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Texto 3: Como aprendemos

Autora: Maria Teresa de Moraes Nori

Como aprendemos
Muita gente sonha com uma fórmula mágica que lhes garanta aprender
instantaneamente. Todavia, não existe aprendizagem instantânea. Por
isso, mais do que nunca é pertinente que o professor se pergunte: como
aprendemos?
E para responder a essa pergunta, podemos contar com as ciências da
aprendizagem.
As ciências da aprendizagem fizeram grandes avanços nas últimas Dica: Procure
décadas. Elas questionaram os currículos, os ambientes de conhecer os trabalhos
aprendizagem e, principalmente, o conteúdo e a forma como ensinamos realizados pelos
- a prática docente. Elas buscam respostas que ajudem os professores a pesquisadores na
promover a aprendizagem dos alunos. área da Neurociência
do aprendizado, como
Em geral, esperamos que as ciências da aprendizagem forneçam aos Suzana Herculano-
professores soluções viáveis para os dilemas da sala de aula. Mas, de Houzel, Roberto Lent e
fato, o que extraímos das ciências da aprendizagem são os princípios outros. Explore aqui:
para arquitetar nossas propostas educativas, assim como ocorre nas
demais áreas. A física, por exemplo, não apresenta o projeto de uma https://youtu.be/SzEK0PNE
ponte ou de um carro, ela nos oferece princípios para desenvolvê-los. u0o
http://www.cienciahoje.org.b
r/coluna/p/id/16/n/bilhoes_d
e_neuronios

Então, vamos explorar um pouco mais algumas situações do nosso fazer


pedagógico, estabelecendo uma relação entre como aprendemos e como
ensinamos (como potencializamos a aprendizagem) – entre os princípios
da aprendizagem e o ensino.
Para essa reflexão, veja o caso da escola de natação, a seguir:

“Imagine uma escola de natação que se dedica um ano a ensinar anatomia e


fisiologia da natação, psicologia do nadador, química da água e formação dos
oceanos, custos unitários das piscinas por usuário, sociologia da natação
(natação e classes sociais), antropologia da natação (o homem e a água) e,
ainda, a história mundial da natação, dos egípcios aos nossos dias. Tudo isso,
evidentemente, à base de cursos enciclopédicos, muitos livros, além de giz e
quadro negro, porém sem água. Em uma segunda etapa, os alunos-
nadadores seriam levados a observar, durante outros vários meses,
nadadores experientes; depois dessa sólida preparação, seriam lançados ao
mar, em águas bem profundas, em um dia de temporal.”1

? O que há de errado com este curso de natação?


Como deveria ser o currículo de um curso de natação?

1Pereira, Júlio Emílio Diniz. “As licenciaturas e as novas políticas educacionais para a formação
docente.” Educação & Sociedade nº 68. Campinas: CEDES, dezembro/99, 109-125 (in:
http://www.cedes.unicamp.br/publicacoes/edicao/392).

1
Algo similar ao caso dessa escola de natação até pode, infelizmente, ser
encontrado no sistema educacional atual, por conta de equívocos
conceituais e até epistemológicos. Mas, uma análise da evolução da
educação básica em diferentes escolas nos permite ver iniciativas de
mudança bastante promissoras, sinalizando a adoção cada vez mais
frequente de metodologias ativas.
Ao comentar os modelos educacionais inovadores, Moran 2 afirma:
Quanto mais aprendamos próximos da vida, melhor. As
metodologias ativas são pontos de partida para avançar
para processos mais avançados de reflexão, de
integração cognitiva, de generalização, de reelaboração
de novas práticas.
Nas metodologias ativas de aprendizagem, o
aprendizado se dá a partir de problemas e situações
reais; os mesmos que os alunos vivenciarão depois na
vida profissional, de forma antecipada, durante o curso.

Como aprendemos e como ensinamos – princípios básicos

As metodologias ativas partem do pressuposto de que o estudante é


o protagonista de seu processo de aprendizagem e prioriza a prática
cientificamente fundamentada, porque, para se constituir
competências é preciso exercitá-las, praticá-las.
A base neurofisiológica dessa premissa estabelece que a
aprendizagem envolve essencialmente a constituição de sinapses e
o fortalecimento destas, pelo seu uso em diferentes situações, Você se lembra da lei do uso
gerando um potencial, cada vez maior de realização. Esse processo bastante conhecida na biologia?
Pois é! Olha ela em ação!
gera formas novas, mais complexas e competentes de ver e sentir o
ambiente, de pensar e agir sobre ele. https://youtu.be/IK9y7HI6aiw

Além disso, as ciências da aprendizagem nos chamam a atenção para


outros pontos essenciais para a nossa prática pedagógica. Vamos ver!

Equilíbrio e desequilíbrio: o começo de tudo


Para Nori (2009/2011),
A prática pedagógica comprometida com resultados
educacionais relevantes parte dos seguintes pressupostos:
▪ o estado ideal do organismo é o equilíbrio, e qualquer
situação que rompa esse estado gera desequilíbrio;
▪ o desequilíbrio gera algum grau de tensão, que, por sua
vez provoca uma reação de atividade cognitiva, afetiva
e/ou psicomotora por parte do sujeito, que tende a buscar
um novo patamar de equilíbrio mais elevado;

2 Moran, 2015, pp.17-19

2
Equilíbrio

Equilíbrio
Atividade
Desequilíbrio

Figura 1: Processo de equilíbrio-desequilíbrio-atividade-


equilíbrio (Nori, 2009/2011)
▪ esse processo permanente e dinâmico de equilíbrio-
desequilíbrio-atividade-equilíbrio tem um papel central na
motivação3 e na aprendizagem  no próprio processo de
desenvolvimento do indivíduo.

Em decorrência desse movimento de equilíbrio e


desequilíbrio, a aprendizagem ocorre por meio:
▪ da atividade do sujeito, a partir de um desequilíbrio ou
problema que estimule o interesse e a atividade intelectual
do sujeito;
▪ da atribuição de significados construídos na relação
entre o conhecimento prévio do sujeito, os novos
conteúdos e/ou problemas (nova experiência) e a
aplicação destes na solução de novos problemas
(aplicabilidade ou funcionalidade).
▪ da interação com os outros, nas quais a troca de ideias
otimiza o processo de exploração e descoberta que
caracteriza a aprendizagem.

A figura a seguir ilustra esse processo

Elaboração
▪ Pensa, raciocina, ou seja: coloca em ação
Desafio e/ou uma série de funções cognitivas e
desequilíbrio operações mentais (tais como percepção,
comparação, análise, classificação,
organização, síntese, levantamento de
hipóteses, etc.), a partir de conhecimentos
prévios, que permitem atribuir um
significado pessoal ao novo conteúdo e o
transformam em novo conhecimento. Novas maneiras de
▪ Aplica e compartilha, isto é: transpõe para pensar, sentir e agir ou
novas situações, interage com os outros, fazer  novas
testa, avalia e reorganiza o novo competências  maior
conhecimento, o que aumenta o potencial autonomia.
para novas experiências de aprendizagem.

Figura 2. Elementos básicos do processo de aprendizagem 4

Em outras palavras, podemos dizer que o contato com uma nova


situação-problema (que também envolve conteúdo/informação) pode

3A tensão provocada pelo desequilíbrio geralmente se manifesta como uma necessidade ou


motivo, e aquilo que satisfaz essa necessidade passa a ser interessante ou motivador para o
indivíduo.
4 Nori, 2009-2011.

3
provocar uma alteração na estrutura cognitiva da pessoa, criando uma
forma nova, mais complexa e mais competente de ver e sentir o ambiente,
de pensar e agir sobre ele. Assim, novos problemas e conteúdos
possibilitam novas mudanças internas nos indivíduos, e é nesse sentido
que a aprendizagem vai se tornando um processo elaborado, interativo e
dinâmico de mudança de comportamento, do qual resulta a constituição
de novas competências.

Nesse modelo, pode-se dizer que: Essa ajuda ocorre num espaço
dinâmico, onde, por meio da
▪ o ensino ajuda o processo de aprendizagem, mas não interação e contribuição de outros,
substitui a elaboração mental construtiva do sujeito;5 uma pessoa consegue trabalhar e
▪ aprender resulta em constituir competência, conseguir resolver um problema ou realizar
uma atividade de um modo e em
fazer o que antes não se conseguia, o que gera ampliação um nível que não conseguiria fazer
da autonomia do sujeito. sozinha.

Em suma, na Escola comprometida com os resultados educacionais


relevantes, é imprescindível que a prática pedagógica envolva situações
de aprendizagem que:
▪ ofereçam desafios acessíveis aos estudantes, por meio de
perguntas, problemas, casos e atividades que se remetem à
realidade, experiência e/ou a conhecimentos prévios dos
estudantes, facilitando a atribuição de significado;
▪ as perguntas e atividades sejam funcionais, voltadas à aplicação
em situações reais de vida (do contexto socioeconômico e cultural)
do educando;
▪ ofereçam ajudas para a elaboração e aplicação de conceitos e
princípios, utilizando ilustrações, exemplos e analogias, entre
outros recursos de mediação da aprendizagem;
▪ estimulem a troca de ideias entre os estudantes e a participação
de todos, encorajando-os a encontrar novas possibilidades de
aplicação dos conhecimentos na realidade (prática integrada à
teoria), propiciando a transferência e a consolidação da
aprendizagem.
Ademais, para promover novas maneiras de pensar, sentir e agir, de
modo a levar o sujeito a lidar com autonomia com novos problemas,
mobilizando seus conhecimentos, valores e habilidades, é preciso
propiciar bem mais do que apenas conhecimento de conteúdos. E isso
demanda uma nova prática docente.
Observe o diagrama a seguir. Ele ilustra a correspondência entre os
processos de aprendizagem e a prática docente (ensino).

5Essa ênfase na elaboração mental construtiva do sujeito, mediada e potencializada pela interação
com os outros, dimensionam o construtivismo sociointeracionista.

4
Processo de aprendizagem Elaboração
▪ Pensa, raciocina, ou seja: coloca em ação
Desafio e/ou uma série de funções cognitivas e
desequilíbrio operações mentais (tais como percepção,
comparação, análise, classificação,
organização, síntese, levantamento de
hipóteses, etc.), a partir de conhecimentos
prévios, que permitem atribuir um
significado pessoal ao novo conteúdo e o
transformam em novo conhecimento.
▪ Aplica e compartilha, isto é: transpõe para Novo
novas situações, interage com os outros, Conhecimento/novas
testa, avalia e reorganiza o novo competências
conhecimento, o que aumenta o potencial Novas maneiras de pensar,
para novas experiências de aprendizagem. sentir e agir ou fazer.
Prática docente

Organização da Feedback e
situação de Estímulo e orientação da elaboração e aprimoramento do
aprendizagem aplicação desempenho
Figura 3. Relação entre processo de aprendizagem e prática docente6

Nesse paradigma educacional, o estudante é o protagonista de seu


processo de aprendizagem e o professor é coadjuvante – cabe a ele
organizar a situação de aprendizagem, estimular e orientar o processo de
elaboração e aplicação do que está sendo aprendido, mediante
estratégias didáticas variadas e feedback constante, de modo a
promover/assegurar as mudanças previstas no desempenho do alunos.

6Fonte: NORI, M. Teresa M. Bases da metodologia Senac Rio. Rio de Janeiro: Senac/Gerência de
Educação, 2009-2011.

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