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Resumo
Introdução
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Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
palavra silenciada, por não poder escrevê-la ou por pretender fazê-lo de modo
incompatível com os modelos escriturísticos de uma sociedade que, ao mesmo tempo em
que valorizava a escrita, cerceava-a por meio da criação de modelos e modos “corretos” de
escrever, anulando, também, a validade de inúmeros outros. A denúncia deste sistema por
Karl Marx (1974, apud Nunes, 2010, p.72) é pungente:
A lei permite-me escrever, mas na condição de escrever noutro estilo que não
seja o meu! Tenho o direito de mostrar o rosto do meu espírito, desde que lhe
confira as rugas prescritas (…)
Todos admiram a variedade encantadora, a riqueza inesgotável da natureza.
Ninguém exige que a rosa tenha o perfume da violeta, mas o que há de mais rico,
o espírito, só deve ter a faculdade de existir de uma única maneira?
Sou um humorista, mas a lei ordena-me que escreva sisudamente. Sou
audacioso, mas a lei ordena que o meu estilo seja modesto. Cinzento em fundo
de cinzento, eis a cor única, a cor autorizada da liberdade. A menor gota de
orvalho em que se reflecte o sol, cintila com um inesgotável jogo de cores, mas o
sol do espírito, qualquer que seja o número dos indivíduos e a natureza dos
objectos em que incide, só pode mostrar uma cor, a cor oficial! (…)”
Num contramovimento em relação a esta lógica escriturística que obriga
“humoristas a escreverem sisudamente”, “audaciosos a escreverem modestamente”, faz do
cinzento sobre cinzento a única cor possível do texto escrito válido, negando a validade de
escritas que não conseguem, ou não se contentam em, serem modestas, sisudas ou
cinzentas, como prevê a norma social de “como deve ser” um texto escrito, vimos
trabalhando em nossas pesquisas em torno das narrativas docentes, com narrativas orais e
escritas que transbordam as margens dessas normas e umedecem as vidas dos leitores com
humor e ousadia, com coloridos múltiplos em fascinantes textos transgressores, cujo
conteúdo se faz acompanhar de modos criativos de narrar, por escrito, as experiências
vivenciadas, os estudos e pesquisas realizados, os cotidianos das salas de aula e seus
significados possíveis. Ao longo dos últimos anos de nossas pesquisas, a escrita não
autorizada vem crescendo, enfrentando os obstáculos interpostos por um poder que, ainda
hegemônico, se permite dizer, e escrever, que o que fazemos não existe, que o que
escrevemos não tem valor, que nossa ousadia será punida. Assim, enfrentamos no meio
acadêmico as críticas de quem, autorizado a nos avaliar por escrito, diz: “isto não é um
artigo científico”. O motivo: cores demais e falta de cinza, talvez, para nos mantermos na
metáfora do velho Marx.
Vivemos academicamente hoje um embate político, linguístico e epistemológico no
qual modos de narrar, por escrito, pesquisas e seus resultados produzidos com base em
outras perspectivas de compreensão do ato de conhecer vêm emergindo. São modos
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Uma dissertação cuja primeira parte é um romance (TKOTZ, 2006), entendido pela
autora como a melhor forma de narrar os conflitos vivenciados ao longo dos processos de
mudança institucional ocorridos na escola na qual trabalhava e que era seu objeto de estudo
foi talvez nossa primeira grande ousadia. A complexidade daqueles processos, os embates
políticos e epistemológicos que o habitaram, as dificuldades vivenciadas exigiam uma
narrativa não formal. Era preciso recorrer a modos não científicos de escrever, de modo a
recuperar o humano presente naquele processo, para além do institucional, do pedagógico,
e mesmo do político. Eram tantos sentimentos e sensações que o modo científico de
escrever não captaria, muitas redes de saberes e de poderes a considerar, que só o romance
parecia apropriado. As relações entre os conhecimentos dos autores consagrados – cujas
obras escritas foram consultadas – também não deveriam aparecer como superiores a esses
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tantos conhecimentos dos sujeitos da escola, não escritos, ou ainda não escritos. Assim, a
presença dos autores e a dos interlocutores da escola se faz do mesmo modo, sem
hierarquias, numa clara prática de justiça cognitiva pensadapraticada por meio da escrita,
também daqueles que não escreveram antes, pois suas palavras agora escrita, estão lá.
Depois outras vieram. Sempre buscando subverter os limites cientificistas e o que
eles representam de negação dos conhecimentos dos sujeitos da escola e de seus modos de
dizê-los, buscam uma escrita que contribua para a justiça cognitiva desinvisibilizando as
redes de conhecimentos presentes nas escolas, horizontalizando as relações entre eles e
seus sujeitos numa perspectiva de solidariedade cidadã e cognitiva.
Artigos e dissertações passaram a ser produzidos de modos múltiplos trazendo
conhecimentos, modos diversos de torná-los presentes reconhecendo-lhes o valor,
enredando-os uns aos outros e àqueles cuja validade não está em jogo. Buscando escrever
de modo a assegurar a compreensão da horizontalidade que reconhecemos na relação entre
os sujeitos de nossas pesquisas – sejam eles professores doutores das Universidades,
autores consagrados ou professores e alunos das nossas escolas – muitos dos trabalhos que
vêm sendo produzidos por nossas pesquisas nosdoscom os cotidianos das escolas
expressam, em suas próprias estruturas, a subversão de valores que preconizam.
O DESFILE............................................................................... 12
1 ENREDO ............................................................................... 21
2 EVOLUÇÃO ........................................................................ 36
3 COMPOSIÇÃO DO SAMBA .............................................. 46
4 CONCENTRAÇÃO ..............................................................50
4.1 Abre-alas: Escola Municipal Presidente Costa e Silva .........50
4.2 Porta-bandeira: Escola Municipal Brasil-Itália .....................55
4.3 Mestre-sala: Escola Municipal Santo Izidro ........................60
4.4 Destaque de chão: Escola Municipal Bairro Tabuleiro ..........64
4.5 Alegoria: a visita do prefeito ..................................................70
4.6 Ala coreografada: Escola Municipal Sarg. João D. Santos ....83
4.7 Passistas: Escola Municipal Coração de Jesus .......................87
4.8 Bateria: Escola Municipal Santa Rita .....................................91
4.9 Ala das baianas: Escola Municipal Leny F. do Nascimento....98
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grupos sociais são capazes de produzir, dentro e fora das escolas. Era preciso criar uma
alternativa mais adequada ao público pesquisado, aos conhecimentos que possuem e criam,
ao mundo que habitam. Fazendo de cada escola uma ala de um desfile fictício, respeitando-
lhe os conhecimentos e modos de fazersaber, Patrícia pretendeu, e conseguiu, mostrar,
como anunciava Certeau (1994, p.45) que:
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No mundo dos ensaístas há sempre alguns que lembram aos outros que o terreno
que lhes cabe explorar não é o da poesia nem o do romance. Não é o da ficção
nem o do primado da imaginação criadora. De fato, o ensaio assimila algo da
liberdade de expressão aprendida na arte, porém não é, a rigor, um gênero
artístico. Por mais apreço que o ensaísta mostre pelas artes, por mais
impressionantes que sejam seus talentos artísticos, seu programa é de natureza
científica. (KONDER, 2005, p. 44 apud PEREIRA, 2011, p. 2)
Assume para si “a invenção de um modelo de pesquisa, de escritura, de
comunicação” (FILÉ, 2010, p. 126) que “corre paralela com as invenções de praticantes
que o pesquisador anda atrás e que é tema de sua pesquisa”, assumindo-lhes a
indissociabilidade. Considera, ainda com Filé, que “Se as narrativas envolvem as relações
dos sujeitos da pesquisa, sua escrita, a criação do discurso dos acontecimentos da
empreitada, não deve ser mera formalidade. Deve ser parte da problematização. (FILÉ,
2010, p.126)”.
Fábio ainda reafirma a relação que percebe entre a escolha que fez e o campo das
pesquisas com os cotidianos, no qual se situa e à sua pesquisa. Confessando-se um adepto
convicto e encantado por esses estudos, reconhece seus modos não-dogmáticos de
compromisso com a “ciência”.
Sem ter tido o prazer de orientá-la, a dissertação, hoje já publicada em livro, de
Rafael Marques Gonçalves (GONÇALVES, 2013), foi um colírio para meus olhos
cansados de cientificismo, de escritas sem sabor. Convidada a prefaciar a obra, escrevi:
Considerações Finais
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Referências
ALVES, Nilda. Sobre movimentos das pesquisas nos/dos/com os cotidianos das escolas. In:
OLIVEIRA, Inês B.; ALVES, Nilda (Orgs.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas:
sobre redes de saberes. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2008.
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