Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FRENTE 2 Literatura
MÓDULO 1 A Lírica Trovadoresca
1. AS RAÍZES DA eram, muitas vezes, autores de poesia sua coita, ou seja, sua dor de amar
LITERATURA PORTUGUESA e música. sem ser correspondido. Muitas vezes,
Pode-se mencionar ainda que porém, esse amor ardente confes-
O aparecimento da Literatura nesse período, além da produção líri- sado encobre ora um apelo sexual,
Portuguesa coincide, a bem dizer, ca propriamente, houve também ora um conveniente galanteio de
com o aparecimento de Portugal produção literária em prosa, repre- inspiração política. (O sistema polí-
como nação livre. A primeira mani- sentada pelas novelas de cavalaria, tico-social da Idade Média, chamado
festação literária portuguesa de que pelos cronicões e livros de linhagem. feudalismo, reforçava a necessi-
se tem notícia, a “Cantiga da Garvaia” dade de o vassalo agradar sempre a
ou “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio 3. OS CANCIONEIROS seu suserano — seu “senhor” — e à
Soares de Taveirós, é de aproximada- sua família.)
mente 1198 (ou 1189), ou seja, cerca O Trovadorismo é anterior ao a- As cantigas de amor não nasce-
de cinquenta anos apenas após o parecimento da imprensa. Por isso, ram em Portugal, mas na Provença
ano de 1143, data em que Portugal as cantigas medievais eram manus- (sul da França) e dali se espalharam
conseguiu sua independência da Es- critas e, colecionadas, formavam os por muitas cortes da Europa. A língua
panha, ou, mais propriamente, data cancioneiros, nome que se dá aos provençal também havia provindo do
em que foi reconhecida sua eman- códices (manuscritos antigos) que latim. Todo trovador que se prezasse
cipação dos Reinos Católicos (Leão, abrigam a poesia medieval. deveria conhecer um pouco o proven-
Castela, Navarra e Aragão). Como a Os cancioneiros da fase trova- çal. Nas canções provençais é que ele
“Cantiga da Garvaia” não é o início da doresca são três e foram descober- buscava inspiração para compor suas
Literatura Portuguesa, mas apenas o tos a partir do fim do século XVIII: cantigas em português arcaico. Quan-
documento literário mais antigo que • Cancioneiro da Ajuda, o mais to ao português destas cantigas — o
chegou até nós, podemos conjec- antigo, com 310 cantigas; chamado português arcaico —, trata-
turar que já se produzia literatura em • Cancioneiro da Vaticana, que se de uma língua permeada de gale-
Portugal desde o começo de sua vida contém 1.205 cantigas, distribuídas en- guismos. Esse fato não é surpreen-
como país independente. tre as quatro modalidades (amigo, dente, dada a proximidade linguística,
amor, escárnio e maldizer). Reúne a geográfica e cultural entre Portugal e
maioria das composições de El-Rei D. Galiza e dado que diversos trovadores
2. O TROVADORISMO — alguns entre os mais importantes —
Dinis, o mais notável trovador por-
tuguês; eram galegos, não portugueses. Daí
O primeiro período da Literatura • Cancioneiro da Biblioteca Na- ser mais apropriado que se fale em
Portuguesa é denominado Trovado- cional de Lisboa, que contém 1.647 trovadorismo galego-por tuguês, ou
rismo, e está compreendido aproxi- cantigas das quatro modalidades. É galaico-português, em vez de tro-
madamente entre os anos de 1198 também conhecido como Cancionei- vadorismo português simplesmente.
ou (1189) e 1418. ro Colocci-Brancutti.
São chamados trovadores os
TEXTO I
poetas da fase final da Idade Média, os 4. AS CANTIGAS DE AMOR
quais iniciaram um novo tipo de litera- CANTIGA DE AMOR
tura — o princípio das literaturas de lín- As cantigas de amor são com-
guas modernas, entre as quais o por- posições líricas em que o trovador Estes meus olhos nunca perderán,
tuguês. Os trovadores não eram ape- senhor, gran coita, mentr’ 1eu vivo for;
exalta as qualidades de uma mulher,
e direi-vos, fermosa mia senhor,
nas poetas, mas também músicos: a quem chama minha senhor (o fe- destes meus olhos a coita que han2:
eles compunham as melodias com minino dessa palavra ainda não se choran e cegan quand’alguen non veen,
que cantavam seus poemas. A poesia havia formado). Trata-a, portanto, se- e ora cegan por alguen que veen.
era sempre associada à música e se gundo o sistema hierárquico da so-
fazia presente tanto nas reuniões ciedade feudal, como a alguém de Guisado tẽen de nunca perder
palacianas da alta aristocracia quanto meus olhos coita e meu coraçon3,
condição superior, a quem ele se sub- e estas coitas, senhor, mias son,
nas festas populares. Os jograis mete, a quem “presta serviço” e de mais4 os meus olhos, por alguen veer,
eram executantes das composições quem espera benefício (ben). Na choran e cegan quand’alguen non veen,
dos trovadores, mas eles mesmos cantiga de amor, o poeta confessa a e ora cegan por alguen que veen.
– 37
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 38
38 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 39
A dona, mui de coraçon2, algum. Constituía a maioria das can- en que vos loarei toda via;
oíra sa missa enton tigas satíricas e era comum o empre- e direi-vos como vos loarei:
e foi por oir o sarmon, dona fea, velha e sandia!
go de termos baixos e chulos, no
e vedes que lho foi partir3 (Joan Garcia de Guilhade, século XIII)
ouve sig’4 un corvo acaron5 mais das vezes a resvalar para os
e non quis da casa sair. limites da mais grosseira obsce- Vocabulário e Notas
nidade. Mesmo os mais elevados 1 – Ora: agora.
A dona disse: — Que será? trovadores compunham cantigas de 2 – Loarei: louvarei.
E i6 o clérigu’7 está já 3 – Sandia: louca.
maldizer, consideradas ancestrais da
revestid’e maldizer-m’-á
se me na igreja non vir. sátira palavrosa de poetas como
Gregório de Matos e Bocage. Elas Em linguagem atual, teríamos:
E diss’o corvo: — quá, acá8,
e non quis da casa sair. testemunham a “vocação” luso-brasi-
Ai, mulher feia! você se queixou
leira para o chiste e para o palavrão. de que eu nunca a louvei em minha poesia;
Nunca taes agoiros vi,
A referência a atos fisiológicos e à mas agora eu vou fazer uma cantiga
des aquel dia que nasci,
com’aquest’ano ouv’aqui9; escatologia é frequente. em que eu a louvarei completamente;
e veja como a quero louvar:
e ela quis provar de s’ir10
mulher feia, velha e louca!
e ouv’un corvo sobre si
e non quis da casa sair. TEXTO IV
Ai, mulher feia! Deus me perdoe!
(Joan Airas de Santiago, século XIII)
pois você tem tão grande esperança
CANTIGA DE MALDIZER de que eu a louve por justiça,
Vocabulário e Notas
quero agora louvá-la completamente;
1 – Oitavas: missas. Ai, dona fea! fostes-vos queixar e veja qual será a louvação:
2 – Mui de coraçon: de muito boa vontade. porque vos nunca louv’en meu trobar; mulher feia, velha e louca!
3 – Partir: acontecer. mais ora1 quero fazer un cantar
4 – Sig’: consigo. en que vos loarei2 toda via; Ai, mulher feia! nunca a louvei
5 – Acaron: colado ao corpo. e vedes como vos quero loar: em minha poesia, e eu muito escrevi;
6 – I: ali (na igreja).
dona fea, velha e sandia3! mas agora farei uma bela cantiga
7 – Clérigu’: padre.
em que a louvarei completamente;
8 – Quá, acá: aqui, vem cá.
Ai, dona fea! se Deus me perdon! e vou lhe dizer como a louvarei:
9 – Com’aquest’ano ouv’aqui: como aquele
e pois havedes tan gran coraçon mulher feia, velha e louca!
ano houve aqui.
que vos eu loe en esta razon,
10 – Provar de s’ir: tentar ir.
vos quero já loar toda via; Comentários
e vedes qual será a loaçon: • Trata-se de uma sátira individual, con-
Comentário
dona fea, velha e sandia! tundente e, ainda que o nome da ofendida não
• Na cantiga anterior, o poeta zomba de
apareça, é dada como cantiga de maldizer.
uma mulher que, ao se dirigir à missa, ouviu
Dona fea, nunca vos eu loei • A mesma mulher, idealizada nas can-
um corvo em sua casa e, com medo do mau
en meu trobar, pero muito trobei; tigas de amor, é, nas cantigas de maldizer,
agouro (as pessoas na Idade Média eram
mais ora já un bon cantar farei, rebaixada à mais ínfima condição.
muito supersticiosas), não quis sair de casa.
Mas a cantiga é toda baseada em duplos
sentidos, a partir do segundo verso, pois a ex-
pressão “non agoirou ogano mal” pode signi-
ficar tanto “teve bastante [mau] agouro este
ano” quanto “não teve mau agouro este ano”.
Depois, a forma verbal ouve pode tanto cor-
responder ao verbo haver como ao verbo
ouvir. De início, parece que a mulher ouviu um
corvo, mas logo percebemos que ela teve
(ouve = houve) junto de si, colado à sua carne
(acaron), um “corvo carnaçal ”, que não é uma
ave de rapina, mas um homem faminto de
carne... E ela “non quis da casa sair ”... O
poema atinge o clímax quando imita o crocitar
do corvo (“E diss’o corvo: — quá, acá,” ), com
duas palavras do português arcaico que
podem significar “aqui, vem cá” — o corvo
sedutor chamando avidamente a sua presa.
❑ A cantiga de maldizer
A cantiga de maldizer encerrava
sátira direta, agressiva, contundente, A lírica provençal influenciou todas as literaturas da Europa, fazendo do amor e da
em linguagem objetiva, sem disfarce mulher o centro de uma inspiração poética e musical poderosa e refinada.
– 39
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 40
40 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 41
Manuel, foi compilada em 1516, por Dentre os 286 poetas que figu- dada no anseio de encontrar algo perdurável,
para além da fugacidade cósmica.
Garcia de Resende, no Cancio- ram no Cancioneiro Geral, os mais
Coube a Sá de Miranda trazer da Itália,
neiro Geral que leva o seu nome. famosos são Bernardim Ribeiro, Sá onde viveu de 1520 a 1527, a medida nova
Esse cancioneiro nada tem a ver de Miranda e Gil Vicente, que, po- (versos decassílabos, a forma fixa do soneto,
com os primitivos cancioneiros trova- rém, irá celebrizar-se, não como o terceto etc.), introduzindo em Por tugal
formas e temas característicos do Classicismo
dorescos. Nele, observa-se uma poeta lírico, mas como o maior autor renascentista, que os italianos denominavam
grande amostra da chamada “poesia teatral de língua portuguesa. dolce stil nuovo (= doce estilo novo). Como
palaciana”, ou poesia da Corte, que Camões, foi grande sonetista e tem, também,
parte de sua obra comprometida com a heran-
se praticou em Portugal no período TEXTOS ça medieval, nas composições que fez na me-
imediatamente anterior ao chamado dida velha, como a trova em questão.
Classicismo. É uma produção TROVA À MANEIRA ANTIGA • O tema da cisão da personalidade, a
sutil exploração dos mistérios do eu, a
poética que pode ser considerada fragmentação do sujeito lírico, em tensão
Comigo me desavim1,
pré-clássica, pois nela já se sou posto em todo perigo; consigo e por si, prestes a consumar a ruptura
encontram alguns dos componentes não posso viver comigo interior, é o tema de um belíssimo vilancete de
que caracterizarão a poesia do nem posso fugir de mim. Bernardim Ribeiro. Observe a aproximação
com o poema de Sá de Miranda anteriormente
período posterior. A poesia palaciana apresentado:
Com dor, da gente fugia,
representa uma evolução formal antes que esta assim crescesse;
em relação ao período trovadoresco. agora já fugiria Entre mim mesmo e mim
de mim, se de mim pudesse. não sei [o] que s’ alevantou1
A poesia separa-se da música, que tão meu imigo2 sou.
Que meio espero ou que fim
e o trovador cede lugar ao do vão trabalho que sigo,
poeta. Este escreve não mais para pois que trago a mim comigo, Uns tempos com grand’engano
tamanho imigo2 de mim? vivi eu mesmo comigo,
cantar, mas para ler e recitar nos
(Francisco Sá de Miranda) agora, no mor3 perigo,
serões da Corte. Como não depende se me descobre o mor dano.
mais da música, os refrãos e o Vocabulário e Notas Caro custa um desengano,
paralelismo são menos marcantes. 1 – Desavir: desentender, desencontrar. e pois m’este não matou,
2 – Imigo: forma arcaica de inimigo. quão caro que me custou!
Os poetas da fase palaciana
consolidaram a medida velha, nome Comentários De mim me sou feito alheio;
genérico que se dava às composições • A trova de Sá de Miranda, composta na entre o cuidado e cuidado
medida velha (versos redondilhos maiores), fo- está um mal derramado
em versos curtos — os chamados que por mal grande me veio.
caliza o desencontro do eu consigo mesmo, a
versos redondilhos. A estes, dá-se o partir do dilema viver comigo x fugir de mim, Nova dor, novo receio
nome de redondilhos menores, ambas as situações impossíveis para o poeta. foi este que me tomou,
quando têm cinco sílabas poéticas, Essa dilaceração do eu expressa as perple- assi4 me tem, assi estou.
xidades do homem diante das transformações (Bernardim Ribeiro)
e de maiores, quando têm sete nos limiares da Idade Moderna e projeta a
sílabas. Esses versos são até hoje, personalidade grave e reflexiva do autor. Sua Vocabulário e Notas
em Portugal e no Brasil, os versos postura estoica, cética e desiludida já se 1 – Alevantar: erguer. 2 – Imigo: inimigo.
integra nos quadros da cultura clássica, fun- 3 – Mor: maior. 4 – Assi: assim.
mais tradicionais e populares,
dada a facilidade de memorização, o
ritmo e a musicalidade envolventes. É o
verso mais comum nas composições
folclóricas e populares (cantigas de
roda, cantigas de ninar, acalantos,
modinhas, desafios etc.); foi, e ainda é,
o verso mais utilizado pelos autores que
buscaram e buscam as raízes mais tra-
dicionais da poesia e da música.
No plano temático, o caráter po-
pular e sentimental da poesia trova-
doresca é substituído pela poesia
frívola e galante, composta para o
deleite do público palaciano; disso
de cor re certa afetação e artifi -
cialismo.
Poemas satíricos, religiosos e nar-
rativos coexistem com poemas de
tema amoroso. As influências greco-
latina e italiana começam a aparecer. Capa da primeira edição do Cancioneiro Geral.
– 41
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 42
3. AUTOS E FARSAS morreu lhe garantiria a ida para o Dia. Ora, ponde aqui o pé...
Brí. Hui! e eu vou pra o Paraíso!
céu... Só são aceitos pelo Anjo o
Dia. E quem te dixe19 a ti isso?
❑ Autos Parvo (idiota), camponês explorado e Brí. Lá hei de ir desta maré20.
Inspirados no teatro religioso da sofredor, e quatro cavaleiros que mor-
Idade Média, nos mistérios, milagres reram em defesa da fé de Cristo. Nes- Eu sô ũa mártela21 tal,
e moralidades, os autos encerram uma se desfile de almas, temos um amplo açoutes22 tenho levados
e tormentos soportados23
intenção moralizante e trazem perso- quadro crítico da sociedade portu- que ninguém me foi igual.
nagens alegóricas (anjos, demônios guesa da época, apresentado em ver- Se fosse ò24 fogo infernal,
etc.), que são personificações de sos de enorme encanto, pois são alta- lá iria todo o mundo!
virtudes ou de defeitos humanos. mente refinados e não se afastam da A estoutra barca, cá fundo,
me vou, que é mais real.
linguagem falada da época, em seus
Auto da Barca do Inferno vários registros. Por tais motivos, Gil Barqueiro mano, meus olhos25,
Vicente é considerado, por críticos prancha a Brísida Vaz!
Representada pela primeira vez de importância, como o poeta mais
Vocabulário e Notas
em 1517, a peça de Gil Vicente faz original de Portugal e o maior drama- 1 – Tanto que: assim que.
parte de uma trilogia em que assisti- turgo europeu de sua época. 2 – Alcouveteira: alcoviteira, caftina, isto é, “mu-
mos a um desfile de almas de mortos lher que serve de intermediária nas relações
prestes a embarcar para a eter - amorosas” (dicionário Aurélio); prostituta.
nidade. Os títulos das peças indicam TEXTO 3 – Ea: eia!
4 – Como: por que.
os possíveis destinos da viagem: 5 – Joana de Valdês: alcoviteira conhecida.
AUTO DA BARCA DO INFERNO
Auto da Barca do Inferno, da Barca 6 – Arrecear: recear, temer.
do Purgatório e da Barca da Glória. Tanto que1 o Frade foi embarcado, veio 7 – Catar: procurar.
8 – Fato: roupas e outros bens móveis.
Na primeira peça, os mortos são con- ũa Alcouveteira2, per nome Brísida Vaz, a qual,
9 – Virgo: hímen.
frontados com o Diabo, que, com fina chegando à barca infernal, diz desta maneira:
10 – Que nom podem mais levar: porque não
ironia (é um diabo muito bem-humo- se pode levar mais.
Brí. Hou lá da barca, hou lá!
rado e com grande presença de 11 – Almário: armário.
Dia. Quem chama? 12 – Enlheo: enredo, confusão.
espírito), apresenta-lhes as razões Brí. Brísida Vaz. 13 – Alheo: alheio.
pelas quais devem embarcar no seu Dia. Ea3, aguarda-me, rapaz! 14 – Encobrir: disfarçar, iludir.
“batel” (navio), que vai para a “terra Como4 nom vem ela já? 15 – Movediço: móvel.
perdida”. Todos resistem e se Com. Diz que nom há de vir cá 16 – Coxim: almofada.
sem Joana de Valdês5. 17 – Mor cárrega: maior carga.
dirigem ao Anjo, que guarda a barca
Dia. Entrai vós, e remarês. 18 – Bofé: na verdade (em boa fé).
do Paraíso. O Anjo, em tom solene Brí. Nom quero eu entrar lá. 19 – Dixe: disse.
(ele não tem a graça do Diabo), 20 – Maré: vez.
mostra a quase todos (só há exceção Dia. Que saboroso arrecear6! 21 – Mártelo: mártir.
22 – Açoute: chicotada (punição dada às pros-
em dois casos) que seu caminho é Brí. Nom é essa barca que eu cato7.
titutas).
irremediavelmente o inferno, tendo Dia. E trazês vós muito fato8?
23 – Soportado: suportado.
Brí. O que me convém levar.
em vista a vida que levaram. E quem 24 – Ò: ao.
Dia. Que é o qu’havês d’embarcar?
são os mortos? São figuras alegó- 25 – Meus olhos: meu bem.
Brí. Seiscentos virgos9 postiços
ricas que representam classes ou e três arcas de feitiços
categorias sociais, como o Fidalgo, que nom podem mais levar10.
❑ Farsas
arrogante e falso, o Onzeneiro (usu- Inspiradas no teatro profano (não
Três almários11 de mentir, religioso), as farsas visam a ca-
rário), explorador dos outros, o Sapa-
e cinco cofres de enlheos12, racterizar, em simples episódios ou
teiro, ladrão de seus fregueses, o
e alguns furtos alheos13, em narrativas mais complexas, tipos
Frade, que vem acompanhado de assi em joias de vestir, característicos da sociedade portu-
sua amante, a Alcoviteira (cafetina), guarda-roupa d’encobrir14, guesa, na transição da Idade Média
que fornecia moças para homens de enfim – casa movediça15;
para o Renascimento.
dinheiro e poder, o Judeu, contra um estrado de cortiça
com dous coxins16 d’encobrir.
quem até o Diabo demonstra pre- Além das peças até aqui men-
venção, o Corregedor (juiz), pompo- cionadas, podem-se destacar ainda:
A mor cárrega17 que é:
so e corrupto, o Procurador, deso- essas moças que vendia. Auto da Alma, Farsa de Inês Pereira,
nesto como o juiz, o Enforcado, que Daquesta mercadoria Quem Tem Farelos?, Juiz da Beira,
acreditava que a forma por que trago eu muita, bofé18! Auto da Fé, Auto da Lusitânia etc.
– 43
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 44
De inspiração medieval e popular (pela ❑ A lírica clássica camoniana É querer estar preso por vontade;
forma, pela protagonista e pelo sentimento É servir a quem vence, o vencedor;
Sob influência da escola renas-
amoroso expresso), a redondilha acentua a É ter com quem nos mata lealdade.
tendência para a elaboração engenhosa de
centista italiana, ou escola petrar-
conceitos, para o jogo de ideias e para a cons- quista, Camões realizou a parcela Mas como causar pode seu favor
trução antitética e paradoxal, pressagiando a mais densa e perfeita de sua lírica. Nos corações humanos amizade,
vertente conceptista da poesia barroca. Com os decassílabos da medida Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
À maneira das cantigas de amigo, a
protagonista, Leonor, é uma mulher do povo,
nova e com as formas fixas do Clas- ***
de hábitos simples. O poeta oscila entre a des- sicismo (sonetos, canções, odes, Alma minha gentil, que te partiste
contração e o realismo das cantigas, a expres- elegias, éclogas, oitavas e sextinas), Tão cedo desta vida, descontente,
são direta do sentimento amoroso e a ex- Repousa lá no Céu eternamente,
o poeta conseguiu o mais alto
pressão elevada e conceitual do amor, que irá E viva eu cá na Terra sempre triste.
marcar a lírica clássica dos sonetos.
equilíbrio entre a disciplina, o virtuo-
sismo formal e a reflexão profunda Se lá no assento etéreo, onde subiste,
ESPARSA AO DESCONCERTO DO MUNDO sobre o sentido do amor e da vida. Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Os bons vi sempre passar Amor é um fogo que arde sem se ver; Que já nos olhos meus tão puro viste.
no mundo graves tormentos;
É ferida que dói e não se sente;
e, para mais me espantar,
É um contentamento descontente; E se vires que pode merecer-te
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos. É dor que desatina sem doer. Alguma coisa a dor que me ficou
Cuidando alcançar assim Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
o bem tão mal ordenado, É um não querer mais que bem querer;
fui mau, mas fui castigado. É um andar solitário entre a gente; Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Assim que só para mim É nunca contentar-se de contente; Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
anda o mundo concertado. É um cuidar que ganha em se perder. Quão cedo de meus olhos te levou.
MÓDULO 5 Os Lusíadas – I
1. EPOPEIA CAMONIANA pansão geográfica custou caro para rior). Além de Os Lusíadas, Camões
os outros, os povos das terras “des- não publicou nenhum outro livro.
Epopeia é um poema do gê- cobertas”, para os quais a chegada
nero épico, poesia de tom elevado, dos europeus significou, na maioria 2. DIVISÕES FORMAIS:
heroica, que conta uma história e dos casos, dominação, destruição CANTOS E ESTROFES
celebra um herói, em aventuras ge- cultural, escravidão e morte.)
ralmente guerreiras, cujo sentido O assunto é um grande episó- • O poema divide-se em dez
grandioso se liga à vida da socieda- dio da conquista dos mares e avanço cantos (cantos são as principais divi-
de a que pertence. Depois das gran- sobre terras distantes e desconhe- sões materiais ou partes de um poe-
des epopeias da Antiguidade (a cidas: o descobrimento do caminho ma, correspondendo, na prosa, aos
Ilíada e a Odisseia, de Homero, do marítimo para as Índias, realizado no capítulos). Cada canto contém em
século VIII a.C.), a poesia épica raras fim do século XV por um português, média 110 estrofes ou estâncias. O
vezes atingiu a altura a que se Vasco da Gama, numa época em Canto VII é o mais curto, com 87
elevam Os Lusíadas. Neste poema, que Portugal vivia seu apogeu e estrofes; o Canto X é o mais longo,
os grandes ingredientes do gênero estava na vanguarda da aventura com 156 estrofes.
épico estiveram presentes: um mo- conquistadora da Europa. • O poema compõe-se de 1.102
mento grandioso, um assunto É com Os Lusíadas que a língua estrofes, com 8 versos em cada uma,
grandioso e um poeta grandioso. portuguesa adquire, definitivamente, dispostos em oitava-rima (esquema
O momento foi o Renascimento, sua maioridade. ABABABCC).
uma época fervilhante, de expansão Datadas do ano de 1572, há duas
das fronteiras do mundo conhecido edições de Os Lusíadas, praticamen- 3. AS PARTES DO POEMA
— expansão no espaço (descobriu- te idênticas. Não se sabe se as duas
se grande parte do planeta), no tem- foram feitas pelo poeta naquele ano A proposição (estrofes 1 e 2) é
po (redescobriu-se toda a Antiguida- ou se uma delas (não se saberia qual) parte obrigatória do poema épico. É a
de) e no espírito (ampliou-se enorme- é falsificação posterior, feita para iludir apresentação do assunto. O núcleo da
mente o conhecimento e iniciou-se a a Inquisição (que fora tolerante quan- proposição está nos versos 15 e 16
investigação científica do mundo). do da primeira edição do poema, mas (“Cantando espalharei por toda parte /
(Hoje, procura-se lembrar que a ex- exigiu alterações em edição poste- Se a tanto me ajudar o engenho e arte”):
46 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 47
As armas e os barões1 assinalados, Em seguida, propõe uma infla- Da branca escuma1 os mares se mostravam
Que, da Ocidental praia Lusitana2, mada dedicatória a D. Sebastião, Cobertos, onde as proas vão cortando
Por mares nunca dantes navegados3, As marítimas águas consagradas2,
Passaram ainda além da Taprobana4,
estimulando-o a uma grande empre- Que do gado de Próteu3 são cortadas,
Em perigos e guerras esforçados sa de conquista que o elevasse à
Mais do que prometia a força humana, altura de seus ilustres antepassados Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
E entre gente remota5 edificaram (sabe-se do desastre em que termi- Onde o governo está da humana gente,
Novo Reino, que tanto sublimaram6. Se ajuntam em consílio4 glorioso,
naria, poucos anos depois, a aven- Sobre as coisas futuras do Oriente.
E também as memórias gloriosas tura de D. Sebastião na África): (…)
Daqueles Reis que foram dilatando7
A Fé, o Império, e as terras viciosas8 E, enquanto eu estes canto, e a vós não Vocabulário e Notas
De África e de Ásia andaram devastando, [posso, 1 – Escuma: espuma.
E aqueles que por obras valorosas Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, 2 – Consagrado: sagrado, santificado.
Se vão da lei da Morte libertando9: Tomai as rédeas vós do Reino vosso: 3 – Próteu: deus marinho, guardador do gado
Cantando espalharei10 por toda parte, Dareis matéria a nunca ouvido canto. de Netuno. Tinha o dom de tomar todas as
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Comecem a sentir o peso grosso formas possíveis.
(Que pelo mundo todo faça espanto) 4 – Consílio: conselho, assembleia.
Vocabulário e Notas De exércitos e feitos singulares
1 – Armas: guerras; barões: varões.
De África as terras e do Oriente os mares. No canto décimo, a narrativa se
2 – Portugal é o país mais ocidental da Euro- encerra e o poema se fecha com um
pa.
3 – Verso célebre, muito repetido. Na estrofe 19, inicia-se a nar- epílogo desalentado, em que o poe-
4 – Taprobana: Ceilão (hoje Sri Lanka), pon- ração de Os Lusíadas, a qual com- ta lamenta a situação presente de
to-limite primeiro ultrapassado pelos por-
preende três ações principais: a seu país e se dirige de novo a D.
tugueses. Sebastião, retomando a exortação
5 – Gente remota: povos distantes. viagem de Vasco da Gama, a
6 – Sublimar: elevar, enaltecer. história de Portugal e a luta que a ele fizera na dedicatória do
7 – Dilatar: ampliar, ou seja, espalhar pelo dos deuses do Olimpo (Baco x poema.
mundo.
Vênus); são, portanto, duas ações Contrapondo-se ao tom vibrante
8 – A Fé, o Império: O Cristianismo e o Impé-
históricas e uma ação mitológica. e ufanista do início do poema, o des-
rio português; terras viciosas: países não
cristãos. fecho contém uma dolorosa crítica à
Essas ações são entremeadas de di-
9 – Se vão da lei da Morte libertando: Vão-se decadência do país, corroído pela
gressões (dissertações) poéticas de
tornando imortais, porque serão sempre ambição desmedida de conquista e
lembrados. Camões sobre a moral, sobre a des-
de riqueza. É uma clara premonição
10 – Cantando espalharei: nessa expressão consideração de seus contempo-
está o verbo principal, do qual tudo o que da derrocada do país, submetido à
râneos pela poesia, sobre o verda-
veio antes é objeto. Espanha, e de seu Império Oriental:
deiro valor da glória, sobre a onipo-
tência do ouro e sobre o destino de Não mais, Musa1, não mais, que a Lira tenho
Depois dessa proposição — es-
palhar pelo mundo, com seu poema, Portugal. Destemperada2 e a voz enrouquecida,
O início da ação (I, 19) se dá, E não do canto, mas de ver que venho
os grandes feitos dos portugueses Cantar a gente surda e endurecida3.
—, o poeta faz a invocação, não não no início da viagem de Vasco da O favor com que mais se acende o engenho
das Musas (deusas que presidiam às Gama, mas quando os navegadores Não no dá a pátria, não, que está metida
já estão em pleno Oceano Índico, na No gosto da cobiça e na rudeza
artes), mas das Tágides, ou ninfas D’uma austera, apagada e vil tristeza.
do Rio Tejo, para que o inspirem. costa leste da África, à altura da Ilha
de Madagáscar. Só mais tarde é que Vocabulário e Notas
E vós, Tágides minhas, pois criado se irão narrar o início da viagem, a 1 – Musa: Camões dirige-se novamente a
Tendes em mim um novo engenho partida das naus e os incidentes da suas inspiradoras, as Tágides, para
[ardente1, informá-las de que vai parar o poema, não
Se sempre, em verso humilde, celebrado navegação no Atlântico. porque tivesse se cansado do canto, mas
Foi de mim vosso rio alegremente, Camões, na estrofe 19 do primei- porque sente falta do maior estímulo à sua
Dai-me agora um som alto e sublimado, ro canto, apresenta rapidamente os poesia: o reconhecimento do povo, da
Um estilo grandíloquo e corrente, pátria.
navegadores já no Índico, para, a se-
Por que de vossas águas Febo2 ordene 2 – Destemperado: desafinado.
Que não tenham inveja às de Hipocrene3. guir, apresentar a primeira ação mito- 3 – Gente surda e endurecida: o povo portu-
lógica, a primeira intervenção do guês. Para alguns críticos, Camões refere-
Vocabulário e Notas se apenas àquela parcela corroída pela
“maravilhoso pagão”, no episódio do
1 – Engenho ardente: refere-se à inspiração ganância e pelo individualismo. Para ou-
épica (heroica). “Consílio dos Deuses no Olimpo”: tros, o sentido da crítica é mais amplo e
2 – Febo: Apolo, deus do sol e aquele que presi- atinge toda a Nação, entregue ao obscu-
de as musas. Já no largo Oceano navegavam, rantismo religioso (a Contrarreforma), ao
3 – Hipocrene: fonte que o cavalo alado Pé- As inquietas ondas apartando; autoritarismo político (o Absolutismo), à
gaso fez brotar no Hélicon. Quem bebesse Os ventos brandamente respiravam, decadência econômica e à retórica pedan-
de suas águas se tornaria poeta. Das naus as velas côncavas inchando; te e esterilizante da ignorância e do medo.
– 47
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 48
MÓDULO 6 Os Lusíadas – II
A narração da Viagem de Melin- no Palácio de Netuno, desembocan-
de até Calicute, na Índia, é retomada do na “llha dos Amores”, onde os planos
pelo poeta no Canto Vl. Seguem-se histórico e mitológico se fundem.
os episódios da conquista do Oriente.
No Canto IX inicia-se a viagem de re- ❑ Resumo dos cantos
gresso à pátria, interrompida na “Ilha
dos Amores”, onde os navegadores CANTO I
são recebidos por Tétis e pelas Ninfas, Proposição, invocação, de-
que amorosamente os recompensam dicatória, início da narração
dos duros trabalhos do mar; (rápida referência a que os portugue-
• a segunda ação histó- ses já navegavam no Oceano Índico);
rica, o relato da história de Portugal, Consílio dos Deuses no Olimpo; em
com dois narradores: Vasco da Gama Moçambique, Quiloa e Mombaça,
e seu irmão, Paulo da Gama. Vasco ciladas de Baco contra os navegado-
da Gama conta ao rei de Melinde a res e intervenções de Vênus e das
Luís de Camões fundação do País; os feitos dos reis e Nereidas a favor dos portugueses;
heróis portugueses, as principais bata- reflexões morais do poeta.
1. A NARRAÇÃO DO POEMA lhas que venceram (Ourique, Salado
e Aljubarrota); o episódio lírico-amoro- CANTO II
Já vimos, na aula anterior, que a so de Inês de Castro; o sonho proféti- Em Mombaça, narram-se as ma-
narração da viagem de Vasco da co de D. Manuel; o início da viagem; quinações de Baco e as interven-
Gama inicia-se na estrofe 19 do Can- o episódio do Gigante Adamastor, per- ções de Vênus e das Nereidas;
to I, com os navegadores já no meio sonificação do Cabo das Tormentas Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a
da viagem, em pleno Oceano Índico. e símbolo da superação do medo do Júpiter, que profetiza os feitos lusos;
Vimos também que a narração “Mar Tenebroso”. chegada a Melinde, onde os portu-
compreende duas ações históricas e A relação dos heróis portugueses gueses são bem recebidos.
uma ação mitológica. Dessas ações
e de seus atos é completada no Canto
destacam-se inúmeros episódios de CANTO III
Vlll, por Paulo da Gama, que conta ao
natureza simbólica, profética, lírica, Vasco da Gama invoca a inspira-
catual, a pretexto de explicar o signi-
naturista, histórica ou mitológica. ção de Calíope e inicia a narração da
ficado das bandeiras de Portugal, os
Particularizando melhor a nar- história de Portugal, destacando: os
feitos heroicos da gente lusitana.
ração, temos primeiros heróis (Luso e Viriato), a fun-
As narrativas são entremeadas de
• a primeira ação histórica, dação do País e os reis de Portugal, as
intervenções do poeta, principalmen-
que principia com os navegadores já batalhas de Ourique e Salado e o epi-
te no final dos cantos, em que Camões
em pleno Oceano Índico, próximos sódio lírico-amoroso de Inês de Castro.
lança suas reflexões morais, invectivas
de Moçambique.
contra o desprezo dos portugueses CANTO IV
Vencidos os perigos do mar e as
armadilhas de Baco, em Quiloa e pela arte, considerações sobre o ver- Vasco da Gama prossegue a nar-
Mombaça, os portugueses aportaram dadeiro valor da glória, sobre a sub- ração da história de Portugal: a Bata-
em Melinde. missão dos homens ao dinheiro e lha de Aljubarrota (centralização mo-
Do Canto lll ao V a ação (viagem) é sobre a decadência do país; nárquica — início da Dinastia de Avis).
interrompida, e Vasco da Gama • a ação mitológica, que prin- As primeiras conquistas, a Tomada de
conta ao rei de Melinde a história de cipia no Canto I, 20, com o episódio Ceuta, o sonho profético de D. Manuel,
Portugal, desde os heróis primitivos, do Consílio dos Deuses no Olimpo. que confia a Vasco da Gama o des-
passando por todos os reis, heróis e Baco é contrário aos portugueses: cobrimento do caminho marítimo para
feitos relevantes, até a inserção do Vênus é favorável a eles, e acaba con- as Índias. A partir desse ponto, Vasco
próprio narrador (Vasco da Gama) na vencendo Marte e Júpiter. A interven- da Gama passa a narrar a própria via-
história, narrando, ele próprio, a ção de divindades mitológicas (“ma- gem, a partida das naus e a adver-
partida das naus, os incidentes da ravilhoso pagão”) desdobra-se em ou- tência do Velho do Restelo (censura
viagem de Portugal a Melinde, a tros episódios: as ciladas de Baco, às navegações, representando a
travessia do Cabo das Tormentas, ou as intervenções de Vênus e das Nerei- sobrevivência da ideologia medieval,
da Boa Esperança. das, o Consílio dos Deuses Marinhos feudal e conservadora).
48 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 49
me e ameaçador interpela os navega- portugueses iriam fincar sua ban- De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
dores, condenando sua ousadia, pro- deira, incluindo aqui o Descobri-
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
fetizando desgraças e miséria. O Gi- mento do Brasil. Quando um gesto suave te sujeita.
gante narra, a seguir, a causa de sua Esse longo episódio é riquíssi- Vendo estas namoradas estranhezas,
transformação na figura monstruosa O velho pai sisudo, que respeita
mo em sugestões e significados.
O murmurar do povo e a fantasia
que guarnecia o Cabo das Tormentas: Simboliza a elevação dos navega- Do filho, que casar-se não queria,
tendo-se apaixonado por Tétis (filha dores à condição de semideuses, (III, 122)
de Dóris e Nereu), foi por ela repudia- interseccionando os planos histórico
do e tentou tomá-la à força. Derrota- Tirar Inês ao mundo determina,
e mitológico. Na exibição da Má- Por lhe tirar o filho que tem preso,
do e punido pelos deuses, foi transfor- quina do Mundo, os portugueses tor- Crendo com sangue só da morte indina11
mado num monstro de pedra. Inspi- nam-se senhores dos segredos do Matar do firme amor o fogo aceso.
rada na mitologia clássica (Homero e Que furor consentiu que a espada fina,
Universo, e Vasco da Gama triunfa Que pôde sustentar o grande peso
Ovídio), é uma das alegorias mais mais uma vez sobre Adamastor, tor- Do furor Mauro12, fosse alevantada
ricas do poema. Simboliza, no plano Contra hũa fraca dama delicada?
nando-se amante de Tétis, ninfa do
histórico, a superação, pelos portu- (III, 123)
mar. Inspirado em Virgílio, Horácio e
gueses, do medo do “Mar Tenebro-
Ovídio, o episódio é um hino ao amor (...)
so”, das superstições medievais. No
e à sensualidade.
plano lírico, desenvolve o tema do A corte, contudo, exige a morte
amante infeliz e desenganado (Tétis de Inês (nobre, mas bastarda), com
era esposa de Peleu, e enganou o TEXTOS quem o príncipe tinha filhos e de
Gigante); o amor-tragédia. Curiosa- quem não queria se afastar. Levada à
mente, o primeiro navegante a atraves- EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO presença do rei, Inês suplica a cle-
sar o Cabo das Tormentas, Bartolomeu (fragmentos) mência de D. Afonso IV, não por ela,
Dias, morreu exatamente ali, quando, ou pela sua vida, mas por seus filhos.
Passada esta tão próspera vitória1,
12 anos depois, em 1500, comanda- Tornado Afonso à Lusitana Terra, Observe a elegância e concisão do
va uma das quatro naus que Pedro A se lograr da paz com tanta glória poeta na estrofe que se segue:
Álvares Cabral perdeu na costa afri- Quanta soube ganhar na dura guerra,
cana, num naufrá gio. Era a O caso triste e digno da memória, Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
Que do sepulcro os homens desenterra, (Se de humano é matar uma donzela,
vingança do Gigante, ou do Cabo Aconteceu da mísera e mesquinha Fraca e sem força, só por ter sujeito
da Boa Esperança, como o batizou Que depois de ser morta foi Rainha. O coração a quem soube vencê-la),
Bartolomeu Dias, em 1488. (III, 118) A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Tu, só tu, puro Amor, com força crua, Mova-te a piedade sua e minha,
❑ A llha dos Pois te não move a culpa que não tinha.
Que os corações humanos tanto obriga,
Amores (IX, 18 a X, 143) Deste causa à molesta2 morte sua, (III, 127)
Após a conquista do Oriente, lan- Como se fora3 pérfida inimiga. Vocabulário e Notas
çadas as sementes do Império Por- Se dizem, fero Amor, que a sede tua 1 – Esta... vitória: refere-se à vitória dos cris-
Nem com lágrimas tristes se mitiga4, tãos na Batalha do Salado.
tuguês que aí surgiria, os navegado-
É porque queres, áspero e tirano, 2 – Molesto: lastimoso, lamentável.
res estão voltando a Portugal. Vênus, Tuas aras5 banhar em sangue humano. 3 – Fora: fosse.
entretanto, prepara-lhes uma surpre- (III, 119) 4 – Mitigar: abrandar.
sa, como recompensa aos seus es- 5 – Ara: altar.
Estavas, linda Inês, posta em sossego, 6 – Fruito: fruto.
forços e sacrifícios. Numa ilha para- 7 – Engano: êxtase, enlevo.
De teus anos colhendo doce fruito6,
disíaca, os navegadores são recebi- Naquele engano7 da alma, Iedo e cego, 8 – Fortuna: na crença dos antigos, deusa que
dos pelas ninfas do mar, que Cupido, Que a Fortuna8 não deixa durar muito, presidia ao bem e ao mal; destino, fado.
Nos saudosos campos do Mondego9, 9 – Mondego: rio que banha Coimbra.
por ordem de Vênus, fez enamora-
De teus formosos olhos nunca enxuito10, 10 – Enxuito: enxuto.
das dos portugueses. Emoldurados 11 – Indino: indigno.
Aos montes ensinando e às ervinhas
por uma natureza exuberante, vivem O nome que no peito escrito tinhas.
12 – Mauro: mouro.
instantes de prazeres ilimitados. (III, 120)
EPISÓDIO DO VELHO DO RESTELO
Homenageados por Tétis com um
Do teu Príncipe ali te respondiam
banquete, uma ninfa profetiza os Mas um velho, de aspecto venerando,
As lembranças que na alma Ihe moravam, Que ficava nas praias, entre a gente,
futuros feitos portugueses. Após, Que sempre ante seus olhos te traziam, Postos em nós os olhos, meneando
Tétis, do alto de um monte, mostra a Quando dos teus formosos se apartavam; Três vezes a cabeça, descontente,
Vasco da Gama a Máquina do De noite, em doces sonhos que mentiam, A voz pesada um pouco alevantando,
De dia, em pensamentos que voavam; Que nós no mar ouvimos claramente,
Mundo, espécie de miniatura do
E quanto, enfim, cuidava e quanto via C’um saber só de experiências feito,
Universo. Particularizando o globo Eram tudo memórias de alegria. Tais palavras tirou do experto1 peito:
terrestre, aponta os lugares onde os (III, 121) (IV, 94)
50 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 51
“Ó glória de mandar, ó vã cobiça Deixas criar as portas o inimigo, Que a tua estátua ilustre não tivera
Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Por ires buscar outro de tão longe, Fogo de altos desejos que a movera!
Ó fraudulento gosto, que se atiça Por quem se despovoe o Reino antigo, (IV, 103)
C’uma aura popular, que honra se chama! Se enfraqueça e se vá deitando a longe!
Que castigo tamanho e que justiça Buscas o incerto e incógnito perigo Não cometera o moço miserando8
Fazes no peito vão que muito te ama! Por que a Fama te exalte e te lisonje O carro alto do pai, nem o ar vazio
Que mortes, que perigos, que tormentas, Chamando-te senhor com larga cópia, O grande arquitector com o filho9, dando,
Que crueldades neles exprimentas2! Da Índia, Pérsia, Arábia e Etiópia. Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
(IV, 95) (IV, 101) Nenhum cometimento alto e nefando
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Condenando a temeridade de Oh! Maldito o primeiro que, no mundo, Deixa intentado a humana geração.
se lançarem os portugueses na con- Nas ondas vela pôs em seco lenho5! Mísera sorte! Estranha condição!”
Digno da eterna pena do Profundo6, (IV, 104)
quista do Oriente, adverte para o pe- Se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
rigo representado pelos árabes e Nunca juízo algum, alto e profundo, Vocabulário e Notas
amaldiçoa as navegações: Nem cítara sonora de vivo engenho, 1 – Experto: experiente, sábio.
Te dê por isso fama nem memória, 2 – Exprimentas: experimentas.
Não tens junto contigo o Ismaelita3, Mas contigo se acabe o nome e glória! 3 – Ismaelita: referente a Ismael, filho de
Com quem sempre terás guerras sobejas? (IV, 102) Abraão, segundo o Velho Testamento.
Não segue ele do Arábio a Lei maldita, 4 – Pola: pela.
Se tu pola4 de Cristo só pelejas? Trouxe o filho de Jápeto7 do Céu 5 – Seco lenho: embarcação, navio.
Não tem cidades mil, terra infinita, O fogo que ajuntou ao peito humano, 6 – Profundo: inferno.
Se terras e riqueza mais desejas? Fogo que o mundo em armas acendeu, 7 – Filho de Jápeto: Prometeu.
Não é ele por armas esforçado, Em mortes, em desonras (grandeengano!). 8 – Miserando: digno de pena.
Se queres por vitórias ser louvado? Quanto melhor nos fora, Prometeu, 9 – Grande arquitector com o filho: Dédalo
(IV, 100) E quanto para o mundo menos dano, (da mitologia grega) e seu filho, Ícaro.
MÓDULO 7 Barroco
1. CONCEITO E ÂMBITO tações liberais do protestantismo e ção do espaço é perceptível em Vitória,
racionalismo na Inglaterra, Holanda e Palestrina, Bach e Haendel, no vir-
A apreciação do Barroco França. Nessa dimensão, o Barroco tuosismo dos esquemas polifônicos,
oscila entre a recusa e a posi- designa um certo número de estrutu- geradores do contraponto e da fuga.
ção negativista dos críticos ras formais que tendem a fundir e a Em sentido mais restrito, es-
que acusam o estilo de rebuscado, conciliar atitudes opostas, correspon- pecialmente espanhol, Barroco é a
artificial e vazio de conteúdo e a dentes à coexistência e interdepen- expressão artística e literária da Con-
apologia entusiasmada de ou- dência, mesmo conflituosa, de formas trarreforma católica e do absolutismo
tros, maravilhados com a engenho- sociais profundamente diferentes na das cortes dos Habsburgos. Expres-
sidade e sutileza da linguagem artís- Europa. Essa ânsia de fusão dos con- sa a dualidade cultural da Contrar-
tica barroca, voltada para a novida- trários fornece os principais elemen- reforma: Humanismo renascentista
de, para a alusão, para a suges- tos para a cosmovisão do Barroco: (valorização da cultura pagã do
tão e para a ilusão, entendida como 1) na Filosofia, a passagem de mundo greco-latino) mais a religiosi-
fuga da realidade convencional. uma concepção finitista e estática do dade tridentina, gerada na estufa da
Em sentido amplo, tomado como mundo para uma concepção infini- nobreza e do clero romano, espanhol,
constante universal, no homem e na tista, energética e dinâmica, com austríaco e português (valorização
arte, barroco designa um conjunto de Pascal, Newton e Giordano Bruno; da cultura cristã do mundo medieval).
características estéticas e formais que, 2) nas Artes Plásticas, essa A dualidade, o bifrontismo (Teo-
aparentemente, ressurgem em certas ânsia de expressar o movimento, a centrismo x Antropocentrismo, Fé x
épocas, como no Helenismo, no profundidade e a irregularidade pro- Razão, Céu x Terra, Alma x Corpo,
Gótico flamejante, no século XVII, no jeta-se em Michelângelo, Bernini, Virtude x Prazer, Ascetismo x He-
Romantismo e no Impressionismo, mar- Rubens, Velásquez, El Greco, Cara- donismo, Cristianismo x Paganismo),
cadas pela tendência à intensifica- vaggio, Rembrandt, Tintoretto e faz do Barroco ibérico-jesuítico a ex-
ção, ao exagero, e pela ânsia de ex- Zurbarán, na criação de um espaço pressão de um sentimento de dese-
pressar a tensão e a irregularidade. tumultuado que busca sugerir atmos- quilíbrio, de frustração e de instabili-
O Barroco designa as caracterís- feras ora místicas, ora imprecisas, dade, relacionado com a repressão
ticas que assumem a arte e a cultura repletas de elementos ornamentais e inquisitorial, com o terror político e re-
seiscentistas, condicionadas, de início, pormenores significativos; ligioso e com a decadência do mun-
pelo Absolutismo e pela Contrar- 3) na Música, esse mesmo sen- do católico, abalado com a derrota
reforma, incluindo, depois, manifes- tido de profundidade labiríntica e dilui- da invencível Armada, em 1588.
– 51
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 52
A transição do ideal clássico para cupação, ao lado da consciência da metáforas), num estado de verda-
o barroco é definida por Heinrich fugacidade do tempo, e da incerteza deiro delírio cromático, apoiado em
Wölfflin, em termos de uma passagem e inconstância da vida. sugestões intensivas de cores e de
1) do linear ao pictórico, sons. Esse processo de identificação
incluindo o pitoresco e o “colorido”; ❑ A religiosidade (ilusória, sensorial, não racional)
2) da visão de superfície à Projetando uma época de intensos apoia-se nos jogos de palavras, nos
visão de profundidade, implican- conflitos espirituais, o tema religioso trocadilhos, nos enigmas, nas metá-
do o desdobramento de planos e mas- aparece muitas vezes mesclado com foras e nas perífrases ou circunló-
sas; a sensualidade; as alegorias bíblicas quios (= torneio em redor do termo
3) da forma fechada à for- do Antigo e do Novo Testamento mis- próprio e adoção de muitas palavras
ma aberta, denotando as perspec- turam-se com a mitologia pagã; a fé para evitá-lo). Assim, em vez de lá-
tivas múltiplas do observador; cristã e o misticismo aliam-se ao racio- grima, o barroco diz o “cristal dos
4) da multiplicidade à uni- nalismo, no arrependimento e na bus- olhos”; em vez de dentes, as “pérolas
dade, subordinando vários aspectos ca do perdão. Os argumentos lógicos da boca”; em vez de leque, o “zéfiro
a um único sentido; sobrepõem-se à revelação mística e manual”. O abuso artificioso da fan-
5) da clareza absoluta dos a consciência do pecado não inibe a tasia no campo psicológico da repre-
objetos à clareza relativa, a su- esperança de salvação. É uma reli- sentação sensível faz do poeta gon-
gerir formas de expressão esfuma- giosidade tensa e conflituosa. górico um verdadeiro alquimista, que
das, ambíguas, não finitas. busca extrair do real uma natureza
❑ Atitude lúdica supranatural, imaterial e arbitrária.
2. CARACTERÍSTICAS O propósito da arte barroca é, O aspecto exterior, imediata-
ESTÉTICO-ESTILÍSTICAS muitas vezes, o de surpreender o lei- mente perceptível, no Barroco cultis-
tor pelo virtuosismo, pela engenhosi- ta ou gongórico, é o abuso no empre-
❑ O dualismo dade, enredando-o em verdadeiros go de figuras de linguagem.
O Barroco é a arte do conflito, do labirintos de imagens e ideias. Mani-
contraste, da contradição, do dilema, pulando as palavras, abusando das
TEXTO I
e da dúvida, que se expressam pelo figuras de linguagem, privilegia o as-
acúmulo de antíteses, parado- pecto formal, o significante, em A serpe1, que adornando várias cores2,
xos e oxímoros. detrimento do significado. Assim, Com passos mais oblíquos3, que serenos,
alguns textos barrocos parecem Entre belos jardins, prados amenos,
❑ O fusionismo vazios de conteúdo, meros pretextos É maio errante de torcidas flores4;
O artista barroco não se limita a para o artista exibir a sua habilidade
Se quer matar da sede os desfavores5,
expor os contrários; quer conciliá-los, na exploração de sutilezas, de Os cristais6 bebe coa peçonha7 menos,
fundi-los, integrá-los por meio das fi- trocadilhos e de construções Por que não morra cos mortais venenos,
guras de linguagem: inusitadas. Esse niilismo temático, Se acaso gosta8 dos vitais licores9.
“Incêndio em mares de água dis- essa “pobreza” de conteúdo é mais
Assim também meu coração queixoso,
farçado; / Rio de neve em fogo con- frequente no aspecto gongórico ou Na sede ardente do feliz cuidado,
vertido.” cultista do Barroco. Bebe cos olhos teu cristal 10 fermoso11;
52 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 53
7 – Peçonha: veneno; os cristais bebe coa falsa. Há conceptismo, por exemplo, Comentário
peçonha menos – bebe água, mas sem o na poesia sacra e reflexivo-filosófica • A propósito do achamento de um braço
veneno que nela se deposita. de uma estátua perdida de Cristo, o poeta,
8 – Gostar: beber, provar.
de Gregório de Matos, uma variante partindo de constatações óbvias (versos 1-2: o
9 – Vitais licores: água. da poesia a lo divino, dos místicos todo depende da parte e a parte, do todo),
10 – Cristal: brilho, beleza. espanhóis, em que o Homem é desenvolve um raciocínio sutil e paradoxal
11 – Fermoso: formoso. divinizado e Deus humanizado, por (versos 3-4: se a parte é que faz o todo, a parte
12 – Gosta o cristalino agrado: aqui o verbo é tudo — é essencial — para que haja o todo),
meio de sutilezas conceituais, na
gostar está em lugar de ver : vê o rosto exemplifica com um artigo de fé (Deus está
esteira de Quevedo, modelo concep- inteiro em cada hóstia, que é parte de seu
amado.
tista muito reproduzido em Portugal e corpo), chegando à conclusão de que o braço
4. O BARROCO CONCEPTISTA no Brasil. da imagem de Cristo vale não apenas como
O conceptismo é a vertente bar- parte, mas como a imagem toda.
lhos, de associações inesperadas e rência brilhante do cultismo, o con- corrupta como está a nossa, havendo tantos
ceptismo procura economizar pala- nela que têm ofício de sal, qual será ou qual
dos mecanismos da Lógica: o silo- pode ser a causa desta corrupção? Ou é por-
gismo, o sofisma e o paradoxo. Há vras e imagens. Mas têm em comum
que o sal não salga, ou porque a terra se não
um constante esforço dialético orien- o desejo de surpreender pela novida-
deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os
tando a organização convincente de, pela excentricidade, requerendo Pregadores não pregam a verdadeira doutrina;
das ideias. A um certo caos plástico ambos do leitor um elevado grau de ou porque a terra se não deixa salgar, e os
(cultismo) opõe-se a ordem raciona- atenção, dado o obscurantismo deli- ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes
berado, a propor verdadeiros labi- dão, a não querem receber; ou é porque o sal
lista (conceptismo). Há uma tese a não salga, e os Pregadores dizem uma coisa e
demonstrar e o interlocutor tem de rintos de imagens e ideias.
fazem outra, ou porque a terra se não deixa
ser convencido. salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que
Enquanto o cultismo (gongoris- TEXTO II eles fazem, que fazer o que dizem: ou é
mo) procura apreender o como dos porque o sal não salga, e os Pregadores se
ACHANDO-SE UM BRAÇO PERDIDO DO pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra
objetos, por meio da captação (des-
MENINO DEUS DE N. S. DAS MARAVILHAS, se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de
crição) de seus aspectos sensoriais servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é
QUE DESACATARAM
e plásticos (contorno, forma, cor, vo- INFIÉIS NA SÉ DA BAHIA tudo isto verdade? Ainda mal. (…)
lume), num verdadeiro frenesi cromá- (Padre Antônio Vieira,
tico e imagético, o conceptismo pes- O todo sem a parte não é todo; Sermão de Santo Antônio aos Peixes)
quisa a essência dos objetos, bus- A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Comentário
cando saber o que são, buscando
Não se diga que é parte, sendo o todo. • A partir de um “conceito predicável”,
apreender a face oculta das coisas, extraído da citação bíblica, Vieira desenvolve
apenas acessível ao pensamento, ou Em todo o Sacramento está Deus todo, o raciocínio explorando as possibilidades
seja, aos conceitos. O cultismo e o E todo assiste inteiro em qualquer parte, sugeridas pelo tema, por meio de antíteses e
conceptismo não podem ser vistos E feito em partes todo em toda a parte, associações de ideias que, dispostas em
como polos construtivos opostos. Em qualquer parte sempre fica o todo. movimento circular, vão sendo retomadas e
ampliadas. A estrutura paralelística revela-se
Como observou Dámaso Alonso,
O braço de Jesus não seja parte, em várias orações — “Ou é porque o sal não
“esta paixão barroca, podería- salga, ou porque a terra se não deixa salgar”.
Pois que feito Jesus em partes todo,
mos dizer que o Gongorismo a Assiste cada parte em sua parte. O título, Sermão de Santo Antônio aos
expressa como uma labareda Peixes, indicia o fato de que, alegoricamente,
para fora e o Conceptismo co- Não se sabendo parte deste todo, Vieira irá falar aos “peixes”, que agrupam, se-
mo uma reconcentração para Um braço que lhe acharam, sendo parte, gundo ele, categorias humanas. Parte da lenda
Nos diz as partes todas deste todo. medieval segundo a qual o franciscano Santo
dentro”. São como duas faces de
Antônio, numa de suas pregações, não sendo
uma mesma moeda chamada Bar- ouvido pelos homens, lança a sua palavra ilumi-
(Gregório de Matos)
roco. Costuma-se dizer que o nada na praia deserta, e os peixes levantam a
conceptismo predomina na prosa e o Vocabulário e Notas cabeça à superfície das águas, como sinal da
gongorismo, na poesia. Esta noção é 1 – Parte: nada. força da palavra do santo pregador.
– 53
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 54
em 1653. Nele o orador tenta per- Oh! se a gente preta tirada das brenhas
TEXTO VI de sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhe-
suadir os colonos a libertarem os
cera bem quanto deve a Deus e à sua
indígenas, que compara aos hebreus Em um engenho sois imitadores de Cristo Santíssima mãe por este que pode parecer
cativos do faraó. Na corte, atuou na Crucificado: porque padeceis em um modo
desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão
muito semelhante ao que o mesmo Senhor
defesa do índio contra os colonos e padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão.
milagre e grande milagre!
lá pregou, em 1662, o Sermão da A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a
Epifania: “que os homens de qual- vossa em um engenho é de três. (...) Cristo
6. SERMÃO DO BOM LADRÃO
despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e
quer cor, são todos iguais por natu-
vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós
reza, e mais iguais ainda por fé”, maltratados em tudo. (...) Eles mandam, e vós Pregado em 1655, em Lisboa,
afirma o pregador, defendendo a servis; eles dormem, e vós velais; eles traz a distinção entre o ladrão co-
filiação comum e universal do descansam, e vós trabalhais; eles gozam o
fruto de vossos trabalhos, e o que vós colheis
mum, que eventualmente furta para
homem a um Deus criador e único. deles é um trabalho sobre outro. Não há sobreviver, e o ladrão que, amparado
trabalhos mais doces que os das vossas pelo poder, rouba cidades e reinos. A
oficinas; mas toda essa doçura para quem é? notória atualidade do tema tem tor-
TEXTO V Sois como as abelhas, de quem disse o poeta:
“Sic vos non vobis mellificatis apes”1.
nado frequente a transcrição de tre-
chos desse sermão em diversos ves-
No Sermão da Primeira Dominga
Vocabulário e Notas tibulares:
da Quaresma, imagina-se no lugar 1 – Verso atribuído a Virgílio: “Assim vós, mas
dos colonos que tivessem de se des- não para vós, fabricais o mel, abelhas”.
fazer de seus escravos e indaga: TEXTO VII
Mas, paradoxalmente, estabele-
Quem nos há de ir buscar um pote de ce uma cabal diferença entre o negro (...) Não só são ladrões, diz o Santo
água ou feixe de lenha? Quem nos há de fazer [Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou
gentio, entregue à sua própria sorte espreitam os que se vão banhar para Ihes
duas covas de mandioca? Hão de ir nossas
na África, e o negro submetido à fé colher a roupa; os ladrões que mais própria e
mulheres? Hão de ir nossos filhos?
católica. Chega a bendizer a escra- dignamente merecem este título são aqueles a
vidão que trouxe o negro ao Brasil e quem os reis encomendam os exércitos e
5. SERMÃO XIV DO ROSÁRIO ao cristianismo: legiões, ou o governo das províncias, ou a
administração das cidades, os quais, já com
Pregado na Bahia para uma irman- (...) Deveis dar infinitas graças a Deus manha, já com força, roubam e despojam os
por vos ter dado conhecimento de si e por vos povos. Os outros ladrões roubam um homem,
dade de negros, revela a repulsa ao
ter tirado de vossas terras, onde vossos pais e estes roubam cidades e reinos; os outros
preconceito de cor e ao tratamento vós viveis como gentios, e vos ter trazido a furtam debaixo do seu risco, estes sem temor
cruel a que eram submetidos os es- esta, onde, instruídos na Fé, vivais como cris- nem perigo; os outros, se furtam, são enfor-
cravos: tãos e vos salveis. (...) cados, estes furtam e enforcam.
ensino. Era um ensino “literário” e 1) Academia Brasílica dos Matos e não se encontrarão dois poe-
retórico, desdenhoso dos compor- Esquecidos (Bahia, 1724-1725) – mas absolutamente iguais nas diver-
tamentos científicos e técnicos Sebastião da Rocha Pita, o Acadêmi- sas edições que se seguiram à pri-
perante a realidade, infenso a toda co Vago, foi seu membro mais notório. meira tentativa de organizar, já no sé-
manifestação artística que escapas- 2) Academia Brasílica dos culo XX, sua suposta “obra comple-
se ao âmbito vocabular e oral. Renascidos (Bahia, 1759) – Propu- ta”. Nada tendo publicado em vida, e
Formávamos sacerdotes e ba- nha-se a reviver os Esquecidos. expurgado de nossa vida literária
charéis. Essa educação medie- 3) Academia dos Felizes durante dois séculos, os códices (=
valizante, retórica e contrarreformista (Rio de Janeiro) – Reuniu-se entre manuscritos antigos) e compilações
abafou, durante três séculos, os 1736 e 1740. trazem infinitas variantes, muitos
apelos da nova terra, a força de 4) Academia dos Seletos (Rio poemas que comprovadamente não
atração do meio tropical e a cons- de Janeiro, 1752) – Foi or-ganizada são de Gregório de Matos e inúmeros
ciência que os agrupamentos hu- em homenagem a Gomes Freire de casos de autoria duvidosa.
manos, mestiçados ou não, iam Andrade. Esquematicamente, podemos a-
tomando de sua diferenciação. grupar assim a poesia de Gregório
Esses apelos de nova terra irão 2. GREGÓRIO de Matos:
desaguar no sentimento nativista, DE MATOS GUERRA
fermento de várias rebeliões que, a (BA, 1623 – PE, 1699) I – Poesia satírica
partir de 1640, atestam a presença amorosa
{
de pruridos autonomistas (Amador ❑ O Boca do Inferno
erótico-irônica
Bueno, Beckman, Guerra dos Filho de senhores de engenho na
II – Poesia lírica sacra ou
Mascates, Emboabas, Vila Rica, Bahia, viveu entre a Colônia e a
religiosa
Inconfidência Mineira, Revolução Metrópole.
Bacharel em leis, advogado na reflexiva ou
dos Alfaiates, os Suassunas e a
Corte, teve vida atribulada. Andari- filosófica
Revolução Pernambucana de 1817).
Até meados do século XVIll lho, violeiro, conheceu a prisão e o
III – Poesia encomiástica
houve duplicidade linguística: o exílio em Angola por dois anos.
emprego do português e do tupi. O Incompatibilizado com autorida-
A obra atribuída a Gregório de
vernáculo era ensinado nas escolas des civis e eclesiásticas pela malda-
Matos é o organismo mais inventivo e
e revestido de uma aura de prestígio; de, irreverência e justeza de suas
atual de toda a poesia do período
a “língua geral” era empregada na sátiras, foi, desde sempre, “poeta
considerado luso-brasileiro. Gregório
vida familiar, refletindo o forte contin- maldito”. Sua obra permaneceu
praticamente inédita até o século XX, possui três modelos: Camões,
gente indígena e africano em circu- Góngora e Quevedo. Sua poética
lação durante o primeiro e segundo apesar da popularidade de que des-
frutou na Bahia, onde seus poemas mantém, portanto, compromissos
séculos. Esse “abrasileiramento lin- com a Renascença maneirista e
guístico” tem expressão nos autos de circulavam em cópias manuscritas e
eram constantemente oralizados com o Barroco cultista e con-
José de Anchieta, na poesia satírica
pelo povo. As peripécias de sua vida ceptista. Assim, a lírica amorosa
de Gregório de Matos e em alguns
foram romanceadas recentemente anda de permeio com a lírica religio-
momentos do Arcadismo.
por Ana Miranda, no romance bio- sa. Sua sátira desbocada e agressiva
As academias “literárias” baianas
gráfico Boca do Inferno. Sua sátira à vem também da Espanha barroca,
e cariocas foram o último centro
Bahia dominada pela “máquina mer- mas possui raízes medievais portu-
irradiador do Barroco literário e “o
cante” foi reaproveitada em música guesas e qualidades absolutamente
primeiro sinal de uma cultura huma-
por Caetano Veloso: próprias. A poesia encomiástica ex-
nística viva, extraconventual”, se-
plica-se pela habilidade versificatória
gundo Alfredo Bosi. Aglutinavam Triste Bahia, oh quão dessemelhante
religiosos, militares, desembarga- e pelas circunstâncias de sua vida.
Estás e estou de nosso antigo estado!
dores, altos funcionários, reunidos Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
É uma constante em sua poesia
em grêmios eruditos, à imitação das Rica te vi eu já, tu a mi abundante. a noção de que os homens e as vai-
congêneres europeias. Tinham cará- dades humanas são insignificantes,
A ti tocou-te a máquina mercante, de que o tempo é fugaz e a sorte
ter fortemente encomiástico (de
Que em sua larga barra tem entrado; instável. Dentro dessa linha, pro-
elogio) e seus atos acadêmicos des- A mi vem me trocando e tem trocado
tinavam-se à celebração das festas Tanto negócio e tanto negociante.
duziu, entre outros, o magnífico
religiosas ou dos feitos das autori- soneto “Nasce o sol, e não dura
dades coloniais. Deram maior contri- ❑ Uma obra problemática mais que um dia”, que lembra,
buição à História e à erudição em Não há um texto definitivo (edi- pela temática, o famoso “O sol é
geral que à Literatura. ção crítica) da poesia de Gregório de grande...”, de Sá de Miranda.
56 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 57
– 57
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 58
58 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 59
cristalinos, campinas verdejantes, • Poesia Satírica: Tomás An- Que tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece que se cansa de que a um triste
alamedas floridas etc.). A natureza tônio Gonzaga (Cartas Chilenas ) e
Haja de aparecer: quanto resiste
é convencional, e serve de Silva Alvarenga (O Desertor das Letras). A seu raio este sítio tenebroso!
moldura suave, de cenário para a
vida serena dos pastores e suas ❑ Cláudio Manuel da Costa Não pode ser que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
musas, ou de testemunha impassível (Glauceste Satúrnio)
Acaso o meu delírio! se me assiste
dos lamentos e desenganos do (Mariana, 1729 – Vila Rica, Ainda aquele humor tão venenoso!
poeta. 1789)
Autor de Obras Poéticas (1768), Aquela porta ali se está cerrando;
Dela sai o Pastor: outro assobia,
❑ Fingimento, afetação reunindo sonetos, éclogas, cantatas,
E o gado para o monte vai chamando.
e convencionalismo epicédios, epístolas e outras modalida-
Na mitologia clássica, a Arcá- des, além do poema épico de inspira- Ora não há mais louca fantasia!
dia era concebida como morada ção camoniana, denominado Vila Rica. Mas quem anda, como eu, assim penando,
Não sabe quando é noite ou quando é dia.
dos pastores que, governados por Nasceu em Minas, filho de mine-
Pã, viviam em contato com a na- radores, estudou na Corte. Voltando
• Tentou conciliar as conven-
tureza, tangendo suas ovelhas, en- ao Brasil, foi envolvido na devassa
ções do Arcadismo com a paisagem
tretidos em amáveis pugnas poéticas da Inconfidência Mineira, suicidan-
mineira, mas reconheceu as limita-
e musicais, e na exaltação da beleza do-se na prisão. ções que as adversidades da condi-
das musas e da excelência da vida ção colonial impunham à criação
campestre. Características poética. Observe esses fragmentos
Quando, por volta de 1690, alguns • Sobrevivem traços cultistas do “Prólogo” das Obras Poéticas:
poetas italianos começaram a se opor em sua obra, que se realiza como
ao Barroco, fundaram sociedades lite- uma transição entre o Barroco “que só entre as delícias do Pin-
rárias às quais deram o nome de ar- e o Arcadismo. do se podem nutrir aqueles espíritos
cádias, aludindo à inspiração clás- que desde o berço se destinaram a
sica que norteava essas associações • Buscou os modelos clássicos tratar com as Musas.”
e às propostas de uma poesia sim- (Teócrito, Virgílio, Sannazaro, Ca- “Não são estas as venturosas
ples, bucólica e pastoril. Os mem- mões) com equilibrada consciência praias da Arcádia, onde o som das
bros das arcádias adotavam pseudô- crítica. Concluindo o Prólogo ao águas inspirava a harmonia dos ver-
nimos pastoris e chamavam-se uns Leitor, das Obras Poéticas, diz, sos. Turva e feia, a corrente desses
aos outros de pastores. com visível falsa modéstia: ribeirões, primeiro que arrebate as
São frequentes os temas clássi- ideias de Poeta, deixa ponderar
cos: o carpe diem (= aproveita o dia), “A lição dos gregos, franceses e ambiciosa fadiga de minerar a terra
a aurea mediocritas (= mediania de italianos, sim, me fizeram conhecer a que Ihes tem pervertido as cores.”
ouro), a exaltação da vida simples, o “A desconsolação de não poder
diferença sensível dos nossos estu-
substabelecer aqui as delícias do Tejo,
fugere urbem (= fugir da civilização), dos, e dos primeiros Mestres da Poe-
do Lima e do Mondego, me fez empe-
buscar na natureza a felicidade, o sia. É infelicidade que haja de con-
cer o engenho dentro do meu berço.”
locus amoenus (= natureza amena, fessar que vejo e aprovo o melhor,
aprazível). Os poetas árcades ado- mas sigo o contrário na execução.” • Essa visão realista e objetiva
tavam como lema o inutilia truncat (=
da impossibilidade de transpor para
corta o inútil), aludindo à oposição de • Apesar dos traços cultistas a natureza brasileira as convenções
exageros ornamentais do Barroco. que sua obra revela, fez severas da poesia arcádica contribuiu para
restrições a esse estilo, defendendo que se criticasse, em Cláudio
3. ARCADISMO NO BRASIL a simplicidade arcádica. Manuel da Costa, a ausência do
elemento brasileiro. Contudo, a
De 1768, com as Obras Poéticas, • Foi grande sonetista, sóbrio paisagem mineira está presente na
de Cláudio Manuel da Costa, a 1836, e elegante, revelando acen- sua obra, através de alusões à
início do Romantismo, com Suspiros tuadas influências de Camões natureza áspera (pedras, penhas,
Poéticos e Saudades, de Gonçalves e de Petrarca. Poeta de forma rochedos, penhascos), que o
de Magalhães e Caldas Barbosa. trabalhada, virtuosística, adotou uma poeta faz contrastar com a brandura
concepção neoclássica de poesia, de seus sentimentos.
• Poesia Épica: Cláudio Ma- sem sacrificar por inteiro a expressão
...oh! quem cuidara
nuel da Costa, Basílio da Gama e das emoções e sentimentos, presen- Que entre penhas tão duras se cria
Santa Rita Durão. tes em suas melhores criações. Uma alma terna, um peito sem dureza.
– 59
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 60
• Oscilou entre o apego à Colô- na tristeza da mudança das coisas Levantar-me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mísero conflito,
nia e o amor à Metrópole, atitude em relação à permanência dos sen-
A tempo, que o voraz lobo maldito
comum a muitos dos nossos árca- timentos; A minha ovelha mais mimosa ofende;
des. Por isso, é frequente a expres- – o contraste rústico x civilizado;
são do dilaceramento interior, – Nise, sua musa e pastora, Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
provocado pelo contraste entre o causa de seus lamentos e dissabo-
Sempre desperto está, sempre ansioso;
rústico mineiro e a experiência res:
intelectual e social na Europa. Ah! queira Deus que minta a sorte irada:
Aquela cinta azul, que o Céu estende Mas de tão triste agouro cuidadoso1
• Os temas que versou com À nossa mão esquerda, aquele grito Só me lembro de Nise, e de mais nada.
mais frequência foram Com que está toda a noite o corvo aflito
– o platonismo amoroso, Dizendo um não sei quê, que não se Vocabulário e Notas
configurado no amante infeliz e [entende; 1 – Cuidadoso (de): preocupado com.
60 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 61
– 61
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 62
MÓDULO 13 Bocage
1. CONTEXTO PORTUGUÊS geometria, álgebra, óptica etc.), dan- rebeldia contra o Barroco (inutilia
ça, esporte. A Universidade de Évora, truncat), a tentativa de restabelecer a
O absolutismo tradicional pro- cujos proprietários eram jesuítas, foi simplicidade das artes renascentista
clamava a subordinação do monarca extinta. e antiga pertencem a um contexto
às leis de Deus (leis interpretadas A educação libertou-se do con- em que as discussões literárias estão
pela Igreja, evidentemente), aos cos- trole da Igreja, com base no princípio em comum acordo com discussões e
tumes do país e às leis que o rei iluminista de que a Razão é a fonte reformas de ordem legal.
promulgava para a nação. Em opo- de todo o conhecimento. Em 1790 foi fundada a Academia
sição, o despotismo esclareci- Surgiu, como reflexo das “luzes” das Belas Artes, logo depois denomi-
do entendia que as leis (as de Deus, e do racionalismo, uma nova Lisboa: nada Nova Arcádia. Três anos de-
as naturais e as da nação) deveriam metade da cidade havia sido destruí- pois, a Academia já publicava algu-
ser interpretadas pelo soberano. da por um terremoto (1755). Caíram mas obras poéticas de seus sócios,
Esse período começou, em Por- em ruínas o palácio real, igrejas, hos- sob o título Almanaque das Musas.
tugal, a partir de 1755, com o reinado pital, ópera, ruas e bairros opulentos. Seus integrantes mais importantes
de D. José (1750-1777). Seu grande O futuro Marquês de Pombal, em vez foram Domingos Caldas Barbosa
mentor foi o Marquês de Pombal, de reedificar a cidade a partir do (1740-1800), brasileiro que ficou
que, em parte, adotou teorias de al- traçado anterior, mandou destruir as famoso nos ambientes aristocráticos
guns pedagogos portugueses que ruínas e decidiu que fosse levantada pela interpretação e composição de
tinham vivido no exterior (pejorativa- uma cidade “esclarecida”: racional- modinhas e lundus, e Padre José
mente chamados de “estrangeiros”): mente planejada e edificada, com Agostinho de Macedo, poeta satírico.
Luís Antônio Verney, Ribeiro Sanches, ruas, praças e casas traçadas a ré- Com ele se desentendeu o poeta
colaborador da Enciclopédia, de gua e compasso. Bocage e, por causa das diver-
D’Alembert, entre outros. Enquanto a nova Lisboa revelava a gências internas, a Nova Arcádia, em
No Direito, o fundamento político ideologia racional dos iluministas, houve 1794, acabou desaparecendo.
dos Estados ilustrados era a Razão. em Portugal a convivência com o estilo
A lei de 1790, unificando a jurisdição tenso do Barroco: o ouro que ia do Brasil 3. MANUEL MARIA BARBOSA
em todo o país, constituiu um novo para Portugal e o vinho exportado para DU BOCAGE (1765-1805)
passo no sentido de romper os privi- a Inglaterra levaram prosperidade ao
légios feudais e impor a todos a auto- reino, acarretando a construção de ❑ Vida
ridade única da Coroa. mansões aristocráticas que seguiram Bocage é o pastor Elmano Sa-
Além do Direito, o lluminismo de- as formas tradicionais do Barroco. dino da Nova Arcádia (Elmano é
sempenhou um papel decisivo na A renovação cultural que se pro- anagrama de Manoel e Sadino é
cultura, sobretudo na educação re- cessou levou também à substituição homenagem ao Rio Sado, que passa
gular. O atraso do sistema de ensino da influência espanhola pelas influên- por Setúbal, terra natal do poeta).
português era grande. O Estado des- cias francesa, italiana, inglesa e alemã. Desde cedo, Bocage sente-se
pótico adotou a política da interven- identificado com Camões:
ção direta no sistema cultural, me- 2. O ARCADISMO Camões, grande Camões, quão semelhante
diante a censura do Estado (a cen- EM PORTUGAL Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
sura religiosa foi substituída pela
Real Mesa Censória, de 1768). O • 1756 – Fundação da Arcádia Jovem ainda, apaixonou-se por
ensino jesuítico foi proibido e subs- Lusitana. Gertrudes (Gertrúria da poesia árca-
tituído por uma educação renovada e • 1825 – Início do Período Ro- de), mas ao voltar a Lisboa — depois
mais progressista. Verney, com seu mântico, com a publicação do de ter ido servir em Goa, colônia
Verdadeiro Método de Estudar (1746), poema Camões, de Almeida Garrett. portuguesa, e de ir a Macau, tendo já
cobriu todos os campos da Educa- Com a fundação da Arcádia desertado — o poeta a reencontra
ção. As reformas educacionais impli- Lusitana, em 1756, teve início uma casada com seu irmão:
cavam o conhecimento da escrita, nova fase no setor doutrinário: as teo-
Por bárbaros sertões gemi, vagante:
línguas, humanidades (retórica, poe- rias sobre Arte Poética, de Cândido Falta-me ainda o pior, falta-me agora
sia e história), ciências (aritmética, Lusitano, inspiradas em Boileau, a Ver Gertrúria nos braços de outro amante.
– 63
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 64
Boêmio, conheceu a vida devas- personalidade, que o faz retratar-se, Mas, quando ferrugenta enxada idosa
sa. Em 1797 foi preso e processado gritar o seu remorso e o horror do Sepulcro me cavar em ermo outeiro 6,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
pelas ideias anticatólicas e antimo- aniquilamento na morte. Esta última
narquistas. Depois de meses de pri- é uma ideia que constantemente o “Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
são, conseguiu sua transferência persegue. Revolta-se ainda contra a Passou vida folgada e milagrosa;
para o Mosteiro de São Bento. humilhação da dependência e Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
Dizem os biógrafos que de lá ele contra o despotismo em nome da Vocabulário e Notas
saiu arrependido e transformado. Razão. Cultiva o fúnebre e o noturno, 1 – Verbi-gratia: por exemplo.
O certo é que Bocage, ao ser exprime clamores de ciúme, de 2 – Engrolar: enrolar, recitar de qualquer jeito.
libertado, passou a viver de tradu- 3 – Sub-venites: salmos.
blasfêmia ou contrição. É o
ções, sustentando a si e a sua irmã. 4 – Gatarrão: gato.
pessimismo e o fata lis mo que 5 – Gente de malta: gente de má fama, ralé.
Em vida, o poeta publicou Idílios invadem a poesia bocagiana. 6 – Outeiro: colina, monte.
Marítimos, recitados na Academia Percebe-se que o Bocage dessa
das Belas-Artes (1791) e as Rimas fase é pré-romântico: procura expres- Textos como esse foram utilizados
(três volumes: 1791, 1799 e 1804). sões novas para transmitir suas con- para fundamentar a prisão do poeta.
fissões, o arrependimento, a tensão
❑ A lírica de Bocage
dramática, o sofrimento moral. Para
Como lírico, é da maior impor- TEXTOS
ser inteiramente romântico, falta li-
tância. Cultivou a lírica elegíaca, a
bertar-se por completo de sua
bucólica e a amorosa, exprimindo-se
formação neoclássica. Isso talvez Meu ser evaporei na lida insana
em odes, elegias, canções, epístolas,
sonetos etc. É especialmente no tenha diminuído a temperatura dra- Do tropel de paixões que me arrastava;
mática de sua poesia. De qualquer Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
soneto que ele evidencia seu alto Em mim quase imortal a essência humana.
talento lírico, sendo invariavelmente forma, é um dos maiores poetas da
considerado um dos três maiores língua por tuguesa, tornando-se a De que inúmeros sóis a mente ufana
sonetistas da língua, ao lado de sua obra o grande elo entre o melhor Existência falaz me não dourava!
Camões e Antero de Quental. da poesia clássica, a de Camões, e a Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal que a vida em sua origem dana.
que vingaria no Romantismo, carac-
❑ Evolução da lírica terizada pelo signo da revolta e da Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
bocagiana: o conflito mais profunda insatisfação. Esta alma, que sedenta em si não coube,
razão versus sentimento Sintetizando as antecipações ro- No abismo vos sumiu dos desenganos.
Pode-se dividir em duas fases a mânticas de Bocage, vale enfatizar
poesia lírica de Bocage: • a imposição do eu: o subjeti- Deus, ó Deus!… Quando a morte à luz me
[roube,
vismo; Ganhe um momento o que perderam anos,
Primeira fase: • a presença da morte, da poe- Saiba morrer o que viver não soube.
a lírica arcádica sia noturna e fúnebre: o locus
É marcada pela maior presença horrendus substitui o locus amoenus ***
de regras e convenções trazidas pelo da primeira fase;
Arcadismo. O poeta adota uma atitu- • o pessimismo, o fatalismo e a Incultas produções da mocidade
de de artificialismo poético, cercan- Exponho a vossos olhos, ó leitores:
poesia confessional.
do-se de imagens mitológicas e clás- Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:
sicas, para as quais transpõe os
❑ A poesia satírica de Bocage
seus infortúnios (fingimento poético). Ponderai da Fortuna a variedade
Ainda que considerada inferior à
Bocage procura sujeitar-se ao racio- Nos meus suspiros, lágrimas e amores:
lírica, a sátira de Bocage, vítima de
nalismo clássico, mas o seu tempe- Notai dos males seus a imensidade,
ramento e sensibilidade impelem-no severa repressão, foi o aspecto que A curta duração dos seus favores:
a uma expressão mais emotiva e pes- mais se popularizou, gerando um ane-
dotário fescenino que a imaginação E, se entre versos mil de sentimento
soal. Começa a impor-se o eu tumul- Encontrardes alguns cuja aparência
tuoso do artista contra a impes- do povo veio ampliando com o tempo.
Indique festival contentamento,
soalidade e o fingimento da poesia
Lá quando em mim perder a humanidade
árcade. Mais um daqueles que não fazem falta,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Verbi-gratia1 — o teólogo, o peralta,
Cantados pela voz da Dependência.
Segunda fase: Algum duque, ou marquês, ou conde, ou
a lírica pré-romântica [frade; ***
O que melhor o distingue nessa
Não quero funeral comunidade, Marília, se em teus olhos atentara1,
nova fase é a matéria psicológica Que engrole2 sub-venites3 em voz alta; Do estelífero2 sólio3 reluzente,
que traz pela primeira vez à poesia Pingados gatarrões 4, gente de malta 5, Ao vil mundo outra vez o onipotente,
portuguesa: o sentimento agudo da Eu também vos dispenso a caridade; O fulminante Júpiter baixara 4.
64 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 65
Se o deus que assanha as Fúrias te avistara, E se a força igualasse o pensamento, 2 – Estelífero: estrelado.
As mãos de neve, o colo transparente, Ó alma de minh’alma, eu te of’recera 3 – Sólio: trono; sólio estelífero: céu.
Suspirando por ti, do caos ardente Com ela a Terra, o Mar e o Firmamento. 4 – Baixara: baixaria; ver também as formas
Surgira à luz do dia e te roubara. verbais nos versos 8, 11 e 13.
Vocabulário e Notas 5 – Dafne: ninfa da mitologia grega que, para
Se a ver-te de mais perto o Sol descera, 1 – Atentara: atentasse; ver também as formas esquivar-se do assédio de Apolo, acaba
No áureo carro veloz dando-te assento, verbais nos versos 5 e 9. sendo transformada em loureiro.
Até da esquiva Dafne5 se esquecera.
– 65
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 66
– 67
C1_TEO_Conv_Port_MEI 20/10/10 08:04 Página 68
– 71
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 72
Reconhecem-se três gerações, marcadas por certa unidade temática e formal nem sempre rígida. A atitude de
uma geração projeta-se nas demais. A seguir, há um quadro-resumo da poesia romântica no Brasil.
Liberdade, temas sociais (Guerra do Paraguai, Abolição, Castro Alves e Tobias Barreto.
Terceira: República). Poesia enfática e declamatória (poesia de comí- Sousândrade (que radicalizou as inova-
Condoreira ou cio). Uso de metáforas ousadas, baseadas em aspectos gran- ções linguísticas e desvios criativos) constitui
da poesia social, diosos da natureza (oceano, amplidão, infinito, céu, universo). caso à parte, pela originalidade e
Hugoana, ou da Águias, condores e albatrozes são utilizados como imagens da modernidade; contemporâneo da Segunda
Escola de Recife. liberdade. Emprego de antíteses, hipérboles e apóstrofes Geração, sua poesia refoge aos parâmetros
violentas, além de interjeições, exclamações, reticências etc. brasileiros.
1. A PRIMEIRA GERAÇÃO do Romantismo. O livro vale mais pe- • equilíbrio, senso de medi-
(Indianista ou Nacionalista) lo Prólogo (primeiro manifesto da da, virtuosismo e erudição, con-
poesia romântica), que pelos poemas, sequências da sólida formação
Compreende dois grupos: o escritos em Paris. Foi apelidado de neo- clássica, que não abandonou
fluminense, em torno das revistas “romântico arrependido”.
de todo;
Niterói, Minerva Brasiliense e Guana- Tentou a poesia épica indianista,
• presença de modelos portu-
bara (Gonçalves de Magalhães, com A Confederação dos Tamoios,
obra duramente criticada pelo então gueses (Garrett, Alexandre Hercu-
conde Araújo Porto-Alegre, Joaquim
iniciante José de Alencar, provocando lano), que se harmonizam com a es-
Norberto) e o maranhense (Sotero
polêmica que teve larga repercussão. pontaneidade e sabor nacional;
dos Reis, Odorico Mendes). O caçula
Colaborou com Martins Pena e • expressividade do ritmo,
da Primeira Geração, Gonçalves
João Caetano na criação do ponto forte de Gonçalves Dias, que se
Dias, pertenceu aos dois grupos e
teatro nacional, tendo escrito os utiliza de todos os metros poéticos
foi, destacadamente, o melhor poeta
dramas Olgiato e Antônio José ou O com insuperável propriedade.
de sua geração.
Não obstante defenderem a esté- Poeta e a Inquisição.
Obras
tica romântica, esses poetas apre- ❑ Gonçalves Dias
• Primeiros Cantos (1846).
sentaram fortes resíduos do Neo- - (Maranhão, 1823-1864)
classicismo. Primam pelo comedi- Consolida a poesia romântica Consta de três partes:
mento, pela sobriedade e, amparados com Primeiros Cantos (a “Canção do Poesias Americanas (a mais im-
pelo imperador, esforçaram-se por Exílio” é o poema que abre o livro). portante, pelo tratamento dado ao
não aborrecer Sua Majestade, nem a Sua poesia marca-se pelas se- índio e à natureza); Poesias Diversas
pacata sociedade de então. guintes características: e Hinos (impregnados de panteísmo
• riqueza temática, abran- — sentimento entre filosófico e religio-
gendo a poesia indianista, o li- so de ver em tudo (natureza, mares,
❑ Gonçalves de Magalhães
rismo amoroso, poesia da na- montanhas, vales, florestas, auroras)
(Rio, 1811 – Roma, 1882) tureza, saudosismo, poesia
Introdutor do Romantismo, com uma projeção de Deus).
religiosa, poesia erudita (escrita
seus Suspiros Poéticos e Saudades • Segundos Cantos e Sextilhas
em português arcaico, medieval) e
(1836), foi poeta medíocre, ainda que poesia egótica, antecipando o de Frei Antão. Obra erudita, escrita
teorizasse com lucidez as propostas mal-do-século; em português arcaico, à maneira dos
72 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 73
trovadores medievais, e que Gonçalves medieval (a ação se passa em 1512), Não permita Deus que eu morra,
Dias denominava ensaio filológico. escrito em prosa. D. Jaime, Duque Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
• Os Timbiras. Poema épico in- de Bragança, suspeita da relação de
Que não encontro por cá;
dianista, do qual temos apenas os sua esposa, Leonor, com o jovem Al- Sem qu’inda aviste as palmeiras,
quatro cantos iniciais. Os doze coforado. Ambos são punidos injus- Onde canta o Sabiá.
restantes perderam-se no naufrágio tamente.
em que morreu o poeta. O plano do Gonçalves Dias deixou outros
dramas, além de traduções, estudos TEXTO II
poema era ambicioso:
etnográficos, geográficos, literários,
cartas e um dicionário de tupi. I-JUCA-PIRAMA
“(…) imaginei um poema… como nunca
(fragmento: canto X)
ouviste falar de outro: magotes de tigres, de
coatis, de cascavéis; imaginei mangueiras e
jabuticabais copados, jequitibás e ipês arro-
Antologia de Gonçalves Dias Um velho Timbira, coberto de glória,
gantes, sapucaieiras e jambeiros, de palmeiras Guardou a memória
nem falemos; guerreiros diabólicos, mulheres Do moço guerreiro, do velho Tupi!
feiticeiras, sapos e jacarés sem conta; enfim,
TEXTO I E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
um gênese americano, uma Ilíada Brasileira. Do que ele contava,
Passa-se a ação no Maranhão e vai terminar no CANÇÃO DO EXÍLIO Dizia prudente: — “Meninos, eu vi!”
Amazonas com a dispersão dos Timbiras;
guerras entre eles e depois com os portu- Minha terra tem palmeiras, “Eu vi o brioso no largo terreiro
gueses.” Onde canta o Sabiá; Cantar prisioneiro
As aves que aqui gorjeiam Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Não gorjeiam como lá. Valente, como era, chorou sem ter pejo;
• Últimos Cantos, em que se Parece que o vejo,
inclui a obra-prima do indianismo Nosso céu tem mais estrelas, Que o tenho nest’hora diante de mi.”
romântico, “I-Juca-Pirama”. Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida, “Eu disse comigo: ‘Que infâmia d’escravo!’
• Cantos, que reúne os livros an- Nossa vida mais amores. Pois não, era um bravo;
teriores, mais os Novos Cantos. Aí se
Valente e brioso, como ele, não vi!
inclui “Ainda uma Vez, Adeus”, poema Em cismar, sozinho, à noite, E à fé que vos digo: parece-me encanto
lírico-amoroso, de fundo autobio- Mais prazer encontro eu lá; Que quem chorou tanto,
Minha terra tem palmeiras,
gráfico, tematizando o insucesso amo- Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
Onde canta o Sabiá.
roso. Nessa vertente, mais intimista, há
ainda, em outros livros, poemas famo- Minha terra tem primores, Assim o Timbira, coberto de glória,
Que tais não encontro eu cá; Guardava a memória
sos, como “Se se Morre de Amor”,
Em cismar — sozinho, à noite — Do moço guerreiro, do velho Tupi.
“Olhos Verdes”, “Não me Deixes” etc. E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Mais prazer encontro eu lá;
• Leonor de Mendonça é um Minha terra tem palmeiras, Do que ele contava,
drama em três atos, de assunto Onde canta o Sabiá. Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”
pelo naturalismo e pela poesia CÂNTICO DO CALVÁRIO “Meus Oito Anos”, “Amor e Medo”,
religiosa. Foi um poeta de transição “Minha Terra”, “Minha Mãe”, além da
Eras na vida a pomba predileta
no Romantismo. Que sobre um mar de angústias conduzia “Canção do Exílio”, derivação imita-
Os temas roceiros e bucó- O ramo da esperança. — Eras a estrela tiva do poema homônimo de Gonçal-
licos (“Juvenília”, “A Roça”, “A Flor Que entre as névoas do inverno cintilava ves Dias.
do Maracujá”), ao lado da dualidade Apontando o caminho ao pegureiro1.
Eras a messe2 de um dourado estio. MEU LAR OU CANÇÃO DO EXÍLIO
cidade versus campo, natureza versus
Eras o idílio de um amor sublime.
civilização, constituem a parte mais Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
significativa de sua obra, sem esque- O porvir de teu pai! Ah! no entanto, Meu Deus! não seja já!
cer o “Cântico do Calvário”, elegia Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Cantar o sabiá!
dedicada ao filho morto, obrigatória Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
em qualquer antologia romântica. Teto, — caíste! — Crença, já não vives!
Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu
[morro
A ROÇA (...)
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
O balanço da rede, o bom fogo
Vocabulário e Notas Os gozos do meu lar!
Sob um teto de humilde sapé;
A palestra, os lundus, a viola, 1 – Pegureiro: guardador de gado; pastor.
2 – Messe: colheita. (...)
O cigarro, a modinha, o café;
AMOR E MEDO
Um robusto alazão, mais ligeiro ❑ Casimiro de
Do que o vento que vem do sertão,
Negras crinas, olhar de tormenta,
Abreu (1839-1860) Quando eu te fujo e me desvio cauto
Pés que apenas rastejam no chão. Poeta da saudade, do amor ado- Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
lescente, simples, espontâneo, comu- Contigo dizes, suspirando amores:
(...) “— Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”
nicativo; sua poesia, muito popular,
ainda agrada aos que pedem pouco Como te enganas! meu amor é chama
A FLOR DO MARACUJÁ
à poesia. Essencialmente musical, Que se alimenta no voraz segredo,
(...)
Casimiro não tem maior complexida- E se te fujo é que te adoro louco…
Por tudo o que o céu revela! de filosófica e psicológica, e sua obra, És bela — eu moço; tens amor — eu
Por tudo o que a terra dá, acessível a qualquer leitor alfabetiza- [medo!…
Eu te juro que minh’alma do, versa sempre as pulsões eróticas (...)
De tua alma escrava está!…
da adolescência, oscilando entre o
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá! amor e o medo; as saudades da infân- MEUS OITO ANOS
Não se enojem teus ouvidos cia, da família e da pátria. Opera uma
De tantas rimas em – a – Oh! que saudades que tenho
“descida de tom” em relação a Gon-
Mas ouve meus juramentos, Da aurora da minha vida,
çalves Dias e a Álvares de Azevedo. Da minha infância querida
Meus cantos ouve, Sinhá!
Te peço pelos mistérios As Primaveras, reunião de suas Que os anos não trazem mais!
Da flor do maracujá! poesias, incluem os conhecidos (...)
1. A TERCEIRA GERAÇÃO Representa o segmento liberal- E traz, volvendo após das praias cérulas1,
(Condoreira – Poesia Social – progressista da burguesia, que acre- — Um brilhante — o perdão!
A alma fica melhor no descampado…
Hugoana – Escola de Recife) dita no progresso, opondo-se à ten-
O pensamento indômito, arrojado
dência saudosista e regressiva, do- Galopa no sertão,
❑ Castro Alves (1847-1871) minante em nosso Romantismo. Qual nos estepes o corcel fogoso
Os temas que versou com maior Relincha e parte turbulento, estoso2,
Imbuído da concepção de poe- Solta a crina ao tufão.
frequência foram:
ta mediúnico (que escreve em tran- (Espumas Flutuantes, 1870)
• a poesia da natureza, explo-
se, que se acredita instrumento me-
rando o efeito plástico e sugestivo dos Vocabulário e Notas
diador entre as forças superiores, grandes planos (mar, infinito, ocea- 1 – Cérulo: da cor do céu.
Deus, o cosmos e os homens), colo- 2 – Estoso: ardente, febril.
no, vastidão, águias e albatrozes).
cou sua poesia a serviço da reforma … • a poesia erótica, de sen-
da sociedade e das grandes causas Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas sualidade forte e madura, viril, às
Leva a concha dourada… e traz das plagas
de seu tempo (Guerra do Paraguai, vezes galhofeira, conciliando o exer-
Corais em turbilhão,
Abolição, República). A mente leva a prece a Deus — por pérolas cício poético com a prática do amor.
– 75
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 76
76 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 77
especialmente, à abertura que o plexas e significativas, como o romance de Minas e Goiás (O Garimpeiro e
caracteriza, já que é um gênero histórico, o de costumes, o indianista, O Seminarista, de Bernardo Guima-
literário que possibilita inúmeras varia- os de perfis de mulher e o regionalista. rães) e o sertão e o Pantanal de
ções, abrigando a imaginação fértil Em linhas gerais, a ficção român- Mato Grosso (Inocência, do Viscon-
dos românticos e acolhendo os mais tica, apoiada no propósito naciona- de de Taunay).
variados temas e formas. lista de reconhecer e exaltar nossas O regionalismo romântico enfo-
Os primeiros romances editados paisagens e costumes, desdobrou-se cava aspectos exóticos e pitorescos,
no Brasil, ainda na década de 1830, em três direções: oscilando entre a idealização
marcam-se pelo predomínio do as- • O Passado (Alencar e Bernardo Guimarães) e o
pecto folhetinesco. O folhetim, publi- Por meio do romance histórico, realismo fotográfico (Taunay e
cado com periodicidade regular pela buscava-se na História e nas lendas Franklin Távora).
imprensa, equivale às atuais novelas heroicas a afirmação da nacionalida- José de Alencar, nosso primeiro
de televisão e confina com a subli- de. Na Europa, a Idade Média e as ficcionista de largo voo, exemplifica,
teratura. Essa modalidade apoia-se novelas de cavalaria ofereceram a um pelo conjunto de sua obra, quase todos
na complicação sentimental, na peri- Walter Scott (Ivanhoé) e a um Alexan- os tipos do romance romântico.
pécia, na aventura e no mistério; as dre Herculano (Eurico, o Presbítero) Manuel Antônio de Almeida, em Me-
personagens são lineares (herói/ as possibilidades para a reconsti- mórias de um Sargento de Milícias,
heroína x vilão); a narrativa centra-se tuição do clima, dos costumes e das afasta-se das convenções românti-
na tensão bem x mal e desdobra-se instituições da época medieval, per- cas, criando uma obra que destoa do
no sentido da punição do mal (inten- mitindo também largos voos da tom idealizador e heroico dos demais
ção moralizante); a história principal é imaginação e da fantasia. romancistas de sua época, para
enxertada com histórias secundárias O romancista não tem compro- aproximar-se da imparcialidade dos
e personagens ocasionais. Não há missos com a verdade histórica. narradores realistas, ao retratarem as
análise psicológica, embora se bus- Derivado do romance de “capa-e- classes sociais do Rio colonial.
que retratar a crise moral, fazendo espada” e do romance de mistério, o A narrativa era feita na 1.a pessoa
com que a personagem sinta seus romance histórico foi tomado como (subjetividade, emoção, confidência)
crimes e meça seu desespero, sus- substituto da epopeia clássica, mo- ou na 3.a pessoa (objetividade),
pendendo por um instante o fluxo dos delando heróis nacionais, calcados conforme a natureza do assunto. Em
acontecimentos. nos valores coletivos. qualquer caso, projetava sempre os
O folhetim (romance publicado No Brasil, os índios de Alen- sentimentos e a ideologia do autor,
em capítulos, diariamente, nos jornais, car (O Guarani, Iracema e Ubirajara) que impunha ao leitor os seus comen-
semelhante às telenovelas atuais) são transformados em cava- tários e reflexões.
gozou de grande popularidade, leiros medievais, vistos como A linguagem era bastante retó-
distraindo as donzelas casadoiras e símbolos e elementos formadores da rica, apoiando-se em imagens e com-
as vovozinhas. Captava os costumes nacionalidade, substituindo a Idade parações, em adjetivos sonoros e co-
da época, exteriorizando uma visão Média que não tivemos. loridos. As descrições tendiam
superficial da vida: saraus, passeios a • A Cidade ao grandioso e eram enriquecidas
cavalo, namoricos, fofocas, histórias Com o romance urbano e de pela notação da cor, da forma e da
de amor à base do “não-ata-nem- costumes, retrata-se a vida da corte, musicalidade, em correlação com os
desata”, sem mostrar a essência no Rio de Janeiro do século XIX, estados d’alma ou com as situações
alienada desse mundo e sem pene- fotografando-se, com alguma fidelida- dramáticas.
trar nas intenções escusas e nos de, costumes, cenas, ambientes e
desejos inconfessáveis, escondidos tipos humanos da burguesia carioca. 2. TEIXEIRA E SOUSA
sob a máscara risonha das amenida- As personagens caracterizam-se
des e da hipocrisia. por meio de atos, gestos, diálogos, De origem humilde, mulato, car-
Teixeira e Sousa e Joaquim Ma- roupas. Em Macedo (A Moreninha) pinteiro, foi, cronologicamente,
nuel de Macedo foram os iniciadores não há nenhum aprofundamento nosso primeiro romancista, com
do romance folhetinesco, cujo suces- psicológico, mas em Alencar (Diva, O Filho do Pescador, publicado em
so se prolongou até os nossos dias, Lucíola, Senhora) se encontram suti- 1843.
nas radionovelas, fotonovelas e na lezas devidas a um fino entendedor Representa cabalmente o gênero
subliteratura das Sabrinas, Júlias e da sensibilidade feminina. folhetinesco. Deixou obra volumosa e
Bárbaras Cartlands. Mesmo autores • O Regionalismo de qualidade inferior, incursionando
respeitáveis, como Alencar (Cinco Volta-se para o campo, para a pro- também pelo romance histórico e pelo
Minutos, A Viuvinha e A Pata da Ga- víncia e para o sertão, num esforço de mistério.
zela), empenharam seu talento em nacionalista de reconhecer e exaltar a
produzir folhetins, atraídos pelo suces- terra e o homem brasileiro, acentuando 3. JOAQUIM MANUEL
so perante o público e pelo ganha-pão as particularidades de seus costumes DE MACEDO (1820-1882)
seguro do emprego na imprensa. e ambientes. Buscou-se retratar o
Mas nem só de folhetins se ali- Nordeste (O Sertanejo, de Alencar, e Qualitativamente, foi o nosso
mentou a ficção romântica. Houve vá- O Cabeleira, de Franklin Távora), o primeiro romancista, inaugurando
rias outras modalidades mais com- - Sul (O Gaúcho, de Alencar), o sertão o romance urbano com A Moreninha
– 77
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 78
(1844). Foi médico, político, professor, e • o período pré-cabralino (Ubi- do de defesa de um uso brasileiro da
seus romances sentimentais e mo- rajara); língua portuguesa, escreveu Alencar:
ralistas gozaram de grande popula- • os primeiros contatos entre o “Como pode um povo que chupa a
ridade. Escrevia para o gosto do leitor índio e o colonizador nos séculos XVI manga, o abacaxi e o cambucá falar
da época, apoiando-se nas tramas e XVII (Iracema e O Guarani ); como um povo que sorve a uva, a
complicadas, intrigas, mistérios, mal- • a colonização (A Guerra dos pera e a nêspera?”.
entendidos, que acabavam sempre Mascates, As Minas de Prata); Enriqueceu a nossa língua literária
com a vitória do verdadeiro amor • o presente, a vida urbana no de inúmeros brasileirismos, aprovei-
(happy end ) e com a punição do vilão. século XIX, em todos os romances tando vocábulos, expressões e um
Escreveu romances, novelas, tea- urbanos. fraseado tipicamente nacionais, dan-
tro, poesia, crônica, reunidos em mais No plano étnico, o índio e o do à frase um meneio, uma cadência
de 40 volumes. Na ficção, além de A branco alternam-se como heróis, tropical. Suas imagens e metáforas
Moreninha, deixou O Moço Loiro, modelados na honradez e galanteria utilizam com beleza e entusiasmo a
Mulheres de Mantilha (seus livros mais dos cavaleiros medievais: Peri, Poti, fauna e a flora do país.
conhecidos) e outras obras, que repro- Jaguarê, D. Antônio Mariz e seus Além do vigor descritivo e da jus-
duzem sempre os mesmos esquemas cavaleiros, Arnaldo Louredo, Manuel teza com que “pinta” a paisagem
folhetinescos das obras iniciais, sem Caño. Alencar omite a violência de humana e a natureza, apoiado em
qualquer evolução. que o índio foi vítima, indiscrimina- metáforas que ressaltam o colorido,
Sua obra vale como documento dos damente; assim, os brancos honra- fundindo a realidade humana e a
costumes da corte no século XIX, dos, na visão alencariana, irmana- paisagem, Alencar desenvolveu
retratando a vida doméstica e social da ram-se com os índios na construção da um contínuo esforço no sen-
burguesia da época. Há, pois, algum nacionalidade, que o romancista idea- tido analítico e crítico, aprofun-
realismo no registro que acompanha as lizava morena, mestiça, resultado da dando a dimensão psicológica
tramas sentimentais e idealistas. integração da natureza (índio) com a de suas personagens, especial-
A linguagem oscila entre o uso civilização (branco). mente em Lucíola e Senhora. Ten-
coloquial, nos diálogos que são muito O negro aparece como persona- tando compreender as desarmonias e
vivos, e o português academizante gem no teatro, em O Demônio Familiar estranhezas da conduta e desmas-
(por vezes rebuscado), nas digres- e no dramalhão Mãe, cabendo lembrar carar e denunciar certos aspectos
sões e nas descrições. que, fiel à sua posição política profundos da realidade humana e
A trama de A Moreninha centra-se conservadora e à sua origem rural e social, Alencar foi, sem embargo
na fidelidade ao amor infantil, envol- aristocrática, Alencar foi contra a da idealização romântica, um
vendo o par amoroso Augusto e Caro- abolição do regime escravagista. modesto precursor de Machado
lina, a moreninha. Entre patuscadas É sempre com desprezo e irritação de Assis.
dos estudantes de Medicina (Augusto, que Alencar observa os costumes urba-
Leopoldo, Felipe, Fabrício), saraus, nos de seu tempo, bem como a vida ❑ Evolução
partidas de gamão, intrigas, fofocas, da burguesia. A atitude do autor da obra alencariana
situações cômicas ou dramáticas, o diante da vida urbana é sempre • Primeira fase (1856-1864)
casal acaba por concretizar o jura- saudosista, regressiva e res- Alencar iniciou-se publicando crô-
mento de amor que fizera na infância. sentida. Ao condenar a cidade, a saí- nicas na imprensa carioca, mais tar-
da que Alencar entrevê é puramente de reunidas em Ao Correr da Pena
4. JOSÉ DE sentimental: o retorno à natureza, ao (1856). Ganha notoriedade nesse mes-
ALENCAR (1829-1877) índio, ao sertão, aos campos. mo ano, travando áspera polêmica
A intuição nacionalista de Alencar acerca do poema épico pseudo-
❑ Características levou-o a inventar uma imensa saga indianista A Confederação dos Ta-
Consolida o romance nacional, brasileira, fundando, bem ou mal, uma moios, de Gonçalves de Magalhães.
compondo um verdadeiro painel do mitologia mestiça, colossal e telúrica, Já havia publicado A Viuvinha, sem
Brasil que abrange todas as latitudes, uma verdadeira sinfonia americana. nenhuma repercussão, quando, em
todos os períodos históricos e todos Os índios e super-heróis inscre- 1857, publica O Guarani, que lhe traz
os grupos étnicos e regionais. vem-se nesse propósito de criar uma rápida notoriedade. São dessa fase,
No plano do espaço, abrange: literatura nacional com arquétipos, e o entre outros, Lucíola, Diva, As Minas
• o sertão do Nordeste (O Serta- entusiasmo com que Alencar mergu- de Prata e Iracema (1865), além das
nejo); lhou nesse trabalho verdadeiramente peças de teatro.
• o litoral cearense (Iracema); enciclopédico explica os erros de • Segunda fase (1866-1869)
• o pampa gaúcho (O Gaúcho); História e Geografia e os exageros Envolvido na política (deputado,
• a zona rural (Til ); imaginativos, que lhe valeram inúme- ministro da justiça, candidato rejeita-
• a zona da mata fluminense (O ras críticas e zombarias. do a senador), deixou, nessa fase, os
Tronco do Ipê); Ainda o nacionalismo inspirou a escritos políticos intitulados Cartas de
• a cidade, a corte no Rio (Diva, luta que Alencar empreendeu em Erasmo.
Lucíola, Senhora) e demais romances defesa do português falado no • Terceira fase (1870-1875)
urbanos. Brasil, liberto do rigor das gramá- Abandonando a política e o tea-
No plano do tempo, abarca: ticas e dicionários lusitanos. No senti- tro, desgostoso e retraído, entrou em
78 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 79
nova fase criadora, publicando cerca Na realidade, se episódios da colonização frases solenes, e vinha embeber-se no seu
de dez livros (entre outros, O Gaúcho, do Brasil nos albores do século XVII constituem coração, que se abria para recebê-la.
o entrecho da obra, o protagonista é um índio, A água subindo molhou as pontas das
Ubirajara, Senhora e O Sertanejo),
Peri, elevado à categoria de autêntico herói largas folhas da palmeira, e uma gota, resva-
além do romance póstumo Encar- romântico. Logo depois que Filipe ll da Espanha lando pelo leque, foi embeber-se na alva cam-
nação e da autobiografia Como e por ocupa o trono de Portugal, D. Antônio de Mariz, braia das roupas de Cecília.
que Sou Romancista. fidalgo da velha estirpe portuguesa, fiel à sua A menina, por um movimento instintivo de
pátria, prefere instalar-se no interior do Brasil a terror, conchegou-se ao seu amigo; e nesse
❑ Divisão da obra de Alencar servir à Coroa estrangeira. Com sua família e momento supremo, em que a inundação abria a
alguns homens de armas, inicia a formação de fauce enorme para tragá-los, murmurou
a) Romances indianistas (for- uma fazenda à margem do Rio Paquequer, docemente:
mação da nacionalidade; anteceden- afluente do Paraíba. De um acidente resulta a — Meu Deus!... Peri!...
tes aborígines): morte de uma índia de uma tribo aimoré, que Então passou-se sobre esse vasto deserto
– O Guarani passa por isso a hostilizar os brancos de água e céu uma cena estupenda, heroica,
colonizadores. D. Antônio de Mariz conta com a sobre-humana; um espetáculo grandioso, uma
– Iracema amizade de Peri, jovem guerreiro goitacá, de sublime loucura.
– Ubirajara nobres instintos e extrema bravura. O selvagem Peri alucinado suspendeu-se aos cipós
b) Romances históricos (bos- devotava a Cecília, a filha do fidalgo, uma que se entrelaçavam pelos ramos das árvores
quejos históricos e crônicas roman- adoração quase religiosa e por isso estendia já cobertas de água e, com esforço deses-
sua proteção providencial a toda a família. perado, cingindo o tronco da palmeira nos seus
ceadas dos tempos coloniais): Depois de inúmeros acidentes e peripécias, em braços hirtos, abalou-o até as raízes.
– As Minas de Prata que se destaca a ação de Peri, conjurando Três vezes os seus músculos de aço,
– Alfarrábios perigos advindos não só dos indígenas inimi- estorcendo-se, inclinaram a haste robusta; e
– A Guerra dos Mascates gos, mas também do vilão Loredano e seus três vezes o seu corpo vergou, cedendo à
asseclas, dissimulados entre os “aventureiros” retração violenta da árvore, que voltava ao lugar
c) Romances regionalistas
que serviam a D. Antônio, este, esgotadas as que a natureza lhe havia marcado.
(a pátria brasileira; a sociedade rural): possibilidades de resistência, pede a Peri que Luta terrível, espantosa, louca, esvairada;
– O Gaúcho salve Cecília, levando-a para a Corte, enquanto luta da vida contra a matéria; luta do homem
– O Sertanejo faz explodir sua casa, a fim de evitar o trucida- contra a terra; luta da força contra a imobilidade.
mento de todos pelos selvagens. O final do ro- Houve um momento de repouso em que o
– Til
mance, com a palmeira arrastada pelas águas homem, concentrado todo o seu poder,
– O Tronco do Ipê da enchente e abrigando na sua copa os dois estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto
d) Romances urbanos (roman- seres de raças diferentes, é um símbolo feliz da foi terrível; e pareceu que o corpo ia despe-
ces de complicação sentimental, perfis futura população do Brasil. (R. M. Pinto, in Pe- daçar-se nessa distensão horrível.
de mulher e quadros da sociedade): queno Dicionário de Literatura Brasileira, Cultrix.) Ambos, árvore e homem, embalançaram-
se no seio das águas: a haste oscilou; as raízes
– Cinco Minutos desprenderam-se da terra já minada profunda-
– A Viuvinha TEXTO I
mente pela torrente.
– A Pata da Gazela Peri compreendera o gesto da índia; não A cúpula da palmeira, embalançando-se
– Sonhos d’Ouro fez, porém, o menor movimento para segui-la. graciosamente, resvalou pela flor da água
Fitou nela o seu olhar brilhante e sorriu. como um ninho de garças ou alguma ilha flu-
– Encarnação tuante, formada pelas vegetações aquáticas.
Por sua vez a menina também compreen-
– Diva Peri estava de novo sentado junto de sua
deu a expressão daquele sorriso e a resolução
– Lucíola firme e inabalável que se lia na fronte serena do senhora quase inanimada: e, tomando-a nos
– Senhora prisioneiro. braços, disse-lhe com um acento de ventura
Insistiu por algum tempo, mas debalde. suprema:
Peri tinha atirado para longe o arco e as — Tu viverás!...
Antologia de Cecília abriu os olhos e, vendo seu amigo
flechas e, recostando-se ao tronco da árvore,
José de Alencar conservava-se calmo e impassível. junto dela, ouvindo ainda suas palavras, sentiu o
De repente o índio estremeceu. enlevo que deve ser o gozo da vida eterna.
O GUARANI Cecília aparecera no alto da esplanada e — Sim?... murmurou ela; viveremos!... lá
lhe acenara; sua mãozinha alva e delicada no céu, no seio de Deus, junto daqueles que
agitando-se no ar parecia dizer-lhe que espe- amamos!...
Publicado primeiramente em fo-
rasse; Peri julgou mesmo ver no rostinho gentil de O anjo espanejava-se para remontar ao
lhetins no Diário do Rio de Janeiro, em berço.
sua senhora, apesar da distância, brilhar um raio
1857, O Guarani foi o desdobramento de felicidade. — Sobre aquele azul que tu vês, continuou
da polêmica de Alencar com Gon- (O Guarani, cap. II) ela, Deus mora no seu trono, rodeado dos que
çalves de Magalhães sobre a criação o adoram. Nós iremos lá, Peri! Tu viverás com
de uma verdadeira epopeia nacional. TEXTO II tua irmã, sempre...!
O livro procura ser a resposta de Alen- Ela embebeu os olhos nos olhos do seu
Epílogo amigo, e lânguida reclinou a loura fronte.
car ao problema que tanto preocupou O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.
os escritores que estabeleceram o (...) Fez-se no semblante da virgem um ninho
Romantismo entre nós. Alencar afasta- Peri tinha falado com o tom inspirado que de castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios
se da épica tradicional: não escreve dão as crenças profundas; com o entusiasmo abriram como as asas purpúreas de um beijo
em verso, como Magalhães, mas em das almas ricas de poesia e sentimento. soltando o voo.
Cecília o ouvia sorrindo e bebia uma a A palmeira arrastada pela torrente impe-
prosa, e sua narrativa filia-se ao uma as suas palavras, como se fossem as tuosa fugia...
gênero mais em voga naquela época: partículas do ar que respirava; parecia-lhe que E sumiu-se no horizonte.
o romance — no subgênero romance a alma de seu amigo, essa alma nobre e bela, (O Guarani )
histórico de aventuras. se desprendia do seu corpo em cada uma das
– 79
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 80
O linguista russo Roman Jakobson, baseando-se III) Função fática – centrada no canal da comuni-
nos seis elementos da comunicação, elaborou este cação – é aquela que tem por objetivo estabelecer
quadro das funções da linguagem. Segundo ele, cada o contato com o receptor (“Olá, como vai?”), testar
função é centrada em um dos seis elementos que o funcionamento do canal (“Alô, está me ouvindo?”)
compõem o circuito da comunicação. O reconheci- ou prolongar o contato, na falta de outro conteúdo a
mento e a adequada utilização das funções são comunicar (“Pois é”, “É fogo”, “É” etc.):
fundamentais tanto na produção quanto no entendi-
mento de qualquer tipo de texto.
SINAL FECHADO
I) Função referencial – centrada no contexto (a — Olá, como vai?
referência ou o referente da mensagem) – é aquela — Eu vou indo, e você? Tudo bem?
que remete à realidade exterior; sua finalidade é (Paulinho da Viola e Chico Buarque)
informar o receptor. É usada principalmente em
textos de caráter objetivo e teor informativo:
IV)Função conativa ou apelativa – centrada no
Nas 14 edições dos Jogos Pan-Americanos, 34 receptor (tu ou você), a segunda pessoa da comu-
marcas mundiais foram quebradas. Só no Pan de 1967, nicação – é aquela que tem por objetivo influir no
em Winnipeg, foram 14 recordes batidos, dos quais 3
comportamento do receptor, por meio de um apelo
pelo nadador americano Mark Spitz, o maior recordista
ou ordem. Emprega verbos no imperativo e vocati-
mundial em Pan.
vos. É utilizada principalmente em textos propagan-
O atletismo foi a modalidade que rendeu os dois dísticos e outros que visam a convencer o receptor
únicos recordes conquistados por esportistas
a adotar alguma opinião ou comportamento:
brasileiros em Pan-Americanos. Adhemar Ferreira da
Silva foi bicampeão no salto triplo e quebrou o recorde
mundial no Pan de 1955, no México. Vinte anos depois, Não acredites no que teus olhos te dizem, tudo o
também no México e na mesma prova, João Carlos de que eles mostram é limitação.
Oliveira, o João do Pulo, deu à torcida brasileira um
Olha com entendimento, descobre o que já
momento inesquecível. Saltou incríveis 17,89 metros de
sabes e verás como voar...
distância, 45 centímetros a mais que o soviético Victor
Saneyev, até então recordista nessa prova. (Richard Bach)
(Superinteressante, julho/2007) Beba coca-cola.
80 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 81
82 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 83
❑ Locução adjetiva
1. SUBSTANTIVO É a expressão que equivale a um adjetivo. É
formada de preposição mais substantivo.
É o nome com que designamos seres em geral –
pessoas, animais, coisas, vegetais, lugares etc. Exemplos
Divide-se em:
Concreto: mar, sol, Deus, alma, fada. amor de pai (paterno)
Abstrato: beleza, amor, frio, viagem, saída. presente de rei (real)
Próprio: Roma, Guimarães Rosa, Deus. azul do céu (celeste)
Comum: gato, homem, casa.
Simples: cachorro, chuva, menino.
Composto: guarda-roupa, passatempo, pão-de-ló.
Primitivo: pedra, ferro, dente. 3. ARTIGO
Derivado: pedreira, ferreiro, dentista.
Coletivo: constelação, cáfila, alcateia. É a palavra que se antepõe aos substantivos,
designando seres determinados (o, a, os, as) ou inde-
❑ Locução substantiva terminados (um, uma, uns, umas).
É a expressão que equivale a um substantivo. Divide-se em:
a) Definido: o, a, os, as.
Exemplos b) Indefinido: um, uma, uns, umas.
Fomos ver o pôr-do-sol (= crepúsculo). Exemplos
É a palavra que modifica o substantivo, exprimindo Tanto os artigos definidos como os indefinidos
aparência, modo de ser, qualidade. podem combinar-se com as preposições, subdividindo-
se, então, em dois grupos:
Exemplos
• Sem alteração ⎯→ combinação.
menino gordo. Ex.: ao, aos.
gramática histórica.
• Com alteração ⎯→ contração.
aluno inteligente.
Ex.: do, pelo, coa.
– 83
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 84
Exemplos • Possessivo
Dá ideia de posse (meu, teu, seu, nosso,
“Ao fim e ao cabo, só há verdades velhas vosso, e as variações para o plural e feminino).
caiadas de novo.” (Machado de Assis)
Exemplo
Existe luz no fim do túnel...
“Muita coisa aprendi com meu pai.”
(Vivaldo Coaracy)
4. PRONOME
• Demonstrativo
É a expressão que designa os seres sem lhes dar Dá ideia de posição em relação ao tempo, ao espa-
nomes nem qualidades, indicando-os apenas como ço e ao contexto. Os principais demonstrativos são:
pessoas do discurso. este, esta, isto, esse, essa, isso, aquele,
Classifica-se em: aquela, aquilo, o, a, mesmo, próprio, seme-
lhante, tal e variações.
• Pessoal
Quando representa as pessoas do discurso, que Exemplos
são três: primeira pessoa (que fala), segunda pessoa
Esta caneta com que eu te escrevo ...
(com quem se fala), terceira pessoa (de quem se fala).
Quando funciona como sujeito, é o pronome pessoal
哭
reto: eu, tu, ele ou ela, nós, vós, eles ou elas. Essa caneta com que tu me escreves ...
Exemplo
哭
“Eu faço versos porque o instante resiste...” • Relativo
(LUP) Estabelece uma relação com um termo que se
coloca sempre antes dele (antecedente), introduz uma
Quando o pronome tem qualquer outra função, que oração subordinada adjetiva e é facilmente identificado
não a de sujeito, é pessoal oblíquo (me, mim, comigo, pelas substituições que permite (o qual, a qual, os
te, ti, contigo, se, si, consigo, o, a, lhe, nos, conos- quais, as quais). O pronome relativo mais encontrado é
co, vos, convosco, se, si, consigo, os, as, lhes). o que; no entanto, podem-se relacionar o qual e varia-
ções, onde, quem, cujo e variações.
Exemplo
Exemplos
“Carrego comigo há dezenas de anos ...”
(CDA)
“As pessoas que não questionam não
Exemplos
• Indefinido
Refere-se ao nome de uma maneira vaga, impreci-
Venho, por meio desta, comunicar a Vossa sa, indeterminada (quem, tudo, nada, alguém, nin-
Senhoria que ... guém etc.).
84 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 85
• Interrogativo
É o próprio pronome indefinido numa situação de 4) Relativos
interrogação.
que (= o qual, a qual, os quais, as quais)
Exemplos quem (= o qual, a qual, os quais, as quais)
onde (= no qual, nos quais, na qual, nas quais)
Quem chegou? cujo(s), cuja(s) etc
Quantos vieram?
↑ ↑ ↑
= aquele (s) = aquela(s) = aquilo É a palavra que, exprimindo ação ou apresentando
tal, tais etc. estado ou mudança de um estado a outro, pode fazer
indicação de pessoa, número, tempo, modo e voz.
– 85
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 86
❑ Flexão do verbo
7. ADVÉRBIO
• Pessoa e Número
1.a pessoa singular → canto É uma palavra que modifica o verbo, o adjetivo e
2.a pessoa singular → cantas até outro advérbio, acrescentando-lhes uma circunstân-
3.a pessoa singular → canta cia (de tempo, de modo, de intensidade etc.).
Exemplos Exemplos
a) aspecto incoativo (= a ação está no seu É a palavra que, posta entre duas outras, estabele-
início). ce uma subordinação da segunda à primeira.
Começou a chover.
Exemplos
b) aspecto durativo ou cursivo (= a ação
está transcorrendo ou durando).
Casa de Paulo.
Continua chovendo.
Necessito de você.
c) aspecto conclusivo (= a ação está
Creio em você.
concluída ou terminada).
Parou de chover. Útil a todos.
86 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 87
“Ando à procura de espaço ...” Por mais que ele explicasse, eu não
(CM) entendia nada.
– 87
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 88
Prioridade, relevância
{ em primeiro lugar, antes de mais nada, primeiramente, acima de tudo, preci-
puamente, principalmente, primordialmente, sobretudo.
{
então, enfim, logo, logo depois, imediatamente, logo após, a princípio, pouco
Tempo (frequência, antes, pouco depois, anteriormente, posteriormente, em seguida, afinal, por fim,
duração, ordem, finalmente, agora, atualmente, hoje, frequentemente, constantemente, às vezes,
sucessão, eventualmente, por vezes, ocasionalmente, sempre, raramente, não raro, ao
anterioridade, mesmo tempo, simultaneamente, nesse ínterim, nesse meio tempo, enquanto,
posterioridade) quando, antes que, depois que, logo que, sempre que, assim que, desde que,
todas as vezes que, cada vez que, apenas, já, mal.
Condição, hipótese { se, caso, salvo se, contanto que, desde que, a menos que etc.
Adição, continuação
{ além disso, (a)demais, outrossim, ainda mais, ainda por cima, por outro lado,
também e as conjunções aditivas (e, nem, não só ... mas também etc.).
Dúvida
{ talvez, provavelmente, possivelmente, quiçá, quem sabe, é provável, não é certo,
se é que.
Certeza, ênfase
{ decerto, por certo, certamente, indubitavelmente, inquestionavelmente, sem dúvi-
da, inegavelmente, com toda a certeza.
Surpresa, imprevisto
{ inesperadamente, inopinadamente, de súbito, imprevistamente, surpreendente-
mente, subitamente, de repente.
Ilustração,
esclarecimento { por exemplo, isto é, quer dizer, em outras palavras, ou por outra, a saber.
Propósito, intenção,
finalidade { com o fim de, a fim de, com o propósito de, para que, a fim de que.
Lugar, proximidade,
distância { perto de, próximo a ou de, junto a ou de, dentro, fora, mais adiante, aqui, além,
acolá, lá, ali, algumas preposições e os pronomes demonstrativos.
Resumo, recapitulação,
conclusão { em suma, em síntese, em conclusão, enfim, em resumo, portanto, assim, dessa
forma, dessa maneira, logo, pois.
{
por consequência, por conseguinte, como resultado, por isso, por causa de, em
Causa e consequência, virtude de, assim, de fato, com efeito, tão… que, tanto… que, tal… que,
explicação tamanho… que, porque, porquanto, pois, que, já que, uma vez que, visto que,
como (= porque), portanto, logo, pois (posposto ao verbo), que (= porque).
88 –
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 89
Contraste, oposição,
restrição, ressalva { pelo contrário, em contraste com, salvo, exceto, menos, mas, contudo, todavia,
entretanto, embora, apesar de, ainda que, mesmo que, posto que, conquanto, se
bem que, por mais que, por menos que, no entanto, não obstante.
Alternativas { ou ... ou, ora ... ora, quer ... quer, seja ... seja, já ... já, nem ... nem.
Proporcionalidade { à proporção que, à medida que, ao passo que, quanto mais, quanto menos.
Segundo Celso Cunha, certas palavras têm classificação à parte, por isso convém “dizer apenas palavra ou
locução denotativa” de
a) inclusão: até, inclusive, mesmo, também etc.
b) exclusão: apenas, exceto, salvo, senão, só, somente etc.
c) designação: eis
d) realce: cá, lá, é que, só etc.
e) retificação: aliás, ou antes, isto é, ou melhor etc.
f) situação: afinal, agora, então, mas etc.
Viver é perigoso porque – como ensina o filósofo Nietzsche – a vida nos é dada,
mas não nos é dada feita. Temos nós mesmos de fazer nossa vida, a cada passo, a
cada instante, escolhendo sempre a atitude, a ideia, a ação, a palavra adequada a
cada situação, sob risco de perdição. O perigo mora dentro da vida, é intrínseco a
ela, não sobrevém de fora, como parece.
Viver é perigoso, mas navegar é preciso.
– 89
C1_TEO_Conv_Port_MEI 19/10/10 10:45 Página 90
Alguns autores, em vez de me- Exemplos Corra, não pare, não pense
tonímia, classificam como sinédo- A cidade inteira viu assom- demais, repare essas velas no cais...
que quando se têm a parte pelo brada, de queixo caído, o pistoleiro (a parte pelo todo)
todo e o singular pelo plural. sumir de ladrão, fugindo nos cascos (Geraldo Azevedo/Alceu Valença)
de seu cavalo. (singular pelo plural)
(José Cândido de Carvalho)
Dentro de nós os mistérios do espaço Hemorragia de sangue. Aquela mina de ouro, ela não ia deixar
[sem fim! Repetir de novo. que outras espertas botassem as mãos.
(Toquinho/Mutinho) (José Lins do Rego)
5. ELIPSE
2. ASSÍNDETO Consiste na supressão de uma ou 9. HIPÁLAGE
Ocorre quando orações ou palavras mais palavras facilmente subentendidas Ocorre hipálage quando há inversão
que deveriam vir ligadas por conjunções na frase. Geralmente essas palavras são da posição do adjetivo (uma qualidade
coordenativas aparecem separadas por pronomes, conjunções, preposições e que pertence a um objeto é atribuída a
vírgulas. verbos. outro, na mesma frase).
Exemplo Exemplos Exemplos
Não nos movemos, as mãos é que se es- Compareci ao Congresso. (eu) ...em cada olho um grito castanho de
tenderam pouco a pouco, todas quatro, Espero venhas logo. (eu, que, tu) ódio. (Dalton Trevisan)
pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Ele dormiu duas horas. (durante) (...em cada olho castanho um grito de
(Machado de Assis) ódio)
No mar, tanta tormenta e tanto dano.
3. POLISSÍNDETO (verbo Haver) ...as lojas loquazes dos barbeiros. (Eça
Consiste na repetição intencional de (Camões) de Queirós)
uma conjunção coordenativa mais vezes 6. ZEUGMA (...as lojas dos barbeiros loquazes)
do que exige a norma gramatical. Consiste na omissão de palavras já
Exemplo expressas anteriormente. 10. SILEPSE
Há dois dias meu telefone não fala, nem Exemplos q Silepse de gênero
ouve, nem toca, nem tuge, nem muge. Foi saqueada a vila, e assassinados os Não há concordância de gênero do
(Rubem Braga) partidários dos Filipes. (Camilo Castelo adjetivo ou pronome com a pessoa a que
Branco) se refere.
4. PLEONASMO Exemplos
Rubião fez um gesto, Palha outro: mas Pois aquela criancinha, longe de ser
Consiste na repetição de uma ideia já
quão diferentes. (Machado de Assis) um estranho... (Rachel de Queiroz)
sugerida ou de um termo já expresso.
7. HIPÉRBATO OU INVERSÃO V. Ex.a parece magoado... (Carlos
q Pleonasmo literário Consiste na alteração da ordem direta Drummond de Andrade)
É um recurso estilístico que enriquece dos elementos na frase. q Silepse de pessoa
a expressão, dando ênfase à mensagem. Exemplos
Exemplos Não há concordância da pessoa
Passeiam, à tarde, as belas na avenida. verbal com o sujeito da oração.
Não os venci. Venceram-me eles a mim. (Carlos Drummond de Andrade)
(Rui Barbosa) Exemplos
Paciência tenho eu tido... (Antônio Nobre) Os dois ora estais reunidos... (Carlos
Morrerás morte vil na mão de um forte. Drummond de Andrade)
(Gonçalves Dias) 8. ANACOLUTO Na noite do dia seguinte, estávamos
Interrupção do plano sintático com que reunidos algumas pessoas. (Machado
q Pleonasmo vicioso se inicia a frase, alterando-lhe a sequência de Assis)
Frequente na linguagem informal, do processo lógico. A construção do
cotidiana, considerado vício de linguagem. período deixa um ou mais termos q Silepse de número
Deve ser evitado. desprendidos dos demais e sem função Não há concordância do número
Exemplos sintática definida. verbal com o sujeito da oração.
Ouvir com os ouvidos. Exemplos Exemplo
Rolar escadas abaixo. E o desgraçado, tremiam-lhe as pernas. Corria gente de todos os lados, e grita-
Colaborar juntos. (Manuel Bandeira) vam. (Mário Barreto)