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TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA

UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO


UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Reitora
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ
Vice-reitor
EDUARDO RAMALHO RABENHORST

EDITORA DA UFPB
Diretor
IZABEL FRANÇA DE LIMA
Vice-diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
Supervisor de editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR
Supervisor de produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
Editoração e capa
RILDO COELHO

T315 Terapia comunitária integrativa: uma construção coletiva do


conhecimento / Maria de Oliveira Ferreira Filha, Rolando
Lazarte, Maria Djair Dias, organizadores.--João Pessoa:
Editora Universitária da UFPB, 2013.
346p.
ISBN: 978-85-237-0691-3
1. Terapia de grupo(Assistência social). 2. Terapia
comunitária integrativa. 3. Saúde mental. I. Ferreira Filha,
Maria de Oliveira. II. Lazarte, Rolando. III. Dias, Maria Djair.

UFPB/BC CDU: 364-785.24

Direitos desta edição reservados à:


EDITORA DA UFPB
Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil
CEP 58.051-970
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Foi feito o depósito legal
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Rolando Lazarte
Maria Djair Dias
ORGANIZADORES

TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA


UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO

Editora da UFPB
João Pessoa
2013
Autores

Adalberto de Paula Barreto. Médico. Doutor em medicina pela Université de


Paris V (René Descartes) (1982) e em antropologia pela Université Lumiére Lyon 2
(1985). Graduado pela Universidade Federal do Ceará (1976), Filósofo e Teólogo
graduado pela Université Catholique de Lyon et Pontificia Universitas St. Tomas de
Aquino (1983). Docente da graduação e pós graduação da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do Projeto 4 Varas/
Movimento Integrado de Saude Mental Comunitária do Ceará - MISMEC/CE.
Criador da Terapia Comunitaria Integrativa. abarret1@matrix.com.br

Ana Lúcia da Costa Silva. Psicóloga. Mestre em Saúde da Família-Unesa-RJ,


com especialização em: Saúde Mental-Fundação Osvaldo Cruz-(Fiocruz), Centro
de Pesquisa Leônidas & Maria Deane, Terapia Cognitiva Comportamental-
Falculdade Martha Falcão-AM, Teoria e Clinica Psicanalitica-Gama Filho,
Recursos Humanos- UFAM-Am, e Formação em Terapia Comunitária. acosta.
da.lua@hotmail.com

Amilton Carlos Camargo., Psicólogo Clínico, Terapeuta Comunitário formado


pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Doutorando em
Políticas Públicas (Ciências Sociais Aplicadas) pela Universidade Federal do
Maranhão, Especialista em Psicologia da Saúde e Psicoterapia Psicodinâmica
para os Transtornos de Personalidade pela Universidade Federal de São Paulo,
Mestre em Psicologia Social - Universidade São Marcos.SP. camargoam@uol.
com.br

Antonia Oliveira Silva. Enfermeira, graduada pela Universidade Federal


da Paraíba (1975). Especialista em enfermagem psiquiátrica. Mestra em
Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade Federal da Paraíba (1991);
Doutora em Enfermagem pela EERP/USP (1998). Pós-Doutorado em Psicologia
Social pelo ISCTE/Portugal (2003). (1978). Pesquisadora líder do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Envelhecimento e Representações Sociais e bolsista de
produtividade em pesquisa do CNPq. alfaleda@hotmail.com
Eliane Carnot de Almeida. Psicóloga, graduada pela Universidade Gama Filho
(1981), Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social - IMS,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2005), Mestre em Saúde
Coletiva pelo Instituto de Medicina Social / UERJ (1998). Professora Titular da
Universidade Estácio de Sá. ecarnot@uol.com.br

Dayse Gomes Sousa de Oliveira. Fisioterapeuta graduada pelo Centro Universitário


de João Pessoa - UNIPÊ (2003). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal
da Paraíba -UFPB (2008), Especialista em Saúde Pública pela FACISA (2005).
daysecarlosjr@uol.com.br

Edlene de Freitas Rocha. Fisioterapeuta graduada pela Universidade Estadual


da Paraíba (1996), Mestre em Enfermagem pela UFPB, Terapeuta Comunitária.
UAKTIARA/SP. Especialista em Cinesioterapia pela Universidade Federal da
Paraíba (2002) e Saúde Pública pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
(2005) e também em Fisioterapia Traumato-ortopédica Funcional(2008).
edlenefreitasrocha@hotmail.com

Fábia Barbosa de Andrade. Enfermeira graduada pela Universidade Federal


da Paraíba. Doutora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mestrado em Enfermagem
pela Universidade Federal da Paraíba (2009). fabiabarbosabr@yahoo.com.br

Fernanda Lúcia de Sousa Leite Morais. Médica, graduada pela Universidade


Federal da Paraíba- UFPB (1981). Mestre em Enfermagem pela UFPB (2010);
Especialista em Gestão e Política de Recursos Humanos para o SUS, pelo Centro
de Pesquisas Aggeu Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz (1993); Terapeuta
Comunitária  formada pelo IBDH e   Secretaria  Municipal de Saúde de  João
Pessoa/PB (2007). Docente da Faculdade de Ciencias Médicas da Paraíba.
fernandaleitemorais@gmail.com

Fernanda Jorge Guimarães. Enfermeira graduada pela Universidade Federal da


Paraíba (2004). Doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco. Docente
do Núcleo de Enfermagem do Centro Acadêmico de Vitória da Universidade
Federal de Pernambuco, Especialista em Enfermagem do Trabalho. Mestre em
Enfermagem pela UFPB (2006), Terapeuta Comunitária formada pelo MISMEC/
CE. ferjorgui2004@yahoo.com.br

Francisdo Arnoldo Nunes de Miranda, Enfermeiro graduado pela Universidade


Estadual do Ceará. Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Mestre em Enfermagem Psiquiátrica
e Ciências Humanas, Docente do Programa de Pós Graduação em Enfermagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Líder do Grupo de Pesquisa: Ações
promocionais e de atenção a saúde de grupos humanos em Saúde Mental e Saúde
Coletiva (Diretório de Grupos do CNPq). farnoldo@gmail.com

Iris do Ceu Clara Costa. Odontóloga, graduada pela Universidade Federal


do Rio Grande do Norte (1977). Doutora em Odontologia Preventiva e Social
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-Araçatuba (2000),
Especialização em Ativação no processo de mudanças na formação profissional
em saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública/Rede Unida/Ministério da Saúde
(2006). Mestre em Odontologia Social pela Universidade Federal Fluminense
(1981). Pós Doutorado em Psicologia Social pela Universidade Aberta de Lisboa-
Portugal (2007-2008). Professora Associada II da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
iris_odontoufrn@yahoo.com.br

Luci Leme Brandão Lazzarini. Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo - PUCSP em 1979; Especialista em Terapia Familiar e de
Casal formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP em
2007. Terapeuta Comunitária formada pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo - PUCSP em 2004;. luciblazzarini@yahoo.com.br

Lucineide Alves Vieira Braga. Enfermeira graduada pela Universidade Federal


da Paraíba (1989. Mestre em Enfermagem na Atenção à Saúde pelo Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (2009),
Especialista em Saúde Publica, Obstetrícia, Saúde da Família e Formação Pedagógica
em Educação Profissional na área de saúde: Enfermagem - PROFAE. Docente do
Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ e Faculdade de Ciências Médicas da
Paraíba - FCM. Terapeuta Comunitária. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Saúde Mental Comunitária da UFPB. lucineide.avb@gmail.com
Maria de Oliveira Ferreira Filha. Enfermeira. Doutora em Enfermagem,
formada pela Universidade Federal do Ceará (2002). Mestre em Enfermagem pela
Universidade Federal da Paraíba (1994). Graduada pela Universidade Federal da
Paraíba (1981). Especialista em Enfermagem Pisiquiátrica pela UFPB (1982),
Docente do Programa de Pós Graduação em Enfermagem – PPGENF/ Universidade
Federal da Paraíba/ UFPB, vinculada ao e ao Departamento de Enfermagem de
Saúde Pública e Psiquiatria. Pesquisadora e Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Saúde Mental Comunitária (cadastrado no CNPq). Terapeuta comunitária,
formada pelo MISMEC Ceará. e membro do Grupo de Enfermeiras Experts no
Ensino de Enfermagem em Saúde Mental das Américas - OPS/OMS, desde 2003.
marfilha@yahoo.com.br

Maria Djair Dias. Enfermeira graduada pela UFPB. Doutora em Enfermagem


pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - SP, Especialista em
Enfermagem Obstétrica. Mestre em Enfermagem pela UFPB. Docente Associado II
do Departamento de Enfermagem Saúde Pública, e do Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem da UFPB; Terapeuta Comunitária - MISMEC - Ce. mariadjair@
yahoo.com.br

Márcia Rique Caricio. Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraíba


(1989). Mestre em Enfermagem pela UFPB(2010). Sanitarista, Especialista em
Obstetrícia, em Saúde da Família e em Gestão de Servicos de Saúde e do Cuidado.
Docente da Escola de Enfermagem de Natal (UFRN). marcia.rique@gmail.com

Maura Vanessa Silva Sobreira. Enfermeira graduada pela Universidade Federal da


Paraíba (2008). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (2009), Especialista em Políticas e Gestão do Cuidado em Saúde. Docente
Assistente II do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte-Campus Caicó-RN. maurasobreira@yahoo.com.br

Marilene Grandesso. Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica. Fundadora e


coordenadora do INTERFACI - Instituto de Terapia: Família, casal, comunidade
e indivíduo. Professora e supervisora de Terapia familiar e de casal do NUFAC-
PUC-SP; Fundadora e coordenadora do pólo formador em TCI - INTERFACI.
Coordenadora do Certificado Internacional em Práticas Colaborativas.
Coordenadora de Grupos de estudo de Práticas narrativas desde 2006. mgrandesso@
uol.com.br

Ricardo Franklin Ferreira. Psicólogo. Doutor em Psicologia Escolar e do


Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo.  Professor Adjunto
II, na área de Psicologia Social, do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). ricardo_franklin@uol.com.br

Rolando Lazarte. Sociólogo. Doutor em Sociologia pela Universidade de São


Paulo/USP. Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (IUPERJ). Licenciado em Sociologia pela Universidad Nacional de Cuyo
(UNCuyo), Mendoza, Argentina. Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESPSP). Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Saúde Mental Comunitária (cadastrado no CNPq), vinculado ao
Programa de Posgraduação em Enfermagem da UFPB. Terapeuta Comunitário
do Pólo Formador em Terapia Comunitária do MISC-PB, Movimento Integrado
de Saúde Comunitária da Paraíba. Primeiro Diretor de Comunicação Social da
ABRATECOM-Associação Brasileira de Terapia Comunitária. elzarat@gmail.com

Túlio Batista Franco. Psicólogo. Graduado em Psicologia pela PUC-MG (1985),


Doutor em Saúde Coletiva pela UNICAMP (2003) e Mestre em Saúde Coletiva
pela UNICAMP (1999). Docente do Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF). Líder do Grupo de Pesquisa;
Laboratório de Estudos do Trabalho e Formação em Saúde; LETFS/CNPq. Filiado
à Association Latine pour l´Analyse des Systèmes de Santé (ALASS), Barcelona,
Espanha. Filiado à Rede Ibero-Americana de Pesquisa Qualitativa. tuliofranco@
gmail.com

Viviane Rolim Holanda. Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraíba


(UFPB). Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Mestre em Enfermagem pela UFPB (2006). Docente do Curso de Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) lotada no Centro
Acadêmico de Vitória (CAV). vivi_rolim@yahoo.com.br
SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................................................ 13

APRESENTAÇÃO................................................................................................. 17

PARTE I – CONHECENDO A TERAPIA COMUNITÁRIA


INTEGRATIVA.................................................................................................... 23

1. Uma Introdução à Terapia Comunitária Integrativa: conceito,


bases teóricas e método.
Adalberto de Paula Barreto e Rolando Lazarte.......................................................... 24

PARTE II – A TERAPIA COMUNITARIA INTEGRATIVA COMO


INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO............................................................ 45

2. Tempo de falar e tempo de escutar: a produção de sentido em grupo terapêutico.


Amilton Carlos Camargo e Ricardo Franklin............................................................ 46

3. Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribuído à Terapia
Comunitária pela família do participante.
Luci Leme Brandão Lazzarini e Marilene Grandesso................................................ 66

4. Terapia Comunitária e Resiliência: história de mulheres.


Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias, Maria de Oliveira Ferreira Filha e
Adalberto de Paula Barreto...................................................................................... 84

PARTE III – A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA NA ESTRATÉGIA


SAÚDE DA FAMÍLIA/SUS: MUDANÇAS DE PRÁTICAS............................... 107

5. A Terapia Comunitária e as Mudanças de Práticas no SUS.


Edlene de Freitas Rocha e Maria de Oliveira Ferreira Filha..................................... 108

6. Terapia Comunitária: um encontro que transforma o jeito de ver e


conduzir a vida.
Márcia Rique Carício, Maria Djair Dias, Túlio Batista Franco e Maria de Oliveira
Ferreira Filha....................................................................................................... 132
7. Rodas de Terapia Comunitária: espaços de mudanças para profissionais da
estratégia saúde da família.
Fernanda Lucia de S. Leite Morais e Maria Djair Dias.......................................... 159

8. A Terapia Comunitária e suas repercussões no processo de trabalho da Estratégia


Saúde da Família: um estudo representacional.
Maura Vanessa Silva Sobreira e Francisco Arnoldo Nunes de Miranda..................... 188

PARTE IV – A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA COM GRUPOS


ESPECIFICOS..................................................................................................... 207

9. Terapia Comunitária como abordagem complementar no tratamento da


depressão: uma estratégia de saúde mental no PSF de Petrópolis.
Ana Lúcia da Costa Silva e Eliane Carnot de Almeida ........................................... 208

10. A Contribuição da Terapia Comunitária para o enfrentamento das inquietações


das gestantes.
Viviane Rolim Holanda, Maria Djair Dias e Maria de Oiveira Ferreira Filha......... 231

PARTE V - AVALIAÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA


INTEGRATIVA.................................................................................................. 253

11. A História da Terapia Comunitária na atenção básica de saúde em João Pessoa/


PB: uma ferramenta de cuidado.
Dayse Gomes Sousa de Oliveira e Maria Djair Dias............................................... 254

12. A Terapia Comunitária como instrumento de inclusão da saúde mental na


atenção básica: análise da satisfação dos usuários.
Fábia Barbosa de Andrade, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Antonia Oliveira Silva,
Iris do Céu Clara Costa......................................................................................... 281

13. Repercussões da Terapia Comunitária no cotidiano de seus participantes.


Fernanda Jorge Guimarães e Maria de Oliveira Ferreira Filha................................ 320
Prefácio

Vários são os caminhos que conduzem ao conhecimento e conferem


competência a quem por eles caminha. A grande estrada da qualificação
profissional tem sido as escolas, as universidades e as academias: instituições
detentoras de saber, formadoras de profissionais, com seus rituais de iniciação,
seus títulos, suas teorias, suas teses.
Uma outra fonte de produção do saber é a vivência pessoal de indivíduos
e de grupos sociais apreendida ao longo da vida. Os obstáculos, os traumas,
as carências e os sofrimentos superados transformam-se em sensibilidade e
competência, levando-nos a ações reparadoras de outros sofrimentos. Essa
competência e essas habilidades construídas a duras penas são transmitidas, de
geração a geração, pela tradição oral do “ouvi dizer” e “vi fazer” constituindo
um capital sócio cultural indispensável a todo e qualquer desenvolvimento
tanto individual como coletivo.
Por isso afirmamos, “minha primeira escola foi minha família e
meu primeiro mestre foi a criança que fui”. Geralmente atribuímos nossas
competências a livros que lemos, cursos que fizemos e jamais a algo que
vivenciamos. Como poderemos nos empoderar se deixarmos de lado o saber
produzido no contexto familiar, na escola da vida? Seremos meros marionetes
prontos para sermos manipulados, colonizados e, portanto, alienados de nosso
potencial criativo.
Só nos empoderamos, quando compreendemos e aceitamos ser sujeito
ativo, aprender com nossa história e não ter vergonha de nossas origens étnicas
e dos nossos valores culturais, construídos em contextos diferentes, por nossos
ancestrais.
Na academia, nós incorporamos o saber científico que nos confere um
diploma que legitima uma identidade profissional e nos garante um salário
financeiro. No entanto, muitas vezes, esta incorporação é feita em detrimento
da identidade cultural. Ela exige a morte do índio, do negro que vive em cada
um de nós. Desta forma, reproduzimos o drama vivido no filme do Robocop,
onde a dimensão humana fica eclipsada, reprimida por uma parafernália
tecnológica. Tudo se passa como se a condição para sermos um profissional
13
eficiente, cientista, fosse combater a dimensão afetiva, cultural, própria do ser
humano.
Na experiência de vida, as carências e os sofrimentos, quando
superados, transformam-se em sensibilidade e competência, levando-nos a
ações reparadoras de outros sofrimentos, nos conferindo um salário afetivo.
O sofrimento que vivi me anima a restaurar aquilo que já conheço.
É, portanto, minha antiga dor que se torna fonte de competência sanadora.
Desta forma, cuidando do outro, eu restauro a minha própria história pessoal
e familiar.
Podemos, assim, afirmar que a carência gera competência. Geralmente
ensinamos melhor aquilo que mais precisamos aprender e damos melhor aquilo
que não recebemos. Por exemplo: se fui rejeitado… torno-me acolhedor.
Nós necessitamos destas duas formas de conhecimento: o técnico-
científico e o conhecimento produzido pela experiência de vida.
Usando uma metáfora para melhor compreendermos estes dois saberes,
são como duas mãos que se chocam, produzindo inicialmente barulho e
sofrimento, e aos poucos, se dão conta que podem produzir música, ritmos,
melodias que demonstram a alegria de viver. Portanto, são saberes que se
chocam, se interpelam, num choque criativo e jamais destrutivo, no qual um
novo saber quer eliminar o outro, seguindo a lei do mercado que faz com que
o surgimento de um novo produto, sempre provoca a destruição do outro.
Seria uma perda inestimável se a diversidade dos saberes não permitisse a co-
habitação, de forma respeitosa, desta diversidade. Ora, a sociedade é composta
de contextos os mais diversos e, por isso, precisamos compreender que um
modelo único, uma leitura única será sempre parcial. Um ponto de VISTA, é
sempre a VISTA de um ponto. A compreensão da realidade social exige leituras,
abordagens as mais variadas e plurais possíveis para atender a complexidade
dos diversos contextos. Um modelo é uma construção sempre provisória. Um
modelo aplicado para fazer uma leitura num determinado contexto, pode não
servir para compreender um outro contexto. A realidade é uma universidade.
Ela nos ensina a cada momento a relativizarmos o nosso saber, para podermos
incluir, articular outros saberes construídos em outros contextos.
A Terapia Comunitária Integrativa - TCI, como toda abordagem
integradora ou holística, sabe que é possível transformar o choque e a dor
14
deste confronto em ritmo, em batucada, em algo criativo que não negue, mas
integre. Na Terapia Comunitária, aprendemos a construir juntos.
A TCI apóia-se nas competências dos indivíduos e nos saberes
produzidos pela experiência. Seus participantes são considerados verdadeiros
especialistas na superação do sofrimento. Suas histórias de vida os têm
tornado especialistas na superação de obstáculos e na produção de um saber,
geralmente ignorado pela academia.
Não se trata de rejeitar o saber acadêmico, mas, sim, resgatar esta outra
fonte geradora de competência. Trata-se de permitir que um método de cunho
científico possibilite ao outro método de cunho mais intuitivo e cultural
tomar corpo, consciência, consistência e reconhecimento de habilidades
adquiridas por outras vias que não as convencionais. Trata-se de reconhecer
que a cultura tem também seus processos e métodos geradores de habilidades
e competências.
A Terapia Comunitária Integrativa vem adotando o Método de pesquisa-
ação-participativa (RAP em francês), definido como “rejeição do monopólio
universitário sobre a produção do conhecimento, e fazendo apelo também
a outras maneiras de produzir ‘conhecimentos’ como a história oral, que
prioriza a experiência do vivido da base, na base e para a base”. Os resultados
têm sido encorajadores. O que resulta do diálogo entre as diferentes formas de
produção de “conhecimento” tem permitido compreender a importância de
ver o outro como um parceiro possuidor de recursos ocultos que precisam ser
mobilizados, levados em conta em um trabalho de desenvolvimento humano
e comunitário. Assim, tem sido possível relativizar os métodos e estar aberto a
uma colaboração transdisciplinar e transcultural.
Do contrário, o sofrimento sem crescimento, sem transformação em
competência, transforma-se num fatalismo aniquilador de esperanças, gerando
comodismo. Não adianta fazer nada. “Se correr o bicho pega e se ficar o bicho
come”. E, aos poucos, vamos perdendo a confiança em nós mesmos, em nosso
potencial e vamos alimentando atitudes de fracasso, de auto-desvalorização e
dependências as mais diversas, provocando o que chamo de a “síndrome da
miséria psíquica”. Se, por um lado, este adágio popular sugere conformismo,
nos convida a deixar as coisas como estão. Por outro lado, neste mesmo
provérbio, podemos descobrir uma outra mensagem oculta, transformadora,
15
mobilizadora desde que acrescentamos uma frase. Ou seja, se a gente se juntar,
o bicho é quem corre, a gente pega e mata o bicho da corrupção, da violência,
dos preconceitos...
O sofrimento é a matéria prima da TCI, na medida em que podemos
transformá-lo em crescimento. Para compreendermos melhor, me permitam
uma outra metáfora: o sofrimento é como o “excremento”, a “merda” que
pode ser transformada em estrume, em alimento para as plantas crescerem e
produzirem flores e frutos. O foco de nossa reflexão é centrada no “sofrimento”
e a pergunta chave é: O que tenho feito de meus “excrementos” de minhas “
merdas” de meus traumas? Já aprendi a transformá-los em adubo ou apenas a
exalar odores insalubres e poluentes de vidas?
Neste livro, são relatadas algumas experiências da escola da vida,
onde os grandes especialistas do cuidado souberam lidar com esta
alquimia. Transformar sofrimento em sensibilidade, em energia reparadora,
possibilitando a construção de uma nova ordem social, a construção coletiva
do conhecimento.
A forma de conhecimento que se recupera na prática da Terapia
Comunitária, é bastante complexa. Compreende a capacidade do indivíduo
vir a se observar e a observar os outros, bem como as ações de que faz parte,
como parte de um contexto. Aponta para que a pessoa recupere a condição de
agir, isto é, a de ser um ator, e não alguém que meramente reage. Procura ajudar
a que o indivíduo recupere o valor da sua própria experiência como uma fonte
de conhecimentos e de uma capacidade para se desenvolver no mundo. Isto é
uma simbiose entre o saber popular, experiencial, e o conhecimento científico.
Estas são apenas algumas pinceladas do processo essencial de recuperação do
ser que ocorre na TCI ou, melhor dizendo, desencadeado por ela. Cada um
e cada uma irá descobrir por si os traços desta caminhada de volta para si
mesmo ou si mesma.
A revolução que a TCI propicia na vida das pessoas e comunidades
conduz, como dissemos mais atrás, a um empoderamento, a uma re-fundação
da vida e da experiência. Esperamos que estes estudos, e mais, a experiência
de cada um e de cada uma neste caminho que aqui se propõe, qual seja, o de
pesquisar constantemente em si mesmo e na circunstância de que somos parte,
leve muitos e muitas a este re-descobir o sentido de uma vida plena, feliz, livre
e criativa.

Adalberto de Paula Barreto


16
Apresentação

A pesquisa sobre a Terapia Comunitária Integrativa – TCI, ainda é uma


área de conhecimento relativamente nova no Brasil, embora o seu objeto de estudo
tenha uma existência superior aos 20 anos. A defasagem entre o surgimento do
objeto de estudo e o seu estudo, contudo, não deve de per si chamar a atenção.
O fato de que um conjunto de práticas, de modos de ser e de fazer, de
pensar e de sentir, em suma, o que Émile Durkheim chama de fato social, demore
em atrair a curiosidade dos acadêmicos, dos gestores, da população nos seus
diversos atores sociais, pode até ser considerado normal.
Para que esse conjunto de práticas venha a ter efeitos que despertem a
atenção dos estudiosos, essas práticas devem já ter provocado conseqüências tais,
pela sua aplicação e disseminação, que seja inevitável que as instituições de ensino
e pesquisa se voltem para o novo fenômeno em expansão.
Tal é o que ocorre no Brasil com os estudos sobre a Terapia Comunitária
Integrativa, em parte, reunidos nesta coletânea. A ideia é a de oferecer aos leitores,
de maneira sucinta, um breve “estado das artes”, se é que esta afirmação não é
demasiado pretensiosa. O que foi pesquisado, ao menos no circuito acadêmico,
no âmbito universitário. Quais são as avaliações das repercussões da aplicação
desta tecnologia de cuidado e de redução do sofrimento mental que é muito mais
do que uma ação em saúde ou pela saúde. É um fenômeno social, um movimento
social, e como tal, o que aqui apresentamos, é como que a ponta de um iceberg.
A TCI é um processo, uma prática social e pessoal complexa, e como tal,
tem dado lugar a pesquisas e estudos tanto sobre ela mesma, quanto sobre os seus
efeitos sobre as pessoas e comunidades. Este é um campo vasto de investigação,
que compreende desde os fundamentos da TCI até as suas diversas aplicações
em Equipes de Saúde da Família, comunidades, instituições. Aqui apresentamos
vários destes estudos.
A pesquisa em TCI não dispensa o sujeito: o terapeuta comunitário está
constantemente investigando sua própria vida e a vida ao redor, na trama da rede
da qual faz parte. A prática da pesquisa em TCI envolve então o pesquisador e a
população pesquisada. É sempre uma pesquisa participante, uma pesquisa ação.
E também uma pesquisa em que o conhecimento é sempre transformador, nunca
mera informação ou interpretação.
A primeira parte é introdutória e o capitulo elaborado por Adalberto de
Paula Barreto, criador da terapia comunitária, e Rolando Lazarte, colaborador,

17
apresenta uma visão da terapia comunitária para os leitores, dando ênfase à
discussão das bases teóricas, conceitos fundamentais, método, e os resultados
que se alcançam com esta prática, em termos da recuperação da pessoa humana,
a sua auto-estima e noção de si, a sua identidade e história, a trama social de
pertencimento e a estrutura valorativa. Nesse capitulo, se entrecruzam visões
sobre este novo fenômeno social desde os ambitos disciplinares da antropologia
e a sociologia.
Na segunda parte, apresentamos estudos sobre a TCI e os seus efeitos
na vida das pessoas que participam dos encontros de TCI, bem como nos seus
familiares. O texto de Amilton Carlos Camargo e Ricardo Franklin, Tempo de falar
e tempo de escutar: a produção de sentido em grupo terapêutico, é um estudo
exploratório que buscou, através da narrativa de mulheres, ampliar a compreensão
dos sentidos atribuídos ao sofrimento a partir da participação dessas mulheres
nas rodas de Terapia Comunitária. Os autores trazem uma reflexão centrada na
percepção do sujeito inserido no coletivo, evidenciando como as apropriações da
fala do ‘outro’, produzem um novo sentido para as experiências vividas.
Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribuído à
terapia comunitária pela família do participante, de autoria de Luci Leme Brandão
Lazzarini e Marilene Grandesso, é um estudo onde se mostra como a participação
de um membro da família nas rodas da TCI, repercute positivamente na sua
transformação pessoal, tanto quanto na da família da qual faz parte. As autoras
utilizaramm o genograma para oferecer ao leitor uma maior compreensão sobre a
constituição das famílias pesquisadas.
O texto, Terapia Comunitária e Resiliência: história de mulheres de
Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias, Maria de Oliveira Ferreira e
Adalberto de Paula Barreto, discute a resiliencia, um dos pilares teóricos da TCI,
e nesse estudo buscou-se conhecer as estratégias resilientes utilizadas por um
grupo de mulheres participantes de rodas de TCI. É uma pesquisa que priorizou
o método da história oral temática, para revelar histórias de lutas e superação
da vitimização. Os autores discutem as características resilientes presentes nas
mulheres, e constatam que a TCI propiciou o aumento da autoestima e da
capacidade de mobilização social e comunitária.
Na terceira parte do livro, a ênfase recai sobre estudos desenvolvidos sobre
a inserção da Terapia Comunitária Integrativa na Estratégia Saúde da Família-
ESF. Os três primeiros estudos, tiveram como método de investigação a história
oral temática. Coloca-se o foco nas mudanças que ocorreram nas práticas dos

18
profissionais da ESF que se formaram terapeutas comunitários. O texto de Edlene
de Freitas Rocha, Maria de Oliveira Ferreira Filha e Maria Djair Dias, intitulado
A Terapia Comunitária e as Mudanças de Práticas no SUS, traz um retrato do
processo de formação em TCI realizado no município de Pedras de Fogo/PB, e
aborda a TCI como uma prática de humanização do cuidado em saúde, conforme
preconizada pelo SUS. Através dos relatos dos participantes do curso, focaliza a
contribuição da TCI para o autoconhecimento como um processo de educação
permanente, e compara a TCI com a política de Educação Permanente para o
Sistema Único de Saúde – SUS, no contexto da consolidação de um modelo
comunitário de saúde mental.
A contribuição de Márcia Rique Caricio, Maria Djair Dias, Túlio Batista
Franco e Maria de Oliveira Ferreira Filha, Terapia comunitária: um encontro
que transforma o jeito de ver e conduzir a vida, mostra através da história oral,
as repercussões da TCI em profissionais da Estratégia de Saúde da Família. Do
ponto de vista da perspectica de Gilles Deleuze, Os autores comparam a TCI
como um encontro potente onde as pessoas são afetadas mutuamente pelas
histórias vividas e narradas nas rodas. Eles trazem uma inovação no campo
epistemológico, e mostram como a terapia temática, que é uma das variantes
da TCI, pode ser utilizada como técnica de produção de material empírico, nos
estudos qualitativos que requerem a expressão da subjetividade representada pelo
vivido, pelo experienciado.
No capitulo, Rodas de terapia comunitária: espaços de mudanças para
profissionais da estratégia saúde da família de Fernanda Lucia de S. Leite Morais e
Maria Djair Dias, a perspectiva está centrada na compreensão sobre as mudanças
pessoais e profissionais ocorridas em trabalhadores da Estratégia de Saúde da
Família (ESF) a partir da participação deles em rodas de Terapia Comunitária
Integrativa. Verificam-se as interrelações entre o mundo do trabalho e o mundo
da vida, numa atenção humanizada aos usuários na atenção básica em saúde. Este
estudo demarca a proximidade da TCI com a educação permanente em saúde
sob dois ângulos: enquanto sujeito de produção das práticas coletivas da saúde e
enquanto objeto da ação transformadora da TCI, quando os profissionais relatam

19
as mudanças ocorridas no processo de trabalho a partir da participação deles nas
rodas de TCI.
Já o capítulo Repercussões da terapia comunitária no processo de trabalho
da Estratégia Saúde da Família: um estudo representacional, de autoria de Maura
Vanessa Silva Sobreira e Francisco Arnoldo Nunes de Miranda, fundamenta-
se na teoria das representações sociais, na perspectiva moscoviciana através da
abordagem sociocognitiva, por entenderem os autores que esta opção teórico-
metodológica favorece uma reflexão sobre a crítica, sobre o espaço onde o sujeito
está inserido, conferindo um valor influenciado pelo saber do senso comum e da
ciência. O estudo avalia as repercussões da TCI tanto no processo de trabalho da
equipe da ESF quanto no acolhimento e atendimento aos usuários dos serviços
de saúde na atenção básica.
A quarta parte, a TCI com grupos específicos, traz duas pesquisas que
tiveram o propósito de investigar como a TCI poderia potencializar as ações
específicas de cuidado para grupos com características homogêneas, no que diz
respeito a problemáticas enfrentadas. O capítulo Terapia Comunitária como
abordagem complementar no tratamento da depressão: uma estratégia de saúde
mental no PSF de Petrópolis, de autoria de Ana Lúcia Costa e Silva e Eliane
Carnot de Almeida, mostra como a TCI pode ser utilizada como uma estratégia
complementar no tratamento de pessoas em depressão. Este capitulo é uma boa
referencia para àqueles que pretendem aplicar a TCI em grupos específicos, como
diabéticos, hipertensos, usuários de álcool e drogas, entre outros.
O capítulo A contribuição da Terapia Comunitária para o enfrentamento
das inquietações das gestantes, de Viviane Rolim Holanda, Maria Djair Dias e
Maria de Oliveira Ferreira Filha, objetivou identificar, na fala das mulheres
gestantes, as estratégias desenvolvidas para o enfrentamento das suas inquietações
do dia-a-dia, e revelar as contribuições da Terapia Comunitária para o bom
desenvolvimento do processo da gravidez. Aqui se percebe a importância de se ter
nos serviços de saúde um espaço de fala e escuta coletiva, onde todos são mestres
e aprendizes. Esse material é direcionador para práticas coletivas em saúde, onde
a TCI pode ser mais um espaço educativo, um lugar de tira dúvidas sobre mitos e
medos relacionados com a gestação e puerpério.
A quinta parte, estudos que avaliam a TCI, foi inserida nesta coletânea
para despertar o interesse de pesquisadores e principalmente dos terapeutas
comunitários, para a avaliação da própria prática, seja através de técnicas

20
qualitativas ou de instrumentos quantitativos. Inclui o capítulo A História da
Terapia Comunitária na atenção básica de saúde em João Pessoa: uma ferramenta
de cuidado, de autoria de Dayse Gomes Sousa de Oliveira e Maria Djair Dias.
Neste capítulo pode-se apreciar a riqueza de narrativas que compõem a história
do processo de implantação da TCI na rede de Atenção Básica em Saúde no
município de João Pessoa, PB. As autoras apresentam aos leitores uma utilização
do método da história oral temática, trazendo uma contribuição singular para a
pesquisa qualitativa, em que o fenômeno estudado apenas pode ser conhecido
através da voz dos colaboradores. Há uma sequencia nítida de narrativas que,
cadenciadas, reconstroem uma história que até então era desconhecida.
Por sua vez, o capítulo A Terapia Comunitária como instrumento de
inclusão da saúde mental na atenção básica: análise da satisfação dos usuários, de
Fábia Barbosa de Andrade, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Antonia Oliveira Silva,
Iris do Céu Clara Costa, teve como objetivo avaliar a satisfação dos usuários com
relação à TCI na Atenção Básica em Saúde, bem como a contribuição da TCI
para a melhoria nos cuidados em saúde mental no nível primário da atenção em
saúde. É um estudo que utiliza uma escala de avaliação da satisfação dos usuários
sobre serviços de saúde mental, SATIS-BR, que foi adaptada para este estudo
sobre avaliação da TCI, após quatro anos de sua implantação no município de
João Pessoa, Capital da Paraíba. Esta pesquisa é uma referencia para gestores que
desconheçam a repercussão da TCI na atenção básica de saúde e também na
saúde mental.
Finalmente, o capítulo Repercussões da Terapia Comunitária no cotidiano
de seus participantes, elaborado por Fernanda Jorge Guimarães e Maria de Oliveira
Ferreira Filha, é um dos primeiros estudos sobre a TCI publicado em periódicos
indexados do sistema qualis da CAPES. Ele destaca-se pela importância da
integração ensino-serviço como propulsora da construção de novos saberes e de
novas práticas. Nesta pesquisa, a história oral também foi utilizada como método
para conhecer as repercussões da TCI no dia a dia das pessoas que participavam
das rodas de TCI e que também frequentavam uma Unidade de Saúde da Família
do município de João Pessoa, PB. Ele também é referencia para os terapeutas
comunitários, uma vez que mostra como as pessoas concebem esse momento
terapêutico, tirando dele, lições para lidar com situações conflitivas no cotidiano.
Estas pesquisas que agora apresentamos ao público leitor, constituem a
primeira reunião de estudos sobre a Terapia Comunitária Integrativa como

21
construção coletiva do conhecimento. Acreditamos que a partir desta iniciativa,
outros pesquisadores possam continuar a contribuir para que esta tecnologia de
cuidado, que é ao mesmo tempo um movimento social de promoção da pessoa
humana, uma ação cidadã e um método de conhecimento transformador, continue
se expandindo e dando bons frutos, em termos de melhoria da qualidade de vida
de muitas pessoas e comunidades.
O que aqui se apresenta, são pesquisas e estudos com ênfases e objetos
específicos, utilizando metodologias particulares. A ideia é que outros
pesquisadores possam ir além, aprofundadndo e questionando, gerando novas
interpretações e perspectivas de conhecimento e ação. A nossa expectativa é a de
que esta reunião de estudos pioneiros sirva para o progresso no campo da pesquisa
e da ação. Os que forem se voltando para estas temáticas no futuro, irão gerando
novos estados das artes, e assim sucessivamente, nessa construção coletiva que é o
processo do conhecimento.
O tipo de estudos aqui apresentados, enfatiza tanto a interpretação
como a compreensão, a captação de sentidos, a descoberta de novas relações
de conexões. Os leitores terão a oportunidade de conhecer uma ampla gama de
formas de investigação, cujo traço comum é: pesquisa-se a TCI para transformar,
práticas sociais para fazer emergir sujeitos novos, mais atuantes, mais autônomos,
mais donos de si e do seu destino.
A nossa pretensão ao dar a público estes escritos é a de estimular o avanço
do conhecimento na direção da consolidação do já investigado, bem como
apontar direções para onde há de se avançar para além do conhecido, em direção
às áreas ou aspectos ainda muito pouco explorados.
Nesse sentido, podemos dizer que esta coletânea, que é uma produção do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental Comunitária, registrado na base
de dados do CNPq e vinculado ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem
da Universidade Federal da Paraíba, é pioneira quanto a uma tentativa de mapear
o conhecido e o por conhecer. Convidamos os leitores, a mergulharem nesta
aventura do conhecimento.

Os organizadores

22
PARTE I

CONHECENDO A TERAPIA COMUNITÁRIA


INTEGRATIVA
UMA INTRODUÇÃO À TERAPIA COMUNITÁRIA
INTEGRATIVA:
CONCEITO, BASES TEÓRICAS E MÉTODO.

1
Adalberto de Paula Barreto
Rolando Lazarte

TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA


A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi criada no ano de 1987
na Favela do Pirambu, Fortaleza, sob a coordenação do psiquiatra, teólogo
e antropólogo Adalberto de Paula Barreto, em parceria com a Associação
dos Direitos Humanos do Pirambu e com a Pró-Reitoria de Extensão do
Departamento de Saúde Comunitária da UFC.
A TCI é um espaço de acolhimento do sofrimento, onde as pessoas
se encontram e se sentam lado ao lado, formando uma roda, para partilhar
inquietações, problemas ou situações difíceis, tanto quanto alegrias, vitórias
ou histórias de superação. Na Terapia Comunitária Integrativa aprende-se a
partir da escuta das histórias de vida dos participantes valorizando o saber de
cada um, adquirido pela própria experiência. Valoriza-se a competência de
cada pessoa, no contexto grupal, uma vez que se entende que todos são co-
responsáveis na busca de soluções e na superação dos desafios do cotidiano.
O termo terapia é de origem grega, therapeia, e significa acolher, ser
caloroso, servir, atender. Já “comunitária”, vem de comunidade – que significa
comum + unidade – e serve para designar pessoas que tem características
em comum: exclusão e sofrimento, mas que também buscam soluções e a
superação das dificuldades em sua vida.
Assim a palavra comunidade, geograficamente falando, compreende o
território, o local onde as pessoas vivem, trabalham, criam seus filhos e em
24
geral realizam as atividades necessárias para a vida diária. A comunidade é o
ambiente social onde os riscos são vivenciados e os apoios são prestados.
A Terapia Comunitária Integrativa é uma prática integrativa porque
valoriza a diversidade das culturas, do saber fazer e das competências individuais
e coletivas, lutando contra o isolamento, a fragmentação e a exclusão. Cada
pessoa tem um saber que foi produzido pela sua própria experiência de vida.
Quem é descendente de africano, tem o saber dos pretos-velhos, quem é
descendente dos índios tem a sabedoria das ervas, das garrafadas, dos chás.
Quem tem 60 anos tem um saber produzido pela experiência dos anos
vividos. A TCI é também uma prática de caráter sistêmico, porque considera
que as dificuldades estão relacionadas com o contexto e as interações sociais.
Os indivíduos pertencem a uma rede relacional capaz de auto-regulação,
protagonismo e crescimento.
A TCI é uma abordagem que facilita o resgate da autoestima, fortalece
o poder resiliente e o empoderamento, uma vez que potencializa recursos
individuais e coletivos. É um instrumento de construção de redes de apoio
social, porque possibilita a criação de vínculos e a formação de uma teia de
relações facilitadora das trocas de experiências, do resgate das habilidades e da
superação das adversidades baseada na formação de recursos sócio-emocionais.
Na TCI, cada um é doutor da sua própria vivência, por isso, cada um
vai falar de si e da sua experiência. Nas rodas, não se discutem temas teóricos
e sim questões do cotidiano e sempre a partir de uma situação-problema que
permite às pessoas descobrirem que também têm as soluções. Quando isso é
feito, no final da terapia, se cria ou se fortalece uma rede de apoio solidária,
que não tem como objetivo resolver os problemas das pessoas, mas criar e
suscitar uma dinâmica interativa de identificação. Essa rede começa a se tecer
e as pessoas irão se tornar mais autônomas, menos dependentes dos remédios
e das instituições.
Portanto a TCI é uma tecnologia leve de cuidado, que tem dado respostas
satisfatórias aos que dela participam, sendo mais um instrumento de trabalho,
que pode ser utilizado por profissionais da saúde, áreas afins, e pela própria
comunidade, no sentido de construir e fortalecer vínculos solidários, levando

25
as pessoas e a própria comunidade a um processo de (re) construção e (re)
conhecimento da sua identidade, imagem e memória coletiva, recuperando
as raízes comuns, dando um sentido de pertencimento aos indivíduos, sem
perder de vista as suas singularidades.
A TCI é caracterizada por três componentes básicos: 1) o engajamento
de todos os elementos culturais e sociais ativos da comunidade para viabilizar
a discussão e a realização de um trabalho de saúde mental; 2) o fortalecimento
do coletivo, a fim de promover o encontro de grupos de crianças, adolescentes,
mulheres, homens, idosos, funcionado como instrumento de integração social;
3) a formação da identidade social, para que a pessoa cada vez mais tome
consciência da miséria e do sofrimento humano, facilitando a descoberta de
suas potencialidades terapêuticas.

OS CINCO PILARES BÁSICOS DA TERAPIA


COMUNITÁRIA INTEGRATIVA
A Terapia Comunitária Integrativa se apóia em cinco pilares teóricos:
a pedagogia de Paulo Freire, a resiliência, a antropologia cultural, a teoria
da comunicação humana (ou pragmática da comunicação humana), e o
pensamento sistêmico. Estes são os pilares que estão explícitos atualmente na
TCI, mas não se há de pensar que não existam nela outros pilares de maneira
implícita.
Por se tratar de uma prática complexa, em que saberes científicos e
populares estão entrelaçados, a descoberta de outros pilares contidos neste
afazer multifacetado, poderá sempre ocorrer.
Esta possibilidade se coloca como um desafio para os estudiosos e para
os terapeutas comunitários que devem ser, eles mesmos, eternos pesquisadores,
eternos redescobridores de um fazer e de um ser, seu próprio ser, o ser da vida,
que nunca está acabado, está sempre ocorrendo, sempre sendo outra coisa,
sempre sendo algo mais.

26
A Pedagogia de Paulo Freire
Há vários aspectos da pedagogia de Paulo Freire que se encontram
incorporados na Terapia Comunitária Integrativa. Dentre eles, cabe aqui
mencionar a criticidade (como oposta à visão ingênua, alienada, do mundo),
a contextualização, a problematização, o caráter dialógico da construção do
conhecimento e da realidade, a noção do opressor interno (FREIRE, 1987),
o opressor introjetado no oprimido, e a noção de que o processo educativo é
sempre de duas vias: todos aprendem, o educador e o educando, isto é: todos
somos educadores-educandos, por um lado, e, por outro, a noção de que todos
somos geradores de saberes e de visões de mundo irredutíveis umas às outras,
em um movimento contínuo de mútua contradição e complementariedade. A
compreensão de que a vida é um processo incompleto, é outra das características
do pensamento de Paulo Freire
Estas noções são algumas que se apresentam como relevantes. Podem
parecer muito simples, mas –talvez como conseqüência dessa mesma
simplicidade-- o seu efeito libertador nas rodas de Terapia Comunitária
Integrativa, e na formação de terapeutas comunitários –toda terapia comunitária
tende a ser um processo constante de auto-descoberta e libertação.
Ver as coisas em processo, se ver no processo de oposições e de
contradições que é a vida. Poder se ver no contexto das circunstâncias
em que cada um foi sendo moldado, passando a ser um analista de si
mesmo e das pessoas em redor, e não mais espectador passivo. Se perceber
como co-responsável na criação das circunstâncias em que se vive e se luta,
nas quais se descobrem recursos próprios e coletivos para a emancipação
do que oprime, e não mais como vítima. Se perceber, portanto, como
sujeito construtor de modos de vida e visões de mundo, de relações sociais
que oprimem mas também podem e devem libertar, em outras palavras,
assumir a pessoa que se é e que se está sendo, o destino que se quer
realizar. Ou seja: sujeito ativo, criativo, capaz (o “eu posso” individual e
coletivo), autor das próprias escolhas e dono da própria vida. Tudo isto
em movimento, ou seja: não mais a vida como passividade, submissão,
aquiescência, mas como atividade, criatividade, compromisso consciente.

27
A pedagogia de Paulo Freire é muito mais do que os procedimentos
que costumam ser citados ao se referir a ela. Tal como a Terapia
Comunitária Integrativa, o método Paulo Freire é uma forma de ver o
mundo, de ler a realidade e a si mesmo, de agir significativamente em
grupo e individualmente, a partir de valores e formas de perceber geradas
num encontro mutante com a matriz sociocultural e histórica a que se
pertence.
As tentativas de resumir estes dois grandes movimentos sociais em
boa medida entrelaçados e mutuamente implicados a alguns dos seus
traços característicos, podem levar a visões estereotipadas afastadas do
que se quer conhecer, isto é: dois grandes movimentos sociais gerados no
Nordeste brasileiro, expandidos pelo país inteiro, em perpétuo processo de
mudança interna, avançando de maneira lenta, mas firme, em direção a
formas mais humanas de existência.
O movimento de educação popular de Paulo Freire e a terapia
comunitária agem pela base, são movimentos sociais, modificam a
consciência do oprimido em direção à sua libertação prática, não teórica
ou ideológica. Um dos eixos desta ação libertadora, talvez o principal, é a
recuperação da auto-estima de pessoas e comunidades.
Esta recuperação da autoestima, está ligada à libertação da pessoa
e das comunidades, dos estereótipos e dos preconceitos internalizados,
que os faziam se repudiar e se desconhecerem a si mesmos, por terem
introjetado a visão do opressor. Isto fica claro numa menção que Paulo
Freire faz em A pedagogia da Autonomia, à forma como um favelado passou
a ver a si mesmo, já não mais como uma vítima ou alguém indesejável, mas
comum sujeito vitorioso, vencedor, por ter-se organizado e mobilizado
coletivamente em favor do bem comum.
Na Terapia Comunitária Integrada, esta mesma recuperação da
auto-estima, ocorre a partir do momento em que as pessoas passam a
se perceberem já não apenas enquanto alguém que cumpre obrigações,
papéis sociais, mas como alguém com direito a existir, a ser ele mesmo, a

28
pessoa, o ser humano que é, e não que os outros pensam a seu respeito ou
o que os outros querem que a pessoa seja.
A pedagogia de Paulo Freire foi gestada em um contexto de
mobilização social e política latino-americana e mundial, no fim dos anos
1950 e começo dos anos 1960. Era um período marcado por rebeliões
estudantis e por mudanças políticas em direção ao socialismo.
Na Pedagogia do oprimido, Paulo Freire questiona o revolucionarismo,
como oposto à radicalidade. No primeiro, se mantém ou pretende-se
manter a tutela sobre os oprimidos, em nome da sua libertação. A segunda,
envolve uma mudança geral, em que todas as pessoas se mobilizam na
construção de uma sociedade emancipada.
As advertências de Paulo Freire resultam proféticas, olhando
retrospectivamente o panorama dos processos políticos das últimas décadas
no nosso continente e no mundo. Em particular, o agir dos movimentos
guerrilheiros e dos regimes do chamado socialismo real, bem como as ditaduras
cívico-militares e as suas continuidades neoliberais.
A vigência e o vigor da sua pedagogia permanecem atuais, na medida
em que outros movimentos sociais, como a Terapia Comunitária Integrativa,
aprenderam estas lições; cada um de nós é o mundo a ser mudado, e não há
líderes nem partidos ou instituições que possam nos libertar, se não assumirmos
nós mesmos a responsabilidade e as conseqüências de termos tomado a decisão
de sermos os autores do nosso próprio destino, com autonomia.

A Teoria da Comunicação Humana


A teoria da comunicação humana é um dos pilares básicos da Terapia
Comunitária Integrada. Formulada por Watzlawick, Helmick-Beavin e
Jackson, permite compreender a ação humana como um comportamento
em que são transmitidas mensagens. Toda a conduta humana é transmissora
de mensagens, inclusive quando nos propomos a não comunicar, estamos
dizendo algo: você não existe, você não me importa, você não é de nada. Bem
dizem que o contrário do amor não é o ódio, mas a denegação.
Na Terapia Comunitária Integrativa, aprendemos que uma pessoa deixa
de ter sentido ou passa a ser ignorada deliberadamente, quando ela é denegada

29
e isto acarreta conseqüências para a sua auto-estima, para a noção de si, para o
seu modo de ser e de se comportar no mundo.
Uma criança que não foi desejada, desde o ventre materno soube disso,
e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempo
todo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foi
querida desde a concepção, ao contrário, é capaz de dizer sim quando quer,
e não quando não quer. Estas constatações aparentemente muito simples,
permitem com que a pessoa comece a ver a si própria desde outro lugar, desde
uma possibilidade de auto-conhecimento autêntico, sem enganos, verdadeiro.
Muitas vezes, nas terapias ou nas formações de terapeutas comunitários,
os participantes são levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de si
mesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos períodos
de tempo. Quando a pessoa começa a se perceber como alguém que venceu
muitas batalhas, alguém que soube dar a volta por cima em circunstâncias
que poderiam tê-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de si
começa a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz de
direcionar sua própria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidir
o que quer que seja o seu próprio ser. “O que você quer para eu querer”
(a criança ou a pessoa boazinha). “O que você quer para eu não querer” (o
rebelde ou contestatário) são prisões em que a pessoa deixa de ser ela mesma,
perde a sua liberdade, age por automatismos.
Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a lê-las ao
nosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se alguém se sentiu
abandonado, não querido, porque foi esperado menina e era menino, ou o
contrário, isto determinou reações que estiveram fora do seu controle, da sua
capacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas,
por vingança: não me quiseram, não os quero. Muitos comportamentos
agressivos estão animados por uma reação de quem se sentiu não querido,
não amado.
Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a própria pessoa,
que passa a conviver com um tirano interno, um  sabotador da sua felicidade e

30
do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira única e irrepetível, no
meio aos outros. Nas formações de terapeutas comunitários, um dos exercícios
é a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos e
os coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeito
de si mesmos, dos seus modos de ser característicos.
Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum ou
freqüente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Então, a pessoa
deixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua forma
única de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, não me
quiseram) são re-codificadas em função do contexto  interpretativo que a
interpretação sistêmica e integrativa propõe, com base nos valores dos pais e
da cultura em volta, e das escolhas próprias da pessoa.
O que se aprende na Terapia Comunitária Integrada, em termos
da comunicação, é a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicação
paradoxal, do duplo vínculo e das distorsões das mensagens equívocas que
emitimos ou recebemos. “Carta certa para pessoa errada”, é quando emitimos
uma mensagem que é correta no seu conteúdo, mas está sendo direcionada
a quem não tem nada a ver. Quando a reação é desproporcionada ao fato,
estamos reagindo não ao fato, mas ao que ele nos remete.
Estas chaves nos dão elementos para irmos re-programando a nossa
conduta desde uma visão mais atual, mais presente, menos condicionada pelo
passado. O passado é visto como o estrume necessário para o crescimento
da planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. O
empoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida da
decodificação e re-codificação de mensagens recebidas e emitidas.

A Antropologia Cultural

Os conhecimentos dessa ciência chamam a nossa atenção para a


importância da cultura, esse grande conjunto de realizações de um povo ou

31
de grupos sociais, o referencial a partir do qual cada membro de um grupo se
baseia, retira sua habilidade para pensar, avaliar e discernir valores, e fazer suas
opções no cotidiano.
Vista dessa maneira, a cultura é um elemento de referência fundamental
na construção da nossa identidade pessoal e grupal, interferindo, de forma
direta, na definição de quem somos, de quem é cada um de nós. E é a partir
dessa referência, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, para então
podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão.
Dessa forma, podemos romper com a dominação e com a exclusão social que,
muitas vezes, nos impõem uma identidade negativa ou baseada nos valores de
uma outra cultura que não respeita a nossa.
Quando reconhecemos que, mesmo num único país, convivem
várias culturas e aprendemos a respeitá-las, descobrimos que a diversidade
cultural é boa para todos, é verdadeira fonte de riqueza de um povo e de
uma nação. Se a cultura for vista como um valor, um recurso que deve ser
reconhecido, valorizado, mobilizado e articulado de forma complementar
com outros conhecimentos, poderemos ver que este recurso nos permitirá
somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e de resolução de nossos
problemas sociais e construir uma sociedade mais fraterna e mais justa.
A Antropologia traz uma visão do universo cultural do ser humano.
Compreendemos que toda cultura, todo indivíduo, tem direito à diferença,
e que a cultura responde a um desejo maior do ser humano: o de nutrir a
sua identidade. Ser diferente é a razão maior de ser humano. Combater a
diferença é um ato de dominação e de empobrecimento da humanidade.
A visão antropológica nos diz que somos construídos socialmente, que
cada ser humano se torna quem ele é, a partir dos condicionamentos recebidos
desde a sua gestação, pela vida afora.
Estes condicionamentos são as marcas da cultura, são as definições que
nos moldam de maneira a virmos a ser membros da sociedade. Este processo
é a socialização, e implica na adoção de padrões de comportamento, de

32
percepção do mundo e de nós mesmos, de relacionamento com os outros,
com a natureza, a sociedade, etc.
Este processo implica na constante adoção e rechaço de valores e de
padrões, conforme os ambientes em que a pessoa vai se incorporando e as
formas de convivência com as quais a pessoa é levada a se relacionar ao longo
da sua vida. Nesse processo, a pessoa vai formando a sua identidade, mas por ser
um processo contraditório, em que o ser humano individual freqüentemente
é forçado a se negar a si mesmo para poder sobreviver, a identidade negativa
ou auto-excludente, muitas vezes prevalece sobre a identidade originária ou
verdadeira, essencial.
A Terapia Comunitária Integrativa promove um reencontro da pessoa
consigo mesma, a través de um processo de auto-reconhecimento em que
as falsas auto-imagens vão sendo descobertas e rechaçadas, substituídas pela
imagem e auto-conceito positivos originários.
Estereótipos e preconceitos marcam o caminho conflitivo em que a
identidade se debate para sobreviver. Uns e outros são impostos por relações
de poder que marcam a dominação de grupos na sociedade. A pessoa se
defronta com situações nas quais deve adotar padrões e valores contrários aos
seus , e isto pode levar à negação da própria identidade ou ao seu reforço.
Neste último caso, prevalece a resiliência, a auto-afirmação de si mesmo e dos
próprios valores, em circunstâncias de extremo risco de desaparição da própria
identidade. Isto em circunstâncias extremas; em circunstâncias normais, a
pessoa pode escolher entre valores dominantes, os universais da cultura, ou
as alternativas.
Na prática da Terapia Comunitária Integrativa, a pessoa é levada
a se tornar terapeuta de si mesma. Isto envolve, entre outras coisas, um
reencontro profundo com as suas raízes, a sua identidade, a sua origem, o seu
pertencimento.
Uma prática social torna-se libertadora quando está profundamente
conectada com as origens, com a história de vida da pessoa, o que ela quis ser

33
e o que é, o seu passado e o seu projeto de futuro. Do contrário, pode- se cair
em práticas mecânicas, sem sentimento, tecnificadas.
No resgate da criança interior, uma das vivências utilizadas na formação
do terapeuta comunitário, o indivíduo é levado a se reencontrar com o seu
primeiro mestre, a criança que foi. Isto promove um retorno à pureza original,
que volta a se tornar um fato do dia a dia, um estado de consciência habitual.

O Pensamento Sistêmico

A origem do pensamento sistêmico deve ser buscada nas visões de


mundo dos povos da antiguidade, tal como se mostram nos textos dos povos
originários da nossa América, ou na Grécia antiga. Essas visões integradas do
mundo, que Werner Jaeger refere em Paidéia, tem semelhança com as do povo
maia, por exemplo, ou na mitologia kogui. Na literatura e na antropologia,
respectivamente, Octávio Paz e Ramón P. Muñoz Soler, entre outros, aludem
a esse mundo coeso, anterior às rupturas da modernidade e do racionalismo
utilitarista.
Ao pensarmos em sistema, vêm a imagem e o conceito de um sistema
como o solar, ou o organismo humano, objetos e elementos em relação
mútua, em delicado e preciso equilíbrio, trabalhando ou funcionando para
uma finalidade comum.
O pensamento sistêmico tem-se desenvolvido ao longo de varias épocas,
com caracteres próprios. No século IX, é possível reconhecer seus traços no
pensamento de Émile Durkheim (1974), um dos fundadores da sociologia,
mas ele se encontra também, com feições diversas e no entanto em certos
sentidos convergentes, no pensamento de Karl Marx. Também é possível
reconhecer o pensamento sistêmico nas visões de mundo dos escolásticos da
Idade Média, em que ciência e religião convergiam em formas de conceber e
conhecer o mundo posteriormente dissociadas pelo racionalismo cientificista.
34
A trajetória desta dissociação é traçada por Fritjof Capra em O ponto de
mutação.
Na sociologia moderna, mencionemos Talcott Parsons (1988), que
mantém a concepção durkheimiana, enriquecida com conceitos weberianos
e da psicologia social, aproximando o conhecimento do macro (estrutural)
ao micro (individual, pessoal). Nesta linha, encontramos autores como Agnes
Heller (1985), Ferdinand Braudel (1990), Karel Kosik (2000), Georges
Gurvitch (1987), e Alfred Schutz (Fenomenologia e relações sociais). Neles
encontramos concepções mutantes de realidade social, permeadas por
conceitos de consciência e de dinâmica social em constante transformação.
Max Weber, para fecharmos esta breve introdução sociológica, constrói a sua
sociologia a partir de conceitos de objetividade, racionalidade e ação social,
em que os motivos, as crenças, as idéias e imagens, tem valor preponderante.
Esta integração de sabores, a interdisciplinaridade, é outro dos traços
do pensamento sistêmico. Restaria acrescentar outro destes traços, qual seja a
concepção da realidade social como construída, em permanente modificação,
de maneira inter-subjetiva, por contraposição ao objetivismo que supõe existir
uma realidade externa e independente dos sujeitos humanos.
Este aspecto, da criação social e pessoal da realidade, é da maior
importância, pois vêm de encontro ao fatalismo objetivista, que supõe que
apenas poderá haver uma humanidade mais feliz e mais plena, quando
tiverem mudado umas supostas condições objetivas, que existiriam
“independentemente da vontade dos seres humanos”. Como não é assim,
como o mundo, e eu como o mundo primeiro, dependem de nós mesmos,
podemos fazê-lo à nossa imagem e semelhança, isto é, de acordo com a vontades
de cada um. O empoderamento de pessoas e comunidades, o reencontro
da capacidade criativa ou autopoiese, é o resultado final (se é que existem
resultados finais) do processo de emancipação humana, de recuperação da
autonomia, de fim da alienação e recomeço da vida plena. Levar em conta

35
os princípios do pensamento sistêmico é viver mais de acordo com o que a
realidade é. Isto é: a incerteza, a intersubjetividade, a constante mutação de
tudo e de todos, nos levam a existir de um modo mais fluente, mais do modo
como o Tao dos antigos chineses diz, ou seja, deixar a vida seguir seu jogo, sua
eterna dança de contrários complementares.
Nas últimas décadas do século XX, Fritjof Capra trouxe novamente a
tona a questão da integração de saberes. Vários dos seus livros, provocaram
uma verdadeira revolução, no sentido de que trouxeram de volta a antiga
visão unitária, decomposta pelo utilitarismo, o mecanicismo, o reducionismo
e o materialismo. Se as antigas visões não viram exclusão entre espírito e
matéria, estas visões integradas que retornam, repõem a unidade do saber e
a unidade da vida, enunciadas por muitos pensadores, como Karl Marx, por
exemplo. Embora Marx tenha sido apresentado como materialista, sua visão
do ser humano é integrada, como pode ser lido nos Manuscritos Econômicos
e Filosóficos de 1844. Erich Fromm (1983), Karl Jaspers (1953), Wilhelm
Reich, Muñoz Soler, Edgar Morin, Maturana e Varela (2004), Leonardo
Boff (1999), completam a plêiade de pensadores modernos em que a visão
integrada retorna. Ciência e poesia, religiosidade e objetividade, os opostos se
completam e determinam na sua interação contínua, o movimento da vida.
No final da década de 1930, o biólogo Ludwig Von Bertalanffy,
enunciou a Teoria Geral dos Sistemas, buscando compreender a inter-relação
existente entre as partes e o todo.
O pensamento sistêmico diz que as crises e os problemas podem ser
entendidos e resolvidos quando os percebemos como partes integradas de
uma rede complexa, com ramificações, que interligam as pessoas num todo,
envolvendo a biologia (corpo), a psicologia (mente e emoções) e a sociedade
(contexto cultural) (Maturana 2004). Esses aspectos estão interligados de tal
modo que cada parte influencia e interfere na outra. A abordagem sistêmica
possibilita entender a pessoa na sua relação com a família, com a sociedade,
com seus valores e crenças, colaborando para a compreensão e a transformação
do indivíduo (Barreto, 2008).
É importante registrar que, tendo consciência da globalidade, aborda-se
e situa-se um problema sem perder de vista as várias partes do conjunto. Por
isso se faz necessário observar o contexto, ou seja, as “circunstâncias que estão
interligadas e dão sentido ao funcionamento do sistema” no qual o indivíduo

36
se insere. Igualmente, para compreender como funciona a sociedade e
para entender o comportamento das pessoas e dos grupos sociais, é preciso
compreender o sistema como um todo.
Na Terapia Comunitária Integrativa, a aplicação da abordagem
sistêmica implica em reconhecer que todo ato de uma pessoa, a vida dessa
mesma pessoa, seus valores, atitudes, formas de agir, está inserido numa
matriz. Essa matriz é o contexto que dá sentido a esse ato, a essa pessoa, ou
a alguma das suas atitudes ou comportamentos. Implica em deixar de julgar
separadamente, aprendendo a ver as coisas num conjunto, no seu contexto,
fora do qual não fazem sentido.
Esta forma de ver as coisas, aparentemente tão simples, envolve uma
mudança radical na percepção do terapeuta. O objetivo da TCI é que cada um
seja seu próprio terapeuta. No processo de formação do terapeuta comunitário,
ele é levado a um mergulho em profundidade em si mesmo, na sua trajetória
de vida, suas lutas, os fracassos, os recomeços, o vai-vém da sua existência,
num conjunto interpretativo do qual fazem parte seus familiares (a primeira
escola), a família que ele constituiu ou não posteriormente, o ambiente social
e as tradições culturais de que faz parte. Isto refaz a leitura de si mesmo que
a pessoa fazia entes da formação como terapeuta comunitário, em que se via
a si mesmo e aos demais, separadamente. Aprende a se ver e a compreender
em conjunto, integradamente, daí o nome de terapia comunitária integrativa
e sistêmica.

A Resiliência
Toda carência gera uma competência. A resiliência se refere ao saber
que a pessoa adquire ao longo da sua vida, pela experiência, a luta, as vitórias
sobre dores que poderiam tê-la quebrado ou, de fato, a quebraram durante
anos.
Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de si
mesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela é alguém de
valor sem igual na sua vida, alguém que por ter vencido todas as batalhas que
se apresentaram até o momento atual, é dona de um saber e de um poder que
não deve a ninguém, mas apenas a si mesma.
Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda que
recebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribuímos valor enorme na
37
nossa vida. Mas sem a nossa decisão de vencer, teríamos sucumbido. As
pessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.
A Terapia Comunitária Integrativa reforça esta atribuição de valor,
enfatizando que cada um é doutor na sua própria experiência.  Saber que se
aprende nos livros e nas escolas, o saber técnico-científico, não substitui, mas
se complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, ao
longo dos anos, na luta contra circunstâncias adversas, quer seja na família, a
primeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhança, nas
distintas esferas sociais de atuação.
A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe ao
longo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor que
a acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela
sabe que cada um, cada ser humano, é a soma de infindáveis atos e gestos de
colaboração que deram por resultado o ser que cada um de nós é agora.
A vida adquire um valor inestimável desde esta perspectiva, em que
tudo que somos reúne os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nas
distintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes e
experiências adversas pelos que tivemos que atravessar, as vitórias que nos foi
dado obter. Somos uma soma de atos de amor.
A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqüência, valorizando cada
pequena coisa. É comum em famílias de imigrantes ou pessoas que sofreram
necessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de pão, uma
gota de água, um pedaço de comida, um olhar de  compreensão, uma escuta
calorosa e atenta.
Quando a pessoa se vê na trama da vida, na teia da vida, como
costumamos dizer na Terapia Comunitária Integrativa, ela não dispensa nada,
e o que a faz sofrer, a faz crescer. Ela descobre isto na sua formação como
terapeuta comunitário, quando reconhece o processo do qual é resultado. Se
se sentiu abandonada, não querida, torna-se amorosa, sensível à dor alheia,
capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integrar
amorosamente na vida dos outros.
Se foi problema, tende a ser solução. Se se sentiu um estorvo, sabe
acolher. No processo de se tornar terapeuta comunitário, a pessoa aprende a se
tornar cada vez mais autônoma, senhora de si, na medida em que sai do papel
de vítima para o de vencedor. A complementação do saber científico com o
experiencial, oriundo da vida e das vivências que cada pessoa passou e passa,
38
cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foi
mais débil.
É a transformação da fraqueza em força, e cada ser humano é capaz de
descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido,
pode-se dizer que é a vitória do ser humano sobre a adversidade. Eterna
epopéia infindável em que todos estamos involucrados, e que não termina
enquanto há vida.

O Método da Terapia Comunitária Integrativa

Como já foi dito, nos encontros da Terapia Comunitária Integrativa as


pessoas sentam-se lado a lado, em roda, de modo que seja possível a visualização
dos participantes entre si. Tais encontros se desenvolvem em cinco etapas,
a saber: acolhimento, escolha do tema, contextualização, problematização e
encerramento.
No primeiro passo, acolhimento, o terapeuta acomoda os participantes
em um círculo, a fim de que todos possam ter a visão do grupo como um
todo. Nesse momento, são explicitadas pelo terapeuta as regras da terapia:
fazer silêncio, para garantir o espaço da escuta; falar de si mesmo e da própria
experiência; não dar conselhos, não julgar nem criticar, respeitando a história
de vida do outro; se no decorrer da terapia algum participante lembrar de uma
música, piada, poesia, ou conto que tenha alguma ligação com o tema, pedir
permissão ao grupo para trazê-los a tona. Isso permite a expressão da cultura,
reveladora de dores e sofrimentos, bem como de estratégias de superação.
Neste passo, a pessoa é recebida de forma calorosa, de tal forma que
o grupo poderá vir a ser a sua referência na comunidade, num processo de
ruptura do isolamento, do estranhamento, do abandono e do anonimato.
No segundo passo, escolha do tema, o terapeuta estimula os participantes
a falarem de forma sintética, sobre situações de sofrimento que eles possam
estar vivenciando. Em seguida, o terapeuta apresenta uma síntese das situações

39
verbalizadas pelo grupo, e sugere que o grupo escolha uma delas como um
tema para ser aprofundado no passo seguinte.
Neste ingresso ao círculo, uma matriz é recriada, a pessoa que se sentia a
única no mundo com uma dor tão grande que ninguém poderia compreender,
situa-se no meio de outras pessoas que contam as suas dores. A dor dela não
é maior nem menor do que as demais. Mesmo que o tema ou problema de
outro participante não tenha sido eleito para ser trabalhado no grupo, ele se
vê no problema dos demais, com os quais aos poucos vai se formando um elo
de simpatia por semelhança ou diferença.
No terceiro passo, contextualização, são colhidas mais informações sobre
a situação temática escolhida, permitindo a utilização de perguntas a fim de
facilitar a compreensão e o esclarecimento do contexto onde o problema ou a
situação se insere. As perguntas formuladas ajudam a pessoa que está falando
do seu problema a refletir sobre a situação vivida.
O momento em que todos irão comungar da contextualização do tema
escolhido é algo grandioso, haja vista que o mergulhar no contexto do outro,
requer dos participantes da roda despojamento e liberdade; acontece nesse
momento um encontro entre o contexto daquele que está falando de si na roda,
e do outro que apenas ouve, comovendo-se, fortalecendo-se e se preparando
para contribuir no amenizar daquele sofrimento a partir da explanação da sua
história de vida.
A escuta ativa abre espaço para a ressonância por semelhança. A pessoa
aprende que nada está isolado, todas as coisas fazem parte de um sistema de
interconexão e interatividade.
No quarto passo, problematização, o terapeuta comunitário apresenta o
mote, que no âmbito da Terapia Comunitária Integrativa significa a pergunta-
chave que vai permitir a reflexão do grupo, e a pessoa que expôs o problema
fica em silêncio.
Neste momento, as pessoas que vivenciaram momentos semelhantes
ou que guardam alguma relação com o tema do mote, passam a refletir a
experiência vivida, e de que modo foi enfrentada determinada situação de

40
sofrimento, permitindo o nascimento de estratégias de enfrentamento usadas
pelas pessoas, evidenciando o processo resiliente.
Ocorre, então, a complementariedade das diferentes realidades, a partir
da partilha de situações semelhantes, onde as riquezas emergidas de cada
identidade passam a se fazer presentes, ali naquele meio coletivo, onde todos
ouvem, alguns falam, mas o coletivo se fortalece com a partilha de vida de
cada pessoa. Desse modo a pessoa que teve seu problema escolhido elege as
estratégias mais adequadas a serem utilizadas na resolução do seu problema.
Isto é promover a cidadania e fortalecer o empoderamento no meio social.
O quinto e ultimo passo, conclusão/encerramento, se dá com todos os
participantes unidos através da junção das mãos, em um círculo com rituais
próprios como cantos religiosos ou populares, orações, abraços e o relato
de cada um da experiência adquirida naquele encontro. A execução desse
momento permite a construção de redes sociais solidárias, que unem entre
si, todos os indivíduos da comunidade. O término da sessão é o começo para
a utilização dos recursos que a comunidade dispõe para a resolução dos seus
problemas.

SINTETIZANDO

A Terapia Comunitária Integrativa configura um ramo do voluntariado,


dando lugar a um novo ator social: o terapeuta comunitário. Esta é uma
atividade exercida por profissionais da saúde (médicos, enfermeiras, psicólogos,
odontólogos, agentes comunitários de saúde, dentre outros), pedagogos,
mobilizadores sociais, ativistas políticos, agentes pastorais, que nela encontram
uma ferramenta para criar e fortalecer vínculos sociais positivos. A TCI é
realizada em espaços públicos como praças, embaixo de uma árvore, em clubes,
igrejas, associações de moradores. Os resultados são o fortalecimento do tecido
social, em termos de reconhecimento mútuo de relações de pertencimento, de
respeito às diferenças, de aumento da autoestima das pessoas a partir de um
reencontro profundo com elas mesmas, uma valorização da própria história de
vida, uma identidade e memória pessoal e coletiva reavivadas. Os resultados
da TCI vem sendo objeto de estudos e pesquisas científicas no Brasil e em
outros países, como Uruguai, França e Argentina.

41
REFERÊNCIAS

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43
PARTE II

A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA


COMO INSTRUMENTO DE
TRANSFORMAÇÃO
TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR:
A PRODUÇÃO DE SENTIDO EM GRUPO
TERAPÊUTICO*

2
Amilton Carlos Camargo
Ricardo Franklin Ferreira

INTRODUÇÃO

“Bater a mão, bater o pé para entrar na casa do Zé. Bater a mão,


bater o pé para entrar na comunidade”. Assim começam, muitas vezes, as
sessões de terapia comunitária através da música e assim começo a abordar
a temática das atribuições de sentido à terapia comunitária por alguns de
seus participantes, desenvolvida num contexto de comunidades.
Em 2003 entrei em contato com a terapia comunitária através da
participação em um workshop realizado num hotel fazenda, localizado na
cidade de Itapecerica da Serra, em São Paulo. A partir de então percebi,
enquanto psicólogo, que aquela abordagem poderia ser utilizada como
instrumento de trabalho voltado a grupos nas comunidades, pois os
procedimentos e a técnica ali demonstrados ajudavam a organizar e a
conduzir tais atividades, mesmo com grande número de participantes,
como o que ali se apresentava, com cerca de 90 pessoas.
Após participar de algumas rodas de terapia comunitária, interessei-
me profundamente pelo tema e comecei a desenvolver minha dissertação
de mestrado. Em princípio, comecei a realizar um levantamento a respeito
do que é a terapia comunitária, acerca de seus pressupostos, objetivos
e alcances, o que se mostrou inviável, dada a precária fundamentação
* Este trabalho foi produzido a partir de resumo da dissertação de mestrado de mesmo título, realizada no
programa de pós-graduação stricto-sensu da Universidade São Marcos-SP, no ano de 2005, sob a orientação do
Prof. Dr. Ricardo Franklin Ferreira.

46
epistemológica e metodológica que, nessa época, sustentava e buscava
sistematizar essa prática. Desse modo, voltei-me para as manifestações
do fenômeno empírico vivenciado pelos participantes durante as rodas
de terapia comunitária, pondo em segundo plano os pressupostos
filosóficos e teóricos que sustentam sua aplicação, sem com isso abrir
mão da práxis daí decorrente.
No ano de 2004, passei a freqüentar o curso de formação em
Terapia Comunitária Integrativa (TCI), promovido pela PUC-SP, bem
como participei do II Congresso de Terapia Comunitária, realizado em
Brasília / DF.
Em função do curso de formação como terapeuta comunitário
passei a realizar rodas de terapia comunitária, juntamente com o meu
orientador da dissertação, na Universidade São Marcos-SP, atendendo às
pessoas da fila de espera da clínica-escola de psicologia.
Nas rodas de terapia comunitária que realizei, pude perceber que
aparentemente há uma grande mobilização emocional dos participantes,
seguida, muitas vezes, de relatos apaixonados e calorosos com relação às
transformações que as pessoas percebem em si mesmas após sua passagem
pelo grupo.
A partir de tais experiências, nesta pesquisa pretendi compreender
a atribuição de sentido à terapia comunitária realizada por alguns de
seus participantes, sem perder de vista que vivemos em um país de
acentuada desigualdade social, no qual a atenção à saúde é privilégio de
poucos e a ‘psicoterapia’ comumente é ‘produto’ de compra reservado às
elites. É fato notório que a realidade social brasileira apresenta inúmeras
situações de adversidadescomplementares aos sujeitos e famílias de
baixo poder aquisitivo, frente às questões referentes à alimentação,
habitação, educação, cultura, violência, etc., se comparados a outros
sujeitos e famílias que têm seus poderes sociais, econômicos e financeiros
garantidos.
Neste mesmo contexto brasileiro retratado pela riqueza excessiva
de alguns pequenos grupos sociais, encontra-se uma parcela majoritária
da sociedade que vive em situação de miséria absoluta, fome e desamparo.
Como aponta Santos (2000, p.24):
[...] só a área de produção de soja no Brasil daria para alimentar
40 milhões de pessoas se nela fossem cultivados milho e feijão. Mais

47
pessoas morreram de fome no nosso século que em qualquer dos
séculos precedentes. A distância entre países ricos e países pobres
e entre ricos e pobres no mesmo país não tem cessado de aumentar.

Frente a essa realidade, surgem algumas práticas interventivas


comunitárias, como a Terapia Comunitária, que se propõem ao enfrentamento
e reversão dessa situação de inclusão perversa1 a que os sujeitos economicamente
desfavorecidos estão submetidos. A TCI tem sido desenvolvida e aplicada nas
comunidades, e às vezes em outros tipos de grupos, há 23 anos.
A seqüência de procedimentos propostos para a realização de uma
sessão de terapia comunitária parece ter certa proximidade com a proposta
do método de Paulo Freire, que propõe como procedimentos: investigação
temática, tematização, problematização, leitura do mundo, compartilhando
o mundo lido, reconstrução do mundo lido. Enquanto que a terapia
comunitária propõe: acolhimento, escolha do tema, contextualização,
problematização, rituais de agregação e conotação positiva, apreciação.
Freire (1987) propõe que somente a partir do exercício do diálogo
e da ação-reflexão-ação, o indivíduo pode ser capaz de fazer uma leitura
crítica do mundo, constituindo-se enquanto sujeito consciente com
possibilidades de transformação de sua própria história.
Considerando que essa pesquisa está sendo realizada no campo da
psicologia, cabe aqui relembrar a crença do autor de que a realidade é
construída e compartilhada socialmente, num processo dialético no qual
o sujeito é produto e produtor da sociedade, simultaneamente (BERGER
& LUCKMANN, 1999). Assim, de acordo com os objetivos da TCI, a
legitimação do sujeito a partir de sua narrativa de vida no grupo tende
a fortalecer, através da reflexão, uma constituição identitária afirmativa,

1 Ao longo deste trabalho, quando me referir ao processo de exclusão estarei alinhado à argumentação
de Sawaia (1999) que afirma sempre haver uma inclusão num processo dialético de inclusão/exclusão, mesmo
que haja uma inclusão perversa. Se em alguns momentos mantenho simplesmente a definição de ‘exclusão’ e
seus derivados, deve-se apenas ao fato dessa estar ampla e socialmente difundida.

48
na qual o mesmo poderia tornar-se mais ativo com relação à criação de
sentido e significados para sua experiência cotidiana.
Nessas condições pode-se entender a terapia enquanto espaço para
a construção de novos significados que, organizados em narrativa a partir
das relações intersubjetivas, poderá conferir sentido à experiência.
A relevância do tema apresenta-se por abordar aspectos
socioeconômicos e culturais referentes a um expressivo contingente
populacional, permitindo que as questões relacionadas à exclusão social,
ou como aponta Sawaia (1999), à inclusão perversa, situação de pobreza
e risco frente à violência social, sejam discutidas e pensadas, de modo a se
buscar novas possibilidades de enfrentamento de tais situações.
Para Lane (1984, p. 17):

Consciência da reprodução ideológica inerente aos papéis socialmente


definidos permite aos indivíduos no grupo superarem suas
individualidades e se conscientizarem das condições históricas comuns
aos membros, levando-os a um processo de identificação e de atividades
conjuntas que caracterizam o grupo como unidade.

Desse modo, as intervenções praticadas em contextos comunitários


possibilitam um efetivo reconhecimento de si próprio e do outro, por parte dos
sujeitos, através do compartilhar das experiências individuais pela narrativa.
Partindo destas constatações, esta pesquisa pretendeu: a) conhecer e
compreender qual é o papel da terapia comunitária na vida destes sujeitos; b)
conhecer e analisar o processo de atribuição de sentido por parte de algumas
das participantes da terapia comunitária com relação as suas vinculações
no grupo e c) conhecer e compreender a importância pessoal atribuída por
algumas das participantes à TCI, a partir de sua experiência vivida nas sessões.

MÉTODO
Segundo Pereira (2001, p. 141):

Existe uma diferença entre Ciência e Sabedoria. Diferença não


é sinônimo de antagonismo. A Ciência, em muitos momentos,
esvaziou a criatividade pelo excesso de racionalidade instrumental,

49
enquanto a Sabedoria ficou ao lado do saber-sabor (prazer). Quando
ocorre esse desequilíbrio a metodologia do trabalho comunitário e
social opta muito mais pela Sabedoria que pela Ciência, pois ela é
preferencialmente inclinada para a comunidade, a arte, o estético, o
sagrado e o bom-senso.

Ressalva seja feita à metodologia do trabalho comunitário e social como


um dispositivo alternativo voltado para a produção de conhecimentos e a
formação de “intelectuais organicamente comprometidos com os interesses da
classe dominada” (PEREIRA, 2001, p. 141).
Desse modo, a produção de conhecimentos deve ser compreendida
como instrumento de luta, conscientização, socialização e construção dos
sujeitos e da sociedade. “Tal produção de conhecimento (contra-ideologia)
e formação de líderes (intelectuais orgânicos) pressupõe a troca de saberes
e experiências, o compromisso, a ação comum e a relação dialética entre
agentes externos e população” (PEREIRA, 2001, p. 142).
Para Gil (1999) há uma relação dinâmica entre a realidade e o sujeito,
de tal modo que não há como dissociar o mundo objetivo e a subjetividade
do sujeito, traduzindo-os em números. Assim, a interpretação dos fenômenos
e a atribuição de significados são elementos básicos no processo de pesquisa
qualitativa. O processo e seus significados são os focos principais nesta
abordagem de pesquisa.
O tipo de pesquisa aqui desenvolvido foi a pesquisa exploratória.
Segundo Gil (1999, p 43) as pesquisas exploratórias são realizadas em
função de “proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de
determinado fato”. É o tipo de pesquisa especialmente voltada para temas
pouco explorados, sobre os quais se percebe certa complexidade ao formular
hipóteses que possam mostrar-se ‘precisas’ e ‘operacionalizáveis’.
As participantes da pesquisa foram quatro freqüentadoras das rodas de
Terapia Comunitária na cidade de São Paulo/SP (uma comunidade da zona
sul) independente da idade que tinham (entre 42 e 78 anos) e com freqüência
constante nas rodas. Foi considerado critério o fato das participantes morarem
na mesma comunidade, permitindo assim uma referência de inserção de classe
comum às participantes.
Segundo o decreto Nº 93 933 de 14/01/1987 – resolução CNS nº
196/96, esta pesquisa foi avaliada e aprovada pelo comitê de ética institucional.
As participantes foram esclarecidas quanto aos propósitos da pesquisa e tiveram

50
o sigilo de suas identidades garantido. Tendo sido autorizada a gravação das
entrevistas, explicou-se os procedimentos referentes à posterior transcrição e
análise dos dados. Elas leram e assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido, que autorizou o uso dos dados produzidos na pesquisa.
Visto que as identidades das participantes foram preservadas, utilizou-
se nomes fictícios: Ana, Lídia, Ivone, Joana e Paula, quando abordadas suas
experiências de vida.
As participantes da pesquisa foram abordadas e apresentadas ao
pesquisador ao final de uma sessão de terapia comunitária.
Em abril de 2005 foi realizada uma entrevista em grupo com as
participantes, a partir de contato telefônico, e utilizou-se um roteiro prévio
(focalizado), com tópicos a serem abordados durante a entrevista. Assim,
foi possível ampliar e correlacionar a compreensão dos sentidos atribuídos à
participação nas sessões de Terapia Comunitária por parte de cada uma das
entrevistadas.
A entrevista focalizada busca enfocar um tema bastante específico
durante a prática. Cabe ao entrevistador possibilitar que o entrevistado fale
livremente sobre o assunto, porém quando este se desvia do tema delineado
deve haver um empenho do entrevistador para que tal tema seja retomado
(GIL, 1999).
Dessa forma, pretendi enquanto pesquisador ter a menor interferência
possível sobre as narrativas das participantes, no momento das respostas,
possibilitando às mesmas maior liberdade para expressarem suas percepções,
representações e sentimentos frente às questões disparadoras do problema de
pesquisa.
A gravação da entrevista e posterior transcrição desta foi realizada pelo
próprio pesquisador, como forma de possibilitar uma maior apropriação dos
conteúdos narrados pelas participantes.
Para efeito de análise posterior foi feito o levantamento de algumas
categorias, partindo da fala das participantes. Assim, o que se fez na seqüência
foi a montagem de uma tabela com unidades de significação e compreensão
das falas das participantes, elencando as categorias surgidas, para a realização de
uma análise interpretativa. Tais categorias foram: (1) a valorização das relações
desenvolvidas pelos participantes, das famílias e das redes de relações que estes
estabelecem com o seu meio; (2) o fortalecimento da dinâmica interna de cada
sujeito e possibilitando que este possa tornar-se mais autônomo e desenvolva

51
um sentido de autoria de sua própria vida; (3) o fortalecimento de vínculos
nas comunidades, através da formação de uma rede social de solidariedade
e de participação entre os sujeitos; (4) a produção de sentido a partir das
práticas discursivas realizadas no grupo, com ênfase no falar e no escutar; e (5)
quanto às percepções das participantes em relação às características da Terapia
Comunitária: as várias fases da aplicação e quanto ao papel do terapeuta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Relações

Pode-se verificar que as relações entre as participantes são um dado


muito relevante para a compreensão da produção de sentido no grupo, a
partir desta prática. As participantes da pesquisa revelam que as suas vivências
relacionais no grupo são muito importantes, pois se sentem fortalecidas na
reciprocidade de afetos que circulam pelo grupo, para que possam buscar
soluções para suas questões existenciais.
Uma das participantes, Lídia, afirmou que já não se sente sozinha
estando no grupo, pois percebe que ali existem outras pessoas e que estas
pessoas também têm os seus problemas e também estão em busca de soluções
para os mesmos. E prossegue dizendo: “tem uma visão que amplia de um
mundo, de convivência, de relacionamento”.
Este relato da participante sugere uma ampliação de consciência a
partir do exercício dialógico promovido no grupo, no qual a mesma enfatiza
a importância do outro na relação (convivência), validando as trocas
intersubjetivas que ali se desenvolvem, como forma de sentir-se legitimada
em suas questões pessoais mobilizadas pela escuta que as experiências
compartilhadas pelo outro lhe suscitam.
Assim, tem-se estabelecida uma relação dialógica e dialética, a partir
da qual a escuta disponibiliza, e ‘autoriza’, a fala e vice-versa, constituindo
um processo ‘educacional’, no qual aquele que ‘ensina’ também ‘aprende’,

52
remetendo assim à epistemologia proposta pelo educador Paulo Freire
(1987), na sua Pedagogia do Oprimido.
A consciência emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o,
compreende-o como projeto humano. Em diálogo circular, intersubjetivando-
se mais e mais, vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetividade
criadora. Todos juntos, em círculo, e em colaboração, reelaboram o mundo
e, ao reconstruí-lo, apercebem-se de que, embora construído também por
eles, esse mundo não é verdadeiramente para eles (FREIRE, 1987, p. 17).
Esse paralelo proposto com o trabalho de Paulo Freire deve-se ao
fato dessa prática, TCI, comumente ser desenvolvida em comunidades
nas quais as pessoas não estão acostumadas a ter direito à sua ‘palavra’,
ao seu ‘discurso’, ou à expressão de suas idéias, pensamentos, conflitos,
sofrimentos, necessidades e desejos. Assim, parece-me que acima de tudo
as participantes têm aprendido que podem sentir-se tristes, felizes, aflitas,
solitárias e podem falar desses sentimentos, pois têm um ‘lugar’ no qual
serão ouvidas. As relações que vão se desenvolvendo no grupo parecem
possibilitar a ampliação dos ‘repertórios interpretativos’ das participantes,
permitindo que se posicionem de forma diferente daquelas a que foram se
habituando nas interações cotidianas.
Pontuo aqui que Lídia no contato telefônico comigo alertou-me
para o fato de que achava que não tinha ‘problemas’ e que psicólogos são
para pessoas que tem ‘neuroses’, ‘manias’ ou ‘põem um negócio na cabeça’,
‘pessoas problemáticas’. Ela afirmou que seu ingresso no grupo deu-se em
função de solidariedade para com a terapeuta que conduz o grupo, Paula, e
a sua amiga da pastoral, Ivone, pois Lídia acreditava que não iriam aparecer
participantes para o grupo e as duas amigas ficariam ‘sozinhas’.
Outra participante do grupo sugeriu que o seu engajamento no grupo
lhe permitiu compreender situações que antes não lhe era possível. Ao
relatar sua opinião contrária à internação do sogro e posterior mudança de
opinião a favor da internação do mesmo, ela sugere um redimensionamento
da situação vista como um problema, a partir de uma ressignificação e
atribuição de um novo sentido àquela situação vivida. “Meu sogro já tinha

53
tentado se matar e uma hora ele iria conseguir. Então tudo aquilo que eu não
estava conseguindo entender sozinha... pronto eu sai daqui outra”.

A esse ponto, talvez seja interessante relembrar Spink e Faezza (1999)


quando as autoras propõem que para que seja possível a transformação de
crenças pessoais ‘estagnadas’ nos sujeitos, necessariamente deverá haver
uma reflexão que permita a ‘desfamiliarização’ de tais construções pessoais
para que se possam criar espaços para novas construções referenciais.
Assim, a participação no grupo parece ter promovido, em alguma medida,
compreensões e apropriações a partir da fala do ‘outro’, permitindo que a
participante produzisse um novo sentido para uma experiência vivida.
Novamente percebe-se um diálogo que remete à idéia de pertencimento
ao grupo, de filiação que promove compreensão e apoio, sentimento
suportivo que possibilita superar impasses surgidos nas situações vividas
diariamente.
Cuggenberger (1987) apud Spink e Faezza (1999) afirmam que só
se pode pensar em pessoas, a partir da noção de relação, porque a pessoa
está no mundo e não tão somente num ambiente, como os animais. Assim,
Spink e Faezza (1999, p.55), concluem que:

Daqui provém o eu no seu caráter fundamental de pessoa, a


relacionalidade com o universo (capacidade de comunicar-se), a sua
limitação e o seu caráter de não ser um objeto (...). A relação humana
apresenta uma amostra do caráter misterioso da pessoa, visto que esta
não pode ser apreendida por meio de noções objetivas e objetiváveis.
Semelhantemente, a ‘intersubjetividade’ para a qual se costuma
apelar como o dado mais originário sobre o qual se deveria fundar a
pessoa não oferece uma solução melhor do problema (...). É verdade
que a pessoa, quando quer fazer-se conhecer, deve voltar-se ao outro
(grifos do autor).

Desse modo, para Spink e Faezza (1999, p.55):

Essa definição nos remete, assim, ao próprio processo de produção de


sentidos nas práticas discursivas do cotidiano. A pessoa, no jogo das
relações sociais, está inserida num constante processo de negociação,
desenvolvendo trocas simbólicas, num espaço de intersubjetividade
ou, mais precisamente, de interpessoalidade.

54
Assim, as participantes parecem estar exercitando as suas
possibilidades de ‘pessoa’ através das relações dialógicas que estabelecem no
grupo, percebendo-se ancoradas pela força que o grupo lhes proporciona
através do sentimento de pertença. Elas sugerem ter novas possibilidades de
exploração e manipulação junto às situações vividas diariamente, sofrendo
transformações nas suas identidades pessoais a partir de ressignificações
possibilitadas pelas práticas discursivas veiculadas no grupo. Cabe discutir
outra categoria proposta como objetivo a ser alcançado na prática da terapia
comunitária, que é autonomia pessoal.

Autonomia pessoal e sentido de autoria


Esta categoria diz respeito às possibilidades da pessoa
de ser mais autora de sua própria história de vida, de ser mais
ativa na condução das relações que constrói no seu cotidiano.
A esse respeito, pode-se constatar que algumas das participantes da
pesquisa fazem referência a uma condição pessoal mais ativa nas relações diárias
que desenvolvem, sugerindo alguma possibilidade de autonomia pessoal.
A possibilidade de reflexão e a posterior crítica com relação às experiências
cotidianas, narradas pelas participantes, sugerem que suas possibilidades
de atuação no mundo foram ampliadas, de alguma forma, nas relações
interpessoais que estabelecem a partir da terapia comunitária.
Porém, compreende-se em contrapartida que a figura da terapeuta
comunitária registra uma presença constante na narrativa das mesmas. As
participantes fazem diversas referências à pessoa da terapeuta que conduz as
sessões, como sendo alguém que conduz o grupo de maneira muito inteligente,
que é ‘danada’ e que ‘puxa’ o grupo quando algum participante está sugerindo
alguma direção a ser tomada pelo outro na solução de seus problemas, sob a
forma de conselho.
É importante lembrar que uma das regras da TCI assegura que não deve
haver conselhos no grupo, e na ocorrência desta situação o terapeuta deve ser

55
habilidoso e atentivo sugerindo que a pessoa transforme tal conselho em uma
pergunta que possa servir de reflexão para o depoente da sessão.
Além disso, em alguns momentos a fala das participantes revela que, a
partir de conselhos dados pela terapeuta, mudaram um dado comportamento
que mantinham em suas vidas. Há um relato de uma sugestão que a terapeuta
comunitária teria dado a uma participante recém-chegada ao grupo e que tem
sido aplicado por uma das entrevistadas em sua própria vida. A participante
relatou que, como a recém-chegada ao grupo, ela também trabalha no mesmo
ambiente que o marido e tem os mesmos problemas que a moça, pois os
maridos das mesmas não conseguem decidir as situações de trabalho por si
mesmos e solicitam às esposas que o façam, de tal forma que elas muitas vezes,
quando evocadas pelos maridos, acabam conversando com os clientes para
solucionar algum impasse. Nesse sentido, a participante do grupo relatou que
a terapeuta comunitária aconselhou a recém-chegada no grupo que, quando
seu marido viesse lhe solicitar uma intervenção junto aos clientes, ela deveria
dizer ao marido que ele deveria resolver aquela situação conversando com o
cliente e, logo após, ela deveria ‘virar as costas’ ao marido, saindo da cena. A
participante da pesquisa disse que tem se utilizado desta estratégia em sua
relação pessoal com o marido e que tem surtido efeito, pois o marido vai
conversar com o cliente em questão, mesmo questionando tal situação. Ela
ainda relatou saber que o conselho da terapeuta nem foi dado a ela, mas que
tem funcionado em função da história de vida das duas mulheres serem tão
semelhantes. Assim, o que se pode depreender deste episódio é uma posição
de referência que a terapeuta ocupa nas histórias de vida das participantes.
Posição esta, a partir da qual a figura da terapeuta é concebida pelo grupo como
alguém que tem um saber diferenciado com relação aos demais componentes
do grupo, não diferente da tão discutida posição ocupada pelo psicoterapeuta,
nos atendimentos clínicos tradicionais, enquanto ‘sujeito suposto saber’. Talvez
caiba aqui relembrar um dos pressupostos filosóficos da terapia comunitária
que diz respeito à horizontalidade das relações. Vale também enfatizar que
esta é uma condição pretendida pela referida prática e que, eventualmente,
pode não ser alcançada, considerando-se que somos sujeitos, dito por alguns
historiadores, pós-modernos e temos nossas subjetividades constituídas ao
redor de relações hierárquicas, por vezes mantidas pela tradição, outras vezes

56
em função das distinções sociais possibilitadas pela posse de diferentes saberes
veiculados através do discurso.
De acordo com Bakhtin (1999), a linguagem verbal pode ser vista
como um exercício social. Assim, a realidade social pode ser pensada como
processo dialético, através da língua dada, em que a palavra vai constituindo
um movimento contínuo e existindo como fonte mediadora entre o social e
o individual.
Desse modo, quando o sujeito aprende a falar, também está aprendendo
a pensar, considerando que a palavra é a forma de revelação de suas experiências,
bem como dos valores de sua cultura. A partir de então, tem-se que o nosso
modo de percepção da realidade é indissociavelmente influenciado pelo nosso
‘agir verbal’ sobre o mundo.
Pode-se compreender aqui que muitas vezes as pessoas que participam das
sessões de terapia têm poucas possibilidades de ter o seu discurso reconhecido
e validado socialmente, pois comumente têm poucas possibilidades de
discussão das suas condições existenciais, e acabam construindo idéias em
torno das quais essa prática passa a ser vista como algo sem importância, algo
que não poderá ser útil como instrumento, pois não há como transformar
a realidade dada do mundo. A participação no grupo de terapia parece
permitir uma reflexão a partir do contexto de fala e escuta instaurado pelas
relações sociais ali desenvolvidas e assim as participantes passam a ter ‘voz’. A
possibilidade de narrar suas experiências de vida no grupo, sem que para tal
lhes seja necessário ter um ‘saber diferenciado’, e serem reconhecidas por essa
ação social, parece promover um sentimento de autoafirmação e confiança
pessoal nas participantes que legitima as suas histórias de vida, conferindo-
lhes um sentido de autoria. A partir de tal consideração, far-se-á análise do
conceito de rede social de solidariedade.

Rede Social de Solidariedade


A terapia comunitária utiliza-se do símbolo da teia de aranha para
fazer menção à importância da cultura para o homem na geração de vínculos
solidários com a comunidade. Nessa referência, os índios Tremembé,
habitantes do nordeste brasileiro, são lembrados através da dança da aranha
que, segundo os mesmos, não são nada sem a sua teia, bem como o índio não
é nada sem a sua terra. Estabelecendo uma associação com o homem urbano,
57
o idealizador da terapia comunitária considera que “A aranha sem a teia é
como uma comunidade sem vínculos” (BARRETO, 2005, p. 37).
A narrativa das participantes da pesquisa aponta para uma maior
valorização da comunidade, através das relações estabelecidas após terem
ingressado no grupo de terapia comunitária.
Uma das participantes, Ivone, relatou que muitas vezes lhe fica difícil
disponibilizar-se do trabalho para participar das sessões que ocorrem às
segundas-feiras à noite, pois esse é um dia da semana em que ela tem muito
trabalho a ser realizado na sua empresa. Concluiu, porém, que sempre dá
um jeito de estar presente nas sessões e quando retorna à sua casa, ao final da
sessão, sente-se sempre muito gratificada por ter estado no grupo e ter tido a
possibilidade de compartilhar das histórias de vida ali narradas.
Ana disse utilizar-se das segundas-feiras para fazer a faxina semanal em
sua casa e, portanto, revelou que se sente muito cansada nas segundas-feiras à
noite, porém revelou ter muita satisfação quando se aproxima o momento de
ir às sessões e procura não faltar às mesmas.
Joana disse gostar do momento em que percebe que a semana está
terminando, pois com isso aproxima-se a chegada da segunda-feira e a mesma
pode estar novamente junto ao grupo de terapia comunitária.
O marido de Ivone teria comentado com uma de suas filhas que a
esposa estaria ‘ficando importante’, pois está ‘fazendo terapia’.
Segundo Lídia, a sua mãe sempre a lembra das sessões quando vai se
aproximando o momento em que a mesma teria que ir para as sessões do
grupo de terapia comunitária.
Ivone disse que a sua filha tem lhe dito que a considera mais ‘calma’
depois que a mesma começou a freqüentar as sessões de terapia.
Estes relatos sugerem uma vinculação entre as pessoas participantes e os
seus familiares, apontando para a importância da terapia na vida dos mesmos,
inclusive como um indicador da abrangência que a prática tem, mesmo que
indiretamente, sobre as famílias.
Para Grandesso (2004), a terapia comunitária favorece uma organização
sistêmica em redes solidárias, a partir de um sistema complexo e autopoiético.
Segundo Maturana & Varela (1995), nos sistemas autopoiéticos as relações
produzidas pelos seus componentes, através de interações, garantem seu
equilíbrio sem desintegrar-se. Desse modo, quando se compreende as sessões

58
de terapia comunitária como sistemas vivos autopoiéticos, elas podem ser
percebidas enquanto unidades autônomas, com caráter unitário e mantendo-
se em contínua dinâmica de trocas.
Segundo Camarotti et al (2003, p. 57):

A consciência da globalidade, sem perder de vista as várias partes


do conjunto a qual pertence, permite compreender os mecanismos de
auto-regulação, proteção e crescimento dos sistemas sociais e vivenciar a
noção de co-responsabilidade.

Uma nota que se faz digna de menção é o fato de todas as participantes


incluírem em suas narrativas outras pessoas participantes das sessões, mesmo
que essa tenha comparecido a apenas uma sessão, sempre referenciadas pelos
seus nomes.
Guareschi (1996) diferencia comunidade como sendo um tipo de vida
em sociedade, na qual todos são chamados pelo nome. Esse gesto representaria
além do fato de cada pessoa possuir um nome próprio, uma manifestação
de sua identidade e singularidade, uma possibilidade de participação, uma
oportunidade de dar a sua opinião, de manifestar o seu pensamento e de ser
alguém.
No pensamento de Bakhtin (1999), a linguagem tem uma unidade
central, cujo método de análise é a dialética. Assim, o princípio constitutivo da
linguagem é o dialogismo, a partir do qual a linguagem é compreendida como
um emaranhado de relações dialógicas em qualquer campo que se apresente.
Tal concepção dialógica relativiza a idéia de autoria individual, destacando
o caráter social e coletivo da produção de textos e idéias. Dessa forma,
concebe-se o próprio ser humano como um ‘intertexto’, de impossibilidade
existencial no isolamento, produzindo sua experiência de vida a partir da
tessitura, entrecruzamento e interpenetração com o outro. Nessa trama, a
relação dialógica remete ao princípio da ‘não autonomia do discurso’, em
que as palavras do falante são sempre atravessadas pelas palavras do outro e o
discurso do falante também se constitui do discurso do outro que o atravessa.
Assim, a concepção do eu é sempre social, nunca individual.

59
A Fala e a Escuta
Para todas as entrevistadas participantes das sessões de terapia
comunitária esse espaço é visto como um lugar privilegiado, no qual
podem falar de suas preocupações, dúvidas, angústias e sofrimentos
existenciais. Elas afirmam, em sua totalidade, que se sentem melhor
enquanto pessoas depois que passaram a participar das sessões de terapia
no grupo. Além disso, as participantes também apontam o espaço da
terapia como um lugar que lhes possibilita aprender novos modos de ser,
ouvindo a experiência do outro. Elas afirmam que a escuta é um exercício
de complexa prática, pois consideram que comumente tendem a falar mais
e a ouvir menos. Apontam que as sessões de terapia têm lhes ensinado
a serem mais ponderadas, e a partir de então elas têm buscado pensar
primeiro naquilo que vão dizer, antes de fazê-lo. Dizem que têm refletido
acerca da importância do ouvir o outro, antes de querer lhe dar conselhos,
mas enfatizam que essa é uma tarefa ‘árdua’.
De acordo com Bakhtin (1999), o falar, aqui, pode ser compreendido
através da palavra que é um signo ideológico que ao mesmo tempo em
que reflete também refrata a realidade. Assim, a palavra é a expressão da
linguagem interior e da consciência, além de elemento privilegiado da
comunicação na vida cotidiana, acompanhando toda criação ideológica
e fazendo-se presente em todos os atos de compreensão e interpretação.
Por isso, a palavra tem sempre um sentido ideológico ou vivencial que
se relaciona totalmente com o contexto, além de ser portadora de um
conjunto de significados que lhe foram dados socialmente. Pois, quando
o exercício da escuta apreende um dito, já o traz em si um não dito, visto
que produzimos e ampliamos os sentidos das coisas, dando uma ‘versão
de sentido’ que nos é própria e alcançando, portanto, uma réplica e não
uma repetição.
Considerando-se as sessões de terapia como um campo a partir
do qual se estabelece uma rede de relações dialógicas mediadas pela
linguagem, através da palavra, pode se compreender que nesse espaço
gera-se conhecimento, circula-se a expressão de sentimentos e emoções,
60
estrutura-se o pensamento, transformando-o. Assim, pode-se pensar
numa construção interpessoal a partir da qual todos participam do mundo
ali construído (no grupo), seja enquanto falante ou enquanto ouvinte. E
talvez, o grande diferencial da terapia fique por conta da circulação da
palavra que permite a manifestação de diversos sentidos construídos pelos
participantes do grupo a partir de uma narrativa pessoal do falante, com a
qual os ouvintes identificam-se produzindo e expressando as suas réplicas.
Ivone relatou que sua mãe sempre lhe vinha repetir comentários que
já haviam sido feitos por diversas vezes a ela, em função de doença senil
que lhe atinge as propriedades da memória. Ela disse que comumente
permanecia junto à mãe, mas não prestava atenção ao que esta falava,
não tendo muita paciência para a repetição praticada pela mãe. No
entanto, ela também disse perceber que atualmente tem colaborado para
a recuperação da memória de sua mãe, pois quando esta lhe vem dizer
algo que já lhe havia sido dito, ela ouve mesmo assim e procura interagir
com a mesma. Assim, tem percebido que, atualmente, a mãe lhe repete
uma situação já contada e logo após lembra-se de já tê-lo feito em outra
ocasião, comentando com a filha: “eu já lhe disse isso, né? Até que você respondeu...
[de determinada forma]”.
Esta ocorrência sugere um interesse legítimo pela fala do outro, a partir da
qual a pessoa ouvinte se disponibiliza para o seu locutor com propósito autêntico
de compreensão da comunicação que este pretende fazer.
De acordo com Bakhtin (1999) pode-se compreender que a palavra nessa
situação funciona como um instrumento que une o eu ao outro, pois a mesma
procede de uma pessoa e dirige-se para outra pessoa. Assim, o que torna possível
a compreensão da palavra também é aquilo que é presumido pelo ouvinte em
função do fato de que toda palavra possui um acento de valor ou apreciação,
transmitido através da entonação expressiva. Por isso, junto à palavra ocorrem os
gestos, as expressões faciais, a tonalidade e as entonações da fala. Portanto, toda
compreensão do produto do ato da fala, a enunciação, é sempre ativa, orienta-se
pelo contexto e contém o ‘germe’ de uma resposta. O autor diz que para cada
palavra que se processa visando à compreensão faz-se corresponder uma série de
palavras do ouvinte, formando uma réplica. Assim, a compreensão nada mais é
do que uma forma de diálogo.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trilhar caminhos, construir trajetórias, explorar possibilidades, vislumbrar
instantâneos de realidade vivida. Eis a seara que a mim se apresentou a partir do
momento em que me dispus a entrar em contato com uma realidade que, àquele
momento, julgara ser diferente da minha.
Por vezes tateando superficialmente, outras atravessando barreiras e
chegando próximo, bem próximo de emoções que dispensavam palavras. Afinal,
não é para isso que as palavras foram feitas, para deixar vazar as emoções? Assim, fui
me familiarizando com alguns quadros e tendo o privilégio de me desfamiliarizar
com outros tantos, apagando verdades e escrevendo dúvidas, montando novas
cenas, compondo novos cenários.
Creio que nesse caminho tive a oportunidade de conhecer outros em mim,
deixando esquecer um tanto daquele antídoto humano que também em mim se
guardava. Das velhas receitas aprendidas na sala de aula que indicavam o “não
pode chorar na frente do paciente” ou ainda “pense sempre: não é comigo, é
apenas resultado de transferência. Se necessário for, anote no pulso essa ‘máxima’
e leia durante o atendimento”. Quanta coisa a esquecer, e quantas outras por
lembrar e permitir aflorar.
Creio que me vi desesperar. Creio que me quis alegrar. Creio que me fiz
continuar.
Desde o contato com as primeiras e calorosas emoções após as sessões de
terapia comunitária, até o encontro com estas vivas mulheres que irradiavam
histórias de vida embebidas em sofrimentos e superações, a minha alma não se
fez descansar.
Percebi então a importância desse lugar na vida destas mulheres que antes
não tinham voz, não tinham direito à sua palavra, seus cantos eram mudos.
E agora contam, cantam e compartilham, sofrendo as dores contidas de um
conselho, um palpite que tanto queriam lançar ao ar.
Se hoje louvam umas às outras e sofrem, e choram, descobriram que, para
além de sofrer e chorar, também pode expressar esse sofrimento, é sinal de que a
necessidade de questionar já lhes habita, construindo morada.
A despeito de todas as contradições e ambigüidades humanas, elas estão
em um sistema que antes não lhes comportava por não existir. Encontraram

62
pessoas e, como outras pessoas, estão aprendendo a produzir, a partir da dialogia,
novos sentidos que lhes possam encantar o mundo, encantando a si próprias.
Assim, cabe-me tão somente, num gesto de reverência às suas histórias de
vida comigo compartilhadas, responder-lhes: “Tocar as mãos, abrir os corações
para ‘estar’ na comunidade. Tocar as mãos, abrir os corações para viver em
felicidade”.

63
REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 9ª. ed. São Paulo: HUCITEC,


1999.

BARRETO, A. P. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza: Gráfica LCR, 2005.

BERGER, P. & LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia


do conhecimento. 17ª. ed, Petrópolis: Vozes, 1999.

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Brasília – Distrito Federal. In BARRETO, A. & CAMAROTTI, H. (org.). A terapia
comunitária no Brasil: anais dos trabalhos apresentados no I congresso brasileiro de
terapia comunitária. Ceará, Mismec-DF, Mismec-Ce, 2003, p. 54-67.

FREIRE, P. (1970). Pedagogia do oprimido. 38ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GIL, A, C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed, São Paulo: Atlas, 1999.

GRANDESSO, M. A. Oi gente... Eu não roubei galinhas! Contribuições do enfoque


narrativo à terapia comunitária [Artigo apresentado no II Congresso Brasileiro de
Terapia Comunitária, Brasília, 2004].

GUARESCHI, P. A. Relações comunitárias - relações de dominação. In Campos, R.


H. (org.). Psicologia comunitária: Da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes,
1996.

LANE, S. T. A psicologia social e uma nova concepção do homem para a psicologia. In


LANE, S. T. & CODO, W. (org.). Psicologia social: o homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984.

MATURANA, H. R. & VARELA, F. G. A árvore do conhecimento: as bases biológicas


do entendimento humano. Campinas, Editorial Psy II, 1995.

PEREIRA, W. C. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e


prática. Petrópolis/Belo Horizonte: Vozes/PUC Minas, 2001.

SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. V.


1. São Paulo: Cortez, 2000.

SAWAIA, B. B. Introdução: exclusão ou inclusão perversa? In: SAWAIA, B. B. (org.). As


artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis,

64
Vozes, 1999.

SPINK, M. J. P. & FREZZA, R. M. Práticas discursivas e produção de sentidos: a


perspectiva da psicologia social. In SPINK, M. J. P. (org.). Práticas discursivas e
produção de sentidos no cotidiano. aproximações teóricas e metodológicas. São
Paulo: Cortez, 1999.

65
“MINHA VIDA TEM SENTIDO TODA VEZ
QUE VENHO AQUI”
SIGNIFICADO ATRIBUÍDO À TERAPIA
COMUNITÁRIA PELA FAMÍLIA
DO PARTICIPANTE*

3
Luci Leme Brandão Lazzarini
Marilene Grandesso

INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa foi inspirado num depoimento espontâneo e


frequente de um participante regular de um grupo de Terapia Comunitária
Integrativa - TCI - Sr. Girassol(1) - qual seja “Minha vida tem sentido toda
vez que venho aqui”. Esta frase levou-nos a buscar compreender como a
família percebia a importância desse espaço de conversação em sua vida,
qual o significado atribuído pela família à Terapia Comunitária, a partir da
participação de um de seus membros no grupo de TCI.
O presente capítulo pretende apresentar uma compreensão da
importância da TCI como um instrumento de transformação da família e
da comunidade. Estudos já relataram em seus achados, os benefícios da TCI
para as pessoas que têm participado das rodas de terapia (GRANDESSO &
BARRETO, 2006). Contudo, não encontramos referências sobre os seus
efeitos para as famílias dos participantes.
Um dos problemas que nós, profissionais da saúde do setor público
municipal temos enfrentado, é a falta de recursos suficientes para absorver
a demanda por tratamento. Nesse sentido, a Terapia Comunitária se
*Este artigo foi publicado na Revista Nova Perspectiva Sistêmica - ano XIX - dezembro de 2010 - publicação
FAMILIAE, Multiversa e NOOS. ISSN - 0104-7841.

66
apresenta como uma alternativa de atendimento a essa população, e por seu
aspecto preventivo, vem ao encontro de um dos objetivos do SUS, que é
o desenvolvimento de ações preventivas e de promoção de saúde na ESF -
Estratégia de Saúde da Família.
Muitas vezes somos obrigados a atender uma só pessoa da família pela
impossibilidade da presença dos outros membros. No entanto, uma vez que
adotamos a visão sistêmica, compreendemos que a transformação de um
membro, abre a possibilidade para a mudança de outros membros da família.
Na periferia, a quantidade de famílias mais vulneráveis do ponto de
vista social, justifica ainda mais o atendimento comunitário. Ao atendermos
uma pessoa de cada família, abrimos a possibilidade de promoção de saúde a
diversas famílias ao mesmo tempo.
A Terapia Comunitária Integrativa, criada pelo psiquiatra Prof. Dr.
Adalberto de Paula Barreto, nasceu como resposta à grande demanda de
atendimento à população carente de recursos de natureza econômica, de
disponibilidade de serviços de saúde e de informação. Diante da carência
de recursos e de todo um panorama político social que exclui e desfavorece
condições dignas de saúde, habitação, lazer, educação, alimentação e trabalho;
a própria identidade e auto–estima ficam ameaçadas. Sentimento de menos
valia e desapropriação cultural agravadas por migrações forçadas em busca de
uma melhor qualidade de vida podem ameaçar a identidade dos indivíduos,
excluídos da condição de pertencimento social (LUISI, 2006).
Nesse sentido, a TCI se apresenta como um espaço para a expressão do
sofrimento e possibilidade de prevenção dos efeitos do estresse cotidiano. A
TCI favorece o resgate da auto-estima necessária para que as pessoas possam
ter a direção de suas próprias vidas, acreditarem em si mesmas e em suas
competências. A participação nas rodas de TCI permite também fortalecer
vínculos que possibilitam às pessoas desencadear ações transformadoras
significativas, tanto em suas vidas, como na comunidade.
Segundo Grandesso (2000), para que uma prática conversacional seja
terapêutica, novos significados devem emergir, reescrevendo a experiência
vivida a partir de novos marcos de sentido. Em uma conversação de natureza
terapêutica não apenas as histórias mudam, mas as próprias pessoas que as
narram. Para que uma conversação produza esse efeito, levando a um sentido

67
de autoria pessoal, à dissolução de problemas e a outro eu-narrador, deve-se
definir como uma conversação dialógica.
Uma vez que o foco deste trabalho recai sobre a Terapia Comunitária
Integrativa, faz-se necessário considerar o próprio conceito de comunidade.
Diferentes teóricos ampliam ou questionam o significado de
comunidade utilizado até então. Bauman (2003) faz uma relação entre
comunidade e liberdade, onde o conceito de comunidade leva à idéia de
dependência, segurança e proteção, enquanto que o conceito de liberdade
trabalha com a noção de individualismo, falta de segurança e vulnerabilidade
a riscos. Guareschi (1997) destaca que o elemento definidor de um grupo
é a existência da relação entre as pessoas. Segundo ele, na comunidade as
relações se estabelecem pela expressão da subjetividade; as pessoas podem
manifestar opiniões e desenvolver a criatividade. Este autor afirma que
comunidade é “um tipo de vida em sociedade onde todos são chamados
pelo nome”, referindo-se à vivência da identidade a partir da valorização do
nome, além da possibilidade de manifestar seu pensamento, participar e dar
sua opinião (GUARESCHI, 1997). Barreto (2005) compartilha da idéia
de que uma comunidade só é consistente quando ela consegue estabelecer
uma base concreta de relações entre as pessoas e, a partir da identificação de
vínculos, desenvolver ações complementares de consolidação do tecido social,
promovendo a inclusão social.
As rodas de Terapia Comunitária possibilitam a formação e
fortalecimento das redes sociais, tendo grande importância na formação da
identidade pessoal, na vida dos indivíduos, famílias e comunidades. Segundo
Sluzki (1997), rede social pessoal ou a rede de pessoas que nos são significativas,
refere-se ao conjunto de pessoas com quem interagimos de maneira regular,
com quem conversamos, com quem trocamos sinais que nos corporificam,
que nos tornam reais. Esse autor acrescenta ainda que as relações que um
indivíduo percebe como relevantes contribuem para o seu reconhecimento
como pessoa; diz que as relações significativas eram vistas na terapia familiar
como aquelas determinadas pelas relações familiares.
Esse entendimento vem sendo reconsiderado na medida em que outras
pessoas podem ser muito significativas e relevantes sem que sejam parentes.
Complementa ainda dizendo que a Saúde Mental Comunitária visa promover

68
a intervenção em diferentes redes de relações dos indivíduos como a família,
amigos, vizinhos e a coletividade de forma geral, a fim de ampliar e apoiar as
pessoas mais vulneráveis da comunidade que estejam vivendo em situação de
crise. Sluzki (1997) ressalta que a ampliação das redes favorece a redução e
prevenção de crises e também promove a melhoria da saúde e da qualidade de
vida dos indivíduos.
Desenvolver uma pesquisa para investigar os ganhos promovidos pela
TCI, extensivos também à família dos participantes, mostrou-se relevante
uma vez que a demanda por serviços de saúde é muito maior do que a oferta
disponível. A quantidade de famílias carentes e a escassa oferta de serviços
justificam a busca de alternativas práticas de amplo alcance.
O objetivo desta pesquisa foi compreender qual o significado atribuído
à Terapia Comunitária pela família do participante, tendo como referência
as famílias de participantes regulares de Terapias Comunitárias, a partir da
participação de um de seus membros no grupo.

MÉTODO

Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa que nos permitisse


ouvir as narrativas dos familiares no que se refere ao significado que a Terapia
Comunitária, através da participação de um de seus membros, adquiriu nas
suas vidas.
Este estudo foi realizado com as famílias de três pessoas que frequentavam
regularmente os grupos de Terapia Comunitária. Foram convidadas as
famílias de uma mulher e dois homens que haviam, freqüentado as rodas de
TCI, por nós realizadas, há mais de um ano. A escolha dos participantes teve
como critério a freqüência de no mínimo seis meses de sessões de Terapia
Comunitária realizadas numa Unidade Básica de Saúde da cidade de São
Paulo. Para que os entrevistados não fossem identificados, seus nomes foram
mudados por nome de flores – Girassol, Antúrio e Magnólia -, respeitando o
gênero, a fim de garantir o anonimato dos mesmos. Dentre os familiares de

69
cada um dos participantes tivemos, a esposa e a filha de Girassol; o pai, a mãe
e o irmão de Antúrio e a filha de Magnólia, conforme pode ser visto na Tabela
1, num total de 9 pessoas.

Tabela nominal dos membros das famílias presentes


nas entrevistas, e a relação de parentesco.
Tempo de
Nome Idade Identificação
participação
Girassol 69 3 anos Participante da TCI
Orquídea 63 Esposa
Érica 25 Filha
Antúrio 26 1 ano Participante da TCI
Rododênio 65 Pai
Margarida 54 Mãe
Lírio 29 Irmão
Magnólia 56 1ano e meio Participante da TCI
Alamanda 32 Filha

Para efeito desta pesquisa foram utilizados dois roteiros norteadores


de entrevista. O primeiro roteiro apresentava perguntas de identificação do
membro entrevistado, para informações básicas, tais como idade, tempo de
casado, número de filhos, profissão e escolaridade (Anexo 2). O segundo
roteiro utilizado foi norteador de uma conversação de base dialógica de modo
a favorecer a elaboração de perguntas abertas e organizadas em torno de alguns
temas de vida em família, dando ênfase aos aspectos relacionais e contextuais,
já que o objetivo desta pesquisa era procurar compreender os significados que
a família atribuía à participação de um de seus membros em rodas de TCI.
O convite para participar desta pesquisa foi feito para três participantes
de nossas rodas de TCI e seus familiares, tendo sido escolhidos por se
enquadraram nos critérios deste estudo e que concordaram em participar do
projeto.
Assim, foi perguntado se gostariam de contribuir com o estudo
participando de uma entrevista. Os participantes foram esclarecidos

70
previamente sobre a pesquisa e o objetivo da mesma, além do caráter voluntário
da participação.
Foi entregue a cada participante um termo de consentimento livre e
esclarecido, cujas duas vias de igual teor foram lidas com os mesmos, levando
o conhecimento da gravação da entrevista e anulação da mesma após análise
dos dados para assegurar a preservação das identidades dos mesmos. Ciente do
conteúdo do termo, os participantes assinaram o documento.
De posse destas informações, os participantes foram informados de
que poderiam desistir da mesma a qualquer momento. O procedimento
adotado neste trabalho, conforme mencionamos anteriormente, consistiu em
entrevistas semi-estruturadas de base dialógica de modo a favorecer a obtenção
de dados referentes aos significados atribuídos à participação nas rodas de
TCI. Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo, com prévia autorização
dos participantes.
As entrevistas foram realizadas nas respectivas residências dos
participantes, em data e horário previamente definidos, em conjunto,
para possibilitar a presença da maioria dos familiares, quando então foram
consultados sobre a possibilidade de gravar a entrevista e informados que a
mesma seria apagada após o término de sua transcrição. Iniciamos sempre
por um acolhimento informal das famílias, seguidas de perguntas básicas para
conhecer a estrutura e organização de cada família, a partir das quais foram
construídos os respectivos genogramas. Optamos por realizar os genogramas
pela facilidade de visualização da composição familiar que este instrumento
favorece.
O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo comitê de
ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que o avaliou como
atendendo aos rigores e cuidados necessários para pesquisa com seres humanos.
Partimos da consideração de que a importância da TCI para o
participante – Girassol, Antúrio e Magnólia - já foi vislumbrada a partir do
interesse demonstrado implicitamente em continuar freqüentando o grupo,
espontaneamente, ao longo de mais de 1 ano. O objetivo desta pesquisa,

71
portanto, foi compreender se fazia diferença para cada uma das respectivas
famílias ter um membro participando de Terapias Comunitárias.
Os resultados de todo o material coletado com os instrumentos utilizados
foram analisados segundo a visão sistêmica em indicadores dos significados
atribuídos à Terapia Comunitária, através de uma análise do conteúdo das
conversações, consideradas como práticas discursivas. Para a análise dos
dados foi feita a transcrição das entrevistas na íntegra e selecionados apenas
os depoimentos dos familiares dos participantes, cujo conteúdo das respostas
nos permitia desenvolver uma compreensão, norteada pelos objetivos desta
pesquisa.
Para a análise dos resultados foi feita uma leitura exaustiva das entrevistas,
a partir da qual foram destacados os principais temas que diziam respeito ao
significado atribuído à Terapia Comunitária pela família do participante.

RESULTADOS
Entrevista com a família do Sr. Girassol
Apresentamos aqui o genograma desta família para podermos conhecer
melhor sua estrutura:

Genograma da família do Sr. Girassol

O Sr. Girassol, 69, participava da Terapia Comunitária desde 2004.


Sua participação na TCI decorreu de um encaminhamento pela Agente
Comunitária de Saúde por não aderir ao tratamento de diabetes e hipertensão
72
arterial, diagnosticada e não cuidada por ele. Quando começou a participar
do grupo, sua queixa inicial era a dor nas pernas, insônia, nervosismo,
irritabilidade. Essas queixas foram perdendo a importância. Aos poucos deixou
de queixar-se das dores, passando a referir uma tristeza pelo mau humor da
filha. No momento desta pesquisa, o discurso era de ser um homem feliz, sem
problemas, dizendo que tudo passa nessa vida, é só ter paciência, e que tinha
uma família feliz.
A família relatou que o humor do Sr. Girassol, antes de iniciar o grupo
de TCI, era irritadiço, sendo que ficava nervoso muito fácil. Segundo sua filha
Érica, antes de participar do grupo era uma briga só entre o casal, e que o convívio
entre eles era péssimo. A Sra. Orquídea, esposa do Sr. Girassol, falou que quase
chegaram a se separar, mas que hoje ele aprendeu a ter mais paciência, não a
critica tanto como fazia, e até deixou de beber aquela “branquinha” da qual não
largava. Sua filha Érica confirmou a mudança de humor do pai, disse que ele
estava mais alegre, mais calmo e que o clima da família melhorou. Disseram
que ele não se isolava mais, que passou a sair de casa, que tem se relacionado
melhor com as pessoas e que principalmente começou a cuidar de sua saúde.
Referiram também que passou a comparecer às consultas, a fazer caminhadas
e tomar os remédios de hipertensão e diabetes regularmente. Na visão da filha,
Érica, o Sr. Girassol tem até demonstrado certa vaidade ao se vestir melhor.

Entrevista com a família de Antúrio


Segue abaixo o genograma desta família para compreendê-la melhor.

Genograma da família do Antúrio

Antúrio, 26, era o caçula dos cinco irmãos. Procurou o grupo de Terapia
Comunitária um ano antes da realização deste trabalho, após ter tomado

73
conhecimento de nosso trabalho por meio de um folheto. Como já havia
participado de grupos terapêuticos no Hospital Dia, onde fizera tratamento
por mais ou menos dois anos, manifestou interesse em participar da TCI.
No início, preferiu ficar “calado e só ouvir...”, como dizia. Aos
poucos foi se soltando, sentindo-se mais seguro e confiante, até contar que
foi acometido por uma depressão, logo que terminou o ensino médio. De
repente, não soube explicar o porquê, passou a ter medo de sair de casa, foi
se isolando, não queria falar com ninguém, nem mesmo com seus familiares.
Sentia-se diferente dos outros, não tinha alegria no coração. Depois de um
ano de participação no grupo de TCI, passou a sentir confiança no grupo, a
participar da partilha de experiências vividas, a esboçar um sorriso e retribuir
ao abraço dos participantes.
Sua família contou que Antúrio era muito fechado, triste, calado, não
participava das decisões da família. A mãe relatou que ele era muito quieto,
não tinha vontade de se cuidar e que no decorrer deste ano, depois que passou
a freqüentar o grupo, começou a participar de conversas na família. Ressaltou
que passou a dar sua opinião, a demonstrar afeto, alegria e que nos dias de
grupo fazia questão de colocar uma roupa mais arrumada. Revelaram ainda
que estavam mais unidos, conversando mais e afirmaram que gostariam
também de participar da TCI. O Sr. Rododênio, pai de Antúrio, manifestou
vontade de participar do grupo, pois, segundo ele, sentia um aperto no peito,
não tendo alegria e dizia que queria mudar, ficar feliz como o Antúrio.

Entrevista com a família da Sra. Magnólia


Apresentamos aqui o genograma desta família para compreendê-la
melhor.

Genograma da família da Sra. Magnólia

74
A Sra. Magnólia, 56, estava muito feliz em nos receber, parecia que
éramos realmente pessoas especiais, que representávamos ali algo muito
importante em sua vida, e no decorrer da entrevista fomos percebendo o
porquê. A Terapia Comunitária mudou sua vida, podia-se dizer que a ‘curou’
de uma grande depressão, além da melhora no relacionamento familiar, pois o
convívio passou a ser muito mais prazeroso, passou a sentir alegria em receber
a família e os amigos. No momento desta pesquisa participava da TCI há um
ano e meio. Foi encaminhada pela médica pediatra de seu neto, dizendo que ia
ser muito bom para ela. No momento em que chegou à TCI, a Sra. Magnólia
referiu-se a um quadro de depressão, chorava muito, não tinha ânimo para
cuidar da casa, cozinhar e muito menos reunir os filhos e netos em sua casa.
De acordo com seus depoimentos durante a entrevista, ao participar da
TCI, a felicidade voltou, assim como o ânimo para arrumar a casa; também
passou a reunir a família e a cozinhar como antigamente. Além da melhora
do seu estado emocional, o convívio com a família passou a ser muito mais
prazeroso.
Sua filha, Alamanda, por sua vez, mostrou-se muito feliz com a
recuperação de sua mãe, a qual passou a lidar com os problemas de uma forma
diferente, mais tolerante, com mais paciência. Para ela, a mãe estava alegre,
seu filho especial já não era um problema tão grande achando que tem pessoas
com problemas piores que os dela. Disse que ela e seus irmãos estavam bem
ao ver a mãe bem também e que seus irmãos voltaram a freqüentar a casa nos
finais de semana, estavam mais unidos.

DISCUSSÃO

Os temas principais que ilustram os resultados deste trabalho foram


fundamentados à luz da abordagem sistêmica, num recorte construcionista
social, de acordo com a referência teórica destacada neste trabalho. A seguir
apresentamos a compreensão que desenvolvemos a partir da leitura exaustiva
das entrevistas, organizados por temas, assim definidos:

75
Ressignificação das narrativas organizadoras da experiência

De acordo com Grandesso, (2006), as histórias organizam a vida e dão


sentido à experiência vivida. Nascemos e crescemos em meio às histórias. Estas
nos constituem na pessoa que somos, na nossa identidade. As narrativas são
mantidas ou transformadas por nós na construção de sentido para o mundo
e determinam a forma como atribuímos significado às experiências vividas e
futuras.
Os membros da família dos participantes perceberam que seus parentes
passaram a ressignificar seus próprios sofrimentos a partir da escuta de
experiências vividas no grupo. Na Terapia Comunitária, à medida que as
pessoas foram falando o que pensavam e como se sentiam em determinada
situação, ao se ouvirem falando e ouvirem novas histórias sendo contadas por
outras pessoas, novas narrativas foram surgindo para o Sr. Girassol, Antúrio
e Sra. Magnólia. Mesmo que não tivessem sido trazidas na conversação, a
família ressaltou a mudança de comportamento dos mesmos, conforme
podemos observar pelos depoimentos das famílias:

“...Hoje ele sabe que não adianta se desesperar com os problemas,


tudo passa e tem uma solução...(Érica)”; “... conta que tem muito
sofrimento, que a nossa vida é boa perto dos casos que são contados
lá, fala pra ter paciência...(Orquídea)” ; “...ele não tem mais medo...
hoje ele sai...vai na igreja sozinho...(Lírio); Acho que ele se sente igual,
não se sente diferente dos outros (Sra.Margarida)”; “Sim, justamente
pela alegria que dá, né? A gente tem vontade de se relacioná melhor,
conhecê gente nova...(Sr.Rododênio)”;”...todo mundo comenta, hoje
ela é alegre, até toma conta do Vinícios, antes parece que tinha medo
de cuidá dele...(Alamanda)”.

Construção e fortalecimento das redes sociais

Um dos propósitos da TCI é estabelecer vínculos de solidariedade,


aumentar a rede social para facilitar o enfrentamento das adversidades,
desenvolver a resiliência necessária para superação das crises. Na medida em
que os vínculos foram se fortalecendo entre os participantes da TCI, novas

76
conexões foram surgindo em outras redes relacionadas à vida de cada um,
como por exemplo, a família.
Os dados deste trabalho são condizentes com a colocação de Sluzki
(1997) conforme mencionado anteriormente. Acrescenta ainda que a rede
social contribui tanto para a saúde quanto para a doença do indivíduo. Quanto
mais o indivíduo for valorizado pela rede, mais saudável ele será.
Os membros da família dos participantes perceberam a importância
da rede para seus parentes participantes da TCI, de como essas relações
significativas contribuíram para que eles fossem reconhecidos como pessoa,
para a construção e reconstrução de sua identidade e fortalecimento de sua
auto-estima, de modo que mudanças pessoais fossem possíveis. Podemos
observar pelos depoimentos dos familiares dos participantes da TCI (Sr.
Girassol, Antúrio e Sra. Magnólia ):

“Porque lá (na TCI) a gente pode conhecê pessoas.(Margarida)”;


“.., a gente tem vontade de se relacioná melhor, conhecê gente nova...
(Rododênio)”; “...as pessoa sentem falta dela quando ela não pode ir...
um dia, um menino encontrô ela na rua e falô que o povo sentiu falta
dela.. porque as pessoa escutam ela, ela pode falá...(Alamanda)”;”...não
vê a hora de ir pro grupo, conversar, sair um pouco...”; “...de conhecê
as pessoa, quando encontra na rua já conhece, é bom...”; (Orquídea)”;

E é a partir da convivência entre essas pessoas que vamos formando


a nossa identidade pessoal. Quanto mais formos valorizados e reconhecidos
pelas pessoas que compõem nossa rede social, mais a nossa auto-estima
estará sendo desenvolvida, a ponto de nos sentirmos fortalecidos, capazes e
preparados para crescer em várias áreas, pessoal, profissional e afetiva, e para
enfrentar as adversidades da vida.
A Sra. Magnólia, por exemplo, sentiu-se mais motivada, confiante
em si mesma, capaz até de correr riscos que antes o medo impedia de fazer.
Podemos ilustrar essa posição com a fala de sua filha Alamanda:

“...agora ela tem pique para fazê as coisa, arrumá a casa, cozinhá,
fazê as compra...”;”...todo mundo comenta, hoje ela é alegre, até toma
conta do Vinícius, antes parece que tinha medo de cuidá dele...”;”...
todo mundo, agora, no final de semana, a gente se junta, minha mãe
tem vontade de reuni todo mundo, a casa fica alegre, todo mundo
contente...”

77
Portanto, é nessa conversação organizada em torno das dificuldades
ou da expressão do sofrimento, no reconhecimento do outro por meio da
escuta respeitosa e acolhedora que as pessoas vão se conectando, construindo
redes, depositando a confiança no outro. A partilha de significados favorece o
fortalecimento dos vínculos, a construção de novas narrativas, a transformação
pessoal, como também favorece conexões sistêmicas entre os membros da
comunidade.

Mudança nos relacionamentos interpessoais

Os membros da família adquiriram os conhecimentos transmitidos


e aprendidos na TCI, sem nunca terem participado. Desde as regras de
convivência, tais como não julgar; ninguém é melhor que o outro; cada
um traz um “saber” diferente do outro, de igual importância e que deve ser
partilhado; ou ainda que “quando a boca fala, os órgãos saram e quando a
boca cala, os órgãos adoecem”; até formas alternativas de ver o problema,
não mais como algo insolúvel, mas como algo que passa e se resolve com
persistência e principalmente tendo paciência. A vivência da afetividade
e seu benefício para o relacionamento interpessoal também é notada pelos
familiares. Podemos observar, a seguir, a partir das narrativas dos membros da
família do participante:

“...depois que ele começou a participar, ele não me critica mais...agora


ele me respeita mais...”( Orquídea);”...agora não, ele ouve mais e fala
menos...melhorou completamente, agora os dois têm brigado menos...é
ótimo, principalmente porque trás o que aprendeu para o convívio
aqui em casa...principalmente a paciência, hoje ele sabe que não
adianta se desesperar com os problemas, tudo passa e sempre tem uma
solução...”(Érica); “...ele diz que gosta muito, se sente bem, igual aos
outros, não se sente diferente”(Lírio);”...a gente aprende a dar valor pro
que tem...”(Margarida);”...a família ta mais unida, conversa mais...
ele ta mais carinhoso...ele dá um beijo quando sai e quando chega; ”...
ela fala que tem muita gente com pobrema maior que o dela, que lá ela
desabafa e se sente melhó...ela fala que todo mundo é unido, a gente se

78
abraça, que ninguém é melhó, cada um tem seus pobrema, todo mundo
é tratado igual...”(Alamanda)

Além disso, podemos notar em todas as entrevistas, a mudança de


humor na família, a alegria que tomou conta da dinâmica familiar, decorrente
das mudanças ocorridas no participante, em seu modo de sentir, pensar, agir
ou interagir.

“...isso é bom pra todo mundo...(Orquídea)”; ”...agora ele está mais


calmo, não critica mais minha mãe...;...papai está mais alegre...
(Érica)”; “...ele tá falando mais, se abrindo mais, quando ele chega,
sempre conta alguma coisa...”;“...tá sendo muito bom pra ele e pra
nois, também...(Sr.Rododênio)”; “...melhorou a convivência familiar,
Antúrio participa, dá sua opinião...”;“...fica mais leve, sei lá, dá alegria
no coração..(Lírio)”;”...ela fala que lá ela desabafa, sente mais leve;
“...a família tá mais unida, conversa mais.. (Sra. Margarida)”;”...
minha mãe tem vontade de reuni todo mundo, a casa fica alegre,
todo mundo contente...”; “...eu vejo ela bem, eu também fico bem...
( Alamanda )”.

Autoria/Agência – Responsabilidade pela condução própria


vida
Outro dado importante que as famílias trouxeram foi a noção de que
o indivíduo é responsável por suas escolhas e conseqüências de seus atos,
resgatando e fortalecendo o lugar de autoria. Vivências de empoderamento
se deram a partir da descoberta de competências e recursos para dirigir a
própria vida. Como os familiares participantes desta pesquisa observaram,
os participantes do grupo de TCI têm encontrado suas próprias forças e
ferramentas, além do apoio da comunidade para ir ao encontro da saúde,
da prevenção e da superação de problemas que antes eram considerados
insolúveis.
“ ...aquela branquinha que não largava, agora deixou de beber...; ...cuida
de sua saúde, toma os remédios da diabetes direitinho, vai nas consultas
(Orquídea)”;”...começou a escolher a roupa pra sair, antes nem banho gostava

79
de tomar, vivia largado, com a mesma roupa...(Margarida)”; “...acho bom
para aprender mais, a se cuidar...(Lírio)”.
Consideramos muito importante destacar aqui, apesar de ter ocorrido
apenas em uma família desta pesquisa, a influência da Terapia Comunitária
no processo de melhora no uso do álcool, percebido pela Sra. Orquídea e
sua filha Érica no convívio com o Sr. Girassol, que segundo o depoimento
delas, deixou de beber aquela “branquinha que não conseguia largar”;“parou
de beber, o que acho ótimo”.
Como é possível notar, em concordância com as colocações de Bauman
(2003), a comunidade do grupo de TCI mostrou-se, para cada participante
e foi validado por suas famílias, um lugar de segurança. Seus depoimentos
remeteram-nos ao sentido mais tradicional do conceito de comunidade que
conhecemos, pois os laços por proximidade local, parentesco, solidariedade
de vizinhança, foram as bases de relacionamentos consistentes e fonte de
superação das crises decorrentes das escolhas individuais.

As mudanças e novas aquisições do participante transpassam


o sistema do grupo de TCI
De acordo com o pensamento sistêmico, o ser humano não é um ser
isolado, mas sim, membro ativo e reativo dos grupos sociais, em que cada
membro influi e é influenciado por outro em um interjogo relacional. Nesse
sentido, podemos notar, pelos depoimentos destacados a seguir, que as
mudanças e as novas aquisições dos participantes desta pesquisa transpuseram
a comunidade do grupo de TCI como um sistema, afetando outros contextos
da vida de cada participante, a família, em especial.
As transformações pessoais e relacionais dos participantes decorreram,
segundo nosso entendimento, de aprendizados comportamentais, afetivos e
relacionais vivenciados no grupo de TCI, tais como o sentimento de pertença
(a um grupo), respeito ao sofrimento alheio, o reconhecimento do outro, a
descoberta de suas próprias competências e as do outro. Essas transformações
foram percebidas pelas famílias e muitas delas incorporadas por membros da
família que nunca participaram do grupo. Estes apenas passaram a vivenciar

80
com o participante essa nova forma de relacionamento interpessoal aprendida
no grupo de TCI, bem como a adoção de um novo olhar para enfrentar as
adversidades da vida, conforme os depoimentos a seguir:
“...conta que tem muito sofrimento, que a nossa vida é boa perto dos
casos que são contados lá, fala para ter paciência...”;“...a gente tava a ponto de
se separar, depois que começou a participar, ele não me critica mais... agora está
me respeitando mais... (Sra. Orquídea)”; “...principalmente porque ele trás o
que ele aprendeu para o convívio aqui em casa (Érica)”; “...quero participa
também...acho que lá vou mudá como o Antúrio mudô...vejo que Antúrio
hoje é mais feliz;...quando ele chega, chego a senti uma coisa no peito, uma
alegria de ouvir ele falá (Sr. Rododênio)”; “...melhorou a convivência familiar...
(Lírio)”; “...eu vejo que o Vinícius melhorou também, tá mais calmo, a escola
não reclama mais...tenho vontade de participá porque ela fala que lá todo
mundo é unido, a gente se abraça, que ninguém é melhor, cada um tem seus
pobrema, todo mundo é tratado igual (Alamanda).”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a conversação com os familiares, observamos que, se antes o


participante da TCI era considerado pela família como o ‘paciente identificado’,
aquele que precisava de ajuda, no momento da pesquisa, depois de participar
de várias sessões de TCI, ele passou a ser visto como um protagonista que se
tornou importante. Como alguém que passou a ser legitimado e admirado
pela família, pelos inúmeros benefícios recebidos, por ter levado à sua família
regras de convivência, como o não julgar, importância da escuta, ninguém é
melhor, respeito ao sofrimento do outro, união, alegria, afetividade. Sendo
assim, a TCI representava ali, naquele momento, o contexto de várias
transformações pessoais e familiares que trouxeram uma nova forma de se
relacionar e, principalmente, várias possibilidades de enfrentamento das
crises, ou mesmo de encarar os problemas cotidianos.
Em termos de políticas públicas, ao final desta pesquisa, como
profissional da área da saúde (Luci Lazzarini), e participante da implantação
e construção do Programa de Saúde da Família – PSF desde 2001, pude
compreender a importância da Terapia Comunitária como uma prática de

81
prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas e suas famílias de
forma integral e contínua.
A Terapia Comunitária atingiu, nesta pesquisa, seu propósito de ser um
instrumento de transformação pessoal, familiar e comunitário, como podemos
notar pelos depoimentos apresentados pelas famílias dos participantes. Embora
o número de participantes seja restrito, notamos que bastou um membro da
família participar do grupo de TCI para que toda a família se beneficiasse. Os
dados mostraram que, ao se conectarem entre si, as pessoas se transformaram,
transmitindo o aprendizado para outras redes de relacionamento; que as regras
da Terapia Comunitária são importantes para uma melhor convivência entre
as pessoas, uma vez que são respeitosas e promovem autoria, passando a ser
incorporadas pelo participante e depois para as outras relações, como no caso
desta pesquisa, a família.
Como pudemos notar, para os participantes desta pesquisa, a Terapia
Comunitária promoveu a intervenção em diferentes redes de relações dos
participantes, como a família, amigos, vizinhos e a coletividade de forma
geral. Além disso, trouxe para o grupo a rede de recursos existentes, a fim
de apoiá-los, favorecendo a inclusão social desses indivíduos na comunidade
à qual pertencem e facilitando o enfrentamento e superação dos problemas
pessoais e coletivos.
Nesse sentido, esperamos que esta pesquisa tenha ressaltado a importância da
Terapia Comunitária como instrumento de ação preventiva da Saúde Mental das
famílias e comunidade, na esfera da Atenção Básica de Saúde, daí entendermos
a importância de que essa prática seja fortalecida e expandida na Rede Pública.

82
REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Z. A Busca por Segurança no Mundo Atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
GRANDESSO, M. A. Sobre a Reconstrução do Significado: Uma Análise
Epistemológica e Hermenêutica da Prática Clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2000/2007.
__________. Família e Comunidade: Textos e contextos de pertencimento. Palestra
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da PUC – SP. São Paulo: abril, 2003.
__________. Carta ao CRP como membro Presidente da ABRATECOM, 2004.
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de Terapia Comunitária. In CAMAROTTI, M.H. FUKUI, L.& MARCHETTI, L.B.
(ORG.) p.30-35, Brasília: MISMEC-DF,2004.
__________. Terapia Comunitária – Um Contexto de Fortalecimento de Indivíduos,
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_________. Família e narrativas: histórias, histórias e mais histórias.In: CERVENY, C.
Família e... São Paulo: Casa Psi Livraria, Editora e Gráfica LTDA, 2006. p.13-29.
GRANDESSO, M. A. & BARRETO, M. Terapia Comunitária – Tecendo Redes para
a Transformação Social – Saúde, Educação e Políticas Públicas. São Paulo: Casa Psi
Livraria, Editora e Gráfica LTDA, 2007..p.277-282.
GUARESCHI, P. A. Relações Comunitárias – Relações de Dominação. In CAMPOS,
R.H.F. (org.) Psicologia Social Comunitária: da Solidariedade à Autonomia.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
LUISI, L. Terapia Comunitária: Bases Teóricas e resultados práticos para sua
aplicação. Dissertação de Mestrado.São Paulo. 2006
SLUZKY, C. E. A Rede Social na Prática Sistêmica: alternativas terapêuticas. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

83
TERAPIA COMUNITÁRIA E RESILIÊNCIA:
HISTÓRIA DE MULHERES*

4
Lucineide Alves Vieira Braga
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Adalberto de Paula Barreto

INTRODUÇÃO

No contexto brasileiro, desde os tempos da colonização, são as


mulheres que mais se deparam com as adversidades, o processo de exclusão
e as desigualdades. Assim, falar sobre elas é uma aspiração de falar da
situação que envolva a condição feminina, é se indignar com o “fenômeno
histórico em que metade da humanidade se viu milenarmente excluída nas
diferentes sociedades, no decorrer dos tempos” (TELES, 1999, p.9), mas
também acreditar que essa condição eternizada por longo período deva ser
transformada, através de movimentos que busquem melhorias e igualdade de
gênero entre homens e mulheres.
A desigualdade e a exclusão são fatores que geram a discriminação e
o conflito nas relações sociais, principalmente no que tange a grupos sociais
constituídos, principalmente, em função de classe, sexo, raça, etnia e religião.
Esses fatores podem estar agrupados ou isolados, mas Santos (1999) aponta o
Estado como sendo o grande gestor das desigualdades e das exclusões sociais.
A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) emerge como um espaço
de escuta, de fala e de partilha de experiências do cotidiano, contribuindo
para a construção de uma nova maneira de empoderamento do ser humano,
sem buscar a identificação pelas fraquezas e carências dos participantes,
*Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da
Paraíba, em 2009.

84
mas proporcionando o despertar das características resilientes, geralmente
desconsideradas para o enfrentamento das dificuldades.
O termo resiliência é um conceito relativamente novo e ainda pouco
debatido no campo da saúde, tendo ganhado alguns destaques na última
década, principalmente nos programas de promoção da saúde. Definimo-lo
como a capacidade humana para enfrentar as adversidades, fortalecer-se ou
transformar ativamente a realidade.
No sentido etimológico do termo, resiliência é uma palavra que deriva
do latim, do verbo resilire, que significa saltar para trás, recuar vivamente.
Do ponto de vista semântico, designa-se resiliência, como a capacidade de
desenvolvimento do Ser em condições adversas; sendo, portanto, a resistência
um processo de longa duração e complexo desenvolvimento, dando como
resultado a sobrevivência em face de todo tipo de adversidades (SILVA, 2006).
Podemos considerar como adversidade o contrário do esperado, ou
seja, um sofrimento, uma situação difícil de ser vivenciada no momento em
que acontece. Ringer (2007) afirma que é muito comum julgarmos todos os
acontecimentos ruins com base em seus impactos imediatos, seja o diagnóstico
de uma doença, a perda de um emprego, o sofrimento provocado por um
acidente, ou seja, no momento em que acontece, nossa mente é imediatamente
preenchida com pensamentos malévolos do universo relacionados a nós,
atrelados a sentimentos de autopiedade.
A cultura nordestina reforça a condição de submissão da mulher. A
ela são atribuídas as tarefas de cuidar dos filhos e da casa, e é comum serem
penalizadas quando não cumprem estas tarefas. Este fato vem mudando com
a entrada da mulher no mercado de trabalho, na luta pela igualdade e no
enfrentamento das desigualdades de gênero construídas em distintos espaços.
A necessidade de minimizar danos leva a pensar em estratégias que
proporcionem ao cidadão a melhoria de sua qualidade de vida, já que os
problemas do cotidiano provocam confrontos com as circunstâncias adversas
com as quais necessitamos conviver. É em busca de vencer essas adversidades que
os movimentos organizacionais se uniram e passaram a lutar para transformar
as condições de vida, influenciando na formulação e implementação de
políticas públicas voltadas para a supressão ou minimização das diferenças.
Nessa perspectiva é que a saúde da mulher foi incorporada às Políticas
Nacionais de Saúde, em atendimento às reivindicações do movimento de

85
mulheres a partir da década de 1970. Nesse período, foram limitadas as
demandas relativas à gravidez e ao parto. Para isso, foram criados programas
na área materno-infantil, por se considerar que a gestante e a criança eram
os grupos de maior risco e vulnerabilidade, o que reduziu as necessidades de
saúde da mulher ao seu ciclo gravídico-puerperal, tendo ela ficado excluída de
outros benefícios (BRASIL, 2004).
Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher - PAISM, cujo principal objetivo era assistir a
mulher na sua totalidade, em todas as fases da vida, respeitando as necessidades
e características de cada uma delas. O programa incluía ações educativas,
preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência
à mulher em clínica ginecológica, pré-natal, parto e puerpério, no climatério,
em planejamento familiar, DST’s, câncer de colo de útero e de mama, além de
outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres
(BRASIL, 2004).
Com a continuidade de luta e organização das mulheres, em especial
as das feministas, chegou-se à formulação do Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres – PNPM, iniciado a partir do Decreto Presidencial de 15
de julho de 2004, tendo como um de seus pressupostos o enfrentamento
das desigualdades de gênero e de raça no país, que culminou com a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM. O principal
objetivo dessa política “é promover a melhoria das condições de vida e de saúde
das mulheres brasileiras, com a garantia de direitos legalmente constituídos e
a ampliação do acesso aos meios e aos serviços de promoção e recuperação da
saúde em todo o território brasileiro” (BRASIL, 2004 p. 67).
Ao longo de minha trajetória pessoal, profissional e, sobretudo, como
trabalhadora na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e de outros espaços,
observei mulheres enfrentarem situações cotidianas de dor, sofrimento e
adversidade, e serem capazes de encontrar maneiras singulares de lidar com
essas situações. Essas experiências levaram-me a refletir sobre as fontes dessa
“força” explícita nos modos de enfrentamento utilizados por essas mulheres.
A Terapia Comunitária foi um espaço onde tive a oportunidade de
encontrar, nas mulheres participantes das rodas de terapia na comunidade,
histórias relevantes de superação de sofrimentos vivenciados no cotidiano, que
86
podem ser consideradas “pérolas”, exemplos, e merecem ser reveladas. Assim,
quis conhecer a história de resiliência de mulheres.
Nessa perspectiva, o tema abordado constitui-se como relevante,
pois a importância de estudar mulheres e o processo de resiliência advém
da significação que esse fenômeno tem no universo da saúde da mulher e,
especialmente, no que diz respeito à sua inscrição simbólica no âmbito das
diferentes culturas.
O estudo apontou para os seguintes questionamentos: Como se
desenvolve a capacidade resiliente nas mulheres usuárias das rodas de Terapia
Comunitária? De onde vem sua força para enfrentar as situações de sofrimento?
Quais as características resilientes mais frequentes nessas mulheres?
Considerando que a Terapia Comunitária é capaz de despertar no ser
humano diferentes potencialidades em relação ao modo de sentir e de agir, o
estudo desenhou os seguintes objetivos: conhecer as experiências resilientes
de mulheres que frequentam as rodas de Terapia Comunitária; identificar as
fontes de força utilizadas por essas mulheres no enfrentamento de situações de
sofrimento, e identificar as principais características resilientes utilizadas pelas
mulheres usuárias das rodas de Terapia Comunitária.

CAMINHO METODOLÓGICO
Esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, norteada pela
Historia Oral, uma metodologia que trabalha com histórias do cotidiano.
Escolhemos a História Oral Temática como um caminho de valorização da
História do passado de nossas colaboradoras, mas que se mantém viva no
presente. Essa é uma interface da história oral que, segundo Bom Meihy
(2005), é um processo sistêmico de uso de depoimentos vertidos do oral para
o escrito, em que são recolhidos testemunhos e analisados os processos sociais,
favorecendo os estudos de identidade e de memória cultural.
A História Oral Temática, segundo Bom Meihy (2005 p. 162) “[...] é
a que mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais de apresentação
dos trabalhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento acadêmico” e,
partindo de um assunto específico e preestabelecido, compromete-se com o

87
esclarecimento ou a opinião do entrevistador sobre algum evento definido, na
perspectiva do desvelar determinado fenômeno escolhido para estudo.
Este estudo foi realizado no Loteamento Parque do Sol, situado no Vale
do Gramame, na cidade de João Pessoa – PB, com mulheres que participam
das rodas de TCI. Nessa comunidade, realizavam-se rodas/encontros de TCI
quinzenalmente, desde fevereiro de 2007, e existia um vínculo significativo
com a comunidade, que sempre participava das atividades desenvolvidas pela
Associação de Moradores do Vale do Gramame – ASOLVAG. O loteamento
fica na zona sul da cidade e faz divisa com o Bairro Valentina de Figueiredo,
ao norte; a leste, com o Bairro Monsenhor Magno; e, ao sul e a oeste, com o
Vale do Gramame. O nome do loteamento Parque do Sol se deve ao fato de
ficar entre o Parque Cowboy e a praia do Sol e por se apreciar o por do sol de
qualquer parte.
A colônia foi constituída por 15 mulheres participantes assíduas
da terapia comunitária e que representavam a identidade geral do grupo,
pois continham em suas histórias, traços que ligavam a trajetória delas
na comunidade. Entretanto, a rede foi formada por sete mulheres, que
apresentavam maior envolvimento e participação nas rodas/encontros de
Terapia Comunitária. Para Bom Meihy (2005 p.177) A colônia “é sempre o
grupo amplo, da qual a rede é a espécie ou parte menor”.
Assim, as colaboradoras do estudo foram sete mulheres pertencentes à
faixa etária de 34 a 68 anos, sendo três solteiras vivendo com companheiros
estáveis, duas separadas e duas casadas; três profissionais autônomas, duas
empregadas formais e duas aposentadas; quatro evangélicas e três católicas.
Tais características auxiliaram no entendimento de suas falas e na identificação
de suas características resilientes.
O estudo foi orientado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
que envolvem seres humanos, para apreciação, tendo sido aprovado, sob o
parecer de nº 0095/2009.
Para a produção do material empírico foram realizadas as entrevistas
que, seguindo as orientações de Bom Meihy (2005), constam de três etapas:
a pré-entrevista, a entrevista e a pós-entrevista. Foi nesses espaços em que as

88
mulheres puderam expressar a narrativa de suas histórias de vida, de maneira
livre e espontânea.
Na pré-entrevista, fase que aconteceu na sede da ASOLVAG, onde foram
convidadas todas as mulheres que frequentavam as rodas de terapia, apresentei
o projeto de pesquisa, mostrando sua finalidade, e procedi ao agendamento
das entrevistas, de acordo com a disponibilidade das colaboradoras, e definido
local de realização das mesmas.
As entrevistas foram realizadas no período de maio a junho de 2009,
tendo sido considerada como entrevista ponto zero a de Conceição, por ter sido
a primeira colaboradora que esteve presente em nossos encontros de Terapia
Comunitária e conhecedora da história de todas as moradoras da área. Foi
explicado que seriam utilizados um gravador e um guia contendo as perguntas
de corte. Antes da entrevista foi apresentado o Termo de Consentimento
Livre Esclarecido e solicitada a assinatura do mesmo para cada uma das
colaboradoras. Nesse momento, elas afirmaram que gostariam que fosse
utilizado seu nome civil, pois, como a história era delas, “nada mais justo” que
constasse sua identificação. O espaço para a realização dessa etapa foi definido
por cada colaboradora, no momento da pré-entrevista, tendo ocorrido em sua
maioria nas residências das mesmas, local onde elas se sentiam tranquilas para
resgatar suas histórias. Ao término, foram realizadas anotações no caderno de
campo, com o objetivo de melhor compreender o momento e as emoções que
emergiram durante os relatos.
A pós-entrevista foi o momento em que busquei estabelecer a
continuidade do processo de produção do material empírico e esta aconteceu
na sede da associação durante as rodas de terapia, onde foram esclarecidas
dúvidas, que não ocorreram com frequência. Expliquei às colaboradoras
que o momento da transcriação seria um pouco demorado, mas elas seriam
comunicadas no final para o agendamento da conferencia do material. Após
essa etapa, o material oral foi transformado em texto, para cuja elaboração
seguiu-se as etapas adotadas por Bom Meihy: transcrição, textualização,
transcriação e conferencia.
Durante a transcrição, o material empírico foi ouvido várias vezes;
suprimido alguns vícios de linguagem, palavras repetidas, desvios gramaticais

89
e mantive alguns para que as colaboradoras conseguissem se identificar, essa
foi realizada logo após as entrevistas;
Na fase de textualização, foi suprimida as perguntas de corte e iniciada
a construção do Tom Vital, que é a frase que serve de epígrafe para a leitura
das entrevistas. Nessa etapa, houve a fusão das respostas.
Na transcriação, foram feitas interferências para transcriar o material
textualizado para a realização das conferências, muitas das quais foram
trazidas do caderno de campo, e contribuíram de maneira significativa para a
composição do texto final.
A conferência foi a fase em que o material produzido pelas colaboradoras
foi conferido e confirmado. Essa etapa foi seguida de muita emoção, visto que
todas as colaboradoras ficaram alegres por terem lido e escutado sua história de
vida e por terem sido informadas de que, a partir deste estudo, suas vidas teriam
outro significado, pois passaram a entender que suas lutas para sobreviver a
situações difíceis até o momento valiam como incentivo para outras mulheres
superarem o sofrimento ocasionado pelas dificuldades por que passam na vida.
Nesse momento foi assinada a carta de cesão concedendo os direitos de uso
do material apresentado sem qualquer restrição. No momento da conferência
não houve nenhuma negociação no texto, o mesmo foi aprovado na íntegra,
apenas com algumas correções de vocabulário.
A discussão do material empírico foi guiada pelo tom vital, pelas frases
fortes que constituíram os eixos temáticos ajudados pelo diálogo com a
literatura pertinente.
Da análise da narrativa das colaboradoras, evidenciamos três eixos
temáticos: a força construída com a vida, os recursos do imaginário no
processo resiliente e a TCI como espaço de partilha e despertar da resiliência.
Nas narrativas e nos tons vitais, foram encontrados elementos que
caracterizavam a capacidade de resiliência de cada mulher, identificada pela
capacidade humana de enfrentar, controlar, fortificar e/ou transformar a
realidade através, principalmente, da partilha de experiências.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para compreender a fala das colaboradoras mergulhou-se no texto,


destacando-se o tom vital para conhecer sua história de vida e sua experiência
resiliente.

Conhecendo as histórias de vida:


Conceição, 53 anos, solteira vivendo com companheiro estável, católica
e recepcionista. Pernambucana de nascença, mas paraibana de coração,
descendente de índio com orgulho da sua origem. Usa o teatro para passar
lições de força e coragem para as mulheres, principalmente em situações de
sofrimento. Apesar das grandes perdas, não se perdeu com elas, hoje sabe
ganhar, tendo encontrado esse ganho em suas raízes, no apoio dos amigos e da
comunidade, participante ativa e grande divulgadora da Terapia Comunitária
por onde passa, faz questão de dizer que foi nos encontros da TCI que se
sentiu fortalecida para enfrentar a perda do filho e que isso foi seu grande
remédio. Tom vital: Sou uma mulher de força e de muita fé em Deus e nas
minhas raízes (...);
Mariza, 52 anos, separada, católica, autônoma (artesã). Uma das
primeiras moradoras da comunidade, mulher de fé. Sua força para enfrentar
os problemas vem da mãe, uma negra de luta e de Deus, a quem ela recorre
nos momentos difíceis, é também um meio de superar as dificuldades. A
Terapia Comunitária é, para essa colaboradora e sua comunidade, um apoio,
pois refere que é na história do outro que vê os seus são tão pequenos e se sente
importante, por isso se lembra da frase: “Ninguém atira pedras em árvore que
não dá fruto.” Por isso sente que sua árvore está com muitos frutos. Tom vital:
(...) sou perseverante, Deus é a luz da minha vida, essa força me empurra
pra frente... Sempre (...);
Sueli, 34 anos, casada, evangélica e autônoma. Moradora da
Comunidade do Parque do Sol há mais de 13 anos, veio de família humilde.
Seu sorriso largo cativa a todos. Desde jovem, sofreu muito, mas nunca perdeu
a esperança e a alegria de viver. Acredita muito em si mesma para enfrentar as
adversidades da vida. Escutá-la é viajar numa luta de superação de uma pessoa
jovem, mas muito determinada, que luta pelo que quer e não tem medo de
91
enfrentar os desafios, “mete a cara” em tudo, o que importa é saber o que quer
para sua vida. Por isso, não falta às rodas de terapia. Tom vital: (...) me vejo
como uma mulher guerreira, determinada (...) não sou de desistir dos
meus sonhos;
Eunice, é uma senhora de 68 anos, mas parece uma menina, sempre
rindo dos problemas da vida e brincando como criança, separada, evangélica e
aposentada. Vive procurando o que fazer: faz rapel, trilha e gosta de acampar –
esse é o seu principal lazer. A preocupação com os filhos é aparente em sua fala
- se pudesse assumia o sofrimento deles. Mas é consciente de que cada um tem
que lutar pela sua vida. Por isso, quando alguém de sua família está passando
por alguma situação difícil, convida para participar da Terapia Comunitária,
onde as pessoas podem expressar suas dificuldades para não sofrerem sozinhas.
Quando participa das rodas de terapia, sempre tem algum “causo” para contar
e fala de suas experiências como grande vitoriosa, lembrando que pode falar
do que está sentindo para não adoecer. Tom vital: quando passo por uma
dificuldade, jogo tudo para o alto, sempre falo do que estou sentindo (...);
Quitéria, uma senhora de 68 anos, casada, evangélica fervorosa,
aposentada, pequenina na estatura, mas carrega marcas na pele e na mente
de muito sofrimento, pois foi explorada, humilhada e agredida, durante a
infância e a adolescência. Não conheceu os verdadeiros pais, por isso é uma
grande mãe e valoriza muito a família. Faz grandes elogios ao esposo, dizendo
que ele é um pai, uma mãe, um verdadeiro companheiro, que a livrou de todo
o sofrimento e das “pragas” lançadas pelos seus criadores, de que nunca iria
ser ninguém na vida. Sua fé a encoraja e é em Deus e na sua “criança” que vai
buscar força para superar as dificuldades da vida. Lembra que foi na Terapia
Comunitária e viu como era uma mulher forte. Tom vital: Já passei por
muitas histórias de sofrimento [...] Hoje vejo como sou forte (...) com fé
em Deus consegui ser o que sou hoje;
Dalva, 45 anos, casada, evangélica e autônoma. Pernambucana,
residente da comunidade a cerca de sete anos. Tímida, fala pouco, mas é
grande observadora. Nas rodas de terapia, sempre cabisbaixa, tinha um olhar
distante, mas demonstrando estar presente de fato no encontro. Paciência
é sua palavra, disse que já aguentou muita coisa na vida pelos filhos, mas,
hoje, não deixa que ninguém a maltrate ou humilhe. Orgulha-se de dizer

92
que foi na Terapia Comunitária, escutando as histórias ali contadas, que foi
encontrando, dentro de si mesma, a força para sair de tanto sofrimento, pois
chegou à conclusão de que isso dependia muito mais dela mesma do que dos
outros. Tom vital: (...) hoje, depois de tudo que passei, descobri dentro de
mim outra mulher, uma mulher guerreira (...);
Cida, 44 anos, solteira vivendo com companheiro estável, católica e
auxiliar de serviços gerais. Mulher trabalhadora vive feliz porque onde mora
pode deixar os filhos e encontrá-los bem quando volta, depois de um longo
dia de trabalho e da escola que frequenta à noite. Foi cursar o técnico de
enfermagem para poder melhorar de vida e ajudar aos outros, disse que
escutando os problemas dos outros viu que sendo “enfermeira”, como via no
hospital poderia ajudar a quem estivesse doente. A palavra que define essa
mulher é determinação de vencer, superar as tristezas e ajudar a quem dela
precisar. Tom vital: Superei, aprendi a ser mais eu [...] me sinto vitoriosa
(...) tudo que quero consigo realizar.

Terapia Comunitária: espaço de partilha e despertar da


resiliência

Na narrativa das colaboradoras, a TCI foi vista como um espaço de


partilha e de socialização dos saberes produzidos nas experiências de vida e
despertados ao longo da participação quinzenal nas rodas. Segundo Barreto
(2008 p. 40), “são semelhantes ao trabalho da aranha, que tece teias invisíveis,
porém fortíssimas”.
A resiliência é uma capacidade humana fundamental. Todos os
indivíduos têm o poder de se transformar e de transformar sua realidade com a
condição de encontrar, em si mesmo e ao redor de si mesmo, os elementos que
lhe permitem criar essa capacidade de superação. Essa característica permeia
as relações que se estabelecem com as colaboradoras deste estudo, que relatam
a importância de uma mão amiga, um abraço sincero, para que não se sintam
sozinhas e criem vínculo.
A Terapia Comunitária contribui, de maneira significativa, para
identificar e suscitar a força e a capacidade dos indivíduos, das famílias e
das comunidades para que, através desses recursos, possam encontrar as suas
93
próprias soluções e superar as dificuldades e os desafios que surgem ao longo
do caminho (Barreto, 2008). Nesse sentido, Mariza, colaboradora deste
estudo, afirma que:

[...] as necessidades nos ensina [...] fundamos a Associação dos


Moradores do Vale do Gramame – ASSOVAG e junto com ela
trouxemos os correios, o carro do lixo, o PSF e hoje conseguimos que
os ônibus trafeguem dentro da comunidade. Batalhamos muito para
fazer de nossa área o que ela é hoje [...].

O que caracteriza a comunidade é que a vida de alguém pode ser


totalmente vivida dentro dela. Não se pode viver inteiramente dentro de uma
empresa comercial ou de uma igreja; pode-se viver, inteiramente, dentro de
uma tribo ou de uma cidade. O critério básico da comunidade, portanto, está
em que todas as relações sociais de alguém podem ser encontradas “dentro
dela” (MACIVER; PAGE, 1973).
Portanto, comunidade existe “onde quer que os membros de qualquer
grupo, pequeno ou grande, vivam juntos de tal modo que partilham de
um ou outro interesse”, mas das condições básicas de uma vida em comum
(MACIVER; PAGE, 1973 p. 122).
A fala da colaboradora denota que o desenvolvimento e o poder da
comunidade podem surgir por meio do fortalecimento de sua identidade e
dos seus próprios esforços, que produzem ações comunitárias sólidas e efetivas
no desenvolvimento das prioridades, na tomada de decisão, na definição de
estratégias e na sua implementação em busca da melhoria das condições de
vida dos seus integrantes, bem como na capacidade de empoderamento como
podemos ver nas falas:

[...] A terapia me fez crescer muito, fez com que eu não abandonasse
o trabalho que vinha fazendo com a comunidade e enfrentasse uma
eleição para presidente da associação de moradores, sem recursos, e
ganhássemos uma chapa só com mulheres(Conceição).

Quando queria desistir do trabalho que gosto de fazer pela comunidade


[...] escutei que não é para desistir, pois tenho um trabalho bonito e
também muito respeito dos moradores, isso me dar muita gratificação,

94
vem à recompensa não financeira, mais de satisfação pessoal, acho que
isso é fundamental [...] (Mariza.).

O empoderamento efetivo das mulheres deriva de uma reformulação e


desconstrução dos atuais esquemas políticos e sociais, através da participação
ativa em movimentos, conscientização na sociedade, atuação nas instâncias
governamentais e também com a criação de organizações da sociedade
civil em associações (MACEDO FILHO; REGINO, 2006). Tais aspectos
correspondem às alternativas de sobrevivência de várias mulheres e suas
famílias, sobretudo, as de baixa renda, pois levam demandas do âmbito
privado para os espaços públicos, o que influencia nos processos de tomadas
de decisões.
Numa perspectiva mais ampla, o empoderamento das mulheres pode
transpor o âmbito doméstico e se consolidar em esferas públicas, na medida
em que a participação delas é fundamental para o processo de desenvolvimento
de uma determinada região, como observamos nas falas seguintes:

[...] sofri muito quando meus filhos ainda eram pequenos, mas nem
por isso me isolei do mundo, continuei a trabalhar, a lutar mesmo
sabendo que estava passando por aquilo, mesmo sabendo que tinha
três filhos. Sempre fui essa pessoa guerreira, organizando minha casa
do jeito que posso de saber onde ando, com quem e de saber meu dever
como mãe, como mulher, como dona de casa [...] (Cida).

[...] mostrando que eu tinha capacidade, que eu posso e tinha força


para fazer as coisas e correr atrás, depois disso eu olho para dentro de
mim e digo: o que é que uma mulher faz que outra não seja capaz de
fazer ai vou enxergando dentro de mim que posso fazer, que sou capaz
como todas as outras [...]. (Eunice).

Os encontros de Terapia Comunitária proporcionaram para essas


mulheres o despertar de possibilidades de mudanças. Nessa comunidade,
parece haver uma cultura de mulheres fortes, lutadoras, e que, muitas vezes, o

95
sofrimento é laço de identidade e vínculo, que pode ser o fio que tece a rede
de apoio social.
Diante das falas vimos que as mulheres vêm assumindo um papel de
provedoras e de chefes de família, sobretudo por deterem em suas mãos o
poder aquisitivo e contribuir efetivamente para o orçamento doméstico
(MACEDO FILHO; REGINO, 2006).
Importante ressaltar que essa nova função faz com que as mulheres
necessitem ainda mais de exercitar sua capacidade de resiliência. Essa é
um fenômeno marcado por resultados positivos na presença de ameaças à
adaptação ou ao desenvolvimento do ser humano. Esse conceito nos leva a
entender que o indivíduo pode ter a capacidade de sobressair-se do ambiente
adverso a que está submetido e retirar desse aprendizado formas de superações
em sua existência (MASTEN, 2001).
Nessa perspectiva, a participação nas rodas de terapia propiciou a
esse grupo de mulheres, por meio das experiências partilhadas, o despertar
das características resilientes, contribuindo para o empoderamento, pois
esse movimento vem sendo capaz, já que as tornam capazes de suscitar suas
habilidades, estratégias e recursos que ajudam na luta pela vida. Sobre isso,
Sueli relata:

[...] um dia falei que ia trabalhar como manicure, mesmo sem nunca
ter feito as unhas de ninguém de fora, coloquei uma placa: manicure e
pedicure e fui fazendo unhas de quem aparecia, pedia para os clientes
deixarem os esmaltes, pois estava começando [...]. Dizia a todos que
era manicure, mas só Deus sabia que no momento eu tava sem saber
fazer [...].

Para Holanda, Dias e Ferreira Filha (2007), o despertar da resiliência
na TCI contribui para o empoderamento, já que torna seus participantes
capazes de suscitar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre sua
vida, elevando sua autoconfiança.
Segundo Barreto (2008), o empoderamento do ser humano acontece
quando ele aceita ser um sujeito ativo, passa a aprender com sua história e
não mais tem vergonha de suas origens étnicas e dos seus valores culturais

96
construídos pelos seus ancestrais. Nessa perspectiva é que vimos a valorização
que algumas colaboradoras afirmam ter como objeto de suas forças para o
enfrentamento dos desafios do dia a dia:

As minhas experiências de vida vêm de minhas raízes, a minha mãe


era uma negra de fibra que morreu batalhando, morreu lutando [...]
(Mariza).

[...] sempre digo assim sou filha de índio [...] e essa força vem da
minha avó, [...] ela foi uma mulher que trabalhou muito no mato e na
plantação [...] (Conceição).

Outra característica resilente apontada dentro da Terapia Comunitária
foi a comunicação haja vista que o espaço de troca e de formação de vínculos,
ligação entre os que sofrem e os que estão por perto, no mundo de suas
relações, possibilitando uma abertura da escuta e do encorajamento para
dar e receber apoio, através de palavras de encorajamento para o alívio do
sofrimento, representando a possibilidade de construir vínculos saudáveis,
fortes, positivos que permitam esse elo com os outros.
A comunicação é uma necessidade básica e vital para o ser humano,
pois o homem necessita interagir com o outro e é através da comunicação que
podemos compreender o outro em seu modo de agir, pensar e sentir.
O processo de comunicação se estabelece de modo positivo, capaz de
provocar satisfação, quando o ser humano se compromete com as palavras,
com os ditos e não ditos, como mostra este depoimento de Eunice: [...] hoje
mais do que nunca eu digo tudo o que quero, eu falo mesmo [...] eu tenho
coragem pra mais do que falar [...].
A capacidade de estabelecer uma comunicação satisfatória entre os seres
humanos propicia a formação de vínculos e, com isso, a criação de uma rede
de apoio. Para Barreto (2008, p. 229), no processo de comunicação entre
as pessoas, o conteúdo é transmitido na forma de um enunciado, de uma
fala, enquanto os sentimentos envolvidos na relação entre elas serão, sempre,
transmitidos de forma analógica, não verbal. Portanto, para que haja uma

97
comunicação satisfatória, é preciso que se leia adequadamente os elementos
que compõem a linguagem verbal e a não verbal.

A necessidade e a oportunidade de falar sobre o sofrimento durante os


encontros de Terapia Comunitária demonstram a necessidade de comunicação
evidenciada nestas falas:

[...] uma palavrinha que você dar melhora seu ânimo e o das pessoas
[...] (Sueli).

[...] é um encontro onde à gente pode discutir, ouvir, falar cada um de


seus sentimentos [...] (Cida).

[...] tem coisas que a gente não pode contar para todo mundo, mas na
terapia falamos e nem percebemos [...]. Lá vi que contando a minha
história estou ajudando as outras pessoas [...] (Quitéria).

Para Walsh (2005), os desafios da convivência, na ultimas décadas,


devido à pressão e à ausência de tempo, tornam a comunicação ainda mais
complexa e difícil de conseguir, a qual pode ser sucumbida em um momento
muito importante, essencial para o despertar da resiliência.
Em geral, o enfrentamento e a superação de crises, conflitos e desafios
exigem um revisitar de experiências vividas em busca de significados que
podem estar vinculados ao mundo social, a crenças e a valores culturais, ao
passado transgeracional, às esperanças e aos sonhos para o futuro. O sistema
de crenças está no interior de todo ser humano e é uma força influente na
nossa capacidade de resiliência.
Segundo Walsh (2005 p. 44), “os sistemas de crenças abrangem
amplamente valores, convicções, atitudes, tendências e suposições, que se
misturam para formar um conjunto de premissas básicas que desencadeiam
reações emocionais, informam decisões e guiam ações”, ou seja, nossas crenças
tanto podem facilitar quanto restringir nossas ações, e suas consequências
podem reforçar ou alterar nossas crenças, que dependem de nossas dificuldades.
A crença e a confiança em si mesmo foi um fator marcante na fala das
colaboradoras, uma força interior, que as impulsionava em busca de sonhos

98
e de desejos da concretude de suas realizações, como percebemos nestes
discursos:
[...] acho que vem muito de dentro da gente, de querer tirar aquilo ali
e superar de alguma maneira [...] (Mariza).

As minas forças para enfrentar as dificuldades vêm de dentro de mim


[...] (Sueli).

[...] mas principalmente minha força, vem do meu coração, de dentro


de mim [...] (Dalva).

A crença em si mesmo possibilita o olhar interior, em que podemos


perceber que o Deus que buscamos fora está dentro de nós mesmos, tornando-
nos mais independentes de uma força externa e acreditando na força interior.
Como diz Chardin (1993), a natureza do poder interior é tão impalpável que,
fora dele, pôde edificar-se toda a Mecânica. Isso evidencia a dificuldade que o
ser humano preserva para agrupar o espírito da matéria, que pode ser reflexo
das doutrinas religiosas.
De acordo com o teólogo alemão, Jurgen Moltman, citado por Melo
(2009), a esperança cristã é sempre operante, porque mobiliza o ser humano
“crente” a atualizar no tempo a presença do esperado. As falas seguintes
mostram como a esperança pode ser a última força a morrer:

[...] tenho que enfrentar de frente, seja lá como for, mas não desistindo
de minha vida porque a esperança é a última que morre [...] (Dalva).

[...] venho com uma carga de sofrimento muito grande e venho sendo
forte superando tudo, sempre com muita fé e esperança (Conceição).

As mulheres, integrantes da rede investigada neste estudo, mostram que


carregam uma fé que não aprisiona, mas que liberta e traz esperança, pois a
força para o enfrentamento de suas dificuldades vem de Deus, de suas raízes,
de sua família e da comunidade,
O conceito de resiliência permite que se olhe de outra maneira os
indivíduos que vivem tragédias e os que começam a vida numa infância
moribunda. Por isso, é preciso apoiá-las com inteligência, humildade e
compaixão. A recorrência das situações de resiliência prova que é possível
vencer, mesmo estando no centro da adversidade. Isso significa que existem

99
possibilidades de modificar nossa vida, quebrar as tragédias transgeracionais
e mudar os elementos da cena prescrita pelo ambiente (POLETTI; DOBBS
2007). Essa assertiva é comprovada na fala de Quitéria:

[...] mas hoje agradeço a meu Deus estou na minha casa, e tenho muito
valor e não foi como eles disseram: que [...] eu não teria valor, [...] e
hoje eu só posso agradecer [...], porque sou uma boa dona-de-casa, [...]
consegui criar meus filhos, batalhando, lavando roupa de ganho, para
criá-los [...].

Para Boff (2006), a experiência da fé transfigura a realidade, a despeito


de todas as contradições que nunca deixam de existir. Portanto, a fé, para
algumas das mulheres deste estudo, foi à força para superar as adversidades, os
sofrimentos do cotidiano.

Resiliência: a força construída com a vida

A percepção da força que temos dentro de nós surge quando passamos


a tomar consciência do nosso próprio eu. Morin (2007) nos remete a pensar
onde vivemos a importância da interação entre cultura, natureza e o imaginário
do sonho, da utopia e da poesia. Portanto, pensar e dialogar com o passado
são atitudes que nos levam ao amadurecimento das idéias e ao diálogo com o
futuro, como vimos no depoimento de Dalva: [...] não desista de seus sonhos,
tenha coragem e veja que a força está dentro de você [...].
A mulher é uma fortaleza camuflada por uma aparência frágil, mas
detentora de uma força interior capaz de sustentar um lar, criar um filho,
sentir dores físicas e morais ao longo de sua caminhada pela vida; é uma força
que suporta tudo – a força que vem de dentro. Dalva e Eunice demonstram
isso nestas falas:

Já passei por muitas coisas ruins em minha vida [...], já apanhei do


meu marido [...], ele era agressivo e me batia muito [...] e eu tinha que
aguentar, ter paciência [...]. Fazendo que não estivesse vendo nada,
pois não queria destruir aquilo que tinha construído, mas dei um

100
basta nessa situação quando um dia fiz uma denuncia contra ele na
delegacia da mulher [...] (Dalva).

[...] olho para dentro de mim e digo: o que é que uma mulher faz que
outra não seja capaz de fazer ai vou enxergando dentro de mim que
posso fazer, que sou capaz como todas as outras, vou atrás sem esperar
[...] (Eunice).

Muitos são os aspectos para se desenvolver a capacidade resiliente.


Sabemos que “uma ostra que não foi ferida não produz pérola...”. Barreto
(2008) afirma que as pérolas são respostas às agressões, por isso precisamos
estar precavidos para reagir e sair, não de um momento desconfortável para
outro, mas em busca de superação e de crescimento.
Portanto, podemos afirmar que todo problema é gerador de sua própria
solução, não de forma espontânea, mas com determinação e coragem para
transformar e superar as dificuldades impostas, assumindo riscos, tendo
coragem, permitindo-se sentir dor, recuando e, às vezes, até enfraquecendo
para, em seguida, retornar ao estado original. Esses são movimentos para
desenvolver nossa capacidade resiliente (RIECKEN, 2006), como vimos na
fala:

[...] não tive nada que não fosse superado, nada que batalhando não
se chegasse a uma solução e venho pulando essas fases da minha vida,
mas graças a Deus com dignidade e força de vontade mesmo(Mariza).

A esperança é a expectativa de mudança, diz respeito aos bens árduos e


difíceis, porque não depende apenas da vontade de quem espera, mas também
de circunstâncias ou vontades alheias e que, por isso, tornam-na, de algum
modo, incerta e falível. A relevância de seu conceito está no fato de fazer a
diferença, na forma como enfrentamos as diversas situações da vida cotidiana,
como podemos observar nos depoimentos seguintes:

A lição que tiro é que aprendi muito sofrendo, porque creio que se não
tivesse sofrido, quando fiquei com esse monte de filho, eu tinha me
desesperado, não tinha procurado um meio de resolver os problemas
[...] (Eunice).

[...] nunca abaixe a cabeça para seus problemas, não desista de seus
sonhos, tenha coragem e veja que a força está dentro de você [...] não

101
sofra mais calada, pois tem hora que a gente não aguenta mais e vai e
enfrenta [...](Dalva).

A esperança, muitas vezes, associada à fé, não só à fé no outro, mas em si


mesmo, não é de caráter egocêntrico, pois está centralizada numa expectativa
confiante e segura. A continuidade dessas expectativas nos transporta para
compreender a necessidade dos esforços, remetendo-nos à perseverança.
A perseverança é um conceito muito nobre, mas, na prática, é algo
muito complexo e quase incompatível com a natureza humana, em alguns
aspectos, uma vez que os homens têm instintos, como todos os animais, desejos
quase que incontroláveis que povoam sua mente mesmo que inconsciente e
involuntariamente (CYRULNIK, 2009). Essa é uma característica que surge
muito nas falas das colaboradoras:

[...] dessas situações de sofrimento, venho tirando algumas lições para


minha vida, uma é como superar as coisas ruins, porque quando a gente
quer algo tem que batalhar, insistir pra chegar até lá, nunca desista
na primeira porta, tem que estar batendo em outra para conseguir as
nossas coisas(Sueli).

[...] Acho que se não fosse todos esses objetivos não estaria de pé, se não
fosse essa correria toda, atrás de coisas para minha vida(Conceição).

O senso de humor foi outra característica trazida por nossas


colaboradoras, como um recurso de superação das adversidades, conforme
vimos nas falas de Sueli e de Eunice respectivamente:

[...] estou trabalhando numa Kombi escolar com meu marido, ela só
vive quebrando, quebra aqui, quebra “acolá”, quebra mais do que
funciona [...] sempre busco passar coisa positiva as pessoas e assim vai
o meu dia a dia.

Quando passo por uma dificuldade jogo tudo para o alto, fico como
uma adolescente [...] me sinto como uma criança sai com os jovens [...]
fico feliz, [...] rio com as coisas e esqueço tudo [...] se alguém ficar com
raiva, depois esquece [...].

O humor é um dom raro e precioso, e muitos sequer conseguem vê-lo


dentro de si quando estão passando por um momento difícil. Muitas vezes,
surge da comparação dos extremos, de um ser que cresce e de um ser que se

102
aprisiona e se vitimiza, podendo surgir como uma possibilidade de mecanismo
para modificar a forma de reagir à dor e é, muitas vezes, despertado nas rodas
de terapia.
Os seres humanos resilientes são mais livres, mais bem humorados e
dotados de grande disposição, como afirma Riecken (2006 p. 220): “O bom
humor é muito importante. Rir de si mesmo, ser capaz de ver o lado cômico
de qualquer situação é um dom.” Buscar esse dentro de nós nos auxilia a
exercitar nossa resiliência, e podemos encontrar esse humor na criação de
soluções inovadoras, na aplicação do pensamento voltado para o outro lado
da vida, superando as adversidades com que as quais nos deparamos.
A resiliência é uma resposta criativa diante da crise, uma base para a
promoção do bem-estar. Barlach (2005, p. 102) afirma que “o desenvolvimento
da criatividade pode ser proposto como medida preventiva, de forma a
gerar um potencial sempre atualizado de recursos para o enfrentamento das
situações traumáticas ou adversas”. Vimos isso na fala de Sueli: [...] um dia
falei que ia trabalhar como manicure, mesmo sem nunca ter feito as unhas de
ninguém de fora, coloquei uma placa: manicure e pedicura e fui fazendo unhas
de quem aparecia [...].
A criatividade é um mecanismo que nos permite pensar e agir
diferentemente dos outros, uma viagem no nosso imaginário, muitas vezes,
utilizada para fugir de algo que incomoda, que faz sofrer; possibilita, ainda,
que esqueçamos o sofrimento interior e exprimamos positivamente as
emoções. Essa foi uma característica presente em algumas colaboradoras,
como Conceição e Mariza, que foram buscar no teatro e no artesanato a força
para suprir as perdas, conforme vimos nas falas abaixo:

[...] o trabalho que faço de violência contra a mulher com o teatro,


acho que esses trabalhos me ajudaram a superar [...] (Conceição).

Encontrei-me nos trabalhos manuais, como artesã, construindo


minhas obras para ajudar no sustento, uma maneira de também
esquecer os problemas, pois quando estou sentada dando forma aos
materias reciclados vou vendo que são como a gente, que sofremos,
mas conseguimos esquecer um pouquinho a dor do sofrimento [...]
(Mariza).

103
A interface entre a resiliência e a criatividade é um processo por meio do
qual indivíduos ou grupos encontram recursos criativos para o enfrentamento
de adversidade e a solução, que se transforma em conduta resiliente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos aspectos discutidos através das histórias das colaboradoras
deste estudo se percebe que o ser humano necessita da rede de apoio e de
suporte para buscar estratégias de enfretamento das dificuldades do dia a dia.
Portanto, é possível perceber que, no mundo das relações, os vínculos que o
povo nordestino mantém com as suas raízes culturais, sua identidade, crenças
e valores podem ser considerados indispensáveis à caminhada na luta pela
vida.
Neste contexto, a Terapia Comunitária Integrativa desempenha um
papel sobremaneira importante como espaço de construção de uma teia de
apoio, uma estratégia de criação e de fortalecimento de vínculos sociais e
ferramenta para despertar a capacidade de resiliência, pois é um espaço onde
as histórias surgem, e seus participantes passam a se reconhecer na história do
outro.
O estudo deixou claro que as características de resiliência têm diferentes
maneiras, entre diferentes indivíduos e em diferentes contextos, porque,
de acordo com as habilidades individuais, alguns conseguem superar os
momentos de sofrimento e de crises, e outros se deixam ceder, embora tenham
tido trajetórias de vidas semelhantes.
Observou-se, que, pessoas resilientes concebem e enfrentam a vida de
uma forma mais otimista, entusiasta, são pessoas curiosas, abertas a novas
experiências, caracterizadas por altos níveis de emoções positivas. Fazem frente
a experiências traumáticas utilizando o bom humor, a exploração criativa e o
pensamento otimista.
Os resultados alcançados revelaram o quanto a comunicação, tomada
de consciência, convicção religiosa, através da fé, a capacidade de assumir
responsabilidade pela própria vida, a perseverança, o humor e a esperança está
presente na vida das mulheres deste estudo. Diante do exposto, ao trabalhar
com mulheres que passaram por momentos difíceis, percebi o quanto desejam
contribuir com algo cada vez que se sentem mais inteiras, pois a mulher se torna

104
mais graciosa, desapegada e muito mais resiliente quando se dedica a alguém
ou a alguma coisa. Assim, devolve o que ganha à família, à comunidade e ao
mundo, porque sabe que se recupera e quer que outras pessoas se levantem e
lutem pelos seus ideais.
O estudo proporcionou uma maior aproximação e aprofundamento
da temática, auxiliando na identificação de características resilientes, que
facilitam na superação dos sofrimentos do cotidiano.
Este estudo remete a outras investigações, que possam contribuir para se
compreenderem as distintas possibilidades, posto que o tema, além de bastante
recente no âmbito da saúde, é mais novo para o campo de conhecimento da
enfermagem.

REFERENCIAS

BARLACH, L. O que é resiliência humana? Uma contribuição pra construção do


conceito. Dissertação (Mestrado) Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo,
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DF, 2004.

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105
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106
PARTE III

A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA NA ES-


TRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: MUDANÇAS
DE PRÁTICAS
A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA E AS
MUDANÇAS DE PRÁTICAS NO SUS*

5
Edlene de Freitas Lima Rocha
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Maria Djair Dias

INTRODUÇÃO

O processo de Reforma Psiquiátrica na política de saúde mental


brasileira surge nos anos 1970, dentro do movimento sanitarista, construindo
sua história a partir da crítica a medicalização da loucura, ao modelo da
psiquiatria biomédica, dentro de um contexto de superação da violência asilar,
tendo como foco a busca pelos direitos humanos.
O movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso
país foi desencadeado, no início dos anos 1980, a partir das denúncias de
violência nos manicômios, levando a uma crise no modelo centrado no hospital
psiquiátrico. Surgiram as primeiras propostas e ações para a reorientação da
assistência, com mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de
saúde, que proporcionaram uma base importante para a construção de um
novo modelo de cuidado no âmbito da saúde mental (AMARANTE, 1997).
Nessa mesma década, lutas envolvendo diversos movimentos sociais
organizados resultaram, em 1988, na criação do Sistema Único de Saúde
(SUS), uma das mais importantes conquistas da sociedade brasileira, que
vem sendo construído num movimento lento, mas com avanços inegáveis. O
SUS foi regulamentado pelas leis 8.080 e 8.142 de 1990, e sua organização
*Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação Em Enfermagem, em 2009 - Universidade Federal
da Paraíba.

108
passou a ser descentralizada, regionalizada, contando com a participação da
sociedade, consolidada nas instâncias de controle social. A saúde tornou-se um
direito a ser garantido pelo Estado, através dos princípios da universalidade,
da integralidade e da equidade, com vistas a uma atenção mais humanizada
(BRASIL, 2006).
O fortalecimento da luta do movimento pela reforma psiquiátrica se
deu com a realização de vários eventos nacionais, a partir do final da década
de 1980. Destacam-se os Fóruns, Congressos, Encontros e Conferências
Nacionais, Estaduais e Municipais, com forte apoio do Movimento de Luta
Antimanicomial, que se constitui como um importante movimento social na
medida em que se organiza e se articula buscando transformar as condições,
as relações e as representações acerca da loucura em nossa sociedade. Várias
parcerias foram realizadas de forma ampla e plural e diversos núcleos do
movimento foram se constituindo, ocorrendo sua expansão de forma gradativa
em todas as unidades da federação (LUCHMANN; RODRIGUES, 2007).
As críticas ao modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico
foram as primeiras manifestações do movimento antimanicomial, e trouxeram
à tona as questões relativas à exclusão da loucura. As lutas vêm sendo travadas
em busca de uma atenção humanizada, trabalhando com uma dimensão mais
aberta e coletiva, assegurando os direitos civis, políticos e sociais dos que
sofrem com transtornos mentais.
A inserção e consolidação das ações de saúde mental nas ações de saúde
em geral tiveram início na I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada
em junho de 1987, considerada um marco histórico na psiquiatria brasileira.
Em 1992, foi realizada a II Conferencia, depois de alguns eventos marcantes,
resultado de um longo processo democrático. Nessas conferencias, foram
debatidos temas referentes ao direito à atenção e à cidadania, a transformação
e ao cumprimento das leis e a reorganização da rede de atenção a saúde mental
(BRASIL, 2007).
A III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, se
destacou pela ampla participação dos movimentos sociais, dos profissionais
de saúde, dos usuários e de seus familiares, que forneceram os substratos
políticos e teóricos para as deliberações das propostas de mudanças da atenção
em saúde mental, que foram pactuadas democraticamente, consolidando a
reforma psiquiátrica como política oficial do governo federal. Esta conferência

109
foi convocada após a promulgação da lei 10.216, que nesse mesmo ano foi
sancionada no país e redirecionou a assistência em saúde mental, impulsionando
e dando ritmo ao processo da reforma psiquiátrica, da desinstituciolalização
de pessoas longamente internadas, para efetivar a construção da transição de
um modelo centrado na internação hospitalar, para um modelo de atenção
comunitária (BRASIL, 2007).
Essas mudanças são exigidas por uma nova concepção de saúde, que
não comporta um olhar fragmentado do sujeito, sob a ótica da doença, mas
inclui o social como um determinante a mais nesse processo. As grandes
desigualdades sociais existentes no Brasil demonstram um modelo econômico
excludente, que compromete o acesso à educação, o laser, a assistência à saúde;
e determinam o processo saúde-doença da maioria dos brasileiros.
Segundo Lancetti (2000) os problemas e os sofrimentos do cotidiano,
como, desemprego, a miséria, a migração, o abandono, a solidão, são situações
de exclusão e, muitas vezes, levam a perda da identidade cultural, repercutindo
no indivíduo, provocando somatizações e acarretando danos à sua saúde.
Neste contexto, o movimento da Reforma Psiquiátrica reconhece a doença
mental, também, como fruto do processo de marginalização e exclusão social,
fundamentando sua luta política, com objetivo de propor terapias que possam
construir estratégias e possibilidades de autonomia das pessoas mediante uma
combinação de técnicas de apoio individual com outras mais sócio-culturais.
As políticas públicas devem desenvolver ações que garantam a saúde, e
não centralizar a assistência na doença, direcionando o cuidado para diminuir
os riscos, erradicar as causas, além de tratar e recuperar os danos. Um dos
desafios colocado diante dos gestores, trabalhadores e movimentos sociais
é a inclusão da saúde mental na Atenção Básica, que se caracteriza por um
conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, considerando a
singularidade do sujeito, na sua complexidade, integralidade e na sua inserção
sócio-cultural, criando vínculos, humanizando a assistência, buscando a
prevenção de agravos, a promoção e proteção da saúde (BRASIL, 2006).
A saúde mental é uma área muito complexa do conhecimento, como
também, plural, intersetorial e com muita transversalidade de saberes que

110
necessita de uma atenção multiprofissional e da ampliação dos conhecimentos
envolvidos (AMARANTE, 2007). As ações de saúde mental na atenção básica
apontam para um novo desenho do cuidado à saúde, mas esse componente
ainda se mostra frágil e essa relativa inércia precisa ser vencida, na perspectiva
de uma completa mudança no modelo de atenção.
Segundo Delgado (2007), os profissionais que atuam na atenção básica
atendem regularmente os usuários que buscam ativamente atendimento
em saúde mental, porém sem apoio técnico adequado. Para minimizar essa
situação, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde lançou mão
de um mecanismo para qualificação dos profissionais das equipes de Saúde da
Família, através de núcleos de apoio ao programa, compostos por profissionais
de saúde mental.
As estratégias para transformação dos recursos humanos em profissionais
de saúde comprometidos com um sistema acessível, qualificado, sensível,
envolveram várias diretrizes e propostas de ações, que foram agrupadas em
eixos de formulação de políticas, sendo um deles a Política Nacional de
Recursos Humanos para o SUS.
Para atender a esta perspectiva, é preciso haver transformação e adequação
profissional, com modificações nos processos de formação, estabelecendo
uma ligação entre as práticas educativas e o contexto dos serviços, tomando
como referência às necessidades de saúde da comunidade. O eixo norteador
dos processos de formação deve ser a integralidade, articulando os saberes e
práticas multiprofissionais a partir do conceito ampliado de saúde, que leva
em conta a subjetividade e singularidade do indivíduo.
Sendo assim, a política de recursos humanos é fundamental para os
processos de transformação dos serviços do setor saúde, onde a formação/
capacitação dos profissionais da área deve estar fortemente vinculada as suas
práticas cotidianas. Neste sentido, o Ministério da Saúde, através da Secretaria
de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, definiu a Política Nacional de
Educação Permanente em Saúde como aprendizagem no trabalho, onde este
processo deve ser construído e desenvolvido por todos os atores que fazem
parte de contextos sociais nas instituições e organizações.
A Educação Permanente em Saúde (EPS) se caracteriza por fazer da
educação dos profissionais um processo permanente em que o trabalho é
destacado como eixo da ação educativa, propondo mudanças nas práticas e na
111
própria organização dos serviços, baseadas nas reflexões críticas, em espaços
coletivos, a partir da problematização da realidade local. Os processos de
formação devem ser construídos levando em conta as necessidades de saúde
da população, os problemas que ocorrem no dia-a-dia do trabalho e que
precisam ser solucionados para que os serviços prestados ganhem qualidade
(BRASIL, 2005).
O município de Pedras de Fogo – PB, que priorizou a Educação
Permanente em Saúde como uma estratégia política, identificou a necesidade
de implementar ações na área de saúde mental e adotou a Terapia Comunitária
Integrativa (TCI) como dispositivo na promoção da saúde e na prevenção
do adoecimento mental. Assim, em 2007 após convênio celebrado com o
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Humano – IBDH e a secretaria
de saúde do município, com o apoio da Universidade Federal da Paraíba,
foi iniciado o curso de formação em Terapia Comunitária ofertado aos
profissionais da saúde que atuavam na atenção básica, na média complexidade
e no serviço hospitalar; como também, para dois profissionais da secretaria de
ação social, totalizando 33 participantes.
A Terapia Comunitária se apresenta como uma ferramenta terapêutica,
de ajuda mútua numa abordagem grupal, promovendo ações que levam a
prevenção das doenças psíquicas, inseridas na rede de cuidados básicos.
Esse modelo de terapia foi desenvolvido pelo Prof. Dr. Adalberto de Paula
Barreto, professor atuante de Medicina Social da Universidade Federal do
Ceará, psiquiatra, teólogo e antropólogo, desde 1987, na favela de Pirambu,
Fortaleza-CE, surgindo da necessidade de amparar os sofrimentos emocionais
decorrentes das questões sociais, de problemas psicológicos e relacionamentos
familiares conturbados das comunidades carentes (CAMAROTTI et al,
2007).
Segundo Barreto (2005), a Terapia Comunitária consiste na partilha
de experiências de vida, construindo saberes (científicos/populares), de forma
horizontal e circular, criando um espaço de fala, onde é valorizada e respeitada
a vivência no enfrentamento das inquietações cotidianas, promovendo o
resgate da cidadania e um cuidado humanizado.
Inserida na Atenção Básica, a Terapia Comunitária é uma prática
destinada à promoção da saúde, prevenção do adoecimento mental e

112
inclusão social. Atende grupos heterogêneos, possibilitando a diminuição
do uso indiscriminado de medicamentos, criando redes de apoio. Segundo
Barreto (2005) essa forma de terapia pode ser realizada em qualquer espaço
comunitário, obedecendo às etapas propostas: acolhimento, escolha do tema,
contextualização, problematização, e encerramento. Os fundamentos teóricos
conceituais para o desenvolvimento da terapia comunitária são: o pensamento
sistêmico, a teoria da comunicação, a pedagogia de Paulo Freire, a antropologia
cultural e a resiliência.
De acordo com Barreto (2005), a terapia comunitária é uma estratégia
que possibilita potencializar a autonomia do indivíduo, valorizando a dinâmica
familiar, desenvolvendo o empoderamento das pessoas e das comunidades,
tornando-as co-responsáveis pela superação dos seus problemas, despertando
a sua capacidade de transformação individual e coletiva.
É no contexto do trabalho em saúde que acontece o encontro entre
o trabalhador e usuário, que é permeado pela dor, sofrimento, saberes e
experiências. Ambos têm sua história de vida, cultura, valores, condição social
e desejos singulares. É nesse universo complexo e dinâmico em que se envolve
a produção do cuidado.
Dentre as ferramentas utilizadas na produção do cuidado, a Terapia
Comunitária se apresenta como uma tecnologia leve, capaz de construir vínculos
solidários, acolhimento e responsabilizações, produzindo transformações nas
práticas de saúde. Para Merhy e Franco (2003), a tecnologia leve diz respeito
às relações que são fundamentais para a produção do cuidado, em que os
profissionais colocam em primeiro plano o diálogo e a escuta, valorizando
o acolhimento durante o atendimento ao usuário. A tecnologia das relações
é um dispositivo de atendimento humanizado e um veículo facilitador no
desenvolvimento do trabalho em saúde, como meio de atender às pessoas nas
suas necessidades de promoção e de recuperação da saúde, com competencia
técnica e de modo digno e humano.
Por ter cursado a formação em terapia comunitária, no município
de Pedras de Fogo – PB, e considerando que o processo de formação em
terapia comunitária imprime mudanças no modo de vida, no ser e no agir
das pessoas, partimos das seguintes questões: A formação de terapeutas

113
comunitários contribuiu para a ocorrência de mudanças na vida pessoal e nas
práticas dos trabalhadores do município de Pedras de Fogo-PB? Quais foram
essas mudanças? O processo de formação dos terapeutas comunitários contém
aspectos que o identifiquem com o processo de educação permanente dos
trabalhadores do SUS? Quais são as similaridades e as diferenças entre estes
processos?
As respostas a estes questionamentos indicam que é necessário
ampliar conhecimentos acerca da Terapia Comunitária, contribuindo para
sua implantação na atenção básica, dentro do enfoque coletivo da saúde,
incentivando novas propostas de serviços comunitários, re significando as
práticas de cuidado, construindo vínculos e possibilitando transformação
social.
Assim, objetivou-se neste estudo conhecer as mudanças ocorridas na
prática dos profissionais de saúde do município de Pedras de Fogo-PB a partir
da formação em Terapia Comunitária, bem como, aspectos dessa formação
que a identifiquem com o processo da EPS; identificar as mudanças ocorridas
na vida dos profissionais de saúde que passaram pela formação em Terapia
Comunitária, e evidenciar as similaridades e/ou diferenças entre o processo de
formação em Terapia Comunitária e a EPS.

O MÉTODO

O método escolhido para esta pesquisa foi a História Oral, que é


definida por Rouchou (2000), como uma ciência e arte do indivíduo que
envolve padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos, que são
aprofundados na sua essência por meio de conversas com as pessoas que
relatam suas experiências e sua memória individual.
A história oral é sempre uma história do presente, por esse motivo é
também conhecida como “história viva”, ela pode rever interpretações, buscar
explicações no passado para a realidade imediata. Essa prática é dinâmica e
criativa, destinada a recolher testemunhas, promover análise de processos

114
sociais e facilitar o conhecimento do meio imediato. Seu uso está relacionado
à participação social e, nesse sentido, está ligado ao direito de cidadania,
considerando que todos são atores históricos (BOM MEIHY, 2005).
Este estudo também tem um caráter retrospectivo, pois estimulou
os sujeitos-pesquisados a usarem a memória como recurso de evocação do
experienciado e do vivido. Neste sentido, foi necessário deixar os profissionais
pensarem livremente sobre o seu processo de formação como terapeutas
comunitários, fazendo emergir a subjetividade de maneira espontânea,
abrindo espaço para interpretação e sendo possível identificar as possíveis
transformações ocorridas na prática dos trabalhadores inseridos na formação
em Terapia Comunitária.
A pesquisa de campo foi realizada no município de Pedras de Fogo -
PB, localizado na Zona da Mata do Estado da Paraíba, a 42 km da capital
João Pessoa, com uma área geográfica de 401,1 km², com uma população
de 25.861 habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
A cidade de Pedras de Fogo - PB surgiu de uma grande feira de gado,
pois os tropeiros, vindos de Pernambuco, com destino ao interior da Paraíba
e do Rio Grande do Norte, faziam ali parada obrigatória, às margens do Rio
Itambé, onde se trocavam e compravam bovinos e equinos, trazendo progresso
à região. Quanto à origem do nome Pedras de Fogo, fala-se que, antigamente,
era muito comum a presença de pedras avermelhadas, que soltavam faíscas
quando em atrito com os cascos dos cavalos e dos bois dos colonos tropeiros
(CAVALCANTI, 1998).
A emancipação política de Pedras de Fogo ocorreu no dia 05 de maio de
1954 e, desde então, o município tem sido ponto de destaque na historiografia
paraibana. Desenvolve uma atividade econômica predominantemente
canavieira, que se estabeleceu com mais firmeza a partir da década de 1970 do
século passado, com o advento do Pró-alcool, provocando a substituição da
lavoura de subsistência pelo plantio da cana-de-açúcar.
A organização do sistema local de saúde de Pedras de Fogo - PB tem
uma história de vanguarda na estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS)

115
no Estado da Paraíba. Em 1988, o município já trabalhava com a lógica da
prevenção e promoção da saúde, institucionalizando, dentro do seu quadro de
recursos humanos, as visitadoras domiciliares, que hoje são denominadas de
agentes comunitárias de saúde.
Em 1991, foi uma das primeiras cidades do Estado a serem
municipalizadas; em 1994, foi habilitada na Gestão Incipiente; em 1998,
na gestão Plena da Atenção Básica; e em 2002, na Gestão Plena do Sistema
Único de Saúde.
A rede de serviços de saúde está organizada na atenção básica com a
Estratégia Saúde da Família, contendo onze equipes e um Núcleo de Apoio
à Saúde da Família - NASF. Conta também com o atendimento de média
complexidade (Policlínica, Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, Centro
de Especialidades Odontológicas - CEO, Clínica de Fisioterapia) e serviço
hospitalar.
Os serviços de saúde acima mencionados, juntamente com o Centro
de Referência da Assistência Social – CRAS foram escolhidos como cenário
da pesquisa porque neles existem terapeutas comunitários em processo de
formação.
Essa formação teve início, após a secretaria de saúde de Pedras de
Fogo – PB ter identificado a necessidade de implementar ações no âmbito
da saúde mental, em virtude do elevado número de pessoas em sofrimento
mental, decorrente de problemas do cotidiano que repercutem no indivíduo,
provocando somatizações, levando-o ao adoecimento.
Neste estudo, em que foi utilizada a História Oral Temática como
caminho metodológico, a colônia dos participantes foi constituída pelos
33 (trinta e três) profissionais da rede de serviços de saúde do município de
Pedras de Fogo - PB, que participaram do Curso de Formação em Terapia
Comunitária, sendo uma das primeiras turmas formada no Estado da Paraíba,
na qual estive, junto com outros profissionais de saúde dos municípios, Conde
e São Bento/PB. A rede foi formada por 8 (oito) profissionais da rede de serviços
de saúde da cidade de Pedras de Fogo, que estavam no processo de formação,
envolvendo as seguintes categorias: médico, dentista, fisioterapeuta, psicólogo

116
e agente administrativo, que se encontravam distribuídos nos serviços que
oferecem a Terapia Comunitária.
Para produção do material empírico foi utilizada a técnica de entrevista,
com uso de gravador. Após a realização das entrevistas, todo o relato oral foi
transformado em texto. Para tanto, foram necessárias três fases: transcrição,
textualização e transcriação. Em seguida, numa ocasião previamente
combinada, o material foi levado para os colaboradores para ser conferido,
aprovado e autorizado para publicação.
A pesquisa de campo foi realizada no período de três meses (junho,
julho e agosto de 2008), e as entrevistas foram agendadas previamente, de
acordo com a conveniência dos colaboradores.
A pesquisa foi orientada pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que regulamenta as pesquisas com seres humanos, e foi encaminhada
ao comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal
da Paraíba, onde foi avaliada e aprovada (Protocolo nº. 0058 CCS/CEP).
Para garantir o anonimato dos colaboradores, usamos nomes de
animais, os quais foram previamente escolhidos pelos colaboradores em uma
das vivências realizada no primeiro módulo do curso de formação em TCI.
Assim os colaboradores foram identificados como: Águia, Serpente, Gato,
Borboleta, Morcego, Lobo, Leão e Falcão.
A análise do material empírico foi realizada após a leitura e interpretação
do material para a construção dos eixos temáticos, com base nos pressupostos
adotados por Bom Meihy (2005). É importante ressaltar que os tons vitais,
como também, os temas identificados, foram organizados procurando atender
aos objetivos propostos pelo estudo e que estes serviram como guia no processo
de discussão através de um diálogo com a literatura pertinente.
Foram construídos três eixos temáticos: Autoconhecimento: um
caminho para mudanças (Mudança de paradigma em relação a si e aos outros,
Escuta sensível); Construindo vínculos e redes solidárias; A EPS e a Terapia
Comunitária: aproximações, distanciamentos e complementaridade.

117
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conhecendo os colaboradores
Águia: Mulher madura, católica, que encontra na fé seu maior tesouro
- a confiança em Deus. É formada em medicina e trabalha com saúde coletiva,
buscando sempre deixar a comunidade independente e participativa. Gosta
de ter pessoas ao seu redor, um ombro amigo para se apoiar nos momentos
de tristeza, como também, pessoas alegres para compartilhar suas vitórias.
Interessa-se por fitoterapia por entender que é um caminho para unir a
sabedoria científica com a popular. A sua história de vida é marcada por perdas
importantes, mas achou na formação em Terapia Comunitária a direção que
a fez enxergar a necessidade de mudanças profundas, impulsionando-a em
busca de um processo de renovação. Tem admiração pela águia, por ser um
animal que voa sem medo entre o céu e a terra, e nos ensina a encarar o
medo natural que temos do desconhecido para, depois, voarmos um vôo da
vitória. Tom Vital: “A terapia me obrigou a olhar os fatos, embora achando
horríveis, algumas coisas boas e outras terríveis... procurei compreender,
enfrentar, e não ficar me isolando para tentar fugir até de mim mesma”.
Serpente: É um sertanejo que sente orgulho de suas raízes; homem
inteligente, de personalidade forte. Gosta de desfrutar da companhia dos seus
bons amigos, isso para ele é sagrado. Tem grande admiração pelo seu pai e
zelo por toda a sua família, o que demonstra sua sensibilidade e dedicação.
Sente-se feliz com a profissão que escolheu, pois ser médico da Estratégia
Saúde da Família é muito mais que usar seus conhecimentos acadêmicos
para obtenção da cura, é compartilhar com sua equipe o ato de cuidar, é
desenvolver ações mais abrangentes que possibilitem uma melhor qualidade
de vida para uma comunidade da qual ele já se sente integrante. O animal
que escolheu simboliza a transformação. É adaptável, imaginativo e atraído
pelo que a vida tem de melhor. Como as cobras deixam para trás a sua pele,
sem abandonar o caminho, a serpente deixa para trás suas ilusões e limitações
para usar plenamente sua vitalidade para alcançar a totalidade. Tom Vital: “A
Terapia Comunitária me despertou, me tocou para refletir sobre a vida, o
modo de agir, de ser, de me comportar como pessoa e como profissional...
provocou uma sensibilização...”.
Gato: Sua presença transmite serenidade. É uma profissional
responsável, que sempre se destaca em todos os projetos que se propõe a

118
desenvolver. Não gosta de ambientes competitivos, e sim, de uma atmosfera de
paz e tranqüilidade. É reservada e gosta do seu espaço preservado, mas é bastante
cooperativa e prestativa quando um amigo necessita de sua ajuda. Junto com
a Terapia Comunitária veio à satisfação de poder trabalhar com grupos e com
eles usar o seu dom de saber ouvir o outro, qualidade indispensável em uma
psicóloga, profissão que abraçou. Sua espiritualidade guia seus passos e está
presente em suas atitudes. O gato, animal que escolheu, simboliza a graça, a
generosidade, a beleza; tem fala mansa e é ótimo diplomata. Tom Vital: “(...)
ocorreram mudanças na minha vida pessoal... houve um impacto muito
grande em mim... Então mudou, mudou o meu olhar”.
Borboleta: Amiga fiel e companheira está sempre de bem com a vida.
Sua alegria e seu sorriso aberto são contagiantes. Saber ouvir é uma das suas
maiores qualidades, que desperta a admiração de todos os que desfrutam da
sua companhia. Psicóloga, solteira, é determinada e busca sempre renovar
seus conhecimentos. Sua família é seu porto seguro, onde encontra a força que
lhe impulsiona a tomar atitudes e promover mudanças importantes na sua
vida. O renascimento e a liberdade são palavras que representam o momento
em que vive. Como a borboleta que sai do seu casulo para iniciar um novo
ciclo, ela experimenta essa transformação e, confiante nas suas novas asas,
segue em frente, rumo ao seu grande vôo. A borboleta aconselha-a a deixar
que a liberdade de mudança guie seus passos e lembra que, para todo fim, há
um novo começo. Tom Vital: “Para minha vida, a Terapia Comunitária
trouxe reflexões, entrei de uma forma e saí outra totalmente diferente, o
que achava que não fosse acontecer, aconteceu...”.
Morcego: Amigo prestativo, que não mede esforços para ajudar
as pessoas. É tranqüilo e acalma quem estiver ao seu redor. Sua garra e
determinação, quando deseja atingir seus objetivos, impulsiona seus colegas,
transformando as dificuldades em tarefas fáceis. Fisioterapeuta, jovem, gosta
do que faz e sempre é elogiado pelas pessoas que necessitam do seu cuidado.
Sua profissão foi uma das mais acertadas escolhas, pois tem o entendimento
de que a arte de cuidar, reabilitar é muito maior que uma simples técnica bem
executada, precisa ter sensibilidade e visão para uma atenção humanizada. Tem
hábitos noturnos como o morcego, pois gosta da noite, para ler, estar com seus
amigos, ouvir uma boa música. Pai de primeira viagem, está adorando essa
aventura e vive plenamente a família. Assim como o morcego, ele é criativo

119
e, mesmo no escuro, de ponta cabeça, consegue encontrar o equilíbrio no
seu momento de reflexão. O morcego nos ensina a libertar os nossos medos e
qualquer outro padrão que não se encaixa em nosso crescimento. Esse animal
simboliza renascimento, transformação e renovação. Tom Vital: “A Terapia
Comunitária me ensinou a entrar em contato com a alma das pessoas e
perceber que o outro é um ser humano igual a mim”.
Lobo: É o alicerce da sua família. Assume a liderança, e tudo gira
em torno do seu poder de decisão. Sua lealdade não lhe permite abandonar
as pessoas que solicitam a sua ajuda, mas confessa que precisa aprender a
dizer não e começar a colocar em primeiro plano as suas vontades e desejos.
Não dispensa uma boa diversão, pois é sua válvula de escape diante de tantas
responsabilidades. Sua alegria e bom humor tornam sua presença indispensável
no meio dos seus amigos. Fisioterapeuta experiente e criativa, a cada dia, vence
sua timidez, buscando sempre não ser afetada pelos atos e palavras das pessoas.
Sua personalidade forte a torna perseverante, seguindo em frente, vencendo os
obstáculos para alcançar seus objetivos. Admira os lobos, animais que amam
a liberdade, têm iniciativa e habilidade na comunicação e na linguagem
corporal. Pessoas-lobo são, geralmente, muito confiáveis, generosas e com
sentimentos profundos pelos seus amados. Tom Vital: “O que aconteceu de
mais forte foi com relação a minha timidez diante de público... depois da
formação em Terapia Comunitária, eu consegui vencer isso!”.
Leão: Mulher forte e decidida, que cuida de sua família com a
garra e a coragem de um leão. Luta pelos seus objetivos e não permite que os
pensamentos negativos das pessoas interfiram no seu caminho. É verdadeira
consigo mesma e age de acordo com seu coração. Suas conquistas são
resultados de muita luta, e isso torna o seu sucesso mais saboroso e valioso.
Recentemente concluiu o curso de Administração de Empresas. É muito
querida pelos seus amigos, que podem contar com o seu companheirismo. No
seu trabalho, ocupa um lugar de liderança, que lhe proporciona, a cada dia,
um novo aprendizado. Admira o leão, símbolo do seu signo, que representa
poder, força e liderança. Tom Vital: “(...) hoje eu valorizo mais a minha vida
com o que eu tenho... o essencial e fundamental para mim é a família estar
bem”.
Falcão: Sua alegria é contagiante. É presença marcante em todos os
espaços. Mulher guerreira, que cuida do seu lar com muito amor e dedicação,

120
não medindo esforços para garantir o melhor para os seus filhos, enfrentando
os desafios do dia-a-dia. Dinâmica e comunicativa realiza seu trabalho com
muito entusiasmo. Dentista da Estratégia Saúde da Família gosta do trabalho
em equipe e do contato direto com a comunidade. Revela que, desde o início
da formação, identificou-se com a Terapia Comunitária. Adora estar com seus
amigos e festejar a vida. Tem personalidade forte e é impulsiva. Entusiasma-se
com as novas experiências, mas tem dificuldade em perseverar. Como o falcão,
gosta de liderar, é extrovertida e tem iniciativa. Tom Vital: “O que mudou na
minha prática profissional foi o meu olhar com relação à comunidade. A
terapia valorizou o meu trabalho com grupo, me aproximando mais das
pessoas”.

Autoconhecimento: um caminho para mudanças


Durante o processo de formação em Terapia Comunitária, os
participantes entram em contato com as bases conceituais que norteiam essa
formação e com outras fontes de conhecimentos que são exploradas durante
os módulos do curso, quando se trabalham a história pessoal e familiar, as
crises, os sofrimentos e as vitórias, proporcionando momentos de reflexões.
Iniciamos as entrevistas procurando saber dos colaboradores o que
aconteceu na vida pessoal e na sua prática profissional quando da formação em
Terapia Comunitária. Sobre esse aspecto, os colaboradores assim se expressam:

A Terapia Comunitária me deu a possibilidade de um maior


entendimento sobre a importância do autoconhecimento [...] Na
terapia é como se pudéssemos ficar diante do espelho e ver no nosso rosto
todas as marcas. Enfim, você se depara com você (Águia).

Durante a Formação em Terapia Comunitária, ocorreram mudanças


na minha vida pessoal, pela própria metodologia, pela forma que ela
é conduzida nos leva a fazer muitas reflexões sobre a própria forma de
viver e pensar (Serpente).

Nos discursos, os colaboradores revelam que ocorreram mudanças


pessoais e que isso contribuiu para o conhecimento pleno das suas próprias
vidas, pois cada um iniciou um processo de descoberta do seu verdadeiro

121
“eu”. Os colaboradores tiveram a oportunidade de, em muitos momentos da
formação, repensar sua compreensão de mundo, refletir sobre si mesmos, no
sentido de proporcionar transformações interiores.
Durante o curso, na realização das vivências e dos trabalhos corporais,
os participantes puderam revisitar suas histórias de vida e entraram em
contato com suas dores, muitas delas escondidas. No entanto, para que esse
processo de autoconhecimento se concretize, é essencial que as pessoas estejam
disponíveis.
Conhecer nossas limitações, nossos erros e visões, ajuda-nos a observar a
nós mesmos através de outra perspectiva. Segundo Frankl (1991), cada um de
nós é motivado por “um anseio por um sentido”, e somos livres para descobrir
o significado de nossa própria existência.
Segundo Naiff (2004), o único caminho capaz de atingir o
autoconhecimento é a profunda reflexão das experiências obtidas na vida,
pois, dessa forma, podemos analisar nosso comportamento e compreender
nossas ações. O autoconhecimento nos propicia a retirada dos personagens
que criamos no cotidiano de nossas vidas, possibilitando o encontro real com
a nossa verdadeira essência.
O autoconhecimento também favorece o relacionamento interpessoal,
melhora a capacidade do terapeuta comunitário para compreender melhor
as necessidades subjetivas do outro, pois, conhecendo a si mesmo, ele pode
tomar ciência das suas limitações, descobrir suas potencialidades e promover
transformações nas suas práticas.

Qualificando a Escuta

É importante ressaltar que, com a formação, ocorreram mudanças,


também, na prática profissional dos colaboradores. A Terapia Comunitária
proporcionou um maior contato entre esses profissionais e a comunidade, já
que lhes garantiu um espaço de fala e de escuta. De acordo com a pesquisa, a

122
comunidade passou a ser mais acolhida e a compartilhar suas dores, angústias,
sofrimentos e alegrias, enfim, suas experiências.
Em todas as entrevistas, verificamos que os colaboradores relatam
mudanças no cotidiano do trabalho, na forma de conduzir as suas ações
na comunidade, com uma escuta qualificada, valorizando todos os saberes,
levando em consideração as questões subjetivas das pessoas que necessitam do
seu cuidado, como indicam os seguintes depoimentos:

O que mudou na minha prática profissional foi o meu olhar com


relação à comunidade, [...] Deixei de ser apenas uma técnica e passei a
ter uma escuta qualificada, e isso foi bem bacana para mim (Falcão).
[...] o que me despertou mais forte foi a questão do saber ouvir, não é
que não existisse esse comportamento, essa intuição dentro de mim de
ouvir o outro, mas isso ficou mais veemente, mais firme com a formação
da Terapia Comunitária (Serpente).

De acordo com os discursos, a Terapia Comunitária é um instrumento


valioso, dentro do processo de trabalho, que contribui para a construção
de um modelo de saúde humanizado, ampliando a dimensão cuidadora,
reorientando as práticas dos trabalhadores do SUS, na perspectiva de uma
atenção integral.

O Trabalho com grupos

Nas falas dos colaboradores, percebemos que ocorreram mudanças,


também, na condução dos trabalhos em grupo. Esses terapeutas redescobriram
o valor de estar juntos em permanente interação. Conforme Barreto (2005,
p.131), “Somente conhecendo nossa história, a história de nossa comunidade,
seremos capazes de construir nossa teia e atuar com maior segurança”.

O que também melhorou no lado profissional foi a minha forma de


lidar com os grupos. Antes, simplesmente, preparava uma programação,
realizava uma determinada atividade, sem levar em consideração o
que as pessoas pensavam (Morcego).
[...] me fez trabalhar com grupo e com questões relacionadas com o
sofrimento, com a emoção que está por trás das falas das pessoas, então
isso mudou (Gato).

123
Na Terapia Comunitária, cada componente do grupo é visto como
um ser repleto de conhecimentos e de sentimentos. Ela desenvolve um diálogo
aberto e reflexivo. Esse trabalho grupal, baseado na teoria de Paulo Freire,
encaminha os participantes a interagirem e a trocarem saberes dentro de sua
própria realidade.
O estudo de Munari e Rodrigues (1997) afirma que a convivência
com um grupo que congrega pessoas com problemas semelhantes proporciona
uma experiência que pode desenvolver um clima de muito valor terapêutico.
Essa situação ajuda os participantes a quebrarem barreiras, através de sugestões
construtivas de outras pessoas que vivenciam os mesmos problemas.
Ressaltamos, então, que perceber as transformações ocorridas na
prática profissional dos participantes da formação em Terapia Comunitária é
sobremaneira importante, o que nos leva a afirmar que a TCI é uma tecnologia
de cuidado, que vem contribuindo para o fortalecimento das ações desses
profissionais, que encontraram na terapia um caminho a mais para melhorar
a qualidade da assistência à saúde.

Construindo vínculos e redes solidárias


Neste estudo, procuramos saber dos colaboradores quais os
vínculos que se formaram e/ou se fortaleceram, a partir da sua prática
como terapeuta comunitário. É importante compreender como os
vínculos são construídos dentro da dinâmica da produção do cuidado, nas
relações interpessoais, para que, cada vez mais, as relações humanas sejam
fortalecidas, evitando a desintegração social.
Pichon-Rivière (2005) definiu vínculo como uma estrutura de
relação especial, que se forma a partir de um tipo particular de relações,
funcionando de forma dinâmica. Essa estrutura complexa inclui sujeitos,
suas representações, com processos de comunicação e aprendizagem.
Barreto (2005) concebe que vínculo é tudo aquilo que liga os homens
entre si, e os mesmos às suas crenças, aos seus valores e a sua cultura,
conferindo-lhes identidade e sentimento de pertença.
A Terapia Comunitária é um instrumento que possibilita o
desenvolvimento de relações humanizadas, colaborando para a construção

124
de vínculos entre os participantes, mobilizando recursos pessoais e culturais,
para melhorar a qualidade de vida e, consequentemente, promover uma
efetiva inclusão social.
Com a realização da Terapia Comunitária, foram estabelecidos
vínculos entre os profissionais de saúde e a comunidade, como relatam os
colaboradores:

[...] o vínculo com a comunidade aumentou, até pela forma que a terapia é
conduzida, reunindo alguns membros da comunidade, muitas vezes debaixo de
uma árvore frondosa, para conversar, discutir, trocar idéias, mediante o que foi
exposto através das falas, então não tenho a menor dúvida, reforça e estreita os
vínculos (Serpente).

[...] eu acredito que foram formados vínculos entre os profissionais e


a comunidade. [...] a partir da terapia, a comunidade passou a ter
uma abertura maior comigo, coisa que eles não tinham com os outros
profissionais (Borboleta).

Para Merhy (2002), o modo de operar os serviços de saúde é definido


como um processo de produção do cuidado. Trata-se de um serviço peculiar,
fundado numa intensa relação interpessoal, dependente do estabelecimento de
vínculo entre os envolvidos para a eficácia do ato. Essa compreensão implica
reconhecer que a construção de um novo modelo de saúde humanizado
pressupõe a ampliação da dimensão cuidadora, no sentido de desencadear
processos mais partilhados dentro da equipe de saúde e entre os profissionais
e os usuários, para que se garantam o vínculo e a corresponsabilização.
Para Merhy e Franco (2003), a capacidade de estabelecer vínculo e
o acolhimento forma a argamassa da micropolítica do processo de trabalho
em saúde. O autor assevera que o vínculo é uma tecnologia leve, que deve
prevalecer no trabalho em saúde, e o acolhimento possibilita o acesso dos
usuários à saúde, porquanto favorece para que haja uma escuta atenta,
reorganiza o trabalho e humaniza o atendimento.
Nas rodas de Terapia Comunitária, as pessoas iniciam uma teia de
relações sociais, construindo um espaço de ajuda mútua. A solidariedade é a
principal ferramenta que proporciona um aquecimento nas relações humanas,
estabelecendo interdependência entre as pessoas. Essa formação de vínculos

125
comunitários saudáveis acontece nos encontros da Terapia Comunitária,
permitindo a construção de redes de apoio social.
Do material empírico, extraímos histórias vivenciadas pelos
colaboradores, durante os momentos de realizações das terapias, quando as
pessoas compartilharam suas dificuldades, e o grupo se mobilizou para ajudar,
construindo redes solidárias. Assim, com os encontros da Terapia Comunitária,
a carga emocional dos indivíduos que necessitam de ajuda foi atenuada, e isso
os estimulou ao empoderamento.

[...] cria um vínculo muito bom entre eles, ou seja, uma rede de
solidariedade que extrapola o serviço. O mesmo grupo que se reúne
dentro do CAPS, porque vai buscar saúde e lazer, fora eles criam
vínculos, se ajudam, exatamente por causa da terapia (Gato).
As redes solidárias se fortaleceram, nós temos um exemplo de uma
pessoa que contou sua história durante a terapia e foi um momento
muito emocionante, pois todos se reuniram para ajudar [...] (Lobo).

Ao contrário das terapias tradicionais, centradas no indivíduo, a


Terapia Comunitária também pretende melhorar as relações sociais dentro
da comunidade, através do compartilhamento de idéias entre pessoas que têm
valores, interesses e objetivos em comum. Para Dessen e Braz (2000), rede
social é um sistema composto por sujeitos que oferecem apoio instrumental,
ou seja, ajuda material, como também apoio emocional, através de carinho,
atenção, ações que levem a um sentimento de pertença.
A construção de redes de apoio social é relevante como possibilidade
de se articularem novas ações sociais, que incorporam os sujeitos, revelam
novas formas de solidariedade, estabelecem um ciclo de cuidado em que as
pessoas se auxiliam mutuamente, em um mundo ainda tão individualizado.

A Educação Permanente e a Terapia comunitária:


aproximações, distanciamentos e complementaridade.
Embora profundas mudanças já tenham ocorrido nas práticas de
saúde, desde que o Sistema Único de Saúde - SUS foi criado, é preciso que

126
outras transformações aconteçam na perspectiva de atingirmos uma atenção
integral aos usuários.
Neste ponto, discutiremos a respeito da EPS e a Terapia Comunitária,
estratégias que foram implantadas no município de Pedras de Fogo - PB, local
da investigação, com o intuito de potencializar as práticas no setor saúde para
fortalecer as ações e os serviços do SUS.
A EPS é definida como uma aprendizagem que ocorre no trabalho,
baseada na possibilidade de transformar as práticas profissionais do cotidiano
das pessoas e das organizações, com base nos problemas enfrentados
na realidade, levando em consideração os seus conhecimentos e as suas
experiências (MENDONÇA; TALBOT, 2006).
Partindo do conceito de EPS, perguntamos aos nossos colaboradores
se existem aspectos que identifiquem o processo de EPS com o processo de
formação em Terapia Comunitária e quais as similaridades e as diferenças
entre ambos. O intuito desse questionamento foi o de investigar, através das
falas desses terapeutas em formação, se haviam ocorrido mudanças na sua
prática profissional a partir da utilização desses dois processos no cotidiano do
trabalho.
Os colaboradores Falcão e Borboleta não conseguem perceber diferenças
significativas entre a EPS e a Terapia Comunitária, pois acreditam que existe
uma confluência entre as duas.

A EPS e a TCI possuem essa mesma visão humanizada, procuram


fazer com que as coisas funcionem horizontalmente, que as propostas
venham do próprio grupo, e que a relação entre o profissional e o
usuário seja baseada na troca de conhecimentos (Falcão).
[...] eu vejo que são propostas bem similares, e na verdade,
complementares, que as duas podem andar perfeitamente juntas e
que elas se somam e não tem nada que subtraia, eu vejo desta forma
(Borboleta).

A EPS e a Terapia Comunitária detêm, em suas bases teóricas, a


Pedagogia de Paulo Freire, que ensina o exercício do diálogo, da troca, da
reciprocidade e prioriza a reflexão e a transformação da realidade social,

127
sinalizando hipóteses de solução para os vários problemas levantados,
demonstrando, assim, que esses dois processos apresentam similaridades.

Nos depoimentos dos outros colaboradores, foram identificadas


algumas semelhanças e diferenças. Sobre as diferenças eles falam:
A Educação Permanente está voltada mais para o lado profissional,
levando em consideração somente o trabalho, atendendo às necessidades
físicas da comunidade; e a Terapia Comunitária trabalha mais o lado
subjetivo, pessoal, ou seja, os sentimentos das pessoas (Morcego).

A Educação Permanente é uma coisa macro [...] onde você reconhece


o que a comunidade precisa, juntamente com as instituições, com
representantes e lideranças da comunidade. A Terapia Comunitária
parte de uma mudança pessoal para chegar à institucional. O indivíduo
precisa mudar para que a situação mude também (Lobo).

Em relação às semelhanças, vejam-se as falas abaixo:

A EPS e a TCI trabalham o empoderamento de cada indivíduo como


cidadão, como pessoa, com toda a sua complexidade, fazendo com que
a comunidade participe ativamente, e por isso que eu acho que tem
tudo haver [...] (Águia).
A semelhança é o diálogo com a comunidade, a construção coletiva
[...] (Morcego).

Para produzir mudanças de práticas, é fundamental dialogar,


problematizar, refletir sobre o que está acontecendo com os indivíduos e
dentro dos serviços e sobre o que precisa ser melhorado. Para isso, é preciso
que haja mudanças nas relações, nos atos de saúde e, principalmente, nas
pessoas, com transformação dos paradigmas das práticas hegemônicas, para
inovar coletivamente o saber e o fazer, e assim, proporcionar um cuidado
integral e de qualidade.
A compreensão que prevalece nas narrativas é que o processo de
EPS e o processo de formação em Terapia Comunitária estão interligados,
e seus propósitos convergem. Assim, essas estratégias se complementam, o
que resulta no atendimento de um dos princípios mais valiosos do SUS - a
Integralidade.

128
REFLEXÕES FINAIS

O interesse em conhecer um novo modelo assistencial, de caráter


comunitário, na área de saúde mental, motivou a realização deste estudo,
para investigarmos as possíveis mudanças de práticas no cotidiano do SUS a
partir da formação em Terapia Comunitária. Esse modelo é fundamentado na
desospitalização do atendimento e na criação de novos espaços e possibilidades de
cuidado, com um enfoque voltado para a saúde mental comunitária.
Na análise do material empírico, que foi construído a partir das entrevistas
dos terapeutas participantes da pesquisa, identificamos elementos associados
a mudanças pessoais e às suas práticas profissionais, bem como a formação e o
fortalecimento de vínculos com a realização da Terapia Comunitária.
Por meio deste estudo, penetramos no universo do trabalho em saúde, a
partir do encontro entre o trabalhador e o usuário. É nesse contexto complexo e
dinâmico, que envolve sofrimento, condição social, saberes, experiências, valores e
desejos de cada um, em que acontece a produção do cuidado. Observamos, então,
que a utilização da Terapia Comunitária, como tecnologia leve e motivada pelos
mesmos objetivos do novo modelo de assistência à saúde, é capaz de construir
vínculos, acolhimento, corresponsabilizações, produzindo transformações nas
práticas de saúde.
Nesta pesquisa, no que concerne à contribuição da Terapia Comunitária
e da Educação Permanente para as mudanças de práticas dos profissionais de
saúde, os colaboradores perceberam diferenças sutis entre ambas, pois a TCI está
fortemente ligada às emoções e aos sentimentos vividos por usuários e profissionais,
formando uma rede solidária capaz de encontrar estratégias de superação em ato.
Por outro lado, a EPS traz reflexões do cotidiano desses profissionais, permitindo
um olhar ampliado para as necessidades de saúde, considerando o orgânico e o
modo de viver, em que uma trama de relações e de articulações entre comunidade
e serviços permeia as respostas para essas necessidades.
Na narrativa dos participantes da pesquisa, percebemos que esses
terapeutas passaram a dar mais ênfase aos trabalhos em grupo, deixaram de ser
apenas técnicos e passaram a ter uma escuta qualificada, visto que começaram

129
a considerar o lado subjetivo das pessoas, compreendendo melhor o outro,
melhorando, consequentemente, a qualidade do cuidado.
Os objetivos deste estudo foram alcançados, se não, totalmente - tendo em
vista que a pesquisa científica nunca esgota sua busca no campo do conhecimento
– mas de forma significativa, posto que os resultados revelaram que a Terapia
Comunitária foi capaz de proporcionar transformações na vida pessoal dos
terapeutas em formação e contribuir sobremaneira para as mudanças nas práticas
desses profissionais, construindo vínculos e possibilitando transformação social.
Devido aos aspectos aqui referidos, no que concerne à busca por
estratégias que contribuam para melhorar o atendimento àqueles que procuram
uma melhor qualidade de vida, pretendemos ampliar os conhecimentos acerca
da Terapia Comunitária, com o objetivo de contribuir para sua implantação na
atenção básica, incorporando essa nova ferramenta ao cotidiano do SUS, com a
finalidade de re significar as práticas do cuidado.

REFERÊNCIAS
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atores da reforma psiquiátrica brasileira. In: FLEURY, S. (org). Saúde e democracia. A
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BOM MEIHY, J. C. S. B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2005.


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131
TERAPIA COMUNITÁRIA: UM ENCONTRO QUE
TRANSFORMA O JEITO DE VER E
CONDUZIR A VIDA*

6
Márcia Rique Carício
Maria Djair Dias
Túlio Batista Franco
Maria de Oliveira Ferreira Filha

INTRODUÇÃO

A Terapia Comunitária Integraiva (TCI) vem ocupando um lugar


fundamental como uma tecnologia de cuidado na atenção básica em saúde.
Isto se deve ao fato, de a mesma ser um espaço coletivo de escuta, reflexão
e troca de aprendizagem, no qual a comunidade participa ativamente,
deslocando o foco do atendimento individual para o coletivo.
De acordo com Camarotti et al. (2007b), a TCI vem se inserindo na
atenção básica, com o objetivo de tecer redes de atenção, cuidado, prevenção
e promoção de saúde e de viabilizar atendimento e encaminhamentos
aos centros especializados das situações graves de transtornos psíquicos,
estimulando o envolvimento multiprofissional da rede de atenção básica em
Saúde Mental. Para tanto, vem dando espaço às equipes de Saúde da Família
para utilizarem esse recurso como ferramenta em suas ações preventivas.
A aproximação da pesquisadora com a TCI ocorreu no ano de 2005
quando cursava a Especialização em Saúde da Família no Núcleo de Estudos
em Saúde Coletiva (NESC) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Nesse espaço houve a possibilidade de participar de uma roda da TCI e ao
perceber a potencialidade do espaço de escuta, fala e estreitamento de vínculo
que a terapia poderia criar em territórios fragmentados, a pesquisadora foi
*Resumo da dissertação de mestrado defendida no PPGENF/UFPB em fevereiro de 2010

132
instigada a buscar parcerias para a implantação da TCI na Atenção Básica do
município de João Pessoa-PB, pois na época, integrava a equipe gestora da
Secretaria Municipal de Saúde como diretora geral do Distrito Sanitário IV.
Em um cenário onde gestão, trabalhadores de saúde e usurários
buscavam um processo de cuidar mais humanizado e integral e percebendo que
a TCI poderia contribuir para potencializar acolhimento, responsabilização e
vínculo, e que esta seria mais uma ferramenta de cuidado institucionalizada
para contribuir com a melhoria da qualidade de trabalho e de vida para os
trabalhadores e usuários do SUS, iniciou-se em 2007 o primeiro curso de
formação em terapia comunitária, para os trabalhadores da saúde, priorizando
aqueles que atuavam na atenção básica; buscava-se imprimir no cotidiano
do processo de trabalho em saúde, um cuidado diferenciado daquele que
muitas vezes os trabalhadores oferecem de forma mecânica, alheia e alienada.
Era preciso oferecer um cuidado mais humanizado na perspectiva de que o
trabalhador desenvolvesse o mínimo de compaixão com o usuário, dilatando
a capacidade de amar e ser tolerante, tendo uma visão mais ampliada sobre
a saúde e seus determinantes, e não meramente sobre como orientar e
propor recomendações técnicas, sem nenhum tipo de vínculo. Assim sendo
a comunicação estabelecida no processo de cuidar tornava-se apenas palavras
ditas ao vazio.
Na gestão 2005-2008, a TCI se consolidou como ferramenta de
cuidado para contribuir com a construção de uma rede de serviços de saúde
integral, humanizada e de qualidade, como também, tornou-se uma estratégia
da gestão para promover a aproximação da atenção básica com a saúde mental.
Para Merhy e Franco (2003) o modelo “produtor do cuidado” deve operar
centralmente a partir das tecnologias leves, aquelas inscritas nas relações, no
momento em que são realizados os atos produtores de saúde e em tecnologias
leve - duras, as inscritas no conhecimento técnico estruturado, o saber
especifico de cada núcleo profissional. A partir desta definição considerou-se
a TCI como uma tecnologia leve de cuidado, pois ela se inscreve no ato e se
realiza em instantes. Ela é um espaço coletivo que oportuniza a fala e a escuta
dos participantes a partir de suas histórias de vida, deixando as pessoas mais
transparentes e assim, possibilitando a descoberta de um novo olhar para si em
busca das suas verdades no âmago de suas vidas.
Para Barreto (2008), criador da TCI, esta é um espaço comunitário
onde as pessoas têm a oportunidade de falar sobre a sua história de vida, dor e

133
conflitos de forma horizontal e circular. Na terapia cada um torna-se terapeuta
de si mesmo partilhando experiências de vida e sabedoria. Todos se tornam
co-responsáveis na busca de superações e soluções dos problemas cotidianos.
Reafirmando Barreto, Camarotti et al (2009) ressalta que a TCI brota
como um espaço de fala dos sofrimentos e possibilidades de prevenção das
conseqüências do estresse habitual visando garantir o resgate da autoestima
necessária para a prática de mudanças em suas vidas. É um procedimento
técnico para o trabalho terapêutico em grupo, que visa à promoção da saúde
na atenção primária em saúde mental, estimulando a comunidade a usar sua
criatividade a partir da sua própria cultura.
A nova proposta de modelo de atenção à saúde preconizada pelo
SUS representa a política de saúde requerida pela sociedade brasileira, desde
a década de 1980. Essa nova proposta busca o modelo co-participativo,
centrado no coletivo e nos determinantes sociais do processo de adoecimento.
Ela foi construída e organizada a partir da mobilização de amplos setores da
sociedade, quando se reconheceu a limitação do modelo de saúde pública
tradicional que valorizava, sobretudo, os aspectos biológicos do processo
saúde-doença.
Atualmente, caminha-se na direção da reversão do modelo tecnológico
individual para o modelo tecnológico coletivo, participativo sem menosprezar
as necessidades individuais. Entretanto isto requer dos gestores e profissionais
da saúde investimentos na ampliação da caixa de ferramentas tecnológicas
(aqui entendida como o conjunto de saberes que se dispõe para a ação de
produção dos atos de saúde) dos diversos núcleos de saberes. Os profissionais
portam poderes, interesses, desejos, projetos, resistem ou aderem a propostas
de mudanças. As práticas de saúde são territórios de disputas e de constituição
de políticas, onde uma multiplicidade de atores sociais, nos seus “modos de
atuar”, impõem a conformação dos atos de saúde. Trata-se de uma disputa
permanente das normas constituídas, das intenções em torno do que são o
objeto e o sentido das ações de saúde (MERHY, 2002).
Quando o terapeuta comunitário ao coordenar um encontro e é capaz
de se deixar afetar pelas histórias ali desveladas, ele se permite ser conhecedor

134
de sua própria história. A abertura do terapeuta ao mundo, ao novo e ao
desconhecido é de extrema importância nesse movimento, pois quanto maior
a capacidade dele ser afetado, mais relações podem ser estabelecidas e mais ele
é capaz de obter conhecimento de si e do outro.
Essa afirmação encontra ressonância nas idéias de Spinoza estudada por
Deleuze e (2002) quando afirma que quando um corpo ‘encontra’ outro corpo,
quando uma idéia com outra idéia, ocorre das duas relações se aconchegarem
para formar um todo mais potente.
Diante dessa afirmação pode-se argumentar que a roda de TCI é um
encontro potente, quando o terapeuta comunitário consegue conduzir a
terapia de modo a produzir afetações nos participantes, pois criou momentos
de ressonância que permitiu a tomada de consciência da gênese de seus
problemas e das possibilidades de enfrentamento.
Nesse sentido, o trabalhador da equipe da Estratégia Saúde da Família
- ESF localiza-se em uma relação de baixa potência quando se encontra
acomodado, sem vínculo com o usuário, sem resolutividade no cuidado,
fazendo encaminhamentos excessivos. Quando a TCI proporciona um
encontro eficaz, principalmente, consigo mesmo, desencadeia uma paixão,
uma alegria capaz de produzir mudanças no seu processo de trabalho, no ato
do cuidado, isso ocorre no momento de interação com o usuário. O encontro
que se estabelece nas rodas de TCI possibilita olhares diferentes em relação
à compreensão do modo de vida de cada ser humano e, principalmente,
permite compreender o outro a partir da sua própria experiência de vida e
de suas descobertas. Para Boff (2008) é a partir do cuidado com o outro que
o ser humano desenvolve a dimensão da alteridade, do respeito e dos valores
fundamentais da experiência humana.
Este estudo objetivou analisar as transformações relatadas pelos
trabalhadores da ESF, motivadas pelo processo de formação em TCI; identificar
de que modo a formação em TCI pode ser instrumento de transformação para
a vida do trabalhador da ESF e verificar possíveis contribuições do processo
de formação em TCI no despertar de mudanças no trabalho do profissional e
terapeuta comunitário da ESF.

135
MÉTODO

O presente estudo foi realizado desde uma perspectiva qualitativa,


viando a captação fidedigna de dimensões subjetivas relacionadas ao objeto de
investigação. Para a produção do material empírico foi realizado um encontro
de TCI Temática e a partir da fala das colaboradoras, aliou-se os resultados a
técnica da História Oral Temática acostada nas bases conceituais indicadas
por (BOM MEIHY, 2007).
A pesquisa foi realizada no município de João Pessoa – PB, tendo como
colaboradoras desse estudo 10 mulheres, trabalhadoras da ESF, terapeutas
comunitárias, que foram denominadas com o próprio nome, com autorização
das mesmas, por se tratar de um estudo que enfatizou suas histórias de
superação na vida a partir da formação em TCI.
Na História Oral existem diversos procedimentos utilizados para
a produção do material pesquisado, que são: pré-entrevista, entrevista,
transcrição do material gravado, textualização, transcriação, pós-entrevista,
conferência e autorização do material produzido para uso e publicação. Nesse
estudo, o material empírico ao invés de ser produzido através de entrevista
foi construído por meio de uma roda de TCI Temática. A motivação para
utilizar essa metodologia foi o desafio de realizar o encontro entre a técnica
da TCI como produção de material empírico para pesquisa e a História Oral
Temática.
A TCI Temática se difere TCI, por ser realizada utilizando um mote
que é escolhido previamente em consonância com a questão que se quer
trabalhar na roda. Além disso, a contextualização e a problematização ocorrem
no mesmo momento. Geralmente, utiliza-se uma metáfora para facilitar
a compreensão dos integrantes e estimular a reflexão a partir do assunto
escolhido. No caso específico desse estudo o mote foi guiado pelo tema da
transformação, escolhido previamente e para trabalhá-lo foi utilizada uma
metáfora apresentada pelo autor Rubem Alves (1999): “milho de pipoca que
136
não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre” extraído do livro: O
amor que acende a lua.
Compreendemos como essencial fazer um relato detalhado sobre o
processo da produção do material empírico por se tratar de uma maneira
inovadora a utilização de uma roda de TCI Temática como ferramenta para
essa construção.
O acolhimento às colaboradoras foi o primeiro passo da roda da
TCI Temática, e ocorreu na chegada, foi formado um círculo com as dez
colaboradoras e a autora, cantaram juntas a música: “Sejam bem vindos,
bendito sejam olé lê ô, seja bem vindo, bendito seja ô lê, lê, a, a, pouco
importa se você veio de longe ou de perto, fique a vontade a casa é sua e o
abraço é certo”. Essa música é costumeiramente usada nas rodas de TCI para
acolher os participantes.
Prosseguiu convidando a todas para viajarem na “espaçonave” que
estava ao lado, e explicou: “a espaçonave está a nossa espera, foi desenhada por
Niemeyer, grande arquiteto brasileiro” (refere-se à torre/mirante, estrutura
de concreto suspensa, apoiada em base única parte do complexo da Estação
Ciência Cabo Branco, local onde foi realizada a TCI Temática). Percebemos
que o uso da estrutura da torre como peça imaginária de uma “espaçonave”
contribuiu para estimular o imaginário das colaboradoras na “viagem de volta
ao passado”.
Na seqüência a autora sugeriu a todas as colaboradoras uma viagem de
volta ao passado. Um passado não muito distante, mas, na sua trajetória de
terapeuta comunitária ao longo do processo de formação. Assim, a viagem
pelo imaginário de cada colaboradora por meio de uma espaçonave onde
percorreram todos os locais onde ocorreram os módulos na formação em TCI.
Em seguida, as colaboradoras entraram em outro espaço e encontraram
um ambiente carinhosamente preparado para recebê-las e continuou a
preparação para a roda de TCI Temática. Ainda dando seguimento a esse
momento de acolhimento e resgate da memória do processo de formação

137
em TCI foi preparado na sala um círculo feito por colchonetes e no centro
colocado um vaso com flores naturais representando o carinho e a receptividade
calorosa da equipe organizadora do local para com as colaboradoras.
Continuou-se utilizando o imaginário da espaçonave para atrair as
colaboradoras para um momento de relaxamento, fazendo uma dinâmica
em que usou o imaginário e o resgate da realidade: todas as colaboradoras
foram convidadas para sentar em poltronas especiais dessa nave, colchonetes
arrumados em círculo no centro da sala, que foi cuidadosamente preparado
para recebê-las, coberto com um lençol de TNT da cor verde bebê, com
o objetivo de deixar o ambiente calmo e com a sensação de mergulho na
natureza, no mar, combinando com a visão do horizonte que as colaboradoras
tiveram ao olhar a parede de vidro que estava voltada para a praia do Seixas.
Esse foi um momento muito especial, onde as colaboradoras
começaram a se sentir em uma verdadeira viajem. Foi realmente muito bonito
ver a disponibilidade de cada uma em realizar essa “viagem”. Essa foi uma
“viagem” de volta ao tempo, ao mundo das emoções, sentimentos e sensações
resgatando lembranças do inicio da formação em TCI.
Em outro extremo da sala tem um círculo de cadeiras brancas onde o
centro está decorado com uma pipoqueira, uma tigela grande de vidro cheia
de pipocas, uma tigela pequena de vidro com piruá, um vaso com três pés de
milho no início do seu crescimento e alguns caroços de milhos espalhados
pelo chão. Em cada cadeira tem um texto de Rubem Alves (1999) como
tema: Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para
sempre. As colaboradoras foram convidadas a sentarem nas novas “poltronas
da aeronave”.
No momento que se seguiu, dando continuidade à roda de TCI
Temática, foi falado sobre o objetivo dessa ferramenta, que são: espaço de
escuta e fala, onde podemos compartilhar experiências vividas por cada uma.
Nesta TCI Temática vamos compartilhar e resgatar os sentimentos que vem
transformando cada uma. Não só os sentimentos, mas os atos, falar quais
foram esses atos, quais foram esses momentos, os acontecimentos que hoje me
mostram que sou outra pessoa.
Na roda de TCI Temática existem regras e todas começam a relacionar
as regras para uma boa realização de uma TCI. Prosseguindo, relembrou

138
como acontece a TCI Temática e explicou que a metáfora escolhida foi com
o objetivo de conhecer se ocorreu alguma transformação, mudança em cada
uma das colaboradoras no processo de formação em TCI, e que transformação
aconteceu? Foi lido o texto de Rubem Alves, acrescentando algumas palavras
e frases consideradas importantes para o resgate de sentimentos e sensações
vividas pelas colaboradoras no momento da formação em TCI.
Em seguida, foi lançado o mote para as colaboradoras: “no meu processo
de formação em TCI em que momento deixei que o fogo me transformasse?
E como foi essa transformação?” Depois as colaboradoras foram convidadas a
falar, utilizando a seguinte dinâmica, quem quisesse se colocar pegaria a tigela
de pipoca e permaneceria com ela no colo até terminar de se pronunciar,
passando para a próxima pessoa a se pronunciar. E assim uma a uma segurando
a tigela de pipoca no colo e com emoção foram relatando as experiências
vividas no processo de formação em TCI, falando do que foi mais significativo
em suas histórias, e após falarem as pessoas comiam a pipoca.
É de fundamental importância registrar o nível de concentração que o
grupo se encontrava, as colaboradoras, a autora e a equipe de apoio. Os relatos
fluíam espontaneamente e com emoção. Em vários momentos cantaram
trechos de músicas relacionadas com o assunto que alguém estava colocando
como também as colaboradoras ao final de suas falas apresentavam um fato,
música ou poema que mais marcaram para cada uma o processo de formação
em TCI.
Para o ritual de agregação e conotação positiva, momento final da
roda de TCI, as colaboradoras foram convidadas a formarem um círculo.
Inicialmente agradecemos a disponibilidade de todas em participarem desse
momento e novamente fazendo uso da metáfora da espaçonave, informa-
se às colaboradoras que chegaram ao final da “viagem de volta ao tempo”
e pede para com uma palavra representem o que significou esse momento
para cada uma. E assim as palavras foram surgindo: privilegiada; superação de
expectativa; gratificante; muito bom; momento impar; riqueza; tranqüilidade;
harmonia; bom resultado; apoio; experiência; gratidão; auto-estima; cheia de
orgulho; maravilhada; dignidade; transformação; muito orgulho da pessoa
que sou e do grupo que tenho ao nosso redor; verdadeiras companheiras;

139
vou saindo uma pipoca; vou levando realmente aquilo que eu vim buscar;
serenidade, muito feliz por estar aqui; gratidão e orgulho de pertencer a essa
liga das mulheres da TCI.
Após essa relação de palavras positivas ficou evidenciado o resultado
significativo para a utilização da roda de TCI Temática como uma ferramenta
para a produção de material empírico para pesquisas qualitativas.
Terminada esta etapa foi recolhido todo material gravado e,
posteriormente, produzido o relatório oriundo desta terapia. A produção do
relatório seguiu as fases propostas por Bom Meihy (2007) que são: transcrição,
textualização, transcriação e conferência. A conferência do material produzido
foi feita individualmente no local de trabalho de cada colaboradora com
agendamento prévio. Houve retirada e inclusão de partes do material
registrado para melhor compreensão, tudo ocorreu de maneira harmoniosa
entre a autora e as colaboradoras. Por último a autorização do material para
uso e publicação pelo colaborador para divulgação da pesquisa foi realizada
na ocasião da conferência do material produzido com a assinatura da carta de
cessão e do termo de consentimento.
A análise e os resultados do material empírico foram feitos a partir
da identificação e análise do tom vital da fala de cada colaboradora, seguido
da concepção dos eixos temáticos evidenciados atendendo aos objetivos
propostos no estudo com base nos pressupostos da História Oral criados por
Bom Meihy (2007). Dessa maneira, foram identificados os seguintes eixos
temáticos: Processo de formação em TCI: descobrindo um jeito diferente de
ver e conduzir a vida e Terapia Comunitária: revelando mudanças de práticas.
O estudo levou em consideração os aspectos éticos da pesquisa
envolvendo seres humanos contemplados na Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde, destacando a necessidade do consentimento livre e
esclarecido para os sujeitos da pesquisa. Esse direito foi concedido por meio
de termo de consentimento livre esclarecido e carta de cessão, bem como o
encaminhamento do projeto de pesquisa para o Comitê de Ética em Pesquisa
do Centro de Ciências da Saúde – UFPB, com o número de protocolo 0250.

140
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Processo de formação em TCI: descobrindo um jeito diferente
de ver e conduzir a vida
Em um encontro de TCI o movimento se dá no sentido de acolher e
problematizar as dificuldades vivenciadas no cotidiano das pessoas, ou seja,
lidar com o sofrimento, incentivando as pessoas a falarem sobre o que está
incomodando, “tirando o sono” enquanto os outros participantes ofertam
apoio. Contudo, uma dificuldade não falada pode provocar um sofrimento e
ser comunicada por meio de sintomas físicos (LUISI, 2006).
Para estimular e encorajar o grupo a falar o terapeuta comunitário
pode fazer uso de alguns provérbios populares se referindo ao valor do uso
das palavras para expressar seu sofrimento, preocupação, contrariedades e
decepções garantindo a possibilidade de falar com a boca, para não falar com
o corpo por meio dos sintomas e doenças físicas. Neste espaço, pode ser usado
provérbios como: “quando a boca cala, os órgãos falam, quando a boca fala,
os órgãos saram” e/ou “quem guarda, azeda, quando azeda, estoura, e quando
estoura, fede” (BARRETO, 2008).
Quando o sofrimento é representado por sintomas físicos, denomina-
se este fenômeno de somatização. Para Lipowski (1988) a somatização é o
processo de apregoar os sofrimentos e angústias através de sintomas físicos. O
ser humano tem a tendência de vivenciar e comunicar seus sofrimentos por
meios de sintomas físicos, procurando ajuda médica, mesmo sem apresentar
diagnóstico de doença ou mesmo nenhuma causa física (LIPOWSKI, 1988).
No cotidiano dos serviços de saúde, principalmente na Atenção
Básica usuários apresentando sinais de somatização é uma realidade e está
presente no cotidiano dos trabalhadores de saúde ao executarem ações de
cuidados identificam situações como depressão, ansiedade, vida estressante,
dificuldades no trabalho, problemas financeiros, perdas, desavenças, doenças
e mortes que estão associados a sintomas somáticos (COELHO e ÁVILA,
2007; LAZZARO e ÁVILA, 2004).
Concordamos com Barreto (2008) quando afirma que o sofrimento,
apesar de passar pelo corpo, não é uma dor que esteja presente só no corpo.
É importante enfatizar que esta dor existe em pessoas que vivem um drama,
uma dificuldade e necessitam de apoio e suporte psicossocial. Na roda de TCI,

141
na medida em que as pessoas expõem seus sofrimentos e desabafam sobre o
que fizeram para superá-los, procura-se enfatizar as estratégias utilizadas por
cada pessoa. Percebe-se que onde existiu um sofrimento se construiu um
conhecimento que possibilitou sua superação. Vale salientar que as pessoas
e grupos sociais têm mecanismos peculiares para superar as adversidades dos
diversos contextos. É o que podemos observar no relato da colaboradora
Francisca a seguir:

Depois da formação em Terapia Comunitária eu consigo administrar


meus sentimentos [...] a coisa melhor do mundo é você ter um negócio
trancado no peito e ter a oportunidade de falar e se livrar daquele peso
[...]

A formação em TCI possibilita aos trabalhadores da Saúde da


Família um espaço para falar, das suas dores, dos seus sofrimentos do
cotidiano, ajudando a enfrentar essas dificuldades evitando o movimento
de somatização, portanto, evitando o processo de adoecimento desse
trabalhador de saúde e contribui para o desenvolvimento de um cuidado
integral e humanizado.
Percebeu-se ao longo deste estudo que as colaboradoras identificaram
processos de mudança e crescimento provocados pela sua participação
na formação em TCI. Ao se aproximarem nas suas histórias de vida, de
reflexões desencadeadas pelos trabalhos sobre o resgate pessoal e familiar de
cada uma, como também, através de suas crises, sofrimentos e vitórias que
proporcionaram uma busca interior buscando um novo reencontro consigo
mesma.
De acordo com Barreto (2008) a participação nas rodas de TCI
oportuniza as pessoas ressignificarem suas histórias de vida, desta maneira
têm a possibilidade de reconstruir uma nova identidade. Sobre esse aspecto
as colaboradoras revelaram em seus discursos que perceberam mudanças em
suas vidas no sentido de compreender melhor o outro e a si mesmo, o que

142
possibilitou identificar o impacto dos benefícios da formação em TCI nas
colaboradoras, é o que podemos ver nos depoimentos a seguir:

[...] Cada terapia que fazia, eu me descobria, me via no outro, isso foi
importante, me valorizava muito. Aprendi na terapia a voltar para
mim, ver quem é mesmo Rosalice (Rosalice).

[...] No curso em Terapia Comunitária, encontrei a Rita que eu queria


ser, e que não tinha tido chance [...] (Rita).

[...] Esse processo de formação em Terapia Comunitária me deu a


oportunidade de olhar para dentro! Fortaleceu em mim o fato de poder
ouvir o outro [...] (Silvia).

A TCI é um espaço de promoção de vínculos interpessoais e


intercomunitários, objetivando a valorização das histórias de vida dos
participantes, o resgate da identidade, a restauração da auto-estima e da
confiança em si, o aumento da percepção dos problemas e possibilidades
de resolução. A base de sustentação é o estímulo para o desenvolvimento
ou a criação de uma rede de solidariedade. Este contexto de possibilidades
de demonstração dos conflitos, medos e dúvidas, num ambiente ausente de
julgamentos, onde se valorizam as diferenças individuais e as experiências de
vida de cada um, favorece a prevenção, o tratamento e a reinserção social das
pessoas (BARRETO, 2008).
A formação em TCI é um espaço facilitador das trocas de experiências
de vidas, sofrimentos, dificuldades e desafios oportunizando um contexto
reflexivo, potencializando processo de transformação em busca de competências
e novas descobertas que favoreçam a autonomia.
Esse espaço contribui ainda para o reconhecimento de limites, por
vezes desconhecidos e em outras vezes sufocados. Entretanto, o espaço de

143
aprendizado é mantido com a possibilidade de encontrar outros sentidos para
a vida, como revela os depoimentos seguintes:

[...] Eu não queria me conhecer, ou seja, me autoconhecer, mas resolvi


continuar no processo de formação [...] a terapia me fez ver que, nós
somos pessoas com limitações, com problemas, por que não tentar
conciliar isso tudo? (Rosalice).

A formação em Terapia Comunitária para mim é vida, mudou o


meu jeito de olhar a vida, me ajudou a tirar máscaras, então, hoje
conheço os limites e sou capaz de pedir ajuda. A formação em Terapia
Comunitária foi esse momento mágico na minha vida [...] (Glória).

A partir da formação em TCI as colaboradoras ampliaram seus olhares
no sentido da valorização pessoal e do resgate da autonomia, pois conforme
Barreto (2008) cada pessoa tem uma experiência de vida e deve ser impelida
para a co-responsabilidade diante do sofrimento do outro. Não como um
salvador da pátria dando conselhos e fazendo exortações, mas partilhando
sua dor, suas dificuldades, sua experiência, suas descobertas, e reconhecendo
seus limites. A TCI ajuda a identificar e resgatar a força e a capacidade do
indivíduo, da família e da comunidade, para que possam encontrar as suas
próprias soluções e superar as dificuldades impostas pelo meio e pela sociedade.
Quando estamos em busca da verdade pela reflexão da nossa própria
história de vida podemos desvendar vários significados novos, transformando
em aprendizado a descoberta de outros sentidos que encontramos misturados
aos nossos sentimentos e com isso desvendamos um novo sentido para nossa
vida, encontramos a Recherche (BARRENECHEA, 2004). Sobre essa questão
as colaboradoras se expressaram:
[...] O jeito como eu vejo a vida mudou totalmente [...] Antes o olhar
que eu tinha era puro, como se tudo fosse uma perfeição [...] Mas agora
meu olhar é outro, agora realmente estou olhando para mim e preciso
de outras pessoas, reconheci isso (Elane).

[...] Quebrando pedras e plantando flores. A terapia para mim é bem


isso [...] Então aprendi a plantar flores, e superar o esforço de quebrar
pedras no dia-a-dia [...] (Rosalice).

144
Esses depoimentos nos ajudam a perceber como a formação em TCI
contribuiu para despertar a capacidade de resiliência e de Recherche na vida
dessas mulheres. Podemos defini-la além do que um esforço para recuperação
da memória do passado já definitivamente perdido, ou uma especulação sobre
o tempo, mas sim, uma busca da verdade, um aprendizado que leva a revelar
diversos tipos de signos, até chegar aos signos mais puros e essenciais da arte,
demonstrando a verdade no mundo (BARRENECHEA, 2004).
Segundo Barreto (2008), a pedagogia de Paulo Freire nos faz refletir que
quando ensinamos também aprendemos, tornando possível a comunicação
entre o saber popular e o saber cientifico. Ao estimularmos a participação
como pesa fundamental para dinamizar as relações sociais, sustenta-se a idéia
de que promovendo a conscientização do grupo por meio do diálogo e da
reflexão sobre ser sujeito de sua própria transformação, os trabalhadores de
saúde podem utilizar a formação de TCI para crescer coletivamente.
Para Deleuze (1987) nós só buscamos a verdade quando estamos
motivados a fazê-la em função de uma situação concreta, quando sofremos
uma espécie de motivação que nos leva a essa busca.
De acordo com Barreto (2008), é a diversidade cultural brasileira que
proporciona a grandeza desse país. Possibilitar a cada pessoa agregar novos
valores é profundo e inefável no processo de empoderamento e na construção
da cidadania.
Segundo Deleuze (2002), os afetos são circulantes em todo encontro,
assim sendo, a TCI como um encontro onde os afetos falam por si, na sua
capacidade de afetamento mútuo dos sujeitos em cena, produz no outro e em
nós um processo intenso de subjetivação.
Barreto (2008) afirma que o segredo da abordagem sistêmica está no
estabelecimento de relações e afetos. Não existe sentido nem significado isolado,
nem a união dos elementos é feita ao acaso. A TCI acostada no pensamento
sistêmico rompe com o modelo de cuidado verticalizado e propõe um modelo
de maneira horizontal no qual tudo e todos estão implicados, ampliando a
dimensão cuidadora na perspectiva de um cuidado integral, como indicam os
depoimentos a seguir:

145
[...] A terapia me trouxe outras estradas onde posso enxergar meu ser,
outras linguagens, outros movimentos

[...] hoje me vejo em eterna terapia (Kilma).

[...] Na formação em Terapia Comunitária comecei a perceber que


aquele automatismo do dia-a-dia me levava a não dar atenção a
determinadas coisas [...] que não posso mais colocar minha cabeça de
lado, com pena de alguém, porque é como uma rosa, ela pode estar
num local diferente, mas tem seu perfume, sua beleza e cada um têm
que descobrir seu caminho (Mônica).

Os discursos das colaboradoras revelam a auto-estima que elas


desenvolveram acerca de si mesmas, por meio do processo de resiliência e
empoderamento, ganhando habilidades e confiança para atuarem no seu
dia a dia, no enfrentamento das suas dificuldades e desafios (HOLANDA,
V.R.; DIAS, M.D.; FERREIRA FILHA, M.O, 2007). Com o incremento
do poder sobre si, conseguiram mudar a percepção que tinham de si mesmas,
do outro e da realidade onde vivem. Conforme Barreto (2008), quando se
percebe a existência do outro, há a possibilidade de se aplicar suas habilidades,
competências e descobrir a alteridade.
À medida que se possui uma auto-estima positiva, entendida como
um tipo de conquista espiritual, uma vitória na evolução da consciência
(BRANDEN, 1995), pode-se reagir ativa e positivamente às oportunidades
da vida no trabalho, no amor e no lazer. Essa compreensão favorece o
conhecimento de nossas potencialidades e nossa capacidade geradora de
soluções. Percebemos que somos capazes de resolver os problemas vivenciados
no cotidiano, tidos anteriormente como insolúveis, uma vez que as reações a
esses problemas são determinadas pela percepção que temos de nós mesmos.

146
Desenvolver a auto-estima é desenvolver a convicção de que somos capazes de
viver e somos merecedores da felicidade.
Tal entendimento influência as nossas escolhas e as nossas decisões e
determina o tipo de vida que construímos para nós (BRANDEN, 1995). As
colaboradoras abaixo atestam essa afirmação em seus depoimentos:

[...] Eu estou tocando a vida a cada dia, sou uma aprendiz de mim
mesma, estou me observando, me olhando mais, aprendendo a me
agradar primeiro [...] (Elane).

[...] O que passei a perceber depois da Terapia Comunitária é que


tenho a palavra certa no momento certo, antes eu queria ter a palavra
certa, mas não conseguia enxergar (Kilma).

As pessoas resilientes conseguem adaptar-se e superar as situações


difíceis, demonstrando, suas habilidades e competências, como: autoconfiança;
aceitam as mudanças mais facilmente; possuem auto-estima e autoconceito
positivos e conseguem manter clareza de propósito, calma e foco diante de
situações adversas (CARMELLO, 2006).
Portanto, em suas histórias, as colaboradoras deixam transparecer
algumas mudanças, ou seja, deixam evidente que são responsáveis por sua
própria vida, que elevaram sua autodeterminação, têm autonomia para tomar
as próprias decisões e desenvolveram habilidades, compreensão e consciência
sobre os aspectos de sua vida.
O sentimento identificado entre as colaboradoras é o de bem estar e
crescimento pessoal relatados no depoimento de Kilma e Francisca a seguir:

[...] mas a Terapia Comunitária funcionou como uma faxina na minha


alma [...] Então digamos que a formação da Terapia Comunitária
foi à primeira retirada daquele grosso. Mas outras lavagens estão
acontecendo. Sinceramente sei que vou partir para outras, essa é uma
questão de oportunidade (Kilma).

[...] A formação em Terapia Comunitária é fundamental na minha


vida, principalmente, porque cresci. Tive que crescer pela dor, mas
agora depois de adulta precisava de alguma ferramenta para burilar,

147
que pudesse começar a entender certas coisas dentro de mim, eu não
sabia trabalhar (Francisca).

Foi possível perceber o quanto as dinâmicas realizadas no processo de


formação em TCI contribuíram para o desprendimento de raivas acumuladas,
e liberação das couraças arraigadas nas histórias de vidas das colaboradoras,
como encontramos nas narrativas apresentadas por elas:
[...] As vivências desse módulo foram fortes, principalmente a vivência
do jornal, trabalhando a agressividade, aquela raiva que estava
guardada dentro de mim. Trabalhar a minha agressividade, que eu
não queria aceitar, foi dolorido, doeu muito (Rosalice).

[...] É uma experiência fantástica essa formação em Terapia


Comunitária e até hoje eu trabalho em mim [...] Nós sempre estamos
buscando algo [...] (Rita).

Para Barreto (2006), a utilização das técnicas ou dinâmicas no processo


de formação em TCI tem demonstrado ser um instrumento importante para
o resgate do “saber fruto da vivência” de cada participante. Posteriormente esse
saber passa a ser uma ferramenta fundamental no trabalho de inserção social
e contribui para o resgate da cidadania e do próprio “eu” pela descoberta da
verdade. As técnicas trabalham o resgate da auto-estima e foram inspiradas em
conceitos e técnicas da medicina oriental, porém, adaptadas a realidade cultural
brasileira. Assim sendo, tem a perspectiva de desenvolver o autoconhecimento
e a superação dos bloqueios e entraves, à interiorização da incapacidade e da
descrença em si próprio e permite que as pessoas compreendam que toda
exclusão é auto-exclusão.
O processo de formação em TCI nos convida a uma mudança de olhar na
busca do autoconhecimento resgatando a nossa autonomia sem desqualificar
as contribuições de outras tecnologias leves, pois amplia o processo de cuidado
a si e ao outro. Despertando nas pessoas pensamentos positivos, revitalizando
a capacidade de reação e mobilização das energias vitais em função de uma
transformação integral.

148
Terapia Comunitária Integrativa: revelando mudanças de
práticas na produção do cuidado.

Para Boff (2008), o grande desafio está em combinar o trabalho com


o cuidado, pois estes não se opõem, muito pelo contrário, se completam
sendo a integralidade da experiência humana que une a materialidade e a
espiritualidade. Para o autor, “o equívoco consiste em opor uma dimensão
à outra e não vê-las como modo-de-ser do único e mesmo ser humano”.
Para resgatar o cuidado a pessoa precisa voltar-se para si mesmo e encontrar
seu “modo-de-ser-cuidado” e entender esse modo diferente de realizar o
trabalho.
Machado, Pinheiro e Guizardi (2004) afirmam que a produção do
cuidado representa um dos maiores desafios para os serviços públicos de
saúde, ao trazerem questões excedentes a competência técnico-científica
em que se baseia o modelo hegemônico. Apontam que existem novas
maneiras de cuidar associada às práticas e saberes populares, onde essas
ações estão voltadas à qualidade de vida e não demandam intervenção
medicamentosa, levando às transformações de comportamento individual
e coletivo. É o que encontramos nos relatos das colaboradoras a seguir:

[...] Na conversa durante as visitas domiciliares, melhorou a forma de


contribuir para entender melhor as pessoas sobre esse processo e não ver
só a aparência. Agora passei a olhar para as pessoas de modo diferente,
aprendi a valorizar as pessoas (Elane).

[...] O meu olhar enquanto agente comunitária de saúde mudou depois


da formação em Terapia Comunitária. Antes a Marizete se preocupava
com números de visitas. Hoje me preocupo com qualidade dessas visitas
[...] (Marizete).

[...] Mudou o jeito de ver a vida, mudou o jeito de ver a boca.


Antigamente, quando ia atender o usuário procurava investigar
primeiro a causa dele está ali, hoje pergunto primeiro, qual a sua

149
queixa. Acho que ele está em busca de algo e mediante isso, fala da
doença dele [...] (Mônica).

O processo de trabalho em saúde não consegue ser ajuizado


inteiramente por lógicas gerenciais, pois é um “trabalho vivo realizado em
ato”, com autonomia dos trabalhadores e um grau de liberdade significativo
no modo de produzir as ações de saúde. Decorrente da relação privada que
estabelecem com o usuário, os profissionais têm um espaço próprio de gestão
de seu trabalho (FRANCO, 2003).
Conhecer a si mesmo leva a pessoa a conhecer suas próprias limitações
e fragilidades, como também descobrir a melhor maneira de desfrutar das suas
potencialidades no processo de trabalho e na vida (HOGA, 2004). É o que
encontramos nos relatos das colaboradoras médicas abaixo:

[...] Houve mudança no meu processo de trabalho porque me coloquei


no lugar daquele usuário que atendo [...] Aprendi a superar certas
coisas, as limitações dos usuários foi uma delas, também tenho minhas
limitações [....] Hoje o meu processo de trabalho é mais humano
(Rosalice).

[...] Hoje a TCI é uma grande estratégia para diminuir a medicalização


de uma maneira geral. Desde a dor de cabeça sem diagnóstico definido
até a dependência da automedicação [...] Diminui o encaminhamento
para as especialidades mantendo o usuário junto à atenção primária
(Silvia).

O artefato do trabalho principal de todos os profissionais da área


da saúde é o paciente, ou melhor, suas queixas. Os meios e instrumentos
de trabalho do médico são a consulta médica, os exames laboratoriais e as
medicações. Nesse sentido fazer discussão da restrição do cuidado integral, é
admitir a restrição da finalidade do processo de trabalho, limitado ao âmbito
do corpo anatômico fisiológico, pois é unanimidade o recorte que a prática
médica transmite em sua cultura do atendimento, pois o trabalho médico se

150
reduz quase na sua totalidade à consulta médica. A individualidade da pessoa
e sua dimensão social não são tomadas como objetos do trabalho médico
(ALMEIDA e ROCHA, 1997).
É preciso investimentos em ferramentas de tecnologia leve como a
TCI na atenção em saúde que toma como referência o conceito de cuidado
integral e que responda por uma concepção de saúde não centrada somente no
tratamento das doenças, mas na inclusão de pessoas em sistemas de produção
do cuidado à saúde e de participação na afirmação da vida.
Os trabalhadores da ESF são quem primeiro recebem e entram em
contato com os problemas da população. A TCI, e suas ações complementares,
incentiva a co-responsabilidade na busca de novas alternativas existenciais e
promove mudanças fundamentadas em três atitudes básicas: acolhimento
respeitoso, formação de vínculos e empoderamento das pessoas. A TCI atua
na formação de ACS e demais profissionais de saúde para uma escuta do
sofrimento e das inquietações dos indivíduos, criando um ambiente de troca
destas experiências entre os pares, é o que nos revelam os depoimentos a seguir:

[...] mudei como Agente Comunitária de Saúde, no dia-a-dia, nas


visitas domiciliares, nas conversas com os usuários [...] Falar porque o
povo é vagabundo é muito fácil, mas ver a questão que envolve o social,
aí é difícil (Elane).

[...] Então eu procuro conversar e mostrar para o usuário que ele


é a solução do problema que o assola naquele momento. E esse
relacionamento aí entre paciente e profissional ele mudou, é de uma
forma mais humanizada, integral, gerando autonomia (Mônica).

Deleuze (1987) apresenta um herói ativo, diferente das histórias das


fabulas, é o herói que modifica, participa ativamente, somos os próprios
heróis da nossa vida, das nossas mudanças. Somos sujeitos heróis, ou seja:
o herói da minha vida sou eu mesmo, na medida em que encontro as novas
verdades, os novos significados, quando decifro esses signos e qualifico a minha
verdade. Sendo assim podemos dizer que os heróis da TCI são os próprios
participantes, porque eles têm a capacidade de serem heróis das suas próprias
vidas na medida em que conseguem decifrar verdades que eles mesmos vão

151
entendendo, quando conseguem superar suas dificuldades. O encontro de
TCI poderá ser um espaço que possibilita uma mudança que acontece no jeito
de ver e conduzir a vida dos participantes.
Boff (2008) nos fala que o cuidado é mais do que um ato singular
ou uma virtude, é o modo de ser das pessoas no mundo, ou melhor, “é um
modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas
as coisas”.
Nesse sentido, a ESF aproxima-se dos pressupostos do SUS,
possibilitando a entrada de novos cenários, sujeitos e linguagens no âmbito
da atenção à saúde. Observamos esse fato através da ênfase dada aos aspectos
da promoção da saúde, vulnerabilidade social e os elementos contextuais,
político e organizacionais do modelo assistencial, demonstrando a necessidade
de interação entre diferentes campos de conhecimento, que incorpora novos
objetos e tecnologias (AYRES et al., 2005). A colaboradora revela mudanças
no ato de cuidar, como indicam os seguintes depoimentos:

[...] então a modificação no processo de trabalho ocorreu no modo


de escutar mais o paciente, ter o cuidado de valorizar mais aquela
história, que não é só a dor que ele está sentindo, aprendi a escutar
mais. Inclusive isso interfere na minha prescrição, porque antigamente
a gente começava a passar medicamento, sem nem valorizar esse outro
lado. É tanto que tem gente que vai para o consultório, só em dar
atenção, escuta e sai satisfeito sem remédio. Então foi muito importante
para mim, no meu trabalho esse processo [...] (Rosalice).

Para Barreto (2008) a palavra é o remédio, na TCI a palavra é o bálsamo,


a bússola para quem fala e para quem ouve. É da partilha de experiência entre
as pessoas que se alivia o sofrimento das dores, e vislumbram novas pistas de
superação de seus problemas. A comunidade busca nela mesma as soluções
para os seus problemas que, isoladamente, a pessoa, sua família e o poder
público não foram capazes de sanar.
Com o processo de formação em TCI os trabalhadores da ESF passaram
a valorizar mais a fala do usuário a partir das suas próprias experiências
152
vividas através das dinâmicas durante a formação onde fortaleceu seu
autoconhecimento, isso favoreceu uma melhoria no vínculo e no acolhimento
entre o trabalhador de saúde e a comunidade.
Nesse sentido, é necessário entender o lugar do outro e não meramente
julgar e agir automaticamente. Com a formação em TCI, a colaboradora
Elane afirma em sua fala a mudança de prática e a ressignificação do cuidado
em saúde, conforme mostra no depoimento abaixo:

[...] Passava no bairro São José e sempre me perguntava, por que esse
povo vive na rua direto? Depois estudando, vendo a condição social,
percebi que as casas são muito pequenas, então há um revezamento,
umas pessoas dormem de dia, outras à noite. Nem sempre pessoas
estarem na rua é vagabundagem! Depois é que vão caindo as fichas,
quando a gente começa a olhar de outra maneira.

A produção do cuidado e da participação na afirmação da vida carrega


consigo um processo de desenvolvimento de ações e serviços de saúde
implicados com a construção das respostas possíveis às dores, angústias,
aflições, aborrecimentos, sofrimentos e problemas que chegam aos serviços
de saúde. De modo que não apenas se produzam consultas, atendimentos
e procedimentos, mas que o processo de consultar, atender e prestar
procedimentos seja capaz de produzir, além da terapêutica, conhecimento e
sensação de cuidado, assim como autonomia e desejo de vida em cada usuário
(CECCIM, 2005).
A atuação de modos diferentes como a criação das rodas de conversa
confere maior ênfase à educação em saúde como espaço de dialogo e solidário,
favorecendo a ampliação da escuta, participação e relações mais estreitas
entre profissional e serviço, numa abordagem do campo da educação popular
em saúde como potencia do cuidado. Os trabalhadores que atuam como
mediadores nessas ações percebem a importância do corpo-a-corpo, da
troca de valores e saberes, da força das palavras e gestos, espontâneos ou não
intencionais, para a promoção individual e coletiva de saúde, de uma maneira

153
leve, alegre, e ampliada no sentido de estender a atenção além da metragem
limitada de um consultório (UCHÔA, 2009).
Nos depoimentos que seguem, é possível visualizar o sentimento de
empatia, pertencimento e de compartilhamento de experiências em prol de um
novo modo de cuidar, o cuidado integral e humanizado, é o que percebemos
na fala da colaboradora a seguir:

[...] então quando comecei a fazer as rodas de TCI só conseguia viver,


ver a Terapia viva se eu trocasse com os participantes da comunidade,
a minha história com a história deles. Foi a Terapia Comunitária que
me fez ser da comunidade Tito Silva (Glória).

[...] no meu processo de trabalho eu mudei na relação com o usuário


[...] Eu não me sinto mais a enfermeira que está ali trabalhando, me
sinto como usuária, me coloco no lugar delas muitas vezes até saio
de trás do birô e fico do lado delas para conversar, porque o toque é
importante (Glória).

Cuidar sugere ter intimidade, sentir-se dentro, acolher, respeitar, é


entrar em sintonia, auscultar o ritmo e afinar-se com o outro, a pessoa a qual
está cuidando. É um modo de ser no mundo, é experenciar o fundamental, o
que conta realmente na vida. Estamos falando do valor intrínseco, subjetivo
da vida, e é assim que emerge a dimensão de alteridade, respeito, sacralidade,
reciprocidade e de complementaridade (BOFF, 2008).
As colaboradoras relatam em suas falas a revelações de situações sigilosas
e delicadas em relação à situação de cuidado trazidas até elas por parte dos
usuários, após a sua prática como terapeuta comunitária. São situações de
cuidado que na maioria dos casos procuram Unidades de Saúde de Referência
no município ou até mesmo na capital do Estado, quando são de cidades
do interior. Simplesmente pelo fato de não quererem que os trabalhadores
dos serviços de saúde próximos a sua residência tomem conhecimento de sua
doença, por vergonha e medo de sofrerem rejeição e preconceito. A AIDS
é uma dessas doenças onde o usuário precisa de cuidados contínuos, apoio
emocional e afetivo, porém quase nunca conseguem quebrar a barreira do
medo e preconceito. E é justamente pelo fortalecimento de vínculo e confiança
através da prática da TCI que as colaboradoras conseguem a aproximação,
como nos relatam a seguir:

154
[...] Uma das coisas que aconteceu comigo depois que passei pela
formação em Terapia Comunitária foi o seguinte, uma pessoa lá do
bairro em que trabalho, chegou para mim e disse: Marizete, eu tenho
AIDS [...] e nós nos abraçamos. Ela chorava comigo [...] Ela era garota
de programa e disse que não sabia que estava contaminada. Tive
essa atitude por ter mudado meu olhar após a formação em Terapia
Comunitária (Marizete).

[...] Depois de ter participado da formação em Terapia Comunitária,


me ocorreu um fato na minha Unidade de Saúde, um dia chegou uma
determinada pessoa e abriu a porta da minha sala e falou: “vim te
pedir ajuda, sou usuária de craque, estou numa situação muito difícil,
tenho AIDS”. Eu disse que a ajudaria no que fosse possível [...] pedi
para ela sentar e conversarmos normalmente [...] (Francisca).

Barreto (2008) afirma que o vínculo é tudo aquilo que liga os indivíduos
entre si, e os mesmos às suas crenças, aos seus valores e a sua cultura, conferindo-
lhes identidade e sentimento de pertencimento.
Para os trabalhadores da ESF esta ferramenta tem contribuído e
facilitado no estreitamento de vínculos com os usuários, como também
entre os próprios trabalhadores das equipes. Vem contribuindo ainda, com
o desenvolvimento da habilidade em lidar com o subjetivo de cada usuário,
podendo oferecer um cuidado integral e mais humanizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciamos que a Terapia Comunitária é uma ferramenta de


cuidado que se aproxima dos princípios doutrinários do SUS, no sentido de
potencializar a construção de redes de apoio social, possibilitando mudanças
sociais e reconhecendo as competências de cada sujeito na superação de suas
dificuldades e transformações de práticas e saberes.
Diversas foram as mudanças que ocorreram no cotidiano das
colaboradoras. Percebemos que houve uma melhor compreensão de si e

155
do outro. Entendemos que tem um valor, com um aditivo da auto-estima,
acreditando no seu potencial de transformação, em nível individual e
comunitário. Esse processo de transformação conseguiu fortalecer vínculos,
tornando-as mais saudáveis, com a família, o lazer, a espiritualidade e no
trabalho, levando-as a construir novas conexões a partir dos encontros de
TCI, como o vínculo de amizade, comunitário e social.
Nesse contexto, é pertinente salientar que a TCI é um encontro potente,
porque nesse espaço o (a) trabalhador (a) não está seguindo um procedimento
técnico, uma consulta, um acompanhamento. É um espaço de transformação,
percebendo que o errado não é a consulta, o procedimento, mas a relação com
o indivíduo. Na roda de TCI todos são iguais, o trabalhador se vê como ser
humano, todos sentem dor e sofrimentos, desejos, vontades, choram, e tudo
isso contribui para o processo de trabalho e para não se comportarem como
máquinas.
A TCI, apresenta-se ao cenário nacional, com características de tecnologia
leve. Ferramenta de cuidado que acredita na capacidade de fortalecimento dos
vínculos, estabelecendo relações harmônicas que potencializa a capacidade
resiliente das pessoas, na proposta de contribuir com a melhoria das relações
no processo de trabalho das ESF.
Podemos afirmar que esta pesquisa permitiu-nos conhecer também a
roda de TCI como método de produção de material empírico de maneira
satisfatória. Constatamos que a roda de TCI Temática permitiu a construção
do material empírico esperado, possibilitando às colaboradoras um espaço
propício e harmonioso, capaz de resgatar as experiências vivenciadas e
essenciais para o estudo.
É importante ressaltar que esse método deve ser sempre conduzido por
uma equipe de terapeutas comunitários, mesmo que esse não seja o responsável
pela pesquisa, mas poderá ser convidado para contribuir nesse momento da
construção do material empírico, por ser necessária uma formação específica
para poder desenvolver e contribuir com a realização das rodas de TCI.
A TCI é uma prática competente e criativa que precisa ser efetivada na
ESF - SUS, contribuindo com o cuidado integral e humanizado, sendo capaz
de intervir no modo de ver e conduzir a vida de maneira positiva.

156
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158
RODAS DE TERAPIA COMUNITÁRIA: ESPAÇOS DE
MUDANÇAS PARA PROFISSIONAIS DA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA* . *

7
Fernanda Lúcia de Sousa Leite Morais
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha

INTRODUÇÃO

A década de 1990 foi um período marcante na busca de estratégias


direcionadas para a implantação dos princípios e diretrizes do Sistema Único
de Saúde – SUS. Um dos grandes desafios foi o de trazer a população usuária,
para o campo de discussão/formulação, controle/avaliação das políticas de
saúde implantadas e/ou implementadas, desfazendo a idéia de considerá-la
apenas como consumidora de ações e serviços.
Uma das estratégias adotadas nessa direção diz respeito ao Programa
Saúde da Família (PSF), proposto pelo Ministério da Saúde (MS) em 1994.
Este programa, atualmente denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF)
buscou e ainda persiste em estabelecer vínculos de co-responsabilidade entre
profissionais das equipes e população adscrita e se propõe a mudar as práticas
sanitárias, compatibilizando as ações de promoção, prevenção, assistência e
reabilitação à saúde.
Estruturado como uma proposta para dar conta do processo de
reorganização da rede de atenção básica, a ESF seria também uma estratégia
*Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação em Enfermagem na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte em 2009.

159
de reorientação de todo o SUS conforme idealizado por seus formuladores.
Contudo um dos grandes obstáculos vem sendo a fragmentação do processo
de trabalho da equipe formada por profissionais, como: médico, enfermeiro,
técnicos em enfermagem, agentes comunitários e outros, entretanto, cada qual
realizando seu trabalho separadamente, sem a cooperação direta (MEHRY,
2003; SOUSA, 2003).
Dessa maneira, a organização do processo de trabalho dos profissionais
da atenção básica permanece distanciada do mundo das necessidades dos
usuários, sendo frequentes as discussões sobre esta fragilidade, conforme
referida por Campos (2003), ao entender que apenas alterando o modo como
os trabalhadores de saúde se relacionam com os usuários, será possível cumprir
os preceitos constitucionais que garantem o direito efetivo à saúde de todos
os brasileiros.
De acordo com Cecílio (2001), é possível trabalhar a integralidade
da atenção no espaço de um serviço de saúde como sendo fruto do esforço e
confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional, prevalecendo
sempre o compromisso e a preocupação de se fazer a melhor escuta possível
das necessidades de saúde trazidas por aquela pessoa que busca o serviço
apresentando alguma demanda específica. Esse autor afirma que:

[...] Nessa situação, caberia à equipe ter a sensibilidade e preparo para


decodificar e saber atender da melhor forma possível os usuários em
suas necessidades, e para isso toda a ênfase da gestão, da organização
da atenção e da capacitação dos trabalhadores deveria ser no sentido de
uma maior capacidade de escutar e atender necessidades de saúde, mais
do que a adesão pura e simples a qualquer modelo de atenção dado
aprioristicamente (CECÍLIO, 2001, p. 4).

No modelo assistencial ainda vigente, o fluxo assistencial das Unidades


Básicas de Saúde é voltado para a consulta médica. Contudo, considerando
que há uma equipe disponível para prestar o cuidado, o processo de trabalho,
deve ocorrer a partir de uma interação de saberes e práticas, necessárias para
o cuidado integral à saúde. Aqui entra uma questão central, o fato de que
160
esta situação só será alcançada com o esforço de cada trabalhador e da equipe
como um todo.
Um dos desafios existentes na sociedade para os gestores, trabalhadores
de saúde e movimentos sociais é a consolidação da rede sanitária de saúde
mental composta por um conjunto de ações e serviços de saúde, que considerem
o sujeito em sofrimento psíquico de acordo com sua singularidade, na
complexidade, na integralidade e na inserção sociocultural, criando vínculos,
humanizando a assistência, buscando garantir o direito à cidadania.
Experiências exitosas, que vêm se realizando em vários municípios
brasileiros de todos os estados, indicam o desenvolvimento de ações básicas
de saúde mental por parte das equipes da ESF, enquanto possibilidade
complementar. Tais experiências tornam-se fundamental na consolidação do
modelo de atenção à saúde de base comunitária, onde a promoção da saúde e a
prevenção das doenças são consideradas ações estratégicas para a manutenção
de uma melhor qualidade de vida.
Dentre as experiências voltadas à saúde mental na atenção básica, a
Terapia Comunitária desponta em cenário nacional como uma tecnologia de
cuidado de amplo alcance e baixo custo operacional que pode ser adotada pelas
Equipes de Saúde da Família (ESF’s) no dia a dia das unidades de saúde e na
comunidade para construir redes sociais solidárias, minimizando o sofrimento
emocional da população advindo de problemas relacionados com a pobreza,
migração, abandono, insegurança e baixa estima (FERREIRA FILHA, 2005).
Em maio de 2006, foi publicada a Portaria GM nº 971, que aprova
a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no
SUS. Esta política atende, sobretudo, à necessidade de se conhecer, apoiar,
incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede
pública de muitos municípios e estados, entre as quais se destacam aquelas no
âmbito da Medicina Tradicional Chinesa – Acupuntura, da Homeopatia, da
Fitoterapia, da Medicina Antroposófica e do Termalismo-Crenoterapia.
Ao atuar nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção
e recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada
na integralidade do indivíduo, a PNIPIC contribui para o fortalecimento da

161
atenção básica e dos princípios fundamentais do SUS. Nesse sentido, essa
política deve ser entendida como mais um passo no processo de implantação
do SUS, e é justamente como uma Prática Complementar que a Terapia
Comunitária se insere no SUS, através da PNIPIC (ANDRADE et al., 2009).
A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi desenvolvida pelo Prof.
Dr. Adalberto de Paula Barreto, docente do Departamento de Medicina
Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), que vem trabalhando com
essa temática desde 1987. O professor é reconhecido internacionalmente por
ser o criador e divulgador da técnica presente nos 27 Estados brasileiros com
de 36 pólos formadores distribuídos no País (BRASIL, 2008).
A TCI apresenta como características básicas a discussão e a realização
de um trabalho de saúde mental preventiva de base comunitária. Enfatiza o
trabalho de grupo como instrumento de agregação social, e, a partir dessa
dinâmica propõe a criação gradual da consciência social para que os indivíduos
descubram as potencialidades terapêuticas transformadoras adquiridas a partir
do sofrimento humano (BARRETO, 2008).
No município de João Pessoa-PB, a Terapia Comunitária vem sendo
utilizada de modo pioneiro desde agosto de 2004, a partir do Projeto de
Extensão realizado no bairro de Mangabeira coordenado por docentes
do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e do Departamento de
Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB).
A Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa-PB, reconhecendo que
a Terapia Comunitária tem potência para configurar-se enquanto dispositivo
de cuidado em saúde mental na atenção básica, promoveu, em 2007, um
curso de formação para sessenta e três trabalhadores envolvendo as diversas
ocupações de saúde da rede de atenção básica, dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS), e representantes da gestão.
Diante da oportunidade de participar da formação em TCI, desenvolvi
meu interesse por esse tema construído a partir de minha experiência como
gestora exercendo a função de Diretora do Distrito Sanitário II, do município
de João Pessoa-PB, no período de janeiro de 2007 a fevereiro de 2009. Essa

162
experiência despertou-me o desejo de tentar compreender as dificuldades
pelas quais passavam as equipes da ESF. Considero como dificuldades aquelas
decorrentes dos desafios e conflitos em transformar sua prática e desenvolver
um trabalho envolvendo os diversos profissionais, criando reais possibilidades
de mudanças das condições vigentes de trabalho, garantindo o princípio da
integralidade na atenção à saúde das pessoas e da comunidade.
Reconhecendo que a TCI caracteriza-se por ser um espaço de palavra,
escuta e construção de vínculos, e que esta poderia se constituir numa
ferramenta capaz de facilitar a promoção de ações transformadoras na vida
das pessoas, iniciei, durante o ano de 2008, um trabalho de condução de
rodas de Terapia Comunitária com as ESF´s que apresentavam dificuldades
de organização do processo de trabalho, a partir da identificação da equipe
técnica distrital. A partir dessa experiência, vivenciada semanalmente, percebi,
através dos relatos dos participantes, que alguma mudança ocorria com aqueles
profissionais.
O fato de ter ingressado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
e na mesma ocasião estar cursando a formação em TCI, permitiu uma maior
aproximação teórica e, a partir daí, elaborei as seguintes questões norteadoras
deste estudo: será que a participação dos profissionais da ESF nas rodas de
Terapia Comunitária foi capaz de provocar mudanças no processo de trabalho
dos profissionais da ESF? Em caso afirmativo, como os profissionais da
ESF identificam essas mudanças? Quais são as mudanças consideradas mais
significativas?
O estudo tem relevância uma vez que os resultados poderão
contribuir para a produção do conhecimento sobre as experiências que vêm se
realizando com esta ferramenta de cuidado na Atenção Básica na perspectiva
da construção de redes de apoio social em consonância com os princípios do
SUS.
Assim, esta pesquisa teve como objetivo principal compreender as
mudanças ocorridas na dimensão pessoal e profissional dos trabalhadores da
Estratégia Saúde da Família com a vivência nas rodas de Terapia Comunitária.

163
MÉTODO
Este é um estudo compreensivo, que parte do seguinte pressuposto:

As pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos


e valores, e que seu comportamento tem sempre um sentido, um
significado, que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando
ser desvelado. ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNADJER, 1998).

Nesta pesquisa, tratou-se de compreender, através da História Oral, as


possíveis mudanças ocorridas com os trabalhadores da ESF que participaram
de rodas de Terapia Comunitária.
Para Bom Meihy (2007), a História Oral pode ser definida como
uma prática de apreensão de narrativas, sendo um dos objetivos a construção
de documentos que possam ser analisados visando o estudo da identidade e
da memória coletiva. Como um recurso moderno usado para a elaboração de
documentos, arquivamento e estudos referentes à exposição social de pessoas
e grupos, ela é sempre uma história do tempo presente, também conhecida
como história viva.
A História Oral possibilitou novas versões da história ao dar voz
a múltiplos e diferentes narradores, pois permitiu essa construção a partir
das próprias palavras daqueles que experienciaram e participaram de um
determinado momento, de acordo com suas referências e também seu
imaginário. A presença do passado no presente imediato das pessoas é a razão
de ser da História Oral. A necessidade da História Oral baseia-se no direito da
participação social, ou seja, ao próprio direito de cidadania (BOM MEIHY,
2007).
De acordo com o referido autor, basicamente há três modalidades de
História Oral: História Oral de Vida, Tradição Oral e História Oral Temática.
Este estudo optou pelo caminho da História Oral Temática, na qual parte-se
de um tema específico, previamente estabelecido, comprometendo-se com o
esclarecimento ou a opinião do entrevistado sobre algum evento definido,
buscando a verdade de quem presenciou um acontecimento ou tenha dele
alguma versão que seja discutível; nela, a objetividade é direta.
Ainda segundo Bom Meihy (2007), a História Oral Temática possui
um caráter específico, tem características bem diferentes da História Oral

164
de Vida e da Tradição Oral. Detalhes da história pessoal do narrador apenas
interessam na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática
central. Ela não só admite o uso de um roteiro de entrevista semi-estruturada
com perguntas norteadoras, as chamadas perguntas de corte, como é fonte
fundamental para aquisição dos detalhes procurados.
A pesquisa foi realizada no âmbito do Distrito Sanitário II, localizado
na região centro-oeste de João Pessoa-PB, tendo em sua área de abrangência
os bairros do Cristo, Rangel, Geisel, Grotão, João Paulo II, Funcionários II,
III e IV, Colinas do Sul, Gramame, Loteamento Gervásio Maia e os Sítios
Engenho Velho e Cuiá (JOÃO PESSOA, 2008).
O Distrito Sanitário II possui uma rede de serviços municipais de saúde
com 38 Equipes de Saúde da Família e um Centro de Atenção Integral à
Saúde - CAIS.
Em relação às características demográficas, o Distrito II tem uma
população estimada em 128.830 habitantes, sendo, de acordo com os dados do
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), 20.846 famílias cadastradas
na atenção básica, perfazendo um total de 119.562 pessoas. Destas, 46,55%
são do sexo masculino e 53,45% são do sexo feminino.
Na área da Educação, 96,8% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola
e 91,06% das pessoas na faixa etária a partir de 15 anos são alfabetizadas
(JOÃO PESSOA, 2008).
A seleção dos colaboradores ocorreu a partir da formação de uma
colônia, definida por Bom Meihy (2007) como algo que se liga exclusivamente
ao fundamento da identidade cultural do grupo. Assim, colônia refere-se ao
grupo amplo, do qual a rede é a espécie ou parte menor, ou seja, a rede é uma
subdivisão da colônia e visa a elaborar os critérios de inclusão/participação do
referido estudo.
Nesta pesquisa, a colônia foi composta por profissionais da Estratégia
Saúde da Família que estão participando ou participaram das rodas de Terapia
Comunitária a partir de fevereiro de 2007 e a rede, por sua vez, foi formada
por 08 profissionais da Estratégia Saúde da Família participantes das rodas
de Terapia Comunitária, assim distribuídos: 04 Agentes Comunitários de
Saúde, 01 Recepcionista, 01 Dentista, 01 Enfermeira e 01 Médico que se
encontram atuando em sete USF’s do Distrito Sanitário II. Foram incluídos

165
como critérios os profissionais que não são terapeutas, que participaram no
mínimo de quatro rodas de Terapia Comunitária e que aceitaram o convite
para participar do estudo.
Para garantir o anonimato dos colaboradores no estudo, seus nomes
foram substituídos por fenômenos da natureza de acordo com discussão e
combinação realizada no momento da conferência do material que contou
com a concordância de todos em aceitar a substituição do seu nome por um
fenômeno da natureza de acordo com o Feng Shui e sua localização no BA-
guá.
Feng Shui é uma ciência antiga chinesa praticada há mais de 4000
anos, que estuda o meio ambiente e as relações entre este e o ser humano,
harmonizando-os. Esta arte milenar baseia-se na idéia de que a energia
Chi está em todas as coisas do mundo físico, dando vida aos elementos da
natureza em suas diferentes variações: cor, odor, sabor e forma. Esta energia
chi é levada pelas correntes de Feng (vento) e Shui (água), está em todos os
espaços e tem personalidade própria (SPALTER, H; STREICHER, 2000).
Para os chineses, quando o espaço onde a pessoa mora ou trabalha é
arrumado com harmonia, equilíbrio, bom senso, criatividade e intuição, a
vida pode ser mais equilibrada e harmoniosa, proporcionando boa saúde,
prosperidade, sucesso, amor, bons relacionamentos e espiritualidade. Na
antiga China, foi descoberto que o mundo podia ser dividido em cinco tipos
de energia (elementos) e a eles deram nomes da natureza: fogo, terra, metal,
água e madeira. Estes elementos se movem para dentro e para fora, ascendem,
descendem e giram (SPALTER, H; STREICHER, 2000).
O “BA-guá” é uma espécie de mapa com formato octogonal usado
pelo Feng Shui aplicado ao espaço onde a pessoa mora ou trabalha para
identificar cada um dos cantos (os guás). Os cantos simbolizam as áreas da
vida: a carreira, os amigos, a criatividade, o relacionamento, o sucesso, a
prosperidade, a família, a sabedoria e a saúde (SPALTER, H; STREICHER,
2000).
Cada canto do “BA-guá” está associado a um fenômeno da natureza,
por ordem sequencial: 1-montanha, 2- água, 3-céu, 4-lago, 5-terra, 6-fogo,

166
7-vento e 8-trovão, de acordo com Spalter e Streicher (2000). Desta maneira,
foram distribuídos, respectivamente, os colaboradores de acordo com a
sequência das entrevistas.
A produção do material empírico foi realizada a partir da gravação de
entrevistas semi-estruturadas e anotações utilizando o caderno de campo da
mestranda. Segundo Bom Meihy (2007), no caderno de campo registram-se
as observações referentes ao andamento do projeto, das entrevistas específicas
e as impressões do pesquisador feitas ao longo do processo, tornando-se um
referencial para a finalização do trabalho.
Após a definição da rede, seguiu-se a realização das entrevistas, que se
desenvolveram mediante as seguintes etapas: pré-entrevista, entrevista e pós-
entrevista. Essas etapas ocorreram no período de setembro a dezembro de
2009, no qual foi considerada a entrevista “ponto zero”, a de Montanha, pois
esta constitui um referencial de mudanças significativas, tanto na dimensão
pessoal quanto profissional da colaboradora e se transformou em um guia
que orientou o andamento das demais.
A pré-entrevista correspondeu ao primeiro contato estabelecido com
os colaboradores (as), para que tomassem conhecimento do estudo, objetivos
e o tipo de técnica utilizada para a construção do material empírico de acordo
com Bom Meihy (2007).
A entrevista propriamente dita foi realizada conforme horário e local
sugerido pelos colaboradores (as), proporcionado um ambiente tranquilo e
acolhedor para que eles pudessem revelar suas histórias que foram gravadas
para posterior seguimento e arquivo sob guarda da mestranda e instituição.
Para Bom Meihy (2007), a entrevista necessita serem guiadas
por perguntas de corte, definidas como questões que perpassam todas
as entrevistas e que devem relacionar-se com a comunidade de destino,
marcando a identidade do grupo analisado. Com a concordância dos
colaboradores em participar do trabalho, as perguntas de corte que guiaram
as entrevistas foram: Houve alguma mudança na sua vida pessoal a partir
da participação nas rodas de Terapia Comunitária? Qual (is) mudança (s)
ocorreu (ram) em seu processo de trabalho a partir da participação nas rodas

167
de Terapia Comunitária? Qual (is) a (s) mudança (s) que você considera como
a (s) mais significativa (s)?
Após a entrevista, o material gravado submeteu-se às três fases, conforme
preconizado por Bom Meihy (2007):
Transcrição - nesse momento foi transcrito o material na íntegra, com
todos os detalhes contidos na entrevista;
Textualização - as perguntas de corte foram suprimidas e o texto passou
a ter um caráter narrativo. Foi nesta ocasião que se iniciou a identificação do
tom vital da entrevista, ou seja, o tema que tem maior força expressiva dentro
do relato do colaborador;
Transcriação - nesta fase ocorreu a interferência da mestranda no
texto, na perspectiva de transcriar o material textualizado, produzindo o texto
final, para ser levado aos colaboradores para conferência. Nesse momento
definiu-se o tom vital, mediante a realização de várias leituras do material.
Prosseguindo, houve a pós-entrevista, sendo feito os agradecimentos a
cada colaborador (a), comunicado o andamento do trabalho, explicado como
se deu o processo de construção do texto e agendados os encontros para a
realização da conferência do mesmo.
Conforme recomendação da Portaria 196/1996, do Conselho Nacional
de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, este estudo
foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário
Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba, para análise, onde foi
avaliado e aprovado em reunião no dia 25/08/2009, sob número de protocolo
153/2009. Cada colaborador (a) assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido bem como a Carta de Cessão (BOM MEIHY, 2007).
A análise do material empírico foi realizada a partir da identificação
dos tons vitais das entrevistas, os quais orientaram a construção dos eixos
temáticos com base nos objetivos propostos na pesquisa, e foi guiada por um
processo de discussão por meio de um diálogo com a literatura pertinente.
Assim, os fragmentos das narrativas são significativos para uma melhor
compreensão de suas experiências a partir das quais foram construídos dois
eixos temáticos: Terapia Comunitária como espaço revelador de aprendizados
e As rodas de Terapia Comunitária e a (re) significação das práticas profissionais.

168
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Revelando a história das colaboradoras e o tom vital de
suas narrativas

Montanha: é o símbolo da meditação. Simboliza escalar alturas dentro


de nós mesmos, para refletir sobre nossas experiências. Quando se alimenta “o
estudo e a contemplação” com a semente da sabedoria (o conhecimento) você
cresce. Assim tem se revelado esta colaboradora calma e atenciosa, com 34
anos, é casada e mãe de um adolescente. Mora na comunidade onde trabalha
exercendo com muita dedicação sua profissão de Agente Comunitária de
Saúde de uma Unidade de Saúde da Família integrada que funciona com três
equipes reunidas. Mostrou-se muito satisfeita ao ser convidada para participar
do estudo e deixou a meu critério a escolha da hora e do lugar para nossa
conversa que ocorreu muito tranquila durante almoço em dia que programou
folga no turno da tarde e foi com disponibilidade que contou a sua história.
Tom vital: “Aprendi a escutar, porque é na escuta que posso
compreender tanto a mim mesma quanto as outras pessoas”.
Água: Representa “água profunda”. Para muitos de nós, o maior desafio
na vida é descobrir e organizar o trabalho que gostaríamos de fazer. Poder
crescer através da profissão que desempenha e executar com entusiasmo o
trabalho, é fruto de aprendizado na vida desta mulher que aos 34 anos é alegre
e tranquila, nascida no sertão da Paraíba, reside numa casa confortável na
companhia do esposo e das duas filhas do casal. Exerce com muita empolgação
a profissão de Agente Comunitária de Saúde e agendou nosso encontro para
uma tarde de domingo em sua residência onde pude participar de momento
muito acolhedor, ocasião em que as meninas foram para uma festa de
aniversário e o esposo assistia a jogo de futebol na televisão. Conversamos
tranquilamente na sala de jantar de sua casa. Água participa das atividades da
Associação de Moradores e está apoiando as iniciativas relacionadas ao grupo
de idosos e à Unidade de Saúde da Família, inclusive promovendo a discussão
da Terapia Comunitária como atividade a ser resgatada para a comunidade.
Senti-me muito acolhida e fui contemplada com delicioso bolo caseiro e café

169
servidos gentilmente por ela que ficou à vontade para falar sobre os efeitos
da Terapia Comunitária em sua vida e no seu trabalho conforme a narrativa
registrada.
Tom vital: “Aprendi a ouvir, a respeitar, a cuidar das pessoas como
um todo [...] Da mente e da alma também [...] que é o mais importante”.
Céu: simboliza o poder das forças celestiais de onde vêm todas as coisas.
Tem as qualidades de poder, sincronismo, inspiração e confidência. Quando
nos alinhamos com bons princípios, eles acontecem. Marcas de benevolência
são deixadas no caminho de nossas vidas, ajudando-nos a realizar nosso
destino quando pessoas e lugares nos dão a inspiração e guia-nos. O céu é
o princípio da criatividade que funciona através das mudanças, certificando
a ordem apropriada de todas as coisas: o sol brilha, a chuva cai e o homem
progride. A colaboradora aqui representada é uma mulher alegre e dinâmica,
com 39 anos, Enfermeira, casada e mãe de um filho pré-adolescente. Revelou
muita disponibilidade e contentamento ao ser convidada para participar dessa
pesquisa e veio ao encontro num final de tarde após sua jornada diária de oito
horas de trabalho, mas com muita energia e contou-me detalhadamente a sua
história.
Tom vital: “A Terapia Comunitária me ajudou a aceitar a perda e
hoje consigo escutar falar de morte e meu coração já não tem aquele medo
que sentia antes”.
Lago: simboliza uma vasta extensão de águas calmas, que representam o
júbilo da felicidade. Está associado com as qualidades de prazer, generosidade
e encorajamento. Estimulando positivamente as outras pessoas, trazemos
prazer e sucesso para nós próprios. Esta é a idéia central deste ensinamento.
Precisamos dar para receber, é a lei da vida. A generosidade é uma característica
desta colaboradora, mulher jovem, atenciosa e determinada. Tem 29 anos, é
casada e tem duas filhas. Trabalha exercendo a profissão de Recepcionista
em uma Unidade de Saúde da Família que funciona com quatro Equipes e
reside no mesmo Bairro desde que nasceu. Nossa conversa ocorreu no final
de um dia de trabalho numa das salas do Hospital Municipal Valentina,
por generosidade sua ao combinar a agenda de entrevista para meu local de

170
trabalho. Foi com tranquilidade e sem medo de se expressar que me fez ouvir
seu relato.
Tom vital: “Tentar ouvir o próximo e ter um olhar voltado
para o ser humano como um todo [...] onde estiver, terei esse olhar...”.
Terra: simboliza as forças terrestres. Está associada à adaptabilidade,
devoção e apoio condicional, qualidades que encontramos no amor verdadeiro
e nos casamentos felizes. Estas características sintetizam este colaborador
tranquilo e perseverante, 66 anos, Médico, casado, muito dedicado à família
e que demonstrava nas rodas de Terapia Comunitária, através dos relatos, sua
relação toda especial com o neto. É católico praticante e participa de uma
congregação da Igreja e cultiva amizades duradouras deixando fortes vínculos
por onde passa, testemunhado através de uma homenagem que recebeu, no
Natal do ano de 2008, dos integrantes da Equipe da Saúde da Família de que
fez parte anteriormente. Mostrou-se muito disponível para participar desse
estudo e escolheu como local para a entrevista, a Unidade de Saúde da Família
da qual é Médico da equipe, e com muita leveza e objetividade revelou sua
experiência com as rodas de Terapia Comunitária.
Tom vital: “Fiquei mais tranquilo, mais paciente, ouvindo mais os
usuários e também toda a equipe”.
Fogo: simboliza uma chama brilhante que sobe como duas tochas, que
iluminam e refinam o mundo. Em sua volta surgem relações amistosas quando
cultiva boa reputação, favorecendo maiores chances para um futuro tranquilo e
seguro. Esta chama parece iluminar este colaborador que nas rodas de Terapia
Comunitária sempre apresentou muita disponibilidade para participar e
sempre irradia muita luz com sua presença. Homem jovem, muito atencioso,
tem 29 anos, é graduado em Odontologia e cursa Pós-Graduação em Saúde
da Família, participante ativo das rodas de Terapia Comunitária, muito
disponível para colaborar, tanto com depoimentos, quanto com rituais de
agregação. Ao ser convidado para participar desse estudo, mostrou-se muito
disponível e sugeriu nossa conversa na sede do Distrito Sanitário II, o que
ocorreu num final de expediente tranqüilo, pela manhã depois de ter atendido
os usuários, e contou a sua história.
Tom vital: “Aprendi a valorizar a escuta e ouvir o que o outro deseja
e sente”.
Vento: simboliza suavidade. Adota qualidades de paciência, confiança
e equilíbrio, construindo uma sólida base financeira. Recompensa e felicidade

171
vêm como prêmio de ter amigos, família e boa saúde. Viver de acordo com
esse princípio significa cuidar das pessoas, dos lugares e das coisas que nos
proporcionam abundância e prosperidade em nossas vidas. O colaborador
representado por este elemento parece associar estas características e vem a
cada dia mostrando na prática sua evolução como pessoa e como profissional
de saúde. Tem 37 anos, é casado e tem uma filha a quem se refere sempre
com muita dedicação. Trabalha exercendo a profissão de Agente Comunitário
de Saúde com muito empenho e ficou satisfeito ao receber o convite para
colaborar nesta pesquisa, agendando nossa conversa para ser realizada na
Unidade de Saúde da Família onde trabalha, o que aconteceu em clima de
muita confiança e espontaneidade durante toda sua narrativa.
Tom vital: “Eu aprendi a ter mais paciência e ouvir primeiro, para
depois falar o que eu penso [...]”.
Trovão: simboliza movimento e poder, manifesta necessidade de
cultivar a saúde física, enfatizando a importância da paciência com relação
ao amor com a família para que atue como suporte nas fases difíceis da vida.
Bem estruturado, favorece a expansão, crescimento e felicidade na vida. Assim
esse colaborador parece adotar a natureza e trazê-la para junto dele e da sua
família. Tem 66 anos, reside na companhia da esposa e de uma filha do casal
em um condomínio próximo à Unidade de Saúde da Família da qual é Agente
Comunitário de Saúde. Muito estudioso de várias áreas, mas é na Fitoterapia
que tem demonstrado especial identificação, inclusive desfruta de belos
exemplares de fármacos vivos no jardim e no quintal de sua casa em perfeita
harmonia com outras plantas ornamentais e frutíferas cuidadosamente
plantadas. Nossa conversa aconteceu no terraço desta agradável residência
regada por um lanche que ele mesmo preparou junto com um delicioso café
para acompanhar sua entrevista.
Tom vital: “Sinto-me mais humano e percebo que houve uma
aproximação da equipe com a comunidade”...

Terapia Comunitária como espaço revelador de aprendizados


Segundo Barreto (2008), durante o processo de participação nas
rodas de Terapia Comunitária, os usuários têm oportunidade de re-significar

172
suas histórias de vida e reconstruir uma nova identidade, sem abrir solução
de continuidade em sua história. As rodas de Terapia Comunitária criam um
espaço de palavra para os participantes, sendo terapêutica para quem fala e
para quem ouve, no sentido de proporcionar o aprendizado com a partilha de
experiências. Sobre esse aspecto, este estudo revela que houve mudanças na
vida pessoal dos colaboradores, conforme se exemplifica nos relatos a seguir:

[...] Aprendi a escutar, porque é no escutar que posso compreender


tanto a mim mesma quanto as outras pessoas, e daí ter uma maneira
de ajudar diferente. É um escutar e saber lidar comigo mesma e assim
deixar o egoísmo de lado e poder partilhar com o outro (Montanha).

[...] aprendi uma nova maneira de olhar quem está do meu lado,
uma maneira de agir e foi através das rodas de Terapia Comunitária,
ouvindo, porque nas Terapias ninguém dá conselho a ninguém, mas
troca experiência... Eu levei isso para casa... (Vento).

[...] eu creio que houve mudança sim, na minha vida pessoal em


relação à proteção [...] Porque eu tinha uma superproteção em relação
às minhas filhas [...] Eu prendia muito as meninas, não deixava ir ali

[...] Eu aprendi que não tenho o poder de ficar protegendo o tempo


todo [...] (Água).

[...] eu percebi que geralmente a pessoa que participa da primeira roda


de Terapia Comunitária, já se sente mais leve, mais tranquila, com
mais paciência, com mais segurança. Porque muitas vezes a pessoa vem
para o trabalho, e tem o medo, impaciência, agitação [...] Fiquei mais
tranquilo, com um trabalho mais objetivo (Terra).

Nas narrativas registradas, os colaboradores expressam que


perceberam mudanças em suas vidas e destacam a importância de aprender a
ouvir reportando-se à valorização da escuta enquanto mudança significativa
e essa descoberta contribuiu para modificar as relações pessoais, familiares
e profissionais, uma vez que, a partir da participação nas rodas de Terapia
Comunitária, sentiram-se sensibilizados com os relatos de experiências e,
segundo Barreto (2008), a Terapia Comunitária torna-se um espaço de

173
partilha de sofrimentos no qual expressar-se sem medo de ser julgado, dando
visibilidade à dor, possibilita re-significar esses sofrimentos e transformá-los
em histórias de superação, tornando-se um ser resiliente.
A Terapia Comunitária é um espaço de promoção de encontros
interpessoais e intercomunitários que objetiva a valorização das histórias de
vida dos participantes, o resgate da identidade, a restauração da autoestima e
da confiança em si, a ampliação da percepção dos problemas e possibilidades
de encontrar opções para a resolução das situações em decorrência do processo
de aprendizagem vivenciado (BARRETO, 2008).
Segundo Leal (2007), para que se possa acreditar em mudanças
é preciso ter sensibilidade e compreender que, em cada questão, há uma
conduta que leva à reflexão, ao pensar que impulsiona a busca de referenciais
teóricos e práticos, promovendo assim, o diálogo existencial genuíno e
participativo. Daí surge um momento mágico que ocorre na alquimia do
encontro, da transformação, tendo como elemento básico a escuta, porque
toda e qualquer escuta requer um esvaziamento do ser, de valores, de sentidos
para, então, se desenvolver uma relação de amorosidade consigo mesmo e
com o outro. Neste trabalho, as falas abaixo exemplificam essa afirmação:

Poxa! Eu só descobri que o ouvir é importante para mim, para meu


desenvolvimento pessoal, na Terapia Comunitária, e a partir daí eu
comecei a ouvir meu marido em casa, meu filho, minha família e o
pessoal que eu trabalho com eles [...] Ter meu tempinho para ouvir,
não só as coisas boas, mas as coisas negativas também... (Montanha).

[...] com certeza eu percebi mudança em minha vida pessoal, porque


com a correria da vida, no dia a dia, a gente percebe que deixa de ouvir
as pessoas [...] E muitas vezes esquece que com uma simples postura de
escuta, e ouvir o que o outro deseja e sente, já traz para quem fala uma
grande transformação, e isso mudou a minha maneira de encarar as
pessoas (Fogo).

[...] eu percebi alguma mudança na minha vida pessoal, sim, pois


eu sinto-me mais família com a equipe, e com alguns usuários que
participaram houve uma aproximação bem maior e isso levou a um
enriquecimento muito grande no processo de trabalho (Trovão).

De acordo com Barreto (2008), à medida que as pessoas falam de


seus sofrimentos e dizem o que têm feito para resolvê-los, procura-se ressaltar

174
as estratégias utilizadas por cada indivíduo. Descobre-se que onde houve um
sofrimento se construiu um conhecimento que permitiu sua superação. Não
se pode negar que os indivíduos e grupos sociais dispõem de mecanismos
próprios para superar as adversidades contextuais. A socialização desse saber
gera um movimento dinâmico entre a leitura vertical de si mesmo e a leitura
horizontal com o outro. Ao ouvir a experiência do outro, cada um se reporta à
sua própria, permitindo-lhe fazer descobertas, tomar consciência e descobrir
que cada pessoa tem sua trajetória e produz seu saber. Nesse sentido, as falas
abaixo evidenciam esse pensamento:

Então quando eu comecei a perceber nas rodas de Terapia Comunitária


os problemas das outras pessoas, foi aí que pude perceber que quem
tinha que mudar era eu e não as outras pessoas (Montanha).

[...] fiquei com vontade de participar de outras rodas, e isso aí foi a


primeira mudança, foi o desejo de participar de outras rodas de Terapia
Comunitária [...] falei de sentimentos meus que de certa forma me
libertou, pois fiquei muito à vontade [...] Tinha muita gente falando
de seus sentimentos e isso ajudou a me abrir também [...] Falei de coisas
que geralmente não consigo falar... (Céu).

Ainda segundo Barreto (2008), uma palavra, um gesto de apoio


podem fazer diferença entre os que fracassam e os que vencem e, na Terapia
Comunitária, à medida que a pessoa vai partilhando seu sofrimento, vai
transformando os seus sentimentos e possibilitando uma re-significação
dos fatos traumáticos, vai tecendo laços sociais e gerando um sentimento
de pertença ao grupo. Falas como as dos colaboradores a seguir revelam essa
aprendizagem:

[...] Eu posso dizer que a mudança mais significativa foi o aprender


a lidar de certa forma com a morte [...] Me deu uma visão bem mais
clara, bem mais aceitável, bem melhor [...] Me ajudou muito a aceitar

175
a perda [...] Hoje eu escuto falar de perda, de morte e meu coração já
não tem aquele medo que sentia antes [...] (Céu).

[...] eu percebi mudança na minha vida pessoal, sim. Quando relatei


sobre o uso de drogas do meu esposo [...] Aquilo foi muito difícil para
mim e a mudança mais significativa foi essa [...] Para mim foi muito
difícil. Eu não sabia como resolver as várias situações que vinham
acontecendo [...] foi onde eu aprendi a como viver melhor, a como
desviar de algumas situações difíceis, como enfrentar realmente a
verdade, como enfrentar as barreiras, as dificuldades e os atropelos da
vida (Lago).

Em sua pesquisa, Guimarães (2006) afirma que os paradigmas da
complexidade e da visão sistêmica auxiliam na compreensão das situações-
problema apresentadas nos encontros de Terapia Comunitária, uma vez que
percebem o indivíduo como um todo, inserido num sistema social e familiar,
atentando para suas relações com os demais elementos desse sistema.

Os participantes das rodas de Terapia comunitária são estimulados a


expressarem as emoções e sentimentos sem risco de serem julgados, liberando
as tensões decorrentes do estresse.
As dificuldades superadas transformam-se em sensibilidade e
competência para enfrentamento de outros sofrimentos. Esse saber construído
a partir da carência que gera competência permite afirmar que, ao cuidar do
outro, cada um está cuidando de si mesmo, pois, desta maneira, ao cuidar do
outro, restaura a própria história pessoal e familiar (BARRETO, 2008).
Para Boff (2008), o resgate do cuidado não se faz à custa do trabalho e
sim mediante uma maneira diferente de entender e de realizar o trabalho. Para
isso, o ser humano precisa voltar-se sobre si mesmo e descobrir seu modo de
ser cuidado.
A Terapia Comunitária desperta pensamentos positivos sobre a pessoa
e sobre a sua relação com o mundo, revitalizando sua capacidade de reação
e mobilização das energias vitais, em função de uma transformação integral

176
(física, mental, emocional, espiritual e social), nos aspectos pessoais e sociais
(BARRETO, 2008).
Nas narrativas dos colaboradores fica clara a contribuição das rodas de
Terapia Comunitária, exemplificando mudanças significativas na relação com
o outro conforme evidenciado nas falas seguintes:

Então eu considero que a Terapia Comunitária... Meu Deus do céu...


Fez tantas coisas! É você tratar o outro como humano, como você
gostaria de ser tratado... (Céu).

[...] Depois das rodas de Terapia Comunitária, eu aprendi a ouvir


mais! [...] Aprendi que as pessoas nem sempre têm as doenças que são
doenças físicas e, que a gente tem que cuidar, sim cuidar de corpo,
mente e alma! A gente tem que ouvir! (Água).

A partir da minha participação nas rodas de Terapia Comunitária, eu
fiquei mais tranquilo, mais paciente, fiquei ouvindo mais os usuários e
também toda a equipe [...] (Terra).

Aprendi a ter mais paciência e ouvir primeiro, para depois falar o que
penso [...] Digo que a paciência é de fundamental importância para
mim porque estou tendo mais paciência com as pessoas que convivem
comigo dentro da minha casa (Vento).

Identifica-se assim que a vivência nas rodas de Terapia Comunitária


provocou mudanças significativas na vida de todos os colaboradores que
participaram deste estudo.

As rodas de terapia comunitária e a (re)significação das


práticas profissionais
Pode-se perceber nas revelações dos colaboradores que a partir das
rodas de Terapia Comunitária ocorreram mudanças no cotidiano do trabalho

177
a partir do conhecimento das histórias de vida e da troca de experiências
entre os participantes no sentido de apontar para a construção de vínculos
saudáveis.
A partir da participação nas rodas de Terapia Comunitária, o olhar
dos colaboradores desse estudo foi ampliado no sentido de valorização do
indivíduo e do resgate da autonomia, pois, como afirma Barreto (2008), cada
pessoa tem uma experiência de vida e deve ser suscitada a ser co-responsável
diante do sofrimento do outro. Não como um “salvador da pátria”, dando
conselhos e fazendo exortações, mas partilhando sua dor, suas dificuldades,
suas descobertas, de forma simples, abrindo seu coração, sendo solidário aos
apelos dos outros. Assim, as falas abaixo evidenciam que a Terapia Comunitária
é capaz de transformar as práticas dos profissionais participantes das rodas de
Terapia Comunitária como mostra as narrativas que seguem:

[...] E como Agente comunitária de Saúde trouxe para mim a Terapia


Comunitária como mais um instrumento, mais um material de
trabalho, nas visitas domiciliares, de como lidar com as famílias, com os
problemas que eu encontro no dia a dia. Então a Terapia Comunitária
para mim é ponto chave, mais um aprendizado de vida e de profissão!
(Montanha).

[...] Também aprendi muito como profissional de saúde a ouvir as


pessoas como um todo, porque às vezes uma pessoa só está precisando de
uma palavra, de ser ouvida

[...] Eu considero como mudanças mais significativas: Aprender a


ouvir, a respeitar, a cuidar das pessoas como um todo [...] Da mente e
da alma também, que é o mais importante! (Água).

Barreto (2008) diz que esse jeito de trabalho permite que se avance
do modelo centrado na patologia ao modelo da promoção da saúde, das redes
de solidariedade e da inclusão social. Partindo desses princípios, as situações-

178
problemas escolhidas pelos participantes nas rodas para serem trabalhadas
favorecem o crescimento do indivíduo e das pessoas mais próximas a
ele, no sentido de nutrir o crescimento da autonomia, consciência e co-
responsabilidade.
Em sua pesquisa, Rocha (2009) verificou que a participação dos
profissionais de saúde no processo de formação de Terapeuta Comunitário
proporcionou um maior contato entre estes (Terapeutas Comunitários) e a
comunidade já que lhes garantiu um espaço de fala e de escuta. Nesta pesquisa,
os colaboradores revelam práticas acolhedoras com os usuários depois das
rodas de Terapia Comunitária, como exemplificam as seguintes falas:

[...] pode associar isso ao acolhimento, a como acolher as pessoas, porque


na Terapia Comunitária você acolhe tão bem... Cada um se identifica,
diz o que traz e no final a pessoa também diz o que vai levando daquela
experiência, daquela roda de conversa, e o acolhimento é uma conversa
que a gente tem com o usuário (Céu).

Através da Terapia Comunitária, eu percebo que uma peça fundamental


em toda essa história também tem sido com relação ao acolhimento, é
tentar ouvir o próximo, colocar-se no lugar dele como gostaria de ser
acolhido [...] E assim, eu tenho aprendido muito (Lago).

De acordo com Barreto (2008), a Terapia Comunitária é um instrumento


que possibilita o desenvolvimento de relações humanizadas, colaborando para
a construção de vínculos entre os participantes, e assim, o diálogo aberto,
franco, em um clima de respeito das expressões, sentimentos e emoções parece
facilitar a construção de vínculos de apoio. Poder falar em grupo, liberar as
tensões e ser acolhido liberam as pessoas para estabelecer um relacionamento
mais saudável, sem medo de julgamentos.
Dessa maneira, os profissionais de saúde, colaboradores desse estudo,
revelaram que passaram a adotar posturas mais humanizadas com os outros

179
componentes de equipe e com os usuários conforme se observa nas falas
seguintes:

Em relação ao processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família,


antes das rodas de Terapia Comunitária, era muito difícil a relação
da equipe no trabalho porque as pessoas eram mais individualistas e
a partir das rodas de Terapia Comunitária, teve aquele contato mais
afetivo e a relação melhorou entre os profissionais [...] A gente chegava
[...] Abraçava [...] Dava bom dia sorrindo! (Água).

Segundo Cecílio (2001), a integralidade da atenção, no espaço


singular do serviço de saúde, poderia ser definida como o esforço da equipe
de saúde de traduzir e atender, da melhor maneira possível, as necessidades
dos usuários captadas em sua expressão individual, e como resultado ter-se
o produto do esforço de cada um dos trabalhadores e da equipe como um
todo. Para tal, há de se vencer o desafio no processo de gestão dos serviços, em
particular nos processos de conversação e comunicação - entendimento para
ação - que se estabelecem entre os diferentes trabalhadores de saúde. Nessa
perspectiva, observa-se uma contribuição das rodas de Terapia Comunitária
evidenciada nas falas que estão a seguir:

[...] Eu posso dizer que a Terapia Comunitária ajuda ao profissional


a se relacionar, a estar junto no local como na minha unidade, por
exemplo, onde tem quatro Equipes de Saúde da Família trabalhando
juntas [...] (Céu).

[...] Houve uma aproximação com a equipe, uma maior compreensão


com os outros e, consequentemente, uma visão mais ampla para
entender o trabalho dos outros, e daí haver essa integração no processo
de trabalho (Trovão).

180
Tendo em vista as experiências vivenciadas pelos colaboradores dessa
pesquisa a partir das rodas de Terapia Comunitária, um novo olhar, outro
jeito de agir, uma nova maneira de exercer a profissão, de voltar-se para o
outro, revela-se como mudança de práticas, conforme demonstrado nas falas
seguintes:

[...] Eu sinto que tive uma mudança na maneira de trabalhar [...]


no modo de exercer minha profissão, no jeito de cuidar dos usuários
(Terra).

Aprendi nas rodas de Terapia Comunitária que a gente tem que cuidar
da alma, e, creio que só em parar, ouvir e desabafar é significativo, pois
quando a pessoa tem problema, às vezes o que mais quer é que outra
pessoa pare e escute [...] (Água).

A mudança mais significativa que eu considero é ter um olhar voltado


para o ser humano como um todo, e que não é só naquele momento,
mas em vários momentos, esteja onde estiver ter esse olhar e essa
flexibilidade, ser flexível principalmente quando estiver em contato
com o usuário, com o profissional e com as agendas referentes ao processo
de trabalho (Lago).

De acordo com Rocha (2009), para produzir mudança de práticas, é


fundamental dialogar, problematizar, refletir sobre o que está acontecendo
com os indivíduos e dentro dos serviços e sobre o que precisa ser melhorado.
Para isso, é preciso que haja mudanças nas relações, nos atos de saúde e,
principalmente nas pessoas, com transformação dos paradigmas das práticas
hegemônicas, para inovar coletivamente o saber e o fazer, e assim proporcionar
um cuidado integral e de qualidade.
Para Silva (2009), entre os vários desafios a serem superados para que
se possa prosseguir na complexa e exaustiva missão de construção do SUS,
destaca em primeiro lugar, a humanização do atendimento. Humanização
entendida como dignidade e respeito aos direitos inalienáveis da população ser

181
bem atendida como também responsabilidade e compromisso da equipe de
saúde quanto à solução dos problemas de saúde das pessoas sob seus cuidados.
O SUS caracteriza-se pela generosidade de suas ações, não foi concessão
de governantes, mas uma conquista dos brasileiros em meio a um intenso
movimento de lutas e mobilização social, então respeitar esse direito é obrigação
de gestores e trabalhadores da saúde e nada justifica um mau atendimento de
um usuário por parte de um serviço de saúde.
As rodas de Terapia Comunitária são um importante espaço de
participação, pois oferecem ao indivíduo a oportunidade de ouvir e ser
ouvido, de refletir e de agir. De acordo com Barreto (2008), é um momento
em que se pode examinar, em profundidade, a vida e as motivações; em que se
pode aprender com as experiências do outro e, assim, encontrar soluções para
os próprios problemas. É preciso ter humildade e consciência para verificar
que o poder não está naqueles que sabem manipular as palavras e as pessoas,
mas nas mãos dos que sabem escutar, dividir, estimular, integrar e que querem
participar.
De acordo com Holanda (2006), a Terapia Comunitária pode ser
recomendada como uma ação de saúde comunitária, para ser incluída na
rede de atenção básica do SUS, podendo ser inserida na agenda das unidades
de saúde, pois proporciona o acolhimento, a mobilização da comunidade, o
fortalecimento de vínculos, a construção de teias de solidariedade e favorece a
comunicação entre o saber popular e o saber científico.
Nesse sentido, as Equipes de Saúde da Família, tendo como tarefa
oferecer uma atenção humanizada, integral e de qualidade, precisam se
dar conta de que esta tarefa só será possível se houver disponibilidade para
produzir um cuidado que vá para além da técnica, da medicalização e dos
procedimentos, incorporando as dimensões subjetivas de trabalhadores e
usuários.
Nesse estudo, houve revelações de que as rodas de Terapia Comunitária
contribuem para essa conquista, assim registradas:

Se a gente não conseguir ter esse entrosamento com o usuário, ou seja,


um bom acolhimento, tratá-lo com consideração, como sendo e ele

182
realmente é uma pessoa humana, digna, e que o SUS é digno também,
você não consegue que esse usuário tenha certa intimidade com você e
fica só naquela relação técnica profissional/usuário [...] (Céu).

Quando eu chego numa casa onde a pessoa está precisando conversar


[...] Se eu perceber que ela está precisando... Fico ouvindo [...] Já
aconteceu de chegar e achar que minha visita ia ser simples, porque
aquela família nunca tinha problemas e a senhora estava precisando
muito... Ela estava com muitas dificuldades com o esposo, com o
casamento e aquela confusão... Acabou que eu fiquei quase a manhã
toda lá ouvindo [...] (Água).

De acordo com Rocha (2009), a Terapia Comunitária é um instrumento
valioso, dentro do processo de trabalho, que contribui para a construção
de um modelo de saúde humanizado, ampliando a dimensão cuidadora,
reorientando as práticas dos trabalhadores do SUS, na perspectiva de uma
atenção integral.
A Terapia Comunitária é um instrumento que permite construir redes
sociais solidárias de promoção da vida e mobilizar os recursos e as competências
dos indivíduos, das famílias e das comunidades. A Terapia Comunitária nos
convida a uma mudança de olhar, de enfoque, sem querer desqualificar as
contribuições de outras abordagens, mas ampliar seu ângulo de ação.
Nesse sentido, os colaboradores relatam:

A mudança mais significativa que eu considero é ter um olhar voltado


para o ser humano como um todo, e que não é só naquele momento,
mas em vários momentos, esteja onde estiver, ter esse olhar e essa
flexibilidade, ser flexível principalmente quando estiver em contato com
o usuário, com o profissional e com as agendas, as agendas referentes ao
processo de trabalho (Lago).

[...] Tem as dificuldades do profissional da área de saúde que quer


sempre, medicalizar todas as dores das pessoas [...] E muitas vezes,
esquece que com uma simples postura de escuta, e ouvir o que o próximo
deseja e sente, já traz para quem fala uma grande transformação, e isso
também mudou a minha maneira de encarar as pessoas (Fogo).

183
Segundo Boff (2008), cuidar é mais que um ato, é uma atitude que
abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa
uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento
afetivo com o outro. Dessa maneira, este estudo registrou a contribuição das
rodas de Terapia Comunitária provocando mudanças de práticas bem como
possibilidades de mudanças de processos de trabalho dos profissionais a partir
dos aprendizados construídos em coletivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo foi inspirado no meu desejo e curiosidade enquanto
profissional de saúde em compreender as mudanças provocadas pela
participação nas rodas de Terapia Comunitária nos profissionais da Estratégia
Saúde da Família envolvendo a dimensão pessoal e profissional, sendo realizado
com a colaboração valiosa de oito colaboradores de diferentes categorias
profissionais existentes na Estratégia Saúde da Família.
É importante registrar que o conhecimento das histórias de vida dos
colaboradores, captado durante as entrevistas e por meio das anotações no
diário de campo, possibilitou à pesquisadora fazer um olhar para sua própria
prática e contribuiu para além de alcançar os objetivos da pesquisa, também
para remeter a mestranda a um reencontro consigo mesma no sentido de
perceber que, ao cuidar do outro, também cuida de si e, assim, como num
movimento de sintonia entre trabalho/cuidado, cada profissional de saúde pode
assumir o lugar de sujeito ativo de sua história e transformar-se enquanto ser
humano trabalhador e cuidador, permitindo-se, inclusive, sentir-se humano e
manter-se humano existindo plenamente.
Nas narrativas, os colaboradores revelaram que a Terapia Comunitária
contribui de maneira significativa para mudanças em suas vidas, e nesse
sentido, a mudança de prática profissional é clara nos depoimentos de todos
os colaboradores, uma vez que, ao refletir sobre aspectos das suas histórias de
vida re-significaram aspectos individual/privado e coletivo/social, passando a
adotar um jeito diferente de cuidar do outro, agindo positivamente dentro de
uma nova ética com a vida e a profissão.
Outro aspecto que merece destaque está relacionado ao processo de
184
reorganização da atenção básica, o que permite desencadear mudanças nos
outros níveis do sistema de saúde. Daí, o potencial instituinte da Terapia
Comunitária em contribuir para as mudanças do processo de trabalho dos
profissionais da Estratégia Saúde da Família dentro de um novo formato de
modelo assistencial.
A oportunidade de realizar este estudo superou a expectativa inicial
e reforça a contribuição da Terapia Comunitária como mais um instrumento
potente a ser recomendado sempre que houver disponibilidade para a criação
e recriação de modos de produzir coletivamente maneiras de defender a vida
individual e coletiva através de uma prática integradora, holística, humanizada,
democrática e gratuita.
Como ferramenta de cuidado para o processo de trabalho dos
profissionais de saúde da ESF, a pesquisa aqui apresentada recomenda que
haja ampliação da formação de terapeutas comunitários na Estratégia Saúde
da Família com possibilidades de ampliação do acesso a esse dispositivo por
parte de mais profissionais, podendo ser utilizada em qualquer tipo de serviço
e por qualquer tipo de grupo, inclusive que seja ampliada em outros serviços
de saúde diferentes da Atenção Básica.
Com isso, poder contar com uma estratégia potente de cuidado é
mobilizador de uma energia renovadora e a Terapia Comunitária pode
significar um caminho instituinte de mudanças na atenção à saúde, nas áreas
de promoção e prevenção, resgatando conceitos fundamentais de vínculo,
humanização, co-responsabilidade e resolutividade que apontam para a
reorientação do modo de operar os serviços de saúde.
A partir desse estudo, faz-se necessária a realização de outras pesquisas
que possam aprofundar a investigação do tema, bem como buscar outras
referências ao estabelecer um novo olhar sobre o processo de trabalho em
saúde e os desafios necessários para a construção de um novo fazer em defesa
da vida e do SUS.
A divulgação dessa experiência contribui para que os profissionais
da área de saúde reconheçam a importância da Terapia Comunitária como
instrumento de mobilização dos recursos pessoais e culturais na construção de
redes sociais solidárias de base comunitária para resolução de conflitos, quer
para os usuários das ESF’s, quer para os profissionais.

185
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187
A TERAPIA COMUNITÁRIA E SUAS REPERCUSSÕES
NO PROCESSO DE TRABALHO NA ESTRATÉGIA
SAÚDE DA FAMÍLIA: UM ESTUDO
REPRESENTACIONAL*

8
Maura Vanessa Silva Sobreira
Francisco Arnoldo Nunes de Miranda

INTRODUÇÃO

No cenário brasileiro, há em curso um processo de reversão do modelo


de atenção à saúde mental distanciando-se do modelo hospitalocêntrico,
de enfoque individual, curativo, discriminador e excludente, para um
modelo de base comunitária, cujo eixo é o coletivo, a promoção da saúde, a
prevenção do adoecimento e a inclusão social, focado no sujeito, na família,
nos grupos sociais e na sua existência. No modelo comunitário, torna-se
imperioso transformar os modos de cuidar do sujeito, deslocando o objeto
para a existência-sofrimento do indivíduo e sua relação com a sociedade
(Cavalheri, 2008). Além disso, busca-se a inclusão, a tolerância e a co-
existência com a diferença e a diversidade.
Quanto às necessidades de saúde da população, constatam-se várias
fragilidades concernentes à atenção, não diferente no campo da saúde
mental, persistindo o caráter de descuido, pois a maioria dos serviços de

*Resumo da Dissertação defendida por Fernanda Lúcia de Sousa Leite Morais, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria Djair Dias com a colaboração da Profa. Dra. Maria de Oliveira Ferreira Filha, no Programa de Pós
Graduação Em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, em fevereiro de 2010.

188
saúde não oferece cuidados básicos de orientação à população quanto às
formas de lidar com as crises, com o sofrimento emocional, bem como com
a importância das relações emocionais e sociais na vida de cada pessoa e da
comunidade.
Nesse sentido, em 1994, o Ministério da Saúde concebeu a Estratégia
de Saúde da Família (ESF) como uma promissora proposta de reorganização
das práticas assistenciais, em substituição ao modelo clássico de atenção à
saúde. Dessa forma, entende a pessoa usuária no seu contexto ampliado,
considerando o conceito de família e os aspectos da promoção da saúde.
Tais ações também se estendem para o campo de atenção à saúde mental
(CHIESA, FRACOSI, SOUZA, 2002).
Assim, as formas tradicionais de organizar o trabalho em saúde a
partir da lógica das profissões têm sido insuficientes para garantir o cuidado
humanizado e integral, resultando num pensar e agir fragmentados no
sistema de saúde como um todo (Mattos, 2001). É necessário resgatar
habilidades, potencializar a autonomia, valorizar a dinâmica familiar e
desenvolver o empoderamento das pessoas e das comunidades. Através da
construção de uma teia de relações formada por trocas de experiências, do
conhecimento circular e de recursos sócio-emocionais, podem-se promover
o resgate da cidadania e um cuidado humanizado (HOLANDA, 2006).
A organização dos processos de trabalho surge como a principal
questão a ser enfrentada para a mudança dos serviços de saúde, com ênfase
na Estratégia de Saúde da Família, no sentido de operacionalizá-lo de forma
centrada no usuário e nas suas necessidades. No modelo assistencial vigente,
também entendido como médico hegemônico, o fluxo assistencial de uma
Unidade de Saúde da Família é voltado para a consulta médica. O processo
de trabalho neste modelo carece de uma interação de saberes e práticas,
necessárias para o cuidado integral à saúde. Nele prevalece o uso de tecnologias
duras (as que estão inscritas em máquinas e instrumentos), em detrimento
das tecnologias leve-duras (definidas pelo conhecimento técnico) e leves (as
tecnologias das relações) para o cuidado ao usuário (FRANCO; MERHY,

189
2003). Mudar o modelo assistencial requer uma inversão das tecnologias de
cuidado a serem utilizadas na produção da saúde.
Nessa direção, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) desponta como
uma tecnologia de cuidado, a qual as Equipes de Saúde da Família utilizam no
cotidiano dos serviços e na comunidade para construir redes sociais solidárias,
diminuindo o sofrimento emocional da população advindo de problemas
relacionados com pobreza, migração, abandono, insegurança e baixa estima
(BARRETO, 2008).
Vale destacar que para desconstruir o modelo tecno-assistencial vigente
no imaginário e no agir profissional de muitos trabalhadores- o flexneriano-
na produção do cuidado, ao invés dos procedimentos, dispositivos balizados
pelas tecnologias leves, precisam ser implementados, incorporados e avaliados
no intuito de produzir conhecimento e impacto positivo, consequentemente,
reflexões das posturas e, uma ação exitosa nas mudanças das práticas e saberes,
a exemplo da TCI.
A TCI vem sendo fortalecida enquanto ferramenta capaz de favorecer
o cuidado (na perspectiva de promoção da saúde), a qualquer forma de
sofrimento psíquico e mental, contribuindo para a consolidação do vínculo
entre usuários e equipes de saúde da família. Dessa forma, justifica-se a
realização de um estudo representacional que apreenda as contribuições da
Terapia Comunitária nas mudanças das práticas na Estratégia de Saúde da
Família.
O estudo teve como objetivo identificar as modificações/mudanças nas
práticas no processo de trabalho da Estratégia de Saúde da Família a partir da
implantação da Terapia Comunitária nestes serviços. Dessa forma, busca-se
também contribuir na discussão da utilização de tecnologias leves na produção
do cuidar no campo da saúde e na Enfermagem, com ênfase na TCI.

MÉTODO
A presente pesquisa foi construída na perspectiva moscoviciana através
da abordagem sociocognitiva. Entende-se que esta opção teórico-metodológica
favorece uma reflexão sobre a crítica, sobre o espaço onde o sujeito está inserido

190
conferindo um valor influenciado pelo saber do senso comum e da ciência.
Apóia-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), a qual operacionaliza
um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em
sua diversidade no que diz respeito à pressão à inferência, o engajamento a
dispersão e a propagação da informação. Parte do pressuposto de que existem
diferentes jeitos de conhecer e de se comunicar, orientadas por objetivos
diferentes e define duas delas, vigentes nas nossas sociedades: a consensual e
a científica, cada uma construindo seu próprio universo (ARRUDA, 2002).
A TRS se articula tanto com a vida coletiva de uma sociedade e com
os processos de constituição simbólica, nos quais sujeitos sociais lutam para
dar sentido ao mundo, entendê-lo e encontrar o seu lugar através da sua
identidade social. Dessa forma a TRS pode ser um importante instrumento
de decodificação da realidade, especialmente na compreensão do modo
como o homem constrói o seu conhecimento, passando pela reconstrução
do intersubjetivo concomitante com a trajetória da produção e reprodução
de algo socialmente constituído com uma determinada permanência e
pertinência (JovcheloviTCIh, 1994).
O estudo circunscreve-se numa pesquisa de campo de abordagem
qualitativa. O universo do estudo foi constituído pelas 180 (cento e oitenta)
Equipes de Saúde da Família situadas no município de João Pessoa, sendo
desenvolvido no Distrito Sanitário II nas equipes que atuam com a Terapia
Comunitária como outra oferta terapêutica (há no mínimo um ano),
totalizando 9 (nove) Unidades de Saúde da Família-USF. Este distrito é
formado por 38 ESF, localizadas nos bairros: Cristo, Rangel, João Paulo II,
Gervásio Maia, Funcionários, Geisel, Cuiá com a população de 128.830
segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). A escolha por
esse distrito deve-se ao trabalho desenvolvido pela diretoria do mesmo junto
as equipes de valorização e acompanhamento das rodas de TCI nos territórios.
Nesse distrito, 11 (onze) profissionais desenvolvem atividades
enquanto terapeutas comunitários. Contudo, 7 (sete) aceitaram participar do
estudo livre e espontaneamente assinando o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. O Projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba,
sob o protocolo n° 0006 na 1ª Reunião Ordinária, realizada em 2009, por

191
entender que a função de regulação e legalidade na coleta de dados deve estar
adscrita a área de jurisdição do mesmo.
Para a coleta de dados foi realizada uma terapia temática, que se
aproxima nesse caso do grupo focal, o qual consiste em reuniões com um
pequeno número de interlocutores. Essa técnica possibilita ao pesquisador
construir uma série de possibilidades de dados que lhe permitem levar em
conta várias opiniões sobre o mesmo assunto e obter mais informações sobre
a realidade. Além de permitir, a reflexão dos participantes, a formação de
consensos sobre determinado assunto ou de cristalizar opiniões distintas, a
partir de argumentações (Minayo, 1994).
A TCI temática é uma variação do método da TCI convencional, esta
ultima com cinco passos (acolhimento, escolha do tema, contextualização,
problematização e ritual de agregação) enquanto que na TCI temática,
priorizam-se três passos (acolhimento, problematização e ritual de agregação).
Na TCI temática, o tema é previamente escolhido e lançado através de um
mote. Os participantes relatam suas histórias vinculadas ao tema colocado
pelo terapeuta. A ideia de usar a TCI temática foi inspirada em uma terapia
realizada por seu criador, Prof. Dr. Adalberto de Paula Barreto, denominada
Terapia das Borboletas, a qual foi divulgada por meio digital (DVD) para os
formadores de terapeutas comunitários, através do Movimento Integrado de
Saúde Comunitária do Ceará, MISMEC – CE. Assim, a TCI temática foi
realizada no mês de abril de 2009, na sala de reunião do Centro de Atenção
Integral a Saúde- CAIS situado no Distrito Sanitário II. A TCI foi gravada e
os depoimentos dos participantes foram transcritos a partir do consentimento
dos mesmos.
Os dados discursivos foram analisados por meio da Técnica de Análise
do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e na perspectiva da micropolítica e
das subjetividades que encerram os processos de trabalho e suas modificações
cotidianas dos terapeutas comunitários. Entende-se que as subjetividades
envolvidas dizem respeito aos processos sócio-cognitivos - ancoragem e
objetivação - na medida em que revelam aspectos estruturantes e estruturados
de um saber que se insere na interface da ciência e do senso comum, campo
fecundo para a emersão das representações sociais e que circunscrevem a
realização da TCI, da qual emana o posicionamento dos seus atores sobre si

192
e a atividade de perspectiva comunitária na formação da rede de cuidados na
atenção básica, particularmente, na saúde mental.
Durante o estudo, os sujeitos foram codificados por lendas populares
nordestinas. Uma singela homenagem a cultura popular, a qual a TCI também
reforça, além de ser o nordeste, particularmente o Estado do Ceará, o berço
da Terapia Comunitária. Assim foram utilizados os seguintes personagens de
lendas: mãe-d’água (iara), boitatá, curupira, caipora, mãe de ouro, pisadeira e
mula-sem-cabeça.
O estudo seguiu os parâmetros da resolução 196/1996 do Conselho
Nacional de Saúde, a qual direciona os princípios éticos de pesquisas realizadas
com seres humanos. Os participantes da pesquisa receberam informações sobre
o objetivo a ser alcançado através do consentimento livre esclarecido, após a
submissão e aprovação sob o protocolo n° 0006 na 1ª Reunião Ordinária,
realizada em 2009 no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências
da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, por entender que a função de
regulação e legalidade na coleta de dados deve estar adscrita a área de jurisdição
do mesmo.

RESULTADOS
Os discursos dos participantes foram representados através de mapas
cognitivos construídos a partir da análise do discurso dos participantes. Alguns
aspectos foram sistematizados: Modificações no processo de trabalho da ESF;
Modificações na relação entre a equipe; Modificações na relação com o usuário.
Esclarece-se que as contribuições dos mapas cognitivos para apreensão
das representações sociais neste estudo dizem respeito à possibilidade em
construir, a partir de olhares pessoais dos envolvidos, uma representação
gráfica da questão, facilitando a visão dos elementos considerados, e de como
se interrelacionam, contribuindo imensamente para o equacionamento
(Lima, 2003).

Modificações no processo de trabalho da ESF

Na figura 1, ilustram-se as falas dos sujeitos que emergiram para o


conceito de escuta/acolher, como núcleo estruturante da representação que

193
os profissionais estudados têm acerca da mudança no processo de trabalho na
ESF após a implantação da TCI.

Figura 1- Mapa de significados de mudanças no processo de trabalho da Equipe de


Saúde da Família após a implantação da Terapia Comunitária para o terapeuta, Distrito
Sanitário II, João Pessoa, 2009.

Entretanto, coexistem algumas dificuldades na implementação da TCI


nas ESF, e para os terapeutas comunitários estudados (Figura 2), a adesão da
equipe é o principal elemento que resiste a essa efetivação da TCI no serviço.

Figura 2- Mapa ilustrativo das dificuldades na implementação da Terapia Comunitária na


Estratégia de Saúde da Familia, Distrito Sanitário II, João Pessoa, 2009.

194
Modificações na relação entre a equipe

A figura 3, reforça as dificuldades apresentadas pelos terapeutas


comunitários estudados no que se refere à adesão da equipe, demonstrando
que por esse analisador não houve mudanças significativas na relação entre a
equipe após a implantação da TCI.

Figura 3- Mapa de significados de mudanças na relação entre a equipe após a implantação


da Terapia Comunitária, Distrito Sanitário II, João Pessoa, 2009.

Modificações na relação com o usuário

No que se refere às mudanças na relação com o usuário, conforme


visualizado na figura 4 todos os participantes do estudo referiram mudanças
significativas, sendo a palavra vínculo considerada chave para representação
dessa transformação, na relação trabalhador-usuário.

195
Figura 4- Mapa de significados de mudanças na relação com o usuário após a implantação
da Terapia Comunitária, Distrito Sanitário II, João Pessoa, 2009.

DISCUSSÃO
Considera-se que no contexto realístico de uma unidade ou equipe de
saúde os processos de trabalho, se produzem através de fluxos intensos de
comunicação entre os diferentes agentes de trabalho, da gestão ou usuários,
que interagem entre si, não apenas no contato físico e comunicacional, mas em
grande medida por fluxos-conectivos que se dão também em nível simbólico, e
vão operando os processos produtivos que se estruturam em uma organização
de redes, tendo como centro o Trabalho Vivo em ato, como substrato sobre
o qual a produção dos atos de saúde vai acontecendo (FRANCO; MERHY,
2007).
Contudo, salienta-se que os processos de trabalho operam em relações
intercessoras entre trabalhadores e usuários através do encontro de ambos
enquanto sujeitos na produção do cuidado, sendo as relações atravessadas
por vetores de relações singulares e intensamente intersubjetivas- espaços da
micropolítica (AYRES, 2005). Assim esses fluxos- conectivos que se formam
no âmbito da produção do cuidado tem forte potência produtiva e transitam
no processo de trabalho com grande liberdade de ação, pois novos caminhos

196
são provocados além dos processos instituídos, como a exemplo os protocolos,
como outros percursos possíveis de produzir a vida.
Destarte, torna-se evidente que na Estratégia de Saúde da Família
há um caráter prescritivo bastante exacerbado, sendo definidos a priori
locais de atendimento (unidade de saúde para pacientes vulneráveis, visitas
domiciliares para outros atendimentos e grupos na comunidade), existindo
lista de atividades que devem ser realizadas pela equipe, com resultados
previamente anunciados (85% dos problemas de saúde resolvidos, vínculos
dos profissionais e comunidade) (FRANCO; MERHY, 2008).
O caráter prescritivo não considera a possibilidade de intervenções
sobre as diferentes necessidades de saúde do usuário, já discutidas nesse estudo
em outros momentos. Nesse sentido aos profissionais de saúde cabe assumir
as seguintes posturas: manter a lógica atual (seguindo o caráter normativo);
aceitar o caráter prescritivo, recapitulando os objetivos, mas mantendo o
compromisso principal do serviço de saúde, não com o usuário, mas com a
produção do procedimento; e finalmente a equipe pode ignorar parcialmente
as prescrições da Estratégia e dedicar-se criativamente a intervir na vida da
comunidade em direção a melhoria das suas condições de vida (FRANCO;
MERHY, 2008).
Concorda-se que a última postura torna-se mais remota, uma vez que
se refere a reconhecer que nenhuma ferramenta pode dar conta de tudo.
Trabalhar sob essa ótica, implica na necessidade de inventar novas abordagens
a cada caso, exigindo uma negação da onipotência de cada profissional, para
que seja possível o trabalho em equipe, saindo do isolamento dos núcleos de
competências, articulando um campo da produção do cuidado (FRANCO;
MERHY, 2008).
Na figura 1, a escuta/acolher aparece como principal mudança
percebida pelo terapeuta após a implantação da TCI no serviço. Contudo
no processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família, a concepção de
acolhimento vai além de uma postura de escuta/acolher às necessidades do
usuário, implicando num dispositivo capaz de reorganizar as práticas do
serviço a partir das diferentes necessidades dos usuários. O acolhimento pode

197
analiticamente, evidenciar as dinâmicas e critérios de acessibilidade a que
os usuários estão submetidos, nas suas relações com os que os modelos de
atenção constituem (FRANCO; MERHY, 2003).
Para os mesmos autores, o acolhimento pode interrogar os processos
intercessores que constroem relações clínicas das práticas de saúde e que
permite escutar ruídos do modo como o trabalho vivo é capturado. Relações
clínicas aqui compreendidas como encontro entre necessidades e processos
de intervenção tecnologicamente orientados, os quais visam operar sobre o
campo das necessidades que se fazem presente nesse encontro, na busca de
fins implicados com a manutenção e ou recuperação de certo modo de viver
a vida (FRANCO; BUENO; MERHY, 1999).
Nesse sentido, o acolhimento propõe inverter a lógica de organização
dos serviços de saúde, partindo dos pressupostos de garantia ao acesso
universal, reorganização do processo de trabalho, buscando deslocar o eixo
central do médico para a equipe multiprofissional e qualificação da relação
trabalhador-usuário, devendo ser baseada nos parâmetros humanitários,
de sociedade e cidadania. Vale destacar que, para os mesmos autores, o
acolhimento se faz enquanto postura ética e não enquanto espaço ou local,
implicado em compartilhamento de saberes, necessidades, angústias e
invenções. Como diretriz operacional, requer uma nova atitude no fazer
saúde, ressaltando o protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de
produção, envolvimento de toda a equipe multiprofissional na escuta e
responsabilização pelo usuário, elaboração do projeto terapêutico individual
e coletivo com construção de linhas de cuidado, mudanças na forma de
gestão, ampliando espaços democráticos (FRANCO; MERHY, 2003).
Contudo, percebe-se nas manifestações discursivas dos sujeitos do
estudo o acolhimento relacionado à forma de abordagem, escuta, interação,
apoio, e reforço aos vínculos. Este último, dependendo de como as equipes se
responsabilizam pela saúde do conjunto de pessoas que vivem em sua região.
Para tal, o processo de trabalho realmente precisa ser organizado sob a lógica
de equipe e não de forma parcelar, a qual tradicionalmente está incorporada
nos serviços de saúde. Em eixo verticalizado, organiza-se o trabalho do
médico e assim em colunas verticais, o trabalho dos outros profissionais.
Essa organização do trabalho fixa os trabalhadores em determinada etapa do

198
projeto terapêutico. Assim, o profissional de saúde se aliena do próprio objeto
de trabalho, ficando sem interação com o produto final de sua atividade
laboral, mesmo que tenho dele participado pontualmente. Como não há
interação, não haverá compromisso com o resultado de seu trabalho e nem
estabelecimento de vínculo.
Assim, a escuta e o acolher, destacados pelos profissionais como conceitos
importantes atrelados à inserção da TCI enquanto tecnologia de cuidado na
atenção básica só conseguirá inferir em mudanças no processo de trabalho
da equipe quando compreendidos enquanto elementos necessários à prática
de todos os profissionais de saúde e que seja incorporado na micropolítica de
cada um que produz cuidado, para que a reorganização das práticas baseadas
na responsabilização clínica e sanitária com o usuário, efetivamente aconteça.
No que se refere às dificuldades apontadas pelos terapeutas no processo
de implantação da TCI, cabe destacar que a formação dos profissionais no setor
saúde, ainda possui forte influência do modelo biomédico, supervalorizando
os aspectos curativos e o reforço a utilização de tecnologias leve-duras e duras,
em detrimento das tecnologias leves, embora as diretrizes curriculares tenham
apontado para o aspecto social e epidemiológico, seus efeitos ainda não são
perceptíveis na realidade dos serviços de saúde.
Nesta perspectiva, torna-se verdadeiramente uma ruptura com os
conceitos pré-estabelecidos e hegemonicamente difundidos entre as categorias
profissionais compreender que outras formas de cuidar podem ser ofertadas,
mesmo sem o enfoque curativo prescritivo ser feito, a exemplo da TCI onde
a solução dos problemas emerge das experiências que fortalecem a força que
cada um tem de superar as adversidades e no apoio estabelecido entre o grupo.
Outra questão importante a ser considerada nesse processo de
implementação da TCI diz respeito a formação do terapeuta comunitário
que, priorísticamente, parece estar voltada para o próprio terapeuta e suas
dificuldades consigo e com os usuários. Emerge como um artefato para
reduzir os efeitos ansiogênicos dos processos de trabalho, das defesas e da
elaboração de insights. Contudo, cabe a crítica de que enquanto membro
da equipe de saúde, este precisa sensibilizar os demais membros da equipe

199
de saúde para, de forma compartilhada compreender essa ferramenta. Faz-
se necessário, a partir de um processo comunicativo, reforçar o engajamento
para a partir da dispersão das informações, divulgação e propaganda,
enquanto dimensões representacionais, adensar o compartilhamento da TCI
pela comunidade de pertença, para baseando-se em Moscovici (1978) tornar
familiar, algo desconhecido para garantir uma modalidade terapêutica comum
de sobrevivência na atenção básica.
A pouca adesão da equipe a TCI aparece como dificuldade a
implementação da TCI. Vale considerar que a concepção de equipe está
vinculada a de processo de trabalho e está sujeita às transformações pelas quais
este vem passando ao longo do tempo (PEDUZZI, 1998). Neste sentido, a
compreensão de equipe advém da necessidade histórica do homem de somar
esforços para alcançar objetivos, que isoladamente não seriam alcançados
ou seriam de forma mais trabalhosa ou inadequada e da imposição que o
envolvimento e a complexidade do mundo moderno tem imposto ao processo
de produção, gerando relações de dependência e/ou complementaridade de
conhecimentos e habilidades para o alcance dos objetivos.
Para Peduzzi (1998), o trabalho em equipe multiprofissional consiste
numa modalidade de trabalho coletivo que se configuram na relação recíproca
entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes
áreas profissionais. Por meio da comunicação, através da mediação simbólica da
linguagem, dá-se a articulação das ações multiprofissionais e a cooperação. O
que poderá diferenciar a maior ou menor integração será a prática da arguição
da técnica e da desigual valoração social dos distintos trabalhos por meio
do agir-comunicativo, visto que este pressupõe não somente compartilhar
premissas técnicas, mas sobretudo um horizonte ético.
No setor saúde, o aprisionamento de cada um em seu núcleo especifico
de saberes e práticas aprisiona o processo de trabalho as estruturas rígidas do
conhecimento técnico-estruturado, tornando o trabalho morto dependente,
por estar inscrito no tempo longo e vivido17. Todavia, seria necessária a
interação entre os mesmos, trocando conhecimentos e a articulando um
campo de produção do cuidado, possibilitando de cada um usar todo o seu
potencial criativo e criador na relação com o usuário, para juntos realizarem a
produção do cuidado (FRANCO; MERHY, 2008).
Contudo, cabe resgatar a discussão anteriormente feita de que no modo
de produção do cuidado existe sempre um processo de disputa de projetos

200
revelando projetos singulares e nem sempre em defesa da vida individual e
coletiva. Por isso mexer no processo de trabalho é intervir na micropolítica
dos sujeitos, seres dotados de desejos e subjetividades, que na saúde implica
diretamente no modo de produzir o cuidado.
Assim, os profissionais de saúde realizam intervenções próprias de
seus respectivos núcleos de conhecimento; contudo, a execução de ações
comuns com os demais núcleos profissionais, são ações do campo, nas
quais estão integrados saberes provenientes de distintas áreas: acolhimento,
grupos educativos e grupos operativos. A TCI enquanto tecnologia de cuidar
instituída nos serviços de saúde e apoiada pela gestão municipal de João Pessoa
precisa ser incorporada como oferta terapêutica da organização do serviço,
sendo divulgada por todos os membros da equipe que precisam compreendê-
la e apoiá-la enquanto dispositivo de escuta/acolhimento as necessidades de
saúde do usuário e construção de vínculos com o mesmo.
Ressalta-se, contudo, que os terapeutas não referiram mudanças
significativas na relação com os trabalhadores, além da pouca adesão destes
a TCI. Infere-se que o reforço ao vínculo após a implantação da TCI se dá
na relação com o terapeuta, ou seja, com o profissional de saúde terapeuta
que participa das rodas de TCI, com o usuário ao invés da equipe com o
usuário. Ressalta-se o aspecto residual do modelo flexneriano de atuação de
cada profissional, ao criar uma reserva e um modo de manutenção do núcleo
e campo de atuação.
O vocábulo vínculo, de origem latina, pode ser compreendido como
algo que ata ou liga pessoas, indica interdependência, relações com linhas
de duplo sentido, compromissos dos profissionais com os pacientes e vice-
versa. A construção de vínculos constitui um recurso terapêutico e depende
de movimentos tanto dos usuários quanto dos profissionais (SPINK, 1994).
A construção de vínculos passa pela escuta da necessidade do usuário,
respeito à sua cultura, história de vida, crenças, valores e à forma como
representa suas necessidades e suportes frente ao cotidiano. O estabelecimento
do vínculo torna-se fundamental para a construção de projetos terapêuticos
capazes de dialogar com a necessidade/realidade do usuário. Assim, a
intervenção clínica - aqui na perspectiva de clínica ampliada- poderá tornar-se
cada vez mais resolutiva.
Torna-se necessário democratizar os serviços de saúde, na perspectiva
de construção de cidadania, e a superação do monopólio do diagnóstico de

201
necessidades e de se integrar a “voz do outro” para ir além da construção
de um vínculo/responsabilização. Corroborando com uma efetiva mudança
na relação do poder técnico-usuário, evidenciando, segundo Gramsci, “as
possibilidades que tem o ser social de passar do reino da necessidade para o
reino da liberdade” (GOMES, 2005).
No processo de construção de vínculos, a relação dialética torna-se
extremamente necessária e para Freire (1987) ao fundamentar-se no amor,
humildade, na fé dos homens, o diálogo se faz numa relação horizontal em
que a confiança de um pólo no outro se faz conseqüência óbvia, essa vai
tornando os sujeitos dialógicos na pronúncia do mundo. Acrescenta ainda
que os sujeitos que não possuem humildade não podem se aproximar-se do
povo, não assumindo a posição de companheiros da pronúncia do mundo,
uma vez que nesse lugar de encontro não há ignorantes absolutos, nem sábios
absolutos, existem homens que em comunhão, buscam saber mais.
Visualiza-se questões centrais, referentes à forma como os terapeutas
estudados percebem a TCI na ESF, conforme esquematizada na figura 5.
De um lado, ocorreram poucas repercussões no processo de trabalho nas
equipes de saúde da família, com a implantação da TCI. Do outro, aqueles
que aconteceram, a exemplo da postura de escuta/acolher, estão relacionadas
a atitude do profissional terapeuta comunitário em assumir esta estratégia.
Ressalte-se que em ambos os casos, evidencia-se baixa adesão das equipes
a TCI, considerada como um das dificuldades para implementação desta
tecnologia de cuidado. Em contrapartida, na relação com o usuário, a melhor
aproximação com este através das rodas de TCI, resultou num fortalecimento
de vínculos, o qual se faz extremamente necessário na produção do cuidado
integral.

202
Figura 5- Esquema figurativo representacional das repercussões da Terapia Comunitária
no processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família, Distrito Sanitário II, João
Pessoa-PB, 2009.

CONCLUSÃO
A proposta da realização de um estudo representacional sobre a Terapia
Comunitária e ainda discutir sua repercussão no processo de trabalho da
Estratégia de Saúde da Família tornou-se desafiante, uma vez que se configura
como um tema atual, contudo pouco estudado sob essa perspectiva.
No estudo, foram revelados pelos profissionais os significados que
possuem sobre as mudanças no processo de trabalho a partir da implantação
da Terapia Comunitária, sendo evidenciados os seguintes pontos:

• A mudança identificada deu-se no âmbito de uma postura mais


acolhedora por parte dos profissionais;
• A relação entre os membros das equipes não teve mudanças significativas,
explicadas pela pouca adesão dos membros das equipes a TCI;
• Na relação frente ao usuário, o vínculo foi fortalecido, sendo esse
fortalecimento associado ao papel do terapeuta comunitario.

No município de João Pessoa-PB, desde a implantação da TCI buscou-


se a capilarização desta tecnologia no território, contudo para garantir a sua
203
implementação torna-se necessário instituír mecanismos de apoio e avaliação
descentralizada nos territórios. A equipe gestora precisa compreender a
necessidade de envolvimento dos outros profissionais, apoiando o terapeuta na
sensibilização dos demais trabalhadores de saúde, divulgando as ações realizadas
e possibilitando espaço de troca entre os terapeutas comunitários.
Ressalta-se que a formação do trabalhador de saúde, que historicamente
deu ênfase à utilização de tecnologias duras e leve-duras, em detrimento das
tecnologias leves, dificulta a introdução de, no fazer cotidiano, dar maior ênfase
as tecnologias relacionais, ou seja, ao trabalho vivo. O diálogo com o outro,
reconhecendo seus valores, suas crenças, construindo projetos terapêuticos
a partir das diferentes necessidades do usuário, torna-se um desafio para o
profissional de saúde. E romper com essa lógica, fazendo-o compreender a
importância de algumas ofertas terapêuticas de cuidado, como a TCI, é algo
processual que requer mudança de paradigma.
Contudo, as transformações das práticas passam pela emergência e
valorização de novos saberes, por uma postura mais dialógica da equipe entre
si e com os usuários e uma maior responsabilidade política e ideológica entre
os gestores. Essas transformações são potenciais construtores de vínculos,
aproximando quem oferece e presta serviço de quem recebe e personalizando
a relação, que deve ser compromissada, solidária e aparecer como fruto de uma
construção social e de esforços envolvendo, equipe, comunidade e instituições.
Assim, o investimento em dispositivos que possibilitem a reorganização
dessas práticas, capazes de mexer nos microespaços de atuação do trabalhador-
micropolítica- e nas relações entre os profissionais das equipes, torna-se
fundamental, a exemplo do acolhimento.
Reconhece-se, dessa forma, o caráter transformador da TCI na construção
de vínculos com os usuários, necessitando, todavia que seja visualizada pela
equipe como oferta terapêutica do serviço e não do profissional terapeuta, e não
como um saber de segunda ordem frente a estrutura estruturada do modelo
biomédico.
Recomenda-se a implantação da TCI, enquanto tecnologia leve
de cuidado, capaz de potencializar a construção de vínculos nos serviços,
contudo para que se tenha repercussão nos processos de trabalho das
equipes, compreende-se como necessário o envolvimento de todos os

204
membros, buscando mudanças na micropolítica de cada um proporcionando
transformações nas relações entre os profissionais e entre estes e os usuários.

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representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.

206
PARTE IV

A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA


COM GRUPOS ESPECÍFICOS
TERAPIA COMUNITÁRIA COMO ABORDAGEM
COMPLEMENTAR NO TRATAMENTO DA
DEPRESSÃO: UMA ESTRATÉGIA
DE SAÚDE MENTAL NO PSF
DE PETRÓPOLIS/RJ*

9
Ana Lúcia da Costa Silva
Eliane Carnot de Almeida

INTRODUÇAO
A prática em saúde mental tem exigido, na contemporaneidade, um
novo olhar sobre o sofrimento psíquico, onde novas abordagens terapêuticas
devem ser testadas e praticadas. A entrada das ações básicas em saúde mental
na Estratégia Saúde da Família - ESF está em conformidade com orientações
importantes e recentes da Organização Mundial da Saúde - OMS e do
Ministério da Saúde (FERREIRA FILHA et al., 2009).
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2002a), no seu campo de ação da
saúde mental, reconhece que todo problema de saúde é também e sempre,
de saúde mental, e que toda saúde mental é também e sempre produção de
saúde. Nesse sentido, será importante e necessária a articulação da saúde
mental com a atenção básica. Porém a inserção da assistência às pessoas com
depressão na ESF é um processo recente, mesmo sendo esta uma das queixas
mais frequentes.
A depressão é a alteração afetiva mais estudada e falada na atualidade.
Classificada como um transtorno de humor, ela vem reger as atitudes dos
sujeitos, modificando a percepção de si mesmos, passando a enxergar suas
problemáticas como grandes catástrofes. Tratada como “a doença da sociedade
* Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação em Saúde da Família da Universidade Estácio de
Sá/RJ, em 2010.

208
moderna”, a depressão tem características que podem traduzir uma patologia
grave ou ser apenas mais um sintoma do sujeito diante de uma situação real de
vida, ou seja, suas características podem determinar uma melancolia em si, ou
ser apenas um sintoma constituinte de outra patologia. Segundo o CID-10,
dependendo da forma como os sintomas são experimentados, a depressão será
classificada como leve, moderada ou severa. Os sintomas principais são: humor
depressivo, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga, ou
perda de energia, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva, indecisão ou
capacidade diminuída de pensar e pensamentos de morte recorrentes.
Segundo Andrade, Buchele e Gevaerd (2007) estima-se em 20% a
prevalência global de transtornos mentais na população brasileira. Pesquisas
epidemiológicas em diferentes regiões brasileiras encontram prevalências
de demanda por cuidado psiquiátrico que variam entre 19 e 34%. Dentre
os transtornos mentais a depressão merece destaque enquanto problema de
saúde pública, considerando sua multicausalidade e a frequência com que essa
queixa aparece nas unidades de saúde.
A prevalência anual de depressão na população em geral varia entre
3% a 11%. Nos pacientes de cuidados primários em saúde seu percentual é
de 10%. Em pacientes internados por qualquer doença física a prevalência de
depressão varia entre 22% a 33%. A depressão é 2 a 3 vezes mais frequente em
mulheres do que em homens (SHUA-HAIM, 2003).
A depressão é um transtorno recorrente; estima-se que aproximadamente
80% dos indivíduos que receberam tratamento para um episódio depressivo
terão um segundo episódio depressivo ao longo de suas vidas, sendo quatro
a mediana de episódios ao longo da vida. A depressão é um transtorno
incapacitante e foi estimada como a quarta causa específica de incapacitação
através de uma escala global para comparação de várias doenças (SHUA-
HAIM, 2003).
Fortes, Villano e Lopes (2008), em seu estudo sobre perfil nosológico
e prevalência de transtornos mentais em pacientes atendidos em unidades
da ESF em Petrópolis/RJ, relatam que: as categorias nosológicas mais
comumente encontradas entre os pacientes com transtornos mentais comuns
positivos foram depressão e ansiedade, junto com transtorno de estresse pós-
traumático, transtorno de dor somatoforme e transtornos dissociativos. Houve

209
alta frequência de comorbidade, especialmente entre transtornos ansiosos,
depressivos, somatoformes e dissociativos.
Diante da magnitude do problema da depressão, os profissionais da área
de saúde na atenção básica precisam de aprimoramento e técnicas específicas
para lidar com este sofrimento. Um dos instrumentos que vem sendo utilizado
neste sentido é a Terapia Comunitária Integrativa – TCI, que ocupa hoje no
cenário brasileiro, um lugar de destaque por ser eficaz na promoção da saúde
e na prevenção do adoecimento.
A TCI é uma abordagem terapêutica em grupo que visa promover
a saúde e prevenir o adoecimento. A TCI é também eficaz na atenção
primária em saúde mental, por caracterizar-se fomentadora de cidadania, da
formação de redes sociais solidárias e de identidade cultural das comunidades,
abrangendo diversos contextos familiares, institucionais e sociais (BARRETO,
2008). O Ministério da Saúde tem adotado esta técnica em alguns municípios
como uma ferramenta de ação na ESF, por ter uma metodologia eficiente para
o trabalho em grupo, com a finalidade de promover a saúde, a melhora da
autoestima e a construção de redes solidárias.
Na rede pública de saúde, a TCI tem por objetivo criar um cinturão de
atenção, cuidado e prevenção, ser multiplicadora do atendimento, identificar
e encaminhar aos centros especializados as situações graves de transtornos
psíquicos, além de favorecer o envolvimento multiprofissional da rede com
uma proposta de atenção básica em saúde mental.
Como Psicóloga clínica e utilizando a terapia comunitária como
técnica terapêutica em vários grupos heterogêneos de pacientes em sofrimento
psíquico, questionamentos e aprofundamentos sobre o desenvolvimento
da técnica me eram recorrentes, tais como a indagação sobre um melhor
aproveitamento da técnica em abordagem terapêutica específica como
a depressão ou as dependências. Uma das minhas motivações em cursar o
Mestrado em Saúde da Família foi a possibilidade de repensar e investigar
a minha práxis e a forma como poderia alcançar bons resultados com os
instrumentos terapêuticos de que os psicólogos dispõem. Portanto, as
questões norteadoras que encaminharam o desenvolvimento desta pesquisa se
delinearam como reflexões do meu cotidiano profissional, e são apresentadas
como eixo delineador desta pesquisa: A TCI contribui para a prevenção e
tratamento das pessoas com depressão? O processo terapêutico da TCI voltado

210
para os quadros de depressão, promove mudanças na autoestima e nas relações
vinculares das pessoas assistidas por esta técnica?
Breda e Augusto (2003) ressaltam que a rede de cuidado aos portadores
de transtorno mental precisa estar em articulação com a rede básica de saúde.
Neste sentido, o Ministério da Saúde vem estimulando ativamente políticas
de expansão, formulação e avaliação da atenção básica, diretrizes que incluam
a dimensão de ações e serviços voltados para a atenção à saúde mental dos
usuários com os problemas mais frequentes de saúde mental, tais como
depressão, uso de drogas, quadros de ansiedade, dentre outros. Verifica-se que
grande parte das pessoas com transtorno mental leve ou severo, está sendo
efetivamente atendida pelas equipes de atenção básica nos grandes e pequenos
municípios.
Assumir este compromisso é uma forma de responsabilização em
relação à produção da saúde, à busca da eficácia das práticas e à promoção de
equidade, da integralidade e da cidadania em um sentido mais amplo.
A ESF é pela sua própria natureza e pelo modo como está construída,
uma estratégia para o desenvolvimento local da saúde, visando a promoção da
atenção básica. As ações de prevenção de agravos e promoção da saúde mental,
através da ESF, devem integrar esforços dos vários profissionais de saúde com
novos aportes de técnicas, visando um melhor atendimento e resolutividade
dos problemas psíquicos da população atendida (FORTES; VILLANO;
LOPES, 2008).
Esta pesquisa está voltada, como já foi dito, para a atenção básica,
investigando a aplicabilidade da TCI como instrumento terapêutico na
prevenção e tratamento da depressão. Por se tratar de uma investigação
que leva em conta os elementos culturais e sociais ativos da comunidade,
conclui-se que a presente investigação possa produzir dados relevantes para o
desenvolvimento de ações e serviços da ESF. O estudo descrito neste artigo
é uma pesquisa empírica que teve como objetivo geral avaliar a contribuição
da Terapia Comunitária como abordagem complementar no tratamento da
depressão em uma USF do município de Petrópolis – RJ, a partir da percepção
dos usuários. Teve ainda como objetivos específicos: categorizar o grau e
tipo de depressão referida por usuários portadores desta patologia na ESF;

211
identificar os principais problemas e estratégias de enfrentamento associadas
à depressão entre os mesmos; analisar a contribuição da TCI para com estes
usuários, no reforço da autoestima e dos vínculos familiares, comunitários e
profissionais.
Ao eleger a Terapia Comunitária como foco, onde a relação subjetivo/
objetivo acontece e se expressa, esta pesquisa parte da concepção de que a
consciência social e a relação saúde-doença são, antes de tudo, produto social,
não se limitando apenas às conexões entre o biológico/meio ambiente, mas
ganhando, sobretudo, significados ao estabelecer relações de sentido entre as
diversas partes da relação homem/saúde/doença, de transformação da natureza
e dos homens entre si, justamente porque a capacidade humana para a
compreensão da saúde/doença é antes de tudo resultado da relação do homem
com a sua história, construindo cotidianamente sentidos e significados aos
novos fenômenos na vida de cada indivíduo e de sua coletividade.

MÉTODO
Trata-se de um estudo empírico cujo objeto de avaliação é a Terapia
Comunitária Integrativa. Foi escolhida a abordagem qualitativa tendo em
vista a busca de um caminho metodológico apropriado ao entendimento
dos aspectos dinâmicos, individuais e grupais da experiência humana.
Turato (2003) destaca que a pesquisa qualitativa é um meio científico para
conhecer e interpretar os significados de natureza psicológica e psicossocial,
principalmente os relacionados à saúde-doença. Ele descreve a pesquisa
qualitativa como:

Estudo teórico - e seu uso correspondente em investigação – é de um


conjunto de métodos científicos, técnicas e procedimentos adequados
para descrever e interpretar os sentidos e os significados atribuídos a
fenômenos e relacionados à vida dos indivíduos sejam pacientes ou
qualquer outra pessoa participante do setting dos cuidados com a
saúde parentes, membros da equipe profissional e da comunidade”
(TURATO, 2003, p. 240).

212
Na abordagem qualitativa aqui utilizada, buscou-se criar um
enquadramento da relação face a face, valorizando os traços afetivos, e
escutando a fala do sujeito, com foco nos tópicos ligados a saúde-doença e aos
processos terapêuticos, observando a linguagem corporal e o comportamento
dos sujeitos pesquisados.
Foram utilizados conceitos da área da saúde coletiva com intercessão
com a saúde mental, e ainda conceitos básicos da psicanálise, buscando
responder às questões norteadoras. Na investigação clínica em psicologia
utilizam-se conceitos aceitos e entendidos por outros profissionais da
saúde. Figueiredo e Tenório (2002) afirmam que a psicologia e a psicanálise
comportam uma dimensão clínica e uma dimensão de pesquisa, um método
terapêutico e um método de investigação. Esse mesmo autor sugere que há
muitas maneiras de estudar o conteúdo psicoterápico com a finalidade de
melhorar o entendimento de como ele funciona.
Embora a abordagem qualitativa tenha permeado toda a pesquisa,
utilizaram-se também procedimentos quantitativos, para revelar dados
quantificáveis de interesse para o estudo.
A pesquisa foi realizada no município de Petrópolis, situado na região
serrana do Estado do Rio de Janeiro, que possui uma extensão de 776,6 km²,
distribuídos em cinco distritos, com uma população de 306.645 habitantes,
dos quais 94% concentram-se na região urbana e 6% na região rural (BRASIL,
2005a).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de
0,804, situando-o entre as regiões consideradas de alto desenvolvimento
humano (IDH>0,8). A ESF no município atinge 133.800 mil petropolitanos
(45 % da população) e conta com 40 Equipes de Saúde da Família - EQSF
distribuídos em 35 Unidades de Saúde da Família - USF.
A pesquisa foi realizada em uma USF localizada no bairro “Meio da
Serra”, no período de junho a agosto de 2009. A população do bairro é de 3.073
pessoas, com 943 famílias cadastradas. A Equipe de Saúde da Família - EQSF
é composta por um médico, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem
e 06 agentes comunitários de saúde (ACS). A população tem como fonte de

213
renda o trabalho no comércio local, e algumas famílias vivem de trabalho
autônomo, como pedreiro, carpinteiro, emprego doméstico, dentre outros.
A escolha desta unidade se deu por indicação da Coordenação da
ESF do município, por identificar que o bairro de Meio da Serra tem um
número significativo de pessoas em sofrimento psíquico, com queixas de
depressão, e na unidade ainda não tinha, no momento da pesquisa, nenhum
tipo de atendimento em grupo voltado para esta problemática. Segundo a
coordenação, estas características facilitariam o desenvolvimento da pesquisa.
Por se tratar de uma pesquisa com grupo específico, a escolha dos sujeitos
do estudo foi intencional. Contudo, obedeceu a critérios pré-estabelecidos:
residir na área geográfica de atendimento da USF, bairro de Meio da Serra,
apresentar sinais e sintomas clínicos de depressão, e participar em 80% dos
encontros de TCI programados para este estudo, que no total foram sete.
Para a seleção dos sujeitos foi aplicado o questionário Inventário
de Depressão Beck. Assim, fizeram parte da pesquisa, 20 pessoas, do sexo
feminino, com idade entre 15 a 75 anos. As usuárias foram encaminhadas
à pesquisadora pela EqSF, em dia previamente marcado, para aplicação do
instrumento de confirmação da presença de sinais e sintomas de depressão.
Não foi encaminhada nenhuma pessoa do sexo masculino.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estácio de Sá-RJ. As mulheres foram nomeadas com nomes de
rosas a fim de manter o anonimato exigido para pesquisas envolvendo seres
humanos.
Foram utilizados nesta pesquisa dois instrumentos: o Questionário
Inventário de Depressão de Beck (1998) para seleção dos sujeitos do estudo,
o Questionário de Eficácia da TCI criado por Barreto (2005), para avaliar
o impacto da TCI na formação de vínculos e recuperação da autoestima, e
a técnica da Terapia Comunitária (Barreto 2008) para avaliação da TCI no
tratamento da depressão a partir dos depoimentos dos usuários.
O questionário inventário de Depressão de Beck (1998) é um
instrumento criado pelo Dr. A. T. Beck, consta de 21 perguntas de múltipla
escolha, podendo ser auto aplicável. É provavelmente a medida de auto-

214
avaliação de depressão mais amplamente usada tanto em pesquisa como em
clínica, tendo sido traduzido para vários idiomas e validado em diferentes
países. A escala original consiste em 21 itens, incluindo sintomas e atitudes,
cuja intensidade varia de 0 a 3. O diagnóstico é dado de acordo com o
somatório das pontuações de cada questão. A escolha deste questionário como
instrumento de pesquisa se deu como alternativa para uma melhor seleção
da amostra, uma vez que o mesmo oferece meios de categorizar os graus de
depressão dos participantes.
O questionário de Eficácia da TCI é um instrumento para avaliar o
impacto da terapia comunitária. Foi elaborado por Barreto (2005), criador da
TCI, e contou com a participação de Miriam Rivalta Barreto, mestre pedagoga,
psicóloga, formadora e intervisora da Terapia Comunitária. A avaliação é
feita nos planos individual (dados pessoais, vínculos e autoestima) e coletivo
(mudanças geradas no campo social). O instrumento é composto de 28
perguntas distribuídas de modo a contemplar os seguintes vínculos: familiar,
conjugal, filial, moradia, comunitário, leitura, escrita, profissional, econômico,
religioso, saúde física, saúde psíquica, apoio social, segurança, lazer, alimentar,
tecnológico, amizade, documentação, cidadania, solidariedade, dependência,
espiritual. A pesquisa priorizou a análise dos vínculos: familiares, conjugal,
comunitário e profissional nos portadores de depressão do ESF de Petrópolis-
RJ, assim como da autoestima.
Barreto (2008) identifica três tipos de vínculos que precisam ser
avaliados quando se faz uma pesquisa qualitativa em TCI, que seriam vínculos
saudáveis, vínculos frágeis, e vínculos de risco.
A Terapia Comunitária também foi utilizada como técnica de produção
do material empírico e foi aplicada em oito momentos, utilizando o protocolo
da TCI, ou seja, obedecendo todas as etapas: acolhimento, escolha do tema,
contextualização, problematização e encerramento.
A pesquisa de campo obedeceu ao desenho metodológico descrito a
seguir:
I – Realização de uma palestra com EQSF para apresentar a TCI e a
pesquisa a fim de sensibilizá-la para participar e apoiar a pesquisa.

215
II - Realização de palestra sobre saúde mental e tratamento da depressão
dirigida aos usuários da USF, com a finalidade também de apresentação da
pesquisa sendo descritos seus objetivos e procedimentos.
III - Aplicação do Questionário Inventário de Depresso Beck, aos
usuários encaminhados pela EQSF com queixas e sintomas de depressão para
confirmação diagnóstica e seleção dos sujeitos do estudo. O questionário foi
aplicado aos 20 participantes e todos foram selecionados para a pesquisa.
IV - Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos
usuários escolhidos. Os dados coletados foram analisados protegendo-os.
A adesão dos usuários foi voluntária, sem nenhum comprometimento do
atendimento recebido nas unidades da ESF caso não desejassem participar.
V - Realização de oito rodas de TCI com os sujeitos do estudo, com
duração de 1h. 40 min. cada, e intervalo de uma semana entre uma roda e
outra. O número de rodas foi pré-determinado, por se tratar de um grupo
de ajuda mútua, onde o processo psicoterápico acontece a partir do primeiro
encontro.
VI- Aplicação do Questionário de Eficácia da TCI. Na primeira e
na oitava rodas, filmadas pelos auxiliares da pesquisa (conforme acordado
previamente com o grupo), tendo em vista a necessidade de coleta de dados
dos usuários, no início e no final da pesquisa, oportunidade de registro de
dados com relação à autoestima e relatos dos vínculos. O intervalo entre a
1ª e 8ª rodas foi de dois meses, tempo suficiente para avaliar mudanças na
qualidade dos vínculos. A aplicação deste questionário permite quantificar e
qualificar os vínculos das pessoas que trazem suas dificuldades e sofrimento
para a Terapia Comunitária. Esses dados permitem verificar como se configura
as relações sociais que as pessoas estão estabelecendo, podendo compreender
de que forma os vínculos podem ser afetados pelo adoecimento da depressão.
Ainda é possível através deste questionário, avaliar aspectos da autoestima das
participantes. O questionário oferece uma fórmula, onde é possível fazer a
contagem com a interpretação dos resultados apresentados.
Os dados coletados pelo Inventário de Beck e Questionário de eficácia
foram submetidos ao tratamento estatístico simples e são apresentados em
forma de gráficos e tabelas. Além da identificação dos graus de depressão
através do inventário de Beck, foi feita também uma classificação dos tipos de
216
depressão dos usuários, com base nos critérios estabelecidos pelo psicanalista
Zimerman (1999). Este autor relata que são várias as causas que ocasionam a
depressão, chegando a classificar os tipos de depressão. Ressalta que, além das
causas orgânicas que predispõem alguns a depressão, há que se considerar as
questões psicológicas, cujas questões podem ser categorizadas em:

1- Depressão anaclítica (resulta de um primitivo “vazio de mãe”);


2- Depressão por identificação com o objeto perdido - (a sombra do objeto
recai sobre o ego);
3- Depressão por perdas - tanto de objetos importantes como processos
involutivos (ficar mais velho);
4- Depressão por culpa - ação punitiva de um superego tirânico;
5- Identificação Patógena - Identificação com a vítima;
6- Ruptura com os papéis designados - A depressão provém de um ego
ideal (expectativas grandiosas);
7- Depressão do fracasso narcisista - Resultante de enormes demandas de
obtenção de êxito;
8- Pseudodepressão - Pessoas que atravessam a vida inteira com sentimento
de desvalia, desamor (pessoas niilistas).

Para a análise do material empírico produzidos nas rodas de TCI foi


utilizada a técnica de análise de conteúdo, que segundo Bardin (2002, p. 35),
se constitui em um “conjunto de técnicas de análise das comunicações” que
aposta grandemente no rigor do método como forma de não se perder na
heterogeneidade de seu objeto. Na verdade, a principal pretensão da análise
de conteúdo é vislumbrada na possibilidade de fornecer técnicas precisas
e objetivas que sejam suficientes para garantir a descoberta do verdadeiro
significado. Bardin (2002, p. 9) considera que uma boa análise se define como:

[...] uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a


inferência. Enquanto esforço de interpretação a análise de conteúdo

217
oscila entre dois pólos: do rigor da objetividade e da fecundidade
da subjetividade. É tarefa paciente de “desocultação”, (...) analisar
mensagens por esta dupla leitura onde uma segunda leitura se
substitui à leitura “normal” do leigo, é ser agente duplo, detetive,
espião [...].

A análise de conteúdo pressupõe uma (des) construção, necessária à realização


da análise propriamente dita que através da inferência, ou seja, da dedução
lógica por parte do investigador, assume uma nova construção. Nesta
perspectiva a análise de conteúdo permite fazer inferências, deduções sobre
a fonte, a situação em que os dados foram produzidos e o material que se
constitui objeto de análise. Baseia-se, para isso, em uma lógica explicitada e de
acordo com o objeto a ser analisado.
Bardin (2002) ressalta que uma boa análise de dados deve seguir o rigor
do método escolhido e na análise de conteúdo o melhor caminho a seguir é
fazer uma pré-análise: no primeiro momento com material colhido foi feita
a leitura flutuante, para em seguida fazer uma descrição analítica onde foram
levantadas as hipóteses testadas (nas etapas consecutivas) e, por último, fez-
se a interpretação inferencial¨. Das hipóteses formuladas se buscará obter as
categorias. Com os temas apresentados nas rodas de TCI, buscou-se aferir as
categorias codificadas por Barreto (2008).
Para se chegar a classificação da depressão segundo Zimerman
(1999), utilizou-se também a técnica de análise de conteúdo de Bardin
(2002), buscando extrair das falas dos usuários, e dos questionários
respondidos inferência que levariam a compreensão dos fatores
psicodinâmicos que predispões a depressão os usuários em estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fim de um melhor rigor científico, não nos contentamos em trabalhar
apenas com a etiqueta de depressão. Para assegurar que os participantes da
pesquisa fossem portador de depressão, decidimos aplicar o questionário de

218
Inventário de Beck que classifica os diversos tipos, apresentando os seguintes
dados:

Categorização do grau de depressão


Percebemos que as participantes apresentavam um quadro de
depressão, sendo que 03 com depressão grave, 07 com depressão moderada,
08 com depressão leve e 02 em remissão do quadro de depressão. Os dados
mais relevantes com relação ao grau de depressão é a ocorrência das variáveis
psicossociais relacionadas com depressão, sendo que os sintomas mais sérios
sinalizados por autores como Beck e Steer (1998) e apontados no DSM-
IV estiveram presentes 75% das participantes. O sentimento de tristeza
foi assinalado por 14 participantes. Sentimentos de culpa estavam sendo
experimentados por 09 mulheres durante grande parte do tempo.
Esses dados levantados pelo Questionário do Inventário de Beck se
confirmaram nas falas das participantes quando nas rodas falaram de seus
problemas e sofrimentos. Esses problemas apresentados foram analisados e
configurados como:

Principais Problemas apresentados e associados à depressão:

As 20 participantes relataram a vivência de muito estresse, 11 viveram


conflitos familiares de ordem severa como violência doméstica e alcoolismo,
14 viveram problemas econômicos, 12 falaram de muito sofrimento com
o cônjuge, 06 relataram queixas de saúde e 04 relataram conflitos sociais e
dificuldades de interação social. Desses, 02 relataram problemas com familiares
em relação às questões de uso de álcool, 14 vivem de trabalho diário ou de
pequenos bicos, 03 têm sérios problemas financeiros e 11, que relataram viver
com seus conjugues, apresentaram queixas relativas ao relacionamento, tais
como uso de álcool pelo parceiro, desemprego do parceiro, violência, fraco
vínculo de comunicação e ausência de companheirismo.
Os achados relativos a problemas com o cônjugue, familiares e
sentimentos negativos com relação a eles, são preditivos de depressão, o que
219
corrobora os achados da literatura, onde Barreto (2008, p. 338), destaca
que “a família é o lugar primordial para dar e receber apoio, acolhimento e
pertencimento aos seus membros”. Quando esses vínculos são frágeis ou de
risco, a dor e o sofrimento psíquico se tornam presentes.
Entre as participantes, 08 apresentavam uma ou mais doenças, sendo
hipertensão arterial (HA) e diabetes mellitus (DM) as mais frequentes. Para
alguns estudiosos, a presença de doenças crônicas é fator de risco para a
depressão (KNAP, 2004). O hábito de beber entre os familiares (observado
em 05 casos) pode provocar desestabilização das relações intrafamiliares,
sendo fator que contribui para o retraimento da mulher, bem como sua baixa
autoestima, por se sentir impotente diante da situação. A ocorrência de óbito
nos últimos 12 meses também predispõe à depressão, pois pode estar associado
à vivência do luto. Esse fato foi observado em 03 casos.
Vários estudos apontam o desemprego como um fator altamente
preditivo de sintomas de depressão. O desemprego na família é um fator
que levaria a problemas de autoestima, tendo em vista as dívidas e outras
dificuldades decorrentes do problema econômico, e estaria diretamente
relacionado à presença de reações depressivas. Em nossa pesquisa, 04
apresentaram o problema do desemprego e os agravos que isto ocasiona à
família. A significativa existência de sinais de depressão deve ser acompanhada
e orientada tendo-se em vista a utilização de recursos de saúde, por essas
participantes, principalmente nas ESF. Nesse grupo, observou-se que os
sintomas sugestivos de depressão em quase metade das participantes, podem
estar relacionados aos fatores psicossociais, que estão vivenciando, somados às
questões biológicas.
Os fatores psicossociais estiveram presentes em todas as participantes
como precárias condições de vida agravados por condições socioeconômicas,
somadas ao alto nível de ansiedade e estresse. As 03 em estado grave apresentaram
como agravo da depressão aspectos biológicos que acentuavam o seu estado
como hipertensão, diabetes e insuficiência renal. Esse subgrupo, quando da
participação nas rodas de TCI, apresentou, nas primeiras sessões, dificuldades
no processo de comunicação, cuja expressão facial e corporal denotavam baixa
autoestima, porém à medida que iam falando sobre suas dores e sofrimentos,
estas dificuldades iam se modificando, surgindo uma nítida mudança nas

220
atitudes, melhorando sua apresentação, os braços descruzavam-se, o corpo
encurvado ia aos pouco se erguendo, o olhar ia buscando contato.
O cuidado que a TCI oferece na sua terapêutica, respeitando a
singularidade do sujeito, aceitando a manifestação dos valores culturais,
oportuniza aos participantes evocar suas dores e conflitos, ecoando com os
outros participantes ressignificando as suas angústias. Durante todas as rodas
de TCI, conforme a sessão acontecia, as pessoas relatavam seus sofrimentos
e apoiados pela partilha dos outros membros iam construindo um lugar de
cuidado de terapêutica aos seus sofrimentos. Foi possível perceber que mesmo
com dor e sofrimento psíquico as participantes buscavam estratégias de
enfrentamento apresentadas nas suas falas:

Principais estratégias utilizadas como recurso terapêutico

• Buscar Ajuda dos Amigos - Acesso à rede Comunitária Social - 05 pessoas;


• Buscar Ajuda Médica - 03 relataram como sua 1ª estratégia de
enfrentamento;
• Buscar ajuda espiritual - 04 relatam que sua fé tem sido a melhor estratégia
de enfrentamento da depressão;
• Cuidar melhor, se relacionar com família e autocuidado em geral - 03
têm aprendido que é preciso saber cuidar-se para poder se relacionar
melhor com a família;
• Participar das rodas de TCI - 03 destacam que a TCI tem sido sua arma
para enfrentamento da sua dor.

Ainda foram relatadas pelas participantes outras estratégias de


enfrentamento que utilizavam para lidar com a depressão como: uso de
remédios caseiros, técnica de relaxamento, atividade física. Todos esses achados
possibilitaram classificar o sofrimento psíquico dessas mulheres, caracterizados
na forma de depressão conforme a psicanálise. Para a compreensão dos
resultados encontrados, Lacan (1997) e Zimerman (1999) pontuam que,
independentemente da personalidade, a depressão é uma doença com uma
sintomatologia em que o funcionamento da estrutura psíquica se descompensa,

221
se tornando mórbida. Cada estrutura é produto do alcance e da realização de
determinadas etapas do desenvolvimento psicoemocional do sujeito, sendo
várias as causas de adoecimento de uma estrutura. Nesta pesquisa, foi possível
identificar as seguintes categorias apontadas pela psicanálise (ZIMERMAN,
1999):

Tipos de Classificação de depressão conforme a Psicanálise


03 pessoas com depressão anaclitica;
02 pessoas com depressão por identificação com os objetos perdidos;
05 pessoas com depressão por perdas importantes;
01 pessoa com depressão por culpa;
03 pessoas com depressão por ruptura pelos papéis designados;
01 pessoa com depressão por fracasso narcisista;
05 pessoas com pseudodepressão;

Roudinesco e Plon (2001) concluem que na depressão o sujeito é


invadido por afetos contraditórios devido a déficit ou enfraquecimento
da estrutura psíquica, onde o sujeito é afetado por uma angústia em grau
acentuado. Zimerman (1999) destaca que não há uma causa única para a
depressão. É preciso considerar as contingências em que o sujeito está envolvido
e a sua condição psíquica para enfrentamento das situações dolorosas.
Outro aspecto relevante da pesquisa foi a percepção de determinantes
sociais da saúde que estiveram presentes no sofrimento psíquico das pessoas
pesquisadas em depressão, tais como estresse, conflito familiar, alimentação,
conflitos sociais, álcool, emprego, que deixavam vulneráveis ao sofrimento
emocional com queixas recorrentes de depressão.
Com relação à avaliação qualitativa dos vínculos e da autoestima
das participantes depois das rodas de Terapia Comunitária, observou-se
uma mudança nos valores dos vínculos quando comparado os dados da 1ª
aplicação com os dados da 2ª aplicação do Questionário de Eficácia da Terapia
Comunitária. Foi percebido também que os vínculos saudáveis tiveram
um considerável aumento, acarretando, como consequência, uma redução
dos vínculos frágeis e de risco, sendo a redução dos vínculos frágeis a mais
significativa.
Estes dados corroboram a afirmação de que a Terapia Comunitária
influencia diretamente as relações interpessoais, familiares e sociais. Através
das rodas, algumas participantes adquiriram empoderamento e fortalecimento
dos vínculos, conforme relatos:

[...] Agora sei, que não preciso me quebrar toda, brigar com todos,
principalmente com meu marido. Aqui apreendi que posso falar
(Begônia).

[...] Não tinha coragem de falar sobre a frustração do meu casamento.


Tinha vergonha do meu fracasso. Mas sei que a culpa não é só minha.
Sei que tem solução para tudo na vida... E agora vou lutar pela minha
vida (Acácia).

Barreto (2008, p. 354) conclui que “o diálogo aberto, franco,


em clima de respeito das expressões, sentimentos e emoções parece facilitar a
construção de vínculos de apoio. Poder falar em grupo, liberar as tensões e ser
acolhido liberam as pessoas para estabelecer um relacionamento mais saudável,
sem medo de julgamento”. A Terapia Comunitária também propiciou às
participantes a ampliação dos seus vínculos, resgatando relacionamentos e
permitindo novas redes de apoio. Conforme pode ser visto nas falas abaixo

[...] Eu vivia só e depois da terapia comunitária tenho vários amigos


[...] (Acácia).

[...] Não vejo a hora de chegar o dia da Terapia Comunitária. Pois


aqui encontro pessoas que me compreendem [...] (Bouganville).

[...] Vocês não sabem como tem sido bom estar aqui e poder compartilhar
com vocês um pouco da minha vida (Malva Santa).

[...] Já não me sinto tão só. Aqui me sinto em casa (Jasmim).

Barreto (2008, p. 309), destaca que a “base da autoestima se constrói nas


relações familiares e se consolida através do estabelecimento ou ampliação das
relações sociais”. À medida que as participantes falavam de suas dores e do seu
sofrimento nas rodas de Terapia Comunitária, iam se aliviando e resgatando
força e coragem para enfrentar seus problemas, buscando no grupo ajuda
para suas dificuldades, resgatando, com isto, sua autoestima, desenvolvendo
a auto-aceitação e a auto-afirmação. Algumas compreendiam que os erros e

223
dificuldades vividos poderiam ser superados, e que para isto não precisavam
ser adversárias de si mesmas, e que as carências e dificuldades na vida podem
gerar competência.
As falas, a seguir, deixam claro que as participantes se reconhecem
nos seus sofrimentos, mas que com a participação nas rodas de TCI, cuja
abordagem trata-se, sobretudo, de uma terapia de cuidado, preventiva, onde a
partilha, experiência de vida e saberes torna-se terapêutica, cada um tornam-se
terapeuta de si mesmo a partir da escuta de si e dos outros. E ainda essas falas
especificam como a autoestima de algumas melhoraram nas questões de auto-
aceitação, auto-responsabilidade, auto-afirmação e empoderamento.

[...] Sei que apesar dos problemas, preciso me cuidar (Rosa).

[...] Agora com a Terapia Comunitária, percebo que estou melhorando,


sinto até mais vontade de me arrumar, estou com mais vida. (Lavanda).

[...] Ah! Antes de participar da terapia eu não tinha nem ânimo para
sair. Agora fico torcendo para chegar quarta-feira. Pois sei que aqui vou
me descobrindo me conhecendo e me aceitando (Begônia).

Barreto (2008, p. 52), considera que o cuidado e o acolhimento


presentes nas rodas de Terapia Comunitária fazem com que ”cada um torne-se
terapeuta [...] e co-responsável na busca de soluções e superação dos desafios
cotidianos”.
Com a participação nas rodas, muitas participantes (86%) relataram
que seus relacionamentos com familiares e com a comunidade melhoraram.
Na terapia foram construindo novas amizades, com as quais puderam contar,

224
fortalecendo o vínculo de amizade. Isto fica patente na fala de uma das
participantes.

[...] Agora tenho amigas com quem posso desabafar. Aqui na terapia
descobri que é possível se fazer amigos. Agora não me sinto só. (Flor de
Liz).

Ainda com relação aos vínculos estudados, podemos perceber que o


vínculo religioso é uma estratégia que as participantes utilizam para amenizar
seus sofrimentos. Muitas das participantes, durante as rodas de Terapia
Comunitária, relataram seu credo e puderam expressar sua sensibilidade
espiritual, fato este que foi possível observar nos rituais de agregação, durante
suas falas na roda de Terapia Comunitária.

[...] Agora tenho esses dois lugares que gosto de ir, a minha igreja, e
tenho esperado pela quarta feira... Pois aqui, não vejo nem as horas
passar. Ruim é como estava naquele quarto escuro sofrendo sozinha
(Margarida).
[...] Eu era uma pessoa fechada, não falava meu problema a ninguém,
a não ser quando procurava meu pastor, mas agora aqui me sinto em
segurança (Melissa).
[...] Com essas conversas aqui, sinto mais vontade de viver... Até tenho
me arrumado mais [...] Antes até a igreja estava difícil de ir. Agora
não, tenho tido mais vontade de sair (Hortência).

Muitas das falas relatadas pelas participantes do grupo revelaram


que, através das rodas de Terapia Comunitária, se empoderaram, ganhando
confiança para falar de si, elevando a sua autoestima, conseguindo mudar a
percepção sobre si mesmas, encarando de forma mais otimista a realidade,
resgatando força para lutar pela existência. Em todas as participantes houve
um desenvolvimento de vínculos saudáveis com os membros do grupo e
familiares, aumentando o sentimento de pertencimento. Elas desenvolveram
nas rodas, novas estratégias de enfrentamento dos seus sofrimentos. Buscaram
novas formas de vivenciar seu cotidiano, resgatando sonhos, desejos e vontade

225
para agir e idealizar projetos. Tais mudanças possibilitaram eliminar algumas
crenças disfuncionais sobre sua forma de vida, elevando sua autodeterminação.
O compartilhar no grupo propiciou ajuda mútua sendo ora cuidadas,
ora cuidadoras umas das outras. Barreto (2005) ressalta que o homem que
ajuda o outro, de certa forma, se ajuda.
Com relação a aspectos relacionados à autoestima, Barreto (2005, p.
308), destaca que “a miséria é uma construção humana... cada um de nós detém
a chave do próprio sucesso e do próprio fracasso”. Branden (1999) enumera
seis grandes pilares que dão sustentação à autoestima: viver conscientemente,
autoaceitação, autorresponsabilidade, autoafirmação, intencionalidade,
integridade pessoal.
Os relatos apresentados acima são eloqüentes e levam à compreensão
dos aspectos relacionados à autoestima. Nota-se que algumas das participantes
apresentavam vínculos frágeis e de risco, principalmente com relação à família
e à comunidade. No entanto, suas histórias revelam que à partir da participação
e do engajamento no grupo de Terapia Comunitária, se descobriram como
atores sociais, compreendendo seus potenciais de transformação pessoal e
social, à partir do fortalecimento dos vínculos familiares, sociais e comunitários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigar a técnica da Terapia Comunitária Integrativa como


abordagem terapêutica no tratamento da depressão na ESF do município de
Petrópolis-RJ me possibilitou, como terapeuta e cuidadora, repensar e refazer
a clínica nas ações básicas da saúde mental, numa abordagem integrativa
e sistêmica. Como profissional, já tendo atuado nos serviços públicos, nos
espaços da atenção básica, me sinto confrontada diariamente com um número
significativo de pessoas em sofrimento psíquico, em grande parte com queixa
de depressão.
Foi possível vivenciar e consolidar a importância de pesquisar a clínica
psicoterápica, confrontada com os limites e possibilidades do método e o
instrumental técnico usado na práxis cotidiana em grupo, desvendando minha
ignorância, enfrentando minhas dificuldades provenientes dos meus limites
pessoais enquanto pesquisadora. A pesquisa sobre a Terapia Comunitária

226
Integrativa como estratégia para lidar com a depressão permitiu, de forma
ímpar, verificar a escala do sofrimento, da dor e da autodestruição que essa
doença ocasiona aos seus portadores, e perceber que estratégias de cuidado em
grupo como a terapia comunitária são eficazes no tratamento complementar
da depressão.
Investigar a utilização da técnica da Terapia Comunitária Integrativa
como estratégia para usuários da ESF portadores de depressão, possibilitou
identificar os indicadores psicossociais deste sofrimento: ansiedade e estresse
relacionados às dificuldades vivenciadas, conflitos familiares, uso e abuso
de substâncias químicas, violência doméstica, queixas somáticas, conflitos
sociais, desemprego e carências dos elementos básicos à sobrevivência. Todos
esses sofrimentos foram temas recorrentes nas rodas de Terapia Comunitária,
evidenciando a prevalência desses indicadores psicossociais na depressão.
Os resultados apontaram que, na percepção dos usuários, a Terapia
Comunitária Integrativa é um espaço para falar, se aliviar, ser escutado pelo
grupo, diminuir os sentimentos de tristeza e de medo, e sair do isolamento.
Além disso, possibilita a troca de experiências e a aprendizagem. A Terapia
Comunitária Integrativa foi percebida pelo grupo como facilitadora do
diálogo e da partilha, possibilitando a expansão do diálogo para além das
rodas, para atingir as relações familiares e sociais.
Foi possível perceber que o uso desta técnica, quando aplicada na
atenção básica, contribui para um atendimento humanizado, ajudando na
formação de redes solidárias, estabelecendo vínculos, o que nos leva a sugerir
que a Terapia Comunitária Integrativa seja implantada em Petrópolis e em
outros municípios brasileiros, inserida como uma das técnicas de promoção
de saúde, uma vez que está em vigor um convênio firmado com o Ministério
da Saúde para a formação de terapeutas comunitários para atuação junto à
ESF em todo o território nacional.
A Terapia Comunitária Integrativa foi percebida pelo grupo como uma
experiência positiva, uma contribuição à saúde emocional, promotora de
bem-estar, de socialização (ambiente de encontro com amigos, um local de
diálogo, onde pessoas estão dispostas a escutar), momento de confraternização

227
e lugar de alívio do sofrimento psíquico, bem como de ressignificação das
necessidades dos usuários (solução de problemas, desenvolvimentos, e um
caminho facilitador da saúde mental). Pode-se verificar que as 20 mulheres que
participaram das rodas de Terapia Comunitária Integrativa e tinham vínculos
frágeis e de risco, obtiveram grande melhora na qualidade desses vínculos.
Percebe-se que os portadores de depressão, com perdas na qualidade de seus
vínculos, fragilizados na sua rede de sustentação afetiva, com a participação nas
rodas, possibilitou o fortalecimento desses vínculos e o aumento da resiliência.
Ficou clara também, através deste grupo estudado, a distinção entre
sofrimento e patologia. A patologia é da competência dos profissionais, sendo
que o sofrimento não pode ser medicalizado, uma vez que isto geraria mais
sofrimento. O sofrimento precisa ser acolhido, e a comunidade deve assumir
sua co-responsabilidade na atenção básica. Como refere Barreto (2005), o
acolhimento do sofrimento é uma ação cidadã. Podemos constatar que as
medicações utilizadas pelas participantes foram tão importantes quanto o
apoio recebido nos grupos, em forma de abraços, de experiências. Diante disto,
vemos que a força da comunidade, quando inserida nas ações de promoção de
saúde, pode ser de ajuda na redução dos sofrimentos.
Os saberes e práticas, não somente técnicos, devem se articular na
construção de um processo de valorização da subjetividade, tornando os
serviços de saúde mais acolhedores, com possibilidades de criação de vínculos.
Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer
doença, às vezes atuando como entrave à adesão às práticas de promoção
da saúde ou de uma vida mais saudável. Portanto, é necessário um maior
investimento, na atenção básica, em tecnologias voltadas para a redução do
sofrimento psíquico, uma vez que o próprio Ministério da Saúde reconhece
dentro das ações de saúde mental que todo problema de saúde é também
de saúde mental, e que toda saúde mental é também, e sempre, produção
de saúde. Partindo-se desta premissa torna-se importante e necessária a
articulação da saúde mental com a atenção básica de saúde.
Os recursos comunitários não podem ser negligenciados no tratamento
médico. No nível básico tem coisas que eles podem fazer e a TCI é um

228
desses espaços de agregação de recursos e mobilização, já com relação aos
outros níveis de cuidado a prescrição deve ser feita quando necessária por
um especialista. Entretanto, há que se ter cuidado com a medicalização do
sofrimento emocional. Os psicofármacos devem ser considerados como parte
do arsenal terapêutico para tratamentos das doenças mentais e não como a
única alternativa. Porém, outras abordagens terapêuticas devem ser acionadas
com relação ao sofrimento psíquico. E os três níveis de cuidado precisam ser
articulados integrando as ações de saúde e cuidados uma vez que, nem só
práticas de autoajuda resolvem nem só remédios, nem só hospitalização, mas
os três recursos articulados de forma sinérgica.
A oportunidade de aplicar a Terapia Comunitária Integrativa em um
grupo específico como esse, composto de portadores de depressão, possibilitou
ver que dentro da realidade brasileira, existem tecnologias de cuidado eficazes
para a promoção da saúde mental, e que se faz necessário implementar estas
técnicas para acolher aqueles que se encontram em sofrimento.

REFERÊNCIAS

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230
CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA
PARA O ENFRENTAMENTO DAS
INQUIETAÇÕES DE GESTANTES.*

10
Viviane Rolim de Holanda
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha

INTRODUÇÃO

No mundo da globalização, a sociedade encontra-se repleta de


contradições, em que a crise de valores compromete o mundo das relações e,
conseqüentemente, a qualidade de vida das pessoas. Isso leva o ser humano
a experimentar uma vida cheia de inquietação, solidão e dificuldade de
estabelecer comunicação efetiva com seus pares. No entanto, atitude de
promoção à vida e práticas que valorizam o outro vem, significativamente,
sendo o diferencial. Esse resgate permite desenvolver a capacidade de
emocionar-se, envolver-se e de criar vínculos de co-responsabilidade e
precisam ser implantados no cuidado à saúde.
As mulheres representam 51,2% da população brasileira, constituindo,
aproximadamente, 89 milhões. A população feminina é responsável pela
maior demanda de ações de saúde, ou seja, as mulheres são as principais
usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2004a).
Entretanto, o Relatório sobre a Situação da População Mundial
aponta que o número de mulheres pobres é superior ao de homens e a
carga horária de trabalho das mulheres é maior e pelo menos metade está

* Dissertação defendida no Programa de Pós Graduação em Saúde da Família da Universidade Estácio de


Sá/RJ, em 2010.

231
em atividades não remuneradas (BRASIL, 2004b). Essa desigualdade e a
sobrecarga de trabalho acarretam prejuízos e agravos à saúde das mulheres.
Soma-se a isso o fato de que existe cerca de 30% de mulheres sem
assistência pré-natal, no nosso país (MALDONATO, 2002). Outras vezes,
essa assistência acontece com práticas que promovem a desvalorização das
experiências de vida da mulher.
A maior conseqüência dessa situação é o índice de mortes maternas
no Brasil. Estima-se que 98% são evitáveis e que 68% delas ocorrem no
momento do parto (GALLI, 2005). Diante desse contexto, a omissão do
Estado em implementar políticas eficazes voltadas para a promoção e proteção
à saúde da mulher e o não fortalecimento do PAISM (Programa de Atenção
Integral à Saúde da Mulher) podem concretizar a falta de diligência diante de
um quadro onde se negligencia, desrespeita e desvaloriza a vida das mulheres.
Práticas de saúde que esvaziam os sujeitos, de suas histórias, falas,
singularidades, reproduzindo, de maneira sistêmica, modelos que não
condizem com sua realidade favorecem a perpetuação do cenário de
discriminação, violência, angústia e ansiedade para as mulheres.
Portanto, as políticas de saúde devem levar em consideração o universo
pluralizado da mulher, rompendo a visão reducionista do papel social e
da discriminação, fruto da construção histórica, cultural e política. Assim,
percebe-se o quanto é urgente a luta pela mudança nos indicadores de saúde
relacionados à mulher.
O ciclo vital da mulher apresenta diversas fases, com suas próprias
mudanças, necessidades de adaptação e, muitas vezes, redefinição de
propósitos de vida, e isso, durante a gestação, pode apresentar uma conotação
bem mais forte. O ciclo que envolve a gestação, o parto e puerpério promove
alterações sistêmicas e psicológicas no corpo feminino. Esse é um momento
ímpar na vida da mulher. A intensidade das alterações psicológicas depende
de fatores individuais, familiares, conjugais, culturais e de sua personalidade
(NORONHA; LOPES; MONTGOMERY, 1993).
Embora a gestação seja um evento biologicamente normal, cada
gravidez é vivida de maneira única por uma mulher e está inserida em um

232
contexto familiar e social específico, logo, é uma vivência tanto individual
como grupal e familiar que exigirá o desenvolvimento de novos papéis na
busca de sua identidade (BRASIL, 2005).
A complexidade das mudanças provocadas pela gravidez não se
restringe apenas às variáveis emocionais, bioquímicas, mas, também, estão
nela envolvidos os fatores socioeconômicos e culturais. A gestação envolve
a necessidade de (re) estruturação e (re) ajustamento, em várias dimensões,
principalmente no que diz respeito à identidade, à definição de papéis e à
composição da rede de intercomunicação, tanto para a mulher quanto para a
família.
A forma fragmentada na qual é tratada a saúde da mulher é inquietante,
estabelecida através de metas isoladas, pautada na desarticulação das ações e na
falta de amplo acesso. Na atenção básica de saúde é notória a grande demanda
nos serviços, a ineficácia na formação de muitos profissionais, centrada
extremamente na dimensão biológica, além da fragilidade da estratégia do
Programa de Saúde da Família com ausência de práticas capazes de despertar
o empoderamento e espaços de fala necessários para um maior controle da
saúde.
Assim, a desarticulação das ações no ciclo gravídico-puerperal é um
dos fatores que influencia a fragmentação do cuidar e gera ansiedade com
repercussões negativas para o processo de nascimento, além de ter sido causa
de desconforto, violência e inúmeras mortes maternas em nosso país.
Na vivência com as gestantes durante o desenvolvimento desta
pesquisa, vislumbrou-se uma estratégia para entender a mulher, além de seu
sistema reprodutivo, um espaço onde pudemos compreender, de maneira
ampla, os seus questionamentos, seus valores e crenças, sua cultura, enfim, sua
história de vida.
A história que cada mulher grávida traz deve ser acolhida integralmente,
a partir do relato e da vivência de suas experiências. A assistência pré-natal
é, portanto, um momento propício para se discutir, esclarecer e ouvir as
inquietações das mulheres (BRASIL, 2000; BRASIL, 2005).
Nos encontros de TCI percebeu-se que as mulheres traziam em si a
gestação de vidas, sonhos, dores, esperanças, medos, incertezas, inquietações,
além de suas carências clínicas e a ausência de espaços para socializar falas.

233
Essas experiências contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa
com gestantes, durante a qual sentimos a necessidade desse espaço para
compreender todo o universo simbólico que envolve a mulher e a gestação.
Desde 2004, a TCI vem sendo desenvolvida em João Pessoa/PB na
Unidade de Saúde da Família Ambulantes, sendo parte de um projeto de
extensão intitulado: Terapia Comunitária: uma ação básica de saúde mental,
em parceria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vinculado a docentes,
do Departamento de Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) /Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf ). Neste projeto, busca-se estudar
e ampliar o conhecimento sobre a temática, uma vez que, na extensão, a
terapia ganha uma repercussão positiva, gerando mudanças para a melhoria
da qualidade de vida de seus participantes (FERREIRA FILHA, 2006). Vêm
participando dessa atividade moradores da comunidade, profissionais de
saúde da unidade, professores e alunos da graduação e da pós-graduação em
enfermagem da UFPB.
Este artigo busca uma compreensão mais subjetiva sobre o processo da
gravidez e possibilita contribuir para a construção de um processo de cuidado
à gestante, capaz de fornecer aos cuidadores elementos para entendimento e
subsídio de uma prática humanizada. De acordo com esse contexto e com
o desejo de contribuir para construção do conhecimento da Enfermagem,
objetivou-se revelar as contribuições da Terapia Comunitária para gestantes.

MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa guiada pela História Oral
Temática. Essa modalidade “aborda um tema específico e compromete-se com
o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre algum evento definido.
Assim, busca a verdade de quem presenciou um acontecimento ou tenha dele
alguma versão que seja discutível” (MEIHY, 2005, p. 162).
O estudo foi realizado na Unidade de Saúde da Família (USF) -
Ambulantes, localizada no bairro de Mangabeira IV - João Pessoa/PB. As

234
colaboradoras foram as gestantes atendidas pela Unidade que participavam
dos encontros de TCI. Os critérios para a formação da rede basearam-se na
freqüência dos encontros e no maior envolvimento na TCI, como também
pela disponibilidade em participar da pesquisa.
A pesquisa foi orientada pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisa envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996). Inicialmente o estudo
foi submetido ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
da Universidade Federal da Paraíba e, após sua aprovação, encaminhado à
Comissão de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da referida
Universidade para sua apreciação e aprovação (Protocolo nº 898/07 – CCS/
CEP).
O material empírico foi produzido por meio da utilização de entrevistas
e as anotações registradas no caderno de campo. Por estar inserida no projeto
de extensão de TCI, utilizaram-se os momentos de encontro de terapia
e as visitas à comunidade, como importantes instrumentos para colher
informações complementares da dinâmica de vida das participantes. Serviu-
nos para compreender e captar o sentido da comunicação não verbal, seus
símbolos e significados em um contexto mais abrangente.
O processo de entrevista consta de três etapas: a pré-entrevista, a
entrevista propriamente dita e a pós-entrevista (MEIHY, 2005).
Na pré-entrevista aconteceu o preparo do encontro para a gravação. A
pré-entrevista foi iniciada após os encontros de Terapia Comunitária, onde
foram estabelecidos os contatos com as gestantes e agendada as entrevistas, de
acordo com a disponibilidade de cada colaboradora. Na ocasião, foram feitos
esclarecimentos acerca do projeto e do seu desenvolvimento e os objetivos da
pesquisa.
A próxima etapa, a entrevista propriamente dita, realizou-se no local e
na data marcada, respeitando o lugar escolhido de preferência da colaboradora.
Teve-se a preocupação de se proporcionar um momento de acolhimento que
viabilizasse a narrativa, testar previamente o gravador e as fitas e apresentar a
ficha técnica.
Ao se iniciar a entrevista, foi reforçada a informação de que a gestante
poderia desligar o gravador, a qualquer momento, e que todo o conteúdo

235
passaria por uma conferência, momento onde ela poderia ou não autorizar
a sua utilização. Inicialmente foram registrados os dados de identificação da
colaboradora, e, em seguida, deu-se início às entrevistas, com as perguntas de
corte que perpassaram todas as narrativas.
Nesse momento, foi também discutido sobre a escolha dos nomes
fictícios, garantindo-lhes o anonimato na pesquisa. Assim, foram escolhidos
nomes de flores de acordo com a preferência de cada colaboradora.
Na pós-entrevista, foi comunicado as colaboradoras o andamento do
trabalho, como também agendados os encontros para se realizar a conferência
do material.
Após a gravação, o relato oral foi transformado em texto, para torná-lo
disponível ao público. Os depoimentos seguiram as etapas previstas de acordo
com o referencial adotado por Meihy (2005):
Transcrição: destina-se à mudança do estágio de gravação para o escrito,
após a escuta de repetidas vezes do material gravado. A transcrição foi efetuada
logo após a realização da entrevista.
Textualização: é a etapa na qual se dá ao texto inicial um caráter de
narrativa, momento em que se suprimem as perguntas de corte e fundem-se
as respostas. Alguns vícios de linguagem e palavras repetidas foram retirados
para que houvesse a fluência do texto, sem perder a identidade do discurso
da colaboradora. Durante essa etapa, iniciou-se o processo de escolha do tom
vital que corresponde à frase que servirá de epígrafe para guiar a leitura das
entrevistas.
Transcriação: etapa que se compromete com a recriação do texto,
em sua plenitude. Ordenam-se os depoimentos em parágrafos, retirando-
se ou acrescentando-se palavras ou frases, de acordo com a observação e as
anotações do caderno de campo, lançando-se mão, também, dos elementos
de pontuação para se reproduzir o clima das sensações que compõem o texto.
No fim, o material foi encaminhado para a conferência junto às
colaboradoras do projeto. Ao longo da leitura do material, elas observavam
atentamente sua própria narrativa e repetiam a história, balançando a cabeça,

236
que significava sua confirmação. Nenhuma parte do texto foi retirada por elas.
Terminada a fase de transcriação, seguiu-se a versão final do texto.
As entrevistas foram focalizadas como o ponto de partida para as análises.
Inicialmente os textos foram lidos repetidas vezes e retirados os temas centrais
focados nas experiências relatadas. A discussão dos dados foi guiada pelo tom
vital e pela identificação das frases de maior significação das experiências de
vida das mulheres grávidas, precedida por um diálogo iluminado pelos autores
que compõem a literatura pertinente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para melhor compreender o objetivo deste estudo, foram trazidos


os resultados e discussões organizados em dois momentos. No primeiro,
apresentou-se a Terapia Comunitária e ainda os sujeitos do estudo seguido
da descrição da colaboradora e o tom vital de cada depoimento. No segundo,
analisaram-se as narrativas dos fragmentos das histórias, por meio do eixo
temático que emergiu no processo de análise: Terapia Comunitária: um espaço
de fala, partilha e cuidado. 

Conhecendo a Terapia Comunitária Integrativa - TCI


A TCI surgiu no fim da década de 1980 na Favela de Pirambu,
Fortaleza, e foi criada por Adalberto Barreto, psiquiatra, antropólogo, teólogo
e professor da Universidade Federal do Ceará.
Tendo aproximadamente 20 anos, é uma experiência que já vem
ocorrendo em vários municípios de distintos estados brasileiros. A TCI
começa também a ser desenvolvida no exterior, com experiências na França,
Suíça, sendo conhecida, também, no México (ABRATECOM, 2005).
O Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (MISMEC)
está sendo ampliado para vários estados brasileiros, com inúmeros grupos de
formação, promovidos por prefeituras, universidades e ONGs. Hoje, a TCI

237
está com 21 Pólos Formadores e de Multiplicação, tendo sido formados cerca
de 8500 terapeutas comunitários (BARRETO, 2005).
De acordo com Barreto (2005), a TCI constitui-se de um espaço público
aberto, de ajuda mútua, onde se aborda tanto o indivíduo na sua singularidade
como no seu contexto social, familiar e cultural. Através da escuta das histórias
de vida de cada pessoa, todos se tornam co-responsáveis pela superação dos
desafios do dia-a-dia, despertando a solidariedade, a partilha, valorizando-
se a dinâmica interna de cada indivíduo e sua capacidade de transformação
individual e coletiva.
Os encontros de TCI tecem redes de apoio e despertam possibilidades
de mudanças, já que as pessoas da comunidade participam de uma mesma
cultura e partilham entre si recursos de comunicação e laços de identidade,
apresentando afinidades em seus sofrimentos e a busca de soluções para os
mesmos (BARRETO, 2005; BARRETO, RIVALTA, 2004).
A TCI como prática de cuidado à saúde se fundamenta nos conceitos
de promoção da saúde e prevenção do sofrimento psíquico e está ancorada
em cinco fundamentos teóricos conceituais: pensamento sistêmico, teoria da
comunicação, pedagogia de Paulo Freire, antropologia cultural e resiliência
(BARRETO, 2005).
Considera-se a TCI uma prática terapêutica pós-moderna crítica,
que reconhece as influências do macro contexto, sócio-econômico, político,
cultural, de gênero e espiritual, manifestando no micro-contexto familiar e
nas organizações comunitárias, um contexto de acolhimento pela alteridade,
na qual se tem a visão da pessoa e da comunidade como competentes para a
ação e para o agenciamento de escolhas (GRANDESSO, 2005).
A TCI é ainda um espaço para ampliação da consciência crítica sobre
os dilemas existenciais, em que cada pessoa pode transformar a sua história e
o seu sofrimento. A mudança decorre da organização do próprio sistema, nas
trocas sociais interativas entre eu e o outro.
É, portanto, uma estratégia terapêutica não mais centrada no modelo
medicalizado, mas na potencialidade do indivíduo, proporcionando o
equilíbrio mental, físico e espiritual, através de uma abordagem sistêmica,
aliada a suas crenças e valores culturais.

238
Sujeitos da história

Flor do Mandacaru: Com 26 anos, três filhos, estudou até o ensino


fundamental. É uma mulher alegre e gosta de participar da programação da
unidade de saúde. Sua história é marcada pela luta e responsabilidade para
criar seus filhos e força para enfrentar os desafios do dia-a-dia. “Participar dos
encontros de terapia tem me ajudado muito a enfrentar minhas preocupações,
porque na consulta não dá tempo falar tudo que a gente precisa...”.
Jasmim: É casada, tem 23 anos e tem dois filhos, já teve um aborto.
Mostrou-se calma, uma voz passiva, mas muito cooperativa durante a
entrevista. No decorrer de nossas conversas, foi contando sobre sua gravidez,
sobre seus sentimentos, seus medos e, apesar da fala tímida sobre sua trajetória
de vida, mostrava muita fé e confiança em Deus. “(...) chorava por qualquer
coisa, juntou as preocupações e o medo de abortar... uma angústia... me sentia
desajeitada. Gostei da terapia porque todo mundo estava pra ajudar, não pra
criticar e nem julgar”.
Margarida: É casada e cuidadora do lar. Tem 25 anos, já teve três
gestações, dentre as quais um aborto. Contou, com fala firme e detalhada,
sua experiência do parto e toda a sua trajetória durante a gestação. Em meio
às dificuldades, sua história é marcada pela luta para criar seus filhos. “(...) é
bom participar da terapia, é algo diferente, tem me ajudado a falar o que está
aperreando e também escuto experiências parecidas com a minha e vejo que não
estou sozinha”.
Girassol: Com 21 anos, vive em união estável com seu companheiro
e dois filhos. Mora na casa da sogra, com mais três pessoas. Tem o ensino
fundamental completo e ajuda nos afazeres do lar. É uma mulher batalhadora,
de voz forte, sem muita cerimônia para falar. Durante os encontros, esteve
disposta a narrar seus acontecimentos, mostrava muita confiança em si, falava
da gravidez com orgulho, sempre alisando e expondo a barriga, enquanto
relatava seus fatos. “Na terapia cuidaram de mim, me senti acolhida... fiquei

239
mais calma... A terapia me ensinou a conversar com outras grávidas... a não ver só
problemas na vida, mas valorizar as coisas boas, as alegrias e vitórias”.
Gardênia: Com 30 anos, já teve cinco gestações, das quais três
abortos. Tem o ensino fundamental incompleto. Apresenta uma história de
vida de luta, marcada pela batalha para sobreviver e criar seu filho. Longe de
seu companheiro, sofre com a saudade. Sempre emotiva abriu seu coração,
com voz mansa ia relatando sua caminhada e ilustrando-a com o álbum de
fotografias e as recordações da Alemanha, onde tinha ido morar em busca de
melhores condições de trabalho. “Grávida eu tenho me sentido triste e só... tenho
medo de criar meus filhos sozinha, de ser abandonada. Muitas pessoas pensam que
as mulheres grávidas só precisam de exames, mas estão enganadas... A terapia foi
meu suporte... ajudou no meu dia-a-dia, me deixou mais decidida... Renovou
minha esperança”.
Rosa: Casada, com 24 anos, ensino médio completo, trabalha nos
afazeres domésticos. Com sorrisos, foi contando sua narrativa com um olhar
muito vivo. Acolheu-me na residência de sua mãe onde passou boa parte
de sua gravidez, já que se sentia sozinha porque o marido passava todo o
dia trabalhando. No momento da conferência, encontrei-me com Rosa, em
sua própria casa, de difícil acesso. Era um beco e adentrando várias casas
aglomeradas no bairro é fácil encontrarmos várias moradias nesse estilo. Fomos
conduzidas por uma agente de saúde que acompanhávamos nessas visitas.
“(...) comecei a sentir medo de perder o bebê... Me isolei. Na terapia aprendi que
temos que falar as coisas que estão nos fazendo mal... Colocar pra fora para não
prejudicar a minha filha que está dentro de mim”.
Dália: É solteira, com 24 anos, ensino fundamental incompleto, já
teve quatro gravidezes, dessas, um aborto. Além da terapia, encontrávamo-
nos momentos antes da consulta do pré-natal, onde realizamos a entrevista,
conforme vontade dela. Algumas anotações foram registradas em meu caderno
de campo. A conferência da entrevista foi realizada na sua residência. Recebida
com um sorriso, fui-me aconchegando e, entre momentos pensativos e um
olhar firme, fui lendo a entrevista com ela. “O que mais me preocupa é a falta

240
de apoio do pai, tenho medo de faltar as coisas... Tenho medo porque no início
tomei alguns chás para tirar... e fico com medo dela nascer com algum problema”.
Violeta: Com 24 anos, vive em união estável e já teve quatro gestações.
Cuida do lar e tem o ensino fundamental incompleto. É uma mulher
tranqüila, mas demonstrou ser muito preocupada com a educação e criação
dos filhos. Fiz a conferência em sua residência. A casa estava movimentada.
As mulheres preparavam o almoço e a arrumação da casa, conversando e
cantando... Quebrando a rotina daquele trabalho diário. Nesse clima familiar,
calmamente, Violeta foi narrando sua trajetória de vida. “Hoje em dia é difícil
querer ter uma família grande. Rezo e peço a Deus que mantenha meu esposo
empregado para poder criar meus filhos... A terapia tem sido uma boa ajuda,
realmente se a mulher quiser ser ajudada...”
Tulipa: Com 31 anos, vive em união estável, tem o ensino médio
incompleto e já teve duas gestações. No princípio, aparentou ser uma mulher
sem motivação para participar dos encontros de terapia, distanciada e sem
envolvimento nas conversas, mas nos surpreendeu pelo seu interesse nos
encontros subseqüentes e pela procura das atividades. Tulipa fala devagar,
sendo sempre muito pensativa nas respostas e econômica nas palavras. “A
terapia me preparou mais e encorajou a enfrentar qualquer dificuldade... não só
nas coisas da gravidez, mas em qualquer outra situação da vida”.

Terapia Comunitária Integrativa: um espaço de fala, partilha


e cuidado

A TCI representou um espaço de promoção da fala e da escuta qualificada,


dando oportunidade para as mulheres grávidas vivenciarem momentos de
autoconhecimento, dialogando e explorando dimensões interiores mais
subjetivas, fomentando um processo de revalorização, produzindo um estilo
de vida criativo, singular e mais confiante, como observado nas falas a seguir:

241
Lá a gente escuta e também fala e isso é interessante (Tulipa).
O que aprendi na terapia me ajudou na maternidade, a manter a
calma, a confiar em mim mesma... (Jasmim).

Essas experiências favoreceram a modificação da própria percepção dos


sujeitos sobre sua vida e sua capacidade de adequar-se a novos papéis sociais
através do desenvolvimento da consciência crítico-reflexiva.
Partilhar experiências é a base da TCI, que privilegiou ações coletivas
de promoção à saúde e tiveram como foco o cuidado à mulher e à família
grávida, contribuindo para a valorização e a competência do indivíduo,
família e comunidade, em busca da superação das inquietações do dia-a-dia,
como relata Rosa:

Lá eu aprendi que temos que falar as coisas que estão nos fazendo mal.
Temos que colocar para fora pra encontrar solução.

Entende-se que a gravidez é um período de transição que faz parte


do processo normal do desenvolvimento humano, em que há grandes
transformações, não só no organismo da mulher, mas na sua estrutura
psicossocial (MALDONATO; DICKSTEIN; NAHOUM, 2002).
É o período de maior incidência de transtornos psíquicos na mulher,
como depressão, baixa autoestima e ansiedades, necessitando de um cuidado
integral para manter ou recuperar o seu bem-estar (MALDONATO, 2002).
Além disso, é sabido que prejuízo na saúde mental da gestante também altera a
relação mãe-filho e, futuramente, o desenvolvimento da criança (WILHEIM,
1997).
Oferecer a terapia na Unidade de Saúde da Família garantiu-lhes um
espaço de fala, as gestantes puderam participar em um clima de confiança e
co-responsabilidade, expondo suas inquietações, alegrias, dúvidas e certezas
por meio de uma interação com os profissionais. Sobre isso Dália fala:

242
(...) é uma oportunidade de falar sobre as dúvidas que passa na
gravidez, e não dá tempo para falar na consulta do pré-natal porque
é rápida.

Esse espaço de fala permitiu, dessa maneira, às mulheres grávidas


buscarem soluções juntamente com esses profissionais e demais participantes
da terapia, já que a informação circulou de forma emancipadora. Vejamos esse
pensamento no discurso de Flor:

(...) Na consulta não dá tempo falar de tudo porque também é muita


gente... Já na terapia dá tempo falar da gente, trocar experiências de
outras gravidezes, escutar as queixas de outras gestantes e ainda relaxar,
fazer massagens... O que não dá tempo falar na consulta do posto eu
falo lá para me aliviar e isso tem resolvido.

Sendo assim, a TCI foi um espaço para se falar das coisas do dia-a-dia
que tiram o sono dessas mulheres, favorecendo a partilha de dificuldades com
todo o grupo, sua história, seus medos, suas preocupações, como também,
suas competências. Eis o que Flor fala sobre isso:

Nos encontros... Conversamos sobre o que está aperreando o juízo ... ou


preocupando. O melhor que acho da terapia são as conversas. Porque
falo o que está na cabeça perturbando, a gente escuta outras mulheres
grávidas que passam ou já passaram por coisas parecidas com as nossas
e nos dão força pra vencer.

Como uma das regras da terapia é não dar conselhos as mulheres


falaram da sua própria vivência, gerando uma troca de experiência, um
momento de partilha onde cada uma pôde ir selecionando, da experiência do
outro, aquilo que servia para si. Na sua fala, Dália diz:

243
Falei de meus medos na terapia e escutei outras mulheres que também
estão grávidas, então, trocando essa experiência, a gente vai superando
e diminuindo a ansiedade.

Esse processo proporcionou às colaboradoras desmistificar seus


sofrimentos e deu-lhes abertura para compreender outras dimensões da
vida comunitária solidária, na escuta dos problemas das outras mulheres
participantes e até mesmo possibilitou-lhes resignificar sua própria inquietação,
como encontrado nas seguintes falas:

Vendo como as outras resolveram os seus problemas, os medos, a gente


vai se aliviando, vai vendo que também podemos resolver. E assim,
aprendo sobre a gravidez, me conheço mais (Flor).
(...) Gosto da terapia porque vejo que meus problemas se tornam coisa
simples perto dos outros (Rosa).

Ressalta-se, que a disponibilidade para ouvi-las com uma postura de


acolhimento foi um requisito importante para a ação preventiva. Sobre isso
Girassol corrobora: “[...] lá na terapia a gente se sente acolhida.” Através de
cada fala, de cada história compartilhada e do desabafar dos problemas, as
participantes compreendem mais a si mesmas e aos outros e saem de lá com
um sentimento de pertencimento - o grupo é lócus de agregação - e de alívio,
como encontrado nas narrativas apresentadas pelas depoentes:

(...) é um apoio mesmo que nós precisamos, e isso a terapia ajuda,


para dar forças e seguir em frente, pois percebemos que não estamos
sozinhas... (Girassol).

(...) a terapia tem ajudado nas conversas porque tem momentos para
falar o que está me aperreando e também escuto outras experiências
parecidas com a minha e vejo que não estou sozinha (Margarida).

A terapia renovou a esperança em mim. Vi que essa é a dificuldade


que tenho e que eu posso enfrentar e sei que cada mulher carrega a sua
dificuldade e quando nos juntamos lá podemos falar tudo que está nos
angustiando e ter forças, apoiando uma na outra e vamos superando
tudo (Gardênia).

Essas experiências na TCI despertaram nas participantes o processo

244
resiliente que contribuiu para o empoderamento, já que as tornam capazes
de suscitar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre sua vida –
autoconfiança. Isso é visto na fala de Tulipa:

Depois que saí de lá, fiquei me sentindo capaz de enfrentar qualquer


dificuldade da vida, saí mais aliviada. Aprendi que construir
pensamentos positivos mentalmente nos dá força para superar os
problemas, os medos. Tenho usado isso e tem me ajudado muito, não
só nas coisas da gravidez, mas em qualquer outra situação da vida
(Tulipa).

Percebe-se o significado do empoderamento presente nessas falas,


garantindo um “ganho de poder”, sendo esse poder traduzido como habilidade
de agir e criar mudanças conscientes, permitindo às participantes despertarem
para um significado que mude sua condição de sofrimento (VASCONCELOS,
2003).
Na fase de acolhimento da TCI com as gestantes, foram incluídos
exercícios físicos, relaxamentos, brincadeiras, músicas, técnicas de respiração
e massagens. Tudo isso contribuiu como intervenção para o relaxamento das
participantes e lenitivos dos sofrimentos. Sobre isso as depoentes relatam:

(...) Gosto dos relaxamentos, dos exercícios e da respiração. Acho


importante porque me ajudam com minhas dores (Flor).

E na terapia eu falo, escuto e tenho aprendido... Os exercícios de


respiração, as posições pra hora do parto, sobre as massagens e eu sei
agora que posso escolher a melhor posição para mim e eu posso decidir
isso (Dália).

Aprendi os exercícios, apesar das pernas doerem um pouco, eu tenho


feito aqui e em casa (Rosa).
Eu gostei de tudo, é um incentivo que nos fortalece. Preparou-me
mais e encorajou a me cuidar para ter uma boa gravidez. Aprendi as
massagens, ri com as brincadeiras... (Tulipa).

Constatou-se que as brincadeiras proporcionaram uma descontração


e despertou um riso suave diante das inquietações e sofrimentos de uma vida
de privações e batalha pela sobrevivência. As músicas e orações ajudaram as
gestantes a minimizar suas ansiedades, e, assim, poderem encontrar o melhor
caminho para viver a gestação com mais equilíbrio e terem um parto tranqüilo

245
e consciente. Já as massagens e o relaxamento auxiliaram na descoberta de
suas transformações, amenizando medos, além de proporcionarem o contato
com o filho. Esses contatos fortalecem as experiências agradáveis que ficam
registradas no psiquismo do feto (MALDONATO, 1992; 2002).
O exercício físico possibilita um melhor controle corporal, beneficiando
o estado de humor e prevenindo desordens típicas da gestação. Já o relaxamento
e os métodos psico-profiláticos auxiliam a mulher a lidar com as vivências
e cuidar de si durante essa fase, como também prepará-la para o parto e a
maternidade (AFONSO, C.E; CABRAL, 2005).
Essas atividades vinculadas ao pré-natal proporcionam tanto o bem-
estar físico quanto o psicológico e com conseguinte melhora do aspecto
emocional (DAHLKE; DAHLKE; ZAHN, 2005), promovendo, na gestante,
a autoconfiança e elevando sua autoestima, amenizando as dores físicas, como
também as dores da alma.
Diante das falas das colaboradas, percebeu-se que quanto mais as
gestantes se concentravam em si mesmas e nos seus processos internos iam
superando ou aliviando mais facilmente suas ansiedades e entrando em
sintonia consigo mesmas, com o bebê e com suas mudanças, como afirma
Girassol:

No meu dia-a-dia a terapia ensinou muitas coisas... Lá aprendi que


tenho que colocar para fora o que está me preocupando. Quando a
gente fala já melhora... Ajudou-me a valorizar o meu relacionamento
com minha família... A equilibrar as coisas dentro da minha casa e
ainda ajudou nas conversas com meu filho para ele entender a vinda
de um irmãozinho (Girassol).

Essas intervenções, durante as terapias comunitárias, estabeleceram


um cuidar mais humano e harmônico entre profissionais e gestantes. O ser
humano é um ser de cuidado, é um ser que tem sentimentos, inclusive é
isso que o diferencia da máquina e que o torna humano. É a capacidade de
envolver-se, de dar e receber afeto. É o cuidado que se situa na lógica do

246
afeto, numa relação de convivência que engloba o modo de ser do ser humano
(BOFF, 2001).
É a partir do cuidado com o outro que o ser humano desenvolve a
dimensão da alteridade, do respeito e de valores fundamentais da experiência
humana (BOFF, 2001). Destarte, nos encontros de TCI buscou-se resgatar
essa característica do ser humano.
A grande demanda nos serviços de saúde torna o momento da
consulta pré-natal algo rotineiro, não favorecendo um cuidar eficaz e se não
são problematizadas as ações cotidianas, pode-se reproduzir a reificação nesses
atendimentos.
Soma-se a isso o fato que muitos profissionais vêm de uma formação
centrada extremamente na dimensão biológica, o que acaba favorecendo o
distanciamento com o cliente. A ineficácia do modelo fechado da biomedicina
em modificar a dinâmica do adoecimento e alívio dos sofrimentos desafia
muitos profissionais a experimentarem novas práticas em saúde e implantarem
novas tecnologias do cuidar. A experiência da TCI com gestantes foi uma
estratégia de enfrentamento dessas problemáticas como se evidencia nas falas
das colaboradoras:

Às vezes, não dá para esclarecer tudo na consulta, porque são muitas


mulheres grávidas e lá dá tempo para tudo.(Margarida)

Muitas pessoas pensam que as mulheres grávidas só precisam de exames,


mas estão enganadas. É através da Terapia Comunitária que vejo que
para nós, grávidas, precisa existir esse tipo de atividade, de ser escutada.
(Gardênia)

A experiência da TCI inserida nas atividades da USF - Ambulantes


favoreceu uma nova perspectiva de interpretação dos acontecimentos diários,
cultivando-se um estado reflexivo em que a fala e os gestos rotineiros passaram
a ser questionados e resignificados, valorizando-se aspectos relativos às trocas
de saber e à interpretação consciente da teia de significados simbólicos
presentes nos comportamentos, nas reações, nos discursos e sentimentos.
Nessa perspectiva, houve uma prática de cuidar humanizada e
transformadora, onde o relacionamento interpessoal foi um dos elementos

247
que permeou esse processo, em um clima de envolvimento entre todos nós,
profissionais de saúde e a comunidade, ou seja, um verdadeiro espaço de
inclusão social, de respeito às diferenças, como relatam os colaboradoras:

A confiança é importante porque nos deixam a vontade de falar sobre


tudo, e assim saio da terapia com coragem... Para enfrentar qualquer
medo e tirar ele da cabeça.
(Violeta)

E quando a gente fala num ambiente que as pessoas escutam direitinho


o que estamos dizendo, onde dão atenção, aí é diferente. Eu me senti
melhor, mais tranqüila, as preocupações nos deixam, eu estou tão
“relax”... A terapia comunitária me relaxou...
(Rosa)

Observa-se que a experiência da TCI como ferramenta do cuidar


provoca processos de mudanças na vida de cada um, integrando conhecimentos
da antropologia cultural, práticas pedagógicas emancipatórias, teoria da
comunicação e pensamento sistêmico, cujo foco é a construção de caminhos
que possibilitem a ação – reflexão – ação, como forma de contribuir para
a superação dos problemas do dia-a-dia (BARRETO, 2005; BARRETO;
RIVALTA, 2004).
Nas narrativas das gestantes, percebeu-se a TCI como uma estratégia
de enfrentamento das suas inquietações, na medida em que se constituiu em
um espaço de promoção à saúde, aliviando o sofrimento através da fala, da
escuta e da partilha das experiências de vida, possibilitando a construção de
um espaço de reflexão e autoconhecimento individual e coletivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inserida na comunidade, a TCI nos faz apreender que cada gravidez
tem sua história permeada de significados que determinam como as mulheres,
a família e comunidade vivenciam esse processo. Através desse entrelaçamento
248
de saberes não se pode querer entender a gravidez a partir de uma visão
exclusivamente biológica. Ao contrário, a experiência mostrou a necessidade
da transdisciplinariedade das ações para o cuidado situado em cada contexto
histórico e em cada cultura.
A TCI como tecnologia do cuidar apoiada na inserção social e no
empoderamento, representa uma ferramenta para se entender a mulher como
sujeito ativo de sua história, além de favorecer a criação de uma rede de apoio
e meios de socializar as falas, as inquietações, enfim, as experiências do vivido.
A socialização das experiências da TCI e o conhecimento advindo dos
recursos dos próprios indivíduos, das famílias e da comunidade, somam-se na
construção de um verdadeiro exercício de liberdade, através da ampliação da
consciência da população em relação aos seus direitos. Além disso, fomenta
a aquisição de recursos para o desenvolvimento de ações educativas para o
autocuidado, para o despertar do empoderamento e da resiliência individual e
comunitária, articulando a circulação de informações em um trabalho criado
coletivamente.
Este estudo recomenda a TCI como uma ação de saúde comunitária,
para ser incluída na rede de atenção básica do SUS podendo ser inserida na
agenda das unidades de saúde, pois proporciona o acolhimento da comunidade,
o fortalecimento de vínculos, a construção de teias de solidariedade e favorece
o respeito e a comunicação entre o saber popular e o saber científico.
Enfim, a intervenção da TCI com as gestantes representou um trabalho
pioneiro, contribuindo para a melhoria da saúde das mulheres bem como
para a redução de perturbações psicossomáticas na medida em que socializou
informações relevantes para que as mulheres pudessem encontrar suas próprias
estratégias de enfrentamento para suas dificuldades cotidianas.

249
REFERÊNCIAS

ABRATECOM. Associação Brasileira de Terapia Comunitária [online].


Disponível em: <www.abratecom.org.br> Acesso em 01/ out/ 2005.

AFONSO, C.E; CABRAL, S.B. A atividade física no pré-natal e no parto como


forma de relaxamento e alivio da dor. Revista saúde coletiva. São Paulo, 2005.
Set, vol. 2, n 7.

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natal. 3 ed. Ministério da Saúde: Brasília, 2000.

_______, Ministério da Saúde. Presidência da República. Secretaria Especial


de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de políticas para as Mulheres.
Ministério da Saúde: Brasília (DF), 2004a.

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de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes. 1 ed. Ministério
da Saúde: Brasília (DF), 2004b.
250
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DAHLKE, R; DAHLKE, M; ZAHN, V. O caminho para a vida: gravidez e


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FERREIRA FILHA, M.O. Terapia Comunitária: uma ação básica de saúde


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GRANDESSO, M.A. Terapia Comunitária: uma prática pós-moderna crítica


– considerações teórico-epistemológicas. In: Anais do 3º Congresso Brasileiro de
Terapia Comunitária. Fortaleza: Abratecom, 2005. p. 44.

MALDONATO, M.T. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. 16 ed. São


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grávidos. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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NORONHA, D.T.; LOPES, G.P.; MONTGOMERY, M. Tocoginecologia


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sua história, teorias e estratégias. São Paulo: Paulus, 2003.

WILHEIM, J. O que é psicologia pré-natal. 3 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,


1997.

251
PARTE V

AVALIAÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA


INTEGRATIVA
HISTÓRIA DA TERAPIA COMUNITÁRIA
INTEGRATIVA NA ATENÇÃO BÁSICA
DE SAÚDE EM JOÃO PESSOA – PB:
UMA FERRAMENTA DE CUIDADO*

11
Dayse Gomes Sousa de Oliveira
Maria Djair Dias
Maria de Oliveira Ferreira Filha

INTRODUÇÃO

As políticas públicas devem gerar ações que garantam a saúde e não


somente o atendimento às doenças. Isso exige que o cuidado seja planejado, a
fim de diminuir os riscos de transtornos, erradicar as causas, tratar e recuperar
os danos.
Para atender a população, no atual modelo de saúde preconizado
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os serviços de saúde passaram por um
processo de revisão no modelo assistencial, adotando uma conformação
em cuja base há um conjunto de Unidades Básicas de Saúde que priorizam
aspectos preventivos da saúde e atendem às características da atenção primária
(CECÍLIO, 1997).
No Brasil, desde 1994, o PSF foi implantado com o objetivo de substituir
o modelo tradicional de assistência à saúde, trabalhando em busca de uma

*Resumo da dissertação defendida por Dayse Gomes Sousa de Oliveira no Programa de Pós Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba – UFPB em dezembro de 2008.

254
nova lógica, com maior capacidade de ação para atender às necessidades de
saúde da população de sua área de abrangência (FREITAS, 2008).
Igualmente, a Política Nacional de Saúde Mental, pautada na Lei
Federal 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, também redireciona
o modelo assistencial em Saúde Mental, prevê que suas ações tenham como
cerne e fio condutor a humanização, de maneira que o usuário do sistema
consiga usufruir de forma universal, integral e sistêmica sem nenhuma
restrição.
A lei prevê, ainda, a criação de mecanismos que promovam a
inversão da cultura hospitalocêntrica, através da substituição da internação
pela atenção em serviços comunitários em base territorial que atuam em
rede. Essa rede é composta pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
pelos Ambulatórios, pela Atenção Básica, pelos Serviços Residenciais
Terapêuticos, pelos Centros de Convivência e Cultura, entre outros.
As Equipes de Saúde da Família-EqSF recisam estar se preparando
para promover a Saúde Mental no contexto geral da saúde, prevenir o
adoecimento mental, identificando situações e fatores de risco, aos quais
a população está exposta e que provocam sofrimento, como também,
responder, de modo satisfatório, às necessidades de saúde dos seus usuários
(Pinheiro; Mattos, 2001).
Dentre as ações definidas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS)
de João Pessoa - PB - para reorganizar sua rede de atenção à saúde, a
estratégia referente à Saúde da Família constitui o eixo norteador para a
organização da atenção básica. A implantação da ESF, na referida cidade,
ocorreu em duas etapas: começou no ano de 2000, com sete equipes, e,
em 2004, esse número foi ampliado para 180 equipes, permanecendo
assim até então. Essa ampliação teve por objetivo a expansão da cobertura
territorial e populacional das ações básicas de saúde.
Antes se tinha uma rede de cuidado para a atenção básica ainda muito
incipiente. Porém, com essa ampliação, houve uma expansão da rede de
cuidados para a comunidade e, consequentemente, o aumento da demanda
passou a ser bem diversificado, expandindo-se para o atendimento aos usuários
com sofrimento emocional. Percebeu-se, então, que a população precisava

255
falar do cotidiano e dos problemas que afetam a saúde, para além da dimensão
biológica.
Nesse contexto, a Terapia Comunitária Intregativa - TCI surge como
uma possibilidade e vem se consolidando como uma prática integrativa, que
deve se constituir como uma estratégia includente e cidadã, a fim de favorecer
mudanças das práticas de saúde e desenvolver ações terapêuticas por meio
da construção de saberes (científico/popular), que proporcionam o equilíbrio
físico e mental dos usuários. Essa ferramenta funciona, portanto, como
fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e de identidade cultural
da comunidade (BARRETO, 2008).
A TCI vem ocupando um lugar fundamental como uma tecnologia de
cuidado, em que as relações são fundamentais para a produção do cuidado.
Na perspectiva de Boff (2004, p.13), o cuidado, enquanto “princípio
inspirador de um novo paradigma de convivialidade”, deve estar voltado para
a preocupação com o outro, enxergando mais profundamente seu sentido e
essência, atendendo as suas necessidades, ao mesmo tempo em que potencializa
dimensões profundas do ser humano.
Outro ponto importante a destacar é que a TCI propicia a redução
de agravos e danos, pois respeita a competência das pessoas e promove a
construção de redes sociais utilizando-se de meios para que elas exponham
o que sentem, evitando que as doenças se somatizem no corpo. Assim, a
população atendida precisa falar do cotidiano e dos problemas que lhe afetam
a saúde. Além disso, na rede de serviços municipais, faltam espaços adequados
de escuta do sofrimento dessas pessoas e que proporcionem o estabelecimento
e o fortalecimento de vínculos tão desejados pela equipe de Saúde da Família.
Essa é a estratégia forte que a TCI traz.
Considerando a relevância da TCI para a formação dos profissionais
que atuam na ESF e o impacto que ela está causando no campo da Saúde
Mental dos usuários, evidencia-se que essa tecnologia de cuidado contribui
com a construção e a ampliação do conhecimento, principalmente na área
de saúde comunitária, a fim de que se revelem resultados de ações práticas
desenvolvidas por enfermeiras e outros profissionais da saúde para serem

256
utilizadas no enfrentamento dos problemas que afetam a Saúde Mental da
população (FERREIRA FILHA; DIAS, 2007).
Logo, é inegável a contribuição dessa ferramenta como veículo de
mudança para a saúde dos usuários assistidos na ESF e para as famílias e
comunidade. Para além dessas considerações, conhecer os fragmentos que
compõem a história da implantação da TCI no cenário da Atenção Básica
no município de João Pessoa-PB, suas motivações junto aos trabalhadores
da saúde, as facilidades e os desafios enfrentados nessa trajetória é bastante
relevante, pois se trata de uma temática nova, que carece de investigação
no sentido de alicerçar uma prática que vem se consolidando como uma
estratégia de cuidado com a saúde mental no nível comunitário, uma vez
que é uma tecnologia de baixo custo, e também porque a partir do saber
produzido poderemos gerar novos conhecimentos subsidiando a implantação
da TCI diferentes espaços.
Enquanto conhecedora da importância da TCI para melhorar a
qualidade de vida da população assistida pela referida estratégia, como
fisioterapeuta e discentes do Programa de Pós-graduação em Enfermagem do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, me senti
motivada e curiosa para conhecer essa história que vem se construindo aqui
no município de João Pessoa-PB de forma pioneira no Brasil.
Este estudo teve como objetivo, conhecer o processo de implantação
da terapia comunitária e sua importância para a organização da demanda de
cuidados de saúde na rede de serviços básicos no município de João Pessoa –
PB.

MÉTODO

A pesquisa foi realizada nos locais de trabalho dos colaboradores, que


são trabalhadores da saúde ligados à Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
e à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa – PB/ Distritos
Sanitários, no período de 25 de março a 12 de agosto de 2008.

257
Nesta pesquisa para a produção do material empírico foi utilizado o
método da História Oral. A partir da identificação da colônia (coletividade
que tem objetivos comuns), formou-se a rede de colaboradores deste estudo.
Foram colaboradores da pesquisa as pessoas que aceitaram participar
do estudo, conforme disposto no termo de consentimento livre e esclarecido
e na carta de cessão, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde.
A escolha dos colaboradores foi feita com base nas relações estabelecidas
na colônia, que foi formada por todos os profissionais ligados ao Projeto
de Terapia Comunitária, no Município de João Pessoa – PB, e a rede foi
constituída por onze colaboradores, que detiveram as informações necessárias
ao atendimento dos objetivos deste estudo.
No âmbito desta pesquisa, foi considerado ponto zero a entrevista da
colaboradora Ana Vigarani, porque serviu de guia, orientando o andamento
das demais entrevistas (DIAS, 2006).
Com base na História Oral Temática, a técnica de produção de material
foi realizada através de entrevista, com a utilização do gravador. O processo de
entrevista, segundo as proposições de Bom Meihy (2005), compõe-se de três
etapas: a pré-entrevista, a entrevista propriamente dita e a pós-entrevista.
A pré-entrevista corresponde ao momento em que se estabelece o primeiro
contato com os colaboradores, para que tomem conhecimento do projeto,
dos seus objetivos.
Neste estudo, as entrevistas foram agendadas, de acordo com a
disponibilidade dos colaboradores, de quem foi solicitada autorização para
o uso do gravador e o seu comparecimento ao local no horário combinado.
Cada um deles foi informado sobre os objetivos do estudo, suas etapas e sobre
a importância de sua participação, conforme disposto na Carta de Cessão e
no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do referido estudo. Todos
os colaboradores assinaram esses documentos em duas vias, permitindo a
publicação das informações e a utilização do nome civil.
Assim, a primeira entrevistada foi realizada com a colaboradora
Ana Vigarani. Na realização da entrevista, procurou-se criar um clima de
aconchego, tranquilidade e confiança capaz de deixá-la à vontade para contar
a sua história. Bom Meihy (2005) afirma que todos os projetos de História

258
Oral necessitam serem guiados por perguntas de corte, definidas como
questões que perpassam todas as entrevistas e que devem se relacionar com a
comunidade de destino, marcando a identidade do grupo analisado.
As perguntas de corte que guiaram este estudo foram as seguintes: Conte
como vem se dando a implantação da Terapia Comunitária no Município
de João Pessoa - PB. Qual é a importância da Terapia Comunitária no
Projeto Político de reorganização dos serviços de saúde da atenção básica no
Município de João Pessoa - PB? E quais os desafios encontrados no processo de
implantação e de operacionalização da TCI, para a inserção de novos saberes,
visando à transformação de práticas no cotidiano do SUS?
A pós-entrevista, segundo Bom Meihy (2005), segue a realização da
entrevista. Nessa etapa, foi comunicado aos colaboradores o andamento do
trabalho e explicado como se deu o processo de construção do documento,
como também agendados os demais encontros para a conferência do material.
Após a produção do material, transformou-se todo o relato das entrevistas
em texto. Bom Meihy (2005) indica três fases para a análise do material e para
a construção do texto: a transcrição, a textualização e a transcriação.
No método da História Oral, após a realização da entrevista, o
depoimento oral foi submetido à fase de transcrição. Nesse momento,
transcreveu-se o material na íntegra, com todos os detalhes contidos na
entrevista. Na moderna História Oral, destina-se a dar visibilidade ao caso
tematizado ou à história narrada.
Na textualização, fase que segue a transcrição do material empírico,
suprimidas as perguntas de corte, e o texto passou a ter um caráter narrativo.
Nessa fase, iniciou-se a identificação do tom vital da entrevista, ou seja, o tema
que tem maior força expressiva no relato do colaborador, que é adotado como
epígrafe em cada narrativa. Portanto, o tom vital norteou a análise do material
empírico produzido fundamentado na literatura pertinente.
A transcriação é a fase em que se permite a interferência do pesquisador
no texto, na perspectiva de transcriar o material textualizado, em sua versão
final, o qual se compromete com a elaboração de um texto recriado em
sua plenitude, ordenando-se os depoimentos em parágrafos, retirando ou
acrescentando palavras ou frases, de acordo com as observações e as anotações

259
realizadas no caderno de campo. Para reproduzir o clima das sensações que
compõem o texto, foram empregados elementos de pontuação.
Ao final das três fases, o material foi encaminhado aos colaboradores
do projeto para que procedessem à conferência – que foi realizada no local
de trabalho de cada um deles - aplicando-se o princípio da flexibilização para
as negociações quanto a cortes e correções no texto. Esse processo contribuiu
para conhecê-los melhor, dirimir dúvidas e fortalecer o vínculo de amizade
estabelecido.
Convém que se registre que nenhum colaborador sugeriu a retirada de
algum trecho da sua entrevista. No entanto, dois deles solicitaram que fossem
acrescentadas algumas informações para complementar a leitura, sendo, pois,
prontamente atendidos. No geral, fizeram-se apenas correções quanto às
palavras que não foram compreendidas durante a transcrição.
O material empírico foi construído com base na entrevista com a
utilização do gravador e dos registros no caderno de campo, no qual, segundo
Bom Meihy (2005), registram-se as observações sobre o andamento do
projeto, das entrevistas específicas e as impressões do pesquisador ao longo
do processo, tornando-se um referencial para a finalização do trabalho.
A análise do material empírico produzido baseou-se nos pressupostos
adotados por Bom Meihy (2005). Em seguida, foram construídos os eixos
temáticos, com base no tom vital das entrevistas dos colaboradores, os quais
guiaram o processo de discussão dialogada com base na literatura pertinente.
O estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP), do Centro de Ciências da Saúde (CCS), da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), em respeito à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa
envolvendo seres humanos.

260
ANALISE E DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPIRICO

Terapia comunitária: o sentido da história


A história é uma sequência de fatos que marcaram um período. Para
algumas pessoas, esses fatos são difíceis de serem lembrados e relatados; já
para outras, são prazerosos, visto que, por trás do relato de uma história, faz-
se presente a experiência de vida de cada um, com suas marcas, memórias,
sentimentos eTCI. Isso é evidente quando, em uma entrevista, observam-
se reações de choro, de alegria, através do sorriso, ou mesmo o silêncio,
em alguns momentos. Corroborando com esse pensamento, a colaboradora
Maria do Socorro ressalta:

A cada momento percebo que sempre daquela história existe uma outra
história por trás e hoje consigo perceber isso [...].

Desse modo, o registro da história é importante porque dá condições


de para se entender o processo de transformação que ocorre nas comunidades
e com as populações como um todo, com o passar dos anos, além de ser um
veículo importante para estabelecer relações entre passado, presente e futuro
(BOM MEIHY; HOLANDA, 2007). Sabe-se que nada permanece estático.
As coisas, as sociedades e os comportamentos se modificam com o tempo.
Hobsbawm (1998, p. 22) assevera que o passado é “uma dimensão
permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições,
dos valores e outros padrões da sociedade humana”. Complementando esse
raciocínio, Bom Meihy (2005) destaca que a presença do passado, no presente
das pessoas, é a razão de ser da história oral. Dessa maneira, ela implica uma
percepção do passado como algo que tem continuidade hoje, por isso ela é
reconhecida como “história viva”.
E, com o intuito de resgatar essa história, procurou-se saber dos
colaboradores, de acordo com a vivência e as experiências de cada um, como
ocorreu a implantação da Terapia Comunitária no Município de João Pessoa
- PB - para compor e apresentar essa história.
Na leitura das narrativas, evidencia-se que Ana Vigarani foi o ponto-
chave para a chegada da TCI a João Pessoa - PB, como relata a colaboradora
Eulina:

261
A Irmã Ana, dentro desse projeto do Estado, com certeza foi esse
fio condutor para trazer a TCI para nossas comunidades. Ela foi se
articulando, trazendo, mostrando esse trabalho, que foi crescendo, e
hoje está nessa rede...

É oportuno abalizar que Ana Vigarani foi quem estimulou as Professoras


Dras. Maria Filha e Maria Djair a fazerem cursos com o Professor Adalberto
Barreto em Fortaleza - CE. Quando voltaram de lá, elas “foram incansáveis no
sentido de divulgação dentro da Universidade”, conforme relata Ana Vigarani.
Confirmando essa assertiva, Márcia Rique inicia a sua fala, dizendo:

Conheci a Terapia Comunitária (TCI) quando estava fazendo a


especialização em Saúde da Família, no NESC, através de uma roda
de Terapia Comunitária que as Professoras Maria Filha e Maria Djair
fizeram.

Por meio da divulgação e da iniciativa dessas professoras, houve, no


ano de 2004, a interação entre a Universidade Federal da Paraíba – UFPB,
a Terapia Comunitária e o Município de João Pessoa, visto que havia um
Projeto de Extensão do Curso de Enfermagem da UFPB sendo desenvolvido
por elas no bairro de Mangabeira, na Unidade do PSF Ambulantes, como
expressa a fala de Maria do Socorro, que acompanhou toda essa trajetória:

[...] já tínhamos um convênio com a Universidade Federal em que


Unidades de Saúde do PSF recebiam para estágio alunos da Graduação
de Enfermagem. Então, as Professoras Maria Djair e Maria Filha
trouxeram a proposta para desenvolvermos a Terapia Comunitária
[...].

É oportuno abalizar que, para conduzir as rodas de TCI, o terapeuta


comunitário segue cinco fases, a saber: o acolhimento, a escolha do tema, a
contextualização, a problematização e o encerramento (BARRETO, 2008).
De acordo com Luisi (2006, p.84), acolher significa receber bem,
cuidar. É também:
262
Agasalhar a alma é oferecer um sorriso, um aperto de mão. É procurar
saber e aprender o nome de cada um que veio participar. Acolher é
considerar o outro como gente. É também cantar parabéns para quem
está aniversariando naquele período. É aquecer o clima daquela
comunidade para que todos se envolvam e se aproximem uns dos outros.

Segundo Barreto (2008), o acolhimento é composto de seis


procedimentos: dar as boas vindas; celebrar a vida dos aniversariantes do
mês; falar do objetivo da Terapia Comunitária; informar as regras; aquecer o
grupo para trabalhar e apresentar o terapeuta que vai dar continuidade à TCI.
No momento de aquecimento, o co-terapeuta convida o grupo para fazer
algum exercício ou brincadeira (dinâmica), o que demonstra que a Terapia
Comunitária proporciona um espaço aconchegante e lúdico, contribuindo
para o bem-estar da pessoa.
De acordo com Luisi (2006, p. 92-93), na etapa de encerramento de
uma roda de TCI:

O terapeuta procura criar um clima de afetividade e pede que se dêem


as mãos ou passem o braço um sobre o ombro dos outros, permanecendo
em um balanço suave. Após alguns segundos de silêncio, o terapeuta
conota positivamente, valorizando e agradecendo o esforço, a coragem
a determinação, a participação e a vontade de superar as dificuldades,
através de palavras que possam ajudar a favorecer e fortalecer a
autoestima.

Nesse momento, o terapeuta pede aos participantes que reflitam e


digam o que estão levando, especialmente na oração após participarem desse
encontro de TCI. Posteriormente, as pessoas se confraternizam e despedem-
se.
Feita essa breve exposição, observa-se que o caminho estava aberto
para novas conquistas e parcerias. Em 2006, no ensejo de divulgar a TCI,
as discentes da UFPB (Profª. Drª. Maria Djair e Profª. Drª. Maria Filha)

263
influenciaram algumas Diretoras de Distrito a fazerem uma formação em
Cuidando do Cuidador em Fortaleza - CE, como afirma Márcia Rique:

[...] no final de novembro de 2006, também pela influência das


Professoras Maria Filha e Maria Djair, algumas Diretoras de Distrito
foram fazer uma formação em Cuidando do Cuidador [...] em
Fortaleza - CE.

Essa participação no curso resultou em um contato e, posteriormente,


numa parceria com o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento da Pessoa
Humana de São Paulo (IBDPH). Esse instituto, na época, tinha uma verba
que podia ser aplicada em treinamentos de terapeutas. A respeito disso, relata
Márcia Rique:

[...] quando surgiu esse meio, [...] conversamos com a secretária e


rapidamente ela entendeu a importância da Terapia Comunitária
como ferramenta institucionalizada de trabalho do dia-a-dia do
profissional de saúde. [...] a partir daí, pactuamos [...] um convênio de
parceria técnica, [...] para o Município de João Pessoa - PB e também
para os Municípios de Pedras de Fogo - PB, Conde - PB e São Bento
- PB. Assim, trouxemos para cá a primeira formação em Terapia
Comunitária.

Essa decisão se deveu ao fato de que, nessa época, a gestão por meio da
Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS) estava num momento de
discussão de como potencializar a Saúde Mental dentro da Atenção Básica em
João Pessoa – PB, pois, de acordo com Roseana Meira, Secretária da Saúde,
naquele momento, afirmou que:

[...] existia e ainda existe, por parte da maioria dos profissionais,


certo receio de lidar com o sofrimento mental, por ser algo que eles
não tiveram como parte da formação. [...] Assim, o primeiro olhar de
interesse foi por conta da Saúde Mental que nos fez mais sensível ao
dispositivo da Terapia.

Nessa direção, a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, por meio


de seus gestores, buscando fortalecer ações que possam garantir o cuidado
integral aos portadores de transtornos mentais na atenção básica, iniciam

264
o processo de formação de profissionais da saúde em Terapia Comunitária,
como dispositivo para a promoção da saúde e a prevenção do transtorno
mental. Sendo assim, na Paraíba, o processo de formação de terapeutas
comunitários começou em janeiro 2007. Concomitantemente formaram-se
duas turmas, uma da qual participaram 65 profissionais da Estratégia Saúde
da Família do Município de João Pessoa, e outra turma, com profissionais da
Estratégia Saúde da Família de Municípios circunvizinhos, a saber: Pedras de
Fogo - PB, Conde - PB e São Bento - PB. Sobre a turma de João Pessoa - PB,
especificamente, Ana Vigarani declara:

Nessa turma, foram, ao todo, selecionados 65 profissionais das equipes


do PSF, [...] a estrutura do curso de formação de TCI consiste em
quatro módulos, sendo 80h para a teoria, 80h para as vivências, 120h
para a realização da prática das Terapias e 80h de intervisão.

É oportuno destacar que a gestão tem se mostrado interessada e


cooperativa quanto ao processo de implantação da Terapia Comunitária, visto
que João Pessoa - PB foi um dos primeiros Municípios a institucionalizá-la.
Considerando esse momento, em que vem ocorrendo a implantação dessa
terapia, é de extrema importância esse apoio por parte da gestão para que essa
estratégia se consolide, cada vez mais, no Município de João Pessoa - PB. Isso
se evidencia no relato de Roseana Meira, que diz:

Estou muito otimista com essa implantação. [...] Como Gestão, tivemos
vários cargos de direção envolvidos nessa formação da primeira turma
de terapeutas. [...] Selecionamos pessoas de cargos chaves, que atuariam
bem como facilitadores para implantar a Terapia Comunitária para o
restante da rede.

O processo de formação dos terapeutas comunitários pela SMS continua,


em 2008, com mais uma turma - envolvendo 65 profissionais da equipe da
ESF do Município de João Pessoa – PB através de recursos financeiros do
Projeto de Educação Permanente em Saúde do Ministério da Saúde (MS).

265
Também em 2008, o MS, liberou recursos para o desenvolvimento de um
projeto relacionado ao processo de formação dos terapeutas comunitários
envolvendo 100 Municípios. Representando a Paraíba, o Pólo formador
(MISC – PB) criado em 2007, foi responsável por mais uma turma de
profissionais da equipe da ESF em seis Municípios do sertão paraibano. Esse
breve relato histórico mostra que a TCI é uma ferramenta de cuidado, que
vem se consolidando em João Pessoa – PB e no Estado da Paraíba.

Terapia comunitária integrativa: promovendo mudanças,


superação e crescimento.

A TCI é um instrumento transformador. De acordo com Barreto (2008),


muitas coisas da natureza, para serem criadas, passam por um processo de
destruição e transformação. Ele assevera que, na TCI, os obstáculos, os traumas,
as carências e os sofrimentos superados transformam-se em sensibilidade e
competência, o que induz às ações reparadoras de outros sofrimentos.

Ponderando-se sobre os relatos dos colaboradores, verificou-se


que ocorreram significativas mudanças nos campos pessoal, profissional,
comunitário e de práticas no serviço de saúde. Em relação à mudança pessoal,
as entrevistas mostraram que houve mais sensibilização e capacitação dos
colaboradores, porque o processo de formação do terapeuta comunitário
favorece um olhar para dentro de si mesmo, com maior sensibilidade para se
colocar no lugar do outro, o que possibilita a tomada de consciência sobre si e
sobre o outro e disposição para refletir, gerando uma transformação de dentro
para fora, a partir da escuta partilhada das histórias de vida, como expressam
os relatos a seguir:

[...] passei a me conhecer melhor, e me conhecendo melhor, passei a agir


de uma forma diferente. [...] hoje sou outra Socorro (Maria do Socorro).

266
Hoje tenho outra forma de me colocar na roda [...] a TCI mudou a
minha vida pessoal em vários aspectos, como vejo que a vida das pessoas
mudou também, os primeiros a mudar são os terapeutas [...] (Lino).
Sou outra pessoa após a TCI [...] Passei a me conhecer mais e também
a me posicionar. Não sou “a” salvadora do mundo, sou como as outras
pessoas (Fernanda).

...participar das rodas de TCI permite um repensar sua própria história


de vida (Ana Vigarani).

Nesses discursos, constatou-se, ainda, que alguns dos participantes


perceberam mudanças em sua vida profissional e na dos profissionais das
equipes de saúde que são terapeutas comunitários, refletindo na sua prática.
É oportuno destacar que, historicamente, os profissionais de saúde tiveram
uma formação voltada para o atendimento de doenças no estrito contexto
biológico, razão por que muitos deles têm dificuldades para considerar
fatores emocionais, culturais e sociais como parte integrante do atendimento
ao indivíduo. Mas, com a TCI, os profissionais de saúde tornaram-se mais
sensíveis à dor do outro, para escutar o paciente, ter atitudes mais acolhedoras,
passaram a ver o paciente de maneira mais integral, como expressam estes
colaboradores:

Claro que visualizamos mudanças, quando falo, o profissional passa


a fazer um olhar diferenciado com o usuário [...] eles mudaram o seu
ponto de vista, passaram a olhar o usuário e verem outras coisas além
daquele corpo que traz a queixa (Ivoneide).

[...] os profissionais [...] se tornam mais sensíveis na escuta e passam


a tratar de forma diferente, porque começam a perceber que aquele
incômodo, aquela queixa, daquela dor daquela gastrite não é uma
coisa só física é também emocional (Maria do Socorro).

A TCI consiste em uma tecnologia voltada para a criação de uma teia


de relação social, que favorece a troca de experiências e possibilita a superação
de dificuldades e sofrimentos do dia-a-dia das pessoas (BARRETO, 2008).
Assim, ela contribui para o estabelecimento e o fortalecimento de vínculos
267
entre as pessoas, para a formação de redes de apoio social, mobilizando
recursos pessoais e culturais para melhorar-lhes a qualidade de vida e evitar a
desintegração social.
Como já enfatizado, a TCI constitui-se como uma prática de efeito
terapêutico, que visa à prevenção, na área da saúde, e ao atendimento a
grupos heterogêneos, de organização informal, num contato face-a-face,
que demonstra um interesse comum, que é o alívio de seus sofrimentos e a
busca do seu bem-estar e da comunidade (FUKUI, 2007). Nos depoimentos,
observou-se que a TCI favoreceu o estreitamento de vínculos saudáveis entre
a equipe de profissionais de saúde e a comunidade. Esses vínculos saudáveis
devem ser entendidos, aqui, como aqueles que nos ligam aos outros de maneira
positiva e reforçam o sentimento de pertença no grupo (BARRETO, 2008),
como bem colocaram estas colaboradoras:

À medida que as pessoas começam a freqüentar as rodas, elas começam


a fortalecer os seus vínculos [...] e à medida que vão fazendo novos
vínculos, vão abrindo algumas defesas que eram muito difíceis
(Sandra).

[...] percebemos facilmente que onde tem essas rodas, tem ocorrido uma
interação, um aumento do vínculo entre a própria equipe, equipe/
comunidade, comunidade/equipe (Roseana).

É importante ressaltar que o vínculo é importante, não só porque


favorece a união do grupo, o engajamento e a participação das pessoas nas
rodas de TCI, mas porque constrói relações mais solidárias. Antes da TCI,
havia muita dificuldade em se estabelecerem vínculos na prática profissional,
como relata Célia Maria:

Tínhamos uma dificuldade muito grande na prática de consolidarmos


essa aproximação, para que pudéssemos estabelecer vínculo, manter
relações mais solidárias com os nossos usuários.

Vê-se, então, que as mudanças estão ocorrendo. De acordo com Eulina,


a TCI não dá respostas de imediato, “as mudanças vão acontecendo de forma
silenciosa”.
Verificaram-se, ainda, nos depoimentos dos colaboradores, que há
uma melhora na autoestima dos participantes das rodas de TCI. Boff (2000,

268
p.37) ressalta que a autoestima é o sentimento, é a crença em si mesmo, é a
“capacidade de dar a volta por cima nas dificuldades quase insuperáveis, a
criatividade diante de situações de opressão coletiva que ameaçam o horizonte
da esperança”. Os colaboradores perceberam que as pessoas se tornaram mais
confiantes, mais decididas, passando a adotar outra postura em relação à vida,
como mostram estes discursos:

Os benefícios da Terapia Comunitária para a comunidade são a


possibilidade de resgatar a autoestima, de se perceber um ser humano
potente, capaz de lutar pelos seus direitos e de se perceber inteligente
(Célia Maria).

[...] potencializávamos a vivência, a experiência, a resiliência.


Trabalhar com a resiliência humana, “eu não sou um pobre coitado”,
então sou mais do que isso, tenho potencialidades, pois sozinhos não
somos nada (Ana Maria).

É oportuno destacar que a resiliência é a capacidade que os indivíduos,


isoladamente ou com suas famílias e em comunidades, adquirem para superar
as dificuldades contextuais. Wlash (2005, p.4) afirma que ela é “um processo
ativo de resistência, reestruturação e crescimento em resposta à crise”. Portanto,
a TCI é um espaço de promoção da resiliência, porquanto, com a partilha de
experiências de vida, os indivíduos reforçam a autoestima (opinião que cada
um tem de si) e fortalecem os vínculos.
Pode-se, pois dizer que a TCI possibilita a transformação ou a mudança
de atitudes pessoais, profissionais e da comunidade, posto que proporcione
o estabelecimento e o fortalecimento de vínculos, a melhora da autoestima,
promove a resiliência e contribui para práticas mais acolhedoras e integralizadas
nos serviços de saúde, levando os profissionais e a comunidade a superar
dificuldades e, conseqüentemente, a evoluir.

Contribuições para o SUS e a saúde mental: em busca da


integralidade na atenção básica.

Com a implantação do SUS, no cenário brasileiro, intensifica-se


o processo de reversão do modelo de assistência hospitalocêntrico, para

269
o comunitário. O modelo hospitalocêntrico enfoca o indivíduo e a cura,
enquanto o modelo comunitário, que tem como base a comunidade, valoriza
o coletivo, buscando a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento. Essa
transição foi fortemente marcada pelos Movimentos da Reforma Sanitária e
da Reforma Psiquiátrica (CAVALHERI, 2002; LUISI, 2006).
Nessa perspectiva, como a cidade de João Pessoa está inserida nesse
contexto nacional, busca, por meio da TCI, não só capacitar seus profissionais
de saúde da ESF, para atuarem com pacientes portadores de transtorno mental,
visando proporcionar um instrumento de cuidado que, com outras práticas,
amplie a resposta do sistema de saúde para as necessidades dos usuários, mas
também favorecer um modelo de assistência comunitário. Com relação ao
exposto, as colaboradoras comentam:

A Terapia Comunitária é mais um instrumento, para estarmos


efetivamente construindo uma prática mais integrada, uma prática
que seja complementar às outras práticas mais tradicionais, já
fortemente instituídas. [...] temos que lançar mão de várias práticas
que nos possibilitem dar respostas a muitas necessidades que o usuário
tem [...] (Roseana).

A questão da desospitalização está aí. Precisamos dar alternativas, para


que essas pessoas tenham acesso. Acho que a Terapia consegue fazer isso,
ela é um espaço complementar, e nós não estamos tirando os méritos da
Medicina curativa, do ponto de vista de Saúde Mental, é algo a mais
que temos a ofertar (Célia Maria).

A Terapia Comunitária ela tem uma importância fundamental nesse


processo de reorganização do SUS, especificamente aqui no projeto
da gestão Ricardo Coutinho e Roseana Meira. No sentido de que esta
gestão vem tentando mudar práticas de trabalho dos profissionais e
fazer com que o processo da equipe de Saúde da Família venha atender
à necessidade do usuário (Márcia Rique).

A TCI é uma experiência que já vem ocorrendo em diversos estados


brasileiros e em outros países. Destaque-se, aqui, que a gestão municipal
ampliou sua visão em relação a esse aspecto, uma vez que João Pessoa - PB
foi um dos primeiros Municípios brasileiros a institucionalizar esse tipo de
terapia, cuja inserção na Atenção Básica de Saúde contribui para a organização
das ações de saúde no SUS e na Saúde Mental, dentro da atenção básica do
Município de João Pessoa - PB, já sendo reconhecida pelo Ministério da
270
Saúde como uma ferramenta de cuidado, como apontam as colaboradoras
Ana Vigarani e Sandra:

Dá para perceber que o valor da Atenção Básica do PSF está na vida


da equipe, na forma de como ela se relaciona, na forma de como ela
atende o usuário (Ana Vigarani).

[...] dentro do modelo de atenção que o Ministério da Saúde preconiza,


sabemos que precisamos estar discutindo a questão da Saúde Mental
junto à Atenção Básica, levando a mensagem que a Saúde Mental é
problema de todo mundo (Sandra).

Essa ferramenta de cuidado vem se inserindo na atenção básica, com o


objetivo de tecer redes de atenção, de cuidado, de prevenção e de promoção
de saúde, e de viabilizar atendimento e encaminhamentos aos centros
especializados das situações graves de transtornos psíquicos, estimulando o
envolvimento multiprofissional da rede de atenção básica em Saúde Mental.
Nesse sentido a colaboradora Roseana afirma:

[...] com o processo de construção de vínculo, passamos a estar sensíveis


ao outro e a termos mecanismos de co-responsabilização importante
para a construção de uma rede de saúde que trabalha com humanização.

É oportuno destacar que, no cenário brasileiro, há uma política de


humanização da atenção e da gestão do SUS (humanizaSUS), que preconiza
uma nova relação entre os usuários e os profissionais de saúde, favorecendo um
trabalho mais coletivo, mais acolhedor e ágil, que busca respeitar a diversidade,
oferecendo um tratamento igualitário a todos. Sob essa perspectiva, Zampieri
(2001, p.75) enfoca que “a humanização tem como preocupação básica a
valorização do homem e busca o desenvolvimento de todas as potencialidades
e capacidades do indivíduo”. Com base nessa assertiva, pode-se dizer que a TCI
é um caminho que conduz à formação de um profissional mais humanizado.
A colaboradora Célia Maria relata:

[...] nos solidarizamos e nos colocamos como sendo da espécie humana


de uma forma mais igual, de uma forma menos prepotente, menos
dono do saber, enfim, menos egoístas... Um ser humano mais solidário,

271
mais próximo do outro, que se percebe dependente do bem-estar do
outro.

Contudo, é preciso compreender que o profissional não é o “salvador


da pátria” e, portanto, capaz de resolver toda espécie de problema que a ele
se apresente. Isso é desmistificado em grupo, quando, todos juntos, refletem
sobre possibilidades de buscar soluções no coletivo, de forma participativa e
co-responsável, num novo modelo de saúde comunitária, em que se devolve
às pessoas a capacidade de acreditar no seu potencial.
Como já foi enfatizado neste texto, devido à falta de um espaço de
escuta, os usuários passam a somatizar a depressão, o estresse, as gastrites,
dentre outras doenças, que se apresentam como sinais do sofrimento
emocional ou psíquico que está sendo vivenciado e que o corpo expressa;
razão por que buscam, muitas vezes, a terapêutica medicamentosa como uma
válvula de escape, na tentativa de resolver esses problemas.
Como afirma Barreto(2008) na TCI, a palavra é o remédio para quem
fala e para quem ouve. Cada participante torna-se terapeuta de si mesmo,
a partir da escuta das histórias de vida que são relatadas, ou seja, cada um é
co-responsável pela superação dos desafios do dia-a-dia, despertando para a
solidariedade e a partilha. Os discursos de Célia Maria e de Roseana Meira
trazem à tona a importância da Terapia Comunitária como esse espaço de
escuta para a comunidade, como afirmam as seguintes falas:

Com a Terapia Comunitária, evitamos que o adoecimento mental


chegue ao ponto que precise estar tomando medicamentos. Acho que,
com a questão da modernidade, foi se deixando de lado práticas que
eram comuns em outras gerações, de se estar conversando, escutando,
estabelecendo encontros solidários entre as pessoas, mas a TCI veio
resgatar tudo isso (Célia Maria).

Esperamos que este debate seja ampliado, para que a Saúde Mental seja
uma responsabilidade desde a Atenção Básica porque, assim, iremos
diminuir o número de internações, o consumo de medicamentos e
proporcionarmos um acompanhamento ao paciente e não simplesmente
só encaminhá-lo, como normalmente o é feito (Roseana).

Em muitas das entrevistas, percebe-se que a TCI é uma prática


integrativa, por ser uma ferramenta de cuidado que possibilita o atendimento
às pessoas nas suas várias dimensões, tanto biológica quanto emocional e

272
social. Porém, vale salientar que a integralidade para efetivamente, ser posta
em prática, necessita da conscientização, do empenho e da participação de
todos, uma vez que uma rede de qualidade é composta pela integração de
várias pessoas: gestão, profissionais e comunidade.
Temos, portanto, um longo caminho a trilhar, mas a implantação da
TCI já foi um grande passo de conquista e, como expressa a Professora Ana
Maria, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB:

Se quisermos fazer integralidade no SUS, temos que construir uma rede


de qualidade [...] temos que entender o SUS como um processo, o SUS
não é algo totalmente acabado, não, é algo que está em construção. [...],
não existe nada acabado, só uma vida que encerrou, exalou o último
suspiro, esta vida aqui está encerrada, porque ela não tem capacidade
de um passo mais à frente. Mas todas as coisas na nossa própria vida, o
SUS, a TCI, política são etapas processuais.

Considerando as observações acima relatadas, evidencia-se que do ponto


de vista dos colaboradores a TCI vem contribuindo para o fortalecimento
das ações de saúde do SUS e da Saúde Mental, em busca da integralidade
na Atenção Básica, no Município de João Pessoa - PB, porque promove a
quebra de paradigmas, disponibiliza um espaço de escuta para a comunidade,
estimula o envolvimento multiprofissional da rede de atenção básica em
Saúde Mental, capacita os profissionais para dispensarem um atendimento
ético, acolhedor e integral, que busca atender às necessidades da população e
favorece uma melhor qualidade de vida para o indivíduo e a comunidade em
que ele se insere.

Desafios apontados

Todo processo em construção enfrenta desafios, e como a TCI faz


parte desse contexto, relacionaram-se algumas dificuldades, ou melhor,
desafios abordados nas falas das colaboradoras. O vocábulo ‘desafio’, como
define o dicionário, pode ser entendido como uma provocação, mas, no
foco deste estudo, é algo que exige força, determinação e perseverança no
desenvolvimento de um processo.
Aponta-se, como um dos principais desafios, a falta de espaço físico
adequado, não como algo que impedisse a realização das rodas de TCI, mas
273
como um fator que dificulta uma ação de qualidade por parte dos profissionais,
pois, de acordo com Barreto (2008), a TCI pode ser realizada em qualquer
lugar, até debaixo de uma árvore.

Nunca encontramos casa para alugar com o tamanho que seja


compatível com a necessidade do trabalho da equipe (Márcia Rique).

Nosso maior desafio tem sido a conquista de um espaço ideal [...].


Nem por isso deixamos de realizar os encontros, mas até agora não
conseguimos esse espaço (Maria do Socorro).

[...] quando não se tem um vínculo uma rede de apoio construída,


ficamos peregrinando atrás de um espaço (Ana Maria).

Outro desafio expresso em boa parte dos discursos foi a pouca


divulgação do trabalho de TCI. Em relação a esse ponto, as colaboradoras se
posicionaram da seguinte forma:

A TCI ainda tem um longo caminho a seguir, quanto à divulgação,


porque é um trabalho novo, as pessoas não a conhecem muito. Vai ter
que ter muita divulgação, sensibilização, comunicação e informação
a fim de conseguirmos trazer isso para as comunidades com mais
afinidade (Eulina).

A pouca divulgação também é um desafio, procuramos fazer isso através


dos próprios profissionais, já existe certa divulgação, mas abertamente
para a população realmente é difícil. Na verdade essa gestão gasta
poucos recursos para divulgar, ela prefere gastar os recursos para efetivar
as obras [...] (Márcia Rique).

É oportuno ressaltar que, para Barreto (2008), a função do terapeuta


comunitário é de suscitar a capacidade terapêutica do próprio grupo. Para isso,
não precisa ser um especialista, pode ser uma pessoa da própria comunidade,
um profissional de saúde, da educação, entre outros. Sua atuação deve estar
274
voltada para o crescimento humano e coletivo. Portanto, a TCI é um espaço
que possibilita ao terapeuta comunitário crescer com o grupo e fomentar a
descoberta dos recursos individuais e comunitários. Porém, nas leituras das
entrevistas, ficou evidente que algumas colaboradoras citam a não identificação
com a TCI e o descompromisso de profissionais como mais um desafio. A esse
respeito, Ana Vigarani refere:

Um grande desafio é por parte dos próprios terapeutas, pois mesmo


que você selecione, com todo carinho, faça inscrição, que você tente
selecionar dentro do perfil, mesmo assim há alguns terapeutas que não
correspondem.

Vale destacar que, historicamente, os profissionais de saúde tiveram


uma formação voltada para o atendimento de doenças no estrito contexto
biológico, o que contribuiu para uma concepção fragmentada de saúde.
Porém, com o processo de construção do SUS, o desenvolvimento das ações
de saúde passou a ser orientado pelos princípios: o da universalidade, equidade
e integralidade.
Diante desse contexto, de acordo com a colaboradora Ana Maria,
a quebra de paradigmas é um dos pontos que favorecem a não adesão dos
profissionais e um desafio que não tem a ver só com o comportamento da
equipe ou do profissional, mas também com o processo de formação dos
profissionais e com o processo de gestão. E assim fala a colaboradora Ana
Maria:

A equipe não adere, acho que não é nem a adesão da equipe, é esse
choque de visão, porque se acho que a TCI é uma coisa boba, é uma
coisa a mais, está mexendo com a minha visão de saúde-doença, e
transformá-la não é tarefa fácil.

Corroborando com Ana Maria, Célia Maria e Lino afirmam:

Um dos desafios é de se desnudar da concepção fragmentada de saúde,


do que se pensa sobre o que é saúde, que não é uma coisa simplista, e
guiar o processo de trabalho baseado em uma concepção mais ampliada
da saúde (Célia Maria).
O primeiro desafio é a questão do próprio terapeuta se empoderar desse
momento, dessa ferramenta (Lino).

275
Vale ressaltar que, de acordo com Campos (2005, p. 11), “há muito
que se criticar e muito que se aprender com a tradição da Saúde Pública.
Todo pensamento comprometido com algum tipo de prática (política, clínica,
sanitária, profissional) está obrigado a reconstruir depois de desconstruir”.
O Brasil, na década de 1970, apresentava um modelo hegemônico:
médico assistencial-privatista, centrado na “demanda espontânea”,
predominantemente curativo, que reforçava a atitude dos indivíduos de só
procurar os serviços de saúde quando se sentiam doentes (PAIM, 2003). Mas,
com o processo de construção do SUS, apresentou-se um elevado impacto,
não somente por causa da substituição de um modelo que não atendia às
necessidades da população, mas também porque, foi por meio dele, que se
deu o início efetivo da participação da sociedade brasileira na determinação
de seus destinos vinculados ao Setor da Saúde. Isso contribuiu para que a
população não acreditasse mais em ações de saúde que não eram eficazes para
a sua realidade. Outros desafios citados por Eulina e por Célia Maria foram
com relação à descrença nos serviços que são oferecidos nos setores de saúde e
à participação da comunidade. E assim as colaboradoras afirmam:

Uma das grandes dificuldades é a descrença do nosso povo, as pessoas


elas estão com tantos laços feridos, magoados, desacreditados, tantos
sofrimentos nas famílias [...] (Eulina).

Também é um desafio fazer com que a comunidade participe e venha


fazer parte desses encontros, acredite nesse movimento, por isso acho que
tem que ser uma coisa com muita seriedade, pois é uma experiência,
é um processo, portanto temos que passar muita credibilidade, muito
respeito, para que o processo se fortaleça, cresça e dê certo (Célia Maria).

Para o colaborador Lino,

A Terapia Comunitária tem uma linha de trabalho dentro da


Secretaria, mas ainda não está amarrada com a Saúde Mental.

Isso não condiz com o discurso de Roseana Meira, secretária de saúde


do Município de João Pessoa - PB, uma vez que, de acordo com Márcia Rique
e outras colaboradoras, a TCI está trabalhando em harmonia, em conjunto
com a área de Saúde Mental, inclusive mostrando resultados. As palavras de
Ivoneide corroboram com essa assertiva:

276
Temos ainda um déficit muito grande em relação à nossa rede de Saúde
Mental do Município de João Pessoa - PB, mas a TCI preenche uma
parte desta lacuna, dessa rede substitutiva, ela proporciona a escuta
acima de tudo, da história do dia-a-dia, da subjetividade do ser
humano.

No relato de Roseana Meira, ela expõe uma preocupação e, até mesmo,


um desejo como gestão:

Realmente os grupos não percam ou saiam do seu objetivo, virem grupos


religiosos ou grupos de auto-ajuda, pois não é essa intenção, mas que
eles tenham a capacidade de estar avaliando para dar continuidade as
discussões realmente dos problemas que a comunidade traz.

Sabe-se que, para transpor esses desafios, a TCI necessita de uma ação
entre gestão, profissionais e comunidade, pois, através dessa da ação dessa teia,
essa tecnologia de cuidado tenderá a crescer, se fortalecer e atingir cada vez
mais outras pessoas, em um processo de expansão que vem se desenrolando
no âmbito nacional e internacional.
Por fim, espera-se, com a identificação desses desafios, no que concerne
à TCI, contribuir para a elucidação de outros estudos referentes a essa temática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou conhecer a história da implantação da Terapia


Comunitária em JoãoPessoa-PB sob diferentes olhares, pois os colaboradores
desta pesquisa contribuíram de maneira significativa para reunir fragmentos
e compor um mosaico dessa historia, pois, em meio a risos e lágrimas, foi
possível perceber a importância da chegada dessa ferramenta de cuidado á
pratica dos trabalhadores da saúde na Atenção Básica.
Assim, pode-se afirmar que a TCI vem fortalecer as ações de saúde,
principalmente na área de Saúde Mental, onde as ações desenvolvidas junto ao
usuário na atenção básica não estavam suprindo as necessidades da demanda.
Contudo, vale salientar que a Terapia Comunitária não se restringiu apenas à

277
área de Saúde Mental, porque sua atuação hoje se amplia no cenário da Saúde
Comunitária.
Nas narrativas, percebeu-se que a TCI vem se consolidando, cada vez
mais, como uma nova tecnologia de cuidado no SUS e na Atenção Básica,
o que favorece e desenvolve ações de promoção da saúde e prevenção do
sofrimento emocional. Também se constatou que ela vem se constituindo
uma ferramenta que cria espaços de escuta sensível, contribui para a reflexão,
gerando mudanças de atitudes que levam à transformação, em âmbito pessoal,
profissional, comunitário e de práticas nos serviços de saúde. Também,
promove a melhora da autoestima e a resiliência, a formação de vínculos
entre os indivíduos da comunidade e da comunidade com a equipe de saúde,
contribui para práticas mais acolhedoras e integralizadas no serviço. A TCI
enquanto ferramenta de cuidado favorece o processo de superação e de
crescimento dos profissionais e da comunidade, contribuindo sobremaneira
para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Com este estudo espera-se, poder subsidiar e oferecer elementos e
estratégias para a implantação da TCI em outros Municípios brasileiros e
contribuir para a ampliação e implementação desse instrumento de significativa
importância, que é a Terapia Comunitária para a sua consolidação no SUS,
como ferramenta de cuidado á saúde das pessoas, famílias e comunidade.

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reflexões sobre o cuidado no processo do nascimento. Florianópolis: Cidade Futura,
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280
A TERAPIA COMUNITÁRIA COMO INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO DA SAÚDE MENTAL NA
ATENÇÃO BÁSICA: AVALIAÇÃO DA
SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS*

12
Fábia Barbosa de Andrade
Maria de Oliveira Ferreira Filha
Rodrigo Pinheiro Toledo Vianna
Antonia Oliveira Silva
Iris do Céu

INTRODUÇÃO

Desde o surgimento do movimento da reforma sanitária brasileira, na


década de 1970, até os dias atuais, as mudanças ocorridas no cenário da saúde
têm levado a sociedade e, mais especificamente, os profissionais da área da
saúde a repensarem o papel do Estado e demais instituições e entidades na
construção de um projeto político com ênfase na ampliação dos direitos do
cidadão, destacando-se dentre eles o direito à saúde.
A última década do século XX foi marcada por transformações profundas
na Constituição Brasileira para assegurar a implantação e o fortalecimento do
Sistema Único de Saúde - SUS, criado por meio da Lei 8.080/90. O SUS
propõe mudanças radicais na forma de fazer saúde no país, dentre elas a
inversão do modelo privatista da atenção à saúde, que se perpetuava através de
lobbies empresariais, para um sistema de saúde universal, integral e equânime;

*Resumo da dissertação defendida por Fábia Barbosa de Andrade no Programa de Pós Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba – UFPB em dezembro de 2009.

281
outra inversão importante foi direcionada para o eixo do cuidado, que se
centrava, a priori, no modelo individual e curativo, passando a prioridade
para o modelo comunitário e preventivo.
Entretanto, para que tais mudanças viessem a acontecer várias estratégias
foram traçadas no plano político, econômico e educacional. Foi necessária
a reformulação de planos, projetos e ações que influenciaram o modo de
pensar e agir, principalmente, de gestores dos serviços de saúde bem como dos
profissionais que neles atuavam, para garantir o direito à saúde, previstos pela
Constituição Brasileira de 1988. A busca por um modelo democrático de saúde
chamou a atenção do governo vigente para o estabelecimento de prioridades e
estratégias de longo alcance para a população até então desassistida.
Como a oferta de serviços de saúde ainda era pequena para garantir
uma ampla cobertura populacional, em 1994 foi criado o Programa de Saúde
da Família-PSF, atualmente denominado Estratégia Saúde da Família-ESF,
para fazer com que a oferta de serviços de saúde de atenção primária, pudesse
chegar mais perto das famílias e comunidades, principalmente daquelas
economicamente menos favorecidas e em situação de risco de adoecimento
(FERREIRA FILHA, DIAS, 2007).
O PSF inicia a expansão da rede de serviços de atenção básica,
direcionando as ações do cuidado para a promoção da saúde e a prevenção
do adoecimento, na tentativa de diminuir os gastos com o modelo hospitalar
e, ao mesmo tempo, garantir mais recursos para investimento no modelo
comunitário. A implantação desse modelo também faz com que o país atenda
as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização
Panamericana de Saúde (OPS) que, desde a Conferência Internacional de
Alma Ata realizada em 1978, estimula os países a priorizarem maior assistência
no nível primário, ou seja, na promoção da saúde e na prevenção de agravos.
Nesses últimos anos do século XX e início do século XXI, o Ministério da
Saúde tem trabalhado na perspectiva da implantação do modelo comunitário
de atenção à saúde. Contudo, algumas áreas do cuidado ainda carecem de
tecnologias de base comunitária para expandir a sua oferta de serviços. A área
de saúde mental busca estratégias para enfrentar esse desafio, pois ao longo de
sua trajetória histórica construiu seu modelo de cuidado focalizado no eixo
hospitalar e, somente com o andamento do projeto de reforma psiquiátrica,

282
ficou mais evidente a reversão do modelo hospitalocêntrico, e as discussões
sobre esse modelo aparecem mais fortemente, dando ênfase à construção de
um modelo de base comunitária.
Com a aprovação da lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção
e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental, os atores sociais envolvidos com
o projeto da reforma psiquiátrica passaram a investir mais fortemente na
construção do modelo de saúde mental de base comunitária e as equipes de
trabalhadores da Estratégia Saúde da Família passaram a ser o foco para a
construção desse modelo (BRASIL, 2001).
A expansão da oferta de serviços de saúde, através da ESF, revelou um
aumento considerável na demanda de cuidados para a rede básica de saúde.
Essa demanda, no caso da saúde mental, foi detectada pelo aumento do
consumo de psicofármacos.
Uma pesquisa realizada por Hildebrandt et al (2004) em um serviço
municipal público de saúde da cidade de Panambi, Rio Grande do Sul, revelou
a existencia de um quantitativo de 781 consumidores de psicofármacos , dos
quais 535 (68,5%) eram do sexo feminino e 246 (31,5%) masculino. Os dados
mostram ainda que há uma homogeneidade no percentual de consumidores
de drogas psicoativas nas diferentes faixas etárias, em que a idade superior a
30 anos mantém-se entre 13,2% a 19,1%, tendo um menor percentual de
usuários com idade inferior a 20 anos (20,7%). Essas informações mostram
o expressivo número de pessoas que utilizam substâncias psicotrópicas em
idade economicamente ativa, o que pode comprometer o desempenho da
atividade laboral. Dentre os motivos para iniciar o uso de medicamento
psicotrópico, a ansiedade encontra-se em destaque, com 578 (73,9%)
casos. Na seqüência aparecem às manifestações de ordem clínica, com 135
(17,3%) indivíduos. A doença mental se apresenta em terceiro lugar com
31 (4,0%) usuários. Tentativa de suicídio aparece a seguir com 11 (1,4%)
situações e, em menor proporção, a dependência química com 09 (1,2%)
pessoas, e retardo mental, com 02 (0,3%) ocorrências. Em relação ao tipo
de droga utilizado, os antidepressivos aparecem como sendo a substância
com maior percentual de uso, totalizando 257 (32,9%) indivíduos, seguidos

283
dos ansiolíticos em 218 (27,9%) dos casos e, em terceiro lugar as drogas
anticonvulsivantes (HILDEBRANDT et al, 2004).
Esses dados são preocupantes, pois pode haver realidades semelhantes
em outros municípios do país, o que deixa em alerta gestores e profissionais
da área de saúde mental, por se saber da deficiência de habilidades específicas
da ESF em lidar com pessoas em situação de sofrimento psíquico.
Os relatórios da OMS/OPS revelaram que, no ano 2000, os transtornos
mentais e neurológicos foram responsáveis por 12% do total de anos vida
ajustados por incapacitação (AVAI), perdidos em virtude das doenças
incapacitantes (os transtornos depressivos, a esquizofrenia, as resultantes
do abuso de substâncias, a epilepsia, o retardo mental, os transtornos da
infância e adolescência e a doença de Alzheimer), e que no ano 2020 a carga
dessas doenças cresceria para 15%, sendo que apenas uma minoria recebia
tratamento adequado (OMS/OPS, 2001).
A OMS e a OPS, desde a última década do século XX até os dias atuais
têm considerado a saúde mental como uma prioridade que os governos latino-
americanos devem encarar, pois, segundo essas organizações, os sofrimentos
psíquicos aumentam ostensivamente e a maioria deles é prevenível. Tais
organizações entendem também que a área de saúde mental pode contribuir para
controlar e reverter os processos de desumanização nas organizações sociais, em
particular naquelas de atenção à saúde mental e que os profissionais de saúde
mental não devem ocupar-se apenas em prevenir o sofrimento psíquico e atender
os que dele padecem, mas também, de atender as múltiplas dimensões psicossociais
da saúde em geral. Para tanto, detecta-se a necessidade de investimentos na área
de saúde mental para impulsionar planos e projetos direcionados para o modelo
comunitário.
O início do século XXI foi fortemente marcado pela expansão de serviços de
base comunitária como os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, cujo objetivo
fundamental é promover a desospitalização, diminuindo as reinternações, bem
como a reabilitação e inclusão social dos portadores de transtornos mentais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que têm sido dados passos importantes em
busca de consolidação do modelo de saúde mental de base comunitária, pois já
existem no país mais de 1.000 CAPS, segundo dados do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2009). Contudo, esse número ainda está aquém do que a comunidade

284
necessita, e percebe-se a insuficiência de investimentos financeiros e de recursos
humanos no sentido de implementar planos e projetos para promover a saúde
mental, prevenir o adoecimento e reduzir o consumo de psicofármacos pela
população.
As universidades, que sempre tiveram um papel de destaque nesse
cenário de mudanças, começaram a se preocupar com essa situação
e, em algumas delas, foram iniciados estudos, em nível de graduação e
pós-graduação, para identificar possíveis obstáculos que dificultam esse
processo de transformação, evidenciados pela falta de investimentos para
a formação de especialistas no campo da saúde mental, pela dificuldade
de aceitação por parte das ESF em lidar com pessoas em situação de
sofrimento emocional e, ainda, pelo empobrecimento de conteúdos
políticos dentro dos currículos de cursos de graduação e pós-graduação na
área de saúde mental (ALENCASTRE, 2000).
Partindo do conhecimento de algumas experiências inovadoras no
campo da saúde mental comunitária, que vêm sendo realizadas com sucesso em
vários municípios brasileiros, a exemplo da terapia comunitária, duas docentes
do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) iniciaram, em 2004, uma atividade
pioneira no Estado da Paraíba, com a implantação de um projeto de extensão
denominado “Terapia Comunitária: uma ação básica de saúde mental”. Tal
projeto foi implantado na Unidade de Saúde da Família – Ambulantes, do
Bairro de Mangabeira, no município de João Pessoa/PB, junto com a Equipe
de Saúde da Família, com a finalidade de avaliar a viabilidade e o impacto
da terapia na redução do sofrimento emocional entre os usuários da referida
unidade de saúde.
A Terapia Comunitária Inegrativa (TCI) originou-se na comunidade
Pirambu, bairro pobre da periferia da cidade de Fortaleza/CE há
aproximadamente 21 anos. Foi criada pelo Professor Dr. Adalberto de Paula
Barreto, médico psiquiatra, docente da Universidade Federal do Ceará, do
Departamento de Saúde Comunitária. Ela se realiza por meio de encontros
na comunidade em que as pessoas participantes relatam inquietações e
problemas advindos do cotidiano que muitas vezes, transforma-se em
sofrimento emocional. Nesses encontros, resgata-se por meio do diálogo a

285
fortaleza dos moradores, e a cada dia se experimenta o (re) fazer de elementos
imprescindíveis na composição de sua identidade comunitária.
A experiência realizada em Mangabeira, bairro de João Pessoa/PB
revelou que tanto os profissionais da Equipe da USF – Ambulantes, como
os participantes da TCI perceberam repercussões positivas no processo
de trabalho da equipe, como a diminuição do sofrimento emocional dos
usuários, evidenciada pela redução das queixas durante os atendimentos,
no fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais e na retomada da fé e de
mais esperança no prosseguimento da trajetória da vida (GUIMARÃES;
FERREIRA FILHA, 2006).
Diante dessa repercussão, a TCI ganhou visibilidade no município, e
houve interesse por parte da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João
Pessoa, Paraíba, em expandir a TCI para outras Unidades de Saúde da Família.
Em 2007, foi iniciado o processo de formação de terapeutas comunitários, e
atualmente o município conta com 61 terapeutas formados, 65 em processo
de formação, sendo que todos eles já realizam a TCI nos territórios onde
atuam (SMS/JOÃO PESSOA, 2009).
Segundo dados da SMS de João Pessoa/PB (2009), após um ano do
início da formação de 61 terapeutas já haviam sido realizadas 894 rodas de
TCI, atendendo a mais de 13.845 (treze mil oitocentas e quarenta e cinco)
pessoas nas comunidades. Os terapeutas relatam que a terapia comunitária
tem ajudado a melhorar o processo de trabalho da equipe, bem como os
vínculos com a comunidade.
É importante ressaltar que a TCI também se expandiu no cenário
nacional e internacional. Neste último, a TCI é desenvolvida na França e Suíça
desde 2004 e, em 2009, a TCI chegou ao Uruguai, Argentina e Venezuela,
através da formação de terapeutas comunitários pelo Pólo de Formação
Movimento Integrado de Saúde Comunitária (MISC) da Paraíba, para
atuarem em serviços comunitários. A expansão no Brasil foi mais evidente no
ano de 2006, através de um convênio entre a Secretaria Nacional Antidrogas e
o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (MISMEC) do Ceará
para formar 900 terapeutas em todo o país, para atuarem como promotores de
saúde no combate às drogas. No ano de 2008, o Ministério da Saúde firmou
um convênio com a Universidade Federal do Ceará – UFC, para que fossem

286
formados como terapeutas comunitários mais 1.050 profissionais da ESF, de
vários municípios brasileiros, desta vez buscando incluir a TCI na atenção
básica à saúde, através das Equipes de Saúde da Família. No ano de 2009, o
convênio foi renovado com o Ministério da Saúde, e mais 950 terapeutas da
ESF estão sendo formados, espalhados pelo território nacional. É importante
mencionar que o Pólo de Formação do MISC/PB é parceiro nesse convênio
e formou, no ano de 2009, 55 terapeutas que atuam em cidades do sertão
paraibano, e mais de 70 estão em processo de formação, também no sertão
paraibano, tendo sido incluído um município do Rio Grande do Norte.
Isso confirma a expansão da TCI e sua aplicabilidade na rede de serviços
comunitários, em diferentes contextos populacionais de diferentes culturas
(FERREIRA FILHA; DIAS, 2007).
No momento atual, entendemos que se faz necessária uma avaliação da
satisfação dos participantes da TCI em relação a essa ferramenta do cuidado,
para que se possa continuar conhecendo o seu impacto na atenção básica de
saúde e, mais especificamente, no campo da saúde mental, uma vez que a
terapia comunitária vem se expandindo dentro do Estado da Paraíba com o
apoio técnico financeiro do Ministério da Saúde e da Universidade Federal
do Ceará, através do Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária -
MISMEC/CE, do Movimento Integrado de Saúde Comunitária – MISC/PB,
e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental Comunitária - GEPSMC,
vinculado ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade
Federal da Paraíba - UFPB.
Atualmente existe, no cenário da saúde coletiva, o interesse em
avaliar práticas de saúde que tenham competência reconhecida e que
sejam compatíveis com os princípios norteadores do SUS: universalidade,
integralidade e equidade. A TCI é uma ferramenta que atende a esses princípios
e, ao longo de sua trajetória, tem demonstrado ser uma tecnologia de baixo
custo para a população em situação de risco de adoecimento e com sofrimento
emocional, visto que seus encontros acontecem na comunidade onde residem
os usuários, que comungam de realidades semelhantes e usam estratégias
de enfrentamento com base na história de vida de cada indivíduo em uma
sintonia participativa de pessoas de qualquer idade, sexo nacionalidade ou
religião. A Terapia acontece em locais onde as pessoas têm acesso fácil e não se

287
limita a um número absoluto de pessoas. Além disso, qualquer pessoa pode ser
terapeuta comunitário, seja profissional da ESF ou usuário da comunidade,
desde que atenda ao requisito mínimo, ou seja, o desejo de ajudar outras
pessoas a encontrar soluções para os problemas do cotidiano, desde que
acredite em si e no outro, aceitando ser um cuidador em potencial.
Existe um forte interesse por essa estratégia de promoção de saúde
mental, tendo em vista o Pacto pela Saúde firmado pelo governo Federal,
através da Portaria do Gabinete do Ministro, de n° 399, de 22 de fevereiro de
2006, o qual chama a atenção para mudanças significativas, tendo em vista a
consolidação do SUS (BRASIL, 2006). Como a TCI vem emergindo como
estratégia que pode ampliar e fortalecer a prática dos profissionais da ESF
em direção ao modelo comunitário de saúde, a realização deste estudo se faz
importante para conhecer o nível de satisfação da população usuária do SUS
em relação a essa ferramenta de cuidado.
João Pessoa/PB é um dos municípios brasileiros que mais tem terapeutas
comunitários envolvidos com a Estratégia Saúde da Família. Portanto,
ainda que os resultados deste estudo não possam ser generalizados, pode-se,
contudo, saber qual a probabilidade de esse instrumento ser aceito, ou não,
em outros municípios brasileiros dentro da ESF. Interessa, também, contribuir
com reflexões sobre o uso dessa ferramenta pelos terapeutas comunitários e
apontar caminhos para subsidiar outros municípios com interesse na TCI para
fortalecer a atenção à saúde mental na rede de cuidados primários de saúde.
Assim, para guiar este estudo, foram elaboradas as seguintes indagações:
Qual é o nível de satisfação dos participantes em relação à TCI? Em que
aspectos os participantes da TCI estão satisfeitos com essa ferramenta?
Para responder as indagações suscitadas este estudo objetivou avaliar a
satisfação dos participantes em relação à TCI na Atenção Básica, no município
de João Pessoa/PB. Para tanto foi necessário medir o nível de satisfação dos
participantes da TCI em relação a essa ferramenta do cuidado; identificar
elementos importantes para a avaliação da satisfação em relação à TCI por
parte dos participantes.
A avaliação da satisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)
em relação à TCI é uma medida importante para garantir a sua continuidade

288
na rede básica de saúde e, por sua vez, pode sensibilizar profissionais de saúde e
gestores para reconhecer a importancia dessa ferramenta para a saúde mental.

MÉTODO

Esta pesquisa é um estudo avaliativo, transversal e observacional,


representativo da população usuária da Atenção Básica do município de João
Pessoa/ PB/ Brasil e que frequentam as rodas TCI.
A satisfação dos usuários pode ser vista pela reação que têm diante do
contexto, do processo e do resultado global de sua experiência relativa a um
serviço. Essa avaliação se baseia em padrões subjetivos, implicando, portanto,
atividades psicológicas (no campo perceptual) de ordem cognitiva e afetiva,
engajadas em um processo comparativo entre a experiência vivida e critérios
subjetivos do usuário. Ela geralmente é caracterizada como uma avaliação
de resultados, que se encontra associada à efetividade do cuidado ou a um
ganho específico de um determinado tipo de intervenção, sendo também
descrita em termos de saúde psicológica do indivíduo. Quando se trata da
qualidade do processo, a satisfação refere-se, sobretudo, à relação interpessoal
entre profissional de saúde e usuário. Na avaliação da estrutura dos serviços,
a satisfação serve para avaliar o contexto e insumos, e, ainda a satisfação dos
usuários constitui um componente da aceitabilidade social. Essa aceitabilidade
representa a aceitação e aprovação de um serviço de saúde por parte de uma
população (TRAD; ESPIRIDIÃO, 2005).
Os elementos contemplados pelo sujeito na avaliação de níveis de
satisfação envolvem uma ou mais combinações dos seguintes elementos: um
ideal de serviço, uma noção de serviço merecido, uma média da experiência
passada em situações de serviços similares, e um nível subjetivo mínimo da
qualidade de serviços a alcançar para ser aceitável. Abordar a satisfação dos
usuários implica trazer um julgamento sobre características dos serviços (nesse
caso da TCI) e, portanto, sobre sua qualidade. Assim, a perspectiva do usuário
fornece informação essencial para completar e equilibrar a qualidade dos
serviços (TRAD; ESPERIDIÃO, 2005).
O municipio de João Pessoa/PB conta com 180 USF; dentre estas
em 43 Unidades de Saúde da Família (USF), distribuidas nos cinco distritos

289
sanitários. A pesquisa de campo foi realizada em 13 USF, onde ocorrem os
enconros de TCI. As USF foram sorteadas por distrito considerando o critério
da média de participantes nos encontros de TCI por unidade selecionada
(partilha proporcional).
A população foi formada por todos os usuários participantes da TCI
das Unidades de Saúde da Família do município de João Pessoa/PB, estimada
em 5.000 (cinco mil) participantes.
A seleção da amostra foi feita aleatoriamente e para o cálculo do número
de pessoas a serem entrevistadas utilizou-se como parâmetros uma proporção
esperada de satisfação de 80%, com nível de confiança de 95% e erro máximo
aceitável de 7%, considerando ainda o cálculo de amostra com correção para
populações finitas. Estimou-se um número mínimo de 189 participantes.
Para compensar as perdas amostrais esse número foi aumentado para 198.
Utilizou-se o Programa para Análise Epidemiológica e Dados Tabulados-
EDIPAT, versão 3.1, para a realização desse cálculo (OMS/OPAS, 2006).
O critério de inclusão dos participantes na amostra foi o de ter
participado de pelo menos uma roda de TCI, no território onde mora. Foram
excluídas previamente, crianças, pessoas que apresentassem deficiência mental
e/ou transtorno mental severo, devido a prejuízos apresentados na área da
linguagem e da cognição, o que dificultaria a compreensão das questões e a
consequente resposta às mesmas. Assim, foram sorteados em cada unidade os
participantes para compor a amostra.
O instrumento utilizado para este estudo foi a Escala de Avaliação da
Satisfação dos Usuários com os Serviços de Saúde Mental – Satis-BR (anexo I)
A Escala de Avaliação da Satisfação dos Usuários com os Serviços de
Saúde Mental – Satis-BR foi utilizada para medir a satisfação dos participantes
e identificar elementos importantes em relação à TCI.
A Satis-BR constitui um questionário validado no Brasil no ano de
2000 por Bandeira, Pitta e Mercier. Tal questionário consta de 44 itens,
dentre os quais se incluem os itens quantitativos das sub-escalas e escala
global, que visam avaliar o grau de satisfação dos usuários com os serviços de
saúde mental, as questões descritivas e qualitativas referentes à percepção dos

290
usuários sobre diversos aspectos dos serviços recebidos e as questões referentes
a dados sócio-demográficos.
A Satis-BR foi adaptada neste estudo nos seguintes aspectos: a palavra
serviço de saúde mental foi substituída por Terapia Comunitária (anexo II),
por ser esta um serviço prestado à comunidade ou, melhor dizendo, uma
ferramenta de cuidado para a saúde mental, e os aspectos contidos dentro
do instrumento aplicam-se diretamente a avaliação da satisfação dos usuários
com a TCI na Estratégia Saúde da Família.
Dessa forma, para fins deste estudo, o instrumento adaptado ficou
com 46 itens. Os acréscimos feitos foram os seguintes: no Item 12, foram
introduzidas duas perguntas que dizem respeito a encaminhamentos (12 a e
12 b). Vale lembrar que a inserção desses itens não interferiu na consistência
das perguntas que medem a satisfação.
Treze itens do questionário compõem as sub-escalas e a escala global
para o cálculo do grau de satisfação do usuário com os serviços de saúde
mental, a qual contém respostas dispostas em uma ordinal de tipo Likert com
cinco pontos.
Cinco itens abertos de tipo qualitativo (itens 13.1, 28.1, 30, 31, 32,1),
fazem parte integrante do questionário e visam avaliar: os aspectos da terapia
que foram mais apreciados pelos participantes; os aspectos menos apreciados
por eles; os tipos de dificuldades que eles possivelmente encontraram na
terapia; as razões pelas quais eles recomendariam ou não a terapia aos amigos,
assim como suas sugestões para aperfeiçoamento.
O questionário contém ainda 11 itens descritivos (01, 02, 03, 04, 07,
09a, 09b, 12a, 12b, 18, 19, 22, 32) que envolvem os seguintes aspectos: as
razões pelas quais os participantes escolheram a terapia em questão e o tipo
de encaminhamento ocorrido; o tipo de transporte usado, a facilidade de
locomoção e o tempo gasto para chegar até ao local onde se realiza a terapia; sua
percepção sobre o problema (situação de sofrimento) que o levou a procurar
a terapia; a duração do seu tratamento na terapia; sua percepção a respeito
de sua participação na avaliação das atividades da terapia; sua percepção a

291
respeito da participação de sua família no tratamento; e sua percepção sobre a
necessidade de melhorias no local onde a terapia é realizada.
Sete itens sócio-demográficos (33, 34, 35, 36, 37, 38, 39) se referem
à idade, sexo, estado civil, grau de escolaridade, ocupação, tipo de moradia,
e condições residenciais. A escala Satis - BR possui ainda oito itens do CSQ-
8 (Client Satisfaction Questionnaire), que constitui uma escala padronizada
de avaliação da satisfação dos usuários com os serviços de saúde mental,
desenvolvida por Larsen, Attkisson, Hargreaves e Nguyen. (1979). A inclusão
desses itens permite comparar as respostas dos usuários a presente escala
com as respostas dadas aos itens do CSQ-8, o que serviria para reavaliar
constantemente a sua validade.
A escala de avaliação de satisfação dos usuários, composta por 13 itens
(5, 6, 8, 9, 11, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 25, 26), é considerada uma escala global
resultante da junção de duas sub-escalas: a primeira sub-escala se refere ao
relacionamento do usuário com a equipe do serviço e é dada pelo cálculo da
média das respostas obtidas para as questões 13, 14, 16, 17 e 20. Desse modo,
foram calculadas as frequências e a média das respostas obtidas nos 13 itens.
Essa média, que varia de 1 a 5, indica um grau maior de satisfação do usuário,
quanto mais próxima ela estiver do valor máximo 5.
A segunda sub-escala que trabalha com a apreciação do serviço, o grau de
satisfação dos usuários, é avaliada, calculando-se a média das respostas obtidas
para os itens 06, 09, 25 e 26. Percebe-se que, uma vez somada as escalas, elas
formam o conjunto dos treze itens mencionados anteriormente (itens 5, 6, 8,
9, 11, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 25, 26), que têm relação com informações sobre
acolhimento, respeito digno, integralidade, acessibilidade, ajuda do grupo,
entre outros aspectos, revelando o grau de satisfação dos participantes da TCI
em relação a essa tecnologia de cuidado.
O segundo componente – escala de comparação da satisfação dos
usuários – objetiva trabalhar com base em uma análise correlacional a fim
de fornecer ao construto da satisfação a validade concomitante, através da
comparação dos dados obtidos através dessa escala com os resultados referentes
às questões do CSQ-8, uma vez que este último constitui também uma escala

292
validada junto aos serviços de saúde mental. Esse componente é formado
pelos itens 10, 12, 15, 23, 24, 27, 28,29.
A escala Satis – BR foi aplicada usando-se a técnica de uma entrevista
dirigida, a qual foi realizada por entrevistadores previamente treinados para
esse fim.
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro
de Ciências da Saúde (CCS), em conformidade com o preconizado na
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado na
54° reunião ordinária realizada em 04.05.2009.
Os procedimentos de coleta dos dados obedeceram às seguintes etapas:
1ª) contato com a SMS de João Pessoa para explicar os objetivos do estudo e
a sua viabilidade; 2ª) conhecimento da relação dos participantes da TCI e das
USF sorteadas pela SMS; 3ª) planejamento das estratégias para contato com
os participantes da TCI por meio de visita domiciliar ou na própria USF.
A coleta de dados ocorreu no período de junho e julho de 2009, e se
deu de forma individual, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão da
amostra. A Satis-BR foi aplicada por um grupo de estudantes de Graduação em
Enfermagem que recebeu treinamento de dezesseis horas, para compreensão
dos objetivos do estudo e do instrumento de pesquisa, bem como para
uniformização da linguagem por ocasião da aplicação do questionário. Esta
ocorreu por ocasião de visitas domiciliares, muitas vezes, acompanhadas do
Agente Comunitário de Saúde – ACS.
Concluída a coleta de dados, o instrumento de avaliação (SATIS-BR)
foi armazenado em um banco de dados com auxílio dos softwares Statistical
Package for Social Sciences (SPSS) 15.0 for Windows e do Alceste 4.8.
Foi feita a análise exploratória dos dados e a verificação de erros e
inconsistência de preenchimento de questionário e digitação. Foi feita, ainda,
a análise descritiva dos dados com os cálculos de frequências, médias, desvios-
padrões, e consistência interna da escala de avaliação.
Para análise dos dados utilizou-se o SPSS, em que se calcularam as
frequências absolutas e relativas e, para aferir a consistência interna, foram
realizadas análises propriamente ditas dos índices Alfa de Cronbach obtidos
nessa amostra e foram conduzidas estatísticas preliminares que fundamentam
esse índice de consistência interna, já que este estudo tem o objetivo de

293
demonstrar a confiabilidade dos valores das médias observadas (Cronbach,
1951). Para Vallerand (1989), se o Alfa estiver acima de 0,70, isso revela a
consistência interna da escala.
No tocante a analise das questões qualitativas, foi utilizado o software
Alceste 4.8 (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segment de
Texteo), ou seja, Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de
Texto. Para Camargo (2005), o Alceste classifica de maneira semi-automática
as palavras para o interior de um corpus a fim de compor um banco de
dados. Para que isso seja possível, o Alceste segmenta o texto e estabelece
as semelhanças entre os segmentos e hierarquias de classes de palavras. Esse
método é chamado de classificação método descendente hierárquico e traça
pressupostos ou trajetórias de interpretação, respeitando-se as quatro etapas
de operação inerentes ao software (A, B, C e D).
O programa se utiliza de um único arquivo (txt) ou Unidades de
Contexto Iniciais (UCI), que são definidas pelo pesquisador e pela natureza da
pesquisa. Um conjunto de UCIs constitui um corpus de análise. O processo
de análise segue as seguintes etapas: identificação das palavras e de suas formas
reduzidas (raízes) e constituição de um dicionário; segmentação do material
discursivo em Unidades de Contexto Elementares (UCE’s); delimitação
de classes semânticas, seguida de sua descrição através da quantificação das
formas reduzidas e função das UCE’s, bem como das ligações estabelecidas
entre elas; análise da associação e correlação das variáveis informadas às classes
obtidas e análise das ligações estabelecidas entre as palavras típicas em função
das classes (dendograma) (CAMARGO, 2005).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Satisfação dos usuários em relação à TCI: respeito, dignidade
e compreensão.

Tabela 1: Distribuição das frequências os 13 itens que medem o grau de


satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João Pessoa/PB, 2009.

294
Itens Categoria N %
5 - Respeito e dignidade Mais ou menos 02 1,0
Geralmente 31 15,7
Sempre 165 83,3
6 – Escuta Não me ouviu bastante 01 0,5
Mais ou menos 01 0,5
Me ouviu bastante 87 43,9
Me ouviu muito 109 55,1
8 – Acolhimento e compreensão Mais ou menos 03 1,5
Me compreendeu bem 85 42,9
Me compreendeu muito 110 55,6
bem

9 – Compreensão em relação à Não me compreendeu 07 3,5


ajuda solicitada muito
Mais ou menos 01 0,5
Me compreendeu bem 92 46,5
Me compreendeu muito 98 49,5
11 – Apoio dado na TCI Não obtive nenhuma 01 0,5
ajuda
Senti que obtive alguma 75 37,9
ajuda
Senti que obtive muita 122 61,6
ajuda
13 – Dificuldades para obter Muito freqüentemente 01 0,5
informações da equipe de Mais ou menos 01 0,5
Nunca 110 55,6
Terapeutas Comunitários Eu nunca pedi 86 43,4
14 – Satisfação com a reflexão Satisfeito 105 53,0
feita na TCI sobre a inquietação Muito satisfeito 93 47,0
que foi apresentada na TCI
16 – Ajuda oferecida pela Mais ou menos 02 1,0
Frequentemente 50 25,3
equipe de terapeutas Sempre 146 73,7
17 – Acolhida dos terapeutas Nada amigável 01 0,5
Mais ou menos 02 1,0
Amigável 57 28,8
Muito amigável 138 69,7
20 – Competência dos terapeutas Mais ou menos 01 0,5
Competente 75 37,9
Muito competente 122 61,6
21 – Grau de competência Competente 82 41,4
dos terapeutas Muito competente 116 58,6
25 – Satisfação com o conforto Indiferente 01 0,5
e a aparência do local onde a Satisfeito 132 66,7
TCI se realiza Muito satisfeito 65 32,8
26 – Condições gerais das Ruins 02 1,0
instalações onde ocorre Regulares 39 19,7
Boas 102 51,5
a TCI Excelentes 55 27,8

295
A tabela 1 revela que dos 198 (100%) participantes entrevistados, 165
(83,3%) verbalizaram que sempre se sentiram respeitados, entendida em
aspectos de respeito e dignidade; 109 (55,1%) pessoas afirmaram terem sido
muito ouvidas, seguida de 87 (43,9%) que verbalizaram serem bastante
ouvidas; 110 (55,6%) das pessoas afirmaram ser muito bem compreendidas,
seguida de 85 (42,9%) que afirmou ter sido bem compreendida.
O respeito, a dignidade, a escuta e a compreensão são atributos que
o terapeuta deve aprimorar em sua formação e no exercício da prática da
TCI. Ser terapeuta significa estar atento às necessidades do outro e respeitar as
diferentes formas de manifestação do sofrimento. Quando o terapeuta usa a
restituição (que consiste em manifestar a compreensão que ele tem em relação
à dor do outro) através de uma frase padrão: “deixe-me ver se compreendi o seu
problema; se não compreendi, por favor, me corrija” ele demonstra respeito e
compreensão pela dor do outro. Para Barreto (2008), a restituição é um ato de
cidadania, pois permite que o outro se manifeste confirmando ou não o seu
sentimento de ter sido compreendido no grupo.
Segundo Mendes (2009), o conceito de dignidade é assumido como um
princípio moral e como uma disposição do direito positivo. No entendimento
do referido autor, a dignidade, como um valor autônomo e específico, é
inerente aos seres humanos, em decorrência de sua personalidade. A dignidade
humana, assim compreendida, é preservada quando o profissional centra a sua
atuação nas relações interpessoais, atribuindo importância e respeitando os
valores, crenças e desejos, em defesa da autonomia e do respeito às opções das
pessoas e ao seu cuidado. A pessoa deve ser respeitada pelo simples fato de Ser.
Quando as pessoas vão à terapia, geralmente, buscam algum tipo
de ajuda para a resolução do problema que está vivenciando. Na fase da
problematização, o terapeuta geralmente estimula os participantes a contarem
alguma situação já vivida e que foi resolvida satisfatoriamente. A pergunta
chave, denominada de mote coringa, é: “Quem já viveu uma situação
semelhante e como fez para superar?”. Nesse momento, pode emergir respostas
da comunidade para solucionar o problema apresentado. A problematização
é um momento muito rico para a reflexão do grupo sobre o tema escolhido.
É a maior fase da terapia, pois dura em média 45 minutos. Geralmente, ela
é permeada por experiências ricas em processos resilientes, em que o grupo

296
aprende, com as histórias de outras pessoas, a redimensionar a sua dor, o seu
sofrimento. O que antes parecia tão grande, nesse momento, diante de outras
histórias, toma uma dimensão menor, e a pessoa tem a sensação de estar
aliviada. Outras vezes, ela sente o interesse do grupo no seu problema e vê que
não está sozinha, que existe uma rede, uma comunidade que tem interesse
na sua singularidade. É o sentido de pertencimento traduzido pela ajuda que
recebe do grupo.
Sobre a acolhida dos terapeutas ter sido classificada como amigável, pode-
se inferir que o terapeuta geralmente é uma pessoa já conhecida da comunidade
com a qual vem mantendo algum vínculo afetivo e profissional. Os terapeutas
são pessoas que buscam dar sentido ao próprio trabalho, pela troca de afetos e
de reconhecimento. Eles também buscam apoio e ajuda da comunidade para o
aprimoramento do seu trabalho. Como diz Prof. Adalberto Barreto, ele busca um
salário afetivo.
Em relação ao conforto e aparência do local, é importante destacar
que, no município de João Pessoa, a TCI ocorre em diferentes locais, tais como:
Igrejas, Escolas, Serviços de Saúde, Associações Comunitárias, Clubes e também
em espaços livres. Geralmente os terapeutas procuram locais agradáveis, amplos,
com possibilidade de aglutinar um maior número possível de pessoas, onde tenha
cadeiras removíveis para todos e seja livre de barulho externo. Sabe-se que nem
sempre essas condições são atendidas por todos. Muitas vezes, os espaços dos
serviços de saúde são pequenos e restringem o número de participantes da TCI.
Com relação ao grau de satisfação do usuário em relação ao serviço que foi
prestado, considera-se o acolhimento como um aspecto decisivo. Na TCI costuma-
se dizer que é o acolhimento que guia a terapia. Esse é o primeiro momento da
terapia e deve ser caloroso, dinâmico e inclusivo, devendo ser criado um clima
amoroso e de companheirismo no grupo (BARRETO, 2008).
Revisando-se a literatura, percebem-se inúmeras conceituações, com
diferentes enfoques sobre acolhimento. Takemoto; Silva (2007) apreendem
duas possibilidades de entendimento do acolhimento: uma é a compreensão do
acolhimento como postura diante do usuário e suas necessidades, sendo necessário
que haja continuidade na investigação e negociação das necessidades de saúde e
formas de satisfazê-las em todos os momentos do processo de produção de serviços
de saúde; a outra percebe o acolhimento como dispositivo de reorganização do

297
trabalho, ou seja, constitui-se uma etapa do processo de trabalho que objetiva o
atendimento à demanda espontânea, o que aumenta o acesso e humaniza as ações
de recepção aos usuários.
Na TCI, o acolhimento é o momento em que o participante é convidado
para entrar na roda e fazer parte do grupo. Nesse momento, canta-se uma música
de boas-vindas, explica-se o objetivo da TCI, as regras, celebram-se aniversários
ou datas comemorativas, ou alguma conquista e, propõe-se uma dinâmica de
aquecimento para preparar o momento seguinte da TCI que é a escolha do tema.
Diferentemente do acolhimento entendido como dispositivo de
reorganização do trabalho e de organização da demanda, na TCI o acolhimento
é relação face a face, cujo objetivo é deixar o participante à vontade e garantir o
diálogo respeitoso, baseado na troca de informações.
Falar em acolhimento implica, também em falar na escuta. Sentir que é
ouvido é um fator bastante representativo para que os usuários sintam-se satisfeitos
com o serviço que lhe é prestado. Lima et al (2007) considera que a escuta do
usuário, além de gerar satisfação e segurança por este sentir-se aceito e próximo
de seus cuidadores, contribui para a construção do vínculo com o terapeuta, o
que promove a otimização do processo de assistência, assim como propicia aos
profissionais o conhecimento de seus clientes.

Tabela 2: Distribuição das médias e desvio-padrão sobre os treze itens que


compõe a escala de satisfação dos usuários. João Pessoa/PB, 2009.

Medidas
Desvio
Média
Padrão
Itens
13. Você já teve alguma dificuldade para obter
informações da equipe de Terapeutas Comunitários, 4,9464 0,4211
sobre questões de saúde, quando você pediu a ela?
5. Qual a sua opinião sobre a maneira como você foi
4,8125 0,4356
tratado, em termos de respeito e dignidade?
16. Você considerou que a equipe de Terapeutas
4,7411 0,4400
Comunitários estava lhe ajudando?
11. Qual a sua opinião sobre o tipo de apoio
4,6964 0,5171
dado a você na Terapia Comunitária?
17. Em geral, como você classificaria a acolhida
4,6429 0,5982
dos profissionais na Terapia Comunitária?
20. Em geral, como você classificaria a competência
4,6161 0,4885
da equipe de Terapeutas Comunitários?
8. Até que ponto a pessoa que acolheu você
na Terapia Comunitária pareceu compreender 4,5714 0,5149
o seu problema?
21. Na sua opinião, que grau de competência
tinha a pessoa com quem trabalhou 4,5714 0,4971
mais de perto?
6. Quando você falou com a pessoa que acolheu
você na Terapia Comunitária, você sentiu que 4,5536 0,4994
ele/a ouviu você?
14. Até que ponto você está satisfeito com a reflexão
que foi feita na TCI sobre a inquietação (sofrimento,
4,5446 0,5002
dor, problema, dilema...) que foi apresentado
na Terapia Comunitária?
9. Em geral, como você acha que a equipe da
Terapia Comunitária compreendeu o tipo de 4,4107 0,6917
ajuda de que você necessitava?
25. Você ficou satisfeito com o conforto e a
aparência do local onde ocorreu a 4,3929 0,4906
Terapia Comunitária?
26. Como você classificaria as condições
gerais das instalações onde ocorre a 4,2143 0,6497
Terapia Comunitária?

A Tabela 2 vem mostrar que, nos 13 itens que aferem o grau de satisfação
revelem as médias variaram entre 4,2 e 4,9 e o desvio padrão entre 0,4 e 0,6.
Esses resultados permitem realizar uma análise das qualidades psicométricas
dos dados referentes à TCI. O índice de Consistência Interna (CI) das treze
itens reveladas através do coeficiente Alfa de Cronbach, apresentou um Alfa
de 0,7745, mostrando a consistência dos dados (VALLERAND, 1989). Isso
significa dizer que os entrevistados estão satisfeitos com a TCI. Para melhor
compreensão de quais itens se mostraram mais próximos da escala de cinco
(maior satisfação) segue Gráfico 1 que mostra a curva descendente dos itens
relacionados à satisfação dos participantes em relação à TCI.

299
Gráfico 1: Distribuição curva descendente, segundo a média, dos treze itens
que medem o grau de satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João
Pessoa/PB, 2009.

O Gráfico 1 revela que, o item que se mostrou mais próximo de cinco


foi o de número 13, que trata das dificuldades encontradas para obter ajuda
dos terapeutas em relação às questões de saúde. Esse dado revela uma situação
promovida pela TCI, que é a aproximação dos usuários com a equipe e, por
sua vez, o resgate dos princípios de acessibilidade e equidade experimentados
nas rodas dessa terapia.
Contudo, para fins deste estudo é importante considerar também a
fidedignidade da satisfação dos participantes em relação à TCI, que é avaliada
através dos oito itens que compõem a escala de validade, cujo resultado é
apresentado na Tabela 3.

300
Tabela 3: Distribuição das frequências dos 8 itens que compõem a escala de
validade concomitante da satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João
Pessoa/PB, 2009.

Itens Categoria N %

10 - A escuta do terapeuta, Satisfatório 146 73,7


e a fala dos outros participantes,
ajudou na satisfação das necessidades. Muito satisfatórias 52 26,3
Não, eles não
12 – Apoio e ajuda recebida na TCI 03 1,5
ajudam muito.
Sim, eles me
50 25,3
ajudam um pouco.
Sim, eles me
145 73,2
ajudam muito.
15 – Obtenção do tipo de apoio Em geral, sim. 56 28,3
que precisava na TCI Sim, com certeza. 142 73,7
23 – Classificação da qualidade Boa 80 40,4
do acolhimento recebido na TCI Excelente 118 59,6
24 – Satisfação em relação à Satisfeito 103 52,0
qualidade da ajuda recebida na TCI Muito satisfeito 95 48,0
27 – Se precisasse de ajuda Sim, acho que sim. 28 14,1
novamente, voltaria à Terapia
Comunitária. Sim, com certeza. 170 85,9
28 – Recomendação da TCI a Sim, acho que sim. 20 10,1
algum amigo (a) ou parente Sim, com certeza. 178 89,9
29 – Grau de satisfação com Satisfeito 98 49,5
relação aos serviços recebidos na TCI Muito satisfeito 100 50,5

A tabela 3 revelou que, 146 (73,7%) da amostra afirmaram satisfação,


seguido de 52 (26,3%) com muita satisfação no que diz respeito à escuta dos
terapeutas e a fala de outros participantes na satisfação de suas necessidades;
145 (73,2%) verbalizaram terem sido muito ajudados na forma de lidarem de
modo mais eficaz com seus problemas; 142 (73,7%) dos entrevistados tiverem
certeza sobre o tipo de ajuda que precisavam na TCI e118 (59,6%) afirmaram
excelência na qualidade do acolhimento na TCI.
Esses dados evidenciaram evidenciam que a TCI é uma tecnologia
resolutiva, ou seja, ela oferece ao participante uma possibilidade de sair do
problema, através da oferta de estratégias de superação dos outros participantes.
Estudos de Barreto (2008) revelam que as estratégias mais utilizadas pelos

301
participantes das rodas de TCI são: empoderamento pessoal (31,7%), busca de
redes solidárias e reciprocidade (18,6%), busca de ajuda religiosa ou espiritual
(14,5%), relacionamento com a família (14,5%), e ajuda profissional e ações
de cidadania (12,0%), entre outros. Para Barreto (2008), a TCI é um espaço
de socialização de estratégias de enfrentamento dos desafios do cotidiano.
Nas rodas de terapia, frequentemente realizadas em bairros
periféricos e favelas, embora não exclusivamente, as pessoas são incentivadas
pelos terapeutas comunitários a se lembrarem da sua infância, sua criação,
o lugar em que nasceram, as canções, os costumes, os ditos e provérbios.
Progressivamente, a pessoa vai voltando a si, volta a ser quem ela é, em um
processo que conduz, à recuperação de sua identidade e de seu sentido de
vida.
Os dados desse estudo corroboram com Trad; Espiridião (2005),
quando afirma que a satisfação do usuário geralmente é caracterizada em uma
avaliação de resultados, onde se encontra associada à efetividade do cuidado
ou a um ganho específico de um determinado tipo de intervenção, sendo
também descrita em termos de saúde psicológica do indivíduo. Quando se
trata da qualidade do processo, refere-se, sobretudo, à relação interpessoal
entre profissional de saúde e usuário; na avaliação da estrutura dos serviços,
a satisfação serve para avaliar o contexto e insumos. A satisfação dos usuários
constitui-se em um componente da aceitabilidade social, que representa a
aceitação e aprovação de um serviço de saúde por parte de uma população.
A consistência desse resultado acima foi verificada através da média e
desvio-padrão dos 8 itens que compõem a escala de validade apresentadas na
Tabela 4.

302
Tabela 4: Distribuição das médias e desvios sobre oito itens que
compõe a escala de validade concomitante da satisfação dos usuários. João
Pessoa, 2009.

Medidas Média Desvio Padrão

Questões
28. Se um amigo (a) ou parente seu estivesse
precisando desde mesmo tipo de ajuda, você 4,8990 0,3021
recomendaria a ele ou a ela a Terapia Comunitária?
27. Se você precisar de ajuda novamente,
4,8586 0,3493
você voltaria à Terapia Comunitária?
15. Você obteve na Terapia Comunitária o tipo apoio
4,7172 0,4515
que você achava que precisava?
12. O apoio que você recebeu na TCI ajudou
4,7020 0,5492
você a lidar mais eficazmente com seus problemas?
23. Como você classificaria a qualidade do
acolhimento que você recebeu na Terapia 4,5960 0,4919
Comunitária?
29. De forma geral e global, qual é o seu
grau de satisfação com relação aos serviços 4,5051 0,5012
que você recebeu?
24. Qual é o seu grau de satisfação com relação à
qualidade da ajuda que você recebeu na 4,4798 0,5009
Terapia Comunitária?
10. Até que ponto a escuta do terapeuta, e a
fala dos outros participantes, ajudou na 4,2626 0,4412
satisfação de suas necessidades?

Conforme os dados apresentados na Tabela 4, a média variou entre


4,2 e 4,8 no constructo, bem como um desvio padrão entre 0,3 e 0,5. O
Alfa de Cronbach encontrado foi 0, 7187, revelando consistência interna e,
por sua vez, uma validade do constructo de satisfação dos usuários verdadeira
em relação à TCI. Esse fato leva a inferência que a TCI possui uma validade
concomitante verdadeira, ou seja, os participantes estão satisfeitos com as
rodas de terapia na comunidade.
Esses dados revelam ainda que a TCI pode ser considerada como uma
tecnologia leve de cuidado. De acordo com a definição de Merhy (2009),
para o êxito desse modelo é necessário a integração das ações de uma equipe
303
multidisciplinar compromissada em desenvolver estratégias para resolver os
problemas de saúde da população, fazendo com que esses serviços tornem o
usuário incluso, participativo, nas intervenções realizadas pelos profissionais
em relação a sua necessidade.

Gráfico 2: Distribuição curva descendente, segundo a média, dos oito


itens que medem a validade concomitante no que diz respeito ao grau de
satisfação dos participantes da Terapia Comunitária. João Pessoa/PB, 2009.

Em relação à saúde mental, no âmbito da Atenção Básica de Saúde,


a TCI tem beneficiado seus participantes, trazendo-lhes sentimentos de
satisfação no atendimento de suas necessidades de escuta, acolhimento e
formação de vínculos, contemplada no palco do acontecimento da TCI e
também, o sentimento de pertença fortalecido por meio da ajuda recebida
dos terapeutas comunitários e da comunidade.

304
5,2

5,0

4,8

4,6
95% CI MEDIASAT

4,4

4,2
N= 16 13 62 15 6

I II III IV V

DISTRITO

Gráfico 3: Distribuição da média do grau de satisfação dos participantes


da Terapia Comunitária, segundo os Distritos Sanitários. João Pessoa/PB,
2009.

O Gráfico 3 mostra que o Distrito Sanitário (DS) V revelou maior


grau de satisfação em relação à TCI, seguido do DS IV. Esse fato pode estar
relacionado à vivência dos terapeutas comunitários que partilha formas
diferentes de realizar a TCI em cada comunidade da cidade de João Pessoa/
PB aliado à incorporação dessa ferramenta na vida dos moradores da
comunidade. Isso mostra que a TCI se configura como uma tecnologia de
cuidado na Atenção Básica de Saúde, uma vez que se utiliza das habilidades
da comunidade e das equipes de saúde que se encontram responsáveis pelo
cuidado.

305
5,2

5,0

4,8

4,6

4,4

4,2
MEDIASAT

4,0

3,8
3,8 4,0 4,2 4,4 4,6 4,8 5,0 5,2

MEDIACSQ

Gráfico 4: Distribuição da média do grau de satisfação, segundo a escala


de validade concomitante em relação à Terapia Comunitária. João Pessoa/PB,
2009.
O Gráfico 4 mostra que a média de satisfação versus validade
concomitante da escala, o qual revela pontos de distribuição espacial que
variaram entre e 4 e 5. Isso leva a afirmação da presença de aspectos positivos
em relação à satisfação da TCI pelos participantes, constituindo-se em uma
ferramenta de cuidado com foco na prevenção do adoecimento mental na pe
`rspectiva do cuidar horizontalizado.
Rocha et al (2008) afirmam que refletir acerca do cuidado na perspectiva
dessa tecnologia leva a repensar a inerente habilidade do ser humano em
buscar inovações capazes de transformar seu cotidiano, visando a uma melhor
qualidade de vida e satisfação pessoal.
Os elementos contemplados pelo sujeito na avaliação de níveis de
satisfação envolvem uma ou mais combinações dos seguintes elementos: um
ideal de serviço, uma noção de serviço merecido, uma média da experiência
passada em situações de serviços similares, e um nível subjetivo mínimo da
qualidade de serviços a alcançar para ser aceitável. Abordar a satisfação dos
usuários implica trazer um julgamento sobre características dos serviços (nesse
caso da TCI) e, portanto, sobre sua qualidade. Assim, a perspectiva do usuário
fornece informação essencial para completar e equilibrar a qualidade dos
serviços (TRAD; ESPERIDIÃO, 2005).

306
Satisfação em relação à TCI: acessibilidade, encaminhamentos,
ambiente físico e controle social.
A escala Satis-BR possui também 13 itens descritivos que revelam
aspectos importantes para compreender o grau de satisfação em relação à
TCI, tais como: razões pelas quais o usuário escolheu o serviço em questão e
o tipo de encaminhamento ocorrido; o tipo de transporte usado, a facilidade
de locomoção e o tempo gasto para chegar até o serviço; sua percepção sobre
o problema que o levou a procurar o serviço; a duração do seu tratamento
no serviço; sua percepção a respeito de sua participação na avaliação das
atividades da instituição; sua percepção sobre a participação de sua família no
tratamento; sua percepção sobre a necessidade de melhorias no serviço. Vale
lembrar, que os referidos aspectos estão relacionados ao grau de acessibilidade
junto aos serviços de saúde onde ocorre a Terapia Comunitária. Esses dados
estão revelados na Tabela 5.

Tabela 5: Distribuição das frequências sobre os itens descritivos do Satis-BR,


segundo os participantes da terapia cmunitária. João Pessoa/PB

Itens Categoria N %
1 – Encaminhamento ao Minha própria decisão 36 18,2
serviço onde ocorre a TCI Um amigo 28 14,1
Um médico/terapeuta 108 54,5
Um serviço de referência 14 7,1
Outros 12 6,1
2 – Transporte usado para Transporte (público, 13 6,6
chegar a este serviço próprio, amigos).
Caminhada 177 89,4
Outros 08 4,0
3 – Tempo gasto de sua 0-15 min 164 82,8
casa até à Terapia 16-30 min 26 13,1
Comunitária Acima de 30 min 08 4,1
4 – Facilidade para chegar Mais ou menos 22 11,1
à Terapia Comunitária Fácil 86 43,4
Muito Fácil 76 38,4
Outros 14 7,1

307
7 – Problema falado na TCI Um problema físico
33 16,7
de saúde
Um problema psicológico 27 13,6
Um problema familiar 62 31,3
Um problema social 24 12,1
Um problema financeiro
28 14,2
e trabalho
Outros 24 12,6
9a – Primeiro encontro na Sim 38 19,2
Terapia Comunitária Não 160 80,8
9b – Tempo que frequenta 2 meses 49 24,7
a TCI 4 meses 23 11,6
6 meses 26 13,1
Mais de 6 meses 100 50,5
12a–Necessidade de Sim 10 5,1
encaminhamento para
outros serviços Não 188 94,9
12b – Para onde você foi Ação Social 03 1,5
encaminhado Psicólogo 03 1,5
Outros 04 1,5
18 – Motivos de escolha A TCI foi fortemente
64 32,3
pelas rodas de Terapia recomendada por alguém
Comunitária Eu conhecia alguém que
estava indo para as 36 18,2
rodas de TCI
Eu confiei na recomendação
67 33,8
da pessoa que referiu a TCI
Estava dentro de minhas
21 10,6
possibilidades
Outros 10 5,1
19 – Está de acordo que sua Indiferente 03 1,5
família ou seus parentes Favorável 72 36,4
sejam envolvidos na Terapia
Comunitária Muito favorável 123 62,1
22 – Participação no De acordo 102 51,5
processo de avaliação da
Terapia Comunitária Totalmente de acordo 96 48,5
32 – O local onde ocorre a Sim 86 43,4
Terapia Comunitária poderia
ser melhorado Não 112 56,6

Através da identificação da pessoa responsável pelo encaminhamento


do usuário do serviço de saúde para a TCI, constatou-se que no município de
João Pessoa, a TCI já é reconhecida como estratégia de cuidado na Atenção
308
Básica de Saúde. Isso mostra que a terapia é uma atividade complementar
ao atendimento médico e que pode ser referenciada para aquelas pessoas
que necessitam de apoio psicossocial. Em João Pessoa, existem terapeutas de
diversas categorias profissionais: Agentes Comunitários de Saúde, enfermeiras,
odontólogos, psicólogos, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes
sociais, entre outras. A maioria desses profissionais está na rede básica de saúde,
onde existe uma grande demanda de pessoas com problemas de naturezas
diversas, em busca de remédios para a cura de suas doenças. Essa realidade
não difere da de outros municípios brasileiros: onde antes não existiam
médicos, atualmente há médicos e remédios, mas não curam a dor da alma
dos excluídos, que sofrem da síndrome da miséria psíquica manifestada
pela baixa autoestima, insegurança e sensação de abandono (BARRETO,
2005).
A TCI foi implantada, não exclusivamente, nos contextos de
populações esquecidas e marginalizadas socialmente. Portanto, tratava-se
de dar uma resposta mais humana para aqueles que peregrinavam nos
consultórios das USF, sem encontrar remédios para a sua dor. Diminuir
essa peregrinação era uma das metas dos seus idealizadores no município.
Assim, os locais de realização da TCI deveriam ficar cada vez mais próximos
dos seus participantes para garantir a facilidade no acesso ao serviço.
A acessibilidade constitui um atributo dos serviços bastante
valorizado pelos usuários, o que gera categorias de satisfação. Partindo
desse entendimento, os serviços de saúde baseiam-se em três princípios:
atendimento a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde,
garantindo a acessibilidade universal; reorganização do processo de
trabalho descentralizando a atenção do médico, para formação de uma
equipe multiprofissional; qualificação para a relação profissional-usuário
a partir de métodos humanitários de solidariedade e cidadania (MERHY,
2009).
Pode-se perceber que apenas 33 (16,7 %) dos participantes
consideravam que o seu problema, estava na esfera do corpo físico. A
maioria, 155 (83, 3%), percebia que seu problema relacionava-se a outros
aspectos tais, como: familiar, psicológico, social, financeiro e de trabalho.
Isso mostra que os Serviços de Atenção Básica precisam estar preparados
para atender essa demanda e que os profissionais necessitam saber lidar
com questões do cotidiano que afetam diretamente a saúde das pessoas,
gerando quadros de hipertensão, insônia, transtornos da ansiedade,
gastrites, entre outras enfermidades.
Quanto aos motivos que levaram a pessoa a procurar a TCI, 67
(33,8%) afirmaram ter confiança na recomendação dada sobre a TCI,
309
64 (32,3%) foram fortemente influenciada por alguém, seguidas de 36
(18,2%) que tinham alguém conhecido que freqüentava as rodas de TCI.
No que se refere ao envolvimento das famílias e dos parentes na TCI,
123 (62,1%) participantes afirmaram serem muito favoráveis, seguidos de 72
(36,4%) que são favoráveis; 102 (51,5%) estão de acordo com o processo
de avaliação da TCI, seguido de 96 (48,5%) que são totalmente de acordo;
112 (56,6%) verbalizaram que o local onde ocorre a TCI não precisa ser
melhorado, embora se tenha conhecimento de outros locais onde a TCI é
realizada que do ponto de vista dos profissionais merece ser melhorado.
O local onde ocorrem as rodas TCI, deve prover nos usuários a qualidade
e, por sua vez, influencia os seus resultados positivos, determinada através de
fatores como nível de relacionamento profissional; capacidade do paciente
comunicar seus sintomas; a duração do encontro e qualidade da relação de
profissional-usuário. Estes fatores podem ser utilizados junto aos pacientes
com sintomas psicológicos, especialmente as desordens mentais, que esperam
no momento do atendimento uma satisfação no âmbito do cuidar (GÓMEZ-
RESTREPO et al, 2006).
No tocante aos problemas relatados nos encontros de terapia comunitária,
62 (31,3%) da amostra verbalizaram problema familiar; 160 (80,8%) não se
tratavam do primeiro encontro da TCI; 100 (50,5%) frequentam há mais de
6 meses; 188 (94,9%) não precisaram de encaminhamento nos encontros de
TCI.
A família vem se mantendo ao longo da história da humanidade como
instituição social permanente, em virtude de sua capacidade de mudança/
adaptação, resistência e por receber valorização positiva da sociedade e daqueles
que a integram. Este fato é enriquecido pelas condições que empurram a
família para organizar o seu viver, num contínuo crescente, em direção à
esfera privada, tornando-se modelo hegemônico de família, nas sociedades
industriais modernas, o da família conjugal burguesa. Na esfera política havia
o interesse em reverter a alta mortalidade infantil que produzia crescimento
negativo de cidadãos; requisitavam-se corpos saudáveis para o processo de
industrialização emergente, havendo também o interesse no controle das
condições sanitárias, precarizadas pelo viver das pessoas nas ruas (RIBEIRO,
2004).
A atenção integral e o cuidado dispensado aos grupos que sofrem as
conseqüências dos processos de exclusão social devem rejeitar a visão de que
as diferenças criadas, e normalmente incorporadas por meio do estigma e
310
da rejeição, constituam barreiras às ações em saúde, enfim, a inclusão social,
essencial à vida, deve prevalecer nas concepções e nas práticas dos serviços,
produzindo ações que mantenham a saúde de forma integral e promovam a
capacidade dos sujeitos na recuperação de sua autonomia e responsabilidade
(CARNEIRO JUNIOR et al, 2006).
O componente do Satis-BR, elenca ainda as características
sóciodemográficas dos entrevistados, que no presente estudo foram traçadas
a partir das seguintes variáveis: sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade,
jornada de trabalho, tipo de moradia e convivência, conforme evidencia a
Tabela 6.

Tabela 6: Caracterização da amostra segundo descrição sóciodemográfica.


João Pessoa/PB, 2009.

Variáveis N %
Masculino 25 12,6
Sexo
Feminino 173 87,4
15─20 15 7,6
Faixa 21─40 49 24,7
Etária 41─60 71 35,9
61 63 31,8
Solteiro 55 27,8
Casado 86 43,4
Estado Civil Separado 16 8,1
Divorciado 09 4,5
Viúvo 32 16,2
Casa/apartamento própria 141 71,2
Casa/apartamento alugado 15 7,6
Moradia
Casa dos pais ou outros familiares 16 8,1
Casa dos pais 22 11,1
Pensão (alimentação e moradia) 04 2,0
Sem escolaridade 18 9,1
Escola elementar (1º grau) 106 53,5
Escolaridade Escola secundária (2º grau) 48 24,2
Curso técnico 08 4,0
Universidade 16 8,1
Pós-graduação 02 1,0

311
Integral remunerada 43 21,7
Parcial remunerada 14 7,1
Jornada de Trabalho Integral não remunerada 01 0,5
Parcial não remunerada 07 3,5
Não trabalha 133 67,2
Sozinho 11 5,6
Convivência Cônjuge 80 40,4
Com filho/filha 54 27,3
Outros membros da família 33 16,7
Amigo (s), fora do ambiente institucional 01 0,5
Amigo(s), dentro do ambiente institucional. 02 1,0
Mãe, Pai 17 8,6

A síntese de dados sócio demográficos da amostra (198) que se


encontra revelado na Tabela 6, revelam as características dos participantes da
TCI, evidenciando que o quantitativo de mulheres, 173 (87,4%) particiantes
das rodas de TCI, é maior do que o de homens, 25 (12,6%). Elas estão na
faixa etária entre 41 a 60 anos 71 (35,9%) e na faixa acima de 61 anos, 63
(31,8%); estado civil casado 86 (43,4%); moram em casa/apartamento
próprio 141 (71,2%); grau de escolaridade 106 (53,5%) ensino elementar
(1º grau); desempregados 133 (67,2%) e moram com o cônjuge 80 (40,4%).
Esses dados nos levam a inferir que são as mulheres, donas de casa, que mais
participam dos encontros de TCI, escolhendo esse espaço coletivo para a
partilha de sofrimentos e preocupações advindas do cotidiano.
Para Ribeiro et al (2006) os indivíduos atendidos pelo SUS apresentam
como características sociodemográficas o predomínio de mulheres e idosos em
proporções semelhantes às observadas para o total de atendidos; predomínio
de pretos e pardos; baixa escolaridade. As características sociodemográficas
dos indivíduos que procuraram atendimento apontam para maior dificuldade
de acesso entre os indivíduos com piores condições socioeconômicas.
Embora já existam mudanças de comportamento entre os homens na
sociedade, culturalmente o cuidado com a família ainda está sob o encargo da
mulher e os serviços não dispõem de ações de saúde específicas para o grupo
masculino. As rodas de terapia geralmente acontecem no horário diurno onde
se junta mais pessoas que não estão trabalhando. As USF não funcionam
em horário noturno, o que dificulta o acesso dos que trabalham no horário
diurno. Sabemos que a saúde do homem tem sido motivo de preocupação
de gestores do SUS, mas necessário se faz oferecer serviços que contemplem

312
ações de cuidado voltado para os problemas de uso abusivo de álcool, stress,
violência entre outros.
Diante dessa realidade pode-se dizer que as políticas de saúde ainda
possuem caráter excludente no que tange aos aspectos do cuidado com o
gênero masculino, pois pouco tem sido feito para incluir esta população no
cuidado preventivo com a saúde. Entretanto, homens e mulheres deveriam
ser igualmente responsáveis pelo cuidado com a saúde da família, pois ambos
são importantes e são co-partícipes na manutenção da saúde de suas famílias.
Guimarães; Ferreira Filha (2007) afirmam que a família contemporânea
vem passando por uma profunda crise de identidade e de valores, onde os
papéis assumidos pelos membros da família, definidos historicamente, estão
sendo sacudidos pelas mudanças econômicas, sociais, culturais e educacionais,
de modo que passam a refletir em seus membros a busca de novos lugares, ou
da recuperação do espaço anteriormente assumido.
No que diz respeito à situação de trabalho, segundo Carneiro Junior et
al, (2006) os aspectos sócio-demográficos podem ser observados segmentos
sociais, onde os processos de exclusão são refletidos por meio da ausência
de emprego para populações com baixo nível de escolaridade e com pouca
formação profissional. As donas de casa, diferente das domésticas, não
possuem salário. Elas passam o dia cuidando da família e do lar e muitas vezes
não recebe nem o reconhecimento dos filhos e do marido. A TCI torna-se
para ela um lugar de encontro, de lazer, de fala e escuta de histórias de vida,
muito similar a sua própria história.
Na contemporaneidade, a mulher tem exercido uma diversidade de
papéis culturais, seja como cuidadora e mantenedora do lar, como empresária,
administradora e provedora de serviços. Contudo, essa diversidade de papéis,
resultado do processo emancipatório da mulher, não foi acompanhado de
políticas públicas no âmbito da economia e da saúde, para preservar a sua
qualidade de vida.
O processo saúde-doença desse contingente populacional é marcado por
situações de sofrimento caracterizadas pelo stress constante, independente do
papel que ela ocupa socialmente. Desse modo, a Estratégia Saúde da Família
vem buscando superar as fragilidades, ainda existentes no que diz respeito
ao cuidado com a saúde da mulher. Diante disso, é imprescindível que as
pesquisas de saúde mental com mulheres levem em consideração o complexo
contexto que as envolve (HOLANDA, DIAS, FERREIRA FILHA, 2007).

313
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou medir o grau de satisfação dos participantes TCI
no município de João Pessoa, Estado da Paraíba, partindo da premissa que a
TCI se encontra implantada na maioria das Unidades de Saúde da Família
desse município, além de compreender quais os elementos importantes para
que essa satisfação se faça presente.
A satisfação envolve um conjunto de elementos que não se isolam,
mas se complementam na prestação da assistência à saúde. As relações de
amizade podem ser compreendidas como uma estratégia de fortalecimento,
pois além de favorecer a formação de vínculos solidários leva a construção
de uma identidade cultural e relacional, baseada em princípios importantes
como respeito e dignidade. Foram relacionados como elementos importantes
para a satisfação dos participantes com a TCI respeito, dignidade, escuta,
compreensão, acolhimento, apoio às necessidades e boas instalações dos locais
onde ocorre a terapia. Esses aspectos são imprescindíveis para a prestação de
uma assistência com qualidade, haja vista que para a reorganização do cuidar,
os serviços de saúde básicos necessitam contribuir para a consolidação de
princípios do SUS, pois vai ao encontro da Política Nacional de Humanização,
em busca das práticas integrais da assistência. Os dados revelam atributos
importantes a serem considerados nos serviços de saúde mental, bem como na
Atenção Básica de Saúde com foco nos princípios constitucionais de garantia
de acesso e resolutividade.
Ser bem ouvido e compreendido na unidade de saúde, que é considerada
porta de entrada da rede de Atenção Básica de Saúde deve ser uma prática
diária nas instituições. Falar em acolhimento implica na escuta. Sentir que
é ouvido é um fator bastante representativo para que os usuários sintam-se
satisfeitos com o serviço que lhes é prestado.
Os resultados da pesquisa permitiram revelar que todos os participantes
estão satisfeitos com a realização da TCI em suas comunidades, por ter
aproximado os usuários entre si no meio coletivo, além de favorecer uma
melhor compreensão pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família,
responsáveis pela implementação dos cuidados na atenção primária.
A satisfação dos participantes é fruto das contribuições que a TCI trouxe
para suas vidas, uma vez que se mostrou como uma ferramenta leve que trabalha

314
as necessidades de saúde dos participantes. Essas necessidades encontram na
TCI uma possibilidade de partilha para que o sofrimento seja aliviado. Esse
sofrimento passa pela esfera psíquica, e o indivíduo que se encontra com
alguma dor emocional necessita ser ouvido, acolhido e ter sua queixa resolvida.
Nesse propósito, a TCI vem resgatar a visão do cuidado horizontal e, uma
vez implantada na Atenção Básica de Saúde, pode aproximar os usuários da
ESF, bem como resgatar atributos da formação humana imprescindíveis para
a construção do empoderamento e da identidade cultural.
O modo como a TCI fortalece o cuidado à saúde mental na atenção
básica parte da certeza de que os temas percebidos no estudo como espaço de
escuta, alívio do sofrimento e uma tecnologia de prevenção do adoecimento
mental, concorrem para a efetivação da TCI no cuidado à saúde mental,
pois são capazes de responder aos objetivos da Política Nacional de Saúde
Mental, quando prevê a implantação de serviços de base comunitária, com
vistas à redução no uso de psicotrópicos e ao resgate da cidadania, a fim de
promover a libertação do sujeito de suas angústias e sofrimentos e prover
características resilientes que o fazem um ser livre e capaz de enfrentar seus
desafios emocionais.
Vale salientar que, quando se fala na TCI enquanto uma ação de saúde
mental na atenção básica, é necessário considerar o indivíduo inserido em seu
contexto social, bem como não se pode esquecer que, quando se trabalha com
os fatores de risco correlacionados a algum dano que pode vir a ocorrer na vida
de alguém, não se está prioritariamente interessado em eliminar esse fator,
mas em ajudar esse indivíduo a criar estratégias de enfrentamento diante de
sua realidade, lembrando que esses fatores são revestidos de caráter situacional,
ou seja, estão incidindo continuamente em sua vida.
Deixar de considerar os fatores envolvidos no conceito de saúde mental
é continuar lidando com o modelo de saúde pública ainda de modo incipiente.
O maior desafio talvez esteja atrelado à desconstrução do modelo psiquiátrico
que durante muito tempo vigorou e que ainda teima em se manter erguido.
Todavia, surge a necessidade de aprender a trabalhar a cultura relacional na

315
comunidade, a fim de amenizar o sofrimento mental daqueles que procuram os
serviços de saúde, muitas vezes, necessitando não só de abordagem biológica,
mas, acima de tudo, de se sentirem escutados no que se refere aos seus medos,
angústias, tristezas, entre outros.
No tocante ao modo como a TCI fortalece o cuidado com a saúde
mental na Atenção Básica de Saúde, foi possível perceber que essa ferramenta se
volta para a prevenção do adoecimento psíquico e promoção da saúde mental,
uma vez que possibilita o desabafo, a verbalização dos conflitos emocionais e
partilha das histórias de vida. Isso capacita os sujeitos da comunidade para o
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e consequentemente para o
empoderamento.
Avaliar a satisfação dos participantes da TCI oportuniza a continuidade
dessas ações na rede básica, com vistas a um atendimento/cuidado de saúde
com equidade, integralidade e universalidade, além de promover o direito dos
usuários de exercer sua cidadania; na exigência de melhores serviços de saúde
e atendimento de suas necessidades de saúde sempre que necessário.
Conclui-se, portanto, que a TCI vem se destacando como instrumento
de inclusão da saúde mental na Atenção Básica de Saúde aos usuários do
Sistema Único de Saúde. Espera-se que este estudo possa impulsionar o
município de João Pessoa a garantir a continuidade das ações de TCI na
atenção básica, a fim de assistir não apenas de usuários dos serviços de saúde
públicas, mas também as suas equipes. Os resultados devem levar também à
sensibilização de outros gestores sobre a importância da área estratégica da
saúde mental no Pacto pela Vida, que busca a implementação de uma política
pública de segurança, transversal e integrada, construída de forma pactuada
com a sociedade, que prevê a reorganização da assistência conforme o desenho
das linhas de cuidado e como a TCI se encontra inserida na rede de atenção à
saúde enquanto tecnologia de cuidado.

316
REFERÊNCIAS

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319
REPERCUSSÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA NO
COTIDIANO DE SEUS PARTICIPANTES*

13
Fernanda Jorge Guimarães
Maria de Oliveira Ferreira Filha

UM ITINERÁRIO DE PROCURA

Com as transformações que afetam a sociedade atual, observa-se


um aumento da criminalidade, a competição entre as pessoas em busca de
espaços na sociedade, a desintegração social, o maior interesse por rituais
religiosos, gerando uma sobrecarga de problemas emocionais e sociais que
vêm modificando os valores e a conduta humana.
Os estudos revelam que o espírito competitivo estimulado pelo
capitalismo diminui a importância de formas tradicionais de comunidade,
como família e vizinhança, criando situações de solidão, desenvolvendo
frustrações, enfraquecendo os vínculos, espalhando agressividade e gerando
sentimentos de abandono, insegurança e baixa autoestima (KONDER, 2004).
Além disso, o desemprego, a miséria, a fome, a migração, a privação da saúde
e da educação, contribuem para a marginalização e a exclusão de pessoas da
sociedade, bem como para o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade.
A desagregação social e a perda da identidade cultural repercutem nos
indivíduos, provocando somatizações que interferem no cotidiano e, muitas

Artigo publicado na Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 08, n. 03, p. 404 - 414, 2006. Disponível em
http://www.fen.ufg.br/revista/revista8_3/v8n3a11.htm
Trabalho realizado a partir de Dissertação de Mestrado em Enfermagem, defendida em 2006 no Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) - João Pessoa, PB.

320
vezes, dificultam a realização de pequenas tarefas ou papeis sociais, chegando
a manifestar-se de modo incontrolável (ANDRADE, 2003).
Por cotidiano, entende-se aquilo que se faz habitualmente, todos os
dias. Os gestos, as ações corriqueiras, a linguagem, percebidos como triviais,
podendo vir a ser julgados sem valor, contudo, eles são influenciados e
influenciam a cultura da família, da vizinhança e da comunidade e, geralmente,
estão presentes nos processos de cura e de adoecimento (NASCIMENTO,
1995).
O cotidiano dos brasileiros é marcado por problemas e sofrimentos
que acarretam danos à sua saúde, de um modo geral. Estudos na área de
saúde mental revelam que, no Brasil, 12% da população necessita de algum
atendimento, seja ele contínuo ou eventual; 6% apresentam transtornos
psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e de outras drogas e 3% sofre
com transtornos mentais severos e persistentes (BRASIL, 2005). Tanto a,
Organização Mundial da Saúde – OMS, como a Organização Pan-Americana
da Saúde - OPS, entendem que a maioria desses transtornos são preveníveis
e que devem ser encarados como prioridade política dos governos, para se
evitarem mais danos à saúde das pessoas.
No cenário brasileiro, as áreas de saúde coletiva e saúde mental, vivem um
período de transição entre dois modelos de cuidado: o de enfoque individual,
curativo, discriminador e excludente e outro cujo eixo é o coletivo, valoriza
a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento. Esse último busca a
inclusão, a tolerância e a coexistência com a diferença e a diversidade. A pessoa
é estimulada a ser agente da sua própria saúde e da saúde da comunidade
que integra. Essa transição foi fortemente marcada nas décadas de 1980 e
1990, com os Movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica
(MEDEIROS, 2005).
Com a Reforma Psiquiátrica, os serviços de saúde mental, não
hospitalares, tornaram-se uma necessidade, para promover a ruptura com o
modelo hospitalocêntrico e assegurar uma política de reabilitação e inclusão
social. A promoção da saúde e a prevenção do adoecimento não são ações
estratégicas específicas dos serviços de saúde mental não hospitalares, estando

321
à preocupação com esta temática nas Unidades de Saúde da Família (USF’s),
que desenvolvem ações de prevenção do sofrimento emocional.
Nesse contexto a Estratégia Saúde da Família tem um importante
papel a desempenhar, pois as Equipes de Saúde da Família (ESF) devem
estar preparadas para promover a saúde mental no contexto geral da saúde,
prevenir o adoecimento mental, identificando situações e fatores de risco e
que provocam o sofrimento como também responder de modo satisfatório as
necessidades de saúde da população.
Ainda são poucos os municípios que apresentam experiências de
trabalho com grupos, cuja finalidade seja a promoção da saúde e prevenção
do adoecimento, bem como o acompanhamento de egressos das internações,
e a reabilitação e inclusão social (MEDEIROS, 2005). Faz-se necessário
incentivar novas propostas de serviços comunitários no processo de Reforma
Psiquiátrica.
Nessa direção a Terapia Comunitária Integrativa(TCI) vem se
consolidando como uma estratégia de promoção da saúde mental e prevenção
de doenças e as equipes de Saúde da Família podem utilizar esse recurso como
ferramenta em suas ações preventivas.
A TCI é uma prática de efeito terapêutico, destinada à prevenção na
área da saúde e a atender grupos heterogêneos, de organização informal,
num contato face-a-face e que demonstra um interesse comum que é o alívio
de seus sofrimentos e a busca de bem-estar. Acrescenta-se que ela promove
a construção de vínculos solidários criando-se uma rede de apoio social,
reforçando os vínculos e evitando a desintegração social, onde a comunidade
busca resolver os problemas que estão ao alcance da coletividade (FUKUI,
2004).
No Brasil, a TCI, vem sendo desenvolvida na Comunidade do Pirambu/
Fortaleza/Ceará, para atender a demanda de pessoas em situação de sofrimento
emocional. Hoje, de acordo com BARRETO (2005), a TCI está presente em
27 estados brasileiros, com 16 Pólos Formadores e de Multiplicação e cerca de
7500 terapeutas comunitários formados.
A experiência com a TCI se deu a partir do desenvolvimento do projeto
de extensão denominado Terapia Comunitária: uma ação básica em saúde

322
mental, na comunidade Ambulantes, no bairro de Mangabeira, motivando-
nos para a realização deste estudo.
Assim, objetivou-se por meio deste estudo explicitar os motivos que
levaram as pessoas da comunidade a participar da TCI; revelar as mudanças que
ocorreram no cotidiano dos participantes e identificar os vínculos formados e/
ou fortalecidos, nas pessoas e na comunidade, a partir dos encontros.

O CAMINHO PERCORRIDO

O delineamento do estudo foi feito com base nos pressupostos


da História Oral Temática, que parte de um assunto preestabelecido,
comprometendo-se com o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre
algum evento definido (MEIHY, 2005).
A pesquisa de campo foi realizada no conjunto habitacional Mangabeira
IV, município de João Pessoa – Paraíba/Brasil, onde se realizam os encontros
semanais de TCI. O conjunto de Mangabeira é constituído por sete
subconjuntos, localizando-se na porção sudeste do município. Foi inaugurado
em 1983, para atender a demanda por moradia, de migrantes de pequenas
cidades do interior do Estado, geralmente, do agreste e sertão paraibanos,
assim como de outros Estados. Mangabeira é o conjunto habitacional mais
populoso da capital, onde reside uma população de 73.037 habitantes,
constituída principalmente por trabalhadores assalariados de baixa renda.
Mangabeira era um pedaço de chão coberto por árvores frutíferas como a
mangaba, fruta pequena, chamada pelos índios de “coisa boa de comer”,
muito usada na preparação de sucos, doces e sorvetes.
Por meio do sistema de saúde, a comunidade é atendida nos diferentes
níveis de atenção, tendo a sua disposição Unidades de Saúde da Família,
ambulatórios, maternidade, e laboratórios. O Conjunto possui outros serviços:
escolas, igrejas, associações de moradores, ONGs, comércio diversificado,
clubes, correios, serviços jurídicos e policiais.
A Terapia ocorre todas as quartas feiras, na Associação de Moradores,
em parceria com a Equipe de Saúde da Família Ambulantes IV, pertencente

323
ao Distrito Sanitário III.
No grupo de Terapia participam em média 20 a 25 pessoas por encontro,
cuja faixa etária predominante é de adultos jovens, em sua maioria mulheres,
entretanto, há participações significativas de idosos, crianças e adolescentes.
A definição da colônia se dá por padrões gerais da comunidade de
destino, isto é, dados os traços preponderantes que ligam a trajetória de
pessoas. A colônia é o grupo amplo, da qual a rede é a parte menor, ou seja,
a rede é uma subdivisão da colônia que visa a estabelecer parâmetros para
decidir sobre quem deve ser entrevistado ou não (MEIHY, 2005).
A colônia, neste estudo, foi constituída pelos participantes dos
encontros de Terapia Comunitária, sendo a rede formada pelas pessoas que
atenderam aos seguintes critérios: freqüentam os encontros da TCI desde a sua
formação, tem participação efetiva nas mobilizações sociais, possuem maior
envolvimento com a comunidade e demonstraram interesse em participar
do estudo. Foram convidados nove colaboradores, que constituíram a rede,
por melhor atenderem aos critérios acima, observando os aspectos éticos
da pesquisa com seres humanos como preconizado pela resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.
Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista, com uso
de gravador, realizada, tanto na Unidade de Saúde da Família Ambulantes,
quanto no próprio domicilio do colaborador, conforme sua preferência e
disponibilidade, sendo informado sobre os objetivos do estudo, suas etapas e
sobre a importância de sua participação.
Os colaboradores receberam nomes fictícios para garantir-lhes o
anonimato: Rubi, Esmeralda, Jade, Diamante, Zirconia, Turmalina, Safira,
Ametista e Topázio. Esses nomes foram escolhidos, uma vez que têm certa
similaridade com traços característicos do modo de ser de cada colaborador.
Foi na aproximação com cada um deles, a partir dos encontros da Terapia
Comunitária, que essa apreensão ocorreu.
A análise do material foi guiada pelo tom vital e as expressões fortes
que surgiram das narrativas sendo precedido por um diálogo iluminado pelos
autores que compõem a literatura pertinente.

324
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para compreender as falas dos colaboradores, mergulhou-se no texto


tentando revelar a visão de mundo de cada um. O Tom vital, a leitura e o
estudo do material empírico levaram a formulação e identificação de temas
que foram captados no significado das palavras, gestos e falas. Organizaram-se
os tons vitais de acordo com os temas evidenciados, procurando atender aos
objetivos propostos pelo estudo.
O grupo dos colaboradores deste estudo se caracteriza por pertencerem,
predominantemente, ao grupo de idosos, aposentados, casados, tendo como
ocupação atividades de grupos religiosos e artesanais. Tais características são
importantes para melhor compreendermos suas falas e suas concepções sobre
a TCI.

Despertando Para a Existência Pessoal: Eu Caçador de Mim

Verifica-se que os colaboradores relataram mudanças pessoais na relação


consigo e na relação com outras pessoas significativas em suas vidas. Assim, a
compreensão de si e do outro e o potencial transformador foram as mudanças
mais significativas presentes nas falas dos colaboradores, como indicam os
seguintes depoimentos:

A Terapia tem contribuído para me ajudar a fazer mais amizades, me


acalmou, me ajudou a escutar, olhar mais o outro e olhar mais para
mim e ver como sou. Eu estou tentando melhorar para dar o melhor de
mim para os outros (RUBI).

A Terapia tem ajudado a me achar bonita, me amar, não esperar que


os outros olhem para mim... Não ter vergonha de mostrar o que estou
sentindo... Valorizar mais as pessoas, dar valor as minhas atitudes,
tudo isso aprendi na terapia (ESMERALDA).

325
Os discursos de Rubi e Esmeralda revelam uma autoestima relacionada
com a imagem que elas desenvolveram sobre si mesmas, por meio do processo
de resiliência e empoderamento, onde ganharam habilidades e confiança para
atuar sobre elas mesmas. Com o incremento do poder sobre si, conseguiram
mudar a percepção que tinham de si mesmas, do outro e da realidade onde
vivem. Quando o indivíduo percebe a existência do outro há a possibilidade
de aplicar suas habilidades, suas competências e descobrir a alteridade
(BARRETO, 2005).
Os colaboradores conseguiram, então, desenvolver um sentimento de
pertença, especialmente quando conseguem expressar seus sentimentos no
grupo. O sentimento de pertença favorece a formação de grupos, bem como é
o responsável por sua manutenção, introduzindo elementos na fala, nos gestos
presentes no agir cotidiano da comunidade.
A capacidade de superar as dificuldades possibilita aos indivíduos
construírem um corpo de conhecimento e suscitar suas habilidades e recursos
que os tornam especialistas naquele problema. Essa capacidade lhes confere
o poder de decidir sobre suas vidas, de se organizarem socialmente e de
mobilizarem os recursos necessários para garantir acesso aos direitos básicos e
a uma vida com dignidade.
Portanto, em suas histórias, os colaboradores deixam evidente que
são responsáveis por sua própria vida, elevaram sua autodeterminação, têm
autonomia para tomar as próprias decisões e desenvolveram habilidades,
compreensão e consciência sobre os aspectos de suas vidas.
A partir de dispositivos de ajuda mútua, podem-se desenvolver
atividades e iniciativas de cuidado e suporte concreto na vida cotidiana, como
o cuidado informal ao outro, ajuda nas tarefas diárias, entre outras. A ajuda
mútua fornece apoio aos indivíduos na resolução de seus problemas, estabelece
uma rede de amizade, que contribui de maneira positiva na construção da
autoimagem e eleva a autoestima (VASCONCELOS, 2003).
A autoestima é uma experiência íntima que reside no cerne do ser
humano, é a soma da autoconfiança com o auto-respeito. Representa o
componente emocional do eu, sendo um recurso importante para mudanças
(BRANDEN, 1995). O conceito que se tem de si é importante para que
326
o indivíduo viva bem e feliz. Pessoas que possuem um bom conceito de si
confiam mais em suas potencialidades e conseguem superar com mais
facilidade as dificuldades para atingir seus objetivos enquanto que pessoas que
possuem baixa autoestima sentem-se infelizes e inseguras.
O autoconhecimento deve ser estimulado, pois convida à reflexão a
respeito da necessidade de cuidar de si, de amar-se, para poder cuidar do
outro. Essa compreensão favorece o conhecimento de potencialidades e
capacidade geradora de soluções. Percebe-se nesse movimento que se é capaz
de resolver os problemas vivenciados no cotidiano, tidos anteriormente como
insolúveis, uma vez que as reações a esses problemas são determinadas pela
percepção que o indivíduo tem de si mesmo. Desenvolver a autoestima é
desenvolver a convicção de que se é capaz de viver e de ser merecedor da
felicidade (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
Tal entendimento influencia escolhas, decisões e determina o tipo de
vida que se quer construir (BRANDEN, 1995). A colaboradora Rubi relata:
“Após a Terapia, minha autoestima melhorou...”.
É interessante notar que a definição de seu autoconceito melhorou a
partir dos encontros de Terapia. Os colaboradores demonstraram que não
necessitam da opinião de outros, pois possuem um autoconceito livre de
críticas e repressão.
Evidencia-se que os participantes da Terapia, descobrem o seu potencial
transformador e a partir dessa descoberta começam a enxergar mudanças no
comportamento e atitudes, como relatam Safira, Ametista e Diamante:

Eu era mais aperreada, rebelde, malcriada, qualquer coisinha eu


queria me estourar... Mas hoje não! Hoje se acontecer qualquer coisa
eu não vou chorar, não vou ficar “trancada”, vou sair! Vou à casa de
uma amiga, “espairecer” e não vou mais ficar trancada chorando o dia
todo! Essa parte desapareceu de cima de mim... (SAFIRA).

Eu era muito calada, mal conversava com as pessoas... Depois que


entrei na terapia, fiquei mais desenrolada para falar e conversar...

327
Melhorou muito a minha vida... Já aprendi muita coisa... Quando
saio de lá já volto com outro aspecto! (AMETISTA).

Eu era agressivo e hoje não sou mais. Eu quero tranqüilidade... É um


lugar onde a gente se “aquece”, se conhece melhor, aprende a respeitar
o outro, saber tratar, saber compreender as coisas... Para mim é bom
demais! A terapia para mim é uma amabilidade... (DIAMANTE).

Nas falas de Diamante, Safira e Ametista a TCI modificou o modo de se


relacionar com o outro, de se comunicar. A agressividade na fala aponta para
uma maneira de lidar com as situações difíceis, percebidas como um fator que
afasta as pessoas, mas não como um ato de violência física.
Destacam-se alguns fatores que dificultam o processo de comunicação
evidenciado nas falas dos colaboradores. Dentre eles enfatizam-se os fatores
pessoais, como a expressão facial, o movimento corporal, o contato olho no
olho, os fatores sociais, como os valores, crenças e normas sociais, fatores
fisiológicos, de personalidade e psicológicos. Entretanto, percebe-se que os
colaboradores elaboraram suas próprias estratégias para lidar com tal situação,
favorecendo o relacionamento interpessoal.
Portanto, a partir das estratégias elaboradas, a comunicação tornou-se,
uma arte de bem gerir as mensagens, enviadas e recebidas, durante o processo
de interação com o outro. Mas não é apenas a transmissão de mensagens
que irá influenciar na comunicação eficiente. O tempo, o espaço, o meio
físico envolvente, o clima relacional, o corpo, os fatores históricos da vida
pessoal e social de cada indivíduo presente, as expectativas e os sistemas
de conhecimento que moldam a estrutura cognitiva de cada ator social
condicionam e determinam o “jogo” relacional dos seres humanos (DIAS,
2006). A comunicação, então, se tornou o intercâmbio de informação entre
os sujeitos.

328
A Busca de Sociabilidade e Inclusão
Verifica-se que em algumas histórias emergiram os motivos que levaram
os colaboradores a permanecer freqüentando o grupo de TCI. Percebe-se o
surgimento de sentimentos, percepções e necessidades atendidas que refletem
uma busca pela sociabilidade, traduzida em atividades físicas e culturais,
no prazer de conviver com outros para perceberem-se como parte de um
contexto e não se sentirem excluídos socialmente, melhorando sua qualidade
de vida. Durante os encontros de Terapia Comunitária cada pessoa aprende a
encontrar o que necessita como revelam os colaboradores a seguir:

É na terapia que a gente descontrai, brinca, faz os exercícios e, graças a


Deus, tem dado muito certo! (JADE).

Todo mundo tem que fazer a terapia na vida, sair um pouco, se


distrair, viver melhor... Até agora eu só posso dizer que está sendo
ótimo! (ZIRCÔNIA).

É bom demais, porque a gente partilha os nossos problemas que


a gente tem e percebemos que eles são mínimos, diante de outros
(ESMERALDA).

O padrão de sociabilidade brasileira se apóia no gregário, no lúdico,


pouco individualizado em torno de valores de convivência. O lazer, as
brincadeiras, as atividades físicas consistem em um referencial onde cada
membro da comunidade se baseia para pensar, avaliar e discernir valores
(CHAUÍ, 1986).
Vale destacar ainda que, nos encontros de TCI a sociabilidade é
estimulada pelas atividades culturais, onde há o resgate da cultura popular por
meio de brincadeiras, contos, músicas, ditos populares, valorizando o saber
de cada um. A cultura popular se caracteriza por um conjunto de práticas,
representações e formas de consciência que possuem lógica própria. “A cultura
traduz os desejos e anseios do ser humano” (CHAUÍ, 1986, p.25).
Tais práticas, representações, formas de consciência, idéias, hábitos
e técnicas que existem atualmente e que constituem o arcabouço cultural
329
que foi transmitido pelos antepassados e este transmitir de idéias e hábitos é
freqüentemente apresentado como atributo puramente humano (LINTON,
1981).
Dessa forma, quando se resgata a cultura popular, oferece-se
oportunidade para o reconhecimento do ser humano como criatura gregária,
com raízes históricas os antepassados, se desperta o verdadeiro sentimento
de pertença e leva-se o grupo a fazer um contato com a continuação da sua
existência.

A formação do vínculo da identidade sócio-cultural

A vinculação à terra, à comunidade são importantes para que o indivíduo


se sinta parte integrante do sistema grupal, e assim, possa buscar meios para
melhorar a sua vida e a vida da comunidade. Seria preciso resgatar de cada
um a própria história pessoal, familiar, grupal e social, a solidariedade, a ajuda
mútua para crescer com liberdade, responsabilidade e igualdade (SPÍNOLA
2001).
Nota-se que alguns colaboradores apresentavam vínculos frágeis e de
risco, principalmente com relação à família e à comunidade a que pertencem.
No entanto, suas histórias revelam que, a partir da participação e do
engajamento no grupo de Terapia, onde se descobriram como atores sociais,
compreendendo seus potenciais de transformação pessoal e social, houve o
fortalecimento do vínculo familiar, vínculo de amizade e vínculo espiritual:

A terapia melhorou muito, o vínculo com meu marido, no sentido de


fazer reunião com a família quando uma coisa está errada... (RUBI).

Eu acho que a terapia cria uma oportunidade para você ter um diálogo
mais aberto, para você saber conversar certas coisas e as experiências,
vistas na terapia, você pode dar como exemplo. É uma porta aberta
para cunhado, irmão... (TURMALINA).

Aprendi a dialogar com meu esposo, porque ele é muito fechado...

330
Estou sempre procurando o diálogo para a gente se compreender...
(ESMERALDA).

Tenho melhorado bastante, porque dentro da terapia, me sinto melhor


para conversar e para desabafar as coisas que estão me incomodando.
Para mim ela trouxe uma maneira melhor de conversar com a família
em casa, porque se eu estivesse na ignorância que eu sempre era...
(SAFIRA).

As expectativas com relação à família estão no imaginário coletivo,


ainda impregnadas de idealizações. A maior expectativa é de que ela produza
cuidados, proteção, aprendizado dos afetos, construção de identidades e
vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover melhor qualidade
de vida a seus membros e efetiva inclusão social na comunidade e sociedade
em que vivem (CARVALHO, 2002).

Em Mangabeira, uma vez por mês, era escolhido algum tema e formado
um grupo de discussão com a finalidade de aprofundar aquele tema através
da literatura ou na fala de algum especialista. Em um desses encontros, foi
escolhida a temática do relacionamento entre pais e filhos, o qual está sempre
presente nos encontros de TCI.

Além do vínculo familiar, identificou-se que o vínculo de amizade foi


fortalecido. Os discursos dos colaboradores trazem à tona a relevância da
verdadeira amizade, como nos discursos a seguir:

A diferença que tem de antes e depois da terapia, foi a de aumentar


a minha amizade, me valorizar mais como ser humano, ver que
os nossos problemas podem ser resolvidos. Nós sabemos resolver!,
(ESMERALDA).

Ah! Antes de participar da terapia eu não tinha as amizades que


tenho hoje e por intermédio da terapia tenho muitas amizades boas,
(AMETISTA).

331
Percebe-se na fala de Esmeralda, o empoderamento dos participantes
na resolução de seus problemas do cotidiano. As pessoas da comunidade não
são reféns das instituições ou dos profissionais, uma vez que aprenderam a
valorizar o conhecimento e o saber que detém. A comunidade passa a agir,
onde a família e as políticas sociais falham.

Na fala de Rubi, o vínculo de amizade se encontra frágil, mas com


os participantes da Terapia Comunitária, ela sente confiança na relação
estabelecida com os mesmos. Na terapia ela construiu novas amizades, com as
quais pode contar, fortalecendo o vínculo de amizade. Experiência semelhante
ocorreu com Esmeralda:

Tenho amigas, com quem posso desabafar e elas são da terapia. A gente
vai, umas procuram as outras, a gente continua... E se moramos perto,
aí a gente conversa, desabafa, ela me dá uma sugestão, diz alguma
coisa, (ESMERALDA).

No grupo, a interação entre os participantes favoreceu a construção


de novos olhares para os diversos aspectos da vida do ser humano como, a
espiritualidade, onde se percebe em alguns relatos que ficou evidente o
fortalecimento do vínculo espiritual:

Na terapia sempre falam como é a vida... Sou católico... Eu ia uma


vez por mês para a igreja. Hoje, vou todo domingo, porque aqui ensina
a gente, que quanto mais a gente amar melhor. Esse é meu caso. Amo
demais, gosto daqui e graças a Deus daqui não saio, (DIAMANTE).

A terapia fortaleceu o que eu tenho, porque a gente vê pessoas voltadas


para a igreja..., (RUBI).

A terapia tem me ajudado a me confortar mais e fortificar mais a


minha fé, porque com ela tenho me inspirado para ler o evangelho, a
procurar entender melhor essas coisas, tem me influenciado muito com
isso..., (SAFIRA).

332
Nos encontros de TCI há momentos de intensa espiritualidade, com
orações, imposição de mãos, respeitando-se as crenças e os valores de cada
um. Práticas de cura pelo toque e pela imposição das mãos como instrumento
terapêutico têm sido usadas desde os primórdios da humanidade. Essa prática
é comumente utilizada por “rezadores ou benzedeiros”, muito respeitados
em sua comunidade, onde exercem funções de cuidadores, parteiras, líderes
comunitários. Tais práticas ainda são pouco utilizadas no sistema formal de
saúde, em especial, na atenção básica (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
A espiritualidade ajuda ao homem em sua compreensão, indo a sua
esfera mais profunda, transcendendo a sua realidade. A espiritualidade é tudo
aquilo que produz uma mudança dentro do ser humano (BOFF, 2006). Ela
impulsiona o ser humano para uma mudança interior, que se revela no cuidar ao
outro, na solidariedade, na compreensão da vida. A espiritualidade é o campo
onde se constrói o sentido da vida, de maneira simbólica (VASCONCELOS,
2006).
Sendo uma das fontes de inspiração do novo, a espiritualidade gera
um sentido pleno e de capacidade de autotranscendência do ser humano.
Os portadores permanentes de espiritualidade são as pessoas consideradas
comuns, que vivem a retidão da vida e o sentido de solidariedade. (BOFF,
2006).
A fé emerge como uma força que ajuda a enfrentar problemas e
tensões inerentes à vida. Atividades relacionadas à fé como grupos religiosos,
dinâmicas de ajuda, conhecimento aprofundado do alvo da fé contribuem
para a manutenção da saúde mental (REIKDAL & MAFTUM, 2006).
No enfrentamento dos problemas vivenciados no cotidiano a fé, a
crença em Deus é apontada como a estratégia mais presente, considerada
muitas vezes a única ferramenta de resolução da dificuldade vivenciada.
Pela preocupação em ajudar aos outros, formam-se vínculos solidários
e redes de apoio social que fortalecem o convívio comunitário. Quando se
constroem as redes solidárias e se promove a vida, se consegue consolidar os
vínculos saudáveis, reforçar os vínculos frágeis e combater os vínculos de risco.
Enquanto alguns vínculos se fortaleceram, outros foram construídos a
partir dos encontros de Terapia, como o vínculo comunitário, o vínculo de

333
lazer e o vínculo social.
Geralmente, quando aparecem problemas estruturais, como a violência
e a insegurança a comunidade tende a retrair-se da participação em atividades
sociais, com medo de sofrer algum tipo de agressão. Todavia os participantes
da TCI discutem processos de mobilização para enfrentar o problema,
formando-se uma rede invisível de apoio solidário àqueles que se sentem mais
ameaçados. Percebe-se que a ajuda mútua contribuiu para que os participantes
construíssem um novo olhar para a violência, onde não predomina o medo e
o silêncio.
Partindo do exposto, ficou evidente a construção do vínculo comunitário.
Essa construção se deu por meio dos encontros de Terapia Comunitária e
da divulgação desta experiência com as pessoas da comunidade, onde os
colaboradores estabeleceram uma maior interação com outros indivíduos, os
quais não mantinham uma relação de intimidade, como na fala de Rubi:

(...) Isso tem me aproximado mais das pessoas, dos vizinhos de outras
ruas, que a gente nem conhece e termina conhecendo,... Tem criado um
vínculo muito bom com a comunidade..., (RUBI).

A comunidade é uma unidade estruturada, organizada, de grupos,


à qual o indivíduo pertence necessariamente. Pode-se pertencer a uma
comunidade em conseqüência de necessidades externas ou internas, isto é,
por meio de uma escolha individual (HELLER, 1992). Em alguns encontros
da TCI, emergiram os motivos que levaram os participantes a escolherem
a comunidade de Mangabeira para residirem, para pertencerem, como
por exemplo, a presença de familiares e amigos no conjunto, muitas vezes
relacionados a fatores econômicos, mas principalmente afetivos.
Participantes do grupo de TCI e os atores- colaboradores deste estudo
se sentem integrados e felizes na comunidade onde moram, construindo,
assim, um vínculo saudável. Quando o indivíduo se agrega a um grupo, a
uma comunidade, não perde sua identidade, desenvolve sua autonomia e
seu papel social. Tal compreensão ajuda no entendimento sobre as atividades

334
de ocupação do tempo livre (atividades físicas, de lazer, diversão, culturais,
ou de cuidado com o corpo e com a mente), uma vez que tais atividades,
realizadas, geralmente em grupo, constituem-se em alternativa para que as
pessoas retomem seus papeis sociais.
Nos encontros de TCI, os participantes são estimulados a desenvolver
atividades de lazer. Em alguns momentos são os próprios participantes que se
organizam com a finalidade de promover atividades de integração social, como
as comemorações de datas especiais e passeios turísticos, que contribuem para
a formação do vínculo de lazer e de amizade.
Alguns colaboradores criaram juntamente com a equipe do PSF, o
Grupo de Idosos da comunidade. As atividades desenvolvidas se referem a
trabalhos manuais, encontros de oração e atividades de lazer. Além disso, no
grupo, os idosos são estimulados a cuidar da sua saúde, constituindo-se em
um espaço de educação em saúde.
Safira é uma das participantes do grupo de idosos. Em sua fala, as
reuniões de grupo são tidas como estratégia para enfrentar as dificuldades
vivenciadas no cotidiano, como os conflitos familiares. O grupo se tornou um
local onde ela pode encontrar apoio e compreensão:

Estou começando a participar do grupo de idosos daqui, participo da


Terapia, Legião de Maria, grupo de idosos do Margarida Maria Alves.
Eu me sinto bem, no meio deles. Sinto-me alegre, feliz, porque em casa
ás vezes só tem aborrecimento... (SAFIRA).

A participação no grupo ajuda o individuo se sentir mais integrado,


uma vez que o ser humano é um ser gregário, estando inserido num grupo.
“Os grupos facilitam o exercício da autodeterminação e da independência,
pois podem funcionar como rede de apoio que mobiliza as pessoas na busca
de autonomia e sentido para a vida, na autoestima, na melhora do senso de
humor” (GARCIA et al, 2006, p.176). Esses aspectos são essenciais para
ampliar a resiliência e diminuir a vulnerabilidade.
O vínculo é sempre um vínculo social, mesmo sendo com uma só
pessoa (PICHON- RIVIÉRE, 2000). Por meio da relação com essa pessoa
repete-se uma história de vínculos determinados em um tempo e em

335
espaços determinados. Por essa razão, o vínculo se relaciona com a noção de
comunicação e aprendizagem.
A formação de vínculos permite a construção de redes de apoio
social, que fortalecem a convivência na comunidade. Portanto, por meio da
construção de redes de apoio social, verifica-se que há maior mobilização entre
as pessoas, especialmente quando é necessário resolver situações - problema
vivenciadas pela comunidade, buscando a utilização dos recursos disponíveis
quer seja internamente ou externamente, e que a troca de experiências gera
um processo de crescimento e empoderamento, tanto individual como
coletivamente.

Terapia comunitária como espaço de fala, escuta e


partilha.

Quando se procurou saber quais os motivos, interesses ou necessidades


que levaram as pessoas a buscar a TCI, os discursos revelaram a existência de
uma rede de comunicação entre a equipe de saúde da família e a comunidade.
Dentre os motivos destacados pelos colaboradores, foram ressaltados: os
convites feitos oralmente pela equipe de saúde da família aos freqüentadores
da Unidade de Saúde e a divulgação da TCI na mídia local. Contudo, sabe-
se que os membros da equipe de saúde da família já vinham identificando
pessoas em situação de sofrimento emocional, que necessitavam de um espaço
de escuta, para minimizar as suas angústias.
Como em todo sistema, a comunicação é importante e para que ele
tenha vida faz-se necessário encontrar interlocutores que facilitem o repasse
da mensagem. A comunicação verbal quando bem utilizada na comunidade
pode seduzir as pessoas para um espaço de participação coletiva.
A comunicação é uma das mais básicas e vitais de todas as necessidades
humanas. Os homens precisam se entender e cooperar uns com os outros. É

336
por meio da comunicação interpessoal que podemos compreender melhor o
outro, isto é, seu modo de pensar, sentir e agir (DIAS, 2006).
Ressalta-se que a parceria com a Equipe de Saúde da Família foi
fundamental na implantação e divulgação da TCI na comunidade. Como
já havia interesse tanto por parte da comunidade como da equipe em ter
um espaço para escuta das necessidades da população do bairro, os Agentes
Comunitários e a Enfermeira da equipe tornaram-se importantes atores nesse
processo. As falas de Esmeralda, Safira e Diamante revelam essa afirmação:

Eu não procurei a terapia, fiquei sabendo. A Agente de Saúde me


convidou, e eu vim, (ESMERALDA).

Eu fiquei sabendo, porque sempre venho aqui no Posto e a Enfermeira


e a Técnica de Enfermagem me convidaram para participar dessa
reunião, (SAFIRA).

Quem me indicou foi a Enfermeira do PSF, porque eu e minha esposa


éramos daqui do Posto, (DIAMANTE).
Convém destacar a participação de alguns membros do grupo de TCI
em programas de comunicação de massa, com o objetivo de divulgar essa
experiência. Seu sucesso foi evidenciado pela mídia local, televisiva, que
interessada, possibilitou, por mais de uma vez, a divulgação da atividade que
ocorria semanalmente no bairro.
Eu vi no jornal sobre a terapia, então me deu vontade de participar...,
(AMETISTA).

Outro motivo verbalizado pelos colaboradores foi a necessidade de


comunicação - ter com quem falar sobre o sofrimento. Durante os encontros
de TCI as pessoas se sentem escutadas, acolhidas, importantes e reconhecidas,
o que se evidencia especialmente nas falas de Safira e Jade:

337
Eu procurei a terapia para aliviar meu sofrimento e as dores que
vem com a idade, porque vivo sempre em casa, sempre descontente,
recebendo reclamação de uma coisa e outra..., (SAFIRA).

Eu procurei a terapia para desabafar os problemas que tenho, sair mais


tranqüila, sair melhor do que como estava... Porque lá a gente tem com
quem desabafar e tirar aquilo que está sentindo..., (JADE).

Quando uma pessoa se comunica com outra, está oferecendo uma


definição de si mesma ao interlocutor e espera uma resposta. A resposta do
interlocutor funciona como um espelho para a pessoa permitindo reconhecer-
se. Portanto, quando as pessoas se comunicam adquirem uma maior consciência
do seu próprio eu. A Terapia Comunitária é, portanto, uma rede viva de
comunicações gestuais, onde cada pessoa pode expressar sentimentos quer seja
de alegria, tristeza, medo, angústia, decepção, frustração. Nessa rede, a dor
pode ser acolhida, partilhada e transmutada. É o Kaos, crise, transformando-
se em Kairós, onde cada um ressignifica seu sofrimento (BARRETO, 2005).
Os discursos das colaboradoras, acima apresentados, são a expressão do
sentimento de solidão presente na vida das pessoas, especialmente as idosas,
que habitam cidades grandes e que geralmente são migrantes, vindos do
interior para a Capital. Nas cidades, estão fora do sistema de produção do
mercado, perdem laços afetivos, sociais, familiares e o meio urbano não tem
favorecido a vinculação da pessoa a terra. Perde-se o sentimento gregário de
pertencimento e de enraizamento.
A sociedade dá muito valor à aceitação social, ou seja, o homem precisa
relacionar-se com outras pessoas a fim de orientar-se. Se a pessoa é estimada,
isto é, socialmente aceita, acredita-se que raramente esteja só (MAY, 1990).
Se não consegue relacionar-se com outras pessoas de maneira satisfatória e
saudável, o homem desenvolve a sensação de isolamento, de solidão, e se sente
vazio e amedrontado.
A solidão é uma característica do homem moderno. Em tempos onde
a competição desenfreada e a falta de compaixão e solidariedade influenciam

338
fortemente a vida das pessoas, agregar-se a um grupo, faz com que o individuo
se sinta socialmente aceito.
Em alguns relatos dos colaboradores emergiram determinados
significados acerca da compreensão da TCI. Tais relatos apresentam a Terapia
como um espaço que favorece a partilha de experiências, demonstrando que a
TCI atende aos objetivos aos quais se propõe, como nas falas abaixo:

Terapia para mim é um espaço onde a gente pode colocar os problemas,


vivenciar experiências de outras pessoas... No momento em que a
gente vivencia aquelas experiências a gente... Toma como lição e como
exemplo! É um espaço de partilha onde se adquire muita experiência...
Acho muito importante... Gosto muito! (TURMALINA).

Saio da terapia novinha... Gosto muito de ir, me sinto bem no dia em


que vou... Cada qual dá um testemunho, uma coisa diferente e a pessoa
cada vez mais, vai melhorando... Conto aquilo tudo, então alivia mais
um pouco..., (TOPÁZIO).

Através da troca de experiências, os participantes têm a seu dispor um


espaço de escuta, acolhimento e fala dos seus problemas. Nesse momento
estabelecem laços de afinidades com o outro. Além das ligações pelo sangue,
outras ligações são criados, por meio da convivência, da estima, da afinidade
o que gera uma pluralidade em termos de solidariedade (NASCIMENTO,
1995).
Além dos laços de afinidade, a partilha de experiências permite que a
comunidade construa seu próprio conhecimento. O conhecimento do dia-
a-dia, o senso comum, que se funda no emocional, próprio da comunidade,
passa a ser valorizado. Diante do saber especializado, o senso comum é
considerado como matéria bruta a ser trabalhada. Assim, a vida cotidiana vai
se originando no pensamento e nas ações do homem comum. Levando-se
em consideração o senso comum, não se está abdicando do intelecto, pelo

339
contrário, busca-se uma melhor compreensão da realidade vivida por meio da
junção entre o saber popular e o conhecimento científico.
O sofrimento é fonte de competência, um sofrer que torna o indivíduo
mais humanizado e especialista em sua resolução. A partir das falas dos
colaboradores, percebe-se que eles construíram um conhecimento a partir de
suas vivências, de sua história pessoal de vida, que unidas ao conhecimento
acadêmico contribui para o enfrentamento das inquietações do cotidiano.
Assim, o cotidiano não é reconhecido como algo rotineiro e destituído
de sentido, sendo vivenciado como uma experiência radical do presente.
Por isso, as estratégias de enfrentamento vão sendo construídas ao longo da
trajetória de vida dos colaboradores.
Na comunidade, cenário deste estudo, os participantes do grupo
de Terapia Comunitária, juntamente com a Associação de Moradores do
conjunto, Equipe de Saúde da Família e profissionais liberais realizaram
algumas mobilizações no sentido de promover a discussão dos problemas do
conjunto, bem como estratégias para superá-los. Dessa forma, destacamos
o “Dia D dos Jovens”, Semana do Idoso, Oficina de Levantamento dos
Problemas da Comunidade, Palestras Educativas sobre depressão, climatério,
Oficina de dança.
Mediante a ação, os personagens desta história, homens e mulheres,
mostram quem são, revelam sua identidade pessoal e fazem sua aparição ao
mundo, ou seja, suas qualidades, talentos e defeitos estão implícitos em tudo
o que esses homens e mulheres falem e façam (ARENDT, 1993).
O grupo de Terapia Comunitária é um sistema formado por vários
subsistemas que se inter-relacionam, formando uma rede complexa em que
cada um influencia o outro a partir do compartilhamento das informações.
Nesse contexto, compreende-se o problema do indivíduo nas suas
relações, nos vínculos estabelecidos, uma vez que o comportamento do
mesmo repercute no grupo familiar e comunitário. Dessa forma, conclui-se
que a circulação de informações nessa rede de relações contribuiu de maneira
decisiva para o fortalecimento da comunidade do Conjunto Mangabeira IV
Ambulantes.
 

340
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A TCI se apresenta como uma tecnologia de cuidado que permite


preencher essa lacuna, por meio do trabalho em grupo, de baixo custo e com
ações de promoção da saúde mental e prevenção do sofrimento emocional
para as comunidades, como também como uma estratégia de reabilitação e de
inclusão social pela rede de apoio psicossocial que ela pode ajudar a construir.
Como instrumento de cuidado, a TCI demonstrou atender aos
princípios norteadores do SUS, ensinando a construir redes de apoio social,
possibilitando mudanças sociais e reconhecendo as competências de cada ator
social para contribuir na superação das dificuldades.
Neste estudo, a análise do material empírico revelou que os motivos
que levaram os participantes para os encontros de Terapia Comunitária foram
a necessidade de se ter um espaço de convivência grupal e o convite feito por
membros da equipe de Saúde da Família, em especial na figura da Enfermeira,
que incentivava os usuários do posto de saúde para uma atividade grupal e de
mobilização social, por meio de um sistema de comunicação social.
Nota-se que o que mantém essas pessoas participando dos encontros
de TCI é a possibilidade de serem ouvidas, de falar de suas angústias do
cotidiano, suas preocupações que tiram o sono e a realização de atividades
que favorecem a sociabilidade. Tudo isso apoiado em uma lógica de “estar
junto à toa”, com os membros do grupo, se encontrando com a finalidade
específica de compartilhar a paixão e os sentimentos, tendo como única razão
a preocupação com um presente vivido coletivamente (MAFFESOLI, 1998).
Dentre as mudanças que ocorreram no seu dia-a-dia, percebe-se que
houve uma melhor compreensão de si e do outro. Os colaboradores perceberam
que tem um valor, com um incremento na autoestima, acreditando no seu
potencial de transformação, a nível individual e comunitário.
Esse processo de transformação conseguiu fortalecer vínculos, tornando-
os mais saudáveis com a família, o lazer, a espiritualidade e a construir novos

341
vínculos a partir dos encontros de Terapia Comunitária, como o vínculo de
amizade, vínculo comunitário e o vínculo social.
As entrevistas suscitaram algumas compreensões acerca da TCI como
um espaço de partilha das experiências vividas, onde seus participantes podem
aliviar o seu sofrimento, evidenciando-se o processo resiliente, revelando,
ainda, um incremento do poder sobre si mesmo, sobre a capacidade de
gerenciar a própria vida, contribuindo para que o grupo se mobilizasse em
torno de questões vividas coletivamente.
Portanto, este estudo vem também contribuir de maneira significativa
para a prática do cuidado em saúde dos profissionais, que se compromete com
os princípios da Reforma Psiquiátrica, que busca modelos de cuidado efetivos,
que prioriza a aquisição de autonomia e capacidade de transformação social.
A TCI atende as metas a que se propõe e deve ser divulgada como uma
prática de caráter terapêutico, transformadora da realidade, e que pode ser
utilizada nos diversos níveis de atenção à saúde, especialmente na atenção
básica.
Tendo em vista os resultados alcançados por esta investigação,
recomenda-se, s a utilização da TCI, como tecnologia de cuidado na rede de
atenção básica, pois, por meio dessa pesquisa, houve um maior envolvimento
com a comunidade, bem como o reconhecimento da TCI como um
instrumento de cuidado.
Os vínculos estabelecidos com a equipe de saúde permitiram o
desenvolvimento de ações de proteção e promoção à saúde como as oficinas,
encontros de jovens e grupos da terceira idade, melhorando o atendimento,
tornando-o mais humanizado. A partir dos encontros de TCI houve a
construção de um espaço de socialização das estratégias de enfrentamento, de
reflexão e autoconhecimento.
Espera-se que a partir desta investigação, exista uma maior divulgação
da TCI como tecnologia de cuidado e como princípio norteador das ações de
saúde, e que se possa estimular as equipes de saúde, principalmente as equipes
de saúde da família a absorver essa tecnologia social e pedagógica de saúde.

342
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Esta obra foi produzida na
Editora da UFPB

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