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EDITORA DA UFPB
Diretor
IZABEL FRANÇA DE LIMA
Vice-diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
Supervisor de editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR
Supervisor de produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
Editoração e capa
RILDO COELHO
Editora da UFPB
João Pessoa
2013
Autores
PREFÁCIO............................................................................................................ 13
APRESENTAÇÃO................................................................................................. 17
3. Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribuído à Terapia
Comunitária pela família do participante.
Luci Leme Brandão Lazzarini e Marilene Grandesso................................................ 66
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apresenta uma visão da terapia comunitária para os leitores, dando ênfase à
discussão das bases teóricas, conceitos fundamentais, método, e os resultados
que se alcançam com esta prática, em termos da recuperação da pessoa humana,
a sua auto-estima e noção de si, a sua identidade e história, a trama social de
pertencimento e a estrutura valorativa. Nesse capitulo, se entrecruzam visões
sobre este novo fenômeno social desde os ambitos disciplinares da antropologia
e a sociologia.
Na segunda parte, apresentamos estudos sobre a TCI e os seus efeitos
na vida das pessoas que participam dos encontros de TCI, bem como nos seus
familiares. O texto de Amilton Carlos Camargo e Ricardo Franklin, Tempo de falar
e tempo de escutar: a produção de sentido em grupo terapêutico, é um estudo
exploratório que buscou, através da narrativa de mulheres, ampliar a compreensão
dos sentidos atribuídos ao sofrimento a partir da participação dessas mulheres
nas rodas de Terapia Comunitária. Os autores trazem uma reflexão centrada na
percepção do sujeito inserido no coletivo, evidenciando como as apropriações da
fala do ‘outro’, produzem um novo sentido para as experiências vividas.
Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribuído à
terapia comunitária pela família do participante, de autoria de Luci Leme Brandão
Lazzarini e Marilene Grandesso, é um estudo onde se mostra como a participação
de um membro da família nas rodas da TCI, repercute positivamente na sua
transformação pessoal, tanto quanto na da família da qual faz parte. As autoras
utilizaramm o genograma para oferecer ao leitor uma maior compreensão sobre a
constituição das famílias pesquisadas.
O texto, Terapia Comunitária e Resiliência: história de mulheres de
Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias, Maria de Oliveira Ferreira e
Adalberto de Paula Barreto, discute a resiliencia, um dos pilares teóricos da TCI,
e nesse estudo buscou-se conhecer as estratégias resilientes utilizadas por um
grupo de mulheres participantes de rodas de TCI. É uma pesquisa que priorizou
o método da história oral temática, para revelar histórias de lutas e superação
da vitimização. Os autores discutem as características resilientes presentes nas
mulheres, e constatam que a TCI propiciou o aumento da autoestima e da
capacidade de mobilização social e comunitária.
Na terceira parte do livro, a ênfase recai sobre estudos desenvolvidos sobre
a inserção da Terapia Comunitária Integrativa na Estratégia Saúde da Família-
ESF. Os três primeiros estudos, tiveram como método de investigação a história
oral temática. Coloca-se o foco nas mudanças que ocorreram nas práticas dos
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profissionais da ESF que se formaram terapeutas comunitários. O texto de Edlene
de Freitas Rocha, Maria de Oliveira Ferreira Filha e Maria Djair Dias, intitulado
A Terapia Comunitária e as Mudanças de Práticas no SUS, traz um retrato do
processo de formação em TCI realizado no município de Pedras de Fogo/PB, e
aborda a TCI como uma prática de humanização do cuidado em saúde, conforme
preconizada pelo SUS. Através dos relatos dos participantes do curso, focaliza a
contribuição da TCI para o autoconhecimento como um processo de educação
permanente, e compara a TCI com a política de Educação Permanente para o
Sistema Único de Saúde – SUS, no contexto da consolidação de um modelo
comunitário de saúde mental.
A contribuição de Márcia Rique Caricio, Maria Djair Dias, Túlio Batista
Franco e Maria de Oliveira Ferreira Filha, Terapia comunitária: um encontro
que transforma o jeito de ver e conduzir a vida, mostra através da história oral,
as repercussões da TCI em profissionais da Estratégia de Saúde da Família. Do
ponto de vista da perspectica de Gilles Deleuze, Os autores comparam a TCI
como um encontro potente onde as pessoas são afetadas mutuamente pelas
histórias vividas e narradas nas rodas. Eles trazem uma inovação no campo
epistemológico, e mostram como a terapia temática, que é uma das variantes
da TCI, pode ser utilizada como técnica de produção de material empírico, nos
estudos qualitativos que requerem a expressão da subjetividade representada pelo
vivido, pelo experienciado.
No capitulo, Rodas de terapia comunitária: espaços de mudanças para
profissionais da estratégia saúde da família de Fernanda Lucia de S. Leite Morais e
Maria Djair Dias, a perspectiva está centrada na compreensão sobre as mudanças
pessoais e profissionais ocorridas em trabalhadores da Estratégia de Saúde da
Família (ESF) a partir da participação deles em rodas de Terapia Comunitária
Integrativa. Verificam-se as interrelações entre o mundo do trabalho e o mundo
da vida, numa atenção humanizada aos usuários na atenção básica em saúde. Este
estudo demarca a proximidade da TCI com a educação permanente em saúde
sob dois ângulos: enquanto sujeito de produção das práticas coletivas da saúde e
enquanto objeto da ação transformadora da TCI, quando os profissionais relatam
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as mudanças ocorridas no processo de trabalho a partir da participação deles nas
rodas de TCI.
Já o capítulo Repercussões da terapia comunitária no processo de trabalho
da Estratégia Saúde da Família: um estudo representacional, de autoria de Maura
Vanessa Silva Sobreira e Francisco Arnoldo Nunes de Miranda, fundamenta-
se na teoria das representações sociais, na perspectiva moscoviciana através da
abordagem sociocognitiva, por entenderem os autores que esta opção teórico-
metodológica favorece uma reflexão sobre a crítica, sobre o espaço onde o sujeito
está inserido, conferindo um valor influenciado pelo saber do senso comum e da
ciência. O estudo avalia as repercussões da TCI tanto no processo de trabalho da
equipe da ESF quanto no acolhimento e atendimento aos usuários dos serviços
de saúde na atenção básica.
A quarta parte, a TCI com grupos específicos, traz duas pesquisas que
tiveram o propósito de investigar como a TCI poderia potencializar as ações
específicas de cuidado para grupos com características homogêneas, no que diz
respeito a problemáticas enfrentadas. O capítulo Terapia Comunitária como
abordagem complementar no tratamento da depressão: uma estratégia de saúde
mental no PSF de Petrópolis, de autoria de Ana Lúcia Costa e Silva e Eliane
Carnot de Almeida, mostra como a TCI pode ser utilizada como uma estratégia
complementar no tratamento de pessoas em depressão. Este capitulo é uma boa
referencia para àqueles que pretendem aplicar a TCI em grupos específicos, como
diabéticos, hipertensos, usuários de álcool e drogas, entre outros.
O capítulo A contribuição da Terapia Comunitária para o enfrentamento
das inquietações das gestantes, de Viviane Rolim Holanda, Maria Djair Dias e
Maria de Oliveira Ferreira Filha, objetivou identificar, na fala das mulheres
gestantes, as estratégias desenvolvidas para o enfrentamento das suas inquietações
do dia-a-dia, e revelar as contribuições da Terapia Comunitária para o bom
desenvolvimento do processo da gravidez. Aqui se percebe a importância de se ter
nos serviços de saúde um espaço de fala e escuta coletiva, onde todos são mestres
e aprendizes. Esse material é direcionador para práticas coletivas em saúde, onde
a TCI pode ser mais um espaço educativo, um lugar de tira dúvidas sobre mitos e
medos relacionados com a gestação e puerpério.
A quinta parte, estudos que avaliam a TCI, foi inserida nesta coletânea
para despertar o interesse de pesquisadores e principalmente dos terapeutas
comunitários, para a avaliação da própria prática, seja através de técnicas
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qualitativas ou de instrumentos quantitativos. Inclui o capítulo A História da
Terapia Comunitária na atenção básica de saúde em João Pessoa: uma ferramenta
de cuidado, de autoria de Dayse Gomes Sousa de Oliveira e Maria Djair Dias.
Neste capítulo pode-se apreciar a riqueza de narrativas que compõem a história
do processo de implantação da TCI na rede de Atenção Básica em Saúde no
município de João Pessoa, PB. As autoras apresentam aos leitores uma utilização
do método da história oral temática, trazendo uma contribuição singular para a
pesquisa qualitativa, em que o fenômeno estudado apenas pode ser conhecido
através da voz dos colaboradores. Há uma sequencia nítida de narrativas que,
cadenciadas, reconstroem uma história que até então era desconhecida.
Por sua vez, o capítulo A Terapia Comunitária como instrumento de
inclusão da saúde mental na atenção básica: análise da satisfação dos usuários, de
Fábia Barbosa de Andrade, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Antonia Oliveira Silva,
Iris do Céu Clara Costa, teve como objetivo avaliar a satisfação dos usuários com
relação à TCI na Atenção Básica em Saúde, bem como a contribuição da TCI
para a melhoria nos cuidados em saúde mental no nível primário da atenção em
saúde. É um estudo que utiliza uma escala de avaliação da satisfação dos usuários
sobre serviços de saúde mental, SATIS-BR, que foi adaptada para este estudo
sobre avaliação da TCI, após quatro anos de sua implantação no município de
João Pessoa, Capital da Paraíba. Esta pesquisa é uma referencia para gestores que
desconheçam a repercussão da TCI na atenção básica de saúde e também na
saúde mental.
Finalmente, o capítulo Repercussões da Terapia Comunitária no cotidiano
de seus participantes, elaborado por Fernanda Jorge Guimarães e Maria de Oliveira
Ferreira Filha, é um dos primeiros estudos sobre a TCI publicado em periódicos
indexados do sistema qualis da CAPES. Ele destaca-se pela importância da
integração ensino-serviço como propulsora da construção de novos saberes e de
novas práticas. Nesta pesquisa, a história oral também foi utilizada como método
para conhecer as repercussões da TCI no dia a dia das pessoas que participavam
das rodas de TCI e que também frequentavam uma Unidade de Saúde da Família
do município de João Pessoa, PB. Ele também é referencia para os terapeutas
comunitários, uma vez que mostra como as pessoas concebem esse momento
terapêutico, tirando dele, lições para lidar com situações conflitivas no cotidiano.
Estas pesquisas que agora apresentamos ao público leitor, constituem a
primeira reunião de estudos sobre a Terapia Comunitária Integrativa como
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construção coletiva do conhecimento. Acreditamos que a partir desta iniciativa,
outros pesquisadores possam continuar a contribuir para que esta tecnologia de
cuidado, que é ao mesmo tempo um movimento social de promoção da pessoa
humana, uma ação cidadã e um método de conhecimento transformador, continue
se expandindo e dando bons frutos, em termos de melhoria da qualidade de vida
de muitas pessoas e comunidades.
O que aqui se apresenta, são pesquisas e estudos com ênfases e objetos
específicos, utilizando metodologias particulares. A ideia é que outros
pesquisadores possam ir além, aprofundadndo e questionando, gerando novas
interpretações e perspectivas de conhecimento e ação. A nossa expectativa é a de
que esta reunião de estudos pioneiros sirva para o progresso no campo da pesquisa
e da ação. Os que forem se voltando para estas temáticas no futuro, irão gerando
novos estados das artes, e assim sucessivamente, nessa construção coletiva que é o
processo do conhecimento.
O tipo de estudos aqui apresentados, enfatiza tanto a interpretação
como a compreensão, a captação de sentidos, a descoberta de novas relações
de conexões. Os leitores terão a oportunidade de conhecer uma ampla gama de
formas de investigação, cujo traço comum é: pesquisa-se a TCI para transformar,
práticas sociais para fazer emergir sujeitos novos, mais atuantes, mais autônomos,
mais donos de si e do seu destino.
A nossa pretensão ao dar a público estes escritos é a de estimular o avanço
do conhecimento na direção da consolidação do já investigado, bem como
apontar direções para onde há de se avançar para além do conhecido, em direção
às áreas ou aspectos ainda muito pouco explorados.
Nesse sentido, podemos dizer que esta coletânea, que é uma produção do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental Comunitária, registrado na base
de dados do CNPq e vinculado ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem
da Universidade Federal da Paraíba, é pioneira quanto a uma tentativa de mapear
o conhecido e o por conhecer. Convidamos os leitores, a mergulharem nesta
aventura do conhecimento.
Os organizadores
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PARTE I
1
Adalberto de Paula Barreto
Rolando Lazarte
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as pessoas e a própria comunidade a um processo de (re) construção e (re)
conhecimento da sua identidade, imagem e memória coletiva, recuperando
as raízes comuns, dando um sentido de pertencimento aos indivíduos, sem
perder de vista as suas singularidades.
A TCI é caracterizada por três componentes básicos: 1) o engajamento
de todos os elementos culturais e sociais ativos da comunidade para viabilizar
a discussão e a realização de um trabalho de saúde mental; 2) o fortalecimento
do coletivo, a fim de promover o encontro de grupos de crianças, adolescentes,
mulheres, homens, idosos, funcionado como instrumento de integração social;
3) a formação da identidade social, para que a pessoa cada vez mais tome
consciência da miséria e do sofrimento humano, facilitando a descoberta de
suas potencialidades terapêuticas.
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A Pedagogia de Paulo Freire
Há vários aspectos da pedagogia de Paulo Freire que se encontram
incorporados na Terapia Comunitária Integrativa. Dentre eles, cabe aqui
mencionar a criticidade (como oposta à visão ingênua, alienada, do mundo),
a contextualização, a problematização, o caráter dialógico da construção do
conhecimento e da realidade, a noção do opressor interno (FREIRE, 1987),
o opressor introjetado no oprimido, e a noção de que o processo educativo é
sempre de duas vias: todos aprendem, o educador e o educando, isto é: todos
somos educadores-educandos, por um lado, e, por outro, a noção de que todos
somos geradores de saberes e de visões de mundo irredutíveis umas às outras,
em um movimento contínuo de mútua contradição e complementariedade. A
compreensão de que a vida é um processo incompleto, é outra das características
do pensamento de Paulo Freire
Estas noções são algumas que se apresentam como relevantes. Podem
parecer muito simples, mas –talvez como conseqüência dessa mesma
simplicidade-- o seu efeito libertador nas rodas de Terapia Comunitária
Integrativa, e na formação de terapeutas comunitários –toda terapia comunitária
tende a ser um processo constante de auto-descoberta e libertação.
Ver as coisas em processo, se ver no processo de oposições e de
contradições que é a vida. Poder se ver no contexto das circunstâncias
em que cada um foi sendo moldado, passando a ser um analista de si
mesmo e das pessoas em redor, e não mais espectador passivo. Se perceber
como co-responsável na criação das circunstâncias em que se vive e se luta,
nas quais se descobrem recursos próprios e coletivos para a emancipação
do que oprime, e não mais como vítima. Se perceber, portanto, como
sujeito construtor de modos de vida e visões de mundo, de relações sociais
que oprimem mas também podem e devem libertar, em outras palavras,
assumir a pessoa que se é e que se está sendo, o destino que se quer
realizar. Ou seja: sujeito ativo, criativo, capaz (o “eu posso” individual e
coletivo), autor das próprias escolhas e dono da própria vida. Tudo isto
em movimento, ou seja: não mais a vida como passividade, submissão,
aquiescência, mas como atividade, criatividade, compromisso consciente.
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A pedagogia de Paulo Freire é muito mais do que os procedimentos
que costumam ser citados ao se referir a ela. Tal como a Terapia
Comunitária Integrativa, o método Paulo Freire é uma forma de ver o
mundo, de ler a realidade e a si mesmo, de agir significativamente em
grupo e individualmente, a partir de valores e formas de perceber geradas
num encontro mutante com a matriz sociocultural e histórica a que se
pertence.
As tentativas de resumir estes dois grandes movimentos sociais em
boa medida entrelaçados e mutuamente implicados a alguns dos seus
traços característicos, podem levar a visões estereotipadas afastadas do
que se quer conhecer, isto é: dois grandes movimentos sociais gerados no
Nordeste brasileiro, expandidos pelo país inteiro, em perpétuo processo de
mudança interna, avançando de maneira lenta, mas firme, em direção a
formas mais humanas de existência.
O movimento de educação popular de Paulo Freire e a terapia
comunitária agem pela base, são movimentos sociais, modificam a
consciência do oprimido em direção à sua libertação prática, não teórica
ou ideológica. Um dos eixos desta ação libertadora, talvez o principal, é a
recuperação da auto-estima de pessoas e comunidades.
Esta recuperação da autoestima, está ligada à libertação da pessoa
e das comunidades, dos estereótipos e dos preconceitos internalizados,
que os faziam se repudiar e se desconhecerem a si mesmos, por terem
introjetado a visão do opressor. Isto fica claro numa menção que Paulo
Freire faz em A pedagogia da Autonomia, à forma como um favelado passou
a ver a si mesmo, já não mais como uma vítima ou alguém indesejável, mas
comum sujeito vitorioso, vencedor, por ter-se organizado e mobilizado
coletivamente em favor do bem comum.
Na Terapia Comunitária Integrada, esta mesma recuperação da
auto-estima, ocorre a partir do momento em que as pessoas passam a
se perceberem já não apenas enquanto alguém que cumpre obrigações,
papéis sociais, mas como alguém com direito a existir, a ser ele mesmo, a
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pessoa, o ser humano que é, e não que os outros pensam a seu respeito ou
o que os outros querem que a pessoa seja.
A pedagogia de Paulo Freire foi gestada em um contexto de
mobilização social e política latino-americana e mundial, no fim dos anos
1950 e começo dos anos 1960. Era um período marcado por rebeliões
estudantis e por mudanças políticas em direção ao socialismo.
Na Pedagogia do oprimido, Paulo Freire questiona o revolucionarismo,
como oposto à radicalidade. No primeiro, se mantém ou pretende-se
manter a tutela sobre os oprimidos, em nome da sua libertação. A segunda,
envolve uma mudança geral, em que todas as pessoas se mobilizam na
construção de uma sociedade emancipada.
As advertências de Paulo Freire resultam proféticas, olhando
retrospectivamente o panorama dos processos políticos das últimas décadas
no nosso continente e no mundo. Em particular, o agir dos movimentos
guerrilheiros e dos regimes do chamado socialismo real, bem como as ditaduras
cívico-militares e as suas continuidades neoliberais.
A vigência e o vigor da sua pedagogia permanecem atuais, na medida
em que outros movimentos sociais, como a Terapia Comunitária Integrativa,
aprenderam estas lições; cada um de nós é o mundo a ser mudado, e não há
líderes nem partidos ou instituições que possam nos libertar, se não assumirmos
nós mesmos a responsabilidade e as conseqüências de termos tomado a decisão
de sermos os autores do nosso próprio destino, com autonomia.
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e isto acarreta conseqüências para a sua auto-estima, para a noção de si, para o
seu modo de ser e de se comportar no mundo.
Uma criança que não foi desejada, desde o ventre materno soube disso,
e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempo
todo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foi
querida desde a concepção, ao contrário, é capaz de dizer sim quando quer,
e não quando não quer. Estas constatações aparentemente muito simples,
permitem com que a pessoa comece a ver a si própria desde outro lugar, desde
uma possibilidade de auto-conhecimento autêntico, sem enganos, verdadeiro.
Muitas vezes, nas terapias ou nas formações de terapeutas comunitários,
os participantes são levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de si
mesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos períodos
de tempo. Quando a pessoa começa a se perceber como alguém que venceu
muitas batalhas, alguém que soube dar a volta por cima em circunstâncias
que poderiam tê-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de si
começa a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz de
direcionar sua própria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidir
o que quer que seja o seu próprio ser. “O que você quer para eu querer”
(a criança ou a pessoa boazinha). “O que você quer para eu não querer” (o
rebelde ou contestatário) são prisões em que a pessoa deixa de ser ela mesma,
perde a sua liberdade, age por automatismos.
Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a lê-las ao
nosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se alguém se sentiu
abandonado, não querido, porque foi esperado menina e era menino, ou o
contrário, isto determinou reações que estiveram fora do seu controle, da sua
capacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas,
por vingança: não me quiseram, não os quero. Muitos comportamentos
agressivos estão animados por uma reação de quem se sentiu não querido,
não amado.
Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a própria pessoa,
que passa a conviver com um tirano interno, um sabotador da sua felicidade e
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do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira única e irrepetível, no
meio aos outros. Nas formações de terapeutas comunitários, um dos exercícios
é a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos e
os coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeito
de si mesmos, dos seus modos de ser característicos.
Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum ou
freqüente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Então, a pessoa
deixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua forma
única de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, não me
quiseram) são re-codificadas em função do contexto interpretativo que a
interpretação sistêmica e integrativa propõe, com base nos valores dos pais e
da cultura em volta, e das escolhas próprias da pessoa.
O que se aprende na Terapia Comunitária Integrada, em termos
da comunicação, é a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicação
paradoxal, do duplo vínculo e das distorsões das mensagens equívocas que
emitimos ou recebemos. “Carta certa para pessoa errada”, é quando emitimos
uma mensagem que é correta no seu conteúdo, mas está sendo direcionada
a quem não tem nada a ver. Quando a reação é desproporcionada ao fato,
estamos reagindo não ao fato, mas ao que ele nos remete.
Estas chaves nos dão elementos para irmos re-programando a nossa
conduta desde uma visão mais atual, mais presente, menos condicionada pelo
passado. O passado é visto como o estrume necessário para o crescimento
da planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. O
empoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida da
decodificação e re-codificação de mensagens recebidas e emitidas.
A Antropologia Cultural
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de grupos sociais, o referencial a partir do qual cada membro de um grupo se
baseia, retira sua habilidade para pensar, avaliar e discernir valores, e fazer suas
opções no cotidiano.
Vista dessa maneira, a cultura é um elemento de referência fundamental
na construção da nossa identidade pessoal e grupal, interferindo, de forma
direta, na definição de quem somos, de quem é cada um de nós. E é a partir
dessa referência, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, para então
podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão.
Dessa forma, podemos romper com a dominação e com a exclusão social que,
muitas vezes, nos impõem uma identidade negativa ou baseada nos valores de
uma outra cultura que não respeita a nossa.
Quando reconhecemos que, mesmo num único país, convivem
várias culturas e aprendemos a respeitá-las, descobrimos que a diversidade
cultural é boa para todos, é verdadeira fonte de riqueza de um povo e de
uma nação. Se a cultura for vista como um valor, um recurso que deve ser
reconhecido, valorizado, mobilizado e articulado de forma complementar
com outros conhecimentos, poderemos ver que este recurso nos permitirá
somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e de resolução de nossos
problemas sociais e construir uma sociedade mais fraterna e mais justa.
A Antropologia traz uma visão do universo cultural do ser humano.
Compreendemos que toda cultura, todo indivíduo, tem direito à diferença,
e que a cultura responde a um desejo maior do ser humano: o de nutrir a
sua identidade. Ser diferente é a razão maior de ser humano. Combater a
diferença é um ato de dominação e de empobrecimento da humanidade.
A visão antropológica nos diz que somos construídos socialmente, que
cada ser humano se torna quem ele é, a partir dos condicionamentos recebidos
desde a sua gestação, pela vida afora.
Estes condicionamentos são as marcas da cultura, são as definições que
nos moldam de maneira a virmos a ser membros da sociedade. Este processo
é a socialização, e implica na adoção de padrões de comportamento, de
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percepção do mundo e de nós mesmos, de relacionamento com os outros,
com a natureza, a sociedade, etc.
Este processo implica na constante adoção e rechaço de valores e de
padrões, conforme os ambientes em que a pessoa vai se incorporando e as
formas de convivência com as quais a pessoa é levada a se relacionar ao longo
da sua vida. Nesse processo, a pessoa vai formando a sua identidade, mas por ser
um processo contraditório, em que o ser humano individual freqüentemente
é forçado a se negar a si mesmo para poder sobreviver, a identidade negativa
ou auto-excludente, muitas vezes prevalece sobre a identidade originária ou
verdadeira, essencial.
A Terapia Comunitária Integrativa promove um reencontro da pessoa
consigo mesma, a través de um processo de auto-reconhecimento em que
as falsas auto-imagens vão sendo descobertas e rechaçadas, substituídas pela
imagem e auto-conceito positivos originários.
Estereótipos e preconceitos marcam o caminho conflitivo em que a
identidade se debate para sobreviver. Uns e outros são impostos por relações
de poder que marcam a dominação de grupos na sociedade. A pessoa se
defronta com situações nas quais deve adotar padrões e valores contrários aos
seus , e isto pode levar à negação da própria identidade ou ao seu reforço.
Neste último caso, prevalece a resiliência, a auto-afirmação de si mesmo e dos
próprios valores, em circunstâncias de extremo risco de desaparição da própria
identidade. Isto em circunstâncias extremas; em circunstâncias normais, a
pessoa pode escolher entre valores dominantes, os universais da cultura, ou
as alternativas.
Na prática da Terapia Comunitária Integrativa, a pessoa é levada
a se tornar terapeuta de si mesma. Isto envolve, entre outras coisas, um
reencontro profundo com as suas raízes, a sua identidade, a sua origem, o seu
pertencimento.
Uma prática social torna-se libertadora quando está profundamente
conectada com as origens, com a história de vida da pessoa, o que ela quis ser
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e o que é, o seu passado e o seu projeto de futuro. Do contrário, pode- se cair
em práticas mecânicas, sem sentimento, tecnificadas.
No resgate da criança interior, uma das vivências utilizadas na formação
do terapeuta comunitário, o indivíduo é levado a se reencontrar com o seu
primeiro mestre, a criança que foi. Isto promove um retorno à pureza original,
que volta a se tornar um fato do dia a dia, um estado de consciência habitual.
O Pensamento Sistêmico
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os princípios do pensamento sistêmico é viver mais de acordo com o que a
realidade é. Isto é: a incerteza, a intersubjetividade, a constante mutação de
tudo e de todos, nos levam a existir de um modo mais fluente, mais do modo
como o Tao dos antigos chineses diz, ou seja, deixar a vida seguir seu jogo, sua
eterna dança de contrários complementares.
Nas últimas décadas do século XX, Fritjof Capra trouxe novamente a
tona a questão da integração de saberes. Vários dos seus livros, provocaram
uma verdadeira revolução, no sentido de que trouxeram de volta a antiga
visão unitária, decomposta pelo utilitarismo, o mecanicismo, o reducionismo
e o materialismo. Se as antigas visões não viram exclusão entre espírito e
matéria, estas visões integradas que retornam, repõem a unidade do saber e
a unidade da vida, enunciadas por muitos pensadores, como Karl Marx, por
exemplo. Embora Marx tenha sido apresentado como materialista, sua visão
do ser humano é integrada, como pode ser lido nos Manuscritos Econômicos
e Filosóficos de 1844. Erich Fromm (1983), Karl Jaspers (1953), Wilhelm
Reich, Muñoz Soler, Edgar Morin, Maturana e Varela (2004), Leonardo
Boff (1999), completam a plêiade de pensadores modernos em que a visão
integrada retorna. Ciência e poesia, religiosidade e objetividade, os opostos se
completam e determinam na sua interação contínua, o movimento da vida.
No final da década de 1930, o biólogo Ludwig Von Bertalanffy,
enunciou a Teoria Geral dos Sistemas, buscando compreender a inter-relação
existente entre as partes e o todo.
O pensamento sistêmico diz que as crises e os problemas podem ser
entendidos e resolvidos quando os percebemos como partes integradas de
uma rede complexa, com ramificações, que interligam as pessoas num todo,
envolvendo a biologia (corpo), a psicologia (mente e emoções) e a sociedade
(contexto cultural) (Maturana 2004). Esses aspectos estão interligados de tal
modo que cada parte influencia e interfere na outra. A abordagem sistêmica
possibilita entender a pessoa na sua relação com a família, com a sociedade,
com seus valores e crenças, colaborando para a compreensão e a transformação
do indivíduo (Barreto, 2008).
É importante registrar que, tendo consciência da globalidade, aborda-se
e situa-se um problema sem perder de vista as várias partes do conjunto. Por
isso se faz necessário observar o contexto, ou seja, as “circunstâncias que estão
interligadas e dão sentido ao funcionamento do sistema” no qual o indivíduo
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se insere. Igualmente, para compreender como funciona a sociedade e
para entender o comportamento das pessoas e dos grupos sociais, é preciso
compreender o sistema como um todo.
Na Terapia Comunitária Integrativa, a aplicação da abordagem
sistêmica implica em reconhecer que todo ato de uma pessoa, a vida dessa
mesma pessoa, seus valores, atitudes, formas de agir, está inserido numa
matriz. Essa matriz é o contexto que dá sentido a esse ato, a essa pessoa, ou
a alguma das suas atitudes ou comportamentos. Implica em deixar de julgar
separadamente, aprendendo a ver as coisas num conjunto, no seu contexto,
fora do qual não fazem sentido.
Esta forma de ver as coisas, aparentemente tão simples, envolve uma
mudança radical na percepção do terapeuta. O objetivo da TCI é que cada um
seja seu próprio terapeuta. No processo de formação do terapeuta comunitário,
ele é levado a um mergulho em profundidade em si mesmo, na sua trajetória
de vida, suas lutas, os fracassos, os recomeços, o vai-vém da sua existência,
num conjunto interpretativo do qual fazem parte seus familiares (a primeira
escola), a família que ele constituiu ou não posteriormente, o ambiente social
e as tradições culturais de que faz parte. Isto refaz a leitura de si mesmo que
a pessoa fazia entes da formação como terapeuta comunitário, em que se via
a si mesmo e aos demais, separadamente. Aprende a se ver e a compreender
em conjunto, integradamente, daí o nome de terapia comunitária integrativa
e sistêmica.
A Resiliência
Toda carência gera uma competência. A resiliência se refere ao saber
que a pessoa adquire ao longo da sua vida, pela experiência, a luta, as vitórias
sobre dores que poderiam tê-la quebrado ou, de fato, a quebraram durante
anos.
Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de si
mesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela é alguém de
valor sem igual na sua vida, alguém que por ter vencido todas as batalhas que
se apresentaram até o momento atual, é dona de um saber e de um poder que
não deve a ninguém, mas apenas a si mesma.
Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda que
recebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribuímos valor enorme na
37
nossa vida. Mas sem a nossa decisão de vencer, teríamos sucumbido. As
pessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.
A Terapia Comunitária Integrativa reforça esta atribuição de valor,
enfatizando que cada um é doutor na sua própria experiência. Saber que se
aprende nos livros e nas escolas, o saber técnico-científico, não substitui, mas
se complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, ao
longo dos anos, na luta contra circunstâncias adversas, quer seja na família, a
primeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhança, nas
distintas esferas sociais de atuação.
A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe ao
longo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor que
a acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela
sabe que cada um, cada ser humano, é a soma de infindáveis atos e gestos de
colaboração que deram por resultado o ser que cada um de nós é agora.
A vida adquire um valor inestimável desde esta perspectiva, em que
tudo que somos reúne os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nas
distintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes e
experiências adversas pelos que tivemos que atravessar, as vitórias que nos foi
dado obter. Somos uma soma de atos de amor.
A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqüência, valorizando cada
pequena coisa. É comum em famílias de imigrantes ou pessoas que sofreram
necessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de pão, uma
gota de água, um pedaço de comida, um olhar de compreensão, uma escuta
calorosa e atenta.
Quando a pessoa se vê na trama da vida, na teia da vida, como
costumamos dizer na Terapia Comunitária Integrativa, ela não dispensa nada,
e o que a faz sofrer, a faz crescer. Ela descobre isto na sua formação como
terapeuta comunitário, quando reconhece o processo do qual é resultado. Se
se sentiu abandonada, não querida, torna-se amorosa, sensível à dor alheia,
capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integrar
amorosamente na vida dos outros.
Se foi problema, tende a ser solução. Se se sentiu um estorvo, sabe
acolher. No processo de se tornar terapeuta comunitário, a pessoa aprende a se
tornar cada vez mais autônoma, senhora de si, na medida em que sai do papel
de vítima para o de vencedor. A complementação do saber científico com o
experiencial, oriundo da vida e das vivências que cada pessoa passou e passa,
38
cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foi
mais débil.
É a transformação da fraqueza em força, e cada ser humano é capaz de
descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido,
pode-se dizer que é a vitória do ser humano sobre a adversidade. Eterna
epopéia infindável em que todos estamos involucrados, e que não termina
enquanto há vida.
39
verbalizadas pelo grupo, e sugere que o grupo escolha uma delas como um
tema para ser aprofundado no passo seguinte.
Neste ingresso ao círculo, uma matriz é recriada, a pessoa que se sentia a
única no mundo com uma dor tão grande que ninguém poderia compreender,
situa-se no meio de outras pessoas que contam as suas dores. A dor dela não
é maior nem menor do que as demais. Mesmo que o tema ou problema de
outro participante não tenha sido eleito para ser trabalhado no grupo, ele se
vê no problema dos demais, com os quais aos poucos vai se formando um elo
de simpatia por semelhança ou diferença.
No terceiro passo, contextualização, são colhidas mais informações sobre
a situação temática escolhida, permitindo a utilização de perguntas a fim de
facilitar a compreensão e o esclarecimento do contexto onde o problema ou a
situação se insere. As perguntas formuladas ajudam a pessoa que está falando
do seu problema a refletir sobre a situação vivida.
O momento em que todos irão comungar da contextualização do tema
escolhido é algo grandioso, haja vista que o mergulhar no contexto do outro,
requer dos participantes da roda despojamento e liberdade; acontece nesse
momento um encontro entre o contexto daquele que está falando de si na roda,
e do outro que apenas ouve, comovendo-se, fortalecendo-se e se preparando
para contribuir no amenizar daquele sofrimento a partir da explanação da sua
história de vida.
A escuta ativa abre espaço para a ressonância por semelhança. A pessoa
aprende que nada está isolado, todas as coisas fazem parte de um sistema de
interconexão e interatividade.
No quarto passo, problematização, o terapeuta comunitário apresenta o
mote, que no âmbito da Terapia Comunitária Integrativa significa a pergunta-
chave que vai permitir a reflexão do grupo, e a pessoa que expôs o problema
fica em silêncio.
Neste momento, as pessoas que vivenciaram momentos semelhantes
ou que guardam alguma relação com o tema do mote, passam a refletir a
experiência vivida, e de que modo foi enfrentada determinada situação de
40
sofrimento, permitindo o nascimento de estratégias de enfrentamento usadas
pelas pessoas, evidenciando o processo resiliente.
Ocorre, então, a complementariedade das diferentes realidades, a partir
da partilha de situações semelhantes, onde as riquezas emergidas de cada
identidade passam a se fazer presentes, ali naquele meio coletivo, onde todos
ouvem, alguns falam, mas o coletivo se fortalece com a partilha de vida de
cada pessoa. Desse modo a pessoa que teve seu problema escolhido elege as
estratégias mais adequadas a serem utilizadas na resolução do seu problema.
Isto é promover a cidadania e fortalecer o empoderamento no meio social.
O quinto e ultimo passo, conclusão/encerramento, se dá com todos os
participantes unidos através da junção das mãos, em um círculo com rituais
próprios como cantos religiosos ou populares, orações, abraços e o relato
de cada um da experiência adquirida naquele encontro. A execução desse
momento permite a construção de redes sociais solidárias, que unem entre
si, todos os indivíduos da comunidade. O término da sessão é o começo para
a utilização dos recursos que a comunidade dispõe para a resolução dos seus
problemas.
SINTETIZANDO
41
REFERÊNCIAS
BARRETO, Adalberto. Terapia Comunitária passo a passo. 2 ed. Fortaleza: LCR, 2008.
BERGER, Peter L., BERGER, Brigitte. Socialização: como se tornar um membro da sociedade
In: FORACCHI, M. M., MARTINS, J.S.(Orgs.). Sociologia e sociedade Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1977.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia 18. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
KOSIK, K. Dialética do concreto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 230 p.
LAZARTE, R. Max Weber: ciência e valores. 2ª. ed São Paulo: Cortez, 2001.
LINTON, R. Estudio del hombre México DF: Fondo de Cultura Económica, 1967.
42
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 In Manuscritos econômico-filosóficos
e outros textos escolhidos. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MUÑOZ SOLER, R.P. Antropología de síntesis Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1980.
______ Transfiguración social del Verbo Buenos Aires: Arcana Ediciones, 2009.
43
PARTE II
2
Amilton Carlos Camargo
Ricardo Franklin Ferreira
INTRODUÇÃO
46
epistemológica e metodológica que, nessa época, sustentava e buscava
sistematizar essa prática. Desse modo, voltei-me para as manifestações
do fenômeno empírico vivenciado pelos participantes durante as rodas
de terapia comunitária, pondo em segundo plano os pressupostos
filosóficos e teóricos que sustentam sua aplicação, sem com isso abrir
mão da práxis daí decorrente.
No ano de 2004, passei a freqüentar o curso de formação em
Terapia Comunitária Integrativa (TCI), promovido pela PUC-SP, bem
como participei do II Congresso de Terapia Comunitária, realizado em
Brasília / DF.
Em função do curso de formação como terapeuta comunitário
passei a realizar rodas de terapia comunitária, juntamente com o meu
orientador da dissertação, na Universidade São Marcos-SP, atendendo às
pessoas da fila de espera da clínica-escola de psicologia.
Nas rodas de terapia comunitária que realizei, pude perceber que
aparentemente há uma grande mobilização emocional dos participantes,
seguida, muitas vezes, de relatos apaixonados e calorosos com relação às
transformações que as pessoas percebem em si mesmas após sua passagem
pelo grupo.
A partir de tais experiências, nesta pesquisa pretendi compreender
a atribuição de sentido à terapia comunitária realizada por alguns de
seus participantes, sem perder de vista que vivemos em um país de
acentuada desigualdade social, no qual a atenção à saúde é privilégio de
poucos e a ‘psicoterapia’ comumente é ‘produto’ de compra reservado às
elites. É fato notório que a realidade social brasileira apresenta inúmeras
situações de adversidadescomplementares aos sujeitos e famílias de
baixo poder aquisitivo, frente às questões referentes à alimentação,
habitação, educação, cultura, violência, etc., se comparados a outros
sujeitos e famílias que têm seus poderes sociais, econômicos e financeiros
garantidos.
Neste mesmo contexto brasileiro retratado pela riqueza excessiva
de alguns pequenos grupos sociais, encontra-se uma parcela majoritária
da sociedade que vive em situação de miséria absoluta, fome e desamparo.
Como aponta Santos (2000, p.24):
[...] só a área de produção de soja no Brasil daria para alimentar
40 milhões de pessoas se nela fossem cultivados milho e feijão. Mais
47
pessoas morreram de fome no nosso século que em qualquer dos
séculos precedentes. A distância entre países ricos e países pobres
e entre ricos e pobres no mesmo país não tem cessado de aumentar.
1 Ao longo deste trabalho, quando me referir ao processo de exclusão estarei alinhado à argumentação
de Sawaia (1999) que afirma sempre haver uma inclusão num processo dialético de inclusão/exclusão, mesmo
que haja uma inclusão perversa. Se em alguns momentos mantenho simplesmente a definição de ‘exclusão’ e
seus derivados, deve-se apenas ao fato dessa estar ampla e socialmente difundida.
48
na qual o mesmo poderia tornar-se mais ativo com relação à criação de
sentido e significados para sua experiência cotidiana.
Nessas condições pode-se entender a terapia enquanto espaço para
a construção de novos significados que, organizados em narrativa a partir
das relações intersubjetivas, poderá conferir sentido à experiência.
A relevância do tema apresenta-se por abordar aspectos
socioeconômicos e culturais referentes a um expressivo contingente
populacional, permitindo que as questões relacionadas à exclusão social,
ou como aponta Sawaia (1999), à inclusão perversa, situação de pobreza
e risco frente à violência social, sejam discutidas e pensadas, de modo a se
buscar novas possibilidades de enfrentamento de tais situações.
Para Lane (1984, p. 17):
MÉTODO
Segundo Pereira (2001, p. 141):
49
enquanto a Sabedoria ficou ao lado do saber-sabor (prazer). Quando
ocorre esse desequilíbrio a metodologia do trabalho comunitário e
social opta muito mais pela Sabedoria que pela Ciência, pois ela é
preferencialmente inclinada para a comunidade, a arte, o estético, o
sagrado e o bom-senso.
50
o sigilo de suas identidades garantido. Tendo sido autorizada a gravação das
entrevistas, explicou-se os procedimentos referentes à posterior transcrição e
análise dos dados. Elas leram e assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido, que autorizou o uso dos dados produzidos na pesquisa.
Visto que as identidades das participantes foram preservadas, utilizou-
se nomes fictícios: Ana, Lídia, Ivone, Joana e Paula, quando abordadas suas
experiências de vida.
As participantes da pesquisa foram abordadas e apresentadas ao
pesquisador ao final de uma sessão de terapia comunitária.
Em abril de 2005 foi realizada uma entrevista em grupo com as
participantes, a partir de contato telefônico, e utilizou-se um roteiro prévio
(focalizado), com tópicos a serem abordados durante a entrevista. Assim,
foi possível ampliar e correlacionar a compreensão dos sentidos atribuídos à
participação nas sessões de Terapia Comunitária por parte de cada uma das
entrevistadas.
A entrevista focalizada busca enfocar um tema bastante específico
durante a prática. Cabe ao entrevistador possibilitar que o entrevistado fale
livremente sobre o assunto, porém quando este se desvia do tema delineado
deve haver um empenho do entrevistador para que tal tema seja retomado
(GIL, 1999).
Dessa forma, pretendi enquanto pesquisador ter a menor interferência
possível sobre as narrativas das participantes, no momento das respostas,
possibilitando às mesmas maior liberdade para expressarem suas percepções,
representações e sentimentos frente às questões disparadoras do problema de
pesquisa.
A gravação da entrevista e posterior transcrição desta foi realizada pelo
próprio pesquisador, como forma de possibilitar uma maior apropriação dos
conteúdos narrados pelas participantes.
Para efeito de análise posterior foi feito o levantamento de algumas
categorias, partindo da fala das participantes. Assim, o que se fez na seqüência
foi a montagem de uma tabela com unidades de significação e compreensão
das falas das participantes, elencando as categorias surgidas, para a realização de
uma análise interpretativa. Tais categorias foram: (1) a valorização das relações
desenvolvidas pelos participantes, das famílias e das redes de relações que estes
estabelecem com o seu meio; (2) o fortalecimento da dinâmica interna de cada
sujeito e possibilitando que este possa tornar-se mais autônomo e desenvolva
51
um sentido de autoria de sua própria vida; (3) o fortalecimento de vínculos
nas comunidades, através da formação de uma rede social de solidariedade
e de participação entre os sujeitos; (4) a produção de sentido a partir das
práticas discursivas realizadas no grupo, com ênfase no falar e no escutar; e (5)
quanto às percepções das participantes em relação às características da Terapia
Comunitária: as várias fases da aplicação e quanto ao papel do terapeuta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Relações
52
remetendo assim à epistemologia proposta pelo educador Paulo Freire
(1987), na sua Pedagogia do Oprimido.
A consciência emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o,
compreende-o como projeto humano. Em diálogo circular, intersubjetivando-
se mais e mais, vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetividade
criadora. Todos juntos, em círculo, e em colaboração, reelaboram o mundo
e, ao reconstruí-lo, apercebem-se de que, embora construído também por
eles, esse mundo não é verdadeiramente para eles (FREIRE, 1987, p. 17).
Esse paralelo proposto com o trabalho de Paulo Freire deve-se ao
fato dessa prática, TCI, comumente ser desenvolvida em comunidades
nas quais as pessoas não estão acostumadas a ter direito à sua ‘palavra’,
ao seu ‘discurso’, ou à expressão de suas idéias, pensamentos, conflitos,
sofrimentos, necessidades e desejos. Assim, parece-me que acima de tudo
as participantes têm aprendido que podem sentir-se tristes, felizes, aflitas,
solitárias e podem falar desses sentimentos, pois têm um ‘lugar’ no qual
serão ouvidas. As relações que vão se desenvolvendo no grupo parecem
possibilitar a ampliação dos ‘repertórios interpretativos’ das participantes,
permitindo que se posicionem de forma diferente daquelas a que foram se
habituando nas interações cotidianas.
Pontuo aqui que Lídia no contato telefônico comigo alertou-me
para o fato de que achava que não tinha ‘problemas’ e que psicólogos são
para pessoas que tem ‘neuroses’, ‘manias’ ou ‘põem um negócio na cabeça’,
‘pessoas problemáticas’. Ela afirmou que seu ingresso no grupo deu-se em
função de solidariedade para com a terapeuta que conduz o grupo, Paula, e
a sua amiga da pastoral, Ivone, pois Lídia acreditava que não iriam aparecer
participantes para o grupo e as duas amigas ficariam ‘sozinhas’.
Outra participante do grupo sugeriu que o seu engajamento no grupo
lhe permitiu compreender situações que antes não lhe era possível. Ao
relatar sua opinião contrária à internação do sogro e posterior mudança de
opinião a favor da internação do mesmo, ela sugere um redimensionamento
da situação vista como um problema, a partir de uma ressignificação e
atribuição de um novo sentido àquela situação vivida. “Meu sogro já tinha
53
tentado se matar e uma hora ele iria conseguir. Então tudo aquilo que eu não
estava conseguindo entender sozinha... pronto eu sai daqui outra”.
54
Assim, as participantes parecem estar exercitando as suas
possibilidades de ‘pessoa’ através das relações dialógicas que estabelecem no
grupo, percebendo-se ancoradas pela força que o grupo lhes proporciona
através do sentimento de pertença. Elas sugerem ter novas possibilidades de
exploração e manipulação junto às situações vividas diariamente, sofrendo
transformações nas suas identidades pessoais a partir de ressignificações
possibilitadas pelas práticas discursivas veiculadas no grupo. Cabe discutir
outra categoria proposta como objetivo a ser alcançado na prática da terapia
comunitária, que é autonomia pessoal.
55
habilidoso e atentivo sugerindo que a pessoa transforme tal conselho em uma
pergunta que possa servir de reflexão para o depoente da sessão.
Além disso, em alguns momentos a fala das participantes revela que, a
partir de conselhos dados pela terapeuta, mudaram um dado comportamento
que mantinham em suas vidas. Há um relato de uma sugestão que a terapeuta
comunitária teria dado a uma participante recém-chegada ao grupo e que tem
sido aplicado por uma das entrevistadas em sua própria vida. A participante
relatou que, como a recém-chegada ao grupo, ela também trabalha no mesmo
ambiente que o marido e tem os mesmos problemas que a moça, pois os
maridos das mesmas não conseguem decidir as situações de trabalho por si
mesmos e solicitam às esposas que o façam, de tal forma que elas muitas vezes,
quando evocadas pelos maridos, acabam conversando com os clientes para
solucionar algum impasse. Nesse sentido, a participante do grupo relatou que
a terapeuta comunitária aconselhou a recém-chegada no grupo que, quando
seu marido viesse lhe solicitar uma intervenção junto aos clientes, ela deveria
dizer ao marido que ele deveria resolver aquela situação conversando com o
cliente e, logo após, ela deveria ‘virar as costas’ ao marido, saindo da cena. A
participante da pesquisa disse que tem se utilizado desta estratégia em sua
relação pessoal com o marido e que tem surtido efeito, pois o marido vai
conversar com o cliente em questão, mesmo questionando tal situação. Ela
ainda relatou saber que o conselho da terapeuta nem foi dado a ela, mas que
tem funcionado em função da história de vida das duas mulheres serem tão
semelhantes. Assim, o que se pode depreender deste episódio é uma posição
de referência que a terapeuta ocupa nas histórias de vida das participantes.
Posição esta, a partir da qual a figura da terapeuta é concebida pelo grupo como
alguém que tem um saber diferenciado com relação aos demais componentes
do grupo, não diferente da tão discutida posição ocupada pelo psicoterapeuta,
nos atendimentos clínicos tradicionais, enquanto ‘sujeito suposto saber’. Talvez
caiba aqui relembrar um dos pressupostos filosóficos da terapia comunitária
que diz respeito à horizontalidade das relações. Vale também enfatizar que
esta é uma condição pretendida pela referida prática e que, eventualmente,
pode não ser alcançada, considerando-se que somos sujeitos, dito por alguns
historiadores, pós-modernos e temos nossas subjetividades constituídas ao
redor de relações hierárquicas, por vezes mantidas pela tradição, outras vezes
56
em função das distinções sociais possibilitadas pela posse de diferentes saberes
veiculados através do discurso.
De acordo com Bakhtin (1999), a linguagem verbal pode ser vista
como um exercício social. Assim, a realidade social pode ser pensada como
processo dialético, através da língua dada, em que a palavra vai constituindo
um movimento contínuo e existindo como fonte mediadora entre o social e
o individual.
Desse modo, quando o sujeito aprende a falar, também está aprendendo
a pensar, considerando que a palavra é a forma de revelação de suas experiências,
bem como dos valores de sua cultura. A partir de então, tem-se que o nosso
modo de percepção da realidade é indissociavelmente influenciado pelo nosso
‘agir verbal’ sobre o mundo.
Pode-se compreender aqui que muitas vezes as pessoas que participam das
sessões de terapia têm poucas possibilidades de ter o seu discurso reconhecido
e validado socialmente, pois comumente têm poucas possibilidades de
discussão das suas condições existenciais, e acabam construindo idéias em
torno das quais essa prática passa a ser vista como algo sem importância, algo
que não poderá ser útil como instrumento, pois não há como transformar
a realidade dada do mundo. A participação no grupo de terapia parece
permitir uma reflexão a partir do contexto de fala e escuta instaurado pelas
relações sociais ali desenvolvidas e assim as participantes passam a ter ‘voz’. A
possibilidade de narrar suas experiências de vida no grupo, sem que para tal
lhes seja necessário ter um ‘saber diferenciado’, e serem reconhecidas por essa
ação social, parece promover um sentimento de autoafirmação e confiança
pessoal nas participantes que legitima as suas histórias de vida, conferindo-
lhes um sentido de autoria. A partir de tal consideração, far-se-á análise do
conceito de rede social de solidariedade.
58
de terapia comunitária como sistemas vivos autopoiéticos, elas podem ser
percebidas enquanto unidades autônomas, com caráter unitário e mantendo-
se em contínua dinâmica de trocas.
Segundo Camarotti et al (2003, p. 57):
59
A Fala e a Escuta
Para todas as entrevistadas participantes das sessões de terapia
comunitária esse espaço é visto como um lugar privilegiado, no qual
podem falar de suas preocupações, dúvidas, angústias e sofrimentos
existenciais. Elas afirmam, em sua totalidade, que se sentem melhor
enquanto pessoas depois que passaram a participar das sessões de terapia
no grupo. Além disso, as participantes também apontam o espaço da
terapia como um lugar que lhes possibilita aprender novos modos de ser,
ouvindo a experiência do outro. Elas afirmam que a escuta é um exercício
de complexa prática, pois consideram que comumente tendem a falar mais
e a ouvir menos. Apontam que as sessões de terapia têm lhes ensinado
a serem mais ponderadas, e a partir de então elas têm buscado pensar
primeiro naquilo que vão dizer, antes de fazê-lo. Dizem que têm refletido
acerca da importância do ouvir o outro, antes de querer lhe dar conselhos,
mas enfatizam que essa é uma tarefa ‘árdua’.
De acordo com Bakhtin (1999), o falar, aqui, pode ser compreendido
através da palavra que é um signo ideológico que ao mesmo tempo em
que reflete também refrata a realidade. Assim, a palavra é a expressão da
linguagem interior e da consciência, além de elemento privilegiado da
comunicação na vida cotidiana, acompanhando toda criação ideológica
e fazendo-se presente em todos os atos de compreensão e interpretação.
Por isso, a palavra tem sempre um sentido ideológico ou vivencial que
se relaciona totalmente com o contexto, além de ser portadora de um
conjunto de significados que lhe foram dados socialmente. Pois, quando
o exercício da escuta apreende um dito, já o traz em si um não dito, visto
que produzimos e ampliamos os sentidos das coisas, dando uma ‘versão
de sentido’ que nos é própria e alcançando, portanto, uma réplica e não
uma repetição.
Considerando-se as sessões de terapia como um campo a partir
do qual se estabelece uma rede de relações dialógicas mediadas pela
linguagem, através da palavra, pode se compreender que nesse espaço
gera-se conhecimento, circula-se a expressão de sentimentos e emoções,
60
estrutura-se o pensamento, transformando-o. Assim, pode-se pensar
numa construção interpessoal a partir da qual todos participam do mundo
ali construído (no grupo), seja enquanto falante ou enquanto ouvinte. E
talvez, o grande diferencial da terapia fique por conta da circulação da
palavra que permite a manifestação de diversos sentidos construídos pelos
participantes do grupo a partir de uma narrativa pessoal do falante, com a
qual os ouvintes identificam-se produzindo e expressando as suas réplicas.
Ivone relatou que sua mãe sempre lhe vinha repetir comentários que
já haviam sido feitos por diversas vezes a ela, em função de doença senil
que lhe atinge as propriedades da memória. Ela disse que comumente
permanecia junto à mãe, mas não prestava atenção ao que esta falava,
não tendo muita paciência para a repetição praticada pela mãe. No
entanto, ela também disse perceber que atualmente tem colaborado para
a recuperação da memória de sua mãe, pois quando esta lhe vem dizer
algo que já lhe havia sido dito, ela ouve mesmo assim e procura interagir
com a mesma. Assim, tem percebido que, atualmente, a mãe lhe repete
uma situação já contada e logo após lembra-se de já tê-lo feito em outra
ocasião, comentando com a filha: “eu já lhe disse isso, né? Até que você respondeu...
[de determinada forma]”.
Esta ocorrência sugere um interesse legítimo pela fala do outro, a partir da
qual a pessoa ouvinte se disponibiliza para o seu locutor com propósito autêntico
de compreensão da comunicação que este pretende fazer.
De acordo com Bakhtin (1999) pode-se compreender que a palavra nessa
situação funciona como um instrumento que une o eu ao outro, pois a mesma
procede de uma pessoa e dirige-se para outra pessoa. Assim, o que torna possível
a compreensão da palavra também é aquilo que é presumido pelo ouvinte em
função do fato de que toda palavra possui um acento de valor ou apreciação,
transmitido através da entonação expressiva. Por isso, junto à palavra ocorrem os
gestos, as expressões faciais, a tonalidade e as entonações da fala. Portanto, toda
compreensão do produto do ato da fala, a enunciação, é sempre ativa, orienta-se
pelo contexto e contém o ‘germe’ de uma resposta. O autor diz que para cada
palavra que se processa visando à compreensão faz-se corresponder uma série de
palavras do ouvinte, formando uma réplica. Assim, a compreensão nada mais é
do que uma forma de diálogo.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trilhar caminhos, construir trajetórias, explorar possibilidades, vislumbrar
instantâneos de realidade vivida. Eis a seara que a mim se apresentou a partir do
momento em que me dispus a entrar em contato com uma realidade que, àquele
momento, julgara ser diferente da minha.
Por vezes tateando superficialmente, outras atravessando barreiras e
chegando próximo, bem próximo de emoções que dispensavam palavras. Afinal,
não é para isso que as palavras foram feitas, para deixar vazar as emoções? Assim, fui
me familiarizando com alguns quadros e tendo o privilégio de me desfamiliarizar
com outros tantos, apagando verdades e escrevendo dúvidas, montando novas
cenas, compondo novos cenários.
Creio que nesse caminho tive a oportunidade de conhecer outros em mim,
deixando esquecer um tanto daquele antídoto humano que também em mim se
guardava. Das velhas receitas aprendidas na sala de aula que indicavam o “não
pode chorar na frente do paciente” ou ainda “pense sempre: não é comigo, é
apenas resultado de transferência. Se necessário for, anote no pulso essa ‘máxima’
e leia durante o atendimento”. Quanta coisa a esquecer, e quantas outras por
lembrar e permitir aflorar.
Creio que me vi desesperar. Creio que me quis alegrar. Creio que me fiz
continuar.
Desde o contato com as primeiras e calorosas emoções após as sessões de
terapia comunitária, até o encontro com estas vivas mulheres que irradiavam
histórias de vida embebidas em sofrimentos e superações, a minha alma não se
fez descansar.
Percebi então a importância desse lugar na vida destas mulheres que antes
não tinham voz, não tinham direito à sua palavra, seus cantos eram mudos.
E agora contam, cantam e compartilham, sofrendo as dores contidas de um
conselho, um palpite que tanto queriam lançar ao ar.
Se hoje louvam umas às outras e sofrem, e choram, descobriram que, para
além de sofrer e chorar, também pode expressar esse sofrimento, é sinal de que a
necessidade de questionar já lhes habita, construindo morada.
A despeito de todas as contradições e ambigüidades humanas, elas estão
em um sistema que antes não lhes comportava por não existir. Encontraram
62
pessoas e, como outras pessoas, estão aprendendo a produzir, a partir da dialogia,
novos sentidos que lhes possam encantar o mundo, encantando a si próprias.
Assim, cabe-me tão somente, num gesto de reverência às suas histórias de
vida comigo compartilhadas, responder-lhes: “Tocar as mãos, abrir os corações
para ‘estar’ na comunidade. Tocar as mãos, abrir os corações para viver em
felicidade”.
63
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. (1970). Pedagogia do oprimido. 38ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GIL, A, C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed, São Paulo: Atlas, 1999.
64
Vozes, 1999.
65
“MINHA VIDA TEM SENTIDO TODA VEZ
QUE VENHO AQUI”
SIGNIFICADO ATRIBUÍDO À TERAPIA
COMUNITÁRIA PELA FAMÍLIA
DO PARTICIPANTE*
3
Luci Leme Brandão Lazzarini
Marilene Grandesso
INTRODUÇÃO
66
apresenta como uma alternativa de atendimento a essa população, e por seu
aspecto preventivo, vem ao encontro de um dos objetivos do SUS, que é
o desenvolvimento de ações preventivas e de promoção de saúde na ESF -
Estratégia de Saúde da Família.
Muitas vezes somos obrigados a atender uma só pessoa da família pela
impossibilidade da presença dos outros membros. No entanto, uma vez que
adotamos a visão sistêmica, compreendemos que a transformação de um
membro, abre a possibilidade para a mudança de outros membros da família.
Na periferia, a quantidade de famílias mais vulneráveis do ponto de
vista social, justifica ainda mais o atendimento comunitário. Ao atendermos
uma pessoa de cada família, abrimos a possibilidade de promoção de saúde a
diversas famílias ao mesmo tempo.
A Terapia Comunitária Integrativa, criada pelo psiquiatra Prof. Dr.
Adalberto de Paula Barreto, nasceu como resposta à grande demanda de
atendimento à população carente de recursos de natureza econômica, de
disponibilidade de serviços de saúde e de informação. Diante da carência
de recursos e de todo um panorama político social que exclui e desfavorece
condições dignas de saúde, habitação, lazer, educação, alimentação e trabalho;
a própria identidade e auto–estima ficam ameaçadas. Sentimento de menos
valia e desapropriação cultural agravadas por migrações forçadas em busca de
uma melhor qualidade de vida podem ameaçar a identidade dos indivíduos,
excluídos da condição de pertencimento social (LUISI, 2006).
Nesse sentido, a TCI se apresenta como um espaço para a expressão do
sofrimento e possibilidade de prevenção dos efeitos do estresse cotidiano. A
TCI favorece o resgate da auto-estima necessária para que as pessoas possam
ter a direção de suas próprias vidas, acreditarem em si mesmas e em suas
competências. A participação nas rodas de TCI permite também fortalecer
vínculos que possibilitam às pessoas desencadear ações transformadoras
significativas, tanto em suas vidas, como na comunidade.
Segundo Grandesso (2000), para que uma prática conversacional seja
terapêutica, novos significados devem emergir, reescrevendo a experiência
vivida a partir de novos marcos de sentido. Em uma conversação de natureza
terapêutica não apenas as histórias mudam, mas as próprias pessoas que as
narram. Para que uma conversação produza esse efeito, levando a um sentido
67
de autoria pessoal, à dissolução de problemas e a outro eu-narrador, deve-se
definir como uma conversação dialógica.
Uma vez que o foco deste trabalho recai sobre a Terapia Comunitária
Integrativa, faz-se necessário considerar o próprio conceito de comunidade.
Diferentes teóricos ampliam ou questionam o significado de
comunidade utilizado até então. Bauman (2003) faz uma relação entre
comunidade e liberdade, onde o conceito de comunidade leva à idéia de
dependência, segurança e proteção, enquanto que o conceito de liberdade
trabalha com a noção de individualismo, falta de segurança e vulnerabilidade
a riscos. Guareschi (1997) destaca que o elemento definidor de um grupo
é a existência da relação entre as pessoas. Segundo ele, na comunidade as
relações se estabelecem pela expressão da subjetividade; as pessoas podem
manifestar opiniões e desenvolver a criatividade. Este autor afirma que
comunidade é “um tipo de vida em sociedade onde todos são chamados
pelo nome”, referindo-se à vivência da identidade a partir da valorização do
nome, além da possibilidade de manifestar seu pensamento, participar e dar
sua opinião (GUARESCHI, 1997). Barreto (2005) compartilha da idéia
de que uma comunidade só é consistente quando ela consegue estabelecer
uma base concreta de relações entre as pessoas e, a partir da identificação de
vínculos, desenvolver ações complementares de consolidação do tecido social,
promovendo a inclusão social.
As rodas de Terapia Comunitária possibilitam a formação e
fortalecimento das redes sociais, tendo grande importância na formação da
identidade pessoal, na vida dos indivíduos, famílias e comunidades. Segundo
Sluzki (1997), rede social pessoal ou a rede de pessoas que nos são significativas,
refere-se ao conjunto de pessoas com quem interagimos de maneira regular,
com quem conversamos, com quem trocamos sinais que nos corporificam,
que nos tornam reais. Esse autor acrescenta ainda que as relações que um
indivíduo percebe como relevantes contribuem para o seu reconhecimento
como pessoa; diz que as relações significativas eram vistas na terapia familiar
como aquelas determinadas pelas relações familiares.
Esse entendimento vem sendo reconsiderado na medida em que outras
pessoas podem ser muito significativas e relevantes sem que sejam parentes.
Complementa ainda dizendo que a Saúde Mental Comunitária visa promover
68
a intervenção em diferentes redes de relações dos indivíduos como a família,
amigos, vizinhos e a coletividade de forma geral, a fim de ampliar e apoiar as
pessoas mais vulneráveis da comunidade que estejam vivendo em situação de
crise. Sluzki (1997) ressalta que a ampliação das redes favorece a redução e
prevenção de crises e também promove a melhoria da saúde e da qualidade de
vida dos indivíduos.
Desenvolver uma pesquisa para investigar os ganhos promovidos pela
TCI, extensivos também à família dos participantes, mostrou-se relevante
uma vez que a demanda por serviços de saúde é muito maior do que a oferta
disponível. A quantidade de famílias carentes e a escassa oferta de serviços
justificam a busca de alternativas práticas de amplo alcance.
O objetivo desta pesquisa foi compreender qual o significado atribuído
à Terapia Comunitária pela família do participante, tendo como referência
as famílias de participantes regulares de Terapias Comunitárias, a partir da
participação de um de seus membros no grupo.
MÉTODO
69
cada um dos participantes tivemos, a esposa e a filha de Girassol; o pai, a mãe
e o irmão de Antúrio e a filha de Magnólia, conforme pode ser visto na Tabela
1, num total de 9 pessoas.
70
previamente sobre a pesquisa e o objetivo da mesma, além do caráter voluntário
da participação.
Foi entregue a cada participante um termo de consentimento livre e
esclarecido, cujas duas vias de igual teor foram lidas com os mesmos, levando
o conhecimento da gravação da entrevista e anulação da mesma após análise
dos dados para assegurar a preservação das identidades dos mesmos. Ciente do
conteúdo do termo, os participantes assinaram o documento.
De posse destas informações, os participantes foram informados de
que poderiam desistir da mesma a qualquer momento. O procedimento
adotado neste trabalho, conforme mencionamos anteriormente, consistiu em
entrevistas semi-estruturadas de base dialógica de modo a favorecer a obtenção
de dados referentes aos significados atribuídos à participação nas rodas de
TCI. Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo, com prévia autorização
dos participantes.
As entrevistas foram realizadas nas respectivas residências dos
participantes, em data e horário previamente definidos, em conjunto,
para possibilitar a presença da maioria dos familiares, quando então foram
consultados sobre a possibilidade de gravar a entrevista e informados que a
mesma seria apagada após o término de sua transcrição. Iniciamos sempre
por um acolhimento informal das famílias, seguidas de perguntas básicas para
conhecer a estrutura e organização de cada família, a partir das quais foram
construídos os respectivos genogramas. Optamos por realizar os genogramas
pela facilidade de visualização da composição familiar que este instrumento
favorece.
O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo comitê de
ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que o avaliou como
atendendo aos rigores e cuidados necessários para pesquisa com seres humanos.
Partimos da consideração de que a importância da TCI para o
participante – Girassol, Antúrio e Magnólia - já foi vislumbrada a partir do
interesse demonstrado implicitamente em continuar freqüentando o grupo,
espontaneamente, ao longo de mais de 1 ano. O objetivo desta pesquisa,
71
portanto, foi compreender se fazia diferença para cada uma das respectivas
famílias ter um membro participando de Terapias Comunitárias.
Os resultados de todo o material coletado com os instrumentos utilizados
foram analisados segundo a visão sistêmica em indicadores dos significados
atribuídos à Terapia Comunitária, através de uma análise do conteúdo das
conversações, consideradas como práticas discursivas. Para a análise dos
dados foi feita a transcrição das entrevistas na íntegra e selecionados apenas
os depoimentos dos familiares dos participantes, cujo conteúdo das respostas
nos permitia desenvolver uma compreensão, norteada pelos objetivos desta
pesquisa.
Para a análise dos resultados foi feita uma leitura exaustiva das entrevistas,
a partir da qual foram destacados os principais temas que diziam respeito ao
significado atribuído à Terapia Comunitária pela família do participante.
RESULTADOS
Entrevista com a família do Sr. Girassol
Apresentamos aqui o genograma desta família para podermos conhecer
melhor sua estrutura:
Antúrio, 26, era o caçula dos cinco irmãos. Procurou o grupo de Terapia
Comunitária um ano antes da realização deste trabalho, após ter tomado
73
conhecimento de nosso trabalho por meio de um folheto. Como já havia
participado de grupos terapêuticos no Hospital Dia, onde fizera tratamento
por mais ou menos dois anos, manifestou interesse em participar da TCI.
No início, preferiu ficar “calado e só ouvir...”, como dizia. Aos
poucos foi se soltando, sentindo-se mais seguro e confiante, até contar que
foi acometido por uma depressão, logo que terminou o ensino médio. De
repente, não soube explicar o porquê, passou a ter medo de sair de casa, foi
se isolando, não queria falar com ninguém, nem mesmo com seus familiares.
Sentia-se diferente dos outros, não tinha alegria no coração. Depois de um
ano de participação no grupo de TCI, passou a sentir confiança no grupo, a
participar da partilha de experiências vividas, a esboçar um sorriso e retribuir
ao abraço dos participantes.
Sua família contou que Antúrio era muito fechado, triste, calado, não
participava das decisões da família. A mãe relatou que ele era muito quieto,
não tinha vontade de se cuidar e que no decorrer deste ano, depois que passou
a freqüentar o grupo, começou a participar de conversas na família. Ressaltou
que passou a dar sua opinião, a demonstrar afeto, alegria e que nos dias de
grupo fazia questão de colocar uma roupa mais arrumada. Revelaram ainda
que estavam mais unidos, conversando mais e afirmaram que gostariam
também de participar da TCI. O Sr. Rododênio, pai de Antúrio, manifestou
vontade de participar do grupo, pois, segundo ele, sentia um aperto no peito,
não tendo alegria e dizia que queria mudar, ficar feliz como o Antúrio.
74
A Sra. Magnólia, 56, estava muito feliz em nos receber, parecia que
éramos realmente pessoas especiais, que representávamos ali algo muito
importante em sua vida, e no decorrer da entrevista fomos percebendo o
porquê. A Terapia Comunitária mudou sua vida, podia-se dizer que a ‘curou’
de uma grande depressão, além da melhora no relacionamento familiar, pois o
convívio passou a ser muito mais prazeroso, passou a sentir alegria em receber
a família e os amigos. No momento desta pesquisa participava da TCI há um
ano e meio. Foi encaminhada pela médica pediatra de seu neto, dizendo que ia
ser muito bom para ela. No momento em que chegou à TCI, a Sra. Magnólia
referiu-se a um quadro de depressão, chorava muito, não tinha ânimo para
cuidar da casa, cozinhar e muito menos reunir os filhos e netos em sua casa.
De acordo com seus depoimentos durante a entrevista, ao participar da
TCI, a felicidade voltou, assim como o ânimo para arrumar a casa; também
passou a reunir a família e a cozinhar como antigamente. Além da melhora
do seu estado emocional, o convívio com a família passou a ser muito mais
prazeroso.
Sua filha, Alamanda, por sua vez, mostrou-se muito feliz com a
recuperação de sua mãe, a qual passou a lidar com os problemas de uma forma
diferente, mais tolerante, com mais paciência. Para ela, a mãe estava alegre,
seu filho especial já não era um problema tão grande achando que tem pessoas
com problemas piores que os dela. Disse que ela e seus irmãos estavam bem
ao ver a mãe bem também e que seus irmãos voltaram a freqüentar a casa nos
finais de semana, estavam mais unidos.
DISCUSSÃO
75
Ressignificação das narrativas organizadoras da experiência
76
conexões foram surgindo em outras redes relacionadas à vida de cada um,
como por exemplo, a família.
Os dados deste trabalho são condizentes com a colocação de Sluzki
(1997) conforme mencionado anteriormente. Acrescenta ainda que a rede
social contribui tanto para a saúde quanto para a doença do indivíduo. Quanto
mais o indivíduo for valorizado pela rede, mais saudável ele será.
Os membros da família dos participantes perceberam a importância
da rede para seus parentes participantes da TCI, de como essas relações
significativas contribuíram para que eles fossem reconhecidos como pessoa,
para a construção e reconstrução de sua identidade e fortalecimento de sua
auto-estima, de modo que mudanças pessoais fossem possíveis. Podemos
observar pelos depoimentos dos familiares dos participantes da TCI (Sr.
Girassol, Antúrio e Sra. Magnólia ):
“...agora ela tem pique para fazê as coisa, arrumá a casa, cozinhá,
fazê as compra...”;”...todo mundo comenta, hoje ela é alegre, até toma
conta do Vinícius, antes parece que tinha medo de cuidá dele...”;”...
todo mundo, agora, no final de semana, a gente se junta, minha mãe
tem vontade de reuni todo mundo, a casa fica alegre, todo mundo
contente...”
77
Portanto, é nessa conversação organizada em torno das dificuldades
ou da expressão do sofrimento, no reconhecimento do outro por meio da
escuta respeitosa e acolhedora que as pessoas vão se conectando, construindo
redes, depositando a confiança no outro. A partilha de significados favorece o
fortalecimento dos vínculos, a construção de novas narrativas, a transformação
pessoal, como também favorece conexões sistêmicas entre os membros da
comunidade.
78
abraça, que ninguém é melhó, cada um tem seus pobrema, todo mundo
é tratado igual...”(Alamanda)
79
de tomar, vivia largado, com a mesma roupa...(Margarida)”; “...acho bom
para aprender mais, a se cuidar...(Lírio)”.
Consideramos muito importante destacar aqui, apesar de ter ocorrido
apenas em uma família desta pesquisa, a influência da Terapia Comunitária
no processo de melhora no uso do álcool, percebido pela Sra. Orquídea e
sua filha Érica no convívio com o Sr. Girassol, que segundo o depoimento
delas, deixou de beber aquela “branquinha que não conseguia largar”;“parou
de beber, o que acho ótimo”.
Como é possível notar, em concordância com as colocações de Bauman
(2003), a comunidade do grupo de TCI mostrou-se, para cada participante
e foi validado por suas famílias, um lugar de segurança. Seus depoimentos
remeteram-nos ao sentido mais tradicional do conceito de comunidade que
conhecemos, pois os laços por proximidade local, parentesco, solidariedade
de vizinhança, foram as bases de relacionamentos consistentes e fonte de
superação das crises decorrentes das escolhas individuais.
80
com o participante essa nova forma de relacionamento interpessoal aprendida
no grupo de TCI, bem como a adoção de um novo olhar para enfrentar as
adversidades da vida, conforme os depoimentos a seguir:
“...conta que tem muito sofrimento, que a nossa vida é boa perto dos
casos que são contados lá, fala para ter paciência...”;“...a gente tava a ponto de
se separar, depois que começou a participar, ele não me critica mais... agora está
me respeitando mais... (Sra. Orquídea)”; “...principalmente porque ele trás o
que ele aprendeu para o convívio aqui em casa (Érica)”; “...quero participa
também...acho que lá vou mudá como o Antúrio mudô...vejo que Antúrio
hoje é mais feliz;...quando ele chega, chego a senti uma coisa no peito, uma
alegria de ouvir ele falá (Sr. Rododênio)”; “...melhorou a convivência familiar...
(Lírio)”; “...eu vejo que o Vinícius melhorou também, tá mais calmo, a escola
não reclama mais...tenho vontade de participá porque ela fala que lá todo
mundo é unido, a gente se abraça, que ninguém é melhor, cada um tem seus
pobrema, todo mundo é tratado igual (Alamanda).”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
81
prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas e suas famílias de
forma integral e contínua.
A Terapia Comunitária atingiu, nesta pesquisa, seu propósito de ser um
instrumento de transformação pessoal, familiar e comunitário, como podemos
notar pelos depoimentos apresentados pelas famílias dos participantes. Embora
o número de participantes seja restrito, notamos que bastou um membro da
família participar do grupo de TCI para que toda a família se beneficiasse. Os
dados mostraram que, ao se conectarem entre si, as pessoas se transformaram,
transmitindo o aprendizado para outras redes de relacionamento; que as regras
da Terapia Comunitária são importantes para uma melhor convivência entre
as pessoas, uma vez que são respeitosas e promovem autoria, passando a ser
incorporadas pelo participante e depois para as outras relações, como no caso
desta pesquisa, a família.
Como pudemos notar, para os participantes desta pesquisa, a Terapia
Comunitária promoveu a intervenção em diferentes redes de relações dos
participantes, como a família, amigos, vizinhos e a coletividade de forma
geral. Além disso, trouxe para o grupo a rede de recursos existentes, a fim
de apoiá-los, favorecendo a inclusão social desses indivíduos na comunidade
à qual pertencem e facilitando o enfrentamento e superação dos problemas
pessoais e coletivos.
Nesse sentido, esperamos que esta pesquisa tenha ressaltado a importância da
Terapia Comunitária como instrumento de ação preventiva da Saúde Mental das
famílias e comunidade, na esfera da Atenção Básica de Saúde, daí entendermos
a importância de que essa prática seja fortalecida e expandida na Rede Pública.
82
REFERÊNCIAS
83
TERAPIA COMUNITÁRIA E RESILIÊNCIA:
HISTÓRIA DE MULHERES*
4
Lucineide Alves Vieira Braga
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Adalberto de Paula Barreto
INTRODUÇÃO
84
mas proporcionando o despertar das características resilientes, geralmente
desconsideradas para o enfrentamento das dificuldades.
O termo resiliência é um conceito relativamente novo e ainda pouco
debatido no campo da saúde, tendo ganhado alguns destaques na última
década, principalmente nos programas de promoção da saúde. Definimo-lo
como a capacidade humana para enfrentar as adversidades, fortalecer-se ou
transformar ativamente a realidade.
No sentido etimológico do termo, resiliência é uma palavra que deriva
do latim, do verbo resilire, que significa saltar para trás, recuar vivamente.
Do ponto de vista semântico, designa-se resiliência, como a capacidade de
desenvolvimento do Ser em condições adversas; sendo, portanto, a resistência
um processo de longa duração e complexo desenvolvimento, dando como
resultado a sobrevivência em face de todo tipo de adversidades (SILVA, 2006).
Podemos considerar como adversidade o contrário do esperado, ou
seja, um sofrimento, uma situação difícil de ser vivenciada no momento em
que acontece. Ringer (2007) afirma que é muito comum julgarmos todos os
acontecimentos ruins com base em seus impactos imediatos, seja o diagnóstico
de uma doença, a perda de um emprego, o sofrimento provocado por um
acidente, ou seja, no momento em que acontece, nossa mente é imediatamente
preenchida com pensamentos malévolos do universo relacionados a nós,
atrelados a sentimentos de autopiedade.
A cultura nordestina reforça a condição de submissão da mulher. A
ela são atribuídas as tarefas de cuidar dos filhos e da casa, e é comum serem
penalizadas quando não cumprem estas tarefas. Este fato vem mudando com
a entrada da mulher no mercado de trabalho, na luta pela igualdade e no
enfrentamento das desigualdades de gênero construídas em distintos espaços.
A necessidade de minimizar danos leva a pensar em estratégias que
proporcionem ao cidadão a melhoria de sua qualidade de vida, já que os
problemas do cotidiano provocam confrontos com as circunstâncias adversas
com as quais necessitamos conviver. É em busca de vencer essas adversidades que
os movimentos organizacionais se uniram e passaram a lutar para transformar
as condições de vida, influenciando na formulação e implementação de
políticas públicas voltadas para a supressão ou minimização das diferenças.
Nessa perspectiva é que a saúde da mulher foi incorporada às Políticas
Nacionais de Saúde, em atendimento às reivindicações do movimento de
85
mulheres a partir da década de 1970. Nesse período, foram limitadas as
demandas relativas à gravidez e ao parto. Para isso, foram criados programas
na área materno-infantil, por se considerar que a gestante e a criança eram
os grupos de maior risco e vulnerabilidade, o que reduziu as necessidades de
saúde da mulher ao seu ciclo gravídico-puerperal, tendo ela ficado excluída de
outros benefícios (BRASIL, 2004).
Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher - PAISM, cujo principal objetivo era assistir a
mulher na sua totalidade, em todas as fases da vida, respeitando as necessidades
e características de cada uma delas. O programa incluía ações educativas,
preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência
à mulher em clínica ginecológica, pré-natal, parto e puerpério, no climatério,
em planejamento familiar, DST’s, câncer de colo de útero e de mama, além de
outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres
(BRASIL, 2004).
Com a continuidade de luta e organização das mulheres, em especial
as das feministas, chegou-se à formulação do Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres – PNPM, iniciado a partir do Decreto Presidencial de 15
de julho de 2004, tendo como um de seus pressupostos o enfrentamento
das desigualdades de gênero e de raça no país, que culminou com a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM. O principal
objetivo dessa política “é promover a melhoria das condições de vida e de saúde
das mulheres brasileiras, com a garantia de direitos legalmente constituídos e
a ampliação do acesso aos meios e aos serviços de promoção e recuperação da
saúde em todo o território brasileiro” (BRASIL, 2004 p. 67).
Ao longo de minha trajetória pessoal, profissional e, sobretudo, como
trabalhadora na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e de outros espaços,
observei mulheres enfrentarem situações cotidianas de dor, sofrimento e
adversidade, e serem capazes de encontrar maneiras singulares de lidar com
essas situações. Essas experiências levaram-me a refletir sobre as fontes dessa
“força” explícita nos modos de enfrentamento utilizados por essas mulheres.
A Terapia Comunitária foi um espaço onde tive a oportunidade de
encontrar, nas mulheres participantes das rodas de terapia na comunidade,
histórias relevantes de superação de sofrimentos vivenciados no cotidiano, que
86
podem ser consideradas “pérolas”, exemplos, e merecem ser reveladas. Assim,
quis conhecer a história de resiliência de mulheres.
Nessa perspectiva, o tema abordado constitui-se como relevante,
pois a importância de estudar mulheres e o processo de resiliência advém
da significação que esse fenômeno tem no universo da saúde da mulher e,
especialmente, no que diz respeito à sua inscrição simbólica no âmbito das
diferentes culturas.
O estudo apontou para os seguintes questionamentos: Como se
desenvolve a capacidade resiliente nas mulheres usuárias das rodas de Terapia
Comunitária? De onde vem sua força para enfrentar as situações de sofrimento?
Quais as características resilientes mais frequentes nessas mulheres?
Considerando que a Terapia Comunitária é capaz de despertar no ser
humano diferentes potencialidades em relação ao modo de sentir e de agir, o
estudo desenhou os seguintes objetivos: conhecer as experiências resilientes
de mulheres que frequentam as rodas de Terapia Comunitária; identificar as
fontes de força utilizadas por essas mulheres no enfrentamento de situações de
sofrimento, e identificar as principais características resilientes utilizadas pelas
mulheres usuárias das rodas de Terapia Comunitária.
CAMINHO METODOLÓGICO
Esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, norteada pela
Historia Oral, uma metodologia que trabalha com histórias do cotidiano.
Escolhemos a História Oral Temática como um caminho de valorização da
História do passado de nossas colaboradoras, mas que se mantém viva no
presente. Essa é uma interface da história oral que, segundo Bom Meihy
(2005), é um processo sistêmico de uso de depoimentos vertidos do oral para
o escrito, em que são recolhidos testemunhos e analisados os processos sociais,
favorecendo os estudos de identidade e de memória cultural.
A História Oral Temática, segundo Bom Meihy (2005 p. 162) “[...] é
a que mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais de apresentação
dos trabalhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento acadêmico” e,
partindo de um assunto específico e preestabelecido, compromete-se com o
87
esclarecimento ou a opinião do entrevistador sobre algum evento definido, na
perspectiva do desvelar determinado fenômeno escolhido para estudo.
Este estudo foi realizado no Loteamento Parque do Sol, situado no Vale
do Gramame, na cidade de João Pessoa – PB, com mulheres que participam
das rodas de TCI. Nessa comunidade, realizavam-se rodas/encontros de TCI
quinzenalmente, desde fevereiro de 2007, e existia um vínculo significativo
com a comunidade, que sempre participava das atividades desenvolvidas pela
Associação de Moradores do Vale do Gramame – ASOLVAG. O loteamento
fica na zona sul da cidade e faz divisa com o Bairro Valentina de Figueiredo,
ao norte; a leste, com o Bairro Monsenhor Magno; e, ao sul e a oeste, com o
Vale do Gramame. O nome do loteamento Parque do Sol se deve ao fato de
ficar entre o Parque Cowboy e a praia do Sol e por se apreciar o por do sol de
qualquer parte.
A colônia foi constituída por 15 mulheres participantes assíduas
da terapia comunitária e que representavam a identidade geral do grupo,
pois continham em suas histórias, traços que ligavam a trajetória delas
na comunidade. Entretanto, a rede foi formada por sete mulheres, que
apresentavam maior envolvimento e participação nas rodas/encontros de
Terapia Comunitária. Para Bom Meihy (2005 p.177) A colônia “é sempre o
grupo amplo, da qual a rede é a espécie ou parte menor”.
Assim, as colaboradoras do estudo foram sete mulheres pertencentes à
faixa etária de 34 a 68 anos, sendo três solteiras vivendo com companheiros
estáveis, duas separadas e duas casadas; três profissionais autônomas, duas
empregadas formais e duas aposentadas; quatro evangélicas e três católicas.
Tais características auxiliaram no entendimento de suas falas e na identificação
de suas características resilientes.
O estudo foi orientado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
que envolvem seres humanos, para apreciação, tendo sido aprovado, sob o
parecer de nº 0095/2009.
Para a produção do material empírico foram realizadas as entrevistas
que, seguindo as orientações de Bom Meihy (2005), constam de três etapas:
a pré-entrevista, a entrevista e a pós-entrevista. Foi nesses espaços em que as
88
mulheres puderam expressar a narrativa de suas histórias de vida, de maneira
livre e espontânea.
Na pré-entrevista, fase que aconteceu na sede da ASOLVAG, onde foram
convidadas todas as mulheres que frequentavam as rodas de terapia, apresentei
o projeto de pesquisa, mostrando sua finalidade, e procedi ao agendamento
das entrevistas, de acordo com a disponibilidade das colaboradoras, e definido
local de realização das mesmas.
As entrevistas foram realizadas no período de maio a junho de 2009,
tendo sido considerada como entrevista ponto zero a de Conceição, por ter sido
a primeira colaboradora que esteve presente em nossos encontros de Terapia
Comunitária e conhecedora da história de todas as moradoras da área. Foi
explicado que seriam utilizados um gravador e um guia contendo as perguntas
de corte. Antes da entrevista foi apresentado o Termo de Consentimento
Livre Esclarecido e solicitada a assinatura do mesmo para cada uma das
colaboradoras. Nesse momento, elas afirmaram que gostariam que fosse
utilizado seu nome civil, pois, como a história era delas, “nada mais justo” que
constasse sua identificação. O espaço para a realização dessa etapa foi definido
por cada colaboradora, no momento da pré-entrevista, tendo ocorrido em sua
maioria nas residências das mesmas, local onde elas se sentiam tranquilas para
resgatar suas histórias. Ao término, foram realizadas anotações no caderno de
campo, com o objetivo de melhor compreender o momento e as emoções que
emergiram durante os relatos.
A pós-entrevista foi o momento em que busquei estabelecer a
continuidade do processo de produção do material empírico e esta aconteceu
na sede da associação durante as rodas de terapia, onde foram esclarecidas
dúvidas, que não ocorreram com frequência. Expliquei às colaboradoras
que o momento da transcriação seria um pouco demorado, mas elas seriam
comunicadas no final para o agendamento da conferencia do material. Após
essa etapa, o material oral foi transformado em texto, para cuja elaboração
seguiu-se as etapas adotadas por Bom Meihy: transcrição, textualização,
transcriação e conferencia.
Durante a transcrição, o material empírico foi ouvido várias vezes;
suprimido alguns vícios de linguagem, palavras repetidas, desvios gramaticais
89
e mantive alguns para que as colaboradoras conseguissem se identificar, essa
foi realizada logo após as entrevistas;
Na fase de textualização, foi suprimida as perguntas de corte e iniciada
a construção do Tom Vital, que é a frase que serve de epígrafe para a leitura
das entrevistas. Nessa etapa, houve a fusão das respostas.
Na transcriação, foram feitas interferências para transcriar o material
textualizado para a realização das conferências, muitas das quais foram
trazidas do caderno de campo, e contribuíram de maneira significativa para a
composição do texto final.
A conferência foi a fase em que o material produzido pelas colaboradoras
foi conferido e confirmado. Essa etapa foi seguida de muita emoção, visto que
todas as colaboradoras ficaram alegres por terem lido e escutado sua história de
vida e por terem sido informadas de que, a partir deste estudo, suas vidas teriam
outro significado, pois passaram a entender que suas lutas para sobreviver a
situações difíceis até o momento valiam como incentivo para outras mulheres
superarem o sofrimento ocasionado pelas dificuldades por que passam na vida.
Nesse momento foi assinada a carta de cesão concedendo os direitos de uso
do material apresentado sem qualquer restrição. No momento da conferência
não houve nenhuma negociação no texto, o mesmo foi aprovado na íntegra,
apenas com algumas correções de vocabulário.
A discussão do material empírico foi guiada pelo tom vital, pelas frases
fortes que constituíram os eixos temáticos ajudados pelo diálogo com a
literatura pertinente.
Da análise da narrativa das colaboradoras, evidenciamos três eixos
temáticos: a força construída com a vida, os recursos do imaginário no
processo resiliente e a TCI como espaço de partilha e despertar da resiliência.
Nas narrativas e nos tons vitais, foram encontrados elementos que
caracterizavam a capacidade de resiliência de cada mulher, identificada pela
capacidade humana de enfrentar, controlar, fortificar e/ou transformar a
realidade através, principalmente, da partilha de experiências.
90
RESULTADOS E DISCUSSÃO
92
que foi na Terapia Comunitária, escutando as histórias ali contadas, que foi
encontrando, dentro de si mesma, a força para sair de tanto sofrimento, pois
chegou à conclusão de que isso dependia muito mais dela mesma do que dos
outros. Tom vital: (...) hoje, depois de tudo que passei, descobri dentro de
mim outra mulher, uma mulher guerreira (...);
Cida, 44 anos, solteira vivendo com companheiro estável, católica e
auxiliar de serviços gerais. Mulher trabalhadora vive feliz porque onde mora
pode deixar os filhos e encontrá-los bem quando volta, depois de um longo
dia de trabalho e da escola que frequenta à noite. Foi cursar o técnico de
enfermagem para poder melhorar de vida e ajudar aos outros, disse que
escutando os problemas dos outros viu que sendo “enfermeira”, como via no
hospital poderia ajudar a quem estivesse doente. A palavra que define essa
mulher é determinação de vencer, superar as tristezas e ajudar a quem dela
precisar. Tom vital: Superei, aprendi a ser mais eu [...] me sinto vitoriosa
(...) tudo que quero consigo realizar.
[...] A terapia me fez crescer muito, fez com que eu não abandonasse
o trabalho que vinha fazendo com a comunidade e enfrentasse uma
eleição para presidente da associação de moradores, sem recursos, e
ganhássemos uma chapa só com mulheres(Conceição).
94
vem à recompensa não financeira, mais de satisfação pessoal, acho que
isso é fundamental [...] (Mariza.).
[...] sofri muito quando meus filhos ainda eram pequenos, mas nem
por isso me isolei do mundo, continuei a trabalhar, a lutar mesmo
sabendo que estava passando por aquilo, mesmo sabendo que tinha
três filhos. Sempre fui essa pessoa guerreira, organizando minha casa
do jeito que posso de saber onde ando, com quem e de saber meu dever
como mãe, como mulher, como dona de casa [...] (Cida).
95
sofrimento é laço de identidade e vínculo, que pode ser o fio que tece a rede
de apoio social.
Diante das falas vimos que as mulheres vêm assumindo um papel de
provedoras e de chefes de família, sobretudo por deterem em suas mãos o
poder aquisitivo e contribuir efetivamente para o orçamento doméstico
(MACEDO FILHO; REGINO, 2006).
Importante ressaltar que essa nova função faz com que as mulheres
necessitem ainda mais de exercitar sua capacidade de resiliência. Essa é
um fenômeno marcado por resultados positivos na presença de ameaças à
adaptação ou ao desenvolvimento do ser humano. Esse conceito nos leva a
entender que o indivíduo pode ter a capacidade de sobressair-se do ambiente
adverso a que está submetido e retirar desse aprendizado formas de superações
em sua existência (MASTEN, 2001).
Nessa perspectiva, a participação nas rodas de terapia propiciou a
esse grupo de mulheres, por meio das experiências partilhadas, o despertar
das características resilientes, contribuindo para o empoderamento, pois
esse movimento vem sendo capaz, já que as tornam capazes de suscitar suas
habilidades, estratégias e recursos que ajudam na luta pela vida. Sobre isso,
Sueli relata:
[...] um dia falei que ia trabalhar como manicure, mesmo sem nunca
ter feito as unhas de ninguém de fora, coloquei uma placa: manicure e
pedicure e fui fazendo unhas de quem aparecia, pedia para os clientes
deixarem os esmaltes, pois estava começando [...]. Dizia a todos que
era manicure, mas só Deus sabia que no momento eu tava sem saber
fazer [...].
Para Holanda, Dias e Ferreira Filha (2007), o despertar da resiliência
na TCI contribui para o empoderamento, já que torna seus participantes
capazes de suscitar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre sua
vida, elevando sua autoconfiança.
Segundo Barreto (2008), o empoderamento do ser humano acontece
quando ele aceita ser um sujeito ativo, passa a aprender com sua história e
não mais tem vergonha de suas origens étnicas e dos seus valores culturais
96
construídos pelos seus ancestrais. Nessa perspectiva é que vimos a valorização
que algumas colaboradoras afirmam ter como objeto de suas forças para o
enfrentamento dos desafios do dia a dia:
[...] sempre digo assim sou filha de índio [...] e essa força vem da
minha avó, [...] ela foi uma mulher que trabalhou muito no mato e na
plantação [...] (Conceição).
Outra característica resilente apontada dentro da Terapia Comunitária
foi a comunicação haja vista que o espaço de troca e de formação de vínculos,
ligação entre os que sofrem e os que estão por perto, no mundo de suas
relações, possibilitando uma abertura da escuta e do encorajamento para
dar e receber apoio, através de palavras de encorajamento para o alívio do
sofrimento, representando a possibilidade de construir vínculos saudáveis,
fortes, positivos que permitam esse elo com os outros.
A comunicação é uma necessidade básica e vital para o ser humano,
pois o homem necessita interagir com o outro e é através da comunicação que
podemos compreender o outro em seu modo de agir, pensar e sentir.
O processo de comunicação se estabelece de modo positivo, capaz de
provocar satisfação, quando o ser humano se compromete com as palavras,
com os ditos e não ditos, como mostra este depoimento de Eunice: [...] hoje
mais do que nunca eu digo tudo o que quero, eu falo mesmo [...] eu tenho
coragem pra mais do que falar [...].
A capacidade de estabelecer uma comunicação satisfatória entre os seres
humanos propicia a formação de vínculos e, com isso, a criação de uma rede
de apoio. Para Barreto (2008, p. 229), no processo de comunicação entre
as pessoas, o conteúdo é transmitido na forma de um enunciado, de uma
fala, enquanto os sentimentos envolvidos na relação entre elas serão, sempre,
transmitidos de forma analógica, não verbal. Portanto, para que haja uma
97
comunicação satisfatória, é preciso que se leia adequadamente os elementos
que compõem a linguagem verbal e a não verbal.
[...] uma palavrinha que você dar melhora seu ânimo e o das pessoas
[...] (Sueli).
[...] tem coisas que a gente não pode contar para todo mundo, mas na
terapia falamos e nem percebemos [...]. Lá vi que contando a minha
história estou ajudando as outras pessoas [...] (Quitéria).
98
e de desejos da concretude de suas realizações, como percebemos nestes
discursos:
[...] acho que vem muito de dentro da gente, de querer tirar aquilo ali
e superar de alguma maneira [...] (Mariza).
[...] tenho que enfrentar de frente, seja lá como for, mas não desistindo
de minha vida porque a esperança é a última que morre [...] (Dalva).
[...] venho com uma carga de sofrimento muito grande e venho sendo
forte superando tudo, sempre com muita fé e esperança (Conceição).
99
possibilidades de modificar nossa vida, quebrar as tragédias transgeracionais
e mudar os elementos da cena prescrita pelo ambiente (POLETTI; DOBBS
2007). Essa assertiva é comprovada na fala de Quitéria:
[...] mas hoje agradeço a meu Deus estou na minha casa, e tenho muito
valor e não foi como eles disseram: que [...] eu não teria valor, [...] e
hoje eu só posso agradecer [...], porque sou uma boa dona-de-casa, [...]
consegui criar meus filhos, batalhando, lavando roupa de ganho, para
criá-los [...].
100
basta nessa situação quando um dia fiz uma denuncia contra ele na
delegacia da mulher [...] (Dalva).
[...] olho para dentro de mim e digo: o que é que uma mulher faz que
outra não seja capaz de fazer ai vou enxergando dentro de mim que
posso fazer, que sou capaz como todas as outras, vou atrás sem esperar
[...] (Eunice).
[...] não tive nada que não fosse superado, nada que batalhando não
se chegasse a uma solução e venho pulando essas fases da minha vida,
mas graças a Deus com dignidade e força de vontade mesmo(Mariza).
A lição que tiro é que aprendi muito sofrendo, porque creio que se não
tivesse sofrido, quando fiquei com esse monte de filho, eu tinha me
desesperado, não tinha procurado um meio de resolver os problemas
[...] (Eunice).
[...] nunca abaixe a cabeça para seus problemas, não desista de seus
sonhos, tenha coragem e veja que a força está dentro de você [...] não
101
sofra mais calada, pois tem hora que a gente não aguenta mais e vai e
enfrenta [...](Dalva).
[...] Acho que se não fosse todos esses objetivos não estaria de pé, se não
fosse essa correria toda, atrás de coisas para minha vida(Conceição).
[...] estou trabalhando numa Kombi escolar com meu marido, ela só
vive quebrando, quebra aqui, quebra “acolá”, quebra mais do que
funciona [...] sempre busco passar coisa positiva as pessoas e assim vai
o meu dia a dia.
Quando passo por uma dificuldade jogo tudo para o alto, fico como
uma adolescente [...] me sinto como uma criança sai com os jovens [...]
fico feliz, [...] rio com as coisas e esqueço tudo [...] se alguém ficar com
raiva, depois esquece [...].
102
aprisiona e se vitimiza, podendo surgir como uma possibilidade de mecanismo
para modificar a forma de reagir à dor e é, muitas vezes, despertado nas rodas
de terapia.
Os seres humanos resilientes são mais livres, mais bem humorados e
dotados de grande disposição, como afirma Riecken (2006 p. 220): “O bom
humor é muito importante. Rir de si mesmo, ser capaz de ver o lado cômico
de qualquer situação é um dom.” Buscar esse dentro de nós nos auxilia a
exercitar nossa resiliência, e podemos encontrar esse humor na criação de
soluções inovadoras, na aplicação do pensamento voltado para o outro lado
da vida, superando as adversidades com que as quais nos deparamos.
A resiliência é uma resposta criativa diante da crise, uma base para a
promoção do bem-estar. Barlach (2005, p. 102) afirma que “o desenvolvimento
da criatividade pode ser proposto como medida preventiva, de forma a
gerar um potencial sempre atualizado de recursos para o enfrentamento das
situações traumáticas ou adversas”. Vimos isso na fala de Sueli: [...] um dia
falei que ia trabalhar como manicure, mesmo sem nunca ter feito as unhas de
ninguém de fora, coloquei uma placa: manicure e pedicura e fui fazendo unhas
de quem aparecia [...].
A criatividade é um mecanismo que nos permite pensar e agir
diferentemente dos outros, uma viagem no nosso imaginário, muitas vezes,
utilizada para fugir de algo que incomoda, que faz sofrer; possibilita, ainda,
que esqueçamos o sofrimento interior e exprimamos positivamente as
emoções. Essa foi uma característica presente em algumas colaboradoras,
como Conceição e Mariza, que foram buscar no teatro e no artesanato a força
para suprir as perdas, conforme vimos nas falas abaixo:
103
A interface entre a resiliência e a criatividade é um processo por meio do
qual indivíduos ou grupos encontram recursos criativos para o enfrentamento
de adversidade e a solução, que se transforma em conduta resiliente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos aspectos discutidos através das histórias das colaboradoras
deste estudo se percebe que o ser humano necessita da rede de apoio e de
suporte para buscar estratégias de enfretamento das dificuldades do dia a dia.
Portanto, é possível perceber que, no mundo das relações, os vínculos que o
povo nordestino mantém com as suas raízes culturais, sua identidade, crenças
e valores podem ser considerados indispensáveis à caminhada na luta pela
vida.
Neste contexto, a Terapia Comunitária Integrativa desempenha um
papel sobremaneira importante como espaço de construção de uma teia de
apoio, uma estratégia de criação e de fortalecimento de vínculos sociais e
ferramenta para despertar a capacidade de resiliência, pois é um espaço onde
as histórias surgem, e seus participantes passam a se reconhecer na história do
outro.
O estudo deixou claro que as características de resiliência têm diferentes
maneiras, entre diferentes indivíduos e em diferentes contextos, porque,
de acordo com as habilidades individuais, alguns conseguem superar os
momentos de sofrimento e de crises, e outros se deixam ceder, embora tenham
tido trajetórias de vidas semelhantes.
Observou-se, que, pessoas resilientes concebem e enfrentam a vida de
uma forma mais otimista, entusiasta, são pessoas curiosas, abertas a novas
experiências, caracterizadas por altos níveis de emoções positivas. Fazem frente
a experiências traumáticas utilizando o bom humor, a exploração criativa e o
pensamento otimista.
Os resultados alcançados revelaram o quanto a comunicação, tomada
de consciência, convicção religiosa, através da fé, a capacidade de assumir
responsabilidade pela própria vida, a perseverança, o humor e a esperança está
presente na vida das mulheres deste estudo. Diante do exposto, ao trabalhar
com mulheres que passaram por momentos difíceis, percebi o quanto desejam
contribuir com algo cada vez que se sentem mais inteiras, pois a mulher se torna
104
mais graciosa, desapegada e muito mais resiliente quando se dedica a alguém
ou a alguma coisa. Assim, devolve o que ganha à família, à comunidade e ao
mundo, porque sabe que se recupera e quer que outras pessoas se levantem e
lutem pelos seus ideais.
O estudo proporcionou uma maior aproximação e aprofundamento
da temática, auxiliando na identificação de características resilientes, que
facilitam na superação dos sofrimentos do cotidiano.
Este estudo remete a outras investigações, que possam contribuir para se
compreenderem as distintas possibilidades, posto que o tema, além de bastante
recente no âmbito da saúde, é mais novo para o campo de conhecimento da
enfermagem.
REFERENCIAS
BOM MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 5ª ed.,
2005.
CHARDIN, Pierre Teilhard. O Fenômeno Humano. São Paulo: editora Cultrix, 1993.
105
HOLANDA V. R; DIAS M. D, FERREIRA FILHA M. O. Contribuições da terapia co-
munitária para o enfrentamento das inquietações de gestantes. Rev. Eletr. Enf. [Inter-
net] 2007; 9(1): 79-92. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n1/v9n1a06.
htm. Acesso em: Setembro de 2009.
MELO, Fábio de. Carta entre amigos. São Paulo: Editora Gente, 2009.
POLETTI, Rosete; DOBBS, Barbara. A Resiliência: a arte de dar a volta por cima.
Petrópolis: Editora Vozes, 2007.
RINGER, Robert. Ação: Nada Acontece Até que Algo se Mova. São Paulo: Ed.
Best Seller Ltda, 2007.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Pau-
lo: Brasiliense, 1999.
106
PARTE III
5
Edlene de Freitas Lima Rocha
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Maria Djair Dias
INTRODUÇÃO
108
passou a ser descentralizada, regionalizada, contando com a participação da
sociedade, consolidada nas instâncias de controle social. A saúde tornou-se um
direito a ser garantido pelo Estado, através dos princípios da universalidade,
da integralidade e da equidade, com vistas a uma atenção mais humanizada
(BRASIL, 2006).
O fortalecimento da luta do movimento pela reforma psiquiátrica se
deu com a realização de vários eventos nacionais, a partir do final da década
de 1980. Destacam-se os Fóruns, Congressos, Encontros e Conferências
Nacionais, Estaduais e Municipais, com forte apoio do Movimento de Luta
Antimanicomial, que se constitui como um importante movimento social na
medida em que se organiza e se articula buscando transformar as condições,
as relações e as representações acerca da loucura em nossa sociedade. Várias
parcerias foram realizadas de forma ampla e plural e diversos núcleos do
movimento foram se constituindo, ocorrendo sua expansão de forma gradativa
em todas as unidades da federação (LUCHMANN; RODRIGUES, 2007).
As críticas ao modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico
foram as primeiras manifestações do movimento antimanicomial, e trouxeram
à tona as questões relativas à exclusão da loucura. As lutas vêm sendo travadas
em busca de uma atenção humanizada, trabalhando com uma dimensão mais
aberta e coletiva, assegurando os direitos civis, políticos e sociais dos que
sofrem com transtornos mentais.
A inserção e consolidação das ações de saúde mental nas ações de saúde
em geral tiveram início na I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada
em junho de 1987, considerada um marco histórico na psiquiatria brasileira.
Em 1992, foi realizada a II Conferencia, depois de alguns eventos marcantes,
resultado de um longo processo democrático. Nessas conferencias, foram
debatidos temas referentes ao direito à atenção e à cidadania, a transformação
e ao cumprimento das leis e a reorganização da rede de atenção a saúde mental
(BRASIL, 2007).
A III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, se
destacou pela ampla participação dos movimentos sociais, dos profissionais
de saúde, dos usuários e de seus familiares, que forneceram os substratos
políticos e teóricos para as deliberações das propostas de mudanças da atenção
em saúde mental, que foram pactuadas democraticamente, consolidando a
reforma psiquiátrica como política oficial do governo federal. Esta conferência
109
foi convocada após a promulgação da lei 10.216, que nesse mesmo ano foi
sancionada no país e redirecionou a assistência em saúde mental, impulsionando
e dando ritmo ao processo da reforma psiquiátrica, da desinstituciolalização
de pessoas longamente internadas, para efetivar a construção da transição de
um modelo centrado na internação hospitalar, para um modelo de atenção
comunitária (BRASIL, 2007).
Essas mudanças são exigidas por uma nova concepção de saúde, que
não comporta um olhar fragmentado do sujeito, sob a ótica da doença, mas
inclui o social como um determinante a mais nesse processo. As grandes
desigualdades sociais existentes no Brasil demonstram um modelo econômico
excludente, que compromete o acesso à educação, o laser, a assistência à saúde;
e determinam o processo saúde-doença da maioria dos brasileiros.
Segundo Lancetti (2000) os problemas e os sofrimentos do cotidiano,
como, desemprego, a miséria, a migração, o abandono, a solidão, são situações
de exclusão e, muitas vezes, levam a perda da identidade cultural, repercutindo
no indivíduo, provocando somatizações e acarretando danos à sua saúde.
Neste contexto, o movimento da Reforma Psiquiátrica reconhece a doença
mental, também, como fruto do processo de marginalização e exclusão social,
fundamentando sua luta política, com objetivo de propor terapias que possam
construir estratégias e possibilidades de autonomia das pessoas mediante uma
combinação de técnicas de apoio individual com outras mais sócio-culturais.
As políticas públicas devem desenvolver ações que garantam a saúde, e
não centralizar a assistência na doença, direcionando o cuidado para diminuir
os riscos, erradicar as causas, além de tratar e recuperar os danos. Um dos
desafios colocado diante dos gestores, trabalhadores e movimentos sociais
é a inclusão da saúde mental na Atenção Básica, que se caracteriza por um
conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, considerando a
singularidade do sujeito, na sua complexidade, integralidade e na sua inserção
sócio-cultural, criando vínculos, humanizando a assistência, buscando a
prevenção de agravos, a promoção e proteção da saúde (BRASIL, 2006).
A saúde mental é uma área muito complexa do conhecimento, como
também, plural, intersetorial e com muita transversalidade de saberes que
110
necessita de uma atenção multiprofissional e da ampliação dos conhecimentos
envolvidos (AMARANTE, 2007). As ações de saúde mental na atenção básica
apontam para um novo desenho do cuidado à saúde, mas esse componente
ainda se mostra frágil e essa relativa inércia precisa ser vencida, na perspectiva
de uma completa mudança no modelo de atenção.
Segundo Delgado (2007), os profissionais que atuam na atenção básica
atendem regularmente os usuários que buscam ativamente atendimento
em saúde mental, porém sem apoio técnico adequado. Para minimizar essa
situação, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde lançou mão
de um mecanismo para qualificação dos profissionais das equipes de Saúde da
Família, através de núcleos de apoio ao programa, compostos por profissionais
de saúde mental.
As estratégias para transformação dos recursos humanos em profissionais
de saúde comprometidos com um sistema acessível, qualificado, sensível,
envolveram várias diretrizes e propostas de ações, que foram agrupadas em
eixos de formulação de políticas, sendo um deles a Política Nacional de
Recursos Humanos para o SUS.
Para atender a esta perspectiva, é preciso haver transformação e adequação
profissional, com modificações nos processos de formação, estabelecendo
uma ligação entre as práticas educativas e o contexto dos serviços, tomando
como referência às necessidades de saúde da comunidade. O eixo norteador
dos processos de formação deve ser a integralidade, articulando os saberes e
práticas multiprofissionais a partir do conceito ampliado de saúde, que leva
em conta a subjetividade e singularidade do indivíduo.
Sendo assim, a política de recursos humanos é fundamental para os
processos de transformação dos serviços do setor saúde, onde a formação/
capacitação dos profissionais da área deve estar fortemente vinculada as suas
práticas cotidianas. Neste sentido, o Ministério da Saúde, através da Secretaria
de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, definiu a Política Nacional de
Educação Permanente em Saúde como aprendizagem no trabalho, onde este
processo deve ser construído e desenvolvido por todos os atores que fazem
parte de contextos sociais nas instituições e organizações.
A Educação Permanente em Saúde (EPS) se caracteriza por fazer da
educação dos profissionais um processo permanente em que o trabalho é
destacado como eixo da ação educativa, propondo mudanças nas práticas e na
111
própria organização dos serviços, baseadas nas reflexões críticas, em espaços
coletivos, a partir da problematização da realidade local. Os processos de
formação devem ser construídos levando em conta as necessidades de saúde
da população, os problemas que ocorrem no dia-a-dia do trabalho e que
precisam ser solucionados para que os serviços prestados ganhem qualidade
(BRASIL, 2005).
O município de Pedras de Fogo – PB, que priorizou a Educação
Permanente em Saúde como uma estratégia política, identificou a necesidade
de implementar ações na área de saúde mental e adotou a Terapia Comunitária
Integrativa (TCI) como dispositivo na promoção da saúde e na prevenção
do adoecimento mental. Assim, em 2007 após convênio celebrado com o
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Humano – IBDH e a secretaria
de saúde do município, com o apoio da Universidade Federal da Paraíba,
foi iniciado o curso de formação em Terapia Comunitária ofertado aos
profissionais da saúde que atuavam na atenção básica, na média complexidade
e no serviço hospitalar; como também, para dois profissionais da secretaria de
ação social, totalizando 33 participantes.
A Terapia Comunitária se apresenta como uma ferramenta terapêutica,
de ajuda mútua numa abordagem grupal, promovendo ações que levam a
prevenção das doenças psíquicas, inseridas na rede de cuidados básicos.
Esse modelo de terapia foi desenvolvido pelo Prof. Dr. Adalberto de Paula
Barreto, professor atuante de Medicina Social da Universidade Federal do
Ceará, psiquiatra, teólogo e antropólogo, desde 1987, na favela de Pirambu,
Fortaleza-CE, surgindo da necessidade de amparar os sofrimentos emocionais
decorrentes das questões sociais, de problemas psicológicos e relacionamentos
familiares conturbados das comunidades carentes (CAMAROTTI et al,
2007).
Segundo Barreto (2005), a Terapia Comunitária consiste na partilha
de experiências de vida, construindo saberes (científicos/populares), de forma
horizontal e circular, criando um espaço de fala, onde é valorizada e respeitada
a vivência no enfrentamento das inquietações cotidianas, promovendo o
resgate da cidadania e um cuidado humanizado.
Inserida na Atenção Básica, a Terapia Comunitária é uma prática
destinada à promoção da saúde, prevenção do adoecimento mental e
112
inclusão social. Atende grupos heterogêneos, possibilitando a diminuição
do uso indiscriminado de medicamentos, criando redes de apoio. Segundo
Barreto (2005) essa forma de terapia pode ser realizada em qualquer espaço
comunitário, obedecendo às etapas propostas: acolhimento, escolha do tema,
contextualização, problematização, e encerramento. Os fundamentos teóricos
conceituais para o desenvolvimento da terapia comunitária são: o pensamento
sistêmico, a teoria da comunicação, a pedagogia de Paulo Freire, a antropologia
cultural e a resiliência.
De acordo com Barreto (2005), a terapia comunitária é uma estratégia
que possibilita potencializar a autonomia do indivíduo, valorizando a dinâmica
familiar, desenvolvendo o empoderamento das pessoas e das comunidades,
tornando-as co-responsáveis pela superação dos seus problemas, despertando
a sua capacidade de transformação individual e coletiva.
É no contexto do trabalho em saúde que acontece o encontro entre
o trabalhador e usuário, que é permeado pela dor, sofrimento, saberes e
experiências. Ambos têm sua história de vida, cultura, valores, condição social
e desejos singulares. É nesse universo complexo e dinâmico em que se envolve
a produção do cuidado.
Dentre as ferramentas utilizadas na produção do cuidado, a Terapia
Comunitária se apresenta como uma tecnologia leve, capaz de construir vínculos
solidários, acolhimento e responsabilizações, produzindo transformações nas
práticas de saúde. Para Merhy e Franco (2003), a tecnologia leve diz respeito
às relações que são fundamentais para a produção do cuidado, em que os
profissionais colocam em primeiro plano o diálogo e a escuta, valorizando
o acolhimento durante o atendimento ao usuário. A tecnologia das relações
é um dispositivo de atendimento humanizado e um veículo facilitador no
desenvolvimento do trabalho em saúde, como meio de atender às pessoas nas
suas necessidades de promoção e de recuperação da saúde, com competencia
técnica e de modo digno e humano.
Por ter cursado a formação em terapia comunitária, no município
de Pedras de Fogo – PB, e considerando que o processo de formação em
terapia comunitária imprime mudanças no modo de vida, no ser e no agir
das pessoas, partimos das seguintes questões: A formação de terapeutas
113
comunitários contribuiu para a ocorrência de mudanças na vida pessoal e nas
práticas dos trabalhadores do município de Pedras de Fogo-PB? Quais foram
essas mudanças? O processo de formação dos terapeutas comunitários contém
aspectos que o identifiquem com o processo de educação permanente dos
trabalhadores do SUS? Quais são as similaridades e as diferenças entre estes
processos?
As respostas a estes questionamentos indicam que é necessário
ampliar conhecimentos acerca da Terapia Comunitária, contribuindo para
sua implantação na atenção básica, dentro do enfoque coletivo da saúde,
incentivando novas propostas de serviços comunitários, re significando as
práticas de cuidado, construindo vínculos e possibilitando transformação
social.
Assim, objetivou-se neste estudo conhecer as mudanças ocorridas na
prática dos profissionais de saúde do município de Pedras de Fogo-PB a partir
da formação em Terapia Comunitária, bem como, aspectos dessa formação
que a identifiquem com o processo da EPS; identificar as mudanças ocorridas
na vida dos profissionais de saúde que passaram pela formação em Terapia
Comunitária, e evidenciar as similaridades e/ou diferenças entre o processo de
formação em Terapia Comunitária e a EPS.
O MÉTODO
114
sociais e facilitar o conhecimento do meio imediato. Seu uso está relacionado
à participação social e, nesse sentido, está ligado ao direito de cidadania,
considerando que todos são atores históricos (BOM MEIHY, 2005).
Este estudo também tem um caráter retrospectivo, pois estimulou
os sujeitos-pesquisados a usarem a memória como recurso de evocação do
experienciado e do vivido. Neste sentido, foi necessário deixar os profissionais
pensarem livremente sobre o seu processo de formação como terapeutas
comunitários, fazendo emergir a subjetividade de maneira espontânea,
abrindo espaço para interpretação e sendo possível identificar as possíveis
transformações ocorridas na prática dos trabalhadores inseridos na formação
em Terapia Comunitária.
A pesquisa de campo foi realizada no município de Pedras de Fogo -
PB, localizado na Zona da Mata do Estado da Paraíba, a 42 km da capital
João Pessoa, com uma área geográfica de 401,1 km², com uma população
de 25.861 habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
A cidade de Pedras de Fogo - PB surgiu de uma grande feira de gado,
pois os tropeiros, vindos de Pernambuco, com destino ao interior da Paraíba
e do Rio Grande do Norte, faziam ali parada obrigatória, às margens do Rio
Itambé, onde se trocavam e compravam bovinos e equinos, trazendo progresso
à região. Quanto à origem do nome Pedras de Fogo, fala-se que, antigamente,
era muito comum a presença de pedras avermelhadas, que soltavam faíscas
quando em atrito com os cascos dos cavalos e dos bois dos colonos tropeiros
(CAVALCANTI, 1998).
A emancipação política de Pedras de Fogo ocorreu no dia 05 de maio de
1954 e, desde então, o município tem sido ponto de destaque na historiografia
paraibana. Desenvolve uma atividade econômica predominantemente
canavieira, que se estabeleceu com mais firmeza a partir da década de 1970 do
século passado, com o advento do Pró-alcool, provocando a substituição da
lavoura de subsistência pelo plantio da cana-de-açúcar.
A organização do sistema local de saúde de Pedras de Fogo - PB tem
uma história de vanguarda na estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS)
115
no Estado da Paraíba. Em 1988, o município já trabalhava com a lógica da
prevenção e promoção da saúde, institucionalizando, dentro do seu quadro de
recursos humanos, as visitadoras domiciliares, que hoje são denominadas de
agentes comunitárias de saúde.
Em 1991, foi uma das primeiras cidades do Estado a serem
municipalizadas; em 1994, foi habilitada na Gestão Incipiente; em 1998,
na gestão Plena da Atenção Básica; e em 2002, na Gestão Plena do Sistema
Único de Saúde.
A rede de serviços de saúde está organizada na atenção básica com a
Estratégia Saúde da Família, contendo onze equipes e um Núcleo de Apoio
à Saúde da Família - NASF. Conta também com o atendimento de média
complexidade (Policlínica, Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, Centro
de Especialidades Odontológicas - CEO, Clínica de Fisioterapia) e serviço
hospitalar.
Os serviços de saúde acima mencionados, juntamente com o Centro
de Referência da Assistência Social – CRAS foram escolhidos como cenário
da pesquisa porque neles existem terapeutas comunitários em processo de
formação.
Essa formação teve início, após a secretaria de saúde de Pedras de
Fogo – PB ter identificado a necessidade de implementar ações no âmbito
da saúde mental, em virtude do elevado número de pessoas em sofrimento
mental, decorrente de problemas do cotidiano que repercutem no indivíduo,
provocando somatizações, levando-o ao adoecimento.
Neste estudo, em que foi utilizada a História Oral Temática como
caminho metodológico, a colônia dos participantes foi constituída pelos
33 (trinta e três) profissionais da rede de serviços de saúde do município de
Pedras de Fogo - PB, que participaram do Curso de Formação em Terapia
Comunitária, sendo uma das primeiras turmas formada no Estado da Paraíba,
na qual estive, junto com outros profissionais de saúde dos municípios, Conde
e São Bento/PB. A rede foi formada por 8 (oito) profissionais da rede de serviços
de saúde da cidade de Pedras de Fogo, que estavam no processo de formação,
envolvendo as seguintes categorias: médico, dentista, fisioterapeuta, psicólogo
116
e agente administrativo, que se encontravam distribuídos nos serviços que
oferecem a Terapia Comunitária.
Para produção do material empírico foi utilizada a técnica de entrevista,
com uso de gravador. Após a realização das entrevistas, todo o relato oral foi
transformado em texto. Para tanto, foram necessárias três fases: transcrição,
textualização e transcriação. Em seguida, numa ocasião previamente
combinada, o material foi levado para os colaboradores para ser conferido,
aprovado e autorizado para publicação.
A pesquisa de campo foi realizada no período de três meses (junho,
julho e agosto de 2008), e as entrevistas foram agendadas previamente, de
acordo com a conveniência dos colaboradores.
A pesquisa foi orientada pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que regulamenta as pesquisas com seres humanos, e foi encaminhada
ao comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal
da Paraíba, onde foi avaliada e aprovada (Protocolo nº. 0058 CCS/CEP).
Para garantir o anonimato dos colaboradores, usamos nomes de
animais, os quais foram previamente escolhidos pelos colaboradores em uma
das vivências realizada no primeiro módulo do curso de formação em TCI.
Assim os colaboradores foram identificados como: Águia, Serpente, Gato,
Borboleta, Morcego, Lobo, Leão e Falcão.
A análise do material empírico foi realizada após a leitura e interpretação
do material para a construção dos eixos temáticos, com base nos pressupostos
adotados por Bom Meihy (2005). É importante ressaltar que os tons vitais,
como também, os temas identificados, foram organizados procurando atender
aos objetivos propostos pelo estudo e que estes serviram como guia no processo
de discussão através de um diálogo com a literatura pertinente.
Foram construídos três eixos temáticos: Autoconhecimento: um
caminho para mudanças (Mudança de paradigma em relação a si e aos outros,
Escuta sensível); Construindo vínculos e redes solidárias; A EPS e a Terapia
Comunitária: aproximações, distanciamentos e complementaridade.
117
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conhecendo os colaboradores
Águia: Mulher madura, católica, que encontra na fé seu maior tesouro
- a confiança em Deus. É formada em medicina e trabalha com saúde coletiva,
buscando sempre deixar a comunidade independente e participativa. Gosta
de ter pessoas ao seu redor, um ombro amigo para se apoiar nos momentos
de tristeza, como também, pessoas alegres para compartilhar suas vitórias.
Interessa-se por fitoterapia por entender que é um caminho para unir a
sabedoria científica com a popular. A sua história de vida é marcada por perdas
importantes, mas achou na formação em Terapia Comunitária a direção que
a fez enxergar a necessidade de mudanças profundas, impulsionando-a em
busca de um processo de renovação. Tem admiração pela águia, por ser um
animal que voa sem medo entre o céu e a terra, e nos ensina a encarar o
medo natural que temos do desconhecido para, depois, voarmos um vôo da
vitória. Tom Vital: “A terapia me obrigou a olhar os fatos, embora achando
horríveis, algumas coisas boas e outras terríveis... procurei compreender,
enfrentar, e não ficar me isolando para tentar fugir até de mim mesma”.
Serpente: É um sertanejo que sente orgulho de suas raízes; homem
inteligente, de personalidade forte. Gosta de desfrutar da companhia dos seus
bons amigos, isso para ele é sagrado. Tem grande admiração pelo seu pai e
zelo por toda a sua família, o que demonstra sua sensibilidade e dedicação.
Sente-se feliz com a profissão que escolheu, pois ser médico da Estratégia
Saúde da Família é muito mais que usar seus conhecimentos acadêmicos
para obtenção da cura, é compartilhar com sua equipe o ato de cuidar, é
desenvolver ações mais abrangentes que possibilitem uma melhor qualidade
de vida para uma comunidade da qual ele já se sente integrante. O animal
que escolheu simboliza a transformação. É adaptável, imaginativo e atraído
pelo que a vida tem de melhor. Como as cobras deixam para trás a sua pele,
sem abandonar o caminho, a serpente deixa para trás suas ilusões e limitações
para usar plenamente sua vitalidade para alcançar a totalidade. Tom Vital: “A
Terapia Comunitária me despertou, me tocou para refletir sobre a vida, o
modo de agir, de ser, de me comportar como pessoa e como profissional...
provocou uma sensibilização...”.
Gato: Sua presença transmite serenidade. É uma profissional
responsável, que sempre se destaca em todos os projetos que se propõe a
118
desenvolver. Não gosta de ambientes competitivos, e sim, de uma atmosfera de
paz e tranqüilidade. É reservada e gosta do seu espaço preservado, mas é bastante
cooperativa e prestativa quando um amigo necessita de sua ajuda. Junto com
a Terapia Comunitária veio à satisfação de poder trabalhar com grupos e com
eles usar o seu dom de saber ouvir o outro, qualidade indispensável em uma
psicóloga, profissão que abraçou. Sua espiritualidade guia seus passos e está
presente em suas atitudes. O gato, animal que escolheu, simboliza a graça, a
generosidade, a beleza; tem fala mansa e é ótimo diplomata. Tom Vital: “(...)
ocorreram mudanças na minha vida pessoal... houve um impacto muito
grande em mim... Então mudou, mudou o meu olhar”.
Borboleta: Amiga fiel e companheira está sempre de bem com a vida.
Sua alegria e seu sorriso aberto são contagiantes. Saber ouvir é uma das suas
maiores qualidades, que desperta a admiração de todos os que desfrutam da
sua companhia. Psicóloga, solteira, é determinada e busca sempre renovar
seus conhecimentos. Sua família é seu porto seguro, onde encontra a força que
lhe impulsiona a tomar atitudes e promover mudanças importantes na sua
vida. O renascimento e a liberdade são palavras que representam o momento
em que vive. Como a borboleta que sai do seu casulo para iniciar um novo
ciclo, ela experimenta essa transformação e, confiante nas suas novas asas,
segue em frente, rumo ao seu grande vôo. A borboleta aconselha-a a deixar
que a liberdade de mudança guie seus passos e lembra que, para todo fim, há
um novo começo. Tom Vital: “Para minha vida, a Terapia Comunitária
trouxe reflexões, entrei de uma forma e saí outra totalmente diferente, o
que achava que não fosse acontecer, aconteceu...”.
Morcego: Amigo prestativo, que não mede esforços para ajudar
as pessoas. É tranqüilo e acalma quem estiver ao seu redor. Sua garra e
determinação, quando deseja atingir seus objetivos, impulsiona seus colegas,
transformando as dificuldades em tarefas fáceis. Fisioterapeuta, jovem, gosta
do que faz e sempre é elogiado pelas pessoas que necessitam do seu cuidado.
Sua profissão foi uma das mais acertadas escolhas, pois tem o entendimento
de que a arte de cuidar, reabilitar é muito maior que uma simples técnica bem
executada, precisa ter sensibilidade e visão para uma atenção humanizada. Tem
hábitos noturnos como o morcego, pois gosta da noite, para ler, estar com seus
amigos, ouvir uma boa música. Pai de primeira viagem, está adorando essa
aventura e vive plenamente a família. Assim como o morcego, ele é criativo
119
e, mesmo no escuro, de ponta cabeça, consegue encontrar o equilíbrio no
seu momento de reflexão. O morcego nos ensina a libertar os nossos medos e
qualquer outro padrão que não se encaixa em nosso crescimento. Esse animal
simboliza renascimento, transformação e renovação. Tom Vital: “A Terapia
Comunitária me ensinou a entrar em contato com a alma das pessoas e
perceber que o outro é um ser humano igual a mim”.
Lobo: É o alicerce da sua família. Assume a liderança, e tudo gira
em torno do seu poder de decisão. Sua lealdade não lhe permite abandonar
as pessoas que solicitam a sua ajuda, mas confessa que precisa aprender a
dizer não e começar a colocar em primeiro plano as suas vontades e desejos.
Não dispensa uma boa diversão, pois é sua válvula de escape diante de tantas
responsabilidades. Sua alegria e bom humor tornam sua presença indispensável
no meio dos seus amigos. Fisioterapeuta experiente e criativa, a cada dia, vence
sua timidez, buscando sempre não ser afetada pelos atos e palavras das pessoas.
Sua personalidade forte a torna perseverante, seguindo em frente, vencendo os
obstáculos para alcançar seus objetivos. Admira os lobos, animais que amam
a liberdade, têm iniciativa e habilidade na comunicação e na linguagem
corporal. Pessoas-lobo são, geralmente, muito confiáveis, generosas e com
sentimentos profundos pelos seus amados. Tom Vital: “O que aconteceu de
mais forte foi com relação a minha timidez diante de público... depois da
formação em Terapia Comunitária, eu consegui vencer isso!”.
Leão: Mulher forte e decidida, que cuida de sua família com a
garra e a coragem de um leão. Luta pelos seus objetivos e não permite que os
pensamentos negativos das pessoas interfiram no seu caminho. É verdadeira
consigo mesma e age de acordo com seu coração. Suas conquistas são
resultados de muita luta, e isso torna o seu sucesso mais saboroso e valioso.
Recentemente concluiu o curso de Administração de Empresas. É muito
querida pelos seus amigos, que podem contar com o seu companheirismo. No
seu trabalho, ocupa um lugar de liderança, que lhe proporciona, a cada dia,
um novo aprendizado. Admira o leão, símbolo do seu signo, que representa
poder, força e liderança. Tom Vital: “(...) hoje eu valorizo mais a minha vida
com o que eu tenho... o essencial e fundamental para mim é a família estar
bem”.
Falcão: Sua alegria é contagiante. É presença marcante em todos os
espaços. Mulher guerreira, que cuida do seu lar com muito amor e dedicação,
120
não medindo esforços para garantir o melhor para os seus filhos, enfrentando
os desafios do dia-a-dia. Dinâmica e comunicativa realiza seu trabalho com
muito entusiasmo. Dentista da Estratégia Saúde da Família gosta do trabalho
em equipe e do contato direto com a comunidade. Revela que, desde o início
da formação, identificou-se com a Terapia Comunitária. Adora estar com seus
amigos e festejar a vida. Tem personalidade forte e é impulsiva. Entusiasma-se
com as novas experiências, mas tem dificuldade em perseverar. Como o falcão,
gosta de liderar, é extrovertida e tem iniciativa. Tom Vital: “O que mudou na
minha prática profissional foi o meu olhar com relação à comunidade. A
terapia valorizou o meu trabalho com grupo, me aproximando mais das
pessoas”.
121
“eu”. Os colaboradores tiveram a oportunidade de, em muitos momentos da
formação, repensar sua compreensão de mundo, refletir sobre si mesmos, no
sentido de proporcionar transformações interiores.
Durante o curso, na realização das vivências e dos trabalhos corporais,
os participantes puderam revisitar suas histórias de vida e entraram em
contato com suas dores, muitas delas escondidas. No entanto, para que esse
processo de autoconhecimento se concretize, é essencial que as pessoas estejam
disponíveis.
Conhecer nossas limitações, nossos erros e visões, ajuda-nos a observar a
nós mesmos através de outra perspectiva. Segundo Frankl (1991), cada um de
nós é motivado por “um anseio por um sentido”, e somos livres para descobrir
o significado de nossa própria existência.
Segundo Naiff (2004), o único caminho capaz de atingir o
autoconhecimento é a profunda reflexão das experiências obtidas na vida,
pois, dessa forma, podemos analisar nosso comportamento e compreender
nossas ações. O autoconhecimento nos propicia a retirada dos personagens
que criamos no cotidiano de nossas vidas, possibilitando o encontro real com
a nossa verdadeira essência.
O autoconhecimento também favorece o relacionamento interpessoal,
melhora a capacidade do terapeuta comunitário para compreender melhor
as necessidades subjetivas do outro, pois, conhecendo a si mesmo, ele pode
tomar ciência das suas limitações, descobrir suas potencialidades e promover
transformações nas suas práticas.
Qualificando a Escuta
122
comunidade passou a ser mais acolhida e a compartilhar suas dores, angústias,
sofrimentos e alegrias, enfim, suas experiências.
Em todas as entrevistas, verificamos que os colaboradores relatam
mudanças no cotidiano do trabalho, na forma de conduzir as suas ações
na comunidade, com uma escuta qualificada, valorizando todos os saberes,
levando em consideração as questões subjetivas das pessoas que necessitam do
seu cuidado, como indicam os seguintes depoimentos:
123
Na Terapia Comunitária, cada componente do grupo é visto como
um ser repleto de conhecimentos e de sentimentos. Ela desenvolve um diálogo
aberto e reflexivo. Esse trabalho grupal, baseado na teoria de Paulo Freire,
encaminha os participantes a interagirem e a trocarem saberes dentro de sua
própria realidade.
O estudo de Munari e Rodrigues (1997) afirma que a convivência
com um grupo que congrega pessoas com problemas semelhantes proporciona
uma experiência que pode desenvolver um clima de muito valor terapêutico.
Essa situação ajuda os participantes a quebrarem barreiras, através de sugestões
construtivas de outras pessoas que vivenciam os mesmos problemas.
Ressaltamos, então, que perceber as transformações ocorridas na
prática profissional dos participantes da formação em Terapia Comunitária é
sobremaneira importante, o que nos leva a afirmar que a TCI é uma tecnologia
de cuidado, que vem contribuindo para o fortalecimento das ações desses
profissionais, que encontraram na terapia um caminho a mais para melhorar
a qualidade da assistência à saúde.
124
de vínculos entre os participantes, mobilizando recursos pessoais e culturais,
para melhorar a qualidade de vida e, consequentemente, promover uma
efetiva inclusão social.
Com a realização da Terapia Comunitária, foram estabelecidos
vínculos entre os profissionais de saúde e a comunidade, como relatam os
colaboradores:
[...] o vínculo com a comunidade aumentou, até pela forma que a terapia é
conduzida, reunindo alguns membros da comunidade, muitas vezes debaixo de
uma árvore frondosa, para conversar, discutir, trocar idéias, mediante o que foi
exposto através das falas, então não tenho a menor dúvida, reforça e estreita os
vínculos (Serpente).
125
comunitários saudáveis acontece nos encontros da Terapia Comunitária,
permitindo a construção de redes de apoio social.
Do material empírico, extraímos histórias vivenciadas pelos
colaboradores, durante os momentos de realizações das terapias, quando as
pessoas compartilharam suas dificuldades, e o grupo se mobilizou para ajudar,
construindo redes solidárias. Assim, com os encontros da Terapia Comunitária,
a carga emocional dos indivíduos que necessitam de ajuda foi atenuada, e isso
os estimulou ao empoderamento.
[...] cria um vínculo muito bom entre eles, ou seja, uma rede de
solidariedade que extrapola o serviço. O mesmo grupo que se reúne
dentro do CAPS, porque vai buscar saúde e lazer, fora eles criam
vínculos, se ajudam, exatamente por causa da terapia (Gato).
As redes solidárias se fortaleceram, nós temos um exemplo de uma
pessoa que contou sua história durante a terapia e foi um momento
muito emocionante, pois todos se reuniram para ajudar [...] (Lobo).
126
outras transformações aconteçam na perspectiva de atingirmos uma atenção
integral aos usuários.
Neste ponto, discutiremos a respeito da EPS e a Terapia Comunitária,
estratégias que foram implantadas no município de Pedras de Fogo - PB, local
da investigação, com o intuito de potencializar as práticas no setor saúde para
fortalecer as ações e os serviços do SUS.
A EPS é definida como uma aprendizagem que ocorre no trabalho,
baseada na possibilidade de transformar as práticas profissionais do cotidiano
das pessoas e das organizações, com base nos problemas enfrentados
na realidade, levando em consideração os seus conhecimentos e as suas
experiências (MENDONÇA; TALBOT, 2006).
Partindo do conceito de EPS, perguntamos aos nossos colaboradores
se existem aspectos que identifiquem o processo de EPS com o processo de
formação em Terapia Comunitária e quais as similaridades e as diferenças
entre ambos. O intuito desse questionamento foi o de investigar, através das
falas desses terapeutas em formação, se haviam ocorrido mudanças na sua
prática profissional a partir da utilização desses dois processos no cotidiano do
trabalho.
Os colaboradores Falcão e Borboleta não conseguem perceber diferenças
significativas entre a EPS e a Terapia Comunitária, pois acreditam que existe
uma confluência entre as duas.
127
sinalizando hipóteses de solução para os vários problemas levantados,
demonstrando, assim, que esses dois processos apresentam similaridades.
128
REFLEXÕES FINAIS
129
a considerar o lado subjetivo das pessoas, compreendendo melhor o outro,
melhorando, consequentemente, a qualidade do cuidado.
Os objetivos deste estudo foram alcançados, se não, totalmente - tendo em
vista que a pesquisa científica nunca esgota sua busca no campo do conhecimento
– mas de forma significativa, posto que os resultados revelaram que a Terapia
Comunitária foi capaz de proporcionar transformações na vida pessoal dos
terapeutas em formação e contribuir sobremaneira para as mudanças nas práticas
desses profissionais, construindo vínculos e possibilitando transformação social.
Devido aos aspectos aqui referidos, no que concerne à busca por
estratégias que contribuam para melhorar o atendimento àqueles que procuram
uma melhor qualidade de vida, pretendemos ampliar os conhecimentos acerca
da Terapia Comunitária, com o objetivo de contribuir para sua implantação na
atenção básica, incorporando essa nova ferramenta ao cotidiano do SUS, com a
finalidade de re significar as práticas do cuidado.
REFERÊNCIAS
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atores da reforma psiquiátrica brasileira. In: FLEURY, S. (org). Saúde e democracia. A
luta do CEBES. Rio de Janeiro: Lemos, 1997. p.163-185.
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no SUS: acesso ao tratamento e mudança do modelo de atenção. Relatório de Gestão
2003-2006. Brasília, DF, 2007.
CAMAROTTI, M. H. et al. Terapia Comunitária: relato de experiência de implantação
em Brasília – Distrito Federal. Disponível em:<http//www.mismecdf.org/terapia.htm>.
130
Acesso em: 05 out. 2007.
LANCETTI, A. et al. Saúde loucura – Saúde mental e saúde da família. São Paulo:
Hucitec, 2000.
LUCHMANN, L. H. H.; RODRIGUES, J. O movimento antimanicomial no Brasil. Re-
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MENDONÇA, C. S.; TALBOT, Y. Introdutório à Saúde da Família: uma primeira etapa
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10, p.55-58, abr./jun. 2006.
_______, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Editora Hucitec, 2002.
MUNARI, D.B.; RODRIGUES, A.R.F. Enfermagem e Grupos. Goiânia: Ed. AB, 1997.
NAIFF, N. Onde esta minha felicidade? São Paulo: Editora Nova Era, 2004.
131
TERAPIA COMUNITÁRIA: UM ENCONTRO QUE
TRANSFORMA O JEITO DE VER E
CONDUZIR A VIDA*
6
Márcia Rique Carício
Maria Djair Dias
Túlio Batista Franco
Maria de Oliveira Ferreira Filha
INTRODUÇÃO
132
instigada a buscar parcerias para a implantação da TCI na Atenção Básica do
município de João Pessoa-PB, pois na época, integrava a equipe gestora da
Secretaria Municipal de Saúde como diretora geral do Distrito Sanitário IV.
Em um cenário onde gestão, trabalhadores de saúde e usurários
buscavam um processo de cuidar mais humanizado e integral e percebendo que
a TCI poderia contribuir para potencializar acolhimento, responsabilização e
vínculo, e que esta seria mais uma ferramenta de cuidado institucionalizada
para contribuir com a melhoria da qualidade de trabalho e de vida para os
trabalhadores e usuários do SUS, iniciou-se em 2007 o primeiro curso de
formação em terapia comunitária, para os trabalhadores da saúde, priorizando
aqueles que atuavam na atenção básica; buscava-se imprimir no cotidiano
do processo de trabalho em saúde, um cuidado diferenciado daquele que
muitas vezes os trabalhadores oferecem de forma mecânica, alheia e alienada.
Era preciso oferecer um cuidado mais humanizado na perspectiva de que o
trabalhador desenvolvesse o mínimo de compaixão com o usuário, dilatando
a capacidade de amar e ser tolerante, tendo uma visão mais ampliada sobre
a saúde e seus determinantes, e não meramente sobre como orientar e
propor recomendações técnicas, sem nenhum tipo de vínculo. Assim sendo
a comunicação estabelecida no processo de cuidar tornava-se apenas palavras
ditas ao vazio.
Na gestão 2005-2008, a TCI se consolidou como ferramenta de
cuidado para contribuir com a construção de uma rede de serviços de saúde
integral, humanizada e de qualidade, como também, tornou-se uma estratégia
da gestão para promover a aproximação da atenção básica com a saúde mental.
Para Merhy e Franco (2003) o modelo “produtor do cuidado” deve operar
centralmente a partir das tecnologias leves, aquelas inscritas nas relações, no
momento em que são realizados os atos produtores de saúde e em tecnologias
leve - duras, as inscritas no conhecimento técnico estruturado, o saber
especifico de cada núcleo profissional. A partir desta definição considerou-se
a TCI como uma tecnologia leve de cuidado, pois ela se inscreve no ato e se
realiza em instantes. Ela é um espaço coletivo que oportuniza a fala e a escuta
dos participantes a partir de suas histórias de vida, deixando as pessoas mais
transparentes e assim, possibilitando a descoberta de um novo olhar para si em
busca das suas verdades no âmago de suas vidas.
Para Barreto (2008), criador da TCI, esta é um espaço comunitário
onde as pessoas têm a oportunidade de falar sobre a sua história de vida, dor e
133
conflitos de forma horizontal e circular. Na terapia cada um torna-se terapeuta
de si mesmo partilhando experiências de vida e sabedoria. Todos se tornam
co-responsáveis na busca de superações e soluções dos problemas cotidianos.
Reafirmando Barreto, Camarotti et al (2009) ressalta que a TCI brota
como um espaço de fala dos sofrimentos e possibilidades de prevenção das
conseqüências do estresse habitual visando garantir o resgate da autoestima
necessária para a prática de mudanças em suas vidas. É um procedimento
técnico para o trabalho terapêutico em grupo, que visa à promoção da saúde
na atenção primária em saúde mental, estimulando a comunidade a usar sua
criatividade a partir da sua própria cultura.
A nova proposta de modelo de atenção à saúde preconizada pelo
SUS representa a política de saúde requerida pela sociedade brasileira, desde
a década de 1980. Essa nova proposta busca o modelo co-participativo,
centrado no coletivo e nos determinantes sociais do processo de adoecimento.
Ela foi construída e organizada a partir da mobilização de amplos setores da
sociedade, quando se reconheceu a limitação do modelo de saúde pública
tradicional que valorizava, sobretudo, os aspectos biológicos do processo
saúde-doença.
Atualmente, caminha-se na direção da reversão do modelo tecnológico
individual para o modelo tecnológico coletivo, participativo sem menosprezar
as necessidades individuais. Entretanto isto requer dos gestores e profissionais
da saúde investimentos na ampliação da caixa de ferramentas tecnológicas
(aqui entendida como o conjunto de saberes que se dispõe para a ação de
produção dos atos de saúde) dos diversos núcleos de saberes. Os profissionais
portam poderes, interesses, desejos, projetos, resistem ou aderem a propostas
de mudanças. As práticas de saúde são territórios de disputas e de constituição
de políticas, onde uma multiplicidade de atores sociais, nos seus “modos de
atuar”, impõem a conformação dos atos de saúde. Trata-se de uma disputa
permanente das normas constituídas, das intenções em torno do que são o
objeto e o sentido das ações de saúde (MERHY, 2002).
Quando o terapeuta comunitário ao coordenar um encontro e é capaz
de se deixar afetar pelas histórias ali desveladas, ele se permite ser conhecedor
134
de sua própria história. A abertura do terapeuta ao mundo, ao novo e ao
desconhecido é de extrema importância nesse movimento, pois quanto maior
a capacidade dele ser afetado, mais relações podem ser estabelecidas e mais ele
é capaz de obter conhecimento de si e do outro.
Essa afirmação encontra ressonância nas idéias de Spinoza estudada por
Deleuze e (2002) quando afirma que quando um corpo ‘encontra’ outro corpo,
quando uma idéia com outra idéia, ocorre das duas relações se aconchegarem
para formar um todo mais potente.
Diante dessa afirmação pode-se argumentar que a roda de TCI é um
encontro potente, quando o terapeuta comunitário consegue conduzir a
terapia de modo a produzir afetações nos participantes, pois criou momentos
de ressonância que permitiu a tomada de consciência da gênese de seus
problemas e das possibilidades de enfrentamento.
Nesse sentido, o trabalhador da equipe da Estratégia Saúde da Família
- ESF localiza-se em uma relação de baixa potência quando se encontra
acomodado, sem vínculo com o usuário, sem resolutividade no cuidado,
fazendo encaminhamentos excessivos. Quando a TCI proporciona um
encontro eficaz, principalmente, consigo mesmo, desencadeia uma paixão,
uma alegria capaz de produzir mudanças no seu processo de trabalho, no ato
do cuidado, isso ocorre no momento de interação com o usuário. O encontro
que se estabelece nas rodas de TCI possibilita olhares diferentes em relação
à compreensão do modo de vida de cada ser humano e, principalmente,
permite compreender o outro a partir da sua própria experiência de vida e
de suas descobertas. Para Boff (2008) é a partir do cuidado com o outro que
o ser humano desenvolve a dimensão da alteridade, do respeito e dos valores
fundamentais da experiência humana.
Este estudo objetivou analisar as transformações relatadas pelos
trabalhadores da ESF, motivadas pelo processo de formação em TCI; identificar
de que modo a formação em TCI pode ser instrumento de transformação para
a vida do trabalhador da ESF e verificar possíveis contribuições do processo
de formação em TCI no despertar de mudanças no trabalho do profissional e
terapeuta comunitário da ESF.
135
MÉTODO
137
em TCI foi preparado na sala um círculo feito por colchonetes e no centro
colocado um vaso com flores naturais representando o carinho e a receptividade
calorosa da equipe organizadora do local para com as colaboradoras.
Continuou-se utilizando o imaginário da espaçonave para atrair as
colaboradoras para um momento de relaxamento, fazendo uma dinâmica
em que usou o imaginário e o resgate da realidade: todas as colaboradoras
foram convidadas para sentar em poltronas especiais dessa nave, colchonetes
arrumados em círculo no centro da sala, que foi cuidadosamente preparado
para recebê-las, coberto com um lençol de TNT da cor verde bebê, com
o objetivo de deixar o ambiente calmo e com a sensação de mergulho na
natureza, no mar, combinando com a visão do horizonte que as colaboradoras
tiveram ao olhar a parede de vidro que estava voltada para a praia do Seixas.
Esse foi um momento muito especial, onde as colaboradoras
começaram a se sentir em uma verdadeira viajem. Foi realmente muito bonito
ver a disponibilidade de cada uma em realizar essa “viagem”. Essa foi uma
“viagem” de volta ao tempo, ao mundo das emoções, sentimentos e sensações
resgatando lembranças do inicio da formação em TCI.
Em outro extremo da sala tem um círculo de cadeiras brancas onde o
centro está decorado com uma pipoqueira, uma tigela grande de vidro cheia
de pipocas, uma tigela pequena de vidro com piruá, um vaso com três pés de
milho no início do seu crescimento e alguns caroços de milhos espalhados
pelo chão. Em cada cadeira tem um texto de Rubem Alves (1999) como
tema: Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para
sempre. As colaboradoras foram convidadas a sentarem nas novas “poltronas
da aeronave”.
No momento que se seguiu, dando continuidade à roda de TCI
Temática, foi falado sobre o objetivo dessa ferramenta, que são: espaço de
escuta e fala, onde podemos compartilhar experiências vividas por cada uma.
Nesta TCI Temática vamos compartilhar e resgatar os sentimentos que vem
transformando cada uma. Não só os sentimentos, mas os atos, falar quais
foram esses atos, quais foram esses momentos, os acontecimentos que hoje me
mostram que sou outra pessoa.
Na roda de TCI Temática existem regras e todas começam a relacionar
as regras para uma boa realização de uma TCI. Prosseguindo, relembrou
138
como acontece a TCI Temática e explicou que a metáfora escolhida foi com
o objetivo de conhecer se ocorreu alguma transformação, mudança em cada
uma das colaboradoras no processo de formação em TCI, e que transformação
aconteceu? Foi lido o texto de Rubem Alves, acrescentando algumas palavras
e frases consideradas importantes para o resgate de sentimentos e sensações
vividas pelas colaboradoras no momento da formação em TCI.
Em seguida, foi lançado o mote para as colaboradoras: “no meu processo
de formação em TCI em que momento deixei que o fogo me transformasse?
E como foi essa transformação?” Depois as colaboradoras foram convidadas a
falar, utilizando a seguinte dinâmica, quem quisesse se colocar pegaria a tigela
de pipoca e permaneceria com ela no colo até terminar de se pronunciar,
passando para a próxima pessoa a se pronunciar. E assim uma a uma segurando
a tigela de pipoca no colo e com emoção foram relatando as experiências
vividas no processo de formação em TCI, falando do que foi mais significativo
em suas histórias, e após falarem as pessoas comiam a pipoca.
É de fundamental importância registrar o nível de concentração que o
grupo se encontrava, as colaboradoras, a autora e a equipe de apoio. Os relatos
fluíam espontaneamente e com emoção. Em vários momentos cantaram
trechos de músicas relacionadas com o assunto que alguém estava colocando
como também as colaboradoras ao final de suas falas apresentavam um fato,
música ou poema que mais marcaram para cada uma o processo de formação
em TCI.
Para o ritual de agregação e conotação positiva, momento final da
roda de TCI, as colaboradoras foram convidadas a formarem um círculo.
Inicialmente agradecemos a disponibilidade de todas em participarem desse
momento e novamente fazendo uso da metáfora da espaçonave, informa-
se às colaboradoras que chegaram ao final da “viagem de volta ao tempo”
e pede para com uma palavra representem o que significou esse momento
para cada uma. E assim as palavras foram surgindo: privilegiada; superação de
expectativa; gratificante; muito bom; momento impar; riqueza; tranqüilidade;
harmonia; bom resultado; apoio; experiência; gratidão; auto-estima; cheia de
orgulho; maravilhada; dignidade; transformação; muito orgulho da pessoa
que sou e do grupo que tenho ao nosso redor; verdadeiras companheiras;
139
vou saindo uma pipoca; vou levando realmente aquilo que eu vim buscar;
serenidade, muito feliz por estar aqui; gratidão e orgulho de pertencer a essa
liga das mulheres da TCI.
Após essa relação de palavras positivas ficou evidenciado o resultado
significativo para a utilização da roda de TCI Temática como uma ferramenta
para a produção de material empírico para pesquisas qualitativas.
Terminada esta etapa foi recolhido todo material gravado e,
posteriormente, produzido o relatório oriundo desta terapia. A produção do
relatório seguiu as fases propostas por Bom Meihy (2007) que são: transcrição,
textualização, transcriação e conferência. A conferência do material produzido
foi feita individualmente no local de trabalho de cada colaboradora com
agendamento prévio. Houve retirada e inclusão de partes do material
registrado para melhor compreensão, tudo ocorreu de maneira harmoniosa
entre a autora e as colaboradoras. Por último a autorização do material para
uso e publicação pelo colaborador para divulgação da pesquisa foi realizada
na ocasião da conferência do material produzido com a assinatura da carta de
cessão e do termo de consentimento.
A análise e os resultados do material empírico foram feitos a partir
da identificação e análise do tom vital da fala de cada colaboradora, seguido
da concepção dos eixos temáticos evidenciados atendendo aos objetivos
propostos no estudo com base nos pressupostos da História Oral criados por
Bom Meihy (2007). Dessa maneira, foram identificados os seguintes eixos
temáticos: Processo de formação em TCI: descobrindo um jeito diferente de
ver e conduzir a vida e Terapia Comunitária: revelando mudanças de práticas.
O estudo levou em consideração os aspectos éticos da pesquisa
envolvendo seres humanos contemplados na Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde, destacando a necessidade do consentimento livre e
esclarecido para os sujeitos da pesquisa. Esse direito foi concedido por meio
de termo de consentimento livre esclarecido e carta de cessão, bem como o
encaminhamento do projeto de pesquisa para o Comitê de Ética em Pesquisa
do Centro de Ciências da Saúde – UFPB, com o número de protocolo 0250.
140
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Processo de formação em TCI: descobrindo um jeito diferente
de ver e conduzir a vida
Em um encontro de TCI o movimento se dá no sentido de acolher e
problematizar as dificuldades vivenciadas no cotidiano das pessoas, ou seja,
lidar com o sofrimento, incentivando as pessoas a falarem sobre o que está
incomodando, “tirando o sono” enquanto os outros participantes ofertam
apoio. Contudo, uma dificuldade não falada pode provocar um sofrimento e
ser comunicada por meio de sintomas físicos (LUISI, 2006).
Para estimular e encorajar o grupo a falar o terapeuta comunitário
pode fazer uso de alguns provérbios populares se referindo ao valor do uso
das palavras para expressar seu sofrimento, preocupação, contrariedades e
decepções garantindo a possibilidade de falar com a boca, para não falar com
o corpo por meio dos sintomas e doenças físicas. Neste espaço, pode ser usado
provérbios como: “quando a boca cala, os órgãos falam, quando a boca fala,
os órgãos saram” e/ou “quem guarda, azeda, quando azeda, estoura, e quando
estoura, fede” (BARRETO, 2008).
Quando o sofrimento é representado por sintomas físicos, denomina-
se este fenômeno de somatização. Para Lipowski (1988) a somatização é o
processo de apregoar os sofrimentos e angústias através de sintomas físicos. O
ser humano tem a tendência de vivenciar e comunicar seus sofrimentos por
meios de sintomas físicos, procurando ajuda médica, mesmo sem apresentar
diagnóstico de doença ou mesmo nenhuma causa física (LIPOWSKI, 1988).
No cotidiano dos serviços de saúde, principalmente na Atenção
Básica usuários apresentando sinais de somatização é uma realidade e está
presente no cotidiano dos trabalhadores de saúde ao executarem ações de
cuidados identificam situações como depressão, ansiedade, vida estressante,
dificuldades no trabalho, problemas financeiros, perdas, desavenças, doenças
e mortes que estão associados a sintomas somáticos (COELHO e ÁVILA,
2007; LAZZARO e ÁVILA, 2004).
Concordamos com Barreto (2008) quando afirma que o sofrimento,
apesar de passar pelo corpo, não é uma dor que esteja presente só no corpo.
É importante enfatizar que esta dor existe em pessoas que vivem um drama,
uma dificuldade e necessitam de apoio e suporte psicossocial. Na roda de TCI,
141
na medida em que as pessoas expõem seus sofrimentos e desabafam sobre o
que fizeram para superá-los, procura-se enfatizar as estratégias utilizadas por
cada pessoa. Percebe-se que onde existiu um sofrimento se construiu um
conhecimento que possibilitou sua superação. Vale salientar que as pessoas
e grupos sociais têm mecanismos peculiares para superar as adversidades dos
diversos contextos. É o que podemos observar no relato da colaboradora
Francisca a seguir:
142
possibilitou identificar o impacto dos benefícios da formação em TCI nas
colaboradoras, é o que podemos ver nos depoimentos a seguir:
[...] Cada terapia que fazia, eu me descobria, me via no outro, isso foi
importante, me valorizava muito. Aprendi na terapia a voltar para
mim, ver quem é mesmo Rosalice (Rosalice).
143
aprendizado é mantido com a possibilidade de encontrar outros sentidos para
a vida, como revela os depoimentos seguintes:
144
Esses depoimentos nos ajudam a perceber como a formação em TCI
contribuiu para despertar a capacidade de resiliência e de Recherche na vida
dessas mulheres. Podemos defini-la além do que um esforço para recuperação
da memória do passado já definitivamente perdido, ou uma especulação sobre
o tempo, mas sim, uma busca da verdade, um aprendizado que leva a revelar
diversos tipos de signos, até chegar aos signos mais puros e essenciais da arte,
demonstrando a verdade no mundo (BARRENECHEA, 2004).
Segundo Barreto (2008), a pedagogia de Paulo Freire nos faz refletir que
quando ensinamos também aprendemos, tornando possível a comunicação
entre o saber popular e o saber cientifico. Ao estimularmos a participação
como pesa fundamental para dinamizar as relações sociais, sustenta-se a idéia
de que promovendo a conscientização do grupo por meio do diálogo e da
reflexão sobre ser sujeito de sua própria transformação, os trabalhadores de
saúde podem utilizar a formação de TCI para crescer coletivamente.
Para Deleuze (1987) nós só buscamos a verdade quando estamos
motivados a fazê-la em função de uma situação concreta, quando sofremos
uma espécie de motivação que nos leva a essa busca.
De acordo com Barreto (2008), é a diversidade cultural brasileira que
proporciona a grandeza desse país. Possibilitar a cada pessoa agregar novos
valores é profundo e inefável no processo de empoderamento e na construção
da cidadania.
Segundo Deleuze (2002), os afetos são circulantes em todo encontro,
assim sendo, a TCI como um encontro onde os afetos falam por si, na sua
capacidade de afetamento mútuo dos sujeitos em cena, produz no outro e em
nós um processo intenso de subjetivação.
Barreto (2008) afirma que o segredo da abordagem sistêmica está no
estabelecimento de relações e afetos. Não existe sentido nem significado isolado,
nem a união dos elementos é feita ao acaso. A TCI acostada no pensamento
sistêmico rompe com o modelo de cuidado verticalizado e propõe um modelo
de maneira horizontal no qual tudo e todos estão implicados, ampliando a
dimensão cuidadora na perspectiva de um cuidado integral, como indicam os
depoimentos a seguir:
145
[...] A terapia me trouxe outras estradas onde posso enxergar meu ser,
outras linguagens, outros movimentos
146
Desenvolver a auto-estima é desenvolver a convicção de que somos capazes de
viver e somos merecedores da felicidade.
Tal entendimento influência as nossas escolhas e as nossas decisões e
determina o tipo de vida que construímos para nós (BRANDEN, 1995). As
colaboradoras abaixo atestam essa afirmação em seus depoimentos:
[...] Eu estou tocando a vida a cada dia, sou uma aprendiz de mim
mesma, estou me observando, me olhando mais, aprendendo a me
agradar primeiro [...] (Elane).
147
que pudesse começar a entender certas coisas dentro de mim, eu não
sabia trabalhar (Francisca).
148
Terapia Comunitária Integrativa: revelando mudanças de
práticas na produção do cuidado.
149
queixa. Acho que ele está em busca de algo e mediante isso, fala da
doença dele [...] (Mônica).
150
reduz quase na sua totalidade à consulta médica. A individualidade da pessoa
e sua dimensão social não são tomadas como objetos do trabalho médico
(ALMEIDA e ROCHA, 1997).
É preciso investimentos em ferramentas de tecnologia leve como a
TCI na atenção em saúde que toma como referência o conceito de cuidado
integral e que responda por uma concepção de saúde não centrada somente no
tratamento das doenças, mas na inclusão de pessoas em sistemas de produção
do cuidado à saúde e de participação na afirmação da vida.
Os trabalhadores da ESF são quem primeiro recebem e entram em
contato com os problemas da população. A TCI, e suas ações complementares,
incentiva a co-responsabilidade na busca de novas alternativas existenciais e
promove mudanças fundamentadas em três atitudes básicas: acolhimento
respeitoso, formação de vínculos e empoderamento das pessoas. A TCI atua
na formação de ACS e demais profissionais de saúde para uma escuta do
sofrimento e das inquietações dos indivíduos, criando um ambiente de troca
destas experiências entre os pares, é o que nos revelam os depoimentos a seguir:
151
entendendo, quando conseguem superar suas dificuldades. O encontro de
TCI poderá ser um espaço que possibilita uma mudança que acontece no jeito
de ver e conduzir a vida dos participantes.
Boff (2008) nos fala que o cuidado é mais do que um ato singular
ou uma virtude, é o modo de ser das pessoas no mundo, ou melhor, “é um
modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas
as coisas”.
Nesse sentido, a ESF aproxima-se dos pressupostos do SUS,
possibilitando a entrada de novos cenários, sujeitos e linguagens no âmbito
da atenção à saúde. Observamos esse fato através da ênfase dada aos aspectos
da promoção da saúde, vulnerabilidade social e os elementos contextuais,
político e organizacionais do modelo assistencial, demonstrando a necessidade
de interação entre diferentes campos de conhecimento, que incorpora novos
objetos e tecnologias (AYRES et al., 2005). A colaboradora revela mudanças
no ato de cuidar, como indicam os seguintes depoimentos:
[...] Passava no bairro São José e sempre me perguntava, por que esse
povo vive na rua direto? Depois estudando, vendo a condição social,
percebi que as casas são muito pequenas, então há um revezamento,
umas pessoas dormem de dia, outras à noite. Nem sempre pessoas
estarem na rua é vagabundagem! Depois é que vão caindo as fichas,
quando a gente começa a olhar de outra maneira.
153
leve, alegre, e ampliada no sentido de estender a atenção além da metragem
limitada de um consultório (UCHÔA, 2009).
Nos depoimentos que seguem, é possível visualizar o sentimento de
empatia, pertencimento e de compartilhamento de experiências em prol de um
novo modo de cuidar, o cuidado integral e humanizado, é o que percebemos
na fala da colaboradora a seguir:
154
[...] Uma das coisas que aconteceu comigo depois que passei pela
formação em Terapia Comunitária foi o seguinte, uma pessoa lá do
bairro em que trabalho, chegou para mim e disse: Marizete, eu tenho
AIDS [...] e nós nos abraçamos. Ela chorava comigo [...] Ela era garota
de programa e disse que não sabia que estava contaminada. Tive
essa atitude por ter mudado meu olhar após a formação em Terapia
Comunitária (Marizete).
Barreto (2008) afirma que o vínculo é tudo aquilo que liga os indivíduos
entre si, e os mesmos às suas crenças, aos seus valores e a sua cultura, conferindo-
lhes identidade e sentimento de pertencimento.
Para os trabalhadores da ESF esta ferramenta tem contribuído e
facilitado no estreitamento de vínculos com os usuários, como também
entre os próprios trabalhadores das equipes. Vem contribuindo ainda, com
o desenvolvimento da habilidade em lidar com o subjetivo de cada usuário,
podendo oferecer um cuidado integral e mais humanizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
155
do outro. Entendemos que tem um valor, com um aditivo da auto-estima,
acreditando no seu potencial de transformação, em nível individual e
comunitário. Esse processo de transformação conseguiu fortalecer vínculos,
tornando-as mais saudáveis, com a família, o lazer, a espiritualidade e no
trabalho, levando-as a construir novas conexões a partir dos encontros de
TCI, como o vínculo de amizade, comunitário e social.
Nesse contexto, é pertinente salientar que a TCI é um encontro potente,
porque nesse espaço o (a) trabalhador (a) não está seguindo um procedimento
técnico, uma consulta, um acompanhamento. É um espaço de transformação,
percebendo que o errado não é a consulta, o procedimento, mas a relação com
o indivíduo. Na roda de TCI todos são iguais, o trabalhador se vê como ser
humano, todos sentem dor e sofrimentos, desejos, vontades, choram, e tudo
isso contribui para o processo de trabalho e para não se comportarem como
máquinas.
A TCI, apresenta-se ao cenário nacional, com características de tecnologia
leve. Ferramenta de cuidado que acredita na capacidade de fortalecimento dos
vínculos, estabelecendo relações harmônicas que potencializa a capacidade
resiliente das pessoas, na proposta de contribuir com a melhoria das relações
no processo de trabalho das ESF.
Podemos afirmar que esta pesquisa permitiu-nos conhecer também a
roda de TCI como método de produção de material empírico de maneira
satisfatória. Constatamos que a roda de TCI Temática permitiu a construção
do material empírico esperado, possibilitando às colaboradoras um espaço
propício e harmonioso, capaz de resgatar as experiências vivenciadas e
essenciais para o estudo.
É importante ressaltar que esse método deve ser sempre conduzido por
uma equipe de terapeutas comunitários, mesmo que esse não seja o responsável
pela pesquisa, mas poderá ser convidado para contribuir nesse momento da
construção do material empírico, por ser necessária uma formação específica
para poder desenvolver e contribuir com a realização das rodas de TCI.
A TCI é uma prática competente e criativa que precisa ser efetivada na
ESF - SUS, contribuindo com o cuidado integral e humanizado, sendo capaz
de intervir no modo de ver e conduzir a vida de maneira positiva.
156
REFERÊNCIAS
ALVES, R. Amor que acende a lua. Ed. Papirus. 4ª Edição. Rio de Janeiro – RJ. 1999.
BOM MEIHY, J. C. S. HOLANDA, F., Historia Oral: Como fazer, como pesar. São
Paulo, Contexto, 2007.
BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis (RJ):
Vozes; 2008.
BRANDEN, N. Auto-estima: como aprender a gostar de si mesmo. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995.
CECCIM, R. B. Linha do Cuidado. Texto para fins didáticos, elaborado para a da Unida-
de de Produção Pedagógica (UPP), integrante do Curso de Especialização e Residência
Integrada em Saúde Coletiva, do Centro de Educação Permanente em Saúde (Ceps), da
Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju (SMS/Aju). Aula dos dias 11 e 12/11/2005.
157
DELEUZE, G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo/SP: Escuta, 2002.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? 2 ED. Rio de Janeiro/ RJ. Editora
34 Ltda. 1997.
DELEUZE, G.; Proust e os signos. Trad. de Antonio Carlos Piquet e Roberto Machado.
Rio de Janeiro/ RJ. Forense – Universitária, 1987.
158
RODAS DE TERAPIA COMUNITÁRIA: ESPAÇOS DE
MUDANÇAS PARA PROFISSIONAIS DA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA* . *
7
Fernanda Lúcia de Sousa Leite Morais
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha
INTRODUÇÃO
159
de reorientação de todo o SUS conforme idealizado por seus formuladores.
Contudo um dos grandes obstáculos vem sendo a fragmentação do processo
de trabalho da equipe formada por profissionais, como: médico, enfermeiro,
técnicos em enfermagem, agentes comunitários e outros, entretanto, cada qual
realizando seu trabalho separadamente, sem a cooperação direta (MEHRY,
2003; SOUSA, 2003).
Dessa maneira, a organização do processo de trabalho dos profissionais
da atenção básica permanece distanciada do mundo das necessidades dos
usuários, sendo frequentes as discussões sobre esta fragilidade, conforme
referida por Campos (2003), ao entender que apenas alterando o modo como
os trabalhadores de saúde se relacionam com os usuários, será possível cumprir
os preceitos constitucionais que garantem o direito efetivo à saúde de todos
os brasileiros.
De acordo com Cecílio (2001), é possível trabalhar a integralidade
da atenção no espaço de um serviço de saúde como sendo fruto do esforço e
confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional, prevalecendo
sempre o compromisso e a preocupação de se fazer a melhor escuta possível
das necessidades de saúde trazidas por aquela pessoa que busca o serviço
apresentando alguma demanda específica. Esse autor afirma que:
161
atenção básica e dos princípios fundamentais do SUS. Nesse sentido, essa
política deve ser entendida como mais um passo no processo de implantação
do SUS, e é justamente como uma Prática Complementar que a Terapia
Comunitária se insere no SUS, através da PNIPIC (ANDRADE et al., 2009).
A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi desenvolvida pelo Prof.
Dr. Adalberto de Paula Barreto, docente do Departamento de Medicina
Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), que vem trabalhando com
essa temática desde 1987. O professor é reconhecido internacionalmente por
ser o criador e divulgador da técnica presente nos 27 Estados brasileiros com
de 36 pólos formadores distribuídos no País (BRASIL, 2008).
A TCI apresenta como características básicas a discussão e a realização
de um trabalho de saúde mental preventiva de base comunitária. Enfatiza o
trabalho de grupo como instrumento de agregação social, e, a partir dessa
dinâmica propõe a criação gradual da consciência social para que os indivíduos
descubram as potencialidades terapêuticas transformadoras adquiridas a partir
do sofrimento humano (BARRETO, 2008).
No município de João Pessoa-PB, a Terapia Comunitária vem sendo
utilizada de modo pioneiro desde agosto de 2004, a partir do Projeto de
Extensão realizado no bairro de Mangabeira coordenado por docentes
do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e do Departamento de
Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB).
A Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa-PB, reconhecendo que
a Terapia Comunitária tem potência para configurar-se enquanto dispositivo
de cuidado em saúde mental na atenção básica, promoveu, em 2007, um
curso de formação para sessenta e três trabalhadores envolvendo as diversas
ocupações de saúde da rede de atenção básica, dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS), e representantes da gestão.
Diante da oportunidade de participar da formação em TCI, desenvolvi
meu interesse por esse tema construído a partir de minha experiência como
gestora exercendo a função de Diretora do Distrito Sanitário II, do município
de João Pessoa-PB, no período de janeiro de 2007 a fevereiro de 2009. Essa
162
experiência despertou-me o desejo de tentar compreender as dificuldades
pelas quais passavam as equipes da ESF. Considero como dificuldades aquelas
decorrentes dos desafios e conflitos em transformar sua prática e desenvolver
um trabalho envolvendo os diversos profissionais, criando reais possibilidades
de mudanças das condições vigentes de trabalho, garantindo o princípio da
integralidade na atenção à saúde das pessoas e da comunidade.
Reconhecendo que a TCI caracteriza-se por ser um espaço de palavra,
escuta e construção de vínculos, e que esta poderia se constituir numa
ferramenta capaz de facilitar a promoção de ações transformadoras na vida
das pessoas, iniciei, durante o ano de 2008, um trabalho de condução de
rodas de Terapia Comunitária com as ESF´s que apresentavam dificuldades
de organização do processo de trabalho, a partir da identificação da equipe
técnica distrital. A partir dessa experiência, vivenciada semanalmente, percebi,
através dos relatos dos participantes, que alguma mudança ocorria com aqueles
profissionais.
O fato de ter ingressado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
e na mesma ocasião estar cursando a formação em TCI, permitiu uma maior
aproximação teórica e, a partir daí, elaborei as seguintes questões norteadoras
deste estudo: será que a participação dos profissionais da ESF nas rodas de
Terapia Comunitária foi capaz de provocar mudanças no processo de trabalho
dos profissionais da ESF? Em caso afirmativo, como os profissionais da
ESF identificam essas mudanças? Quais são as mudanças consideradas mais
significativas?
O estudo tem relevância uma vez que os resultados poderão
contribuir para a produção do conhecimento sobre as experiências que vêm se
realizando com esta ferramenta de cuidado na Atenção Básica na perspectiva
da construção de redes de apoio social em consonância com os princípios do
SUS.
Assim, esta pesquisa teve como objetivo principal compreender as
mudanças ocorridas na dimensão pessoal e profissional dos trabalhadores da
Estratégia Saúde da Família com a vivência nas rodas de Terapia Comunitária.
163
MÉTODO
Este é um estudo compreensivo, que parte do seguinte pressuposto:
164
de Vida e da Tradição Oral. Detalhes da história pessoal do narrador apenas
interessam na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática
central. Ela não só admite o uso de um roteiro de entrevista semi-estruturada
com perguntas norteadoras, as chamadas perguntas de corte, como é fonte
fundamental para aquisição dos detalhes procurados.
A pesquisa foi realizada no âmbito do Distrito Sanitário II, localizado
na região centro-oeste de João Pessoa-PB, tendo em sua área de abrangência
os bairros do Cristo, Rangel, Geisel, Grotão, João Paulo II, Funcionários II,
III e IV, Colinas do Sul, Gramame, Loteamento Gervásio Maia e os Sítios
Engenho Velho e Cuiá (JOÃO PESSOA, 2008).
O Distrito Sanitário II possui uma rede de serviços municipais de saúde
com 38 Equipes de Saúde da Família e um Centro de Atenção Integral à
Saúde - CAIS.
Em relação às características demográficas, o Distrito II tem uma
população estimada em 128.830 habitantes, sendo, de acordo com os dados do
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), 20.846 famílias cadastradas
na atenção básica, perfazendo um total de 119.562 pessoas. Destas, 46,55%
são do sexo masculino e 53,45% são do sexo feminino.
Na área da Educação, 96,8% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola
e 91,06% das pessoas na faixa etária a partir de 15 anos são alfabetizadas
(JOÃO PESSOA, 2008).
A seleção dos colaboradores ocorreu a partir da formação de uma
colônia, definida por Bom Meihy (2007) como algo que se liga exclusivamente
ao fundamento da identidade cultural do grupo. Assim, colônia refere-se ao
grupo amplo, do qual a rede é a espécie ou parte menor, ou seja, a rede é uma
subdivisão da colônia e visa a elaborar os critérios de inclusão/participação do
referido estudo.
Nesta pesquisa, a colônia foi composta por profissionais da Estratégia
Saúde da Família que estão participando ou participaram das rodas de Terapia
Comunitária a partir de fevereiro de 2007 e a rede, por sua vez, foi formada
por 08 profissionais da Estratégia Saúde da Família participantes das rodas
de Terapia Comunitária, assim distribuídos: 04 Agentes Comunitários de
Saúde, 01 Recepcionista, 01 Dentista, 01 Enfermeira e 01 Médico que se
encontram atuando em sete USF’s do Distrito Sanitário II. Foram incluídos
165
como critérios os profissionais que não são terapeutas, que participaram no
mínimo de quatro rodas de Terapia Comunitária e que aceitaram o convite
para participar do estudo.
Para garantir o anonimato dos colaboradores no estudo, seus nomes
foram substituídos por fenômenos da natureza de acordo com discussão e
combinação realizada no momento da conferência do material que contou
com a concordância de todos em aceitar a substituição do seu nome por um
fenômeno da natureza de acordo com o Feng Shui e sua localização no BA-
guá.
Feng Shui é uma ciência antiga chinesa praticada há mais de 4000
anos, que estuda o meio ambiente e as relações entre este e o ser humano,
harmonizando-os. Esta arte milenar baseia-se na idéia de que a energia
Chi está em todas as coisas do mundo físico, dando vida aos elementos da
natureza em suas diferentes variações: cor, odor, sabor e forma. Esta energia
chi é levada pelas correntes de Feng (vento) e Shui (água), está em todos os
espaços e tem personalidade própria (SPALTER, H; STREICHER, 2000).
Para os chineses, quando o espaço onde a pessoa mora ou trabalha é
arrumado com harmonia, equilíbrio, bom senso, criatividade e intuição, a
vida pode ser mais equilibrada e harmoniosa, proporcionando boa saúde,
prosperidade, sucesso, amor, bons relacionamentos e espiritualidade. Na
antiga China, foi descoberto que o mundo podia ser dividido em cinco tipos
de energia (elementos) e a eles deram nomes da natureza: fogo, terra, metal,
água e madeira. Estes elementos se movem para dentro e para fora, ascendem,
descendem e giram (SPALTER, H; STREICHER, 2000).
O “BA-guá” é uma espécie de mapa com formato octogonal usado
pelo Feng Shui aplicado ao espaço onde a pessoa mora ou trabalha para
identificar cada um dos cantos (os guás). Os cantos simbolizam as áreas da
vida: a carreira, os amigos, a criatividade, o relacionamento, o sucesso, a
prosperidade, a família, a sabedoria e a saúde (SPALTER, H; STREICHER,
2000).
Cada canto do “BA-guá” está associado a um fenômeno da natureza,
por ordem sequencial: 1-montanha, 2- água, 3-céu, 4-lago, 5-terra, 6-fogo,
166
7-vento e 8-trovão, de acordo com Spalter e Streicher (2000). Desta maneira,
foram distribuídos, respectivamente, os colaboradores de acordo com a
sequência das entrevistas.
A produção do material empírico foi realizada a partir da gravação de
entrevistas semi-estruturadas e anotações utilizando o caderno de campo da
mestranda. Segundo Bom Meihy (2007), no caderno de campo registram-se
as observações referentes ao andamento do projeto, das entrevistas específicas
e as impressões do pesquisador feitas ao longo do processo, tornando-se um
referencial para a finalização do trabalho.
Após a definição da rede, seguiu-se a realização das entrevistas, que se
desenvolveram mediante as seguintes etapas: pré-entrevista, entrevista e pós-
entrevista. Essas etapas ocorreram no período de setembro a dezembro de
2009, no qual foi considerada a entrevista “ponto zero”, a de Montanha, pois
esta constitui um referencial de mudanças significativas, tanto na dimensão
pessoal quanto profissional da colaboradora e se transformou em um guia
que orientou o andamento das demais.
A pré-entrevista correspondeu ao primeiro contato estabelecido com
os colaboradores (as), para que tomassem conhecimento do estudo, objetivos
e o tipo de técnica utilizada para a construção do material empírico de acordo
com Bom Meihy (2007).
A entrevista propriamente dita foi realizada conforme horário e local
sugerido pelos colaboradores (as), proporcionado um ambiente tranquilo e
acolhedor para que eles pudessem revelar suas histórias que foram gravadas
para posterior seguimento e arquivo sob guarda da mestranda e instituição.
Para Bom Meihy (2007), a entrevista necessita serem guiadas
por perguntas de corte, definidas como questões que perpassam todas
as entrevistas e que devem relacionar-se com a comunidade de destino,
marcando a identidade do grupo analisado. Com a concordância dos
colaboradores em participar do trabalho, as perguntas de corte que guiaram
as entrevistas foram: Houve alguma mudança na sua vida pessoal a partir
da participação nas rodas de Terapia Comunitária? Qual (is) mudança (s)
ocorreu (ram) em seu processo de trabalho a partir da participação nas rodas
167
de Terapia Comunitária? Qual (is) a (s) mudança (s) que você considera como
a (s) mais significativa (s)?
Após a entrevista, o material gravado submeteu-se às três fases, conforme
preconizado por Bom Meihy (2007):
Transcrição - nesse momento foi transcrito o material na íntegra, com
todos os detalhes contidos na entrevista;
Textualização - as perguntas de corte foram suprimidas e o texto passou
a ter um caráter narrativo. Foi nesta ocasião que se iniciou a identificação do
tom vital da entrevista, ou seja, o tema que tem maior força expressiva dentro
do relato do colaborador;
Transcriação - nesta fase ocorreu a interferência da mestranda no
texto, na perspectiva de transcriar o material textualizado, produzindo o texto
final, para ser levado aos colaboradores para conferência. Nesse momento
definiu-se o tom vital, mediante a realização de várias leituras do material.
Prosseguindo, houve a pós-entrevista, sendo feito os agradecimentos a
cada colaborador (a), comunicado o andamento do trabalho, explicado como
se deu o processo de construção do texto e agendados os encontros para a
realização da conferência do mesmo.
Conforme recomendação da Portaria 196/1996, do Conselho Nacional
de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, este estudo
foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário
Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba, para análise, onde foi
avaliado e aprovado em reunião no dia 25/08/2009, sob número de protocolo
153/2009. Cada colaborador (a) assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido bem como a Carta de Cessão (BOM MEIHY, 2007).
A análise do material empírico foi realizada a partir da identificação
dos tons vitais das entrevistas, os quais orientaram a construção dos eixos
temáticos com base nos objetivos propostos na pesquisa, e foi guiada por um
processo de discussão por meio de um diálogo com a literatura pertinente.
Assim, os fragmentos das narrativas são significativos para uma melhor
compreensão de suas experiências a partir das quais foram construídos dois
eixos temáticos: Terapia Comunitária como espaço revelador de aprendizados
e As rodas de Terapia Comunitária e a (re) significação das práticas profissionais.
168
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Revelando a história das colaboradoras e o tom vital de
suas narrativas
169
servidos gentilmente por ela que ficou à vontade para falar sobre os efeitos
da Terapia Comunitária em sua vida e no seu trabalho conforme a narrativa
registrada.
Tom vital: “Aprendi a ouvir, a respeitar, a cuidar das pessoas como
um todo [...] Da mente e da alma também [...] que é o mais importante”.
Céu: simboliza o poder das forças celestiais de onde vêm todas as coisas.
Tem as qualidades de poder, sincronismo, inspiração e confidência. Quando
nos alinhamos com bons princípios, eles acontecem. Marcas de benevolência
são deixadas no caminho de nossas vidas, ajudando-nos a realizar nosso
destino quando pessoas e lugares nos dão a inspiração e guia-nos. O céu é
o princípio da criatividade que funciona através das mudanças, certificando
a ordem apropriada de todas as coisas: o sol brilha, a chuva cai e o homem
progride. A colaboradora aqui representada é uma mulher alegre e dinâmica,
com 39 anos, Enfermeira, casada e mãe de um filho pré-adolescente. Revelou
muita disponibilidade e contentamento ao ser convidada para participar dessa
pesquisa e veio ao encontro num final de tarde após sua jornada diária de oito
horas de trabalho, mas com muita energia e contou-me detalhadamente a sua
história.
Tom vital: “A Terapia Comunitária me ajudou a aceitar a perda e
hoje consigo escutar falar de morte e meu coração já não tem aquele medo
que sentia antes”.
Lago: simboliza uma vasta extensão de águas calmas, que representam o
júbilo da felicidade. Está associado com as qualidades de prazer, generosidade
e encorajamento. Estimulando positivamente as outras pessoas, trazemos
prazer e sucesso para nós próprios. Esta é a idéia central deste ensinamento.
Precisamos dar para receber, é a lei da vida. A generosidade é uma característica
desta colaboradora, mulher jovem, atenciosa e determinada. Tem 29 anos, é
casada e tem duas filhas. Trabalha exercendo a profissão de Recepcionista
em uma Unidade de Saúde da Família que funciona com quatro Equipes e
reside no mesmo Bairro desde que nasceu. Nossa conversa ocorreu no final
de um dia de trabalho numa das salas do Hospital Municipal Valentina,
por generosidade sua ao combinar a agenda de entrevista para meu local de
170
trabalho. Foi com tranquilidade e sem medo de se expressar que me fez ouvir
seu relato.
Tom vital: “Tentar ouvir o próximo e ter um olhar voltado
para o ser humano como um todo [...] onde estiver, terei esse olhar...”.
Terra: simboliza as forças terrestres. Está associada à adaptabilidade,
devoção e apoio condicional, qualidades que encontramos no amor verdadeiro
e nos casamentos felizes. Estas características sintetizam este colaborador
tranquilo e perseverante, 66 anos, Médico, casado, muito dedicado à família
e que demonstrava nas rodas de Terapia Comunitária, através dos relatos, sua
relação toda especial com o neto. É católico praticante e participa de uma
congregação da Igreja e cultiva amizades duradouras deixando fortes vínculos
por onde passa, testemunhado através de uma homenagem que recebeu, no
Natal do ano de 2008, dos integrantes da Equipe da Saúde da Família de que
fez parte anteriormente. Mostrou-se muito disponível para participar desse
estudo e escolheu como local para a entrevista, a Unidade de Saúde da Família
da qual é Médico da equipe, e com muita leveza e objetividade revelou sua
experiência com as rodas de Terapia Comunitária.
Tom vital: “Fiquei mais tranquilo, mais paciente, ouvindo mais os
usuários e também toda a equipe”.
Fogo: simboliza uma chama brilhante que sobe como duas tochas, que
iluminam e refinam o mundo. Em sua volta surgem relações amistosas quando
cultiva boa reputação, favorecendo maiores chances para um futuro tranquilo e
seguro. Esta chama parece iluminar este colaborador que nas rodas de Terapia
Comunitária sempre apresentou muita disponibilidade para participar e
sempre irradia muita luz com sua presença. Homem jovem, muito atencioso,
tem 29 anos, é graduado em Odontologia e cursa Pós-Graduação em Saúde
da Família, participante ativo das rodas de Terapia Comunitária, muito
disponível para colaborar, tanto com depoimentos, quanto com rituais de
agregação. Ao ser convidado para participar desse estudo, mostrou-se muito
disponível e sugeriu nossa conversa na sede do Distrito Sanitário II, o que
ocorreu num final de expediente tranqüilo, pela manhã depois de ter atendido
os usuários, e contou a sua história.
Tom vital: “Aprendi a valorizar a escuta e ouvir o que o outro deseja
e sente”.
Vento: simboliza suavidade. Adota qualidades de paciência, confiança
e equilíbrio, construindo uma sólida base financeira. Recompensa e felicidade
171
vêm como prêmio de ter amigos, família e boa saúde. Viver de acordo com
esse princípio significa cuidar das pessoas, dos lugares e das coisas que nos
proporcionam abundância e prosperidade em nossas vidas. O colaborador
representado por este elemento parece associar estas características e vem a
cada dia mostrando na prática sua evolução como pessoa e como profissional
de saúde. Tem 37 anos, é casado e tem uma filha a quem se refere sempre
com muita dedicação. Trabalha exercendo a profissão de Agente Comunitário
de Saúde com muito empenho e ficou satisfeito ao receber o convite para
colaborar nesta pesquisa, agendando nossa conversa para ser realizada na
Unidade de Saúde da Família onde trabalha, o que aconteceu em clima de
muita confiança e espontaneidade durante toda sua narrativa.
Tom vital: “Eu aprendi a ter mais paciência e ouvir primeiro, para
depois falar o que eu penso [...]”.
Trovão: simboliza movimento e poder, manifesta necessidade de
cultivar a saúde física, enfatizando a importância da paciência com relação
ao amor com a família para que atue como suporte nas fases difíceis da vida.
Bem estruturado, favorece a expansão, crescimento e felicidade na vida. Assim
esse colaborador parece adotar a natureza e trazê-la para junto dele e da sua
família. Tem 66 anos, reside na companhia da esposa e de uma filha do casal
em um condomínio próximo à Unidade de Saúde da Família da qual é Agente
Comunitário de Saúde. Muito estudioso de várias áreas, mas é na Fitoterapia
que tem demonstrado especial identificação, inclusive desfruta de belos
exemplares de fármacos vivos no jardim e no quintal de sua casa em perfeita
harmonia com outras plantas ornamentais e frutíferas cuidadosamente
plantadas. Nossa conversa aconteceu no terraço desta agradável residência
regada por um lanche que ele mesmo preparou junto com um delicioso café
para acompanhar sua entrevista.
Tom vital: “Sinto-me mais humano e percebo que houve uma
aproximação da equipe com a comunidade”...
172
suas histórias de vida e reconstruir uma nova identidade, sem abrir solução
de continuidade em sua história. As rodas de Terapia Comunitária criam um
espaço de palavra para os participantes, sendo terapêutica para quem fala e
para quem ouve, no sentido de proporcionar o aprendizado com a partilha de
experiências. Sobre esse aspecto, este estudo revela que houve mudanças na
vida pessoal dos colaboradores, conforme se exemplifica nos relatos a seguir:
[...] aprendi uma nova maneira de olhar quem está do meu lado,
uma maneira de agir e foi através das rodas de Terapia Comunitária,
ouvindo, porque nas Terapias ninguém dá conselho a ninguém, mas
troca experiência... Eu levei isso para casa... (Vento).
173
partilha de sofrimentos no qual expressar-se sem medo de ser julgado, dando
visibilidade à dor, possibilita re-significar esses sofrimentos e transformá-los
em histórias de superação, tornando-se um ser resiliente.
A Terapia Comunitária é um espaço de promoção de encontros
interpessoais e intercomunitários que objetiva a valorização das histórias de
vida dos participantes, o resgate da identidade, a restauração da autoestima e
da confiança em si, a ampliação da percepção dos problemas e possibilidades
de encontrar opções para a resolução das situações em decorrência do processo
de aprendizagem vivenciado (BARRETO, 2008).
Segundo Leal (2007), para que se possa acreditar em mudanças
é preciso ter sensibilidade e compreender que, em cada questão, há uma
conduta que leva à reflexão, ao pensar que impulsiona a busca de referenciais
teóricos e práticos, promovendo assim, o diálogo existencial genuíno e
participativo. Daí surge um momento mágico que ocorre na alquimia do
encontro, da transformação, tendo como elemento básico a escuta, porque
toda e qualquer escuta requer um esvaziamento do ser, de valores, de sentidos
para, então, se desenvolver uma relação de amorosidade consigo mesmo e
com o outro. Neste trabalho, as falas abaixo exemplificam essa afirmação:
174
as estratégias utilizadas por cada indivíduo. Descobre-se que onde houve um
sofrimento se construiu um conhecimento que permitiu sua superação. Não
se pode negar que os indivíduos e grupos sociais dispõem de mecanismos
próprios para superar as adversidades contextuais. A socialização desse saber
gera um movimento dinâmico entre a leitura vertical de si mesmo e a leitura
horizontal com o outro. Ao ouvir a experiência do outro, cada um se reporta à
sua própria, permitindo-lhe fazer descobertas, tomar consciência e descobrir
que cada pessoa tem sua trajetória e produz seu saber. Nesse sentido, as falas
abaixo evidenciam esse pensamento:
175
a perda [...] Hoje eu escuto falar de perda, de morte e meu coração já
não tem aquele medo que sentia antes [...] (Céu).
176
(física, mental, emocional, espiritual e social), nos aspectos pessoais e sociais
(BARRETO, 2008).
Nas narrativas dos colaboradores fica clara a contribuição das rodas de
Terapia Comunitária, exemplificando mudanças significativas na relação com
o outro conforme evidenciado nas falas seguintes:
Aprendi a ter mais paciência e ouvir primeiro, para depois falar o que
penso [...] Digo que a paciência é de fundamental importância para
mim porque estou tendo mais paciência com as pessoas que convivem
comigo dentro da minha casa (Vento).
177
a partir do conhecimento das histórias de vida e da troca de experiências
entre os participantes no sentido de apontar para a construção de vínculos
saudáveis.
A partir da participação nas rodas de Terapia Comunitária, o olhar
dos colaboradores desse estudo foi ampliado no sentido de valorização do
indivíduo e do resgate da autonomia, pois, como afirma Barreto (2008), cada
pessoa tem uma experiência de vida e deve ser suscitada a ser co-responsável
diante do sofrimento do outro. Não como um “salvador da pátria”, dando
conselhos e fazendo exortações, mas partilhando sua dor, suas dificuldades,
suas descobertas, de forma simples, abrindo seu coração, sendo solidário aos
apelos dos outros. Assim, as falas abaixo evidenciam que a Terapia Comunitária
é capaz de transformar as práticas dos profissionais participantes das rodas de
Terapia Comunitária como mostra as narrativas que seguem:
Barreto (2008) diz que esse jeito de trabalho permite que se avance
do modelo centrado na patologia ao modelo da promoção da saúde, das redes
de solidariedade e da inclusão social. Partindo desses princípios, as situações-
178
problemas escolhidas pelos participantes nas rodas para serem trabalhadas
favorecem o crescimento do indivíduo e das pessoas mais próximas a
ele, no sentido de nutrir o crescimento da autonomia, consciência e co-
responsabilidade.
Em sua pesquisa, Rocha (2009) verificou que a participação dos
profissionais de saúde no processo de formação de Terapeuta Comunitário
proporcionou um maior contato entre estes (Terapeutas Comunitários) e a
comunidade já que lhes garantiu um espaço de fala e de escuta. Nesta pesquisa,
os colaboradores revelam práticas acolhedoras com os usuários depois das
rodas de Terapia Comunitária, como exemplificam as seguintes falas:
179
componentes de equipe e com os usuários conforme se observa nas falas
seguintes:
180
Tendo em vista as experiências vivenciadas pelos colaboradores dessa
pesquisa a partir das rodas de Terapia Comunitária, um novo olhar, outro
jeito de agir, uma nova maneira de exercer a profissão, de voltar-se para o
outro, revela-se como mudança de práticas, conforme demonstrado nas falas
seguintes:
Aprendi nas rodas de Terapia Comunitária que a gente tem que cuidar
da alma, e, creio que só em parar, ouvir e desabafar é significativo, pois
quando a pessoa tem problema, às vezes o que mais quer é que outra
pessoa pare e escute [...] (Água).
181
bem atendida como também responsabilidade e compromisso da equipe de
saúde quanto à solução dos problemas de saúde das pessoas sob seus cuidados.
O SUS caracteriza-se pela generosidade de suas ações, não foi concessão
de governantes, mas uma conquista dos brasileiros em meio a um intenso
movimento de lutas e mobilização social, então respeitar esse direito é obrigação
de gestores e trabalhadores da saúde e nada justifica um mau atendimento de
um usuário por parte de um serviço de saúde.
As rodas de Terapia Comunitária são um importante espaço de
participação, pois oferecem ao indivíduo a oportunidade de ouvir e ser
ouvido, de refletir e de agir. De acordo com Barreto (2008), é um momento
em que se pode examinar, em profundidade, a vida e as motivações; em que se
pode aprender com as experiências do outro e, assim, encontrar soluções para
os próprios problemas. É preciso ter humildade e consciência para verificar
que o poder não está naqueles que sabem manipular as palavras e as pessoas,
mas nas mãos dos que sabem escutar, dividir, estimular, integrar e que querem
participar.
De acordo com Holanda (2006), a Terapia Comunitária pode ser
recomendada como uma ação de saúde comunitária, para ser incluída na
rede de atenção básica do SUS, podendo ser inserida na agenda das unidades
de saúde, pois proporciona o acolhimento, a mobilização da comunidade, o
fortalecimento de vínculos, a construção de teias de solidariedade e favorece a
comunicação entre o saber popular e o saber científico.
Nesse sentido, as Equipes de Saúde da Família, tendo como tarefa
oferecer uma atenção humanizada, integral e de qualidade, precisam se
dar conta de que esta tarefa só será possível se houver disponibilidade para
produzir um cuidado que vá para além da técnica, da medicalização e dos
procedimentos, incorporando as dimensões subjetivas de trabalhadores e
usuários.
Nesse estudo, houve revelações de que as rodas de Terapia Comunitária
contribuem para essa conquista, assim registradas:
182
realmente é uma pessoa humana, digna, e que o SUS é digno também,
você não consegue que esse usuário tenha certa intimidade com você e
fica só naquela relação técnica profissional/usuário [...] (Céu).
183
Segundo Boff (2008), cuidar é mais que um ato, é uma atitude que
abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa
uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento
afetivo com o outro. Dessa maneira, este estudo registrou a contribuição das
rodas de Terapia Comunitária provocando mudanças de práticas bem como
possibilidades de mudanças de processos de trabalho dos profissionais a partir
dos aprendizados construídos em coletivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo foi inspirado no meu desejo e curiosidade enquanto
profissional de saúde em compreender as mudanças provocadas pela
participação nas rodas de Terapia Comunitária nos profissionais da Estratégia
Saúde da Família envolvendo a dimensão pessoal e profissional, sendo realizado
com a colaboração valiosa de oito colaboradores de diferentes categorias
profissionais existentes na Estratégia Saúde da Família.
É importante registrar que o conhecimento das histórias de vida dos
colaboradores, captado durante as entrevistas e por meio das anotações no
diário de campo, possibilitou à pesquisadora fazer um olhar para sua própria
prática e contribuiu para além de alcançar os objetivos da pesquisa, também
para remeter a mestranda a um reencontro consigo mesma no sentido de
perceber que, ao cuidar do outro, também cuida de si e, assim, como num
movimento de sintonia entre trabalho/cuidado, cada profissional de saúde pode
assumir o lugar de sujeito ativo de sua história e transformar-se enquanto ser
humano trabalhador e cuidador, permitindo-se, inclusive, sentir-se humano e
manter-se humano existindo plenamente.
Nas narrativas, os colaboradores revelaram que a Terapia Comunitária
contribui de maneira significativa para mudanças em suas vidas, e nesse
sentido, a mudança de prática profissional é clara nos depoimentos de todos
os colaboradores, uma vez que, ao refletir sobre aspectos das suas histórias de
vida re-significaram aspectos individual/privado e coletivo/social, passando a
adotar um jeito diferente de cuidar do outro, agindo positivamente dentro de
uma nova ética com a vida e a profissão.
Outro aspecto que merece destaque está relacionado ao processo de
184
reorganização da atenção básica, o que permite desencadear mudanças nos
outros níveis do sistema de saúde. Daí, o potencial instituinte da Terapia
Comunitária em contribuir para as mudanças do processo de trabalho dos
profissionais da Estratégia Saúde da Família dentro de um novo formato de
modelo assistencial.
A oportunidade de realizar este estudo superou a expectativa inicial
e reforça a contribuição da Terapia Comunitária como mais um instrumento
potente a ser recomendado sempre que houver disponibilidade para a criação
e recriação de modos de produzir coletivamente maneiras de defender a vida
individual e coletiva através de uma prática integradora, holística, humanizada,
democrática e gratuita.
Como ferramenta de cuidado para o processo de trabalho dos
profissionais de saúde da ESF, a pesquisa aqui apresentada recomenda que
haja ampliação da formação de terapeutas comunitários na Estratégia Saúde
da Família com possibilidades de ampliação do acesso a esse dispositivo por
parte de mais profissionais, podendo ser utilizada em qualquer tipo de serviço
e por qualquer tipo de grupo, inclusive que seja ampliada em outros serviços
de saúde diferentes da Atenção Básica.
Com isso, poder contar com uma estratégia potente de cuidado é
mobilizador de uma energia renovadora e a Terapia Comunitária pode
significar um caminho instituinte de mudanças na atenção à saúde, nas áreas
de promoção e prevenção, resgatando conceitos fundamentais de vínculo,
humanização, co-responsabilidade e resolutividade que apontam para a
reorientação do modo de operar os serviços de saúde.
A partir desse estudo, faz-se necessária a realização de outras pesquisas
que possam aprofundar a investigação do tema, bem como buscar outras
referências ao estabelecer um novo olhar sobre o processo de trabalho em
saúde e os desafios necessários para a construção de um novo fazer em defesa
da vida e do SUS.
A divulgação dessa experiência contribui para que os profissionais
da área de saúde reconheçam a importância da Terapia Comunitária como
instrumento de mobilização dos recursos pessoais e culturais na construção de
redes sociais solidárias de base comunitária para resolução de conflitos, quer
para os usuários das ESF’s, quer para os profissionais.
185
REFERÊNCIAS
BOFF, L. Saber cuidar, ética do humano – Compaixão pela terra, 15. ed. Petrópolis,
RJ, Vozes, 2008.
BOM MEIHY, J. C. S. HOLANDA, F. História oral: como fazer como pensar. São
Paulo, Contexto, 2007.
186
JOÃO PESSOA – PB. Secretaria Municipal de Saúde. Distrito Sanitário II. Relatório
de Gestão. 2008.
LEAL, A.L. ETD – Educação Temática Digital, v.8, n.2, jun. 2007 – 205 Área Te-
mática: Cidadania & Movimentos Sociais.
SILVA, J. A. A. SUS: Navegar é preciso In: Brasil. Ministério da Saúde. 20 anos CO-
NASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Brasília-DF, 2009.
SPALTER, H; STREICHER, R.: FENG SHUI Prático e Rápido. 8. ed. São Paulo:
MADRAS, 2000.
187
A TERAPIA COMUNITÁRIA E SUAS REPERCUSSÕES
NO PROCESSO DE TRABALHO NA ESTRATÉGIA
SAÚDE DA FAMÍLIA: UM ESTUDO
REPRESENTACIONAL*
8
Maura Vanessa Silva Sobreira
Francisco Arnoldo Nunes de Miranda
INTRODUÇÃO
*Resumo da Dissertação defendida por Fernanda Lúcia de Sousa Leite Morais, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria Djair Dias com a colaboração da Profa. Dra. Maria de Oliveira Ferreira Filha, no Programa de Pós
Graduação Em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, em fevereiro de 2010.
188
saúde não oferece cuidados básicos de orientação à população quanto às
formas de lidar com as crises, com o sofrimento emocional, bem como com
a importância das relações emocionais e sociais na vida de cada pessoa e da
comunidade.
Nesse sentido, em 1994, o Ministério da Saúde concebeu a Estratégia
de Saúde da Família (ESF) como uma promissora proposta de reorganização
das práticas assistenciais, em substituição ao modelo clássico de atenção à
saúde. Dessa forma, entende a pessoa usuária no seu contexto ampliado,
considerando o conceito de família e os aspectos da promoção da saúde.
Tais ações também se estendem para o campo de atenção à saúde mental
(CHIESA, FRACOSI, SOUZA, 2002).
Assim, as formas tradicionais de organizar o trabalho em saúde a
partir da lógica das profissões têm sido insuficientes para garantir o cuidado
humanizado e integral, resultando num pensar e agir fragmentados no
sistema de saúde como um todo (Mattos, 2001). É necessário resgatar
habilidades, potencializar a autonomia, valorizar a dinâmica familiar e
desenvolver o empoderamento das pessoas e das comunidades. Através da
construção de uma teia de relações formada por trocas de experiências, do
conhecimento circular e de recursos sócio-emocionais, podem-se promover
o resgate da cidadania e um cuidado humanizado (HOLANDA, 2006).
A organização dos processos de trabalho surge como a principal
questão a ser enfrentada para a mudança dos serviços de saúde, com ênfase
na Estratégia de Saúde da Família, no sentido de operacionalizá-lo de forma
centrada no usuário e nas suas necessidades. No modelo assistencial vigente,
também entendido como médico hegemônico, o fluxo assistencial de uma
Unidade de Saúde da Família é voltado para a consulta médica. O processo
de trabalho neste modelo carece de uma interação de saberes e práticas,
necessárias para o cuidado integral à saúde. Nele prevalece o uso de tecnologias
duras (as que estão inscritas em máquinas e instrumentos), em detrimento
das tecnologias leve-duras (definidas pelo conhecimento técnico) e leves (as
tecnologias das relações) para o cuidado ao usuário (FRANCO; MERHY,
189
2003). Mudar o modelo assistencial requer uma inversão das tecnologias de
cuidado a serem utilizadas na produção da saúde.
Nessa direção, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) desponta como
uma tecnologia de cuidado, a qual as Equipes de Saúde da Família utilizam no
cotidiano dos serviços e na comunidade para construir redes sociais solidárias,
diminuindo o sofrimento emocional da população advindo de problemas
relacionados com pobreza, migração, abandono, insegurança e baixa estima
(BARRETO, 2008).
Vale destacar que para desconstruir o modelo tecno-assistencial vigente
no imaginário e no agir profissional de muitos trabalhadores- o flexneriano-
na produção do cuidado, ao invés dos procedimentos, dispositivos balizados
pelas tecnologias leves, precisam ser implementados, incorporados e avaliados
no intuito de produzir conhecimento e impacto positivo, consequentemente,
reflexões das posturas e, uma ação exitosa nas mudanças das práticas e saberes,
a exemplo da TCI.
A TCI vem sendo fortalecida enquanto ferramenta capaz de favorecer
o cuidado (na perspectiva de promoção da saúde), a qualquer forma de
sofrimento psíquico e mental, contribuindo para a consolidação do vínculo
entre usuários e equipes de saúde da família. Dessa forma, justifica-se a
realização de um estudo representacional que apreenda as contribuições da
Terapia Comunitária nas mudanças das práticas na Estratégia de Saúde da
Família.
O estudo teve como objetivo identificar as modificações/mudanças nas
práticas no processo de trabalho da Estratégia de Saúde da Família a partir da
implantação da Terapia Comunitária nestes serviços. Dessa forma, busca-se
também contribuir na discussão da utilização de tecnologias leves na produção
do cuidar no campo da saúde e na Enfermagem, com ênfase na TCI.
MÉTODO
A presente pesquisa foi construída na perspectiva moscoviciana através
da abordagem sociocognitiva. Entende-se que esta opção teórico-metodológica
favorece uma reflexão sobre a crítica, sobre o espaço onde o sujeito está inserido
190
conferindo um valor influenciado pelo saber do senso comum e da ciência.
Apóia-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), a qual operacionaliza
um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em
sua diversidade no que diz respeito à pressão à inferência, o engajamento a
dispersão e a propagação da informação. Parte do pressuposto de que existem
diferentes jeitos de conhecer e de se comunicar, orientadas por objetivos
diferentes e define duas delas, vigentes nas nossas sociedades: a consensual e
a científica, cada uma construindo seu próprio universo (ARRUDA, 2002).
A TRS se articula tanto com a vida coletiva de uma sociedade e com
os processos de constituição simbólica, nos quais sujeitos sociais lutam para
dar sentido ao mundo, entendê-lo e encontrar o seu lugar através da sua
identidade social. Dessa forma a TRS pode ser um importante instrumento
de decodificação da realidade, especialmente na compreensão do modo
como o homem constrói o seu conhecimento, passando pela reconstrução
do intersubjetivo concomitante com a trajetória da produção e reprodução
de algo socialmente constituído com uma determinada permanência e
pertinência (JovcheloviTCIh, 1994).
O estudo circunscreve-se numa pesquisa de campo de abordagem
qualitativa. O universo do estudo foi constituído pelas 180 (cento e oitenta)
Equipes de Saúde da Família situadas no município de João Pessoa, sendo
desenvolvido no Distrito Sanitário II nas equipes que atuam com a Terapia
Comunitária como outra oferta terapêutica (há no mínimo um ano),
totalizando 9 (nove) Unidades de Saúde da Família-USF. Este distrito é
formado por 38 ESF, localizadas nos bairros: Cristo, Rangel, João Paulo II,
Gervásio Maia, Funcionários, Geisel, Cuiá com a população de 128.830
segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). A escolha por
esse distrito deve-se ao trabalho desenvolvido pela diretoria do mesmo junto
as equipes de valorização e acompanhamento das rodas de TCI nos territórios.
Nesse distrito, 11 (onze) profissionais desenvolvem atividades
enquanto terapeutas comunitários. Contudo, 7 (sete) aceitaram participar do
estudo livre e espontaneamente assinando o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. O Projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba,
sob o protocolo n° 0006 na 1ª Reunião Ordinária, realizada em 2009, por
191
entender que a função de regulação e legalidade na coleta de dados deve estar
adscrita a área de jurisdição do mesmo.
Para a coleta de dados foi realizada uma terapia temática, que se
aproxima nesse caso do grupo focal, o qual consiste em reuniões com um
pequeno número de interlocutores. Essa técnica possibilita ao pesquisador
construir uma série de possibilidades de dados que lhe permitem levar em
conta várias opiniões sobre o mesmo assunto e obter mais informações sobre
a realidade. Além de permitir, a reflexão dos participantes, a formação de
consensos sobre determinado assunto ou de cristalizar opiniões distintas, a
partir de argumentações (Minayo, 1994).
A TCI temática é uma variação do método da TCI convencional, esta
ultima com cinco passos (acolhimento, escolha do tema, contextualização,
problematização e ritual de agregação) enquanto que na TCI temática,
priorizam-se três passos (acolhimento, problematização e ritual de agregação).
Na TCI temática, o tema é previamente escolhido e lançado através de um
mote. Os participantes relatam suas histórias vinculadas ao tema colocado
pelo terapeuta. A ideia de usar a TCI temática foi inspirada em uma terapia
realizada por seu criador, Prof. Dr. Adalberto de Paula Barreto, denominada
Terapia das Borboletas, a qual foi divulgada por meio digital (DVD) para os
formadores de terapeutas comunitários, através do Movimento Integrado de
Saúde Comunitária do Ceará, MISMEC – CE. Assim, a TCI temática foi
realizada no mês de abril de 2009, na sala de reunião do Centro de Atenção
Integral a Saúde- CAIS situado no Distrito Sanitário II. A TCI foi gravada e
os depoimentos dos participantes foram transcritos a partir do consentimento
dos mesmos.
Os dados discursivos foram analisados por meio da Técnica de Análise
do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e na perspectiva da micropolítica e
das subjetividades que encerram os processos de trabalho e suas modificações
cotidianas dos terapeutas comunitários. Entende-se que as subjetividades
envolvidas dizem respeito aos processos sócio-cognitivos - ancoragem e
objetivação - na medida em que revelam aspectos estruturantes e estruturados
de um saber que se insere na interface da ciência e do senso comum, campo
fecundo para a emersão das representações sociais e que circunscrevem a
realização da TCI, da qual emana o posicionamento dos seus atores sobre si
192
e a atividade de perspectiva comunitária na formação da rede de cuidados na
atenção básica, particularmente, na saúde mental.
Durante o estudo, os sujeitos foram codificados por lendas populares
nordestinas. Uma singela homenagem a cultura popular, a qual a TCI também
reforça, além de ser o nordeste, particularmente o Estado do Ceará, o berço
da Terapia Comunitária. Assim foram utilizados os seguintes personagens de
lendas: mãe-d’água (iara), boitatá, curupira, caipora, mãe de ouro, pisadeira e
mula-sem-cabeça.
O estudo seguiu os parâmetros da resolução 196/1996 do Conselho
Nacional de Saúde, a qual direciona os princípios éticos de pesquisas realizadas
com seres humanos. Os participantes da pesquisa receberam informações sobre
o objetivo a ser alcançado através do consentimento livre esclarecido, após a
submissão e aprovação sob o protocolo n° 0006 na 1ª Reunião Ordinária,
realizada em 2009 no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências
da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, por entender que a função de
regulação e legalidade na coleta de dados deve estar adscrita a área de jurisdição
do mesmo.
RESULTADOS
Os discursos dos participantes foram representados através de mapas
cognitivos construídos a partir da análise do discurso dos participantes. Alguns
aspectos foram sistematizados: Modificações no processo de trabalho da ESF;
Modificações na relação entre a equipe; Modificações na relação com o usuário.
Esclarece-se que as contribuições dos mapas cognitivos para apreensão
das representações sociais neste estudo dizem respeito à possibilidade em
construir, a partir de olhares pessoais dos envolvidos, uma representação
gráfica da questão, facilitando a visão dos elementos considerados, e de como
se interrelacionam, contribuindo imensamente para o equacionamento
(Lima, 2003).
193
os profissionais estudados têm acerca da mudança no processo de trabalho na
ESF após a implantação da TCI.
194
Modificações na relação entre a equipe
195
Figura 4- Mapa de significados de mudanças na relação com o usuário após a implantação
da Terapia Comunitária, Distrito Sanitário II, João Pessoa, 2009.
DISCUSSÃO
Considera-se que no contexto realístico de uma unidade ou equipe de
saúde os processos de trabalho, se produzem através de fluxos intensos de
comunicação entre os diferentes agentes de trabalho, da gestão ou usuários,
que interagem entre si, não apenas no contato físico e comunicacional, mas em
grande medida por fluxos-conectivos que se dão também em nível simbólico, e
vão operando os processos produtivos que se estruturam em uma organização
de redes, tendo como centro o Trabalho Vivo em ato, como substrato sobre
o qual a produção dos atos de saúde vai acontecendo (FRANCO; MERHY,
2007).
Contudo, salienta-se que os processos de trabalho operam em relações
intercessoras entre trabalhadores e usuários através do encontro de ambos
enquanto sujeitos na produção do cuidado, sendo as relações atravessadas
por vetores de relações singulares e intensamente intersubjetivas- espaços da
micropolítica (AYRES, 2005). Assim esses fluxos- conectivos que se formam
no âmbito da produção do cuidado tem forte potência produtiva e transitam
no processo de trabalho com grande liberdade de ação, pois novos caminhos
196
são provocados além dos processos instituídos, como a exemplo os protocolos,
como outros percursos possíveis de produzir a vida.
Destarte, torna-se evidente que na Estratégia de Saúde da Família
há um caráter prescritivo bastante exacerbado, sendo definidos a priori
locais de atendimento (unidade de saúde para pacientes vulneráveis, visitas
domiciliares para outros atendimentos e grupos na comunidade), existindo
lista de atividades que devem ser realizadas pela equipe, com resultados
previamente anunciados (85% dos problemas de saúde resolvidos, vínculos
dos profissionais e comunidade) (FRANCO; MERHY, 2008).
O caráter prescritivo não considera a possibilidade de intervenções
sobre as diferentes necessidades de saúde do usuário, já discutidas nesse estudo
em outros momentos. Nesse sentido aos profissionais de saúde cabe assumir
as seguintes posturas: manter a lógica atual (seguindo o caráter normativo);
aceitar o caráter prescritivo, recapitulando os objetivos, mas mantendo o
compromisso principal do serviço de saúde, não com o usuário, mas com a
produção do procedimento; e finalmente a equipe pode ignorar parcialmente
as prescrições da Estratégia e dedicar-se criativamente a intervir na vida da
comunidade em direção a melhoria das suas condições de vida (FRANCO;
MERHY, 2008).
Concorda-se que a última postura torna-se mais remota, uma vez que
se refere a reconhecer que nenhuma ferramenta pode dar conta de tudo.
Trabalhar sob essa ótica, implica na necessidade de inventar novas abordagens
a cada caso, exigindo uma negação da onipotência de cada profissional, para
que seja possível o trabalho em equipe, saindo do isolamento dos núcleos de
competências, articulando um campo da produção do cuidado (FRANCO;
MERHY, 2008).
Na figura 1, a escuta/acolher aparece como principal mudança
percebida pelo terapeuta após a implantação da TCI no serviço. Contudo
no processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família, a concepção de
acolhimento vai além de uma postura de escuta/acolher às necessidades do
usuário, implicando num dispositivo capaz de reorganizar as práticas do
serviço a partir das diferentes necessidades dos usuários. O acolhimento pode
197
analiticamente, evidenciar as dinâmicas e critérios de acessibilidade a que
os usuários estão submetidos, nas suas relações com os que os modelos de
atenção constituem (FRANCO; MERHY, 2003).
Para os mesmos autores, o acolhimento pode interrogar os processos
intercessores que constroem relações clínicas das práticas de saúde e que
permite escutar ruídos do modo como o trabalho vivo é capturado. Relações
clínicas aqui compreendidas como encontro entre necessidades e processos
de intervenção tecnologicamente orientados, os quais visam operar sobre o
campo das necessidades que se fazem presente nesse encontro, na busca de
fins implicados com a manutenção e ou recuperação de certo modo de viver
a vida (FRANCO; BUENO; MERHY, 1999).
Nesse sentido, o acolhimento propõe inverter a lógica de organização
dos serviços de saúde, partindo dos pressupostos de garantia ao acesso
universal, reorganização do processo de trabalho, buscando deslocar o eixo
central do médico para a equipe multiprofissional e qualificação da relação
trabalhador-usuário, devendo ser baseada nos parâmetros humanitários,
de sociedade e cidadania. Vale destacar que, para os mesmos autores, o
acolhimento se faz enquanto postura ética e não enquanto espaço ou local,
implicado em compartilhamento de saberes, necessidades, angústias e
invenções. Como diretriz operacional, requer uma nova atitude no fazer
saúde, ressaltando o protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de
produção, envolvimento de toda a equipe multiprofissional na escuta e
responsabilização pelo usuário, elaboração do projeto terapêutico individual
e coletivo com construção de linhas de cuidado, mudanças na forma de
gestão, ampliando espaços democráticos (FRANCO; MERHY, 2003).
Contudo, percebe-se nas manifestações discursivas dos sujeitos do
estudo o acolhimento relacionado à forma de abordagem, escuta, interação,
apoio, e reforço aos vínculos. Este último, dependendo de como as equipes se
responsabilizam pela saúde do conjunto de pessoas que vivem em sua região.
Para tal, o processo de trabalho realmente precisa ser organizado sob a lógica
de equipe e não de forma parcelar, a qual tradicionalmente está incorporada
nos serviços de saúde. Em eixo verticalizado, organiza-se o trabalho do
médico e assim em colunas verticais, o trabalho dos outros profissionais.
Essa organização do trabalho fixa os trabalhadores em determinada etapa do
198
projeto terapêutico. Assim, o profissional de saúde se aliena do próprio objeto
de trabalho, ficando sem interação com o produto final de sua atividade
laboral, mesmo que tenho dele participado pontualmente. Como não há
interação, não haverá compromisso com o resultado de seu trabalho e nem
estabelecimento de vínculo.
Assim, a escuta e o acolher, destacados pelos profissionais como conceitos
importantes atrelados à inserção da TCI enquanto tecnologia de cuidado na
atenção básica só conseguirá inferir em mudanças no processo de trabalho
da equipe quando compreendidos enquanto elementos necessários à prática
de todos os profissionais de saúde e que seja incorporado na micropolítica de
cada um que produz cuidado, para que a reorganização das práticas baseadas
na responsabilização clínica e sanitária com o usuário, efetivamente aconteça.
No que se refere às dificuldades apontadas pelos terapeutas no processo
de implantação da TCI, cabe destacar que a formação dos profissionais no setor
saúde, ainda possui forte influência do modelo biomédico, supervalorizando
os aspectos curativos e o reforço a utilização de tecnologias leve-duras e duras,
em detrimento das tecnologias leves, embora as diretrizes curriculares tenham
apontado para o aspecto social e epidemiológico, seus efeitos ainda não são
perceptíveis na realidade dos serviços de saúde.
Nesta perspectiva, torna-se verdadeiramente uma ruptura com os
conceitos pré-estabelecidos e hegemonicamente difundidos entre as categorias
profissionais compreender que outras formas de cuidar podem ser ofertadas,
mesmo sem o enfoque curativo prescritivo ser feito, a exemplo da TCI onde
a solução dos problemas emerge das experiências que fortalecem a força que
cada um tem de superar as adversidades e no apoio estabelecido entre o grupo.
Outra questão importante a ser considerada nesse processo de
implementação da TCI diz respeito a formação do terapeuta comunitário
que, priorísticamente, parece estar voltada para o próprio terapeuta e suas
dificuldades consigo e com os usuários. Emerge como um artefato para
reduzir os efeitos ansiogênicos dos processos de trabalho, das defesas e da
elaboração de insights. Contudo, cabe a crítica de que enquanto membro
da equipe de saúde, este precisa sensibilizar os demais membros da equipe
199
de saúde para, de forma compartilhada compreender essa ferramenta. Faz-
se necessário, a partir de um processo comunicativo, reforçar o engajamento
para a partir da dispersão das informações, divulgação e propaganda,
enquanto dimensões representacionais, adensar o compartilhamento da TCI
pela comunidade de pertença, para baseando-se em Moscovici (1978) tornar
familiar, algo desconhecido para garantir uma modalidade terapêutica comum
de sobrevivência na atenção básica.
A pouca adesão da equipe a TCI aparece como dificuldade a
implementação da TCI. Vale considerar que a concepção de equipe está
vinculada a de processo de trabalho e está sujeita às transformações pelas quais
este vem passando ao longo do tempo (PEDUZZI, 1998). Neste sentido, a
compreensão de equipe advém da necessidade histórica do homem de somar
esforços para alcançar objetivos, que isoladamente não seriam alcançados
ou seriam de forma mais trabalhosa ou inadequada e da imposição que o
envolvimento e a complexidade do mundo moderno tem imposto ao processo
de produção, gerando relações de dependência e/ou complementaridade de
conhecimentos e habilidades para o alcance dos objetivos.
Para Peduzzi (1998), o trabalho em equipe multiprofissional consiste
numa modalidade de trabalho coletivo que se configuram na relação recíproca
entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes
áreas profissionais. Por meio da comunicação, através da mediação simbólica da
linguagem, dá-se a articulação das ações multiprofissionais e a cooperação. O
que poderá diferenciar a maior ou menor integração será a prática da arguição
da técnica e da desigual valoração social dos distintos trabalhos por meio
do agir-comunicativo, visto que este pressupõe não somente compartilhar
premissas técnicas, mas sobretudo um horizonte ético.
No setor saúde, o aprisionamento de cada um em seu núcleo especifico
de saberes e práticas aprisiona o processo de trabalho as estruturas rígidas do
conhecimento técnico-estruturado, tornando o trabalho morto dependente,
por estar inscrito no tempo longo e vivido17. Todavia, seria necessária a
interação entre os mesmos, trocando conhecimentos e a articulando um
campo de produção do cuidado, possibilitando de cada um usar todo o seu
potencial criativo e criador na relação com o usuário, para juntos realizarem a
produção do cuidado (FRANCO; MERHY, 2008).
Contudo, cabe resgatar a discussão anteriormente feita de que no modo
de produção do cuidado existe sempre um processo de disputa de projetos
200
revelando projetos singulares e nem sempre em defesa da vida individual e
coletiva. Por isso mexer no processo de trabalho é intervir na micropolítica
dos sujeitos, seres dotados de desejos e subjetividades, que na saúde implica
diretamente no modo de produzir o cuidado.
Assim, os profissionais de saúde realizam intervenções próprias de
seus respectivos núcleos de conhecimento; contudo, a execução de ações
comuns com os demais núcleos profissionais, são ações do campo, nas
quais estão integrados saberes provenientes de distintas áreas: acolhimento,
grupos educativos e grupos operativos. A TCI enquanto tecnologia de cuidar
instituída nos serviços de saúde e apoiada pela gestão municipal de João Pessoa
precisa ser incorporada como oferta terapêutica da organização do serviço,
sendo divulgada por todos os membros da equipe que precisam compreendê-
la e apoiá-la enquanto dispositivo de escuta/acolhimento as necessidades de
saúde do usuário e construção de vínculos com o mesmo.
Ressalta-se, contudo, que os terapeutas não referiram mudanças
significativas na relação com os trabalhadores, além da pouca adesão destes
a TCI. Infere-se que o reforço ao vínculo após a implantação da TCI se dá
na relação com o terapeuta, ou seja, com o profissional de saúde terapeuta
que participa das rodas de TCI, com o usuário ao invés da equipe com o
usuário. Ressalta-se o aspecto residual do modelo flexneriano de atuação de
cada profissional, ao criar uma reserva e um modo de manutenção do núcleo
e campo de atuação.
O vocábulo vínculo, de origem latina, pode ser compreendido como
algo que ata ou liga pessoas, indica interdependência, relações com linhas
de duplo sentido, compromissos dos profissionais com os pacientes e vice-
versa. A construção de vínculos constitui um recurso terapêutico e depende
de movimentos tanto dos usuários quanto dos profissionais (SPINK, 1994).
A construção de vínculos passa pela escuta da necessidade do usuário,
respeito à sua cultura, história de vida, crenças, valores e à forma como
representa suas necessidades e suportes frente ao cotidiano. O estabelecimento
do vínculo torna-se fundamental para a construção de projetos terapêuticos
capazes de dialogar com a necessidade/realidade do usuário. Assim, a
intervenção clínica - aqui na perspectiva de clínica ampliada- poderá tornar-se
cada vez mais resolutiva.
Torna-se necessário democratizar os serviços de saúde, na perspectiva
de construção de cidadania, e a superação do monopólio do diagnóstico de
201
necessidades e de se integrar a “voz do outro” para ir além da construção
de um vínculo/responsabilização. Corroborando com uma efetiva mudança
na relação do poder técnico-usuário, evidenciando, segundo Gramsci, “as
possibilidades que tem o ser social de passar do reino da necessidade para o
reino da liberdade” (GOMES, 2005).
No processo de construção de vínculos, a relação dialética torna-se
extremamente necessária e para Freire (1987) ao fundamentar-se no amor,
humildade, na fé dos homens, o diálogo se faz numa relação horizontal em
que a confiança de um pólo no outro se faz conseqüência óbvia, essa vai
tornando os sujeitos dialógicos na pronúncia do mundo. Acrescenta ainda
que os sujeitos que não possuem humildade não podem se aproximar-se do
povo, não assumindo a posição de companheiros da pronúncia do mundo,
uma vez que nesse lugar de encontro não há ignorantes absolutos, nem sábios
absolutos, existem homens que em comunhão, buscam saber mais.
Visualiza-se questões centrais, referentes à forma como os terapeutas
estudados percebem a TCI na ESF, conforme esquematizada na figura 5.
De um lado, ocorreram poucas repercussões no processo de trabalho nas
equipes de saúde da família, com a implantação da TCI. Do outro, aqueles
que aconteceram, a exemplo da postura de escuta/acolher, estão relacionadas
a atitude do profissional terapeuta comunitário em assumir esta estratégia.
Ressalte-se que em ambos os casos, evidencia-se baixa adesão das equipes
a TCI, considerada como um das dificuldades para implementação desta
tecnologia de cuidado. Em contrapartida, na relação com o usuário, a melhor
aproximação com este através das rodas de TCI, resultou num fortalecimento
de vínculos, o qual se faz extremamente necessário na produção do cuidado
integral.
202
Figura 5- Esquema figurativo representacional das repercussões da Terapia Comunitária
no processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família, Distrito Sanitário II, João
Pessoa-PB, 2009.
CONCLUSÃO
A proposta da realização de um estudo representacional sobre a Terapia
Comunitária e ainda discutir sua repercussão no processo de trabalho da
Estratégia de Saúde da Família tornou-se desafiante, uma vez que se configura
como um tema atual, contudo pouco estudado sob essa perspectiva.
No estudo, foram revelados pelos profissionais os significados que
possuem sobre as mudanças no processo de trabalho a partir da implantação
da Terapia Comunitária, sendo evidenciados os seguintes pontos:
204
membros, buscando mudanças na micropolítica de cada um proporcionando
transformações nas relações entre os profissionais e entre estes e os usuários.
REFERÊNCIAS
205
na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface- Comunicação,
saúde e educação, Botucatu, v.9, n.7, mar./ago. 2005.
HOLANDA, V. R. As contribuições da terapia comunitária para o enfrentamento
das inquietações das gestantes. 2006. 126f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem).
Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006.
JOVCHELOVITCIH, S. Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço
público e representações sociais. In: JOVCHELOVITCIH, S; GUARECSCHI, P. et. al.
Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.
LIMA, A. S. O uso das representações sociais na construção de mapas cognitivos. In:
LIMA, M. P. L.; LIMA, A. S.; OLIVEIRA, F. B.; FORTUNATO, H. L. (orgs).
Representações sociais – abordagem interdisciplinar. João Pessoa: Editora Universitária
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MATTOS, R. A. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que
merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (org.). Os sentidos
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MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes,
1994.
MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação.
1998. 254f. Tese (Doutorado em Clínica Médica)- Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
SPINK, M. J. Desvendando as teorias implícitas: uma abordagem de análise das
representações sociais. In: JOVCHELOVITCIH, S.; GUARESCHI, P. (orgs). Textos em
representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.
206
PARTE IV
9
Ana Lúcia da Costa Silva
Eliane Carnot de Almeida
INTRODUÇAO
A prática em saúde mental tem exigido, na contemporaneidade, um
novo olhar sobre o sofrimento psíquico, onde novas abordagens terapêuticas
devem ser testadas e praticadas. A entrada das ações básicas em saúde mental
na Estratégia Saúde da Família - ESF está em conformidade com orientações
importantes e recentes da Organização Mundial da Saúde - OMS e do
Ministério da Saúde (FERREIRA FILHA et al., 2009).
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2002a), no seu campo de ação da
saúde mental, reconhece que todo problema de saúde é também e sempre,
de saúde mental, e que toda saúde mental é também e sempre produção de
saúde. Nesse sentido, será importante e necessária a articulação da saúde
mental com a atenção básica. Porém a inserção da assistência às pessoas com
depressão na ESF é um processo recente, mesmo sendo esta uma das queixas
mais frequentes.
A depressão é a alteração afetiva mais estudada e falada na atualidade.
Classificada como um transtorno de humor, ela vem reger as atitudes dos
sujeitos, modificando a percepção de si mesmos, passando a enxergar suas
problemáticas como grandes catástrofes. Tratada como “a doença da sociedade
* Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação em Saúde da Família da Universidade Estácio de
Sá/RJ, em 2010.
208
moderna”, a depressão tem características que podem traduzir uma patologia
grave ou ser apenas mais um sintoma do sujeito diante de uma situação real de
vida, ou seja, suas características podem determinar uma melancolia em si, ou
ser apenas um sintoma constituinte de outra patologia. Segundo o CID-10,
dependendo da forma como os sintomas são experimentados, a depressão será
classificada como leve, moderada ou severa. Os sintomas principais são: humor
depressivo, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga, ou
perda de energia, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva, indecisão ou
capacidade diminuída de pensar e pensamentos de morte recorrentes.
Segundo Andrade, Buchele e Gevaerd (2007) estima-se em 20% a
prevalência global de transtornos mentais na população brasileira. Pesquisas
epidemiológicas em diferentes regiões brasileiras encontram prevalências
de demanda por cuidado psiquiátrico que variam entre 19 e 34%. Dentre
os transtornos mentais a depressão merece destaque enquanto problema de
saúde pública, considerando sua multicausalidade e a frequência com que essa
queixa aparece nas unidades de saúde.
A prevalência anual de depressão na população em geral varia entre
3% a 11%. Nos pacientes de cuidados primários em saúde seu percentual é
de 10%. Em pacientes internados por qualquer doença física a prevalência de
depressão varia entre 22% a 33%. A depressão é 2 a 3 vezes mais frequente em
mulheres do que em homens (SHUA-HAIM, 2003).
A depressão é um transtorno recorrente; estima-se que aproximadamente
80% dos indivíduos que receberam tratamento para um episódio depressivo
terão um segundo episódio depressivo ao longo de suas vidas, sendo quatro
a mediana de episódios ao longo da vida. A depressão é um transtorno
incapacitante e foi estimada como a quarta causa específica de incapacitação
através de uma escala global para comparação de várias doenças (SHUA-
HAIM, 2003).
Fortes, Villano e Lopes (2008), em seu estudo sobre perfil nosológico
e prevalência de transtornos mentais em pacientes atendidos em unidades
da ESF em Petrópolis/RJ, relatam que: as categorias nosológicas mais
comumente encontradas entre os pacientes com transtornos mentais comuns
positivos foram depressão e ansiedade, junto com transtorno de estresse pós-
traumático, transtorno de dor somatoforme e transtornos dissociativos. Houve
209
alta frequência de comorbidade, especialmente entre transtornos ansiosos,
depressivos, somatoformes e dissociativos.
Diante da magnitude do problema da depressão, os profissionais da área
de saúde na atenção básica precisam de aprimoramento e técnicas específicas
para lidar com este sofrimento. Um dos instrumentos que vem sendo utilizado
neste sentido é a Terapia Comunitária Integrativa – TCI, que ocupa hoje no
cenário brasileiro, um lugar de destaque por ser eficaz na promoção da saúde
e na prevenção do adoecimento.
A TCI é uma abordagem terapêutica em grupo que visa promover
a saúde e prevenir o adoecimento. A TCI é também eficaz na atenção
primária em saúde mental, por caracterizar-se fomentadora de cidadania, da
formação de redes sociais solidárias e de identidade cultural das comunidades,
abrangendo diversos contextos familiares, institucionais e sociais (BARRETO,
2008). O Ministério da Saúde tem adotado esta técnica em alguns municípios
como uma ferramenta de ação na ESF, por ter uma metodologia eficiente para
o trabalho em grupo, com a finalidade de promover a saúde, a melhora da
autoestima e a construção de redes solidárias.
Na rede pública de saúde, a TCI tem por objetivo criar um cinturão de
atenção, cuidado e prevenção, ser multiplicadora do atendimento, identificar
e encaminhar aos centros especializados as situações graves de transtornos
psíquicos, além de favorecer o envolvimento multiprofissional da rede com
uma proposta de atenção básica em saúde mental.
Como Psicóloga clínica e utilizando a terapia comunitária como
técnica terapêutica em vários grupos heterogêneos de pacientes em sofrimento
psíquico, questionamentos e aprofundamentos sobre o desenvolvimento
da técnica me eram recorrentes, tais como a indagação sobre um melhor
aproveitamento da técnica em abordagem terapêutica específica como
a depressão ou as dependências. Uma das minhas motivações em cursar o
Mestrado em Saúde da Família foi a possibilidade de repensar e investigar
a minha práxis e a forma como poderia alcançar bons resultados com os
instrumentos terapêuticos de que os psicólogos dispõem. Portanto, as
questões norteadoras que encaminharam o desenvolvimento desta pesquisa se
delinearam como reflexões do meu cotidiano profissional, e são apresentadas
como eixo delineador desta pesquisa: A TCI contribui para a prevenção e
tratamento das pessoas com depressão? O processo terapêutico da TCI voltado
210
para os quadros de depressão, promove mudanças na autoestima e nas relações
vinculares das pessoas assistidas por esta técnica?
Breda e Augusto (2003) ressaltam que a rede de cuidado aos portadores
de transtorno mental precisa estar em articulação com a rede básica de saúde.
Neste sentido, o Ministério da Saúde vem estimulando ativamente políticas
de expansão, formulação e avaliação da atenção básica, diretrizes que incluam
a dimensão de ações e serviços voltados para a atenção à saúde mental dos
usuários com os problemas mais frequentes de saúde mental, tais como
depressão, uso de drogas, quadros de ansiedade, dentre outros. Verifica-se que
grande parte das pessoas com transtorno mental leve ou severo, está sendo
efetivamente atendida pelas equipes de atenção básica nos grandes e pequenos
municípios.
Assumir este compromisso é uma forma de responsabilização em
relação à produção da saúde, à busca da eficácia das práticas e à promoção de
equidade, da integralidade e da cidadania em um sentido mais amplo.
A ESF é pela sua própria natureza e pelo modo como está construída,
uma estratégia para o desenvolvimento local da saúde, visando a promoção da
atenção básica. As ações de prevenção de agravos e promoção da saúde mental,
através da ESF, devem integrar esforços dos vários profissionais de saúde com
novos aportes de técnicas, visando um melhor atendimento e resolutividade
dos problemas psíquicos da população atendida (FORTES; VILLANO;
LOPES, 2008).
Esta pesquisa está voltada, como já foi dito, para a atenção básica,
investigando a aplicabilidade da TCI como instrumento terapêutico na
prevenção e tratamento da depressão. Por se tratar de uma investigação
que leva em conta os elementos culturais e sociais ativos da comunidade,
conclui-se que a presente investigação possa produzir dados relevantes para o
desenvolvimento de ações e serviços da ESF. O estudo descrito neste artigo
é uma pesquisa empírica que teve como objetivo geral avaliar a contribuição
da Terapia Comunitária como abordagem complementar no tratamento da
depressão em uma USF do município de Petrópolis – RJ, a partir da percepção
dos usuários. Teve ainda como objetivos específicos: categorizar o grau e
tipo de depressão referida por usuários portadores desta patologia na ESF;
211
identificar os principais problemas e estratégias de enfrentamento associadas
à depressão entre os mesmos; analisar a contribuição da TCI para com estes
usuários, no reforço da autoestima e dos vínculos familiares, comunitários e
profissionais.
Ao eleger a Terapia Comunitária como foco, onde a relação subjetivo/
objetivo acontece e se expressa, esta pesquisa parte da concepção de que a
consciência social e a relação saúde-doença são, antes de tudo, produto social,
não se limitando apenas às conexões entre o biológico/meio ambiente, mas
ganhando, sobretudo, significados ao estabelecer relações de sentido entre as
diversas partes da relação homem/saúde/doença, de transformação da natureza
e dos homens entre si, justamente porque a capacidade humana para a
compreensão da saúde/doença é antes de tudo resultado da relação do homem
com a sua história, construindo cotidianamente sentidos e significados aos
novos fenômenos na vida de cada indivíduo e de sua coletividade.
MÉTODO
Trata-se de um estudo empírico cujo objeto de avaliação é a Terapia
Comunitária Integrativa. Foi escolhida a abordagem qualitativa tendo em
vista a busca de um caminho metodológico apropriado ao entendimento
dos aspectos dinâmicos, individuais e grupais da experiência humana.
Turato (2003) destaca que a pesquisa qualitativa é um meio científico para
conhecer e interpretar os significados de natureza psicológica e psicossocial,
principalmente os relacionados à saúde-doença. Ele descreve a pesquisa
qualitativa como:
212
Na abordagem qualitativa aqui utilizada, buscou-se criar um
enquadramento da relação face a face, valorizando os traços afetivos, e
escutando a fala do sujeito, com foco nos tópicos ligados a saúde-doença e aos
processos terapêuticos, observando a linguagem corporal e o comportamento
dos sujeitos pesquisados.
Foram utilizados conceitos da área da saúde coletiva com intercessão
com a saúde mental, e ainda conceitos básicos da psicanálise, buscando
responder às questões norteadoras. Na investigação clínica em psicologia
utilizam-se conceitos aceitos e entendidos por outros profissionais da
saúde. Figueiredo e Tenório (2002) afirmam que a psicologia e a psicanálise
comportam uma dimensão clínica e uma dimensão de pesquisa, um método
terapêutico e um método de investigação. Esse mesmo autor sugere que há
muitas maneiras de estudar o conteúdo psicoterápico com a finalidade de
melhorar o entendimento de como ele funciona.
Embora a abordagem qualitativa tenha permeado toda a pesquisa,
utilizaram-se também procedimentos quantitativos, para revelar dados
quantificáveis de interesse para o estudo.
A pesquisa foi realizada no município de Petrópolis, situado na região
serrana do Estado do Rio de Janeiro, que possui uma extensão de 776,6 km²,
distribuídos em cinco distritos, com uma população de 306.645 habitantes,
dos quais 94% concentram-se na região urbana e 6% na região rural (BRASIL,
2005a).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de
0,804, situando-o entre as regiões consideradas de alto desenvolvimento
humano (IDH>0,8). A ESF no município atinge 133.800 mil petropolitanos
(45 % da população) e conta com 40 Equipes de Saúde da Família - EQSF
distribuídos em 35 Unidades de Saúde da Família - USF.
A pesquisa foi realizada em uma USF localizada no bairro “Meio da
Serra”, no período de junho a agosto de 2009. A população do bairro é de 3.073
pessoas, com 943 famílias cadastradas. A Equipe de Saúde da Família - EQSF
é composta por um médico, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem
e 06 agentes comunitários de saúde (ACS). A população tem como fonte de
213
renda o trabalho no comércio local, e algumas famílias vivem de trabalho
autônomo, como pedreiro, carpinteiro, emprego doméstico, dentre outros.
A escolha desta unidade se deu por indicação da Coordenação da
ESF do município, por identificar que o bairro de Meio da Serra tem um
número significativo de pessoas em sofrimento psíquico, com queixas de
depressão, e na unidade ainda não tinha, no momento da pesquisa, nenhum
tipo de atendimento em grupo voltado para esta problemática. Segundo a
coordenação, estas características facilitariam o desenvolvimento da pesquisa.
Por se tratar de uma pesquisa com grupo específico, a escolha dos sujeitos
do estudo foi intencional. Contudo, obedeceu a critérios pré-estabelecidos:
residir na área geográfica de atendimento da USF, bairro de Meio da Serra,
apresentar sinais e sintomas clínicos de depressão, e participar em 80% dos
encontros de TCI programados para este estudo, que no total foram sete.
Para a seleção dos sujeitos foi aplicado o questionário Inventário
de Depressão Beck. Assim, fizeram parte da pesquisa, 20 pessoas, do sexo
feminino, com idade entre 15 a 75 anos. As usuárias foram encaminhadas
à pesquisadora pela EqSF, em dia previamente marcado, para aplicação do
instrumento de confirmação da presença de sinais e sintomas de depressão.
Não foi encaminhada nenhuma pessoa do sexo masculino.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estácio de Sá-RJ. As mulheres foram nomeadas com nomes de
rosas a fim de manter o anonimato exigido para pesquisas envolvendo seres
humanos.
Foram utilizados nesta pesquisa dois instrumentos: o Questionário
Inventário de Depressão de Beck (1998) para seleção dos sujeitos do estudo,
o Questionário de Eficácia da TCI criado por Barreto (2005), para avaliar
o impacto da TCI na formação de vínculos e recuperação da autoestima, e
a técnica da Terapia Comunitária (Barreto 2008) para avaliação da TCI no
tratamento da depressão a partir dos depoimentos dos usuários.
O questionário inventário de Depressão de Beck (1998) é um
instrumento criado pelo Dr. A. T. Beck, consta de 21 perguntas de múltipla
escolha, podendo ser auto aplicável. É provavelmente a medida de auto-
214
avaliação de depressão mais amplamente usada tanto em pesquisa como em
clínica, tendo sido traduzido para vários idiomas e validado em diferentes
países. A escala original consiste em 21 itens, incluindo sintomas e atitudes,
cuja intensidade varia de 0 a 3. O diagnóstico é dado de acordo com o
somatório das pontuações de cada questão. A escolha deste questionário como
instrumento de pesquisa se deu como alternativa para uma melhor seleção
da amostra, uma vez que o mesmo oferece meios de categorizar os graus de
depressão dos participantes.
O questionário de Eficácia da TCI é um instrumento para avaliar o
impacto da terapia comunitária. Foi elaborado por Barreto (2005), criador da
TCI, e contou com a participação de Miriam Rivalta Barreto, mestre pedagoga,
psicóloga, formadora e intervisora da Terapia Comunitária. A avaliação é
feita nos planos individual (dados pessoais, vínculos e autoestima) e coletivo
(mudanças geradas no campo social). O instrumento é composto de 28
perguntas distribuídas de modo a contemplar os seguintes vínculos: familiar,
conjugal, filial, moradia, comunitário, leitura, escrita, profissional, econômico,
religioso, saúde física, saúde psíquica, apoio social, segurança, lazer, alimentar,
tecnológico, amizade, documentação, cidadania, solidariedade, dependência,
espiritual. A pesquisa priorizou a análise dos vínculos: familiares, conjugal,
comunitário e profissional nos portadores de depressão do ESF de Petrópolis-
RJ, assim como da autoestima.
Barreto (2008) identifica três tipos de vínculos que precisam ser
avaliados quando se faz uma pesquisa qualitativa em TCI, que seriam vínculos
saudáveis, vínculos frágeis, e vínculos de risco.
A Terapia Comunitária também foi utilizada como técnica de produção
do material empírico e foi aplicada em oito momentos, utilizando o protocolo
da TCI, ou seja, obedecendo todas as etapas: acolhimento, escolha do tema,
contextualização, problematização e encerramento.
A pesquisa de campo obedeceu ao desenho metodológico descrito a
seguir:
I – Realização de uma palestra com EQSF para apresentar a TCI e a
pesquisa a fim de sensibilizá-la para participar e apoiar a pesquisa.
215
II - Realização de palestra sobre saúde mental e tratamento da depressão
dirigida aos usuários da USF, com a finalidade também de apresentação da
pesquisa sendo descritos seus objetivos e procedimentos.
III - Aplicação do Questionário Inventário de Depresso Beck, aos
usuários encaminhados pela EQSF com queixas e sintomas de depressão para
confirmação diagnóstica e seleção dos sujeitos do estudo. O questionário foi
aplicado aos 20 participantes e todos foram selecionados para a pesquisa.
IV - Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos
usuários escolhidos. Os dados coletados foram analisados protegendo-os.
A adesão dos usuários foi voluntária, sem nenhum comprometimento do
atendimento recebido nas unidades da ESF caso não desejassem participar.
V - Realização de oito rodas de TCI com os sujeitos do estudo, com
duração de 1h. 40 min. cada, e intervalo de uma semana entre uma roda e
outra. O número de rodas foi pré-determinado, por se tratar de um grupo
de ajuda mútua, onde o processo psicoterápico acontece a partir do primeiro
encontro.
VI- Aplicação do Questionário de Eficácia da TCI. Na primeira e
na oitava rodas, filmadas pelos auxiliares da pesquisa (conforme acordado
previamente com o grupo), tendo em vista a necessidade de coleta de dados
dos usuários, no início e no final da pesquisa, oportunidade de registro de
dados com relação à autoestima e relatos dos vínculos. O intervalo entre a
1ª e 8ª rodas foi de dois meses, tempo suficiente para avaliar mudanças na
qualidade dos vínculos. A aplicação deste questionário permite quantificar e
qualificar os vínculos das pessoas que trazem suas dificuldades e sofrimento
para a Terapia Comunitária. Esses dados permitem verificar como se configura
as relações sociais que as pessoas estão estabelecendo, podendo compreender
de que forma os vínculos podem ser afetados pelo adoecimento da depressão.
Ainda é possível através deste questionário, avaliar aspectos da autoestima das
participantes. O questionário oferece uma fórmula, onde é possível fazer a
contagem com a interpretação dos resultados apresentados.
Os dados coletados pelo Inventário de Beck e Questionário de eficácia
foram submetidos ao tratamento estatístico simples e são apresentados em
forma de gráficos e tabelas. Além da identificação dos graus de depressão
através do inventário de Beck, foi feita também uma classificação dos tipos de
216
depressão dos usuários, com base nos critérios estabelecidos pelo psicanalista
Zimerman (1999). Este autor relata que são várias as causas que ocasionam a
depressão, chegando a classificar os tipos de depressão. Ressalta que, além das
causas orgânicas que predispõem alguns a depressão, há que se considerar as
questões psicológicas, cujas questões podem ser categorizadas em:
217
oscila entre dois pólos: do rigor da objetividade e da fecundidade
da subjetividade. É tarefa paciente de “desocultação”, (...) analisar
mensagens por esta dupla leitura onde uma segunda leitura se
substitui à leitura “normal” do leigo, é ser agente duplo, detetive,
espião [...].
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fim de um melhor rigor científico, não nos contentamos em trabalhar
apenas com a etiqueta de depressão. Para assegurar que os participantes da
pesquisa fossem portador de depressão, decidimos aplicar o questionário de
218
Inventário de Beck que classifica os diversos tipos, apresentando os seguintes
dados:
220
atitudes, melhorando sua apresentação, os braços descruzavam-se, o corpo
encurvado ia aos pouco se erguendo, o olhar ia buscando contato.
O cuidado que a TCI oferece na sua terapêutica, respeitando a
singularidade do sujeito, aceitando a manifestação dos valores culturais,
oportuniza aos participantes evocar suas dores e conflitos, ecoando com os
outros participantes ressignificando as suas angústias. Durante todas as rodas
de TCI, conforme a sessão acontecia, as pessoas relatavam seus sofrimentos
e apoiados pela partilha dos outros membros iam construindo um lugar de
cuidado de terapêutica aos seus sofrimentos. Foi possível perceber que mesmo
com dor e sofrimento psíquico as participantes buscavam estratégias de
enfrentamento apresentadas nas suas falas:
221
se tornando mórbida. Cada estrutura é produto do alcance e da realização de
determinadas etapas do desenvolvimento psicoemocional do sujeito, sendo
várias as causas de adoecimento de uma estrutura. Nesta pesquisa, foi possível
identificar as seguintes categorias apontadas pela psicanálise (ZIMERMAN,
1999):
[...] Agora sei, que não preciso me quebrar toda, brigar com todos,
principalmente com meu marido. Aqui apreendi que posso falar
(Begônia).
[...] Vocês não sabem como tem sido bom estar aqui e poder compartilhar
com vocês um pouco da minha vida (Malva Santa).
223
dificuldades vividos poderiam ser superados, e que para isto não precisavam
ser adversárias de si mesmas, e que as carências e dificuldades na vida podem
gerar competência.
As falas, a seguir, deixam claro que as participantes se reconhecem
nos seus sofrimentos, mas que com a participação nas rodas de TCI, cuja
abordagem trata-se, sobretudo, de uma terapia de cuidado, preventiva, onde a
partilha, experiência de vida e saberes torna-se terapêutica, cada um tornam-se
terapeuta de si mesmo a partir da escuta de si e dos outros. E ainda essas falas
especificam como a autoestima de algumas melhoraram nas questões de auto-
aceitação, auto-responsabilidade, auto-afirmação e empoderamento.
[...] Ah! Antes de participar da terapia eu não tinha nem ânimo para
sair. Agora fico torcendo para chegar quarta-feira. Pois sei que aqui vou
me descobrindo me conhecendo e me aceitando (Begônia).
224
fortalecendo o vínculo de amizade. Isto fica patente na fala de uma das
participantes.
[...] Agora tenho amigas com quem posso desabafar. Aqui na terapia
descobri que é possível se fazer amigos. Agora não me sinto só. (Flor de
Liz).
[...] Agora tenho esses dois lugares que gosto de ir, a minha igreja, e
tenho esperado pela quarta feira... Pois aqui, não vejo nem as horas
passar. Ruim é como estava naquele quarto escuro sofrendo sozinha
(Margarida).
[...] Eu era uma pessoa fechada, não falava meu problema a ninguém,
a não ser quando procurava meu pastor, mas agora aqui me sinto em
segurança (Melissa).
[...] Com essas conversas aqui, sinto mais vontade de viver... Até tenho
me arrumado mais [...] Antes até a igreja estava difícil de ir. Agora
não, tenho tido mais vontade de sair (Hortência).
225
para agir e idealizar projetos. Tais mudanças possibilitaram eliminar algumas
crenças disfuncionais sobre sua forma de vida, elevando sua autodeterminação.
O compartilhar no grupo propiciou ajuda mútua sendo ora cuidadas,
ora cuidadoras umas das outras. Barreto (2005) ressalta que o homem que
ajuda o outro, de certa forma, se ajuda.
Com relação a aspectos relacionados à autoestima, Barreto (2005, p.
308), destaca que “a miséria é uma construção humana... cada um de nós detém
a chave do próprio sucesso e do próprio fracasso”. Branden (1999) enumera
seis grandes pilares que dão sustentação à autoestima: viver conscientemente,
autoaceitação, autorresponsabilidade, autoafirmação, intencionalidade,
integridade pessoal.
Os relatos apresentados acima são eloqüentes e levam à compreensão
dos aspectos relacionados à autoestima. Nota-se que algumas das participantes
apresentavam vínculos frágeis e de risco, principalmente com relação à família
e à comunidade. No entanto, suas histórias revelam que à partir da participação
e do engajamento no grupo de Terapia Comunitária, se descobriram como
atores sociais, compreendendo seus potenciais de transformação pessoal e
social, à partir do fortalecimento dos vínculos familiares, sociais e comunitários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
226
Integrativa como estratégia para lidar com a depressão permitiu, de forma
ímpar, verificar a escala do sofrimento, da dor e da autodestruição que essa
doença ocasiona aos seus portadores, e perceber que estratégias de cuidado em
grupo como a terapia comunitária são eficazes no tratamento complementar
da depressão.
Investigar a utilização da técnica da Terapia Comunitária Integrativa
como estratégia para usuários da ESF portadores de depressão, possibilitou
identificar os indicadores psicossociais deste sofrimento: ansiedade e estresse
relacionados às dificuldades vivenciadas, conflitos familiares, uso e abuso
de substâncias químicas, violência doméstica, queixas somáticas, conflitos
sociais, desemprego e carências dos elementos básicos à sobrevivência. Todos
esses sofrimentos foram temas recorrentes nas rodas de Terapia Comunitária,
evidenciando a prevalência desses indicadores psicossociais na depressão.
Os resultados apontaram que, na percepção dos usuários, a Terapia
Comunitária Integrativa é um espaço para falar, se aliviar, ser escutado pelo
grupo, diminuir os sentimentos de tristeza e de medo, e sair do isolamento.
Além disso, possibilita a troca de experiências e a aprendizagem. A Terapia
Comunitária Integrativa foi percebida pelo grupo como facilitadora do
diálogo e da partilha, possibilitando a expansão do diálogo para além das
rodas, para atingir as relações familiares e sociais.
Foi possível perceber que o uso desta técnica, quando aplicada na
atenção básica, contribui para um atendimento humanizado, ajudando na
formação de redes solidárias, estabelecendo vínculos, o que nos leva a sugerir
que a Terapia Comunitária Integrativa seja implantada em Petrópolis e em
outros municípios brasileiros, inserida como uma das técnicas de promoção
de saúde, uma vez que está em vigor um convênio firmado com o Ministério
da Saúde para a formação de terapeutas comunitários para atuação junto à
ESF em todo o território nacional.
A Terapia Comunitária Integrativa foi percebida pelo grupo como uma
experiência positiva, uma contribuição à saúde emocional, promotora de
bem-estar, de socialização (ambiente de encontro com amigos, um local de
diálogo, onde pessoas estão dispostas a escutar), momento de confraternização
227
e lugar de alívio do sofrimento psíquico, bem como de ressignificação das
necessidades dos usuários (solução de problemas, desenvolvimentos, e um
caminho facilitador da saúde mental). Pode-se verificar que as 20 mulheres que
participaram das rodas de Terapia Comunitária Integrativa e tinham vínculos
frágeis e de risco, obtiveram grande melhora na qualidade desses vínculos.
Percebe-se que os portadores de depressão, com perdas na qualidade de seus
vínculos, fragilizados na sua rede de sustentação afetiva, com a participação nas
rodas, possibilitou o fortalecimento desses vínculos e o aumento da resiliência.
Ficou clara também, através deste grupo estudado, a distinção entre
sofrimento e patologia. A patologia é da competência dos profissionais, sendo
que o sofrimento não pode ser medicalizado, uma vez que isto geraria mais
sofrimento. O sofrimento precisa ser acolhido, e a comunidade deve assumir
sua co-responsabilidade na atenção básica. Como refere Barreto (2005), o
acolhimento do sofrimento é uma ação cidadã. Podemos constatar que as
medicações utilizadas pelas participantes foram tão importantes quanto o
apoio recebido nos grupos, em forma de abraços, de experiências. Diante disto,
vemos que a força da comunidade, quando inserida nas ações de promoção de
saúde, pode ser de ajuda na redução dos sofrimentos.
Os saberes e práticas, não somente técnicos, devem se articular na
construção de um processo de valorização da subjetividade, tornando os
serviços de saúde mais acolhedores, com possibilidades de criação de vínculos.
Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer
doença, às vezes atuando como entrave à adesão às práticas de promoção
da saúde ou de uma vida mais saudável. Portanto, é necessário um maior
investimento, na atenção básica, em tecnologias voltadas para a redução do
sofrimento psíquico, uma vez que o próprio Ministério da Saúde reconhece
dentro das ações de saúde mental que todo problema de saúde é também
de saúde mental, e que toda saúde mental é também, e sempre, produção
de saúde. Partindo-se desta premissa torna-se importante e necessária a
articulação da saúde mental com a atenção básica de saúde.
Os recursos comunitários não podem ser negligenciados no tratamento
médico. No nível básico tem coisas que eles podem fazer e a TCI é um
228
desses espaços de agregação de recursos e mobilização, já com relação aos
outros níveis de cuidado a prescrição deve ser feita quando necessária por
um especialista. Entretanto, há que se ter cuidado com a medicalização do
sofrimento emocional. Os psicofármacos devem ser considerados como parte
do arsenal terapêutico para tratamentos das doenças mentais e não como a
única alternativa. Porém, outras abordagens terapêuticas devem ser acionadas
com relação ao sofrimento psíquico. E os três níveis de cuidado precisam ser
articulados integrando as ações de saúde e cuidados uma vez que, nem só
práticas de autoajuda resolvem nem só remédios, nem só hospitalização, mas
os três recursos articulados de forma sinérgica.
A oportunidade de aplicar a Terapia Comunitária Integrativa em um
grupo específico como esse, composto de portadores de depressão, possibilitou
ver que dentro da realidade brasileira, existem tecnologias de cuidado eficazes
para a promoção da saúde mental, e que se faz necessário implementar estas
técnicas para acolher aqueles que se encontram em sofrimento.
REFERÊNCIAS
BECK, A. T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
229
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde; Brasil. Ministério da
Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Reforma psiquiátrica e manicômios
judiciários: relatório final do seminário nacional para a reorientação dos hospitais de
custódia e tratamento psiquiátrico. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002 a. (Série D.
Reuniões e Conferências).
230
CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA
PARA O ENFRENTAMENTO DAS
INQUIETAÇÕES DE GESTANTES.*
10
Viviane Rolim de Holanda
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha
INTRODUÇÃO
231
em atividades não remuneradas (BRASIL, 2004b). Essa desigualdade e a
sobrecarga de trabalho acarretam prejuízos e agravos à saúde das mulheres.
Soma-se a isso o fato de que existe cerca de 30% de mulheres sem
assistência pré-natal, no nosso país (MALDONATO, 2002). Outras vezes,
essa assistência acontece com práticas que promovem a desvalorização das
experiências de vida da mulher.
A maior conseqüência dessa situação é o índice de mortes maternas
no Brasil. Estima-se que 98% são evitáveis e que 68% delas ocorrem no
momento do parto (GALLI, 2005). Diante desse contexto, a omissão do
Estado em implementar políticas eficazes voltadas para a promoção e proteção
à saúde da mulher e o não fortalecimento do PAISM (Programa de Atenção
Integral à Saúde da Mulher) podem concretizar a falta de diligência diante de
um quadro onde se negligencia, desrespeita e desvaloriza a vida das mulheres.
Práticas de saúde que esvaziam os sujeitos, de suas histórias, falas,
singularidades, reproduzindo, de maneira sistêmica, modelos que não
condizem com sua realidade favorecem a perpetuação do cenário de
discriminação, violência, angústia e ansiedade para as mulheres.
Portanto, as políticas de saúde devem levar em consideração o universo
pluralizado da mulher, rompendo a visão reducionista do papel social e
da discriminação, fruto da construção histórica, cultural e política. Assim,
percebe-se o quanto é urgente a luta pela mudança nos indicadores de saúde
relacionados à mulher.
O ciclo vital da mulher apresenta diversas fases, com suas próprias
mudanças, necessidades de adaptação e, muitas vezes, redefinição de
propósitos de vida, e isso, durante a gestação, pode apresentar uma conotação
bem mais forte. O ciclo que envolve a gestação, o parto e puerpério promove
alterações sistêmicas e psicológicas no corpo feminino. Esse é um momento
ímpar na vida da mulher. A intensidade das alterações psicológicas depende
de fatores individuais, familiares, conjugais, culturais e de sua personalidade
(NORONHA; LOPES; MONTGOMERY, 1993).
Embora a gestação seja um evento biologicamente normal, cada
gravidez é vivida de maneira única por uma mulher e está inserida em um
232
contexto familiar e social específico, logo, é uma vivência tanto individual
como grupal e familiar que exigirá o desenvolvimento de novos papéis na
busca de sua identidade (BRASIL, 2005).
A complexidade das mudanças provocadas pela gravidez não se
restringe apenas às variáveis emocionais, bioquímicas, mas, também, estão
nela envolvidos os fatores socioeconômicos e culturais. A gestação envolve
a necessidade de (re) estruturação e (re) ajustamento, em várias dimensões,
principalmente no que diz respeito à identidade, à definição de papéis e à
composição da rede de intercomunicação, tanto para a mulher quanto para a
família.
A forma fragmentada na qual é tratada a saúde da mulher é inquietante,
estabelecida através de metas isoladas, pautada na desarticulação das ações e na
falta de amplo acesso. Na atenção básica de saúde é notória a grande demanda
nos serviços, a ineficácia na formação de muitos profissionais, centrada
extremamente na dimensão biológica, além da fragilidade da estratégia do
Programa de Saúde da Família com ausência de práticas capazes de despertar
o empoderamento e espaços de fala necessários para um maior controle da
saúde.
Assim, a desarticulação das ações no ciclo gravídico-puerperal é um
dos fatores que influencia a fragmentação do cuidar e gera ansiedade com
repercussões negativas para o processo de nascimento, além de ter sido causa
de desconforto, violência e inúmeras mortes maternas em nosso país.
Na vivência com as gestantes durante o desenvolvimento desta
pesquisa, vislumbrou-se uma estratégia para entender a mulher, além de seu
sistema reprodutivo, um espaço onde pudemos compreender, de maneira
ampla, os seus questionamentos, seus valores e crenças, sua cultura, enfim, sua
história de vida.
A história que cada mulher grávida traz deve ser acolhida integralmente,
a partir do relato e da vivência de suas experiências. A assistência pré-natal
é, portanto, um momento propício para se discutir, esclarecer e ouvir as
inquietações das mulheres (BRASIL, 2000; BRASIL, 2005).
Nos encontros de TCI percebeu-se que as mulheres traziam em si a
gestação de vidas, sonhos, dores, esperanças, medos, incertezas, inquietações,
além de suas carências clínicas e a ausência de espaços para socializar falas.
233
Essas experiências contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa
com gestantes, durante a qual sentimos a necessidade desse espaço para
compreender todo o universo simbólico que envolve a mulher e a gestação.
Desde 2004, a TCI vem sendo desenvolvida em João Pessoa/PB na
Unidade de Saúde da Família Ambulantes, sendo parte de um projeto de
extensão intitulado: Terapia Comunitária: uma ação básica de saúde mental,
em parceria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vinculado a docentes,
do Departamento de Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) /Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf ). Neste projeto, busca-se estudar
e ampliar o conhecimento sobre a temática, uma vez que, na extensão, a
terapia ganha uma repercussão positiva, gerando mudanças para a melhoria
da qualidade de vida de seus participantes (FERREIRA FILHA, 2006). Vêm
participando dessa atividade moradores da comunidade, profissionais de
saúde da unidade, professores e alunos da graduação e da pós-graduação em
enfermagem da UFPB.
Este artigo busca uma compreensão mais subjetiva sobre o processo da
gravidez e possibilita contribuir para a construção de um processo de cuidado
à gestante, capaz de fornecer aos cuidadores elementos para entendimento e
subsídio de uma prática humanizada. De acordo com esse contexto e com
o desejo de contribuir para construção do conhecimento da Enfermagem,
objetivou-se revelar as contribuições da Terapia Comunitária para gestantes.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa guiada pela História Oral
Temática. Essa modalidade “aborda um tema específico e compromete-se com
o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre algum evento definido.
Assim, busca a verdade de quem presenciou um acontecimento ou tenha dele
alguma versão que seja discutível” (MEIHY, 2005, p. 162).
O estudo foi realizado na Unidade de Saúde da Família (USF) -
Ambulantes, localizada no bairro de Mangabeira IV - João Pessoa/PB. As
234
colaboradoras foram as gestantes atendidas pela Unidade que participavam
dos encontros de TCI. Os critérios para a formação da rede basearam-se na
freqüência dos encontros e no maior envolvimento na TCI, como também
pela disponibilidade em participar da pesquisa.
A pesquisa foi orientada pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisa envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996). Inicialmente o estudo
foi submetido ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
da Universidade Federal da Paraíba e, após sua aprovação, encaminhado à
Comissão de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da referida
Universidade para sua apreciação e aprovação (Protocolo nº 898/07 – CCS/
CEP).
O material empírico foi produzido por meio da utilização de entrevistas
e as anotações registradas no caderno de campo. Por estar inserida no projeto
de extensão de TCI, utilizaram-se os momentos de encontro de terapia
e as visitas à comunidade, como importantes instrumentos para colher
informações complementares da dinâmica de vida das participantes. Serviu-
nos para compreender e captar o sentido da comunicação não verbal, seus
símbolos e significados em um contexto mais abrangente.
O processo de entrevista consta de três etapas: a pré-entrevista, a
entrevista propriamente dita e a pós-entrevista (MEIHY, 2005).
Na pré-entrevista aconteceu o preparo do encontro para a gravação. A
pré-entrevista foi iniciada após os encontros de Terapia Comunitária, onde
foram estabelecidos os contatos com as gestantes e agendada as entrevistas, de
acordo com a disponibilidade de cada colaboradora. Na ocasião, foram feitos
esclarecimentos acerca do projeto e do seu desenvolvimento e os objetivos da
pesquisa.
A próxima etapa, a entrevista propriamente dita, realizou-se no local e
na data marcada, respeitando o lugar escolhido de preferência da colaboradora.
Teve-se a preocupação de se proporcionar um momento de acolhimento que
viabilizasse a narrativa, testar previamente o gravador e as fitas e apresentar a
ficha técnica.
Ao se iniciar a entrevista, foi reforçada a informação de que a gestante
poderia desligar o gravador, a qualquer momento, e que todo o conteúdo
235
passaria por uma conferência, momento onde ela poderia ou não autorizar
a sua utilização. Inicialmente foram registrados os dados de identificação da
colaboradora, e, em seguida, deu-se início às entrevistas, com as perguntas de
corte que perpassaram todas as narrativas.
Nesse momento, foi também discutido sobre a escolha dos nomes
fictícios, garantindo-lhes o anonimato na pesquisa. Assim, foram escolhidos
nomes de flores de acordo com a preferência de cada colaboradora.
Na pós-entrevista, foi comunicado as colaboradoras o andamento do
trabalho, como também agendados os encontros para se realizar a conferência
do material.
Após a gravação, o relato oral foi transformado em texto, para torná-lo
disponível ao público. Os depoimentos seguiram as etapas previstas de acordo
com o referencial adotado por Meihy (2005):
Transcrição: destina-se à mudança do estágio de gravação para o escrito,
após a escuta de repetidas vezes do material gravado. A transcrição foi efetuada
logo após a realização da entrevista.
Textualização: é a etapa na qual se dá ao texto inicial um caráter de
narrativa, momento em que se suprimem as perguntas de corte e fundem-se
as respostas. Alguns vícios de linguagem e palavras repetidas foram retirados
para que houvesse a fluência do texto, sem perder a identidade do discurso
da colaboradora. Durante essa etapa, iniciou-se o processo de escolha do tom
vital que corresponde à frase que servirá de epígrafe para guiar a leitura das
entrevistas.
Transcriação: etapa que se compromete com a recriação do texto,
em sua plenitude. Ordenam-se os depoimentos em parágrafos, retirando-
se ou acrescentando-se palavras ou frases, de acordo com a observação e as
anotações do caderno de campo, lançando-se mão, também, dos elementos
de pontuação para se reproduzir o clima das sensações que compõem o texto.
No fim, o material foi encaminhado para a conferência junto às
colaboradoras do projeto. Ao longo da leitura do material, elas observavam
atentamente sua própria narrativa e repetiam a história, balançando a cabeça,
236
que significava sua confirmação. Nenhuma parte do texto foi retirada por elas.
Terminada a fase de transcriação, seguiu-se a versão final do texto.
As entrevistas foram focalizadas como o ponto de partida para as análises.
Inicialmente os textos foram lidos repetidas vezes e retirados os temas centrais
focados nas experiências relatadas. A discussão dos dados foi guiada pelo tom
vital e pela identificação das frases de maior significação das experiências de
vida das mulheres grávidas, precedida por um diálogo iluminado pelos autores
que compõem a literatura pertinente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
237
está com 21 Pólos Formadores e de Multiplicação, tendo sido formados cerca
de 8500 terapeutas comunitários (BARRETO, 2005).
De acordo com Barreto (2005), a TCI constitui-se de um espaço público
aberto, de ajuda mútua, onde se aborda tanto o indivíduo na sua singularidade
como no seu contexto social, familiar e cultural. Através da escuta das histórias
de vida de cada pessoa, todos se tornam co-responsáveis pela superação dos
desafios do dia-a-dia, despertando a solidariedade, a partilha, valorizando-
se a dinâmica interna de cada indivíduo e sua capacidade de transformação
individual e coletiva.
Os encontros de TCI tecem redes de apoio e despertam possibilidades
de mudanças, já que as pessoas da comunidade participam de uma mesma
cultura e partilham entre si recursos de comunicação e laços de identidade,
apresentando afinidades em seus sofrimentos e a busca de soluções para os
mesmos (BARRETO, 2005; BARRETO, RIVALTA, 2004).
A TCI como prática de cuidado à saúde se fundamenta nos conceitos
de promoção da saúde e prevenção do sofrimento psíquico e está ancorada
em cinco fundamentos teóricos conceituais: pensamento sistêmico, teoria da
comunicação, pedagogia de Paulo Freire, antropologia cultural e resiliência
(BARRETO, 2005).
Considera-se a TCI uma prática terapêutica pós-moderna crítica,
que reconhece as influências do macro contexto, sócio-econômico, político,
cultural, de gênero e espiritual, manifestando no micro-contexto familiar e
nas organizações comunitárias, um contexto de acolhimento pela alteridade,
na qual se tem a visão da pessoa e da comunidade como competentes para a
ação e para o agenciamento de escolhas (GRANDESSO, 2005).
A TCI é ainda um espaço para ampliação da consciência crítica sobre
os dilemas existenciais, em que cada pessoa pode transformar a sua história e
o seu sofrimento. A mudança decorre da organização do próprio sistema, nas
trocas sociais interativas entre eu e o outro.
É, portanto, uma estratégia terapêutica não mais centrada no modelo
medicalizado, mas na potencialidade do indivíduo, proporcionando o
equilíbrio mental, físico e espiritual, através de uma abordagem sistêmica,
aliada a suas crenças e valores culturais.
238
Sujeitos da história
239
mais calma... A terapia me ensinou a conversar com outras grávidas... a não ver só
problemas na vida, mas valorizar as coisas boas, as alegrias e vitórias”.
Gardênia: Com 30 anos, já teve cinco gestações, das quais três
abortos. Tem o ensino fundamental incompleto. Apresenta uma história de
vida de luta, marcada pela batalha para sobreviver e criar seu filho. Longe de
seu companheiro, sofre com a saudade. Sempre emotiva abriu seu coração,
com voz mansa ia relatando sua caminhada e ilustrando-a com o álbum de
fotografias e as recordações da Alemanha, onde tinha ido morar em busca de
melhores condições de trabalho. “Grávida eu tenho me sentido triste e só... tenho
medo de criar meus filhos sozinha, de ser abandonada. Muitas pessoas pensam que
as mulheres grávidas só precisam de exames, mas estão enganadas... A terapia foi
meu suporte... ajudou no meu dia-a-dia, me deixou mais decidida... Renovou
minha esperança”.
Rosa: Casada, com 24 anos, ensino médio completo, trabalha nos
afazeres domésticos. Com sorrisos, foi contando sua narrativa com um olhar
muito vivo. Acolheu-me na residência de sua mãe onde passou boa parte
de sua gravidez, já que se sentia sozinha porque o marido passava todo o
dia trabalhando. No momento da conferência, encontrei-me com Rosa, em
sua própria casa, de difícil acesso. Era um beco e adentrando várias casas
aglomeradas no bairro é fácil encontrarmos várias moradias nesse estilo. Fomos
conduzidas por uma agente de saúde que acompanhávamos nessas visitas.
“(...) comecei a sentir medo de perder o bebê... Me isolei. Na terapia aprendi que
temos que falar as coisas que estão nos fazendo mal... Colocar pra fora para não
prejudicar a minha filha que está dentro de mim”.
Dália: É solteira, com 24 anos, ensino fundamental incompleto, já
teve quatro gravidezes, dessas, um aborto. Além da terapia, encontrávamo-
nos momentos antes da consulta do pré-natal, onde realizamos a entrevista,
conforme vontade dela. Algumas anotações foram registradas em meu caderno
de campo. A conferência da entrevista foi realizada na sua residência. Recebida
com um sorriso, fui-me aconchegando e, entre momentos pensativos e um
olhar firme, fui lendo a entrevista com ela. “O que mais me preocupa é a falta
240
de apoio do pai, tenho medo de faltar as coisas... Tenho medo porque no início
tomei alguns chás para tirar... e fico com medo dela nascer com algum problema”.
Violeta: Com 24 anos, vive em união estável e já teve quatro gestações.
Cuida do lar e tem o ensino fundamental incompleto. É uma mulher
tranqüila, mas demonstrou ser muito preocupada com a educação e criação
dos filhos. Fiz a conferência em sua residência. A casa estava movimentada.
As mulheres preparavam o almoço e a arrumação da casa, conversando e
cantando... Quebrando a rotina daquele trabalho diário. Nesse clima familiar,
calmamente, Violeta foi narrando sua trajetória de vida. “Hoje em dia é difícil
querer ter uma família grande. Rezo e peço a Deus que mantenha meu esposo
empregado para poder criar meus filhos... A terapia tem sido uma boa ajuda,
realmente se a mulher quiser ser ajudada...”
Tulipa: Com 31 anos, vive em união estável, tem o ensino médio
incompleto e já teve duas gestações. No princípio, aparentou ser uma mulher
sem motivação para participar dos encontros de terapia, distanciada e sem
envolvimento nas conversas, mas nos surpreendeu pelo seu interesse nos
encontros subseqüentes e pela procura das atividades. Tulipa fala devagar,
sendo sempre muito pensativa nas respostas e econômica nas palavras. “A
terapia me preparou mais e encorajou a enfrentar qualquer dificuldade... não só
nas coisas da gravidez, mas em qualquer outra situação da vida”.
241
Lá a gente escuta e também fala e isso é interessante (Tulipa).
O que aprendi na terapia me ajudou na maternidade, a manter a
calma, a confiar em mim mesma... (Jasmim).
Lá eu aprendi que temos que falar as coisas que estão nos fazendo mal.
Temos que colocar para fora pra encontrar solução.
242
(...) é uma oportunidade de falar sobre as dúvidas que passa na
gravidez, e não dá tempo para falar na consulta do pré-natal porque
é rápida.
Sendo assim, a TCI foi um espaço para se falar das coisas do dia-a-dia
que tiram o sono dessas mulheres, favorecendo a partilha de dificuldades com
todo o grupo, sua história, seus medos, suas preocupações, como também,
suas competências. Eis o que Flor fala sobre isso:
243
Falei de meus medos na terapia e escutei outras mulheres que também
estão grávidas, então, trocando essa experiência, a gente vai superando
e diminuindo a ansiedade.
(...) a terapia tem ajudado nas conversas porque tem momentos para
falar o que está me aperreando e também escuto outras experiências
parecidas com a minha e vejo que não estou sozinha (Margarida).
244
resiliente que contribuiu para o empoderamento, já que as tornam capazes
de suscitar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre sua vida –
autoconfiança. Isso é visto na fala de Tulipa:
245
e consciente. Já as massagens e o relaxamento auxiliaram na descoberta de
suas transformações, amenizando medos, além de proporcionarem o contato
com o filho. Esses contatos fortalecem as experiências agradáveis que ficam
registradas no psiquismo do feto (MALDONATO, 1992; 2002).
O exercício físico possibilita um melhor controle corporal, beneficiando
o estado de humor e prevenindo desordens típicas da gestação. Já o relaxamento
e os métodos psico-profiláticos auxiliam a mulher a lidar com as vivências
e cuidar de si durante essa fase, como também prepará-la para o parto e a
maternidade (AFONSO, C.E; CABRAL, 2005).
Essas atividades vinculadas ao pré-natal proporcionam tanto o bem-
estar físico quanto o psicológico e com conseguinte melhora do aspecto
emocional (DAHLKE; DAHLKE; ZAHN, 2005), promovendo, na gestante,
a autoconfiança e elevando sua autoestima, amenizando as dores físicas, como
também as dores da alma.
Diante das falas das colaboradas, percebeu-se que quanto mais as
gestantes se concentravam em si mesmas e nos seus processos internos iam
superando ou aliviando mais facilmente suas ansiedades e entrando em
sintonia consigo mesmas, com o bebê e com suas mudanças, como afirma
Girassol:
246
afeto, numa relação de convivência que engloba o modo de ser do ser humano
(BOFF, 2001).
É a partir do cuidado com o outro que o ser humano desenvolve a
dimensão da alteridade, do respeito e de valores fundamentais da experiência
humana (BOFF, 2001). Destarte, nos encontros de TCI buscou-se resgatar
essa característica do ser humano.
A grande demanda nos serviços de saúde torna o momento da
consulta pré-natal algo rotineiro, não favorecendo um cuidar eficaz e se não
são problematizadas as ações cotidianas, pode-se reproduzir a reificação nesses
atendimentos.
Soma-se a isso o fato que muitos profissionais vêm de uma formação
centrada extremamente na dimensão biológica, o que acaba favorecendo o
distanciamento com o cliente. A ineficácia do modelo fechado da biomedicina
em modificar a dinâmica do adoecimento e alívio dos sofrimentos desafia
muitos profissionais a experimentarem novas práticas em saúde e implantarem
novas tecnologias do cuidar. A experiência da TCI com gestantes foi uma
estratégia de enfrentamento dessas problemáticas como se evidencia nas falas
das colaboradoras:
247
que permeou esse processo, em um clima de envolvimento entre todos nós,
profissionais de saúde e a comunidade, ou seja, um verdadeiro espaço de
inclusão social, de respeito às diferenças, como relatam os colaboradoras:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inserida na comunidade, a TCI nos faz apreender que cada gravidez
tem sua história permeada de significados que determinam como as mulheres,
a família e comunidade vivenciam esse processo. Através desse entrelaçamento
248
de saberes não se pode querer entender a gravidez a partir de uma visão
exclusivamente biológica. Ao contrário, a experiência mostrou a necessidade
da transdisciplinariedade das ações para o cuidado situado em cada contexto
histórico e em cada cultura.
A TCI como tecnologia do cuidar apoiada na inserção social e no
empoderamento, representa uma ferramenta para se entender a mulher como
sujeito ativo de sua história, além de favorecer a criação de uma rede de apoio
e meios de socializar as falas, as inquietações, enfim, as experiências do vivido.
A socialização das experiências da TCI e o conhecimento advindo dos
recursos dos próprios indivíduos, das famílias e da comunidade, somam-se na
construção de um verdadeiro exercício de liberdade, através da ampliação da
consciência da população em relação aos seus direitos. Além disso, fomenta
a aquisição de recursos para o desenvolvimento de ações educativas para o
autocuidado, para o despertar do empoderamento e da resiliência individual e
comunitária, articulando a circulação de informações em um trabalho criado
coletivamente.
Este estudo recomenda a TCI como uma ação de saúde comunitária,
para ser incluída na rede de atenção básica do SUS podendo ser inserida na
agenda das unidades de saúde, pois proporciona o acolhimento da comunidade,
o fortalecimento de vínculos, a construção de teias de solidariedade e favorece
o respeito e a comunicação entre o saber popular e o saber científico.
Enfim, a intervenção da TCI com as gestantes representou um trabalho
pioneiro, contribuindo para a melhoria da saúde das mulheres bem como
para a redução de perturbações psicossomáticas na medida em que socializou
informações relevantes para que as mulheres pudessem encontrar suas próprias
estratégias de enfrentamento para suas dificuldades cotidianas.
249
REFERÊNCIAS
BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano: compaixão pela terra. 7 ed. Petrópolis
: Vozes, 2001.
251
PARTE V
11
Dayse Gomes Sousa de Oliveira
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha
INTRODUÇÃO
*Resumo da dissertação defendida por Dayse Gomes Sousa de Oliveira no Programa de Pós Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba – UFPB em dezembro de 2008.
254
nova lógica, com maior capacidade de ação para atender às necessidades de
saúde da população de sua área de abrangência (FREITAS, 2008).
Igualmente, a Política Nacional de Saúde Mental, pautada na Lei
Federal 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, também redireciona
o modelo assistencial em Saúde Mental, prevê que suas ações tenham como
cerne e fio condutor a humanização, de maneira que o usuário do sistema
consiga usufruir de forma universal, integral e sistêmica sem nenhuma
restrição.
A lei prevê, ainda, a criação de mecanismos que promovam a
inversão da cultura hospitalocêntrica, através da substituição da internação
pela atenção em serviços comunitários em base territorial que atuam em
rede. Essa rede é composta pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
pelos Ambulatórios, pela Atenção Básica, pelos Serviços Residenciais
Terapêuticos, pelos Centros de Convivência e Cultura, entre outros.
As Equipes de Saúde da Família-EqSF recisam estar se preparando
para promover a Saúde Mental no contexto geral da saúde, prevenir o
adoecimento mental, identificando situações e fatores de risco, aos quais
a população está exposta e que provocam sofrimento, como também,
responder, de modo satisfatório, às necessidades de saúde dos seus usuários
(Pinheiro; Mattos, 2001).
Dentre as ações definidas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS)
de João Pessoa - PB - para reorganizar sua rede de atenção à saúde, a
estratégia referente à Saúde da Família constitui o eixo norteador para a
organização da atenção básica. A implantação da ESF, na referida cidade,
ocorreu em duas etapas: começou no ano de 2000, com sete equipes, e,
em 2004, esse número foi ampliado para 180 equipes, permanecendo
assim até então. Essa ampliação teve por objetivo a expansão da cobertura
territorial e populacional das ações básicas de saúde.
Antes se tinha uma rede de cuidado para a atenção básica ainda muito
incipiente. Porém, com essa ampliação, houve uma expansão da rede de
cuidados para a comunidade e, consequentemente, o aumento da demanda
passou a ser bem diversificado, expandindo-se para o atendimento aos usuários
com sofrimento emocional. Percebeu-se, então, que a população precisava
255
falar do cotidiano e dos problemas que afetam a saúde, para além da dimensão
biológica.
Nesse contexto, a Terapia Comunitária Intregativa - TCI surge como
uma possibilidade e vem se consolidando como uma prática integrativa, que
deve se constituir como uma estratégia includente e cidadã, a fim de favorecer
mudanças das práticas de saúde e desenvolver ações terapêuticas por meio
da construção de saberes (científico/popular), que proporcionam o equilíbrio
físico e mental dos usuários. Essa ferramenta funciona, portanto, como
fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e de identidade cultural
da comunidade (BARRETO, 2008).
A TCI vem ocupando um lugar fundamental como uma tecnologia de
cuidado, em que as relações são fundamentais para a produção do cuidado.
Na perspectiva de Boff (2004, p.13), o cuidado, enquanto “princípio
inspirador de um novo paradigma de convivialidade”, deve estar voltado para
a preocupação com o outro, enxergando mais profundamente seu sentido e
essência, atendendo as suas necessidades, ao mesmo tempo em que potencializa
dimensões profundas do ser humano.
Outro ponto importante a destacar é que a TCI propicia a redução
de agravos e danos, pois respeita a competência das pessoas e promove a
construção de redes sociais utilizando-se de meios para que elas exponham
o que sentem, evitando que as doenças se somatizem no corpo. Assim, a
população atendida precisa falar do cotidiano e dos problemas que lhe afetam
a saúde. Além disso, na rede de serviços municipais, faltam espaços adequados
de escuta do sofrimento dessas pessoas e que proporcionem o estabelecimento
e o fortalecimento de vínculos tão desejados pela equipe de Saúde da Família.
Essa é a estratégia forte que a TCI traz.
Considerando a relevância da TCI para a formação dos profissionais
que atuam na ESF e o impacto que ela está causando no campo da Saúde
Mental dos usuários, evidencia-se que essa tecnologia de cuidado contribui
com a construção e a ampliação do conhecimento, principalmente na área
de saúde comunitária, a fim de que se revelem resultados de ações práticas
desenvolvidas por enfermeiras e outros profissionais da saúde para serem
256
utilizadas no enfrentamento dos problemas que afetam a Saúde Mental da
população (FERREIRA FILHA; DIAS, 2007).
Logo, é inegável a contribuição dessa ferramenta como veículo de
mudança para a saúde dos usuários assistidos na ESF e para as famílias e
comunidade. Para além dessas considerações, conhecer os fragmentos que
compõem a história da implantação da TCI no cenário da Atenção Básica
no município de João Pessoa-PB, suas motivações junto aos trabalhadores
da saúde, as facilidades e os desafios enfrentados nessa trajetória é bastante
relevante, pois se trata de uma temática nova, que carece de investigação
no sentido de alicerçar uma prática que vem se consolidando como uma
estratégia de cuidado com a saúde mental no nível comunitário, uma vez
que é uma tecnologia de baixo custo, e também porque a partir do saber
produzido poderemos gerar novos conhecimentos subsidiando a implantação
da TCI diferentes espaços.
Enquanto conhecedora da importância da TCI para melhorar a
qualidade de vida da população assistida pela referida estratégia, como
fisioterapeuta e discentes do Programa de Pós-graduação em Enfermagem do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, me senti
motivada e curiosa para conhecer essa história que vem se construindo aqui
no município de João Pessoa-PB de forma pioneira no Brasil.
Este estudo teve como objetivo, conhecer o processo de implantação
da terapia comunitária e sua importância para a organização da demanda de
cuidados de saúde na rede de serviços básicos no município de João Pessoa –
PB.
MÉTODO
257
Nesta pesquisa para a produção do material empírico foi utilizado o
método da História Oral. A partir da identificação da colônia (coletividade
que tem objetivos comuns), formou-se a rede de colaboradores deste estudo.
Foram colaboradores da pesquisa as pessoas que aceitaram participar
do estudo, conforme disposto no termo de consentimento livre e esclarecido
e na carta de cessão, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde.
A escolha dos colaboradores foi feita com base nas relações estabelecidas
na colônia, que foi formada por todos os profissionais ligados ao Projeto
de Terapia Comunitária, no Município de João Pessoa – PB, e a rede foi
constituída por onze colaboradores, que detiveram as informações necessárias
ao atendimento dos objetivos deste estudo.
No âmbito desta pesquisa, foi considerado ponto zero a entrevista da
colaboradora Ana Vigarani, porque serviu de guia, orientando o andamento
das demais entrevistas (DIAS, 2006).
Com base na História Oral Temática, a técnica de produção de material
foi realizada através de entrevista, com a utilização do gravador. O processo de
entrevista, segundo as proposições de Bom Meihy (2005), compõe-se de três
etapas: a pré-entrevista, a entrevista propriamente dita e a pós-entrevista.
A pré-entrevista corresponde ao momento em que se estabelece o primeiro
contato com os colaboradores, para que tomem conhecimento do projeto,
dos seus objetivos.
Neste estudo, as entrevistas foram agendadas, de acordo com a
disponibilidade dos colaboradores, de quem foi solicitada autorização para
o uso do gravador e o seu comparecimento ao local no horário combinado.
Cada um deles foi informado sobre os objetivos do estudo, suas etapas e sobre
a importância de sua participação, conforme disposto na Carta de Cessão e
no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do referido estudo. Todos
os colaboradores assinaram esses documentos em duas vias, permitindo a
publicação das informações e a utilização do nome civil.
Assim, a primeira entrevistada foi realizada com a colaboradora
Ana Vigarani. Na realização da entrevista, procurou-se criar um clima de
aconchego, tranquilidade e confiança capaz de deixá-la à vontade para contar
a sua história. Bom Meihy (2005) afirma que todos os projetos de História
258
Oral necessitam serem guiados por perguntas de corte, definidas como
questões que perpassam todas as entrevistas e que devem se relacionar com a
comunidade de destino, marcando a identidade do grupo analisado.
As perguntas de corte que guiaram este estudo foram as seguintes: Conte
como vem se dando a implantação da Terapia Comunitária no Município
de João Pessoa - PB. Qual é a importância da Terapia Comunitária no
Projeto Político de reorganização dos serviços de saúde da atenção básica no
Município de João Pessoa - PB? E quais os desafios encontrados no processo de
implantação e de operacionalização da TCI, para a inserção de novos saberes,
visando à transformação de práticas no cotidiano do SUS?
A pós-entrevista, segundo Bom Meihy (2005), segue a realização da
entrevista. Nessa etapa, foi comunicado aos colaboradores o andamento do
trabalho e explicado como se deu o processo de construção do documento,
como também agendados os demais encontros para a conferência do material.
Após a produção do material, transformou-se todo o relato das entrevistas
em texto. Bom Meihy (2005) indica três fases para a análise do material e para
a construção do texto: a transcrição, a textualização e a transcriação.
No método da História Oral, após a realização da entrevista, o
depoimento oral foi submetido à fase de transcrição. Nesse momento,
transcreveu-se o material na íntegra, com todos os detalhes contidos na
entrevista. Na moderna História Oral, destina-se a dar visibilidade ao caso
tematizado ou à história narrada.
Na textualização, fase que segue a transcrição do material empírico,
suprimidas as perguntas de corte, e o texto passou a ter um caráter narrativo.
Nessa fase, iniciou-se a identificação do tom vital da entrevista, ou seja, o tema
que tem maior força expressiva no relato do colaborador, que é adotado como
epígrafe em cada narrativa. Portanto, o tom vital norteou a análise do material
empírico produzido fundamentado na literatura pertinente.
A transcriação é a fase em que se permite a interferência do pesquisador
no texto, na perspectiva de transcriar o material textualizado, em sua versão
final, o qual se compromete com a elaboração de um texto recriado em
sua plenitude, ordenando-se os depoimentos em parágrafos, retirando ou
acrescentando palavras ou frases, de acordo com as observações e as anotações
259
realizadas no caderno de campo. Para reproduzir o clima das sensações que
compõem o texto, foram empregados elementos de pontuação.
Ao final das três fases, o material foi encaminhado aos colaboradores
do projeto para que procedessem à conferência – que foi realizada no local
de trabalho de cada um deles - aplicando-se o princípio da flexibilização para
as negociações quanto a cortes e correções no texto. Esse processo contribuiu
para conhecê-los melhor, dirimir dúvidas e fortalecer o vínculo de amizade
estabelecido.
Convém que se registre que nenhum colaborador sugeriu a retirada de
algum trecho da sua entrevista. No entanto, dois deles solicitaram que fossem
acrescentadas algumas informações para complementar a leitura, sendo, pois,
prontamente atendidos. No geral, fizeram-se apenas correções quanto às
palavras que não foram compreendidas durante a transcrição.
O material empírico foi construído com base na entrevista com a
utilização do gravador e dos registros no caderno de campo, no qual, segundo
Bom Meihy (2005), registram-se as observações sobre o andamento do
projeto, das entrevistas específicas e as impressões do pesquisador ao longo
do processo, tornando-se um referencial para a finalização do trabalho.
A análise do material empírico produzido baseou-se nos pressupostos
adotados por Bom Meihy (2005). Em seguida, foram construídos os eixos
temáticos, com base no tom vital das entrevistas dos colaboradores, os quais
guiaram o processo de discussão dialogada com base na literatura pertinente.
O estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP), do Centro de Ciências da Saúde (CCS), da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), em respeito à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa
envolvendo seres humanos.
260
ANALISE E DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPIRICO
A cada momento percebo que sempre daquela história existe uma outra
história por trás e hoje consigo perceber isso [...].
261
A Irmã Ana, dentro desse projeto do Estado, com certeza foi esse
fio condutor para trazer a TCI para nossas comunidades. Ela foi se
articulando, trazendo, mostrando esse trabalho, que foi crescendo, e
hoje está nessa rede...
263
influenciaram algumas Diretoras de Distrito a fazerem uma formação em
Cuidando do Cuidador em Fortaleza - CE, como afirma Márcia Rique:
Essa decisão se deveu ao fato de que, nessa época, a gestão por meio da
Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS) estava num momento de
discussão de como potencializar a Saúde Mental dentro da Atenção Básica em
João Pessoa – PB, pois, de acordo com Roseana Meira, Secretária da Saúde,
naquele momento, afirmou que:
264
o processo de formação de profissionais da saúde em Terapia Comunitária,
como dispositivo para a promoção da saúde e a prevenção do transtorno
mental. Sendo assim, na Paraíba, o processo de formação de terapeutas
comunitários começou em janeiro 2007. Concomitantemente formaram-se
duas turmas, uma da qual participaram 65 profissionais da Estratégia Saúde
da Família do Município de João Pessoa, e outra turma, com profissionais da
Estratégia Saúde da Família de Municípios circunvizinhos, a saber: Pedras de
Fogo - PB, Conde - PB e São Bento - PB. Sobre a turma de João Pessoa - PB,
especificamente, Ana Vigarani declara:
Estou muito otimista com essa implantação. [...] Como Gestão, tivemos
vários cargos de direção envolvidos nessa formação da primeira turma
de terapeutas. [...] Selecionamos pessoas de cargos chaves, que atuariam
bem como facilitadores para implantar a Terapia Comunitária para o
restante da rede.
265
Também em 2008, o MS, liberou recursos para o desenvolvimento de um
projeto relacionado ao processo de formação dos terapeutas comunitários
envolvendo 100 Municípios. Representando a Paraíba, o Pólo formador
(MISC – PB) criado em 2007, foi responsável por mais uma turma de
profissionais da equipe da ESF em seis Municípios do sertão paraibano. Esse
breve relato histórico mostra que a TCI é uma ferramenta de cuidado, que
vem se consolidando em João Pessoa – PB e no Estado da Paraíba.
266
Hoje tenho outra forma de me colocar na roda [...] a TCI mudou a
minha vida pessoal em vários aspectos, como vejo que a vida das pessoas
mudou também, os primeiros a mudar são os terapeutas [...] (Lino).
Sou outra pessoa após a TCI [...] Passei a me conhecer mais e também
a me posicionar. Não sou “a” salvadora do mundo, sou como as outras
pessoas (Fernanda).
[...] percebemos facilmente que onde tem essas rodas, tem ocorrido uma
interação, um aumento do vínculo entre a própria equipe, equipe/
comunidade, comunidade/equipe (Roseana).
268
p.37) ressalta que a autoestima é o sentimento, é a crença em si mesmo, é a
“capacidade de dar a volta por cima nas dificuldades quase insuperáveis, a
criatividade diante de situações de opressão coletiva que ameaçam o horizonte
da esperança”. Os colaboradores perceberam que as pessoas se tornaram mais
confiantes, mais decididas, passando a adotar outra postura em relação à vida,
como mostram estes discursos:
269
o comunitário. O modelo hospitalocêntrico enfoca o indivíduo e a cura,
enquanto o modelo comunitário, que tem como base a comunidade, valoriza
o coletivo, buscando a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento. Essa
transição foi fortemente marcada pelos Movimentos da Reforma Sanitária e
da Reforma Psiquiátrica (CAVALHERI, 2002; LUISI, 2006).
Nessa perspectiva, como a cidade de João Pessoa está inserida nesse
contexto nacional, busca, por meio da TCI, não só capacitar seus profissionais
de saúde da ESF, para atuarem com pacientes portadores de transtorno mental,
visando proporcionar um instrumento de cuidado que, com outras práticas,
amplie a resposta do sistema de saúde para as necessidades dos usuários, mas
também favorecer um modelo de assistência comunitário. Com relação ao
exposto, as colaboradoras comentam:
271
mais próximo do outro, que se percebe dependente do bem-estar do
outro.
Esperamos que este debate seja ampliado, para que a Saúde Mental seja
uma responsabilidade desde a Atenção Básica porque, assim, iremos
diminuir o número de internações, o consumo de medicamentos e
proporcionarmos um acompanhamento ao paciente e não simplesmente
só encaminhá-lo, como normalmente o é feito (Roseana).
272
social. Porém, vale salientar que a integralidade para efetivamente, ser posta
em prática, necessita da conscientização, do empenho e da participação de
todos, uma vez que uma rede de qualidade é composta pela integração de
várias pessoas: gestão, profissionais e comunidade.
Temos, portanto, um longo caminho a trilhar, mas a implantação da
TCI já foi um grande passo de conquista e, como expressa a Professora Ana
Maria, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB:
Desafios apontados
A equipe não adere, acho que não é nem a adesão da equipe, é esse
choque de visão, porque se acho que a TCI é uma coisa boba, é uma
coisa a mais, está mexendo com a minha visão de saúde-doença, e
transformá-la não é tarefa fácil.
275
Vale ressaltar que, de acordo com Campos (2005, p. 11), “há muito
que se criticar e muito que se aprender com a tradição da Saúde Pública.
Todo pensamento comprometido com algum tipo de prática (política, clínica,
sanitária, profissional) está obrigado a reconstruir depois de desconstruir”.
O Brasil, na década de 1970, apresentava um modelo hegemônico:
médico assistencial-privatista, centrado na “demanda espontânea”,
predominantemente curativo, que reforçava a atitude dos indivíduos de só
procurar os serviços de saúde quando se sentiam doentes (PAIM, 2003). Mas,
com o processo de construção do SUS, apresentou-se um elevado impacto,
não somente por causa da substituição de um modelo que não atendia às
necessidades da população, mas também porque, foi por meio dele, que se
deu o início efetivo da participação da sociedade brasileira na determinação
de seus destinos vinculados ao Setor da Saúde. Isso contribuiu para que a
população não acreditasse mais em ações de saúde que não eram eficazes para
a sua realidade. Outros desafios citados por Eulina e por Célia Maria foram
com relação à descrença nos serviços que são oferecidos nos setores de saúde e
à participação da comunidade. E assim as colaboradoras afirmam:
276
Temos ainda um déficit muito grande em relação à nossa rede de Saúde
Mental do Município de João Pessoa - PB, mas a TCI preenche uma
parte desta lacuna, dessa rede substitutiva, ela proporciona a escuta
acima de tudo, da história do dia-a-dia, da subjetividade do ser
humano.
Sabe-se que, para transpor esses desafios, a TCI necessita de uma ação
entre gestão, profissionais e comunidade, pois, através dessa da ação dessa teia,
essa tecnologia de cuidado tenderá a crescer, se fortalecer e atingir cada vez
mais outras pessoas, em um processo de expansão que vem se desenrolando
no âmbito nacional e internacional.
Por fim, espera-se, com a identificação desses desafios, no que concerne
à TCI, contribuir para a elucidação de outros estudos referentes a essa temática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
277
área de Saúde Mental, porque sua atuação hoje se amplia no cenário da Saúde
Comunitária.
Nas narrativas, percebeu-se que a TCI vem se consolidando, cada vez
mais, como uma nova tecnologia de cuidado no SUS e na Atenção Básica,
o que favorece e desenvolve ações de promoção da saúde e prevenção do
sofrimento emocional. Também se constatou que ela vem se constituindo
uma ferramenta que cria espaços de escuta sensível, contribui para a reflexão,
gerando mudanças de atitudes que levam à transformação, em âmbito pessoal,
profissional, comunitário e de práticas nos serviços de saúde. Também,
promove a melhora da autoestima e a resiliência, a formação de vínculos
entre os indivíduos da comunidade e da comunidade com a equipe de saúde,
contribui para práticas mais acolhedoras e integralizadas no serviço. A TCI
enquanto ferramenta de cuidado favorece o processo de superação e de
crescimento dos profissionais e da comunidade, contribuindo sobremaneira
para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Com este estudo espera-se, poder subsidiar e oferecer elementos e
estratégias para a implantação da TCI em outros Municípios brasileiros e
contribuir para a ampliação e implementação desse instrumento de significativa
importância, que é a Terapia Comunitária para a sua consolidação no SUS,
como ferramenta de cuidado á saúde das pessoas, famílias e comunidade.
REFERÊNCIAS
BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 34. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2000.
______. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Rio de Janeiro: Vozes,
2004.
BOM MEIHY, J. C. S. Manual de história oral. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
278
______. HOLANDA, F. História oral: como fazer como pensar. São Paulo: Editora
contexto, 2007.
279
2006. 231p. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
USP, São Paulo, SP, 2006.
ZAMPIERI, M.F.M. Humanizar é preciso: escute o som desta melodia. In: OLIVEIRA,
M. E.; ZAMPIERI. M.F.M.; BRÜGGEMANN, O. A. A melodia da humanização:
reflexões sobre o cuidado no processo do nascimento. Florianópolis: Cidade Futura,
2001. p. 73-85.
280
A TERAPIA COMUNITÁRIA COMO INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO DA SAÚDE MENTAL NA
ATENÇÃO BÁSICA: AVALIAÇÃO DA
SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS*
12
Fábia Barbosa de Andrade
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Rodrigo Pinheiro Toledo Vianna
Antonia Oliveira Silva
Iris do Céu
INTRODUÇÃO
*Resumo da dissertação defendida por Fábia Barbosa de Andrade no Programa de Pós Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba – UFPB em dezembro de 2009.
281
outra inversão importante foi direcionada para o eixo do cuidado, que se
centrava, a priori, no modelo individual e curativo, passando a prioridade
para o modelo comunitário e preventivo.
Entretanto, para que tais mudanças viessem a acontecer várias estratégias
foram traçadas no plano político, econômico e educacional. Foi necessária
a reformulação de planos, projetos e ações que influenciaram o modo de
pensar e agir, principalmente, de gestores dos serviços de saúde bem como dos
profissionais que neles atuavam, para garantir o direito à saúde, previstos pela
Constituição Brasileira de 1988. A busca por um modelo democrático de saúde
chamou a atenção do governo vigente para o estabelecimento de prioridades e
estratégias de longo alcance para a população até então desassistida.
Como a oferta de serviços de saúde ainda era pequena para garantir
uma ampla cobertura populacional, em 1994 foi criado o Programa de Saúde
da Família-PSF, atualmente denominado Estratégia Saúde da Família-ESF,
para fazer com que a oferta de serviços de saúde de atenção primária, pudesse
chegar mais perto das famílias e comunidades, principalmente daquelas
economicamente menos favorecidas e em situação de risco de adoecimento
(FERREIRA FILHA, DIAS, 2007).
O PSF inicia a expansão da rede de serviços de atenção básica,
direcionando as ações do cuidado para a promoção da saúde e a prevenção
do adoecimento, na tentativa de diminuir os gastos com o modelo hospitalar
e, ao mesmo tempo, garantir mais recursos para investimento no modelo
comunitário. A implantação desse modelo também faz com que o país atenda
as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização
Panamericana de Saúde (OPS) que, desde a Conferência Internacional de
Alma Ata realizada em 1978, estimula os países a priorizarem maior assistência
no nível primário, ou seja, na promoção da saúde e na prevenção de agravos.
Nesses últimos anos do século XX e início do século XXI, o Ministério da
Saúde tem trabalhado na perspectiva da implantação do modelo comunitário
de atenção à saúde. Contudo, algumas áreas do cuidado ainda carecem de
tecnologias de base comunitária para expandir a sua oferta de serviços. A área
de saúde mental busca estratégias para enfrentar esse desafio, pois ao longo de
sua trajetória histórica construiu seu modelo de cuidado focalizado no eixo
hospitalar e, somente com o andamento do projeto de reforma psiquiátrica,
282
ficou mais evidente a reversão do modelo hospitalocêntrico, e as discussões
sobre esse modelo aparecem mais fortemente, dando ênfase à construção de
um modelo de base comunitária.
Com a aprovação da lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção
e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental, os atores sociais envolvidos com
o projeto da reforma psiquiátrica passaram a investir mais fortemente na
construção do modelo de saúde mental de base comunitária e as equipes de
trabalhadores da Estratégia Saúde da Família passaram a ser o foco para a
construção desse modelo (BRASIL, 2001).
A expansão da oferta de serviços de saúde, através da ESF, revelou um
aumento considerável na demanda de cuidados para a rede básica de saúde.
Essa demanda, no caso da saúde mental, foi detectada pelo aumento do
consumo de psicofármacos.
Uma pesquisa realizada por Hildebrandt et al (2004) em um serviço
municipal público de saúde da cidade de Panambi, Rio Grande do Sul, revelou
a existencia de um quantitativo de 781 consumidores de psicofármacos , dos
quais 535 (68,5%) eram do sexo feminino e 246 (31,5%) masculino. Os dados
mostram ainda que há uma homogeneidade no percentual de consumidores
de drogas psicoativas nas diferentes faixas etárias, em que a idade superior a
30 anos mantém-se entre 13,2% a 19,1%, tendo um menor percentual de
usuários com idade inferior a 20 anos (20,7%). Essas informações mostram
o expressivo número de pessoas que utilizam substâncias psicotrópicas em
idade economicamente ativa, o que pode comprometer o desempenho da
atividade laboral. Dentre os motivos para iniciar o uso de medicamento
psicotrópico, a ansiedade encontra-se em destaque, com 578 (73,9%)
casos. Na seqüência aparecem às manifestações de ordem clínica, com 135
(17,3%) indivíduos. A doença mental se apresenta em terceiro lugar com
31 (4,0%) usuários. Tentativa de suicídio aparece a seguir com 11 (1,4%)
situações e, em menor proporção, a dependência química com 09 (1,2%)
pessoas, e retardo mental, com 02 (0,3%) ocorrências. Em relação ao tipo
de droga utilizado, os antidepressivos aparecem como sendo a substância
com maior percentual de uso, totalizando 257 (32,9%) indivíduos, seguidos
283
dos ansiolíticos em 218 (27,9%) dos casos e, em terceiro lugar as drogas
anticonvulsivantes (HILDEBRANDT et al, 2004).
Esses dados são preocupantes, pois pode haver realidades semelhantes
em outros municípios do país, o que deixa em alerta gestores e profissionais
da área de saúde mental, por se saber da deficiência de habilidades específicas
da ESF em lidar com pessoas em situação de sofrimento psíquico.
Os relatórios da OMS/OPS revelaram que, no ano 2000, os transtornos
mentais e neurológicos foram responsáveis por 12% do total de anos vida
ajustados por incapacitação (AVAI), perdidos em virtude das doenças
incapacitantes (os transtornos depressivos, a esquizofrenia, as resultantes
do abuso de substâncias, a epilepsia, o retardo mental, os transtornos da
infância e adolescência e a doença de Alzheimer), e que no ano 2020 a carga
dessas doenças cresceria para 15%, sendo que apenas uma minoria recebia
tratamento adequado (OMS/OPS, 2001).
A OMS e a OPS, desde a última década do século XX até os dias atuais
têm considerado a saúde mental como uma prioridade que os governos latino-
americanos devem encarar, pois, segundo essas organizações, os sofrimentos
psíquicos aumentam ostensivamente e a maioria deles é prevenível. Tais
organizações entendem também que a área de saúde mental pode contribuir para
controlar e reverter os processos de desumanização nas organizações sociais, em
particular naquelas de atenção à saúde mental e que os profissionais de saúde
mental não devem ocupar-se apenas em prevenir o sofrimento psíquico e atender
os que dele padecem, mas também, de atender as múltiplas dimensões psicossociais
da saúde em geral. Para tanto, detecta-se a necessidade de investimentos na área
de saúde mental para impulsionar planos e projetos direcionados para o modelo
comunitário.
O início do século XXI foi fortemente marcado pela expansão de serviços de
base comunitária como os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, cujo objetivo
fundamental é promover a desospitalização, diminuindo as reinternações, bem
como a reabilitação e inclusão social dos portadores de transtornos mentais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que têm sido dados passos importantes em
busca de consolidação do modelo de saúde mental de base comunitária, pois já
existem no país mais de 1.000 CAPS, segundo dados do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2009). Contudo, esse número ainda está aquém do que a comunidade
284
necessita, e percebe-se a insuficiência de investimentos financeiros e de recursos
humanos no sentido de implementar planos e projetos para promover a saúde
mental, prevenir o adoecimento e reduzir o consumo de psicofármacos pela
população.
As universidades, que sempre tiveram um papel de destaque nesse
cenário de mudanças, começaram a se preocupar com essa situação
e, em algumas delas, foram iniciados estudos, em nível de graduação e
pós-graduação, para identificar possíveis obstáculos que dificultam esse
processo de transformação, evidenciados pela falta de investimentos para
a formação de especialistas no campo da saúde mental, pela dificuldade
de aceitação por parte das ESF em lidar com pessoas em situação de
sofrimento emocional e, ainda, pelo empobrecimento de conteúdos
políticos dentro dos currículos de cursos de graduação e pós-graduação na
área de saúde mental (ALENCASTRE, 2000).
Partindo do conhecimento de algumas experiências inovadoras no
campo da saúde mental comunitária, que vêm sendo realizadas com sucesso em
vários municípios brasileiros, a exemplo da terapia comunitária, duas docentes
do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) iniciaram, em 2004, uma atividade
pioneira no Estado da Paraíba, com a implantação de um projeto de extensão
denominado “Terapia Comunitária: uma ação básica de saúde mental”. Tal
projeto foi implantado na Unidade de Saúde da Família – Ambulantes, do
Bairro de Mangabeira, no município de João Pessoa/PB, junto com a Equipe
de Saúde da Família, com a finalidade de avaliar a viabilidade e o impacto
da terapia na redução do sofrimento emocional entre os usuários da referida
unidade de saúde.
A Terapia Comunitária Inegrativa (TCI) originou-se na comunidade
Pirambu, bairro pobre da periferia da cidade de Fortaleza/CE há
aproximadamente 21 anos. Foi criada pelo Professor Dr. Adalberto de Paula
Barreto, médico psiquiatra, docente da Universidade Federal do Ceará, do
Departamento de Saúde Comunitária. Ela se realiza por meio de encontros
na comunidade em que as pessoas participantes relatam inquietações e
problemas advindos do cotidiano que muitas vezes, transforma-se em
sofrimento emocional. Nesses encontros, resgata-se por meio do diálogo a
285
fortaleza dos moradores, e a cada dia se experimenta o (re) fazer de elementos
imprescindíveis na composição de sua identidade comunitária.
A experiência realizada em Mangabeira, bairro de João Pessoa/PB
revelou que tanto os profissionais da Equipe da USF – Ambulantes, como
os participantes da TCI perceberam repercussões positivas no processo
de trabalho da equipe, como a diminuição do sofrimento emocional dos
usuários, evidenciada pela redução das queixas durante os atendimentos,
no fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais e na retomada da fé e de
mais esperança no prosseguimento da trajetória da vida (GUIMARÃES;
FERREIRA FILHA, 2006).
Diante dessa repercussão, a TCI ganhou visibilidade no município, e
houve interesse por parte da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João
Pessoa, Paraíba, em expandir a TCI para outras Unidades de Saúde da Família.
Em 2007, foi iniciado o processo de formação de terapeutas comunitários, e
atualmente o município conta com 61 terapeutas formados, 65 em processo
de formação, sendo que todos eles já realizam a TCI nos territórios onde
atuam (SMS/JOÃO PESSOA, 2009).
Segundo dados da SMS de João Pessoa/PB (2009), após um ano do
início da formação de 61 terapeutas já haviam sido realizadas 894 rodas de
TCI, atendendo a mais de 13.845 (treze mil oitocentas e quarenta e cinco)
pessoas nas comunidades. Os terapeutas relatam que a terapia comunitária
tem ajudado a melhorar o processo de trabalho da equipe, bem como os
vínculos com a comunidade.
É importante ressaltar que a TCI também se expandiu no cenário
nacional e internacional. Neste último, a TCI é desenvolvida na França e Suíça
desde 2004 e, em 2009, a TCI chegou ao Uruguai, Argentina e Venezuela,
através da formação de terapeutas comunitários pelo Pólo de Formação
Movimento Integrado de Saúde Comunitária (MISC) da Paraíba, para
atuarem em serviços comunitários. A expansão no Brasil foi mais evidente no
ano de 2006, através de um convênio entre a Secretaria Nacional Antidrogas e
o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (MISMEC) do Ceará
para formar 900 terapeutas em todo o país, para atuarem como promotores de
saúde no combate às drogas. No ano de 2008, o Ministério da Saúde firmou
um convênio com a Universidade Federal do Ceará – UFC, para que fossem
286
formados como terapeutas comunitários mais 1.050 profissionais da ESF, de
vários municípios brasileiros, desta vez buscando incluir a TCI na atenção
básica à saúde, através das Equipes de Saúde da Família. No ano de 2009, o
convênio foi renovado com o Ministério da Saúde, e mais 950 terapeutas da
ESF estão sendo formados, espalhados pelo território nacional. É importante
mencionar que o Pólo de Formação do MISC/PB é parceiro nesse convênio
e formou, no ano de 2009, 55 terapeutas que atuam em cidades do sertão
paraibano, e mais de 70 estão em processo de formação, também no sertão
paraibano, tendo sido incluído um município do Rio Grande do Norte.
Isso confirma a expansão da TCI e sua aplicabilidade na rede de serviços
comunitários, em diferentes contextos populacionais de diferentes culturas
(FERREIRA FILHA; DIAS, 2007).
No momento atual, entendemos que se faz necessária uma avaliação da
satisfação dos participantes da TCI em relação a essa ferramenta do cuidado,
para que se possa continuar conhecendo o seu impacto na atenção básica de
saúde e, mais especificamente, no campo da saúde mental, uma vez que a
terapia comunitária vem se expandindo dentro do Estado da Paraíba com o
apoio técnico financeiro do Ministério da Saúde e da Universidade Federal
do Ceará, através do Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária -
MISMEC/CE, do Movimento Integrado de Saúde Comunitária – MISC/PB,
e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental Comunitária - GEPSMC,
vinculado ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade
Federal da Paraíba - UFPB.
Atualmente existe, no cenário da saúde coletiva, o interesse em
avaliar práticas de saúde que tenham competência reconhecida e que
sejam compatíveis com os princípios norteadores do SUS: universalidade,
integralidade e equidade. A TCI é uma ferramenta que atende a esses princípios
e, ao longo de sua trajetória, tem demonstrado ser uma tecnologia de baixo
custo para a população em situação de risco de adoecimento e com sofrimento
emocional, visto que seus encontros acontecem na comunidade onde residem
os usuários, que comungam de realidades semelhantes e usam estratégias
de enfrentamento com base na história de vida de cada indivíduo em uma
sintonia participativa de pessoas de qualquer idade, sexo nacionalidade ou
religião. A Terapia acontece em locais onde as pessoas têm acesso fácil e não se
287
limita a um número absoluto de pessoas. Além disso, qualquer pessoa pode ser
terapeuta comunitário, seja profissional da ESF ou usuário da comunidade,
desde que atenda ao requisito mínimo, ou seja, o desejo de ajudar outras
pessoas a encontrar soluções para os problemas do cotidiano, desde que
acredite em si e no outro, aceitando ser um cuidador em potencial.
Existe um forte interesse por essa estratégia de promoção de saúde
mental, tendo em vista o Pacto pela Saúde firmado pelo governo Federal,
através da Portaria do Gabinete do Ministro, de n° 399, de 22 de fevereiro de
2006, o qual chama a atenção para mudanças significativas, tendo em vista a
consolidação do SUS (BRASIL, 2006). Como a TCI vem emergindo como
estratégia que pode ampliar e fortalecer a prática dos profissionais da ESF
em direção ao modelo comunitário de saúde, a realização deste estudo se faz
importante para conhecer o nível de satisfação da população usuária do SUS
em relação a essa ferramenta de cuidado.
João Pessoa/PB é um dos municípios brasileiros que mais tem terapeutas
comunitários envolvidos com a Estratégia Saúde da Família. Portanto,
ainda que os resultados deste estudo não possam ser generalizados, pode-se,
contudo, saber qual a probabilidade de esse instrumento ser aceito, ou não,
em outros municípios brasileiros dentro da ESF. Interessa, também, contribuir
com reflexões sobre o uso dessa ferramenta pelos terapeutas comunitários e
apontar caminhos para subsidiar outros municípios com interesse na TCI para
fortalecer a atenção à saúde mental na rede de cuidados primários de saúde.
Assim, para guiar este estudo, foram elaboradas as seguintes indagações:
Qual é o nível de satisfação dos participantes em relação à TCI? Em que
aspectos os participantes da TCI estão satisfeitos com essa ferramenta?
Para responder as indagações suscitadas este estudo objetivou avaliar a
satisfação dos participantes em relação à TCI na Atenção Básica, no município
de João Pessoa/PB. Para tanto foi necessário medir o nível de satisfação dos
participantes da TCI em relação a essa ferramenta do cuidado; identificar
elementos importantes para a avaliação da satisfação em relação à TCI por
parte dos participantes.
A avaliação da satisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)
em relação à TCI é uma medida importante para garantir a sua continuidade
288
na rede básica de saúde e, por sua vez, pode sensibilizar profissionais de saúde e
gestores para reconhecer a importancia dessa ferramenta para a saúde mental.
MÉTODO
289
sanitários. A pesquisa de campo foi realizada em 13 USF, onde ocorrem os
enconros de TCI. As USF foram sorteadas por distrito considerando o critério
da média de participantes nos encontros de TCI por unidade selecionada
(partilha proporcional).
A população foi formada por todos os usuários participantes da TCI
das Unidades de Saúde da Família do município de João Pessoa/PB, estimada
em 5.000 (cinco mil) participantes.
A seleção da amostra foi feita aleatoriamente e para o cálculo do número
de pessoas a serem entrevistadas utilizou-se como parâmetros uma proporção
esperada de satisfação de 80%, com nível de confiança de 95% e erro máximo
aceitável de 7%, considerando ainda o cálculo de amostra com correção para
populações finitas. Estimou-se um número mínimo de 189 participantes.
Para compensar as perdas amostrais esse número foi aumentado para 198.
Utilizou-se o Programa para Análise Epidemiológica e Dados Tabulados-
EDIPAT, versão 3.1, para a realização desse cálculo (OMS/OPAS, 2006).
O critério de inclusão dos participantes na amostra foi o de ter
participado de pelo menos uma roda de TCI, no território onde mora. Foram
excluídas previamente, crianças, pessoas que apresentassem deficiência mental
e/ou transtorno mental severo, devido a prejuízos apresentados na área da
linguagem e da cognição, o que dificultaria a compreensão das questões e a
consequente resposta às mesmas. Assim, foram sorteados em cada unidade os
participantes para compor a amostra.
O instrumento utilizado para este estudo foi a Escala de Avaliação da
Satisfação dos Usuários com os Serviços de Saúde Mental – Satis-BR (anexo I)
A Escala de Avaliação da Satisfação dos Usuários com os Serviços de
Saúde Mental – Satis-BR foi utilizada para medir a satisfação dos participantes
e identificar elementos importantes em relação à TCI.
A Satis-BR constitui um questionário validado no Brasil no ano de
2000 por Bandeira, Pitta e Mercier. Tal questionário consta de 44 itens,
dentre os quais se incluem os itens quantitativos das sub-escalas e escala
global, que visam avaliar o grau de satisfação dos usuários com os serviços de
saúde mental, as questões descritivas e qualitativas referentes à percepção dos
290
usuários sobre diversos aspectos dos serviços recebidos e as questões referentes
a dados sócio-demográficos.
A Satis-BR foi adaptada neste estudo nos seguintes aspectos: a palavra
serviço de saúde mental foi substituída por Terapia Comunitária (anexo II),
por ser esta um serviço prestado à comunidade ou, melhor dizendo, uma
ferramenta de cuidado para a saúde mental, e os aspectos contidos dentro
do instrumento aplicam-se diretamente a avaliação da satisfação dos usuários
com a TCI na Estratégia Saúde da Família.
Dessa forma, para fins deste estudo, o instrumento adaptado ficou
com 46 itens. Os acréscimos feitos foram os seguintes: no Item 12, foram
introduzidas duas perguntas que dizem respeito a encaminhamentos (12 a e
12 b). Vale lembrar que a inserção desses itens não interferiu na consistência
das perguntas que medem a satisfação.
Treze itens do questionário compõem as sub-escalas e a escala global
para o cálculo do grau de satisfação do usuário com os serviços de saúde
mental, a qual contém respostas dispostas em uma ordinal de tipo Likert com
cinco pontos.
Cinco itens abertos de tipo qualitativo (itens 13.1, 28.1, 30, 31, 32,1),
fazem parte integrante do questionário e visam avaliar: os aspectos da terapia
que foram mais apreciados pelos participantes; os aspectos menos apreciados
por eles; os tipos de dificuldades que eles possivelmente encontraram na
terapia; as razões pelas quais eles recomendariam ou não a terapia aos amigos,
assim como suas sugestões para aperfeiçoamento.
O questionário contém ainda 11 itens descritivos (01, 02, 03, 04, 07,
09a, 09b, 12a, 12b, 18, 19, 22, 32) que envolvem os seguintes aspectos: as
razões pelas quais os participantes escolheram a terapia em questão e o tipo
de encaminhamento ocorrido; o tipo de transporte usado, a facilidade de
locomoção e o tempo gasto para chegar até ao local onde se realiza a terapia; sua
percepção sobre o problema (situação de sofrimento) que o levou a procurar
a terapia; a duração do seu tratamento na terapia; sua percepção a respeito
de sua participação na avaliação das atividades da terapia; sua percepção a
291
respeito da participação de sua família no tratamento; e sua percepção sobre a
necessidade de melhorias no local onde a terapia é realizada.
Sete itens sócio-demográficos (33, 34, 35, 36, 37, 38, 39) se referem
à idade, sexo, estado civil, grau de escolaridade, ocupação, tipo de moradia,
e condições residenciais. A escala Satis - BR possui ainda oito itens do CSQ-
8 (Client Satisfaction Questionnaire), que constitui uma escala padronizada
de avaliação da satisfação dos usuários com os serviços de saúde mental,
desenvolvida por Larsen, Attkisson, Hargreaves e Nguyen. (1979). A inclusão
desses itens permite comparar as respostas dos usuários a presente escala
com as respostas dadas aos itens do CSQ-8, o que serviria para reavaliar
constantemente a sua validade.
A escala de avaliação de satisfação dos usuários, composta por 13 itens
(5, 6, 8, 9, 11, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 25, 26), é considerada uma escala global
resultante da junção de duas sub-escalas: a primeira sub-escala se refere ao
relacionamento do usuário com a equipe do serviço e é dada pelo cálculo da
média das respostas obtidas para as questões 13, 14, 16, 17 e 20. Desse modo,
foram calculadas as frequências e a média das respostas obtidas nos 13 itens.
Essa média, que varia de 1 a 5, indica um grau maior de satisfação do usuário,
quanto mais próxima ela estiver do valor máximo 5.
A segunda sub-escala que trabalha com a apreciação do serviço, o grau de
satisfação dos usuários, é avaliada, calculando-se a média das respostas obtidas
para os itens 06, 09, 25 e 26. Percebe-se que, uma vez somada as escalas, elas
formam o conjunto dos treze itens mencionados anteriormente (itens 5, 6, 8,
9, 11, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 25, 26), que têm relação com informações sobre
acolhimento, respeito digno, integralidade, acessibilidade, ajuda do grupo,
entre outros aspectos, revelando o grau de satisfação dos participantes da TCI
em relação a essa tecnologia de cuidado.
O segundo componente – escala de comparação da satisfação dos
usuários – objetiva trabalhar com base em uma análise correlacional a fim
de fornecer ao construto da satisfação a validade concomitante, através da
comparação dos dados obtidos através dessa escala com os resultados referentes
às questões do CSQ-8, uma vez que este último constitui também uma escala
292
validada junto aos serviços de saúde mental. Esse componente é formado
pelos itens 10, 12, 15, 23, 24, 27, 28,29.
A escala Satis – BR foi aplicada usando-se a técnica de uma entrevista
dirigida, a qual foi realizada por entrevistadores previamente treinados para
esse fim.
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro
de Ciências da Saúde (CCS), em conformidade com o preconizado na
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado na
54° reunião ordinária realizada em 04.05.2009.
Os procedimentos de coleta dos dados obedeceram às seguintes etapas:
1ª) contato com a SMS de João Pessoa para explicar os objetivos do estudo e
a sua viabilidade; 2ª) conhecimento da relação dos participantes da TCI e das
USF sorteadas pela SMS; 3ª) planejamento das estratégias para contato com
os participantes da TCI por meio de visita domiciliar ou na própria USF.
A coleta de dados ocorreu no período de junho e julho de 2009, e se
deu de forma individual, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão da
amostra. A Satis-BR foi aplicada por um grupo de estudantes de Graduação em
Enfermagem que recebeu treinamento de dezesseis horas, para compreensão
dos objetivos do estudo e do instrumento de pesquisa, bem como para
uniformização da linguagem por ocasião da aplicação do questionário. Esta
ocorreu por ocasião de visitas domiciliares, muitas vezes, acompanhadas do
Agente Comunitário de Saúde – ACS.
Concluída a coleta de dados, o instrumento de avaliação (SATIS-BR)
foi armazenado em um banco de dados com auxílio dos softwares Statistical
Package for Social Sciences (SPSS) 15.0 for Windows e do Alceste 4.8.
Foi feita a análise exploratória dos dados e a verificação de erros e
inconsistência de preenchimento de questionário e digitação. Foi feita, ainda,
a análise descritiva dos dados com os cálculos de frequências, médias, desvios-
padrões, e consistência interna da escala de avaliação.
Para análise dos dados utilizou-se o SPSS, em que se calcularam as
frequências absolutas e relativas e, para aferir a consistência interna, foram
realizadas análises propriamente ditas dos índices Alfa de Cronbach obtidos
nessa amostra e foram conduzidas estatísticas preliminares que fundamentam
esse índice de consistência interna, já que este estudo tem o objetivo de
293
demonstrar a confiabilidade dos valores das médias observadas (Cronbach,
1951). Para Vallerand (1989), se o Alfa estiver acima de 0,70, isso revela a
consistência interna da escala.
No tocante a analise das questões qualitativas, foi utilizado o software
Alceste 4.8 (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segment de
Texteo), ou seja, Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de
Texto. Para Camargo (2005), o Alceste classifica de maneira semi-automática
as palavras para o interior de um corpus a fim de compor um banco de
dados. Para que isso seja possível, o Alceste segmenta o texto e estabelece
as semelhanças entre os segmentos e hierarquias de classes de palavras. Esse
método é chamado de classificação método descendente hierárquico e traça
pressupostos ou trajetórias de interpretação, respeitando-se as quatro etapas
de operação inerentes ao software (A, B, C e D).
O programa se utiliza de um único arquivo (txt) ou Unidades de
Contexto Iniciais (UCI), que são definidas pelo pesquisador e pela natureza da
pesquisa. Um conjunto de UCIs constitui um corpus de análise. O processo
de análise segue as seguintes etapas: identificação das palavras e de suas formas
reduzidas (raízes) e constituição de um dicionário; segmentação do material
discursivo em Unidades de Contexto Elementares (UCE’s); delimitação
de classes semânticas, seguida de sua descrição através da quantificação das
formas reduzidas e função das UCE’s, bem como das ligações estabelecidas
entre elas; análise da associação e correlação das variáveis informadas às classes
obtidas e análise das ligações estabelecidas entre as palavras típicas em função
das classes (dendograma) (CAMARGO, 2005).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Satisfação dos usuários em relação à TCI: respeito, dignidade
e compreensão.
294
Itens Categoria N %
5 - Respeito e dignidade Mais ou menos 02 1,0
Geralmente 31 15,7
Sempre 165 83,3
6 – Escuta Não me ouviu bastante 01 0,5
Mais ou menos 01 0,5
Me ouviu bastante 87 43,9
Me ouviu muito 109 55,1
8 – Acolhimento e compreensão Mais ou menos 03 1,5
Me compreendeu bem 85 42,9
Me compreendeu muito 110 55,6
bem
295
A tabela 1 revela que dos 198 (100%) participantes entrevistados, 165
(83,3%) verbalizaram que sempre se sentiram respeitados, entendida em
aspectos de respeito e dignidade; 109 (55,1%) pessoas afirmaram terem sido
muito ouvidas, seguida de 87 (43,9%) que verbalizaram serem bastante
ouvidas; 110 (55,6%) das pessoas afirmaram ser muito bem compreendidas,
seguida de 85 (42,9%) que afirmou ter sido bem compreendida.
O respeito, a dignidade, a escuta e a compreensão são atributos que
o terapeuta deve aprimorar em sua formação e no exercício da prática da
TCI. Ser terapeuta significa estar atento às necessidades do outro e respeitar as
diferentes formas de manifestação do sofrimento. Quando o terapeuta usa a
restituição (que consiste em manifestar a compreensão que ele tem em relação
à dor do outro) através de uma frase padrão: “deixe-me ver se compreendi o seu
problema; se não compreendi, por favor, me corrija” ele demonstra respeito e
compreensão pela dor do outro. Para Barreto (2008), a restituição é um ato de
cidadania, pois permite que o outro se manifeste confirmando ou não o seu
sentimento de ter sido compreendido no grupo.
Segundo Mendes (2009), o conceito de dignidade é assumido como um
princípio moral e como uma disposição do direito positivo. No entendimento
do referido autor, a dignidade, como um valor autônomo e específico, é
inerente aos seres humanos, em decorrência de sua personalidade. A dignidade
humana, assim compreendida, é preservada quando o profissional centra a sua
atuação nas relações interpessoais, atribuindo importância e respeitando os
valores, crenças e desejos, em defesa da autonomia e do respeito às opções das
pessoas e ao seu cuidado. A pessoa deve ser respeitada pelo simples fato de Ser.
Quando as pessoas vão à terapia, geralmente, buscam algum tipo
de ajuda para a resolução do problema que está vivenciando. Na fase da
problematização, o terapeuta geralmente estimula os participantes a contarem
alguma situação já vivida e que foi resolvida satisfatoriamente. A pergunta
chave, denominada de mote coringa, é: “Quem já viveu uma situação
semelhante e como fez para superar?”. Nesse momento, pode emergir respostas
da comunidade para solucionar o problema apresentado. A problematização
é um momento muito rico para a reflexão do grupo sobre o tema escolhido.
É a maior fase da terapia, pois dura em média 45 minutos. Geralmente, ela
é permeada por experiências ricas em processos resilientes, em que o grupo
296
aprende, com as histórias de outras pessoas, a redimensionar a sua dor, o seu
sofrimento. O que antes parecia tão grande, nesse momento, diante de outras
histórias, toma uma dimensão menor, e a pessoa tem a sensação de estar
aliviada. Outras vezes, ela sente o interesse do grupo no seu problema e vê que
não está sozinha, que existe uma rede, uma comunidade que tem interesse
na sua singularidade. É o sentido de pertencimento traduzido pela ajuda que
recebe do grupo.
Sobre a acolhida dos terapeutas ter sido classificada como amigável, pode-
se inferir que o terapeuta geralmente é uma pessoa já conhecida da comunidade
com a qual vem mantendo algum vínculo afetivo e profissional. Os terapeutas
são pessoas que buscam dar sentido ao próprio trabalho, pela troca de afetos e
de reconhecimento. Eles também buscam apoio e ajuda da comunidade para o
aprimoramento do seu trabalho. Como diz Prof. Adalberto Barreto, ele busca um
salário afetivo.
Em relação ao conforto e aparência do local, é importante destacar
que, no município de João Pessoa, a TCI ocorre em diferentes locais, tais como:
Igrejas, Escolas, Serviços de Saúde, Associações Comunitárias, Clubes e também
em espaços livres. Geralmente os terapeutas procuram locais agradáveis, amplos,
com possibilidade de aglutinar um maior número possível de pessoas, onde tenha
cadeiras removíveis para todos e seja livre de barulho externo. Sabe-se que nem
sempre essas condições são atendidas por todos. Muitas vezes, os espaços dos
serviços de saúde são pequenos e restringem o número de participantes da TCI.
Com relação ao grau de satisfação do usuário em relação ao serviço que foi
prestado, considera-se o acolhimento como um aspecto decisivo. Na TCI costuma-
se dizer que é o acolhimento que guia a terapia. Esse é o primeiro momento da
terapia e deve ser caloroso, dinâmico e inclusivo, devendo ser criado um clima
amoroso e de companheirismo no grupo (BARRETO, 2008).
Revisando-se a literatura, percebem-se inúmeras conceituações, com
diferentes enfoques sobre acolhimento. Takemoto; Silva (2007) apreendem
duas possibilidades de entendimento do acolhimento: uma é a compreensão do
acolhimento como postura diante do usuário e suas necessidades, sendo necessário
que haja continuidade na investigação e negociação das necessidades de saúde e
formas de satisfazê-las em todos os momentos do processo de produção de serviços
de saúde; a outra percebe o acolhimento como dispositivo de reorganização do
297
trabalho, ou seja, constitui-se uma etapa do processo de trabalho que objetiva o
atendimento à demanda espontânea, o que aumenta o acesso e humaniza as ações
de recepção aos usuários.
Na TCI, o acolhimento é o momento em que o participante é convidado
para entrar na roda e fazer parte do grupo. Nesse momento, canta-se uma música
de boas-vindas, explica-se o objetivo da TCI, as regras, celebram-se aniversários
ou datas comemorativas, ou alguma conquista e, propõe-se uma dinâmica de
aquecimento para preparar o momento seguinte da TCI que é a escolha do tema.
Diferentemente do acolhimento entendido como dispositivo de
reorganização do trabalho e de organização da demanda, na TCI o acolhimento
é relação face a face, cujo objetivo é deixar o participante à vontade e garantir o
diálogo respeitoso, baseado na troca de informações.
Falar em acolhimento implica, também em falar na escuta. Sentir que é
ouvido é um fator bastante representativo para que os usuários sintam-se satisfeitos
com o serviço que lhe é prestado. Lima et al (2007) considera que a escuta do
usuário, além de gerar satisfação e segurança por este sentir-se aceito e próximo
de seus cuidadores, contribui para a construção do vínculo com o terapeuta, o
que promove a otimização do processo de assistência, assim como propicia aos
profissionais o conhecimento de seus clientes.
Medidas
Desvio
Média
Padrão
Itens
13. Você já teve alguma dificuldade para obter
informações da equipe de Terapeutas Comunitários, 4,9464 0,4211
sobre questões de saúde, quando você pediu a ela?
5. Qual a sua opinião sobre a maneira como você foi
4,8125 0,4356
tratado, em termos de respeito e dignidade?
16. Você considerou que a equipe de Terapeutas
4,7411 0,4400
Comunitários estava lhe ajudando?
11. Qual a sua opinião sobre o tipo de apoio
4,6964 0,5171
dado a você na Terapia Comunitária?
17. Em geral, como você classificaria a acolhida
4,6429 0,5982
dos profissionais na Terapia Comunitária?
20. Em geral, como você classificaria a competência
4,6161 0,4885
da equipe de Terapeutas Comunitários?
8. Até que ponto a pessoa que acolheu você
na Terapia Comunitária pareceu compreender 4,5714 0,5149
o seu problema?
21. Na sua opinião, que grau de competência
tinha a pessoa com quem trabalhou 4,5714 0,4971
mais de perto?
6. Quando você falou com a pessoa que acolheu
você na Terapia Comunitária, você sentiu que 4,5536 0,4994
ele/a ouviu você?
14. Até que ponto você está satisfeito com a reflexão
que foi feita na TCI sobre a inquietação (sofrimento,
4,5446 0,5002
dor, problema, dilema...) que foi apresentado
na Terapia Comunitária?
9. Em geral, como você acha que a equipe da
Terapia Comunitária compreendeu o tipo de 4,4107 0,6917
ajuda de que você necessitava?
25. Você ficou satisfeito com o conforto e a
aparência do local onde ocorreu a 4,3929 0,4906
Terapia Comunitária?
26. Como você classificaria as condições
gerais das instalações onde ocorre a 4,2143 0,6497
Terapia Comunitária?
A Tabela 2 vem mostrar que, nos 13 itens que aferem o grau de satisfação
revelem as médias variaram entre 4,2 e 4,9 e o desvio padrão entre 0,4 e 0,6.
Esses resultados permitem realizar uma análise das qualidades psicométricas
dos dados referentes à TCI. O índice de Consistência Interna (CI) das treze
itens reveladas através do coeficiente Alfa de Cronbach, apresentou um Alfa
de 0,7745, mostrando a consistência dos dados (VALLERAND, 1989). Isso
significa dizer que os entrevistados estão satisfeitos com a TCI. Para melhor
compreensão de quais itens se mostraram mais próximos da escala de cinco
(maior satisfação) segue Gráfico 1 que mostra a curva descendente dos itens
relacionados à satisfação dos participantes em relação à TCI.
299
Gráfico 1: Distribuição curva descendente, segundo a média, dos treze itens
que medem o grau de satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João
Pessoa/PB, 2009.
300
Tabela 3: Distribuição das frequências dos 8 itens que compõem a escala de
validade concomitante da satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João
Pessoa/PB, 2009.
Itens Categoria N %
301
participantes das rodas de TCI são: empoderamento pessoal (31,7%), busca de
redes solidárias e reciprocidade (18,6%), busca de ajuda religiosa ou espiritual
(14,5%), relacionamento com a família (14,5%), e ajuda profissional e ações
de cidadania (12,0%), entre outros. Para Barreto (2008), a TCI é um espaço
de socialização de estratégias de enfrentamento dos desafios do cotidiano.
Nas rodas de terapia, frequentemente realizadas em bairros
periféricos e favelas, embora não exclusivamente, as pessoas são incentivadas
pelos terapeutas comunitários a se lembrarem da sua infância, sua criação,
o lugar em que nasceram, as canções, os costumes, os ditos e provérbios.
Progressivamente, a pessoa vai voltando a si, volta a ser quem ela é, em um
processo que conduz, à recuperação de sua identidade e de seu sentido de
vida.
Os dados desse estudo corroboram com Trad; Espiridião (2005),
quando afirma que a satisfação do usuário geralmente é caracterizada em uma
avaliação de resultados, onde se encontra associada à efetividade do cuidado
ou a um ganho específico de um determinado tipo de intervenção, sendo
também descrita em termos de saúde psicológica do indivíduo. Quando se
trata da qualidade do processo, refere-se, sobretudo, à relação interpessoal
entre profissional de saúde e usuário; na avaliação da estrutura dos serviços,
a satisfação serve para avaliar o contexto e insumos. A satisfação dos usuários
constitui-se em um componente da aceitabilidade social, que representa a
aceitação e aprovação de um serviço de saúde por parte de uma população.
A consistência desse resultado acima foi verificada através da média e
desvio-padrão dos 8 itens que compõem a escala de validade apresentadas na
Tabela 4.
302
Tabela 4: Distribuição das médias e desvios sobre oito itens que
compõe a escala de validade concomitante da satisfação dos usuários. João
Pessoa, 2009.
Questões
28. Se um amigo (a) ou parente seu estivesse
precisando desde mesmo tipo de ajuda, você 4,8990 0,3021
recomendaria a ele ou a ela a Terapia Comunitária?
27. Se você precisar de ajuda novamente,
4,8586 0,3493
você voltaria à Terapia Comunitária?
15. Você obteve na Terapia Comunitária o tipo apoio
4,7172 0,4515
que você achava que precisava?
12. O apoio que você recebeu na TCI ajudou
4,7020 0,5492
você a lidar mais eficazmente com seus problemas?
23. Como você classificaria a qualidade do
acolhimento que você recebeu na Terapia 4,5960 0,4919
Comunitária?
29. De forma geral e global, qual é o seu
grau de satisfação com relação aos serviços 4,5051 0,5012
que você recebeu?
24. Qual é o seu grau de satisfação com relação à
qualidade da ajuda que você recebeu na 4,4798 0,5009
Terapia Comunitária?
10. Até que ponto a escuta do terapeuta, e a
fala dos outros participantes, ajudou na 4,2626 0,4412
satisfação de suas necessidades?
304
5,2
5,0
4,8
4,6
95% CI MEDIASAT
4,4
4,2
N= 16 13 62 15 6
I II III IV V
DISTRITO
305
5,2
5,0
4,8
4,6
4,4
4,2
MEDIASAT
4,0
3,8
3,8 4,0 4,2 4,4 4,6 4,8 5,0 5,2
MEDIACSQ
306
Satisfação em relação à TCI: acessibilidade, encaminhamentos,
ambiente físico e controle social.
A escala Satis-BR possui também 13 itens descritivos que revelam
aspectos importantes para compreender o grau de satisfação em relação à
TCI, tais como: razões pelas quais o usuário escolheu o serviço em questão e
o tipo de encaminhamento ocorrido; o tipo de transporte usado, a facilidade
de locomoção e o tempo gasto para chegar até o serviço; sua percepção sobre
o problema que o levou a procurar o serviço; a duração do seu tratamento
no serviço; sua percepção a respeito de sua participação na avaliação das
atividades da instituição; sua percepção sobre a participação de sua família no
tratamento; sua percepção sobre a necessidade de melhorias no serviço. Vale
lembrar, que os referidos aspectos estão relacionados ao grau de acessibilidade
junto aos serviços de saúde onde ocorre a Terapia Comunitária. Esses dados
estão revelados na Tabela 5.
Itens Categoria N %
1 – Encaminhamento ao Minha própria decisão 36 18,2
serviço onde ocorre a TCI Um amigo 28 14,1
Um médico/terapeuta 108 54,5
Um serviço de referência 14 7,1
Outros 12 6,1
2 – Transporte usado para Transporte (público, 13 6,6
chegar a este serviço próprio, amigos).
Caminhada 177 89,4
Outros 08 4,0
3 – Tempo gasto de sua 0-15 min 164 82,8
casa até à Terapia 16-30 min 26 13,1
Comunitária Acima de 30 min 08 4,1
4 – Facilidade para chegar Mais ou menos 22 11,1
à Terapia Comunitária Fácil 86 43,4
Muito Fácil 76 38,4
Outros 14 7,1
307
7 – Problema falado na TCI Um problema físico
33 16,7
de saúde
Um problema psicológico 27 13,6
Um problema familiar 62 31,3
Um problema social 24 12,1
Um problema financeiro
28 14,2
e trabalho
Outros 24 12,6
9a – Primeiro encontro na Sim 38 19,2
Terapia Comunitária Não 160 80,8
9b – Tempo que frequenta 2 meses 49 24,7
a TCI 4 meses 23 11,6
6 meses 26 13,1
Mais de 6 meses 100 50,5
12a–Necessidade de Sim 10 5,1
encaminhamento para
outros serviços Não 188 94,9
12b – Para onde você foi Ação Social 03 1,5
encaminhado Psicólogo 03 1,5
Outros 04 1,5
18 – Motivos de escolha A TCI foi fortemente
64 32,3
pelas rodas de Terapia recomendada por alguém
Comunitária Eu conhecia alguém que
estava indo para as 36 18,2
rodas de TCI
Eu confiei na recomendação
67 33,8
da pessoa que referiu a TCI
Estava dentro de minhas
21 10,6
possibilidades
Outros 10 5,1
19 – Está de acordo que sua Indiferente 03 1,5
família ou seus parentes Favorável 72 36,4
sejam envolvidos na Terapia
Comunitária Muito favorável 123 62,1
22 – Participação no De acordo 102 51,5
processo de avaliação da
Terapia Comunitária Totalmente de acordo 96 48,5
32 – O local onde ocorre a Sim 86 43,4
Terapia Comunitária poderia
ser melhorado Não 112 56,6
Variáveis N %
Masculino 25 12,6
Sexo
Feminino 173 87,4
15─20 15 7,6
Faixa 21─40 49 24,7
Etária 41─60 71 35,9
61 63 31,8
Solteiro 55 27,8
Casado 86 43,4
Estado Civil Separado 16 8,1
Divorciado 09 4,5
Viúvo 32 16,2
Casa/apartamento própria 141 71,2
Casa/apartamento alugado 15 7,6
Moradia
Casa dos pais ou outros familiares 16 8,1
Casa dos pais 22 11,1
Pensão (alimentação e moradia) 04 2,0
Sem escolaridade 18 9,1
Escola elementar (1º grau) 106 53,5
Escolaridade Escola secundária (2º grau) 48 24,2
Curso técnico 08 4,0
Universidade 16 8,1
Pós-graduação 02 1,0
311
Integral remunerada 43 21,7
Parcial remunerada 14 7,1
Jornada de Trabalho Integral não remunerada 01 0,5
Parcial não remunerada 07 3,5
Não trabalha 133 67,2
Sozinho 11 5,6
Convivência Cônjuge 80 40,4
Com filho/filha 54 27,3
Outros membros da família 33 16,7
Amigo (s), fora do ambiente institucional 01 0,5
Amigo(s), dentro do ambiente institucional. 02 1,0
Mãe, Pai 17 8,6
312
ações de cuidado voltado para os problemas de uso abusivo de álcool, stress,
violência entre outros.
Diante dessa realidade pode-se dizer que as políticas de saúde ainda
possuem caráter excludente no que tange aos aspectos do cuidado com o
gênero masculino, pois pouco tem sido feito para incluir esta população no
cuidado preventivo com a saúde. Entretanto, homens e mulheres deveriam
ser igualmente responsáveis pelo cuidado com a saúde da família, pois ambos
são importantes e são co-partícipes na manutenção da saúde de suas famílias.
Guimarães; Ferreira Filha (2007) afirmam que a família contemporânea
vem passando por uma profunda crise de identidade e de valores, onde os
papéis assumidos pelos membros da família, definidos historicamente, estão
sendo sacudidos pelas mudanças econômicas, sociais, culturais e educacionais,
de modo que passam a refletir em seus membros a busca de novos lugares, ou
da recuperação do espaço anteriormente assumido.
No que diz respeito à situação de trabalho, segundo Carneiro Junior et
al, (2006) os aspectos sócio-demográficos podem ser observados segmentos
sociais, onde os processos de exclusão são refletidos por meio da ausência
de emprego para populações com baixo nível de escolaridade e com pouca
formação profissional. As donas de casa, diferente das domésticas, não
possuem salário. Elas passam o dia cuidando da família e do lar e muitas vezes
não recebe nem o reconhecimento dos filhos e do marido. A TCI torna-se
para ela um lugar de encontro, de lazer, de fala e escuta de histórias de vida,
muito similar a sua própria história.
Na contemporaneidade, a mulher tem exercido uma diversidade de
papéis culturais, seja como cuidadora e mantenedora do lar, como empresária,
administradora e provedora de serviços. Contudo, essa diversidade de papéis,
resultado do processo emancipatório da mulher, não foi acompanhado de
políticas públicas no âmbito da economia e da saúde, para preservar a sua
qualidade de vida.
O processo saúde-doença desse contingente populacional é marcado por
situações de sofrimento caracterizadas pelo stress constante, independente do
papel que ela ocupa socialmente. Desse modo, a Estratégia Saúde da Família
vem buscando superar as fragilidades, ainda existentes no que diz respeito
ao cuidado com a saúde da mulher. Diante disso, é imprescindível que as
pesquisas de saúde mental com mulheres levem em consideração o complexo
contexto que as envolve (HOLANDA, DIAS, FERREIRA FILHA, 2007).
313
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou medir o grau de satisfação dos participantes TCI
no município de João Pessoa, Estado da Paraíba, partindo da premissa que a
TCI se encontra implantada na maioria das Unidades de Saúde da Família
desse município, além de compreender quais os elementos importantes para
que essa satisfação se faça presente.
A satisfação envolve um conjunto de elementos que não se isolam,
mas se complementam na prestação da assistência à saúde. As relações de
amizade podem ser compreendidas como uma estratégia de fortalecimento,
pois além de favorecer a formação de vínculos solidários leva a construção
de uma identidade cultural e relacional, baseada em princípios importantes
como respeito e dignidade. Foram relacionados como elementos importantes
para a satisfação dos participantes com a TCI respeito, dignidade, escuta,
compreensão, acolhimento, apoio às necessidades e boas instalações dos locais
onde ocorre a terapia. Esses aspectos são imprescindíveis para a prestação de
uma assistência com qualidade, haja vista que para a reorganização do cuidar,
os serviços de saúde básicos necessitam contribuir para a consolidação de
princípios do SUS, pois vai ao encontro da Política Nacional de Humanização,
em busca das práticas integrais da assistência. Os dados revelam atributos
importantes a serem considerados nos serviços de saúde mental, bem como na
Atenção Básica de Saúde com foco nos princípios constitucionais de garantia
de acesso e resolutividade.
Ser bem ouvido e compreendido na unidade de saúde, que é considerada
porta de entrada da rede de Atenção Básica de Saúde deve ser uma prática
diária nas instituições. Falar em acolhimento implica na escuta. Sentir que
é ouvido é um fator bastante representativo para que os usuários sintam-se
satisfeitos com o serviço que lhes é prestado.
Os resultados da pesquisa permitiram revelar que todos os participantes
estão satisfeitos com a realização da TCI em suas comunidades, por ter
aproximado os usuários entre si no meio coletivo, além de favorecer uma
melhor compreensão pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família,
responsáveis pela implementação dos cuidados na atenção primária.
A satisfação dos participantes é fruto das contribuições que a TCI trouxe
para suas vidas, uma vez que se mostrou como uma ferramenta leve que trabalha
314
as necessidades de saúde dos participantes. Essas necessidades encontram na
TCI uma possibilidade de partilha para que o sofrimento seja aliviado. Esse
sofrimento passa pela esfera psíquica, e o indivíduo que se encontra com
alguma dor emocional necessita ser ouvido, acolhido e ter sua queixa resolvida.
Nesse propósito, a TCI vem resgatar a visão do cuidado horizontal e, uma
vez implantada na Atenção Básica de Saúde, pode aproximar os usuários da
ESF, bem como resgatar atributos da formação humana imprescindíveis para
a construção do empoderamento e da identidade cultural.
O modo como a TCI fortalece o cuidado à saúde mental na atenção
básica parte da certeza de que os temas percebidos no estudo como espaço de
escuta, alívio do sofrimento e uma tecnologia de prevenção do adoecimento
mental, concorrem para a efetivação da TCI no cuidado à saúde mental,
pois são capazes de responder aos objetivos da Política Nacional de Saúde
Mental, quando prevê a implantação de serviços de base comunitária, com
vistas à redução no uso de psicotrópicos e ao resgate da cidadania, a fim de
promover a libertação do sujeito de suas angústias e sofrimentos e prover
características resilientes que o fazem um ser livre e capaz de enfrentar seus
desafios emocionais.
Vale salientar que, quando se fala na TCI enquanto uma ação de saúde
mental na atenção básica, é necessário considerar o indivíduo inserido em seu
contexto social, bem como não se pode esquecer que, quando se trabalha com
os fatores de risco correlacionados a algum dano que pode vir a ocorrer na vida
de alguém, não se está prioritariamente interessado em eliminar esse fator,
mas em ajudar esse indivíduo a criar estratégias de enfrentamento diante de
sua realidade, lembrando que esses fatores são revestidos de caráter situacional,
ou seja, estão incidindo continuamente em sua vida.
Deixar de considerar os fatores envolvidos no conceito de saúde mental
é continuar lidando com o modelo de saúde pública ainda de modo incipiente.
O maior desafio talvez esteja atrelado à desconstrução do modelo psiquiátrico
que durante muito tempo vigorou e que ainda teima em se manter erguido.
Todavia, surge a necessidade de aprender a trabalhar a cultura relacional na
315
comunidade, a fim de amenizar o sofrimento mental daqueles que procuram os
serviços de saúde, muitas vezes, necessitando não só de abordagem biológica,
mas, acima de tudo, de se sentirem escutados no que se refere aos seus medos,
angústias, tristezas, entre outros.
No tocante ao modo como a TCI fortalece o cuidado com a saúde
mental na Atenção Básica de Saúde, foi possível perceber que essa ferramenta se
volta para a prevenção do adoecimento psíquico e promoção da saúde mental,
uma vez que possibilita o desabafo, a verbalização dos conflitos emocionais e
partilha das histórias de vida. Isso capacita os sujeitos da comunidade para o
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e consequentemente para o
empoderamento.
Avaliar a satisfação dos participantes da TCI oportuniza a continuidade
dessas ações na rede básica, com vistas a um atendimento/cuidado de saúde
com equidade, integralidade e universalidade, além de promover o direito dos
usuários de exercer sua cidadania; na exigência de melhores serviços de saúde
e atendimento de suas necessidades de saúde sempre que necessário.
Conclui-se, portanto, que a TCI vem se destacando como instrumento
de inclusão da saúde mental na Atenção Básica de Saúde aos usuários do
Sistema Único de Saúde. Espera-se que este estudo possa impulsionar o
município de João Pessoa a garantir a continuidade das ações de TCI na
atenção básica, a fim de assistir não apenas de usuários dos serviços de saúde
públicas, mas também as suas equipes. Os resultados devem levar também à
sensibilização de outros gestores sobre a importância da área estratégica da
saúde mental no Pacto pela Vida, que busca a implementação de uma política
pública de segurança, transversal e integrada, construída de forma pactuada
com a sociedade, que prevê a reorganização da assistência conforme o desenho
das linhas de cuidado e como a TCI se encontra inserida na rede de atenção à
saúde enquanto tecnologia de cuidado.
316
REFERÊNCIAS
CAMPOS, R.T.O., FURTADO, J.P., PASSOS, E., et al. Avaliação da rede de centros de
atenção psicossocial: entre a saúde coletiva e a saúde mental. Rev Saúde Pública. 2009; n.
43. n.supl., p. 16-22.
317
Congreso. Disponível em <http://www.madres.org/asp/contenido.asp?clave=1496>. Acesso
em 20 de julho de 2009.
318
RIBEIRO, E. M. As várias abordagens da família no cenário do programa/estratégia de
saúde da família (PSF). Rev. Latino-Am. Enfermagem, v.12, n.4, Ribeirão Preto July/Aug.
2004. DISPONIVEL EM: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
11692004000400012&lang=pt. Acesso em 20 de janeiro de 2009.
319
REPERCUSSÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA NO
COTIDIANO DE SEUS PARTICIPANTES*
13
Fernanda Jorge Guimarães
Maria de Oliveira Ferreira Filha
UM ITINERÁRIO DE PROCURA
Artigo publicado na Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 08, n. 03, p. 404 - 414, 2006. Disponível em
http://www.fen.ufg.br/revista/revista8_3/v8n3a11.htm
Trabalho realizado a partir de Dissertação de Mestrado em Enfermagem, defendida em 2006 no Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) - João Pessoa, PB.
320
vezes, dificultam a realização de pequenas tarefas ou papeis sociais, chegando
a manifestar-se de modo incontrolável (ANDRADE, 2003).
Por cotidiano, entende-se aquilo que se faz habitualmente, todos os
dias. Os gestos, as ações corriqueiras, a linguagem, percebidos como triviais,
podendo vir a ser julgados sem valor, contudo, eles são influenciados e
influenciam a cultura da família, da vizinhança e da comunidade e, geralmente,
estão presentes nos processos de cura e de adoecimento (NASCIMENTO,
1995).
O cotidiano dos brasileiros é marcado por problemas e sofrimentos
que acarretam danos à sua saúde, de um modo geral. Estudos na área de
saúde mental revelam que, no Brasil, 12% da população necessita de algum
atendimento, seja ele contínuo ou eventual; 6% apresentam transtornos
psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e de outras drogas e 3% sofre
com transtornos mentais severos e persistentes (BRASIL, 2005). Tanto a,
Organização Mundial da Saúde – OMS, como a Organização Pan-Americana
da Saúde - OPS, entendem que a maioria desses transtornos são preveníveis
e que devem ser encarados como prioridade política dos governos, para se
evitarem mais danos à saúde das pessoas.
No cenário brasileiro, as áreas de saúde coletiva e saúde mental, vivem um
período de transição entre dois modelos de cuidado: o de enfoque individual,
curativo, discriminador e excludente e outro cujo eixo é o coletivo, valoriza
a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento. Esse último busca a
inclusão, a tolerância e a coexistência com a diferença e a diversidade. A pessoa
é estimulada a ser agente da sua própria saúde e da saúde da comunidade
que integra. Essa transição foi fortemente marcada nas décadas de 1980 e
1990, com os Movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica
(MEDEIROS, 2005).
Com a Reforma Psiquiátrica, os serviços de saúde mental, não
hospitalares, tornaram-se uma necessidade, para promover a ruptura com o
modelo hospitalocêntrico e assegurar uma política de reabilitação e inclusão
social. A promoção da saúde e a prevenção do adoecimento não são ações
estratégicas específicas dos serviços de saúde mental não hospitalares, estando
321
à preocupação com esta temática nas Unidades de Saúde da Família (USF’s),
que desenvolvem ações de prevenção do sofrimento emocional.
Nesse contexto a Estratégia Saúde da Família tem um importante
papel a desempenhar, pois as Equipes de Saúde da Família (ESF) devem
estar preparadas para promover a saúde mental no contexto geral da saúde,
prevenir o adoecimento mental, identificando situações e fatores de risco e
que provocam o sofrimento como também responder de modo satisfatório as
necessidades de saúde da população.
Ainda são poucos os municípios que apresentam experiências de
trabalho com grupos, cuja finalidade seja a promoção da saúde e prevenção
do adoecimento, bem como o acompanhamento de egressos das internações,
e a reabilitação e inclusão social (MEDEIROS, 2005). Faz-se necessário
incentivar novas propostas de serviços comunitários no processo de Reforma
Psiquiátrica.
Nessa direção a Terapia Comunitária Integrativa(TCI) vem se
consolidando como uma estratégia de promoção da saúde mental e prevenção
de doenças e as equipes de Saúde da Família podem utilizar esse recurso como
ferramenta em suas ações preventivas.
A TCI é uma prática de efeito terapêutico, destinada à prevenção na
área da saúde e a atender grupos heterogêneos, de organização informal,
num contato face-a-face e que demonstra um interesse comum que é o alívio
de seus sofrimentos e a busca de bem-estar. Acrescenta-se que ela promove
a construção de vínculos solidários criando-se uma rede de apoio social,
reforçando os vínculos e evitando a desintegração social, onde a comunidade
busca resolver os problemas que estão ao alcance da coletividade (FUKUI,
2004).
No Brasil, a TCI, vem sendo desenvolvida na Comunidade do Pirambu/
Fortaleza/Ceará, para atender a demanda de pessoas em situação de sofrimento
emocional. Hoje, de acordo com BARRETO (2005), a TCI está presente em
27 estados brasileiros, com 16 Pólos Formadores e de Multiplicação e cerca de
7500 terapeutas comunitários formados.
A experiência com a TCI se deu a partir do desenvolvimento do projeto
de extensão denominado Terapia Comunitária: uma ação básica em saúde
322
mental, na comunidade Ambulantes, no bairro de Mangabeira, motivando-
nos para a realização deste estudo.
Assim, objetivou-se por meio deste estudo explicitar os motivos que
levaram as pessoas da comunidade a participar da TCI; revelar as mudanças que
ocorreram no cotidiano dos participantes e identificar os vínculos formados e/
ou fortalecidos, nas pessoas e na comunidade, a partir dos encontros.
O CAMINHO PERCORRIDO
323
ao Distrito Sanitário III.
No grupo de Terapia participam em média 20 a 25 pessoas por encontro,
cuja faixa etária predominante é de adultos jovens, em sua maioria mulheres,
entretanto, há participações significativas de idosos, crianças e adolescentes.
A definição da colônia se dá por padrões gerais da comunidade de
destino, isto é, dados os traços preponderantes que ligam a trajetória de
pessoas. A colônia é o grupo amplo, da qual a rede é a parte menor, ou seja,
a rede é uma subdivisão da colônia que visa a estabelecer parâmetros para
decidir sobre quem deve ser entrevistado ou não (MEIHY, 2005).
A colônia, neste estudo, foi constituída pelos participantes dos
encontros de Terapia Comunitária, sendo a rede formada pelas pessoas que
atenderam aos seguintes critérios: freqüentam os encontros da TCI desde a sua
formação, tem participação efetiva nas mobilizações sociais, possuem maior
envolvimento com a comunidade e demonstraram interesse em participar
do estudo. Foram convidados nove colaboradores, que constituíram a rede,
por melhor atenderem aos critérios acima, observando os aspectos éticos
da pesquisa com seres humanos como preconizado pela resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.
Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista, com uso
de gravador, realizada, tanto na Unidade de Saúde da Família Ambulantes,
quanto no próprio domicilio do colaborador, conforme sua preferência e
disponibilidade, sendo informado sobre os objetivos do estudo, suas etapas e
sobre a importância de sua participação.
Os colaboradores receberam nomes fictícios para garantir-lhes o
anonimato: Rubi, Esmeralda, Jade, Diamante, Zirconia, Turmalina, Safira,
Ametista e Topázio. Esses nomes foram escolhidos, uma vez que têm certa
similaridade com traços característicos do modo de ser de cada colaborador.
Foi na aproximação com cada um deles, a partir dos encontros da Terapia
Comunitária, que essa apreensão ocorreu.
A análise do material foi guiada pelo tom vital e as expressões fortes
que surgiram das narrativas sendo precedido por um diálogo iluminado pelos
autores que compõem a literatura pertinente.
324
RESULTADOS E DISCUSSÃO
325
Os discursos de Rubi e Esmeralda revelam uma autoestima relacionada
com a imagem que elas desenvolveram sobre si mesmas, por meio do processo
de resiliência e empoderamento, onde ganharam habilidades e confiança para
atuar sobre elas mesmas. Com o incremento do poder sobre si, conseguiram
mudar a percepção que tinham de si mesmas, do outro e da realidade onde
vivem. Quando o indivíduo percebe a existência do outro há a possibilidade
de aplicar suas habilidades, suas competências e descobrir a alteridade
(BARRETO, 2005).
Os colaboradores conseguiram, então, desenvolver um sentimento de
pertença, especialmente quando conseguem expressar seus sentimentos no
grupo. O sentimento de pertença favorece a formação de grupos, bem como é
o responsável por sua manutenção, introduzindo elementos na fala, nos gestos
presentes no agir cotidiano da comunidade.
A capacidade de superar as dificuldades possibilita aos indivíduos
construírem um corpo de conhecimento e suscitar suas habilidades e recursos
que os tornam especialistas naquele problema. Essa capacidade lhes confere
o poder de decidir sobre suas vidas, de se organizarem socialmente e de
mobilizarem os recursos necessários para garantir acesso aos direitos básicos e
a uma vida com dignidade.
Portanto, em suas histórias, os colaboradores deixam evidente que
são responsáveis por sua própria vida, elevaram sua autodeterminação, têm
autonomia para tomar as próprias decisões e desenvolveram habilidades,
compreensão e consciência sobre os aspectos de suas vidas.
A partir de dispositivos de ajuda mútua, podem-se desenvolver
atividades e iniciativas de cuidado e suporte concreto na vida cotidiana, como
o cuidado informal ao outro, ajuda nas tarefas diárias, entre outras. A ajuda
mútua fornece apoio aos indivíduos na resolução de seus problemas, estabelece
uma rede de amizade, que contribui de maneira positiva na construção da
autoimagem e eleva a autoestima (VASCONCELOS, 2003).
A autoestima é uma experiência íntima que reside no cerne do ser
humano, é a soma da autoconfiança com o auto-respeito. Representa o
componente emocional do eu, sendo um recurso importante para mudanças
(BRANDEN, 1995). O conceito que se tem de si é importante para que
326
o indivíduo viva bem e feliz. Pessoas que possuem um bom conceito de si
confiam mais em suas potencialidades e conseguem superar com mais
facilidade as dificuldades para atingir seus objetivos enquanto que pessoas que
possuem baixa autoestima sentem-se infelizes e inseguras.
O autoconhecimento deve ser estimulado, pois convida à reflexão a
respeito da necessidade de cuidar de si, de amar-se, para poder cuidar do
outro. Essa compreensão favorece o conhecimento de potencialidades e
capacidade geradora de soluções. Percebe-se nesse movimento que se é capaz
de resolver os problemas vivenciados no cotidiano, tidos anteriormente como
insolúveis, uma vez que as reações a esses problemas são determinadas pela
percepção que o indivíduo tem de si mesmo. Desenvolver a autoestima é
desenvolver a convicção de que se é capaz de viver e de ser merecedor da
felicidade (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
Tal entendimento influencia escolhas, decisões e determina o tipo de
vida que se quer construir (BRANDEN, 1995). A colaboradora Rubi relata:
“Após a Terapia, minha autoestima melhorou...”.
É interessante notar que a definição de seu autoconceito melhorou a
partir dos encontros de Terapia. Os colaboradores demonstraram que não
necessitam da opinião de outros, pois possuem um autoconceito livre de
críticas e repressão.
Evidencia-se que os participantes da Terapia, descobrem o seu potencial
transformador e a partir dessa descoberta começam a enxergar mudanças no
comportamento e atitudes, como relatam Safira, Ametista e Diamante:
327
Melhorou muito a minha vida... Já aprendi muita coisa... Quando
saio de lá já volto com outro aspecto! (AMETISTA).
328
A Busca de Sociabilidade e Inclusão
Verifica-se que em algumas histórias emergiram os motivos que levaram
os colaboradores a permanecer freqüentando o grupo de TCI. Percebe-se o
surgimento de sentimentos, percepções e necessidades atendidas que refletem
uma busca pela sociabilidade, traduzida em atividades físicas e culturais,
no prazer de conviver com outros para perceberem-se como parte de um
contexto e não se sentirem excluídos socialmente, melhorando sua qualidade
de vida. Durante os encontros de Terapia Comunitária cada pessoa aprende a
encontrar o que necessita como revelam os colaboradores a seguir:
Eu acho que a terapia cria uma oportunidade para você ter um diálogo
mais aberto, para você saber conversar certas coisas e as experiências,
vistas na terapia, você pode dar como exemplo. É uma porta aberta
para cunhado, irmão... (TURMALINA).
330
Estou sempre procurando o diálogo para a gente se compreender...
(ESMERALDA).
Em Mangabeira, uma vez por mês, era escolhido algum tema e formado
um grupo de discussão com a finalidade de aprofundar aquele tema através
da literatura ou na fala de algum especialista. Em um desses encontros, foi
escolhida a temática do relacionamento entre pais e filhos, o qual está sempre
presente nos encontros de TCI.
331
Percebe-se na fala de Esmeralda, o empoderamento dos participantes
na resolução de seus problemas do cotidiano. As pessoas da comunidade não
são reféns das instituições ou dos profissionais, uma vez que aprenderam a
valorizar o conhecimento e o saber que detém. A comunidade passa a agir,
onde a família e as políticas sociais falham.
Tenho amigas, com quem posso desabafar e elas são da terapia. A gente
vai, umas procuram as outras, a gente continua... E se moramos perto,
aí a gente conversa, desabafa, ela me dá uma sugestão, diz alguma
coisa, (ESMERALDA).
332
Nos encontros de TCI há momentos de intensa espiritualidade, com
orações, imposição de mãos, respeitando-se as crenças e os valores de cada
um. Práticas de cura pelo toque e pela imposição das mãos como instrumento
terapêutico têm sido usadas desde os primórdios da humanidade. Essa prática
é comumente utilizada por “rezadores ou benzedeiros”, muito respeitados
em sua comunidade, onde exercem funções de cuidadores, parteiras, líderes
comunitários. Tais práticas ainda são pouco utilizadas no sistema formal de
saúde, em especial, na atenção básica (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
A espiritualidade ajuda ao homem em sua compreensão, indo a sua
esfera mais profunda, transcendendo a sua realidade. A espiritualidade é tudo
aquilo que produz uma mudança dentro do ser humano (BOFF, 2006). Ela
impulsiona o ser humano para uma mudança interior, que se revela no cuidar ao
outro, na solidariedade, na compreensão da vida. A espiritualidade é o campo
onde se constrói o sentido da vida, de maneira simbólica (VASCONCELOS,
2006).
Sendo uma das fontes de inspiração do novo, a espiritualidade gera
um sentido pleno e de capacidade de autotranscendência do ser humano.
Os portadores permanentes de espiritualidade são as pessoas consideradas
comuns, que vivem a retidão da vida e o sentido de solidariedade. (BOFF,
2006).
A fé emerge como uma força que ajuda a enfrentar problemas e
tensões inerentes à vida. Atividades relacionadas à fé como grupos religiosos,
dinâmicas de ajuda, conhecimento aprofundado do alvo da fé contribuem
para a manutenção da saúde mental (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
No enfrentamento dos problemas vivenciados no cotidiano a fé, a
crença em Deus é apontada como a estratégia mais presente, considerada
muitas vezes a única ferramenta de resolução da dificuldade vivenciada.
Pela preocupação em ajudar aos outros, formam-se vínculos solidários
e redes de apoio social que fortalecem o convívio comunitário. Quando se
constroem as redes solidárias e se promove a vida, se consegue consolidar os
vínculos saudáveis, reforçar os vínculos frágeis e combater os vínculos de risco.
Enquanto alguns vínculos se fortaleceram, outros foram construídos a
partir dos encontros de Terapia, como o vínculo comunitário, o vínculo de
333
lazer e o vínculo social.
Geralmente, quando aparecem problemas estruturais, como a violência
e a insegurança a comunidade tende a retrair-se da participação em atividades
sociais, com medo de sofrer algum tipo de agressão. Todavia os participantes
da TCI discutem processos de mobilização para enfrentar o problema,
formando-se uma rede invisível de apoio solidário àqueles que se sentem mais
ameaçados. Percebe-se que a ajuda mútua contribuiu para que os participantes
construíssem um novo olhar para a violência, onde não predomina o medo e
o silêncio.
Partindo do exposto, ficou evidente a construção do vínculo comunitário.
Essa construção se deu por meio dos encontros de Terapia Comunitária e
da divulgação desta experiência com as pessoas da comunidade, onde os
colaboradores estabeleceram uma maior interação com outros indivíduos, os
quais não mantinham uma relação de intimidade, como na fala de Rubi:
(...) Isso tem me aproximado mais das pessoas, dos vizinhos de outras
ruas, que a gente nem conhece e termina conhecendo,... Tem criado um
vínculo muito bom com a comunidade..., (RUBI).
334
de ocupação do tempo livre (atividades físicas, de lazer, diversão, culturais,
ou de cuidado com o corpo e com a mente), uma vez que tais atividades,
realizadas, geralmente em grupo, constituem-se em alternativa para que as
pessoas retomem seus papeis sociais.
Nos encontros de TCI, os participantes são estimulados a desenvolver
atividades de lazer. Em alguns momentos são os próprios participantes que se
organizam com a finalidade de promover atividades de integração social, como
as comemorações de datas especiais e passeios turísticos, que contribuem para
a formação do vínculo de lazer e de amizade.
Alguns colaboradores criaram juntamente com a equipe do PSF, o
Grupo de Idosos da comunidade. As atividades desenvolvidas se referem a
trabalhos manuais, encontros de oração e atividades de lazer. Além disso, no
grupo, os idosos são estimulados a cuidar da sua saúde, constituindo-se em
um espaço de educação em saúde.
Safira é uma das participantes do grupo de idosos. Em sua fala, as
reuniões de grupo são tidas como estratégia para enfrentar as dificuldades
vivenciadas no cotidiano, como os conflitos familiares. O grupo se tornou um
local onde ela pode encontrar apoio e compreensão:
335
espaços determinados. Por essa razão, o vínculo se relaciona com a noção de
comunicação e aprendizagem.
A formação de vínculos permite a construção de redes de apoio
social, que fortalecem a convivência na comunidade. Portanto, por meio da
construção de redes de apoio social, verifica-se que há maior mobilização entre
as pessoas, especialmente quando é necessário resolver situações - problema
vivenciadas pela comunidade, buscando a utilização dos recursos disponíveis
quer seja internamente ou externamente, e que a troca de experiências gera
um processo de crescimento e empoderamento, tanto individual como
coletivamente.
336
por meio da comunicação interpessoal que podemos compreender melhor o
outro, isto é, seu modo de pensar, sentir e agir (DIAS, 2006).
Ressalta-se que a parceria com a Equipe de Saúde da Família foi
fundamental na implantação e divulgação da TCI na comunidade. Como
já havia interesse tanto por parte da comunidade como da equipe em ter
um espaço para escuta das necessidades da população do bairro, os Agentes
Comunitários e a Enfermeira da equipe tornaram-se importantes atores nesse
processo. As falas de Esmeralda, Safira e Diamante revelam essa afirmação:
337
Eu procurei a terapia para aliviar meu sofrimento e as dores que
vem com a idade, porque vivo sempre em casa, sempre descontente,
recebendo reclamação de uma coisa e outra..., (SAFIRA).
338
fortemente a vida das pessoas, agregar-se a um grupo, faz com que o individuo
se sinta socialmente aceito.
Em alguns relatos dos colaboradores emergiram determinados
significados acerca da compreensão da TCI. Tais relatos apresentam a Terapia
como um espaço que favorece a partilha de experiências, demonstrando que a
TCI atende aos objetivos aos quais se propõe, como nas falas abaixo:
339
contrário, busca-se uma melhor compreensão da realidade vivida por meio da
junção entre o saber popular e o conhecimento científico.
O sofrimento é fonte de competência, um sofrer que torna o indivíduo
mais humanizado e especialista em sua resolução. A partir das falas dos
colaboradores, percebe-se que eles construíram um conhecimento a partir de
suas vivências, de sua história pessoal de vida, que unidas ao conhecimento
acadêmico contribui para o enfrentamento das inquietações do cotidiano.
Assim, o cotidiano não é reconhecido como algo rotineiro e destituído
de sentido, sendo vivenciado como uma experiência radical do presente.
Por isso, as estratégias de enfrentamento vão sendo construídas ao longo da
trajetória de vida dos colaboradores.
Na comunidade, cenário deste estudo, os participantes do grupo
de Terapia Comunitária, juntamente com a Associação de Moradores do
conjunto, Equipe de Saúde da Família e profissionais liberais realizaram
algumas mobilizações no sentido de promover a discussão dos problemas do
conjunto, bem como estratégias para superá-los. Dessa forma, destacamos
o “Dia D dos Jovens”, Semana do Idoso, Oficina de Levantamento dos
Problemas da Comunidade, Palestras Educativas sobre depressão, climatério,
Oficina de dança.
Mediante a ação, os personagens desta história, homens e mulheres,
mostram quem são, revelam sua identidade pessoal e fazem sua aparição ao
mundo, ou seja, suas qualidades, talentos e defeitos estão implícitos em tudo
o que esses homens e mulheres falem e façam (ARENDT, 1993).
O grupo de Terapia Comunitária é um sistema formado por vários
subsistemas que se inter-relacionam, formando uma rede complexa em que
cada um influencia o outro a partir do compartilhamento das informações.
Nesse contexto, compreende-se o problema do indivíduo nas suas
relações, nos vínculos estabelecidos, uma vez que o comportamento do
mesmo repercute no grupo familiar e comunitário. Dessa forma, conclui-se
que a circulação de informações nessa rede de relações contribuiu de maneira
decisiva para o fortalecimento da comunidade do Conjunto Mangabeira IV
Ambulantes.
340
CONSIDERAÇÕES FINAIS
341
vínculos a partir dos encontros de Terapia Comunitária, como o vínculo de
amizade, vínculo comunitário e o vínculo social.
As entrevistas suscitaram algumas compreensões acerca da TCI como
um espaço de partilha das experiências vividas, onde seus participantes podem
aliviar o seu sofrimento, evidenciando-se o processo resiliente, revelando,
ainda, um incremento do poder sobre si mesmo, sobre a capacidade de
gerenciar a própria vida, contribuindo para que o grupo se mobilizasse em
torno de questões vividas coletivamente.
Portanto, este estudo vem também contribuir de maneira significativa
para a prática do cuidado em saúde dos profissionais, que se compromete com
os princípios da Reforma Psiquiátrica, que busca modelos de cuidado efetivos,
que prioriza a aquisição de autonomia e capacidade de transformação social.
A TCI atende as metas a que se propõe e deve ser divulgada como uma
prática de caráter terapêutico, transformadora da realidade, e que pode ser
utilizada nos diversos níveis de atenção à saúde, especialmente na atenção
básica.
Tendo em vista os resultados alcançados por esta investigação,
recomenda-se, s a utilização da TCI, como tecnologia de cuidado na rede de
atenção básica, pois, por meio dessa pesquisa, houve um maior envolvimento
com a comunidade, bem como o reconhecimento da TCI como um
instrumento de cuidado.
Os vínculos estabelecidos com a equipe de saúde permitiram o
desenvolvimento de ações de proteção e promoção à saúde como as oficinas,
encontros de jovens e grupos da terceira idade, melhorando o atendimento,
tornando-o mais humanizado. A partir dos encontros de TCI houve a
construção de um espaço de socialização das estratégias de enfrentamento, de
reflexão e autoconhecimento.
Espera-se que a partir desta investigação, exista uma maior divulgação
da TCI como tecnologia de cuidado e como princípio norteador das ações de
saúde, e que se possa estimular as equipes de saúde, principalmente as equipes
de saúde da família a absorver essa tecnologia social e pedagógica de saúde.
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REFERÊNCIAS
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BRANDEN, N. Autoestima: como aprender a gostar de si mesmo. 18. ed. São Paulo:
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GARCIA, M.A.A et al. Atenção á saúde em grupos sob a perspectiva dos idosos. Revista
Latino-americana de enfermagem, v.14, n.2, p.175-182, 2006.
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HELLER, A. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra S/A, 1992.
KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2004.
MEIHY, J.C.S.B. Manual de História Oral. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2005.
PICHON- RIVIÉRE. E. Teoria do vínculo. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SPÍNOLA, J.R.de Y.S. Grupos: em busca de uma nova convivência. In: THIERS, S.
(org). A essência dos vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001.
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Esta obra foi produzida na
Editora da UFPB