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CAÇADORES DE UTOPIA
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES E ASSOCIAÇÕES ENTRE RELIGIÃO E
POLÍTICA NO RIO DE JANEIRO
ORIENTADORA:
Prof ª Patrícia Birman.
RIO DE JANEIRO
2002
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Resumo
CAÇADORES DE UTOPIA
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES E ASSOCIAÇÕES ENTRE RELIGIÃO E
POLÍTICA NO RIO DE JANEIRO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------- 9
CONCLUSÕES-------------------------------------------------------------------- 151
Introdução
Além disto, para melhor compreender estas afinidades, no início dos meus estudos
utilizava as reflexões de alguns autores que se autodenominam marxistas como A.Gramsci
e M. Löwy. A escolha destes autores não foi casual, fazia parte da história do meu percurso
e de minhas reflexões sobre a crise da esquerda a nível mundial, da impotência política e
analítica de diversos militantes, neste final de século.
Desejo entretanto, antes de entrar na discussão mais teórica da militância política,
relatar os motivos pessoais que me levaram a esta temática. A partir de minha trajetória
pessoal e política dos últimos anos pretendo constituir os indicadores de contextualização
desta pesquisa e explicitação dos seus motivos e objetivos.
Começaria destacando a perplexidade de alguns amigos militantes do PT, quando
em 1996, informei que pretendia realizar esta pesquisa. Eles me perguntavam a seguinte
coisa: Por que você vai fazer está pesquisa, já que sempre foi um companheiro de esquerda,
marxista e ateu ? Por que estudar o candomblé já que você não tinha nenhum conhecimento
sobre isso ?
Para dar esta resposta relatava minha vida a partir de julho de 1993, quando depois
de longos oito anos de militância ativa no PT, na CUT ( Central Única dos Trabalhadores )
e nos movimentos populares, eu partia para Roma, para começar meus estudos na faculdade
de sociologia. Foi uma decisão difícil e radical, já que passaria no mínimo, quatro anos de
vida em outro país, com uma cultura diversa e no decorrer dos estudos aprender uma outra
língua.
Meu ritmo de vida foi completamente alterado, já não era o militante 24 horas e
nem uma pessoa que era identificado somente como um dirigente do PT, da CUT e
marxista.
Sai do Brasil com a perspectiva de não militar durante um bom tempo e dedicar
minhas energias a um projeto de estudo. Somente este fato já era para mim uma mudança
radical e, somado a vivência num cotidiano desconhecido acabou por se tornar ainda mais
revolucionária para “meu pequeno grande” mundo que aprendi até aquela época.
Os primeiros tempos foram difíceis, pois além das saudades do Brasil, deveria me
habituar a novos padrões de vida europeus. Quando se vive em outro país e numa
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Foi um momento de crise para mim. Comecei a me perguntar como que eu, um
militante de esquerda, do PT e marxista, não sabia a origem da feijoada. Esses e outros
momentos começaram a me fazer questionar se realmente conhecia meu país o suficiente
para contribuir num processo de transformação social.
Além dessas dificuldades identitárias, comecei a freqüentar, no final de 1993 e
início de 1994 as aulas de antropologia. E ali encontrei um professor chamado Massimo
Canevacci, cujo olhar sobre o Brasil era muito diferente do meu. O que mais me
impressionou nele era a originalidade em ver coisas “estranhas” nas coisas mais naturais
para mim da cultura brasileira.
Nas aulas de antropologia eu torcia para que ele não me perguntasse nada sobre o
Brasil, porque não me sentia seguro nas respostas sobre cultura brasileira. Enfim, percebi
que era um ignorante da “minha” cultura. Existia um Brasil que sempre esteve debaixo de
meu nariz, mas que eu não o via. Isto me obrigou e me incentivou a conhecer e estudar
determinados elementos da cultura tupiniquim.
Um outro evento, em 1994, também contribuiu para me despertar para a cultura
brasileira. Era o ano de eleições, quando no primeiro semestre, Lula e o PT, estavam,
cotados como certos para vencerem as eleições presidenciais, mas a conjuntura mudou,
veio o plano real e Fernando Henrique Cardoso venceu logo no primeiro turno, com mais
de 50% dos votos.
Para mim, junto a toda militância de esquerda no Brasil, foi um momento de
paralisia, pois as esperanças de mudanças escaparam de nossas mãos. Não conseguia
compreender aquela derrota, até porque estava muito distante do Brasil.
Esta derrota eleitoral foi um marco político em minha vida. A angústia de saber
porque o imaginário popular muda radicalmente em seis meses me mobilizou ainda mais no
sentido de pesquisar a “cultura brasileira”, que não fazia parte das análises da esquerda.
Naquele momento comecei a estudar em antropologia a força social dos símbolos,
da religião, do sincretismo. Combinados com a necessidade de começar a pensar numa tese
de final de curso; comecei a ler tudo sobre Brasil, o que se encontrava ao meu alcance na
Itália.
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Mas logo depois percebi a lógica de meus raciocínios: eu estava de uma certa forma
contaminado pelo olhar eurocêntrico. Fui despertado por amigos e professores, percebendo
que era uma tolice pensar a partir de categorias frias e percebi que para Jorge, e outros
militantes que descobri que existiam no Rio de Janeiro na mesma condição, tinha um
sentido profundo ser de esquerda, do PT e pertencer ao candomblé.
Percebi também que através deste estudo, num viés antropológico, poderia
responder parcialmente minhas indagações e descobrir novas dimensões utópicas na luta
política de minha militância.
Mas este processo de descoberta de elementos de “minha” cultura não foi somente
racional. A nível emocional fiquei muito abalado por estar longe de meus amigos e minha
família. A saudade apertou, mas a maior saudade foi de meu pai ( morto em 1980, quando
tinha doze anos ).
Acompanhando meus estudos sobre cultura brasileira, eu também descobri que sou
descendente de negros africanos ( meu pai era negro ). E esta condição emocional e
racional me levou a incorporar esta minha ascendência negra. Daí tudo se combinou,
levando-me a tomar novos rumos na militância política, profissional, de pesquisa e afetiva.
Foi um período doloroso, mas também muito rico em minha vida, assim como o início de
minha pesquisa.
Minhas primeiras tentativas de elaboração de um estudo mais sistemático foi muito
confuso, pensava em comparar os militantes do PT que pertencem ao candomblé como se
fossem iguais aos teólogos da libertação. Foi inútil, cai mais uma vez numa visão cristã
eurocêntrica.
Numa segunda tentativa, depois de me comunicar por carta com Jorge Carneiro,
encontrei um ponto de partida: deveria ressaltar a importância política e cultural, no
contexto brasileiro, das intervenções de militantes de esquerda que pertencem ao
candomblé e, sobretudo, desmistificar um senso comum nas ciências sociais que afirmava
que não era possível conciliar crença nas religiões dos orixás e o compromisso político de
transformação revolucionária da sociedade brasileira, ou seja que não existia uma
contradição entre, como dizia alguns brasileiros na Itália, ser macumbeiro e petista.
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Porém, além de não ter uma base teórica para fundamentar esta idéia, tudo se
baseava nas minhas intuições e numa grande pretensão em escrever algo novo que ninguém
nunca escreveu, ou seja, pouca modéstia e muita pretensão acadêmica para quem estava
engatinhando na universidade.
Na medida em que aprofundava minhas leituras antropológicas, consegui a ajuda do
professor Massimo Canevacci, que com boa vontade aceitou ser meu orientador, me
ajudando em muito na construção teórica de minha pesquisa.
Foi então que comecei a procurar utilizar seus autores favoritos, James Clifford e
Antonio Gramsci. Esses me ajudaram muito na formatação de meu trabalho.
O terceiro passo que dei em direção a este projeto foi voltando ao Brasil, em
outubro de 1996, para fazer finalmente a pesquisa de campo.
Esbarrei em outros problemas que se concretizava na minha total falta de
experiência no trabalho etnográfico. Comecei a entrevistar muitas pessoas, dialogar com
pesquisadores e professores, recolhi muitos dados, muitas conversa de gravador e
informais, fiz um diário de campo de quase trezentas páginas, na maioria delas, mais
reflexões pessoais do que material de pesquisa. Mas, felizmente, consegui fechar minha
pesquisa ( em 1997, na Itália ) e logo em seguida voltei ao Brasil, em março de 1998. Mas
aqui começa uma outra história, que desembocaria na continuação dessa pesquisa no
programa de pós-graduação da UERJ.
Voltando ao Brasil, em março de 1998, meus objetivos eram continuar minha
pesquisa e me inscrever num programa qualquer de mestrado. Mas além da pesquisa
comecei a militar no movimento negro do Rio de Janeiro.
As pessoas, amigos e amigas militantes do PT, estranhavam pois eu não tinha o
fenótipo de negro, pareço para eles mais branco do que negro. Minha vida militante
caminhava agora não mais em limitar minhas reflexões na política geral, mas também no
movimento negro.
Esbarrando em todos os tipos de indiferença de amigos e militantes, comecei a
freqüentar reuniões, escrever documentos, artigos, que expressassem meus pensamentos e
minha nova militância. Conseqüência de todo este esforço, consegui fazer muitos contatos,
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que me renderam bons frutos, dentre eles ingressei para o mestrado da UERJ para continuar
no estudo sobre os militantes do PT que pertencem ao candomblé.
Paralelamente conhecia muita gente de terreiro de candomblé, me aprofundando
cada vez mais no conhecimento sobre esta religião. Fruto destes contatos e conhecimentos,
comecei a levar esta discussão para dentro do PT, ao lado de alguns companheiros que
eram “objetos” de minha pesquisa ( como Jorge Carneiro, Paulo Cezar e Lúcia ).
Participamos de vários eventos juntos, intervínhamos nas reuniões juntos, escrevíamos
alguns textos também juntos, enfim, começamos a tentar criar nosso espaço dentro do PT,
através da discussão sobre a religiosidade de matriz africana e elementos da cultura negra.
Quando entro para o mestrado conheço uma excelente professora de antropologia,
que se interessa pelo meu trabalho e aceita ser minha orientadora para a dissertação: Profª.
Dra. Patrícia Birman.
Ela começa me ajudando na elaboração da dissertação, me abrindo as portas para a
discussão na academia brasileira sobre cultura negra e religiosidade no Brasil. E é a partir
daqui que tento construir meus referenciais teóricos de investigação.
Ou seja, identidades em construção, em movimento, construção de associações entre
dois domínios da realidade social: o religioso e o político. Essas são as referências
utilizadas, para o contato com quatro militantes do PT e do Movimento Negro,
contemporaneamente iniciados no candomblé.
Entretanto, não é apenas a característica de pertencerem a um partido político
socialista e serem iniciados no candomblé, que estimulou esta investigação. Mas o fato de,
nas suas trajetórias, esses militantes tentarem construir suas identidades nas associações que
estabelecem entre suas vivências religiosas e seus ideais utópicos e socialistas, expressos
em suas militâncias. Essas associações são analisadas aqui como um conjunto de falas,
construções de códigos de linguagem específicos, para representar a interseção que
determinados sujeitos sociais realizam, para justificar o pertencimento,
contemporaneamente aos domínios religioso e político, que é identificado no senso comum
– e até pelo discurso acadêmico - como eclético e/ou contraditório.
A presente análise parte das invenções culturais, lingüísticas e identitárias singulares
como: “é Exú que me faz marxista”, “o candomblé é mais revolucionário que o
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frequentadores do candomblé e, outros ainda, afirmam que sua iniciação religiosa é de caráter pessoal não havendo
nenhuma relação com sua militância partidária.
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3 Este termo foi resgatado nas linguagens dos militantes investigados. Significa uma forma essencialista de classificar os
negros brasileiros como herdeiros naturais de uma raiz sócio-cultural africana.
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Ao longo da pesquisa, foram encontrados vários militantes, que de uma certa forma,
tiveram ou têm algum vínculo iniciático no candomblé. Mas a rigor, como já se afirmou
anteriormente, só foi possível identificar alguns, que se encaixavam nos critérios de
classificação aqui expostos e definidos, ou seja: militantes do PT e do Movimento Negro e
que, em suas práticas política e religiosa, construíssem novas identidades (escrevendo
textos, defendendo suas idéias em público e usando uma linguagem religiosa para defender
seus ideais políticos nos seus espaços de militância) e inventassem associações entre suas
práticas e reinterpretações religiosas e a utopia socialista que defendem. São eles:
publicamente e sempre procurava se apresentar aos outros como branco. Em suas palavras
afirmava quando adolescente:
“Quando era jovem, mostrava aos outros que minha cor era branca,
fazia isto mostrando as marcas de minha sunga. Me olhava sempre no
espelho e queria identificar meus lábios finos.”
Acrescenta que não era somente ele, mas a maioria de sua família, também se
comportava da mesma maneira. Mesmo vivendo dificuldades econômicas, comuns à
população da periferia do Rio de Janeiro, Jorge consegue, em 1979, aos 20 anos de idade,
entrar para uma universidade.
No início da década de 80, entra em contato com militantes do movimento
estudantil e do recém-fundado Partido dos Trabalhadores. E a partir daí, identificado-se
com eles, começa a participar do movimento estudantil. Jorge conta que este foi um
momento importante de sua vida, pois descobriu que poderia interferir, de alguma maneira,
para modificar sua situação de classe.
“Foi um período muito bom em minha vida, comecei a tomar
consciência de minha condição de explorado pela sociedade”
Ao longo dos anos 80, sua história é também a história de muitos militantes do PT,
participando de reuniões, greves, manifestações, etc.
Logo após sua formatura em 1987, começa a procurar emprego. Mas é somente em
1988 que ele consegue ser empregado numa grande indústria metalúrgica do RJ, a
CIFERAL. Ele nos conta que foi seu grande emprego, como gerente de recursos humanos.
8 Jorge relata que, para ele, “a DS é a única tendência que é fiel ao PT, constrói o partido para se tornar um partido
revolucionário e que, as outras tendências não assumem o PT inteiramente, estão sempre querendo construir sua própria
posição política, sendo sectários e estreitos”.
9 Por motivos pessoais Jorge nos solicitou não revelar o seu problema de saúde.
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Relata que quando chegou no Engenho Velho, terreiro de Mãe Nitinha de Oxum,
em Nova Iguaçu, ela o aconselhou a se iniciar no candomblé, pois, era a única solução para
seu problema, já que, segundo ela, Ogum o estava chamando para seu inevitável destino.
Jorge conta que suas crises existenciais e dúvidas, quanto à proposta de sua futura
Mãe de Santo perpassavam várias coisas, inclusive a questão política.
Mas para Jorge, a iniciação não foi fácil. Por vários dias e meses ele tentou,
preparou todos os materiais de iniciação, mas como dizia, “sempre acontecia algo na casa
de Mãe Nitinha, que impedia o início de minha obrigação”. Foi somente em abril de 1992,
que Jorge realiza sua iniciação no candomblé. Neste intervalo, ele sempre foi interpelado
pelos militantes do PT e da DS, se por acaso, não vivia uma contradição entre se afirmar
marxista, e ser iniciado no candomblé.
De fato, no contato que fiz com Jorge, junto a outros amigos do PT, eles afirmavam
que depois que ele se “iniciou”, passou a se afirmar mais na militância, a falar mais, se
assumindo como negro e adepto do candomblé, sem nenhuma vergonha ou recalque.
Jorge relata que é a partir daí que ele começa a pensar na sua condição de
candomblecista, militante marxista e do PT. Mas não por acaso, como ele próprio afirma,
foi uma conjuntura política, ligada a esse período de sua vida, que o fez tentar criar uma
associação entre esses dois mundo que vivenciava:
Ou seja, o que Jorge relata é um momento singular de sua vida, subjetiva e objetiva,
que o fez querer construir um novo movimento social. É a partir daí que ele começa a
articular encontros, formais e informais, para a discussão sobre o papel do candomblé na
luta socialista. Por outro lado, a partir do contato com nossa investigação, começa a dar um
rumo mais sistemático na sua militância, priorizando as discussões sobre cultura e religião,
no Movimento Negro e no PT.
Mas, Jorge não se limita somente ao discurso cultural e religioso na militância,
como se verá adiante, ele procura dar uma coerência entre sua prática política e suas
elaborações teóricas. Um desses momentos é a aplicação prática de uma elaboração de um
de seus textos: “O Samba de Roda e a Militância Socialista”.
Neste texto, que adiante será analisado mais detalhadamente, Jorge afirma que a
esquerda é muito elitista e centralizadora, ou seja, fala em democracia e participação, mas
“não radicaliza” no cotidiano essa mesma democracia e participação. Dá como exemplo,
afirmando que nas reuniões da esquerda se “prioriza o personalismo” e a competição entre
aqueles que sabem mais teorias revolucionárias do que os outros. Para se contrapor a esse
tipo de prática, Jorge, em todas as reuniões de que participa: do seu núcleo do PT, do
Movimento Negro, de debates, propõe se formar uma roda, onde todos olhem para todos e
todos falem sobre o assunto em discussão. Propõe isso comparando ao samba de roda e ao
xirê no candomblé, pois como afirma: “na roda de samba e no xirê todos participam, dão
sua contribuição, já no xirê, todos os orixás dançam e se confraternizam, não existindo
hierarquia entre eles.”
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MÃE BEATA- 69 anos, separada e negra. Aposentada. Não ocupa atualmente e nunca
ocupou um cargo específico no interior do PT, porém sempre apoiou ativamente e ajudou
nas campanhas eleitorais de alguns candidatos do partido. Se autodefine socialista. Dentre
os militantes investigados é a única mãe de santo. Iniciada há quarenta e seis anos, é
Ialorixá. Desde 1985 dirige a comunidade de terreiro ILÊ OMIOJUARO. É filha de santo
de uma das Ialorixás mais famosas do Brasil: OLGA DE ALAKETO. Seu orixá é
YEMANJÁ.
Beatriz Moreira Costa, mãe de Santo, nasceu em 20 de janeiro de 1931, em
Cachoeira de Paraguaçú, Recôncavo Baiano, mais conhecida como Mãe Beata de Yemanjá.
Mãe Beata se afirma negra, descendente de escravos e neta de portugueses. Sua
infância aconteceu nos arredores da cidade onde nasceu e foi marcada pela presença de
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Mãe Afalá ( senhora idosa respeitada de origem Fon – Jejê ) e de outras velhas africanas.
Assim narra seu nascimento:
Toda sua vida foi marcada pela presença dos rituais e cotidiano do candomblé. Em
1939, por exemplo, ficou doente e foi enviada à casa de sua tia Alice de Ogum, no Centro
de Cachoeira de Paraguaçú, onde foram feitos rituais para a cura da menina. Em 1944, fez
seu primeiro rito de iniciação na mesma cidade com o Babalorixá Anísio. Começou a
namorar cedo, já na adolescência, e seis anos depois de sua iniciação casou no religioso,
numa igreja católica, e dois anos depois oficializou no civil. Em 1956, depois da morte de
seu pai de santo (em 1954), transferiu-se para Salvador, onde encontrou a Yalorixá Olga de
Alaketo, passando a integrar seu terreiro e fazendo sua iniciação de fato.
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Durante seu casamento teve quatro filhos, Ivete, Maria das Dores, Aderbal e
Adailton e trabalhou como cabeleireira. Em função de problemas conjugais se separou do
marido e, em 1970, transferiu-se para o Rio de Janeiro com seus filhos.
No Rio, para sobreviver, trabalhou em diversos locais, até firmar contrato como
costureira na TV Globo, no início da década de 70. Isso permitiu que ela superasse suas
dificuldades econômicas conseguindo comprar um apartamento em Realengo e um
terreno, em 1982, em Miguel Couto, onde hoje é o seu terreiro . Nesse mesmo ano,
ela começa a construir o seu futuro terreiro de candomblé. E, depois de algum tempo, ao se
aposentar na Rede Globo, em 1985, foi conferida Yalorixá, por Mãe Olga de Alaketo e
abriu seu terreiro OMIOJUÀRÓ.
Mãe Beata conta que passou muitas dificuldades econômicas e que com muito
sacrifício pessoal conseguiu superar. Um desses problemas foi o fato do pai ser alcoólatra e
perturbar sua mãe. Além disso, ela tem um problema cardíaco hereditário. Em 1976, os
médicos disseram a ela que teria somente três meses de vida e precisava colocar uma ponte
de safena, mas como afirma, “Yemanjá está sempre me protegendo”. Já passou por nove
operações e já esteve em coma.
Em meados da década de 80, já aposentada, começa a se dedicar a religião dos
orixás. Funda seu terreiro numa região pobre da Baixada Fluminense, onde se concentra a
maioria dos terreiros de candomblé do Rio de Janeiro. Mãe Beata afirma que, por ter
enfrentado muitas dificuldades, não abriu seu terreiro simplesmente para se dedicar a sua
religião, mas também para ajudar seus “irmãos negros e negras”.
A fundação de seu terreiro, como nos relata, acontece no momento em que também
conhece membros dos movimentos populares de Nova Iguaçu e do Movimento Negro,
mais especificamente os fundadores do Ipelcy e do Inarab (associações negras que
abordaremos posteriormente).
Mãe Beata parece perceber que esses seus novos amigos poderiam dar um maior
prestígio a sua casa de santo. Isso se revelou no crescimento rápido de sua comunidade a
partir de 1988, quando alguns de seus filhos de santo, na época cerca de oitenta pessoas,
ingressam no candomblé. Mas não só por esses fatores. Mãe Beata começa a fazer trabalhos
de assistência social no bairro onde se encontra o terreiro, cursos profissionalizantes, aulas
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de culinária, etc. Sua notoriedade começou quando, pela primeira vez no Rio de Janeiro,
um Rabino, Zalman Schachter visitou sua casa de candomblé. Um rabino que peregrinava
pelo Brasil pregando o ecumenismo e a tolerância religiosa entre as seitas e as diversas
denominações. A partir daí Mãe Beata percebe que fazer articulações ecumênicas e alianças
pontuais com outras figuras religiosas, de outras denominações, era muito interessante para
um maior prestígio de sua casa.
Por influência do crescimento do trabalho do Partido dos Trabalhadores, quando
este elegeu pela primeira vez dois vereadores na cidade, em 1988 ela se filia ao PT de Nova
Iguaçu. Isso ocorreu, como resultado de um longo trabalho político de base do PT, no
bairro de Miguel Couto, onde Mãe Beata mora. Na época, alguns de seus filhos de santo
eram militantes do partido.
Aqui se pode ver que Mãe Beata começa a ganhar uma notoriedade em muito pouco
tempo, ao contrário dos terreiros já instalados na região há algum tempo. Parece que ser
uma tática muita bem pensada por Mãe Beata, que, como se constata, a constituiu como
uma das Mães de santo mais expressivas do Estado. Porém, Mãe Beata não explicita esta
aliança com o PT e com os movimentos sociais, seu intuito se constituiu em ganhar
prestígio para sua casa de candomblé. Ela afirma isso de uma outra forma, como nos relata:
“Sou uma cidadã e vivo de luta, desde quando era pequena. Creio que
Olorum determinou que a nossa função mais importante se dá quando
abraçamos uma causa. Podemos sempre plantar uma sementinha, não
importa onde estejamos. A política não deve estar desassociada do
nosso dia-a-dia. Quando falamos sobre a saúde da mulher ou quando
discutimos o custo de vida no supermercado, estamos fazendo
política. A luta de uma mulher ajuda a outra a crescer”.
Todo esse trabalho de crescimento de seu terreiro teve a ajuda de seus quatro filhos.
Nas observações feitas nessa investigação se percebe que estes são verdadeiros “relações
públicas” de Mãe Beata. São eles que “pegam no pesado”, convocando a comunidade para
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os eventos promovidos pelo terreiro, dando os cursos oferecidos por Mãe Beata e, claro,
ajudando-a em todos os rituais da casa.
Mãe Beata apesar de um discurso politizado, pregando a igualdade mas mantendo
uma hierarquia dentro de sua comunidade parece ter a mesma prática social de Jorge
Carneiro em seu terreiro. Ali é ela quem dá as ordens, determina os horários dos rituais, das
oferendas aos orixás e etc.. Nesse aspecto, ela não difere muito de outros sacerdotes e
sacerdotisas do candomblé. Entretanto, como se vê, ela faz “pregações” de ecumenismo, do
socialismo e da luta contra o racismo e pela manutenção de uma identidade negra.
Mãe Beata hoje, além dos quatro filhos, tem sete netos, um bisneto e cerca de
duzentos filhos de santo. Constatar-se-á que, após a fundação de seu terreiro e a
organização de eventos e a participação em outros – inclusive em nível internacional – , ela
continua mantendo seu prestígio fora das comunidades de terreiro afro-brasileiras, às vezes,
sendo lembrada mais como Mãe de Santo Petista e Progressista do que como uma
Sacerdotisa “tradicional” do mundo do candomblé. Certamente, Mãe Beata conseguiu mais
prestígio fora do candomblé do que imaginava na época da fundação de seu terreiro.
candomblé de Angola, em Nova Iguaçu. Ela nos relata que esse foi um importante
momento de sua vida, pois aprendeu muitas coisas “do santo” e vivia em paz consigo
mesmo.
Alguns anos depois (com vinte anos) tem um relacionamento com um rapaz de sua
comunidade e fica grávida. Conta que isso modificou completamente sua vida, já que sua
filha nasce com deficiência mental, o que a faz viver uma profunda crise pessoal. Abandona
o candomblé, se afastando inclusive de seus pais.
Dois anos depois se casa, termina seus estudos, se formando como professora do
Ensino Fundamental e fica grávida de novo de um menino. Nesta época começa a trabalhar
e entra em contato com um grupo religioso de Nova Iguaçu – a Assembléia de Deus. Entra
para a Igreja e se estabiliza um pouco em sua vida espiritual – conforme relata.
Lúcia expõe ainda, que sempre teve um grande interesse pelas artes, pela música e
pelo teatro. Ao mesmo tempo em que ingressa na igreja protestante, conhece um outro
grupo de animadores culturais de escolas de Nova Iguaçu. Foi a época da construção dos
CIEPs, quando vários animadores culturais e professores foram chamados em concurso
pelo governo do Estado. Nesse momento passa no concurso público, e inicia sua carreira
como professora de Ensino Fundamental. Ela começa a fazer trabalhos culturais de teatro,
com seus novos amigos animadores culturais. Em função disso, começa a viver certos
conflitos com sua igreja e com o pastor.
Em 1989, este grupo de animadores entra na campanha de LULA para presidente da
república, levando Lúcia a conhecer o PT. Os conflitos dela com seu Pastor se agravam,
pois este não vê com bons olhos seu envolvimento político, acusando-a de “misturar
política com religião”. Ela diz que começa a perceber que em sua igreja não existe
solidariedade entre as pessoas e que no PT as pessoas são mais solidárias. Afirmava na
época:
“Num diálogo com uma colega lá da escola há alguns anos atrás, ela
dizia que mesmo se as coisas vão mal na vida, é preciso sempre dizer
que, ao final, somos felizes por que temos Deus conosco. Depois eu a
respondia que isto não é verdade, pois se as coisas vão mal, é preciso
fazer algo para melhorar nossa vida, e não se conformar com Deus”.
Ela relata isso afirmando que a “filosofia do candomblé” lhe dá uma ‘visão de
mundo’ diferente daquela cristã que viveu. Por outro lado, na militância do PT, Lúcia
sempre foi uma – como afirma – “criadora de caso” também. Diz que sempre esteve
vigilante às decisões coletivas do Partido que não são cumpridas, observa atentamente o
discurso e a prática das pessoas, para depois cobrar uma coerência.
Em função disso, Lúcia sempre esteve em minoria política no PT de Nova Iguaçu.
Numa observação feita por mim, durante alguns momentos de sua militância política, se
constatou que, de fato, essa sua característica “contestadora” sempre foi muito acentuada.
Numa reunião do PT de Nova Iguaçu, em 1998, Lúcia, ao contrário da maioria do partido,
foi contra o investimento de todo o dinheiro do PT em apenas uma candidatura a deputado
estadual. Ela achava incoerente, que os militantes, que sempre falaram em democracia, não
ajudassem aqueles candidatos que não tinham nenhum recurso econômico para suas
campanhas políticas. Alguns militantes na época concordavam com Lúcia, porém, não
questionavam publicamente – ao contrário de Lúcia - a proposta da maioria.
Um outro momento, que ela expõe, foi em 1991, quando o partido fundou o
Diretório em Belford Roxo. Naquela época o Partido já tinha definido um candidato a
presidente do diretório local, entretanto, numa conversa informal, alguns militantes
afirmavam que (de forma brincalhona) caso uma mulher se candidatasse, o partido não iria
funcionar. Nessa época, a discussão sobre o feminismo no PT fervilhava e, por conta disso,
Lúcia articula junto a outras mulheres do PT local, sua candidatura à presidência do
Partido, em contrapartida “ao machismo dos homens do PT”.
Contudo, esse “espírito contestador” não se resume somente ao PT. Depois de sua
volta ao candomblé, Lúcia sempre criticou “certas posturas” do povo de santo. Ela, de uma
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forma bem crítica, informa que uma das coisas que mais detesta no candomblé, é o fato das
pessoas confundirem hierarquia ritual com humilhação de Sacerdotes sobre seus filhos de
santo. Por conta disso, Lúcia até hoje não conseguiu se identificar ou se fixar de forma
duradoura em nenhuma casa de santo do Estado.
O fato de se evidenciar esse seu chamado “espírito contestador”, se soma ao que se
observa na sua vida pessoal e na sua trajetória política no PT, que indica a necessidade de
Lúcia ter uma política própria dentro do Partido. Por um lado, a partir do nascimento de
sua filha, ela muda radicalmente suas relações sociais, parece que naquele momento ela
está á procura de um sentido para sua vida, por outro lado, a nível político parece ocorrer o
mesmo, pois o fato de contestar seus parceiros de militância partidária e ser “sempre
vigilante”, a coloca no isolamento constante no partido, procurando sempre se afirmar de
forma original e singular.
Em 1996, Lúcia conhece Jorge Carneiro, numa reunião de negros e negras do PT.
Jorge, sabendo que ela também era iniciada no candomblé, lhe propõe uma discussão sobre
seus textos e elaborações.
Encontrando-se só no Partido em Nova Iguaçu, no que se refere a tentativa de
construir associações entre sua religiosidade e a e política, ela percebe que esse movimento
de Jorge lhe daria um espaço de atuação novo, de atuação política. É aqui que se identifica
o começo das intervenções de Lúcia, no sentido de construir associações entre sua
militância política e sua condição de iniciada.
O que se vê então, é que Lúcia sempre vivia uma dualidade de presença no
candomblé e na militância, entretanto, por estar isolada dentro do partido, não encontrando
uma comunidade fixa para a prática de sua religiosidade, ela preenche esse “vazio”, no
momento em que encontra outro militante que tenta realizar uma discussão política a
respeito de sua religiosidade. A partir daí, Jorge, Lúcia e mais adiante, também Paulo
Cezar, tentam construir um novo movimento fora e dentro do PT.
Entretanto, Lúcia parece tentar construir associações entre o que ela chama de
“visão de mundo” do candomblé e utopia socialista, de forma isolada, tanto no PT, quanto
na sua vida religiosa, numa tentativa de se auto-legitimar dentro do partido com uma
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política diferenciada, para sair do isolamento em que se encontra, buscando uma base mais
sólida para sustentação de sua militância política e poder de influência.
PC, diz que não se importava com essa discriminação quando era adolescente, mas
quando não conseguia emprego, isso lhe fazia se sentir muito humilhado. Mas, PC
40
conseguiu outros empregos e na primeira oportunidade que teve, em 1979, entrou para
Universidade Gama Filho, para fazer economia, com 23 anos.
Durante seus estudos, trabalhou como Office Boy, agente de publicidade, no ramo
de Hotelaria, etc. Levando uma vida difícil ele consegue terminar a faculdade e inicia uma
outra de Engenharia econômica em 1984, terminando-a em 1988. PC tem um longo
currículo de cursos de especialização e cursos ligados a área de Marketing e planejamento
econômico.
Revela que, já cansado de sofrer preconceito racial na universidade e nos empregos
que tentava arrumar, decidiu em 1986, junto com amigos, abrir uma agência de propaganda
própria. De 1986 à 1988, trabalhou por conta própria e de, 1988 à 1993, além de sua
agência conseguiu um trabalho em outra agência de publicidade acumulando, assim, dois
trabalhos.
Devido a essa história pessoal, onde PC sente “na pele” o racismo, ele conta, que
onde morava no Andaraí, conheceu um grupo de militantes do Movimento Negro em 1980,
que fundaram o Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN) e eram filiados ao PT. PC,
expõe que foi uma grande ocasião em sua vida conhecer aquelas pessoas, porque estava
muito revoltado com o racismo que sofria, já que estudava muito, fazia cursos, mas “as
pessoas não me admitiam como um trabalhador qualificado”.
Sua história a partir daí, foi muito engajada no Movimento Negro. Ele conta que
depois que tomou consciência do racismo no Brasil, começou a fazer um trabalho junto aos
seus amigos, em algumas favelas do Rio de Janeiro.
Em 1982, esse grupo tenta eleger como vereadora, Jurema Batista, mas não obteve
êxito. Tentou novamente em 1988, com o mesmo resultado. Ou seja, durante toda a década
de 80, PC dedica sua vida à universidade e à militância do Movimento Negro.
41
PC informa um fato específico de sua vida: sua família sempre viveu entre
influências religiosas do kardecismo, umbanda e catolicismo. Segundo ele, isso vem desde
sua avó materna, que era rezadeira, fazia curas e ajudava os vizinhos, e também à causa de
seu avô paterno que era pai de santo na umbanda. PC diz que, como era muito ligado a seu
pai, quando tinha 14 anos, em 1970, se iniciou na umbanda, ficando nela até 1990, quando
entra para o candomblé. Sua passagem da umbanda para o candomblé se dá, como informa,
não por questões políticas, mas “por questões espirituais”.
PC afirma ainda que foi nesse período, junto às discussões no Movimento Negro,
que percebeu que “a umbanda significava historicamente um processo de
embranquecimento das religiões negras no Brasil”. O que segundo ele, faz parte de uma
discussão histórica do Movimento Negro acerca do sincretismo e das teorias de
embranquecimento da cultura negra. E isso porque para o Movimento Negro, a partir de
1979, com a fundação do MNU, a umbanda é identificada como uma religião sincrética que
não representa uma suposta originalidade africana pura. No entanto, essa tese não é
consensual no Movimento Negro.
Em 1992, depois de duas tentativas, o grupo que historicamente fundou o IPCN,
junto com PC, elege Jurema Batista vereadora pelo PT do Rio de Janeiro. A partir daí, esse
grupo continua a realizar o trabalho político nas favelas e periferias do Rio, com um
mandato parlamentar nas mãos. Na posse de Jurema Batista, PC se integra ao mandato
como assessor parlamentar. PC afirma que esse grupo de pessoas que ajudou a eleger
42
Jurema Batista, já no final da década de 80, tinha contatos com o Grupo do INARAB, que
fazia trabalhos políticos com as comunidades de candomblé do Rio de Janeiro. Ele ainda
diz que chegou a participar de alguns encontros do Inarab e do Cenarab, mas não era sua
prioridade de discussão na época.
Somente a partir do mandato de Jurema, ele começa a fazer uma discussão mais
sistemática acerca da importância política da “cultura africana” – como classifica as
religiões afro-brasileiras. Uma vez que durante a campanha eleitoral ele e outros militantes
pediram votos a alguns iniciados do candomblé. Em função disto e do compromisso de
Jurema com toda a comunidade negra do município, o mandato tinha que discutir políticas
públicas para esse setor.
Nesta época, PC conhece Jorge Carneiro de quem se torna amigo e “irmão”, como
diz, de santo. Começando, então, uma discussão mais sistemática, sobre as possíveis
associações entre religiosidade expressa no candomblé e na utopia socialista. O
interessante nesse encontro – entre PC e Jorge – é que ele não se deu antes, na Universidade
Gama Filho, embora tenham iniciado lá, o mesmo curso e no mesmo ano.
No mandato de Jurema Batista, PC organiza eventos que envolvem várias
comunidades de terreiro e até projetos legislativos referentes aos interesses dessas
comunidades, o que se verá mais adiante. Nesse período, PC se casa ,em 1995, e no ano
seguinte nasce seu filho, Tarik. PC fica no mandato de Jurema até 1999, quando faz um
concurso para a Secretaria de Fazenda do Estado e passa, ingressando como Agente
Administrativo.
Em 1989, PC se filia ao MNU, como relata:
“Aquele grupo que fundou o IPCN não estava satisfeito com uma
intervenção política somente a nível estadual, assim, em 1989, nos
filiamos ao MNU, para qualificar mais nossa luta contra o racismo no
Brasil.”
10 Expressão usada no candomblé quando o Orixá incorpora alguém que não é ainda iniciado.
43
conquista do poder político para todos os trabalhadores”11. A tese de S. André propõe ainda
que o congresso lance um manifesto conclamando os trabalhadores à construírem o PT e a
eleição de uma comissão para encaminhar a discussão a nível nacional. Após amplas
discussões, o PT é fundado em 10 de fevereiro de 1980.
Ao longo dos anos 80 e 90 o PT foi o partido, no cenário político brasileiro, que
mais cresceu, tanto em número de votos quanto em número de militantes. Definindo-se
como socialista desde sua fundação, o PT, em seu último congresso realizado em 1999,
ratificou sua concepção de socialismo do seu 1° Congresso de 1991:
Dentre os militantes investigados, dois são filiados ao MNU (Jorge Carneiro e Paulo
César), uma é simpatizante deste (Lúcia) e a outra não é filiada a nenhuma entidade
nacional do Movimento Negro (Mãe Beata).
O Movimento Negro Unificado ( MNU ), foi fundado em 1978 como fruto da
influência da libertação de Angola e Moçambique e da luta pelos direitos civis nos EUA. O
marco inicial de sua fundação foi uma manifestação pública ocorrida em São Paulo, um ato
de protesto contra a violência policial desferida contra negros, representada pela morte em
tortura do operário Robson Silveira Luz, assim como, contra a discriminação racial em
relação a quatro garotos negros impedidos de participarem de um time de voleibol no Clube
de Regatas Tietê. Foi uma manifestação de duas mil pessoas, em frente ao Teatro
Municipal. A partir desse episódio, foram criados vários núcleos em diversos Estados. O
objetivo desse movimento era o de desenvolver instrumentos de luta contra a opressão
policial, o desemprego e a marginalização da comunidade negra. O MNU, em 1978, passou
a organizar-se em diversos bairros e centros urbanos, realizando movimentos nas ruas para
enfrentar a ditadura militar. Seu programa básico de ação visa a desmistificação da
democracia racial brasileira; a organização política dos “afrodescendentes” para
transformá-la em movimento de massas; a busca de alianças com outros grupos voltados
para a luta contra o racismo; a organização em partidos políticos e sindicatos, além do
apoio à luta internacional contra o racismo.
Entretanto, o MNU não consegue unificar todos os setores negros em suas fileiras.
Muitos militantes o criticam por ter uma visão “estreita” ou, ainda, por ser construído a
partir de somente uma linha política, o que foi chamado de “petização”. Assim, em 1991,
foi realizado o ENEN ( 1º Encontro Nacional de Entidades Negras ), no Ginásio do
Pacaembu, em SP, reunindo basicamente os militantes que não se encontravam no MNU,
Ongs e associações negras do Brasil inteiro. Seu programa é semelhante ao do MNU,
porém, não tem como meta a criação de um “projeto político para o povo negro no Brasil”.
O MNU, posteriormente, será analisado de forma mais detalhada, uma vez que
alguns dos militantes investigados têm como forte referência em suas identidades, as
políticas que são traçadas nessa entidade.
2.4 – O Candomblé
Candomblé, casa de santo, Ilê Ayê, terreiro, é como são chamados os locais da
prática dos cultos afro-brasileiros, que proliferaram por toda parte e participam como
instituição popularmente reconhecida e incorporada no cotidiano da vida brasileira.
Foram várias as tentativas, na etnografia brasileira, de definição dos cultos afro-
brasileiros, como o candomblé e também a umbanda.
O estudo inaugural das religiões afro-brasileiras, consiste numa obra de divulgação
médico-científica escrita no final do século XIX. Trata-se de “O animismo feitichista dos
negros baianos”, de Nina Rodrigues13. Nesse livro, o autor mostrava as influências sociais
exercidas pela raça negra no Brasil, através do estudo de sua mentalidade religiosa,
considerada “patológica”, “atrasada” e “incapaz” de manipular as “elevadas abstrações”
exigidas pelas religiões monoteístas. Realizando observações no terreiro do Gantois, que
considerou como modelo para uma idéia exata do que é um templo feitichista na Bahia,
Nina Rodrigues presenciou diversos rituais e pôde obter grande quantidade de informações
sobre a liturgia e outros aspectos do culto dos orixás. Sua descrição dos terreiros foi feita
basicamente com o objetivo de confirmar suas teses do estado “atrasado” dos grupos negros
13 RODRIGUES, R. N. O animismo feitichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1935.
48
14 RAMOS, A. O negro na civilização brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1971.
15 BASTIDE, R. As religiões africanas no Brasil–contribuição a uma sociologia das interpretações das civilizações. São
Paulo: Pioneira, 1971.
50
considerados pela sociedade abrangente como marginais ou por ela excluídos, como citado
anteriormente”.16
A partir daí, compreende-se como o candomblé pode ser apropriado e utilizado
para diferentes estratégias de sobrevivência política, social, cultural e religiosa de
indivíduos e/ou grupos negros.
Um exemplo clássico dessas estratégias foi muito bem descrito por Beatriz Góes
Dantas, em seu livro, “Vovó Nagô e Papai Branco”.17 Aqui ela descreve como a noção de
tradição construída pelos terreiros – a pureza nagô – é ideológica e de diferentes
significados, fazendo parte de estratégias de sobrevivência diante da sociedade mais
abrangente.
Estudando os terreiros de Laranjeiras, cidade localizada na zona açucareira de
Sergipe, Beatriz Dantas aponta para os africanismos lá encontrados no principal terreiro
nagô, tidos como mais puros em contraste com os “toré”, misturados e em maior
quantidade, que não se revelam congruentes com aqueles da tradição nagô baiana, tão
fortemente associada, na literatura científica, as suas origens africanas. Certos ritos do
candomblé nagô baiano, como reclusão da iniciada, a raspagem de cabeça e o
derramamento de sangue sobre esta, são considerados, pelo terreiro sergipano, como sinais
de mistura, uma vez que, lá, representam práticas dos torés, classificadas como distantes da
herança africana.
Dantas conclui, a partir de uma visão dinâmica da manipulação dos acervos
culturais, que a propaganda da pureza nagô tem sentidos diversos na Bahia e em Sergipe,
construindo, portanto, uma retórica estreitamente ligada à estrutura de poder da sociedade,
a seus mecanismos de classificação da ordem social e ao papel desempenhado pelos
intelectuais e pesquisadores na incorporação dessa retórica em suas formulações científicas.
Esse estudo de Beatriz Dantas me orienta para pensar as construções de sentidos,
feitas pelos militantes investigados nessa pesquisa, pois o que eles tentam, como se verá
mais detalhadamente, é a legitimação de uma certa visão do candomblé, para uma atuação
16 PRANDI, R. Herdeiras do Axé. Sociologia das religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: PPGCS-IFCS/UFRJ, 1986.
Dissertação de Mestrado. pp. 31
17 DANTAS, B.G. Vovó nagô e papai branco; usos e abusos da äfrica no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
51
“ Eu vejo que nesta discussão não devemos esquecer que o culto dos
orixás no Brasil é diverso daquele africano, aqui existe muita
influência européia, então este é o problema. Na minha relação com
52
Um momento interessante, que foi presenciado por mim durante a pesquisa, ocorreu
no diálogo de Jorge Carneiro com uma militante do PT-RJ, não iniciada no candomblé e
com uma visão bastante “clássica”, a respeito das religiões no Brasil. Afirma essa militante,
no momento em que toma conhecimento de meu trabalho acadêmico:
“Acho que este trabalho de tese é uma invenção, porque não vejo
nenhuma relação entre a fé nos orixás e as lutas sociais. Me parece
uma coisa exótica, acho que não tem sentido”.
Ela dialogava com Jorge Carneiro, que em sua resposta foi bem enfático,
demonstrando uma clara delimitação identitária:
Observa-se aqui uma visão muito peculiar a respeito de certas noções como
hierarquia, divisão de poderes, papel político do candomblé. Na verdade, na construção da
noção de hierarquia, Jorge tem um discurso defensivo, diante dos ataques e críticas de
parceiros políticos, no que se refere à rígida hierarquia dentro de seu candomblé, pois, nas
construções que faz, a noção de hierarquia não é alvo de analogia ou associação com a
utopia socialista, mas de constante resposta às indagações dos militantes do PT, sobre os
poderes das mães e pais de santo.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, PC se expressa sobre alguns pontos
relevantes do candomblé e da política na vida dele:
E continua seu relato sobre como desenvolveu essa discussão entre candomblé e a
militância política:
PC sabe que essa sua interpretação é única, contudo, percebe-se que sua militância
política é o elemento de base para legitimá-la
Outro militante que revela uma curiosa concepção política e religiosa é Lúcia.
Vejamos o que afirma nessa longa exposição:
“Eu acho que uma Yalorixá séria deve ter uma responsabilidade
política além da religiosa. Eu não consigo separar as duas coisas,
porque numa comunidade temos todos os tipos de pessoas, que têm
relações com o mundo, isto é, não somos isolados do mundo. E digo
mais, os orixás influenciam o mundo, então por isso não podemos nos
isolar do mundo, então eu pergunto: por que não podemos fazer
política também ? Acredito que a política seja presente a cada
momento. Aqui, por exemplo, quando sentamos para discutir com a
comunidade, as tarefas, os compromissos, etc., nós estamos fazendo
política. Nunca separei a religião da política, você conhece a história
de nosso país, e sabe que os candomblés sempre se envolveram com a
grande política deste país. Porém, penso que não devemos fazer
“Penso que depois que entrei no partido acho que a religião ganhou
mais um voz para resistir contra o preconceito, a discriminação, o
isolamento. Uma coisa é muito clara para mim, depois que virei
petista: ou seja, as pessoas me respeitam não somente porque sou
uma Yalorixá mas também por que sou do PT, eu digo sempre em
todas as manifestações que sou convidada que o meu partido é o PT,
o único que defende idéias que acho que seja coerente com a minha
prática de vida, acho que não tem sentido ficarmos isolados em um
gueto, pois se não resistirmos continuaremos com nossa cultura
dilacerada”.
Jorge Carneiro narra um momento, que segundo ele, foi relevante na construção
dessas elaborações. Em Janeiro de 1991 foi realizada a Conferência estadual da tendência
interna do PT – Democracia Socialista. Nessa oportunidade se encontravam dois militantes
iniciados no candomblé ( Luiz Carlos Emílio20 e Jorge Carneiro ). Em função disso, uma
novidade dentro da tendência, o militante Marildo Menegatti fez a seguinte declaração:
Jorge Carneiro afirma, hoje, que esta foi a primeira declaração pública a respeito das
relações entre candomblé e PT.
Em Março de 1992 realiza-se uma palestra com Mãe Beata sobre Mulher e meio
ambiente no Fórum de mulheres de Niterói.
do Projeto Axé e Cidadania, isto é, um projeto que visava a organização de vários debates e
seminários em comunidades de terreiro da Baixada Fluminense, sobre cidadania e exclusão
social23.
Em fevereiro de 1999, realiza-se a Escola de Formação da Tendência Democracia
Socialista ( DS ) do PT no Rio Grande do Sul. Nesse evento, Jorge Carneiro apresenta o
documento, “Religiões de Matriz Africana na Luta Socialista” e é palestrante no tema:
“Religiosidade Africana no Brasil”. Lúcia encontrava-se presente também. Em março do
mesmo ano, comemorando o Dia Internacional de Luta das Mulheres, realiza-se o Debate
do PT de Nova Iguaçu: “Os orixás femininos na tradição dos orixás”, tendo Lúcia como
palestrante. Em junho, Jorge Carneiro inicia uma série de visitas a escolas para debater a
importância da luta pela cidadania e contra o racismo e a discriminação contra as religiões
afro-brasileiras. O primeiro evento foi no SENAI, a convite de um militante do PT.
Em julho, realiza-se o Seminário Nacional do MNU, na cidade do Rio de Janeiro,
onde se discutiu “As Religiões de Matriz Africana” e sua contribuição ao projeto político
do povo negro no Brasil. Organizaram o evento, entre outros, Jorge Carneiro e PC. Em
outubro, Jorge Carneiro faz palestra na Escola Técnica Estadual República - ETER, em
Quintino, para cerca de seiscentos estudantes, onde relatou a história dos negros no Brasil
contra o racismo e a discriminação contra as religiões afro-brasileiras.
Em fevereiro de 2000, a empreiteira LANSA e o prefeito Luiz Paulo Conde, lançam
a proposta de colocar uma escultura de Exú na Linha Amarela. Logo após, as igrejas
evangélicas começam uma campanha para impedir a efetivação da proposta e, como
conseqüência, conseguiram reverter a posição do Prefeito. Neste sentido, o PT (através da
Secretaria Estadual de Combate ao Racismo – da qual PC, Jorge Caneiro e Lúcia são
membros), lança um manifesto de apoio à proposta original.
Em maio, Lúcia organiza mais um debate sobre religiosidade no PT de Nova
Iguaçu. Esse evento fez parte de uma série de debates sobre a questão racial e o PT.
saber disso, mas não se importa e afirma que seu futuro terreiro será diferente, já que será
mais politizado. Diz ainda, “que manterá as tradições legadas pelos ancestrais do Engenho
Velho”, às quais acrescentará também elementos de organização de seu futuro terreiro, que
terá uma clara opção ideológica, a nível político.
Como veremos, seus espaços privilegiados de elaboração política se restringem a
outros espaços que não são os da sua comunidade.
Veremos nos escritos dele mais adiante que Jorge Carneiro afirma que “a
cosmologia do candomblé” promove o crescimento do Axé de todos, acumula pessoas e
não bens e que é nessa dimensão que se encontra a contradição com a sociedade capitalista
ou em suas palavras com “o padrão dominante”. Entretanto, na convivência religiosa em
seu terreiro ele é o único que pensa dessa forma. Não encontra parceiros que partilham seus
ideais e pensamentos. Apesar de, por exemplo, teorizar uma concepção de hierarquia mais
“democrática”, ele obedece todas as ordens de sua mãe de santo, mesmo que essas ordens
contrariem-no.
Por outro lado, ele é parte integrante de um grupo político que não tem nenhuma
elaboração e posicionamento sobre o fenômeno da religiosidade, pelo contrário, em várias
reuniões em que participa da democracia socialista, vimos que seus parceiros políticos
afirmam que – repetindo o chavão da esquerda tradicional – “a religião é o ópio do povo”, e
mais, que o fenômeno da religiosidade não é, e nunca foi, elemento organizador de
sociabilidade libertária.
Para enfrentar essa contradição e justificar sua adesão nos dois espaços onde atua,
Jorge inventa de forma criativa, a crítica às esquerdas dogmáticas e racistas. No candomblé,
usando sua condição de futuro pai de santo, afirma que o seu terreiro será diferente, pois
seu tempo será outro e não aquele de sua Mãe de Santo. Ou seja, parece que aguarda uma
certa liberdade da autoridade de sua Mãe de Santo para ganhar autonomia e fazer de seu
espaço religioso um espaço também político ideológico.
Acredito que Jorge ainda se encontra numa fase de transição, onde as fronteiras
entre o religioso e o político estão bem definidas, mas a partir da fundação de seu terreiro,
conquistando sua autonomia na hierarquia ritual, estas fronteiras serão bem mais móveis.
68
Paulo Cezar (PC), também revela a mesma contradição, entretanto, por não ter o
cargo de Pai de Santo, ele está continuamente limitado nas fronteiras acima citadas. PC, no
seu espaço religioso, não discute política com seus parceiros, não organiza eventos, não
questiona a hierarquia. O que faz, no que diz respeito à associação entre o domínio
religioso e político, se restringe aos espaços de sua militância. Seu espaço privilegiado é o
MNU e também quando era assessor parlamentar da vereadora Jurema Batista.
Na verdade, PC utilizava o mandato da vereadora para promover eventos, ter o
status de assessor e para conseguir prestígio nas comunidades de terreiro. PC por várias
vezes, concedeu apoio material para alguns eventos das casas de terreiro ou manifestações
públicas da comunidade afro-brasileira do Estado do Rio de Janeiro.24
No MNU, PC se limita somente a nível do discurso e da organização de festas com
características afro-brasileiras,25 pois os militantes da entidade não discutem quase nunca
qualquer intervenção ou propostas de política pública para as comunidades afro-brasileiras
do Estado.
Os eventos que PC organizou de forma mais intensa e as elaborações e propostas
onde ele tenta construir um movimento com característica político-religioso se restringiu ao
PT e as parcerias com Jorge Carneiro e Lúcia.26
Lúcia, por outro lado, enfrenta o problema de isolamento dentro do PT de Nova
Iguaçu. Ela participa do coletivo de combate ao racismo, junto a um grupo que, na
composição local do Partido, é minoritário. Nesse sentido, sua identidade é construída com
poucos parceiros de elaboração. Enfrenta a discriminação por parte de militantes do
Partido, já que é negra e candomblecista. Ela muitas vezes assume posturas de aberto
confronto com todas as outras pessoas e grupos do Partido. De uma certa forma, isso
dificulta a credibilidade de suas elaborações. Por outro lado, nos espaços religiosos ela
também enfrenta dificuldades, pois havendo uma interpretação particular dos rituais e do
24 Todos os anos, PC ajuda na organização e coordenação da Lavagem da Igreja do Senhor do Bonfin, no segundo
Sábado de janeiro e na entrega do presente de Yemanjá, em 2 de fevereiro, quando milhares de fiéis e simpatizantes de
Yemanjá saem do centro da cidade do RJ até a Baia de Guanabara entregar os presentes para Yemanjá. Em anexo alguns
ilustrações acerca destes eventos.
25 Já foram realizadas pelo MNU-RJ algumas festas de confraternização no qual o lugar escolhido é paramentado com
objetos rituais do candomblé, formando um pseudo barracão.
26 Parceirias que se expressam nos documentos comuns e na militância na Secretaria de negros do PT.
69
candomblé, nos terreiros que visita, ela expressa opiniões que não são muito bem vistas
pelo “povo de santo”. Costuma afirmar que os “orixás eu respeito muito, mas a maioria de
seus filhos são muito vaidosos e arrogantes”. Esses fatos fazem com que Lúcia se encontre
isolada na atuação política em muitos momentos, levando-a um tipo de militância e
vivência religiosa muito autocentrada.
Raramente freqüenta seu terreiro, na verdade somente em ocasiões festivas.
Costuma freqüentar mais outros terreiros e é ali que ela, mais uma vez, tenta se diferenciar,
criando concepções próprias e interpretações da prática religiosa de outros. Ela tenta
construir sua identidade religiosa através da diferenciação com os outros.
Observamos que nos seus espaços políticos ela prioriza o PT. Desde que entrou no
partido, em 1989, ela sempre acompanhou as atividades da direção do partido em Nova
Iguaçu e, desde 1994, é membro do diretório municipal, atuando, ora na Secretaria de
Mulheres, ora no Coletivo de Combate ao Racismo.
Em 1996, quando conhece Jorge Carneiro, começa a se utilizar da sua religiosidade
para atuar de forma mais diferenciada dentro do partido. Com o apoio de Jorge, ela começa
uma nova fase de sua militância, acentuando mais ainda sua “política da diferença” no
partido. Isso, de início, lhe dá mais credibilidade, seus companheiros de partido
reconhecem que esta discussão é nova, porém ela continua atuando de forma solitária. As
acusações agora, em direção aos outros militantes, são aquelas de racismo e preconceito
religioso. Mas o reconhecimento da parte dos militantes do partido em relação às
discussões que Lúcia tenta promover, não é por acaso.
Em 1996, o PT de Nova Iguaçu elege um vereador evangélico, que por sua vez
funda um núcleo de evangélicos do PT local. Esse fato dá a Lúcia os motivos mais que
necessários para reivindicar uma discussão no âmbito do campo religioso afro-brasileiro.
Como se vê, ela manipula sua diferença como iniciada no candomblé, em busca de
um espaço próprio de atuação dentro do partido, de forma autônoma, visando um aumento
de seu poder de influência sobre alguns militantes.
Por último, Mãe Beata apesar de ter construído uma referência política no Estado,
ainda mantém muitas características similares encontradas em outros terreiros de
candomblé como, por exemplo, a concentração de poderes somente em torno dela, em sua
70
comunidade. Por outro lado, se sente como mãe de todos na comunidade, expressando
comportamentos que a faz responsável por tudo e por todos, por ser a proprietária do
terreno onde se encontra seu terreiro.
Ver-se-á, então, que apesar de seu discurso democrático, socialista, ela não pode
abdicar do comando em sua comunidade. Afirma claramente isso quando diz que “somente
em uma comunidade de terreiro que tenha uma Mãe de santo de esquerda é possível fazer
do candomblé um espaço comunitário e de luta pela cidadania”. Ou seja, é uma clara
reafirmação de uma autoridade única, mesmo que essa autoridade seja voltada para a defesa
retórica de “idéias socialistas”.
À primeira vista, os discursos de Mãe Beata podem revelar um puro utilitarismo de
sua parte, ou seja, a utilização de um espaço de atuação política para ganhar notoriedade
entre o povo de santo, uma vez que se diz socialista e tem uma prática centralizadora.
Entretanto, Mãe Beata, pode ser considerada de esquerda27 porque ela ‘acredita’ que
somente o PT poderá transformar a sociedade. Mais adiante, no seu discurso político, ela se
define socialista.
Em diversas ocasiões, desde a fundação de seu terreiro, ela recebeu vários convites
da direita fisiológica da Baixada Fluminense, para ser candidata à vereadora, com todas as
despesas de campanha pagas ou para ser cabo eleitoral de partidos como o PFL, PMDB,
PL, mas ela sempre recusou, afirmando que o trabalho assistencial que realiza em seu
bairro visa a melhoria da qualidade de vida de seu povo e que, somente no PT, identificava
uma política próxima ao que ela faz.
Quando Mãe Beata chega na Baixada Fluminense para fundar seu terreiro, ela
encontra-se num dilema: como ganhar prestígio no mercado religioso, ganhar filhos de
santo, público para suas festas, diante de tantos terreiros de candomblé já constituídos na
cidade de Nova Iguaçu, alguns deles, como de Yiá Nitinha de Oxum, do Engenho Velho?
Disputar prestígio, já que ela é filha de santo de uma das casas mais prestigiadas da Bahia
(Olga de Alaketo), seria uma tarefa difícil se ela não se utilizasse de outros recursos fora do
âmbito religioso.
27 Este termo foi explicitado por Mãe Beata no sentido de se situar no campo dos partidos que defendem o fim do
capitalismo e a proposta de construção de uma sociedade socialista.
71
Isso porque, além de militarem juntos na secretaria do PT-RJ, nas suas trajetórias pessoais
(especificamente Jorge e PC), existe uma certa proximidade.
73
3.2 – Os momentos
Descrevendo as eleições de 1989, Frei Betto ainda fala sobre o significado do PT:
30 PONT, R. Breve história do PT. Brasília: Centro de documentação–câmara dos Deputados, 1992.
31 BETTO, F. Por que eleger Lula Presidente. São Paulo: Cartilha popular, 1994. pp. 24
78
32 CHACON, V. História das idéias socialistas no Brasil. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1981. Pp.56
33 BETTO, F. idem, 1994. pp 25
34 BETTO, F. ibidem, 1994. pp 25
79
por estas associações, tanto no que tange a entrada destes (Jorge e PC ) no movimento
negro quanto na aquisição de prestígio religioso ( Mãe Beata ). Suas histórias de vida são
permeadas pela presença destas associações.
No início dos anos 80, um grupo de militantes do Movimento Negro, na cidade do
Rio de Janeiro, como Jairo Pereira, Geisa de Oliveira, Ivanir dos Santos, etc conheceram
três estudantes nigerianos que se encontravam na cidade. Nesse contato, começaram a
discutir sobre a língua yorubá e sua difusão no Brasil, “de forma deturpada”, através dos
rituais das religiões afro-brasileiras, especialmente o candomblé. Na época, segundo esses
estudantes nigerianos, o yorubá não era falado de forma correta nos rituais, apesar de se ter
conhecimento de várias palavras, seus fragmentos e seus significados. Preocupados, então,
em recuperar e ensinar o yorubá fluentemente aos iniciados no candomblé, esse grupo de
pessoas decidiu organizar um primeiro curso de língua e cultura yorubá.
O início do curso, divulgado em toda a Baixada Fluminense, nas comunidades de
terreiro, foi ministrado por alguns estudantes universitários, sob a coordenação do IPELCY
( Instituto de Pesquisa de Língua e Cultura Yorubá ). Nesse curso, se encaminhava a
discussão acerca de vários aspectos históricos, políticos, sociais e culturais do processo de
marginalização das “culturas de origem africana”. Essa discussão levou a uma constatação
sobre diversos fatores que determinaram essa mesma marginalização, preconceito e
discriminação contra as religiões afro-brasileiras:
• isolamento das comunidades de terreiro e da população negra em geral do processo
decisório da sociedade e esse isolamento representa uma herança da escravidão;
• a repressão, por parte do Estado, até os anos 30, período no qual, os terreiros eram
invadidos pela polícia, objetos eram seqüestrados e os adeptos eram processados e
encarcerados;
• a continuidade da repressão de forma mais sutil, isto é, depois dos anos 40, a polícia
exigia uma espécie de registro civil para o funcionamento das casas de candomblé;
• preconceitos, estereótipos e estigmas contra as religiões afro-brasileiras, amplamente
disseminadas na sociedade brasileira;
• um novo ataque contra essas mesmas religiões, através das igrejas evangélicas e
pentecostais, expresso em muitos casos por agressão física e moral.
80
36 PEREIRA, J. Cosmovisao negra-africana e as religioes afro-brasileiras. São Paulo: Documentos CENARAB 1996.
Mimeo, pp. 4
82
estavam presentes também pessoas de outros Estados como Bahia, Minas Gerais, São Paulo
e Rio Grande do Sul. Fica claro que o IPELCY, ‘inventava’ uma política cultural baseada
nos espaços de terreiro mas, o catalisador, o fator determinante para a maioria de seus
participantes, foi a resistência e a busca de soluções aos ataques evangélicos, ou seja,
invasões de terreiros, exorcismos feitos nos portões dos candomblés, xingamentos nas ruas
quando um evangélico identificava um adepto do candomblé e da umbanda, etc. Nesse
encontro foi divulgado um dossiê, “A guerra santa fabricada”, elaborado a partir de estudos
de autores pentecostais e de artigos da grande imprensa nacional. Este, denunciava a guerra
que os evangélicos tinham declarado contra as religiões afro-brasileiras.
Nos anos 1989 e 1990 foram promovidas várias atividades de “conscientização
política” entre os adeptos do candomblé, que significava, segundo seus integrantes, debates
sobre direitos da cidadania nos terreiros da Baixada Fluminense, palestras de professores
sobre a história do negro no Brasil, a importância do voto consciente em eleições gerias,
etc. Vários documentos foram produzidos, entre os quais um dos mais importantes: “A
visão ecológica na cultura negra”37.Em 1989, com o crescimento do movimento, os
militantes do Movimento Negro, adeptos do candomblé, fundaram o INARAB ( Instituto
de Articulação das Religiões Afro-brasileiras ). O objetivo dessa associação era “consolidar
a articulação dos adeptos das religiões afro no Rio de Janeiro para reforçar a unidade
política contra o processo de marginalização social, cultural e política dos afro-brasileiros e
para garantir os direitos humanos”. Constata-se que, a resistência a que nos referimos
acima, para eles, se reveste de um outro nome: direitos humanos.
Esse movimento não se restringiu ao Rio de Janeiro, ele se estendeu a outros
Estados do país. Assim, em 13 de março de 1992 foi fundado o CENARAB (Centro
Nacional de Articulação das Religiões Afro-brasileiras). O INARAB foi, então, extinto no
Rio de Janeiro, ficando o movimento articulado com outros movimentos nacionais. O
CENARAB, porém, começou a ser articulado por alguns setores do Movimento Negro já
em 1991, precisamente em novembro, por ocasião do I Encontro Nacional de Entidades
Negras (1° ENEN).
movimento cultural e popular, que se pode evidenciar, ainda segundo Nobre, mas que tem a
ver com esses estudos, foi a transformação de comportamento da parte de diversos
militantes do Movimento Negro ao longo dos anos 80.
“Estes militantes, apesar de serem adeptos das religiões afro-brasileiras, devido ao
domínio da linguagem marxista nos discursos do Movimento Negro, tinham ‘vergonha’ de
declarar-se aparentemente ao candomblé, já que esta religião era muito estigmatizada. Em
outras palavras, eles temiam ser rotulados como ‘alienados ou macumbeiros”43. Carlos
Nobre afirma ainda que “um dos responsáveis por esta transformação da parte destes
militantes foi Jairo Pereira, fundador do IPELCY, INARAB e CENARAB”44, que
permanece como o atual coordenador do CENARAB.
Mas, segundo Jairo Pereira, ao culto dos Orixás deve-se incorporar “as lutas pela
democratização da sociedade e pela construção de uma cidadania afro sem recalque”.45 Já
que, para ele, existe cidadania “somente para os brancos”.
Isso significa, para Jairo Pereira, uma redefinição do papel do candomblé, isto é, nos
terreiros deve-se reafirmar a cidadania perdida pelos negros na diáspora, devendo-se, ainda,
combater o racismo, sendo que as comunidades de candomblé não devem deixar que os
coloquem no gueto, mas sim integrar-se às lutas populares concretas nos bairros em torno
ao terreiro e na construção de uma ética no candomblé, evitando o crescimento da
mercantilização dos cultos imposta pela sociedade capitalista. Enfim, o candomblé deveria
ajudar os iniciados a não serem manipulados pelos políticos populistas e burgueses, que
contribuem, para manter o povo fora das decisões políticas, e também para a discriminação
das religiões afro-brasileiras.
É curioso notar que Jairo Pereira utiliza categorias que nunca foram reivindicadas
pelo Movimento Negro ou pela população negra no Brasil. Categorias como “cidadania
perdida” e “ética no candomblé”, podem ser vistas, aqui ,como construções que tiveram
objetivos políticos claros: a tentativa de construir mais uma organização negra, que,
contudo, tivesse seu embasamento em construções político-religiosas.
“Mãe Beata foi muito importante neste processo todo. Foi ela
quem mobilizou algumas sacerdotisas e sacerdotes do candomblé da
Baixada para nos reunirmos e deliberarmos sobre as denúncias que
deveríamos fazer contra as invasões de terreiros por parte dos
46 Termo que segundo Jairo Pereira significava um conjunto de teorias que explica toda a realidade.
47 NOBRE C. Ibidem. 1990 pp. 3
87
Já em relação a PC, podemos verificar que quando ele nos relata sua história de
militância, através do MNU e do grupo político que participava anteriormente (o IPCN), já
existia um contato com o INARAB e, posteriormente, com o CENARAB. Entretanto, PC
nos relata que foi Jorge Carneiro que lhe passou a informação sobre as discussões do
CENARAB.
Interessado nessa história, PC começa, no mandato da vereadora Jurema Batista,
como assessor parlamentar, a promover eventos e incentivar discussões acerca de políticas
públicas para a comunidade candomblecista do Rio de Janeiro. Uma outra referência
interessante, observada nessa pesquisa, é que PC, quando visita os rituais de candomblé no
Estado, em qualquer oportunidade de discussão política com os adeptos, ele os chama para
conhecerem o mandato de Jurema Batista e participarem das discussões políticas do PT. É
dele o relato do seguinte momento:
“Me lembro que em 1995, por ocasião das comemorações dos 300
anos de Zumbi, eu estava numa festa de candomblé, e alguns irmãos
de santo meus queriam fazer um grande evento para homenagear as
mães de santo do Rio de Janeiro. Foi ai que tive a idéia do mandato
de Jurema homenagear essas Mães de Santo com a Medalha Pedro
Ernesto. Me lembro que o pessoal gostou muito, e dizia que esta
atividade poderia retomar os trabalhos do Cenarab aqui no Rio de
Janeiro. Pois o que faltava era ter pessoas no parlamento que
incentivassem um trabalho de união entre os terreiros do Rio de
Janeiro.”
têm uma história de resistência e de luta, porém esta não é contada na história oficial e nem
divulgada na grande imprensa.”49
Esses setores, que ficam fora da tradicional discussão da esquerda, “possuem formas
de ser, uma cultura, ideologia, forma de vestir-se que exprimem uma forma de
pensamento.”50 Segundo esses militantes, “a esquerda é movida pela tradição eurocêntrica
que não vê, por exemplo, na África, nenhuma contribuição à luta socialista”51. Para esses
militantes o grande desafio da esquerda e do PT “é pensar estes setores, até porque na
crise que vive a esquerda e o movimento social organizado, devemos repensar uma série de
coisas e neste repensar está incluído estes setores”.52
A partir desse seminário, foi preparado um texto para discussão sobre o Candomblé
que, um ano e meio depois, foi publicado no jornal Em Tempo53 e na revista do PT Teoria e
Debate. Esse texto foi elaborado por Jorge Carneiro, a partir de uma discussão com alguns
militantes do PT-RJ. Eles denominaram a discussão como: “os novos sujeitos na luta de
classe”. Inserindo-a na discussão sobre a luta anti-racista, segundo estes militantes, essa
luta do povo negro não pode deixar de levar em consideração as religiões de origem
africana, pois, “estas refletem uma concepção de vida, de mundo e de luta por um mundo
melhor”54.
O impacto dessa discussão e desse texto foi muito significativo no interior do PT-
RJ. Surgiram muitas discussões informais, fora das estruturas do partido, até porque essa
não era uma das prioridades de intervenção do PT. Uma outra conseqüência foi a presença
atuante dos petistas que são candomblecistas, isto é, deu-se o início da descoberta de uma
série de militantes do PT que eram iniciados no candomblé há vários anos e que, no
entanto, tinham receio de se assumirem enquanto tais, pois temiam ser ridicularizados ou
chamados de alienados. Não se sabia das suas condições de iniciados, pois eles
reconheciam que a maioria da esquerda era preconceituosa em relação às religiões afro-
brasileiras.
49 Declaração de Jorge Carneiro no seminário promovido pelo PT, sobre “Exclusão social”, 1993.
50 CARNEIRO, J. Idem. 1993.
51 CARNEIRO, J. Ibidem. 1993.
52 CARNEIRO, J. Ibidem. 1993.
53 Publicaçao da Tendência interna do PT - Democracia Socialista.
54 CARNEIRO, J. Candomblé, luta, cultura e identidade. Revista Teoria e Debate, maio 1995. pp. 2
92
Por último, esse movimento dos militantes do PT-RJ, do qual participaram também
Jorge Carneiro e Paulo Cezar, caracteriza um outro momento em que emerge a construção
de associações entre uma religiosidade expressa pelo candomblé e a utopia socialista
defendida por esses militantes.
Esse terceiro momento é um dos mais importantes, ou seja, aqui encontramos
militantes que buscam de forma mais elaborada, em consciência de causa construir uma
prática militante e uma iniciação religiosa, baseadas numa elaboração identitária que tem
uma clara associação entre utopia socialista e crença nos orixás.
Dizíamos que dos quatro militantes investigados, dois eram filiados ao MNU e uma
é simpatizante. Entretanto esta organização não é composta de uma única linha de
pensamento de ação política no combate ao racismo. Nas observações feitas percebeu-se
que Jorge e PC, como integrantes do candomblé, aliados a Lúcia ( simpatizante do MNU )
tem uma percepção diferenciada do papel da religiosidade na luta anti-racismo. Neste
sentido as polêmicas existentes dentro do MNU, no que se refere a ação política concreta e
seus significados, são percebidas e apropriadas por Jorge, PC e Lúcia a partir de uma leitura
permeada pela prática e interpretação de sua religiosidade.
O MNU (Movimento Negro Unificado) foi formado, a partir do final da década de
70, por agrupamentos do Movimento Negro que buscavam a unificação dos grupos negros
no combate sistemático à discriminação racial.
Nos dias 09 e 10 de setembro de 1978, foi realizada uma assembléia nacional de
fundação do MNU, com representantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas
Gerais e Bahia, sendo aprovada a carta de princípio, programa de ação e estatutos. Para os
fundadores do MNU, a entidade representou uma mudança completa na luta contra o
racismo, pois o Movimento Negro “deixou a forma de luta semi-clandestina dos terreiros,
93
dos centros culturais e associações, etc., para uma luta mais pública em várias cidades do
país”55.
No início de suas ações políticas e lutas, o MNU tinha como base a teoria Raça e
Classe, ou seja, “lutar contra a opressão específica sobre o negro combinando a luta contra
à opressão geral dos trabalhadores”56. Ao mesmo tempo em que se lutava contra o racismo,
se reforçava a luta de classe, a luta dos trabalhadores contra a opressão econômica e social.
Ao longo da década de 80 o MNU foi a entidade do Movimento Negro que mais
cresceu em número de militantes, chegando ao ponto de estar organizado em quase todos os
estados da federação e tendo porta-vozes representativos em vários setores da sociedade.
Contudo, na década de 90 alguns militantes do MNU começam a teorizar uma nova tática
de luta para o Movimento Negro e o MNU.
Até o início dos anos 90, o MNU se baseava teoricamente, como foi dito, na “teoria
raça e classe”, que significava em termos concretos da luta anti-racista, a intervenção do
Movimento Negro nos movimentos sociais onde o negro e sua militância é maioria e nas
entidades do conjunto da esquerda para unificar a luta dos trabalhadores em geral. Isso se
expressava na criação de coletivos negros em entidades sindicais, populares e partidos. O
MNU como organização política tinha ações e intervenções nesses espaços que unificavam
seus militantes.
Além disso, a grande tática de luta para se combater o racismo, na teoria Raça e
Classe, são as chamadas políticas de ações afirmativas, ou seja, “a necessidade de
trabalhar com as políticas afirmativas, compensatórias e reparatórias, expressa também
nas políticas de cotas, no sentido destes se constituírem em elementos mobilizadores e de
denúncias do racismo no Brasil”57. Essas políticas se resumiriam nos seguintes pontos:
• o racismo no Brasil é estrutural, tem origem histórica na formação do escravismo
colonial e este é camuflado por poderosas barreiras que deformam sua natureza e
anestesiam seu doloroso impacto. Portanto, ao se radicalizar uma exigência nas
políticas afirmativas ( proporcionalidade étnica no mundo do trabalho, nas
universidades, publicidade, etc.), como medidas de restruturação social e eliminação
55 Kilombo–Um olhar do povo negro. Tese do XXII Congresso do MNU. Salvador: 1998. mimeo, pp. 4
56 Kilombo. Idem. 1998, pp. 4
94
das desigualdades raciais, haverá uma reação hostil da elite branca, o que ajudará a
dissolver barreiras ideológicas que mistificam o racismo brasileiro;
• porque esta tática permitirá mobilizar a grande massa negra brasileira que, muitas
vezes, se reúne para eventos comemorativos, celebrativos ou denunciativos e não
reivindicativos;
• outro aspecto, seria a instrumentalização do braço institucional do Movimento Negro,
ou seja, os parlamentares e governos aliados, para implementar as políticas públicas que
visem beneficiar o povo negro;
• esta tática permitirá também a capacitação de quadros negros para implementação de
políticas públicas;
• e por fim, ter em mente que esta tática é um momento para a afirmação do nosso
projeto socialista, sendo o elemento mobilizador.
Concretamente, as políticas afirmativas se definem em: Lei de diversidades nas
empresas; Lei de proporcionalidade étnico-racial no ensino universitário, criação do fundo
nacional de políticas afirmativas, criação do Conselho Nacional de promoção da igualdade
de oportunidades, democratização dos meios de comunicação social, programa
governamental de combate às doenças comuns em afrodescendentes, etc..
Mas, a partir do início dos anos 90 um grupo de militantes do MNU, de Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, começou a questionar esta política da
entidade e, no XII Congresso da entidade, realizado em abril de 1998, lançou uma tese
chamada Kilombo – Raça e Território58, que ganha adesão da maioria dos delegados do
congresso.
Nessa tese, esses militantes questionam a política da entidade, afirmando que
chegou a hora dos militantes negros romperem com o que eles chamam de política
integracionista dos negros brasileiros. A tese se inicia afirmando que “o racismo é a
principal contradição do sistema capitalista na periferia”. Mais adiante avalia que “o
MNU foi fundamental para implementar a discussão como base à teoria Raça e Classe, ou
57 Raça e Classe. Tese do XXII congresso do MNU. Salvador: 1998, mimeo, pp. 23
58 Jorge Carneiro e PC não assinaram esta tese, mas lançaram um manifesto sobre as religiões afros no mesmo congresso.
95
seja, lutar contra a opressão específica sobre o negro combinando a luta contra a opressão
geral dos trabalhadores”59.
Segundo essa análise, essa tática deve ser superada pois, “a questão das lutas de
classe, do confronto entre opressor e dominado na periferia do sistema, tem dimensões
étnicas e raciais que os teóricos marxistas da Europa não tinham capacidade de entender”
já que “a questão racial é sempre vista como periférica graças à visão eurocêntrica dos
problemas brasileiros”60.
Para os defensores da tese, “o movimento social organizado nunca privilegiou uma
relação de aliança com o Movimento Negro, mas sempre pediu para que nós
integrássemos as lutas gerais dos trabalhadores” e assim, “nos relegando a personagens e
agentes sem história e sem projetos próprios”61.
Nessa perspectiva, se propõe um rompimento com a política de integração tanto
dentro da esquerda como fora, apontando para a construção de “um Projeto político do
Povo Negro para o Brasil”. A política de Raça e Classe, segundo essa orientação, colocava
a necessidade do negro se organizar em todos os setores da vida nacional, para lutar contra
o racismo. Porém, essa política, concluem, não é suficiente.
Essa reorientação tática do MNU contribuiu para que alguns militantes negros,
(identificados nessa investigação), começassem a pensar os terreiros de candomblé,
“enquanto território de matriz africana”, como espaços de elaboração política e organizativa
dos negros brasileiros para a luta anti-racista e como reafirmação de uma identidade
cultural e religiosa, em oposição à cultura ocidental.
É nessa perspectiva política que encontramos e observamos (num certo sentido,
dando continuidade ao momento anterior identificado por nós) alguns militantes realizando
vários debates e eventos, reafirmando na prática de suas militâncias essa reorientação
política do MNU.
Exemplos disso foram um encontro do MNU em Juiz de Fora, realizado em 18 de
outubro de 1998, onde se discutiu o Papel político estratégico das religiões de Matriz
africana; o Debate sobre cidadania e candomblé realizado no terreiro de Lúcia, em 05 de
Esse último momento é o mais elaborado, uma vez que aqui se observa nitidamente
o esforço de alguns militantes de construírem associações entre dois domínios
socioculturais diversos. Essas discussões, surgidas a partir de uma reorientação tática de
98
uma entidade negra em nível nacional, nos dão elementos suficientes para afirmar que hoje,
a partir de contextos anteriormente descritos, existem militantes que se definem petistas e
candomblecistas, e que, estes nos revelam como se dão as redefinições de identidades em
contextos históricos específicos.
Deve-se tecer ainda algumas considerações acerca desses momentos, enquanto
processo, para analisar, mais acuradamente, as construções de sentido e ressignificações
simbólicas realizadas, tanto na esfera política quanto na religiosa.
Processo complexo, envolvendo três dimensões – a posição da esquerda em relação
à religião; o movimento negro e a inserção do candomblé na sociedade brasileira, esse
processo remete às variadas discussões.
Nos anos 60, a esquerda marxista via a religião como “ópio do povo”, portanto,
alienadora e empecilho à transformação social e política. Essa visão, no que diz respeito às
religiões afro-brasileiras, pode ser exemplificada pelo filme Barravento de Glauber Rocha,
no qual são retratadas as dificuldades de um líder revolucionário em mobilizar uma
comunidade de pescadores devotos do candomblé, contra sua exploração por parte de uma
companhia de pesca.
Mas na virada dos anos 70 para os anos 80, é fundado o PT, que na sua base,
encontram-se diversos líderes religiosos católicos, que ao longo das décadas de 70 e 80,
realizaram trabalhos de formação política, através das CEBs, que contribuíram para a
formação de diversos líderes como Lula, Olívio Dutra, etc. O PT, enquanto partido
socialista, na sua origem, demarcou um corte com as concepções de que a religião é o ópio
do povo.
Michael Löwy65 conta que na década de 60, um grupo de fanáticos religiosos, numa
cidade do interior do nordeste, fizeram uma grande concentração de dez mil pessoas para
linchar um grupo de cem militantes comunistas, pois esses foram considerados “comunistas
filhos do diabo”. Esses, não tendo onde se refugiar, foram para a delegacia de polícia pedir
proteção.
64 Tese apresentada no 7º Encontro Nacional de Negras e Negros/PT, São Paulo: Outubro 1999, mimeo.
65 LÖWY, M. A guerra dos Deuses. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
99
68 Estes militantes faziam parte da Secretaria de Mulheres/PT e do Diretório Municipal do Rio de Janeiro.
69 SILVERSTEIN, L. M. “Mãe de todo mundo – modos de sobrevivência nas comunidades de candomblé da Bahia”. In:
Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, pp..25.
102
70 Cenarab. Manifesto das tradições religiosas e culturais afro-brasileiras sobre meio ambiente e cidadania. Rio de
Janeiro: Junho/1992, Forum internacional de Ongs e movimentos sociais-ECO 92, mimeo.
103
72 AGIER, Michael. Disturbios identitários em tempos de globalização. Mana, n.7/2: 7-33, 2001
73 AGIER, M. Idem, 2001. Pp. 20
105
Agier se pergunta: “qual é o processo que fez a cultura em seu contexto, quando
esse contexto está praticamente por toda parte, definindo-se enquanto um local globalizado
?”73
Nas suas diversas manifestações, para Agier, “a identidade cultural tornou-se um
lugar comum das novas formas do político, fonte de mobilização popular em zonas rurais e
urbanas...”74 Nas cidades por exemplo, as identidades se tornam “ um recurso político ou
econômico para indivíduos e redes à procura de um lugar na modernidade”75.
Neste sentido, no trabalho do antropólogo hoje, “ encontra-se muito mais
freqüentemente diante de culturas identitárias em fabricação do que perante identidades
culturais totalmente prontas, as quais ele tem apenas que descrever e inventariar”76 .
E ainda: “ a cultura declarativa torna-se o argumento da declaração de identidade...”
que para Agier é a forma de existência social da identidade hoje, pois com o fim das
“grandes narrativas”, o mundo vive uma fase de criatividade intensa formada por múltiplas
buscas identitárias, ou múltiplas formas de políticas identitárias.
Podemos dizer que Agier nos dá uma base de compreenção daquilo que Stuart Hall
afirma, quando fala da “proliferação de novas posições-de-identidade” 77.
Hall analisando os efeitos da globalização nas identidades coletivas e individuais
afirma que as identidades estão se pluralizando, “produzindo uma variedade de
possibilidades e novas posições de identificação e tornando as identidades mais posicionais,
mais políticas, mais plurais e diversas, menos fixas, unificadas ou trans-históricas”78 .
Pode-se dizer que para Hall e Agier, com o novo contexto da globalização, se estão
emergindo identidades “suspensas”, em transição, que retiram seus recursos, ao mesmo
tempo, de diferentes tradições culturais e que são produtos dos complicados cruzamentos e
misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado.
Neste sentido, a associação que os militantes investigados constroem entre a
dimensão religiosa e política nos permite vê-los como indivíduos que, inseridos numa
cultura local que tem origens e tradições, são obrigados a negociar suas identidades com a
modernidade, sem simplesmente serem assimilados por ela e sem perder completamente
seus referenciais identitários tradicionais. E que também, em resposta a experiência de
racismo cultural e da exclusão social, os indivíduos constroem uma política da diferença se
reindentificando com culturas de origem.
Porém não são somente Michel Agier e Stuart Hall que nos conduz a uma certa
leitura dessas identidades.
M. Sahlins, também num recente artigo79, faz uma reflexão acerca da flexibilidade
das culturais locais e globais, tendo como ponto de vista a permanência de culturas
tradicionais, com meios modernos, mas também eficientes à causa de uma “apropriação
instrumental e local” que a cultura global lhes oferece. Os nativos locais, continua Sahlins,
buscam objetivar suas culturas e transformá-las em fonte de reflexão.
79 SAHLINS, M. “O ‘Pessimismo sentimental’e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um objeto em via de
extinção( parte II)”. In: Mana, n. 3/2. 1997.
80 BIRMAN, P. “O Campo da nostalgia e a recusa da saudade: temas e dilemas dos estudos afro-brasileiros”. In:
Religião e Sociedade, Vol. 18, n. 2, 1997. Pp. 88
107
Sahlins, fazendo uma crítica àqueles que afirmam ser a modernização global a causa
do processo de deculturação a uma solução final, visto que os costumes tradicionais eram
considerados um obstáculo ao “desenvolvimento” e ao fim de uma cultura indígena, afirma
que “os povos que sobreviveram fisicamente ao assédio colonialista, não estão fugindo à
responsabilidade de elaborar culturalmente tudo o que lhes foi infligido. Eles vêm tentando
incorporar o sistema mundial a uma ordem ainda abrangente: seu próprio sistema de
mundo”81.
Sahlins confirma o que se está analisando aqui, quando se refere à cultura Mendi, na
Nova Guiné: “os Mendi fazem até jóias a partir do lixo europeu.” jóias que têm funções
rituais locais mas feitos com material global.
Ele afirma então que “A tradição consiste aqui nos modos distintos como se dá a
transformação: a transformação é necessariamente adaptada ao esquema cultural
existente”. E finaliza: “tudo que se pode hoje concluir a respeito disso é que não
conhecemos a priori, e evidentemente não devemos subestimar, o poder que os povos
indígenas têm de integrar culturalmente as forças irresistíveis do sistema mundial”.82
Na mesma linha, prossegue outro autor contemporâneo, James Clifford, analisando
os contatos culturais do que ele chama de modernidade etnográfica na antropologia.
Por modernidade etnográfica, segundo James Clifford83, se entende o espaço
mundial atual no qual as culturas e tradições mais diversas se encontram e se reinventam.
Esse encontro cria problemáticas complexas, porque, muito freqüentemente, os sujeitos
sociais, dentro destas relações, se encontram em uma relação de domínio uns sobre os
outros. Os traços culturais implicados nessa relação formam o conjunto cultural ocidental
das culturas, que esse mesmo conjunto cultural ocidental os submeteram e colonizaram e
que, ao entrarem em contato, produzem alguma coisa de novo.
As suas trocas não são unilaterais, mas as ditas culturas fracas reagem ao contexto
contemporâneo, reinventando a própria identidade, no aspecto individual e coletivo. Esse
fato remete às discussões dos temas da cultura ocidental, que descrevem esses povos como
últimas testemunhas de velhas e puras culturas não contaminadas e essas culturas
dominadas não têm a força de reação ao domínio das culturas fortes, por isso estão
destinadas a desaparecer. Qualquer cultura, segundo Clifford, é, pelo contrário, capaz de se
reinventar abandonando ou modificando alguns dos próprios traços originais.
No último capítulo de The Predicament of Culture,84 Clifford fala da “Identidade
em Mashppe”. Uma comunidade indígena, que depois de longas décadas convivendo com a
modernidade capitalista, utilizando hábitos e formas de sociabilidade modernas, moveu um
processo em 1977, na suprema corte de Boston, reivindicando as terras de seus ancestrais.
Em contrapartida, a suprema corte solicitou a comprovação de suas identidades indígenas.
Nessa parte do livro, aparece claramente um dos elementos fundamentais do
pensamento de Clifford, mas também a crise epistemológica que ocorre atualmente em
muitos paradigmas, inclusive aqueles produzidos pela antropologia. O tema central tem a
ver com a identidade cultural que é construída e inventada pelos indivíduos, que convivem
num conjunto de relações, valores e símbolos, local e historicamente determinados: a
história que é narrada é aquela de um grupo de índios que reivindica o direito a uma nova
identidade, ao mesmo tempo indígena e moderna.
Clifford finaliza afirmando, nesse belo livro, que: “da fragmentação e
recomposição das culturas emerge um futuro coletivo muito diferente daquele
catastrófico”. É nessa esteira de raciocínio que serão analisadas as identidades construídas
pelos militantes “petistas e candomblecistas”.
83 CLIFFORD, J. The Predicament of Culture. Cambridge: Mass. Harvard University Press, 1984.
84 CLIFFORD, J. idem, 1984.
109
“Somos um povo que temos Axé, e Axé é vida. Logo lutamos pela
vida, vida em todos os seus aspectos. Respeitamos as diferenças e o
nosso projeto, que é coletivo, só será pleno se essa máxima for
sempre observada.
Cada um de nós tem a sua contribuição a dar para a manutenção
do Axé, da vida, da sociedade, do mundo. Não existe entre nós o
princípio da exclusão, não acumulamos bens e sim pessoas, aqui
está o conflito com o padrão dominante.”
88 Tese apresentada no 7º Encontro Nacional de Negras e Negros/PT, São Paulo: Outubro 1999. Mimeo.
89 CARNEIRO, J. Candomblé, Exclusão e Luta. São Paulo: Jornal Em Tempo, 1995. Pp. 12
114
Aqui, Jorge, PC e Lúcia não usam a linguagem clássica dos militantes da esquerda,
mas resgatam a igualdade, a coletividade, a garantia de um mundo melhor, em nome da
expansão do axé.
Essas declarações e elaborações desses militantes, a essa altura dos estudos em
questão, poderiam falar por si mesmas, porém é sempre bom ressaltar que, se “AXÉ "é uma
construção coletiva em que não cabe o individualismo, e, a competição é o ponto de
contradição com o capitalismo", ele demonstra que a cultura e as identidades não formam
uma bagagem que as sociedades levam consigo e se conserva como um todo, não é algo
definitivo, mas algo que se fragmenta de diferentes modos, para afirmar identidades e
garantir interesses, sendo permanentemente reinventada e investida de novos significados90.
Esses militantes reivindicam elementos de uma “tradição” africana e as negociam,
em suas formulações, para uma nova interpretação política e a representação de suas
práticas militantes. Ou seja, para se fazer uma crítica à crise política do PT, é necessário
afirmar sua “Falta de Axé” e não simplesmente lançar mão dos recursos críticos usualmente
utilizados pela esquerda em geral.
Entretanto, essas elaborações se restringem ao espaço político desses militantes.
Pois não se encontra, em observações nos seus terreiros, que no “Axé não cabe o
individualismo”. Pelo contrário, percebe-se que existem disputas, jogos de prestígio, etc.
Suas elaborações identitárias se limitam a uma futura construção em seus espaços
religiosos (no caso Jorge Carneiro e Lúcia) e, em PC somente nos espaços políticos.
Jorge Carneiro em seu terreiro, por exemplo, limita-se ao cumprimento de seus
rituais, não promove nenhuma discussão a respeito de suas concepções políticas com sua
Mãe de Santo e seus “irmãos de axé”, o mesmo ocorre com PC e Lúcia. A única vez em
que Jorge Carneiro teve a oportunidade de “levar” uma discussão política para dentro do
terreiro foi em 1994, quando foi realizado um almoço para Lula e Bittar (este, na época,
então candidato a governador pelo RJ )91. Nesse episódio, Jorge conta que de uma certa
forma, quebrou a hierarquia no terreiro, pois Mãe Nitinha lhe concedeu o direito de enfeitar
e arrumar o barracão para recepcionar Lula e a comitiva do PT. Jorge assim explica:
90 COHEN, A. Custom and Politic in Urban africa. London: Routledge and Kegan Paul, 1969.
91 Ver em anexo reportagem da revista Manchete da época.
115
Esse evento teve a participação de Mãe Beata, que apesar de não ter feito nenhum
discurso, foi a pessoa, junto com Jorge Carneiro, que mobilizou várias casas de candomblé
a participarem do evento. Ela e Jorge Carneiro, dias antes, percorreram de carro vários
terreiros da Baixada Fluminense.
“Quando fiz minha iniciação, descobri que era de Ogum, pensava que
Ogum fosse violento, passional, guerreiro, etc., então não me
identificava porque eu sou muito calmo, de paz, enfim, tudo o
contrário. Porém, depois que descobri que Ogum é também paz,
serenidade, tranqüilidade, eu descobri isto em mim mesmo, que era
escondido, porque o orixá é isso, não somente aqueles estereótipos
que dizem por aí. Então na política eu procuro levar a sério esta
característica de Ogum, para estar sereno na minha prática política.
O exemplo que posso dar é que nesta crise da esquerda eu penso que
seja só um momento, sei que muitas pessoas estão desiludidas, saem
do PT, da militância, porém, Ogum me leva sempre adiante, porque
ele significa vanguarda, Exú é outro que me diz que estamos na crise,
mas isto vai passar, haverá outros momentos no qual superaremos a
crise, tudo se transforma, nada fica estático, eu trabalho assim. Exú
quando vê que as coisas estão andando bem demais ele cria situações
94 LEPINE, C. “Os esteriótipos da personalidade no candomblé Nagô”. In: MOURA, C.E.M. de. Ollorisá: escritos sobre
a religião dos orixás. São Paulo: Agora, 1981.
117
para que nós não nos conformemos, para nos colocar em movimento,
então é assim que vejo as coisas, o atual momento histórico que
vivemos. Eu acredito que sem Exú não existe transformação no
mundo, nas coisas.”
"eu vejo que nesta história Oxum nos dá o exemplo de como nós
mulheres temos força para transformar o mundo, para fazer valer
nossos direitos e mostrar aos homens como nós somos importantes
para a vida. Então não podemos nos deixar explorar, ser
discriminada pelo sistema machista. Acredito que Oxum nesta
história nos ensina muitas coisas para nossas lutas feministas."
Lúcia opera aqui a invenção de uma referência política sob o manto de Oxum. Se o
movimento feminista cria seus ícones e heroínas, ela inventa uma Oxum, que na terra,
inspira a luta feminista e anti-machista.
E não são apenas as histórias dos orixás que são reinterpretadas. Verdadeiras
histórias são inventadas para legitimar “a história de todo um povo de raiz africana”, no
sentido de referendar uma “nova” concepção política, como é o caso de Mãe Beata no seu
livro, Caroço de Dendê:
95 CANEVACCI, M. Sincretismi:Una esplorazione sulle ibridazioni culturali. Genova: Costa e Nolan, 1995.
119
Utilizando-se de recursos mais acessíveis para ela, Mãe Beata, cria histórias para
não somente manter uma tradição oral, mas também para legitimar uma suposta identidade
socialista, no caso a sua.
No início de 2000, uma grande polêmica se instalou no Rio de Janeiro envolvendo
as comunidades afro-brasileiras e os pentecostais: a proposta da Empreiteira Lansa, que
construiu a Linha Amarela, de colocar nessa linha uma escultura de Exú. Iniciativa apoiada
pelo ex-prefeito da cidade, Luiz Paulo Conde. Os pentecostais reagiram de forma radical,
ameaçando inclusive com a realização de uma campanha pública contrária à escultura de
Exú na Linha Amarela. Poucas iniciativas conjuntas a favor da proposta foram realizadas, e
algumas declarações de sacerdotes e sacerdotisas foram feitas nos jornais, mas, a iniciativas
mais contundente foi feita pelo PT, publicando uma nota – no Jornal do PT - a favor da
iniciativa, através da Secretaria Estadual de Combate ao Racismo do PT-RJ. Numa nota
escrita pelos seus membros, intitulada “A quem incomoda Exú”, (dentre eles, Jorge
Carneiro, Lúcia e Paulo César) afirmavam o papel de Exú:
97 CUNHA M.C. da. “Religião, comércio e etnicidade: uma interpretação preliminar do catolicismo brasileiro em lagos”
In: Religião e Sociedade. n. 1, 1977. Pp. 53.
98 TRINDADE, L. “Exú, reinterpretações individualizadas de um mito”. In: Religião e Sociedade. n. 8, 1982. Pp. 37.
124
4.3 - O ecologismo
Esse testemunho pode orientar, na leitura de que estes militantes resgatam, uma
expressão de religiosidade que tem uma profunda relação com a natureza, mas que não está
imune às transformações e reinterpretações, no contato com a civilização industrializada.
99 SOUSA JR, V. C. de - A cozinha, os orixás e os truques: entre a invenção e a recriação onde o tempo não pára...,
Trabalho apresentado no seminário temático ST03 "Os afro-brasileiros". VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na
América Latina, São Paulo: 22 a 25 de setembro de 1998. Mimeo, pp. 23.
125
100 LÖWY, M. Por um marxismo crítico. Cadernos da Tendência Democracia Socialista do PT, 1999. Mimeo.
101 Cenarab. Idem. Junho/1992.
126
Num seminário do PT, em fevereiro de 1999, Jorge Carneiro, em uma de suas falas
afirma:
projetam no futuro, na utopia, entretanto, eles sabem que não é possível, nem desejável,
retornar ao passado mítico, mas esse passado por sua vez, se transforma em uma crítica aos
processos de modernização, industrialização e desenvolvimento do capitalismo.
Enfim, eles apropriam-se de elementos culturais considerados pela literatura como
“pré-modernos”, para fazer as mesmas críticas que faz o ecologismo moderno.
4.4 - O feminismo
Para Mãe Beata, ser mulher e Yalorixá é lutar contra todos os tipos de
discriminação:
“quero deixar claro que a vida de uma Yalorixá não deve se resumir
à casa de terreiro. Ela deve realizar trabalhos sociais, culturais, de
conscientização da nossa cultura e religião. É isso o que eu procuro
fazer.”
Um dos pontos que Mãe Beata destaca, nesta discussão sobre a mulher negra, é o
processo de esterilização de mulheres que ocorre na Baixada Fluminense.
Em 1996 a organização não governamental CRIOLA homenageou Mãe Beata, num
encarte sobre a mulher negra:
“(...) ela não se contentou em apenas cuidar dos seus quatro filhos,
sete netos, um bisneto e dezenas de filhos de santo, e partiu para fazer
130
“Eu não vejo que só Oxum seja feminista ou que ela seja a mais
feminista. Oxum é muito potente porque ela há o segredo dos búzios,
teve esse poder de Exú. Porém existem outros orixás que são muito
poderosas, como Yansã, Yemanjá, Obá, etc., que para mim demonstra
como na vida as mulheres têm importância, não se pode discriminar
as mulheres dizendo que somos frágeis. Não, é também por causa das
mulheres que a vida se reproduz, se cria Axé”.
Como bem afirmou Jorge Carneiro, em um de seus artigos para a revista Teoria e
Debate do PT:
107 Cadernos CRIOLA. Encarte especial mulher negra yabá, Rio de Janeiro: Ano 2, n. 4, julho 1996.
131
De fato, a pesquisa sobre a história das mães de santo no Brasil, confirma que
muitas delas se destacaram no desempenho de suas funções e, em determinados momentos
históricos, foram perseguidas e até presas pela polícia.
Como disse Mãe Beata num desses encontros de mulheres negras:
Enfim, o exemplo que ele dá é a figura de Iyá Naso Oka, primeira Mãe de Santo do
Brasil, que segundo Jorge, teve um papel decisivo na luta dos afrodescendentes.
Mas, em relação a uma discussão mais sistemática sobre a construção de
associações entre luta feminista e o papel da mulher na “cosmologia candomblecista”, e sua
divulgação no PT, foi Lúcia que mais explicitou essa discussão.
Nos pontos anteriores acreditamos ter ficado claro como os militantes operam a
reinterpretação de elementos religiosos e as construções de identidade, baseadas em
algumas formas de apropriação política, da chamada cultural tradicional. Entretanto, para
entender melhor essas reinterpretações, é necessário identificar com quem eles estão
dialogando e com quem estão se diferenciando.
Stuart Hall, discutindo a noção de identidade na globalização, afirma que:
110 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. Pp. 14.
135
111 CARNEIRO, J. Filhos de Zumbi, Filhos de Yia Nasso. 1999. Mimeo. Pp. 2.
136
Jorge Carneiro quando fala da pratica discriminadora do PT, cita o evento realizado
na campanha presidencial de 1994, quando setores do partido, ligados a Benedita da Silva,
não concordaram em realizar um diálogo entre o presidenciável Lula e uma comunidade de
terreiro na Baixada Fluminense.
Vejam o relato de um dirigente do PT (Augusto Tadeu – amigo de Jorge Carneiro)
sobre essa polemica na coordenação de campanha de 1994:
113 CARNEIRO, J. Samba de Roda e a Militância Socialista. Rio de Janeiro: 1999, Mimeo.
114 CANEVACCI, M. ibidem. 1995. Pp. 11.
115 MARX, K. “O 18 Brumário de Luiz Bonaparte”. In: MARX, K. e ENGELS, F. Textos. Vol. 3, São Paulo: Alfa-
ômega, 1975. Pp. 198.
139
Em relação aos outros militantes, eles não fazem a mesma crítica contundente de
Jorge, entretanto voltado-se as declarações de PC e Lúcia constata-se que no texto sobre a
“Falta de Axé no PT assinado pelos dois, há críticas semelhantes as de Jorge.
Na verdade, o que eles realizam é uma tentativa de construir espaços e poder de
influência sobre outros petistas, pois não possuem os recursos tradicionais que a esquerda
tem (conhecimento teórico do marxismo, leituras permanentes de autores socialistas,
linguagem rebuscada e saber acadêmico).
Isso se evidencia na trajetória dos três militantes, pois jamais fizeram cursos de
formação política no PT, entraram no partido lendo somente as resoluções dos encontros e
o estatuto e, eles não têm o hábito de escrever documentos teóricos sobre construção
partidária ou conjuntura nacional.
Entretanto, a utilização de traços culturais do candomblé, não serve somente por
causa dos poucos espaços, que os militantes possuem dentro do PT, mas também das
manifestações de racismo que sofrem dentro do partido.
No início desse tópico, falou-se da noção de identidade que se transforma de acordo
com a forma que o sujeito é interpelado ou representado. Os militantes aqui investigados,
constroem uma política de diferença justamente por causa das discriminações que ocorrem
sobre eles.
Quando Jorge Carneiro, Lúcia e PC afirmam no documento, “Falta Axé na Política
Petista”, que o Axé é uma concepção coletiva, que constrói solidariedade de grupo, e, além
disso, que no candomblé “não existe o princípio da exclusão, não se acumulam bens e sim
pessoas e que, aqui está o conflito com o padrão dominante”, eles estão se contrapondo ao
que observamos no dia a dia de suas militâncias: a falta de espaços políticos pelo fato de
serem negros(as).
Jorge Carneiro reclama por diversas vezes em reuniões do PT, na Secretaria de
Combate ao Racismo, que suas discussões sobre negros e negras, em sua tendência, a DS,
nunca é discutida. Mostra que em vários documentos para os encontros do PT, não se
escreve nenhuma linha sobre a questão racial, que por várias vezes nunca foi chamado para
discutir com a DS a questão racial.
140
Com PC ocorrem fatos semelhantes. Ele relata que no mandato de Jurema Batista,
só era chamado para discutir a questão racial para escrever um panfleto ou outro de
campanha eleitoral, e nunca para discussões de conjuntura política, construção partidária e
outros. Ele se sentia usado e não valorizado, enquanto militante do PT.
No caso de Lúcia, ocorreram dois fatos singulares. O Primeiro foi quando propôs ao
partido investir financeiramente no coletivo municipal do PT de combate ao racismo, de
Nova Iguaçu, a direção do Partido negou ajuda, entretanto, alguns meses depois, quando o
vereador Carlos Ferreira, do PT-NI, propôs que o partido investisse financeiramente numa
festa de lançamento do núcleo de evangélicos do PT, a direção liberou a verba. Lúcia conta
que ficou muito indignada. Afirma que esse fato para ela demonstrou a discriminação e o
racismo que sofre, tanto ela como seus parceiros, na questão racial. O segundo fato foi mais
grave. No ano de 1999 ela foi estuprada quando se encaminhava para uma reunião do PT de
Nova Iguaçu. Desesperada se dirigiu a sede do Partido para pedir ajuda mas não obteve
nenhum apoio de companheiros que achava que poderiam lhe dar uma assistência. Este fato
para ela demonstrou a falta de solidariedade dentro do PT local. Ela caracteriza isto como
racismo por que, segundo seu relato, outras mulheres do PT já sofreram agressões de seus
maridos e quando essas mesmas mulheres ( Brancas ) denunciaram ao Partido, isto foi
motivo de grandes discussões nas reuniões e de conseqüência foi acionada a comissão de
ética do partido para investigar os militantes agressores.
Portanto, quando se faz a crítica às esquerdas, os militantes tentam, de uma certa
forma, reagir com seus próprios recursos culturais, criando uma política de diferença, de
acordo com a forma como são interpelados.
Os espaços que não possuem dentro do PT provém, num certo sentido, de uma
discriminação racial.
Ou seja, dos lugares onde dominam recursos simbólicos – seus espaçõs religiosos –
eles os utilizam para reverter positivamente, à ocupação de mais espaços políticos dentro do
PT e na militância em geral. Nesses, seus companheiros de militância desconhecem a
“cosmologia” do candomblé, as “raízes” africanas e “milenares”, enfim o Axé.
A partir daqui, acreditam eles, é possível construir um movimento político, anti-
racista e socialista, que não os exclua.
141
Essa afirmação é uma crítica aberta a teoria Raça e Classe, que defende como tática
de luta anti-racista, a defesa das políticas de ação afirmativa. Por que:
Segundo José Carlos dos Anjos117, angolano e militante do MNU, essa proposta de
políticas para MNU, “se baseia em análises históricas da condição dos africanos e
descendentes de africanos na diáspora”.
116 Tese apresentada no VI Encontro Nacional de Negras e negros/PT, ibidem, 1999, mimeo. Pp. 7.
117 Doutor em Antropologia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Sul.
143
Mas essa busca de uma raiz africana tem características discursivas curiosas. Uma
delas é a construção – feita também nos terreiros de candomblé desses militantes, por uma
série de iniciados – do conceito de ancestralidade.
Esta ressignificação de uma origem, para esses militantes, significa a construção de
uma nova cidadania para “o povo negro” e uma associação com a luta pelo socialismo. Pois
como afirma Jorge Carneiro:
121 SANSONE, L. O local e o global na afro-Bahia contemporânea Trabalho apresentado na XVIII Reunião anual da
Anpocs, GT. Relações Raciais e identidade étnica. Caxambu: 23-27 de novembro 1994.
122 HOBSBAWM, E.J. & RANGER, T. ibidem. 1983.
147
Isso se revela, como já foi confirmado, no uso de traços culturais, cuja semelhança
com congêneres africanos é apresentada, como prova de legitimidade política na luta contra
o racismo, e até na luta pelo socialismo.
Em nível ideológico, se apresenta uma africanidade como modelo de culto de
resistência, no qual os valores ditos oriundos da África permitem uma forma alternativa de
ser, com sinal distintivo de se socializar, de fazer política revolucionária.
Por outro lado, a noção de etnia é manipulada pelos militantes que, movidos por
interesses pessoais, buscam um espaço próprio e esboça uma resistência e uma nova forma
de atuação política e religiosa.
Se a noção de etnicidade é relacional, ela assim construída, torna-se operativa em
face da presença de outros, nos quais os militantes disputarão fiéis (Mãe Beata) ou outros
militantes para suas posições políticas (PC, Jorge Carneiro e Lúcia).
Aqui se evidencia um outro elemento, que está por trás das elaborações dos
militantes; a necessidade de adquirir mais poder de influência fora da linguagem e das
estruturas convencionais da esquerda petista.
Aproveitando-se da crise geral de referência das esquerdas, os militantes tentam
capitalizar influências, realizando determinados recortes culturais de forma seletiva. Nem
tudo é socialista e libertário no candomblé, mas somente alguns elementos. Aproveitam-se
do discurso feminista e inventam analogias e associações com o papel da mulher no
candomblé; na verdade, não é por esse papel, mas pelo fato de, por serem maioria,
realizarem tarefas e funções específicas de homens na sociedade mais abrangente.
Aproveitando-se do discurso ecológico eles operam a mesma elaboração. Com relação às
histórias de orixás, inventam-se e manipulam-se os mitos como recurso político de
referência.
Esses recortes não são por acaso, mas obedecem a uma lógica de um contexto
histórico, pois se não fosse assim, a hierarquia seria também alvo de invenções de
associações e não simplesmente de discurso defensivo quando questionados.
Essa lógica se encontra justamente nas atuais debilidades das esquerdas, nos seus
atuais pontos fracos: a prática da democracia, a falta de referenciais míticos e a emergência
de novos temas no interior da esquerda classista (o feminismo e o ecologismo). Pois, o
148
discurso da classe operária não seria mais abrangente no sentido de explicar todas as formas
de opressão existentes.
Com esses recortes seletivos, a “cosmologia africana” se transforma em linguagem
de autoridade de uma política dentro do PT e do candomblé, para conquistarem mais poder
de influência. Por outro lado, nas suas condições de negros, valorizar a África seria uma
tentativa de escamotear e combater o preconceito racial, escondendo-se sob o manto da
glorificação do africano, tornando esses militantes, sujeitos de sua história.
Dantas123, afirma que a exaltação da África foi uma produção intelectual, onde o
objetivo era tornar o trabalho intelectual mais popular e os afro-brasileiros mais respeitados
pelos poderes constituídos. Para isto, era necessário criar uma certa exaltação do exotismo
africano, dando-o maior valor na sociedade, maior autoridade política.
No caso dos militantes investigados, de forma semelhante, ou seja, através de uma
produção intelectualizada, exaltar a África é propor também uma alternativa à crise das
esquerdas e um combate ao racismo e ao capitalismo, conjugados, é claro, com seus
interesses pessoais.
A religiosidade politizada, através da linguagem, oculta a falta de expressão política
que esses militantes têm, a ausência dos recursos ( discursos com citações de teóricos
marxistas, formação política, acesso a leituras, etc. ) da esquerda convencional e, no caso
de Mãe Beata, se encobre o fato do terreiro dela ser menos antigo nas disputas do mercado
religioso do Estado.
Jorge, PC e Lúcia deram evidências sobre isso. O primeiro (Jorge) procura, através
da sua religiosidade, conquistar um espaço político dentro do PT e de sua tendência.
Percebe-se que seus textos são construções de linguagens pouco comuns na esquerda
tradicional, daí, podendo resultar, numa credibilidade e conquista de espaço, que somente
os intelectuais do PT teriam. Jorge tenta se afirmar como o intelectual desse “novo
movimento”, usando inclusive, sua condição de futuro Pai de Santo.
O segundo (PC), tendo uma vida marcada pelo preconceito racial, vai seguindo e
imitando a trajetória de Jorge, entretanto, sua meta seria muito mais o reconhecimento no
MNU e no PT do que ser um intelectual e, além disso, ao contrário do que foi sua vida
149
Conclusões
A partir daí pode-se afirmar que nenhum indivíduo ou sociedade nunca conseguiram
construir e manter a própria identidade sob uma forma de esfera compacta e inatacável. “A
bem redonda identidade”124 é uma miragem.
Se a identidade não é uma esfera compacta e imóvel, se ao invés a identidade é
continuamente negociada e, em primeiro lugar com o tempo, isso significa que os contínuos
processos de sua formação, formam também processos metabólicos, processos de
transformação e de alteração. Se ela é construída, se é uma “ficção”, se impõe a
necessidade de colher a lógica de como foi construída. Foi o que se tentou realizar no
terceiro capítulo.
É naquele contexto, de renovação política da esquerda, representada pelo PT, em
relação ao fenômeno da religiosidade, no crescimento do movimento negro e na maior
presença das comunidades de candomblé na sociedade brasileira, que permitiram o
surgimento dos militantes investigados. Apesar de não se proporem ainda enquanto um
coletivo compactamente organizado. Pois, como foi dito, existem reinterpretações
diferenciadas dependendo de suas várias modalidades de engajamento, lutas e conflitos
com parceiros iniciados ou não no Candomblé.
James Clifford, afirma que com a crise do colonialismo e o advento do
neocolonialismo, ocorre a emergência de uma pluralidade de sujeitos que querem assumir a
própria história e reafirmar a própria diferença em novos modos.
Contrariamente às previsões catastróficas projetadas pelos profetas da homologação
cultural e daqueles que choram a “destruição dos trópicos”125, o fim da autenticidade das
tradições, a perda de identidade e o fim das culturas e da história, a antropologia vê
delinear-se um contexto diverso, conflitual, no qual a formação incessante de novas
identidades, tradições justapostas e contaminações difusas, apresentam novas possibilidades
de existência.
Diz Clifford: “uma difusa condição de perda da centralidade num mundo de
distintos sistemas de significados”126. Para o Autor, a identidade coletiva hoje – ou seja, a
Bibliografia
BETTO, F. Por que eleger Lula presidente da república. São Paulo: Cartilha Popular,
1994.
_____________ Filhos de Zumbi, Filhos de Yiá Nasso. Rio de Janeiro: 1999, mimeo.
156
CHACON, V. História das idéias socialistas no Brasil. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira,
1981.
DANTAS, B.G. Vovó nagô e papai branco; usos e abusos da África no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1988.
_____________ “Repensando a pureza nagô”. In: Religião e Sociedade. n. 8, 1982, pp. 15-
20.
ENGELS F. “Ludwig Feuerbach o fim da filosofia clássica alemã”. In: MARX, K. &
ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-ômega, 1980.
FRY, P. Para Inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar,
1982.
_________ A guerra dos Deuses. religião e política na América Latina. Rio de Janeiro:
Vozes, 1999.
OZAI, A. História das tendências no Brasil. São Paulo: Proposta editorial, 1989.
Documentos Consultados:
CRIOLA, Cadernos. Encarte especial mulher negra yabá, Rio de Janeiro: Ano 2, n. 4,
julho 1996.
RAÇA E CLASSE. Tese apresentada no XXII congresso do MNU. Salvador: 1998, mimeo.
Anexos
Anexo 1
Manifesto do PT em apoio à colocação da Escultura de Exú na Linha
amarela fev/2000
(Escrita pelo coletivo estadual de combate ao racismo do PT-RJ)
Os leigos na religião dos Orixás imersos no simbolismo do mal, construídos pelas igrejas e pelos detentores do poder
durante a escravidão, diziam que Exú era princípio demoníaco da feitiçaria, da bruxaria e da maldade. Além disso, a
representação simbólica de Exú com chifres talvez possa ter influenciado, pelo ideário caricaturado das igrejas, a sua
identificação com o diabo. Esta representação, no entanto, é anterior à construção do Antigo Testamento, cujos livros
foram escritos após o Exílio do povo de Israel e que, com certeza, tiveram toda a influência dos símbolos e arquétipos
africanos.
O chifre tem o sentido originário de elevação e seu simbolismo é o poder: “farei germinar com chifre, um corno para
David”(Sl 132.17). Ele simboliza a força de Deus e evoca o prestígio da força vital (Axé), da vida inesgotável e das
grandes divindades da fecundidade.
Longe de ser o diabo, Exú é o princípio dinâmico de comunicação, da existência cósmica e humana. Ele possibilita que
as coisas venham a tornar plena a sua vida interior, responde pelo movimento da vida, introduzindo o acaso e a sorte no
destino dos homens e mulheres, rompendo os modelos conformistas do universo e nos levando a possibilidade
permanente de mudança.
Exú é a negação da negação. Ele nega os preconceituosos que negam o direito à diferença; e as instituições que negam o
direito à liberdade de expressão e pensamento; ele nega a sociedade onde o homem é inimigo do homem. Ele é rigoroso e
duro sem jamais perder a sua ternura.
Exú nos questiona constantemente a nos revelar que o mundo é produzido e que pode ser produzido de maneira diferente:
na visão de mundo de origem africana Exú é o mediador entre os deuses e os homens (o mesmo ocorre na cultura grega
com o deus Hermes) enfim, nos mostra a fragilidade das nossas tentativas de criar sistemas e estruturas definitivas onde
a vida fica limitada e sem horizonte.
Por analogia, Cristo também é avesso, como Exú, aos dogmas, preconceitos e autoritarismo que predominam as
instituições. Ele parte em busca do seu espírito de liberdade na festa do fogo, de Pentecostes, que como princípio
dinâmico continua a animar a vida dos homens e mulheres na liberdade, na ternura e na luta.
A polêmica que se instalou com a proposta da Lamsa – Empreiteira baiana que construiu a Linha Amarela – de colocar
um escultura de Exú na Linha Amarela, significa mais uma expressão do racismo e do preconceito religioso no Brasil.
A nossa Constituição, no Título II, Capítulo 1, Art. 5, P. VI, afirma: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da Lei, a proteção aos locais de culto e
suas liturgias”. Além disso o Estado e suas instituições são de caráter Laico, isto é, não religioso.
Mas a realidade que se impõe é outra. Nas escolas, nos tribunais, nas sedes dos governos, existe somente a imagem de
Jesus Cristo Crucificado. Nunca se perguntou a quem não é cristão se concorda com este autoritarismo religioso. Algum
tempo atrás até nossas moedas tinham a escritura: “Deus seja louvado”. E se houvesse: “Axé Brasil !” ?
Portanto, quando o reitor da PUC, Padre Jesus Hortal afirma, que “Para mim, Exú não tem qualquer significado
religioso. Mas pode ofender as convicções de alguém”; ou quando os plesbiterianos afirmam, através de seu Pastor
161
Guilhermino Cunha, que “É uma agressão as outras crenças”, se esta confirmando que no Brasil ainda existe
intolerância, racismo e discriminação para com as pessoas que tem convicções diferentes das religiões dominantes.
Até mesmo quando uma leitora de O Dia propõe que cada religião deva doar uma obra de arte que ilustre sua crença
para acabar com a polêmica da Linha Amarela, criando assim uma suposta Linha Ecumênica, se está reforçando a
mesma intolerância religiosa. Pergunta-se: por que não fazemos então um Corcovado Ecumênico ?
A polêmica da Linha Amarela revela a continuidade da tentativa de destruição e desqualificação dos cultos de origem
africana. Os cultos dominantes, que destruíram as culturas africanas e indígenas em nome de Jesus Cristo, exterminaram
milhões de seres humanos.
Portanto, nós, militantes do PT, somos a favor da colocação da escultura de Exú na Linha Amarela. Pois esta dará
visibilidade a uma cultura milenar dos povos africanos e seus descendentes no Brasil. Cultura esta muito mais antiga que
os povos que deram origem ao cristianismo.
A escultura não representa uma agressão às pessoas de outras religiões, mas uma afirmação que no Brasil existem
diferenças culturais e religiosas, um princípio que nos orgulha muito, pois essa diversidade é enriquecedora.
Não podemos reviver situações de intolerância, preconceitos e discriminações como existiu na Europa nazista e fascista.
Somos um povo que cultua a democracia e a pluralidade cultural.
Nós do PT sempre criticamos a intolerância e o racismo, preservamos o que há de mais rico em nosso povo: a
democracia e o respeito pelas pessoas que pensam, oram, dançam, cantam e se vestem de forma diversa.
Anexo 2
Sobre Zumbi todos conhecemos todos conhecemos a sua histórica luta em Palmares, mas é sobre o papel dessa
grande Mãe-iyá Naso que queremos falar e refletir um pouco, e que na verdade, tem muito haver com uma alternativa ao
poder vigente.
Quando simbolizamos a figura de Iyá naso Oka, na verdade também estamos falando da mulher negra e na sua
decisiva e importante participação na luta dos afrodescendentes.
Iya Naso Oka é a fonte do axé no Brasil, fundadora da casa de Candomblé mais antiga em nosso país, e a
instituição negra mais duradoura na nossa história, a Casa Branca do Engenho Velho – Salvador. Iya iniciou um
processo que se mantém forte e que estamos dando continuidade até hoje e, com certeza, continuaremos a dar
prosseguimento.
Até hoje temos procurado manter a tradição dos Orixás, tal qual ela nos ensinou e isso nunca foi uma tarefa
fácil, pois sempre representou um enfrentamento com a ideologia dominante e o pensamento dogmático, sobretudo
judaico cristão.
Com humildade mas com determinação procuramos passar para o conjunto da sociedade essa visão de mundo
das comunidade de terreiros que representam espaços de resistência e opção ao padrão dominante.
O que Iyá Naso e os nossos ancestrais nos ensinaram é que temos condições de construir uma perspectiva
diferente dessa dominante que está colocada para nós.
Somos um povo que temos axé, e axé é vida. Logo lutamos pela vida, vida em todos os seus aspectos.
Respeitamos as diferenças e o nosso projeto, que é coletivo, só será pleno se essa máxima for sempre observada.
Cada um de nós tem a sua contribuição a dar para a manutenção do axé, da vida, da sociedade, do mundo. Não
existe entre nós o princípio da exclusão, não acumulamos bens e sim pessoas, aqui está o conflito com o padrão
dominante.
A nossa perspectiva é uma visão integradora natureza-homem, daí a nossa profunda visão ecológica.
Acreditamos no pleno desenvolvimento do ser, no auto-conhecimento e na autonomia de cada um.
Os elementos apontados acima representam um pouco do que o nosso povo é capaz na construção de um
projeto alternativo do povo negro. Somos sujeitos participantes legítimos na construção nacional. Em vários momentos
podemos identificar essa intenção tais como: Palmares e vários quilombos, Canudos, a Revolta dos Malês, A revolta dos
Búzios, as comunidades de terreiro, as escolas de Samba, os Afoxés, a capoeira, etc.
A esquerda no Brasil está desafiada a conhecer o seu povo e a sua história, em particular a história e a
trajetória dos afrodescendentes no Brasil.
A gente só tem capacidade de transformar aquilo que conhece. De certa forma a esquerda brasileira reproduz o
preconceito, o estereótipo, a discriminação em relação ao povo negro. Acreditamos que essa relação se dá muito em
função de um condicionamento ideológico.
Mesmo estando na esquerda e acreditando no socialismo muitos dos nossos companheiros adotam posturas e
comportamentos que reproduzem a ideologia racista entre nós.
São questões sérias para serem debatidas entre nós, isto é, no conjunto da esquerda. Outra crítica que fazemos
a esquerda e o seu condicionamento e de certa forma a sua visão prisioneira em relação ao eurocentrismo. Com isso
desqualificando toda e qualquer contribuição na luta pelo fim das opressões.
A esquerda nunca deu a devida importância a luta do povo negro em nosso pais e as formas de como essas
lutas se processaram. As vezes tem a mesma visão da ideologia dominante achando que somos fundamentalmente um
grande elemento folclórico.
Não percebem que na nossa perspectiva fazemos a nossa luta cantando, sambando, batendo tambor, fazendo
poesia, seduzindo, sobretudo através do corpo. É outra forma de fazer política e acreditar na transformação geral da
sociedade.
Fica a crítica e o questionamento a esquerda e gostaríamos de refletir essas questões com o conjunto da
esquerda até porque também fazemos parte dela e somos revolucionários.
Temos certeza e confiança na contribuição que podemos dar na construção do socialismo e de uma sociedade
com oportunidade para todos. Garantir cidadania para todos hoje não deixa de ser uma luta revolucionária,
consideramos um avanço na organização do nosso povo.
Mojubá Iya Naso Oka
Mojubá Zumbi
Mojubá à todos nossos ancestrais.
Mo dupé
Jorge Carneiro de Macedo
163
Anexo 3
Com o objetivo de socializar e fomentar Políticas para as candidaturas negras do estado e reconhecer como
fórum legitimo de desenvolvimento e participativo para estas candidaturas, foi instalada no sábado dia 03 de Junho de
2000, as 09 horas, o seminário Eleitoral de candidaturas negras e militantes de combate ao Racismo, com participação
dos Palestrantes e convidados para este debate. No sentido de achar de vital importância para esta setorial e partido qual as
políticas que devemos aplicar em nossas administrações.
Estiveram Presente neste evento 38 pessoas que priorizaram o debate e se propuseram, colaborar, com esta
discussão mostrando o compromisso de fato com esta setorial, acreditamos que estes companheiros querem desenvolver
sim um debate mais aberto e coletivo, avaliando assim quem tem discurso e pratica dentro desta setorial, não adianta
termos o discurso de que temos que cobrar do Partido se quem esta inserido neste debate não priorizou este trabalho, que
de fato quem contribui para este evento tem sim responsabilidade com a setorial e quer fazer crescer e descentralizar para
o interior o debate das lutas dos movimentos que dirigimos, acreditamos que as candidaturas que estiveram presente neste
Seminário e ajudaram a construir, são as que tem compromisso de verdade com a questão da Luta de Combate ao
Racismo .
Apesar dos contra tempos, tendo adiado o ato de abertura para Sábado pela manha, por entender a dificuldade
do pessoal do interior, que chegaram pela manha, lembramos que estiveram presente para o ato de abertura na Sexta feira
a noite, o Presidente Estadual do Partido dos Trabalhadores Júlio Quadros, o Secretario Nacional de Combate ao Racismo
Carlos Porto, a companheira Marlise Fernandes foi avisada pela troca de horário para Sábado do ato de abertura das
atividades, mas estava preparada para contribuir com a construção do debate do seminário.
Agradecemos a compreensão e dedicação destes Dirigentes pelo incentivo e comparecimento a atividade desta
Setorial, é clara a preocupação e vontade de que esta setorial cresça e tenha junto do Partido uma intervenção
responsável, junto aos militantes e candidatos que representam a questão racial de fato.
Candidato a Prefeito: Edson Portilho - Sapucaia
Candidatos a Vereadores que estiveram presentes ao Seminário:
Palestrantes:
Adriano Bueno - Coletivo Nacional de Combate ao Racismo
Almira Maciel - Coletivo Nacional de Combate ao Racismo
Fernando Moreira - Instituto Brasil África.
Jorge Luís Carneiro - Secretario Estadual de Combate ao Racismo PT/RJ.
Jorge Luís Nascimento - Movimento Negro Unificado.
Jorge Senna - Secretario Adjunto de Combate ao Racismo PT/RS.
Karla Cristiane Gomes Xavier - Juventude Negra - Mov. HIP HOP
Maria Conceição L. Fontoura - Coletivo de Combate ao Racismo PT/RS
Sebastião Arcanjo - Vereador da Cidade de Campinas - SP.
Stenio Dias Pinto Rodrigues - Assessor Sindical da Sec. Estadual da Saúde.
164
Religiosidade
Apresentamos como proposta de debate para as candidatura negras e de Combate ao Racismo desenvolver na
sua candidaturas, a visão de mundo africano, como forma de organização Política para as comunidades negras.
Se desenvolvermos a analise, do projeto político da sociedade socialista, esta visão tem muito a contribuir para a
pratica da política que queremos implementar para militantes de combate ao racismo e outras forma de opressão, para
trabalharmos um dialogo com a comunidade fora do partido e que militam no movimento negro, acreditamos que a visão
de mundo africano na sua forma de se organizar e na sua forma de funcionamento.
Uma das organizações que se apresentam como exemplo de coletividade são os terreiros de candomblé ou como
falamos no Rio Grande do Sul de terreiros de batuque, se avaliarmos ela como uma organização política Social , esta
apresenta sinais de construção de um raciocínio político, na sua forma coletiva de trabalhar, a relação que fazem com o
sagrado e com o espaço social. Neste espaço as pessoas se interagem e organizam na forma de buscar a igualdade entre
todos.
Mas o poder dominante racista sempre apresentou como um movimento folclórico e cultural ou como seita da
comunidades negras.
Se estudarmos os movimentos que se deram, nos cultos aos orixás, que esta cultura milenar apresenta, e
desenvolvermos um raciocínio político, podemos detectar um processo político de formação e consciência de uma
comunidade, onde todos são iguais homens e mulheres, quando passamos a estudar o panteon dos orixás, esta se apresenta
da mesma forma, onde nenhum orixá se sobrepõe ao outro, cada um tem uma função e significado.
A maneira que se expressam e se organizam para sua reuniões, sempre desenvolveram em rodas, onde todos
podem ver os movimentos por inteiro e assim fazem suas intervenções e movimento através do histórico de seus orixás.
Mas a sociedade Burguesa cristã sempre apresentou sua resistência e seu preconceito ora por ser uma religião
primitiva, ou de negros ou de predominância de homossexuais, vulgarizando assim suas praticas, podemos afirmar que
nesta religião, através do respeito do direito dos que nela convivem, se desenvolve muita política.
Resgatando o histórico das forma de organizativas africanas como elemento de participação popular, até mesmo as
organizações de quilombo que até os dias de hoje se expressam nos remanescentes de quilombos, que existem no Brasil,
podemos constituir ao afirmar esta formação de concepção, o resgate da cidadania étnica nestes espaços apresentam o
respeito entre os sujeitos que nela convivem homens, mulheres e crianças estão sempre presente e gravados no histórico
de cada orixá, com esta analise podemos avaliar que cada ser tem sua potencialidade de conter consigo um axé dos orixás
basta desenvolver, seja ele branco ou negro ou de outra etnia.
Podemos então detectar que neste universo religioso, estão presente os elementos que se trabalha dentro do
sistema de opressões, na busca de desconstituir as praticas e preconceitos que existem no meio social, que foram
constituído pelo capitalismo durante séculos, tendo como conseqüência racista e preconceituosa a opressão sobre os
terreiros de umbanda e candomblés no Brasil, o poder de cada axé desenvolvido pelos escravos assustavam os senhores.
Estudando os cultos da umbanda, também localizamos a pratica do internacionalismo da classe trabalhadora, os
negros que aqui chegaram seqüestrados do seu território, absorveram aos seus cultos as divindade indígenas, por
identificar nos ancestrais indígenas, elementos que contribuíam para uma integração entre etnias que sofriam o mesmo
165
tipo de discriminação ora pela igreja e pelos colonizadores europeus, mas por querer acumular riqueza e expandir o
catolicismo, a igreja intervém no processo, degenerando e desqualificando a pratica destes cultos.
O movimento negro, com dificuldades de fazer esta leitura, do modelo de organização política, não consegue
entender de que a luta dos escravos foi por que esta cultura prevaleceu como forma de resistência, ora por ter na sua
formação e educação acadêmica oficial, baseada na estrutura eurocentrica, deixando de lado a visão de mundo africano.
Podemos afirmar que o papel do militante negro e de seus parlamentares, é que encontre uma relação destes
elementos, na sua plataforma, mas como um meio de política afirmativa dentro da realidade das comunidades negras.
Anexo 4
1ª CENA
Maria Aparecida, a Cida, foi criada na favela, tem 28 anos, solteira, mas com 2 filhos. Viveu sempre uma vida
difícil, trabalhando desde os 12 anos e não gozando muito dos prazeres da vida e dos divertimentos da comunidade onde
mora. Tendo que sustentar os dois filhos sozinha, pois órfã de pai e mãe, Cida é uma mulher negra, tímida, de sorriso
difícil de se cativar. Talvez seja porque a vida ascética de trabalho, não a permite, e também é claro, uma preocupação
constante com os futuros dos filhos.
Os seus dias passam, entre a casa e os bicos que arruma na cidade e na favela. Desde lavadeira, passadeira até
costureira, etc. Com muita força de vontade ela segue rumo aos seus únicos objetivos de vida: construir um futuro melhor
para seus filhos e evitar as doenças.
Cida não pertence a nenhuma religião, nunca foi batizada e nem nunca teve interesse pelas igrejas ou a
comunidade de terreiro perto de sua casa. A vida dura a faz muito cética em relação as forças transcendentes que a possam
ajudar. Confia nela mesma e toca a bola pra frente.
Mas certo dia, encontrou um trabalho interessante na cidade através dos jornais que ela comprava todos os
domingos - exclusivamente para ler os classificados.
Um restaurante italiano precisava de um cozinheiro, que soubesse fazer comidas populares. Ela resolveu ver o
emprego, pois no anuncio dizia que o salário era bom. Porém a coisa que a interessava é que ela como Baiana, herdou de
sua mãe, a sabedoria de todos os pratos típicos do nordeste e assim resolveu fazer o teste e disputar a única vaga entre
mais de 200 cozinheiros profissionais.
Cida sabia que não tinha muita chance, porém resolveu arriscar. Pois sendo negra, favelada e mulher, apesar de
sua beleza e corpo de top-model, era difícil entrar em espaços tipicamente europeu e Branco. Assim ela resolveu, no teste
que o restaurante pediu, fazer um prato típico da Bahia: o Acaçá ( na verdade sem que Cida soubesse essa é uma comida
essencialmente usada nas comunidades de candomblé, como a comida de Oxalá ).
Para a surpresa de Cida entre os concorrentes ela tirou o primeiro lugar. Alegria geral entre os seus vizinhos,
Cida pela primeira vez, foi reconhecida pelo seu talento culinário.
Começando a trabalhar no restaurante, suas comidas começaram a fazer muito sucesso. Na cidade se começa a
espalhar a voz de que no Restaurante dos Italianos se fazem as melhores comidas Baianas. Os turistas também
espalhavam as vozes, e assim em menos de um ano o restaurante dos Italianos era conhecido em toda a Europa e nos
EUA.
O proprietário do Local, resolveu ampliar os negócios, além de restaurante queria construir um local de dança, pois
sabemos o quanto o Brasil lá para os turistas é famoso pelas suas danças, principalmente o Samba. E este, com o sucesso
166
das comidas de Cida, pediu o seu apoio para organizar o setor de danças populares. Mas ai pintou o primeiro problema:
Cida com a vida ascética que sempre viveu, não sabia dançar nada. O que fazer então.
Cida não querendo decepcionar seu patrão resolveu procurar os grupos de pagode da favela e os vizinhos para
ajuda-la. Com isto, sem que Cida se dê-se conta, ela começava uma vida comunitária que nunca imaginou ter.
Os grupos de pagode já a conheciam e os vizinhos aceitaram ajudá-la. Porém os grupos de pagode, além de estarem
interessados em trabalhar no restaurante, queriam que Cida aprendesse a dançar. Sabiam que ela era filha de Baiana e
como negra não poderia não saber dançar.
Cida relutou, era tímida, não conseguia mexer os quadris nem quando caminhava normalmente. Porém os
amigos da favela aos poucos conseguiram que ela começasse a freqüentar as festas e as rodas de samba.
Indo freqüentemente ao samba de roda, ela aos poucos conseguia aprender a dançar. Mas isto demorou muito.
Mas o povo pagodeiro e sambista tinha paciência. O melhor jeito para ensiná-la era desinibí-la com muita naturalidade. E
nada mais perfeito que o Samba de Roda, onde todos devem dançar, mesmo aqueles sem ginga, sem rebolado, como Cida.
O samba rolava todos os finais de semana na favela, e para ajudar Cida a dançar, todos entravam na dança.
Alguns desajeitados, outros exímios bailarinos e Cida, que não sentia vergonha de dançar, na frente de tantos bailarinos,
pois a emoção que sentia em participar, sem ser obrigada, era maior que a lembrança de sua vida ascética.
Os grandes mestres da dança no morro - muitos deles analfabetos, marginais perseguidos pela policia, pessoas
pobres, etc. - seduziam Cida com belíssimos movimentos de seus corpos.
No meio da roda, Cida, os bailarinos e outros formavam uma grande alegoria de jubilo intenso, o mais importante era
bailar juntos, sem se importar se alguns sabiam ou não dançar como os bailarinos. Estes na verdade encantavam mais do
que ensinavam aos outros. E assim em pouco tempo Cida se tornou uma grande dançarina, uma negra que da muito
orgulho a sua comunidade.
2ª CENA
Tião era um rapaz tímido, 22 anos, toda a sua família era membro de uma comunidade de terreiro - Candomblé - e ele
naturalmente freqüentava todos os ritos e festas dos orixás.
Mas, apesar de ser muito tímido, Tião tinha uma enorme vontade de entrar na roda, no xirê - como é chamado o primeiro
momento de uma festa de candomblé.
Um dia um orixá incorporou uma das filhas do terreiro. Era Ogum, o orixá dos ferros, o abridor de caminhos, o
guerreiro. Ogum lhe disse que compreendia a sua timidez, mas que ele não deveria temer os olhares de seus irmãos da
comunidade, pois todos ali, só aprendem a dançar dançando.
Mas Tião não se impressionou com Ogum. Sabia que era muito difícil para ele entrar com os outros no xirê. Porém, certo
dia Ogum retornou e no meio do xirê, pegou Tião pelo braço e o levou a roda. Tião constrangido começou a chorar. Não
podia fazer esta disfeita ao seu orixá, mas ao mesmo tempo começava a sentir uma emoção muito forte, incontrolável, de
prazer, pois estava realizando, apesar de sua timidez, um grande sonho.
Depois desta festa de Ogum, e durante os 12 meses sucessivos, os outros orixás que baixaram no terreiro, chamaram Tião
para entrar na Roda, todos eles, Oxossi, Yemanjá, Omulu, Yansã, Oxum, Oxumaré, Nanã, Xangô, Oxalá, Ossaim, Obá e
Exú. Depois de um ano Tião perde a timidez e em todas as festas ele dança tão bem como seus irmãos e filhos de santo da
comunidade.
Tião diz que, apesar de ser obrigado a dançar com Ogum na primeira vez, se sentiu mais a vontade com os outros orixás.
Diz que o xirê não o faz sentir vergonha e que apesar de não ser iniciado ao candomblé, ele se sente bem junto aos Orixás
e seus irmãos.
Para ele o xirê o faz um membro da comunidade, o faz membro de uma grande comunhão, pois aprendendo a dançar
naturalmente com os Orixás, ele se sente importante para todos, o estimularam a vencer a timidez espontaneamente. Nada
mais prazeroso para ele do que aprender as danças do xirê, dançando. Mas a dança não a faz aprendê-la por si só, o que
ele aprendeu também foi a cosmologia do mundo afro-brasileiros, se integrou ao grupo comunitário através da expressão
de seu corpo.
Cida e Tião, duas pessoas simples, humildes, com poucas ambições na vida, mas que conseguem realizar seus sonhos com
a força do encantamento dos amigos e parentes.
Nestas duas histórias vimos um caso típico na cultura dos afrodescendentes que nos revela, e num certo sentido,
se contrapõe a alguns métodos de construção política da esquerda no Brasil e no Mundo. O samba de roda e o xirê são
dois aspectos da cultura dos afrodescendentes com um significado muito claro na perspectiva de construção de uma
sociedade extremamente participativa e integradora. Na verdade a visão de mundo africana faz esse chamamento
participativo e isto é uma constante.
O que nos propomos neste artigo é uma analise das contradições entre os propósitos de construção dos objetivos
políticos de certos setores da esquerda e a sua prática cotidiana de democracia.
Porém, antes de mais nada, queremos afirmar que não se tratará de uma crítica destrutiva, com o intuito de
infamar a esquerda e desqualificá-la, como fazem hoje muito bem os neoliberais e a direita. O que nos propomos a fazer,
como estudiosos da cultura negra, é identificar os limites e a ineficiência da esquerda quando identificamos discursos
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contrapostos a práticas. Limites que inconscientemente toma corpo mesmo naqueles setores e indivíduos identificados
sem sombra de dúvidas como revolucionários, socialistas e comunistas.
A construção de nossa análise passa pela descrição de alguns momentos cotidianos da esquerda brasileira e a
identificação de suas contradições internas.
Por outro lado identificaremos como as praticas culturais de origem africana, se qualificam enquanto uma
possível crítica as práticas políticas viciadas da esquerda brasileira.
A PRAXI INVISÍVEL
É comum na esquerda brasileira reuniões nas quais existe um (a) palestrante e uma platéia de militantes. Esta
prática é muito comum inclusive na esquerda mundial.
Porém o que identificamos como mecanismos invisíveis de contradição entre prática e discurso, é que nas
dinâmicas destas reuniões o que ocorre é uma hipervalorização da competência subjetiva diante de uma pretensa platéia
não especializada. Ou seja, uma maneira muito sutil de limitar a participação democrática das pessoas.
É certo que existem grupos que consentem a livre expressão e organização de divergências, mas na prática que
descrevemos se conserva uma dinâmica elitizada, onde o confronto ocorre entre lideranças que “possuem” conhecimentos.
Nestas reuniões onde se encontra um dirigente de partido, sindicato, etc., este detém a palavra no inicio e no fim
( a réplica ), a platéia pode até contestar, mas sempre, ao final, a replica prevalece.
Sem contar que nestes encontros, somente os mais experientes na militância falam, não estimulando os mais
tímidos, pelo contrário inibindo-os com grandes citações teóricas, que são geralmente mulheres, trabalhadores manuais,
ou jovens. Enfim o que ocorre freqüentemente são momentos onde poucos falam de maneira até repetitiva e logorréica.
A lógica que prevalece é uns que falam muito de democracia mais que ocupam grande parte do tempo das
reuniões, não permitindo o desenvolvimento oratório ( e não só ) dos menos experientes. Enfim uma democracia formal
mas que nas sutilezas cotidianas fortalecem o militância de elite, ou na linguagem mais comum, os “capa pretas”.
Uma outra conseqüência destes tipos de reuniões ( pequenas ou grandes ) é a posição da mesa que dirige os
trabalhos. Como numa organização militar ( diferente do Samba de Roda), existe a mesa e a platéia.
Pode parecer um elemento organizador de debates muito natural, mas o simbolismo de poder que a mesa
confere, nunca foi discutido pelos famosos métodos de construção da militância socialista.
A simbologia da verticalidade é que prevalece. A mesa organiza, dirige os trabalhos ( coisa muito natural se
pensarmos nas acirradas disputas da esquerda contra o status quo dominante ), porém a centralidade da mesa confere a
quem está nela uma capacidade de manobra quase incontrolável. Controle de inscrições, de tempo e até da centralidade do
espaço da reunião, ou seja, uma grande oportunidade de cultivar o personalismo.
Ao final o discurso, a democracia interna soa de forma brilhante, mas na verdade ela não acontece de fato, não
se limitam os faladores para incentivar os mais tímidos e inseguros, não se cultiva o espirito coletivo, mas a dinâmica de
disputas entre lideres.
Uma outra contradição que existe entre o discurso de esquerda e sua prática, é o fato de delegar poderes de
direção sem o devido aprofundamento dos riscos que isto ocorre. Porém antes de analisá-lo queremos ressaltar que não
entraremos no mérito se delegar poderes é justo ou não, democrático ou não, enfim, se é necessário ou não. O que nos
interessa é constatar que nesta prática comum na esquerda não se percebe e não se discuti as sutilezas da concentração de
poderes.
O que ocorre muitas vezes é que parlamentares, dirigentes de partidos, representantes de base, se eternizam nos
cargos de delegação. O espirito cotidiano é “sou delegado(a)” e não estou delegado(a). Neste sentido se desenvolve um
pequeno grupo de direção que obtém muitas informações, contribuindo para sua formação política. Diz o ditado que saber
é poder.
Sendo assim a distorção na construção da democracia dentro de partidos é muito grande, apesar de todos os
mecanismos estatutários ou programáticos.
Ao nosso ver o circulo vicioso deste aspecto se constitui da seguinte forma: em um grupo existe obviamente
pessoas com formação política diversa, para se resolver isto e chegar a um proposta comum, se discuti democraticamente
as questões, logo em seguida se elege um corpo dirigente. A direção será responsável por encaminhar as políticas
cotidianas deste grupo ( seja partidos, correntes, etc. ). Mas é aqui que começam as sutilezas.
Este corpo de direção obtém, no embate político, muitas informações, acumula experiência, obtém contatos com
varias pessoas e situações e assim se legitima diante da base por ter uma visão mais global das “lutas”.
O que ocorre geralmente quando chega os sucessivos congressos, encontros, etc. para renovar as direções, é uma
direção que acumulou experiências e que diante de sua base se repropõe enquanto direção. Mesmo incorporando pessoas
novas ( pouquíssimas ), esta direção acumulará mais autoridade política, e assim começa-se a criar a distorção, ou o
abismo entre os que sabem e os que não sabem, os que tem experiência e aqueles que não tem, os que desenvolveram sua
capacidade oratória e aqueles que se sentem inseguros ou tímidos diante de “grandes quadros”.
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A PRAXI VISÍVEL
Todos os esforços que a esquerda realiza no sentido de construir mecanismos de democracia tem o objetivo de
edificar, antes da tomada do poder, um modelo de nova sociedade.
Entretanto, como vimos, existem mecanismos invisíveis que não permitem uma total assimilação desta proposta
democrática de sociedade.
Porém, como vimos no início deste artigo, a dinâmica das culturas negras, de origem africana, nos revela uma crítica, ao
nosso ver, mais radical que todas as tentativas europocêntricas de superar estas debilidades da esquerda brasileira.
O Samba de Roda, o Xirê e as danças africanas, nos permite e exibe um outro método de convivência democrática entre
pessoas e grupos.
Samba de Roda é um folguedo e uma herança da época da escravidão, constituído de danças, passos muito
requebro, umbigada e cantoria. O ritmo é marcado por atabaques, pandeiros, berimbaus e batidas de palmas.
No Recôncavo Baiano o samba de roda é uma forma típica de samba, geralmente dançado somente por
mulheres, cuja coreografia se desenvolve no círculo de participantes, tendo ao centro uma solista, que executa
movimentos ágeis e graciosos, acompanhados de instrumento de percussão e de palma
A dança de Umbigada é definida pelo escritor português Alfredo Sarmento da seguinte forma: "num círculo
formado pelos dançadores, vai para o meio um negro ou uma pessoa negra que, depois de executar vários passos, escolhe
uma pessoa e dá-lhe uma Umbigada, a que chamam de Semba. A pessoa que toma a Umbigada substitui a outra no meio
do círculo".
A dança de Umbigada possui o mesmo sistema das rodas cariocas de Pernada, nas quais forma-se também um círculo,
depois o dançador fica sambando no meio da roda até tirar outro para dançar com um suave toque de perna, se o Samba
for leve, ou com uma pernada, se o Samba for pesado.
Um dos aspectos mais relevantes do Samba de Roda africano é o erotismo. É uma dança essencialmente lasciva, acentua
Alfredo Sarmento, que diz: "Entre o gentio do Congo, o samba de Roda e o Batuque são uma espécie de encenação em
que o assunto obrigatório é sempre a história de uma virgem a quem são explicados os prazeres misteriosos que a esperam
no casamento".
Nestas manifestações culturais, se expressa uma visão de mundo muito peculiar dos afrodescendentes na
diáspora. Ou seja, a dança negra é um meio de identificar um consenso comunitário, uma harmonia participativa, onde
todas as pessoas devem colocar suas qualidades e potencialidades em beneficio do grupo.
169
Além disso, não podemos esquecer que a dança negra, no contexto da opressão escravista, era também,
basicamente, um meio de afirmação pessoal, graças ao qual o descendente de escravo deixava de sentir-se objeto da ação
para converter-se em agente do mundo.
Para Muniz Sodré, a dança negra faz parte de um elemento da cosmologia africana, é um “sentir, mas de uma
experiência radical, de uma comunicação original com o mundo, que se poderia chamar de cósmica, isto é, de um
envolvimento emocional dado por uma totalização sagrada de coisas e seres”.
O samba de Roda expressa muito bem essa maneira de ser de um povo, que procura se construir na coletividade, não
tendo outra alternativa. E a roda respeita cada participante como ele é, e com a contribuição que ele tiver. A cada
momento cada um é o centro e nesse momento e por alguns momentos ele ou ela é o dirigente máximo do processo, ou
melhor dizendo da roda.
No centro da roda cada um faz o que pode e o que sabe, não existe uma exigência. De certa forma é um exercício da
plenitude humana e da construção da cidadania, é um movimento alegre e festeiro, como tem que ser a vida nessa visão de
mundo, em que, a cada momento, uma pessoa é o centro da roda, é observado por todos, como também de certa forma,
ensina a todos. Nesse momento dar-se a plenitude da pessoa.
O samba de roda nos ensina a sermos profundamente democráticos e acreditarmos nesse princípio como um valor
importante na construção do processo coletivo. Ela também nos ensina a lidar com a alternância de poder. O poder que
precisa ser compartilhado, socializado. Ela também nos ensina o respeito a todos, as várias alternativas, posições,
expressões, as diferenças.
É uma lógica interessante pelo respeito as diferenças. É uma relação profundamente coletiva no envolvimento, na
sedução, na participação e no papel de direção.
No xirê dos orixás também observamos esse aspecto de participação, expressando-se também numa roda em que se dança
no sentido contrário dos ponteiros do relógio. Esse fato não se dá por acaso, pois esse movimento é o movimento do
universo e procura-se manter o mesmo.
Observamos também nesse aspecto da cultura dos afrodescendentes um forte conteúdo democrático na homenagem a
todos os orixás sem um maior peso para um ou para outro. Cada orixá tem a sua importância no seu momento específico,
nenhum orixá se sobrepõe a outro.
Neste sentido, o que identificamos na história e Cida e Tião é uma capacidade de realização a partir deste
elemento cósmico. Alcançaram seus objetivos através de um envolvimento comunitário que por sua vez não se basearam
por atitudes puramente racionais. Mas através também de uma concepção sagrada de mundo.
Está visão sacra de mundo, nas culturas de origem africana, tem como eixo fundamental o espírito coletivo, ou
como diria os iniciados ao candomblé, o fortalecimento do Axé. Assim, a realização dos objetivos de Cida e Tião, só
foram possíveis com a participação deste espírito coletivo ( a força do Axé ), desta energia sagrada.
Mas obviamente isto representa pouco para explicarmos comparativamente a crítica imbuída aqui à praxi
invisível presente na esquerda.
A diferença consiste nos meios empregados pelas culturas negras para o alcance de certos objetivos, para a
construção do futuro.
No samba de roda todas as pessoas são chamadas a dança, mesmo que algumas delas não saibam mexer o corpo,
ou seduzir o grupo. Além disto o elemento principal da dança não é a demonstração das habilidades de cada um, da
capacidade de dançar, mas a confraternização do grupo, criar a harmonia comunitária através da linguagem corporal, pois
o corpo é um dos centros sagrados do mundo.
No xirê conta-se as histórias dos orixás, os acontecimentos históricos de um povo, as virtudes, os defeitos de
cada um, enfim a vida dos orixás dentro do corpo dos seus filhos.
Assim, o que diferencia as culturas negras dos métodos da esquerda é a necessidade de envolvimento total do
ser na construção da coletividade. Cada um tem o seu papel, mas na hora da dança todos serão capazes de conduzi-la, pois
como sabemos, toda dança implica em participação integral dos sujeitos, mesmo quando ela é espetáculo, não é apenas
com os olhos que a acompanhamos, mas com os movimentos esboçados de nosso próprio corpo. A dança enfim, tem o
grande poder de mobilização dos corpos e das consciências.
No samba de roda a realização de cada um é a realização do grupo, em função da alegria coletiva. É a realização
pessoal de cada um dentro do grupo, toda a roda toma parte do bailado. Assim, diferenciando-se das estruturas de
organização da esquerda e de seus discursos, o samba de roda se caracteriza como um recurso pedagógico, um meio
permanente de iniciação à sabedoria e da sociabilidade do grupo.
Identificando mais a fundo, o samba de roda realiza um encontro entre pessoas com suas possibilidades
corporais, emotivas e racionais. Ela não discrimina quem não domina a ginga, o bailado “correto”, mas promove uma
troca de experiências. Ninguém é posto fora da roda por não saber dançar, por outro lado ninguém é obrigado a ficar nela,
pelo contrário, as pessoas são convidadas a dançar para compartilhar a alegria do grupo, seu Axé, para enfim, usufruir dos
prazeres do grupo, que por sua vez vêm de cada pessoa presente na roda.
Como vimos, a praxi invisível das esquerdas, apesar de propor métodos democráticos, não viabiliza por
completo a plena realização do sujeito político. Nas dinâmicas de reuniões da esquerda não se torna presente os corpos e
capacidades de cada sujeito, a dinâmica das trocas, mas fica recalcado nas disputas de poder entre conhecedores de teorias
revolucionárias.
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O verso pode ser interpretado da seguinte forma: se um indivíduo é especializado numa função, isto não
significa necessariamente que possa contribuir na construção de uma harmonia comunitária.
De fato, se formos resgatar a proposta originária no manifesto comunista de Marx e Engels, veremos que a idéia
de uma nova sociedade requer que o sujeito seja capaz de filosofar, trabalhar, caçar, produzir uma obra de arte, dançar,
educar e ser educado. Saber fazer e realizar coisas que hoje, no atual modelo econômico não é possível.
Sendo assim, as culturas negras e suas manifestações rituais, nos revela a possibilidade de identificar nelas uma
crítica ao modelo vigente de sociedade. Crítica estas, feita também pelas esquerdas mas que, como vimos, ainda não a
assimilaram por inteiro, no sentido de se desvencilhar de mecanismos que impedem uma total coerência entre pratica e
discurso.
O samba de roda desafia os métodos da esquerda e propõe uma outra organização comunitária, baseada na
rotatividade de participação, nos momentos crucias de combate e crítica a ordem vigente. Propõe a possibilidade de que
todos os indivíduos desenvolvam suas potencialidades subjetivas, evitando mecanismos contraditórios entre intenção e
ação. Pois afinal, a dança, assim como as artes, são os caminhos mais curtos de união entre dois homens e como diz
Candeia “enquanto se luta se samba também”.
Anexo 5
O fenômeno da religiosidade de matriz Africana é o lugar onde mais se expressa o racismo no Brasil, entretanto, é
também onde a resistência negra demonstrou uma capacidade de afirmação de identidades surpreendente.
O candomblé por exemplo, refere-se ao ser humano em sua totalidade existencial, na qual espírito e matéria não
se dissociam. É uma cosmovisão, em que tudo interage e tem ligação, onde nada pode ser isolado da vida.
O medo a cultura negra na verdade representa o medo de uma concepção que prega a autonomia, em que o Ori (
cabeça ) é o mais importante. O candomblé é fundamentalmente um culto à cabeça, voltado para o desenvolvimento
pleno da pessoa, é autoconhecimento, e a ideologia dominante não educa nesta perspectiva. O Borí ( alimentar a cabeça )
é um ritual importante que significa o desenvolvimento do Axé, é alimentar as próprias energias. Axé, a força vital que
move o mundo. Desenvolver o Axé é sobretudo pensar em coletividade, contrapondo-se à visão capitalista que prega o
individualismo, a competição.
Os iniciados ao candomblé é a extensão da família africana no Brasil. Na iniciação se passa a fazer parte dessa
família, que na sua concepção é extensiva, não tem preconceito, propiciando a construção de uma identidade que pode ser
partilhada por negros e brancos de qualquer origem e, pelo processo iniciático todos tornam-se irmãos, ao introjetarem os
mesmos padrões simbólicos.
Os terreiros representam espaços de liberdade, territórios não institucionalizados pela lógica sociocultural
dominante. São comunidades que tomam a forma simbólica africana, mantendo vários aspectos da cultura Nagô com o
culto aos Orixás ( forças da natureza ) e o culto dos Eguns ( antepassados ). No Brasil esta estrutura foi sintetizada e
reelaborada.
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Quando se afirma isto o que se evidencia é que este patrimônio negro brasileiro afirmou-se na diáspora como
território político-mitico e religioso para sua transmissão e preservação. Expressou a grande possibilidade de
reterritorialização de um patrimônio de identidade africana, consubstanciado nos cultos aos deuses, à institucionalização
de festas, dramatizações e formas musicais. É o chamado Egbé, o terreiro que aparece na primeira metade do século
dezenove.
Nas suas mais variadas formas – Candomblé, xangô, pajelança, catimbó, tambor de mina, Umbanda – permanece ainda
hoje o paradigma ( conjunto organizado de representações litúrgicas, de rituais ) nagô, mantido em sua maior parte pela
tradição Ketu.
Estes espaços africanos, na sua matriz, não surgiu para excluir os parceiros do jogo ( brancos, mestiços, índios,
etc. ), nem para rejeitar o território local, mas para permitir a prática de uma visão de mundo exilada.
Algumas dessas formas litúrgicas foram definidas como sincréticas, mas para as comunidades negras o objetivo era
reelaborar e redefinir as regras de origem com o objetivo de preservar uma matriz fundadora, a Arkhé. O exemplo disto é
o caboclo e seu culto. Apesar de toda sua simbologia indígena, é uma reelaboração do culto negro aos ancestrais, pois o
índio, para o terreiro é o dono original desta terra.
O chamado sincretismo ( na visão branca ) na verdade foi uma transação, um acerto inter-étnico, pois o
entrecruzamento das diferenças foi um jogo de contatos, com vistas a preservação de um patrimônio comum de origem e a
conquista de um território social mais amplo para os negros.
A posição liturgico-existencial do negro foi sempre a de trocar com as diferenças, de entrar num jogo de
sedução simbólica, de encantamento, desde que pudesse assegurar alguma identidade e expandir-se. Não vigora, nesta
cosmovisão, o princípio do terceiro excluído, a contradição, os contrários se atraem, banto também é nagô, sem deixar de
ser banto.
Ao contrário de alguns estudiosos, isto não é sincretismo, pois este se define por transformações litúrgicas de
parte a parte. O que não houve no Brasil, porque o catolicismo é uma visão de mundo incompatível com a cosmologia
negra.
Sendo o catolicismo comprometido com uma economia industrialista, vocacionada para a dominação universal
do espaço humano ele não se compatibiliza com os cultos nagô que tem motivações patrimonialistas de grupo, ecológicas
e não apenas religioso.
As associações feitas entre santos e orixás, não sincretizava nada para os negros mas o respeito e a sedução das
diferenças, graças a analogia de símbolos e funções. Ou seja, uma estratégia de reterritorialização.
Vários exemplos disto pode ser vistos em diversos terreiros espalhados pelo país, como vemos numa
comunidade da Baixada Fluminense, onde um quadro com a figura de São Jorge nunca foi cultuada. Mas quando acontece
de um santo católico ser cultuado num terreiro – Umbanda por exemplo – ele é na verdade um orixá nagô. Ou seja, o
conteúdo pode ser católico, ocidental, religioso, mas a forma litúrgica é negra, africana, mítica. Ao invés de salvação, o
culto a São Jorge se articulará em torno do crescimento de Axé.
Isto nos demonstra mais uma estratégia negra, ou seja, consolidar uma identidade própria e firmar-se no
território brasileiro era uma questão política crucial. E hoje isto se mantém como uma questão essencial para o povo
negro.
Quando simbolizamos a figura de Iyá Naso Oka, por exemplo, na verdade também estamos falando da mulher negra e na
sua decisiva e importante participação na luta dos afrodescendentes.
Iyá Naso Oka é a fonte do Axé no Brasil, fundadora da casa de Candomblé mais antiga em nosso país, e a
instituição negra mais duradoura na nossa história, a Casa Branca do Engenho Velho – Salvador. Iyá iniciou um processo
que se mantém forte e que estamos dando continuidade até hoje e, com certeza, continuaremos a dar prosseguimento.
Até hoje temos procurado manter a tradição dos Orixás, tal qual ela nos ensinou e isso nunca foi uma tarefa
fácil, pois sempre representou um enfrentamento com a ideologia dominante e o pensamento dogmático, sobretudo
judaico cristão.
Com humildade mas com determinação procuramos passar para o conjunto da sociedade essa visão de mundo
das comunidade de terreiros que representam espaços de resistência e opção ao padrão dominante.
O que Iyá Naso e os nossos ancestrais nos ensinaram é que temos condições de construir uma perspectiva
diferente dessa dominante que está colocada para nós.
Somos um povo que temos Axé, e Axé é vida. Logo lutamos pela vida, vida em todos os seus aspectos.
Respeitamos as diferenças e o nosso projeto, que é coletivo, só será pleno se essa máxima for sempre observada.
Cada um de nós tem a sua contribuição a dar para a manutenção do Axé, da vida, da sociedade, do mundo. Não
existe entre nós o princípio da exclusão, não acumulamos bens e sim pessoas, aqui está o conflito com o padrão
dominante.
A nossa perspectiva é uma visão integradora natureza-homem, daí a nossa profunda visão ecológica.
Acreditamos no pleno desenvolvimento do ser, no auto-conhecimento e na autonomia de cada um.
Os elementos apontados acima representam um pouco do que o nosso povo é capaz na construção de um projeto
alternativo do povo negro. Somos sujeitos participantes legítimos na construção nacional. Em vários momentos podemos
identificar essa intenção tais como: Palmares e vários quilombos, Canudos, a Revolta dos Malês, A revolta dos Búzios, as
comunidades de terreiro, as escolas de Samba, os Afoxés, a capoeira, etc.
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Estes exemplos nos remete ao entendimento que para o negro estes espaços implicam num continum cultural, na
permanência de uma forma de relacionamento com o real, mas também resposta, com elementos reformulados e
transformados, num impulso de resistência à ideologia dominante, na medida em que a ordem originária, no Brasil
reterritorializada, comporta um projeto de ordem humana, alternativo à lógica vigente de poder. Estes territórios rompem
limites espaciais, para ocupar lugares imprevistos na trama das relações sociais urbanas da vida brasileira, orquestrada em
consciência de causa pelo branco europeu.
Acreditamos que o movimento negro e todos aqueles que tenham um compromisso de lutar para acabar com o
racismo no Brasil e no mundo deveriam compreender melhor o que representou e continua representando nesses 500 anos
de luta e resistência dos africanos e seus descendentes no Brasil.
A vida do povo brasileiro está permeada pela cultura negra em vários aspectos e de várias formas. Podemos com
certeza afirmar que no campo cultural se deu de forma espetacular a melhor forma da nossa luta e resistência contra o
opressor e a cultura dominante. Não podemos ser ingênuos. Sambar, tocar, dançar, cantar, sorrir, fazer poesia é saber
seduzir, resistir e lutar.
Infelizmente muitos irmãos e irmãs de lutas do movimento negro não tem a devida compreensão dessa forma ou
método de saber lutar. Na verdade é lutar mostrando Axé, propondo mudanças de comportamentos de entendimentos. É
saber relacionar-se com o mundo, com a natureza, com o universo.
Essa forma de saber viver na interação homem-natureza-cosmo. É uma filosofia de vida de matriz africana
legada a nós pelos nossos antepassados, pelos nossos ancestres. Que está para além de uma plena cidadania.
Quando a gente observa cada manifestação cultural dos afrodescendentes, percebemos esse significado. Seja na
capoeira, no maracatu, da folia de reis, nas escolas de samba, no jongo, no maculelê, no fank, no hip hop, no samba de
roda, no baile charm, etc.
Certa vez xangô disse que não queria mais comer no silêncio, um silêncio imposto pela intolerância e repressão
ao culto e a tradição dos orixás. O terreiro Axé Opó Afonjá do Rio de Janeiro mudou-se do centro do Rio de Janeiro para
a periferia, onde xangô teve a sua vontade atendida e todos puderam louvar esse orixá da forma que não só ele, mas todos
os orixás merecem, com muito toque ( batuque ), fogos e muita alegria.
Nós homens e mulheres, descendentes de africanos temos isso dentro de nós. A alegria da vida, isso é Ter Axé.
Acreditamos que existe uma grande lacuna a ser entendida e preenchida pelo movimento negro e todos os
lutadores sociais na busca de um mundo melhor. Que foi e é o papel das religiões de matriz africana cumpriram na luta, na
resistência e na afirmação de uma herança africana e identidade dos afrodescendentes.
Xangô ensinou o caminho do não conformismo, da insubordinação, da continuidade da luta, da alegria e do Axé.
Anexo 6
Anexo 7
Anexo 8
Anexo 9
Anexo 10
Programação da Escola de
Formação e Ativo Nacional da DS
sobre a questão racial
Anexo 11
Anexo 12
Anexo 13
Anexo 15
Anexo 16
Anexo 18
Anexo 19
Anexo 20
Anexo 21
Anexo 22