and
Young Audience. London: Bristish Film Institute Publishing, 2008.
BEGLEITER, Marcie. From Word to Image: Storyboarding and the Filmmaking Process. Los Angeles:
Michael Wiese Productions, 2001.

BEIMAN, Nancy. Prepare to Board! Creating Story and Characters for Animated Features and Shorts.
Burlington: Focal Press, 2007.

BEAUCHAMP, R. Designing Sound for Animation. Burlington: Focal Press, 2005.

BLUTH, Don. Don Bluth’s Art Of Storyboard. Milwaukie: Dark Horse, 2004.

CANEMAKER, J. Paper Dreams: The Art And Artists Of Disney Storyboards. New York: Disney
Editions.

CRISTIANO, Giusepe.Visual Dictionary of Storyboard. Los Angeles: Iradidio Books, 2005.

CULHANE, Shamus. Animation from Script to Screen. New York: St. Martins´s Press, 1988.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. Rio de Janeiro: Martins Editora, 2007.

FOGLE, James (et al.). Comps, Storyboards, and Animatics. New York: Watson-Guptill Pubns, 1989.

FRAIOLI, James O. Storyboarding 101: A Crash Course in Professional Storyboarding. Los Angeles:
Michael Wiese, 2000.

FURNISS, Maureen. Art in Motion: Animation Aesthetics. Bloomington: Indiana University Press,
1998.
GARDNER, Garth. Gardner’s Storyboard Sketchbook: Story Planning and Character Design. Chicago:
Garth Gardner Company, 2001.

GHERTNER, Ed. Layout and Composition for Animation. Burlington: Focal Press, 2010.

278
Para Saber Mais

GLEBAS, Francis. Directing the Story: Professional Storytelling and Storyboarding Techniques for
Live Action and Animation. Burlington: Focal Press, 2008.

GOLDBERG, Eric. Character Animation Crash Course! Los Angeles: Silman-James Press, 2008.

GRISANTI, Jennifer. Story line: Finding Gold in Your Life Story. Los Angeles: Michael Wiese
Productions, 2011.

HART, John. Art of the Storyboard - Storyboarding For Film, Tv, And Animation. Burlington: Focal
Press, 2007.

_________. How to Draw Animation - Learn the Art of Animation from Character Design to
Storyboards and Layouts. New York: Watson-Guptill, 1999.

HEDGPETH, Kevin. Exploring Character Design. New York: Delmar Cengage Learning, 2005.

HIGGINS, Tory Edward. KRUGLANSKI, Arie. Social Psychology: Handbook of Basics Principles. New
York: The Guilford Press, 2007.

__________________________________. Social Psychology: A General Reader. New York:


Psychology Press, 2003.

HOOKS, Ed. Acting for Animators, Revised Edition: A Complete Guide to Performance Animation.
Portsmouth: Heinemann Drama, 2003.

JACKSON, H.J. (editor). Samuel Taylor Coleridge – The Major Works. Oxford: Oxford University
Press, 2009.

JUNG, Carl Gustav. Tipos Psicológicos. Obras Completas de Carl Gustav Jung VI. Petrópolis: Vozes,
2008.

_______________. O homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

_______________. Os Arquetipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas de Carl Gustav Jung


IX. Petrópolis: Vozes, 2002.

_______________. O Desenvolvimento da Personalidade. Obras Completas de Carl Gustav Jung XVII.


Petrópolis: Vozes, 1998.

KATZ, Steven D. Film Directing Shot by Shot: Visualizing from Concept to Screen. Los Angeles: Michael
Wiese Productions, 1991.

KING, D. WERTHEIMER, Michael. Max Wertheimer and Gestalt Theory. Piscataway: Transaction
Publishers, 2007.

LALLO, M.J. WRIGHT, Jean Ann. Voice-Over for Animation. Burlington: Focal Press, 2009.

LEWIS, Pamela. Talking funny for money: an introduction to the cartoon/ character/ looping área of
voice-overs. New York: Applause Books, 2003.

279
Dramaturgia de Série de Animação

MUIR, Shannon. Gardner’s Guide to Writing and Producing Animation. Chicago: Garth Gardner
Company, 2007.

MULLIN, Molly Ann (et al). Word of mouth: a guide to comercial and animation voice-over animation.
Los Angeles: Silman-James Press, 2006.

PIERRE, WEIL. TOMPAKOW, Roland. O Corpo Fala – A Linguagem Silenciosa da Comunicação Não-
Verbal. Petrópolis: Vozes, 1986.

PILLING, Jayne. A Reader in Animation Studies. Blomington: Indiana University Press, 1999.

PROPP, Vladimir. Morphology of the Folktale. University of Texas Press, 2009.

PURCELL, John. Dialogue Editing for Motion Pictures: a Guide to the Invisible Art. Burlington: Focal
Press, 2007.

SCOTT, Jeffrey. How to Write for Animation. New York: Overlook Press, 2003.

SIMON, Mark. Storyboards: Motion in Art. Burlington: Focal Press, 2006.

SONNENSCHEIN, David. Sound Design: The Expressive Power of Music, Voice and Sound Effects in
Cinema. Los Angeles: Michael Wiese Productions, 2002.

STEINBERG, Laurence. Adolescence. New York: McGraw-Hill, 2010.

TODOROV, Tzvetan (et al.) Análise Estrutural da Narrativa. Petrópolis: Vozes, 2008.

TUMMINELLO, Wendy. Exploring Storyboarding. New York: Thomson Delmar Learning, 2004.

VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2006.

WEBBER, Mrilyn. Gardner’s Guide to Feature Animation Writing: The Writer’s Road Map. Chicago:
Garth Gardner Company, 2002.

WELLINS, Mike. Storytelling through Animation. New York: Charles River Media, 2005.

WELLS, Paul. Re-Imagining Animation: Contemporary Moving Image Cultures. Laussane: AVA
Publishing, 2008.

_________. Basics Animation: Scriptwriting. Laussane: AVA Publishing, 2007.

_________. Fundamentals of Animation. Laussane: AVA Publishing, 2006

_________. Animation – Genre and Authorship. Brighton: Wallflower Press, 2002.

_________. Understanding Animation. New York: Routledge, 1998.

WRIGHT, Jean Ann. Animation Writing and Development: From Script Development to Pitch.
Burlington: Focal Press, 2005.

280
Para Saber Mais

Capítulo 4
ABELMAN, Robert. ATKIN, David J. The Televiewing Audience: The Art & Cience of Watching TV. New
York: Peter Lang, 2010.

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: Do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho. São Paulo:
Campus, 2006.

DAVIDSON, Drew. Cross-Media Communications: na Introduction to the art of Creating Integrated


Media Experiences. Raleigh: lulu.com, 2010.

EVANS, Elizabeth. Transmedia Television: Audiences, New Media and Daily Life. New York:
Routledge, 2011.

JENKINS, Henry. Convergence Culture: Where Old an New Media Collide. New York: NYU Pres, 2008.

KANFER, Stefan. Serious Business: The Art And Commerce Of Animation In America From Betty Boop
To Toy Story. Cambridge: Da Capo Press, 2000.
LEVY, David B. Animation Development: From Pitch to Production. New York: Allworth Press, 2009.

__________. Your Career in Animation: How to Survive and Thrive. New York: Allworth Press, 2006.

MILIC, Lea. McCONVILLE. The Animation Producer’s Handbook. Maidenhead: Open University Press,
2006.

MURRAY, Joe. Creating Animated Cartoons with Character: A Guide to Developing and Producing
Your Own Series for TV, the Web and Short Film. New York: Watson-Guptill, 2010.

PRATTEN, Robert. Getting Started in Transmedia Storytelling: A Pratical Guide for Beginners.
Charleston: CreateSpace, 2011.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e Artes do Pós-Humano: Da Cultura das Mídias à Cibercultura. São
Paulo: Paulus, 2003.

SCHELL, Jesse. A Arte de Game Design – O Livro Original. Rio de Janeiro: Campus, 2010.

RAUGUST, Karen. The Animation Business Handbook. New York: St. Martin’s Press, 2004.

SACKS, Terence J. Opportunities in Cartooning & Animation Careers. New York: McGraw-Hill, 2007.

WINDER, Catherine; DOWLATABADI, Zahra. Producing Animation. Burlington: Focal Press, 2001.

281
sobre o autor
Sergio Nesteriuk é graduado em Comunicação Social – Rádio e Televisão pela
UNESP, com mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Foi consultor de roteiro e dramaturgia dos projetos selecionados no ANIMATV.
Leciona disciplinas relacionadas a projetos, roteiro, animação, games e
hipermídia, além de orientar projetos de naturezas diversas nos cursos de
Animação, Design de Games, Comunicação em Multimeios e Tecnologia e
Mídias Digitais. É realizador independente nas áreas de audiovisual, produção
sonora e hipermídia. Atua ainda como consultor de roteiros e projetos.

Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail: nesteriuk@hotmail.com

Você também pode gostar