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Capa e Diagramação > Jéssica Reis
Coordenação Editorial > Celso Moreira Mattos
Revisão > Ms. Josemara Stefaniczen

Avaliação > Textos avaliados às cegas e aos pares

Conselho Científico Editorial:


Dr. Antonio Lemes Guerra Junior (UNOPAR)
Dr. Aryovaldo de Castro Azevedo Junior (UFPR)
Dra. Beatriz Helena Dal Molin (UNIOESTE)
Dr. José Ângelo Ferreira (UTFPR-Londrina)
Dr. José de Arimatheia Custódio (UEL)
Dra. Pollyana Mustaro (Mackenzie)
Dra. Vanina Belén Canavire (UNJU-Argentina)
Dra. Elza Kioko Nakayama Murata (UFG)
Dr. Ricardo Desidério da Silva (UNESPAR-Apucarana)
Dra. Ana Claudia Bortolozzi (UNESP-Bauru)
Dra. Denise Machado Cardoso (UFPA)
Dr. Marcio Macedo (UFPA)

ESTE LIVRO É UMA PRODUÇÃO DA REDE FORMADA PELOS GRUPOS DE PESQUISA:

TRANSDISCIPLINARIDADE Eccos
E CRIATIVIDADE Estudos em Comunicação, Consumo e Sociedade

UCB UNIP UFPR

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

U48 Umbanda, cultura e comunicação: olhares e encruzilhadas. / Organizado


por Hertz Wendel de Camargo. – Curitiba : Syntagma Editores,
2019.
350 p.

ISBN: 978-85-62592-43-0

1. Umbanda. 2. Cultura. 3. Comunicação. 4. Religião afro-brasileira. I. Título.


II. Camargo, Hertz Wendel de. III
CDD: 200
CDU - 285/288

Syntagma Editores Ltda., Curitiba (PR), 15 de julho de 2019.


www.syntagmaeditores.com.br
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PREFÁCIO
Malena Contrera
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AUTORES
339

1
ELEMENTOS DA SACRALIDADE NA UMBANDA
Marcos Henrique Camargo
14

2 UMBANDA, RELIGIOSIDADE POPULAR E


O PRINCÍPIO DE ORDEM/DESORDEM
Florence Dravet
38

3 IMAGINÁRIO, UMBANDA E COMUNICAÇÃO


Gustavo Castro
55

4
UMBANDA E OS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO: DOCUMENTOS
PARA A COMPREENSÃO DA HISTÓRIA
E ATUALIDADE DESTA RELIGIÃO
Maurício Ribeiro
70

5 VAI MALANDRO! – MITO E UMBANDA


NA ENCRUZILHADA DO POP
Hertz Wendel de Camargo
103
6
ANTROPOFAGIA E ESTÉTICA
CORPORAL NA CULTURA BRASILEIRA:
DOS CULTOS ÀS PERFORMANCES
AFRO-INDÍGENAS-BRASILEIRAS
Luiza Spínola Amaral
Margot Dravet
128

7
A MÚSICA NA UMBANDA EM UMA COMUNIDADE
DE PRÁTICA: O TERREIRO DE UMBANDA CABOCLO
TUPINAMBÁ, PILARZINHO, EM CURITIBA
Alisson Mateus Santos de Oliveira
Edwin Ricardo Pitre-Vásquez
146

8
PROCESSOS IDENTITÁRIOS E
A INCORPORAÇÃO NA UMBANDA
Nicole Kollross
165

9 COMPORTAMENTOS SOCIAIS DE LONGA


DURAÇÃO EM CENTROS UMBANDISTAS
DO SUL PARANAENSE
Jefferson Olivatto da Silva
180

10
QUANDO A POMBAGIRA FALA – UM OLHAR
ETNOGRÁFICO SOBRE OS TRABALHOS DE
UMBANDA COMANDADOS POR
POMBAGIRAS
Bruna Cardoso de Oliveira
199

11 UMBANDA MIDIATIZADA: ENTRE CONSUMO,


MÚSICAS E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS
Clóvis Teixeira Filho
Aryovaldo de Castro Azevedo Junior
212
12
REDES DE FÉ: UM ESTUDO SOBRE O USO
DAS REDES DIGITAIS E O CONSUMO DA
UMBANDA EM CURITIBA
Filipe Bordinhão dos Santos
Patrícia A. Hoça Taukatch
Thaynara Rezende de Oliveira
235

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O MEIO AMBIENTE E AS ÁGUAS:
E LÁ VEM IEMANJÁ
Dejair EsùYnká Dionísio
263

14
“AVANTE FILHOS DE FÉ”: A UMBANDA EM
SEUS ESPAÇOS SAGRADOS E SIMBÓLICOS
Adriana Cristina Zielinski Nascimento
Marisete Teresinha Hoffmann-Horochovski
278

15
A FACE FANTÁSTICA DA ESPIRITUALIDADE
– ESTUDOS DA FALA AUTOBIOGRÁFICA DE
SACERDOTES DE UMBANDA
Josemara Stefaniczen
Hertz Wendel de Camargo
295

16 IMAGÉTICAS AMAZÔNICAS ACERCA DA


PAJELANÇA E DA UMBANDA DESDE
CURUÇÁ (PA) E TABATINGA (AM)
Ligia Terezinha Lopes Simonian
315

17
RITO DE PASSAGEM NA UMBANDA –
O CRUZAMENTO DE “MÃE PEQUENA”
Sionelly Leite
Nicole Kollross
Hertz Wendel de Camargo
326
8
PREFÁCIO

SOBRE
VÍSCERAS E FLORES,
SOBRE CONTAS E TAMBORES
Malena Segura Contrera1

Na década de 1970, num bairro perdido da Zona Norte de São


Paulo, ainda criança, era identificada como a filha da D. Maria e
do S. José do Centro de Umbanda do bairro. Vinda de uma família
de umbandistas, uma vez por semana íamos todos para um gran-
de salão que ficava nos fundos da casa da minha tia e lá passáva-
mos a noite recebendo quem quisesse entrar. Portas abertas, mas
na crença de que as portas estavam sempre guardadas por forças
muito acima de nosso controle e poder.
Meu primeiro contato com a Umbanda se deu pela família, e,
apesar de ser um Centro de Umbanda, possivelmente por motivos
que ficam claros no decorrer da leitura do presente livro, atestan-
do sobre o preconceito e a invisibilidade das religiões não cristo-
1 Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2001). Pós-doutora pela na Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, sob supervisão do Prof. Dr. Muniz Sodré (bolsa CNPq, 2007-
2008). É especialista em Psicologia Junguiana e terapeuta junguiana. Professora titular dos
cursos de mestrado e doutorado em Comunicação da UNIP. Autora dos livros O mito na mídia
(1996), Mídia e Pânico (2002), Jornalismo e Realidade (2004), Mediosfera (2010). Membro do
Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Semiótica da Cultura e da Mídia, da PUC/SP (CISC)
desde sua fundação (1992), e atual líder do Grupo de Pesquisa em Mídia e Estudos do Imagi-
nario, da UNIP (desde 2005). Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.

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cêntricas, o centro se chamava Casa Espiritual Luzeiro de Cristo.
Talvez para aplacar as resistências da vizinhança.
Esse primeiro contato foi visceral, já que dos médiuns prin-
cipais da casa, seis eram parentes; pais e tios circulavam por ali
incorporados com seus caboclos e pretos-velhos, pombagiras e
exus, todos igualmente respeitados e considerados companheiros
de estrada pelos médiuns da casa.
Isso não garantiu que eu necessariamente seguisse esse ca-
minho espiritual, permaneci nele apenas até os 19 anos de idade,
mas influenciou definitivamente minha maneira de conceber uma
espiritualidade que eu hoje chamaria de pagã, no bom sentido eti-
mológico do termo, considerando que “pagus” significa pedaço de
terra arado e que pagão, desse modo, são os que vivem na terra, da
terra, pela terra. A Grande Mãe Gaia estava o tempo todo presen-
te nos incensos, nas ervas queimadas, nos pós de pemba com os
quais se riscavam os pontos no chão, nas beberagens medicinais,
nos chás, nos charutos, no aroma do café dos pretos velhos, nos
passeios realizados para assentamento das energias junto às ma-
tas, às cachoeiras, à beira-mar.
Espírito e corpo faziam parte de uma só e mesma vida e tudo
que emanava de um, emanava do outro. Essa foi a primeira grande
lição que me preparou para tudo que eu viveria a partir dali, que
a vida só é vida de verdade se honra todos os níveis existentes de
cada manifestação, e que esses níveis são indissociáveis, por mais
que séculos de desencantamento do mundo tenham trabalhado
na criação da ilusão da cisão entre corpo e espírito.
Talvez um dia volte aos terreiros não apenas como viajante
que chega de outros mares, como faço hoje, mas como filha dessa
terra de onde vim. Meu carinho e respeito por essa raiz sempre foi
imensa e verdadeira.
Esse pequeno testemunho na realidade serve apenas para si-
tuar com que prazer e alegria recebi o convite de prefaciar esse
livro. Corajoso e necessário, falar da Umbanda é uma das mais
urgentes tarefas, já que ela figura hoje como uma das grandes in-
visibilidades em nossa sociedade. Num país que se professa cris-

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tão, seguimos sendo os reis das impurezas, graças aos deuses. No
fundo, somos quase todos vira-latas felizes quando o assunto é
religiosidade por aqui, onde São Jorge é quase Ogum, e os retratos
imaginários de Cristo ficam lado a lado com os de Iemanjá, e o
Diabo é fogo, mas às vezes pode ser nosso amigo.
A onda de intolerância e de puritanismo religioso, em que
cristãos fazem questão de se diferenciarem dos que eles conside-
ram pecadores, aconteceu desde sempre entre uma pequena elite
associada ao poder econômico, mas não entre a população em ge-
ral. Essa intolerância é nova entre os pobres por aqui, porque até
20 anos atrás aproximadamente cristão que se prezasse não pen-
sava duas vezes antes de ir se benzer com os pretos-velhos quando
estava com mau olhado e tomava direitinho os chazinhos de ervas
que eles recomendavam. Sou testemunha desse tempo em que as
sensibilidades – e as necessidades - superavam a rigidez dos julga-
mentos salvacionistas. E tenho saudades desse modo humano de
respeitar as vivências religiosas alheias, considerando que o que
mais deveria importar são os efeitos espirituais e humanos de uma
religião e não sua capacidade de gerar dinheiro e poder político-e-
conômico ao se autodenominar a portadora da verdade.
O fenômeno religioso foi talvez um dos territórios mais afe-
tados pelo capitalismo tardio, pela operação cindidora e tanato-
lógica de reduzir todos os valores ao valor financeiro, e igualar
acúmulo de bens à riqueza. O conceito de prosperidade precisa
rever Shakespeare e aprender com Prósper que ser rico é ser capaz
de compreender as forças da vida a ponto de se atravessar vivo as
tempestades. Ainda que nada se carregue delas, ainda que aparen-
temente só se tenha o chão sob seus pés. Esse chão sempre será
sagrado e dele brotará toda a riqueza.
Essa sacralidade da terra é que foi apagada por séculos e séculos
de monoteísmo e patriarcado e, claro, as lutas pelo poder central do
monoteísmo contra todas as formas de paganismo existentes encar-
regaram-se de diabolizar (no sentido cristão) todas as forças natu-
rais, de colocar o corpo no lugar do excluído e do pecado e de conter
toda a força que brota da conexão homem-terra. A Umbanda, nesse

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sentido, é pura resistência a tudo isso, uma ode às forças que brotam
dessa conexão e um convite a um reencantamento do mundo, não
como aquele que nos propõe a sociedade mediática, ao propor um
reencantamento sem mundo. Na Umbanda, o mundo nos atraves-
sa, no Seu Giramundo, nas danças, nas comidas, nas mais diversas
vivências, numa religião que reconhece o lugar dos mistérios e não
se oferece fácil à estética do espetáculo, abrindo mão da populari-
dade mercadológica, parâmetro principal de muitas outras formas
de religiosidade contemporâneas.
E é claro que essa resistência paga o preço da invisibilidade me-
diática, do preconceito, da desfiguração promovida pelas represen-
tações que desejam demonizar todas as formas de vitalidade das
quais vamos sendo arrancados pouco a pouco no lento e vertigino-
so trabalho de nos transformar a todos em consumidores.
A vida pregnante presente no âmago dos símbolos e das ma-
nifestações na Umbanda não são bons produtos publicitários.
Sobretudo é fácil para os abusadores e exploradores usarem a
mediosfera para fazer voltar a culpa contra as próprias vítimas
da história de desigualdade e opressão que temos no Brasil; nes-
se sentido, quando a Umbanda recoloca em seu lugar de honra
os excluídos e reacende a memória da escravidão nos pretos-ve-
lhos, da mulher desejante nas pombagiras, dos índios brasilei-
ros massacrados nos caboclos, definitivamente torna evidente a
origem de tanto silêncio ao redor de uma forma de religiosidade
tão mais presente do que se imagina. E por isso o valor desse
livro que agora chega às nossas mãos ao trazer a público a beleza
e a visceralidade da Umbanda.
Digno de nota ainda é a honestidade desse grupo de pesqui-
sadores atentos aos fenômenos da Umbanda, que são capazes de
apresentar suas aproximações com seu objeto de investigação, fa-
zendo frente às pretensões acadêmicas de isenção, declarando des-
caradamente as interpenetrações entre ciência e vida. Os objetos do
Imaginário, da religiosidade, do mito, caracterizam-se por não se
submeterem às fantasias puritanas da concepção cartesiana e posi-
tivista de Ciência. Como pesquisadores, ao falarmos de Imaginário,

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lutamos para criar algumas ferramentas teóricas que nos ajudem
a desenvolver uma cognição possível sobre esses fenômenos, mas
precisamos manter a atitude de humildade advinda da consciência
de que estamos em território jamais demarcável claramente, e que
a atitude iniciática aqui é mais sábia do que a racionalizadora. Essa
posição é quase sempre muito desconfortável de se assumir nos am-
bientes acadêmicos e científicos, mas cada vez mais necessária, se
quisermos avançar na construção de um saber que realmente faça
algum sentido sobre os temas relacionados ao Imaginário.
A reunião de textos que descrevem e buscam se aproximar de
ambientes e práticas da Umbanda evidencia o quão plural e com-
plexo são esses fenômenos, e como a diversidade de suas mani-
festações e experiências torna difícil categorizá-las, discriminá-las
claramente, fazendo ganhar a complexidade e a diversidade e sa-
crificando a pretensão de que seja possível abarcar racionalmente
e tornar classificáveis fenômenos tão atávicos como os relaciona-
dos ao imaginário e à religiosidade. Estamos sempre frente a algo
maior, inabarcável, fascinante e ao mesmo tempo incômodo para
o olhar que busca certezas e categorias. Não há como adentrar es-
ses territórios sem abrirmos mão das vaidades, o olhar iniciático
exige entrega, é preciso aceitar as incertezas na própria carne.
Resgatar a sabedoria de nossos ancestrais, das forças “espirito-
naturais” presentes na Umbanda, levantar o pó de pemba e defu-
mar a coisa toda. É disso que esse livro trata, de olhares, de apro-
ximações do que nunca se poderá traduzir, do que não se quererá
desvelar. E do que será sempre provocador do riso e do grito, da
dança e do bater dos tambores.

Junho de 2019.

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