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FACULDADE

DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO


A IGREJA E CORO DO MOSTEIRO DE ST.ª MARIA DE AROUCA
Uma Leitura Iconográfica

Margarida Valente Gonçalves

M

Setembro | 2020
Margarida Valente Gonçalves





A IGREJA E CORO DO MOSTEIRO DE ST.ª MARIA DE AROUCA
Uma Leitura Iconográfica






Relatório realizado no âmbito do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura
Visual, orientado pela Professora Doutora Ana Cristina Sousa













Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Setembro | 2020

1
2
Sumário

Declaração de Honra ................................................................................................................... 5


Agradecimentos ............................................................................................................................ 6
Resumo .......................................................................................................................................... 7
Abstract ......................................................................................................................................... 8
Índice de Figuras .......................................................................................................................... 9
Índice de Abreviaturas e Siglas ................................................................................................ 12
Introdução .................................................................................................................................. 13
1. CAPÍTULO I – Estágio no Museu de Arte Sacra de Arouca ....................................... 17
1.1 – A Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda (RIRSMA) .............................................. 17
1.2 – Espaços musealizados e o Espólio do Museu – A exposição permanente ..................... 18
1.3 – Estágio nos Serviços Educativos – Atividades Desenvolvidas ...................................... 21
1.4 – Desenvolvimento do Guia Iconográfico ......................................................................... 25
2. CAPÍTULO II – O Mosteiro de Arouca ......................................................................... 26
2.1– Da Fundação à atualidade ................................................................................................ 26
3. CAPÍTULO III – A Igreja ................................................................................................ 35
3.1 A Capela-mor .................................................................................................................. 38
3.1.1 As pinturas de Diogo Teixeira .................................................................................. 39
A Incredulidade de S. Tomé................................................................................................ 40
A Ascensão de Cristo .......................................................................................................... 42
O Pentecostes ...................................................................................................................... 44
O Pai Eterno ........................................................................................................................ 46
St.ª Escolástica, St.ª Ofémia [Eufémia] e S. Mauro ............................................................ 48
S. Sebastião, Santa Luzia e Santa Bárbara .......................................................................... 50
3.1.2 A Monumental Máquina Retabular ............................................................................ 52
3.1.3 As pinturas de André Gonçalves ................................................................................ 59
3.2 Na Nave ........................................................................................................................... 67
3.2.1 Altar da Rainha Santa Mafalda .................................................................................. 69
3.2.2 Altar de S. Bartolomeu ............................................................................................... 72
3.2.3 Altar de S. Bento ........................................................................................................ 76
3.2.4 Altar de S. Bernardo ................................................................................................... 78
3.2.5 Altar do Calvário ........................................................................................................ 80
3.2.6 Altar de Cristo Ressuscitado ...................................................................................... 82
3.2.7 Altar do Sagrado Coração de Jesus ............................................................................ 84
3.2.8 Altar da Imaculada Conceção da Virgem .................................................................. 86
4. CAPÍTULO IV – As Sacristias ........................................................................................ 88
4.1 Sacristia do Lado do Evangelho ........................................................................................ 88
4.2 Sacristia do Lado da Epístola ............................................................................................ 93
5. CAPÍTULO V – O Coro ................................................................................................. 104
5.1 Os Altares na Galeria Sul ................................................................................................ 104
5.1.1 Ecce Homo ............................................................................................................... 104
5.1.2 Altar de S. Bernardo de Claraval ............................................................................. 107
5.1.3 Altar de S. Bento ...................................................................................................... 110
5.1.4 Retábulo da Nª Srª do Rosário ................................................................................. 112
5.2 Os Altares na Galeria Norte ............................................................................................ 115
5.2.1 Altar do Senhor dos Passos ...................................................................................... 115
5.2.2 Altar da Nossa Senhora das Dores ........................................................................... 119
5.2.3 Altar do Menino Jesus .............................................................................................. 122

3
5.2.4 Altar da Senhora das Neves ..................................................................................... 124
5.3 A Nave do Coro ............................................................................................................... 127
5.3.1 Altar da Nª Sr.ª da Piedade ....................................................................................... 127
5.3.2 A Coroação da Virgem ............................................................................................. 131
5.3.3 As Pinturas nos Espaldares ...................................................................................... 135
Sagrado Coração de Jesus – .............................................................................................. 136
Sagrado Coração de Maria – ............................................................................................. 137
Última Ceia – .................................................................................................................... 138
Lava-pés – ......................................................................................................................... 139
S. Bernardo e S. Gerardo –................................................................................................ 140
St.ª Umbelina e S. Bernardo – ........................................................................................... 141
Natividade de Maria – ....................................................................................................... 142
Natividade de Jesus – ........................................................................................................ 143
S. José com o Menino – .................................................................................................... 145
S. Cristóvão – .................................................................................................................... 146
A Entrada da Rainha Mafalda no Mosteiro –.................................................................... 147
A Vinda de D. Mafalda para Arouca – ............................................................................. 148
Nossa Senhora da Conceição – ......................................................................................... 149
Nossa Senhora do Pilar – .................................................................................................. 150
Rainha Mafalda lança o hábito às religiosas – .................................................................. 151
Morte da Rainha Santa – ................................................................................................... 152
S. António – ...................................................................................................................... 153
S. Marçal de Limoges – .................................................................................................... 154
Batismo de Cristo – ........................................................................................................... 155
Epifania – .......................................................................................................................... 156
A Samaritana – .................................................................................................................. 157
S. Roberto de Molesmes – ................................................................................................ 158
Santa Maria Egipcíaca –.................................................................................................... 159
A Adúltera – ...................................................................................................................... 160
Conversão de S. Paulo –.................................................................................................... 161
Conversão de Maria Madalena –....................................................................................... 162
6. CAPÍTULO VI – As Esculturas de Jacinto Vieira ...................................................... 171
6.1 Na Igreja .......................................................................................................................... 171
6.2 No Coro ........................................................................................................................... 176
Considerações Finais ............................................................................................................... 186
Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 188

4
Declaração de Honra

Declaro, por minha honra, que o presente relatório é da minha autoria, não tendo
sido utilizado previamente em qualquer outro curso e/ou unidade curricular, desta ou
outra instituição. Todas as formulações de ideias e conceitos usados, adotados
literalmente ou adaptados a partir dos originais, encontram-se devidamente identificados
e citados, conforme as normas de referenciação.
Tenho consciência de que a cópia ou plágio, além de desencadearem
responsabilidade civil, criminal e disciplinar, constituem violação da ética académica.

Arouca, 17 de Agosto de 2020


Margarida Valente Gonçalves
















5
Agradecimentos

Um trabalho de mestrado é uma longa viagem, incluindo na sua trajetória


incontáveis desafios, momentos de incerteza, pequenas conquistas e alegrias também.
Apesar do processo solitário a que qualquer investigador está destinado, não há como não
nos recordarmos dos auxílios que algumas pessoas nos dão e que, de alguma forma, se
tornam a bengala para melhor trilhar esta caminhada. Antes de mais, queria tributar este
relatório, em jeito de agradecimento, à minha mãe, pela educação sólida e formação dada
até hoje, permitindo-me dar continuidade aos estudos, sem nunca me cortar as asas. Ao
meu irmão, de sorriso fácil, pelo orgulho que insiste em demonstrar. A fé é capaz das
maiores proezas e dos melhores feitos, por isso, sou grata ao meu pai, com certeza o meu
maior intercessor. A eles, o meu eterno agradecimento!
A todos aqueles que me proporcionaram a oportunidade de estagiar num Museu
que me diz tanto: ao Dr. Carlos Brito pela prontidão em integrar-me nesta instituição,
designando-me, desde início, sua conterrânea. À D. Teresa, pela receção calorosa, pela
partilha, pelo acolhimento que mais pareceu abrigo. À Irmandade, o meu muito obrigado.
Quero agradecer muito à Profª Drª Ana Cristina Sousa, minha orientadora e,
honestamente, a responsável por alojar e alimentar em mim o bichinho da iconografia,
desde o primeiro ano de Licenciatura. Obrigada pelos ensinamentos, pela visão crítica e
oportuna, pela entrega e dedicação.
À minha trindade, para quem não há agradecimentos que cheguem: à Marta
Ariana, pela amizade sentida com tudo aquilo a que se tem direito quando se é amigo de
verdade. Ao João Luís Borges, pelo carinho e a calmaria, pela palavra amiga e, sobretudo,
por acreditar em mim quando eu não o conseguia. E ao Ricardo Braga, última aquisição
do grupo, obrigada pela amizade sincera e pela partilha. Não são de sempre, mas para
sempre!
À Alexandra e à Cláudia que, mesmo estando longe, se fizeram presentes e ao
meu grupo de amigos, em Arouca, eles sabem quem são, pelo amor e apoio incondicional
e pela paciência ao ouvirem-me ler cada capítulo deste trabalho. O meu muito obrigado!

6
Resumo

O presente trabalho integra o relatório do estágio curricular, elemento de avaliação


final do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual, realizado no Museu
de Arte Sacra de Arouca. Apresenta uma leitura iconográfica e iconológica dos mais
diversos suportes artísticos existentes na Igreja e Coro do Mosteiro de Santa Maria de
Arouca. Através da experiência adquirida como guia no Museu de Arte Sacra, concluiu-
se a necessidade de criação de um guia iconográfico destes espaços privilegiados dentro
do mosteiro justificando, assim, a sublimidade da arte que os integra, resultando como
produto final deste estágio.
A aplicação da metodologia proposta para o estudo, baseada no método
iconográfico e iconológico de Erwin Panofsky, possibilitou a criação de vínculos com as
fontes textuais, partindo do estudo dos textos sagrados, sem esquecer a literatura mística
que foi bebida de inspiração para muitos dos conteúdos representados na envolvente
litúrgica, passíveis de serem interpretados e interligados em circuitos religiosos.

Palavras-chave: Arte Sacra – Mosteiro de Arouca – Igreja – Coro – Iconografia













7
Abstract

The present work integrates the report of the curricular internship, element of final
evaluation of the Masters Degree in Art History, Heritage and Visual Culture, held at the
Museum of Sacred Art in Arouca, presenting an iconographic and iconological reading
of the most diverse artistic pieces that exist in the Church and Choir of the Monastery of
Santa Maria de Arouca. Through the experience acquired as a guide at the Museum of
Sacred Art, the need to create an iconographic guide of these spaces emerged, privileged
within the monastery, thus justifying the sublimity of the art that integrates them, resulting
in the final product of this internship.
The application of the proposed methodology for the study, based on the
iconographic and iconological method, made it possible to create links with the textual
sources, starting from the study of the sacred texts, without forgetting the mystical
literature that was an inspiration drink for many of the contents represented in the
surroundings liturgical, which can be interpreted and interconnected in religious circuits.

Key-words: Sacred Art – Monastery of Arouca – Church – Choir – Iconography














8
Índice de Figuras

FIGURA 1 – FACHADA NORTE DO MOSTEIRO DE AROUCA, ACESSO À IGREJA PELA VIA PRINCIPAL; .......... 29
FIGURA 2 – MOSTEIRO DE AROUCA, ACESSO AO MUSEU DE ARTE SACRA PELO TERREIRO; ..................... 30
FIGURA 3 – LARGO DA RAINHA SANTA MAFALDA; .................................................................................. 31
FIGURA 4 – ESCADARIA DE APARATO, LARGO DE SANTA MAFALDA; ....................................................... 32
FIGURA 5 – CORREDORES DO CLAUSTRO; ................................................................................................ 33
FIGURA 6 – O CHAFARIZ AO CENTRO DO CLAUSTRO; ............................................................................... 34
FIGURA 7 – ALTAR-MOR DA IGREJA DO MOSTEIRO DE AROUCA, VISTA DA TRIBUNA; .............................. 36
FIGURA 8 – A NAVE DA IGREJA, VISTA PARA O CORO; ............................................................................... 37
FIGURA 9 – A INCREDULIDADE DE S. TOMÉ, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA; ....................................... 40
FIGURA 10 – A ASCENSÃO DE CRISTO, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA; ............................................... 42
FIGURA 11 – O PENTECOSTES, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA; ............................................................ 44
FIGURA 12 – O PAI ETERNO, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA; ............................................................... 46
FIGURA 13 – ST.ª ESCOLÁSTICA, ST.ª OFÉMIA [EUFÉMIA] E S. MAURO, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA;
.......................................................................................................................................................... 48
FIGURA 14 – S. SEBASTIÃO, SANTA LUZIA E SANTA BÁRBARA, C. 1595 – 1597, DIOGO TEIXEIRA; ......... 50
FIGURA 15 – O RETÁBULO NO ALTAR-MOR DA IGREJA, 1723, LUÍS VIEIRA DA CRUZ; .............................. 54
FIGURA 16 – S. COSME E S. DAMIÃO, RETÁBULO-MOR DA IGREJA; .......................................................... 55
FIGURA 17 – BEATAS TERESA E SANCHA, RETÁBULO-MOR DA IGREJA; .................................................... 56
FIGURA 18 – S. BENTO E S. BERNARDO, RETÁBULO-MOR DA IGREJA; ...................................................... 57
FIGURA 19 – COBERTURA DO RETÁBULO-MOR DA IGREJA EM ABÓBADA DE CAIXOTÕES RELEVADOS; ..... 58
FIGURA 20 – A TRIBUNA ASCENDENTE COM A Nª SR.ª DA ASSUNÇÃO, RETÁBULO-MOR DA IGREJA; ......... 58
FIGURA 21 – S. BERNARDO RECEBIDO NA ORDEM E A MORTE DE S. BERNARDO, 1738, DIOGO TEIXEIRA;
.......................................................................................................................................................... 61
FIGURA 22 – LACTATIO E EL AMPLEXUS, 1738, ANDRÉ GONÇALVES; ..................................................... 63
FIGURA 23 – S. JOÃO E S. LUCAS, 1738, ANDRÉ GONÇALVES; ................................................................. 65
FIGURA 24 – S. MATEUS E S. MARCOS, 1738, ANDRÉ GONÇALVES; ........................................................ 66
FIGURA 25 – PLANTA DE IDENTIFICAÇÃO DOS ALTARES DISTRIBUÍDOS PELA NAVE NA IGREJA; ................ 68
FIGURA 26 – ALTAR DA RAINHA SANTA, 1718, NAVE DA IGREJA; ............................................................ 70
FIGURA 27 – TÚMULO DA RAINHA ST.ª MAFALDA, (S.D.), JOSÉ FRANCISCO PAIVA; ................................ 71
FIGURA 28 – PORMENOR DO ALTAR DA RAINHA ST.ª MAFALDA, (S.D.), JOSÉ FRANCISCO PAIVA; ........... 71
FIGURA 29 – BRASÃO DE D. MAFALDA, PORMENOR NO TÚMULO DA RAINHA, JOSÉ FRANCISCO PAIVA; . 72
FIGURA 30 – ALTAR DE S. BARTOLOMEU, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; .................................... 73
FIGURA 31 – ALTAR DE S. BARTOLOMEU, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; .................................... 74
FIGURA 32 –S. BARTOLOMEU, PORMENOR DO ALTAR, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; .................. 75
FIGURA 33 – ALTAR DE S. BENTO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ............................................... 76
FIGURA 34 – ALTAR DE S. BENTO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ................................................ 77
FIGURA 35 – ALTAR DE S. BERNARDO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ......................................... 79
FIGURA 36 – ALTAR DE S. BERNARDO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ......................................... 80
FIGURA 37 – ALTAR DO CALVÁRIO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; .............................................. 81
FIGURA 38 – ALTAR DO CALVÁRIO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; .............................................. 82
FIGURA 39 – ALTAR DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO, 1741, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ..................... 83
FIGURA 40 – ALTAR DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, SÉC. XVIII; ....................................................... 85
FIGURA 41 – ALTAR DA IMACULADA CONCEÇÃO DA VIRGEM, SÉC. XVIII; ............................................. 87
FIGURA 42 – S. JOSÉ COM O MENINO, SACRISTIA DO LADO DO EVANGELHO; ............................................ 90
FIGURA 43 – S. BENTO DE NÚRSIA, SACRISTIA DO LADO DO EVANGELHO; ............................................... 91
FIGURA 44 – S. BERNARDO DE CLARAVAL, SACRISTIA DO LADO DO EVANGELHO; .................................. 92
FIGURA 45 – A VIRGEM DA TERNURA, SACRISTIA DO LADO DO EVANGELHO; .......................................... 93
FIGURA 46 – TEMA MARIANO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ........................................................... 94
FIGURA 47 – TEMA MARIANO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ........................................................... 95
FIGURA 48 – A FUGA PARA O EGITO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ................................................. 96
FIGURA 49 – JESUS NO MONTE DAS OLIVEIRAS, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ................................ 97
FIGURA 50 – A FLAGELAÇÃO DE CRISTO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; .......................................... 98

9
FIGURA 51 – A COROAÇÃO DE CRISTO COM ESPINHOS, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ..................... 99
FIGURA 52 – CRISTO CARREGA A CRUZ ATÉ AO CALVÁRIO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ............. 100
FIGURA 53 – CRISTO CRUCIFICADO, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ............................................... 101
FIGURA 54 – MARIA MADALENA, PENITENTE, SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ................................. 102
FIGURA 55 – S. JERÓNIMO, PENITENTE, PINTURA NA SACRISTIA DO LADO DA EPÍSTOLA; ........................ 103
FIGURA 56 – ALTAR DO ECCE HOMO, 1730, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ......................................... 105
FIGURA 57 – ALTAR DO ECCE HOMO, 1730, MIGUEL FRANCISCO DA SILVA; ......................................... 106
FIGURA 58 – ALTAR DE S. BERNARDO, SÉC. XVIII, (A.D.); .................................................................... 107
FIGURA 59 – ALTAR DE S. BERNARDO, SÉC. XVIII, (A.D.); .................................................................... 108
FIGURA 60 – EL AMPLEXUS E LACTATIO, SÉC. XVIII, (A.D.); ................................................................ 109
FIGURA 61 – ALTAR DE S. BENTO, 1743, JOSÉ DA FONSECA E LIMA; ..................................................... 110
FIGURA 62 – ALTAR DE S. BENTO, 1743, JOSÉ DA FONSECA E LIMA; ..................................................... 111
FIGURA 63 – ALTAR DA Nª SR.ª DO ROSÁRIO, C. 1680, (A.D.); ................................................................ 113
FIGURA 64 – ALTAR DA Nª SR.ª DO ROSÁRIO, PORMENOR DO PANO INTERMÉDIO; .................................. 114
FIGURA 65 – MEDALHÕES RETRATANDO A COROAÇÃO DE ESPINHOS E A FLAGELAÇÃO DE CRISTO,
PORMENOR DO ALTAR DA Nª SR.ª DO ROSÁRIO; ............................................................................... 115
FIGURA 66 –ALTAR DO SENHOR DOS PASSOS, 1731, (A.D.); ................................................................... 116
FIGURA 67 – MEDALHÕES RELEVADOS COM AS ESTAÇÕES DA VIA CRUCIS; .......................................... 117
FIGURA 68 – MEDALHÕES RELEVADOS REPRESENTANDO S. PEDRO E MARIA MADALENA; .................... 118
FIGURA 69 – ALTAR DA Nª SR.ª DAS DORES, 2ª METADE DO SÉC. XVIII; ................................................ 119
FIGURA 70 – MOSTRUÁRIO COM A Nª SR.ª DAS DORES; .......................................................................... 120
FIGURA 71 – PORMENOR DO COROAMENTO DO ALTAR DA Nª SR.ª DAS DORES; ...................................... 121
FIGURA 72 – MEDALHÕES RELEVADOS COM AS ARMA CHRISTY; ........................................................... 122
FIGURA 73 – ALTAR DO MENINO JESUS, 2ª METADE DO SÉC. XVIII, (A.D.); ........................................... 123
FIGURA 74 – ALTAR DA NOSSA SENHORA DAS NEVES, 2ª METADE DO SÉC. XVIII (A.D.); ...................... 125
FIGURA 75 – NOSSA SENHORA DAS NEVES, PORMENOR DO NICHO CENTRAL DO ALTAR; ....................... 126
FIGURA 76 – ALTAR DA PIETÁ, 1732, (A.D.); .......................................................................................... 129
FIGURA 77 – ALTAR DA PIETÁ, 1732, (A.D.); .......................................................................................... 130
FIGURA 78 – ALTAR DA COROAÇÃO DA VIRGEM, SÉC. XVIII, (A.D.); .................................................... 133
FIGURA 79 – COROAÇÃO DA VIRGEM, PORMENOR DO NICHO CENTRAL; ................................................. 134
FIGURA 80 – S. JOSÉ E S. CATARINA DE ALEXANDRIA, PORMENOR DOS NICHOS DO ALTAR; .................. 135
FIGURA 81 – SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, SÉCULO XVIII, (A.D); ....................................................... 137
FIGURA 82 – SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................................................... 138
FIGURA 83 – A ÚLTIMA CEIA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ............................................................................. 139
FIGURA 84 – O LAVA-PÉS, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................................................................................. 140
FIGURA 85 – S. BERNARDO E S. GERARDO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................ 141
FIGURA 86 – SANTA UMBELINA E S. BERNARDO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ............................................... 142
FIGURA 87 – NATIVIDADE DE MARIA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ................................................................ 143
FIGURA 88 – NATIVIDADE DE JESUS, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................................................................. 144
FIGURA 89 – S. JOSÉ COM O MENINO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ................................................................. 145
FIGURA 90 – SÃO CRISTÓVÃO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ............................................................................ 146
FIGURA 91 – A ENTRADA DA D. MAFALDA NO MOSTEIRO, SÉCULO XVIII, (S.D.); ................................. 147
FIGURA 92 – A VINDA DE D. MAFALDA PARA AROUCA, SÉCULO XVIII, (S.D.); ...................................... 148
FIGURA 93 – NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ................................................. 149
FIGURA 94 – NOSSA SENHORA DO PILAR, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................... 150
FIGURA 95 – RAINHA MAFALDA LANÇA O HÁBITO ÀS RELIGIOSAS, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................... 151
FIGURA 96 – A MORTE DA RAINHA SANTA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................ 152
FIGURA 97 – SANTO ANTÓNIO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................................... 153
FIGURA 98 – SÃO MARÇAL, SÉCULO XVIII, (A.D.); ................................................................................ 154
FIGURA 99 – O BATISMO DE CRISTO, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................................................................. 155
FIGURA 100 – EPIFANIA, SÉCULO XVIII, (A.D.); .................................................................................... 156
FIGURA 101 – A SAMARITANA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................................... 157
FIGURA 102 – SÃO ROBERTO DE MOLESMES, SÉCULO XVIII, (A.D.); ..................................................... 158
FIGURA 103 – SANTA MARIA EGIPCÍACA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................................... 159
FIGURA 104 – A ADÚLTERA, SÉCULO XVIII, (A.D.); .............................................................................. 160
FIGURA 105 – A CONVERSÃO DE S. PAULO, SÉCULO XVIII, (A.D.); ....................................................... 161
FIGURA 106 – CONVERSÃO DE MARIA MADALENA, SÉCULO XVIII, (A.D.); ........................................... 162

10
FIGURA 107 – S. BENTO E S. FRANCISCO DE ASSIS, SÉCULO XVIII, (A.D.); ............................................ 164
FIGURA 108 – SÃO BERNARDO E SANTO AMARO, SÉCULO XVIII, (A.D.); .............................................. 164
FIGURA 109 – CONSOLA DO ÓRGÃO, VISTA DA TRIBUNA, 1743, MANUEL BENITO HERRERA; ................ 165
FIGURA 110 – ÓRGÃO IBÉRICO, VISTA DA TRIBUNA, 1743, MANUEL BENITO HERRERA; ........................ 166
FIGURA 111 – PORMENOR DA CONSOLA DO ÓRGÃO; ............................................................................... 168
FIGURA 112 – PINTURA CHINOISERIE NA CONSOLA DO ÓRGÃO, TEMA DA CAÇA; ................................... 169
FIGURA 113 – PINTURA CHINOISERIE NA CONSOLA DO ÓRGÃO, TEMA BUCÓLICO; ................................. 169
FIGURA 114 – SANTA CECÍLIA A TOCAR O ÓRGÃO, PINTURA NA CONSOLA DO ÓRGÃO; ......................... 170
FIGURA 115 – SANTA CECÍLIA A TOCAR O ÓRGÃO, PORMENOR DA PINTURA NA CONSOLA; .................... 170
FIGURA 116 – SÃO ROBERTO E A VIRGEM, ESCULTURAS NA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ....... 172
FIGURA 117 – ARCANJO GABRIEL E SÃO GERARDO, ESCULTURAS NA NAVE DA IGREJA, 1723-1725,
JACINTO VIEIRA; ............................................................................................................................. 173
FIGURA 118 – SÃO ALBÉRICO, E SÃO THOMAS DE CANTUÁRIA, ESCULTURAS DA NAVE DA IGREJA, 1723-
1725, JACINTO VIEIRA; .................................................................................................................... 173
FIGURA 119 – SÃO GUILHERME E SÃO BERNARDO, ESCULTURAS DA NAVE DA IGREJA, 1723-1725,
JACINTO VIEIRA; ............................................................................................................................. 174
FIGURA 120 – SÃO ESTEVÃO E SÃO MALACHIAS, ESCULTURAS DA NAVE DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO
VIEIRA; ............................................................................................................................................ 175
FIGURA 121 – SANTA LEOGARDA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ....... 177
FIGURA 122 – SANTA ALDEGUNDA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; .... 178
FIGURA 123 – SANTA HEDWIGA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ......... 179
FIGURA 124 – SANTA GERTRUDES, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ..... 180
FIGURA 125 – SANTA ESCOLÁSTICA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; .. 181
FIGURA 126 – SANTA JULIANA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ........... 182
FIGURA 127 – SANTA UMBELINA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ....... 183
FIGURA 128 – SANTA FRANÇA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ........... 184
FIGURA 129 – SANTA MAFALDA, ESCULTURA NO CORO DA IGREJA, 1723-1725, JACINTO VIEIRA; ....... 185

11
Índice de Abreviaturas e Siglas


CMA ................................................................................... Câmara Municipal de Arouca
RIRSMA .......................................................... Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda
ESA ..................................................................................... Escola Secundária de Arouca
IPP ....................................................................................... Instituto Politécnico do Porto
INATEL............................ Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres




























12
Introdução

O meu interesse pela Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Arouca partiu da minha
proximidade ao mesmo, motivada por um enorme fascínio e curiosidade relativamente ao
riquíssimo espólio existente no seu interior que urge ser dissecado. Assim, o presente
estudo prende-se com a vontade de contribuir para o saber e reconhecimento de todas as
áreas artísticas presente no interior da Igreja. Surge, sobretudo, como resultado de uma
investigação efetuada ao longo deste último ano letivo, no decorrer do estágio que realizei
na Irmandade Rainha Santa Mafalda, a qual mantem a seu encargo o Museu de Arte
Sacra, inserido nos espaços deste antigo Mosteiro. Numa investigação subjacente ao
estudo da arte religiosa, é necessário conhecer em profundidade o objeto de estudo e, é
nessa perspetiva, que este estágio se revelou indispensável para a tomada de consciência
das potencialidades e fragilidades deste espaço-memória.
Na História da Arte, as fontes documentais caminham lado a lado com os objetos,
verdadeiras fontes primárias reivindicando a sua leitura, traduzindo conhecimentos
técnicos e estéticos epocais que precisam de nós, investigadores e historiadores de arte,
para serem desvelados. Assim, à procura de estabelecer a relação intrínseca entre a fé e a
imagem, proponho, com este relatório, uma análise e interpretação dos espaços deste
mosteiro e da arte que os ocupa, estabelecendo vínculos com as fontes textuais, que tão
grandes influências exerceram na execução dos seus programas iconográficos. Desde os
riquíssimos altares de talha dourada, às pinturas e às esculturas, passíveis de serem
interpretadas e interligadas em circuitos religiosos. Portanto, grande parte do relatório
dedica-se à análise iconográfica dos objetos artísticos e respetiva contextualização, a fim
de compreendermos o seu poder no que diz respeito à ambientação dos espaços onde se
inserem, justificando a sua escolha na cronologia em estudo. Para dar resposta a este
propósito, alguns objetivos foram traçados:

1. Observar, registar, analisar e interpretar os espaços e a arte, profundamente


organizados em torno da figura da Rainha Santa Mafalda, modelo de
virtude para as religiosas.
2. Desenvolver um circuito de visita para a Igreja do Mosteiro, até hoje
excluída das visitas guiadas proporcionadas pela RIRSMA, orientada para
uma melhor compreensão das artes no espaço religioso e respetivos
programas iconográficos;
13
3. Concretização de um guia iconográfico, procurando identificar o discurso
ideológico em torno das imagens e talha que as ambienta, traçando um
trilho interpretativo para os que visitam a igreja do Mosteiro.

À procura de uma metodologia que fundamentasse as conjeturas relativamente


aos objetos artísticos, não descurando a necessidade de parâmetros de apreciação
diferenciados para áreas artísticas distintas, a leitura de alguns autores tornou-se
imprescindível para a contextualização dos mesmos, na sua cronologia. A investigação
contou com o privilégio de fundamentar os meus textos com estudos recentes e de
primeira ordem, nomeadamente a obra O Mosteiro de Arouca, Do século X ao século XIII
(1988), de Maria Helena da Cruz Coelho e a tese de doutoramento do professor Manuel
Joaquim Rocha, já publicada, A Memória de um Mosteiro, Santa Maria de Arouca,
(Séculos XVII- XX). Das Construções e Reconstruções (2010), tendo constituído ambos
o ponto de partida para o meu estudo.
A fim de identificar algumas abordagens sobre temáticas mais específicas, foram
consultados autores como D. Domingos de Pinho Brandão, com o riquíssimo espólio da
sua biblioteca, em parte dedicado ao estudo da Obra de talha dourada, ensamblagem e
pintura na cidade e na diocese do Porto: Subsídios para o seu estudo (1985), Vítor Serrão
com Estudos de Pintura maneirista e barroca (1989), Duas ignoradas pinturas de mestre
Diogo Teixeira no Mosteiro de Santa Mafalda de Arouca (1993), publicado na Revista
Poligrafia e ainda O Retábulo de D. Lopo de Almeida e a atividade do pintor maneirista
Diogo Teixeira na Misericórdia do Porto (1590-1592), (s.d.). As obras de Natália
Marinho Alves, A Escola da Talha Portuense e a sua influência no norte de Portugal
(2001), e Pintura, Talha e Escultura (Séculos XVII e XVIII) no Norte de Portugal (2003),
foram a base para algumas das minhas análises deste âmbito.
Erwin Panofsky, na sua obra Estudos sobre iconologia (1995), refere que na obra
de arte entram três ingredientes diversos: 1. Forma encarnada em matéria; 2. Ideia, isto
é, assunto, nas artes visuais e 3. Conteúdo intrínseco. Assim, a necessidade de identificar
o discurso ideológico em torno das imagens levou-me a considerar o método iconográfico
e iconológico de Panofsky como mais adequado para as desvelar. Não sendo o único a
debruçar-se sobre o tema, o seu método revela-se ainda muito útil, embora sujeito a novas
abordagens. Foram consultados alguns investigadores de renome como Juan Carmona
Muela, com a sua obra Iconografia Cristiana (1998) e Iconografia de los Santos (2008)

14
e ainda Louis Réau com a sua incontornável obra Iconografia del Arte Cristiano (1996),
oferecendo-nos uma dissecação dos repertórios iconográficos na arte ocidental e oriental.
O estudo da origem das temáticas carece também de um estudo dos textos
sagrados, dos Evangelhos Apócrifos e autores da patrística, sem esquecer a literatura
mística que foi bebida de inspiração para tantos conteúdos representados na envolvente
litúrgica como La Leyenda Dorada (1996) de Santiago de la Voragine, com uma fusão
entre história e lenda, espiritualidade e materialidade.
Em termos estruturais, o objeto de estudo é aqui ordenado com base nas partes
constituintes da Igreja e Coro, organizados num total de seis capítulos, facilitando a
organização e leitura de conteúdos. No primeiro capítulo, apresenta-se a Real Irmandade
da Rainha Santa Mafalda (RIRSMA), instituição na qual estagiei, seguindo-se as
respetivas atividades desenvolvidas no setor educativo e cultural da instituição. O
segundo capítulo contextualiza o antigo Mosteiro de Arouca no tempo e no espaço,
oferecendo um panorama geral desde a fundação à atualidade. O terceiro capítulo
contempla a análise dos objetos artísticos presentes na igreja, com base nas suas partes
constituintes: a Capela-mor, desde o antigo retábulo com as pinturas de Diogo Teixeira à
monumental máquina retabular atual, terminando nas pinturas de André Gonçalves nos
alçados laterais; e a Nave, desenvolvendo um estudo iconográfico dos altares e da talha
que os envolve, seguindo a ordem do circuito de visita que propus realizar. As sacristias,
são uma extensão do altar, onde se inicia e encerra o ritual litúrgico, merecendo, assim, o
quarto capítulo. Segue-se o quinto capítulo, correspondente ao Coro, partindo de uma
análise dos altares das galerias a Norte e Sul, passando pelos espaldares de talha e
respetiva pintura na Nave, concluindo com a análise do majestoso órgão ibérico. O sexto
capítulo encerra o desenvolvimento deste estudo, sendo dedicado às esculturas de Jacinto
Vieira, distribuídas em nichos pela nave e coro da igreja.
O entendimento deste antigo mosteiro, enquanto residência monástica cisterciense
e sobretudo feminina, assisou a minha pesquisa, impulsionada pela carência de estudos
acerca do tema dos mosteiros femininos, que só muito recentemente se tem vindo a
desenvolver. Embora as fontes primárias tenham sido o ponto de partida para as minhas
análises, foi necessária uma pesquisa pelos assuntos que tem vindo a ser desenvolvidos
acerca deste espaço e da sua envolvente litúrgica, proporcionando-me um embasamento
teórico que sustentasse as minhas convicções. Assim, e reconhecendo as contribuições da
pesquisa na constituição da minha investigação, alguns autores foram dissecados por se
debruçarem sobre a história do Mosteiro de Arouca e já referidos acima: Maria Helena
15
Coelho, O Mosteiro de Arouca do século X ao século XIII (1988) e Manuel Joaquim
Rocha, A Memória de um Mosteiro, Santa Maria de Arouca, Das Construções e
Reconstruções (2010) que, embora se incline para o estudo da arquitetura, apresenta já
uma compreensão do objeto artístico associado ao encomendante, ao produtor e à sua
finalidade.
Contudo, deparei-me com uma análise diminuta dos objetos artísticos integrados
na igreja e respetivas sacristias, muito aquém do que merecem verdadeiramente. No coro,
poucos souberam valorizar o quadro primoroso que lhe assiste, tendo sido alvo de estudo
por parte de Ana Cristina Sousa, que interpreta as pinturas dos espaldares considerando
uma leitura iconográfica, tendo em conta o usufruto do local por parte das monjas e a sua
componente pedagógico-religiosa, no estudo O coro do Mosteiro de Santa Maria de
Arouca: uma leitura iconográfica (2015). Contudo, à maior parte dos objetos artísticos
faltavam alguns títulos, autores, datações e descrições detalhadas, que permitissem
valorizar ainda mais o seu conteúdo, pois tal como refere Manuel Rocha, na sua
incontornável obra (...) o silêncio que vivêramos no interior do Mosteiro parecia ter
continuidade nessas fontes primárias.1

1
ROCHA, 2010: 29;
16
1. CAPÍTULO I – Estágio no Museu de Arte Sacra de Arouca

1.1 – A Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda (RIRSMA)

A Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda, instituição de direito privado sediada


em Arouca, foi fundada em 1886, logo após a morte da última professa, residente no
Mosteiro de Arouca.2 Assim, o abandono e a degradação dos espaços monasteriais eram
já uma inevitabilidade. Prevendo este desfecho e receando a consequente retirada e
dispersão do espólio artístico por parte do Estado, alguns cidadãos arouquenses tomaram
a iniciativa de criar uma instituição, com o objetivo de zelar pela salvaguarda, preservação
e valorização do património, necessários à sua projeção cultural e científica.3 O empenho
da população arouquense na criação desta associação religiosa, procurou não só dar
continuidade ao culto da Rainha Santa4, mantendo-o viva na memória dos Arouquenses,
como também reter, em sua posse, o espólio do mosteiro, acumulado ao longo de séculos.
Logo em 1886, aquando da fundação da Real Irmandade, solicitaram ao príncipe D. Luís,
que se declarasse juiz perpétuo da mesma, invocando, de forma implícita, a proteção
régia.5 Com efeito, em Junho de 1889, a tutela e administração do espólio é entregue à
Real Irmandade, principal impulsionadora da fundação do Museu.6 Com a sua génese em
1934, foi inaugurado na mesma década7, encontrando-se inserido nos espaços do antigo
Mosteiro, com acesso pelo Largo de Santa Mafalda.
Em Junho de 1910, o edifício monástico constituído pelo coro, claustro,
dormitórios e cerca, é elevado à categoria de Monumento Nacional pelo regime
republicano. Várias foram as propostas do poder central para a ocupação dos espaços,
levando à cedência dos mesmos ao Instituto Salesiano para a instalação de um Colégio,
que aí permaneceu até 1982. Entre a década de 30 e a de 60 foram realizadas campanhas
de reconstrução de algumas estruturas do mosteiro, dirigidas pela DGEMN. Na
atualidade, alguns espaços encontram-se musealizados, contudo, prevê-se a utilização da
ala sul, correspondente ao antigo celeiro e dormitórios, assim como o espaço a sul da
cerca monástica, onde se localizava a enfermaria e botica, para implementação de um

2
DIAS, 2000: 16;
3
Artigo 3º do Regulamento Interno do Museu: 2018;
4
Artigo 3º do Regulamento Interno do Museu: 2018;
5
VEIGA, 2005: 41;
6
DIAS, 2000: 16;
7
DIAS, 2000: 16;
17
empreendimento turístico com vista a uma unidade hoteleira de qualidade.8 A nova
valência dos espaços constituirá um modo de convivência harmoniosa e de respeito para
com a história e memória do edifício, evitando a sua degradação e perda através da fruição
plena dos espaços.
Atualmente, o complexo monasterial de Arouca apresenta alguns dos seus espaços
musealizados que fazem parte do circuito de visitas nomeadamente o claustro, a cozinha,
a sala do capítulo, o coro da igreja e ainda o Museu propriamente dito, ocupando a ala
oeste do complexo monástico.

1.2 – Espaços musealizados e o Espólio do Museu – A exposição


permanente

Atualmente, o complexo monasterial de Arouca apresenta alguns dos seus espaços


musealizados que fazem parte do circuito de visitas nomeadamente o claustro, a cozinha,
a sala do capítulo, o coro da igreja e ainda o Museu propriamente dito, ocupando a ala
oeste do complexo monástico.
A qualidade do espólio que constitui a coleção museológica é justificada pelo
estrato social das religiosas que viviam neste mosteiro, que procuravam os melhores
artistas para dar resposta às suas encomendas. Do século XII ao século XVIII, as peças
expostas no museu constituem uma das mais completas coleções monásticas portuguesas
in loco, passando pela pintura, escultura, ourivesaria, mobiliário, representativos da
grandeza do panorama artístico nacional.
Ostenta um acervo pictórico de entre os finais do século XV a meados do século
XVIII, contemplando as suas mais importantes fases estilísticas, desde o Gótico ao
Renascimento, do Maneirismo ao Barroco enaltecendo a figura de ilustres pintores
portugueses como Diogo Teixeira, António de Oliveira Bernardes, Bento Coelho da
Silveira, André Gonçalves e outras, de traço mais ingénuo e cujo autor se desconhece,
mas que merecem destaque pela mensagem que transmitem apesar da ausência de rigor
técnico. Relativamente à coleção escultórica do museu, esta destaca-se como um dos
setores mais ricos e diversificados, permitindo traçar um percurso pela evolução da
imaginária nacional sobretudo a partir dos finais da Idade Média, quando a comunidade
de religiosas passou a endereçar, preferencialmente, as suas encomendas para as oficinas

8
CADERINO REVIVE: 2018: 13;

18
de Coimbra, até ao século XVIII. A coleção de mobiliário conta essencialmente com
peças da lavra nacional e cuja cronologia varia entre os séculos XVI e XIX, considerando
que a região de Arouca desfrutou de uma forte tradição no lavor da madeira. Destaque-se
sobretudo as peças de mobiliário que faziam parte do enxoval das noviças que
ingressavam no mosteiro e que revelam qualidades e caraterísticas diversas. Dispostas,
cronologicamente, pelos espaços do museu, estão oratórios, cómodas, papeleiras,
cadeiras de palhinha, entre outros, que compunham o seu enxoval. A coleção apresenta
ainda algum mobiliário civil dos séculos XVII e XVIII como arcas e baús de madeira e
couro, cadeiras de braços, um contador, secretárias com gavetas e ainda uma cadeira
abacial com faldistório e uma mesa de sacristia de elaborada conceção. Existe ainda uma
sala dedicada exclusivamente à prataria, expondo os metais mais preciosos que estariam
ao serviço do divino. Esta coleção, embora com um menor número de peças relativamente
às anteriores, mostra-nos alguns exemplares representativos do trabalho de ourives
portugueses, em épocas distintas. Destaque-se um díptico-relicário, datável dos
primórdios do século XIII e que se diz ter pertencido à Rainha D. Mafalda. Apresenta
magníficos relevos narrativos como a Anunciação nas faces exteriores e um Calvário no
interior do volante esquerdo. Conta ainda com alguma prataria, utilizada no decorrer das
cerimónias litúrgicas nomeadamente turíbulos, navetas, coroas que eram colocadas nos
santos e as próprias cruzes processionais.
Para além de todo o espólio patente no Museu, existem muitas outras peças
dispersas pelos espaços do mosteiro, umas de autor desconhecido, outras provenientes de
escolas regionais e até algumas de traço mais ingénuo, mas que valem pelo seu conteúdo
iconográfico e que aguardam a nossa atenção e estudo enquanto historiadores de arte.
O destino que a Irmandade ofereceu ao património material e imaterial do
Mosteiro de Arouca, após a sua extinção, é de facto exemplar e de grande relevo a nível
nacional pois possibilita, ainda hoje, o usufruto de uma coleção de enorme valor cultural
e artístico, mantendo-o no local que lhe confere a extensão plena do seu significado e
afeto.
Considerando os espaços musealizados e o espólio disponível no Museu, é
importante mencionar os circuitos de visita disponíveis para aqueles que visitam este
mosteiro: a visita parcial, que inclui um circuito menor feito sem qualquer guia-intérprete
e que disponibiliza apenas três espaços para visitação nomeadamente o claustro, a cozinha
e a sala do capítulo; e a visita integral, de circuito maior, com a duração de 40 minutos e
conduzida por um guia. A última, integra não só os espaços acima referidos como também
19
inclui o acesso ao coro da igreja do mosteiro, passando pelas galerias laterais do mesmo
e seguindo para o Museu de Arte Sacra.
A visita integral tem inicio no claustro, um espaço aberto onde estão expostos
alguns painéis referentes à fundação do cenóbio, à história do edifício e ainda algumas
descrições introdutórias e romantizadas dos espaços aos quais o claustro dá acesso.
Segue-se a cozinha, articulada com o refeitório, embora este último seja apenas visível a
partir de um pequeno postigo da cozinha. Voltando novamente ao claustro, entra-se na
Sala do Capítulo onde está exposta uma réplica da cadeira abacial e os bancos das monjas
dispostos de um e outro lado da mesma. Ainda nesta sala, apresenta-se uma série de
painéis azulejares que ocupam um terço da zona parietal, datados do século XVIII e da
autoria de Silva Carvalho. Com ligação a partir do claustro, a visita continua pela galeria
Sul de acesso ao coro da igreja onde existem três retábulos de invocações distintas,
datados do século XVIII e inteiramente revestidos em talha dourada. Chegando ao coro
da igreja, que foi continuamente enriquecido no decorrer da primeira metade do século
XVIII, o visitante dispõe de uma nascente artística, desde o imenso cadeiral com assentos
em pau-preto aos espaldares preenchidos com religiosas pinturas narrativas de temática
cristológica, mariológica e sobre a vida da Rainha D. Mafalda. É ainda possível observar
o conjunto escultórico de Jacinto Vieira, um universo de representações femininas9,
representando santas de hábito cisterciense e ainda o majestoso órgão ibérico. A saída do
coro é feita pela entrada poente de acesso ao mesmo e subindo as escadas a norte, os
visitantes são conduzidos ao Museu de Arte Sacra.
Crê-se igualmente pertinente apresentar o espaço destinado ao Museu, a área
expositiva que é disponibilizada para a exposição permanente – inserida no espaço
correspondente a um antigo dormitório, no segundo piso da ala oeste. O espaço do museu
conta com oito salas correspondentes às antigas celas das monjas, que sofreram algumas
alterações para facilitar a organização da exposição. As peças estão dispostas pelas salas
e pelos dois corredores de acesso às mesmas, sendo que cada sala abriga uma cronologia
diferente à exceção dos corredores e da penúltima sala de exposição. Esta, dedicada à
prataria, exibe peças datadas entre os séculos XII e XVIII relacionadas, em parte, com as
cerimónias litúrgicas e ainda alguns relicários e pertences pessoais das monjas.

9
ROCHA, 2010: 349;


20
1.3 – Estágio nos Serviços Educativos – Atividades Desenvolvidas

O estágio, de natureza curricular, foi realizado no Museu de Arte Sacra, nas


instalações do antigo Mosteiro de Arouca, tendo o presente relatório o objetivo de reportar
toda a atividade desenvolvida durante o mesmo. O estágio foi realizado nos serviços
educativos do Museu, área da responsabilidade da Dr.ª Adelaide Peres e da Dr.ª Angelina
Noites. Foi concretizado em ambiente de trabalho normal, onde realizei as atividades
diárias da instituição. Contudo, o meu primeiro contacto com os espaços monasteriais
deu-se previamente ao estágio não só pela minha proximidade e afinidade ao local, mas
sobretudo porque surgiu a oportunidade de iniciar esta etapa em regime de voluntariado,
com início a 9 de Julho de 2019 prolongando-se até 30 de Agosto do mesmo ano. O
voluntariado foi, sem dúvida, o ponto de partida da minha investigação. Apesar de não
constituir uma obrigação, eu optei por regularizar o meu contacto com os espaços estando
presente nos dias úteis e alguns fins-de-semana. Privilegiei desde logo o contacto direto
com os espaços e sobretudo com os objetos artísticos, enquanto fontes primárias para o
estudo a que me propunha. Comecei por trabalhar no atendimento ao público, presencial
e telefónico, nomeadamente na marcação de visitas guiadas e esclarecimento do público
relativamente às questões de logística do Museu. Inicialmente sugeri a minha presença
nas visitas guiadas que iam decorrendo, onde aproveitei para fazer alguns registos sobre
os assuntos abordados em cada um dos espaços musealizados.
As visitas eram realizadas pela D. Teresa Silva, que acompanhou de perto o meu
envolvimento com os espaços museológicos, mas também por estagiárias da Escola
Secundária de Arouca com formação profissional na área de Turismo. A minha presença
e acompanhamento nas visitas foi imprescindível para perceber quais eram as fragilidades
do espaço museológico, quer na sua organização quer na orientação das visitas e
comunicação com o público. Nesse sentido, compreender as necessidades e espectativas
dos diferentes públicos, individuais e coletivos, tornou-se uma das minhas preocupações.
Da assistência à orientação de visitas o caminho foi quase imediato e teve continuidade
no período de estágio.
Com início a 17 de Setembro de 2019, o estágio foi concluído a 13 de Fevereiro
de 2020, com 350 horas de trabalho cumpridas de acordo com o horário de funcionamento
das instalações do Museu, em dias úteis: de terça a sexta, das 10:30h às 17:30h. Porém, o
funcionamento normal do museu decorre de terça a domingo pelo que também trabalhei
vários fins-de-semana. O estágio foi supervisionado pelo atual juiz da RIRSMA, Dr.
21
Carlos Brito, que desde logo se prontificou a disponibilizar toda a informação necessária
à minha pesquisa e concedendo autorização para percorrer livremente os espaços deste
antigo cenóbio.
As atividades desenvolvidas referidas em regime de voluntariado tiveram
continuidade em contexto de estágio. Para além do atendimento ao público, marcação e
orientação das visitas, fiquei responsável pela contagem do stock de venda de livros e
souvenirs do ano de 2019, assim como auxiliei na organização da lista de irmãos que
fazem parte da Real Irmandade. Esta tarefa integrou a atualização de dados e a
confirmação do pagamento de cotas de cada um dos irmãos, assim como fazer o registo
daqueles cujas cotas estavam ainda por regularizar.
Contudo, o estágio foi direcionado sobretudo para a realização de visitas guiadas,
que realizei em português e em inglês, seguindo o circuito pré-definido pelo Museu. Para
o registo diário de visitas, optei por utilizar a aplicação Calendário, do Macbook, que me
permitiu não só fazer a contagem das horas que trabalhei por dia com a anotação das
visitas e respetivo feedback, assim como o registo das questões que me iam sendo
colocadas no decorrer das mesmas. Note-se que durante os meses de Verão a afluência
de pessoas é muito maior pelo que se tornou impossível contabilizar o número total de
visitas que realizei quer em regime de voluntariado quer durante o estágio. As visitas
eram constantes e, por vezes, não permitiam intervalos entre cada uma delas. Em média,
por dia, eu realizava cerca de cinco visitas, embora aos fins-de-semana os grupos
abrangessem um maior número de pessoas. Desta forma, o estágio revelou-se um trabalho
prático e de atividade intensa exigindo, da minha parte, uma enorme destreza, capacidade
de comunicação e adaptação, mas também alguma maturidade emocional. Recebi pessoas
de diferentes nacionalidades, desde espanhóis, ingleses, franceses e até italianos, no
entanto a maioria foram, sem dúvida, portugueses provenientes de várias regiões do país.
Relativamente ao público, este apresentou-se diversificado, abrangendo visitas
individuais e coletivas desde grupos familiares e particulares em contexto de empresa, ao
público infantil e estudantil de diversas idades. O destaque vai para os grupos seniores
em excursões e visitas por parte da INATEL. Em alguns destes casos, o número de
pessoas era demasiado grande (máximo de 80 pessoas) para ser guiado por uma pessoa
só, pelo que o grupo era dividido em dois e a visita era orientada por mim e pela D. Teresa.
Tive ainda a oportunidade de realizar uma visita orientada para os alunos do Curso
Técnico Superior Profissional de Turismo e Informação Turística, acolhido pela ESA,
numa parceria entre a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do IPP e a CMA. A visita
22
foi concretizada no âmbito da unidade curricular de História de Portugal lecionada pela
Prof.ª Teresa Mendes que me fez, diretamente, um pedido especial para que fosse eu a
conduzir a visita que havia programado com os seus alunos.
A visita foi monitorizada pelo meu supervisor, Dr. Carlos Brito. No entanto, em
momento algum senti que estava a ser alvo de algum tipo de avaliação pois, a certa altura,
eu e o Dr. Carlos estávamos a reforçar a informação um do outro. Atendendo ao tipo de
público, procurei introduzir uma dinâmica diferente, mais descontraída e que fosse de
encontro às matérias que estavam a ser lecionadas no momento. Promovi a discussão
dirigida e a descoberta orientada, sobretudo no que diz respeito aos objetos artísticos, ou
seja, questionando e interagindo com os alunos. Esta visita foi muito enriquecedora para
mim. Apercebi-me que mais importante do que usar um modelo passivo de comunicação,
no qual os alunos ouvem tudo aquilo que eu tenho para dizer, é muito mais enriquecedor
a utilização de um modelo participativo. Uma questão, hipótese levantada ou um desafio
colocado aos alunos é, muitas vezes, o “gatilho” para captar a sua atenção e estimular a
vontade de saber.
Em geral, dependendo do público-alvo, as visitas eram direcionadas para a
componente histórico-social do Mosteiro ou, numa vertente mais específica, para os
objetos artísticos, sendo que ambas exigiam que se fizesse um contexto histórico. O
público sénior interessou-se mais pela componente histórica, relacionada com a vida da
D. Mafalda enquanto Rainha, monja e Santa, mas também com o quotidiano das monjas.
O total de religiosas albergadas e os respetivos enxovais, juntamente com a questão da
clausura, estavam entre os temas mais debatidos entre eles. O público estudantil e adulto,
individual e coletivo, demonstrou um grande interesse pelos espaços exteriores, dentro
da cerca monástica, mas também pela componente artística do mosteiro e a coleção do
Museu. O meu particular interesse pelos estudos da imagem levou a que orientasse as
visitas nesse sentido, verificando uma grande abertura do público para a hagiografia e
para as questões relacionadas com a iconografia e iconologia das imagens. Muito mais
do que conhecer a história do edifício e as funcionalidades de cada espaço, o público
queria perceber o porquê de determinadas representações em locais específicos, quem são
as figuras representadas e qual a sua histórica. Relativamente a um público mais letrado,
por vezes, com formação em história ou em áreas artísticas, as questões levantadas
prendiam-se com a proveniência das peças, condições de exposição das mesmas
(constatavam a humidade do local e a fraca luminosidade), assim como expunham
preocupações relacionadas com a conservação e restauro das peças.
23
No decorrer do voluntariado e, posteriormente, do estágio apercebi-me de
algumas fragilidades quer na organização do espaço museológico, visitas e orientação dos
visitantes quer na seleção da informação e comunicação desse conhecimento ao público.
A ordem temporal pela qual se organizam as salas do museu apenas é percetível pelas
placas de identificação individuais das peças (quando existem), uma vez que as salas não
têm qualquer tipo de classificação ou denominação dificultando assim, a perceção da
rutura de ambiência e cronologia por parte do visitante. Existem apenas pequenas chapas
com a numeração romana das salas. Quanto à informação disponibilizada pelas
estagiárias aos visitantes era diminuta e um tanto básica, para além de que as visitas eram
desprovidas de qualquer sensibilidade artística. Consciente do importante papel social e
educativo dos Museus, procurei desenvolver visitas vocacionadas para o enriquecimento
do conhecimento e da experiência dos visitantes. Estes são momentos privilegiados de
aprendizagem e que devem proporcionar a perfeita combinação entre lazer e educação,
prevendo a necessidade de uma excelente capacidade de comunicação e sobretudo de
adaptação do discurso aos diferentes públicos, valorizando a sua individualidade e os
interesses de cada um. Por isso, dar a conhecer este espólio implicou um esforço acrescido
da minha parte, sendo que foi necessário um planeamento base de visitas que iam sendo
personalizadas de acordo com o público, uma vez que na maioria dos casos, as visitas não
contavam com marcação prévia. Para além destas carências, observei que apenas o espaço
do Coro faz parte do circuito de visita pois a Igreja paroquial não se encontra ao encargo
da Irmandade. Ao assistir às primeiras visitas, percebi que nada era dito sobre a igreja
quer na sua componente histórica e arquitetónica, quer relativamente às artes que lhe estão
subjugadas. Constatei que analisavam o Coro como um espaço individual e
completamente alheio à igreja. Olhar assim é ignorar a sua componente litúrgica e é,
sobretudo, perder toda a significação do programa iconográfico de ambos os espaços, que
tão bem se relacionam. Desta forma, justifica-se a dedicação de grande parte do relatório
à interpretação destes espaços e análise iconográfica da arte que os ocupa, passível de ser
integrada num circuito de visita.
Para dar resposta a esse propósito, os próximos capítulos dedicam-se à
apresentação dessas análises cumprindo uma ordem de circuito expositivo.

24
1.4 – Desenvolvimento do Guia Iconográfico

A concretização de um guia iconográfico surge como produto deste estágio de


forma a colmatar algumas das fragilidades que testemunhei. Por essa razão, o guia
contempla um circuito de visita para a igreja do Mosteiro, até hoje excluída do percurso
de visitas proporcionadas pela Real Irmandade. Orientado para uma melhor compreensão
das artes no espaço religioso e respetivos programas iconográficos, este guia integra
pequenas descrições sobre as imagens nos diversos suportes artísticos inseridos na igreja
e no coro. Numa primeira fase foi necessária a realização de um modelo de ficha de
inventário que utilizei para explorar vários campos de análise dos objetos artísticos. Da
localização e da acessibilidade, à cronologia e à autoria, à temática e à análise de
composição e cor, foram alguns dos campos de informação analisados. Estas fichas não
constam no resultado final de investigação pois constituíram apenas um método de
organização da informação. Relativamente ao guia propriamente dito, foi construído
numa plataforma de Design gráfico bastante intuitiva denominada Canva. Apesar da
plataforma oferecer layouts profissionais eu optei por criar os meus de forma a conceber
um design exclusivo. Para a capa do guia utilizei um desenho da minha autoria que depois
digitalizei e vetorizei em programa adequado, utilizando ainda o Photoshop para
pequenos ajustes de imagem. Todas as fotografias utilizadas são da minha autoria e da
autoria de Alexandra Santos, que disponibilizou o seu equipamento para o levantamento
fotográfico. Este pequeno livro é um lugar de memória e identidade para os arouquenses,
mas é também um convite com direito a guia para quem visita Arouca e dela se enamora.
Concluído o estágio e apesar dos constrangimentos provocados pela Covid-19,
foi-me proposto que continuasse a trabalhar no Museu sendo remunerada, embora que de
forma esporádica, dependendo sempre do número de marcações para visitas. Ao longo de
todo este percurso enquanto guia-intérprete, recebi inúmeras felicitações e elogios por
parte dos visitantes. No final de cada visita, as pessoas mostravam-se gratas pela
experiência proporcionada e interrogavam-se sobre a minha área de formação,
reconhecendo como evidente o meu gosto pelo que faço. Elogiavam a minha
expressividade, o meu profissionalismo e a minha entrega. Reconheço esta experiência
como desgastante devido à elevada afluência de visitantes para um número tão reduzido
de guias, porém muito gratificante. Chegar ao final de um dia de trabalho e ouvir algumas
dessas palavras, era a melhor forma de pagamento, o sentimento de dever cumprido.

25
2. CAPÍTULO II – O Mosteiro de Arouca

2.1– Da Fundação à atualidade

A fundação e desenvolvimento deste mosteiro, não deve ser dissociado da história


do próprio território, onde os primeiros passos da Reconquista Cristã e as represálias
muçulmanas se fizeram sentir. No século VIII, a Península Ibérica encontrava-se sob o
domínio muçulmano, com exceção da região das Astúrias, o que justifica a recuperação
do território com início precisamente a Norte, através do repovoamento de terras e da
construção de mosteiros em locais estratégicos. Estes marcavam o domínio da
comunidade, organizavam o povoamento e ativavam a agricultura, tornando-se deveras
vantajosos, afastando a miséria e a fome.
Com existência anterior a 925, esta instituição monástica em Arouca, não era mais
do que uma pequena ermida, na vontade daqueles que eram os senhores mais influentes.
Reconhecemos os irmãos Loderigo e Vandilo como seus fundadores que, herdando do
seu pai um conflito com o bispado de Lamego, provaram ser detentores destas terras e
firmaram um acordo com o bispo, deixando-as, como legado, à Igreja, na exigência de
que ali se construísse um mosteiro.10 O mosteiro de Arouca, que nasceu e renasceu pela
iniciativa de particulares, vai ser ao longo da sua existência amparado por diversos
padroeiros que, no geral, pertencem à mesma família.11 D. Ansur e D. Eileuva
desempenharam um papel fundamental no aumento de património e na sua organização,
tendo sido por intermédio de D. Ansur que os bispos de Coimbra e Lugo consagraram o
cenóbio, invocando a proteção de S. Pedro e S. Paulo. Contudo, parecem ter respeitado o
primeiro orago, pois desde 951 que o mosteiro estava sob a proteção de S. Cosme e S.
Damião.12
Nos séculos seguintes o mosteiro foi pertença de várias famílias da nobreza
portucalense, cuja ação mecenática suportaria financeiramente a ampliação dos espaços
e o aumento da sua riqueza, através de objetos litúrgicos, relicários, arte e património
fundiário. A D. Ansur, sucedeu-lhe o seu filho Absalão que, por sua vez, o entregou a D.
Godinha, sobrinha dos irmãos fundadores, permanecendo na família durante um largo
período de tempo. Já nos finais do século XI, inícios do século XII, D. Toda Viegas,
juntamente com o seu filho, Mónio Rodrigues, desfrutaram do favor régio, valendo-lhes

10
COELHO, 1988: 23;
11
COELHO, 1988: 29;
12
COELHO, 1988: 25;
26
as cartas de couto de 1132 e 1143, a favor do mosteiro de Arouca.13 Assim, assumindo o
cargo de patrona e abadessa, D. Toda dotou a congregação de avultados bens
patrimoniais. O seu patronato no cenóbio Arouquense vai durar até 1154, ano em que D.
Toda, certamente por se sentir idosa, doa o domínio à abadessa Elvira Anes.14 Até então,
o mosteiro de Arouca era dúplice e estava sob a regra de S. Bento, adotada no último
quartel do século XI, opção semelhante a outros cenóbios peninsulares. No ano da
permuta para as mãos da abadessa Elvira Anes, o cenóbio que esta governaria doravante,
passaria a ser exclusivamente feminino, respondendo à regra beneditina.15 Com a morte
de Elvira Anes, no ano de 1203, o mosteiro passa para a coroa16. Em 1210, D. Sancho I
deixa-o em testamento, à sua filha D. Mafalda que, anos mais tarde, ingressou no mosteiro
deixando a marca indelével da sua passagem, nos muitos benefícios temporais e
espirituais com que assistiu a instituição.17 A sua estadia conferiu notoriedade ao
mosteiro, cujo poder e imponência viu aumentar, através da sua atitude mecenática. Foi
promotora da filiação do mosteiro à ordem de Cister18 , certificada a 5 de Junho de 122619
pela Bula papal de Honório III, o que levou a que as monjas substituíssem o hábito negro
beneditino pelo branco cisterciense. Com a oficialização da ordem, seguiu-se uma
companha de ampliação dos espaços monasteriais e uma alteração no orago, passando a
invocar Santa Maria.20
A presença de D. Mafalda contribuiu de tal forma para a proeminência e
desenvolvimento da região que aquando da sua morte, em 1256, o mosteiro era já
reconhecido como um dos mais importantes mosteiros femininos em toda a península
ibérica, ao lado do de Lorvão.21 O prestigio alcançado levou a que este mosteiro fosse a
primeira escolha no destino de muitas mulheres de linhagem nobre, não restando dúvida
da sua importância para a sociedade portuguesa do século XIII. Os Portocarreiro, os Riba
de Vizela, os Buval e os Avelar22, contam-se entre algurns cujo nome da Família se liga
ao cenóbio. A permanência da Rainha prolongou-se no tempo, por meio de discursos de
santidade que levaram ao desenvolvimento de um culto popular à sua pessoa. De facto,

13
COELHO, 1988: 31;
14
COELHO, 1988: 39;
15
COELHO, 1988: 53;
16
COELHO, 1988: 39;
17
COELHO, 1988: 40;
18
Mosteiros Cistercienses femininos em Portugal, s.d: p. 3;
19
Mosteiros Cistercienses femininos em Portugal, s.d: p.4;
20
COELHO, 1988: 35;
21
Mosteiros Cistercienses femininos em Portugal, s.d: p.3;
22
RÊPAS, 2005: 69;
27
D. Mafalda alcançou o poder máximo, conjugando a autoridade terrena de um título com
o privilégio de ser aclamada rainha espiritual23 desta comunidade. Ainda em vida,
durante a sua estadia em Tuias24, D. Mafalda referiu o seu desejo de ser sepultada neste
mosteiro25 motivando, assim, a lenda cuja memória os arouquenses mantêm presente: a
de que o seu corpo findo terá sido depositado numa mula que seguiu livremente caminho,
estagnando no local onde D. Mafalda deveria ser sepultada:

Chegou a mulla athe este nosso convento de Arouca (...) entrou pella
igreja dentro e pondo-se diante do Altar de São Pedro que esta na capella a
parte da epistola da capella mor se postrou em terra dobrando as mãos e os pes
e assim esteve esperando que lhe tirassem a sagrada carga.26

Até ao século XVII, o túmulo da rainha manteve-se intacto. Porém, sete monjas,
movidas pela curiosidade, abriram o sepulcro em 1616, segundo a descrição de Frei
António Brandão:

Muits anos esteve o corpo desta Santa Raynha naquela sepultura, &
correndo a anno do Senhor de de mil & seiscentos & dezasseis hua Religioza
por nome Violante de moura, teve devoção de saber se estava ali aquelle corpo,
& em companhia de seis Religiozas, (…) abrio a sepultura & achou o corpo da
Raynha inteiro emvolto em hum sendal de tafetá pardo, o qual estava são &
descobrindo o sendal acharão o corpo da santa Raynha como de pessoa que
estava dormindo, o rosto composto & as mais partes do corpo inteiras(...)
(Monarchia Lusitana L. XV)27.

Conhecedor da integridade do corpo da rainha, o bispo de lamego D. Martim


Afonso Mexia, deslocou-se a Arouca para a averiguações, tendo trasladado o corpo da
rainha em 161728 da capela de S. Pedro para a nave da nova igreja, embora num altar de
culto provisório.29 Esta mudança deveu-se sobretudo à ruina da velha igreja e consequente

23
ROCHA, 2011: 113;
24
COELHO, 1988: 32;
25
ROCHA, 2011: 113;
26
A.P., Benaventurada Vida..., Ms. Cit., N/fl.
27
VITORINO, 1936: 12-13;
28
ROCHA, 2011: 259;
29
ROCHA, 2011: 120;
28
início da construção da nova, um projeto de Carlos Gimac. Assim, em Outubro de 1718
dá-se a verdadeira permuta, alterando-se o túmulo do local provisório para o atual30, que
analisarei no subcapítulo sobre os altares da nave. Apenas em Julho de 1792, D. Mafalda
foi declarada beata pela bula papal do Papa Pio VI31, motivo da mais sumptuosa festa
empreendida pelas monjas de Arouca, no ano seguinte.32 Claramente os festejos foram a
razão das maiores intervenções que sucederam no mosteiro, sobretudo na igreja, onde se
viram as intervenções artísticas mais profundas33 com a introdução de novas artes de
interior - pintura, talha, azulejo, paramentaria, prataria, mobiliário, entre outros.

FIGURA 1 – Fachada Norte do Mosteiro de Arouca, acesso à igreja pela via principal;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

30
ROCHA, 2011: 123;
31
ROCHA, 2011: 124;
32
ROCHA, 2011: 124;
33
ROCHA, 2011: 125;
29
FIGURA 2 – Mosteiro de Arouca, acesso ao Museu de Arte Sacra pelo terreiro;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

30
FIGURA 3 – Largo da Rainha Santa Mafalda;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

31
FIGURA 4 – Escadaria de aparato, largo de Santa Mafalda;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

32
FIGURA 5 – Corredores do Claustro;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

33
FIGURA 6 – O Chafariz ao centro do claustro;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

34
3. CAPÍTULO III – A Igreja

A 23 de Setembro de 1702, a igreja encontrava-se num estado lamentável tal como


foi testemunhado pelos Visitadores Frei Luís de Ataíde e Frei Manuel Coelho que
recomendaram, ao Padre Feitor, a construção imediata de um novo espaço de culto.34
Assim, ordenaram que se encontrasse (…)o melhor arquiteto que se puder achar neste
reino (...)35 e o fizesse vir ao Mosteiro de Arouca (...) para que à vista da obra velha,
faça a planta da nova igreja com toda a perfeição, sem reparar em custo algum (…) 36.
Chegado a Portugal cerca de 1692, a convite de Frei António Correia de Sousa e
Montenegro, o arquiteto Carlos Gimac (Malta, 1651 – Roma, 1730), desenhou para
Salzedas o claustro e a sala do capítulo, tendo depois chegado a Arouca. O magnificente
conjunto da igreja e coro do mosteiro de Arouca foi um dos mais importantes projetos
deste arquiteto, executado entre 1703 e 1704. Herdeiro de uma cultura humanista e
instruído dos novos conhecimentos artísticos barrocos, o maltês projetou este conjunto
aplicando as conceções científicas e estéticas de vanguarda.37
De 1705 a 1708, a construção da igreja seguia um ritmo favorável38, sendo a
prioridade das religiosas, embora outros espaços carecessem de intervenções. Consagrada
a 20 de Outubro de 1718, a igreja e o coro estariam já concluídos. Contudo, o acabamento
final deste último ocorreu aquando da instalação do órgão, em 1743.
A igreja é composta por três partes, a capela-mor, duas sacristias que a ladeiam, a
nave única e o coro. A perspetiva é a de invadirmos um amplo salão, dominado pela
dureza da arquitetura39 devido às linhas de cantaria granítica intercaladas com zonas de
estuque, formando cheios e vazios lustrados pela imaterialidade da luz que define
ambiência do lugar sagrado.40 Os alçados da nave retangular erguem-se à altura de três
níveis, com linhas estruturais que se prolongam desde o coro até á capela-mor, permitindo
uma leitura horizontal e vertical dos mesmos.41 O primeiro nível, até à altura da cornija
adintelada, separa-se do segundo por meio de um entablamento. Já o terceiro nível é
apartado por uma cornija de onde arranca a abóbada de cobertura. No primeiro nível, as

34
ROCHA, 2011: 322;
35
VITORINO, 1936: 12-13;
36
VITORINO, 1936: 12-13;
37
ROCHA, s.d.: 314;
38
ROCHA, 2011: 327;
39
ROCHA, 2011: 331;
40
ROCHA, 2011: 331;
41
ROCHA, 2011: 331;
35
pilastras marcam ritmicamente os três arcos de volta perfeita onde se abrem capelas
laterais, de um e outro lado da nave, e a entrada principal da igreja cuja correspondência
frontal é o púlpito. As capelas laterais, recuadas relativamente ao alçado da nave,
apresentam um conjunto de oito retábulos, revestidos em talha dourada, sobre os quais
escreverei no subcapítulo sobre a Nave.

FIGURA 7 – Altar-mor da Igreja do Mosteiro de Arouca, vista da tribuna;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020;

36
No segundo nível dos alçados apresentam-se nichos, destinados à ostentação de
oito esculturas do mestre bracarense Jacinto Vieira, do qual se sabe muito pouco. O seu
nome é referido como o (...) autor das belíssimas esculturas em pedra de Ançã, datadas
de 1723 e 1725 que representam santos e santas cistercienses e beneditinos, e que se
encontram no coro e no corpo da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Arouca. 42
Intercalados com os nichos, rasgam-se janelões retangulares que permitem ver a galeria
de circulação do lado da epístola e, do lado do evangelho, voltadas para o exterior.43 O
último nível do alçado é definido por um ático que opera o arranque da abóbada e no qual
se rasgam lunetas de iluminação e arejamento. 44 Entre a igreja e o coro, abre-se um
enorme arco de volta perfeita que define a altura do sistema de cobertura do coro, também
ele abobadado.

FIGURA 8 – A nave da igreja, vista para o coro;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020;

42
ALVES, 2003: 753;
43
AFONSO, 2003: 51
44
ROCHA, 2011: 331;

37
A altura é limitada pelo toral da igreja e, numa cota inferior, pelo toral do coro
formando, assim, uma tribuna. Existe ainda uma tradicional grade, enquadrada por arco
de cesto, que encerrava a comunidade religiosa sobre si mesma e, a meia altura do vão,
uma outra tribuna atravessa o coro.45 O coro apresenta-se mais estreito relativamente à
nave da igreja, porém com uma organização similar relativamente aos alçados. Relembra-
nos uma falsa basílica de três naves cujas laterais formam galerias de circulação. Nas
colaterais, os arcos formeiros dão abertura a seis retábulos divididos entre ambas as
galerias de circulação.

3.1 A Capela-mor

Da nave para a capela-mor a leitura é contínua, embora esta se apresente mais


elevada relativamente à nave. A cobrir este espaço, uma abóbada de granito em forma de
barrete de oito panos. Destaque-se o monumental retábulo da capela-mor, datado de 1723,
da autoria do mestre entalhador Luís Vieira da Cruz. 46 Este, sobrepôs-se a um outro
retábulo, anterior, da autoria do mais operoso pintor português do último quartel do
século XVI47: Diogo Teixeira. Assim, entre 1595 e 1597, o artista estaria em Arouca, a
pintar para o Mosteiro um grandioso retábulo para o altar-mor, acompanhando as
remodelações que decorriam e coadjuvando na consequente afirmação do Mosteiro.
Apenas algumas pinturas restaram desse retábulo, estando hoje expostas no Museu de
Arte Sacra. O que subsiste, é uma imagem fragmentada da realidade, que nos obriga a um
esforço de reconstituição.
Relembremos que o estudo de um espaço sacro passa também pela mobilidade
das imagens, pois elas são denunciadoras das dinâmicas que se surtem na sua leitura.
Estão sujeitas à mudança, às renovações arquitetónicas e litúrgicas, encontrando novos
enquadramentos e novos espaços. O seu estudo, passa sobretudo por uma tomada de
consciência de que estes espaços são realidades vivas e em contínua mutação. Por isso,
devem ser vistos à luz do nosso tempo, sem descurar as múltiplas camadas que se criaram
ao longo da sua história.
Estas pinturas, embora tenham sido concebidas para uma unidade, são hoje vistas
pelos visitantes como realidades isoladas. Olhar assim para elas é retirar-lhes parte da sua

45
ROCHA, 2011: 336;
46
ALVES, 2003: 742;
47
SERRÃO, 1991: 73;

38
leitura original e conjunta. Assim, e sendo as únicas imagens fora do contexto que aqui
abordo, considero por demais pertinente a sua análise, tábua a tábua, com o objetivo de
devolver a sua significação.

3.1.1 As pinturas de Diogo Teixeira

Os episódios representados dizem respeito à vida de Cristo, nomeadamente A


Ascensão, A incredulidade de S. Tomé, o Pentecostes e ainda uma representação do Pai
Eterno. Outras duas pinturas parecem corresponder, quanto à localização, à predela do
retábulo, sendo dispostas na horizontal e representando seis santos Mártires – S.
Sebastião, S. Luzia e S. Bárbara, S. Mauro, S. Ofemia e S. Escolástica. Em 1976, Vítor
Serrão atribuiu mais duas pinturas ao mesmo artista – S. Miguel Arcanjo e S. Domingos
de Gusmão – acreditando o autor terem pertencido ao mesmo conjunto retabular.48 De
índole conservadora e tridentina, o maneirismo de Diogo Teixeira assenta numa
apreensão tardia dos modelos italianos, moldados à tradição nacional, numa tentativa de
desenvolver um estilo nacional em concordância com a ideologia dominante.49 Assumido
como uma arte profundamente espiritualista, materializou ideologias provenientes da
contrarreforma com soluções caprichosas a nível das construções espaciais ou das
volumetrias dos Cristos musculosos de requintada sensualidade, concedendo à
doutrinação religiosa a espiritualidade pretendida.50

48
SERRÃO, 1993: 59;
49
SERRÃO, 1993:124;
50
SERRÃO, 1993:124;
39
A Incredulidade de S. Tomé

FIGURA 9 – A Incredulidade de S. Tomé, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

A primeira pintura aqui apresentada, tem como tema a Incredulidade de S. Tomé,


sendo uma das aparições de Cristo após a Sua Ressurreição, apenas narrada no evangelho
de S. João ( Jo 20: 24-29). Tomé, pobre pescador natural da Galileia, foi um dos mais
considerados entre os doze apóstolos sendo este episódio, juntamente com o seu
apostolado na Índia, as suas vivências mais populares e reproduzidas. O tema incide sobre
o comportamento cético de S. Tomé que, ao receber a notícia da ressurreição de Cristo
não acreditou sem ver nas mãos de Cristo, as chagas, ou colocar os seus dedos nas feridas

40
Jo (20: 24-29). Oito dias depois, Cristo reuniu com os seus discípulos, entre eles Tomé, e
entrando, colocou-se no meio deles e disse: Chega aqui o teu dedo e vê as Minhas mãos;
aproxima a tua mão e mete-a no Meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente Jo (21: 27).
Ao tocar nas suas feridas, Tomé professou a sua fé em Cristo que lhe disse: Porque Me
viste, Tomé, acreditas-te; bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditaram! Jo (21:
29). Esta aparição é distinta das outras pois conjetura a crença num Cristo intangível mas
suficientemente corpóreo para que Tomé pudesse colocar os dedos nas suas chagas.51
A pintura que aqui analisamos, será a metáfora para o corpo anatomicamente
robusto, para a pose teatralizada das figuras de tonalidades quentes, envoltas em
atmosferas sombrias que destacam a figura central da composição, trazendo-a para
primeiríssimo plano. Já não vemos um Cristo cadavérico, de rosto sofredor, mas sim um
homem de porte atlético, exibindo as suas virtudes físicas e espirituais. Atentemos no
tratamento dos tecidos e da volumetria dos corpos, criadores de uma atmosfera de forte
intensidade plástica. Admite-se uma liberdade criativa que confere às figuras principais
o protagonismo, deixando as restantes figuras perfilando na retaguarda, enfatizando o
ceticismo expetante de S. Tomé, representado à direita de Cristo. Se em representações
anteriores Cristo apenas exibe a sua ferida, aqui vemos uma atitude em meio de um gesto
vigoroso, pois o próprio, firma a mão do incrédulo Tomé, que coloca os dedos na sua
chaga. À esquerda de Cristo, está S. Pedro, príncipe dos Apóstolos, que encabeça a lista
dos doze discípulos. É representado com o cabelo e a barba grisalhos, características
próprias da sua iconografia, e identificado por uma parte do seu manto laranja.52 É o eleito
de Cristo para dar corpo a uma missão: cuidar do rebanho, manter viva a fé e, sobre ela,
edificar os muros da futura igreja.53 À direita, S. João evangelista, caraterizado por um
rosto jovem e imberbe, pois era o mais novo de entre os apóstolos. A sua indumentária
verde e o manto vermelho, alusivo ao facto de não ter morrido vitima de nenhum
tormento, é também caraterística das suas representações.54
A modelação do corpo de Cristo é criada por uma conformidade lumínica, que o
transforma num ente palpável embora permaneça aureolado por uma leve faixa de luz
que emana da sua cabeça.

51
RÉAU, 1996: 591;
52
MUELA, 2008: 364;
53
RÉAU, 1996: 362;
54
MUELA, 2008: 234;
41
A Ascensão de Cristo

FIGURA 10 – A Ascensão de Cristo, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Embora em alguns documentos esta obra apareça identificada como sendo uma
Transfiguração, sabemos que algumas das personagens representadas não estariam
presentes neste episódio, de acordo com as escrituras. Defendendo o tema da Ascensão
de Cristo, ele aparece aqui representado estigmatizado, o que poderia então ser entendido
como uma premonição da Paixão de Cristo ou apenas mais um elemento de fusão entre
estes dois temas. Em todo o caso, do ponto de vista iconográfico, pode classificar-se o
tema como integrado no ciclo de glorificação de Cristo, embora seja frequente confundir-

42
se ambos os temas.55A Ascensão é a última das aparições de Cristo e é narrada apenas no
evangelho de S. Lucas enquanto que S. Marcos e S. João mencionam apenas que Cristo
subiu aos céus.
Este é, de entre todas as pinturas, o quadro de maiores dimensões, provavelmente
uma das peças centrais do conjunto retabular. Iconograficamente, o autor parece ter
bebido inspiração da célebre Transfiguração de Rafael de Urbino, que serviu de base a
muitas interpretações do século XVI, tendo sido muito partilhada e reproduzida. A nítida
influência de Rafael verifica-se na parte superior da peça, onde Cristo é representado com
vestes brancas resplandecentes em ascese e mantendo a sua aparência física terrena. O
corpo eleva-se, de mãos abertas e olhos postos no céu, e se espiritualiza, convertendo-se
num corpo glorioso, cuja carne perde os contornos, diluindo-se na luz. Toda a composição
inferior é caraterizada por uma afluência de figuras que provocam agitação no observador
pois também elas parecem inquietas. A peça é de soberba execução e segue os preceitos
tridentinos de exaltação e decoro, sendo (...) absolutamente original e replica modelos
teixeirianos, já antes tratados em quadros seus.56 Ainda na parte inferior, os apóstolos
são representados de um e outro lado de Cristo. Entre eles, é possível identificar S. João
Evangelista e S. Pedro que tem lugar em primeiro plano, à direita do observador e cujos
modelos se repetem da pintura anterior. A presença das três Marias, à direita de Cristo, é
também uma das particularidades desta pintura, pois não é comum aparecerem
representadas nesta temática. Maria Madalena, Maria de Cléofas e Maria Salomé, são
uma inclusão atípica do pintor sendo que apenas a Virgem e os apóstolos terão assistido
a este momento.57 Maria, representada como orante é, aqui, a personificação da igreja,
que Cristo deixa na terra quando sobe aos céus.58

55
RÉAU, 1996: 598;
56
SERRÃO, 1993: 57;
57
RÉAU, 1996: 609;
58
RÉAU, 1996: 609;
43
O Pentecostes

FIGURA 11 – O Pentecostes, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

A pintura que se segue retrata o Pentecostes que, na tradição Cristã, marca o dia
da descida do Espírito Santo à terra, encerrando as celebrações da Páscoa. O tema é
narrado nos Atos dos Apóstolos (2: 1-41) referindo que:

Quando chegou o dia de Pentecostes, encontravam-se todos reunidos


no mesmo lugar. Subitamente ressoou, vindo do céu, um som comparável ao
de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram,
então, aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e

44
poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e
começaram a falar outras línguas (...) (Act 2: 1-4)

Diogo Teixeira traz-nos uma organização inovadora do tema, composto em três


planos espaciais. No primeiro, e por isso mais próximo do observador, encontramos
Pedro, um dos primeiros apóstolos de Cristo, à direita, e S. João Evangelista, à esquerda,
facilmente identificados uma vez que o artista recorre aos mesmos critérios de
representação iconográfica de ambos, permitindo a rápida identificação das personagens
por parte do observador. No meio de ambos está um livro sobre uma almofada, símbolo
do evangelho que deve ser anunciado, sendo este tema um prelúdio da missão dos
apóstolos que, sem este milagre, seria impossível de realizar: levar o evangelho a todos.
Em segundo plano, ao centro da composição, a Virgem, em oração, é rodeada pelas Santas
Mulheres, que erguem os olhos ao céu. Maria Madalena é representada com uma túnica
rosa e os cabelos ruivos ondulados e soltos, símbolos da sua antiga devassidão e
imoralidade. Segura, nas mãos, o vaso de perfumes, o seu principal atributo.59
No terceiro e último plano, os apóstolos estão dispostos de um e outro lado das
mulheres, elevando os olhos ao céu e colocando a mão no peito. O Espírito Santo surge
de uma nuvem em flama, da qual chovem fragmentações de fogo que caem sobre cada
uma das figuras. Apesar de Cristo não ser representado, contínua a ser o grande
protagonista pois é Ele que envia o Espirito Santo aos Apóstolos. Contudo, o destaque
dado à Virgem e às Santas Mulheres é uma inovação dentro da temática. A inclusão da
Virgem é inesperada pois se já tinha recebido o Espírito Santo no dia da Anunciação, não
precisaria de recebê-lo novamente, ainda mais quando não participava do apostolado. A
justificação para esta inclusão poderá relacionar-se com uma passagem do capítulo que
antecede o relato do Pentecostes, referindo que os apóstolos estariam reunidos em
Jerusalém, permanecendo unanimes em oração com algumas mulheres, como maria mãe
de Jesus...60. No entanto, não devemos deduzir que Maria estaria presente no momento
tratando-se de uma simples suposição admitida pelos teólogos e imposta aos artistas,
afinal, Maria era mãe de Jesus, Rainha dos céus e considerada a mãe espiritual dos doze
Apóstolos – Regina et mater Apostolorum.61 Podemos ainda admitir que seja representada
unicamente como símbolo da igreja, pois a tradição assim o impôs. Todavia, sendo

59
MUELA, 2008: 312;
60
RÉAU, 1996: 616;
61
RÉAU, 1996: 616;
45
silenciosa a documentação existente sobre as obras no Mosteiro durante os finais do
século XVI62, é difícil apurar-se os enredos da empreitada bem como os seus
encomendantes e até clausulas a que o pintor se sujeitou. Tal como refere Vitor Serrão
esta série foi delineada em exclusividade pelos pincéis de Teixeira.63 Assim, concluímos
que há uma forte possibilidade das monjas terem tido influência na forma como o pintor
executou estes temas, destacando a evidência de um mosteiro feminino. Tal como as
Marias, figuras femininas, receberam o Espirito Santo, também as monjas se achavam no
direito de o receber, podendo contemplar tais obras e identificando-se como
verdadeiramente devotas.
Toda a cena se desenrola num espaço arquitetónico desconstruído segundo os
cânones anticlássicos do Maneirismo.64 Uma pintura equilibrada e cromaticamente
vigorosa no tratamento plástico, composta de modelos requintados que se repetem, dando
seguimento aos temas e permitindo estabelecer uma ligação entre eles. O tema, simboliza
sobretudo o nascimento da igreja, permitindo o acesso ao evangelho às diferentes nações
e cumprindo a profecia de Jesus de enviar o Espírito Santo à terra. (Jo 20: 21- 22)

O Pai Eterno

FIGURA 12 – O Pai Eterno, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

62
SERRÃO, 1993: 59;
63
SERRÃO, 1993: 56;
64
SERRÃO, 1993: 58;
46
A pintura que se segue, parece rematar todo o conjunto não só pela sua temática,
mas também pela forma como se dispõe estreita e horizontalmente. Uma representação
do Pai Eterno emerge de um fundo amarelo resplandecente, semelhante às tonalidades de
fundo que enquadra o tema da Ascensão de Cristo. Possivelmente estaria colocada no
ático do retábulo, acima da Ascensão65, completando iconograficamente essa mesma
composição. A representação de Deus Pai é executada em profundidade, sugerida por um
rosto que paira no céu, por entre as vestes esvoaçantes projetadas obliquamente para a
esquerda sublinhando a assimetria do desenho. Vestido com largos panejamentos, Deus
é envolto por um manto arroxeado, tonalidade comum na paleta de Diogo Teixeira.66 Esta
dinâmica acompanha a leveza de uma figura esbelta, de rosto fino e expressão contida ao
mesmo tempo que realça a agitação dos seus cabelos e barbas grisalhos, de ancião.
Por detrás da cabeça, figura-se um triângulo equilátero azul, simbolizando a
Santíssima Trindade, dogma que assenta na crença de um Deus uno e trino.67 Este,
juntamente com o círculo, revelam-se as formas simbólicas que melhor se adequam à
invocação da ideia de triplicidade e unidade, pois falamos de um só triângulo com três
lados iguais, podendo ser inscrito num circulo. 68
Deus pai dirige o seu olhar para Cristo, seu filho, enquanto que na pintura da
Ascensão de Cristo ascende e olha para o Pai, reforçando a defesa deste tema em
detrimento da ideia de uma Transfiguração. Os planos parecem completar-se num céu
enublado, no qual surgem as figuras, envoltas numa áurea resplandecente.

65
SERRÃO, 1993: 57;
66
SERRÃO, 1993: 57;
67
RÉAU, 1996: 38;
68
RÉAU, 1996: 40;
47
St.ª Escolástica, St.ª Ofémia [Eufémia] e S. Mauro

FIGURA 13 – St.ª Escolástica, St.ª Ofémia [Eufémia] e S. Mauro, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Pertencentes ao nível inferior do retábulo em estudo, duas peças, dispostas na


horizontal, contam com seis representações de santos. Segundo o esquema representativo
da organização sugerido por Vítor Serrão, ambas fariam parte da predela.69 Numa leitura
da esquerda para a direita:

Sta. Escolástica, irmã gémea de S. Bento, com quem mantinha uma relação de
profunda inspiração. É representada jovem, tendo envergado pela vida religiosa ainda em
tenra idade. A sua importância é justificada pela sua fé que, na sequência do primeiro
Mosteiro Beneditino, fundado pelo seu irmão, se traduziu na criação do primeiro mosteiro
feminino do Ocidente.70 Esta representação de Escolástica não se fixa na sua condição de
abadessa pois a santa é desprovida dos seus atributos comuns (o hábito, o báculo e a
pomba). Ricamente vestida com uma túnica verde-adamascado com um pormenor de
vivo rubro nos braços71, é embelezada com uma fita vermelha, por entre os cabelos
entrelaçados e adornada com joias. Segura apenas um livro, alusivo à regra de S. Bento e
a palma de mártir enfatizando a sua vitória sobre o pecado e a morte.

69
SERRÃO, 1993: 58;
70
II Livro dos Diálogos de S. Gregório Magno, Cap. XXXIV;
71
SERRÃO, 1993: 59;
48
Sta. Ofémia – S. Eufémia, ao lado de Escolástica, é considerada protetora dos
doentes de pele, invocada pelos cristãos no auxilio de doenças dermatológicas ou
cancerígenas. É identificada como mártir por ter sido torturada aquando da perseguição
aos Cristãos pelo imperador romano Diocleciano, na Calcedónia (Grécia). Foi sujeita aos
maiores tormentos para que renegasse a sua fé, entre as quais ser lançada aos leões, que
nada lhe fizeram, mantendo-a intacta. Tentaram ainda queimá-la com carvão em brasa
num engenho para o efeito, mas quis Deus que Eufémia saísse ilesa. Irados com a
persistência e fé da Santa, trespassaram-lhe o coração com uma espada.72 É comum ser
representada com um livro, símbolo da sua defesa pela ortodoxia e a palma de mártir,
podendo ainda ser acompanhada por um leão, aos seus pés, alusivo a um dos seus
tormentos.73 Vestida luxuosamente, tal como Santa Escolástica, é de notar o bonito busto
que lhe é conferido, magnifico exemplo do ideal psicológico da venustà maneirista
italianizante, caraterizador das figuras femininas de Diogo Teixeira.74
S. Mauro, ou Santo Amaro foi um dos seguidores de S. Bento, fundador da ordem
beneditina tendo sido entregue aos seus cuidados desde muito jovem, no Monte Cassino.
Tornou-se o braço direito de S. Bento por ser um homem de grande virtude, modelo de
obediência, humildade e caridade. A ele se atribuem alguns milagres durante a sua vida.
Representado com as vestes de monge, castanhas cor da humildade, S. Mauro
apresenta-se como homem maduro, de tonsura monacal, barba e bigode compridos,
segurando um cajado e fazendo um gesto de bênção. Recorde-se que os gestos de
eloquência romanos, tornaram-se signos de bênção, nos gestos do cristianismo.75 A
escolha da representação de S. Mauro neste conjunto não será um acaso pois é um santo
protetor do gado. Foi à sombra deste mosteiro que, durante muitos séculos, o povo
arouquense viveu e trabalhou. Sendo a criação de gado uma das mais antigas atividades
em Portugal, desempenhou nesta vila, um papel relevante na vida das pessoas, em alguns
casos, como único meio de subsistência familiar. O gado bovino arouquês era
reconhecido não só pelo apoio nos trabalhos da lavoura como também pela sua carne,
ainda hoje apreciada por aqueles que nos visitam.

72
VORÁGINE, 1996: 600;
73
VORÁGINE, 1996: 603;
74
SERRÃO, 1993: 59;
75
BARASCH, 1999: 27;
49
S. Sebastião, Santa Luzia e Santa Bárbara

FIGURA 14 – S. Sebastião, Santa Luzia e Santa Bárbara, c. 1595 – 1597, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Atentando na direção do olhar e postura das figuras, este painel estaria localizado
à esquerda na predela do retábulo.76 São representados, S. Sebastião, Sta. Luzia e Sta.
Bárbara, que honram os modelos Teixeirianos com o mesmo ideal de embelezamento das
figuras anteriores.
S. Sebastião é representado como um jovem imberbe, de rosto melancólico, atado
à árvore do seu martírio. Exibe um corpo de porte atlético, desnudo, cujo tratamento
plástico se enquadra nos modelos do artista. Nascido no ceio de uma família nobre,
Sebastião viajou para Milão ainda jovem onde se tornou elemento da corte do imperador
Diocleciano.77 Apesar do estatuto, nunca renunciou a sua fé e lutou contra a
marginalização dos cristãos.78 Porém, as suas crenças levaram a que fosse rotulado como
desertor e traidor dos valores e crenças pagãs do Império Romano (...) e, por ordem do
imperador, (...) foi amarrado a uma coluna ou tronco de árvore (...) onde múltiplos
arqueiros alvejaram incessantemente o seu corpo com flechas (...)79 Por ter sobrevivido
ao martírio, o imperador, furioso, ordenou uma nova sentença que levaria Sebastião a ser

76
SERRÃO, 1993: 58;
77
RÉAU, 1996: 420;
78
RÉAU, 1996: 420;
79
AMORIM, 2014: 5;
50
espancado até à morte, tendo o seu corpo sido atirado à Cloaca Máxima.80 Desde a idade
média que S. Sebastião é invocado para proteção contra as pestes, sendo esse papel anti
pestífero fundamentado por Réau a partir das representações medievas da peste, figurada
numa chuva de setas, como castigo de Deus aos pecadores.81
Sta. Luzia, representada ao centro da composição, traja com indumentária
luxuosa da Roma Antiga, de um cromatismo vigoroso na túnica verde coberta com a toga
avermelhada presa por uma pregadeira dourada. Traz consigo uma bandeja com dois
olhos, o seu atributo mais comum e a palma de mártir.82 A coroa real ou de flores83 pode
ser também considerado um dos seus atributos, embora Diogo Teixeira as substitua por
uma fita vermelha entrelaçada nos seus cabelos. Luzia, educada segundo os valores
cristãos,84 havia sido prometida a um pagão porém tinha consagrado a sua vida a Deus
num voto de perpétua castidade.85 Ao ver a sua mãe doente, peregrinou ao túmulo de
Santa Ágata para alcançar a cura e adormeceu enquanto orava. Ao despertar e ver a sua
mãe sã, convenceu-a de que todos os seus bens deveriam ser distribuídos pelos pobres,
incluindo o seu dote matrimonial.86 Acusada pelo noivo de ser cristã, Luzia foi condenada
à violação negando-se a prestar culto aos deuses pagãos. Mil homens e mil parelhas de
bois foram chamados para mover o corpo de Luzia mas ela não se mexeu, por obra do
Espírito Santo.87 Intentaram queima-la mas saiu ilesa do fogo e enfurecidos, os seus
carrascos trespassaram a sua garganta com uma espada.88 O nome Luzia, deriva da
palavra luz que, na sua natureza, está associada ao deleite da vista.89 Por essa razão, esta
Santa é considerada padroeira dos oftalmologistas, sendo invocada para curar as
enfermidades dos olhos, a janela da alma.
Sta. Bárbara, é representada num busto sublime, caraterizada por vestes de gosto
epocal e joias que a embelezam. Segura na mão direita uma torre, com três janelas,
alusivas à santíssima Trindade, sendo este o atributo que melhor a identifica. Na mão
esquerda, a palma alusiva ao seu martírio.90 Bárbara era de ilustre linhagem e riquíssima
em bens de fortuna mas o seu pai, ao considerar tamanha beleza, ordenou que se

80
Cloaca Máxima, equivalente a esgoto romano;
81
RÉAU, 1998: 195;
82
MUELA, 2008: 292;
83
MUELA, 2008: 292;
84
VORÁGINE, 1996: 44; (tradução de Margarida Gonçalves);
85
VORÁGINE, 1996: 44;
86
VORÁGINE, 1996: 44;
87
VORÁGINE, 1996: 46;
88
MUELA, 2008: 292;
89
VORÁGINE, 1996: 43;
90
MUELA, 2008: 39;
51
construísse uma torre onde a manteve cativa. Acusada pelo pai de ser cristã, compareceu
diante do governador e, não renunciando à sua fé foi condenada aos piores tormentos. Ao
ser açoitada e exibida por toda a cidade, Bárbara olhou para o céu a orar, e um anjo de
Deus desceu dos céus, envolvendo o seu corpo num manto branco. Ao assistir ao milagre,
o governador ordenou aos carrascos que a matassem com as suas espadas porém, o seu
pai interveio pedindo que lhe fosse concedida a execução da sentença.91 Cumprida a
condenação, o seu pai pôs-se a caminho de casa, mas nunca lá chegou, pois um misterioso
fogo, proveniente do céu, abrasou o seu corpo.92 Por essa razão, Santa Bárbara é invocada
como protetora por ocasião de tempestades, raios e trovões mas também contra a morte
súbita, sendo ainda patrona dos artilheiros, mineiros e fundidores de sinos.93
Numa leitura conjunta de ambas as peças, é possível comprovar não só a
imponência que a presença feminina alcançava neste mosteiro através da representação
das Santas Mártires, exemplos de fé e virtude para as monjas, mas também constatar as
exigências que ocorriam por parte das encomendantes que intervinham, dando indicações
sobre os Santos e a forma como desejavam que fossem figurados. A escolha destes santos
reflete claramente uma ordem de encomenda pois, se de um lado vemos Sta. Escolástica
e Sta. Eufémia acompanhadas por S. Mauro, protetor do gado, sobretudo bovino no caso
de Arouca, do outro lado Sta. Luzia e Sta. Bárbara estão na presença de um santo anti
pestífero, S. Sebastião.

3.1.2 A Monumental Máquina Retabular

A obra de talha dourada do período barroco em Portugal, atingiu enorme


expressividade artística, comparável apenas à arte do azulejo. Uma arte que espelhou,
com brilho e resplandecência, os dogmas de uma igreja reformista pós-tridentina,
exibindo a magnificência dos riscadores e nossos mestres entalhadores.94 A talha,
finamente lavrada e forrada a ouro, era entendida como manifestação estética. Porém a
leitura simbólica sacra afasta-nos desse mero enquadramento decorativo, onde muitos
ainda a colocam.95

91
VORÁGINE, 1996: 901;
92
VORÁGINE, 1996: 902;
93
MUELA, 2008: 39;
94
FERREIRA, 2009: 2;
95
ALVES, 2003: 739;
52
Entalhadores, ensambladores, imaginários, pintores e douradores, organizavam-
se em oficinas para dar resposta às clausulas dos contratos, rubricados pelos clientes e
artistas, que mencionavam os requisitos aos quais deveriam cumprir as madeiras a ser
entalhadas: (...)lisa, sem nós, defeitos ou rachaduras que pudessem vir futuramente a
danificar a peça.96 Também o ouro deveria cumprir formalidades, nomeadamente quanto
ao grau de finura (entre 20 e 24 quilates) e cor. O entalhe era demorado e a execução do
douramento exigia uma grande perícia do dourador, sendo eles responsáveis pela
aplicação das finas placas de ouro produzidas pelos bate-folhas.97 Porto e Braga
destacaram-se como grandes centros produtores nesta época de estudo, com mestres
como António Gomes, portuense distinto pelas obras de vulto na cidade, algumas delas
em parceria com Domingos Nunes, nos retábulos da igreja do Mosteiro de Santa Clara,
em Coimbra, ou com Filipe da Silva na talha do coro da igreja do Mosteiro de Arouca. A
hegemonia e significação que estas peças têm dentro do edifício da igreja garantem a
relevância deste estudo.
Com data anterior à magnífica obra de talha atualmente exibida na igreja do antigo
Mosteiro de Arouca, existem registos de compromisso com dois mestres entalhadores do
Porto, António Gomes e João da Costa98, para execução do retábulo-mor e tribuna que
deveria estar concluído em 1702.99 Contudo, de acordo com a Visitação de 24 de
Novembro desse ano, a igreja encontrava-se num estado deplorável pelo que, no ano
seguinte, Carlos Gimac executava a planta atual da igreja. A necessidade de se construir
uma nova igreja obrigou ao cancelamento deste contrato e em Junho de 1723, Luís Vieira
da Cruz brindava as religiosas com o retábulo atual.100 Mestre bracarense e com atividade
reconhecida em Braga, no Porto e em Arouca, durante os finais do século XVII e o
primeiro quartel da centúria seguinte, Luís Vieira da Cruz executou este grandioso
retábulo, integrado na estética barroca de inícios de setecentos. A estrutura dos retábulos
inseridos no período em estudo, é marcada por uma configuração mais escultórica,
comparativamente aos retábulos maneiristas de carácter arquitetónico, que se traduz
numa maior estabilidade formal da peça na qual a talha se torna predominante.
Ponto fulcral da capela-mor, o retábulo ocupa toda a altura da mesma, adquirindo
uma continuidade relativamente às divisões do complexo arquitetónico que desde logo

96
ALVES, 2003: 740;
97
ALVES, 2003: 740;
98
Diocese do Porto- Subsídios para o seu estudo –II: p.68;
99
Diocese do Porto- Subsídios para o seu estudo –II: p.67;
100
Diocese do Porto- Subsídios para o seu estudo –II: p.69;
53
nos permite compreender a submissão da talha ao corpo e organização da arquitetura.
Hierarquizado na sua estrutura, o retábulo mantém o lugar central destinado ao
acolhimento do Santíssimo Sacramento e, sendo uma obra de vulto, permite-nos percorrer
caminho em torno do Sacrário.

FIGURA 15 – O retábulo no altar-mor da igreja, 1723, Luís Vieira da Cruz;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

54
O retábulo apresenta-se tripartido, com três tramos em cada nível, à exceção do
remate que é feito com arquivoltas. Os entablamentos em pedra, do corpo da igreja, têm
continuidade no retábulo em madeira, acentuando a segmentação e horizontalidade da
igreja. Os tramos são demarcados por colunas salomónicas rematadas por capitéis
coríntios, caraterizados com volutas e folhas de acanto. O primeiro e segundo nível do
retábulo são separados por um entablamento ininterrupto e destacam-se pela contínua
sequência vertical das duplas colunas torsas nas laterais. Em ambos os níveis, os tramos
laterais apresentam pequenos nichos apainelados com mísulas de acantos, destinados à
imaginária. No primeiro nível, os intercolúnios apresentam esculturas representativas de
S. Cosme, à esquerda, e S. Damião, à direita, mártires ligados à fundação do primeiro
cenóbio. Irmãos gémeos, estes Santos tinham o dom divino de curar qualquer doença, não
cobrando pelos seus serviços. Figurados com grandes parecenças físicas, apresentam-se
jovens adultos, sendo comum trazerem consigo objetos médicos e cirúrgicos como uma
vasilha para análise da urina, frascos de cerâmica ou a espátula.101 Apesar de não se
fazerem acompanhar por eles, possivelmente por se terem partido e desagregado do resto

FIGURA 16 – S. Cosme e S. Damião, retábulo-mor da igreja;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

101
MUELA, 2008: 90;
55
da peça, trajam com indumentária de médico com a toga e boina segurando um livro,
símbolo da sua fé.

FIGURA 17 – Beatas Teresa e Sancha, retábulo-mor da igreja;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020;

No segundo nível de intercolúnios, as beatas Teresa e Sancha são majestosamente


representadas com o hábito de monjas em gestos de oração. O sacrário, no tramo central
do primeiro nível do retábulo é rematado por um frontão curvo com aletas e, sobre cada
uma delas um anjo, que segura um suporte de velas. É ladeado por duas esculturas em
madeira policromada e dourada, representando S. Bento, à esquerda, e S. Bernardo à
direita. Marcos da história do mosteiro, refletem a mudança de ordem monástica que
sofrera outrora, surgindo frequentemente representados juntos, em mosteiros
cistercienses.

56
FIGURA 18 – S. Bento e S. Bernardo, retábulo-mor da igreja;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Ao cimo do sacrário, uma tribuna ascendente com um trono piramidal em degraus,


coberta por uma abóbada de caixotões relevados com motivos vegetalistas, cuja
renovação data de 1733, feita pelo arquiteto e entalhador Miguel Francisco da Silva.102 O
trono eucarístico expira numa maquineta que recebe a escultura de Nª Sª da Assunção,
para onde convergem todas as linhas perspéticas estruturais do retábulo. As colunas, em
ambos os níveis do retábulo, assentes sobre plintos decorados com acantos, conduzem ao
remate de toda a peça com arquivoltas concêntricas, pontuadas por aduelas radiais e, ao
centro, as armas de Portugal, corolário de toda a estrutura.

102
ROCHA, 2011: 386;
57
FIGURA 20 – A tribuna ascendente com a Nª Sr.ª da Assunção, retábulo-mor da igreja;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

FIGURA 19 – Cobertura do retábulo-mor da igreja em abóbada de caixotões relevados;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

58
3.1.3 As pinturas de André Gonçalves

Ainda na capela-mor, a talha conjuga-se com outra arte, numa série de oito (...)
preciosas telas setecentistas, feitas numa oficina em Lisboa, onde se acabaram em 1738,
e pelas quais as monjas de Arouca pagaram a avultada quantia de 178.800 reais (...)103.
Atribuídas por Pedro Dias a André Gonçalves104, estas pinturas foram emolduradas em
talha, da lavra de Miguel Francisco da Silva, no ano de 1738.
Na conjuntura artística barroca que se vivia em Portugal, designada o Siglo de
Oro105, o pintor destacou-se como um dos melhores artistas nacionais (...) em
equivalência aproximada, em qualidade, à produção italiana.106 Durante a sua
adolescência foi aprendiz com um (...) famoso pintor de azulejos, futuro patriarca de uma
família de artistas (...)107 António de Oliveira Bernardes (1660-1732), e contactou com
artistas como Francisco Vieira Lusitano108. Na década de 1730, dá-se o auge da sua
produção, possuindo um elevado conhecimento internacional a nível de formação
artística que obteve a trabalhar em Mafra, contemplando obras de contemporâneos,
franceses e italianos, que D. João V custeou para os corredores de Mafra.109 A sua
produção, de explicita influência italiana classicista, traduziu-se numa abertura cromática
da sua paleta fazendo evidenciar-se as tonalidades mais claras.
À altura do primeiro nível do alçado, divididas entre o lado da Epístola e o lado
do Evangelho, encontram-se quatro telas referentes a episódios da vida de S. Bernardo,
enquanto difusor do movimento cisterciense. As duas pinturas, correspondentes ao lado
do Evangelho dizem respeito à entrada do abade para a Ordem de Cister e à sua morte e,
do lado da Epístola, são retratados dois dos momentos místicos ocorridos durante a sua
vida: a Aparição da Virgem e El Amplexus. Relembremos que este espaço era de acesso
restrito ao clero que, naturalmente, ali realizava os atos litúrgicos, mas era também espaço
visível para as monjas que, através das galerias que ladeiam a capela-mor, contemplavam
estas obras. Ora, um público tão distinto como eram aquelas Senhoras, cujo olhar se

103
ROCHA, 2011: 386;
104
DIAS, 2000: 27;
105
SALDANHA, 1990: 36;
106
PEREIRA, 2011: 674;
107
MACHADO, s.d.: 20;
108
Com quem travou uma grande amizade e trabalhou em parceria em várias encomendas. O estudo italiano
que Vieira Lusitano fez, em Roma, possibilitou a André Gonçalves a aquisição de conhecimento
relativamente à técnica italiana. ISIDRO, 2014: 105;
109
ISIDRO, 2014: 97;
59
perdia horas incontáveis a contemplar o guia espiritual da Ordem(...)110 , pediam arte de
elevada qualidade e requinte.

• S. BERNARDO RECEBIDO NA ORDEM DE CISTER

Seguindo uma ordem cronológica da vida de S. Bernardo, a primeira tela retrata


a sua entrada na ordem de Cister. S. Bernardo é representado ao centro da composição,
ajoelhando-se perante o abade S. Esteban Harding que, juntamente com outro religioso
lhe coloca o manto branco de Cister. É representado jovem e imberbe, com o hábito e a
tonsura monacal, tal como os restantes monges que assistem ao momento. O espaço,
caraterizado por um interior arquitetónico escuro, contrasta com a luminosidade da cena
principal, ressaltando as figuras lumínicas cujo traço é de elevado requinte. Assiste-se a
uma paleta de tons predominantemente claros e ao recurso a figuras de rosto elegante e
de grande uniformidade de expressão, vestidos com largos e pregueados panejamentos de
boa volumetria e luminosidade. À direita da composição, a subtil introdução do tecido
vermelho quebra toda a monocromia, cobrindo a mesa sobre a qual repousa um livro
aberto, possivelmente uma alusão à regra.

• A MORTE DE S. BERNARDO DE CLARAVAL

A segunda tela com que nos presenteia o pintor setecentista retrata o momento da
morte de S. Bernardo. O abade faleceu em Agosto de 1153111, com sessenta e três anos
de idade, quarenta dos quais passou em clausura total. Foi primeiramente enterrado na
abadia de Claraval e, mais tarde transladado para a Catedral de Troyes.112 Vinte e um
anos após a morte, foi canonizado pelo papa Alexandre III, em Janeiro 1174113 e, em
1830, o papa Pio VIII proclamou-o doutor da igreja. Bernardo é representado no seu leito
de morte na presença de seis monges cistercienses, todos de hábito branco e tonsura
monacal. À cabeceira, um dos monges segura a cruz de Cristo crucificado e, aos pés do
abade, outro monge, ajoelhado, eleva um livro aberto, símbolo da palavra de Deus.
Bernardo aparece, agora, aureolado com uma suave luzência e coberto com um manto

110
ROCHA, 2010: 346;
111
MUELA, 1998: 52;
112
A transladação deveu-se ao facto da abadia de Claraval ter sido dissolvida em 1792, aquando da
Revolução Francesa.
113
MUELA, 1998: 52;
60
vermelho. A escolha desta cor parece propositada, atraindo o observador para a cena
principal, porém poderá albergar significados distintos: é a cor associada à Paixão de
Cristo, da dor e sofrimento, mas também a de um amor espiritual, associado a Cristo. Sob
outra perspetiva, conhecemos o presságio que antecedeu o nascimento do Santo, no qual
a sua mãe sonhara que levava nas entranhas, um cão branco, manchado de vermelho no
dorso, que defenderia a casa de Deus e ladraria contra os inimigos da fé.114

FIGURA 21 – S. Bernardo recebido na Ordem e a Morte de S. Bernardo, 1738, Diogo Teixeira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

• A APARIÇÃO DA VIRGEM – LACTATIO

A crescente devoção à virgem foi caraterizadora do espírito religioso medieval


sendo que, a partir do século XII, assistiu-se a um impulso na devoção mariana instalada
na Europa e que renomeou a cronologia como século mariano.115 Maria ocupava um lugar
de intermediária116 entre a Igreja e Cristo, honrada como humilde rainha e passando a ser

114
MUELA, 1998: 51;
115
PINTO, 2015: 9;
116
PINTO, 2015: 38;
61
exaltada com espírito de grandeza, dignidade e poder. Este clima de devoção foi
promovido por instituições religiosas que deram lugar a Maria quer na liturgia, com os
mariale117, quer nos livros e na homilética. A ordem de Cister foi uma delas, adquirindo
um papel preponderante na disseminação do culto, colocando os seus mosteiros sob
invocação da Virgem a quem se dirigiam como Mater Cisterciensium.118 O próprio S.
Bernardo granjeou a reputação de grande pregador e doutor mariano por excelência, que
se amplificou por meio de temas iconográficos como este.119 André Gonçalves oferece-
nos uma interpretação de uma das experiências místicas de S. Bernardo, episódio que
dispõe como fonte literária os sermões ao cantar dos cantares120, escritos pelo próprio.
O momento representado é o instante da aparição que ocorreu enquanto S. Bernardo orava
perante uma simples imagem da Virgem. Ao proferir em voz alta as palavras monstrate
esse matrem121, apareceu-lhe a Virgem com o Menino nos braços respondendo monstro
me esse matrem122 e do seu peito jorrou leite materno, alimentando S. Bernardo. Assim o
representa o artista, respeitando os modelos da peça anterior e criando uma uniformidade
a nível do traço e do cromatismo em todo o conjunto, através da utilização de uma paleta
suave e luminosa. A Virgem, de desenho elegante, está com o Menino ao colo e amamenta
o abade, colocando a mão no seu seio e jorrando leite materno. O vermelho das suas
vestes e o azul do seu manto, sobrepõem-se aos tons neutros da restante composição. Já
o rosto sereno da Virgem e a graciosidade do Menino, conjugados com a particular
iluminação dada à cena principal, criam uma atmosfera mística, enfatizada pelos
panejamentos pregueados e esvoaçantes assim como pelas nuvens e anjinhos, alguns
apenas sugeridos por pequenos rostos pálidos e cabelos ondeados.

• EL AMPLEXUS

A terceira tela representa uma outra visão de S. Bernardo, El Amplexus, cujo relato
participa da sua biografia, descrevendo o abraço dispensado ao santo por Cristo
crucificado. Enquanto Bernardo orava fervorosamente, Cristo apareceu-lhe na cruz e,
descravando um dos seus braços, abraçou-o.123 A fonte para este tema volta a estar

117
PINTO, 2015: 12;
118
Mater Cisterciensium- Título colocado nas portarias dos Mosteiros da Ordem;
119
PINTO, 2015: 69;
120
MUELA, 1998: 53;
121
MUELA, 1998: 53;
122
MUELA, 1998: 53;
123
MUELA, 2008: 53 (tradução de Margarida Gonçalves);
62
presente nos Sermões ao Cantar dos Cantares124, onde S. Bernardo confessa a sua
devoção pela Paixão de Cristo, tema frequente nos seus escritos.

FIGURA 22 – Lactatio e El Amplexus, 1738, André Gonçalves;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

A composição de André Gonçalves é simples, dando destaque ao momento do


abraço que aparece ao centro da mesma recriando, uma vez mais, a irrupção do
sobrenatural no quotidiano de S. Bernardo, que conquista aqui, um caráter de
normalidade, na qual a presença dos anjos – convencional recurso do barroco –
paradoxalmente acentua. Um desenho apurado na figura de Cristo, que denota algum
conhecimento anatómico, mas também revela técnica na conceção das volumetrias do
corpo e panejamentos, conseguidas através da utilização de jogos de luz.
Ao nível das empenas da abóbada, quatro outras pinturas completam toda esta
leitura com representações dos evangelistas, reconhecidos como os quatro pilares da
igreja: S. João, S. Lucas, S. Marcos e S. Mateus.

124
MUELA, 2008: 56;
63
S. João era um pescador que se tornou um dos escolhidos por Jesus e ocupou um
lugar especial entre os apóstolos, tendo presenciado alguns dos mais importantes
momentos da vida de Cristo,125 como a Transfiguração ou a Oração no Monte das
Oliveiras.126 É aquele que Jesus amava (Jo 19, 26-27) e, como prova desse amor, lhe
encomendou o cuidado de sua mãe, Maria, que João acolheu e a tomou por sua.127 É
representado jovem e imberbe, figuração comum na arte ocidental,128 espelhando a sua
jovialidade, pois era o mais novo entre os apóstolos.129 Sentado, segura um livro e uma
pena, símbolos do evangelho que escreveu. Veste uma túnica verde e um manto vermelho,
por não ter morrido de martírio algum. A presença da águia, com quem troca um olhar, é
uma constante nas suas representações, destacando-se como seu atributo principal.130
S. Lucas, é o autor do terceiro evangelho canónico, foi quem recebeu informação
privilegiada de Maria sobre o momento da Anunciação e o Nascimento de Jesus,
disfrutando de uma consideração privilegiada dentro da igreja.131 Ao contrário de S. João
e S. Mateus, S. Lucas não conheceu Jesus pessoalmente, tendo abraçado a fé cristã por
volta do ano 40, depois da Paixão de Cristo.132 Discípulo direto de S. Paulo133, era culto
e versado em literatura mas também médico de profissão.134 A sua iconografia pode variar
entre três facetas, que se destacam na sua personalidade, podendo ser representado como
como médico, pintor ou evangelista, tal como nos mostra André Gonçalves nesta tela. É
representado como adulto, com barba e cabelo grisalho, escrevendo o seu evangelho na
presença de um touro, o seu atributo principal, símbolo do sacrifico de Cristo por nós.135

125
MUELA, 1998: 234;
126
MUELA, 1998: 64;
127
MUELA, 2008: 232;
128
MUELA, 2008: 64;
129
VORÁGINE, 1996: 65;
130
MUELA, 2008: 234;
131
MUELA, 2008: 289;
132
VORÁGINE, 1996: 669;
133
VORÁGINE, 1996: 669;
134
VORÁGINE, 1996: 669;
135
VORÁGINE, 1996: 669;
64
FIGURA 23 – S. João e S. Lucas, 1738, André Gonçalves;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

S. Mateus, também apóstolo de Cristo, escreve o seu evangelho, em boa parte


dedicado à infância de Jesus, demonstrando que Ele era o messias anunciado pelos
profetas136, no Antigo Testamento. Nas suas representações mais comuns, o evangelista
aparece sentado, escrevendo o seu evangelho inspirado por um anjo,137 um dos seus
atributos, podendo também ser substituído por ele. A escolha do anjo como atributo de
Mateus justifica-se pela sua forma humana, pois S. Mateus procurou evidenciar, no seu
evangelho, a humanidade de Cristo, iniciando-o com o episódio físico e terreno do seu
Nascimento. O Anjo, juntamente com todos os animais simbólicos (Águia, Touro e Leão)
formam o Tetramorfo.138
S. Marcos, evangelista e sacerdote, foi um dos primeiros discípulos de
Pedro, tendo-o acompanhado na sua viagem a Roma, onde escreveu um documento

136
MUELA, 1998: 61;
137
MUELA, 2008: 322;
138
MUELA, 1998: 61;
65
integrando toda a doutrina e atividade de Cristo, incluindo os seus milagres.139 É o autor
do segundo evangelho canónico, mas foi o primeiro a colocar por escrito todos os
ensinamentos de Jesus, tendo como objetivo primordial demonstrar que Ele era
verdadeiramente o filho de Deus. S. Marcos aparece sentado, escrevendo o seu evangelho
junto ao seu animal simbólico, o leão140, podendo ser substituído por ele. O leão é símbolo
da ressurreição e é representado à direita de Cristo quando em conjunto com os restantes
elementos do Tetramorfo.

FIGURA 24 – S. Mateus e S. Marcos, 1738, André Gonçalves;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

139
VORÁGINE, 1996: 253;
140
MUELA, 1998: 61;
66
3.2 Na Nave

À sobriedade da arquitetura, não corresponde, necessariamente, a pobreza do


interior que apresenta uma enorme exuberância decorativa. A presença da arte da talha é
também testemunhada pelos altares que acompanham o corpo central da igreja que,
caraterizados pela sumptuosidade de materiais nobres, exibem os cultos mais
representativos. Dando continuidade ao percurso iconográfico, analisemos, agora, as oito
capelas pouco profundas que se abrem por meio de arcos redondos, dispersos pelos
alçados da nave. O programa dos altares, registado na década de cinquenta do século
XVIII141, parece ter sofrido algumas alterações ao nível das invocações que acolhem.
Ladeando o arco cruzeiro, do lado do Evangelho, existia um altar dedicado a S. Pedro,
dando agora lugar ao culto do Sagrado Coração de Jesus. Contrapondo o lado do
Evangelho, segue-se um outro dedicado à Imaculada Conceção da Virgem que ocupa hoje
o anterior altar de culto à Virgem do Rosário. Nos muros laterais, o altar de Cristo
Ressuscitado contrapõe a capela da Beata Rª Sª Mafalda, seguindo-se um altar com o
Calvário de frente para o altar de S. Bartolomeu. No arco do coro, duas capelas, dedicadas
a S. Bento e S. Bernardo, respetivamente. A análise que se segue, respeita um percurso
iconográfico concebido em memória da história deste Mosteiro pelo que fará todo o
sentido que se inicie pelo altar da Beata Mafalda, percorrendo os altares cujos Santos são
de raiz medieval, sucedendo-lhes os altares de culto mariológico e cristológico.

141
ROCHA, 2011: 348;
67

FIGURA 25 – Planta de identificação dos altares distribuídos pela nave na igreja;




Altar da Imaculada
Conceção da Virgem

Altar do Sagrado
Coração de Jesus



Altar da Rainha Santa Mafalda


Altar de Cristo
Ressuscitado




Altar do Calvário
Altar de S. Bartolomeu

Altar de S. Bento Altar de S. Bernardo




Fonte: Margarida Gonçalves, 2020

68
3.2.1 Altar da Rainha Santa Mafalda

O local mais representativo da memória desta Rainha é o seu túmulo. Tendo a sua
eleição como beata justificado a permanente exposição das suas relíquias, suporte
concreto para paradeiro das demais devoções,142 as monjas não se demoraram a
encontrar local privilegiado para tal, respondendo à afluência dos fiéis. A existência da
Rainha Santa Mafalda povoou o imaginário de um povo durante séculos, afirmando-se
na memória da coletividade e sendo, claramente, a chave para a desconstrução da história
deste mosteiro. Assim, localizado quase de frente para a porta principal da igreja, o altar
dedicado à Santa é o ponto de partida neste percurso iconográfico que inicio.
Em 1718, a igreja nova estava pronta a ser benzida, não havendo melhor ocasião
para a trasladação do túmulo de Mafalda do altar provisório, ao lado direito das grades
do coro, para o local onde atualmente se encontra. O altar denota expressão Joanina,
visível na utilização de uma gramática decorativa caraterística, com base na concha,
feixes de plumas e volutas que antecedem a peça primordial do altar, o cofre que acolhe
a Rainha. Desenho de José Francisco Paiva, entalhador portuense, a peça é de forma
trapezoidal e envidraçada, conjugando a transparência das zonas vidradas com a armação
laboriosa em pau preto e ébano. No seu interior, acolhe os restos mortais da Beata
Mafalda, num relicário que se crê fiel à sua imagem. A Rainha, de rosto sereno e traços
delicados, encontra-se recostada sobre uma almofada, com o corpo ligeiramente voltado
para os fiéis. O cofre, adornado com apliques de prata e bronze dourado da lavra de
António Faria Soares, explora a estética entre a linearidade do Neoclássico e a
sinuosidade característica do Barroco143, visível sobretudo no recorte ondulado da tampa
em oposição às molduras lisas de contorno da peça. Destaque-se a moldura inferior pela
ligeira curvatura ao centro que recebe as armas de Portugal e Castela. Nas ilhargas, duas
cabeças de anjo em bronze dispostas de um e outro lado do cofre. A peça é encimada por
um corolário que sustenta a coroa real em bronze dourado, ornada com volutas e motivos
florais vários. Todo o altar é integrado numa estrutura que relembra o Baldaquino
Berniniano, onde o cofre é ladeado por duas colunas pseudo salomónicas de capitel
coríntio e cujo remate é feito por um frontão curvo interrompido. Nas aletas, duas figuras
se estendem, a alegoria da fé, segurando uma cruz e, do outro lado, um anjo que segura
um bebé. Recorde-se que, desde a idade média, o corpo de D. Mafalda se encontrava

142
ROCHA, 2011: 126;
143
ROCHA, 2011: 126;
69
encerrado num túmulo de pedra, atualmente exposto no lugar debaixo da banqueta do
altar.

FIGURA 26 – Altar da Rainha Santa, 1718, nave da igreja;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

70
FIGURA 27 – Túmulo da Rainha St.ª Mafalda, (S.d.), José Francisco Paiva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

FIGURA 28 – Pormenor do altar da Rainha St.ª Mafalda, (S.d.), José Francisco Paiva;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

71
FIGURA 29 – Brasão de D. Mafalda, Pormenor no túmulo da Rainha, José Francisco Paiva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

3.2.2 Altar de S. Bartolomeu

Segue-se um altar dedicado a S. Bartolomeu, da autoria de Miguel Francisco da


Silva, que o arrematou em 1738, tendo sido possivelmente concluído em 1741, ano em
que foi executado o seu douramento por Manuel Cerqueira Mendes.144
O retábulo, adaptado ao espaço arquitetónico que lhe é facultado, revela uma
conceção interessante dentro da expressão Joanina, mas com alguns traços da primeira
fase do Barroco Nacional, na utilização das colunas torsas de motivos florais e do nicho
central dimensionado. Sobre a tribuna, uma pequena escultura de madeira policromada
representando S. Bartolomeu. O apóstolo está representado como jovem adulto, de vastos
cabelos negros frisados e barba espessa, caraterísticas que definiram a sua iconografia ao
longo do tempo:145 veste uma túnica castanha, manto vermelho e sandálias, fazendo-se
acompanhar de alguns atributos, entre os quais a enorme faca, na mão direita, alusiva ao

144
ROCHA, 2011: 387;
145
MUELA, 1998: 42;
72
seu martírio, pois fora-lhe retirada a sua vestimenta natural, a pele,146 simbolizando o
desprendimento corpóreo da alma. Traz, acorrentado, um demónio, figura contorcida e
disforme, subjugada aos seus pés147, símbolo da sua qualidade de Santo exorcista pelo
poder que demonstra no domínio dos demónios, fazendo-os temer a sua presença. Para
além da sua condição de exorcista, é considerado advogado dos que sofrem de epilepsia
ou gaguez. Atrás, um pequeno Calvário com Cristo Crucificado ao cimo de um
amontoado de pedras. De um e outro lado de Cristo, dois plintos vazios, que
possivelmente seriam ocupados por uma escultura da Virgem à esquerda e S. João
apóstolo, à direita. À esquerda de S. Bartolomeu, Santa Francisca, protetora dos
emigrantes e refugiados, segura um livro que diz: OMNIA POSSVM IN EO QVI ME
CONFORTAT – TUDO POSSO NAQUELE QUE ME CONFORTA. Todo o conjunto retabular,
segue o esquema do Baldaquino Berniniano, encimado por um frontão curvo
interrompido adornado com anjos que exaltam uma coroa e ainda a alegoria da fé. A
justificação para que se tenha mantido um altar de culto a S. Bartolomeu prende-se com
o facto de esta ter sido a invocação da igreja matriz, onde, no século XVIII, se davam
todas as funções paroquiais.148

FIGURA 30 – Altar de S. Bartolomeu, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

146
MUELA, 1998: 41;
147
MUELA, 1998: 42;
148
ROCHA, 2011: 243;
73
FIGURA 31 – Altar de S. Bartolomeu, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

74
FIGURA 32 –S. Bartolomeu, pormenor do altar, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

75
3.2.3 Altar de S. Bento

Sucede-lhe o altar dedicado a S. Bento cujo retábulo sobredourado é também da


autoria dos mesmos mestres, com a conclusão da talha em 1741 e posterior douramento
em 1744. Semelhante na expressão ao retábulo anterior, desenvolve-se a partir do nicho
central, espaço destinado à invocação do Santo que é ladeado por colunas salomónicas
cujas grinaldas de flores acompanham a sua sinuosidade. O altar, conta apenas com um
propósito, o de enaltecer a figura de S. Bento, enquanto fundador da Ordem Beneditina e
autor da Regra pelo qual se regeu este Mosteiro até 1224, data em que a comunidade
religiosa preparou a mudança para a Ordem de Cister.149 Numa imponente escultura em
pedra, S. Bento é representado sobre uma mísula com folhas de acanto e volutas e coberto
com uma sanefa tipo baldaquino que remata a parte superior do retábulo. S. Bento,
figurado num jovem imberbe de tonsura monacal, faz-se acompanhar dos seus atributos
comuns, o hábito negro com capuz, beneditino, o báculo e a mitra.150 Aos seus pés, um
corvo, alusivo ao momento em que recebeu um pão envenenado como presente de um
sacerdote invejoso do seu sucesso e que o Santo pediu ao corvo para que o levasse onde
ninguém o pudesse achar.151

FIGURA 33 – Altar de S. Bento, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

149
COELHO, 1988: 56;
150
MUELA, 1998: 46;
151
MUELA, 1998: 44;
76
FIGURA 34 – Altar de S. Bento, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

77
3.2.4 Altar de S. Bernardo

Desenho do Mestre entalhador Miguel Francisco da Silva e douramento pelo


Mestre Manuel Cerqueira Mendes, tem datação igual aos retábulos anteriores, com data
de 1741 e douramento posterior em 1744. A estrutura do retábulo possui uma
configuração vertical marcada pelo alinhamento das pilastras, relevadas com capitéis
coríntios no fundo do retábulo, prosseguimento das colunas salomónicas à frente. Estas,
são igualmente rematadas por capitéis coríntios, seguindo-se uma edícula que nos dá a
perceção de uma falsa arquitrave e falso friso, cujo tríglifo é decorado com uma concha.
O centro do retábulo é marcado pela peanha central, ligeiramente elevada, onde
se localiza a escultura de S. Bernardo de Claraval, abade cisterciense. Foi o responsável
pela fundação de muitos mosteiros e a filiação de tantos outros.152 No caso deste, terá sido
por vontade de D. Mafalda que se adotou, em 1226, a Ordem de Cister.153 Assim, faz todo
o sentido que a figura de S. Bernardo se faça presente neste espaço religioso, pela sua
condição de impulsionador da Ordem, Santo e Doutor da Igreja. É representado com o
hábito branco Cisterciense, segurando o báculo na mão esquerda, atributos comuns da
sua iconografia.154 Dá ainda o sinal de bênção com a sua mão direita. A cobri-lo, uma
sanefa tipo baldaquino que, por sua vez, é encimada por um frontão curvo interrompido,
sobre o qual se espraiam dois anjos. A concluir o retábulo, um enorme corolário no qual
dois anjos seguram uma coroa.

152
MUELA, 1998: 52;
153
COELHO, 1988: 58-59;
154
MUELA, 1998: 53;
78
FIGURA 35 – Altar de S. Bernardo, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

79
FIGURA 36 – Altar de S. Bernardo, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

3.2.5 Altar do Calvário

No seguimento do altar de S. Bernardo, está um outro altar de igual traço


representando a cena do Calvário. Ao centro, Cristo Crucificado é representado morto,
com a cabeça inclinada sobre o ombro direito e veste apenas o perizonium. Encontra-se
ladeado pela Virgem Maria, à direita, representada com uma túnica vermelha de motivos
dourados e manto branco que lhe cobre a cabeça. As mãos, unidas, indicam resignação
perante o sucedido. À esquerda de Cristo, o apóstolo S. João (Jo 19: 24, 26), vestido com
a túnica verde e manto vermelho, combinação frequente na sua iconografia. Um verde
associado à esperança que se justifica pelo percurso evangélico que ainda teria a
percorrer, sendo o mais novo de entre os apóstolos. O vermelho é a cor da paixão que
sentia pelo seu mestre, um amor espiritual. Ajoelhada aos pés de Cristo crucificado, é
representada Maria Madalena (Jo 19: 24, 25), sendo que a sua importante intervenção no
ciclo da Paixão se inicia ao pé da cruz, mostrando a sua dor pela morte de Cristo.155 A
transformação que experiencia, de cortesã a penitente, fez dela uma personagem atrativa

155
MUELA, 1998: 314;
80
para a devoção popular sendo umas das santas de maior culto no Cristianismo.156 É
identificada de imediato pela sua túnica alaranjada157 e os seus cabelos soltos ondulados
e descobertos158 trazendo consigo um pano onde enxugara as suas lágrimas. Recorde-se
que a devoção à Santa Cruz e à Paixão do Senhor atingiram o auge neste período através
da liturgia da Semana Santa o que promoveu a execução de verdadeiros Teatros
Litúrgicos nos altares interiores das igrejas barrocas.159

FIGURA 37 – Altar do Calvário, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

156
MUELA, 1998: 309;
157
MUELA, 1998: 313;
158
MUELA, 1998: 314;
159
SILVA, 2011: 118;
81
FIGURA 38 – Altar do Calvário, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

3.2.6 Altar de Cristo Ressuscitado

O programa iconográfico deste retábulo assenta na mesma gramática decorativa e


estrutura formal dos anteriores, justificado pela sua contemporaneidade e autoria.
Apresenta duas colunas salomónicas que limitam o pano central do retábulo no qual se
desenvolve o tema. O discurso evidencia-se na imagem de Cristo ressuscitado,
caraterizado pela magnificência da sua representação. Embora não ostente as marcas dos
cravos nas mãos e pés, Cristo é representado vivo, envolto apenas com o perizonium e
sustendo a cruz da sua crucificação. A sua vivacidade é traduzida num magnifico trabalho
de modelação escultórica corporal, cuja luz superior que lhe incide, o enaltece, figurando-
se um Cristo sumptuoso, simultaneamente intangível e corpóreo. Atrás, o resplendor
envolve toda a figura de Cristo.

82
FIGURA 39 – Altar da Ressurreição de Cristo, 1741, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

83
3.2.7 Altar do Sagrado Coração de Jesus

No lado da epístola, segue-se um outro altar cujo retábulo acompanha a estética


dos retábulos nacionais portugueses, marcado pela densidade da talha, onde predominam
elementos estruturais e decorativos. Destaque-se os motivos espiralados das colunas
salomónicas que enquadram o nicho com uma pequena pintura sobre madeira que serviria
de fundo à imaginária da invocação que lhe havia sido predestinada. Teve, outrora, a
advocação ao Santíssimo Sacramento, certamente ocasionada pelo associativismo
devocional que, em 1712, já se evidenciava neste Mosteiro com as Irmandades da Nª Sª
do Rosário e a do Santíssimo.160 Acolhe hoje a invocação ao Sagrado Coração de Jesus,
culto com origem nas devoções populares da idade média, porém disseminado sobretudo
no século XVII.161 Símbolo do amor de Cristo pela humanidade, o tema entrou
definitivamente no reportório iconográfico católico, no século XIX.162 A sua iconografia
respeita a descrição da visão de Santa Margarida Alacoque, segundo a qual Cristo é
representado com a mão ao peito, apontando sobre o coração flamejante, fora do peito,
envolto na coroa de espinhos.163 Sobre o coração, a cruz que recorda o amor de Cristo
vivido até ao supremo sacrifício do Calvário e da sua morte.164 A concluir todo o retábulo,
o arco concêntrico que emoldura o nicho é pontuado por aduelas com rostos de meninos
alternadas por cachos de uvas e enrolamentos de folhagens. No seu interior, uma espécie
de tímpano se abre, exibindo um sol radiante com o Espirito Santo, figurado numa pomba
branca.165

160
ROCHA, 2011: 162;
161
Com base nas visões de Santa Margarida Maria Alacoque que refere ter tido uma visão com Jesus
exibindo o seu coração ensanguentado. RÉAU, 2008: 54;
162
RÉAU, 2008: 54;
163
RÉAU, 2008: 53;
164
RÉAU, 2008: 53;
165
RÉAU, 2000: 101;
84
FIGURA 40 – Altar do Sagrado Coração de Jesus, Séc. XVIII;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

85
3.2.8 Altar da Imaculada Conceção da Virgem

Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol,
temível como um exército em ordem de batalha? (Cântico dos Cânticos 6, 10)

Dando continuidade à leitura iconográfica, segue-se um altar também de


expressão nacional, dedicado ao culto da Imaculada Conceção da Virgem. De entre tantas
advocações, o culto à Imaculada Conceção da Virgem, junto do culto à Nª Srª do Rosário,
destacaram-se na devoção mariana deste período.166 Muito vinculado na ordem dos
Franciscanos167, este culto teve como base a ideia de que Maria não poderia nascer com
o pecado original ou não seria digna de acolher no ventre o Salvador, por isso Deus
estabeleceu que Maria viria ao mundo sem mácula nem pecado. O retábulo destaca-se
pela densidade da talha e da sua riqueza ornamental traduzida na introdução de colunas
salomónicas decoradas com meninos, uvas e folhas de videira.168 Estas, por sua vez,
limitam o pano central do retábulo onde uma pintura sobre madeira, representando rosas,
serve de fundo à escultura da Imaculada Conceição. Conjugam-se as caraterísticas de uma
Virgem Tota Pulchra com atributos da mulher apocalíptica169, numa iconografia própria
onde a Virgem Imaculada aparece sobre uma lua crescente e afasta a serpente com os
seus pés. Vestida de branco, com o seu manto azul, por excelência, com os seus detalhes
dourados, a Virgem encontra-se em oração, rodeada por cabeças de anjos que brotam da
nuvem aos seus pés. O remate do retábulo é feito em arquivolta concêntrica, prolongada
pelas colunas torsas emparelhadas, um esquema que, de acordo com a perceção de Robert
Smith, lembra a organização dos portais românicos.170 A arquivolta é ornamentada por
cachos de uvas e folhas de videira, intercalados com aduelas pontuais que, por sua vez,
exibem rostos de anjos por entre enrolamentos de folhas de acanto. Todo o retábulo é
marcado por uma coloração pontual, quer na carnação dos meninos quer nas fénixes e
flores que os envolvem.

166
NADAL INIESTA, 2008: 278;
167
NADAL INIESTA, 2008: 278;
168
RÉAU, 2000: 110;
169
NADAL INIESTA, 2008: 278;
170
SMITH, 1962: 69;
86
FIGURA 41 – Altar da Imaculada Conceção da Virgem, Séc. XVIII;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

87
4. CAPÍTULO IV – As Sacristias

As sacristias são uma extensão do altar, de onde parte o rito e onde o mesmo se
encerra.171 Podem apresentar-se com várias designações desde secretarium, diaconicum,
sacrarium, vestiarium, armarium ou até biblioteca.172 Parte integrante da igreja cristã, as
sacristias passaram de espaços anexos de apoio à liturgia, para dependências aparatosas
onde os sacerdotes encontravam a ordem e o esplendor necessários à prossecução das
cerimónias. A capela-mor da igreja do Mosteiro de Arouca é ladeada por duas sacristias
dispostas uma no lado do Evangelho, destinada aos confessores e capelães, e outra do
lado da Epístola onde, anteriormente, as monjas recebiam o Corpo de Cristo. A comunhão
era feita através de um postigo, na porta de acesso ao corredor lateral da igreja que, por
sua vez, dá para o coro. As monjas percorriam-no e subiam os degraus de um
genuflexório173 colocado no local, para o efeito. Nesse postigo, uma inscrição: Panem
angelorum manducavit homo – que significa o pão dos Anjos alimenta o homem.174 Mas
pensemos a liturgia divina como uma construção, que integra não só a convergência da
interação coletiva e individual, na intimidade de cada um, mas sobretudo a linguagem
escrita, oral, gestual e imagética que determinam o tempo divino que se faz presente no
tempo humano.175 Assim, a presença de figuras sagradas no interior das sacristias é um
fator comum, que se adequa à liturgia cristã e lhe confere sentido, direcionando a
existência do espaço. O interior de ambas as sacristias na igreja de Arouca é composto
por Arcazes robustos, de castanho, e espaldares embutidos que ambientam pinturas cuja
autoria se desconhece.

4.1 Sacristia do Lado do Evangelho

Na sacristia correspondente ao lado do Evangelho, quatro telas embelezam o


espaço, relacionando-se tematicamente. Seguindo uma leitura da esquerda para a direita,
a primeira tela exibe S. José e o Menino, enquadrados numa soleira de porta,
plantando no espetador a ideia de um local terreno e familiar. É a partir do século XVI

171
SANTOS, 2012: 16
172
MARQUES, 2007: 6;
173
Genuflexório- do latim genuflexorium que se entende por um móvel apropriado para orar de joelhos.
174
Voz Evangelica qve nos mudos Caracteres da Eftampa Catholicamente brada, & fe Divulga em 40,
Sermoens Panegyricos Feftivos, como tambem Funebres, & Quarefmais, p.381;
175
COSTA, 2017: 101;

88
que S. José adquire maior protagonismo, alcançando um espaço próprio e individual na
iconografia e na devoção popular.176 Entendido como um afetuoso pai de família, protetor
da Virgem e do Menino Jesus, afigura-se um S. José jovem, procurando enfatizar a força
do corpo e as virtudes da alma, tal como a Contrarreforma o dignificou.177 Se na idade
média víamos um S. José representado secundariamente nas composições178, vemos,
neste período, um jovem adulto acompanhado pelo Menino, numa atitude ternurenta,
assumindo, de alguma forma, a função que até então era exercida por Maria.179 Dois
querubins observam a cena e estreitam a ligação entre o carnal e o divino. Não havendo
atributos ligados à carpintaria (serra, plaina ou esquadro) que nos permitam ter plena
certeza desta identificação, o Menino brinca com a vara florida, principal atributo de José
que expurga qualquer dúvida em relação à sua identificação.

176
MUELA, 2008: 230;
177
MUELA, 1998: 58;
178
MUELA, 2008: 229;
179
MUELA, 2008: 231;
89
FIGURA 42 – S. José com o menino, sacristia do lado do Evangelho;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Na tela seguinte, S. Bento de Núrsia, fundador da Ordem Beneditina e Patrono


da Europa, titulo outorgado pelo Papa Pio XII.180 Ao centro da composição, apresenta-se
como jovem imberbe, com a cabeça rapada e a ampla tonsura monacal, descrição comum
às figurações da idade média.181 De hábito negro beneditino, é representado com todos os
seus atributos, entre eles, o báculo e um livro apoiado na mesa, alusivo à sua regra.182
Ainda que pouco legível, observamos um corvo, aos seus pés, transportando no bico um
pedaço de pão relembrando-nos da tentativa de envenenamento que sofrera. Ao saber que
o pão estava envenenado, S. Bento pediu ao corvo que o levasse para local onde não
pudesse ser encontrado.183

180
MUELA, 1998: 46;
181
MUELA, 1998: 46;
182
MUELA, 1998: 46;
183
II Livro dos Diálogos de S. Gregório Magno, Cap. XXXIV;

90
FIGURA 43 – S. Bento de Núrsia, sacristia do lado do Evangelho;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

As representações isoladas de S. Bento são frequentes, embora apareça muitas


vezes emparelhado com S. Bernardo de Claraval184, na qualidade de fundadores das
ordens pelas quais se regeram este mosteiro, facto que justifica a temática seguinte. De
hábito branco Cisterciense, S. Bernardo é representado com os seus atributos comuns, o
báculo, na sua mão esquerda, e a tonsura monacal185, elevando a mão num gesto de
bênção aos fiéis.186 Podemos ainda constatar a continuidade a nível do enquadramento
pictórico e arquitetónico de ambos os santos pois os tons térreos de fundo, evidenciam as
suas figuras.

184
MUELA, 1998: 47;
185
MUELA, 1998: 47;
186
Recordemos que a religião Cristã é a religião da palavra e os gestos especificamente eloquentes, segundo
a configuração da Idade Média, observam-se, agora, como gestos de bênção do Cristianismo com origem
nos movimentos da retórica dos gregos e romanos. BARASCH, 1999: 27;
91
FIGURA 44 – S. Bernardo de Claraval, sacristia do lado do Evangelho;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

A última tela conclui a leitura, encerrando a narrativa conjunta com uma Virgem

de Ternura. A afirmação do culto à Virgem e da sua iconografia teve como veículo de


disseminação a Ordem de Cister e as Ordens mendicantes187, na qual se insere este
Mosteiro justificando, assim, as inúmeras imagens dispersas por este cenóbio. Outra das
razões que fundamentam a preferência pelas temáticas marianas, prende-se com a
fervorosa devoção de S. Bernardo à Virgem. Vestida com a túnica azul, cor de Maria e
do sagrado por excelência, a Virgem aparece representada não só como mãe de Jesus,
mas como mãe da humanidade redimida e, como tal, um elemento fundamental para a
concretização histórica do amor que salva188, o amor de Deus para com a humanidade.

187
Nª Sª na Devoção do povo de Arouca, 1988: 13;
188
Nª Sª na Devoção do povo de Arouca, 1988: 18 - 19;
92
FIGURA 45 – A Virgem da Ternura, sacristia do lado do Evangelho;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

A sua expressão maternal189 comporta uma matriz mais livre e imprevista sendo
que a Virgem aparece representada sentada de forma mais humanizada participando nas
brincadeiras do Menino.190 Inseridos num ambiente intimista, de interior, Jesus brinca
sobre o olhar ternurento de sua mãe, apontando o livro, estando ambos protegidos por
dois querubins, sugeridos pelos rostos que brotam da nuvem.

4.2 Sacristia do Lado da Epístola

Do lado da Epístola, uma outra sacristia que conta com uma única e sólida peça
de mobiliário com disponibilidade para arrumações alargadas. Esta peça acompanha toda

189
Nª Sª na Devoção do povo de Arouca, 1988: 18 - 19;
190
RÉAU, 1996: 78;
93
a área parietal e exibe oito pinturas, integradas nos espaldares de castanho. O conjunto
inicia-se com um Tema Mariano.

FIGURA 46 – Tema Mariano, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Apesar da extensão dos danos causados pelo tempo e humidade do espaço, uma
observação atenta permitiu identificar alguns elementos que ajudaram a clarificar o tema
possível desta pintura. Ao centro da composição, encontra-se uma figura feminina,
percetível pelo corte das vestes e do manto branco que sustenta no colo. No canto superior
direito um galo, sobre o parapeito da janela, única fonte de iluminação do espaço. São
diversas as simbologias atribuídas ao galo entre as culturas orientais e ocidentais, mas
comummente, em todas elas o galo está ligado aos cultos solares, pois o seu canto anuncia
o nascer do sol. Na tradição cristã, o Galo é quem anuncia a boa nova do nascimento de
Jesus, à meia noite, e anuncia, ao nascer da aurora, a Ressurreição de Cristo.191 Aqui, na

191
RÉAU, 1996: 112;
94
presença de Maria, identificada pelo azul da sua indumentária, o galo parece anunciar um
novo dia, no sentido do nascimento de uma nova luz para o mundo, o nascer de Jesus,
como o renascer da esperança da humanidade.192

FIGURA 47 – Tema Mariano, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020



A segunda pintura retrata a Fuga para o Egito, mostrando o Menino Jesus ao colo
de Maria enquanto S. José orienta o burro, que serve de transporte aos dois. A família é
acompanhada por um anjo que os guia, representação recorrente neste episódio a partir
do século XVI.193 Sem grande espaço para o cenário paisagístico, o artista concentra-se
na cena que domina o centro da composição. A eleição das cores compensa uma certa
falta de rigor técnico. Símbolo da sua humildade e nobilitação, o azul foi atribuído a Maria
tendo sido uma constante na pintura ocidental sobretudo com a afirmação do culto
mariano na Europa.

192
RÉAU, 1996: 112 - 127;
193
RÉAU, 1996: 108;
95
FIGURA 48 – A Fuga para o Egito, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

O anjo, de tez branca, traz consigo um manto vermelho, símbolo do amor puro e
S. José afigura-se rejuvenescido, no auge das suas virtudes físicas e espirituais,
demonstrando como as normas dimanadas do Concilio de Trento encontraram
repercussão na pintura, ao serviço dos revigorados dogmas da igreja. A família encontra-
se aureolada embora de maneira diferente: S. José aparece-nos apenas com um halo fino
e gracioso enquanto que o Menino emana uma luz mais forte e Maria é agraciada com
uma estrela ou clarão branco que a nomeia mãe de Jesus.
Sucede-lhe o tema de Jesus no Monte das Oliveiras representando o momento
que antecede a Paixão de Cristo. Tema predileto no século XV, inclusive em grupos
escultóricos,194 é narrado pelos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, descrevendo o
momento em que Cristo revelou a sua sublimidade aos discípulos prediletos: Pedro, Tiago
e João. O artista procede à junção dos três momentos que completam o episódio, através
de uma composição figurada em três planos, embora a ideia de profundidade não seja tão
bem concebida. No primeiro plano, Cristo ajoelhado com as mãos unidas em
conformidade com o seu destino. Os três discípulos, afastados e adormecidos no chão e,

194
RÉAU, 1996: 444 a 448;
96
no céu, um anjo, que apareceu a Jesus para apaziguar a sua angústia, facto que apenas o
evangelho de S. Lucas menciona.195 O anjo segura um cálice que serve de metáfora a
Cristo para explicar a sua Paixão, comparando-o a um copo de fel que se deve beber até
ao fim, tal como o ciclo da sua Paixão deveria ser terminado.

FIGURA 49 – Jesus no Monte das Oliveiras, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020



A quarta tela representa um dos momentos da Paixão de Cristo, quando ocorre a
sua Flagelação. Acusado de blasfémia pelo Sinédrio196, por afirmar-se filho de Deus e
autointitular-se de rei dos Judeus, Jesus foi condenado ao suplício da flagelação.197 O
artista traz-nos uma composição simplificada, onde apenas as personagens principais
participam da cena: Jesus Cristo, que recebe os açoites de pé, atado à coluna, e os
carrascos que executam a tarefa.198 Enquadrada arquitetonicamente, a cena desenrola-se
no centro da composição onde Jesus é representado parcialmente nu, usando apenas o
perizonium. Não há qualquer rigor anatómico relativamente a estas figuras nem mesmo a

195
RÉAU, 1996: 444 a 448;
196
Palavra que designa o tribunal religioso dos judeus, uma assembleia de juízes judeus;
197
RÉAU, 1996: 470;
198
RÉAU, 1996: 472;
97
nível perspético. Denote-se que os carrascos parecem flutuar, atrás e à frente da coluna,
simultaneamente. Um deles segura na mão um chicote e o outro exibe um objeto difícil
de identificar. A auréola de Cristo é empregue pelo artista como o único indicador da sua
natureza divina.

FIGURA 50 – A Flagelação de Cristo, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Durante a sua paixão, Cristo foi humilhado em situações diferentes. Após a


Flagelação, dá-se o segundo suplício, a sua Coroação com Espinhos.199 Em casa de
Pilatos, os soldados prepararam Cristo como Rei dos Judeus e, numa atitude de escárnio,
os soldados romanos colocaram um manto escarlate/púrpura sobre os seus ombros,
obrigando-o a sentar-se num trono e coroaram-no com um emaranhado de espinhos da
Judeia.200 Por fim, entregaram-lhe uma cana para imitar um cetro, cuspiram-lhe na cara e
ridicularizaram-no dizendo: Salvé, ó rei dos judeus! (Mt 27:29). Cumprindo estes
desígnios, o artista traz-nos uma representação clara da cena na qual Cristo é representado
com o corpo contorcido na tentativa de demonstrar o seu sofrimento. A colocação da

199
VORÁGINE, 1996: 220;
200
RÉAU, 1996: 476;
98
coroa de espinhos é feita por um dos soldados que, com a ajuda do seu bastão, pressiona
a coroa contra cabeça de Cristo enquanto o outro se ajoelha, ridicularizando-o. A cena é
representada num interior, onde o degrau sobre o qual repousa o pé de Cristo parece ser
o trono fictício onde os carrascos o sentaram.

FIGURA 51 – A Coroação de Cristo com espinhos, sacristia do lado da Epístola;
















Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Da mesma forma que obrigavam os condenados à morte a cavar a sua própria
sepultura antes da execução, também Cristo carrega a Cruz até à colina de Gólgota,
onde foi crucificado. A representação de Cristo caído, sucumbido pelo peso da cruz,
resume com frequência o caminho até ao Calvário e a arte ocidental representou este tema
com todo o seu dramatismo, colocando Cristo sozinho sob o peso da cruz (Jo 19:16).
Cristo avança carregando uma cruz de grande porte, desmesuradamente pesada,
enfatizando todo o seu sofrimento e apelando à sensibilidade dos fiéis.201 Vestido com

201
RÉAU, 1996: 483;
99
uma túnica roxa e com a coroa de espinhos, Cristo parece desfalecer a cada passo, na
presença dos soldados romanos, caraterizados pelas suas armaduras e elmos.

FIGURA 52 – Cristo carrega a cruz até ao Calvário, sacristia do lado da Epístola;

















Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Cristo Crucificado é o último momento da sua Paixão, sendo esta uma imagem
que se fixou no pensamento de todos os cristãos, espelho do sacrifício de Cristo pela
humanidade e a esperança no alcance da salvação de cada um. Cristo é a figura central da
composição, representado nu, imberbe, com o perizonium e a coroa de espinhos, de olhos
cerrados e a cabeça caída sobre o seu ombro direito. Assim o representa o autor, embora
sem qualquer rigor perspético e anatómico. A encimar a cruz, o Titulus (Jo 19, 18:20),
inscrição em latim que refere: Este é Jesus, o Rei dos Judeus (Mt 27:37). Contemplamos
uma representação simbólica da Crucificação, reduzida às personagens que dela
participaram. À direita de Cristo, a Virgem, de mãos abertas em oração, vestida com o

100
seu manto azul e à esquerda, S. João evangelista, com indumentária verde e um manto
vermelho. Maria Madalena ajoelha-se aos pés de Cristo, junto do crânio de Adão.

FIGURA 53 – Cristo Crucificado, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Segue-se uma representação pictórica de Maria Madalena, reconhecida como


uma das mulheres mais importantes do ciclo da paixão de Cristo pela sua condição de
cortesã e pecadora, assim interpretada pelo imaginário popular. Maria de Magdala, em
alusão à pequena cidade piscatória onde nasceu202, foi tão reverenciada como
menosprezada, sendo mencionada em vários episódios dos evangelhos canónicos. A
mulher à qual Jesus terá expulso os sete demónios,203 a que con sus lágrimas, lavó los
pies del Señor, los limpió com sus cabellos, los ungió con unguento oloroso y fue la
primera que en aquel tiempo de gracia hizo solemne y pública penitencia;(...) e a que
permaneceu junto da Virgem aos pés de Cristo crucificado.204

202
CHILTON, 2006: 42;
203
CHILTON, 2006: 42;
204
CHILTON, 2006: 42;
101

FIGURA 54 – Maria Madalena, penitente, sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020


Representada na condição de penitente (comum na arte barroca da
contrarreforma), traz consigo o crucifixo, símbolo da paixão de Cristo205 e um crânio.
Este último simboliza a perenidade da vida e recorda que a beleza da juventude é também
ela efémera, sendo o Homem avaliado pelos seus atos e não pela sua beleza exterior. O
crânio destaca-se, assim, como um dos principais atributos de Maria Madalena.
Contemplada por uma luz proveniente do céu que ilumina o seu rosto, Madalena é
representada num local deserto, alusivo à sua vida eremítica, quando se retirou para o
deserto durante trinta anos.206 Sobre a pedra, um vaso de perfumes, o seu atributo mais
comum207 e ainda um livro símbolo da boa aprendizagem ou da sua vida de pregação.
Representada com os cabelos ruivos soltos e as suas vestes cor-de-laranja, estes revelam
o seu passado de devassidão, pois esta cor assumiu contornos negativos em toda a sua

205
RÉAU, 1996: 309;
206
VORÁGINE, 1996: 384;
207
RÉAU, 1996: 309;
102
cronologia.208 De joelhos, em remissão, a mensagem é de conversão sendo que os braços
cruzados sobre o peito, assinalam resignação.209
A última pintura deste conjunto integra-se numa outra peça de mobiliário,
independente, que nos traz uma representação de S. Jerónimo, reconhecido como doutor
e padre da Igreja Latina.210

FIGURA 55 – S. Jerónimo, penitente, pintura na sacristia do lado da Epístola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020


Esta é uma das iconografias mais emblemáticas do santo, onde é representado
enquanto penitente, isolado e na presença dos seus atributos: uma pedra, na mão direita,
alusiva à sua autoflagelação, pois feriu o seu peito com golpes consecutivos e, na mão
esquerda, um crucifixo.211 Encontra-se na companhia de um leão, a quem retirou um
espinho que feria a sua pata e que é símbolo da sua vida inóspita e solitária enquanto

208
PASTOUREAU, 2017: 102;
209
ALVES, 2018: 90;
210
MUELA, 1998: 218;
211
MUELA, 1998: 221;
103
penitente.212 É representado ajoelhado perante um livro aberto e um crânio, sobre os quais
medita, símbolos da sua remissão no deserto. Veste indumentária vermelha que lhe cobre
parcialmente o corpo e um capelo cardinalício vermelho, reclinado sobre a rocha, pois
embora não tenha sido cardeal, exerceu funções de secretariado do Papa Dâmaso.213

5. CAPÍTULO V – O Coro

A igreja e o coro estão separados por um imponente arco de volta perfeita,


definindo a altura da cobertura abobadada. Limitado na elevação pelo arco toral da igreja
e, numa cota menor pelo arco toral do coro, forma-se uma tribuna que nos introduz o
espaço enquadrando ambos os lados do coro. Em baixo, um arco de cesto que enquadra
o gradeamento convencional e os cortinados que impediam o contacto com os fiéis,
encerrando a comunidade de religiosas sobre si mesma. De desenho semelhante à nave
da igreja, o coro é envolvido pelas galerias do primeiro e segundo níveis. As colaterais
formam galerias de circulação, nas quais se abrem um total de seis retábulos com altares
de diferentes invocações, destinados às devoções individuais das monjas que recorriam
aos melhores artistas nacionais, ora para ali prestarem serviço da sua especialidade ora
adquirindo peças das suas oficinas.214

5.1 Os Altares na Galeria Sul

Na galeria Sul, três retábulos ocupam todo o espaço dos arcos formeiros.

5.1.1 Ecce Homo

O primeiro, dedicado ao Ecce Homo, é introdutor da linguagem Joanina na talha


do Mosteiro. Da autoria de Miguel Francisco da Silva215, autor de seis retábulos do corpo
da igreja216, este data de 1730 com douramento posterior, em 1733, por Miguel Cerqueira

212
RÉAU, 1998:144;
213
RÉAU, 1998:144;
214
ROCHA, 2011: 385;
215
Recordemos a sua participação no retábulo-mor da Sé do Porto, que segue o modelo de retábulo joanino,
inspirado no barroco romano e que havia sido concluído em 1729, um ano antes deste mesmo retábulo.
Assim, não descuremos a importância do retábulo-mor da Sé pelo modelo que introduz, mas também não
esquecendo o afluxo de influências da talha lisboeta e concludentemente, da Tratadística Europeia, a que
os mestres entalhadores portuenses se sujeitaram. ALVES, 2003: 742;
216
ALVES, 2003: 743;
104
Mendes e João Nunes Abreu.217 Risco de grande criatividade e vigor decorativo, o
retábulo denota erudição e elegância nas formas desenvolvidas, englobando o próprio
revestimento do arco formeiro. Organiza-se tripartido sendo que os tramos são
demarcados por colunas salomónicas onde querubins se intervalam com volutas e
grinaldas. Os remates, em capitéis coríntios, caraterizam-se pelas volutas e folhas de
acanto. Seguem-se pilastras relevadas ornadas com pequenos atlantes, que introduzem a
composição central apresentada ainda por uma belíssima sanefa, cujas cortinas se abrem
pelas mãos de dois anjos. Ao centro do retábulo, um mostruário com Cristo subjugado
depois de açoitado, de frente para o espetador, com a coroa de espinhos, tal como fora
apresentado à multidão por Poncio Pilatos (Jo 19, 2). Na parte inferior do retábulo, um
pequeno sacrário cuja cenografia se repete exibindo um relevo com o tema da Flagelação
de Cristo. A imagem escultórica adquire uma outra dimensão, quando enquadrada na
estrutura retabulística, proporcionando ao espetador uma leitura de conteúdo profundo
que pretende suscitar o arrependimento, a compaixão e a dor no crente, permitindo criar
um momento de empatia com Cristo.218

FIGURA 56 – Altar do Ecce Homo, 1730, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

217
ROCHA, 2011: 385 - 386;
218
ALVES, 1995: 63;
105
FIGURA 57 – Altar do Ecce Homo, 1730, Miguel Francisco da Silva;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

106
5.1.2 Altar de S. Bernardo de Claraval

De seguida, um altar dedicado a S. Bernardo de Claraval, datado do século


XVIII e do qual se desconhece a autoria. Segue o modelo do retábulo barroco denominado
nacional pela composição unitária e dinâmica, mais escultural. Denote-se o grande
movimento da massa escultórica dada pela talha sobretudo no coroamento do retábulo,
com nichos profusamente relevados. As quatro pilastras, divisoras dos tramos do
retábulo, são de ornatos profusos, expondo fénixes, parras de uvas e folhas que envolvem
os anjos de maior e menor dimensão e ainda pequenos atlantes que parecem carregar os
capitéis. No nicho central, de grande abertura, a imagem de S. Bernardo, sob uma peanha
elevada por pequenos atlantes. De hábito branco cisterciense, o Santo traz os seus
principais atributos: um livro alusivo à Regra e a mitra aos seus pés.219

FIGURA 58 – Altar de S. Bernardo, Séc. XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

219
MUELA, 1998: 53;
107
FIGURA 59 – Altar de S. Bernardo, Séc. XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

108
Entre as duplas de pilastras, abre-se espaço à imaginária, com nichos que abrigam
pequenas esculturas. Santo Inácio, Bispo de Antioquia é representado à esquerda, vestido
com indumentária papal com a mitra e acompanhado por um leão que se atira aos seus
pés, alusivo ao momento do seu martírio, pois foi atirado aos leões.220
À direita, S. João Evangelista com a águia, seu principal atributo221. Nas laterais
do retábulo, duas telas representativas de duas vivências místicas de S. Bernardo: El
Amplexus, quando Cristo dispensou o abraço a S. Bernardo e o tema da amamentação do
Santo pela Virgem, com o Menino ao colo. Na base do retábulo, dois anjos ladeando e
iluminando o sacrário, também ele relevado com a figura de S. Bernardo.

FIGURA 60 – El Amplexus e Lactatio, Séc. XVIII, (a.d.);


Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020


220
DUCHET- SUCHAUX; PASTOUREAU, 2009: 237;
221
MUELA, 1998: 234;
109
5.1.3 Altar de S. Bento

O último retábulo da galeria Sul é consagrado a S. Bento tendo sido executado no


Porto, em 1743 por José da Fonseca Lima.222 Apresenta-se mais definido na organização
estrutural, mais suave na sua composição e, comparativamente aos restantes, anuncia a
adesão ao gosto rococó que, lentamente, se introduzia na talha portuense.223 Caraterizado
por elementos decorativos e arquitetónicos, tais como as conchas estilizadas associadas
às folhagens que adornam as estípites.224 Estas, por sua vez, ladeiam a figura central do
retábulo, S. Bento, que se eleva numa peanha de folhagens e espraiadas volutas. Afigura-
se jovem, de tonsura monacal e com o hábito beneditino de notáveis dobrados.225 Traz
consigo um livro, alusivo à sua regra e, aos pés, a mitra e o corvo com um pedaço de pão
no bico, alusivo à tentativa de envenenamento que sofrera em vida.226 A coroar o Santo,
um resplendor ostentado por dois anjos. A moldura superior de remate é feita em dossel
com sanefa na qual se estendem dois anjos sobre os arranques da mesma.

FIGURA 61 – Altar de S. Bento, 1743, José da Fonseca e Lima;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

222
ROCHA, 2011: 387;
223
ALVES, 2003: 745;
224
ALVES, 2003: 745;
225
MUELA, 1998: 46;
226
MUELA, 1998: 44;
110
FIGURA 62 – Altar de S. Bento, 1743, José da Fonseca e Lima;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

111
5.1.4 Retábulo da Nª Srª do Rosário

Na mesma galeria, encontra-se um outro retábulo suspenso na parede lateral. De


autor desconhecido, a peça data de cerca de 1680.227 No extenso pano intermédio, uma
riquíssima composição iconográfica sobre madeira, dedicada à Nossa Senhora do
Rosário. É representada ao centro, com o Menino ao colo, sendo coroada por dois anjos
e envolta numa mandorla definida pelo próprio terço do rosário. A cada dezena de contas,
uma rosa branca ou vermelha substitui as contas grandes e rostos alados surgem de
pequenas nuvens criando uma atmosfera mística. Aos seus pés, S. Domingos de Gusmão,
representado à esquerda, com hábito branco e preto dominicano trazendo consigo o
báculo228, pela sua qualidade de fundador da ordem dos predicadores dominicanos. A
presença do Santo neste retábulo em especifico poderá relacionar-se com a sua ligação à
Virgem e à prática e instituição do terço do Rosário para combater os inimigos da fé.
Segundo uma tradição antiga o terço do Rosário foi entregue ao Santo pela própria
Virgem.229 À direita, Santa Catarina de Siena, também de hábito branco e capa negra,
própria dos dominicanos.230 Com as mãos em oração, segura uma rosa e um terço,
erguendo o seu olhar à Virgem. Emoldurando toda esta composição, observam-se quinze
medalhões de pormenorizadas narrativas alusivas aos mistérios do Rosário. É de ressaltar
ainda o trabalho de talha que cerca a composição iconográfica, com elegantes colunas
torsas adornadas com parras, fénixes e folhas de uva rematadas por capitéis coríntios e
frisos com leves folhas de acanto. A encimar o retábulo, uma pintura retratando S. João
Batista e Jesus, de tenra idade.







227
DIAS, 1980: 45;
228
MUELA, 2008: 101;
229
MUELA, 2008: 101;
230
MUELA, 2008: 76;
112
FIGURA 63 – Altar da Nª Sr.ª do Rosário, c. 1680, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

113
FIGURA 64 – Altar da Nª Sr.ª do Rosário, pormenor do pano intermédio;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020



114
FIGURA 65 – Medalhões retratando a Coroação de Espinhos e a Flagelação de Cristo, pormenor
do altar da Nª Sr.ª do Rosário;


Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

5.2 Os Altares na Galeria Norte

5.2.1 Altar do Senhor dos Passos

Na galeria Norte, encontram-se outros três retábulos, igualmente recuados


relativamente à linha parietal onde as religiosas se demoravam em oração. Ao entrar, do
lado poente, o primeiro retábulo é de invocação ao Senhor dos Passos - Cristo carregando
a sua cruz.231 Datado de 1731, este retábulo, executado no Porto232, segue a primeira
manifestação inteiramente barroca da arte portuguesa, caraterizada por uma organização
estrutural tripartida cujos tramos são definidos por colunas salomónicas, ornadas com
folhagens e rematadas por capitéis coríntios.

231
Tema divulgado a partir do século XVI, por influência da Via- Crucis, composta por 14 estações,
relativas ao percurso doloroso de Cristo até ao Calvário. RÉAU, 1996: 483 a 487;
232
ROCHA, 2011: 386;
115
FIGURA 66 –Altar do Senhor dos Passos, 1731, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

116
As espirais das colunas e dos arcos de volta concêntrica que encerram o retábulo,
correm em torno do camarim, promovendo uma continuidade estrutural entre o corpo e o
coroamento. No nicho central do retábulo, a imagem devocional de Cristo carregando a
cruz (latina), coroado com espinhos, testemunha a devoção à Paixão de Cristo, assim
como o valor pedagógico que a sua representação transporta para os fiéis. É a
representação de um Cristo ultrajado e humilhado, prestes a ser crucificado. Nos
intercolúnios, quatro medalhões exibem pinturas que não podem ser identificadas pela
acumulação de pó e problemas de luz. No início de cada uma das pilastras laterais, no
arco externo do retábulo, outros medalhões narram seis episódios da Via Crucis em altos
relevos policromados: 1 - Simão de Cirene ajuda Jesus a carregar a cruz; 2 – Cristo cai
pela primeira vez a caminho do Calvário; 3 – Exposição do véu Verónica (Vera-icona -
verdadeira imagem/face de Cristo)233 4 – Cristo cai pela segunda vez; 5 – Cristo cai pela
terceira vez; 6 – Jesus é pregado na cruz;

FIGURA 67 – Medalhões relevados com as Estações da Via Crucis;

6 1

5 2

4 3

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

233
DUCHET- SUCHAUX; PASTOUREAU, 2009: 447;
117
Na base do retábulo, outros dois medalhões com relevos esculpidos: à esquerda,
S. Pedro é representado de barba e cabelo grisalhos, caraterísticas próprias da sua
iconografia. Aparece na presença de um galo, um dos seus atributos mais comuns, alusivo
ao momento em que negou Cristo três vezes antes do canto do animal.234 Traz ainda um
livro aberto e a chave de ouro, também comuns na sua iconografia;235 à direita, Maria
Madalena é representada ajoelhada, com as mãos unidas em oração. Ao seu lado, está
uma pequena mesa coberta de um tecido ricamente colorido sobre a qual repousam os
seus atributos: o vaso de perfumes e um livro aberto.236 Um guarda-joias aparece caído,
espalhando as joias pelo chão como símbolo do desprendimento total dos bens terrenos.237
O coroamento do retábulo é ultimado, ao centro, por um medalhão altamente
relevado com um Calvário, enriquecido por pequenos apontamentos de cor. Há
claramente uma leitura contínua que parte do retábulo do Ecce Homo e termina neste, não
só por se tratar do momento que o sucede238 (Mc 15,20), mas também pela organização e
estrutura do retábulo que se mostram semelhantes na densidade da talha.


FIGURA 68 – Medalhões relevados representando S. Pedro e Maria Madalena;











Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

234
MUELA, 2008: 362;
235
MUELA, 2008: 364;
236
RÉAU, 1996: 309;
237
SOUSA, 2015: 123;
238
Após a exibição pública de Jesus, dá-se a condenação e levam-no para fora da cidade para o crucificar.
118
5.2.2 Altar da Nossa Senhora das Dores

Nos arcos imediatos, são visíveis dois retábulos datados, sensivelmente, da


segunda metade do século XVIII e que, pelas suas caraterísticas, terão sido executados
na mesma oficina. O primeiro é dedicado à Nossa Senhora das Dores,239 representada
de pé, vestida com indumentária roxa e manto azul claro com estrelas, que a cobre da
cabeça aos pés. Ao peito, uma lança trespassa o seu coração e o seu rosto manifesta
sofrimento. De mãos estendidas, mostra um pano branco da mortalha que envolveu o
corpo de Cristo. Julgo tratar-se de uma imagem da Virgem da Soledade adaptada ao orago
das Dores que normalmente é figurada com sete punhais no peito, alusivos ao número de
vezes que Cristo caiu a caminho do Calvário.240

FIGURA 69 – Altar da Nª Sr.ª das Dores, 2ª metade do Séc. XVIII;




















Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

239
cuja irmandade terá sido instituída no Mosteiro em 1785 por devoção da religiosa D. Quitéria de Vilhena
Castro e Meneses;
240
RÉAU, 1996: 117;
119
As dores da Virgem recordam a profecia de Simeão, aquando da Apresentação do
Menino no Templo: uma espada trespassará a tua alma (Lc 33,35). Nesta representação,
podemos contemplar uma variante do tema que enfatiza a solidão da Virgem Mãe após a
morte de Cristo, pois a escultura de vulto integra a procissão do Enterro do Senhor, na
Sexta-feira Santa, seguindo o andor de Cristo morto.241

FIGURA 70 – Mostruário com a Nª Sr.ª das Dores;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

MARQUES e OSSWALD, 2018:123;


241

120
Estruturalmente, o retábulo parece respeitar algumas formas do barroco nacional
nomeadamente na utilização das colunas salomónicas ornadas com parras, uvas, fénixes
e meninos, aqui representados em corpo inteiro e carnados. Porém, denota já uma
gramática decorativa rococó com uma linha mais fluida, conferindo ao retábulo elegância
e requinte.242 No arco exterior, que envolve toda a peça, apresentam-se em relevo as
Arma Christy ou os instrumentos da Paixão de Cristo. A superfície retabular inteiramente
dourada desaparece em parte, para dar lugar a alguma policromia, visível no nicho central
onde está a Virgem. Este, por sua vez, é ladeado por colunas de fuste liso, de
marmoreados fictícios e demarcadas no terço inferior.
O coroamento, menos ornado que o nacional, evidencia os arranques de frontão,
também eles de falsos marmoreados rosa e verdes, com delineados dourados e
interrompido por uma tarja central com rocalha, elemento de origem francesa,
tipicamente rococó.243 Os apliques, mais espaçados e delgados, aplicados com maior
parcimônia, conferem ao pano central um aspeto mais limpo e arquitetónico.

FIGURA 71 – Pormenor do coroamento do Altar da Nª Sr.ª das Dores;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

242
ALVES, 2003: 749;
243
ALVES, 2003: 749;
121

FIGURA 72 – Medalhões relevados com as Arma Christy;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020



5.2.3 Altar do Menino Jesus

No arco que se segue, apresenta-se um outro retábulo datado sensivelmente da


segunda metade do século XVIII. Este apresenta uma organização estrutural semelhante
ao retábulo anterior, no que diz respeito ao decorrer do arco principal. O nicho central é
ladeado por colunas salomónicas que obedecem à mesma gramática decorativa. Porém,
o nicho central dá lugar a um outro mostruário que se encontra desprovido da sua imagem
inicial exibindo, atualmente, um Menino Jesus enquadrado num fundo relevado que
sugere um céu azul onde as nuvens são sugeridas por espirais contínuas. A coroar o
mostruário, um arranque de frontão em dossel espraiado decorado com volutas nas suas
extremidades e, ao centro, um brasão ou escudo liso, que se encerra numa enorme concha
estriada.

122
FIGURA 73 – Altar do Menino Jesus, 2ª metade do Séc. XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

123
5.2.4 Altar da Senhora das Neves

Encostado à zona parietal norte, de frente para o arco de acesso ao coro, encontra-
se um altar, datado da segunda metade de setecentos, dedicado à Senhora das Neves. Um
tema iconográfico raro no contexto da arte portuguesa e um culto popular ainda por
definir em toda a sua magnitude. A sua imagem surgiu antes da colonização castelhana
tendo a sua origem profundamente enraizada na cidade de Palma.244 A disseminação do
seu culto ocorreu na primeira metade do século XVII tendo sido consolidado já na
segunda metade do século. A crescente e fervorosa devoção da população sustentou a
lenda de que a imagem da Virgem das Neves tinha sido encontrada numa gruta, não muito
distante do local onde hoje se encontra o seu santuário.245 As grutas, integradas em
ambientes paisagísticos, por vezes deslumbrantes e dramáticos, favorecem o numinoso
levando à sacralização do território. A carência de água era uma das causas pelas quais o
povo recorria ao seu auxilio, pois, a sua sobrevivência dependia disso. Por essa razão a
Senhora das Neves é invocada contra as temíveis secas e neves.
Relativamente à gramática decorativa vemos, mais uma vez, o douramento
integral do retábulo a ceder lugar a pequenos ornatos de concheados dourados sob um
fundo menos profuso e mais claro, facultado pelas pinturas que imitam superfícies
marmoreadas sobretudo no nicho central, destinado ao abrigo de uma escultura de Nª Srª
das Neves. É representada com o Menino ao colo, apresentando-se ricamente vestida com
indumentária azul decorada com rosas e leves pregueados. A decoração é fortemente
influenciada por elementos arquitetónicos, mais do que escultóricos, revelando
tendências rococós. Há um abandono da decoração antropomorfa das colunas que são
agora de fuste liso, com anel a demarcar o terço inferior da mesma. No coroamento, os
arranques do frontão formam pedestais para dois anjos que ladeiam a tarja central, por
sua vez decorada com rocalhas que resultam da fusão entre volutas e conchas. Ao centro
da tarja, um pequeno escudo pintado com um coração trespassado, o Sagrado Coração de
Maria e, a encimar este, uma enorme concha estriada que encerra todo o retábulo.

244
CAPOTE, 2010: 90;
245
CAPOTE, 2010: 92;
124
FIGURA 74 – Altar da Nossa Senhora das Neves, 2ª metade do séc. XVIII (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

125
FIGURA 75 – Nossa Senhora das Neves, pormenor do nicho central do altar;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

126
De facto, de acordo com os preceitos Tridentinos, as igrejas souberam impulsionar
o aparecimento de devoções especificas, colocando nos seus altares imagens ou
verdadeiros esquemas iconográficos que, através dos efeitos sensoriais e do atrativo
brilho da folha de ouro, eram eficazes na promoção dos ideais de fé católica.246 Sendo
estas galerias locais de meditação individual das monjas, respondiam certamente ao
desejo de algumas de implementar estes cultos.

5.3 A Nave do Coro

Junto às tradicionais grades que dividem o coro da nave da igreja, foram erguidos
dois altares, um dos quais dedicado à Nossa Senhora da Piedade e, de frente para este,
um outro consagrado à Coroação de Nossa Senhora.

5.3.1 Altar da Nª Sr.ª da Piedade

À esquerda de quem olha da nave igreja, observa-se o altar da Pietá, de natureza


coimbrã e com data de 1732. A mesa de altar é decorada com elementos florais e
vegetalistas, intercalando conchas com elegantes volutas e folhas de acanto, nas quais se
enredam rostos de putti. Enquadradas por uma cercadura, como se de um painel azulejar
se tratasse, as sinuosidades convergem para uma Lua, crescente, relacionando-se
iconograficamente com o altar à frente. Símbolo de Maria, a Lua é um satélite que reflete
a luz do Sol (representando aqui a figura de Cristo), verdadeira fonte de vida e luz.247 A
escuridão é a humanidade pecadora e a Lua representa a iluminação pura refletida de
Maria, que alumia toda a Igreja.248 No sacrário, uma alegoria da Fé, figura feminina que
leva a mão direita ao peito e ergue a cruz com a esquerda.249 Já no pano intermédio, o
conjunto escultórico da Pietá, representando Cristo findo, no regaço da sua mãe.250
Respeita o clássico esquema piramidal, permitindo assim que o observador atente nas
duas figuras como uma só, um só tema e um só corpo. Contudo, o esquema do conjunto
apresenta dificuldades ao nível das proporções anatómicas. Note-se que a figura de Cristo
é desproporcional comparativamente à de sua mãe. É representado nu, parcialmente

246
ALVES, 1995: 63;
247
LORENTE, 2002: 214 e 215;
248
LORENTE, 2002: 214 e 215;
249
MUELA, 1998: 103;
250
RÉAU, 1996: 113;
127
coberto por um pano branco, coroado de espinhos e com as chagas abertas, ligeiramente
inclinado para o observador. Uma imagem de sofrimento que se impõe no pensamento de
todo o cristão como figuração do sacrifício do Redentor e a esperança da sua própria
salvação. Maria, de semblante sereno e atemporal, expressa conformidade e resignação,
demonstrando a sua santidade apesar da dor da perda. Em contrapartida, a policromia e o
douramento das suas vestes são reveladores do seu sofrimento interior. Recordemos as
Virgens do século XII, vestidas de mantos escuros, azuis, negros e castanhos, trazendo à
memória a dor de uma mãe que perde um filho. Embora seja utilizada uma cor escura, a
sua combinação com o dourado foi uma constante nas representações da Virgem.
Em segundo plano, um relevo com ligação direta ao grupo escultórico que
denuncia o momento que lhe precede: o Descimento da Cruz. José de Arimateia e
Nicodemos são representados respetivamente à direita e esquerda da cruz de Cristo251,
firmando-se cada um na sua escada, ambas dispostas de forma simétrica sobre os braços
da cruz. Cada um segura o seu atributo, que permitira a retirada do corpo de Cristo: José
um martelo e Nicodemos um alicate, com o qual despregou os pés de Jesus.252
O conjunto é demarcado lateralmente por duas colunas, assentes sobre plintos de
ornatos vegetalistas e interrompidas por nichos, destinados à estatuária, e encimados por
uma concha em jeito de remate. À direita, uma figura feminina, de habito religioso, com
uma túnica verde cingida à cintura. Segura um livro aberto enquanto estende a mão direita
em rogo. À esquerda, uma outra entidade feminina, ricamente vestida. A ausência de
atributos dificulta estas duas identificações, porém, por estarem num espaço
exclusivamente dedicado às religiosas, no qual se sente a valorização desse universo
feminino, e ainda relacionando estas imagens com outras do mesmo espaço, levantamos
a hipótese de se tratarem das irmãs dos fundadores da Ordem Beneditina e Cisterciense:
Santa Escolástica e Santa Umbelina, respetivamente. No remate, um frontão curvo
interrompido sustenta a cobertura em dossel, teatralmente decorada com sanefa e
cortinados que se abrem apresentando-nos todo o conjunto escultórico e de relevo. Nos
acrotérios, quatro anjos estendidos em direção ao brasão com três espadas ao centro.
Ainda na lateral esquerda deste altar, um pequeno nicho abre-se para o cadeiral, expondo
uma escultura representativa de S. Bernardo, figurado como jovem imberbe, de tonsura
monacal e hábito da Ordem. Firma contra o seu peito, um livro, alusivo à regra.253

251
RÉAU, 1996: 534;
252
RÉAU, 1996: 534;
253
MUELA, 2008: 53;
128
FIGURA 76 – Altar da Pietá, 1732, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

129
FIGURA 77 – Altar da Pietá, 1732, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

130
5.3.2 A Coroação da Virgem

No segundo, insere-se um alto relevo da Coroação da Virgem, obra Coimbrã


executada em calcário policromado, que se diz ser proveniente da oficina de João de
Ruão.254 Ricamente entalhado desde a mesa de altar ao seu coroamento, destaca-se o
caráter dinâmico e escultural do conjunto assim como a carnação e estofamento das
imagens. A mesa de altar é semelhante, na sua constituição, ao altar anterior, sendo que
as sinuosidades deste convergem agora para um Sol, símbolo de Cristo, na iconografia
cristã. No sacrário, vemos um altar de sacrifício, no qual Cristo é figurado na
representação do Cordeiro de Deus,255 que repousa sobre o livro dos Sete Selos, livro que
expressa o cumprimento messiânico: a visão do cordeiro enquanto Cristo vitorioso. (Ap
5, 6-14) Trata-se de uma imagem apocalíptica baseada na revelação anunciada por João
no Apocalipse: um cordeiro trespassado por uma lança, de onde verte o seu sangue, e
segurando o estandarte, símbolo da Ressurreição de Cristo, da vitória do Salvador sobre
o pecado e a morte.256
A Coroação da Virgem é entendida como consequência máxima da sua Assunção
aos céus, onde a Virgem tem lugar de destaque junto de Jesus, assumindo o seu papel de
mediadora e intercessora da humanidade.257 No plano intermedio, um alto relevo
representa esse momento, ao qual assiste a corte celestial: Anjos, Serafins e Querubins,
são responsáveis pela sua preparação desde as vestes à coroa, ainda em suspensão. De
feições delicadas, contudo, pouco expressivas, Maria é representada ricamente vestida,
de um azul imenso, enobrecido com flores e coberta com o seu manto azul de debruados,
espelhando a sua condição de Rainha do céu e da terra. Comparando este altar com o da
Pietá, anteriormente descrito, há uma valorização do azul marinho, mais vivo e celestial,
em detrimento do azul escuro, ainda que se mantenham os detalhes dourados. As cores,
por si só, permitem-nos nutrir sentimentos díspares em ambas as obras.
Na parte superior da composição, a Santíssima Trindade está representada pelo
Pai Eterno e Cristo, à sua direita, sobre uma nuvem sugerida apenas por pequenas espirais
por entre as quais surgem pequenos rostos de putti. Entre eles, o Globus Cruciger,
símbolo do domínio de Cristo sobre o mundo. O Espírito Santo é figurado através da

254
DIAS, 2000: 28 - 29;
255
RÉAU, 2000: 99;
256
SOUSA, 2016:359;
257
RÉAU, 1998: 644;
131
pomba branca, envolta num resplendor. Destaque-se a solenidade do momento
representado, que parece ainda estar a decorrer e que todos aguardam e assistem, olhando
para baixo.
Todo o relevo é demarcado por duas colunas, assentes em plintos de motivos
vegetalistas e interrompidas por dois nichos destinados ao abrigo de duas esculturas em
madeira policromada e dourada. Uma delas corresponde a Santa Catarina de Alexandria,
representada com a roda dentada símbolo de um dos seus martírios.258 A coroa representa
a sua castidade e o livro a sabedoria com que converteu ao cristianismo os cinquenta
oradores sábios, chamados pelo imperador para a refutar e abalar a sua fé.259 A mártir é
representada cravando a espada na cabeça de Maxêncio, que se encontra aos seus pés,
significando assim, o triunfo dialético sobre o paganismo, figurado na personagem deste
imperador.260 No nicho à direita, uma figura masculina, não identificável pela ausência
de atributos. Atendendo às caraterísticas de jovem adulto, de barba e cabelo vasto261,
indumentária curta e botas, e o próprio enquadramento temático, considero tratar-se de S.
José. O altar é rematado por um baixo frontão curvo, interrompido, com acabamento em
sanefa e cortinados que se abrem teatralmente, culminando com um brasão da Ordem,
com as cinco chagas. Os acrotérios, destinados à função de pedestal, sustêm duas figuras
celestiais que, dada a colocação dos seus braços, certamente erguiam instrumentos
musicais. Na lateral esquerda deste altar, de frente para o magnífico cadeiral, uma
escultura representando S. Bento, de hábito negro beneditino, tonsura monacal e o livro
da sua regra.262

258
MUELA, 1998: 73 - 74;
259
VORÁGINE, 1996: 768;
260
VORÁGINE, 1996: 768;
261
MUELA, 2008: 230;
262
MUELA, 1998: 46;
132
FIGURA 78 – Altar da Coroação da Virgem, séc. XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

133
FIGURA 79 – Coroação da Virgem, pormenor do nicho central;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

134
FIGURA 80 – S. José e S. Catarina de Alexandria, pormenor dos nichos do altar;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

5.3.3 As Pinturas nos Espaldares

Um imenso cadeiral dá vida ao espaço central do coro, com elegantes assentos em


pau-preto distribuídos em duas séries, perfilados com delicada folhagem e cabeças aladas
de anjos. Executado entre 1722 e 1725, por António Gomes e Filipe da Silva, mestres
entalhadores da escola portuense,263 é considerado o segundo maior a nível nacional, a
seguir ao de Lorvão, apresentando 104 assentos em pau-preto264 que expõem o mesmo
número de misericórdias/carrancas com expressões diversas.
Cobrindo parte da superfície parietal, os espaldares tornam este cadeiral um
exemplar único na história da talha, marcado pela verticalidade dos mesmos para a qual
contribuem os originais remates combinando graciosos meninos com cartelas, pássaros e
pequenas folhas afitadas que a eles se abraçam.265 Os quartelões, sem divisória entre si,

263
ALVES, 2001: 57;
264
Mosteiros Cistercienses Femininos em Portugal, (s.d.): p.3;
265
SOUSA, 2015: 114;
135
evidenciam a fluidez de toda a composição que se eleva por meio dos meninos e das
grinaldas que se envolvem com outros, mais altos, aos quais os quartelões servem de
peanhas. Os espaldares, repartidos por pilastras, acionam espaços destinados ao abrigo de
30 pinturas narrativas de autoria desconhecida. Os painéis, acusam data posterior aos
espaldares, talvez do terceiro quartel de setecentos266, como a indumentária de algumas
personagens indica.267 Distribuem-se entre a temática Mariana, Cristológica, mas também
a hagiografia dos Santos e Santas assim como da iconografia da Rainha D. Mafalda, num
espaço que intentava impingir direta e objetivamente exemplos de virtude pelo que
deverão ser entendidos na sua componente pedagógica.268

Contrapondo o lado do Evangelho com o lado da Epístola, segue-se a seguinte


organização temática dos painéis:

Sagrado Coração de Jesus – Sob fundo azul, um coração, envolto por uma coroa de
espinhos que o fere pelos pequenos veios de sangue de vermelho mais vivo. O coração
emana uma chama, símbolo do amor que inflama, o amor de Cristo pela humanidade e é
encimado por uma cruz latina. No fundo azul esfumado, quatro anjos brotam de nuvens
situadas nos limites da composição.

266
SOUSA, 2015: 116;
267
ALVES, 1992: 380;
268
ROCHA, 2010: 352;
136
FIGURA 81 – Sagrado Coração de Jesus, século XVIII, (a.d);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Sagrado Coração de Maria – O mistério do amor infindo de Deus revela-se no coração


trespassado do Verbo que se fez carne na Virgem Maria, pois Deus é o amor. (Jo 4,8).
Sob o mesmo azul de fundo, o coração, aqui envolto por uma coroa de rosas e espinhos,
é trespassado por uma lança, símbolo do sofrimento de Maria pela morte de Cristo e
pecado da humanidade. Erradia uma chama, reveladora do amor flamejante pelo seu filho
amado e pelos homens, como intercessora da humanidade. A representação de rosas
intercaladas com os espinhos, poderão ser alusivas à veneração do Rosário.

137
FIGURA 82 – Sagrado Coração de Maria, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Última Ceia – Tema fulcral do cristianismo, a Última Ceia representa a instituição da


Eucaristia, definido como o mais importante dos Sacramentos depois de Trento. Cristo,
no meio dos Apóstolos, segura o pão com a mão direita, símbolo do seu Corpo, e faz sinal
de bênção com a esquerda. Ao centro, uma travessa com um cordeiro, prefiguração do
cordeiro imolado. Destaque-se a particularidade da representação que nos traz uma
inovadora conceção do tema pela representação da Ceia numa mesa redonda,
presumivelmente reveladora do espaço limitado que foi facultado ao artista. Contudo,
esta curiosa conceção plástica é vista como uma possibilidade de envolver todos os
Apóstolos à volta da mesa, não esquecendo que o circulo é valorizado pelo simbolismo
que evoca, assente na ideia de unidade e triplicidade: um Deus uno e trino.269 É possível

269
RÉAU, 1996: 40;
138
identificar Judas, à direita, de rosto voltado para o exterior do cenário e indumentária de
um amarelo encardido, escondendo atrás das costas a bolsa das moedas.270

FIGURA 83 – A Última Ceia, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Lava-pés – Segue-se uma representação do Lava-pés, momento em que Cristo lava os


pés aos Apóstolos. Após a Ceia, Cristo levantou-se, tirou o manto e atou à cintura uma
toalha. Encheu uma bacia com água, lavou e enxaguou os pés aos discípulos. Pedro
começou por recusar ao dirigir as seguintes palavras a Cristo: Nunca me lavarás os pés
(Jo 13, 8) ao que Ele respondeu: Se Eu não te lavar, não terás parte Comigo (Jo 13, 8).
Num primeiro plano, Cristo ajoelhado, com uma toalha branca atada à cintura, lava os
pés de Pedro que faz o gesto de recusa com a mão direita. Os restantes apóstolos aguardam

270
SOUSA, 2015: 119;
139
a sua vez. Vestem todos túnica e capa em tons de vermelho e cinza à exceção de Judas, à
direita do observador, que veste uma túnica amarela. O tema anuncia também a traição
de Judas, evidenciado no diálogo de Cristo: Também vós estais limpos, mas não todos.
(Jo 13, 10).

FIGURA 84 – O Lava-pés, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

S. Bernardo e S. Gerardo – Representados num cenário campestre, como dois jovens


de alta nobreza, vestem indumentária do início do século XVIII, tipicamente barroca,
caraterizada pelos volumes e drapeados de longos casacos (Véstias), lenços volumosos e
calção pelo joelho. A escolha de representação destes santos, irmãos, prende-se sobretudo
com a sua entrada conjunta para a Ordem de Cister.

140
FIGURA 85 – S. Bernardo e S. Gerardo, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

St.ª Umbelina e S. Bernardo – Enquadrados no mesmo cenário de natureza campestre,


sob um céu azul de acolchoadas nuvens, Umbelina, única irmã de S. Bernardo, é
representada ao seu lado no momento da sua conversão. Tendo casado com um homem
rico, entregara-se á vida mundana até que S. Bernardo lhe proferira palavras sentidas
comovendo-a, renunciando a sua vida de pecado e tornando-se monja alguns anos mais
tarde.271 De lenço ao rosto, enxugando as lágrimas, traz um vestido que relembra o robe
á la Française, uma inovação do século XVIII reconhecida em toda a Europa e usada
apenas pelas mulheres mais ricas.272 O vestido, de largas flores, é usado sobre um corpete
em V e equipado com paniers que sustentam a saia conferindo-lhe volume. S. Bernardo,
que abandonou a sua indumentária nobre substituindo-a pelo hábito branco cisterciense,
é representado com a mão direita ao peito e a esquerda em jeito de discurso.

271
RIBADENEIRA, 2006: 2;
272
FASHION HISTORY – O Robe à la Française;
141
FIGURA 86 – Santa Umbelina e S. Bernardo, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Natividade de Maria – O nascimento de Maria teve lugar na tribo de Judá, na estirpe


real de David. Seu pai Joaquim, da cidade de Nazaré, e sua mãe, Ana, natural de Belém,273
mantinham-se fieis à lei de Deus. Porém, com vinte anos de casamento, não tinham filho
algum. Prometeram, assim, que se Deus lhes concedesse descendência, consagrá-la-iam
ao seu serviço. Um dia, um anjo resplandecente apareceu em separado a Joaquim e a Ana,
comunicando-lhes que as suas preces haviam sido escutadas e, por isso, Ana daria à luz
uma filha a quem chamaria de Maria e dela seria gerado o filho do Deus, Jesus.274
Seguindo a iconografia tradicional, em primeiro plano, a preparação do banho, na qual as

273
VORÁGINE, 1996: 567;
274
VORÁGINE, 1996: 567;
142
serviçais e parteira participam, uma com Maria no colo e outra verifica a temperatura da
água do banho.275 Num plano recuado, duas cenas são separadas por uma coluna ao centro
da composição: à esquerda Santa Ana, deitada na cama, auxiliada por uma serva que lhe
dá alimento e, à direita, uma outra aquecer os panos, à lareira.

FIGURA 87 – Natividade de Maria, século XVIII,


(a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Natividade de Jesus – Representado numa manjedoura, sobre o feno276 o Menino Jesus


ocupa o primeiro plano composição. Maria segura um lençol branco sob o qual está
deitado o Menino, erguendo-o ligeiramente para que seja visto criando, assim, uma linha

275
SOUSA, 2015: 118;
276
VORÁGINE, 1996: 53;
143
diagonal orientadora do observador. S. José, recuado relativamente a Maria, é
representado aureolado e segura o seu cajado. A adoração ao Menino é feita também pelos
pastores277 que, ajoelhados ou de pé veneram o Menino. Também a vaca e o burro
participam do cenário, relembrando-nos a pobreza do logradouro no qual nasceu o
Menino, pois chegados a Belém, já as hospedarias estavam ocupadas.278

FIGURA 88 – Natividade de Jesus, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Aos pés do Menino, um pequeno cordeiro, de patas atadas, encarnando dois


aspetos de um Cristo sofredor e triunfante: A sua Paixão e Ressurreição.279A encimar toda

277
VORÁGINE, 1996: 55;
278
VORÁGINE, 1996: 53;
279
RÉAU, 2000: 99;
144
a narrativa, um anjo sobre fundo dourado surge na nuvem, segurando uma faixa que diz:
Glória in excelsis Deo, e iluminando a sagrada família com raios de luz.

S. José com o Menino – José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois
o que ela concebeu é obra do Espírito Santo (...) (Mt 2, 20). Carpinteiro, da real casa de
David, S. José, esposo de Maria, é representado com o Menino ao colo, de cabelo e barba
fartos, vestindo uma humilde túnica verde e manto castanho.

FIGURA 89 – S. José com o Menino, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

Entendido como um afetuoso pai de família, protetor da Virgem e do Menino,


afigura-se jovem, dando ênfase às virtudes físicas e intelectuais, tal como a

145
Contrarreforma o dignificou.280 Apoiada sobre o ombro direito, uma vara de amendoeira
de onde despontaram açucenas, símbolo da sua eleição como esposo de Maria281, mas
também da dignidade e pureza da sua alma.

FIGURA 90 – São Cristóvão, século XVIII, (a.d.);

S. Cristóvão – Representado como


jovem adulto, gigante, de barba e
cabelo vasto, dava pelo nome de
Auferus. Reconhecido pela sua força
e estatura, queria apenas servir o rei
mais forte acabando por servir a
Satanás,282 até que, derrotado por
uma cruz, converteu-se e dedicou a
sua vida a ajudar viajantes e
peregrinos a atravessarem um rio
perigoso.283 Na representação, S.
Cristóvão carrega aos ombros um
menino, retratando o momento exato
em que Cristóvão carregou Cristo aos
seus ombros. Assim que terminara de
chegar à margem do rio, o pequeno
menino revelou ser Cristo e, como
prova, terra, tendo-o convertido, ao
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020 dia seguinte, numa palmeira
carregada de frutos.284 Ao ser
batizado mudou o seu nome para Cristóvão, Christum feren que significa aquele que leva
Cristo.

280
MUELA, 1998: 58;
281
RÉAU, 1996: 170;
282
VORÁGINE, 1996: 405;
283
VORÁGINE, 1996: 405;
284
VORÁGINE, 1996: 407;
146
A Entrada da Rainha Mafalda no Mosteiro – Filha de D. Sancho I, D. Mafalda terá
nascido em Coimbra em Maio de 1195. Casou com Henrique I de Castela em 1215, sem
saber, pois, que o casamento havia de ser anulado no ano seguinte, por dispensa do grau
de parentesco entre ambos. Não tendo sido consumado o casamento, envergou pela vida
religiosa, dedicando-se a Deus. À esquerda, na pintura, a rainha D. Mafalda está
acompanhada das suas aias, coroada e trajada com um longo e enobrecido vestido azul
sobre panier que lhe confere volume. À direita, a comunidade de religiosas, sobre um
degrau superior entapetado, veste o hábito negro beneditino, destacando-se a abadessa
que segura o báculo. É de salientar a distinção que o pintor faz da Rainha Mafalda, pois
esta é representada de maiores dimensões que as restantes figuras.

FIGURA 91 – A Entrada da D. Mafalda no Mosteiro, século XVIII, (s.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

147
FIGURA 92 – A vinda de D. Mafalda para Arouca,
século XVIII, (s.d.);

A Vinda de D. Mafalda para


Arouca – Segue-se uma pintura
alusiva a uma das lendas mais
conhecidas da Rainha Santa: A lenda
da sua morte. Deslocara-se a Rainha
ao Porto, para cumprir promessa que
havia feito à Nª Srª da Silva. Sentindo
que a morte se aproximava, ordenou
que o seu corpo fosse colocado sobre
um jumento e que o deixassem ir, sem
que ninguém o guiasse, até que
parasse junto de uma igreja ou
mosteiro, pois onde o jumento
estagnasse, aí seria sepultada.
Tomando a direção de Arouca, o
animal ajoelhou-se três vezes, e
nesses locais se ergueram
memoriais.285 Chegando à igreja do
mosteiro de Arouca, o jumento
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020
ajoelhou-se perante o altar de S. Pedro
e pereceu. Certo é que o seu corpo se encontra em Arouca, hoje num altar que lhe é
exclusivamente dedicado, do lado da Epístola. Na pintura, o jumento mostra-se prostrado
no chão à entrada da igreja, sugerida apenas por uma coluna. Carrega ainda a urna da
Santa coberta de uma manta adamascada, rodeada por quatro monges cistercienses.

285
Foram construídos três memoriais: um em Paço de Sousa, hoje reconhecido como de D. Sousino
Álvares, outro em Paiva e ainda um terceiro no lugar de Santo António designado Arco da Rainha Santa,
um arco românico do século XII, PEREIRA, 1959: 40;
148
FIGURA 93 – Nossa Senhora da Conceição, século
XVIII, (a.d.);

Nossa Senhora da Conceição – O


culto a Nª Srª da Conceição, muito
vinculado pela Ordem dos
Franciscanos, tem fundamento na
ideia de que a sua conceção já existia
no pensamento de Deus, previamente
ao começo do mundo.286 O seu culto
viria a ser oficializado no reinado de
D. João IV287, embora o dogma só
tenha sido definido na bula papal por
Pio IX, a 8 de Dezembro de 1854,288
quando Maria foi reconhecida como
imaculada na sua conceção e isenta do
pecado original. Em Portugal, esta
devoção está sobretudo ligada aos
grandes acontecimentos decisivos
para a independência e identidade
nacional pois após a Restauração da
Independência de Portugal (1640) e
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020
em plena Guerra da Restauração
(1640-1668), D João IV proclamou Nª Srª da Conceição como Rainha e Padroeira de
Portugal, provisão régia confirmada Papa Clemente X na bula papal, em 1671. Aparece,
aqui, representada pairando numa nuvem, sobre uma lua crescente e a serpente que a
envolve, rastejando aos seus pés. Vestida de branco com o seu manto azul de debruados
áureos, a Virgem é coroada por estrelas e raios de luz, encontrando-se em oração rodeada
por cabeças de anjos que brotam da nuvem. Estes atributos provem da narração de João
no Apocalipse, escrito aquando da sua estadia na ilha de Patmos onde refere: (...)
apareceu um grande sinal no Céu: uma mulher revestida de Sol, tendo a Lua de baixo

286
RÉAU, 1999: 81;
287
LIMA, 1930: 18;
288
LIMA, 1930: 18;
149
dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Estava grávida, com dores de
parto, e gritava com ânsias de dar à luz. (Ap 12, 1-2)

Nossa Senhora do Pilar – Padroeira de Espanha, Nª Srª do Pilar teve o seu culto
consolidado, em Portugal, na década de quarenta de seiscentos, tendo sido reforçado após
a Guerra da Restauração.289 Representada de pé, sobre um pilar de mármore com remate
em capitel jónico, a Virgem apresenta-se com o Menino ao colo, coroada e vestindo uma
túnica lilás e um manto azul de debruados dourados. O pilar, símbolo da solidez da igreja,
faz a ligação entre o céu e a terra, através da condição da Virgem como intercessora.290
No céu, pequenas nuvens pairam sobre fundo dourado, das quais brotam cabeças de anjos.

FIGURA 94 – Nossa Senhora do Pilar, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

289
SOUSA, 2015: 117;
290
SOUSA, 2015: 117;
150
FIGURA 95 – Rainha Mafalda lança o hábito às
religiosas, século XVIII, (a.d.);

Rainha Mafalda lança o hábito às


religiosas – Promotora da filiação à
Ordem de Cister, D. Mafalda
conseguiu autorização por parte do
Bispado de Lamego291, confirmada em
Junho de 1226 pela bula papal de
Honório III.292 Substituiu, assim, o
hábito negro beneditino das monjas
pelo branco Cisterciense. Representada
à esquerda da composição, D. Mafalda
sentada num trono da abadessa, lança o
hábito de Cister sobre uma das monjas.
Aos seus pés, a sua coroa e cetro
repousam num coxim sobre a tapeçaria
florida e quatro monjas de hábito
beneditino aguardam a sua vez para
serem agraciadas com o manto branco.
O momento é brindado com a presença
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020 de anjos exibindo uma faixa vermelha
e uma pequena coroa de rosas. Não
tendo professado os votos, D. Mafalda impôs-se como padroeira do mosteiro e, durante
o seu patronato governavam as abadessas Dórdia, Maria Lourenço e Maior Viegas.293
Observemos, então, que ao lado de Mafalda é representada a abadessa com o báculo.
Embora não assumisse qualquer cargo, reforçava o poder da abadessa e aquietava o seu
desejo de revitalizar espiritual e materialmente o mosteiro.

291
COELHO, 1988: 59;
292
COELHO, 1988: 56;
293
COELHO, 1988: 56;
151
Morte da Rainha Santa – Desaparecida da vida terrena a 1 de Maio de 1256,294 em
Tuias, não em Rio Tinto como refere a lenda, D. Mafalda pediu, ainda em vida, que o seu
corpo fosse depositado no mosteiro de Arouca. In primis mando sepeliri corpus meum in
monasterio de Arouca.295 O seu testamento demonstra a afeição que reservara à
comunidade religiosa de Arouca, quer pelo legado material que deixou, mas
especialmente por ter exigido que o seu corpo, findo, ali permanecesse. Assim a
representa o artista, de hábito cisterciense, deitada no seu leito de morte e rodeada pela
comunidade de monjas que toda a vida amparou. Uma delas segura um livro de orações,
talvez rezando pela sua virtuosa alma.

FIGURA 96 – A Morte da Rainha Santa, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

294
Vários autores apontam para esta datação; COELHO, 1988: 38, ROCHA, 2010: 113;
295
Já publicado por alguns autores e por outros tantos citado, remeto para a transcrição mais recente,
ROCHA, 2010: 113;
152
FIGURA 97 – Santo António, século XVIII, (a.d.);

S. António – Cultuado a 13 de Junho,


Santo António iniciou a sua vida
religiosa na Ordem dos Cónegos
Regrantes de Santo Agostinho, com
onze anos de idade, recebendo o hábito
dos frades menores com vinte e seis
anos. Estudou teologia e os autores
clássicos, aquando da sua estadia em
Santa Cruz de Coimbra,296 o que levou
a que, mais tarde, ensinasse teologia.
Ficou reconhecido como um grande
pregador, pelos seus célebres Sermões
sobre santos e foi declarado Doutor da
Igreja, pelo Papa Pio XII, em 1946.297
É representado com o hábito castanho
Franciscano, cingido à cintura por um
cordão de três nós, símbolos dos votos
da Regra Franciscana: pobreza,
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020
castidade e obediência. Traz consigo
um crucifixo na mão direita,
representativo da sua fé e amor a Cristo. Ao seu colo, o Menino Jesus está pousado sobre
um livro aberto, atributo popularizado no século XVI alusivo à aparição que Ele mesmo
fez ao Santo: um menino formosíssimo no livro e depois nos braços de Stº. António, e que
o Santo abraçava e beijava muito familiarmente, contemplando sem cessar a sua gloriosa
forma.298

296
ROSÁRIO, FLOS SANCTORUM, p. 527;
297
HALLAM, 1998: 101;
298
ROSÁRIO, 1681: 527;
153
FIGURA 98 – São Marçal, século XVIII, (a.d.);

S. Marçal de Limoges – Considerado


responsável por evangelizar a região
de Limoges, em Aquitania, foi
canonizado no século VI pela Vox
Populi e intitulado de Apóstolo.299
Porém, no século XI, os monjes da
abadia de São Marçal forjaram a lenda
de que este missionário tinha sido
contemporâneo de Cristo, um dos
seus setenta e dois apóstolos,
conferindo maior prestigio e
autoridade ao seu Bispo e Santo
padroeiro.300 Segundo Vicente de
Beauvais, acreditavam que Marçal era
primo de S. Pedro e que, no período
de evangelização em Roma, este lhe
tinha confiado um báculo mágico com
o qual Marçal exercera milagres,
mesmo após a sua morte.301 É
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020
representado na sua condição de
Bispo, vestindo uma capa de asperges
adamascada e com a mitra na cabeça. Curvado, o Santo parece erguer o seu báculo302,
cessando o fogo, milagre póstumo associado ao Santo e divulgado a partir do século XV,
com um fresco no Palácio dos Papas de Avignon.303 Estas representações levaram à sua
invocação como padroeiro e protetor dos que combatem o fogo. A escolha deste tema
justifica-se pela sua ligação com os milagres realizados pela Beata Mafalda, pois também
ela cessou milagrosamente o fogo no Mosteiro de Arouca, por duas vezes, uma ainda em

299
RÉAU, 2001: 316;
300
RÉAU, 2001: 317;
301
RÉAU, 2001: 321;
302
RÉAU, 2001: 318;
303
RÉAU, 2001: 321;
154
vida e outra depois de morta.304 Assim, a representação do milagre de São Marçal, neste
contexto, vem relembrar o poder divino e a santidade de D. Mafalda.

FIGURA 99 – O Batismo de Cristo, século XVIII, (a.d.);

Batismo de Cristo – O momento


representado reforça a presença
das duas figuras principais:
Jesus e S. João Batista. Ao
centro, Jesus apoiado numa
pedra no meio do rio Jordão é
batizado por João, à sua
esquerda, um jovem adulto,
coberto parcialmente por uma
pele de camelo e um manto
vermelho, símbolo do amor a
Cristo.305 Segura a concha do
batismo306 e uma cruz envolta
por uma filactera que diz: Ecce
Agnus Dei – Eis o Cordeiro de
Deus.307 À margem do rio, um
anjo ajoelhado, de mãos veladas,
em sinal de respeito.308 Ao
cumprir-se o batismo, o céu
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020
abriu-se e o Espírito Santo
desceu sobre Ele em forma corpórea, como uma pomba (Lc 4, 21-22) rasgando o céu
nublado, iluminando a composição.

304
SOUSA, 2015: 123;
305
MUELA, 2008: 237;
306
MUELA, 2008: 237;
307
SOUSA, 2015: 118;
308
BARASCH, 1999: 111;
155
FIGURA 100 – Epifania, século XVIII, (a.d.);

Epifania – Na tela fronteira, a


Adoração dos Reis Magos na qual a
Sagrada Família, aureolada, é
enquadrada numa arquitetura
clássica. Maria, de manto azul,
inclina-se ligeiramente, exibindo o
Menino para que seja contemplado
pelos reis. S. José, rejuvenescido,
atrás de Maria, humildemente
vestido com túnica verde e manto
castanho. Vindos do Oriente,
porque seguiram uma estrela, os
três reis magos adoraram o Menino,
oferecendo-lhe ouro, símbolo da
realeza, incenso, símbolo da
adoração divina e mirra, símbolo do
seu sofrimento futuro.309 Reflete-se
uma iconografia definida nos finais
da Idade Média, com a
Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020 representação dos reis ricamente
vestidos de tecidos debruados,
apresentando idades diferenciadas, simbolizando as três grandes fases da vida.310 O mais
novo, Baltazar, de tez negra, indica a universalidade da fé e o mais velho, Gaspar, ajoelha-
se perante o Menino, oferece-lhe uma taça em ouro, na qual o Menino toca. Apresenta-se
de cabeça exposta, repousando a sua coroa e cetro no chão, em sinal de respeito pela
presença de Jesus, Rei dos Reis. Em pé, outro rei se prepara para prestar homenagem,
segurando um turíbulo de incenso, enquanto duas crianças lhe seguram no manto e na
coroa. Baltazar, ligeiramente recuado, veste indumentária escura e prepara-se para

309
MUELA, 1998: 105;
310
SOUSA, 2015: 118;
156
oferecer mirra ao Menino. Em último plano, quatro personagens, os pastores que
visitaram o Menino.311

FIGURA 101 – A Samaritana, século XVIII, (a.d.);

A Samaritana – Ao deixar a Judeia,


dirigindo-se para a Galileia, Jesus
tinha de passar por uma cidade da
Samaria, chamada Sicar, exprimindo
aqui uma vontade divina. Enquanto os
discípulos foram incumbidos de
comprar comida, Jesus, cansado da
caminhada, parou, sentando-se na
borda de um poço. Aproximou-se
então uma mulher samaritana, para
retirar água desse mesmo poço e
sabendo que os Samaritanos não se
davam bem com os Judeus, Jesus
pediu-lhe de beber, ao que a
samaritana respondeu: Como é que tu,
sendo Judeu, me pedes de beber a mim
que sou samaritana? ( Jo 4, 9) Ao que
Jesus lhe respondeu: Se conhecesses o
dom que Deus tem para dar e quem é

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020


que te pede de beber, tu é que
pedirias, e Ele havia de dar-te água
viva! (Jo 4, 10) À direita na representação, a samaritana, humildemente vestida e descalça,
com o seu cântaro pousado sobre a beira do poço e à esquerda, Jesus, de túnica verde e
mando vermelho, comunica através de gestos.

311
SOUSA, 2015: 108;
157
S. Roberto de Molesmes – Reconhecido como um dos abades fundadores da Ordem de
Cister, S. Roberto destacou-se sobretudo como contestador da vida litúrgica faustosa e
desafogada, procurando o recolhimento na natureza, na austeridade e na observância à
regra de S. Bento de Núrsia.312 A renúncia aos bens materiais foram caminho para a
perfeição da vida monástica. É aqui representado na sua qualidade de abade fundador da
Ordem pela qual se regeu este mosteiro, de hábito cisterciense, encontrando-se de joelhos
perante a Virgem Maria. Sentada numa nuvem, com o Menino ao colo, galardoa o Santo
com uma fita escura. No chão, uma vassoura, presumivelmente símbolo da renovação
espiritual de Cister. 313

FIGURA 102 – São Roberto de Molesmes, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

312
Site Caminho Cisterciense, Disponível em: https://caminhocisterciense.com/2018/01/26/os-fundadores-
de-cister-i-s-roberto-de-molesmes/ Consultado a: 20 de Novembro.
313
SOUSA, 2015: 120;
158
FIGURA 103 – Santa Maria Egipcíaca, século
XVIII, (a.d.);

Santa Maria Egipcíaca – Chamada de


pecadora, passou 47 anos no deserto em
penitência pela sua vida de libertinagem
e pecado. De acordo com a versão
relatada por Voragine na Leyenda
Dorada, certo dia, um abade ancião, que
atravessava o rio Jordão, depois te ter
percorrido o deserto à procura de um
santo eremita, encontrou esta mulher,
nua e enegrecida pelo sol. Ao ouvi-la,
penitente, o abade ajoelhou-se e
abençoou-a. A mulher pediu-lhe que, no
dia da Ceia do Senhor, ele a visitasse e a
comungasse com o Corpo do Senhor.314
O ancião voltou e, tal como havia sido
combinado, no dia da Ceia do Senhor
dirigiu-se à margem do rio Jordão e viu
a mulher fazendo o sinal da cruz e vindo

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020 ao seu encontro sobre as águas do rio.
Ao ver tal milagre, prostrou-se
315
humildemente aos seus pés. Enquadrados pela natureza, Santa Maria Egipcíaca
recebeu o corpo de Cristo pela mão do abade, humildemente vestido. Aureolada, a Santa
é ladeada por dois anjos que seguram uma toalha branca, em sinal de respeito pelo
momento da Eucaristia. Ao cimo da composição, cabeças de anjos aladas, observam o
momento.

314
VORÁGINE, 1996: 238;
315
VORÁGINE, 1996: 239;
159
A Adúltera – O momento representado acontece depois da Jesus ter estado no Monte
das Oliveiras. Voltou ao templo e sentou-se a ensinar. Os doutores da Lei e os fariseus
trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio deles e
disseram: Moisés, na Lei, havia dito para matar à pedrada tais mulheres e Tu, que dizes?
(Jo 8, 5) Jesus, inclinou-se, e pôs-se a escrever com o dedo na terra, tal como é
representado nesta pintura. Ligeiramente aureolado com uma luzência esfumada, veste
túnica humilde acastanhada e um manto vermelho. Escreve na terra com um dedo, na
presença dos doutores e fariseus. À sua frente, a mulher adúltera, de tez suave e mão ao
peito. Ao ver que insistiam em interroga-lo, Jesus ergueu-se e disse-lhes: Quem de vós
estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra! (Jo 8, 6)

FIGURA 104 – A Adúltera, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

160
Conversão de S. Paulo – O episódio da conversão de S. Paulo é aqui resumidamente
representado, congelando o momento em que fora surpreendido por uma luz do céu.316 S.
Paulo, era perseguidor dos primeiros Cristãos e dirigia-se para Damasco quando,
inesperadamente, o Senhor Ressuscitado lhe apareceu e se revelou. O artista representa o
instante em que S. Paulo cai do seu cavalo. Encontra-se representado de armadura e
escudo na companhia de três outros soldados igualmente apetrechados. Destaque-se o
pormenor da cela e arreios do cavalo, ricamente decorados, ao gosto do século XVIII. Os
soldados, pelas suas contorções, parecem surpreender-se e olham para o céu onde Jesus
é representado brotando de uma nuvem com o seu manto vermelho. Vencido pela graça,
S. Paulo entregou-se incondicionalmente a Cristo, que o escolhe para Seu apóstolo e o
encarrega de espalhar o evangelho.317

FIGURA 105 – A Conversão de S. Paulo, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

316
ROSÁRIO, 1681: 211;
317
ROSÁRIO, 1681: 211;
161
Conversão de Maria Madalena – Contrapõe-se uma representação da conversão de
Maria Madalena, figurada numa jovem de cabelos claros, soltos e descobertos, símbolos
da sua devassidão.318 Enquadrada arquitetonicamente, dando-nos a ideia de um interior,
Madalena aparece ricamente vestida, de frente para um espelho, característico do século
XVIII, símbolo da vaidade e da luxúria (pecados mortais). Ao mesmo tempo, é revelador
de uma realidade aparente, chamando a atenção para a sua perenidade. O espelho está
sobre a mesa, juntamente com o vaso de perfumes, seu atributo principal319. O guarda-
joias caído é revelador da sua essência, mas, também, do momento que se retrata: a sua
conversão, pois Madalena parece desprezar a sua riqueza material, olhando para o céu e
deixando as joias no chão.320 A ocasião de se converter esta Santa (como refere Santo
António) pode-se crer piedosamente que foi ouvir pregar o Salvador e Redentor (...)321

FIGURA 106 – Conversão de Maria Madalena, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

318
MUELA, 2008: 312;
319
MUELA, 2008: 312;
320
SOUSA, 2015: 123;
321
ROSÁRIO, 1681: 582;
162
À direita da entrada poente de acesso ao coro, S. Bento, imberbe e subtilmente
nimbado, de hábito beneditino com capuz que lhe cobre a tonsura. Segura o báculo na
mão esquerda e faz sinal de bênção com a mão direita. Aos seus pés, a mitra. É
representado na sua condição de Patriarca entre os Cistercienses, fazendo-se presente nos
cenóbios da Ordem.
Do outro lado, que lhe corresponde em composição idêntica, S. Bernardo,
tonsurado e nimbado322, num fundo paisagístico. Veste o hábito branco de Cister,
segurando o báculo na mão direita e fazendo sinal de bênção com a esquerda. Ao seu lado
a mitra, igualmente lavrada, símbolo das repetidas vezes que haverá recusado a dignidade
episcopal.323
S. Francisco de Assis, à direita da entrada cerimonial, representado na qualidade
de Santo fundador da Ordem dos Frades Menores, instituição protegida pelos reis da
primeira dinastia, D. Afonso II e D. Afonso III, assim como pelas infantas Teresa e
Sancha.324 Oriundo de nobre estirpe, Francisco de Assis teve o seu momento de conversão
renunciando ao mundo.325 É representado de hábito castanho, cor que atesta a sua
humildade, envolto por um cordão de três nós alusivos aos preceitos básicos da Regra:
pobreza, castidade e obediência.326 Ajoelhado e de braços abertos, perante a luz que
provem do céu e o ilumina, é representado no momento da Estigmatização327, na presença
de Cristo crucificado que se afigura no céu cingido de asas seráficas.
À esquerda da mesma entrada, uma representação de evidente afinidade
compositiva representando Santo Amaro. Este é representado de pé, ao centro da
composição, de hábito preto com capuz. Na mão esquerda, segura o báculo enquanto faz
sinal de bênção com a mão direita. A mitra encontra-se no chão, à sua direita, com
bordados a ouro que cercam o rubi ao centro. A sua representação reforça o simbolismo
fundador e o respeito pelos valores da vida monástica.328

322
SOUSA, 2015: 120;
323
SOUSA, 2015: 120;
324
SOUSA, 2015: 121;
325
MUELA, 2008: 153;
326
MUELA, 2008: 153;
327
Parece representar o momento em que recebeu os cinco estigmas de Cristo pelo rasgo que leva no seu
hábito, MUELA, 2008: 153;
328
SOUSA, 2015: 120;
163
FIGURA 107 – S. Bento e S. Francisco de Assis, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

FIGURA 108 – São Bernardo e Santo Amaro, século XVIII, (a.d.);

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

164
5.5 O Órgão

Durante séculos, a música exteriorizou a fé, vocal e instrumentalmente,


constituindo-se uma expressão muito além de património artístico, um formato superior
de oração, com o qual se alcançava a transcendência. No Mosteiro de Arouca não era
diferente, pois ao timbre harmonioso das vozes femininas cantando os ofícios litúrgicos,
uniam-se as monjas organistas e os instrumentais (as harpas, o cravo, o monocórdio, entre
outros), elevando a sua espiritualidade ao cume. Destaque-se a melhor coleção nacional
de antifonários com datação entre o século XIII e século XVIII, ao abrigo da RIRSMA,
testemunhos da importância da prática musical, encorajada pelas religiosas.329 Assim se
justifica a instalação de um Órgão em 1743330, condizente com a grandeza e requinte dos
espaços. Adossado à própria arquitetura, no arco divisório entre a nave da igreja e o coro,
um Órgão de tubos, considerado raro no panorama dos órgãos ibéricos pelo seu porte e
requinte da caixa.

FIGURA 109 – Consola do Órgão, vista da tribuna, 1743, Manuel Benito Herrera;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

329
ROCHA, 2009: 23;
330
ROCHA, 2009: 23;
165
Foi executado por Manuel Benito Gomes de Herrera, natural de Valhadolide e
residente em Lisboa, cuja assinatura se encontra no someiro: D. Emmanuel Benedictus a
Gomez ex-hispanus et cônsul Hispaniarum Olisipone fecit anno Domini 1739.

FIGURA 110 – Órgão Ibérico, vista da tribuna, 1743, Manuel Benito Herrera;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

166
O seu douramento, à posteriori, ficou a dever-se ao mestre Manuel Cerqueira
Mendes, estando concluído apenas em 1743, como assegura a data exposta na cartela, na
bacia do órgão.331
Quanto à sua sonoridade, o órgão dispõe de 1352 vozes, distribuídas por 24
registos. A consola, em janela fixa, acoplada ao móvel do órgão, é ladeada por uma
pedaleira, aqui organizada em botões corridos de um e outro lado do teclado, (comum
nos órgãos ibéricos de maior dimensão).332 À sua grandiosidade, junta-se a exuberância
do pormenor da caixa, dentro do gosto artístico mais vanguardista do seu tempo.333
Enobrecido de motivos vegetalistas e concheados, pequenas cariátides e figuras celestiais,
conta ainda com dois bustos de atlantes a ladear a consola, que parecem suportar o peso
dos tubos. A cor, autêntica na gramática decorativa da caixa do órgão, abraça o exotismo
oriental, assumindo cromatismos vivos de vermelho e azul-baço, destacados como fundos
para a pintura chinoiserie, onde os motivos fitomórficos e zoomórficos334, ainda que
estilizados, se destacam pelos contornos negros e acabamentos dourados que lhe
conferem um aspeto relevado.335 Entre Insetos, borboletas, cães, pássaros e árvores,
surgem silhuetas humanas, erguendo instrumentos de caça ou elegantes sombreros e
336
enquadradas em arquiteturas orientais como os pagodes. Manifestam, com delicado
traço, a inspiração que chegava do Oriente, tão bem reinterpretada na conceção artística
nacional.337
Ao centro da caixa, uma pintura sobre madeira representando Santa Cecília,
padroeira dos músicos, a tocar órgão, o seu principal atributo,338 na companhia de uma
mulher (foleira) que aciona os foles do órgão pneumático. A Santa, figurada numa
formosa jovem aureolada, ricamente vestida e adornada com joias, apresenta-se num
interior arquitetónico, com uma janela que se abre a um céu azul, celestial. Na bacia do
órgão, destaque-se a pintura de fingidos que procura reproduzir outros suportes. Entre as
superfícies marmoreadas e as estruturas arquitetónicas são representando plintos,
erguendo elegantes albarradas. Dois bustos, de feição clássica, pintados escultoricamente

331
ROCHA, 2009: 35;
332
RODRIGUES, 2017: 62;
333
ROCHA, 2009: 35;
334
PÁSSARO, 2015: 57;
335
PÁSSARO, 2015: 62;
336
PÁSSARO, 2015: 57;
337
PÁSSARO, 2015: 53 - 54;
338
MUELA, 2008: 81;
167
e emoldurados com elegantes caixilhos dourados, ladeiam a cartela com a data de
instalação do órgão.
A sua fachada com coroamento em forma de lira invertida, ergue-se à altura da
cobertura, fazendo corresponder os seus elegantes remates à própria curvatura da
abóbada, ostentando os escudos de Portugal, à esquerda e de Cister-Alcobaça, à direita,
além de pequenas figuras alegóricas da Fama.

FIGURA 111 – Pormenor da consola do órgão;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

168
FIGURA 112 – Pintura Chinoiserie na Consola do Órgão, tema da caça;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

FIGURA 113 – Pintura Chinoiserie na Consola do Órgão, tema bucólico;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

169
FIGURA 115 – Santa Cecília a tocar o órgão, Pintura na Consola do Órgão;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

FIGURA 114 – Santa Cecília a tocar o órgão, pormenor da pintura na Consola;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

170
6. CAPÍTULO VI – As Esculturas de Jacinto Vieira

Sendo clara a separação entre a nave da igreja e o coro, e pelo facto das esculturas
se encontrarem em nichos que lhe foram originalmente destinados, atentei que separá-las
por espaços, lhes tiraria a sua leitura conjunta, considerando uma análise contínua entre
a nave da igreja e o coro, o mais adequado.

6.1 Na Igreja

Os alçados no interior da nave da igreja, de desenho original relativamente ao


panorama epocal da arquitetura portuguesa, elevam-se à altura de três níveis sendo o
segundo ritmado por pilastras de inspiração maneirista flamenga, aqui utilizadas pela
primeira vez a nível nacional.339 Estas, por sua vez, ladeiam os nichos, ao nível das
tribunas, que abrigam 8 esculturas em pedra de Ançã, da autoria de Jacinto Vieira, datadas
de entre 1723-1725,340 representando Santos e Abades cistercienses e beneditinos.341
A iniciar o conjunto escultórico, introduz-nos a capela-mor, o tema da
Anunciação, tão presente nas igrejas cistercienses. As imagens, colocadas sobre as
mísulas que acompanham o arco cruzeiro, representam Maria Anunciada e o Arcanjo
Gabriel. Maria, com os cabelos parcialmente cobertos, envolta num imenso jogo de
drapeados que, talhados diretamente no bloco, lhe conferem a volumetria desejada. De
frente, o Arcanjo profere a boa nova. Contrapondo o lado do Evangelho com o lado da
Epístola, as esculturas organizam-se conforme a seguinte disposição:

Lado do Evangelho Lado da Epístola

VIRGEM MARIA (Anunciação) ARCANJO GABRIEL


S. ROBERTO S. GERARDO
S. THOMAS DE CANTUÁRIA S. MALAQUIAS
S. ALBÉRICO, ABADE S. ESTÊVÃO, ABADE
S. GUILHERME S. BERNARDO
Embora cada uma das entidades representadas tenha contribuído distintamente,
com a sua hagiografia, para uma mensagem particular sobre os preceitos básicos da

339
ROCHA, 2011: 331;
340
SANTOS, 1950: 64;
341
ALVES, 2003: 753;
171
Ordem de Cister, o conjunto escultórico pede uma leitura íntegra, reforçando as
caraterísticas comuns entre si. Estamos perante um programa iconográfico pensado sobre
um conjunto de homens que se destacaram como lideres da igreja e de comunidades,
doutrinadores e confessores, em honra da Ordem de Cister: S. Roberto de Molesme, na
sua condição de fundador da Ordem, Santo Albérico abade, seu sucessor na abadia de
Molesme, S. Estevão, igualmente importante na fundação, tendo sido sob o seu governo
que a Ordem alcançou maior prestigio.342 S. Thomas de Cantuária, arcebispo reconhecido
como Thomás Becket343, S. Bernardo e S. Gerardo, irmãos que prescindiram a
mundanidade, refletindo o sentido de abnegação e sacrifício necessário ao alcance da
santidade.

FIGURA 116 – São Roberto e a Virgem, esculturas na igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

342
RESENDE, 2015: 108;
343
RESENDE, 2015: 108;
172
FIGURA 117 – Arcanjo Gabriel e São Gerardo, esculturas na nave da igreja, 1723-1725,
Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

FIGURA 118 – São Albérico, e São Thomas de Cantuária, esculturas da nave da Igreja, 1723-
1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

173
Talhadas diretamente nos blocos de pedra, as esculturas, de tamanho considerável,
manifestam quietude, serenidade e recolhimento que, embora alheio à particular agitação
da cenografia barroca, exprime a atmosfera de um Mosteiro Cisterciense. Mestre no lavor
da madeira, Jacinto Vieira adequou as suas habilidades à pedra, transpondo para o
calcário um virtuosismo imenso344, percetível em cada uma das esculturas, conferindo-
lhes uma responsabilidade catequética. Em poses hirtas, rostos particulares e serenos, que
exprimem a seriedade da sua missão espiritual, os Santos Abades gesticulam
virtuosamente, ostentando os atributos representativos dos seus poderes espirituais na
terra, entre eles os báculos, as mitras e as tiaras pontífices.
A leitura era clara para os crentes que afluíam à igreja, mas também para as que
professavam, assistindo às cerimónias nas tribunas que intercalam os nichos. Pois se as
esculturas dos homens de Cister eram motivação e alento à religiosidade das monjas, elas
eram o exemplo vivo para os fiéis, da comunhão com o eterno.345

FIGURA 119 – São Guilherme e São Bernardo, esculturas da nave da Igreja, 1723-1725,
Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

344
SALDANHA, 2014: 48;
345
ROCHA, 2010: 346;
174
FIGURA 120 – São Estevão e São Malachias, esculturas da nave da Igreja, 1723-1725,
Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

175
6.2 No Coro

O coro segue a mesma organização formal dos alçados laterais da nave da igreja,
alternando as tribunas com nichos, aqui destinados à exposição de um universo de
representações femininas,346 que respeitam a seguinte disposição:

Lado do Evangelho Lado da Epístola

SANTA LEOGARDA SANTA ESCOLÁSTICA


SANTA ALDEGUNDA SANTA JULIANA
SANTA HEDWIGA SANTA UMBELINA
SANTA GERTRUDES SANTA FRANÇA
SANTA MAFALDA

Mantendo-se fiel a uma estética nacional, herdada da época seiscentista, o artista


revela já algum interesse por um novo sentido de movimento, marcado por uma enorme
subtileza.347 Nove monjas esculpidas que se apresentam de hábito cisterciense, com largas
cogulas de numerosas pregas estilizadas e rostos serenos de feições delicadas com lábios
ligeiramente carnados. Duas delas ficaram ocultas depois da colocação do órgão, que se
sobrepôs aos nichos que as acolhem, nomeadamente Santa Juliana e Santa Escolástica. A
primeira, segura uma custódia, símbolo eucarístico representativo do momento de união
esponsal, recíproca, com Cristo. A segunda, apoia um livro no seu quadril, alusivo às
Regras da Ordem Beneditina, da qual também foi fundadora no ramo feminino.348 Sobre
o livro repousa o Espirito Santo figurado através de uma pomba branca alusiva ao
momento da sua morte.349 A julgar pela posição da mão elevada, seguraria um outro
atributo: o báculo. Seguem-se Santa Umblina e Santa França, de igual modo
representadas, segurando o livro alusivo à Regra. Santa Aldegunda, Santa Leogarda e
Santa Hedwiga, agarram os seus crucifixos, adorando-os e beijando-os como símbolo do
seu amor a Cristo e ainda Santa Gertrudes, firmando o seu báculo.
A encimar a entrada cerimonial do coro, sobrepõe-se, às armas de Portugal, a
ilustre figura da beata e Rainha Santa Mafalda, vestindo indumentária de cortesã,

346
ROCHA, 2010: 349;
347
PIMENTEL, VIEIRA, s.v., in PEREIRA e PEREIRA, 1989: 524 - 525;
348
II Livro dos Diálogos de S. Gregório Magno, Cap. XXXIV;
349
II Livro dos Diálogos de S. Gregório Magno, Cap. XXXIV;
176
ofuscada pelo véu e cogula que enaltecem a sua condição de religiosa deste mosteiro.
Segurou, outrora, a coroa e o cetro, símbolos da realeza, entretanto desaparecidos350,
erguendo apenas um livro na mão esquerda. A delicadeza dos gestos e semblantes destas
esculturas são reveladores da permanência de uma corrente artística genuína, arraigada
na produção bracarense. Tal como escreveu Robert C. Smith, As esculturas parecem tão
enclausuradas como as monjas, tão intocáveis pelo movimento do mundo exterior.351

FIGURA 121 – Santa Leogarda, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;












Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

350
ROCHA, 2010: 350;
351
SMITH, 1968: 163, (tradução de Margarida Gonçalves);
177

FIGURA 122 – Santa Aldegunda, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

178

FIGURA 123 – Santa Hedwiga, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

179

FIGURA 124 – Santa Gertrudes, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

180

FIGURA 125 – Santa Escolástica, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;


Fonte: Fotografia de Alexandra Santos, 2020

181

FIGURA 126 – Santa Juliana, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;





























Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

182

FIGURA 127 – Santa Umbelina, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

183

FIGURA 128 – Santa França, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;


Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

184

FIGURA 129 – Santa Mafalda, escultura no coro da Igreja, 1723-1725, Jacinto Vieira;

Fonte: Fotografia de Margarida Gonçalves, 2020

185
Considerações Finais

Encarando o Mosteiro de Arouca como espelho do devir histórico, de discurso


contínuo e indelével entre o passado e o presente, concretizou-se uma leitura iconográfica,
com direito a trilho interpretativo, das imagens que se conservam, ainda hoje, como
luminárias da memória, fazendo perdurar a ambiência de outrora.
Desvelando a relação entre as artes e o sagrado, através de leituras iconográficas
e iconológicas, subjacentes aos espaços da igreja e coro do mosteiro, procurei
compreende-las enquanto elemento de ligação e instrução do Homem e sobretudo
perceber o papel destas imagens nessa mesma aprendizagem. Esta investigação permitiu
que se retificasse algumas informações relativamente à identificação dos objetos
artísticos e da invocação de alguns altares, sendo que algumas das novas identificações
são da minha autoria encontrando-se devidamente fundamentadas. Tal como referi no
relatório de estágio, fica ainda muita coisa por desvendar. Existem muitas outras peças
dispersas pelos espaços deste antigo mosteiro que carecem da nossa atenção e estudo
enquanto historiadores de arte, sendo trabalho que reservo para um futuro próximo.
O luxo e a exuberância que se vivia neste mosteiro acompanhavam de perto a
magnificência arquitetónica. Nobreza, realeza e prestígio, eram palavras-chave para a
escolha deste mosteiro como o refúgio ideal para as monjas de alta estirpe, também elas
contribuidoras do seu enobrecimento, através dos seus dotes e encomendas desmedidas.
Considerando estas monjas como autênticas mecenas, encomendantes dos objetos
artísticos, e contextualizando-os no tempo e no espaço a que se destinavam,
compreendemos a qualidade do panorama artístico que as envolvia. Ao longo deste
estudo, testemunhamos o desafogo económico vivenciado pelas monjas, expresso não só
nos contratos com os melhores artistas do reino, como também implícitas nas
representações. Recordemos as pinturas de Diogo Teixeira para o altar-mor da igreja,
onde as representações das Santas, ricamente trajadas, claramente refletem a realidade
das religiosas deste mosteiro que, sendo da elite, certamente procuravam identificar-se e
reconhecer-se a si próprias como santas mulheres dedicando a sua vida a Deus e
merecedoras das suas maravilhas.
Meditando sobre o programa iconográfico a que assistimos, na igreja e no coro,
algumas considerações se impõem: a presença constante da invocação aos fundadores das
Ordens Beneditina e Cisterciense, quer no retábulo-mor e nos altares, com consideráveis

186
esculturas, quer na pintura das sacristias e dos espaldares do coro. Também as esculturas
nas tribunas, imortalizando santos abades e monjas, legitimados pelos serviços prestados
à fé católica, eram de leitura direta para os crentes e para as religiosas deste mosteiro que
viam neles exemplos de virtude. Note-se ainda que, da totalidade dos painéis narrativos,
há preferência pelos temas marianos, por vezes associados aos fundadores.
O coro, presença obrigatória por parte das religiosas, era um local privilegiado
dentro desta instituição, justificando, assim, o primor e a sublimidade dos objetos
artísticos que o integram. Os vinte e seis painéis pictóricos, expostos nos espaldares do
cadeiral, executavam, sem réstia de dúvida, um papel pedagógico e moralizador.
Despontavam nas religiosas, que ali passavam largas horas diárias, o ânimo, o
encorajamento e a perseverança necessários para nutrir a sua fé. Habituados ao elemento
clerical e santoral masculino no rol da santidade, assistimos, neste mosteiro, a uma
valorização do género feminino, através das constantes representações de santas mártires,
cuja morte resignada em nome da fé cristã, culmina uma vida coroada de virtudes.
Este relatório trás não só uma leitura dos objetos no espaço sacro, como propõe
também uma reflexão sobre a presença feminina num espaço que, sendo frequentado por
religiosas, tencionava inculcar direta e objetivamente modelos de vivência e conduta.
Relembremos as pinturas de Diogo Teixeira e a inclusão atípica que o artista faz das
Santas mulheres em algumas iconografias como a Ascensão de Cristo e o Pentecostes,
que evidenciam a presença feminina neste mosteiro, não só pela condição de santidade
destas mulheres, que seriam modelo de conduta para as monjas, mas sobretudo pelo
destaque que lhes é dado, sendo colocadas ao centro das composições refletindo,
claramente, o desejo das ilustres encomendantes. Não esqueçamos a virtuosa D. Mafalda,
cuja imagem é uma constante e que, pela perpetuada memória, se tornou no rosto desta
vila e na insígnia desta instituição (RIRSMA). Se fizermos a leitura conjunta destes
espaços, unindo as pinturas e esculturas à protuberância dada às imagens de D. Mafalda,
a mensagem é clara: uma Rainha que renuncia ao mundo e se recolhe num mosteiro,
permanecerá eternamente na memória daquelas que, pertencendo à nobreza, também
cederam a sua vida temporal em prol de construírem a sua eternidade.

187
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