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PAULO FREI RE

PEDAGOGI A DO OPRI MI DO

23 ª Reimpressão

PAZ E TERRA
© Paulo Freire, 1970

Capa I sabel Carballo

Revisão Maria Luiza Sim ões e Jonas Pereira dos Santos

( Preparação pelo Centro de Catalog ação - na- font e do


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)

Freire, Paulo
F934p Pedagogia do oprim ido, 17ª . ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987.

( O m undo, hoje, v.21)

1. Alfabet ização – Mét odos 2 . Alfabet ização – Teoria I . Título I I . Série

CDD- 374.012
- 371.332
77- 0064 CDD- 371.3: 376.76

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Conselho Editorial
Antonio Candido
Fernando Gasparian
Fernand Henrique Cardoso ( licenciado)

1994
Í ndice

Prefácio ......................................................................................................................................................................................5

Prim eiras palavras .......................................................................................................................................12

1. . Just ificat iva da « pedagogia do oprim ido» ................................................................................................................... 16


A contradição opressores- oprim idos. Sua superação ...................................................................................16
A sit uação concret a de opressão e os opressores .......................................................................................25
A sit uação concret a de opressão e os oprim idos ......................................................................................................... 27
Ninguém liberta ninguém , ninguém se libert a sozinho: os hom ens se libert am em com unhão................29

2. . A concepção « bancária» da educação com o instrum ento da opressão. Seus pressupost os, sua crít ica.
33 A contradição problem at izadora e libert adora da educação. Seus pressupost os ........................................ 35
A concepção “ bancária” e a cont radição educador- educando .................................................................................. 36
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si m esm o, os hom ens se educam entre si, m ediatizados
pelo mundo ............................................................................................................................................39
O hom em com o um ser inconcluso, conscient e de sua inconclusão, e seu perm anente m ovim ento de
busca do ser mais ......................................................................................................................................................... 42

3. A dialogicidade – essência da educação com o prática da liberdade ...........................................................44


Educação dialógica e diálogo ...................................................................................................................45
O diálogo com eça na busca do cont eúdo program át ico ............................................................................................ 47
As relações hom ens- m undo, os tem as geradores e o cont eúdo program át ico desta educação ................... 49
A investigação dos tem as geradores e sua m etodologia ............................................................................................ 54
A significação conscient izadora da investigação dos tem as geradores. Os vários m om entos da
invest igação............................................................................................................................................................................. 57

4. A teoria da ação ant idialógica ......................................................................................................................70


A teoria da ação antidialógica e suas caract eríst icas: a conquist a, dividir para m anter a opressão, a
m anipulação e a invasão cult ural ...........................................................................................................78
A teoria da ação dialógica e suas caract eríst icas: a co- laboração, a união, a organização e a síntese
cultural ............................................................................................................................................ 96
Aprender a dizer a sua palavra

Professor Ernani Maria Fiori

Paulo Freire é um pensador com prom etido com a vida: não pensa idéias, pensa a existência. E tam bém
educador: existência seu pensam ento num a pedagogia em que o esforço totalizador da “ práxis” hum ana
busca, na interioridade desta, retotalizar- se com o “ prática da liberdade” . Em sociedades cuja dinâm ica
est rut ural conduz à dominação de consciências, “ a pedagogia dom inante é a pedagogia das classes
dom inantes”. Os m étodos da opressão não podem , contraditoriam ente, servir à libertação do oprim ido.
Nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dom inant es, a “ educação
com o prática da liberdade” postula, necessariam ente, um a “ pedagogia do oprim ido”. Não pedagogia para
ele, m as dele. Os cam inhos da liberação são os do oprim ido que se libera: ele não é coisa que se resgata,
é suj eit o que se deve aut oconfìgurar responsavelm ente. A educação liberadora é incom patível com um a
pedagogia que, de m aneira consciente ou m ist ificada, tem sido prática de dom inação. A prática da
liberdade só encontrará adequada expressão num a pedagogia em que o oprim ido tenha condições de,
reflexivam ente, descobrir- se e conquist ar- se com o sujeito de sua própria destinação histórica. Um a
cultura tecida com a t ram a da dom inação, por m ais generosos que sejam os propósitos de seus
educadores, é barreira cerrada às possibilidades educacionais dos que se situam nas subculturas dos
proletários e m arginais. Ao contrário, um a nova pedagogia enraizada na vida dessas subculturas, a partir
delas e com elas, será um contínuo re- tom ar reflexivo de seus próprios cam inhos de liberação; não será
sim ples reflex o, senão reflexiva criação e recriação, um ir adiante nesses cam inhos: “ m étodo” , “ prática de
liberdade” , que, por ser tal, está int r insecam ente incapacitado para o exercício da dom inação. A
pedagogia do oprimido é, pois, liberadora de ambos, do oprimido e do opressor. Hegelianam ente,
diríam os: a verdade do opressor reside na consciência do oprim ido.

Assim apreendem os a idéia- fonte de dois livros  em que Paulo Freire t raduz, em form a de lúcido saber
sócio - pedagógico, sua grande e apaixonante experiência de educador. Experiência e saber que se
dialetam , densificando- se, alongando- se e dando, com nit idez cada vez m aior, o contorno e o relevo de
sua profunda intuição central: a do educador de vocação hum anista que, ao inventar suas técnicas
pedagógicas, redescobre através delas o processo histórico em que e por que se constitui a consciência
hum ana. Ou, aproveitando um a sugestão de Ortega, o processo em que a vida com o biologia passa a ser
vida com o biografa.

Talvez sej a este o sentido m ais exato da alfabetização: aprender a escrever a sua vida, com o aut or e
com o testem unha de sua história, isto é, biografar- se, exist enciar- se, historicizar- se. Por isto, a pedagogia
de Paulo Freire, sendo m étodo de alfabetização, tem com o idéia anim adora toda a am plitude hum a na da
“ educação com o prática da liberdade” , o que, em regim e de dom inação, só se pode produzir e
desenvolver na dinâm ica de um a “ pedagogia do oprim ido”.

As técnicas do referido m étodo acabam por ser a estilização pedagógica do processo em que o hom em
const it ui e conquista, historicam ente, sua própria form a: a pedagogia faz- se antropologia. Esta conquista
não se pode com parar com o crescim ento espontâneo dos vegetais: participa da am bigüidade da condição
hum ana e dialetiza- se nas cont radições da avent ura hist órica, proj et a- se na cont ínua recriação de um
m undo que, ao m esm o tem po, obstaculiza e provoca o esforço de superação liberadora da consciência
hum ana. A antropologia acaba por exigir e com andar um a política.

É o que pretendem os insinuar em t rês relances. Prim eiro: o m ovim ento interno que unifica os elem entos
do m étodo e ps excede em am plitude de hum anism o pedagógico. Segundo: esse m ovim ento re- produz e
m anifesta o processo histórico em que o hom em se re- conhece. Terceiro: os rum os possíveis desse
processo são possíveis proj etos e, por conseguinte, a conscientização não é apenas conhecim ento ou
reconhecim ento, m as opção, decisão, com prom isso.

Ás técnicas do m étodo de alfabetização de Paulo Freire, em bora em si valiosas, tom adas isoladam ente não
dizem nada do m étodo. Tam bém não se ajuntaram ecleticam ente segundo um critério de sim ples
eficiência t écnico- pedagógica. I nventadas ou reinventadas num a só direção de pensam ento, resultam da

 Educação com o Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido.
unidade que t ransparece na linha axial do m étodo e assinala o sentido e o alcance de seu hum anism o:
alfabetizar é conscientizar.

Um m ínim o de palavras, com a m áxim a polivalência fonêm ica, é o ponto de partida para a conquista do
universo vocabular. Essas palavras, oriundas do próprio universo vocabular do alfabetizando, um a vez
t ransfiguradas pela crít ica, a ele retornam em ação t ransform adora do m undo. Com o saem de seu
universo e com o a ele voltam ?

Um a pesquisa prévia investiga o universo das palavras faladas, no m eio cultural do alfabetizando. Daí são
extraídos os vocábulos de m a is r icas possibilidades fonêm icas e de m aior carga sem ântica – os que não só
perm item rápido dom ínio do universo da palavra escrita, com o tam bém , o m ais eficaz engajam ento de
quem a pronuncia, com a força pragm ática que instaura e t ransform a o m undo hum ano.

Estas palavras são cham adas geradoras porque, através da com binação de seus elem entos básicos,
propiciam a form ação de outras. Com o palavras do universo vocabular do alfabetizando, são significações
constituídas ou re - constituídas em com portam entos seus, que configuram situações existenciais ou,
dentro delas, se configuram . Tais significações são plasticam ente codificadas em quadros, slides, film inas,
etc., representativos das respectivas situações, que, da experiência vivida do alfabetizando, passam para
o m undo dos objetos. O alfabetizando ganha distância para ver sua experiência: “ ad- mirar”. Nesse
inst ant e, com eça a descodificar.

A descodificação é análise e conseqüente reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de


possibilidades concretas de ultrapassagem . Mediada pela objetivação, a im ediatez da experiência
lucidifica- se, interiorm ente, em reflexão de si m esm a e crít ica anim adora de novos projetos existenciais. O
que ant es era fecham ent o, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência passa a escut ar os apelos que a
convocam sem pre m ais além de seus lim ites: faz- se cr ít ica.

Ao objetivar seu m undo, o alfabetizando nele reencontra- se com os outros e nos outros, com panheiros de
seu pequeno “ círculo de cult ura” . Encont ram- se e reencont ram- se todos no m esm o m undo com um e, da
coincidência das int enções que o obj et ivam , ex- surge a com unicação, o diálogo que crit iciza e prom ove os
participantes do círculo. Assim , j untos, re- criam crit icam ente o seu m undo: o que antes os absorvia, agora
podem ver ao revés. No círculo de cultura, a r igor, não se ensina, aprende- se em “ reciprocidade de
consciências” ; não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as inform ações solicitadas
pelos respect ivos part icipant es e propiciar condições favoráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo
sua intervenção direta no curso do diálogo.

A “ codificação” e a “ descodificação” perm it em ao alfabetizando integrar a significação das respectivas


palavras geradoras em seu contexto existencial – ele a redescobre num mundo expressado em seu
com portam ento. Conscientiza a palavra com o significação que se constitui em sua intenção significante,
coincidente com intenções de outros que significam o m esm o m undo. Este – o mundo – é o lugar do
encont ro de cada um consigo mesm o e os dem ais.

A essa altura do processo, a respectiva palavra geradora pode ser, ela m esm a, objetivada com o
com binação de fonem as suscetíveis de representação gráfica. O alfabetizando j á sabe que a língua
tam bém é cultura, de que o hom em é sujeito: sent e- se desafiado a desvelar os segredos de sua
const it uição, a part ir da const rução de suas palavras – tam bém construção de seu m undo. Para esse
efeito, com o tam bém para a descodificação das situações significadas pelas palavras geradoras, a que nos
referimos, é de particular interesse a etapa prelim inar do m étodo, que não havíam os ainda m encionado.
Nessa etapa, são descodificadas pelo grupo, várias unidades básicas, codificações sim ples e sugestivas,
que, dialogicam ente descodifìcadas, vão redescobrindo o hom em com o suj eito de todo o processo
histórico da cultura e, obviam ente, tam bém da cultura let rada. O que o hom em fala e escreve e com o fala
e escreve, é tudo expressão obj et iva de seu espírito. Por isto, pode o espírito refazer o feito, neste
redescobrindo o processo que o faz e refaz.

Assim , ao objetivar um a palavra geradora – íntegra, prim eiro, e depois decom posta em seus elem entos
silábicos – o alfabet izando j á está m ot ivado para não só buscar o m ecanism o de sua recom posição e da
com posição de novas palavras, m as tam bém para escrever seu pensam ento. A palavra geradora, ainda
que objetivada em sua condição de sim ples vocábulo escrito, não pode m ais libertar- se de seu dinamismo
sem ânt ico e de sua força pragm át ica, de que o alfabet izando j á se fizera conscient e na repet ida
descodificação crít ica.

Não se deixará, pois, aprisionar nos m ecanism os de com posição vocabular. E buscará novas palavras, não
para colecioná- las na m em ória, m as para dizer e escrever o seu m undo, o seu pensam ento, para contar
sua história. Pensar o m undo é julgá- lo; e a experiência dos círculos de cultura m ostra que o
alfabetizando, ao com eçar a escrever livrem ente, não copia palavras, m as expressa j uízos. Estes, de certa
m aneira, tentam reproduzir o m ovim ento de srta própria experiência; o alfabetizando, ao dar- lhes forma
escrita, vai assum indo, gradualm ente, a consciência de testem unha de um a história de que se sabe autor.
Na m edida em que se apercebe com o testem unha de sua história, sua consciência se faz reflexivam ente
m ais responsável dessa história.

O m étodo Paulo Freire não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de
pensá- las segundo as exigências lógicas do discurso abstrato; sim plesm ente coloca o alfabetizando em
condições de poder re - existenciar crit icam ente as palavras de seu m undo, para, na oportunidade devida,
saber e poder dizer a sua palavra.

Eis porque, em um a cultura letrada, aprende a ler e escrever, m as a intenção últ im a com que o faz, vai
além da alfabetização. Atravessa e anim a toda a em presa educativa, que não é senão aprendizagem
perm anent e desse esforço de t ot alização – j am ais acabada – através do qual o hom em tenta abraçar- se
inteiram ente na plenitude de sua form a. É a própria dialética em que se existência o hom em . Mas, para
ist o, para assum ir responsavelm ente sua m issão de hom em , há de aprender a dizer a sua palavra, pois,
com ela, constitui a si m esm o e a com unhão hum ana em que se constitui; instaura o m undo em que se
humaniza, humanizando- o.

Com a palavra, o homem se faz homem. A o dizer a sua palavra, pois, o hom em assum e conscientem ente
sua essencial condição hum ana. E o m étodo que lhe propicia essa aprendizagem com ensura- se ao homem
todo, e seus princípios fundam toda pedagogia, desde a alfabetização até os m ais altos níveis do labor
universitário.

A educação reproduz, assim , em seu plano próprio, a estrutura dinâm ica e o m ovim ento dialético do
processo histórico de produção do hom em . Para o hom em , produzir- se é conquist ar- se, conquistar sua
form a hum ana. A pedagogia é antropologia.

Tudo foi resum ido por um a m ulher sim ples do povo, num círculo de cultura, diante de um a situação
representada em quadro: “ Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim . Enquanto vivo, porém , não
vejo. Agora sim , observo com o vivo”.

A consciência é essa m isteriosa e contraditória capacidade que tem o hom em de distanciar- se das coisas
para fazê- las presentes, im ediatam ente presentes. É a presença que tem o poder de presentifìcar: não é
representação, m as condição de apresentação. É um com portar- se do homem frente ao m eio que o
envolve, t ransform ando- o em m undo hum ano. Absorvido pelo m eio natural, responde a estím ulos; e o
coit o de suas respost as m ede- se por sua m aior ou m enor adaptação: naturaliza- se. Despegado de seu
m eio vital, por virtude da consciência, en frenta as coisas obj et ivando - as, e enfrent a- se com elas, que
deixam de ser sim ples estím ulos, pura se tornarem desafios. O m eio envolvente não o fecha, lim ita- o – o
que supõe a consciência do além- lim it e. Por isto, porque se projeta intencionalm ente além do lim ite que
t ent a encerrá- la, pode a consciência desprender- se dele, liberar- se e obj et ivar, t ransubstanciando o m eio
físico em mundo humano.

A “ hom inização” não é adaptação: o hom em não se naturaliza, hum aniza o m undo. A “ hom inização” não é
só processo biológico, m as tam bém história.

A intencionalidade da consciência hum ana não m orre na espessura de um envoltório sem reverso. Ela tem
dim ensão sem pre m aior do que os horizontes que a circundam . Perpassa além das coisas que alcança, e
porque as sobrepassa, p ode enfrent á- las com o obj et os.

A obj et ividade dos obj etos é constituída na intencionalidade da consciência, m as, paradoxalm ente, esta
at inge, no obj et ivado, o . que ainda não se obj et ivou: o obj et im ável. Portanto, o obj eto não é só obj eto, é,
ao m esm o tem po, problem a: o que está em frente, com o obstáculo e interrogação. Na dialética
constituinte da consciência, em que esta se perfaz na m edida em que faz o m undo, a interrogação nunca
é pergunt a exclusivam ent e especulat iva: no processo de t ot alização da consciência é sem pre provocação
que a incit a a t ot alizar- se. O m undo é espet áculo, m as sobret udo convocação. E, com o a consciência se
constitui necessariam ente com o consciência do m undo, ela é, pois, sim ultânea e im plicadam ente,
apresentação e elaboração do m undo.

A intencionalidade t ranscendental da consciência perm it e- lhe recuar indefinidam ente seus horizontes e,
dentro deles, ult rapassar os m om entos e as situações, que tentam retê- la e enclausurá - la. Liberta pela
força de seu im pulso t ranscendentalizante pode volver reflexivam ente sobre tais situações e m om entos,
para julgá- los e julgar- se. Por ist o é capaz de crít ica. A reflexividade é a raiz da obj et ivação. Se a
consciência se distancia do m undo e o obj et iva, é porque sua intencionalidade t ranscendental a faz
reflexiva. Desde o prim eiro m om ento de sua constituição, ao objetivar seu m undo originário, já é
virtualm ente reflexiva. É presença e distancia do m undo: a distancia é a condição da presença. Ao
distanciar- se do m undo, constituindo- se na objetividade, surpreende- se, ela, em sua subjetividade. Nessa
linha de entendim ento, reflexão e m undo, subjetividade e objetividade não se separam : opõem- se,
implicando- se dialeticam ente. A verdadeira reflexão crít ica origina- se e dialetiza- se na interioridade da
“ práxis” constitutiva do m undo hum ano – é tam bém “ práxis”.

Distanciando- se de seu m undo vivido, problem atizando- o, “ descodificando - o” crit icam ente, no m esm o
m ovim ento da consciência o hom em se re- descobre com o sujeito instaurador desse m undo de sua
experiência. Testem unhando objetivam ente sua história, m esm o a consciência ingênua acaba por
despert ar crít ica- m ente, para identificar- se com o personagem que se ignorava e é cham ada a assum ir seu
papel. A consciência do m undo e a consciência de si crescem j unt as e em razão direta; um a é a luz
interior ida outra, um a com prom etida com a outra. Evidencia- se a int r ínseca correlação ent re conquist ar-
se, fazer- se m ais si m esm o, e conquistar o m undo, faze- lo m ais hum ano. Paulo Freire não inventou o
hom em ; apenas pensa e pratica um m étodo pedagógico que procura dar ao hom em a oportunidade de re-
descobrir- se através da retom ada reflexiva do próprio processo em que vai ele se descobrindo,
m anifestando e configurando – “ m ét odo de conscient ização” .

Mas ninguém se conscientiza separadament e dos dem ais. A consciência se const it ui com o consciência do
m undo. Se cada consciência t ivesse o seu m undo, as consciências se desencontrariam em m undos
diferentes e separados – seriam m ônadas incom unicáveis. As consciências não se encontram no vazio de
si mesmas, pois a consciência é sem pre, radicalm ente, consciência do m undo. Seu lugar de encontro
necessário é o m undo, que, se não for originariam ente com um , não perm it irá m ais a com unicação. Cada
um terá seus próprios cam inhos de entrada nesse m undo com um , m as a convergência das intenções que
o significam , é a condição de possibilidade das divergências dos que, nele, se com unicam . A não ser
assim , os cam inhos seriam paralelos e intransponíveis. As consciências não são com unicantes porque se
com unicam ; mas com unicam- se porque com unicant es. A int ersubj et ivação das consciências é t ão
originária quanto sua m undanidade ou sua subjetividade. Radicalizando, poderíam os dizer, em linguagem
não m ais fenom enológica, que a intersubj et ivação das consciências é a progressiva conscient ização, no
hom em , do “ parentesco ontológico” dos seres no ser. É o m esm o m istério que nos invade e nos envolve,
encobrindo- se e descobrindo- se na am bigüidade de nosso corpo consciente.

Na const it uição da consciência, m undo e consciência se põem com o consciência do m undo ou m undo
consciente, e, ao m esm o tem po, se opõem com o consciência de si e consciência do m undo. Na
intersubjetivação, as consciências tam bém se põem com o consciências de um certo m undo com um e,
nesse m undo, se opõem com o consciência de si e consciência do outro. Com unicam o - nos na oposição,
que é a única via de encontro para consciências que se constituem na m undanidade e na
intersubj et ividade.

O m onólogo, enquanto isolam ento, é a negação do hom em ; é fecham ento da consciência, uma vez que
consciência é abertura. Na solidão, um a consciência que é consciência do m undo, adentra - se em si,
adentrando- se m ais em seu m undo, que, reflexivam ente, faz- se m ais lúcida m ediação da im ediatez
int ersubj et iva das consciências. A solidão – não o isolamento – só se m antém enquanto renova e revigora
as condições do diálogo.

O diálogo fenom eniza e historiciza a essencial intersubjetividade hum ana; ele é relacional e; nele,
ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “ adm iram ” um m esm o m undo; afast am- se dele e com ele
coincidem ; nele põem- se e opõem- se. Vim os que, assim , a consciência se existência e busca perfazer- se.
O diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização. É ele, pois, o m ovim ento constitutivo da
consciência que, abrindo- se para a infinitude, vence intencionalm ente as fronteiras da finitude e,
incessant em ent e, busca reencont rar- se além de si m esm a. Consciência do m undo, busca- se ela a si
mesma num mundo que é comum; porque é com um esse m undo, buscar- se a si mesma é comun icar- se
com o outro. O isolam ento não personaliza porque não socializa. I ntersubjetivando- se mais, mais
densidade subjetiva ganha o sujeito.

A consciência e o m undo não se estruturam sincronicam ente num a estática consciência do m undo: visão e
espet áculo. Essa est rut ura funcionaliza- se diacronicam ente num a história. A consciência hum ana busca
com ensurar- se a si m esm a num m ovim ento que t ransgride, continuam ente, todos os seus lim ites.
Tot alizando- se além de si m esm a, nunca chega a totalizar- se inteiram ente, pois sem pre se t ranscende a si
m esm a. Não é a consciência vazia do m undo que se dinam iza, nem o m undo é sim ples projeção do
m ovim ento que a constituí com o consciência hum ana. A consciência é consciência do m undo: o m undo e a
consciência, j unt os, com o consciência do m undo, const it uem- se dialeticam ente num m esm o m ovim ento –
num a m esm a história. Em outros term os: objetivar o m undo é historicizá- lo, humanizá- lo. Então, o
m undo da consciência não é criação, m as sim , elaboração hum ana. Esse m undo não se constitui na
contem plação, m as no t rabalho.

Na obj et ivação t ransparece, pois, a responsabilidade histórica do suj eito: ao reproduzi- la crit icam ente, o
hom em se reconhece com o sujeito que elabora o m undo; nele, no m undo, efetua- se a necessária
m ediação do aut o- reconhecim ento que o personaliza e o conscientiza com o autor responsável de sua
própria história. O m undo conscientiza- se com o projeto hum ano: o hom em faz- se livre. O que pareceria
ser apenas visão, é, efetivam ente, “ provocação” ; o espetáculo, em verdade, é com p romisso.

Se o m undo é o m undo das consciências intersubj et ivadas, sua elaboração forçosam ente há de ser
colaboração. O m undo com um m ediatizo a originária intersubjetivação das consciências: o auto-
reconhecim ento plenifica- se no reconhecim ento do outro; no isolam ento, a consciência m odifica- se. A
intersubj et ividade, em que as consciências se enfrentam , dialetizam- se, prom ovem- se, é a tessitura
últ im a do processo histórico de hum anização. Está nas origens da “ hom inização e anuncia as exigências
últimas da humanização. Reencontrar- se com o sujeito e liberar- se, é todo o sentido do com prom isso
histórico. Já a antropologia sugere que a “ práxis”, se hum ana e hum anizadora, é a “ prática da liberdade”.

O círculo de cultura – no m étodo Paulo Freire – re- vive a vida em profundidade crít ica. A consciência
em erge do m undo vivido, objetiva- o, problem atiza- o, com preende- o com o projeto hum ano. Em diálogo
circular, intersubj et ivando- se m ais e m ais, vai assum indo, crit icam ente, o dinam ism o de sua subjetividade
criadora. Todos juntos, em círculo, e em colaboração, re- elaboram o m undo e, ao reconstruí- lo,
apercebem- se de que, em bora construído tam bém por eles, esse m undo não é verdadeiram ente para
eles. Hum anizado por eles, esse m undo não os hum aniza. As m ãos que o fazem , não são as que o
dominam. Destinado a liberá- los com o suj eit os, escraviza- os com o obj et os.

Reflexivam ente, retom am o m ovim ento da consciência que os constitui sujeitos, desbordando a estreiteza
das situações vividas; resum em o im pulso dialético da totalização hist órica. Present ificados com o obj et os
no m undo da consciência dom inadora, não se davam conta de que tam bém eram presença que
presentifica um m undo que não é de ninguém , porque originariam ente é de todos. Restituída em sua
am plitude, a consciência abre- se para a “ prática da liberdade” : o processo de “ hom inização” , desde suas
obscuras profundezas, vai adquirindo a t ranslucidez de um projeto de hum anização. Não é crescim ento, é
história: áspero esforço de superação dialética das contradições que entretecem o dram a existencial da
finitude hum ana. O m étodo de conscientização de Paulo Freire refaz crit icam ente esse processo dialético
de historicização. Com o todo bom m étodo pedagógico, não pretende ser m étodo de ensino, m as sim de
aprendizagem ; com ele, o hom em não cria sua possibilidade de ser livre, m as aprende a efetivá- la e
exercê- la. A pedagogia aceita a sugestão da antropologia: im põe- se pensar e viver “ a educação com o
prática da liberdade".

Não foi por acaso que esse m étodo de conscientização originou - se com o mét odo de alfabet ização. A
cultura let rada não é invenção caprichosa do espírito; surge no m om ento em que a cultura, com o reflexão
de si m esm a, consegue dizer- se a si m esm a, de m aneira definida, clara e perm anente. A cultura m arca o
aparecim ento do hom em no largo processo da evolução cósm ica. A essência hum ana existencia - se,
autodesvelando - se com o história. Mas essa consciência histórica, obj et ivando- se reflexivam ente
surpreende- se a si m esm a, passa a dizer- se, torna- se consciência historiadora: o hom em é levado a
escrever sua hist ória. Alfabet izar- se é aprender a ler essa palavra escrita em que a cultura se diz e,
dizendo- se cr it ica- m ente, deixa de ser repetição intem poral do que passou, para tem poralizar- se, para
conscient izar sua t em poralidade const it uint e, que é anúncio e prom essa do que há de vir. O destino,
crit icam ent e, recupera - se com o proj eto.

Nesse sentido, alfabetizar- se não é aprender a repetir palavras, atas a dizer a sua palavra, criadora de
cult ura. A cult ura let rada conscient iza a cult ura: a consciência historiadora autom anifesta à consciência
sua condição essencial de consciência histórica. Ensinar a ler as palavras ditas e ditadas é um a form a de
m ist ifìcar as consciências, despersonalizando- as na repetição – é a técnica da propaganda m assificadora.
Aprender a dizer a sua palavra é toda a pedagogia, e tam bém toda a antropologia.

A “ hom inização” opera- se no m om ento em que a consciência ganha a dim ensão da t ranscendentalidade.
Nesse instante, liberada do m eio envolvente, despega- se dele, enfrent a- o, num com portam ento que a
constitui com o consciência do m undo. Nesse com portam ento, as coisas são obj et ivadas, isto é,
significadas e expressadas: o hom em as diz. A palavra instaura o m undo do hom em . A palavra, com o
com portam ento hum ano, significante do mundo, não designa apenas as coisas, t ransform a - as; não é só
pensam ento, é “ práxis” . Assim considerada, a sem ântica é existência e a palavra viva plenifica- se no
t rabalho.

Expressar- se, expressando o m undo, im plica o com unicar- se. A partir da intersubjetividade originária.
poderíam os dizer que a palavra, m ais que instrum ento, é origem da com unicação – a palavra é
essencialm ente diálogo. A palavra abre a consciência para o m undo com um das consciências, em diálogo
portanto. Nessa linha de entendim ento, a expre ssão do m undo consubstancia - se em elaboração do m undo
e a com unicação em colaboração. E o hom em só se expressa convenientem ente quando colabora com
todos na construção do m undo com um – só se hum aniza no processo dialógico de hum anização do
abundo. A palavra, porque lugar do encontro e do reconhecim ento das consciências, tam bém o é do
reencontro e do reconhecim ento de si m esm o. A palavra pessoal, criadora, pois a palavra repetida é
m onólogo das consciências que perderam sua identidade, isoladas, im ersas na multidão anônima e
subm issas a um destino que lhes é im posto e que não são capazes de superar, com a decisão de um
proj et o.

É verdade: nem a cultura liberada é a negação do hom em , nem a cultura let rada chegou a ser sua
plenitude. Não há hom em absolutam ente inculto: o homem “ hominiza- se” expressando, dizendo o seu
m undo. Aí com eçam a história e a cultura. Mas o prim eiro instante da palavra é terrivelm ente
perturbador: presentifica o m undo à consciência e, ao m esm o tem po, distancia - o. O enfrentam ento com o
mundo é am eaça e risco. O hom em substitui o envoltório protetor do m eio natural por um m undo que o
provoca e desafia. Num com portam ento am bíguo, enquanto ensaia o dom ínio técnico desse m undo, tenta
voltar a seu seio, im ergir nele, enleando- se na indist inção ent re palavra e coisa. A palavra,
prim it ivam ente, é m ito. I nterior ao m ito e condição sua, o “ logos" hum ano vai conquistando prim azia, com
a inteligência das m ãos que t ransform am o m undo. Os prim órdios dessa história ainda é m itologia: o m ito
é obj et ivado pela palavra que o diz. A narração do m it o, no entanto, obj et ivando o m undo m ít ico e
entrevendo o seu conteúdo racional, acaba por devolver à consciência a autonom ia da palavra, dist inta
das coisas que ela significa e t ransform a. Nessa am bigüidade com que a consciência faz o seu m undo,
afastando - o de si, no distanciam ento obj et ivante que o presentifica com o m undo consciente, a palavra
adquire a autonom ia que a torna disponível para ser recriada na expressão escrita. Em bora não tenha sido
um produto arbitrário do espírito incentivo do hom em , a cultura let rada é um epifenôm eno da cultura,
que, atualizando sua reflexividade virtual, encontra na palavra escrita um a m aneira m ais firm e e definida
e de dizer- se, isto é, de existenciar- se discursivam ente na “ práxis” hist órica. Podem os conceber a
ult rapassagem da cultura let rada: o que, em todo caso, ficará, é o sentido profundo que ela m anifesta:
escrever e não conservar e repetir a palavra dita, m as dizê- la com a força reflexiva que sua autonom ia lhe
dá – a força ing ênita que a faz instauradora do m undo da consciência, criadora da cultura.

Com o m étodo de Paulo Freire, os alfabetizados partem de algum as poucas palavras que lhes servem para
gerar seu universo vocabular. Antes, porém , conscientizam o poder criador dessas palavras: são elas que
geram o seu m undo. São significações que se constituem em com portam entos seus; portanto,
significações do m undo, m as sua tam bém . Assim , ao visualizarem a palavra escrita, em sua am bígua
autonom ia, j á estão conscientes da dignidade de que ela é portadora – a alfabetização não é um j ogo de
palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crít ica do m undo hum ano, a abertura de
novos cam inhos, o projeto histórico de um m undo com um , a bravura de dizer a sua palavra.
A alfabetização, portanto, é toda a pedagogia: aprender a ler é aprender a dizer a sua palavra. E a sua
palavra hum ana im ita a palavra divina: é criadora.

A palavra é entendida, aqui, com o palavra e ação; não é o term o que assinala arbitrariam ente um
pensam ento que, por sua vez, discorre separado da existência. É significação produzida pela “ práxis” ,
palavra cuja discursividade flui da historicidade – palavra viva e dinâm ica, não categoria inerte, exâm ine.
Palavra que diz e t ransform a o m undo.

A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o m undo, em com unicação e colaboração. O
diálogo aut ênt ico – reconhecim ento do outro e reconhecim ento de si, no outro – é decisão e com prom isso
de colaborar na construção do m undo com um . Não há consciências vazias; por isto os hom ens não se
humanizam, senão humanizando o mundo.

Em linguagem direta: os homens humanizam- se, t rabalhando juntos para fazer do m undo, sem pre m ais, a
m ediação de consciências que se coexistenciam em liberdade. Aos que constroem juntos o m undo humano,
com pete assum irem a responsabilidade de dar- lhe direção. Dizer a sua palavra equivale a assum ir
conscientem ente, com o t rabalhador, a função de sujeito de sua história, em colaboração com os dem ais t
rabalhadores – o povo.

Ao Povo cabe dizer a palavra de com ando no processo histórico- cultural. Se a direção racional de tal
processo j á é polít ica, então conscientizar é politizar. E a cultura popular se t raduz por polít ica popular;
não há cultura do Povo, sem polít ica do Povo.

O m étodo de Paulo Freire é, fundam entalm ente, um m étodo de cultura popular: conscientiza e politiza.
Não absorve o político no pedagógico, m as tam bém não põe inim izade entre educação e política.
Distingue- as, sim , m as na unidade do m esm o m ovim ento em que o hom em se historiciza e busca
reencont rar- se, isto é, busca ser livre. Não tem a ingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirá
dos rum os da história, m as tem , contudo, a coragem suficiente para afirm ar que a educação verdadeira
conscientiza as contradições do m undo hum ano, sejam estruturais, super- est rut urais ou int er- estruturais,
contradições que im pelem o hom em a ir adiante. As contradições conscientizadas não lhe dão m ais
descanso, tornam insuportável a acom odação. Um m étodo pedagógico de conscientização alcança últ im as
front eiras do humano. E como o hom em sem pre se excede, o m étodo tam bém o acom panha. E “ a
educação com o prática do liberdade” .

Em regim e de dom inação de consciências, em que os que m ais t rabalham m enos podem dizer a sua
palavra e em que multidões imensas nem sequer tem condições pura t rabalhar, os dom inadores m antêm
o m onopólio da palavra, com que m ist ificam , m assificam e dom inam . Nessa situação, os dom inados, para
dizerem a sua palavra, têm que lutar para tom á - la. A prender a tomá - la dos que a detêm e a recusam aos
dem ais, é um difícil, m as im prescindível aprendizado – é a " pedagogia do oprimido”.

Santiago, Chile,
dezem bro de 1057.
PRI MEI RA PALAVRAS

AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO


E AOS QUE NELES SE
DESCOBREM E, ASSIM
DESCOBRINDO- SE, COM ELES
SOFREM, MAS, SOBRETUDO,
COM ELES LUTAM.

As páginas que se seguem e que propom os com o um a introdução à Pedagogia do Oprim ido são o
resultado de nossas observações nestes cinco anos de exílio. Observações que se vêm j untando às que
fizem os no Brasil, nos vários setores em que t ivem os oportunidade de exercer at ividades educativas;

Um dos aspectos que surpreendem os, quer nos cursos de capacitação que dam as e em que analisam os o
papel da conscientização, quer na aplicação m esm a de um a educação realm ente libertadora, é o “ m edo da
liberdade”, a que farem os referência no prim eiro capítulo deste ensaio.

Não são raras as vezes em que participantes destes cursos, num a at it ude em que m anifestam o seu
" m edo da liberdade” , se referem ao que cham am de “ perigo da conscientização” . “ A consciência cr ít ica ( . . .
dizem . . .) é anárquica.” Ao que outros acrescentam : “ Não poderá a consciência crit ica conduzir à
desordem ”? Há, contudo, os que tam bém dizem : “ Por que negar? Eu tem ia a liberdade. Já não a tem o”!

Certa vez, em um desses cursos, de que fazia parte um hom em que fora, durante longo tem po, operário,
se estabeleceu um a dessas discussões em que se afirm ava a " periculosidade da consciência crit ica” . No
m eio da discussão, disse este hom em : “ Talvez seja eu, entre os senhores, o único de origem operária.
Não posso dizer que haja entendido todas as palavras que foram ditas aqui, m as um a coisa posso afirm ar:
cheguei a esse curso, ingênuo e, ao descobrir- m e ingênuo, com ecei a tornar- m e crít ico. Est a descobert a,
contudo, nem m e faz f á. t i em m e dá, a sensação de desm oronam ento”. Discutia- se, na oportunidade, se
a conscientização um a situação existencial, concreta, de inj ustiça, não po deria conduzir os hom ens dela
conscientizados, a um “ fanatism o destrutivo” ou a um a “ sensação de desm oronam ento total do m undo em
que estavam esses hom ens” .

A dúvida, assim expressa, im plícita um a afirm ação nem sem pre explicitada, no que tem e a liberdade:
“ Melhor será, que a sit uação concret a de inj ust iça não se const it ua num “ percebido” claro para a
consciência dos que a sofrem ” .

Na verdade, porém , não é a conscientização que pode levar o povo à “ fanatism os destrutivos” . Pelo
contrário, a conscientização, que lhe possibilita inserir- se n processo hist órico, com o suj eit o, evit a os
fanatism os e o inscreve na busca de sua afirm ação.

“ Se a t om ada de consciência abre o cam inho à expressão das insat isfações sociais, se deve a que est as
são com ponentes reais de um a situação de opressão” 1 .

O m edo da liberdade, de que necessariam ente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que não
existe. No fundo, o que tem e a liberdade se refugia na segurança vital, com o diria Hegel2 , preferindo- a à
liberdade arriscada.

1
Francisco Weffort , Prefácio a Paulo Freire, Educação conto Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1967.
2
“ ...And it is salely by r isking life that freedom is obtained... The individual, who has hot staked his life
may, no doubt , be recognized as a person; but he has not at t ained t he t rut h of t his recognit ion as an
independent self - consciousness.” Hegel, The Phenomenology of Mind, Harper and Row, 1967, p.233.
Raro, porém , h o que m anifesta explicitam ente este receio da liberdade. Sua tendência é, antes, cam uflá-
la, num jogo m anhoso, ainda que, às vezes, inconsciente. Jogo art ificioso de palavras em que aparece ou
pretende aparecer com o o que defende a liberdade e não com o o que a tem e.

As suas dúvidas e inquietações em presta um ar de profunda seriedade. Seriedade de quem fosse o


zelador da liberdade. Liberdade que se confunde com a m anutenção do status quo. Por isto, se a
conscient ização põe em discussão est e status quo am eaça, então, a liberdade.

As afirm ações que fazem os neste ensaio, não são, de um lado, fruto de devaneios intelectuais nem
tam pouco, de outro, resultam , apenas, de leituras, por m ais im portantes que nos tenham sido estas.
Estão sem pre ancoradas, com o sugerim os no inicio destas páginas, em situações concretas. Expressam
reações de proletários, cam poneses ou urbanos, e de hom ens de classe m édia, que vim os observando,
direta ou indiretam ente, em nosso t rabalho educativo. Nossa intenção e continuar com estas observações
para retificar ou ratificar, em estudos posteriores, pontos afirm ados neste ensaio. Ensaio que,
provavelm ent e, irá provocar em alguns de seus possíveis leitores, reações sectárias.

Entre estes, haverá, talvez, os que não ultrapassarão suas prim eiras páginas. Uns, por considerarem a
nossa posição, diante do problem a da libertação dos hom ens, com o um a posição idealista a m ais, quando
não um " blablablá” reacionário. “ Blablablá” de quem se “ perde” falando em vocação ontológica, em am or,
em diálogo, em esperança, em hum ildade, em sim patia. Outros, por não quererem ou não poderem
aceit ar as crit icas e a denuncia que fazem os da situação opressora, situação em que os opressores se
“ gratificam ” , através de sua falsa generosidade.

Daí que seja este, com todas as deficiências de um ensaio puram ente aproxim at ivo, um t rabalho para
hom ens radicais. Cristãos ou m arxistas, ainda que discordando de nossas posições, em grande parte, em
part e ou em sua t ot alidade, est es, est am os cert os, poderão chegar ao fim do t ext o.

Na m edida, porém , em que, sectariam ente, assum am posições fechadas, “ irracionais”, rechaçarão o
diálogo que pretendemos est abelecer at ravés dest e livro.

É que a sectarização é sem pre castradora, pelo fanatism o de que se nutre. A radicalização, pelo contrário,
é sem pre criadora, pela crit icidade que a alim enta. Enquanto a sectarização é m ít ica, por isto alienante, a
radicalização é crit ica, por isto libertadora. Libertadora porque, im plicando no enraizam ento que os
hom ens fazem na opção que fizeram , os engaja cada vez m ais no esforço de t ransform ação da realidade
concret a, obj et iva.

A sectarização, porque m ít ica e ir racional, t ransform a a realidade num a falsa realidade, que, assim , não
pode ser m udada.

Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à em ancipação dos hom ens. Daí que seja doloroso
observar que nem sem pre o sectarism o de direita provoque o seu contrário , ist o é, a radicalização do
revolucionário.

Não são raros os revolucionários que se tornam reacionários pela sectarização em que se deixam cair, ao
responder à sectarização direit ista.

Não querem os, porém , com isto dizer – e o deixam os claro no ensaio ant erior3 – que o radical se torne
dócil objeto da dom inação.

Precisam ente porque inscrito, com o radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da
violência do dom inador.

Por outro lado, jam ais será o radical um subjetivista. É que, para ele, o aspecto subj et ivo tom a corpo
num a unidade dialética com a dim ensão objetiva da própria idéia, isto é, com os conteúdos concretos da
realidade sobre a qual exerce o ato cognoscente. Subj et ividade e obj et ividade, desta form a, se encontram
naquela unidade dialética de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele. É

3
Educação com o Prática da Liberdade , op. cit .
exatam ente esta unidade dialética a que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para
transformá - la.

O sectário, por sua vez, qualquer que seja a opção de onde parta na sua “ irracionalidade” que o cega, não
percebe ou não pode perceber a dinâm ica da realidade ou a percebe equivocadam ente.

Até quando se pensa dialético, a sua é um a “ dialética dom esticada” .

Esta é a razão, por exem plo, por que o sectário de direita que, no nosso ensaio anterior, cham am os de
“ sectário de nascença” pretende frear o processo, “ dom esticar” o tem po e, assim , os hom ens. Esta é a
razão tam bém porque o hom em de esquerda, ao sectarizar- se, se equivoca t ot alm ent e na sua
int erpret ação “ dialética” da realidade, da história, deixando- se cair em posições fundam entalm ente
fat alist as.

Distinguem- se, na m edida em que o prim eiro pretende “ dom esticar” o presente para que o futuro, na
m elhor das hipóteses, repita o presente “ dom esticado”, enqu anto o segundo t ransform a o futuro em algo
pré- estabelecido, um a espécie de fado, de sina ou de destino irrem ediáveis. Enquanto, para o prim eiro, o
hoje ligado ao passado, é algo dado e im utável; para o segundo, o am anhã é algo pré- dado, prefixado
inexoravelm ente. Am bos se fazem reacionários porque, a partir de sua falsa visão da história,
desenvolvem um e outro form as de ação negadoras da liberdade. É que, o fato de um conceber o
presente “ bem com portado” e o outra, o futuro com o predeterm inado, não signif ica que se tornem
espectadores, que cruzem os braços, o prim eiro, esperando a m anutenção do presente, um a espécie de
volta ao passado; o segundo, à, espera de que o futuro j á “ conhecido” se instale.

Pelo contrário, fechando - se em um “ circulo de segurança”, do qual não podem sair, estabelecem am bos a
sua verdade. E est a não é a dos hom ens na luta para construir o futuro, correndo o r isco desta própria
construção. Não é a dos hom ens lutando e aprendendo, uns com os outros, a edificar este futuro, que
ainda não está dado, com o se fosse destino, com o se devesse ser recebido pelos hom ens e não criado por
eles.

A sectarização, em am bos os casos, é reacionária porque, um e outro, apropriando- se do tem po de cuj o


saber se sentem igualm ente proprietários, term inam sem o povo, um a form a de estar contra ele.

Enquanto o sectário de direita, fechando- se em " sua” verdade, não faz m ais do que o que lhe é próprio, o
hom em de esquerda, que se sectariza e tam bém se encerra, é a negação de si m esm o.

Um , na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, am bos girando em torno de “ sua” verdade,
sent em- se abalados na sua segurança, se alguém a discute. Dai que lhes se j á necessário considerar
com o m entira tudo o que não seja a sua verdade. " Sofrem am bos da falta de dúvida” 4.

O radical, com prom et ido com a libertação dos hom ens, não se deixa prender em “ círculos de segurança”,
nos quais aprisione tam bém a realidade. Tão m ais radical, quanto m ais se inscreve nesta realidade para,
conhecendo- a melhor, melhor poder transformá- la.

Não tem e enfrentar, não tem e ouvir, não tem e o desvelam ento do m undo. Não tem e o encontro com o
povo. Não tem e o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de am bos 5 . Não se sent e dono do
tem po, nem dono dos hom ens, nem libertador dos oprim idos. Com eles se com prom ete, dentro do tem po,
para com eles lutar.

Se a sectarização, com o afirm am os, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do


revolucionário. Dai que a pedagogia do oprim ido, que im plica num a tarefa radical, cujas linhas
introdutórias pretendem os apresentar neste ensaio e a própria leitura deste texto não possam ser
realizadas por sectários.

4
Márcio Moreira Alves, em conversa com o autor.
5
" Enquanto o conhecim ento teórico perm aneça com o privilégio de uns quantos ‘acadêm icos’ dentro do
Partido, este se encontrará em grande perigo de ir ao fracasso". Rosa Luxem burgo, “ Reform a o
Revolución"? In: Wrigh Mills, Los Marxistas. México. Ed. Era S. A., 1964, pág. 171.
Querem os expressar aqui o nosso agradecim ento a Elza, de m odo geral nossa prim eira leitora, por sua
com preensão e est ím ulos const ant es a nosso t rabalho, que tam bém é seu. Agradecim ento que
estendem os a todos quantos leram os originais deste ensaio pelas crit icas que nos fizeram , o que não nos
retira ou dim inui a responsabilidade pelas afirm ações nele feitas.

Paulo Freire
Santiago, Outono de 1968
1. Justificativa da «pedagogia
do oprim ido»

Reconhecem os a am plitude do tem a que nos propom os t ratar neste ensaio, com o qual pretendem os, em
certo aspecto, aprofundar alguns pontos discutidos em nosso t rabalho anterior Educação com o Prática da
Liberdade. Dai que o considerem os com o m era introdução, com o sim ples aproxim ação a assunto que nos
parece de im portância fundam ental.

Mais um a vez os hom ens, desafiados pela dram aticidade da hora atual, se propõem , a si m esm os, com o
problem a. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “ posto no cosm os”, e se inquietam por saber m ais.
Estará, aliás, no reconhecim ento do seu pouco saber de si um a das razões desta procura. Ao instalar- se
na quase, senão t rágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos.
I ndagam . Respondem , e suas respostas os levam a novas perguntas.

O problem a de sua hum anização, apesar de sem pre dever haver sido, de um ponto de vista axiológico, o
seu problem a central, assum e, hoje, caráter de preocupação iniludív el. 1

Constatar esta preocupação im plica, indiscutivelm ente, em reconhecer a desum anização, não apenas
com o viabilidade ontológica, m as com o realidade histórica. É tam bém , e talvez sobretudo, a partir desta
dolorosa const at ação, que os hom ens se pergunt am sobre a outra viabilidade – a de sua hum anização.
Am bas, na raiz de sua inconclusão, que os inscreve num perm anente m ovim ento de busca. Hum anização
e desum anização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos
hom ens com o seres inconclusos e conscient es de sua inconclusão.

Mas, se am bas são possibilidades, só a prim eira nos parece ser o que cham am os de vocação dos hom ens.
Vocação negada, m as tam bém afirm ada na própria negação. Vocação negada na inj ustiça, na exploração,
na opressão, na violência dos opressores. Mas afirm ada no anseio de liberdade, de j ustiça, de luta dos
oprim idos, pela recuperação de sua hum anidade roubada.

A desum anização, que não se verifica, apenas, nos que têm sua hum anidade roubada, m as tam bém ,
ainda que de form a diferente, nos que a roubam , é distorção da vocação do ser m ais. É distorção possível
na história, m as não vocação histórica. Na verdade, se adm it íssem os que a desum anização é vocação
histórica dos hom ens, nada m ais teríam os que fazer, a não ser adotar um a at it ude cínica ou de total
desespero. A luta pela hum anização, pelo t rabalho livre, pela desalienação, pela afirm ação dos hom ens
com o pessoas, com o “ seres para si” , não teria significação. Esta som ente é possível porque a
desum anização, m esm o que um fato concreto na história, não é porém , destino dado, m as resultado de
um a “ ordem ” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser m enos.

A CONTRADIÇÃO OPRESSORES- OPRIMIDOS.


SUA SUPERAÇÃO

A violência dos opressores que os faz tam b ém desum anizados, não instaura um a outra vocação – a do ser
m enos. Com o distorção do ser m ais, o ser m enos leva os oprim idos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os
fez m enos. E esta luta som ente tem sentido quando os oprim idos, ao buscar recuperar sua hum anidade,
que é um a form a de criá- la, não se sentem idealistam ente opressores, nem se tornam , de fato,
opressores dos opressores, m as restauradores da hum anidade em am bos. E ai está a grande tarefa

1
Os m ovim entos de rebelião, sobretudo de j ovens, no m undo atual, que necessariam ente revelam
peculiaridades dos espaços onde se dão, m anifestam , em sua profundidade, esta preocupado em torno do
homem e dos hom ens, com o seres no m undo e com o m undo. Em torno do que e de com o est ão sendo.
Ao questionarem a " civilização do consum o"; ao denunciarem as " burocracias" de todos os m at izes; ao
exigirem a t ransform ação das Universidades, de que resulte, de um lado, o desaparecim ento da r igidez
nas relações professor- aluno; de outro, a inserção delas na realidade; ao proporem a t ransform ação da
realidade m esm a para que as Universidades possam renovar- se; ao rechaçarem velhas ordens e
inst it uições est abelecidas, buscando a afirm ação dos hom ens com o suj eitos de decisão, todos estes
m ovim entos refletem o sentido m ais antropológico do que antropocêntrico de nossa época.
hum anista e histórica dos oprim idos – libertar- se a si e aos opressores. Estes, que oprim em , exploram e
violentam , em razão de seu poder, não podem ter, roeste poder, a força de libertação dos oprim idos nem
de si m esm os. Só o poder que nasça da debilidade dos oprim idos será suficientem ente forte para libertar a
amb os. Por isto é que o poder dos opressores, quando se pretende am enizar ante a debilidade dos oprim
idos, não apenas quase sem pre se expressa em falsa generosidade, com o jam ais a ultrapassa. Os opressores,
falsam ente generosos, têm necessidade, para que a su a “ generosidade” continue tendo oportunidade de
realizar- se, da perm anência da injustiça. A “ ordem ” social injusta é a fonte geradora, perm anente, desta “
generosidade” que se nutre da m orte, do desalento e da m iséria 2 .

Daí o desespero desta “ generosidade” diante de qualquer am eaça, em bora tênue, à sua fonte. Não pode j
am ais entender esta “ generosidade” que a verdadeira generosidade está em lutar para que desapareçam as
razões que alim entam o falso am or. A falsa caridade, da qual decorre a m ão estendida do " demitido da vida” ,
m edroso e inseguro, esm agado e vencido. Mão estendida e t rêm ula dos esfarrapados do m undo, dos “
condenados da terra” . A grande generosidade está em lutar para que, cada vem m ais, estas m ãos, sejam de
hom ens ou de povos, se estendam m enos, em gestos de súplica. Súplica de hum ildes a poderosos. E se
vão fazendo, cada vez m ais, m ãos hum anas, que t rabalhem e t ransform em o m undo. Este ensinam ento
e este aprendizado têm de partir, porém , dos “ condenados da terra”, dos oprim idos, dos esfarrapados do
m undo e dos que com eles realm ente se solidarizem . Lutando pela restauração de sua hum anidade estarão,
sejam hom ens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira.

Quem , m elhor que os oprim idos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de um a
sociedade opressora? Quem sentirá, m elhor que eles, os efeitos da opressão? Quem , m ais que eles, para
ir com preendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, m as pela
práxis de sua busca; pelo conhecim ento e reconhecim ento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela
finalidade que lhe derem os oprim idos, será um ato de am or, com o qual se oporão ao desam or contido na
violência dos opressores, até m esm o quando esta se revista da falsa generosidade referida.

A nossa preocupação, nest e t rabalho, é apenas apresent ar alguns aspect os do que nos parece const it uir o
que vim os cham ando de Pedagogia do Oprim ido: aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele,
enquanto hom ens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua hum anidade. Pedagogia que faça
da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprim idos, de que resultará o seu engajam ento
necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.

O grande problem a est á em com o poderão os oprim idos, que “ hospedam ” ao opressor em si, participar da
elaboração, com o seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Som ente na m edida em que
se descubram “ hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejam ento de sua pedagogia
libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é
im possível fazê- lo. A pedagogia do oprim ido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos
instrum entos para esta descoberta cr it ica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos
oprim idos, com o m anifestações da desum anização.

Há algo, porém , a considerar nesta descoberta, que está diretam ente ligado à pedagogia libertadora. É
que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrim ento, os oprim idos, em lugar de buscar a
libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores tam bém , ou subopressores. A estrutura de seu
pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se
“ form am ” . O seu ideal é, realm ente, ser hom ens, m as, para eles, ser hom ens, na contradição em que
sem pre estiveram e cuj a superação não lhes está, clara, é ser opressores. Estes são o seu testem unho de
hum anidade.

I sto decorre, com o analisarem os m ais adiante, com m ais vagar, do fato de que, em certo m om ento de
sua experiência existencial, os oprim idos assum am um a postura que cham am os de “ aderência” ao

2
" Talvez dês esm olas. Mas, de onde as t iras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrim ento, das lágrim a s,
dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbulo, ele o recusaria porque teria a im pressão de
m order a carne de seus irm ãos e de sugar o sangue de seu próxim o. Ele te diria estas palavras corajosas:
não sacies a m inha sede com as lágrim as de m e us irm ãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os
soluços de m eus com panheiros de m iséria. Devolve a teu sem elhante aquilo que reclam aste e eu te serei
m uito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem ?" São Gregório de Nissa, ( 330)
Sermão contra os Usuários.
opressor. Nestas circunstâncias, não chegam a “ adm irá- lo” , o que os levaria a objetivá- lo, a descobri- lo
fora de si.

Ao fazerm os esta afirm ação, não querem os dizer que os oprim idos, neste caso, não se saibam oprim idos.
O seu conhecim ento de si m esm os, com o oprim idos, se encontra, contudo, prejudicado pela “ im ersão” em
que se acham na realidade opressora. “ Re conhecer- se” a este nível, contrários ao outro, não significa
ainda lut ar pela superação da cont radição. Daí est a quase aberração: um dos pólos da cont radição
pretendendo não a libertação, m as a identificação com o seu contrário.

O “ hom em novo”, em tal caso, para os oprim idos, não é o hom em a nascer da superação da contradição,
com a t ransform ação da velha situação concreta opressora, que cede seu lugar a um a nova, de libertação.
Para eles, o novo hom em são eles m esm os, tornando- se opressores de outros. A sua visão do homem
novo é um a visão individualista. A sua aderência ao opressor não lhes possibilita a consciência de si com o
pessoa, nem a consciência de classe oprim ida.

Desta form a, por exem plo, querem a reform a agrária, não para libertar- se, m as para passar a t er t erra e,
com est a, t ornar- se proprietários ou, m ais precisam ente, patrões de novos em pregados.

Raros são os cam poneses que, ao serem “ prom ovidos” a capatazes, não se tornam m ais duros opressores de
seus antigos com panheiros do que o patrão m e sm o. Poder- se- ia dizer – e com razão – que ist o se deve ao
fat o de que a sit uação concret a, vigent e, de opressão, não foi t ransform ada. E que, nest a hipót ese, o capataz,
para assegurar seu posto, tem de encarnar, com m ais dureza ainda, a dureza do patrão. Tal afirm ação
não nega a nossa – a de que, nestas circunstâncias, os oprim idos têm no opressor o seu testem unho de “
hom em ” .

Até as revoluções, que t ransform am a situação concreta de opressão em um a nova, em que a libertarão
se instaura com o processo, enfrentam esta m anifestação da consciência oprim ida. Muitos dos oprim idos
que, direta ou indiretam ente, participaram da revolução, m arcados pelos velhos m it os da estrutura
anterior, pretendem fazer da revolução a sua revolução privada. Perdura neles, de certo modo, a sombra
testem unhal do opressor antigo. Este continua a ser o seu testem unho de “ hum anidade” .

O “ m edo da liberdade”,3 de que se fazem objeto os oprim idos, m edo da liberdade que tanto pode conduzi-
los a pretender ser opressores tam bém , quanto pode man t ê- los atados ao st at us de oprim idos, é outro
aspecto que m erece igualm ente nossa reflexão.

Um dos elem entos básicos na m ediação opressores- oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a
im posição da opção de um a consciência a outra. Daí, o sentido alienador das prescrições que t ransform am
a consciência recebedora no que vim os cham ando de consciência “ hospedeira” da consciência opressora.
Por isto, o com portam ento dos oprim idos é um com portam ento prescrito. Faz- se à base de paut as
estranhas a eles – as pautas dos opressores.

Os oprim idos, que introjetam a " som bra” dos opressores e seguem suas pautas, tem em a liberdade, aa
m edida em que esta, im plicando na expulsão desta som bra, exigiria deles que “ preenchessem ” o “ vazio”
deixado pela expulsão, com outro “cont eúdo” – o de sua autonom ia. O de sua responsabilidade, sem o
que não seriam livres. A liberdade, que é um a conquista, e não um a doação, exige um a perm anente
busca. Busca perm anente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade par a
ser livre: pelo contrário, luta por ela precisam ente porque não a tem . Não é tam bém a liberdade um ponto
ideal, fora dos hom ens, ao qual inclusive eles se alienam . Não é idéia que se faça m it o. É condição
indispensável ao m ovim ento de busca em que estão inscritos os hom ens com o seres inconclusos.

Dai, a necessidade que se im põe de superar a situação opressora. I sto im plica no reconhecim ento crít ico,
na “ razão” desta situação, para que, através de um a ação t ransform adora que incida sobre ela, se
instaure um a outra, que possibilite aquela busca do ser m ais.

3
Este m edo da liberdade tam bém se instala nos opressores, m as, obviam ente, de m aneira diferente. Nos
oprimidos, o medo da liberdade é o medo de assumi - la. Nos opressores, é o m edo de perder a " liberdade”
de oprimir.
No m om ento, porém , em que se com ece a autêntica luta para criar a situação que nascerá da superação
da velha, j á se está lutando pelo Ser Mais. E, se a situação opressora gera um a totalidade desum anizada e
desum anizante, que atinge aos que oprim em e aos oprim idos, não vai ceder, com o já afirm am os, aos
prim eiros, que se encontram desum anizados pelo só m otivo de oprim ir, m as aos segundos, gerar de seu
ser m enos a busca do ser m ais de t odos.

Os oprim idos, contudo, acom odados e adaptados, “ im ersos” na própria engrenagem da estrutura
dom inadora, tem em a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o r isco de assum i - la. E a
tem em , tam bém , na m edida em que, lutar por ela, significa um a am eaça, não só aos que a usam para
oprim ir, com o seus “ proprietários” exclusivos, m as aos com panheiros oprim idos, que se assustam com
m aiores repressões.

Quando descobrem em si o anseio por libertar- se, percebem que est e anseio som ent e se faz concretude
na concret ude de outros anseios.

Enquanto tocados pelo m edo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escutar o apelo que se lhes
faça ou que se tenham feito a si m esm os, preferindo a gregarização à convivência autêntica. Preferindo a
adapt ação em que sua não liberdade os m antém à com unhão criadora, a que a liberdade leva, até m esm o
quando ainda som ente buscada.

Sofrem um a dualidade que se instala na “ interioridade” do seu ser. Descobrem que, não sendo livres, não
chegam a ser autenticam ente. Querem ser, m as tem em ser. São eles e ao m esm o tem po são o outro
introjetado neles, com o consciência opressora. Sua luta se t rava entre serem eles m esm os ou serem
duplos. Entre expulsarem ou não ao opressor de “ dentro” de si. Entre se desalienarem ou se m anterem
alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores. Entre
atuarem ou terem a ilusão de que atuam , na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não
terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de t ransform ar o mundo.

Este é o t rágico dilem a dos oprim idos, que a sua pedagogia tem de enfrentar.

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O hom em que nasce deste parto é um hom em
novo que só é viável na e pela, superação da contradição opressores- oprim idos, que é a libertação de
t odos.

A superação da contradição é o parto que t raz ao m undo este hom em novo não m ais opressor; não m ais
oprimido, mas homem libertando- se.

Esta superação não pode dar- se, porém , em term os puram ente idealistas. Se se faz indispensável aos
oprim idas, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão j á não sej a para eles um a
espécie de “ m undo fechado” ( em que se gera o seu m edo da liberdade) do qual não pudessem sair, m as
um a situação que apenas os lim it a e que eles podem t ransform ar, é fundam ental, então, que, ao
reconhecerem o lim ite que a realidade opressora lhes im põe, tenham , neste reconhecim ento, o m otor de
sua ação libert adora.

Vale dizer pois, que reconhecer- se lim it adas pela situação concreta de opressão, de que o falso suj eito, o
falso “ ser para si” , é o opressor, não significa ainda a sua libertação. Com o contradição do opressor, que
tem neles a sua verdade, com o disse Hegel, 4 som ente superam a contradição em que se acham , quando o
reconhecer- se oprim idos os engaja na luta por libertar- se.

Não bast a saber- se num a relação dialética com o opressor – seu contrário antagônico – descobrindo, por
exem plo, que sem eles o opressor não existiria, ( Hegel) para estarem de fato libertados. É preciso,
enfat izem os, que se entreguem à práxis libertadora.

O m esm o se pode dizer ou afirm ar com relação ao opressor, tom ado individualm ente, com o pessoa.
Descobrir- se na posição de opressor, m esm o que sofra por este fato, não é ainda solidarizar- se com os
oprimidos. Solidarizar- se com estes é algo m ais que prestar assistência a t r inta ou a cem , m antendo- os

4
" The t ruth of the independent consciousness is ( accordingly) the consciousness of the bondsm an” . Hegel,
op. cit ., p. 237.
atados, contudo, à m esm a posição de dependência. Solidarizar- se não é ter a consciência de que explora
e “ racionalizar” sua culpa paternalistam ente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza, que
“ assum a” a situação de com quem se solidarizou, é um a atitude radical.

Se o que caracteriza os oprim idos, com o “ consciência servil” em relação à consciência do senhor, é fazer-
se quase “ coisa” e t ransform ar- se, com o salient a Hegel” 5 , em “ consciência para outro” , a solidariedade
verdadeira com eles está em com eles lutar para a t ransform ação da realidade objetiva que os faz ser este
" ser para outro” .

O opressor só se solidariza com os oprim idos quando o seu gesto deixa de ser um gesto piegas e
sentim ental, de caráter individual, e passa a ser um ato de am or àqueles. Quando, para ele, os oprim idos
deixam de ser um a designação abstrata e passam a ser os hom ens concretos, injustiçados e roubados.
Roubados na sua palavra, por isto no seu t rabalho com prado, que significa a sua pessoa vendida. Só na
plenitude deste ato de am ar, na sua existenciação, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira.
Dizer que es hom ens são pessoas e, com o pessoas, são livres, e nada concretam ente fazer para que esta
afirm ação se objetive, é um a farsa.

Da m esm a form a com o é, em um a situação concreta – a da opressão – que se inst aura a cont radição
opressor- oprim idos, a superação desta contradição só se pode verificar objetivam ente também.

Dai, esta exigência radical, tanto para o opressor que se descobre opressor; quanto para os oprim idos
que, reconhecendo - se contradição daquele, desvelam o m undo da opressão e percebem os m it os que o
alimentam – a radical exigência da t ransform ação da situação concret a que gera a opressão.

Par ece- nos m uito claro, não apenas neste, m as noutros m om entos do ensaio que, ao apresentarm os esta
radical exigência – a da t ransform ação obj et iva da sit uação opressora – combatendo um imobilismo
subj et ivista que t ransform asse o ter consciência da opressão num a espécie de espera paciente de que um
dia a opressão desapareceria por si m esm a, não estam os negando o papel da subjetividade na luta pela
m odificação das estruturas.

Não se pode pensar em objetividade sem subjetividade. Não há um a sem a outra, que não podem ser
dicotom izadas.

A obj et ividade dicotom izada da subj et ividade, a negação desta na análise da realidade ou na ação sobre
ela, é objetivismo. Da m esm a form a, a negação da objetividade, na análise com o na ação, conduzindo ao
subjetivism o que se alonga em posições solipsistas, nega a ação m esm a, por negar a realidade objetiva,
desde que esta passa a ser criação da consciência. Nem objetivism o, nem subjetivism o ou psicologism o,
m as subjetividade e objetividade em perm anente dialeticidade.

Confundir subjetividade com subjetivism o, com psicologism o, e negar- lhe a im portância que tem no
processo de t ransform ação do m undo, da história, é cair num sim plism o ingênuo. É adm it ir o im possível:
um mundo sem homens, tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivism o, que im plica em hom ens sem
mundo.

Não há um sem os outros, m as am bos em perm anente integração.

Em Marx, com o em nenhum pensador crít ico, realista, jam ais se encontrará esta dicotom ia. O que Marx
crit icou e, cient if icam ente destruiu, não foi a subjetividade, m as o subjetivism o, o psicologism o.

A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, m as com o produto da ação dos hom ens, tam bém
não se t ransform a por acaso. Se os hom ens são os produtores desta realidade e se est a, na “ invasão da
práxis” , se volta sobre eles e os condiciona, t ransform ar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa
dos hom ens.

5
Referindo- se à consciência senhorial e à consciência servil, diz Hegel: “ the one is independent, and it s
essential nature is to be for it self; the other is dependent and it s essence is life or existence for another.
The form er is the Master, or Lord, the lat ter the Bondsm an. Hegel, op. cit , p. 234.
Ao fazer- se opressora, a realidade im plica na existência dos que oprim em e dos que são oprim idos. Estes, a
quem cabe realm ente lutar por sua libertação j untam ente com os que com eles em verdade se solidarizam ,
precisam ganhar a consciência crít ica da opressão, na práxis desta busca.

Este é um dos problem as m ais graves que se põem à libertação. É que a realidade opressora, ao
const it uir- se com o um quase m ecanism o de absorção dos que nela se encontram , funciona com o um a
força de im ersão das consciências. 6

Neste sentido, em si m esm a, esta realidade é funcionalm ente dom esticadora. Libertar- se de sua força
exige, indiscutivelm ente, a em ersão dela, a volta sobre ela. Por isto é que, só através da práxis autêntica,
que não sendo “ blablablá”, nem ativism o, m as ação e reflexão, é possível fazê- lo.

“ Hay que hacer la opresión real todavia m ás opresiva añadiendo a aquella la consciencia de la opresión,
haciendo la infam ia todavia m ás infam ante, al pregonarla” 7 .

Este fazer “ a opressão real ainda m ais opressora, acrescentando- lhe a consciência da opressão” , a que
Marx se refere, corresponde à relação dialética subj et ividade- objetividade. Som ente na sua solidariedade,
em que o subjetivo constitui com o objetivo um a unidade dialética, é possível a práxis autêntica.

A práxis, porém , é reflexão e ação dos hom ens sobre o m undo para t ransform á - lo, Sem ela, é im possível
a superação da cont radição opressor- oprim idos.

Desta form a, esta superação exige a inserção crit ica dos oprim idos na realidade opressora, com que,
obj et ivando- a, sim ultaneam ente atuam sobre ela.

Por ist o, inserção crít ica e ação j á são a m esm a coisa. Por ist o t am bém é que o m ero reconhecim ento de
um a realidade que não leve a esta inserção crit ica ( ação j á) não conduz a nenhum a t ransform ação da
realidade objetiva, precisam ente porque não é reconhecim ento verdadeiro.

Este é o caso de um “ reconhecim ento” de caráter puram ente subj et ivista, que é antes o resultado da
arbitrariedade do subjetivista o qual, fugindo da realidade objetiva, cria um a falsa realidade “ em si
m esm o”. E não é possível t ransform ar a realidade concreta na realidade im aginária.

É o que ocorre, igualm ente, quando a m odificação da realidade objetiva fere os interesses individuais ou
de classe de quem faz o reconhecim ento.

No prim eiro caso, não há inserção crit ica na realidade, porque esta é fict ícia; no segundo, porque a
inserção contradiria os interesses de classe do reconhecedor.

A t endência dest e é, ent ão, com port ar- se “ neuroticam ente” . O fato existe, m as tanto ele quanto o que
dele talvez resulte lhe podem ser adversos. Daí que seja necessário, num a indiscutível “ racionalização”,
não propriam ente negá- lo, m as vê- lo de form a diferente. A “ racionalização” , com o m ecanism o de defesa,
term ina por identificar- se com o subj et ivism o. Ao não negar o fato, m as ao distorcer suas verdades, a “
racionalização” “ ret ira” as bases obj et ivas do m esm o. O fato deixa de ser ele concret am ent e e passa a ser
um m it o criado para a defesa da classe do que fez o reconhecim ento, que, assim , se torna falso. Desta form a,
m ais um a vez, é im possível a “ inserção crit ica” , que só existe na dialeticidade objetividade- subj et
ividade.

Ai está um a das razões para a proibição, para as dificuldades – com o verem os no últ im o capítulo deste
ensaio – no sentido de que as m assas populares cheguem a “ inserir- se” , crit icam ente, na realidade. É que
o opressor sabe m uito bem que esta “ inserção crit ica” das m assas oprim idas, na realidade opressora, em
nada pode a ele interessar. O que lhe interessa, pelo contrário, é a perm anência delas em seu estado de

6
“ A ação libertadora im plica num m om ento necessariam ente consciente e volitivo, configurando- se com o
a prolongação e a inserção cont inuadas dest e na hist ória. A ação dom inadora, entretanto, não supõe esta
dim ensão com a m esm a necessariedade, pois a própria funcionalidade m ecânica e inconsciente da
estrutura é m antenedora de si m esm a e, portanto, da dom inação”. De um t rabalho inédito de José Luiz
Fiori, a quem o autor agradece a possibilidade da citação.
7
“ Marx/ Engels, La Sagrada Fam ília y Otros Escritos. México, Grijalbo, 1962, p. 6. ( O grifo é nosso.)
“ im ersão” em que, de m odo geral, se encontram im potentes em face da realidade opressora, com o
“ sit uação lim ite” , que lhes parece intransponível.

É interessante observar a advertência que faz Lukács8 ao partido revolucionário de que “ ( ...) il doit, pour
em ployer les m ots de Marx, expliquer aux m asses leur propre action non seulem ent afin d’assurer la
c ontinuité des expériences revolutionnaires du prolétariat, m ais aussi d’activer consciem m ent le
développem ent ulterieur de ces expériences” .

Ao afirm ar esta necessidade, Lukács coloca, indiscutivelm ente, a questão da “ inserção crít ica” a que nos
referim os.

“ Expliquer aux m asses leur propre action” é esclarecer e ilum inar a ação, de um lado, quanto à sua
relação com os dados objetivos que a provocam ; de outro, no que diz respeito às finalidades da própria
ação.

Quanto m ais as m assas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem
incidir sua ação t ransform adora, tanto m ais se “ inserem ” nela crit icam ente.

Desta form a, estarão at ivando “ consciem m ent le développem ent ultérieur” de suas experiências.

É que não haveria ação hum ana se não houvesse um a realidade objetiva, um m undo com o “ não eu” do
hom em , capaz de desafio- lo; com o tam bém pão haveria ação hum ana se o hom em não fosse um
“ proj eto” , um m ais além de si, capaz de captar a sua realidade, de conhecê- la para t ransformá - la.

Num pensar dialético, ação e m undo, m undo e ação, estão int im am ente solidários. Mas, a ação só é
hum ana quando, m ais que um puro fazer, é um que fazer, isto é, quando tam bém não se dicotom iza da
reflexão. Esta, necessária à ação, está im plícita na exigência que faz Lukács da “ explicação às m assas de
sua própria ação” – com o está im plícita na finalidade que ele dá a essa explicação – a de “ at ivar
conscientem ente o desenvolvim ento ulterior da experiência” .

Para nós, cont udo, a quest ão não est á propriam ent e em explicar às m assas, m as em dialogar com elas
sobre a sua ação. De qualquer form a, o dever que Lukács reconhece ao partido revolucionário de “ explicar
às m assas a sua ação” coincide com a exigência que fazem os da inserção crit ica das m assas na sua
realidade através da práxis, pelo fato de nenhum a realidade se t ransform ar a si m esm a. 9

A pedagogia do oprim ido que, no fundo, é a pedagogia dos hom ens em penhando- se na lut a por sua
libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter, nos próprios oprim idos que se saibam ou com ecem
crit icam ent e a saber- se oprim idos, um dos seus sujeitos.

Nenhum a pedagogia realm ente libertadora pode ficar distante dos oprim idos, quer dizer, pode fazer deles
seres desditados, obj etos de um “ t ratam ento” hum anitarista, para tentar, através de exem plos retirados
de entre os opressores, m odelos para a sua " prom oção”. Os oprim idos hão de ser o exem plo para si
m esm os, na luta por sua redenção.

A pedagogia do oprim ido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta com o pedagogia do
Hom em . Som ente ela, que se anim a de generosidade autêntica, hum anista e não “ hum anitarista” , pode
alcançar este obj et ivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores,
egoísm o cam uflado de falsa generosidade, faz dos oprim idos objetos de seu humanitarismo, mantém e
encarna a própria opressão. É instrum ento de desum anização.

Esta é a razão pela qual, com o já afirm am os, esta pedagogia não pode ser elaborada nem praticada pelos
opressores.

8
G. Lukács, Lenine. Paris, Études et Docum entation Internationales, 1965, p. 62.
9
La teoria m aterialista de que los hom bres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que,
por tanto, los hom bres m odificados son producto de circunstancias dist intas y de una educación dist inta,
olvida que las circunstancias se hacen cam biar precisam ente por los hom bres y que el proprio educador
necesit a ser educado” . Marx, Tercera Tesis sobre Feuerbah, in Marx/ Engels – Obras Escogidas. Moscou,
Editorial Progresso, 1966, tom o I I , p. 404.
Seria um a contradição se os opressores, não só defendessem , m as praticassem um a educação
libertadora.

Se, porém , a prática desta educação im plica no poder polít ico e se os oprim idos não o têm , com o então
realizar a pedagogia do oprim ido antes da revolução?

Esta é, sem duvida, um a indagação da m ais alt a im port ância, cuj a a respost a nos parece encont rar- se
m ais ou m enos clara no últ im o capítulo deste ensaio.

Ainda que não queiram os antecipar- nos, poderem os, contudo, afirm ar que um prim eiro aspecto desta
indagação se encont ra na dist inção ent re educação sist em át ica, a que só pode ser m udada com o poder, e
os t rabalhos educativos, que devem ser realizados com os oprim idos, no processo de sua organização.

A pedagogia do oprim ido, com o pedagogia hum anista e libertadora, terá, dois m om entos dist intos. O
prim eiro, em que os oprim idos vão desvelando o m undo da opressão e vão com prom etendo- se na práxis,
com a sua t ransform ação; o segundo, em que, t ransform ada a realidade opressora, esta pedagogia deixa
de ser do oprim ido e passa a ser a pedagogia dos hom ens em processo de perm anente libertação.

Em qualquer destes m om entos, será sem pre a ação profunda, através da qual se enfrentará,
culturalm ente, a cultura da dom inação1 0 . No prim eiro m om ento, por m eio da m udança da percepção do
m undo opressor por parte dos oprim idos; no segundo, pela expulsão dos m itos criados e desenvolvidos na
estrutura opressora e que se preservam com o espectros m ít icos, na estrutura nova que surge da
t ransform ação revolucionária.

No prim eiro m om ento, o da pedagogia do oprimido, obj eto da análise deste capítulo, estam os em face do
problem a da consciência oprim ida e da consciência opressora; dos hom ens opressores e dos hom ens
oprim idos, em um a situação concreta de opressão. Em face do problem a de seu com portam ento, de sua
visão do m undo, de sua ética. Da dualidade dos oprim idos. E é com o seres duais, contraditórios, divididos,
que tem os de encará - los. A situação de opressão em que se “ form am ” , em que “ realizam ” sua existência,
os constitui nesta dualidade, na qual se encontram proibidos de ser. Basta, porém , que hom ens estejam
sendo proibidos de ser m ais para que a situação objetiva em que tal proibição se verifica seja, em si
m esm a, um a violência. Violência real, não im porta que, m uitas vezes, adocicada pela falsa generosidade a
que nos referim os, porque fere a ontológica e histórica vocação dos hom ens – a do ser mais .

Daí que, estabelecida a relação opressora, esteja inaugurada a violência, que j am ais foi até hoje, na
história, deflagrada pelos oprim idos.

Com o poderiam os oprim idos dar inicio à violência, se eles são o resultado de um a violência?

Com o poderiam ser os prom otores de algo que, ao instaurar- se objetivam ente, os constitui?

Não haveria oprim idos, se não houvesse um a relação de violência que os conform a com o violen t ados,
num a situação obj et iva de opressão.

I nauguram a violência os que oprim em , os que exploram , os que não se reconhecem nos outros; não os
oprim idos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os oprim em com o outro.

I nauguram o desamor, não os desam ados, m as os que não am am , porque apenas se am am .

Os que inauguram o terror não são os débeis, que a ele são subm et idos, m as os violentos que, com seu
poder, criam a situação concreta em que se geram os “ dem it idos da vida”, os esfarrapados do m undo.

Quem inaugura a t irania não são os t iranizados, m as os t iranos.

Quem inaugura o ódio não são os odiados, m as os que prim eiro odiaram .

10
Est e nos parece ser o fundam ental aspecto da " revolução cultural” .
Quem inaugura a negação dos hom ens não são os que t iveram a sua hum anidade negada, m as as que a
negaram , negando também a sua.

Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes, m as os fortes que os
debilitaram.

Para os opressores, porém , na hipocrisia de sua “ generosidade”, são sem pre os oprim idos, que eles
jam ais obviam ente cham am de oprim idos, m as, conform e m e situem , interna ou externam ente, de “ essa
gente” ou de “ essa m assa cega e invej osa” , ou de “ selvagens” , ou de “ nativos” , ou de “ subversivos” , são
sem pre os oprim idos os que desam am . São sem pre eles os “ violentos”, os " bárbaros” os “ m alvados”, os
“ ferozes” , quando reagem à, violência dos opressores.

Na verdade, porém , por paradoxal que possa parecer, na resposta dos oprim idos à violência dos
opressores é que vam os encontrar o gesto de am or. Consciente ou inconscientem ente, o ato de rebelião
dos oprim idos, que é sem pre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos
oprimidos, sim, pode inaugurar o amor.

Enquanto a violência dos opressores faz dos oprim idos hom ens proibidos de ser, a respost a dest es à
violên cia daqueles se encontra infundida do anseio de busca do direito de ser.

Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam , não podem igualm ente ser; os oprim idos,
lut ando por ser, ao ret irar- lhes o poder de oprim ir e de esm agar, lhes restauram a hum anidade que
haviam perdido no uso da opressão.

Por isto é que, som ente os oprim idos, libertando - se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe
que oprime, nem libertam, nem se libertam.

O im portante, por isto m esm o, é que a luta dos oprim idos se faça para superar a contradição em que se
acham . Que esta superação seja o surgim ento do hom em novo – não mais opressor, não mais oprimido,
mas homem libertando- se. Precisam ent e porque, se sua lut a é no sent ido de fazer- se Homem, que
est avam sendo proibidos de ser, não o conseguirão se apenas invertem as term os da contradição. I sto é,
se apenas m udam de lugar, nos pólos da contradição.

Esta afirm ação pode parecer ingênua. Na verdade, não o é.

Reconhecem os que, na superação da contradição opressores- oprim idos, que som ente pode ser tentada e
realizada por estes, está im plícito o desaparecim ento dos prim eiros, enquanto classe que oprim e. Os freios
que os antigos oprim idos devem im por aos antigos opressores para que não voltem a oprim ir não são
opressão daqueles a estes. A opressão só existe quando se constitui em um ato proibitivo do ser m ais dos
hom ens. Por esta razão, estes freios, que são necessários, não significam , em si m esm os, que os
oprim idos de ontem se tenham t ransform ado nos opressores de hoje .

Os oprim idos de ontem , que detêm os antigos opressores na sua ânsia de oprim ir, estarão gerando, com
seu ato, liberdade, na m edida em que, com ele, evitam a volta do regim e opressor. Um ato que proíbe a
rest auração dest e regim e não pode ser com parado com o que o cria e o m antém ; não pode ser
com parado com aquele através do qual alguns hom ens negam às m aiorias o direito de ser.

No m om ento, porém , em que o novo poder se enrijece em “ burocracia” 1 1


dom inadora, se perde a
dim ensão hum anista da luta e já não se pode falar em libertação.

Daí a afirm ação anteriorm ente feita, de que a superação autêntica da contradição opressores- oprimidos
não está na pura t roca de lugar, na passagem de um pólo a outro. Mais ainda: não está em que os
oprimidos de hoje, em nome d e sua libertação, passem a ter novos opressores.

11
Este enrijecim ento não se confunde, pois, com os freios referidos anteriorm ente e que têm de ser
im postos aos antigos opressores para que não restaurem a ordem dom inadora. É de outra natureza.
Implica a revolução que, est agnando- se, volt a- se contra o povo, usando o m esm o aparato burocrático
repressivo do Estado, que devia ter sido radicalm ente suprim ido, com o tantas vezes salientou Marx.
A SI TUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO
E OS OPRESSORES

Mas, o que ocorre, ainda quando a superação da contradição se faça em term os autênticos, com a
instalação de um a nova situação concreta, de um a nova realidade inaugurada pelos oprim idos que se
libertam , é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir- se
com o se realm ente estivessem sendo oprim idos. É que, para eles, “ form ados” na experiência de
opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprim ir , significa opressão a eles. Vão sentir- se,
agora, na nova situação, com o oprim idos porque, se antes podiam com er, vestir, calçar, educar- se,
passear, ouvir Beethoven, enquanto m ilhões não com iam , não calçavam , não vestiam , não estudavam
nem tam pouco passeavam , quanto m ais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em
nom e do direito de todos, lhes parece um a profunda violência a seu direito de pessoa. Direito de pessoa
que, na sit uação ant erior, não respeitavam nos m ilhões de pessoas que sofriam e m orriam de fom e, de
dor, de t r isteza, de desesperança.

É que, para eles, pessoa hum ana são apenas eles. Os outros, estes são “ coisas” . Para eles, há um só
direito – o seu direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem , que talvez nem sequer
reconheçam , m as som ente adm itam aos oprim idos. E isto ainda, porque, afinal, é preciso que os
oprim idos existam , para que eles existam e sejam “ generosos”...

Esta m aneira de assim proceder, de assim com preender o m u ndo e os hom ens ( que necessariam ente os
faz reagir à instalação de um novo poder) explica- se, com o já dissem os, na experiência em que se
constituem com o classe dom inadora.

Em verdade, instaurada um a situação de violência, de opressão, ela gera toda um a forma de ser e
com portar- se nos que estão envolvidos nela. Nos opressores e nos oprim idos. Uns e outros, porque
concretam ente banhados nesta situação, refletem a opressão que os m arca.

Na análise da situação concreta, existencial, de opressão, não peem os deixar de surpreender o seu
nascim ento num ato de violência que é inaugurado repetim os, pelos que têm poder.

Esta violência, com o um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo
legatários dela e form ando- se no seu clim a geral. Est e clim a cria nos opressores um a consciência
fortem ente possessiva. Possessiva do m undo e dos hom ens. Fora da posse direta, concreta, m aterial, do
m undo e dos hom ens, os opressores não se podem entender a si m esm os. Não podem ser. Deles com o
consciências necrófilas, diria From m que, sem esta posse, " perderiam el contacto con el m undo” 1 2 . Daí
que tendam a t ransform ar tudo o que os cerca em objetos de seu dom ínio. A terra, os bens, a produção, a
criação dos hom ens, os hom ens m esm os, o tem po em que estão os homens, t udo se reduz a obj et o de
seu com ando.

Nesta ânsia irrefreada de posse, desenvolvem em si a convicção de que lhes é possível t ransform ar tudo a
seu poder de com pra. Daí a sua concepção estritam ente m aterialista da existência. O dinheiro é a m edida
de todas as coisas. E o lucro, seu obj et ivo principal.

Por isto é que, para os opressores, o que vale é t er m ais e cada vez m ais, à custa, inclusive, do t er m enos
ou do nada t er dos oprimidos. Ser, para eles, é t er e ter com o classe que tem .

Não pedem perc eber, na situação opressora em que estão, com o usufrutuários, que, se t er é condição
para ser, esta é um a condição necessária a todos os hom ens. Não podem perceber que, na busca egoísta
do t er com o classe que tem , se afogam na posse e j á não são. Já não po dem ser.

Por isto tudo é que a sua generosidade, com o salientam os, é falsa.

Por isto tudo é que a hum anização é um a “ coisa” que possuem com o direito exclusivo, com o atributo
herdado. A hum anização é apenas sua. A dos outros, dos seus contrários, se apresent a com o subversão.
Hum anizar é, naturalm ente, segundo seu ponto de vista, subverter, e não ser m ais.

12
Erich Fromm, El Corazón del Hombre , Breviario . México, Fondo de Cultura Económ ica, 1967, p. 41.
Ter m ais, na exclusividade, não é um privilégio desum anizante e inautêntico dos dem ais e de si m esm os,
m as um direito intocável. Direito que “ conquistaram com seu esforço, com sua coragem de correr r isco” . . .
Se os out ros – “ esses invej osos” – não têm , é porque são incapazes e preguiçosos a que juntam ainda um
injustificável m al- agradecim ento a seus “ gestos generosos”. E, porque “ m al- agradecidas e invej osos” , são
sem pre vistos os oprim idos com o seus inim igos potenciais a quem têm de observar e vigiar.

Não poderia deixar de ser assim . Se a hum anização dos oprim idos é subversão, sua liberdade tam bém o
é. Daí a necessidade de seu const ant e cont role. E, quant o mais controlam os oprimidos, mais os
t ransform am em “ coisa”, em algo que é com o se fosse inanim ado.

Esta tendência dos opressores de inanim ar tudo e todos, que se encontra em sua ânsia de posse, se
identifica, indiscutivelm ente, com a tendência sadista. “ El placer del dom inio com pleto sobre otra persona (
o sobre otra creatura anim ada), diz From m , es la esencia m ism a del im pulso sádico. Otra m anera de form
ular la m ism a idea es decir que el fin dei sadism o es convertir un hom bre en cosa, algo anim ado en algo
inanim ado, ya que m ediante el control com pleto y absoluto el vivir pierde um a cualidad essencial de la
vida: la libertad.” 1 3

O sadism o aparece, assim , com o um a das características da consciência opressora, na sua visão necrófila
do m undo. Por isto é que o seu am or é um am or às avessas – um am or à m orte e não à vida.

Na m edida em que, para dom inar, se esforçam por deter a ânsia de busca, a inquietação, o poder de
criar, que caracterizam a vida, os opressores m atam a vida.

Daí que vão se apropriando, cada vez m ais, da ciência tam bém , com o instrum ento para suas finalidades.
Da tecnologia, que usam com o força indiscutível de m anutenção da “ ordem ” opressora, com a qual
manipulam e esmagam1 4.

Os oprim idos, com o objetos, com o quase “ coisas", não têm finalidades. As suas, são as finalidades que
lhes prescrevem os opressores.

Em face de tudo isto é que se coloca a nós m ais um problem a de im portância inegável a ser observado no
corpo destas considerações que é o da adesão e conseqüente passagem que fazem representantes do pólo
opressor ao pólo dos oprim idos. De sua adesão à luta destes por libertar- se.

Cabe a eles um papel fundam ental, com o sem pre tem cabido na história desta luta.

Acontece, porém , que, ao passarem de exploradores ou de espectadores indiferentes ou de herdeiros da


exploração – o que é um a conivência com ela – ao pólo das explorados, quase sem pre levam consigo,
condicionados pela “ cultura do silêncio”1 5 , toda a m arca de sua erigem . Seus preconceitos. Suas
deform ações, ent re est as, a desconfiança do povo. Desconfiança de que o povo sej a capaz de pensar
certo. De querer. De saber.

Deste m odo, estão sem pre correndo o r isco de cair num outro t ipo de generosidade tão funesto quanto o
que crit icam os nos dom inadores.

Se est a generosidade não se nut re, com o no caso dos opressores, da ordem injusta que precisa ser
m antida para j ustificá- la; se querem realmente t ransformá- la, na sua deform ação, contudo, acreditam
que devem ser os fazedores da t ransform ação.

13
Erich From m , op. cit ., p. 30 ( os grifos são nossos).
14
A propósito das “ form as dom inantes de controle social” ver: Herbert Marcuse, L'Homme Unidimensionel
e Eros et Civilisation . Paris, Editions de Minuit, 1968- 1961, obras já t raduzidas para o português.
1 5
A propósito de “ cultura do silêncio" ver Paulo Freire: ação cultural para a libertação. Cam bridge,
Massachusetts, Center for the Study of Developm ent and Social Change, 1970. Este ensaio apareceu
primeiramente, em Harvard Educational Review, nos seus núm eros de m aio e agosto de 1970; é publicado
no Brasil em 1976, pela Paz e Terra no livro Ação cultural para a liberdade e outros escritos.
Com portam- se, assim , com o quem não crê no povo, ainda que nele falem . E crer no povo é a condição
prévia, indispensável, à m udança revolucionária. Um a revolucionária se reconhece m ais por esta crença
no povo, que o engaja, do que por m il ações sem ela.

Àqueles que se com prom etem autenticam ente com o povo é indispensável que se revejam
constantem ente. Esta adesão e de tal form a radical que não perm it e a quem a faz com portam entos
ambíguos.

Fazer est a adesão e considerar- se proprietário do saber revolucionário, que deve, desta m aneira, ser
doado ou im post o ao povo, é m anter- se com o era ant es.

Dizer- se com prom et ido com a libertação e não ser capaz de com ungar com o povo, a quem continua
considerando absolutam ente ignorante, é um doloroso equívoco.

Aproximar- se dele, m as sentir, a cada passo, a cada dúvida, a cada expressão sua, um a espécie de sust o,
e pretender im por o seu st at us, é m anter- se nostálgico de sua origem .

Daí que esta passagem deva ter o sentido profundo do renascer. Os que passam têm de assum ir um a
form a nova de estar sendo; já, não podem at uar com o atuavam ; já não podem perm anecer com o
estavam sendo.

A SI TUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO


E OS OPRIMIDOS

Será na sua convivência com os oprim idos, sabendo tam bém um deles – som ente a um nível diferente de
percepção da realidade – que poderão com preender as form as de ser e com portar- se dos oprim idos, que
refletem , em m om entos diversos, a estrutura da dom inação.

Um a destas, de que já falam os rapidam ente, é a dualidade existencial dos oprim idos que, “ hospedando” o
opressor cuja “ som bra” eles “ introjetam”, são eles e ao m esm o tem po são o outro. Dai que, quase
sem pre, enquanto não chegam a localizar o opressor concreta- m ente, com o tam bém enquanto não
cheguem a ser “ consciência para si” , assum am at it udes fat alist as em face da sit uação concret a de
opressão em que estão1 6 .

Este fatalism o, às vezes, dá, a im pressão, em análises superficiais, de docilidade, com o caráter nacional, o
que é um engano. Este fatalism o, alongado em docilidade, é fruto de um a situação histórica e sociológica e
não um t raço essencial da form a de ser do povo.

Quase sem pre este fatalism o está, referido ao poder do destino ou da sina ou do fado – pot ências
irremovíveis – ou a um a destorcida visão de Deus. Dentro do m undo m ágico ou m íst ico em que se
encont ra a consciência oprim ida, sobret udo cam ponesa, quase im ersa na natureza1 7 , encont ra no
sofrim ento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, com o se Ele fosse o fazedor desta
“ desordem organizada”.

Na “ im ersão” em que se encontram , não podem os oprim idos divisar, claram ente, a “ ordem ” que serve
aos opressores que, de certa form a, “ vivem ” neles. “ Ordem ” que, frustrando- os no seu atuar, m uitas
vezes os leva a exercer um t ipo de violência horizontal com que agridem os próprios com panheiros1 8. É
possível que, ao agirem assim , m ais um a vez explicitem sua dualidade. Ao agredirem seus com panheiros
oprim idos estarão agredindo neles, indiretam ente, o opressor tam bém “ hospedado” neles e nos outras.
Agridem , com o opressores, o opressor nos oprim idos.

16
“ O cam ponês, que é um dependente, com eça a ter ânim o para superar sua dependência quando se dá
conta de sua dependência. Antes disto, segue o patrão e diz quase sem pre: ‘que posso fazer, se sou um
cam ponês?’” – Palavras de um cam ponês durante entrevista com o autor. Chile.
17
Ver Cândido A. Mendes, “ Mem ento dos Vivos – a esquerda cat ólica no Brasil”, Tempo Brasileiro, Rio de
Janeiro, 1966.
18
Frant z Panon, Los condenados de la Tierra. México. Fondo de Cultura. 1965: “ ... el colonizado no deja de
liberarse entre las nueve de la noche y las seis de la m añana. Esa agresividad sedim entada en sus
m úsculos va a m anifestarla al colonizado prim ero contra los suyos” ( p. 46).
Há, por outro lado, em certo m om ento da experiência existencial dos oprim idos, um a irresistível atração
pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui um a incontida aspiração. Na
sua alienação querem , a todo custo, parecer com o opressor. I m it á- lo. Segui- lo. Ist o se verifica,
sobretudo, nos oprim idos de “ classe m édia”, cujo anseio é serem iguais ao “ hom em ilustre” da cham ada
classe “ superior” .

É interessante observar com o Mem m i 1 9 , em um a excepcional análise da “ consciência colonizada” , se


refere à sua repulsa de colonizado ao colonizador m esclada, contudo, de “ apaixonada” atração por ele.

A autodesvalia é outra característica dos oprim idos. Resulta da introjeção que fazem eles da visão que
deles têm os opressores2 0 .

De tanto ouvirem de si m esm os que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são
enferm os, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, term inam por se convencer de sua
“ incapacidade” 2 1 . Falam de si com o os que não sabem e do “ doutor” com o o que sabe e a quem devem
escut ar. Os critérios de saber que lhe são im postos são os convencionais.

Não se percebem , quase sem pre, conhecendo, nas relações que estabelecem com o m undo e com os
outros hom ens, ainda que um conhecim ento ao nível da pura doxa .

Dent ro dos m arcos concret os em que se fazem duais é natural que descreiam de si m esm os2 2 .

Não são poucos os cam poneses que conhecem os em nossa experiência educativa que, após alguns
m om entos de discussão viva em torno de um tem a que lhes é problem ático, param de repente e dizem ao
educador: “ Desculpe, nós devíam os estar calados e o senhor falando. O senhor é o que sabe; nós, as que
não sabem os”.

Muitas vezes insistem em que nenhum a diferença existe entre eles e o anim al e, quando reconhecem
alguma, é em vantagem do animal. “ É mais liv re do que nós”, dizem.

É im pressionante, contudo, observar com o, com as prim eiras alterações num a situação opressora, se
verifica um a t ransform ação nesta autodesvalia. Escutam os, certa vez, um líder cam ponês dizer, em
reunião, num a das unidades de produção ( asentam iento) da experiência chilena de reform a agrária:
“ Diziam de nós que não produzíamos porque éramos borrachos, preguiçosos. Tudo m entira. Agora, que
estam os sendo respeitados com o hom ens, vam os m ostrar a todos que nunca fom os borrachos , nem
preguiçosos. Éram os explorados, isto sim ” , concluiu enfático.

Enquanto se encontra nít ida sua am bigüidade, os oprim idos dificilm ente lutam , nem sequer confiam em si
m esm os. Têm um a crença difusa, m ágica, na invulnerabilidade do opressor2 3 . No seu poder de que
sem pre dá testem unho. Nos cam pos, sobretudo, se observa a força m ágica do poder do senhor2 4. É

19
Albert Memmi, – “ How could the colonizer look after his workers while periodically gunning down a
crowd of the colonized? How could the colonized deny him self so cruelly yet m a ke such excessive
dem ands? How could he hate the colonizers and yet adm ire them so passionately? ( I too felt this
adm iration, diz Mem m i, in spite of m yself).” Albert Mem m i, The Colonizer and the Colonized. Bost on,
Beacon Press, 1967, p. X, Prefácio. Em port uguês, Retrato do colonizado precedido pelo retrato do
colonizador, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, 2ª edição.
20
“O cam ponês se sente inferior ao patrão porque este lhe aparece com o o que tem o m érito de saber e
dirigir.” ( Entrevista do autor com um cam ponês.)
21
Ver a este respeito o livro citado de Albert Mem m i.
22
“Por que o senhor ( disse certa vez um cam ponês participante de um ‘círculo de cultura’ ao educador)
não explica prim eiram ente os quadros ( referia- se às codificações) . Assim , concluiu, nos custará m enos e
não nos dói a cabeça.”
23
“ O cam ponês tem um m edo quase instintivo do patrão”. ( Entrevista com um cam ponês).
24
Recentem ente, num país lat ino - am ericano, segundo depoim ento que nos foi dado por sociólogo am igo,
um grupo de cam poneses, arm ados, se apoderou do lat ifúndio. Por m ot ivos de ordem tát ica, se pensou
em m anter o proprietário com o refém . Nenhum cam ponês, contudo, conseguiu dar guarda a ele. Só sua
preciso que com ecem a ver exem plos da vulnerabilidade do opressor para que, em si, vá, operando- se
convicção apost a à ant erior. Enquant o ist o não se verifica, con t inuarão abatidos, m edrosos, esm agados25 .

Até o m om ento em que os oprim idos não tornem consciência das razões de seu estado de Opressão
“ aceitam ” fatalistam ente a sua exploração. Mais ainda, provavelm ente assum am posições passivas,
alheadas, com relação à necessidade de sua própria luta pela conquista da liberdade e de sua afirm ação
no m undo. Nisto reside sua “ conivência” com o regim e opressor.

Pouco e pouco, porém , a tendência é assum ir form as de ação rebelde. Num quefazer libertador, não se
pode perder de vista esta m aneira de ser dos oprim idos, nem esquecer este m om ento de despertar.

Dentro desta visão inautêntica de si e do m undo os oprim idos se sentem com o se fossem um a quase
“ coisa" possuída pelo opressor. Enquanto, no seu afã de possuir, para este, como afirmamos, ser é t er à
custa quase sem pre dos que não têm , para os oprim idos, num m om ento da sua experiência existencial,
ser nem sequer é ainda parecer com o opressor, m as é estar sob ele. É depender. Daí que os oprim idos
sejam dependentes em ocionais2 6.

NINGUÉM LIBERTA NINGUÉM, NINGUÉM SE


LI BERTA SOZI NHO:
OS HOMENS SE LI BERTAM EM COMUNHÃO

É este caráter de dependência em ocional e total dos oprim idos que os pode levar a m anifestações que
From m cham a de necrófilas. De destruição da vida. Da sua ou da do outro, oprimido também.

Som ente quando os oprim idos descobrem , nit idam ente, o opressor, e se engajam na luta organizada por
sua libertação, com eçam a crer em si m esm os, superando, assim , sua “ conivência” com o regim e
opressor. Se est a descobert a não pode ser feita em nível puram ente intelectual, m as da ação, o que nos
parece fundam ental, é que esta não se cinja a m ero at ivism o, m as esteja associada a sério em penho de
reflexão, para que seja práxis.

O diálogo crit ico e libertador, por isto m esm o que supõe a ação, tem de ser feito com os oprim idos,
qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação. Não um diálogo às escâncaras, que
provoca a fúria e a repressão m aior do opressor.

O que pode e deve variar, em função das condições históricas, em função do nível de percepção da
realidade que tenham os oprim idos é o conteúdo do diálogo. Substituí- lo pelo anti- diálogo, pela
sloganização, pela verticalidade, pelos com unicados é pretender a libertarão dos oprim idos com
instrum entos da “ dom esticaç ão” . Pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato dest a libert ação é
transformá - los em objeto que se devesse salvar de um incêndio. É faze- los cair no engodo populista e
transformá - los em m assa de m anobra.

Os oprim idos, nos vários m om entos de sua libertação, precisam reconhecer- se com o hom ens, na sua
vocação ontológica e histórica de Ser Mais. A reflexão e a ação se im põem , quando não se pretende,
errôneam ente, dicotom izar o conteúdo da form a histórica de ser do hom em .

Ao defendermos um permanente esforço de reflexão das oprim idos sobre suas condições concretas, não
estam os pretendendo um j ogo divertido em nível puram ente intelectual. Estam os convencidos, pelo
contrário, de que a reflexão, se realm ente reflexão, conduz à prática.

Por outro lado, se o m om ento j á é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se
faz obj eto da reflexão crit ica. Neste sentido, é que a práxis constitui a razão nova da consciência oprim ida

presença j á os assustava. Possivelm ente tam bém a ação m esm a de lutar contra o patrão lhes provocasse
sentim ento de culpa. O patrão, na verdade, estava “ dentro” deles...
25
Neste sentido ver, Regis Debret, La Revolución en la Revolución.
26
“ O cam ponês é um dependente. Não pode expressar o seu querer. Antes de descobrir sua dependência,
sofre. Desabafa sua ‘pena’ em casa, onde grita com os filhos, bate, desespera- se. Reclam a da m ulher.
Acha tudo m al. Não desabafa sua ‘pena’ com o patrão porque o considera um ser superior. Em m uitos
casos, o cam ponês desabafa sua ‘pena’ bebendo." ( Entrevista.)
e que a revolução, que inaugura o m om ento histórico desta razão, não possa encontrar viabilidade fora
dos níveis da consciência oprim ida.

A não ser assim , a ação é puro ativism o.

Desta form a, nem um diletante jogo de palavras vazias – quebra - cabeça int elect ual – que, por não ser
reflexão verdadeira, não conduz à ação, nem ação pela ação. Mas am bas, ação e reflexão, com o unidade
que não deve ser dicotom izada.

Para isto, contudo, é preciso que creiam os nos hom ens oprim idos. Que os vejam os com o capazes de
pensar certo tam bém .

Se esta crença nos falha, abandonam o s a idéia ou não a tem os, do diálogo, da reflexão, da com unicação e
caiam os nos slogans, nos com unicados, nos depósitos, no dirigism o. Esta é um a am eaça contida nas
inaut ênt icas adesões à causa da libert ação dos hom ens.

A ação polít ica j unto aos oprim idos tem de ser, no fundo, " ação cultural” para a liberdade, por isto
m esm o, ação com eles. A sua dependência em ocional, fruto da situação concreta de dom inação em que se
acham e que gera tam bém a sua visão inautêntica do m undo, não pode ser aproveitada a não ser pelo.
opressor, Este é que se serve desta dependência para criar m ais dependência.

A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprim idos com o ponto vulnerável,
deve tentar, através da reflexão e da ação, t ransform á - la em independência. Esta, porém , não é doação
que um a liderança, por m ais bem intencionada que seja, lhes faça. Não podem os esquecer que a
libertação dos oprim idos é libertação de hom ens e não de “ coisas” . Por isto, se não é autolibertação –
ninguém se liberta sozinho, tam bém não é libertação de uns feita por outros.

Não se pode realizar com os hom ens pela “ m etade” 2 7 . E, quando o tentam os, realizam os a sua
deform ação, Mas, deform ados j á estando, enquanto oprim idos, não pode a ação de sua libertação usar o
mesmo procedim ento em pregado para sua deform ação.

O cam inho, por isto m esm o, para um t rabalho de libertação a ser realizado pela liderança revolucionário
não é a “ propaganda libertadora” . Não está no m ero ato de “ depositar” a crença da liberdade nos
oprim idos, pensando conquistar a sua confiança, m as no dialogar com eles.

Precisam os estar convencidos de que o convencim ento dos oprim idos de que devem lutar por sua
libertação não é doação que lhes faça a liderança revolucionária, m as resultado de sua conscientização.

É necessário que a liderança revolucionária descubra esta obviedade: que seu convencim ento da
necessidade de lutar, que constitui um a dim ensão indispensável do saber revolucionário, não lhe foi doado
por ninguém , se é autêntico. Chegou a este saber, que não é algo parado ou possível de ser t ransform ado
em conteúdo a ser depositado nos outros, por um ato total, de reflexão e de ação.

Foi a sua inserção lúcida na realidade, na situação histórica, que a levou à crít ica desta m esm a situação e
ao ím peto de t ransform á- la.

Assim tam bém é necessário que os oprim idos, que hão se engajam na luta sem estar convencidos e, se
não se engaj am , ret iram as condições para ela, cheguem , com o suj eitos, e não com o obj etos, a este
convencim ento. É preciso que tam bém se insiram crit icam ente na situação em que se encontram e de que
se acham m arcados. E isto a propaganda não faz. Se este convencim ento, sem o qual, repitam os, não é
possível a luta, é indispensável à liderança revolucionária, que se constitui a partir dele, o é também aos
oprim idos. A não ser que se pretenda fazer para eles a t ransform ação e não com eles – som ente com o
nos parece verdadeira est a t ransform ação28 .

27
Referimo - nos à redução dos oprim idos à condição de m eros objetos da ação libertadora que, assim , é
realizada mais sobre e para eles do que com eles, com o deve ser.
28
No Capítulo I V voltarem os detidam ente a estes pontos.
Ao fazerm os est as considerações, out ra coisa não est am os t ent ando senão defender o carát er
em inentem ente pedagógico da revolução.

Se os líderes revolucionários de todos os tem pos afirm am a necessidade do convencim ento das m assas
oprim idas para que aceitem a luta pela libertação – o que de resto é óbvio – reconhecem im plicitam ente o
sentido pedagógico dest a luta. Muitos, porém , talvez por preconceitos naturais e explicáveis contra a
pedagogia, term inam usando, na sua ação, m étodos que são em pregados na “ educação” que serve ao
opressor. Negam a ação pedagógica no processo de libertação, m as usam a propaganda para convencer...

Desde o com eço m esm o da luta pela hum anização, pela superação da contradição opressor- oprimidos, é
preciso que eles se convençam de que esta luta exige deles, a partir do m om ento em que a aceitam , a
sua responsabilidade total. É que est a luta não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para
com er, m as “ liberdade para criar e construir, para adm irar e aventurar- se”. Tal liberdade requer que o
indivíduo seja at ivo e responsável, não um escravo nem um a peça bem alim entada da m áquina. Não
basta que os hom ens não sej am escravos; se as condições sociais fom entam a existência de autôm atos, o
resultado não é o am or à vida, m as o am or à m orte2 9 . Os oprimidos que se " formam” no amor à morte,
que caract eriza o clim a da opressão, devem encontrar, na sua luta, o cam inho do am or à vida, que não
está apenas no com er m ais, se bem que im plique tam bém nele e dele não possa prescindir.

É com o hom ens que os oprim idos têm de lutar e não com o " coisas”. É precisam ente porque reduzidos a
quase “ coisas” , na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. Para reconstruir- se é
im portante que ult rapassem o estado de quase “ coisas” . Não podem com parecer à luta com o quase
" coisas” , para depois ser hom ens. É radical esta exigência. A ult rapassagem dest e est ado, em que se
destroem , para o de hom ens, em que se reconstroem , não é “ a posteriori” . A luta por esta reconstrução
com eça no aut o- reconhecim ento de hom ens destruídos.

A propaganda, o dirigism o, a m anipulação, corno arm as da dom inação, não podem ser instrum entos para
est a reconst rução 3 0 .

Não há outro cam inho senão o da prática de um a pedagogia hum anizadora, em que a liderança
revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprim idos e continuar m antendo- os com o quase “ coisas” , com
eles est abelece um a relação dialógica perm anente.

Prática pedagógica em que o m étodo deixa de ser, com o salientam os no nosso t rabalho anterior,
instrum ento do educador ( no caso, a liderança revolucionária), com o qual m anipula os educandos ( no
caso, os oprim idos) porque é j á a própria consciência.

“ O m étodo é, na verdade ( diz o professor Álvaro Vieira Pinto), a form a exterior e m aterializada em at os,
que assum e a propriedade fundam ental da consciência: a sua intencionalidade. O próprio da consciência é
estar com o m undo e este procedim ento é perm anente e ir recusável. Portanto, a consciência é, em sua
essência, um ‘cam inho para’ algo que não é ela, que está fora dela, que a circunda e que ela apreende por
sua capacidade ideat iva. Por definição, cont inua o professor brasileiro, a consciência é, pois, m étodo,
entendido este no seu sentido de m áxim a generalidade. Tal é a raiz do m étodo, assim com o tal é a
essência, da consciência, que só exist e enquant o faculdade abst rat a e m et ódica.” 3 1

Porque assim é, a educação a ser prat icada pela liderança revolucionária se faz co- intencionalidade.

Educador e educandos ( liderança e m assas) , co- intencionados à realidade, se encontram num a tarefa em
que am bos são suj eitos no ato, não só de desvelá- la e, assim , crit icam ente conhecê- la, m as também no
de re - criar este conhecim ento.

29
Erich Fromn, op. cit . , pp. 54 - 5 .
30
No Capítulo I V voltarem os porm enorizadam ente a este tem a.
31
Álvaro Vieira Pinto, Ciência e Existência, R. J., Paz e Terra, 1986, 2ª ed. Deixam os aqui o nosso
agradecim ento ao m estre brasileiro por nos haver perm it ido citá- lo antes da publicação de sua obra.
Consideram os o t recho citado de grande im portância para a com preensão de um a pedagogia da
problem at ização, que estudarem os no capítulo seguinte.
Ao alcançarem , na reflexão e na ação em com um , este saber da realidade, se descobrem com o seus
refazedores perm anentes.

Deste m odo, a presença das oprim idos na busca de sua libertação, m ais que pseudo- part icipação, é o que
deve ser: engajam ento.
2. A concepção «bancária» da educação
como instrumento da opressão.
Seus pressupostos, sua crítica

Quanto m ais analisam os as relações educador- educandos, na escola, em qualquer de seus níveis, ( ou fora
dela) , parece que m ais nos podem os convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e
m arcante – o de serem relações fundam entalm ente narradoras, dissertadoras.

Narração de conteúdos que, por isto m esm o, tendem a petrificar- se ou a fazer- se algo quase m orto,
sejam valores ou dim ensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que im plica num sujeito – o
narrador – e em obj etos pacientes, ouvintes – os educandos.

Há um a quase enferm idade da narração. A tônica da educação é preponderantem ente esta – narrar,
sempre narrar.

Falar da realidade com o algo parado, estático, com partim entado e bem com portado, quando não falar ou
dissertar sobre algo com pletam ente alheio à experiência existencial dos educandos vem sendo, realm ente,
a suprem a inquietação desta educação. A sua ir refreada ânsia. Nela, o educador aparece com o seu
indiscutível agente, com o o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é " encher” os educandos dos
cont eúdos de sua narração. Cont eúdos que são ret alhos da realidade desconect ados da t ot alidade em que
se engendram e em cuj a visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da
dim ensão concreta que devia ter ou se t ransform a em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante.
Dai que seja m ais som que significação e, assim, melhor seria não dizê- la.

Por isto m esm o é que um a das características desta educação dissertadora é a “ sonoridade” da palavra e
não sua força t ransform adora. Quatro vezes quatro, dezesseis; Pará, capital Belém , que o educando fixa,
m em oriza, repete, sem perceber o que realm ente significa quatro vezes quatro. O que verdadeiram ente
significa capital, na afirm ação, Pará, capital Belém . Belém para o Pará e Pará para o Brasil1.

A narração, de que o educador é o suj eito, conduz os educandos à m em orização mecân ica do cont eúdo
narrado. Mais ainda, a narração os t ransform a em “ vasilhas”, em recipientes a serem “ enchidos” pelo
educador. Quanto m ais vá “ enchendo” os recipientes com seus “ depósitos” , tanto m elhor educador será.
Quanto m ais se deixem docilm ente “ encher” , tanto m elhores educandos serão.

Desta m aneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o
educador o depositante.

Em lugar de com unicar- se, o educador faz “ com unicados” e depósitos que os educandos, m eras
incidências, recebem pacientem ente, m em orizam e repetem . Eis aí a concepção “ bancária” da educação,
em que a única m argem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá- los
e arquivá- los. Margem para serem colecionadores ou fic hadores das coisas que arquivam . No fundo,
porém , os grandes arquivados são os hom ens, nesta ( na m elhor das hipóteses) equivocada concepção
“ bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os hom ens não podem ser.
Educador e educandos se arquivam na m edida em que, nesta destorcida visão da educação, não há
criatividade, não há t ransform ação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca
inquieta, im paciente, perm anente, que os hom ens fazem no m undo, com o m undo e com os out ros. Busca
esperançosa tam bém .

Na visão “ bancária” da educação, o “ saber” é um a doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada
saber. Doação que se funda num a das m anifestações instrum entais da ideologia da opressão – a
absolut ização da ignorância, que constitui o que cham am os de alienação da ignorância, segundo a qual
esta se encontra sem pre no outro.

1
Poderá dizer- se que casos com o estes j á não sucedem nas escolas brasileiras. Se realm ente estes não
oc orrem , continua, contudo, preponderantem ente, o caráter narrador que estam os crit icando.
O educador, que aliena a ignorância, se m antém em posições fixas, invariáveis. Será sem pre o que sabe,
enquanto os educandos serão sem p re os que não sabem . A r igidez dest as posições nega a educação e o
conhecim ent o com o processos de busca.

O educador se põe frente aos educandos com o sua antinom ia necessária. Reconhece, na absolutização da
ignorância daqueles a razão de sua existência. Os educandos, alienados, por sua vez, à m aneira do
escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador, m as
não chegam , nem sequer ao m odo do escravo naquela dialética, a descobrir- se educadores do educador.

Na verdade, com o m ais adiante discutirem os, a razão de ser da educação libertadora está no seu im pulso
inicial conciliador. Daí que tal form a de educação im plique na superação da contradição educador-
educandos, de tal m aneira que se façam am bos, sim ultaneam ent e, educadores e educandos.

Na concepção “ bancária” que est am os crit icando, para a qual a educação é o at o de deposit ar, de
t ransferir, de t ransm it ir valores e conhecim entos, não se verifica nem pode verificar- se est a superação.
Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dim ensão da “ cultura do silêncio” , a “ educação”
“ bancária” m antém e estim ula a contradição.

Dai, então, que nela:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;


b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilm ente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opt a e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam , na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo program át ico; os educandos, j am ais ouvidos nesta escolha, se
acom odam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicam ente à
liberdade dos educandos; estes devem adaptar- se às determ inações daquele;
j ) o educador, finalm ente, é o suj eito do processo; os educandos, m e ros obj et os.

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem , cabe àquele dar, entregar, levar, t
ransm it ir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “ experiência feito” para ser de experiência narrada
ou t ransm it ida.

Não é de estranhar, pois, que nesta visão “ bancária” da educação, os hom ens sejam vistos com o seres da
adaptação, do ajustam ento. Quanto m ais se exercitem os educandos no arquivam ento dos depósitos que
lhes são feitos, tanto m enos desenvolverão em si a consciência crit ica de que resultaria a sua inserção no
m undo, com o t ransform adores dele. Com o sujeitos.

Quanto m ais se lhes im ponha passividade, tanto m ais ingenuam ente, em lugar de t ransform ar, tendem a
adapt ar- se ao m undo, à realidade parcializada nos depósitos re cebidos.

Na m edida em que esta visão “ bancária” anula o poder criador dos educandos ou o m inim iza, estim ulando
sua ingenuidade e não sua crit icidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundam ental
não é o desnudam ento do m undo, a sua t ransform ação. O seu “ hum anitarism o”, e não hum anism o, está
em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a m anutenção de sua falsa
generosidade a que nos referim os no capítulo anterior. Por isto m esm o é que reagem , até instintivam e nt e,
contra qualquer tentativa de um a educação estim ulante do pensar autêntico, que não se deixa em aranhar
pelas voes parciais da realidade, buscando sem pre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um
problem a a outra.

Na verdade, o que pretendem os opre ssores “ é t ransform ar a m entalidade dos oprim idos e não a situação
que os oprime” 2 , e isto para que, m elhor adaptando- os a esta situação, m elhor os dom ine.

2
Sim one de Beauvoir, El pensamiento Polít ico de la Derecha. Buenos Aires, Ediciones Siglo Veinte/ S.R.L.,
1963, p. 34.
Para isto se servem da concepção e da prática “ bancárias” da educação, a que j untam toda um a ação
social de caráter paternalista, em que os oprim idos recebem o nom e sim pático de “ assistidos”. São casos
individuais, m eros " m arginalizados”, que discrepam da fisionom ia geral da sociedade. “ Esta é boa,
organizada e justa. Os oprim idos, com o casos individuais, sãos patologia da sociedade sã, que precisa, por
isto m esm o, aj ust á- los a ela, m udando- lhes a m entalidade de hom ens ineptos e preguiçosos”.

Com o m arginalizados, “ seres fora de” ou “ à m argem de”, a solução para eles estaria em que fossem
" integrados” , “ incorporados” à sociedade sadia de onde um dia “ partiram ” , renunciando, com o t rânsfugas,
a um a vida feliz...

Sua solução estaria em deixarem a condição de ser “ seres fora de” e assum irem a de “ seres dentro de”.

Na verdade, porém , os cham ados m arginalizados, que são os oprim idos, jam ais estiveram fora de.
Sem pre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os t ransform a em “ seres para outro” . Sua solução,
pois, não est á em “ int egrar- se", em “ incorporar- se” a esta estrutura que os oprim e, m as em t ransform á- la
para que possam fazer- se “ seres para si” .

Este não pode ser, obviam ente, o objetivo dos opressores. Dai que a “ educação bancária” , que a eles
serve, j am ais possa orientar- se no sent ido da conscient ização dos educandos.

Na educação de adultos, por exem plo, não interessa a esta visão “ bancária” propor aos educandos o
desvelam ento do m undo, m as, pelo contrário, perguntar- lhes se “ Ada deu o dedo ao urubu”, para depois
dizer- lhes enfaticam ente, que não, que “ Ada deu o dedo à arara” .

A questão está em que, pensar autenticam ente, é perigoso. O estranho hum anism o desta concepção
“ bancária” se reduz à tentativa de fazer dos hom ens o seu contrário – o autôm ato, que é a negação de
sua ont ológica vocação de Ser Mais.

O que não percebem os que execut am a educação “bancária”, deliberadam ente ou não ( porque há um
sem- núm ero de educadores de boa vontade, que apenas não se sabem a serviço da desum anização ao
praticarem o " bancarism o” ) é que nos próprios “ depósitos” , se encontram as contradições, apenas
revestidas por uma exterioridade que as oculta. E que, cedo ou tarde, os próprios “ depósitos” podem
provocar um confronto com a realidade em devenir e despertar os educandos, até então passivos, contra
a sua “ dom est icação” .

A sua “ dom esticação” e a da realidade, da qual se lhes fala com o algo estático, pode despertá- los com o
contradição de si m esm os e da realidade. De si m esm os, ao se descobrirem , por experiência existencial,
em um m odo de ser inconciliável com a sua vocação de hum anizar- se. Da realidade, ao perceberem- na
em suas relações com ela, com o devenir constante.

A CONTRADIÇÃO PROBLEMATIZADORA
E LIBERTADORA DA EDUCAÇÃO. SEUS
PRESSUPOSTOS

É que, se os hom ens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é hum anizar- se, podem , cedo
ou t arde, perceber a cont radição em que a “ educação bancária” pretende m antê- los e engajar- se na luta
por sua libert ação.

Um educador hum anista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade 3 . Sua ação, ident ificando- se,
desde logo, com a dos educandos, deve orientar- se no sentido da hum anização de am bos. Do pensar
autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda
crença nos hom ens. Crença no seu poder criador.

3
Não fazem os esta afirm ação ingenuam ente. Já tem os afirm ado que a educação reflete a estrutura do
Poder, dai, a dificuldade que tem um educador dialógico de atuar coerentem ente num a estrutura que
nega o diálogo. Algo fundam ental, porém , pode se¿ feito: dialogar sobre a negação do próprio diálogo.
I sto tudo exige dele que seja um com panheiro dos educandos, em suas relações com est es.

A educação “ bancária” , em cuj a prática se dá a inconciliação educador- educandos, rechaça est e


com panheirism o. E é lógico que seja assim . No m om ento em que o educador “ bancário” vivesse a
superação da contradição j á não seria “ bancário” . Já não faria depósitos. Já não tentaria dom esticar. Já
não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não
estaria a serviço da desum anização. A serviço da opressão, m as a serviço da libertação.

A CONCEPÇÃO “ BANCÁRI A” E A
CONTRADIÇÃO EDUCADOR- EDUCANDO

Esta concepção “ bancária” im plica, além dos interesses j á referidos, em outros aspectos que envolvem
sua falsa visão dos hom ens. Aspectos ora explicitado, ora não, em sua prática.

Sugere um a dicotom ia inexistente hom ens- mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e
com os outros. Hom ens espectadores e não recriadores do m undo. Concebe a sua consciência com o algo especializado
neles e não aos hom ens com o “ corpos conscient es” . A consciência como se fosse algum a seção “ dentro”
dos hom ens, m ecanicistam ente com partim entada, passivam ente aberta ao m undo que a irá “ enchendo”
de realidade. Um a consciência continente a receber perm anentem ente os depósitos que o m undo lhe faz,
e que se vão t ransform ando em seus conteúdos. Com o se os hom em fossem um a presa do m undo e este um
eterno caça, dor daqueles, que t ivesse por distração “ enchê- los” de pedaços seus.

Para esta equivocada concepção dos hom ens, no m om ento m esm o em que escrevo, estariam “ dentro” de
mim, com o pedaços do m undo que m e circunda, a m esa em que escrevo, os livros, a xícara de café, os
obj etos todos que aqui estão, exatam ente com o dentro deste quarto estou agora.

Desta form a, não dist ingue presentificação à consciência de entrada, na consciência. A m esa em que
escrevo, os livros, a xícara de café, os objetos que m e cercam estão sim plesm ente presentes à m inha
consciência e não dentro dela. Tenho a consciência deles m as não os tenho dentro de m im .

Mas, se para a concepção “ bancária” , a consciência é, em sua relação com o m undo, esta “ peça”
passivam ente escancarada a ele, a espera de que entre nela, coerentem ente concluirá que ao educador
não cabe nenhum outro papel que não o de disciplinar a entrada do m undo nos educandos. Seu t rabalho
será, tamb ém , o de im itar o m undo. O de ordenar o que já se faz espontaneam ente. O de “ encher” os
educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de “ com unicados” – falso saber – que ele considera com o
verdadeiro saber4 .

E porque os hom ens, nesta visão, ao receberem o m undo que neles entra, j á são seres passivos, cabe à
educação apassivá - los m ais ainda e adaptá- los ao m undo. Quanto m ais adaptados, para a concepção
“ bancária”, tanto m ais " educados”, porque adequados ao m undo.

Esta é um a concepção que, im plicando num a prática, som ente pode interessar aos opressores que estarão
tão m ais em paz, quanto m ais adequados estejam os hom ens ao m undo. E tão m ais preocupados, quanto
m ais questionando o m undo estejam os hom ens.

Quanto m ais se adaptam as grandes m aiorias às finalidades que lhes sejam prescritas pelas m inorias
dom inadoras, de tal m odo que careçam aquelas do direito de ter finalidades próprias, m ais poderão estas
m inorias prescrever.

A concepção e a prática da educação que vim os crit icando se instauram com o eficientes instrum entos para
este fim . Dai que um dos seus objetivos fundam entais, m esm o que dele não estejam advertidos m uitos do
que a realizam , sej a dificultar, em tudo, o pensar autêntico. Nas aulas verbalistas, nos m étodos de
avaliação dos “ conhecim ent os” , no cham ado “ cont role de leit ura” , na dist ância ent re o educador e os

4
A concepção do saber, da concepção " bancária" é, no fundo, o que Sart re ( El Hom bre y las Cosas)
cham aria de concepção " digestiva" ou “ alim entícia” do saber. Este é com o se fosse o “ alim ento" que o
educador vai int roduzindo nos educandos, num a espécie de t rat am ento de engorda . .
educandos, nos critérios de prom oção, na indicação bibliográfica 5 , em tudo, há, sem pre a conotação
“ digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro.

Entre perm anecer porque desaparece, num a espécie de m orrer para viver, e desaparecer pela e na
im posição de sua presença, o educador “ bancário” escolhe a segunda hipótese. Não pode entender que
perm anecer é buscar ser, com os out ros. É con - viver, sim patizar. Nunca sobrepor- se, nem sequer j
ust apor- se aos educandos, des- sim patizar. Não há, perm anência na hipertrofia.

Mas, em nada disto pode o educador “ bancário" crer. Conviver, sim patizar im plicam em com unicar- se, o
que a concepção que inform a sua prática rechaça e tem e.

Não pode perceber que somente na com unicação tem sentido a vida hum ana. Que o pensar do educador
som ente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, m ediatizados am bos pela
realidade, portanto, na intercom unicação. Por isto, o pensar daquele não pode ser um pensar para est es
nem a estes im posto. Dai que não deva ser um pensar no isolam ento, na torre de m arfim , m as na e pela
com unicação, em torno, repitam os de um a realidade.

E, se o pensar só assim tem sentido, se tem sua fonte geradora na ação sobre o m undo, o qu al m ediatiza
as consciências em com unicação, não será possível a superposição dos hom ens aos hom ens.

Esta superposição, que é um a das notas fundam entais da concepção “ educativa” que estam os crit icando,
m ais um a vez a situa com o prática da dom inação.

Dela, que parte de um a com preensão falsa dos hom ens, – reduzidos a m eras coisas – não se pode
esperar que provoque o desenvolvim ento do que From m cham a de biofilia, m as o desenvolvim ento de seu
contrário, a necrofilia.

“ Mientras la vida ( diz From m ) se caracteriza por el crecim iento de una m anera estructurada, funcional, el
indivíduo necrófilo am a todo lo que no crece, todo lo que es m ecánico. La persona necrófila es m ovida por
un deseo de convertir lo orgánico en inorgánico, de m irar la vida m ecanicam ente, como si t odas las
personas vivientes fuezen cosas. Todos los procesos, sentim ientos y pensam ientos de vida se t ransform an
en cosas. La m em oria y no la experiencia; tener y no ser es lo que cuenta. El invididuo necrófilo puede
realizar- se con un obj eto – una f lor o una persona – únicam ente si lo posee; en consecuencia una
am enaza a su posesión es una am enaza a él m ism o, si pierde la posesión, pierde el contacto con el
m undo” . E, m ais adiante: “ Am a el control y en el acto de controlar, m ata la vida”6 .

A opressão, que é um controle esm agador, é necrófila. Nutre- se do am or à m orte e não do am or à vida.

A concepção “ bancária”, que a ela serve, tam bém o é. No m om ento m esm o em que se funda num
conceit o m ecânico, est át ico, especializado da consciência e em que t ransform a por isto m esm o, os
educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua m arca necrófila. Não se deixa m over
pelo ânim o de libertar tarefa com um de refazerem o m undo e de torná- la mais e mais humano.

Seu ânim o é justam ente o contrário – o de controlar o pensar e a ação, levando os hom ens ao
aj ustam ento ao m undo. É inibir o poder de criar, de atuar. Mas, ao fazer isto, ao obstaculizar a atuação
dos hom ens, com o suj eitos de sua ação, com o seres de opção, frustra - os.

Quando, porém, por um mot ivo qualquer, os hom ens se sentem proibidos de atuar, quando se descobrem
incapazes de usar suas faculdades, sofrem .

Este sofrim ento provém “ do fato de se haver perturbado o equilíbrio hum ano” ( From m ) . Mas, o não poder
atuar, que provoca o sofrim ento, provoca tam bém aos hom ens o sentim ento de recusa à sua im potência.
Tentam , então, “ restabelecer a sua capacidade de atuar” ( From m ) .

5
Há professores que, ao indicar um a relação bibliográfica, determ inam a leitura de um livro da página 10
a página 15, e fazem isto para ajudar os alunos...
6
Erich From m , op. Cit., pp.28 - 9 .
“ Pode, porém , fazê- lo? E com o?”, pergunta From m . “ Um m odo, responde, é subm eter- se a um a pessoa ou
a um grupo que tenha poder e ident if icar- se com eles. Por esta participação sim bólica na vida de outra
pessoa, o hom em tem a ilusão de que atua, quando, em realidade, não faz m ais que subm eter- se aos que
at uam e convert er- se em parte deles”7 .

Talvez possam os encontrar nos oprim idos est e t ipo de reação nas m anifest ações populist as. Sua
identificação com lideres carism át icos, através de quem se possam sentir atuantes e, portanto, no uso de
sua potência, bem com o a sua rebeldia, quando de sua em ersão ao processo histórico, estão envolv idas
por est e ím pet o de busca de at uação de sua pot ência.

Para as elites dom inadoras, esta rebeldia, que é am eaça a elas, tem o seu rem édio em m ais dom inação – na
repressão feita em nom e, inclusive, da liberdade e no estabelecim ento da ordem e da paz social. Paz social
que, no fundo, não é outra senão a paz privada dos dom inadores.

Por isto m esm o b que podem considerar – logicam ent e, do seu pont o de vist a – um absurdo “ the violence
of a st r ike by workers and ( can) call upon the state in the sam e breath to use violence in putting down the
strike” 8 .

A educação com o prática da dom inação, que vem sendo obj eto desta crit ica, m antendo a ingenuidade dos
educandos, o que pretende, em seu m arco ideológico, ( nem sem pre percebido por m uitos dos que a
realizam) é indoutriná- los no sentido de sua acom odação ao m undo da opressão.

Ao denunciá - la, não esperam os que as elites dom inadoras renunciem à sua prática. Seria dem asiado
ingênuo esperá - lo.

Nosso obj et ivo é cham ar a atenção dos verdadeiros hum anistas para o fato de que eles não podem , na
busca da libertação, servir- se da concepção “ bancária” , sob pena de se contradizerem em sua busca.
Assim com o tam bém não pode esta concepção tornar- se legado da sociedade opressora à sociedade
revolucionária.

A sociedade revolucionária que m antenha a prática da educação " bancária” ou se equivocou nesta
m anutenção ou se deixou " m order” pela desconfiança e pela descrença nos hom ens. Em qualquer das
hipóteses, estará am eaçada pelo espectro da reação.

Disto, infelizm ente, parece que nem sem pre estão convencidos os que se inquietam pela causa da
libertação. É que, envolvidos pelo clim a gerador da concepção “ bancária" e sofrendo sua influência, não
chegam a perceber o seu significado ou a sua força desum anizadora. Paradoxalm ente, então, usam o
m esm o instrum ento alienador, num esforço que pretendem libertador. E há até os que, usando o m esm o
instrum ento alienador, cham am aos que divergem desta prática de ingênuos ou sonhadores, quando - não
de reacionários.

O que nos parece indiscutível é que, se pretendem os a libertação dos hom ens, não. podem os com eçar por
aliená- los ou m antê- los alienados. A libertação autêntica, que é a hum anização em processo, não é um a
coisa que se deposita nos hom ens. Não é um a palavra a m ais, oca, m it ificante. É práxis, que im plica na
ação e na reflexão dos hom ens sobre o m undo para t ransform á - lo.

Exatam ente porque não podem os aceitar a concepção m ecânica da consciência, que a vê com o algo vazio
a ser enchido, um dos fundam entos im plícitos na visão “ bancária” crit icada, é que não podem os aceit ar,
tam bém , que a ação libertadora se sirva das m esm as arm as da dom inação, isto é, da propaganda, dos
slogans, dos “ depósit os” .

A educação que se im põe aos que verdadeiram ente se com prom etem com a libertação não pode fundar- se
num a com preensão dos hom ens com o seres “ vazios” a quem o m undo “ encha” de conteúdos; não pode
basear- se num a consciência especializada, m ecanicistam ente com partim entada, m as nos hom ens com o “
corpos conscient es” e na consciência com o consciência intencionada ao m undo. Não pode ser a do depósito
de conteúdos, m as a da problem at ização dos hom ens em suas relações com o m undo.

7
Erich Fromm, op. cit . , pp. 28 - 9
8
Reinhold Niebuhr, Moral Man and I m m oral Society. Nova I orque, Charles Scribner’s Sons, 1960, p. 130.
Ao contrário da “ bancária” , a educação problem at izadora, respondendo à essência do ser da consciência,
que é sua intencionalidade, nega os com unicados e existência à com unicação. I dentifica- se com o próprio
da consciência que é sem pre ser consciência de, não apenas quando se intenciona a obj etos m as tam bém
quando se volta sobre si m esm a, no que Jaspers 9 cham a de “ cisão” . Cisão em que a consciência é
consciência de consciência.

Neste sentido, a educação libertadora, problem at izadora, j á não pode ser o ato de depositar, ou de narrar,
ou de t ransferir, ou de t ransm it ir “ conhecim entos” e valores aos educandos, m eros pacientes, à m aneira
da educação “ bancária” , m as um ato cognoscente. Com o situação gnosiológica, em que o obj eto
cognoscível, em lugar de ser o térm ino do ato cognoscente de um suj eito, é o m ediatizador de suj eitos
cognoscent es, educador, de um lado, educandos, de out ro, a educação problem at izadora coloca, desde
logo, a exigência da superação da contradição educador- educandos. Sem esta, não é possível a relação
dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do m esm o objeto
cognoscível.

O antagonismo entre as duas concepções, um a, a “ bancária” , que serve à dom inação; outra, a
problem atizadora, que serve à libertação, tom a corpo exatam ente aí. Enquanto a prim eira,
necessariam ente, m antém a contradição educador- educandos, a segunda realiza a superação.

Para m ant er a cont radição, a concepção “ bancária” nega a dialogicidade com o essência da educação e se
faz antidialógica; para realizar a superação, a educação problem at izadora – situação gnosiológica – afirma
a dialogicidade e se faz dialógica.

NINGUÉM EDUCA NINGUÉM, NINGUÉM


EDUCA A SI MESMO, OS HOMENS SE EDUCAM
ENTRE SI, MEDIATIZADOS PELO MUNDO

Em verdade, não seria possível à educação problem at izadora, que rom pe com os esquem as verticais
caract eríst icos da educação bancária, realizar- se com o prát ica da liberdade, sem superar a contradição
entre o educador e os educandos. Com o tam bém não lhe seria possível fazê- lo fora do diálogo.

É através deste que se opera a superação de que resulta um term o novo: não m ais educador do educando
do educador, m as educador- educando com educando - educador.

Desta m aneira, o educador j á não é o que apenas educa, m as o que, enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado, tam bém educa. Am bos, assim , se tornam sujeitos do
processo em que crescem j unt os e em que os “ argum entos de autoridade” já, não valem . Em que, para
ser- se, funcionalm ente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.

Já agora ninguém educa ninguém , com o tam pouco ninguém se educa a si m esm o: os hom ens se educam
em com unhão, m ediatizados pelo m undo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática
“ bancária” , são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos passivos.

Est a prát ica, que a t udo dicot om iza, dist ingue, na ação do educador, dois m om entos. O prim eiro, em que
ele, na sua biblioteca ou no seu laboratório, exerce um ato cognoscente frente ao obj eto cognoscível,
enquanto se prepara para suas aulas. O segundo, em que, frente aos educandos, narra ou disserta a
respeit o do obj et o sobre o qual exerceu o seu at o cognoscent e.

O papel que cabe a estes, com o salientam os nas páginas precedentes, é apenas o de arquivarem a
narração ou os depósitos que lhes faz o educador. Desta form a, em nom e da “ preservação da cultura e do
conhecim ento” , não há conhecim ento, nem cultura verdadeiros.

9
“ The reflexion of consciousness upon it self is as self - evident and m arvelous as is it s intentionality. I am
at m yself; I am bot h one and t wofold. I do not exist as thing exists, but in an inner split , as m y own
object, and thus in m otion and inner unrest”. Karl Jaspers, Philosophy, vol. I . The Universit y of Chicago
Press. 1969, p. 50.
Não pode haver conhecim ento pois os educandos não são cham ados a conhecer, m as a m em orizar o
conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum ato cognoscitivo, um a vez que o objeto que
dev er ia ser posto com o incidência de seu ato cognoscente é posse do educador e não m ediatizador da
reflexão crit ica de am bos.

A prática problem at izadora, pelo contrário, não distingue estes m om entos no quefazer do educador-
educando.

Não é suj eit o cognoscent e em um , e sujeito narrador do cont eúdo conhecido em out ro.

É sem pre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara, quer quando se encontra dialogicam ente com
os educandos.

O obj eto cognoscível, de que o educador bancário se apropria, deixa de ser, para ele, uma propriedade
sua, para ser a incidência da reflexão sua e dos educandos.

Deste m odo, o educador problem atizador re- faz, const ant em ent e, seu at o cognoscent e, na
cognoscibilidade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora
investigadores crít icos, em diálogo com o educador, investigador crít ico, tam bém .

Na m edida em que o educador apresenta aos educandos, com o objeto de sua “ ad- m iração” , o cont eúdo,
qualquer que ele sej a, do estudo a ser feito, “ re- adm ira” a “ ad- miração” que ant es fez, na “ ad- m iração”
que fazem os educandos.

Pelo fat o m esm o de est a prát ica educat iva const it uir- se em um a situação gnosiológica, o papel do
educador problem at izador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê a superação do
conhecim ento no nível da “ doxa” pelo verdadeiro conhecim ento, o que se dá, no nível do “ logos” .

Assim é que, enquanto a prática bancária, com o enfatizam os, im plica num a espécie de anestesia, inibindo
o poder criador dos educandos, a educação problem at izadora, de caráter autenticam ente reflexivo, im plica
num constante ato de desvelam ento da realidade. A prim eira pretende m anter a im ersão; a segunda, pelo
cont rário, busca a em ersão das consciências, de que result e sua inserção crít ica na realidade.

Quan to m ais se problem atizam os educandos, com o seres no m undo e com o m undo, tanto m ais se
sentirão desafiados. Tão m ais desafiados, quanto m ais obrigados a responder ao desafio. Desafiados,
com preendem o desafio na própria ação de captá- lo. Mas, precisam ent e porque captam o desafio com o
um problem a em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não com o algo petrificado, a
com preensão resultante tende a tornar- se crescent em ent e crít ica, por ist o, cada vez m ais desalienada.

At ravés dela, que provoca novas com preensões de novos desafios, que vão surgindo no processo da
resposta, se vão reconhecendo, m ais e m ais, com o com prom isso. Assim é que se dá, o reconhecim ento
que engaj a.

A educação com o prát ica da liberdade, ao cont rário naquela que é prát ica da dom inação, im plica na
negação do hom em abstrato, isolado, solto, desligado do m undo, assim tam bém na negação do m undo
com o um a realidade ausente dos hom ens.

A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este hom em abstração nem sobre este m undo sem
hom em , m as sobre os hom ens em suas relações com o m undo. Relações em que consciência e m undo se
dão sim ultaneam ente. Não há um a consciência antes e um m undo depois e vice- versa.

“ A consciência e o m undo, diz Sartre, se dão ao m esm o tem po: exterior por essência à consciência, o
m undo é, por essência, relativo a ela”1 0 .

Por isto é que, certa vez, num dos “ círculos de cultura” . do t rabalho que se realiza no Chile, um cam ponês
a quem a concepção bancária classificaria de “ ignorante absoluto” , declarou, enqu ant o discut ia, at ravés de
um a “ codificação”, o conceito antropológico de cultura: “ Descubro agora que não há m undo sem hom em ” .

10
Jean Paul Sartre, El hom bre y las Cosas, Buenos Aires, Losada S.A., 1965, pp. 25- 6.
E quando o educador lhe disse: – “ Adm itam os, absurdam ente, que todos os hom ens do m undo
m orressem , m as ficasse a terra, ficassem as árvores, os pássaros, os anim ais, os r ios, o m ar, as estrelas,
não seria tudo isto m undo?”

“ Não! respondeu enfático, faltaria quem dissesse: I sto é m undo”. O cam ponês quis dizer, exatam ente,
que faltaria a consciência do m undo que, necessariam ente, im p lica no m undo da consciência.

Na verdade, não há eu que se constitua sem um não- eu. Por sua vez, o não- eu const it uint e do eu se
const it ui na const it uição do eu constituído. Desta form a, o m undo constituinte da consciência se torna
m undo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona. Daí, a afirm ação de Sartre,
anteriorm ente citada: “ consciência e m undo se dão ao m esm o tem po” .

Na m edida em que os hom ens, sim ultaneam ente refletindo sobre si e sobre o m undo, vão aum entando o
cam po de sua per cepção, vão tam bém dirigindo sua “ m irada” a “ percebidos” que, até então, ainda que
presentes ao que Husserl cham a de “ visões de fundo” 1 1 , não se destacavam , “ não estavam postos por si” .
Desta form a, nas suas “ visões de fundo” , vão destacando percebidos e voltando sua reflexão sobre eles.

O que antes já existia com o objetividade, m as não era percebido em suas im plicações m ais profundas e,
às vezes, nem sequer era percebido, se “ destaca” e assum e o caráter de problem a, portanto, de desafio.
A partir deste m om ento, o “ percebido destacado” j á é objeto da “ adm iração” dos hom ens, e, com o tal, de
sua ação e de seu conhecim ent o.

Enquant o, na concepção “ bancária” – perm it a- se- nos a repetição insistente – o educador vai “ enchendo”
os educandos de falso saber, que são os conteúdos im postos, na prática problem at izadora, vão os
educandes desenvolvendo o seu poder de captação e de com preensão do m undo que lhes aparece, em
suas relações com ele, não m ais com o um a realidade estática, m as com o um a realidade em
t ransform ação, em processo.

A t endência, ent ão, do educador- educando com o dos educandos- educadores é estabelecerem um a form a
aut ênt ica de pensar e at uar. Pensar- se a si m esm os e ao m undo, sim ultaneam ente, sem dicotom izar este
pensar da ação.

A educação problem at izadora se faz, assim , um esforço perm anente através do qual os hom ens vão
percebendo, crit icam ente, com o estão sendo no mundo com que e em que se acham.

Se, de fat o, não é possível ent endê- los fora de suas relações dialéticas com o m undo, se estas existem
independentem ente de se eles as percebem ou não, e independentem ente de com o as percebem , é
verdade tam bém que a sua form a de atuar, sendo esta ou aquela, é função, em grande parte, de com o se
percebam no m undo.

Mais um a vez se antagonizam as duas concepções e as duas práticas que estam os analisando. A
“ bancária”, por óbvios m otivos, insiste em m anter ocultas certas razões que explicam a m aneira com o
est ão sendo os hom ens no m undo e, para isto, m ist ifica a realidade. A problem atizadora, com prom etida
com a liber tação, se em penha na desm it ificação. Por isto, a prim eira nega o diálogo, enquanto a segunda
tem nele a indispensával relação ao ato cognoscente, desvelador da realidade.

A prim eira “ assistencializa”; a segunda, crit iciza. A prim eira, na m edida em que, servindo à dom inação,
inibe a criatividade e, ainda que não podendo m atar a intencionalidade da consciência com o um
desprender- se ao m undo, a “ dom estica” , nega os hom ens na sua vocação ontológica e histórica de
humanizar- se. A segunda, na m edida em que, servindo à libertação, se funda na criatividade e estim ula a
reflexão e a ação verdadeiras dos hom ens sobre a realidade, responde à sua vocação, com o seres que não
podem aut ent icar- se fora da busca e r ia t ransform ação criadora.

11
Edmund Husserl, I D E A S – General I ntroduction to Pure Phenom enology, 3ª ed., Londres, Collier
Books, 1969, pp. 103- 6.
O HOMEM COMO UM SER INCONCLUSO,
CONSCI ENTE DE SUA I NCONCLUSÃO, E SEU
PERMANENTE MOVI MENTO DE BUSCA
DO SER MAIS

A concepção e a prática “ bancárias” , im obilistas, “ fixistas” , term inam por desconhecer os hom ens com o
seres históricos, enquanto a problem at izadora parte exatam ente do caráter histórico e da historicidade
dos hom ens. Por isto m esm o é que os reconhece com o seres que estão sendo, com o seres inacabados,
inconclusos, em e com um a realidade, que sendo histórica tam bém , é igualm ente inacabada. Na verdade,
diferent em ent e dos out ros anim ais, que são apenas inacabados, m as não são históricos, os hom ens se
sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação m esm a,
com o m anifestação exclusivam ente hum ana. I sto é, na inconclusão dos hom ens e na consciência que dela
têm . Daí que seja a educação um que- fazer perm anente. Perm anente, na razão da inconclusão dos
hom ens e do devenir da realidade.

Desta m aneira, a educação se re- faz constantem ente na práxis. Para ser tem que estar sendo.

Sua “ duração” – no sentido bergsoniano do term o – com o processo, está no j ogo dos contrários
perm anência- m udança.

Enquanto a concepção “ bancária” dá ênfase à perm anência, a concepção problem at izadora reforça a
m udança.

Deste m odo, a prática “ bancária", im plicando no im obilism o a que fizem os referência, se faz reacionária,
enquanto a concepção problem at izadora que, não aceitando um presente “ bem com portado” , não aceita
igualmente um futuro pré - dado, enraizando- se no presente dinâm ico, se faz revolucionária.

A educação problem atizadora, que não é fixism o reacionária, é futuridade revolucionária. Daí que seja
profét ica e, com o t al, esperançosa 1 2. Daí que corresponda à condição dos hom ens com o seres históricos e
à sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres mais além de si mesmos – com o
“ proj etos” – com o seres que cam inham para frente, que olham para frente; com o seres a quem o
im obilism o am eaça de m orte; para quem o olhar para t raz não deve ser um a form a nostálgica de querer
voltar, mas um modo de me lhor conhecer o que está sendo, para m elhor construir o futuro. Dai que se
identifique com o m ovim ento perm anente em que se acham inscritos os hom ens, com o seres que se
sabem inconclusos; m ovim ento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu suj eito, o seu
obj et ivo.

O ponto de partida deste m ovim ento está nos hom ens m esm os. Mas, com o não há hom ens sem m undo,
sem realidade, o m ovim ento parte das relações hom ens- m undo. Dai que este ponto de partida esteja
sempre nos homens no seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram ora
im ersos, ora em ersos, ora insertados.

Som ente a partir desta situação, que lhes deter- m ina a própria percepção que dela estão tendo, é que
podem m over- se.

E, para fazê- lo, autenticam ente, é necessário, inclusive, que a situação em que estão não lhes apareça
com o algo fatal e intransponível, m as com o um a situação desafiadora, que apenas os lim ita.

Enquanto a prática “ bancária” , por tudo o que dela dissem os, enfatiza, direta ou indiretam ente, a
per cepção fatalista que estej am tendo os hom ens de sua situação, a prática problem at izadora, ao
contrário, propõe aos hom ens sua situação com o problem a. Propõe a eles sua situação com o incidência de
seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção m ágica ou ingênua que dela

12
Em Ação Cultural para a libertação, discutim os m ais am plam ente este sentido profético e esperançoso
da educação ( ou ação cultural) problem at izadora. Profetism o e esperança que resultam do caráter utópico
de tal form a de ação, tom ando- se a utopia com o a unidade, inquebrantável entre a denúncia e o anúncio.
Denúncia de um a realidade desum anizante e anúncio de um a realidade em qu e os hom ens possam ser
m ais. Anúncio e denúncia não são, porém , palavras vazias, m as com prom isso histórico,
tenham . A percepção ingênua ou m ágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar
a um a percepção que é capaz de perceber- se. E porque é capaz de perceber- se enquanto percebe a
realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz de objetivá- la.

Desta form a, aprofundando a tom ada de consciência da situação, os hom ens se “ apropriam ” dela com o
realidade histórica, por isto m esm o, capaz de ser t rans- formada por eles.

O fatalism o cede, então, seu luga r ao ím peto de t ransform ação e de busca, de que os hom ens se sentem
suj eit os.

Seria, realm ente, um a violência, com o de fato é, que os hom ens, seres históricos e necessariam ente
inseridos num m ovim ento de busca, com outros hom ens, não fossem o sujeito de seu próprio m ovim ento.

Por isto m esm o é que, qualquer que seja a situação em que alguns hom ens proíbam aos outros que sejam
sujeitos de sua busca, se instaura com o situação violenta. Não im porta os m eios usados para esta
proibição. Fazê- los objetos é alien á- los de suas decisões, que são t ransferidas a out ro ou a out ros.

Este m ovim ento de busca, porém , só se justifica na m edida em que se dirige ao ser m ais, à hum anização
dos hom ens. E esta, com o afirm am os no prim eiro capítulo, é sua vocação histórica, contraditada pela
desum anização que, não sendo vocação, é viabilidade, constatável na história. E, enquanto viabilidade,
deve aparecer aos hom ens com o desafio e não com o freio ao sto de buscar.

Est a busca do ser m ais, porém , não pode realizar- se ao isolam ento, no individualismo, mas na comunhão,
na solidariedade dos existires, dai que seja im possível dar- se nas relações ant agônicas ent re opressores e
oprimidos.

Ninguém pode ser, autenticam ente, proibido que os outros sejam . Esta é um a exigência radical. O ser
m ais que se busque no individualism o conduz ao t er m ais egoísta, form a de ser m enos. De
desum anização. Não que não seja fundam ental – repitam os – ter para ser. Precisam ente porque é, não
pode o t er de alguns converter- se na obst aculização ao t er dos dem ais, robustecendo o poder dos
prim eiros, com o qual esm agam os segundos, na sua escassez de poder.

Para a prática " bancária”, o fundam ental é, no m áxim o, am enizar esta situação, m antendo, porém , as
consciências im ersas nela. Para a educação problem at izadora, enquanto um quefazer hum anista e
libertador, o im portante está, em que os hom ens subm etidos à dom inação, lutem por sua em ancipação.

Por ist o é que est a educação, em que educadores e educandos se fazem suj eit os do seu processo,
superando o intelectualism o alienante, superando o autoritarism o do educador “ bancário”, supera tam bém
a falsa consciência do m undo.

O m undo, agora, já não é algo sare que se fala com falsas palavras, m as o m ediatizador dos sujeitos da
educação, a incidência da ação t ransform adora dos hom ens, de que resulte a sua hum anização.

Esta é a razão por que a concepção problem at izadora da educação não pode servir ao opressor.

Nenhum a “ ordem ” opressora suportaria que os oprim idos todos passassem a dizer: “ Por quê?”

Se est a educação som ent e pode ser realizada, em term os sistem át icos, pela sociedade que fez a
revolução, isto não significa que a liderança revolucionária espere a chegada ao poder para aplicá- la.

No processo revolucionário, a liderança não pode ser “ bancária”, para depois deixa r de sê- lo1 3 .

13
No Capítulo I V analisam os detidam ente este aspecto, ao discutirm os as teorias antidialógica e dialógica
da ação.
3. A dialogicidade – essência da educação
como prática da liberdade

Ao iniciar este capítulo sobre a dialogicidade da educação, com o qual estarem os continuando as análises
feitas nos anteriores, a propósito da educação problem at izadora, par ece- nos indispensável tentar algum as
considerações em torno da essência do diálogo. Considerações com as quais aprofundem os afirm ações
que fizem os a respeito do m esm o tem a em Educação com o Prática da Liberdade 1 .

Quando tentam os um adentram ento no diálogo, com o fenôm eno hum ano, se nos revela algo que já
poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarm os a palavra, na análise do diálogo, com o
algo m ais que um m eio para que ele se faça, se nos im põe buscar, tam bém , seus elem entos constitutivos.

Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dim ensões; ação e reflexão, de tal form a solidárias, em
um a interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, um a delas, se ressente, im ediatam ente, a
outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis.2 Daí, que dizer a palavra verdadeira seja
t ransform ar o m undo. 3

A palavra inautêntica, por outro lado, com que não se pode t ransform ar a realidade, resulta da dicotom ia
que se est abelece ent re seus elem ent os const it uint es. Assim é que, esgot ada a palavra de sua dim ensão
de ação, sacrificada, autom at icam ente, a reflexão tam bém , se t ransform a em palavreria, verbalism o,
blablablá. Por tudo isto, alienada e alienante. É um a palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do
m undo, pois que não há denúncia verdadeira sem com prom isso de t ransform ação, nem este sem ação.

Se, pelo cont rário, se enfat iza ou exclusiviza a ação, com o sacrifício da reflexão, a palavra se convert e
em at iv ism o. Este, que é ação pela ação, ao m inim izar a reflexão, nega tam b ém a práxis verdadeira e
im possibilita o diálogo.

Qualquer destas dicotom ias, ao gerar- se em form as inautênticas de existir, gera form as inautênticas de
pensar, que reforçam a m atriz em que se constituem .

A existência, porque hum ana, não pode ser m uda, silenciosa, nem tam pouco pode nutrir- se de falsas
palavras, m as de palavras verdadeiras, com que os hom ens t ransform am o m undo. Existir,
hum anam ente, é pronunciar o m undo, é m odificá- lo. O m undo pronunciado, por sua vez, se volta
problem at izado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.

Não e no silêncio 4 que os hom ens se fazem , m as na palavra, no t rabalho, na ação- reflexão.

Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é t rabalho, que é práxis, é t ransform ar o m undo, dizer a palavra
não é privilégio de alguns hom ens, m as direito de todos os hom ens. Precisam ente por isto, ninguém pode
dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê- la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a
palavra aos dem ais.

1
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967.
2
( ação)
Palavra - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - = Práxis
( reflexão)

( da ação) = palavreria, vebalism o, blablablá


Sacrifício - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
( de reflexão) = ativism o.
3
Algum as destas reflexões nos foram m otivadas em nossos diálogos com o prof. Ernani Maria Fiori.
4
Não nos referim os, obviam ente, ao silêncio das m editações profundas em que os hom ens, num a form a
só aparente de sair do m undo, dele “ afastando- se" para “ admirá- lo” em sua globalidade, com ele, por isto,
continuam . Daí que estas form as de recolhim ento só sejam verdadeiras quando os hom ens nela se
encontrem " m olhados” de realidade e não quando, significando um desprezo ao m undo, sejam m aneiras
de fugir dele, num a espécie de “ esquizofrenia histórica” .
O diálogo é este encontro dos hom ens, m ediatizados pelo m undo, para pronunciá-lo, não se esgotando,
port ant o, na relação eu- t u.

Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do m undo e os que não
a querem ; entre os que negam aos dem ais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste
direito. É preciso prim eiro que, os que assim se encontram negados no direito prim ordial de dizer a
palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desum anizante continue.

Se é dizendo a palavra com que, “ pronunciando” o mundo, os homens o t ransformam, o diálogo se impõe
com o cam inho pelo qual os hom ens ganham significação enquanto hom ens.

Por isto, o diálogo é um a exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o
agir de seus sujeitos endereçados ao m undo a ser t ransform ado e hum anizado, não pode reduzir- se a um
ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tam pouco tornar- se sim ples t roca da, idéias a serem
consum idas pelos perm utantes.

Não é tam bém discussão guerreira, polêm ica, entre sujeitos que não aspiram a com prom eter- se com a
pronúncia do m undo, nem com buscar a verdade, m as com im por a sua.

Porque é encontro de hom ens que pronunciam o m undo, não deve ser doação do pronunciar de uns a
outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser m anhoso instrum ento de que lance m ão um sujeito
para a conquista do outro. A conquista im plícita no diálogo é a do m undo pelos sujeitos dialógicos, não a
de um pelo outro. Conquista do m undo para a libertação dos hom ens.

EDUCAÇÃO DIALÓGICA E DIÁLOGO

Não há diálogo, porém , se não há um profundo am or ao m undo e aos hom ens. Não é possível a pronúncia
do m undo, que é um ato de criação e recriação, se não há, am or que a infunda 5 .

Sendo fundam ento do diálogo, o am or é, tam bém , diálogo. Daí que seja essencialm ente tarefa de sujeitos e
que não possa verificar- se na relação de dom inação. Nesta, o que há é patologia de am or: sadism o em quem
dom ina; m asoquism o nos dom inados. Am or, não, Porque é um ato de coragem , nunca de m edo, o am or é
com prom isso com os hom ens. Onde quer que estejam estes, oprim idos, o ato de am or está em com prom
eter- se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este com prom isso, porque é am oroso, é dialógico.

Com o ato de valentia, não pode ser piegas; com o ato de liberdade, não pode ser pretexto para a
m anipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim , não é am or.

Som ente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o am or que nela estava proibido.

Se não am o o m undo, se não am o a vida, se não am o os hom ens, não m e é possível o diálogo.

5
Cada vez nos convencem os m ais da necessidade de que os verdadeiros revolucionários reconheçam na
revolução, porque um ato criador e libertador, um ato de am or.
Para nós a revolução, que não se faz sem teoria da revolução, portanto sem ciência, não tem nesta um a
inconciliação com o am or. Pelo contrário, a revolução, que é feita pelos hom ens, o é em nom e de sua
hum anização.
Que leva os revolucionários a aderir aos oprim idos, senão a condição desum anizada em que se acham
est es?
Não é devido à deterioração a que se subm ete a palavra am or no m undo capitalista que a revolução vá
deixar de ser am orosa, nem os revolucionários façam silêncio de ser caráter biófilo. Guevara, ainda que
t ivesse salientado o “ r isco de parecer ridículo”, não tem eu afirm á - la. “ Dejem e decirle ( declarou dirigindo-
se a Carlos Quijano) a riesgo de parecer ridiculo que el verdadero revolucionario es anim ado por fuertes
sentim ientos de am or. Es im posible pensar un revolucionário autêntico, sin esta cualidad” . Ernest o
Guevara: Obra Revolucionária, México, Ediciones Era- S.A., 1967, pp. 637 - 38.
Não há, por outro lado, diálogo, se não há hum ildade. A pronúncia do m undo, com que os hom ens o
recriam perm anentem ente, não pode ser um ato arrogante.

O diálogo, com o encontro dos hom ens para a tarefa com um de saber agir, se rom pe, se seus pólos ( ou
um deles) perdem a humildade.
Com o posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sem pre no outro, nunca em m im ?

Com o posso dialogar, se m e adm ito corno um hom em diferente, virtuoso por herança, diante dos outros,
m eros “ isto” , em quem não reconheço outros eu?

Com o posso dialogar, se m e sinto participante de um “ gueto” de hom ens puros, donos da verdade e do
saber, para quem todos os que estão fora são “ essa gente” , ou são “ nativos inferiores”?

Com o posso dialogar, se parto de que a pronúncia do m undo é tarefa de hom ens seletos e que a presença
das m assas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?

Com o posso dialogar, se m e fecho à contribuição dos outros, que j am ais reconheço, e até m e sinto
ofendido com ela?

Com o posso dialogar se tem o a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?

A aut o- suficiência é incom patível com o diálogo. Os hom ens que não têm hum ildade ou a perdem , não
podem aproximar- se do povo. Não podem ser seus com panheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não
é capaz de sent ir - se e saber- se tão hom em quanto os outros, é que lhe falta ainda m uito que cam inhar,
para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem
sábios absolutos: há hom ens que, em com unhão, buscam saber m ais.

Não há tam bém , diálogo, se não há um a intensa fé nos hom ens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De
criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais , que não é privilégio de algun s eleitos, m as direito dos
hom ens.

A fé nos hom ens é um dado a priori do diálogo. Por isto, existe antes m esm o de que ele se instale. O
hom em analógico tem fé nos hom ens antes de encontrar- se frent e a frent e com eles. Est a, cont udo, não é
um a ingênua fé. O hom em dialógico, que é crit ico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de t ransform ar,
é um poder dos hom ens, sabe tam bém que podem eles, em situação concreta, alienados, ter este poder
prejudicado. Esta possibilidade, porém , em lugar de m ata no hom em dialógico a sua fé nos hom ens,
aparece a ele, pelo contrário, com o um desafio ao qual tem de responder. Está convencido de que este
poder de fazer e t ransform ar, m esm o que negado em situações concretas, tende a renascer. Pode
renascer. Pode constituir- se. São gratuitam ente, m as na e pela luta por sua libertação. Com a instalação
do t rabalho não m ais escravo, m as livre, que dá a alegria de viver.

Sem esta fé nos hom ens o diálogo é um a farsa. Transform á - se, na m elhor das hipóteses, em m anipulação
adocicadam e nte paternalista.

Ao fundar- se no am or, na hum ildade, na fé nos hom ens, o diálogo se faz um a relação horizontal, em que
a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria um a contradição se, am oroso, hum ilde e
cheio de fé, o diálogo não provocasse este elim ina de confiança entre seus suj eitos. Por isto inexiste esta
confiança na ant idialogicidade da concepção “ bancária” da educação.

Se a fé nos hom ens é um dado a priori do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai
fazendo os suj eitos dialógicos cada vez m ais com panheiros na pronúncia do m undo. Se falha esta
confiança, é que falharam as condições discutidas anteriorm ente. Um falso am or, um a falsa hum ildade,
um a debilitada fé nos hom ens não podem gerar confiança. A confiança im plica no testem unho que um
suj eit o dá aos out ros de suas reais e concret as intenções. Não pode exist ir , se a palavra,
descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer um a coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério,
não pode ser estím ulo à confiança.
Falar, por exem plo, em dem ocracia e silenciar o povo é um a farsa. Falar em hum anism o e negar os
homens é uma mentira.

Não é, porém , a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo - m e na esperança enquanto luto e, se
lut o com esperança, espero.
Se o diálogo é o encontro dos hom ens para Ser Mais, não pode fazer- se na desesperança. Se os suj eit os
do diálogo nada esperam do seu quefazer j á, não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É
burocrát ico e fast idioso.

Finalm ente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crit ico.
Pensar que, não aceitando a dicotom ia m undo- hom ens, reconhece entre eles um a inquebrantável
solidariedade.

Este é um pensar que percebe a realidade com o processo, que a capta em constante devenir e não com o
algo está, t ico. Não se dicotom iza a si m esm o na ação. “ Banha- se” perm anentem ente de tem poralidade
cuj os r iscos não tem e.

Opõe- se ao pensar ingênuo, que vê o “ tem po histórico com o um peso, com o um a estratificação das
aquisições e experiências do passado” , 6 de que resulta dever ser o presente algo norm alizado e bem
com portado.

Para o pensar ingênuo, o im portante é a acom odação a este hoje norm alizado. Para o crit ico, a
t ransform ação perm anente da realidade, para a perm anente hum anização dos hom ens. Para o pensar
crít ico, diria Pierre Furter, “ a m eta não será m ais elim inar os riscos da tem poralidade, agarrando- se ao
espaço garantido, m as tem poralizar o espaço. O universo não se revela a m im ( diz ainda Furter) no
espaço, im pondo- me uma presença m aciça a que só posso m e adaptar, m as com um cam po, um dom ínio,
que vai tom ando form a na m edida de m inha ação” 7 .

Para o pensar ingênuo, a m eta é agarrar- se a est e espaço garant ido, aj ust ando- se a ele e, negando a
tem poralidade, negar- se a si mesmo.

Som ente o diálogo, que im plica num pensar crit ico, é capaz, tam bém , de gerá - la.

Sem ele, não há com unicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a superação da
cont radição educador- educandos, se instaura com o situação gnosiológica, em que os sujeitos incidem seu
at o cognoscent e sobre o obj et o cognoscível que os m ediat iza.

O DIÁLOGO COMEÇA NA BUSCA DO


CONTEÚDO PROGRAMÁTI CO

Daí que, para esta concepção com o prática da liberdade, a sua dialogicidade com ece, não quando o
educador- educando se encont ra com os educandos- educadores em um a situação pedagógica, m as antes,
quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do
conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo program át ico da educação.

Para o “ educador- bancário” , na sua antidialogicidade, a pergunta, obviam ente, não é a propósito do
conteúdo do diálogo, que para ele não existe, m as a respeito do program a sobre o qual dissertará a seus
alunos. E a esta pergunta responderá ele m esm o, organizando seu program a.

Para o educador- educando, dialógico, problem at izador, o conteúdo program át ico da educação não é um a
doação ou um a im posição – um conj unto de inform es a ser depositado nos educandos, m as a revolução
organizada, sistem atizada e acre scentada ao povo, daqueles elem entos que este lhe entregou de form a
desest rut urada. 8

6
Trecho de carta de um am igo do autor.
7
Pierre Furter. Educação e Vida. Petrópolis, Vozes, 1966, pp. 26- 7.
8
Em um a longa conversação com Malraux, declarou Mao: “ Vous savez que je proclam e depuis longtem ps:
Nous devons enseigner aux m asses avec précision ce que nous avons reçu d’elles avec confusion” . André
A educação autêntica, repitam os, não se faz de “ A” para “ B” ou de “ A” sobre “ B” , m as de “ A” com “ B” ,
m ediatizados pelo m undo. Mundo que im pressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos
de vista sobre ele. Visões im pregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que
im plicitam tem as significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo program át ico da educação. Um
dos equívocos de uma concepção ingênua do hum anism o, está em que, na ânsia de corporificar um
m odelo ideal de “ bom hom em ” , se esquece da situação concreta, existencial, presente, dos hom ens
m esm os. “ O hum anism o consiste, ( diz Furter) em perm it ir a tom ada de consciência de nossa plena
hum anidade, com o condição e obrigação: com o situação e projeto.” 9

Sim plesm ente, não podem os chegar aos operários, urbanos ou cam poneses, estes, de m odo geral,
im ersos num contexto colonial, quase um bilicalm ente ligados ao m undo da natureza de que se sentem
m ais partes que t ransform adores, para, à m aneira da concepção “ bancária” , entregar- lhes “ conhecim ento”
ou im por- lhes um m odelo de bom hom em , contido no program a cujo conteúdo nós m esm os organizam os.

Não seriam poucos os exem plos, que poderiam ser cit ados, de planos, de nat ureza polít ica ou
sim plesm ente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de sua visão pessoal da
realidade. Porque não levaram em conta, num m ínim o instante, os hom ens em sit uação a quem se dirigia
seu programa, a não ser com o puras incidências de sua ação.

Para o educador hum anista ou o revolucionário autêntico a incidência da ação é a realidade a ser t rans-
form ada por eles com os outros hom ens e não estes.

Quem atua sobre os hom ens para, doutrinando- os, adapt á- los cada vez m ais à realidade que deve
perm anecer intocada, são os dom inadores.

Lam entavelm ente, porém , neste “ conto” da verticalidade da program ação, “ conto” da concepção
“ bancária” , caem m uitas vezes lideranças revolucionárias, no seu em penho de obt er a adesão do povo à
ação revolucionária.

Acer cam- se das m assas cam ponesas ou urbanas com projetos que podem corresponder à sua visão do
m undo, m as não necessariam ente à do povo 1 0 .

Esquecem- se de que o seu obj et ivo fundam ental é lutar com o povo pela recuper ação da hum anidade
roubada e não conquistar o povo. Este verbo não deve caber aa sua linguagem , m as na do dom inador. Ao
revolucionário cabe libertar e libertar- se com o povo, não conquist á- lo.

As elites dom inadoras, na sua atuação polít ica, são eficientes no uso da concepção “ bancária” ( em que a
conquista é um dos instrum entos) porque, na m edida em que esta desenvolve um a ação apassivadora,
coincide com o estado de “ im ersão” da consciência oprim ida. Aproveitando esta “ im ersão” da consciência
oprimida, estas elites vão t ransform ando- a naquela “ vasilha” de que falam os, e pondo nela slogans que a
fazem m ais tem erosa ainda da liberdade.

Malraux, – Antimemoires. Paris, Gallimard, 1967. p. 531. Nest a afirm ação de Mao est á t oda um a teoria
dialógica de constituição do conteúdo program át ico da educação, que não pode ser elaborado a partir das
finalidades do educador, do que lhe pareça ser o m elhor para seus educandos.
9
Pierre Furter, op. cit . , p. 165.
1 0
“Pour établir une liaison avec les m asses, nous devotns nous conform er a leurs désirs. Dans tout t ravail
pour les m asses, nous devons partir de leurs besoins, et non de nos propres désirs, si louables soient - ils.
I l arrive souvent que les m asses aient objetivem ent besoin de telles ou telles t ransform ations, m ais que
subjetivem ent elles ne soient conscientes de ce besoin, que'elles n’aient ni la valonté ni le désir de les
réaliser; dans ce cas, nous devons at t endre avec pat ience; c' est seulem ent lorsque, à la suit e de not re t
ravail, les masses seront, dans leurs m aj orité conscientes de la nécessité de ces t ransform at ions, lorsqu’elles
auront la volonté et le desir de les faire aboutir ou’on pourra les realiser; sinon, l'on risque de se couper
des m asses. ( . . .) Deux principes doivent nous guider: prem ièrem ent, les besoins réels des m asses et
non les besoins nés de notre im agination; deuxiem ent, le désir librem ent exprim é par les m asses, les
resolutions qu'elles ont prises elles m em es et non celles que nous prenons à leur place”. Mao Tsé- Tung, Le
Front Uni dans le Travail Culturel, 1944.
Um t rabalho verdadeiram ente libertador é incom patível com esta prática. Através dele, o que se há de
fazer é propor aos oprimidos os slogans dos opressores, com o problem a, proporcionando- se, assim , a sua
expulsão de “ dentro” dos oprim idos.

Afinal, o em penho dos hum anistas não pode ser o da luta de seus slogans dos opressores, tendo com o
interm ediários os oprim idos, com o se fossem “ hospedeiros” dos slogans de uns e de outros. O em penho
dos hum anistas, pelo contrário, está em que os oprim idos tornem consciência de que, pelo fato m esm o de
que estão sendo “ hospedeiros” aos opressores, com o seres duais, não estão podendo Ser.

Esta prática im plica, por isto m esm o, em que o acercam ento às m assas populares se faça, não para levar-
lhes um a m ensagem “ salvadora”, em form a de conteúdo a ser depositado, m as, para, em diálogo com
elas, conhecer, não só a objetividade em que estão, m as a consciência que tenham desta obj et ividade; os
vários níveis de percepção de si m esm os e do m undo em que e com que est ão.

Por isto é que não podem os, a não ser ingenuam ente, esperar resultados positivos de um program a, seja
educativo num sentido m ais técnico ou de ação polít ica, se, desrespeitando a particular visão do m undo
que tenha ou estej a tendo o povo, se constitui num a espécie de “ invasão cultural” , ainda que feita com a
m elhor das intenções. Mas “ invasão cultural” sem pre. 1 1

AS RELAÇÕES HOMENS- MUNDO, OS TEMAS


GERADORES E O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
DESTA EDUCAÇÃO

Será a partir da situação presente, existencial, concreta, reflet indo o conj unto de aspirações do povo, que
poderem os organizar o conteúdo program át ico da situação ou da ação polít ica, acrescent em os.

O que t em os de fazer, na verdade, é propor ao povo, at ravés de cert as cont radições básicas, sua sit uação
existencial, concreta, presente, com o problem a que, por sua vez, o desafia e, assim , lhe exige resposta,
não só no r isível intelectual, m as no nível da ação. 1 2

Nunca apenas dissertar sobre ela e jam ais doar- lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus
anseias, coem suas dúvidas, com suas esperanças, com seus tem ores. Conteúdos que, às vezes,
aum entam estes tem ores. Tem ores de consciência oprimida.

Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do m undo, ou tentar im pô- la a ele, m as dialogar com
ele sobre a sua e a nossa. Tem os de estar convencidos de que a sua visão do m undo, que se m anifesta
nas várias form as de sua ação, reflet e a sua sit uação no m undo, em que se constitui. A ação educativa e
polít ica não pode prescindir do conhecim ento crít ico dessa situação, sob pena de se fazer “ bancária” ou de
pregar no deserto.

Por isto m esm o é que, m uitas vezes, educadores e polít icos falam e não são entendidos. Sua linguagem
não sintoniza com a situação concreta dos hom ens a quem falam . E sua fala é um discurso a m ais,
alienado e alienante.

É que a linguagem do educador ou do polít ico ( e cada vez nos convencem os m ais de que este há de
t ornar- se tam bém educador no sentido m ais am plo da expressão) tanto quanto a linguagem do povo, não
existe sem um pensar e am bos, linguagem e pensar, sem um a realidade a que se encontrem referidos.
Desta form a, para que haj a com unicação eficiente entre eles, é preciso que educador e polít ico sej am
capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do povo, dialeticam ente, se
constituem .

Daí tam bém que o conteúdo program át ico para a ação, que é de am bos, não possa ser de exclusiva
eleição daqueles, m as deles e do povo.

11
No capítulo seguinte, analisarem os detidam ente esta questão,
12
Neste sentido, é tão contraditório que hom ens verdadeiram ente hum anistas usem a prática “ bancária",
quanto que hom ens de direita se em penhem num esforço de educação problem at izadora. Estes são
sem pre m ais coerentes – jam ais aceitam um a pedagogia da problem atização.
É na realidade m ediatizadora, na consciência que dela tenham os educadores e povo, que irem os buscar o
cont eúdo program át ico da educação.

O m om ento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação com o prática da lib erdade. É o m om ento
em que se realiza a investigação do que cham am os de universo t em át ico13 do povo ou o conj unt o de seus t
em as geradores.

Esta investigação im plica, necessariam ente, num a m etodologia que não pode contradizer a dialogicidade
da educação libertadora. Daí que seja igualm ente dialógica. Daí que, conscientizadora tam bém ,
proporcione, ao m esm o tem po, a apreensão dos “ tem as geradores” e a tom ada de consciência dos
indivíduos em torno dos m esm os.

Esta é a razão pela qual, ( em coerência ainda com a finalidade libertadora da educação dialógica) não se
t rata de ter nos hom ens o obj eto da investigação, de que o investigador seria o suj eito.

O que se pretende investigar, realm ente, não são os hom ens, com o se fossem peças anatôm icas, m as o
seu pensam ent o- linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão
do m undo, em que se encontram envolvidos seus “ tem as geradores”.

Antes de perguntar- nos o que é um “ Tem a Gerador”, cuja resposta nos aclarará o que é o “ universo
mínim o tem át ico”, nos parece indispensável desenvolver algum as reflexões.

Em verdade, o conceito de “ tem a gerador” não é um a criação arbitrária, ou um a hipótese de t rabalho que
deva ser com provada. Se o “ tem a gerador” fosse um a hipótese que devesse ser com p rovada, a
investigação, prim eiram ente, não seria em torno dele, m as de sua existência ou não.

Neste caso, antes de buscar apreendê - la em sua riqueza, em sua significação, em sua pluralidade, em seu
devenir, em sua constituição histórica, teríam os que constatar, prim eiram ente, sua objetividade. Só
depois, então, poderíam os tentar sua captação.

Ainda que esta postura – a de um a dúvida crít ica – sej a legít im a, nos parece que a const at ação do “ t em a
gerador” , com o um a concretização, é algo a que chegam os através, não só da própria experiência
existencial, m as tam bém de um a reflexão crít ica sobre as relações hom ens- m undo e hom ens- homens,
im plícitas nas prim eiras.

Detenhamo - nos neste ponto. Mesm o que possa parecer um lugar- com um , nunca será dem asiado falar em
t orno dos hom ens com o os únicos seres, entre os “ inconclusos” , capazes de ter, não apenas sua própria
at ividade, m as a si m esm os, com o objeto de sua consciência, o que os distingue do anim al, incapaz de
separar- se de sua at ividade.

Nest a dist inção, aparent em ente superficial, vam os encontrar as linhas que dem arcam os cam pos de uns e
de outros, do ponto de vista da ação de am bos no espaço em que se encontram .

Ao não poder separar- se de sua atividade sobre a qual não pode exercer um ato reflexivo, o anim al não
consegue im pregnar a t ransform ação, que realiza no m undo, de um a significação que vá m ais além de si
mesmo.

Na m edida em que sua at ividade é um a aderência dele, os resultados da t ransform ação operada através
dela não o sobrepassam . Não se separam dele, t anto quanto sua at ividade. Dai que ela careça de
finalidades que sejam propostas por ele. De um lado, o anim al não se separa de sua atividade, que a ele
se encontra aderida; de outro, o ponto de decisão desta se acha fora dele: na espécie a que pertence.
Pelo fat o de que sua at ividade sej a ele e ele sej a sua at ividade, não podendo dela separar- se, enquanto
seu ponto de decisão se acha em sua espécie e não nele, o anim al se constitui, fundam entalm ente, com o
um “ ser fechado em si” .

13
Com a m esm a conotação, usam os a expressão t em át ica significativa.
Ao não t er est e pont o de decisão em si, ao não poder objetivar- se nem à sua at ividade, ao carecer de
finalidades que se proponha, e que proponha, ao viver “ im erso” no “ m undo” a que não consegue dar
sentido, ao não ter um am anhã nem um hoje, por viver num presente esm agador, o anim a l é a- histórico.
Sua vida a- histórica se dá, não no m undo tom ado em sentido r igoroso, pois que o m undo não se constitui
em um “ não- eu” para ele, que sej a capaz de constituí- lo com o eu.

O m undo hum ano, que é histórico, se faz, para o “ ser fechado em si” m e ro suporte. Seu cont orno não lhe
é problem át ico, mas estim ulante. Sua vida não é um correr r iscos, um a vez que não os sabe correndo.
Estes, porque não são desafios perceptíveis reflexivam ente, m as puram ente “ notados” pelos sinais que os
apontam , não exigem respostas que im pliquem em anões decisórias. O anim al, por isto m esm o, não pode
com prom eter- se. Sua condição de a- histórico não lhe perm it e assumir a vida, e, porque não a assum e,
não pode construí- la. E, se não constrói, não pode t ransform ar o seu contorno. Não pode, t am pouco,
saber- se destruído em vida, pois não consegue alongar seu suporte, onde ela se dá, em um mundo
significativo e sim bólico, o m undo com preensivo da cultura e da história. Esta é a razão pela qual o anim al
não anim aliza seu contorno para anim alizar- se, nem tam pouco se desanim aliza. No bosque, com o no
zoológico, continua um “ ser fechado em si” – tão anim al aqui, com o lá.

Os hom ens, pelo contrário, ao terem consciência de sua at ividade e do m undo em que estão, ao atuarem
em função de finalidades que propõem e se propõem , ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e
em suas relações com m undo, e com os outros, ao im pregnarem o m undo de sua presença criadora
através da t ransform ação que realizam nele, na m edida em que dele podem separar- se e, separando- se,
podem com ele ficar, os hom ens, ao contrário do anim al, não som ente vivem , m as existem , e sua
existência é histórica.

Se a vida do animal se dá em um suporte atem poral, plano, igual, a existência dos hom ens se dá no
m undo que eles recriam e t ransform am incessantem ente. Se, na vida do anim al, o aqui não é m ais que
um “ habitat” ao qual ele “ contata” , na existência dos hom ens o aqui não é som ente um espaço físico, m as
tam bém um espaço histórico.

Para o anim al, rigorosam ente, não há um aq ui, um agora, um ali, um amanhã, um ontem, porque,
carecendo da consciência de si, seu dever é um a determ inação total. Não é possível ao anim al
sobrepassar os lim ites im postos pelo aqui, pelo agora ou pelo ali.

Os hom ens, pelo contrário, porque são consciência de si e, assim , consciência do m undo, porque são um
“ corpo consciente” , vivem um a relação dialética entre os condicionam entos e sua liberdade.

Ao se separarem do m undo, que objetivam , ao separarem sua atividade de si m esm os, ao terem o ponto
de decisão de sua atividade em si, em suas relações com o m undo e com os outros, os hom ens
ult rapasam as “ situações- lim ites”, que não devem ser tom adas com o se fossem barreiras insuperáveis,
m ais além das quais nada existisse1 4. No momento mesmo em que os homens as apreendem com o freios,
em que elas se configuram com obstáculos à sua libertação, se t ransform am em “ percebidos destacados”
em sua “ visão de fundo” . Revelam- se, assim , com o realm ente são: dim ensões concretas e históricas de
um a dada realidade. Dim ensões desafiadoras dos hom ens, que incidem sobre elas através de ações que
Vieira Pinto cham a de “ atos- lim ites” – aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar
de im plicarem na sua aceitação dócil e passiva.

Esta é a razão pela qual não são as “ situações lim ites”, em si m esm as, geradoras de um clim a de
desesperança, m as a percepção que os hom ens tenham delas num dado m om ento histórico, com o um
freio a eles, com o algo que eles não podem ultrapassar. No m om ento em que a percepção crit ica se
instaura, na ação m esm a, se desenvolve um clim a de esperança e confiança que leva os hom ens a
empenhar- se na superação das “ sit uações- lim ites”.

1 4
O Prof. Álvaro Vieira Pinto analisa, com bastante lucidez, o problem a das “ situações- lim ites", cujo
conceit o aproveit a, esvaziando- o, porém , da dim ensão pessim ista que se encontra originariam ente em
Jaspers.
Para Vieira Pinto, as “ situações- lim ites” não são “ o contorno infranqueável onde term inam as
possibilidades, m as a m argem real onde com eçam todas as possibilidades”; não são “ a fronteira entre o
ser e o nada, m as a fronteira entre o ser e o ser m ais" ( m ais ser). Álvaro Vieira Pinto, Consciência e
Realidade Nacional. Rio de Janeiro, I SEB, 1960, vol. I I , p. 284.
Esta superação, que não existe fora das relações hom ens- m undo, som ente pode verificar- se at ravés da
ação dos hom ens sobre a realidade concreta em que se dão as “ situações- lim ites”.
Superadas estas, com a t ransform ação da realidade, novas surgirão, provocando outros “ atos- lim ites” dos
hom ens.

Desta form a, o próprio dos hom ens é estar, com o consciência de si e do m undo, em relação de enfrent a-
m ento com sua realidade em que, historicam ente, se dão as “ situações- lim it es” . E este enfrentam ento
com a realidade para a superação dos obstáculos só pode ser feito historicam ente, com o historicam ente
se obj et ivam as “ situações- lim it es”.

No “ mundo” do animal, que não sendo rigorosamente mundo, mas suporte em que está, não há
“ sit uações- lim it es” pelo caráter a- histórico do segundo, que se estende ao prim eiro.

Não sendo o anim al um “ ser para si” , lhe falta o poder de exercer “ atos- limites”, que implicam numa
postura decisória frente ao m undo, do qual o ser se “ separa” , e, obj et ivando- o, o t ransform a com sua
ação. Preso organicam ente a seu suporte, o anim al não se distingue dele.

Desta form a, em lugar de “ situações- lim ites”, que são hist óricas, é o suporte m esm o, m aciçam ente, que o
lim ita. O próprio do anim al, portanto, não é estar em relação com seu suporte – se est ivesse, o suporte
seria mundo – m as adaptado a ele. Daí que, com o um “ ser fechado” em si, ao “ produzir” um ninho, um a
c olm éia, um oco onde viva, não esteja realm ente criando produtos que t ivessem sido o resultado de
“ atos- lim ites” – respostas t ransform adoras. Sua at ividade produtora está subm et ida à satisfação de um a
necessidade física, puram ente estim ulante e não desafiadora. Daí que seus produtos, fora de dúvida,
“ pertençam diretam ente a seus corpos físicos, enquanto o hom em é livre frente a seu produto” .1 5

Som ente na m edida em que os produtos que resultam da at ividade do ser “ não pertençam a seus corpos
físicos” , ainda que recebam o seu selo, darão surgim ento à dim ensão significativa do contexto que, assim ,
se faz m undo.

Daí em diante, este ser, que desta form a atua e que, necessariam ente, é um ser consciência de si, um ser
“ para si” , não poderia ser, se não est ivesse sendo, no m undo com o qual está, com o tam bém este m undo
não existiria, se este ser não existisse.

A diferença entre os dois, entre o anim al, de cuj a at ividade, porque não constitui “ atos- lim ites”, não
resulta um a produção m ais além de si e os hom ens que, at ravés de sua ação sobre o m undo, criam o
dom ínio da cultura e da história, está em que som ente estes são seres da práxis. Som ente estes são
práxis. Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiram ente t ransform adora da realidade, é fonte de
conhecim ent o reflexivo e criação. Com efeito, enquanto a atividade anim al, realizada sem práxis, não
im plica em criação, a t ransform ação exercida pelos hom ens a im plica.

E é com o seres t ransform adores e criadores que os hom ens, em suas perm anentes relações com a
realidade, produzem , não som ente os bens m ateriais, as coisas sensíveis, os objetos, m as tam bém as
inst it uições sociais, suas idéias, suas concepções. 1 6

Através de sua perm anente ação t ransform adora da realidade objetiva, os hom ens, sim ultaneam ente,
criam a história e se fazem seres histórico- sociais.

Porque, ao contrário do anim al, os hom ens podem t ridim ensionalizar o tem po ( passado- present e- fut uro)
que, contudo, não são departam entos estanques. Sua história, em função de suas m esm as criações vai se
desenvolvendo em perm anente devenir, em que se concretizam suas unidades epocais. Estas, com o o
ontem , o hoj e e o am anhã, não são com o se fossem seções fechadas e intercom unicáveis do tem po, que
ficassem petrificadas e nas quais os hom ens estivessem enclausurad os. Se assim fosse, desapareceria

15
Karl Marx, Manuscritos Econôm ico-Filosóficos.
16
A propósito deste aspecto, ver Karel Kosik, Dialética do Concreto, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, 3ª
edição.
um a condição fundam ental da historia: sua continuidade. As unidades epocais, pelo contrário, estão em
relação um as com as outras 1 7 na dinâm ica da continuidade histórica.

Um a unidade epocal se caracteriza pelo conj unto de idéias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores,
desafios, em int eração dialét ica com seus cont rários, buscando plenit ude. A represent ação concret a de
m uit as dest as idéias, dest es valores, dest as concepções e esperanças, com o t am bém os obst áculos ao ser
mais dos hom ens, const it uem os t em as da época.

Estes, não som ente im plicam em outros que são seus contrários, às vezes antagônicos, m as tam bém
indicam tarefas a ser realizadas e cum pridas. Desta form a, não há, com o surpreender os tem as históricos
isolados, solt os, desconectados, coisificados, parados, m as em relação dialética com outros, seus opostos.
Com o tam bém não há outro lugar para encontrá - los que não seja nas relações hom ens- mundo. O
conj unto dos tem as em interação constitui o “ universo tem át ico” da época.

Frente a este “ universo” de tem as que dialética- m ente se contradizem , os hom ens tornam suas posições
tam bém contraditórias, realizando tarefas em favor, uns, da m anutenção das estruturas, outros, da
m udança.

Na m edida em que se aprofunda o antagonism o entre os tem as que são a expressão da realidade, há um a
tendência para a m it ificação da tem ática e da realidade m esm a, o que, de m odo geral, instaura um clim a
de “ irracionalism o” e de sectarism o.

Este clim a am eaça esgotar os tem as de sua significação m ais profunda, pela possibilidade de retirar- lhes a
conot ação dinâm ica que os caract eriza.

No m om ento em que um a sociedade vive um a época assim , o próprio irracionalism o m it ificador passa a
constituir um de seus tem as fundam entais, que terá, com o seu oposto com bat ent e, a visão crít ica e
dinâm ica da realidade que, em penhando- se em favor do seu desvelam ento, desm ascara sua m it ificação e
busca a plena realização da tarefa hum ana: a perm anente t ransform ação da realidade para a libertação
dos hom ens,

Os tem as1 8 se encontram , em últ im a análise, de um lado, envolvidos, de outro, envolvendo as “ situações-
lim it es” , enquanto as t arefas em que eles im plicam , quando cum pridas, constituem os “ atos- lim ites” aos
quais nos referim os.

Enquanto os tem as não são percebidos com o tais, envolvidos e envolvendo as " situações- lim it es”, as
t arefas referidas a eles, que são as respostas dos hom ens através de sua ação histórica, não se dão em
t erm os aut ênt icos ou crít icos.

Nest e caso, os t em as se encont ram encobert os pelas “ sit uações- lim ites” que se apresentam aos hom ens
com o se fossem determ inantes históricas, esm agadoras, em face das quais não lhes cabe outra
alt ernat iva, senão adapt ar- se. Desta form a, os hom ens não chegam a t ranscender as “ situações- lim ites” e
a descobrir ou a divisar, m ais além delas e em relação com elas, o “ inédito viável”.

Em sínt ese, as “ sit uações- lim ites” im plicam na existência daqueles a quem direta ou indiretam ente
“ servem ” e daqueles a quem “ negam ” e “ freiam ” .

No m om ento em que estes as percebem não m ais com o um a “ fronteira entre o ser e o nada, m as com o
um a fronteira entre o ser e o m ais ser” , se fazem cada vez m ais crít icos na sua ação, ligada àquela
percepção. Percepção em que est á im plícit o o inédito viável com o algo definido, a cuj a concret ização se
dirigirá, sua ação.

17
Em torno de épocas históricas, ver Hans Freyer: Teoria de la Época Actual, México, Fondo de Cultura.
1 8
Estes tem as se cham am geradores porque, qualquer que seja a natureza de sua com preensão com o a
ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade de desdobrar- se em outros tantos tem as que, por
sua vez, provocam novas tarefas que devem ser cum pridas.
A tendência então, dos prim eiros, é vislum brar no inédito viável, ainda com o inédito viável, uma
“ sit uação- lim ite” am eaçadora que, por isto m esm o, precisa não concretizar- se. Dai que atuem no sentido
de m anterem a “ situação - lim ite” que lhes é favorável. 1 9
Desta form a, se im põe à ação libertadora, que é histórica, sobre um contexto, tam bém histórico, a
exigência de que esteja em relação de correspondência, não só com os “ tem as geradores” , m as com a
percepção que deles estej am tendo os hom ens. Esta exigência necessariam ente se alonga noutra: a da
investigação da tem át ica significativa.

Os “ tem as geradores” podem ser localizados em círculos concêntricos, que partem do m ais geral ao m ais
particular.

Tem as de caráter universal, contidos na unidade epocal m ais am pla, que abarca toda um a gam a de
unidades e subunidades, continentais, regionais, nacionais, etc., diversificadas entre si. Com o tem a
fundam ental desta unidade m ais am pla, que poderem os cham ar “ nossa época” , se encontra, a nosso ver,
o da libertação, que indica o seu contrário, o tem a da dom inação. É este tem a angustiante que vem dando
à nossa época o carát er antropológico a que fizem os referência anteriorm ente.

Para alcançar a m eta da hum anização, que não se consegue sem o desaparecim en t o da opressão
desum anizante, é im prescindível a superação das “ situações- lim ites” em que os hom ens se acham quase
coisificados” .

Em círculos m enos am plos, nos deparam os com tem as e “ situações- lim it es” , características de sociedades
de um m esm o continente ou de continentes dist intos, que têm nestes tem as e nestas “ situações- lim ites”
sim ilit udes históricas.

A “ sit uação- lim ite” do subdesenvolvim ento, ao qual está ligado o problem a da dependência, é a
fundam ental característica do “ terceiro m undo” . A tarefa de superar tal situação, que é um a totalidade,
por outra, a do desenvolvim ento, é, por sua vez, o im perativo básico do Terceiro Mundo.

Se olham os, agora, um a sociedade determ inada em sua unidade epocal, vam os perceber que, além desta
tem át ica universal, continental ou de um m undo específico de sem elhanças históricas, ela vive seus tem as
próprios, suas “ situações- limites”.

Em círculo m ais restrito, observarem os diversificações tem át icas, dentro de um a m esm a sociedade, em
áreas e subáreas em que se divide, todas, contudo, em relação com o t odo de que participam . São áreas e
sub - áreas que constituem subunidades epocais. Em um a unidade nacional m esm a, encontram os a contradição
da “ contem poraneidade do não coetâneo” .

Nas subunidades referidas, os tem as de caráter nacional podem ser ou deixar de ser captados em sua
verdadeira significação, ou sim plesm ente podem ser sentidos. Às vezes, sem sequer são sentidos.

O im possível, porém , é a inexistência de tem as nestas subnidades epocais. O fato de que indivíduos de
um a área não captem um " tem a gerador” , só aparentem ente oculto ou o fato de captá- la de form a
distorcida, pode significar, j á, a existência de um a “ situação - lim ite” de opressão em que os hom ens se
encontram m ais im ersos que em ersos.

A I NVESTI GAÇÃO DOS TEMAS GERADORES


E SUA METODOLOGIA

De m odo geral, a consciência dom inada, não só popular, que não captou ainda a “ situação- limite” em sua
globalidade, fica na apreensão de suas m anifestações periféricas às quais em presta a força inibidora que
cabe, cont udo, à “ sit uação- lim ite”. 2 0

1 9
A Libertação desafia, de form a dialeticam ente antagônica, a oprim idos e a opressores. Assim , enquanto
é, para os prim eiros, seu " inédito viável” , que precisam concretizar, se constitui, para os segundos, com o
“ sit uação- lim ite", que necessitam evitar.
Este é um fato de im portância indiscutível para o investigador da tem át ica ou do “ tem a gerador” .

A questão fundam ental, neste caso, está em que, faltando aos hom ens um a com preensão crít ica da
totalidade em que estão, captando- a em pedaços nos quais não reconhecem a int eração const it uint e da
m esm a totalidade, não podem conhecê- la. E não o podem porque, para conhecê- la, seria necessário partir
do ponto inverso. I sto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do contexto pa ra, em
seguida, separarem ou isolarem os elem entos ou as parcialidades do contexto, através de cuja cisão
voltariam com m ais claridade à totalidade analisada.

Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na m etodologia da investigação tem át ica que
advogam os, m as tam bém , na educação problem at izadora que defendem os. O esforço de propor aos
indivíduos dim ensões significativas de sua realidade, cuja análise crít ica lhes possibilite reconhecer a
int eração de suas part es.

Desta m aneira, as dim ensões significativas que, por sua vez, estão constituídas de partes em interação,
ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos com o dim ensões da totalidade. Deste m odo,
a análise crít ica de um a dim ensão significativo- existencial possibilita aos indivíduos um a nova postura,
tam bém crít ica, em face das “ situações- lim it es” . A captação e a com preensão da realidade se refazem ,
ganhando um nível que até então não t inham . Os hom ens tendem a perceber que sua com preensão e que
a “ razão” da realidade não est ão fora dela, com o, por sua vez, ela hão se encontra deles dicotom izada,
com o se fosse um m undo à parte, m isterioso e estranho, que os esm agasse.

Neste sentido é que a investigação do “ tem a gerador” , que se encontra contido no “ universo tem át ico
mínimo” ( os temas geradores em interação) se realizada por m eio de um a m etodologia conscientizadora,
além de nos possibilitar sua apreensão, insere ou com eça a inserir os hom ens num a form a crít ica de
pensarem seu m undo.

Na m edida, porém , em que, na captação do todo que se oferece à com preensão dos hom ens, este se lhes
apresenta com o algo espesso que os envolve e que não chegam a vislum brar, se faz indispensável que a
sua busca se realize at ravés da abst ração. I st o não significa a redução do concret o ao abst rat o, o que
seria negar a sua dialeticidade, m as t ê- los com o opostos que se dialetizam no ato de pensar.

Na análise de um a situação existencial concreta, “ codificada” 2 1


, se verifica exatam ente este m ovim ento do
pensar.

A descodificação da sit uação exist encial provoca est a postura normal, que implica num partir
abstratam ente até o concreto; que im plica num a ida das partes ao todo e num a volta deste às partes, que
im plica num reconhecim ento do suj eito no obj eto ( a situação existencial concreta) e do obj eto com o
sit uação em que est á o suj eit o2 2.

Este m ovim ento de ida e volta, do abstrato ao concreto, que se dá na análise de um a situação codificada,
se bem feit a a descodificação, conduz à superação da abst ração com a percepção crít ica do concret o, j á
agora não m ais realidade espessa e pouco vislum brada.

20
Esta form a de proceder se observa, não raram ente, entre hom ens de classe m édia, ainda que
diferentem ente de com o se m anifesta entre cam poneses. Seu m edo da liberdade os leva a assum ir
m ecanism os de defesa e, através de racionalizações, escondem o fundam ental, enfatizam o acidental e
negam a realidade concreta. Em face de um problem a cuja análise rem ete à visualização da situação -
lim it e", cuja crít ica lhes é incôm oda, sua tendência é ficar na periferia dos problem as, rechaçando toda t
ent at iva de adentram ento no núcleo m esm o da questão. Chegam , inclusive, a irritar- se quando se lhes cham
a a atenção para algo fundam ental que explica o acidental ou o secundário, aos quais estão dando significação
prim ordial.

21
A codificação de um a situação exist encial é a representação desta, com alguns de seus elem entos
const it ut ivos, em int eração. A descodificação é a análise crit ica da sit uação codificada.
2 2
O sujeito se reconhece na representação da situação existencial “ codificada", ao m esm o tem po em que
reconhece nest a, obj et o agora de sua reflexão, o seu cont orno condicionant e em e com que est á, com
outros suj eitos.
Realm ente, em face de um a situação existencial codificada, ( situação desenhada ou fotografada que re-
m ete, por abstração, ao concreto da realidade existencial), a tendência dos indivíduos é realizar um a
espécie de " cisão” na sit uação, que se lhes apresent a. Est a “ cisão” , na prát ica da descodificação,
corresponde à. etapa que cham am os de “ descrição da situação” . A cisão da situação figurada possibilita
descobrir a interação entre as partes do todo cindido.

Est e t odo, que é a situação figurada ( codificada) e que antes havia sido apreendido difusam ente, passa a
ganhar significação na m edida em que sofre a “ cisão” e em que o pensar volta a ele, a partir das
dim ensões resultantes da “ cisão” .

Com o, porém , a codificação é a representação de um a situação existencial, a tendência dos indivíduos é


dar o passo da representação da situação ( codificação) à situação concreta m esm a em que e com que se
encontram .

Teoricam ente, é lícit o esperar que os indivíduos passem a com portar- se em face de sua realidade obj et iva
da m esm a form a, do que resulta que deixe de ser ela um beco sem saída para ser o que em verdade é:
um desafio ao qual os hom ens têm que responder.

Em t odas as et apas da descodificação, est arão os hom ens ext eriorizando sua visão do mundo, sua forma
de pensá- lo, sua percepção fat alist a das “ sit uações- lim it es” , sua percepção estática ou dinâm ica da
realidade.

E nesta form a expressada de pensar o m undo fatalistam ente, de pensá- lo dinâm ica ou estaticam ente, na
m aneira com o realizam seu enfrentam ento com o m undo, se encontram envolvidos seus “ tem as
geradores” .

Ainda quando um grupo de indivíduos não chegue a expressar concretam ente um a tem át ica geradora, o
que pode parecer inexistência de tem as, sugere, pelo contrário, a existência de um tem a dram ático: o
tem a do silêncio. Sugere um a estrutura constituinte do m utism o ante a força esm agadora de “ situações-
lim it es” , em face das quais o óbvio é a adaptação.

É im portante reenfatizar que o “ tem a gerador” não se encontra nos hom ens isolados da realidade, nem
tam pouco na realidade separada dos hom ens. Só pode ser com preendido nas relações hom ens- mundo.

I nvestigar o “ tem a gerador” é investigar, repitam os, o pensar dos hom ens referido à realidade, é
investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis.

A m etodologia que defendem os exige, por isto m esm o, que, no fluxo da investigação, se façam am bos
sujeitos da m esm a – os investigadores e os hom ens do povo que, aparentem ente, seriam seu objeto.

Quanto m ais assum am os hom ens um a postura at iva na invest igação de sua t em át ica, t ant o m ais
aprofundam a sua tom ada de consciência em torno da realidade e, explicitando sua tem át ica significativa,
se apropriam dela.

Poderá dizer- se que o fato de serm os hom ens do povo, tanto quanto os investigadores, suj eit os da busca
de sua tem át ica significativa sacrifica a obj et ividade da investigação. Que os achados j á não serão “ puros"
porque terão sofrido um a interferência intrusa. No caso, em últ im a análise, daqueles que são os m aiores
int eressados – ou devem ser – em sua própria educação.

I sto revela um a consciência ingênua da investigação tem át ica, para a. qual os tem as existiriam em sua
pureza objetiva e original, fora dos hom ens, com o se fossem coisas.

Os tem as, em verdade, existem nos hom ens, em suas relações com o m undo, referidos a fat os concret os.
Um m esm o fato objetivo pode provocar, num a sub- unidade epocal, um conjunto de “ tem as geradores” , e,
noutra, não os m esm os, necessariam ente. Há, pois, um a relação entre o fato obj et ivo, a percepção que
dele t enham os hom ens e os “ tem as geradores”.
É através dos hom ens que se expressa a tem át ica significativa e, ao expressar- se, num certo m om ento,
pode j á não ser, exatam ente, o que antes era, desde que haj a m udado sua percepção dos dados obj et ivos
aos quais os tem as se acham referidos.

Do ponto de vista do investigador im porta, na análise que faz no processo da investigação, detectar o
ponto de partida dos hom ens no seu m odo de visualizar a objetividade, verificando se, durante o
processo, se observou ou não, algum a t ransform ação no seu m odo de perceber a realidade.
A realidade objetiva continua a m esm a. Se a percepção dela variou no fluxo da investigação, isto não
significa prejudicar em nada sua validade. A tem át ica significativa aparece, de qualquer m aneira, com o
seu conj unto de dúvidas, de anseios, de esperanças.

É preciso que nos convençam os de que as aspirares, os m otivos, as finalidades que se encontram im
plicitados na tem át ica significativa, são aspirações, finalidades, m ot ivos hum anos. Por isto, não est ão aí,
num certo espaço, com o coisas petrificadas, m as estão sendo. São tão histórico quanto os hom ens. Não
podem ser captados fora deles, insistam os.

Capt á- los e ent endê- los é entender os hom ens que os encarnam e a realidade a eles referida. Mas,
precisam ente porque não é possível entendê- los fora dos hom ens, é preciso que estes tam bém os
entendam . A investigação tem át ica se faz, assim , um esforço com um de consciência da realidade e de
autoconsciência, que a inscreve com o ponto de partida do processo educ at ivo, op da ação cult ural de
caráter libertador.

A SIGNIFICAÇÃO CONSCIENTIZADORA
DA INVESTIGAÇÃO DOS TEMAS GERADORES.
OS VÁRI OS MOMENTOS DA I NVESTI GAÇÃO

Por ist o é que, para nós, o r isco da invest igação não est á em que os supost os invest igados se descubram
investigadores, e, desta form a, “ corrom pam ” os resultados da análise. O r isco está exatam ente no
contrário. Em deslocar o centro da investigação, que é a tem át ica significativa, a ser obj eto da análise,
para os hom ens m esm os, com o se fossem coisas, fazendo- os assim obj et os da invest igação. Est a, à base
da qual se pretende elaborar o program a educativo, em cuj a prática educa- dores- educandos e educandos-
educadores conj uguem sua ação cognoscente sobre o m esm o obj eto cognoscível, tem de fundar- se,
igualmente, na reciprocidade da ação. E agora, da ação m esm a de investigar.

A investigação tem át ica, que se dá no dom ínio do hum ano e não no das coisas, não pode reduzir- se a um
at o m ecânico. Sendo processo de busca, de conhecim ent o, por ist o t udo, de criação, exige de seus
suj eitos que vão descobrindo, no encadeam ento dos tem as significativos, a interpenetração dos
problem as.

Por isto é que a investigação se fará tão m ais pedagógica quanto m ais crít ica e tão m ais crit ica quanto,
deixando de perder- se nos esquem a s estreitos das visões parciais da realidade, das visões “ focalist as” da
realidade, se fixe na com preensão da totalidade.

Assim é que, no processo de busca da t em át ica significat iva, j á deve est ar present e a preocupação pela
problem atização dos próprios t em as, Por suas vinculações com outros. Por seu envolvim ento histórico-
cultural.

Assim com o não é possível – o que salientam os no início deste capítulo – elaborar um programa a ser
doado ao povo, tam bém não o é elaborar roteiros de pesquisa do universo temático a partir de pontos
prefixados pelos investigadores que se julgam a si m esm os os sujeitos exclusivos da investigação.

Tanto quanto a educação, a investigação que a ela serve, tem de ser um a operação sim pática, no sentido
etim ológico da expressão. I st o é, tem de constituir- se na com unicação, no sentir com um um a realidade
que não pode ser vista m ecanicistam ente com partim entada, sim plistam ente bem “ com portada”, m as, na
com plexidade de seu perm anente vir a ser.

I nvestigadores profissionais e povo, nesta operação sim pática, que é a investigação do tem a gerador, são
am bos suj eitos deste processo.
O investigador da tem át ica significativa que, em nom e da obj et ividade científica, t ransform a o orgânico
em inorgânico, o que está sendo no que é, o vivo no m orto, tem e a m udança. Tem e a t ransform ação. Vê
nesta, que não nega, m as que não quer, não um anuncio de vida, m as um anúncio de m orte, de
deterioração. Quer conhecer a m udança, não para estim ulá- la, para aprofundá- la, m as para freá- la.

Mas, ao tem er a m udança e ao tentar aprisionar a vida, ao reduzi- la a esquem as rígidos, ao fazer do povo
objeto passivo de sua ação investigadora, ao ver na m udança o anúncio da m orte, m ata a vida e não pode
esconder sua m arca necrófila.

A investigação da tem át ica, repitam os, envolve a investigação do próprio pensar do povo. Pensar que não
se dá fora dos hom ens, nem num hom em só, nem no vazio, m as nos hom ens e entre os hom ens, e
sem pre referido à realidade.

Não posso investigar o pensar dos outros, referido ao m undo se não penso. Mas, não penso
autenticam ente se os outros tam bém não pensam . Sim plesm ente, não posso pensar pelos outros nem
para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, m as
com ele, com o sujeito de seu pensar. E se seu pensar é m ágico ou ingênuo, será pensando o seu pensar,
na ação, que ele m esm o se superará. E a superação não se faz no ato de consum ir idéias, m as no de
produzi- ias e de t ransform á - las na ação e na com unicação.

Sendo os hom ens seres em “ situação” , se encontram enraizados em condições tem po - espaço que os
m arcam e a que eles igualm ente m arcam . Sua tendência é refletir sobre sua própria situacionalidade, na
m edida em que, desapoiados por ela, agem sobre ela. Esta reflexão im plica, por isto m esm o, em alg o
mais que estar em situacionalidade, que é a sua posição fundam ental. Os hom ens são porque est ão em
situação. E serão tanto m ais quanto não só pensem crit icam ente sobre sua form a de est ar, mas
crit icam ente atuem sobre a situação em que estão.

Esta reflexão sobre a situacionalidade é um pensar a pr 6pria condição de existir. Um pensar crit ico através do
qual os hom ens se descobrem em “ situação” . Só na m edida em que esta deixa de parecer- lhes uma realidade
espesso que os envolve, algo m ais ou m enos nublado em que e sob que se acham , um beco sem saída
que os angustia e a captam com o a situação obj et ivo- problem át ica em que estão, é que existe o engajam
ento. Da im ersão em que se achavam , em ergem , capacit ando- se para inserir - se na realidade que se vai
desvelando.

Desta m aneira, a inserção é um estado m aior que a em ersão e result a da conscient ização da sit uação. É a
própria consciência histórica.

Dai que sej a a conscientização o aprofundam ento da tom ada de consciência, característica, por sua vem ,
de toda em ersão.

Nest e sent ido é que t oda invest igação t em át ica de carát er conscient izador se faz pedagógica e t oda
aut ênt ica educação se faz invest igação do pensar.

Quanto m ais investigo o pensar do povo com ele, tanto m ais nos educam os j untos. Quanto m ais nos
educamos, tanto m ais continuam os investigando.

Educação e investigação tem át ica, na concepção problem at izadora da educação, se tornam m om entos de
um m esm o processo.

Enquant o na prát ica “ bancária” da educação, ant i- dialógica por essência, por isto, não com unicat iva, o
educador deposita no educando o conteúdo program át ico da educação, que ele m esm o elabora ou
elaboram para ele, na prática problem at izadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jam ais é
“ depositado” , se organiza e se constitui na visão do m u ndo dos educandos, em que se encontram seus
“ tem as geradores”.

Por tal razão é que este conteúdo há de estar sem pre renovando- se e am pliando- se.
A tarefa do. educador dialógico é, t rabalhando em equipe interdisciplinar este universo tem át ico, recolhido
na investigação, devolvê- lo, com o problem a, não com o dissertação, aos hom em de quem recebeu.

Se, na et apa da alfabet ização, a educação problem at izadora e da com unicação busca e invest iga a
“ palavra geradora”, 2 3 na pós- alfabet ização, busca e invest iga o “ t em a gerador”.
Num a visão libertadora, não m ais “ bancária” da educação, o seu conteúdo program át ico já não involucra
finalidades a serem im postas ao povo, m as, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os
educadores, reflete seus anseios e esperanças. Daí a investigação da tem át ica com o ponto de partida do
processo educativo, com o ponto de partida de sua dialogicidade.

Daí tam bém o im perativo de dever ser conscientizadora a m etodologia desta investigação.

Que fazerm os, por exem plo, se tem os a responsabilidade de coordenar um plano de educação de adultos
em um a área cam ponesa, que revele, inclusive, um a alta porcentagem de analfabetism o? O plano incluirá
a alfabet ização e a pós- alfabetização. Estaríam os, portanto, obrigados a realizar, tanto a invest igação das
“ palavras geradoras”, quanto a dos “ tem as geradores”, á base de que teríam os o program a para um a e
out ra et apas do plano.

Fixemo - nos, contudo, apenas na investigação dos “ tem as geradores” ou da tem át ica significativa. 2 4

Delimitada a área em que se vai t rabalhar, conhecida através de fontes secundárias, com eçam os
investigadores a prim eira etapa de investigação.

Esta, com o todo com eço em qualquer at ividade no dom ínio do hum ano, pode apresentar dificuldades e
r iscos. Riscos e dificuldades norm ais, até certo ponto, ainda que nem sem pre existentes, na aproxim ação
prim eira que fazem os investigadores aos indivíduos da área.

É que, neste encontro, os investigadores necessitam de obter que um núm ero significativo de pessoas
aceit e um a conversa inform al com eles, em que lhes falarão dos objetivos de sua presença na área. Na
qual dirão o porque, o com o e o para que da investigação que pretendem realizar e que m ão podem fazê-
lo se não se estabelece um a relação de sim patia e confiança m útuas.

No caso de aceitarem a reunião, e de nesta aderirem , não só à investigação, m as ao processo que se


segue 2 5 , devem os investigadores estim ular os presentes para que, dentre eles, apareçam os que queiram
participar diretam ente do processo da investigação com o seus auxiliares. Desta form a, esta se inicia com
um diálogo às claras entre todos.

Um a série de inform ações sobre a vida na área, necessárias à sua com preensão, terá nestes voluntários
os seus recolhedores. Muito m ais im portante, contudo, que a coleta destes dados, é sua presença at iva aa
invest igação.

Ao lado deste t rabalho da equipe local, os investigadores iniciam suas visitas A área, sem pre autêntica-
m ente, nunca forçadam ente, com o observadores sim páticos. Por isso m esm o, com at it udes
com preensivas em face do que observam .

Se é norm al que os investigadores cheguem à área da investigação m ovendo- se em um m arco conceitual


valorativo que estará presente na sua percepção do observado, isto não deve significar, porém , que
devem t ransform ar a investigação temática no m eio para im porem este m arco.

A única dim ensão que se supõe devam ter os investigadores, neste m arco no qual se m ovem , que se
espera se faça com um aos hom ens cuj a tem át ica se busca investigar, é a da percepção crít ica de sua

23
Ver Paulo Freire, Educação com o prática da liberdade, op. cit .
24
A propósito da investigação e do “ t ratam ento" das “ palavras geradoras" ver Paulo Freire, Educação com o
prática da liberdade, op. cit .
25
“ Na razão m esm a em que a ‘investigação tem ática’ ( diz a soci6loga Maria Edy Perreira, num t rabalho em
preparação só se j ustifica enquanto devolva ao povo o que a ele pertence; enquanto sej a, nã o o at o de
con h ecê- lo, m as o de conhecer com ele a realidade que o desafia.”
realidade, que implic a num m étodo correto de aproxim ação do concreto para desvelá - lo. E isto não se
impõe.

Neste sentido é que, desde o com eço, a investigação tem át ica se vai expressando com o um quefazer
educativo. Com o ação cultural.

Em suas visitas os investigadores vão fixando sua “ m irada” crit ica na área em estudo, com o se ela fosse,
para eles, um a espécie de enorm e e sui- generis “ codificação” ao vivo, que os desafia. Por isto m esm o,
visualizando a área com o totalidade, tentarão, visita após visita, realizar a “ cisão” desta, na análise das
dim ensões parciais que os vão im pactando.

Neste esforço de “ cisão” com que, m ais adiante, voltarão a adentrar- se na totalidade, vão am pliando a
sua com preensão dela, na interação de suas partes.

Na etapa desta igualm ente sui generis descodificação, os investigadores, ora incidem sua visão crit ica,
observadora, diretam ente, sobre certos m om entos da existência da área, ora o fazem através de diálogos
inform ais com seus habitantes.

Na m edida em que realizam a “ descodificação” desta “ codif icação” viva, se) a pela observação dos fat os,
sej a pela conversação inform al com os habitantes da área, irão registrando em seu caderno de notas, à
m aneira de Wright Mills2 6 , as coisas m ais aparentem ente pouco im portantes. A m aneira de conversar dos
hom ens; a sua form a de ser. O seu com portam ento no culto religioso, no t rabalho. Vão registrando as
expressões do povo; sua linguagem , suas palavras, sua sintaxe, que não é o m esm o que sua pronúncia
defeituosa, m as a form a de construir seu pensam ento. 2 7

Est a descodificação ao vivo im plica, necessariam ente, em que os investigadores, em sua fase,
surpreendam a área era m om entos distintos. É preciso que a visitem em horas de t rabalho no cam po; que
assistam a reuniões de algum a, associação popular, observando o proc edim ento de seus participantes, a
linguagem usada, as relações entre diretoria e sócios; o papel que desem penham as m ulheres, os jovens.
É indispensável que a visitem em horas de lazer; que presenciem seus habitantes em atividades
esport ivas; que conversem com pessoas em suas casas, registrando m anifestações em t 6rno das relações
marido- mulher, pais - filhos; afinal, que nenhum a at ividade, nesta etapa, se perca para esta com preensão
prim eira da Arca.

A propósito de cada um a destas visitas de observação com preensiva devem os investigadores redigir um
pequeno relatório, cujo conteúdo é discutido pela equipe, em sem inário, no qual se vão avaliando os
achados, quer dos investigadores profissionais, quer dos auxiliares da investigação, representantes do
povo, nest as prim eiras observações que realizaram . Dai que este sem inário de avaliação deva realizar- se,
se possível aa Arca de t rabalho, para que possam estes participar dele.

Observa- se que os pontos fixados pelos vários investigadores, só conhecidos por todos na reunião de
sem inário avaliativo, de m odo geral coincidem , com exceção de um ou outro aspecto que im pressionou
m ais singularm ente a um ou a outro investigador.

Estas reuniões de avaliação constituem , em verdade, um segundo m om ento da “ descodificação” ao vivo,


que os investigadores estão realizando da realidade que se lhes apresenta com o aquela “ codificação” sui-
generis.

Com efeito, na m edida em que, um a um , vão todos expondo com o perceberam e sentiram este ou aquele
m om ento que m ais os im pressionou, no ensaio “ descodificador” , cada exposição particular, desafiando a
todos com o descodificadores da m esm a realidade, Vai re- presentificando- lhes a realidade recém-

26
Wright Mills, The Sociological Imagination.
27
Neste sentido Guim arães Rosa nos parece um exem plo – e genial exemplo – de com o pode um escritor
captar fielm ente, não a pronúncia, não a corruptela prosódica, m as a sintaxe do povo das Gerais – a
estrutura de seu pensam ento. O educador brasileiro Paulo de Tarso – escreve um ensaio cuj o valor e
interesse destacam os, sobre a obra de Guim arães Rosa, onde analisa o papel deste autor com o
descobridor dos tem as fundam entais do hom em do sertão brasileiro.
presentificada à sua consciência intencionada a ela. Neste m om ento, “ re- admiram” sua admiração ant erior
no relato da “ ad- m iração” dos dem ais.

Desta form a, a “ cisão” que fez cada um da realidade, no processo particular de sua descodificação, os
rem ete, dialógicam ente, ao todo “ cindido” que se retotaliza e se oferece aos investigadores a um a nova
análise, à qual se seguirá novo sem inário avaliativo e crit ico, de que participarão, com o m em bros da
equipe investigadora, os representantes populares.

Quanto m ais cindem o todo e o re- totalizam na re - adm iração que fazem de sua ad- m iração, m ais vão
aproximando- se dos núcleos centrais das contradições principais e secundárias em que estão envolvidos
os indivíduos da área.

Poderíam os pensar que, nesta prim eira etapa da investigação, ao se apropriarem , através de suas
observações, dos núcleos cent rais daquelas contradições, os investigadores j á estariam capacitados para
organizar o conteúdo program át ico da ação educativa. Realm ente, se o conteúdo desta ação reflete as
contradições, indiscutivelm ente estará, constituído da tem át ica significativa da área.

Não tememo s, inclusive, afirm ar que a m argem de ac0rto para a ação que se desenvolvesse a partir
destes dados seria m uito m ais provável que a dos conteúdos resultantes das program ações verticais.

Esta, contudo, não deve ser um a tentação pela qual os investigadores se deixem seduzir.

Na verdade, o básico, a partir da inicial percepção deste núcleo de contradições, entre as quais estará,
incluída a principal da sociedade com o um a unidade epocal m aior, é estudar em que nível de percepção
delas se encontram os indivíduos da área.

No fundo, est as cont radições se encont ram const it uindo “ sit uações- lim ites” , envolvendo tem as e
apontando tarefas.

Se os indivíduos se encontram aderidos a est as “ sit uações- lbnites”, im possibilitados de “ separar” - se delas,
o seu tem a a elas referido será necessariam ente o do fatalism o e a “ t arefa” a ele associada é a de quase
não terem t arefa.

Por isto é que, em bora as “ situações- lim ites” sejam realidades objetivas e estejam provocando
necessidades nos indivíduos, se im põe investigar, com eles, a consciência que delas tenham .

Um a “ situação- lim it e” , com o realidade concreta, pode provocar em indivíduos de áreas diferentes e até de
subáreas de um a m esm a área, tem as e tarefas opostos, que exigem , portanto, diversificação
program át ica para o seu desvelam ento.

Daí que a preocupação básica dos invest igadores deva cent rar- se no conhecim ento do que Goldm an 2 8
cham a de “ consciência real” ( efetiva) e “ consciência m áxim a possível” .

“ Real consciousness is the result of the m ult iple obstacles and desviations t hat t he different fact ors of
em pirical reality put into opposition and subm it for realization by this potential consciousness” . Daí que,
ao nível da “ consciência real”, os hom ens se encontrem lim itados na possibilidade de perceber m ais além
das “ sit uações- lim ites”, o que cham am os de “ inédito viável”.

Por isto é que, para nós, o “ inédito viável” , [ que m ão pode ser apreendido no nível da “ consciência real”
ou efetiva] se concretiza a “ ação editanda” , cuj a viabilidade antes não era percebida. Há um a relação
entre o “ inédito viável” e a “ consciência real” e entre a “ ação editanda” e a “ consciência m áxim a possível” .

A “ consciência possível” ( Goldm an) parece poder identificar- se com o que Nicolai2 9 cham a de “ soluções”
praticáveis despercebidas” ( nosso “ inédit o viável” ) , em oposição às “ soluções praticáveis percebidas” e às
“ soluções efetivam ente realizadas,” que correspondem a, “ consciência real” ( ou efetiva) de Goldm an.

28
Lucien Goldm an, The human Sciences and Philosophy . Londres, The Chancer Press, 1969, p. 118.
29
André Nicolai, Com portem ent Econom ique et Structures Sociales. Paris, PUF, 1960.
Esta é a razão por que o fato de os investigadores, na prim eira etapa da investigação, terem chegado à,
apreensão m ais ou m enos aproxim ada do conjunto de contradições, não os autoriza a pensar na
est rut uração do cont eúdo program át ico da ação educat iva. At é ent ão, est a visão é' deles ainda, e não a
dos indivíduos em face de sua realidade.

A segunda fase da investigação com eça precisa- m ente quando os investigadores, com os dados que
recolheram , chegam à apreensão daquele conjunto de contradições.
A partir deste m om ento, sem pre em equipe, escolherão algum as destas contradições, com que serão
elaboradas as codificações que vão servir à invest igação t em át ica.

Na m edida em que as codificações ( pintadas ou fotografadas e, em certos casos, preferencialm ente


fot ografadas 3 0 ) são o objeto que, m ediatizando os sujeitos descodificadores, se dá à sua análise crít ica,
sua preparação deve obedecer a certos princípios que são apenas os que norteiam a confecção das puras
ajudas visuais.

Um a prim eira condição a ser cum prida é que, necessariam ente, devem representar situações conhecidas
pelos indivíduos cuja tem á t ica se busca, o que as faz reconhecíveis por eles, possibilitando, desta form a,
que nelas se reconheçam .

Não seria possível, nem no processo da investigação, nem nas prim eiras fases do que a ele se segue, o da
devolução da tem át ica significativa com o con teúdo program át ico, propor representações de realidades
estranhas aos indivíduos.

É que este procedim ento, em bora dialético, pois que os indivíduos, analisando um a realidade estranha,
com parariam com a sua, descobrindo as lim it ações desta, não pode preceder a um outro, exigível pelo
est ado de im ersão dos indivíduos: aquele em que, analisando sua própria realidade, percebem sua
percepção anterior, do que resulta um a nova percepção da realidade distorcidam ente percebida.

I gualm ente fundam ental para a sua preparação é a condição de não poderem t er as codificações, de um
lado, seu núcleo tem ático dem asiado explícito; de outro, dem asiado enigm ático. No prim eiro caso, correm
o r isco de t ransform ar- se em codificações propangandísticas, em face das quais os indivíduos não têm
outra descodificação a fazer, senão a que se acha im plícita nelas, de form a dirigida. No segundo, o r isco
de fazer- se um jogo de adivinhação ou “ quebra- cabeça” .

Na m edida em que representam situações existenciais, as codificações devem ser sim ples na sua
com plexidade e oferecer possibilidades plurais de análises na sua descodificação, o que evita o dirigism o
m assificador da codificação propagandística. As codificações não são slogans, são obj et os cognoscíveis,
desafios sobre que deve incidir a reflexão crít ica dos suj eitos descodificadores. 3 1

Ao oferecerem possibilidades plurais de análises, no processo de sua descodificação, as codificações, na


organização de seus elem entos constituintes, devem ser um a espécie de “ leque tem át ico” . Desta forma,
na m edida em que sobre elas os sujeitos descodificadores incidam sua reflexão crit ica, irão “ abrindo- se”
na direção de outros tem as.

Esta abertura, que não existirá, no caso de seu conteúdo tem át ico estar dem asiado explicitado ou
dem asiado enigm ático, é indispensável à percepção das relações dialéticas que existem entre o que
representam e seus contrários.

30
As codificações tam bém podem ser orais. Consistem , neste caso, na apresentação, em poucas palavras,
que fazem os investigadores, de um problem a existencial e a que se segue sua “ descodificação". A equipe
do " I nstituto de Desarrollo Agropecuário" – Chile, vem usando- os com resultados positivos em
invest igações t em át icas.
31
As codificações, de um lado, são a m ediação entre o " contexto concreto ou real” , em que se dão os
fatos e o " contexto teórico", em que são analisadas; de outro, são o obj eto cognoscível sobre que o
educador- educando e os educandos- educadores, corno suj eitos cognoscentes, incidem sua reflexão crit ica.
Ver Paulo Freire, Ação cultural para a libertação.
Para atender, igualm ente, a esta exigência fundam ental, O indispensável que a codificação, refletindo um a
situação existencial, constitua obj et ivam ente um a totalidade. Daí que seus elem entos devam encontrar- se
em interação, na com posição da totalidade.

No processo da descodificação os indivíduos, exteriorizando sua tem át ica, explicitam sua “ consciência
real” da objetividade.

Na m edida em que, ao fazê- lo, vão percebendo com o atuavam ao viverem a situação analisanda, chegam
ao que cham am os ant es de percepção da percepção anterior.

Ao terem a percepção de com o antes percebiam , percebem diferentem ente a realidade, e, am pliando o
horizonte do perceber, mais facilm ente vão surpreendendo, na sua “ visão de fundo” , as relações dialéticas
entre um a dim ensão e outra da realidade.

Dim ensões referidas ao núcleo da codificação sobre que incidem a operação descodificadora.

Com o a descodificação é, no fundo, um ato cognoscente, realizado pelos suj eitos descodificadores, e com o
este ato recai sobre a representação de um a situação concreta, abarca igualm ente o ato anterior com o
qual os m esm os indivíduos haviam apreendido a m esm a realidade, agora representada na codificação.

Prom ovendo a percepção da percepção anterior e o conhecim ento do conhecim ento anterior, a
descodificação, desta form a, prom ove o surgim ento de nova percepção e o desenvolvim ento de novo
conhecim ento.

A nova percepção e o novo conhecim ent o, cuj a form ação j á, com eça nest a et apa da invest igação, se
prolongam , sistem at icam ente, na im plantação do plano educativo, t ransform ando o “ inédito viável” na
“ ação editanda” , com a superação da “ consciência real” pela “ consciência m áxim a possível” .

Por tudo ist o é que m ais um a exigência se im põe na preparação das codificações – é que elas
representem contradições tanto quanto possível “ inclusivas” de outras, com o adverte José Luís Fiori. 3 2 Que
sejam codificações com um m áxim o de “ inclusividade” de outras que constituem o sistem a de
contradições da área em estudo. Mais ainda e por isto m esm o, preparada um a destas codificações
“ inclusivas” , capaz de “ abrir- se” em “ leque tem át ico” no processo de sua descodificação, que se preparem
as dem ais “ incluídas” nela, com o suas dim ensões dialetizadas. A descodificação das prim eiras terá um a
ilum inação explicativam ente dialética na descodificação das segundas.

Neste sentido, um jovem chileno, Gabriel Bode 3 3 , que há m ais de dois anos t rabalha com o m étodo na
et apa de pós- alfabet ização t rouxe um a contribuição da m ais alta im portância.

Na sua experiência, observou que os cam poneses som ente se interessavam pela discussão, quando a
codificação dizia respeito, diretam ente, a aspectos concretos de suas necessidades sentidas. Qualquer
desvio na codificação, com o qualquer t ent at iva do educador de orient ar o diálogo, na descodificação, para
outros rum os que não fossem os de suas necessidades sentidas, provocavam o seu silêncio e o seu
indiferentismo.

Por outro lado, observava que, em bora a codificação se cent rasse nas necessidades sent idas ( codificação,
contudo, não “ inclusiva” , no sentido de José Luís Fiori) , os cam poneses não conseguiam , no processo de
sua análise, fixar- se, ordenadam ente, na discussão, “ perdendo- se” , não raras vezes, sem alcançar a
síntese. Assim tam bém não percebiam , ou raram ente percebiam , as relações entre suas necessidades
sentidas e as razões objetivas m ais próxim as ou m enos próxim as das m esm as.

Falt ava- lhe, direm os nós, a percepção do “ inédito viável” m ais além das “ sit uações- lim ites” , geradoras de
suas necessidades.

32
Trabalho inédito.
3 3
Funcionário especializado de um a das m ais sérias instituições governam entais chilenas, o I nstituto de
Desarrollo Agropecuario ( I NDAP) – em cuj a direção até bem pouco esteve o econom ista, de form ação
autenticam ente hum anista, Jacques Chonchol.
Não lhes era possível ult rapassar a sua experiência existencial focalista, ganhando a consciência da t
ot alidade.

Desta form a, resolveu experim entar a projeção sim ultânea de situações e a m aneira com o desenvolveu
seu experim ento é que constitui o aporte indiscutivelm ente im portante que t rouxe.

I nicialm ente, projeta a codificação ( m uito sim ples na constituição de seus elem entos) de um a situação
exist encial. A est a codificação cham a de “ essencial” – aquela que represent a o núcleo básico e que,
abrindo- se em leque tem át ico term inativo, se estenderá nas outras, que ele cham a de “ codificações
auxiliares”.

Depois de descodificada a “ essencial” , m antendo - a projetada com o um suporte referencial para as


consciê ncias a ela intencionadas, vai, sucessivam ente, proj etando a seu lado as codificações “ auxiliares” .

Com estas, que se encontram em relação direta com a “ essencial” , consegue m anter vivo o interesse dos
indivíduos que, em lugar de “ perder- se” nos debat es, chegam à síntese dos m esm os.

No fundo, o grande achado de Gabriel Bode está em que ele conseguiu propor à cognoscibilidade dos
indivíduos, através da dialeticidade entre a codificação “ essencial” e as “ auxiliares” , o sentido da
totalidade. Os indivíduos im ersos na realidade, com a pura sensibilidade de suas necessidades, em ergem
dela e, assim , ganham a razão das necessidades.

Desta form a, m uito m ais rapidam ente, poderão ultrapassar o nível da “ consciência real”, atingindo o da
“ consciência possível” .

Se este é o obj et ivo da educação problem at izadora que defendem os, a investigação tem át ica, que a ela
m ais que serve, porque dela é um m om ento, a este objetivo não pode fugir tam bém .

Preparadas às codificações, estudados pela equipe interdisciplinar todos os possíveis ângulos tem át icas
nelas contidos, iniciam os investigadores a terceira fase da investigação.

Nesta, voltam à área para inaugurar os diálogos descodificadores, nos “ círculos de investigação
t em át ica” . 3 4

Na m edida em que operacionalizam estes círculos3 5, com a descodificação do m aterial elaborado na etapa
anterior, vão sendo gravadas as discussões que serão, na que se segue, analisadas pela equipe
interdisciplinar. Nas reuniões de análise deste m aterial, devem estar presentes os auxiliares de
invest igação, represent ant es do povo, e alguns participant es dos “ círculos de invest igação” . O seu aport e,
além de ser um direito que lhes cabe, é indispensável à análise dos especialistas. É que, tão sujeitos
quant o os especialist as, do at o do t rat am ent o destes dados, serão ainda, e por isto m esm o, ret ificadores e
rat ificadores da interpretação que fazem estes dos achados da investigação.

Do ponto de vista m etodológico, a investigação que, desde o seu inicio, se baseia na relação sim pática de
que falam os, tem m ais esta dim ensão fundam ental para a sua segurança – a presença crít ica de
representantes do povo desde seu com eço até sua fase final, a da análise da tem át ica encontrada, que se
prolonga na organização do cont eúdo program át ico da ação educat iva, como ação cultural libertadora.

A est as reuniões de descodificação nos “ círculos de invest igação t em át ica” , além do invest igador com o
coordenador auxiliar da descodificação, assistirão m ais dois especialistas – um psicólogo e um sociólogo –
cuj a t arefa é registrar as reações m ais significativas ou aparentem ente pouco significativas dos suj eitos
descodificadores.

3 4
José Luís Fiori, em seu art igo j á citado, ret ificou com esta designação, adequada à instituição em que se
processa a ação investigadora da tem át ica significativa, a que antes lhe dávam os, realm ente m enos
própria, de " circulo de cultura", que podia, ainda, estabelecer confusão com aquela em que se realiza a
etapa que se segue à da invest igação.
3 5
Em cada “ circulo de investigação” deve haver um m áxim o de vinte pessoas, existindo tantos círculos
quantos a som a de seus participantes at inja a da população da área ou da subárea em estudo.
No processo da descodificação, cabe ao investigado, auxiliar desta, não apenas ouvir os indivíduos, m as
desafiá- los cada vez m ais, problem atizando, de um lado, a situação existencial codificada e, de outro, as
próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo.

Dest a form a, os part icipant es do “ círculo de investigação t em át ica” vão ext roj et ando, pela força cat árt ica
da m etodologia, um a sér ie de sentim entos, de opiniões, de si, do m undo e dos outros, que possivelm ente
não extroj etariam em circunstâncias diferentes.

Num a das investigações realizadas em Santiago ( esta, infelizm ente não concluída) ao discutir um grupo
de indivíduos resident es num “ cortiço” ( conventillo) uma cena em que apareciam um homem embriagado,
que cam inhava pela rua e, em um a esquina, t rês j ovens que conversavam , os participantes do círculo de
investigação afirm avam que “ aí apenas é produtivo e útil à nação o borracho que vem voltando para casa,
depois do t rabalho, em que ganha pouco, preocupado com a fam ília, a cujas necessidades não pode
atender. É o único t rabalhador. É um t rabalhador decente com o nós, que tam bém som os borrachos.

O interesse do investigador, o psiquiatra Patrício Lopes, a cujo t rabalho fizem os referência no nosso
ensaio anterior, era estudar aspectos do alcoolism o. Provavelm ente, porém , não haveria conseguido estas
respostas se se t ivesse dirigido àqueles indivíduos com um roteiro de pesquisa elaborado por ele m esm o.
Talvez, ao serem perguntados diretam ente, negassem , até m esm o que tornavam , vez ou outra, o seu
t rago. Frente, porém , à codificação de um a situação existencial, reconhecível por eles e em que se
reconheciam , em relação dialógica entre si e com o investigador, disseram o que real- mente sentiam.

Há dois aspectos im portantes nas declarações destes hom ens. De um lado, a relação expressa entre
ganhar pouco, sentirem- se explorados, com um “ salário que nunca alcança”, e se em briagarem .
Embriagarem- se com o um a espécie de fuga à realidade, com o t ent at iva de superação da frust ração do
seu não atuar. Um a solução, no fundo, autodestrutiva, necrófila. De outro, a necessidade de valorizar o
que bebe. Era o “ único út il à nação, porque t rabalhava, enquanto os outros o que faziam era falar m al da
vida alheia” . E, após a valorização do que bebe, a sua identificação com ele, com o t rabalhadores que
tam bém bebem , E t rabalhadores decentes.

I m aginem os, agora, o insucesso de um educador do t ipo que Niebuhr3 6 chama de “ m oralista” , que fosse
fazer prédicas a esses hom ens contra o alcoolism o, apresentando- lhes com o exem plo de virtude o que,
para eles, não é m anifestação de virtude.

O único cam inho a seguir, neste com o em outros casos é a conscientização da situação, a ser t ent ada
desde a et apa da invest igação t em át ica.

Conscientização, é óbvio, que não pára, estoicam ente, no reconhecim ento puro, de caráter subj et ivo, da
situação, m as, pelo contrário, que prepara os hom ens, no plano da ação, para a luta contra os obst áculos
à sua hum anização.

Em outra experiência, de que participam os, esta, com cam poneses, observam os que, durante toda a
discussão de um a situação de t rabalho no cam po, a tônica do debate era sem pre a reivindicação salarial e
a necessidade de se unirem , de criarem seu sindicato para esta reivindicação, não para outra.

Discutiram t rês situações neste encontro e a tônica foi sem pre a m esm a – reivindicação salarial e
sindicato para atender a esta reivindicação.

I m aginem os, agora, um educador que organizasse o seu program a “ educativo” para estes hom ens e, em
lugar da discussão desta tem át ica, lhes propusesse a leitura de textos que, certam ente, cham aria de “
sadios” , e nos quais se fala, angelicalm ente, de que “ a asa é da ave"...

E ist o é o que se faz, em t erm os preponderantes, na ação educativa com o na polít ica, porque não se leva
em conta que a dialogicidade da educação com eça na investigação tem át ica.

36
Reinhold Niebuhr, Moral Man and Immoral Society, op. cit .
A sua últ im a etapa se inicia quando os investigadores, term inadas as descodificações nos círculos, dão
c om eço ao estudo sistem át ico e interdisciplinar de seus achados.

Num prim eiro instante, ouvindo gravação por gravação, todas as que foram feitas das descodificações
realizadas e estudando as notas fixadas pelo psicólogo e pelo sociólogo, observadores do pro cesso
descodificador, vão arrolando os tem as explícitos ou im plícitos em afirm ações feitas nos “ círculos de
invest igação” .

Estes tem as devem ser classificados num quadro geral de ciências, sem que isto signifique, contudo, que
sej am vistos, na futura elaboração do program a, com o fazendo parte de departam entos estanques.

Significa, apenas, que há um a visão m ais especifica, central, de um tem a, conform e a sua situação num
dom ínio qualquer das especializações.

O tem a do desenvolvim ento, por exem plo, ainda que situado no dom ínio da econom ia, não lhe é
exclusivo. Receberia, assim , o enfoque da sociologia, da antropologia, com o da psicologia social,
interessadas na questão do câm bio cultural, na m udança de at it udes, nos valores, que interessam ,
igualm ente, a um a filosofia do desenvolvim ento.

Receberia o enfoque da ciência política, interessada nas decisões que envolvem o problem a, o enfoque da
educação, et c.

Desta form a, os tem as que foram captados dentro de um a totalidade, j am ais serão t ratadas
esquematicam ente. Seria um a lástim a se, depois de investigados na r iqueza de sua interpenetração com
outros aspectos da realidade, ao serem “ t ratados” , perdessem esta r iqueza, esvaziando- se de sua força,
na estreiteza dos especialism os.

Feit a a delim it ação t em át ica, caberá a cada especialista, dentro de seu cam po, apresentar à equipe
interdisciplinar o projeto de “ redução” de seu tem a.

No processo de “ redução” deste, o especialista busca os seus núcleos fundam entais que, constituindo- se
em unidades de aprendizagem e estabelecendo um a seqüência entre si, dão a visão geral do tem a
“ reduzido”.

Na discussão de cada proj et o específica, se vão anot ando as sugest ões dos vários especialist as. Est as, ora
se incorporam à “ redução” em elaboração, ora constarão dos pequenos ensaios a serem escritos sobre o
tem a “ reduzido”, ora um a coisa e outra.

Estes pequenos ensaios, a que se j untam sugestões bibliográficas, são subsídios valiosos para a form ação
dos educadores- educandos que t rabalharão nos “ círculos de cultura” .

Nest e esforço de “ redução” da t em át ica significat iva, a equipe reconhecerá a necessidade de colocar
alguns tem as fundam entais que, não obstante, não foram sugeridos pelo povo, quando da investigação.

A int rodução destes tem as, de necessidade com provada, c orresponde, inclusive, à dialogicidade da
educação, de que tanto tem os falado. Se a program ação educativa é dialógica, isto significa o direito que
tam bém têm os educadores- educandos de participar dela, incluindo tem as não sugeridos. A estes, por sua
função, cham am os “ tem as dobradiça”.

Com o tais, ora facilitam a com preensão entre dois tem as no conjunto da unidade program át ica,
preenchendo um possível vazio entre am bos, ora contêm , em si, as relações a serem percebidas entre o
conteúdo geral da program ação e a visão do m undo que estej a tendo o povo. Daí que um destes tem as
possa encont rar- se no “ rosto” de unidades tem át icas.
O conceito antropológico de cultura é um destes “ tem as dobradiça” , que prendem a concepção geral do
m undo que o povo estej a tendo ao resto do program a. Esclarece, através de sua com preensão, o papel
dos hom ens no m undo e com o m undo, com o seres da t ransform ação e não da adaptação.3 7

Feita a “ redução” 3 8 da tem át ica investigada, a etapa que se segue, segundo vim os, é a de sua
“ codificação” . A da escolha do m elhor canal de com unicação para este ou aquele tem a “ reduzido” e sua
representação. Um a “ codificação” pode ser sim ples ou com posta. No prim eiro caso pode- se usar o canal
visual, pictórico ou gráfico, o táctil ou o canal auditivo. No segundo, mult iplicidade de canais. 3 9

A escolha do canal visual, pictórico ou gráfico, depende não só da m atéria a codificar, m as tam bém dos
indivíduos a quem se dirige. Se têm ou não experiência de leitura.

Elaborado o program a, com a tem ática já, reduzid a e codificada, confecciona - se o m aterial didático.
Fot ografias, slides, film strips, cart azes, t ext os de leit ura, et c.

Na confecção deste m aterial pode a equipe escolher alguns tem as, ou aspectos de alguns deles e, se,
quando e onde sej a possível, usando gravadores, propô- los a especialistas com o assunto para um a
entrevista a ser realizada com um dos m em bros da equipe.

Figurem os, entre outros, o tem a do desenvolvim ento. A equipe procuraria dois ou m ais especialistas
( econom istas) , inclusive de escolas diferentes, e lhes falaria de seu t rabalho, convidando- os a dar uma
contribuição que seria a entrevista em linguagem accessível sobre tais pontos. Se os especialistas
aceit am , faz- se a ent revist a de 10 a 15 m inut os. Pode- se, inclusive, t irar um a fotografia do especialist a,
enquanto fala. No m om ento em que se propusesse ao povo o conteúdo da entrevista, se diria, antes,
quem é ele. O que fez. O que faz. O que escreveu, enquanto se poderia projetar sua fotografia em slides.
Se é um professor de Universidade, ao declinar- se sua condição de professor universitário, j á se poderia
discutir com o povo o que lhe parecem as universidades de seu Pais. Com o as vê. O que delas espera.
O grupo estaria sabendo que, após ouvir a entrevista, seria discutido o seu conteúdo, o qual passaria a
funcionar com o um a codificação auditiva.

Do debate realizado, faria posteriorm ente a equipe um relatório ao especialista em torno de com o o povo
reagiu à sua palavra. Desta m aneira, se estariam vinculando intelectuais, m uitas vezes de boa vont ade,
m as não raro, alienados da realidade popular, a esta realidade. É se estaria tam bém proporcionando ao
povo conhecer e crit icar o pensam ento do intelectual.

37
A propósito da im portância da análise do conceito antropológico de cultura, ver Paulo Freire, Educação
com o Prática da Liberdade, Paz e Terra, op. cit .
3 8
Se encaram os o program a em sua extensão, observam os que ele é um a totalidade cuja autonomia se
encont ra nas int er- relações de suas unidades que são, tam bém , em si, totalidades, ao m esm o tem po em
que são parcialidades da totalidade m aior.

Os tem as, sendo em si totalidades, tam bém são parcialidades que, em interação, constituem as unidades t
emáticas da totalidade program át ica.

Na “ redução” tem át ica, que é a operação de “ cisão” dos tem as enquanto totalidades se buscam seus
núcleos fundam entais, que são as suas parcialidades. Desta form a, “ reduzir” um tem a é cindi- lo em suas
partes para, voltand o- se a ele com o totalidade, m elhor conhecê- lo.

Na " codificação” se procura re- totalizar o tem a cindido, na representação de situações existenciais.

Na “ descodificação” , os indivíduos, cindindo a codificação com o totalidade, apreendem o tem a ou os tem as


nela im plícitos ou a ela referidos. Este processo de “ descodificação” que, na sua dialeticidade, não m orre
na cisão, que realizam na codificação com o totalidade tem át ica, se com pleta na re - t ot alização de
totalidade cindida, com que não apenas a com preendem m ais claram ente, m as tam bém vão percebendo
as relações com out ras sit uações codificadas, t odas elas represent ações de sit uações exist enciais.
3 9
CODI FI CAÇÃO: a) Sim ples ( Canal visual; Canal táctil; Canal auditivo) Canal visual ( pictórico, gráfico)

b) Com posta ( Sim ultaneidade de canais)


Podem ainda alguns destes tem as ou alguns de seus núcleos ser apresentados através de pequenas
dram atizações, que não contenham nenhum a resposta. O tem a em si, nada m ais.

Funcionaria a dram at ização com o codificação, com o situação problem at izadora, a que se seguiria a
discussão de seu cont eúdo.

Outro recurso didático, dentre de um a visão problem at izadora da educação e não “ bancária” , seria a
leitura e a discussão de art igos de revistas, de j ornais, de livros com eçando- se por t rechos. Com o nas
entrevistas gravadas, aqui tam bém , antes de iniciar a leitura de artigo ou do capítulo do livro se falaria de
seu autor. Em seguida, se realizaria o debate em torno do conteúdo da leitura.

Na linha do em prego destes recursos, parece- nos indispensável a análise do conteúdo dos editoriais da
im prensa,a propósito de um m esm o acontecim ento. Por que razão os jornais se m anifestam de form a
diferente sobre um m esm o fato? Que o povo então desenvolva o seu espírito crít ico para que, ao ler j
ornais ou ao ouvir o noticiário das em issoras de rádio, o faça não com o m ero paciente, com o objeto dos “
com unicados” que lhes prescrevem , m as com o um a consciência que precisa libertar- se.

Preparado todo este m aterial, a que se juntariam pré- livros sobre toda esta tem át ica, estará a equipe de
educadores apt a a devolvê- la ao povo, sistem at izada e am pliada. Tem át ica que, sendo dele, volt a agora a
ele, com o problem as a serem decifrados, jam ais com o conteúdos a serem depositados.

O prim eiro t rabalho dos educadores de base será a apresentação do program a geral da cam panha a
iniciar- se. Program a em que o povo se encontrará, de que não se sentirá estranho, pois que dele saiu.

Fundados na própria dialogicidade da educação, os educadores explicarão a presença, no program a, dos


“ t em as dobradiça” e de sua significação.

Com o fazer, porém , no caso em que não se possa dispor dos recursos para est a prévia invest igação
tem át ica, nos term os analisados?

Com um m ínim o de conhecim ento da realidade, podem os educadores escolher alguns tem as básicos que
funcionariam com o “ codificações de investigação” . Com eçariam assim o plano com tem as introdutórios ao
m esm o tem po em que iniciariam a investigação tem ática para o desdobram ento do program a, a partir
dest es t em as.

Um deles, que nos parece, com o j á dissem os, um tem a central, indispensável, é o do conceito
antropológico de cultura. Sej am hom ens cam poneses ou urbanos, em program a de alfabetização ou de
pós- alfabetização, o com eço de suas discussões em busca de m ais conhecer, no sentido instrum ental do
t erm o, é o debat e dest e conceit o.

Na proporção em que discutem o m undo da cultura, vão explicitando seu nível de consciência da
realidade, no qual estão im plicitados vários tem as. Vão referindo- se a outros aspectos da realidade, que
com eça a ser descoberta em um a visão crescentem ente crít ica. Aspectos que envolvem tam bém outros t
ant os t em as.

Com a experiência que hoje tem os, podem os afirm ar que, bem discutido o conceito de cultura, em todas
ou em grande parte de suas dim ensões, nos pode proporcionar vários aspectos de um program a
educativo. Mas, além da captação, que diríam os quase indireta de um a tem át ica, na hipótese agora
referida, podem os educadores, depois de alguns dias de relações horizontais com os participantes do
“ círculo de cultura” , perguntar- lhes diretam ente:

“ Que outros tem as ou assuntos poderíam os discutir além deste?”

Na medida em que forem respondendo, logo depois de anotar a resposta, a propõem ao grupo com um
problema também.

Adm itam os que um dos m em bros do grupo diz: “ Gostaria de discutir sobre o nacionalism o”. “ Muito bem ,
( diria o educador, após registrar a sugestão e acrescentaria) : “ Que significa nacionalism o? Por que pode
interessar- nos a discussão sobre o nacionalism o?”
É provável que, com a problem atização da sugestão ao grupo novos tem as surjam . Assim , na m edida em
que todos vão se m anifestando vai o educador problem at izando, um a a um a, as sugestões que nascem do
grupo.

Se, por exem plo, num a área em que funcionam t r inta “ círculos de cultura”, na m esm a noite, todos os “
coordenadores” ( educadores) procedem assim , terá a equipe central um r ico m aterial tem át ico a estudar, dentro
dos princípios descritos na prim eira hipótese de investigação da t em át ica significat iva.

O im portante, do ponto de vista de um a educação libertadora, e não “ bancária” , é que, em qualquer dos
casos, os hom ens se sintam suj eitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do m undo,
m anifestada im plícita ou explicitam ente, nas suas sugestões e nas de seus com panheiros.

Porque esta visão da educação parte da convicção de que não pode sequer presentear o seu program a,
m as t em de buscá- lo dialogicam ente com o povo, é que se inscreve com o um a int rodução à pedagogia do
oprim ido, de cuja elaboração deve ele participar.
4. A teoria da ação antidialógica
Neste capítulo, em que pretendem os analisar as teorias da ação cultural que se desenvolvem a partir da
m atriz antidialógica e da dialógica, voltarem os, não raras vezes, a afirm ações feitas no corpo deste
ensaio.

Serão repetições ou voltas a pontos j á referidos, ora com a intenção de aprofundá- los, ora porque se
façam necessários ao esclarecim ent o de novas afirm ações.

Desta m aneira, com eçarem os reafirm ando que os hom ens são seres da práxis. São seres do quefazer,
diferentes, por isto m esm o, dos anim ais, seres do puro fazer. Os anim ais não “ ad- miram” o mundo.
I m ergem nele. Os hom ens, pelo contrário, com o seres do quefazer, “ em ergem ” dele e, objetivando- o,
podem conhecê- la e t ransform á - la com seu t rabalho.

Os anim ais, que não t rabalham , vivem no seu “ suporte” particular, a que não t ranscendem . Daí que cada
espécie anim al viva no “ suporte” que lhe corresponde e que estes “ suportes” sejam incom unicáveis entre
si, enquanto que franqueáveis aos hom ens.

Mas, se os hom ens são seres do quefazer é exatam ente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É
t ransform ação do m undo. E, na razão m esm a em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de
ter um a teoria que necessariam ente o ilum ine. O quefazer é teoria e prática. É reflexão e ação. Não pode
reduzir- se, com o salientam os no capítulo anterior, ao t ratarm os a palavra, nem ao verbalism o, nem ao
at ivism o.

A tão conhecida afirm ação de Lênin: 1 “ Sem teoria revolucionária não pode haver m ovim ento
revolucionário” significa precisam ente que não há revolução com verbalism o, nem tam pouco com ateísm o,
mas com práxis, portanto, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem t ransform adas.

O esforço revolucionário de t ransform ação radical destas estruturas não pode ter, na liderança, hom ens
do quefazer e, nas m assas oprim idas, hom ens reduzidos ao puro fazer.

Este é um ponto que deveria estar exigindo de todos quantos realm ente se com prom etem com os
oprim idos, com a causa de sua libertação, um a perm anente e corajosa reflexão.

Se o com prom isso verdadeiro com eles, im plicando na t ransform ação da realidade em que se acham
oprim idos, reclam a um a teoria da ação t ransform adora, esta não pode deixar de reconhecer- lhes um
papel fundam ental no processo da t ransform ação.

Não é possível à liderança tom ar os oprim idos com o m eros fazedores ou executores de suas
determ inações; com o m eros ativistas a quem negue a reflexão sobre o seu próprio fazer. Os oprim idos,
tendo a ilusão de que atuam , na atuação da liderança, continuam m anipulados exatam ente por quem , por
sua própria natureza, não pode fazê- lo.

Por isto, na m edida em que a liderança nega a práxis verdadeira aos oprim idos, se esvazia,
conseqüent em ent e, na sua.

Tende, desta form a, a im por sua palavra a eles, tornando- a, assim , um a palavra falsa, de caráter
dominador.

I nstala, com este proceder, um a contradição entre seu m odo de atuar e os obj et ivos que pretende, ao não
entender que, sem o diálogo com os oprim idos, não é possível práxis autêntica, nem para estes nem para
ela.

O seu quefazer, ação e reflexão, não pode dar- se sem a ação e a reflexão dos outros, se seu com prom isso
é o da libert ação.

1
Lenin, Vladem ir, What is to be done? I n Essential works of Lenin, Henry M. Christm an ed., Nova York,
1966, p. 69.
A práxis revolucionária som ente pode opor- se à práxis das elites dom inadoras. E é natural que assim seja,
pois são quefazeres ant agônicos.

O que não se pode realizar, na práxis revolucionária, é a divisão absurda entre a práxis da liderança e a
das massas oprimidas, de forma que a destas fosse a de apenas seguir as determ inações da liderança.

Esta dicotom ia existe, com o condição necessária, na situação de dom inação, em que a elite dom inadora
prescreve e os dom inados seguem as prescrições.

Na práxis revolucionária há um a unidade, em que a liderança – sem que isto signifique dim inuição de sua
responsabilidade coordenadora e, em certos m om entos, diretora – não pode ter nas m assas oprim idas o
obj et o de sua posse.

Daí que não sejam possíveis a m anipulação, a sloganização, o “ dep ósit o” , a condução, a prescrição, com o
constituintes da práxis revolucionária. Precisam ente porque o são da dom inadora.

Para dom inar, o dom inador não tem outro cam inho senão negar às m assas populares a práxis verdadeira.
Negar- lhes o direito de dizer sua palavra, de pensar certo.

As m assas populares não têm que, autenticam ente, “ ad- m irar” o m undo. denunciá- lo, questioná- lo,
transformá - lo para a sua hum anização, m as adaptar- se à realidade que serve ao dom inador. O quefazer
deste não pode, por isto m esm o, ser dialógico. Não pode ser um quefazer problem atizante dos hom ens-
m undo ou dos hom ens em suas relações com o m undo e com os hom ens. No m om ento em que se fizesse
dialógico, problem at izante, ou o dom inador se haveria convertido aos dom inados e já não seria
dom inador, ou se haveria equivocado. E se, equivocando - se, desenvolvesse um tal quefazer, pagaria caro
por seu equívoco.

Do m esm o m odo, um a liderança revolucionária, que não seja dialógica com as m assas, ou m antém a
“ som bra” do dom inador “ dentro” de si e não é revolucionária, ou está redondam ente equivocada e, presa
de um a sectarização indiscutivelm ente m órbida, tam bém não é revolucionária.

Pode ser até que chegue ao poder, m as tem os nossas duvidas em tôrno da revolução m esm a que resulta
dest e quefazer ant idialógico.

Impõe- se, pelo contrário, a dialogicidade entre a liderança revolucionária e as m assas oprim idas, para
que, em todo o processo de busca de sua libertação, reconheçam na revolução o cam inho da superação
verdadeira da contradição em que se encontram , com o um dos pólos da situação concreta de opressão.
Vale dizer que devem se engajar no processo com a consciência cada vez m ais crít ica de seu papel de
suj eitos da t ransform ação.

Se são levadas ao processo com o seres am bíguos2 , m etade elas m esm as, met ade o opressor “ hospedado”
nelas e se chegam ao poder vivendo esta am bigüidade, que a situação de opressão lhes im põe, terão, a
nosso ver, sim plesm ente, a im pressão de que chegaram ao poder.

A sua dualidade existencial pode, inclusive, proporcionar o su rgim ento de um clim a sectário – ou aj udá- lo
– que conduz facilm ente à constituição de “ burocracias” que corroem a revolução. Ao não
conscientizarem , no decorrer do processo, esta am bigüidade, podem aceitar sua “ participação” nele com
um espírito mais revanchist a3 que revolucionário.

2
Mais um a razão por que a liderança revolucionária não pode repetir os procedim entos da elite opressora.
Os opressores, “ penetrando” os oprim idos, neles se “ hospedam ” ; os revolucionários, na práxis com os
oprim idos, não podem tentar “ hospedar- se” neles. Pelo contrário, ao buscarem , com estes, o “ desejo”
daqueles, devem fazê- lo para conviver, para com eles estar e não para neles viver.
3
Mesm o que haja – e explicavelm ente – por parte dos oprim idos, que sem pre estiveram subm etidos a um
regim e de expoliação, na luta revolucionária, um a dim ensão revanchista, isto não significa que a
revolução deva esgot ar- se nela.
Podem aspirar à revolução com o um m eio de dom inação tam bém e não com o um cam inho de libertação.
Podem visualizar a revolução com o a sua revolução privada, o que m ais um a vez revela um a das
características dos oprim idos, sobre que falam os no prim eiro capítulo deste ensaio.

Se um a liderança revolucionária, encarnando, desta form a, um a visão hum anista – de um humanismo


concret o e não abst rat o – pode ter dificuldades e problem as, m uito m aiores dificuldades e problem as terá
ao t ent ar, por mais bem- intencionada que sej a, fazer a revolução para as m assas oprim idas. I sto é, fazer um
a revolução em que o com as m assas é substituído pelo sem elas, porque t razidas ao processo at ravés dos
m esm os m étodos e procedim entos usados para oprim i - las.

Estam os convencidos de que o diálogo com as m assas populares é um a exigência radical de toda
revolução autêntica. Ela é revolução por isto. Distingue- se do golpe m ilit ar por isto. Dos golpes, seria um a
ingenuidade esperar que estabelecessem diálogo com as m assas oprim idas. Deles, o que se pode esperar
é o engodo para legitim ar- se ou a força que reprim e.

A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo corajoso com as m assas. Sua
legitim idade está no diálogo com elas, não no engodo, na mentiria 4 . Não pode tem er as m assas, a sua
expressividade, a sua participação efetiva no poder. Não pode negá- las. Não pode deixar de prestar- lhes
cont a. De falar de seus acert os, de seus erras, de seus equívocos, de suas dificuldades.

A nossa convicção é a de que, quanto m ais cedo com ece o diálogo, m ais revolução será.

Este diálogo, com o exigência radical da revolução, e responde a outra exigência radical – a dos hom ens
com o seres que não podem ser fora da com unicação, pois que são com unicação. Obstaculizar a
com unicação é t ransform á - los em quase “ coisa” e isto é tarefa e obj et ivo dos opressores, não dos
revolucionários.

É preciso que fique claro que, por isto m esm o que estam os defendendo a práxis, a teoria do fazer, não
estam os propondo nenhum a dicotom ia de que resultasse que este fazer se dividisse em um a etapa de
reflexão e outra, distante, de ação. Ação e reflexão e ação se dão sim ultaneam ente.

O que pode ocorrer, ao exercer- se um a análise crít ica reflexiva, sobre a realidade, sobre suas
cont radições, é que se perceba a im possibilidade im ediata de um a form a determ inada de ação ou a sua
inadequacidade ao m om ento.

Desde o instante, porém , em que a reflexão dem onstra a inviabilidade ou a inoportunidade de um a form a
tal ou qual de ação, que deve ser adiada ou substituída por outra, não se pode negar a ação nos que
fazem esta reflexão. É que esta se está dando no ato m esm o de atuar – é tam bém ação.

Se, na educação com o sit uação gnosiológica, o at o cognoscent e do suj eit o educador ( t am bém educando)
sobr e o obj eto cognoscível, não m orre, ou nele se esgota, porque, dialogicam ente, se estende a outros
suj eitos cognoscentes, de tal m aneira que o obj eto cognoscível se faz m ediador da cognoscibilidade dos
dois, na teoria da ação revolucionária se dá o m esm o. I sto é, a liderança tem , nos oprim idos, sujeitos
tam bém da ação libertadora e, na realidade, a m ediação da ação t ransform adora de am bos. Nesta teoria
da ação, exatam ente porque é revolucionária, não é possível falar nem em ator, no singular, nem apenas
em atores, no plural, m as em atores em intersubjetividade, em intercom unicação.

Negá- la, no processo revolucionário, evitando, por isto m esm o, o diálogo com o povo em nom e da
necessidade de “ organizá- lo” , de fortalecer o poder revolucionário, de assegurar um a fren t e coesa é, nu
fundo, tem er a liberdade. É tem er o próprio povo ou não crer nele. Mas, ao se descrer do povo, ao tem ê -
lo, a revolução perde sua razão de ser. É que ela nem pode ser feita para o povo pela liderança, nem por
ele, para ela, mas por am bos, numa solidariedade que não pode ser quebrada. E esta solidariedade
som ente nasce no testem unho que a liderança dá a ele, no encontro hum ilde, am oroso e corajoso com
ele.

4
“ Se algum beneficio se pudesse obter da dúvida ( disse Fidel Castro ao falar ao povo cubano, confirm ando
a m orte de Guevara), nunca foram arm as da revolução a m entira, o m edo da verdade, a cum plicidade
com qualquer ilusão falsa, a cum plicidade com qualquer m entira.” Fidel Castro, Gram m a, 17 - 10- 1967. ( Os
grifos são nossos.)
Nem todos tem os a coragem deste encontro e nos enrij ecem os no desencontro, no qual t ransf ormamos os
outros em puros objetos. E, ao assim procederm os, nos tornam os necrófilos, em lugar de biófilos.
Matam os a vida, em lugar de alim entarm os a vida. Em lugar e buscá- la, correm os dela.

Mat ar a vida, freá- la, com a redução dos hom ens a puras coisas, aliena- los, m ist ificá- los, violent á- los são
o próprio dos opressores.

Talvez se pense que, ao fazerm os a defesa deste encontro dos hom ens no m undo para t ransform á- la, que
é o diálogo 5 , estejam os caindo num a ingênua atitude, num idealism o subjetivista.

Não há nada, contudo, de m ais concreto e real do que os homens no mundo e com o mundo. Os homens
com os hom ens, enquanto classes que oprim idas e classes oprim idas.

O que pretende a revolução autêntica é t ransform ar a realidade que propicia este estado de coisas,
desum anizante dos hom ens.

Afirma - se, o que é um a verdade, que esta t ransform ação não pode ser feita pelos que vivem de tal
realidade, m as pelos esm agados, com um a lúcida liderança.

Que sej a esta, pois, um a afirm ação radicalm ente conseqüente, isto é, que se torne existenciada pela
liderança na sua com unhão com o povo. Com unhão em que crescerão j untos e em que a liderança, em
lugar de sim plesm ente autonom ear- se, se instaura ou se autentica na sua práxis com a do povo, nunca no
des- encontro ou no dirigismo.

Muitos, porque aferrados a um a visão m ecanicista, não percebendo esta obviedade, a de que a situação
concreta em que estão os hom ens condiciona a sua consciência do m undo e esta as suas at it udes e o seu
enfrentam ento, pensam que a t ransform ação da realidade se pode fazer em term os m ecânicos6 . I st o é,
sem a problem atização desta falsa consciência do m undo ou sem o aprofundam ento de um a já, m enos
falsa consciência dos oprim idos, na ação revolucionária.

Não há, realidade histórica – mais outra obvied ade – que não seja hum ana. Não há, história sem hom ens
com o não há, um a história para os hom ens, m as um a história de hom ens que, feita por eles, tam bém os
faz, com o disse Marx.

E é, precisam ente, quando – às grandes m aiorias – se proíbe o direito de participarem com o suj eitos da
história, que elas se encontram dom inadas e alienadas. O intento de ult rapassagem do estado de obj etos
para o de sujeitos – objetivo da verdadeira revolução – não pode prescindir nem da ação das m assas,
incidente na realidade a ser t ransform ada, nem de sua reflexão.

I dealistas seríam os se, dicotom izando a ação da reflexão, entendêssem os ou afirm ássem os que a sim ples
reflexão sobre a realidade opressora, que levasse os hom ens ao descobrim ento de seu esta, do de obj etos, j
á, significasse serem eles suj eitos. Não há, dúvida, porém , de que, se este reconhecim ento ainda não significa
que sejam sujeitos, concretam ente, “ significa, disse um aluno nosso, serem sujeitos em esperança” 7 . E est
a esperança os leva à busca de sua concret ude.

Falsam ente realistas serem os se acreditarm os que o at ivism o, que não é ação verdadeira, é o cam inho
para a revolução.

Críticos serem os, verdadeiros, se viverm os a plenitude da práxis. I sto é, se nossa ação involucra um a
crít ica reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhecim ento estritam ente
ingênuo da realidade. Este precisa alcançar um nível superior, com que os hom ens cheguem à razão da

5
Sublinhem os m ais um a vez que este encontro dialógico não se pode verificar entre antagônicos.
6
“ The epochs during which the dom inant classes are stable, epochs in which the worker's m ovem ent m ust
defend it self against a powerful adversary, which is occasionally threatening and is in every case solidLy
seated in power, produce naturally a socialist lit erature which em phasizes the “ m aterial” elem ent of
reality, the obst acles t o be overcom e, and t he scant efficaly of hum an awareness and act ion.” Lucien
Goldman, The Hum an Sciences cnd Philosophp, Jonat han Cape Lt d. London, 1969, págs. 80- 81 .
7
Fernando Garcia, hondurenho, aluno nosso, num curso para lat ino- am ericanas em Santiago, Chile, 1967.
realidade. Mas isto exige um pensar constante, que não pode ser negado às m assas populares, se o
obj et ivo visado é a libertação.

Se a liderança revolucionária lhes negar este pensar se encontrará, preterida de pensar tam bém , pelo
m enos de pensar certo. É que a liderança não pode pensar sem as m assas, nem para elas, m as com elas.

Quem pode pensar sem as m assas, sem que se possa dar ao luxo de não pensar em torno delas, são as
elites dom inadoras, para que, assim pensando, m elhor as conheçam e, m elhor conhecendo- as, melhor as
dom inem . Dai que, o que poderia parecer um diálogo destas com as m assas, um a com unicação com elas,
sejam m eros “ com unicados” , m eros “ depósitos” de conteúdos dom esticadores. A sua teoria da ação se
contradiria a si m esm a se, em lugar da prescrição, im plicasse na com unicação, na dialogicidade.

Por que não fenecem as elites dom inadoras ao não pensarem com as m assas? Exatam ente porque estas
são o seu contrário antagônico, a sua “ razão” , na afirm ação de Hegel, j á, citada. Pensar com elas seria a
superação de sua contradição. Pensar com elas significaria j á, não dom inar.

Por ist o é que a única form a de pensar certo do ponto de vista da dom inação é não deixar que as m assas
pensem , o que vale dizer: é não o pensar com elas.

Em todas as épocas os dom inadores foram sem pre assim - jam ais perm it iram às m assas que pensassem
cer t o.

“ Um t al Mr . Giddy, diz Niebuhr, que foi posteriorm ente presidente da sociedade real, fez objeções ( refere-
se ao projeto de lei que se apresentou ao Parlam ento britânico em 1807, criando escolas subvencionadas)
que se podiam ter apresentado em qualquer outro país: “ Por especial que pudesse ser em teoria o projeto
de dar educação às classes t rabalhadoras dos pobres, seria prejudicial para sua m oral e sua felicidade;
ensinaria a desprezar sua m issão na vida, em lugar de fazer deles bons servos para a agricultura e outros
empregos; em lugar de ensinar- lhes subordinação os faria rebeldes e refratários, com o se pôs em
evidência nos condados m anufatureiros; habilit á- los- ia ler folhetos sediciosos, livros perversos e
publicações cont ra a crist andade; t orná- las- ia insolentes para com seus superiores e, em poucos anos, se
faria necessário à, legislatura dirigir contra eles o braço forte do poder’” . 8

No fundo, o que o tal Mr. Giddy, citado por Niebhur, queria, tanto quanto os de hoje, que não falam tão
cínica e abert am ent e cont ra a educação popular, é que as m assas não pensassem . Os Mr. Giddy de tôdas
as épocas, enquanto classe opressora, ao não poderem pensar com as m assas oprim idas, não poder@,
deixar que elas pensem.

Desta form a, dialeticam ente, se explica por que, não pensando com , m as apenas em t ôrno das m assas,
as elites opressoras não fenecem .

Não é o m esm o o que ocorre com a liderança revolucionária. Esta, ao não pensar com as m assas, fenece.
As m assas são a sua m atriz constituinte, não a incidência passiva de seu pensar. Ainda que tenha tam bém
de pensar em t orno das m assas para com preendê- las m elhor, distingue- se este pensar do pensar
anterior. E distingue- se porque, não sendo um pensar para dom inar e sim par libertar, pensando em t orno
das m assas, a liderança se dá ao pensar delas.

Enquanto o outro é um pensar de senhor, este é um pensar de com panheiro. E só assim pode ser. É que,
enquanto a dom inação, por sua m esm a natureza, exige apenas um pólo dom inador e um pólo dom inado,
que se contradizem antagonicam ente, a libert ação revolucionária, que busca a superação dest a
contradição, im plica aa existência desses pólos e m ais num a liderança que em erge no processo desta
busca. Esta liderança que em erge, ou se identifica com as m assas populares, com o oprim ida tam bém , ou
não é revolucionária.

Assim é que, não pensar com elas para, im itando os dom inadores, pensar sim plesm ente em t orno delas,
não se dando a seu pensar, é um a form a de desaparecer com o liderança revolucionária.

8
Reinold Niebhur, Moral Man and lm m oral Society, Nova I orque, The Scribner Library, 1960, pp. 118- 9 .
Enquanto, no processo opressor, as elites vivem da “ morte em vida” dos oprim idos e só na relação vertical
entre elas e eles se autenticam , no processo revolucionário, só há, um cam inho para a autenticidade da
liderança que em erge: “ m orrer” para reviver através dos oprim idas e com eles.

Na verdade, enquanto no prim eiro, é lícito dizer que alguém oprim e alguém , no segundo, já não se pode
afirm ar que alguém liberta alguém , ou que alguém se liberta sozinho, m as que os hom ens se libertam em
com unhão. Com isto, não querem os dim inuir o valor e a im portância da liderança revolucionária. Pelo
contrário, estam os enfatizando esta im portância e este valor. E haverá im portância m aior que conviver
com os oprim idos, com os esfarrapados do m undo, com os “ condenados da terra”?

Nisto, a liderança revolucionária deve encontrar não só a sua razão de ser, m as a razão de um a sã
alegria. Por sua natureza, ela pode fazer o que a outro, por sua natureza, se proíbe de fazer, em term os
verdadeiros.

Daí que toda aproxim ação que aos oprim idos façam os opressores, enquanto classe, os sit ua
inexoravelm ente na falsa generosidade a que nos referim os no prim eiro capítulo deste t rabalho. I sto não
pode fazer a liderança revolucionária: ser falsam ente generosa. Nem tam pouco dirigista.

Se as elites opressoras se fecundam , necrofilam ente, no esm a gam ento dos oprim idos, a liderança
revolucionária som ente na com unhão com eles pode fecundar- se.

Esta é a razão pela qual o quefazer opressor não pode ser hum anista, enquanto o revolucionário
necessariam ente o é. Tanto quanto o desum anism o dos opressores, o humanismo revolucionário implica
na ciência. Naquele, est a se encont ra a serviço da “ reificação” ; nest a, a serviço da hum anização. Mas, se
no uso da ciência e da tecnologia para “ reificar” , o sine qua desta ação é fazer dos oprim idos sua pura
incidência, já, não é o m esm o o que se im põe no uso da ciência e da tecnologia para a hum anização.
Aqui, os oprim idos ou se tornam sujeitos, tam bém , do processo, ou continuam “ reificados”.

E o m undo não é um laboratório de anatom ia em os hom ens são cadáveres que devam ser estudados
passivam ente.

O hum anista científico revolucionário não pode, em nom e da revolução, ter nos oprim idos objetos
passivos de sua análise, da qual decorram prescrições que eles devam seguir.

I sto significa deixar- se cair num dos m it os da ideologia opressora, o da absolutização da ignorância, que
im plica na existência de alguém que a decreta a alguém .

No at o dest a decret ação, quem o faz, reconhecendo os out ros com o absolut am ent e ignorant es, se
reconhece e à classe a que pert ence com o os que sabem ou nasceram para saber. Ao assim reconhecer- se
tem nos outros o seu oposto. Os outros se fazem estranheza para ele. A sua passa a ser a palavra
“ verdadeira”, que im põe ou procura im por aos dem ais. E estes são sem pre os oprim idos, roubados de sua
palav ra.

Desenvolve- se no que rouba a palavra dos outros, um a profunda descrença neles, considerados com o
incapazes. Quanto m ais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão proibidos de dizê- la, tanto m ais
exercita o poder e o gosto de m andar, de dirigir, de com andar. Já não pode viver se não tem alguém a
quem dirija sua palavra de ordem.

Desta form a, é im possível o diálogo. I sto é próprio das elites opressoras que, entre seus m it os, têm de
vitalizar m ais este, com o qual dom inam m ais.

A liderança revolucionária, pelo contrário, científico- hum anista, não pode absolutizar a ignorância das
m assas. Não pode crer neste m ito. Não tem sequer o direito de duvidar, por um m om ento, de que isto é
um mito.

Não pode adm it ir , com o liderança, que só ela sabe e que só ela pode saber – o que seria descrer das
m assas populares. Ainda quando seja legítim o reconhecer- se em um nível de saber revolucionário, em
função de sua m esm a consciência revolucionária, diferente do nível de conhecim ento ingênuo das m assas,
não pode sobrepor- se a este, com , o seu saber.
Por isto m esm o é que não pode sloganizar as m assas, m as dialogar com elas para que o seu
conhecim ento experiencial em torno da realidade, fecundado pelo conhecim ento crít ico da liderança, se vá
t ransform ando em razão da realidade.

Assim com o seria ingênuo esperar das elites opressoras a denúncia deste m it o da absolutização da
ignorância das m assas, é um a contradição que a liderança revolucionária não o faça e, m aior contradição
ainda, que atue em função dele.

O que t em de fazer a liderança revolucionária é problem atizar aos oprim idos, não só este, m as todos os
m itos de que se servem as elites opressoras para oprim ir. Se assim não se com porta, insistindo em . im itar
os opressores em seus m étodos dom inadores, provavelm ente duas respostas possam dar as m assas
populares. Em determ inadas circunstâncias históricas, se deixarem “ dom esticar” por um novo conteúdo
nelas depositado. Noutras, se assustarem diante de um a “ palavra” que am eaça ao opressor “ hospedado”
nelas. 9

Em qualquer dos casos, não se fazem revolucionários. No prim eiro, a revolução é um engano; no
segundo, uma impossibilidade.

Há os que pensam , às vezes, com boa intenção, m as equivocam ente, “ que sendo dem orado o processo
dialógico 10 – o que não é verdade – se deve fazer a revolução sem com unicação, at ravés dos
‘com unicados' e, depois de feita, então, se desenvolverá um am plo esforço educativo. Mesm o porque,
cont inuam , não é possível fazer educação ant es da chegada ao poder. Educação libert adora.”

Há alguns pontos fundam e ntais a analisar nas afirm ações dos que assim pensam .

Acreditam ( não todos), na necessidade do diálogo com as m assas, m as não crêem na sua viabilidade
antes da chegada ao poder. Ao adm it irem que não é possível um a form a de com portam ento educativo -
cr it ica, antes da chegada ao poder por parte da liderança, negam o caráter pedagógico da revolução,
com o Revolução cultural. Por outro lado, confundem o sentido pedagógico da revolução com a nova
educação a ser instalada com a chegada ao poder,

A nossa posição, já afirm ada e que se vem afirm ando em todas as páginas deste ensaio, é que seria
realm ente ingenuidade esperar das elites opressoras um a educação de caráter libertário. Mas, porque a
revolução tem , indubitavelm ente, um caráter pedagógico que não pode ser esquecido, na razão em que é
libertadora ou não é revolução, a chegada ao poder é apenas um m om ento, por m ais decisivo que seja.
Enquanto processo, o “ antes” da revolução está na sociedade opressora e é apenas aparente.

A revolução se gera nela com o ser social e, por isto, na m edida em que é ação cultural, não pode deixar
de corresponder às potencialidades do ser social em que se gera.

9
Às vezes, nem sequer esta palavra é dita. Basta a presença de alguém ( não necessariam ente
pertencente a um grupo revolucionário) que possa am eaçar ao opressor " hospedado" nas m assas, para
que elas, assustadas, assum am posturas destrutivas. Contou- nos um aluno nosso, de um país latino-
am ericano, que, em certa com unidade cam ponesa indígena de seu país, bastou que um sacerdote fanát ico
denunciasse a presença de dois " com unistas" na com unidade, “ pondo em r isco a fé católica", para que, na
noite deste m esm o dia, os cam poneses, unânim es, queim assem vivos aos dois sim ples professores
prim ários que exerciam seu t rabalho de educadores inf ant is.
Talvez esse sacerdot e t ivesse vist o, na casa daqueles infelizes m aestros rurales algum livro em cuja capa
houvesse a cara de um hom em barbado ..
10
Salientam os, m ais um a vez, que não estabelecem os nenhum a dicotom ia entre o diálogo e a ação
revolucionária, com o se houvesse um tem po de diálogo, e outro, diferente, de revolução. Afirm am os, pelo
contrário, que o diálogo é a “ essência” da ação revolucionária. Daí que na teoria desta ação, seus at ores,
intersubjetivam ente, incidam sua ação sobre o objetivo, que é a realidade que os m ediatiza, tendo, com o
obj et ivo, através da t ransform ação desta, a hum anização dos hom ens. I sto não ocorre na teoria da ação
opressora, cuj a “ essência” é antidialógica. Nesta, o esquem a se sim plifica. Os atores têm , com o obj etos
de sua ação, a realidade e os oprimidos, sim ultaneam ente e, com o objetivo, a m anutenção da opressão,
através da m anutenção da realidade opressora.
É que todo ser se desenvolve ( ou se t ransform a) dentro de si m esm o, no j ogo de suas contradições.

Os condicionam ent os ext ernos, ainda que necessários, só são eficientes se coincidem com aquelas
potencialidades 1 1 .

O novo da revolução nasce da sociedade velha, opressora, que foi superada. Dai que a chegada ao podei
que continua processo, seja apenas, com o antes dissem os, um m o m ent o decisivo dest e.

Por isto é que, num a visão dinâm ica e não estática da revolução, ela não tenha um antes e um depois
absolut os, de que a chegada ao poder fosse o pont o de divisão.

Gerando- se nas condições obj et ivas, o que busca é a superação da sit uação opressora com a instauração
de um a sociedade de hom ens em processo de perm anente libertação.

O sentido pedagógico, dialógico, da revolução, que a faz “ revolução cultural” tam bém , tem de
acom panhá- la em todas as suas fases.

É ele ainda um dos eficientes m eios de evitar que o poder revolucionário se institucionalize, estratificando -
se em “ burocracia” contra - revolucionária, pois que a contra- revolução tam bém é dos revolucionários que
se tornam reacionários.

E, se não é possível o diálogo com as m assas populares antes da chegada ao poder, porque falta a elas
experiência do diálogo, tam bém não lhes é possível chegar ao poder, porque lhes falta igualm ente
experiência do poder. Precisam ente porque defendem os um a dinâm ica perm anente no processo
revolucionário, entendem os que é nesta dinâm ica, na práxis das m assas com a liderança revolucionária,
que elas e seus líderes m ais representativos aprenderão tanto o diálogo quanto o poder. I sto nos parece
tão óbvio quanto dizer que um hom em não aprende a nadar num a biblioteca, m as na água.

O diálogo com as m assas não é concessão, nem presente, nem m uito m enos um a tát ica a ser usada,
com o a sloganização o é, para dom inar. O diálogo, com o encontro dos hom ens para a “ pronúncia” do
m undo, é um a condição fundam ental para a sua real hum anização.

Se “ um a ação livre som ente o é na m edida em que o hom em t ransform a seu m undo e a si m esm o, se
um a condição positiva para a liberdade é o despertar das possibilidades criadoras hum anas, se a luta por
um a sociedade livre não o é a m enos que, através dela, seja criado um sem pre m aior grau de liberdade
individual” 1 3 , se há de reconhecer ao processe revolucionário o seu caráter em inentem ente pedagógico.
De um a pedagogia problem atizante e não de um a “ pedagogia” dos “ depósitos”, " bancária”. Por isto é que
o cam inho da revolução é o da abertura às m assas populares, não o do fecham ento a elas. É o da
convivência com elas, não o da desconfiança delas. E, quanto m ais a revolução exij a a sua teoria, com o
salienta Lênin, m ais sua liderança tem de estar com as m assas, para que possa estar contra o poder
opressor.

11
No ensaio j á citado, Ação Cultural para Liberdade, discutim os m ais detidam ente as relações entre ação
cult
13 ural e revolução cultural.
Ver Mao Tsé- Tung, On Contradictions.
“ A free action ( diz Gajo Petrovic), can only be one by which a m an changes his world and him self” . ( ...) A
positive condition of freedom is the knowledge of the lim it s of necessity, the awa reness of hum an creative
possibilites. ( . . .) The st ruggle for a free society is not a st ruggle for a free society unless through it an
ever greater degree of individual freedom is created” . Gajo Petrovic, Man and Freedom , I n Socialism
Humanism. Editado por Erich From m , Nova I orque, Anchor Books, 1966, pp. 274 - 5- 6. Do m esm o autor, é
im portante a leitura de Marx in the Mid - Twentieth Century. Anchor, 1967.
A TEORI A DA AÇÃO ANTI DI ALÓGI CA E SUAS
CARACTERÍ STI CAS: A CONQUI STA, DI VI DI R
PARA MANTER A OPRESSÃO, A
MANI PULAÇÃO E A I NVASÃO CULTURAL

Destas considerações gerais, partam os, agora, para um a análise m ais detida a propósito das teorias da
ação antidialógica e dialógica.

A prim eira, opressora; a segunda, revolucionário- libertadora.

CONQUI STA

O prim eiro caráter que nos parece poder ser surpreendido na ação antidialógica é a necessidade da
conquista.

O antidialógico, dom inador, nas suas relações com o seu contrário, o que pretende é conquistá- lo, cada
vez m ais, através de m il form as. Das m ais duras às m ais sutis. Das m ais repressivas As m ais adocicadas,
com o o paternalism o.

Todo at o de conquista im plica num sujeito que conquista e num objeto conquistado. O sujeito da
conquista determ ina sum a finalidades ao objeto conquistado, que passa, por isto m esm o, a ser algo
possuído pelo conquistador. Este, por sua vez, im prim e sua form a ao conquist ado que, introjetando - o, se
faz um ser am bíguo. Um ser, com o dissem os já, “ hospedeiro” do outro.

Desde logo, a ação conquistadora, ao “ reificar” os hom ens, é necrófila.

Assim com o a ação antidialógica, de que o sto de conquistar é essencial, é um sim ultâneo da sit uação
real, concreta, de opressão, a ação dialógica é indispensável à, superação revolucionária da situação
concret a de opressão.

Não se é antidialógico ou dialógico no “ ar”, m as no m undo. Não se é antidialógico prim eiro e opressor
depois, m as sim ultaneam ente. O antidiálogo se im põe ao opressor, na situação objetiva de opressão,
para, pela conquista, oprim ir m ais, não só econom icam ente, m as culturalm ente, roubando ao oprim ido
conquistado sua palavra tam bém , sua expressividade, sua cultura.

I nstaurada a situação opressora, antidialógica em si, o antidiálogo se torna indispensável para m ant ê- la.

A conquista crescente do oprim ido pelo opressor aparece, pois, com o um t raço m arcante da ação anti-
dialógica. Por isto é que, sendo a ação libertadora dialógica em si, não pode ser o diálogo um a posteriori
seu, m as um concom it ante dela. Mas, com o os hom ens estarão sem pre libertando- se, o diálogo 1 4 se torna
uma perm anente da ação libertadora.

O desej o de conquista, talvez m ais que o desej o, a necessidade da conquist a, acom panha a ação
antidialógica em todos os seus m om entos.

Através dela e para todos os fins im plícitos na opressão, os opressores se esforçam por m atar nos hom ens
a sua condição de “ ad- m iradores” do m undo. Com o não podem consegui- la, em term os t ot ais, é preciso,
ent ão, m it ificar o mundo.

Daí que os opressores desenvolvam um a série de recursos através dos quais propõem à. “ ad- m iração” das
m assas conquistadas e oprim idas um falso m undo. Um m undo de engodos que, alienando- as m ais ainda,
as m anten ha passivas em face dele. Daí que, na ação da conquista, não seja possível apresentar o m undo
com o problem a, m as, pelo contrário, com o algo dado, com o algo estático, a que os hom ens se devem
ajustar.

14
I sto não significa, da m aneira algum a, segundo salientam os no capítulo anterior, que, instaurado o
poder popular revolucionário, a revolução contradiga o seu caráter dialógico, pelo fato de o não ter o
dever ét ico, inclusive, de reprim ir toda tentativa de restauração do antigo poder opressor.
A falsa “ ad- m iração” não pode conduzir à verdades práxis, pois que é a pura espect ação das m assas, que,
pela conquista, os opressores buscam obter por todos os m eios. Massas conquistadas, m assas
espectadoras, passivas, gregarizadas. Por tudo isto, m assas alie- nadas.

É preciso, cont udo, chegar at é elas para, pela conquista, m ant ê- las alienadas. Est e chegar at é elas, na
ação da conquist a, não pode t ransform ar- se num f icar com elas. Esta “ aproxim ação” , que não pode ser
feita pela com unicação, se faz pelos “ com unicados” , pelos “ depósitos” dos m it os indispensáveis à
m anutenção do st atus quo.

O m ito, por exem plo, de que a ordem opressora é um a ordem de liberdade. De que todos são livres para
t rabalhar onde queiram . Se não lhes agrada o patrão, podem então deixá- la e procurar outro em prego. O
m ito de que esta “ ordem ” respeita os direitos da pessoa hum ana e que, portanto, é digna de todo apreço.
O m it o de que todos, bastando não ser preguiçosos, podem chegar a ser em presários – m ais ainda, o m ito
de que o hom em que vende, pelas ruas, gritando : “ doce de banana e goiaba” é um empresário tal qual o
dono de um a grande fábrica. O m it o do direito de todos à educação, quando o núm ero de brasileiros que
chegam às escolas prim árias do país e o do que nelas conseguem perm anecer é chocantem ente irrisório.
O m it o da igualdade de classe, quando o “ sabe com quem está falando?” é ainda um a pergunta dos
nossos dias. O m ito do heroísm o das classes opressoras, com o m antenedoras da ordem que encarna a
“ civilização ocidental e cristã” , Que elas defendem da “ barbárie m aterialista” . O m it o de sua caridade, de
sua generosidade, quando o que fazem , enquanto classe, é assistencialism o, que se desdobra no m it o da
falsa aj uda que, no plano das nações, m ereceu segura advertência de João XXI I I1 5 . O m ito de que as
elites dom inadoras, “ no reconhecim ent o de seus deveres” , são as prom ot oras do povo, devendo est e,
num gesto de gratidão, aceitar a sua palavra e conform ar- se com ela. O m ito de que a rebelião do povo é
um pecado contra Deus. O m ito da propriedade privada, com o fundam ento do desenvolvim ento da pessoa
hum ana, desde, porém , que pessoas hum anas sejam apenas os opressores. O m ito da operosidade dos
opressores e o da preguiça e desonestidade dos oprim idos. O m it o da inferioridade “ ontológica” destes e o
da superioridade daqueles1 6 .

Todos est es m it os e m ais outros que o leitor poderá acrescentar, cuja introjeção pelas m assas populares
oprim idas é básica para a sua conquista, são levados a elas pela propaganda bem organizada, pelos
slogans, cuj os veículos são sem pre os cham ados “ m eios de com unicação com as m assas” 1 7. Com o se o
depósit o dest e cont eúdo alienant e nelas fosse realm ent e com unicação.

Em verdade, finalm ente, não há realidade opressora que não seja necessariam ente antidialógica, com o
não há antidialogicidade em que o pólo dos opressores não se em penhe, incansavelm ente, na perm anente
conquista dos oprim idos.

Já as elites dom inadoras da velha Rom a falavam na necessidade de dar “ pão e circo” às m assas para
conquist á- las, am aciando- as, com a intenção de assegurar a sua paz. As elites dom inadoras de hoje,
com o as de todos os tem pos, continuam precisando da conquista, com o um a espécie de “ pecado original” ,
com “ pão e circo” ou sem eles. Os conteúdos e os m étodos da conquista variam historicam ente, o que não
varia, enquanto houver elite dom inadora, é esta ânsia necrófila de oprim ir.

DI VI DI R, PARA MANTER A OPRESSÃO

Esta é outra dim ensão fundam ental da teoria da ação opressora, tão velha quanto a opressão m esm a.

Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi- ias e m ant ê-
las divididas são condição indispensável à continuidade de seu poder.

Não se podem dar ao luxo de consentir na unificação das m assas populares, que significaria,
indiscutivelm ente, um a séria am eaça à sua hegem onia.

15
Mater et Magistra.
1 6
“ By his acusation, ( diz Mem m i, referindo- se ao perfil que o colonizador faz do colonizado), the colonizer
establishes the colonized as being lazy. He decides t hat lazinesse is const it ut ional in t he very nat ure of t he
colonized.” Ob. cit . , p. 81.
17
Não crit icam os os m eios em si m esm os, m as o uso que se lhes dá.
Daí que t oda ação que possa, m esm o incipientem ente, proporcionar as classes oprim idas o despertar para
que se unam é im ediatam ente freada pelos opressores através de m étodos, inclusive, fisicam ente
violentos.

Conceitos com o os de união, de organização, de luta, são t im brados, sem demora, com o perigosos. E
realm ent e o são, m as, para os opressores. É que a prat icização dest es conceit os é indispensável à ação
libertadora.

O que interessa ao poder opressor é enfraquecer as oprim idos m ais do que já estão, ilhando- os, criando e
aprofundando cisões entre eles, através de um a gam a variada de m étodos e processos. Desde os m étodos
repressivos da burocracia estatal, à sua disposição, até as form as de ação cultural por m eio das quais
m anejam as m assas populares, dando- lhes a im pressão de que as ajudam.

Um a das características destas form as de ação, quase nunca percebida por profissionais sérios, m as
ingênuos, que se deixam envolver, é a ênfase da visão focalista dos problem as e não na visão deles com o
dim ensões de um a totalidade.

Quanto m ais se pulverize a totalidade de um a área em “ com unidades locais”, nos t rabalhos de
“ desenvolvim ento de com unidade”, sem que estas com unidades sejam estudadas com o totalidades em si,
que são parcialidades de out ra t ot alidade ( área, região, et c.) que, por sua vez, é parcialidade de um a
totalidade m aior ( o país, com o parcialidade da totalidade continental) tanto m ais se intensifica a
alienação. E, quanto m ais alienados, m ais fácil dividi- los e m antê- los divididos.

Estas form as focalistas de ação, intensificando o modo focalista de existência das m assas oprim idas,
sobretudo rurais, dificultam sua percepção crit ica da realidade e as m antém ilhadas da problem át ica dos
hom ens oprim idos de outras áreas em relação dialética com a sua1 8.

O m esm o se verifica nos cham ados “t reinam entos de lideres” que, em bora quando realizados sem esta
intenção por m uitos dos que os praticam , servem , no fundo, à alienação.

O básico pressuposto desta acão j á é, em si, ingênuo. Fundam enta- se pretensão de “ prom over” a
com unidade por m eio da cap acitação dos líderes, com o se fossem as partes que prom ovem o todo e não
este que, prom ovido, prom ove as partes.

Na verdade, os que são considerados em nível de liderança nas com unidades, para que assim sejam
tom ados, necessariam ente, refletem e expressam as aspirações dos indivíduos da sua com unidade.

Estão em correspondência com a form a de ser e de pensar a realidade de seus com panheiros, m esm o que
revelando habilidades especiais que lhes dão o status de lideres.

No m om ento em que, depois de retirados da com unidade, a ela voltam , com um instrum ental que antes
não t inham , ou usam este para m elhor conduzir as consciências dom inadas e im ersas, ou se tornam
estranhos à com unidade, am eaçando, assim , sua liderança.

Sua tendência provavelm ente será, para não perderem a liderança, continuar, agora, com m ais eficiência,
no m anejo da com unidade.

I sto não ocorre quando a ação cultural, com o processo totalizado e totalizador, abarca a com unidade e
não seus lideres apenas. Quando se faz através dos indivíduos com o suj eit os do processo.

1 8
É desnecessário dizer que esta crit ica não at inge os esforços neste setor que, num a perspectiva
dialética, orientam no sentido da ação que se funda na com preensão da com unidade local com o totalidade
em si e parcialidade de um a totalid ade m aior. Atinge aqueles que não levam em conta que o
desenvolvim ento da com unidade local não se pode dar a não ser dentro do contexto total de que faz
parte, em interação com outras parcialidades, o que im plica na consciência da unidade na diversificação,
da organização que canalize as forças dispersas e na consciência clara da necessidade de t ransform ação
da realidade. Tudo isto é que assusta, razoavelm ente, aos opressores. Daí que estim ulem todo t ipo de
ação em que além da visão focalista, os hom ens se] am “ assistencializados” .
Neste t ipo de ação se verifica o contrário. A liderança anterior ou cresce tam bém ao nível do crescim ento
do todo ou é substituída pelos novos líderes que em ergem , à altura da nova percepção social que se
const it ui.

Daí, tam bém , que aos opressores não interesse esta form a de ação, m as a prim eira, enquanto ela,
m antendo a alienação, obstaculiza a em ersão das consciências e a sua inserção crít ica na realidade com o
totalidade. E, sem esta, é sem pre difícil a unidade dos oprim idos com o classe.

Este é outro conceito que aos opressores faz m al, ainda que, a si m esm os, se considerem com o classe,
não opressora, obviam ente, m as “ produtora” .

Não podendo negar, m esm o que o tentem , a existência das classes sociais, em relação dialética um as com
as outras, em seus conflitos, falam na necessidade de com preensão, de harm onia, entre os que com pram e
os que são abrigados a vender o seu t rabalho. 1 9

Harm onia, no fundo, im possível pelo antagonism o indisfarçável que há entre um a classe e outra 20 .

Pregam a harm onia de classes com o se estas fossem aglom erados fortuitos de indivíduos que olhassem
curiosos, um a vitrina num a tarde de dom ingo.

A harm onia viável e constatada só pode ser a dos opressores entre si. Estes, m esm o divergentes e, até
em cert as ocasiões, em luta por interesses de grupos, se unificam , im ediatam ente, ante um a am eaça à
classe.

Da m esm a m aneira, harm onia do outro pólo só é possível entre seus m em bros na busca de sua libertação.
Só em casos excepcionais, não só é possível, m as até necessária, a harm onia de am bos para, passada a
em ergência que os uniu, voltarem à contradição que os delim ita e que jam ais desapareceu na em ergência
dest a união.

A necessidade de dividir para facilitar a m anutenção do estado opressor se m anifesta em todas as ações
da classe dom inadora. Sua int erferência nos sindicat os, favorecendo a cert os “ represent ant es” da classe
dom inada que, no fundo, são seus representantes, e não de seus com panheiros; a “ prom oção” de
indivíduos que, revelando certo poder de liderança, po diam significa am eaça e que, “ prom ovidos”, se
tornam “ am aciados"; a distribuição de benesses para uns e de dureza para outros, tudo são form as de
dividir para m anter a " ordem ” que lhes interessa.

19
“ Se os operários não chegam , de algum a m aneira, a ser proprietários de seu t rabalho ( diz o bispo
Franic Split), todas as reform as nas estruturas serão ineficazes. I nclusive, se os operários às vezes
recebem um salário m ais alto em algum sistem a econôm ico, não se contentam com estes aum entos.
Querem ser proprietários e não vendedores de seu t rabalho. Atualm ente, ( continua Dom Franic), os
t rabalhadores estão cada vez m ais conscientes de que o t rabalho constitui um a parte da pessoa humana.
A pessoa hum ana, porém , não pode ser vendida nem vender- se. Toda com pra ou venda do t rabalho é
um a espécie de escravidão. A evolução da sociedade hum ana progride neste sentido e, com segurança,
dentro deste sistem a do qual se afirm a não ser tão sen sível quanto nós à, dignidade da pessoa hum ana,
isto é, o m arxism o.” “ 15 Obispos hablan en prol del Tercer Mundo”. CIDOC I nform a, México, Doc. 67/ 35,
1967, págs. 1 a 11.
20
A propósit o das classes sociais e da lut a ent re elas, de que t ant o se acusa Marx com o um a espécie de
“ inventor” desta luta, ver ¿, carta que escreve a J. Weydem eyer, a 1 de m arço de 1852, em que declara
não lhe caber “ o m érito de haver descoberto a existência das classes da sociedade m oderna nem a luta
entre elas. Muito antes que eu ( comenta Marx) alguns historiadores burgueses haviam já exposto o
desenvolvim ento histórico desta luta de classes e alguns econom istas burgueses a anatom ia destas. O que
acrescentei ( diz ele) foi dem onstrar: 1) que a existência das classes vai unida a determ inadas fases
históricas de desenvolvim ento da produção; 2) que a luta de classes conduz à ditadura do proletariado; 3)
que esta m esm a ditadura não é, por si, m ais que o t rânsito até a abolição de todas as classes, para um a
sociedade sem classes.” Marx e Engels – Obras Escogidas, Moscou, Editorial Progresso, 1966, vol. I I , p.
456.
Form as de ação que incidem , direta ou indiretam ente, sobre um dos pontos débeis dos oprim idos: a sua
insegurança vital que, por sua vez, já é fruto da realidade opressora em que se constituem .

I nseguros na sua dualidade de seres “ hospedeiros” do opressor, de um lado, rechaçando- o; de outro,


atraídos por ele, em certo m om ento da confrontação entre am bos, é fácil àquele obter resultados positivos
de sua ação divisória.

Mesm o porque os oprim idos sabem , por experiência, o quanto lhes custa não aceitarem o “ convite” que
recebem para evitar que se unam entre si. A perd a do em prego e o seu nom e num a “ lista negra”, que
significa portas que se fecham a eles para novos em pregos é o m ínim o que lhes pode suceder.

A sua insegurança vital, por isto m esm o, se encontra diretam ente ligada à escravização de seu t rabalho
que implic a, realm ente, na escravização de sua pessoa, com o sublinhou o bispo Split, anteriorm ente
cit ado.

É que, som ente na m edida em que os hom ens criam o seu m undo, que é m undo hum ano, e o criam com
seu t rabalho t ransform ador – se realizam . A realização dos hom e ns, enquanto hom ens, está, pois, na
realização deste m undo. Desta m aneira, se seu estar no m undo do t rabalho é um estar em dependência
total, em insegurança, em am eaça perm anente, enquanto seu t rabalho não lhe pertence, não podem
realizar- se. O t rabalho não livre deixa de ser um quefazer realizador de sua pessoa, para ser um m eio
eficaz de sua “ reificação” .

Toda união dos oprim idos entre si, que j á, sendo ação, aponta outras ações, im plica, cedo ou tarde, em
que percebendo eles o seu estado de despersonali zação, descubram que, divididos, serão sem pre presas
fáceis do dirigism o e da dom inação.

Unificados e organizados 2 1 , porém , farão de sua debilidade força t ransform adora, com que poderão re-
criar o m undo, tornando- o mais humano.

O mundo mais humano de suas j ust as aspirações, cont udo, é a cont radição ant agônica do “ m undo
hum ano” dos opressores – m undo que possuem com direito exclusivo – e em que pretendem a im possível
harm onia entre eles, que “ coisificam ,” e os oprim idos, que são “ coisificados”.

Com o antagônicos, o que serve a uns, necessariam ente des- serve aos out ros.

Dividir para manter o status quo se im põe, pois, com o fundam ental objetivo da teoria da ação
dom inadora, antidialógico.

Com o auxiliar desta ação divisória, encontram os nela um a certa conotação m essiânica, através da qual os
dom inadores pretendem aparecer com o salvadores dos hom ens a quem desum anizam .

No fundo, porém , o m essianism o contido na sua ação não pode esconder o seu intento. O que eles
querem é salvar- se a si mesmos. É salvar sua riqueza, seu poder, seu estilo de vida, com que esm agam
aos dem ais.

O seu equivoco está em que ninguém se salva sozinho – qualquer que seja o plano em que se encare a
salvação – ou com o classe que oprim e, m as com os oprim idos, pois estar contra eles é o próprio da
opressão.

Num a psicanálise da ação opressora talvez se pudesse descobrir, no que cham am os, no prim eiro capítulo,
de falsa generosidade do opressor, um a das dim ensões de seu sentim ento de culpa. Com esta
generosidade falsa, além de estar pretendendo a m anutenção de um a ordem injusta e necrófila, estará

21
Aos cam poneses, por isto m esm o, é indispensável m antê- los ilhados dos operários urbanos, com o estes
e aqueles dos estudantes que, não chegando a constituir, sociologicam ente, um a classe se fazem , ao
aderirem ao povo, um perigo pelo seu testem unho de rebeldia. É preciso, então, fazer ver às classes
populares que os estudantes são irresponsáveis e perturbadores da " ordem " . Que o seu testem unho é
falso, pelo fato m esm o de que, com o estudantes, deviam estudar, com o cabe aos operários das fábricas e
aos cam poneses t rabalhar para o “ progresso da nação".
querendo " com prar” a sua paz. Acontece que paz não se com pra, se vi’re no ato realm ente solidário,
am oroso, e este não pode ser assum ido, encarnada, na opressão.

Por isto m esm o é que este m essianism o existente na ação antidialógica vai reforçar a prim eira
caract eríst ica dest a ação – o sent ido da conquist a.

Na m edida em que a divisão das m assas oprim idas é necessária à m anutenção do status quo, port ant o à
preservação do poder dos dom inadores, urge que os oprim idos não percebam claram ente este jogo.

Neste sentido, m ais um a vez é im periosa a conquista para que os oprim idos realm ente se convençam de
que estão sendo defendidos. Defendidos contra a ação dem oníaca de “ m arginais desordeiros” , “ inim igos
de Deus”, pois que assim são cham ados os hom ens que viveram e vivem , arriscadam ente, a busca
valente da libertação dos hom ens.

Desta m aneira, para dividir, os necrófilos se nom eiam a si m esm os biófilos e aos biófilos, de necrófilos. A
hist ória, cont udo, se enc arrega sem pre de refazer estas “ nom eações” .

Hoje, apesar de a alienação brasileira continuar cham ando o Tiradentes de inconfidente e ao m ovim ento
libertador que encarnou, de I nconfidência, o herói nacional não é o que o cham ou de bandido e o m andou
enforc ar e esquartej ar, e espalhar pedaços de seu corpo sangrando pelas vilas assustadas, com o exem plo.
O herói é ele. A história rasgou o “ t ít ulo” que lhe deram e reconheceu o seu gesto.

Os heróis são exatam ente os que ontem buscavam a união para a libertação e não os que, com o seu
poder, pretendiam dividir para reinar.

MANI PULAÇÃO

Outra característica da teoria da ação antidialógica é a m anipulação das m assas oprim idas. Com o a
anterior, a m anipulação é instrum ento da conquista, em torno de que todas as dim e nsões da t eoria da
ação antidialógica vão girando.

Através da m anipulação, as elites dom inadoras vão tentando conform ar as m assas populares a seus
objetivos. E, quanto m ais im aturas, politicam ente, estejam elas ( rurais ou urbanas) tanto m ais facilm ente
se deixam m anipular pelas elites dom inadoras que não podem querer que se esgote seu poder.

A m anipulação se faz por toda a série de m itos a que nos referim os. Entre eles, m ais este: o m odelo que a
burguesia se faz de si m esm a às m assas com possibilidade de sua ascensão. Para isto, porém , é preciso
que as m assas aceitem sua palavra.

Muit as vezes est a m anipulação, dent ro de cert as condições hist óricas especiais, se verifica at ravés de
pactos entre as classes dom inantes e as m assas dom inadas. Pactos que poderi am dar a impressão, numa
apreciação ingênua, de um diálogo entre elas.

Na verdade, estes pactos não são diálogo porque, na profundidade de seu obj et ivo, está inscrito o
interesse inequívoco da elite dom inadora. Os pactos, em últ im a análise, são m eios de que se servem os
dom inadores, para realizar suas finalidades. 2 2

O apoio das m assas populares à cham ada “ burguesia nacional” para a defesa do duvidoso capital nacional
foi um destes pactos, de que sem pre resulta, cedo ou tarde, o esm agam ento das m assas.

E os pactos som ente se dão quando estas, m esm o ingênuas, em ergem no processo histórico e, com sua
em ersão, am eaçam as elites dom inantes.

22
Os pactos só são válidos para as classes populares – e nest e caso j á, não são pact os – quando as
finalidades da ação a ser desenvolvid a ou que j á se realiza estão na órbita de sua decisão.
Basta a sua presença no processo, não m ais com o puras espectadoras, m as com os prim eiros sinais de
sua agressividade, para que as elites dom inadoras, assustadas com essa presença incôm oda, dupliquem
as t át icas de m anej o.

A m anipulação se im põe nestas fases com o instrum ento fundam ental para a m anutenção da dom inação.

Antes da em ersão das m assas, não há propriam ente m anipulação, m as o esm agam ento total dos
dom inados. Na sua im ersão quase absoluta, não se faz necessária a m anipulação.

Esta, na teoria antidialógica da ação, é um a resposta que o opressor tem de dar às novas condições
concret as do processo hist órico.

A manipulação aparece com o um a necessidade im periosa das elites dom inadoras, com o fim de, através
dela, conseguir um t ipo inautêntico de “ organização” , com que evite o seu contrário, que é a verdadeira
organização das m assas populares em ersas e em ergindo 23 .

Estas, inquietas ao em ergir, têm duas possibilidades: ou são m anipuladas pelas elites para m anter a
dom inação ou se organizam verdadeiram ente para sua libertação. É óbvio, então, que a verdadeira
organização não possa ser estim ulada pelos dom inadores. I sto é t ar efa da liderança revolucionária.
Acontece, porém , que grandes frações destas m assas populares, j á agora constituindo um proletariado
urbano, sobretudo nos centros m ais industrializados do país, ainda que revelando um a ou outra
inquietação am eaçadora, carentes, contudo, de um a consciência revolucionária, se vêem a 'si m esm as
com o privilegiadas.

A m anipulação, com toda a sua série de engodos e prom essas, encontra aí, quase sem pre, um bom
terreno para vingar.

O ant ídot o a est a m anipulação est á na organização crit icam ent e conscient e, cuj o pont o de part ida, por
isto m esm o, não está em depositar nelas o conteúdo revolucionário, m as na problem at ização de sua
posição no processo. Na problem at ização da realidade nacional e da própria m anipulação.

Bem razão tem W effort 2 4 quando diz: “ Toda polít ica de esquerda se apóia nas m assas populares e
depende de sua consciência. Se vier a confundi- la, perderá as raízes, pairará no ar à espera da queda
inevitável, ainda quando possa ter, com o no caso brasileiro, a ilusão de fazer a revolução pelo sim ples giro
à volta do poder” , e, esquecendo - se dos seus encontros com as m assas para o esforço de organização,
perdem- se num “ diálogo” im possível com as elites dom inadoras. Daí que tam bém term inem m anipuladas
por estas elites de que resulta cair, não raram ente, num jogo puram ente de cúpula, que cham am de
realism o...

A m anipulação, na teoria da ação antidialógica, tal com o a conquista a que serve, tem de anestesiar as
m assas populares para que não pensem .

Se as m assas associam à sua em ersão, à sua presença no processo histórico, um pensar crit ico sobre este
m esm o processo, sobre sua realidade, então sua am eaça se concretiza na revolução.

Chame - se a este pensar certo de “ consciência revolucionária” ou de “ consciência de classe” , é


indispensável à revolução, que não se faz sem ele.

As elites dom inadoras sabem tão bem disto que, em certos níveis seus, até instintivam ente, usam todos
os m eios, m esm o a violência física, para proibir que as m assas pensem .

23
Na " organizado" que resulta do ato m anipulador, as m assas populares, m eros objetos dirigidos, se
acom odam às finalidades dos m anipuladores enquanto na organização verdadeira, em que os indivíduos
são sujeitos do ato de organizar- se, as finalidades não são im postas por um a elite. No prim eiro caso, a
“ organização” é m eio de m assificação; no segundo, de libertação.
24
Francisco Weffort , “ Polít ica de Massas” , in Política e Revolução Social no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1965, p. 187.
Têm um a profunda intuição da forç a crit icizante do diálogo. Enquanto que, para alguns representantes da
liderança revolucionária, o diálogo com as m assas lhes dá a im pressão de ser um quefazer “ burguês e
reacionário” , para os burgueses, o diálogo entre as m assas e a liderança revolucionária é uma real
am eaça, que há de ser evit ada.

I nsistindo as elites dom inadoras na m anipulação, vão inoculando nos indivíduos o apetite burguês do êxito
pessoal.

Esta m anipulação se faz ora diretam ente por estas elites, ora indiretam ente, através dos lideres
populistas. Estes líderes, com o salienta Weffort, m edeiam as relações entre as elites oligárquicas e as
m assas populares.

Daí que o populism o se constitua, com o estilo de ação polít ica, exatam ente quando se instala o processo
de em ersão das m assas em q ue elas passam a reivindicar sua participação, m esm o que ingenuam ente.

O líder populista, que em erge neste processo, é tam bém um ser am bíguo. Precisam ente porque fica entre
as m assas e as oligarquias dom inantes, ele é com o se fosse um ser anfíbio. Vive na “ t erra” e na “ água” .
Seu est ar ent re oligarquias dom inadoras e m assas lhe deixa m arcas das duas.

Enquanto populista, porém , na m edida em que sim plesm ente m anipula em lugar de lutar pela verdadeira
organização popular, este t ipo de líder em pouco ou em qu ase nada serve à revolução.

Som ente quando o líder populista supera o seu caráter am bíguo e a natureza dual de sua ação e opta
decididam ente pelas m assas, deixando assim de ser populista, renuncia à m anipulação e se entrega ao
t rabalho revolucionário de organização. Neste m om ento, em lugar de m ediador entre m assas e elites, é
contradição destas, o que leva as elites a arregim entar- se para freá- lo tão rapidam ente quanto possam .

é interessante observar a dram at icidade com que Vargas falou às m assas obreiras, num primeiro de maio
de sua últ im a etapa de governo, conclam ando- as a unir- se.

“ Quero dizer- vos, todavia ( afirm ou Vargas no célebre discurso) que a obra gigantesca de renovação que o
m eu governo está, com eçando a em preender, não pode ser levada a bom termo sem o apoio dos
t rabalha- dores e a sua cooperação quotidiana e decidida” . Após referir- se aos prim eiros noventa dias de
seu governo, ao que cham ava “ de um balanço' das dificuldades e dos obstáculos que, daqui e dali, se
est ão levando cont ra a ação governam ental”, dizia em linguagem diretíssim a ao povo o quanto lhe calava “
na alm a o desam paro, a m iséria, a carestia de vida, os salários baixos... os desesperos dos desvalidos da fortuna
e as reivindicações do povo que vive na esperança de m elhores dias” .

Em seguida, seu apelo se vai fazendo m ais dram át ico e objetivo: “ Venho dizer que, neste m om ento, o
governo ainda está desarm ado de leis e de elem entos concretos de ação im ediata para a defesa da
econom ia do povo. É preciso pois, que o povo se organize, não só para defender seus próprios interesses,
m as tam bém para dar ao governo o ponto de apoio indispensável à, realização dos seus propósitos”. E
prossegue: “ Preciso de vossa união, preciso de que vos organizeis solidariam ente em sindicatos; preciso
que formeis um bloco for t e e coeso aa lado do governo para que este possa dispor de toda a força de que
necessita para resolver os vossos próprios problem as. Preciso de vossa união para que possa lutar contra
os sabotadores, para que não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos em
prejuízo dos interesses do povo.” E, com a m esm a ênfase : “ Chegou, por isto m esm o, a hora do governo
apelar para os t rabalhadores e dizer- lhes: uni- vos t odos nos vossos sindicat os, com o forças livres e
organizadas. Na hora presente nenhum governo poderá subsistir ou dispor de força suficiente para as
suas realizações sociais se não contar com o apoio das organizações operárias”. 2 5

Ao apelar veem entem ente às m assas para que se organizassem , para que se unissem na reivindicação de
seus direitos e ao dizer- lhes, com a autoridade de Chefe de Estado, dos obstáculos, dos freios, das
dificuldades inúm eras para realçar um governo com elas, foi indo, daí em diante, o seu governo, aos
t rancos e barrancos, at é o desfecho trágico de agosto de 1954.

25
Getúlio Vargas, discurso pronunciado no Estádio C. R. Vasco da Gam a em 1.º de m aio de 1951. I n: O
Governo Trabalhista no Brasil, Livraria José Olím pio Editora, pp. 322, 323, 324. ( Os grifos são nossos).
Se Vargas não t ivesse revelado, na sua últ im a etapa de governo, um a inclinação tão ostensiva à
organização das m assas populares, conseqüentem ente ligada a um a série de m edidas que tom ou no
sent ido da defesa dos int eresses nacionais, possivelm ente as elites reacionárias não t ivessem chegado ao
extremo a que chegaram.

I sto ocorre com qualquer líder populista ao aproxim ar- se, ainda que discretam ente, das m assas
populares, não m ais com o exclusivo m ediador das oligarquias, se estas dispõem de força para freá- la.

Enquanto a ação do líder se m antenha no dom ínio das form as paternalistas e sua extensão
assistencialista, pode haver divergências acidentais entre ele e grupos oligárquicos feridos em seus
interesses, dificilm ente, porém , diferenças profundas.

É que estas form as assistencialistas, com o instrum ento da m anipulação, servem à conquista. Funcionam
com o anestésico. Distraem as m assas populares quanto às causas verdadeiras de seu, s problem as, bem
com o quant o à solução concret a dest es problem as. Fracionam as m assas populares em grupos de
indivíduos com a esperança de receber m ais.

Há, contudo, em toda esta assistencialização m anipuladora, um m onum ento de positividade.

É que os grupos assistidos vão sem pre querendo indefinidam ente m ais e os indivíduos não assistidos,
vendo o exem plo dos que o são, passam a inquietar- se por serem assistidos tam bém .

E, com o não podem as elites dom inadoras assistencializar a todos, term inam por aum entar a inquietação
das m assas.

A liderança revolucionária deveria aproveitar a contradição da m anipulação, problem at izando- a às m assas


populares, com o objetivo de sua organização.

INVASÃO CULTURAL

Finalm ente, surpreendem os na teoria da ação anti- dialógica, um a outra característica fundam ental, – a
invasão cultural que, com o as duas anteriores, serve à conquista.

Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem
os invasores no contexto cultural dos invadidos, im pondo a estes sua visão do m undo, enquanto lhes
freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão.

Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelm ente alienante, realizada m aciam ente ou não, é sem pre
um a violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê am eaçado de perdê- la.

Por isto é que, na invasão cultural, com o de resto em todas as m odalidades da ação antidialógica, os
invasores são os autores e os atores do processo, seu suj eito; os invadidos, seus obj etos. Os invasores
m odelam ; os invadidos são m odelados. Os invasores optam ; os invadidos seguem sua opção. Pelo m enos
é esta a espectativa daqueles. Os invasores atuam ; os invadidos têm a ilusão de que atuam , na atuação
dos invasores.

A invasão cultural tem um a dupla face. De um lado, é j á dom inação; de outro, é tát ica de dom inação.

Na verdade, toda dom inação im plica num a invasão, não apenas física, visível, m as às vezes cam uflada,
em que o invasor se apresenta com o se fosse o am igo que ajuda. No fundo, a invasão é um a form a de
dom inar econôm ica e culturalm ente ao invadido.

I nvasão realizada por um a sociedade m atriz, m etropolitana, num a sociedade dependente, ou invasão
im plícita na dom inação de um a classe sobre a outra, num a m esm a sociedade.

Com o m anifestação da conquista, a invasão cultural conduz à inautenticidade do seg dos invadidos. O seu
program a responde ao quadro valorativo de seus atores. A seus padrões, a suas finalidades.
Daí que a invasão cultural, coerente com sua m atriz antidialógica e ideológica, j am ais possa ser feita
através da problem at ização da realid ade e dos próprios conteúdos program át icos dos invadidos.

Aos invasores, na sua ânsia de dom inar, de am oldar os invadidos a seus padrões, a seus m odos de vida,
só interessa saber com o pensam os invadidos seu próprio m undo para dom iná- los mais. 2 6

É import ante, na invasão cultural, que os invadidos vejam a sua realidade com a ót ica dos invasores e não
com a sua. Quanto m ais m im etizados fiquem os invadidos, m elhor para a estabilidade dos invasores.

Um a condição biónica ao êxito da invasão cultural é o convencim ento por parte dos invadidos de sua
inferioridade intrínseca. Com o não há nada que não tenha seu contrário, na m edida em que os invadidos
vão reconhecendo- se “ inferiores” , necessariam ente irão reconhecendo a “ superioridade” dos invasores. Os
valores destes passam a ser a pauta dos invadidos. Quanto m ais se acentua a invasão, alienando o ser da
cultura e o ser dos invadidos, m ais estes quererão parecer com aqueles: andar com o aqueles, vestir à sua
m aneira, falar a seu m odo.

O eu social dos invadidos, qu e, com o t odo eu social, se const it ui nas relações sociocult urais que se dão na
estrutura, é tão dual quanto o ser da cultura invadida.

É esta dualidade, j á várias vezes referida, a que explica os invadidos e dom inados, em certo m om ento de
sua experiência existencial, com o um eu quase “ aderido" ao t u opressor.

É preciso que o eu oprim ido rom pa esta quase “ aderência” ao t u opressor, dele “ afast ando- se” , para
objetivá-lo, som ente quando se reconhece crit icam ente em contradição com aquele.

Esta m udança qualitativa da percepção do m undo, que não se realiza fora da práxis, não pode j am ais ser
estim ulada pelos opressores, com o um objetivo de sua teoria da ação.

Pelo contrário, a m anutenção do st at es quo é o que lhes interessa, na m edida em que a m udança na
percepção do m undo, que im plica, neste caso, na inserção crit ica na realidade, os am eaça. Daí, a invasão
cult ural com o caract eríst ica da ação ant idialógica.

Há, contudo, um aspecto que nos parece im portante salientar na análise que estam os fazendo da ação
ant i- dialógica. É que esta, enquanto m odalidade de ação cultural de caráter dom inador, nem sem pre é
exercida deliberadam ente. Em verdade, m uitas vezes os seus agentes são igualm ente hom ens
dom inados; “ sobredeterm inados” pela própria cultura da opressão2 7.

Com efeito, na m edida em que um a estrutura social se denota com o estrutura rígida, de feição
dom inadora, as instituições form adoras que nela se constituem estarão, necessariam ente, m arcadas por
seu clim a, veiculando seus m it os e orientando sua ação no estilo próprio da estrutura.

Os lares e as escolas, prim árias, m édias e universitárias, que não existem no ar, m as no tem po e no
espaço, não podem escapar às influências das condições obj et ivas estruturais. Funcionam , em grande
m edida, nas estruturas dom inadoras, com o agências form adoras de futuras “ invasores” .

2 6
Para este fim , os invasores se servem , cada vez m ais, das ciências sociais e da tecnologia, com o j á
agora das naturais.

É que a invasão, na m edida em que é ação cultural, cujo caráter induzido perm anece com o sua conotação
essencial, não pode prescindir do auxilio das ciências e da tecnologia com que os invasores m elhor atuam .
Para eles se faz indispensável o conhecim ento do passado e do presente dos invadidos, através do qual
possam determ inar as alternativas de seu futuro e, assim , tentar a sua condução no sentido de seus
int eresses.
27
A propósito de dialética da sobredeterm inação, ver Louis Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero, 1967 .
As relações pais- filhos, nos lares, refletem , de m odo geral, as condições objetivo- culturais da totalidade
de que part icipam . E, se est as são condições aut orit árias, rígidas, dom inadoras, penetram nos lares que
increm entam o clim a da opressão. 2 8

Quanto m ais se desenvolvem estas relações de feição autoritária entre pais e filhos, tanto m ais vão os
filhos, na sua infância, int roj etando a autoridade paterna.

Discut indo, com a clareza que o caract eriza, o problem a da necrofilia e da biofilia, From m analisa as
condições objetivas que geram um a e outra, quer nos lares, nas relações pais- filhos, no clim a desam oroso
e opressor, com o am oroso e livre, quer no contexto sociocultural.

Crianças deform adas num am biente de desam or, opressivo, frustradas na sua potência, com o diria
From m , se não conseguem , na j uventude, endereçar- se no sentido da rebelião autêntica, ou se
acom odam num a dem issão total do seu querer, alienados à autoridade e aos m itos de que lança m ão est a
autoridade para form á - las, ou poderão vir a assum ir form as de ação destrutiva.

Esta influência do lar se alonga na experiência da escola. Nela, os educandos cedo descobrem que, com o
ao lar, para conquistar algum a satisfação, têm de adaptar- se aos preceit os vert icalm ent e est abelecidos. E
um destes preceitos é não pensar.

I ntrojetando a autoridade paterna através de um t ipo r ígido de relações, que a escola enfatiza, sua
tendência, quando se fazem profissionais, pelo próprio m edo da liberdade que neles se instala, é seguir os
padrões rígidos em que se deformaram.

I sto, associado à sua posição classista, talvez explique a adesão de grande núm ero de profissionais a um a
ação ant idialógica. 2 9

Qualquer que seja a especialidade que tenham e que os ponha em relação com o povo, sua convicção
quase inabalável é a de que lhes cabe “ t ransferir” ou “ levar”, ou “ entregar” ao povo os seus
conhecim ent os, as suas t écnicas.

Vêem- se, a si m esm os, com o os prom otores do povo. Os program as da sua ação, com o qualquer bom
teórico da ação opressora indicaria, involucram as suas finalidades, as suas convicções, os seus anseios.

Não há que ouvir o povo para nada, pois que, “ incapaz e inculto, precisa ser educado por eles para sair da
indolência que provoca o subdesenvolvim ento” .

Para eles, a “ incultura do povo é tal ‘que lhes’ parece um absurdo falar da necessidade de respeitar a
“ visão do m undo” que ele esteja tendo. Visão do m undo têm apenas os profissionais”...

Da m esm a form a, absurda lhes parece a afirm ação de que é indispensável ouvir o povo para a
organização do conteúdo program át ico da ação educativa. É que, para eles, “ a ignorância absoluta” do
povo não lhe perm it e outra coisa senão receber os seus ensinam entos.

28
O autoritarism o dos pais e dos m estres se desvela cada vez m ais aos j ovens com o antagonism o à sua
liberdade. Cada vez m ais, por isto m esm o, a juventude vem se opondo às form as de ação que m inim izam
sua expressividade e obstaculizam sua afirm ado. Esta, que, é um a das m anifestações positivas que
observam os hoje, não existe por acaso. No fundo, é um sintom a daquele clim a hist órico ao qual fizem os
referência no prim eiro capítulo deste ensaio, com o caracterizador de nossa época, com o um a época
antropológica. Por isto é que a reação da j uventude não pode ser vista a não ser interessadam ente, com o
sim ples indício das divergências geracionais que em todas as épocas houve e há.
Na verdade, há algo m ais profundo. Na sua rebelião, o que a juventude denuncia e condena é o m odelo
injusto da sociedade dom inadora. Esta rebelião, contudo, com o caráter que tem , é m uito recente. O
car át er autoritário perdura.
2 9
Talvez explique tam bém a antidialogicidade daqueles que, em bora convencidos de sua opção
revolucionária, continuam , contudo, descrentes do povo, tem endo a com unhão com ele. É que, sem o
perceber, m antêm dentro de si ainda, o opressor. Na verdade, tem em a liberdade, na m edida em que
hospedam o “ senhor”.
Quando, porém , os invadidos, em certo m om ento de sua experiência existencial, com eçam , desta ou
daquela form a, a recusar a invasão a que, em outro m om ento, se poderiam haver adaptado, para j
ustificar o seu fracasso, falam na “ inferioridade” dos invadidos, porque “ preguiçosos” , porque “ doentes” , porque
" mal- agradecid os” e às vezes, tam bém , porque “ m estiços” .

Os bem intencionados, isto é, aqueles que usam a “ invasão” não com o ideologia, m as pelas deform ações
a que nos referim os páginas atrás, tem iam por descobrir, em suas experiências, que certos fracassos de
sua ação não se devem a um a inferioridade natural dos hom ens sim ples do povo, m as à violência de seu
ato invasor.

Este, de m odo geral, é um m om ento difícil por que passam alguns dos que fazem tal descoberta.

Sentem a necessidade de renunciar à ação invasora, m as os padrões dom inadores estão de tal form a
m et idos “ dentro” deles, que esta renúncia é um a espécie de m orrer um pouco.

Renunciar ao ato invasor significa, de certa m aneira, superar a dualidade em que se encontram –
dom inados por um lado: dom inadores, por outro.

Significa renunciar a todos os m it os de que se nutre a ação invasora e existenciar um a ação dialógica.

Significa, por isto m esm o, deixar de estar sobre ou “ dentro” , com o “ estrangeiras” , para estar com , com o
com panheiros.

O “ m edo da liberdade”, então, neles se inst ala. Durant e t odo esse processo t raum át ico, sua t endência é,
naturalm ente, racionalizar o m edo, com um a série de evasivas.

Este “ m edo da liberdade” , em técnicos que não chegaram sequer a fazer a descoberta de sua ação
invasora, é m aior ainda, quando se lhes fala do sentido desum anizante desta ação.

Não são raras as vezes, nos cursos de capacit ação, sobret udo no m om ent o da “ descodificação” de
situações concretas feitas pelos participantes, em que, ir r it ados, perguntam ao coordenador da discussão:
“ Aonde, afinal, o senhor quer nos levar?” Na verdade, o coordenador não está querendo conduzi- los.
Ocorre sim plesm ente que, ao problem atizar- lhes um a situação concreta, eles com eçam a, perceber que,
se a análise desta situação se vai aprofundando, terão de desnudar- se de seus m itos, ou afirm á- los.

Desnudar- se de seus m it os e renunciar a eles, no m om ento, h um a “ violência” contra si m esm os,


praticada por eles próprios. Afirm á - los é revelar- se. A única saída, com o m ecanism o de defesa tam bém , é
t rans- ferir ao coordenador o que é a sua prática norm al: conduzir, conquistar, ínvadir, 30 com o
m anifestações de sua antidialogicidade.

Esta m esm a fuga acontece, ainda que em escala m enor, entre hom ens do povo, na proporção em que a
sit uação concret a de opressão os esm aga e sua “ assistencialização” os dom estica.

Um a das educadoras do Full Circle, de Nova York, instituição que realiza um t rabalho educativo de real
valor, nos relatou o seguinte caso: ao problem at izar um a situação codificada a um dos grupos das áreas
pobres de Nova York que m ostrava, na esquina de um a rua – a rua m esm a em que se fazia a reunião –
um a grande quantidade de lixo, disse im ediatam ente um dos participantes: “ Vejo um a rua da África ou da
Am érica Latina”.

“ E por que não de Nova York?” , pergunt ou a educadora.

“ Porque, afirm ou, som os os Estados Unidos e aqui não pode haver isto” .

I ndubitavelm ente, este hom em e alguns de seus com panheiros, que com ele concordavam , com um a
indiscutível “ m anha da consciência”, fugiam a um a realidade que os ofendia, e cuj o reconhecim ento até os
am eaçava.

30
Ver Paulo Freire, Extensão ou Com unicação? I CI RA, Santiago de Chile, 1969.
Subm et idos ao condicionam ento de um a cultura do êxito e do sucesso pessoal, reconhecer- se numa
situação objetiva desfavorável, para um a consciência alienada, é frear a própria possibilidade do êxito.

Quer nest e, quer no caso dos profissionais, se encontra patente à força “ sobredeterm inante” da cultura
em que se desenvolvem os m itos que os hom ens introjetam .

Em am bos os casos, é a cultura da classe dom inante obstaculizando a afirm ação dos hom ens com o seres
da decisão.

No fundo, nem os profissionais a que nos referim os, nem os participantes da discussão citada num bairro
pobre de Nova York estão falando e atuando por si m esm os, com o atores do processo histórico.
Nem uns nem outros são teóricos ou ideólogos da dom inação. Pelo contrário, são efeitos que se fazem
tam bém causa da dom inação.

Este é um dos sérios problem as que a revolução tem de enfrentar na etapa em que chega ao poder.

Etapa que, exigindo de sua liderança um m áxim o de sabedoria política, de decisão e de coragem , exige,
por tudo isto, o equilíbrio suficiente para não deixar- se cair em posições irracionalm ente sectárias.

É que, indiscutivelm ente, os profissionais, de form ação universitária ou não, de quaisquer especialidades,
são hom ens que estiveram sob a “ sobredeterm inação” de um a cultura de dom inação, que os constituiu
com o seres duais. Poderiam , inclusive, ter vindo das classes populares e a deform ação, no fundo, seria a
m esm a, se não pior estes profissionais, contudo, são necessários à reorganizaç ão da nova sociedade. E,
com o grande núm ero entre eles, m esm o tocados do “ m edo da liberdade” e relutando em aderir a um a
ação libertadora, em verdade são m ais equivocados que outra coisa, nos parece que não só poderiam ,
m as deveriam ser reeducados pela revolução.

I sto exige da revolução no poder que, prolongando o que antes foi ação cultural dialógica, instaure a
“ revolução cultural” . Desta m aneira, o poder revolucionário, conscientizado e conscientizador, não apenas
é um poder, mas um novo poder; um poder que não é só freio necessário aos que pretendam continuar
negando os homens, mas também um convit e valente a todos os que queiram participar da reconstrução
da sociedade.

Nest e sent ido é que a “ revolução cult ural” é a cont inuação necessária da ação cult ural dialógica que deve
ser realizada no processo interior à chegada ao poder.

A “ revolução cultural” tom a a sociedade em reconstrução em sua totalidade, nos m últ iplos quefazeres dos
hom ens, com o cam po de sua ação form adora.

A reconst rução da sociedade, que não se pode fazer m ecanicistam ente, tem , na cultura que culturalm ent e
se refaz, por m eio desta revolução, o seu fundam ental instrum ento.

Com o a entendem os, a “ revolução cultural” é o m áxim o de esforço de conscientização possível que deve
desenvolver o poder revolucionário, com o qual atinja a todos, não im porta qual seja a sua tarefa a
cumprir.

Por ist o m esm o é que est e esforço não se pode cont ent ar com a form ação t ecnicist a dos t écnicos, nem
cient ificist a dos cient ist as, necessários à nova sociedade. Esta não pode distinguir- se, qualitativam ente, da
outra ( o que não se faz repentinam ente, com o pensam os m ecanicistas em sua ingenuidade) de form a
parcial.

Não é possível à sociedade revolucionária atribuir à tecnologia as m esm as finalidades que lhe eram
atribui- &s pela sociedade anterior, Conseqüentem ente, nelas varia, igualm ente, a form ação dos hom ens.

Nest e sent ido, a form ação t écnico- cientifica não é antagônica à form ação hum anista dos hom ens, desde
que ciência e tecnologia, na sociedade revolucionária, devem estar a serviço de sua libertação
perm anente, de sua hum anização.
Desde esse ponto de vista, a form ação dos hom ens, para qualquer quefazer, um a vez que nenhum deles
se pode dar a não ser no tem po e no espaço, está a exigir a com preensão: a) da cultura com o supra-
estrutura e, não obstante, capaz de m anter na infra- estrutura revolucionariam ente t ransform ando- se, “
sobrevivências” do passado; 3 1 e b) do quefazer m esm o, com o instrum ento da t ransform ação da cultura.

Na m edida em que a conscientização, na e pela “ revolução cultural”, se vai aprofundando, na práxis


criadora da sociedade nova, os hom ens vão desvelando as razões do perm anecer das “ sobrevivências”
m ít icas, no fundo, realidades, forjadas na velha sociedade.
Mais rapidam ente, então, poderão liber t ar- se destes espectros que são sem pre um sério problem a a toda
revolução, enquant o obst aculizam a edificação da nova sociedade.

Através destas “ sobrevivências” a sociedade opressora continua “ invadindo” e agora, “ invadindo” a própria
sociedade revolucionár ia.

Esta é, porém , um a terrível “ invasão”, porque não é feita diretam ente pela velha elite dom inadora que se
reorganizasse para tal, m as pelos hom ens que, inclusive, tornaram parte na revolução.

“ Hospedeiros” do opressor, resistem com o se fossem este, a m edidas básicas que devem ser tom adas
pelo poder revolucionário.

Com o seres duais, porém , aceitam tam bém , ainda em função das “ sobrevivências” , o poder que se
burocratiza e violentam ente os reprim e.

Este poder burocrático, violentam ente repressivo, por sua vez, pode ser explicado através do que
Alt husser3 2 cham a de “ reativação de elem entos antigos” , toda vez que circunstâncias especiais o
favoreçam , na nossa sociedade.

Por tudo isto é que defendem os o processo revolucionário com o ação cultural dialóg ica que se prolongue
em “ revolução cultural” com a chegada ao poder. E, em am bas, o esforço sério e profundo da
conscientização, com que os hom ens, através de um a práxis verdadeira, superam o estado de objetos,
como dominados, e assumem o de sujeito da História.

Na revolução cultural, finalm ente, a revolução, desenvolvendo a prática do diálogo perm anente entre
liderança e povo, consolida a participação deste, no poder.

Desta forma, na medida em que ambos – liderança e povo – se vão crit icizando, vai a rev olução
defendendo- se m ais facilm ente dos riscos dos burocratism os que im plicam em novas form as de opressão
e de “ invasão”, que é sem pre a m esm a. Seja o invasor um agrônom o extensionista – num a sociedade
burguesa ou num a sociedade revolucionária – um invest igador social, um econom ista, um sanitarista, um
religioso, um educa- dor popular, um assistente social ou um revolucionário, que assim se contradiz.

A invasão cultural, que serve à conquista e à m anutenção da opressão, im plica sem pre na visão focal da
realidade, na percepção desta com o estática, na superposição de um a visão do m undo na outra. Na
“ superioridade” do invasor, Na “ inferioridade” do invadido. Na im posição de critérios. Na posse do
invadido. No m edo de perdê- lo.

A invasão cultural im plica ainda, por tudo isto, em que o ponto de decisão da ação dos invadidos está fora
deles e nos dom inadores invasores. E, enquanto a decisão não está em quem deve decidir, m as fora dele,
este apenas tem a ilusão de que decide.

Esta é a razão por que não pode haver desenvolvim ento sócio - econôm ico em nenhum a sociedade dual,
reflexa, invadida.

31
Ver Louis Althusser, Pour Marx, op. cit .
32
Considerando esta questão, diz Althusser: “ Cette réactivat ion serait proprem ent inconcevable dans une
dialectique dépourvue de surdéterm ination”, Pour Marx, op. cit . , pg. 116.
É que, para haver desenvolvim ento, é necessário: 1) que haja um m ovim ento de busca, de criatividade,
que tenha no ser m esm o que o faz, o seu ponto de decisão; 2) que esse m oviment o se dê não só no
espaço, m as ao tem po próprio do ser, do qual tenha consciência.

Daí que, se todo desenvolvim ento é t ransform ação, nem toda t ransform ação é desenvolvim ento.

A t ransform ação que se processa no ser de um a sem ente que, em condições favoráveis, germ ina e nasce,
não é desenvolvim ento. Do m esm o m odo, a t ransform ação do ser de um anim al não é desenvolvim ento.
Am bos se t ransform am determ inados pela espécie a que pertencem e num tem po que não lhes pertence, pois
que é tem po dos hom ens.

Est es, entre os seres inconclusos, são os únicos que se desenvolvem . Com o seres históricos, com o “ seres
para si” , autobiográficos, sua t ransform ação, que é desenvolvim ento, se dá no tem po que é seu, nunca
fora dele.

Esta é a razão pela qual, subm et idos a condições concretas de opressão em que se alienam ,
t ransform ados em “ seres para outro” do falso “ ser para si” de quem dependem, os homens também já
não se desenvolvem autenticam ente. É que, assim roubados na sua decisão, que se encontra no ser
dominador, seguem suas prescrições.

Os oprim idos só com eçam a desenvolver- se quando, superando a contradição em que se acham , se fazem
“ seres para si” .

Se, agora, analisam os um a sociedade tam bém com o ser, parece- nos concludente que, som ente com o
sociedade “ ser para si” , sociedade livre, poderá, desenvolver- se.

Não é possível desenvolvim ento de sociedades duais, reflexas, invadidas, dependentes da sociedade
m etropolitana, pois que são sociedades alienadas, cuj o ponto de decisão polít ica, econôm ica e cultural se
encont ra fora delas – na sociedade m etropolitana. Esta é que decide dos destinos, em últ im a análise,
daquelas, que apenas se t ransform am .

Com o “ seres para outro” , a sua t ransform ação interessa precisam ente à m etrópole.

Por tudo isto, é preciso não confundir desenvolv im ento com m odernização. Esta, sem pre realizada
induzidam ente, ainda que alcance certas faixas da população da “ sociedade satélite” , no fundo interessa à
sociedade m etropolitana.

A sociedade sim plesm ente m odernizada, m as não desenvolvida, continua dependente do centro externo,
m esm o que assum a, por m era delegação, algum as áreas m ínim as de decisão. I sto é o que ocorre e
ocorrerá com qualquer sociedade dependente, enquanto dependente.

Estam os convencidos de que, para aferirm os se um a sociedade se desenvolve ou não, devem os


ultrapassar os critérios que se fixam na análise de seus índices “ per capita” de ingresso que,
“ estatisticados” , não chegam sequer a expressar a verdade, bem com o os que se centram no estudo de
sua renda bruta. Parece- nos que o critério básico, prim ordial, está em saberm os se a sociedade é ou não
um “ ser para si” . Se não é, todos estes critérios indicarão sua m odernização, m as não seu
desenvolvim ento.

A contradição principal das sociedades duais é, realm ente, esta – a das relações de dependência que se
estabelecem entre elas e a sociedade m etropolitana. Enquanto não superam esta contradição, não são
“ seres para si” e, não o sendo, não se desenvolvem .

Superada a contradição, o que antes era m era t ransform ação “ assistencializadora” em beneficio,
sobretudo, da m atriz, se torna desenvolvim ento verdadeiro, em benefício do “ ser para si” .

Por tudo isto é que as soluções puram ente reform istas que estas sociedades tentam , algum as delas
chegando a assustar e até m esm o a apavorar a faixas m ais reacio nárias de suas elites, não chegam a
resolver suas cont radições.
Quase sem pre, senão sem pre, estas soluções reform istas são induzidas pela pr 6pria m etr 6pole, com o
um a resposta nova que o processo histórico lhe im põe, no sentido de m anter sua hegem onia.

É com o se a m etrópole dissesse e não precisa dizer: “ façam os as reform as, antes que as sociedades
dependentes façam a revolução” .

E, para lográ- lo, a sociedade m etropolitana não tem outros cam inhos senão a conquista, a m anipulação, a
invasão econôm ica e cul tural ( às vezes, m ilit ar) da sociedade dependente.

I nvasão econôm ica e cultural em que as elites dirigentes da sociedade dom inada são, em grande m edida,
puras m etásteses das elites dirigentes da sociedade m etropolitana.

Após est as análises em t orno da t eoria da ação antidialógica, a que dam os caráter puram ente
aproxim ativo, repitam os o que vim os afirm ando em todo o corpo deste ensaio: a im possibilidade de a
liderança revolucionária usar os m esm os procedim entos antidialógicos de que se servem os opressores
para oprim ir . Pelo contrário, o cam inho desta liderança há de ser o dialógico, o da com unicação, cuja
teoria logo m ais analisarem os.

Antes, porém , de fazê- lo, discutam os um ponto que nos parece de real im portância para um m aior
esclarecim ent o de nossas posições.

Querem os referir- nos ao m om ento de constituíam da liderança revolucionária e algum as de suas


conseqüências básicas, de caráter histórico e sociológico, para o processo revolucionário.

Desde logo, de m odo geral, esta liderança é encarnada por homens que, desta ou daquela form a,
participavam dos estratos sociais dos dom inadores.

Em um dado m om ento de sua experiência existencial, em certas condições históricas, estes, num ato de
verdadeira solidariedade ( pelo m enos assim se deve esperar), renunciam à classe à qual pertencem e
aderem aos oprim idos.

Sej a esta adesão o resultado de um a análise cientifica da realidade ou não, ela im plícita, quando
verdadeira, um ato de am or, de real com prom isso.3 3

Esta adesão aos oprim idos im porta num a cam inhada até eles. Num a com unicação com eles.

As m assas populares precisam descobrir- se na liderança em ersa e esta nas m assas.

No m om ento em que a liderança em erge com o tal, necessariam ente se constitui com o contradição das
elites dom inadoras.

Contradição objetiva destas elites são tam bém as m assas oprim idas, que “ com unicam ” esta contradição à
liderança em ersa.

I sto não significa, porém , que j á, tenham as m assas alcançado um grau tal de percepção em torno de sua
opressão, de que resultasse saber se crit icam ente em antagonism o com aquelas.3 4

Podem estar naquela postura anteriorm ente referida de “ aderência” ao opressor.

É possível, tam bém , em função de certas condições históricas obj et ivas, que j á tenham chegado, senão à
visualização clara de sua opressão, a um a quase “ claridade” dest a.

33
No capítulo anterior citam os a opinião de Guevara a este propósito.
De Cam ilo Torres, disse Germ ano Gunnan: “ Jogou- se inteiro porque en t regou t udo. A cada hora m anteve
com o povo um a at it ude vital de com prom isso, com o sacerdote, com o cristão e com o revolucionário” .
Germano Gruzman, Camilo, El Cura Guerrillero. Bogotá, Servicios Especiales de Prensa, 1967, p. 5.
3 4
Um a coisa são as “ necessidades de classe” ; out ra, a " consciência de classe". A propósit o de “ consciência
de classe” ver: George Lukács, Hietoire et Conscience de Classe. Paris, Les Éditions du Minuit, 1960.
Se, no prim eiro caso, a sua " aderência” ou " quase aderência” ao opressor não lhes possibilita localizá- lo
fora delas, 3 5 no segundo localizando- o, se reconhecem , em nível crít ico, em antagonism o com ele.

No primeiro, com o opressor “ hospedado” nelas, a sua am bigüidade as faz m ais tem erosas da liberdade.
Apeiam para explicações m ágicas ou para um a visão falsa de Deus – ( estim ulada pelos opressores) – a
quem fatalisticam ente t ransferem a responsabilidade de seu estado de oprim idos.3 6

Sem crerem em si m esm os, destruídas, desesperançadas, estas m assas, dificilm ente, buscam a sua
libertação, em cujo ato de rebeldia podem ver, inclusive, um a ruptura desobediente com a vontade de
Deus – um a espécie de enfrentam ento indevido com o destino. Dai, a necessidade, que t ant o enfat izam os,
de problem atizá- las em torno dos m it os de que a opressão as nutre.

No segundo caso, isto é, quando j á ganharam a “ clareza” ou um a quase “ clareza” da opressão, o que as
leva a localizar o opressor fora delas, aceit am a lut a para superar a cont radição em que est ão. Neste
m om ento, superam a distância que m edeia as obj et ivas “ necessidades de classe” da “ consciência de
classe” .

Na prim eira hipótese, a liderança revolucionária se faz, dolorosam ente, sem o querer, contradição das
massas também.

Na segunda, ao em ergir a liderança, recebe a adesão quase instantânea e sim pática das m assas, que
tende a crescer durante o processo da ação revolucionária.

O cam inho, então, que faz até elas a liderança é espontaneam ente dialógico. Há uma empatia quase
im ediata entre as m assas e a liderança revolucionária. O com prom isso entre elas se sela quase
repentinam ente. Sentem- se am bas, porque co- irm anadas na m esm a representatividade, contradição das
elites dom inadoras.

Daí em diante, o diálogo entre elas se instaura e dificilm ente se rom pe. Continua com a chegada ao poder,
em que as m assas realm ente sentem e sabem que estão.

I sto não dim inui em nada o espírito de luta, a coragem , a capacidade de am ar, o arrojo da liderança
revolucionária.

A liderança de Fidel Castro e de seus com panheiros, na época cham ados de “ aventureiros irresponsáveis”
por m uita gente, liderança em inentem ente dialógica, se identificou com as m assas subm et idas a um a
brutal violência, a da ditadura de Batista.

Com isto não querem os afirm ar que esta adesão se deu tão facilm ente. Exigiu o testem unho corajoso, a
valentia de am ar o povo e por ele sacrificar- se. Exigiu o testem unho da esperança nunca desfeita de
recom eçar após cada desastre, anim ados pela vitória que, forj ada por eles com o povo, não seria apenas
deles, m as deles e do povo, ou deles enquanto povo.

Fidel polarizou a pouco e pouco a adesão das m assas que, além da obj et iva situação de opressão em que
estavam , j á haviam , de certa m aneira, com eçado, em função da exp eriência histórica, a rom per sua
“ aderência” com o opressor.

O seu “ afastam ento” do opressor estava levando- as a “ obj et ivá- lo” , reconhecendo- se, assim , com o sua
contradição antagônica. Daí que Fidel j am ais se haja feito contradição delas. Um a ou outra deserção, um a
ou outra t raição registradas por Guevara no seu “ Relato de la Guerra Revolucionaria”, em que se refere às
m uitas adesões tam bém , eram de ser esperadas.

35
Ver Frantz Fanon, op. cit .
36
Em conversa com um sacerdote chileno, de alta responsabilidade intelectual e m oral, que esteve no
Recife em 1966, ouvim os dele que “ ao visitar, com um colega pernam bucano, várias fam ílias residentes
em Mocam bos, de condições de m iséria indiscutível e ao perguntar- lhes com o suportavam viver assim,
escutava sem pre a m esm a resposta: ‘Que posso fazer? Deus quer assim , si m e resta conform ar- me’”.
Desta m aneira, a cam inhada que faz a liderança revolucionária até as m assas, em função de cert as
condições históricas, ou se realiza horizontalm ente, constituindo- se am bas em um só corpo contraditório
do opressor ou, fazendo- se t r iangularm ente, leva a liderança revolucionária a “ habitar” o vértice do
t r iângulo, contra- dizendo tam bém , as m assas populares.

Esta condição, com o j á, vim os, lhe é im posta pelo fato de ss m assas populares não terem chegado, ainda,
à crit icidade ou à quase crit icidade da realidade opressora.

Quase nunca, porém , a - liderança revolucionária percebe que está, sendo contradição das m assas.

Realm ente, é dolorosa esta percepção e, talvez por um m ecanism o de defesa, ela resista em percebê- lo.

Afinal, não é fácil à liderança que em erge por um gesto de adesão às m assas oprim idas, reconhecer- se
com o contradição exatam ente de com quem aderiu.

Par ece- nos este um dado im portante para analisar certas form as de com portam ento da liderança
revolucionária que, m esm o sem o querer, se constitui com o contradição das m assas populares, em bora
não antagônica, com o j á o afirm am os.

A liderança revolucionária precisa, indubitavelm ente, da adesão das m assas populares para a revolução.

Na hipótese em que as contradiz, ao buscar esta adesão e ao Surpreender nelas um certo alheam ento,
um a certa desconfiança, pode tom ar esta desconfiança e aquele alheam ento com o se fossem índices de
um a natural incapacidade delas. Reduz, então, o que é um m om ento histórico da consciência popular ao
que seria deficiência int r ínseca das m assas. E, com o precisa de sua adesão à luta para que possa haver
revolução, m as desconfia das m assas desconfiadas, se deixa tentar pelos m esm os procedim entos que a
elite dominadora usa para oprimir.

Racionalizando a sua desconfiança, fala na im possibilidade do diálogo com as m assas populares antes da
chegada ao poder, inscrevendo- se, desta m aneira, na teoria antidialógica da ação. Daí que, m uitas vezes,
t al qual a elite dom inadora, tente a conquista das m assas, se faça m essiânica, use a m anipulação e realize
a invasão cultural. E, por estes cam inhos, cam inhos de opressão, ou não faz a re volução ou, se a faz, não
é verdadeira.

O papel da liderança revolucionária, em qualquer circunstância„ m ais ainda nesta, está, em estudar
seriam ente, enquanto atua, as razões desta ou daquela at it ude de desconfiança das m assas e buscar os
verdadeiros cam inhos pelos quais possa chegar à com unhão com elas. Com unhão no sentido de ajudá- las
a que se ajudem na visualização da realidade opressora que as faz oprim idas.

A consciência dom inada existe, dual, am bígua, com seus tem ores e suas desconfianças 3 7 .

Em seu Diário sobre a luta na Bolívia, o Com andante Guevara se refere várias vezes à falta de
participação cam ponesa, afirm ando textualm ente : “ La m obilización cam pesina es inexistente, salvo en ias
tareas de inform ación que m olestan algo, pero no son m uy rapido s ni eficientes; los podrem os anular”. E
em outro passo: Falta com pleta de incorporación cam pesina aunque nos van perdiendo el m iedo y se
logra la adm iración de los cam pesinos. Es una tarea lenta y paciente” .3 8

Explicando este m edo e esta pouca eficiência dos cam poneses, vam os encontrar neles, com o consciências
dom inadas, o seu opressor introjetado.

As m esm as form as com portam entais do oprim ido, a sua m aneira de estarem sendo, resultante da
opressão e que levam o opressor, para m ais oprim ir, à prática da ação cultural que acabam os de analisar,
estão a exigir do revolucionário um a outra teoria da ação.

3 7
I m portante a leitura de; Erich From m , “ The application of hum anist psychoanalysis to m arxist theory" in
Socialist Hum anism. Anchor Books, 1966; Reuben Osborn, Marxismo y Psicoanálisis. Barcelona, Ediciones
Península, 1967.
38
El Diário de Che en Bolívia. México, Siglo XXI , pp. 131- 52 .
O que distingue a liderança revolucionária da elite dom inadora não são apenas seus objetivos, m as o seu
m odo de atuar distinto. Se atuam igualm ente os objetivos se identificam .

Por esta razão é que afirm am os antes ser tão paradoxal que a elite dom inadora problem at ize as relações
hom ens- m undo aos oprim idos, quanto o é que a liderança revolucionária não o faça.

Entrem os, agora, na análise da teoria da ação cultural dialógica, tentando, com o no caso anterior,
surpreender seus elem entos constitutivos.

A TEORIA DA AÇÃO DIALÓGICA E SUAS


CARACTERÍ STI CAS: A CO- LABORAÇÃO,
A UNIÃO, A ORGANIZAÇÃO E A SÍNTESE
CULTURAL

CO- LABORAÇÃO

Enquanto na teoria da ação antidialógica a conquista, com o sua prim eira característica, im plica num
suj eito que, conquistando o outro, o t ransform a em quase “ coisa” , na teoria dialógica da ação, os suj eitos
se encontram para a t ransform ação do m undo em co- laboração.

O eu antidialógico, dominador, t ransforma o t u dom inado, conquistado num m ero “ isto” . 39

O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatam ente o t u que o constitui. Sabe tam bém que, constituído
por um tu – um não- eu –, esse t u que o constitui se constitui, por sua vez, com o eu, ao ter no seu eu um
t u. Desta form a, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois t u que se fazem
dois eu.

Não há, portanto, na teoria dialógica da ação, um sujeito que dom ina pela conquista e um objeto
dominado. Em lugar disto, há suj eitos que se encontram para a pronúncia do m undo, para a sua
t ransform ação.

Se as m assas populares dom inadas, por todas as considerações j á feitas, se acham incapazes, num certo
m om ent o hist órico, de at ender a sua vocação de ser suj eit o, será, pela problem at ização de sua própria
opressão, que im plica sem pre num a form a qualquer de ação, que elas poderão fazê- lo.

I sto não significa que, no quefazer dialógico, não há lugar para a liderança revolucionária.

Significa, apenas, que a liderança não e proprietária das m assas populares, por m ais que a, ela se tenha
de reconhecer um papel im portante, fundam ental, indispensável.

A im portância de seu papel, contudo, não lhe dá o direito de com andar as m assas populares, cegam ente,
para a sua libertação. Se assim fosse, esta liderança repetiria o m essianism o salvador das elites
dom inadoras, ainda que, no seu caso, estivessem tentando a “ salvação” das m assas populares.

Mas, nesta hipótese, a libertação ou a “ salvação" das m assas populares estaria sendo um pre sente, um a
doação a elas, o que rom peria o vinculo dialógico entre a liderança e elas', convertendo- as de co- aut oras
da ação da libert ação, em incidência dest a ação.

A co- laboração, com o característica da ação dialógica, que não pode dar- se a não ser entre sujeitos, ainda
que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, som ente pode realizar- se na
com unicação.

O diálogo, que é sem pre com unicação, funda a co- laboração. Na teoria da ação dialógica, não há lugar
para a conquista das m assas aos ideais revolucionários, m as para a sua adesão.

39
Ver Martin Buber, Yo y t u.
O diálogo não im põe, não m aneja, não dom estica, não sloganiza.

Não significa isto que a teoria da ação dialógica conduza ao nada. Com o tam bém não significa deixar de
ter o dialógico um a consciência clara do que quer, dos objetivos com os quais se com prom eteu.

A liderança revolucionária, com prom etida com as m assas oprim idas, tem um com prom isso com a
liberdade. E, precisam ente porque o seu com prom isso é com as m assas oprim idas para que se libertem ,
não pode pretender conquistá- las, m as conseguir sua adesão para a libertarão.

Adesão conquistada não é adesão, porque é “ aderência” do conquist ado ao conquist ador at ravés da
prescrição das opções dest e àquele.

A adesão verdadeira é a coincidência livre de op ções. Não pode verificar- se a não ser na intercom unicação
dos hom ens, m ediatizados pela realidade.

Daí que, ao contrário do que ocorre com a conquista, na teoria antidialógica da ação, que m it ifica a
realidade para m anter a dom inação, na co- laboração, exigida pela teoria dialógica da ação, os suj eitos
dialógicos se voltam sobre a realidade m ediatizadora que, problem at izada, as desafia. A resposta aos
desafios da realidade problem at izada é já a ação dos sujeitos dialógicos sobre ela, para t ransform á - la.

Problem atizar, porém , não é sloganizar, é exercer um a análise crít ica sobre a realidade problem a.

Enquanto na teoria antidialógica as m assas são obj etos sobre que incide a ação da conquista, na teoria da
ação dialógica são sujeitos tam bém a quem cabe conquistar o m undo. Se, no prim eiro caso, cada vez
m ais se alienam , no segundo, t ransform am o m undo para a liberdade dos hom ens.

Enquanto na teoria da ação antidialógica a elite dom inadora m it ifica o m undo para m elhor dom inar, a
teoria dialógica exige o desvelam ento do m undo. Se, na m it ificação do m undo e dos hom ens há um
sujeito que m it ifica e objetos que são m it ificados, já não se dá o m esm o no desvelam ento do m undo, que
é a sua desm it ificação.

Aqui, propriam ente, ninguém desvela o m undo ao outro e, ainda quando um sujeito inicia o esforço de
desvelam ento aos outros, é preciso que estes se tornem suj eitos do ato de desvelar.

O desvelam ento do m undo e de si m esm as, na práxis autêntica, possibilita às m assas populares a sua
adesão.

Est a adesão coincide com a confiança que as m assas populares com eçam a ter em si m esm as e na
liderança revolucionária, quando percebem a sua dedicação, a sua autenticidade na defesa da libertação
dos hom ens.

A confiança das m assas na liderança im plica na confiança que esta tenha nelas.

Esta confiança nas m assas populares oprim idas, porém , não pode ser um a ingênua confiança.

A liderança há de confiar nas potencialidades das m assas a quem não pode t ratar com o objetos de sua
ação. Há de confiar em que elas são capazes de se em penhar na busca de sua libert ação, m as há de
desconfiar, sem pre desconfiar, da am bigüidade dos hom ens oprim idos.

Desconfiar dos hom ens oprim idos, não é, propriam ente, desconfiar deles enquanto hom ens, m os
desconfiar do opressor “ hospedado" neles.

Desta m aneira, quando Guevara 40 cham a a atenção ao revolucionário para a “ necessidade de desconfiar
sem pre – desconfiar do cam ponês que adere, do guia que indica os cam inhos, desconfiar até de sua
som bra” , não está rom pendo a condição fundam ental da teoria da ação dialóg ica. Est á sendo, apenas,
realista.

40
Che Guevara, Relatos de la Guerra Revolucionária , Editora Nueva, 1965.
É que a confiança, ainda que básica ao diálogo, não é um a priori deste, m as um a resultante do encontro
em que os hom ens se tornam sujeitos da denúncia do m undo, para a sua t ransform ação.

Daí que, enquanto os oprim idos sejam m ais o opressor “ dentro” deles que eles m esm os, seu m edo natural
à liberdade pode levá- los à denúncia, não da realidade opressora, m as da liderança revolucionária.

Por isto m esm o, esta liderança, não podendo ser ingênua, tem de estar atenta Quanto a est as
possibilidades.
No relato já citado que faz Guevara da luta em Sierra Maestra, relato em que a hum ildade é um a nota
constante, se com provam estas possibilidades, não apenas em deserções da luta, m as na t raição m esm a
à causa.

Algum as vezes, no seu relato, ao reconhecer a necessidade da punição ao que desertou para m anter a
coesão e a disciplina do grupo, reconhece tam bém certas razões explicativas da deserção. Um a delas,
direm os nós, talvez a m ais im portante, é a am bigüidade do ser do desertor.

É imp ressionante, do ponto de vista que defendem os, um t recho do relato em que Guevara se refere à
sua presença, não apenas com o guerrilheiro, m as com o m édico, num a com unidade cam ponesa de Sierra
Maest ra. “ Ali ( diz ele) com eçou a fazer- se carne em nós a consciência da necessidade de um a m udança
definitiva na vida do povo. A idéia da Reform a Agrária se fez nít ida e a com unhão com o povo deixou de
ser t eoria para convert er- se em parte definitiva de nosso ser. A guerrilha e o cam pesinato, continuam , se
iam fundindo num a só m assa, sem que ninguém possa dizer em que m om ento se fez intim am ente
verídico o proclam ado e fom os parte do com pesinato. Só sei ( diz ainda Guevara), no que a m im respeita,
que aquelas consultas aos cam poneses da Sierra converteram a decisão espont ânea e algo lír ica em uma
força de dist into valor e m ais serena.

Nunca suspeitaram ( conclui com hum ildade) aqueles sofridos e leais povoadores da Sierra Maestra, o
papel que desem penharam com o forjadores de nossa ideologia revolucionária”. 41

Observe- se com o Guevara enfatiza a com unhão com m om ento decisivo para a t ransform ação do que era
um a “ decisão espontânea e algo lír ica, em um a força de distinto valor e m ais serena”. E explícita que, a
partir daquela com unhão, os cam poneses, ainda que não o percebessem , se fizeram “ forjadores” de sua
“ ideologia revolucionária”.

Foi assim , no seu diálogo com as m assas cam ponesas, que sua práxis revolucionária tom ou um sentido
definitivo. Mas, o que não expressou Guevara, talvez por sua hum ildade, é que foram exatam ente est a
hum ildade e a sua capacidade de am ar, que possibilitaram a sua “ com unhão” com o povo. E esta
com unhão, indubitavelm ente dialógica, se fez co- laboração.

Veja- se com o um líder com o Guevara, que não subiu a Sierra com Fidel e seus com panheiros à m aneira
de um j ovem frustrado em busca de aventuras, reconhece que a sua “ com unhão com o povo deixou de
ser teoria para converter- se em parte definitiva de seu ser” ( no texto: nosso ser).

Até no seu estilo inconfundível de narrar os m om entos da sua e da experiência dos seus com panheiros, de
falar de seus encontros com os cam poneses “ leais e hum ildes”, num a linguagem às vezes quase
evangélica, este hom em excepcional revelava um a profunda capacidade de am ar e com unicar- se. Daí a
força de seu t est em unho t ão ardent e quanto o deste outro am oroso – “ o sacerdote guerrilheiro” – Camilo
Torres.

Sem aquela com unhão, que gera a verdadeira co- laboração, o povo teria sido obj eto do fazer
revolucionário dos hom ens da Sierra. E, com o objeto, a adesão a que ele tam bém se refere, não poderia
dar- se. No m áxim o, haveria “ aderência” e, com esta, não se faz revolução, m as dom inação.

O que exige a teoria da ação dialógica é que, qualquer que seja o m om ento da ação revolucionária, ela
não pode prescindir desta com unhão com as m assas populares.

41
Che Guevara, op. cit . , p. 81. ( Os grifos são nossos.)
A com unhão provoca a co- laboração que leva liderança a m assas àquela “ fusão” a que se refere o grande
líder recentem ente desaparecido. Fusão que só existe se a ação revolucionária é realm ente humana, 42 por
isto, sim pática, am orosa, com unicante, hum ilde, para ser libertadora.

A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá - la, seja obrigada a deter vidas que proíbem
a vida.

Não há vida sem m orte, com o não há m orte sem vida, m as há tam bém um a “ m orte em vida”. E a “ m orte
em vida” é exatam ente a vida proibida de ser vida.

Acreditam os não ser necessário sequer usar dados estatísticos para m ostrar quanto, no Brasil e na
Am érica Latina em geral, são “ m ortos em vida”, são “ sombras” de gente, hom ens, m ulheres, m eninos,
desesperançados e subm etidos 43 a um a perm anente “ guerra invisível” em que o pouco de vida que lhes
resta vai sendo devorada pela tuberculose, pela esquistossom ose, pela diarréia infantil, por m il
enferm idades da m iséria, m uitas das quais a alienação cham a de “ doenças t ropic ais”...

Em face de situações com estas, diz o padre Chenu, “ . . . m uitos, tanto entre os padres conciliares com o
entre laicos inform ados, tem em que, na consideração das necessidades e m isérias do m undo, nos
atenham os a um a abjuração com ovedora para paliar a m iséria e a injustiça era suas m anifestações e seus
sintom as, sem que se chegue a análise das causas, até. à denúncia do regim e que segrega esta inj ustiça
e engendra esta m iséria”. 4 4

O que defende a teoria dialógica da ação é que a denúncia do “ regim e que segrega esta inj ustiça e
engendra esta m iséria” seja feita com suas vít im as a fim de buscar a libertação dos hom ens em co-
laboração com eles.

UNIR PARA A LIBERTAÇÃO

Se, na teoria antidialógica da ação, se im põe aos dom inadores, necessariam ente, a divisão dos oprimidos
com que, m ais facilm ente, se m antém a opressão, na teoria dialógica, pelo contrário, a liderança se obriga
ao esforço incansável da união dos oprim idos entre si, e deles com ela, para a libertação.

O problem a central que se tem nesta, com o em qualquer das categorias da ação dialógica, é que
nenhum a delas se dá fora da práxis.

Se, para a elite dom inadora, lhe é fácil, ou pelo m enos, não tão difícil, a práxis opressora, j á, não é o
m esm o o que se verifica com a liderança revolucionária, ao tentar a práxis libertadora.

Enquanto a prim eira conta com os instrum entos do poder, a segunda se encontra sob a força deste poder.

A prim eira se organiza a si m esm a livrem ente e, m esm o Quando tenha as suas divisões acidentais e
m om entâneas, se unifica rapidam ente em face, de qualquer am eaça a seus interesses fundam entais. A
segunda, que não existe sem as m assas populares, na m edida em que é contradição antagônica da
prim eira, tem , nesta m esm a condição, o prim eiro óbice à sua própria organização.

4 2
A propósito da defesa do hom em frente a " sua m orte", " depois da m orte de Deus”, no pensam ento
atual, ver Mikael Dufrenne, Pour L’homme. Paris, Editions Du Seuil, Paris, 1968.
43
“ A m aioria deles, diz Gerassi, referindo- se aos cam poneses, se vende ou vendem m em bros de sua
fam ília, para t rabalharem com o escravos, a fim de escapar à, m orte. Um Jornal de Belo Horizonte
descobriu nada m enos de 50.000 vit im as ( vendidas a Cr$ 1.500,00) e o repórter, continua Gerassi, para
c omprová- la, com prou um hom em a sua m ulher por 30 dólares. ‘Vi m uita gente m orrer de fom e’, explicou
o escravo, ‘e por isto não m e im porto de ser vendido’. Quando um t raficante de hom ens foi preso em São
Paulo, em 1959, confessou seus contatos com fazendeiro s de São Paulo, donos de cafezais e const rut ores
de edifícios, interessados em sua m ercadoria – exceto, porém , as adolescentes, que eram vendidas a
bordéis.” – John Gerassi, A I nvasão da Am érica Latina . Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 120.
4 4
O. P. Chenu, Tem oignage Chrétien, abril de 1964. Citado por André Maine, Cristianos y Marxistas
después del Concilio . Buenos Aires, Editorial Arandu, 1965, p. 167.
Seria um a inconseqüência da elite dom inadora se consentisse na organização das m assas populares
oprim idas, pois que não existe aquela sem a união destas entre si e destas com a liderança. Enquanto
que, para a elite dom inadora, a sua unidade interna, que lhe re- força e organiza o poder, im plica na
divisão das m assas populares, para a liderança revolucionária, a sua unidade só existe na unidade das
m assas entre si e com ela.

A prim eira existe na m edida de seu antagonism o com as m assas; a segunda, na razão de sua comunhão
com elas, que, por isto m esm o, têm de estar unidas e não divididas.

A própria situação concreta de opressão, ao dualizar o eu do oprim ido, ao fazê- lo am bíguo, em ocional-
m ente instável, tem eroso da liberdade, facilita a ação divisória do dom inador nas m esm as proporções em
que dificulta a ação unificadora indispensável à prática libertadora.

Mais ainda, a situação objetiva de dom inação é, em si m esm a, um a situação divis6ria. Com eça por dividir
o eu oprimido na medida em que, mantendo- o num a posição de “ aderência” à realidade, que se lhe
afigura com o algo todo- poderoso, esm agador, o aliena a entidades estranhas, explicadoras deste poder.

Parte de seu eu se encontra na realidade a que se acha “ aderido” , parte fora, na ou nas entidades
estranhas, às quais responsabiliza pela força da realidade objetiva, frente à qual nada lhe é possível fazer.
Daí que seja este, igualm ente, um eu dividido entre o passado e o presente iguais e o futuro sem
esperança que, no fundo, não existe. Um eu que não se reconhece sendo, por ist o que não pode t er, no
que ainda vem , a futuridade que deve construir na união com outros.

Na m edida em que seja capaz de rom per a “ aderência”, objetivando em term os crít icos, a realidade, de
que assim em erge, se vai unificando com o eu, com o sujeito, em face do objeto. É que, neste m om ento,
rom pendo igualm ente a falsa unidade do seu ser dividido, se individua verdadeiram ente.

Desta m aneira, se, para dividir, é necessário m anter o ao dom inado “ aderido” h realidade opressora,
m it ificando- a, para o esforço de união, o prim eiro passo é a desm ist ificação da realidade.

Se, para m anter divididos os oprim idos se faz indispensável um a ideologia da opressão, para a sua união
é im prescindível um a form a de ação cultural através da qual conheçam o porque e o com o de sua
“ aderência” à realidade que lhes dá um conhecim ento falso de si m esm os e dela. É necessário
desideologizar.

Por isto é que o em penho para a união dos oprim idos não pode ser um t rabalho de pura “ sloganização”
ideológica. É que este, distorc endo a relação autêntica entre o suj eito e a realidade obj et iva, divide
também o cognoscitivo do afet ivo e do at ivo que, no fundo, são um a totalidade indicotom izável.

O fundam ental, realm ente, na ação dialógico- libertadora, não é “ desaderir” os oprim idos de um a realidade
m it ificada em que se acham divididos, para “ aderi- los” a outra.

O objetivo da ação dialógica está, pelo contrário, em proporcionar que os oprim idos, reconhecendo o
porque e o com o de sua “ aderência”, exerçam um ato de adesão à práxis verd adeira de t ransform ação da
realidade injusta.

Significando a união dos oprim idos a relação solidária entre si, não im portam os níveis reais em que se
encontrem com o oprim idos, im plica esta união, indiscutivelm ente, num a consciência de classe.

A “ aderência” à realidade, contudo, em que se encontram , sobretudo os oprim idos que constituem as
grandes m assas cam ponesas da Am érica Latina, está, a exigir que a consciência de classe oprim ida,
passe, senão ant es, pelo m enos concom it ant em ent e, pela consciência de homem oprimido.

Propor a um cam ponês europeu, com o um problem a, a sua condição de hom em , lhe parecerá,
possivelm ente, algo estranho.

Já, n ão é o mesmo fazê- lo a cam poneses lat ino- am ericanos, cujo m undo, de m odo geral, se “ acaba” nas
fronteiras do lat ifúndio, cujos gestos repetem , de certa m aneira, os anim ais e as árvores e que, “ im ersos”
no tem po, não raro se consideram iguais àqueles.
Estam os convencidos de que, para hom ens de tal form a “ aderidos” à natureza e à figura do opressor, é
indispensável que se percebam com o hom ens proibidos de estar sendo.

A “ cultura do silêncio” , que se gera na estrutura opressora, dentro da qual e sob cuj a força condicionante
vêm realizando sua experiência de “ quase- coisas” , necessariam ent e os const it ui dest a form a.

Descobrirem- se, portanto, através de um a m odalidade de ação cultural, adialógica, problem at izadora de si
m esm os em seu enfrentam ento com o m undo, significa, num prim eiro m om ento, que se descubram com o
Pedro , Antônio, com Josefa, com toda a significação profunda que t em est a descobert a. No fundo, ela
im plica num a percepção distinta da significação dos signos. Mundo, hom ens, cultura, árvore, t rabalho,
anim al, vão assum indo a significação verdadeira que não t inham .

Reconhecem- se, agora, com o seres t ransform adores da realidade, para eles antes algo m isterioso, e
t ransform adores por m eio de seu t rabalho criador.

Descobrem que, com o hom ens, já, não podem continuar sendo “ quase- coisas” possuídas e, da consciência
de si com o hom ens oprim idos, vão à consciência de classe oprimida.

Quando a tentativa de união dos cam poneses se faz à base de práticas at ivistas, que giram em torno de
“ slogans” e não penetram nestes aspectos fundam entais, o que se pode observar à sua j usta posição dos
indivíduos, que dá à sua ação um caráter puram ente m ecanicista.

A união dos oprim idos é um quefazer que se dá, no dom ínio do hum ano e não no das coisas. Verifica- se,
por isto m esm o; na realidade que só estará sendo autênticam ente com preendida, quando captada na
dialeticidade entre a infra e supra- estrutura.

Para que os oprim idos se unam entre si, é preciso que cortem o cordão um bilical, de caráter m ágico e
m ít ico, através do qual se encontram ligados ao m undo da opressão.

A união entre eles não pode ter a m esm a natureza das suas relações com esse mundo.

Esta é a razão por que, realm ente indispensável ao processo revolucionário, a união dos oprim idos exige
deste processo que ele sej a, desde seu com eço, o que deve ser: Ação cultural.

Ação cultural, cuja prática para conseguir a unidade dos oprim i dos vai depender da experiência histórica e
existencial que eles estejam tendo, nesta ou naquela estrutura.

Enquanto os cam poneses se acham em um a realidade “ fechada” , cujo centro decisório da opressão é
“ singular” e com pacto, os oprim idos urbanos se encontram num contexto “ abrindo- se” , em que o centro
de com ando opressor se faz plural e com plexo.

No prim eiro caso, os dom inados se acham sob a decisão da figura dom inadora que encarna, em sua
pessoa, o sistem a opressor m esm o; no segundo, se encontram subm etidos a um a espécie de “
im pessoalidade opressora”.

Em am bos os casos há um a certa “ invisibilidade” do poder opressor. No prim eiro, pela sua proxim idade
aos oprim idos; no segundo, pela sua diluição.

As form as de ação cultural, em situações dist intas com o estas, têm , contudo, o m esm o obj et ivo: aclarar
aos oprim idos a situação objetiva em que estão, que é m ediatizadora entre eles e os opressores, visível
ou não.

Som ente estas form as de ação que se opõem , de um lado, aos discursos verbalistas e aos blablablás
inoperantes e, de outro, ao at ivism o m ecanicista, podem opor- se, tam bém , à ação divisória das elites
dominadoras e dirigir- se no sentido da unidade dos oprim idos.
ORGANI ZAÇÃO

Enquanto, na teoria da ação antidialógica, a m anipulação, que serve à conq uista, se im põe com o condição
indispensável ao ato dom inador, na teoria dialógica da ação, vam os encontrar, com o que oposto
antagônico, a organização das m assas populares.

A organização não apenas está diretam ente ligada à sua unidade, m as é um desdobram ent o nat ural dest a
unidade das m assas populares.

Desta form a, ao buscar a unidade, a liderança j á, busca, igualm ente, a organização das m assas
populares, o que im plica no testem unho que deve dar a elas de que o esforço de libertação é um a tarefa
com um a, am bas.

Este testem unho constante, hum ilde e corajoso do exercício de um a tarefa com um – a da libert ação dos
hom ens – evita o r isco dos dirigism os antidialógicos.

O que pode variar, em função das condições históricas de um a dada sociedade, é o m odo com o
t estem unhar. O testem unho em si, porém , é um constituinte da ação revolucionária.

Por isto m esm o é que se im põe a necessidade de um conhecim ento tanto quanto possível cada vez m ais
crit ico do m om ento histórico em que se dá a ação, da visão do m undo que tenham ou estejam tendo as
m assas populares, da percepção clara de qual sej a a contradição principal e o principal aspecto da
contradição que vive a sociedade, para se determ inar o que e o com o do testem unho.

Sendo históricas estas dim ensões do testem unho, o dialógico, que é dialético, não pode im portá- las
sim plesm ente de outros contextos sem um a prévia análise do seu. A não ser assim , absolutiza o relativo
e, m it ificando- o, não pode escapar à alienação.

O testem unho, na teoria dialógica da ação, é um a das conotações principais do caráter cultural e
pedagógico da evolução.

Entre os elem entos constitutivos do testem unho, que não veriam historicam ente, estão a coerência ent re
a palavra e o ato de quem testem unha, a ousadia do que testem unha, que o leva a enfren tar a existência
com o um risco perm anente, a radicalização, nunca a sect arização, na opção feit a, que leva não só o que
testem unha, m as aqueles a quem dá, o testem unho, cada vez m ais à ação. A valentia de am ar que,
segundo pensam os, j á ficou claro não significar a acom odação ao m undo injusto m as a t ransform ação
dest e m undo para a crescent e libert ação dos hom ens. A crença nas m assas populares, um a vez que é a
elas que o testem unho se dá, ainda que o testem unho a elas, dentro da totalidade em que estão, em
relação dialética com as elites dom inadoras, afete tam bém a estas que a ele respondem dentro do quadro
normal de sua forma de aturar.

Todo testem unho autêntico, por isto crít ico, im plica na ousadia de correr r iscos – um deles, o de nem
sem pre a liderança conseguir de im ediato, das m assas populares, a adesão esperada.

Um testem unho que, em certo m om ento e em certas condições, não frutificou, não está im possibilitado
de, am anhã, vir a frutificar. É que, na m edida em que o testem unho não é um gesto no ar, m as uma
ação, um enfrentam ento, com o m undo e tom os hom ens, não é estático. É algo dinâm ico, que passa a
fazer parte da dualidade do contexto da sociedade em que se deu. E, daí em diante, j á não pára. 4 5

Enquanto, na ação antidialógica, a m anipulação, “ anestesiando” as m assas populares, facilita sua


dom inação, na ação dialógica, a m anipulação cede seu lugar à verdadeira organização. Assim co¿o, na
ação antidialógica, a m anipulação serve à conquista, na dialógica, o testem unho, ousado e am oroso, serve
à organização. Esta, por sua vez, não apenas está ligada à união das m assas populares com o é um
desdobram ento natural desta união.

4 5
Enquanto processo, o testem unho verdadeiro que, ao ser dado, não frutificou, não tem , neste m om ento
negativo absolutização de seu fracasso. Conhecidos são os casos de lideres revolucionários cuj o
testem unho não m orreu ao serem m ortos pela repressão dos opressores.
Por isto é que afirm am os: ao buscar a união, a liderança j á busca, igualm ente, a organização das m assas
populares.

É im portante, porém , salientar que, na teoria dialógica da ação, a organização j am ais será, a Justaposição
de indivíduos que, gregarizados, se relacionem m ecanicistam ente.

Este é um r isco de que deve estar sem pre advertido o verdadeiro dialógico.

Se, para a elite dom inadora, a organização é a de si m esm a, para a liderança revolucionária, a
organização é a dela com as m assas populares.

No prim eiro caso, organizando- se, a elite dom inadora estrutura cada vez m ais o seu poder com que
m elhor dom ina e coisifica; no segundo, a or ganização só corresponde à sua natureza e a seu obj et ivo se
é, em si, prática da liberdade. Neste sentido é que não é possível confundir a disciplina indispensável à
organização com a condução pura das m assas.

É verdade que, sem liderança, sem disciplina, sem ordem , sem decisão, sem objetivos, sem tarefas a
cum prir e contas a prestar, não há, organização e, sem esta, se dilui a ação revolucionária. Nada disso,
contudo, j ustifica o m anej o das m assas populares, a sua “ coisificação” .

O objetivo da organizaç ão, que é libertador, é negado pela “ coisificação” das m assas populares, se a
liderança revolucionária as m anipula. “ Coisificadas” j á, estão elas pela opressão.

Não é com o “ coisas” já dissem os, e é bom que m ais um a vez digam os, que os oprim idos se libert am , mas
como homens.

A organização das m assas populares em classe é o processo no qual a liderança revolucionária, tão
proibida quanto este, de dizer sua palavra 4 6 , instaura o aprendizado da pronúncia do m undo, aprendizado
verdadeiro, por isto, dialógico.

Daí que não possa a liderança dizer sua palavra sozinha, m as com o povo. A liderança que assim não
proceda, que insista em im por sua palavra de ordem , não organiza, m anipula o povo. Não liberta, nem se
liberta, oprime.

O fato, contudo, de na teoria dialó gica, no processo de organização, não ter a liderança o direito de im por
arbitrariam ente sua palavra, não significa dever assum ir um a posição liberalista, que levaria as m assas
oprimidas – habituadas à opressão – a licenciosidades.

A t eoria dialógica da ação nega o autoritarism o com o nega a licenciosidade. E, ao fazê- lo, afirma a
autoridade e a liberdade.

Reconhece que, se não há liberdade sem autoridade, não há tam bém esta sem aquela.

A font e geradora, const it uint e da aut oridade aut ênt ica est á na liberdade que, em certo m om ento se faz
autoridade. Toda liberdade contém em si a possibilidade de vir a ser, em circunstâncias especiais, ( e em
níveis existenciais diferentes), autoridades.

Não podem os olhá- las isoladam ente, m as em suas relações, não necessariam ente antagônicas. 47

4 6
Certa vez, em conversa com o autor, um m édico, dr. Orlando Aguirre, diret or da Faculdade de Medicina
de um a Universidade Cubana, disse: “ A revolução im plica em t rês ‘P’ – Palavra, Povo e Pólvora. A
explosão da Pólvora, continuou, aclara a visualização que tem o povo de sua situação concreta, em busca,
na ação, de sua libertarão” .
Pareceu- nos interessante observar, durante a conversação, com o este m édico revolucionário insistia na
palavra, no sentido em que a tornam os neste ensaio. I sto é, palavra com o ação e reflexão – palavra com o
práxis.
47
O antagonism o entre am bas se dá, na situação obj et iva de opressão ou de licenciosidade.
É por isto que a verdadeira autoridade não se afirm a com o tal, na pura t ransferência, mas na delegação
ou na adesão sim pática. Se se gera num ato de t ransferência, ou de im posição “ antipática” sobre as
m aiorias, se degenera em autorit arism o que esm aga as liberdades.

Som ente ao existenciar- se com o liberdade que foi constituída em autoridade, pode evitar seu
antagonism o com as liberdades.

Toda hipertrofia de um a provoca a atrofia da outra. Assim com o não há autoridade sem liberdade e est a
sem aquela, não há autoritarism o sem negação das liberdades e licenciosidade sem negação da
autoridade.

Na teoria da ação dialógica, portanto, a organização, im plicando em autoridade, não pode ser autoritária;
implicando em liberdade, não pode ser lic enciosa.

Pelo contrário, é o m om ento altam ente pedagógico, em que a liderança e o povo fazem j untos o
aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras que am bos, com o um só corpo, buscam instaurar,
com a t ransform ação da realidade que os m ediatiza.

SÍ NTESE CULTURAL

Em todo o corpo deste capítulo se encontra firm ado, ora im plícita, ora explicitam ente, que toda ação
cultural é sem pre um a form a sistem at izada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora
no sentido de m antê- la com o est á ou m ais ou m enos com o está, ora no de t ransform á- la.

Por isto, com o form a de ação deliberada e sistem át ica, toda ação cultural, segundo vim os, tem sua teoria,
que determ inando seus fins, delim it a seus m étodos.

A ação cultural, ou está, a serviço da dom inação – conscient e ou inconscient em ent e por part e de seus
agent es – ou est á a serviço da libert ação dos hom ens.

Am bas, dialeticam ente antagônicas, se processam , com o afirm am os, na e sobre a estrutura social, que se
const it ui na dialet icidade perm anência- m udança.

I sto é o que explica que a estrutura social, para ser, t enha de estar sendo ou, em outras palavras: est ar
sendo é o m odo que tem a estrutura social de “ durar”, na acepção bergsoniana do têrm o. 48

O que pretende a ação cultural dialógica, cuj as cara cterísticas estam os acabando de analisar, não pode
ser o desaparecim ento da dialeticidade perm anência- m udança ( o que seria im possível, pois que tal
desaparecim ento im plicaria no desaparecim ento da estrutura social m esm a e o desta, no dos hom ens)
mas superar as contradições antagônicas de que resulte a libertação dos hom ens.

Por outro lado, a ação cultural antidialógica o que pretende é m it ificar o m undo destas contradições para,
assim , evitar ou obstaculizar, tanto quanto possível, a radical t ransform ação da realidade.

No fundo, o que se acha explícita ou im plicitam ente na ação antidialógica é a intenção de fazer
perm anecer, na “ est rut ura” social, as sit uações que favorecem a seus agent es.

Daí que estes, não aceitando j am ais a t ransform ação da estrutura, que supere as cont radições
antagônicas, aceitem as reform as que não at inj am a seu poder de decisão, de que decorre a sua força de
prescrever suas finalidades às m assas dom inadas.

4 8
Na verdade, o que faz que a estrutura sej a estrutura social, portanto histórico- cultural, não é a
perm anência nem a m udança, tom adas absolutizadas, m as a dialetização de am bas. Em últ im a análise, o
que perm anece na estrutura social nem é a perm anência nem a m udança m as a “ duração” da
dialeticidade perm anência m udança.
Este é o m otivo por que esta m odalidade de ação im plica na conquista das m assas populares, na sua
divisão, na sua m anipulação e na invasão cultural. E é tam bém por isto que é sem pre, com o um todo,
um a ação induzida, jam ais podendo superar este caráter, que lhe é fundam ental.

Pelo contrário, o que caracteriza, essencialm ente, a ação cultural dialógica, com o um todo tam bém , é a
superação de qualquer aspecto induzido.

No objetivo dom inador da ação cultural antidialógica se encontra a im possibilidade de superação de seu
caráter de ação induzida, assim com o, no objetivo libertador da ação cult ural dialógica, se acha a condição
para superar a indução.

Enquanto na invasão cultural, com o j á salientam os, os atores retiram de seu m arco valorativo e
ideológico, necessariam ente, o conteúdo tem át ico para sua ação, partindo, assim , de seu m undo, do qual
entram no dos invadidos, na síntese cultural, os atores, desde o m om ento m esm o em que chegam ao
m undo popular, não o fazem com o invasores.

E não o fazem com o tais porque, ainda que cheguem de “ outro m undo” , chegam para conhecê- lo com o
povo e não para “ ensinar”, ou t ransm it ir , ou entregar nada ao povo.

Enquanto, na invasão cultural, os atores, que nem sequer necessitam de, pessoalm ente, ir ao m undo
invadido, sua ação é m ediatizada cada vez m ais pelos instrum entos tecnológicos – são sem pre atores que
se superpõem , com sua ação, aos espectadores, seus obj etos – na síntese cultural, os atores se integram
com os hom ens do povo, atores, tam bém , da ação que am bos exercem sobre o m undo.

Na invasão cultural, os espectadores e a realidade, que deve ser m antida com o está, são a incidência da
ação dos at ores. Na síntese cultural, onde não há espectadores, a realidade a ser t ransform ada para a
libertação dos hom ens é a incidência da ação dos atores.

I sto im plica em que a síntese cultural é a m odalidade de ação com que, culturalm ente, se fará frente à
força da própria cultura, enquanto m antenedora das estruturas em que se form a.

Desta m aneira, este m odo de ação cultural, com o ação histórica, se apresenta com o instrum ento de
superação da própria cultura alienada e alienante.

Neste sentido é que toda revolução, se autêntica, tem de ser tam bém revolução cultural.

A investigação dos “ tem as geradores” ou da tem át ica significativa do povo, tendo com o obj et ivo
fundam ent al a capt ação dos seus t em as básicos, só a partir de cujo conhecim ento é possível a
organização do conteúdo program át ico para qualquer ação com ele, se instaura com o ponto de partida do
processo da ação, com o sínt ese cult ural.

Daí que não seja possível dividir, em dois, os m om entos deste processo: o da investigação t em át ica e o
da ação com o síntese cultural.

Esta dicotom ia im plicaria em que o prim eiro seria todo ele um m om ento em que o povo estaria sendo
estudado, analisado, investigado, com o objeto passivo dos investigadores, o que é próprio da ação
antidialógica.

Deste m odo, esta separação ingênua significaria que a ação, com o síntese, partiria da ação com o invasão.
Precisam ente porque, na teoria dialógica, esta divisão não se pode dar, a investigação tem át ica tem com o
suj eit os de seu processo, não apenas os investigadores profissionais, m as tam bém os hom ens do povo,
cuj o universo t em át ico se busca.

Neste m om ento prim eira da ação, com o síntese cultural, que é a investigação, se vai constituindo o clim a
da criat ividade, que j á, não se det erá, e que t ende a desenvolver- se nas et apas seguint es da ação.

Este clim a inexiste na invasão cultural que, alienante, am ortece o ânim o criador dos invadidos e os deixa,
enquanto não lutam contra ela, desesperançados e tem erosos de correr o r isco de aventurar- se, sem o
que não há, criat iv idade aut ênt ica.
Por isto é que os invadidos, qualquer que seja o seu nível, dificilm ente ultrapassam os m odelos que lhes
prescrevem os invasores.

Com o, da síntese cultural, não há, invasores, não há m odelos im postos, as atores, fazendo da realidade
obj eto de sua análise crít ica, j am ais dicotom izada da ação, se vão inserindo no processo hist 6rico, com o
suj eit os.

Em lugar de esquem as prescritos, liderança e povo, identificados, criam j untos as pautas para sua ação.
Um a e out ro, na síntese, de certa form a renascem num saber e num a ação novas, que não são apenas o
saber e a ação da liderança, m as dela e do povo. Saber da cultura alienada que, im plicando na ação
t ransform adora, dará, lugar à cultura que se desaliena.

O saber m ais apurado da liderança se refaz no conhecim ento em pírico que o povo tem , enquanto o deste
ganha m ais sentido no daquela.

I sto tudo im plica em que, na síntese cultural, se resolve – e som ente nela – a cont radição ent re a visão do
m undo da liderança e a do povo, com o enriquecim ento de am bos.

A síntese cultural não nega as diferenças entre um a visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que
ela nega é a invasão de um a pela outra. O que ela afirm a é o indiscutível aporte que um a dá à outra.

A liderança rev olucionária não pode constituir- se fora do povo, deliberadam ente, o que a conduz à invasão
cultural inevitável.

Por isto m esm o é que, ainda quando a liderança, na hipótese referida neste capítulo, por certas condições
hist óricas, aparece com o cont radição do povo, seu papel é resolver esta contradição acidental. Jam ais
poderá fazê- lo através da “ invasão” , que aum entaria a contradição. 'Não há outro cam inho senão a
síntese cultural.

Muitos erros e equivocas com ete a liderança ao não levar em conta esta coisa t ão real, que é a visão do
m undo que o povo tenha ou esteja tendo. Visão do m undo em que se vão encontrar explícitos e im plícitos
os seus anseios, as suas dúvidas, a sua esperança, a sua form a de ver a liderança, a sua percepção de si
m esm o e do opressor, as suas crenças religiosas, quase sem pre sincrét icas, o seu fat alism o a sus reação
rebelde. E tudo isto, com o j á afirm am os, não pode ser encarado separadam ente, porque, em interação, se
encontra com pondo um a totalidade.

Para o opressor, o conhecim ento desta totalidade só lhe interessa com o m uda à sua ação invasora, para
dom inar ou m anter a dom inação. Para a liderança revolucionária, o conhecim ento desta totalidade lhe é
indispensável à sua ação, com o síntese cultural.

Esta, na teoria dialógica da ação, por isto m esm o que é síntese, não im plica em que devem ficar os
obj et ivos da ação revolucionária am arrados às aspirações contidas na visão do m undo do povo.

Ao ser assim , em nom e do respeito à visão popular do m undo, respeito que realm ente deve haver, t
ermina- r ia a liderança revolucionária apassivada àquela visão.

Nem invasão da liderança na visão popular do m undo, nem adaptação da liderança às aspirações, m uitas
vezes ingênuas, do povo.

Concretizem os. Se, em um dado m om ento histórico, a aspiração básica do povo não ult rapassa a
reivindicação salarial, a nosso ver, a liderança pode com eter dois erros. Restringir sua ação ao estim ulo
exclusivo desta reivindicação, ou sobrepor- se a esta aspiração, propondo algo que está m ais além dela.
Algo que não chegou a ser ainda para o povo um “ destacado em si” .

No prim eiro caso, incorreria a liderança revolucionária no que cham am os de adaptação ou docilidade à
aspiração popular. No segundo, desrespeitando a aspiração do povo, cairia na invasão cultural.
A solução est á, na síntese. De um lado, incorporar- se ao povo na aspiração reivindicativa. De outro,
problem at izar o significado da própria reivindicação.

Ao fazê- lo, estará problem at izando a situação histórica real, concreta, que, em sua totalidade, tem , na
reivindic ação salarial, um a dim ensão.

Deste m odo, ficará, claro que a reivindicação salarial, sozinha, não encarna a solução definitiva. Que esta
se encontra, com o afirm ou o bispo Split, no docum ento j á citado dos Bispos do Terceiro Mundo, em que
“ se os t ra balhadores não chegam , de algum a m aneira, a ser proprietários de seu t rabalho, todas as
reform as estruturais serão ineficazes” .

O fundam ental, por isto, insiste o bispo, é que eles devem chegar a ser “ proprietários e não vendedores
de seu t rabalho” , porque “ toda com pra ou venda do t rabalho é um a espécie de escravidão” .

Ter a consciência crit ica de que é preciso ser o proprietário de seu t rabalho e de que “ este constitui um a
parte da pessoa hum ana” e que a “ pessoa hum ana não pode ser vendida nem vender- se” é dar um passo
m ais além das soluções paliativas e enganosas. É inscrever- se num a ação de verdadeira t ransform ação da
realidade para, hum anizando- a, hum anizar os hom ens.

Finalm ente, a invasão cultural, na teoria antidialógica da ação, serve à m anipulação que, por sua vez,
serve à conquista e esta à dom inação, enquanto a síntese serve à organização e esta à libertação.

Todo o nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim com o o opressor, para oprim ir ,
precisa de um a teoria da ação opressora, os oprim idos para se libertarem , igualm ente necessitam de um a
t eoria de sua ação.

O opressor elabora a teoria de sua ação necessariam ente sem o povo, pois que é contra ele.

O. povo, por sua vez, enquanto esm agado e oprim ido, introjetando o opressor, não pode, sozinho,
constituir a teoria de sua ação libertadora. Som ente no encontro dele com a liderança revolucionária, na
com unhão de am bos, na práxis de am bos, é que esta teoria se faz e se re- faz.

A colocação que, em term os aproxim at ivos, m eram ente introdutórios, t ent am os fazer da quest ão da
pedagogia do oprim ido, nos t rouxe à análise, tam bém aproxim ativa e introdutória, da teoria da ação
antidialógica, que serve à opressão e da teoria dialógica da ação, que serve à libertação.

Desta m aneira, nos darem os por satisfeitos se, dos possíveis leitores deste ensaio, surj am crit icas capazes
de retificar erros e equívocos, de aprofundar afirm ações e de apontar o Que não vim os.

É possível que algum as destas crít icas se façam pretendendo ret irar de nós o direito de falar sobre
m atéria – a t rat ada nest e capít ulo – em torno de que nos falta um a experiência participante. Parece- nos,
contudo, que o fato de não term os t ido um a experiência no cam po revolucionário, não nos retira a
possibilidade de um a reflexão sobre o tem a.

Mesm o porque, na relativa experiência que tem os t ido com m assas populares, com o educador, com um a
educação dialógica e problem at izante, vim os acum ulando um m aterial relativam ente r ico, que foi capaz de
nos desafiar a correr o r isco das afirm ações que fizemos.

Se nada ficar destas páginas, algo, pelo m enos, esperam os que perm aneça: nossa confiança no povo.
Nossa fé nos hom ens e na criação de um m undo em que seja m enos difícil am ar.

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