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FUNDAMENTOS DE ECONOMIA

FUNDAMENTOS DE ECONOMIA
FUNDAMENTOS DE ECONOMIA Lucas Lautert Dezordi
FUNDAMENTOS DE ECONOMIA

Lucas Lautert Dezordi

2010
Sumário
A escola mercantilista | 7
Introdução | 7
Cenário histórico do mercantilismo | 8
Os principais dogmas | 10
O colonialismo no Brasil | 11
O quadro social: do mercantilismo ao capitalismo nascente | 12

A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith | 17


Introdução | 17
A grande potência mundial | 18
O sistema capitalista | 19
Os impactos sociais | 21
Conclusão | 22

A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica | 27


Introdução | 27
A expansão da Revolução Industrial no mundo | 27
Escola Clássica | 30
Conclusão | 32

Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 37


Introdução | 37
O Imperialismo (1870-1914) | 38
A economia brasileira no século XIX | 41
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) | 43
Conclusão | 46

A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 51


Introdução | 51
A economia na década de 1920 | 51
Grande Depressão da década de 1930 | 53
A economia keynesiana | 58
Conclusão | 59
O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 65
Introdução | 65
O Brasil no período da Grande Depressão | 66
A industrialização nacional na década de 1940 | 70
Conclusão | 72

A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 77


Introdução | 77
A economia mundial antes e durante a Segunda Guerra | 77
A economia após a Segunda Guerra: um mundo polarizado | 82
Conclusão | 85

A Guerra Fria e os choques do petróleo | 89


Introdução | 89
A Guerra Fria no período de 1950 a 1980 | 89
Choque do petróleo | 93
Conclusão | 96

A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960 | 101


Introdução | 101
O Plano de Metas (PM) e o caminho para a industrialização | 101
O Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) | 103
Pensamento econômico brasileiro | 106
Conclusão | 107

O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 111


O milagre econômico e os choques do petróleo | 111
A crise dos anos 1980 | 115
Conclusão | 117

O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira | 123


Introdução | 123
A implementação do Plano Real | 123
Âncora cambial | 125
Conclusão | 128

O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 133


Introdução | 133
O regime de metas de inflação | 133
Principais desafios da economia | 138
Conclusão | 139

Gabarito | 145

Referências | 159

Anotações | 161
Apresentação
Este livro tem como propósito fundamental destacar o desenvolvimento das
Ciências Econômicas e do capitalismo. Descreve as duas revoluções industriais
e como o imperialismo levou as superpotências à Primeira Guerra Mundial.
Apresenta o maior desafio do sistema liberal com uma visão consistente da
Grande Depressão e, em seguida, a Segunda Guerra Mundial. A partir desse
ponto, o rumo central do livro passa a ser direcionado à industrialização da
economia brasileira e suas fases estruturais.

Analisa com detalhes o período da Guerra Fria e a divisão política e


econômica do mundo nessa conturbada fase. Descreve as dificuldades
enfrentadas pelas economias capitalistas com os choques do petróleo, vivendo
uma inflação combinada com recessão econômica. O livro também descreve
a melhor fase da economia brasileira: o milagre econômico, com taxas de
crescimento espetaculares. Em seguida, é apresentada a crise dos anos 1980,
com o problema da hiperinflação e os insucessos planos de estabilização da
economia.

Por fim, busca-se analisar o Plano Real e seu sucesso em combater a inflação.
E, com isso, destacam-se as duas fases do plano. Inicialmente a âncora cambial
e as crises internacionais. Posteriormente, o regime de metas de inflação,
seu sucesso operacional no controle inflacionário e uma apresentação dos
principais desafios da economia brasileira.
A escola mercantilista
Lucas Lautert Dezordi*

Introdução
O pensamento mercantil desenvolveu-se entre a Idade Média e o período do liberalismo econômi-
co. Nesse sentido, o mercantilismo pode ser datado, aproximadamente, entre os anos de 1500 a 1776,
variando em diferentes países e regiões.
Este texto abordará quatro tópicos importantes dessa escola de pensamento. Inicialmente, com o
objetivo de contextualizar a leitura, apresenta-se o cenário histórico vivido por esse sistema. Em seguida,
os principais dogmas são destacados, focando no pensamento dominante e explicando a visão geral do
mercantilismo. Na seqüência, discorre-se sobre o colonialismo no Brasil, desde o descobrimento até o
ciclo do ouro. E, por último, são descritos o quadro social vivido no mercantilismo e o início do sistema
capitalista.
É importante destacar que o mercantilismo em algumas regiões, principalmente na Europa Oci-
dental, pode ser interpretado como uma prática econômica de transição entre um feudalismo avançado
nas atividades comerciais, mas com uma base forte na agricultura, para um sistema capitalista voltado
para o crescimento da indústria e do livre funcionamento dos mercados. Com isso, o mercantilismo pode
ser considerado um período de transição do capital comercial para o capital industrial. É comum clas-
sificá-lo como um sistema pré-capitalista ou simplesmente capitalismo mercantil, no sentido de que o
crescimento da prática comercial possibilitou o financiamento das atividades industriais e financeiras.
As principais potências nesse período foram Portugal, Espanha, Inglaterra e França, que domina-
vam as principais rotas de comércio e as técnicas marítimas. Holanda e as regiões da Itália e Alemanha
também tiveram forte expansão do comércio. Esses estados-nações se beneficiaram do sistema mercan-

* Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Ciências Econômicas pela
UFPR. Professor Adjunto de Economia do Centro Universitário Franciscano do Paraná – UNIFAE.
8 | A escola mercantilista

til e ampliaram suas riquezas ao longo desse período. As guerras entre as metrópoles eram freqüentes
e tinham como objetivo, em geral, ampliar ou proteger importantes rotas comerciais, sendo que a acu-
mulação de metais e territórios era fundamental.
Contudo, alguns países, que atualmente dominam o cenário econômico, não se beneficiaram
totalmente das práticas mercantis. Por exemplo, os Estados Unidos, devido à sua dependência política
com a Inglaterra, eram divididos em duas grandes partes:
::: um norte com uma agricultura diversificada e produção manufatureira, representada por uma
colônia de povoamento; e
::: o sul agrário, monocultor, escravista e exportador de matérias-primas, claramente uma colônia
de exploração.
Como conseqüência, a industrialização norte-americana ocorreu efetivamente sob uma guerra
civil, conhecida como a Guerra da Secessão (1861-1865). No caso do Japão, com seu isolamento desde
o século XVII e um sistema econômico próprio baseado numa espécie de campesinato1 e na existência
de oficinas e manufaturas estatais, realiza a partir de 1868 um processo intensivo de industrialização
conhecido como a Revolução Meiji, modificando significativamente a estrutura produtiva dessa ilha
asiática. No caso do Brasil, colônia de Portugal, foi extremamente explorado pela Coroa portuguesa,
através do corte predatório do pau-brasil, do ciclo do açúcar e do ouro.

Cenário histórico do mercantilismo


A expansão crescente do comércio nas comunidades feudais, advinda do excedente agrícola,
possibilitou o desenvolvimento das cidades e a consolidação da classe social burguesa. Esta, enraizada
no comércio, ampliou suas atividades mercantis de acordo com as necessidades cada vez mais com-
plexas nas cidades.
O fortalecimento da relação entre o rei e a burguesia em detrimento do enfraquecimento do
poder do senhor feudal foi fundamental para a expansão do comércio com segurança entre os conti-
nentes, através das Grandes Navegações.
No final do século XV são realizados grandes e expressivos progressos na arte de navegação de
longa distância, com a invenção do telescópio e as descobertas astronômicas. Rotas comerciais, até en-
tão não exploradas, ganham novas perspectivas e desafios. No lado espanhol, a possibilidade de chegar
às Índias, pela confirmação da tese de que a Terra não era plana, mas sim circular. E, do lado português,
a visão de contornar o continente africano para, finalmente, estabelecer novos caminhos comerciais
com o Oriente.

1 Campesinato consiste em um grupo organizado de camponeses voltados para a atividade agrícola.


A escola mercantilista | 9

Marilu Souza.
Principais rotas comerciais do mercantilismo.

Em 1487, Bartolomeu Dias contorna, finalmente, o Cabo da Boa Esperança abrindo caminho para
as Índias. A partir desse período, dois fatos históricos foram de extrema relevância para o surgimento e
desenvolvimento do pensamento mercantil, conforme a visão destacada inicialmente.
::: O primeiro acontecimento: Cristóvão Colombo descobre a América em 1492, aumentando
consideravelmente o fluxo de metais preciosos (o ouro e, principalmente, a prata para a Eu-
ropa). Denis (1987, p. 90) destaca que “a Espanha conquista rapidamente o México e o Peru: os
tesouros artísticos e as minas fornecem grandes quantidades de ouro e prata, que asseguram
a supremacia espanhola na Europa durante um século.”
::: O segundo fato relevante: Vasco da Gama atinge a Índia em 1498, contornando a África e
abrindo uma nova rota comercial. Estima-se que só nessa viagem a embarcação portuguesa
tenha lucrado mais de 6 000% com os produtos vendidos na Europa.
A combinação desses dois eventos históricos, a ampliação dos metais preciosos e a expansão de
mercadorias possibilitaram um período único na história da humanidade, isto é, a integração comercial
entre a América – Europa – Ásia.
O comércio mundial introduziu mercadorias inteiramente novas na Europa: o chá, trazido pelos
holandeses em 1606; o café, o cacau, o tabaco, incorporados pela Espanha em 1558. Em seguida, a co-
mercialização do tomate, do milho, da batata e da baunilha foi amplamente intensificada.
O comércio das outras mercadorias expande-se sem precedentes: o açúcar, os melaços, o rum são
comercializados em larga escala com as Índias Ocidentais, tais como os escravos negros, cujo comércio
a partir de 1510 se desenvolve rapidamente.
10 | A escola mercantilista

Os principais dogmas
As doutrinas do sistema mercantil não se baseavam na necessidade de se explicar teoricamente
o funcionamento da economia. Esta ciência só se desenvolve efetivamente no século XVIII, concomi-
tantemente com a Revolução Inglesa e com o pensamento de Adam Smith. Com isso, os principais
pensamentos mercantis são apresentados na forma de dogmas pertencentes à escola mercantilista.
Podem-se descrever quatro grandes princípios básicos (metalismo, nacionalismo, colonialismo e popu-
lação numerosa) e analisar suas inter-relações.

Metalismo ou bulionismo
O metalismo argumenta que a quantidade de ouro e prata no território de uma nação determina
sua riqueza. Nesse caso, um país com uma forte atividade comercial iria acumular mais metais precio-
sos, gerando, com isso, mais riqueza para a sociedade. O ouro e a prata, em algumas regiões, eram con-
siderados a única forma de poder e riqueza.
Galbraith (1989, p. 33) descreve um pensamento de Cristóvão Colombo: “O ouro é uma coisa
maravilhosa! Quem o possui, é senhor de tudo o que desejar. Com o ouro, é até possível abrir às almas
o paraíso”.
Assim, era fundamental que o governante possuísse o máximo desse metal precioso em seu ter-
ritório. Nesse sentido, as exportações de um país eram mais incentivadas que as importações. Era práti-
ca comum a proibição de importações de alguns produtos não-essenciais. O metalismo estava focado
em uma visão primitiva baseada na idéia de que um ganhador necessariamente gera um perdedor, isto
é, o lucro de um país é a desgraça do outro.

Nacionalismo
A formação do estado-nação na figura do rei absolutista tinha como objetivos ampliar as rotas
comerciais, obter novos mercados consumidores, expandir as colônias, assegurar a segurança no co-
mércio internacional, manter o monopólio comercial, e controlar rigorosamente as importações. O na-
cionalismo mercantil levou, inevitavelmente, ao militarismo. Galbraith (1989, p. 31) argumenta que o
grande cientista social alemão, Max Weber (1864-1920), estimou que cerca de 70% das receitas públicas
da Espanha e cerca de dois terços das receitas dos outros países europeus eram empregados em guer-
ras para manter os monopólios comerciais que geravam lucros fenomenais para as nações.
A guerra era, realmente, um estado comum. De 1494 a 1559, ocorreram conflitos na Europa em
praticamente todos esses anos. A Inglaterra, durante o período de 1656 a 1815, conviveu com 84 anos
de guerras.

Colonialismo
Com o objetivo de expandir o comércio, criando uma subordinação político-econômica, as gran-
des nações mercantis buscavam ampliar constantemente suas colônias. A relação entre as metrópoles
A escola mercantilista | 11

e as colônias era bem simples. Estas deviam abastecer a metrópole com matéria-prima e metais precio-
sos. Além disso, as colônias eram fontes de mão-de-obra escrava e sua sociedade mercantil um grande
mercado consumidor. Com isso, as colônias só podiam comprar produtos de suas metrópoles. Brue
descreve bem essa subordinação:
Os atos de navegação britânicos de 1651 e 1660 são bons exemplos dessa política. Os bens importados para a Grã-
Bretanha e para as colônias tinham de ser transportados em navios ingleses ou coloniais [...]. Certos produtos das
colônias tinham de ser vendidos somente para a Inglaterra e outros tinham de chegar à Inglaterra antes de serem en-
viados para países estrangeiros. As importações estrangeiras para as colônias eram restritas ou proibidas. A fabricação
colonial era restrita ou ilegal, em alguns casos, de modo que os territórios dependentes permanecessem fornecedores
de matérias-primas de baixo custo e importadores de bens manufaturados. (BRUE, 2005, p. 15)

O Brasil, como colônia de exploração da Coroa portuguesa, viveu intensamente esse processo,
inicialmente com o ciclo do açúcar e do tabaco e, posteriormente, com a atividade de mineração.

População numerosa
Uma população numerosa e focada para o trabalho era imprescindível para a formação de exér-
citos numerosos a serviço das nações e também na expansão da oferta de trabalho com o objetivo
de redução dos salários. Esse era um ponto importante, pois com salários muito baixos, o custo de
produção era reduzido, possibilitando um preço competitivo para as exportações.
Brue (2005) ressalta que durante o reinado de Henrique VIII na Inglaterra (1509-1547), foi decre-
tado que os “vagabundos” deveriam ter suas orelhas decepadas, e a morte era a pena para o terceiro
delito da vagabundagem. Conseqüentemente, durante o período mercantil, nenhuma teoria sobre o
salário e o trabalho foi desenvolvida.

O colonialismo no Brasil
O descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 1500, ocorre em um contexto vivido
pelas grandes navegações e pela expansão das rotas comerciais da Coroa portuguesa no mundo. Cabe
destacar que, no início do século XVI, a preocupação principal de Portugal era expandir o comércio com
a Índia e não colonizar as terras brasileiras. Portanto, os primeiros anos da ocupação portuguesa foram
preponderantemente focados na exploração da madeira conhecida como pau-brasil – que influenciou
na origem do nome do nosso país.
O historiador econômico Prado Jr. (1976) comenta que portugueses e franceses comercializaram
ativamente, durante a primeira metade do século XVI, a madeira encontrada na costa brasileira. A ex-
ploração foi predatória, argumenta o historiador, devido à importância econômica da madeira como
matéria-prima da indústria têxtil, pois dela era extraído um corante muito útil na tinturaria. Além da
utilização da mão-de-obra indígena no corte e transporte dessa grande árvore (um metro de diâmetro
e 10 a 15m de altura) os portugueses não se preocuparam em criar bases fixas de povoamento no ter-
ritório brasileiro. A comercialização do pau-brasil era monopólio de Portugal, que cobrava o direito de
exploração. A primeira concessão referente ao pau-brasil data de 1501, autorizando Fernando de No-
ronha a comercializá-la exclusivamente até 1504.
12 | A escola mercantilista

A partir de 1530, a Coroa portuguesa, por meio de uma divisão política da costa brasileira em capi-
tanias hereditárias, organiza alguns núcleos de produção de cana-de-açúcar. Inicialmente, a mão-de-obra
utilizada nas fazendas era a indígena, criando assim uma estrutura agrícola escravista e de monocultura.
Os engenhos, fazendas especializadas na manipulação da cana e no preparo do açúcar, desen-
volveram-se rapidamente, agora com a mão-de-obra africana, com o objetivo de vender esse valorizado
produto para a metrópole portuguesa. Além do açúcar, o tabaco também foi amplamente produzido no
Brasil seguindo as doutrinas mercantilistas impostas por Portugal.
Entretanto a descoberta de grandes jazidas de ouro, no início do século XVIII, impulsionou a ativi-
dade de mineração no Brasil. A Coroa portuguesa despende uma atenção quase que exclusiva para a
exploração dos metais preciosos, gerando uma grande decadência nas atividades agrícolas, inclusive
da cana.
A exploração do ouro, apesar de ser livre, era submetida a um regime rigoroso de produção. A
fiscalização era estreita e a Coroa reservava-se o direito, como tributo, à quinta parte de todo o ouro
extraído. As principais jazidas encontravam-se em Ouro Preto, Minas Gerais.
A estrutura social vivida no Brasil Colônia tinha no topo da pirâmide os senhores da terra, autori-
dades civis, militares e eclesiásticas, todas elas provenientes da classe dominante da metrópole.
A população que administrava a vida na colônia vinha logo abaixo. Eram funcionários, sacerdotes,
administradores dos engenhos, comerciantes e pequenos proprietários de terra. Em seguida, apresen-
tava-se em grande escala a população trabalhadora livre, com remuneração muito baixa e sem poder
de compra. E, na base da pirâmide, encontravam-se os escravos, grande força de mão-de-obra mesmo
com péssimas condições de trabalho.

O quadro social: do mercantilismo ao capitalismo nascente


O sistema mercantil possibilitou o crescimento do rei, com base na atividade comercial. O tráfego
e o comércio de mercadorias eram monopolizados pelo Estado, beneficiando a corte e os comerciantes
ligados ao rei.
Com isso, o mercantilismo do século XVI ao início do século XVIII foi marcado por um forte con-
trole central, nas principais regiões da Europa Ocidental. O governo concedia privilégios de monopó-
lios a empresas envolvidas no comércio exterior e restringia a livre entrada no comércio interno para
limitar a concorrência. Com isso, o sistema econômico privilegiava um grupo restrito da base social. Nas
cidades mercantis, os grandes mercadores não só eram influentes no governo, como eram o próprio go­
verno. A população em geral trabalhava para o Estado ou para os grandes comerciantes com um salário
baixo e em péssimas condições. Como conseqüência, observou-se uma atividade econômica altamente
concentradora de riqueza: lucros elevados e salários baixíssimos.
Entretanto, podem-se citar algumas exceções. Por exemplo, no século XVII, como descrito por
Denis (1987), um capitalismo particular se desenvolveu na República das Províncias Unidas (atuais País-
es Baixos). Após uma revolta vitoriosa da burguesia local contra o rei da Espanha, algumas cidades ho-
landesas passam a colocar em prática uma igualdade absoluta entre a burguesia local e os mercadores
estrangeiros, ampliando a concorrência entre eles. Na primeira metade do século XVIII, o desenvolvi-
mento rápido das atividades financeiras na Inglaterra e na França estimulou o crescimento bancário, a
A escola mercantilista | 13

criação das sociedades anônimas por ações, o mercado acionário e o conseqüente financiamento das
indústrias.
Em 1733, John Kay inventou a lançadeira volante, que permitia um tecelão trabalhar duas vezes
mais depressa. A indústria de hulha desenvolve-se junto com a metalurgia e a bomba a vapor é inserida
na Europa em 1710. A agricultura e a pecuária também sofrem grandes transformações pela substi­
tuição de pousios2 pela cultura de forragens, permitindo alimentar o gado durante o inverno.
Gradativamente, o capital comercial foi perdendo importância em relação ao capital industrial,
devido à ampliação da produtividade advinda das novas invenções e do crescente ambiente concor-
rencial.
Pode-se argumentar que no início do século XVIII, o mercantilismo estava perdendo espaço para
o capitalismo nascente, reduzindo o poder do rei absolutista e ampliando a participação do mercado
na economia.

Texto complementar
Mercantilismo
(BRASIL, 2008)
A doutrina e a política mercantilista situam-se numa fase histórica precisa: a do capitalismo
mercantil, etapa intermediária entre o esfacelamento da estrutura feudal, de um lado, e o surgimen-
to do capitalismo industrial, de outro. [...]
Numa perspectiva global, a desintegração do regime feudal de produção derivou dos abalos
sofridos pelo sistema, em decorrência do ressurgimento do comércio a longa distância no conti-
nente europeu. Efetivamente, a ampliação do raio geográfico das atividades mercantis provocou
transformações relevantes na estrutura feudal.
A abertura do Mediterrâneo à presença ocidental, possibilitando o comércio com o Oriente, e
o conseqüente aumento do volume das trocas entre regiões européias, até então comercialmente
isoladas, geraram um universo econômico complexo, diante do qual o feudalismo reagiu de modos
diversos. [...]
As monarquias absolutistas foram instrumento político empregado na superação das crises
determinadas pela desintegração do feudalismo. Efetivamente, a unificação territorial e a centrali-
zação política dos Estados nacionais europeus, rompendo o isolacionismo dos feudos, possibilita-
ram o disciplinamento das tensões resultantes da expansão do setor mercantil. A primeira função
da monarquia absolutista foi a manutenção da ordem social interna dos Estados nacionais, median-
te a sujeição de todas as forças sociais – do plebeu ao nobre – ao poder real.

2 As terras em pousio são submetidas a um período de descanso após a colheita agrícola. Esse pousio pode ser de um a dois anos, em geral,
dependendo do desgaste da terra.
14 | A escola mercantilista

Em breve, o Estado nacional centralizado desempenharia um segundo papel: o de estimular


a expansão das atividades comerciais. No fim da Idade Média, o comércio europeu chegara a um
impasse: a economia do Velho Mundo, além de abalada pelas tensões sociais provenientes da crise
do feudalismo, sofria uma severa depressão monetária. A Europa, possuidora de pequenas reservas
de ouro, contava basicamente com linhas externas de abastecimento do precioso minério. [...]
O mercantilismo inglês era fundamentalmente industrial e agrícola. A política econômica in-
glesa era sempre bem planejada. O governo incentivava a produção manufatureira, protegendo-a
da concorrência estrangeira por meio de uma rígida política alfandegária. Houve a formação de
uma burguesia industrial, que empregava o trabalho assalariado e era dona dos meios de produção
(máquinas, galpões, equipamentos).
O absolutismo atingiu sua maior força na França, onde o Estado intervinha na economia de
forma autoritária. O desenvolvimento da marinha, das companhias de comércio e das manufaturas
mantinha a balança comercial favorável. O mercantilismo francês atingiu seu ápice com o rei Luís
XIV. Era um país essencialmente agrícola, com o preço de seus produtos mantidos baixos para que
os trabalhadores pudessem se alimentar e não reclamar dos baixos salários, o que era favorável para
os manufatureiros. Mesmo com o incentivo e intervenção estatais, a França enfrentava uma forte
concorrência com a Inglaterra e a Holanda.
O exemplar mercantilismo holandês atraiu muitos estrangeiros, que abandonavam seus países
devido às perseguições e com seus capitais favoreceram o crescimento da Holanda, modelo de país
capitalista no começo do século XVII. Este era dominado pelas grandes companhias comerciais, ten-
do o poder central muito fraco, e desenvolvendo as manufaturas e o comércio interno e externo.
Além disso, o intervencionismo estatal não existia nesse país. Nele foram organizadas duas
grandes companhias monopolistas holandesas, com o objetivo de colonizar e explorar as posses-
sões espanholas na Ásia e luso-espanholas na América: a Companhia das Índias Orientais (Ásia) e
a Companhia das Índias Ocidentais (América). Através do desenvolvimento das manufaturas e do
poderio dessas companhias, durante o século XVII, a Holanda conseguiu acumular um grande ca-
pital. [...]
Dessa forma, percebe-se, que Estados absolutistas e capitalistas comerciais são dois pólos in-
teragentes de uma mesma realidade: a superação do modo de produção feudal e o surgimento do
capitalismo moderno. Em resumo, foi o desenvolvimento do Estado nacional absolutista que garan-
tiu a ascensão da burguesia mercantil. [...]
O mercantilismo não foi um sistema econômico e, portanto, não pode ser considerado um
modo de produção, terminologia que se aplica ao feudalismo. O mercantilismo é a lógica econômi-
ca da transição do feudalismo para o capitalismo.
A escola mercantilista | 15

Atividades
1. Descreva a importância da atividade mercantil entre a transição do feudalismo para o capitalismo.

2. Destaque e explique os dois principais fatores históricos que contribuíram para o desenvolvi-
mento do mercantilismo.
16 | A escola mercantilista

3. Descreva as relações entre o metalismo e o nacionalismo.

4. Descreva a organização social do mercantilismo relacionando com o lucro e os salários.


A Primeira Revolução
Industrial e o pensamento
de Adam Smith
Introdução
A Primeira Revolução Industrial, datada no final do século XVIII, foi marcada por uma grande trans-
formação nos processos de produção artesanal e manufatureiro para a produção fabril1. Ela também é
conhecida como a Revolução Industrial Inglesa, e as mudanças das atividades comerciais para o capital
industrial, neste período, só ocorreu em grande escala na Inglaterra e no sul da Escócia, tornando essa
região a maior potência mundial. O crescimento da produtividade e das novas técnicas fabris aliado às
grandes inovações tecnológicas, foram fatores sem precedentes na história econômica.
Este texto busca discutir o funcionamento do sistema capitalista através do ilustre filósofo Adam
Smith, relacionando os fatores históricos mais relevantes da economia. Com isso, divide-se o capítulo
em três partes. Primeiramente, apresenta-se a origem da Revolução Industrial Inglesa, destacando os
fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial e para o pioneirismo inglês. Em seguida,
procura-se descrever o influente pensador econômico e grande filósofo do sistema capitalista. E, por
último, os impactos sociais são apresentados em um contexto de significativas transformações.

1 No processo de produção artesanal, o artesão faz praticamente tudo. O tecelão, por exemplo, fazia o fio e o tecia; o sapateiro preparava o
couro, cortava-o e o costurava produzindo o sapato. Já na indústria manufatureira, havia um grande número de trabalhadores reunidos num
determinado local e a especialização do trabalho; cada trabalhador realizava uma atividade específica, mas sem grandes máquinas. E no
processo fabril, a utilização de máquinas em substituição de funções do próprio trabalho humano era a principal característica.
18 | A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith

A grande potência mundial


A Inglaterra, como grande economia mercantil, foi
o primeiro Estado-nação a transformar seu capital co-
mercial em capital industrial. Descrever todos os fatores
e suas relações que impulsionaram a economia inglesa
para um atividade fabril é uma tarefa complexa e que
foge ao objetivo do texto. Entretanto, cabe destacar os
principais elementos de ordem econômica e política que
possibilitaram o pioneirismo inglês.
A máquina a vapor de James Watt, desenvolvida
entre os anos de 1769 e 1782, contribuiu consideravel-
mente na geração de energia para a indústria têxtil. Ape-
sar do vapor já ter sido utilizado como fonte de energia
anteriormente, a máquina de Watt permitiu um ganho de
produtividade na atividade mineral e no transporte.
Na política, destacam-se a Revolução Inglesa do Tear mecânico de Edmund Cartwright.
século XVII, com a Revolução Puritana de 1640 que culmi-
nou com a Revolução Gloriosa de 1688. As duas fazem parte de um mesmo processo revolucionário, daí
a denominação de Revolução Inglesa do século XVII, limpando terreno para o avanço do capitalismo.
Depois de vencer a monarquia, a burguesia conquistou os mercados mundiais e transformou a estrutu-
ra agrária, gerando uma grande liberdade econômica para os burgueses ingleses.
Até a segunda metade do século XVIII, na industrialização, a Inglaterra se destacava na tecelagem
de lã e com o desenvolvimento de novas máquinas o algodão foi ganhando espaço na indústria têxtil.
As colônias contribuíam com matéria-prima, capitais e consumo desses produtos.
A expansão do comércio manufatureiro garantiu, em grande medida, a acumulação de capital
necessário para financiar, através de um sistema financeiro desenvolvido2, a expansão industrial. Por
exemplo, os ganhos comerciais da Inglaterra em relação à Portugal garantiram que praticamente a me-
tade do ouro brasileiro engordasse o Banco da Inglaterra.
A expressiva produção de lã, antes da Revolução Industrial, estimulou os nobres a investirem nes-
te segmento. Isso os levou a ampliar as áreas de pastagem de ovelhas e, para garantir uma maior área,
invadiram territórios utilizados pelos camponeses para suas atividades agrícolas e pastoris. É claro que
essa apropriação indevida trouxe problemas para os camponeses, que se depararam sem seu local de
trabalho. Para os camponeses não retornarem às suas terras, os nobres passaram a cercar essas terras.
Como conseqüência, o crescimento populacional das cidades foi expressivo, expandindo, assim, a ofer-
ta de trabalho nas indústrias e desse modo reduzindo seus salários.
Em relação aos recursos naturais, o pioneirismo inglês se destaca pelas grandes reservas de car-
vão mineral e minério de ferro. O primeiro foi essencial para geração de energia a vapor e o segundo
utilizado na confecção de equipamentos e máquinas.
Condições políticas favoráveis, crédito barato e em grande volume, oferta de mão-de-obra abun-
dante e recursos naturais favoráveis garantiram em certa medida o pioneirismo da Inglaterra na Revolu-

2 Em 1790 existiam mais de 400 bancos atuando no sistema financeiro inglês, possibilitando uma grande oferta de crédito aos industriais.
A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith | 19

ção Industrial. Contudo, o elemento essencial foi o desenvolvimento tecnológico. A seguir destacamos
quatro grandes invenções interligadas.
Com o objetivo de aumentar a capacidade de tecer, John Kay desenvolveu, em 1733, a lançadei-
ra volante. O tear mecânico inventado por Edmund Cartwright, em 1785, revolucionou a fabricação
de tecidos, pois para mover o tear mecânico era necessária uma energia motriz mais constante que a
hidráulica, à base de rodas d’água. James Watt, em 1769, aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à
máquina de movimento duplo, com biela e manivela, que transformava o movimento linear do pistão
em movimento circular, adaptando-se ao tear. Nos Estados Unidos, Eli Whitney inventou o descaroçador
de algodão. Com esse avanço tecnológico, a indústria têxtil algodoeira, como destacado por Rezende
(2005), inaugurou a fase de produção capitalista, focada no emprego da máquina – regular, rápida, pre-
cisa e incansável –, e permitiu um enorme crescimento da produção com custos baixos.
A siderurgia, importante setor da Revolução Industrial, também se beneficiou do desenvolvimen-
to tecnológico. Rezende (2005, p. 142) descreve a importância do ferro para melhorar as máquinas, equi-
pamentos, pontes de ferro, utensílios domésticos, materiais de construção, fazendo sua produção elevar
de 250 mil toneladas anuais em 1806, para 500 mil em 1820 e 700 mil em 1828. Contudo, a produção de
ferrovias foi a atividade principal do setor siderúrgico. Como relembra o autor, as primeiras estradas de
ferro comerciais ligaram Stockton-Darlington (1825) e Liverpool-Manchester (1830).
A mineração do carvão, matéria-prima para a máquina a vapor, foi ampliada, aproveitando as ja-
zidas no subsolo britânico, passando de 16 milhões de toneladas em 1830 para 50 milhões de toneladas
em 1850. A energia a vapor foi alimentada pela utilização intensiva dessa matéria-prima. Concomitan-
temente, o navio a vapor substituiu a escuna e a locomotiva a vapor substituiu os vagões puxados a
cavalo, melhorando significativamente o processo de transporte do sistema produtivo.

O sistema capitalista
O sistema capitalista descrito por Adam Smith, em seu
célebre livro Uma Investigação da Natureza e as Causas da Ri-
queza das Nações, publicado em 1776, deu origem às ciências
econômicas e expôs com grande rigor científico o funciona-
mento de um sistema produtivo nascente: o capitalismo, for-
necendo, com isso, uma base teórica e filosófica para as gran-
des transformações econômicas e sociais em curso.
Nascido na Escócia em 1723, Adam Smith estudou em
Glasgow. Como professor de Filosofia, publica, em 1756, a
Teoria dos Sentimentos Morais, que devido ao sucesso da obra
põe-no em evidência, possibilitando-o morar na França e na
Suíça. A Riqueza das Nações, como ficou conhecida sua prin-
cipal obra, ressaltou a importância do trabalho humano. Mais
especificamente, abordou que a divisão social do trabalho era
fundamental para o ganho de produtividade e, conseqüente-
mente, para a geração de riqueza de um país. Se um homem, Filósofo e economista escocês Adam Smith.
20 | A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith

explica Smith, tivesse de fabricar sozinho um alfinete, indo ele próprio buscar a matéria-prima necessá-
ria, iria despender seguramente um mês na produção desse. Um artesão hábil, com um equipamento
rudimentar, fabricaria certamente não mais do que 20 alfinetes por mês. Entretanto, em um processo
de produção fabril, em que há a divisão do trabalho, o ganho de produtividade é significativo. Smith
descreve detalhadamente uma fábrica de alfinetes. Um operário desenrola o arame, um outro o endi-
reita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia para colocar a ponta. Essas etapas
são feitas por três ou quatro funcionários especializados. Após a produção do alfinete, a atividade de
embalagem é realizada para, por fim, ser comercializada. O filósofo destaca que para a fabricação de um
simples alfinete é necessário aproximadamente 18 operações distintas divididas em torno de 10 funcio-
nários. Apenas os mais habilidosos executam tarefas distintas, mas mesmo assim caracterizando uma
grande divisão de trabalho. E, na medida em que a especialização da mão-de-obra vai introduzindo-se
nos diversos ofícios, um aumento proporcional das forças produtivas é observado.
Smith argumenta três benefícios
da divisão social do trabalho. Em pri-
meiro lugar, a especialização melhora a
destreza do operário, ampliando assim
a quantidade e a qualidade do produto.
O segundo benefício consiste na econo-
mia de tempo. Passar de uma tarefa para
outra ao longo do processo produtivo
gera perda de concentração e de tempo.
Smith argumenta (1996, p. 69): “Geral-
mente, uma pessoa se desconcentra um
pouco ao passar de um tipo de trabalho
para outro. Ao começar o novo trabalho,
raramente ela se dedica logo com entu-
Fábrica de algodão da Primeira Revolução Industrial.
siasmo; sua cabeça ‘está em outra’, como
se diz, e, durante algum tempo ela fica
mais flana3 do que trabalho seriamente.” E, por último, a divisão social do trabalho possibilita a invenção
e o aprimoramento das máquinas que facilitam o trabalho humano. As grandes máquinas utilizadas nas
indústrias manufatureiras, segundo Smith, foram invenções de operários comuns, os quais, naturalmen-
te, preocuparam-se em dispensar uma atenção especial no aperfeiçoamento do processo produtivo.
O filósofo considerava que os engenheiros e os cientistas eram fundamentais para as invenções, mas
argumentava que mesmo nessa atividade a observação da produção aliada à especialização dessas
atividades tornava as invenções bastante expressivas e constantes na sociedade industrial.
Com isso, fica evidente que a organização social na divisão do trabalho consiste na riqueza de
uma nação e não na quantidade de ouro e prata em seu território, como pregava a doutrina do mercan-
tilismo. E, completando, a divisão do trabalho era limitada pelo tamanho do mercado.
Smith (1996, p. 74) argumentou como o mercado funcionava através de interesses pessoais. Sua
célebre frase dizia: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos
nosso jantar, mas da consideração que eles têm com seu próprio interesse.” Nesse caso, os produtores
despendem seu trabalho para vender ao mercado seus produtos e, assim, obter uma renda, um salário

3 Smith utiliza a palavra flana no sentido de sem direção ou foco certo.


A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith | 21

para sua subsistência, visto que uma sociedade desenvolvida consiste em uma grande cooperação.
Isto é, a produção de subsistência não é observada e não garante o desenvolvimento econômico. O ser
humano necessita quase que constantemente da ajuda de seus semelhantes, e essa nem sempre vem
da benevolência das pessoas.
O mercado, nesse sentido, é formado por forças opostas, no momento em que os produtores pro-
curam vender o máximo possível ao maior preço, os consumidores buscam adquirir o maior volume de
bens ao menor preço possível. Essa contradição pode parecer, inicialmente, caótica, mas representa uma
ordem natural do sistema econômico. Na verdade há uma “mão invisível” que organiza o comportamen-
to dos agentes econômicos, e a concorrência e a livre-iniciativa são fundamentais para sua existência.
O monopólio consistiria em uma situação de ineficiência, pois os lucros extraordinários não es-
timulariam novos investimentos. Caso o governo proibisse a concorrência, essa situação prejudicaria o
desenvolvimento econômico. E, em situação inversa, de livre concorrência, o excesso de lucro da em-
presa monopolística atrairia novos produtores, expandindo a oferta e diminuindo os preços e os lucros.
Nesse caso, a “mão invisível” levaria a uma situação de eficiência econômica, em que os produtores com
melhores preços e produtos sobreviveriam. E, na visão de Smith, os governos são esbanjadores, corrup-
tos, ineficientes e concessores de privilégios de monopólio em detrimento da concorrência.
Com relação ao comércio internacional, o ataque contra o governo foi frontal também, argumen-
tando que este não deveria interferir, deixando assim a especialização do trabalho determinar as trocas
entre os países. Essa idéia ficou conhecida como vantagem absoluta de cada nação4 e condenou seve-
ramente as práticas do subsídio para as exportações, visto que os recursos saíam do bolso dos contri-
buintes e, com a política de abastecer o setor externo, esses produtos internamente teriam seus preços
elevados.
Smith (1996) considerou ideal uma atuação limitada do setor público. Esse deveria se preocupar
basicamente em:
::: proteger a sociedade de ataques externos.
::: estabelecer e criar leis de justiça.
::: utilizar as instituições públicas como reguladores do excesso de lucro, estimulando a concor-
rência entre as empresas.
O governo deveria estimular o comércio e a educação, incluindo saneamento, rodovias, ferrovias,
portos, correios, escolas e igrejas. A educação pública gratuita iria garantir à nação um crescimento da
produtividade do trabalho ao longo do tempo.

Os impactos sociais
As transformações econômicas vividas na Primeira Revolução e descritas pelo filósofo e econo-
mista Adam Smith causou tremendos impactos na área social.

4 As vantagens absolutas entre os países no comércio internacional são observadas quando um determinado país apresenta condições espe-
ciais de produção que lhe garantem preços competitivos em relação aos seus concorrentes. Em geral, essa situação é criada pela especialização
da mão-de-obra e, no caso da agricultura e pecuária, pelas condições climáticas, de solo e geográficas favoráveis.
22 | A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith

Com relação ao movimento populacional, destacam-se o êxodo rural e o crescimento da vida


urbana. A cidade foi transformada em um centro de produção e consumo da economia, relegando ao
campo uma posição economicamente secundária. Por exemplo, em 1760, Manchester registrava uma
população de 17 mil habitantes e, em 1830, 180 mil habitantes. Por volta de 1850, várias cidades inglesas
possuíam uma população em torno de 300 mil habitantes – Bradfort, Liverpool, Leeds, Sheffield, Birmin-
gham, Bristol – e, em 1880, Londres contabilizava uma população acima de 4 milhões de habitantes. A
Inglaterra, em 1851, possuía uma população rural de 52%, número que decaiu em 1881, chegando a 31%
e, em 1911, a 22%.
Os custos sociais foram tremendos para a classe trabalhadora, que se viu como um acessório
da produção. As máquinas e os modernos equipamentos eram os principais recursos valorizados no
processo produtivo e representavam o capital. O excesso de trabalho, no início da Revolução Industrial,
gerou jornadas de 14 a 16 horas por dia, seis dias por semana. A habitação precária, devido ao rápido
crescimento das cidades, desenvolveu-se muitas vezes em cortiços.
Durante o século XIX, o fortalecimento do movimento sindical (Trade Union) ganha força. Algumas
vantagens são adquiridas pelos trabalhadores, entre elas, a redução da jornada de trabalho para 12 horas
nas indústrias têxteis em 1833 e a proibição do trabalho infantil e de mulheres nas minas de carvão em
1842. Em 1847, o limite da jornada máxima de trabalho para mulheres e crianças baixou para 10 horas
diárias.
O crescimento da classe burguesa sufocou o poder absolutista do mercantilismo e o Estado passa
a perder força na articulação política. Com o fortalecimento do liberalismo econômico, os mercados
passam a determinar o funcionamento da economia. O desenvolvimento da divisão social do trabalho,
como descrito por Adam Smith, revolucionou o processo de produção. Galbraith (1989, p. 53) descreve
com grande propriedade: “O que atraiu sua atenção [Smith] não foram as máquinas que caracterizariam
a Revolução Industrial, mas a maneira como as tarefas estavam divididas tornando cada trabalhador um
especialista numa parte ínfima da tarefa.”
Nesse sentido, podemos entender que a forma de organização social foi muito mais importante
para os pensadores da época do que as invenções e os tamanhos das fábricas em si. Na indústria, a espe-
cialização ampliou a produtividade, gerando riquezas para a sociedade. Contudo, esta se dividiu em duas
grandes classes: os empresários capitalistas detentores dos fatores produtivos, isto é, máquinas, equipa-
mentos, prédios, terrenos, e o proletariado que vendia sua força de trabalho para os capitalistas.
Como destacado anteriormente, a exploração realizada pelos capitalistas industriais para com os
trabalhadores gerou inevitavelmente grandes conflitos. Com o tempo, as revoltas com as péssimas condi-
ções de trabalho, excessiva jornada de trabalho e baixos salários, levaram à organização dos sindicatos.

Conclusão
Durante a Primeira Revolução Industrial, o mundo observou uma transformação única e po-
derosa na Inglaterra. O fenômeno de desenvolvimento tecnológico, a ampliação dos mercados, a
industrialização alteraram a relação capital–trabalho. Mesmo com os conflitos sociais vividos pelos
ingleses, as nações não tinham como negar a superioridade de sua rival, a Inglaterra, e logo percebe-
A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith | 23

ram que o desenvolvimento do capitalismo era imprescindível para a acumulação de riquezas nessa
nova organização político–econômica.

Texto complementar
A Revolução Industrial
Máquinas-ferramentas a pleno vapor

(TAUILE, 2008)
Em geral, a revolução industrial é associada à invenção da máquina a vapor, aparentemente
porque ela permitiu maior mobilidade de localização e flexibilidade na disposição física do capital
produtivo, isto é, no layout das fábricas em si, assim como viabilizou a ampliação das escalas de
produção. No entanto, sem se desprezar a importância que a máquina a vapor possa ter tido para a
revolução industrial, sob certo ângulo de análise, essa percepção generalizada, se não é completa-
mente equivocada, deve ser devidamente qualificada.
Em uma carta de Marx a Engels, de 28 de janeiro de 1863, os fundamentos da revolução indus-
trial são enfocados de maneira distinta (MARX; ENGELS, 2001 e MARX, 1998). Na carta, bem como
no capítulo sobre maquinaria e indústria moderna de O Capital, Marx enfatiza a importância do
surgimento da working machine1, para caracterizar a Revolução Industrial do ponto de vista das
relações sociais de produção. Segundo essa ótica, o fundamental não é o desenvolvimento de um
mecanismo como a máquina a vapor, que dispensa ou potencializa o exercício da força motriz hu-
mana (como para fazer girar uma roda), mas sim de um mecanismo que concretiza a capacidade de
transferência do conhecimento sobre o processo de trabalho, que passa da esfera do trabalho para
a esfera do capital. A possibilidade real para que isso acontecesse estava materializada nos movi-
mentos repetitivos – e já extremamente simplificados pela divisão do trabalho – que o trabalhador
fazia com a ferramenta ao atuar diretamente sobre a peça a ser produzida.
Não é difícil entender. O fato de uma máquina de costura ser movida a eletricidade ou por
movimentos regulares do pé da costureira atuando sobre o pedal mecânico por si só não altera a ex-
traordinária importância que esse equipamento tem como amplificador da capacidade de trabalho
humano; no caso, a capacidade de costurar. Novamente segundo Marx (1998), a máquina a vapor
em si, tal como ela existia na época de sua invenção, durante o período manufatureiro, ao final do
século XVII, e tal como continuou a ser até 1780, não fez surgir qualquer revolução industrial. Ao
contrário, foi a invenção das máquinas-ferramentas que tornou necessária a revolução da forma das
máquinas a vapor necessárias.

1 A máquina propriamente dita é assim um mecanismo que, após ser colocado em movimento, desempenha com suas ferramentas as
mesmas operações que anteriormente eram executadas pelo trabalhador com ferramentas similares. O fato da força motriz ser derivada
do homem ou de alguma outra máquina não faz diferença nesse respeito (MARX, 1998).
24 | A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith

Marx acentua que, de fato, Watt aperfeiçoou aquela linhagem de mecanismos anteriores, crian-
do a máquina de autopropulsão. No entanto, ainda naquela forma, ela continuava a ser meramente
uma máquina para puxar água e outros líquidos das minas de sal.
Em sintonia com esse argumento, a percepção aqui defendida é de que a revolução industrial
foi deflagrada no momento em que, concreta e sistematicamente, começaram a se transferir as
ferramentas das mãos dos trabalhadores – e, conseqüentemente, suas habilidades, informações
e conhecimentos sobre o processo de trabalho – para mecanismos móveis que cristalizavam tais
habilidades, informações e conhecimentos sob a forma social de capital fixo, ou seja, começava a
concretizar-se, aí, de maneira real, um longo e incessante processo de transferência objetiva de co-
nhecimento produtivo, que passava do âmbito do trabalho para a esfera do capital.

Atividades
1. Descreva o principal fator político para o pioneirismo inglês na industrialização.
A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith | 25

2. Quais foram as grandes invenções da Primeira Revolução Industrial? Como elas contribuíram para
a industrialização?

3. Descreva os três benefícios da divisão social do trabalho para o sistema econômico, destacados
por Smith.
26 | A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith

4. Com relação aos impactos sociais, descreva os principais benefícios que os movimentos sociais
obtiveram na Revolução Industrial.
A Segunda Revolução
Industrial e a Escola Clássica
Introdução
A Segunda Revolução Industrial foi determinada por um conjunto de inovações técnicas que sur-
giram a partir da segunda metade do século XIX, com a expansão da atividade industrial na Europa
(França, Bélgica, Alemanha e Itália), nos Estados Unidos e no Japão até a Primeira Guerra Mundial.
A estrada de ferro continuou a receber investimentos, através do aço, e inaugura-se, nesse pe-
ríodo, a criação da indústria automobilística e a expansão da produção petrolífera. Novos processos
produtivos são desenvolvidos com ênfase no ganho de escala, padronização dos produtos, diminuição
do custo e margens de lucros excepcionais. Nos países industrializados, observa-se em grande medida
a formação de grandes blocos econômicos incentivados pelo próprio Estado, concentrando a riqueza e
expandindo seus mercados no exterior.
Esta aula tem como propósito fundamental apresentar a segunda fase da Revolução Industrial
associada ao pensamento dos economistas clássicos e discutir que, em alguns casos, as práticas de
política industrial não corroboravam com o pensamento liberal. Nesse sentido, a aula organiza-se em
duas partes. Na primeira seção, as principais invenções e seus impactos nos países são apresentadas. Em
seguida, discute-se a Escola Clássica, apresentando os principais pensadores após Adam Smith.

A expansão da Revolução Industrial no mundo


O século XIX, principalmente a partir da segunda metade, foi marcado por grandes invenções.
Em 1856, Henry Bessemer fabricou pela primeira vez o aço, passando uma corrente de ar através do
28 | A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica

ferro em estado de fusão. Logo (a siderurgia) substitui o ferro pelo aço. Em 1831, o dínamo de Faraday
transformava energia mecânica em elétrica e, em 1879, Thomas Edison cria sua famosa lâmpada incan-
descente. O uso do petróleo como fonte de energia foi inaugurado pela invenção do motor de com-
bustão interna em 1876, por Nikolaus Otto. Posteriormente, Karl Benz, em 1880, substitui combustível
inflamado por faísca elétrica e Gottfried Daimler (1884) utilizou a gasolina como combustível. Rudolf
Diesel (1897) substituiu a gasolina pelo óleo cru, na combustão. Em 1885, os primeiros automóveis são
produzidos: Daimler – Maybach e Benz sendo que, em 1908, Henry Ford fabrica os primeiros automó-
veis de produção em massa, nos EUA.
A Segunda Revolução Industrial tam-
bém foi marcada pelos novos processos
produtivos. Com o surgimento e o aperfei-
çoamento da eletricidade, Henry Ford de-
senvolveu uma linha de produção em série,
massificando o trabalho para obtenção de
rendimentos de escala. O fordismo, como
ficou conhecido, diminuiu significativa-
mente os custos de produção e os preços
dos produtos, popularizando o automóvel
nos países industriais. Suas fábricas eram
verticalizadas, possuindo desde fábrica de
vidros à produção de autopeças. Aliado Linha de montagem de Ford, em 1913.
ao método da administração científica de
Frederick W. Taylor, o fordismo/taylorismo mostrou-se uma inovadora e altamente produtiva técnica
administrativa, racionalizando a utilização da mão-de-obra e, assim, evitando desperdícios de tempo
na produção. Taylor também se preocupou com o planejamento e com a organização empresarial. Re-
zende (2005) destaca que a adoção de uma linha de produção permitiu uma extrema especialização
do trabalho, barateando o custo unitário de produção. E, a exemplo, o famoso automóvel Ford T sofreu
uma redução de preço de US$950,00 para US$250,00 a unidade, em 1908.
O desenvolvimento das linhas de montagem e das novas técnicas administrativas aliadas à cres-
cente necessidade de ampliação dos lucros fizeram surgir um capitalismo concentrador de riquezas. Era
comum, assim, o aparecimento de trustes, monopólios e cartéis1. E naturalmente as grandes empresas
iam minando as fábricas menores. Rezende (2005, p. 147-148) esclarece: “Esse capital concentrado, por
sua vez, pelo domínio que ele exerce no mercado, dada a ausência de concorrência faz com que ele
possa maximizar seus lucros, estabelecendo neste sentido os preços e controlando a oferta.”
A Segunda Revolução Industrial se expandiu na Europa, EUA e Japão, ampliando a produção e a
concorrência de grandes blocos econômicos entre os países.
Na Alemanha, em 1870, a industrialização ganha fôlego a partir da unificação nacional, e uma vi-
tória bélica contra a França garantiu ao país, pelo Tratado de Frankfurt, as regiões da Alsácia e o norte da
Lorena, ricas em minérios. Antes os estados alemães eram basicamente agrários, sendo que aproxima-
damente 60% da população residia no campo. Com o desenvolvimento do setor bancário, das ferrovias,
da indústria química e dos equipamentos elétricos no vale do Rio Reno, a Alemanha, em 1913, torna-se
a maior nação européia industrializada.
1 Truste: estrutura empresarial na qual várias empresas, já controlando a maior parte do mercado, fundem-se para assegurar esse controle
e assim influenciar os preços dos produtos. Monopólio: situação na qual existe apenas um único produtor no mercado. Cartel: grupo de
empresas independentes que formalizam um acordo para determinar preço e quantidade produzida.
A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica | 29

O Estado incentivou a concentração de capital com a formação de conglomerados com foco nas
exportações. Os principais grupos econômicos formados na época e que de certa forma prevalecem no
cenário mundial são: Krupp (aço, materiais bélicos); Daimler-Benz (motores e veículos); Maybach-Diesel
(motores); Farben (produtos químicos); e Siemens (materiais elétricos).
Com o intuito de estimular as exportações e o ganho de mercado internacional, o governo ale-
mão manteve boas relações comerciais com a Áustria, Hungria e Rússia e incentivou também o dum-
ping2, que consiste em manter duas escalas de preços para um mesmo produto, uma mais alta para o
mercado interno, e outra mais baixa para o mercado externo.
A Itália ingressa em um grande processo de industrialização a partir de sua Unificação Nacional
também em 1870. Em termos econômicos e culturais, a Itália poderia ser dividida em duas regiões: a
Itália do Norte apresentava uma agricultura progressista com um sistema bancário avançado e indús-
trias centradas nas cidades de Milão (têxtil e metalúrgica), Turim (mecânica e têxtil), Gênova (construção
naval e têxtil) e Veneza (têxtil), ligados a uma razoável ferrovia; a Itália do Sul era relativamente atrasada,
com uma economia essencialmente rural, com apenas uma cidade comercial expressiva – Nápoles.
Em termos econômicos, a unificação das duas regiões possibilitou uma troca de interesses, pois o
Sul passou a ofertar mão-de-obra barata e matéria-prima para as indústrias do Norte e os grandes pro-
prietários do Sul passaram a aplicar seus recursos nos bancos e indústrias do Norte, aumentando suas
riquezas com a expansão industrial.
Os Estados Unidos declaram independência dos ingleses em 1781 e somente a partir da década
de 1840 iniciaram sua expansão para o Oeste. Em 1845, o Texas torna-se independente do México e se
une aos EUA e, em 1848, os norte-americanos anexam os estados do Novo México, Nevada, Califórnia,
Utah e Arizona – que era dos mexicanos. Os EUA passam a ser um país continental e com um enorme
crescimento populacional. Em 1820 registravam em torno de 9,6 milhões de habitantes e, em 1860, 31,3
milhões.
Os crescimentos geográficos e demográficos permitiram uma enorme expansão do mercado
interno. Esse, por sua vez, impulsionou a industrialização do norte do país que, para sustentar a in-
dustrialização, necessitava de proteção da indústria e mão-de-obra assalariada e barata. O sul, com
predominância da produção agrícola (plantation)3, exportadora de algodão, seria o fornecedor dessa
mão-de-obra e uma boa expansão de mercado. A Guerra da Secessão (1861-1865) ocorreu entre 11 es-
tados do Sul latifundiário e aristocrata e que não apoiavam a abolição da escravatura contra os Estados
do Norte industrializado. Após a vitória do Norte, os EUA passam a se industrializar rapidamente com
foco no mercado doméstico.
A industrialização do Japão foi interessante. Esse país vivia isolado desde o século XVII e em 1854
foi obrigado, pelos EUA, a abrir seus portos para o comércio externo (frota do Comodoro Perry). A pas-
sagem de uma economia feudal para a industrialização japonesa é conhecida como a Revolução Meiji
(1868), trazendo grandes mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais.
O Estado japonês incentiva a criação de grandes blocos econômicos familiares. Quatro famílias –
Sumitomo, Mitsubishi, Yasuda e Mitsui – controlavam grande parte do setor bancário, a indústria têxtil,
empresas de energia elétrica, construção naval e a indústria de papel. Além da geração de monopólios

2 Dumping, em geral, pode ser considerado em uma situação na qual o governo forneça subsídios para o incremento das exportações,
possibilitando uma discriminação de preços entre o mercado doméstico e externo.
3 O plantation representa um processo de produção da agricultura com as seguintes características: latifúndios e monocultura com foco em
exportações e, em geral, utilizando trabalhadores escravos.
30 | A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica

setoriais, o Estado investe em uma política externa militar expansionista, conquistando mercados con-
sumidores na China, na Coréia e na Europa, com práticas de dumping.
As transformações socioeconômicas foram profundas no mundo ocidental e no Japão. A melhora
nas condições sanitárias, o crescimento populacional nas cidades, a acumulação de capital mundial, a
geração de renda e a ampliação da produtividade possibilitaram o desenvolvimento, no século XIX, do
pensamento clássico pós Adam Smith.

Escola Clássica
Quatro grandes economistas surgiram após a morte de Adam Smith para sustentar e ampliar o
pensamento clássico. São eles: Jean-Baptiste Say (1767-1832), Thomas Malthus (1766-1834), David Ri-
cardo (1772-1823) e John Stuart Mill (1806-1873).
Jean-Baptiste Say nasceu em Lyon, no ano de 1767, e cresceu em um período de idéias ilumi-
nistas. Foi um homem de negócios, defensor do liberalismo econômico e do individualismo, e um dos
pioneiros na atividade dos seguros de vida. Sua principal contribuição para a economia foi sua lei dos
mercados, conhecida até hoje como a Lei de Say. Essa análise sustenta que a própria produção de bens
e serviços provém uma demanda efetiva agregada suficiente para adquirir toda a oferta gerada pelo sis-
tema econômico, durante um determinado período. Nesse sentido, sua teoria pode ser resumida com a
seguinte frase: ‘‘a oferta cria sua própria demanda’’ e, assim, não poderia ocorrer um período prolongado
de superprodução geral no aparelho produtivo. Galbraith (1989, p. 68) explica:
Em termos mais modernos, do preço de cada produto vendido provém um retorno em salários, juros, lucros e aluguel
suficiente para permitir a compra deste produto. Alguém, em algum lugar, o recebe. E tendo recebido-o, gasta-o até
o valor daquilo que é produzido. Conseqüentemente, jamais pode haver uma escassez de demanda, a contrapartida
óbvia da superprodução.

Se alguns agentes financeiros mantêm uma parte do recurso em poupança, acabarão emprestan-
do o dinheiro para outros gastarem em consumo e/ou investimentos para receber juros, portanto, ge-
rando demanda efetiva. E se, em algum momento, os agentes econômicos decidem guardar o dinheiro
debaixo do colchão, então os níveis de preços devem cair e manter o consumo agregado.
O economista Thomas Malthus busca desenvolver teorias a respeito do crescimento populacional
e seus impactos na qualidade de vida. Hugon (1980) esclarece que Malthus estuda e discute a diferença
existente entre a taxa de crescimento populacional e a dos meios de produção, e argumenta que se a
população não parar de dobrar de 25 em 25 anos ou continuar crescendo em progressão geométrica (1,
2, 4, 8, 16, 32, 64,...) e a produção agrícola, em virtude da escassez de terras férteis, continuar crescendo
em progressão aritmética (1, 2, 3, 4,...) a fome iria ser inevitável. Com isso, Malthus era a favor de um con-
trole do crescimento da taxa de natalidade, argumentando que uma família só deve ter filhos se tiver
a priori recursos suficientes para sustentá-los. Brue (2005) identificou que esse argumento de Malthus
era um controle preventivo do crescimento da taxa de natalidade. Os controles positivos da população
representavam, de acordo com Malthus, movimentos da própria lei da natureza. E em muitos casos eram
expressos pelo surgimento de fome, pragas e a própria guerra. Brue (2005, p. 91) destaca que, para esse
autor: “a pobreza e a miséria são o castigo natural para o fracasso das ‘classes inferiores’ na tentativa de
restringir sua produção. Desse ponto de vista seguiu-se uma conclusão política altamente significativa:
não deve haver ajuda do governo para o pobre”. De fato, a Inglaterra, preocupada com o avanço popu-
A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica | 31

lacional, adota em 1834 uma dura lei que eliminou os auxílios às pessoas que não viviam nos abrigos.
Assim, o indivíduo que necessitasse de ajuda, inicialmente deveria vender todos os seus recursos e, em
seguida, entrar em um abrigo. A idéia do governo era dificultar ao máximo a vida da população.
Felizmente, a teoria de Malthus em relação ao crescimento demográfico e suas implicações na
qualidade de vida estavam superestimadas, pois nos últimos 255 anos a população mundial cresceu de
791 milhões habitantes, em 1750, para 1,6 bilhões, em 1900, 2,5 bilhões em 1950 e 6,4 bilhões em 2005
e a produção agrícola expandiu com mais vigor, sendo que as condições de vida melhoraram significa-
tivamente, ao longo desse período.
David Ricardo, economista inglês, desenvolve duas teorias importantes: a da renda e do comércio
internacional. Para Ricardo, a principal questão da economia política não era identificar os fatores de
geração de riqueza de uma nação, assim como apontados por Smith, mas sim a análise da distribuição
funcional da renda. Provavelmente, a desigualdade social observada na Revolução Industrial intrigou
o economista britânico. Segundo ele, os lucros e os salários variam inversamente. Um aumento nos
salários reduz os lucros, e como este é fundamental para o desenvolvimento das empresas, a produção
industrial decresce. Com isso, os salários baixos em detrimento de lucros elevados e crescimento indus-
trial eram inerentes ao próprio sistema capitalista.
A teoria das vantagens comparativas argumenta que os países devem se especializar no comércio
internacional, mesmo que uma nação seja menos eficiente na produção de todos os tipos de bens do
que o seu parceiro comercial. Ricardo levou em consideração o comércio de vinho e tecido entre Por-
tugal e Inglaterra. A tabela 1 ilustra, hipoteticamente, o volume produzido de vinho ou tecido por hora
trabalhada. Perceba que cada país deve decidir se a hora de trabalho deve ser alocada na produção de
vinho ou de tecidos. É nítido observar que Portugal é mais eficiente na produção de ambos os bens.
Então, a pergunta fundamental é saber se esses dois países devem manter relações comerciais, mesmo
um sendo menos eficiente em ambos os processos produtivos do que o outro.
Tabela 1 – Vantagens comparativas: unidades produzidas por hora de trabalho

País Vinho Tecido


Portugal 4 8

Inglaterra 1 7

Para entendermos o raciocínio de Ricardo devemos analisar o custo de oportunidade que cada
nação tem na produção de um determinado bem. Por exemplo, o custo de oportunidade de se produzir
quatro unidades de vinho, em Portugal, é deixar de produzir oito unidades de tecido, isto é, uma razão
(8/4) igual a dois. Ou seja, para cada hora de trabalho utilizada na produção de uma unidade de vinho
são deixados de produzir 2 unidades de tecido. No caso inglês teríamos o seguinte: para cada hora de
trabalho utilizada na produção de uma unidade de vinho, a Inglaterra iria deixar de produzir sete unida-
des de tecidos, gerando um custo de oportunidade igual a sete – (7/1). Como o custo de oportunidade
na produção de vinho é menor em Portugal, esta nação deve se especializar na produção de vinho.
Seguindo o mesmo raciocínio temos o custo de oportunidade de Portugal na produção de tecido
igual à razão (4/8), isto é, 0,5 unidades de vinho e da Inglaterra igual à razão (1/7), isto é, 0,14. E, neste
caso, a Inglaterra deveria se especializar na produção de tecido. Caso Portugal e Inglaterra utilizassem
essa uma hora de trabalho na produção de vinho e tecido ao mesmo tempo, então a produção máxima
na economia entre esses dois países seria (4 + 8 + 1 + 7)/2 igual a 10 unidades. Agora, caso Portugal se
32 | A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica

especialize apenas na produção de vinho, na qual tem uma vantagem comparativa melhor que a Ingla-
terra, e esta, especializasse somente na produção de tecido, então, a produção internacional seria (4 +
7) igual a 11, com isso a especialização e o comércio internacional entre os dois países iria aumentar a
produção de vinho e tecido ao mesmo tempo, gerando mais renda e emprego na economia.
Ricardo também interpretou o problema da inflação inglesa na época devido às emissões exa-
geradas de moeda e não no aumento do preço dos cereais, como se supunha. Seu argumento criticava
a criação de moeda pelo Banco da Inglaterra com o objetivo de financiar os gastos públicos, gerando
assim inflação.
O último economista clássico estudado nesta aula é John Stuart Mill (1806-1873). Influente em
várias áreas da economia política, cabe destacar sua interpretação e visão sobre a produção, comércio
internacional e governo. Segundo Mill, a produção é determinada pela combinação dos três fatores de
produção: terra, trabalho e capital. Com relação à mão-de-obra, Mill não mostrou preocupação dado
o crescimento exponencial da população. Seu foco maior foi na decisão de acumular capital, isto é,
expansão dos investimentos produtivos. E, segundo o pensador, quanto maior for a taxa de lucro ou
o retorno sobre o capital investido, maior será a razão para expandir o estoque de capital. Seus limites
estariam no ganho de produtividade decorrente dos avanços tecnológicos e nos limites geográficos das
terras férteis.
Com relação ao comércio internacional, Mill aceitou a teoria de vantagens comparativas de
Ricardo. Sua contribuição foi discutir a essencialidade dos produtos comercializados entre os dois
países. Mill demonstrou que se um país se especializar em um produto mais essencial que o outro então
seus preços unitários seriam melhores e sua taxa de lucro seria maior. Se considerarmos o exemplo da
tabela 1, produção de vinho por Portugal e a produção de tecidos pela Inglaterra, poderíamos argu-
mentar que como o vestuário é mais essencial que o vinho, provavelmente a Inglaterra iria acumular
mais lucro entre as transações internacionais.
De acordo com Brue (2005), Mill defendeu uma atuação limitada do governo na economia e o
Estado deveria controlar e regular os monopólios, isto é, evitando preços e manipulações abusivas ao
mercado. Claramente, o economista acreditava que a iniciativa privada em um ambiente concorrencial
seria muito mais eficiente que uma intervenção direta do setor público.
O pensamento econômico clássico com foco na liberdade econômica e na não-intervenção do
Estado na economia muitas vezes era negligenciado pela Revolução Industrial. Contraditoriamente, o
que a humanidade viu e que o início desta aula demonstrou foi que o sistema capitalista se originou
através de um grande esforço do Estado em manter grandes blocos econômicos, garantido assim o
controle dos mercados. A desigualdade social entre as classes trabalhadoras e os capitalistas só crescia
e o pensamento dominante clássico naturalmente declinava na segunda metade do século XIX.

Conclusão
A Segunda Revolução Industrial transformou o mundo ocidental. Antes da Primeira Guerra Mun-
dial, os EUA detinham 40% do Produto Interno Bruto (PIB)4 mundial e a Alemanha era a maior potência

4 O PIB é uma medida de geração de riqueza sendo calculado pelo somatório, em unidade monetária, do volume de bens finais e serviços
produzidos em um determinado período de tempo, em geral um ano.
A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica | 33

européia após vitórias bélicas contra a poderosa França de Napoleão III. A indústria automobilística, o
petróleo, o aço e a energia elétrica transformam o modo de viver das sociedades capitalistas.
As cidades se expandem, assim como o comércio entre as nações. Os pensadores clássicos após
Smith buscam explicação para o funcionamento do sistema econômico, bem com a geração e distribui-
ção de renda. O crescimento desenfreado da população preocupa os economistas e os debates entre a
relação preços e oferta de moeda ganham espaço no cenário político-econômico. As relações entre lucro
e salário criam teorias a favor ou contra a sociedade burguesa, mas o fato era que o lucro não parava de
crescer e com ele a desigualdade social. E, para muitos pensadores a favor do liberalismo econômico,
nada poderia ser feito por essa gente, pois a diminuição da exploração do trabalho era uma interferência
indevida do Estado.

Texto complementar
O liberalismo econômico e a escola clássica inglesa
(COULON; PEDRO, 1995)
No decorrer dos séculos XVIII e XIX, o pensamento econômico inglês evoluiu e refletiu as mu-
danças enfrentadas pela sociedade. Se no século XVI os mercantilistas viam na obtenção do ouro e
da prata a maneira mais importante de enriquecer o país, a própria necessidade de exportar para
adquirir o metal evidenciou aos economistas a verdadeira fonte de riqueza: a capacidade de produ-
zir. Surgiram obras sobre as causas da riqueza, a divisão do trabalho, a ação do Estado, os salários,
o mercado que, a partir da experiência da economia inglesa, vão embasar a teoria do liberalismo
econômico.
O liberalismo econômico prega o fim da intervenção do Estado na produção e na distribuição
das riquezas, o fim das medidas protecionistas e dos monopólios, defende a livre concorrência en-
tre as empresas e a abertura dos portos entre os países. Foi defendido por escritores como Adam
Smith, Thomas Malthus, David Ricardo, James Mill, Nassau Senior entre outros que formaram a “Es-
cola Clássica Inglesa”. [...]

Thomas Malthus e David Ricardo


A disputa na Inglaterra entre os latifundiários e os industriais, com os primeiros defendendo
uma política de proteção à agricultura e restrições às importações de gêneros agrícolas e os segun-
dos defendendo o livre-cambismo foi acompanhada por dois importantes pensadores: Malthus e
Ricardo.
Diante da questão social representada pela crescente miséria do operariado, Thomas Malthus
(1766-1834) elaborou a teoria da população, apresentada em seu livro Ensaio sobre o Princípio da
População, publicado em 1798. Segundo ele, a população crescia em progressão geométrica (1, 2,
34 | A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica

4, 8, 16, 32, 64 ...), com maior rapidez que os meios de subsistência, que cresciam em progressão
aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6 ...). O resultado era a miséria e a pobreza que se assistia na Inglaterra, devido
ao desequilíbrio entre os recursos naturais e as necessidades da população.
Malthus era contrário a qualquer tentativa do Estado em procurar resolver o problema da mi-
séria, por exemplo, através das Leis dos Pobres, que serviam apenas como estímulo ao aumento da
população. Um homem que nasce em um mundo já ocupado não tem direito a reclamar parcela
alguma de alimento. No grande banquete da natureza não há lugar para ele. A natureza intima-o
a sair e não tarda a executar essa intimação. Essa saída a qual Malthus se referia era o aumento da
mortalidade devido à fome.
Em relação ao salário, Malthus considerava suficiente apenas uma quantia para a subsistência
do trabalhador, isto é, para cobrir as necessidades de alimentos, roupas e moradia, evitando assim
o crescimento demográfico.
Em defesa dos interesses industriais, colocou-se David Ricardo (1772-1823), Princípios de Econo-
mia Políticas e do Imposto 1817, desenvolvendo a teoria da renda fundiária. Ele afirmava que o cresci-
mento da população gerava a necessidade do aumento das áreas de cultivo e como os terrenos mais
férteis já estavam ocupados, era necessário incorporar novas áreas. Estas, por serem menos férteis,
exigiam maior adubagem e trabalho, o que significava preços mais elevados para os produtos agríco-
las em geral. Por conseguinte, aumentavam os rendimentos dos donos dos melhores solos.
Por outro lado, o industrial que trabalhava e produzia riqueza para a nação era prejudicado,
pois tinha de aumentar os salários dos trabalhadores, devido aos altos preços dos alimentos, di-
minuindo seus lucros, deixando de investir na produção e oferecendo um número menor de em-
pregos. Por sua vez, o trabalhador estava condenado à miséria, pois o aumento nominal do salário
fazia-o ter mais filhos e com isso continuava vivendo ao nível da subsistência. Ricardo desenvolveu
a teoria do salário natural, ou seja, o mínimo para a subsistência do trabalhador e de sua família. Era
a chama da “lei férrea dos salários”.
O preço natural do trabalho depende do preço do alimento, necessidade e conveniências necessárias a manuten-
ção do trabalhador e sua família. Com um aumento no preço dos alimentos e das necessidades, o preço natural do
trabalho se eleva. Com a queda, o preço natural do trabalho cai. (apud HUBERMAN, 1972, p. 212)

No século XIX, a “lei férrea dos salários” de Ricardo serviu para fornecer aos ricos proprietários e
industriais a justificativa que eles precisavam para calar sua consciência sobre o grau de exploração
em que mantinham os trabalhadores. Ricardo levou-os a concluir que
a compaixão pelo homem que trabalha não só é descabida como também prejudicial. Pode criar esperanças e
rendas a curto prazo, mas faz aumentar o ritmo de crescimento da população, através do qual ambas aquelas con-
dições são anuladas. E qualquer esforço por parte do governo ou de sindicatos trabalhistas no sentido de elevar
os vencimentos e salvar o povo da miséria entraria, da mesma forma, em conflito com a lei econômica. [...] Ricardo
deu aos ricos uma fórmula plenamente satisfatória de se conformarem com a infelicidade dos pobres. (BRAITH,
1979, p. 24 e 26.) [...]

Conclusão
A Revolução Industrial desenvolveu também uma nova sociedade: a sociedade capitalista, ba-
seada na divisão dos indivíduos em duas classes: os capitalistas, detentores dos meios de produção,
A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica | 35

e os trabalhadores, homens livres que vendem sua força de trabalho em troca de um salário. O
capitalismo, consolidado com a Revolução industrial, gerou muita riqueza e um enorme progresso
material, mas criou também uma massa de trabalhadores pobres, no campo e na cidade. Os econo-
mistas liberais, defensores da sociedade capitalista, sustentavam a idéia de que o Estado não precisa
interferir na economia, que deve ser regulada apenas pelo mercado.

Atividades
1. Descreva três invenções importantes que originaram a Segunda Revolução Industrial.

2. Explique o processo de produção fordismo e taylorismo e sua importância para a indústria.


36 | A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica

3. Descreva como ocorreu o processo de industrialização na Alemanha e nos EUA.

4. Explique a Lei de Say e quais são suas conseqüências lógicas para o funcionamento da economia.
Do Imperialismo à
Primeira Guerra Mundial
Introdução
Durante o processo de Revolução Industrial vivido inicialmente pela Inglaterra e em seguida pela
Europa Ocidental, EUA e Japão, o fortalecimento do sistema capitalista nascente foi caracterizado por
uma brutal dominação política e/ou econômica sobre as nações periféricas, em praticamente toda par-
te do mundo. Em alguns casos, como iremos descrever e discutir, essa subordinação não era política,
mas mantinha fortes laços de exploração econômica, como foi o caso do Brasil. Em outras situações,
a dominação era muito maior, extrapolando para o campo político também e, assim, mantendo uma
colônia de povoamento ou estados semi-coloniais, tal como a Índia.
A exploração crescente dos países industrializados em um ambiente de Imperialismo e controle
dos mercados mundiais levou a Europa a enfrentar sua Primeira Guerra Mundial. Estudar as caracterís-
ticas principais do sistema capitalista no final do século XIX e início de século XX e suas relações com o
conflito militar é o principal objetivo desta aula. Com isso, três seções serão apresentadas. Na primeira
parte, descreve-se o Imperialismo mundial e seus impactos no mundo. Em seguida, é apresentado o
funcionamento da economia brasileira. E, por último, busca-se descrever os fatores econômicos ligados
à Primeira Guerra Mundial e suas conseqüências.
38 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

O Imperialismo (1870-1914)
No final do século XIX e início do século XX, a unidade econômica predominante nas sociedades
capitalistas eram empresas concentradoras da produção ou até mesmo um grupo de empresários que
determinava o volume ofertado e os preços de mercado, buscando naturalmente ampliar suas taxas de
lucro interna e externamente. O fato é que, infelizmente, o mundo capitalista baseado na divisão social
do trabalho, ampliação dos mercados nacionais e externos, crescimento da produtividade e da riqueza,
não podia ser analisado a luz de um ambiente concorrencial, como propunha o próprio Adam Smith e
seus seguidores da Escola Clássica. O mais correto seria contextualizá-lo em um ambiente de capitalis-
mo monopolista, sendo que, nesse caso, deve-se associar a palavra “monopólio” não necessariamente
a um único vendedor ou única empresa ofertante do produto, mas sim a um grupo de vendedores ou
empresários controlando totalmente ou grande parte da produção, isto é, um verdadeiro “oligopólio”.
Contudo, a literatura econômica utiliza, naturalmente, a empresa de capital monopolista no sentido de
“oligopólio” para essa análise.
Nesse sentido, pode-se argumentar que o desenvolvimento inicial do capitalismo ocorreu através
de um grande domínio das grandes nações industriais sobre as economias subdesenvolvidas. Essa su-
bordinação caracterizava-se basicamente pela oferta de matérias-primas e produtos em transformação
das economias periféricas para os países desenvolvidos. E, após a efetiva industrialização do produto,
seu destino final seria abastecer os mercados dos países subdesenvolvidos. Por exemplo, um deter-
minado país subdesenvolvido exporta couro e algodão a um específico país industrializado. A partir
da matéria-prima há a transformação de produtos, tais como sapatos e roupas que logicamente irão
abastecer o mercado interno dos países desenvolvidos e também o mercado das economias periféricas.
Nota-se que essa dependência em relação aos países mais avançados só seria realmente equilibrada ou
reduzida se em algum momento da história o país subdesenvolvido implementasse um amplo progra-
ma de industrialização.
Esse simples exemplo ilustra a crescente divisão social internacional do trabalho, transformando
o globo em dois pólos desiguais: um produtor agrícola e de minérios, ofertando matéria-prima ou mão-
de-obra não-qualificada e, no topo da divisão do trabalho, a produção industrial absorvendo grande
parte da riqueza. E essa absorção era garantida pelo capital monopolista. Baran e Sweezy (1978, p. 14)
descrevem uma importante análise de Lênin: “se fosse necessário dar a mais breve definição de impe-
rialismo, teríamos de dizer que ele é a fase monopolista do capitalismo”. Portanto, o imperialismo1 não
passa de uma absorção por parte dos grandes grupos industriais e financeiros da maior fatia da riqueza
mundial. Mas, para isso ocorrer, os países industriais necessitavam ampliar sua participação no mundo.
O imperialismo na América seguiu a Doutrina Monroe (1823) que reafirmava a posição dos Esta-
dos Unidos contra o colonialismo formal europeu neste continente. Estabeleciam uma idéia de que “a
América era para os americanos” e, de certa forma, garantindo uma parte expressiva desse mercado aos
Estados Unidos. Nesse sentido, o imperialismo observado na América manteve a independência políti-
ca e uma forte subordinação econômica.

1 Alguns autores referem-se também ao imperialismo, desse período, como um “novo colonialismo”, ver Rezende (2005), capítulo 7, ou
simplesmente ‘‘neo-colonialismo’’.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 39

A pecuária e as exportações de carne foram as principais atividades econômicas de países como


a Argentina e o Uruguai. Rezende (2005) destaca que a Argentina expandiu suas exportações de carne
congelada de 27 mil toneladas em 1890 para 376 mil toneladas em 1914.
Os países como México, Chile (maior exportador mundial de cobre), Bolívia, Peru e Venezuela
destacaram-se pelo aumento na produção e exportação de minérios. No caso desses países, o cresci-
mento sustentável da demanda internacional e a necessidade de se investir em modernas tecnologias
de extração mineral incentivaram a criação de empresas internacionais exploradoras. O lucro, assim,
concentrava-se apenas nos países desenvolvidos, impossibilitando a formação e o desenvolvimento
dos mercados internos.
Na América Central, Caribe, Brasil, Colômbia e Equador, as atividade exportadoras de café e cacau
atendiam às necessidades dos mercados internacionais e praticamente toda sua estrutura produtiva
voltava-se para a produção dessas matérias-primas.
Entre os anos de 1884-1885, as grandes potências mundiais reuniram-se em Berlim para definir
novos acordos sobre o comércio, navegação e, sobretudo, os limites de cada um na África Ocidental
e no Congo. A Conferência de Berlim não tinha o Japão como participante e os EUA preocupavam-se
preponderantemente com as novas rotas comerciais e de navegação. Assim, podemos refletir que a par-
tilha da África realmente ocorreu entre as nações européias e, em particular, entre França e Inglaterra,
que já detinham grande parte do mercado africano, e Alemanha que, em virtude de seus processos de
industrialização e unificação nacional tardios, não apresentava uma influência considerável na África.
A figura 1 ilustra como a África estava totalmente dividida no início do século XX, principalmente
pela França e Inglaterra. Sem levar em conta seus aspectos culturais, religiosos e familiares, as principais
regiões foram divididas da seguinte forma:
::: Inglaterra: Sudão, Egito, África do Sul, Rodésia2 e Nigéria.
::: França: Argélia, Madagascar, Marrocos, África Ocidental e Equatorial.
::: Alemanha: Camarões, África Oriental e África do Sudeste (atual Namíbia).
::: Itália: Somália e Líbia.
::: Portugal: Angola e Moçambique.
::: Espanha: Marrocos espanhol.
::: Bélgica: Congo.
A Alemanha, que não possuía nenhuma colônia na África, obteve três faixas importantes do con-
tinente. Portugal gostaria de obter um território maior no Congo e com isso unir Angola e Moçambique,
porém não conseguiu aprovação de sua aliada Inglaterra. A Bélgica manteve seu território no centro do
continente e a Inglaterra dominava quase toda a região Sul da África.

2 Rodésia foi uma região de grande extensão africana sob o domínio inglês. Seu nome é uma referência ao explorador britânico Cecyl Rhodes
que obteve direito de mineração nesta região, em 1888. O governo da República da Rodésia tornou-se, em 1980, independente, mudando seu
nome para Zimbábue.
40 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

Figura 1 – A partilha da África no Imperialismo: Conferência de Berlim

Marilu Souza.

Na Ásia, o novo colonialismo também teve forte influência dos europeus e, logicamente, da Rús-
sia e do Japão. A Grã-Bretanha ocupava desde o início do século XIX grande parte da Índia, estabele-
cendo um regime de protetorado3. O país era comandado pela empresa britânica Companhia das Índias
Orientais a qual detinha, por determinação e proteção do governo, o monopólio comercial.
No sudeste da Ásia, franceses e ingleses guerreavam para obter um maior controle dessa região.
O Império Britânico controlava a Birmânia e Cingapura, e a França a Indochina. Com a definição do su-
deste asiático, em 1904, os dois países resolveram seus problemas coloniais.
O interesse da Rússia na Ásia era estratégico e o país já possuía grande parte do vasto território
siberiano. Contudo, no nordeste asiático, as disputas dos territórios da Coréia e da Manchúria se intensi-
ficam e, nos anos de 1904 e 1905, a Rússia do Czar Nicolau II conflita militarmente com o Japão, gerando
a Guerra Russo-Japonesa. A inesperada vitória japonesa garante, além de uma considerável hegemonia
na região, o reconhecimento de uma nação imperialista pelo continente europeu. A Rússia, desgastada
e com problemas financeiros, une-se à Inglaterra em 1907, resolvendo assim os problemas asiáticos
com o Afeganistão, Tibet e Pérsia. Com isso, formou-se a Tríplice Entente (Rússia, França e Inglaterra),
3 É uma situação política na qual um Estado mais fraco é subordinado a um Estado mais forte.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 41

com o objetivo claro de frear o crescimento e a expansão da Alemanha e de seus aliados: o Império
Austro-Húngaro e a Itália. Kennedy (1989, p. 242) esclarece:
[...], com a Guerra Russo-Japonesa, a tendência geral dessa época foi no sentido do que Feliz Gilbert chamou de enrije-
cimento dos blocos de alianças. Isso foi acompanhado da expectativa por parte da maioria dos governos, de que se e
quando a próxima grande guerra ocorresse, eles seriam membros de uma coalizão”

O mundo, no início do século XX, ficou claramente dividido em dois grandes blocos militares,
sendo que cada um era composto por três nações européias.
A Tríplice Aliança foi originalmente formada entre a Alemanha e a Áustria-Hungria, para proteger
este Império de um possível ataque russo, em 1879. No mesmo sentido, a Alemanha realiza um tratado
mútuo com a Itália, em 1882, para conter também um possível ataque francês. Para Kennedy (1989), a
preocupação central da Alemanha era de se proteger a curto prazo e com isso avançar a passos largos
em um processo de industrialização, visto que a unificação nacional do Estado alemão ocorreu tardia-
mente, isto é, em 1870. A Alemanha temia um ataque da França que tinha intuito de recuperar as regiões
da Alsácia e Lorena bem como uma expansão desenfreada da Rússia na Europa. Em contrapartida, em
1894, a aliança franco-russa tentou equilibrar as relações militares e, sobretudo, preparar-se contra o
avanço das tropas alemãs. Em termos geográficos, essa aliança foi importante para tentar neutralizar a
expansão da Alemanha e de seu principal aliado, o Império Austro-Húngaro na Europa.
Em 1914, o assassinato do arquiduque e príncipe herdeiro do Império Austríaco, Francisco Ferdi-
nando, que estava visitando a Bósnia, levou o exército da Áustria a realizar uma intervenção na Sérvia.
Imediatamente, a Rússia enviou suas tropas à região, iniciando a Primeira Guerra Mundial.

A economia brasileira no século XIX


A economia brasileira sofre profundas mudanças nos campos político e econômico ao longo do
século XIX. Na política destaca-se a Independência do Brasil, em setembro de 1822 e a Proclamação
da República, em novembro de 1889. Na área econômica, na qual esta aula propõe-se a analisá-la com
mais detalhes, destacam-se as exportações de café, principalmente no final do século, consolidando-se
como a principal atividade econômica do país.
A atividade econômica brasileira segue o contexto do imperialismo mundial, ou seja, o café tinha
como foco principal abastecer o mercado internacional, em especial a Europa industrializada e os Esta-
dos Unidos.
O Brasil, dividido em latifúndios e apresentando vantagens comparativas4 em relação às colônias
holandesas e francesas e com um grande potencial agrícola, tornou-se o maior produtor mundial de
café. Fatores como solo, mão-de-obra abundante e infra-estrutura consolidada, devido aos ciclos pro-
dutivos de açúcar e ouro anteriormente, em relação às demais colônias, influenciaram também para o
desenvolvimento dessa cultura.
As principais regiões produtoras foram: Vale do Paraíba no Rio de Janeiro; Taubaté, Guaratinguetá
e Campinas em São Paulo; Além Paraíba, Pomba e Muriaé em Minas Gerais; e Itabapoana no Espírito
Santo.

4 Termo desenvolvido pelo economista britânico David Ricardo.


42 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

A tabela 1 descreve o crescimento das exportações brasileiras entre os anos de 1821 a 1914, ano
da Primeira Guerra Mundial. A expansão expressiva da produção cafeeira, na primeira metade do século
XIX, gerou um crescimento das exportações de 129 mil sacas em 1821 para 1,383 milhão de sacas em
1840 e uma queda nos preços médios. Naturalmente, os fazendeiros necessitavam de mão-de-obra adi-
cional e, nesse sentido, o tráfico de escravos foi intensificado no Brasil. A Grã-Bretanha proibiu o comér-
cio de escravos em suas colônias desde 18075, por esse motivo o Brasil entrou em numerosos conflitos
com os ingleses, principalmente entre 1830 a 1851. Segundo Magalhães (1991), em 1845 o Parlamento
britânico aprova a Lei Aberdeen6, declarando explicitamente que o tráfico de escravos era um ato de
pirataria, condenado à pena de morte e confisco de bens do traficante surpreendido em flagrante.
Tabela 1 – Exportações brasileiras de café, no período de 1821 a 1914

(MAGALHÃES, 1991. Adaptado.)


Participação (%)
Quantidade (1 000 Valor da produção Preço médio (libras
Ano nas exportações
sacas) (em libras) por saca) brasileiras
1821 129 704 5,5 16,3%

1830 480 663 1,4 19,8%

1840 1 383 2.657 1,9 46,7%

1860 2 524 6.289 2,5 53,5%

1870 3 115 6.039 1,9 39,1%

1890 5 109 17.850 3,5 64,7%

1900 9 155 18.889 2,1 56,9%

1910 9 724 26.696 2,7 42,3%

1914 11 270 27.000 2,4 57,7%

Contudo, entre 1840 a 1890, o desenvolvimento da indústria cafeeira torna-se a atividade mais
importante no Brasil, gerando receitas governamentais e, sobretudo, melhorando a balança comercial.
Em 1860, o café representava em torno de 53% nas exportações brasileiras e, em 1890, ultrapassava os
64%. Em 1870, as exportações do café caíram para 39%, sendo que a produção de algodão avançou
para atender às necessidades da indústria têxtil inglesa em virtude da Guerra da Secessão (1861-1865)
norte-americana. Entretanto, após esse período, a produção de café volta a crescer no cenário interna-
cional, reforçando sua liderança nas exportações brasileiras.
A escravidão era forte no sul dos EUA devido ao algodão, em Cuba pela produção de açúcar e
no Brasil pelo café. Nos EUA, a abolição total ocorre bem no final da guerra civil, em 1865; em Cuba,
em 1886, e no Brasil, com a Lei Áurea, em 1888. Em São Paulo, a absorção da mão-de-obra agrícola
européia, vinda dos imigrantes, seguiu a dinâmica capitalista com salários e formação de mercados e
avanços nas técnicas de plantios, substituindo a dificuldade de se obter trabalho escravo, a partir da
segunda metade do século XIX.
Magalhães (1991, p. 303) descreve com muita propriedade este período:

5 O tráfico de escravos entre as colônias também foi proibido pelas grandes potências: França em 1848, Holanda em 1863 e Portugal em 1858.
6 Entre 1840 e 1848, a marinha inglesa aprisionou 625 embarcações que carregavam milhares de escravos. A lei feria o Direito Internacional,
criando problemas diplomáticos com o Império Brasileiro. Entre 1849 e 1851 foram destruídos cerca de 90 embarcações suspeitas de tráfico
para o Brasil, muitas em águas territoriais do país.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 43

A economia cafeeira era reflexa, primário-exportadora, com as mesmas características da economia colonial das pre-
cedentes. Tratava-se, como no caso do açúcar, de uma atividade com alta densidade de mão-de-obra, estabelecida em
uma região cuja população ainda era relativamente pequena.

As principais conseqüências foram o desenvolvimento de dois mercados internos. O primeiro


formado pelos latifundiários e classes políticas dominantes. Nesse caso, consumindo produtos manu-
faturados importados e concentrando a renda. E o segundo mercado formado pelos escravos libertos e
os imigrantes, com renda baixíssima e consumindo apenas para sua sobrevivência. Esse mercado con-
sumidor interno, aliado ao mercado internacional, possibilitou a expansão do comércio e dos serviços
no Brasil. Em especial destaca-se o crescimento da malha ferroviária que passou de 223 quilômetros,
em 1860, para 3 398 quilômetros, em 1880, e 9 973 em 1890, transportando toneladas de café das re-
giões produtoras para os portos. Setores financeiros como bolsa de valores, bancos comerciais e infra-
estrutura básica de iluminação e saneamento também se beneficiaram e se desenvolveram com as
exportações do café. O crescimento populacional foi expressivo. Estima-se que, em 1818, o Brasil tivesse
3,8 milhões de habitantes, 11,7 milhões em 1880 e, em 1889, 14,3 milhões.
No início do século XX, o crescimento desenfreado da produção de café levou o país a registrar
períodos de superprodução e queda nos preços, como destacados na tabela 1. Os estados cafeeiros
buscaram diminuir esse problema com o Convênio de Taubaté, em 1906, estabelecendo basicamente
a compra, por parte do governo, do excedente agrícola e a ampliação dos empréstimos internacionais
para manter a política de bons preços.
A ampliação da produção de borracha, no final do século XIX e início do século XX, justifica a
queda relativa das exportações de café que em 1890 eram de 64%, passando para 57% em 1900 e 42%
em 1910.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)


A tabela 2 descreve as potências européias da Tríplice Entente antes e durante a Primeira Guerra
Mundial. A Inglaterra era a nação mais industrializada e urbanizada, seguida da França. Em 1913, antes
da guerra, aproximadamente 34% da população inglesa vivia nas cidades, isto é, mais de 15 milhões de
pessoas. Na França, nesse mesmo ano, 15% dos habitantes residiam nas cidades, representando mais
de 39 milhões de pessoas. O fato curioso é que a Rússia, um país de território continental e populoso,
com mais de 175 milhões de habitantes em 1913 era pouco industrializado, isto é, urbanizado. Nesse
ano, apenas 7% de sua população vivia nas cidades. A Rússia entrou na Primeira Guerra Mundial como
um país preponderantemente agrícola.
Tabela 2 – População total e urbana em milhões e população urbana em porcentagem das
potências da Tríplice Entente: 1890 a 1920
(KENNEDY, 1989.
Adaptado.)

Países Rússia Grã-Bretanha França


População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./
Ano
total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total
1890 116,8 4,3 3,7% 37,4 11,2 29,9% 38,3 4,5 11,7%

1900 135,6 6,6 4,9% 41,1 13,5 32,8% 38,9 5,2 13,4%
44 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

Países Rússia Grã-Bretanha França


População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./
Ano
total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total
1910 159,3 10,2 6,4% 44,9 15,3 34,1% 39,5 5,7 14,4%

1913 175,1 12,3 7,0% 45,6 15,8 34,6% 39,7 5,9 14,9%

1920 126,6 4,0 3,2% 44,4 16,6 37,4% 39,0 5,9 15,1%

Analisando a situação da Tríplice Aliança, ilustrada na tabela 3, pode-se destacar a maior indus-
trialização da Alemanha. Essa economia apresentava em 1913, aproximadamente, 21% da sua popula-
ção urbanizada, isto é, mais de 14 milhões de habitantes. O Império Áustria-Hungria, apesar de popu-
loso, com 52 milhões de habitantes em 1913, não apresentava uma taxa de urbanização acima de 9%.
Era, em termos relativos, mais industrializados que a Rússia. A Itália tinha uma pequena população de
35 milhões de habitantes em 1913, e com uma boa taxa de urbanização, mais do que 11% de sua po-
pulação.
Tabela 3 – População total e urbana em milhões e população urbana em porcentagem das
potências da Tríplice Aliança: 1890 a 1920

(KENNEDY, 1989. Adaptado.)


Países Alemanha Áustria – Hungria Itália
População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./ População População Pop. Urb./
Ano
total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total total urbana Pop. Total
1890 49,2 5,6 11,4% 42,6 2,4 5,6% 30,0 2,7 9,0%

1900 56,0 8,7 15,5% 46,7 3,1 6,6% 32,2 3,1 9,6%

1910 64,5 12,9 20,0% 50,8 4,2 8,3% 34,4 3,8 11,0%

1913 66,9 14,1 21,1% 52,1 4,6 8,8% 35,1 4,1 11,7%

1920 42,8 15,3 35,7% – – – 37,7 5,0 13,3%

Nota: em 1915, a Itália saiu da Tríplice Aliança para se juntar à Inglaterra.

Na questão demográfica, destaca-se ainda o crescimento do efetivo militar e naval dos países
industrializados, como ilustrado na tabela 4. Todas essas nações expandiram significativamente suas
unidades militares desde 1880. Por exemplo, a Alemanha passa de 426 mil unidades, em 1880, para 524
mil em 1900 e, no início da guerra, para 891 mil unidades. A Rússia, nesse mesmo período, apresenta os
seguintes dados: 791 mil, 1,162 milhão e 1,352 milhão. A tabela 5 descreve o crescimento da produção
inicialmente de ferro e depois aço no período de 1890 a 1920. Destaca-se que antes da primeira guerra,
a produção de aço se expandiu significativamente. Por exemplo, em 1890 a Alemanha produzia 4,1 mi-
lhões de toneladas de ferro, em 1910 passou a produzir 13,6 milhões de aço e, em 1913, 17, 6 milhões de
aço. A França, nesse mesmo período, expandiu, respectivamente, a produção mineral com os seguintes
valores: 1,9 milhões de toneladas de ferro, 3,4 milhões de toneladas de aço e 4,6 milhões antes do con-
flito armado.
Esses exemplos indicam que a Europa vivia um período de preparo para um conflito das grandes
potências. A “paz armada” indicou um crescimento da produção industrial bélica antes da Primeira Guer-
ra Mundial. A disputa pela liderança na Europa e no mundo era evidente entre as grandes potências.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 45

Tabela 4 – Efetivo militar e naval das potências: 1880 a 1914

(KENNEDY, 1989. Adaptado.)


Países 1880 1900 1914
Alemanha 426 000 524 000 891 000

Áustria-Hungria 246 000 385 000 444 000

EUA 34 000 96 000 164 000

Grã-Bretanha 367 000 624 000 532 000

França 543 000 715 000 910 000

Rússia 791 000 1 162 000 1 352 000

Tabela 5 – Produção de ferro e aço das principais potências de 1890 a 1920 em milhões de
toneladas

(KENNEDY, 1989. Adaptado.)


Países 1890 1900 1910 1913 1920
Alemanha 4,1 6,3 13,6 17,6 7,6

Áustria–Hungria 0,97 1,1 2,1 2,6 –

EUA 9,3 10,3 26,5 31,8 42,3

Grã-Bretanha 8,0 5,0 6,6 7,7 9,2

França 1,9 1,5 3,4 4,6 2,7

Rússia 0,95 2,2 3,5 4,8 0,16

Nota: até 1890 a produção é de ferro; a partir desse ano é de aço.

A tabela 6 descreve a participação relativa das potências na produção industrial mundial. A Ale-
manha, logo após sua unificação, passa de uma participação de 8,5% para 14,8% em 1913, ultrapassando
sua rival Inglaterra, que neste ano registrava uma participação de 13,6%. Isto é, a Alemanha, no início
do conflito, era a maior potência industrial européia. Os Estados Unidos, nesse mesmo ano, apresentava
uma produção industrial relativa de 32%, a maior economia do mundo. A entrada dos americanos na
Primeira Guerra Mundial, ao lado dos ingleses e aliados, foi decisiva na vitória contra a Alemanha.
Tabela 6 – Participação relativa (em %) na produção manufatureira mundial: 1880 a 1928
(KENNEDY, 1989. Adaptado.)

Países 1880 1900 1913 1928


Alemanha 8,5% 13,2% 14,8% 11,6%

Áustria-Hungria 4,4% 4,7% 4,4% –

EUA 14,7% 23,6% 32,0% 39,0%

Grã-Bretanha 22,9% 18,5% 13,6% 9,9%

França 7,8% 6,8% 6,1% 6,0%

Rússia 7,6% 8,8% 8,2% 5,3%

A economia de guerra, de acordo com Rezende (2005, p. 189), apresentava uma característica
muito marcante: “Mobilizar todos os fatores de produção nacionais e dirigi-los no sentido de maximi-
46 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

zar sua produtividade, [...]”. Era fundamental expandir a produção industrial neste período, e com isso
demandar mais mão-de-obra e matérias-primas. A tabela 7 organiza os gastos efetuados a preços cons-
tantes e a força mobilizada durante o conflito. No total, a Tríplice Entente gastou mais de 57 bilhões de
dólares, sendo que o Império Britânico contribuiu com o maior valor, 23 bilhões de dólares. Mobilizaram
também uma força de mais de 42 milhões de pessoas, sendo que a Rússia, o país mais populoso, par-
ticipou com 13 milhões de pessoas. O Império Britânico, com ajuda de suas colônias, principalmente
a Índia, mobilizou mais de 9 milhões de pessoas. Os EUA participaram mais com recursos financeiros
do que com tropa efetiva. Com o receio de perder seus maiores consumidores, financiaram mais de 17
bilhões de dólares.
No caso da Tríplice Aliança, a Alemanha financiou grande parte do conflito, sendo que o mon-
tante total foi de 24,7 milhões de dólares. No caso da força militar, a Áustria-Hungria contribuiu com 9
milhões de pessoas e a Alemanha com 13 milhões.
Tabela 7 – Despesas de guerra e total de forças mobilizadas no período de 1914 a 1919

(KENNEDY, 1989. Adaptado.)


Países Despesas de guerra a preços de Total das forças mobilizadas
1913 (bilhões de dólares) (em milhões)
Império Britânico 23,0 9,5
França 9,3 8,2
Rússia 5,4 13,0
Itália 3,2 5,6
EUA 17,1 3,8
Outros* –0,3 2,6
Total entente 57,7 42,7
Alemanha 19,9 13,3
Áustria-Hungria 4,7 9,0
Bulgária e Turquia 0,1 2,9
Total aliados 24,7 25,1

* Bélgica, Romênia, Portugal, Grécia e Sérvia

Conclusão
O imperialismo foi marcado pelo capital monopolista e concentrador de riquezas. As grandes
nações, tanto européias como os Estados Unidos e o Japão, buscaram dominar de maneira desigual os
mercados periféricos, ou pela dominação político-militar ou simplesmente pelo controle dos interesses
econômicos. O fato é que nenhuma parte do mundo se viu livre do crescimento do capitalismo indus-
trial desigual.
A Primeira Guerra Mundial foi antecipada por disputas das potências por colônias e territórios
europeus também. Suas conseqüências foram o crescimento rápido da produção, a escassez de mão-
de-obra, o aumento no preço dos produtos primários e a falta de produtos industriais nas economias
periféricas.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 47

No Brasil, por exemplo, a falta desses produtos diminuiu as importações, melhorando a balança
comercial. Há um início de industrialização de bens de consumo não-duráveis em São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul.
Os EUA passam a ser os maiores credores internacionais, financiando mais de 4 bilhões de dó-
lares, e o Japão passa a obter praticamente todas as colônias da Alemanha no Pacífico. Além disso, a
Alemanha, maior devedora mundial, perde territórios como a Alsácia-Lorena para a França e a Prússia
Ocidental para a Polônia. O Império Áustria-Hungria é dividido, originando nações independentes: Áus-
tria, Hungria, Iugoslávia e Tchecoslováquia.

Texto complementar
O Imperialismo
(NETSABER, 2008)
O chileno Hector Bruit define o Imperialismo como o período caracterizado entre 1870 e 1914,
quando Europa Ocidental e Estados Unidos arquitetaram a conquista política, econômica e cultural
da África, Ásia, Oceania e América Latina. Houve uma transformação acelerada na estrutura eco-
nômica e nos hábitos sociais dessas regiões. Mas esse imperialismo era disfarçado e tinha razões
escondidas, fatores de ordem econômica e de natureza político-estratégica, diplomática e naciona-
lista na expansão imperialista. Como diz o autor (BRUIT, 1999):
“Assim, foi notória a visão de que a colonização era uma missão civilizadora de uma raça superior, a branca. Essa
convicção baseava-se na superioridade que o europeu e o americano viam em suas instituições políticas, na orga-
nização da sociedade, no desenvolvimento industrial. Ao mesmo tempo, essa imagem era estimulada por doutri-
nas marcadamente racistas, como a elaborada pelo filosofo inglês H. Spencer, conhecida por ‘darwinismo social’.”

O autor considera que a África foi o continente que mais sofreu com a ação do Imperialismo e
foi o único que foi dividido sem o respeito à unidade lingüística e cultural de seus habitantes. Seu
caráter estratégico atraiu os europeus. O caráter social facilitou a instalação dos europeus para exer-
cer o seu comércio.
Hector Bruit ressalta que além dos interesses econômicos, o imperialismo da França foi dina-
mizado por uma política preventiva, resistente às ameaças. A frase de Napoleão: “Do alto destas
pirâmides cinco mil anos os contemplam”, demonstra o interesse cultural dos franceses pelo país
do Egito que na época era considerado como um integrante do sistema econômico europeu. Com a
decadência econômica desse país, foi criado a Comissão Internacional de Liquidação da Dívida, co-
mandada por britânicos, franceses, alemães, austríacos e italianos, com intenções verdadeiramente
políticas. A ocupação militar do Egito pelos britânicos foi por medo do governo inglês de que a Fran-
ça ocupasse o país pressionada pelos investidores. Sem dúvida, a conquista do Egito foi a base para
a orientação do imperialismo britânico na África Oriental que era a porta de entrada para o Nilo.
48 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

Já na região do Cabo, o interesse era pela forma estratégica com que se permitiam as comuni-
cações oceânicas com a Índia, afirma o autor. O Imperialismo estimulou os ingleses em Transvaal a
exigir direitos políticos e a guerra deixa claro o interesse do Imperialismo, que era a interação dos
fatores econômicos, políticos e estratégicos.
Porém, a grande conquista da África Ocidental e Equatorial se deu realmente em 1880, quando
o projeto francês era controlar o vasto triângulo entre Saint Louis e Serra Leoa. Quando a Conferên-
cia de Berlim, em 1885, sancionou a partilha da África, reconheceu a colônia belga como proprie-
dade do rei e nessa divisão e luta pelas colônias na África, só a Libéria e a Etiópia permaneceram
livres.
O autor fala do Imperialismo na Ásia, como uma luta de interesses comerciais. A Índia foi cha-
mada de “a terra do desejo” por Hegel.
Como os ingleses na Índia, os franceses foram conquistando a península como solução para
os problemas que surgiram na própria Indochina. Estabelecidos primeiro no extremo sul, Saigon e
Cochinchina, avançaram até o Camboja, quando este reino pediu ajuda contra o reino de Sião. Para
evitar uma possível conquista por parte de Sião, os franceses estabeleceram o protetorado sobre o
Camboja em 1867. [BRUIT, 1999, p. 38]
Não sendo conveniente para os russos a divisão da China, o ideal russo era evitar outras influên-
cias na Ásia Ocidental. A grande estratégia russa como a construção do transiberiano, que permitia
a drenagem rápida dos produtos e a mobilização das tropas, foi uma jogada para o imperialismo se
firmar.
A entrada da América Latina em cena foi de ordem comercial e financeira, pois no século XX,
a América Latina possuía 20% dos investimentos do mundo. As guerras do Paraguai, de Cuba e do
Pacífico trouxeram interesses econômicos e políticos das potências imperialistas. A conquista de
uma parte do México foi fatal para despertar ainda mais esse interesse e desse modo aumentar o
controle sobre a América Latina.
A penetração americana em Cuba foi com domínio militar, político e econômico. Até o ano
de 1914, os investimentos americanos estavam no México e no Caribe, depois alcançaram toda a
América Latina.
Portanto, o autor conclui que o Imperialismo foi como um vendaval que destruiu as sociedades
e construiu um mundo à parte sobre os povos. Por exemplo, a conquista da Índia custou mais de
cem anos de guerras violentas, e assim tantas outras. A China, além de ter milhões de mortos, ainda
teve que pagar uma indenização humilhante de milhões de libras.
O mundo colonial começava a esfacelar-se e os povos submetidos não só aprendem o idioma
da potência imperialista, como os métodos de violência e terror com os quais o Imperialismo havia
dominado o mundo. Os terroristas de então levantam a voz para condenar a violência revoluciona-
ria e reclamar os direitos que conquistaram a ferro e fogo. [BRUIT, 1999, p. 44]
Assim, Héctor Bruit diz que o direito revolucionário foi oriundo do terror, da pobreza e dos
desprezos colonialistas. Como disse Fidel Castro: “A história me absolverá”.
Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial | 49

Atividades
1. Explique o conceito de capital monopolista e sua relação com o Imperialismo.

2. Comente como ocorreu o novo colonialismo nas Américas, em especial no Brasil.

3. Comente o Imperialismo na África. Qual era o interesse da Alemanha?


50 | Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial

4. Como a economia industrial se organizou antes da Primeira Guerra Mundial?


A Grande Depressão
e o pensamento keynesiano
Introdução
Durante as duas guerras mundiais o mundo capitalista viveu dois períodos importantes para o
amadurecimento das economias de mercado. Inicialmente, a década de 1920, como veremos, foi mar-
cada por um progresso econômico norte-americano, dificuldades na Europa e grandes mudanças eco-
nômicas. Posteriormente, na década de 1930, o mundo viveu um período de crescimento do desem-
prego e uma recessão econômica preocupante. Este capítulo pretende apresentar e discutir esses dois
períodos com um foco final na economia keynesiana, contra a Grande Depressão.
Divide-se o capítulo em três seções. A primeira busca discorrer sobre a economia americana e eu-
ropéia durante a década de 1920. Em seguida, são apresentados os elementos que levaram a economia
a viver a Grande Depressão. E, por último, o pensamento do economista britânico John Maynard Keynes
é apresentado, focando na necessidade de se combater as elevadas taxas de desemprego.

A economia na década de 1920


A economia na Primeira Guerra Mundial foi amplamente controlada pelo Estado, com o foco nas
necessidades bélicas e estratégicas dos países. A organização produtiva era organizada severamente
pelos governos e a liberdade econômica foi substituída pela intervenção estatal.
Na década de 1920, observou-se o renascimento do liberalismo econômico com o crescimento
dos mercados, da iniciativa privada, do mercado acionário e na diminuição do Estado na ordem eco-
nômica. Muitos governos reduziram significativamente os gastos públicos. Nos EUA observou-se uma
52 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

redução do déficit público, com aumento da arrecadação fiscal e redução dos gastos. Rezende (2005)
destaca o grande progresso norte-americano com a expansão da economia de mercado, como uma
“Década de Ouro”. O consumo de bens duráveis foi importante para moldar o estilo de vida dos EUA. Na
década de 1920, a Ford e a General Motors fabricavam mais de 1 milhão de automóveis por ano e um
em cada seis americanos tinha um automóvel e comprava geladeira, fogão e rádios devido à grande
oferta de crédito.
O crescimento interno, acompanhado pela sua posição hegemônica mundial (1926-29), fez com
que os EUA fossem responsáveis por 42,2% da produção industrial mundial. Era o primeiro produtor
mundial de carvão, eletricidade, petróleo, aço e ferro fundido, fibras têxteis, entre outros. Contudo, devi-
do à elevada taxa de lucro e aos baixos salários, a economia norte-americana apresentava uma elevada
concentração de renda (5% da população recebia 1/3 da renda), elevada taxa de desemprego de 12%
(aumento da produtividade), crise agrícola (baixos preços).
Em contrapartida, a economia européia passava por grandes mudanças e por um período de
recuperação, principalmente a Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial. Na Conferência de Paz
de 1919, em Versalhes, França, os países vencedores estipularam os seguintes pontos:
::: pagamento das reparações de guerra da Alemanha para os países vencedores, em torno de
269 bilhões de marcos.
::: dominação do exército alemão, bem como o desmantelamento dos equipamentos bélicos.
::: entrega de regiões mineradoras do Sarre para a França.
::: perda dos territórios do Togo, Camarões, Tanzânia, Namíbia, Ruanda-Burundi, entre outros.
::: anexação da Alsácia-Lorena pela França e das regiões da Posen e Prússia Ocidental pela Polônia.
As condições impostas pelos países vencedores à Alemanha eram extremamente rígidas e busca-
vam aniquilar o poderio econômico e militar dos germânicos. Essas atitudes, ao longo do tempo, foram
fatores relevantes para o revanchismo alemão na Segunda Guerra Mundial.
O economista britânico John Maynard Keynes, então com 26 anos, representou o governo britâ-
nico na Conferência de Paz. Deixando a conferência extremamente desapontado com os líderes fran-
ceses e americanos, neste mesmo ano lança um livro intitulado As Conseqüências Econômicas da Paz.
Keynes (2002) critica em seu livro o excesso de exigências feitas à Alemanha e a incapacidade de saldar
um montante tão significativo da dívida de guerra. Galbraith descreve o pensamento de Keynes em seu
livro:
A Alemanha, argumentou ele (Keynes), não poderia concebivelmente pagar as quantias previstas com suas receitas de
exportação; o esforço a ser empreendido para tal e a perturbação comercial e financeira decorrente iriam penalizar não
só o inimigo derrotado, mas também todo o resto da Europa. (GALBRAIT, 1989, p. 207)

Comentou, utilizando essa linha de raciocínio, na possibilidade da existência de uma nova guerra
na Europa, em virtude do revanchismo alemão.
Realmente a economia germânica na década de 1920 sofreu com o pós-guerra, principalmente
com o baixo crescimento do PIB e a depreciação do marco alemão gerando uma hiperinflação.
Em 1920, a inflação foi de 172%, sendo que, em outubro de 1923, isto é, em apenas um mês a
inflação foi de 29 607% e em novembro foi de 10 121%. Em agosto de 1924, a Alemanha assina um
tratado de recuperação financeira e econômica – o Plano Dawes – que buscava combater o processo
inflacionário, rever os valores de reparação da guerra e controlar o déficit público. Em conjunto com
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 53

uma política de restrição de crédito do governo alemão, a recuperação do marco foi desacelerando o
processo inflacionário e, em 1931, os pagamentos foram suspensos.
Mesmo com a relativa melhora, no final da década de 1920, o baixo crescimento, os elevados índi-
ces de desemprego, a inflação e a dívida da guerra possibilitaram o fortalecimento de partidos políticos
de extrema direita e extrema esquerda, ou seja, o Partido Nacional Socialista e o Partido Comunista,
respectivamente.

Grande Depressão da década de 1930


Decorrente da prosperidade econômica norte-americana, na década de 1920, a Bolsa de Valores
de Nova York, no início de setembro de 1929, registra um valor recorde de 200,9 pontos. Considerando
o período de 1920 a 1929, as principais ações tiveram uma valorização média de 196%, como destacado
pelo gráfico 1. O mercado acionário vivia momentos de grande otimismo e muitos investidores criavam
verdadeira fortunas na compra e venda dos papéis das principais empresas norte-americanas.
Contudo, em 24 de outubro deste ano, o pregão da Bolsa de Nova York foi marcado por um pes­
simismo generalizado, alastrando para uma situação de pânico e venda expressiva dos papéis. A “Quin-
ta-Feira Negra”, como ficou conhecida, jogou para baixo os preços das ações, com medo de uma reces-
são generalizada na economia. O gráfico 1 destaca que de 1929 a 1930 a bolsa caiu em média 21,3% e
em quatro anos (1929-1933) reduziu em mais de 66%. Destaca-se que, durante toda a década de 1930,
os preços das ações permaneceram inferiores ao valor de 1929 e só retornam aos seus valores pré-crise
no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
O volume negociado na Bolsa de Nova York foi reduzido drasticamente. Os empréstimos aos cor-
retores atingiram seu topo em setembro de 1929, com um valor mensal de US$8,5 bilhões. Em dezem-
bro deste mesmo ano, o volume negociado era de aproximadamente US$3,9 bilhões e, com a falta de
confiança no mercado acionário, em dezembro de 1930, o volume negociado pelos corretores foi de
aproximadamente US$1,8 bilhão. Em dezembro de 1932, o volume despencou para US$347 milhões.
O sistema financeiro e as corretoras de valores foram as atividades que inicialmente mais sofre-
ram com a queda da bolsa. De acordo com o Federal Reserve Bank (FED)1, em dezembro de 1929 havia
24 026 bancos comerciais2 operando no país; no mesmo mês de 1930 o número já era de 22 172, caindo
para 19 375, no ano seguinte e para 15 519 em 1933, o pior ano da Grande Depressão. Isso significa dizer
que em quatro anos consecutivos, 6 653 bancos comerciais, principais instituições do sistema financei-
ro, pediram falência. Uma queda de 30% no número de instituições bancárias.
Como conseqüência, a concessão de empréstimos foi drasticamente reduzida. Em 1929, os ban-
cos comerciais emprestaram cerca de US$49,4 bilhões para o consumo e o investimento das empresas;
em 1933, este valor foi reduzido para US$30,4 bilhões, uma queda de 38,5%.

1 O Federal Reserve Bank (FED) é o Banco Central dos Estados Unidos.


2 Bancos comerciais estaduais e nacionais.
54 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

Gráfico 1 – Preço médio anual das ações nos EUA de 1920 a 1941: Índice geral das ações
comuns, 1935-1939 = 100
220

Standard and Poor’s Corporation.


200
180
Índice das ações

160
140
120
100
80
60
40
20
21
22
23
24
25

27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38

41
26

40
39
19
19
19
19
19
19

19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19

19
19

19
19
Ano
No momento em que a crise do sistema financeiro, gerada pela queda repentina das ações, atinge
as decisões de investimento e consumo dos agentes econômicos, a recessão econômica começa a ser
observada com mais vigor. O desempenho do aparelho produtivo pode ser mensurado pelos compo-
nentes da demanda agregada que, por sua vez, determinam o Produto Interno Bruto (PIB) da economia.
Nesse sentido, podemos argumentar que o PIB é composto por cinco variáveis expressas pela identida-
de a seguir:

PIB = C + I + G + X – M (1)

Uma breve explicação dessas variáveis torna-se necessário.


::: Consumo das famílias (C): corresponde à demanda realizada pelos agentes familiares dos
bens finais produzidos no período de mensuração do produto. Isso inclui escola, carro do ano,
comida, geladeira nova, médico, transporte, gasolina, entre outros.
::: Investimento das empresas (I): em Economia, investimento significa ampliação, por parte
da empresa privada, do estoque de capital físico, ligado à produção. De fato, o investimento
consiste na construção civil (novas casas), máquinas e equipamentos, construção e ampliação
de fábricas e adições ao estoque de bens finais das empresas. Se uma empresa compra um
carro novo então é investimento, mas se uma pessoa física o compra, então é consumo das
famílias.
::: Gasto do governo (G): representam as compras efetuadas de bens e serviços pelo setor públi-
co, tanto na esfera municipal, estadual e federal. Incluem gastos com a administração pública,
salários, defesa e segurança nacional, rodovias, ferrovias, saneamento básico, aeroportos, en-
tre outros. Não estão incluídos, neste item, gastos com aposentadorias e programas sociais.
::: Exportações de bens e serviços não fatores (X): representam os produtos finais vendidos
para o exterior. No caso de um bem físico, isto é, uma mercadoria, ela é contabilizada na balan-
ça comercial, e no caso de um serviço não-fatores, por exemplo, uma viagem internacional ou
um transporte internacional, é contabilizado na balança de serviços.
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 55

::: Importações de bens e serviços não-fatores (M): representam os produtos finais comprados
do exterior. O fato desses produtos não representarem a atividade produtiva do país devem
ser excluídos do cálculo da produção.
É fácil observar que se, por exemplo, o consumo das famílias e o investimento das empresas se
elevam em um determinado período3, então a economia cresce. Contudo, não foi isso que ocorreu após
a crise financeira de 1929.
Gráfico 2 – Desempenho anual do PIB (em %) dos EUA durante a Grande Depressão

Bureau of Economic Analysis (BEA).


1939 8,1%
1938 –3,4%

1937 5,1%
1936 13,0%
1935 8,9%
Ano

1934 10,8%

1933 –1,3%
1932 –13,0%
1931 –6,4%
1930 –8,6%

–15,0% –10,0% –5,0% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0%


Taxa de crescimento do PIB (%)

O gráfico 2 destaca que, em 1930, o PIB4 da economia norte-americana sofreu uma retração de
8,6%, sendo que o consumo das famílias caiu 3,99%5 e o investimento privado nacional retraiu 5,23%.
Em 1932, o PIB cai em 13,0% e mais uma vez observou-se um forte retração do consumo (–7,0%) e dos
investimentos (–5,3%). No ano seguinte, a economia retraiu novamente em 1,3%. O valor em si parece
pouco, comparado aos anos anteriores, mas devemos destacar que uma queda de 1,3% em 1933 em
relação a 1932, que é uma base estatística muito fraca, é um valor expressivo. Em 1933, a economia
norte-americana encontra-se no pior momento da Grande Depressão.
Entre os anos 1929 e 1932, os gastos do governo ficaram praticamente estagnados em torno
de US$6,5 bilhões, representando cerca de 6% do PIB6. Com a queda da renda, devido à recessão, a ar­
recadação total do governo declinou de US$9,9 bilhões em 1929 para US$7,7 bilhões o menor valor em
1932. Nesse mesmo período, o governo registrou um superávit comercial na ordem de US$2,6 bilhões
em 1929 e um ligeiro déficit público de, aproximadamente, US$700 milhões. Essa inversão do orçamen-
to governamental foi mais pela queda da arrecadação do que pelo aumento nos gastos públicos. Pelo
contrário, no início da recessão econômica, o investimento governamental anual caiu de US$ 2,8 bilhões,
em 1929, para US$2,1 bilhões, em 1932, e US$1,9 bilhão no ano seguinte.

3 Um crescimento não-inflacionário.
4 Neste caso, refere-se ao PIB real, descontada as variações nos preços.
5 O consumo de bens duráveis das famílias caiu 1,56%, pela escassez de crédito.
6 Para um PIB nominal de 1929. Em 2006, o gasto do governo em relação ao PIB norte-americano está em 16%.
56 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

Devido à crise mundial, as exportações também sofreram forte arrefecimento. De acordo com os
dados do comércio dos EUA, o volume médio mensal das exportações caiu mais de 60% entre os anos
de 1929 a 1933. A produção industrial geral e de bens de consumo duráveis caiu, entre 1929 a 1932,
47,3% e 68,9%, respectivamente.
Considerando uma retração de todas as variáveis
da demanda agregada, descritas no gráfico 1, pode-se
argumentar que a crise atingiu proporções enormes. A
pobreza no mundo e nos EUA aumentou drasticamen-
te, assim como a perda no poder aquisitivo. A figura ao
lado reflete o grande problema social vivido durante
a Grande Depressão: miséria e desemprego (falta de
renda).
Os salários reais já vinham sofrendo reduções
durante a década de 1920 devido ao crescimento de-
sigual nos Estados Unidos. De 1920 a 1929, os salários
reais7 caíram mais de 2,8%, sendo que deste perío-
do ao ano de 1931 diminuíram em mais de 20,8% e,
Família desempregada, vivendo em condições miserá-
comparando com 1933, mais de 50%. Devido a essa veis, em Elm Grove, Califórnia, Estados Unidos.
queda nos salários e no produto, a economia norte-
americana registrou uma deflação muito elevada no
nível geral de preços. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), de acordo com o gráfico 3, caiu 6,4% em
1930; 9,32% em 1931; e 10,27% em 1932. Essas sucessivas quedas nos preços não foram suficientes para
estimular o consumo dos agentes econômicos como pensavam os economistas liberais8 para restabele-
cer os níveis de consumo. Com isso, a economia ficou operando com crescimento econômico negativo
e deflação no IPC.
Gráfico 3 – Variação percentual do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), nos EUA: 1929-1938
2,99 2,86
U.S. Department of Labor:
Bureau of Labor Statistics

4,0
1,52 1,45
2,0 0,58 0,76
0,0

–2,0
IPC (%)

–4,0 –2,78

–6,0
–6,40
–8,0

–10,0 –9,32
–10,27
–12,0
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938
Ano
Nota: IPC para todos os itens de consumo urbano.

7 Salários reais dos homens, incluindo os trabalhadores qualificados e não-qualificados (Department of Labor).
8 O governo republicano de Herbert Hoover esperava que o mercado iria se auto-regular através da queda dos preços. Com isso, não interferiu
na crise financeira de 1929. Muito criticado, Roosevelt ganha facilmente as eleições para presidente dos EUA, em 1932.
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 57

A elevada taxa de desemprego foi a “pedra no sapato” das economias capitalistas durante a Gran-
de Depressão. Ao analisar essa variável, devemos deixar bem claro como ela é obtida. A seguir é expres-
so um cálculo simples de como se obtém a taxa de desemprego.
Quadro 2

Número de pessoas desempregadas


d= x 100
População economicamente ativa
Sendo:
d = taxa de desemprego em porcentagem obtida da População Economicamente Ativa (PEA).

Nesse sentido, a taxa de desemprego é obtida pela razão entre o número de pessoas desempre-
gadas e a população economicamente ativa, isto é, a oferta de trabalhadores. E, assim, classificamos a
taxa de desemprego como uma variável socioeconômica. Um elevado valor9 desta representa um des-
perdício de mão-de-obra que necessita de emprego, mas não encontra.
Com a queda substancial do PIB, no início da Depressão, o desemprego explodiu. Em 1929, nos
EUA, havia 1,5 milhões de desempregados e a taxa de desemprego era de 3,2% da força de trabalho10. Em
um ano o número de pessoas sem emprego aumentou para 4,3 milhões de pessoas ou 8,7% da PEA.
Em 1932, em uma situação caótica da economia mundial, a taxa de desemprego norte-americana foi de
23,6% da PEA, representando cerca de 12 milhões de pessoas desesperadas por um trabalho. No ano
seguinte, a taxa de desemprego aumentou para 24,9% da força de trabalho, isto é, mais de 12,8 milhões
de pessoas esperando por um emprego.
Desesperado, o governo norte-americano lança um amplo programa de combate à depressão. O
New Deal, como ficou conhecido, foi implementado entre 1933 e 1937, pelo presidente Franklin Delano
Roosevelt. As principais medidas foram:
::: expandir o crédito para a agricultura.
::: reforma nas leis bancárias.
::: amplos programas de geração de emprego e renda.
::: criação de programas socias, tais como a redução da jornada de trabalho, salário mínimo e o
seguro-desemprego.
O investimento público em rodovias, ferrovias, energia, por exemplo, aumentou de US$1,9 bilhão
em 1933 para US$4,1 bilhões em 1936. Os benefícios sociais do governo, nesse período, saltaram de
US$1,3 bilhão para US$2,7 bilhões. O gasto do governo com bens e serviços chegou a US$9,0 bilhões
em 1936, representando 10,7% do PIB norte-americano.
Em 1934, o PIB cresceu 10,8%, puxado pela expansão no consumo das famílias de 5,71% e pelo
investimento das empresas de 2,78%. Em 1936, mais uma vez a economia cresceu 13,0%, liderado
pelo consumo (7,74%) e pelo investimento (2,53%). Como conseqüência positiva, a taxa de desem-
prego caiu para 21,7% da PEA, em 1934, representando 11,3 milhões de pessoas sem emprego e, em

9 Uma taxa de desemprego elevada pode variar entre os países. Em geral, em uma economia dinâmica, uma taxa acima de 6-7% da força de
trabalho já é preocupante.
10 Dados do Department of Labor, US.
58 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

1937, último ano do New Deal, o desemprego caiu para 14,3% da força de trabalho, com 7,7 milhões de
pessoas. Entre o período de 1933 a 1937, a produção industrial total e de bens duráveis cresceram 63%
e 126%, respectivamente.
Apesar do bom desempenho inicial do New Deal, esse programa não foi suficiente para recuperar
a economia americana da Grande Depressão. A restabilização total da economia só ocorreu no final da
Segunda Guerra Mundial. Em 1939, a taxa de desemprego era elevada: 17,2% da PEA (9,4 milhões de
pessoas).
Em 1944, essa taxa cai para 1,2% da força de trabalho, representando um desemprego de apenas
670 mil trabalhadores. Nesse mesmo período, a produção industrial total aumentou em 116% e a de
bens duráveis 224%. O PIB registrou uma excelente recuperação entre 1941 e 1943, com taxas de cres-
cimento de 17,1%; 18,5%; 16,4%, respectivamente.

A economia keynesiana
John Maynard Keynes (1883-1946) foi um dos mais importantes economistas que o mundo co-
nheceu. Nasceu na Inglaterra e suas idéias inovadoras deram origem a uma importante área da Ciência
Econômica, a macroeconomia. Interpretou como ninguém, em seu tempo, a Grande Depressão mun-
dial, buscando sempre um pensamento alternativo da análise convencional.
Preocupado com a situação econômica e, sobretudo, com a dificuldade da teoria clássica em in-
terpretar fenômenos socioeconômicos tão relevantes, Keynes publica em 1936 sua maior obra: Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, com o objetivo de fornecer uma análise realmente consistente do
problema do desemprego e, com isso, sugerir políticas de geração de renda e emprego.
Sua visão agregada do sistema econômico era contrária à análise clássica na qual argumenta que:
“toda oferta cria sua própria demanda” como exposto pela Lei de Say. Contrariamente, Keynes defen-
dia que sob certas condições o sistema capitalista poderia viver período de insuficiência de demanda
efetiva (ou agregada), direcionando a economia para uma situação de superprodução. Esse excesso de
oferta de bens, de acordo com a Escola Clássica, só poderia ocorrer temporariamente, pois nesse caso os
preços dos produtos iriam retrair-se. E, assim, o consumo seria expandido restabelecendo as condições
de oferta e demanda da economia como um todo.
Keynes era contrário a esse raciocínio liberal. Argumentava que em caso de insuficiência de de-
manda efetiva e severa crise de confiança no futuro da economia, as empresas, convivendo com uma
situação de superprodução (aumento nos estoques dos produtos), iriam inevitavelmente reduzir, no
período seguinte, o volume de produção. Esse ajustamento da produção para o novo nível de demanda
iria aumentar o desemprego e reduzir os salários. Seguindo o raciocínio keynesiano, a queda na renda
dos trabalhadores produziria uma redução no consumo das famílias, gerando um efeito multiplicador
no aparelho produtivo. Como a demanda iria cair mais ainda, o corte inicial da produção não iria ser su-
ficiente para combater a superprodução e, assim, nos períodos seguintes, as empresas iriam novamente
reduzir seu volume de produção em virtude de uma queda nas suas vendas. O desemprego iria subir
mais ainda, prejudicando os salários. O ciclo descrito por Keynes representava exatamente a situação
vivida, por exemplo, pelos EUA, durante os anos de 1930 a 1933.
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 59

Galbraith (1989, p. 209) descreve: “O problema decisivo da economia não é como os preços são
estabelecidos, nem como a renda resultante é distribuída. A questão mais importante é como se deter-
minam os níveis de produção e emprego”.
Nesse caso, uma redução geral no nível de salários, como observado em menor escala na década
de 1920 e expressivamente no início dos anos 1930, não iria garantir custos menores e maior volume
de produção, como imaginavam os economistas liberais. Esses reajustes para baixo dos salários só iriam
agravar o problema de insuficiência de demanda agregada, prejudicando ainda mais a recessão econô-
mica. Realmente, o problema do desemprego não ocorria em virtude dos elevados salários, mas sim da
falta de demanda.
Com a finalidade de estagnar o ritmo recessivo das economias, Keynes justificava uma atuação
mais expressiva do setor público, ampliando seus gastos governamentais e estimulando o nível de de-
manda efetiva. Era a favor, se fosse o caso, da geração de déficits públicos intencionais, financiados pela
emissão de títulos públicos de longo prazo. Esses poderiam ser utilizados pelos bancos comerciais como
ativos mais seguros, substituindo assim as ações que vinham perdendo valor ao longo da depressão.

Conclusão
A Grande Depressão foi um período de grandes perdas sociais e econômicas, tanto nos EUA como
no mundo capitalista. Indiscutivelmente foi um dos fenômenos – quem sabe até o maior – mais estu-
dados no século XX. A recessão foi tão severa que, em quatro anos consecutivos de queda do PIB, as
economias atrasaram para o início do século, deixando uma massa de desempregados.
O capítulo não tem como objetivo esgotar a análise desse rico período para a literatura econômi-
ca, nem a intenção de determinar se o pensamento keynesiano é melhor do que a visão clássica. Busca-
se sim uma descrição econômica e social, com base nos principais indicadores da época e mostrar como
efetivamente as economias combateram a Grande Depressão.
Em 1932, o presidente Hoover e seus assessores econômicos liberais propuseram um amplo pro-
grama de aumento nos impostos, devido à perda observada na Depressão. Pensavam que o governo
não deveria intervir no aparelho produtivo, sendo sua função manter o orçamento equilibrado, pois sua
intervenção poderia prejudicar o ajuste natural da economia. Nas eleições presidenciais dos EUA, em
1932, Roosevelt venceu facilmente Hoover e lançou um amplo programa de recuperação da economia,
o já citado New Deal. Como destacado anteriormente, esse pacote governamental auxiliou no combate
à Depressão, mas não restabeleceu efetivamente os níveis de produção e emprego. Só no período de
1941-1944, a Depressão foi realmente combatida com uma significativa expansão dos gastos gover-
namentais que passaram de US$15,7 bilhões para US$68,7 bilhões, representando em 1944 mais de
31% do PIB norte-americano. Nesse mesmo período, o governo registrou uma inversão no seu orça-
mento público, passando de um superávit de aproximadamente US$4,1 bilhões para um déficit fiscal
de US$25,3 bilhões, em 1944, e US$27,4, em 1947. Como destacado anteriormente, nesse período, a
produção e o emprego voltam para nível pré-crise.
Nesse sentido, o pensamento econômico keynesiano e sua eficiência no aparelho produtivo dei-
xaram uma mensagem muito clara: as economias capitalistas devem funcionar com uma participação
expressiva do Estado. Antes da recessão, o gasto governamental em muitos países era inferior a 10% do
60 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

PIB. Após a Grande Depressão, essa relação subiu para níveis próximos a 20% do PIB, mais os programas
sociais, como seguro-desemprego, aposentadorias e transferência de renda11 que eram raramente utili-
zados nas economias desenvolvidas.

Texto complementar

A Grande Depressão em outros países


(WIKIPÉDIA, 2008)

A Grande Depressão causou grande recessão econômica em diversos outros países que não os
Estados Unidos da América. Em muito desses países, a recessão provocada pela Grande Depressão
gerou efeitos similares na economia, como o fechamento de milhares de estabelecimentos bancá-
rios, financeiros, comerciais e industriais, e a demissão de milhares de trabalhadores.
Os efeitos da Grande Depressão em vários países foram agravados pelo Ato Tarifário Smoot-
Hawley, um ato americano introduzido em 1930, que aumentava impostos a cerca de 20 mil pro-
dutos não-perecíveis estrangeiros, o que causou a aprovação de leis e atos semelhantes em outros
países, reduzindo drasticamente exportações e o comércio internacional. [...]

Canadá
[...] Entre a década de 1900 e a década de 1920, o Canadá possuía a economia em mais rápido
crescimento do mundo, tendo passado por apenas um período de recessão após a Primeira Guerra
Mundial. Ao contrário dos Estados Unidos da América, onde o crescimento exuberante da economia
americana era em grande parte apenas ilusório, a economia do Canadá prosperou verdadeiramente
durante a década de 1920. Enquanto a indústria imobiliária dos Estados Unidos havia estagnado em
volta de 1925, esta indústria continuou forte no Canadá até maio de 1929. O mesmo podia se dizer
da indústria agropecuária, que ao longo da década de 1920 esteve em pleno crescimento no Canadá,
enquanto nos Estados Unidos esse setor entrara em recessão econômica.
O principal produto de exportação do Canadá, à época, era o trigo. Esse produto era então um
dos pilares da economia do país. Em 1922, o Canadá era o maior exportador de trigo do mundo, e
Montreal era o maior centro portuário exportador de trigo do mundo. Entre 1922 e 1929, o Canadá
foi responsável por 40% de todo o trigo comercializado no mundo. As exportações de trigo ajuda-
ram a fazer do Canadá um dos líderes mundiais do comércio internacional, com mais de um terço
de seu produto interno bruto tendo origem no comércio internacional.
O sucesso do trigo canadense era baseado, porém, em problemas que afligiam outros paí-
ses no mundo. A Primeira Guerra Mundial devastou a produção agropecuária dos países europeus.

11 No Brasil, o principal programa de transferência de renda é o Bolsa Família do programa Fome Zero.
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 61

Mais importante foi, porém, a Revolução Russa de 1917, que manteve o trigo russo fora do merca-
do mundial. Em torno de 1925, a gradual recuperação da economia e da agropecuária da Europa
Ocidental, bem como uma nova política econômica na Rússia, fez com que a produção mundial de
trigo aumentasse no mundo, assim diminuindo os preços do produto. Esperando por um rápido
retorno aos altos preços, os fazendeiros e comerciantes canadenses estocaram muito de seu trigo,
em vez de reduzirem sua produção. A introdução de maquinário, especialmente o trator, levou ao
crescimento da produção de trigo tanto no Canadá quanto nos Estados Unidos. Todos estes fato-
res em conjunto desencadearam um colapso nos preços do trigo em junho de 1929, destruindo a
economia de Alberta, Saskatchewan e Manitoba, e afetando severamente a economia de Ontário e
Quebec.
À parte dos Estados Unidos da América, o Canadá foi o país mais duramente atingido pela
Grande Depressão. O Canadá, ainda oficialmente parte do Império Britânico, usava ativamente o
padrão-ouro. Isso, aliado aos estreitos laços econômicos existentes entre o Canadá e os Estados
Unidos (muito dos produtos fabricados no Canadá eram exportados para os Estados Unidos, por
exemplo), fez com que o colapso da economia americana após a quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iork rapidamente afetasse o Canadá. O colapso econômico canadense é considerado o se-
gundo mais acentuado da Grande Depressão, atrás somente do colapso da economia do próprio
Estados Unidos da América. [...]
[...] A economia do Canadá foi atingida duramente pela Grande Depressão primariamente por
causa de sua dependência em relação ao trigo e produtos industrializados, mas também por causa
da dependência da economia do canadense em relação às exportações de produtos canadenses
para os Estados Unidos. A primeira reação de vários países, incluindo os Estados Unidos, quando
a Grande Depressão teve início, foi de aumentar impostos. Isso causou mais danos à economia do
Canadá do que para outros países no mundo.
Richard Bedford Bennett, que atuou como primeiro-ministro do Canadá entre 1930 e 1935,
tentou minimizar os efeitos da Grande Depressão no país, inclusive, através da introdução de uma
New Deal semelhante a dos Estados Unidos, implementado em 1934. Porém, a economia do país
somente passou a recuperar-se muito lentamente a partir de 1934.
Em 1933, 30% da força de trabalho canadense estava desempregada; deflação ocorreu, reduzin-
do salários e preços de produtos, o que reduziu investimentos. Em 1932, a produção industrial cana-
dense havia caído para 58%, em relação à produção industrial em 1929. Enquanto isso, o PIB canaden-
se havia caído em cerca de 42%, em relação ao PIB do país em 1929. Apesar de ter passado por um
período de curto e pequeno crescimento econômico entre 1934 e 1937 – que de longe fora suficiente
para atenuar os efeitos causados pela Depressão – a economia do Canadá entrou novamente em uma
grande recessão em 1937. Foi somente com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, em 1939,
que os efeitos da Grande Depressão teriam fim no país.

Reino Unido
O Reino Unido saiu-se vencedor na Primeira Guerra Mundial. Porém, a guerra e a destruição
causada pela última destruíram a economia britânica. Desde 1921, a economia do Reino Unido
lentamente recuperou-se da guerra, e da recessão causada por esta. Mas em abril de 1925, o chan-
celler britânico Winston Churchill, respondendo a um conselho do Banco da Inglaterra, fixou o va-
62 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

lor da moeda nacional ao padrão-ouro, à taxa pré-guerra, de 4,86 dólares. Isso fez o valor da moe-
da britânica convertível ao seu valor em ouro, mas causou também o encarecimento dos produtos
exportados pelo Reino Unido a outros países. A recuperação econômica do Reino Unido caiu dras-
ticamente, o que causou redução de salários no país inteiro, debilitando a economia nacional.
Quando a Grande Depressão teve início nos Estados Unidos, em 1929, diversos países no mun-
do inteiro criaram ou aumentaram tarifas alfandegárias, o que causou uma grande diminuição nas
exportações de produtos britânicos. A taxa de desemprego saltou de 8% para 20% no final de 1930.
O Reino Unido cortou gastos públicos – que incluíram fundos e dados para programas de ajuda
social aos desempregados. Em 1931, mais cortes em salários e programas de ajuda social foram
realizados, e o imposto de renda nacional foi aumentado. Essas medidas somente pioraram a situ-
ação socioeconômica do país e, em 1932, ápice da Grande Depressão no Reino Unido, as taxas de
desemprego eram de 25%. Foi somente com o abandono do padrão-ouro e a instalação de tarifas
alfandegárias para produtos importados de qualquer país que não fossem parte do Império Britâni-
co, que a economia britânica passou a gradualmente recuperar-se.

Atividades
1. Descreva como se encontrava a economia dos EUA e da Europa na década de 1920.
A Grande Depressão e o pensamento keynesiano | 63

2. O que foi a crise de 1929? Descreva seus impactos imediatos na economia norte-americana.

3. Descreva como se calcula a taxa de desemprego e comente como esta variável e os salários se
comportaram durante a Grande Depressão.
64 | A Grande Depressão e o pensamento keynesiano

4. Descreva brevemente como Keynes interpretou o problema da Grande Depressão.


O processo de industrialização
da economia brasileira
entre 1930 a 1945
Introdução
A economia brasileira antes da crise de 1929 apresentava um modelo de desenvolvimento base-
ado na dinâmica das exportações do café. Com a quebra da Bolsa de Nova York e a queda substancial
do preço desse produto, o Brasil se defronta com uma forte necessidade de intensificar seu processo de
industrialização.
Neste capítulo pretende-se descrever os fatores políticos e, principalmente, econômicos que jus-
tificaram em grande medida a adoção de um modelo de desenvolvimento baseado no Processo de
Substituição de Importação (PSI), que teve sua primeira fase durante o período de 1930 a 1945. A aná-
lise justifica-se por iniciar uma visão geral da indústria e do café no Brasil, durante a década de 1920 e a
partir desse ponto estudar o processo. Também é realizada uma análise inicial da segunda fase do PSI
voltada para a expansão da indústria de base, a siderurgia em especial.
Grande parte dos dados obtidos nesse período foram extraídos do Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA) na seção de séries históricas. Com isso, procurou-se embasar com dados e gráficos
as transformações econômicas da industrialização brasileira. Por fim, uma análise das mudanças sociais
é realizada, focando os trabalhadores, os salários e os movimentos da mão-de-obra.
66 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945

O Brasil no período da Grande Depressão


Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e, mesmo com a dificuldade de se obter produtos
manufaturados da Europa, o Brasil continuou mantendo a economia focada na produção de café, prin-
cipalmente pelos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Estima-se que as exportações brasileiras desse
produto eram de aproximadamente 70% do valor total vendido ao mundo e a participação do café
brasileiro na produção mundial, durante a década de 1920, também representava em torno de 70%.
Valores elevados que tornavam o país extremamente subordinado ao desempenho dessa cultura. O
governo e o desempenho do aparelho produtivo pouco diversificado estavam voltados para a indústria
cafeeira.
A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, entre 1920 a 1939, é apresentada
no gráfico 1. Analisando inicialmente os primeiros dez anos, isto é, antes da Grande Depressão, pode-se
argumentar seguramente que o país apresentava uma economia agrária, primário-exportadora, extre-
mamente vulnerável aos movimentos dos preços internacionais do café. Em meados de 1920, com a
recessão mundial, o preço dessa commodity1 sofre retração, prejudicando o PIB e as exportações brasi-
leiras. Com a perda das receitas governamentais, o Estado se vê limitado em programar uma política de
preços mínimos, fato que implica em uma queda no crescimento da economia de 12,5% em 1920 para
apenas 1,9% em 1921. Com a melhora nos preços do café, no segundo semestre de 1921 e em 1922, a
economia volta a registrar uma expansão do PIB de 7,8% e 8,6%, respectivamente. Sendo que, no ano
de 1922, o comércio cresceu 22% devido à recuperação do café e à indústria têxtil, principal atividade
industrial, que, como destacado pelo gráfico 2, aumentou em 32%.
Gráfico 1 – Taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB em %) no Brasil durante
1920-1939
14,0%

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).


12,5% 12,1%
11,5%
12,0% 10,8%
10,0% 9,2%
8,6%
7,8% 8,9%
Taxa de crescimento (PIB)

8,0%

6,0% 4,5%
5,2%
4,0% 4,3%
4,6%
1,4% 3,0%
2,0% 2,5%
1,9% 1,1%
0,0%
0,0%
–2,0% -2,1%

–4,0% -3,3%

–6,0%
20

22

24

26

28

30

32

34

36

38

39
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

Ano

1 Commodities são produtos homogêneos, em geral matérias-primas como petróleo, milho, trigo e café. Têm seu preço determinado no
mercado internacional, mais especificamente em uma bolsa de mercadoria.
O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 67

Em 1924-1925, uma forte restrição de crédito internacional foi imposta pelo governo britânico,
com o foco no fortalecimento da libra, reduzindo novamente a produção do café e da indústria. A pro-
dução industrial geral ficou estagnada nesse período, assim como o PIB brasileiro. Esse cenário recessivo
começa a se modificar em1926, já no governo de Washington Luís, com a ampliação do crédito e dos
empréstimos internacionais, a valorização do preço do café e as condições extremamente favoráveis
para o cultivo dessa cultura. O produto real aumenta em 5,2%, sendo que a indústria cresce 2,4%, lide-
rados pela forte expansão da indústria química com 64,0%, de acordo com o gráfico 2.
Nos anos 1927-1928, o PIB apresentou uma forte aceleração, com valores de 10,8% e 11,5%, res-
pectivamente. A produção industrial, nesse período, cresceu 10,8% e 7,0%, respectivamente. Em 1927,
destaca-se o significativo crescimento da indústria têxtil, com 21,1% e, em 1928, a indústria de papel e
celulose, com expansão de 14,4%. A produção de café também se beneficiou desse boom2 econômico.
Com os preços elevados, a produção cresceu mais de 69% em 1927.
Uma conclusão importante, merecedora de nota, está no fato de que em períodos de melhora
nos preços do café e em sua colheita, o modesto setor industrial expande sua produção. Essa relação
se justifica principalmente pela importância relativa das exportações na dinâmica do PIB. Veremos que,
quando a demanda interna (consumo das famílias + investimento privado + gasto do governo) torna-se
a variável principal para o crescimento, essa relação praticamente desaparece.
Em 1929, ano da crise na Bolsa de Nova York, o café volta a apresentar uma safra excepcional com
um crescimento de mais de 91%. Abreu descreve o problema da segunda superprodução de café no
Brasil.
No fim do ano (1929), os preços já atingem um terço do valor anteriormente garantido pela defesa e, ao longo de 1930,
a contratação das vendas e a reversão de expectativas nos países consumidores fazem do café um dos casos mais
dramáticos de queda de preços entre produtos primários durante os estágios iniciais da Grande Depressão. (ABREU,
1990, p. 62)

Com as dificuldades financeiras de 1929 e a redução drástica do crédito internacional, o Brasil


sofre uma forte retração do PIB, no primeiro ano da Grande Depressão, com queda de 2,1%, liderados
pela redução de mais de 37,7% na produção de café. A indústria em geral retrai em 6,7%, assim como o
setor têxtil, com queda de 3,8%. O comércio exterior também foi severamente afetado. As exportações
caíram em aproximadamente 30,6% em 1930, 23,6% em 1931 e 26,5% em 1932. Apesar dessa queda
significativa nas exportações brasileiras, o Brasil atravessou bem os anos da depressão, comparativa-
mente com os demais países capitalistas.
A crise do café, iniciada em 1929, e a atitude do presidente Washington Luís, em apoiar o paulista
Júlio Prestes para as eleições presidenciais de 1930, levaram o país a uma revolução política profunda,
gerando a queda da República Velha. Com o golpe de Estado imposto pela Aliança Liberal, Getúlio Var-
gas chega ao poder, governando o país entre 1930 a 1934 pelo Governo Provisório. Com o intuito de
manter a ordem política e econômica, Getúlio cria em 1931 o Conselho Nacional do Café, que em 1933
foi transformado em Departamento Nacional do Café. Ambos tinham o objetivo de comprar e queimar
os estoques excessivos de café, mantendo assim o nível de preços e a renda dos cafeicultores. Em 1930,
o índice de custo de vida no Rio de Janeiro3 caiu 9,0% e no ano seguinte houve deflação4 de 3,7%. Os
2 O boom econômico refere-se a um forte e rápido crescimento do PIB.
3 Índice calculado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
4 Quando o índice de preços apresenta uma variação positiva então observa-se um fenômeno conhecido como inflação dos preços e,
no sentido oposto, isto é, variação negativa, classifica-se como deflação, que nada mais é do que uma queda generalizada dos preços da
economia.
68 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945

efeitos iniciais da Grande Depressão mundial no Brasil seguiram a lógica dos outros países: queda no
PIB e deflação dos índices de preços. Mas formulemos a seguinte pergunta: Por que o Brasil foi um país
que relativamente pouco sofreu ou até mesmo foi a economia que menos sentiu os efeitos da Grande
Depressão, ao contrário dos EUA, por exemplo?
Nos anos de 1932 e 1933, como descritos nos gráficos 1 e 2, o PIB brasileiro volta a crescer, tanto
pela produção do café como pela indústria. A rápida e importante recuperação da economia foi analisa-
da e interpretada por Furtado (1980), nos capítulos 30 a 33 de seu livro. Segundo Furtado, a política de
defesa do setor cafeeiro nos períodos da Grande Depressão constituiu-se em um amplo programa de
sustentação da renda nacional, mantendo o preço em patamares maiores. Completa Furtado (1980, p.
192): “Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que
se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados.”
Realmente, a recuperação da economia brasileira não se deve a nenhuma recuperação externa
ou até mesmo da melhora no comércio internacional, pois tanto os EUA como a Inglaterra sofreram
severas perdas de renda na primeira metade da década de 1930, impossibilitando a restauração dos
preços internacionais do café a valores pré-crise de 1929. As políticas cambiais de manutenção da mo-
eda nacional desvalorizada e o controle das importações também impulsionaram a recuperação da
economia nacional, principalmente puxada pela indústria nacional.
Gráfico 2 – Desempenho anual das indústrias manufatureira geral e têxtil no Brasil durante
1920-1939
100

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).


Índices industriais (1939 = 100)

80

60

40
Têxtil
Indústria geral
20
1920 1922 1924 1926 1928 1930 1932 1934 1936 1938
Ano

Devido à proteção da renda nacional e da perda de poder aquisitivo dos principais países importa-
dores, a indústria brasileira passa a focar sua produção para a expansão do mercado interno. Entre os anos
1933 e 1939, a indústria cresce em média 10,1% ao ano. O setor têxtil, nesse mesmo período, expande-se,
em média, 16,8% ao ano, aproveitando sua capacidade instalada ociosa. E 1933 a 1939 a indústria de si-
derurgia, produtos químicos e papel e mobiliário cresceram 147,5%, 115,1% e 232,9%, respectivamente.
Com a estagnação da produção de café, na década de 1930, o Brasil passa a diversificar sua estrutura pro-
dutiva, sendo que a indústria passa a obter uma participação maior na renda nacional.
O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 69

A rápida recuperação da economia brasileira também é traduzida pelo desempenho do investi-


mento privado em relação ao PIB. Em 1932, quando o Brasil apresentava uma recuperação do aparelho
produtivo, o investimento privado que era de 6,5% do PIB, cresceu para 11,8% em 1935, e continuou
expandindo para 13,1% do PIB, em 1939. Esse movimento justifica em grande medida a recuperação da
indústria têxtil nesse período.
O setor público também teve participação relevante na recuperação econômica no período da
Grande Depressão. Entre 1933 e 1939 o gasto do governo em termos reais aumentou em mais de 53,0%,
sendo que o governo federal apresentou sucessivos déficits orçamentários e a dívida pública federal se
expandiu, de 8,8% para 10,8% em relação ao PIB. Nesse sentido, o Brasil adotava políticas econômicas
pré-keynesianas5 de controle de preços do café, comprando o excesso de estoques e ampliando a par-
ticipação do setor público na produção industrial.
O gráfico 1 descreve uma situação de rápida recuperação da economia. Em 1934, o PIB cresceu
9,2% e, em 1936, a expansão foi de 12,1%. Um crescimento invejável da economia em um cenário de
recessão mundial. O comércio cresceu 12,9% em 1933 e 10,5% em 1936, por exemplo. A deflação foi
substituída por um processo de inflação controlada em torno de 5,3%, entre os anos de 1932 a 1939.
Em contraste, a agricultura brasileira pouco expandiu. Entre 1934 a 1939, esse setor cresceu no acumu-
lado 3,9%, e o café apenas 5,2%. Com isso, o setor cafeeiro, assim como toda a agricultura, vai perdendo
espaço na atividade econômica em relação ao forte crescimento industrial nacional, possibilitando uma
diversificação produtiva.
Gráfico 3 – Desempenho anual das indústrias de siderurgia, bebidas, química e papel mobi-
liário no Brasil durante 1920-1939
120

100

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).


Índices industriais (1939 = 100)

80

60
Siderurgia

40 Bebidas

Produtos
20
químicos

Papel e
0 mobiliário
20

20

24

26

28

30

32

34

36

38
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

Anos

5 John Maynard Keynes, economista britânico, argumentou em seu livro Teoria Geral de 1936 a importância do setor público criar déficits
controlados para estimular a demanda agregada e restaurar o crescimento econômico, principalmente nos países industrializados.
70 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945

A partir da Primeira Guerra Mundial, o crescimento industrial era fortemente subordinado ao de-
sempenho positivo da agricultura brasileira. Essa característica foi observada até meados da crise de 1929.
E, como destacado por Suzigan:
E a partir de 1930, quando a relação entre o desempenho agrícola exportador e o investimento industrial deixou de ser
significativa, a demanda interna por manufaturados passou a crescer, principalmente em função da renda gerada em
atividades ligadas ao mercado interno (indústria e agricultura), estimuladas por políticas econômicas expansionistas.
(SUZIGAN, 2000. p. 369)

Nesta primeira parte, procurou-se demonstrar as transformações econômicas de um modelo


agroexportador para uma economia industrial no Brasil, assim como os fatores que justificaram a rápida
recuperação da economia brasileira na Grande Depressão.

A industrialização nacional na década de 1940


Desde a crise de 1929 e, sobretudo, durante a Grande Depressão, a economia brasileira iniciou
gradativamente um Processo de Substituição das Importações (PSI), caracterizando um avanço impor-
tante para a industrialização nacional. Sua lógica consistia em estimular a produção industrial para o
abastecimento do mercado interno, utilizando tarifas de importação e câmbio controlado. A crise de
1929 criou uma oportunidade única para a necessidade do desenvolvimento industrial brasileiro.
O PSI foi intensificado com a ocorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), situação na
qual o Brasil enfrentou uma grande dificuldade de abastecer o mercado interno com produtos importa-
dos. A dependência de produtos manufaturados gerou uma restrição ao crescimento e, nesse período,
a economia brasileira sentiu necessidade de se tornar menos subordinada à indústria da Europa e dos
EUA, buscando assim um PSI fechado nas necessidades do mercado interno.
Entre 1930 e 1945, observa-se a primeira fase do PSI com foco no desenvolvimento das indústrias
de bens de consumo não-duráveis ou semi-duráveis, tais como a indústria têxtil, calçados e bebidas que,
durante esse período, cresceram em termos reais: 265%, 316% e 128%, respectivamente. A necessidade de
expansão e instalações de novas unidades produtivas levou o país a incentivar a importação de bens de
capitais e intermediários dos países industrializados, possibilitando uma transferência de tecnologia para
o Brasil. Entre 1940 a 1945, as importações em valores correntes cresceram 61%.
Cabe observar que o foco do desenvolvimento industrial no mercado interno foi planejado pelo
Estado, pelo fato de que o mercado por si só não iria criar condições espontâneas para o processo de
industrialização. Nesse caso, argumenta-se que o Estado passou a ter um papel fundamental para o PSI.
Entre os anos 1940-1947, o gasto do governo em termos reais cresceu 13,4% em virtude da necessidade
de expansão dos investimentos públicos.
O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 71

Gráfico 4 – Taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB em %) no Brasil durante


1920-1939
14,0%

Crescimento do PIB em % 12,0% 11,6%


10,0% 8,5% 9,7%
8,0% 7,6% 7,7%
6,0%
4,9%
4,0%
3,2%
2,4%
2,0%
0,0%
–1,0%
–2,0%
–2,7%
–4,0%
1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949
Ano

Na área política, o Governo Provisório (1930-1934) instituiu o voto secreto e os direitos políticos
das mulheres, bem como a criação do Código Eleitoral e a Justiça Eleitoral com a finalidade de reduzir
drasticamente a fraude eleitoral. Criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da
Educação e Saúde, possibilitando o desenvolvimento das instituições ligadas ao processo produtivo.
Na área social destaca-se o desenvolvimento das leis trabalhistas ao longo da década de 1930 e,
especificamente, em primeiro de maio de 1943, a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
que representa a regulamentação das relações entre empregadores e funcionários, que eram extrema-
mente maltratados.
O Estado Novo (1937-1945), comandado por Getulio Vargas, foi um período político conturbado,
mas voltado para a industrialização brasileira. No início da década de 1940 foi instituído o salário míni-
mo com o objetivo de garantir uma qualidade de vida digna aos trabalhadores e estimular o nível de
consumo dessa classe que, assim, poderia sustentar a industrialização voltada para o mercado interno.
Entre os anos de 1940 a 1942, a economia não apresenta resultados expressivos no crescimento
do PIB. Contudo, a partir de 1943 e com os investimentos externos, a economia volta a apresentar taxas
de crescimento do PIB acima de 7%, com destaque para os anos de 1943, 1946 e 1948. Em 1946, já no
final da primeira fase do PSI, começa a operar o primeiro alto forno da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), em Volta Redonda – RJ. Produzindo aço plano, a CSN criou condições favoráveis para o cresci-
mento e implementação das indústrias de base no Brasil. Por representar um passo importante para o
PSI desse segmento, argumenta-se que a criação dessa empresa representa um marco para a industria-
lização nacional.
72 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945

A indústria siderúrgica brasileira cresceu 144% entre os anos 1940 e 1947, sendo que a produção
de aço expandiu 174% nesse período. A produção de laminados, a geração de energia e a indústria ge-
ral cresceram 119%, 75% e 64%, respectivamente. E grande parte do recurso destinado para a indústria
de base era originária dos recursos do Estado na economia.
A iniciativa privada passa a expandir seus investimentos somente a partir da segunda metade da
década de 1940, com o crescimento do crédito real do Banco do Brasil. Em 1947, essa variável se expan-
diu em 38%, no ano seguinte 19% e em 1949 registrou um crescimento de 28%. Em 1948, foi fundada no
Rio de Janeiro a Fábrica Nacional de Motores e a indústria automobilística cresceu mais de 236% entre
1939 e 1949.

Conclusão
O fim da República Velha representou, do ponto de vista econômico, o esgotamento do modelo
de desenvolvimento brasileiro primário-exportador baseado na indústria cafeeira, a qual estava subor-
dinada ao preço dessa commodity no mercado internacional, que aliado à crise de 1929, estimulou o
processo industrial voltado para o crescimento do mercado interno. Inicialmente, o país buscou uma
substituição de importação de bens de consumo não-duráveis e de consumo nas indústrias têxtil, cal-
çados, bebidas, por exemplo.
A economia brasileira rapidamente se diversificou e tornou-se menos subordinada ao preço in-
ternacional do petróleo. Dois fatores justificaram essa mudança. Primeiro, a crise de 1929, que inviabili-
zou financeiramente o crescimento da indústria cafeeira e, em seguida, a Segunda Guerra Mundial, que
demonstrou claramente a necessidade de se criar no país uma matriz industrial relativamente auto-
suficiente.
Considerando a Grande Depressão e seus efeitos na economia brasileira, pode-se argumentar que
o país pouco sofreu. A rápida recuperação do PIB se justifica por três fatores: primeiramente, a compra do
excedente do café pelo governo no sentido de manter o preço desse produto, em segundo lugar, a atua-
ção do setor público com expansão dos gastos e criação de déficits orçamentários, e, por último, o cresci-
mento industrial voltado para o mercado interno, fortalecendo o consumo e os investimentos privados.

Texto complementar
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 81-85)
Roberto Simonsen, o maior líder industrial brasileiro, foi o grande ideólogo do desenvolvimen-
tismo. Empresário, engenheiro e economista, Simonsen inseriu-se na vida política nacional através
dos postos de comando que assumiu nas entidades representativas do empresariado industrial. Foi
vice-presidente do Centro Industrial de São Paulo logo após sua inauguração, em 1928. Foi presi-
O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 73

dente, em 1935 e 1936, da Conferência Industrial do Brasil (transformada, posteriormente, na Con-


federação Nacional da Indústria) e presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo,
entre 1937 e 1945. Em 1937, fora membro provisório do Conselho Federal do Comércio Exterior,
como representante do empresariado industrial e, em 1944, foi membro do Conselho Nacional de
Política Industrial e Comercial. Foi deputado “classista” na Assembléia Constituinte de 1934 e, eleito
senador pelo PSD em 1945, participou também da Constituinte de 1946. [...]
No nível de ideologia econômica, porém, a obra de Simonsen contém os elementos básicos
do ideário desenvolvimentista, presentes no pensamento de todas as correntes favoráveis, no ano
1950, à implementação de um capitalismo industrial moderno no país. São os seguintes os elemen-
tos que estruturaram e deram unidade ao pensamento desenvolvimentista do autor:
::: A industrialização, para Simonsen, era a forma de superar a pobreza brasileira. Num texto de
1943, por exemplo, afirmava:
O índice de progresso da civilização é o constante aumento de toda sorte de produtos e serviços. Essa multiplici-
dade de produtos tem que ser criada pela indústria [...]
A industrialização de um país como o Brasil é indispensável para que ele possa atingir um estágio de alta civiliza-
ção. (SIMONSEN, 1973, p. 288)

Simonsen concebia uma industrialização integrada, até os setores de base. É de sua autoria a
passagem das conclusões do I Congresso Brasileiro da Indústria, em que se diz:
“O desenvolvimento industrial de um país depende, sobretudo, da instalação de indústrias de
base, constituídas, principalmente, pela metalurgia de primeira fusão e pela grande indústria quími-
ca”. (SIMONSEN, 1973, p. 107) [...]
::: Para Simonsen, o sucesso do projeto de industrialização dependia de um decidido apoio
governamental, porque os mecanismos de mercado seriam insuficientes e, muitas vezes,
nocivos aos objetivos pretendidos. Protecionismo e planejamento foram os dois instrumen-
tos de intervenção estatal a que o autor deu mais importância [...] Simonsen alegava que,
com exceção da Inglaterra, todos os demais países industriais haviam realizado sua indus-
trialização com base em forte protecionismo [...]
::: Simonsen era também de opinião que a intervenção estatal no sistema econômico brasilei-
ro deveria ir além das formas indiretas de direcionamento de recursos para determinadas
atividades, de modo a incluir investimentos diretos nos setores básicos em que a iniciativa
privada não se fizesse presente.

Atividades
1. Descreva as principais características da economia brasileira na década de 1920, bem como o
modelo de desenvolvimento adotado.
74 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945

2. Destaque os efeitos iniciais da crise de 1929 na economia brasileira.

3. Explique como o Brasil se recuperou da Grande Depressão.


O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945 | 75

4. Analise o impacto na economia do modelo de substituição de importação que a indústria brasi-


leira sofreu.
76 | O processo de industrialização da economia brasileira entre 1930 a 1945
A Segunda Guerra Mundial
e suas conseqüências
Introdução
O maior conflito militar vivido pela humanidade foi a Segunda Guerra Mundial. Suas conseqüên-
cias imediatas foram marcantes para a nova ordem política e economia das nações. Este capítulo tem
como objetivo destacar a economia dos países envolvidos na guerra e os principais fatos históricos do
período.
Com isso, divide-se em duas seções. A primeira busca relatar a economia dos países europeus,
Japão e EUA antes da Segunda Guerra e, em seguida, descrever a participação de cada país no conflito.
Logo após, as principais conseqüências do fim da guerra na nova ordem política econômica e um mun-
do bipolarizado são apresentados. De um lado a União Soviética liderando a expansão do comunismo
e do outro os Estados Unidos liderando o capitalismo.

A economia mundial antes e durante a Segunda Guerra


A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o confronto armado mais sangrento registrado na his-
tória. Foi liderado entre as grandes potências que se dividiram entre os Aliados, formados basicamente
pela União Soviética, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, e as Potências do Eixo, lideradas pela Ale-
manha nazista e englobando entre outros a Itália fascista e o Japão.
Inicialmente, procura-se descrever essas potências econômicas militares antes do conflito e, em
seguida, estudar a economia e finanças da guerra, bem como os principais pontos históricos.
78 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

A Itália, devido à Primeira Guerra Mundial, sofreu uma forte industrialização entre os anos de 1915
a 1918, modernizando seu parque industrial e o setor bélico. Expandiu sua produção de automóveis e
desenvolveu aviões de ponta a nível mundial. Na década de 1930, realizou um crescimento nos gastos
militares; destinando um terço das receitas governamentais na produção bélica. No ano em que a Itália
entrou na guerra possuía 113 submarinos, número inferior apenas ao da União das Repúblicas Socialis-
tas Soviéticas (URSS).
Entretanto, seu poder político era relativamente fraco e, em grande parte, a Itália era agrícola e
sem uma indústria diversificada, apresentando uma grande subordinação das importações de petró-
leo, fertilizantes, carvão, minérios e matérias-primas básicas. Apesar do grande crescimento bélico em
algumas regiões italianas e até mesmo o crescimento dos gastos governamentais, o desenvolvimento
tecnológico militar não era prioridade. Kennedy (1989) destaca que, quando a Itália entrou na Segun-
da Guerra, o exército usava o Fiat L.3, principal tanque de batalha de três toneladas e meia, que não
possuía rádio e usava apenas duas metralhadoras, enquanto que os tanques produzidos na Alemanha,
por exemplo, eram de mais de 20 toneladas e com armas mais potentes. Além do mais, Kennedy (1989)
destaca que o exército italiano era ineficiente perto das grandes potências, com falta de iniciativa e or-
ganização. Seus aviões eram obsoletos e mal-equipados para os combates de longa distância.
O Japão fortaleceu seu exército após a Primeira Guerra. A produção manufatureira entre 1913
a 1938 cresceu, no acumulado, mais de 452%, modernizando sua estrutura produtiva e expandindo o
setor bélico naval, aéreo e terrestre. A marinha japonesa era bem treinada e equipada, assim como sua
força aérea. Kennedy (1989) relata que em 1938 o exército absorveu 70% dos gastos governamentais
desse país. Com isso, no final da década de 1930, o Japão tornou-se um dos países mais bem industriali-
zados e preparados para o grande confronto bélico. Registrava mais de 3 mil aviões, 3 500 pilotos e um
exército de aproximadamente 1 milhão de homens e 2 milhões de reservistas treinados para a guerra.
A Alemanha, Reino Unido e França representavam as principais potências da Europa Ocidental.
Detinham, em 1938, 13,2%; 9,2% e 4,5% da produção manufatureira mundial, respectivamente.
Em 1938, um ano antes de iniciar a Segunda Guerra, a Alemanha possuía 2,75 milhões de homens
sem equipamentos e estrutura para suportar uma guerra prolongada e em um amplo espaço geográ-
fico. Em 1939, de acordo com a tabela 2, a Alemanha produziu 8 295 aviões, enquanto que a França e a
Inglaterra em conjunto produziram 11 103 aviões. O desenvolvimento das técnicas de guerra do bem
treinado exército alemão e sua forte disciplina tornaram a Alemanha uma grande potência bélica no
final da década de 1930. Em março de 1939, o país germânico ocupava a Tchecoslováquia, e a França e
a Inglaterra prometeram defender a Polônia do avanço dos nazistas.
A França apresentou um forte crescimento econômico durante a segunda metade da década de
1920. Sua atividade produtiva industrial, entre 1927 a 1930, cresceu 21%. Contudo, a economia sentiu
profundamente os efeitos da Grande Depressão, sendo que entre 1930 e 1932 a indústria caiu em mais
de 26%. Suas exportações despencaram, nesse período inicial da recessão, em aproximadamente 70%.
Em 1938, a indústria francesa estava estagnada e o exército fragmentado. Sua produção ficava atrás da
Grã-Bretanha, Alemanha e URSS. Rezende descreve o problema da economia francesa, durante a Gran-
de Depressão. “A ação do novo governo de esquerda, a partir de 1936, seguiu as práticas neoliberais
norte-americanas, com o aumento geral dos salários de 7% a 15%, a redução da jornada de trabalho de
48 para 40 horas semanais, e a desvalorização do franco” (REZENDE, 2005, p. 216). Entretanto, as políti-
cas adotadas não surtiram efeitos positivos sobre a economia, devido ao fraco mercado interno e sua
perda na participação do mercado mundial.
A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 79

A Grã-Bretanha apresentou, na década de 1920, um fraco desempenho industrial, devido basi-


camente ao malsucedido nível de exportações. De 1920 a 1930 a produção industrial caiu 1,4% e com
a Grande Depressão caiu, entre 1930 e 1933, mais 9,8%, sendo que a produção têxtil despencou em
mais de 65% e a de aço 45%. Em 1934, a economia inglesa começou a se recuperar com o aumento das
exportações. A frota de aviões e sua tecnologia eram inferiores à alemã, em 1937. Preocupados com o
avanço dos rivais germânicos, a Grã-Bretanha expande seus gastos bélicos de 5,5% do Produto Nacional
Bruto (PNB), em 1937, para 8,5%, em 1938 e 12,5%, em 1939.
A União Soviética sofreu muito com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevista de 1917,
implementando o comunismo no país. Sua população foi reduzida de 171 milhões em 1914 para 132
milhões em 1921. Entretanto, estima-se que, no final da década de 1920 até 1940, 25% do PNB eram
destinados ao investimento industrial e a um recurso incremental implantado nos gastos em educação,
ciências e no setor bélico. Entre 1920 a 1938, a URSS alterou significativamente sua estrutura produtiva,
registrando uma expansão industrial de 6 595%.
O investimento educacional transformou a população rural russa em uma mão-de-obra especiali-
zada em diversas áreas da ciência, principalmente no conhecimento de engenharia. A produção de aço,
entre 1928 a 1937, aumentou de 4 para 17,7 milhões de toneladas anuais, com forte expansão na gera-
ção de energia, produção de automóveis, tratores e tanques. Em 1938, a URSS participava com 17,6% da
produção mundial de manufaturas, um valor superior ao da Alemanha e da Inglaterra. A partir de 1937,
o país expandiu fortemente sua frota de aviões, que passou de 3 578 unidades para 7 500 aviões em
1938 e a marca extraordinária de 1939: 10 382 unidades, a maior produção mundial.
A tabela 1 descreve o PNB das potências mundiais em 1937, em bilhões de dólares e seus gastos
em defesa militar em valores percentuais do PNB. É importante destacar que, nesse ano, os países que
mais gastavam sua riqueza em termos percentuais no setor bélico eram o Japão (28,2%), seguido pela
URSS (26,4%), Alemanha (23,4%) e Itália (14,5%), mostrando que, por exemplo, a Inglaterra e a França
demoraram para expandir e se reestruturar militarmente. A União Soviética, industrializada e fortemen-
te armada, buscava no final da década de 1930 expandir o comunismo pela Europa e, a Alemanha,
recuperar seus territórios perdidos na Primeira Guerra Mundial. O Japão tinha a intenção de dominar o
Pacífico e se firmar como uma grande potência mundial no Oriente.
Tabela 1 – Renda nacional das potências em 1937 e seus gastos em defesa em porcentagem
(KENNEDY, 1989, p. 320)

Países Renda nacional Gastos em defesa


(em bilhões de dólares) em porcentagem %
Estados Unidos 68 1,5
Império Britânico 22 5,7
França 10 9,1
Alemanha 17 23,5
Itália 6 14,5
URSS 19 26,4
Japão 4 28,2

Em novembro de 1936, o Japão e a Alemanha, países fortemente militarizados, assinaram o pacto


Anti-Comintern, com o propósito de restringir o avanço da URSS. Em 1937, a Itália aderiu ao acordo, for-
mando, mais tarde o grupo do Eixo.
80 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

Em setembro de 1939, a Alemanha invade os territórios poloneses tirados dos alemães pelo Tra-
tado de Versalhes. Na porção ocidental da Polônia, a União Soviética invade a outra parte realizando
ações militares também na Finlândia. Inglaterra e França declaram, imediatamente, guerra à Alemanha
e a URSS é expulsa da Liga das Nações.
Tabela 2 – Produção de aviões das potências, 1939-1945

(KENNEDY, 1989, p. 339)


Países 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945
Estados Unidos 5 856 12 804 26 277 47 836 85 898 96 318 49 761
URSS 10 382 10 565 15 735 25 436 34 900 40 300 20 900
Grã-Bretanha 7 940 15 049 10 094 23 672 26 263 26 461 12 070
Comunidade Britânica 250 1 100 2 600 4 575 4 700 4 575 2 075
Total dos Aliados 24 428 3 9518 54 706 101 519 151 761 167 654 84 806
Alemanha 8 295 10 247 11 776 15 409 24 807 39 807 7 540
Japão 4 467 4 768 5 088 8 861 16 693 28 180 11 066
Itália 1 800 1 800 2 400 2 400 1 600 – –
Total do Eixo 14 562 1 6815 19 264 26 670 43 100 67 987 18 606

Em abril de 1940, a Alemanha invade a Dinamarca, e em maio, a França, Bélgica, Luxemburgo e Ho-
landa. Churchill assume como primeiro-ministro na Grã-Bretanha com o claro objetivo de conter a expan-
são dos nazistas no mundo. A Batalha da Inglaterra travada no Canal da Mancha estagnou o avanço dos
alemães na Europa, pois a marinha germânica não tinha condições de vencer a Royal Navy britânica.
A URSS ocupou a Lituânia, Letônia e a Estônia e a Itália invadiu a Albânia e a Grécia. Hungria e a
Romênia entraram no Eixo e, de 1939 a 1940, a Alemanha expandiu expressivamente seu poderio mili-
tar e geográfico. Contudo, em junho de 1941, a guerra começa a tomar outro rumo quando a Alemanha
decide invadir com mais de 3 milhões de soldados a União Soviética. Como salientado por Kennedy
(1989), essa decisão militar fez com que a Alemanha tivesse várias frentes de batalha, avançando até
Moscou em uma guerra no vasto e gélido território russo.
Em outubro de 1941, Estados Unidos, Grã-Bretanha e URSS assinam um pacto em Moscou, crian-
do a base dos Aliados. A Alemanha ataca a capital russa, mas não consegue conquistá-la. E, com a for-
tificação dos Aliados, os recursos produtivos e financeiros ganham um aumento significativo com a
entrada dos norte-americanos. Em 1941 os Aliados, de acordo com a tabela 2, produziram 54 706 aviões,
contra um total do Eixo de 19 264. No ano seguinte, o crescimento na produção de aviões foi de 85,5%,
dos Aliados, sendo que os Estados Unidos expandiram seu volume de produção de aeronaves de 26 277
em 1941, para 47 836, em 1942. A Grã-Bretanha, com os empréstimos norte-americanos e sua melhora
nas finanças, passou de uma produção de 10 094 aviões em 1941 para 23 672 (134,5% de expansão),
maior que sua rival Alemanha.
A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 81

Tabela 3 – Produção de armamentos das potências em bilhões de dólares, durante 1940 a


1943

(KENNEDY, 1989, p. 341)


Países 1940 1941 1943
Estados Unidos – 4,5 37,5

URSS – 8,5 13,9

Grã-Bretanha 3,5 4,5 11,1

Total dos combatentes Aliados 3,5 19,5 62,5

Alemanha 6,0 6,0 13,8

Japão – 2,0 4,5

Itália 0,8 1,0 –

Total dos combatentes do Eixo 6,8 9,0 18,3

Em termos financeiros, a tabela 3 destaca um amplo avanço dos Aliados frente ao Eixo, a partir de
1941. Em bilhões de dólares constantes (preço de 1944), é possível argumentar que a guerra também
se vence com um grande auxílio financeiro. A história econômica esclarece muito esse ponto. Em 1940,
com um gasto anual no setor bélico de US$6,8 bilhões, a Alemanha dominava a guerra na Europa, con-
quistando importantes países industrializados como a França, Bélgica e Holanda. A partir de 1941, por
movimentos estratégicos ambiciosos da Alemanha e o aumento considerável nos gastos militares dos
Aliados, os rumos da Segunda Guerra Mundial mudaram. Em 1943, já com a rendição dos italianos, os
gastos financeiros dos Aliados somaram US$62,5 bilhões e do Eixo US$18,3 bilhões, uma superioridade
de mais de 240%.
O avanço japonês em 1941 foi impressionante. Em julho, aproveitando a queda da França, eles
invadiram a Indochina francesa e, em dezembro, atacaram fortemente a base americana Pearl Harbor,
no Pacífico. Durante o ano de 1942, os japoneses ameaçaram todas as grandes potências do Pacífico:
Austrália, China e até a Índia. O exército japonês ocupa também as Filipinas, Birmânia e Cingapura.
O inverno de 1941-1942 prejudicou o avanço das tropas nazistas na União Soviética e, após seis
meses de confronto, o Exército Vermelho retoma, em 1943, a cidade de Stalingrado. Com a invasão das
tropas aliadas na Itália, esta se rende em setembro de 1943 e a URSS reconquista Kiev, Minsk e Ucrânia.
Em 6 de junho de 1944, 185 mil homens desembarcaram na Normândia, litoral da França, sob o comando
do general norte-americano Eisenhower. Foram utilizados também 20 mil veículos aéreos, marítimos
e terrestres. Em maio de 1945, o Exército Vermelho invade Berlim aniquilando o regime nazista e, em
setembro, o Japão assina sua rendição incondicional em virtude das duas bombas atômicas.
82 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

A economia após a Segunda Guerra: um mundo polarizado


Com o objetivo de estabelecer a paz e a organização territorial e política mundial é criada a Or-
ganização das Nações Unidas (ONU), através da assinatura da Carta das Nações em São Francisco pelos
51 estados-nações fundadores, em outubro de 1945. Tinha como objetivos fundamentais manter a paz
duradoura no mundo, garantir os direitos humanos, promover o desenvolvimento econômico e social
das nações e garantir a soberania dos estados independentes. A ONU, desde sua formação, apresenta
cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: República Popular da China, França, União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido e Estados Unidos da América, com o poder de veto
nas decisões.
As perdas econômicas e sociais decorrentes da Segunda Guerra foram brutais. Estima-se que mais
de 70 milhões de pessoas morreram, sendo que apenas na União Soviética sua população tenha se redu-
zido em torno de 25 milhões de civis e militares. Em termos econômicos, a infra-estrutura foi seriamente
abalada, com destruição de pontes, ferrovias, tratores, automóveis, navios e residências. As perdas com
a guerra somaram mais de 1 trilhão e 500 milhões de dólares e somente as dívidas entre a França e a
Inglaterra foram superiores a 16 bilhões de dólares. O capitalismo na Europa e no mundo passava por
sérias dificuldades, devido à redução e à degradação da estrutura industrial e da dificuldade de reestru-
turação dos países, levando a população civil a grandes dificuldades, até mesmo para manutenção dos
níveis de consumo de subsistência. O final da guerra gerou, com isso, uma grande insatisfação nacional
com o sistema capitalista, sendo que grande parte da população culpava diretamente o capitalismo
como o grande responsável pela eclosão, tanto da Primeira como da Segunda Guerra Mundial.
A União Soviética, nação vencedora dos principais combates contra o exército nazista na Europa
Oriental, expande seu domínio sobre aquela região. A expansão do comunismo foi expressiva e rápida
entre 1945 e 1950, criando a Cortina de Ferro, isto é, dividindo a Europa em dois sistemas políticos e eco-
nômicos. A figura 1 ilustra, do lado esquerdo do mapa, os países pertencentes ao sistema capitalista (os
mais escuros), sendo liderados pela política externa norte-americana. Do lado direito do mapa, os paí-
ses que estão mais claros são os países pertencentes ao bloco do sistema socialista, na Europa Oriental,
liderados pela União Soviética. Em destaque, com linhas tracejadas, é apresentada a Iugoslávia, que se
tornou um estado comunista em 1946, com a criação de uma República Popular Federal da Iugoslávia,
que sempre buscou uma independência política da URSS, sob a liderança de Josip Broz Tito. Na parte
socialista destacam-se países como a Alemanha Oriental (República Democrática da Alemanha), agora
sob o comando do Exército Vermelho, Polônia, Tchecoslováquia, Bulgária, Albânia e Romênia, sendo a
anexação da Letônia, Estônia e Lituânia pela URSS. A Grécia, que apesar de sua localização geográfica
oriental continuou capitalista.
Com a expansão do comunismo, a URSS criou em setembro de 1947 o Cominform, um órgão
conhecido como “Burô de Informações dos Partidos Comunistas e de Trabalhadores”, que atuava como
uma instituição oficial da política externa da União Soviética. Buscava a união externa entre os países
do bloco e através de seus periódicos e publicações buscavam defender a paz duradoura com uma de-
mocracia popular. Em 1947, inicia-se a Guerra Fria entre a URSS e os EUA. E, na área econômica, o bloco
socialista criou em 1949 o Conselho para a Assistência Econômica Mútua (Comecon), que objetivava
uma maior integração econômica entre os países liderados pela URSS. Com isso, o comércio internacio-
nal se desenvolveu, ampliando a interdependência entre a estrutura produtiva dos países comunistas.
A economia tornou-se dependente do Planejamento Estatal, o qual era controlado pelo governo central
A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 83

ditando o que, como e para quem produzir. Por exemplo, de 1928 a 1937, a União Soviética elaborou os
dois primeiros Planos Qüinqüenais que tinham como objetivo reestruturar e desenvolver a cada cinco
anos setores chaves da economia. Inicialmente, os planos buscaram expandir a produção e a participa-
ção da indústria pesada, de base (siderurgia, metalúrgica e de equipamentos) e uma coletivização ge-
neralizada da agricultura, sendo que a propriedade privada foi extinta por enormes cooperativas. A luta
de classes no campo foi enorme, pois governo e pequenos agricultores entraram em confronto com os
grandes e produtivos proprietários de terra. Rezende explica o processo de coletivizar a produção agrí-
cola: “Coletivizar significava agrupar de 50 a 100 pequenas propriedades rurais em uma única unidade,
a fazenda coletiva, do que resultaria uma produção em larga escala.” (REZENDE, 2005, p. 257).
Entretanto, no início da década de 1930 e com a luta de classes, a União Soviética viveu uma gran-
de crise na agropecuária, com a maioria das famílias rurais passando fome. A conseqüência imediata foi
uma forte imigração do campo para os principais centros urbanos: Moscou e Leningrado1 e a morte de
mais de 13 milhões de camponeses. Com isso, os recursos produtivos (terra, trabalho e capital) eram alo-
cados na produção de carvão, aço, energia elétrica, petróleo, isto é, nos principais insumos produtivos,
sendo que a expansão da indústria de bens de consumo não era prioridade.
Em uma economia socialista na qual os fatores produtivos devem ser administrados de acordo
com o planejamento estatal, a terra, os equipamentos, as máquinas, as fábricas devem ser de proprie-
dade do governo e não privadas. A mão-de-obra também deve se destinar a trabalhar para o bem social
da nação, com o propósito de dividir igualmente a riqueza produzida.
Figura 1 – A Cortina de Ferro na Europa

Marilu Souza.

1 Cidade conhecida como São Petersburgo.


84 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

O quarto Plano Qüinqüenal da URSS ocorreu entre 1945 a 1950 e tinha como prioridade recons-
truir a infra-estrutura básica de sua economia que tivera sido destruída na guerra. Buscava também
aplicar um forte programa de educação especializada para disponibilizar uma mão-de-obra necessária
e carente para a indústria. Ampliou suas relações comerciais com o Leste Europeu, através do Comecon.
Várias fábricas alemãs foram totalmente desmontadas e levadas para a União Soviética, como destaca
Rezende (2005). O quinto Plano Qüinqüenal, realizado entre 1951 a 1955, foi influenciado pela cres-
cente hostilidade entre a URSS e os EUA e o agravamento da Guerra Fria. Nesse sentido, grande parte
dos recursos produtivos foram essencialmente destinados ao desenvolvimento tecnológico atômico e
a reestruturação do setor bélico. Rezende (2005) destaca que em 1948 o Exército Vermelho era consti-
tuído por 2,8 milhões de soldados e em 1955 registravam aproximadamente 5,7 milhões. As despesas
militares também se expandiram durante esse plano econômico planificado, passando de 79,4 bilhões
de rublos em 1950, para 113,8 milhões de rublo em 1952.
A parte capitalista, lado esquerdo da figura 1, era liderada pelos Estados Unidos. Tinham como
principais nações a Inglaterra, a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha Ocidental (República Federal da
Alemanha). Em julho de 1944, antes do término da Segunda Guerra, os Aliados se reúnem em Bretton
Woods (EUA) para estabelecer novas regras, instituições e laços comerciais e financeiros entre os países
industrializados. A Conferência cria, em 1945, dois órgãos internacionais: o Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). O objetivo inicial do FMI
era controlar o fluxo comercial e financeiro entre os países, orientando as políticas externas e o desem-
penho do balanço de pagamentos e, assim, gerir um regime de taxa de câmbio fixa entre as moedas na-
cionais e o dólar norte-americano. O Bird foi criado para auxiliar na reconstrução da Europa e do Japão
pós-Segunda Guerra. Os recursos iniciais do Bird para reconstruir os países capitalistas devastados por
seis anos de guerra intensa não foram suficientes.
Estradas, pontes, hospitais, fábricas, ferrovias destruídas demandavam uma participação mais
intensa do governo em reconstruir a infra-estrutura. A degradação social era brutal, a fome, a miséria,
a falta de moradias, o frio, a falta de saneamento básico e a segurança precária eram vistos por todo o
continente europeu. Nessas condições socioeconômicas e com a falta de perspectiva da população,
os Estados Unidos, temendo um avanço do comunismo na região, lança em 1947, pelo Secretário
de Estado George Marshall, um amplo programa de financiamento para a Europa: o Plano Marshall.
Contou com um auxílio financeiro na ordem de US$13,3 bilhões entre os anos de 1947 a 1951. O Rei-
no Unido foi o país que mais recebeu recursos, em um total de US$3,1 bilhões, seguido pela França
US$2,7 bilhões e a República Federal da Alemanha, com um valor superior a US$1,3 bilhão. A conse-
qüência imediata do plano foi a forte recuperação econômica, com a expansão do produto e a queda
da taxa de desemprego.
Nesses termos o capitalismo mundial, pós-Segunda Guerra e Grande Depressão, tornou-se dife-
rente. Com receio do crescimento do comunismo e com a real necessidade da reconstrução, o sistema
passou a ter uma participação mais intensa do Estado na economia, gerando mais emprego, renda,
seguro-desemprego, transferências, entre outros programas. Criou-se assim um capitalismo democráti-
co e um Estado do bem-estar social, respeitando a propriedade privada.
A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 85

Conclusão
O conflito mundial foi devastador. Após a Segunda Guerra a Europa estava destruída. Do lado
oriental, a URSS avançou e implementou o socialismo nos principais países da região, criando blocos
econômicos e políticos. Do lado ocidental, a manutenção e a expansão do capitalismo foi comandada
pelos Estados Unidos. Em 1947, inicia-se na política internacional a Guerra Fria até a extinção da URSS
em 1991.
A capital da Alemanha, Berlim, foi dividida em quatro regiões militarizadas. Três pertencendo ao
EUA, França e Inglaterra e a parte oriental sobre o comando da URSS. Essa divisão demonstrava nitida-
mente as diferenças políticas e econômicas entre os dois sistemas, bem como a nova ordem mundial.

Texto complementar
Revisitando o Plano Marshall
2
(HOFFMAN , 2007)
A 5 de junho de 1947, falando perante um grupo de finalistas da Universidade de Harvard, o
então Secretário de Estado George C. Marshall lançava as bases do que viria a ser um programa de
assistência americana aos países europeus, terminada a Segunda Guerra Mundial. Numa altura em
que grandes cidades se encontravam em ruínas e as economias nacionais estavam devastadas, Mar-
shall desafiou a América a “fazer o possível para ajudar a devolver a normalidade à saúde económica
do mundo, sem a qual não pode haver nem estabilidade política, nem paz garantida.”
Marshall instruiu o pessoal do Planejamento de Políticas do Departamento de Estado e de ou-
tras agências no sentido de reportarem quais as necessidades da Europa com vista à assistência
económica. Simultaneamente, pediu aos europeus que tomassem a iniciativa e assumissem a res-
ponsabilidade de esboçar um programa de recuperação económica. A vontade de os ajudar existia,
mas Marshall queria que o programa se baseasse em princípios como a auto-ajuda, a partilha de
recursos e a reintegração alemã.
Na primavera de 1948, o Congresso norte-americano aprovou a proposta visionária de Marshall,
denominando-a “Acto de Recuperação Económica.” Quando o programa terminou, em 1952, os
Estados Unidos tinham canalizado para 16 países europeus cerca de $13 mil milhões de dólares em
ajuda técnica e económica, o equivalente a cerca de 2% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ao

2 Hoffman foi embaixador dos EUA em Portugal; o texto foi retirado de um site de Portugal.
86 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

longo desses quatro anos. Durante esse período, os países participantes – incluindo Portugal, bem
como a Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grã Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Islândia,
Luxemburgo, Noruega, Suécia, Suíça e Turquia – viram o seu PIB agregado crescer mais de 30% e a
sua produção industrial aumentar 40% acima dos níveis registados antes da guerra.
Constituindo simultaneamente um dos mais abrangentes programas de assistência económi-
ca da história da América, e a mais bem-sucedida política externa em tempo de paz lançada pelos
EUA no século XX, o Plano Marshall foi elogiado por muitos. Uma das vozes mais eloqüentes foi
Sir Winston Churchill, para quem o plano representou “o acto menos sórdido da História.” Por seu
turno, o então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros britânico, Ernest Bevin, considerou-o
um acto de “generosidade incrível.”
Dentre os vários segredos do sucesso do Plano Marshall, destaca-se o espírito de cooperação
evidenciado na sua execução. O programa foi verdadeiramente uma parceria americano-europeia,
na qual os recursos americanos eram complementados pelos recursos locais, e onde os participantes
cooperavam para fins comuns de liberdade e prosperidade. O programa também recrutou os “me-
lhores cérebros” do sector privado, nas áreas do emprego, negócios, agricultura, e várias profissões.
O Plano Marshall preconizava igualmente a criação de uma autoridade regional que repre-
sentasse a Europa, tendo gerado a Organização para a Cooperação Económica Europeia (OCEE),
predecessora da actual Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A
ênfase na Europa enquanto região ajudou, por seu turno, a colocar a primeira pedra da integração
das economias da Europa Ocidental e da criação de instituições que acabariam por desaguar na
hoje denominada União Européia.
Graças ao Plano Marshall, não só os países europeus sedimentaram a relação entre si, como a
própria Europa e os EUA ficaram inextrincavelmente ligados. Hoje, essa parceria transatlântica per-
manece viva e enfrenta novos desafios globais, os quais exigem, mais do que nunca, que trabalhe-
mos em conjunto. A menos de um mês de Portugal assumir novamente a Presidência rotativa da
União Européia, recordemos a visão de George C. Marshall e que ela nos sirva a todos de inspiração.

Atividades
1. Explique como estava a economia da Itália, França e Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial.
A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências | 87

2. Comente o desempenho do Produto Nacional das grandes potências antes da Segunda Guerra,
bem como seus gastos militares.

3. Comente os gastos financeiros dos Aliados e dos países do Eixo, durante a Segunda Guerra.
88 | A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências

4. Explique o que foi a Cortina de Ferro, logo após a Segunda Guerra.


A Guerra Fria
e os choques do petróleo
Introdução
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo se divide em dois pólos político-econô-
mico. De um lado o comunismo liderado pela União Soviética e sua expansão no leste europeu, China
e norte da Ásia. Do outro lado o capitalismo, liderado pelos Estados Unidos e sua influência na Europa
Ocidental, Japão e sul da Ásia.
Essa bipolaridade gerou uma corrida armamentista, espacial e nuclear e conflitos em várias par-
tes do mundo. Esta aula tem como objetivo central analisar como o mundo se comportou entre 1950 a
1980, período conhecido como a Guerra Fria, e seu declínio com o choque do petróleo. Portanto, divide-
se este capítulo em duas seções principais. A primeira irá analisar a Guerra Fria, entre 1950 a 1980, des-
crevendo os principais pontos históricos e econômicos do período. Em seguida, apresentam-se os dois
choques do petróleo e seus impactos na maior economia capitalista, descrevendo o período de inflação
elevada e recessão econômica.

A Guerra Fria no período de 1950 a 1980


A divisão do mundo em dois sistemas político-econômicos teve seu auge logo após o fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945. De um lado os Estados Unidos lideravam o avanço do capitalismo
no mundo e influenciam, por exemplo, a Europa Ocidental. De outro, a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) comandou a expansão do comunismo no mundo, em particular e inicialmente no
leste europeu.
90 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

Em termos de política externa, a URSS avança com o Cominform1, um instrumento oficial da po-
lítica externa desse país. O Plano Marshall de 1947 a 1951, lançado pelos Estados Unidos, visou conter
o avanço do socialismo na Europa. Com isso, emprestou mais de US$13 bilhões aos países destruídos
pela guerra. Em resposta, a URSS criou o Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon) com a
finalidade de ampliar as interligações econômicas entre os países de blocos socialistas e, assim, fortale-
cer a economia da União Soviética.
Na área militar, os países capitalistas, liderados mais uma vez pelos EUA, criaram a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan). Seu objetivo principal era estabelecer e institucionalizar uma aliança
militar dos países capitalistas, frente ao avanço do socialismo. Os principais países fundadores foram:
EUA, Canadá, França, Itália, Reino Unido, Holanda, Bélgica e Portugal. Em resposta à criação da Otan, a
URSS lança, em 1955, uma parceria militar entre os países socialistas, construída com o Pacto de Varsó-
via. Os principais integrantes eram: URSS, Alemanha Oriental, Polônia, Bulgária, Tchecoslováquia, Hun-
gria e Romênia. As questões político-militares na Europa e no Norte da América permaneceram de certa
forma resolvidas e estabilizadas pela bipolaridade de forças.
Entretanto, os grandes conflitos entre os sistemas capitalistas ocorreram fora desse eixo geopo-
lítico. Inicialmente, o pior conflito foi na Ásia, na Guerra da Coréia (1950-1953), com o avanço da Coréia
do Norte, com o apoio da China comunista, sobre a Coréia do Sul. Os norte-coreanos avançam até
conquistar Seul, a capital da Coréia do Sul, em 1950. Como contra-ataque, a Organização das Nações
Unidas (ONU) lança uma força-tarefa com soldados norte-americanos, enviando mais de 2 milhões de
soldados. Avançam sobre a capital da Coréia do Norte, Pyongyang, ameaçando a China em novembro
de 1950. A China entra efetivamente no conflito, com o envio de trezentos mil soldados na fronteira.
Após a morte de mais de 3 milhões de pessoas, um acordo de paz é realizado em 1953.
Tabela 1 – Despesas em bilhões de dólares correntes dos países industrializados em defesa
nacional, nos anos 1950, 1951, 1955, 1960, 1965 e 1970
(KENNEDY, 1989, p .367)

Reino
Data EUA URSS China
Unido
1950 14,5 15,5 2,3 2,5

1951 33,3 20,1 3,2 3,0

1955 40,5 29,5 4,3 2,5

1960 45,3 36,9 4,6 6,7

1965 51,8 62,3 5,8 13,7

1968 80,7 85,4 5,6 17,8

1970 77,8 72,0 5,8 23,7

Com a entrada na Guerra da Coréia, os Estados Unidos aumentaram seus gastos militares de
US$14,5 bilhões no ano de 1950 para US$33,3 bilhões em 1951, um crescimento de 129%. Curiosamen-
te, nesse mesmo período, a União Soviética, já com a bomba atômica, expande seus gastos militares de
US$15,5 bilhões para US$20,1 bilhões, aumento de 29%. A China pelo lado comunista e o Reino Unido
representante do capitalismo também expandem constantemente seus gastos em defesa nacional. A
tabela 1 retrata, com isso, a corrida armamentista vivida na Guerra Fria.

1 Cominform era um burô de informações do Partido Comunista e de Trabalhadores.


A Guerra Fria e os choques do petróleo | 91

Com o intuito de conter o avanço do comunismo na Ásia, os norte-americanos patrocinam o de-


senvolvimento e o avanço da economia de mercado no Japão, incentivando as indústrias tecnológicas
e a produtividade média de seus trabalhadores.
O fortalecimento do capitalismo também foi observado na Europa, através da formação de blocos
de cooperação econômica e organização do planejamento produtivo. A economia capitalista, orientada
exclusivamente pelo sistema de preços e de mercado, foi sendo substituída por uma liberdade condi-
cionada aos interesses mais globais, mantendo a iniciativa privada.
Um exemplo interessante desse processo é relatado por Hobsbawn, quando o autor descreve
uma conseqüência importante da Guerra Fria para a Europa. “Contudo, o efeito da Guerra Fria foi mais
impressionante na política internacional do continente europeu que em sua política interna”. Completa
o autor: “Provocou a criação da ‘Comunidade Européia’, com todos os seus problemas; uma forma de
organização sem precedentes (Hobsbawn, 1995, p. 236-237).
Seus membros iniciais eram formados pelos seguintes estados-nações independentes: França,
República Federativa da Alemanha, Holanda, Luxemburgo, Bélgica e Itália. Sua aliança política e eco-
nômica, iniciada por esses países em 1957 pelo Tratado de Roma, estava baseada em um capitalismo
liberal que com o passar do tempo iria buscar uma relativa independência econômica dos Estados Uni-
dos e um planejamento social para o capitalismo de mercado. Realmente, na década de 1970 e 1980,
outros importantes países aderiram ao bloco, tais como: Reino Unido, Portugal, Espanha e Islândia. As
diminuições das barreiras econômicas e as ligações comerciais dos países-membros da Comunidade
Européia ou atual União Européia foram fundamentais para a construção da atual organização político-
econômica desse continente.
No campo tecnológico-militar, em 1949, os Estados Unidos anunciaram o desenvolvimento de
uma nova arma atômica, a Bomba-H, muito mais poderosa que a bomba usada em Hiroshima e Nagasaki.
Em 1953, a Rússia também divulgou e testou sua Bomba-H, depois de nove meses do teste americano.
Reanalisando a tabela 1, destaca-se que, nesse período, a União Soviética possuía uma excelente
tecnologia no lançamento de foguetes. Em virtude da união das tecnologias russa e alemã e a amplia-
ção nos gastos militares, os mísseis poderiam ser disparados a um raio superior a 7 500 quilômetros.
Em 1957, a URSS lança o primeiro satélite artificial no espaço, o Sputnik2. Em 1961, a União Soviética
gastava aproximadamente US$36,9 bilhões ao ano com defesa militar e o avanço do programa espacial
Russo foi intensificado. No ano seguinte, Iuri Gagarin foi o primeiro homem a ir ao espaço com sua nave
Vostok. Em 1962, com mísseis de grande alcance, a URSS tentou construir 40 silos3 nucleares em Cuba,
com o objetivo inicial de se defender dos americanos. Era de conhecimento geral que a União Soviética
pretendia com esse ato responder à construção de uma base militar americana na Turquia. Em uma ne-
gociação complicada e tensa, o governo de John F. Kennedy decidiu retirar sua base militar na Turquia,
em troca da não-ativação das bombas nucleares. O governo norte-americano também se comprometia
em não atacar militarmente Cuba. O líder político, Nikita Khrushchev, aceitou o acordo. Contudo, o pre-
ço pela paz para ambos foi elevado. Como recorda Hobsbawn (1995), Kennedy foi assassinado em 1963
e, no ano seguinte, Khrushchev foi afastado do poder, pelo seu fracasso em Cuba.

2 Em russo, sputnik significa “amigo” ou “companheiro”.


3 Silo nuclear é um depósito em forma de cilindros feitos de metal, para armazenamento das bombas atômicas.
92 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

Em 1964, os EUA entraram na Guerra do Vietnã (1958-1975), auxiliando o Vietnã do Sul contra o
avanço do comunismo do Vietnã do Norte. Em 1968, sofreram uma grande derrota e, no ano seguinte,
o presidente dos EUA, Nixon, anunciava um programa de retirada gradual da guerra que, em 1973, iria
resultar em um acordo de cessar-fogo. Os EUA gastaram mais de US$250 bilhões na Guerra do Vietnã,
lançando aproximadamente 45 milhões de toneladas de bombas.
A guerra significou uma imensa perda de recursos para os norte-americanos. Nesse período de
conflito, a URSS ampliou sua tecnologia nuclear, frota naval, equiparando seus equipamentos bélicos
aos dos norte-americanos. De acordo com a tabela 1, em 1964, os gastos militares soviéticos e norte-
americanos eram de US$51,2 bilhões e de US$48,7 bilhões, respectivamente. Quatro anos depois, em
1968, os gastos da URSS eram de US$85,4 bilhões e dos EUA de US$80,7 bilhões. Isto é, neste ano, a União
Soviética comunista gastou mais em defesa nacional que a superpotência mundial do capitalismo.
A economia americana foi fortemente afetada por esse conflito. O déficit governamental aumen-
tou de US$7,8 bilhões, em 1964, para US$21 bilhões, em 1967, e US$30,9 bilhões, em 1971, sendo que,
nesse ano, a taxa de desemprego tornou-se historicamente elevada, isto é, acima de 6% da força de
trabalho. Surge, com isso, uma questão importante: como o setor público pode ampliar seus gastos signi-
ficativamente e a taxa de desemprego subir de 3,8% em 1964 para 6% em 1967?
A resposta consiste, em grande medida, na análise da eficiência econômica. Os gastos governa-
mentais não estavam sendo mais eficientes para estimular o crescimento do PIB que, em 1968, apresen-
tou um crescimento de 4,8%; em 1969, de 3,1%; em 1970, de 0,2% e em 1971, uma expansão de 3,4%.
Ou seja, uma média de crescimento anual do produto de apenas 2,86% entre 1968 a 1971, muito baixa
para um país que ampliava consideravelmente seus gastos públicos.
O gasto público exagerado gerou também outro problema na economia, o aumento na taxa de
inflação4. Em 1967, de acordo com o gráfico 1, a inflação anual nos Estados Unidos era de 3,0%, isto é,
baixa e bem controlada para a época. Contudo, com o excesso na expansão dos gastos públicos, a in-
flação começou a subir. Em 1969, o Índice de Preço a Consumidor (IPC) tinha dobrado e passado para
uma inflação de 6,2%, e sua origem estava no forte crescimento da demanda agregada. De acordo com
Galbraith (1979, p. 225): “O remédio keynesiano era assimétrico; ele dava certo no combate ao desem-
prego e à depressão econômica, mas não ao contrário, contra a inflação”. O autor também analisa o
problema em ampliar muito os gastos em armamento, que podem ativar a economia e esta gerar um
processo inflacionário como observado no período de 1967 a 1969. Com a gradual saída dos EUA da
Guerra do Vietnã, de acordo com a tabela 1, os gastos em defesa diminuíram de US$80,7 bilhões para
US$77,8 bilhões e, em 1971 e 1972, os gastos reais em defesa nacional também sofreram uma redução.
Com isso, a inflação sofreu um arrefecimento e, em 1972, com muito esforço do governo, a inflação
estava em 3,4%.

4 Em 1963, antes dos EUA entrarem no conflito, a inflação medida pelo IPC foi de 1,64%. Quatro anos depois, o IPC registrava, em 1967, uma
inflação de 3,0%.
A Guerra Fria e os choques do petróleo | 93

Gráfico 1 – Taxa de inflação anual nos Estados Unidos de 1967 a 1982 (Índice de preços ao
consumidor)
14,0 13,3

U.S. Department of Labor:


Bureau of Labor Statistics.
12,3 12,5
12,0
Taxa de inflação (em %)

10,0
8,7 9,0 8,9
8,0
6,2 6,9 6,7
6,0 5,6
4,7 4,9
4,0
3,0 3,4
3,3 3,8
2,0

0,0
67

68

69

70

71

72

73

74

75

76

77

78

79

80

81

82
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19
Observando o gráfico 1, a partir de 1972, a taxa de inflação na maior economia capitalista do
mundo não parou de subir. Para ser mais exato, o IPC explodiu, tornando a inflação explosiva. Além dis-
so, os gastos do governo e o nível de demanda agregada estavam em redução. O que estava afetando,
neste caso, a inflação norte-americana?
A resposta está no aumento consistente e constante do preço internacional do petróleo como
veremos a seguir.

Choque do petróleo
A primeira crise do petróleo ocorreu no ano de 1973. Foi motivada pela forte redução na produ-
ção e, conseqüentemente, no fornecimento de petróleo para Estados Unidos e países europeus. Esse
controle sobre as quantidades e preços só ocorreu porque os principais produtores de petróleo forma-
ram um cartel para manipular o mercado.
Um cartel é um acordo explícito entre os principais produtores de um determinado bem. Eles
se comprometem em manter as bases desse contrato e agir em grupo, como uma grande empresa
que domina o mercado. Para que o cartel ocorra é necessário que as empresas, isto é, as instituições
sejam estáveis e não busquem agir individualmente, mas sim em grupo. As empresas que formam o
cartel devem, em conjunto, ter uma participação de pelo menos 40% do mercado como um todo. Para
justificar a formação e a manutenção do cartel, o produto em questão precisa ser essencial. Ou seja, se
o preço subir, como os consumidores necessitam desse produto, a demanda do mercado não diminui
significativamente.
94 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

A formação de cartel prejudica o desenvolvimento dos mercados, pois seu equilíbrio em compa-
ração à concorrência ocorre com uma redução no volume de produção e aumento nos preços. Em geral,
os países desenvolvidos proíbem a formação de cartel com as leis antitrustes. Atualmente, os cartéis
são internacionais e podemos citar alguns famosos. Entre 1928 e início dos anos 1970, o cartel Mercúrio
Europeu manteve elevado o preço internacional do mercúrio. Entre 1878 e 1939, um cartel interna-
cional também manipulava o preço do iodo. Em meados da década de 1970, os países do Caribe ex-
portadores de bauxita e a Guiné organizaram a International Bauxite Association (IBA), controlando a
oferta desse produto para quadruplicar seus preços no mercado internacional. O cartel mais famoso
do mundo é a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Foi fundado em setembro de
1960 pelo Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Atualmente, são 12 membros e sua missão
está em unificar e coordenar as políticas dos países-membros. De fato a Opep busca controlar o vo-
lume de produção e, conseqüentemente, estabelecer um nível de preço sempre maior no mercado
internacional do petróleo.
Contudo, só a partir de 1973 que os países integrantes da Opep decidiram elevar o barril do
petróleo, como destacado no gráfico 2. Para o consumidor, mercado varejista, o petróleo subiu de,
aproximadamente, US$3,00 o barril para US$12,00, quadruplicando seus preços. A medida foi uma
represália ao apoio dos EUA e da Europa à ocupação de territórios palestinos por Israel, durante a
Guerra do Yom Kippur.
Gráfico 2 – Preço médio do barril do petróleo em US$, no atacado, nos Estados Unidos, de
1970 a 1984
35,0

a 1977 – FEA, do Relatório, “Domestic Crude Oil


Entre 1970-1973 – Bureau of Mines, Minerals Yearbook,
“Crude Petroleum and Petroleum Products”. Entre 1974 a janeiro de 1976 –

Purchaser’s Monthly Report.” E, de 1978 em diante –


Federal Energy Administration (FEA) e a partir de fevereiro de 1976

Energy Information Administration, Petroleum Marketing Monthly.


31,8

30,0 28,5
Preço do barril. Brent (em US$)

25,0 25,9
5

20,0 21,6
12,6
15,0

9,0
10,0
6,9
3,9
5,0 3,2

0,0
1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

Como conseqüência, nos anos 1974 e 1975, a inflação norte-americana chegou a ser de 12,3% e
6,9%, respectivamente, e o crescimento do PIB negativo de 0,5% e 0,2%, respectivamente. O país vivia
uma estagflação, termo inventado pelos economistas, que significa estagnação econômica (recessão)
com inflação (aumento nos preços). De 1973 a 1975 a taxa de desemprego subiu de 4,9% da força de
trabalho para 9,0%. Com a estabilização do preço internacional do petróleo até 1978, a inflação cedeu
para 4,9% e o desemprego diminuiu para 6,0%. Contudo, em 1979, o IPC volta a apresentar uma nova
explosão: era mais um choque internacional do petróleo orquestrado pela Opep.
5 Brent: Refere-se ao óleo produzido no mar do norte (Europa).
A Guerra Fria e os choques do petróleo | 95

O segundo choque do petróleo ocorreu em 1979, devido a uma mudança de governo no Irã. Na
época, esse país era o segundo maior exportador de petróleo do mundo, perdendo somente para a Ará-
bia Saudita. Na revolução política, cultural e religiosa iraniana, esse grande produtor saiu do mercado,
fazendo com que o preço do petróleo disparasse novamente no mercado internacional. De 1978 a 1979,
o preço do barril do petróleo, no mercado atacadista, subiu de 9 dólares para 12,6 dólares o barril. No
mercado consumidor, varejista, o preço subiu para aproximadamente 18 dólares o barril. Esse segundo
choque, como demonstrado no gráfico 2, foi pior, pois os preços continuaram se elevando. Em 1981, no
início da Guerra Irã-Iraque (1980-1990), o preço do barril ficou insustentável.
Como conseqüência, os Estados Unidos mais uma vez viveram, no início da década de 1980, o pe-
ríodo de estagflação. Em 1979, a inflação chegou a um nível recorde de 13,3%, sendo que nos dois anos
seguintes permaneceu elevada em 12,5% e 8,9%, respectivamente. O PIB cresceu apenas 3,2% em 1979,
decaiu em 1980 em 0,2% e em 1982 também foi reduzido em 1,9%. Em 1980, por exemplo, o consumo
das famílias caiu em 0,17% e os investimentos públicos e privados sofreram uma redução de 2,12%.
Esses fatores negativos levaram os Estados Unidos a aumentarem suas taxas de juros para mais
de 15% ao ano. Com a política monetária restritiva, gasto real do governo estagnado para não gerar
mais processo inflacionário e diminuição da produção industrial, a taxa de desemprego subiu a níveis
recordes, desde a Segunda Guerra Mundial.
O gráfico 3 descreve o comportamento da taxa de desemprego mensal dos EUA. No início de
1979 estava em 6% da força de trabalho, subindo para próximo de 8% em 1980. Permaneceu nesse pa-
tamar até o final de 1981, e explodiu com a recessão norte-americana, subindo para 10,8% no Natal de
1982. Permaneceu acima de 8% da força de trabalho até o início de 1984, reduzindo gradativamente. No
segundo semestre de 1987, o desemprego retoma aos níveis pré-segundo choque do petróleo e, com
o crescimento econômico, volta a operar a uma taxa próxima de 5% da população economicamente
ativa.
Gráfico 3 – Comportamento da taxa de desemprego mensal (em % da força de trabalho),
nos Estados Unidos durante jan./ 1979 a dez./1989
12,0
U.S. Department of Labor: Bureau of Labor Statistics.

11,0

10,0
Taxa de desemprego (em %)

9,0

8,0

7,0

6,0

5,0

4,0
79

80

81

82

83

84

85

86

87

88

89
n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/
ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja
96 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

No Brasil, o choque do petróleo também gerou um processo de estagflação, recessão com in-
flação. Com dificuldade de manter o crescimento econômico, o governo brasileiro expande a dívida
externa para lançar uma política fiscal expansionista em 1974. Com o segundo choque do petróleo, o
endividamento externo torna-se insustentável e o país entra, no início da década de 1980, em uma forte
recessão. Nesse ano, o PIB brasileiro cai mais de 5% e a inflação anual ultrapassa os 200%. O Brasil nego-
cia um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para equilibrar suas contas externas.

Conclusão
A Guerra Fria foi marcada pela corrida armamentista e pelos conflitos entre o capitalismo e o socia-
lismo. As guerras da Coréia e Vietnã, por exemplo, foram extremamente sangrentas. Na América, o maior
conflito ocorreu em Cuba, fato que quase gerou um conflito nuclear entre as duas potências mundiais.
O choque do petróleo foi marcado por um período de inflação elevada e recessão econômica nas
economias capitalistas e dependentes desse recurso natural. Os Estados Unidos viveram um período de
elevado desemprego, gerando um grave problema social.

Texto complementar

Evitamos uma guerra nuclear por um triz, diz McNamara


(HEREDIA, 2008)
Secretário de Defesa dos Estados Unidos entre 1961 a 1967, Ro-
bert McNamara enfrentou com o presidente John F. Kennedy os 13
dias da crise dos mísseis de Cuba.
O ex-homem forte do Pentágono trabalha agora em um escritó-
rio a poucas quadras da Casa Branca.
Ele só concede entrevistas se forem transcritas, porque não gosta
que editem o que diz.
“De outro modo seria uma perda de tempo”, acredita.
BBC – Como foi a condução da crise?
Robert McNamara – Durante 30 destes 40 anos eu achei que
esta foi uma das crises mais bem conduzidas dos últimos 50 anos. Mas
Ex-secretário de Defesa
nesta última década descobri que evitamos uma guerra nuclear por aconselhou ataque a Cuba.
A Guerra Fria e os choques do petróleo | 97

um triz. Foi pura sorte. Deixe-me explicar: o presidente Kennedy tomou medidas imediatas depois
de receber fotos de um vôo tiradas de um avião U-2. As fotos mostravam que os soviéticos tinham
colocado mísseis em Cuba. Isso ocorreu por debaixo dos panos, porque haviam treinado dois dos
embaixadores do Ministério das Relações Exteriores para negar que havia mísseis em Cuba. Quando
soubemos da verdade, ficou claro que os mísseis não poderiam continuar em Cuba. A pergunta era:
como retirá-los? O presidente Kennedy disse a seu comitê executivo e ao Departamento de Defesa:
“Não digam nada a ninguém, a não ser a dois ou três assessores. Discutam sobre como deveríamos
responder [...] não vou estar presente às discussões e só espero que me tragam recomendações
unânimes sobre o que devemos fazer. Se não houver unanimidade, quero uma alternativa”. Demo-
ramos quase uma semana para chegar a esse plano. É certo que, se ele não tivesse nos dado essas
instruções haveríamos entrado em guerra. Porque quando o comitê executivo se reuniu sem o pre-
sidente Kennedy na terça-feira pela manhã (16 de outubro), a maioria queria atacar imediatamen-
te. Se tivéssemos feito isso, uma guerra nuclear teria ocorrido. Apresentamos uma recomendação
dividida ao final da semana. Um grupo recomendou um bloqueio, outro um ataque imediato. Ele
escolheu o bloqueio, que começou, acho, na quarta-feira, 23 de outubro. De toda forma, o sábado
27 foi um dia crítico. Khrushchev não havia respondido retirando os mísseis ou declarando que
o faria. A pergunta era: o que vamos fazer? Neste momento, a CIA não acreditava que as ogivas
nucleares dos mísseis tivessem chegado a Cuba. Acreditavam que os primeiros 20 chegariam em
três ou quatro dias. E os vôos de reconhecimento demonstraram que os mísseis precisariam de três
ou quatro dias para estarem prontos para uso. Às 4h da tarde do sábado, 27, recomendamos de
forma unânime que o presidente atacasse em 48 horas – na segunda-feira, dia 29. O ataque aéreo
para o primeiro dia foi planejado e iria ser um ataque gigantesco, maior que qualquer ataque aéreo
realizado durante a guerra de Kosovo. Em janeiro de 1992, 29 anos mais tarde, soubemos em uma
reunião em Havana, presidida por Castro, que no momento em que recomendávamos o ataque,
havia 162 ogivas nucleares em solo cubano! Nós não sabíamos que as ogivas nucleares estavam lá
e Khrushchev sabia. Por isso, quando ele tomou a decisão de retirar os mísseis no dia 28 de outubro
em lugar de usar os canais diplomáticos normais (o que teria demorado mais umas seis horas), ele
usou uma rádio pública para anunciar a retirada. Por canais diplomáticos demoraria muito mais,
porque é preciso escrever a mensagem, traduzi-la, codificá-la, decodificá-la e mandá-la à Casa Bran-
ca. Khrushchev temia que poderíamos atacar antes da mensagem chegar e enviou um assessor à
estação pública de rádio que disse: “mantenha o canal aberto que eu quero fazer um pronuncia-
mento”. Inteiramo-nos de sua decisão de retirar os mísseis, o que impediu uma guerra nuclear, pela
transmissão da rádio pública.
BBC – Qual é a lição que fica da crise dos mísseis de Cuba?
McNamara – A lição é que os seres humanos não são infalíveis. Erros foram cometidos em am-
bos os lados, no americano e no soviético. Isso é previsível. As operações militares são muito mais
complexas que as civis e qualquer comandante militar que seja sincero dirá que cometeu erros. Dê
uma olhada no que aconteceu no Afeganistão nas últimas semanas: nós, os Estados Unidos, dispa-
ramos em forças amigas e matamos os canadenses. Matamos afegãos em uma festa de casamento.
Operações militares são muito complexas, as variáveis são muitas, as causas e relações são incertas,
comete-se erros e mata-se gente, milhares, às vezes milhões. Mas não se destroem nações como
[sic] armas convencionais. Com armas nucleares não pode haver um processo de aprendizagem.
Com armas nucleares se um erro for cometido, nações são destruídas. Portanto, o que precisa ser
aprendido é que o mundo deve atuar para eliminar – ou quase eliminar – as armas nucleares, para
que as nações não sejam destruídas.
98 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

BBC – O que o senhor sentiu pessoalmente durante a crise?


McNamara – Durante 13 dias não saí do Pentágono, a não ser para ir a reuniões na Casa Branca
ou do comitê executivo. Foi um período de muita tensão e mais de uma vez eu dormi lá para aju-
dar o presidente a manter os eventos sob controle e assegurar que não iríamos entrar em guerra.
À tarde do sábado, dia 27 de outubro, foi uma tarde maravilhosa e eu pensei que talvez não fosse
desfrutar da noite daquele sábado. Achávamos que talvez eles atacariam Berlim, ou a Turquia ou
Cabo Norte (Noruega) e teríamos entrado em guerra. E quem pode controlar uma guerra? Como
disse Khrushchev, as guerras só terminam depois que povos e cidades foram devastados.
BBC – E naquele momento vocês mediram as conseqüências no caso de atacarem primeiro?
McNamara – Não tínhamos a intenção de atacar primeiro com armas nucleares. Não acreditá-
vamos que os soviéticos tivessem armas nucleares em Cuba. Mas podíamos ter usado forças con-
vencionais. Pensávamos que havia 10 mil soldados soviéticos em Cuba, quando, na realidade, eram
40 mil e o nosso ataque teria matado muitos deles com armas convencionais. Os cubanos também
nos contaram que tinham mobilizado 270 mil dos seus soldados. Mas não queríamos uma guerra.
Queríamos salvar nossas vidas, não queríamos guerra.
BBC – E vocês pensaram em Khrushchev?
McNamara – O presidente Kennedy nos disse claramente: “Não o encurralem, mas ajudem-no
a tomar uma decisão apropriada.” Sabemos e sabíamos naquele momento que ele teria de pagar
um custo político muito alto por retirar os mísseis.

Atividades
1. Em termos de política externa pós-Segunda Guerra, como o mundo se subdividiu? Explique.
A Guerra Fria e os choques do petróleo | 99

2. Explique como foi a Guerra da Coréia. Como a ONU participou dela?

3. Explique como o setor público pode ampliar seus gastos significativamente e a taxa de desem-
prego subir de 3,8% em 1964 para 6% em 1967, como ocorreu nos Estados Unidos.
100 | A Guerra Fria e os choques do petróleo

4. Quais foram os principais impactos dos choques do petróleo para os Estados Unidos?
A economia brasileira nas
décadas de 1950 e 1960
Introdução
Pretende-se discutir, neste capítulo, a economia brasileira após a Segunda Guerra Mundial, com
a industrialização na década de 1950, o plano de estabilização e reforma do sistema financeiro nacional
em 1960 e o pensamento econômico dominante no início dos anos 1960.
Com isso, estrutura-se esta aula em três seções. A primeira traça o Plano de Metas (PM) do então
presidente da República Juscelino Kubitschek. Em seguida, discute-se rapidamente o golpe militar de
1964 e o Programa de Ação Econômica (Paeg) lançado pelo governo do marechal Castelo Branco com
o objetivo de estabilizar a economia e consolidar um sistema financeiro moderno à economia nacional.
E, por último, apresenta-se o referencial teórico básico dos economistas brasileiros que buscaram com-
bater a inflação e restruturar o sistema financeiro nacional.

O Plano de Metas (PM) e o caminho para a industrialização


Após a Segunda Guerra Mundial era consenso entre os políticos e pensadores brasileiros a neces-
sidade de se intensificar o processo de industrialização da economia brasileira. A marginalização eco-
nômica e seu foco basicamente na indústria cafeeira eram pensamentos do passado. O país necessitava
tornar-se inevitavelmente uma potência industrial.
O Governo Vargas (1951-1954) não pensava diferente e buscou integrar o processo de industriali-
zação nacional. Em termos financeiros, o Brasil se beneficia da criação da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos (CMBEU), com o objetivo de desenvolver projetos de infra-estrutura que deveriam ser financia-
dos pelo recém-criado Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e o Banco de
Exportação e Importação (Eximbank).
102 | A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960

Entretanto, como destacado por Ferreira e Malliagros (1999), mudanças na política norte-ame-
ricana em 1953, para a América Latina, geraram a extinção da CMBEU, e dos 41 projetos aprovados
(US$387 milhões) foram financiados apenas US$186 milhões, sendo que US$60 milhões, em valores da
época, foram alocados somente na empresa Brazilian Traction Light & Power Company Ltd. (Light), na
área de energia elétrica para a região Sudeste.
Getulio Vargas, nesse período, preocupado com o desenvolvimento da economia nacional, cria
também a Petrobras (Petróleo Brasileiro S/A) e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), que tem
como objetivo apoiar investimentos que venham melhorar a qualidade de vida dos brasileiros e ampliar
a produtividade dos trabalhadores. Com isso, incentiva financeiramente grandes empreendimentos in-
dustriais que venham melhorar a infra-estrutura, impactando nos diversos setores da economia como a
agricultura, a pecuária, o comércio e os serviços. Os primeiros financiamentos do BNDE, nos anos 1950,
foram nos setores de geração de energia elétrica e transporte, seguidos pelas atividades industriais de
papel e metalurgia.
Juscelino Kubitschek (JK) toma posse em 1956 e lança o Plano de Metas (PM), com o objetivo de
incentivar o Processo de Substituição de Importações (PSI) iniciado por Getulio Vargas na década
de 1930. Buscava completar a matriz industrial brasileira nos setores de bens de consumo duráveis e
de capitais (máquinas e equipamentos) e, assim, tornar o país economicamente menos subordinado
às economias industriais. O PM foi elaborado com base em um relatório do BNDE, que buscava identi-
ficar as áreas prioritárias de investimentos que representavam restrições ao crescimento. Era um plano
qüinqüenal, pois como o próprio JK registrava: “50 anos de desenvolvimento em 5”. Contemplava inves-
timentos em cinco grandes áreas e com as seguintes participações em relação ao total: energia (42,4%),
transporte (28,9%), indústria básica (22,3%), alimentação (3,6%) e educação (2,8%). Os três primeiros
setores absorveriam 93,6% de todo o recurso do plano, sendo que grande parte dos investimentos
seriam do setor público.
Além das cinco metas estruturais do governo, foi incorporada ao plano uma meta autônoma:
construção de Brasília, a nova capital da República. O PM não contemplava claramente as fontes de
financiamento para os investimentos setoriais, assim como para a construção de Brasília, que iria absor-
ver aproximadamente 2,5% do PIB em gastos públicos. Giambiagi et al. (2005) destaca que, entre 1956 a
1963, o déficit do governo federal dobrou em termos reais (descontando a inflação).
Os resultados macroeconômicos foram surpreendentes. Entre 1956 e 1961, o PIB cresceu em mé-
dia 8,2% ao ano, a renda per capita 4,3% ao ano e a taxa de inflação mensurada pelo Índice Geral de
Preços ao Consumidor – Disponibilidade Interna (IGP-DI) ficou em média 28,9% ao ano, sendo que no
final do mandato de JK a inflação já apresentava sinais de forte aceleração.
De fato, o grande problema do Plano de Metas estava na falta de uma definição clara dos meca-
nismos de financiamento dos gastos públicos e privados. E, com a realidade de um sistema financeiro
nacional pouco desenvolvido, o déficit público e seus investimentos foram financiados com a emissão
monetária.
Como descrito por Giambiagi et al (2005, p. 57), “De fato, o principal mecanismo de financiamento
do Plano de Metas foi a inflação, resultado da expansão monetária que financiava o gasto público e do
aumento do crédito, que viabilizaria os investimentos privados.”
A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960 | 103

Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos no governo JK: 1956 a 1961

Fundação Getulio Vargas (FGV); Instituto Brasileiro

Brasil (BCB).
de Geografia e Estatística (IBGE); Banco Central do
Saldo da balança
PIB real Renda per capita Inflação Investimento
Ano comercial (em
(em %) (em %) (IGP-DI) (em % do PIB)
milhões de US$)
1956 2,9% 3,7% 24,6% 407,4 14,5%

1957 7,7% 3,9% 6,9% 106,3 15,0%

1958 10,8% 4,1% 24,4% 65,8 17,0%

1959 9,8% 4,4% 39,4% 72,2 18,0%

1960 9,4% 4,7% 30,5% -24 15,7%

1961 8,6% 4,9% 47,8% 111,1 13,1%

Média 8,2% 4,3% 28,9% 66,3 16,0%

Na época do PM, as autoridades monetárias eram formadas pelas seguintes instituições: Banco
do Brasil, que operava com a carteira do redesconto; a Superintendência da Moeda e do Crédito (Su-
moc), que controlava o sistema monetário; e o Tesouro Nacional, que autorizava a emissão monetária.
A indústria de transformação, no governo JK, cresceu em termos reais 186%. Com isso, a estrutura
econômica alterou-se significativamente, desenvolvendo o país. De acordo com Abreu et al. (1990), en-
tre 1957 a 1961, foram construídos 17 mil km de rodovias, gerados 1,6 milhões de Kw, produzidos 75 mil
barris de petróleo ao dia, 650 mil toneladas de aço e produzidos 133 mil carros e caminhões.

O Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg)


O PM foi um sucesso na área do desenvolvimento e modernização do parque industrial brasileiro.
E, sem dúvida, foi essencial para diversificar a produção nacional, principalmente no que se refere aos
setores produtores de bens de consumo duráveis e bens de capitais. Contudo, como descrito no gráfico
1, a inflação ganha força, em 1964, com a excessiva emissão monetária e o aumento salarial. Nesse ano,
a inflação mensurada pelo IGP-DI registrou uma variação de 92,1% e era a principal preocupação do
governo do Marechal Castelo Branco.
O novo governo militar identificava três causas essenciais que alimentavam o processo inflacionário:
::: o elevado gasto público;
::: a expansão do crédito às empresas;
::: o crescimento dos salários reais acima da expansão da produtividade do trabalhador.
Com isso, lançou-se um amplo programa conhecido como Plano de Ação Econômica do Governo
(Paeg), que tinha como objetivo central combater progressivamente o processo inflacionário com a
manutenção do crescimento econômico.
104 | A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960

Deveria, portanto, reduzir os gastos públicos, controlar a expansão do crédito às empresas e cor-
rigir os ganhos salariais reais acima do crescimento da produtividade do trabalhador. Contudo, o Paeg
identificou um problema estrutural que inviabilizaria o efetivo combate ao processo inflacionário: a
falta de um sistema financeiro desenvolvido.
Gráfico 1 – Desempenho da taxa de inflação anual (IGP-DI) no Brasil de 1960 a 1969
100,0%

Fundação Getulio Vargas (FGV).


92,1%

90,0%
79,9%
80,0%

70,0%
IGPI-DI (em %)

60,0%
47,8%
50,0%
51,6% 39,1%
40,0%
25,0%
30,0% 34,2%
30,5% 19,3%
20,0%

10,0%
1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969

Com a necessidade de se obter uma configuração mais organizada no sistema financeiro e, sobre-
tudo, viabilizar o financiamento do governo não por meios inflacionários, mas via emissão monetária,
foram criados em 31 de dezembro de 1964, pela Lei 4.595, dois órgãos essenciais para estabilizar a
economia.
::: Conselho Monetário Nacional (CMN)1: é a instituição responsável em divulgar as diretrizes
gerais para o bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Suas principais funções
são: adaptar a oferta monetária às reais necessidades da economia; zelar pelo equilíbrio das
contas externas e a solvência e liqüidez das instituições financeiras.
::: Banco Central do Brasil (Bacen): é o principal executor das políticas monetárias, de crédito
e políticas externas determinadas pelo CMN. Tem como função zelar pela estabilidade e liqüi-
dez do sistema financeiro e bancário. Realiza as operações de redesconto e determina a taxa
de juros da economia. É considerado o Banco do Governo e é utilizado para captar recursos
(dinheiro) no mercado para financiar o Tesouro Nacional. E, para tornar o título público mais
interessante e financeiramente viável ao mercado, criou-se em julho de 1964 a Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), que corrigia a inflação do pagamento de juros. Foi
utilizada para financiar o déficit do governo.
Em termos operacionais, o sistema financeiro estava estruturado da seguinte forma: o Conselho
Monetário Nacional funcionaria como um órgão normativo que iria legislar sobre o regime cambial e
monetário que a economia brasileira deveria seguir e o Banco Central como uma instituição executora

1 Ver em especial o site: <www.bcb.gov.br/?SFNCOMP>.


A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960 | 105

das políticas determinadas pelo CMN, sendo também o Banco do Governo nas questões de financia-
mento do setor público.
Em 1963, o déficit do governo era de aproximadamente 4,2% do PIB e era integralmente financia-
do pela emissão de moeda. Conseqüentemente, a inflação neste ano, como destacado no gráfico 1, foi
de 79,9%. No ano seguinte, o déficit público de 3,2% do PIB também foi totalmente pago com a emissão
inflacionária, e o IGP-DI foi o mais elevado no período analisado, ficou em 92,1%. Contudo, com a criação
do CMN e do Bacen, em 1965, o déficit do governo de 1,6% foi financiado em 55% pela emissão de títulos
públicos, as ORTNs. Em 1966, 86% do déficit público de 1,1% do PIB foi financiado pela venda de
títulos da dívida pública, não inflacionários. Por isso que a inflação a partir de 1966 torna-se bem mais
estável e baixa.
O Paeg reduziu rapidamente o déficit público controlando os gastos do governo, mas, sobretudo,
ampliando a arrecadação. Segundo Giambiagi et al. (2005), a elevação da carga tributária em porcenta-
gem do PIB foi expressiva, pois em 1963 esta era de 16% e em 1967 passou para 21% do PIB. Em grande
medida, esse fato pode ser justificado pelas seguintes mudanças tributárias:
::: ampliação de impostos no mercado bancário.
::: criação do Imposto Sobre Serviços (ISS), que caberia aos municípios recolherem.
::: aplicação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICM).
Criou-se também o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)2 e o Programa de Integração
Social, que foram fundamentais para a formação de uma poupança compulsória destinada a estabilizar
a demanda agregada da economia em períodos de recessão, garantindo assim uma remuneração mí-
nima ao trabalhador desempregado. E com o objetivo de diminuir o déficit habitacional brasileiro em
1964 instituiu-se o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que tinha como órgão financeiro o Banco
Nacional da Habitação (BNH).
Com relação ao setor externo, o Paeg procurou incentivar as exportações com isenções fiscais e
um sistema de mini-desvalorização da taxa de câmbio, tornando as próprias exportações mais competiti-
vas. A Resolução 63 do Banco Central viabilizou a captação externa pelos bancos comerciais e de investi-
mentos. Esse recurso obtido do exterior era utilizado para financiar ou capitalizar as empresas brasileiras.
Ampliava-se, com isso, a capacidade de absorver recursos para o processo produtivo da economia.
Em termo de combate à inflação, o Paeg apresentou um grande sucesso. Contudo, seu combate
não foi gradual. No gráfico 1, fica claro observar que de 1964 a 1965 a inflação despencou de 92,1% ao
ano para 34,2%. E, com a redução da liqüidez e do crédito às empresas, a política monetária contracio-
nista possibilitou um pequeno crescimento do PIB de 2,4% e um crescimento negativo da produção
industrial de 4,7%. Expandiu-se nesse período o número de falências e concordatas das empresas e os
segmentos de vestuário, alimentos e construção civil foram os mais atingidos. Com a redução do crédito
e dos gastos do governo, o setor da construção civil foi uma das indústrias que mais sofreram no Paeg.
Por exemplo, em 1965, esse setor cresceu em termos de produção física apenas 1%3.

2 Instituído através da Lei 5.170/1966.


3 Os dados sobre o PIB e da produção industrial foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no Sistema de Contas
Nacionais (SCN).
106 | A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960

Pensamento econômico brasileiro


A implementação do Plano de Ação Econômica do Governo foi realizada por dois grandes econo-
mistas: Roberto Campos, à frente do Ministério do Planejamento, e Octavio Gouvêa de Bulhões. Foram
os grandes idealizadores das reformas estruturais na economia brasileira. Criaram em seus mandatos o
Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, e pela suas excessivas e justificáveis preocu-
pações com a inflação brasileira eram denominados liberais ou ortodoxos. Tinham como visão principal
que uma economia de mercado capitalista, a qual o Brasil se propunha inserir, não iria se desenvolver
sem o funcionamento dos mecanismos de preços e, para que esses funcionassem, a inflação deveria ser
relativamente baixa e estável.
Ambos tinham como referencial teórico a lógica liberal e amplamente conhecida da Teoria Quan-
titativa da Moeda (TQM). Foi desenvolvida inicialmente a partir dos séculos XVIII e XIX, devido às pres-
sões inflacionárias que a Inglaterra vivia em virtude do excesso de emissão monetária. Os pensadores
da época argumentavam que uma significativa emissão monetária poderia ter efeito na produção da
economia curto prazo, expandindo a renda da população e o emprego, mas a longo prazo esse excesso
de moeda (liqüidez) poderia aumentar consideravelmente o nível de preços da economia, isto é, gerar
um processo inflacionário.
No início do século XX, a TQM foi desenvolvida e apresentada com a seguinte identidade:
M x V = P x Y (1)
Sendo que a oferta de moeda na economia (M) multiplicada pela velocidade de circulação da
moeda (V) é igual ao nível de preços (P) multiplicado pelo produto real (Y).
Supondo uma hipotética economia, em um ano, produz 60 unidades de um determinado bem
(livro, por exemplo) no valor de R$50,00 cada produto (livro) e a oferta monetária igual a R$1.000,00.
::: M = R$1.000,00
::: P = R$50,00
::: Y = 60 unidades
Através da identidade 1 pode-se argumentar que a velocidade de circulação da moeda (V) é igual
a 3:
PxY R$3.000,00
V= = =3
M R$1.000,00
Isto é, para essa economia movimentar um valor de R$3.000,00 será necessária apenas a emissão
de R$1.000,00 em moeda, pois o dinheiro ao longo do ano irá se mover em média 3 vezes por transação
monetária.
De acordo com o pensamento liberal, essa velocidade de circulação tende a ser constante a curto
prazo e o produto real depende a longo prazo do desempenho dos fatores de produção, terra, trabalho
e capital e não da moeda. Com isso, considerando essas duas variáveis relativamente estáveis, pode-se
argumentar que um aumento expressivo da oferta monetária, acima do crescimento do PIB, iria gerar
inflação, como ilustrado pelo esquema a seguir:

MxV= PxY
A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960 | 107

Sendo as variáveis V e Y estáveis, a emissão de moeda iria gerar aumento no consumo e expansão
nos níveis de preço, ou seja, inflação. Essa era basicamente a interpretação dos principais economistas
brasileiros na necessidade de se combater o excesso na emissão monetária com finalidade de financiar
o déficit público.

Conclusão
A economia brasileira passou por grandes transformações na década de 1950, com incentivos
na indústria de bens de consumo duráveis e de capitais (máquinas e equipamentos). O Plano de Metas
implementado nesse período ampliou os gastos do governo em investimentos nos principais setores
da economia e construiu uma nova capital para o Brasil.
Contudo, as fontes de financiamento do PM não eram bem definidas e utilizou-se a emissão mo-
netária como forma de viabilizar os investimentos. No curto prazo, com a modernização econômica, a
produção expandiu, mas no longo prazo, o processo inflacionário tornou-se mais intenso e preocupan-
te para o desenvolvimento do país.
E, nesse sentido, em 1964, foi colocado em prática um programa de estabilização inflacionária,
com grandes mudanças estruturais nas áreas: sistema financeiro, tributária e setor externo. O Paeg apre-
sentou sucesso no combate inflacionário, reduzindo significativamente a emissão monetária vinculada
à necessidade de financiar o setor público.

Texto complementar

A “cura” da inflação e a reorganização das finanças


(Szmrecsányi; Coelho, 2007)
No início dos anos 1960, Roberto Campos entendia que a economia brasileira, apesar do esfor-
ço de diversificação do parque industrial realizado durante o Plano de Metas, estava longe de ter as-
segurado as condições básicas para o crescimento auto-sustentado. Na sua interpretação, a inflação
não fora desenvolvimentista: “Certamente, parece que nos desenvolvemos apesar da inflação e não
por causa dela.” Embora sua análise não descartasse a idéia de surgirem desequilíbrios decorrentes
da própria modificação estrutural da economia, essa idéia perdeu força diante dos dois argumentos
que definem com rigor a ortodoxia de Roberto Campos. O primeiro era sua concepção de inflação
como fenômeno essencialmente monetário; o segundo, a sua concepção do Estado como fator de
perturbação. Para ele, o Estado situava-se na raiz dos principais limites à formação de capital a longo
108 | A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960

prazo. O seu diagnóstico do processo inflacionário brasileiro remetia à análise da questão do padrão
de financiamento no Brasil; assim como dos limites para o aumento da poupança pública e privada
que condicionavam as possibilidades de aumento dos investimentos. No seu entender, estes se
mantiveram limitados por terem esbarrado em obstáculos financeiros internos, por não contarem
com um equacionamento de longo prazo, e pela ausência de condições cambiais favoráveis.
Entre 1964 e 1967, como Ministro do Planejamento, participou ativamente do processo de re-
forma institucional com vistas a viabilizar a constituição dos fundamentos necessários para garantir
o crescimento com estabilidade. Admirador do Presidente Castelo Branco e leal aos princípios da
“Revolução de 1964” que denominou das “classes médias”, Campos afirmava que a ação do gover-
no envolvia: (i) o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) como programa antiinflacionário
emergencial; (ii) grandes reformas estruturais, como a administrativa, a fiscal, a bancária, e a do mer-
cado de capitais; (iii) planos setoriais de infra-estrutura; e (iv) o Plano Decenal de Desenvolvimento.
Campos admitia que, a curto prazo, a cura da inflação seria incompatível com políticas expan-
sionistas, dado que ocorreria, quase que inevitavelmente, uma queda ou estagnação do ritmo de
crescimento da renda e do emprego. Assim, Campos entendia que a queda do nível de renda na
“fase de reajustamento” se devia ao fim dos investimentos de caráter especulativo que se acelera-
ram na fase inflacionária e à “cirurgia industrial” que representava a eliminação de empresas antie-
conômicas.
Concluía não existir “cura sem dor” para a inflação. Em verdade, Roberto Campos propunha o
núcleo de um programa de estabilização baseado no controle da oferta monetária. Entretanto, en-
tendia que o aumento da produção somente poderia fazer parte de uma estratégia antiinflacionária
na medida em que a queda do nível de renda nominal pudesse ser conciliada com o crescimento
da produção real. O aumento do produto real poderia ser reforçado por meio da implementação
de uma estratégia de reflação centrada na reorientação do crédito para aplicações produtivas (dimi-
nuindo o crédito para consumo pessoal e a especulação com estoques) e numa melhor composição
das despesas públicas (diminuindo as despesas militares e aumentando os investimentos na mo-
dernização agrícola e na infra-estrutura).

Atividades
1. Descreva os benefícios da criação da Comissão Mista Brasil–Estados Unidos (CMBEU) e do Banco
de Exportação e Importação (Eximbank), no início da década de 1950.
A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960 | 109

2. Explique os objetivos gerais do Plano de Metas e identifique os cinco setores que foram estimu-
lados por esse amplo programa de desenvolvimento econômico.
110 | A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960

3. Comente sobre os resultados macroeconômicos obtidos pelo Plano de Metas. E identifique o


principal problema do plano.

4. De acordo com o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), quais eram as três principais
fontes de inflação na economia brasileira no início dos anos 1960?
O milagre econômico
brasileiro e a crise
dos anos 1980
A economia brasileira iniciou os anos 1970 em forte crescimento econômico. O país crescia a taxas
superiores a 10% ao ano com uma inflação controlada e parecia que nada poderia parar o Brasil. Mesmo
no primeiro choque do petróleo, em 1973, os formuladores de política econômica decidiram manter o
ritmo forte de crescimento lançando o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Entretanto, as con-
dições de financiamento e a alta nos preços tornaram-se preocupantes em 1979, no segundo choque
do petróleo, inviabilizando a manutenção do crescimento econômico. Os anos 1980 foram inicialmente
difíceis em virtude da recessão mundial e brasileira e na segunda metade devido ao problema da hi­
perinflação e dos insucessos dos planos econômicos.
Esta aula tem como propósito apresentar como a economia brasileira foi gradativamente se de-
teriorando entre as décadas de 1970 a 1980, com a recessão e principalmente com a inflação descon-
trolada. Nesse sentido, divide-se o capítulo em duas seções. Primeiramente, os fatores que justificaram
o milagre econômico vivido no início dos anos 1970 e, posteriormente, as conseqüências dos choques
do petróleo são apresentados. E, na segunda parte, serão analisados o ajuste recessivo brasileiro, com
a queda do PIB e o aumento da inflação nos anos 1980, uma década complicada para a economia na-
cional.

O milagre econômico e os choques do petróleo


O milagre econômico ocorreu entre os anos 1968 e 1973 e representou o período de maior ex-
pansão da economia brasileira. Como demonstrado na tabela 1, a seguir, o Produto Interno Bruto (PIB)
real cresceu em média 11,2% ao ano e a renda per capita 8,2% ao ano. A atividade produtiva, em especial
a indústria, beneficiou-se dessa forte expansão.
112 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Com isso, torna-se essencial apresentar os motivos gerais que impulsionaram um crescimento tão
expressivo da economia. Primeiramente, nos anos anteriores, entre 1964 a 1967, o país apresentou um
crescimento econômico moderado, principalmente do setor industrial. Nesse caso, havia capacidade
ociosa no nível produtivo da economia. Segundo, o sistema financeiro nacional tinha se modernizado,
criando o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (Bacen). E, com a melhora na
atividade bancária, o crédito pôde-se expandir. E, por último, as condições externas eram favoráveis,
com taxa de juros internacionais baixas e grande volume de liqüidez. Como o Brasil se beneficiou da
poupança externa, crescendo acima da sua capacidade interna, o período foi considerado, por muitos
pesquisadores e políticos, como um milagre da economia brasileira.
Os anos de 1962 a 1967 tiveram como foco principal o combate ao processo inflacionário e a ins-
tabilidade política com o lançamento do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1964. Com
isso, a economia brasileira cresceu em média 4,0% no PIB ao ano e 3,7% na indústria. Esses valores para a
época eram moderados e até mesmo baixos devido à capacidade produtiva da economia brasileira, que
apresentava condições para crescer acima de 8% ao ano em virtude dos fortes investimentos públicos
e privados nos final da década de 1950, podendo-se argumentar que o país apresentava capacidade
ociosa, isto é, não utilizava totalmente a produção instalada. Esse fato era justificado pela redução no
nível de demanda, devido ao aumento nos juros e na redução dos gastos do governo.
Portanto, o governo na época do milagre identificava uma necessidade de expandir o crescimen-
to econômico e recuperar a capacidade de investimento da economia. Com a redução da taxa de juros
e o aumento no crédito na economia, mais recursos financeiros foram destinados às empresas e, com
isso, a taxa de investimento em relação ao PIB se expandiu de 18,7% em 1968 para 19,1% em 1969. No
ano seguinte, 1970, o país lança o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) com o objetivo de tornar
o Brasil uma grande potência econômica até o final do século XX.
Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos no milagre econômico de 1968 a 1973

(BCB).
Fundação Getulio Vargas (FGV); Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE); Banco Central do Brasil
Saldo da balança
PIB real Renda per capita Inflação Investimento
Ano comercial (em
(em %) (em %) (IGP-DI) (em % do PIB)
milhões de US$)
1968 9,8% 6,7% 25,5% 26,2 18,7%

1969 9,5% 6,4% 19,3% 317,9 19,1%

1970 10,4% 6,8% 19,3% 232 18,8%

1971 11,3% 8,6% 19,5% -343,5 19,9%

1972 11,9% 9,2% 15,7% -241,1 20,3%

1973 14,0% 11,2% 15,5% 7 20,4%

Média 11,2% 8,2% 19,1% -0,25 19,5%

O governo deveria investir para reduzir o hiato tecnológico existente entre o Brasil e os países
industrializados, empregando recursos na qualificação da mão-de-obra e no desenvolvimento das em-
presas nacionais. Buscava-se também aproveitar o extenso território nacional e os recursos naturais
abundantes que forneciam uma vantagem comparativa à agricultura brasileira com a modernização
na agricultura. Entre os anos de 1968 a 1973, a agricultura cresceu em média 4,5% ao ano. Uma taxa
expressiva se comparada com os anos anteriores, mas não suficiente para absorver grande parte da
O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 113

mão-de-obra pouco qualificada. Coube, em grande medida, ao crescimento da construção civil corrigir
o problema do subemprego e desemprego. O gráfico 1 descreve que já em 1968 a construção civil cres-
ceu acima de 16%, em termos reais (m2 construído). Com a expansão do crédito via o Banco Nacional de
Habitação (BNH), o setor não parou de se expandir. Em todo o milagre, cresceu a taxas superiores a 10%,
sendo que em 1972 cresceu 17,9% e no ano seguinte 20,9%. Além de realmente “puxar” a economia, a
construção civil gerou muito emprego nas grandes cidades, em especial Rio de Janeiro e São Paulo.
A indústria de transformação cresceu a uma taxa superior a 10% ao ano no milagre econômico. Os
principais segmentos que se beneficiaram dessa expansão foram a metalurgia, química, petroquímica
e produtos minerais não-metálicos (cimento, papel e celulose). E contaram com um forte fomento do
Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal (CEF)
e benefícios fiscais para a concentração industrial nas grandes empresas e, com isso, fortalecendo e
consolidando um modelo brasileiro de capitalismo industrial. Esse estava também voltado para a necessi-
dade de integrar os interesses governamentais das empresas públicas com as necessidades das grandes
empresas ou grupos privados nacionais.
Kon (1999, p. 53) descreve as relações entre o governo e o setor privado no I PND: “Todavia, não
devemos considerar tal expansão como sendo resultado de uma proposta de aumento do grau de inter-
venção do Estado na economia, mas sim como uma forma concentrada pelo Estado brasileiro naquele
momento para viabilizar o desenvolvimento de certos setores considerados essenciais para o crescimento
econômico”.
A política industrial voltada para o fortalecimento de grandes grupos gerou conseqüentemente
uma concentração de acumulação de capital. Como a economia crescia atendendo ao mercado domés-
tico e externo, a taxa de lucro era bastante elevada e, com o cenário político não democrático, prejudi-
cou o avanço dos sindicatos nas negociações salariais. Assim, o crescimento real dos salários em compa-
ração com o crescimento dos lucros foi pequeno e nas atividades que demandavam mão-de-obra não
qualificada foi praticamente nulo, podendo argumentar que o crescimento econômico no milagre foi
altamente concentrador de renda.
Gráfico 1 – Taxa de crescimento real (em %) anual da indústria de transformação e da cons-
trução civil no Brasil de 1968 a 1973
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

19

16

13

10
PIB – Indústria
de transformação
PIB – Construção civil
7
1968 1969 1970 1971 1972 1973
114 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

O setor externo também beneficiou o forte crescimento brasileiro, como destacado anteriormen-
te. Contudo, cabe uma análise mais detalhada. Em primeiro lugar, com o crescimento econômico e da
renda, as importações de bens são intensificadas. Sendo comum, em períodos de expansão econômica,
os países apresentarem, por exemplo, déficit na balança comercial: importações maiores que as expor-
tações. E, de acordo com a tabela 1, não foi isso que ocorreu no milagre, pois na média o saldo da balan-
ça comercial foi de US$ 250 mil, isto é, muito pouco. Ou, melhor ainda, praticamente equilibrado. Nesse
período, observou-se um aumento expressivo nas exportações brasileiras em virtude do crescimento
mundial. Produtos como soja, açúcar, carne, minerais, têxtil estavam valorizados internacionalmente e
compensaram o aumento nas importações.
Essa dinâmica externa benéfica para o crescimento brasileiro foi afetada com o primeiro choque
do petróleo, em 1973, que representou um aumento nos preços internacionais do barril de aproximada-
mente US$3,00 para US$12,00. E, como o país era dependente dessa matéria-prima, a balança comercial
se deteriorou rapidamente, como destacado na tabela 2, por exemplo, em que 1974 com o forte cresci-
mento econômico do PIB de 8,2% e o aumento no preço do petróleo, a balança comercial brasileira re-
gistrou um déficit histórico de US$4,69 bilhões. Mesmo com as dificuldades externas, o Brasil decide em
1974 manter o programa de crescimento acelerado com o lançamento, neste ano, do II Plano Nacional
de Desenvolvimento. A idéia do governo era realmente manter a atividade econômica forte visto que,
na interpretação dos formuladores de política do governo, o primeiro choque do petróleo deveria ser
um avanço nos preços temporários e não permanente. Isto é, esperava-se uma redução dos preços para
os próximos três anos pelo menos e o Brasil não poderia parar de crescer e se desenvolver.
E, aliadas ao capital privado as empresas estatais deveriam expandir seus investimentos em se-
tores-chave da economia, que poderiam desconcentrar a produção industrial no Sudeste. Buscou-se
com isso incentivar as indústrias básicas na área de telecomunicações, energia e transportes. Em média,
a indústria cresceu em termos físicos 6,5% ao ano, entre o período de 1974 a 1979. Bem menor que no
milagre, mas uma taxa expressiva; os segmentos como eletrônicas, petroquímicas, fertilizantes, papel e
celulose, fertilizantes, foram os mais beneficiados.
Na área energética procurou-se incentivar programas alternativos de geração de energia, devido
ao aumento no preço do petróleo, como o programa Pró-Álcool de 1975, que diminui a dependência do
país. Foram feitos também investimentos em novas usinas hidrelétricas, como a Itaipu e Itumbiara.
Kon (1999) destaca que em 1974 o Brasil produzia 8,6 milhões de toneladas de lingotes de aço
para 13,9 milhões em 1979. O crescimento foi menor que o previsto, mas foi importante. No que se
refere à produção de alumínio, zinco e fertilizante, o II PND foi excepcional e superou as expectativas.
E a economia brasileira cresceu, em média, 6,7% ao ano durante o plano. Com o segundo choque do
petróleo, em 1979, a balança comercial não conseguiu se recuperar, gerando mais um déficit de US$2,8
bilhões. Sendo que o principal problema começa ser observado na inflação que, de acordo com o Índice
Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), passou de 40,8% em 1978 para 77,2% em 1979 e sem
perspectiva de arrefecimento.
O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 115

Tabela 2 – Indicadores macroeconômicos no II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1974


a 1979

Saldo da balança

Fundação Getulio Vargas (FGV); Instituto Brasileiro

Brasil (BCB).
de Geografia e Estatística (IBGE); Banco Central do
PIB real Renda per Inflação Investimento
Ano comercial (em
(em %) capita (em %) (IGP-DI) (em % do PIB)
milhões de US$)
1974 8,2% 5,5% 34,6% – 4.690 21,8%

1975 5,2% 2,6% 29,3% – 3.540 23,3%

1976 10,3% 7,6% 46,3% – 2.255 22,4%

1977 4,9% 2,4% 38,8% 97 21,3%

1978 5,0% 2,4% 40,8% – 1.024 22,3%

1979 6,8% 4,2% 77,2% – 2.840 23,4%

Média 6,7% 4,1% 44,5% – 2.375 22,4%

A crise dos anos 1980


A economia brasileira inicia os anos 1980 com uma inflação fora do controle, de 110,2% e um
grande déficit comercial de US$2,8 bilhões. A economia cresce 9,2% em 1980, impulsionada ainda pelo
II PND, mas no ano seguinte não tem mais força, registrando uma queda no PIB de 4,3%. Contudo, o
principal problema da economia estava na crise externa e na inflação elevada e procurou-se inicialmen-
te controlar a taxa de juros, incentivar o crédito à produção agrícola para gerar uma superprodução e,
assim, pressionar a queda do nível de preços. No setor externo, o governo buscou desvalorizar a moeda
e controlar a dívida externa que estava em torno de 70% na mão das empresas públicas e 30% nas
empresas privadas. Contudo, a economia mundial, em especial os Estados Unidos, estava passando por
sérias dificuldades com a elevação da inflação, sendo que a taxa de juros internacional tornou-se extre-
mamente elevada, prejudicando a dívida externa brasileiro. Em 1982, com o baixo volume de reservas
internacionais, devido aos sucessivos déficits comerciais e à dificuldade de renegociar a dívida externa,
o Brasil realiza um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O FMI exigiria um controle severo da demanda agregada com redução do déficit público, aumen-
to dos juros, restrição ao crédito e reduções dos salários reais. Em 1983, com a queda da demanda a eco-
nomia volta a registrar um PIB negativo de 2,9%. O governo realizou também uma desvalorização do
cruzeiro e implementou políticas de estímulos ao crescimento da produtividade, tudo com o intuito de me-
lhorar a balança comercial e o setor externo. E, efetivamente, a partir de 1983, como destacado pela
tabela 3 a balança comercial passa a registrar saldos expressivos acima de US$10 bilhões.
116 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Contudo, a inflação não parava de subir e em 1985 era de 235%. E para o novo governo eleito,
representado pelo presidente José Sarney, o crescimento econômico não era mais prioridade e sim o
combate à inflação. Com isso, em fevereiro de 1986, o governo brasileiro anuncia um programa hetero-
doxo, controle direto dos preços, de combate à inflação: o Plano Cruzado.
As principais medidas do Plano Cruzado foram:
::: congelamento geral dos preços dos produtos e dos salários.
::: fixação da taxa de câmbio.
::: controle nos valores dos aluguéis e nos financiamentos imobiliários.
::: criação de uma nova moeda, o Cruzado, substituindo assim o Cruzeiro.
::: não foram estabelecidas metas para as políticas monetárias e fiscais.
::: procurou estipular uma reforma fiscal para zerar o déficit público, no início de 1986.
O Plano Cruzado apresentou um grande sucesso no início de sua implementação com a queda
substancial da inflação e com o apoio da população. Por exemplo, em fevereiro de 1986, a inflação men-
sal era de 14,8%, passando para 5,5% em março e deflação de 0,58 em abril. No ano de 1986, como desta-
cado na tabela 3, a inflação ficou em 65%, a menor taxa anual em toda década de 1980. Entretanto, desde
1984 a economia apresentava forte crescimento do PIB, na ordem de 5,4% neste ano e 7,8% em 1985 e,
para manter os preços estáveis, o Brasil deveria reduzir o consumo. Mas não foi isso que ocorreu, pois no
ano de adoção do Plano Cruzado, o PIB se expandiu em 7,5%. A queda rápida da inflação aumentou os
salários reais e tornou os juros reais negativos, com isso, o consumo das famílias e o investimento explo-
diram. Como o governo não realizou um ajuste fiscal em 1986, o déficit público se manteve na ordem
de 3,7% do PIB. A pressão de demanda com o problema da escassez de produtos básicos, como o leite,
carne, automóveis, trigo, açúcar, entre outros, prejudicou a manutenção dos preços. Enfim, problemas na
condução das políticas econômicas geraram o insucesso do Plano Cruzado no final de 1986.
Tabela 3 – Indicadores macroeconômicos na década de 1980 Fundação Getulio Vargas (FGV); Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE); Banco Central do Brasil (BCB).

Saldo da balança
PIB real Renda per Inflação Investimento
Ano comercial (em
(em %) capita (em %) (IGP-DI) (em % do PIB)
milhões de US$)
1980 9,2% 7,0% 110,2% – 2.822,8 23,6%

1981 – 4,3% – 6,3% 95,2% 1.202,5 24,3%

1982 0,8% – 1,3% 99,7% 780,1 23,0%

1983 – 2,9% – 5,0% 211,0% 6.470,4 19,9%

1984 5,4% 3,2% 223,8% 13.089,5 18,9%

1985 7,8% 5,6% 235,1% 12.485,5 18,0%

1986 7,5% 5,4% 65,0% 8.304,3 20,0%

1987 3,5% 1,6% 415,9% 11.173,1 23,2%

1988 – 0,1% – 1,9% 1 037,5% 19.184,1 24,3%

1989 3,2% 1,4% 1 782,9% 16.119,2 26,9%

Média 3,0% 1,0% 427,6% 8.598,6 22,2%


O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 117

Em seguida ao fracasso do Plano Cruzado, a taxa de inflação dispara. Em 1987, o IGP-DI registrou
uma inflação de 415,9%. O déficit do setor público se expandiu de 3,7% do PIB em 1986 para 5,4% em
1987. Com os problemas da dívida externa e da queda no saldo da balança comercial em 1986, a infla-
ção ganha força. Em maio de 1987, o novo ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira, lança um
novo programa de estabilização, o Plano Bresser.
Além de congelar os preços da economia, o plano visava conter expressivamente o elevado défi-
cit público da economia brasileira, e tinha como prioridade reduzi-lo a 2% do PIB, até o final do ano de
1987. Contudo, em termos práticos, o Plano Bresser, apesar de ter uma linha bem clara e consistente
de combate à inflação, o controle efetivo do déficit público não foi obtido.
O aumento salarial dos funcionários públicos, as transferências do governo central aos estados
e municípios e o crescimento dos subsídios às empresas estatais inviabilizaram um ajuste das contas
públicas e, conseqüentemente, o insucesso do plano de estabilização da economia.
No início de 1989, o governo lança o Plano Verão que mais uma vez procura reduzir os gastos
públicos, elevar a taxa de juros e conter o excesso de desvalorização da moeda doméstica em relação
ao dólar norte-americano. Nesse sentido, buscou-se, novamente congelar o nível dos preços, realizan-
do uma nova reforma monetária: introdução do Cruzado Novo, com corte de três zeros do cruzado,
NCz$1,00 = Cz$1.000,00.
Mais uma vez, o governo central não realizou nenhum ajuste estrutural fiscal de suas contas. O
déficit público manteve-se elevado e pressionando a demanda e a emissão monetária que eram as
verdadeiras fontes de inflação da economia brasileira. As medidas foram ineficientes e a inflação men-
sal superava o valor de 80% ao mês, sendo que em 1988 a taxa de inflação anual foi de 1 037,5%, uma
hiperinflação.

Conclusão
O milagre econômico foi sem dúvida o maior ciclo de crescimento da economia brasileira. Ex-
pandiu o mercado doméstico e incentivou a industrialização nacional. Setores como metal-mecânica e
construção civil, principalmente, beneficiaram-se dessa expansão.
O período de crescimento só não foi mais extenso devido às crises internacionais do petróleo e
à dificuldade de se combater a inflação. Na segunda metade da década de 1970, a economia mundial
encaminhava-se para uma crise: recessão econômica com processo inflacionário.
No caso brasileiro, a dificuldade de se lidar com a crise levou a economia a um processo de
hiperinflação. Os planos de estabilização da economia, nessa década, não foram bem-sucedidos em
virtude da falta de um amplo programa estrutural de reforma fiscal. Sua implementação realmente
tornava-se complicada pela transição política que o Brasil passava. Do militarismo para uma democra-
cia, a abertura do Congresso Nacional e a votação de uma nova Constituição em 1988.
118 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Texto complementar
Constituição de 1988 sob a óptica do economista
(FREITAS, 2008)
A Constituição de 1988 foi peça fundamental para o avanço da democracia, pelo menos no seu
aspecto formal, mas constituiu um fracasso no campo econômico.
A gravidade do texto aprovado pode ser mensurada pelas dez das suas mais evidentes dis-
torções:
::: aumentou as vinculações de receitas a determinadas despesas, uma forma primitiva de es-
tabelecer prioridades, assim como elevou as transferências estaduais e municipais; essas
transferências não serviram para fortalecer os Estados e os municípios, mas para aumentar a
folha de salários; eles continuam pedindo mais recursos federais.
::: incorporou tributos cumulativos (em cascata) para financiar a seguridade social, numa evi-
dente contradição com as regras do sistema tributário nacional, desfigurado em sua funcio-
nalidade; as contribuições sociais se tornaram fonte de ineficiência e reduziram a compe-
titividade das empresas (distorção recentemente atenuada com a reforma do PIS, pela Lei
10.637, de 2002, e da Cofins, pela Lei 10.833, de 2003).
::: recriou o velho Regime Jurídico Único para o funcionalismo público; num só golpe, 400 mil
“celetistas” se transformaram em servidores estatutários, com direito a estabilidade e apo-
sentadoria integral; a administração pública se tornou inflexível e as despesas de pessoal
explodiram (distorção interrompida com a reforma constitucional de 2000).
::: ampliou a estabilidade do servidor público e eliminou a competência do presidente da Re-
pública para dispor sobre estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da admi-
nistração federal.
::: constitucionalizou vários monopólios estatais, quando o mundo inteiro já se encontrava em
avançado estágio de reforma do Estado.
::: criou restrições genéricas ao investimento estrangeiro; na época, a China comunista, com
dez anos da revolucionária modernização de Deng Xiaoping, já havia incluído medidas para
a atração de capitais estrangeiros.
::: fixação da taxa de juro em 12% ao ano (erro já reparado pela EC 40, de 2003).
::: incorporou excessivamente os direitos trabalhistas, ensejando uma barreira à modernização
da Justiça do Trabalho e das relações trabalhistas; o artigo 7.º da CF lista 34 direitos trabalhis-
tas, nível de detalhes antes só previsto em portarias ministeriais.
::: incorporou também excessivamente as funções e as garantias do Poder Judiciário.
::: regulou sobre a segurança pública e engessou a organização das polícias (o artigo 144 da CF
estabelece cinco tipos de polícia).
O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 119

Imbuídos da missão de “resgatar a dívida social”, os membros da Assembléia Nacional Consti-


tuinte se convenceram da possibilidade de trazer o céu para os brasileiros. Buscaram distribuir uma
riqueza inexistente.
O artigo 6.º da CF assegura direitos sociais sem levar em conta a disponibilidade dos meios ne-
cessários à sua implementação, como se as carências humanas se resolvessem a golpes de artigos,
incisos e alíneas.
Na ordem econômica enunciada no artigo 170 da CF, surgiu o princípio da função social da
propriedade. Esse princípio limita o direito de propriedade (um dos principais incentivos à formação
do sistema capitalista) por um conceito nebuloso, sujeito a distintas interpretações. Para os adeptos
do sistema de mercado, a propriedade exerce a sua função social quando contribui para incentivar
o investimento e gera emprego e renda numa economia competitiva, fundada em instituições. Para
os socialistas, a função social da propriedade é redistribuir riqueza sob comando do Estado.
A Constituição nasceu velha e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento. Não serviu para a
construção de um quadro institucional capaz de apoiar a democracia, o desenvolvimento sustentá-
vel da economia e a distribuição adequada de seus frutos.
A inspiração básica dos membros da Assembléia Nacional Constituinte concentrou-se no mo-
delo português, rotulado de “Constituição-dirigente”, concebido a partir da obra “Constituição diri-
gente e vinculação do legislador”, de autoria de Joaquim Gomes Canotilho, português, constitucio-
nalista.
A Constituição portuguesa passou, no entanto, por mais de uma revisão qüinqüenal por meio
das quais foram extirpados os principais equívocos.
A Constituição brasileira foi revista apenas uma vez e, mesmo assim, sem se tocar nos seus
graves problemas estruturais. O seu aperfeiçoamento (a fim de possibilitar a remoção de monopó-
lios estatais, diminuição de privilégios de certas categorias do servidor público e outras mudanças)
vem sendo implementado por meio de emendas, envolvendo um lento e complexo processo de
negociação.
O Brasil praticamente não cresce (ou cresce muito pouco) desde meados dos anos 1980. A
causa não está em políticas econômicas neoliberais. A grande causa estrutural foi a CF de 1988 ao
criar um nível de despesas obrigatórias incompatível com o estágio de desenvolvimento. Os gas-
tos obrigatórios alcançam 33% do PIB. Computados os desembolsos mínimos com investimentos e
despesas de custeio, o setor público despende perto de 40% do PIB. Os investimentos encolheram:
o governo federal investia 2,3% do PIB em infra-estrutura e outras áreas, em 1987, contra apenas
0,4% do PIB, em 2004.
Além de contribuir para a concentração da renda, a CF de 1988 prejudicou o desempenho
do país em três áreas: a infra-estrutura (pela queda do investimento); a taxa de poupança do setor
público (menos de 3% em 2004 contra quase 5% nos anos 1970); e o sistema tributário (de 1987
a 2004, a carga subiu de 23% para 37% do PIB). Com o aumento das transferências para Estados e
municípios, o governo federal teve de recorrer a incidências tributárias não-partilháveis ou vincu-
láveis, mas de péssima qualidade (COFINS, PIS-PASEP, CPMF). Com a atribuição dada aos Estados
para legislar sobre o ICMS, o tributo tem hoje 27 regimes diferentes, com incontáveis mecanismos
de incentivos, permanente guerra fiscal entre os Estados. O sistema tributário virou um caos, criou
incentivos à informalidade e gerou novas ineficiências na economia.
120 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Mas está nascendo um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. Esse novo modelo ten-
de a ser caracterizado por três elementos básicos:
::: democracia.
::: economia orientada pelo mercado.
::: políticas sociais focalizadas nos segmentos menos favorecidos.
Há alguns sinais muito claros do novo modelo nos mais diversos lugares: na economia (nova
classe empresarial não dependente do Estado, êxitos na desestatização, sistema financeiro sólido,
agronegócio; ruptura gradual com o dirigismo na economia); na sociedade (crescente disposição
das pessoas para ajudar em causas nobres, o voluntariado); na política (intolerância à inflação e à
corrupção); na educação (universalização do ensino fundamental, ampliação do ensino superior);
nas áreas fiscais e monetárias (contribuição para a preservação da estabilidade; a partir de meados
dos anos 1980, edificamos avançadas instituições fiscais e monetárias); e no Estado (autonomia e
credibilidade do BC e das agências reguladoras, além do Ministério Público; melhoria das institui-
ções regulatórias).
O grau de transparência e previsibilidade das instituições econômicas viabilizou o funciona-
mento no Brasil da chamada “disciplina de mercado”, ou seja, a constituição de uma barreira à irres-
ponsabilidade na gestão macroeconômica.
O Brasil está a caminho de consolidação e aperfeiçoamento de suas instituições. Já conta com
uma razoável economia de mercado e com uma importante democracia de massas.

Atividades
1. Descreva brevemente o período que precedeu o milagre econômico brasileiro.
O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980 | 121

2. Identifique os principais setores no milagre econômico e analise seus desempenhos.

3. Com relação à crise dos anos 1980, descreva seu início.


122 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

4. Destaque os principais problemas do Plano Cruzado.


O Plano Real e a estabilidade
da economia brasileira
Introdução
A década de 1980 foi marcada pelos insucessos dos planos de estabilização adotados pelo gover-
no. As constantes mudanças de moeda e os congelamentos de preços e salários tentavam esconder um
problema mais central da economia brasileira: o elevado déficit público e sua fonte de financiamento
inflacionária.
De fato as instabilidades políticas, a baixa liqüidez internacional e a nova Constituição de 1988
dificultaram a adoção de um plano de estabilização mais consistente. O efetivo controle dos preços
ocorreu a partir de 1994, no governo Itamar Franco, com a adoção do Plano Real. Entretanto, sua adoção
não foi fácil, mesmo contando com uma estabilidade política e maiores fluxos internacionais de capitais.
Com isso, o objetivo desta aula é destacar o Plano Real e como o país enfrentou os principais problemas
da economia mundial para manter a estabilidade econômica. Nesse sentido, divide-se o capítulo em
duas partes. Na primeira seção discute-se o Plano Collor, destacando suas contribuições e dificuldades.
Em seguida, os principais pontos da implementação do Plano Real são analisados. E, na segunda seção,
a importância da âncora cambial e as crises internacionais são discutidas.

A implementação do Plano Real


O lançamento do Plano Real ocorreu após sucessivos insucessos de estabilização da economia.
No início da década de 1990 cabe destacar o Plano Collor, na tentativa de estabilizar a hiperinflação
brasileira. Quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência da República em março de 1990, a
inflação havia atingido uma taxa mensal superior a 60%. E, de acordo com a tabela 1, a inflação mesura-
da pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi superior a 1 620% em 1990.
124 | O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira

Com a disparada dos preços e a dificuldade de se planejar o desenvolvimento econômico a mé-


dio e longo prazo, em virtude das incertezas, a equipe econômica do novo presidente eleito lança, logo
após sua posse, o Plano Collor. Suas principais medidas foram:
::: congelamento de 80% dos depósitos bancários que excedessem o valor de NCz$50 mil Cruza-
dos Novos (U$1.300,00).
::: congelamento dos preços e dos salários.
::: introdução de uma nova moeda: o Cruzeiro (Cr$), substituindo o Cruzado Novo.
::: abertura comercial e estímulo às importações. As tarifas de importações caíram em média de
40% para 20% em quatro anos subseqüentes.
::: processo de privatização.
O plano tinha o objetivo de reduzir o déficit público primário.
O congelamento da poupança foi uma política justificada para conter o excesso de liqüidez (moe-
da bancária) na economia, que representava uma grande fonte inflacionária. De fato, a redução do con-
sumo ocorreu de forma forçada e infringindo a liberdade dos agentes econômicos. Os investimentos e
programas de expansão das empresas tiveram de ser revistos e muitas vezes reduzidos, em virtude do
bloqueio da conta poupança.
Com relação aos preços e salários, eles também foram inicialmente congelados. Isso fez com que
o ganho real dos trabalhadores diminuísse em virtude da forte inflação e do não reajustamento dos
salários. No setor externo, a abertura comercial para as importações foi uma política de prioridade. A
visão do governo na época era que a indústria brasileira, desde sua implementação em Getúlio Vargas,
na década de 1930, era extremamente protegida. Com isso, a baixa produtividade, o poder de mono-
pólio e a falta de grandes concorrentes fizeram de nossa indústria nacional um setor pouco produtivo
e extremamente caro. Os produtos vendidos no Brasil em relação ao mundo industrializado eram mais
caros e de menor qualidade, principalmente os automóveis.
Outra medida estrutural implementada pelo Plano Collor foi identificar a real necessidade de se
reduzir o papel do Estado na atividade econômica produtiva e, assim, buscar uma política de transfor-
mar o capital das empresas estatais em capital privado. Buscando, desse modo, mais eficiência, qua-
lidade e preços melhores para o produto final. Com isso, em 1991, é lançado o Programa Nacional de
Desestatização (PND). Sua adoção também se justificava na necessidade de reestruturar o Estado bra-
sileiro e reduzir o déficit público primário de 8% do PIB para um superávit de 2% do PIB para combater
o processo inflacionário.
As principais conseqüências foram que com a rápida redução da liqüidez, isto é, oferta de moeda
na economia, a inflação se reduz, mas a atividade econômica entra em recessão. Por exemplo, em 1990
o PIB apresentou uma queda de 4,3%, sendo que a renda per capita despencou em 7,1%. No ano se-
guinte, o PIB cresceu apenas 1,0% e mais uma vez a renda per capita caiu em 0,7%. A inflação ficou em
472%, bem menos que em 1990. Com a recessão econômica, o saldo da balança comercial permaneceu
equilibrado, mesmo com a diminuição das tarifas de importação.
Com sérias dificuldades de implementar um amplo ajuste fiscal, o fraco desempenho da econo-
mia e a instabilidade política fizeram com que o Plano Collor fracassasse em 1992. O vice-presidente,
Itamar Franco, toma posse, em outubro de 1992, como presidente da República já com uma inflação
mensal acima dos 25% e em expansão. E, em 1994, com seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique
O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira | 125

Cardoso (FHC), lança gradualmente o último plano de estabilização da economia brasileira: o Plano
Real. Inicialmente o plano buscou um ajuste fiscal com a criação de dois impostos:
::: Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF).
::: Fundo Social de Emergência (FSE).
Nesse caso, o governo federal passou a ampliar suas arrecadações para controlar o orçamento
público. O superávit primário médio de 2,4% do PIB, em 1993, foi expandido para 5,4% no ano seguinte
e mantido em 3,9% do PIB em 1995. O governo se preocupou em manter os gastos controlados e, prin-
cipalmente, expandir os tributos para conter os excessos de consumo, o que é comum em economia
que rapidamente combate um forte processo inflacionário.
Na parte monetária, temos as seguintes medidas iniciais:
::: introdução de uma nova unidade de conta, a Unidade Real de Valor (URV), promovendo todos
os ajustes de preços relativos, substituindo o cruzeiro real.
::: transformação da URV em Real, a nova moeda da economia brasileira.
No que diz respeito à parte da política cambial, cabe ressaltar a adoção de um regime de câmbio
fixo ajustáveis em uma mini-banda1 cambial. Contudo, devemos analisá-la com mais detalhes.

Âncora cambial
Aliada à política monetária, o setor externo adotou um regime de câmbio fixo: a âncora cambial.
Como destacado no gráfico a seguir, esse regime durou de janeiro de 1995 a dezembro de 1999, depois
da maxidesvalorização do real frente ao dólar norte-americano.
Gráfico 1 – Desempenho da taxa de câmbio (R$/US$) mensal no Brasil de jan./1995 a
dez./1999
2,5
Fonte: Banco Central do Brasil.

2
Taxa de câmbio (R$/US$)

1,5

0,5

0
m 6
se 5

m 7

9
8
6

9
5
m 5

98

m 9
ja 7
se 7
6

ja 8
9
/9

/9
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t/9
t/9
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9
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/9
t/9

t/9
n/

n/

n/

n/
ai

ai
ai
ai
n

ai

se
se

se
ja

ja
ja

1 O regime de câmbio fixo em mini-bandas considera a possibilidade da taxa de câmbio flutuar sobre um limite superior e inferior deter-
minado pelo Banco Central.
126 | O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira

O gráfico da taxa de câmbio mensal descreve que, entre o período de janeiro de 1995 a dezembro
de 1998, a taxa de câmbio ficou estável. De fato só subia um pouco, de acordo com a determinação do
Banco Central. Nesse período, o Plano Real adotou um regime de câmbio fixo, com pequenas e contro-
ladas desvalorizações do real, as mini-bandas cambiais.
Cabe destacar que a âncora cambial, como ficou conhecido esse regime, foi sustentada pelo ele-
vado volume de reservas internacionais acumuladas pelo Banco Central do Brasil (BCB). O BCB registrou
um aumento nas suas reservas de US$38,2 bilhões, em janeiro de 1994, para US$63,0 bilhões, em agosto
de 1997.
Pode-se destacar dois fatores que contribuíram para a forte expansão no volume de reservas do
BCB. Primeiramente, as privatizações que se iniciaram no governo Collor com o Programa Nacional de
Desestatização (PND), em 1991, intensificaram-se no governo do FHC. Foram vendidos a grupos estran-
geiros e nacionais de capital privado importantes empresas, tais como:
::: No setor siderúrgico- Usiminas, Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) e Companhia Side-
rúrgica Nacional (CSN).
::: No setor de fertilizantes- Ultrafértil e Fosfértil.
::: No setor de mineração- CVRD – Cia. Vale do Rio Doce.
Em 1996 foram arrecadados US$6,2 bilhões; em 1997 um valor de US$26,3 bilhões e em 1998
US$35,7 bilhões. Esses valores possibilitaram que o BCB criasse um colchão de moeda estrangeira para
utilizá-lo em períodos de crise. A reforma do Estado brasileiro seguiu uma orientação de sustentar uma
política externa de curto prazo para ampliar as reservas internacionais. Mesmo se considerarmos o PND
uma reforma estrutural necessária ao desenvolvimento econômico do Brasil, deve-se destacar que esse
plano não foi orientado e conduzido para transformar a longo prazo a estrutura produtiva nacional.
O segundo fator está relacionado à elevada taxa de juros dos títulos públicos brasileiros (Selic2),
como destacado no gráfico a seguir. Os juros pagos são remunerações acumuladas em 12 meses para
o período mensal. Por exemplo, em janeiro de 1995, a taxa Selic era de 46,26% ao ano e com tendência
de elevação.
Gráfico 2 – Desempenho da taxa de juros Selic ao mês (acumulada em 12 meses) do Brasil
de jan./1995 a dez./1998
100
Banco Central do Brasil (BCB).

80

60
Selic

40

20

0
34 700 34 790 34 881 34 973 35 065 35 156 35 247 35 339 35 431 35 521 35 612 35 704 35 796 35 886 35 977 36 069

2 O Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) representa a taxa de juros média paga pelos títulos públicos federais.
O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira | 127

Destaca-se que, no primeiro semestre de 1995, os juros brasileiros estavam em torno de 60%
a 80% ao ano. Um valor extremamente elevado. E, durante todo o período analisado, os juros nunca
caíram abaixo dos 20% ao ano. Uma taxa de juros tão elevada era justificada para segurar o processo
inflacionário e também ampliar a entrada de recursos externos especulativos para aumentar as reservas
internacionais do BCB.
Como destacado por Gremaud (2002, p. 479): “Observa-se, nos primeiros anos do plano, forte
predomínio dos chamados investimentos em portfólios – ações de fundos de aplicação financeira, fun-
do de privatizações etc., que se caracterizam pela possibilidade de refluir rapidamente em resposta às
incertezas [...]”.
Como conseqüência, as reservas internacionais subiram e possibilitaram a manutenção de um
regime de câmbio fixo, isto é, da âncora cambial. Contudo, surge uma pergunta importante: qual era a
vantagem de se adotar um regime de câmbio fixo para o Plano Real?
De 1995 a 1998 a taxa de câmbio flutuou em um patamar muito baixo: entre R$0,90/US$1,00 a
R$1,10/US$1,00, estimulando o crescimento das importações. Nesse caso, os produtos negociados no
mercado internacional, tais como leite, pão, arroz, frango, iogurte, gasolina, automóvel, computadores,
entre outros, tornaram-se baratos. E, assim, “jogaram” rapidamente a taxa de inflação para baixo. Com
apenas R$1,00 era possível tomar um café da manhã simples e comprar 1kg de frango.
Por exemplo, a taxa de inflação mensurada pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) em
1994, ano de adoção do Plano Real, foi de 916,43%. Em 1995, a inflação foi de apenas 22,41%, em 1996,
9,56% e, em 1998, uma inflação de país de Primeiro Mundo de 1,66%, de acordo com a tabela 1.
Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos na década de 1990

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);


Banco Central do Brasil (BCB).
PIB real Renda per Inflação Saldo da balança comercial Investimento
Ano (em %) capita (em %) (IPCA) (em milhões de US$) (em % do PIB)
1990 – 4,3% – 7,1% 1 620,97% 10.752,40 20,7%

1991 1,0% – 0,7% 472,69% 10.580,00 18,1%

1992 – 0,5% – 2,2% 1 119,09% 15.238,90 18,4%

1993 4,7% 3,3% 2 477,15% 13.298,80 19,3%

1994 5,3% 4,2% 916,43% 10.466,50 20,7%

1995 4,4% 2,6% 22,41% – 3.465,60 18,3%

1996 2,2% 0,6% 9,56% – 5.599,00 16,9%

1997 3,4% 1,8% 5,22% – 6.752,90 17,4%

1998 0,0% – 1,5% 1,66% – 6.574,50 17,0%

1999 0,3% – 1,2% 8,94% – 1.198,90 15,7%

Média 1,6% 0,0% 665,4% 3.674,6 18,2%

A redução rápida da inflação aumentou os salários reais e impulsionou o consumo das famílias.
Nos anos de 1994 e 1995 o PIB cresceu mesmo com taxas de juros extremamente elevadas. Entretanto,
128 | O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira

a expansão da atividade econômica não conseguiu manter um ritmo forte de aceleração. Mais uma vez
devemos nos perguntar: o que estava afetando o crescimento econômico brasileiro, visto que a economia
estava estabilizada?
De fato, os piores problemas que o Plano Real enfrentou para estimular o crescimento econômico
foram externos. Podemos destacar três crises internacionais que exigiram uma grande habilidade da
equipe econômica do governo: mexicana, asiática e russa.
::: Crise mexicana: a maxidesvalorização do peso mexicano no final de 1994 impactou para uma
fuga de capitais em 1995 dos países emergentes, tais como o Brasil. E, para não deixar saírem
capitais (dólares), a taxa de juros subiu para um valor acima de 80% ao ano.
::: Crise asiática: maxidesvalorização das moedas e crise do sistema financeiro dos países asiáti-
cos em 1997 (segundo semestre), como a Coréia do Sul, Taiwan, Indonésia e Cingapura. Mais
uma vez a taxa de juros subiu para acima dos 40% ao ano.
::: Crise russa: moratória da dívida externa russa e crise em seu sistema financeiro em 1998 (se-
gundo semestre). Mais uma vez a taxa de juros sobe para conter a fuga de capitais.
Se observarmos o gráfico 2, pode-se destacar que em todas essas três crises a taxa de juros Selic
teve de ser rapidamente expandida. E os picos de juros altos refletem a necessidade do BCB em diminuir
a fuga de capitais da economia brasileira.
Como destacado na tabela 1, nos anos de 1996 a 1999 a economia brasileira cresceu muito pouco
e com déficit na balança comercial, isto é, importações maiores que exportações.
A crise russa foi realmente a mais preocupante. As reservas internacionais despencaram, de uma
hora para a outra. Em agosto de 1998 o volume de reservas em poder do Banco Central era de US$67,3 bi-
lhões. No mês seguinte caiu para US$45,3 bilhões e em janeiro de 1999 registrava apenas US$36,1 bilhões.
A sangria que o sistema financeiro internacional impôs à economia brasileira foi muito severa, impossibi-
litando a manutenção da âncora cambial.
Como conseqüência, já em janeiro de 1999 o Real registrou uma maxidesvalorização como des-
crita no gráfico 1. A taxa de câmbio passou de R$1,20/US$1,00 para RS$1,91/US$1,00 em fevereiro de
1998. Desvalorização de aproximadamente 60% da moeda nacional.

Conclusão
A implementação do Plano Real teve como pilar fundamental a adoção de um regime de âncora
cambial, que possibilitou a redução rápida e consistente da inflação e manteve o volume de reservas
vendendo empresas estatais para a iniciativa privada nacional ou internacional. Com o objetivo de con-
trolar os preços e, principalmente, atrair capitais para ampliar as reservas internacionais, o BCB elevou
significativamente as taxas de juros dos títulos públicos federais, controlou a inflação com o aumento
das importações e, a partir de 1994 até 1999, a balança comercial ficou deficitária e ainda, devido aos ju-
ros elevados a dívida pública em porcentagem do PIB subiu. Cabe destacar que, em 1995, a dívida total
do governo era de 28% do PIB. Quatro anos depois, isto é, em 1999, a dívida pública estava em 44,5% do
PIB. Uma dinâmica explosiva e preocupante da dívida do governo.
O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira | 129

Texto complementar
Balanço dos 12 meses do real
(BRASIL, 2008)

Produto interno bruto


A queda rápida da inflação teve efeitos significativos sobre o poder de compra da população,
com o consumo tendo sido estimulado também pelos efetivos incrementos ocorridos na massa
salarial e no nível de emprego.
A Pesquisa Mensal de Emprego (PME), da Fundação IBGE, mostra que, no período entre junho
de 1994 e abril de 1995, nas regiões metropolitanas, o aumento real de salários foi de 12,02%, (de-
flacionado pelo INPC), para os trabalhadores com carteira assinada. Maiores foram os ganhos dos
trabalhadores do setor informal da economia, cujo poder aquisitivo é bem menor. Em média, os
rendimentos reais dos trabalhadores que têm carteira assinada aumentaram em 20,80%, enquanto
a renda daqueles que trabalham por conta própria teve um crescimento de 45,48%, naquele perío-
do. Em termos médios, a massa de salários nas regiões metropolitanas cresceu 21,4%, entre junho
de 1994 e abril de 1995.
O nível de ocupação nas regiões metropolitanas, também segundo a PME, acusou incremento
médio de 3,3%, entre junho de 1994 e abril de 1995. A ocupação para empregados com carteira
aumentou em 2,16%. Para empregados sem carteira, o crescimento foi de 6,13%, na medida em
que, os trabalhadores autônomos tiveram o nível de ocupação ampliado em 2,65%. A taxa de de-
semprego nas regiões metropolitanas, que era de 5,42% em junho de 1994, caiu para 4,35%, em
abril de 1995.
Dados do comércio do estado de São Paulo indicam que foi extremamente expressivo o im-
pacto do Real sobre o consumo. O faturamento cresceu quase 18% em março de 1995 em compa-
ração a março de 1994, sendo que a venda no setor de duráveis teve elevação de 57,6%, no mesmo
período. De um ano para outro, portanto, as vendas de eletrodomésticos, automóveis, geladeiras,
fogões e outros produtos duráveis cresceram em mais de 50%.
O Governo, ciente da característica expansionista que normalmente acompanha os planos de
estabilização, adotou medidas de controle da demanda no início da circulação da nova moeda, em
1.º de julho de 1994. O objetivo era prevenir as pressões de consumo que poderiam comprometer
o sucesso do Real.
A princípio, foram introduzidos recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista, depósitos
a prazo e depósitos de poupança para brecar um crescimento fora de controle da oferta de crédito.
Ao longo de todo o segundo semestre de 1994, foram adotadas novas medidas, na mesma linha,
sempre procurando um controle da demanda, mas com a preocupação de não trazer recessão ao
país. Nos primeiros meses de 1995, o nível da demanda ficou ainda mais alto, levando o Governo a
adotar medidas adicionais de restrição ao consumo, em fevereiro e em abril.
130 | O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira

Atividades
1. Destaque e explique, brevemente, as medidas adotadas no Plano Collor.

2. Destaque e analise as medidas adotadas no Plano Real na área fiscal e monetária.


O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira | 131

3. Explique como o governo absorveu um grande volume de reservas internacionais e qual era sua
utilidade.
132 | O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira

4. Comente sobre as três crises internacionais vividas pela economia brasileira na década de 1990.
O desempenho recente
da economia brasileira
e seus principais desafios
Introdução
A economia brasileira passou por um forte ajuste de suas políticas econômicas após a maxidesva-
lorização do real em janeiro de 1999. Adotou, nesse ano, um regime de câmbio flutuante, viabilizando
uma nova dinâmica para a economia nacional quando expandiu significativamente o volume das ex-
portações. O país passou a operar um regime de metas de inflação que possibilitou uma queda consis-
tente da taxa de juros, principalmente a partir de 2004.
Apresentar a política econômica atual, no início do século XXI, e discutir os principais desafios
para o desenvolvimento do país são os objetivos principais desta aula. Com isso, divide-se este capítulo
em duas seções. A primeira parte irá abordar o regime de metas de inflação e os seus principais resulta-
dos. Destaca-se sua implementação em junho de 1999 e o impacto da crise argentina sobre a economia
brasileira em 2002 e 2003. Na segunda parte, são apresentados os desafios mais relevantes da economia
brasileira, a curto e médio prazo, focando nas políticas atuais e na infra-estrutura do país.

O regime de metas de inflação


A estabilidade dos preços, alcançada no Plano Real com a adoção do regime de câmbio fixo (ân-
cora cambial), ficou ameaçada após a maxidesvalorização cambial em 1999. O aumento da taxa de câm-
bio em mais de 60% em dois meses iria rapidamente tornar os produtos comercializados, no mercado
internacional, mais caros. Um receio em encarar uma nova escalada dos preços e quem sabe um proces-
134 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

so inflacionário intenso fez com que o governo decidisse adotar um novo regime de política monetária:
regime de metas de inflação.
No Brasil, o regime de metas de inflação foi implantado oficialmente no dia 22 de junho de 1999,
através do Decreto 3.088 de 21 de junho de 1999, após o fim do regime de taxa de câmbio fixo (mini-
bandas cambiais) em janeiro de 1999, com a proposta de manutenção da estabilidade monetária obtida
pelo Plano Real (julho de 1994).
Antes da adoção do regime de metas para a inflação, o Banco Central do Brasil (BCB) criou, no
fim de março de 1999, um Departamento de Pesquisa focalizado no desenvolvimento do novo regime
monetário.
No Brasil há uma separação clara da instituição que mede a variável de inflação a ser seguida, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a entidade responsável pelo seu cumprimento, o
Banco Central do Brasil. No dia 30 de junho de 1999, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu as
metas de inflação para 1999, 2000 e 2001, respectivamente 8,0%, 6,0% e 4% com intervalos de tolerân-
cia de dois pontos percentuais acima e abaixo das metas centrais, bem como o índice utilizado para cal-
cular a variação de preços. No caso brasileiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado
pelo IBGE, é utilizado como o índice de preços oficial. As metas são anunciadas para dois anos e meio
adiante. Em junho de 2000, a meta de 2002 foi estipulada em 3,5% no ano, com intervalo de 2 pontos
percentuais. Em junho de 2001, o CMN estipulou uma meta de inflação, para o ano de 2003, em 3,25%
com a mesma tolerância de intervalo. As demais metas e seus intervalos de confiança são apresentados
na tabela 2. Cabe destacar que, atualmente, a meta de inflação está em 4,5% e com tolerância de 2 pon-
tos percentuais para cima e para baixo.
Bogdanski, Tombini e Werlang (2000) destacam a importância da adoção de metas decrescentes
para controlar as expectativas. Deve-se, portanto, distinguir o processo inflacionário devido a um au-
mento temporário da inflação de um choque. No início de 1999, com a desvalorização do câmbio, o país
sofreu com um choque e, conseqüentemente, um realinhamento dos preços relativos.
O Brasil adota um núcleo de inflação com metas e intervalos de tolerância de dois pontos percen-
tuais acima e abaixo. Não é admitida cláusula de escape devido à tolerância de dois pontos percentuais
e, com isso, o sistema perderia credibilidade. Caso a meta não seja atingida, o presidente do Banco Cen-
tral deve enviar uma Carta Aberta para o ministro da Fazenda explicando o não-cumprimento da meta
bem como suas providências e prazo para a retomada das metas estipuladas.
Uma outra característica importante do regime de metas brasileiro consiste na publicação tri-
mestral de um Relatório de Inflação por parte do Banco Central, com moldes do Inflation Report do Bank
of England (Relatórios de Inflação do Banco Central da Inglaterra) e, nas reuniões mensais do Comitê
de Política Monetária (Copom), com a publicação das atas. Essas duas publicações têm como objetivo
principal melhorar a comunicação da condução da política monetária do Banco Central com o público
e, com isso, torná-la mais transparente e democrática.
Esse regime foi adotado por outros países também. O grande pioneiro do regime de metas de
inflação foi a Nova Zelândia, que implementou o sistema em julho de 1989. Economias desenvolvidas
como o Canadá, Reino Unido e Austrália adotaram esse regime no início dos anos de 1990, com o obje-
tivo de manter estável o nível de preços da economia.
Com relação aos países em desenvolvimento, o grande precursor é o Chile, que gradativamente
incorpora em suas políticas econômicas, desde setembro de 1990, um regime de metas de inflação.
Com as crises internacionais da Ásia em 1997 e da Rússia em 1998, muitos países sofrem fortes desvalo-
O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 135

rizações de suas moedas domésticas em relação ao dólar norte-americano e mudam seus regimes cam-
biais e suas políticas econômicas. A República Tcheca e a Polônia, ambas da Comunidade Européia, mas
não da zona do Euro, decidiram implementar um regime de metas de inflações em dezembro de 1997 e
março de 1999, respectivamente. Países como México, Colômbia e África do Sul também adotaram esse
regime nos anos de 1999 a 2000.
No caso brasileiro, o regime de metas vem sendo operado com a taxa de câmbio flutuante.
Uma situação na qual o preço da moeda estrangeira é determinado pelo mercado de divisas. Como
destacado pelo gráfico 1 a seguir, após a maxidesvalorização do real em 1999, o câmbio seguiu uma
tendência de alta.
A partir de 2001 a taxa de câmbio apresenta um forte crescimento devido à crise da Argentina da
dívida externa. E o problema financeiro argentino e suas conseqüências para a economia brasileira são
maiores do que, normalmente, as pessoas imaginam. Para ser exato, desde 1999, a economia argenti-
na vinha sofrendo com uma recessão econômica. A crise asiática em 1997, o default1 russo em 1998, a
desvalorização do real em 1999, a queda nos preços das commodities2 agrícolas e minerais, em conjun-
to com a apreciação do dólar nos anos seguintes, amplificaram o cenário de baixa liqüidez financeira
externa e a redução na competitividade comercial. O governo recém-eleito de De la Rua trouxe, na sua
fase final, novamente Domingo Cavallo, ministro da Economia, para o centro das decisões políticas.
Suas tentativas de reativar a economia flexibilizando a política monetária e o arranjo cambial
não se mostraram bem-sucedidas. A partir de 1999, o país mergulhou em uma profunda recessão. Em
particular, o ano de 2001 foi marcado por uma crescente perda de confiança na solvência da economia
argentina, especialmente do setor financeiro. As reservas internacionais, que no começo de 2001 es-
tavam na casa dos US$21 bilhões, caíram rapidamente para menos de US$15 bilhões em agosto. Com
o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), verificou-se uma recomposição das reservas para os
níveis do início do ano.
Porém, com o agravamento da crise, chegou-se em dezembro com reservas abaixo de US$14
bilhões. A queda dos depósitos bancários em quase 1/3 e os saldos negativos da conta capital, que
chegaram a US$6 bilhões no último trimestre, não deixavam dúvidas quanto ao fato de que estava em
curso uma grave crise de confiança marcada pela fuga de capitais. Em dezembro, o peso e o governo
desabam, diante da pressão das manifestações populares (os “panelaços”). Rodríguez Saá toma o poder
e decreta o maior default da dívida externa da história. A dívida foi estimada em US$132 bilhões.
É interessante notar que, nos momentos mais agudos de crise, especialmente antes da queda
final da conversibilidade, o FMI esforçou-se em liderar pacotes de socorro para o país, que era um dos
seus casos exemplares de implementação de reformas liberalizantes.
Entre 1991 e 2001 foram firmados cinco acordos, além de dois outros em 2003 cujos recursos eram
destinados fundamentalmente para honrar os compromissos já assumidos. Os montantes desembol-
sados pelo Fundo chegaram a US$42 bilhões em valores correntes, dos quais US$23 bilhões no acordo
stand-by3 de 2000 e sua suplementação em 2001. Um balanço das conseqüências econômicas e sociais
desse período deve partir da constatação de que a Argentina passou, em pouco mais de uma década,
de um país caracterizado por uma alta homogeneidade social para um novo perfil de concentração da
renda mais próximo à realidade média latino-americana. A péssima distribuição de renda na Argentina
1 O não-pagamento de uma dívida é conhecido como default.
2 Os produtos homogêneos negociados no mercado internacional são conhecidos como as commodities. Podem ser, por exemplo: milho,
trigo, soja, petróleo, minérios e café.
3 Seria um recurso de aviso, caso o país necessitasse.
136 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

chegou a ser pior que os verificados na Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, México e todos os
países centro-americanos. Com a fuga de capitais na Argentina, a falta de confiança da população com o
sistema financeiro, o PIB em 2001 caiu 4,4% e em 2002 despencou em 10,9%. A economia viveu a maior
recessão dos últimos tempos.
Para o Brasil a grande conseqüência da crise argentina foi ela ter gerado uma falta de confiança
nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Muitos investidores argumentavam que o Brasil,
em 2002, poderia ser o próximo país a decretar sua moratória da dívida externa ou interna. Nesse com-
plicado ambiente externo4 aliado a possível vitória do governo Lula nas eleições presidenciais, o Brasil
registrou uma forte fuga de capitais (saída de dólares). E, assim, o real sofreu uma forte desvalorização
frente ao dólar norte-americano. Por exemplo, em janeiro de 2002, o câmbio estava em R$2,37/US$1,00
e em outubro R$3,80/US$1,00. Uma desvalorização do real frente ao dólar de 60%, como destacado no
gráfico 1.
Gráfico 1 – Desempenho mensal da taxa de câmbio (R$/US$) no Brasil de jan./1999 a
dez./2007
4

Banco Central do Brasil (BCB).


3,5
Taxa de câmbio (R$/US$)

2,5

1,5

1
00

01

02

ju 3

04

05

ju 6

ju 7
99

7
9

0
l/0

l/0

l/0

l/0

l/0

l/0

l/0

l/0
l/9

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/
n/

ju

ju

ju

ju

ju
ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja
ju
ja

Como conseqüência, o PIB brasileiro nos anos 2002 e 2003 apresentou crescimento extremamen-
te baixo e a inflação disparou. Em 2002, a taxa de inflação foi de 12,53% e no ano seguinte 9,30%. Ambos
os valores, como destacado pela tabela 2, estão fora da meta estipulada pelo Conselho Monetário Na-
cional. Em 2002, a economia cresceu apenas 2,7% e, em 2003, 1,1% como mostra a tabela 1. A renda per
capita ficou praticamente estagnada e, com a falta de confiança dos empresários em relação ao futuro
da economia, a taxa de investimento em relação ao PIB caiu de 16,4% em 2002 para 15,3% do PIB em
2003 como mostra a tabela 1.
A principal vantagem da crise de 2002 e da desvalorização do real frente ao dólar foi o impacto
positivo no crescimento sustentável das exportações brasileiras. Com isso, a balança comercial, como
destacado na tabela 1, melhorou consideravelmente. Por exemplo, em 2002, o saldo da balança comer-
cial era de um superávit de US$13,1 bilhões. Dois anos depois, em 2004, o superávit comercial aumen-
tou para US$33,6 bilhões, possibilitando uma entrada maior de dólares e, assim, estabilizando e até
reduzindo a taxa de câmbio.
4 O ataque terrorista de 11 de setembro nos Estados Unidos também abalou a visão de risco dos mercados financeiros internacionais.
O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 137

Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos do Brasil de 2000 a 2007

Brasil (BCB). ND – dado não disponível.


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Banco Central do
Saldo da balança
PIB real Renda per Inflação Investimento
Ano comercial (em
(em %) capita (em %) (IPCA) (em % do PIB)
milhões de US$)
2000 4,3% 2,8% 6,09% – 697,7 16,8%

2001 1,3% – 0,2% 7,37% 2.650,50 17,0%

2002 2,7% 1,2% 12,52% 13.121,30 16,4%

2003 1,1% – 0,3% 9,20% 24.793,90 15,3%

2004 5,7% 4,2% 7,60% 33.640,50 16,1%

2005 3,2% 1,7% 5,69% 44.702,90 15,9%

2006 3,8% 2,3% 3,14% 46.456,60 16,5%

2007 5,4% ND 4,46% 40.028,20 17,6%

Média 3,4% 1,7% 7,0% 25.587,0 16,4%

Em resposta ao problema inflacionário, o BCB inicia um processo de aumento de juros em 2002,


sendo que, em março de 2003, a Selic, taxa de juros básica da economia, já se encontrava em um pata-
mar de 26,3% ao ano, como descrito no gráfico 2. Com juros mais elevados e crédito difícil, o consumo
das famílias em 2003 caiu em termos de poder de compra. As empresas também reduziram seus inves-
timentos em 4,53%, comprando menos máquinas e equipamentos. Contudo, com a elevação dos juros
e a retração da atividade produtiva, a taxa de inflação a partir de 2003 veio cedendo gradativamente e,
com isso, a taxa de juros pôde ser reduzida em seguida.
Inicialmente, em 2004, o consumo aumentou em 3,8% e os investimentos das empresas em 9,2%.
A economia volta a crescer em 5,7% do PIB com grande expansão das exportações e um excelente saldo
da balança comercial.
Gráfico 2 – Condução da política monetária brasileira de jan./2000 a dez./2007
30
Banco Central do Brasil (BCB).

25
Taxa de juros (Selic)

20

15

10
jan/00

jan/01

jan/02

jan/03

jan/04

jan/05

jan/06

jan/07
jul/00

jul/01

jul/02

jul/03

jul/04

jul/05

jul/06

jul/07
138 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

Principais desafios da economia


A queda consistente da taxa de câmbio (ver gráfico 1) possibilitou que os juros a partir do segun-
do semestre de 2005 registrassem uma forte queda, passando de 20% a 12,18% no final de 2007, de
acordo com o gráfico 2. Os impactos foram positivos sobre a economia. Em 2006, em termos de poder
de compra, o consumo das famílias aumentou em 4,3% e os investimentos das empresas em 8,8%.
E, com a diminuição dos juros em curso, em 2007, o consumo das famílias aumentou em 6,5% e o
investimento das empresas cresceu a uma taxa espetacular de 13,4%. De fato, com a expansão do crédi-
to, da liqüidez e da confiança dos consumidores e dos empresários a tendência é que tanto o consumo
como os investimentos mantenham uma boa expansão.
Gráfico 3 – Taxa de crescimento real anual do consumo e do investimento no Brasil de 2003
a 2007
16
13,40

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


14

12

10 9,20
8,80
8 6,5
Variação % real

6 4,52 4,34
3,81 3,58
4

0
Consumo das
–0,65
–2 famílias

–4
Investimento
–4,53 das empresas
–6
2003 2004 2005 2006 2007

Em 2007, o PIB cresceu a uma taxa de 5,4%, sendo que o consumo de veículos aumentou em
14,2% e de máquinas agrícolas em 41%. A economia vem apresentando, nessa expansão, uma grande
diversificação. Setores industriais estão se modernizando, a agricultura está mais produtiva e os serviços
mais especializados.
A tabela 2 destaca que, desde a implementação do regime de metas de inflação em 1999, apenas
nos anos de 2001, 2002 e 2003 a taxa de inflação observada passou do limite superior da banda. Isso
evidencia que o regime de metas está sendo bem operacionalizado.
Pode-se destacar que os principais desafios da economia brasileira a curto e médio prazo são:
::: manter o processo de queda dos juros sem prejudicar a estabilidade da inflação.
::: expandir os investimentos das empresas em uma taxa acima de 5% ao ano.
::: desenvolver a infra-estrutura do país para não ocorrer problema na oferta de bens.
::: corrigir a excessiva queda da taxa de câmbio, para evitar um déficit da balança comercial.
O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 139

É importante descrever esses desafios com mais detalhes. Primeiramente, a queda na taxa de
juros incentiva o crescimento do crédito tanto para os consumidores como para as empresas. Nesse
sentido, o nível de demanda agregada da economia cresce. Caso a produção cresça no mesmo ritmo, a
estabilidade dos preços será garantida. Com isso, o crescimento da demanda deve ser muito próximo
do crescimento da oferta.
Para melhorar as condições da produção e, assim, possibilitar uma grande ampliação no emprego
e na renda, a infra-estrutura básica da economia brasileira deve ser melhorada. Em especial cabe desta-
car a necessidade de ampliar e melhorar as rodovias, ferrovias, portos e, em algumas regiões, as hidro-
vias. Na questão da saúde é fundamental criar condições de investimentos para o setor de saneamento
básico, ampliando o tratamento de água, esgoto e sistema fluvial das grandes e médias cidades.
Tabela 2 – Resultados do regime de metas de inflação em % no Brasil de 1999 a 2007

Banco Central do Brasil (BCB).


Ano Meta Limite inferior Limite superior Inflação efetiva
1999 8,00 6,00 10,00 8,94

2000 6,00 4,00 8,00 5,97

2001 4,00 2,00 6,00 7,67

2002 3,50 1,50 5,50 12,53

2003 4,00 1,50 6,50 9,30

2004 5,50 3,00 8,00 7,60

2005 4,50 2,00 7,00 5,69

2006 4,50 2,50 6,50 3,14

2007 4,50 2,50 6,50 4,46

Referente ainda ao transporte, é imprescindível a melhora e a ampliação nos investimentos no


setor aéreo nacional. A facilidade na locomoção reduz os custos de transação, estimulando o cresci-
mento da economia.
Na infra-estrutura energética, o Brasil deve buscar uma diversificação das suas fontes. Por exem-
plo, explorar mais a energia eólica em áreas estratégicas, gerando renda com sustentabilidade do meio
ambiente.
Buscar o crescimento do comércio internacional, através de acordos bilaterais, tanto nas expor-
tações como nas importações. Ampliar a transferência de tecnologia do mundo desenvolvido para o
Brasil e, assim, estabilizar a taxa de câmbio.

Conclusão
O Brasil, nos últimos anos, manteve a estabilidade no nível de preços com o sucesso do regime
de metas de inflação. Atualmente, vem desempenhando uma política monetária mais flexível com uma
redução consistente da taxa de juros, isto é, do preço do dinheiro. Nesse sentido, o consumo das famílias
e os investimentos das empresas estão em expansão, sendo sustentados pelo grande volume de crédito
na economia.
140 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

O grande desafio a curto prazo para o Brasil seria manter essa política monetária de redução de
juros, com estabilidade do nível de preços. E, para isso, o país deve controlar o crescimento da demanda
agregada. A médio prazo, ampliações em investimentos de infra-estrutura básica são fundamentais,
com melhorias no transporte, na geração de energia e saúde.
A longo prazo, o Brasil deve investir em educação, qualificando e ampliando, principalmente, o
Ensino Básico e Fundamental, para garantir o desenvolvimento futuro do país. Sem sombra de dúvidas
a melhora e a ampliação na educação são fundamentais para o crescimento econômico a longo prazo.

Texto complementar

Meia década de metas para a inflação


É preciso avançar na consolidação da credibilidade da política monetária

(Garcia, 2008)
Após a flutuação cambial de 1999, adotou-se como regime de política monetária no Brasil a
sistemática de “metas para a inflação”. O Brasil faz parte de um crescente grupo de países que, por
razões diversas, passaram a adotar tal sistema a partir de 1990. [...]
[...] Após meia década, a percepção geral parece ser a de que a política macroeconômica apoia-
da no tripé câmbio flutuante, superávit primário adequado e metas para a inflação é indubitavel-
mente eficaz para manter a inflação sob controle. Mas há também o sentimento de que a política
econômica está devendo a tão desejada retomada do crescimento sustentado.
Como o regime de metas para a inflação pode ser aprimorado de forma a melhor contribuir
para a retomada do crescimento sustentado? A principal tarefa é reforçar a credibilidade da política
monetária, de forma a dar mais estabilidade às expectativas inflacionárias, assim contribuindo posi-
tivamente para o investimento produtivo e para o crescimento.
Estudos que Alexandre Lowenkron e eu vimos realizando mostram que as expectativas infla-
cionárias de médio prazo são excessivamente sensíveis às surpresas na inflação corrente. Caso a
credibilidade na capacidade de o BC cumprir as metas para a inflação fosse aumentada, eventuais
surpresas de curto prazo não teriam tanto impacto na expectativa de inflação de médio prazo, uma
vez que haveria maior confiança quanto ao cumprimento das metas.
De onde pode advir a desconfiança quanto ao cumprimento das metas? Certamente não
advém de uma avaliação que o BC venha sendo leniente com a inflação. Não obstante a ação firme
que o BC vem demonstrando, qualquer regime de metas para a inflação leva em conta, explícita ou
O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 141

implicitamente, o nível de atividade. Provocar altas muito elevadas no desemprego para cumprir
rigorosamente a meta inflacionária pode não valer a pena em algumas circunstâncias.
Apesar de toda a crítica que tem sido dirigida contra o BC por suposto excesso de conser-
vadorismo, apenas em 2000 a inflação situou-se no centro da meta. Para 2004, a inflação deve se
situar mais perto do limite superior da meta do que do centro da mesma. Em termos de resultados,
temos ainda muito a conquistar. E quando não se confia plenamente na meta, para cumpri-la, o BC
tem que impor mais custos à economia do que precisaria se houvesse plena credibilidade. Ou seja,
maior credibilidade possibilitaria ao BC praticar juros menores para cumprir a meta de inflação.
Mas há uma outra fonte de desconfiança quanto ao cumprimento das metas. Trata-se do que
os economistas conhecem como “mudança de regime”. Uma das possibilidades de mudança de
regime ocorreria caso a política econômica atual não consiga produzir resultados em termos de
crescimento econômico e melhora dos indicadores sociais, sendo então radicalmente desfigurada
na tentativa de obter melhores resultados. Nos últimos meses, por exemplo, o temor tem sido a
reversão para políticas econômicas defendidas pelo PT antes da Carta aos Brasileiros, possivelmente
com a substituição das equipes da Fazenda e do BC. Sob esse cenário, voltariam os déficits primá-
rios do primeiro governo de FHC, os juros reais cairiam fortemente e, inevitavelmente, a inflação se
elevaria. Uma contínua sucessão de boas notícias é necessária para evitar tal cenário. Por isso as más
notícias (surpresas) no front inflacionário de curto prazo têm um impacto muito elevado nas expec-
tativas inflacionárias de médio prazo. As más notícias quanto à inflação de curto prazo aumentariam
a probabilidade de se abandonar a política macroeconômica consistente que o governo Lula vem
seguindo, o que levaria ao retorno da inflação elevada.
Uma causa de tal mudança de regime poderia ser uma eventual deterioração das condições
de liquidez dos mercados financeiros internacionais. Nesse cenário externo ruim, caso o FED viesse
a elevar bruscamente os juros nos EUA, o risco Brasil subiria muito, levando à forte depreciação da
taxa de câmbio. O BC então seria forçado a elevar os juros reais, abortando uma vez mais o cresci-
mento e elevando as chances de abandono do atual tripé macroeconômico.
Para tornar nossa política monetária mais robusta e aumentar a credibilidade nas metas para
inflação várias medidas podem ser tomadas. Tentar diminuir a indexação dos preços administrados
ao IGP-M, índice fortemente influenciado pelo câmbio, é um passo importante. Tal iniciativa deve
ser feita através da negociação, uma vez que eventuais quebras de contratos seriam contra-produ-
centes ao afetarem negativamente o investimento privado.
Aumentar o superávit nominal via corte dos gastos públicos primários seria relevante para ex-
tinguir eventuais dúvidas quanto à sustentabilidade da dívida pública. A redução de risco país advin-
da de tal iniciativa em pouco tempo pagaria tal medida via diminuição dos juros da dívida pública.
Por fim, completar o arcabouço institucional do regime de metas para a inflação, conferindo
autonomia operacional (não de objetivos) ao BC seria de inestimável importância para aumentar a
credibilidade da política monetária. Segundo estudo recente, os países que ainda não deram auto-
nomia operacional aos seus bancos centrais são exatamente aqueles cujas políticas monetárias têm
menor credibilidade.
142 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

Atividades
1. Descreva quando o Brasil adotou o regime de metas de inflação. Quais são suas principais carac-
terísticas?

2. Analise, brevemente, a crise argentina em 2001: a sua origem e o seu auge.


O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios | 143

3. Discuta os impactos da crise argentina na economia brasileira.


144 | O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios

4. Destaque os principais desafios da economia brasileira a curto e médio prazo.


Gabarito
A escola mercantilista
1. O mercantilismo possibilitou a ascensão e a consolidação da classe burguesa na Europa Ocidental.
Com isso, a acumulação de riqueza via expansão do comércio e a exploração das colônias
possibilitaram o financiamento das indústrias, inicialmente, na Inglaterra e na França.

2. Primeiro acontecimento, Cristóvão Colombo descobre a América em 1492, aumentando


consideravelmente o fluxo de metais preciosos, ouro e prata, para a Europa. Segundo fato
relevante, Vasco da Gama atinge a Índia em 1498, contornando a África e abrindo uma nova rota
comercial. A combinação desses dois eventos históricos, a ampliação dos metais preciosos e a
expansão de mercadorias possibilitaram um período único na história da humanidade. Isto é, a
integração comercial entre a América–Europa–Ásia.

3. O metalismo argumenta que a quantidade de ouro e prata no território de uma nação determina
sua riqueza. Nesse caso, um país com uma forte atividade comercial iria acumular mais metais
preciosos, gerando com isso, mais riqueza para a sociedade. Era fundamental, assim, que o
governante possuísse o máximo desse metal precioso em seu território. A formação do estado-
nação na figura do rei absolutista tinha como objetivos: ampliar rotas comerciais; obter novos
mercados consumidores; expandir as colônias; assegurar a segurança no comércio internacional;
manter o monopólio comercial e controlar rigorosamente as importações. O nacionalismo
mercantil levou, inevitavelmente, ao militarismo. Com isso, a acumulação de ouro e prata –
metalismo – era financiada diretamente pela nação.

4. O sistema mercantil possibilitou o crescimento do rei, com base na atividade comercial. Com isso,
o mercantilismo do século XVI ao início do século XVIII foi marcado por um forte controle central,
nas principais regiões da Europa Ocidental. O governo concedia privilégios de monopólios a
empresas envolvidas no comércio exterior e restringia a livre entrada no comércio interno para
limitar a concorrência. Com isso, o sistema econômico privilegiava um grupo restrito da base social.
Nas cidades mercantis, os grandes mercadores não só eram influentes no governo, com eram o
146 | Gabarito

próprio governo. A população em geral trabalhava para o Estado ou para os grandes comerciantes
com um salário baixo e com péssimas condições. Como conseqüência, observou-se uma atividade
econômica altamente concentradora de riqueza: lucros elevados e salários baixíssimos.

A Primeira Revolução Industrial e o pensamento de Adam Smith


1. Na base política está a Revolução Inglesa do século XVII com a Revolução Gloriosa de 1688. As
duas fazem parte de um mesmo processo revolucionário, daí a denominação de Revolução Inglesa
do século XVII, limpando terreno para o avanço do capitalismo. Depois de vencer a monarquia,
a burguesia conquistou os mercados mundiais e transformou a estrutura agrária, gerando uma
grande liberdade econômica para os burgueses ingleses.

2. A máquina a vapor de James Watt, desenvolvida entre 1769 a 1782, contribuiu consideravelmente
na geração de energia para a indústria têxtil. Apesar do vapor já ter sido utilizado como fonte
de energia anteriormente, a máquina de Watt possibilitou um ganho de produtivi-dade na
atividade mineral e no transporte. Com o objetivo de aumentar a capacidade de tecer, John Kay
desenvolveu em 1733 a lançadeira volante. O tear mecânico inventado por Edmund Cartwright,
em 1785, revolucionou a fabricação de tecidos. Para mover o tear mecânico, era necessária uma
energia motriz mais constante que a hidráulica, à base de rodas d’água. James Watt, em 1769,
aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina de movimento duplo, com biela e manivela,
que transformava o movimento linear do pistão em movimento circular, adaptando-se ao tear. Nos
Estados Unidos, Eli Whitney inventou o descaroçador de algodão. Nesse sentido, com esse avanço
tecnológico, a indústria têxtil algodoeira, como destacado por Rezende (2005), inaugurou a fase
de produção capitalista, focada no emprego da máquina – regular, rápida, precisa e incansável –,
permitiu um enorme crescimento da produção com custos baixos.

3. Em primeiro lugar, a especialização melhora a destreza do operário, ampliando assim a quanti-


dade e a qualidade do produto. O segundo benefício consiste na economia de tempo. Passar de
uma tarefa para outra, ao longo do processo produtivo, gera perda de concentração e de tempo.
Por último, a divisão social do trabalho possibilita a invenção e o aprimoramento das máquinas
que facilitam o trabalho humano. As grandes máquinas utilizadas nas indústrias manufatureiras,
segundo Smith, foram invenções de operários comuns, os quais, naturalmente, preocuparam-se
em dispensar uma atenção especial no aperfeiçoamento do processo produtivo.

4. A redução da jornada de trabalho para 12 horas nas indústrias têxteis em 1833; a proibição do traba-
lho infantil e de mulheres nas minas de carvão em 1842; o limite da jornada máxima de trabalho
para mulheres e crianças de 10 horas diárias em 1847.
Gabarito | 147

A Segunda Revolução Industrial e a Escola Clássica


1. Em 1856, Henry Bessemer fabricou pela primeira vez o aço, passando uma corrente de ar através
do ferro em estado de fusão. A siderurgia substitui o ferro pelo aço. Em 1831, o dínamo de Faraday
transformava energia mecânica em elétrica e, em 1879, Thomas Edison cria sua famosa lâmpada
incandescente.

2. Com o surgimento e o aperfeiçoamento da eletricidade, Henry Ford desenvolveu uma linha de


produção em série, massificando o trabalho para obtenção de rendimentos de escala. O fordismo,
como ficou conhecido, diminuiu significativamente os custos de produção e os preços dos
produtos, popularizando o automóvel nos países industriais. Suas fábricas eram verticalizadas,
possuindo desde a fábrica de vidros à produção de autopeças. Aliado ao método da administração
científica de Frederick W. Taylor, o fordismo/taylorismo mostrou-se uma inovadora e altamente
produtiva técnica administrativa.

3. Na Alemanha, a industrialização ganha fôlego a partir da unificação nacional, em 1870. Com


o desenvolvimento do setor bancário, das ferrovias, da indústria química e dos equipamentos
elétricos no vale do Rio Reno. Rica em minérios, a Alemanha, em 1913, torna-se a maior nação
européia industrializada. O Estado incentivou a concentração de capital, com a formação de
conglomerados, e as exportações. Os principais grupos econômicos formados na época, e na sua
grande maioria, ainda prevalecem no cenário mundial. São eles: Krupp (aço, materiais bélicos);
Daimler-Benz (motores e veículos); Maybach-Diesel (motores); Farben (produtos químicos); e
Siemens (materiais elétricos).

Com o intuito de estimular as exportações e o ganho de mercado internacional, o governo


alemão manteve boas relações comerciais com a Áustria, Hungria e Rússia e incentivou também
o dumping, que consiste em manter duas escalas de preços para um mesmo produto, uma mais
alta para o mercado interno e outra mais baixa para o mercado externo. Os Estados Unidos (EUA)
declaram independência dos ingleses em 1781 e, somente a partir da década de 1840, iniciam sua
expansão para o Oeste. Em 1845, o Texas se declara independente do México e se une aos EUA
e, em 1848, os norte-americanos anexam os estados do Novo México, Nevada, Califórnia, Utah e
Arizona dos mexicanos. Os EUA passam a ser um país continental e com um enorme crescimento
populacional focam a industrialização no mercado interno. A Guerra da Secessão (1861-1865)
ocorreu entre o Sul latifundiário, aristocrata, contrário à abolição da escravatura, contra os estados
do Norte industrializado. Após a vitória do Norte, os EUA passam a se industrializar rapidamente
com o foco no mercado doméstico.

4. A Lei de Say sustenta que a própria produção de bens e serviços provém uma demanda efetiva
agregada suficiente para adquirir toda a oferta gerada pelo sistema econômico, durante um
determinado período. Nesse sentido, sua teoria pode ser resumida na seguinte frase: “a oferta cria
sua própria demanda” e, assim, não poderia ocorrer um período prolongado de superprodução
geral no aparelho produtivo.
148 | Gabarito

Do Imperialismo à Primeira Guerra Mundial


1. Deve-se associar a palavra “monopólio” não necessariamente a um único vendedor ou única
empresa ofertante do produto, mas sim a um grupo de vendedores ou empresários controlando
grande parte ou totalmente a produção, isto é, um verdadeiro “oligopólio”. Nesse sentido, pode-se
argumentar que o desenvolvimento inicial do capitalismo ocorreu através de um grande domínio
e subordinações das economias periféricas ou subdesenvolvidas em relação às grandes nações
industriais. O capital monopolista era o imperialismo segundo Baran & Sweezy e Lênin.

2. O imperialismo na América seguiu a Doutrina Monroe (1823) que reafirmava a posição dos Estados
Unidos contra o colonialismo formal europeu nesse continente. Estabeleciam uma idéia de que
“a América era para os americanos” e de certa forma garantindo uma parte expressiva desse
mercado aos Estados Unidos. Nesse sentido, o imperialismo observado na América manteve a
independência política e uma forte subordinação econômica.

A economia cafeeira era reflexa, primário-exportadora, com as mesmas características da


economia colonial das precedentes. Tratava-se, como no caso do açúcar, de uma atividade com alta
densidade de mão-de-obra, estabelecida em uma região cuja população ainda era relativamente
pequena.

3. Entre os anos de 1884 e1885 as grandes potências mundiais reuniram-se em Berlim para definir
novos acordos sobre o comércio, navegação e, sobretudo, os limites na África Ocidental e no
Congo. A Conferência de Berlim não tinha o Japão como participante e os EUA preocupavam-se
preponderantemente com as novas rotas comerciais e de navegação. Assim, podemos refletir
que a partilha da África realmente ocorreu nas nações européias e, em particular, entre França e
Inglaterra, que já detinham grande parte do mercado africano, e a Alemanha, que em virtude de
seus processos de industrialização e unificação nacional tardios não apresentava uma influência
considerável na África. A Alemanha que não possuía nenhuma colônia na África obteve três faixas
importantes do continente.

4. A economia de guerra mobilizou todos os fatores de produção nacionais expandindo ao máximo


a sua produtividade. Era fundamental expandir a produção industrial nesse período e, com isso,
demandar mais mão-de-obra e matérias-primas.

A Grande Depressão e o pensamento keynesiano


1. Na década de 1920, observou-se o renascimento do liberalismo econômico com o crescimento
dos mercados, da iniciativa privada, do mercado acionário e da diminuição do Estado na ordem
econômica. Muitos governos reduziram significativamente os gastos públicos. Nos EUA observou-
se uma redução do governo na economia e no progresso econômico. O consumo de bens duráveis
foi importante para moldar o estilo de vida dos EUA na década de 1920. Em contrapartida, a
economia européia passava por grandes mudanças e um período de recuperação, principalmente
a Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial.
Gabarito | 149

2. Foi a quebra da Bolsa de Nova York em 24 de outubro de 1929, diminuindo drasticamente os


preços das ações com medo de uma recessão generalizada na economia. A bolsa caiu em média
21,3% e, em quatro anos (1929–1933) reduziu em mais de 66%. Destaca-se que, durante toda a
década de 1930, os preços das ações permaneceram inferiores ao valor de 1929 e só retornam
seus valores pré-crise no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O volume negociado na Bolsa de Nova York foi reduzido drasticamente. Os empréstimos aos
corretores atingiram seu topo em setembro de 1929, com um valor mensal de US$8,5 bilhões.
Em dezembro desse mesmo ano, o volume negociado era aproximadamente de US$3,9 bilhões e
com a falta de confiança no mercado acionário, em dezembro de 1930, o volume negociado pelos
corretores foi de aproximadamente US$1,8 bilhão e no mesmo mês de 1932 o volume despencou
para US$347 milhões.

O sistema financeiro e as corretoras de valores foram as atividades que inicialmente mais sofreram
com a queda da bolsa. De acordo com o Federal Reserve Bank (FED), em dezembro de 1929, havia
24 026 bancos comerciais operando no país, no mesmo mês de 1930 o número já era de 22 172,
caindo para 19 375 no ano seguinte e 15 519 em 1933, o pior ano da Grande Depressão. Isso
significa dizer que em quatro anos consecutivos 6 653 bancos comerciais, ou seja, as principais
instituições do sistema financeiro pediram falência. Uma queda de 30% no número de instituições
bancárias.

Como conseqüência, a concessão de empréstimos foi drasticamente reduzida. Em 1929, os


bancos comerciais emprestaram cerca de US$49,4 bilhões para o consumo e o investimento das
empresas, em 1933 esse valor foi reduzido para US$30,4 bilhões, uma queda de 38,5%.

3. A taxa de desemprego é calculada pela seguinte expressão:


Número de pessoas desempregadas
d= x 100
População economicamente ativa

Sendo:

d = taxa de desemprego em porcentagem da População Economicamente Ativa (PEA).

Nesse sentido, tem-se que a taxa de desemprego é obtida pela razão entre o número de pessoas
desempregadas e a população economicamente ativa, isto é, a oferta de trabalhadores. E, assim,
classificamos a taxa de desemprego como uma variável socioeconômica e um elevado valor dessa
representa um desperdício de mão-de-obra que necessita de emprego, mas não encontra.

Com a queda substancial do PIB, no início da Depressão, o desemprego explodiu. Em 1929, nos
EUA, havia 1,5 milhões de desempregados e a taxa de desemprego era de 3,2% da força de trabalho.
Em um ano o número de pessoas sem emprego aumentou para 4,3 milhões de pessoas ou 8,7%
da PEA. Em 1932, em uma situação caótica da economia mundial, a taxa de desemprego norte-
americana foi de 23,6% da PEA, representando cerca de 12 milhões de pessoas desesperadas
por um trabalho. No ano seguinte, a taxa de desemprego aumentou para 24,9% da força de
150 | Gabarito

trabalho, isto é, mais de 12,8 milhões de pessoas esperando um emprego. Com a elevada taxa de
desemprego, de 1929 a 1931, os salários reais caíram em mais de 20,8% e comparando com 1933
mais de 50%.

4. Keynes argumentava que, em caso de insuficiência de demanda efetiva e severa crise de


confiança no futuro da economia, as empresas convivendo com uma situação de superprodução
(aumento nos estoques dos produtos) iriam inevitavelmente reduzir, no período seguinte, o
volume de produção. Esse ajustamento da produção para o novo nível de demanda iria aumentar
o desemprego e reduzir os salários. Seguindo o raciocínio keynesiano, a queda na renda dos
trabalhadores produziria uma redução no consumo das famílias, gerando um efeito multiplicador
no aparelho produtivo. Como a demanda iria cair mais ainda, o corte inicial da produção não
iria ser suficiente para combater a superprodução e, assim, nos períodos seguintes as empresas
iriam novamente reduzir seu volume de produção em virtude de uma queda em suas vendas. O
desemprego iria subir mais ainda, prejudicando os salários.

O processo de industrialização da economia


brasileira entre 1930 a 1945
1. O Brasil apresentava uma economia focada na produção de café, principalmente pelos estados
do Rio de Janeiro e São Paulo. Estima-se que as exportações brasileiras desse produto eram de
aproximadamente 70% do valor total vendido ao mundo e a participação do café brasileiro na
produção mundial, durante a década de 1920, também representava em torno de 70%. Valores
elevados que tornavam o país extremamente subordinado ao desempenho dessa cultura. O
governo e o desempenho do aparelho produtivo pouco diversificado estavam voltados para
a indústria cafeeira. A produção industrial era baseada na indústria têxtil e produtos de bens
de consumo não-duráveis (alimentos), mas sem dependência do setor externo. O modelo de
desenvolvimento era baseado na economia primária-exportadora.

2. Com as dificuldades financeiras em 1929 e a redução drástica do crédito internacional, o Brasil


sofreu uma forte retração do PIB no primeiro ano da Grande Depressão, com queda de 2,1%,
liderados pela redução de mais de 37,7% na produção de café. A indústria em geral também
retrai em 6,7%, assim como o setor têxtil com queda de 3,8%. O comércio exterior também foi
severamente afetado. As exportações caíram em aproximadamente 30,6% em 1930, 23,6% em
1931 e 26,5% em 1932.

A crise do café iniciada em 1929 e a atitude do presidente Washington Luís em apoiar para as
eleições presidenciais de 1930 o paulista Júlio Prestes levaram o país a uma revolução política
profunda, a queda da República Velha. Com o golpe de Estado imposta pela Aliança Liberal, Getulio
Vargas chega ao poder, governando o país entre 1930 a 1934 pelo Governo Provisório. Com o
intuito de manter a ordem política e econômica Getulio cria em 1931 o Conselho Nacional do
Café que, em 1933, foi transformado em Departamento Nacional do Café. Ambos com o objetivo
de comprar e queimar os estoques excessivos de café, mantendo assim o nível de preços e a
Gabarito | 151

renda dos cafeicultores. Em 1930, o Índice de Custo de Vida no Rio de Janeiro caiu 9,0% e no ano
seguinte deflação de 3,7%. Os efeitos iniciais da Grande Depressão mundial no Brasil seguiram a
lógica dos outros países: queda no PIB e deflação dos índices de preços.

3. Nos anos 1932 e 1933, como descritos nos gráficos 1 e 2, o PIB brasileiro volta a crescer, tanto
na produção do café como na indústria. A rápida e importante recuperação da economia foi
analisada e interpretada por Furtado (1980), nos capítulos 30 a 33. Segundo Furtado, a política de
defesa do setor cafeeiro nos período da Grande Depressão constitui-se em um amplo programa
de sustentação da renda nacional, mantendo o preço em patamares maiores. Completa Furtado
(1980, p. 192): “Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior
amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados.”

O setor público também teve participação relevante na recuperação econômica no período da


Grande Depressão. Entre 1933 a 1939 o gasto do governo em termos reais aumentou em mais
de 53,0% e o governo federal apresentou sucessivos déficits orçamentários e a dívida pública
federal se expandiu, nesse período, de 8,8 para 10,8 em relação ao PIB. Nesse sentido, o Brasil
adotava políticas econômicas pré-keynesianas de controle de preços do café, comprando
o excesso de estoques e ampliando a participação do setor público na produção industrial.

4. A economia brasileira na década de 1930 iniciou gradativamente um Processo de Substituição


das Importações (PSI), caracterizando um avanço importante para a industrialização nacional. Sua
lógica consistia em estimular a produção industrial para o abastecimento do mercado interno,
utilizando tarifas de importação e câmbio controlado. A crise de 1929 criou uma oportunidade
única para a necessidade do desenvolvimento industrial brasileiro.

O PSI foi intensificado com a ocorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), situação na qual
o Brasil enfrentou uma grande dificuldade de abastecer o mercado interno com produtos importa-
dos. A dependência de produtos manufaturados gerou uma restrição ao crescimento e nesse pe-
ríodo, então, a economia brasileira sentiu necessidade de se tornar menos subordinada à indústria
da Europa e dos EUA, buscando assim um PSI fechado nas necessidades do mercado interno.

A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências


1. A Itália, devido à Primeira Guerra Mundial, sofreu um forte industrialização entre 1915 a 1918,
modernizando seu parque industrial e o setor bélico. Expandiu sua produção de automóveis e
desenvolveu aviões de ponta a nível mundial. Na década de 1930, realizou um crescimento nos
gastos militares, destinando um terço das receitas governamentais na produção bélica. No ano
em que a Itália entrou na guerra possuía 113 submarinos, número inferior apenas a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Em 1938, um ano antes de iniciar a Segunda Guerra, a Alemanha possuía 2,75 milhões de homens
sem equipamentos e estrutura para suportar uma guerra prolongada e em um amplo espaço
152 | Gabarito

geográfico. Em 1939, a Alemanha produziu 8 295 aviões, enquanto a França e a Inglaterra em


conjunto produziram 11 103 aviões. O desenvolvimento das técnicas de guerra do bem treinado
exército alemão e sua forte disciplina tornaram a Alemanha uma grande potência bélica, no final
da década de 1930.

A França apresentou um forte crescimento econômico durante a segunda metade da década de


1920. Sua atividade produtiva industrial, entre 1927 a 1930, cresceu 21%. Contudo, a economia
sentiu profundamente os efeitos da Grande Depressão, sendo que entre 1930 a 1932 a indústria
caiu em mais de 26%. Suas exportações despencaram nesse período inicial da recessão, em
aproximadamente 70%. Em 1938, a indústria francesa estava estagnada e o exército fragmentado.
Sua produção ficava atrás da Grã-Bretanha, Alemanha e URSS.

2. A tabela 1 descreve o Produto Nacional Bruto (PNB) das potências mundiais, em 1937, em bilhões
de dólares e seus gastos em defesa militar em valores percentuais do PNB. É importante destacar
que, nesse ano, os países que mais gastavam em termos percentuais sua riqueza no setor bélico
eram o Japão (28,2%), seguido pela URSS (26,4%), Alemanha (23,4%) e Itália (14,5%), mostrando
que, por exemplo, a Inglaterra e a França demoraram para expandir e se reestruturar militarmente.
A União Soviética, industrializada e fortemente armada, buscava no final da década de 1930
expandir o comunismo pela Europa e a Alemanha recuperar seus territórios perdidos na Primeira
Guerra Mundial. O Japão tinha a intenção de dominar o Pacífico e se firmar como uma grande
potência mundial no Oriente.

3. Em termos financeiros, a tabela 3 destaca um amplo avanço dos Aliados frente ao Eixo, a partir
de 1941. Em bilhões de dólares constantes (preço de 1944), é possível argumentar que a guerra
também se vence com um grande auxílio financeiro. A história econômica esclarece muito esse
ponto. Em 1940, com um gasto anual no setor bélico de US$6,8 bilhões, a Alemanha dominava
a guerra na Europa, conquistando importantes países industrializados, como a França, Bélgica e
Holanda. A partir de 1941, por movimentos estratégicos ambiciosos da Alemanha e o aumento
considerável nos gastos militares dos Aliados, mudou o rumo da Segunda Guerra Mundial. Em
1943, já com a rendição dos italianos, os gastos financeiros dos Aliados somaram US$62,5 bilhões
e do Eixo US$18,3 bilhões, uma superioridade de mais de 240%.

4. A União Soviética, nação vencedora dos principais combates contra o exército nazista na Europa
Oriental, expande seu domínio sobre aquela região. A expansão do comunismo foi expressiva e
rápida entre os anos de 1945 a 1950, criando a Cortina de Ferro, isto é, dividindo a Europa em dois
sistemas políticos e econômicos.

A Guerra Fria e os choques do petróleo


1. Em termos de política externa, a URSS avança com o Cominform, um instrumento oficial da
política externa desse país. O Plano Marshall de 1947 a 1951, lançado pelos Estados Unidos,
visou conter o avanço do socialismo na Europa. Com isso, emprestou mais de US$13 bilhões aos
países destruídos pela guerra. Em resposta, a URSS criou o Comecon (Conselho para Assistência
Gabarito | 153

Econômica Mútua) com a finalidade de ampliar as interligações econômicas entre os países de


blocos socialistas e, assim, fortalecer a economia da União Soviética.

2. A Guerra da Coréia (1950-1953) começou com o avanço da Coréia do Norte, com o apoio da China
comunista, sobre a Coréia do Sul. Os norte-coreanos avançam até conquistar Seul, a capital da
Coréia do Sul, em 1950. Como contra-ataque, a Organização das Nações Unidas (ONU) lança uma
força tarefa com soldados norte-americanos enviando mais de 2 milhões de soldados. Avançam
sobre a capital da Coréia do Norte, Pyongyang, ameaçando a China em novembro de 1950. A
China entra efetivamente no conflito, com o envio de 300 mil soldados na fronteira. Após a morte
de mais de 3 milhões de pessoas, um acordo de paz é realizado em 1953.

3. A resposta consiste, em grande medida, na análise da eficiência econômica. Os gastos


governamentais não estavam sendo mais eficientes para estimular o crescimento do PIB que em
1968 apresentou um crescimento de 4,8%; 1969 de 3,1%; 1970 de 0,2% e em 1971 uma expansão
de 3,4%. Ou seja, uma média de crescimento anual do produto de apenas 2,86%, entre 1968 a
1971, muito baixa para um país que ampliava consideravelmente seus gastos públicos.

O gasto público exagerado gerou também outro problema na economia, o aumento na taxa de
inflação. Em 1967, a inflação anual nos Estados Unidos era de 3,0%, isto é, baixa e bem controlada
para a época. Contudo, com o excesso na expansão dos gastos públicos, a inflação começou a
subir. Em 1969, o Índice de Preço a Consumidor (IPC) tinha dobrado passado para uma inflação
de 6,2%, e sua origem estava no forte crescimento da demanda agregada.

4. Como conseqüência, a inflação norte-americana chegou a ser de 12,3% e o PIB entrou em reces-
são. O país vivia uma estagflação, termo inventado pelos economistas, que significa estagnação
econômica (recessão) com inflação (aumento nos preços). Além disso, a taxa de desemprego se
elevou para patamares acima de 10% da força de trabalho.

A economia brasileira nas décadas de 1950 e 1960


1. O grande benefício com a criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) foi desen-
volver projetos de infra-estrutura que deveriam ser financiados pelo recém-criado Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e o Banco de Exportação e Importação
(Eximbank).

2. O objetivo do PM era incentivar o Processo de Substituição de Importações (PSI) iniciado por


Getulio Vargas na década de 1930 e buscava completar a matriz industrial brasileira nos setores
de bens de consumo duráveis e de capitais (máquinas e equipamentos), tornando assim o país
economicamente menos subordinado às economias industriais. Contemplava investimento
em cinco grandes áreas e com as seguintes participações de investimentos em relação ao total:
energia (42,4%), transporte (28,9%), indústria básica (22,3%), alimentação (3,6%) e educação
(2,8%).
154 | Gabarito

3. Os resultados macroeconômicos foram surpreendentes. Entre 1956 a 1961, o PIB cresceu em


média 8,2% ao ano, a renda per capita 4,3% ao ano e a taxa de inflação mensurada pelo Índice
Geral de Preços ao Consumidor – Disponibilidade Interna (IGP-DI) ficou em média 28,9% ao ano,
sendo que no final do mandato de JK a inflação já apresentava sinais de forte aceleração.

Realmente, o grande problema do Plano de Metas estava na falta de uma definição clara dos
mecanismos de financiamento dos gastos públicos e privados. E, com a realidade de um sistema
financeiro nacional pouco desenvolvido, o déficit público e seus investimentos foram financiados
com a emissão monetária.

4. O Paeg identificava três causas essenciais que alimentavam o processo inflacionário: 1) o elevado
gasto público; 2) a expansão do crédito às empresas; e 3) o crescimento dos salários reais acima
da expansão da produtividade do trabalhador.

O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980


1. Os anos de 1962 a 1967, que precederam o Milagre, tiveram como foco principal o combate ao
processo inflacionário e a instabilidade política com o lançamento do Plano de Ação Econômica
do Governo (Paeg) em 1964. E, com isso, a economia brasileira cresceu em média no PIB 4,0% ao
ano e na indústria 3,7%. Esses valores para a época eram moderados e até mesmo baixos devido
a capacidade produtiva da economia brasileira, que apresentava condições de crescer acima de
8% ao ano em virtude dos fortes investimentos públicos e privados nos final da década de 1950.
Pode-se argumentar que o país apresentava capacidade ociosa, isto é, não utilizava totalmente
a produção instalada. Esse fato era justificado pela redução no nível de demanda, devido ao
aumento nos juros e na redução dos gastos do governo.

2. Entre 1968 a 1973, a agricultura cresceu em média 4,5% ao ano. Uma taxa expressiva se comparada
com os anos anteriores, mas não suficiente para absorver grande parte da mão-de-obra pouco
qualificada. Coube, em grande medida, ao crescimento da construção civil corrigir o problema do
subemprego e desemprego. Em 1968, a construção civil cresceu acima de 16%, em termos reais
(m2 construído). Com a expansão do crédito via o Banco Nacional de Habitação (BNH), o setor não
parou de se expandir. Em todo o milagre, cresceu a taxas superiores a 10%, sendo que em 1972
cresceu 17,9% e no ano seguinte 20,9%. Além de realmente “puxar” a economia a construção civil
gerou muito emprego nas grandes cidades, em especial Rio de Janeiro e São Paulo.

A indústria de transformação cresceu a uma taxa superior a 10% ao ano no milagre econômico.
Os principais segmentos que se beneficiaram dessa expansão foram a metalurgia, química,
petroquímica e produtos minerais não-metálicos (cimento, papel e celulose). E contaram com um
forte fomento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), do Banco do Brasil (BB), da Caixa
Econômica Federal (CEF) e benefícios fiscais para a concentração industrial nas grandes empresas
e, com isso, fortalecendo e consolidando um modelo brasileiro de capitalismo industrial.
Gabarito | 155

3. A economia brasileira inicia os anos 1980 com uma inflação fora do controle, de 110,2% e um
grande déficit comercial de US$2,8 bilhões. A economia cresce 9,2% em 1980, impulsionada
ainda pelo II PND, mas no ano seguinte não tem mais força, registrando uma queda no PIB de
4,3%. Contudo, o principal problema da economia estava na crise externa e na inflação elevada e
procurou-se inicialmente controlar a taxa de juros, incentivar o crédito à produção agrícola para
gerar uma superprodução e, assim, pressionar a queda do nível de preços. No setor externo, o
governo buscou desvalorizar a moeda e controlar a dívida externa que estava em torno de 70%
na mão das empresas públicas e 30% nas empresas privadas. Contudo, a economia mundial, em
especial os Estados Unidos, estava passando por sérias dificuldades com a elevação da inflação,
sendo que a taxa de juros internacional tornou-se extremamente elevada, prejudicando a dívida
externa brasileiro. Em 1982, com baixo volume de reservas internacionais devido aos sucessivos
déficits comerciais e à dificuldade de renegociar a dívida externa, o Brasil realiza um acordo com
o Fundo Monetário Internacional (FMI).

4. A queda rápida da inflação aumentou os salários reais e tornou os juros reais negativos, com isso,
o consumo das famílias e o investimento explodiram. Como o governo não realizou um ajuste
fiscal em 1986, o déficit público se manteve na ordem de 3,7% do PIB. A pressão de demanda e
com o problema da escassez de produtos básicos, como o leite, carne, automóveis, trigo, açúcar,
entre outros, prejudicou a manutenção dos preços. Enfim, problemas na condução das políticas
econômicas geraram o insucesso do Plano Cruzado no final de 1986.

O Plano Real e a estabilidade da economia brasileira


1. O Plano Collor adotou as seguintes medidas:
::: congelamento de 80% dos depósitos bancários que excedessem o valor de NCz$50 mil cruza-
dos novos (U$1.300,00).
::: congelamento dos preços e dos salários.
::: introdução de uma nova moeda: o Cruzeiro (Cr$), substituindo o Cruzado Novo.
::: abertura comercial e estímulo às importações.
::: processo de privatização.
O plano tinha o objetivo de reduzir o déficit público primário.

O congelamento da poupança foi uma política justificada para conter o excesso de liquidez
(moeda bancária) na economia. Com relação aos preços e salários, esses também foram
inicialmente congelados. Isso fez com que o ganho real dos trabalhadores diminuísse em virtude
da forte inflação. No setor externo, a abertura comercial para as importações foi uma política de
prioridade. A abertura comercial constitui em uma queda substancial das tarifas de importações,
que em média caíram de 40% para 20% em quatro anos subseqüentes.
156 | Gabarito

Outra medida estrutural implementada pelo Plano Collor foi identificar a real necessidade de
se reduzir o papel do Estado na atividade econômica produtiva e, assim, buscar uma política
de transformar o capital das empresas estatais em capital privado. Buscando, desse modo,
mais eficiência, qualidade e preços melhores ao produto final. Com isso, em 1991, é lançado o
Programa Nacional de Desestatização (PND). Sua adoção também se justificava na necessidade
de reestruturar o Estado brasileiro e reduzir o déficit público primário de 8% do PIB para um
superávit de 2% do PIB para combater o processo inflacionário.

2. Inicialmente o plano buscou um ajuste fiscal com a criação de dois impostos:


::: Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF).
::: Fundo Social de Emergência (FSE)

Nesse caso, o governo federal passou a ampliar suas arrecadações para controlar o orçamento
público. O superávit primário médio de 2,4 do PIB, em 1993, foi expandido para 5,4% no ano
seguinte e mantido em 3,9% do PIB em 1995. O governo se preocupou em manter os gastos
controlados e, principalmente, expandir os tributos para conter os excessos de consumo, o que é
comum em economia que rapidamente combate um forte processo inflacionário.

Na parte monetária, temos as seguintes medidas iniciais:


::: introdução de uma nova unidade de conta, a Unidade Real de Valor (URV), promovendo todos
os ajustes de preços relativos, substituindo o cruzeiro real; e
::: transformação da URV em Real, a nova moeda da economia brasileira.

3. Primeiramente, as privatizações que se iniciaram no governo Collor com o Programa Nacional


de Desestatização (PND), em 1991, intensificaram-se no governo do FHC. O segundo fator está
relacionado à elevada taxa de juros dos títulos públicos brasileiros (Selic). Uma taxa de juros tão
elevada era justificada para segurar o processo inflacionário e também ampliar a entrada de
recursos externos especulativos para aumentar as reservas internacionais do BCB.

As reservas internacionais elevadas eram justificadas pela necessidade de se adotar um regime


de âncora cambial necessária para controlar a hiperinflação da economia brasileira.

4. Podemos destacar três crises internacionais que exigiram uma grande habilidade da equipe
econômica do governo:
::: crise mexicana – a maxidesvalorização do peso mexicano no final de 1994 impactou para uma
fuga de capitais em 1995 dos países emergentes, tais como o Brasil. E, para não deixar saírem
capitais (dólares), a taxa de juros subiu para um valor acima de 80% ao ano.
::: crise asiática – maxidesvalorização das moedas e crise do sistema financeiro dos países asiáti-
cos em 1997 (segundo semestre), como a Coréia do Sul, Taiwan, Indonésia e Cingapura. Mais
uma vez a taxa de juros subiu para acima dos 40% ao ano.
::: crise russa – moratória da dívida externa russa e crise em seu sistema financeiro em 1998 (se-
gundo semestre). Mais uma vez a taxa de juros sobe para conter a fuga de capitais.
Gabarito | 157

O desempenho recente da economia brasileira e seus principais desafios


1. No Brasil, o regime de metas de inflação foi implantado oficialmente no dia 22 de junho de 1999,
através do Decreto 3.088 de 21 de junho de 1999, após o fim do regime de taxa de câmbio fixo
(mini-bandas cambiais), em janeiro de 1999, com a proposta de manutenção da estabilidade
monetária obtida pelo Plano Real (julho de 1994). Principais características:
::: adota como referência a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
::: adota um regime de câmbio flexível.
::: o Conselho Monetário Nacional fixa a meta de inflação e seus intervalos (limites superior e
inferior) para os próximos dois anos subseqüentes.
::: o Banco Central do Brasil (BCB) é a instituição responsável pelo cumprimento da meta de in-
flação.
::: caso a inflação saia da meta estabelecida, o presidente do BCB deve enviar uma Carta Aberta
ao ministro da Fazenda justificando o descumprimento da meta inflacionária.

2. Desde 1999, a economia argentina vinha sofrendo com uma recessão econômica. Além da crise
asiática em 1997, do default russo em 1998, da desvalorização do real em 1999, da queda nos preços
das commodities agrícolas e minerais, em conjunto com a apreciação do dólar nos anos seguintes,
todos esse fatores amplificaram o cenário de baixa liqüidez financeira externa e a redução na
competitividade comercial.

A partir de 1999, o país mergulhou em uma profunda recessão. Em particular, o ano de 2001
foi marcado por uma crescente perda de confiança na solvência da economia argentina,
especialmente do setor financeiro. Em dezembro de 2001, com reservas abaixo de US$14 bilhões,
o peso e o governo desabam. Diante da pressão das manifestações populares (os “panelaços”),
Rodríguez Saá toma o poder e decreta o maior default da dívida externa da história. A dívida foi
estimada em US$132 bilhões.

3. Para o Brasil, a grande conseqüência da crise argentina foi este país ter gerado uma falta de confiança
nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Muitos investidores argumentavam que o
Brasil, em 2002, poderia ser o próximo país a decretar sua moratória da dívida externa ou interna.
Nesse complicado ambiente externo aliado à possível vitória do governo Lula nas eleições
presidenciais, o Brasil registrou uma forte fuga de capitais (saída de dólares). E, assim, o real sofreu
uma forte desvalorização R$2,37/US$1,00 e, em outubro, R$3,80/US$1,00. Uma desvalorização do
real frente ao dólar de 60%.

4. O Brasil deve enfrentar os seguintes desafios:


::: manter o processo de queda dos juros sem prejudicar a estabilidade da inflação.
::: expandir os investimentos das empresas em uma taxa acima de 5% ao ano.
::: desenvolver a infra-estrutura do país para não ocorrer problema na oferta de bens.
::: corrigir a excessiva queda da taxa de câmbio, para evitar um déficit da balança comercial.
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Anotações
162 | Anotações
Hino Nacional
Poema de Joaquim Osório Duque Estrada
Música de Francisco Manoel da Silva

Parte I Parte II

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas Deitado eternamente em berço esplêndido,


De um povo heróico o brado retumbante, Ao som do mar e à luz do céu profundo,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Brilhou no céu da pátria nesse instante. Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Se o penhor dessa igualdade Do que a terra, mais garrida,


Conseguimos conquistar com braço forte, Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
Em teu seio, ó liberdade, “Nossos bosques têm mais vida”,
Desafia o nosso peito a própria morte! “Nossa vida” no teu seio “mais amores.”

Ó Pátria amada, Ó Pátria amada,


Idolatrada, Idolatrada,
Salve! Salve! Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”

Gigante pela própria natureza, Mas, se ergues da justiça a clava forte,


És belo, és forte, impávido colosso, Verás que um filho teu não foge à luta,
E o teu futuro espelha essa grandeza. Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada, Terra adorada,


Entre outras mil, Entre outras mil,
És tu, Brasil, És tu, Brasil,
Ó Pátria amada! Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!

Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica
celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.
FUNDAMENTOS DE ECONOMIA

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FUNDAMENTOS DE ECONOMIA Lucas Lautert Dezordi

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