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Luís Vaz de Camões

Pouco se sabe, com segurança, sobre


a vida deste grande poeta, em que a
lenda preenche as lacunas deixadas
pelo tempo.
Nascido provavelmente em Lisboa,
por volta de 1524, pertencia a uma
família da pequena nobreza, de origem
galega. Pelos conhecimentos demons-
trados em suas obras, é possível que na
juventude freqüentasse a Corte e al-
gum curso escolar. Viveu algum tem-
po em Coimbra, onde deve ter fre-
qüentado aulas de Humanidades no
Mosteiro de Santa Cruz, devido à pre- Em 1567, em Moçambique, foi preso
sença de um tio padre. Regressou a por dívidas. Obteve a liberdade, vi-
Lisboa, levando aí uma vida de boe- vendo miseravelmente até que, com a
mia, de amores. Talvez por causa de ajuda de Diogo do Couto, retornou a
seu temperamento apaixonado, afas- Portugal.
tou-se do convívio palaciano, dirigin- Chegou à pátria em 1569, pobre e
do-se para Ceuta, como soldado, em doente. Em 1572, conseguiu publicar
1549. Perdeu um olho em combate, Os Lusíadas, graças à influência de
regressando a Lisboa. Em 1553, viajou alguns amigos junto ao rei D. Sebasti-
para as Índias, depois de ter sido preso ão, passando a receber uma tença
pelo envolvimento em uma briga: feriu (pensão) de 15 000 réis anuais. Fale-
Gonçalo Borges, servidor do Paço, e ceu, pobre e abandonado, em Lisboa
escapou da prisão com a promessa de no dia 10 de Junho de 1580.
se engajar no corpo de tropa sediado
no Oriente. Em 1556, deu baixa, as- É considerado o maior poeta portu-
sumiu o cargo de “provedor dos bens guês. Obras: Os Lusíadas (1572), Ri-
de defuntos e ausentes” em Macau, mas (1595), El-Rei Seleuco (1587),
onde deve ter escrito grande parte da Auto de Filodemo (1587) e Anfitriões
sua obra. Acusado de prevaricar, diri- (1587).
giu-se a Goa com intuito de defender-
se. Na viagem, por fins de 1558 ou
princípios de 1559, naufragou na foz
do rio Mecom, episódio em que, A se-LÍRICA CAMONIANA
gundo a lenda, salvou o manuscrito d'
Os Lusíadas, mas perdeu Dinamene,
uma moça chinesa que trazia como
companheira.
Influência da poesia tradicional
- o amor como tímida reverência, caracterizado pela discrição em face da amada, emudecimento perante
sua formosura e pela vassalagem, prometendo servi-la ainda além da morte;
- cantigas de amigo, presentes através do tema das confidências com as amigas sobre a ausência do
amado;
- o mar;
- o humorismo, expresso através do processo de “distrair da vida nesta transformação da dor em poe-
ma”; o conceito adivinha-deciframento dos equívocos e trocadilhos de palavras e símbolos; “às vezes
em seus brinquedos líricos põe sob os audaciosos e risonhos metaforismo as verdades que é costume
dizer com gravidade”. O “humor” em Camões é a meia libertação da dor pelo sorriso. (Hernani Cida-
de);
- a medida velha.

Influência da cultura e da poesia clássica


- presença da mitologia; mistura do maravilhoso pagão com o maravilhoso cristão.

- de Ovídio (Metamorfose): semelhante a este poeta, Camões metamorfoseia o amor do plano pessoal
para o mitológico; a sensualidade ovidiana manifesta-se em Camões de forma mais picante e viva;

- de Virgílio:
a) naturalismo bucólico, sentindo a natureza de forma viva e suave, o que recorda as albas das cantigas
de amigo;
b) a expressão da mágoa pela morte de pessoa amada;
c) idealização da vida campestre focalizando quadros de vida pastoril (os pastores têm no amor o princi-
pal motivo da vida interior);
d) o amor pelas coisas simples; o desprezo de luxos e voluptuosidades que não se obtêm sem perigos. A
calma felicidade do lavrador traduz um ideal de vida em Camões e Virgílio.

- de Horácio:
a) aurea mediocritas: idealização da vida campestre através do amor à vida mediana, de horizontes fe-
chados mas harmoniosos, sem ambições e lutas;
b) carpe diem: chorar o dia que passa, a fugacidade do tempo, gozar o momento;
c) fugere urbem: fugir da cidade para o campo, como ideal de vida simples.

-de Petrarca:
a) o amor é um atrevimento, um pensamento levantado;
b) expressão das paradoxais contradições do coração enamorado;
c) a amada é mais divina que humana: lábios de rubis, testa de marfim, dentes de pérola, pele de neve,
colo de marfim – para o retrato da amada e seu ambiente só podiam servir os elementos mais nobres e
puros;
d) renúncia à própria personalidade, substituída pela do objeto amado, pois e norma platônica transfor-
mar-se o amador na coisa amada (Platão via Petrarca).
e) concepção de uma natureza antropopática: a amada de Camões como Laura faz “florescer a verdura
que andando com os divinos pés tocava”;
f) a natureza está intimamente associada às emoções da alma enamorada, quase sempre evocada em seus
aspectos amáveis nos momentos de tristeza. Em Camões encontramos um sentimento de natureza em
que se conjugam as ledas e serenas madrugadas com as tempestades trágicas, os abismos e as terríficas
visões;
g) angústia ante a fugacidade do tempo, da vida e da beleza, dilacerado entre o efêmero e o eterno.

Camões Renascentista
Camões aproxima-se da mundivivência renascentista através: do idealismo neo-platônico; da fideli-
dade ao amor humano e à vida em carne e osso (antropocentrismo); da exaltação entusiástica do maravi-
lhoso geográfico ou cosmográfico; da influência clássica.

Camões Maneirista
Os temas preferenciais do maneirismo são: o engano e o desengano da vida; a transitoriedade das
coisas humanas, o gosto pelos contrastes, pelo surpreendente.
(PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literária).

Camões, melhor do que ninguém, registra o espanto diante do desconcerto do mundo, onde o bem e
a glória estão sempre ausentes. O desajuste entre o eu e o mundo é imenso, não havendo correspondência
entre o desejo e sua realização, entre o mérito pessoal e o que lhe reserva sua sorte – o destino é confuso e
irracional. A este tema conjuga-se o da consciência das transformações operadas pelo tempo, mostrando a
mudança e o relativismo, o emprego de antíteses e paradoxos.

Bibliografia recomendada:

AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Camões: labirintos e fascínios. Lisboa: Cotovia, 1994.
BERARDINELLI, Cleonice. Estudos camonianos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Cátedra Pe. António
Vieira, Instituto Camões, 2000. Disponível em: http://www.letras.puc-
rio.br/Catedra/livropub/camoes.html
______. Estudos de Literatura Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985.
CAMÕES, Luís de. Líricas. Sel. Rodrigues Lapa. Lisboa: Livraria Sá da Costa.
CAMÕES, Luís de. Lírica. Sel. Massaud Moisés. 4.ed. São Paulo: Cultrix, 1972.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Ed. organizada por Emanuel Paulo Ramos.Porto: Porto, 1980.
CIDADE, Hernani. Luís de Camões: o lírico. Lisboa: Presença.
CIDADE, Hernani. Luís de Camões–o épico. 3.ed.Lisboa: Presença, 2001.
SARAIVA, Antônio José. Luís de Camões. 2.ed. Lisboa: Publicações Europa-América, 1972.
SENA, Jorge de. A estrutura de "Os Lusíadas" e outros estudos camonianos e de poesia penisular do
século XVI. Lisboa: Ed. 70, l980.
SILVA, Anazildo Vasconcelos. Semiotização literária do discurso.Rio de Janeiro: Elo, 1984.

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