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A DIFICULDADE DE ENSINO DA FILOSOFIA NO PRECONCEITO SOBRE


FILOSOFIA NÃO SER EXATA1

Uma das principais características da Filosofia é a reflexão, ou atividade de


pensamento, esse é seu empenho constante. Portanto isso é toda sua grandeza construída ao
longo dos séculos, pois perpassa todas as necessidades que a mente humana depara ao
conhecer: analisar, raciocinar, questionar, criticar, edificar e desconstruir valores morais,
duvidar e tudo quanto cabe ao próprio termo filosofia. O que gera no senso comum sua
ambigüidade: toda forma de pensamento intrinsecamente traz uma filosofia, por outro lado, é
comum escutarmos que numa situação de devaneios e mera especulação a pessoa está
filosofando, no sentido pejorativo. Como ensinar Filosofia para quem a Filosofia é
simplesmente opinião2?
Em quatro anos ministrando aulas de filosofia no ensino médio em todas as turmas me
deparava, dentre outros, sempre um mesmo problema: enquanto os assuntos da matéria
lecionada eram aquilo que os educandos pensavam, isto é, aquilo que eles estavam
acostumados a perceber no cotidiano e igualavam com sua visão de mundo a disciplina para
eles se tornava aprazível e fácil. Porém quando um tema novo era ensinado e abria
possibilidade para uma nova concepção de mundo e ou depuração dos conceitos equivocados,
a filosofia então soava como algo estranho e até mesmo bizarro. O problema não é sobre
reaprender a ver o mundo3, mas como pode a Filosofia apresentar uma explicação tão
diferente do que os educandos estão acostumados a perceber? E o pior, quando nem mesmo as
outras ciências concordam com a filosofia ou sequer abordam o assunto. Porque vários
questionamentos são levantados pelos educandos e um merece atenção: quais provas4 a
Filosofia apresenta a favor de suas teorias? Ou o mesmo, se a Filosofia não possui
instrumento (ferramenta) de pesquisa a não ser o pensamento, o próprio pensamento do
educando também é filosofia – o que não deixa de ser verdade. Deste modo, quando acontece
um embate de idéias nas aulas de filosofia pode ser altamente enriquecedor para a própria
disciplina, mas quando deste embate o educando se bloqueia a aprender o conteúdo da
matéria, pois não passa de uma opinião da Filosofia, inviabiliza o ensino da mesma.

1
Titulo provisório.
2
Opinião na fórmula “eu acho” (doxa), duramente criticado por Platão em A República, livro VI.
3
"A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo" Merleau-Ponty (1908 – 961).
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Considerando o fato de que para os alunos o conceito de prova é “prova cientifica” significando
experimentação empírica, mensurabilidade e exatidão, tal como ocorre na matemática, na física, na biologia,
dentre outros, menos na filosofia.
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Este não é um problema novo e nem específico das aulas da disciplina, é um problema
da própria Filosofia frente aos dias atuais 5. Mesmo com múltiplas abordagens, com
metodologias diferentes durante o ensino, sempre permanecia o problema: “isso é coisa da
Filosofia” e assim encerrava qualquer movimento de interpelação da filosofia na construção
do conhecimento pelo educando. Soma-se a isso outra dificuldade, a avaliação (provas e
exames). Se Filosofia não é exata como elaborar questões objetivas? Bem como as
discursivas, que para os educandos bastam colocar simplesmente o que acha sobre o assunto.
Nosso intento não é buscar ou transformar a Filosofia em uma ciência exata, isso é
impossível quando se tem clareza que a Filosofia se interessa pela realidade no seu todo –
pois a dinâmica de realização (a Realidade) é de muitos modos 6. Bem como, há uma voz
corrente nas ciências inclusive no cotidiano uma espécie de filosofia (no sentido de
pensamento em voga), que é traduzido na expressão “a verdade é relativa”. Vale ressaltar
também a própria história da Filosofia contemporânea; nunca demonstrou unanimidade, pelo
contrário é a mais pluralista das épocas. Cientes destes aspectos, não nos colocamos a discutir
tais questões o que extrapola o presente projeto e não nos alcança solucioná-lo. Nosso
problema é o mesmo, entretanto menor e não de difícil solução porque afirmamos que é um
equívoco pensar que a Filosofia trabalha no nível da opinião, tão pouco sem embasamento
algum.
Dizemos anteriormente que nosso problema não é de difícil solução porque
procuramos desfazer o preconceito que se criou em torno da filosofia para perceber sua real
maneira de pensar. Tendo os educandos nascidos numa cultura onde a interpretação da
verdade é exclusiva da Ciência7 fica rechaçado em segundo nível outras formas de
interpretação do Real (como a arte e a religião). Exemplo, muitos erroneamente afirmam que
a própria Filosofia diz que a “verdade é relativa” – isto em suma, significa que tudo depende
do seu ponto de vista – muito embora nenhum filósofo histórico (de expressão universal) diz
exatamente tal frase. Tal disparate é reprovado quando se põe a pensar: se a frase “a verdade
é relativa” fosse válida seria uma proposição contraditória, pois a Verdade dependeria da
percepção do sujeito que pode ser igualmente falsa para uns e verdadeira para outros e vice-
versa, mas nisso reside a falácia já que a própria frase “a verdade é relativa” deve ser

5
É o que queria afirmar Nietzsche no texto A Gaia Ciência quando diz que a filosofia mora em altas montanhas,
tendo como única companhia o Monte vizinho, onde reside o poeta.
6
Aristóteles dizia: “O ser se diz de muitos modos, mas nenhum modo diz o ser.” (Met. Z, 2; 1003a 33).
7
Segundo Emanuel Carneiro Leão, filósofo brasileiro atuante, “A nossa era é científica em sua essencialização.
Vivemos na idade da ciência, porque é a ciência que determina o ser e a verdade do real. Porque a ciência é o
meio em que se faz a experiência e se entende o sentido de tudo aquilo que é. O elemento, em que se decide o
destino da história humana”.
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relativizada. Para uns, tal frase será verdadeira; para outros será falsa; as duas posições
igualmente aceitas. Porém quem afirmou “a verdade é relativa” não pensou nisso, pelo
contrário deseja que sua proposição seja aceita por todos – de forma absoluta e não relativa,
pois ele julga estar com a razão.
Com os mais diferentes contatos de livro de Filosofia no Brasil o que mais se
aproxima do foco do nosso problema são os livros que discutem a utilidade da Filosofia nas
escolas e os que abordam a caracterização do pensamento filosófico (sua característica e
abordagens). Mas nenhum que discutisse o problema na dimensão do aluno, para aqueles
educandos que acham a Filosofia em relação ao cenário das Ciências parcial e excêntrica.
Nosso esforço se pautará nos seguintes aspectos:
Primeiro esclarecer o conceito de Prova Científica, demonstrando a ambigüidade que
esse conceito pode tomar, pois se por um lado a prova científica (experimentação) serve para
confirmar uma teoria, por outro lado o simples fato de ser científico não quer dizer
automaticamente verdadeiro. Pois tudo pode não passar de meros procedimentos para
corroborar a própria teoria, não para testá-la, mas simplesmente encontrar elementos que a
justifique a todo custo. Outra coisa é o que se entende por científico: uma pessoa diz bebe! Ou
come isso, porque isso é provado cientificamente, nesse caso é uma falácia porque apela a
autoridade da Ciência sem ao menos ponderar racionalmente. No projeto será explanada a
crítica da expressão prova científica, sem desmerecê-la, pois, todavia alguns filósofos a
desenvolveram8; ao final demonstraremos como ela se realiza em Filosofia.
Segundo é apresentar o problema da Exatidão, pelo fato de que nenhuma ciência
esgota a si mesma. Exemplo: não foi calculando demasiadamente que Einstein revolucionou a
física, mas é sabido sua inovadora mudança conceitual nas ideias de tempo e espaço. Outro
fator é que nossa realidade é complexa demais para ser apenas lógica 9 - se assim o fosse tudo
seria previsível como na época da ideia de determinismo na Ciência. Contrariamente a
Filosofia trabalha com questionamentos e não com respostas prontas e acabadas.
Por último propor e apresentar uma Metodologia de Ensino: o educando que discorda
totalmente do assunto abordado poderá manifestar argumentos contrários com toda liberdade
e respeito, desde que apresente juntamente o domínio do assunto lecionado, pois só podemos
criticar o que conhecemos e porque isso não o isenta de aprender a matéria, já que a mesma
faz parte da grade curricular. Não se trata aqui de um legalismo, de um formalismo no
aprendizado centrado na obrigação. Ao aluno não cabe aprender tudo de filosofia, nem seu

8
Tal como Francis Bacon (1561 — 1626).
9
Lógica tal como a concebiam a tradição.
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professor é capaz deste empreendimento. Entretanto devemos sim responsabilizá-lo em


adquirir os conhecimentos básicos e exigidos da matéria, pois faz parte de sua formação
prevista e discutida pelo próprio Ministério da Educação, deixar que ele escolha o que quer
aprender e aceitar tudo (repito tudo) espontâneo é ingênuo demais. Se toda mãe pensasse
assim e deixasse seu filho aprender sozinho a tomar banho, muitos adultos com certeza não
teria este hábito saudável, haja vista quantas crianças não gostam de tomar banho. É claro
diante de tantos recursos disponíveis hoje em educação não há necessidade das aulas serem
forçadas, o que queremos dizer é que no mundo de hoje tão complexo exige – por até mesmo
uma questão de sobrevivência – que nas escolas em cada disciplina obtenham os conteúdos
básicos necessários que os preparem para a vida pós-moderna. Isso também se aplica a
Filosofia; de que adianta colocá-los a pensar sem oferecer recursos já descobertos e
desenvolvidos ao longo da história da filosofia. Por exemplo, Criticar é uma cultura que os
adolescentes hoje já fazem parte, mas criticam sem chegar a lugar nenhum e o pior, sem
considerar todos os aspectos da crítica (lado positivo e negativo).
Nosso método é transformar aquele aluno que não gosta da Filosofia ou discorda de
algum tema da disciplina, ao invés dele se fechar e negar a aprendê-la, conquistá-lo e fazer o
aluno alcançar o aprendizado para depois sim, ele, apresentar seu ponto de vista, garantir seu
espaço na crítica do assunto. Para que o professor não seja autoritário em forçá-lo a
concordar; para o aluno não pensar que seu professor de Filosofia é “maluco” e diante disso o
educando não aproveitar em desculpar-se em não aprender a matéria ensinada. Quando aluno
discorda totalmente da matéria ensinada o professor não se opõe no pensamento do aluno por
desenvolver o respeito e presença de não uma forma, mas várias formas de interpretar o
mundo. Desde que o aluno apresente seu conhecimento da matéria, pelas razões acima
afirmadas.
A conquista do aluno se faz mediante um professor preparado e consciente em levar o
aluno a entender porque a Filosofia pensa daquela maneira (suas razões, os fatos que a
levaram a concluir dessa forma). Muitos que criticam a Filosofia não a conhecem, não passa
de um preconceito (um juízo antecipado), que uma vez desfeito o preconceito se desfaz o pré-
juízo sem nenhum prejuízo – com a licença do trocadilho. Nesse mesmo método, se persistir a
antipatia com a disciplina, entra a liberdade em expor suas preferências (o que normalmente já
acontece) e se optar – quando se incomodar é resguardado seu espaço para colocar suas
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ideias. Porque em todo caso o aluno estará filosofando: se alguém não gosta de Filosofia, ao
apresentar as razões porque não gosta, estará filosofando10.
Concluindo, a relação aluno e professor se destacam com o primeiro aprendendo o
conteúdo e apresentando quando quiser seu ponto de vista. O professor retribuindo com o
reconhecimento de alguém que aprende a matéria e é capaz ir mais além, pois é digno de nota
máxima um aprendiz que domina o conteúdo discordante e se lança abrir novas idéias em sua
mente. Para tanto é imprescindível o que se espera de todo bom professor, Dialogar, e para
professores de filosofia, dialética neste diálogo.

Diego Simão Martins, METODOLOGIA DE ENSINO DE FILOSOFIA.

10
“Deve-se filosofar, ou não se deve: mas para decidir filosofar é ainda e sempre necessário filosofar; assim,
pois, em qualquer caso, filosofar é necessário.” (Aristóteles, Protréptico, frag. 51)

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