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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

YAN GRACO DANTAS CAFEZEIRO

OS MUROS ANTIGOS E AS CONTRIBUIÇÕES DOS


MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO POUCO OU NÃO
DESTRUTIVO PARA AVALIAÇÃO FÍSICA E MECÂNICA

Salvador

2016
YAN GRACO DANTAS CAFEZEIRO

OS MUROS ANTIGOS E AS CONTRIBUIÇÕES DOS


MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO POUCO OU NÃO
DESTRUTIVO PARA AVALIAÇÃO FÍSICA E MECÂNICA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
(PPG-AU) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira


Coorientadora: Prof. Dra. Rosana Muñoz

Salvador

2016
C129 Cafezeiro, Yan Graco Dantas.
Os muros antigos e as contribuições dos métodos de diagnóstico pouco
ou não destrutivo para avaliação física e mecânica / Yan Graco Dantas
Cafezeiro. 2016.
195 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira.


Coorientadora: Profa. Dra. Rosana Muñoz.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Arquitetura, Salvador, 2016.

1. Arquitetura - Muros - Conservação e restauração. I. Oliveira, Mário


Mendonça de. II. Muñoz, Rosana. III. Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Arquitetura. IV. Título.

CDU: 72.025
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, à minha família, por me ter apoiado sempre nos meus caminhos
profissionais, incluindo estes estudos de mestrado.

E minha gratidão especial ao Prof. Mário Mendonça de Oliveira, meu orientador, e à


Profa. Rosana Muñoz, por terem aberto as portas e me acolhido no Núcleo de
Tecnologia da Preservação e da Restauração (NTPR) da Universidade Federal da
Bahia, lugar onde pude desenvolver meus conhecimentos na apaixonante área da
restauração.

A todos os meus colegas do NTPR, em particular aos amigos e bolsistas de


pesquisa, Francisco Oliveira e Lucas Ribeiro, pela ajuda com todos os aparatos com
que precisei lidar; à amiga Ana Cristian Magalhães, pelos conselhos, e às amigas
Karina Fadigas e Sílvia d'Affonsêca, que fizeram o possível para que eu pudesse
realizar meus ensaios.

Ao arquiteto Antônio Calazans e ao Engenheiro/Arquiteto Sérgio Batista, pelo apoio,


colocando-se sempre à disposição e liberando suas obras para a execução dos
ensaios propostos nesta dissertação.

Aos amigos e colegas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


(IPHAN-BA) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), que
sempre aprovaram, auxiliaram e me deram anuência para o desenvolvimento das
atividades do mestrado acadêmico.

À Profa. Tatiana Dumet, à Profa. Larissa Acatauassú, ao Prof. Arivaldo Amorim e à


Profa. Cybèle Santiago, por terem aceitado participar da banca examinadora e pelas
recomendações, sempre pertinentes, para o bom desenvolvimento do trabalho.

À Solange Fonsêca, pelo excelente trabalho de revisão.

Por fim, à minha companheira Milena, por tudo, por estar sempre junto e por ser
muito tolerante, mesmo nos piores momentos.
Il faut pouvoir être maçon avant de devenir architecte.
[É preciso poder ser pedreiro antes de se tornar arquiteto]
(Bernard Forest de Bélidor, 1729).
CAFEZEIRO, Yan Graco Dantas. Os muros antigos e as contribuições dos métodos
de diagnóstico pouco ou não destrutivo para avaliação física e mecânica. 194f. 2016.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2016.

RESUMO

A evolução da Ciência da Restauração de edifícios antigos conjuntamente com o


desenvolvimento de técnicas de diagnóstico e avaliação de danos, no decurso do
tempo, trouxeram progressos importantes para a determinação do comportamento
físico e mecânico dos muros antigos, os quais apresentam certa complexidade
devido à sua variada composição. O referido progresso diz respeito ao estudo dos
modos de construir e às metodologias que não afetem, de maneira acentuada, a
consistência física dos edifícios de valor patrimonial. Isso posto, o objetivo geral
desta pesquisa foi compilar dados sobre a arte de murar, ao longo dos anos, bem
como analisar e aplicar técnicas de diagnóstico pouco ou não destrutivas em duas
alvenarias antigas, localizadas no Centro Histórico de Salvador. Este estudo teve o
intuito de avaliar a aplicabilidade das referidas técnicas e o comportamento físico e
mecânico de alvenarias antigas. Tais testes são focos das últimas pesquisas
internacionais sobre o tema preservação do Patrimônio edificado, no contexto da
tecnologia da restauração.

Palavras-chave: Tecnologia da restauração. Técnicas de diagnóstico. Restauração


do Patrimônio. Muros antigos.
CAFEZEIRO, Yan Graco Dantas. Ancient walls and the contributions of
nondestructive testing to physical and mechanical assessment. 194f. 2016. Thesis
(Master's degree in Architecture and Urban planning) – Federal University of Bahia,
Salvador, 2016.

ABSTRACT

Alongside the development of diagnostic techniques and damage assessment, the


evolution of ancient building Restoration Science has brought great progress to the
determinants of physical and mechanical behavior of ancient walls, which are varied
in composition and somewhat complex. Such progress is due to the study of ways of
building and the use of methodologies that do not cause great harm to the physical
consistency of buildings of heritage interest. Thus, the main purpose of this study is
to gather data on the art of wall making, as well as apply Nondestructive Testing
(NDT) to two ancient masonries in the Historic Center of Salvador. The intent of the
testing is to evaluate the contribution of such methods to the physical and
mechanical assessment of traditional walls.The aforementioned tests are the focus of
recent international research on built heritage preservation, specifically concerning
restoration technology.

Keywords: Restoration technology. Diagnostic techniques. Restoration of built


Heritage. Ancient walls.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Esquema da metodologia de trabalho para a presente dissertação.. 25

Figura 2 – Seção de uma forma para construção de muros em taipa de pilão... 29

Figura 3 – Perspectiva da construção de uma parede de taipa de pilão............. 29

Figura 4 – Perspectiva de uma alvenaria mista................................................... 30

Figura 5 – Representação de uma vista de um muro de tijolos cozidos.............. 30

Figura 6 – Modos de edificar paredes segundo os romanos............................... 34

Figura 7 – Perspectiva da forma de murar romana, referência ao Opus


Implectum............................................................................................................. 37

Figura 8 – Forma de murar na região italiana de Piemonte, em vista................. 38

Figura 9 – Forma de murar em alguns pontos do Lazio na Itália, em vista......... 38

Figura 10 – Perspectiva de uma das formas de murar encontrada em Roma.... 39

Figura 11 – Perspectiva de uma das formas de murar encontrada em regiões


setentrionais italianas.......................................................................................... 39

Figura 12 – Perspectiva da forma de murar napolitana....................................... 40

Figura 13 – Muro de Edifício à Rua do Maciel, Pelourinho, em Salvador............ 52

Figura 14 – Muro da Capela de Nossa Senhora do Vencimento, localizada no


Recôncavo baiano............................................................................................... 52

Figura 15 – Métodos de elevar paredes de tijolos (não estruturais).................... 57

Figura 16 – Métodos de elevar paredes estruturais de tijolos............................. 58

Figura 17 – Concepção estética das paredes de tijolos...................................... 59

Figura 18 – Modelo do comportamento estático de uma parede de alvenaria.... 85

Figura 19 – Muro da fachada posterior da Capela de Nossa Senhora do

Vencimento......................................................................................................... 89

Figura 20 – Base do muro da fachada posterior da Capela de Nossa Senhora

do Vencimento..................................................................................................... 89
Figura 21 – Diagrama do fenômeno de esmagamento........................................ 90

Figura 22 – Fendilhamentos e rachaduras provenientes de movimentação

do terreno............................................................................................................ 93

Figura 23 – Comportamento de lesões (em vermelho) por diversos tipos de

recalque ou rotação............................................................................................. 95

Figura 24 – Comportamento de lesões (em vermelho) por esforços

adicionais ou perda de coesão............................................................................ 95

Figura 25 – Gráfico Tensão/Deformação de materiais elástico-lineares (a)

e elásticos (b)....................................................................................................... 98

Figura 26 – Acelerômetro/Geófono disponível no NTPR-UFBA.......................... 107

Figura 27 – Martelo munido de transdutor de força............................................. 107

Figura 28 – Velocímetro disponível no NTPR-UFBA .......................................... 107

Figura 29 – Osciloscópio disponível no NTPR-UFBA.......................................... 107

Figura 30 – Ensaios sônicos por transmissão direta........................................... 108

Figura 31 – Ensaios sônicos por propagação de superfície................................ 108

Figura 32 – Relações para determinação da profundidade de fissuras,

brechas e rachaduras com a utilização do método Sônico.................................. 108

Figura 33 – Exemplo de posicionamento dos pontos para execução de ensaios


sônicos.................................................................................................................. 109

Figura 34 – Tipo de resultado obtido pelo ensaio sônico..................................... 109

Figura 35 – Ábaco para determinar a resistência à compressão......................... 110

Figura 36 – Ábaco para determinar o módulo de elasticidade............................. 110

Figura 37 – Termocâmera disponível no NTPR na Escola Politécnica(UFBA)... 112

Figura 38 – Imagem obtida através da termocâmera.......................................... 112

Figura 39 – Serra K600 Husqvarna, para corte de parede.................................. 114

Figura 40 – Unidade acionadora da serra de corte.............................................. 114

Figura 41 – Bases de medição desenvolvidas pelo NTPR.................................. 114


Figura 42 – Bases de medição NOVATEST........................................................ 114

Figura 43 – Deformômetro elaborado pelo NTPR............................................... 115

Figura 44 – Deformômetro NOVATEST............................................................... 115

Figura 45 – Macacos planos retangulares........................................................... 115

Figura 46 – Bomba hidráulica.............................................................................. 115

Figura 47 – Seção mostrando as etapas para execução do ensaio com

macaco plano simples.......................................................................................... 117

Figura 48 – Relação entre o corte da serra (circular) e o macaco plano

(retangular)........................................................................................................... 118

Figura 49 – Guia de posicionamento das bases de medição, para

deformômetro NOVATEST................................................................................... 119

Figura 50 – Fiadas de medição para o ensaio de macacos planos duplos.......... 120

Figura 51 – Diversos posicionamentos para as bases de medição...................... 120

Figura 52 – Exemplo de Gráfico esforço/deformação, obtido com o ensaio

de macacos planos .............................................................................................. 121

Figura 53 – Aparelho endoscópio......................................................................... 124

Figura 54 – Tipo de resultado obtido por meio da endoscopia (1)....................... 124

Figura 55 – Tipo de resultado obtido por meio da endoscopia (2)....................... 124

Figura 56 – Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo......................... 126

Figura 57 – Antigo prédio da Companhia Circular de Carris da Bahia................. 126

Figura 58 – Montagem de fotos aéreas mostrando a localização da Igreja: 1 –


Salvador; 2 – Centro Histórico de Salvador; 3 – Bairro do Carmo/Passo............ 127

Figura 59 – Plantas publicadas no Inventário de Proteção do Acervo

Cultural da Bahia (IPAC/SIC)............................................................................... 128

Figura 60 – Indicação de rachaduras na fachada nordeste da Igreja, foto

de 1951................................................................................................................ 129
Figura 61 – Indicação de rachaduras internas, em concordância com as
externas, foto de 1951......................................................................................... 129

Figura 62 – Grampeamento das rachaduras externas, foto de 1954.................. 129

Figura 63 – Grampeamento das rachaduras internas, foto de 1954................... 129

Figura 64 – Fissura interna individualizada após o desmonte do retábulo.......... 130

Figura 65 – Rachadura interna individualizada após o desmonte do retábulo.... 130

Figura 66 – Rachadura encontrada após prospecção de fundação.................... 130

Figura 67 – Rachadura da parede da Capela-Mor, no mesmo alinhamento

das patologias anteriores.................................................................................... 130

Figura 68 – Posições dos principais danos encontrados na Igreja do Passo

(em vermelho)...................................................................................................... 131

Figura 69 – Plantas baixas mostrando os resultados dos ensaios efetuados


com georradar no corredor lateral esquerdo........................................................ 132

Figura 70 – Planta baixa com a localização dos ensaios.................................... 133

Figura 71 – Ensaio de transmissão direta em parede de alvenaria mista

– US5................................................................................................................... 134

Figura 72 – Ensaio de transmissão direta em parede de pedra – US4............... 134

Figura 73 – Ábaco de resistência à compressão das alvenarias de pedra

de arenito............................................................................................................ 137

Figura 74 – Ábaco do módulo de elasticidade das alvenarias de pedra

de arenito............................................................................................................. 137

Figura 75 – Lesão analisada para E1, T1............................................................ 139

Figura 76 – Maior dimensão do dano em E1,T1.................................................. 139

Figura 77 – Resultado E1, demonstrando a pouca profundidade da lesão......... 140

Figura 78 – Resultado T1, não apresentando variação de temperatura............. 140

Figura 79 – Lesão analisada e sua maior dimensão, para E2, T2....................... 141

Figura 80 – Aplicação da técnica endoscópica na lesão, para E2, T2................ 141


Figura 81 – Resultado E2, demonstrando a profundidade da lesão.................... 141

Figura 82 – Resultado T2, não apresentando variação de temperatura

da alvenaria.......................................................................................................... 141

Figura 83 – Lesão analisada, e sua maior dimensão, para E3, T3...................... 142

Figura 84 – Aplicação da técnica endoscópica na lesão, para E3, T3................ 142

Figura 85 – Resultado E3, demonstrando a profundidade da lesão e

a irregularidade da constituição da argamassa................................................... 143

Figura 86 – Resultado T3, não apresentando variação de temperatura da

Alvenaria.............................................................................................................. 143

Figura 87 – Lesão analisada e sua maior dimensão, para E4, T4....................... 144

Figura 88 – Aplicação da técnica endoscópica na lesão..................................... 144

Figura 89 – Resultado E4, demonstrando alto risco estrutural e existência

de conchas na argamassa (setas vermelhas)..................................................... 144

Figura 90 – Resultado T4, apresentando variação de temperatura na lesão,

o que determina alta presença de umidade......................................................... 144

Figura 91 – Constituição material da parede lesionada. Alvenaria mista de

pedras e tijolos argamassados............................................................................ 145

Figura 92 – Resultado T5 demonstra faixa de umidade causada,

provavelmente por tubulação escondida............................................................. 145

Figura 93 – Maior dimensão da lesão, para o ensaio T5..................................... 146

Figura 94 – Montagem de figuras mostrando a localização do prédio: 1

– Salvador; 2 – Centro Histórico de Salvador; 3 – Bairro da Sé com o prédio

da Companhia marcado em amarelo .................................................................. 148

Figura 95 – Antiga estribaria da Companhia Circular de Carris da Bahia........... 149

Figura 96 – Edifício eclético construído no mesmo local da antiga estribaria..... 149

Figura 97 – Planta do pavimento térreo do antigo prédio da Companhia

Circular de Carris da Bahia, mostrando planta irregular..................................... 149


Figura 98 – Parede ensaiada na Escola Politécnica da UFBA............................ 150

Figura 99 – Revestimento retirado e guia de corte posicionada.......................... 151

Figura 100 – Pontos fixados na parede ensaiada................................................ 152

Figura 101 – Medição entre os pontos fixados na parede ensaiada................... 152

Figura 102 – Macaco plano inserido na parede ensaiada................................... 153

Figura 103 – Macaco plano conectado à bomba hidráulica e medição do

retorno ao estado inicial....................................................................................... 154

Figura 104 – Localização dos ensaios no antigo prédio da Companhia

Circular de carris da Bahia................................................................................... 157

Figura 105 – Parede proposta para aplicação dos ensaios de macacos

planos.................................................................................................................... 157

Figura 106 – Modificação da geometria da parede com abertura de vão............ 157

Figura 107 – Execução de ensaios sônicos para avaliação mecânica

de pedras mais escuras........................................................................................ 158

Figura 108 – Execução de ensaios sônicos para avaliação mecânica

de pedras mais claras........................................................................................... 158

Figura 109 – Resultados obtidos por meio do ábaco de resistência à

compressão das pedras........................................................................................ 159

Figura 110 – Resultados obtidos por meio do ábaco do módulo

de elasticidade das pedras.................................................................................. 159

Figura 111 – Definição da primeira horizontal de corte, marcado

em vermelho......................................................................................................... 161

Figura 112 – Marcação e colagem das bases de medição.................................. 161

Figura 113 – Medição da distância entre bases coladas ao muro........................ 161

Figura 114 – Corte da alvenaria com serra diamantada....................................... 163

Figura 115 – Macaco plano inserido na alvenaria................................................ 163

Figura 116 – Medição das distâncias das bases.................................................. 163


Figura 117 – Gráfico das pressões obtidas para o retorno da alvenaria a

seu estado inicial, por base de medição............................................................... 163

Figura 118 – Realização do corte superior para inserção do macaco plano........ 164

Figura 119– Dois macacos planos conectados para a realização de ensaio

de compressão monoaxial.................................................................................... 164

Figura 120 – Medição preliminar das bases localizadas na porção de

alvenaria entre os macacos planos...................................................................... 164

Figura 121 – Fissuras na alvenaria, após aplicação dos macacos planos........... 164

Figura 122 – Gráfico tensão/deformação para B1 e equação da reta

tangente à curva.................................................................................................. 166

Figura 123 – Gráfico tensão/deformação para B2 e equação da reta

tangente à curva................................................................................................... 166

Figura 124 – Área da parede ensaiada apresentando variação de

temperatura devido ao corte molhado da serra diamantada............................... 167

Figura 125 – Temperatura da parede em condições normais............................. 167


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Resumo nosso mostrando as fórmulas de Rondelet,

interpretadas por Émile Barberot ...................................................................... 48

Quadro 2 – Quantidade de materiais necessários para a construção de uma

braça cúbica de alvenaria ................................................................................. 55

Quadro 3 – Classificação da capacidade mecânica das pedras, de acordo

com sua resistência ........................................................................................... 71

Quadro 4 – Resistência à compressão das argamassas após 90 dias

de produção ....................................................................................................... 80

Quadro 5 – Classificação dos danos em edificações......................................... 92

Quadro 6 – Valores de referência para compressão e elasticidade de

alvenarias .......................................................................................................... 99

Quadro 7 – Coeficientes de melhoramento........................................................ 100

Quadro 8 – Pesos e tensões de esmagamento para diversos tipos de

muros.................................................................................................................. 101

Quadro 9 – Classificação dos danos causados por ensaios destrutivos e

não destrutivos.................................................................................................... 104

Quadro 10 – Parâmetros responsáveis pelo comportamento térmico dos

materiais ............................................................................................................. 111

Quadro 11 – Resultados da aplicação de ensaios sônicos nas paredes da

Igreja do Passo .................................................................................................. 135

Quadro 12 – Valores obtidos com o ensaio com macacos planos simples ....... 163

Quadro 13 – Valores obtidos com o ensaio com macacos planos duplos ......... 165

Quadro 14 – Resultados da aplicação de ensaios com macacos planos

em Bragança ....................................................................................................... 170


Quadro 15 – Resultados finais da aplicação de macacos planos no antigo

prédio da Companhia Circular de Carris ............................................................. 171

Quadro 16 –Resultados da aplicação dos macacos planos em diversos

tipos de alvenarias ............................................................................................... 171


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ASTM American Society for Testing and Materials

CEN Comité Européen de Normalisation

IPAC Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

NBR Norma Brasileira

NTPR Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração

PPGAU Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

RILEM Réunion Internationale des Laboratoires et Experts des Matériaux

UFBA Universidade Federal da Bahia

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 21
1.1 JUSTIFICATIVA................................................................................. 21
1.2 OBJETIVOS....................................................................................... 24
1.3 METODOLOGIA................................................................................ 25

2 DA ARTE DE MURAR...................................................................... 27
2.1 DEFINIÇÕES GERAIS SOBRE OS MUROS.................................... 27
2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DE MURAR SEGUNDO OS
ANTIGOS........................................................................................... 31
2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DE MURAR NA BAHIA E NO
BRASIL.............................................................................................. 49

3 DAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E MECÂNICAS DOS


MUROS............................................................................................. 62
3.1 OS MATERIAIS................................................................................. 62
3.1.1 A pedra............................................................................................. 62
3.1.1.1 Caracterização dos tipos de pedra utilizados na Bahia e no Brasil
colonial............................................................................................... 63
3.1.1.2 Propriedades físicas das pedras mais comuns, utilizadas nas
alvenarias antigas.............................................................................. 65
3.1.1.2.1 Granitos............................................................................................. 65
3.1.1.2.2 Arenitos.............................................................................................. 67
3.1.1.2.3 Calcários dolomíticos......................................................................... 68
3.1.1.2.4 Lioz.................................................................................................... 70
3.1.1.3 Generalidades físicas e mecânicas a serem levadas em
consideração para a determinação das características das pedras.. 71
3.1.2 Os tijolos.......................................................................................... 73
3.1.2.1 Os adobes......................................................................................... 75
3.1.2.2 Tijolos ordinários e refratários........................................................... 75
3.1.2.3 Generalidades físicas e mecânicas a serem levadas em
consideração para a determinação das características dos tijolos... 76
3.1.3 As argamassas................................................................................ 78
3.2 O COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DOS MUROS ANTIGOS E
SUAS GRANDEZAS FÍSICAS........................................................... 81
3.2.1 Questões básicas: ações, momentos e estabilidade de um
muro.................................................................................................. 82
3.2.2 Patologias que afetam a estabilidade da estrutura...................... 86
3.2.2.1 Diminuição da seção do muro........................................................... 88
3.2.2.2 Esmagamento.................................................................................... 89
3.2.2.3 Movimentos de fundações e muros................................................... 91
3.2.3 Grandezas importantes e valores de referência........................... 96

4 TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO........................................................ 103


4.1 TIPOS DE ENSAIOS......................................................................... 103
4.2 METODOLOGIA DE REALIZAÇÃO DOS ENSAIOS........................ 106
4.2.1 Ensaios sônicos.............................................................................. 106
4.2.2 Termografia...................................................................................... 111
4.2.3 Ensaio com macacos planos.......................................................... 113
4.2.3.1 Normatização..................................................................................... 116
4.2.3.2 Medição do estado de tensão do muro (macacos planos simples)... 116
4.2.3.3 Medição das características de deformabilidade (macacos planos
duplos)............................................................................................... 119
4.2.3.4 Outras considerações com relação ao ensaio de macacos planos... 122
4.2.4 Endoscopia...................................................................................... 123

5 PRÁTICA: O OBJETO E A APLICAÇÃO DOS ENSAIOS............... 126


5.1 IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA RUA DO PASSO... 127
5.1.1 Proposta de aplicação das técnicas na Igreja do Passo............. 133
5.1.2 Aplicação dos ensaios na Igreja do Passo................................... 134
5.1.2.1 Ensaios sônicos................................................................................. 134
5.1.2.1.1 Discussão dos resultados para ensaios sônicos............................... 135
5.1.2.2 Ensaios de endoscopia e ensaios térmicos....................................... 137
5.1.2.2.1 Discussão dos resultados para ensaios com endoscópio e
Termografia....................................................................................... 146
5.2 O ANTIGO PRÉDIO DA COMPANHIA CIRCULAR DE CARRIS DA
BAHIA................................................................................................ 147
5.2.1 Testes preliminares com macacos planos.................................... 150
5.2.1.1 Procedimento preliminar ao teste...................................................... 151
5.2.1.2 Execução do ensaio com macaco simples........................................ 153
5.2.1.3 Problemas observados na execução do ensaios.............................. 155
5.2.1.5 Resultados......................................................................................... 155
5.2.2 Ensaios pouco destrutivos no antigo prédio da Companhia
Circular de Carris da Bahia............................................................. 156
5.2.2.1 Aplicação de inspeção visual e ensaios sônicos para definição
física do muro e avaliação física e mecânica dos componentes
singulares da alvenaria...................................................................... 156
5.2.2.2 Aplicação dos macacos planos para definição das características
mecânicas da alvenaria..................................................................... 160
5.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS EM CONCORDÂNCIA COM
PESQUISAS EUROPEIAS................................................................ 167

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 173


REFERÊNCIAS................................................................................. 180
APÊNDICES...................................................................................... 186
APÊNDICE A..................................................................................... 186
APÊNDICE B..................................................................................... 191
ANEXO.............................................................................................. 194
21

1 INTRODUÇÃO

1.1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

É sabido que, antes de qualquer intervenção de conservação ou restauro do


patrimônio edificado, é fundamental avaliar o status quo da edificação a ser
recuperada, com a determinação geral dos comportamentos dos elementos
construtivos que compõem o monumento, para a definição dos melhores
procedimentos de reabilitação da construção. Com isso, faz-se necessária a
utilização de novos materiais, com comportamentos similares aos preexistentes,
para serem utilizados na ação de recuperação da obra em questão.
Com o intuito de obter esse diagnóstico, diversos tipos de técnicas destrutivas,
pouco destrutivas e não destrutivas, in situ ou em laboratório, são necessários para
obtenção de dados representativos da situação do edifício. Adquirir essas
informações torna-se um desafio complexo, no caso de alvenarias mistas,
caracterizadas por elevada heterogeneidade e, consequentemente, comportamentos
diferentes sob as mesmas ações. Nessas condições, os edifícios de valor histórico-
cultural exigem métodos de naturezas diferentes para seu diagnóstico, como relata
Cóias:

A caracterização de uma construção para avaliar seu actual estado e


prever o seu comportamento é, mormente se ela for antiga, uma
tarefa muito complexa, que requer engenheiros experientes e
conhecedores desta área, dotados de modernas ferramentas de
análise, e um conhecimento adequado das características relevantes
do protótipo.1

Muitas vezes, as causas da degradação não estão associadas a um só motivo,


e diversos fatores podem gerar sintomas diferentes no prédio, o que proporciona,
em inúmeras ocasiões, interpretações errôneas dos danos. Portanto, o
reconhecimento e a análise correta dos problemas das edificações antigas
dependem diretamente da confiabilidade das técnicas de diagnóstico.
Sabe-se que os métodos destrutivos, para avaliação de uma estrutura, são
inerentemente limitados, uma vez que o número de corpos de prova retirados deve

1
CÓIAS, V. Inspecções e ensaios na reabilitação de edifícios. 2. ed. Lisboa: IST Press, 2006. p. 9.
22

ser reduzido e de pequenas dimensões, para não gerar dano maior à parede já
afetada. Além disso, essas amostras podem sofrer avarias durante o processo de
remoção e transporte até o lugar onde serão avaliadas, resultando em dados
inconsistentes. Dessa forma, ensaios pouco destrutivos e não destrutivos têm sido
desenvolvidos, nos últimos anos, para avaliar o comportamento estrutural das
alvenarias. Segundo Buffarini e colaboradores2, entre essas técnicas, podem-se citar
as principais:

1 – georradar;

2 – métodos sônicos;

3 – termografia;

4 – fotogrametria;

5 – análise de dureza superficial;

6 – macacos planos;

7 – análise vibratória mediante uso de acelerômetros;

8 – endoscopia;

9 – controle da evolução do quadro fissurativo.

Entre esses ensaios, destaca-se o uso dos macacos planos (flat jacks), que
vem sendo difundido em toda a Europa, principalmente na Itália e em Portugal, e
que visa avaliar o estado físico e mecânico das alvenarias antigas, já que permite
definir, in situ, o estado de tensão local instalado em determinada parede, bem como
estimar o módulo de elasticidade, o coeficiente de Poisson3 e a capacidade
resistente à compressão.
Nas intervenções de consolidação e de restauro estrutural, é fundamental
conhecer as características mecânicas de deformação e resistência dos materiais
que constituem determinado muro. Dominar os referidos parâmetros antecipa, ao
projetista, uma prévia da resposta da alvenaria em função do estado de solicitação,
dando respaldo à pesquisa sobre a melhor forma de conter o eminente colapso do

2
BUFFARINI,S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura. Roma: EPC LIBRI, 2010.
3
Relação entre a deformação transversal e longitudinal.
23

sistema. Adicionalmente, permite o correto projeto dos elementos consolidantes,


evitando o superdimensionamento ou subdimensionamento das estruturas de
reforço.
Ao contrário dos métodos destrutivos, os ensaios não destrutivos são de
grande importância para a obtenção de resultados qualitativos no diagnóstico,
principalmente no que diz respeito à localização de umidade, falhas e dilatações no
muro. Entre esses métodos, podem-se destacar o ensaio sônico, a endoscopia e a
termografia. Os dois primeiros têm por objetivo avaliar as características físicas da
alvenaria, e o terceiro visa identificar alterações térmicas e umidade na estrutura.
É relevante frisar a importância deste tema para o desenvolvimento de um
diagnóstico pouco invasivo, em relação aos métodos atuais de análise, que seja
menos prejudicial ao patrimônio edificado de nosso país. Faz-se necessária a
aplicação de ensaios menos danosos, com relação àqueles laboratoriais, que
possam dar subsídios ao projetista de conservação e, ao mesmo tempo,
proporcionar a autenticidade material do monumento, em concordância com a
relativamente recente4 “Carta Patrimonial de Nara”, que, em seu artigo 12, diz:

Autenticidade, considerada desta forma e afirmada na Carta de


Veneza, aparece como principal fator de atribuição de valores. O
entendimento da autenticidade é papel fundamental dos estudos
científicos do patrimônio cultural, nos planos de conservação e
restauração, tanto quanto nos procedimentos de inscrição utilizados
pela Convenção do Patrimônio Mundial e outros inventários de
patrimônio cultural.5

Nesse âmbito, enquanto pesquisas europeias inclinam-se para a busca de


informações sobre o estado de conservação dos monumentos de forma mais
segura, com resultados mais fidedignos, o Brasil ainda precisa passar por um
processo de adequação à falta de recursos para se enquadrar no meio das
pesquisas não destrutivas.
Por fim, visto os argumentos supracitados, ressalta-se a relevância desta
pesquisa para a elaboração correta do diagnóstico, fundamentado em técnicas
científicas, para identificar a adequada solução para os edifícios de valor cultural,
minorando a degradação do patrimônio histórico.

4
No ano de finalização desta dissertação, a Carta de Nara completará 22 anos.
5
UNESCO, ICCROM, ICOMOS. Conferência de Nara. In: CURY, I. (Org.). Cartas Patrimoniais.
Brasília: IPHAN, 2004. p.319-328.
24

A aquisição de diversos equipamentos para o diagnóstico pouco invasivo pelo


Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração (NTPR), localizado na
Escola Politécnica e coordenado pelo Prof. Mário Mendonça, é um grande passo
para a evolução das pesquisas deste método de trabalho no Brasil. Nesta esfera,
essa atividade vem-se desenvolvendo com maior ênfase, no referido laboratório,
sendo de extrema importância para a tecnologia da restauração na América Latina.

1.2 OBJETIVOS

O objetivo geral desta pesquisa foi compilar dados sobre a arte de murar, ao
longo dos anos, bem como analisar e aplicar técnicas de diagnóstico pouco ou não
destrutivas em duas alvenarias antigas, localizadas no Centro Histórico de Salvador.
Este estudo teve o intuito de avaliar a aplicabilidade das referidas técnicas e o
comportamento físico e mecânico de alvenarias antigas.Os testes executados foram
os ensaios de macacos planos, os métodos sônicos, a endoscopia e a termografia.
Adicionalmente, foram feitas análises comparativas dos resultados das técnicas
aplicadas com outros estudos histórico-científicos já levados a cabo na história.
Especificamente, os objetivos foram os seguintes:

1 – realizar levantamento bibliográfico e estudo histórico-crítico sobre as


maneiras de murar, ao longo dos anos, no mundo, no Brasil e na Bahia;

2 – definir os materiais constituintes das alvenarias antigas, suas


características físicas e mecânicas e as relações entre as propriedades e
peculiaridades de cada componente das paredes tradicionais;

3 – pesquisar e entender os danos mais comuns concernentes às alvenarias


tradicionais;

4 – identificar e estudar as grandezas físicas e mecânicas que atuam nesses


sistemas estruturais;

5 – entender o emprego e o funcionamento dos equipamentos para o


diagnóstico pouco ou não destrutivo, relatando, a seguir, a metodologia de
aplicação dos aparelhos utilizados na realização dos ensaios e as normas
25

internacionais que os regem. Adicionalmente, é fundamental o estudo da


relação dos referidos testes com ensaios complementares, não destrutivos;

6 – aplicar as técnicas estudadas, em especial, o teste com macacos planos,


visto sua característica semidestrutiva e seus resultados quantitativos sólidos,
com relação à mecânica de paredes tradicionais, como o valor de tensão,
resistência e módulo de elasticidade;

7 – interpretar os dados passados pelos ensaios para individualizar,


fisicamente, as características dos muros antigos.

1.3 METODOLOGIA

Baseado no objetivo principal e nos específicos supracitados, este trabalho é


desenvolvido em quatro capítulos, além das Considerações Finais. A metodologia de
pesquisa está esquematizada na Figura 1 a seguir.

Figura 1 – Esquema da metodologia de trabalho para a presente


dissertação

Fonte: Elaboração do autor (maio 2015).

Inicialmente, procurou-se refletir como historicamente o muro era trabalhado,


desde os escritos de Vitrúvio6, na Antiguidade Clássica, passando pelos

6
Marco Vitrúvio Pollio (Século I a.C.) foi um arquiteto e escritor romano que serviu ao Imperador de
Roma nos fins da República e primeiros anos do império latino, a ele dedicando seu tratado. Seu
26

renascenstistas e pesquisadores franceses e portugueses dos séculos XVIII e XIX,


até a contemporaneidade, com as recomendações da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT). Discutem-se, neste mesmo capítulo, os tipos gerais de
materiais e argamassas utilizados para construção no período colonial no Brasil
mais especificamente na Bahia. A análise dos tratados escritos no decurso da
história foi a base para o entendimento crítico sobre o tema.
No Capítulo 2, apresenta-se a mecânica dos principais elementos construtivos
utilizados para a edificação de muros antigos: as diversas pedras encontradas em
terras baianas e suas resistências; tijolos e elementos ligantes; e a relação desses
materiais ao serem associados para a construção das paredes resistentes.
Nesse mesmo capítulo, são expostas as grandezas atuantes em uma estrutura
antiga e analisada sua influência na mecânica dos muros de monumentos de
interesse cultural, além da identificação de quais parâmetros físicos devem ser
obtidos para o cálculo da consolidação estrutural de alvenarias, que já não se
encontram mais em total integridade.
No Capítulo 3, apresenta-se uma reflexão sobre os ensaios semi e não
destrutivos. Dá-se atenção prioritária ao teste com macacos planos, às normas que
devem ser utilizadas, aos aparelhos a serem empregados e como deve ser
executado o referido teste. Individualiza-se, também, o método de execução dos
ensaios sônicos, da termografia e da endoscopia.
No Capítulo 4, faz-se uma descrição das características físicas dos edifícios
que foram objetos dos testes, indicando os sistemas construtivos, danos e
justificativa da escolha desses exemplares. Apresenta-se, também, a realização dos
ensaios abordados nos capítulos anteriores, demonstrando, por fim, os resultados
do diagnóstico pouco ou não destrutivo. Neste mesmo capítulo, reflete-se sobre os
valores e imagens obtidos, por meio dos referidos ensaios, relacionando esses
parâmetros com as grandezas estudadas nos capítulos anteriores e com testes
efetuados em outras pesquisas europeias.
Finalmente, discute-se a confiabilidade das técnicas de avaliação semi e não
destrutivas utilizadas e seu papel para a consolidação e restauração dos
monumentos antigos.

texto De Architectura foi a base para praticamente todos os tratados de arquitetura que surgiram na
história.
27

2 DA ARTE DE MURAR

O conhecimento das características físicas e mecânicas de uma estrutura


antiga é um trabalho laborioso que, inicialmente, assim como o estudo do
monumento a ser restaurado, exige extensa pesquisa histórica da forma como foi
edificado e das vicissitudes por que passou. Sabe-se, no entanto, que a tecnologia
da construção evoluiu em torno de materiais clássicos da construção, como a terra,
a pedra, a cal, a madeira e, nos últimos séculos, o cimento Portland.
O estudo histórico desses materiais e de como eles foram trabalhados para dar
luz às diversas arquiteturas, durante o desenvolvimento das civilizações, é de
grande importância para o progresso da disciplina da tecnologia da restauração. O
arquiteto Paolo Marconi relata:

Studi di storia delle tecniche di costruzione e manutenzione


premoderne ci stanno dando indicazioni utili sull'orientamento che
dovrebbero seguire le ricerche analitiche, non solo chimico-fisiche,
ma anche di scienza delle costruzione. [...] Così molti strutturisti
militanti cominciano a coltivare un'ottica di intervento più partecipe
della fisiologia dei monumenti, e meno distruttiva di quelle correnti.7

Nesse contexto, o conhecimento das diversas maneiras em que foram


estruturados os edifícios é o ponto inicial do estudo das técnicas de diagnóstico,
portanto, o presente capítulo tem por objetivo analisar a arte de murar ao longo da
história, na ótica de teóricos antigos e contemporâneos, assim como definir
conceitos importantes sobre esse sistema construtivo.

2.1 DEFINIÇÕES GERAIS SOBRE OS MUROS

É fato que diversas civilizações desenvolveram formas diferentes de edificar


suas casas e seus monumentos. Influenciada pelo ambiente onde se fixava, cada
7
“O estudo da história das técnicas de construção e manutenção pré-modernas estão nos dando
indicações úteis sobre as orientações que devem seguir as pesquisas analíticas, não só químico-
físicas, mas também de ciência da construção. [...] Assim, muitos estruturalistas militantes começam
a cultivar uma ótica de intervenção mais participativa da fisiologia dos monumentos e menos
destrutivas que as atuais” (MARCONI, P. Dal piccolo al grande restauro: colore, struttura, architettura.
4. ed. Venezia: Marsilio, 1988. p. 164. Tradução nossa).
28

sociedade construía e adaptava-se, frequentemente, em concordância com os


materiais disponíveis em sua região.
Apesar do conhecimento histórico sobre as diferentes maneiras de erguer
monumentos ao longo dos tempos, é fato que, de todos os componentes de um
prédio tradicional, a alvenaria, talvez, seja o elemento mais representativo da arte de
edificar e, de certa forma, demonstra-se como denominador comum entre inúmeras
culturas construtivas. Essa similaridade é ainda mais evidente quando se
especificam as numerosas vantagens e aplicações da construção portante, sobre as
quais, certamente, os povos antigos e modernos8 possuíam conhecimento e o
aplicaram amplamente ao longo da história.
Os benefícios desse sistema construtivo são citados por Pereira9, quando
afirma que as alvenarias apresentam algumas vantagens como: "bom
comportamento ao fogo; bom comportamento térmico; bom isolamento acústico;
elevada durabilidade"10. Aliadas às grandes espessuras que possuíam os muros
antigos, essas características eram maximizadas. Adicionalmente, trata-se de um
sistema fácil de ser reproduzido e de simples aprendizagem pelos executores, não
requerendo mão de obra muito especializada.
Outrossim, com os muros portantes, foi possível simplificar o trabalho das
primeiras sociedades, na medida em que determinavam, ao mesmo tempo,
estruturas, tetos e divisórias11. As paredes resistentes contribuem, também, para o
aspecto econômico da obra, visto sua grande durabilidade, e para o aspecto estético
de sua composição, uma vez que podem ser trabalhadas em diversas formas.
Definem-se, então, para esta dissertação, os três principais grupos gerais, com
relação à forma de construção das paredes antigas ou novas, sendo eles:

1 – muros em monobloco;
8
Quando se fala, nesta dissertação, sobre os povos modernos, é importante não confundir com o
período da dita arquitetura moderna, que tem seu auge no início do século XX. A Era Moderna em
referência começa, historicamente, após a Queda de Constantinopla pelos turcos otomanos, em
1453, e termina com a Revolução Francesa nos fins do século XVIII. Em arquitetura, o início da Era
Moderna pode ser chamado de período renascentista, que começa com a construção da cúpula da
Basílica de Santa Maria Del Fiore por Filippo Brunelleschi, concluída em 1436.
9
PEREIRA, P. L. S. O comportamento da alvenaria de pedra ao esforço de corte: Relatório técnico.
Guimarães, Portugal: Escola de Engenharia da Universidade do Minho, 2003. Disponível em:
<www.yumpu.com/pt/document/view/34505199/comportamento-da-alvenaria-de-pedra-ao-esforço-de-
corte>. Acesso em: 20 jan. 2014.
10
Id., ibid., p. 6.
11
MÜLLER, W.; VOGEL, G. Atlante di Architettura: dalle origini all’era cristiana. 4.ed. Tradução para o
italiano de Enrico Gualini, Hellmut Riedger e Luca Trentini. Milano: Hoelpi, 2009. v.1.
29

2 – muros de alvenaria

3 – muros construídos com técnicas mistas.

Dentro dos três conjuntos supracitados, podem-se, ainda, destacar duas


diferentes funções desses sistemas construtivos, tais quais:

1 – paredes que compartilham a função portante e de fechamento;

2 – paredes de fechamento, não portantes.

Os muros em monobloco são componentes da edificação que são erguidos por


meio de uma composição com apenas um elemento construtivo básico ou são
moldados e produzidos mediante a inserção de um tipo de material entre formas, as
quais são removidas (ou não), após aplicação da técnica. O supracitado sistema de
construção pode estruturar-se pelo seu peso próprio ou, por vezes, valer-se de
outros suportes para se manter em pé.
A edificação de paredes em monobloco foi amplamente utilizada pelas
civilizações antigas, ao longo dos séculos, sendo as construções em pedra, o
concreto e os monumentos erguidos em terra os principais representantes deste
grupo. Nesse contexto, destaca-se a técnica da taipa de pilão (Figuras 2 e 3),
sistema largamente utilizado no período colonial, sobretudo nas construções latino-
americanas.

Figura 2 – Seção de uma forma para Figura 3 – Perspectiva da construção de


construção de muros em taipa de pilão uma parede de taipa de pilão

Fonte: Leitão (1896, p.243). Fonte: Leitão (1896, p.243).


30

Com a evolução das técnicas industriais e o surgimento do cimento Portland,


no primeiro quartel do século XIX, foi possível a criação e execução de divisórias de
concreto ou argamassa, ampliando a miríade de possibilidades de construção de
paredes em monobloco.
Já os muros em alvenaria constituem-se em composições de diversos
elementos construtivos, coesos entre si, formando um sistema homogêneo de
materiais, por vezes, heterogêneos. Na época colonial, eram executados com
pedras naturais, ou tijolos, ou mesmo uma composição destes dois elementos
construtivos. Esses materiais podem ser assentados com ou sem argamassa, em
fiadas regulares ou irregulares, que, conforme o sistema, vai-se estabelecendo e se
sobrepondo, tornam-se mais coesas, devido à atuação do peso próprio do muro.
Dentro dessa segunda categoria, é possível citar as alvenarias de pedra, alvenarias
mistas (Figura 4), as paredes de adobes, tijolos cozidos (Figura 5) ou os mais
recentes blocos perfurados.

Figura 4 – Perspectiva de uma Figura 5 – Representação de uma vista de um muro


alvenaria mista de tijolos cozidos

Fonte: Leitão (1896, p.234). Fonte: Leitão (1896, p.235).

O terceiro grupo diz respeito a muros construídos com técnicas mistas como o
Opus implectum, por exemplo, que se trata de sistema de alvenaria de blocos, em
sua face externa, com diversos tipos de enchimento, os quais podem ser, inclusive,
monoblocos.
Conhecer os três principais modos de edificar paredes é o primeiro passo para
o conhecimento da arte de murar ao longo da história. O método utilizado para
erguer os supracitados sistemas, no decurso do desenvolvimento das civilizações, e
o porquê do emprego dessa técnica de construção de paredes constam dos tratados
31

de arquitetura e dos relatos deixados pelos antepassados que foram trabalhados a


seguir. Além disso, a própria experiência de análise visual ou laboratórial dos
vestígios arqueológicos é responsável por esse depoimento importante para a
ciência da restauração.

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DE MURAR SEGUNDO OS ANTIGOS

Os testemunhos da arte de murar no mundo antigo não são poucos. A divisão


dos ambientes com muros já é representada em planta pela civilização babilônica
desde, aproximadamente, dois mil anos antes de Cristo, enquanto os etruscos, um
milênio depois, utilizavam em larga escala suas espessas paredes para apoiar um
dos elementos construtivos mais importantes da história da arquitetura, o arco e os
sistemas abobadados.

L’arco serve a coprire senza sotegni intermediarie le opere dell’opera


muraria. La sua logica costruttiva si lega a una grande forza
espressiva, basata sul contrasto tra la chiusura del muro e l’apertura,
e sulla chiarezza geometrica della forma a semicerchio. L’architettura
ricorre in modo diffuso a murature massicce. Nell’evoluzione di un
stile massiccio omogeneo, l’arco e la volta constituiscono gli elementi
costruttivi fondamentali.12

Não obstante a importância e o legado da forma de edificar dos antigos


sumérios, babilônicos, egípícios, gregos, entre outros, para o estudo dos muros
antigos, na presente dissertação, faz-se necessária uma análise mais apurada do
desenvolvimento da engenharia romana, a qual teve fortes bases no modo de
construir etrusco e se expandiu como o seu império, deixando raízes profundas na
cultura construtiva ocidental. Como tal, esse modo de construir não poderia deixar
de influenciar a arquitetura portuguesa, a de suas colônias e, posteriormente, o
modo de edificar das ordens religiosas e dos engenheiros militares brasileiros. As
considerações referentes às técnicas de elevar paredes, segundo os antigos, leva a

12
“O arco tem a função de cobrir, sem sustentações intermediárias, as obras em alvenaria mural. A
sua lógica construtiva diz respeito à grande força expressiva, baseada no contraste entre as
aberturas e os fechamentos dos muros com a clareza geométrica do semicírculo. A arquitetura
recorre de modo difuso aos muros maciços. Na evolução de um estilo maciço homogêneo, o arco e a
abóboda constituem-se como elementos construtivos fundamentais” (MÜLLER, W.; VOGEL, G.
Atlante di Architettura ..., op. cit., p.195. Tradução nossa).
32

entender os monumentos que serviram de base para o estudo dos métodos


aplicados ao diagnóstico não destrutivo.
Os arquitetos latinos são responsáveis pela evolução acentuada das técnicas
construtivas, através do uso da cal adicionada de material pozolânico13, e,
consequentemente, do desenvolvimento do concreto antigo14. Além disso, os
construtores do Império Romano elevaram a estreita conexão da técnica e da
estética a um nível muito superior aos seus predecessores. Auguste Choisy, em seu
livro L’art de bâtir chez le romains15, publicado em 1873, revela que “le romans
surent apercevoir toutes les resources qu’un moyen d’execution aussi simple pouvait
offrir à l’art”16 e que “jamais, avant l’epoque romaine, on n’avait songé a fonder sur
l’emploi de pareil éléments un systéme de construction monumental”17, criando
assim nova linguagem arquitetônica, que deixou importante legado para a sociedade
ocidental, através dos inúmeros tratados de arquitetura que foram publicados ao
longo da história. O estudo dos textos desses teóricos latinos nos dão respostas até
hoje, que vão desde a concepção do partido arquitetônico até ao comportamento
dos elementos construtivos e dos sistemas estruturais.
Sabe-se que o único ensaio literário de arquitetura da Antiguidade que
sobreviveu até os tempos atuais, é o trabalho De Architectura, de Marco Vitrúvio
Pollio, que serviu de ponto de partida para todos os outros estudos tratadísticos da
arte-mãe surgidos a partir de então. A composição desenvolve-se em dez livros e
revela-se como um manual de construção, sendo a arquitetura elevada ao nível de
ciência multidisciplinar, a qual se apoia em diversas áreas do conhecimento para a
concretização de seu objetivo.

A ciência do arquiteto é ornada de muitas disciplinas e de vários


saberes, estando a sua dinâmica presente em todas as obras

13
“Material de origem vulcânica, sua primeira reserva foi encontrada em Pozzuoli, região próxima a
Napoli, na Itália. A pozzolana confere hidraulicidade às argamassas [...] esta propriedade propicia sua
utilização em locais úmidos ou alagadiços. Por isso, era recomendada pelo mestre romano, e por
outros que lhe sucederam, na construção de portos. [...] O material apresenta elevada porosidade, o
que favorece a reação entre a pozolana e a cal extinta, com a formação de compostos
hidráulicos”(SANTIAGO, C. C. Argamassas tradicionais de cal. Salvador: EDUFBA, 2007, p. 143).
14
Tambem chamado de Opus caementicium
15
A arte de construir segundo os romanos (Tradução nossa).
16
“os romanos souberam perceber todos os recursos que um meio de execução tão simples podia
oferecer à arte” (CHOISY, A. L’art de bâtir chez les romains. Cópia em fac-símile. Bologna: Forni
Editore, 1873. p.12. Tradução nossa).
17
“nunca, antes da época romana, tinham pensado em utilizar tais elementos em um sistema de
construção monumental” (Id., ibid., p. 12. Tradução nossa).
33

oriundas das restantes artes. Nasce da prática e da teoria. A prática


consiste na preparação contínua e exercitada da experiência, a qual
consegue manualmente a partir da matéria, qualquer que seja a obra
de estilo cuja execução se pretende. Por sua vez, a teoria é aquilo
que podemos demonstrar explicar as coisas trabalhadas
proporcionalmente ao engenho e à racionalidade.18

Em meio a ensinamentos sobre Geometria, Matemática, Anatomia, Medicina,


Ótica, Acústica, Leis, Teologia, Astronomia e Meteorologia, Vitrúvio dedica o
segundo livro do ensaio à descrição dos materiais de construção, dos muros e das
técnicas construtivas. Entre relatos sobre as características, espécies e defeitos de
tijolos, areias, cal, pozolanas e pedras, o arquiteto latino descreve as tipologias
construtivas desenvolvidas pelos romanos. Nesse contexto, revela dois modelos
principais para a construção dos muros na antiguidade latina: o modelo reticulado19
e o modo incerto20, o qual é descrito como “antigo”21 e deselegante, porém mais
seguro.
Sabe-se, no entanto, que tanto a forma reticulada, maneira de construir
paredes por meio de blocos piramidais, quanto a construção em pedras irregulares
e, também, o modo de erguer paredes no Império Romano, em geral, seguiam certa
lógica de construção das alvenarias. Este padrão, chamado de Opus implectum,
amplamente utilizado, constituía-se na preparação de dois paramentos externos das
mais diversas maneiras, que serviam como fôrmas para o enchimento em Opus
caementicium.
A partir desses moldes, é possível citar diversos exemplos de tratamento da
camada externa das paredes, como o Opus quadratum, feito com tijolos em
conformação de paralelepípedo; o Opus mixtum, mistura de pedras irregulares e
tijolos variados, tratando-se da união das tipologias Opus reticulatum e Opus
incertum; Opus testaceum; Opus vitattum; Opus craticium, que se utiliza de
estruturas de madeira para a edificação de paredes; Opus siliceum, tratando-se de
alvenaria de pedras irregulares, sobrepostas sem a utlização de um elemento
ligante; Opus africanum; Opus spicatum; Opus tessellatum; Opus scutulatum, entre

18
POLLIO, V. Tratado de Arquitetura. Tradução, introdução e notas de M. Justino Maciel. São Paulo:
Martins, 2007. p.61.
19
Opus reticulatum.
20
Opus incertum ou Opus antiquum.
21
POLLIO, V. Tratado de Arquitetura, op. cit., p.136.
34

outras formas de edificar (Figura 6), que proporcionaram, aos arquitetos da época e
da era moderna, uma gama de soluções construtivas.

Figura 6 – Modos de edificar paredes segundo os romanos

Fonte: Elaboração do autor, a partir de Koch (2009, p. 99; 100)22.

Vitrúvio, em seu segundo livro, capítulo oito, também faz referência ao modo de
edificar os muros de acordo com os antigos gregos. Segundo o tratadista, os povos
do mar Egeu e entorno construíam de forma diferente dos romanos: “ordenando as
pedras horizontalmente e dispondo-as de modo alternado em comprimento e
espessura, não fazem enchimentos interiores”23.
No entanto, a influência de Vitrúvio na Antiguidade foi muito limitada. Crê-se
que o interesse no trabalho do arquiteto romano começa a crescer somente em
período pré-carolíngio, o qual é uma provável referência na obra Etymologiae, de
São Isidoro de Sevilha24. Outros manuscritos, como o do Abade Suger25 para a
reconstrução da Igreja de Saint-Denis e os escritos de Villard de Honnecourt26,

22
KOCH, W. Dicionário dos estilos arquitetônicos. Tradução de Neide Luzia de Rezende. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2009.
23
POLLIO, V Tratado de Arquitetura, op. cit., p.139.
24
Isidoro de Sevilha (560 d.C. – 636 d.C.). Cartaginês, Teólogo e Arcebispo de Sevilha. Escreveu um
compêndio de vinte livros sobre os saberes da Antiguidade clássica, o qual chamou de Etymologiae.
Foi canonizado em 1598 pela Igreja Católica.
25
Suger, Abade de Saint-Denis (1081 d.C. – 1151 d.C.). Realizou diversas obras na famosa Basílica
de Saint-Denis, entre as quais se destacam a reconstrução da fachada principal e as torres sineiras.
Seus escritos sobre o monumento e as intervenções na edificação são uns dos poucos documentos
de arquitetura que tiveram luz na Idade Média.
26
Villard de Honnecourt (viveu em torno de 1230 d.C.). Seu famoso Carnet trata das construções de
igrejas góticas do século XIII, embora dê mais ênfases às técnicas construtivas da época. Nessa
obra, podem se encontrar os desenhos da Catedral de Reims assim como de vários motivos
decorativos. Seu famoso tratado é conservado, atualmente, na Biblioteca Nacional da França.
35

apresentam claras alusões aos textos do tratadista romano. No entanto, as ideias de


Vitrúvio seriam concretamente retomadas com o humanismo do século XV, mais
precisamente, e pioneiramente, pela figura de Leon Battista Alberti27 através do
escrito De Re Aedificatoria28.
O tratado escrito por Alberti, em meados do Quattrocento italiano, deu a base
vitruviana aos teóricos da arquitetura que, ao longo dos anos, vieram a escrever
sobre a arte de construir. Nos dez livros, o escritor florentino29 disserta sobre os
materiais e os métodos construtivos nos tomos de número dois e três, sendo este
último intitulado Delle Opere30. Ao mesmo tempo, revela-se pioneiro ao falar sobre
restauração de monumentos no livro dez, o qual apresenta a premissa: “De diffeti
degli edificii, onde naschino, quali sieno quelli, che si possono corregere, e quai no,
dagli architettori, e quai cose sien quelle, che faccino cattiva ária”31.
Os escritos de Leon Battista Alberti são, sem dúvida, um marco para a história
da teoria da arquitetura e, provavelmente, é o ponto inicial para um dos mais
importantes escritores de arquitetura dos tempos modernos: Andrea Palladio da
Vicenza.
Nos fins do século XVI, na região do Veneto, Itália, os nobres mercadores
marítimos venezianos encontravam a primeira grande crise do comércio da “Perla
dell’Adriático”32, com o desenvolvimento das grandes navegações e, por
consequência, a diminuição do comércio nas rotas para o Oriente, que passavam
pela famosa cidade italiana. Nesse contexto, os ricos negociantes viam, na
agricultura do norte da península, a salvação da pobreza e a manutenção da riqueza
obtida ao longo dos anos no Mar Adriático. Esse cenário e a necessidade de

27
Leon Battista Alberti (1404 d.C. – 1472 d.C.), um dos pioneiros do Humanismo e Renascimento na
Itália, escreveu diversos tratados importantes para a arte, entre eles: Della Famiglia, Della Pittura,
Della Statua e De Re Aedificatoria.
28
“Da arte de construir” (Tradução nossa).
29
Giorgio Vasari, em sua obra famosa obra Le Vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti, faz
referência a Alberti como Architetto Fiorentino, no entanto, outras fontes indicam que o notável teórico
nasceu em Gênova, filho de exilados políticos de Florença.
30
Das obras (Tradução nossa). Alberti escreveu De Re Aedificatoria em língua latina, no entanto
usamos, nesta dissertação, a tradução de Cosimo Bartoli de 1782, a seguir indicada.
31
“Dos defeitos dos edifícios, de onde nascem e quais são aqueles que são possíveis, ou não, de
serem corrigidos pelos arquitetos, e quais fatores fazem mal ao ambiente” (ALBERTI, L. B. Della
Architettura – Della Pittura e Della Statua. Cópia em fac-símile. Tradução de Cosimo Bartoli e
comentários de Alessandro Pierattini. Roma: Dedalo, 2009. p.247. Tradução nossa).
32
“A Pérola do Adriático” é um dos apelidos da cidade de Veneza, referência ao mar que banha a
famosa urbe.
36

construir villas33 em zonas rurais fazem surgir um importante nome do classicismo


renascentista, Andrea Palladio.
O tratadista dedicou sua vida a cadastrar os monumentos romanos e a
construir casas para os ricos mercadores, que se mudavam da costa marítima para
cidades do interior do Veneto, em especial, Vicenza. No fim da vida, o arquiteto fixa
residência em Veneza e se dedica à arquitetura religiosa.
Um dos maiores legados que Andrea Palladio deixou para a sociedade
ocidental é o seu tratado de arquitetura I Quattro Libri Dell’Architettura34. A referida
obra é profundamente baseada nos livros de Serlio35 e Vignola36, que tinham como
ênfase a representação da prática do construir, com o apoio de xilogravuras e uma
linguagem de fácil compreensão pelos operários, algo que não acontecia, por
exemplo, no De Re aedificatoria, de Leon Battista Alberti.
A facilidade de interpretação do livro de Palladio ocasionou a difusão do modo
de construir romano, em larga escala, sendo a base para muitos tratados posteriores
e o nascimento do palladianismo, corrente muito difundida na Inglaterra, Estados
Unidos37 e Brasil. A importância dos quatro livros é relatada pelo teórico James
Ackerman:

Sparse per tutto Il mondo occidentale vi sono centinaia di migliaia di


abitazioni, di edifici pubblici e di chiese dalla facciata simmetrica, con
semicolonne sormontate da un frontone, che derivano dai progetti di
Andrea Palladio. Fra tutti gli architetti egli è stato Il piu largamente
imitato, ed è probabile che, da solo, abbia influito sullo svolgimento
dell’architettura inglese e americana piú di tutti gli altri maestri
rinascimentali messi insieme.38

33
Palavra italiana para definir casas de campo.
34
Os Quatro Livros da Arquitetura (tradução nossa). Lançados em Veneza, no ano de 1570 d.C.
35
Sebastiano Serlio (1475 d.C. – 1574 d.C.). Arquiteto e teórico bolonhês. Seu tratado I Sette Libri
dell’Architettura é um dos primeiros tratados a seguir uma linha de manual, sendo uma publicação
mais prática que teórica.
36
Jacopo Barozzi da Vignola (1507 d.C. – 1573 d.C.). Arquiteto e tratadista italiano, foi um dos
maiores representantes da arquitetura jesuítica em Roma. Seu tratado Regola delli cinque ordini
d'architettura foi publicado em 1562.
37
Principalmente pelos nomes do Lorde de Burlington (1694 d.C. – 1753 d.C.), no Reino Unido, e
Thomas Jefferson (1743 d.C. – 1826 d.C.), na América.
38
“Esparsas por todo o mundo ocidental, existem centenas de milhares de habitações, de edifícios
públicos e de igrejas com fachadas simétricas, com semicolunas coroadas por um frontão, que
derivam dos projetos de Andrea Palladio. Entre todos os arquitetos, ele foi o mais largamente imitado,
e é provável que, sozinho, tenha influenciado no desenvolvimento da arquitetura inglesa e americana
mais que todos os outros mestres do Renascimento juntos” (ACKERMAN, J. Palladio. Tradução de G.
Scattone. Torino: Einaudi, 1972. p. 3. Tradução nossa).
37

As imagens incluídas nos livros são de fundamental importância para a


caracterização de forma detalhada, pelo tratadista, de como deveriam ser edificadas
as paredes ao modo dos antigos.
Em seu famoso ensaio, o arquiteto descreve, no primeiro tomo, Capítulo IX, o
qual é intitulado “Delle Maniere De’ Muri”39, os mais diversos tipos de alvenarias,
começando pelo Opus reticulatum, já descrito por Vitrúvio e não mais utilizado no
tempo renascentista, e outras seis maneiras de murar que são utilizadas no período
maneirista. Palladio não dá nomes aos modos de construir, no entanto são bem
expostos e representados pelo arquiteto de acordo com a região em que se
encontram.
O segundo exemplo, além da forma reticulada, demonstra como uma alvenaria
feita de dois paramentos de tijolos (interno e externo) em fiadas regulares,
horizontais e desencontradas, com enchimento de concreto romano (composição de
cal, areia, pedregulhos e/ou entulhos).
Tal estrutura é, de acordo com Palladio, encontrada nas termas de
Diocleciano40 em Roma, provavel referência do Opus implectum (Figura 7).

Figura 7 – Perspectiva da forma de murar romana, referência ao Opus implectum

E - Camada de tijolos que ligam os dois lados do muro


F - Enchimento em cimento romano

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.12).

No terceiro exemplo (Figura 8), revelam-se cunhais de pedra, ou tijolos,


flanqueando uma estrutura híbrida de cimento, ou seixos encontrados nos rios, com
fiadas de blocos a cada dois pés41. Esse modo, segundo o tratadista, é encontrado
na área do Piemonte, no norte da Itália.

39
“Da maneira dos muros” (Tradução nossa).
40
Gaio Aurelio Varelio Dioclesiano (244 d.C. – 311 d.C.), Imperador Romano de 284 d.C. a 305 d.C.,
foi conhecido pelo constante ataque e perseguição aos cristãos.
41
É importante ressaltar que cada região da Itália, e do mundo, possuía seu próprio sistema de
medidas. Na Bahia, era utilizado o palmo português, 22 cm, e o pé português, de 33 cm. Já Andrea
38

Figura 8 – Forma de murar na região italiana de Piemonte, em vista

G - Seixos de rios ou cimento romano


H - Camada de tijolos ligando os dois lados do muro

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.12).

O quarto exemplo diz respeito a uma estrutura de pedras irregulares


empilhadas sem critério, sem juntas argamassadas, que são flanqueadas por
cunhais em pedra regulares, em formato retangular. Segundo o arquiteto, era
possível ser encontrado esse modo na região do Lazio, no centro da Itália, mais
especificamente em Palestrina (Figura 9).

Figura 9 – Forma de murar em alguns pontos do Lazio na Itália, em vista

I - Pedras assentadas de maneira empírica

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.12).

Outro modelo relatado por Palladio é o de composição de fiadas alternadas de


pedras grandes e pequenas, recortadas em forma retangular. Trata-se de forma
semelhante às utilizadas para assentamento de blocos cerâmicos maciços, mas
grandes litos. Os escritos do tratado afirmam que era possível ser encontrado esse
modo no Templo de Augusto, no Foro Romano, em Roma (Figura 10).

Palladio, habitante de Vicenza, utilizava os pés vicentinos como unidade de medida para seu tratado,
que é calculado em 35,2 cm, no sistema métrico. Em muitos pontos da península itálica, utilizava-se o
pé romano, com 29 cm.
39

Figura 10 – Perspectiva de uma das formas de murar encontrada em Roma

K - Camada de pedras assentadas com a face menor voltada para o lado externo
L - Camada de pedras assentadas com a face maior voltada para o lado externo

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.13).

O arquiteto relatava, também, um exemplo em que a estrutura de madeira se


assemelhava muito às fôrmas dos muros de taipa de pilão, construídos em larga
escala no Brasil Colonial. No entanto, o material utilizado para o preenchimento não
era terra e, sim, uma composição mista de argamassa e pedras de diversos tipos.
Neste sentido, trata-se de um modo mais próximo ao concreto.
Essa forma de construir era encontrada, segundo o tratadista, no norte da
Itália, mais especificamente no Lago di Garda (Figura 11).

Figura 11 – Perspectiva da forma de murar encontrada em regiões setentrionais italianas

M - Tábuas de madeira
N - Parte de dentro do muro, enchido com cimento
O - Face da superfície do muro, após retirada das tábuas de madeira

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.13).

Por último, é demonstrada, nos Quattro Libri, uma maneira mais refinada da
arte de murar, a qual é possível ser encontrada em Nápoles. Refere-se a
paramentos paralelos com fiadas de pedras grandes e pequenas em formato
retangular que se contraventam com paredes transversais.
40

O espaço vazio entre essas paredes que ligam as camadas externas são
preenchidos com seixos e terra (Figura 12). Trata-se de outra referência ao Opus
implectum vitruviano.

Figura 12 – Perspectiva da forma de murar napolitana

P - Paramento externo assentado em pedra


Q - Muro de pedra assentado na transversal
R - Espaço enchido com pedras e terra

Fonte: Elaboração do autor a partir de Palladio (2009, p.13).

Finalizando o Capítulo IX, Andrea Palladio relata:

Queste insomma sono le maniere, delle quali si servirono gli Antichi,


e hora si veggono i vestigi: dalle quali si comprende che nei muri di
qualunque sorte si siano, debbono farsi alcuni corsi, i quali siano
come nervi, che tengano insieme legati l’altre parti, Il che
massimamente si osserverà quando si faranno i muri di pietre cotte;
accioche per la vecchiezza venendo a calare in parte la struttura di
mezzo; non diventino i muri ruinosi [...].42

Em Portugal, apenas um século após a publicação do tratado do autor


vicentino, outros nomes importantes descreveram a arte de murar, como Luís Serrão
Pimentel em seu Método lusitânico de desenhar as fortificações das praças
regulares e irregulares. Trata-se de ensaio que traz a questão da representação
gráfica, das proporções, das medições orçamentárias e do projeto à frente do tema
da execução. Nesse tratado, o engenheiro relata, com apoio de outras bibliografias,

42
“Essas são, em resumo, as maneiras das quais se serviram os antigos e que, agora, é possível ver
os vestígios. Destes, compreende-se que nos muros, de qualquer tipo, devem-se fazer algumas
juntas, que são como nervuras que mantinham unidas todas as partes, o que se observará quando se
farão muros de tijolos; para que mesmo com a queda das estruturas internas, não se tornem muros
arruinados” (PALLADIO, A. I quattro libri dell’architettura. [Cópia em fac-simile] 2.ed. Milano: Hoepli,
2009.p.13-14.Tradução nossa).
41

de nomes como Antoine de Ville43, a espessura das muralhas de uma fortificação e a


relação desta espessura com a altura.
Nesse contexto, Pimentel revela:

Daremos pois sempre por regra geral onde a cal for boa, e os mais
materiaes de pedra, e saibro, ou area, quatro pés de grosso a
muralha no alto della, suba muito ou pouco, e a escarpa conforme a
altura a que houver de subir, e para saber em que grossura ha de
começar na base desde o fundo do fosso, se ajunte a da base da
escarpa com a grossura dos 4 pés da muralha, e a somma será a em
que ha de começar a parede escarpada.44

Logo após, exemplifica: "em uma muralha com 24 pés de altura45, é necessário
dividir esse valor por cinco, resultando em um valor de 4+4/5 que, somado com os
quatro pés, no alto da parede, como dito na citação anterior, resulta em 8+4/5, que
será o valor na base do fosso"46. O tratadista, depois, descreve como se deve
desenhar a parede de uma fortificação: "Seja pois a regra geral que riscada a
fortificação com a linha ichonografica, ou fundamental, se meta sempre a grossura
da parede de 4 pés desta linha para dentro"47.
O próprio Pimentel admitia, em seu tratado, que esses métodos de
dimensionamento são apenas fruto da experiência, uma forma empírica de calcular
muralhas, a partir da prática e conhecimento da obra, deixando a teoria e a ciência
em segundo plano: "[...] sobre a grossura das muralhas de pedra, e cal fallei
largamente na hercotectonica millitar, apontando os dittos de muitos autores e
discursando sobre a materia. Agora ponho aqui a resolução do que hei visto por
experiência"48.
Não obstante os estudos dos teóricos do renascimento italiano e dos
engenheiros portugueses, do século XVII, sobre a edificação dos muros em época
antiga e moderna, a arte de erguer este sistema construtivo só tem efetivo
desenvolvimento a partir do século XVIII, com o progresso do pensamento científico,

43
Antoine de Ville (datas de nascimento e morte desconhecidas), engenheiro militar e tratadista
francês, seu mais importante trabalho é intitulado O governador de praças, sendo um tratado sobre
artes militares. Foi traduzido para o português em 1708 a mando do imperador D. João V.
44
Citado como no original (PIMENTEL, L. S. Methodo lusitanico de desenhar as fortificaçoens das
Praças Regulares e Irregulares. Versão digitalizada. Lisboa: Antônio Craesbeeck, 1680. p.97).
45
Considerando o valor do pé portugês como 33 cm, tem-se uma altura de 8,58 m.
46
PIMENTEL, L. S. Methodo lusitanico de desenhar as fortificaçoens ..., op. cit., p.97.
47
Id., ibid., p.107.
48
Id., ibid., p.96.
42

principalmente com os trabalhos do engenheiro francês, nascido na Espanha,


Bernard Forest de Bélidor 49.
O tratado La science des ingénieurs dans la conduite des travaux de
fortification et d'architecture civile50 apresenta, já em seu primeiro capítulo, uma
abordagem diferente daquelas adotadas pelos autores italianos, sendo o
comportamento da edificação e os princípios de equilíbrio a base para o
dimensionamento das estruturas de uma fortificação, destacando que a Matemática
é uma ciência que pode ser amplamente utilizada para aperfeiçoar as artes.
Demonstra, ao longo de seis tomos, diversas resoluções de problemas para a
construção de muros, contrafortes e abóbadas, e a construção desses elementos
com tamanhos suficientes para receber diversos tipos de cargas, desde o peso
próprio até empuxos de terrenos. O conhecimento da edificação, em Bélidor, é
relatado desde as fundações até os detalhes decorativos, com, até mesmo, algumas
noções de urbanismo51.
O autor descreve, em seu primeiro tomo, "De la Theorie de la Maçonnerie"52,
inicialmente, os modos de calcular as formas geométricas mais importantes,
começando pela definição do centro de gravidade de diversas figuras, o qual,
segundo o tratadista, trata-se de uma grandeza importante para a estática das
edificações. Assim, ele relata:

Il y a dans tous les corps pesans, c'est a dire, dans toutes les figures
pesantes, un point par lequel cette figure étant suspendue, ou
soutenue comme sur la pointe d'un pivot fort aigue, toutes les parties
de la figure demeurent en équilibre ou en repos, or ce point est
nommé le centre de gravité de la figure.53

49
Bernard Forest de Bélidor (1698 d.C. – 1761 d.C.), engenheiro militar, nasceu na região da
Catalunha, na Espanha, foi professor de artilharia na escola de La Fère em Aisne, na França. Fez
parte do exército do Rei Luís XV e foi membro da Academia Real de Ciências da França, Inglaterra e
Prússia.
50
A ciência dos engenheiros na condução dos trabalhos de fortificação e arquitetura civil (Tradução
nossa).
51
Sabe-se que os estudos sobre o urbanismo moderno têm os escritos debutantes em Ildefon Cerdá
e Gustavo Giovannoni. A referência ao urbanismo, nesta dissertação, leva em conta as
recomendações dos antigos tratadistas, como Vitrúvio, Alberti e, evidentemente, Bélidor, para as
cidades e vilas.
52
“Da Teoria da Alvenaria” (In: BÉLIDOR, B. F. La science des ingénieurs dans la conduite des
travaux de fortification et d'architecture civile. Versão digitalizada. Paris: l'Image Nôtre-Dame,
1729.v.1, p.1.Tradução nossa).
53
“Existe, em todos os corpos pesados, isto é, em todas as figuras com peso, um ponto pelo qual
esta figura está suspensa ou apoiada, como um forte pivô, e nele todas as suas partes permanecem
em equilíbrio ou repouso. Esse ponto é denominado o centro de gravidade da figura” (BÉLIDOR, B.F.
La science des ingénieurs..., op. cit., v.1, p.6. Tradução nossa).
43

A partir de variados exemplos geométricos, Bélidor demonstra diversas formas


de dimensionar corretamente um muro. Um dos exemplos iniciais, apresentados no
tratado, diz respeito à determinação da largura de uma parede que, sobre esta,
recebe cargas verticais. Neste caso, o autor transforma o valor da força em uma
medida correspondente em área54: "suposant que la puissance soit équivalente à un
plan de 18 pied quarrés"55; desse montante, o tratadista propõe duplicar essa carga,
e dela retirar a raiz quadrada. O valor encontrado será a espessura de um simples
muro: "Il faut doubler ce nombre pour avoir 36 pieds quarrés, dont la racine qui est 6,
sera l'épaisseur que l'on cherche”56.
Além dos métodos de dimensionamento, o autor revela, também, no terceiro
livro do tratado, a utilização de diversos tipos de materiais para a construção de
alvenarias e suas propriedades, sendo a pedra o primeiro material a ser descrito por
ele.
Nesse contexto, Bélidor revela que as pedras mais duras são as melhores a se
aplicar na construção de uma edificação, principalmente em muros externos,
capazes de possuir maiores resistências aos esforços, à entrada de umidade e aos
raios lunares57, que, segundo o tradadista, são responsáveis por desagregar os
minerais do material de construção. "Les rayons de la lune peuvent dissoudre les
parties moin compactes: en ce cas on pourroit croire que ces rayons son humides"58.
Aquelas pedras que apresentam menos resistência aos referidos problemas
deveriam ser utilizadas para compor as fundações da edificação.
De fato, a água é o principal agente patológico a ser evitado em monumentos
e, atualmente, os estudos de tecnologia do restauro, em grande parte, voltam-se
para evitar a atuação da umidade em um edifício antigo. Com relação aos raios
lunares, Santiago59 afirma que as teorias contemporâneas consideram inadequado
esse tipo de raciocínio empírico, como o demonstrado pelo engenheiro militar. No

54
Para as citações que seguem, Bélidor utiliza o pé francês como unidade de medida, que
corresponde a 32,484 cm. O pé quadrado, por sua vez, é igual a 0,1055 m².
55
“Supondo que a força seja equivalente a um plano de 18 pés quadrados” (BÉLIDOR, B.F. La
science des ingénieurs..., op. cit., p.14. Tradução nossa).
56
“É necessário duplicar esse número para ter 36 pés quadrados, do qual a raiz é 6, que será a
espessura que buscamos” (BÉLIDOR, B.F. La science des ingénieurs..., op. cit., p.14. Tradução
nossa).
57
BÉLIDOR, B.F. La science des ingénieurs…, op. cit., v.3, p.2.
58
“Os raios da lua podem dissolver as partes mais compactas: neste caso, poder-se-ia crer que esses
raios são úmidos” (BÉLIDOR, B. F. La science des ingénieurs..., v. 3, p.2. Tradução nossa).
59
SANTIAGO, C. C. Argamassas históricas de cal. Salvador: Núcleo de Tecnologia da Preservação e
Restauração, 2004. p.26.
44

entanto, mesmo por observação, os relatos antigos não devem ser descartados, pois
descrevem as experiências dos autores em confronto com o tema da conservação
dos materiais.
As pedreiras, de onde são retirados os materiais construtivos para a edificação,
também são lembradas por Bélidor, considerando que as melhores são aquelas
onde, próximo a elas, existam edifícios antigos, sendo tais monumentos
testemunhos da boa qualidade da pedra adotada. No caso de novas pedreiras, o
tratadista recomenda observar o comportamento dessas composições após
períodos de inverno, analisando sua resistência à intensa umidade e ao gelo e
degelo.
Bélidor, adicionalmente às recomendações sobre os elementos pétreos, alerta
que, para a fabricação de tijolos, outro material fundamental para a construção de
fortificações, é necessário encontrar a terra mais indicada: "il faut qu'elle soit grasse
et forte, de couleur blanchâtre, ou grisâtre, sans qu'ils s'y rencontre des petits
cailloux ni gravier"60, e que os blocos sejam feitos em lugares onde exista a
possibilidade de realizar a sua correta cozedura.
Já para as argamassas de cal, "l'âme de la maçonnerie"61, parafraseando o
tratadista Vicenzo Scamozzi62, é proposto, pelo teórico, para sua composição, a
utilização de pedras duras, pesadas e brancas encontradas "sur les montagnes, ou
dans les rivières"63.
As areias presentes na argamassa, aconselha Bélidor, são de dois tipos: a
primeira, chamada sable de cave, é encontrada em jazidas terrestres, enquanto a
segunda, sable de rivière, pode ser obtida no leito de rios. Deve-se dar preferência,
em uma construção, segundo o autor, a esta última, devido à sua menor quantidade
de argila. Tal questão já é relatada por Vitrúvio, considerando a areia fluvial como
consolidante das argamassas, enquanto este material, se de origem marinha, deve
ser evitado64.
Propõe, o tratadista francês, a possibilidade da adição de material pozolânico
em uma argamassa, a qual é descrita pelo engenheiro francês como "très-bonne

60
“É necessário que seja uma terra rica e forte, de cor esbranquiçada, ou acinzentada, sem a
presença de pequenos seixos e cascalhos” (BÉLIDOR, B. F. La science des ingénieurs..., v.3, 1729,
p.5. Tradução nossa).
61
“A alma da alvenaria” (Id., loc. cit. Tradução nossa).
62
SANTIAGO, C. C. Argamassas históricas de cal, op. cit., p.67.
63
“Sobre as montanhas ou em rios” (Id., loc. cit. Tradução nossa).
64
POLLIO, V. Tratado de Arquitetura, op. cit., p.125.
45

pour les bâtiments, et rien au monde ne lie mieux les pierres que le mortier qui en est
fait"65.
Atualmente, com a Ciência da Restauração, entende-se que aditivos em
argamassas podem criar as mais diversas características, assim como se sabe que
a atuação de materiais pozolânicos influenciam nas propriedades hidráulicas do
elemento ligante66.
Bélidor, por fim, descreve, no sexto livro de La science des ingénieurs67, o
modo de construir muralhas, com os materiais supracitados. As paredes seriam
erguidas a dois paramentos externos, por meio de pedras e argamassas de cal de
excelente qualidade, enquanto a parte interna desses muros devem ser enchidos
com entulhos (Opus implectum).
Com relação ao sistema em tijolos, aconselha o mesmo modo de construir,
através de paramentos, no entanto, dava atenção à diminuição da espessura do
muro à medida que esse sistema ia sendo desenvolvido: "recommencera par trois
briques e demie d'eppaisseur, finissant toujours par une demie"68.
Quase um século depois da publicação dos trabalhos de Bernard Forest
Bélidor, um dos mais importantes tratadistas do século XIX, que discorre sobre os
sistemas construtivos em alvenaria, o arquiteto Jean-Baptiste Rondelet69 divulga seu
livro Traité théorique et pratique de l'art de bâtir70, amplamente influenciado pelo
antes citado engenheiro militar, o qual é largamente retomado por diversos autores
importantes como o português João Emílio dos Santos Segurado 71.
Atualmente, o tratado deu apoio a diversos estudos sobre alvenaria antiga nos
séculos XIX e XX, como aquele de João Mascarenhas Matheus72, entre outros
autores portugueses e italianos que se debruçam sobre o tema da crítica histórica
aos modos de edificar.

65
“Muito boa para os edifícios, e nada no mundo liga melhor as pedras que argamassas feitas com
este material” (BÉLIDOR, B. F. La science des ingénieurs..., op. cit., v.3, p.11. Tradução nossa).
66
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração. 3. ed. Salvador: EDUFBA, 2006.
p. 37.
67
BÉLIDOR, B. F. La science des ingénieurs..., op. cit., v.6, p.22.
68
“Recomeçará com três tijolos e meio de espessura, terminando com um meio” (BÉLIDOR, B. F., La
science des ingénieurs..., op. cit., v. 6, p.22. Tradução nossa).
69
Jean-Baptiste Rondelet (1743 d.C. – 1829 d.C.), arquiteto e teórico de arquitetura, é descendente
direto do famoso médico francês Guillaume Rondelet. Foi responsável pela consolidação do Panteão
de Paris e escreveu diversas memórias sobre suas obras.
70
Tratado teórico e prático da arte de edificar (Tradução nossa).
71
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria. 2.ed. Lisboa: Bertrand, 1908.
72
MATHEUS, J. M. Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a
1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos. Lisboa: Livros Horizonte, 2002.
46

O maior legado do tratadista francês, para o estudo dos muros tradicionais,


está no quinto livro de seu trabalho, seção terceira, intitulada "Des principes de
mécanique"73, com suas observações empíricas, e na publicação das famosas
Formules de Rondelet74, que são expressões práticas para o dimensionamento de
alvenarias. Explica João Mascarenhas Matheus:

A explicação da popularidade do emprego destas fórmulas baseadas


nas estabilidade ao derrube, pode ser encontrada de novo na sua
simplicidade e facilidade de cálculo, capazes de resumir de modo
expedito a complexidade de um edifício realizado em alvenaria.
Estas regras podem e devem ser consideradas como tradicionais,
uma vez que foram utilizadas e recomendadas durante quase um
século de tratadística.75

Tais descrições determinam a espessura ideal para paredes resistentes, de


acordo com a altura, a carga que recebem, a localização e o modo como serão
construídas. Neste enquadramento racional, uma alvenaria isolada deve ser
calculada de forma diferente daquelas que serão construídas em um sistema de
caixa mural, assim como uma parede externa deve ser prevista de forma diversa
daquelas internas, do mesmo modo que contrafortes e muros em casas ordinárias.
Não é objetivo deste trabalho se delongar, de forma específica, no estudo das
fórmulas, estabelecidas por Rondelet para alvenarias de contenção, visto que o foco
concentra-se, quase totalmente, em ensaios de muros antigos de arquitetura civil e
religiosa. Nesse contexto, o tratadista relata as diversas incógnitas a serem levadas
em consideração, para dimensionamento de alvenarias, como a carga recebida e o
peso dos materiais de construção que formam a parede resistente, no entanto, dava
importância especial a outra variável, a altura do sistema edificado:

Les épaisseurs à donner aux murs et points d'appui, pour leur


procurer le degré de stabilité qui leur convient, dépendent non
seulement de la charge qu'ils peuvent avoir à soutenir, et de la force
des pierres dont il sont formés, mais encore de la proportion de leur
base avec leur hauteur.76

73
“Dos princípios de mecânica” (Tradução nossa).
74
“Fórmulas de Rondelet” (Tradução nossa).
75
MATHEUS, J. M. Técnicas tradicionais de construção de alvenarias..., op. cit., p.117.
76
“As espessuras que temos que dar muros e pontos de apoio, para obter o grau de estabilidade que
lhes convém, depende, não somente da carga que eles podem sustentar, e da força das pedras do
qual eles são formados, mas também da proporção de suas bases com suas alturas” (RONDELET, J.
B. Traité théorique et pratique de l'art de bâtir. Versão digitalizada, v.5, Paris: Rondelet, 1812. p.181.
Tradução nossa).
47

A dureza da pedra também é uma variável de extrema importância em muros


de pedra talhada, segundo Rondelet, sendo tabelada pelo arquiteto de acordo com
sua experiência de viagens e visitas a diversas catedrais na França e na Itália. O
autor relata, por exemplo, que um muro em cliquart (pedra encontrada nos arredores
de Paris) com 38 cm de espessura teria a mesma resistência de uma parede
estrutural de calcáreo de Lioz com 43 cm de largura77.
Essa condição não pode ser obedecida no caso de muros de alvenaria mista
ordinária, devendo-se seguir impreterivelmente às fórmulas determinadas por
Rondelet.

[...] não são o resultado de modelações matemáticas baseadas na


resistência de um material de produção. Limitam-se a traduzir as
proporções de espessura mínima e de altura observadas nas
paredes de um grande número de edifícios exemplares que
apresentavam, à data da formulação dos ditos algorítimos, um bom
comportamento estático.78

Os desenhos apresentados pelo referido tratadista não apresentam uma


didática de fácil compreensão, sendo suas expressões matemáticas localizadas
esparsamente por todo o trabalho e seus desenhos, situados em pranchas anexas,
de difícil compreensão.
Embora o entendimento do documento seja laborioso, estudiosos que vieram
após Rondelet trataram de resumir essas fórmulas, como é o caso do arquiteto
frânces Émile Barberot79. A interpretação das expressões, pelo referido teórico, é
relatada no Quadro 1 a seguir.

77
Rondelet utiliza a unidade pouce, ou polegada, para a determinação dos valores de medida em seu
trabalho. Na presente dissertação, essa definição foi convertida em centímetros (RONDELET, J. B.
Traité théorique et pratique..., op. cit., v 5, p.182).
78
MATHEUS, J. M. Técnicas tradicionais de construção de alvenarias..., op. cit., p.118.
79
BARBEROT, E. Tratado práctico de edificación. 2. ed. Tradução Lino Álvarez Valdéz. Barcelona:
Ed. Gustavo Gili, 1927. p.43.
48

Quadro 1 – Resumo mostrando as fórmulas de Rondelet, intepretadas por Émile Barberot

FÓRMULAS DE RONDELET

Legenda

e = espessura do H = altura total (m) n = número de l = comprimento L = largura do


muro pav. da parede (m) edifício (m)
EXPRESSÕES DE DIMENSIONAMENTO
TIPO DE PAREDE EXPRESSÃO

Muro simples isolado

Muro de fachada (duplo)

Muro de fachada (simples)

Muros divisórios

Muros que suportam telhados

Fonte: Elaboração do autor a partir de Barberot (1927, p.43).

O estudo dos trabalhos dos engenheiros e arquitetos franceses faz-se


necessário pois, assim como os construtores portugueses, que se apoiaram em
obras como a de Antoine de Ville, outros téoricos da construção, inclusive os
brasileiros, voltaram seus estudos para o legado dos tratadistas europeus. No
entanto, antes dos supracitados relatos, a técnica era aplicada sem tanta
cientificidade. Portanto, faz-se necessário voltar um pouco na linha do tempo desta
dissertação, sendo importante retomar o gênero de pensamento do início da Era
Moderna, para entender o desenvolvimento da arte de murar em terras brasileiras.
Setenta anos antes da publicação do tratado de Andrea Palladio da Vicenza,
no século XVI, o novo mundo passava por constantes descobertas, resultado do
desenvolvimento das grandes rotas de navegações e, em especial, das missões
portuguesas e espanholas. Nesse período, é encontrada, provavelmente por
acaso80, a área onde, futuramente, viria a se desenvolver a Nação Brasil.

80
Ou não, alguns teóricos afirmam que Pedro Álvares Cabral, dito "Descobridor do Brasil", tinha em
mente o caminho a seguir para a descoberta de novas terras.
49

As considerações sobre o pensamento do modo de edificar na principal colônia


lusitana das Américas, depois, Reino Unido de Portugal, Império e República, são
expostas a seguir.

2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DE MURAR NA BAHIA E NO BRASIL

Os edifícios construídos em terras lusitanas, na América do Sul, onde o


colonizador português semeou sua cultura, tinham a necessidade de se adaptar às
mais diversas funções e ao clima quente e úmido dos trópicos. Além disso, “Portugal
não era um país rico e a Fazenda Real abria seus cofres muito parcimoniosamente
para investimentos na América”81, tornando a missão edificatória uma verdadeira
arte. Nesse contexto, desenvolveram-se fortificações, igrejas e grandes palácios
pelas mãos dos engenheiros militares e das ordens religiosas.
Devido a essas circunstâncias, na Bahia, é possível encontrar os mais diversos
tipos de muros, e a cidade que representa, em maior escala, essa miscelânea de
estilos é Salvador. Apesar de o território brasileiro ter sido encontrado no ano de
1500, as missões edificantes começam apenas cinco décadas depois com a
fundação da primeira Capital do futuro país.
A primeira Capital do Brasil é erguida no ano de 1549 pelo Governador Geral
Tomé de Souza82 que, obedecendo ao Rei D. João III de Portugal, constrói uma
cidade fortaleza acrópole, em posição de supremacia sobre a Baía de Todos-os-
Santos. O Regimento do monarca lusitano, que guia o primeiro administrador da
cidade, define como deveriam ser construídos os primeiros muros da urbe, como
relatado em CEAB-UFBA:

Finalmente, há instruções relativas aos recursos materiais,


procedendo com prudência, à vista do desconhecimento real da
situação local, quanto à existência ou não dos materiais de
construção indispensáveis para um empreendimento de tal monta,
naquela época. Por isso mesmo, deixa ao critério do mestre de obras
da cidade, a responsabilidade de opção, em função das condições
existentes. Por conseguinte, há uma enumeração de forma
decrescente, na preferência do emprego dos materiais, a saber:
a) Pedra aparelhada;

81
OLIVEIRA, M. M. de. As fortalezas e a defesa de Salvador. Brasília, DF: IPHAN/Programa
Monumenta, 2008. p. 16. (Coleção Roteiros do Patrimônio).
82
Tomé de Souza (1503 d.C. – 1579 d.C.), militar português, foi Governador Geral do Brasil de 1549
a 1553.
50

b) Pedra e cal;
c) Pedra e barro, ou taipais;
d) Madeira.
Condicionando-se, porém, o uso dos materiais à satisfação deu uma
condição imperiosa: como melhor poder ser de maneira que seja
forte.83

As obras de construção da defesa da Cabeça do Brasil84 ficaram a cargo do


Mestre Luiz Dias, especialista em fortificações, o qual, em face dos materiais
disponíveis, utilizou a terra como o principal meio para construir as primeiras
muralhas de Salvador, erguendo altos muros de taipa de pilão, sem utilização da cal.
Nessas circunstâncias, visto a excessiva umidade e quantidade de chuvas de
que a cidade é alvo durante o ano, os muros de taipas vieram a se desmanchar
muito rapidamente. Os projetos vinham direto de Portugal, pelo Engenheiro Militar
Miguel Arruda, elevado pelo próprio Rei D. João III a mestre das obras dos muros e
das fortificações do Reino, Lugares d'Além e Índia. O Mestre Luiz Dias comunicava-
se com o engenheiro maior por meio de cartas e assim pôde revelar o cotidiano da
construção dos muros da cidade.
É importante relatar que as primeiras casas construídas na Colônia são, como
as muralhas, de barro, com cobertura de palha, embora, em raros momentos, tenha
sido possível utilizar a pedra nativa ou importar de Lisboa pedras nobres como o lioz
português. Tempos depois, já com o modo produtivo açucareiro em alto rendimento,
esse material lusitano foi utilizado em abundância na Basílica da Conceição da
Praia e na Igreja dos Jesuítas, assim como para a edificação de diversos palácios e
solares nobres.
Em concordância com essas características construtivas, é de notar o amplo
papel dos engenheiros militares na construção de prédios em Salvador. Alguns
desses personagens tinham como escola os modos de edificar da escola
holandesa85 e, nesse contexto, utilizavam muito a terra na construção de
fortificações, principalmente para evitar o ricochete de projéteis.
O uso e a difusão da pedra e da cal, a partir do século XVII, tem relação direta
com a atuação desses personagens da história da primeira Capital do Brasil. Oliveira
relata que “[...] a elevação dos muros que deveriam sustentar os terraplenos das

83
CEAB-UFBA. Evolução Física de Salvador: Edição especial. Salvador: Palloti, 1998. p.24-25.
84
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador quando Cabeça do Brasil. Salvador:
Omar G., 2004.
85
Id., ibid., p.160.
51

fortificações baianas foi motivo de polêmicas, principalmente no que se refere ao


material de construção”86. Nesse conflito, encontravam-se os engenheiros militares
divididos, pois havia os que defendiam o uso da pedra e da cal, enquanto os oficiais
de origem alentejana, em geral, preferiam a construção em terra.
No entanto, a partir do século XVII, Salvador firmou-se como grande potência
econômica, visto o cultivo da cana-de-açúcar e o desenvolvimento do transporte e
ligação com as cidades do Recôncavo Baiano, como Cachoeira, Maragojipe, Santo
Amaro e São Francisco do Conde. Seus modos construtivos tornaram-se mais
refinados e, assim, foi possível a edificação de monumentos mais sólidos e
estruturalmente mais seguros. Assim, técnicas mais antigas foram perdendo espaço:

A taipa de pilão, esta bastante utilizada no início da colonização,


desapareceu rapidamente, dando lugar a estruturas mais resistentes;
o pau a pique, ainda adotado em áreas onde predomina a
autoconstrução; e as alvenarias de adobe, de pedra e de tijolo, ou
mesmo a combinação destes [...] as paredes podiam ser
empregadas com propósito de vedação, separando o interior do
exterior ou definindo ambientes internos de uma construção.
Também podiam exercer função estrutural, ocupando-se quase que
totalmente da sustentação do edifício, uma situação que pode ser
ilustrada por grande parte das construções do século XVII e XVIII.87

O desenvolvimento da arte de murar acabou, também, por trazer nova mão de


obra para a Colônia e, consequentemente, por fazer prosperar o modo edificatório.
Segundo Caparó88, a progressão da demanda construtiva fez surgir "[...] a
necessidade de se contar com mão de obra especializada para os diferentes tipos
de trabalho, principalmente, na etapa de acabamento, e em cada uma das fases que
refere esse material". Tratava-se da construção de alvenarias através de processos
empíricos, em uma associação de diversos elementos resistentes à compressão,
mediante uma forma imbricada, e que possuíam equilíbrio através de tensões de
atrito entre pedras, argamassas e outros elementos, fomentadas pela força da
gravidade.

86
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador..., op. cit., p.160.
87
BAHIA. Governo do Estado. Salvador e a Baía de Todos os Santos. Edição Trilíngue. Organização
de Eugênio D’Avilla Lins e Mariely Cabral de Santana. Sevilla: Consejería de Obras Públicas y
Vivienda, 2012. p.85; 86.
88
CAPARÓ, E. F. Os arenitos de cimentação calcífera dos antigos edifícios em Salvador: origens.
1997, 158f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 1997. p.30.
52

As construções em alvenaria mista, de pedra e tijolos assentados com


argamassa de cal, serão, ao longo de três séculos, hegemônicas em todo o Estado
da Bahia, principalmente com a utilização de granitos ou gnaisses, abundantes em
toda a costa; arenitos, pertencentes às regiões da Preguiça e Monserrat (em
Salvador); e calcário dolomítico em Boipeba (região litorânea do Baixo-sul da Bahia).
As Figuras 13 e 14, por exemplo, são dois modelos de muros construídos em duas
regiões diversas no Estado, demonstrando certo consenso geral no processo de
edificação de monumentos na região de Salvador e do Recôncavo.

Figura 13 – Muro de Figura 14 – Muro da


Edifício à Rua do Maciel, Capela de Nossa Senhora
Pelourinho, em Salvador do Vencimento, localizada
no Recôncavo baiano

Fonte: Acervo do autor (dez. Fonte: Acervo do autor (jul.


2014). 2014).

Voltando as vistas para os estudos sobre o modo de edificar no Brasil, como


um todo, é importante expor a importância do tratado Compêndio de architectura
civil e hydraulica, de Pedro Bellegarde89, Engenheiro Militar, que, no século XIX,
inspirou diversos arquitetos e engenheiros militares, que atuavam durante o Período
do Império (e República) brasileiro, no modo de construir, e ainda foi de grande
importância para a formação acadêmica desses profissionais.

89
Pedro de Alcântara Bellegarde (1807 d.C. – 1864 d.C.), engenheiro militar, nasceu em plena Nau
de Nossa Senhora da Conceição (ou Nau Príncipe Real) que trazia a Corte Real Portuguesa para o
Brasil, inclusive o Príncipe Regente Dom João VI, em fuga das invasões napoleônicas. Foi professor
da Escola Militar do Rio de Janeiro e da Escola de Arquitetos Medidores e importante incentivador da
pesquisa, sendo responsável pelo Observatório Nacional e fundador do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
53

Seu tratado é, provavelmente, o primeiro documento, de tal cunho, escrito e


publicado no Brasil. Destaca-se dos escritos do supracitado professor, para esta
pesquisa, o capítulo "Formação das Construções"90, no qual o autor cita diversos
sistemas construtivos e descreve, de forma distinta ao exposto anteriormente pela
presente dissertação, quais são os modos de murar. Nesta parte do manual, o
engenheiro militar, com relação à arte de edificar, retrata os muros em cantaria, as
alvenarias e as taipas. Bellegarde envolve-se, também, na orientação para a
execução de outros elementos construtivos como emboços, madeiramentos,
ferragens e fundações.
A construção em cantaria é, de acordo com o tradista, formada por pedras mais
ou menos regulares, que, com sua sobreposição, formam o maciço. Recomenda o
uso de argamassas para a boa coesão entre as peças, principalmente ao levar em
conta os empuxos horizontais, apesar de afirmar que as pedras bem talhadas e
geometricamente bem assentadas, sem argamasssa, apresentam boas condições
estruturais.
Bellegarde, dissertando sobre as várias formas de obter uma relevante coesão
entre os diversos elementos construtivos, afirma que "[...] he essencial que as
pedras sejão bem faceadas e desempenadas, de modo que se assentem iguais
humas sobre outras”91. Nesse contexto, o tratadista relata, também, a importância do
uso de ferramentas de desenho e a geometria descritiva para o corte meticuloso das
pedras singulares92, detalhando que "[...] os angulos dos diedros ou sólidos devem
aproximar-se, tanto quanto for possível, de serem rectos.”93, com a intenção de obter
os melhores elementos em cantaria e, consequentemente, melhor comportamento
murário.
O autor ainda expõe, de forma detalhada, o melhor modo de edificar tais muros
de pedra talhada:

Collocada a pedra sobre a argamassa se apruma e nivela, e depois


por meio da percussão de maços se obriga a expellir a argamassa
superabundante, e encostar o mais possível huma na outra; assim

90
BELLEGARDE, P. A. Compêndio de architectura civil e hydraulica. Versão digitalizada, Rio de
Janeiro, 1848. p.32. Todas as citações do autor, nesta dissertação, foram transcritas exatamente
como o texto original.
91
BELLEGARDE, P. A. Compêndio de architectura civil e hydraulica, op. cit., p.34.
92
Trata-se da aplicação da Estereotomia, ciência que concerne à geometrização dos materiais de
construção civil.
93
BELLEGARDE, P. A. Compêndio de architectura civil e hydraulica, op. cit., p.36.
54

sucessivamente, e por camadas ou fiadas se vão collocando, tendo


sempre cuidado de molhar os leitos das pedras com água, quando as
argamassas são calcáreas. As juntas verticaes são argamassadas
do mesmo modo, ou com espátulas appropriadas.94

As construções em cantaria, como relatado anteriormente nesta dissertação,


têm lugar na primeira Capital do Brasil, em geral, em prédios nobres e eclesiásticos,
ou na formação de cunhais e pilares em palácios da alta sociedade colonial. Para
esta pesquisa, interessam, com maior intensidade, os escritos do tratadista sobre os
muros ordinários construídos com pedras e tijolos, argamassados ou apenas blocos
assentados com um elemento ligante.
Com relação às paredes de alvenaria, Bellegarde pormenoriza a importância
física e mecânica dos elementos ligantes, quando o muro não apresenta elementos
pétreos meticulosamente cortados para um maciço resistente. Explana, também,
que, devido à falta de argamassas, os muros de pedras secas não possuem
vantagens, no que diz respeito às suas condições mecânicas. Destaca-se, nesse
sentido, o cálculo, descrito pelo autor, da relação adequada entre os elementos
ligantes e a pedra com relação ao volume de alvenaria: "[...] calcula-se o volume da
alvenaria como composto por 3/4 de pedra e 1/4 de argamassa, e às vezes mais”95.
Os tijolos, relata o tratadista, são os elementos necessários à amarração do muro,
assim como pedras que devem atravessar toda a parede, fazendo a ligação entre o
paramento interno e externo (perpianhos). Bellegarde descreve a forma de construir
tais paredes:

As pedras devem ser bem assentadas e batidas para apoiarem em


outras pedras, servindo a argamassa somente a encher os vãos das
pedras: por isso se deve empregar pedra de differentes tamanhos
para encher com as menores os intervallos das maiores, formando o
que chamão os práticos Creação, pondo de espaço a espaço, pedras
de toda a grossura da parede para atracar a construcção.96

O autor considera que a diminuição da quantidade de barro e o aumento da


proporção de cal e areia sejam fundamentais para uma boa alvenaria, embora, como
será visto no próximo capítulo desta dissertação, essa recomendação não seja uma
regra.

94
BELLEGARDE, P. A. Compêndio de architectura civil e hydraulica, op. cit., p.32.
95
Id., ibid., p.41.
96
Id., loc. cit..
55

Outrossim, a correta proporção entre a altura e a largura de uma estrutura de


alvenaria é levada em consideração para a edificação de um muro estável e com
boas características de resistência. O tratadista relata que paredes com menos de
dois palmos de grossura não serão conservadas por muito tempo, e que a solidez,
no que diz respeito à espesssura do elemento construtivo, para paredes de casas
ordinárias, vai depender do atendimento da seguinte regra: "Tome-se 1/25 da altura
da parede e somme-se 1,5 palmos, e ter-se-há a grossura da parede na base"97.
Muitas vezes, o tamanho da estrutura de alvenaria poderia diminuir sua seção
em sua parte mais alta, embora, em muitos casos, esses muros permaneçam com a
mesma espessura ou com grossura pouco reduzida.
Por fim, é exposta, no Quadro 2 abaixo, a quantidade de materiais por braça
cúbica98 de alvenaria, para a construção de paredes mistas.

Quadro 2 – Quantidade de materiais necessários para a uma braça


cúbica de alvenaria
QUANTIDADE
MATERIAL
(m³)
Pedra 20

Barro 3

Areia 2

Cal 1

Fonte: Elaboração do autor, a partir de Bellegarde (1848, p.42).

Os tratados sobre a tecnologia da edificação, concebidos por engenheiros


como Pedro de Alcântara Bellegarde, retratam, cientificamente, uma prática que
tinha cunho empírico no início dos tempos coloniais. É muito provável que os
escritos do supracitado tratadista sejam frutos do estudo dos textos e aulas de
Bélidor e de engenheiros portugueses.
É sabido que, até a eclosão do pensamento iluminista, do desenvolvimento das
teorias positivistas e racionais e da criação do cimento Portland, no século XIX, as
alvenarias portantes demonstravam grandes espessuras e composição maciça,

97
BELLEGARDE, P. A. Compêndio de architectura civil e hydraulica, op. cit., p.43.
98
Uma braça equivale a, aproximadamente, 2,20 m. A braça cúbica é uma das unidades de medida
utilizada pelo colonizador português para a construção no Brasil. Equivale a mil palmos cúbicos,
portanto, em torno de 10,648 m³ no sistema métrico.
56

baseada no peso próprio, para resistir aos esforços de compressão e aos empuxos
das pesadas coberturas abobadadas, que, geralmente, tinham a mesma constituição
do próprio muro.
As bases do pensamento racionalista disseminavam, em sua grande maioria, a
edificação com lógica estrutural, utilizando menor quantidade de materiais, em
contraste com o modo empírico de edificação das paredes estruturais. Com a
chegada da industrialização e dos novos elementos construtivos, fazia-se necessária
a construção de prédios mais rapidamente. A velocidade e a necessidade de edificar
acabou por tornar inviável o modo construtivo antigo e deu aval para a chegada do
movimento moderno com a consolidação do concreto armado e das estruturas
metálicas.
Não obstante o desenvolvimento de novas formas de edificar durante o século
XX, o período do novecentos trouxe à luz outros importantes trabalhos sobre
paredes resistentes, que foram bem distribuídos no Brasil, dentre os quais
destacam-se os livros publicados por João Emílio do Santos Segurado, em especial,
Alvenaria e Cantaria99.
Nesse trabalho, o autor destaca a execução de diversos tipos de muros, no
entanto, de maneira geral, relata que a geometria das pedras é fundamental para a
aderência de uma boa parede, expondo que, "[...] para executar a alvenaria começa-
se por escolher as pedras que melhor prestem pela sua forma a preencher os
espaços deixados pelas anteriormente dispostas, assentando-as em cheio sobre
argamassa"100.
Santos Segurado dispõe, também, questões práticas da construção de
alvenarias de pedras argamassadas aparelhadas ou desordenadas; ou de pedras
secas, mencionando:

Um metro cúbico de pedra seca exige 1,1 m³ de pedra de alvenaria.


O metro cúbico de parêde de alvenaria ordinária precisa 1,2 m³ de
pedra se sua espessura é inferior a 0,4 m; sendo superior é
suficiente 1,1 m³. A argamassa necessária para a sua execução é
0,4 m³, seja qual for seu traço, geralmente 2:5, 1:2, 1:3 e 1:4. A
alvenaria aparelhada necessita, por metro cúbico, de 1,3 m³ de pedra
e 0,3 m³ de argamassa ordinária.101

99
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit.
100
Id., ibid., p.64.
101
Id., ibid., p.65.
57

Sobre os muros construídos com tijolos, Santos Segurado discorre sobre as


generalidades do sistema construtivo, relatando as dimensões mais comuns dos
blocos: 0,23 x 0,11 x 0,07m, além da necessidade de "matar a junta"102 de
argamassa ao assentar os elementos construtivos para edificar tal alvenaria,
procedimento utilizado até hoje. Adicionalmente, descreve inúmeros métodos de
assentar tijolos e decorar paredes com tais blocos.
São eles dependentes da altura da composição (pavimentos mais altos
necessitam de paredes mais espessas) e da sua função (divisória ou estrutural),
sendo descritos pela forma que são dispostos em duas fiadas diferentes (Figuras 15
e 16).

Figura 15 – Métodos de elevar paredes de tijolos (não estruturais)

Fonte: Elaboração do autor a partir de Santos Segurado (1908, p.68-69).

Esses modos, descritos pela Figura 15, distinguem-se em:

1– tijolo de cutelo;

2 – pano de meia vez tijolo;

3 – parede de uma vez tijolo, que é utilizado, geralmente, em paredes de


tabique ou divisórias internas.

102
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit., p.67.
58

Figura 16 – Métodos de elevar paredes


estruturais de tijolos

Fonte: Elaboração do autor a partir de Santos


Segurado (1908, p.74; 76).

Já os métodos descritos pela Figura 16 são aqueles em que as composições


podem atuar, com função estrutural, na edificação de um monumento, e, ao mesmo
tempo, funcionar como paredes divisórias, de fachada, contrafortes, entre outras
funções. São eles:

1 – paredes de vez e meia;

2 – paredes de duas vezes tijolo.

O autor também relata a possibilidade da construção de paredes com


espessura superior a duas vezes de tijolos, no entanto, não se delonga, visto que
“[...] entre nós não se emprega de ordinário o tijolo para paredes muito grossas:
neste caso faz-se alvenaria mixta: exteriormente tijolo envolvendo alvenaria
ordinária"103.
Santos Segurado entra em questões sobre cálculo de estruturas, espessuras e
estabilidade de paredes novas e antigas, recorrendo aos estudos do antes citado
Jean-Baptiste Rondelet e suas fórmulas, além de outros autores do século XIX,

103
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit., p.67.
59

como o engenheiro mecânico Ferdinand Redtenbacher104. Relata, outrossim, em


tabela, o peso a resistência e a carga de segurança contra esmagamento de cada
tipo de alvenaria.
Estudos contemporâneos sobre a construção de alvenarias de tijolos, ao longo
do século XIX, dão ênfase, também, ao resultado estético em que esses blocos são
assentados, tratanto-se de uma nova interpretação dos antigos modelos construtivos
romanos. Santos Segurado já revelava essa preocupação com a disposição desses
elementos construtivos em vista (Figuras 15 e 16), e muitos outros pesquisadores
como Demanet105, em seu Cours de construction106, e o próprio Rondelet,
amplamente citado nesta dissertação.
Rocha107 faz um resumo geral sobre a concepção estética dos "Aparelhos" da
alvenaria de tijolo (Figura 17).

Figura 17 – Concepção estética das paredes de tijolos


JUNTA ALTERNADA

COMPRIDO
OU LARGO

PERPIANHO

FLAMEN-
GO

ESPINHA

INGLÊS APARELHOS EM
DIAGONAL

Fonte: Elaboração do autor a partir de Rocha (2012, p.164).

104
Ferdinand Redtenbacher(1809 d.C. – 1863 d.C.), engenheiro mecânico, formou-se na Escola de
Viena de Engenharia e foi professor de Mecânica, Matemática e Geometria na Universidade de
Karlsruhe e no Instituto Tecnológico de Zurich. É considerado um dos fundadores da Engenharia
Mecância na Alemanha.
105
DEMANET, A. Cours de construction. Bruxelles: Societé Typographique Belge, 1847.
106
Curso de construção (Tradução nossa).
107
ROCHA, I. Tijolo por tijolo: construindo alvenarias no Vale do Paraíba. 2012, 310f. Tese
(Doutorado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
60

Embora a utilização da alvenaria estrutural tenha perdido força, ao longo dos


anos, ainda existem normas brasileiras e internacionais que regulamentam a
construção delas. Evidentemente, não se trata mais dos grandes muros espessos de
pedra e tijolos argamassados, mas da utilização de blocos de concreto
contemporâneos, furados e armados, assentados com argamassa cimentícia.
Segundo Tauil e Nese108, é possível executar diversos tipos de alvenaria
estrutural, entre elas:

1 – alvenaria não armada: não recebe o enchimento com graute109, e com


reforços de armaduras apenas por razões construtivas (vergas, contravergas,
para evitar o aparecimento de fissuras);

2 – alvenaria armada ou parcialmente armada: apresenta armadura passiva


(fios, barras e telas de aço) por razões estruturais, e os blocos e as juntas são,
posteriormente, preenchidos com graute;

3 – alvenaria protendida: apresenta armadura pré-tensionada e é pouco


utilizada por ser um sistema muito dispendioso.

O uso desse tipo de sistema construtivo, atualmente, tem como principal


vantagem a diminuição do custo de obra, a racionalidade na construção e a
facilidade de conciliação com os demais projetos complementares, em relação às
construções em vigas e pilares de concreto armado, além de reduzir a margem de
erro possível para o projeto, visto seu modo altamente racional.
O estudo dos sistemas construtivos deu subsídios aos arquitetos e engenheiros
antigos para a construção de grande monumentos ao longo da história. Atualmente,
é ainda possível erguer prédios com base nos modos de edificar testemunhados
pelas antigas civilizações, o que não significa que esses edifícios sejam menos
resistentes, pelo contrário, a história demonstrou que a técnica tradicional apresenta
durabilidade, que os fez perdurar durante séculos.
Conhecer essas técnicas, além de dar subsídios para o projeto
contemporâneo, tanto de arquitetura quanto de engenharia, permite a melhor

108
TAUIL, C. A.; NESE, F. J. M. Alvenaria estrutural. São Paulo: PINI, 2010.
109
Concreto executado com agregados muito finos, fluido e com baixa retração.
61

utilização dos métodos de diagnóstico, que, aliado aos conhecimentos da fisica do


comportamento mural, fornecem dados importantes para o trabalho do restaurador,
tanto de monumentos tradicionais, quanto modernos e atuais.
Neste sentido, faz-se necessário, para complementar o estudo deste capítulo,
entender cada material singular e o desempenho estrutural desses muros, para o
conhecimento crítico-histórico do comportamentamento físico e mecânico das
alvenarias antigas, como será visto a seguir.
62

3 DAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E MECÂNICAS DOS MUROS

Conhecer as propriedades mecânicas fundamentais da alvenaria e as


grandezas de cálculo que atuam em um muro foi de grande importância para
posterior análise dos ensaios estudados nesta dissertação, visto que, através
desses parâmetros, é possível comparar diversas pesquisas realizadas em
alvenarias antigas e propor consolidações ou métodos conservativos.
Portanto, a seguir, descrevem-se as análises gerais teóricas sobre as
características físicas e mecânicas dos elementos que constituem os muros
tradicionais de pedra e argamassas antigas; tijolos e adobes; ou, também, paredes
resistentes compostas de pedras e tijolos, assentados com argamassas antigas, ou
mesmo sem. Adicionalmente, foi necessário analisar as patologias que são
responsáveis pela degradação e ruína das paredes históricas que afetam
diretamente a elaboração do método de estabilização, fortalecimento ou
recomposição.

3.1 OS MATERIAIS

Sabe-se que cada elemento construtivo singular apresenta comportamento


particular, dependendo de suas características físicas, químicas e mecânicas. No
entanto, ao unir materiais que atuam de forma diversa, a exemplo do que ocorre em
uma alvenaria, é possível fomentar reações diferentes daquelas mostradas pelos
materiais em seu estado natural. Não obstante as dificuldades de prever o
comportamento de um muro, o conhecimento dos elementos individuais da parede é
de importância fundamental para a análise do comportamento estrutural das
edificações.

3.1.1 A pedra
De acordo com os tratadistas dos séculos XIX e XX, como Bellegarde110, os
muros antigos possuíam cerca de 3/4 de seu volume total composto por pedras. Isso
posto, nos itens a seguir, são caracterizados os parâmetros físicos e mecânicos dos

110
BELLEGARDE, P.A. Compêndio de architectura civil e hydraulica., op. cit.
63

principais elementos líticos encontrados nas construções coloniais, para posterior


análise através de ensaios não destrutivos.

3.1.1.1 Caracterização dos tipos de pedra utilizados na Bahia e no Brasil colonial

A origem dos textos científicos sobre as pedras naturais e suas propriedades é,


provavelmente, encontrada na Antiguidade clássica, mais precisamente no século IV
antes de Cristo111. O uso desses materiais líticos por egípcios, gregos, romanos,
entre outros povos, era comum nos templos mais importantes dessas civilizações,
sendo considerados elementos construtivos de excelência.
Sabe-se, no entanto, que, durante o período medieval112 e de expansão
mercantilista113, as construções militares, civis e religiosas, nas colônias, eram
condicionadas, de maneira geral, pelos materiais disponíveis na área onde se
edificava. Em concordância com isso, esse aspecto não foi diferente no caso da
primeira Capital do Brasil, embora, como já relatado no Capítulo 1, os engenheiros
militares, principais construtores, não aprovassem, de maneira geral, as pedras
locais, acreditando nas propriedades dos materiais construtivos vindos de Portugal.
Não obstante, esses mesmos engenheiros não tinham como evitar a construção
com líticos locais, visto sua abundância e, também, o racionamento de recursos
econômicos, muito escassos em terras brasileiras.
Geralmente, as pedras utilizadas para a construção de simples alvenarias na
Bahia eram magmáticas, como no caso dos granitos; metamórficas, a exemplo dos
gnaisses; sedimentares de cimentação calcária, como no caso dos arenitos; ou
calcárias dolomíticas. Em raros casos, é possível encontrar materiais líticos
provenientes da Itália, em especial, os mármores de Carrara e Verona, utilizados, na
sua grande maioria, em elementos artísticos móveis e/ou integrados, ou elementos
arquitetônicos característicos, como soleiras e cercaduras.

111
OLIVEIRA, M. M. de. Pedra: arquitetura e restauração. Comunicação apresentada ao
WORKSHOP DO PROJETO PRONEX-MINOMAT "DOS MINERAIS AOS NOVOS MATERIAIS", 2.,
2011, Belém, Universidade Federal do Pará. p.2. Cópia digitalizada cedida pelo autor.
112
Período que vai do século V ao século XV, foi caracterizado não apenas pelo poder da Igreja
Católica, mas também pela grande descentralização política. Nessa época, quase não existiam rotas
comerciais, e conseguir materiais estrangeiros era uma tarefa muito difícil.
113
Do século XVI ao século XVIII.
64

Já em outras cidades do Brasil, os monumentos eram erguidos com diferentes


tipos de pedras. Em Minas Gerais, por exemplo, é famoso o uso da pedra-sabão
para a composição de cantarias e esculturas dos monumentos de Ouro Preto e das
diversas cidades vizinhas. As grandes obras-primas de um dos maiores nomes da
arte no Brasil, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, são frutos do trabalho sobre
esse material.
Caparó relata:

Em, Olinda, por exemplo, os trabalhos de cantaria apresentaram


duas fases diferenciadas: uma em que se empregou só o calcário e,
outra tanto o arenito quanto o calcário simultâneamente. Já em
Minas, as pedras utilizadas foram as talcosas, serpentinitas,
esteatitas, estas conhecidas popularmente como pedras sabão ou
pedras de panela. Em outras localidades como Ouro Preto, usaram-
se os itacolomitos e, posteriormente, as talcosas.114

De maneira geral, o tamanho e as características mecânicas do material pétreo


eram variáveis, a depender da região de onde costumavam ser retiradas. Como
visto no capítulo anterior, Bernard Forest de Bélidor aconselha o uso de pedreiras
próximas a monumentos antigos; já Rondelet prefere o cliquart parisiense ao lioz da
Península Ibérica, sendo alvenarias constituídas desse material menos espessas,
visto sua boa resistência e comportamento mecânico.
Na Bahia, por exemplo, existem diferenças de vigor e desempenho dos
elementos líticos disponíveis em terras relativamente vizinhas. Enquanto o calcário
encontrado em regiões do Recôncavo baiano apresenta, em muitos casos,
características argilosas e menos resistentes, os dolomíticos retirados no Baixo-Sul,
em Boipeba, são mais duros. Relata Oliveira115:

A pedra bruta para a construção era abundante, embora


reconheçamos que fosse de mais difícil extração em virtude de
serem rochas eruptivas duras. Temos também observado que os
nossos antigos construtores das fortalezas valeram-se, igualmente,
de pedras soltas encontradas nas vizinhanças.
E continua:
Muitas rochas de construção foram trazidas do Recôncavo, como se
pode depreender da documentação da época. No enrocamento do

114
CAPARÓ, E. F. Os arenitos de cimentação calcífera dos antigos edifícios em Salvador:.., op. cit.,
p.37.
115
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador quando Cabeça do Brasil, op. cit.,
p.153.
65

Forte de S. Marcelo, foram encontradas rochas calcárias que vieram


de Portugal, como lastros de navios, outras são arenitos locais e
outras, rochas graníticas que vieram, provavelmente, do
Recôncavo.116

Esses materiais pétreos podiam ser trabalhados ou não, a depender dos


recursos e das necessidades do construtor e era comum utilizar as pedras de melhor
qualidade formal nas molduras dos vãos, enquanto as pedras mais grosseiras, não
talhadas e encontradas avulsamente, eram adotadas nas alvenarias, onde se
encontrariam escondidas pelas argamassas de revestimento. Em alguns edifícios
nobres, a pedra vinha talhada diretamente de Portugal e montada na colônia
brasileira, como ocorreu, por exemplo, na Basílica da Conceição da Praia, em
Salvador.
Nessa esfera, para esta dissertação, com vistas à análise do comportamento
físico e estrutural dos muros antigos, foi necessário avaliar as pedras mais comuns
encontradas nas alvenarias tradicionais, entender a estrutura da rocha e o que as
bibliografias dizem sobre as resistências e propriedades dos elementos líticos.

3.1.1.2 Propriedades físicas das pedras mais comuns, utilizadas nas alvenarias
antigas

Os diversos tipos de pedra possuem características específicas, que


dependem diretamente da composição dos variados minerais que as estruturam.
Assim, o estudo dessas particularidades foi concentrado nos quatro principais
materiais pétreos encontrados nas paredes resistentes da primeira Capital do Brasil:
granitos; arenitos; calcários dolomíticos; e o lioz, no caso de muros de pedra
talhada.

3.1.1.2.1 Granitos

Os granitos, que podem ser encontrados em toda a costa baiana, são rochas
endógenas (magmáticas), formadas mediante o gradual esfriamento do magma,

116
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador quando Cabeça do Brasil, op. cit.,
p.153.
66

apresentando estrutura granular compacta e cristais de grandes dimensões117. Yates


expõe suas principais características:

Granites are coarse-grained acidie rocks and consist mainly of


quartz, mica and feldspars. Their porosity is usually very low and this,
together with their mineral composition, makes them very resistant to
weathering [...] The wide range of colours and appearances,
combined with strength and hardness, means that granite is
commonly used in buildings and elsewhere […].118

A coloração dessa pedra vai depender da variação dos minerais constituintes


do elemento lítico119. À beira-mar, em Salvador, é possível encontrar, também, em
grande escala, pedras metamórficas derivadas do granito, chamadas gnaisse ou
gneiss.
Em solo soteropolitano, de maneira geral, demonstram-se com uma coloração
escura, muito próxima ao preto ou cinza, o que indica grande presença de micas e
biotitas (maioria), piroxênios e anfibólios120. Quanto maior a presença de mica, maior
a dureza e, por consequência, maior a resistência e menor a trabalhabilidade.
Existe uma grande variedade de rochas denominadas granitos. Alguns destes
podem ter, por exemplo, cor amarelada, sendo menos duros. Outras variedades,
além dos gnaisses, são os micaxistos, sienitos e foiaítos.
De maneira geral, esse material lítico tem características mecânicas próximas
para cada tipo, resistindo bem aos esforços de compressão em todas as direções121.
A densidade de duas espécies desta classe de pedras, de Leixões, Portugal, é
descrita por Santos Segurado122:

– Granito brando: 24,58 kN/m³;

117
BOERI, A. Pietre naturali nelle costruzioni: requisiti – criteri progetualli – applicazione – prestazioni.
5.ed. Milano: Hoepli, 2000. p.12.
118
“Granitos são rochas ácidas, de granulação grossa, e consistem, em sua maior parte, de quartzo,
mica e feldspato. Sua porosidade é muito baixa e isso, junto com sua composição mineral, torna-os
muito resistentes às intempéries [...]. A grande gama de cores e aparências, combinadas com a
resistência e a dureza, faz que o granito seja comumente usado em edifícios e em outros diversos
locais” (YATES, T. Natural building stone. In: DORAN, D.; CATHER, B. Construction Materials:
reference book. 2.ed. New York: Routledge, 2014. p.202. Tradução nossa).
119
Alguns autores, como Tom Yates, relatam que os minerais principais do granito são o quartzo,
feldspato e a mica, embora existam, também, piroxênios e anfibólios.
120
SANTOS, A. M. A. Exposição ocupacional a poeiras em marmorarias: tamanhos de partículas
característicos. 2005, 376f. Tese (Doutorado em Engenharia Metalúrgica e Minas) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005. p.12.
121
SANTOS SEGURADO, J. E. Materiais de construção. 4. ed. Lisboa: Ed. Bertrand, 1940. p.12.
122
Id., ibid., p.4.
67

– Granito regular: 24,90 kN/m³;

– Granito duro: 25,28 kN/m³.

Seu peso específico aparente, segundo a NBR 6120123, é de 28 kN/m³, apesar


de outros autores afirmarem que esse parâmetro varia de 25 kN/m³ a 29 kN/m³, e
sua resistência à compressão está, geralmente, entre 60 e 180 MPa. Já o módulo de
elasticidade médio e o coeficiente de Poisson, segundo estudos de Stowe124, são da
ordem de 68000 MPa e 0,22, respectivamente.

3.1.1.2.2 Arenitos

O arenito, na Bahia, é uma pedra sedimentar de cimentação calcária e,


outrossim, é, provavelmente, o lito mais utilizado para a construção de alvenarias
tradicionais na costa portuguesa das Américas, visto a abundância desse material
pétreo.
Yates relata a formação desta pedra:

Sandstones were formed by fragmentation of earlier rocks such as


gnaisses and igneous rocks. The particles of parent rock were
transported mainly by the action of water and deposited in layers on
the floor of seas and lakes, althought transportation could also occur
by other mechanisms such as wind action and glaciers […] the finer
particles would be carried further than coarsed ones, and the longer
the sediment took to be deposited the more well sorted will be […]
Once the sediment has been laid down it can be bound together by a
number of different cements.125

Arenitos apresentam, em suas generalidades, quartzo, sílica, mica e feldspato


como minerais fundamentais, embora sua concepção vá depender das diversas

123
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6120: Cargas para cálculos de
estruturas de edificações. Rio de Janeiro,1980. p.2.
124
STOWE, R. L. Strength and deformation properties of granite, basalt, limestone and tuff at various
loading rates. Versão digitalizada. Vicksbourg: U.S. Army Corp. of Engineers, 1969. p.59.
125
“Arenitos foram formados pela fragmentação de rochas elementares como gnaisses e rochas
ígneas. As partículas da rocha-mãe foram transportadas, de maneira geral, pela ação da água e
depositadas no fundo de mares e lagos, embora o transporte pudesse ocorrer, também, por outros
mecanismos, como ventos e geleiras [...] as partículas mais finas seriam levadas mais longe que as
mais grossas, e quanto mais tempo a sedimentação demorasse, mais diversificada seria [...]. Uma
vez que a sedimentação tenha sido assentada, ela pode ser unida através de diversos tipos de
cimentos” (YATES, T. Natural building stone, op. cit., p.202. Tradução nossa).
68

rochas mães que deram origem ao material lítico. Dentre as sandstones126, existem,
por exemplo, as beachrocks127, que enquadram os arenitos da costa baiana, entre
os quais, nesse contexto, segundo estudos de Caparó, "há uma predominância de
grãos de quartzo, em quantidade superior a 90%"128.
Também é importante relatar que, entre os diversos tipos de cimentação que
podem unir os sedimentos de um arenito, podem-se citar:

1 – sílicática;

2 – calcífera;

3 – ferrífera;

4 – argilífera.

Segundo a NBR 6120129, o peso específico aparente dos arenitos é de 26


kN/m³, sendo os mais leves entre as pedras analisadas nesta dissertação, e a
resistência, de acordo com Caparó130, varia de 44 MPa a 57 MPa, em amostras
secas, e de 33 MPa a 42 MPa, no caso de corpos de prova úmidos131. Estudos de
Vallejo e colaboradores132 revelam que o módulo de elasticidade do arenito pode
ficar entre 2942 MPa e 59820 MPa. Ademais, seu coeficiente de Poisson tem grande
oscilação, entre 0,1 e 0,4.

3.1.1.2.3 Calcários dolomíticos

Outros materiais líticos utilizados para edificação de monumentos na Bahia são


os calcários dolomíticos, os quais, visualmente, podem ser confundidos, por um
leigo, com o arenito, embora possuam comportamento diversos do primeiros.

126
Arenitos (Tradução nossa).
127
Arenitos de praia (Tradução nossa).
128
CAPARÓ, E. F. Os arenitos de cimentação calcífera dos antigos edifícios em Salvador:.., op. cit.,
p.37.
129
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6120, op. cit.
130
CAPARÓ, E. F. Os arenitos de cimentação calcífera dos antigos edifícios em Salvador:.., op. cit.,
p. 127.
131
As dimensões dos corpos de prova eram de aproximadamente 7x7x7 cm (CAPARÓ, E. F. Os
arenitos de cimentação calcífera dos antigos edifícios em Salvador:.., op. cit., p.127).
132
VALLEJO, L. I. G.; FERRER, M.; ORTUÑO, L.; OTEO, C. Ingeniería Geologica. Madrid: Prentice
Hall, 2002.
69

Os últimos estudos sobre essas pedras, em Salvador, relatam que se tratam de


rochas carbonáticas nas variedades de cálcio e magnésio133, CaMg(CO3)2, com a
presença de argilominerais expansivos como a ilita134, no caso daquelas
encontradas no litoral baiano.
Apresentam, por vezes, elementos fósseis em sua composição. São calcários
com elevada porosidade e pouca resistência aos agentes atmosféricos. Dessa
maneira, é possível examinar relatos do início do século, que condenam a utilização
dos calcários na parte externa da edificação:

[...] deterioram-se facilmente em contacto com a água carregada de


ácido carbónico e por isso essas pedras não se devem empregar em
construções à superfície das águas, porque tendo estas sempre em
dissolução o anidrido carbónico. [...] não deve ser prescrito na
construção de abóbadas ou paredes exteriores onde estejam
submetidas à acção das chuvas, visto estas terem em dissolução o
ácido cabónico do ar. Deve reservar-se estes calcáreos para a
alvenaria.135

Por outro lado, a utilização dessas pedras em paredes resistentes, protegidas


da ação da água, como supracitado por Santos Segurado, pode, em teoria, trazer
boas características mecânicas à alvenaria, tendo em vista a sua capacidade
elástica, embora isso dependa de diversos outros fatores, como, por exemplo, da
dureza do elemento pétreo e de sua resistência à compressão.
Um exemplo clássico da utilização desses materiais líticos em monumentos
baianos é encontrado no pilares do claustro de um dos mais importantes prédios
soteropolitanos: a Igreja e Convento de São Francisco. Em ensaio realizado na
Universidade Federal da Bahia, com corpos de provas cúbicos, e em condições
normais, a pedra retirada do monumento franciscano apresentou uma resistência
mecânica de 76 MPa.
A NBR 6120136 descreve que o peso específico aparente dos calcários é de 28
kN/m³, e as pesquisas de Vallejo e colaboradores137 indicam que o módulo de
elasticidade dessas pedras varia de 3922 MPa a 50001 MPa. O coeficiente de
Poisson oscila de 0,29 a 0,34.

133
OLIVEIRA, M. M. de. Pedra: arquitetura e restauração, op. cit., p.7.
134
Id., loc. cit.
135
SANTOS SEGURADO, J. E. Materiais de construção, op. cit., p. 13.
136
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6120, op. cit.
137
VALLEJO et al. Ingeniería Geologica, op. cit.
70

3.1.1.2.4 Lioz

O lioz é uma rocha calcária não natural do Brasil, chamada pelos antigos
construtores de "Pedra do Reino"138, pois se tratava de um elemento construtivo
vindo do Reino de Portugal. Durante as viagens transatlânticas, em período colonial,
o lioz era utilizado como lastro que assegurava a estabilidade das embarcações139.
As pedreiras desse material são encontradas, em sua grande maioria, no
entorno de Lisboa e, como relatado anteriormente, foi trazido pelos portugueses,
durante a colonização, para a edificação de prédios religiosos importantes ou
adornar casarões e solares dos nobres da primeira Capital brasileira. Suas
características físicas são citadas por Santos Segurado:

A pedra de lioz é um calcáreo branco, compacto, por vezes venado


de côr rosa; recebe bem o pulido, ficando então com a côr branca
suja ou amarelada, de aspecto desagradável. É a transição do
mármore para o calcáreo comum. Emprega-se em estatuaria, no
estado fosco, bem como em arquitectura, escultura e mobiliário.
Aproveita-se como pedra de cantaria.140

Essa pedra era considerada altamente valiosa e, na maioria dos exemplos,


quando trabalhada em cantaria, possuía funções estéticas. Embora não existam
relatos da utilização do referido lito compondo alvenarias mistas internamente,
revestidas com argamassas, é possível encontrar esse elemento pétreo exercendo
papel estrutural, como na caso da antiga Igreja dos Jesuítas em Salvador.
Seu peso específico aparente, sendo uma pedra calcária, segundo a NBR
6120141, é igual ao dos dolomitos e dos granitos (28 kN/m³). Apesar de vários
autores considerarem o calcário de lioz menos resistente que uma pedra de gnaisse,
estudos executados no Mosteiro dos Jerônimos, em Portugal, por exemplo, mostram
que esse material lítico pode resistir até mesmo a tensões de 99 MPa, em corpos de
prova retirados do monumento lisboeta142. Vallejo e colaboradores relatam que o

138
BURY, J. Arquitetura e arte colonial no Brasil. Organização de Myriam Andrade Ribeiro. Brasília:
IPHAN/MONUMENTA, 2006. p.183.
139
MARTINS, M. M. Do mar ao ultramar: a transmigração do lioz português para São Luis do
Maranhão. Revista de História da Arte e Arqueologia, Campinas, n. 19, p. 101-105, jun. 2013.
140
SANTOS SEGURADO, J. E. Materiais de construção, p. 53-54.
141
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6120, op. cit.
142
ROQUE, J. C. A Metodologia Integrada para avaliação e mitigação da vulnerabilidade sísmica das
construções históricas em alvenaria: a Igreja dos Jerónimos como Caso de Estudo. 2009. 231 f. Tese
(Doutorado em Engenharia Civil)-Universidade do Minho, Portugal, 2009. p.112.
71

módulo de elasticidade do lioz oscila de 14099 MPa a 88259 MPa, com o coeficiente
de Poisson ficando entre 0,12 e 0,33.

3.1.1.3 Generalidades físicas e mecânicas a serem levadas em consideração para a


determinação das características das pedras

A classificação da capacidade mecânica de diversos tipos de pedra é relatada


no Quadro 3, a seguir, com base em Attewell e Farmer143:

Quadro 3 – Classificação da capacidade mecânica das pedras, de acordo com sua


resistência

Classificação Resistência à compressão Tipo de pedra


(MPa)

Muito fraca 10 - 20 Sedimentar pouco compacta

Sedimentar com cimentação fraca


Fraca 20 - 40
Exemplo: arenito

Sedimentar com cimentação forte


ou ígneas pouco compactas.
Razoável 40 - 80
Exemplos: arenito, granito e
calcário dolomítico

Rochas ígneas densas ou


metamórficas
Forte 80 - 160
Exemplos: granito, gneiss e lioz

Quartzos e rochas ígneas muito


densas
Muito forte 160 - 320
Exemplo: granito
Fonte: Elaboração do autor a partir de Attewell e Farmer (1976).

Apesar da referida qualificação, existem diversos fatores que influenciam no


comportamento físico e mecânico da pedra. Alguns desses pontos são relacionados
à natureza do material (os minerais, sua morfologia cristalina e sua porosidade,
como já relatado) e outros dizem respeito à localização da pedreira ou da forma
como o elemento pétreo foi retirado da rocha original. Os materiais líticos extraidos
com a utilização de explosivos possuem menor resistência em relação àqueles

143
ATTEWELL, P. B.; FARMER, I. W. Principles of engineering geology. London: Chapman and Hall,
1976.
72

obtidos com fio diamantado, por exemplo, considerando o dano à estrutura interna
da pedra.
Nem todas as referidas características podem ser avaliadas para o diagnóstico
do material lítico, no entanto, existem outros parâmetros fundamentais, capazes de
ser classificados através de ensaios destrutivos (maioria) e não destrutivos, que
serão vistos em capítulos posteriores. Os testes não realizados in loco, com
equipamentos especiais de laboratório, não entraram no escopo desta dissertação,
no entanto, o conhecimento das possibilidades desses diagnósticos é importante
para sanar qualquer dúvida que venha a surgir na individualização da composição
de uma alvenaria antiga.
Entre inúmeros ensaios, destacam-se, segundo Oliveira144:

1 – Ensaio de mineralogia petrográfica com microscópio petrográfico,


microscópio eletrônico de sonda ou microssonda ou difratometria de Raios X;

2 – Análise do material de base com a utilização de HCL na superfície da


pedra: efervescência forte trata-se de rocha carbonática; efervescência fraca
demonstra probabilidade de calcários dolomiticos; material lítico sem
apresentar efervescência revela rochas como granitos (gnaisses);

3 – Prova mecânica de superfície para avaliar a dureza da pedra, através do


uso do esclerômetro de Martens;

4 – Prova de resistência ao uso e desgaste com jateamentos ou utilizando o


tribômetro de Amsler e abrasímetros;

5 – Caracterização da porosidade do material lítico, por meio do porosímetro a


gás e a mercúrio.

Complementarmente, é pertinente relatar que, de maneira geral, é de extrema


importância ter em conta que o material lítico ideal deve possuir boa resistência à
compressão, necessária para garantir o comportamento estático da edificação;

144
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit., p. 84; 85; 86.
73

resistência a intempéries; impermeabilidade à água; boa aderência às argamassas,


utilizadas como ligantes; e bom comportamento ante o desgaste145.
Todos esses atributos podem ser caracterizados com os ensaios supracitados,
no entanto, ainda existem alguns questionamentos sobre o comportamento global
desse material na estrutura:

1 – As particularidades de cada pedra realmente influenciam na resistência de


uma alvenaria?

2 – Materiais líticos pouco resistentes determinam um muro antigo com


comportamento mecânico ruim ou pouco vigoroso?

Faz-se necessário, antes de qualquer conclusão, analisar os outros


componentes que formam as tradicionais paredes resistentes. Isso posto, como
antes relatado, sabe-se que existem alvenarias que não são somente constituídas
por pedras e argamassas, apresentando tijolos em sua composição, ou são
formadas exclusivamente por este material. Este último elemento construtivo é o
próximo a ser analisado.

3.1.2 Os tijolos

A tradição do uso da terra nas construções surge nos primórdios das


civilizações e, atualmente, ainda é um componente construtivo muito utilizado nas
edificações, com a aplicação dos mais diversos tipos de tijolos e telhas, pela sua
grande quantidade e disponibilidade na natureza.
Quando executado como tijolos, determinando elementos de vedação ou
estruturas nos monumentos novos e antigos, esse material de construção possui
três formas gerais de produção, segundo Santos Segurado146:

1 – Tijolos crus ou adobes;

2 – Tijolos ordinários;

145
BOERI, A. Pietre naturali nelle costruzioni..., op. cit.
146
SANTOS SEGURADO, J. E. Materiais de construção, op. cit., p. 93.
74

3 – Tijolos refratários.

Entre essas denominações, é possível ainda subdividir as categorias em


diversas outras subcategorias, de acordo com as características físicas desses
elementos construtivos, como citado por Rocha147:

a – Tijolo inteiro: maciço de arestas vivas;

b – Meio-tijolo: com metade da espessura do tijolo inteiro;

c – Meio-tijolo especial: quadrados, começaram a ser utilizados no século XX;

d – Tijolo violeta: mesmas dimensões do tijolo inteiro, com metade da largura;

e – Tijolo de terço: como o tijolo inteiro, mas com um terço da largura;

f – Tijoleira: quadrado ou retangular, menos espesso, utilizado para pisos.

A matéria-prima principal dos referidos blocos é a argila, a qual tem


composição variável, a depender do local onde se encontra. Ainda é possível
distinguir os tijolos quanto a sua forma sendo:

1 – Maciços;

2 – Perfurados.

Os tijlos cerâmicos maciços são elementos construtivos muito resistentes à


compressão, podendo ter diversas medidas, a depender do molde utilizado para sua
execução. São, também, mais pesados que os tijolos perfurados, os quais
apresentam em torno de 75% de sua área composta de vazios.
As principais vantagens do uso deste material com furos são a diminuição do
peso próprio por metro cúbico de parede; o isolamento térmico que eles são
capazes de produzir; e um melhor travamento entre os elementos construtivos, visto
a possibilidade de penetração das argamassas.

147
ROCHA, I. Tijolo por tijolo..., op. cit., p. 147; 148.
75

3.1.2.1 Adobes

Os adobes são elementos construtivos moldados manual ou mecanicamente e


secos ao sol. Por vezes, esse material de construção recebe adição de cal ou se
apresenta misturado a outros elementos. Ao mesmo tempo, os tijolos produzidos
dessa forma mostram pouca resistência à ação da água, não servindo, de maneira
geral, para a composição de alicerces148, mas apenas para paredes sobre
fundações de alvenaria de pedra149. Exemplos desse esquema construtivo podem
ser encontrados, com maior facilidade, em Rio de Contas (na Bahia) e em edifícios
no Estado de Minas Gerais, onde, por vezes, as fundações pétreas demonstram-se
aparentes.
A utilização do adobe é muito frequente nas construções ancestrais, tendo
origem já em época mesopotâmica, sendo, mais tarde, desenvolvida pela civilização
egípcia. Destaca-se o uso desses tijolos durante a Antiguidade, na edificação de
mastabas a partir da 4a dinastia dos povos do rio Nilo, como destaca Cole:

O adobe, mistura de barro e palha adaptada a climas áridos e já


utilizada pelos mesopotâmicos em escala monumental para a
construção de zigurates (antigos templos escalonados), era o
material básico de construção no Egito. O uso do adobe permitia a
aplicação de técnicas cotidianas à arquitetura de grande porte.150

Na Cidade do Salvador, esse elemento construtivo foi utilizado, com grande


frequência, nas casas populares urbanas151. Sua utilização ocorreu em período
posterior à fundação da primeira Capital do Brasil, considerando a comum edificação
de muros de terra crua (taipa) nos primórdios da colonização.

3.1.2.2 Tijolos ordinários e refratários

Já outros tipos de tijolos, os ordinários e refratários, são secos ao sol e, depois,


cozidos, para lhes dar dureza e resistência necessárias. Os primeiros podem

148
Embora seja possível encontrar exemplos do uso do adobe em fundação em zonas desérticas,
como no Peru.
149
ROCHA, I. Tijolo por tijolo..., op. cit.
150
COLE, E. História ilustrada da arquitetura. Tradução de Lívia ChedeAlmendary, São Paulo:
Publifolha, 2011, p. 13.
151
OLIVEIRA, M. M. de. O uso da terra na construção da antiga capital da América Portuguesa: uma
memória. In: ASSOCIAÇÃO CENTRO DA TERRA (Org.). Arquitectura de Terra em Portugal. Lisboa:
Ed. Argumentum, 2005. p. 86-91.
76

apresentar-se com terra comum com adição de cal e apresentam cor vermelha; e os
segundos são feitos com argila quase pura, tendo a propriedade de resistirem a
altas temperaturas, sendo empregados exclusivamente em fornos e fornalhas152.
Os engenheiros militares, grandes responsáveis pelas construções nas
colônias portuguesas do Novo Mundo, acreditavam que o melhor material a ser
utilizado para edificação de paredes nos fortes seriam os tijolos cozidos, visto sua
elevada resistência e sua capacidade de não estilhaçar quando golpeados por
projéteis.153 Esses elementos construtivos podiam possuir diversas formas, como já
relatado por Rocha154.

3.1.2.3 Generalidades físicas e mecânicas a serem levadas em consideração para a


determinação das características dos tijolos

Em alvenarias mistas, formadas por pedras e tijolos argamassados, não eram


utilizados os blocos perfurados, uma vez que sua confecção se dava por máquinas
que vieram a surgir apenas no século XIX. A utilização de tijolos maciços era
hegemônica, sendo esse material de construção, de maneira geral, assentado de
forma esparsa em meio a pedras irregulares ligadas através de certo tipo de
argamassa, ou, então, formando cunhais e sendo responsável pela amarração de
alvenarias ortogonais, bem como atuando para o bom imbricamento e coesão das
paredes resistentes.
Embora apresentem diversas qualidades, os tijolos perfurados apresentam
baixa resistência à compressão, sendo de difícil utilização em alvenarias estruturais,
as quais devem possuir boas características mecânicas para evitar o esmagamento
de seus componentes. Esses blocos são amplamente utilizados nas construções
contemporâneas como elemento de vedação, no entanto, como visto no capítulo
anterior, podem ser utilizados para a edificação de alvenarias estruturais, desde que
reforçados e em concordância com outros materiais como vergalhões e grautes.
É recomendável, de acordo com pesquisas italianas, que os ensaios de
resistência à compressão dos tijolos, através de prensas hidráulicas, sejam

152
SANTOS SEGURADO, J. E. Materiais de construção, op. cit., p. 94.
153
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador quando Cabeça do Brasil, op. cit.,
p. 152.
154
ROCHA, I. Tijolo por tijolo..., op. cit.
77

executados em um corpo de prova com três unidades, unidas por um elemento


ligante, de forma semelhante à prevista pela NBR 6460155.
Essa determinação ocorre em virtude de a possibilidade do teste em blocos
singulares apresentar limites de ruptura diferentes dos que ocorrem realmente em
alvenarias antigas. O sistema de corpos de provas, adotado para a realização desse
teste, é chamado Tripletta156. Portanto, em pesquisas atuais europeias, é difícil
encontrar relatos sobre o simples comportamento dos tijolos, pois o ensaio
supracitado é de fácil execução e mais fidedigno para relatar a resistência de uma
composição de blocos assentados com argamassa. Em concomitância, autores
como Antonucci157 relatam que a resistência do simples elemento construtivo é
bastante variada, dependendo das seguintes características:

1 – resistência à compressão e tração em regime monoaxial e pluriaxial;

2 – módulo de elasticidade;

3 – rugosidade;

4 – absorção de água;

5 – resistência ao gelo e degelo e aos agentes químicos;

6 – variação de volume pelo efeito da umidade e temperatura;

7 – forma;

8 – distribuição dos furos, em certos casos.

Além das características citadas acima, é possível que os tijolos possam


apresentar decréscimo de sua resistência com a presença de outros minerais em

155
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6460: Tijolo maciço cerâmico para
alvenaria: verificação da resistência à compressão. Rio de Janeiro,1983.
156
Expressão italiana para denominar um conjunto de três elementos.
157
ANTONUCCI, R. Restauro e recupero degli edifici a struttura muraria: analisi e interventi sul
"costruito storico". 4.ed. San Marino: Maggioli, 2012. p.201.
78

sua composição, como, por exemplo, o quartzo158, o que torna a pesquisa do


comportamento de um simples bloco complexa, ainda mais quando levamos em
conta a qualidade de fabricação do produto.
Antonucci ainda explana:

Valutare le caracteristiche elasto-meccaniche della muratura in base


a quelle dei suoi componenti dev'essere fatto con prudenza. Infatti,
non è tuttora chiaro il meccanismo coinvolto nella deformazione e nel
colasso di un prisma di mattoni data la complessità del fenomeno di
interazione fra la malta, il mattone, la direzione e la grandezza della
forza applicata, relativamente alla geometria del campione.159

A NBR 7170160 determina duas resistências básicas, às quais os tijolos


maciços cerâmicos devem atender para compor uma alvenaria com bom
comportamento mecânico:

1 – 1,5 MPa, para blocos comuns;

2 – 2,5 MPa, para tijolos especiais.

Já a NBR 6120 designa o valor de 18 kN/m³ como peso específico aparente


para esses elementos construtivos.

3.1.3 As argamassas

As argamassas, "almas das alvenarias", como romantizado pelos tratadistas


Vincenzo Scamozzi e Bélidor, utilizadas como ligantes dos elementos estruturais e
como acabamento das paredes, na Bahia, possuíam diversos traços. Argila161, cal e

158
SANTOS, L. C. A. N. A arqueologia da arquitetura e a produção de tijolo na Bahia do Século XVI
ao Século XIX. 2012, 433f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)-Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2012. p.373.
159
“Avaliar as características mecânicas de um muro com base nas características de seus
componentes deve ser feito com prudência. De fato, ainda não é totalmente claro o mecanismo que
envolve a deformação e o colapso de um prisma de tijolo, dada a complexidade do fenômeno de
interação entre argamassa e tijolo, a direção e a grandeza da força aplicada em relação com a
geometria do corpo de prova” (ANTONUCCI, R. Restauro e recupero degli edifici a struttura
muraria..., op. cit., p. 201. Tradução nossa).
160
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7170: Cargas Tijolo maciço cerâmico
para alvenaria. Rio de Janeiro, 1983.
161
As argamassas compostas por solo são chamadas de “argamassas bastardas” (SANTIAGO, C. C.
Argamassas tradicionais de cal, op. cit., p. 27).
79

areia misturavam-se na composição desses elementos construtivos162, embora o


material principal fosse geralmente a cal aérea. Pode-se afirmar, de acordo com
Oliveira163, que, na maioria das construções do século XVI até o início do século XX,
as proporções entre o aglomerante e o agregado estão entre 1:2 e 1:4, confirmando
as relações preconizadas pelos antigos tratadistas como Vitrúvio e Leon Battista
Alberti.
É importante relatar, também, o papel do solo na mistura das argamassas dos
monumentos na Bahia. Inicialmente refutado por diversos teóricos da área da
tecnologia, para recomposição, o material, segundo Santiago164, a depender do
traço adotado, pode até aumentar a resistência à compressão das argamassas.
Tal dado é de importância fundamental para a pesquisa, visto que
pesquisadores como Martins165 relatam que algumas teorias admitem que a
capacidade resistente da alvenaria, à compressão ou ao corte, é controlada pelas
propriedades das argamassas166.
Nesse contexto, a caracterização das argamassas é ponto chave para análise
dos muros antigos, no entanto, a melhor e mais completa forma de determinar a
natureza desses ligantes ainda é o ensaio laboratorial – destrutivo.
Influenciam, também, no comportamento físico e mecânico da argamassa,
segundo Antonucci167:

1 – resistência ao esforço pluriaxial;

2 – módulo de elasticidade;

3 – aderência;

4 – trabalhabilidade e plasticidade;

162
BAHIA. Governo do Estado. Salvador e a Baía de Todos os Santos, op. cit., p. 89.
163
OLIVEIRA, M. M. de. Argamassas e restauro de edifícios. In: SEMINÁRIO TIRADENTES:
CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, 2003, Tiradentes, MG. Anais...
Tiradentes, 2003. p.3. Texto disponibilizado pelo autor.
164
SANTIAGO, C. C. Argamassas tradicionais de cal, op. cit., p.30.
165
MARTINS, L. M. S. Desenvolvimento de ferramenta de cálculo para uma avaliação expedita de
estruturas de alvenaria antiga de pedra. 2011. 158f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de
Construção e Reabilitação)-Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu/Instituto Politécnico,
Viseu, Portugal, 2011.
166
Id., ibid..
167
ANTONUCCI, R. Restauro e recupero degli edifici a struttura muraria..., op. cit., p.201.
80

5– capacidade de absorção de água.

Além das supracitadas características, as argamassas vão depender


diretamente da sua fabricação, do tipo de aglomerante utilizado, bem como da
dosagem correta, já relatada pelos antigos tratadistas.
O Quadro 4 é resultado do trabalho de Magalhães168, em seu estudo sobre
ligantes antigos, no qual a pesquisadora relata diversos ensaios sobre a resistência
das argamassas de cal e de cimento, após 90 dias de produção, pelo método das
argamassas regulares.

Quadro 4 – Resistência à compressão das argamassas após 90 dias de produção


Resistência
Argamassa
(MPa)
Cal aérea (1:3) 2,0
Cimento e areia (1:4) 2,5
Cal aérea, pozolana e areia (1:2:5) 1,9
Cal hidráulica e areia (1:3) 3,8
Cal com aditivo hidrófugo e areia 1,0
Fonte: Elaboração do autor a partir de Magalhães (2013, p.122).

Os valores acima, no entanto, não representam verdades absolutas, pois


alguns desses elementos ligantes podem possuir variações, as quais podem
aumentar ou diminuir a resistência à compressão do elemento construtivo em
questão. No mesmo estudo, Magalhães169 registra que foram retiradas, e ensaiadas
em laboratório, amostras de diversos monumentos, variando os valores entre 0,8
MPa e 7,1 MPa.
Outro trabalho sobre argamassas tradicionais, experimentado por Veiga170, traz
valores parecidos de força do elemento ligante: entre 0,6 MPa e 6,9 MPa. A autora,
ao mesmo tempo, revela que a medida ideal para a resistência à compressão da
argamassa está entre 0,6 MPa e 2,5 MPa, no caso de revestimentos. Em

168
MAGALHÃES, A. C. A. Degradação de revestimentos de paredes de edifícios antigos:
metodologia de diagnóstico. 2013. 161f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p.122.
169
MAGALHÃES, A. C. A. Degradação de revestimentos de paredes de edifícios antigos..., op. cit.
170
VEIGA, M. R. As argamassas na conservação. In: JORNADA DE ENGENHARIA CIVIL DA
UNIVERSIDADE DE AVEIRO: AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES EXISTENTES,
1., 2003, Aveiro, Portugal. Anais... Lisboa: LNEC, 2003. Disponível em: <mestrado-reabilitacao.fa.utl.
pt/disciplinas/jbastos/Rveiga2CONF-UA-RV.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2016
81

concordância com esse dado, supõe-se que, em caráter estrutural, a resistência da


argamassa deve ser próxima a 2,5 MPa.

3.2 O COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DOS MUROS ANTIGOS E SUAS


GRANDEZAS FÍSICAS

A estrutura de uma edificação tem, como objetivo principal, receber as cargas


que incidem sobre o prédio e transferi-las ao solo, com o intuito de manter a
construção em pé. Durante os séculos, como exposto no Capítulo 1, a sociedade
reinventou seus modos de edificar com o estudo de como levar as grandes cargas
recebidas pelos pesados monumentos até o chão.
A evolução dos sistemas estruturais procurou, a cada século, tornar a
construção mais esbelta, sendo esta questão bem exposta ao se notar o grande
avanço da composição das pesadas e robustas construções bizantinas e românicas,
da Alta Idade Média, com as elevadíssimas catedrais francesas com seus arcos
botantes.
As construções góticas são alvo, no século XIX, de estudo por um dos
pioneiros e maiores nomes da história da arquitetura e da tecnologia da restauração:
Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc171. O estudo racionalista do famoso arquiteto
francês, o "arauto da modernidade"172, muito influenciou os arquitetos do estilo
internacional, que, já no século XX, inúmeras vezes viam a concepção arquitetônica
como resultado da composição estrutural. Esses estudos são responsáveis pela
evolução da arte de edificar, para a criação de edifícios mais resistentes e mais
ecônomicos, necessidades da vida contemporânea.
Não obstante, a falta de entendimento dos conceitos básicos sobre estruturas
antigas pelos arquitetos modernos não esclarecidos, em concordância com a
necessidade de restaurar e reutilizar monumentos, causou diversos danos às
construções tradicionais.

171
Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814 d.C. – 1879 d.C.), arquiteto, teórico da arquitetura,
restaurador, professor. Foi responsável pela restauração da Catedral de Paris (Notre-Dame) com
Jean-Baptiste-Antoine Lassus; Chefe do Bureau des Monuments Historiques e membro da
Commission des Monuments Historiques; seus trabalhos Dictionnaire raisonné de l'architecture
française e Entretiens sur l'architecture são verdadeiros clássicos do restauro e da história da
arquitetura.
172
OLIVEIRA, M. M.; SANTIAGO, C. C. Viollet-le-Duc e o restauro de Notre-Dame. Salvador:
EDUFBA, 2014.
82

Na Itália, por exemplo, lajes de concreto substituíram os antigos solai in


legno173, em cidades onde a incidência de terremotos era (e ainda é) frequente.
Essa intervenção não previa o comportamento rígido de uma lâmina do referido
material atuando no muro antigo, de desempenho elástico, no caso de uma
solicitação horizontal proveniente do abalo sísmico. O "martelamento"174 causado
por esse elemento novo, dada sua falta de concordância com a parede resistente,
acarretou a ruína de diversos prédios, principalmente na região da Umbria e
Abruzzo.
Nesse contexto, a sapiência dos conceitos físicos fundamentais, que apoiaram
as pesquisas de Viollet-le-Duc e da engenharia da última centena de anos, e as
relações entre causa e efeito das solicitações estruturais são fundamentais para a
evolução da arte de edificar e substanciais para a pesquisa sobre alvenarias antigas,
pois, através desses parâmetros, é possível entender as ações que incidem sobre
uma estrutura e, assim, propor a melhor forma de tratá-las.

3.2.1 Questões básicas: ações, momentos e estabilidade de um muro

As ações que atuam em uma estrutura são divididas entre estáticas e


dinâmicas, podendo possuir diversas origens e diversas formas de atuação. As
supracitadas solicitações estáticas175 são, segundo Croci176, divididas entre diretas e
indiretas.
As ações dinâmicas são aquelas produzidas por terremotos, ventos, máquinas,
explosões, empuxos horizontais, entre outras. Esse tipo de solicitação, antigamente,
era raramente levado em consideração para análise de paredes tradicionais. Apesar
de o Brasil localizar-se em zona não sísmica, é importante avaliar, por exemplo, a
ação de correntes de ar, do tráfego de veículos e de sons de alta intensidade, que
causam vibrações nas estruturas históricas.
Complementarmente, o comportamento mecânico de uma alvenaria, além das
características dos materiais empregados, depende da forma e da dimensão das

173
Pisos em madeira (tradução nossa). Estrutura em barrotes de madeira com tabuados.
174
BACCO, V. Meccanismi di collasso per effetto di solai di copertura spingenti. Rivista Gazzetta dei
Solai, Roma, n. 59, p. 1-7, luglio 2009. Disponível em: <http://www.solaioinlaterizio.it/ sol/newsletter/
n058/news_1.pdf>, Acesso em: 16 set. 2015.
175
Ações permanentes nos edifícios.
176
CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni architettonici. Torino: UTET Libreria,
2001. p. 95.
83

construções, do tipo de ligação entre os componentes da estrutura e dos defeitos


gerais dos muros e do local onde foi construído o edifício.
Afetam, também, o desempenho da parede, ações antrópicas, as quais são
citadas por Croci177:

1 – movimentações do solo, que causam desconexão entre os elementos


ligantes dos componentes do muro;

2 – aumento das aberturas de uma parede, causando lesões, deformações, e


efeitos de esmagamento;

3 – remoção de paredes internas do edifício, afetando o comportamento do


sistema da estrutura geral;

4 – adição de novo arco ou pilar no conjunto;

5 – ampliação de gabarito;

6 – escavação de galerias, demolições de edifícios vizinhos, construção de


prédios adjacentes.

Croci, em suma, revela que qualquer tipo de modificação na estrutura e no


entorno do sistema pode alterar as ações das forças aplicadas em um muro. Sendo
assim, a análise e a execução de ensaios diagnósticos podem sofrer mudanças nos
resultados de acordo com a condição estrutural da alvenaria escolhida. No caso de
um dos monumentos de estudo definido, como será visto mais adiante, é possível
perceber danos graves nas alvenarias de sustentação.
Além das ações estáticas e dinâmicas que atuam em uma parede resistente, é
importante que o restaurador indague como se dá, fisicamente, a estabilidade de um
muro antigo. A prática em laboratório, através de ensaios destrutivos e a experiência
na determinação do estado de conservação de arquiteturas antigas, aliadas aos
estudos da engenharia da consolidação estrutural, permitiram individualizar as
principais características dos muros tradicionais.

177
CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni architettonici, op. cit., p. 95 (Tradução
nossa).
84

Desse modo, sabe-se que as paredes resistentes possuem grande resistência


à compressão e pouquíssima resistência à tração, portanto, qualquer carga vertical é
bem recebida pelo muro, enquanto os esforços horizontais podem causar sérios
danos à alvenaria ou monobloco. Segundo Appleton178, a grande espessura desse
sistema construtivo justifica-se por razões de natureza estrutural e mecânica:

Na verdade, as alvenarias que constituem estas paredes não


apresentam resistência à tracção e, pelo contrário, resistem
razoavelmente a esforços de compressão e menos a esforços de
corte. Assim, a largura, aparentemente excessiva das paredes,
justifica-se por razões de efeitos somativos: uma parede larga é
pesada e, portanto, a compressão daí resultante funciona como uma
força estabilizadora.179

Além do supracitado benefício, a ampla largura dessas paredes resistentes


influencia na diminuição da esbeltez da estrutura, ou seja, interfere na probabilidade
de inclinação e curvatura de um muro, evitando sua instabilidade fundamental.
Trata-se do aumento do núcleo central que, do ponto de vista da resistência dos
materiais, "[...] aumenta a capacidade da parede a suportar forças de derrubamento,
sem que se corra o risco de se instalarem nas secções tensões de tração, às quais
estaria necessariamente associada a fendilhação do material"180.
A Figura 18 demonstra, através de um esquema de forças, a importância da
espessura de uma parede resistente para sua estabilidade. Sabe-se que a
solicitação do peso próprio de uma alvenaria (P) está diretamente aplicada em seu
centro de gravidade, que, no caso de uma parede com seção próxima a um
retângulo, pode ser encontrada no ponto de intersecção entre as diagonais desse
segmento.

178
APPLETON, J. Reabilitação de edifícios antigos: patologias e tecnologias de intervenção. 2.ed.
Alfragide: Edições Orion, 2011.
179
Id., ibid., p.20.
180
Id., loc. cit.
85

Figura 18 – Modelo do comportamento estático de uma parede


de alvenaria

e = M/P < a/6

Fonte: Appleton (2011, p.20).

É admitido, no entanto, que a solicitação seja aplicada fora do centro de


gravidade. Isso tem relação, muitas vezes, ao desaprumo do elemento estrutural,
tendo em vista a existência de uma força horizontal (H). A solicitação (H), a qual
pode ser resultado de diversas ações, desde o efeito de ventos até o empuxo de
coberturas, gera um momento (M), responsável pela derrubada do muro. O espaço
admitido (e) para aplicação do peso próprio fora do centro de gravidade, então, será
diretamente proporcional ao momento (M) e inversamente proporcional ao peso
próprio (P) da parede resistente: M/P. Esse resultado deve ser menor que um sexto
da largura do elemento estrutural (a), visto que um valor maior que o referido
resultaria na aplicação do peso próprio fora do terço médio da base da parede
resistente, causando a queda do muro.
A função da grande largura das alvenarias estruturais está relacionada
diretamente à relação descrita no parágrafo anterior. Quanto maior a espessura,
maior é o terço médio da base. Oliveira181 estuda esse problema ao descrever a
verificação do empuxo de arcos, abóbodas e cúpulas: "Para se verificar a ação do
empuxo sobre as paredes de apoio e a condição de estabilidade do sistema
estrutural deve-se encontrar o baricentro do maciço onde se apóia o arco ou
181
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit.
86

abóboda [...]"182 e, adicionalmente, "[...] encontrar as resultantes destas forças


concorrentes, que não deverá passar fora do terço médio da base, sob pena de
termos um sistema instável"183.
Sabendo-se, então, o princípio de estabilidade das paredes estruturais, faz-se
necessário entender os resultados das diversas ações que fomentam a instabilidade
do sistema estrutural. Essas consequências são as denominadas patologias. O
entendimento delas é substancial para o relatório do estado de conservação e
projeto de diagnóstico estrutural.

3.2.2 Patologias que afetam a estabilidade da estrutura

Saber reconhecer os problemas que estão relacionados ao surgimento de


patologias em muros antigos é de fundamental importância para avaliação física e
mecânica de paredes resistentes, visto que o diagnóstico do estado de conservação
desses elementos estruturais deve dar opções para a consolidação dos muros
antigos.
É importante levar em consideração que o próprio peso da edificação, sem a
influência de fatores externos, pode causar patologias em um monumento antigo.
Todo prédio pode sofrer com a ação do tempo, como ocorre nos organismos vivos,
e, consequentemente, ter complicações decorrentes da fadiga estrutural.
Portanto, faz-se necessário avaliar, inicialmente, se os problemas sofridos pela
construção são relacionados ao relaxamento da estrutura, considerando o efeito do
tempo, ou de fatores externos. Retomando a palavra do tratadista Jean Baptiste
Rondelet:

Tous les effects qui tendent à détruire les edifices, proviennent de la


pesanteur, laquelle agit en raison des obstacles qu'elle éprouve.
Lorsque des corps pesants son posés immédiatement les uns sur les
autres, le resultat de leur effort est un simple pression susceptible de
produire le tassement ou l'écrasement de parties qui les
soutiennent.184

182
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit., p.201.
183
Id.. loc. cit.
184
“Todos os efeitos que tendem a destruir os edifícios provêm da gravidade, a qual age em razão
dos obstáculos que ela encontra. Quando os corpos pesados são colocados imediatamente uns
sobre os outros, o resultado dos seus esforços é uma simples pressão suscetível a produzir sua
compressão ou esmagamento das partes que os sustentam” (RONDELET, J. B. Traité théorique et
pratique de l'art de bâtir, op. cit., p.72. Tradução nossa).
87

Com relação às razões degradantes, de caráter externo, existem diversos


autores que separam os danos aos elementos estruturais em diversas categorias.
Munõz185, por exemplo, segue o exemplo de Russo186 em seu Lesiones de los
edificios187, e divide as lesões dos muros em seis grupos, de acordo com as causas
dos danos: lesões de acomodação ou adaptação; lesões por recalque ou
assentamento; lesões por esmagamento; lesões por rotação; lesões por
escorregamento e lesões decorrentes de fenômenos endógenos.
Nesse âmbito, para esta dissertação e para um entendimento sucinto dessas
patologias, com vistas à aplicação de inspeção visual e ensaios não destrutivos,
essas anomalias foram agrupadas em três segmentos básicos. É importante levar
em consideração que os danos mais frequentes, em alvenarias antigas, são aqueles
relacionados a:

1 – diminuição da seção do muro;

2 – esmagamento;

3 – movimentos de fundações e muros.

O primeiro grupo supracitado diz respeito a lesões superficiais que, no decurso


do tempo, podem diminuir a seção do elemento estrutural, causando a debilidade do
muro. O segundo e terceiro segmentos concernem às patologias que podem
ocasionar, diretamente, o colapso da estrutura mural.
Além dos grupos descritos acima, existem outras diversas causas patológicas
que podem estar relacionadas aos três grupos supracitados, mas não estão
diretamente ligadas ao dimensionamento do elemento estrutural nem ao sistema e
podem avançar o estado de desgaste físico e mecânico da parede resistente. Trata-
se de lesões decorrentes da presença de água, degradação biológica, ataque de
agentes climatéricos188 e vibrações. Embora seja de extrema relevância o estudo
desses atores de degradação, o conhecimento dos fenômenos citados no parágrafo
185
MUÑOZ, R. Acidentes e desastres em um trecho da falha de Salvador: um estudo na busca da
preservação dos edifícios de interesse cultural. 2009. 376 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e
Urbanismo)-Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. v. 1, p. 109.
186
RUSSO, C. Lesiones de los edificios. Barcelona: Salvat Editore, 1934.
187
Lesões dos edifícios (Tradução nossa).
188
APPLETON, J. Reabilitação de edifícios antigos..., op. cit., p. 103.
88

anterior é de maior interesse para este trabalho e são descritos a seguir. Croci
destaca a importância dessa pesquisa:

Un esame dei differenti tipi di dissesto è molto importante perché la


distribuzione delle deformazioni, delle lesioni, ecc. è legata al
comportamento strutturale e alle azioni che l'hannno prodotta.
L'esame dei dissesti e la conoscenza dei fenomeni corrispondenti è
quindi un elemento fondamentale per una buona diagnostica.189

3.2.2.1 Diminuição da seção do muro

Segundo Pinho190, o fenômeno da desagregação é uma patologia muito usual


em paredes resistentes de edifícios antigos, sendo resultado da ação de agentes
atmosféricos, como a alternância de frio e de calor, chuva e ventos. O
envelhecimento do monumento ou o agravamento de outras anomalias, como, por
exemplo, fissuração, rachaduras ou esmagamentos, podem tornar o edifício mais
sensível a essa patologia.
Esse fenômeno é mais comum no nível do solo, onde ações de vandalismo,
choques e o ataque biológico são mais propícios. O constante contato da parte baixa
da parede resistente com a água, em períodos chuvosos, proporciona uma
maximização das referidas degradações.
As Figuras 19 e 20 são da Capela de Nossa Senhora do Vencimento,
localizada no Recôncavo baiano, e ilustram esse tipo de dano. A desagregação
demonstrada é fruto, primeiramente, da evolução de rachaduras na parte posterior
do monumento e da lixiviação da fachada pela ação da água, causando a perda de
material de revestimento e diminuição da seção estrutural.

189
“Um exame dos diferentes tipos de patologias é muito importante porque a distribuição das
deformações e das lesões é ligada ao comportamento estrutural e às ações que os produziram. O
exame das patologias e o conhecimento dos fenômenos correspondentes são elementos
fundamentais para um bom diagnóstico” (CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni
architettonici, op. cit., p. 115. Tradução nossa).
190
PINHO, F. F. S. Soluções construtivas de paredes de edifícios antigos em Portugal. In: REPAR
2000: ENCONTRO NACIONAL SOBRE CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO DE ESTRUTURAS,
2000, Lisboa. Anais... Lisboa: LNEC, 2000. p.137.
89

Figura 19 – Muro da fachada posterior da Figura 20 – Base do muro da fachada


Capela de Nossa Senhora do Vencimento posterior da Capela de Nosa Senhora do
Vencimento

Fonte: Acervo do autor (dez. 2014). Fonte: Acervo do autor (dez. 2014).

Na base da parede resistente, é possível perceber grande fragmentação,


provavelmente fruto, além da presumível movimentação do terreno, do ataque
biológico (ação de animais, desenvolvimento de vegetais superiores e manifestação
de microorganismos) e da lavagem da parte mais baixa do muro pelas águas
pluviais respingadas.

3.2.2.2 Esmagamento

O esmagamento, em estruturas antigas, é uma patologia extremamente


perigosa, podendo causar o colapso de um monumento. De acordo com Croci191, tal
ação ocorre quando os esforços de compressão, em uma parede resistente, chegam
a valores próximos aos parâmetros de resistência dos materiais componentes do
muro combinados. Esse fenômeno pode estar relacionado, também, à fadiga ou
deterioração das argamassas que compõem a estrutura. À medida que esse
fenômeno se desenvolve, é possível verificar o aparecimento de fissuras na mesma
direção da solicitação e, usualmente, distribuídas uniformemente na base da parede.
A Figura 21 demonstra um caso de esmagamento pontual. Nessa situação,
onde não haja esforços horizontais, esses danos terão, na maioria das vezes,
também comportamento vertical, que parte do ponto de sobrepeso, na situação de

191
CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni architettonici, op. cit., p. 116.
90

cargas pontuais, até o solo, seguindo as linhas isostáticas de mínimo da parede.


Esse fenômeno ocorre, principalmente, em zonas de contato lateral, entre vigas de
madeira e a alvenaria.

Figura 21 – Vistas (A e B) e Seção (C) do fenômeno de esmagamento

Fonte: Elaboração do autor a partir de Oliveira


(2006, p.170).

O princípio das lesões verticais dadas por esmagamento ocorre, no caso de


paredes argamassadas, pela diferença de elasticidade do ligante, em relação aos
outros materiais que fazem parte do muro (pedras, tijolos, ou uma composição dos
dois primeiros). A expansão veloz da argamassa, em relação a pedras e tijolos, é
responsável por uma solicitação de tração horizontal interna dos elementos
construtivos combinados, causando a rachadura desses materiais, não resistentes a
esse tipo de esforço. As lesões sempre serão perpendiculares às tensões.
Além das consequências já relatadas, existe outro distinto fenômeno que
ocorre através do esforço de esmagamento: é possível que o muro expulse material
da porção central de sua secção, causando um abaulamento da parede resistente
em sua parte mediana.
Appleton192 explica que se trata de um caso relacionado à deficiência de
construção, quando a alvenaria não apresenta blocos grandes, que atravessem toda
a secção do muro (perpianhos), sendo um problema diretamente relacionado à
heterogeneidade dos elementos constituintes do sistema estrutural.

192
APPLETON, J. Reabilitação de edifícios antigos..., op. cit., p.109.
91

Fisicamente, o esmagamento diz respeito à ação exarcebada de uma força de


compressão, causando um forte Efeito Poisson193, grandeza que será vista mais
adiante nesta dissertação e que tem relação direta com a razão tensão/deformação.
Adicionalmente, no que concerne ao comportamento físico do muro, esse
acontecimento pode verificar-se junto à ocorrência de flambagem da estrutura
tradicional, estando a flambagem diretamente ligada à altura da parede resistente e
sua relação com a espessura. Segundo Oliveira194, isso ocorre quando a altura do
muro, que sofre esta solicitação excessiva, é maior quinze vezes que a menor
dimensão da seção.
Outrossim, relata Muñoz195, é possível interpretar o acontecimento do
esmagamento ao golpear a alvenaria com um martelo e ouvir um som de "vazio":
"Em 90% dos casos, percebe-se a desagregação das argamassas ao contato, pois
se pulverizam facilmente entre os dedos"196.

3.2.2.3 Movimentos de fundações e muros

De maneira geral, as causas do aparecimento de lesões em uma estrutura


antiga, conforme relata Oliveira197, dizem respeito aos movimentos de fundação,
deslocamento do terreno e/ou rotação dos muros em elevação por diversos tipos de
empuxo como, por exemplo, a força de arcos, abóbodas, terreno e solicitações
decorrentes de problemas nas coberturas. Esses problemas podem estar
relacionados, também, a condições particulares, como, por exemplo, a falta de arco
de descarga em um vão, ou a má qualidade de uma construção. Muñoz198, a partir
de Razini e Negro199, classifica os danos em uma estrutura, incluindo sua descrição
e a espessura aproximada das fendilhações.

193
Trata-se do efeito de expansão horizontal, de um material, após o recebimento de uma carga
vertical.
194
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit.,p.170.
195
MUÑOZ, R. Acidentes e desastres em um trecho da falha de Salvador..., op. cit.
196
Id., ibid., p.123.
197
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit., p.163.
198
MUÑOZ, R. Acidentes e desastres em um trecho da falha de Salvador..., op. cit., p.102.
199
RANZINI, S. M. T.; NEGRO Jr., A. Obras de contenção: tipos, métodos construtivos, dificuldades
executivas. In: HACHICH, W.; FALCONI, F. F.; SAES, J. L.; FROTA, R. G. Q.; CARVALHO, C. S.;
NIYAMA, S. Fundações: teoria e prática. São Paulo: PINI, 1998. p.497-515.
92

O Quadro 5 é uma adaptação dos dados fornecidos pelos referidos autores,


relacionando a dimensão das trincas com o tipo de lesão que pode ocorrer em uma
parede resistente.

Quadro 5 – Classificação dos danos em edificações

Classe do dano Descrição do dano Espessura da trinca Denominação


(mm)
Desprezível Trincas capilares. < 0,1 Craquelê
Muito pequeno Trincas na alvenaria < 1,0 Craquelê e
externa de fácil reparo. fissuras
Pequeno Trincas externas visíveis < 5,0 Fissuras e trincas
e sujeitas à infiltração.
Moderado O fechamento das 5,0 a 15,0 Trincas e
trincas requer rachaduras
significativo
preenchimento. Pode ser
necessária a substituição
de pequenas áreas de
alvenaria.

Severo Necessidade de reparos 15,0 a 25,0 Fendas e


envolvendo remoção de rachaduras
trechos de parede,
principalmente sobre
portas e janelas.
Paredes fora do prumo e
utilidades interrompidas.

Muito severo Reparos significativos >25,0 Brechas e Fendas


envolvendo reconstrução
parcial ou total. Paredes
requerem escoramento.
Perigo de instabilidade.
Fonte: Elaboração do autor a partir de Muñoz (2009, p.102).

As menores lesões existentes são aquelas superficiais, as quais apresentam


dimensões menores que 0,1 mm. Essa deteriorização que é conhecida como
"craquelê", que afeta, em grande parte, os revestimentos. As lesões estão
diretamente ligadas à expansão do material invólucro ou à divergência de
comportamento entre a base e a sua cobertura, não estando relacionadas a
problemas estruturais. Os danos apresentam maior significância, para um muro
antigo, quando se trata de trincas. Muitos autores tratam o termo como fendilhações
de maneira geral, desde lesões pequenas até grandes rachaduras. Para esta
dissertação, no entanto, é utilizado o termo fissuras para aquelas lesões de menor
93

influência para o colapso da estrutura, que são menores que 0,5 mm de espessura,
as quais são diferentes de rachaduras que apresentam maior dimensão e largura.
De acordo com Pinho200, esses fenômenos são muito recorrentes quando perto
das aberturas de portas e janelas, zonas mais frágeis da construção, pois são áreas
de grande convergência de forças. Do mesmo modo, essa patologia pode ser
encontrada com facilidade em paredes resistentes, sem elementos de ligação entre
elas, e as quais não se comportam como uma caixa estrutural conexa, com
movimentação uniforme. Appleton relata:

As aberturas para portas e janelas são naturalmente pontos fracos


destes elementos, já que no seu contorno, e especialmente nos
cantos, ocorrem concentrações de tensões que estão na origem do
início e progressão do fenômeno de fendilhação. Esta é uma
realidade bem conhecida e que sempre levou a que cuidassem com
especial atenção os pormenores construtivos nestas zonas.201

Portanto, antes de qualquer projeto de restauração, é importante avaliar se a


intervenção prevê novas aberturas no muro tradicional, podendo a proposta
promover sérios danos ao monumento. A Figura 22 demonstra alguns exemplos de
trincas e fendilhações causadas pela próximidade do prédio a árvores de grande
porte (A), recalques do terreno (B) e umidade do terreno (C.1 e C.2).

Figura 22 – Fendilhamentos e rachaduras provenientes de movimentação do terreno

A B

C.1 C.2

Fonte: Elaboração do autor a partir de


Cóias (2006, p.3).

200
PINHO, F. F. S. Soluções construtivas de paredes de edifícios antigos em Portugal,op. cit., p.138.
201
APPLETON, J. Reabilitação de edifícios antigos..., op. cit.,p.109.
94

As rachaduras, fendas e brechas são lesões bem mais perigosas, para muros
antigos e novos, podendo causar o colapso estrutural rapidamente, fomentando o
estudo urgente para a consolidação da alvenaria ou do tratamento da causa dos
danos que estão assolando o prédio.
Além das patologias descritas anteriormente (desagregação, esmagamento,
fendilhamento), que podem se agravar para dar espaço a novas lesões mais graves,
Oliveira202 relata os seis movimentos deformantes que se constituem em matrizes
para o aparecimento dessas fissuras e rachaduras problemáticas para as paredes
tradicionais, são eles:

1 – um vertical, relacionado ao recalque do terreno ou retração das


argamassas;

2 – dois horizontais, causados por empuxos laterais gerados pelo cedimento,


afastamentos ou aproximação dos apoios;

3 – três de rotação, que dizem respeito, em sua grande maioria, a


movimentações do solo.

Existem, além do mais, fissuras e rachaduras formadas pela má qualidade da


edificação, como já relatado anteriormente. Não é do interesse desta dissertação
delongar-se sobre elas, no entanto, é importante explicar que patologias estruturais
procedem de acordo com certa lógica mecânica e que o conhecimento do
andamento do dano é essencial para um diagnóstico apurado do muro.
As Figuras 23 e 24 apresentam comportamentos de diversas lesões
ocasionadas pelos casos supracitados.

202
OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da Conservação e Restauração, op. cit., p.166.
95

Figura 23 – Comportamento de lesões (em vermelho) por diversos tipos de recalque ou


rotação

Fonte: Elaboração do autor a partir de Di Stefano (1990) e Oliveira (2006).

Figura 24 – Comportamento de lesões (em vermelho) por esforços adicionais ou perda de


coesão

Fonte: Elaboração do autor a partir de Di Stefano (1990) e Oliveira (2006).

Por fim, Buffarini, D’Aria e Giacchetti afirmam que é de extrema importância a


documentação de todos os danos que se apresentam em um monumento, além de
suas inter-relações no sistema estrutural:

L'analisi delle lesioni, eventualmente riscontrate, dovrà riguardare sia


le strutture verticali che quelle orizzontali con l'ausilio, [...] di rilievi del
quadro fessurativo e di adeguata documentazione fotográfica.203

203
“A análise das lesões, eventualmente encontradas, deverá dizer respeito tanto às estruturas
verticais como às horizontais, com o auxílio [...] dos cadastros do quadro de fissuras e de adequada
96

Entender o comportamento dessas patologias pode ser uma tarefa complexa


para o restaurador, por isso, além de identificar os danos em um muro antigo, é
preciso que o arquiteto/engenheiro conheça as ações que estão atuando em uma
parede resistente, sendo este um caminho essencial para o entendimento dos
problemas correntes. A base para qualquer estudo de consolidação de estruturas
patrimoniais fundamenta-se na utilização de parâmetros, vistos a seguir.

3.2.3 Grandezas importantes e valores de referência

O Eurocode204, normatização desenvolvida pelo Comité Européen de


Normalisation205 (CEN) destaca, no Capítulo 8, “Eurocode 8”, os quatro parâmetros
mecânicos fundamentais para o estudo de alvenarias antigas, sendo eles relatados
por Cóias206:

1 – resistência à compressão;

2 – resistência ao corte;

3 – resistência à flexão;

4 – relações tensões/extensões207.

Nesse contexto, Buffarini, D’Aria e Giacchetti208 desenvolvem a questão da


avaliação dos supracitados parâmetros, fundamentais para a concepção da
avaliação estrutural de alvenarias, tanto antigas quanto novas. O trabalho de
pesquisa dos autores define que esses critérios deverão ser obtidos por ensaios in
situ ou em laboratório e constituem-se em cinco incógnitas importantes. No entanto,
é importante citar seis destas indispensáveis grandezas:

documentação fotográfica” (BUFFARINI, S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento


strutturale degli edifici in cemento armato e muratura, op. cit., p. 15. Tradução nossa).
204
Eurocódigo (Tradução nossa).
205
Comissão Europeia de Normatização (Tradução nossa).
206
CÓIAS, V. A reabilitação estrutural em edifícios antigos. 2. ed. Lisboa: Ed. Argumentum, 2007. p.
128.
207
Módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson.
208
BUFFARINI, S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura, op. cit., p.48.
97

1 – a resistência média à compressão do muro, sinalizada pelo símbolo fm, que


é o valor admitido de tensão para que uma parede estrutural mantenha sua
integridade, sem o aparecimento de qualquer dano de esmagamento ou
fissuração. A unidade de medida desta grandeza, adotada para facilitar a
relação com os dados obtidos pelos ensaios possíveis, é N/mm² ou MPa;

2 – a resistência média ao corte do muro, adotando o símbolo tm, trata-se de


uma grandeza importante em áreas sísmicas, visto que as forças horizontais
que atuam durante um terremoto são responsáveis pelo aparecimento de
reação de forças de corte em alvenarias, causando fissuras ou rachaduras a
45°, pricipalmente em paredes de tijolos com juntas de argamassa bem
definidas. Apesar de citada por Buffarini, D’Aria e Giacchetti, não é de interesse
desta dissertação o aprofundamento teórico sobre o tema, visto a raridade de
abalos sísmicos na Bahia.
Assim como a resistência média de compressão do muro, este parâmetro
apresenta N/mm², ou MPa, como unidade de medida;

3 – o valor médio do módulo de elasticidade209, indicado pela letra E, o qual é


uma propriedade mecânica característica de cada material210 e pode ser
modificado com a composição de diversos elementos construtivos, como
ocorre com os muros antigos.
Esses materiais e compostos singulares podem ter suas características
definidas através do comportamento do seu gráfico de tensão/deformação
(Figura 25), que, por sua vez, é derivado da fundamental lei211 estabelecida,
em 1678, por Robert Hooke212, que deu nome à fórmula. Desse modo, a tensão

(σ) é diretamente proporcional ao produto do módulo de elasticidade (E) e da

deformação (ε):

209
Também chamado de constante de proporcionalidade, por representar a proporção entre tensão e
deformação; ou, pode ser determinado como Módulo de Young.
210
ASSAN, A. E. Resistência dos Materiais. São Paulo: Unicamp, 2010. v.1.
211
Id., ibid., p.244.
212
Robert Hooke (1635 d.C. – 1703 d.C.), cientista e professor inglês; principal ajudante do arquiteto
Cristopher Wren, responsável pelo projeto da Catedral de St. Paul de Londres, após o grande
incêndio; foi o motivador do desenvolvimento de diversos instrumentos importantes para a ciência
como barômetros, higrômetros, medidores de chuva e anemômetros.
98

σ = Εε (1)

Figura 25 – Gráfico tensão/deformação de materiais elástico-lineares (a) e elásticos


(b)

Fonte: Assan (2010, p. 244).

Uma vez que a deformação é adimensional (m/m), o referido


parâmetro tem a mesma unidade que a tensão (força/área). Para estar em
concordância com os ensaios descritos posteriormente, foi medido em N/mm²,
ou MPa;

1 – o coeficiente de Poisson, denominado pelo símbolo v, não é relatado por


Buffarini, D’Aria e Giacchetti, no entanto, é importante de citar nesta
dissertação. Trata-se da relação entre a deformação transversal e longitudinal
sendo, portanto, adimensional;

2 – o valor médio do módulo de elasticidade tangencial (ou módulo de rigidez à


torção), sinalizado pela letra G, o qual pode ser obtido por meio de ensaios que
levem em conta a resistência média de corte, descrito anteriormente. O módulo
de elasticidade tangencial é medido em kN/mm², no entanto, o estudo desse
parâmetro não foi aprofundado nesta dissertação, considerando sua relação
direta com a resistência média de corte;

3 – o peso específico médio, adotando o símbolo γ, é uma grandeza tabelada


no Brasil pela NBR 6120/1980. Trata-se de norma importante para o pré-
99

dimensionamento de lajes, vigas e pilares em prédios novos, de concreto


armado. Sua unidade é kN/m³.

Adicionalmente, são indicados, pelos supracitados autores, valores de


referência para diversos tipos de muros, que devem ser levados em consideração
após a aplicação dos ensaios para obtenção dos parâmetros anteriores.
O Quadro 6 diz respeito somente aos valores de compressão e módulo de
elasticidade, uma vez que são os únicos critérios que podem ser obtidos através dos
equipamentos disponíveis e, também, os parâmetros mais importantes a se avaliar,
tendo em conta a relação direta dessas grandezas com a solicitação da estrutura e
sua deformabilidade.

Quadro 6 – Valores de referência para compressão e elasticidade de alvenarias


Tipologia Mural fm (MPa) E (MPa)
Muros em pedras de diversos tamanhos e desordenadas ou Min – 1,00 Min – 690
Alvenaria mista Máx – 1,80 Máx – 1050
Muros em pedra irregular com espessura limitada e Min – 2,00 Min – 1020
enchimento interno Máx – 3,00 Máx – 1440
Muros em pedra talhada desordenada Min – 2,60 Min – 1500
Máx – 3,80 Máx – 1980
Muros em blocos de cantaria esquadrejada Min – 6,00 Min – 2400
Máx – 8,00 Máx – 3200
Muros de tijolos plenos assentados com argamassa Min – 2,40 Min – 1200
Máx – 4,00 Máx – 1800

Fonte: Elaboração do autor a partir de Buffarini, D’Aria e Giachetti (2010, p 48).

Tais valores de referência tratam de alvenarias com características frágeis, no


que diz respeito a argamassas de pouca qualidade, muros não consolidados, pouca
ligação entre os elementos que fazem parte da estrutura, entre outros. No caso de
muros com certa qualidade de materiais e coesão, existem coeficientes
multiplicadores que podem ser utilizados para melhorar os parâmetros do Quadro 6,
de acordo com os seguintes critérios:

1 – argamassa de boa qualidade;


100

2 – presença de rejuntes e ligações entre os elementos da alvenaria; presença


de elementos de ligações transversais entre os dois lados da parede;

3 – núcleo amplo;

4 – presença de consolidação anterior.

Com tais informações, foi possível elaborar novo quadro com os coeficientes
que devem ser aplicados nos supracitados casos (Quadro 7).

Quadro 7 – Coeficientes de melhoramento

Tipologia Mural Argamassa Presença de Ligação entre Núcleo Consolidação


rejuntes paramentos amplo anterior

Muros em 1,5 - 1,5 0,9 2


pedras de
diversos
tamanhos e
desordenadas
ou Alvenaria
mista
Muros em pedra 1,4 1,2 1,5 0,8 1,7
irregular com
espessura
limitada e
enchimento
interno
Muros em pedra 1,3 - 1,3 0,8 1,5
talhada
desordenada
Muros em 1,2 1,2 1,2 0,7 1,2
blocos de
cantaria
quadradas
Muros de tijolos 1,5 1,5 1,3 0,7 1,5
plenos
assentados com
argamassa
Fonte: Elaboração do autor a partir de Buffarini, D’Aria e Giacchetti (2010, p.50).

Outra informação importante, relativa ao peso de muros antigos, está em João


Emílio do Santos Segurado, que também relata, em seu livro Alvenaria e Cantaria,
anteriormente citado, valores da solicitação que atua em paredes resistentes e sua
101

carga de segurança (valor admitido para o sobrepeso que o muro recebe, que é
igual a 1/10 da tensão de esmagamento).
O autor observa que, para utilizar os valores descritos, é importante levar em
conta o seguinte:

A argamassa ordinária é formada de 1 de cal para 3 de areia; A


carga que uma parede ou um pilar podem suportar diminui com a
altura, quando esta exceder 15 a 20 vezes a largura da base, apenas
se deve tomar 0,25 a 0,50 dos números apresentados; A carga de
segurança à tração é cerca de 1/10 dos números que
apresentamos.213

As informações contidas no Quadro 8, a seguir, dizem respeito ao peso de


nove tipos de paredes resistentes, no entanto, para esta dissertação, é importante
relevar, com mais atenção, os dados a partir do item 5 até o item 8. Trata-se das
paredes resistentes mais comuns encontradas no Brasil do século XVII ao século
XIX. Adicionalmente, por meio dos valores da carga de segurança, foi possível
estimar a tensão de esmagamento.

Quadro 8 – Pesos e tensões de esmagamento para diversos tipos de muros

Peso Tensão de
Tipo de alvenaria esmagamento
(kgf/m³)
(MPa)
1. Cantaria de pedra muito dura e
2500 a 2700
argamassa ordinária. 29 a 58

2. Cantaria de pedra dura e argamassa


2300 a 2500 14 a 29
ordinária.

3. Cantaria de pedra semidura e


2200 a 2300
argamassa ordinária. 9,8 a 14

4. Cantaria de pedra macia e argamassa


2000 a 2200 7,84 a 9,8
ordinária.

5. Alvenaria de pedra e argamassa


2000 a 2200 9,8 a 19
ordinária.

6. Alvenaria mista e argamassa


1700 a 2000 4,9 a 9,8
ordinária.

7. Tijolo ordinário e argamassa ordinária. 1700 a 1800 5,88 a 7,84

8. Tijolo duro e argamassa ordinária. 1800 a 2000 7,84 a 9,8

9. Tijolo extra duro e argamassa de


2000 a 2200 9,8 a 14
cimento.

Fonte: Elaboração do autor a partir de Santos Segurado (1908, p.113).

213
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit., p.113.
102

A partir das referidas informações, é possível identificar se as características


físicas e mecânicas dos muros antigos, obtidas através de ensaios não destrutivos,
de caráter quantitativo, estão de acordo com os índices admitidos, ou seja, não
apresentam instabilidade ou possibilidade de dano. Assim, uma parede resistente,
que apresenta parâmetros muito diferentes aos relatados pelos citados
pesquisadores, é passível de consolidação estrutural, sendo os dados já relatados
pelas anteriores pesquisas, pontos base para o cálculo.
Outrossim, através dessas referências, é possível avaliar o dimensionamento
da estrutura adequada de consolidação, com vistas a melhorar as qualidades
mecânicas das alvenarias em questão. Por exemplo: qualquer alvenaria sofrendo
esmagamento pelo seu subdimensionamento ou sobrepeso (ocasionado por
diversos motivos), ao ser ensaiada pelo teste com macacos planos simples (ensaio
que será explicado posteriormente), apresentará uma solicitação superior àquela a
que a parede pode resistir normalmente. Esse valor obtido será, então, a base de
cálculo para o reforço da estrutura.
Considerando a importância da relação teoria-prática para a Ciência da
Restauração, faz-se necessário relacionar tudo já explicitado nesta dissertação com
os testes principais para a avaliação das características físicas e mecânicas das
alvenarias antigas. Esses metódos, pouco ou não destrutivos, são vistos no Capítulo
4.
103

4 TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO

A pesquisa e a revisão das recomendações e normas para o desenvolvimento


de ensaios, aliadas ao estudo histórico do monumento e ao funcionamento dos
instrumentos, são etapas iniciais, e fundamentais, para a boa execução de testes
diagnósticos em edifícios antigos e novos. Foi necessário, portanto, definir, antes da
análise dos ensaios escolhidos para esta dissertação, alguns conceitos básicos com
relação aos tipos de avaliações que podem ser executados em uma edificação.

4.1 TIPOS DE ENSAIOS

Os testes diagnósticos podem ser divididos de diversas formas, embora sejam,


geralmente, classificados em dois diferentes grupos: técnicas não destrutivas e
técnicas destrutivas. Essa divisão diz respeito ao nível de dano causado ao edifício
com a preparação e execução da técnica. Dentro desses dois grupos, ainda é
possível fazer outra diferenciação no que diz respeito aos dados que esses ensaios
podem oferecer (qualitativos ou quantitativos, globais ou pontuais, diretos ou
indiretos). As técnicas destrutivas, geralmente, são aquelas que dão resultados
quantitativos ao diagnóstico de uma edificação, tratando-se da retirada de elementos
materiais de um edifício para a análise em laboratório. Nas palavras de Binda e
colaboradores:

Servono a definire la composizione delle malte e degli intonaci


originali e le caracteristiche chimiche, fisiche e mecchaniche di pietre,
mattoni, legni e metalli impiegati nella costruzione esistente. Sono
utili in fase diagnostica per verificare l’entità del danno sopratutto
riguardante la superficie esterna degli elementi murari o lignei, ma
anche per predire la durabilità dei materiali da riparazione e/o dei
trattamenti.214

214
“Servem para definir a composição das argamassas e dos rebocos originais, bem como as
características químicas, físicas e mecânicas das pedras, tijolos, madeiras e metais empregados na
construção existente. São úteis em fase de diagnóstico para verificar a extensão do dano, sobretudo
no que diz respeito à superfície externa dos elementos murais ou lígneos, mas, também, para fazer
um prognóstico da durabilidade dos materiais para reparações e/ou tratamentos” (BINDA, L.; SAISI,
A.; ZANZI, L.; BARONIO, G. Tecniche di indagine e progetto delle indagini per la diagnostica
strutturale. In: PESENTI, S. Il progetto di conservazione: linee metodologiche per le analisi preliminari,
l'intervento, il controllo di efficacia. Rapporti di ricerca. Politecnico di Milano/Dipartimento di
Conservazione e Storia dell'Architettura. Firenze: Alinea, 2001. p.104. Tradução nossa).
104

É importante mencionar que os pontos de retirada dos corpos de prova devem


ser atenciosamente estudados, para a extração dos elementos mais representativos
da estrutura material da edificação. Além disso, é preciso que essa amostra não
tenha sido fisicamente alterada durante o transporte e/ou extração e, ainda, não
sofrer grandes modificações de temperatura e umidade, que possam ter gerado
resultados não fidedignos. Dentro dessa categoria, é possível citar diversos ensaios,
sendo os principais: compressão monoaxial; tração indireta; dureza superficial;
absorção d’água; presença de sais solúveis; difratometria a Raios X; e gelo215 e
degelo216. O Quadro 9 foi elaborado a partir dos estudos de Cóias217, o qual faz uma
descrição da classificação dos danos de um ensaio e das medidas de reparação,
bem como das construções aceitáveis para a realização do processo diagnóstico.

Quadro 9 – Classificação dos danos causados por ensaios destrutivos e não destrutivos
Classificação Descrição Danos Medidas de Construções em
do dano reparação que é aceitável
Irrelevante Visíveis apenas se Marca de martelo, Nenhuma ou Todas.
Exemplos: procurados, não visíveis riscos, manchas limpeza.
(Ensaios sônicos, em distância normal. d’água.
Termocâmera,
Georradar)
Ligeiro Visíveis de perto, mas, Furos de pequeno Reparação Todas, exceto em
Exemplos: normalmente diâmetro, danos com edifícios
(Endoscopia, imperceptíveis. de penetrômetros. argamassa da classificados em
Acelerômetros, mesma cor e zonas perto dos
penetrômeros) características utentes.
mecânicas
Médio Óbvios mas sem Remoção de Substituição Todas, exceto em
relevância estrutural ou material de juntas, da unidade ou edifícios
Exemplo: para durabilidade a curto remoção de reparação com classificados em
(Ensaio com prazo unidades de argamassa zonas perto dos
macacos planos) alvenaria ou de expansiva, de utentes.
corpos de prova mesma cor e
de pequeno características
diâmetro. mecânicas.
Significativo Muito óbvios. Podem exigir Remoção de Reconstrução Temporariamente
(Grandes ensaios medidas de segurança se pequenas áreas com materiais em edifícios
em laboratório) não forem reparados. de alvenaria, idênticos ou recentes e
corpos de prova costura sobre estruturas
de grande o dano. classificadas não
diâmetro. acessíveis.
Sério Muito óbvios. Exigem Extensas áreas Reconstrução Aceitável apenas se
(Grandes ensaios medidas de segurança se de alvenaria com materiais impedido o acesso
em laboratório) não forem reparados (por removidas ou similares. ao público.
exemplo, escoramentos, realização de
barreiras). ensaios pesados.
Fonte: Elaboração do autor a partir de Cóias (2006, p.9).

215
No caso de monumentos localizados em locais mais frios, o fenômeno do gelo e degelo é de
grande agressividade aos edifícios antigos, ainda mais atuando em áreas com grande concentração
de sais solúveis.
216
BINDA et al. Tecniche di indagine e progetto delle indagini..., op. cit., p. 06.
217
CÓIAS, V. Inspecções e ensaios na reabilitação de edifícios, op. cit., p. 8.
105

As técnicas não destrutivas possuem essa designação por se tratar de ensaios


que pouco, ou completamente, não causam danos ao edifício. Algumas referêcias
mencionam esses testes como “ensaios reduzidamente destrutivos”218.
A maioria dos diagnósticos não invasivos fornece resultados qualitativos ao
diagnóstico da edificação, podendo ser utilizada para caracterizar particularidades
do muro que são desconhecidas visivelmente e impossíveis de se individualizar com
ensaios destrutivos, como vazios, defeitos internos ou probemas característicos da
seção do muro, como falta de coesão material.
A exemplo: para determinar o estado de conservação e a morfologia de um
muro de pedra ou alvenaria, é imprescíndivel conhecer, além da história daqueles
que construíram edificações naquele período, a quantidade de paramentos de uma
parede, presença de umidade e o tipo de ligante entre os materiais do sistema
construtivo219, os quais podem ser obtidos com tais ensaios.
Os métodos de teste menos intrusivos podem ser utilizados em qualquer fase
da restauração de um monumento histórico, desde a preparação da intervenção de
reabilitação até após a completa obra de requalificação, com técnicas de
monitoragem avançadas, como ocorre, atualmente, com o Coliseu de Roma, em
constante análise sísmica.
Entre as técnicas pouco destrutivas e não destrutivas para a determinação do
comportamento físico e mecânico de alvenarias antigas, foram selecionadas quatro
provas de estudo, as quais apresentam maior relevância para o escopo da análise
de um muro antigo, e cujos instrumentos para execução do diagnóstico estão
disponíveis na Universidade Federal da Bahia. São elas:

1 – ensaio sônico (qualitativa e quantitativa);

2 – termografia (qualitativa);

3 – ensaio com macacos planos (quantitativa);

4 – endoscopia (qualitativa).

218
CÓIAS, V. Inspecções e ensaios na reabilitação de edifícios, op. cit., p.8.
219
BINDA et al. Tecniche di indagine e progetto delle indagini..., op. cit., p.98.
106

Outras técnicas de grande importância para o diagnóstico não destrutivo são as


análises de vibração com o uso de acelerômetros, georradares e penetrômetros.
Embora fundamentais, não fazem parte da análise desta dissertação, por se tratar
da avaliação do comportamento dinâmico (e não mecânico, no caso de
acelerômetros) das alvenarias e pela complexidade do estudo dos resultados (no
caso de georradares). No entanto, esses ensaios podem ser consultados no
Apêndice deste trabalho.

4.2 METODOLOGIA DE REALIZAÇÃO DOS ENSAIOS

A metodologia de aplicação dos testes que determinam características físicas e


mecânicas de muros antigos é apresentada a seguir, ao mesmo tempo em que são
expostos os principais instrumentos para execução dos ensaios não destrutivos,
incluídos no escopo deste estudo, e os resultados que podem ser obtidos pelos
referidos diagnósticos.

4.2.1 Ensaios Sônicos

É um dos primeiros ensaios não destrutivos estudados pela ciência da


restauração. É sabido que as ondas mecânicas propagam-se mais rapidamente em
meios materiais mais compactos e que suas velocidades no ar possuem menor
valor, com relação aos diversos componentes de uma alvenaria antiga, como pedra,
tijolos e argamassas. Ademais, a rapidez de impulso, que ultrapassa um muro
estrutural, depende diretamente da elasticidade e da resistência do material
componente dessa parede (quanto maior é a resistência do material, mais veloz será
o impulso)220.
O ensaio sônico consiste, então, em medir o tempo empregado por uma onda a
baixa frequência, gerada por uma solicitação mecânica de um martelo instrumentado
ou outro instrumento de impulso, para ultrapassar um determinado material e ser
recebida pelos transdutores. Esse equipamento é responsável por transferir os
dados recebidos para um osciloscópio, ou velocímetro, o qual indica os valores da
velocidade de oscilação.

220
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi. Apresentação de
Carlo Cestelli Guidi, Roma: Kappa, 1985. p.9.
107

Materiais utilizados:
1 – dois transdutores, que podem ser geófonos ou acelerômetros (Figura 26);

2 – um martelo munido de transdutor de força (Figura 27);

3 – velocímetro (Figura 28) ou osciloscópio (Figura 29)

Figura 26 – Figura 27 – Martelo munido de


Acelerômetro/geófono transdutor de força
disponível no NTPR-
UFBA

Fonte: Acervo do autor Fonte: Binda et al.(2009, p. 4).


(ago.2015).

Figura 28 – Velocímetro disponível no Figura 29 – Osciloscópio


NTPR-UFBA disponível no NTPR-UFBA

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (mai.


2016).

Os testes sônicos são regidos pela recomendação europeia RILEM NTD1221 e


podem ser executados de duas maneiras, que devem ser analisadas a depender do
escopo do trabalho. É certo que, por vezes, não é possível dispor os geófonos na

221
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit., p.19.
108

posição exigida para o ensaio desejado, no entanto, existem outras técnicas


capazes de fornecer resultados semelhantes neste caso, como o georradar.
O primeiro tipo de ensaio é chamado de trasmissão direta (Figura 30), quando
os transdutores são posicionados em faces opostas do elemento avaliado. Nessa
posição, o escopo é a caracterização da constituição física do muro. O segundo tipo
de ensaio é denominado de propagação em superfície (Figuras 31 e 32), para a
determinação da profundidade de fissuras, brechas e rachaduras.

Figura 30 – Ensaios sônicos por transmissão Figura 31 – Ensaios sônicos por propagação
direta de superfície

Fonte: Elaboração do autor a partir de Fonte: Elaboração do autor a partir de


Tassios e Mamillan (1985, p.21). Tassios e Mamillan (1985, p.21).

A Figura 31 é um exemplo de aplicação da técnica e demonstra o cálculo da


profundidade de uma lesão a partir dos métodos sônicos. Para a execução correta
do teste, são necessárias duas avaliações entre o acelerômetro recebedor (B) e o
transmissor (A e A’).

Figura 32 – Relações para determinação da profundidade de fissuras,


brechas e rachaduras com a utilização do método sônico

Fonte: Tassios e Mamillan (1985, p.21).


109

Durante a primeira verificação, deve-se dispor os aparelhos a uma distância


(L), a qual, obrigatoriamente, tem, em seu ponto médio, a posição da fenda
analisada. Obtido o valor do período de onda (tc), realiza-se outro teste, com a
mesma separação (L) entre os acelerômetros, desta vez, em uma área sem danos
na alvenaria. Adquire-se o valor do período (tL) para encontrar o valor aproximado
da profundidade do dano (C), através da seguinte expressão, exposta por Tassios e
Mamillan222:

(3 )

No caso do teste através de transmissão direta, é importante, antes de iniciar o


ensaio, marcar no muro uma grelha com diversos pontos, nos eixos horizontal e
vertical, a qual será de ajuda para a representação em gráfico do ensaio, e, ainda,
deve possuir uma escala de velocidade em m/s, para facilitar a interpretação dos
resutados. Obviamente, pelo outro lado da parede resistente, é necessário que
outros pontos sejam fixados, na mesma altura e no mesmo posicionamento dos
anteriores. Essas guias são, obrigatoriamente, os pontos de aplicação da onda
através do martelo, munido de transdutor de força, próprio para o ensaio (Figuras 33
e 34).
Figura 33 – Exemplo de Figura 34 – Tipo de resultado obtido
posicionamento dos pontos para pelo ensaio sônico
execução de ensaios sônicos

Fonte: Binda, Anzani e Fonte: Cóias (2009, p.8).


Cantini (2009, p. 7).

222
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit., p.21.
110

Outra utilidade dos ensaios sônicos é poder estimar a resistência à


compressão das alvenaria antigas, a densidade e o módulo de elasticidade, por
meio de ábaco determinado por experimentações em laboratório223, levando em
conta que, como citado anteriormente, quanto maior for a velocidade de propagação,
maior é a resistência do material (Figuras 35 e 36).

Figura 35 – Ábaco para determinar Figura 36 – Ábaco para determinar o


a resistência à compressão módulo de elasticidade

Fonte: Tassios e Mamillan (1985, Fonte: Tassios e Mamillan (985, p.23).


p.24).

O parâmetro de elasticidade pode ser determinado, também, pela seguinte


expressão:

E = p.Vm² [(1+v).(1-v)/(1-v)] (3 )

Sendo necessário obter a velocidade de impulso máximo (Vm), por meio do


velocímetro, o coeficiente de Poisson (v) e a densidade do material (p), grandezas
tabeladas.

223
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit., p.23-25.
111

Considerando que essa técnica dá resultados significativos com relação à


constituição da alvenaria, podendo avaliar a presença de áreas vazias no muro, sua
realização é de grande importância, pois esses testes podem ajudar, também, na
aplicação e injeção de outros materiais consolidantes, individuando a mudança das
características físicas do muro.

4.2.2 Termografia

Problemas nas paredes estruturais podem ser visualmente encontrados com a


retirada dos revestimentos para avaliação. No entanto, nem sempre é possível
realizar a remoção dos rebocos e, muitas vezes, esta situação intrusiva pode causar
danos ao monumento. Nessas condições, a técnica termográfica consiste na
medição, por meio de uma câmera, da radiação infravermelha emitida pela
superfície de um objeto. Esse calor, que pode ser visto na tela do aparelho, é
emitido mesmo pelos elementos que se encontram escondidos pelos rebocos.
É sabido que os materiais irradiam calor e que vários elementos construtivos
que entram na composição das estruturas (pedra, tijolos, argamassas, concreto,
madeira, metal) reagem de forma diferente às solicitações térmicas vindas do
exterior, pela disparidade do calor específico e condutibilidade térmica de cada
elemento construtivo. Essa diferença é relatada por Cóias224 no Quadro 10, a seguir.

Quadro 10 – Parâmetros responsáveis pelo comportamento térmico dos materiais


Condutibilidade
Peso específico Calor específico
Material térmica o
(Kg/m³) o (W/m. C)
(Kcal/h.m. C)
Granito 2600 1,65 0,67
Arenito 2500 1,60 0,79
Calcário 2500 1,2 0,71
Tijolo 2000 0,50 0,92
Reboco comum 1800 0,55 0,75
Madeira 900 0,15 1,48

Fonte: Elaboração do autor a partir de Cóias (2006, p.331).

Trata-se de um método de diagnóstico por imagem do tipo qualitativo, sem


contato com a alvenaria que se quer avaliar. Por meio deste ensaio, é possível

224
CÓIAS, V. Inspecções e ensaios na reabilitação de edifícios, op. cit., p. 331.
112

indentificar cavidades, diferentes materiais constitutivos, variação de espessuras,


heterogeneidade do tecido mural e diversos pontos térmicos.
Sousa225 expõe diversas utilidades da técnica:

Caracterização de materiais, avaliação de estruturas em betão,


influência das propriedades do betão, estudo de estruturas em
alvenaria, detecção de inclusões metálicas em placas de gesso e
respectivos parâmetros térmicos, detecção de defeitos no isolamento
térmico de edifícios, avaliação de placas de isolamento revestidas
com reboco e com poliestireno expandido, análise de estruturas
históricas em alvenaria, determinação da resistência térmica em
edifícios históricos, análise térmica de uma solução composta de
tijolo e poliestireno expandido.226

Segundo Buffarini, D’Aria e Giachetti227, são necessários os seguintes


aparelhos para a realização do teste:

1 – termocâmera (Figura 37);

2 – computador para recepção de imagens (Figura 38).

Figura 37 – Termocâmera Figura 38 – Imagem obtida através da


disponível no NTPR, na termocâmera
Escola Politécnica (UFBA)

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (dez. 2013).


(dez. 2013).

225
SOUSA, L. Aplicação de termografia no estudo do isolamento térmico de edifícios. 2010, 101 f.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica)–Universidade de Aveiro, Portugal, 2010. Disponível
em: < http://ria.ua.pt/bitstream/10773/3650/1/240593.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2014.
226
Id., ibid., p.44.
227
BUFFARINI, S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura, op. cit.
113

Em alguns países frios, faz-se necessário o aquecimento do elemento


estrutural a ser avaliado, por meio de refletores e projetores de luz com certa
potência, para fomentar o processo de irradiação do calor dos materiais constituintes
da alvenaria e facilitar o recebimento das informações pela ferramenta de aquisição
dos dados.
A execução do ensaio exige somente o uso da termocâmera, a qual pode
reportar os dados através de videos ou imagens digitais. Apesar da facilidade de
obtenção dessas imagens, os dados recebidos podem apresentar relativa
dificuldade de interpretação.
Aliada aos ensaios sônicos, descritos anteriormente neste trabalho, a
termografia pode dar um panorama quase total da constituição física de um muro,
faltando, somente, a análise endoscópica, que será vista em tópicos posteriores
nesta dissertação. Uma outra questão importante, que pode ser avaliada com a
ferramenta, é a relação da temperatura com a deformação das alvenarias, além de
permitir observar se existe uma diferença de comportamento entre paredes mais
frias e muros mais quentes.

4.2.3 Ensaio com macacos planos

O ensaio com macacos planos é uma técnica que surgiu nos fins dos anos 70,
aplicada ao estudo do comportamento mecânico de maciços rochosos228, e sua
primeira utilização, no âmbito estrutural, aconteceu em Milão, em 1979, na pesquisa
sobre a restauração do Palácio da Razão. Esse teste foi adaptado para aplicação
em muros antigos pelo engenheiro Pier Paolo Rossi durante os trabalhos de
reestruturação do monumento.
Segundo Buffarini, D’Aria e Giacchetti229, para a realização dos ensaios com
macacos planos, são necessários os seguintes equipamentos:

1 – Guia metálica para corte de alvenaria, que é opcional, embora altamente


indicada para a realização correta do talho na parede resistente;

228
LOURENÇO, P.; GREGORCZYK, P. A Review on Flat-Jack Testing. Guimarães, Portugal:
Universidade do Minho/Departamento de Engenharia Civil, 2000.
229
BUFFARINI; S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura, op. cit.
114

2 – Serra diamantada, adequada ao corte de muros antigos, que deve ser


ligada a um motor trifásico (Figuras 39 e 40);

3 – Ao menos três bases de medição, a serem coladas no muro. Em pesquisas


preliminares, foram utilizadas bases desenvolvidas pela equipe do Núcleo de
Tecnologia da Preservação e Restauração (Figura 41), em concordância com
os aparelhos disponíveis, até a obtenção das ferramentas próprias para o teste
(Figura 42).

Figura 39 – Serra K600 Husqvarna, Figura 40 – Unidade


para corte de parede acionadora da serra de corte

Fonte: Acervo do autor (dez. 2013). Fonte: Acervo do autor (dez.


2013).

Figura 41 – Bases de medição Figura 42 – Bases de medição


desenvolvidas pelo NTPR NOVATEST

Fonte: Acervo do autor (nov. 2015). Fonte: Acervo do autor (nov. 2015).
115

4 – Deformômetro de tipo mecânico, removível, com sensibilidade igual a um


milésimo de milímetro (0.000 mm), que pode ser substituído por um
instrumento eletrônico de mesma sensibilidade. Inicialmente, para este
trabalho, foi utilizado um deformômetro elaborado pelo Núcleo de Tecnologia
da Preservação e Restauração (Figura 43), até a obtenção do aparelho
corretamente normatizado (Figura 44);

5 – Um ou dois macacos planos retângulares ou semicirculares para inserção


na alvenaria antiga (Figura 45);

6 – Bomba hidráulica com um ou dois manômetros (Figura 46).

Figura 43 – Deformômetro elaborado Figura 44 – Deformômetro


pela equipe do NTPR NOVATEST

Fonte: Acervo do autor (nov. 2015). Fonte: Acervo do autor (nov. 2015).

Figura 45 – Macaco planos retangulares Figura 46 – Bomba hidráulica

Fonte: Acervo do autor (dez. 2013). Fonte: Acervo do autor (dez. 2013).
116

4.2.3.1 Normatização

O teste possui, somente, a norma americana ASTM D 4729 como reguladora,


porém, segundo Binda, Anzani e Cantini230, grupos internacionais de pesquisa da
tecnologia dos materiais criaram recomendações ao ensaio, as quais são baseadas
no documento estadunidense. Isso ocorreu tendo em vista a necessidade de
incrementar a referida norma com novas informações e facilitar o acesso dos
pesquisadores a estes dados.
As recomendações europeias da RILEM (Réunion Internationale des
Laboratoires et Experts des Materiaux231) denominadas RILEM MDT.D.4232
(macacos planos simples) e RILEM MDT.D.5233 (macacos planos duplos) são
exemplos deste trabalho de popularização do ensaio com macacos planos e são,
também, os documentos mais completos sobre o tema.
Para esta pesquisa, as metodologias dos testes relatados no próximos itens
têm fundamentação teórica baseada nas recomendações do referido grupo de
pesquisa europeu, considerando a dificuldade do acesso à ASTM D 4729.
Adicionalmente, buscou-se a adaptação das normas aos equipamentos disponíveis
no NTPR.

4.2.3.2 Medição do estado de tensão do muro (macaco plano simples)

Essa medição baseia-se no fato de que um corte feito em um sólido solicitado


anula as tensões que agem sobre a face desse maciço. Esse relaxamento do corpo,
após o talho, provoca o fechamento parcial do corte que pode ser medido através de
dois pontos simétricos em relação à abertura, com um aparelho de alta precisão
(deformômetro). Naturalmente, é necessário medir a distância relativa entre os
pontos antes da primeira execução de corte. Um macaco hidráulico é inserido na
abertura.
230
BINDA, L.; ANZANI, A.; CANTINI, L. Flat-Jack Test: a slightly destructive technique for the
diagnosis of brick and stone masonry structures. International Journal for Restoration of Buildings and
Monuments, Zurich, p. 449-472, 1999.
231
Reunião Internacional dos Laboratórios e Experts dos Materiais (Tradução nossa).
232
RILEM. Recommendation MDT.D.4: In-situ stress tests based on the flat jack. Matériaux et
constructions, v.37, p.491-496, ago.2004. Disponível em: <http://www.rilem.org/images/publis/
1619.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.
233
RILEM. Recommendation MDT.D.5: In-situ stress tests based on the flat jack. Matériaux et
constructions, v.37, p.497-501, ago.2004. Disponível em: <http://www.rilem.org/images/publis/
1620.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.
117

Esse macaco receberá pressão até conseguir anular o deslocamento do muro,


resultado da ação de corte. Esse ensaio pode ser considerado pouco destrutivo, pois
a argamassa cortada pode ser compensada, e as bases de medição são facilmente
removíveis.
A execução do ensaio está ilustrada na Figura 47.

Figura 47 – Seção mostrando as etapas para execução do ensaio com macaco plano
simples

Bomba
hidráulica
Fonte: Elaboração do autor (2014).

Nas estruturas em alvenaria de tijolo, o corte para a inserção da ferramenta


pode ser feito com relativa facilidade na argamassa, através de uma serra ou broca.
Se a alvenaria for muito irregular, o talho pode ser feito diretamente na pedra, ou, se
possível, entre as pedras, para a execução correta do teste.
Segundo Binda, Anzani e Cantini234, o valor do estado de esforço é calculado
segundo a norma ASTM D 4729 – 04 e leva em consideração que a pressão dentro
do macaco é igual à tensão presente na alvenaria.
O valor encontrado de pressão (tensão), lido no manômetro, deve ser corrigido
de acordo com dois coeficientes: Ka, que é a relação entre a superfície do macaco

234
BINDA, L.; ANZANI, A.; CANTINI, L. Flat-Jack Test..., op. cit.
118

Am e a superfície de corte At; e Km , que leva em conta a rigidez do macaco plano.


Este último coeficiente Km é indicado no certificado de calibragem do equipamento,
mas também pode ser dado dividindo-se a força total de compressão pela área
nominal (delimitada pelo perímetro) do macaco e a pressão aplicada.
O valor da tensão média do muro, no ponto de corte, é então calculado pela
relação:

σ = pKmKa (em N/cm²) (4)

Onde p = pressão lida no manômetro da bomba hidráulica.

As dimensões de corte são variáveis em função dos elementos que constituem


o muro. Para alvenaria de tijolo, são adotados macacos de 400 x 200 mm e 240 x
120 mm. A espessura varia de 3 a 10 mm.
No caso de muros irregulares, pode ser necessário incrementar a profundidade
do corte para que o volume de material ensaiado seja maior. Neste caso, são
utilizados macacos de forma semioval, que apresentam uma superfície muito
superior à dos retangulares. No entanto, para esta pesquisa, foram utilizados
macacos planos retangulares, disponíveis no NTPR.
No caso de macacos planos retangulares, é necessário realizar um estudo de
corte, devido à incompatibilidade da serra circular com a geometria do aparelho
(Figura 48).

Figura 48 – Relação entre o corte da serra (circular) e o macaco plano (retangular)

0,27 0,04
Área do rasgo = 0,1089 m²

Área da placa = 0,080 m²

Ka = 0,745
Cotas em metros
0,48

Fonte: Elaboração do autor e da equipe do NTPR (2015).


119

A avaliação de convergência das bases de medição é feita à medida que a


pressão aumenta, por meio de um extensômetro mecânico (deformômetro) que
mede a variação de comprimento de uma série de três bases coladas na superfície
do muro.
A distância das bases da extremidade para a base central é de L/4, sendo L o
comprimento do macaco plano, conforme determinado na RILEM235. Ou, então,
pode-se posicionar os pontos de acordo com uma guia própria (Figura 49),
desenvolvida para as dimensões do deformômetro utilizado para a medição em
questão.

Figura 49 – Guia de posicionamento das bases de medição, para


deformômetro NOVATEST

Fonte: Acervo do autor (nov. 2015).

4.2.3.3 Determinação das características de deformabilidade (macacos planos


duplos)

A determinação das características de deformabilidade requer o uso de dois


macacos planos paralelos, colocados sobre a mesma vertical, a uma distância
mínima de uma vez e meia a maior dimensão do macaco plano236. Essa área
delimitada entre os macacos é uma porção significativa de muro que sofrerá um
ensaio de compressão monoaxial.
Diversas bases de medição instaladas na superfície compreendida entre os
dois planos permitem obter um quadro completo do comportamento de deformação
tanto axial quanto transversal. São recomendadas quatro fiadas verticais e uma
235
RILEM. Recommendation MDT.D.4, op. cit.
236
RILEM. Recommendation MDT.D.5, op. cit.
120

horizontal237 (Figura 50), embora seja possível utilizar mais bases de medição
(Figura 51), respeitando a distância máxima entre eles.
Efetuando uma prova cíclica, com retorno ao zero após atingir um limite
determinado, e incrementando gradualmente o nível de solicitação, pode-se atingir o
estado máximo de ruptura ou identificar a resistência à compressão através da
análise do gráfico tensão/deformação e/ou pressão/deformação.

Figura 50 – Fiadas de medição Figura 51 – Diversos posicionamentos


para o ensaio de macacos das bases de medição para os ensaios
planos duplos de macacos planos duplos

Fonte: Elaboração do autor, a Fonte: Elaboração do autor a partir de


partir de Binda, Anzani e Tassios e Mamillan (1985, p.62).
Cantini (2004).

No eixo positivo do referido gráfico, são marcadas as medidas das fiadas das
bases verticais de medição, enquanto, no eixo negativo, são determinadas as
medidas das bases horizontais de medição, para o caso da determinação do
módulo de elasticidade tangencial e coeficiente de Poisson (Figura 52).

237
RILEM. Recommendation MDT.D.5, op. cit.
121

Figura 52 – Exemplo de gráfico tensão/deformação,


obtido com o ensaio de macacos planos

Deformação horizontal Deformação vertical

Fonte: Elaboração do autor a partir de Buffarini, D’Aria e


Giacchetti (2010, p.164).

Como relatado anteriormente, faz-se o cálculo da deformabilidade aplicando


uma carga cíclica (carga e descarga) com intensidade crescente. A pressão
efetivamente aplicada em uma alvenaria é calculada seguindo uma relação:

σ = pKmKa’ (MPa) (5)

Onde Ka’ é a relação entre a área dos macacos e o valor médio das duas
áreas de corte.
O cálculo do módulo de elasticidade será efetuado no intervalo linear
previsível, que, no gráfico de tensão-deformação, representa o primeiro setor,
elástico, antes do escoamento do material. Este parâmetro é, também, o coeficiente
angular da reta tangente à curva de tensão/deformação:

E = (∆σ/∆εy) (6)

O coeficiente de Poisson, outro dado que pode ser obtido, é a relação entre a
deformação transversal e a longitudinal:

v = (∆εx/∆εy) (7)
122

Essa relação estará, também, no intervalo linear previsível, como explicado


anteriormente.

4.2.3.4 Outras considerações com relação ao ensaio de macacos planos

É importante relatar que os dados fornecidos, quando o ensaio é executado de


forma correta e os aparelhos apresentam a devida calibração, são confiáveis, visto
que as características de deformação são medidas em corpos de prova de grandes
proporções e in situ, nas condições reais da estrutura.
A instrumentação é simples, mas a instalação pode ser demorada. São
necessárias uma rede elétrica trifásica para a execução do corte na alvenaria e
instalações hidráulicas para a realização do corte com a serra diamantada, no intuito
de evitar o superaquecimento do sistema. Além disso, é preciso uma equipe muito
bem treinada e multidisciplinar, com engenheiros, arquitetos, eletricistas e pedreiros
(para retirada e recomposição de reboco), que guiarão a execução do ensaio.
Com relação aos recursos para a obtenção desses equipamentos, grupos de
pesquisa localizados em países fora da União Europeia apresentam dificuldades de
importação dos aparatos, sendo sua aquisição onerosa. Ademais, em alguns testes,
o macaco plano pode ser perdido completamente dentro da parede, levando-se em
conta a grande pressão que pode incidir sobre o aparelho. Este macaco plano
também pode sair do ensaio completamente danificado. Por outro lado, ensaiar um
muro de grandes dimensões em laboratório, com proporções análogas àquelas
testadas com o macaco plano, mostra-se muito trabalhoso e, igualmente
dispendioso, além de não apresentar as características reais do ambiente em que se
encontra a estrutura, podendo gerar dados não aproveitáveis.
238
Ainda em relação à confiabilidade da técnica, Buffarini, D’Aria e Giacchetti
destacam dois pontos:

1 – A diferença de tensão determinada pelos macacos e o valor efetivo de


medição de uma prova de compressão monoaxial em laboratório resulta não
superior a 5%;

238
BUFFARINI S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura, op. cit.
123

2 – A relação entre o valor de deformação dado pelos macacos e aquele


determinado pela prova direta de compressão é praticamente igual.

No relatório final, para cada teste com macacos planos, deverão constar os
seguintes dados239:

1 – Descrições do terreno, tipo de alvenaria, condições ambientais, tipo de


argamassa;

2 – Data de construção do edifício;

3 – Posição de cada prova com os macacos planos e o deslocamento dos


pontos após o corte;

4 – Pressão necessária para retornar a alvenaria ao seu estado de tensão


inicial, solicitação da alvenaria e módulo de elasticidade e, se necessário,
módulo de elasticidade tangencial (em área sísmica);

5 – Valores de calibração;

6 – Data do teste;

7 – Referência às recomendações utilizadas.

4.2.4 Endoscopia

Para o referido ensaio, são necessários apenas um endoscópio munido de


lanterna em sua ponta (Figura 53) e um computador para receber as imagens
captadas pelo aparelho. Trata-se de um teste não destrutivo, com a função de
identificar a condição física da alvenaria.

239
BINDA, L.; ANZANI, A.; CANTINI, L. Flat-Jack Test..., op. cit.
124

Figura 53 – Aparelho endoscópio

Fonte: Acervo do autor (dez. 2013).

Assim como no ensaio sônico, por meio desse tipo de diagnóstico é possível
detectar áreas vazias no muro, presença de materiais não coesos, consolidações
anteriores, áreas não compactas na alvenaria, bem como a existência de diversos
outros elementos não visíveis dentro da parede resistente.

Sendo um ensaio qualitativo, a leitura dos resultados desse tipo de técnica


depende diretamente da interpretação do pesquisador. Em muitos casos, essa
análise é laboriosa (Figuras 54 e 55).

Figura 54 – Tipo de Figura 55 – Tipo de


resultado obtido por meio resultado obtido por meio
da endoscopia (1) da endoscopia (2)

Fonte: Acervo do autor Acervo do autor (maio


(maio 2016). 2016).

A endoscopia é uma técnica de inspeção visual mediante a utilização de um


aparelho de fácil obtenção e manuseio. A relação deste ensaio com outras técnicas
de diagnóstico, como os macacos planos, proporciona a obtenção de imagens que
podem determinar o estado físico dos materiais de uma estrutura antiga. Nesse
125

contexto, ao se cortar a parede por meio de serra diamantada, antes dos


supracitados ensaios de compressão, pode-se utilizar a endoscopia para avaliar
essa constituição estrutural.
126

5 PRÁTICA: OBJETOS DE ESTUDO E APLICAÇÃO DOS ENSAIOS

O critério de escolha dos edifícios que seriam avaliados na pesquisa teve como
base as determinações de Croci240, que estabelece a importância da verificação
física e mecânica de estruturas danificadas para posterior consolidação. Neste
âmbito, a Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo (Figura 56) foi o
primeiro monumento a ser eleito para ser avaliado, considerando as diversas lesões
que apresenta.
Além disso, o referido edifício encontra-se em obras, o que facilitou seu
acesso, antes impossibilitado pelo estado de arruinamento da igreja. As instalações
de canteiro também foram fundamentais para a aplicação dos ensaios.
Outra alvenaria avaliada foi a do antigo prédio da Companhia Circular de Carris
da Bahia (Figura 57). A escolha desse monumento deu-se, a princípio, por
apresentar todas as condições para execução dos ensaios com macacos planos,
graças à infraestrutura de obra.
Além disso, apesar de se apresentar com tipologia eclética, o prédio ainda
possui altas paredes espessas, em seu pavimento enterrado, provavelmente
remanescentes de antiga estrebaria, construída no local, presumivelmente no século
XIX.

Figura 56 – Igreja do Santíssimo Figura 57 – Antigo prédio da Companhia


Sacramento da Rua do Passo Circular de Carris da Bahia

Fonte: Acervo do autor (jan. 2015). Fonte: Acervo do autor (dez. 2015).

240
CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni architettonici, op. cit.
127

5.1 A IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA RUA DO PASSO

A Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo241 localiza-se na antiga Rua do


Passo, atual Rua Ribeiro dos Santos, no topo da encosta que caracteriza a divisão
da urbe em Cidade Alta e Baixa e zona inicial de expansão242 da primeira Capital do
Brasil. Trata-se de um dos mais famosos exemplares da arquitetura barroca-rococó
na Bahia e compõe a ambiência do Centro Histórico de Salvador, Patrimônio da
Humanidade pela UNESCO, sendo conhecida pela sua escadaria monumental que
liga a Rua do Passo (cota mais alta) à Ladeira do Carmo (cota mais baixa).
A localização do monumento é demonstrada na Figura 58.

Figura 58 – Montagem de fotos aéreas mostrando a localização da igreja: 1 – Salvador; 2 –


Centro Histórico de Salvador; 3 – Bairro do Carmo/Passo

1 2 3
IGREJA DO
PASSO

Fonte: Elaboração do autor a partir de base cartográfica do Google (2016).

O edifício, construído por irmandades locais no século XVII, foi concebido com
nave única e corredores laterais dotados de tribunas e sacristia transversal, tal como
as igrejas matrizes da época, seguindo as tipologias da matriz de São Bartolomeu

241
Muitos referem-se à Igreja como do “Paço”. Há referências dessa grafia, inclusive, em alguns
azulejos internos da edificação. No entanto, no Inventário de Proteção ao Acervo Cultural da Bahia, a
supracitada edificação está referida como Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo.
242
BAHIA. Governo do Estado. Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia. Organização de
Paulo Ormindo de Azevedo e Vivian Lene. 3. ed. Salvador: Secretaria da Indústria e Comercio, 1997.
p.39.
128

de Maragojipe, da Catedral Basílica de Salvador, de Nossa Senhora do Boqueirão,


da Santa Casa de Misericórdia, dentre outras.
Sua planta baixa é exposta na Figura 59.

Figura 59 – Plantas publicadas no Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia


(IPAC-SIC)

Fonte: Bahia (1997, p.39).

Foi aproveitado o declive do terreno, já que o edifício se localiza próximo à


encosta, para a construção de ossuário, sacristia e consistório em uma mesma
prumada243. Assim como em várias construções da época, o sistema estrutural
consiste de alvenaria mista de pedra argamassada e tijolos, com 70 cm de
espessura, em média, além de possuir contenções em pedra de granito, visto o
desnível da rua com relação ao ossuário, localizado abaixo da sacristia. O
monumento possui, também, paredes em cantaria, no caso dos peitoris das
fachadas externas.
As paredes que constituem a nave do monumento têm cerca de quatorze
metros de altura, enquanto as alvenarias externas possuem em torno de dez metros
de elevação. As alvenarias mistas das torres são as mais altas, com valores de
altura próximos aos 25 m, no entanto, não demonstram estar danificadas.
Desde as décadas de 50 e 60, a igreja é alvo de intervenções do IPHAN e do
IPAC, tendo em vista a queda de parte da cobertura, do baldaquino do retábulo-mor
e do aparecimento de diversas fissuras e rachaduras, que surgiram ao longo dos
anos, na parte posterior da edificação, evidenciando provável rotação dos muros da

243
BAHIA. Governo do Estado. Salvador e a Baía de Todos os Santos, op. cit., p.231.
129

igreja (Figuras 60 e 61). Apesar dos constantes problemas, não há registros de


intervenções no monumento entre as décadas de 1970 e 1990 244.

Figura 60 – Indicação de Figura 61 – Indicação de


rachaduras na fachada nordeste da rachaduras internas, em
igreja, foto de 1951 concordância com as externas,
foto de 1951

Fonte: Arquivo Central do IPHAN Fonte: Arquivo Central do IPHAN


no Rio de Janeiro. no Rio de Janeiro.

Devido à iminência da queda da fachada voltada para a Baía de Todos-os-


Santos, foram executadas algumas ações de consolidação, em meados do século
XX, como a construção de uma pequena contenção no talude e o grampeamento
das rachaduras (Figuras 62 e 63), procedimento, em geral, inócuo para estes casos.

Figura 62 – Grampeamento das rachaduras Figura 63 – Grampeamento das rachaduras


externas, foto de 1954 internas, foto de 1954

Fonte: Arquivo Central do IPHAN Fonte: Arquivo Central do IPHAN


no Rio de Janeiro. no Rio de Janeiro.

244 .
BAHIA. Governo do Estado. Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia, op. cit., p. 40.
130

Apesar das referidas intervenções, os resultados foram inexpressivos, e novas


patologias, em áreas próximas àquelas consolidadas (Figuras 64, 65, 66 e 67),
foram observadas, no intervalo de tempo entre essa intervenção e a que está
ocorrendo agora, no século XXI. Tal problema é ainda explicitado pela quebra de
soleiras e peitoris em pedra, além de colapso de pontos da cimalha e dos arcos de
descarga dos vãos.

Figura 64 – Fissura Figura 65 – Rachadura


interna individualizada interna individualizada
após o desmonte do após o desmonte do
retábulo retábulo

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor


(jan. 2015). (jan. 2015).

Figura 66 – Rachadura encontrada após Figura 67 – Rachadura na


prospecção de fundação parede da Capela-Mor

Fonte: Acervo do autor (jan. 2015). Fonte: Acervo do autor


(jan. 2015).
131

Com o trabalho de inspeção das fundações (Figura 66), pôde-se observar


grande presença de umidade, existente na cota mais baixa da alvenaria de pedra,
indicando vazamento de tubulação ou infiltração de água, provavelmente devido às
condições precárias dos passeios laterais e posteriores, onde todas as águas
pluviais provenientes do telhado escoam diretamente sobre o piso. Outrossim, a
cobertura toda não possui calhas, proporcionando que o grande volume de água,
durante as chuvas, seja escoado diretamente no terreno.
A localização dos danos no edifício é mostrada na Figura 68.

Figura 68 – Posições dos principais danos encontrados na Igreja do Passo (em vermelho)
LEGENDA: LEGENDA:
1 - Lesão vertical do 1 2 4 - Lesão vertical e
piso ao teto inclinada, do teto até
2 - Lesão vertical do a padieira do vão
piso ao teto,
3
4 5 - Lesão vertical na
inclusive fundação seção intermediária
3 - Lesão inclinada, da parede
do piso ao teto, 6 - Ruptura total da
inclusive fundação pedra de soleira do
5
vão
7 - Lesão vertical, do
7 6 piso até a superfície
N superior do muro.

0 5 10 15 20 m

Fonte: Acervo do autor (abr. 2016).

A Igreja do Passo foi contemplada, no ano de 2014, com os recursos do


Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas para sua
restauração integral e, assim, a sua consolidação é tema de debate entre os
especialistas envolvidos.
Nesse contexto, é importante relatar a questão da instabilidade da encosta do
Centro Histórico de Salvador, a qual é objeto de estudo de muitos pesquisadores
como, por exemplo, Muñoz245, destacando-se os corriqueiros deslizes que ocorrem
na escarpa.
Isso posto, destaca-se, atualmente, a continuação da evolução das rachaduras
devido a um possível movimento e assentamento na parte posterior da Igreja do

245
MUÑOZ, R. Acidentes e desastres em um trecho da falha de Salvador..., op. cit.
132

Passo, causado por recalque do terreno, ou galeria subterrânea, o que, segundo


estudos dos professores Luiz Edmundo Prado de Campos (Universidade Federal da
Bahia) e Minos Trocoli (Concreta), deve ser analisado mais aprofundadamente para
posterior consolidação.
Uma vez que a maior incidência de danos está concentrada no corredor lateral
esquerdo do monumento, foram realizados ensaios de penetração do solo e de
georradar, pela empresa CDC Engenharia, para individualizar provável vazio sob o
referido corredor, onde se encontra a maior parte das rachaduras.
A resposta do referido ensaio confirmou grande presença de umidade e
material argiloso (Figura 69), os quais, juntamente com a movimentação da encosta,
podem ser fatores que desencadeiam lesões nesta parte da edificação. As análises
não destrutivas, nesse contexto, expõem a situação física e mecânica dos materiais
nessas condições de instabilidade.

Figura 69 – Plantas baixas mostrando os resultados dos ensaios efetuados com Georradar
no corredor lateral esquerdo

De 0 a 1,00 m de profundidade
De 1,00 a 2,00 m de profundidade

De 2,00 a 3,00 m de profundidade

Fonte: Acervo do autor (jan. 2015).


133

5.1.1 Proposta de aplicação das técnicas na Igreja do Passo

A restauração da Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo é uma


intervenção de grande importância para a valorização do patrimônio, não só
brasileiro, mas também mundial, visto sua inserção em área protegida pela Unesco.
Manter uma igreja de tal importância artística fechada durante duas décadas
representa a constante deterioração da cultura baiana e brasileira, no âmbito do
patrimônio edificado.
É de fundamental necessidade que a obra de restauração traga de volta a
dignidade do monumento e, para isso, faz-se necessária a aplicação dos testes
estudados (ensaios sônicos, endoscopia e termografia) para a avaliação física dessa
estrutura e a verificação da segurança global dos muros lesionados. Levando em
consideração as afirmações de Croci246, o qual acredita que as áreas lesionadas são
aquelas que apresentam mais variações de comportamento, conforme explicitado no
Capítulo 2 da presente dissertação, demonstra-se, na Figura 70, a localização dos
ensaios.

Figura 70 – Planta baixa com a localização dos ensaios

MAIOR PARTE DAS LESÕES

LEGENDA
E2, T2 US1
US2
E1, T1 Ensaios:

E3, T3 E – Endoscopia
US3
US6, T5 T – Térmico

US4 US – Ultrassom
US5

E4, T4
Ponto de aplicação
0
dos ensaios
5 10 15 20 m

Fonte: Elaboração do autor a partir de BAHIA (1997, p. 39).

246
CROCI, G. Conservazione e restauro strutturale dei beni architettonici, op. cit.
134

5.1.2 Aplicação dos ensaios na Igreja do Passo

Marcados os pontos de aplicação das técnicas, foram executados diversos


testes de termografia, ensaios sônicos e endoscopia, em paredes internas e
externas desses ambientes, conforme a possibilidade de aplicação do ensaio. Por
exemplo, testes com ultrassom, por transmissão direta, só foram realizados em
áreas onde o acesso ao espaço externo era possível, bem como ensaios com
endoscópio só foram aplicados em brechas que permitiam a passagem do aparelho.

5.1.2.1 Ensaios sônicos

Dada a impossibilidade de utilização do martelo instrumentado247 para a


propagação de ondas por impulso, os ensaios foram realizados com dois geófonos
(um emissor e outro receptor) ultrasônicos, gel condutor e um velocímetro. Utilizou-
se a transmissão direta como método base de aplicação para estabelecer a
resistência dos materiais, conforme determinado por Tassios e Mamillan248.
Foram realizados testes em dois tipos de muros: alvenaria mista – US1, US5 e
US6 (Figura 71) e em parede de pedra de arenito – US2, US3 e US4 (Figura 72).

Figura 71 – Ensaio de transmissão direta em Figura 72 – Ensaio de transmissão direta em


parede de alvenaria mista – US5 parede de pedra – US4

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).

247
Até a finalização desta dissertação, o martelo instrumentado requisitado à Fundação de Apoio à
Pesquisa não havia sido disponibilizado, o que dificultou o desenvolvimento do trabalho.
248
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit.
135

Os resultados, obtidos após os cinco ensaios ultrassônicos supracitados, foram


os seguintes, conforme discriminado no Quadro 11:

Quadro 11 – Resultados da aplicação de ensaios sônicos nas paredes da Igreja do Passo


Espessura da Altura da Velocidade de
Ensaio parede parede Constituição material onda
(cm) (m) (m/s)

Alvenaria mista de
US1 74,1 8,99 pedra (arenito) e tijolos -*
argamassados

Alvenaria de pedra de
US2 21,5 1,02 2.500
arenito

Alvenaria de pedra de
US3 22,8 1,02 3.125
arenito

Alvenaria de pedra de
US4 22,3 1,02 1.111
arenito

Alvenaria mista de
US5 70,2 8,99 pedra (arenito) e tijolos -*
argamassados

Alvenaria mista de
US6 89,9 4,49 pedra (arenito) e tijolos -*
argamassados

Média (m/s) 2.245,33 Coeficiente de variação 37%


*Overflow. Trata-se de resultado dado pelo osciloscópio, quando o pulso de onda do emissor não consegue
atingir o geófono receptor.

Fonte: Elaboração do autor (2016).

5.1.2.1.1 Discussão dos resultados para ensaios sônicos

A natureza dos ensaios com ultrassom é quantitativa e qualitativa. Mediante o


uso dos geófonos ultrassônicos, o intuito deste ensaio, inicialmente, era
136

determinação da consistência física da parede e de sua resistência à compressão e


módulo de elasticidade, a partir da utilização do ábaco de Tassios e Mamillan249.
Foi visto, no entanto, que, em alvenarias mistas, não é possível obter os
parâmetros de velocidade de onda, com o uso de tais instrumentos, já que o
velocímetro apresentou, como resultado, nos testes US1, US5 e US6, overflow. Isso
significa que essas oscilações ultrassônicas se dissiparam nos materiais da
alvenaria mista, ou não tiveram o comprimento de onda suficiente para atingir o
geófono recebedor.
O intuito, inicialmente, era a elaboração do mapa físico do muro, conforme
determinado por Cóias250, no entanto, todas as tentativas de emissão, na mesma
parede, obtiveram overflow, inviabilizando a montagem do referido gráfico. De fato, a
presença do martelo instrumentado para esse tipo de ensaio é primordial, como já
relatavam Buffarini, D’Aria e Giacchetti251, dada a possibilidade de adequar a
frequência da onda correta para cada tipo de alvenaria. A Física ensina que pulsos
com frequências mais longas atingem maiores profundidades. Por outro lado, foi
possível encontrar a resistência da pedra da construção, que, de certa forma, é um
sistema mais homogêneo que a parede mista.
Percebe-se certa correspondência de valores de recepção dos geófonos
nessas pedras, sendo dois desses resultados na faixa dos 3.000 m/s. Não obstante,
o valor acentuado do coeficiente de variação indica disperção dos parâmetros de
resistência. Ao descartar o resultado de menor grandeza (US4), tem-se um
coeficiente de variação próximo a 15%, portanto aceitável, caso os materiais tenham
características físicas e mecânicas semelhantes.
Os dados obtidos foram analisados segundo o ábaco de Tassios e Mamillan252
(Figuras 73 e 74), já relatado no Capítulo 3. A resistência à compressão obtida,
segundo o ábaco apresentado nas Figuras 73 e 74, ficou compreendida no intervalo
de 10 a 20 MPa, o que se pode observar como resultado aquém do esperado para
pedras de arenito, por exemplo, ou mesmo calcáreos dolomíticos, conforme

249
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit., p.24.
250
CÓIAS, V. Inspecções e ensaios na reabilitação de edifícios, op. cit., p.8.
251
BUFFARINI, S.; D’ARIA, V.; GIACCHETTI, R. Il consolidamento strutturale degli edifici in cemento
armato e muratura, op. cit., p.85.
252
TASSIOS, T. P.; MAMILLAN, M. Valutazione strutturale dei monumenti antichi, op. cit., p.24.
137

discutido no Capítulo 2 e por Attewell e Farmer253, os quais determinam que valores


razoáveis de resistência estão acima de 40 MPa.

Figura 73 – Ábaco de resistência Figura 74 – Ábaco do módulo de


à compressão das alvenarias de elasticidade das alvenarias de pedra
pedra de arenito de arenito

US3
US3
US2
US2

Fonte: Elaboração do autor a Fonte: Elaboração do autor a partir de


partir de Tassios e Mamillan Tassios e Mamillan (1985, p.23).
(1985, p.24).

Para o Ensaio US4, por exemplo, não é possível obter a resistência com o
gráfico, pelo valor obtido ser bastante inferior. Existe, então, a possibilidade das
alvenarias no monumento apresentarem defeitos pela pouca capacidade mecânica
desses arenitos, se foram utilizadas para a composição dos muros do edifício.

5.1.2.2 Ensaios de endoscopia e ensaios térmicos

Para esses ensaios, a metodologia de teste procurou, por meio dos danos
encontrados no monumento, definir se a composição física dos muros do edifício
permanece em bom estado de conservação, se existem outros tipos de argamassas,
ou pedras que fazem parte da estrutura da parede, irregularidades geométricas, ou

253
ATTEWELL, P. B.; FARMER, I. W. Principles of engineering geology, op. cit.
138

grandes diferenças de temperaturas entre as lesões, os revestimentos, e a própria


composição da alvenaria, relatando, assim, a presença de umidade como provável
fator de degradação.
Primeiramente, foram feitos o cadastro da parede e a análise dos desenhos do
monumento, já existentes, para avaliar sua altura, comprimento e espessura. Assim,
foi possível determinar o peso deste elemento construtivo por meio das informações
de autores como Santos Segurado. Nas paredes com sistema estrutural aparente,
foi possível determinar sua constituição física visualmente e medir as dimensões de
seus materiais. As alvenarias rebocadas passaram por prospecções para verificar
suas características.
Após o estudo preliminar, anteriormente descrito, foi medida a dimensão da
lesão para, depois, adentra-lá com o endoscópio, com o cuidado de marcar o quanto
deste penetrou a alvenaria. A inspeção visual foi utilizada como ensaio qualitativo,
responsável pela análise inicial e crítica da estrutura antiga, e procurou dialogar
diretamente com a aplicação dos aparelhos e as informações relatadas nos
capítulos anteriores. Reitera-se que se trata de ensaios visuais, de difícil
interpretação, os quais dependem, diretamente, da leitura do indivíduo que está
realizando o teste, e de seus conhecimentos sobre materiais, tecnologia da
restauração e história da edificação estudada. Por fim, foram avaliadas a
temperatura da alvenaria e a existência de diversas temperaturas na parede. Os
ensaios termográficos foram efetuados às 9:00 da manhã, em paredes que não
recebiam radiação solar, no entanto, para esta pesquisa, interessa somente a
diferença de temperatura entre os materiais, não importando a magnitude dos
valores obtidos. Nesse âmbito, foram obtidos os seguintes resultados:

1– Ensaios E1, T1, conforme Figura 70


– Espessura da parede: 20 cm;

– Altura da Parede: 4,06 m;

– Constituição do material: tijolos inteiros254 cozidos, ou pedaços de tijolos


cozidos, ligados com argamassa de cal, assentados em fiadas paralelas e
irregulares de forma próxima ao aparelho inglês (Figura 75);

254
ROCHA, I. Tijolo por tijolo..., op. cit.
139

– Provavel causa do dano: recalque255 ou escorregamento por umidade no


terreno;

– Dimensões médias dos tijolos (estimados): 23 x 9 x 5 cm, dimensões


próximas às estudadas por Santos Segurado256, conforme citado na Capítulo 2;

– Dimensões médias das juntas de argamassa: 6cm;

– Dimensão da maior abertura da lesão: 5 cm – Fenda (Figura 76);

– Peso estimado da parede257 (altura x espessura x comprimento x peso


relatado no Quadro 8) = 4,06 x 0,20 x 1,60 = 1,30 m³ x 1800 Kgf/m³ = 2340 kgf
ou 22,95 kN.;

– Profundidade aproximada de entrada do endoscópio = 15 cm (Figura 77);

– Profundidade estimada da lesão = 20 cm;

– Temperatura da parede: 28,5oC / Umidade = Não. A termocâmera demonstra


temperatura constante na alvenaria (Figura 78).

Figura 75 – Lesão Figura 76 – Maior


analisada para E1, T1 dimensão do dano em
E1,T1

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor


(ago. 2015). (ago. 2015).

255
DI STEFANO, R. Il consolidamento strutturale nel restauro architettonico, op. cit.
256
SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit., p. 67.
257
Todas as estimativas desenvolvidas neste trabalho, para o peso das paredes, foram baseadas no
estudo de SANTOS SEGURADO, J. E. Alvenaria e Cantaria, op. cit., p. 113.
140

Figura 77 – Resultado E1, demonstrando Figura 78 – Resultado T1, não


a pouca profundidade da lesão apresentando variação de
temperatura

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).

Observa-se que se trata de parede erguida em tijolos, provavelmente após a


construção do monumento, para a criação de antigo nicho. O ensaio com
endoscópio (Figura 77) revela a presença da antiga alvenaria de pedra
argamassada escondida na parte posterior da parede. É possível que a seção
original da parede estrutural tenha-se perdido, causando provável instabilidade do
sistema.

2 – Ensaios E2, T2, conforme Figura 70

– Espessura da parede: 70 cm;

– Altura da parede: 8,99 cm;

– Constituição do material: alvenaria mista de pedra (arenito) e tijolos


argamassados;

258
– Provável causa do dano: recalque ou escorregamento por umidade no
terreno;

– Dimensionamento da maior abertura da lesão: 6,47 mm – trinca (Figura 79);

258
DI STEFANO, R. Il consolidamento strutturale nel restauro architettonico, op. cit.
141

– Profundidade estimada da lesão: não superior à espessura da parede.


Percebeu-se, através de inspeção endoscópica (Figuras 80 e 81), o relativo
fechamento da lesão à medida que o aparelho foi sendo inserido na alvenaria;

– Temperatura da parede: 30,2oC / Umidade: Não. (Figura 82);

– Profundidade de entrada do endoscópio: 4 cm;

– Peso estimado da parede (altura x espessura x comprimento x peso relatado


no Quadro 8): 8,99 x 0,70 x 5,00 = 31,465 m³ x 2000 Kgf/m³ = 62930 Kgf
ou 617 kN.

Figura 79 – Lesão analisada e Figura 80 – Aplicação da técnica


sua maior dimensão, para E2, T2 endoscópica na lesão, para E2, T2

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).

Figura 81 – Resultado E2, Figura 82 – Resultado T2, não


demonstrando a profundidade apresentando variação de
da lesão temperatura da alvenaria

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).
142

3 – Ensaios E3, T3, conforme Figura 70

– Espessura da parede: 90 cm;

– Altura da parede: 2,65 m;

– Constituição do material: alvenaria mista de pedra (arenito) e tijolos


argamassados, assentados parte com argamassa de cal e parte com ligante
cimentício;

– Provável causa do dano: recalque, materiais com comportamentos diversos;

– Dimensionamento da maior abertura da lesão: 16,33 mm, fenda (Figura 83);

– Profundidade estimada da lesão: pouco profunda. Não foi possível adentrar


totalmente na lesão com o aparelho endoscópio (Figuras 84 e 85);

– Temperatura da parede: 29,7 oC / Umidade: sim (Figura 86);

– Profundidade de entrada do endoscópio: 2 cm;

– Peso estimado da parede (altura x espessura x comprimento x peso relatado


no Quadro 8) = 2,65 x 0,9 x 1,7 = 4,05 m³ x 2000 Kgf/m³ = 8100 Kgf ou 79,5
kN.

Figura 83 – Lesão analisada, Figura 84 – Aplicação da técnica


em sua maior dimensão, para endoscópica na lesão, para E3, T3
E3, T3

Fonte: Acervo do autor (ago. Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).


2015).
143

Figura 85 – Resultado E3, Figura 86 – Resultado T3, não


demonstrando a profundidade da apresentando variação de
lesão e a irregularidade da temperatura da alvenaria
constituição da argamassa

Fonte: Acervo do autor (ago. 2015). Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).

4 – Ensaios E4, T4, conforme Figura 70

– Espessura da parede: 40 cm;

– Altura da parede: 4,60 m;

– Constituição do material: tijolos cozidos ligados com argamassa de cal e de


cimento;

– Provável causa do dano: recalque, empuxo do terreno, empuxo de raízes de


vegetais superiores;

– Dimensão da maior abertura da lesão: 24 mm - fenda (Figura 87);

– Profundidade de entrada do endoscópio: 40 cm (Figura 88);

– Profundidade estimada da lesão: 40 cm, visto a fácil passagem do


endoscópio e grande espaço vazio (Figura 89);

– Temperatura da parede: 27,6 oC / Umidade: sim (Figura 90);


144

– Peso estimado da parede (altura x espessura x comprimento x peso relatado


no Quadro 8): 4,60 x 0,4 x 8,00 = 14,72 m³ x 1800 Kgf/m³ = 26496 Kgf, ou
259 kN.

Figura 87 – Lesão analisada, Figura 88 – Aplicação da técnica


em sua maior dimensão, para endoscópica na lesão
E4, T4

Fonte: Acervo do autor (ago. Fonte: Acervo do autor (ago. 2015).


2015).

Figura 89 – Resultado Figura 90 – Resultado T4,


E4, demonstrando alto apresentando variação de
risco estrutural e a temperatura na lesão, o que
existência de conchas determina alta presença de
na argamassa (setas umidade
vermelhas)

área com variação de


temperatura

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (ago.


(ago. 2015. 2015).

1– Ensaio T5, conforme Figura 70

– Espessura da parede: 90 cm;

– Altura da parede: 4,49 m;


145

– Constituição do material: alvenaria mista de pedra (arenito) e tijolos


argamassados (20 x 7 x 4 cm, em média) (Figura 91);

– Provável causa do dano: expulsão de material por instalação escondida na


parede;

– Temperatura da parede: 26 oC / Umidade: sim, é possível perceber faixa


vertical úmida próxima à lesão, demonstrando provável tubulação escondida.
(Figura 92);

– Dimensão da maior abertura da lesão: 3,57 mm, fissura (Figura 93);

– Profundidade de entrada do endoscópio: não foi possível penetrar o


endoscópio;

– Profundidade estimada da lesão: provavelmente superficial;

– Peso estimado da parede (altura x espessura x comprimento x peso relatado


no Quadro 8): 4,49 x 0,9 x 9,35 = 37,78 m³ x 1800 Kgf/m³ = 68004 Kgf, ou
667 kN.

Figura 91 – Constituição Figura 92 – Resultado T5 demonstra faixa de


material da parede umidade causada, provavavelmente, por
lesionada. Alvenaria mista tubulação escondida
de pedras e tijolos
argamassados

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (jul. 2016)


(maio 2016)
146

Figura 93 – Maior dimensão da


lesão, para o ensaio T5

Fonte: Acervo do autor (mai. 2016)

5.1.2.2.1 Discussão dos resultados para ensaios com endoscópio e termografia

A segunda natureza dos ensaios é de tipo qualitativo, baseados na inspeção


com endoscópio e termocâmera. Os testes elencados nessa categoria foram
responsáveis por determinar alguns questionamentos sobre os aspectos físicos dos
danos nos muros do monumento.
Primeiramente, a capacidade do endoscópio em penetrar as fendas já mostra o
quanto foi lesionada a parede resistente. A imagem obtida com aparelho pôde
revelar a profundidade de algumas dessas trincas e, ainda, foi possível perceber as
diversas características das argamassas, grande parte de cal com a presença de
conchas marinhas. Adicionalmente, o ensaio E1 revelou parede de alvenaria mista,
escondida atrás do muro lesionado.
Em outro caso, E3, percebe-se a mistura entre argamassas de cal com
argamassas de cimento, podendo esse fator ser consolidação anterior, influenciando
a expansividade do ligante de assentamento, através da cristalização de sais de
sulfato259 e, consequentemente, causando danos.

259
Alguns autores já relatavam o problema em outros monumentos: “A presença de sulfatos, sais
bastante expansivos durante o processo de cristalização, está provavelmente associada à
contaminação do material e às intervenções de cimento existentes,fatos que podem estar causando a
degradação das argamassas” (OLIVEIRA, M. M. de; MUÑOZ, R.; MAGALHÃES, A. C. A. Capela de
Santana do Miradouro: proposta de estabilização estrutural. Relatório técnico. Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 2013. p. 25).
147

Além disso, através dos ensaios termográficos, como em T3 e T4, identificou-


se a presença de umidade na parede. Em T3, a presença de material úmido na
padieira pode estar causando o cedimento da alvenaria, enquanto, em T4, a
evidente mancha de umidade (azul escuro), pode determinar dano causado por
presença de vegetação, ou mesmo empuxo do terreno molhado. O ensaio T5, em
concordância, a partir dos resultados expostos, demonstra dano causado,
provavelmente, por instalação hidráulica próxima, causando expulsão do material.
Assim, para T5, é possivel descartar, inicialmente, a hipótese de dano causado por
rotação.
Os ensaios qualitativos foram importantes para a criação de novo raciocínio
sobre a origem das lesões na Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo.
Neste monumento, nem todo dano tem gênese somente na rotação dos muros ou na
movimentação da encosta, como inicialmente pensado, mas em fatores físicos do
ambiente em que se encontra a parede resistente.
Através dos estudos de Santos Segurado, pôde-se, também, revelar o peso da
parede resistente. No entanto, sabe-se que esse parâmetro é, de certa forma,
genérico, pois irá depender de diversos outros fatores para sua identificação.
Nesses casos, faz-se necesária a aplicação dos macacos planos, abordados a
seguir.

5.2 O ANTIGO PRÉDIO DA COMPANHIA CIRCULAR DE CARRIS DA BAHIA

Localizado em posição privilegiada no Centro Histórico de Salvador, o antigo


prédio da Companhia Circular de Carris da Bahia encontra-se no entorno de um dos
monumentos mais importante da Capital: a Catedral Basílica (Figura 94).
148

Figura 94 – Montagem de figuras mostrando a localização do prédio: 1 – Salvador; 2 –


Centro Histórico de Salvador; 3 – Bairro da Sé, com o prédio da Companhia marcado em
amarelo

1 2 3 ANTIGO PRÉDIO DA
COMPANHIA CIRCULAR DE
CARRIS DA BAHIA

CATEDRAL

Fonte: Elaboração do autor a partir de base cartográfica do Google (2016).

A história desse prédio tem relação direta com a modernização dos ascensores
urbanos e da mobilidade de Salvador pela Companhia Circular de Carris da Bahia,
empresa que chega à Capital no fim do século XIX.
Inicialmente, servia de estribaria e casa de máquinas (Figura 95) para o recém-
construído Chariot260, antigo plano inclinado Isabel, porém, no início do século XX, é
demolida a construção original para a criação do atual edifício eclético (Figura 96),
com função administrativa.

260
SAMPAIO, C. N. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX. Rio de Janeiro:
Versal, 2005. p. 208.
149

Figura 95 – Antiga estribaria da Companhia Figura 96 – Edifício eclético


Circular de Carris da Bahia construído no mesmo local

Fonte: Sampaio (2005, p. 210). Fonte: Acervo do autor (jan. 2014).

Com o fim dos bondes e a incorporação da Companhia Circular de Carris da


Bahia à Prefeitura de Salvador, no início da década de 60, o prédio é cedido pelo
município a diversas instituições, ao longo do tempo. Nos últimos anos, o edifício foi
utilizado como batalhão da Polícia Militar e, desde 2014, sofre intervenções do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para ser transformado em Museu.
Seu sistema construtivo é variado, apresentando alvenarias mistas (estrutura) e
de tijolos furados (fechamento), pilares e lajes de concreto armado, pilares de tijolos
maciços e vigas metálicas. Essa diversidade de estruturas pode ser explicada pela
constante modificação de uso do prédio no decurso dos anos. Trata-se de
monumento com três pavimentos de gabarito: subsolo, térreo e primeiro pavimento,
disposto em planta irregular, como mostrado na Figura 97.

Figura 97 – Planta do pavimento térreo do antigo prédio da Companhia Circular de Carris


da Bahia, mostrando planta irregular

Fonte: Acervo do autor (2016).


150

Atualmente, o edifício encontra-se em obra, como relatado anteriormente, e


esse foi um dos fatores para a escolha da edificação para o ensaio com macacos
planos. Outros prédios pensados para este teste não possuiam a rede elétrica
trifásica, necessária para aplicação da técnica.

5.2.1 Testes preliminares com macacos planos

Considerando a escassez de testes com macacos planos no Brasil, foram


realizados ensaios preliminares na Universidade Federal da Bahia, com o intuito de
familiarizar a equipe com os novos equipamentos.
Nessa esfera, o processo relatado a seguir teve grande importância para
indicar o correto método de aplicação da técnica. Por meio da avaliação crítica do
ensaio, foi possível desenvolver a metodologia de aplicação prática dos macacos
planos.
Os aparelhos disponíveis no Núcleo de Tecnologia da Preservação e da
Restauração (NTPR-UFBA) foram testados em uma parede de tijolos de 28 cm de
espessura, assentados com argamassa de cimento, no andar térreo da Escola
Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde foi possível obter toda
infraestrutura para a execução do ensaio com macacos planos, tal como sistema
trifásico e fornecimento de água. A Figura 98, a seguir, mostra o aspecto físico da
parede ensaiada.
Figura 98 – Parede ensaiada na Escola
Politécnica da UFBA

Fonte: Acervo do autor (jul. 2014).


151

5.2.1.1 Procedimento preliminar ao teste

A primeira parte da prova diz respeito às marcações necessárias para a


organização do corte e aplicação das bases de medição que deram suporte ao
desenvolvimento do teste. A sequência das etapas foi a seguinte:

1 – Foi realizada a retirada do revestimento, sendo necessário, desenhar uma


linha horizontal sobre o rejunte da alvenaria a uma distância vertical do solo
entre 60 e 80 cm. Adicionalmente, foi colocada uma guia horizontal, sobre a
área de ensaio, para apoio da serra de corte (Figura 99);

Figura 99 – Revestimento retirado e guia de


corte posicionada

Fonte: Acervo do autor (jul. 2014).

2 – foram desenhados pequenos círculos de marcação, para avaliação do


deslocamento descendente da alvenaria após o corte. Esses pontos forma
posicionados de forma a apresentar um intervalo de distância horizontal de 15
cm, localizados acima e abaixo do macaco plano, com três fiadas de marcação;

3 – o conjunto resultante foi uma linha horizontal com seis pontos a seu redor.
A distância vertical entre os dois pares de pontos obedeceu o máximo de 24
cm e o mínimo de 12 cm, seguindo a recomendação RILEM261 que determina a
distância dessas bases entre 30% e 60% da largura do macaco plano. Outros

261
RILEM. Recommendation MDT. D. 4, op. cit.
152

três pontos foram fixados acima do conjunto para a aplicação do ensaio com
macacos planos duplos;
4 – sobre os círculos desenhados, pequenas peças de metal foram fixadas
para serem utilizadas como as bases de medição (Figura 100). Foi medida a
distância entre elas com um deformômetro, acoplado a um relógio comparador
(Figura 101).

Figura 100 – Pontos fixados na Figura 101 – Medição entre os pontos


parede ensaiada fixados na parede ensaiada

Fonte: Acervo do autor (jul. 2014). Fonte: Acervo do autor (jul. 2014).

A segunda parte do procedimento foi a aplicação do corte na alvenaria, através


de serra diamantada. Nesse contexto, seguiram-se os seguintes passos:

1 – foi ligada a alimentadora da serra à rede elétrica do local;

2 – a alimentadora foi conectada, com uma mangueira, a uma torneira de água


corrente para resfriamento do motor hidráulico e do disco da serra. A atuação
da água fria é importante para que a lâmina da cortadora não aqueça demais,
funcionando também como corte molhado, o que, de certa forma, facilita o talho
no muro;

3 – foram feitas as conexões necessárias com as mangueiras apropriadas


entre a alimentadora e a cortadora. Ligou-se a alimentadora;
153

4 – realizou-se, então, o rasgo no local marcado na etapa anterior, entre as


bases de medições metálicas já fixadas sobre a alvenaria, utilizando a guia
para corte.

5.2.1.2 Execução do ensaio com macaco simples

Após o corte, a alvenaria pode sofrer um rápido movimento de descida, prestes


a fechar o rasgo. Em algumas alvenarias, essa deformação pode ser tão grande que
o espaço gerado pelo corte tende a não permitir a entrada do instrumento de
medição.
Nesse contexto, foi necessário que o macaco plano fosse inserido quase
momentaneamente, após a execução do rasgo, seguindo os seguintes
procedimentos:

1 – um operador precisou estar pronto para colocar o macaco plano no rasgo,


logo após o outro terminar o corte. Após o talho, foi necessário que se
interrompessem a alimentadora e o fornecimento de água corrente;

2 – inseriu-se o macaco plano (Figura 102); e fez-se, então, a segunda


medição entre as bases acopladas ao muro;

Figura 102 – Macaco plano inserido na


parede ensaiada

Fonte: Acervo do autor (jul. 2014).


154

3 – foram conectadas as mangueiras, entre a bomba hidráulica e o macaco


plano;

4 – foi bombeado o óleo, presente na bomba hidráulica, para o macaco plano,


bem como foram observadas pequenas variações na marcação do manômetro;
isso significa que o instrumento estava recebendo óleo e começando a se
expandir.

5 – aumentou-se a pressão no macaco, gradativamente, até valores fixos. O


primeiro deles foi de 25% do máximo que o aparelho suporta, verificando-se o
deslocamento de cada base de medição, até o retorno ao estado inicial (Figura
103);

Figura 103 – Macaco plano conectado à


bomba hidráulica e medição do retorno ao
estado inicial

Fonte: Acervo do autor (jul. 2014).

6 – foi reduzida a pressão no aparelho para zero, e não se retirou o macaco


dentro da alvenaria, assim como se manteve a conexão das mangueiras.
Dessa forma, o primeiro teste foi finalizado.

5.2.1.3 Execução do ensaio com macacos duplos

Por fim, foi realizado o ensaio com macacos planos duplos. O procedimento
para fazer um segundo rasgo na alvenaria é similar ao utilizado para apenas um
155

macaco plano, sendo o novo talho feito acima do primeiro, no mesmo alinhamento
vertical, respeitando um máximo de 60 cm de distância entre as placas. Esse espaço
entre os equipamentos é recomendado pela RILEM262: 150% do valor da largura do
macaco.
Após a realização do rasgo superior, o segundo macaco plano foi
imediatamente inserido na alvenaria e a pressão aumentada até o aparecimento de
pequenas fissuras. Pode-se, também, ouvir estalos da alvenaria, assegurando que o
ensaio e o sistema chegaram ao limite.

5.2.1.4 Problemas observados na execução dos ensaios

Durante a realização do teste, foram observados os seguintes problemas, a


serem resolvidos para a execução do ensaio no antigo prédio da Companhia
Circular de Carris da Bahia:

1 – devido à pequena altura da alvenaria e à dificuldade de realizar as diversas


leituras no deformômetro, não foi possível desenvolver o procedimento correto
para a determinação do módulo de elasticidade;

2 – houve grande dificuldade na retirada dos macacos planos, causando danos


à alvenaria.

5.2.1.5 Resultados

O valor de pressão obtido para o retorno do macaco simples ao seu estado


inicial foi de 1,5 bar. Baseando-se nas fórmulas expostas no Capítulo 3 desta
dissertação, e utilizando a expresssão dada pelo fabricante GLOTZ: Km = 0,92 +
p(0,07/100), foi possível aplicar os valores à expressão fundamental σ = pKmKa;
assim, foi encontrado o valor de 0,093 MPa como a solicitação de compressão que a
alvenaria estava recebendo no ponto do corte.
O ensaio com os macacos planos duplos permitiu o acréscimo de pressão até
uma grandeza de 3,5 bar. Utilizando as relações supracitadas, foi possível
individualizar a tensão máxima suportada pela alvenaria: 0,240MPa.

262
RILEM. Recommendation MDT. D. 5, op. cit.
156

Não serão discutidos, neste momento, os valores obtidos no ensaio preliminar,


visto que esse teste foi realizado como exercício para execução do ensaio nas
alvenarias mistas do antigo prédio da Companhia Circular de Carris da Bahia.
Adicionalmente, o deformômetro utilizado, elaborado pela equipe do NTPR, não era
preciso como o NOVATEST, próprio para o ensaio.

5.2.2 Ensaios pouco destrutivos no antigo prédio da Companhia Circular de


Carris da Bahia

Os ensaios realizados no antigo prédio da Companhia Circular de Carris da


Bahia seguiram as mesmas metodologias aplicadas na Igreja do Santíssimo
Sacramento da Rua do Passo. No entanto, não foram aplicados ensaios de
endoscopia, tendo em vista a inexistência de rachaduras. O objetivo principal deste
ensaio foi identificar as contribuições do ensaio com macacos planos, em
concordância com os ensaios sônicos, para avaliação física e mecânica da parede
estrutural.

5.2.2.1 Aplicação de inspeção visual e ensaios sônicos para definição física do


muro e avaliação física e mecânica dos componentes singulares da alvenaria

Localizada no subsolo do prédio (Figura 104), a parede ensaiada apresenta


características mistas, com pedras claras (prováveis arenitos), escuras (prováveis
granitos ou gnaisses), assentadas com argamassa de cal. Esse elemento estrutural
não apresenta danos, mas foi aberta uma passagem para movimentação dos
materiais (Figura 105), modificando a geometria da estrutura (Figura 106) e
disposição das linhas isostáticas. Para essa parede, foram previstos ensaios
sônicos, termográficos e de macacos planos.
A referida alvenaria é, também, a mais alta da estrutura, em torno de 10
metros, bem como a mais antiga, provavelmente do século XVII ou XVIII, e espessa
(52 cm). Apesar do referido porte, a partir do pavimento térreo o sistema estrutural
modifica-se em parede de tijolos plenos e meios-tijolos especiais263, assentados com
argamassa de cimento, com dois paramentos e área vazia interna, o que pode

263
ROCHA, I. Tijolo por tijolo...., op. cit., p. 147;148.
157

atenuar seu peso. Trata-se de sistema estrutural muito comum no início do século
XX, quando foi construído o prédio.

Figura 104 – Localização dos ensaios no antigo prédio da Companhia Circular de Carris da
Bahia

LEGENDA
US, T
Ensaios: Parte
US, T removida
T – Térmico MP da parede

US – Ultrassom

MP – Macacos
planos
Parede ensaiada

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Figura 105 – Parede proposta Figura 106 – Modificação da


para aplicação dos ensaios de geometria da parede com
macacos planos abertura de vão

Fonte: Acervo do autor (dez. Fonte: Acervo do autor (dez.


2015). 2015).

Avaliada a parede por meio de inspeção visual, como suprarrelatado, verificou-


se o dimensionamento da estrutura, retomando as Fórmulas de Rondelet264. Uma
vez que não diz respeito a um muro isolado, nem divisório ou de suporte de telhado,

264
BARBEROT, E. Tratado Práctico de Edificación, op. cit., p. 43.
158

a expressão para determinação da espessura da alvenaria deverá seguir a teoria


dos muros espessos de fachada:

e = l /46 + h/46 (8)

Assim:

e = 13,54/46 + 10/46 = 0,47m < 0,52 m – dimensionamento correto, acima do


esperado pela formula de Rondelet.

Após a análise física do sistema estrutural, procurou-se avaliar as qualidades


mecânicas das pedras que constituem a alvenaria. Para isso, utilizou-se o ensaio
sônico, por meio de transmissão direta, como instrumento de obtenção da
resistência à compressão e módulo de elasticidade dos elementos líticos (Figuras
107 e 108).

Figura 107 – Execução de ensaios sônicos Figura 108 – Execução de ensaios sônicos
para avaliação mecânica de pedras mais para avaliação mecânica de pedras mais
escuras claras

Fonte: Acervo do autor (maio 2016). Fonte: Acervo do autor (maio 2016).

Como esperado, pedras negras como granitos ou gnaisses geraram alta


velocidade de onda (máximo de 4400 m/s), enquanto os litos mais claros (calcários
ou arenitos) compreenderam resultados abaixo do esperado (máximo de 3600 m/s).
Comparando os valores obtidos com o ábaco de Tássios e Mamillan (Figuras 109 e
110), verifica-se que os elementos pétreos escuros encontram-se, conforme
159

determinado por Attewell e Farmer265, na faixa de resistência fraca e razoável (30 a


80 MPa), média de 51,13 MPa, desvio padrão de 19,59 MPa e coeficiente de
variação de 38%. As pedras claras permaneceram no campo dos elementos fracos e
muito fracos (0 a 30 MPa), com média de resistência igual a 13,50 MPa, desvio
padrão de 7,16 MPa e coeficiente de variação de 53%. Percebe-se que há grande
oscilação na resistência desses litos, o que pode indicar que o monumento foi
construído com materiais diversos, trazidos de variados locais.

Figura 109 – Resultados obtidos Figura 110 – Resultados obtidos por


por meio do ábaco de resistência à meio do ábaco do módulo de
compressão das pedras elasticidade das pedras

Pedras
escuras

Pedras
Pedras claras
escuras

Pedras
claras

Fonte: Elaboração do autor a partir Fonte: Elaboração do autor a partir de


de Tassios e Mamillan (1985, p.24). Tassios e Mamillan (1985, p.23).

O módulo de elasticidade das pedras escuras variou de 18000 MPa a 30000


MPa, média de 22800 MPa, desvio padrão de 3,65 MPa, com coeficiente de
variação irrisório, encontrando-se entre os valores estimados por Vallejo e
colaboradores266 e Stowe267, para granitos(1700 a 68000 MPa). Já os litos mais

265
ATTEWELL, P. B.; FARMER, I. W. Principles of engineering geology, op. cit.
266
VALLEJO et al. Ingeniería Geologica, op. cit.
267
STOWE, R. L. Strength and deformation properties of granite, basalt, limestone..., op. cit.
160

claros tiveram oscilação de 8000 a 18000 MPa de módulo, média de 12600 MPa,
desvio padrão de 3,16 MPa e coeficiente de variação abaixo de 0.

5.2.2.2 Aplicação dos macacos planos para definição das características mecânicas
da alvenaria

Definidas as resistências das pedras e a constituição da alvenaria, foi aplicado


o ensaio com macacos planos. Os testes seguiram os mesmos procedimentos
relatados no processo preliminar de pesquisa, conforme executados na Escola
Politécnica da UFBA. No entanto, a aplicação dos ensaios em alvenaria mista é
diferente. Devido à grande heterogeneidade da parede e a poucas juntas de
argamassa, bem como o pouco alcance do deformômetro (de 25,5 a 26,5 cm), as
marcações foram feitas de acordo com a capacidade da superfície em receber as
bases de medição.
Portanto, não foi possível seguir precisamente a simetria e distâncias definidas
na norma reguladora (RILEM). Não obstante, todos os pontos estabelecidos e a
localização dos cortes estão rigorosamente dentro dos valores máximos e mínimos
da referida recomendação.
Inicialmente, procurou-se a melhor posição para a realização dos dois talhos
para a execução do teste. Neste âmbito, foram encontradas duas juntas mistas de
argamassa possíveis para corte, com tijolos e pequenas pedras (Figura 111), a uma
distância de 56 cm entre elas, obedencendo o máximo de 60 cm definido por norma.
Estabelecidas as marcações horizontais que seriam abertas, foram definidos os
posicionamentos das primeiras bases de medição (Figura 112), em três fiadas (B1,
B2 e B3), dispostas simetricamente ao primeiro talho, respeitando o campo de
execução do deformômetro e a melhor superfície de contato. Mediu-se, então, o
afastamento entre elas (Figura 113).
161

Figura 111 – Definição da primeira horizontal


de corte, marcado em vermelho

Fonte: Elaboração do autor (maio 2016).

Figura 112 – Marcação e Figura 113 – Medição da distância entre


colagem das bases de bases coladas ao muro
medição

Fonte: Acervo do autor (maio Fonte: Acervo do autor (maio 2016).


2016).

Novos pontos foram colados ao muro, no mesmo alinhamento vertical das


primeiras fiadas de ensaio, para a medição do teste com macacos duplos (B1', B2' e
B3'). A distância entre eles foi a mesma dos anteriores, sempre seguindo a melhor
condição da superfície para fixação dessas guias. Foram posicionados, também,
entre as referidas bases de medição, pontos em uma linha horizontal (H1) para
cálculo do módulo de Poisson. Dessa maneira, com as fiadas instaladas e
devidamente anotadas as distâncias entre elas, realizou-se o primeiro corte na
alvenaria, na linha horizontal mais baixa (Figura 114), inseriu-se o primeiro macaco
plano (Figura 115) e foram medidos os novos afastamentos das bases (Figura 116).
162

Figura 114 – Corte da Figura 115 – Macaco plano Figura 116 – Medição
alvenaria com serra inserido na alvenaria das distâncias das
diamantada bases

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (maio Fonte: Acervo do autor
(maio 2016). 2016). (maio 2016).

Foram conectadas, então, as mangueiras de óleo ao macaco plano, para


realizar o enchimento por meio de bomba hidráulica, com o intuito de retomar as
medidas iniciais das fiadas, obtidas antes do corte com a serra diamantada. Assim,
incrementou-se a pressão do macaco e foram realizadas medições a cada 0,5 bar
até o retorno da alvenaria ao seu estado inicial. Os resultados do primeiro teste
foram relatados na Figura 117, a qual apresenta os valores de pressão, em bar,
obtidos no momento em que cada base (B1, B2 e B3) retornou ao seu estado
original de posicionamento.

Figura 117 – Gráfico das pressões obtidas para o retorno da alvenaria ao seu estado inicial,
por base de medição

Fonte: Elaboração do autor (2016).


163

No Quadro 12, complementar à Figura 117, foram dispostas sete colunas com
dados sobre o teste: uma seção que demonstra as variações de leituras no
manômetro para cada acréscimo de pressão (primeira coluna da esquerda para
direita); três seções (colunas do meio) que indicam a leitura no deformômetro para
cada mudança de pressão, nas três bases de medição (B1, B2 e B3); três seções
(últimas colunas da esquerda para a direita) que apresentam o posicionamento das
bases de medição para cada acréscimo de pressão, em relação ao estado inicial de
B1, B2 e B3, calculado pela variação das deformações lidas no deformômetro. As
últimas linhas demonstram os resultados da tensão (já corrigida em MPa), seu
desvio padrão e a média na porção ensaiada determinada pelas bases de medição.
Percebe-se, que o coeficiente de variação obtido foi relativamente alto (39%),
para tensões em uma porção muito pequena da parede ensaiada.

Quadro 12 – Valores obtidos com o ensaio com macacos planos simples


ENSAIO COM MACACOS PLANOS SIMPLES
Leitura no manômetro
(bar) Leitura no deformômetro (mm) Deformação (mm)
B1 B2 B3 B1 B2 B3
0,1 (antes do corte) -8,117 -2,621 -5,482 0 0 0
0,1 (depois do corte) -7,891 -1,532 -5,239 -0,226 -1,089 -0,243
0,6 -7,999 -2,184 -5,528 -0,118 -0,437 +0,046
1,1 -8,372 -2,392 -5,539 +0,255 -0,229 +0,057
1,6 -8,634 -2,893 -5,591 +0,517 +0,272 +0,109
Resultados
Tensão corrigida (MPa) = Km x P x Ka
Km = 0,92 + p(0,07/100) - Glotz P = pressões da Fig. 117 em MPa Ka = 0,745 (ver p. 117)
Resultado B1 = 0,92 x 0,08 x 0,745 = 0,055 Desvio padrão = 0,024
Resultado B2 = 0,92 x 0,13 x 0,745 = 0,089 Tensão Média = 0,062
Resultado B3 = 0,92 x 0,06 x 0,745 = 0,041 Coeficiente de variação = 39%
Fonte: Elaboração do autor (2016).

Finalizado o teste com macacos planos simples, foi realizado um novo corte
(Figura 118), acima do primeiro, e inseriu-se outro macaco plano para a realização
do ensaio de compressão monoaxial da parede (Figura 119).
A pressão no macaco inferior foi reduzida e realizou-se nova medição da
distância entre as bases (Figura 120), desta vez, aquelas que se encontravam na
porção de alvenaria entre os aparelhos.
164

Figura 118 – Realização Figura 119 – Dois macacos Figura 120 – Medição
do corte superior para planos conectados para a preliminar das bases
inserção do macaco plano realização de ensaio de localizadas na porção de
compressão monoaxial alvenaria entre os macacos

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (maio Fonte: Acervo do autor (maio
(maio 2016). 2016). 2016).

O início do teste com macacos duplos deu-se com o aumento da pressão nos
dois pratos, realizando-se, no intervalo de 0,5 bar, a medição das distâncias dos
pontos marcados entre os aparelhos.
O ensaio, no caso de alvenarias mistas, termina ao se notar a resistência da
parede ao aumento de pressão na bomba, ou a presença de fissuras na alvenaria
(Figura 121) que, neste caso, ocorreram a 2,4 bar de pressão.

Figura 121 – Fissuras na alvenaria,


após aplicação dos macacos planos

Fonte: Acervo do autor (maio 2016).


165

Os resultados da experimentação com macacos planos duplos são relatados


no Quadro 13. Na primeira coluna, da esquerda para a direita, são mostradas as
pressões obtidas até o estado de ruptura do muro, sendo seu valor máximo 2,4 bar.
As colunas 3, 4 e 5 representam os valores lidos no deformômetro a cada aumento
de pressão, para casa base de medição, inclusive a fiada horizontal H1. Não foi
medida a base B3, vistou que houve a queda da guia durante ensaio.
As colunas 5, 6 e 7 são resultados dos cálculos da diferença entre os valores
final e inicial, de uma faixa de pressão para outra, lidos no derformômetro, para obter
a deformação real. Por exemplo: a deformação obtida, para a base B1', entre a
pressão 0,1 e 0,9 será o valor final -3,331 - (-3,795), que será 0,464 mm. A coluna 8
representa as pressões identificadas no manômetro, já corrigidas, de acordo com os
coeficientes do fabricante dos aparelhos.
Por último, a coluna 9 traz os valores acumulados de deformação, relativos à
área ensaiada. Exemplo: a deformação real da base B1', após o primeiro acréscimo
de pressão, é 0,464 mm. Com relação à porção de área ensaiada, será 0,464/560
mm (distância entre macacos planos). Com o acréscimo sucessivo tem-se: (0,464 +
0,158)/560 mm, e assim por diante. Esses valores resultaram no gráfico
tensão/deformação.

Quadro 13 – Valores obtidos com o ensaio com macacos planos duplos


ENSAIO COM MACACOS PLANOS DUPLOS
Leitura no Leitura no deformômetro
manômetro (bar) (mm) Deformação (mm)
1 2 3 4 5 6 7
B1' B2' H1 B1' B2' H1'
0,1 -3,795 -3,732 1,072 0 0 0
0,9 -3,331 -3,661 1,107 0,464 0,071 0,035
1,4 -3,173 -3,593 1,148 0,158 0,068 0,041
1,9 -2,999 -3,531 1,177 0,174 0,062 0,029
2,4 - Ruptura -2,577 -3,379 1,201 0,422 0,152 0,024
Tensão corrigida = 0,92 x P x 0,745 Deformação relativa acumulada (mm/mm)
8 9
0,615 0,00082857 0,00012679 -
0,957 0,00111071 0,00024821 -
1,299 0,00142143 0,00035893 -
1,641 0,002175 0,00063036 0,00023036
Fonte: Elaboração do autor (2016).
166

As Figuras 122 e 123, a seguir, são gráficos tensão/deformação gerados pelo


Software Excel com os dados do Quadro 13.

Figura 122 – Gráfico tensão/deformação para B1 Figura 123 – Gráfico tensão/deformação para
e equação da reta tangente à curva B2 e equação da reta tangente à curva

Fonte: Elaboração do autor, a partir do Fonte: Elaboração do autor, a partir do


Software Excel (2016). Software Excel (2016).

Desse modo, os módulos de elasticidade (coeficientes angulares das retas


tangentes às curvas de tensão/deformação) resultaram em 736,2 MPa, para B1', e
2001,0 MPa, para B2'. Foram encontrados, também, dois coeficientes de Poisson,
sendo 0,105 para B1' e 0,365 para B2', que são a relação final entre a deformação
relativa acumulatada de H1 e a deformação final de B1' e B2'. Adicionalmente e no
contexto do estudo dos ensaios não destrutivos, testes com a câmera termográfica,
realizados após a execução dos macacos planos, mostraram que a parede
ensaiada, ao tornar-se úmida, devido ao corte molhado da serra diamantada, ficou
com quase 2 oC de temperatura a menos que as da alvenaria do edifício (Figuras
124 e 125).
167

Figura 124 – Área da parede Figura 125 – Temperatura da


ensaiada apresentando variação parede em condições normais
de temperatura devido ao corte
molhado da serra diamantada

Fonte: Acervo do autor (maio 2016). Fonte: Acervo do autor (maio 2016).

5.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS EM CONCORDÂNCIA COM PESQUISAS


EUROPEIAS

No intuito de complementar a avaliação das metodologias dos ensaios, bem


como dos resultados obtidos a partir da aplicação dos testes na Igreja do Passo e no
antigo prédio da Companhia Circular de Carris, é importante comparar as
experimentações com as pesquisas que estão na vanguarda dos estudos sobre o
tema.
As pesquisas sobre diagnósticos não destrutivos, nos Estados Unidos e na
Europa, datam de fins da década de 80 e início da década de 90. A norma ASTM
(americana), principal documento regulador do teste com macacos planos, foi criada
em 1999 e tornou-se a base para todas as outras definições operativas desses
ensaios. De maneira geral, a execução de testes que causam poucos danos à
consistência material da estrutura, nas referidas regiões, está ligada à restauração
estrutural de edifícios, tanto de valor patrimonial quanto em novos sistemas de
suporte.
Assim, como determinado nos ensaios aplicados nos dois monumentos
estudados nesta dissertação, a maioria das pesquisas não destrutivas executadas
na Europa está focada no diagnóstico das áreas lesionadas de uma parede, ou
mesmo de outros elemenos móveis ou integrados danificados.
168

Um exemplo da aplicação de técnicas que pouco influenciam a consistência


material de alvenarias antigas é o diagnóstico da Igreja de Santa Maria em Oristano,
na Itália, realizado por Concu e De Nicolo268. Tendo em vista a presença de diversas
fissuras na fachada do monumento, buscou-se a execução de diagnósticos não
destrutivos, de forma qualitativas e quantitativas, para avaliação estrutural do edifício
em questão269.
Os autores utilizaram os ensaios sônicos para avaliar, inicialmente, a qualidade
da pedra que constitui a fachada da Igreja de Santa Maria. Foram investigadas as
resistências dos elementos pétreos por meio do valor de velocidade obtido com os
ensaios: “Sonic tests and endoscopy pointed out that stone quality decreases from
bottom to top and towards the inner layers of the masonry”270. Dessa maneira, houve
grande variação de resistência: de 37,6 (topo) a 253, 9 MPa (base), e essa gama vai
de pedras fracas a muito fortes, de acordo com a escala de Attewell e Farmer271, o
que pode justificar a maior quantidade de fissuras nas cimalhas do monumento.
Outra função dos ensaios sônicos, neste estudo, foi a avaliação, conjuntamente
com a endoscopia, de vazios e áreas não consistentes na alvenaria. Relatam os
autores sobre as técnicas aplicadas no muro estudado:

Endoscopy highlighted that masonry non-homogeneities consist


mostly of irregular stones and sporadically of potting compost, and
sonic test didn't detect any meaningful void or macro cavity that has
to be assumed as relevant discontinuity in masonry fabric.272

Nessa esfera, o estudo de Concu e De Nicolo, com relação às tecnicas não


destrutivas, é semelhante aos diagnósticos efetivados na Igreja do Passo e no
antigo prédio da Companhia Circular de Carris da Bahia, nos âmbitos quantitativo
(resistência das pedras) e parte qualitativo. Como relatado anteriormente, no estudo

268
CONCU, G.; DE NICOLO, B. Non-destructive methods as a tool in the assesment of monumental
buildings condition. In: BREBBIA, C. (Org.). Structural studies, repairs and maintenance of heritage
Architecture. Southampton: WIT Press, 2009. v. 9, p.349.
269
Id., ibid., p.349.
270
“Ensaios sônicos e endoscopia enfatizam que a qualidade das pedras diminuía da base para o
topo e em direção às camadas mais internas da alvenaria” (Id., ibid., p. 357. Tradução nossa).
271
ATTEWELL, P. B.; FARMER, I. W. Principles of engineering geology, op. cit.
272
“A endoscopia destacou que áreas não homogêneas na alvenaria são constituídas, na maioria das
vezes, de pedras irregulares e, esporadicamente, compostos cerâmicos, e os ensaios sônicos não
detectaram nenhum vazio importante ou macro cavidade que tivesse que ser considerada como
descontinuidade relevante no sistema mural” (CONCU, G.; DE NICOLO, B. Non-destructive methods
as a tool in the assesment of monumental buildings condition, op. cit., p.349. Tradução nossa).
169

do presente trabalho, não foi possível avaliar a presença de vazios na alvenaria,


considerando a impossibilidade do uso do martelo instrumentado.
Em Portugal, são frequentes as pesquisas sobre macacos planos, aplicados a
alvenarias antigas. Vicente e colaboradores273, acadêmicos portugueses, revelam a
execução dos testes em monumentos na Baixa de Coimbra, no país lusitano.
Nesses diagnósticos, sempre foram executados ensaios simples e duplos.
Para a excução dos referidos ensaios, foram utilizados macacos planos
semirretangulares (400 x 100 mm)274, diferente dos aparelhos que foram
empregados nos testes no antigo batalhão, que eram retangulares (400 x 200 mm).
Por outro lado, a definição da disposição das bases de medição, no caso das
alvenarias mistas em Coimbra, seguiu o mesmo princípio dos ensaios realizados por
esta pesquisa, obedecendo o máximo definido pela RILEM, mas dispondo as guias
em concordância com a morfologia do muro. O mesmo ocorre com a distância entre
os macacos planos, para aplicação do teste de compressão, seguindo o extremo de
60 cm275.
Lourenço e Roque276 também relatam o método de diagnóstico com macacos
planos em alvenarias de Bragança, Portugal. A pesquisa dos referidos acadêmicos
entra em concordância com a presente dissertação em alguns pontos, como, por
exemplo a medição das bases a cada 0,5 bar.
Por outro lado, percebe-se que os pesquisadores utilizaram artifícios para
tornar o ensaio mais preciso, como a melhor determinação da área de contato entre
o macaco e a parede. Na presente dissertação, porém, foi proposto o método
geométrico, analisando a relação entre a área de corte e a geometria dos aparelhos.
Lourenço e Roque relatam:

273
VICENTE, R.; SILVA, J. A. R. M. da.; VARUM, H.; RODRIGUES, H.; JULIO, E. Caracterização
mecânica de paredes de alvenaria em construções antigas: ensaios com macacos planos. Revista
Internacional Construlink, Lisboa; v. 7, n. 9, p. 57-69. Disponível em: <http://www.civil.ist.utl.pt/
~cristina/RREst/Aulas_Apresentacoes/07_Bibliografia/inspeccao%20(inspection)/IJ_16.pdf>. Acesso
em: 10 maio 2016.
274
VICENTE et al. Caracterização mecânica de paredes de alvenaria em construções antigas..., op.
cit., p.60.
275
VICENTE et al. Caracterização mecânica de paredes de alvenaria em construções antigas..., op.
cit.,p.62.
276
LOURENÇO, P. B.; ROQUE J. C. A. Caracterização mecânica de paredes antigas de alvenaria:
um caso de estudo no Centro Histórico de Bragança. Revista do Departamento de Engenharia Civil
da Universidade do Minho, n. 17, p.31-42, maio 2003.
170

Para facilitar a determinação da razão (Ka) entre a área de contacto


do macaco plano e a área da ranhura, foi interposto, entre os
macacos e as chapas metálicas de protecção, papel químico envolto
em folhas de papel branco.277

Os resultados da aplicação dos macacos planos em Bragança são relatados no


Quadro 14 a seguir.

Quadro 14 – Resultados da aplicação de ensaios com macacos planos em Bragança


Módulo de
Tensão prevista Tensão média Tensão de rotura
Localização elasticidade
(MPa) (MPa) (MPa)
(GPa)

Janela 1 0,12 0,13 0,70 – 0,80 0,30 – 0,60

Janela 2 0,12 0,13 0,80 – 1,00 1,50 – 2,20

Janela 3 0,07 0,09 0,40 – 0,50 0,50 – 0,75

Janela 4 0,07 - - -

Valores médios 0,7 1,0

Fonte: Elaboração do autor a partir de Lourenço e Roque (2003, p.41).

Destaca-se, também, nesse mesmo artigo, a aplicação de ensaios de


endoscopia, antes dos referidos testes com macacos planos, para avaliação do
melhor ponto a ser desenvolvido o diagnóstico278.
Analisando os resultados de tensão instalada, tensão de ruptura e módulo de
elasticidade, obtidos com testes no antigo prédio da Companhia Circular de Carris, e
comparando com os estudos de Lourenço e Roque279 e outros autores, é possível
perceber valores próximos, para testes em alvenarias mistas. Os valores obtidos
com macacos planos, nos testes realizados pela presente dissertação são relatados
no Quadro 15.

277
Id., ibid., p.39.
278
LOURENÇO, P. B.; ROQUE J. C. A. Caracterização mecânica de paredes antigas de alvenaria...,
op. cit., p.36.
279
Id., ibid.
171

Quadro 15 – Resultados finais da aplicação de macacos planos no antigo prédio da


Companhia Circular de Carris.
Base de medição Tensão instalada Tensão de ruptura Modulo de elasticidade
(MPa) (MPa) (GPa)
B1 0,055 1,641 0,736
B2 0,089 1,641 2,001
B3 0,041 - -
Fonte: Elaboração do autor (2016).

Diversos ensaios, efetuados por Vicente e colaboradores280, mostram a


dificuldade de se encontrar uma alvenaria com carga de ruptura maior que 2 MPa.
Pesquisas de Simões e colaboradores281 relatam, também, a magnitude das
resistências e módulos de elasticidade para diversos tipos de alvenarias de pedra. O
Quadro 16 foi elaborado por meio do estudo dos referidos autores:

Quadro 16 - Resultados da aplicação dos macacos planos em diversos tipos de alvenarias


Tipo de alvenaria Tensão de ruptura Módulo de elasticidade
(MPa) (GPa)
Alvenaria de pedra calcária
0,76 0,144 - 2,670
argamassada com cal
Alvenaria de pedra calcária
0,93 - 1,05 0,210 - 0,380
argamassada com cal e argila
Alvenaria de pedras
irregulares argamassada com 0,60 - 0,90 0,690 - 1,050
cal
Alvenaria de pedra com
enchimento interno (opus 1,10 - 1,55 1,020 - 1,440
implectum)
Fonte: Elaboração do autor a partir de Simões et al. (2012, p.4)

Ao mesmo tempo, sabe-se que as argamassas e pedras, em geral, apresentam


resistência superior a esses valores. O questionamento principal é: por que existe
esta grande queda de carga? Provavelmente, como indicam alguns autores, as
capacidades resistentes e elásticas das alvenarias estruturais têm mais relação com
as propriedades das argamassas do que com as características mecânicas das

280
VICENTE et al. Caracterização mecânica de paredes de alvenaria em construções antigas..., op.
cit.
281
SIMÕES, A.; GAGO, A.; BENTO, R.; LOPES, M. Flat-jack tests on old masonry buildings. In:
15TH INTERNATIONAL CONFERENCE ON EXPERIMENTAL MECHANICS, 2012, Porto. Anais...
Porto: Universidade do Porto, 2012. Disponível em: < http://www.civi.ist.utl.pt/
~rbento/tmp/SEVERES/ICEM2012_3056.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2016.
172

pedras. Muros com ligantes menos resistentes apresentarão menos capacidade de


conservação e tolerância aos esforços.
Concluindo, foi visto que as metodologias de estudo das pesquisas europeias
foram semelhantes às aplicadas nesta dissertação, no entanto, é preciso evoluir as
práticas do ensaio com macacos planos, que apresentam muitas peculiaridades na
sua aplicação, como já relatado por Vicente e colaboradores282 e Lourenço e
Roque283, tendo em vista a individualidade de cada alvenaria e a diferença entre
diversos equipamentos para execução da técnica. Isto posto, existe a necessidade
de atualização das recomendações existentes, tornando o procedimento mais rígido,
para que o estudo da aplicação da técnica, em diversos tipos de alvenaria, possa
fomentar estudos comparativos mais claros.

282
SIMÕES, A.; GAGO, A.; BENTO, R.; LOPES, M. Flat-jack tests on old masonry buildings, op. cit.
283
LOURENÇO, P. B.; ROQUE J. C. A. Caracterização mecânica de paredes antigas de alvenaria...,
op. cit.
173

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ciência da restauração é uma área de extrema relevância no que tange à


proteção da cultura, seja ela nacional ou internacional, para usufruto das gerações
posteriores. A intervenção restaurativa torna-se ainda mais necessária quando, na
contemporaneidade, percebe-se uma caminhada da sociedade mundial para uma
unificação cultural, fomentada pela globalização de alta velocidade, a qual
desmaterializa fronteiras e objetos e guia os cidadãos em favor de uma língua
comum. O que será da cultura nos próximos duzentos anos? Não se sabe e não se
saberá. No entanto, enquanto nossos monumentos e centros históricos estiverem de
pé e contando sua história, é provável que nossa afirmação como povo e sociedade
permaneça protegida.
O papel do diagnóstico da arquitetura e das estruturas antigas diz respeito,
portanto, a um trabalho primordial para a cultura da sociedade, envolvendo uma
grande sapiência da história da arquitetura e de como os velhos tratadistas
pensavam para edificar seus imponentes monumentos, os quais sobrevivem até os
tempos contemporâneos. Este trabalho tange, também, a ligação desses
conhecimentos históricos com as novas técnicas de tratamento destas estruturas.
Isso posto, foram discutidas as considerações dos mais importantes tratadistas
itálianos para a cultura ocidental: Vitrúvio, Leon Battista Alberti e Andrea Palladio, os
quais descrevem os diversos modos de construir muros nas regiões da península
apenina284, área de grande desenvolvimento durante o renascimento artístico, nos
séculos XV e XVI, e que são a base de todo pensamento ocidental sobre a arte de
edificar.
São relatados, também, os depoimentos de tratadistas franceses dos períodos
barroco e neoclássico, como Bernard Forest de Bélidor e Jean Baptiste Rondelet, os
quais tratam o modo de murar como uma verdadeira ciência, elevando a
complexidade da análise de erigir essas estruturas, descrevendo os melhores
materiais, como se devem produzir esses elementos construtivos e como
dimensionar uma parede resistente, para que esta possua a estabilidade necessária,
com a finalidade de manter o prédio erguido por milhares de anos. Por outro lado, os

284
Trata-se de um dos apelidos da Itália, pela presença, na região, da cordilheira apenina, que se estende por
quase 1000 km dentro do território italiano.
174

estudos do engenheiro militar e do arquiteto supracitados apresentam expressões


de dimensionamento que foram guiadas por observações empíricas e conhecimento
de canteiro de obras, as quais não possuíam embasamento sobre o quantitativo
mecânico ou matemático do comportamento de estruturas murais. Essas pesquisas,
no entanto, eram fortemente apoiadas em técnicas de desenho geométrico.
Os estudiosos dos séculos XIX e do início do século XX, como Pedro
D'Alcantara Bellegarde e João Emílio dos Santos Segurado, reúnem as pesquisas
dos tratadistas passados e revelam as proporções corretas de materiais para a
construção de muros estruturais, baseados em estudos de monumentos antigos,
além de compreenderem a importância do entendimento empírico e experimental
para o dimensionamento de paredes resistentes.
Este domínio da história das construções dá subsídios ao diagnóstico do
restaurador contemporâneo, no sentido de que, ao se deparar com a estrutura
deteriorada, o profissional possa, por vezes, nem utilizar instrumentos de medição
ou retirar corpos de prova, podendo, apenas por inspeção visual, identificar o
problema. Outrossim, os velhos tratadistas ensinam que a experiência é
importantíssima para guiar os trabalhos de restauração que, em alguns casos,
podem não encontrar solução somente na ciência, mas na prática de canteiro.
É importante relatar que se soma ao conhecimento da supracitada ciência
histórica, para avaliação física e mecânica de um muro antigo, a compreensão da
geografia circundante ao prédio, da qual os construtores se valeram para a obtenção
do material necessário à edificação dessas obras, além do conhecimento do
comportamento singular de cada pedra, argamassa ou tijolo utilizado.
Adicionalmente, o entendimento das patologias que incidem sobre o
monumento, em concordância com os pontos relatados anteriormente, dá subsídios
às inspeções visuais dos sistemas estruturais deteriorados, trabalho fundamental
antes do projeto diagnóstico. Faz-se necessária a avaliação de qualquer tipo de
dano na alvenaria e sua causa, como esmagamentos, desagregações e rotações,
que podem afetar a determinação do comportamento físico e mecânico do sistema
construtivo.
Ademais, para o estudo de consolidação estrutural dos edifícios tradicionais, é
necessário o conhecimento dos agentes físicos atuantes em um sistema antigo para
a determinação do comportamento físico e mecânico de uma parede resistente,
175

forma pela qual as construções antigas mantinham-se erguidas, antes do surgimento


do concreto armado feito com cimento Portland.
Neste sentido, conhecer a geometria do edifício a ser estudado e, também, a
forma do muro antigo que compõe o monumento, torna-se imprescindível para a
determinação de sua estabilidade, sendo, em alguns casos, a excentricidade de uma
alvenaria, bem como sua irregularidade geométrica, um grande problema estrutural.
O reconhecimento do centro de gravidade da parede resistente é fundamental, já
relatava Bélidor, pois se trata do ponto onde atuam as forças do sistema construtivo.
A composição dessas forças deve incidir, obrigatoriamente, no intervalo denominado
"terço médio da base", para se manter em equilíbrio mecânico (ver item 3.2.1, nesta
dissertação). Essa determinação é ponto chave, por exemplo, ao calcular e
dimensionar tirantes e escoramentos para estabilizar uma parede antiga.
Os supracitados conhecimentos são substanciais, pois podem, por exemplo,
tornar o diagnóstico o menos destrutivo possível, evitando, até mesmo, ensaios
quantitativos e qualitativos da composição do muro. Não obstante, é importante que
o restaurador tenha profundo conhecimento dos parâmetros antes estudados. Nessa
esfera, este método, analítico, deve ser utilizado unicamente em duas ocasiões:

1 – quando não é possível acessar completamente a estrutura, algo muito


comum em conjuntos urbanos com várias estratificações históricas, a qual
pode ter recebido adições posteriores que, em diversos casos, são de valor
patrimonial, sendo impossível a demolição desses elementos;

2 – quando a estrutura a ser avaliada apresenta tamanha debilidade que


qualquer incisão de retirada de material, por mais leve que seja, ou ensaio não
destrutivo, possa degradar a estrutura com grande valor patrimonial.

Por muitos anos, na ciência da restauração, os ensaios laboratoriais guiaram


as intervenções em estruturas antigas e, sem dúvida, ainda são testes fundamentais
não só para a elaboração de novos materiais compatíveis com os antigos para o
restauro, como também para a compreensão de certas patologias. Por outro lado, a
evolução da tecnologia, aliada à pesquisa sobre estruturas históricas, permitiu a
elaboração de mecanismos de testes que respeitam, quase integralmente, a
essência da matéria e, teoricamente, fornecem dados mais fidedignos ao
176

diagnóstico. Nesta dissertação, foram avaliados alguns instrumentos importantes


para esse tipo de investigação.
Teste com ensaios sônicos são uns dos primeiros ensaios não destrutivos
estudados na ciência da restauração, sendo altamente utilizados em análises de
argamassas e em muitos monumentos importantes, como o Parthenon de Atenas.
Atualmente, com o desenvolvimento da técnica e a evolução dos diversos tipos de
ondas obtidas pelo ensaio, continua possuindo papel fundamental no diagnóstico
físico de alvenarias.
É, também, o ensaio com resultados mais fáceis de interpretação, pois
dependem de dados de velocidade de onda, os quais são mais objetivos que
imagens, evitando interpretação errônea dos dados. Por outro lado, assim como os
testes com acelerômetros de vibração, que determinam o comportamento dinâmico
de uma estrutura, depende de configurações específicas e correta calibração. Outro
problema com relação ao ensaio é a falta do controle de qualidade periódico desses
instrumentos, o que pode ser um grande empecilho para aplicação da técnica, tendo
em conta a não confiabilidade dos resultados.
Isso posto, exige, por vezes, a necessidade de consultoria de profissional
especializado para regulagem dos aparelhos. Além do referido problema, foi visto,
nesta dissertação, que ensaios ultrassônicos, à primeira tentativa, não são capazes
de dar informações sobre alvenarias mistas muito espessas, apenas em paredes de
pedra simples. Por outro lado, a regulação da frequência de onda pode ser usada
para obtenção de maiores profundidades, sendo imprescindível o uso de martelos
instrumentados para o ensaio.
As termocâmeras e os endoscópios permitem testes rápidos, de fácil execução,
e relatam dados qualitativamente importantes para o diagnóstico do patrimônio
edificado. No entanto, não influenciam, diretamente, o cálculo estrutural, apesar de
revelar elementos não visíveis nos muros e prováveis indícios de consolidações
anteriores.
A endoscopia, em um dos casos estudados nesta dissertação, pôde
demonstrar o perigo das fendas na alvenaria do monumento, dada a profundidade
desses danos e as características visuais da argamassa. Já a termografia pôde
revelar que as lesões não possuíam uma temperatura diferente da alvenaria geral,
portanto não estando relacionadas à umidade.
177

Os ensaios com macacos planos, teoricamente, podem ser a base do


desenvolvimento de técnicas de consolidação do patrimônio brasileiro. Os dados
obtidos com a aplicação do ensaio são cruciais para o cálculo de novas estruturas,
adaptadas aos muros antigos, bem como a reconsolidação da alvenaria. A definição
do módulo de elasticidade e da resistência à compressão de uma parede resistente
são fundamentais para o dimensionamento desses elementos consolidantes.
Apesar da importância da técnica, é necessário relatar diversos problemas
relativos à aplicação do ensaio:

1 – é extremamente difícil encontrar pontos elétricos trisfásicos para a serra


de corte, bem como a rede elétrica adequada, fazendo-se necessário o
pagamento de um eletricista ou a compra/aluguel de gerador trifásico. Isso
revela dificuldades de realização do teste em monumentos arruinados, ou em
lugares onde as redes elétrica e hidráulica não chegam;

2 – através da intensa tentativa de realização de testes pelo Núcleo de


Tecnologia da Preservação e da Restauração, foi possível perceber a
dificuldade de execução do ensaio com equipes pequenas, visto o grande peso
e tamanho dos equipamentos e, também, a necessidade de retirada de reboco
das paredes, para execução do experimento. É essencial uma equipe de, ao
menos, seis pessoas (coordenador, dois ajudantes para manuseio das
máquinas, eletricista, pedreiro e ajudante de pedreiro). Ademais, os
pesquisadores devem possuir um meio de transporte espaçoso para a
movimentação das máquinas, caso contrário, será preciso contratar um carreto
para deslocamento do equipamento;

3 – dificuldade de manutenção dos aparelhos, os quais apresentam


funcionamento específico, bem como a necessidade de utilização de óleos e
ferramentas especiais;

4 – Faz-se necessário estudo mais apurado sobre a aplicação precisa da


técnica, principalmente em alvenarias mistas, com superfície irregular. É
imprescindível que o teste seja aplicado com maior frequência, no intuito de
aperfeiçoar a técnica.
178

Por fim, é importante enumerar e retomar as seguintes questões para a


continuação da pesquisa:

1 – o estudo da execução de ensaios pouco ou não destrutivos para avaliação


do comportamento físico e mecânico de alvenarias antigas é um dos
direcionamentos das pesquisas internacionais sobre a ciência da restauração.
O intuito da procura por este tema é a busca por um diagnóstico que menos
influencie na perda material do monumento e dê resultados mais confiáveis
sobre a real situação da estrutura;

2 – a aplicação de técnicas que pouco afetam a estrutura mural de edifícios


antigos, bem como seus revestimentos, demanda a obtenção de aparelhos de
diagnóstico caros, como aqueles analisados nesta dissertação. No Brasil, os
recursos disponíveis nas universidades tornam o trabalho, com tais
equipamentos, mais difícil, sendo esse tipo de pesquisa mais bem aproveitada
em países mais desenvolvidos;

3 – para a execução dos supracitados ensaios, faz-se necessário um estudo


multidisciplinar sobre o tema. É preciso que, durante os trabalhos de pesquisa,
diversos profissionais da área de arquitetura, engenharia civil e técnicos de
diversas especialidades se empenhem para o cumprimento dos testes. Além
disso, pesquisadores devem ficar atentos à calibração dos instrumentos e
aparelhos, responsáveis pela obtenção dos dados;

4 – apesar dos problemas já relatados, os laboratórios de pesquisas devem


investir no tema, visto a importância de evoluir a ciência da restauração, em
prol da conservação máxima da autenticidade dos monumentos, em
concordância com as práticas internacionais sobre o tema da preservação do
patrimônio edificado;

5 – não há dúvida de que, quanto mais instrumentos disponíveis para o


diagnóstico não destrutivo de estruturas antigas e quanto maior for a
informação histórica sobre o prédio avaliado, maiores serão as possibilidades
de conhecimento dos problemas do edifício, facilitando o trabalho de
179

verificação estrutural e consequente consolidação. Portanto, a ciência da


restauração, através de métodos não invasivos, reafirma-se como estudo
crítico, físico, matemático e de experimentação, sendo necessário o diálogo
entre as diversas técnicas estudadas, para determinação fidedigna do
comportamento físico e mecânico de muros antigos.

Espera-se que, por meio das informações deste trabalho, futuros restauradores
e pesquisadores possam consolidar o conhecimento integrado entre a história da
construção, resistência dos materiais, mecânica das estruturas e ciência da
restauração, no que tange à utilização correta dos ensaios e aparelhos e sua relação
com os problemas que as estruturas antigas sofrem.
A expectativa é que os dados teóricos aqui apresentados sejam base para
novos ensaios não destrutivos, os quais poderão ser descritos em relatório
comparativo e que darão base para futuras restaurações de monumentos com (ou
sem) valor patrimonial. Além disso, reforça-se a necessidade da inclusão desses
ensaios na rotina de diagnósticos dos diversos monumentos, para fomentar,
também, a multidisciplinaridade da ciência da restauração.
180

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186

APÊNDICES
187

APÊNDICE A
OUTROS ENSAIOS NÃO DESTRUTIVOS

Existem diversos outros ensaios não destrutivos que são importantes para o
diagnóstico estrutural das alvenarias antigas, mas que, não diretamente, estão
ligados à determinação da composição física e mecânica das paredes resistentes,
ou não são ferramentas principais para esse escopo. Os principais, e mais
importantes, são os acelerômetros e os georradares.

1 – Acelerômetros e decibelímetros

O uso de acelerômetros e decibelímetros são usados como técnicas


quantitativas que dão dados importantes com relação ao comportamento dinâmico
de uma estrutura. No Brasil, a atuação desse fenômeno em estruturas ainda não
apresenta normas específicas que tratem do tema, embora seja assunto
fundamental para a proteção do patrimônio edificado. A técnica da medição de
vibrações concerne ao uso de acelerômetros (Figuras A e B), fixados a uma
estrutura, para a obtenção da movimentação dinâmica do referido sistema nos três
eixos fundamentais da geometria (X,Y,Z). A resultante desses componentes dá o
resultado a ser avaliado em concordância com norma reguladora, a DIN 4150,
documento técnico que limita os parâmetros máximos de vibração para os mais
diversos tipos de estruturas.

Figura A – Acelerômetro triaxial Figura B – Acelerômetros monoaxais e


símícos

Fonte: Acervo do Fonte: Acervo do autor (fev.


autor (fev. 2013). 2013).
188

Esse tipo de ensaio revela-se essencial em áreas urbanas, onde o volume de


som pode afetar a integridade de um edifício, como no caso do Carnaval de
Salvador, ou em locais de proximidade com zonas férreas, de trânsito de metrôs, e
de grande trafégo de veículos.
Estudos realizados pelo NTPR revelam que os principais problemas das
vibrações estão relacionados aos seus efeitos secundários, propiciando a
maximização das patologias já existentes, principalmente craquelês, fissuras,
rachaduras e brechas.
Essa questão já é explicitada na regulamentação DIN 4150. Tais danos, como
relatado em capítulos anteriores, são as informações para o restaurador avaliar se
uma alvenaria estrutural pode estar próxima ao colapso, especialmente em prédios
antigos, tornando o ensaio com acelerômetros de essencial importância para a
conservação do patrimônio edificado.

2 – Georradares

Outra técnica que se vem desenvolvendo, nos últimos anos, é a utilização de


georradares (Figuras C e D) ou GPR (Ground Penetration Radar), ensaio qualitativo,
que pode ser utilizado para a deteminação da qualidade física dos muros. Assim
como os ensaios sônicos, trata-se de um teste baseado na transmissão e
recebimento de impulsos eletromagnéticos.

Diferentemente dos métodos de recepção com geófonos, essas ondas


apresentam frequência de rádio285, que são recebidas mediante a antena do
georradar e transmitidas, posteriormente, a um computador.

285
ANNAN, A. P. Electromagnetic principles of Ground Penetration Radar. In: JOL, H. M. Ground
Penetration Radar: theory and applications. Oxford: Elslvier, 2009. p.4-40.
189

Figura C – Georradar do Figura D – Aplicação do georradar em


Departamento de Engenharia parede do Departamento de Engenharia
Estrutural do Politécnico de Milão Estrutural do Politécnico de Milão

Fonte: Acervo do autor (jun. 2011). Fonte: Acervo do autor (jun. 2011).

Não é o método mais indicado para o escopo da avaliação física de alvenarias


antigas, pois se trata de ferramenta projetada para a visualização de distâncias
superiores àquelas determinadas pelas espessuras de muros. Alguns aparelhos
georradares atingem em torno de 4 metros de alcance de resposta. Normalmente,
para o trabalho com estruturas verticais, utiliza-se o ensaio sônico, enquanto o
supracitado aparelho é empregado, com mais valia, no intuito de avaliar elementos
em camadas inferiores do solo.

Por outro lado, os georradares podem dar soluções para a verificação de


estruturas de difícil acesso dos aparelhos sônicos, como no caso de fundações,
sítios arqueológicos, minas, entre outros pontos, onde o receptor das ondas emitidas
pelos geófonos não pode ser instalado para a execução do ensaio. Enquanto os
métodos sônicos possuem parâmetros baseados na velocidade de recepção dos
equipamentos, os georradares, assim como as termocâmeras, dão, como produto,
imagens que, muitas vezes, exigem estudos aprofundados para leitura e
compreensão. Como relatado por alguns autores:

In fact, when using NDT (sonic, georadar, thermovision) to detect


hidden damage, voids or inclusions, one of the greatest difficulties is
the interpretation of results, even when accurately presented. […]
Who has asked for their application, has to accept the interpretation
given by NDT experts, who frequently are not experts in materials
and construction techniques applied in the past.286

286
“De fato, quando se usam as técnicas não destrutivas (ensaios sônicos, georradar, termocâmera)
para detectar danos escondidos, vazios ou inclusões, uma das maiores dificuldades está na
190

Essa dificuldade é percebida ao analisar os resultados obtidos pela aplicação


do Georradar, explicitado nas duas figuras anteriores (Figura E).

Figura E – Resultado da aplicação do georradar

Fonte: Acervo do autor (jun. 2011).

3 – Ensaios complementares

Além dos ensaios com acelerômetros e georradares, podem-se citar os


seguintes ensaios, como pouco ou não destrutivos, para uma melhor determinação
das características da estrutura:
• radiografia;
• magnetoscopia;
• shearografia;
• ensaio de dureza superficial com penetrômetros;
• datação por radiocarbono;
• Elipsometria;
• Holografia;
• Laser Scan.

interpretação dos resultados, mesmo quando apresentados acuradamente. [...] Quem requisitou a
aplicação do ensaio precisa aceitar a interpretação dada pelos peritos em técnicas não destrutivas,
que frequentemente não são experts em materiais e técnicas construtivas antigas” (BINDA, L.; ZANZI,
L.; LUALDI, M.; CONDOLEO, P. The use of georadar to assess damage to a masonry Bell Tower in
Cremona, Italy. Science Direct, NDT & E International, Oxford, n.38, p.171-179, 2005. Disponível em:
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_a_masonry_Bell_Tower_in_Cremona_Italy>. Acesso em: 11 jan. 2015. Tradução nossa).
191

APÊNDICE B
MANUTENÇÃO DA SERRA DIAMANTADA E SEU MOTOR

Levando em consideração a grande quantidade de tempo decorrido entre a


primeira aplicação da técnica (Escola Politécnica) e a analisada, foram necessários
alguns serviços de manuteção da serra diamantada e do motor que dão suporte à
execução dos ensaios, para o prosseguimento da presente pesquisa.
Em concordância com um dos objetivos específicos desta dissertação, que
pretende entender o funcionamento das ferramentas utilizadas para a realização dos
ensaios não destrutivos, faz-se necessário, neste contexto, apontar os cuidados que
devem ser levados em conta, em face desses aparatos:

1 – controlar semestralmente o nível e aspecto do óleo do motor (Figura A). A


má qualidade do fluido lubrificante pode impedir o funcionamento da serra.

Figura A – Nível de
óleo, mostrando
aparência turva,
necessitando troca

Fonte: Acervo do
autor (dez. 2015).

2 – Manter o óleo com aparência límpida (Figura B). Faz-se necessário, ao


menos uma vez a cada três semestres, retirar todo óleo interno (Figura C) e
realizar a limpeza dentro do aparelho, bem como repor o compartimento com
fluido novo de tipo 68;
192

Figura B – Nível de óleo, Figura C – Retirada do óleo interno do


mostrando aparência motor. A capacidade da máquina é de
límpida, após troca 20 litros

Fonte: Acervo do autor Fonte: Acervo do autor (abr. 2015).


(maio 2015).

3 – Controlar o desgaste dos rolamentos da serra. Esses elementos


apresentam veios e saliências que travam a lâmina e a fazem girar, após
receber óleo. É importante relatar que apenas dois desses mecanismos se
desgastam (a máquina apresenta quatro), um superior e um inferior, fazendo-
se necessário o constante revezamento dos roletes.

Quando esses rolamentos encontram-se desgastados, existe a possibilidade


de a lâmina sair do eixo e danificar o aparelho. Para a realização dos ensaios,
foi substituído um dos componentes desgastados por outro novo (Figuras D e
E).
Figura D – Rolamento desgastado pela falta Figura E – Rolamento novo, trocado de
de revezamento entre os mecanismos posição para garantir sua conservação

Fonte: Acervo do autor (abr. 2016). Fonte: Acervo do autor (abr. 2016).
193

4 – Realizar a regulagem dos roletes, antes de cada ensaio. É fundamental


destravar a tampa do aparelho e verificar, por meio da rotação manual da
lâmina, se os quatro mecanismos estão girando livremente (Figura F), caso
contrário, é preciso apertar o ajuste.
Na situação em que a serra estiver apresentando resistência ao giro, faz-se
necessário folgar os parafusos de regulagem. No momento do ensaio, se
houver qualquer erro de ajuste, a serra não girará, permanecendo travada;

Figura F – Avaliação da rotação dos roletes. É imprescindível que a serra mantenha-se em


posição vertical para que todos os quatro roletes sejam verificados

Parafuso de Parafuso de
regulagem regulagem

Tampa

Fonte: Acervo do autor (abr. 2016).

Obedecendo aos supracitados pontos, e com os aparelhos calibrados pelo


autor e equipe do NTPR, o ensaio com macacos planos pôde ser realizado no prédio
da Companhia Circular de Carris.
194

ANEXO
195

GUIA DE CONVERSÃO DE UNIDADES DE MEDIDAS

Medida (em português, PORTUGAL ESPANHA ITÁLIA ROMA


espanhol, italiano e latim,
respectivamente) em metros em metros em metros em metros

Palmo, palmo, palmo, 0,22 0,21 0,23 -


palmus

Pé, pie, piede, pes 0,33 0,28 0,296 0,290

Cúbito, covado, codo, cubito 0,66 0,418 0,44 0,435

Vara, vara, ..., vara 1,10 0,8359 - -

Passo, paso, passo, passus 1,65 0,65 1,48 1,450

Cana, cana, canna, canna 3,96 1,67 2,32 -

Braça, braza, braccio, 2,20 1,67 0,58 -


brachia

Estádio, estadio, stadio, 206,25 201,20 185,00 181,25


stadium

Milha, milla, miglio, miliarium 2200 1375 - 1450


Fonte: Elaboração do autor a partir de Coelho Filho (2004).

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